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Uma Paixão Simples 1st Edition Annie


Ernaux

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BESANT C LEADBEATER LIBRO Annie Besant Charles
Leadbeater

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Annie Ernaux nasceu em Lillebonne, na Nor-mandia, em 1940, e
estudou nas universidades de Rouen e de Bordéus, sendo formada
em Letras Modernas. É atualmente uma das vozes mais
importantes da literatura francesa, destacando-se por uma escrita
onde se fundem a autobiografia e a sociologia, a memória e a
história dos eventos recentes. Galardoada com o Prémio de Língua
Francesa (2008), o Prémio Marguerite Yourcenar (2017) e o Prémio
Formentor de las Letras (2019) pelo conjunto da sua obra,
destacam-se os seus livros Um Lugar ao Sol (1984), vencedor do
Prémio Renaudot, e Os Anos (2008), vencedor do Prémio
Marguerite Duras e finalista do Prémio Man Booker Internacional.
Uma Paixão Simples
Annie Ernaux

Publicado em Portugal por


Livros do Brasil (www.livrosdobrasil.pt)

Título original: Passion simple

© Éditions Gallimard, 1991


© Porto Editora, 2020

Tradução: Tereza Coelho

Capa: Egon Schiele (1890-1918), O Abraço.


Fotografia da autora: © Ulf Andersen/GettyImages

1.ª edição em papel na Livros do Brasil/Porto Editora: outubro de


2020

Rua da Restauração, 365


4099­-023 Porto
Portugal

www.portoeditora.pt

ISBN 978-989-711-081-8
Nous deux – a revista – é mais obscena do que
Sade.
ROLAND BARTHES
Este verão vi pela primeira vez um filme pornográfico no Canal
+1. Como não tenho descodificador, as imagens no ecrã eram
desfocadas, em vez das palavras havia uns barulhos estranhos,
zumbidos, batidos, uma espécie de outra língua, suave e contínua.
Distinguia-se uma silhueta de mulher de corpete, e de meias, e um
homem. A história era incompreensível e não se conseguia prever o
que quer que fosse, nem gestos, nem ações. O homem aproximou-
se da mulher. Houve um grande plano, o sexo da mulher apareceu,
muito visível nas cintilações do ecrã, depois foi o sexo do homem,
em ereção, que deslizou para dentro do sexo da mulher. Durante um
período de tempo longo, o vaivém dos dois sexos foi mostrado sob
diversos ângulos. A verga reapareceu, entre as mãos do homem, e o
esperma espalhou-se por cima da barriga da mulher. Com certeza
que uma pessoa se habitua a esta visão, mas da primeira vez é
perturbante. Já passaram séculos e séculos, gerações e gerações, e
só agora é que se pode ver isto, um sexo de mulher e um sexo de
homem a unirem-se, o esperma – não se podia olhar sem quase
morrer, e agora é tão fácil de ver como um aperto de mãos.

Pareceu-me que a escrita devia tender para isso, para a


impressão que provoca a cena do ato sexual, a angústia e o
espanto, uma suspensão do juízo moral.

1
Canal +: canal privado de televisão. (N. da T.)
A partir do mês de setembro do ano passado, não fiz mais nada a
não ser esperar um homem: esperar que ele me telefonasse e que
viesse a minha casa. Ia ao supermercado, ao cinema, levava a roupa
à lavandaria, lia, corrigia provas, comportava-me exatamente como
antes, mas sem uma longa habituação a esses atos teria sido
impossível, a não ser com um esforço assustador. Era principalmente
quando falava que eu tinha a impressão de viver por impulso. As
palavras e as frases, até o riso, formavam-se na minha boca sem
uma efetiva participação da minha reflexão ou da minha vontade. Eu
aliás já só tinha uma recordação vaga das minhas atividades, dos
filmes que tinha visto, das pessoas que tinha encontrado. O conjunto
do meu comportamento era fictício. As únicas ações em que eu
empenhava a minha vontade, o meu desejo, e algo que deve ser a
inteligência humana (prever, avaliar os prós e os contras, as
consequências) tinham, todas, uma relação com esse homem:

ler no jornal os artigos sobre o país dele (ele era


estrangeiro)
escolher a roupa e a maquilhagem
escrever-lhe cartas
mudar os lençóis e pôr flores no meu quarto
tomar nota daquilo de que não me devia esquecer de lhe
dizer da próxima vez, daquilo que lhe poderia interessar
comprar uísque, fruta, iguarias diversas para a noite que
passávamos juntos
imaginar em que sala faríamos amor quando ele chegasse.

