Sociology">
Nothing Special   »   [go: up one dir, main page]

Monografia Issenguel

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 60

República de Angola

---«»---
Instituto Superior de Ciências da Educação
--ISCED—
Departamento de Ciências Sociais
Repartição de Filosofia
LUANDA

A ÉTICA COMO BASE PARA FORMAÇÃO DE CIDADÃOS CIENTES E


CONSCIENTES À LUZ DA LEI DE BASES DO SISTEMA DE EDUCAÇÃO E
ENSINO “LEI N.º 17/16” DE ANGOLA

Autor: António João Sebastião Issenguel

Tutor: Manuel Sebastião da Piedade (MSc)

Trabalho apresentado para obtenção do grau de


licenciatura em Ciências da Educação

Opção: Filosofia

LUANDA

2019
Autor: António João Sebastião Issenguel

A ÉTICA COMO BASE PARA FORMAÇÃO DE CIDADÃOS CIENTES E


CONSCIENTES À LUZ DA LEI DE BASES DO SISTEMA DE EDUCAÇÃO E ENSINO
“LEI N.º 17/16” DE ANGOLA

Tutor: Prof. Mestre Manuel Sebastião da Piedade

Trabalho apresentado para obtenção do grau de


licenciatura em Ciências da Educação

Opção: Filosofia

LUANDA

2019
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus queridos pais, Julieta Manuel e João Domingos
Issenguel, pela brilhante orientação e educação que me proporcionaram, pelo incentivo,
colaboração e paciência que demonstraram durante a minha formação informal, formal e não
formal sem a qual a minha teoria de vida seria sectária e banal.

II
AGRADECIMENTO

Agradeço primeiramente à Deus pela protecção, bênção e cuidado que tem me


proporcionado sem a qual seria cara data vermibus [carne dada aos vermes] ou desgraçado;

Ex aequo, aos meus pais por me terem gerado e por me encorajarem a seguir sempre
adiante, contornando os obstáculos da vida;

Aos meus irmãos em todas as esferas, os meus irmãos consanguíneos, aos meus irmãos
escuteiros, aos meus colegas, aos meus irmãos do grupo dos leitores do Centro Pastoral Nossa
Senhora do Monte pelo carinho, pela amizade, pelos incansáveis encorajamentos, pelos apoios,
pelas prestigiosas orientações e pelas críticas que permitiram despontar o meu desenvolvimento
académico e profissional;

Ao meu orientador, professor mestre Manuel da Piedade pela dedicação, pela escolha e
por sua abertura ao diálogo, amoroso e crítico;

À todos os meus professores desde o ensino primário até ao ensino superior pelos
ensinamentos transmitidos por meio das suas várias técnicas e métodos;

À toda minha família em geral, que directa ou indirectamente deu o seu apoio
incondicional nos momentos em que sempre precisei.

III
RESUMO

Este trabalho cujo título é “A Ética como Base para Formação de Cidadãos Cientes e
Conscientes à Luz da Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino “Lei n.º 17/16” de Angola”
traça um percurso exploratório sobre os pressupostos éticos essênciais para formação de cidadãos
lúcidos e conscientes em Angola. A fundamentação teórica começa com uma reflexão histórica
sobre a ética e termina apresentando os desafios da sociedade contemporânea e a missão da ética
para o sistema de educação e ensino angolano. Para melhor reflexão do problema, traçou-se um
objectivo geral e seis objectivos específicos, essencialmente assentes na teoria e na sabedoria
tendo em conta o contexto histórico, social e cultural nacional e internacional tendente a
formação de cidadãos cientes e conscientes. Para viabilizar a recolha de dados usou-se no que diz
respeito ao método de abordagem, o método hipotético-dedutivo; no que diz respeito ao método
de procedimento, usou-se o método histórico. Quanto as técnicas usou-se a pesquisa documental,
pois a mesma baseou-se na actual Lei Bases do Sistema Educação e Ensino de Angola e na
Constituição da República de Angola; a pesquisa bibliográfica baseou-se em fontes como livros,
artigos, teses, monografias e jornais. Portanto, a concepção ética para formação de cidadãos
cientes e conscientes pressupõe a transmissão, assimilação e acomodação das virtudes humanas,
da cosmologia racional e da educação republicana.

Palavras-chave: Ética; Cidadão; Formação; Verticalidade; Consciência.

IV
ABSTRACT

This work, entitled “Ethics as the Basis for the Formation of Aware and Conscious
Citizens in the Light of the Basic Law of the Education and Teaching System” “Law no. 17/16”
for the formation of lucid and conscious citizens in Angola. The theoretical foundation begins
with a historical reflection on ethics and ends by presenting the challenges of contemporary
society and the mission of ethics for the Angolan education and teaching system. For a better
reflection of the problem, one general objective and six specific objectives were set, essentially
based on theory and wisdom, taking into account the national and international historical, social
and cultural context, aiming at the formation of aware and conscious citizens. To enable data
collection, the hypothetical-deductive method was used with regard to the approach method;
Regarding the method of procedure, the historical method was used. As for the techniques,
documentary research was used, as it was based on the current Basic Law of the Education and
Teaching System of Angola and the Constitution of the Republic of Angola; Bibliographic
research was based on sources such as books, articles, theses, monographs and newspapers.
Therefore, the ethical conception for the formation of aware and conscious citizens presupposes
the transmission, assimilation and accommodation of human virtues, rational cosmology and
republican education.

Key words: Ethics; Citizen; Formation; Uprightness; Consciousness.

V
ÍNDICE
DEDICATÓRIA..................................................................................................................... II
AGRADECIMENTO ........................................................................................................... III
RESUMO ............................................................................................................................. IV
ABSTRACT ........................................................................................................................... V
INDÍCE ............................................................................................................................... VI
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 8
CAPÍTULO I – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................... 13
1.1. Reflexão sobre o contexto histórico da ética ...................................................... 13
1.1.1. A ética aristocrática dos antigos ........................................................................ 14
1.1.2. A ética judaico-cristã na idade média ................................................................ 17
1.1.3. A ética republicana e o humanismo moderno ..................................................... 18
1.1.4. A ética da vida e o humanismo contemporâneo ................................................. 20
1.2. A ética africana: ubuntu .................................................................................... 21
1.3. A ética no contexto cultural tradicional angolano ............................................... 22
1.3.1. A ética vitalista e antropológica......................................................................... 23
1.3.2. A ética comunitária ........................................................................................... 24
1.3.3. A axiologia cultural angolana ............................................................................ 26
1.3.3.1. Solidariedade ............................................................................................... 27
1.3.3.2. Religiosidade ............................................................................................... 27
1.3.3.3. Optimismo ................................................................................................... 28
1.3.3.4. Dinamismo................................................................................................... 28
1.3.3.5. Emotividade ................................................................................................. 28
1.3.3.6. Biocentrismo ................................................................................................ 28
1.3.3.7. Respeito ....................................................................................................... 29
1.4. Formação de cidadãos cientes e conscientes (omnilaterais) ................................ 29
1.4.1. Definição do conceito formação ........................................................................ 30
1.4.2. Cidadãos cientes e conscientes .......................................................................... 30
1.4.3. Formação de cidadãos omnilaterais nos objectivos da Lei N.º 17/16 ................... 31
1.5. Ética e cidadania omnilateral ............................................................................ 33
1.6. Desafios da sociedade contemporânea e a missão da ética para o sistema de
educação e ensino angolano ..................................................................................................... 34
CAPÍTULO II – FUNDAMENTAÇÃO METODOLÓGICA............................................... 37
2.1. Opções metodológicas ...................................................................................... 37
2.2. Contexto da pesquisa: Lei n.º 17/16 de 7 de Outubro ......................................... 39
2.3. Modelo teórico de análise ................................................................................. 40
2.4. Métodos e técnicas de recolha de dados ............................................................. 41
2.5. Limitações da pesquisa ..................................................................................... 42
CAPÍTULO III - APRESENTAÇÃO DOS DADOS E ANÁLISE DOS RESULTADOS..... 43
3.1. Os pressupostos éticos para formação de cidadãos omnilaterais .......................... 43
3.1.1. Virtudes humanas para cidadãos omnilaterais .................................................... 43
3.1.1.1. Valor da solidariedade .................................................................................. 47
3.1.1.2. Valor da indignação ...................................................................................... 48
3.1.1.3. Valor do compromisso .................................................................................. 48
3.1.1.4. Valor da ternura ........................................................................................... 48
3.1.1.5. Valor da responsabilidade ............................................................................. 48
3.1.2. Carácter ético da cosmologia racional................................................................ 48
3.1.3. O ideal de uma educação republicana ................................................................ 50
3.2. As três grandes questões éticas no contexto actual de Angola ............................. 51
CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 53
GLOSSÁRIO......................................................................................................................... 54
BIBLIOGRAFIA................................................................................................................... 55
INTRODUÇÃO

A sociedade actual está marcada pela podridão cultural decorrente da deterioração


patológica dos valores, por aquilo que Leonardo Boff chama de “obscurantismo do horizonte
ético”, por uma miscelânea de culturas, algumas destas culturas engrandecem e outras acabam
por degradar, aviltar e desestabilizar a cultura tradicional angolana, por isso, é comum ouvir falar
redundantemente e com maior tónica sobre as crises de valores, porém dado a restrição semântica
as crises criam possibilidades para a firmeza valorativa, isto significa que vive-se numa
sociedade pluralista onde muito dos valores outrora vivos e activos acabaram por adormecer
dando lugar a uma confusa poluição valorativa e consequentemente a pobreza antropológica.

Pois bem, está constatação leva a rever e analisar o processo da construção ética e moral
da sociedade angolana, posto que, quando o assunto diz respeito sobre o modo como deve-se
viver e conviver com os outros, ou seja, como se juntar e se ajustar numa teia de relações
humanas, é imperioso falar de formação de cidadãos que podem e devem participar da autoridade
e da reverência soberana de modo ciente e consciente; ciente porque é fundamental que o cidadão
conheça o mundo que o rodeia para nele encontrar o seu lugar, para aprender a viver e nele
inscrever as suas acções; e consciente porque o objectivo da sociedade é promover a vida boa não
para alguns, mas para todos daí urge a necessidade de inscrever-se sabiamente as acções sem
entrar em confronto com os outros e com o mundo. Neste caso, deve-se abraçar o pragmatismo,
ou seja, deve-se conforme sugeriu Imbamba abraçar a militância no “ango-realismo-crítico”
envolvendo a ética (teoria e a sabedoria) para ter-se uma sociedade onde os cidadãos saibam
estabelecer relações sociais sadias e equilibradas. No contexto da educação angolana este é um
dos desafios da nova Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino.

Realmente, a ética nos proporciona duas dimensões fundamentais que permitem recuperar
e reconstruir o homem e com ela a alma vital da sociedade que é a cultura: a primeira dimensão é
a teoria que consiste na capacidade de fazer leitura interior do contexto no qual nossa existência
vai se desenvolver e a segunda dimensão é a sabedoria que consiste na prática ou na realização
coerente do texto interiorizado proporcionando uma vida feliz e livre na medida do possível.

Problema: Ao apresentar a Ética como a base para a formação de cidadãos cientes e


conscientes em Angola, urge a necessidade de sublinhar que o conceito República de Angola
8
literalmente significa Bem Comum dos angolanos, ademais, o momento actual marcado pela
denúncia midiática de políticos corruptos, egocêntricos e por aquilo que Gilberto Dimenstein
chama de “cidadão de papel” acaba por instigar uma “pergunta questionante”:

- Quais os pressupostos éticos que estão na base para a formação de cidadãos cientes e
conscientes em Angola?

Hipóteses: Os pressupostos éticos para a formação de cidadãos cientes e conscientes em


Angola são:

- A educação de docentes e discentes orientada para virtudes, pois é a virtude que faz o
Homem humano, ou seja, no sentido normativo permite o Homem atingir a sua excelência: a
exigência cultural e a sabedoria;

- A cosmologia racional para a compreensão e análise das categorias de espaço e tempo


numa vertente social e filosófica porque é fundamental a coordenação das actividades sociais
numa linha homogênea fundando uma política formativa de sinergia, com trabalhos sociais, isto
é, politizando os conteúdos curriculares;

- A educação republicana que corresponde um projecto educativo que deve envolver a


família e a escola rompendo a tradição negativa da não participação activa da família na
escolarização das crianças, adolescentes e jovens e proporcionando uma educação com propósito
de vida individual, mas cujo foco é a vida colectiva.

Objectivo Geral: - Conhecer e compreender as linhas orientadoras ou os pressupostos


éticos para a formação de cidadãos cientes e conscientes em Angola.
Objectivos Específicos: - Identificar os valores culturais tradicionais e contemporâneos
essenciais para a formação de cidadania omnilateral em Angola;

- Estabelecer a orientação ética para educação angolana nas dimensões teórica e prática
(sapiencial);

- Descrever os pressupostos éticos fundamentais para supressão da idiotice no seio da


sociedade angolana;

9
- Apontar as teorias e as sabedorias humanas no contexto histórico, social e cultural
nacional e internacional;

- Reconhecer a importância da ética na formação de cidadãos oomnilaterais à luz dos


princípios democráticos adoptados pelo nosso país;

- Refletir sobre os desafios da sociedade contemporânea e a missão da ética para o sistema


de educação e ensino angolano.

Justificativa: As razões que estão na base para escolha desta temática são:

1.ª Pela necessidade do Sistema de Educação e Ensino em assimilar e acomodar nos seus
seis subsistemas de ensino e nos seus quatro níveis de ensino a disciplina de Ética para formação
integral do indivíduo, pois para além dos valores fundamentais que correspondem à base técnica,
tecnológica e científica sólida, ela deve abarcar os valores essenciais que proporcionam a
possibilidade de cooperação e a noção de formação de cidadania.

2.ª Pelo facto de vivermos uma fase apocalíptica e declarante da idiotice social marcada
pela onda midiática de casos de corrupção e outros crimes cometidos por pessoas escolarizadas
que colocam em cheque a escolarização particularmente de Angola.

3.ª Pelo facto de verificar incoerência educativa na aplicação dos fins do Sistema de
Educação e Ensino, isto é, nota-se um distanciamento dantesco entre o que a Lei 17/16 de 7 de
Outubro contempla e o que se faz na prática, dando-se pouco interesse sobre as disciplinas que
problematizam e estabelecem fronteiras da nossa convivência.

4.ª Pelo facto de conceber a Ética como base para coerência educativa em Angola e, com
isso, para formação de cidadãos omnilaterais (cientes e conscientes) e, sobretudo com
capacidades intelectuais, laborais, cívicas, morais, ética, estéticas e físicas, ou seja, cidadãos
teóricos, práticos, justos e sábios.

Importância do estudo: Este estudo importa muito, visto que, poucos autores e
investigadores adentram com facilidade sobre as questões históricas, sociais e culturais ligadas a
ética, contudo nesta abordagem monográfica verifica-se uma articulação sobre estas questões
numa linguagem simples e coerente;

10
Por outra, constitui uma abordagem puramente filosófica, pois identifica e descreve
radicalmente as duas faces da ética que permitem recuperar e reconstruir o homem e com ela a
alma vital da sociedade que é a cultura, uma ligada a teoria e outra ligada a sabedoria;

Outrossim, aborda numa perspectiva tradicional a visão do mundo, ou seja, a axiologia


angolana cujo abalo desencadea o obscurantismo do horizonte ético e concomitantemente a
pobreza antropológica;

Analisa os requisitos e os três pressupostos éticos necessários para formação de cidadãos


cientes e conscientes à luz da nova Lei Bases do Sistema de Educação e Ensino de Angola: as
virtudes humanas, a cosmologia racional e a educação republicana.

