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Inovação

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Estudos internacionais sobre inovação no setor público: como a

teoria da inovação em serviços pode contribuir?

Dagomar Henriques Lima


Tribunal de Contas da União
Eduardo Raupp de Vargas
Universidade de Brasília

O artigo tem por objetivo situar a discussão atual sobre inovação no setor público em revistas inter-
nacionais, em confronto com a teoria da inovação em serviços, visando identificar oportunidades de
pesquisa. Os artigos revisados foram recuperados da base science direct referente ao período de 2006
a 2010. O exame dos artigos foi realizado com base em seis categorias de análise que serviram para
revelar as abordagens adotadas pelos autores. Conclui-se que os autores dos estudos da amostra têm
interação restrita com a literatura de inovação em serviços. Os artigos revelam visão da inovação como
mudança imposta de cima para baixo e não como processo interativo e intrínseco à atividade pública.
São identificadas oportunidades de pesquisa mais detalhadas no nível organizacional e no nível micro,
que reconheçam as especificidades do setor público.

P a l av r a s - c h av e : teoria da inovação em serviços; setor público; abordagem integradora.

International studies on innovation in the public sector: how the theory of innovation in services
can contribute?
The article puts in perspective the current discussion about public sector innovation in international
journals, in comparison with the theory of innovation in services, aiming to identify research opportu-
nities. Articles reviewed were retrieved from the science direct basis for the period 2006 to 2010. The
articles review was based on six categories of analysis that served to reveal the authors approaches.
We conclude that the authors of the sampled studies have limited interaction with the literature of
innovation in services. Innovation is approached as a change imposed from the top down in contrast
with an approach of innovation as an interactive process intrinsic to public administration. It identi-
fies opportunities for more detailed research at the organizational level and at the micro level which
recognize the specificities of the public sector.

Key words: service innovation theory; public sector; integrative approach.

Artigo recebido em nov. 2010 e aceito em jul. 2011.

rap — Rio de Janeiro 46(2):385-401, mar./abr. 2012


386 Dagomar Henriques Lima • Eduardo Raupp de Vargas

1. Introdução

Este artigo objetiva situar a discussão sobre inovação no setor público, visando identificar
oportunidades de pesquisa. Para isso, procurou-se estabelecer diálogo entre autores de es-
tudos internacionais sobre inovação no setor público e autores da literatura de inovação em
serviços que adotam a abordagem integradora (Gallouj e Savona, 2009). Trata-se, portanto,
de pesquisa bibliográfica em artigos em língua inglesa, que foram analisados sob o enfoque
da teoria de inovação em serviços.
A inovação em serviços é um ramo dos estudos de inovação cuja literatura vem se
desenvolvendo de forma significativa, trazendo contribuições teóricas e empíricas que aju-
dam a compreender melhor os processos de inovação na economia e a própria dinâmica
do desenvolvimento econômico. No entanto, ainda há amplo campo para pesquisa sobre
inovação no serviço público, principalmente sobre seus resultados, em razão da pouca
atenção que vem sendo dispensada a esse ramo da atividade econômica e social (Koch e
Hauknes, 2005).
Os estudos sobre inovação são parciais ao se voltar quase exclusivamente para a aná-
lise desse fenômeno em firmas com regulação de mercado. Nesses estudos, o setor público é
tratado como criador de arcabouço legal regulatório, como financiador de atividades de ino-
vação, como consumidor de produtos inovadores gerados pelo setor privado ou produtor de
bens complementares (como infraestrutura), poucas vezes, no entanto, como protagonista de
processos de inovação (Koch e Hauknes, 2005; Windrum; García-Goñi, 2008).
A parcialidade dos estudos sobre inovação é tanto mais grave na medida em que a re-
levância social e econômica dos setores público e de serviços (públicos e privados) na econo-
mia torna a investigação de seus processos de inovação mais importante para a compreensão
desse fenômeno na sociedade. Por exemplo, no Brasil, em 2008, 21% das ocupações formais
eram relacionadas ao serviço público (Ipea, 2009) e a despesa primária foi de 33,4% do PIB
em 1999 (IBGE, 2006).
Por sua vez, o marco teórico usado para analisar o setor comercial vem sendo aplicado
nos estudos sobre inovação nos serviços públicos. Visando reconhecer as especificidades do
setor público, e no contexto de um esforço de pesquisa financiado pela União Europeia, Koch
e Hauknes (2005:9) apresentam uma definição de inovação no setor público que reconhece o
caráter contextual da natureza do resultado da inovação: “Inovação é a implementação ou de-
sempenho de uma nova forma específica ou repertório de ação social, implementada delibe-
radamente por uma entidade no contexto dos objetivos e funcionalidades de suas atividades”.
Essa é a definição que usaremos neste artigo por permitir melhor operacionalizar a análise do
processo de inovação no setor público.


Essa medida inclui o consumo público (gastos com pessoal e custeio), os subsídios e transferências ao setor privado
(excluídos os pagamentos de juros e despesas financeiras) e o investimento público.