Nas conversas, os únicos temas que passavam através da minha


indiferença relacionavam-se com esse homem, com o que fazia, com
o país de onde vinha, com os sítios onde tinha ido. A pessoa que
estava a falar comigo nem suspeitava que o meu intenso interesse
súbito por aquilo que me dizia não tinha nada que ver com a sua
maneira de contar, e era muito pouco por causa do tema em si, mas
prendia-se sim com o facto de que um dia, dez anos antes de eu o
ter conhecido, A., numa missão em Havana, tinha entrado
precisamente nessa boîte, o «Fiorendito», que, estimulada pela
minha atenção, essa pessoa me descrevia com uma grande
abundância de pormenores. Quando lia, as frases que me faziam
parar também eram sobre as relações entre um homem e uma
mulher. Parecia-me que me ensinavam qualquer coisa sobre A. e
davam um certo sentido àquilo em que eu desejava acreditar. Por
isso, ler na Vida e Destino de Grossman que «quando se ama
fecham-se os olhos durante o beijo» levava-me a imaginar que A.
me amava, porque ele beijava-me assim. Depois, o resto do livro
voltava a ser aquilo que qualquer atividade tinha sido para mim
durante um ano, um meio de passar o tempo entre dois encontros.

Eu não tinha nenhum futuro a não ser o próximo telefonema a


marcar um encontro. Tentava sair o menos possível fora das minhas
obrigações profissionais – ele sabia esses horários –, temendo acima
de tudo falhar um telefonema dele durante a minha ausência.
Também evitava servir-me do aspirador ou do secador do cabelo,
porque me teriam impedido de ouvir tocar. Quando o telefone tocava
sentia-me fulminada por uma esperança que muitas vezes só durava
o tempo de pegar lentamente no aparelho e dizer está. Descobrindo
que não era ele, caía numa tal deceção que passava a odiar a
pessoa que estava do outro lado. Logo que ouvia a voz de A., a
minha expectativa indefinida, dolorosa, evidentemente ciumenta,
aniquilava-se tão depressa que eu tinha a impressão de ter estado
louca e de me ter tornado subitamente normal. Sentia-me chocada
pela insignificância, no fundo, dessa voz, e pela importância
desmedida que tinha na minha vida.
Se ele me anunciava que chegava dentro de uma hora – uma
«oportunidade», ou seja, um pretexto para se atrasar sem a mulher
suspeitar de nada –, eu entrava noutro tipo de expectativa, sem
pensamento, sem desejo sequer (ao ponto de me perguntar se teria
algum prazer no sexo), cheia de uma energia febril para tarefas que
eu não conseguia ordenar: tomar um duche, tirar os copos, pintar as
unhas, passar a esfregona. Já não sabia quem esperava. Era apenas
engolida por esse instante – cuja aproximação sempre me encheu
de um terror sem nome – em que ia ouvir o carro travar, a porta
bater, os passos na entrada de cimento.
Quando ele me deixava por um período mais longo, três ou
quatro dias entre o telefonema e a vinda, eu imaginava, enojada,
todo o trabalho que ia ter de fazer, os jantares em casa de amigos
onde teria de ir, antes de o voltar a ver. O que eu queria era não ter
de fazer nada a não ser esperar por ele. E vivia num pânico
crescente de que acontecesse fosse o que fosse que impedisse o
nosso encontro. Uma tarde, quando chegava a casa de carro e ele
devia chegar uma meia hora depois, pensei rapidamente que podia
bater. E logo a seguir pensei: «Não sei se parava.»1

