Desclassificados Do Ouro - Laura de Melo e Souza-61-111
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E N T R E V I S TA A WA L N IC E N O GU E I R A G A LVÃO
pauvres au Moyen-Age – Étude Sociale, Paris, 1978, p.158, Michel Mollat cita, entre
outros, João de Friburgo, que “em nome da lei moral do trabalho, reprova os falsos
pobres, os válidos preguiçosos e vagabundos”. A esmola, que deveria ser tirada do
supérfluo, não deveria encorajar a preguiça.
3 , Jean-Louis Goglin, Les Misérables dans l'Occident Médiéval, Paris, 1976, p.72.
4 , A expressão é utilizada por Michel Mollat na obra já citada.
3 . E N T R E V I S TA A WA L N IC E N O GU E I R A G A LVÃO
dos produtores, que se destinava a retirar do sistema seu sangue vital e provocar a
série de crises nas quais a economia feudal iria achar-se mergulhada nos séculos
XIV e XV. A fuga dos vilões que deixavam a terra muitas vezes assumia proporções
catastróficas tanto na Inglaterra quanto em outros lugares, e não apensa servia para
aumentar a população das cidades crescentes, como e principalmente no continente
contribuía para a continuação das quadrilhas de proscritos, da vagabundagem e
jacqueries periódicas”. – Dobb, ob. cit., p.64-5.
8 , Sobre essa fluidez das fronteiras, diz o historiador polonês Bronislaw Gereme-
ck: “... as pesquisas sobre criminalidade fazem parecer uma espécie de 'fronteira'
social, de franja da sociedade organizada, onde o trabalho se mistura com o crime.
A passagem para a marginalidade se realiza segundo um dégradé de cores; não exis-
tem barreiras entre a sociedade e suas margens, entre os grupos e os indivíduos que
observam as normas estabelecidas e os que as violam”. – Criminalité, Vagabon-
dage, Paupérisme: la Marginalité à l' Aube des Temps Modernes , em: Revue
d'Histoire Moderne et Contemporaine, XXI , julho-setembro, 1974, p.346.
Foi sobre esse contingente humano heterogêneo que incidiram
violentamente os esforços então empreendidos no sentido de gene-
ralizar a prática do trabalho: “O trabalho, reabilitado após ter sido
desprezado como consequência do pecado original, torna-se um dos
valores de uma sociedade que se lança no crescimento econômico, e
a partir do século XIII , as expressões vadio (oisif) e mendigo válido
tornam-se etiquetas injuriosas atribuídas e certos marginais”.9
“Tolerava-se o mendigo, mas odiava-se o vagabundo”, diz Mollar,
referindo-se a esse momento histórico em que começava a se esboçar
uma lei moral do trabalho.10 Definida como ausência de domicílio
ou como o morar em toda a parte, a vagabundagem e a itinerância
eram incômodas numa sociedade em que as relações pessoais ainda
tinham muito peso e para a qual o fato de o indivíduo não poder se
ligar a ninguém e por ninguém poder ser reconhecido eram sinais
extremos de isolamento.11 Elemento irregular e instável, carente de
vínculos, o vagabundo “trabalha às vezes, mendiga com frequência, 65
rouba se aparece a ocasião, e pode ser incidentalmente arrastado
para a criminalidade e delinquência, mas ele não é nada disso de
uma maneira estável”.12
9 , Jacques Le Goff, Les Marginaux dans l'Occident Médiéval , em: Les Mar-
ginaux et les Exclus dans l'Histoire, Paris, 1979, p.23.
10 , Mollar, ob.cit., p.299.
11 , A análise é de Mollat, ob.cit.
