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Dificuldades Na Aprendizagem de Linguas

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DIFICULDADES NA APRENDIZAGEM DE LNGUAS


E MEIOS DE INTERVENO
DIFFICULTIES IN LANGUAGE LEARNING AND WAYS OF INTERVENTION

Milenna Brun
Prof. Titular (DLET/UEFS)
Doutora em Didactologia de Lnguas e Culturas Estrangeiras Paris III
Ps-graduao em Educao
E-mail: milennab@uefs.br
RESUMO Este trabalho examina as manifestaes psquicas que dificultam
a aprendizagem de lngua estrangeira por adultos e anlisa as possibilidades
de interveno eficaz a fim de auxiliar e facilitar o processo de aquisio
lingstica. Tentamos compreender quem so esses aprendizes, suas dificuldades
para aprender uma lngua estrangeira e as relaes que eles mantm com
a lngua e a cultura estrangeiras, com o professor e com a situao
educativa. Refletimos ainda sobre as aes viveis no quadro atual do
ensino de lnguas para adultos tais como a utilizao de estratgias de
aprendizagem e de atividades ldicas. O artigo apresenta um programa
de interveno o projeto de escuta sistemtica que considera os
aspectos subjetivos da aprendizagem.
PALAVRAS-CHAVE: Aprendizagem de lnguas; Afetividade; Dificuldade
de aprendizagem.
ABSTRACT This paper examines the existence of cognitive and affective
manifestations of Brazilian adult students of English as a foreign language
that interfere in their learning process, and analyses effective intervention
possibilities in order to help them and to facilitate this process. It aims
at the comprehension of these learners identities, of the reasons why it
has become so complicated for them to learn English and of their relationships
with language and culture, with the teacher and with the academic environment.
It also offers a reflection about the feasible actions in the present adult
language learning educational context and proposes an intervention
program a systematic listening project , which takes into consideration
the subjective aspects of learning.
Universidade Estadual de Feira de Santana Dep. de Letras
e Artes. Tel./Fax (75) 224-8265 - BR 116 KM 03, Campus - Feira
de Santana/BA CEP 44031-460. E-mail: let@uefs.br

Sitientibus, Feira de Santana, n.29, p.105-117, jul./dez.

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KEY WORDS: Language learning; Affectivity; Intervention; Learning


problems.

INTRODUO
Aprender uma lngua significa muito mais do que dominar
seu vocabulrio e suas estruturas gramaticais: a aquisio de
outros savoirs e savoir-faire diversos e profundos, de valores,
de atitudes e de sentimentos renovados tambm est em jogo.
No estudo das lnguas, encontram-se implicados no somente
a formao de comportamentos lingsticos, mas tambm modificaes
na estrutura mental, adaptaes maneira de pensar e cortes
da realidade refletidos na lngua estrangeira estudada.
O processo de aprendizagem de uma lngua pode,
conseqentemente, representar um contexto de descoberta e
de abertura ao outro, assim como um fator de desenvolvimento
integral dos aprendizes. Entretanto, para certos adultos, este
mesmo processo uma situao extremamente difcil. Apesar
de sua motivao, sua inteligncia e seus esforos considerveis,
que incluem tentativas atravs de diferentes metodologias,
eles no conseguem dominar a lngua de maneira satisfatria
nem desenvolver sua competncia comunicativa na lngua estrangeira
(BOGAARDS, 1988). O que aconteceu durante o percurso do
aprendiz para que a aprendizagem tenha se tornado um fracasso
ou uma fonte de ansiedade? Com as reflexes j realizadas,
como a escola gerencia atualmente esses casos e o que ela
poderia fazer para melhor acompanhar esses aprendizes?
A fim de responder estas questes, visamos, inicialmente,
a compreender quem so esses aprendizes, quais as razes
que fazem com que a aprendizagem de uma lngua estrangeira
seja to complicada para eles, quais so as manifestaes
psquicas que dificultam sua aprendizagem, e quais so as
relaes que eles mantm com a lngua e a cultura estrangeiras,
com o professor e com a situao educativa. Em seguida,
tentaremos desenvolver uma reflexo sobre as possibilidades
de interveno j viveis no ensino de lnguas para adultos e
apresentar uma proposio de interveno que considere os
aspectos subjetivos e afetivos da aprendizagem.

