Nothing Special   »   [go: up one dir, main page]

(PDF Download) Um Certo Henrique Bertaso Erico Verissimo Fulll Chapter

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 59

Full download ebooks at ebook ebookstep.

com

Um certo Henrique Bertaso Erico


Verissimo

DOWLOAD EBOOK
OR CLICK LINK

http://ebookstep.com/product/um-certo-henrique-
bertaso-erico-verissimo/

Go to download the full and correct Download More ebooks [PDF].


content document Format PDF ebook download PDF
https://ebookstep.com KINDLE
More products digital (pdf, epub, mobi) instant
download maybe you interests ...

Incidente em Antares Edição especial 1st Edition Erico


Verissimo

https://ebookstep.com/product/incidente-em-antares-edicao-
especial-1st-edition-erico-verissimo/

Um Certo Tipo de Mulher 2nd Edition Maria Anita


Carneiro Ribeiro

https://ebookstep.com/product/um-certo-tipo-de-mulher-2nd-
edition-maria-anita-carneiro-ribeiro/

Um velho novo na Umbanda no caminho de Aruanda Paulo


Henrique Zanin

https://ebookstep.com/product/um-velho-novo-na-umbanda-no-
caminho-de-aruanda-paulo-henrique-zanin/

Os espiões 1st Edition Luis Fernando Verissimo

https://ebookstep.com/product/os-espioes-1st-edition-luis-
fernando-verissimo/
Curso de Dirieto Processual do Trabalho 19ª ed 2021
Carlos Henrique Bezerra Leite 19th Edition Carlos
Henrique Bezerra Leite Leite Carlos Henrique Bezerra

https://ebookstep.com/product/curso-de-dirieto-processual-do-
trabalho-19a-ed-2021-carlos-henrique-bezerra-leite-19th-edition-
carlos-henrique-bezerra-leite-leite-carlos-henrique-bezerra/

Processo Penal Gustavo Henrique Badaró

https://ebookstep.com/product/processo-penal-gustavo-henrique-
badaro/

Plattformökonomik 1st Edition Henrique Schneider

https://ebookstep.com/product/plattformokonomik-1st-edition-
henrique-schneider/

O clube dos anjos 2nd Edition Luis Fernando Verissimo

https://ebookstep.com/product/o-clube-dos-anjos-2nd-edition-luis-
fernando-verissimo/

A décima segunda noite 1st Edition Luis Fernando


Verissimo

https://ebookstep.com/product/a-decima-segunda-noite-1st-edition-
luis-fernando-verissimo/
“L’homme est ce qu’il fait.”
(Palavras duma personagem
de André Malraux.)
Prefácio — Luis Fernando Verissimo

Um certo Henrique Bertaso

Crônica biográfica e literária

Biografia de Erico Verissimo


Prefácio
Não me lembro de um tempo em que a família Bertaso não fizesse
parte das nossas vidas. A ligação com os Bertaso já existia antes da
minha irmã Clarissa nascer. Nossos pais eram vizinhos da Luíza e do
Henrique Bertaso e, na falta de uma criança em casa, pediam
emprestado o caçula deles, Fernando. Quando me perguntam se o
personagem Fernando de “As aventuras do avião vermelho” sou eu,
sou obrigado a dizer que não, é o outro. Meu pai e o Henrique
Bertaso trabalhavam juntos e as famílias conviviam socialmente.
Luíza era madrinha da Clarissa. Quando nos mudamos para uma
casa num arrabalde de Porto Alegre, volta e meia era anunciado,
com alguma trepidação: “Os guris da Madrinha vêm aí”. Significava
que o Fernando, já crescido, e o Cláudio iriam passar a tarde
conosco. Os dois movimentavam a casa e a vizinhança, era um alívio
generalizado quando partiam. (José Otávio, o irmão mais velho, não
participava da invasão). Certa vez, com meus catorze anos, fui
deixado aos cuidados da “Madrinha” enquanto meus pais foram para
a praia. Eu me recuperava de uma operação de cisto bem na ponta
do cóccix, com perdão do detalhe. Precisava de um curativo todos os
dias, depois do banho, e todos os dias deitava de bruços enquanto a
“Madrinha” e um sério staff de empregadas faziam o curativo. Se
dependesse da “Madrinha”, elas também me dariam banho. Os
Bertaso tinham uma cozinheira chamada Erecina e faz parte do
folclore das duas famílias que, ainda pequeno, eu costumava recusar
a comida que queriam me dar e exigir, choramingando, “o feijão da
Erecina”. Meus pais e a Luíza e o Henrique fizeram muitas viagens
juntos — inclusive uma, de carro, de Porto Alegre a Salvador da
Bahia. O pai e o Henrique jogavam tênis todos os sábados. E
qualquer ocasião era razão para as duas famílias se reunirem e
festejarem sua amizade.
Faltou dizer qual era o trabalho que meu pai e o Henrique Bertaso
faziam juntos. Trabalhavam na Editora Globo, que o Henrique
começou como um adendo à Livraria do Globo e que os dois
transformaram na mais importante editora brasileira da sua época.
Graças à visão e ao espírito empreendedor do Henrique, com a
assessoria do meu pai, o Brasil conheceu os maiores escritores do
século e de séculos passados, e alguns importantes novos escritores
nacionais. E uma pequena editora de Porto Alegre cresceu a ponto
de nortear durante muitos anos a vida intelectual do país. Este livro
é, em parte, a história desse milagre.
Luis Fernando Verissimo
Um certo
Henrique Bertaso
i

Mil novecentos e vinte e dois foi, sob muitos aspectos, um ano


portentoso. François Mauriac publicou Le Baiser au lépreux. James
Joyce sacudiu o universo literário com o seu Ulysses. John
Galsworthy deu à Inglaterra e ao mundo The Forsythe Saga. Sinclair
Lewis produziu Babbitt, e Pirandello, Henrique IV. O setor político foi
também rico em acontecimentos decisivos. Rathenau foi assassinado
na Alemanha. Mussolini abafou uma greve geral na Itália e foi
chamado ao poder pelo rei. A Rússia recebeu em “batismo” — com o
perdão da palavra — o nome de União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas. Poincaré formou um ministério na França. Um tratado
pôs fim ao protetorado inglês no Egito e Fuad i foi feito rei da terra
dos faraós. Mustafa-Kemal consolidou seu domínio na Turquia.
Constantino da Grécia abdicou. O Brasil comemorou o primeiro
centenário da sua Independência e recebeu a visita do rei Alberto da
Bélgica.
Tudo isso e muito mais aconteceu durante o ano de 1922, porém
um pequeno fato que a História com H maiúsculo não registrou, um
incidente sem significação para o grande mundo mas de importância
capital para a estória que vou contar nesta crônica, ocorreu na
cidade de Porto Alegre. O menino Henrique d’Avila Bertaso perdeu
as suas férias de verão porque o pai, um dos sócios principais da
Livraria do Globo, achou que o mais velho dos filhos varões, então
com quinze anos, estava se transformando numa pequena peste
doméstica, com tempo demais a pesar-lhe nas mãos e no crânio.
Assim, à maneira dos velhos negociantes da tradição portuguesa
(embora ele próprio fosse italiano, natural de Verona), resolveu fazer
o rapaz trabalhar como “caixeiro” da sua livraria. Adeus areias,
ondas e moças da praia de Torres! Adeus vagabundagens na Rua da
Praia!
O menino Henrique, porém, não ficou triste — pelo menos é o
que ele me assegura hoje, cinquenta anos mais tarde — porque o
fato de ir trabalhar com horário integral na Livraria de certo modo o
eximia da responsabilidade de preparar-se para o exame de francês
em segunda época, e talvez o livrasse definitivamente do Ginásio
Anchieta, que ele cursava sem grande entusiasmo. Posso imaginá-lo
atrás do balcão, vendendo artigos de papelaria, canetas, lápis, livros,
principalmente livros. Tinha boa memória, e dentro de pouco tempo
surpreendia os colegas mais antigos ao mostrar-lhes o lugar exato
onde estava certa obra pedida por um freguês. Fosse como fosse,
sempre havia tempo para, através das duas portas do salão da
livraria, dar espiadas para a rua, em cujas calçadas passavam num
perfumado desfile mulheres que tão bem representavam o tipo da
melindrosa criado pelo caricaturista J. Carlos na revista Careta. Era
também agradável atender uma rapariga bonita que entrava na loja
à procura do último romance de Delly, Ardel ou Guy de
Chantepleure.
Não sei com que espécie de interesse Henrique via meterem-se
no pequeno elevador que levava ao andar superior, ao gabinete de
Mansueto Bernardi, o orientador literário da firma, os intelectuais
mais famosos de Porto Alegre. Lá ia Zeferino Brasil apoiado na sua
bengala, a cara morena e enrugada de cacique, gravata à Lavallière,
cabeleira longa. Havia sido “eleito” Príncipe dos Poetas Gaúchos e
tinha escrito muitos livros, dos quais o próprio Henrique já vendera
muitos exemplares. Quem era o cavalheiro grisalho, com ar de
diplomata, simpaticão e alinhado? João Pinto da Silva, secretário do
governo do dr. Borges de Medeiros e crítico literário, autor de livros
cujos títulos Henrique sabia de cor, como Vultos no meu caminho e
Fisionomia de novos, este último recém-aparecido. Seria poeta ou
prosador — ou ambas as coisas? — o baixinho sorridente de ar
plácido que às vezes “dava as caras” no gabinete de M. Bernardi?
Não, esse não escrevia livros. Era político, tinha sido naquele mesmo
ano eleito deputado federal pelo Partido Republicano Rio-Grandense.
Chamava-se Getúlio Dorneles Vargas. O magro baixo e simpático
que às vezes aparecia com ele era João Neves da Fontoura,
deputado estadual, considerado orador de grande eloquência. E o
moço de beleza varonil e palavra fácil e aliciante, que de raro em
raro se juntava a todos aqueles frequentadores do pequeno
cenáculo de Mansueto Bernardi? Era o bacharel em ciências jurídicas
e sociais Oswaldo Aranha, que não publicava livros, mas tinha uma
inteligência viva e um poderoso magnetismo pessoal.
Se alguém apontasse esses homens ao menino Henrique e lhe
dissesse: “Toma nota desses nomes, grava bem na memória essas
fisionomias, porque um dia esses senhores serão figuras importantes
da República e hão de, todos eles, cada qual a seu modo, fazer
História”, o “Bertasinho” — era assim que muitos lhe chamavam —
teria sorrido incrédulo e dito a frase que haveria de usar pelo resto
da vida nos momentos de surpresa ou perplexidade: “Não pode ser!”

