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Testes Preliminares para Obtenção de Um Protocolo de Fabricação de Filmes de Amido Com Adição de Cera de Carnaúba

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

ESCOLA DE ENGENHARIA
DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA QUÍMICA
ENG07053 - TRABALHO DE DIPLOMAÇÃO EM ENGENHARIA
QUÍMICA

Te ste s p re l i m i n a re s p a ra
o b te n çã o d e u m p ro to c o l o d e
fa b r i ca ç ã o d e f i l m e s d e a m i d o
co m a d i çã o d e c e ra d e
ca r n a ú b a

Autor: Gabriela de Andrade Monteiro

Orientadora: Profª. Dra. Isabel Cristina Tessaro


Coorientadora: Dra. Cláudia Leites Luchese

Porto Alegre, novembro de 2021


Autor: Gabriela de Andrade Monteiro

Testes preliminares para obtenção de um protocolo de


fabricação de filmes de amido com adição de cera de
carnaúba

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


COMGRAD/ENQ da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul como parte dos requisitos para a
obtenção do título de Bacharel em Engenharia
Química

Orientadora: Profª. Dra. Isabel Cristina Tessaro


Co-orientadora: Dra. Cláudia Leites Luchese

Banca Examinadora:

Prof. Dr., Nilson Romeu Marcilio, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Profª. Dra., Patrícia Benelli, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Porto Alegre

2021
ii Testes preliminares para obtenção de um protocolo de fabricação de filmes de amido com
adição de cera de carnaúba

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço à minha família pelo incentivo, apoio, suporte e carinho


durante toda a graduação.

À minha orientadora Profª. Dra. Isabel Cristina Tessaro e à minha co-orientadora Cláudia
Luchese pela oportunidade de realizar este trabalho, pela orientação, pela amizade e por
todo o auxílio e disposição.

A todos do LATEM e LASEM pela convivência e ajuda.

Aos colegas de graduação e amigos que estiveram ao meu lado.

Aos professores por todos os ensinamentos e experiências passadas e ao departamento de


Engenharia Química da UFRGS.

Muito obrigada!
DEQUI / UFRGS – Gabriela de Andrade Monteiro iii

RESUMO

A utilização de materiais plásticos para a produção de bens de consumo vem aumentando a


cada ano, especialmente para a produção de embalagens. Visando minimizar a dependência
de recursos fósseis não renováveis para a produção de plásticos e a quantidade de resíduos
gerada após o uso destes produtos, as pesquisas acerca de embalagens biodegradáveis
produzidas com matérias-primas renováveis vêm ganhando atenção. Várias substâncias
presentes em fontes renováveis apresentam a capacidade de formar filmes através de
ligações poliméricas, entre essas se destaca o amido. O amido é um polissacarídeo
encontrado em diversas fontes alimentícias, como em leguminosas, raízes e cereais, e será a
base para o desenvolvimento dos filmes neste trabalho. Porém, os filmes de amido
apresentam resultados indesejados de propriedades de barreira para a água, indicando sua
afinidade com a água, o que compromete o seu desempenho na utilização mais ampla como
embalagens. Portanto, neste trabalho será avaliada a incorporação da cera de carnaúba
como componente hidrofóbico para diminuir a afinidade com a água dos filmes à base de
amido. Além disso, será avaliada a metodologia empregada para a formação de um filme
homogêneo, sem que haja a separação das fases aquosa e oleosa. Para obtenção dos filmes
foi elaborada uma solução gelatinizada de amido com o plastificante, o glicerol. A cera de
carnaúba foi adicionada à solução de amido gelatinizada através de uma emulsão da cera de
carnaúba com um componente surfactante, o Tween 80, e com etanol visando alcançar
resultados satisfatórios de continuidade e homogeneidade dos filmes. Diferentes teores da
emulsão foram adicionados às amostras de solução gelatinizada de amido separadamente
para avaliação do aspecto visual de cada uma. A elaboração dos filmes foi realizada pela
técnica de casting das soluções em placas Petri em duas gramaturas diferentes. Os filmes
que continham menores teores da emulsão de cera de carnaúba e menores gramaturas
apresentaram aspectos visuais satisfatórios em termos de continuidade e homogeneidade
da fase aquosa com a fase oleosa. O teste de bancada realizado pingando-se uma gota de
água sobre o filme para avaliar o ângulo de contato entre a gota e o filme, indicando a sua
hidrofobicidade, e para verificar se a gota seria absorvida instantaneamente pelo filme como
ocorre em filmes que contêm somente amido em sua formulação, também apresentou
resultados satisfatórios. Portanto, a adição de cera de carnaúba aos filmes de amido
demonstrou resultados satisfatórios e a continuidade deste estudo através desta formulação
apresenta potencial. A metodologia também se mostrou uma alternativa promissora, visto a
facilidade da incorporação da cera à solução de amido e também o aspecto homogêneo dos
filmes, não apresentando separação das fases aquosa e oleosa visualmente.

Palavras-chave: filmes biodegradáveis, amido, cera de carnaúba, casting


iv Testes preliminares para obtenção de um protocolo de fabricação de filmes de amido com
adição de cera de carnaúba

ABSTRACT

The use of plastic materials for the production of goods has been increasing every year,
especially for packaging production. Aiming to minimize the dependence on non-renewable
fossil resources for the production of plastics and the amount of waste generated after the
use of these products, research on biodegradable packaging produced with renewable raw
materials has been gaining attention. Some substances present in renewable sources have
film-forming capacity through polymeric bonds. Starch is a polysaccharide widely found in
food sources, such as legumes, roots and cereals, which has this property and will be the
main component for the development of the films in this work. However, starch films have
undesired results of water barrier properties, indicating their affinity with water, which
compromises their performance for use in packaging. Therefore, in this work, the
incorporation of carnauba wax as a hydrophobic component to decrease the water affinity
of starch films will be evaluated. In addition, the methodology used to form a homogeneous
film will be evaluated to avoid aqueous and oil phases separation. The films were obtained
through a gelatinized starch solution with a plasticizer, the glycerol. Carnauba wax was
added to the gelatinized starch solution through an emulsion of carnauba wax with a
surfactant component, Tween 80, and with ethanol to achieve satisfactory results in terms of
film continuity and homogeneity. Different contents of the emulsion were added to the
samples of gelatinized starch solution separately to evaluate the visual aspect of each one.
The solutions were cast in Petri dishes in two different weights. Then, the Petri dishes were
placed in an oven. The films containing lower levels of carnauba wax emulsion and lower
weights presented satisfactory visual aspects in terms of continuity and homogeneity of the
aqueous phase with the oil phase. The bench test performed by dropping a drop of water
onto the film to assess the contact angle between the drop and the film, indicating its
hydrophobicity, and to check whether the drop would be instantly absorbed by the film as it
occurs in films containing only starch in its formulation also showed satisfactory results.
Therefore, the addition of carnauba wax to starch films showed satisfactory results and the
segment of this study through this formulation is indicated. The methodology also proved to
be a promising alternative, given the ease of incorporating wax into the starch solution and
also the homogeneous aspect of the films, with no visual separation of the aqueous and oil
phases.

Keywords: biodegradable, starch, carnauba wax, casting.


DEQUI / UFRGS – Gabriela de Andrade Monteiro v

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Ciclo de vida ideal dos polímeros biodegradáveis provenientes de fontes


renováveis................................................................................................................................... 6
Figura 2: Representação esquemática da estrutura química das moléculas de (a) amilose e
(b) amilopectina.......................................................................................................................... 7
Figura 3: Aspecto visual das amostras após permanecer na estufa a 35 C com convecção de
ar forçada por 24 h: (a) filme obtido a partir da solução 1 com gramatura de espalhamento
equivalente a 0,35 g cm-2 (A) filme obtido a partir da solução 1 com gramatura de
espalhamento igual a 0,53 g cm-2 (b) filme obtido a partir da solução 2 com gramatura de
0,35 g cm-2 (B) filme da solução 2 com gramatura de 0,53 g cm-2. .......................................... 24
Figura 4: Aspecto visual das amostras após permaneceram na estufa a 35 C com convecção
de ar forçada por 24 h: (c) filme obtido a partir da solução 3 com gramatura de 0,35 g cm-2 e
(C) filme obtido a partir da solução 3 com casting na gramatura de 0,53 g cm-2 (d) filme
obtido a partir da solução 4 com gramatura de 0,35 g cm-2 (D) filme obtido a partir da
solução 4 com gramatura de 0,53 g cm-2. ................................................................................ 25
Figura 5: Teste qualitativo para avaliar a interação da amostra de filme obtida a partir da
solução 2 (contendo compostos hidrofóbicos) quando em contato direto com 2 gotas de
água, sendo possível observar (a) gota de água logo após ser pingada com pipeta Pasteur no
filme e (b) gota de água pingada depois permanecer aproximadamente 10 min em contato
com o filme. .............................................................................................................................. 27
Figura 6: Medição dos ângulos de contato entre as gotas de água e os filmes contendo cera
de carnaúba com auxílio do software Image J, sendo (a) e (b) ângulos de contato entre a gota
de água recém-pingada e a superfície do filme, (c) e (d) ângulos de contato entre a gota de
água pingada e a superfície do filme após aproximadamente 10 min. ................................... 28
vi Testes preliminares para obtenção de um protocolo de fabricação de filmes de amido com
adição de cera de carnaúba

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Propriedades físico-químicas de filmes e/ou revestimentos à base de diferentes


biopolímeros com incorporação de diferentes compostos lipídicos. ...................................... 13
Tabela 2: Continuação das propriedades físico-químicas de filmes e/ou revestimentos à base
de diferentes biopolímeros com incorporação de diferentes compostos lipídicos. ............... 13
Tabela 3: Propriedades físico-químicas de filmes à base de diferentes biopolímeros com
incorporação de cera de carnaúba ou cera de abelha. ........................................................... 16
Tabela 4: Formulações utilizadas para o preparo de filmes à base de amido com teor de
glicerol fixo (0,6 g por 100 mL; 30% em relação ao teor de amido) e diferentes teores da
emulsão (cera de carnaúba, Tween 80 e etanol)..................................................................... 21
DEQUI / UFRGS – Gabriela de Andrade Monteiro vii

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

PVA – Permeabilidade ao Vapor de Água

PHA – polihidroxialcanoato
viii Testes preliminares para obtenção de um protocolo de fabricação de filmes de amido com
adição de cera de carnaúba

SUMÁRIO

1 Introdução 1
1.1 Objetivo geral 2
1.2 Objetivos específicos 2
2 Revisão Bibliográfica 3
2.1 Problemas ambientais gerados pelo descarte incorreto de materiais não
biodegradáveis 3
2.2 Utilização de biopolímeros provenientes de fontes renováveis 5
2.3 Obtenção dos filmes biodegradáveis a partir de fontes amiláceas 7
2.3.1 Amido 7
2.3.2 Plastificante 8
2.3.3 Formação de filmes pelo método de casting 8
2.4 Limitações do uso do amido e incorporação de compostos hidrofóbicos 8
2.5 Cera de carnaúba 10
2.6 Filmes e coberturas com adição de compostos lipídicos 10
2.6.1 Filmes e coberturas com adição de cera 14
2.7 Considerações finais 16
3 Materiais e Métodos 19
3.1 Matérias-Primas 19
3.2 Testes para Determinação do Protocolo de Preparo dos Filmes 19
3.3 Caracterização das Amostras 21
4 Resultados e Discussão 23
5 Conclusões e Sugestões para Trabalhos Futuros 29
REFERÊNCIAS 30
DEQUI / UFRGS – Gabriela de Andrade Monteiro 1

1 Introdução
Os plásticos são um dos tipos de materiais mais consumidos na vida diária da sociedade.
Algumas propriedades desses materiais como o baixo custo, elevada resistência à
degradação solar, química e microbiana, impermeabilidade à água e baixo peso são as
principais razões da sua popularidade, visto que oferecem diversos benefícios e facilidades à
rotina dos consumidores. Porém, os impactos ambientais causados pela produção e
disposição incorreta desses componentes oriundos de fontes fósseis causam sérias
preocupações relacionadas com o futuro do nosso planeta.