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DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
As manifestaes psquicas s quais nos referimos acima
incomodam principalmente porque elas no so reconhecidas
nem compreendidas pelos principais atores do processo de
ensino e de aprendizagem, professores e alunos; e tambm,
porque mesmo quando existe reconhecimento e compreenso,
elas no so consideradas (POSTIC, 1982; GAONACH, 1987;
BERTRAND, 1993).
De fato, o sistema escolar, de maneira geral, no consegue
praticar o ideal humanista que advoga, e a escola raramente
leva em considerao os valores, os sentimentos, as percepes,
as atitudes e qualquer outra categoria de conduta associada
subjetividade humana. Contudo, esta afetividade continuamente
expressa, por palavras ou por comportamentos, tornando-se
assim inevitvel observar que fatores extralingsticos representam
verdadeiros obstculos para os alunos, e, particularmente,
para os adultos. So esses fatores que, s vezes, deixam os
professores surpresos ao perceber, em alguns alunos, dificuldades
de aprendizagem que no podem ser explicadas nem pela
inadequao do mtodo nem por problemas de motivao ou
ainda de inteligncia (GAYET, 1995).
Os adultos tm problemas especficos de aprendizagem e
o ensino para adultos apresenta condies particulares e relaes
nicas com a lngua e com a cultura estrangeira, com o professor
e com a situao de aprendizagem. A escolha de aprender uma
lngua se faz a partir de necessidades prticas e/ou pessoais,
mas possvel que, uma vez iniciado o processo, o aprendiz
tenha dificuldades especficas em relao ao objeto de estudo
(lngua e cultura) no que diz respeito sua identificao com
aqueles que a utilizam, ou ainda em relao transferncia (no
sentido psicanaltico) com a prpria lngua. Sob uma perspectiva
psquica, o contato entre as lnguas e as culturas faz emergir
as relaes mais ntimas que mantemos com elas. As dificuldades
se apresentam quando novos dados colocam em questo os
princpios, as maneiras de fazer e de ver o mundo, que ns
temos incrustados na nossa maneira de perceber a vida e a arte
de viver; ou seja, quando existe um choque entre as representaes

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existentes e aquelas que so construdas (ou reconstrudas)


a partir da introduo da lngua e da cultura estrangeira na vida
do aprendiz. Alm disso, a aprendizagem institucionalizada
implica em relaes de parceria entre o aprendiz e o professor,
entre o aprendiz e o grupo de aprendizes, e entre o aprendiz
e a instituio (FILLOUX, 1986). Em todas estas relaes
pessoais ricas de desejos, de objetivos, de valores e de crenas,
a dimenso afetiva incontornvel, e se estas relaes no
so mediadas, a sala de aula transforma-se no palco de mecanismos
de defesa, e, conseqentemente, de resistncia. Enfim, o processo
de aprendizagem coloca o sujeito numa situao psicossocial
tal que a necessidade de comunicao verbal se impe a ele.
Na aprendizagem de lnguas, isto se choca em parte com uma
competncia comunicativa nascente e evolutiva, e em parte
com a perda de status comunicativo de certos locutores,
causando manifestaes e dificuldades cognitivas e afetivas,
tais como os conflitos, a ansiedade, as defesas e as resistncias.
Se a escola est associada noo de mudana, a aprendizagem
de lnguas implica, por sua vez, uma mudana obrigatria no
apenas de aprender outra coisa, mas de ser diferente e fazer
e viver diferentemente.
Mesmo se estas manifestaes j foram estudadas por
muitas disciplinas, o ensino de lnguas no pode negligenciar
a dissociao entre os aspectos cognitivos e afetivos na prtica
de curso: o movimento cognitivista teve sucesso ao conseguir
incorporar suas reflexes prtica didtica, o que no acontece
no caso da afetividade. Apesar da ampla reflexo didtica
sobre o tema, a considerao dos aspectos afetivos permanece
um desafio para alguns e uma utopia para a maioria (BIGEAULT,
1998).