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A principal limitação deste artigo é a restrição da pesquisa à base science direct no pe­
ríodo de cinco anos. Versão mais abrangente poderia usar ferramentas de busca integrada,
que incluam outras bases de dados, e estender o período de pesquisa.
Além desta introdução e da seção conclusiva, este artigo compõe-se de mais quatro
partes. A primeira resume formulações teóricas sobre inovação em serviços e no setor público.
A segunda descreve o método adotado nesta revisão, seguida da terceira parte, que sintetiza
as pesquisas revisadas, destacando seus objetivos e resultados. A quarta parte discute critica-
mente os artigos revisados, segundo categorias de análise definidas pelo método, e os con-
fronta com a teoria de inovação em serviços.

2. Marco teórico

Desde os trabalhos de Schumpeter (1982) no início do século XX e depois, na década de 1980,


com o livro fundamental de Nelson e Winter (2005), publicado em 1982, a inovação tem sido
reconhecida como uma das características essenciais das economias contemporâ­neas e motor
do desenvolvimento econômico. No entanto, dificilmente é associada ao setor serviços, pois
prevalece uma visão tecnicista da inovação, associando-a predominantemente à manufatura.
A teoria de inovação em serviços nasce como uma tentativa de entender o processo de
inovação no setor que, desde a década de 1960 (Gadrey, 2001), ganha relevância crescente
nas economias modernas e hoje representa a maior parte do produto dessas economias.
Os primeiros estudos sobre inovação em serviços eram fortemente influenciados por
pesquisas de inovação no setor industrial. Eles integram a abordagem tecnicista sobre inova-
ção em serviços (Gallouj, 2002). Para a abordagem tecnicista, a inovação em serviços equivale
à inovação tecnológica, no sentido tradicional desta palavra, proveniente da indústria.
A abordagem tecnicista abrange estudos de inovação afetados por crenças sobre o setor
serviços, que o carrega com imagem de ser improdutivo, de baixa produtividade, de baixa
intensidade na aplicação de capital e de empregar pessoal com baixa qualificação. Além disso,
os serviços têm especificidades relacionadas à sua natureza interativa, intangível, processual e
diversificada, o que torna inapropriado estudá-los segundo o mesmo arcabouço teórico usado
para estudar o setor industrial (Gallouj, 2002).
Como reação à abordagem tecnicista, posteriormente surgiram estudos classificados
como filiados à abordagem baseada em serviços. Para Gallouj (2002:19), essa abordagem
adota um ou dois dos seguintes objetivos: 1) destacar a existência de formas particulares de
inovação em serviços, consequência de sua natureza intangível e interativa, 2) produzir teo­
rias locais, aplicáveis a atividades específicas de serviços, consequência de sua diversidade.
Para Vargas (2006:74), a ideia central desse enfoque é que, mais importantes que as inova-
ções tecnológicas, são as inovações produzidas na interação entre cliente e prestador, definida
por Gadrey (2001) como relação de serviço.

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A natureza interativa dos serviços também ajuda a entender o paradoxo de Solow, que
se refere à observação de uso intensivo de tecnologias da informação e da comunicação (TIC)
acompanhado de queda de produtividade no setor serviços. A produção ou o resultado das
atividades de serviço não podem ser medidos do mesmo modo que nas indústrias, sob o risco
de subestimação e distorção da realidade. O uso intensivo de TIC aumenta nos serviços, mas,
no lugar de haver uma simples queda na produtividade, o que ocorre são fenômenos comple-
xos que abrangem: 1) a alocação de pessoal para atividades que exigem maior interação com
o cliente, como o private banking, 2) a resposta a exigências dos clientes como a ampliação
da variedade de produtos oferecidos no comércio, a melhoria da qualidade ou a agregação de
novos serviços à atividade principal. Esse movimento precisa ser estudado e entendido com
novas ferramentas teóricas e analíticas, que permitam a avaliação mais pluralista e multicrité-
rio dos serviços (Gadrey, 2001).
Por fim, surge a abordagem integradora, que ambiciona juntar bens e serviços em uma
teoria unificadora da inovação. Uma das justificativas para o desenvolvimento de uma teoria
de inovação para o setor de serviços é a existência de especificidades no produto deste setor
que fazem com que a teoria da inovação construída para estudar esse fenômeno na indústria
seja insuficiente para ajudar a compreender a inovação em serviços. Para isso, apresenta uma
formulação do produto (bens e serviços) em termos de vetores de características (Gallouj e
Weinstein, 1997; Gallouj, 2002), ilustrada na figura a seguir.

Figura
Representação geral do produto em termos
de vetores de características

Competências diretas
dos prestadores
C1
C2
.
Ck
. Características de serviço
. ou finais
Competências dos Cp
clientes Y1
Y2
C'1 C'2.. C'k.. C'q .
Yk
.
T1 .
T2 Yp
.
Tk
.
.
Tp

Características técnicas
materiais e imateriais

Fonte: adaptado de Gallouj (2002:58).