Estima-se que são gerados aproximadamente 34 milhões de resíduos plásticos por ano
em todo o mundo, sendo que cerca de 90% desse total acaba sendo disposto em aterros e
nos oceanos (EMADIAN, ONAY, DEMIREL, 2017; PATHAK, SNEHA, MATHEW, 2014). Por esse
motivo, alternativas sustentáveis que buscam substituir, mesmo que parcialmente, o uso de
fontes fósseis pela utilização de recursos naturais para produzir materiais plásticos
biodegradáveis têm sido alvo de pesquisas (DE OLIVEIRA, 2017). Esses bioplásticos estão
sendo desenvolvidos principalmente para aplicação como embalagens para alimentos e
filmes comestíveis para revestimento de frutos minimamente processados, tendo em vista o
crescimento exponencial da utilização de embalagens descartáveis para esses fins (ASSIS et
al., 2017; CARPINÉ, 2015). A dificuldade de reciclagem do material plástico ao ser
transformado em resíduo e a necessidade de prolongar a vida útil de alimentos perecíveis
como frutas, leguminosas e hortaliças, impulsiona ainda mais a realização de pesquisas
nessa área (PATHAK, SNEHA, MATHEW, 2014).

Os estudos iniciais acerca das embalagens biodegradáveis são feitos a partir da formação
de um filme polimérico, onde a estrutura e as propriedades mecânicas, físico-químicas e de
barreira são avaliadas. Com a avaliação das propriedades e da estrutura dos filmes é possível
prever a efetividade da formulação estudada para a utilização em embalagens. As vantagens
da utilização de polímeros biodegradáveis provenientes de fontes renováveis são a não
utilização de recursos oriundos do petróleo, a diminuição da emissão de gás carbônico na
atmosfera e a biodegradabilidade do material que consiste no fechamento do ciclo de vida
quando os materiais se tornam resíduos e são dispostos no meio-ambiente (PATHAK,
SNEHA, MATHEW, 2014). Dentre os recursos renováveis existentes, o amido surge como
uma boa alternativa, pois tem a capacidade de formar ligações poliméricas, está disponível
em elevadas quantidades no mundo, visto que é proveniente de diferentes fontes vegetais,
além de possuir baixo custo (HENRIQUE, CEREDA, SARMENTO, 2008; DE OLIVEIRA, 2017).
Contudo, para que um filme de amido atenda às especificações necessárias para
desempenhar as funções de embalagens plásticas, de filmes plásticos ou de coberturas
comestíveis é necessário que haja a incorporação de outros componentes na sua
formulação, como agentes plastificantes que conferem melhores propriedades mecânicas
aos filmes. Uma característica que afeta significativamente a qualidade dos filmes
produzidos a partir do amido é a sua afinidade com a água. O contato do filme de amido
com a água compromete sua estrutura devido à elevada hidrofilicidade e pode dificultar a
manutenção da qualidade do produto durante o armazenamento (DE OLIVEIRA, 2017;
SYAHIDA et al., 2020). Para remediar esse problema, muitos estudos são feitos adicionando-
se na formulação dos filmes componentes hidrofóbicos, sendo mais comumente utilizados
os compostos lipídicos (SYAHIDA et al., 2020).
2 Testes preliminares para obtenção de um protocolo de fabricação de filmes de amido com
adição de cera de carnaúba

A cera de carnaúba pode ser estudada como componente lipídico adicionado à solução
polimérica com o objetivo de diminuir a hidrofilicidade dos filmes. A cera de carnaúba é
composta de ácidos graxos de cadeia longa, assim como todas as ceras, o que lhe confere
propriedades hidrofóbicas (SYAHIDA et al., 2020). Além disso, pode ser encontrada
facilmente no Brasil, pois sua extração é feita das palmeiras de Copernica cerifera, árvore
nativa brasileira (WELLER, GENNADIOS, SARAIVA, 1998). Sua incorporação no filme é feita
com a adição de um agente surfactante que possibilita maiores interações entre as fases
aquosa e oleosa do filme.

Portanto, neste trabalho será incorporada a cera de carnaúba nos filmes biodegradáveis
à base de amido para minimizar a afinidade pela água. Para a obtenção de um filme
homogêneo, contínuo e com aspecto visual satisfatório, serão testadas metodologias para a
elaboração dos filmes de acordo com os estudos e pesquisas realizados na literatura. Para
uma análise mais adequada e representativa dos filmes desenvolvidos, as suas propriedades
físico-químicas e mecânicas devem ser averiguadas, porém, devido à pandemia ocasionada
pelo Coronavírus, os testes não puderam ser realizados como desejado inicialmente.

1.1 Objetivo geral


O presente trabalho objetivou buscar alternativas para reduzir a hidrofobicidade de
filmes biodegradáveis de amido avaliando técnicas de homogeneização eficazes para
incorporação da cera de carnaúba evitando a separação das fases oleosa e aquosa.

1.2 Objetivos específicos

• Realizar uma busca na literatura para determinação do atual estado da arte em


relação ao desenvolvimento de filmes à base de polímeros biodegradáveis
produzidos a partir de fontes renováveis com a incorporação de compostos lipídicos,
avaliando as propriedades que indicam a afinidade com a água dos filmes estudados.

• Aplicar diferentes metodologias de mistura para o desenvolvimento de filmes com


amido de mandioca e cera de carnaúba a fim de determinar um protocolo de preparo
dos filmes.

• Caracterizar por microscopia ótica e medidas de ângulo de contato um dos filmes


obtidos.
DEQUI / UFRGS – Gabriela de Andrade Monteiro 3

2 Revisão Bibliográfica e Fundamentação Teórica


Neste capítulo serão abordados os principais tópicos que contextualizam o presente
trabalho, destacando os impactos ambientais da utilização de recursos não biodegradáveis,
o uso do amido como alternativa para o desenvolvimento de filmes biodegradáveis, a adição
de compostos lipídicos na matriz polimérica visando à redução da hidrofilicidade de filmes
de amido, a seleção da cera de carnaúba para elaboração das amostras, assim como, alguns
estudos relevantes publicados na literatura relacionados com a incorporação de lipídeos em
filmes, coberturas ou revestimentos à base de materiais biodegradáveis.

2.1 Problemas ambientais gerados pelo descarte incorreto de materiais não


biodegradáveis
O consumo de materiais não biodegradáveis, dentre eles, em grande maioria os
plásticos, tem recebido ampla atenção em todo o mundo. Em 1964 foram produzidas cerca
de 15 milhões de toneladas de materiais plásticos no mundo. Em 2014, esse número
aumentou significativamente, aproximadamente 311 milhões de toneladas foram
produzidas, sendo 26% desse total destinado para a produção de embalagens (WORLD
ECONOMIC FORUM, 2016). O uso excessivo de material plástico gera preocupações devido
aos impactos negativos que a sua disposição incorreta causa ao meio ambiente. A utilização
de recursos não renováveis, principalmente oriundos de fontes fósseis, como o petróleo,
para a fabricação de polímeros com elevada durabilidade pode gerar materiais que irão
permanecer centenas de anos no meio ambiente devido a sua não biodegradabilidade
(PATHAK, SNEHA, MATHEW, 2014).

No entanto, é importante comentar que não é fácil, nem sequer simples, encontrar
alternativas viáveis para a destinação correta dessa substancial quantidade de resíduos.
Durante o processo de incineração de materiais plásticos podem ser originados compostos
residuais tóxicos, tanto gasosos quanto sólidos (cinzas). Os aterros controlados construídos
de forma adequada são limitados e algumas técnicas de reutilização desses materiais
envolvem elevados custos em virtude do alto consumo energético. Em alguns casos também
há dificuldade de separação dos materiais poliméricos, inviabilizando o processo de
reciclagem (PATHAK, SNEHA, MATHEW, 2014). Atualmente, o Brasil produz cerca de
11 milhões de toneladas de lixo plástico por ano e, somente 1,2% destes resíduos é enviado
para usinas de reciclagem. Esse percentual é expressivamente inferior à média mundial de
materiais plásticos reciclados, correspondente a 9%. Em países desenvolvidos como
Alemanha, Estados Unidos e Reino Unido, esse índice alcança valores de 30% (WWF, 2019).

Assim, grande parte desses resíduos plásticos não biodegradáveis é enviada para aterros
sanitários, sendo incinerada ou, então, em um cenário ainda pior, permanece disposta no
meio ambiente por períodos bastante longos. No Brasil, das 11 milhões de toneladas de lixo
plástico geradas por ano, aproximadamente 7,7 milhões de toneladas são enviadas para
aterros sanitários e mais de 1 milhão de toneladas não são recolhidas/recuperadas (WWF,
2019). Diferentemente do Brasil, em países como Japão, Alemanha e China, a incineração é
uma prática comumente adotada. Porém, esta tecnologia deve ser utilizada de forma
adequada e controlada, visto que a queima de materiais plásticos libera gases tóxicos na
atmosfera prejudiciais à saúde humana, à fauna e à flora, promovendo alterações climáticas,
e, contribuindo para a deterioração da camada de ozônio, devido à geração de gases do
efeito estufa. Desta forma, é necessário um rígido controle operacional, assim como a
4 Testes preliminares para obtenção de um protocolo de fabricação de filmes de amido com
adição de cera de carnaúba

utilização de filtros especiais para evitar a liberação de material tóxico (NAÇÕES UNIDAS,
2019).

Quando dispostos incorretamente no meio ambiente, estes materiais poliméricos


também oferecem sérios riscos. Além de interferirem esteticamente nas paisagens naturais,
prejudicam o ecossistema. Todo ano, o destino de aproximadamente 8 milhões de toneladas
de resíduos plásticos é os corpos hídricos e estima-se que, até 2016, já havia mais de
150 milhões de toneladas nos oceanos (WORLD ECONOMIC FORUM, 2016). Esses números
são consideravelmente preocupantes devido a não biodegradabilidade dos plásticos que
podem permanecer centenas de anos no meio ambiente. Estima-se que 60% dos resíduos de
plástico dispostos no ambiente é menos denso que a água e, portanto, permanece
flutuando. Parte desses resíduos é transportada por correntes marítimas, pela ação de
ventos e da rotação terrestre, promovendo a formação de “giros oceânicos”, responsáveis
por concentrar em um local os dejetos flutuantes, originando as chamadas ilhas de plásticos.
A Grande Mancha de Lixo no Oceano Pacífico, localizada entre a Califórnia e o Havaí, é um
exemplo do aparecimento dessas ilhas, acumulando aproximadamente 76 mil toneladas de
materiais plásticos em uma área de 1,6 milhões de m2 (LEBRETON et al., 2018).

Os detritos de lixo plástico são causa da morte de várias espécies marinhas. Os animais
acabam sendo enredados e/ou aprisionados e, acabam não conseguindo desempenhar suas
funções vitais. Outra questão que deve ser considerada é que esses animais ficam suscetíveis
à ingestão acidental desses materiais plásticos, inserindo-os na cadeia alimentar e, assim,
atingindo diversos seres vivos, pois o plástico sintético não se desintegra em substâncias
orgânicas, naturalmente (re)absorvidas pelo meio ambiente. Esse tipo de material é
fragmentado em pedaços cada vez menores, os microplásticos, incluindo todas as partículas
menores do que 5 mm, que são originados de pela degradação fotoquímica e pala abrasão
devido aos fenômenos climáticos. Essas minúsculas partículas podem se tornar tão
pequenas quanto algas e plâncton, base da alimentação de diversas espécies marinhas
(SOBRAL, FRIAS, MARTINS, 2011). A presença indiscriminada de plásticos na natureza é
motivo de preocupação, pois além de seus componentes poliméricos principais, os plásticos
são compostos por aditivos químicos que lhes conferem melhores propriedades mecânicas,
como o plastificante di-(2-etil-hexila), ftalatos e adipatos utilizados em filmes flexíveis de
poli(cloreto de vinila) usados para o armazenamento de alimentos gordurosos. Sendo
potencialmente cancerígenos, esses aditivos podem migrar para o alimento, provocando
sérios problemas à saúde, caso sejam ingeridos. Da mesma forma, a presença dos
microplásticos nos oceanos também representa um potencial vetor de transferência de
compostos orgânicos com elevada toxicidade (BARROS, 2010).

