TAUNAY, C. A. Manual Do Agricultor Brasileiro (Organização Rafael de Bivar Marquese) - Companhia Das Letras, 2001, Capítulos 2 e 3
TAUNAY, C. A. Manual Do Agricultor Brasileiro (Organização Rafael de Bivar Marquese) - Companhia Das Letras, 2001, Capítulos 2 e 3
TAUNAY, C. A. Manual Do Agricultor Brasileiro (Organização Rafael de Bivar Marquese) - Companhia Das Letras, 2001, Capítulos 2 e 3
DO
AGRICULTOR BRAZILEIRO,
OBRA INDISPENSAVEL
a todo o Senhor de Engenho , Fazendeiro e Lavrador , por apresentar buma idéa geral e philosophica
da Agricultura applicada ao Brazil , e ao seu especial modo de producção , bem como noções exactas
sobre todos os generos de cultura em uso , ou cuja adopção fôr proficua , e tambem hum resumo de
horticultura, seguido de hum epitome dos principios de botanica, e hum tratado das principaes
doenças que atacão os pretos
SEGUNDA EDIÇÃO
por C. A. Taunay ,
R
SENDO COLLABORADOR , NA PARTE AGRONOMICA E BOTANICA, L. RIEDEL , BOTANISTA DE SUA
MAGESTADE O IMPERADOR DA RUSSIA NO BRAZIL.
RIO DE JANEIRO ,
TYPOGRAPHIA IMPERIAL. E CONSTITUCIONAL DE J. VILLENEUVE E COMP..
RUA D'OUVIDOR , N' 65.
1839.
O AGRICULTOR BRAZILEIRO. 5
CAPITULO II.
Porém a geração que acha o mal estabelecido não fica solidaria da culpabi-
lidade daquillo que , pela razão que existe , possue huma força muitas vezes ir-
resistivel , e certos abusos radicaes tem huma connexão tão estreita com o prin-
cipio vital de huma nação , que seria mais facil acabar com a existencia nacional ,
de que com estes mesmos abusos ; v. g. em S. Domingos , a libertação simulta-
nea dos escravos deu cabo do systema politico que coordenava aquella ilha com
a metropoli ; a França perdeu hum appendice interessante do seu corpo social
e hum povo preto se improvisou inesperadamente em hum lugar que jamais a
ordem natural das cousas destinaria para séde de huma potencia africana .
(*) Os Gregos dizião que os Persas erão escravos unicamente por não saberem pronunciar o mo-
nosyllabo - Não. -
6 O AGRICULTOR BRAZILEIRO .
remos dos pretos de raça infima e sujeita aos appetites brutos do homem sel-
vagem ? Qual será a mola que os poderá obrigar a preencher os seus deveres ?
O medo , e sómente o medo , aliás empregado com muito systema e arte
porque o excesso obraria contra o fim que se tem em vista.
*
Sempre que os homens são applicados a hum trabalho superior ao premio
que delle recebem , ou mesmo repugnante à sua natureza , he preciso sugeita-
los a huma rigorosa disciplina , e mostrar-lhes o castigo inevitavel. Sem este
meio não haveria exercito de mar ou de terra. Hum branco , hum Europêo ,
abandonado á sua livre vontade , nunca seguiria o regimen militar . Da mesma
forma , hum preto se não sujeitaria nunca á regularidade de trabalhos que a cul-
tura da terra requer. Vejão no na sua patria , e entre nós quando liberto. Elle
apenas emprega algumas horas cada semana para procurar o sustento ,
raras vezes prefere o jejum ao trabalho. Se pois se não pode determinar a tra-
balhar quando o fructo do trabalho he todo delle , qual seria o motivo que teria
poder de o obrigar quando he para o senhor o fructo do seu suor ? Fica pois
claro que somente a mais rigorosa disciplina valerá para applicar os negros a
hum trabalho real e regular, e que com elles o contracto da gleba , que hoje sub-
stitue a escravidão em toda a Europa , não poderia ter lugar.
em parte pela quantia que se deu na occasião da compra , em parte pelo for-
necimento das precisões dos escravos e sua educação religiosa .
O legislador tem, por tanto , direito de se intrometter para que esta parte do
contracto , de que he fiador , seja fielmente executada ; tanto mais que o in-
teresse dos donos , como já observámos , requer a mesma ingerencia.