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Essa formulação permite abranger duas das especificidades do setor: a diversidade e o


componente relacional dos serviços. O tratamento analítico dessa última ocorre pela incor-
poração de um vetor de competências dos clientes [C’] ao modelo. Como a formulação do
autor é uma generalização de um modelo anterior usado para bens (Saviotti e Metcalfe, apud
Gallouj, 2002:30), ela permite analisar de forma unificada tanto bens quanto serviços. Outro
avanço teórico dessa abordagem é a incorporação à análise das antes negligenciadas carac-
terísticas técnicas imateriais, que são sistemas de competências formalizadas e codificadas
(Gallouj, 2002:56). O desenvolvimento do modelo de uma perspectiva evolucionária permite
definir a inovação em termos de variações nos componentes dos vetores de características e
formular uma tipologia de inovações que abrange bens e serviços.
Um tema ainda polêmico nos estudos de inovação em serviços e no setor público é o das
formas de inovação, pois não há consenso sobre a tipologia, ao contrário do que ocorre nos
estudos mainstream que usam a tipologia schumpeteriana (Schumpeter, 1982). É desejável
obter-se alguma estabilidade na classificação das inovações para permitir sua análise quanto à
natureza e viabilizar sua medição em estudos agregados e comparativos. Aqui discorreremos
sobre modos de inovação propostos em estudos que usam a representação do produto como
vetores de características.
Retomando a ideia de inovação como processo de variação em elementos estruturais da
economia e a conjugando com a representação do produto dos serviços em termos de vetores
de características, Gallouj (2002) identifica seis modos segundo os quais ocorre o processo de
inovação.
O primeiro modo ou modelo é o de inovação radical, no qual ocorre a criação de um
novo conjunto de vetores de características, configurando um novo produto. Segundo o autor,
a definição mais ampla desse modelo abrange ainda o caso no qual surgem novas competên-
cias de clientes e produtores, bem como novas características técnicas materiais e imateriais,
mas as características finais do produto não se alteram significativamente.
A inovação de melhoria envolve mudança na qualidade de certos componentes dos
vetores de características do produto [Y], sem alterar a estrutura dos demais vetores. No
caso particular de ocorrer apenas aperfeiçoamento de competências do produtor, que geram
melhorias nas características finais do produto, não se diferenciaria do processo de aprendi-
zagem organizacional. O autor argumenta que esse modo de inovação não pode ser ignorado
em razão de seus efeitos cumulativos sobre a economia.
A inovação incremental descreve a ocorrência de aperfeiçoamento das características finais
do produto por meio da adição ou substituição de componentes dos vetores por novas caracterís-
ticas. Para o autor, esse tipo de inovação é lugar comum, por exemplo, na indústria de seguros,
na qual se acrescentam novas garantias e serviços à apólice básica, em caso de sinistro.
A inovação por recombinação é o modelo segundo o qual componentes dos vetores de
características dos produtos dos serviços são combinados ou dissociados para formar novo
produto. Um exemplo de combinação apresentado pelo autor é a criação dos resorts por meio
da combinação de características de hotel e clube de luxo. Um exemplo de dissociação é a
criação de hotéis básicos e baratos, como a concepção da linha Fórmula 1 da cadeia francesa

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Accord, por meio da eliminação de uma série de características de hotéis de alto padrão como
o serviço de check-in e check-out, o frigobar, o restaurante.
A inovação por formalização é a sistematização documentada das características do pro-
duto, tornando-as mais visíveis e padronizadas. Essa forma de inovação ocorre em associação
aos modelos ad hoc e por recombinação. Gallouj (2002) oferece o exemplo da auditoria legal,
cujo produto sempre existiu e era prestado no contexto da consultoria jurídica. Por meio de
processo de construção social, algumas das características do produto foram delimitadas, docu-
mentadas e deu-se o nome de auditoria legal a esse produto identificado. Após a formalização,
tornou-se possível recombinar as características do serviço anterior e “extrair” dele a auditoria
legal. A associação desse modelo de inovação à inovação ad hoc será tratada a seguir.
A inovação ad hoc é a construção conjunta de uma solução para o problema colocado
pelo cliente por meio da interação entre este e o produtor/prestador de serviço que provoca
alterações nas características do serviço. A natureza interativa desse tipo de inovação limita
sua reprodutibilidade. No entanto, o produtor, por exemplo, uma consultoria, pode aprender
novas competências e codificar (formalizar) o conhecimento para uso posterior em circuns-
tâncias similares, o que demonstra a associação desse modelo à inovação por formalização.
Na seção seguinte são explicados o modo de seleção dos artigos revisados e quais foram
as categorias de análise usadas em seu exame.

3. Método

Os artigos foram recuperados, na primeira semana de junho de 2010, de periódicos interna-


cionais indexados na base science direct, no período de 2006 a 2010, com as palavras-chave
innovation theory e public sector e que tivessem innovation e public no título. A pesquisa nos
periódicos limitou-se a artigos que efetivamente tratassem de inovação no setor público para
que fosse possível estabelecer o diálogo com os autores de inovação em serviços. Como resul-
tado, foram recuperados sete artigos, todos de revistas Qualis A1, ou que assim se classifica-
riam em razão de seu índice de impacto em pelo menos uma área de avaliação.
Esses estudos foram confrontados com a literatura internacional de inovação em ser-
viços e analisados segundo seis categorias que serviram para revelar as abordagens adotadas
pelos autores. A primeira categoria é a perspectiva da fundamentação teórica sobre inovação.
Para Fuglsang (2010), a literatura sobre inovação e desenvolvimento no setor público pode
ser classificada em cinco perspectivas. A primeira é a da administração pública, que foca
reformas impostas de políticas públicas e, em particular, o papel da Nova Gestão pública
(NGP). A segunda é a do neoinstucionalismo, que procura entender as mudanças em termos
de processos de institucionalização, com ênfase em negociação no campo organizacional e na
adaptação e legitimação das organizações. A terceira é a do Estado competidor, que foca na
transformação do estado de bem-estar, em razão da globalização e da competição crescente
entre países. A quarta corresponde ao empreendedorismo social e público, com foco no nível
micro, nas motivações pessoais dos empreendedores. A quinta e última perspectiva refere-
se à teoria da inovação, que aborda a inovação como atividade sujeita à incerteza e que se

