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A MULHER EM ÁFRICA. VOZES DE UMA MARGEM SEMPRE PRESENTE

Article in Via Atlântica · June 2008


DOI: 10.11606/va.v0i13.50309

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Debora Leite David


University of Lisbon
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A mulher em África. Vozes de uma mar-
gem sempre presente

O
Débora Leite David
(Universidade de São Paulo)

feminismo em sua concepção primeira de ideologia da igualdade de direitos


da mulher em relação ao homem, alcançou incontáveis vitórias ao longo dos
séculos XIX e XX, das quais destacamos o direito ao voto, o crescimento das
oportunidades de trabalho com melhor remuneração, o direito ao divórcio
e o direito ao controle do próprio corpo. Participando cada vez mais dos
movimentos revolucionários que se sucederam neste período, as mulheres
conquistaram a oportunidade necessária para manifestar suas reivindicações
calcadas nas idéias liberais defendidas no espaço revolucionário.
No entanto, é de se notar que para além das iniciativas feministas essen-
cialistas que buscavam a igualdade absoluta entre os gêneros, surgiram pouco
a pouco outras vertentes ideológicas no feminino e pelo feminino. Hoje en-
contramos reflexões pela complementaridade dos gêneros e pela inscrição da
mulher na sua diferença. Um abrandamento das palavras de ordem vociferadas
nas décadas de 1960 e 1970, que, no entanto, não significou o enfraquecimento
dos movimentos sociais e políticos em prol da mulher. Verificamos sim um
amadurecimento das múltiplas vozes que rediscutem o papel de cada gênero no
âmbito da construção social, em que buscam delinear suas identidades e suas
diferenças. A partir dessa complexa dinâmica surgem feminismos variados con-
cebidos em suas múltiplas formas em razão de sua origem fundada em diretri-
zes sociopolíticas de diferentes grupos, nem sempre formados por mulheres.
Nesse espaço de discussão do feminino e sua realidade no continente africa-
no, destacamos o lançamento de A mulher em Africa. Vozes de uma margem

 Doutoranda em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa na Universidade de São


Paulo (USP) e bolsista do CNPq.

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sempre presente, compêndio de ensaios organizado por Inocência Mata e Laura


Cavalcante Padilha (Lisboa, 2007) e publicado no âmbito da Coleção Tempos e
Espaços Africanos da Edições Colibri. Abordando a complexa problemática dos
estudos de gênero, esta obra busca dar voz às mulheres na África, com destaque
à atuação destas na criação das sociedades e na reinvenção incessante de espaços
sociais, econômicos e políticos, marcas indeléveis na História da África.
Reunindo ensaios oriundos de variados campos de conhecimento, A mu-
lher em África traz em estreito diálogo as diferentes perspectivas teóricas que
embasam atualmente os estudos de gênero, contemplando, sobretudo, a Áfri-
ca sub-saariana, sua realidade histórico-social e a produção de suas escritoras.
Percebemos que os trabalhos seguem na direção da conciliação dos gêneros
por meio de minuciosa descrição e análise daquilo que cabe a cada parte, mas
afastando a exclusão essencialista e aproximando a mistura das diferenças.
Se os historiadores procuram mostrar de que maneira as mulheres africanas
ocupam o poder, outros estudiosos as destacam principalmente no campo inte-
lectual – em especial, literário –, espaço também interdito às mulheres durante
séculos. Vale destacar que a narratologia africana, em sua grande parte, foi essen-
cialmente masculina, muito em razão da repressão imposta pelas metrópoles na
administração colonial, processo que se manteve mesmo com as independências.
A literatura espelha essa exclusão que pode ser observada em grande parte dos
sistemas literários africanos, com o predomínio de vozes masculinas.
A mulher em África apresenta-se organizado em quatro capítulos, a sa-
ber: “O gênero como questão”, “Abordagens sócio-históricas”, “Mulher e
escrita literária”, e “Um recorte diaspórico”. O primeiro capítulo, “O gênero
como questão”, é composto pelo ensaio “Por outras formas de Ser e Estar:
mulheres, participação e tomada de decisão”, de Eunice Macedo e outros.
Neste ensaio de abertura são discutidas as questões teóricas do gênero de um
modo alargado, sem as amarras de um campo de conhecimento determinado.
Com a análise da desigualdade entre homens e mulheres em vários níveis, as
ensaístas refletem acerca da problematização das relações de poder e de lide-
rança e dos obstáculos enfrentados pelas mulheres no mundo laboral. De um
viés desconstrucionista, as autoras apontam a pluralidade de feminismos e de
lugares do feminino como orientação para a identidade feminina que deve
ser assumida e de imediato questionada, importando num movimento pela
cidadania das mulheres.