Conforme mencionado, sabe-se que existem alguns fatores que dificultam a cadeia
produtiva de reciclagem de resíduos plásticos. As diferentes resinas plásticas, quando
misturadas (intencionalmente ou não) no processo de reciclagem, dão origem a produtos de
baixa qualidade, com especificações técnicas inadequadas, devido à incompatibilidade
química entre elas. Ou seja, para evitar esse problema, é necessária a realização de um
processo de triagem não trivial e consideravelmente minucioso. Por exemplo, embalagens
plásticas do tipo filme podem ser produzidas com diferentes polímeros, tais como:
polietileno, polipropileno, poli(cloreto de vinila) ou com uma mistura destes e outros
polímeros. Ao passarem pelo processo de reaproveitamento industrial esses materiais
DEQUI / UFRGS – Gabriela de Andrade Monteiro 5

podem apresentar problemas de compatibilidade, originando trincas, defeitos e perda de


resistência mecânica (MESQUITA, 2018).

Entre outras dificuldades encontradas no mercado de reciclagem dos plásticos, é possível


destacar a inviabilidade econômica como um fator impactante, pois os investimentos iniciais
são significativamente superiores frente aos custos das resinas virgens, assim como a falta
de incentivo fiscal, possível contaminação dos resíduos, incertezas sobre a quantidade de
lixo plástico que será enviada às empresas recicladoras, visto que no Brasil, por exemplo,
esse fornecimento depende, em grande parte, do trabalho informal de catadores de lixo
(SANTOS; AGNELLI; MANRICH, 2004).

Apesar dos impactos ambientais causados pela disposição do plástico no meio ambiente,
esses polímeros trouxeram grandes facilidades e progresso para a humanidade. Com baixo
custo, elevada durabilidade e alta resistência, o plástico vem sendo escolhido como matéria-
prima para fabricação de diversas utilidades que têm funcionalidades cruciais na vida
humana, como nos setores de embalagens, equipamentos espaciais, instrumentos médicos,
vestuário, meios de transporte, entre outros. Portanto, soluções que resolvam, mesmo que
parcialmente, os problemas causados pelo excesso de resíduos plásticos não biodegradáveis
gerados diariamente, principalmente pela ampla utilização de produtos descartáveis, estão
sendo constantemente avaliadas. Atualmente, uma das alternativas mais promissoras
envolve a produção de plásticos biodegradáveis a partir de recursos renováveis (PATHAK,
SNEHA, MATHEW, 2014).

2.2 Utilização de biopolímeros provenientes de fontes renováveis


Para solucionar os problemas citados, pesquisas para o desenvolvimento de materiais
biodegradáveis a partir de recursos renováveis que desempenhem funções semelhantes às
dos plásticos, e que não causem impactos negativos ao meio ambiente, estão em ascensão.
Os polímeros biodegradáveis são materiais cuja degradação resulta da ação direta de
microrganismos, tais como bactérias, fungos e algas, de ocorrência natural no meio
ambiente (ASTM D883-12, 2012).

Os principais motivos envolvidos no investimento e na escolha por plásticos


biodegradáveis são a utilização de recursos renováveis que não agridem o meio ambiente,
contribuem para reduzir a quantidade de gás carbônico na atmosfera, minimizando a
poluição causada pela disposição inadequada de materiais plásticos. A utilização de
polímeros biodegradáveis e provenientes de fontes renováveis possibilita o fechamento do
ciclo de vida. O ciclo de vida ideal dos materiais biodegradáveis de origem renovável está
apresentado na Figura 1. O ciclo começa com a plantação/cultivo dos recursos que são
usados como matérias-primas para a produção dos plásticos que irão substituir as fontes
derivadas do petróleo e que necessitam, principalmente, de luz solar, H2O e CO2 como fonte
de energia para realização do processo de fotossíntese. Assim, com a obtenção da matéria-
prima, os polímeros podem ser sintetizados por diferentes tipos de processamento. Após a
síntese, os grãos e pellets de polímeros são processados e conformados no tamanho e no
formato dos produtos desejados, por exemplo, como embalagens, copos, pratos e outros
utensílios. Após o desempenho da função, os materiais perdem a utilidade proposta
inicialmente. No entanto, esses produtos plásticos podem ser diretamente descartados em
lixos orgânicos, onde os resíduos são destinados à compostagem. No processo de
6 Testes preliminares para obtenção de um protocolo de fabricação de filmes de amido com
adição de cera de carnaúba

compostagem, a matéria orgânica é degradada e, portanto, pode ser usada como adubo
para o cultivo de novas fontes de matéria-prima para produção de novos plásticos
biodegradáveis, finalizando o ciclo e iniciando-o novamente (PATHAK, SNEHA, MATHEW,
2014).

Figura 1: Ciclo de vida ideal dos polímeros biodegradáveis provenientes de fontes


renováveis.

Fonte: Adaptado de BRITO et al. (2011).

Na busca pelo desenvolvimento de polímeros com propriedades similares às dos


plásticos convencionais, diversas fontes renováveis vêm sendo amplamente estudadas,
como cana-de-açúcar, soja, arroz, milho, celulose, óleos vegetais, resíduos agrícolas e
industriais como soro de leite, lignina, cúrcuma, babaçu, urucum e, até mesmo, fontes
bacterianas, entre outros (PATHAK, SNEHA, MATHEW, 2014). Existem estudos para o
desenvolvimento e aplicação de quitosana, um polissacarídeo de origem animal cuja
matéria-prima, a quitina, é retirada das cascas de camarões e/ou caranguejos (SONG et al.,
2018). O gene da bactéria Ralstonia eutropha codifica uma enzima que permite que a
bactéria produza o polihidroxialcanoato (PHA), um polímero biodegradável do qual podem
ser produzidos produtos como sacolas plásticas, embalagens para cosméticos e utensílios
domésticos (pratos e talheres), implantes médicos, entre outros. Novas tecnologias estão
sendo desenvolvidas para produzir PHA, até mesmo, utilizando o carbono presente na
atmosfera em forma de metano e gás carbônico, contribuindo para diminuir o efeito estufa
e a degradação da camada de ozônio (ECYCLE, 2018; SONG et al., 2018). Outra aplicação em
que os polímeros biodegradáveis desempenham papel importante são os biomateriais como
implantes temporários utilizados em terapia com medicamentos. Para essa aplicação os
polímeros são feitos a partir das proteínas, polissacarídeos, entre outros, destacando-se
colágeno, fibrina, seda, alginato e derivados do ácido hialurônico (SONG et al., 2018).
DEQUI / UFRGS – Gabriela de Andrade Monteiro 7

Como já mencionado, esse trabalho tem como foco o desenvolvimento e a


caracterização de bioplásticos à base de amido.

2.3 Obtenção dos filmes biodegradáveis a partir de fontes amiláceas


A obtenção dos filmes biodegradáveis usando amido como matéria-prima pode ser feita
a partir da utilização de diferentes técnicas de processamento. Nesse trabalho, os filmes
foram fabricados por casting, técnica também conhecida como espalhamento. Esse
procedimento consiste na solubilização do biopolímero em um solvente, que pode ser água,
etanol, água/etanol ou ácidos orgânicos. Nessa suspensão polimérica é acrescentado um
composto com propriedades plastificantes que será o principal agente compatibilizante.
Além disso, outros aditivos, como agentes reticulantes e modificadores de pH também
podem ser incorporados a fim de melhorar propriedades físico-químicas e/ou mecânicas dos
materiais desenvolvidos, no caso de aplicações específicas. Esses componentes são a base
para a formação de uma suspensão filmogênica (CARPINÉ, 2015; HENRIQUE, CEREDA,
SARMENTO, 2008) que, posteriormente, é espalhada em placas. Os componentes e técnicas
utilizados para o desenvolvimento dos filmes deste trabalho serão analisados a seguir.

2.3.1 Amido
O amido é um polissacarídeo largamente utilizado para produção de materiais
biodegradáveis devido ao seu baixo custo e alta disponibilidade (JIANG et al., 2019;
HENRIQUE, CEREDA, SARMENTO, 2008; DE OLIVEIRA, 2017). O amido pode ser obtido a
partir de diversas fontes vegetais como trigo, milho, batata, arroz e mandioca, podendo
também ser modificado por tratamentos físicos, químicos e/ou enzimáticos a fim de obter
melhores propriedades de compatibilização e formação da matriz polimérica (DE OLIVEIRA,
2017).

Na sua composição, o amido possui uma mistura de dois polissacarídeos: a amilose e a


amilopectina. A diferença entre esses componentes está na sua microestrutura: as
moléculas D-glicose da amilose possuem cadeia linear, com ligações α-(1→4), e as moléculas
D-glicose da amilopectina, além das ligações α-(1→4), também apresentam ligações α-
(1→6), tornando sua cadeia ramificada (Figura 2) (JIANG et al., 2019; DE OLIVEIRA, 2017). A
maioria dos amidos nativos apresenta cerca de 20-30% de amilose e 70-80% de
amilopectina. Essa quantidade varia de acordo com o tipo de cultivar de extração, a botânica
do material de extração, entre outros, porém, essa razão pode ser modificada com
tratamentos químicos, físicos e/ou enzimáticos (DE OLIVEIRA, 2017).

Figura 2: Representação esquemática da estrutura química das moléculas de (a) amilose


e (b) amilopectina.
(a) (b)

Fonte: Adaptado de JIANG et al. (2019).


8 Testes preliminares para obtenção de um protocolo de fabricação de filmes de amido com
adição de cera de carnaúba

A transformação da solução de amido em uma solução filmogênica acontece devido aos


processos de gelatinização e retrogradação em que os grânulos de amido passam por
mudanças estruturais (HENRIQUE, CEREDA, SARMENTO, 2008). No processo de
gelatinização, uma solução de amido com excesso de água é aquecida em uma determinada
faixa de temperatura (75-90 °C), dependendo da fonte do amido. Na temperatura de
gelatinização, as ligações intermoleculares começam a ocorrer promovendo a perda da
estrutura semicristalina dos grânulos de amido, formando um gel. Os grânulos de amido
expandem-se aproximadamente 20% em relação ao volume original devido à difusão e
absorção de água nas regiões amorfas durante esse processo. As mudanças estruturais dos
grânulos de amido nesse processo são irreversíveis. Após a gelatinização, com a diminuição
da temperatura, ocorre o processo de retrogradação em que o amido tende a sofrer uma
reassociação, formando uma estrutura mais cristalina, pelo aumento de ligações
intermoleculares, tornando a rede mais firme e compacta (JIANG et al., 2019; HENRIQUE,
CEREDA, SARMENTO, 2008; DE OLIVEIRA, 2017).

2.3.2 Plastificante

Para conferir flexibilidade às amostras e melhorar as propriedades mecânicas dos filmes,


é adicionado à solução de amido um agente plastificante cujas moléculas possuem hidroxilas
(−OH), formando ligações de hidrogênio durante o processamento dos filmes. As ligações de
hidrogênio diminuem a força das ligações intermoleculares, impedindo que ocorra a
formação de uma estrutura bifásica, caracterizada por uma fase rica em amilose e outra rica
em amilopectina, visto que essa separação favorece a formação de estruturas filmogênicas
quebradiças e mais rígidas (CARPINÉ, 2015; DE OLIVEIRA, 2017).

O plastificante ideal para cada formulação pode ser escolhido dependendo das
características do polímero e das propriedades físico-químicas e mecânicas desejadas. Os
polióis, como o glicerol, o sorbitol e o glicol, são os plastificantes mais indicados para serem
empregados em filmes à base de amido (CARPINÉ, 2015; DE OLIVEIRA, 2017). Neste
trabalho, o glicerol, C3H5(OH)3, foi o plastificante utilizado. O glicerol, glicerina ou
propanotriol, é um composto orgânico pertencente ao grupo álcool. Na temperatura
ambiente (25 °C), o glicerol é um líquido higroscópico, inodoro, viscoso, de sabor adocicado
e completamente solúvel tanto em água quanto em álcool (CARPINÉ, 2015; DE OLIVEIRA,
2017).