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baseia em recursos heterogêneos e processos interativos. Esta análise opõe as três primeiras
perspectivas, que enfatizam a pressão por mudanças com origem nas reformas em políticas
públicas, com as duas últimas, que visam uma compreensão mais intrínseca da inovação como
um processo interativo, que inclui a política pública.
A segunda categoria refere-se ao tipo da inovação considerado no artigo. Nesse caso,
são usadas duas classificações: a de Schumpeter (1982) e a de Gallouj (2002). A tipologia
clássica de Schumpeter (1982) menciona cinco tipos de inovação: 1) novo bem ou nova qua-
lidade de bem (de produto), 2) novo processo de produção ou comercialização (de processo),
3) novo mercado (de mercado), 4) nova fonte de insumos (de insumos), 5) nova organização
na indústria (organizacional). Como visto na seção anterior, Gallouj (2002) identifica seis
modos segundo os quais ocorre o processo de inovação: 1) inovação radical, 2) inovação de
melhoria, 3) inovação incremental, 4) inovação por recombinação, 5) inovação por formali-
zação, 6) inovação ad hoc. Essa análise visa desvelar o tipo de inovação que tem chamado a
atenção dos pesquisadores no setor público.
A terceira categoria define os artigos em três grupos, conforme a concepção do papel
do setor público no processo de inovação. O primeiro grupo é formado por artigos que tra-
tam o setor público como protagonista, isto é, como implementador de inovações dentro do
serviço público. O segundo grupo trata o setor público como apoiador do setor comercial da
economia, que é o implementador das inovações que terão efeito de desenvolvimento econô-
mico. Nesse caso, o governo financia, fomenta ou fornece meios, como infraestrutura, para os
processos de inovação protagonizados pelas firmas. O terceiro grupo reúne artigos que retra-
tam o governo como consumidor de produtos inovadores gerados pelo setor privado (Koch e
Hauknes, 2005; Windrum e García-Goñi, 2008).
As três categorias de análise seguintes têm caráter metodológico e são aplicadas com
o objetivo de identificar as abordagens de pesquisas adotadas nos estudos revisados. O nível
de análise identifica estudos em três graus de agregação: quando o foco são os indivíduos,
a exemplo de empreendedores, o estudo é de nível micro; ao analisar organizações ou suas
subunidades, os estudos são de nível meso; aqueles que examinam a inovação em conjunto de
organizações de uma base geográfica, ou de ramo de serviço ou outra forma de agrupamento
são considerados de nível macro.
O gênero da pesquisa será analisado conforme a classificação proposta por Demo (2000),
isto é, pesquisa teórica, empírica, metodológica ou prática. A pesquisa teórica é dedicada a
construir teoria, conceitos, ideias, quadros de referência, condições explicativas da realidade.
A pesquisa empírica é dedicada ao tratamento da face fatual da realidade, mediante produção
e análise de dados. A pesquisa metodológica volta-se para a inquirição de métodos e proce-
dimentos científicos, mediante, por exemplo, o estudo dos paradigmas, das crises da ciência,
dos métodos e das técnicas dominantes na produção científica. A pesquisa prática refere-se à
prática histórica em termos de conhecimento científico para fins explícitos de intervenção.
Por fim, quanto ao método aplicado, os artigos são classificados entre qualitativos e
quantitativos. Os qualitativos são aqueles que se propõem a incorporar a questão do significa-
do e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações e às estruturas sociais, sendo es-

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sas últimas tomadas, tanto em seu advento quanto em sua transformação, como construções
humanas significativas (Minayo apud Turato, 2005). Os quantitativos são aqueles que investi-
gam sistematicamente propriedades dos fenômenos e suas relações por meio de processos de
mensuração, procurando conexão entre a observação empírica e a modelagem matemática de
suas propriedades mensuráveis.

