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Juventudes e Seus Habitos Cotidianos

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Pouso Alegre/MG, ano 8, n.º 18, jul-dez/2023, p.129-p.

149 – ISSN 2359-2192

JUVENTUDES E SEUS HÁBITOS COTIDIANOS NOS


INTERVALOS ESCOLARES1

The youth and its daily habits in the school breaks

Luiz Antonio Feliciano2


Julia Limongi Rodrigues Ferreira Seraphim3
Andreia Gonçalves Feliciano4
______________________________________

Resumo: A sociedade é dividida em grupos com


características ou gostos semelhantes e vive uma
época pós-moderna, em que se misturam arcaísmos,
com desenvolvimento tecnológico. Segundo
Maffesoli (2007), o momento atual é chamado tribal,
pois os indivíduos preferem viver a intensidade do
momento ao invés de pensar no futuro. Os jovens
refletem esse modelo, pois passam por uma fase de
instabilidade. Esse texto procura discutir essas
questões a partir de uma pesquisa etnográfica, que
procurou observar o cotidiano dos estudantes de
uma escola de ensino médio regular e outra de
ensino médio profissionalizante, ambas da cidade de
Lorena (SP). O objetivo foi procurar problematizar as
atitudes dessa parcela da juventude, com base nos
modos como agem, nos momentos entre as aulas.
Ficou evidente a rotinização dos jovens da escola,
como um ritual a ser seguido por todos. Uma pesquisa
mais aprofundada pode propiciar outros
entendimentos sobre as ritualidades juvenis. Espera-se

1 Parte desse trabalho foi apresentada no XVI Encontro de Iniciação Científica, XIV
Mostra de Pós Graduação e VI Mostra de Extensão do Centro Universitário Teresa D'Ávila
– UNIFATEA, com o título: Entre aulas: um olhar sobre os intervalos escolares juvenis.
2 Professor efetivo na Universidade do Estado de Minas Gerais. Doutor em Educação

pela Unicamp. Graduado em Comunicação Social, habilitação em Publicidade e


Propaganda. E-mail: luiz.feliciano@uemg.br
3 Graduanda em Psicologia no Centro Universitário Salesiano de São Paulo. E-mail:

julia.seraphim09@gmail.com
4 Advogada. Pós-graduada em Direito Ambiental. Graduada em Direito pela Univap. E-

mail: andreiafelicianoadvogada@hotmail.com
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Revista DisSol – Discurso, Sociedade e Linguagem
FELICIANO, L. A.; SERAPHIM, J. L. R. F.; FELICIANO, A. G. Juventudes e seus hábitos cotidianos nos intervalos
escolares
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que esse trabalho possa fomentar novas


problematizações sobre as juventudes e suas
vivências escolares.
Palavras-chave: jovem; escola; socialidade;
experiência.

Abstract: Society is divided into groups with similar


characteristics or tastes and lives in a post-modern
era, in which archaisms are mixed with technological
development. According to Maffesoli (2007), the
current moment is called tribal, because people
prefer to live in the intensity of the moment rather than
thinking about the future. Young people reflect this
model, since they go through a phase of instability. This
text aims to discuss these issues based on
ethnographic research, which observed the daily lives
of students at a regular high school and a vocational
high school, both in the city of Lorena (SP). The
objective was to problematize the attitudes of a
group of young people, based on the ways they act
in the moments between one class and another class.
The routinization of young people at school became
evident, as a ritual to be followed by everyone. Further
research may provide other understandings of youth
rituals. It is hoped that this work can promote new
problematizations about young people and their
school experiences.
Keywords: young people; school; sociality;
experience.

INTRODUÇÃO

As pessoas estão constantemente sendo exigidas por mudanças,


mesmo que elas não percebam que isso ocorra. Os jovens não fogem à
regra, pois são nódulos sociais com interesses em comum. Suas
mudanças se dão nas inter-relações que ocorrem cotidianamente.
Fatores culturais como crenças, valores, símbolos, normas e outros podem
ser assimilados ou derivados de características precedentes ou, até
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mesmo, criadas durante aquela fase da juventude. Histórica e


socialmente, a juventude é marcada como fase da instabilidade, onde
os jovens sofrem certos tipos de pressões e alguns ficam apelidados de
irresponsáveis, desinteressados. Um adulto é considerado responsável
devido a alguns fatores familiares, ocupacionais, conjugais, etc. (CASSAB,
2011).