CAPITULO III.
Alimento. Os negros são por natureza sobrios , e nos seus desertos aturão
jejuns extraordinarios ; o seu genero de vida e genio assim o requerem. A mór
parte do tempo , ou dormem ou andão á caça das feras e dos homens ; mas , sen-
do tirados daquelle estado selvagem para serem applicados á vida regular e tra-
balhos severos da lavoura , he preciso sustenta los regular e sufficientemente . Em
todos os paizes a ração do soldado he huma base conveniente para estabellecer
a quantidade de alimentos que se necessita para conservar a saude e forças sem
superfluidade ; por tanto , a lei ou codigo que reclamamos poderia adoptar essa
ração como norma.
Partindo deste principio , hum negro não deveria receber por dia menos de
hum decimo da quarta do alqueire razo de farinha de mandioca , meia libra de
carne fresca ou quatro onças de carne salgada ou peixe , e duas onças de arroz
ou de feijão ; subentendendo -se que , segundo as localidades , se admittirião os equi
valentes em fubá , arroz , toucinho , peixe , & c.
(*) O gosto , ou , para melhor dizer, a paixão dos licores fermentados ou espirituosos he universal ,
e os povos selvagens , assim como os civilisados , procurão com a mesma ancia essas bebidas , e sendo
o seu uso moderado , mormente para os que seguem a vida activa de caçador , guerreiro , ou agri-
cultor , longe de ser nociva , he o meio mais efficaz de sustentar as forças e firmar a coragem. Por
tanto, julgamos que de quando em quando a distribuição de huma porção de cachaça , v. g. hum
copinho de manhã e outro nos domingos de tarde , produzirá muito bons effeitos , particularmente
para autorisar a completa prohibição de communicar com as vendas , foco de todos os vicios e
crimes dos escravos , e theatro do infame trafico da cobiça com o roubo.
O AGRICULTOR BRAZILEIRO. 11
e hum bom cobertor , sendo preciso haver todos os domingos huma inspecção
severa do estado e limpeza da habitação , camas e vestidos da escravatura , a qual ,
se não houver todo o cuidado e previsão , se deixará atolar na sua immundicic
ou venderá os trastes e cobertores.
Toda a fazenda bem regrada deve ter huma sala ou local em situação secca
e bem arejada para hospital , como camas de taboado , boas esteiras ou enter-
gões , lençoes , camisas e tudo o que he necessario para a cura dos doentes , c
se a situação da fazenda o permittir , deve- se ter hum cirurgião de partido .
No fim desta obra , para commodidade dos fazendeiros e moradores que não
podem ter à mão hum facultativo , daremos a composição de huma pequena
caixa pharmaceutica , com o uso dos medicamentos , assim como do tratamento
de certas doenças mais triviaes entre os pretos.
He evidente que estas regras tem muitas excepções , e que o apuro das
colheitas e o genero da occupação , v. g . nos engenhos no tempo da safra ,
obrigão a outra divisão de trabalhos ; porém, hum senhor judicioso deverá sem-
12 O AGRICULTOR BRAZILEIRO.
Apresentamos com tanta maior razão esta observação , que não entendemos
por trabalho o tardonho e indolente simulacro de occupação dos pretos abando
nados a si mesmos e extenuados pela fome , e de que pode dar huma completa
idéa o serviço que fazem os presos da cadêa e pretos do calabouço , mas sim o
activo e productivo emprego de todas as forças do corpo , que absorve a atten-
ção do espirito , expreme o suor do corpo e despacha a tarefa como por encanto ,
o unico capaz de conduzir a resultados que correspondão aos desembolços . Hu-
ma tal applicação da parte dos escravos não se pode obter senão com huma vi-
gilancia de todos os momentos , a qual, como já dissemos, exige huma disciplina
semelhante á militar , e a reunião dos trabalhadores em grupos ou esquadras ',
com conductores ou feitores que os não percão de vista hum só minuto.
sufficientes para castigar todo o crime cujo conhecimento for confiado aos se-
nhores. Os crimes que exigissem penas maiores , como fugas repetidas , furtos
consideraveis , desobediencia , e bebedeira incorrigiveis , revolta contra o castigo
e outros da mesma natureza , deverião ser castigados na cadêa dos respectivos
districtos , a requerimento dos senhores e deferimento dos Juizes de Paz , que
decidirião summariamente.