ii

Toda aquela gente importante frequentava a Livraria do Globo, subia


ao território do Mansueto Bernardi para uma prosa e para passar os
olhos pela última novidade literária, o vient de paraître, como se
costumava dizer nos arraiais literários, pois naquela época os
Estados Unidos ainda não se tinham tornado importantes no mundo,
e a França era a segunda pátria de todo intelectual brasileiro. O
inglês era a língua remota e seria quase bárbara se um tal de Mr.
William Shakespeare não a houvesse usado nas suas peças de teatro
mundialmente famosas.
Mansueto Bernardi, poeta e prosador, lá estava no primeiro andar,
sentado à sua escrivaninha, selecionando livros para pedir a editoras
da Itália, da França e da Espanha — ou então lendo originais que
autores conhecidos lhe mandavam, na esperança de que o mentor
literário da Globo os fizesse editar. Ele próprio era autor de livros
como Terra convalescente, e a sua quase paixão mística por são
Francisco de Assis (o santo, não a cidade) o levaria a reunir um dia
num volume os seus ternos Poemas franciscanos (1927). Homem
inteligente e de boa vontade, tinha uma personalidade catártica,
recebia bem — embora sem exageros de cordialidade — todos os
escritores que o procuravam, tanto os velhos como os novos. Um de
seus sonhos diletos era criar na Globo uma editora de âmbito
nacional, projeto esse que não contava com a simpatia da direção
suprema da Casa.
Nascido em Treviso, Itália, viera Mansueto Bernardi para o Brasil
quando ainda menino. Falava agora um português duma pureza
castiça, mas com prosódia gaúcha — nítida, escandida, quadrada —
e com uma leve musiquinha italiana. Esguio de figura, tinha uma
dessas faces angulosas, de lábios finos e olhos esquivos, que a
gente encontra nos museus da Europa. (Quase trinta anos mais
tarde eu haveria de pensar em Mansueto ao ver o retrato dum doge
de Veneza pintado por Giovanni Bellini.) Personalidade complexa,
tinha ele pela política uma inclinação maquiavélica, que alternava
com inocências e doçuras franciscanas.
Alguns literatos de Porto Alegre cultivavam o hábito de se
reunirem à tardinha à porta da Livraria do Globo, onde ficavam a
fumar, discutir política e/ou literatura e a olhar a colorida parada das
calçadas. Getúlio Vargas, mesmo depois de eleito presidente do
estado, continuaria, uma vez que outra, a reunir-se ao grupo.
Dentro da livraria, Henrique exercia as suas atividades com um
entusiasmo cada vez maior. Tinha boa memória visual e agora,
quando os caixeiros veteranos se perdiam no meio de tantos livros,
não encontrando às vezes o que o freguês lhes pedia, o jovem
Bertaso vinha em socorro dos colegas, vaqueano que era daqueles
campos bibliográficos. E levava o indicador direito ao lugar exato em
que a obra pedida se encontrava. Foi assim tomando um gosto
especial pelos livros e começando, imagino, a gozar desse esquisito
prazer tátil, quase sensual, que o bibliógrafo sente quando segura,
apalpa, cheira um volume. Aprendia também que cada livro tem
uma individualidade, como as pessoas, uma certa espécie de alma e
a capacidade de comunicar-se com os homens. Em suma, não se
trata apenas de papel impresso. É que já existia em Henrique
Bertaso o germe do futuro editor. Teria passado por sua cabeça, nos
primeiros anos da década dos 20, a ideia de no futuro tomar conta
do departamento editorial da Casa? Mal sabia ele que a
oportunidade para tal ventura e aventura lhe viria dali a uns oito
anos. Acontece, porém, que oito anos valem por oitenta no espírito
dos que ainda não entraram na casa dos vinte...

iii
Onde estava eu no último mês do ano de 1922? Em Cruz Alta, de
volta de Porto Alegre, onde cursava o Colégio Cruzeiro do Sul como
interno. Exatamente no dia em que cheguei à casa de meus sonhos,
das minhas fantasias e da minha saudade, meu pai e minha mãe se
separaram. Caí num estado de profunda depressão, decidi
abandonar o curso ginasial inacabado e começar logo a trabalhar. E
naquele resto de dezembro eu me preparei masoquisticamente para
um Natal triste. Evitei os amigos. Fugi às festas. Entreguei-me a
verdadeiras orgias de autocomiseração. Aceitei um emprego, com
um salário ínfimo, no armazém duma firma que fornecia gêneros
alimentícios para a guarnição federal da cidade. Consolava-me à
noite com os poucos livros sobrados da rica e numerosa biblioteca
que meu pai possuíra nos tempos das vacas gordas em que assinava
L’Illustration, em cujas páginas de papel gessado nos vinha o
espírito, o cheiro, as imagens, a vida, enfim, de uma Paris que eu já
conhecia dos romances de Maurice Leblanc, das aventuras de
Arsène Lupin, e das andanças dos Três Mosqueteiros. Tinha eu a
impressão de que todos os meus sonhos e projetos se haviam
desfeito em poeira — a poeira que se erguia agora do soalho
daquele armazém que eu — um homem de dezessete anos,
membro, segundo orgulhosas tias, duma das mais ilustres famílias
de Cruz Alta, ó vergonha, ó desgraça! — varria todas as manhãs,
depois de borrifar as tábuas de água misturada com creolina. Para
minha sensibilidade olfativa o cheiro de creolina sempre me evocara
a vida rural, que então eu detestava e até hoje não amo: cheiro de
carrapaticida, de latrinas — símbolo, em suma, do que a vida tem de
mais visceral e sujo. O meu consolo eram os livros e as minhas
próprias fantasias. Foi na máquina de escrever Underwood desse
armazém que alimentava os soldados do 6o Regimento de Artilharia
Montada e do 8o de Infantaria que fiz às escondidas a minha
primeira literatura. Que livros ficaram ligados a essa época um tanto
opaca da minha vida? Lembro-me principalmente de Os sertões, de
Euclides da Cunha, cujo estilo me fascinava com a sua força
máscula, a sua irregularidade, os seus imprevistos, os seus períodos
de aço. Li também, mas com dificuldade, o meu primeiro livro em
francês, um romance canalha, cujo título, se a memória não me trai,
era La Chémise de Mme. Crapuleaux. Apaixonei-me pelos contos de
Afonso Arinos. Era também leitor entusiasta de Coelho Neto e
Afrânio Peixoto. Frequentava os realistas, Aluísio Azevedo, Émile
Zola, Gustave Flaubert... Até mim, naquele armazém que cheirava a
charque e tijolinhos de goiabada, chegavam os ecos da Semana de
Arte Moderna. Na revista Para Todos eu lia com encanto os escritos
de Álvaro Moreira. Depois veio o tempo de Monteiro Lobato. Urupês
me fascinou. Cidades mortas me deu a espantada certeza de que
até uma pequena cidade adormecida do interior pode constituir
assunto literário. Recebia e lia regularmente a Revista do Brasil. Fiz-
me também leitor de Ribeiro Couto, João do Rio, Menotti del Picchia,
Cassiano Ricardo e dos dois Andrades, Mario e Oswald. Com o meu
amigo de infância José Rostro Castilhos, tive o meu período de
Olegario Mariano, cujos pierrôs tristes e sonoras cigarras nos
encantavam. Claro, e havia sempre Machado de Assis, a quem eu
admirava, além de lhe querer bem como a um tio distante no tempo
e no espaço. Horas havia em que eu hesitava entre o velho Machado
e Eça de Queiroz, este último um escritor da predileção de meu pai,
homem inteligente e de sensibilidade. Creio que até hoje essa
dicotomia não foi ainda resolvida dentro de mim.
Do armazém passei para uma casa bancária, onde me
entregaram um livrão de controle geral, mas de pouca
responsabilidade, chamado chiffier, e no qual cometi incontáveis
erros. Fui mais tarde promovido a chefe da Carteira de Descontos,
eu que sou uma toupeira em matéria de números. Um de meus
orgulhos era o de saber escrever a máquina com os dez dedos e
depressa, sendo assim capaz de fazer um memorando por minuto,
desses em que o banco pede a tal e tal firma que venha resgatar
uma duplicata vencida. Às vezes, no papel mesmo com o timbre do
Banco Nacional do Comércio, depois do “Prezado Senhor: Tomamos
a liberdade de vir à presença de V. Sª...”, movido por um demônio
interior eu escrevia trechos de contos de minha própria invenção,
coisas assim: “e então Juca descobre que o ladrão de gado que ele
matara era o seu próprio irmão”. E nesses momentos o diabo do
contador da agência bancária aproximava-se do furtivo contador de
estórias e este tinha de tirar o papel da máquina às pressas, rasgá-lo
e jogar seus pedaços no cesto de vime, ao pé da mesa.
Mas afinal de contas estou tentando escrever minhas lembranças
de Henrique Bertaso e não uma autobiografia. Devo, no entanto,
esclarecer que se falo tanto em mim também, é porque me parece
interessante contar o que faziam entre fins de 1922 e 1930 — um
em Porto Alegre e o outro em Cruz Alta — dois homens que um dia
viriam a encontrar-se para juntos se lançarem numa aventura
editorial, isso para não falar nos caminhos do convívio e da amizade.