Os jovens têm pra si que ser adulto é ter responsabilidades e saber


pensar em como resolver os seus problemas. A maioria dos jovens sente
medo de como vai ser o seu futuro e quais dificuldades enfrentarão pelo
caminho. Mas é quase unânime que um futuro, quando perpassado pela
escola, tende a ser mais promissor. Nesse sentido, a escola é terreno fértil
para se pensar os rumos almejados pelos jovens e os passos que eles têm
dado para alcançar os objetivos. Todos são atravessados por uma
cultura. Em cada fase da vida, os laços e as relações entre os pares são
diferentes e ajudam a configurar a pessoa, suas atitudes, seus modos de
enxergar a vida e sua maneira de significar as coisas (DAYRELL, 2007). O
modo como o jovem vivencia suas experiências é carregado de
particularidades que resvalam nas singularidades dos seus pares. Ele
mesmo, na maioria das vezes, cria suas oportunidades ou as modifica, de
acordo com o que melhor convier ao grupo a que está inserido. Essa
busca pelo diferente faz com que suas atitudes se tornem tão únicas que
para serem observadas, de maneira mais consistente, um observador
jovem, pela proximidade, teria melhores condições. De toda forma, o
pesquisador necessita transpor-se para o tempo e o espaço em que os
jovens vivem para sentir toda efervescência que os possibilitam ser jovens.

Esse texto nasce de observações no cotidiano dos alunos de duas


escolas de ensino público: uma de ensino médio regular e outra de ensino

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médio profissionalizante, ambas da cidade de Lorena (SP). A pesquisa5


realizada teve como objetivo auferir o que as juventudes têm feito nos
seus momentos de ócio dentro da escola, aqueles períodos em quem as
socialidades têm mais vigor e potencialidade. O trabalho foi construído
através de um percurso metodológico, centrado no modelo da
antropologia urbana. Porém, a ida ao campo aconteceu em dois lugares
similares e distintos ao mesmo tempo, isso tem proximidade com o que
caracteriza a pesquisa focada na etnografia multilocal (MARCUS, 2001).
A tentativa de buscar as relações e aproximações entre as atitudes dos
alunos do colégio profissionalizante e os alunos do colégio de ensino
médio regular deu à pesquisa esse caráter de multilocalidade.

A etnografia possibilita um afetar-se entre os copartícipes. Tanto


pesquisador como pesquisado acabam perpassando e sendo
perpassados pela presença um do outro. Num primeiro momento, um
estranhamento, que, a partir do convívio entre ambos, passa a uma
relação altera que coadjuva com a construção de cada um, pela
construção do Outro (MAGNANI, 2009; 2002). Na etnografia, as
informações começam a aparecer com a intensidade da presença e a
constância na observação. Nesse trabalho, os alunos pesquisadores, por
conviverem na própria escola, teciam, há algum tempo, essa alteridade
que o trabalho antropológico permite e exige. O trabalho etnográfico
está, em sua maioria, pautado por uma abordagem limitada a um
espaço que não compreende o todo, mas apenas uma parte dele. Na
multilocalidade, as partes se complementam simultaneamente.

As observações do cotidiano escolar foram realizadas por uma


aluna (colégio profissionalizante) e um aluno (ensino médio regular) que
se encarregaram de olhar atentos os movimentos e as atitudes dos seus

5Pesquisa de PIBIC-EM – Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica para


Ensino Médio, vinculada ao ISPIC-UNIFATEA, como apoio do CNPq.
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pares na escola. Esse passo se estendeu por um período de um mês, com


o propósito de mapear as atividades feitas pelos alunos nos horários livres.
Aqueles que compreendem os intervalos, dos entre-aulas, e os momentos
depois delas se encerrarem, os pós-aulas. A construção metodológica,
por mais que se tenha tido o cuidado de orientar-se para inibir e aparar
possíveis arestas que possibilitariam interferências nos resultados se
constituiu em curso. Esse é o caráter dinâmico e vivaz da pesquisa,
sobretudo, nas ciências humanas.

O viés adotado possibilitou alguns apontamentos sobre as atitudes


dos jovens, principalmente, no momento vivenciado dentro da escola, e
abriu espaço para problematizações que ecoam em situações além dos
seus espaços físicos, que reverberam, em outros momentos, noutros
lugares, além-muros da escola. Acredita-se que as inferências, por ora
apresentadas, colaborem para outras abordagens mais densas sobre o
universo do jovem e da educação como um todo. Espera-se, contudo,
que o texto tenha dado conta de alinhar alguns barbantes e atar alguns
nós, a partir da ótica de dois jovens que vivenciam essa dinâmica
cotidianamente. E, oxalá, que as discussões suscitadas contribuam para
um olhar mais atento sobre o universo juvenil.

