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Perícias Médicas Odontológicas e Antropológicas 1

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PERÍCIAS MÉDICAS, ODONTOLÓGICAS E

ANTROPOLÓGICAS

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SUMÁRIO

1. MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS MÉDICAS ______________________________ 2


2. ODONTOLOGIA FORENSE____________________________________________ 4
3. REVISÃO DE LITERATURA ___________________________________________ 6
4. PERÍCIA EM FORO CRIMINAL _________________________________________ 7
5. IDENTIFICAÇÃO HUMANA ___________________________________________ 10
6. RECURSOS ODONTOLÓGICOS PARA IDENTIFICAÇÃO HUMANA _______ 12
6.1. Utilização de Registros Odontológicos ____________________________ 12
6.2. Marcas de Mordida ___________________________________________ 14
6.3. Queiloscopia ________________________________________________ 17
6.4. Rugoscopia Palatina __________________________________________ 18
7. ANÁLISE GENÉTICA NO ÂMBITO FORENSE __________________________ 20
8. O QUE É A ANTROPOLOGIA FORENSE? _____________________________ 21
9. A PERÍCIA __________________________________________________________ 22
10. A ANTROPOLOGIA FORENSE NO BRASIL ____________________________ 28
REFERÊNCIAS __________________________________________________________ 36

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1. MEDICINA LEGAL E PERÍCIAS MÉDICAS

Com o objetivo de auxiliar a justiça na matéria técnico-científica, a


especialidade é específica para casos que envolvam a área médica. A atuação
engloba todas as demandas administrativas e/ou jurídicas que necessitem de
esclarecimento do magistrado acerca de assuntos relacionados à medicina, sejam
eles criminais, cíveis ou trabalhistas.
Em resumo, historicamente, o vínculo entre medicina e direito se delineou
desde a antiguidade com o Código de Hammurabi (Babilônia, séc. XVIII a.C.). Nesse
Código estabeleciam-se relações jurídicas entre a medicina e o direito. Na Índia entre
1300 e 800 a.C., o Código de Manu fazia apontamentos sobre impedição de
testemunhas as quais fossem loucos, crianças, velhos, ou embriagados. O primeiro
registro de exame necroscópico em vítima de homicídio (44 a.C.) foi o do imperador
Júlio Cesar.
Afranio Peixoto em 1938 em sua terceira edição da obra “Novos Rumos da
Medicina Legal” trazia a divisão desde o “passado: idade antiga, idade média”,
“presente”, “atualidade e futuro”. Nos tempos modernos em que cita como “presente”
chama a atenção para a Constituição de Bamberg e em 1532 com Carlos V a
promulgação, em Ratisbona, como lei do Império, a Constitutio Criminais Carolina: a
medicina legal é instituída oficialmente, a perícia médica é obrigatória. É imputado o
deslinde de doutrina.

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A especialidade foi passado, é tendência para o futuro. É eterna e contínua.
“Tem ela, a Medicina Legal, tantos admiradores, como vêdes, que é
semelhante a certas mulheres bonitas: sempre dão que falar de si”, Afranio
Peixoto (1938).
O especialista em medicina legal e perícias médicas tem em sua expertise a
prioridade máxima de não negar o que é legítimo e não conceder o que não é devido.
A sua função primordial em auxiliar na justiça social é a principal diferença dessa
especialidade das outras áreas da medicina chamadas de medicina assistencial e
como demonstrado pode ser considerada uma das especialidades mais antigas da
medicina.
Em seguida iremos falar sobre a perícia odontológica e suas particularidades e
a importância da antropologia forense.

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2. ODONTOLOGIA FORENSE

Figura 1

A Odontologia Legal é o ramo da Medicina Legal restrito à região de cabeça e


pescoço, compreendendo as perícias no vivo, morto, nas ossadas, em fragmentos,
em trabalhos odontológicos e, até mesmo, em peças dentais isoladas e/ou vestígios
lesionais. (ALMEIDA et al., 2010).
Em virtude da evolução da Odontologia Legal, vários cadáveres foram
identificados em catástrofes pelos odontolegistas, dentre eles destacam-se a de 26
de dezembro de 2004, na Ilha de Sumatra, totalizando 5.395 mortes. Outra muito
importante na história é a do navio Titanic, ocasionando 1513 mortos. Da mesma
forma o Acidente da TAM no dia 17 de julho de 2007, onde todos os 187 passageiros
morreram, destes, 79 foram identificados pela odontologia legal. (TESSARIOLI,2006).
Em consequência disso, todo Instituto Médico Legal possui habitualmente um
profissional responsável pelo setor de Antropologia Forense, para onde são
encaminhados os cadáveres putrefeitos, carbonizados ou reduzidos a esqueleto para
estudo e identificação. (TESSARIOLI,2006).
O odontolegista se faz importante quando o reconhecimento visual é impossível
e, também, na ausência de dados como a datiloscopia, que se define como a
identificação através das impressões digitais. (TERADA et al, 2011).

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As identificações realizadas por odontolegistas nos desastres em massa
alcançam aproximadamente 70% das identificações que se tem realizado
mundialmente, comprovando ser um método de tradição e provada eficácia. (FRARI
et al, 2008).
Além disso, faz-se imprescindível citar que os elementos dentais são os órgãos
mais duráveis do corpo humano. (TERADA et al., 2011),exemplo disso, são em casos
de guerra, acidentes de grande magnitude e desastres naturais, a identificação
dentária torna-se necessária devido a grande decomposição dos corpos. (BRKIC et
al. apud MARTINHO, 1997). Contudo, os meios de identificação odontolegal citados
na literatura são: arcada dentária, grupo racial, anatomia do crânio, dna, rugoscopia
palatina, determinação do sexo pelas características cranianas, estimativa da idade
pelos dentes, determinação da idade pelo ângulo mandibular, estimativa da altura
usando os dentes, fotografias do sorriso e a autópsia virtual.

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3. REVISÃO DE LITERATURA

A atuação do odontolegista é regulada pelos artigos 63 e 64 da Resolução CFO


– 63/2005, que é intitulada “Consolidação das normas para procedimentos nos
Conselhos de Odontologia”.
De acordo com essa resolução, a atuação do profissional especialista em
Odontologia Legal restringe-se à análise, perícia e avaliação de eventos relacionados
com a área de competência do cirurgião-dentista, podendo estender-se a outras
áreas, se disso depender a busca da verdade, no estrito interesse da justiça e da
administração. Dentre as áreas de competência do odontolegista, vale destacar a
atuação em perícias criminais, tanatologia forense e identificação humana, meios
pelos quais o cirurgião-dentista pode auxiliar a solucionar crimes e identificar vítimas.