ADULTOS EM DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM


Ns analisamos estas manifestaes psquicas atravs de
estudos de caso, que so instrumentos de compreenso capazes
de oferecer uma oportunidade de anlise aprofundada de uma
situao (BRUN, 1998). Foi possvel constatar que os aprendizes
em dificuldade compartilham algumas crenas e suposies
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sobre a aprendizagem de lnguas e sobre sua prpria capacidade


de aprender, e tm algumas caractersticas em comum. Eles
encontram dificuldades especficas para se colocar no lugar de
aprendiz, daquele que no tem o saber e que erra; desenvolvem
justificativas diversas para seu fracasso; no so capazes de
elaborar uma auto-avaliao justa; tm uma relao conflituosa
com as prticas de avaliao; freqentemente tiveram experincias
com a situao de aprendizagem (de lngua ou outra) ou
contatos verdadeiramente traumticos com os anglofones; tm
objetivos no muito claros de aprendizagem da lngua; desenvolveram,
atravs do seu difcil percurso de aprendiz, crenas nocivas
para sua prpria aprendizagem; apresentam srios problemas
de transferncia em relao lngua ou cultura alvo; raramente
completam um curso ou programa de aprendizagem; tm uma
sensao de fracasso, de falha e de lassido associada uma
baixa auto-estima.
Mesmo se na sua prtica atual a escola no considera tais
alunos, ela no , todavia, inapta a faz-lo. Para tal, o trabalho
educacional deveria se basear na necessidade na responsabilidade
da escola de considerar a subjetividade humana no processo
de ensino e de aprendizagem. Mas a complexidade da tarefa
requer a cooperao de vrias disciplinas, que, sozinhas, no
seriam capazes de propor anlises e linhas de ao to interessantes.
por isto que a psicanlise pode nos ajudar a compreender
os aspectos psquicos das manifestaes subjetivas e comportamentais
dos aprendizes em relao s suas dificuldades de aprendizagem,
enquanto sua associao didactologia de lnguas e culturas
estrangeiras nos oferece modelos metodolgicos capazes de
consider-las em um nvel prtico e realista (CIFALI, 1982).

POSSIBILIDADES DE INTERVENO
Uma possibilidade de interveno a utilizao de tcnicas:
(a) tcnicas sociopsicolgicas destinadas a liberar o aprendiz
da opresso ou da angstia que o ensino pode suscitar, e a
criar um clima afetivo favorvel aprendizagem; (b) tcnicas
que tendem individualizar a instruo atravs de uma apresentao
da informao em self service; (c) tcnicas psicossomticas
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que permitem considerar a maneira como aprendemos e reforar


a capacidade de aprendizagem; e, (d) tcnicas ldicas de
aprendizagem individual ou grupal.
No ensino de lnguas, duas tcnicas com um grande potencial
para trabalhar o aspecto relacional da aprendizagem so valorizadas
pela sua eficcia e por sua facilidade de utilizao: o treinamento
em estratgias de aprendizagem e a incorporao de atividades
ldicas (OMALLEY; CHAMOT, 1990; OXFORD, 1990; WENDEN,
1991; McDONOUGH, 1995). Ambas podem ser inseridas de
maneira coerente na abordagem comunicativa ainda em voga.
Elas encontram seu lugar numa filosofia humanista de
educao na qual o aprendiz tem um papel ativo e responsvel
pela sua aprendizagem. As duas tcnicas mencionadas se
aliam aos princpios educativos que se referem (no caso da
primeira) individualizao da aprendizagem e autonomia do
aprendiz; e (no caso da segunda) dinamizao do trabalho
em grupo, considerao da afetividade e ao respeito dos
valores e das crenas dos aprendizes.
O estudo das estratgias de aprendizagem apareceu a
partir do interesse geral de psiclogos, profissionais da rea
de didtica e alunos, de investigar a maneira de aprender a
aprender. Estas estratgias foram definidas como comportamentos
de aprendizagem da lngua realmente utilizados pelos aprendizes
a fim de aprender e regular a aprendizagem. O trabalho sobre
as estratgias de aprendizagem um excelente meio de criar
um espao no qual os aprendizes possam expressar de maneira
sistemtica suas idias e suas prticas de aprendizagem. Este
espao privilegiado e uma atmosfera serena e favorvel ao
ensino parecem essenciais no desarmamento de muitos problemas
de ordem afetiva, que podem entravar a aprendizagem da
lngua. Elas so maneiras interessantes para dar lugar fala
dos aprendizes sobre sua vivncia, sua experincia, suas dvidas,
seus medos e sua ansiedade, assim como sobre seus questionamentos.
Isto significa que atravs do desenvolvimento de uma percepo
metalingstica e metacognitiva, ns podemos tambm promover
uma percepo meta-afetiva, elaborando resistncias e transferncia
(RUBIN; THOMPSON, 1982; CHAMOT; O'MALLEY, 1984; COHEN,
1987).