1. UM BREVE PERCURSO TEÓRICO COMO REFERENCIAL

Para entender o campo é importante partir de alguns óculos que


auxiliam na focagem e na nitidez dos sujeitos observados. Uma tentativa
de escuta das vozes que falam sobre as temáticas que atravessam seu
percurso metodológico. Nesse sentido, procurou-se, num primeiro
momento, trazer algumas discussões no entorno de conceitos que
submergem da ida ao encontro dos sujeitos. Juventude, identidade,
espaço, cotidiano e pós-modernidade são assuntos que são trazidos, de
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forma breve, por aflorarem, de maneira consistente, nas discussões que


abordam os jovens e sua inteiração no espaço social. A imersão em
alguns autores deu o suporte necessário às idas ao campo e a qualificar
o olhar a ser lançado sobre o fenômeno da juventude escolar. Desse
modo, o texto procura trazer algumas elucidações que nasceram de
leituras e interlocuções.

1.1 Juventude, identidade e identificação

O processo de socialização é uma constante na vida de todas as


pessoas. Contudo, há que se olhar para a diversidade que compõe as
juventudes, mesmo com as similaridades existentes entre aqueles e
aquelas que fazem parte dessa categoria (PAIS, 1990). Diferenças de
culturas, crenças, valores, símbolos, normas e outras tantas
particularidades corroboram para que apareçam especificidades que
reforçam a ideia das várias juventudes existentes. No convívio com o
grupo diversas características podem ser assimiladas ou derivadas de
outras precedentes ou, até mesmo, algumas podem ser criadas durante
aquela fase da juventude, naquele grupo específico. Contudo, deve-se
atentar para as semelhanças que unem o grupo, sem se esquecer das
peculiaridades que os tornam diferentes e únicos.

Histórica e socialmente, a juventude é marcada como uma fase


de instabilidade, em que os jovens sofrem certos tipos de pressões e
alguns ficam apelidados de irresponsáveis, desinteressados (CASSAB,
2011). Um adulto é considerado responsável por responder a alguns
fatores familiares, ocupacionais, conjugais, etc. O jovem, ao assumir tais
responsabilidades, passa a requerer o status da adultez (PAIS, 1993). O
problema mais comum, que ocasionalmente afeta as juventudes, é a
crise no mercado de trabalho, iniciada após o baby boom com o fim da
segunda guerra mundial, apontava Machado Pais, em 1993. Contudo,
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“a posterior expansão do desemprego a partir de fluxos provenientes da


inactividade, nomeadamente entre os jovens, parece instalar-se como
‘tendências duradoura’” (PAIS, 1993, P. 141.) (Grifo do autor.).
Atualmente, os jovens tendem a postergar sua dependência por conta
da instabilidade a que o mercado tem inserido a sociedade. Com o
aumento da escolaridade e, consequentemente, o aumento da
qualificação, os estudantes preparam-se melhor para o mercado de
trabalho e, assim, diminuem, ocasionalmente, a crise.

De acordo com a corrente geracional, em cada geração


encontram-se duas tendências às quais os jovens são imersos. Uma em
que se assimila o que foi vivenciado (ideias, valores, instituições.) e outra
em que se centra na espontaneidade de uma vivência fluída. A primeira,
cumulativa, experimenta uma homogeneidade no que é recebido e
inerente. A segunda, por sua vez, vai sentir a força de uma
heterogeneidade nos mesmos elementos. Estas são perpassadas pelos
embates ou pelas rupturas intergeracionais. É interessante questionar se
essa descontinuidade se dá pela força da cultura juvenil 6 ou pela
estrutura de classes que formam o “topo” social em que os jovens se
originam ou, ainda, se a causa da interrupção é motivada pelas duas
tendências (PAIS, 1993).

Se a cultura está na base de todo processo de socialização, seja


no sentido macrossocial ou no sentido microssocial, entende-se que
nesse movimento acontece um compartilhamento de significados. Um
conjunto de símbolos que caracterizam o pertencimento a um grupo.
Uma especificidade linguística, com seus usos ritualístico, que dá sentido

6 “Por cultura juvenil, em sentido lato, pode entender-se o sistema de valores


socialmente dominantes atribuídos à juventude (tomada como conjunto referido a uma
fase da vida), isto é, valores a que aderirão jovens de diferentes meios e condições
sociais” (PAIS, 1993, p. 163).
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à vida. Um compartilhamento de significados copartícipes de um


conhecimento que é comum, é ordinário e é cotidiano. Nesse sentido,
Pais (1993) orienta a levantar as seguintes questões:

1.° se os jovens compartilham os mesmos significados; 2.° se, no


caso de compartilharem os mesmos significados, o fazem de
forma semelhante; 3.° a razão por que compartilham ou não, de
forma semelhante ou distinta, determinados significados. (PAIS,
1993, P. 164.)