Quando estava pronta, maquilhada, penteada, e tinha a casa


arrumada, era incapaz, se me sobrasse tempo, de ler ou corrigir
provas. Também não queria, de certo modo, desviar a atenção para
uma coisa que não fosse esperar por A.: para não estragar isso.
Muitas vezes, escrevia numa folha a data, a hora e «ele vai chegar»,
e outras frases, outros medos, de que ele não viesse, ou de que ele
me desejasse menos. À noite pegava outra vez nessa folha, «ele
veio», e anotava desordenadamente pormenores do nosso encontro.
Depois, apalermada, ficava a olhar para a folha rabiscada, com os
dois parágrafos escritos antes e depois que se liam um a seguir ao
outro, sem rutura. Entre os dois tinha havido palavras, gestos, que
tornavam qualquer gesto irrisório, incluindo a escrita através da qual
eu tentava fixá-los. Um espaço de tempo delimitado pelos dois
barulhos do automóvel, o R 25 dele a travar e a arrancar, em que eu
estava certa de que não tinha acontecido nunca nada de mais
importante na minha vida, nem ter filhos, nem as melhores
classificações nos concursos, nem as viagens mais longas, nada a
não ser aquilo, estar na cama com aquele homem a meio da tarde.

Aquilo só durava umas horas. Eu tirava o relógio de pulso mesmo


antes de ele chegar. Ele não tirava o dele e eu receava o momento
em que o consultasse discretamente. Quando eu ia à cozinha buscar
gelo, olhava para o relógio que estava pendurado por cima da porta,
«já só faltam duas horas», «uma hora», ou «daqui a uma hora estou
eu aqui e ele já se foi embora». Perguntava a mim própria,
admirada: «Onde é que está o presente?»
Antes de sair, ele vestia-se pausadamente. Eu via-o a abotoar a
camisa, a calçar as meias, a enfiar as cuecas, as calças, a ver-se ao
espelho para fazer o nó da gravata. Na altura em que vestisse o
casaco, estava tudo acabado. Eu já era só tempo a passar através
de mim.
Logo que ele se ia embora, sentia-me petrificada por um cansaço
imenso. Não começava logo a arrumar. Contemplava os copos, os
pratos com os restos, o cinzeiro cheio, a roupa, as peças de lingerie
espalhadas pelo corredor, o quarto, os lençóis a caírem para a
alcatifa. Queria manter intacta aquela desordem em que todos os
objetos significavam um gesto, um momento, que compunha um
quadro cuja força e dor eu nunca serei capaz de experimentar num
museu, com outro quadro qualquer. Não me lavava, naturalmente,
antes do dia seguinte, para conservar o esperma dele.
Calculava quantas vezes fizéramos amor. Tinha a impressão de
que, de cada uma dessas vezes, qualquer coisa se acrescentara à
nossa relação, mas que era também essa acumulação de gestos e
de prazer que ia, seguramente, afastar-nos um do outro.
Esgotávamos um capital de desejo. O que se ganhava em
intensidade física perdia-se em tempo.
Eu caía numa sonolência em que tinha a sensação de estar a
dormir dentro do corpo dele. No dia seguinte, vivia num torpor em
que se refazia, indefinidamente, uma carícia dele, em que se repetia
uma palavra que ele havia pronunciado. Ele não sabia obscenidades
em francês, ou então não lhe apetecia utilizá-las porque não
estavam, para ele, carregadas de interdito social, eram palavras tão
inocentes como as outras (como teriam sido para mim as grosserias
na língua dele). No RER2, no supermercado, ouvia a voz dele
murmurar «acaricia-me o sexo com a tua boca». Uma vez, na
estação de Opéra, mergulhada nos meus devaneios, deixei passar
sem me dar conta a ligação que ia apanhar.
Esta anestesia dissipava-se progressivamente, eu recomeçava a
ouvir um apelo, e o sofrimento e a angústia eram cada vez maiores
à medida que se afastava a data do último encontro. Era como os
exames, antigamente, quanto mais tempo passasse depois da prova
mais eu tinha a certeza de chumbar, quanto mais os dias se
sucediam sem ele telefonar mais eu tinha a certeza de que ele me
tinha deixado.