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4. PERÍCIA EM FORO CRIMINAL

O cirurgião-dentista pode atuar em perícias criminais desde que seja solicitado


e tenha conhecimento adequado para desempenhar a função de perito. De acordo
com Almeida Júnior, perito é a pessoa que realiza exames técnicos de sua
especialidade ou competência para esclarecimento de fatos que são objeto de
inquérito policial ou processo judicial. O perito é encarregado de servir como auxiliar
da justiça, esclarecendo pontos específicos distantes do conhecimento jurídico do
magistrado.
Os peritos devem possuir conhecimentos biológicos específicos e noções do
pensamento jurídico, visto que auxiliam em uma decisão judicial e seu laudo pode
determinar a resolução de um caso. No entanto, a atuação do perito é limitada, pois
ele não julga, não defende e não acusa; seu dever é examinar e relatar os fatos
necessários para o esclarecimento de um processo.
Os peritos podem ser oficiais e não oficiais.
Os peritos oficiais exercem a função por atribuição de cargo público (médicos
legistas, peritos criminais e odontolegistas), realizam os exames de corpo de delito e
outras perícias requisitadas, cabendo-lhes os exames, a elaboração e a assinatura
dos laudos correspondentes.
Já os peritos não oficiais são aqueles designados para suprirem a falta de
peritos oficiais, ou para substituí-los, quando, por qualquer motivo, estiverem estes
impedidos ou impossibilitados de trabalhar.
Entende-se como perícia o conjunto de procedimentos médicos/odontológicos e
técnicos que têm como finalidade o esclarecimento de um fato de interesse da justiça.
A perícia médico-odontolegal consiste em procedimentos que auxiliam a justiça, tendo
como finalidade produzir uma prova que vai ser materializada com o laudo. Tal perícia
é praticada por médico ou cirurgião-dentista por meio de exames clínicos,
radiográficos, laboratoriais, necroscópicos ou outros.
As perícias criminais são aquelas decorrentes de um evento delituoso, de modo
que deve haver um suposto crime. O cirurgião-dentista pode atuar nesses casos,
auxiliando no esclarecimento dos fatos, basicamente elucidando a materialidade, a
dinâmica e autoria do crime.Para proceder à perícia, os peritos contam com o exame
médico-legal, que é realizado sobre os vivos; exame de necroscopia, feito sobre

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cadáveres; exame de exumação, realizado mediante a retirada do cadáver da
sepultura; e exame laboratorial, para verificar toxicologia e identificação de DNA.

Figura 2

As perícias odontolegais na área criminal incluem: identificação no vivo (idade


não comprovada de delinquentes, marcas de mordida em alimentos ou na vítima), no
cadáver (corpos carbonizados, dilacerados, estado avançado de putrefação,
afogados, acidentes de massa), antropológicas (no crânio esqueletizado para verificar
espécie, sexo, idade, estatura, biótipo); lesões corporais ou perícias de traumatologia;
determinação da idade; perícia de manchas (diagnóstico diferencial de manchas de
saliva); exame de embriaguez (saliva).
O odontolegista deve, na perícia, utilizar as vias de cabeça e pescoço e fazer
anotações, desenhos, esquemas, fotografias e tudo que for necessário para que o
exame fique bem descrito. O ideal é que não sejam necessários esclarecimentos
posteriores, por meio de um segundo exame com o corpo já em decomposição ou
esqueletizado, na medida em que não trará as mesmas informações.
O exame do cadáver inicia-se, geralmente, analisando as características extraorais.

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Figura 3

Em seguida, possíveis detritos encontrados na cavidade oral devem ser


eliminados. O exame intraoral é, então, realizado, observando-se as condições
anátomo-fisiológicas. Para realizar exame intraoral, o profissional deve utilizar roupas
protetoras, instrumentos dentários, material de impressão, material para registro dos
dados e uma máquina fotográfica, de forma a recolher toda a informação necessária.
Muitas vezes, porém, o acesso adequado à cavidade oral torna-se difícil e
comprometido. Por isso, em alguns casos, recomenda-se a remoção dos maxilares
para a realização da autópsia oral, possibilitando, assim, a preservação dos dentes,
melhorando a visualização da cavidade oral e facilitando a realização de radiografias.
Todas as informações obtidas no exame dentário devem ser registradas em
odontograma próprio, preferencialmente em um modelo internacional, para permitir a
troca de dados entre países.
A perícia odontológica tem grande importância em casos em que há corpos
carbonizados e mutilados. O exame do DNA é um método de alta confiabilidade,
porém possui algumas limitações, como alto custo, possibilidade de degradação e
dificuldade de localizar os parentes próximos das vítimas para estabelecer o vínculo

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genético. A datiloscopia é outro método eficaz e bastante utilizado; entretanto, em
algumas situações, os dados das impressões digitais não estão disponíveis no local
onde ocorreu o crime, ou ainda, pode ocorrer a destruição das impressões digitais por
putrefação ou carbonização, o que inviabiliza o uso desse método.
Sendo assim, o exame de um corpo por meio da boca e das arcadas dentárias pode
ser fundamental em uma perícia criminal, já que não existem dentições análogas, os
dentes são estruturas altamente resistentes e fornecem informações individuais que
podem auxiliar nas investigações.

5. IDENTIFICAÇÃO HUMANA

Figura 4

A identificação humana é o processo pelo qual se determina a identidade de


uma pessoa, sendo a análise odontológica um dos métodos rotineiramente utilizados,
juntamente com outros parâmetros biológicos, como a análise papiloscópica, a análise
da íris e a análise genética. Vale ressaltar que a condição em que o corpo da pessoa
é encontrado determina a metodologia a ser empregada.
A identificação pode ser feita no vivo, em casos de dentadas ou mordeduras na
vítima, no agressor ou em alimentos; no cadáver em adiantado estado de putrefação,
quando a identificação datiloscópica é impossível; em carbonizados; emafogados nos

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quais as polpas digitais tenham sido destruídas; em grandes catástrofes; em casos de
dilaceração do corpo e em perícias antropológicas (no crânio esqueletizado).