Por fim, apresenta os desafios da sociedade contemporânea e a missão da ética para o


sistema de educação e ensino de Angola.

O presente trabalho encontra-se organizado em três capítulos:

O primeiro capítulo que versa sobre a fundamentação teórica são descritas os contextos
históricos da ética envolvendo a suas respectivas teorias e sabedorias; são abordadas questões
éticas ligadas a teoria e a sabedoria no contexto tradicional angolano; é identificada a axiologia
angolana e as exigências para formação de cidadãos omnilaterais; definiu-se ainda os conceitos
de formação e cidadãos cientes a conscientes do ponto de vista nominal e real, identificou-se a
linha legislativa ligada a formação de cidadãos omnilaterais e inferiu-se sobre ética, cidadania e
sobre a missão da ética no Sistema de Educação e Ensino de Angola

No segundo capítulo consagra-se à descrição e caracterização dos procedimentos


metodológicos e as limitações da pesquisa. Dada a natureza do estudo e o tempo disponível
optou-se pelo paradigma qualitativo e realizado à luz da Lei de Bases do Sistema de Educação e
Ensino de Angola.

O terceiro capítulo trata da apresentação e análise dos resultados recolhidos onde


procurou-se fazer o cruzamento entre os dados da fundamentação e da legislação referentes a
formação de cidadãos omnilaterais.

11
Por fim, a conclusão, encerra o estudo buscando analisar a importância real da ética no
processo de formação de cidadãos cientes (teórico) e conscientes (sábio) contemplada no artigo
n.º 3, na sua alínea a) da Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino.

12
CAPÍTULO I – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

“Falar de ética é tratar essencialmente da reflexão que se faz toda vez que é preciso identificar a melhor maneira de
viver e conviver. ”

Clóvis de Barros Filho

1.1. Reflexão sobre o contexto histórico da ética

O homem é um ser social, histórico e cultural que no ponto de vista essencialista pode
ser concebido como um animal racional (Aristóteles), como um animal que pensa (Descartes) ou
como um animal que cria (Bergson) e no ponto de vista existencialista é concebido como um ser
que escapa a todas as definições nas quais pretendem aprisioná-lo, ou seja, é um ser que
transcende todas as categorias, todas as essências e todos os arquétipos considerados como
específicos (Sartre).

Grosso modo, o Homem é ser histórico porque problematiza o tempo e ultrapassa o


imobilismo que impede a abertura ao novo e a disponibilidade a mudança, por isso, “o ser
humano é ser capaz de ser diferente” (CORTELLA, 1997, p. 44). Isto porque a vida é um
intervalo dialéctico entre nascer e morrer, um permanente fluxo evolutivo e renovador que nos
exige a adaptar e a responder sabiamente as novas exigências que a sociedade nos impõe, visto
que, o ser só é ético quando é capaz de observar, de comparar, de avaliar, de escolher, de decidir,
de intervir, de romper, de optar de forma autónoma, pois é com essa autonomia que pode-se
abraçar uma vida decente oxigenada pela sabedoria perene, viva e inalienável ou uma vida
indecente assaltando e asfixiando os valores que ao longo da história se vão manifestando.

De modo genérico, o Homem é um ser social porque é fundamental viver com os outros
para construir uma família, uma comunidade, uma nação, uma cultura porque é um ser ético,
porque precisa comunicar, partilhar as suas emoções, os seus bens e as suas ideias com outros,
por certo a ética tem a ver com a convivência e com o pensamento sobre a vida partilhada,
conforme defendia Aristóteles (Política, II, 71-72) “o homem, por natureza, é um animal político
[isto é, destinado a viver em sociedade]” e acrescenta ainda que “o homem que não consegue
viver em sociedade, ou que não necessita viver nela porque se basta a si mesmo, não faz parte da
cidade; por conseguinte, deve ser uma besta ou um deus” (ARISTÓTELES, Op. Cit., II, 114-
116). Ora, os gregos usavam a expressão idiótes, i.e., idiota, para designar aquele que vivia a vida

13
privada, que recusava a política, que dizia não a política. Desta feita, sem sequestro semântico um
ser antiético, antissocial ou apolítico é na perspectiva grega um idiota.

Enfim, ser humano é cultural conforme afirma Imbamba (2010) porque a “cultura é
aquilo pelo qual o homem enquanto homem se torna grandemente homem”, com isso, para que o
homem seja autenticamente humano deve saber criar, avaliar, criticar e projectar uma cultura
consentânea às exigências da sua humanidade. Outrossim, porque não nasce pronto, ou seja,
porque possui uma natureza incompleta que permite aperfeiçoar-se numa acção transformadora
ciente e consciente no interior de uma cultura. Diz-se aqui cultura no sentido nominal do termo
colere que significa cultivar e cuidar; como conjunto de valores, hábitos, costumes e
conhecimentos que uma determinada sociedade cultiva e cuida para não apodrecer, alvitrar,
degradar e exaurir. Logo, o Homem torna-se humanos na vida social, histórica e cultural.

Com isso, a reflexão sobre a ética exige uma compreensão da teoria e da sabedoria
humana no contexto histórico, social e cultural. Nesse sentido, tratar-se-á de forma clara, precisa
e sucinta sobre os quatro períodos históricos da ética: A ética aristocrática dos antigos que tinha
como modelo ético o Cosmos, onde a razão era usada como instrumento teórico para
compreensão da ordem e harmonia; a ética judaico-cristã na idade média que tinha como modelo
ético a divindade encarnada, ou melhor, a fé é usada como instrumento teórico para contemplar
Deus; a ética republicana ou humanismo moderno que tinha como modelo ético o próprio
homem, pois o homem se colocada no centro e considera a razão como a fonte da liberdade e da
felicidade; e a ética da divinização do humano (humanismo contemporâneo) e a ética da vida que
consiste na noosfera caracterizada pelo espírito de comunhão e de harmonia entre os humanos e
deles para com a terra.

1.1.1. A ética aristocrática dos antigos

Conforme foi dito, a ética aglutina duas dimensões, a teoria e a sabedoria. A primeira no
ponto de vista etimológico provém do grego theion (o divino) e orao (eu vejo), com efeito, para
os gregos a teoria consistia em ver ou contemplar o divino, e este divino era o Cosmos ou Logos
cuja essência mais íntima é simultaneamente harmonia e ordem. Ademais, surge a necessidade do
homem conhecer o mundo transcendente e imanente que o rodeia para nele encontrar o seu lugar,
para aprender a viver nele e inscrever sabiamente as suas acções. E o conceito sabedoria entre os
14
gregos sophia (sabedoria contemplativa) e phronesis (sabedoria prática) e entre os latinos
sapientia tem “muito a ver com inteligência, com conhecimento, em suma, com certo saber”
(COMTE-SPONVILLE, 2002, p. 135). Ora, a sabedoria grega aristocrática consistia em evitar
dois grandes males que paralisam e impedem de alcançar a plenitude, que são: a nostalgia (o
apego ao passado) e a esperança (a preocupação com o futuro), isto significa na visão grega que
devemos parar de habitar permanentemente nestas duas dimensões do tempo porque nos desviam
do instante presente e consequentemente nos impedem de viver plenamente. Impõe-se fazer um
esclarecimento imediato sobre estes dois grandes termos anacrónicos.

Por outro lado, a nostalgia é uma palavra de consonância grega formulada a partir de
nostos que vem de nethai, “regressar”, “voltar para casa” e algos que significa “sofrimento”,
neste sentido, nostalgia é o desejo doloroso de voltar ao lar. Kundera, apud Ferry (2012a)
distingue especificamente três tipos de nostalgia: A nostalgia sentimental que está associada a
alguma felicidade perdida, como a perda do ninho familiar, as férias desfrutadas na infância, os
amores passados; a nostalgia histórico-política é a motivadora de todas as “restaurações” sociais e
políticas, o que pode traduzir elogio do tempo passado e a última nostalgia é a grega ou
cosmológica que consiste na volta a ordem cósmica perdida e; do outro lado, a esperança é um
termo que etimologicamente provém do grego Spes e significa sopro, ou seja, esperança é aquilo
que impulsiona e que inspira os desejos que pretende-se inscrever no futuro.

Por conseguinte, estes dois freios impedem a viver plenamente o instante presente. Para
os gregos a ética consistia em “juntar-se ou ajustar-se ao cosmos” (FERRY, Op. Cit.a, 2012a, p.
27). Na realidade, trata-se de uma ética cosmológica. Verbia gratia, segundo Ferry (2012), os
estoicos defendiam que o Cosmos era um organismo vivo onde cada órgão devia estar no seu
devido lugar de modo a funcionar ordeiramente e harmoniosamente. Com efeito, Luc Ferry
(2008) sublinha que um dos representantes da história do pensamento ocidental sobre a sabedoria
cosmocrática é o Ulisses que na tentativa de regressar a sua terra natal, Ítaca parou numa ilha
encantadora onde manteve-se como prisioneiro e amante da Calipso, nome que vem do verbo
grego Calyptein e significa esconder. Nesta ilha é dado a Ulisses uma proposta extraterrestre, que
é de ser imortal, de estar na “boa-venturança”, de ter a beleza e o vigor eterno caso aceitasse
viver com Ela naquela ilha, porém Ulisses rejeitou e a sua rejeição tem um significado abissal,
pois para Ulisses a vida deslocada, a vida longe de casa, sem harmonia, fora do seu lugar natural,
15
a margem do cosmos é pior do que a própria morte. Outrossim, Ele reconheceu que é bem melhor
viver como mortal do que ser imortal num lugar vazio, sem sentido, mesmo que paradisíaco, com
uma mulher que não se ama, mesmo que seja sublime, longe do seu lar.

Uma das características da ética aristocrática é a hierarquização natural, ou seja,


sustentavam a existência natural de homens bons e maus, entretanto para Aristóteles o aristoi (os
melhores) detenham o cratos (o poder), quer dizer que, o aristocrata era o bem constituído de
corpo e alma, onde a alma correspondia a sua natureza. Já que os escravos eram aqueles que por
natureza não tinham nada melhor para oferecer do que o uso de seus corpos e de seus membros.
Outrossim, os escravos eram concebidos como aqueles que possuíam pouca alma. Ipis verbis, o
“homem é a sua alma” (SÓCRATES, apud REALE; ANTISERI 2003, p. 95), visto que, a alma é
a natureza humana e concomitantemente a actividade eticamente operante, visto de perto, a alma
corresponde a essência humana. Na ética naturalista socrática o chefe devia ter como virtude a
inteligência (sabedoria), os guardas deviam ter como virtude a coragem, os artesãos e os
operários deviam ter como virtudes a temperança e a moderação. Por conseguinte, o bem
corresponde a actualização destas virtudes naturais.

Outra característica da ética aristocrática é a desvalorização do trabalho, isto porque


concebiam o trabalho como sendo uma actividade que domesticava a natureza humana e
transformava o mundo, nesta onda de ideias a virtude na visão cosmológica-ética se definia como
um prolongamento harmonioso das disposições naturais e não um combate contra a natureza.
Portanto, o aristocrata, o homem bem-dotado é alguém que não trabalha, porque o trabalho visa
mudar o homem e o mundo. Dado isso, este deve ter em sua casa um instrumento animado, no
caso o escravo, conforme dizia Aristóteles (Idem, IV, 37-38) “o ministro da acção” para não
produzir outra cultura e ser por ela produzido. Diz-se de passagem, que o trabalho é entendido
aqui no sentido latino vulgar tripalium, “que era um instrumento de tortura, ou seja, três paus
entrecruzados para serem colocados no pescoço de alguém e nele produzir desconforto”
(CORTELLA, 2009, p. 17). Aliás, tinham a ideia de trabalho como castigo, tortura e punição.

16
1.1.2. A ética judaico-cristã na idade média

A teoria na ética judaico-cristã consistia em ver ou contemplar o divino, porém o divino


aqui encontra-se na divindade encarnada – Cristo. Ora, o Logos deixa de ser impessoal (Cosmos)
e passa a ser pessoal identificada na pessoa de Cristo, diz o evangelista “E o Verbo fez-se homem
e veio habitar connosco. E nós contemplámos a sua glória, a glória que possui como Filho
Unigénito do Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo. 1, 14). Importa realçar que o conceito Verbo
equivale em grego a Logos e o instrumento teórico por excelência para contemplá-lo,
compreendê-lo e aproximar-se d´Ele é a fides, "que também quer dizer “fé” – e humildade”
(FERRY, 2012a, p. 15). Ora pois, é precisa-se depositar confiança nas palavras de Cristo que
anuncia o evangelho (boa nova) e ser humilde.

Quanto à sabedoria da ética judaico-cristã corresponde ao amor a Deus e o amor ao


próximo. De acordo com o evangelista, Cristo disse: “Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo teu
coração, com toda a tua alma e com toda tua mente [...] Amarás ao teu próximo como a ti
mesmo” (Mt. 22, 37 - 39). No entanto, Pondé (2015, p. 30), resume o conteúdo do primeiro
mandamento numa palavra, humildade, cuja significação latina húmus quer dizer terra fértil ou
“solo sob nós” (CORTELLA, 2009, p. 30), porque ela prepara o terreno para todas outras
virtudes e traduz o facto de estarmos no mesmo nível em relação à nossa dignidade. De igual
modo, numa vertente explicativa Ferry (Idem., p. 58) faz a distinção de dois conceitos bastante
confundidos, o prochain, i.e., o próximo como aquele que não nos apegamos, o anónimo, que
mal conhecemos, ou que não conhecemos, mas ajudamos e o proche, i.e., o chegado como aquele
que nos apegamos, ou seja, é o principal objecto de amor. O exemplo evidente deste amor ao
prochain encontra-se na parábola do bom samaritano (Lc. 10, 25 – 37), registada pelo evangelista
Lucas e outro exemplo encarnado deste amor é a vida de Francisco de Assis (1181 ou 1182 –
1226) que dividia tudo com os pobres, que tomado pelo impulso do amor chorava gritando “o
amor não é amado, o amor não é amado” (Boff, 2003, p. 60), e que reinstituiu a sabedoria dos
simples que consiste em superar o mal pelo bem. Portanto, a ética para os cristãos é definida por
Paulo de Tarso “«Tudo me é permitido», mas nem tudo é conveniente” (I Cor. 6, 12). Numa
linguagem mais descontraída Cortella traduz esta definição de ética tratando como “conjunto de
princípios e valores que você usa para responder as três grandes perguntas da vida humana:
Quero? Devo? Posso? ” (CORTELLA, Op. Cit. 2009, p. 106). Demais, a pessoa alcança a paz de
17
espírito quando responde sabiamente estas perguntas e concomitantemente pratica o que convém
tendo como referência a divindade encarnada.