Esses questionamentos sugerem olhar profundamente para as


juventudes no desenrolar de suas atitudes. Isso se faz necessário que
aconteça nos contextos vivenciados pelos jovens, nos seus cotidianos.

(...) porque é quotidianamente, isto é, no curso das suas


interacções, que os jovens constróem formas sociais de
compreensão e entendimento que se articulam com formas
específicas de consciência, de pensamento, de percepção e
acção (sic). (PAIS, 1993, P. 164.).

Para Dyrell (2007), a sociabilidade entre os jovens pode ocorrer nas


deambulações pela cidade, bem como em outros momentos de
intervalo entre os fazeres cotidianos. Pode, igualmente, se dar no interior
de instituições, como a escola e o trabalho, ou, ainda, “em invenções de
espaços e tempos intersticiais” (DYRELL, 2007, P. 1111).

Vivemos numa época juvenil arcaica (MAFFESOLI, 2007), mesmo


que digam ser diferente, a separação em classes sociais permite àquelas
mais altas se considerarem superiores às demais. Isso contribui para que
surjam as atitudes envoltas ao cinismo e à arrogância. Para Meffesoli
(2007), o que melhor define a nossa sociedade atual é a metáfora da
“tribo”, que permite uma forma mais coerente de entendimento sobre as
metamorfoses do vínculo social. A dimensão comunitária e a saturação
do conceito do indivíduo e da lógica da identidade têm possibilitado isso.

Maffesoli (2007, p. 98), ao citar Bergson, diz que há “sempre uma


intuição por trás de todo pensamento criador”. Esta é a visão interna de
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um sujeito que observa a energia própria de um ser, uma situação ou um


conjunto social. A socialidade é o foco dado a essa força interna que se
torna a base do poder interior sob suas diversas formas. No neotribalismo
contemporâneo, essa força está sendo impulsionada. A sociedade tem
assistido ao retorno do “princípio de Eros”, em substituição ao “princípio
de logos”. O primeiro relacionado a uma ligação psíquica e emotiva. O
segundo, com interesse objetivo, ligado ao princípio da razão. Desse
modo, as atitudes são consideradas tribais, pois se prefere viver dentro da
intensidade do momento, a pensar no futuro econômico, político e
social. As juventudes têm demonstrado constantemente esses modos de
vivenciar as relações de acordo com a potência que o grupo oferece.

A partir de uma expressão de Ortega y Gasset, citada por Mafessoli


(2007), o “imperativo atmosférico” pode ser compreendido como uma
ambiência estética, onde só importa a dimensão transindividual, coletiva
e, talvez, cósmica, que se instala no atual momento da sociedade. A
saturação do sujeito, a subjetividade da massa, assim como outras formas
de urgrund ou coletivo, uma espécie de “narcisismo coletivo”, que está
na base de todo o ser comum. Comte, estabeleceu que volens nolens é
a base dos diversos sistemas sociológicos a que a ele sucederam. O
tribalismo é nada mais que uma declaração de guerra ao esquema
substancialista que marcou o ocidente. Rainer Maria Rilke, afirmou que é
necessário cavar fundo nossas raízes, sem deixar a superfície para
entender melhor o modo de vida. Querendo ou não, somos obrigados a
viver nesse meio e devemos nos adaptar, pois é o que a sociedade
tribalista contemporânea nos impõe como desafio, nessa época de pós-
modernidade.

1.2 Espaço e cotidianidade pós-moderna

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Para falar de espaço, público ou privado, é importante ter um


conhecimento prévio da diferença entre meio ambiente e ambiência.
Meio ambiente é caracterizado por toda materialidade que existe em
nosso espaço, tais como prédios, ruas, praças, postes. Por ambiência
pode-se dizer que é o emocional ou tudo que dá vida a determinado
lugar (THIBAUD, 2012). O espaço em que se vive é especialmente
projetado para dar aos habitantes uma vida harmoniosa. Basicamente,
tudo o que pode ser percebido e o que não é perceptível, sem um maior
raciocínio, existe em determinado lugar por um propósito. Esses fatores
que encontram dificuldades em serem percebidos são chamados de
médium. O médium engloba tudo que pode ser sentido em determinado
local – cheiro, luz, sons – e é cuidadosamente escolhido por profissionais,
principalmente, das áreas de marketing para “controlar” as ações das
pessoas no cotidiano (THIBAUD, 2012).