Figura 5

A identificação de cadáveres carbonizados, putrefeitos ou esqueletizados, por


meio das características odontológicas, pode ser classificada como uma metodologia
do tipo comparativa, pois confronta informações obtidas de documentação ante-
mortem com dados coletados post-mortem e, didaticamente, é dividida em três
etapas: exame dos arcos dentários do cadáver, exame da documentação
odontológica e confronto odontolegal.
A primeira fase envolve a análise de todas as particularidades odontológicas
presentes nos remanescentes dentários e nas demais estruturas do complexo
bucomaxilofacial do corpo examinado, relacionadas com a presença e/ou ausência de
dentes, cáries, restaurações (faces e materiais), tratamentos endodônticos, próteses,
anomalias, giroversões, apinhamentos, etc. No exame da documentação
odontológica, são coletadas todas as informações pertinentes ao tratamento efetuado
que foram anotadas pelo clínico no prontuário odontológico, associando-as às
informações analisadas nos exames complementares (radiografias, fotografias,
modelos, dentre outros). A última etapa é a comparação dos dados obtidos nas duas
primeiras, considerando-se o mesmo ponto de referência (face, dente) e tendo como
base uma análise qualitativa e quantitativa das particularidades odontológicas
evidenciadas.

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Independentemente do método utilizado para identificação do cadáver, os
resultados da comparação de ante-mortem e post-mortem levam a uma das quatro
situações seguintes:
 Identificação positiva: existe singularidade suficiente entre os itens
comparáveis nos bancos de dados;
 Identificação presumível (possível): existem características em comum entre
os itens comparáveis nos dados ante-mortem e post-mortem, entretanto, informações
oriundas de ambas as fontes podem ser insuficientes;
 Evidência insuficiente para identificação: não existe evidência suficiente
disponível;
 Exclusão das evidências de identificação: existem tanto discrepâncias
explicáveis como inexplicáveis entre os itens comparáveis nos dados ante-mortem e
post-mortem.
A Odontologia Legal é útil na identificação de vítimas mortais, principalmente
nas situações de catástrofes e de conflitos armados que ocorrem frequentemente, na
identificação de agressores em processos criminais, passando por avaliação e
reparação de danos corporais, e até na identificação de alguns tipos de intoxicações.

6. RECURSOS ODONTOLÓGICOS PARA IDENTIFICAÇÃO HUMANA

a. Utilização de Registros Odontológicos

A documentação produzida em decorrência dos atendimentos odontológicos,


geralmente, possui finalidade clínica e propicia ao profissional, a qualquer momento,
a consulta sobre o estágio em que se encontra o tratamento de seu paciente, bem
como a análise dos procedimentos efetuados. Além da possibilidade de
acompanhamento clínico, a documentação serve como prova passível de ser utilizada
com finalidade jurídica ou pericial, como imputação de erro profissional e identificação
humana, utilizando-se as informações registradas em fichas clínicas, podendo estar
associadas a exames radiográficos, modelos de gesso ou imagens intrabucais.

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O cirurgião-dentista deve ser detalhista ao registrar dados referentes à
identificação do paciente, anamnese, exame físico geral, extra e intrabucal com
preenchimento de odontograma (ausências dentárias, restaurações, tratamentos
endodônticos, implantes, giroversões, próteses, dentre outras características), plano
de tratamento com opções terapêuticas e valores correspondentes, bem como no que
concerne à evolução do tratamento. As anotações presentes em fichas clínicas sobre
os procedimentos efetuados, associados aos materiais restauradores e às
particularidades morforradiográficas dos elementos dentários e áreas circundantes,
podem permitir uma identificação positiva de vítimas.

Figura 6

Em situações nas quais os vestígios humanos tornam-se escassos, a


identificação por meio dos elementos dentários justifica-se, dentre outros fatores, por
estes apresentarem inúmeras características peculiares, que tornam impossível a
existência de duas pessoas com as mesmas características, mesmo os gêmeos
monozigóticos. Os elementos dentários e as estruturas de suporte podem fornecer
diversos dados sobre o cadáver e restos cadavéricos, como a espécie, a estatura,
fenótipo, genótipo, gênero e idade, estigmas resultantes de profissões ou hábitos

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pessoais, entre outros. Além disso, os dentes e materiais odontológicos possuem
considerável resistência física e química à ação do calor, de traumatismos e alguns
agentes químicos.
A resistência dos dentes e dos materiais restauradores é fator que viabiliza a
utilização do método odontológico nas identificações post-mortem, principalmente nos
corpos carbonizados e/ou calcinados, putrefeitos e esqueletizados. Com efeito, a
indestrutibilidade é uma característica que confere maior resistência ao dente do que
ao próprio osso a altas temperaturas (600-650° C).
Tendo em vista a diversidade de procedimentos reabilitadores que podem ser
efetuados durante a prática clínica, torna-se importante que o cirurgião- -dentista
esteja atento para o correto registro, acondicionamento e arquivamento das peças que
compõem a documentação odontológica: o prontuário odontológico, exames por
imagem, modelos de gesso e fotografias. Além disso, marcas para identificação em
próteses dentárias são importantes porque, ainda que possam ser obtidos, os
registros odontológicos de um paciente edêntulo têm chances de não reproduzir o
estado atual dos rebordos e osso alveolar. Informações comumente utilizadas para
marcas de identificação em próteses dentárias removíveis incluem o nome da pessoa,
número da carteira de motorista e/ou outra informação numérica.
Por saber da importância clínica e legal do prontuário odontológico para resguardar o
exercício da Odontologia, o CFO disponibiliza um modelo de prontuário, devendo o
cirurgião-dentista observar o seu conteúdo e adaptá-lo à sua rotina clínica.

b. Marcas de Mordida

A Odontologia Legal é uma ciência que coloca seu conhecimento e sua


experiência à disposição da justiça. Um importante campo de estudo e análise nessa
especialidade é o reconhecimento e a interpretação de sinais e lesões produzidas por
mordidas humanas em alimentos e na pele.
A ciência da identificação de marca de mordida pode ser usada para vincular
um suspeito a um crime. Essa análise pode elucidar o tipo de violência e o tempo
decorrido entre a sua produção e identificação, o que permite mostrar se a marca foi
produzida em vida ou pós-morte e, no caso de várias mordidas, identificar a sua
sequência. Embora nem toda marca de mordida apresente quantidade suficiente de