iv

De bancário passei a boticário, sem a menor vocação para o


comércio e sem saber sequer dosar papéis de calomelanos. Atrás do
balcão da farmácia eu lia os dramas de Ibsen, Le Jardin d’Épicure,
de Anatole France, Les Drames philosophiques, de Renan, a Salomé
de Wilde... Lia também, no original e com enorme dificuldade, as
peças de Bernard Shaw, que me chegavam na Coleção Tauchnitz,
pequenas brochuras, impressas em Leipzig, Alemanha, pré-avós
talvez dos livros de bolso. Rabindranath Tagore e Omar Khayyam
forneciam o tempero oriental para essa minha salada de autodidata.
Entre a venda dum envelope de cafiaspirina e a dum vidro de
xarope contra tosse, eu lia uma página ou duas de Hendrik Ibsen —
uma de minhas mais sérias “paixas” literárias — e namorava a
vizinha, uma menina de quinze anos e olhos azuis, que às vezes
vinha debruçar-se na janela de sua casa, do outro lado da rua.
Costumava passar longas horas nos cafés, discutindo cinema,
futebol e, depois que conheci Maurício Rosenblatt, que viria a ser um
de meus maiores amigos, o assunto dessas boêmias diurnas passou
a ser literatura e problemas filosóficos. E a todas essas dê-lhe
bailarecos, tangos argentinos e foxtrotes, namoricos e camisas de
tricolina, e colarinhos altos para os quais eu não tinha pescoço, e
roupas de casaco cintado e calças tão estreitas na extremidade
inferior que mais pareciam perneiras. E por outro lado vá Tagore, e
vá Khayyam. E lá estava sempre Ibsen com suas névoas nórdicas,
Wilde com seus paradoxos, Anatole France com suas ironias...
Um dia me chegou um livro que me fascinou, apesar de eu não o
ter podido ler direito, pois meu inglês era ainda curto de vocabulário.
Chamava-se South Wind, dum tal Norman Douglas.
Prostitutas enchapeladas e solenes, respeitosíssimas e dignas —
como mudaram os tempos e os costumes! —, faziam parte da
freguesia da minha farmácia, onde todo mundo tinha crédito, pois
quem não era meu parente era amigo ou conhecido. Gaúchos
bombachudos e habitantes da zona colonial italiana e alemã do
município também apareciam na Farmácia Central. Era uma parada
que desafiava o futuro romancista. E lá estava a mocinha à janela...
À noitinha, depois do banho e do jantar, metido numa roupa de
Palm-Beach (última moda!), um “picareta” na cabeça e todo
perfumado de Maderas de Oriente, lá me ia eu postar na calçada à
frente da janela da bem-amada, parodiando Romeu ante o balcão de
Julieta — um Romeu de bengala de junco e gravata tipo borboleta.
(Os da minha geração que aos vinte anos não foram Rodolfo
Valentino, que me atirem a primeira pedra!)
Manoelito de Ornellas, falso-boticário em Tupanciretã como eu em
Cruz Alta, já havia publicado um livro de poesia, Rodeio de estrelas.
Costumava visitar-me, para ler seus versos. Um dia descobriu, no
fundo duma gaveta de minha casa, um conto que eu havia escrito
secretamente — “Ladrão de gado” — e mandou-o com
recomendações a Mansueto Bernardi, que o publicou na sua Revista
do Globo. Isso me encorajou tanto que remeti a minha próxima
estória (“A lâmpada mágica”, de sabor anatoleano) diretamente ao
Suplemento Literário do Correio do Povo. Seu diretor, De Souza
Junior, olhou os originais (contou-me ele próprio, cinco anos mais
tarde), viu minha assinatura e murmurou: “O conto pode não
prestar, mas o nome do autor é bonito e merece ser divulgado”. E
mandou a estória para a oficina do jornal, sem a ler.

Nos quatro anos e pico que durou a minha aventura farmacêutica, lá


de vez em quando eu reunia uns cobres, tomava o trem e ia passar
uns dias em Porto Alegre — cidade que não me era nada simpática
já que o dinheiro, curtíssimo, não me permitia ir ao Rio, a São Paulo
ou Buenos Aires. Como bom serrano, hospedava-me no Hotel
Lagache. Fazia longas caminhadas pela rua da Praia, indo da esquina
da rua do Rosário até a praça da Alfândega, olhando as caras, as
vitrinas, tudo isso num tédio mortal. À noite, cinema. Nessas visitas
à capital do estado, nunca deixei de visitar a Livraria do Globo, pela
qual sentia uma certa fascinação — pois não se tratava duma casa
de livros? Subia até o ilustre território de Mansueto Bernardi, onde
ficava folheando e namorando livros franceses que, muito caros, não
eram para o meu bico. Com o rabo dos olhos observava o ambiente,
na esperança de que se encontrassem ali alguns dos escritores
gaúchos de renome que eu costumava ler em livros ou nas páginas
do Correio do Povo e do Diário de Notícias. O sujeito magro,
sardento, anguloso, levemente encurvado, a pele transparente,
como de porcelana, cabelos de ruibarbo, ar de intelectual europeu,
olhos azuis, nariz e lábios afilados — ah! esse só podia ser Augusto
Meyer, poeta e ensaísta, por quem eu tinha uma ilimitada
admiração. O outro que estava com ele — o grandalhão moreno, de
rosto carnudo e redondo, grandes olhos escuros — devia ser o
admirável Theodemiro Tostes, o T. T. das crônicas irônicas do Diário.
O de cabeleira abundante, bela voz e maneiras agradáveis? Pedro
Vergara, autor de Terra impetuosa. O barbadinho? De Souza Junior,
que parecia uma personagem de Pirandello. O tipo esguio como um
punhal, rosto fino e longo, que fazia epigramas e contava estórias
que provocavam o riso dos outros? Athos Damasceno Ferreira. Agora
quem entrava, muito bem vestido, bengala pendendo de um dos
braços, bigode aparado, era um moço com ar de galã de opereta
italiana — Ernani Fornari, o autor de Trem da serra. (Mal sabia eu
que dali a alguns anos ele se iria tornar um de meus melhores e
mais leais amigos.) Eu procurava ouvir o que diziam os literatos.
Numa de minhas viagens, em 1927, no escritório de Mansueto
Bernardi falava-se com entusiasmo da visita a Porto Alegre de
Guilherme de Almeida, que vinha fazer conferências sobre o
Movimento Modernista.
Um dia avistei, entre os que examinavam livros naquele primeiro
andar de livraria que se tornaria histórico, um homem alto, de
queixo forte, no qual reconheci um amigo de infância: Ruy Cirne
Lima, que quando menino às vezes passava em Cruz Alta as suas
férias de verão. Homem de inteligência privilegiada e de sólida
cultura humanista, era professor de Direito e, havia poucos anos,
publicara um livro de poesia. Para minha surpresa, Ruy me
reconheceu, apertou-me a mão, abraçou-me, e lá estava o boticário
todo cheio de dedos, encabulado, a ser apresentado a algumas
daquelas “celebridades”. Era eu que publicava contos no suplemento
do Correio? Sim, era, desculpem... Ruy, generosamente, me
estimulava, levou-me a Mansueto, que se lembrou de meu “Ladrão
de gado”. E na minha timidez eu me sentia ali exatamente como um
ladrão (o conto era um pasticho de Maupassant) diante dum júri
ilustríssimo. É que a minha ironia e a minha irreverência só
funcionavam no contexto de minhas ficções.
Um dia tinha de voltar para Cruz Alta e para a rotina. Duplicatas
vencidas e o cofre da firma vazio, o borrador cheio de lançamentos
de vendas a crédito a pessoas às vezes completamente
desconhecidas. E enquanto a farmácia caminhava para o clássico
abismo, eu lia romances atrás do balcão, namorava a vizinha, já
agora sob o olhar severo, desconfiado e ameaçador de seu pai,
italiano meridional, catadura de mafioso, cioso del onore della
famiglia.
Eu vivia em três mundos, pelo menos. O primeiro era o da
realidade cotidiana; a rotina fisiológica, o ritual burguês, os avisos de
bancos (um bombachudo, para variar, me encostou um dia o cano
do revólver no peito porque eu não lhe quis dar a crédito um vidro
de xarope contra a tosse). O outro era o mundo dos livros, das
personagens de ficção que me levavam para outros tempos e outras
geografias. O terceiro mundo era o da minha própria fantasia: as
estórias que eu escrevia e mandava quase semanalmente para o
Correio do Povo, que as publicava em seu Suplemento Literário.
Um dia mandei uma carta a Mansueto Bernardi perguntando-lhe
se a Livraria do Globo estaria disposta a publicar em volume uma
seleção de meus contos. A resposta não tardou. Delicadamente
Bernardi respondeu que o livro “seria certamente um sucesso
literário” (era um homem de boa vontade), mas que, em vista de se
tratar dum autor novo, desconhecido do público, só poderia ser um
fracasso em matéria de vendas, motivo por que a sua editora não
poderia, infelizmente, correr o risco... etc... etc... Bom, a resposta
era mais ou menos a que eu esperava e ao mesmo tempo temia.
Aceitei plenamente, sem o menor ressentimento, as razões de
Mansueto Bernardi, que me pareceram sensatas. Houve até um
momento em que me arrependi de lhe ter feito a consulta, pois, no
fim de contas, quem era eu para já querer publicar um livro?
Continuei, contudo, a escrever sem buscar bodes expiatórios para
as minhas frustrações. O pai da minha namorada começou a me
lançar olhares calabreses. Eram sérias as minhas intenções com
relação à sua bambina? Pedi a moça em casamento no dia 12 de
outubro de 1929. Em 1930 a farmácia foi à bancarrota. Deflagrou-se
a Revolução de Outubro, que levaria Getúlio Vargas ao poder. Olhei-
a com cética desconfiança. Não me candidatei a centauro dos
pampas. Estava falido, sem vintém no bolso, sem profissão certa... e
noivo. Decidi então abandonar minha cidade natal e mudar-me para
a então pouco querida Porto Alegre. (Os olhos tristes de minha
mãe!) Prometi ao futuro sogro e à noiva que, tão logo encontrasse
um emprego na capital do estado, eu me casaria com a moça. O
“velho” Volpe deu-me um crédito de confiança emprestando-me sua
máquina de escrever portátil, já que eu pretendia continuar fazendo
literatura, talvez um dia como profissão. (Tenho uma lerda teimosia,
herdada talvez dum avô tropeiro que costumava levar tropas de
mulas de Cruz Alta a Encarnación, Paraguai.)

vi

Conduzi minha tropilha de sonhos, projetos e esperanças para Porto


Alegre num poeirento trem da Viação Férrea do Rio Grande do Sul.
Levava no bolso os 500$000 que um providencial tio materno me
emprestara.
Em Porto Alegre bati em muitas portas, em busca dum emprego,
mas sem nenhum resultado positivo. Em desespero de causa
resignei-me à ideia de ser empregado público e, como me tivessem
informado de que havia uma vaga na Secretaria do Interior, para lá
me atirei. Fui levado à presença de Moysés Vellinho (que naquele
tempo fazia crítica literária sob o pseudônimo de Paulo Arinos). O
chefe do gabinete de Oswaldo Aranha recebeu-me com grande
cordialidade, e me declarou que havia lido com agrado vários contos
meus — o que me surpreendeu, lisonjeou e animou. Diante daquele
homem insinuante, de maneiras tão finas e vestido com tão sóbria
elegância, experimentei um sentimento de inferioridade como o que
eu sentira tantas vezes no Colégio Cruzeiro do Sul, aos domingos, ao
comparar as fatiotas de meus colegas, trajados no rigor da moda,
com a minha “roupa de domingo” feita pelo pior alfaiate de Cruz Alta
e do mundo. Para encurtar o caso, não havia vaga na Secretaria.
Aproximava-se o fim do ano, o dinheiro que eu trouxera comigo
minguava e eu continuava desempregado. Uma tarde, porém, à
porta da Livraria do Globo, encontrei Mansueto Bernardi, então
diretor da Revista do Globo e que, como os jornais já haviam
noticiado, preparava-se para ir dirigir a Casa da Moeda, no Rio de
Janeiro, a convite de seu amigo Getúlio Vargas, chefe supremo do
governo provisório instituído pela Revolução de Outubro. Bernardi
me reconheceu.
— Vamos publicar no próximo número da Revista o seu conto
“Chico”, com a sua ilustração — disse ele. Olhou-me com seus olhos
venezianos e, depois de algum tempo, murmurou: — Você escreve,
traduz, desenha... Seria o homem ideal para tomar conta da Revista
do Globo no futuro.
— Por que no futuro — repliquei —, se estou precisando dum
emprego agora?
Meus olhos estavam fitos no pomo de adão de Mansueto, muito
saliente no longo pescoço descarnado. O autor de Terra
convalescente coçou pensativamente o queixo, depois baixou o olhar
para mim:
— Que ordenado espera?
Pensando no meu casamento, ousei:
— Um conto de réis.
Por um instante o poeta quedou-se imóvel e silencioso. Depois
disse por entre dentes:
— É... O cargo justifica esses honorários, porém infelizmente não
temos verba para tanto. Mas... qual seria o ordenado mínimo que
você aceitaria para começar?
— Seiscentos — respondi sem pestanejar.
— Pois então está contratado. Pode começar no dia primeiro de
janeiro. Entende de “cozinha” de revista?
— Claro — menti. Na realidade, nunca havia entrado numa
tipografia. Não conhecia nem de vista uma linotipo. Não tinha ideia
de como se fazia um clichê ou se armava uma página. Mas o
importante mesmo é que tinha conseguido um emprego!
Foi assim que entrei para a Família Globo.