4. Síntese dos artigos revisados

Esta seção é descritiva e faz a síntese dos estudos revisados, destacando seus objetivos, objetos
e conclusões. A categoria gênero da pesquisa será usada para agrupar os artigos.
Três dos sete artigos revisados são empíricos, um é teórico e três são teórico-empíricos.
Eles serão sintetizados a seguir, começando pelos empíricos.
Dorner (2009) objetiva estudar a difusão de práticas de preservação de registros digi-
tais em organizações públicas da Nova Zelândia. O trabalho foi motivado pela aprovação de
lei que obriga as organizações públicas a manter práticas de gestão de registros digitais para
garantir sua preservação e o acesso do público. Com base na realização de survey, o autor
conclui que são insuficientes o conhecimento e a consciência organizacional sobre as ameaças
ao gerenciamento e à preservação das informações em razão de deficiências nas práticas de
preservação dos registros digitais. Com fundamento na teoria da difusão das inovações de
Rogers (Dorner, 2009), recomenda a designação de responsáveis, com perfil de paladinos
(champions), pela implementação da nova lei em cada uma das organizações públicas.
Potnis (2010) avalia o método de mensuração da inovação em governo eletrônico em
surveys realizadas pelas Nações Unidas (ONU). O autor argumenta que a relevância do estudo
está em avaliar a qualidade dessas pesquisas para informar seus usuários, entre os quais estão
acadêmicos e profissionais dos governos. Usando pesquisa documental e análise de conteúdo
conceitual, bem como o quadro conceitual de medição da gestão da inovação, o autor formu-
la recomendações para aperfeiçoar as surveys da ONU.
Raus, Flügge e Boutellier (2009) procuram identificar facilitadores e barreiras para
a difusão entre países europeus de sistemas informatizados padronizados de desembaraço
aduaneiro. Justificam a pesquisa pela importância de melhorar a eficiência dos serviços go-
vernamentais ligados ao comércio entre países e o estudo da difusão das diretrizes da UE para
sistemas informatizados de controle aduaneiro. Os autores fazem estudo de caso em projeto
europeu de desenvolvimento desse sistema. Aplicam entrevistas, realizam workshop e pesqui-
sa documental. Usando a teoria da difusão da inovação de Rogers (Raus, Flügge e Boutellier,
2009), os autores analisam o estudo de caso e identificam três barreiras e quatro facilitadores
do processo de inovação.


The Innovation Management Measurement Framework (IMMF).

Facilitadores: benefício potencial, melhoria de procedimentos e modernização de processos comerciais, impedimento
de má interpretação de regulamentos, padronização de processos e de formatação de dados e informações. Barreiras:
redução da velocidade da regulação, aumento na complexidade da padronização, mecanização das operações.

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Em artigo teórico, Dai e colaboradores (2009) analisam os possíveis mecanismos de


interação entre o governo e os principais atores envolvidos na implementação de eventual
nova política pública de eficiência energética de edifícios. Os autores argumentam que falta
à China uma política de supervisão da eficiência energética de grandes edifícios públicos e
comerciais, o que justifica a pesquisa. Por meio de revisão bibliográfica e usando a teoria da
regulação, propõem o conceito de mudança e redesenho da supervisão governamental sobre
a eficiência energética de edifícios.
As pesquisas teórico-empíricas foram assim classificadas porque realizaram investigação
empírica visando construir modelos e quadros de referência com ambição explicativa. Choi e
Chang (2009) têm por objetivo estudar os efeitos de fatores institucionais e de processos co-
letivos, baseados nos empregados, sobre a efetividade da inovação e de sua implementação.
Os autores justificam o estudo pela lacuna existente na literatura de um quadro de referência
que permita integrar a análise dos fatores institucionais e processos coletivos sobre o processo
de inovação. A pesquisa abrange survey com organizações públicas coreanas sobre implemen-
tação de governo eletrônico, painéis com especialistas e surveys com empregados, sendo esses
dois últimos realizados em três momentos. As surveys são analisadas por meio de equações
estruturais, e hipóteses sobre associação entre as variáveis foram testadas. O marco teórico
inclui a teoria institucional, a literatura de implementação e a teoria da difusão de inovações
de Rogers (Choi e Chang, 2009). Os autores concluem que os processos coletivos medeiam os
efeitos institucionais sobre a implementação das inovações e seus resultados.
Edler e Georghiou (2007) visam analisar o conceito de compra governamental como
ferramenta da política de inovação nos países. O interesse dos autores foi despertado pela
emergência das discussões sobre a ligação entre compras do governo e investimento em P&D
pelas firmas na agenda política da União Europeia (UE). Por meio de revisão bibliográfica e
documental, os autores criam quadro de referência, que inclui taxonomia de políticas de ino-
vação, para analisar as compras governamentais como ferramentas de política de inovação e
recomendar sua consideração no desenho das políticas de inovação.
Naranjo-Gil (2009) estuda as relações entre fatores ambientais e organizacionais na
adoção de inovações e a relação entre a adoção de inovações e o desempenho das organi-
zações. O autor justifica a pesquisa pela necessidade de entender melhor as relações entre
essas variáveis, considerando ainda a lacuna de trabalhos que examinam diferentes tipos de
inovações simultaneamente. A pesquisa abrange survey com organizações públicas da área da


Fatores institucionais: apoio gerencial, disponibilidade de recursos, apoio à aprendizagem. Processos coletivos:
percepção coletiva dos empregados sobre sua capacidade para implementar a inovação, aceitação da inovação pelos
empregados com base na percepção de benefícios potenciais pessoais e para a organização.

Fatores organizacionais: estratégia e porte da organização. Fatores ambientais: grau de incerteza e concentração.

Inovações técnicas: oferecimento de novos exames de imagem, como tomografia computadorizada axial, gama
câmara e bomba de cobalto. Inovações administrativas: novas técnicas de gestão da informação e de controle, como
o uso do balanced score card, do benchmarking e da curva ABC.

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saúde na Espanha, bem como pesquisa documental. O marco teórico abrange a NGP e a teoria
da contingência. Os dados foram analisados por meio de regressão de mínimos quadrados
parciais, e hipóteses sobre associação entre as variáveis foram testadas. O autor conclui que
as organizações que adotam inovações técnicas e administrativas são mais sensíveis a fatores
ambientais que organizacionais. Além disso, organizações que adotam os dois tipos de inova-
ções aumentam seu desempenho.
Na seção seguinte apresentamos os resultados da análise dos artigos, conforme as cate-
gorias definidas na seção de método, e discutimos esses resultados.