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detalhes, em situações em que estes existem, a identificação das marcas pode ser
extremamente útil para estabelecer uma ligação entre a pessoa mordida e o mordedor
ou excluir os inocentes.
A dentição humana possui uma singularidade de indivíduo para indivíduo, ou
seja, é única e possui diferenças entre as pessoas. Até mesmo nos casos de gêmeos
homozigóticos, diferenças são observadas, de acordo com estudos que comprovaram
não haver dois indivíduos com a mesma dentição. A marca de mordida constitui uma
lesão produzida pelos dentes humanos e/ou animais, na pele, em alimentos, vestuário
ou em outro tipo de objeto, que resulta da aplicação de forma acentuada dos dentes
numa base que é passível de ser deformada. Geralmente, são observadas em casos
de abuso sexual, homicídios, violência doméstica, assaltos, abuso infantil, entre
outros.

Figura 7

Figura 8

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Figura 9

O recolhimento das impressões da marca da mordida deve ser feito por um


odontolegista ou com a sua supervisão. A tomada das impressões é realizada por
meio dos polivinilsiloxanos, que são materiais de eleição pela estabilidade
dimensional. Materiais como alginato não são recomendados devido aos problemas
com sua estabilidade. Os modelos deverão ser obtidos por meio de gesso tipo IV.
O protocolo para análise de comparação de marcas de mordida é feito por meio
de duas categorias. A primeira refere-se às mensurações de locais específicos, como
distância intercanina, chamada de análise métrica. Os dentes anteriores são os mais
comumente observados nas marcas de mordida, mas podem ser encontradas,
eventualmente, marcas de pré-molares e molares, sendo a distância intercanina muito
significativa nesse processo de identificação.
A segunda categoria do protocolo para análise de comparação de marcas de
mordida refere-se ao emparelhamento físico, também denominado de comparação da
forma da injúria ou associação padrão. A associação padrão tem como principal
instrumento a sobreposição das imagens. Diversas técnicas de sobreposição utilizam
a imagem do objeto conhecido diretamente sobre a imagem do objeto em questão,
avaliando os pontos coincidentes e os divergentes.
A análise das marcas de mordida pode ser feita por meio das suas evidências físicas
e biológicas. No que diz respeito às evidências físicas, seu estudo contempla a
comparação das características individuais do suspeito com a marca de mordida
presente na vítima. A análise da evidência biológica, por sua vez, é realizada por meio

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da saliva existente no objeto que foi alvo da agressão, registrando-se que uma marca
de mordida é acompanhada pela presença de saliva.
A tecnologia pode ser utilizada para ajudar nas investigações criminais por meio
de reprodução de objetos mordidos nas cenas de crimes. Quando a moldagem do
local da marca da mordida é impossibilitada (marcas de mordida em alguns tipos
alimentos), a reprodução desses objetos pode ser feita utilizando-se a prototipagem
rápida. Além disso, os avanços tecnológicos podem ser empregados para a
identificação do agressor por meio da análise do DNA presente na saliva encontrada
na marca da mordida.
O conhecimento da análise das marcas de mordida por parte do odontolegista
é de extrema importância no âmbito criminal. Essa é uma ferramenta interessante que
pode ser utilizada pelo odontolegista em investigações criminais.

c. Queiloscopia

A queiloscopia é o estudo das impressões labiais com base em características


como espessura e disposição das comissuras dos lábios. O lábio possui marcas
exclusivas de uma pessoa, permanentes e imutáveis, assim como a impressão digital,
por isso a importância desse tipo de estudo.
Acredita-se que apenas as patologias capazes de causar perdas substanciais
de tecido mole e, assim, alterar as impressões labiais impossibilitam esse método.
Todas as cópias labiais são importantes, mesmo que não sejam visíveis como
em uma marca de batom. O vermelhão do lábio possui glândulas salivares menores
e glândulas sebáceas que, juntamente com o efeito lubrificante da língua, podem gerar
impressões invisíveis ou latentes, as quais têm sido de extrema importância para se
chegar à resolução final de um crime. Pode-se facilmente identificar esse tipo de
impressão labial com o uso de técnicas fluorescentes.

17
Figura 10

Figura 11

d. Rugoscopia Palatina

A técnica de rugoscopia palatina é o estudo baseado nas rugas palatinas


(forma, tamanho e posição), levando em conta que aspetos como comprimento,

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orientação e configuração variam de forma significativa em indivíduos diferentes. Por
serem imutáveis, em condições normais, por toda a vida, inclusive até certo período
após a morte, as rugas palatinas são eficientes na identificação humana em cadáveres
recentes, mas não correspondem a uma técnica útil na investigação de suspeitos na
cena de um crime. Entretanto, alguns eventos, como extrema sucção digital e
constante pressão devido ao tratamento ortodôntico, podem provocar alterações nos
padrões das rugas palatinas.

Figura 12

Cavidade oral possui grande potencial para a identificação, mas, no caso de


vítimas desdentadas, limitam-se os recursos para identificação na Odontologia Legal,
tornando as rugosidades palatinas um dos únicos elementos disponíveis.

Figura 13

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A rugoscopia palatina como sistema de classificação foi proposta em 1930 pelo
pesquisador espanhol Trobo-Hermosa, mas várias formas de classificação foram
sugeridas nos anos seguintes. Uma delas é a elaborada por Cormoy, que criou um
sistema que classifica as rugas palatinas, de acordo com as suas dimensões, em três
categorias: ruga principal (acima de 5 mm), ruga acessória (variando de 3 a 4 mm) e
fragmentos (com menos de 3 mm). Aliado com a forma em linha, curva e angulada,
aponta-se, também, a origem, a direção de cada ruga e a possibilidade de
ramificações.
A análise e a classificação das rugas palatinas podem ser feitas de modo a se
preservarem as provas que podem ser usadas no futuro, por meio de modelos de
gesso ou de fotografia do palato registrados ante-mortem