2.3.3 Formação de filmes pelo método de casting


Para viabilizar a formação da matriz polimérica com a estruturação das ligações, após a
gelatinização da solução de amido contendo o plastificante, a solução filmogênica é
espalhada em um molde com formato e dimensões fixas e superfície lisa, em condições
ambientes ou em condições controladas de temperatura e umidade relativa, processo
conhecido como casting. Após o espalhamento, a solução é submetida ao processo de
secagem para remoção do solvente (CARPINÉ, 2015).

2.4 Limitações do uso do amido e incorporação de compostos hidrofóbicos


Em filmes e coberturas comestíveis de alimentos, principalmente frutas e hortaliças, é
desejado o desempenho de funções como inibição da perda de umidade dos alimentos,
redução de trocas gasosas, diminuição da taxa de reação oxidativa, redução de distúrbios
DEQUI / UFRGS – Gabriela de Andrade Monteiro 9

metabólicos, proteção microbiana, extensão do tempo de vida útil e da qualidade (DE


OLIVEIRA, 2017). A habilidade de retardar a perda de umidade dos alimentos é requerida,
visto que afeta sua qualidade sensorial e nutricional (DE OLIVEIRA, 2017). Além disso, o
excesso de umidade compromete significativamente a resistência mecânica dos filmes,
limitando sua utilização, em alguns casos (SYAHIDA et al., 2020). Os filmes formados
somente com amido nativo, geralmente, não são eficazes para realização destas funções
devido à formação de estruturas com elevada hidrofilicidade, necessitando a adição de
outros componentes à formulação a fim de conferir as características desejadas (DE
OLIVEIRA, 2017).

Apesar de o amido possuir a capacidade de formação de filmes, esse polissacarídeo


possui elevada afinidade com a água. As moléculas de água podem facilmente penetrar nos
filmes de amido por ligações de hidrogênio, comprometendo as propriedades essenciais
para o bom desempenho dos materiais poliméricos formados (DE OLIVEIRA, 2017). Desta
forma, uma alternativa para minimizar a hidrofilicidade dos filmes de amido consiste na
incorporação de materiais apolares que minimizem sua afinidade com a água. Sendo assim,
os lipídeos surgem como uma opção sustentável, pois além de serem biodegradáveis e
provenientes de fontes renováveis, existem em abundância na natureza. As ceras e os ácidos
graxos são comumente utilizados para a fabricação dos filmes, porém, também podem ser
incorporados constituintes lipossolúveis, como vitaminas A, D, E, K, esteróis, ácidos graxos
livres, mono e diacilgliceróis (DE OLIVEIRA, 2017).

A transferência de água através do filme ocorre na parte hidrofílica pelas zonas amorfas.
Com a incorporação de lipídeos, essa taxa de transferência tende a diminuir. Portanto, a
redução da transferência de água pelo filme é influenciada pela razão entre os componentes
hidrofílicos e hidrofóbicos presentes na matriz polimérica. Porém, esta razão deve ser
controlada, pois a adição de quantidades muito elevadas de lipídeos também pode
apresentar algumas desvantagens como aumento da opacidade (reduzindo a transparência
dos filmes) e enfraquecimento das propriedades mecânicas. A eficácia da adição de lipídeos
dependerá da natureza do composto (tamanho da cadeia de ácidos graxos, organização dos
cristais, ramificações da cadeia, saturação), do seu estado físico, da interação destes lipídeos
com os demais componentes da solução e do método utilizado para a sua incorporação na
matriz polimérica (CARPINÉ, 2015; GARCÍA, MARTINO, ZARITZKY, 2000).

Assim, o filme será constituído por duas fases: a hidrofílica polar representada pela
solução filmogênica de amido, e a hidrofóbica apolar representada pelo componente
lipídico. Sabe-se que essas fases são essencialmente imiscíveis, portanto, a adição de um
surfactante se faz necessária para que sejam obtidos filmes homogêneos, sem que haja
separação das fases aquosa e oleosa (CARPINÉ, 2015; DE OLIVEIRA, 2017).

Os surfactantes são compostos orgânicos anfifílicos, ou seja, apresentam em sua


estrutura molecular uma parte hidrofílica e outra hidrofóbica, atuando para diminuir as
tensões superficial e interfacial entre as fases. Normalmente, esses compostos são utilizados
no processo de produção de filmes biodegradáveis para tornar a mistura mais estável e
homogênea, promovendo a diminuição da absorção de água pelo filme (CARPINÉ, 2015; DE
OLIVEIRA, 2017). Com a sua incorporação, podem ocorrer mudanças nas propriedades
mecânicas dos filmes, como resistência a tração e flexibilidade, resultados reportados por
alguns autores (DE OLIVEIRA, 2017; SONG, ZUO, CHEN, 2018). No entanto, a adição de
10 Testes preliminares para obtenção de um protocolo de fabricação de filmes de amido com
adição de cera de carnaúba

alguns surfactantes pode não desempenhar a função esperada, visto que depende da
estrutura de cada filme e da sua afinidade com os compostos adicionados. São utilizados
principalmente como surfactantes não iônicos, o Tween 80 e o Span 80, além destes,
experimentos são realizados com componentes naturais, como lecitina de soja, Yucca
schidigera e óleo de girassol saponificado (CARPINÉ, 2015; DE OLIVEIRA, 2017; SONG, ZUO,
CHEN, 2018).

2.5 Cera de carnaúba


Dentre os lipídeos já estudados, as ceras apresentam elevado potencial devido à elevada
capacidade de formação de barreiras à umidade. Essa característica está associada à sua
grande quantidade de cadeias longas de gordura com grupos álcool e alquenos. Devido a
esse fato, tendem a apresentar baixa permeabilidade ao vapor de água e solubilidade em
água e são amplamente utilizadas para a incorporação nas soluções filmogênicas (SYAHIDA
et al., 2020; GALUS, KADZIŃSKA, 2015). Desta forma, neste trabalho, a cera de carnaúba foi o
componente lipídico selecionado para ser incorporado nas soluções amiláceas.

A cera de carnaúba é geralmente usada em cosméticos e na indústria de alimentos, em


revestimentos de papel e na fabricação de tintas. Na indústria de alimentos, é um
componente secundário na produção de balas, gomas e revestimentos de frutas (LI, PARISH,
1997). A cera de carnaúba é um produto purificado das folhas da carnaubeira, a palmeira
brasileira Copernica cerifera, solúvel na maioria dos solventes orgânicos polares, sendo
composta principalmente de ésteres alifáticos de cera (84 – 85%). Outros compostos
também estão presentes na cera de carnaúba, tais como ácidos livres (3,0 - 3,5%), resinas (4
– 6%), álcoois (2 – 3%) e hidrocarbonetos (1,5 – 3,0%) (LI, PARISH, 1997). Em geral, a cera de
carnaúba tem índices de saponificação variando entre 79 e 95 mg de KOH necessários para
saponificar 1 g de óleo ou de gordura, sendo que a faixa de temperatura de fusão varia entre
78 e 86 °C (LI, PARISH, 1997; ZHANG, SIMPSON, DUMONT, 2018).

2.6 Filmes e coberturas com adição de compostos lipídicos


Neste tópico serão abordadas algumas pesquisas reportadas na literatura elaboradas por
diversos autores sobre filmes e coberturas biodegradáveis buscando estudar e entender os
efeitos da incorporação de compostos lipídicos em diferentes matrizes poliméricas,
priorizando aqueles que utilizaram amido. Diversas propriedades foram avaliadas pelos
autores, porém, o foco principal será direcionado às que visam avaliar a influência da adição
de lipídios em relação à afinidade dos filmes com a água. Dentre as propriedades
relacionadas com a determinação da afinidade do material com a água, a mais amplamente
analisada é a permeabilidade ao vapor de água (PVA). Além dela, a solubilidade em água e o
conteúdo de umidade do filme também são propriedades de barreira comumente
averiguadas.

García, Martino e Zaritzky (2000) analisaram a incorporação de óleo de girassol em filmes


e coberturas à base de amido de milho Além disso, também foi analisado o uso de dois
plastificantes: o sorbitol e o glicerol. Um dos objetivos foi diminuir a PVA dos materiais
desenvolvidos. Os filmes que continham 2 g L-1 de óleo de girassol foram comparados com
os filmes controle e com os filmes contendo os diferentes plastificantes, pois apresentaram
menores resultados de PVA em comparação aos outros filmes produzidos com diferentes
concentrações de óleo (1, 3, 4, 5, 6 e 8 g L-1). A adição dos plastificantes, tanto do glicerol
DEQUI / UFRGS – Gabriela de Andrade Monteiro 11

quanto do sorbitol, contribuiu para a redução da PVA devido à redução de poros e rupturas
na matriz observadas pelas imagens de Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV). A
incorporação do óleo de girassol nos filmes também potencializou a redução dos valores de
PVA. A redução foi de aproximadamente 30% (0,63 para 0,44 g mm m-2 h-1 kPa-1) quando
2 g L-1 de óleo de girassol foram adicionados em filmes contendo sorbitol como plastificante.
Esses resultados demonstraram que o efeito da incorporação do composto hidrofóbico em
filmes e coberturas biodegradáveis foi alcançado conforme desejado (GARCÍA, MARTINO,
ZARITZKY, 2000).

Song, Zuo e Chen (2018) estudaram os efeitos da adição do óleo de limão e dois
surfactantes, Tween 80 e Span 80, em filmes de amido de trigo e de milho. Para esta
avaliação, foram elaborados filmes com diferentes concentrações (0,5, 1 e 2%) de óleo de
limão e filmes com concentração fixa (1%) de óleo de limão contendo: (a) 0,1% de Tween 80
e (b) 0,1% de Span 80. Além de determinar os valores de PVA, o teor de umidade nos filmes
e a solubilidade dos filmes em água também foram analisados. Essas três propriedades
apresentaram valores inferiores se comparadas com os resultados dos filmes usados como
controle (sem composto lipídico e sem surfactante), ou seja, quanto maior o teor de lipídio
no filme, menores os valores de PVA, umidade e solubilidade. A PVA apresentou redução
aproximada de 16% para o filme com 2% de óleo de limão comparado com o filme controle
(1,32 para 1,11 g mm m-2 h-1 kPa-1). Nesta pesquisa, o fator que causou maiores alterações
nos resultados foi o tipo de surfactante usado nas formulações. O Tween 80 é considerado
mais hidrofílico, enquanto o Span 80 é mais hidrofóbico. Portanto, as propriedades de PVA,
conteúdo de umidade e solubilidade em água dos filmes contendo Span 80 apresentaram
menores valores. A PVA nos filmes com 1% de óleo e 0,1% de Span 80 apresentou redução
aproximada de 16% em relação ao filme controle (1,32 para 1,11 g mm m-2 h-1 kPa-1), já o
filme com 1% de óleo de limão e 0,1% de Tween 80 apresentou valores 11% menores em
relação ao filme controle (1,32 para 1,18 g mm m-2 h-1 kPa-1). No entanto, a solubilidade dos
filmes aumentou com a adição dos surfactantes. Esse fenômeno foi justificado pelos autores
pela formação de uma estrutura mais porosa, pois a adição do surfactante na matriz reduziu
as forças de interação do óleo com o amido, promovendo a ocorrência de separação das
fases aquosa e oleosa (SONG, ZUO, CHEN, 2018).

Assis et al. (2017) desenvolveram filmes de amido de mandioca com incorporação de um


composto lipídico com propriedades antioxidantes: o licopeno, que foi adicionado na matriz
polimérica na forma de óleo e em nanocápsulas nas concentrações de 2%, 5% e 8%
separadamente em cada filme. A PVA diminuiu com o aumento do teor de licopeno
adicionado apesar de ter sido constatada pelas imagens de MEV a presença de
descontinuidades na matriz polimérica. A PVA apresentou valores aproximadamente 22%
menores nos filmes com 8% de licopeno em relação ao filme de controle
(0,36 para 0,28 g mm m-2 h-1 kPa-1) que não continha lipídeos na sua formulação. Isso se
deve ao caráter hidrofóbico do licopeno. Já a adição do licopeno na forma encapsulada
aumentou a PVA dos filmes, devido à baixa miscibilidade durante a gelatinização, originando
poros e espaços vazios. O teor de umidade contido nos filmes e a solubilidade do filme em
água tiveram comportamento similar aos resultados de PVA, devido à maior hidrofilicidade
das nanocápsulas (ASSIS et al., 2017).