12 , Vexliard, ob.cit., p.220-1. No artigo já citado, Geremeck chama a atenção para
a extrema mobilidade existente nas sociedades pré-industriais, mobilidade essa que,
entretanto, é sempre regulamentada, obedecendo a trajetos pré-traçados: migrações
de companheiros e escolares, migrações camponesas ligadas aos grandes movimen-
tos de colonização, peregrinações. Nenhum desses movimentos apresentava perigo:
era a mobilidade não controlada ou individual que inquietava e ameaçava as socie-
dades tradicionais. Geremeck, ob.cit. E mais adiante: “Ao mesmo tempo em que a
sociedade pré-industrial, com seu corpo organizado, não pode tolerar o indivíduo
isolado, procurando enquadrá-lo em instituições e solidariedades corporativos, nos
laços de famílias, nas estruturas eclesiásticas – no que diz respeito a seus marginais,
ela se inclina a não suportar senão indivíduos sem ligações de grupos ou de solida-
DE S C L A S SI F IC A D O S D O OU RO
14 , Rui d'Abreu Torres, Vadiagem , em: Joel Serrão (org.), Dicionário da história
de Portugal e do Brasil, Porto, Iniciativas Editoriais, s.d., v. IV, p.239.
15 , Mollat, ob.cit., p.246.
DE S C L A S SI F IC A D O S D O OU RO
vadios, sem ofício nem senhor com que viviam, e sejam presos e
embarcados para o Brasil”.24
Já em pleno desenvolvimento do Império Colonial português, o
alvará de 1570, expedido sob o reinado de D. Sebastião, estabelecia a
diferença entre a pena administrada aos peões, que se caracterizava
pelo fato de poderem ser açoitados, e a destinada às pessoas de mor
qualidade, castigada muito frequentemente com o degredo. Isto não
quer dizer que os peões não fossem afetados pelo degredo, mas a re-
cíproca não era verdadeira: uma pessoa de mor qualidade nunca se-
ria açoitada; esta última categoria era degredada preferencialmente
para a África, ao passo que os peões eram expedidos para fora de
Lisboa, mas continuavam no país.25
As Ordenações Filipinas reforçaram, no Livro V, título 68, as dis-
posições que, trinta anos antes, fizera D. Sebastião:
70 Dos vadios. Mandamos que qualquer homem que não viver como se-
nhor, ou com amo, não tiver ofício, nem outro mester, em que trabalhe, ou
ganhe sua vida, ou não andar negociando algum negócio seu, ou alheio,
passados 20 dias do dia que chegar a qualquer cidade, vila ou lugar, não
tomando dentro dos ditos 20 dias amo, ou senhor, com quem viva, ou mes-
ter em que trabalhe e ganhe sua vida, ou se tomar, e depois o deixar, e não
continuar, seja preso e açoitado publicamente. E se for pessoa, em que não
caibam açoites, seja degredado para África por um ano.26
28 , Boxer, ob.cit., c. XIII : “Era comum que algumas semanas antes da partida
anual para as Índias, circulares oficiais forem enviadas a todos os corregedores da
Comarca lembrando-os de reunir e prender os criminosos efetivos ou potenciais, a
fim de que fossem sentenciados ao degredo para a Índia”. – p.314.
29 , Eric Williams, Capitalismo e escravidão, trad., Rio de Janeiro, 1975, p.14.
30 , Ibid, p.16-7.
31 , Ibid, p.19.
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38 , “Mas formaram-se aos poucos outras categorias, que não eram de escravos
nem podiam ser de senhores. Para elas não havia lugar no sistema produtivo da
colônia. Apesar disto, seus contingentes foram crescendo, crescimento que também
era fatal, e resultava do mesmo sistema da colonização. Acabaram constituindo
uma parte considerável da população e tendendo sempre para o aumento. O dese-
quilíbrio era fatal”. – Caio Prado Jr. ob.cit., p.360.
39 , Caio Prado Jr., ob.cit., p. 281.