7. ANÁLISE GENÉTICA NO ÂMBITO FORENSE

Com os avanços da biologia molecular, a análise do DNA em amostras


forenses tem sido crescentemente utilizada nos processos de identificação humana,
e a Odontologia Legal vem participando cada vez mais desses processos, tendo em
vista que os dentes (principalmente a polpa dentária) são importantes fontes de DNA.
Conforme Silveira, os métodos de análise de DNA vêm sendo utilizados
mundialmente para solucionar identidades em crimes violentos, atentados terroristas,
desastres em massa e para encontrar pessoas desaparecidas.
A análise do DNA é feita a partir do perfil genético, que é obtido por meio da
decodificação do DNA nuclear ou mitocondrial.
Os gêmeos monozigóticos são os únicos que possuem perfis genéticos iguais,
portanto, quando estes são suspeitos de um crime, a análise do DNA não pode ser
utilizada no esclarecimento dos fatos.
O DNA pode ser recuperado e utilizado a partir de amostras biológicas, como
sangue, sêmen, cabelo, ossos, dentes, unhas, saliva, urina e fluídos biológicos. Essa
análise pode ser feita até mesmo no elemento dental submetido a altas temperaturas
(500 °C e 600 °C pelo período de 60 minutos). Em situações nas quais ocorrem
incêndio, explosões, que restringem a recuperação de informações a partir de restos
mortais, os dentes apresentam-se como material eletivo para análise de DNA. Dessa

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forma, torna-se imprescindível a atuação do odontolegista na coleta do material
genético que será analisado.
A análise genética pode, ainda, ser feita por meio da saliva humana, pois o
DNA salivar mantém-se estável e pode ser recuperado sobre a vítima viva ou no
cadáver, dependendo do tempo em que ocorreu a lesão. A análise da saliva pode ser
feita, por exemplo, em casos de violência em que restaram na vítima marcas de
mordida.
Nessa situação, o DNA salivar encontrado na marca de mordida pode ser
fundamental para a descoberta do agressor. As investigações criminais podem contar,
também, com a análise de DNA salivar deixado em objetos e restos de alimentos na
cena do crime, o que pode levar à identificação do criminoso.
A atuação do especialista em Odontologia Legal é de extrema importância, e a
análise odontológica é um meio muito utilizado, sendo o principal uso dessa
especialidade voltado à identificação de agressores em processos criminais e vítimas
mortais nos casos de catástrofes e conflitos.
Os dentes e materiais restauradores têm alta resistência, inclusive a
temperaturas elevadas. Além disso, o lábio possui marcas exclusivas do indivíduo, e
as rugas do palato são imutáveis durante toda a vida, inclusive até certo período após
a morte. Esses são alguns fatores que fazem a cavidade oral apresentar um grande
potencial para a identificação. O cirurgião-dentista deve ser cuidadoso ao guardar o
prontuário, as radiografias e os modelos em gesso dos pacientes, cabendo-lhe anotar
todas as informações, pois estas podem servir para a identificação positiva de vítimas .

8. O QUE É A ANTROPOLOGIA FORENSE?

A palavra forense, do latim forum, ainda continua em voga, a antropologia


forense continua a se beneficiar de alguma popularidade. Mas a verdade é que a
resolução de casos criminais através da antropologia forense é que tem trazido essa
disciplina para os holofotes. Num país de dimensão continental como o Brasil, o
desenvolvimento da disciplina apresenta assimetrias, e a congregação dos peritos
tardou a acontecer. Abordaremos neste estudo o desenvolvimento e a utilidade da
antropologia forense no Brasil.

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Importa esclarecer qual o objeto de estudo dessa disciplina que lida
principalmente com restos humanos e que muito se tem desenvolvido nas últimas
duas décadas. Corpos em adiantado estado de decomposição, em que os traços
faciais já não permitem qualquer tipo de reconhecimento, esqueletos, ossos,
fragmentos ósseos, ossos/corpos queimados são todos materiais que podem ser
considerados casos de antropologia forense.
Convém referir ainda que os antropólogos forenses também trabalham com
indivíduos vivos, nomeadamente na estimativa da idade tanto de menores sem
documentação como de indivíduos mais idosos que nunca souberam exatamente a
idade que têm e que, numa dada fase da vida, precisam da validação legal da idade.
Para ver com mais detalhe quais as atribuições atuais da antropologia forense ver
Cunha (2017).

Figura 14

9. A PERÍCIA

Identificação (quem era a vítima)


E como é que uma perícia antropológica consegue devolver a identidade a
restos humanos? A identificação, nesse caso, é um processo científico, e não é o
mesmo que o reconhecimento. Obviamente que nos casos de antropologia forense o

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reconhecimento é praticamente impossível, mas mesmo que não o fosse nunca
poderia ser suficiente para se devolver um corpo à família.
Uma vez feita a recuperação dos vestígios humanos - a qual deve ser efetuada
com a participação de antropólogos forenses, a identificação inicia-se pela avaliação
dos fatores genéricos de identidade, denominado perfil biológico, que engloba quatro
parâmetros: a ancestralidade, isto é, a origem geográfica; a idade à morte, mais
concretamente o grupo etário; o sexo e a estatura.
Estes quatro parâmetros possibilitam criar um perfil que, uma vez confrontado
com os dados das supostas vítimas, permite fazer exclusões. Ou seja, se a vítima
analisada for uma mulher, com uma idade entre 20 e 30 anos, de ascendência
europeia e com uma estatura entre 160 e 165 cm, e se na listagem de desaparecidos
só constarem homens, naturalmente que pode ser feita uma exclusão. Mas se em
uma outra relação de desaparecidos constarem cinco mulheres com esse perfil, os
fatores de identidade podem fazer o "desempate".
Em outras palavras, uma vez diminuído o leque de indivíduos desaparecidos
na análise comparativa, examinam-se os fatores individualizantes, ou seja, as
características únicas tais como variantes anatômicas, lesões ósseas, marcas de
cirurgias, entre outros. Sendo essas particularidades individualizantes e exclusivas de
cada indivíduo, a sua confrontação com os dados antemortem dos desaparecidos,
especificamente com a informação clínica e imagiológica, pode permitir a identificação
positiva.
Há assim duas grandes etapas no processo de identificação: a primeira é uma
fase reconstrutiva, em que se tenta captar o máximo de informação através do exame
do corpo, e a segunda, uma etapa comparativa, em que essa mesma informação é
comparada com as características da suposta vítima.
A avaliação do sexo faz-se para os indivíduos adultos prioritariamente com
base nos ossos da bacia. Os ossos pélvicos femininos, ao estarem adaptados ao
parto, têm uma série de particularidades - bacia mais baixa e larga, por exemplo - que
permitem uma boa discriminação entre os dois sexos. Atualmente, é possível, através
da análise métrica da bacia, quantificar a probabilidade de ser homem ou mulher, o
que constitui um resultado muito mais objetivo. Também o crânio (Fig.1 abaixo) e os
ossos longos permitem uma boa avaliação sexual.
A estimativa da idade à morte remete sempre para um grupo etário, ou seja,
para um intervalo de idade, e nunca para um valor preciso. Para os não adultos (com