5. Análise e discussão dos resultados

A tabela a seguir apresenta a síntese dos resultados da revisão dos artigos, segundo as seis
categorias de análise, além de uma coluna adicional que informa o objeto da inovação exami-
nado pelas pesquisas.
Resumem-se a apenas duas as perspectivas teóricas dos artigos: quatro adotam a admi-
nistração pública e três o Estado competidor. Os primeiros foram assim classificados porque
enfocam reformas impostas de políticas públicas e em sua interação com a administração
pública (Dai et al., 2009; Dorner, 2009) ou citam expressamente a NGP em sua contextua-
lização ou fundamentação teórica (Choi e Chang, 2009; Naranjo-Gil, 2009). Os que adotam
a perspectiva do Estado competidor abordam a inovação como estratégia para os países ga-
nharem vantagem no mercado globalizado e fazem comparações entre as práticas adotadas
pelos países (Edler e Georghiou, 2007; Potnis, 2010; Raus, Flügge e Boutellier, 2009). Todos
os artigos, portanto, filiam-se a perspectivas que enfatizam a pressão por mudanças com ori-
gem em reformas “de cima para baixo” de políticas públicas. Não significa, no entanto, que
na literatura inexistam pesquisas que adotem perspectivas que, segundo Fuglsang (2010),
abordam a inovação como processo interativo coletivo e intrínseco à administração pública.
Certamente as restrições impostas à seleção dos artigos, como descrito na seção de método,
influenciaram neste resultado. Não obstante, como sugerido por Fuglsang (2010), as perspec-
tivas identificadas de fato pertencem ao grupo predominante na literatura de inovação.
Outras três categorias revelaram temas predominantes entre os artigos revisados. O
Estado como protagonista do processo de inovação é a percepção dominante do papel do
setor público em cinco dos sete artigos. Isso não significa que esta seja a percepção que pre-
domina na literatura de inovação. Novamente, a forma de seleção dos artigos influenciou
o resultado, pois os artigos tratam de pesquisas interessadas em inovação no setor público.
Por sua vez, cinco dos sete artigos tratam de inovações de processo, na terminologia de
Schumpeter (1982), ou de melhoria, na terminologia de Gallouj (2002). Analisam novas


Indicadores de desempenho: taxa de ocupação de leitos, taxa de uso de salas de cirurgia, taxa de readmissão de
pacientes, tempo de permanência, taxa de mortalidade, tempo de espera.

Potnis (2010) não analisa diretamente um processo de inovação, mas pesquisas sobre inovação na área de governo
eletrônico.

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Estudos internacionais sobre inovação no setor público 395

formas de prestação de serviços já existentes, aperfeiçoados pela introdução de sistemas


eletrônicos ou equipamentos ou novas práticas gerenciais. Esse padrão não é surpreenden-
te, considerando que os serviços têm natureza processual (Gallouj, 2002). Chama atenção
também que quatro dos sete artigos examinam processos de inovação nos quais as tecno-
logias da informação e da comunicação são determinantes. Esse fato pode sugerir que no
setor de serviços públicos as oportunidades tecnológicas e o paradigma tecnológico (Dosi,
2005) estão associados às TIC.

Ta b e l a
Síntese dos artigos internacionais revisados, segundo categorias de análise

Concepção Nível
Perspectiva Tipo de do papel do de Objeto da
Artigo teórica inovação setor público análise Gênero Método inovação

Choi e administração De processo (S); protagonista meso teórica- Quantitativo. Survey governo
Chang pública de melhoria (G) empírica longitudinal, dados eletrônico
(2009) modelados por
equações estruturais
e posteriores testes
de hipóteses sobre
as relações entre as
variáveis

Dai et al. administração Radical (G), de protagonista; macro teórica Qualitativo. Revisão nova política
(2009) pública produto (S) apoiador bibliográfica pública

Dorner administração De processo (S); protagonista meso empírica Quantitativo. Survey práticas de
(2009) pública de melhoria (G) preservação de
registros digitais

Edler e Estado diversificado apoiador macro teórica- Qualitativo. Análise diversificado


Georghiou competidor empírica documental
(2007)

Naranjo-Gil administração Organizacional e consumidor meso teórica- Quantitativo. Survey, novos exames
(2009) pública processual (S). empírica pesquisa documental de imagem
Incremental e de e técnicas
melhoria (G) gerenciais e de
análise de dados

Potnis Estado De processo (S); protagonista macro empírica Qualitativo. Análise governo
(2010) competidor de melhoria (G) documental e eletrônico
análise de conteúdo
conceitual

Raus, Estado De processo (S); protagonista macro empírica Qualitativo. Estudo governo
Flügge e competidor de melhoria (G) de caso eletrônico
Boutellier
(2009)

S — classificação de Schumpeter (1982), G — classificação de Gallouj (2002).


Fonte: elaboração própria com base nos artigos revisados.