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Ultimamente a reflexo sobre o jogo se aprofundou: os


jogos didticos tomaram um lugar significativo no ensino de
lnguas graas a seus efeitos socializantes, psicolgicos e
sua eficcia. Em classe de lngua, as atividades ldicas so
utilizadas a fim de adquirir ou de desenvolver os conhecimentos
especficos, assim como para obter um bom clima afetivo durante
o curso. Em uma situao de transio identitria e de uma
grande demanda no plano afetivo, o adulto tem necessidade
de expressar o que sente, com o apoio do grupo. O jogo exige
relaes que promovam a confiana e a liberdade de expresso,
representando uma possibilidade de dar vazo espontaneidade
bloqueada pelas emoes. No jogo, a fora das relaes predomina
sobre a simples abstrao racionalista porque o jogo abandona
as coordenadas da lgica sem destru-las, para recuper-las
enriquecidas de intuio e de sentido. Atravs do jogo, o
aprendiz pode viver momentos de grandes tenses em relao
direta com a vivncia de cada um, no contexto da aprendizagem
de uma lngua estrangeira. Assim, as atividades ldicas so
tcnicas que quando bem gerenciadas, favorecem o aparecimento
da espontaneidade e esto diretamente relacionadas ao aspecto
afetivo da aprendizagem. O prazer suscitado pela utilizao do
jogo instaura uma dimenso afetiva na aprendizagem, representando
uma possibilidade de trabalhos com aprendizes em dificuldade
(BARTHELEMY-RUIZ, 1993).
Toda nova tcnica oferece uma variedade de perspectivas
de aperfeioamento do trabalho e tambm uma expectativa que
ultrapassa suas possibilidades reais. A introduo de uma
tcnica pressupe sempre uma soluo adequada para todos
e em todas as situaes. medida que compreendemos, aceitamos
e utilizamos as tcnicas, respeitando, simultaneamente, uma
filosofia de ensino, uma coerncia metodolgica e aceitando
seus limites e investindo em suas potencialidades, sem ter
expectativas exageradas em relao a seus desempenhos e
resultados, ns temos nossa disposio instrumentos excepcionais
capazes de aperfeioar o ensino.
Essas duas tcnicas, uso de estratgias de aprendizagem
e de atividades ldicas, em particular, do a justa medida ao
desenvolvimento de um processo didtico capaz de responder

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s causas comuns (ns), e s demandas especficas (eu), de