Uma das características da ética judaico-cristã é a meritocracia, não mais os dons


naturais ou os talentos servirão como modelo ético, mas a liberdade ou o livre-arbítrio e a
vontade que cada um desenvolve ao usar os seus talentos, esta ideia encontra-se explícita na
parábola dos talentos (Mt. 25, 14 - 30). Os dons naturais foram dados de forma desiguais, um
recebeu cinco talentos, outro recebeu dois talentos e outro recebeu um talento, certamente, os
dois primeiros, fruto da liberdade e da capacidade que possuíam multiplicaram dez e quatro
talentos enquanto que o terceiro fruto da sua liberdade mesclada de preguiça, medo e por falta de
confiança preferiu guardar o talento dado. Destarte, a parábola quer dizer que os talentos
herdados só têm impacto no plano ético se colocar ao serviço, e que a dignidade do ser humano
está ligada ao modo como ele usa o seu talento.

Outra característica é a valorização do trabalho que tem como impulsionadores os


monges, particularmente os beneditinos, pois acreditando na parábola dos talentos leva-os a
compreenderem que não bastavam as meditações e as preces, porém era necessário cultivar a
terra. Diz-se de passagem, que o trabalho é aqui entendido no sentido latino puro como labor e no
sentido grego como poiesis que significa etimologicamente “minha obra, aquilo que faço, que
construo, em que me vejo” (CORTELLA, idem., p. 21).

1.1.3. A ética republicana e o humanismo moderno

A teoria na ética republicana e o humanismo moderno consistia em ver ou contemplar o


homem, ou melhor, o homem é colocado no lugar e na posição da divindade encarnada, pois
sustentava-se o facto de não existir mais o divino no universo ao qual o espírito humano podia
dedicar, ver ou contemplar. Na verdade, foi a partir da ideia de humanidade que procurou-se
empreender a reconstrução da teoria cuja centralidade residia na diferença entre o homem e o
animal: Jean-Jacques Rousseau concebe que a diferença entre o homem e o animal reside no
facto do primeiro ser um “agente livre” (FERRY, idem.a, p. 74). Ou seja, é a liberdade ou a
“perfectibilidade” que os diferencia, visto que, o homem tem a liberdade, a capacidade de se
aperfeiçoar ao longo da vida, enquanto os animais são “programados” pela natureza desde o
nascimento. De destacar a importante contribuição de Rousseau na ética moderna, com a sua
18
ideia de liberdade do homem, Kant disse certa vez que Rousseau era o “Newton do mundo
moral” (FERRY, idem.a, p. 80). Além disso, a contemplação é activa usando a razão (e o método
experimental) – instrumento que exige o cepticismo total ou o espírito crítico e o trabalho para
ligar os fenómenos naturais entre si de modo que eles se encadeiem e se expliquem uns pelos
outros.

Quanto à sabedoria na ética republicana e o humanismo moderno corresponde ao


cientificismo que permitiria ao homem “saber para prever e prever para prover” (COMTE, apud
CHAUÍ, 2000, p. 59). Ademais, com o cientificismo concebe-se de que todo efeito possui uma
causa, ou seja, todo fenómeno se pode explicar racionalmente a partir de leis que permitem dar
sentido mais coerente, preciso e válido. Verbia gratia, a descoberta da “função glicogénica do
fígado” feita por um dos maiores médicos e biólogos, o francês Claude Bernard (1813 - 1878)
que numa análise observou açúcar no sangue de coelhos por ele dessecados e concluiu que o
açúcar era produzido pelo organismo do coelho, desse modo, tem como causa o fígado e tem
como efeito o açúcar. Pois bem, para ética republicana e o humanismo moderno a ética é o
“conjunto de valores expressos por deveres ou imperativos que nos pedem um mínimo de
respeito pelo outro, sem o qual uma vida comum pacífica é impossível” (FERRY, ibidem.a, p.
92). De lembrar que, o imperativo categórico de Kant, que diz: “faça de tal maneira que a
máxima que preside a sua acção possa ser universalizada. Passa ser transformada em lei”
(BARROS FILHO, 2013, p. 36), marca o plano ético do mundo moderno.

Uma das características da ética republicana e o humanismo moderno é o


antropocentrismo que consiste em considerar o homem como o ser que vai servir de fundamento
de todo edifício ético, daí o conceito de humanismo que corresponde a visão do mundo centrada
no ser humano.

Outra característica é o republicanismo no sentido de sacrificar as vantagens e os afetos


pessoais em relação ao bem comum (latim res publica, coisa comum), pois “o bem comum é um
bem, que não se confunde com o bem privado” (RIBEIRO, 2001, p. 9), desta feita, o intenso alvo
desta vantagem e afectividade é a pátria que tem como maior inimigo a corrupção.

19
1.1.4. A ética da vida e o humanismo contemporâneo

A ética da divinização do humano (humanismo contemporâneo) e a ética da vida


sucedem um período designado “ética da desconstrução” ou “ética da autenticidade” que
consistia em contemplar de forma activa a vida humana a partir da genealogia, ou melhor, do
processo de desconstrução do humanismo moderno que defendia a existência de valores
superiores à vida, aquilo que Nietzsche chama de “niilismo” ou “inchaços metafísicos”, posto
que, no seu entender “não há valores absolutos, não há nenhuma providência, nenhuma ordem
cósmica: resta apenas o abismo do nada (nihil); o ETERNO RETORNO do universo e da vida”
(REALE; ANTISERI. 2006, p. 16).

A teoria ética da divinização do humano (humanismo contemporâneo) consiste na


transcendência imanente, na sacralização do humano no sentido ideológico e filosófico como
“aquilo pelo qual podemos nos sacrificar” (FERRY, 2012b, p. 8), nos comprometer ou dedicar a
nossa própria vida para garantir a vida boa sem passar por um deus ou pela fé. De destacar a
importante contribuição do criador da Cruz Vermelha, o suíço Henri Dunant (1828 – 1910) que
teve o pensamento alargado socorrendo os feridos que agonizavam lentamente no campo de
Solferino passando quarenta e oito horas terríveis com as mãos mergulhadas em sangue. Isto
porque compreendeu aquilo que mais tarde Boff (2000, p. 16) postulou que “o rosto do outro me
obriga a tomar posição porque fala, pro-voca, e-voca e con-voca”. Quer dizer, não posso ser
indiferente em relação ao sofrimento dos outros. Por outra, a ética da vida corresponde a ecologia
profunda ou mental porque não apenas se restringe ao comportamento dos seres humanos entre
si, todavia se estende à sua relação para com o meio ambiente (ar, terra, água, animais, florestas,
processos produtivos) numa política de sinergia e numa pedagogia da benevolência.

Quanto à sabedoria da ética do “humanismo do homem-deus” e da vida correspondem


ao “amor laico” e ao cuidado. Por um lado, tem como doutrina a “espiritualidade laica” que
define a vida boa como uma busca da sabedoria que não passa por um deus, pela fé, pela ilusão
metafísica e nem pela religião, mas pelos meios disponíveis, aceitando a condição de mortal, cujo
lema é: “Não deixe que façam aos outros aquilo que você não gostaria que fizessem com você”
(FERRY, Op. Cit.b, 2012, p. 121). E, por outro lado, tem como essência a amorosidade
20
aglutinada de inteligência. Dito de outro modo, não deve ser indiferente ao sofrimento dos outros,
aliás, não deve permitir que se faça o mal a outrem sem intervir. Isto não é apenas uma exigência
do espírito crítico, uma posição argumentativa, mas um novo modo de responder a questão da
vida. Com efeito, a ética da divinização do humano equivale a possibilidade de se colocar no
lugar dos outros para melhor compreender seu ponto de vista e para responder a questão do
sentido da vida (FERRY, idem.a, p. 155). Entretanto, a ética da vida é socioambiental, destarte
corresponde a uma consciência de responsabilidade para com o destino comum de todos os seres
(BOFF, 2009, p. 38), e tem como novo imperativo categórico a ideia de responsabilidade
sustentada pelo filósofo alemão Hans Jonas (1903 - 1993) “comporta-te de tal maneira que os
efeitos de tuas acções sejam compatíveis com a permanência da natureza e da vida humana sobre
a terra” (JONAS, apud BOFF, ibidem).

Uma característica da ética da divinização do humano (humanismo contemporâneo) é o


“pensamento alargado” que permite penetrar nos costumes e nos valores diferentes.

A ética da vida tem como característica fundamental a “cidadania da terra” que implica
uma atitude participativa de concordância intrínseca com a pluralidade visando garantir o futuro
da terra e da humanidade.

1.2. Ética africana: ubuntu

A abordagem sobre a ética afrinana (ubuntu) será feita de forma breve, isto porque os
seus fundamentos estão intimamente ligados a concepção ética tradicional dos países da África
subsaariana, isto é, dos países que se encontra na parte sul do Deserto do Saara, cuja teoria,
sabedoria, definição e instrumento teórico para contemplação da participação vital serão
aprofundados no subtema posterior associado a um dos países da África subsaariana, no caso
Angola.

A ética africana é humanista e inclusiva, ou seja, a teoria da ética africana é ubuntuísta


centrada particularmente na vida humana. Desta feita, a ética africana é biocêntrica onde a vida é
sustentada pela relação vital, visto que os vivos recebem dos seus antepassados e estes, por sua
vez de seus antecessores e assim sucessivamente. Entretanto ubuntu significa que a humanidade é
vivenciada e realizada com os outros, conforme dita um dos seus pressuspostos éticos “a pessoa é
pessoa através de outras pessoas” (KASHINDI, 2017, p. 11). Para dizer, que o ser humano se
21
torna pessoa na interacção, na comunhão, no respeito, na generosidade e na solidariedade entre os
membros da comunidade entre si, com o mundo invisível e com o cosmo.

Sabedoria da ética africana consiste em respeitar a hierarquia social que se relaciona com
a aceitação da condição e da posição de uma pessoa em sua existência e, por outro lado, o
reconhecimento do outro e da solidariedade para com ele buscando o fortalecimento mútuo. Por
conseguinte, necessitar o outro é reconhecer a sua importância, o seu valor como humano.

1.3. A ética no contexto cultural tradicional angolano

Desde já, importa lembrar que existe uma escassa literatura sobre a ética na cultura
tradicional angolana, isto deve-se em parte do facto da oralidade ocupar o primeiro lugar no
processo de conservação e transmissão do património cultural, nas manifestações artísticas,
religiosas e sociais, por outra, deve-se aos desvios argumentativos no tratamento das questões
éticas limitando-se na descrição da conduta humana, isto é, na moral, porém isso não
comprometerá a qualidade informativa sobre a visão ética na tradição angolana, pois urge a
necessidade de conhecer a identidade cultural, os acervos de valores culturais ínsitos na cultura
tradicional angolana, o manancial da vivência e sua riqueza moral para se superrar o
“obscurecimento do horizonte ético”, a “pobreza antropológica” e o aviltamento do valor da vida
imanentes na sociedade angolana, visto que, a “cultura é uma propriedade só do homem, pelo
homem e para o homem, porque é ela que faz dele um ser especificamente humano, racional,
estético, crítico e eticamente empenhado” (IMBAMBA, Op. Cit. 2010, p. 27). Entretanto, a
reflexão sobre a ética abre o caminho para transformação cultural aprofundando a união dos
benefícios e criticando a presença ou o aparecimento do maléfico.

No sentido próprio do termo, importa chamar atenção a dois aspectos bem trabalhado
por Cortella, e, que permitem passar pelo crivo os elementos cadentes de uma determinada
cultura, falo precisamente dos aspectos tradicionais e arcaicos da cultura, pois ambas veem do
passado, todavia aquilo que vem do passado e precisa ser guardado, protegido, levado adiante
porque é benéfico e engrandece a própria cultura chamamos de tradicional; e aquilo que vem do
passado e precisa ser superado, jogado para fora, descartado, abandonado, deixado de lado
porque avilta, deprava e degrada a própria cultura chamamos de arcaico. Como é notória, dentro

22
da cultura angolana existem aspectos arcaicos e tradicionais que precisam ser descartados e
protegidos.

Não fugindo a ordem da abordagem, neste subtema tratar-se-à as questões ligadas a


sabedoria e a teoria dentro do contexto tradicional angolano, de lembrar que, a teoria corresponde
aqui a ontologia, a essência mais íntima do ser, desta feita, a ontologia angolana é vitalista,
antropológica e comunitária e a sabedoria angolana corresponde ao dinamismo vital fruto da
interacção social e tem como instrumento para contemplação da participação vital a sensibilidade
emotiva.

1.3.1. A ética vitalista e antropológica

A teoria da ética Bantu e particularmente angolana é vitalista e antropológica, vitalista


porque concede a vida como “o maior dom de Deus e uma realidade sagrada e de preço
inestimável” (ALTUNA, 2014, p. 49). Importa acentuar que, a vida está presente em todo
universo, desse modo, cada ser possui esta realidade sagrada originadora da comunhão e da
interacção permanente entre os homens, outras criaturas viventes e os fenómenos naturais, pois é
ético tudo que reforça, restabelece, protege e respeita a vida e, é anti-ético tudo que atenta contra
a vida. Pois bem, a feitiçaria, o homicídio, o parricídio, o matricídio, todos os “cídios”, o aborto,
a degradação do ambiente, o esgotamento dos recursos conspurcar a atmosfera, a depravação da
convivência biológica e o aviltamento do equilíbrio natural encarnam o mal moral. Ora bem,
todos seres são afins porque participam desta realidade, que é a vida.

Esta constatação desperta certa atitude filosófica, visando aprofundar, ampliar,


solidificar, e descortinar o enigma da superpropriedade presente nos seres. Ou seja, o que é a
vida? Na realidade, a definição da vida “não é uma noção de ciência natural, mas sim, da
metafísica” (BOSTI, apud IMBAMBA, idem., p. 201). Com efeito, no plano metafísico existem
duas concepções que procuram responder esta questão: por um lado, os mecanicismos (moderno
e actual) que explicam a vida pelas propriedades físico-químicos da matéria, neste caso, “a vida é
um fenómeno derivado que encontra na matéria todas as razões suficientes do seu manifestar-se”
(MONDIN, apud IMBAMBA, idem, p. 204), e, noutro lado, o vitalismo que explica a vida pela
direcção e finalidade manifestada no comportamento e na estrutura dos seres, desta feita, a vida é

23
“um fenómeno absolutamente originário, portanto, irredutível à matéria” (MONDIN, apud
IMBAMBA, idem, p. 203).

Outrossim, apesar da ética biocêntrica reconhecer a vida nos minerais, vegetais, animais,
antepassados e em Deus a ética Bantu e particularmente angolana é antropocêntrica, visto que, o
homem é considerado aqui como “a força suprema, a mais poderosa entre os seres criados”
(ALTUNA, Op. Cit. 2014, p. 253), pois o “muntu”, a pessoa humana e, por conseguinte, o único
ser somático que possui vida com inteligência encontra-se no centro da pirâmide vital, ou seja, os
antepassados, os animais, as plantas e os minerais estão destinados a realizar a plenitude humana.
Contudo, quem domina a pirâmide vital é Deus; Ele que é a fonte da vida.

Embora, a tradição angolana colocar a centralidade no homem, ela valoriza mais a


comunidade, a participação e a interacção vital, ou seja, o homem “torna-se menos pessoa quanto
mais se individualiza, singulariza, materializa e desagrega em egoísmos agrestes” (ALTUNA,
ibidem, p. 255). Portanto, o instrumento teórico para compreensão da participação vital é a
sensibilidade emotiva ou intuitiva, porque tradicionalmente o negro “abandona-se ao Outro,
comove-se ante o Outro” (ALTUNA, idem, p. 80). Segundo Boff (2003), o afeto corresponde a
fonte originária da ética que permite que a consciência humana se sinta parte de um todo, que
culmina na contemplação activa e na espiritualidade, todavia Senghor, apud Makumba (2014)
sustenta que cada grupo étnico possui aspecto racional porque a paixão por si só desencadearia ao
delírio das pulsões, a ética hedonista e do puro gozo das coisas. Com isso, é a justa medida
estabelecida entre a paixão e a razão que confere a ética da vida.