40 , “Para este setor, não se pode nem ao menos falar em 'estrutura social', porque
é a instabilidade e a incoerência que se caracterizam, tendendo em todos os casos
para estas formas extremas de desagregação social, tão salientes e características
da vida brasileira e que notei em outro capítulo: a vadiagem e a caboclização”. –
Caio Prado Jr., ob.cit., p.34. Em Circuito fechado, diz Florestan Fernandes: “Entre
esses dois extremos situava-se uma população livre de posição ambígua, predomi-
nantemente mestiça de brancos e indígenas, que se identificava com o segmento
dominante em termos de lealdade e de solidariedade, mas nem sempre se incluía na
ordem estamental. Onde o crescimento da economia colonial foi mais intenso, esse
setor ficava largamente marginalizado, protegendo-se sob a lavoura de subsistência
mas condenando-se a condições permanentes de anomia social”. Circuito fechado,
São Paulo, 1976, cap. A sociedade escravista , p.32.
pitão-do-mato, milícias e ordenanças), e funções complementares à
produção (desmatamento, preparo do solo para o plantio).
No Brasil, como no Ocidente moderno, o trabalho decente e hon-
rado é o que se relaciona à praga bíblica: “amassarás o pão com o
suor do teu rosto.” Mas há diferenças básicas entre a concepção de
desclassificado na Europa pré-capitalista e no Brasil colonial: lá, a
inadaptação a formas sistemáticas de exploração do trabalho pode
ser explicada pelo nascimento da sociedade capitalista que deses-
truturou o trabalho de caráter coletivo dos servos feudais; aqui, são
o escravismo e a necessidade da superexploração os principais res-
ponsáveis pelo aviltamento do trabalho, aviltamento esse que torna
impossível a compreensão e a persistência das formas primitivas
comunitárias e assistemáticas de trabalho, como foram a africana e
a indígena. Nas metrópoles e nas colônias, é o momento da gestação
do capitalismo; entretanto, apesar de complementares, conexas e até
mesmo indissociáveis, são diversas as formas com que se apresenta 77
em um e noutro ponto do mundo. É nessa unidade contraditória do
fenômeno que se explica a especificidade do processo histórico em
cada uma das partes.
A noção de trabalho vigente na colônia é importante para a com-
preensão de outra peculiaridade nossa: a extensão que entre nós
assume a expressão vadiagem e a categoria vadio. Mais do que na
Europa pré-capitalista, o vadio é aqui o indivíduo que não se insere
nos padrões de trabalho ditados pela obtenção do lucro imediato,
a designação podendo abarcar uma enorme gama de indivíduos e
atividades esporádicas, o que dificulta enormemente uma definição
objetiva desta categoria social.
Atentando-se para algumas das conotações que a palavra assume
no trabalho do jesuíta Antonil, pode-se ter uma ideia dessa multi-
plicidade de acepções, aqui referentes a fins do século XVII e inícios
do século XVIII , já que a Cultura e opulência surgiu em 1711: “Para
vadios, tenha enxada e foices, e se se quiserem deter no engenho,
mande-lhes dizer pelo feitor que trabalhando, lhes pagarão seu jor-
nal. E, desta sorte, ou seguirão seu caminho, ou de vadios se farão
jornaleiros”.41 O vadio é aqui o indivíduo não inserido na estrutura
46 , Ibid, p.650.
47 , Das cartas do exmo. sr. Gomes Freire de Andrade , em RPHG , v. XVI ,
II , p.246
48 , Antonil, ob.cit., p.264.
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Brasil, este fato é particularmente sensível pelo caráter que tomara a colonização,
aproveitamento aleatório em cada um de seus momentos, como veremos ao ana-
lisar a nossa economia, de uma conjuntura passageiramente favorável. Cultiva-se
a cana como se extrai o ouro, como mais tarde se plantará o algodão ou o café:
simplesmente oportunidade de momento...” – ob.cit., p.73. Há a esse respeito uma
bela passagem de Guimarães Rosa: “Quem é pobre, pouco se apega, é um giro-giro
no vago das gerais, que nem os pássaros de rios e lagoas. O senhor vê: O Zé -Zim,
o melhor meeiro meu aqui, risonho e habilidoso. Pergunto: 'Zé-Zim, porque que
é que você não cria galinhas d'angola, como todo mundo faz?' 'Quero criar nada
não...' – me deu resposta: 'Eu gosto muito de mudar...'” – Grande sertão: veredas, 12ª
ed., Rio de Janeiro, 1978, p.35.