Syahida et al. (2020) elaboraram os filmes com gelatina e cera de palma como composto
lipídico. Foram elaborados filmes com diferentes concentrações de cera de palma (15, 30, 45
12 Testes preliminares para obtenção de um protocolo de fabricação de filmes de amido com
adição de cera de carnaúba

e 60%). A PVA foi 14% menor somente nos filmes com adição de 15% de cera em relação ao
filme de controle (0,43 para 0,37 g mm m-2 h-1 kPa-1). Os filmes fabricados com maiores
concentrações de cera não apresentaram melhores resultados, indicando que pode existir
um limite máximo a ser incorporado. Os autores reportaram que houve separação das fases
aquosa e oleosa durante a etapa de secagem. Provavelmente esse efeito ocorreu em virtude
do diferente grau de imiscibilidade entre a cera de palma e a gelatina, o que impede a
ocorrência de interações entre esses dois componentes. Isso também pode ser justificado
pelo fato de que em altas concentrações, os lipídeos que em condições ambiente
permanecem em estado sólido, como é o caso das ceras, podem causar interferências na
matriz dos filmes, promovendo a formação de uma estrutura mais porosa, originando
espaços vazios na interface proteína/cera, facilitando a permeação ao vapor de água através
dos filmes. Além disso, também foi verificado que quanto maior a concentração de cera,
menor o teor de umidade dos filmes. A solubilidade apresentou comportamento similar:
quanto maior a concentração de cera, menor a solubilidade em água, devido à presença de
longos grupamentos álcool e alquenos das ceras. A adição de compostos hidrofóbicos
permite reduzir as ligações e os espaços vazios entre as moléculas de água. Além das
propriedades citadas, também foi medido o ângulo de contato. Todos os filmes
apresentaram ângulos de contato maiores que 90°, indicando que eles possuem
propriedades hidrofóbicas, porém a amostra que apresentou maior ângulo de contato com a
superfície foi aquela fabricada com concentração de cera de 15%. Todos os filmes em que
houve a incorporação de cera apresentaram maior ângulo de contato que o filme controle
(SYAHIDA et al., 2020).

Nos filmes produzidos por Galus e Kadzińska (2015), óleo de amêndoas e óleo de nozes
foram incorporados na matriz polimérica proteica de soro de leite e os efeitos dessa adição
nas propriedades foram avaliados. Concentrações de óleo de 0,5% e 1% foram utilizadas nas
formulações. A PVA diminuiu com a incorporação dos compostos hidrofóbicos. Quanto
maior a quantidade de óleo adicionada, menor a permeabilidade. Os filmes que
apresentaram melhores resultados continham óleo de nozes na composição. Houve uma
redução da PVA de aproximadamente 49% nos filmes com 1% de óleo de nozes em relação
ao filme controle (0,72 para 0,37 g mm m-2 h-1 kPa-1) e de aproximadamente 36% nos filmes
com 1% de óleo de amêndoas (0,72 para 0,46 g mm m-2 h-1 kPa-1). Os autores também
relatam que quanto menor o tamanho da partícula lipídica, menor a PVA, assim como
quanto maior a homogeneização das partículas, menores serão os valores dessa
propriedade. Por esses resultados, é possível inferir que não somente a quantidade e a
concentração da solução hidrofóbica adicionada, mas também a sua distribuição na matriz
polimérica, que é dependente do seu processo de elaboração, irá influenciar nas
propriedades finais do material. A umidade do filme foi menor com a adição dos óleos,
diminuindo proporcionalmente com o aumento da concentração de óleo. A diminuição mais
significativa no conteúdo de umidade ocorreu com a adição do óleo de amêndoas, devido ao
seu caráter hidrofóbico, promovendo a criação de interações intermoleculares entre a
matriz proteica e o óleo. A solubilidade em água também apresentou resultados
satisfatórios, sendo que não houve desintegração dos filmes após 24 horas em contato com
a água. Porém, a adição dos óleos não contribuiu para melhorar significativamente os
resultados em comparação com o filme controle. Somente o filme proteico contendo 1% de
óleo de nozes apresentou resultados de solubilidade em água significativamente inferiores
aos do filme controle. Os autores atribuíram essas diferenças nos resultados à composição
DEQUI / UFRGS – Gabriela de Andrade Monteiro 13

química do soro e dos óleos utilizados, assim como às interações entre os componentes
(GALUS, KADZIŃSKA, 2015).

Na Tabela 1 e na Tabela 2 estão especificados os resultados (quando disponíveis na


literatura) dos teores de umidade, solubilidade em água e PVA dos filmes ou revestimentos
reportados pelos trabalhos descritos nesta Revisão Bibliográfica, a fim de avaliar o efeito da
adição de diferentes compostos lipídicos em filmes biopoliméricos à base de amido, gelatina
e proteína do soro do leite. Os dados de redução ou de aumento percentual das
propriedades em relação ao filme de controle, aqueles que não contêm aditivos, foram
calculados e estão apresentados entre parênteses abaixo dos respectivos valores de cada
propriedade.

Tabela 1: Propriedades físico-químicas de filmes e/ou revestimentos à base de diferentes


biopolímeros com incorporação de diferentes compostos lipídicos.
Permeabilidade ao
Teor de Solubilidade
Biopolímero Aditivos vapor de água Referências
umidade (%) em água (%)
(g mm m-2 h-1 kPa-1)
Amido de - - - 1,32 ± 0,81
milho 0,93 ± 0,37
glicerol (20 g/L) - -
(↓30%)
(aproximada glicerol (20 g/L)
0,69 ± 0,17 GARCÍA,
mente 3,2% óleo de girassol - -
(↓48%) MARTINO,
em base seca (2 g/L) ZARITZKY,
ea 0,63 ± 0,05
sorbitol (20 g/L) - - (2000)
concentração (↓52%)
foi 2 g/L) sorbitol (20 g/L)
0,44 ± 0,04
óleo de girassol - -
(↓67%)
(2 g/L)
- 23,30 ± 0,34 46,16 ± 1,05 1,32 ± 0,02
óleo essencial de 17,50 ± 0,42 43,25 ± 1,08 1,24 ± 0,02
limão (0,5 %) (↓25%) (↓13%) (↓6%)
Amido de óleo essencial 16,80 ± 0,38 38,69 ± 1,09 1,20 ± 0,03
milho e de de limão (1 %) (↓28%) (↓16%) (↓10 %)
óleo essencial de SONG, ZUO,
trigo 16,20 ± 0,29 72,00 ± 1,10 1,18 ± 0,02
limão (1%) e Tween CHEN,
(6 % m/v) (↓30%) (↑56%) (↓11%)
80 (0,1%) (2018)
óleo essencial de
11,00 ± 0,33 54,23 ± 1,08 1,11 ± 0,03
limão (1%) e Span
(↓53%) (↑17%) (↓16%)
80 (0,1%)
óleo essencial de 10,08 ± 0,27 33,45 ± 1,01 1,11 ± 0,02
limão (2%) (↓57%) (↓28%) (↓16 %)
Fonte: Adaptado de GARCÍA, MARTINO, ZARITZKY (2000); SONG, ZUO, CHEN (2018).

Tabela 2: Continuação das propriedades físico-químicas de filmes e/ou revestimentos à base


de diferentes biopolímeros com incorporação de diferentes compostos lipídicos.
Permeabilidade ao
Teor de Solubilidade
Biopolímero Aditivos vapor de água Referências
umidade (%) em água (%)
(g mm m-2 h-1 kPa-1)
14 Testes preliminares para obtenção de um protocolo de fabricação de filmes de amido com
adição de cera de carnaúba

- 11,50 ± 0,70 17,88 ± 0,016 0,36 ± 0,05


12,45 ± 0,16 17,48 ± 1,44 0,33 ± 0,01
Licopeno (2 %)
(↑8%) (↓2%) (↓8 %)
10,68 ± 0,09 15,18 ± 1,41 0,31 ± 0,03
Licopeno (5 %)
(↓7%) (↓15%) (↓14 %)
Amido de 11,16 ± 0,67 16,57 ± 0,76 0,28 ± 0,02
Licopeno (8 %) ASSIS et al.,
mandioca (↓3%) (↓7%) (↓22 %) (2017)
(4% m/m) Nanocápsula de 13,03 ± 0,52 22,45 ± 0,90 0,57 ± 0,02
licopeno (2%) (↑13%) (↑26%) (↑58%)
Nanocápsula de 13,46 ± 0,24 20,35 ± 0,56 0,55 ± 0,04
licopeno (5%) (↑17%) (↑14%) (↑53%)
Nanocápsula de 12,6 ± 0,35 18,16 ± 0,81 0,55 ± 0,03
licopeno (8%) (↑10%) (↑2%) (↑53%)
430,41 ±
- 36,06 ± 0,37 0,43 ± 0,04
14,89
Cera de palma 337,00 ± 9,48 25,92 ± 0,52 0,37 ± 0,02
(15%) (↓22%) (↓28%) (↓14%)
255,99 ±
Gelatina Cera de palma 21,55 ± 0,29 0,42 ± 0,02
11,28 SYAHIDA et al.,
(6 % m/v) (30%) (↓40%) (↓2%)
(↓41%) (2020)
228,66 ±
Cera de palma 19,47 ± 0,18 0,43 ± 0,03
17,64
(45%) (↓46%) -
(↓47%)
Cera de palma 201,07 ±5,44 15,19 ± 0,18 0,45 ± 0,02
(60%) (↓53%) (↓58%) (↑5%)
- 51,6 ± 0,01 42,4 ± 0,18 0,72 ± 0,01
óleo de 48,5 ± 0,01 47,2 ± 0,69 0,56 ± 0,02
Proteína de amêndoas (0,5%) (↓6%) (↑11%) (↓22%)
óleo de 47,1 ± 0,01 46,9 ± 0,64 0,46 ± 0,07 GALUS,
soro de leite
amêndoas (1%) (↓9%) (↑11%) (↓36%) KADZIŃSKA,
(8% m/m)
óleo de nozes 50,5 ± 0,03 42,3 ± 0,50 0,48 ± 0,07 (2015)
(0,5%) (↓2%) (↓0,02%) (↓33%)
óleo de nozes 50,1 ± 0,01 41,4 ± 0,62 0,37 ± 0,03
(1%) (↓3%) (↓2%) (↓49%)
Fonte: Adaptado de ASSIS et al. (2017); SYAHIDA et al. (2020); GALUS, KADZIŃSKA (2015).

2.6.1 Filmes e coberturas com adição de cera


Um estudo realizado por Rodrigues (2012) em filmes de amido de mandioca com goma
de cajueiro com adição de cera de carnaúba, em diferentes proporções, demonstrou que foi
possível reduzir a PVA até 45,6% em relação ao filme de controle (os valores passaram de
5,99 para 3,26 g mm m-2 h-1 kPa-1). A adição de cera de carnaúba também permitiu reduzir
18,7% a solubilidade das amostras em relação ao controle (passou de 98,66% para 80,2%)
(RODRIGUES, 2012).