1.3.2. A ética comunitária

A sabedoria da ética Bantu e particularmente angolana corresponde a comunhão, a


participação e a solidariedade entre os membros da comunidade com o mundo invisível e com o
cosmos, desta feita, tudo que permite realizar e fortificar esta comunhão é considerada eticamente
bom e tudo que objectiva prejudicar e desviar esta comunhão é considerada eticamente mau. Com
isso, sublinha-se que a percepção etimológica da palavra “solidariedade” não vem de “solidão”,
mas de “sólido” aquilo que impede que se esfacele a convivência, ou seja, solidariedade “é a
recusa ao estilhaçamento da ideia de humanidade fraterna” (CORTELLA, 2014a, p. 50). Isto é, o
Homem se realiza dentro de uma teia de relação com os outros porque é parte integrante da
24
comunidade, por sua vez, sustenta-se que na ética muntuista a “solidão significa morte” (SILVA,
2017, p. 9). Além disso, os seres humano são frágeis e precisam de viver juntos para terem
forças. De modo que são seres gregários, pois precisam de congregar para impedir qualquer
forma de segregação ou de apequenamento da vida, ou melhor, porque precisam edificar um
conjunto sentidos e significados que honrem a nossa vida. Outrossim, este facto corresponde ao
dinamismo vital e a sabedoria como capacidade que temos de amar, de cuidar, de extasiar e de
extrapolar para além dos nossos limites (BOFF, 2003, p. 85).

Para se compreender a profundidade desta concepção ética, apresenta-se a diferença


entre comunidade e agrupamento bem trabalhado por Cortella (2015, p. 59): A comunidade é
quando as pessoas têm objectivos comuns de autoprotecção e protecção recíproca no interior da
sociedade. Ela tem como lema “um por todos e todos por um” (CORTELLA, Op. Cit. 2015, p.
60), e o agrupamento é quando as pessoas têm objectivos que coincidem, mas não há mecanismo
de protecção recíproca, ou seja, as pessoas estão juntas por conveniências. No entanto, o lema do
agrupamento é “cada um por si e Deus por todo” (CORTELLA, ibidem, p. 60).

Diante desse quadro, cabe a família, a tradição e as decisões comunitárias ensinar o


indivíduo o que deve evitar e cumprir, hierarquizar os valores, medir a responsabilidade,
amadurecer a sua sabedoria. No entanto, “diz um provérbio africano: ´vergonha é sentida pelos
que observam´” (KIURA, 2017, p. 6). De certo que, o comportamento anti-ético, deteriorante da
boa convivência social acabam por envergonhar os membros da comunidade, as pessoas que
educam e partilham connosco a existência. Pode-se notar uma vertente existencialista na
concepção ética angolana, pois concebe que o “homem não é por natureza nem bom nem mau. É
aquilo que faz” (ALTUNA, idem., p. 503). Isto é, ele ultrapassa todos arquétipos, todas essenciais
que tendem aprisioná-lo actuando mediante as regras e os costumes da comunidade bem ou mal.

Logo, “ser pessoa não é uma realidade inata, mas adquirimo-lo na comunidade na
medida em que agimos intencionalmente, desta forma as crianças e os jovens não são pessoas,
pois não têm intencionalidade moral” (MENKITI, apud SILVA, Op. Cit., 2017, p. 9). Pois bem,
cabe fazer a seguinte constatação: a responsabilidade, a liberdade, a vontade e a consciência
social é o que confere o estatuto de “muntu”, por isso, um jovem ou um mais velho que não tem
estas qualidades, que não é circuncisado e não passou nos ritos de iniciação não é considerado

25
pessoa. Quanto aos ritos de iniciação, no nosso país, “há grupos que desconhecem e outros que
praticam parcialmente. Por isso, as nossas afirmações referem-se só aos grupos que exigem os
ritos de iniciação” (ALTUNA, idem., 2014, p. 279).

Por fim, Boff (2009) lapidou a definição conceitual de ética da vida como sendo a
Ecologia (do grego, “oikos” que significa casa e “logos” que significa estudo), este conceito foi
criado em 1866 pelo biólogo alemão Ernst Haeckel (1834 – 1919), no sentido próprio do termo,
ecologia é o estudo do inter-relacionamento de todos os sistemas vivos e não vivos entre si e com
o meio ambiente, entendido como uma casa. Porém, Frei Betto (2011) sugere uma viragem
paradigmática de ecologia para “Ecobionomia”, uma vez que a ecobionomia (do grego, oikos
significa casa, bios significa vida e nomos administração, regra) seria a administração da vida da
casa. Aliás, a casa não é constituída aqui simplesmente por quatro cantos e teto (casa física), mas
constituída pelo conjunto das relações que o ser humano estabelece com o meio natural. Neste
caso, é algo existencial (habitável), globalizante e deve ter bom astral.

1.3.3. A axiologia cultural angolana

De modo geral, “todo e qualquer ser humano tem cultura” (ROCHA, 1996, p. 8), e toda
cultura sã visa continuamente humanizar o homem. Ora, a comunidade humana é constituída por
diversos componentes substantivos ou indicadores sociais que definem, identificam, constroem,
sustêm e dão dignidade, nobreza e estima a cultura do grupo humano, tais como: as formas
organizativas, os sistemas de decisão, a visão do mundo, o meio ambiente, a memória e as
relações de produção. De certo que, “a grandeza e a miséria duma cultura depende da grandeza e
da miséria dos seus valores” (IMBAMBA, apud MONDIN, idem, p. 45 – 46). Numa vertente
particular, esses indicadores sociais estão presentes na cultura angolana, todavia dentre os
indicadores sociais abordar-se-á numa perspectiva tradicional a visão do mundo, o coração, a
alma, a valoração que o homem tem por si e pelos outros, ou seja, a axiologia angolana.

Do ponto de vista axiológico, as existências dos valores estão associadas a aquilo que a
maioria compreende, aceita e respeita porque são premissas importantíssimas da boa convivência.
Importa sublinhar que o termo “valor” é usado em três âmbitos principais: económico, ético e
ontológico, porém o termo no âmbito do nosso interesse é o ético, pois neste, a palavra valor quer
dizer, em grego areté, em latim virtus e pode ser entendida aqui como “virtude moral com a qual
26
e pela qual se afrontam graves perigos e se realizam grandes proezas, ou nobreza duma pessoa”
(IMBAMBA, ibidem., p. 46). Ou ainda, para Chambisse, apud Pequenino (2013, p 23) a virtude é
“o valor moral adquirido por esforço voluntário, isto é, uma força para fazer o bem e que se
adquire através de exercícios bons”.

Pretendo desde já, discorrer sobre algumas disposições valorativas de coração, natureza
e carácter na tradição cultural angolana cuja presença no indivíduo aumenta a estima moral.
Demais, os valores orientam as principais escolhas e decisões de comportamento a nível pessoal
ou social e, importa destacar que a “reflexão sobre as virtudes não torna ninguém virtuoso”
(COMTE-SPONVILLE, 2009, p. 11 - 12). Pois bem, impera, ou melhor, é necessário encarná-los
e praticá-los na vida diária porque o bem é para ser feito e não para ser simplesmente
contemplado, uma vez que, “fazer bem é estar sempre alegre” (ESPINOZA, apud COMTE-
SPONVILLE, Op. Cit. 2002, p. 20). Outrossim, pretende-se a brevidade na descrição de cada um
dos valores tradicionais essenciais de Angola.

1.3.3.1. Solidariedade

Grosso modo, a solidariedade é um estado de alma, é uma existência natural, é a busca


das “alternativas para elevar o ser humano a uma nova categoria, tanto na qualidade de vida
quanto na qualidade de consciência e na construção de novos valores” (BOFF et al., 2000, p. 54).
Ora, o bantu sabe que, está unido vitalmente com a sua comunidade, desta feita, conforme
sustentou Sékou Touré, apud ALTUNA (Idem., p. 205) “a solidariedade é a primeira riqueza do
homem africano e a qualidade cardeal da raça negra”. Com isso, é extirpada no meio da
comunidade a marginalização, o desespero e a solidão angustiante. Outrossim, a solidariedade
processa-se no movimento vertical (de Deus para o Homem) e no movimento horizontal (de
Homem para Homem) geradora da comunhão vital que nem se rompe com a morte. Pois bem,
neste duplo movimento reside o mandamento africano “comunhão com Deus e com os irmãos”
(ALTUNA, idem., 2014, p. 203).

1.3.3.2. Religiosidade

A religiosidade africana está presente em todos os sectores sociais, pois a tradição bantu
apresenta uma visão espiritualista de intercomunhão entre o mundo visível e o invisível. “Por isso
é que se tem afirmado que o negro é ´incuravelmente religioso´” (ALTUNA, idem, p. 367). Na
27
verdade, a religiosidade é parte inerente da formação do homem que se impregnam desde muito
cedo. Desta feita, a experiência religiosa é uma vivência permanente. Isto porque a religião dá
sentido à sua vida.

1.3.3.3. Optismismo

O optismismo é tido como valor resultante da unidade cósmica, da fé em Deus e no


homem. Por um lado, o optimismo consiste em ter uma atitude participativa e de concordância
intrínseca com a pluralidade, isto porque, conforme sustenta Boff (2009) o espírito antes de estar
no ser humano estava primeiro no Universo, daí que estamos religados com todas as coisas. Do
outro lado, o optimismo consiste na confiança que depositámos em Deus e no homem dando
primazia a vida em relação a morte, a alegria em relação a tristeza. Segundo a tradição africana
nada está perdido, pois acredita-se que o mundo é um lugar de união e de amor e, que é possível
mudar a consciência humana voltando ao dinamismo vital.

1.3.3.4. Dinamismo

O dinamismo consiste em viver com intensidade crescente num sistema de relações


activas. Esta vivência é integral aglutinando os aspectos corporais e espirituais, isto é, riqueza
material, moral e intelectual. Com efeito, sustenta-se que a sociedade é um projecto comum
dinâmico resultante da lei da participação.

1.3.3.5. Emotividade

Altuna (2014) considerada a emotividade como sendo a grande virtude negra que
expressa apreensão da realidade e a grande força vital de Deus. Pois o negro africano sabe que o
visível repousa no invisível, por isso, se apreende mais aos valores da efectividade que ao do
raciocínio utilitário. Dito de outro modo, a comunhão, a participação vital inibe a indiferença no
seio da comunidade, posto que a sabedoria consiste em inibir a indeferença e o confronto com os
membros da comunidade entre si, com o mundo invisível e com o planeta.

1.3.3.6. Biocentrismo

A vida é o valor hierarquicamente superior, o centro de toda ética africana, e o


denominador comum presente em todos os seres animados, apesar de existir em propriedades

28
diferentes, que vão desde vegetativa, sensitiva e intelectiva, como é óbvio a vida não é
propriedade exclusiva do homem.

1.3.3.7. Respeito

Para Erich Fromm (2014), Respicere é olhar para o outro e não ter medo, é não temer,
portanto, é ter a capacidade de ver uma pessoa tal como é, é ter conhecimento de sua
individualidade singular. Ora, a lei da hierarquia dos seres defende que “Quem deu a vida ao
outro é seu superior; quem está mais próximo da fonte vital numa mesma descendência tem
também a precedência social” (ALTUNA, idem., p. 204). Por exemplo, é tipicamente africano
uma criança levantar-se diante da presença de um mais velho.

Enfim, todos esses valores visam garantir o bem-estar, a felicidade, a paz, isto é,
impedem o apequenamento da vida.

1.4. Formação de cidadãos cientes e conscientes (omnilaterais)

A formação de cidadãos cientes e consciente exige uma sólida base científica e uma
formação de solidariedade social. Contudo, a ciência é uma ferramenta poderosa para uma
melhor intervenção no mundo e a solidariedade permite criar a percepção de fraternidade e
construir uma sociedade mais cooperativa do que competitiva. Pois tal como defende Comte-
Sponville (idem., p. 133), “O único humanismo que vale é agir humanamente” e agir
humanamente consiste em olhar o outro como outro e não como estranho, consiste em recusar a
morte paulatina da fraternidade, consiste em congregar na paz e impedir qualquer forma de
segregação ou de apequenamento da vida.

Importa destacar que, a cidadania omnilateral (no latim omni significa “o todo”) deve ser
fruto de uma formação integral que envolva a “anatomia” filosófica do homem, ou seja, a
tricotomia: corpo (soma), alma (psiqué) e espírito (pneuma). Onde a soma é a parte física do
homem; a psiqué o aspecto intelectual do homem e o pneuma é o sopro divino existente no
homem, que faz com que ele busque o divino, pois só um espírito entra em contacto com outro
espírito. Aliás, precisa-se trabalhar esta tricotomia para se ter cidadãos com valores sólidos e
vivos dentro de si mesmo; precisa-se passar da transcendência para a imanência educacional, pois

29
o homem deve evitar o mal e praticar o bem não por causa de um punidor humano ou divino, mas
para não desvalorizar o seu grande e imenso valor humano tridimensional.

1.4.1. Definição do conceito formação

O conceito formação etimologicamente deriva da palavra latina formatio, que quer dizer,
acção e efeito de formar ou de compor o todo do qual são partes. Especificamente formação
corresponde a estruturação, organização dada aquilo que estava informe ou insuficientemente
organizado.

Numa vertente real, Cortella (Op. Cit. 2014a, p. 107) concebe a formação como um
esteio que “constrói um conjunto de atitudes e habilidades”. Ou seja, a formação permite que os
valores sejam transformados na relação de convivência e comunicação. Grosso modo, ela
envolve a instrução e a educação, isto é, permite que o ser humano descubra os factos da natureza
de modo a ser erudito, outrossim molda e desperta as potências dormentes no próprio sujeito.
Com isso, sublinha-se que a formação corresponde à coerência educativa, a simbiose entre a
educação e a instrução visando garantir uma sociedade com cidadãos cientes e conscientes.

1.4.2. Cidadãos cientes e conscientes

O conceito cidadão está apoiada ao vocábulo latino civita e civitatem e significa acção
da vida em sociedade.

Para Morin (2003, p. 59), cidadão corresponde a “solidariedade e responsabilidade em


relação a sua pátria”. Desta feita, a pátria remete-nos ao pai, ao progenitor do sexo masculino, é
um intenso alvo afetivo, ela envolve amor, identidade e pertencimento. Pois a solidariedade é
uma forma de acção política que permite que a noção de humanidade faça mais sentido do que a
de indivíduo, ora a percepção de solidariedade equivale aquilo que impede o esfacelamento da
convivência, equivale à capacidade de junção com outros naquilo que Luc Ferry e André Comte-
Sponville chamam de “espiritualidade laica” ou “sabedoria dos modernos” e Pierre Teilhard de
Chardin chama de “noosfera” que permite refletir sobre a vida boa para todos, e a
responsabilidade consiste em dar resposta a alguém e, isto equivale aquilo que Leonardo Boff
chama de “cidadania da terra” uma vez que, corresponde a nova esfera humana caracterizada pelo
espírito de comunhão e de amor entre os humanos e deles para com a terra e, também defendida

30
por Hans Jonas (filósofo da ética da responsabilidade) no seu imperativo ético “comporta-te de
tal maneira que os efeitos de tuas acções sejam compatíveis com a permanência da natureza e da
vida humana na terra” (apud Boff, idem., p. 38). Desta feita, é responsável aquele que responde o
que fez e o que não fez. Além disso, “a responsabilidade é noção humanista ética que só tem
sentido fazer o sujeito consciente” (MORIN, 2015, p. 117). Efectivamente, “Ser cidadão é ter
direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei: é, em resumo, ter direitos
civis. É também participar no destino da sociedade, votar, ser votado, ter direitos políticos”
(ARANHA, 2012, p. 118).