vii

Em princípios do ano de 1931 Mansueto Bernardi embarcou para o


Rio, onde foi imprimir dinheiro e cunhar moedas para a nação.
Henrique Bertaso tomou conta da Secção Editora e eu da Revista do
Globo. Cada qual, enfim, seguiu o seu caminho e cuidou de sua vida.
Em julho mandei fazer um jaquetão de mescla cor de grafita e umas
calças à fantasia parecidas com as que Rodolfo usa em La Bohème.
Era o “uniforme” para o casamento. Segui para Cruz Alta — umas
amebas malditas, adquiridas não sei em que águas, em que
alimentos, me haviam devorado quase vinte quilos. Fui dos noivos
mais pálidos, magros e alcatruzados imagináveis, em contraste com
a noiva de dezoito anos, fornida de carnes, corada, exuberante de
vida. Casamo-nos com marcha nupcial e tudo mais. Quem oficiou a
cerimônia na matriz de Cruz Alta foi o padre José, que falava o
português com forte sotaque alemão, desses que a gente pode
cortar com uma faca. Fez-nos um discurso falando nas benesses do
matrimônio e no que Deus e os anjos esperavam de nós. Por fim
despediu-se dos recém-casados exclamando: “Divirtam-se!”. (Na
realidade disse Tivirtam-ze.) E um grande sorriso iluminou-lhe a cara
larga, vermelha e lustrosa.
Fui um dia apresentado a Henrique Bertaso, mas de maneira
perfunctória. (Exerço o ofício de escritor há quarenta anos e só
agora encontro a primeira oportunidade para usar a palavra
perfunctória.) Um aperto de mão chocho, uma troca de palavras
mais resmungadas que pronunciadas. Aos vinte e quatro anos, era
Henrique Bertaso um homem precocemente calvo, mas com uma
cara simpática de adolescente que ele haveria de carregar, sem as
mudanças da “praxe biológica”, até a casa dos sessenta. Gostei dele
à primeira vista mas pensei: “Deve ter uma mentalidade de ‘filho do
patrão’. Burguesinho besta”. Que teria pensado ele de mim? Imagino
que não tenha feito muita fé naquele sujeito com cara de bugre,
natural de Cruz Alta, sobrancelhas pretas e grossas e ar bisonho.
Como teria ido aquele serrano parar na Revista do Globo? Coisas do
Mansueto...
Separamo-nos. Subi para a redação. Duma casa de discos que
funcionava (e como!) na Galeria Chaves vinha a voz possante dum
tenor italiano que um alto-falante infernal ampliava
exasperadoramente. Era o Marechiare, uma canção napolitana. (Eu
ainda não conhecia o mar, nem de vista.) Em cima de minha mesa
achavam-se os meus melhores colaboradores: a tesoura e o vidro de
goma arábica. Não havia verba para pagar colaborações. Eu tinha de
encher a revista praticamente sozinho, pirateando publicações
alheias, de preferência estrangeiras. Um gerente prático me havia
prevenido contra o perigo de publicar muita “literatura”, pois o
importante era fazer uma revista popular, com muitas figuras —
retratos dos assinantes, o galante menino tal, a bela senhorita
fulana, rainha do Clube Recreio de Muçum, ecos do carnaval de
Cacimbinhas ou São Sepé. Publicávamos também sonetos da autoria
de coronéis reformados ou coletores aposentados que acontecia
serem bons fregueses da Casa, circunstância em que o que menos
importava era a qualidade literária dos versos...
Mas deixemos de lado o esperançoso moço de Cruz Alta, com
suas dores e seus amores, as suas amebas e as suas ambições
literárias, a sua vida de homem recém-casado — e concentremo-nos
em Henrique Bertaso.

viii

Não tardei a perceber que a luta dele era mais séria que a minha. Se
quisermos usar das tintas da caricatura, podemos afirmar que
Henrique Bertaso naquele tempo dirigia uma editora quase
clandestina. Seu pai, que era um homem extraordinário, a alma da
casa (começara a trabalhar com os Barcellos aos doze anos, como
simples varredor e menino de recados), tinha lá as suas dúvidas
quanto às vantagens de empregar capital numa empresa editora.
Sabia exatamente o quanto lhes rendia a tipografia, a litografia, a
encadernação, a venda dos livros alheios, enfim, todas as seções
duma casa que já se fazia tentacular. Ora, um editor pode publicar
livros e passar um ano inteiro — ou mais! — sem saber se está
ganhando ou perdendo dinheiro. Havia o problema da distribuição, o
da prestação de contas de remotas livrarias, e a fatal devolução dos
livros consignados, quase sempre em mau estado de conservação.
Por que desviar esforços e capital de negócios certos para dedicá-los
a uma aventura problemática?
Henrique, porém, perseverava, na sua maneira calma e sensata.
Não era homem de gritos ou basófia. Vivia na sua surdina, pessoa
de trato cordial, mas capaz de ser enérgico, firme, na hora
necessária, mas assim mesmo sem “dar espetáculo”, sem ameaçar
céus e terra. Continuava a reeditar os livros que Mansueto Bernardi
lançara e que ainda se vendiam, como, por exemplo, o Napoleão, de
Emil Ludwig. E tratava de comprar os direitos autorais sobre outras
obras desse mesmo autor. Achava, porém, que a editora precisava
ser reformada, modernizada, dinamizada, livrar-se de seu ranço
provinciano. Primeiro queria provar ao pai e aos outros sócios da
firma que era possível uma casa editora existir e prosperar neste
extremo do Brasil. Criou a Coleção Amarela, composta de livros
policiais. O “astro” principal dessa série era Edgar Wallace, mestre
em estórias de crime. Começou a publicar os romances desse autor
usando os tradutores que lhe apareciam, pois quem não tem
traduttore de verdade, caça com traditore. E como apareciam
traditori naquela época!
Henrique tinha as suas tinturas de inglês, adquiridas no ginásio.
Tomou assinatura duma revista americana, o Publisher’s Weekly
(Semanário do Editor), e costumava passar os olhos pelos seus
anúncios, traduzindo trechos deles com o auxílio dum dicionário. Nas
páginas dessa revista descobriu muitos dos livros que mais tarde
viria a publicar em português. Não juro, mas imagino que tenha sido
no Publisher’s Weekly que descobriu Agatha Christie, autora inglesa
de quem a Globo editou na Coleção Amarela um dos clássicos do
romance policial em todos os tempos: O assassinato de Roger
Ackroyd.
Muito mais tarde eu lhe iria recomendar outro “clássico”, O último
caso de Trent, de A. C. Bentley. Henrique aceitou a sugestão. Outros
autores enriqueceram a coleção: Oppenheimer, Van Dine, Mason,
Rinehart, Fletcher, Rohmer, Hammett, Chandler...
Henrique ocupava-se também com livros didáticos, assessorado
pelo prof. Alvaro Magalhães, que viria a assumir um dia a direção do
departamento de livros técnicos, dicionários e enciclopédias da
Editora.
Uma das obras que mais sucesso haviam obtido no Brasil fora o
Sem novidade no front, de Erich Maria Remarque, lançado por outra
casa editora. Henrique conseguiu garantir para a Globo o segundo e
muito esperado livro de Remarque, espécie de sequência do
primeiro. Como tivesse pressa em publicá-lo, dividiu o volume (creio
que se tratava duma tradução espanhola) em quatro partes, que
entregou a quatro tradutores diferentes. Uma delas coube a mim.
Como a revista me ocupasse o dia quase inteiro, eu costumava
trabalhar em traduções à noite, para aumentar a renda mensal.
Morávamos então, minha mulher e eu, numa casa de cômodos, no
Alto da Bronze, e vivíamos com um mínimo de dinheiro.
Um dia Henrique me chamou e disse: “Descobri um livro de
grande atualidade”. Mostrou-me o volume: Alemanha — fascista ou
soviética, da autoria dum jornalista americano, Knickerbocker.
— O senhor é capaz de traduzir este livro em vinte dias? Esses
assuntos logo ficam desatualizados. A História não caminha, corre.
Henrique insistia no tratamento cerimonioso. Eu era para ele o
“seu” Erico, o que me obrigava a chamar-lhe “seu Henrique”.
— Vinte dias? — murmurei, olhando as duzentas e tantas páginas
da obra. — Sou.
Combinamos o quanto me pagariam por página traduzida e eu
me atirei ao trabalho, batendo máquina das oito da noite até à
madrugada. O livro ficou pronto na data marcada e foi lançado sem
tardança.
A imagem de José Bertaso, o Chefão, aos poucos ia tomando
para mim aspectos paternos, tanto no que ela tinha de positivo
como de negativo, pois o Velho era ao mesmo tempo o protetor e o
castrador. Levei algum tempo para compreender a natureza dos seus
“estouros”. A princípio eu quis reagir de homem para homem e uma
vez tivemos até, no seu escritório, um pequeno “arranca-rabo”, ao
cabo do qual pedi demissão do cargo de diretor da Revista. Quando
imaginei que ele fosse gritar: “Pois então raspa daqui, seu
desaforado!”, o homem fitou em mim seus olhos benevolentes,
moderou o tom da voz e me fez uma proposta que resolveu o
problema de maneira que me permitiu ficar no posto. Só mais tarde
vim a compreender que José Bertaso não visava as pessoas com
suas frases ou interjeições duras, mas sim o erro que o empregado
cometia. Era tudo impessoal. O patriarca dos Bertaso era homem
incapaz de guardar rancores. Tinha, como qualquer mortal, as suas
birras, que às vezes expressava de maneira até humorística. De
resto, quem pode esperar sangue de barata nas veias dum italiano?
Nós, escritores, na opinião dele (mais ou menos secreta), éramos
uma cambada de vagabundos que, em vez de sentar o rabo numa
cadeira e trabalhar de verdade, saíam para a rua ou se metiam nos
cafés, onde ficavam discutindo literatura. E lá um dia surgíamos com
uns originais debaixo do braço (em geral poesia, Santo Deus!) e
queriam por força que a Casa os editasse por conta própria. Quem
no mundo ia comprar um livro de versos?
Lembro-me de que um dia ele, eu e um colega meu descíamos
juntos no pequeno elevador que levava ao escritório central. O
escritor que ia conosco era autor de vários livros de venda difícil,
quase nula. O Chefão olhou para ele firme, e, com um ar sério,
disse: “Seu Fulano, me explique um mistério. Nós mandamos para
os livreiros três exemplares de cada livro seu que aparece, e os
livreiros no fim nos devolvem cinco. Será que seus livros dão cria?”.
A face do meu colega ensombreceu. Pensei que ele ia agredir o
Velho. Felizmente o elevador chegou ao térreo e eu puxei o meu
amigo pelo braço, tratando de explicar: “O ‘seu’ Bertaso não disse
aquilo por mal. Tens de compreendê-lo”.
Minhas relações com Henrique dia a dia melhoravam no sentido
duma intimidade maior ou, antes, dum trato menos cerimonioso. Eu
agora o conhecia mais de perto. Minha ideia a respeito de seu
caráter felizmente não se havia confirmado. Por outro lado, creio
que o fato de eu ter cumprido todos os meus compromissos de
trabalho me havia dado um certo prestígio aos olhos dele.
A ideia de publicar um livro continuava a me perseguir, mal
escondida debaixo da abundante papelama do trabalho rotineiro da
Revista e das traduções. Tive de pôr “meias-solas” em traduções
alheias malfeitas, e de passar para o nosso idioma livros estrangeiros
que detestei. Que remédio? Era preciso enfrentar as contas
crescentes no fim de cada mês. Essa luta explica o interesse e a
simpatia com que traduzi do inglês (apesar de o original ser em
alemão) o Kleiner Mann-was nun? (E agora, seu moço?), a estória
dum jovem casal, no Berlim do pós-guerra, na década dos 20,
lutando com dificuldades financeiras, como minha companheira e eu.