Thibaud (2017; 2012) aponta uma perspectiva que avança no


sentido de entendimento de uma abordagem mais ampla no conceito
de ambiência. Com um olhar mais interdisciplinar, diferente do ponto de
vista físico e clássico, qualificado pelo controle das ambiências, essa
nova concepção passa a valorizar a percepção sensível e a experiência
estética. Desse modo, a “ambiência é definida como o espaço-tempo
experimentado pelos sentidos” (THIBAUD, 2012, P. 09). Nesse modelo mais
aberto e qualitativo, com outros modos de inteligibilidade, a abalroação
ganha ares mais sensíveis e humanos. Isso tem possibilitado uma
amplitude nas observações a que esse trabalho tem proposto por
abordar as atitudes dos jovens no espaço escolar, com seus ambientes e
ambiências, característicos de cada escola. A cotidianidade vivida no
colégio perpassa as sensibilidades que o lugar permite.

O cotidiano é representado pelas atividades que o ser humano faz


diariamente em sua vida, individual e coletivamente, sem perceber que
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está fazendo. Para Pais (1993), o cotidiano é onde tudo se passa e nada
se passa.

O quotidiano – costuma dizer-se – é o que se passa todos os dias.


Mas também se costuma dizer que no quotidiano nada se passa
que fuja a ordem da rotina e da monotonia. Então o quotidiano
seria o que no dia-a-dia se passa quando nada se parece
passar. Mas só interrogando as modalidades através das quais
se passa o quotidiano – modalidades que caracterizam ou
representam a vida passante do quotidiano – nos damos conta
de que é nos aspectos frívolos e anódinos da vida social, no
“nada de novo” do quotidiano, que encontramos condições e
possibilidades de resistência que alimentam a sua própria rotura.
(PAIS, 1993, P. 108.).

É preciso observá-lo mais de perto, desde o princípio até os dias


atuais. Se houver o desejo de ter ideia sobre o futuro de tudo que é
possível, é no cotidiano atual que se pode enxergar. Mas quando dizem
“observar” significa que é necessário ter um olhar que perscruta, que
questiona, que infere. Um olhar de sociólogo, de antropólogo, de
historiador ou de filósofo. Porém, os primeiros a pensarem o cotidiano são
os artistas e os poetas que lançam seu olhar intuitivo sobre a
cotidianidade da vida social. Entre muitos pensadores, podemos citar
Appel que, de acordo com Maffesoli (2008), diz ser preciso compreender
ao mesmo tempo o escondido e o evidente. Nesse sentido, é importante
que se estude a origem da coisa, pois isso é a principal fase de algo que
necessite ser estudado (MAFFESOLI, 2008).

Segundo Maffesoli (2011, P. 21), “a pós-modernidade dá


importância às tribos, aos espaços que ocupam e às socialidades que ali
se desenvolvem”. Essa evolução ocorre em espiral, à medida que novos
elementos são criados e alguns são eliminados. É difícil imaginar o que
será da pós-modernidade, pois o futuro é algo incerto. Porém, podemos
ter uma ideia, analisando algumas tendências atuais. Segundo Maffesoli
(2011, P. 21), esse período deve ser dado como “a sinergia de fenômenos
arcaicos com o desenvolvimento tecnológico”. Isso pode ser percebido,
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não apenas por aspectos do espaço (lugares que vivemos e somos


influenciados) ou por valores enraizados (língua, cozinha, posturas
corporais), mas, também, por materiais espiritualistas, solidariedade,
proteção (abstratas).

A estrutura das tribos tem sempre a mesma dimensão calcada na


entreajuda, na divisão do sentimento, na ambiência “afectual”. Nessas
tribos, há criação de mitologias, oriundas da substituição do indivíduo, da
história e da razão, pela fusão do “afectual”, encarnada no presente de
imagens comuniais. Numerosos são os fenômenos da vida que não
seriam explicados sem a existência desses fatores. Na pós-modernidade,
sai de cena o indivíduo e assume em seu lugar a pessoa, com suas
personas. A autonomia se esfacela e ganha força a heteronomia, lugar
onde a minha lei passa a ser o outro. Junto a isso, concomitante, inverte-
se a importância do tempo. A história linear perde lugar para a história
humana. É a “einsteinização” do tempo em que o tempo se contrai no
espaço. Predomina o tempo vivido com o Outro, num determinado
espaço. O Carpe diem que domina o hedonismo da vivência necessária
do eterno presente.

(...) o presente pós-moderno encontra a filosofia do kairos que


colocou a tónica sobre as ocasiões e as boas oportunidades,
sendo a existência apenas, numa certa medida, uma sequência
de instantes eternos que convém viver, o melhor possível, aqui e
agora. (MAFFESOLI, 2011, P. 23.).