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Estudos de inovação em serviços que têm por objeto TIC são comuns, mas o tratamento
que é dado ao tema difere do observado nos artigos revisados. Nesta amostra, a adoção de
soluções informatizadas para aperfeiçoar os serviços poderia se beneficiar de análise mais
detalhada que revelasse mudanças nas competências dos atores envolvidos e na organização
dos serviços. Poderiam ser exploradas questões como: a adoção da nova tecnologia permitiu
a criação de novos serviços ou a agregação de novas características aos serviços existentes?
Quais foram as novas competências que tiveram que ser desenvolvidas por prestadores de
serviço e usuários? Quais foram as mudanças nas relações entre prestadores e usuários? Quais
foram as competências técnicas materiais e imateriais que precisaram ser desenvolvidas em
razão da adoção da nova tecnologia? Para empreender esse tipo de investigação, a representa-
ção do produto em termos de vetores de características pode revelar processos antes desperce-
bidos, que viabilizem a avaliação mais pluralista e multicritério dos serviços (Gadrey, 2001).
Todos os três artigos que adotaram a perspectiva do Estado competidor aplicaram mé-
todo qualitativo de investigação. Todos usaram pesquisa documental; Potnis (2010) e Edler
e Georghiou (2007) a usaram exclusivamente, enquanto Raus, Flügge e Boutellier (2009) a
associaram ao estudo de caso. Apenas Potnis (2010) afirma ter analisado seus dados por meio
de análise de conteúdo. Três dos quatro artigos que adotaram a perspectiva da administração
pública aplicaram método quantitativo em análise de surveys. Enquanto Choi e Chang (2009)
e Naranjo-Gil (2009) modelaram os dados usando equações estruturais e regressão dos mí-
nimos quadrados parciais, Dorner (2009) limitou-se a analisar as frequências das respostas
à survey. Do grupo da administração pública, apenas Dai e colaboradores (2009) aplicaram
método qualitativo, restrito à revisão bibliográfica. Um padrão entre perspectiva teórica e mé-
todo não fica claro com esses dados, mas a relação fica mais evidente ao adicionarmos o nível
de análise e o objeto da inovação.
Nenhum artigo realizou análise no nível micro. Todos os quatro artigos cujo nível de
análise era macro aplicaram método qualitativo de investigação. Três deles examinavam po-
líticas públicas: de compras governamentais (Edler e Georghiou, 2007), de informatização
de serviços aduaneiros (Raus, Flügge e Boutellier, 2009) e de eficiência energética de edifí-
cios (Dai et al., 2009). Os estudos classificados como meso, apesar de analisarem grupos de
organizações, estudavam a relação entre variáveis no nível organizacional. Um único artigo
examinou política pública, mas aplicou método quantitativo e analisou seu problema no nível
meso (Dorner, 2009). Por sua vez, todos os artigos cujo nível de análise era meso adotaram
método quantitativo, usando survey.
No estudo da inovação no setor público a tensão micro-macro acentua-se porque os
processos de inovação estão ajustados em grandes e complexas estruturas organizacionais e
desenvolvidos de forma aceitável política e legalmente, consideradas ainda preocupações so-
bre equidade social e eficiência. A maior parte das organizações públicas é elemento de uma
grande cadeia de comando e controle no qual é difícil traçar uma linha entre as diferentes
partes do sistema (Koch e Hauknes, 2005:19, 24). A perspectiva macro pode perder em sua
análise as características locais, as interações entre os atores, as soluções idiossincráticas (Do-
nahue, apud Farah, 2007) ou ad hoc (Gallouj, 2002) e a influência do contexto. A perspectiva

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estritamente organizacional pode perder as contingências do ambiente político-social que atu-


am sobre a trajetória de inovação.
Alguns estudos de inovação em serviços e na manufatura enfrentam o mesmo pro-
blema. Em serviços, há autores que usam a Actor-Network Theory (ANT) para combinar as
perspectivas institucional e organizacional (Vargas, 2009). Segundo Latour (2005), a noção
de rede permite dissolver a distinção micro-macro que tem assolado a teoria social desde seu
início. Malerba (2004) também identifica essa tensão nas pesquisas de inovação e propõe
aplicar o quadro referência dos sistemas setoriais de inovação para superá-la.
Assim, considerando os resultados apresentados, a amostra examinada revela as se-
guintes relações:

Relação 1  Estado competidor -> nível macro -> método qualitativo -> análise de política
pública
Relação 2  administração pública -> nível meso –> método quantitativo –> aplicação de
survey –> investigação de relação entre variáveis no nível organizacional

Essas relações indicam duas vertentes nos estudos de inovação em serviços públicos:
uma que pode ser chamada de vertente do Estado competidor e a outra de vertente da Admi-
nistração pública. Ao mesmo tempo, indicam caminhos poucos explorados pelas pesquisas.
Por exemplo, destaca-se a ausência de estudos que examinem o empreendedorismo público
ou social, de uma perspectiva micro (Fuglsang, 2010). Também estão ausentes estudos que
tenham como base a teoria da inovação em serviços.
A perspectiva da inovação em serviços ressalta propulsores internos e externos da ino-
vação em ambientes com interações complexas (Fuglsang, 2010). Essas investigações pode-
riam contribuir com pesquisas que examinam as relações entre variáveis que influenciam a
inovação, sugerindo novas variáveis e relações a serem testadas. Dessa forma, poderiam ser
incorporadas à análise relações com atores políticos, fornecedores e a comunidade usuária
dos serviços. Esse é o caso em especial dos autores que se engajaram em estudos quantita-
tivos com modelagem estatística (Choi e Chang, 2009; Naranjo-Gil, 2009). Os artigos que
analisaram melhor as relações complexas entre atores que atuam no processo de inovação
foram os de Dai e colaboradores (2009) e de Edler e Georghiou (2007). O primeiro é teórico
e o segundo teórico-empírico. Essa ambição de desenvolver quadros de referência e conceitos
analíticos pode ter impulsionado esses autores a adotar visão mais abrangente do processo de
inovação.
Outra contribuição dos estudos de inovação em serviços é o reconhecimento do caráter
processual da inovação. Raus, Flügge e Boutellier (2009) e Dorner (2009) abordam políticas
públicas e partem delas como artefatos, pontos de início e fatores exógenos, quando de fato
elas são continuamente constituídas e negociadas na prática de sua implementação, oportuni-
dade na qual os problemas são revelados e surgem soluções que respondem a eles.
As referências de boa parte dos artigos indicam que a revisão bibliográfica sobre ino-
vação tem sido restrita, em alguns casos ignorando os clássicos da teoria evolucionária e da
inovação. Dai e colaboradores (2009) apresentam apenas oito referências no total. Seis publi-