aceitar as marcas de diferenciao e compreender os valores
que motivam as atitudes e os comportamentos. Mas impossvel
perder de vista que nem mesmo as melhores tcnicas podem
assegurar sempre um conjunto harmonioso e produtivo.
importante dedicar tempo e esforos a fim de promover conexes
pertinentes, oportunas e conseqentes. Este objetivo s
atingido atravs do compartilhamento de atitudes, de valores
e de comportamentos. indispensvel reconhecer os aprendizes
como a fonte que concordamos denominar empowerment nas
organizaes, isto a fora vital que inspira, anima, gerencia,
controla e recria o processo de aprendizagem. Os seres humanos,
considerando seu carter de individualidade, de singularidade
e de originalidade, e ao mesmo tempo sua demanda de integrao,
de interao e de sintonia com o outro, vivem com uma necessidade
constante de APRENDER EM RELAO e de TRANSFORMAR.
Esta aprendizagem se desenvolve a partir da biografia de cada
um, que no outra a no ser a sua maneira de Pensar, Sentir
e Agir.
Neste momento da histria humana, o ensino de lnguas
s faz sentido se ele considera as relaes entre os homens
comeando por aquelas existentes entre os principais atores
do processo: aprendizes e professores. So suas relaes que
simbolizam na escola as relaes entre os homens. Se no
processo de aprendizagem de uma lngua no existe aceitao,
tolerncia, respeito e compreenso, no podemos esperar
atingir o ideal de um mundo unido nem pelo menos global. Se
o processo de aprendizagem da lngua no encoraja a descoberta
de si mesmo e das relaes existentes entre seus participantes,
difcil imaginar estas mesmas pessoas descobrindo o outro,
estrangeiro e diferente. Enfim, se a escola no estimula a
responsabilidade e a autonomia dos aprendizes, ela falha na
sua funo de criar sujeitos engajados na construo de um
mundo plural. vital assegurar ao aprendiz a possibilidade de
desenvolver suas potencialidades, auxiliando-o a tornar-se o
sujeito da sua prpria histria, consciente de suas responsabilidades
face sua aprendizagem (ABDALLAH-PRETCEILLE, 1992; PHILLIPSON,
1992).

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ESCUTA SISTEMTICA
Ao pesquisar este tema atravs de uma cooperao interdisciplinar,
da utilizao de vrios nveis de anlise, e da abordagem da
realidade em diferentes planos, pudemos elaborar uma proposio
de interveno especfica, fundada nos conceitos psicanalticos
de transferncia e resistncia, nas tcnicas psicolgicas de
escuta e troca dirigidas, e na reflexo e experincia didtica:
um projeto que trabalha os sintomas visando uma aprendizagem
serena e bem sucedida. O projeto de escuta sistemtica um
programa que tenta sintetizar as preocupaes referentes s
manifestaes psquicas encontradas e a necessidade de intervir
e facilitar o processo de aprendizagem.
A escuta sistemtica um projeto humanista alicerado na
responsabilidade da escola de incluir a dimenso afetiva da
aprendizagem na sua reflexo e na sua prtica. tambm um
projeto ideolgico e filosfico, uma vez que ele se apresenta
como um sistema de idias visando a amplificao da compreenso
da realidade educativa. Seu embasamento terico se encontra
nos fundamentos e nas aplicaes prticas das psicoterapias
breves de orientao psicanaltica e humanista. A interveno
nestes termos consiste na identificao do problema e sua
origem, na escolha das intervenes, no estabelecimento de
um contrato consciente e explcito sobre os objetivos e os
procedimentos, na fixao de uma durao e na confrontao
das resistncias.
Na abordagem comunicativa, a nfase colocada na necessidade
de personalizar o ensino, tornando a aprendizagem significativa
atravs da utilizao de atividades de comunicao contextualizadas.
Contudo, mesmo se a mudana evidente, a aprendizagem
significativa no inclui necessariamente uma dimenso afetiva
que privilegie o fator humano ao nvel de sua individualidade.
A dificuldade de resignificao decorre da falta de sinceridade
entre a teoria e a prtica, entre o desejo, o pensamento e a
ao. A aprendizagem afetiva deve incluir temas tais como os
sentimentos, as experincias, as lembranas, as esperanas,
as aspiraes, os valores, as crenas e as fantasias dos
aprendizes.