23
menos de 20 anos), há um conjunto grande de indicadores ósseos e dentários
(desenvolvimento e erupção) que resultam numa boa aproximação à idade. Já a
estimativa da idade dos adultos é bastante mais problemática. Quanto mais velho for
o indivíduo, mais amplo é o intervalo etário estimado. Há toda uma série de alterações
degenerativas no esqueleto que são avaliadas, desde a sínfise púbica na pélvis às
costelas.
O modo como os vários indicadores são cruzados tem-se revelado crucial para
a obtenção de bons resultados. Já para avaliar a região geográfica de origem (a
ancestralidade), o crânio, particularmente a face (Fig.1 abaixo), é a zona esquelética
mais informativa. Através de uma análise métrica e não métrica é também possível
quantificar a probabilidade de ancestralidade africana, europeia ou asiática. Por fim,
a estatura é calculada com base no comprimento dos ossos longos, sendo o fémur,
por ser o maior destes, o mais indicado.
Sobre os fatores individualizantes, as placas de osteossíntese (colocadas em
cirurgias para consolidar fraturas), as marcas de cirurgia, os osteófitos (vulgarmente
conhecidos como bicos de papagaio) e fraturas ósseas antigas ilustram bem aquilo
que se examina no esqueleto. Quando nenhum dos fatores é suficientemente
individualizante, ou quando não há elementos antemortempara a confrontação, pode-
se recorrer à aproximação facial, considerada uma subárea da antropologia forense.
Esta requer peritos muito especializados, e o Brasil conta com alguns deles.

24
Figura 15

As lesões traumáticas ósseas (como morreu)


Para além do papel fundamental na identificação, os antropólogos forenses dão
uma contribuição muito valiosa na análise das lesões traumáticas ósseas. Estas,
quando comprovadamente perimortais, ou seja, ocorridas por volta do momento de
morte do indivíduo, são cruciais para a avaliação da causa e da circunstância da
morte, competências exclusivas do médico-legista. Se é verdade e correto que o
certificado de óbito só pode ser assinado pelo perito médico, tal não consiste em um
limite para a atuação do antropólogo forense. Pelo contrário, deve ser visto como um
motivo para uma melhor cooperação entre os vários peritos, uma forma de fomentar
o trabalho em equipe.
Ora, sendo os ossos e os dentes os mais resistentes dos tecidos corporais,
muitas vezes, sobretudo quando já passou muito tempo desde o óbito, eles são o
único testemunho do que aconteceu no momento da morte.
Os avanços na investigação sobre biomecânica dos traumatismos ósseos têm
levado a um aumento significativo tanto da quantidade como da qualidade de
informação inferida através da análise das lesões traumáticas perimortais, o que por

25
sua vez tem implicações marcantes na resolução de casos criminais e na justiça,
nomeadamente na condenação de homicidas. Veja-se o exemplo de um crânio
totalmente esqueletizado com um pequeno orifício circular de entrada de um projétil
situado (localizado na parte de trás da cabeça). A sua etiologia (causa) é altamente
consistente com homicídio, ou seja, a vítima foi, muito provavelmente, executada.
A violência no Brasil é, infelizmente, fartamente conhecida, fazendo da
necessidade de exames antropológicos algo óbvio. O fogo é cada vez mais um meio
usado para ocultação do crime. Os casos das mortes em microondas e em que os
corpos são colocados dentro de pneus de automóveis para serem
queimados/destruídos a temperaturas muito elevadas são dois exemplos mais
flagrantes e, lamentavelmente, associados ao Brasil. Nestes casos torna-se
particularmente difícil discriminar uma fratura térmico induzida (provocada pela ação
do fogo) de uma fratura resultante de uma agressão. Uma vez mais, os progressos
na investigação sobre ossos queimados têm permitido resultados cada vez mais
seguros.

Avaliação do tempo decorrido desde a morte (quando morreu)


Outra pergunta relevante é: quando o antropólogo forense entra em cena?
Essencialmente quando já passou algum tempo desde o momento da morte,
ou seja, quando o corpo já está em um adiantado estado de decomposição. Deveria
também ser chamado para o exame do local, para a recuperação e/ou escavação dos
ossos humanos, esta última também uma competência da arqueologia forense, uma
disciplina que está a dar os primeiros passos no Brasil.

Figura 16

26
Responder à questão de quando morreu pode ser particularmente difícil quando
o corpo já está totalmente esqueletizado, já que a decomposição é um processo
multifatorial onde há que ter em conta vários parâmetros. Por exemplo, um corpo com
o crânio esqueletizado, as extremidades mumificadas e o tórax saponificado
(transformação química do corpo que o protege da decomposição) e que ainda
preserve as roupas vestidas, ou seja, diretamente associadas ao corpo, estas poderão
dar uma contribuição importante para a avaliação do período de tempo decorrido
desde a morte.
A etiqueta da roupa poderá remeter para o fabricante que, por sua vez, poderá
dizer há quanto tempo o modelo em causa foi fabricado, o qual estabelecerá um limite
temporal. Ou seja, se o modelo foi fabricado há 3 anos, a morte não poderá ter
acontecido antes disso. Este é apenas um exemplo de como o exame antropológico
é um exame holístico, em que tudo tem que ser levado em consideração. Claro que
há também alguns métodos de cronologia absoluta e relativa, onde entram disciplinas
como a botânica, a química e a entomologia forenses.
Há uma lógica e necessária interligação entre as três grandes questões de um
exame de antropologia forense: há quanto tempo morreu, de que/como morreu e
quem era. De nada vale dizer que foi uma morte violenta se não se souber quem era
a pessoa. Por outro lado, se a morte tiver acontecido há mais de 50 anos, por exemplo,
o caso poderá estar prescrito, mostrando que a dimensão legal do caso também é
importante.