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cadas em chinês, exceto uma sobre microeconomia e outra sobre economia do setor público,
ambas, porém, publicadas na China, o que sugere que os autores não procuraram ou não têm
acesso ao estado da arte em seu campo de pesquisa. Nenhuma menção é feita a autores sobre
inovação. Dorner (2009) apresenta apenas 18 referências no total, sendo nove documentos
governamentais e uma autocitação. A teoria da difusão da inovação de Rogers (apud Dorner,
2009) é a única referência à literatura de inovação. Aliás, é curioso que entre referências
tão restritas, Rogers seja citado em três dos sete artigos. Raus, Flügge e Boutellier (2009)
argumentam que o autor é muito aceito e mencionam um estudo de Prescott e Conger (de
1995) no qual eles registram 70 artigos publicados entre 1984 e 1994 que usaram a teoria de
Rogers. Potnis (2010), Choi e Chang (2009) e Naranjo-Gil (2009) citam artigos que tratam
de inovação, mas não mencionam nenhum autor da literatura básica de inovação. Apenas
dois artigos citam autores já consagrados na literatura de inovação: Raus, Flügge e Boutellier
(2009) citam L. Soete e J.M. Utterback; Edler e Georghiou (2007) citam Richard Nelson, B.
Lundvall e C. Edquist.
Essa pesquisa restrita sobre as bases teóricas da teoria da inovação e seu desenvolvi-
mento posterior pode estar na origem da limitação de perspectivas teóricas presentes nos
artigos revisados.

6. Conclusões

Uma vez revisados artigos sobre inovação no setor público, publicados em periódicos internacio-
nais Qualis A1 no período de 2006 a 2010, realizou-se confronto das formulações adotadas na
amostra com a literatura sobre inovações em serviços que adota a abordagem integradora.
Ressalvando que o conjunto de artigos revisados é pequeno e a base de informação res-
trita para permitir afirmações fortes, a revisão possibilitou caracterizar a produção internacio-
nal ao inventariar seus objetivos, métodos, enfoques teóricos e resultados. Permitiu também
identificar temas e formulações da literatura de inovação em serviços que podem contribuir
para tornar a análise sobre inovação no setor público mais rica e mais completa, reconhecen-
do as especificidades dos serviços.
A análise dos artigos revela que não há relação clara entre o gênero da pesquisa e as
demais categorias de análise. Predominam artigos que tratam de inovação processual ou de
melhoria, nos quais as TIC têm papel de relevo.
Evidenciou-se também que há oportunidades de pesquisa na investigação de processos
de inovação organizacional (Schumpeter, 1982), incremental, por recombinação, por forma-
lização e ad hoc (Gallouj, 2002).
A amostra de artigos revisados é relativamente pequena e indicou apresentar intera-
ção restrita com a literatura sobre inovação em serviços. De um lado, há artigos que ado-
tam perspectiva teórica da administração pública e, de outro, os que adotam a perspectiva

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do Estado competidor. Para entender a inovação nos serviços públicos, é necessário ex-
plorar novas perspectivas e examinar o fenômeno de outros ângulos, agregando as contri-
buições dos estudos que abordam o nível micro de análise e que assumem a perspectiva
da teoria da inovação em serviços, de forma a abarcar a complexidade e a diversidade do
setor público.
Na linha dos artigos que tratam de estudos de caso, a representação do produto em
termos de vetores de características sugere tipologia de inovação que pode tornar a identi-
ficação e medição das inovações no serviço público mais coerentes com as especificidades
dos serviços. Abordagens adotadas na literatura de inovação em serviços oferecem base teó­
rica para os estudos que pretendem examinar os efeitos da inovação nos serviços públicos,
conciliando a avaliação da eficiência com a avaliação de dimensões cívicas e sociais, que
são intrínsecas à atividade dos serviços públicos. Por fim, a ANT permite trabalhar melhor
a tensão e as limitações de análises macro e micro, oferecendo oportunidades de abranger,
com maior detalhe, o nível organizacional na investigação dos processos de inovação no
serviço público.

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Dagomar Henriques Lima é auditor federal de controle externo no Tribunal de Contas da União. E-mail:
direito-bsb@ig.com.br.

Eduardo Raupp de Vargas é professor do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade


de Brasília (PPGA/UnB). E-mail: raupp.vargas@gmail.com.

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