54 , Gilberto Freyre, Casa Grande & Senzala, respectivamente p.331, 356 e 86.
55 , Aires da Mata Machado Filho, O negro e o garimpo em Minas Gerais, Rio de
Janeiro, s.d., p.32.
5 . E N T R E V I S TA A N E L S ON AGU I L A R
74 , A utilização dos vadios nessas funções foi, como já se disse, comum a toda
a colônia: “... essa população livre pobre representava uma espécie de 'argamassa
paramilitar', usada como um aríete na defesa das povoações, na penetração dos ter-
ritórios desconhecidos e na conquista de novas fronteiras” – Florestan Fernandes,
“A sociedade escravista”, em: Circuito fechado, São Paulo, 1976, p.33. Em são Paulo
também se aproveitaram desclassificados, conforme diz Sérgio Buarque de Holan-
da: “Em muitos lugares, tais elementos podiam ser aproveitados com vantagem, e de
fato o eram, na formação de corpos militares destinados à fronteira, na organização
de povoações novas, no desbravamento de sertões desconhecidos, como os de Ivaí
e Guarapuava. Mas nos distritos vizinhos do porto de embarque das monções, uma
grande parte do pessoal disponível tinha de ser absorvido no serviço das canoas”.
– Monções, 2ª ed., São Paulo, 1976, p.71-2. Com os vadios da capitania formavam-
-se as tripulações das monções que partiam de Porto Feliz (então Araritaguaba)
para Cuiabá, e se fundo um capitão-mor daquela localidade, “Por isso esta gente
de alguma maneira devem ser respeitados (sic) por sua habilidade no trabalho do
A , Entradas , O devassamento do sertão das Minas e o estabe-
lecimento dos primeiros arraiais auríferos se fizeram sob o signo
do aproveitamento dos desclassificados sociais nas bandeiras que
entravam pelo mato. Antes mesmo de se procurar ouro no território
que depois ficou chamado Minas Gerais, Gabriel Soares, na última
década do século XVI , recebeu ordens reais para “tirar das prisões
os condenados a degredo, que fossem oficiais mecânicos e minei-
ros; a estes seria contado como da pena o tempo da expedição”75
Agostinho Barbalho Bezerra, que em 1664 foi encarregado pelo rei
do “descobrimento e entabolamento das Minas de Paranaguá”, no
então distrito do Rio de Janeiro, recebeu instruções semelhantes:
“E porque pode acontecer que pelas capitanias e sertões por onde
fizer jornada ao descobrimento das ditas minas andem algumas
pessoas retiradas por crimes, ou casos por que a justiça seja parte e
rio” – cit. p.72. Em Desterro, atual Florianópolis, havia carência de mão-de-obra por 91
ocasião da pesca das baleias, não bastando os lavradores pobres que então se faziam
jornaleiros: “Os trabalhadores voluntários não eram, todavia, suficientes por toda
parte. As armações recorriam, por isso, aos circeres, mobilizando sentenciados a
trabalhos forçados e até mesmo requisitavam ordenanças das milícias, no que o mo-
nopólio real das armações contava com a colaboração das autoridades. Sob ameaça
de prisão, também se recrutavam vadios, frequentadores de tavernas, motivo pelo
qual muita gente fugia ao se aproximar a temporada da captura da baleia”. – Jacob
Gorender, ob.cit., p.229.
75 , Aristides de Araújo Maia, Memória da província de Minas Gerais , em:
RAPM , v.VII , 1902, p.26.
76 , Traslados e excertos de alguns escritos com relação à empresa de
Agostinho Barbalho Bezerra para descobrimento das esmeraldas. Com
algumas observações e anotações – Provisão de 20-V-1664 em: RAPM , v.II ,
1897, p.531.