Pois bem, cidadania, em essência significa o direito de viver decentemente; é o direito


de ter uma ideia e poder expressá-la, é poder votar em quem quiser sem constrangimento, é
respeitar os sinais de trânsito, é não jogar o lixo na rua, é não destruir as coisas públicas. No
artigo 9.º da Constituição da República de Angola (CRA), considera que a cidadania angolana
pode ser originária quando o pai ou mãe são de nacionalidade angolana e adquirida cuja lei
tipifica ou estabelecer os requisitos para a mesma.

Cidadão omnilateral ou cidadão ciente e consciente, tal como defende Morin (Op. Cit.
2003, p. 17) é aquele que tem uma cabeça bem-feita com aptidão para colocar, tratar os
problemas e com princípios organizadores, valores, habilidades e bases científicas que permitem
ligar os saberes e lhes dar sentido. Diz que, a formação de cidadãos omnilaterais envolve teoria
(ciência) e sabedoria (consciência), teoria entendida aqui como “conhecimento vivo que conduz a
grande aventura da descoberta do universo, da vida, do homem” (MORIN, Op. Cit. 2015, p. 15) e
sabedoria entendida aqui em dois sentidos: O primeiro sentido é rabelaisiano “ciência sem
consciência é apenas ruina do homem” (MORIN, idem., p. 11) e o segundo sentido é intelectual
consiste em fazer uma autorreflexão em torno da enorme massa do saber quantificável e
tecnicamente utilizável para não envenenar o nosso habitat natural.

1.4.3. Formação de cidadãos omnilaterais nos objectivos da Lei N.º 17/16

No prolegómenos da Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino, Lei n.º 17/16 de 7


de Outubro em vigor na República de Angola, sublinha-se o seu surgimento tendo em conta os
novos desafios de desenvolvimento a nível regional e internacional, pois tenciona-se com a nova
Lei criar condições mais adequadas para aplicação das políticas públicas e dos programas
31
nacionais e garantir a reafirmação da formação assente nos valores patrióticos, cívicos, morais,
éticos e estéticos e a crescente dinamização do emprego e da actividade económica, a
consolidação da justiça social, do humanismo e da democracia pluralista. Para concretização do
estabelecido foram definidos sete fins, dos quais destaca-se o primeiro:

Desenvolver harmoniosamente as capacidades intelectuais, laborais, cívicas, morais,


éticas, estéticas e físicas, bem como o sentimento patriótico dos cidadãos, especialmente
dos jovens, de maneira continua e sistemática e elevar o seu nível científico, técnico e
tecnológico, a fim de contribuir para o desenvolvimento socioeconómico do País.
(IMPRENSA NACIONAL, 2016, p. 3994).

Para o efeito, a Lei n.º 17/16 exige uma mudança de paradigma, pois precisamos refletir,
rever e olhar de outro jeito o Subsistema de Educação e Ensino, a carga horária e o modo como
se ensina as disciplinas que imanam o estabelecido acima; precisa-se ainda alicerçar a educação a
partir de um projecto educativo entre o binómio família e escola, que deva se processar numa
interacção constante. Isso significa que “a Escola precisa também formar escola de pais”
(CORTELLA, idem.a, p 106) e precisa acomodar a ideia aristotélica que defende o facto de que o
Estado é a instância competente para educar, todavia a educação dos pais é relevante para
transformar o homem em cidadão. A criança desde a tenra idade, o adolescente ou o jovem é o
mesmo, com isso, as capacidades não devem ser apenas treinadas como componentes ou
conteúdos curriculares, mas como componentes imanentes da relação de convivência e
comunicação na escola e na família.

Na formação dos cidadãos omnilaterais, os educadores precisam ter o universo vivencial


discente como princípio (ponto de partida) de maneira a atingir a meta (ponto de chegada) no
processo pedagógico, todavia a prática educacional tem como objectivo central fazer avançar a
capacidade de compreender e intervir na realidade para além do estágio presente, gerando
autonomia e humanização (CORTELLA, Op. Cit., 1997).

O Sistema de Educação e Ensino angolano “é o conjunto de estruturas, modalidades e


instituições de ensino, por meio das quais se realiza o processo educativo, tendente à formação
harmoniosa e integral do indivíduo, com vista à construção de uma sociedade livre, democrática,
de direito e progresso social” (IMPRENSA NACIONAL, ibidem, p. 3994). Acontece que,
verifica-se uma incoerência educativa e concomitantemente uma redução acentuada da
autenticidade educativa no Sistema de Educação e Ensino angolano, porquanto no plano teórico

32
contempla as questões éticas como essenciais para formação de cidadãos cientes e conscientes,
todavia no plano prático verifica-se uma secundarização ou mesmo terceirização das questões
ligadas a formação de cidadãos omnilaterais. Conforme defende Dewey, apud Nogueira Jr.
(2009, 107) “a teoria e prática estão imbricadas, isto é pensar e agir são coexistensivos e só
devem ser entendidos em conjunto”.

1.5. Ética e cidadania omnilateral

A ética deixa o Homem no limiar da cidadania. No entanto, Aristóteles não pensava a


ética do indivíduo e da sociedade separadamente. Nem pensava o indivíduo fora da sociedade.
Daí que Aristóteles sustentava duas espécies de excelência: uma intelectual que é consequência
do nascimento e da instrução; e outra moral que é fruto do hábito, por sua vez a virtude resulta de
aprendizado. Retomar e recolocar esse veio abre caminho para uma reflexão sobre a cidadania
omnilateral. Efectivamente, sem ética, a vida social perde o rumo, e sem cidadania, fica-se
entregue ao intimismo vulnerável. Dito de outro modo, a conjugação entre a ética e a cidadania
permite encontrar os rumos da vida em sociedade.

A ética começa na morada humana, na casa concreta das pessoas, expandindo desta
para a comunidade, cidade, Estado e, para o planeta terra. Com isso, na nossa casa não se deve
viver de qualquer modo, devendo-se transmitir, assimilar e acomodar a forma organizativa, a
forma do fazer, o sistema de decisão, a visão do mundo, o meio ambiente, a memória e a relação
de produção da colectividade. Além disso, a assimilação e acomodação deste corpo de valores
sociais deve ser de forma crítica tendo em mente a genial frase de Heráclito (500 a.C.) “o ethos é
o daimon do ser humano” (apud BOOF, idem., p. 33). Porquanto, daimon em grego clássico é o
anjo bom, o génio protetor, isto quer dizer que, “a casa é o anjo bom do ser humano” (apud
BOOF, ibidem, p. 33).

Conforme sustentanta Boff (2009), a transmissão, a assimilação e a acomodação do


corpo de valores deve ser de forma crítica, porque hoje vive-se uma cultura pluralista,
politicamente democrática, economicamente capitalista, materialista, individualista e competitiva.
Uma cultura que se usa muito poder, astúcia e pouca sabedoria, uma cultura que criou o princípio
da auto-destruição e da “humanização mínima”.

33
Com efeito, um cidadão omnilateral (ciente e consciente) exerce tal como defende Boff,
a “cidadania da terra” promovendo e defendendo a qualidade de vida estabelecida entre o homem
e a natureza, ordenando responsavelmente os comportamentos com os outros e com mundo
circundante, para que se possa viver na justiça, na cooperação e na paz, no interior da casa
comum.

1.6. Desafios da sociedade contemporânea e a missão da ética para o sistema de


educação e ensino angolano

Em tom estritamente informativo lembra-se que Imbamba (2010), afirma que está a se
viver um período marcado pela podridão cultural decorrente da deterioração patológica dos
valores, pela maior saga que envergonha a humanidade, pela crise humana, pois a nossa atitude
tem ferido mortalmente a biosfera, tem alvitrado, depravado e degradado o ecossistema. Com
isso, está em nossa mercê a decisão colectiva de abraçar um novo paradigma civilizatório que é a
“fase planetária”. Ademais, é importante refletir para impedir a destruição e a devastação do
sentido cordial das coisas e da natureza. Ora a saúde do universo está na nossa mão e o prazo
desta decisão colectiva é até 2030.

A “fase planetária” pressupõe colocar a vida no centro, a partir do paradigma do cuidado


defendido pela Carta sobre a Terra para prevenção de danos futuros e regeneração de danos
passados e sustentada antes pelo escravo Higino (apud Boff, 2003), bibliotecário de César
Augusto e filósofo que a essência humana é cuidar. Destaca-se que nos resta apenas 7% de
capacidade da terra para nos suportar, no entanto se não cuidar dela a morte será colectiva. Tal
como afirmou Frei Betto (2011), as questões ecológicas são como os voos internacionais, você
viaja num luxo como no avião da Emirates, mas quando o avião cai todos morrem.

A profunda crise que se vive leva a sublinhar que a pessoa pode cumprir as suas
obrigações (externa), mas ser humanamente mau (interna). Desta feita, precisa-se implementar
uma profunda reforma interior, pois as reformas exteriores, embora necessárias são precárias e
insuficientes para a formação de cidadãos omnilaterais. Sublinho que Huberto Rohden (1997),
concebe que todo ser humano é um universo, isto é, unidade (uni) que se desdobra em
diversidade (verso), ou seja, somos universos em miniatura governados pelo cosmos de dentro
chamado por ele de “consciência”. Por conseguinte, devemos apostar numa educação
34
cosmocrática e univérsica, visto que, Kosmos para os gregos denominava beleza e mundus para
os romanos denominava puro. Neste sentido, a educação cosmocrática e univérsica torna o
homem belo e puro, para isso os agentes da educação devem assimilar e acomodar o postulado de
Paulo Freire (1996), que o acto de ensinar está associado a decência (ética) e a boniteza (estética),
contudo, a prática educativa deve ser um testemunho rigoroso de decência e pureza, uma crítica
permanente aos desvios éticos.

A crise que vivemos é uma crise global e civilizacional que começou a partir de 1989
com o triunfo económico e político do sistema de capital, que com sua política de “ajustes
estruturais” tende produzir pobreza e miséria, porquanto da diminuição dos investimentos e
gastos sociais, como menos escolas, menos merenda, menos combate a cólera, menos
saneamento básico, menos locais de lazer público. Do outro lado, gera desenvolvimento
económico criando a riqueza, ou seja, hoje vivemos o “maquiavelismo económico” cuja
perspectiva é obedecer a lógica acumulativa de riqueza mesmo a custa de um permanente
processo de exploração social. Em consequência deste tipo de economia, degradamos a natureza
e os trabalhadores são cada vez mais instrumentalizados e mecanizados.

No entanto, esse modelo de sociedade de desenvolvimento desiguais não favorece o


fortalecimento dos valores essenciais como o diálogo, a emotividade, a solidariedade, o consenso,
mas a concorrência, a marginalização, a disputa e a luta de todos contra todos. Por isso, precisa-
se despertar a consciência planetária (socioambiental) de responsabilidade para com o destino
comum de todos os seres, pois o preceito bíblico “Não matarás” (Êxodo 20, 13) abarca o biocídio
e o ecocídio, outrossim na visão ética tradicional de Angola nenhum valor está acima da vida.
Daí que deve-se implementar o novo imperativo ético da humanidade proposto por Boff (Idem.,
p. 66), “vive de tal maneira que não destruas as condições de vida dos que vivem no presente e a
dos que vão viver no futuro”.

O grande desafio ético para o Sistema de Educação e Ensino consiste em inibir a


incoerência educativa, a hipocrisia e o cinismo educativo, posto que, o Sistema de Educação e
Ensino no que se refere aos fins contempla que a participação da vida individual e colectiva
realizam-se de forma ciente (teoria) e consciente (sabedoria). Em contrapartida, nota-se um
distanciamento dantesco entre o que a Lei 17/16 de 7 de outubro contempla e o que se faz na

35
prática, dando-se pouco interesse sobre as disciplinas que problematizam e estabelecem fronteiras
da nossa convivência, conforme afirma Kundongende (2013, p. 26) “o homem de hoje é fruto do
que fizemos dele, ou melhor, do que não fizemos dele”. Por assim dizer, tem se castrado o
processo de formação integral do indivíduo. Outrossim a revolução ética consiste em “preparar a
terra para lançar a semente, pôr o adubo, extrair as ervas daninhas, regar sempre, podar e proteger
contra a acção nefasta dos bichos, usando desinfectantes e outros métodos de prevenção”
(KUNDONGENDE, Op. Cit., 2013, p 27), dito de modo simples, consiste em auscultar o daimon
(anjo bom), em vista disso, o nosso Sistema de Educação e Ensino precisa assimilar as figuras
exemplares, que souberam escutar e ser orientado pelo daimon (anjo bom), que viveram valores
em suas biografias, realizaram projectos significativos e mobilizaram os outros a buscar também
o daimon, tais como profetas, filósofos, santos, artistas e pessoas simples.

Equacionando a abordagem numa vertente popular, típico de um bom educador popular


que procura responder as questões a partir de história onde encontra o fio da meada que ilumina
os conteúdos já pressentidos no interior da prática social, termina-se este subtema com a reflexão
sobre a felicidade contada por Frei Betto (2011):

As pessoas buscam a felicidade exteriormente, mas ela está dentro da gente. Portanto, o
anjo bom que é a fonte da criatividade ética e moral, que permite morar bem juntos e felizes, que
permite discernir o bem o mal está imanente no Homem, desta feita, precisa-se de conteúdos
curriculares capazes de despertar esta potencialidade dormente extirpadora do relativismo moral,
da miopização midiática, do biocídio em todas as vertentes, da formação bancária, do cinismo
educativo, da agregação de falsos valores, da ansiedade consumista e da erotização plástica.

36
CAPÍTULO II – FUNDAMENTAÇÃO METODOLÓGICA

“[...], penso Alice, e continuou. ´O senhor poderia me dizer, por favor, qual o caminho que devo tomar
para sair daqui? ´”

“Isso depende muito de para onde você quer ir” respondeu o gato”.

Lewis Carroll

2.1. Opções metodológicas

Com o propósito de investigar a problemática sobre a formação de cidadãos em Angola,


elevou-se de forma segura desvendando uma questão fundamental e importante: será que se
almeja e se luta para formar cidadãos cientes e conscientes, isto é, cidadãos omnilaterais que têm
o conhecimento vivo que conduz a grande aventura da descoberta do universo, da vida e do
próprio homem e, que conseguem fazer uma autorreflexão em torno da enorme massa do saber
quantificável e tecnicamente utilizável para não envenenar a sua consciência e o seu habitat
natural? No entanto, todos os caminhos aqui percorridos, todas as técnicas e procedimentos
usados neste estudo que se apresenta é uma possível e não única via para responder a constatação
recorrente a política de formação de novos cidadãos que a nível prático nota-se uma autêntica
incoerência educativa.