Os únicos momentos felizes quando ele não estava eram aqueles


em que eu comprava vestidos novos, brincos, meias, e os
experimentava em casa, em frente ao espelho. O ideal, o impossível,
consistia em ele ver sempre uma toilette diferente. Cinco minutos
era o tempo que ele tinha para ver a blusa ou os sapatos novos que
iam ser abandonados num sítio qualquer até ele se ir embora. Eu
também sabia da inutilidade da roupa perante um desejo novo que
ele sentisse por outra mulher. Mas aparecer numa toilette que ele já
conhecesse parecia-me uma falha, uma negligência no esforço rumo
a uma espécie de perfeição para a qual eu tendia na minha relação
com ele. Dentro da mesma vontade de perfeição, folheei, num
hipermercado, Técnicas do Amor Físico. Debaixo do título tinham
escrito «70 000 exemplares vendidos».

Muitas vezes, eu tinha a impressão de viver esta paixão como se


estivesse a escrever um livro: a mesma necessidade de não falhar
nenhuma cena, a mesma preocupação com todos os pormenores. E
até pensei que não me importava de morrer depois de ter ido até ao
fim desta paixão – sem dar um sentido preciso a «até ao fim» –, da
mesma maneira que poderia morrer depois de ter acabado de
escrever isto, daqui a uns meses.
1
Frequentemente ponho lado a lado um desejo e um acidente em que sou eu a
agressora ou a vítima, qualquer coisa mais ou menos trágica. É uma maneira
bastante segura de medir a força do meu desejo – talvez de desafiar o destino,
também –, isso de saber se, imaginariamente, aceito pagar o preço: «Não me
importo que a minha casa arda se conseguir acabar o que estou a escrever.»
2
O Réseau Express Régional é uma rede do Metropolitano de Paris destinada a
servir a zona suburbana da cidade. (N. do E.)
Eu tentava, diante das pessoas com quem me dou, não deixar
transparecer a minha obsessão naquilo que dizia, embora isso me
obrigasse a uma vigilância difícil de manter constantemente. No
cabeleireiro, vi uma mulher muito volúvel, a quem toda a gente
respondia normalmente até ao momento em que, quando lhe
estavam a lavar o cabelo, ela disse «estou a fazer um tratamento
aos nervos». Desde logo, impercetivelmente, o pessoal começou a
dirigir-se a ela com uma contenção distante, como se aquela
confissão irreprimível fosse a prova da sua perturbação. Eu tinha
medo de parecer também anormal se dissesse «estou a viver uma
paixão». No entanto, quando estava no meio de outras mulheres, na
caixa do supermercado, no banco, perguntava-me se elas tinham,
como eu, sempre um homem na cabeça, se não, o que é que faziam
para viver assim, quer dizer – segundo a minha existência anterior –
sem terem nada para esperar a não ser o fim de semana, ir jantar
fora, uma sessão no ginásio ou os resultados escolares das crianças:
tudo aquilo que agora me era penoso ou indiferente.