77 , José Joaquim da Rocha, ob.cit., p.429.
78 , Manuel Eufrásio de Azevedo Marques, Apontamentos históricos, geográficos,
biográficos, estatísticos e noticiosos da província de São Paulo, São Paulo, 1954, v.I ,
p.380.
79 , José Manuel Sequeira, Memória , publicado em: Sérgio Buarque de Holanda,
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não hajam outros: hei por bem que sendo necessário aproveitar-se o
dito Agostinho Barbalho das ditas pessoas para algumas notícias ou
informações do que se pretende neste descobrimento, lhe possa per-
doar e perdoe em meu nome o tal crime, que tiver cometido...”.76 A
bandeira não vingou devido à morte de Agostinho Barbalho, e nada
mais se sabe sobre estes possíveis informantes a serem utilizados
pela expedição. Mas a mesma ideia de informantes de condição so-
cial indefinida aparece na narrativa que José Joaquim da Rocha faz
da bandeira de Fernão Dias Pais, que entrou para o sertão levando
com bastardos: estes, às margens do Vupubuçu, foram expedidos “a
fim de examinar a finalidade das terras circunvizinhas a este lago,
a ver se achavam alguma língua, que melhor ao informasse do que
buscavam”;77 bastardo podia então designar tanto o filho natural
como o mestiço, sendo certamente esta a acepção a que diz respeito
a passagem citada. De qualquer forma, tratar-se-ia de elementos de
92 mísera condição, arregimentados para engrossar a empresa arrisca-
da do sertanista.
D. Rodrigo de Castel Blanco – estranho aventureiro que morreu
em condições trágicas, envolvendo Borba Gato como possível cri-
minoso – também levou, ao que tudo indica, a sua quota de desclas-
sificados; pelo menos é o que sugere o “Bando mandado publicar na
vila de São Paulo e em rodas as mais da capitania, dando perdão aos
criminosos que andavam foragidos (exceto os de Lesa-Majestade)
para que se apresentassem a fim de fazer parte da força com que D.
Rodrigo de Castel Blanco tinha de entrar para o sertão em desco-
berto de minas”.78
Ao tratar do estímulo que julgava merecerem as expedições vol-
tadas para a procura de pedras preciosas, ouro e outros metais de
valor econômico, José Manuel Sequeira também sugere o aproveita-
mento dos desclassificados: “O único meio de que me lembro (se é
Monções, p.137.
80 , Licença de d. Brás Baltazar da Silveira a Lucas de Freitas de Aze-
vedo” – 29-V-1717, APM , SC , cód. 9, fls. 49 V-50.
81 , Descobrimento de Minas Gerais – relação circunstanciada , RIHGB ,
PR E FÁC IO À 4 A E DIÇ ÃO
sário para o povoamento e cultivo das colônias, devendo-se lhes em grande parte a
segurança da parte civilizada contra os índios ferozes, que eles continham nos re-
motos presídios.” Confrontada com o trecho de Teixeira Coelho, dá margem a duas
hipóteses: 1) A formulação de que os vadios, ódio de todas as nações civilizadas,
eram úteis nas Minas é de D. Antonio de Noronha, de quem Teixeira Coelho era
grande admirador; 2) Diogo de Vasconcellos leu mal Teixeira Coelho e atribuiu a
frase do desembargador ao governante. De qualquer forma, a ideia da utilidade dos
vadios mostra a sua presença marcante.
88 , Exposição do governador D. Rodrigo José de Menezes sobre o esta-
do de decadência da capitania de Minas Gerais e meio de remediá-lo, em:
RAPM , v.II , 1897, p.314-5.
89 , Requerimento que a S.Exa. Faz sobre datas de terras minerais e
sesmarias o alferes João Pereira (…), alferes da ordenança do destaca-
mento dos forros”– 19-X-1770, em: APM , SC , cód. 186, fls. 78-79 V.