Importa desde já realçar que a produção de conhecimento é definida por três questões
cruciais e absolutamente humana que orientam, instigam, provocam e desafiam as nossas
escolhas: Quero? Devo? Posso? Nestas questões residem aquilo que nós chamamos de dilema
ético. De modo particular, viveu-se este dilema durante todo processo de construção
monográfica, ou seja, se pode plagiar? Sim. Mas será que se deve plagiar? Não. Isso corresponde
a postura eticamente aceitável e respeitável, corresponde a resposta de honra do projecto de
produção do saber e do exercício de reflexão e acção. Com isso, para dizer que há coisas que
pode-se na produção e construção monográfica, mas não deve-se e uma delas é o plágio isto
porque “consiste em um grave acto antiético e ilegal, pois fere o princípio da honestidade
intelectual e os direitos autorais de outrem” (CASTRO, p. 8, 2017).

Pois bem, numa primeira visão pedagógica e filosófica importa destacar a definição de
método segundo a perspectiva nominal. Ora, a palavra método etimologicamente provém do
grego onde meta significa por, através de; e hodos significa caminho. Desta feita, método é o

37
caminho que usamos para atingir um determinado fim. Descartes afirma, apud Cortella (2018)
que o método permite que a razão seja usada correctamente. Por outra, na perspectiva real,
científica e segundo Trujillo Ferrari, apud Prondanov e Cesar de Freitas (2013), o método “é um
traço característico da ciência, constituindo-se em instrumento básico que ordena, inicialmente, o
pensamento em sistemas e traça os procedimentos do cientista ao longo do caminho até atingir o
objectivo científico preestabelecido”.

Contudo, a concretização dos métodos é feita por meio da escolha de técnicas e


instrumentos científicos adequados ao problema que se propõe a resolver. Já que, urge a
necessidade de expor o conceito técnica, pois nominalmente falando a técnica é uma palavra de
origem grega tékhne que significa arte. Ora, a técnica pode ser entendida como a arte de caminhar
ou como o modo de caminhar. Na concepção real e científica técnica é um instrumento que
viabiliza e operacionaliza o método permitindo concomitantemente a realização da pesquisa.
Assim sendo, “o método é o conjunto das actividades sistemáticas e racionais que, com maior
segurança e economia, permite alcançar o objectivo – conhecimentos válidos e verdadeiros,
trançando o caminho a seguir, detectando erros e auxiliando as decisões do cientista”
(MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 83).

Estratégia é um termo emprestado da terminologia militar e trata-se de uma descrição


dos meios disponíveis para atingir os objectivos traçados.

A palavra metodologia etimologicamente provém do grego meta que significa por,


através de, hodos que significa caminho e logos que significa estudo, discurso, tratado ou
regularidade. Ad litteram metodologia é o estudo dos métodos. No ponto de vista real e segundo
Oliveira (2011, p.7) metodologia é o “estudo sistemático e lógico dos métodos empregados nas
ciências, seus fundamentos, sua validade e sua relação com as teorias científicas”.

Neste trabalho, tendo em conta os objectivos optou-se usar a pesquisa exploratória e


discursiva porque visou desenvolver, esclarecer, modificar e determinar os conceitos e ideias
relativas a formação de cidadãos omnilaterais em Angola na base da ética; e, quanto à natureza é
uma pesquisa qualitativa, aliás propiciou esclarecer os traços subjectivos, explicar a origem,
relações, mudanças e intuir sobre os caminhos a percorrer para a formação de cidadãos cientes e
conscientes em Angola; outrossim, quanto a técnica usou-se a bibliográfica e documental, pois
38
resulta de uma constatação pessoal que foi resolvida mediante as contribuições de diversos
autores. Conforme afirma Castro (2017): é imprescindível que o estudante de filosofia domine a
arte de analisar, interpretar e produzir textos, porque a pesquisa filosófica é de natureza
predominantemente bibliográfica, entretanto os dados empíricos são válidos para justificar e
exemplificar, mas não suficientemente para fundamentar e argumentar.

2.2. Contexto da pesquisa: Lei n.º 17/16 de 7 de Outubro

A pesquisa foi realizada à luz da Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino


(LBSEE) de Angola, Lei n.º 17/16 de 07 de outubro. Em termos legais a Lei n.º 17/16 contempla
os princípios e as bases gerais do Sistema de Educação e Ensino de Angola e concomitantemente
revoga a Lei n.º 13/01, de 31 de dezembro e todas legislações que contrarie o disposto da mesma.
Ela foi aprovada, por mandato do povo, pela Assembleia Nacional nos termos das disposições
combinadas da alínea i) do artigo 165.º que diz respeito sobre a competência da Assembleia
Nacional de legislar as bases dos sistemas nacionais de ensino, de saúde e de segurança e da
alínea c) do artigo n.º 166.º que reafirma e amplia o âmbito de competências da Assembleia
Nacional presente na Constituição da República de Angola. De lembrar que, a Constituição da
República de Angola é a Lei Suprema da República de Angola. Outrossim, para sua provação
contou com os despachos dos Ministérios do Interior (despacho n.º 466 /16) e da Economia
(despacho n.º 467/16).

O Sistema de Educação e Ensino define-se como conjunto de estruturas, modalidades e


instituições de ensino, por meio das quais se realiza o processo educativo tendente a formação de
cidadãos omnilaterais, isto é, cidadãos cientes e conscientes que perspectivam construir uma
sociedade livre, democrática, de direito, de paz e progresso social. A presente Lei de Bases do
Sistema de Educação e Ensino contempla sete capítulos: O primeiro capítulo diz respeito a
disposições gerais da Lei n.º 17/16 destacando evidentemente os sete (7) fins do Sistema de
Educação e Ensino; o segundo capítulo diz respeito aos princípios do Sistema de Educação e
Ensino, abarcando dez (10) princípios gerais; o terceiro capítulo diz respeito a organização do
Sistema de Educação e Ensino abarcando no seu todo seis subsistemas de ensino e quatro níveis
de ensino; o quarto capítulo diz respeito aos objectivos e organização das modalidades
diferenciadas da educação onde se destacam quatro modalidades diferenciadas de educação e os

39
seus respectivos objectivos; o quinto capítulo diz respeito aos recursos humanos, materiais e
financeiros; o sexto capítulo diz respeito a administração e gestão do Sistema de Educação e
Ensino; o sétimo e o último capítulo diz respeito as disposições finais e transitória.

Stritu sensu, os artigos da nova Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino usados
para construção teórica desta monografia são:

O artigo n.º 2, nos seus pontos 1, 2 e 3, que de forma resumida apresenta a definição real
de educação destacando o seu objectivo principal que é de preparar o indivíduo de forma integral
para responder às exigências da sociedade, que consiste na consolidação da paz, na unidade
nacional, na promoção e protecção dos direitos da pessoa humana, do ambiente e no
desenvolvimento científico, tecnológico, económico, social e cultural de Angola. Outrossim, faz
referência do Sistema de Educação e Ensino como conjunto de estruturas, modalidades e
instituições de ensino que executam o processo educativo.

O artigo n.º 3, na sua alínea a) que de forma resumida contempla um dos fins do Sistema
de Educação e Ensino destacando o desenvolvimento harmonioso, articulando a vertente
intelectual, laboral, cívica, moral, ética, estética, científica, tecnológica e técnica.

Entretanto, é notória a necessidade de refletir sobre a convivência e sobre a vida


compartilhada, pois muito do que aprendemos na escola é sobre o mundo, astros, climas, relevos,
vegetação. Mas pouco falamos sobre os aspectos directamente relacionado ao nosso existir
quotidiano cujo conhecimento é essencial para continuar a viver decentemente. Por outra, a
identificação de servidores públicos corruptos, o pouco tempo que se tem dado nas disciplinas
que trabalham com a vivência e convivência humana, a falta de informações e divulgação sobre
referências culturais, a mal interpretação da teoria e da sabedoria tradicional de Angola permitiu
discorrer solidamente sobre o quadro teórico conceptual da ética como a base para formação de
cidadãos cientes e conscientes.

2.3. Modelo teórico de análise

Para evitar ambiguidade na interpretação dos conteúdos articulados e para o


embasamento da interpretação e significado dos dados recolhidos ou levantados teve-se como
suporte teórico e bibliográfico ideias de pensadores ligados a Filosofia, como Aristóteles, Platão,

40
Friedrich Nietzsche, Emmanuel Kant, Luc Ferry, Mario Cortella, Leonardo Boff, Frei Betto,
André Comte-Sponville, Clóvis Filho, Edgar Morin, Humberto Rohden, Renato Janine , José
Imbamba, João Kundongende e tantos outros cuja menção constam na bibliografia.

Ademais, a concepção governamental, ministerial, individual, enfim a questão do fundo


sobre a ética defendida pela “operação resgate”, pela problematização das violências praticadas
principalmente na cidade capital, a “operação transparência”, e outras políticas de combate a
petrificação da boa convivência social, torna-se fácil inferir que estes esperam da ética uma
função seterológica (salvadora). Por conta disso, reside uma questão paradoxal e profundamente
grave. Ou seja, se queremos salvar ou resgatar os valores morais e éticos precisa-se identificar os
valores morais e éticos, precisa-se ainda seleccionar e transmitir veemente as referências
registadas nos anais da história desde a tenra idade.

Para o melhor desenvolvimento formulou-se o seguinte modelo lógico de análise:

A ética e outras disciplinas que problematizam o modo como devemos viver e conviver
como Formação de Atitude Integradora, Educação Moral e Cívica, Estudo do Meio e Filosofia
têm tido pouco espaço curricular, atendendo a este facto empírico pode-se perceber que a
formação de futuros cidadãos cientes e conscientes que começa desde a tenra idade não terá uma
base sólida, uma vez que, a preparação da personalidade do cidadão omnilateral aglutina a
vertente teórica e salvadora, se a intenção é formar seriamente cidadãos conscientes deve-se
trabalhar estas questões desde os primeiros anos de escolarização da pessoa, ou melhor, se a
intenção é ter uma sociedade com cidadãos cientes e conscientes precisa-se conceber a ética
como a base, como a bússola e como o astro maior que ilumina a conduta dos indivíduos de um
país.

2.4. Métodos e técnicas de recolha de dados

Para viabilizar a recolha de dados usou-se no que diz respeito ao método de abordagem
o método hipotético-dedutivo, pois iniciou-se a partir da percepção da lacuna existente no
processo de formação de cidadãos omnilaterais acerca do qual formulou-se as hipóteses testando
a predição da ocorrência do fenómeno abrangidos pela hipótese e no que diz respeito ao método
de procedimento usou-se o método histórico procurou-se compreender a ética ao longo da
história influenciado pelo contexto cultural particular de cada época; quanto as técnicas usou-se a
41
pesquisa documental, pois a mesma baseou-se na actual LBSEE de Angola e na CRA; a pesquisa
bibliográfica baseou-se em fontes como livros, artigos, teses, monografias e jornais que
discorrem sobre a ética, metodologia e cidadania propiciando um esclarecimento científico,
objectivo e coerente sobre o problema que me propus a resolver sob novo enfoque tendo em vista
a uma conclusão inovadora.

2.5. Limitações da pesquisa

Este estudo apresenta algumas limitações, especialmente ligadas ao tempo disponível


para realizar uma pesquisa profunda que combinasse com o paradigma qualitativo, pois as
questões levantadas careciam de maior aprofundamento, mas que, porém, foram ultrapassadas de
uma forma ética e com moral responsável. Outra dificuldade está relacionada com a falta de
estudos com os mesmos objectivos. Neste sentido, o carácter exploratório do estudo, limitou-se
em termos de revisão de literatura e de comparação de resultados com outros trabalhos
realizados. Estes factores e outros omitidos limitaram evidentemente o estudo em causa, aliás não
existem investigações terminadas ou perfeitas, posto que a ciência é um processo de construção e
desconstrução do conhecimento, onde cada um é chamado a contribuir para sua edificação, de
acordo a responsabilidade e rigor que a própria ciência impõe. Assim sendo, tentou-se atenuar e
amenizar as limitações mediante as contingências da melhor forma possível.

42
CAPÍTULO III - APRESENTAÇÃO DOS DADOS E ANÁLISE DOS RESULTADOS

“À medida que as matérias são destinguidas e ganham autonomia, é preciso aprender a conhecer, ou seja, a separar
e unir, analisar e sintetizar, ao mesmo tempo.”

Edgar Morin

3.1. Os pressupostos éticos para formação de cidadãos omnilaterais

Esta análise é uma resposta afirmativa não apenas a problemática deste trabalho, mas
também a concepção do “ango-realismo-crítico” proposto por José Imbamba que consiste no
exercício mental que permite diagnosticar, analisar e avaliar a cultura angolana propondo novos
remédios e projectos que permitem garantir um futuro melhor e seguro para todos.

Os pressupostos ou os fundamentos existenciais e normativos éticos que em regra certa e


infalível constituem-se como base para a formação de cidadãos cientes e conscientes em Angola
são: as virtudes humanas, a cosmologia racional e a educação republicana.

3.1.1. Virtudes humanas para cidadãos omnilaterais

Um dos pressupostos éticos identificado para formação de cidadãos omnilaterais em


Angola é a educação de docentes e discentes orientada para virtudes, pois é a virtude que faz o
Homem humano, ou seja, no sentido normativo permite o Homem atingir a sua excelência: a
exigência cultural e a sabedoria. De certo modo, Paulo Freire (1982) estabelece de forma clara as
virtudes relacionadas a todos aqueles que estão comprometidos com a transformação da
sociedade injusta e na criação de uma sociedade menos injusta, que são:

1.ª A coerência entre o que se diz e o que se faz: O educador deve inibir a distância entre
o que fala e o que pratica (discurso – prática), de tal maneira que é possível alcançar a coerência
total, contudo um educador virtuoso afasta no idioma da sua memória a frase farisaica “faz o que
eu digo e não o que eu faço”. Portanto, para que a teoria repercute deve ser movida por uma
prática.

2.ª A tensão entre a palavra e o silêncio: O educador deve trabalhar criticamente a tensão
entre a palavra e o silêncio, no sentido, de abrir espaço para que o educando tome a palavra
terminando de sugerir o silêncio permanente dos mesmos e concomitantemente criando uma
“pedagogia da pergunta e da contestação das respostas”.
43
3.ª A subjectividade (consciência) e a objectividade (mundo): O educador ciente e
consciente deve ter a nítida noção que a subjectividade pode criar a objectividade, pois não se
transforma o mundo sem transformar primeiro a consciente das pessoas.

4.ª Diferenciar o aqui e o agora do educando e o aqui e o agora do educador: O


educador deve compreender que não existe “lá” sem “aqui”, uma vez que, para compreender o
saber epistemológico é necessário que o educador e o educando façam um esforço em
compreender a sabedoria popular, isto porque ela é necessária para superar e estimular a
capacidade criadora e, também para alcançar o “lá” pelo “aqui”.

5.ª Praticar a paciência e a impaciência: O educador deve ser pacientemente impaciente


e impacientemente paciente, ou seja, a dialéctica social impõe questionar os discursos
tradicionais.

6.ª Ler o texto à partir da leitura do contexto: O educador deve ser capaz de testemunhar
a experiência da relação entre a leitura do texto e a leitura do contexto.