27
Figura 17

10. A ANTROPOLOGIA FORENSE NO BRASIL

No Brasil, os números de identificações positivas, ou seja, em que os corpos


são identificados e devolvidos às famílias, ainda são baixos. As razões para esses
números ficarem bem aquém do necessário e/ou desejado devem-se essencialmente
à quase inexistência de bases de dados/listagens de desaparecidos.
Sendo a identificação um processo comparativo, só a confrontação entre os
dados post e antemortem poderá levar a um bom resultado. O país tem ainda um
longo caminho a percorrer no que se refere a bases de dados de desaparecidos, e a
ausência dessas informações faz com que muitos corpos sejam enterrados como
desconhecidos, já que nunca foram identificados.
Algumas bases de dados estaduais, como é o caso da de Belo Horizonte (Minas
Gerais), desenvolvida exclusivamente pelos peritos médico-legais daquela cidade,
são exceções. As identificações positivas são alcançadas também através de uma
boa cumplicidade entre várias ciências, especialmente a antropologia e a genética
forense. Muitas vezes a antropologia forense cria a suspeita de identificação de uma
dada pessoa, que depois é confirmada pela genética.

28
Apesar de haver algumas publicações científicas sobre o desenvolvimento da
disciplina no Brasil, ainda falta um levantamento mais exaustivo que englobe a sua
origem e história. Sheila Mendonça de Sousa, antropóloga biológica do Rio de
Janeiro, pode ser considerada uma precursora da antropologia forense no Brasil, já
que a aplicação dos métodos e técnicas da área tem origem no campo da antropologia
física/ biológica.
As razões para o tardio desenvolvimento da disciplina no Brasil, sobretudo
quando comparado com outros países da América Latina, como a Argentina, têm sido
imputadas à ditadura militar (1964-1985) e à falta de apoios e incentivos estatais.
Apesar de existirem profissionais a fazer exames de antropologia forense nos
institutos médico legais (IMLs) brasileiros há pelo menos três décadas - como no caso
de Brasília, onde o grupo de antropologia forense foi criado em 1992, a verdade é que
somente em 2012 foi criada a Associação Brasileira de Antropologia Forense (Abraf).
Ou seja, só então começa uma verdadeira interação entre os profissionais que tem
resultado em um verdadeiro salto qualitativo e em uma maior visibilidade internacional
dos trabalhos desenvolvidos.
As perícias de antropologia forense são predominantemente feitas nos IMLs,
com algumas exceções, como é o caso de Porto Alegre, com o Departamento Médico
Legal (DML) do Instituto Geral de Perícias (IGP), ou de Natal, com o Instituto Técnico
Científico de Perícia (ITEP-RN). São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Brasília, Belo
Horizonte, Guarulhos e Goiânia têm IMLs bem conhecidos, com muito bons peritos.
O mesmo acontece em cidades menores como Aracaju e João Pessoa. Os peritos
são sobretudo odontologistas e médicos.
Belo Horizonte conta, muito provavelmente, com a maior equipe de
profissionais dedicados à antropologia forense, com cerca de nove profissionais que
têm sido essenciais, entre muitos outros exemplos, na identificação das vítimas do
trágico desastre em massa de Brumadinho, ocorrido em 25 de janeiro de 2019.
Em Salvador, temos outro caso de equipe de referência, que inclui duas
médicas e duas odontologistas. O Serviço de Antropologia Forense de Porto Alegre
foi criado em 1997 e, em 10 anos (1997-2006), examinou 334 casos. Já o Rio de
Janeiro conta apenas com um perito na área desde 2010, ano da criação do Serviço
de Antropologia Forense (Safo) - desde então coordenado por Marcos Paulo Salles
Machado (IML-AP).

29
À semelhança dos outros serviços de antropologia forense, também este está
ligado ao Departamento de Polícia Técnico Científica da Polícia Civil, tutelado pela
Secretaria de Segurança Pública. Ou seja, pode ser considerado como uma unidade
da polícia. No Safo, de 2011 a 2017 foram analisados 196 casos.
Outro centro de referência é o Laboratório de Antropologia Forense do Centro de
Medicina Legal (Cemel), criado em 2005 por Marco Aurélio Guimarães na Faculdade
de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP). Esse
centro analisou 66 casos de indivíduos totalmente esqueletizados de 1999 a 2009.
Como se pode verificar pelos exemplos dados, é muito difícil fazer uma análise
comparativa da frequência de casos nos vários IMLs já que, sobretudo, a forma como
são contabilizados não é uniforme.
A USP tem liderado a investigação em antropologia forense feita no Brasil, e
verifica-se que são sobretudo os odontólogos que publicam na área. Um dos grandes
problemas encontrados ao longo dos anos é a falta de capacitação específica entre
os profissionais. A partir de 2012 surgiram ações pontuais da Academia de Polícia
(Acadepol) e workshops promovidos pela Cruz Vermelha Internacional. Em 2014,
surge o primeiro curso de especialização em antropologia forense, em Salvador, que
capacitou como especialistas três das peritas do IML Nina Rodrigues. Em 2017 foi
criado o curso de especialização em antropologia forense e direitos humanos da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com o apoio do Centro de Arqueologia
e Antropologia Forenses (Caaf) da mesma universidade.
Merecem também destaque as formações tuteladas pela Polícia Federal,
especialmente as de 2017, coordenadas por Carlos Palhares, que tiveram um papel
mobilizador e agregador com peritos de quase todos os estados do Brasil. O fato de,
no país, serem sobretudo odontologistas a fazer perícias antropológicas é um caso
praticamente ímpar no panorama mundial, só encontrando paralelo no Sri Lanka.
Seria importante que outras formações de base, como a biologia e a antropologia
biológica pudessem ser reconhecidas para a prática de antropologia forense, o que
ainda não aconteceu. Não menos importante é a certificação internacional dos peritos,
que é uma garantia de qualidade - algumas especialistas brasileiras começaram a
fazê-lo, havendo já algumas certificadas.
O já referido artigo de Gorka e Plens identificou 34 instituições onde são feitas
investigações em antropologia forense no Brasil. Entre elas, as faculdades de
odontologia lideram a produção científica, a dizer, a USP, a Universidade Estadual de