ix

Um dia enfrentei Henrique Bertaso. Foi no salão geral de vendas da


Livraria, junto de um dos balcões. Ambos desajeitados. Ambos
sérios. Vozes em surdina. Eu disse: “Gostaria de reunir num livro uns
contos meus já aparecidos em jornais. Sei que não é bom negócio
para a Editora fazer isso por conta própria. Estou disposto a pagar a
edição do meu bolso. Só queria um orçamento... e condições fáceis
de pagamento”.
Cabeça baixa, cara sempre séria, Henrique coçou a coroa da
cabeça, refletiu por um instante e depois resmungou: “Podemos
publicar seu livro por conta da Casa. Onde estão os originais?”.
Impossível! Engoli em seco, sem saber que dizer. Não sou também
homem expansivo. Balbuciei um agradecimento canhestro.
Separamo-nos. Dias depois eu entregava ao jovem Bertaso os
originais de Fantoches, que foi publicado meses mais tarde, com
uma boa capa de Ernst Zeuner, então chefe dos desenhistas da
Globo. A tiragem? Mil e quinhentos exemplares.
O primeiro artigo que apareceu na imprensa sobre esse primeiro
livro meu foi uma crítica ferina, publicada na quarta página do
Correio do Povo. Seu autor me agredia pessoalmente, acusando-me,
entre outras coisas, de ser membro duma “rodinha de elogio mútuo”.
Afirmava que eu não tinha e jamais teria qualidades literárias. Em
suma: um escritor sem futuro. Confesso que o artigo me fez mal:
pensei até em quebrar a cara do articulista (tudo pura ficção!).
Passei uns dias sentindo arder a ferida. Contudo, Agripino Grieco —
impiedoso com os figurões da literatura mas tolerante e benévolo
para com os novos — publicou num jornal do Rio um artigo em que
elogiava Fantoches, e isso me deu alma nova. Apareceram outras
críticas: umas favoráveis, outras neutras. Vargas Neto, então o
nosso mais notável poeta regionalista, gostou do livro e ao fim da
nota que escreveu a respeito perguntava intrigado que rumo iria
tomar no futuro um autor que revelava tantas facetas diferentes
nessa coletânea de contos.
Dos mil e quinhentos volumes impressos, venderam-se uns
quatrocentos e poucos, creio. Os restantes ficaram empilhados num
depósito que foi providencialmente destruído por um incêndio. Como
todos os livros estivessem segurados, a Editora não teve prejuízo
com Fantoches e eu recebi a minha comissão de 10% sobre os
exemplares vendidos, quero dizer, queimados. Isso me deu uma
relativa coragem para oferecer a Henrique o meu segundo livro, uma
novelinha a que eu dera o título de Clarissa. Por essa época o
“Bertasinho” havia inventado a Coleção Globo, formada de volumes
de bolso, mas de capa cartonada e uma sobrecapa com um desenho
em muitas cores. Essa nova série equivaleria a uma espécie de
coquetel literário em que se misturariam livros de aventuras, de
caráter popular, e boa literatura como a de Puchkin, Gogol,
Stevenson, Tchékhov, etc... Decidiu Henrique Bertaso incluir Clarissa
nessa coleção, o que foi feito. Para que cada exemplar pudesse ser
vendido a um preço baixo, era necessário fazer de cada romance
uma tiragem de 7 mil, o que não deixava de ser uma loucura para
aqueles tempos (estávamos em 1933). Clarissa apareceu com uma
bela capa da autoria de um de nossos melhores artistas plásticos,
João Fahrion, o qual, seguindo minhas instruções, fez para ela o
retrato duma Clarissa meio parecida com a atriz de cinema Sylvia
Sydney, pois era assim que eu imaginava a minha “heroína”. A crítica
sobre essa novela foi em geral favorável, e pela primeira vez tive o
prazer de ver na rua e nos bondes pessoas, principalmente
mocinhas, com o meu livro na mão. No entanto a edição de 7 mil
exemplares só se esgotou cinco anos mais tarde, e os últimos três
milhares de volumes tiveram de ser vendidos com um desconto
considerável.

Henrique Bertaso acolhia bem os escritores nacionais. Publicou entre


1931 e 1945 livros de contos de Telmo Vergara; poemas de Paulo
Corrêa Lopes; um romance de Cyro Martins (Campo fora); Bazar,
crônicas de Theodemiro Tostes; Os condenados, de Oswald de
Andrade; Os amores de Canabarro, de Othelo Rosa; As loucuras do
dr. Mingote, de Martim Gomes; No galpão e Coxilhas, de Darcy
Azambuja; Calunga, de Jorge de Lima; Noite de chuva em setembro
e O poder da carne, de Reynaldo Moura; Silveira Martins, de
Oswaldo Orico; Problemas fundamentais do conhecimento, de
Pontes de Miranda; O espelho de Ariel, de Manoelito de Ornellas;
Vinho novo, de Olmiro Azevedo; Lua de vidro, de Athos Damasceno
Ferreira (e mais tarde Moleque e Menininha, novelas do mesmo
autor); O eterno e o efêmero, de Magalhães de Azeredo; Enquanto a
morte não vem e Um clarão rasgou o céu, por De Souza Junior; A
guerra das fechaduras e O homem que era dois, de Ernani Fornari;
Psicologia, de Djacir Menezes; Visão do pampa, de Rivadavia Severo;
Farrapo, de Piá do Sul (pseudônimo do prof. Felix Contreiras
Rodrigues); História da república rio-grandense, de Dante de
Laytano; O reino das pedras verdes, de Angelo Guido; Quando eu
era vivo, autobiografia de Medeiros de Albuquerque; A quadragésima
porta, de José Geraldo Vieira.
Coube à Editora Globo também o privilégio de lançar outros
nomes que viriam a tornar-se famosos no Brasil, senão entre o
grande público, pelo menos entre uma elite literária, com
considerável succès d’estime: Augusto Meyer (Machado de Assis,
ensaio, Giraluz e Coração verde, poemas); Moysés Vellinho, Letras
da província; Carlos Dante de Moraes (Tristão de Athayde e A
inquietação e o fim trágico de Antero de Quental); Mario Quintana:
Rua dos cataventos, Sapato florido, Poemas; Dyonelio Machado, O
louco do Cati e Os ratos.
Henrique e eu muitas vezes conversávamos sobre os problemas
do autor brasileiro, que ambos sentíamos — cada qual a sua
maneira — no espírito e na carne. Escrever, concluíamos, era um ato
literário, artístico; publicar, um ato comercial ou industrial. O
casamento entre autor e editor, portanto, estava condenado a ser
uma união precária, sujeita a desconfianças, conflitos e até
divórcios...
— Se fazemos intensa propaganda dum livro — explicava-me
Henrique —, temos de carregar essas despesas no custo da edição,
o que fatalmente encarecerá o preço da unidade. E como é que
vamos convencer o público de que ele tem de ler também os autores
nacionais?
No Rio de Janeiro, o poeta-editor Augusto Frederico Schmidt
lançara um livro notável, Casa grande e senzala, que revelava um
sociólogo do porte de Gilberto Freyre. Por sua vez o livreiro José
Olympio fazia-se editor e prestava inestimável serviço à literatura
brasileira tornando conhecidos, além de outros, romancistas como
Graciliano Ramos, Jorge Amado, José Lins do Rego, José Américo de
Almeida e Raquel de Queiroz, que davam novos rumos à literatura
do Brasil. Grandes poetas como Carlos Drummond de Andrade,
Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Murilo Mendes seriam também por
ele publicados.
Mas eram escritores da “Corte”! Apareciam na capital do país.
Tinham, além de seu valor próprio indiscutível, boa imprensa. Nós
estávamos na província não só geográfica como também —
tínhamos de reconhecer — psicologicamente.
Enquanto conversávamos sobre esses problemas eu pensava,
melancólico, no livro em que estava já trabalhando, apenas aos
sábados à tarde, já que nos outros dias eu tinha de dedicar dez
horas à Revista e às traduções.
Um dia estava eu na redação do quinzenário da Globo colando
numa folha de cartolina fotografias dum réveillon de 31 de dezembro
em Santiago do Boqueirão, quando me entrou gabinete adentro um
belo exemplar humano, assim com o ar dum viking que desce de
seu barco e pisa terra firme e ignota com um ar de conquistador.
Reconheci nele Vianna Moog, que havia poucos anos me tinha sido
apresentado rapidamente na rua da Praia por Danton Coelho, amigo
comum. Apertamo-nos as mãos e convidei Vianna Moog a sentar-se.
Cabelos alourados, olhos azuis, feições nítida e agradavelmente
desenhadas, aquele fiscal de imposto de consumo me contou que
voltava do Amazonas, para onde fora removido, como castigo por ter
acompanhado Borges de Medeiros na sua revolução (1932) contra o
governo de Getúlio Vargas. Aproveitara o “exílio” para ler muito e
escrever. Deu-me um exemplar de seu livro Heróis da decadência,
para o qual lancei um olhar morno. Vianna Moog voltava agora a
servir em Porto Alegre, tinha originais na gaveta e oferecia-os à
Globo. Henrique entrou no meu gabinete e cumprimentou o visitante
cerimoniosamente. Conversamos os três por alguns instantes, ao
cabo dos quais o Vianna Moog se retirou.
No dia seguinte perguntei a Henrique:
— Que te pareceu o homem?
— Muito boa pinta!
— Pois é, tinha todo o direito de ser burro, mas não é. Li o livro a
noite passada duma assentada. É ótimo. Podemos pegar o próximo,
de olhos fechados.
Foi assim que Moog se tornou um autor da Globo. Mais
importante ainda: foi assim que começou a nossa amizade.