" Para
os crimes domesticos de maior monta , e para o genio do geral dos cs-
cravos , cincoenta pancadas bastão . Tudo o que passar dahi he antes dado á raiva
e vingança do que á cmenda do castigado ; até não deve haver licença para re-
petir essa dose senão com o intervallo de huma semana.
Direcção religiosa e moral. Vimos que huma das clausulas tacitas da com-
pra dos escravos era a sua conversão : os senhores tem portanto obrigação , não
menos como cidadãos do que como christãos , de lhes mandar ensinar e praticar
a religião , sendo aliás o meio mais efficaz de os conservar obedientes , laboriosos ,
satisfeitos da sua condição e de occupar innocentemente as horas do domingo.
vir com o sacrificio de todos os seus trabalhos e suores " para merecerem a
benção do Céo e huma eternidade de bemaventurança .
Das dez horas até a hora de jantar , a missa com toda a pompa possivel. Esta
pompa não carece grandes gastos . Os ornamentos da capella e do altar , e muitas
flores e folhagens he quanto basta. O canto -chão poderá ser executado pela es-
cravatura. Depois do jantar , a musica africana , as danças patricias , e alguns
jogos de luta , &c. , bastão para divertir esta gente simples até as horas do des-
canço , que deverá ser precedido de huma oração e ladainha solemne.
Approvamos muito que nestes jogos , ainda que não fosse senão huma vez
por mez , alguns objectos de pouco valor , mas que os negros cobição , v . g. ,
missangas , chapéos mais finos , lenços de côr apparatosa , &c. , se dêem como
premio aos mais dextros. Huma distribuição de cachaça ou de outro qualquer
espirito não seria tambem fóra de proposito ; tanto mais que toda a communi-
cação com as tavernas , peste do Brazil e perdição da escravatura , deve ser
prohibida debaixo dos mais severos castigos.
Das instituições mais singelas , huma vez arraigadas nos corações humanos •
obtem -se os resultados mais fecundos e duradouros. Podemos por tanto afiançar
aos senhores que seguirem o nosso plano , ( e elle antes tende a poupar despezas
do que a augmenta-las , exigindo somente paciencia , regularidade e huma vigi-
lancia pessoal durante os primeiros annos) que em breve huma especie de civi-
lisação tradicional de usos e costumes se estabelecerá entre a sua escravatura ,
46 O AGRICULTOR BRAZILEIRO.
que ao depois andará quasi de per si , com o unico cuidado de dar de quando
em quando corda , mórmente se se observar a regra de livra-la dos sujeitos in-
corrigivcis , e de a não recrutar senão com pretos novos que os antigos formaráō
ao seu molde. Os jesuitas , mestres consumados na arte de disciplinar os homens ,
deixárão nas fazendas que o governo lhes confiscou , certos usos e tradições
que ainda hoje durão .
Debaixo deste ponto de vista , seria bom que não nascesse hum só crioulo
na extenção do Imperio . Mas , como por outra parte , a lei da natureza não per-
mitte que isto aconteça , he melhor que o Governo não se intrometta em hum
ponto tão delicado e o abandone ao interesse dos senhores.
A escravidão dos crioulos he mais difficil de justificar do que a dos pais com-
prados na Costa. O filho segue a mãi , filius ventrem sequitur ; esta maxima de
direito basea-se na precisão que o parto tem para viver do leite da mãi , e do
pão do senhor desta. A lei considera que o senhor não trataria da cria e não faria
desembolços durante a longa duração da infancia , se não tivesse em perspectiva
o trabalho do resto da vida. O voto da lei legitima a este respeito o jus do se-
nhorio.
cisão disso , e que para o conseguir bastará não contrariar a natureza que con-
vida os sexos a se reunirem E estas uniões deveráō ser legitimas , ou passa-
geiras ? A religião e boa ordem pedem que sejão legitimas , mas por outra parte ,
parece injusto e duro impôr novo cativeiro aos escravos , e especialmente ás
mulheres, que se acharião com dous senhores : por consequencia , julgamos acer-
tadissimo deixar absolutamente á vontade dos interessados a legitimação da sua
união ao pé do altar.
Casadas ou solteiras , as pretas prenhes devem ser tratadas com mimo e ap-
plicadas a hum trabalho moderado. O parto e mamentação merecem as com
petentes attenções .