Na pós-modernidade, a imagem ganha importância na


constituição do sujeito e da sociedade. Imagem essa renegada na
tradição judaico-cristã e na intelectualidade de descarte a Sartre. Uma
negação que custou o bom funcionamento da razão, além de marcar
os modos de pensar e a sensibilidade teórica (MAFFESOLI, 2011). Na
atualidade, tudo se reporta em imagem. Publicidade, televisão,
virtualidade, marca, intelectualidade, religião, política, mercado,

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indústria. Tudo deve ser visto. Tudo deve se espetacularizar. Funda-se um


“mundo imaginal”. “Isto é, de uma maneira de ser e de pensar,
inteiramente atravessada pela imagem, o imaginário, o simbólico, o
imaterial” (MAFFESOLI, 2011, P. 24.). O imaginal nos permite atentar para
a sociedade complexa, para a solidariedade orgânica e para a
correspondência entre todos os elementos naturais e sociais. Mais ainda,
a época é propícia para observar a impermanência de tudo que é dado
e estabelecido. Os intervalos das aulas, nos colégios observados,
permitiram enxergar vestígios dessa impermanência e dessa pós-
modernidade.

2. OS DIFERENTES ESPAÇOS E AS NUANÇAS JUVENIS

2.1 Inferências e discussões I – Ensino Médio Regular

O trabalho etnográfico se vale de uma observação mais intensa


do universo a ser estudado. Desse modo, houve uma concentração nos
meses de abril e maio, do ano de 2019, para verificar as atitudes dos
alunos, nos momentos de entre aulas. Durante o intervalo, percebeu-se
que os jovens apresentam variadas maneiras de demonstrar suas
emoções. Todos têm, em comum, a vergonha de se expressar com os
outros jovens. Isso interfere quase sempre no desenvolvimento social de
cada um. Outra situação que também ficou muito evidente foi o uso de
drogas dentro da escola. Notou-se, igualmente, que há um despreparo
da direção em lidar com o problema. O fato de haver poucas atividades
esportivas e artísticas, ou programas que exijam o envolvimento dos
alunos, contribui para que haja uma ociosidade no tempo livre. Essa
ociosidade é terreno fértil a ser preenchido pelas práticas do grupo, ao
qual se quer inserir, estar dentro, “para sentir o prazer de estar juntos,
‘entrar dentro’ da intensidade do momento, como aponta Maffesoli
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(2007, P. 98). A inclusão de atividades alternativas poderia colaborar para


o desapego das drogas e a abertura para interações sociais, marcadas
pela presença física ao invés das interações virtuais, na individualidade
de seus celulares.

As conversas informais realizadas com os jovens ofereceram


resultados bastante interessantes nas respostas dadas por eles. Em uma
pergunta, todos responderam a mesma coisa sobre a escola: “ela é o
futuro, a garantia de uma vida melhor”. Cada um falou de seu jeito, mas
a palavra-chave de todos foi a preocupação com o “futuro”, sem
exceção de ninguém. Outra questão relevante foi sobre o papel do
jovem na sociedade e qual a sua importância para ela. As respostas
foram positivas e demonstraram que os jovens, que colaboraram com a
pesquisa, têm consciência da relevância da sua potencialidade para a
sociedade. Afinal, os jovens, além de serem os próximos a ocuparem os
velhos e novos cargos políticos, são significativamente relevantes para as
empresas, pois serão o material humano qualificado para gerir e dar o
desenvolvimento necessário ao crescimento econômico e
mercadológico.

A partir das observações e das falas informais de alguns


colaboradores percebeu-se que o convívio num dado espaço é, na
maioria das vezes, pautado pela vivência da proximidade com o grupo.
A circulação de drogas na escola acaba facilitando a entrada dos
jovens nesses caminhos. O meio ambiente influencia nas atitudes e a
coletividade tem força nesse modelo pós-moderno, que é vivenciado na
atualidade.

O termo “indivíduo”, já o disse, não é mais de actualidade. Em


todo caso, não é de actualidade no seu sentido estrito. Talvez
fosse necessário falar, no caso da pós-modernidade, de uma
pessoa (persona) que desempenha diversos papéis nas tribos às
quais adere. A identidade fragiliza-se. As identificações

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múltiplas, em contrapartida, multiplicam-se. (MAFFESOLI, 2011, P.


23.). (Grifos do autor.).

Nas múltiplas personas que se assume, o jovem acaba se


moldando, de acordo com as preferências do grupo – ou da tribo –, para
reforçar o sentimento de pertença junto aos seus pares. E a vivência do
presente reforça a ideia do consumo da droga. Pertencimento ao grupo
pela adesão às mesmas preferências e o sentimento de vivenciar o aqui-
e-agora com toda intensidade. Pois o amanhã é longe demais para se
esperar. A juventude ilustra os novos modos de socialidade que a pós-
modernidade veio inaugurar.