xi
Another random document with
no related content on Scribd:
no wise be inconvenienced thereby. From that moment on, every
one who had less than half an hour before witnessed the scene of
sorrowful parting, which had so touchingly told how completely the
little fellow had walked into the hearts of his benefactors,—from that
time on, every one felt a personal responsibility for the comfort and
safety of the boy. Introduced under circumstances that rendered him
a hero at the outset, at the end of the first day he had already
become the pet of the passengers and the object of their kindliest
attentions.
While the claim that this child was remarkable for beauty and
cleverness might lend sentiment and romance to my simple
narrative, the fact is that he was neither handsome nor bright. In
appearance he was simply a plain, plump, red-cheeked, flaxen-
haired baby boy, with apparently little to be proud of, save his
evident good health and a pair of large blue eyes that seemed
frankness itself. His accomplishments were few, indeed. He was still,
as the sisters had said, learning to walk. His vocabulary included but
three or four imperfectly spoken words, and he was conspicuously
deficient in that parrot-like precociousness so common and
frequently so highly prized in little children. But what our youthful
companion lacked in attractive outwardness was more than made up
by the true inwardness of one accomplishment he did possess. That
was silence. This virtue he practised to a degree that soon won for
him the admiration and affection of all. Though exhibiting no sign of
embarrassment at the friendly advances of the passengers, and
while not unmoved by their tender attentions, he maintained through
that long journey a humble air of mute contentment that lost its
balance on but three occasions.
His quiet ways were a theme of constant comment, while his
presence proved not only a source of increasing pleasure to our
small band of tourists, but did much to relieve the monotony of the
tedious journey.
One important detail in the boy's eventful history was missing. Cared
for by strangers from earliest infancy, deprived of his mother's love
and father's care, he had thus far not even received that all-
important parental gift,—a Christian name. To the sisters he had
been known simply as "Baby." By that infantile appellation he had
passed from their gentle mercies to the conductor's care. And only
as "Baby homeward bound" was he spoken of in their letter
addressed to his father.
Before he had spent a day among us it was suggested that his
exemplary conduct entitled him to a more dignified name—at least
during the period of our companionship. And this suggestion led to
one of many amusing incidents. By what name should the boy be
known? After the question had been eagerly answered a dozen
times in as many different ways, with apparently little hope of a
unanimous choice—for every one felt that his or her preference was
peculiarly appropriate—a quiet old man, whose appearance was
strongly suggestive of the pioneer days, offered a happy solution of
the difficulty. He proposed that, in view of the humble circumstances
of the child, the privilege of naming him for the trip be sold at auction
among the passengers of our car, adding, by way of explanation,
that the sum thus realized might "give the little fellow a start in life."
The average overland tourist is never slow to adopt any expedient to
relieve the tedium of the journey; and here was, as one chap
expressed it, "A chance for an auction on wheels, and one for
charity's sake, at that." So the proposition was no sooner stated than
acted upon. The auctioneer found himself unanimously elected, and,
placing himself in the center of the car, heard the bidding, prompted
by every generous impulse that enthusiasm and sympathy can give,
rise rapidly in sums of one, two, and three dollars until thirty-five was
called. There it halted, but only for a moment. The situation had
become exciting. The auctioneer himself now took a hand in the
competition; and a round of applause greeted his bid, made in the
name of his native State, "Ohio bids fifty dollars." It was regarded as
a matter of course that this sum would secure the coveted privilege.
But no! Some one remarks that yet another county remains to be
heard from. The voice of the weather-worn pioneer,—the suggester
of the scheme,—has not yet been heard in the bidding. He has been
a silent looker-on, biding his time. Now it has come. As he rises
slowly in his seat he is intently watched by every eye, for somehow
the impression prevails that he hails from "the coast," and that
consequently there can be nothing small in anything he does; In this
no one is disappointed. The heart and purse of the gray-haired
veteran are in the cause. Besides, his "pride is up" for the State he
worships, almost idolizes. As his clear voice rings out with:
"California sees Ohio's fifty, and goes fifty better," he is greeted by a
storm of cheers that he will remember as long as he lives. And when
the auctioneer announces: "California pays one hundred dollars and
secures the privilege of naming the boy; what name shall it be?" the
answer comes back quick as a flash:
"Grit! That sounds well and seems to fit well."
The passengers thought so, too, and very plainly showed their
approval by overwhelming the man with congratulations and good
wishes.
Reports of our proceedings were not slow in reaching the
passengers in other parts of the train, whose curiosity or compassion
led to numerous daily visits, while thoughtful sympathy found
expression in liberal gifts of fruit, photographs, and a variety of Indian
toys, as curious as they were welcome. To the old Californian, whose
great liberality had secured for him a place in the respect and good-
will of the entire party which was second only to that held by Grit
himself, these continued attentions proved a source of special
delight. Though he bore his honors with becoming modesty, he
found early opportunity of proposing the health of the boy, who, as
he aptly expressed it, "had been rocked in the cradle of misfortune,
but had at last struck the color." Equally happy was his reply to a
party of jolly cowboys, whom curiosity had led to solicit "a peep at
the silent kid," while the train was delayed at one of the eating
stations along the road. Their request having been granted, one of
their number felt so highly elated upon receiving a handshake from
Grit that he insisted upon presenting him with his huge cowboy spurs
as a keepsake, proclaiming as he did so—with a trifle more
enthusiasm than reverence—that in "paying a hundred to nominate
the cute little kid, 'old California' carved his own name upon the Rock
of Ages."
"Bless his little heart," replied the grizzled miner; "I'd give ten
thousand more to own him, now that he has won his spurs."
Among the recollections of my personal experiences with Grit, the
second night of the journey stands out with especial clearness. At
that time we were passing through the famous snowshed section on
the eastern slope of the Sierra Nevada, our train running at a high
rate of speed in order to make up lost time. It was here that the
bravery of our little hero was put to a cruel test. Some time after
midnight I was awakened by a child's frantic screams, that rose loud
above the train's thundering noise. And, though up to this time there
had not been a single tearful outbreak on the part of the young
Trojan, there could be no mistaking the source of the piercing shrieks
that now met my ears. I lost no time in hastening to his assistance,
for I knew that, by way of experiment, he had been quartered in a
"section" entirely by himself, the previous night having been a
sleepless one to both the conductor and his charge. Furthermore, it
was evident from his agonizing cries that I was the first to hear him.
Finding the car in total darkness, the lights on both ends having gone
out, I met with some delay in feeling my way to the terrified child,
calling to him as I went; and at the first touch of my hand the
trembling, feverish little form drew close to me, its chubby arms
closed wildly about my neck, while loud, hysterical sobs told more
plainly than words can express the agony that the child had endured.
Only one who is familiar with sleeping-car travel over mountainous
country, who has found himself suddenly aroused by the terrific
roaring and swaying of a swiftly running train, and who, unconscious
for the instant of his surroundings, has felt his flesh creep and his
heart stand still, as he imagined himself engulfed by a mighty torrent
or hurled over some awful precipice, only such an one can realize
the position of this terror-stricken child.
Arousing the porter, who had gone to sleep while blacking the
passengers' boots, I carried Grit to my own berth, where my
endeavors to soothe his disturbed feelings proved so highly
successful that the re-lighting of the car was greeted by him with
loud laughter, through the still lingering tears. But go to sleep again
he would not. No matter how often I tucked him beneath the blankets
and settled myself to pretended slumbers, he would as often
extricate himself, and, in a sitting posture, silently contemplate his
surroundings. Fearing to doze off under the circumstances, I finally
concluded to sit up with the little fellow until sleep should overcome
him. Making his way to my side as I sat on the edge of the berth, and
placing his face close to mine, he imparted the cause of his
persistent wakefulness by a gently uttered "dwink!"—repeating the
word with more emphasis after a moment's pause. Happily, ample
provisions had been made to meet his wants in this direction, and,
procuring from the porter's "baby's bakery," as the well-provided
lunch basket we had presented him at Sacramento had come to be
known, I helped him to a glass of milk, after drinking which he fell
quickly to sleep.
After that night's experience, Grit singled me out as his particular
friend; and, as a consequence, he was nightly permitted to share my
section with me. In these closer relations I found him the gentlest,
most loving, and best-behaved child I ever met. It seemed as though
he knew and felt that he stood sadly alone in the world, and that the
less trouble he gave to others the better he would get on. His spirit of
contentment and faculty of self-entertainment were phenomenal.
While cards, books, conversation, and sleep served as a means of
passing away time among the other passengers, he would for hours
at a time remain in sole possession of a favorite corner seat, silently
musing over some simple Indian toy. Again, an illustrated time-table
or railway map would absorb his entire attention, until he had
apparently mastered every detail of the intricate document. To watch
the little toddling figure, after these prolonged periods of self-
amusement, as, clad in a long, loose, gray gown, it quietly made its
way along the car on a tour of inspection, proved an appealing study.
Finding his arrival at my seat unnoticed at times—by reason of my
absorption in a book or game of cards—he would announce his
presence by a series of steady pulls at my coat, and make known his
wants by a sweetly mumbled "Mum-mum." Repeated falls, incurred
during these excursions, never caused him to falter in his purpose,
nor did these, at any time, result in any other than good-natured
demonstrations.
On but one occasion, aside from that already alluded to, was he
moved to tears—an unlucky incident that happened while our party
was taking breakfast at Cheyenne, sadly upsetting the remarkable
tranquillity of his mind. We had scarcely seated ourselves at the
table, with the boy, as usual, perched in a baby chair in the midst of
the party, when, espying an orange that a little girl next to him had
placed beside her plate, Grit, innocently unmindful of its ownership,
proceeded to help himself to the inviting fruit. No sooner had he
grasped it than a sharp slap from his fair neighbor's hand sent it
rolling along the floor. The child started, trembled; keenly hurt in
more ways than one by what was, no doubt, the first punishment he
had ever received, he burst into heart-rending tears.
Turning to me with outstretched arms, his piteously spoken "Mum-
mum" cast a shadow over the festive occasion, and to some of us, at
least, placed the further discussion of the meal beyond desire.
Taking him back to the car, we were quickly joined by the conductor
and our friend from the coast, who, after denouncing the "outrage"
with frontier fluency, insisted that he should demand an apology from
the offender, who was "plenty old enough to know better," and whose
indignity to Grit, "right before a lot of strangers, was nothing short of
an insult to our entire party." He "would rather," he continued, "fast a
whole month" than sit by and again witness such conduct from one
whose "sex and insignificance prevented a man from even drawing
his gun in defense of the most helpless and innocent little creature
on earth."
Something in the old man's manner, as he uttered these words, left
little doubt in the minds of the passengers, now returning from the
hurriedly finished meal, that, had Grit's tormentor been unfortunate
enough to belong to the sterner sex, the novel experience of serving
on a coroner's jury in the cowboy country would doubtless have
been afforded us. This tension of feeling was happily relieved,
however, by the appearance of the offender in person, who,
accompanied by her mother, tearfully presented, not only her humble
apology, but that bone of contention, the tropical product itself, which
she insisted should be accepted as a peace offering.
As the journey progressed, each day brought to our party frequent
reminders of their constantly increasing attachment, not only for the
little hero, but for each other. And it became more and more
apparent, now that the Rockies had already been left behind, and
our thoughts turned to the inevitable breaking up of the happy band,
that Grit's presence had been the unconscious means of forming
among his companions a strong bond of friendship and good-
fellowship—one that could not be severed without sincere mutual
regrets.
The morning of the last day found us still speeding over the
seemingly endless cattle plains, where the frequent spectacle of
immense grazing herds, guarded by picturesque bands of frolicking
cowboys, added novelty and interest to the monotony of the scene.
It was in the early part of the afternoon of that day, while Grit was
enjoying his customary mid-day nap, and the final games of whist
and euchre so completely enlisted our interest as to render
unnoticed the locomotive's shrill notes of warning to trespassing
cattle, that a sudden terrific crash, followed by violent jolting and
swaying of the car, breaking of windows, and pitching about of
passengers and baggage, caused a scene of consternation and
suffering.
Mingled with shouts of "Collision!" from men, and the screams of
panic-stricken women, came the engineer's piercing signal for "Down
brakes!" and before the car had fairly regained its balance upon the
rails and the occupants had time to extricate themselves or realize
what had happened, the train had come to a standstill.
More frightened than hurt, people instantly began bolting frantically
for the doors, questioning and shouting to one another as they went.
In the midst of the wild confusion arose cries of "Save Grit! Look out
for the baby!" The words sent a shock to the heart of every hearer.
Fear vanished. Personal peril was forgotten for the moment. Not a
soul left the car! Though women had fainted and men lay motionless
as if paralyzed, but one thought filled the minds of those who had
heard the appeal: Was Grit safe?
In a moment the answer to this unasked question fell from the lips of
one whose intense affection for the boy he had so appropriately
named needed no appeal to carry him to his side in time of peril.
"The child is hurt! Somebody go and see if there is a doctor on the
train!" In willing response, several men rushed out among the
excited throng that poured from the other cars.
Before us, on a pillowed seat, to which he had just borne him , lay
Grit, half unconscious, pale, limp, and breathing with painful difficulty.
The sudden shock which had almost overturned the car had rudely
thrown him from his bed to the floor. There, between two unoccupied
seats on the opposite side of the car, we had found him, convulsively
gasping for breath, one little hand still grasping tightly the Indian doll-
baby that for days had been his cherished companion. Though an
examination of his body revealed no marks of violence, he was
evidently in great pain. Applying such restoratives as were at hand,
we gradually revived consciousness. Every attempt, however, to lift
him or change his reclining position visibly increased his suffering.
Word soon came back that no physician could be found, that the
accident was caused by the train coming into collision with a band of
stray cattle. So far as could be hastily ascertained, one man had
been fatally injured, while many persons had sustained serious
bruises and strains. From the train conductor it was further learned
that neither the locomotive nor any of the cars had been sufficiently
damaged to prevent our proceeding to Omaha—still some five or six
hours distant.
After a brief stop for the purpose of a careful examination of all parts
of the train, we were again under way; the engineer having orders, in
view of the injured passengers, to make the run in the fastest time
possible.
The remainder of the journey was, even to the most fortunate,
associated with sadness. But whatever the suffering on that ill-fated
train, memory carries me back to but one sorrowful scene,—the
bedside about which lingered the friends of the little stranger whom
we had learned to love so well. In the presence of his suffering our
own lesser injuries were forgotten, and all efforts were bent upon
securing for the little sufferer every comfort possible under the
adverse circumstances. With a view to lessening the painful effect of
the constant jarring and shaking motion, a swinging bed was
speedily improvised in the middle of the car, and here, surrounded
by his sorrowing companions, lay Grit, enduring in silence the pains
that his pale, sadly troubled face so keenly expressed.
Late in the evening the train reached its destination, without further
mishap.
It had not yet come to a standstill in the station when, accompanied
by the sleeping-car conductor, the father of Grit entered the car.
Early in the day it had been resolved by the passengers that three of
their number should meet the father upon his arrival, for the purpose
of exonerating the conductor from any carelessness, and also for
offering their assistance in caring for the child during the night. Now,
however, reminded of their former happy anticipation of the meeting
between parent and child, a shudder of sadness caused them
irresistibly to shrink from a scene of welcome more deeply sad,
even, than that sorrowful parting which they had witnessed on
entering upon their journey a few days before.
As the stranger, deeply agitated, anxiously made his way to the
central group, however, earnest sympathy found ready expression;
and ere his eye had met the object of its search a friendly voice
checked and bade him be calm and hopeful. "Your child, sir,"
continued the speaker reassuringly, "has not entirely recovered from
the rough shaking-up we got a little while ago. He had a lucky
escape, but now needs rest and quiet, and—you and I had perhaps
better go for a doctor, while our friends here convey the boy to the
hotel, where we shall join them shortly." And as the uneasy parent
bends over the little bed and with inquiring look seeks from the calm
blue eyes some token of recognition or sign of hope, the voice, more
urgent—as though suddenly stirred by memories of an eventful past
—again breaks in: "Let us lose no time in making the child more
comfortable."
A few moments later Grit's friends stood around his bed at the
neighboring hotel, listening to the verdict of the physician hastily
summoned by the big-hearted pioneer. Internal injury of an extent
unknown, but whose nature would probably develop before morning,
was the verdict given after a careful examination. Alleviating
measures, however, were suggested, which the distracted father
hastened to put into effect. It was during one of his absences from
the room that the big-hearted pioneer, drawing the doctor to one
side, appealed to him in faltering tones to save the child "at any
sacrifice or any cost."
But the appeal, though touching, was unnecessary. Higher
considerations than those of personal gain prompted the kind doctor
to exercise his utmost skill. After his first visit not an hour passed but
what his footsteps brought to the watchers reassuring proof of his
deep interest in the case. And finally, yielding apparently to the
soothing remedies, Grit fell into slumber that brought encouragement
to his friends, none of whom could be induced, however, to forsake
his bedside.
During the vigils of the night the father was repeatedly moved to
speak of the sorrows of his life; of the sudden, fatal illness of his
loving young wife; and of her ardent assurance that her last thoughts
were solely of himself "and baby," coupled with the fervent wish that
the two might "some day find a home in California, where in their
final rest all three might once again be side by side."
Towards morning the boy grew suddenly restive, and violent
coughing spells brought back the condition of semi-unconsciousness
of the previous day. The doctor, evidently expecting a crisis, now
remained constantly at his side.
The change came at last.
Just after dawn a beam of light broke softly over the little face, and
new hope came to the anxious watchers. But, mistaking the silent
messenger's approach for the herald of returning health, they had
hoped in vain. The peaceful smile lingered but a moment, then
returned once again, as though the beckoning spirit
"Was loth to quit its hold,"
and Grit had fallen asleep.
As a token of affection for her child, and in compliance with the dying
mother's wish, the friends of Grit secured for the husband and father
—chiefly through the generosity of one whose deeds shall outlive the
recollection of his name—a permanent home in California; while the
boy sleeps by her side, where the peaceful silence be so sweetly
symbolized is never broken save by the weird lullaby of the waves
that gently rise and fall over the distant shadows of Lone Mountain.
Kootchie.
BY HAROLD KINSABBY.