DE S C L A S SI F IC A D O S D O OU RO
... é um lugar no centro desta capitania, pouco povoado, pouco sadio e in-
festado pelo antropófago botocudo, para o qual costumam ser remetidos
em muitas ocasiões alguns réus de crimes menos graves...90
águas do Sena, empregavam-se vagabundos para remover a lama e o lixo das ruas.
Geremeck, Criminalité, vagabondage, paupérisme..., p.351. Na região do Vale do Pa-
raíba, os homens livres pobres eram utilizados para “resolver o crônico problema de
construção e conservação de estradas”. Maria Sylvia de Carvalho Franco, Homens
livres na ordem escravocrata, 2ª ed., São Paulo, 1974, p.97.
93 , As cartas Chilenas, fontes textuais, carta 3ª, p.88-95, e carta 4ª, p.101-10.
94 , Waldemar de Almeida Barbosa, ob.cit., p. 202 e p. 369.
95 , Bando sobre a limpeza de negros calhambolas; taberneiros; mas-
cates de qualquer qualidade – assim brancos como negros – e pessoas
vadias – e regularidades de capitães-do-mato, e pedestres – 8-IV-1764, em:
APM , SC , cód. 50, fls. 91 V.
96 , Este aspecto foi abordado no capítulo anterior.
97 , Ordem de 24-XI-1734, Coleção sumária das próprias leis, cartas ré-
gias, avisos e ordens , em: RAPM , v. XVI , p.450.
98 , “Administração Diamantina – Traslado dos autos de inquirição
DE S C L A S SI F IC A D O S D O OU RO
ser a capitania das Minas abastecida em sua maior parte por gêne-
ros vindos de fora, mas está sobretudo ligada ao fato de o trabalho
da terra ser, a partir de uma determinada época, encarado como o
trabalho por excelência, a base sólida sobre que deveria se apoiar a
economia.96 Sendo assim, nada melhor do que ele para redimir o
desocupado do vício da ociosidade. Em 1734, o conde das Galvêas
lançava uma ordem segundo a qual os vadios não seriam conse-
tidos, obrigando-se lhes “a servir na cultura das terras” mediante
pena de expulsão da capitania.97 No Distrito Diamantino, ordenou
certa ocasião o Intendente que se fizesse a circunvalação dos cam-
pos lavrados “por dez ou doze miseráveis apenados sem paga, sem
ferramenta, e sem alimentos”.98 Em 1807, o governador D. Pedro
Maria de Ataíde e Mello cogitava da navegação do rio Doce e do de-
vassamento de seus sertões, dizendo que “muitos vadios, gentalha a
mais perigosa da sociedade, seriam obrigados a povoar e agricultar
98 estas terras”, e que, nessa empresa, seriam auxiliados pelo gover-
nem se poder averiguar aonde param estes delinquentes, para poderem ser casti-
gados como merecem os seus delitos”. – Carta do Morgado de Mateus ao Conde de
Oeiras – 21-IX-1765 – em: DI , v. IXXII , 1952, p. 94-5.
105 , “Tenho notícia que entraram nestas Minas grande número de ciganos que
o sr. Vice-Rei fez despejar do distrito da Bahia, e ainda que já se fazem algumas
queixas deles, e aqui haja um bando do sr. Conde das Galvêas para não viverem no
distrito das Minas; contudo por ora me parece acertado, castigando aos que come-
terem algum insulto, não intender com os mais, porque não suceda juntarem-se
em alguma parte remota, salteando os caminhos, o que agora seria de perniciosas
PR E FÁC IO À 4 A E DIÇ ÃO
... eu não me posso dispensar de mandá-las (as tropas), ainda que co-
nheço pouca ou nenhuma utilidade deste socorro; porque além de ser da
mais útil gente daquela capitania, vir descalça, nua e miserável, o seu ar-
mamento consiste em uns paus com um ferro na ponta, a que não lhe sei
dar o nome.123