30
Campinas (Unicamp) e a Universidade Federal de Goiás (UFG). Também os centros
de investigação que têm coleções osteológicas identificadas têm, mais recentemente,
sido beneficiados por esses verdadeiros "laboratórios de investigação" que são as
coleções.
O Brasil conta hoje com, pelo menos, sete coleções de esqueletos identificados
que estão começando a permitir a validação dos métodos a serem aplicados na
resolução dos casos forenses. Alguns desses centros, como é o caso do Centro de
Estudos em Antropologia Forense (Ceaf) da Universidade de Pernambuco (UPE),
participam ativamente no ensino e na divulgação das ciências forenses, como é o caso
do mestrado em ciências forenses da UPE, em Recife, único no país. Uma revista
dedicada à antropologia forense acaba de ser criada: o primeiro número
do BrazilianJournalofForensicAnthropology& Legal Medicine está no prelo, graças à
dinâmica da Abraf.
O papel da antropologia forense na identificação de restos mortais dos
desaparecidos da ditadura merece ser destacado. O Grupo de Trabalho de Perus
(GTP), sediado em São Paulo e criado em 2014, tem analisado centenas de
esqueletos encontrados em uma vala comum do cemitério de Perus (oficialmente
Cemitério Dom Bosco), localizado na zona norte da cidade de São Paulo. Após anos
de pesquisa, o GTP viu o seu esforço recompensado com a identificação positiva de
duas das vítimas, em 2018.
As valas comuns se configuram como uma grave violação dos direitos humanos
e são um crime que não prescreve. O GTP pode ser considerado como uma das
respostas à condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos
(CIDH) em 2011, que levou a uma intensificação dos grupos de trabalho de reparação,
justiça de transição (referente aos reparos às violações dos direitos humanos), direito
à memória e à verdade. O Grupo de Trabalho do Araguaia, estabelecido em 2011,
também merece ser salientado. Ele tem localizado os prisioneiros políticos
desaparecidos em áreas rurais.
Igualmente merecedor de referências é a integração de peritos especialistas
em antropologia forense nas equipes de disastervictimidentification (identificação de
vítimas de desastres; DVI). Neste aspecto, o Brasil apresenta um bom nível
internacional e está perfeitamente capacitado para fornecer uma resposta rápida e
eficiente, como é o caso do mais recente desastre de massa que afetou o país, em

31
Brumadinho, já aqui referido, mas também de outros, como os acidentes dos voos
1907 da Gol, em 2006, e 447 da Air France, em 2009.
Figura 18

Perito do DF Samuel Ferreira na área atingida pelo rompimento da barragem em Brumadinho (MG) —
Foto: Arquivo pessoal
Figura 19

É por meio da Antropologia Médico-Legal que conseguimos realizar a


identificação de informações importantes com relação ao gênero, estatura, etnia,
idade, ou seja, identificar a individualização de cada pessoa dentro de um grupo.
Para tanto, a Antropologia Forense desenvolve algumas atividades objetivando a
individualização:

32
Figura 20

 Cranotanatognose:
Busca conhecer o intervalo de tempo volvido após a morte. Para identificação
de óbitos mais recentes, comumente são utilizadas a temperatura corpórea, a
presença e fixação de livores hipostáticos e a rigidez cadavérica. Na identificação de
óbitos não recentes, são verificadas, principalmente, as fases de putrefação do corpo.

Figura 21

33
Figura 22

Livores de hipostase em enforcado.

Livor cadavérica em pessoa que permaneceu em decúbito ventral após a morte. Observe a geometria
dos livores, que correspondem à forma dos objetos contra os quais esteve apoiado.

Identificação humana:
 Genérica: busca determinar a espécie do material biológico examinado, se é
humano ou animal.
 Específica: a idade pode ser estimada por meio da análise de centros de
ossificação, da sínfise pubiana, da contagem de osteócitos e da mineralização e
erupção dos dentes. A partir da puberdade e por meio da morfologia óssea da pelve
e do crânio, pode-se estabelecer o gênero do indivíduo. A estatura por meio da medida
dos ossos, e a etnia por meio das medidas antropométricas (estudo das medidas e
dimensões das diversas partes do corpo humano), ainda que comum a miscigenação.
 Individual: busca determinar a identidade do cadáver por meio da comparação
de dados de provável indivíduo com os da ossada.

Verifica-se, portanto, que antropologia busca, por meio de pesquisas


específicas envolvendo conhecimentos científicos, reconhecer a identidade
antropológica (pela antropometria) e a identidade civil através de informações
peculiares e imutáveis que caracterizam cada indivíduo, como, por exemplo, a arcada
dentária, o DNA, íris e a papiloscopia (digital).
Por fim, a comunidade de peritos de antropologia forense do Brasil atua não
somente nos casos do cotidiano, como também nas áreas de desastres de massa e
de crimes contra a humanidade. É evidente o esforço da maior parte dos peritos para
se atualizar e acompanhar o desenvolvimento da disciplina, o que pode ser visto, por

34
exemplo, no entusiasmo com que participam nas ações de formação, na qualidade
das perícias realizadas, nas apresentações dos congressos da Abraf e na recente
criação de uma revista científica da especialidade por parte dessa associação. A Abraf
sem dúvida tem alavancado e dinamizado a disciplina. Ainda assim, falta uma maior
visibilidade internacional do trabalho desenvolvido no Brasil, que pode ser conseguido
por uma maior participação em congressos internacionais e, sobretudo, por mais
publicações em revistas internacionais revisadas pelos pares.
Assim, é possível concluir que a odontologia legal adquire um papel relevante
no processo de identificação, sendo incontestável a fundamental importância do
odontolegista visto que, a identificação trata-se de um processo que necessita ser
incorporado no contexto da perícia médico-legal e odontológica, fornecendo
esclarecimentos à justiça de maneira eficaz para uma identificação positiva.
Convêm ressaltar, do mesmo modo, a importância de alertar os colegas cirurgiões-
dentistas para a necessidade do correto preenchimento e arquivamento dos
prontuários odontológicos, uma vez que, além da importância clínica, eles podem
fornecer esclarecimentos relevantes à Justiça.

35
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