2.2 Inferências e discussões II – Ensino Médio Técnico

Durante o período de observação ao colégio técnico pode ser


notado certa repetição nas ações dos alunos, com raras variações. É o
caráter ritualístico que compõe a rotinização do cotidiano. Essa
característica rotineira – e rotina, vem de rota – é que torna o chão mais
firme e dá segurança ao caminhar (PAIS, 1993).

É certo que, considerado do ponto de vista da sua regularidade,


normatividade e repetitividade, o quotidiano manifesta-se
como um campo de ritualidade. A rotina é, aliás, um elemento
básico das actividades (sic) sociais do dia-a-dia (PAIS, 1993, P.
109.).

A maioria dos jovens anda em grupos, como citado anteriormente,


prática comum nos dias atuais. Outro aspecto observado, que pareceu
bastante relevante, é o fato dos/das jovens procurarem se relacionar
com os jovens que têm os mesmos gostos ou algo semelhante. Um “estar-
ombro-a-ombro”, característico das manifestações tribais que englobam
as sociedades pós-modernas, como aponta MAFESOLI (1998). Poucos são
aqueles que andam solitários pelos cantos da escola, quase como um
recado dizendo não querer se adaptar ao sistema. Notou-se, ainda, que

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os jovens apresentam variadas formas de expressar as emoções. A


maioria tem, em comum, a vergonha de se expressar com os outros
jovens. Isso interfere quase sempre no desenvolvimento social de cada
um.

Nos intervalos do café, os alunos que saem primeiro das salas


formam uma fila para pegar o lanche do dia. Quando distribuem bolo,
há uma procura maior por partes dos jovens. Nessas ocasiões, a fila fica
enorme e, por conta disso, alguns conseguem pegar seu pedaço apenas
por volta das dez horas e vinte minutos. Por outro lado, a distribuição de
flocos de milho ou da famosa bebida de morango inibe a procura desses
lanches. Com isso, a fila para pegar o alimento permanece pequena e
quase ninguém se propõe a buscar o seu quinhão. Fazer parte do grupo
é assemelhar-se aos gostos comuns e às maneiras consensuais de
vivências dos pares. As preferências se adaptam ao grupo ou, melhor, as
personas são revestidas para tomar a forma dos pares. Como ressalta
Maffesoli (2007, P. 100), o “tribalismo lembra, empiricamente, a
importância do sentimento de pertença a um lugar, a um grupo, como
fundamento essencial de toda a vida social”.

Nos dias frios, a maioria se abriga nos bancos, na parte externa ao


pátio. Um momento para aquecer-se na luz do sol e na companhia do
outro. Por vezes, simplesmente tomam acento em uma das mesas,
disponíveis nos dois pátios, para conversar, comer, ouvir música. Alguns
jovens preferem permanecer em suas salas, conversando os assuntos
diversos que mais lhes agradam. Todos os intervalos são acompanhados
por músicas, escolhidas pelos próprios alunos. Quando toca alguma mais
conhecida, todos cantam e alguns até dançam. A rotina se ritualiza e
sua constância reforça o sentimento de pertença ao grupo, em
contraponto ao indivíduo moderno.

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O universalismo do sujeito, da razão, avatares de um Deus


transcendente, deixa o lugar a razões e afetos locais,
particulares, situados. Resumidamente, não é mais o vertical do
cérebro que prevalece, mas o despertar da pessoa em sua
inteireza. O que é denominado, assim como já indiquei (O
Instante Eterno), de um “pensamento dos sentidos” (“pensée du
ventre”). Um pensamento que saiba assumir os sentidos, as
paixões e as emoções comuns. (MAFFESOLI, 2007, P. 101.). (Grifos
do autor).

No horário de almoço, a grande maioria dos alunos vai para o


pátio com seus grupos. Quando a fila para pegar a refeição está grande,
alguns alunos vão para o jardim conversar, assim esperam o tempo
passar, até que a fila diminua. Têm aqueles que ficam no pátio
conversando e rindo, se divertindo, enquanto aguardam um momento
mais tranquilo para se alimentarem. Há também os casais que vão para
o jardim ou para as salas aproveitar para ficarem juntos. Outros preferem
ficar sozinhos, lendo um livro, ouvindo música ou olhando a paisagem e
analisando as pessoas. Estes, após almoçarem, vagueiam pelos
corredores. Os rituais se diversificam. Têm brincadeiras, grupos de
segredos, batalhas de rimas e, vez ou outra, consolos para quem
necessita. Em toda parte, há alguém vendo o mundo à sua própria
maneira, porém, em conformidade com os interesses da coletividade.

Após as aulas, a quadra de esportes fica liberada para os alunos.