Zhang, Simpson e Dumont (2018) estudaram o efeito da adição da cera de carnaúba


(temperatura de fusão entre 82-86 C) e da cera de abelha (temperatura de fusão entre 62-
64 C) em filmes de gelatina de peixe. As ceras foram fundidas e incorporadas em diferentes
concentrações (5%, 10% e 15%) em cada solução. A adição de cera de abelha promoveu
melhores resultados de propriedade de barreira de água. A PVA nos filmes contendo 5% de
cera de abelha foi reduzida em aproximadamente 69% em relação ao filme de controle
(0,4 para 1,3 g mm m-2 h-1 kPa-1). Curiosamente, com o aumento da concentração de cera de
DEQUI / UFRGS – Gabriela de Andrade Monteiro 15

abelha, os valores de PVA não foram ainda mais reduzidos, permanecendo inferiores em
comparação com o filme controle. Comparando com os filmes com adição de cera de
carnaúba, a maior redução da PVA foi de aproximadamente 15% em relação ao filme de
controle (1,3 para 1,1 g mm m-2 h-1 kPa-1) nos filmes com 10% de cera de carnaúba. As
concentrações de 5% e 15% não apresentaram reduções significativas. Os autores
justificaram que os filmes com cera de abelha apresentaram melhores resultados em relação
aos filmes com cera de carnaúba pelo fato de que a emulsão com a cera de abelha
apresentou maior caráter hidrofóbico do que a emulsão com a cera de carnaúba. Este
resultado foi verificado nas imagens de Microscopia Eletrônica de Varredura, visto que
incorporação da cera de carnaúba ocasionou maior quantidade de poros na estrutura
formada do que a adição da cera de abelha. A solubilidade dos filmes reduziu com o
aumento da concentração tanto da cera de abelha quando da cera de carnaúba, com
redução de aproximadamente 60% em relação ao filme controle nas amostras com 15% de
cera de abelha e, aproximadamente, 30% para os filmes com 15% de cera de carnaúba
(ZHANG, SIMPSON, DUMONT, 2018).

Dos Santos et al. (2017) analisaram o efeito da incorporação de cera de carnaúba em


filmes de quitosana. Foram formadas soluções usando concentrações de 15%, 30%, 40% e
50% a partir de uma mistura de cera de carnaúba com Tween 20 na proporção de 1 g de cera
para 0,5 g de surfactante. Filmes com adição de 15% da mistura de cera e Tween 20, não
apresentaram diferenças significativas em relação à formulação controle. A solução com
30 % da mistura originou filmes com redução da PVA de 61% em relação ao filme controle
(2,18 para 0,85 g mm m-2 h-1 kPa-1). Os melhores resultados foram obtidos em filmes com
40% de adição da mistura, com redução de 64,7% (2,18 para 0,77 g mm m-2 h-1 kPa-1). Os
filmes com 50% da mistura apresentaram menor redução da PVA em comparação com as
outras concentrações adicionadas, indicando que há uma quantidade limite de cera a ser
incorporada para que não haja perturbações na formação da matriz polimérica que poderão
originar o aparecimento de descontinuidades. A solubilidade em água desses filmes
apresentou melhores resultados quando acrescentada a mistura de 30% de cera com
Tween 20, com redução de 60% em relação ao filme controle. Isso foi explicado devido à
quantidade de sólidos no filme, que permaneceu constante, porém a cera ocupou o espaço
dos componentes mais hidrofílicos do filme controle. Nas concentrações de 15% e 40% não
houveram valores significativos de alteração de solubilidade e nos filmes com 50% de
mistura, houve aumento desse parâmetro, justificado pela maior quantidade de surfactante
que pode influenciar no aumento da solubilidade (DOS SANTOS et al., 2017).

Os efeitos da incorporação de cera de carnaúba ou cera de abelha nas propriedades de


solubilidade em água e PVA de filmes biopoliméricos apresentados e discutidos nesta
Revisão Bibliográfica foram avaliados e podem ser visualizados na Tabela 3. Para fins de
comparação, os percentuais de aumento e/ou redução de cada propriedade foram
calculados em relação ao filme controle (sem adição de ceras).
16 Testes preliminares para obtenção de um protocolo de fabricação de filmes de amido com
adição de cera de carnaúba

Tabela 3: Propriedades físico-químicas de filmes à base de diferentes biopolímeros com


incorporação de cera de carnaúba ou cera de abelha.
Permeabilidade ao
Solubilidade
Biopolímero Aditivos vapor de água Referências
em água (%)
(g mm m-2 h-1 kPa-1)
Amido de mandioca
(30%) e goma de - 98,66 5,99
cajueiro (70%)
Amido de mandioca
Cera de carnaúba 95,99 5,46
(25,0%) e goma de
(2,5%) (↓3%) (↓9%)
cajueiro (72,5%)
Amido de mandioca
Cera de carnaúba 94,21 4,79
(20,0%) e goma de
(5%) (↓5%) (↓20%)
cajueiro (75%) RODRIGUES
Amido de mandioca (2012)
Cera de carnaúba 86,52 4,66
(22,5%) e goma de
(7,5%) (↓12%) (↓22%)
cajueiro (70%)
Amido de mandioca
Cera de carnaúba 82,58 3,74
(17,5 %) e goma de
(10%) (↓16%) (↓38%)
cajueiro (72,5%)
Amido de mandioca
Cera de carnaúba 80,19 3,26
(15,0%) e goma de
(15%) (↓19%) (↓46%)
cajueiro (70%)
- 98 1,3
Cera de abelha 96 0,4
(5%) (↓2%) (↓69%)
Cera de abelha 71 0,5
(10%) (↓28%) (↓62%) ZHANG,
Gelatina de peixe Cera de abelha 45 0,5 SIMPSON,
(5% m/v) (15%) (↓54%) (↓62%) DUMONT,
Cera de carnaúba 93 1,3 (2018)
(5%) (↓5%) -
Cera de carnaúba 73 1,1
(10%) (↓26%) (↓15%)
Cera de carnaúba 65 1,2
(15%) (↓34%) (↓8%)
- 12 2,18 ± 0,16
Cera de carnaúba 12 2,05 ± 0,02
(15%) - (↓6%)
Cera de carnaúba 4 0,85 ± 0,20 DOS
Quitosana
(30%) (↓67%) (↓61%) SANTOS et
(1% m/v)
Cera de carnaúba 12 0,77 ± 0,07 al. (2017)
(40%) - (↓65%)
Cera de carnaúba 19 1,12 ± 0,20
(50%) (↑58%) (↓47%)
Fonte: Adaptado de RODRIGUES (2012); ZHANG, SIMPSON, DUMONT (2018); DOS SANTOS et al.
(2017).

2.7 Considerações finais


Indubitavelmente, os plásticos surgiram para facilitar o dia a dia dos serem humanos.
Devido às suas características e propriedades singulares, os plásticos foram introduzidos na
confecção e na elaboração de diversos produtos, possibilitando o desenvolvimento de novas
tecnologias e o aprimoramento de técnicas industriais. Porém, é ambientalmente
DEQUI / UFRGS – Gabriela de Andrade Monteiro 17

insustentável que a geração de resíduos plásticos continue tomando as proporções atuais.


Estudos que visam desenvolver filmes biodegradáveis, buscando encontrar alternativas
sustentáveis para substituição de polímeros provenientes de fontes não renováveis, como o
petróleo, vêm ganhando espaço e apresentam elevado potencial para minimizar os impactos
ambientais causados pelos resíduos plásticos que ficam dispersos no meio ambiente.

Nesse contexto, o amido se apresenta como uma matéria-prima promissora, pois além
de ser biodegradável, é abundante, produzido em larga escala, possui baixo custo e pode ser
encontrado em diversas fontes naturais, como mandioca, trigo e milho. O amido apresenta
elevada capacidade de formação de filmes, visto que durante o processo de gelatinização
ocorre a formação de uma estrutura tipo gel. Nesse processamento, a estrutura cristalina do
amido é desconfigurada para a formação das ligações intermoleculares, seguido pelas etapas
de espalhamento e secagem para remoção do solvente.

A adição de plastificantes pode conferir flexibilidade aos filmes de amido, aprimorando


as propriedades mecânicas. No entanto, é importante ressaltar que o maior desafio acerca
da utilização dos filmes de amido reside na afinidade desse material com a água, visto que
esse fator pode impedir que o material desempenhe suas funções de barreira ao vapor de
água, facilitando as transferências entre o ambiente, a embalagem e o produto. Portanto,
convém realizar estudos com a incorporação de componentes lipídicos com características
hidrofóbicas no processo de formação de filmes, objetivando minimizar as interações dos
filmes com a água. Porém a incorporação de lipídeos, componentes apolares, na matriz
polimérica de amido, com ligações polares, exige, na maioria das vezes, a utilização de
agentes compatibilizantes. Desta forma, a introdução de surfactantes é requerida, a fim de
evitar que ocorra a separação das fases aquosa e oleosa.

Ao serem comparadas com óleos essenciais, por exemplo, as ceras apresentam-se como
uma alternativa promissora para reduzir a interação dos filmes de amido com a água, pois,
além de apresentar menor valor de mercado, as ceras possuem cadeias de ácidos graxos
longas conferindo maior hidrofobicidade aos materiais, obtendo filmes com menores valores
de PVA, solubilidade em água e teor de umidade em comparação com as amostras controle.
Essas propriedades são essenciais para o setor de embalagens e, portanto, são comumente
medidas para avaliar a afinidade do filme com a água. No entanto, é importante ressaltar
que a efetividade da formulação também é dependente da interação dos compostos
lipídicos incorporados com a matriz polimérica selecionada para elaboração dos filmes.
Dentre os diversos tipos de ceras, a cera-de-carnaúba apresenta-se como um componente
lipídico com elevado potencial para ser incorporada nos filmes biodegradáveis visando à
diminuição dos valores de PVA, da solubilidade em água e do teor de umidade diante dos
resultados satisfatórios reportados na literatura.

As propriedades de barreira à passagem de água dependem da razão entre os


componentes hidrofílicos e hidrofóbicos. Espera-se alcançar resultados mais satisfatórios
com o aumento do teor de lipídeo adicionado à solução filmogênica, porém nem sempre
isso ocorre. Alguns resultados da literatura sugerem que a incorporação do componente
lipídico possui uma concentração limite. Caso essa quantidade seja excedida, a separação
entre as fases oleosa e aquosa durante o processo de secagem pode ocorrer, dando origem
a uma estrutura irregular e com defeitos, que irá facilitar a permeação de água.
18 Testes preliminares para obtenção de um protocolo de fabricação de filmes de amido com
adição de cera de carnaúba

Além disso, o método escolhido para incorporação dos compostos lipídicos também
determinará as propriedades das amostras: quanto menores forem às gotículas de lipídeo
incorporadas, melhor será a homogeneização na matriz polimérica, evitando que haja
separação das fases aquosa e oleosa, sendo possível, portanto, evitar que ocorra a formação
de irregularidades, como poros ou espaços vazios nos filmes, ou seja, minimiza a formação
de pontos de descontinuidades que facilitam a passagem do vapor de água.

Portanto, para aprimorar as propriedades de barreira à permeação de água e a fim de


otimizar o desempenho das amostras, é necessário encontrar a combinação ideal entre os
compostos lipídicos e a matriz polimérica para que os componentes interajam entre si,
formando ligações efetivas e apresentando uma microestrutura homogênea para minimizar
a passagem das moléculas de água. A quantidade de lipídeo adicionada também deve ser
controlada, pois o excesso desse componente pode promover a separação das fases aquosa
e oleosa, assim como, viabilizar a formação de irregularidades indesejadas. A metodologia
de homogeneização do composto lipídico na matriz polimérica também irá influenciar nos
resultados.
DEQUI / UFRGS – Gabriela de Andrade Monteiro 19

3 Materiais e Métodos
Neste capítulo serão apresentadas as principais matérias-primas utilizadas, assim como o
processo de obtenção dos filmes. O trabalho experimental foi desenvolvido nos laboratórios
LATEM (Laboratório de Tecnologia de Embalagens e Desenvolvimento de Membranas) e
LASEM (Laboratório de Processos de Separação por Membranas) pertencentes ao
Departamento de Engenharia Química da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS).

3.1 Matérias-Primas
Os filmes foram elaborados à base de amido de mandioca comercial (conteúdo de
umidade igual a 14% e teor de amilose equivalente a 27% (LUCHESE, SPADA e TESSARO,
2017) adquirido em mercado local, marca Fritz e Frida (Ivoti, RS, Brasil). O glicerol (grau PA,
Nuclear, SP, Brasil) foi utilizado como plastificante. A cera de carnaúba, cuja faixa de
temperatura de fusão varia entre 78 e 86 °C (LI, PARISH, 1997; ZHANG, SIMPSON, DUMONT,
2018), foi o lipídeo escolhido para conferir hidrofobicidade ao filme. Para facilitar a fusão da
cera e, consequentemente, a homogeneidade da solução filmogênica, foi utilizado o
surfactante Tween 80 (Dinâmica, Brasil). O álcool etílico PA (Dinâmica, Brasil) foi adicionado
à mistura de cera fundida com Tween 80 para viabilizar a formação da emulsão. Todas as
matérias-primas foram armazenadas na temperatura ambiente (aproximadamente 25 °C)
até sua utilização.