O grande pensador britânico Beda, apud Cortella (p. 42, 2014a) disse algo estupendo
que resume a concepção de virtude de Freire e aspira virtudes para nós “Há três caminhos para o
fracasso: não ensinar o que se sabe; não praticar o que se ensina; e não perguntar o que se
ignora”. Por conseguinte, numa perspectiva inversa e afirmativa, efectivamente existem três
caminhos para o sucesso: ensinar o que se sabe (generosidade mental); praticar o que se ensina
(coerência ética) e perguntar o que se ignora (humildade intelectual).

Ora, existem várias virtudes dentro do contexto tradicional angolano, entretanto destaca-
se a virtude biocêntrica. De facto, as virtudes correspondem as manifestações positivas que uma
pessoa consegue transmitir ou transparecer na sociedade. Com isso, tendo em conta que a vida
está no centro da esfera ética angolana urge a necessidade de discorrer sobre dois assuntos
fundamentais ligados a vida: o aborto e o aviltamento do planeta.

É importante sublinhar que não se deve encarar a questão do aborto como algo óbvio,
pois se encarar-se desta forma este assunto será como uma âncora que paralisará actuação radical,
a forma de viver e conviver bem, falsificará a postura social e ética. Neste sentido, é importante
ter um pensamento progressista para descortinar a máscara deste grandíssimo problema social.

44
Segundo a médica Natércia de Almeida sustenta que existem dois factores fundamentais
que levam as pessoas a abortarem:

Primeiro factor é o alto índice de gravidez “não desejada” devido à pobreza e a educação
sexual da população particularmente das adolescentes e o segundo factor é a existência de uma lei
“altamente” restrita do aborto. (Fonte: XI Congresso Internacional dos Médicos).

Outrossim, segundo a Adelaide de Carvalho afirma que a média diária de atendimento


no caso de aborto, na sua instituição sanitária é de dez casos, e isso acontece mais nas mulheres
dos 15 aos 30 anos de idade.

A partir desta constatação evidente e mesclada com o desejo estatal de penalizar


totalmente o aborto viveu-se em Angola durante o ano de 2017 uma discussão dicotómica sobre a
vida, pois alguns defendiam a despenalização do aborto, outros defendiam a penalização total do
aborto. Aliás, a ética é a inteligência compartilhada que está ao serviço do aperfeiçoamento da
vida em sociedade. Ou melhor, a ética é a inteligência de uma comunidade para construção
daquilo que impede que os humanos sejam tolos e idiotas; que recusem a degradar a vida em
conjunto assegurando a capacidade de uma vida colectiva decente.

A questão do fundo sobre está problemática é se o feto é uma criança indefesa, ainda não
nascida, com direitos e interesses próprios a partir do momento da concepção? A resposta
afirmativa desta questão, traduz o facto de que permitir o aborto, equivale a permitir o
assassinato, e abortar é pior do que abandonar a morte um bebê indesejável. Caso a resposta for
negativa, os que se dizem “pró-vida” podem ser vistos a partir de duas perspectivas distintas: ou
estão incorrendo em um erro terrível ou são sádicos, puritanos, fanáticos, ávidos não por salvar
vidas, mas por castigar as mulheres por aquilo que consideram um pecado sexual.

Pode-se logo identificar que existem dois eixos polarizados: um que concebe que o feto
é um sujeito moral, uma criança não nascida, a partir do momento da concepção e outro que
concebe o feto como recém-concebido que não passa de um aglomerado de células sob o
comando não de um cérebro, mas apenas de um código genético, e que nesse caso, é uma criança
tanto quanto um ovo recém-fertilizado é um frango.

45
Dentro do quadro dos que defendem a penalização do aborto subentendem-se duas
ideias fundamentais:

A primeira denominada por Doworkin (2003) de “objecção derivativa”, visto que,


concebe que os fetos são criaturas com interesses próprios desde o início, daí reside o interesse de
permanecer vivo, têm direitos de todos os seres humanos, inclusive o direito de não serem
mortos. Nos termos desta afirmação, o aborto é errado já que em princípio viola o direito de
alguém a não ser morto, assim matar um adulto é normalmente errado por violar seu direito, de
não ser morto.

A segunda cognominada por Doworkin (2003) de “objecção independente”, posto que,


concebe que a vida humana tem um valor intrínseco e inato; a vida humana é sagrada em si
mesma; o carácter sagrado da vida começa quando sua vida biológica se inicia, ainda antes que a
criatura a qual essa vida é intrínseca tenha movimento, sensação, interesses ou direitos próprios.
De acordo com esta concepção, o aborto é errado em princípio porque desconsidera e insulta o
valor intrínseco, o carácter sagrado de qualquer estágio ou forma da vida humana. Uma vez que
não depende de nenhum direito ou interesse particular, assim como não os pressupõe. Uma
pessoa que aceita esta objecção acredita que o governo tem uma responsabilidade independente
de proteger o valor intrínseco a vida.

Afinal, a responsabilidade fundamental do governo consiste em proteger os interesses


daqueles que não podem proteger-se por conta própria está é uma constatação que se a linha a
visão ética tradicional angolana. Entretanto, o principal critério para fundamentação do facto do
aborto ser homicídio deve basear-se sobretudo a partir da objecção independente.

No ano de 2017 efetuou-se uma marcha em Luanda por mais de três centenas de
mulheres contra a proposta do Código Penal em penalizar o aborto, organizado pelo Movimento
Autónomo de Mulheres e pelo Ondjango Feminino. Dentro do teor desta marcha destaca-se dois
cartazes publicados pelo Jornal Gazeta (2017) que diziam: “Nem caixão, nem prisão” e outro
tinha os seguintes dizeres “Sou livre! Eu decido! ”. Pelo que, cabe fazer uma reflexão em torno
da segunda proposição.

Nesta frase coexistem duas vertentes paradoxais: a primeira é que ela tem um pendor
revolucionário, visto que pretende juntar forças para alterar o quatro da situação por elas
46
consideradas maléfica, e por outro lado, vejo certa ingenuidade em suas falas, ou seja, a liberdade
de cada um está condicionada pela convivência. Diz mais, dentro do quadro do social “sou livre”
quando nada nem ninguém me impede de agir. Contudo, não existe liberdade absoluta, pois o
limite são os outros e a lei. Por isso, “onde não há lei, também não há liberdade” (SPONVILLE,
2002, p. 67). Além disso, a liberdade consiste em ser isento de constrangimento e de violência da
parte de outrem, o que não se pode dar onde não há lei. Daí que é ético e político aquilo que a
maioria decide, todavia isso não deve impedir de ser livre de pensar diferente.

Autolimitação: é a virtude ecológica que exige o sacrifício para salvaguardar o planeta;


tutela interesses colectivos e funda uma cultura da simplicidade voluntária que visa consumir de
forma responsável e na justa medida para que aqueles que ainda não vieram a este mundo possam
ter o prazer de desfrutar da natureza, de consumir água limpa, de respirar ar oxigenado, de
contemplar as estrelas, a lua e o sol, em suma, para evitarmos aquilo que Leonardo Boff chama
de “pecado ecológico”.

Precisa-se urgentemente estender a nossa visão valorativa diante do habitat, da casa, ou


seja, do planeta, pois é mudando as pessoas que se muda o mundo. Ora, os impactos resultantes
do menosprezo das questões ecológicas duramente defendidas desde os séculos passados têm
atingido gravemente o nosso planeta de várias formas dos quais se destacam: ciclones, tsunamis,
tufão, inversão térmica, chuvas ácidas, desequilíbrios de temperaturas. Na verdade, as reflexões
sobre as questões ecológicas visam oferecer elementos para um novo paradigma da humanidade
baseada nos valores bem apresentados por Ademar Bogo (2000):

3.1.1.1.Valor da solidariedade

A solidariedade está inscrita objectivamente no código de todos os seres e corresponde a


capacidade de buscar alternativas para elevar o ser humano a uma nova categoria na construção
de novos valores, pois coexiste-se no mesmo cosmos e na mesma natureza com uma origem e um
destino comum, ou melhor, numa perspectiva mais radical o Homem é a própria terra que em seu
processo de evolução alcançou por meio do ser humano a capacidade de sentir, de pensar, de
amar e de procurar-se consigo mesmo.

47
3.1.1.2. Valor da indignação

Corresponde na atitude de sensibilidade humana em relação as injustiças sociais. Antes


de tudo, indignar-se contra as injustiças sociais, locais ou internacionais deve ser a característica
fundamental de um lutador do povo, pois esta atitude concreta de protesto e defesa dos
injustiçados corresponde a virtude da sensibilidade humana.

3.1.1.3. Valor do compromisso

É uma atitude de permanente vigilância sobre os propósitos feitos colectivamente.


Contudo, precisamos estabelecer aliança com a natureza em termos de confraternização e
veneração porque a natureza é a morada de todos os seres criados no amor.

3.1.1.4. Valor da ternura

Significa reconhecer que há vida em tudo, que o amor pode neutralizar o ódio de
milhares de pessoas e, que devemos colocar no centro das nossas acções a dignidade da pessoa
humana, conforme disse Gandhi, apud Boff (2000, p. 68) “Tudo que vive é teu próximo”. Desta
feita, a ternura é o aperfeiçoamento do comportamento político e humano de lutador do povo na
sua relação com a colectividade.

3.1.1.5. Valor da responsabilidade

É a capacidade de dar resposta eficaz aos problemas que nos chegam na realidade
complexa actual. Neste caso, na esfera económica precisamos deslocar o nosso eixo para a
produção do suficiente e decente para todos; na esfera social precisamos deslocar o eixo para
cooperação, ou seja, para razão cordial e na esfera natural precisa-se celebrar uma aliança
sinergética entre a utilização racional do que precisamos e a preservação do capital natural.

3.1.2. Carácter ético da cosmologia racional

Em linhas gerais, a cosmologia racional visa dar soluções coerentes e racionais sobre os
problemas suscitados pela realidade do mundo. No entanto, estes problemas estão relacionados
com as noções de espaço, tempo e vida. Pois bem, segundo Japiassú; Marcondes (2001, p. 65)
filosoficamente espaço é o meio homogêneo e ilimitado, definido pela exterioridade de suas
partes no qual a percepção externa situa os objectos sensíveis e seus movimentos. E o tempo é o
48
movimento constante e irreversível obtido por intermédio do espaço através do qual o presente se
torna passado, e o futuro, o presente. De forma explicita, isto significa que o tempo marcha num
só sentido (passado, presente e futuro). Com isso, somos forçados a prosseguir irreversivelmente
a mesma marcha para diante; de forma oposta o espaço é reversível, isto significa que é possível
percorrer em sentido inverso regressando ao ponto de partida.

Pode-se verificar claramente a secularização do pensamento mítico e o grande legado


deixado pelos filósofos gregos com particular destaque aos estoicos, pois para estes o passado e o
futuro são dois males e freios que pesam, bloqueiam e impedem o pleno desabrochar da vida
humana, ou seja, a vinculação ao passado e a preocupação com o futuro levam a perder o instante
presente. Ou melhor, para estes a esperança é uma desgraça, uma tensão negativa que faz estar de
certa maneira insatisfeito e infeliz. Correlativamente, a nostalgia é no sentido etimológico a volta
do sofrimento, o desejo doloroso de situações passadas, visto que o passado nos puxa para trás
graças as nossas paixões tristes. Contrapondo está concepção mítica e estoica, Paulo Freire, apud
Cortella (2014b, p. 15 - 16) ensinou a ter esperança do verbo “esperançar” e não do verbo
“esperar”, pois esperançar é procurar em nós e à nossa volta as sementes que permitem florescer
o futuro e acolher a vida com mais plenitude, é ir atrás daquilo que se perspectiva de forma
individual e colectiva.

Portanto, precisa-se trabalhar a visão do tempo social, ou melhor, precisa-se responder


sabiamente às questões ligadas ao tempo, espaço e vida para alcançar a serenidade da condição
humana, uma vez que, a questão essencial da filosofia é de saber como chegar a uma vida boa no
coração desse cosmos secularizado. No sentido próprio do termo, precisa-se numa linha dialógica
aprofundar com responsabilidade social três momentos temporais ligados a acção (presente), a
memória (passado) e a imaginação (futuro). Visto que, a vida social de modo a estar organizada
obriga a coordenação das actividades em todos os sentidos (doméstico, profissional, religioso e
social). Daí que, as pessoas não seriam obrigadas a faltar no seu local de trabalho para tratar
Bilhete de Identidade, para tratar Certificado de Registo Criminal, ou para realizar outros serviços
que podem ser planificados e coordenados e que bem conhecemos, uma vez que, a vida social
realiza-se numa perfeita coordenação e quantificação das actividades. Ora, o tempo e o espaço
são importantes na dimensão dos fenómenos e permitem evitar os desrespeitos a todos os níveis,
pois tomando um exemplo concreto, um professor que lecciona no ensino primário, de forma
49
comum entra as oito (8) horas e sai as treze (13) horas, neste caso, este professor muitas das
vezes se ausenta do espaço escolar neste intervalo temporal porque sente-se obrigado a tratar o
Certificado de Registo Criminal as primeiras horas do dia, isto porque as trezes (13) horas já não
se entregam as fichas para o efeito. Veja-se lá, a ausência deste professor no recinto escolar
afectará negativamente toda a actividade didáctica daquela escola: Um professor vai ter de
leccionar em duas turmas como acontece comumente ou a turma não terá aula naquele dia tendo
em conta a descoordenação da quantificação das actividades sociais.

3.1.3. O ideal de uma educação republicana

Nos termos do disposto da alínea a) do artigo n.º 2 da Lei Bases do Sistema de Educação
e Ensino, a educação é definida como um processo planificado e sistematizado de ensino e
aprendizagem, que visa preparar de forma integral o indivíduo para responder as exigências da
vida individual e colectiva. Por outra, a Constituição da República de Angola nos termos do
artigo n.º 1 define Angola como uma República soberana e independente, baseada na dignidade
da pessoa humana e na vontade do povo angolano, que tem como objectivo fundamental a
construção de uma sociedade livre, justa, democrática, solidária, de paz, igualdade e progresso
social. A partir destes dois artigos podemos conceber que o ideal da educação angolana é
republicano ou deve ser republicano, ou seja, os indivíduos devem ser formados de modo a
responderem positivamente o ideal republicano cujo princípio fundamental é a virtude. Diz mais,
para ser republicano de verdade é preciso ter uma nobreza de alma, e uma elevação moral que
consiste no respeito do bem público inibindo a usurpação das coisas públicas por intermédio de
particulares.

Uma educação republicana deve assimilar e acomodar fundamentos éticos que permitem
inibir, castrar ou mesmo exterminar os inimigos da república.

Patrimonialismo: consiste em apropriar-se do bem comum como se fosse propriedade


pessoal. Em caso concreto políticos e servidores públicos apropriam-se dos bens públicos como
ambulâncias, transportes públicos, desviam verbas para suas contas pessoais. Enfim colocam à
frente os seus afetos. Estes ignoram o facto da república não indicar quem manda e sim para quê
manda, pois na república o poder está a serviço do bem comum.

50
Corrupção: é o grande perigo da república, ela desencadeia morte, ignorância e crimes;
perturba o elo social básico que é a confiança. Infelizmente temos notado fruto das informações
midiáticas muitos servidores públicos acusados de desvios de bens públicos e outros crimes
anormais num estado republicano.