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A seguir temos o capítulo “Abordagens sócio-históricas” em que estão co-


ligidos nove ensaios, que abordam temas como a reificação da mulher pelo
colonialismo e algumas formas de representação desse processo na tradição
oral angolana e na literatura colonial portuguesa; a contribuição das mulheres
na construção do saber e do conhecimento, em especial na sociedade angola-
na; a questão da discriminação na educação; a relação entre desenvolvimento
e a auto-estima do sujeito feminino marginalizado, entre outros.
O terceiro capítulo, “Mulher e escrita literária” está subdivido em duas
partes. A primeira intitula-se “Sobre a voz autoral feminina” e reúne quator-
ze ensaios. Os textos aqui coligidos refletem sobre a produção literária de
escritoras como Paulina Chiziane, Dina Salústio e Lília Momplé, destacando
as questões da guerra, da violência, dos espaços no feminino, do exílio e da
criação feminina. A obra de algumas escritoras é retomada em vários artigos,
parecendo demonstrar o sucesso das mulheres em adentrar o espaço do po-
der hegemônico no campo literário.
A segunda parte do terceiro capítulo, “Diálogos pelo feminino”, é composta
por doze ensaios, que, ainda gravitando pelos mesmos temas da primeira, pro-
move o diálogo das vozes femininas, prevalecendo a produção poética (Ana
Paula Tavares, Noémia de Sousa, Alda Lara). Destacamos a presença de textos
que focalizam produções autorais masculinas, como é o caso do artigo “Lee-Li
Yang, um heterônimo de Virgílio de Lemos”, de Ana Mafalda Leite, em que
a força do feminino se impõe, não se tolhendo em feminismos e buscando a
própria voz. Assim, os diálogos são tecidos pelo feminino e não apenas nele.
O quarto e último capítulo é nomeado “Um recorte diásporico”, que é
composto pelo ensaio “Oxum: mãe do mundo e nascente da ancestralidade”,
de Vanda Machado, que aborda um mito africano feminino desde a sua ori-
gem religiosa até sua representação na cultura afro-brasileira.
É de se notar nos textos literários a revisão de fatos com a articulação de
outros sujeitos através de perspectivas próprias, em que o sujeito feminino
está presente na autoria com uma afirmação cada vez mais intensa na produ-
ção ficcional, e também na posição de protagonista e sujeito de seu próprio
discurso, rompendo com o discurso totalizante do universo masculino.
Essa perspectiva crítica através da escrita, seja pelo feminino ou no fe-
minino, notadamente aquela filtrada nos textos literários produzidos por
mulheres, importa no avanço pelo campo da escrita, território de domínio

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essencialmente dos homens. E mais do que tão-somente produção literária,


trata-se, outrossim, da consolidação da posição feminina em relação ao cam-
po intelectual, o que implicará em olhares diferenciados até então represados
na periferia da intelectualidade e da escrita literária.
Como vemos, trata-se de uma antologia crítica de fôlego que reúne inúme-
ros estudiosos de variados campos do conhecimento, garantindo a pluralidade
de autores e a respectiva diversidade de pontos de vista teóricos presentes nos
ensaios coligidos, demonstrando o diálogo cada vez mais intenso firmado no
campo da crítica literária sobre a mulher e sua representação na Literatura,
para além da problematização das vozes de autoria feminina.

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