3.2 Testes para Determinação do Protocolo de Preparo dos Filmes


Os testes preliminares foram elaborados visando encontrar a formulação e o
procedimento mais eficaz que possibilitasse a formação de filmes contínuos e estruturas
homogêneas. A metodologia para obtenção dos filmes foi adaptada de Assis et al. (2017) e
Syahida et al. (2020). Primeiramente, utilizando uma balança analítica (Bel Engineering
M214Ai, Itália), as matérias-primas foram pesadas: amido (2 g) e glicerol (0,6 g; ou seja, 30%
em relação à massa do amido), e colocadas em um béquer. Em seguida, foram adicionados
100 mL de água destilada para promover a gelatinização do amido. Essa dispersão foi
colocada em um banho termostático sob agitação mecânica constante com agitador de duas
pás, previamente aquecido em temperatura de 80 C, durante 20 min.

Em um primeiro momento, buscando obter filmes utilizando somente uma etapa de


processamento, nesse trabalho foi conduzida a tentativa de fundir a cera juntamente com o
amido, usado como matriz polimérica, durante a etapa de gelatinização, sendo que esse
teste foi realizado utilizando cera de abelha, que apresenta ponto de fusão entre 62 e 64 °C
(FRATINI et al., 2016). Porém, os resultados dessa primeira tentativa não foram bem-
sucedidos, uma vez que a cera não fundiu completamente, sendo possível observar
visualmente alguns pequenos pedaços da cera no estado sólido dispersos na solução
polimérica. Apesar da solução não estar completamente homogênea, mesmo assim, o
processo de casting foi realizado, espalhando a solução em placas de Petri de polietileno e,
após a secagem, realizada em estufa com convecção forçada de ar (DeLeo A5AFD/0915,
Brasil), foi possível perceber que não houve a formação de filmes contínuos. Além disso,
verificou-se, por inspeção visual, que houve separação das fases.
20 Testes preliminares para obtenção de um protocolo de fabricação de filmes de amido com
adição de cera de carnaúba

A fim de fundir a cera completamente, um novo procedimento foi testado. Foi possível
verificar que a cera de carnaúba fundida apresentou características mais homogêneas
quando comparada à fusão da cera de abelha. Para esse ensaio, as matérias-primas foram
novamente pesadas em balança analítica (Bel Engineering M214Ai, Brasil) conforme segue:
cera de carnaúba e surfactante Tween 80 na proporção mássica de 10:90 (cera de carnaúba:
Tween 80). A solução foi homogeneizada com auxílio de uma espátula de metal, em agitador
magnético (FISATOM, Brasil) na temperatura de aproximadamente 90 C (visto que faixa de
fusão da cera de carnaúba varia de 78 a 86 °C) (LI, PARISH, 1997; ZHANG, SIMPSON,
DUMONT, 2018) até que o processo de fusão da cera estivesse visualmente completo
(aproximadamente 10 minutos foi o tempo necessário para obter a cera fundida).

A partir da solução de amido previamente gelatinizada (o processo de gelatinização foi


realizado em banho termostático, na temperatura de 80 C, durante 20 min) e da solução de
cera previamente fundida, conforme descrito acima, outras tentativas foram feitas,
conforme segue.

A solução gelatinizada de amido foi colocada diretamente em contato com o ultraturrax


(IKA T18, Multitec, Brasil) e, durante esse processo de homogeneização, foi realizada a
adição gradual de um total de 3 g da solução de cera previamente fundida. O tempo total de
homogeneização no ultraturrax foi de aproximadamente 5 minutos, na velocidade de
15.500 rpm, visando promover a formação de uma emulsão estável. No entanto, houve
formação de espuma durante o uso do ultraturrax. Uma parte dessa solução emulsionada
com a espuma formada foi espalhada em placas de Petri (gramaturas de 0,35 g cm-2 e
0,53 g cm-2). Após esse processo de casting, as placas foram colocadas na estufa a 35 C com
convecção forçada por 24 h. Ao final do processo de secagem, foi possível verificar que o
procedimento experimental testado não foi efetivo, uma vez que não permitiu a formação
de filmes contínuos; além disso, foi possível observar que houve separação das fases
hidrofílicas e hidrofóbicas presentes na solução filmogênica.

Esse mesmo procedimento foi feito com a outra parte da solução, porém, antes de
distribuir a solução nas placas Petri, foi proposto testar a utilização de um sistema para
remoção da espuma, submetendo à solução ao processo de vácuo (Bomba a vácuo isenta de
óleo TE-058, Tecnal, Brasil). No entanto, mesmo após a remoção da espuma da solução, os
filmes obtidos não apresentaram características satisfatórias, visto que houve separação das
fases aquosa e oleosa.

Tendo em vista o fenômeno da separação das fases hidrofílica (amido) e hidrofóbica


(cera) observado nas tentativas até então realizadas, foi possível verificar a necessidade de
incluir um compatibilizante na solução de cera fundida. Para tanto, foram adicionados 20 mL
de etanol PA em 4 g da solução de cera previamente fundida, conforme descrito
anteriormente. Em seguida, a mistura foi homogeneizada no ultraturrax por 5 min. A
emulsão formada apresentou estabilidade satisfatória, observada por inspeção visual, e não
houve formação de espuma.

Um volume de 5 mL dessa emulsão (cera fundida e etanol) foi adicionado à solução de


amido gelatinizada descrita previamente. Essa mistura foi homogeneizada utilizando um
agitador magnético durante 2 min previamente ao espalhamento em placas de Petri
(gramaturas de 0,35 g cm-2 e de 0,53 g cm-2) que foram colocadas na estufa a 35 C com
DEQUI / UFRGS – Gabriela de Andrade Monteiro 21

convecção de ar forçada por 24 h. O uso desse procedimento permitiu a obtenção de filmes


mais estruturados e homogêneos; além disso, visualmente, não foi possível identificar a
presença de duas fases.

Neste contexto, foi preparada uma nova emulsão em ultraturrax (5 min) usando 10 g da
solução de cera fundida com Tween 80 e 50 mL de etanol a fim de avaliar a influência da
quantidade de emulsão (quantidade limite) que poderia ser adicionada na solução
filmogênica de amido, a fim de garantir que não houvesse separação das fases aquosa e
oleosa nas amostras após a secagem. Para tanto, foram preparadas 4 soluções com
diferentes teores da emulsão (cera de carnaúba, Tween 80 e etanol), conforme especificado
na Tabela 4. É importante ressaltar que cada solução foi espalhada em, pelo menos, cinco
placas de Petri (para as diferentes gramaturas testadas), a fim de garantir a consistência e a
reprodutibilidade dos resultados.

Tabela 4: Formulações utilizadas para o preparo de filmes à base de amido com teor de
glicerol fixo (0,6 g por 100 mL; 30% em relação ao teor de amido) e diferentes teores da
emulsão (cera de carnaúba, Tween 80 e etanol).

Formulações
Matéria-prima SOLUÇÃO 1 SOLUÇÃO 2 SOLUÇÃO 3 SOLUÇÃO 4
Amido (g) 2 2 2 2
Glicerol (g) 0,6 0,6 0,6 0,6
Água (mL) 100 100 100 100
Emulsão: cera de
carnaúba + Tween 80 1 3 5 10
+ etanol (mL)

3.3 Caracterização das Amostras


Em virtude da pandemia ocasionada pelo Coronavírus, os laboratórios LATEM e LASEM,
em que as caracterizações das amostras seriam realizadas, permaneceram fechados
respeitando a decisão da UFRGS de suspender as atividades presenciais, impossibilitando o
levantamento de dados e a realização de novos experimentos para que fosse possível avaliar
os filmes obtidos, a fim de dar continuidade ao trabalho. Portanto, somente foi possível
avaliar o aspecto visual das amostras e realizar alguns testes de bancada como parte da
caracterização das amostras, ressaltando que seria necessário realizar mais testes
quantitativos, avaliando propriedades físico-químicas, térmicas e mecânicas das amostras, a
fim de caracterizar a influência da adição da cera nas formulações.

As amostras foram avaliadas por inspeção visual a fim de verificar a capacidade de


formação de filmes contínuos e estruturas homogêneas em virtude da incorporação de
compostos hidrofóbicos. Os registros fotográficos foram realizados com auxílio de uma
câmera digital.

Além disso, foi realizado um teste qualitativo de inspeção visual para avaliar a influência
da incorporação da cera (composto hidrofóbico) na solução hidrofílica de amido, a fim de
22 Testes preliminares para obtenção de um protocolo de fabricação de filmes de amido com
adição de cera de carnaúba

examinar a interação do filme quando em contato direto com água. Para a realização desse
teste, duas gotas de água (volume aproximado de cada gota igual a 10 μL) foram
cuidadosamente depositadas, com auxílio de uma pipeta Pasteur, na superfície do filme da
solução 2 (gramatura 0,53 g cm-2), durante aproximadamente 10 minutos.

Para maior embasamento do resultado do teste qualitativo de inspeção visual, o


software de domínio livre Image J foi utilizado para medir o ângulo de contato entre a
superfície do filme e a gota de água pingada instantaneamente e após tempo de 10 min de
contato. O ângulo de contato é medido para verificar se o material em contato com a gota
de água apresenta características mais hidrofílicas ou hidrofóbicas. Caso o ângulo apresente
valores maiores que 90°, significa que o material é mais hidrofóbico, por outro lado, se
apresentar valores inferiores a 90°, é possível constatar que o material possui natureza mais
hidrofílica (SYAHIDA et al., 2020).
DEQUI / UFRGS – Gabriela de Andrade Monteiro 23

4 Resultados e Discussão
Neste capítulo serão apresentados os resultados e as discussões com base nos
experimentos realizados utilizando o protocolo descrito para obtenção de filmes à base de
amido contendo cera de carnaúba. Ainda, é importante ressaltar que esses resultados foram
avaliados levando em consideração as informações referenciadas no capítulo de Revisão
Bibliográfica e Fundamentos Teóricos.

A ideia inicial do presente trabalho consistia na caracterização físico-química, térmica e


mecânica das amostras a fim de avaliar a influência da incorporação da cera de carnaúba em
filmes de amido de mandioca. No entanto, em virtude das restrições impostas pela
pandemia do vírus COVID-19 promovendo a suspensão das atividades presenciais na UFRGS,
o trabalho teve que ser reestruturado considerando o que já havia sido desenvolvido.