Em suma, a educação republicana é um projecto que deve envolver a família e a escola


rompendo a tradição negativa da não participação activa da família na escolarização das crianças,
adolescentes e jovens e proporcionando uma educação com propósito de vida individual, mas
cujo foco é a vida colectiva. Além do mais, República de Angola literalmente significa Bem
comum dos angolanos, conforme sustenta Aristóteles (Política, III): Em uma cidade
constitucional, os bons cidadãos sabem governar e obedecer. Portanto, a cidadania em uma
cidade constitucional é um treinamento moral.

3.2. As três grandes questões éticas no contexto actual de Angola

Paulo de Tarso apóstolo de Cristo, padroeiro da nossa cidade capital, pois celebra-se a
festa da cidade de Luanda no dia em que se festeja a conversão de São Paulo ao cristianismo. Ele
definiu ética de forma simples, coerente e concisa “«Tudo me é permitido», mas nem tudo é
conveniente” (I Cor. 6, 12). De lembrar que, Paulo em latim significa pequeno, neste caso, Paulo
outrora sentia-se grande porque se dedicava a perseguir os discípulos de Cristo e teve de se tornar
pequeno para elevar os outros por meio das suas actividades missionárias. Já no nosso tempo,
esta definição foi bem trabalhada e popularizada por Cortella (2009, p. 106), pois para ele a ética
é o “conjunto de princípios e valores que você usa para responder as três grandes perguntas da
vida humana: Quero? Devo? Posso? ”. Ou seja, na linguagem paulina tudo posso, mas nem tudo
devo e para a pessoa alcançar a paz de espírito precisa engendrar três caminhos ligados a moral: a
distinção, a escolha e a prática.

Distinção: o homem pela sua condição racional deve saber distinguir o bem do mal, o útil
do prejudicial, o justo do injusto. Com efeito, é isso o que distingue essencialmente o homem dos
outros animais. Neste caso, ele deve saber que roubar, corromper e matar são males e praticar a
solidariedade é um bem.

Escolha: depois de distinguir o bem do mal, o útil do prejudicial, o justo do injusto,


somos chamados a realizar uma escolha. Efectivamente, os dilemas éticos são partes inerentes da
51
nossa convivência. Portanto, o homem deve ser capaz de efectuar uma escolha justa e agradável
para si e para todos.

Prática: é preciso que se pratique aquilo que se distinguiu e se escolheu,


opercionalizando a finalidade de cada acto realizado pelo Homem.

O pensamento niilista e desconstrutor apresentado por Nietzsche foi e ainda é altamente


contestado por muitos porque é imoral e rejeita com violência todo projecto de melhoramento do
mundo. Em contrapartida, verifica-se uma descoordenação dos três caminhos referidos dentro da
sociedade angolana, visto que, as pessoas percebem que a visão dionisíaca defendida por
Nietzsche não é boa para nossa convivência, porém escolhem uma vida profetizada pelo mesmo
baseada em festas, sexos até a loucura mortal e música bestial.

Como exemplo nítido de niilismo dentro da sociedade Angola destaco: o aborto, a jarda, a
prostituição, a corrupção, a violência contra criança. Pois os que praticam tais acções negam o
sentido dos ideiais tradicionais angolanos e inclinam-se no egoísmo.

52
CONCLUSÃO

Na opinião de Edgar Morin (2005, p. 11) uma “ciência sem consciência”, isto é, uma
ciência sem reflexão filosófica, ética e política é insuficiente e radicalmente mutilada. Ora, a
consciência pode ser entendida como o instrumento teórico para compreensão da realidade e pode
ser concebida em dois sentidos: O primeiro sentido é rabelaisiano “ciência sem consciência é
apenas ruina do homem” (MORIN, apud, p. 10) e o segundo sentido é intelectual consiste em
fazer uma autorreflexão em torno da enorme massa do saber quantificável e tecnicamente
utilizável para não envenenar o habitat natural. Deste modo, ao longo desta investigação teve-se
em atenção o propósito de compreender os pressupostos éticos que estão na base para formação
de cidadãos cientes e conscientes à luz da Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino de
Angola.

Tendo em conta o estudo realizado fruto das ideias de vários autores conclui-se que:

Os pressupostos éticos que estão na base para formação de cidadãos omnilaterais são: as
virtudes humanas que permitem o homem atingir a excelência tendo em conta as exigências
culturais e a sabedoria nacional e universal; a cosmologia racional que visa dar soluções
coerentes e racionais sobre os problemas suscitados pela realidade do mundo e a educação
republicana que permite proporcionar um treinamento moral dos cidadãos e inibir, castrar ou
mesmo exterminar os inimigos da república, tais como o patrimonialismo e a corrupção.

A formação de cidadãos cientes e conscientes só será possível se, se aglutinar as


vertentes teóricas (cosmológica, antropológica, religiosa e vitalista) e práticas (tendo uma vida
em plenitude e em ajuste com o cosmos, amando o sagrado e o divino), visto que, a concepção
ética de Angola aglutina as teorias e as sabedorias dos quatro períodos históricos da ética.
Entretanto, para isso deve-se ampliar os instrumentos teóricos para compreensão da realidade
com base a militância do “ango-realismo-crítico” na razão, na fé e no afeto.

Outrossim, a formação de cidadãos omnilaterais passa pela mudança de paradigma entre


o binómio família e escola, neste caso, havendo maior interacção entre as mesmas instituições
sociais, por outra, passa também pela transmissão, assimilação e acomodação crítica dos valores
por meio das figuras exemplares que conseguiram escutar, e engendrar os três caminhos ligados a
moral: a distinção, a escolha e a prática.
53
GLOSSÁRIO E ABREVIATURAS

Ad litteram: do latim e em português significa à letra.

Axiologia: ciência que estuda os valores.

Biocentrismo: termo que diz respeito a centralização da vida.

Ciente: aquele que tem um conhecimento metódico e rigoroso sobre a realidade.

Consciente: aquele que tem juízo prático de distinguir o bem e o mal e apreciar moralmente
nossos actos e os actos dos outros.

CRA: Constituição da República de Angola.

Ex aequo: do latim e em português significa com igual mérito.

Grosso modo: do latim e em português significa de modo grosseiro.

Imanente: termo que diz respeito aquilo que está na natureza ou na realidade.

Ipis verbis: do latim e em português significa pelas mesmas palavras.

LBSEE: Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino

Niilismo: doutrina filosofica que nega existência de valores absolutos, na perspectiva


nietzscheana é a doutrina que consiste em deixar-se guiar pelos valores éticos e morais.

Ontologia: teoria da essência do real ou do ser.

Stritu sensu: do latim e em português significa de forma restrita ou particular.

Transcendente: aquilo ou algo que ultrapassa a realidade ou a natureza.

Verbia gratia: do latim e em português significa por exemplo.

54
BIBLIOGRAFIA

ALTUNA, Pe. Raul Ruiz de Asúa. (2014). Cultura Tradicional Bantu. 2.ª edição. São Paulo:
Instituto Missionário Filhas de São Paulo.

ARANHA, Maria Lúcia de. Arruda. História da educação e da pedagogia. [Livro electrónico].
São Paulo: Moderna.

ARISTÓTELES. (2001). Política. 6.ª edição. [Trad. Pedro Constant Tolens]. São Paulo: Editora
Martin Claret Ltda.

ARRUDA, Lídia. (2004). Gramática de português para estrangeiros. Porto: Porto Editora.

BARROS FILHO, Clóvis de; POMPEU, Júlio. (2013). A Filosofia explica as grandes questões
da humanidade. 1.ª ed. RJ: Casa da Palavra; São Paulo: Casa do Saber.

BOFF, Leonardo et al. (2000). Valores de uma prática militante. 2.ª ed. São Paulo: Secretaria
Operativa da Consulta Popular.

BOFF, Leonardo. (2004). Ética e moral: A busca dos fundamentos. 2.ª edição. Petrópolis, Rio de
Janeiro: Vozes.

BOFF, Leonardo. (2009). Ética da vida: A nova centralidade. Rio de Janeiro: Record.

Caderno IHU ideias. (2003). São Leopoldo: Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Instituto
Humanitas Unisinos. Ano 1, n.º 1.

CARROLL, Lewis. (2002). Alice no País das Maravilhas. Brazil: Editora Arara Azul.

CASTRO, Mauro César de. (2017). Guia para Elaboração de Trabalhos Académicos em
Filosofia. 2. ª ed. Rev. Mariana: Faculdade Dom Luciano Mendes.

CHAUI, Marilena. (2000). Convite à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática.

COMTE-SPONVILLE, André. (2009). Pequeno tratado das grandes virtudes. 2.ª ed. [tradução
Eduardo Brandão]. São Paulo: Editora WMF Martins Fonte.

55
COMTE-SPONVILLE, André. (2002). Apresentação da Filosofia. 1.ª ed. [tradução Eduardo
Brandão]. São Paulo: Martins Fontes.

CORTELLA, Mario Sergio. (1997). A escola e o conhecimento: Reflexão sobre fundamentos


epismológicos e políticos dessa relação. São Paulo: PUC – São Paulo.

CORTELLA, Mario Sergio. (2006). Não nascemos prontos!: Provocações filosóficas. Petrópolis,
RJ: Vozes.

CORTELLA, Mario Sergio. (2009). Qual é a sua obra?: Inquietações propositivas sobre gestão,
liderança e ética. 6.ª ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes.

CORTELLA, Mario Sergio. (2014a). Educação, escola e docência: novos tempos, novas
atitudes. São Paulo: Cortez.

CORTELLA, Mario Sergio. (2014b). Não se desespere!: Provocações filosóficas. Petrópolis, RJ:
Vozes.

CORTELLA, Mario Sergio. (2015). Educação, convivência e ética: audácia e esperança. São
Paulo: Cortez.

CORTELLA, Mario Sergio. (2018). Descartes: A paixão pela razão. Kindle Direct Publishing:
São Paulo.

COUGIL, Odilo et al. (2015). Bíblia Sagrada Africana. 1.ª edição. São Paulo: Instituto
Missionário Filhas de São Paulo.

CUMBELEMBE, Adriana. (2015). Função da Escola na formação de novos cidadãos.


Expectativas dos encarregados de educação: Estudo de caso de três escolas primárias dos
municípios de Viana e Cazenga. Évora: Universidade de Évora.

DIAMBO, Fortunato Pedro Talani. (2014). Rendimento académico dos alunos e papel dos
Pais/Encarregados de Educação em Angola: O caso de uma Escola do Ensino Primário e I.º
Ciclo do ensino Secundário. Évora: Universidade de Évora.

DOWORKIN, Ronald. (2003). Domínio da vida: Aborto, eutanásia e liberdades individuais. 1


ed. [Trad. Jeferson Luiz Camargo]. São Paulo: Martins fontes.

56
FERRY, Luc. (2008). A sabedoria dos mitos gregos: Aprender a viver II. [Tradução: Jorge
Bastos]. Rio Janeiro: Editora objectiva Ltda.

FERRY, Luc. (2012a). Aprender a viver: Filosofia para os novos tempos. [Tradução: Véra Lucia
dos Reis]. Rio Janeiro: Ediotora objectiva Ltda.

FERRY, Luc. (2012b). A revolução do amor: Por uma espiritualidade laica. [Tradução: Véra
Lucia dos Reis]. Rio Janeiro: Editora objectiva Ltda.

FREI BETTO et al. (2011). Conversa sobre a fé e a ciência. Rio de Janeiro: Nova Fronteira
Participações S.A.

FREIRE, Paulo. (1982). Virtudes do educador. São Paulo: Vereda.

FREIRE, Paulo. (1996). Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 25.ª
ed. São Paulo: Paz e Terra.

FROMM, Erich. (2014). A arte de amar. [Tradução Milton Amado]. São Paulo: Martins Fontes.

IMBAMBA, José Manuel. (2010). Uma Nova Cultura para Mulheres e Homens Novos: Um
projecto Filosófico para Angola do Terceiro Milénio à luz da Filosofia de Battista Mondin. 2.ª
Edição. São Paulo: Instituto Missionário Filhas de São Paulo.

JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. (2001). Dicionário Básico de Filosofia. Rio de


Janeiro: Jorge Zahar Editor.

KIURA, Jane M. et al. (2017). A vida e o amor: Orientações para pais e educadores. 4.ª edição.
Luanda: Instituto Missionário Pia Sociedade de São Paulo.

KUNDONGENDE, João da Cruz. (2012). Crise e resgate dos valores morais, cívicos e culturais
na sociedade angolana: um contributo para a inversão dos valores éticos. Luanda: Ministério da
Educação.

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. (2003). Fundamentos de metodologia


científica. 5. ed. São Paulo: Atlas.

57
MORIN, Edgar. (2003). A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 8.ª ed.
[Tradução Eloá Jacobina]. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.

MORIN, Edgar. (2005). Ciência com consciência. [Tradução de Maria D. Alexandre e Maria
Alice Sampaio Dória]. 8.ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.

MULAZA, Evaristo (Director Geral). (2017). Jornal Gazeta. Ano 6. N.º 243: Quinta-feira 23 de
março.

NOGUEIRA JR., Renato. (2009). Aprendendo a ensinar: uma introdução aos fundamentos
filosóficos da educação. Curitiba: Ibpex. (Séries Abordagens Filosóficas em Educação).

OLIVEIRA, Maxwell Ferreira de. (2011). Metodologia científica: um manual para realização de
pesquisa em Administração. Catalão: UFG.

PEQUENINO, Jacinto. Educação Moral e Cívica: Fundamentos para uma vida consigo mesmo e
com os outros. 1.ª edição. Maputo: Instituto Missionário Filhas de São Paulo.

PONDÉ, Luiz Filipe. (2015). Os dez mandamentos (+ um): Aforismos teológicos de um homem
sem fé. São Paulo: Três Estrelas.

PRONDANOV, Cleber Cristiano; FREITAS, Ernani Cesar de. (2013). Metodologia do Trabalho
Científico [recurso electrónico]: Métodos e Técnicas da Pesquisa e do Trabalho Académico. 2.
Ed. Novo Hamburgo: Feevale.

REA, Marina; org. Boletim do Instituto de saúde (BIS) n.º 35 - abril de 2005 ISSN 1809 7529.
Ética em pesquisa. São Paulo: Instituto de Saúde.

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. (2003). História da filosofia: filosofia pagã antiga.
[Tradução Ivo Stomiolo]. V. 1. São Paulo: Paulus.

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. (2006). História da filosofia, 6: de Nietzsche à Escola de


Frankfurt. [Tradução Ivo Stomiolo]. V. 6. São Paulo: Paulus.

RIBEIRO, Renato Janine. (2001). A República. São Paulo: Folha explica.

ROCHA, Tião. (1996). Folclore: roteiro de pesquisa. Belo Horizonte: MG.

58
ROHDEN, Humberto. Novos Rumos para educação. São Paulo: Universalismo.

SILVA, Cesar Faria da. (julho/2017). Ensaios Filosóficos, Volume XV: O humanismo perdido e a
contribuição da cultura bantu.

OUTRAS FONTES:
IMPRENSA NACIONAL. (2010). Constituição. 1.ª Edição. Luanda: Imprensa Nacional – E. P.

IMPRENSA NACIONAL. (2016). Lei n.º 17/16: Lei de Base do Sistema de Educação e Ensino
de Angola de 7 de outubro. Luanda: Imprensa Nacional E.P.

[em linha]. [Consult. 16.04.2019] Disponível https://conceito.de > formacao.

59

Você também pode gostar