As salas se juntam e, aqueles que gostam, podem praticar um esporte
coletivo. Geralmente, jogam vôlei ou futebol, mas, caso queiram, podem
jogar outros jogos também. Esses momentos servem para aprimorar as
habilidades para o “interclasses” – torneio interno do colégio. Todavia,
em sua maioria, a prática esportiva acontece porque os alunos gostam
de esportes. Comumente, ficam entre dez e vinte alunos, às quintas e
sextas, para jogar bola. Outros – um grupo de quatro pessoas –
permanecem no ambiente escolar, todos os dias. Eles ficam
conversando, enquanto esperam para ir embora. A justificativa é que

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gostam de ficar na escola, pois em casa é tedioso. Então, a escola e os


amigos, claramente, são a melhor opção. Para Thibaud,

(...) o ser humano é necessariamente conectado com o mundo


do qual ele participa. Assim, podemos falar em engajamento
estético, que é uma noção-chave da estética ambiental. Ao
invés de conceber o sujeito como um observador que não se
envolve com o mundo que ele observa, ele deve ser visto como
um participante ativo engajado nas situações a que é
confrontado. (THIBAUD, 2017, P. 08.)

A ambiência escolar é pensada na acomodação do aluno, tanto


nas salas de aula, quanto nas áreas externas, a fim de influenciar o jovem
com cores calmas, que não tiram a sua atenção, entre outros fatores.
Estar naquele lugar, vivenciando uma experiência estética com o outro
é melhor do que a vivência tediosa, do espaço de convívio, da cotidiana
mesmice familiar.

CONCLUSÃO

Observar a dinâmica interativa diária da escola possibilitou inferir


que a socialidade está muito presente na cotidianidade dos jovens. Para
compreender essas nuanças, é extremamente necessário um olhar
atento sobre algumas práticas rotineiras, que possibilitem uma melhor
compreensão do universo juvenil. Prestar mais atenção nas entrelinhas se
faz necessário para sentir determinado lugar ou o comportamento tribal
dos jovens, que procuram sempre uma companhia para discutir
conhecimentos, relações ou serem ouvidos por alguém que os
compreenda melhor. Uma atitude que se funda na necessidade da
relação “ombro-a-ombro” e do sentimento de pertencimento a um
grupo.

Cada jovem tem sua particularidade na vivência da sua


juventude, sempre perpassada pelas particularidades dos outros jovens,
que fazem parte do seu convívio. Um afetar-se mútuo que constrói as
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pessoas na pós-modernidade. Os jovens têm consciência da importância


da escola, mas, muitas vezes, a ociosidade dos momentos escolares
contribui para a entrada nas drogas e a resistência das interações sociais
em grupos diversificados. O papel da escola, que deveria ser
fundamentalmente o de aquisição do conhecimento e, acima de tudo,
ter forte importância no processo de socialização dos jovens, acaba por
ruir, assim como as outras instituições têm se fragmentado. Como aponta
Maffesoli (2011, p. 22), com “efeito, as diversas instituições sociais, que se
tornaram cada vez mais abstractas e desencarnadas, já não parecem
coadunar-se com a exigência reafirmada de proximidade”.

Faz-se necessário enxergar com outros olhos a cotidianidade do


jovem que tem suas singularidades perpassadas pelo sentimento de
coletividade, inaugurado pela pós-modernidade. A escola aparece
como um espaço propício para as relações de proximidade e de
experiências coletivas, sobretudo, nos momentos de “entre aulas”. Nos
intervalos, os grupos se juntam e se reorganizam de acordo com os
interesses de cada um. As diversas máscaras vão se recompondo nesse
teatro da vida cotidiana institucionalizada, mas que oferece brechas
para recomposições afetuosas e nodais. A escola tem que assumir o
papel de um espaço de resistência contra as forças sociais, que
dificultam o crescimento humano do jovem. Nos “entre muros” residem a
potência vital de uma juventude que quer vivenciar o presente, mas
carrega consigo uma força, que pode interferir, substancialmente, nos
passos que alcançam o futuro.

É importe perceber que um espaço, onde os alunos têm a


obrigatoriedade de estar, durante boa parte de suas vidas, oferece
condições para problematizações que permitem olhar atento para as
questões juvenis. Espera-se, desse modo, ter contribuído para que outros

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questionamentos possam surgir, a partir dessas colocações que, por ora,


aqui, são apresentadas.

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Esta publicação deverá ser citada da seguinte forma:

FELICIANO, L.A.; SERAPHIM, J. L. R. F.; FELICIANO, A. G. Juventudes e seus


hábitos cotidianos nos intervalos escolares. Revista DisSol – Discurso,
Sociedade e Linguagem, Pouso Alegre/MG, ano 8, n°18, jul-dez/2023, p.
129-149.

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