THE east wind had failed to put in an appearance that evening, and
the thermometer registered ninety-five under the stately elms of the
Boston Common.
The family had gone away for the summer, and Buttons and the
butler were out for an airing. Both were so well fed and so little
exercised that they needed something to stir their blood.
Buttons was a sleek, fat pug, with a knowing eye and oily manner.
They called him Buttons because the harness he wore about his
forequarters was studded with shining ornaments.
His companion was likewise sleek and fat, and the amount of lofty
dignity he stored under his bobtailed jacket and broadcloth trousers
told everybody that he was the butler. He carried a wicked little cane
with a loaded head, and seemed to own the greater part of the earth.
As the two strolled proudly through the Beacon Street Mall, fate
favored Buttons and the butler. There was a cat on the Common,—a
pet cat without an escort. This cat belonged to one of the wealthy
families who at the tail end of winter board up their city residences
and go to the country to spend the summer and save their taxes.
The owners of this particular cat had speeded missionaries to the
four corners of the globe to evangelize the heathen, but their pet
puss they had turned into the streets of the modern Athens to seek
its own salvation. With no home or visible means of support, but with
true Christian fortitude, the dumb creature now haunted the doorstep
of the deserted mansion and grew thin. Hunger had at last driven her
to the Common in the hope that she might surprise an erring
sparrow, or, perchance, purloin a forgetful frog from the pond.
The instant Buttons spied her he gave chase and drove her for
refuge into a small tree. Then he stood below and barked furiously,
until the sympathizing butler shook the tree and gave him another
chance. This time the cat barely succeeded in reaching a low perch
on the iron fence, from which with terrified gaze she watched her
tormentor.
"Why do you torture that cat?" angrily asked a quiet gentleman who
sat on one of the shady benches holding a yellow-haired little girl on
his knee.
"Oh, me and Buttons is having a little fun," answered the butler.
"Buttons is death on cats."
The quiet man said nothing, but got up, helped the frightened cat to
escape to a safe hiding-place, and then resumed his seat.
That night puss went to bed without a supper, while her owner
presided at the one hundred and eleventh seaside anniversary of the
Society for the Prevention of Cruelty to Animals, and punctuated the
courses of a fish dinner with rare vintages of missionary port.
The next evening the same heat hung heavily over the Beacon
Street Mall, and Buttons and the butler were again taking an airing
and looking for fun.
As Buttons neared the scene of his former encounter, he pricked up
his ears, and sniffed the air for the scent of game. Presently his
anxious eye was attracted by something his pug nose had failed to
detect. On a bench near by sat the quiet gentleman whose
acquaintance Buttons and the butler had made on the previous
evening. The same yellow-haired little girl was seated near him,
intently watching the rings of cigar smoke he puffed high into the
evening air. Between the two a huge inflated paper bag was surging
to and fro. It was this paper bag that had caught the eye of Buttons.
It interested him. Drawing himself all up in a heap, he proceeded
with cautious, measured step to satisfy his curiosity. As he slowly
approached the curious object, his low, fretful growls seemed to
rouse it to renewed gymnastics. This frightened Buttons and caused
him to turn tail and flee. His curiosity had, however, got the better of
him, and, returning to what he deemed a safe distance, he began
barking furiously.
"Cat, Buttons, where's the cat?" came from the butler, who was
leisurely bringing up in the rear, unconscious of Buttons's find.
With renewed courage, the pug rushed towards the paper bag. He
had almost reached it when the quiet gentleman gave the bag an
opening twist, and, as a furry head with a pair of fiery eyes shot out,
he exclaimed:
"Hi, hi, Kootchie!"
The earnestness with which Kootchie hi, hied became instantly
apparent by the piteous howls that rose from out of the murderous
clawing, snarling mass of flying fur and silver ornaments. And the
speed with which Buttons's companion hastened to the rescue with
his loaded cane proved that even a Boston butler can get a move on.
Before he could interfere, however, the quiet gentleman took a hand
in the game.
"Stand back," he demanded, in tones that showed he would brook
no interference. "Buttons is death on cats. Kootchie is death on
pugs. You like fun. I like fair play."
In less than twenty seconds a crowd of loungers, newsboys, nurse-
girls, and pedestrians hurried to the scene. In the confusion
somebody thoughtfully told a policeman to ring for the "hurry-up"
wagon. But before it arrived the butler was permitted to carry home
in his arms what there was left of Buttons.
"Cheese it, der cop!" shouted a newsboy, as the butler picked up his
limp and disfigured companion. And, as the crowd scattered, every
one was amused to see a fine, gray, stumpy-tailed cat make its way
to the yellow-haired little maid on the bench.
As the latter lovingly stroked her shining coat she remarked proudly,
"Kootchie is my little pussy tat. Papa say,'Kootchie, put Buttons to
sleep.'"
And the policeman winked with ghoulish satisfaction when the father
spoke up, "Kootchie is a regular California cyclone. She is a young
wild cat a friend in Tiger Valley sent me. I'm fond of pets, you know,
and as she felt a bit homesick this evening I brought her out here to
give her a picnic."
Frazer's Find
BY ROBERTA LITTLEHALE.