O aspecto visual das amostras obtidas a partir de cada solução, conforme apresentado
na Tabela 4, usando diferentes gramaturas de espalhamento (0,35 g cm2 e de 0,53 g cm2)
pode ser visualizado nas Figura 3 e Figura 4.
24 Testes preliminares para obtenção de um protocolo de fabricação de filmes de amido com
adição de cera de carnaúba

Figura 3: Aspecto visual das amostras após permanecer na estufa a 35 C com convecção
de ar forçada por 24 h: (a) filme obtido a partir da solução 1 com gramatura de
espalhamento equivalente a 0,35 g cm-2 (A) filme obtido a partir da solução 1
com gramatura de espalhamento igual a 0,53 g cm-2 (b) filme obtido a partir da
solução 2 com gramatura de 0,35 g cm-2 (B) filme da solução 2 com gramatura
de 0,53 g cm-2.
(a) (A)

(b) (B)
DEQUI / UFRGS – Gabriela de Andrade Monteiro 25

Figura 4: Aspecto visual das amostras após permaneceram na estufa a 35 C com


convecção de ar forçada por 24 h: (c) filme obtido a partir da solução 3 com
gramatura de 0,35 g cm-2 e (C) filme obtido a partir da solução 3 com casting na
gramatura de 0,53 g cm-2 (d) filme obtido a partir da solução 4 com gramatura
de 0,35 g cm-2 (D) filme obtido a partir da solução 4 com gramatura de
0,53 g cm-2.
(c) (C)

(d) (D)

A análise por inspeção visual permitiu concluir que os filmes obtidos a partir das
soluções 1 e 2, usando a gramatura de espalhamento correspondente a 0,35 g cm-2 foram os
que apresentaram resultados mais satisfatórios em termos de homogeneidade e
continuidade da matriz polimérica.
26 Testes preliminares para obtenção de um protocolo de fabricação de filmes de amido com
adição de cera de carnaúba

A adição de maiores teores da solução de cera de carnaúba com Tween 80 e etanol deu
origem a filmes com duas fases visualmente perceptíveis, com a formação de uma película
oleosa nas placas Petri (soluções 3 e 4). Syahida et al. (2020) também constataram
visualmente a separação de fases nos filmes que continham concentrações muito altas de
cera de palma (entre 30% e 60%). Estes filmes também apresentaram resultados mais
elevados de PVA (SYAHIDA et al., 2020). No estudo de Assis et al. (2017) foi constatado
através de imagens de MEV a presença de maior quantidade de poros nos filmes em que
foram adicionadas maiores concentrações de licopeno (8%) (ASSIS et al., 2017). Além disso,
os resultados de PVA dos filmes elaborados por Zhang, Simpson e Dumont (2018), por Dos
Santos et al. (2017) e por García, Martino e Zaritzty (2000) em que foram adicionadas
concentrações intermediárias do componente hidrofóbico em relação as concentrações
avaliadas em cada estudo foram menores e, portanto, mais satisfatórios (ZHANG, SIMPSON,
DUMONT, 2018; DOS SANTOS et al., 2017; GARCÍA, MARTINO, ZARITZKY, 2000).

Quanto a escolha da gramatura, Mali et al. (2017) em seu estudo sobre filmes de amido
biodegradáveis citaram a espessura dos filmes como um fator que influencia suas
propriedades mecânicas e na permeabilidade: quanto maior a espessura dos filmes, maior
será a sua resistência a perfurações, porém maior será a permeabilidade. Sendo a gramatura
a razão entre a massa de solução filmogênica adicionada ao recipiente e a área do recipiente
usada no espalhamento, verifica-se que, quanto menor a gramatura, menor será a espessura
do filme, em geral, os filmes de gramatura menores terão melhores resultados de PVA
(MALI, GROSSMANN, YAMASHITA, 2010). No entanto, é importante encontrar um equilíbrio
entre a permeabilidade e a resistência das amostras, visto que são propriedades
essencialmente dependentes da espessura e decisivas para aplicações na área de
embalagens. As maiores gramaturas dos filmes, correspondentes ao valor de 0,53 g cm-2,
deram origem a filmes descontínuos, com rachaduras, sendo possível observar visualmente
a separação das fases aquosa e oleosa. Silva (2011) em seu estudo sobre filmes
biodegradáveis de amido de pinhão citaram a diferença de espessura como fator importante
para determinação da homogeneidade dos filmes (SILVA, 2011). Nesse trabalho não foi
possível medir a espessura dos filmes após a secagem, não sendo possível constatar se
houve diferença significativa de espessura a fim de relacionar essa informação com a
homogeneidade dos filmes. Porém, pode-se atribuir a presença de maiores
descontinuidades nos filmes cujos valores de gramatura eram maiores ao fato de que existe
mais solução filmogênica em uma mesma área quanto maior for o valor de gramatura.
Portanto, o tempo para a completa evaporação do solvente (água) também será maior.
Além disso, a temperatura de evaporação da água (100 °C) é maior do que a temperatura de
solidificação da cera de carnaúba (aproximadamente 70 °C). Como a temperatura de
secagem utilizada foi de 35 °C, a hipótese mais provável é que a cera tenha sido solidificada
antes da evaporação do solvente, dificultando a formação e a organização das ligações na
matriz filmogênica e, portanto, originando estruturas descontínuas, sendo possível observar,
em alguns casos, separação das fases aquosa e oleosa.

Na Figura 5 podem ser visualizados os resultados do teste qualitativo de inspeção visual


para avaliar a influência da incorporação da cera (composto hidrofóbico) na solução
hidrofílica de amido, a fim de verificar a interação do filme quando em contato direto com
água. O teste foi realizado pingando duas gotas de água com auxílio de uma pipeta Pasteur
sobre o filme obtido a partir da solução 2 (gramatura 0,53 g cm-2). Na Figura 5 (a) está
representada a gota de água instantaneamente pingada sobre o filme (t = 0 s) e Figura 5 (b)
DEQUI / UFRGS – Gabriela de Andrade Monteiro 27

é possível observar o formato da gota de água pingada sobre o filme após 10 min
(t = 10 min). A partir da Figura 5, foi possível visualizar o formato das gotas de água no filme,
não sendo possível observar visualmente absorção de água instantaneamente, como
observado em filmes de amido, produzidos em trabalhos anteriores nos laboratórios LATEM
e LASEM, sem a adição de compostos lipídicos. Rodrigues (2012), Zhang, Simpson e Dumont
(2018) e Dos Santos et al. (2017) constataram reduções nos valores de solubilidade em água
dos filmes que continham cera de carnaúba em suas formulações. Na maioria dos casos,
quanto maior o teor de cera incorporado, menores os percentuais de solubilidade
(RODRIGUES, 2021; ZHANG, SIMPSON, DUMONT, 2018; DOS SANTOS et al., 2017). No caso
do estudo de Dos Santos et al. (2017) em que foram adicionadas quantidades de cera muito
elevadas em algumas formulações (superiores a 30%) a solubilidade aumentou em relação
ao filme controle, que não contém lipídios em sua formulação, porém com adição de 30% de
cera, foi possível observar a redução dos valores de solubilidade em água dos filmes cerca de
67%. Isso foi atribuído ao caráter hidrofóbico da cera, que dificulta a absorção da água pelos
filmes pela formação de uma camada impermeável à passagem de água (DOS SANTOS et al.,
2017). Foi possível constatar que, diferentemente das amostras produzidas contendo
somente amido, nas quais a gota de água é rapidamente absorvida pelo material em virtude
da elevada afinidade da água com a matriz polimérica hidrofílica, as gotas de água
permaneceram na superfície da amostra, sendo possível visualizar o formato das gotas por
aproximadamente 10 min, tempo no qual o teste foi realizado.

Figura 5: Teste qualitativo para avaliar a interação da amostra de filme obtida a partir da
solução 2 (contendo compostos hidrofóbicos) quando em contato direto com
2 gotas de água, sendo possível observar (a) gota de água logo após ser pingada
com pipeta Pasteur no filme e (b) gota de água pingada depois permanecer
aproximadamente 10 min em contato com o filme.

(a) (b)

Os ângulos de contato obtidos com auxílio do software Image J podem ser observados na
Figura 6. A gota pingada instantaneamente (t = 0 s), representada na Figura 6(a), apresentou
ângulo de contato no valor de 116,91° ao ser realizada a medição em relação à superfície do
lado esquerdo do filme. No entanto, ao realizar a medição em relação à superfície do lado
direito do filme, na Figura 6(b), o valor do ângulo de contato foi de 133,82°. Ressaltamos que
a diferença entre esses valores provavelmente é decorrente da imprecisão da medida
relacionada com a dificuldade de selecionar as superfícies manualmente. A fim de realizar
uma avaliação global desse resultado foi calculado um valor médio do ângulo de contato da
gota, que resultou em 125,37°. A gota de água que permaneceu em contato com a superfície
do filme por aproximadamente 10 min também apresentou características hidrofóbicas. Na
Figura 6(c) é possível observar que o ângulo de contato no valor de 115,79° ao ser realizada
a medição em relação à superfície do lado esquerdo do filme. No entanto, como pode ser
observado na Figura 6(d), ao realizar a medição em relação à superfície do lado direito do
filme, o valor do ângulo de contato foi de 123,50°. Novamente, para uma avaliação global
28 Testes preliminares para obtenção de um protocolo de fabricação de filmes de amido com
adição de cera de carnaúba

desse resultado foi determinado um valor médio do ângulo de contato da gota, que resultou
em 119,66°.

Figura 6: Medição dos ângulos de contato entre as gotas de água e os filmes contendo
cera de carnaúba com auxílio do software Image J, sendo (a) e (b) ângulos de
contato entre a gota de água recém-pingada e a superfície do filme, (c) e (d)
ângulos de contato entre a gota de água pingada e a superfície do filme após
aproximadamente 10 min.
(a) (b)

(c) (d)

Esses resultados indicam que, sendo verificado por todos os ângulos apresentarem
valores maiores que 90°, o filme apresenta características mais hidrofóbicas. Syahida et al.
(2020) verificou o ângulo de contato dos filmes em seu estudo e todos apresentaram
ângulos de contato maiores que 90°, indicando que eles possuem propriedades hidrofóbicas
(SYAHIDA et al., 2020).
DEQUI / UFRGS – Gabriela de Andrade Monteiro 29

5 Conclusões e Sugestões para Trabalhos Futuros


Os filmes biodegradáveis apresentam-se como uma solução promissora para amenizar a
dispersão de resíduos plásticos oriundos de petróleo que permanecem dispostos no meio
ambiente durante centenas de anos, caso sejam descartados incorretamente. Os filmes de
amido de mandioca com adição de cera de carnaúba de duas formulações apresentaram
bom aspecto visual e aparência homogênea, destacando o elevado potencial dessas
formulações para substituir parcialmente algumas aplicações que atualmente utilizam
plásticos sintéticos não biodegradáveis.

Os filmes com gramatura de 0,35 g cm-2 apresentaram-se contínuos. Para dar


continuidade à pesquisa, recomenda-se que os testes sejam elaborados com essa
gramatura, ou então, que sejam avaliadas gramaturas ainda inferiores às testadas no
presente trabalho. Quanto à homogeneidade do filme, a adição de um maior teor de
emulsão contendo a cera, aparentemente prejudicou a estabilidade da mistura entre as
fases, fazendo com que os componentes não formassem ligações e se separassem; portanto
o seguimento deste estudo pode ser mais satisfatório com menores teores da mistura
hidrofóbica.

O teste de bancada permitiu constatar a redução da afinidade com a água dos filmes de
amido quando foi incorporada a cera de carnaúba na sua composição, o que é um resultado
muito positivo, apesar de não ser possível medir propriedades importantes para avaliar a
barreira do filme à água. Em estudos anteriores foi possível verificar que apesar da
solubilidade em água e o conteúdo de umidade nos filmes diminuir com a adição do
componente hidrofóbico, a PVA não apresentava o mesmo comportamento ou não obtinha
o decaimento esperado, isso devido ao surgimento de poros e rachaduras nos filmes que
podem ser verificadas através de imagens de MEV. Assim, é importante que as propriedades
que indicam a afinidade da água com o filme como teor de umidade, solubilidade e PVA
sejam medidas e comparadas. Recomenda-se também a realização de imagens por MEV
para avaliar se houve separação de fases em nível microscópico, possibilitando observar o
surgimento de descontinuidades nos filmes que podem não ser perceptíveis por inspeção
visual.

Quanto à metodologia de elaboração dos filmes deste estudo, pode-se constatar que é
adequada, pois possibilitou a formação de filmes contínuos, especialmente aqueles
fabricados na menor gramatura (0,35 g cm-2). Também, é necessário caracterizar as
amostras em relação às propriedades físico-químicas, mecânicas e térmicas a fim de
determinar as características dos materiais e correlacionar os resultados. A emulsão da cera
de carnaúba com etanol e Tween 80 apresentou-se estável, sendo um ponto positivo
alcançado neste trabalho, pois favoreceu a incorporação da cera na solução de amido,
possibilitando a formação de uma mistura mais homogênea. De acordo com a literatura,
quanto menores forem as gotículas do componente hidrofóbico, maior será a
homogeneização das fases oleosa e aquosa do filme e, portanto, mais efetivas serão as
propriedades de barreira do material desenvolvido.
30 Testes preliminares para obtenção de um protocolo de fabricação de filmes de amido com
adição de cera de carnaúba

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