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A escuta sistemtica representa um conjunto de escolhas


metodolgicas que podem ser inseridas, com algumas adaptaes,
no programa das escolas interessadas pela autonomia do
aprendiz, o respeito das diferenas individuais, e a considerao
dos aspectos afetivos e cognitivos da aprendizagem. E isto
tanto para o conjunto de alunos quanto para os casos especficos
de alunos em dificuldade de aprendizagem. uma atitude
desenvolvida por todos os participantes do processo de ensino
e de aprendizagem, considerando as dimenses cognitiva e
afetiva da educao.
O projeto de escuta sistemtica implica o estabelecimento
de um contrato didtico entre os parceiros do processo educativo,
na considerao da identidade aprendiz na sua integralidade,
no desenvolvimento da percepo dos aprendizes sobre sua
prpria identidade de aprendiz e suas relaes com a lngua
e a cultura estrangeira, o professor e a situao de aprendizagem.
Ele implica igualmente uma abertura palavra e ao saber dos
aprendizes sobre todas as dimenses de sua aprendizagem.
Conseqentemente, a proposio de uma escuta sistemtica
representa um meio de considerar a transferncia presente na
relao do aprendiz com o ensino e com a lngua alvo, respeitando
a abordagem progressiva caracterstica da situao educativa.
Como o aspecto relacional privilegiado, este programa se
baseia em uma construo livre e adaptada considerando os
limites institucionais e as competncias dos professores, portanto,
ele deve ser concebido para uma situao especfica.
Dois nveis de competncia so fundamentalmente necessrios
ao professor a fim de que possam ajudar os aprendizes atravs
da escuta e da troca sistemticas. As competncias subjetivas
implicam uma atitude de abertura ao outro e ao dinamismo das
relaes humanas; a aceitao do saber do aprendiz sobre ele
mesmo e sobre sua aprendizagem; e enfim, a crena na capacidade
do aprendiz de reconhecer seus problemas e seus sintomas de
aprendizagem, e de construir suas prprias solues. por isto
que a escuta sistemtica uma proposio que reivindica,
antes de tudo, uma mudana de atitude e no tcnicas novas.
As competncias objetivas implicam conhecimentos tericos
especficos sobre as relaes humanas e as relaes do homem

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com o saber e com a aquisio do saber. Elas implicam ainda


uma experincia de escuta, isto , a prpria formao deve
estar inserida em um projeto de escuta sistemtica. O professor
deve ser bem equipado em trs planos: pessoal, terico e
prtico, para poder (1) gerenciar as verbalizaes e descobertas
dos aprendizes assim como as suas; (2) responder s necessidades
que lhe sero apresentadas; (3) se abrir ao novo e ao indito;
(4) acolher e coabitar com a diversidade humana e o dinamismo
criativo de suas relaes.

CONCLUSO
Embora subsista um receio quanto ao perigo de abrir o
espao das aulas para contedos afetivos, devemos admitir
que estes contedos j esto presentes e se manifestam de
vrias formas influenciando (perturbando ou favorecendo)
continuamente a aprendizagem. Um projeto de escuta e de
troca sistemticas apenas um meio de auxiliar professores e
alunos a compreender estes contedos e a elabor-los na
prpria situao escolar, sem necessidade de recorrer a outros
profissionais como, por exemplo, o psiclogo clnico. Ele deixa
escola o cuidado de considerar, ela mesma, as dificuldades
em relao ao processo de ensino e de aprendizagem, algumas
das quais foram geradas pelo seu funcionamento dicotmico.
Os sintomas dos aprendizes em dificuldade de aprendizagem
denunciam de uma doena mais grave da qual sofre a escola:
a hipertrofia da cognio. Esta hipertrofia implica um afastamento
da subjetividade e fragmenta, consequentemente, a personalidade,
que fundamentalmente subjetiva. Como a aprendizagem um
processo do desenvolvimento da personalidade, ela depende
da qualidade dos laos que a se desenvolvem. Os pensamentos
so influenciados pela motivao e esta aparece com os vnculos
e emoes. Assim, o suporte que a escola deve oferecer
instrumental e afetivo.
Os estudos de caso desenvolvidos por ns forneceram
evidncias quanto possibilidade concreta de uma mudana
de atitude e de papis na escola. Os resultados positivos que
foram atingidos demonstram que a escola pode assumir a
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responsabilidade de aliar os aspectos cognitivos aos aspectos


afetivos das relaes do aprendiz com a situao de ensino e
de aprendizagem, tornando-se uma organizao em sintonia
com as necessidades e as aspiraes de seus clientes.

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