THE midnight stars glowed through the broken blackness of a


winter's sky down upon the roof of a house where a man sat alone
with his arms stretched over an empty bed. Such of his thoughts as
were within his control were focused on the life and the death of his
past. The bare branches of the willows scraped to and fro on the
shingles, and the water in the reservoir lapped softly against the
piles of the foundation. There was no light in the room to show the
already hopeless untidiness of inanimate things, and the quiet figure
of the aging man seemed carved out of rock.
To the youth of him, physical and mental, he returned, and
remembered that he had been modeled on lines which made people
expect the things for which they willingly yielded him affection and
consideration in advance. It was in the tempered pain of the hope of
fulfilment that his family and friends had speeded him from New
England to the practise of his profession of law in a Southern city. It
was in their early triumph at having counted on him truly that the
fever of the California gold days got into his veins. It had been no
struggle to him to throw everything over and make for the life that
beat fastest and fullest in incident. The struggle had lain in
separation from a woman whose saneness and spirit he felt he could
not live without. But in the end he had disregarded her opposition for
the sake of the beckoning fortunes and joined an ox-train caravan
over the plains. The dragging slowness with which the days went by
had been broken only by the alertness of his own fancy, until the
discovery, one blistering Arizona night, of the loss of his money-belt.
He had bathed only five miles farther back, and he had no memory
of having restrapped the hot and heavy buckskin about his waist.
Ignoring the danger of Indian attack, he rode over again in the
starlight the miles to the little creek in the wilderness. It had been so
much of a relief to find it safe. He stood strapping it about him, and
he could hear as distinctly now as then the sound that fell on his
ears. It was the hot and hopeless sobbing of a human voice. He had
stood immovable, conscious that a group of cacti on his right
sheltered a prostrate body. Then he had hurried over and found a
slender boy, a slight, nervous, black-eyed Mexican, with a sunburned
fairness of skin revealing his mixture of Castilian blood.
He had raised the boy quietly, and the child had hung about his
neck, frenzied and fainting. The weakness of his condition made
anything impossible beyond literally riding with him in his arms back
again to camp. The boy's clothes were torn and dirty and his flesh
was bleeding, but his delicate Southern beauty was none the less
strongly in evidence.
Frazer remembered the interest and assistance of his comrades.
They had hovered in the silence of men's earnestness until the boy
was able to make himself coherent. His father, and mother, and
brothers had been seized by the Indians, and only the accident of his
having been sent after a straying mare had saved his life, by
enabling him to hide himself successfully from the raiders.
His extravagant affection for Frazer made a shadow the only simile
of his constant presence with him. The boy's nervous timidity and
gentleness had found its chief outlet in the watchfullest care of him
and the things he cared for. He had seemed wholly lacking in the
lore of his class regarding life in the open. He had never gone
among the horses or cared to use a gun, but had taken upon himself
the cooking and domestic duties of camp life.
The men, in their vigorous courage and spirit, had found the boy
monotonous except in the satisfaction he picturesquely afforded, and
Frazer had accepted his homage with a mind so absorbed in his own
affairs as to be little short of indifferent to the lad's presence.
As they had traveled heavily on over the Texas plains and slept
under the Texas stars, Frazer could remember the softness of the
small hand that had wakened him from sleep in its searching for the
comfort of his presence. And one night the child had crept close to
him.
"Señor——"
Frazer had wanted to sleep; he had answered nothing.
"Señor!" The boy's hand lingered this time in an earnest pressure
upon his own.
"Yes?" he had said.
"It is only—may I stay always with you?"
It had seemed a simple thing to promise to keep him with him, and
Frazer had gone to sleep in the very midst of the passionate little
torrent of Mexican gratitude.
In the excitement of his early months in California the boy had
seemed vastly a nuisance in transportation. Frazer had stayed only
long enough in San Francisco to acquire an outfit and vocabulary,
and hurried off to the southern mines. The boy rode closely by his
side, indifferent to fatigue, his cheerfulness clouded by the fear that
he might be overlooked and left behind.
Those months of feverish toil, and exaltation, and depression! As
they lengthened into years, with the pot of gold still at the
inaccessible end of the rainbow, and the blunt unloveliness of the
frontier life rusting the vigor of his finer fiber, Frazer remembered his
sense of restless resentment because the woman whom he loved
and had left would not make any acknowledgment of his mistake or
his failure. The impersonal tone of her early letters had been easier
to bear than the silence she was beginning to make him endure. It
seemed to him the tensity of his resolve to wrest the success of
yellow gold through the clustering difficulties had only taken its
firmest hold of him before the illness came that had hastened a
revelation perhaps unfortunately delayed.
He remembered through the first hours before unconsciousness had
come to him how glad he had been to feel that the boy was with him.
They were living in the roughest of cliff cabins, alone, and he had
ordered him off to camp for a doctor. The boy had given him whisky,
and then had stood in so irresolute a fright and suffering that Frazer
had sworn him into action.
He knew now that he had lain four weeks near death; but when he
opened his eyes upon that mellow October twilight, long ago, he was
unconscious of anything but a pair of dimming Mexican eyes that
dropped tears on his gaunt face, and an intense feminine sobbing
mingled with expressions of love for him shaken out of the abyss of a
suffering woman's heart. The hot cheeks that rested on his own were
those he was used to in the boy. The clothes on her limbs in all their
pitiful poverty were the masculine ones he had liked to see so
picturesquely carried, but the strain in the voice and the music of its
words were new, and amazing, and appalling.
In the silence of weakness he listened, and over and over again he
heard the reiteration of her resolve.
"There is nothing, beloved, that can drive me from you but the death
from your hand which will not kill."
And after awhile he had said to her:
"Little one, why did you do it?"
But he had known it was the wisdom of the wisest before she had
answered him, that for a girl this life offered greater perils as well as
fewer chances.
She did not light their candle, but remained on her knees by the bed,
getting his medicine at intervals by the lingering light that came in
from the window.
"It will be just the same," she had whispered; "it need make no
difference, señor."
And Frazer had lain there, facing the fact of the very great difference,
in a regret that could fancy no arrangement not death-doing to this
woman who had nursed him, and had loved him, and had told him
so.
"The woman at the hotel—the landlady," he had said to her in his
weak, thin voice, "she would care for you if I paid her, or you might
go East. You might go to school."
But the helpless poverty of his present condition had forced a wan
smile on his dry lips, and the girl was writhing as with actual physical
pain and would not listen.
In his weakened condition he could not concentrate himself
sufficiently to adopt any decisive measure. He had felt the tumult of
her emotions gradually still itself as he laid his hand on her short,
black hair, and when her breathing was even and quiet he had asked
her, feeling a revolt within him, "The doctor, and the boys—have they
guessed it?"
But how had he expected her to know anything of any man but the
one she loved? She did not know, she had answered him; she had
not thought to think of it.
And she had not slept through the long night hours, nor had he, and
in the morning the fever was high again.
In the dragging feebleness of his convalescence both had avoided
any reference to the revelation that night. Things went on as before,
but the humble devotion and care of Frazer's Mexican protégée was
as properly interpreted by the quick camp instinct as it was
immediately acquiesced in and forgotten.
From this time Frazer had little communication with the civilization he
had deserted, and none whatever with the woman who waited in the
South in silence and the suffering of doubt. He remembered the utter
emptiness of his life and his hope as the following years of his toil
and alertness yielded him only bitterer disappointments. There came
children now, little dark miniatures of their stout, faded mother,
whose heart was as full of reverence and love for him as was her
girl's heart, and who seemed not to know that the hours which he
lived with her were lost hours.
It was on his way home to her one night, in the gentleness which
masked his hideous unrest, that his eye discovered the ledge of
quartz which had more than laid the foundation of that success he
had early strived for. It had not taken long to form a company, and
before the year was out gold came to his pocket in as unsweated for
a fashion as the air to his lungs.
The men, his partners, had thrown back their shoulders and inflated
their chests. The blood ran in their veins to more composite

Você também pode gostar