Como troca de confidências com uma mulher ou com um homem


que confessasse estar a viver, ou ter vivido, «um amor louco com
um gajo» ou «uma relação muito forte com alguém», às vezes
apetecia-me entregar-me. Desaparecida a euforia da cumplicidade,
censurava-me a falta de cuidado, por menor que fosse. Essas
conversas em que eu tinha continuamente respondido àquilo que a
outra pessoa me dizia com «eu também, comigo é igual, fiz a
mesma coisa, etc.» pareciam-me de repente estranhas à realidade
da minha paixão, inúteis. E além disso, parecia-me que alguma coisa
se perdia nessas efusões.
Aos meus filhos, que andam a estudar e que ficam
irregularmente em minha casa, eu só revelara um mínimo que em
termos práticos me garantisse o exercício fácil da minha ligação. Por
isso, tinham de telefonar para saberem se podiam ir para casa, e, se
lá estivessem, tinham de se ir embora logo que A. anunciasse que ia
chegar. Esta disposição não provocava – exteriormente pelo menos –
dificuldade nenhuma. Mas eu teria preferido que para os meus filhos
esta história fosse completamente secreta, como eram dantes, para
os meus pais, os meus flirts e as minhas aventuras. Era, sem dúvida,
o desejo de evitar que me julgassem. E também porque pais e filhos
são os últimos a poderem aceitar, sem que isso os perturbe, a
sexualidade daqueles que lhes estão, de um ponto de vista carnal,
mais próximos, e lhes são para sempre os mais interditos. As
crianças podem recusar a evidência inscrita no olhar vago, no
silêncio ausente da mãe: para ela, em certos momentos, elas não
contam mais do que para uma gata impaciente por ir atrás dos
gatos velhos.1

1
Na Marie-Claire, os jovens, entrevistados, condenam sem apelo os amores da
mãe separada ou divorciada. Uma rapariga diz, com rancor: «Os amantes da
minha mãe só serviram para a fazer sonhar.» E que melhor serviço lhe poderiam
prestar?
Durante esse período, não ouvi uma única vez música clássica,
preferia as canções. As mais sentimentais, a que não prestava
atenção nenhuma dantes, perturbavam-me. Diziam, sem desvios
nem distância, o absoluto da paixão e também a sua universalidade.
Ao ouvir Sylvie Vartan cantar, nessa altura, «é fatal, animal», tinha a
certeza de não ser a única a sentir aquilo. As canções
acompanhavam e legitimavam o que eu estava a viver.

nas revistas femininas começava por ler o horóscopo.


apetecia-me ir ver imediatamente o filme que eu estava
convencida de que continha a minha história, ficava muito
dececionada por, quando era antigo, não estar em exibição
em lado nenhum, como O Império dos Sentidos de Oshima.

dava dinheiro aos homens e às mulheres sentados nos


corredores do metro fazendo votos de que ele me telefonasse
nessa noite. Prometia mandar 200 francos à Misericórdia se
ele aparecesse antes de uma data que eu escolhia.
Contrariamente à minha maneira habitual de viver, gastava
dinheiro de uma forma absurda. Isso parecia-me estar
integrado num gasto geral, necessário, inseparável da minha
paixão por A., e que incluía gastar tempo, que eu perdia em
devaneios e expectativa, e que incluía, naturalmente, gastar o
corpo: fazer amor até titubear de cansaço, como se fosse a
última vez. (Como é que se pode ter a certeza de que não é a
última vez?)

numa tarde em que ele lá estava, queimei o tapete da sala


até à trama por lhe ter posto em cima uma cafeteira a ferver.
Tanto se me dava. Aliás, sempre que via aquela marca, ficava
contente por me lembrar dessa tarde passada com ele.

os problemas da vida quotidiana não me irritavam. Não me


preocupei com uma greve na distribuição do correio que
durou dois meses, porque A. não me mandava cartas (era,
sem dúvida, prudência de homem casado). Ficava
tranquilamente à espera nos engarrafamentos, no guichê do
banco, e não me incomodava o acolhimento mal-humorado de
um empregado. Não havia nada que me fizesse sentir
impaciente. Sentia para com as pessoas uma mistura de
compaixão, de dor e de fraternidade. Compreendia os
marginais deitados nos bancos, os clientes das prostitutas,
uma passageira mergulhada num romance cor-de-rosa (mas
não teria sido capaz de dizer o que é que havia em mim de
semelhante a eles).

uma vez, ao ir buscar, nua, cervejas ao frigorífico, lembrei-


me das mulheres, sozinhas ou casadas, mães de família, que,
no bairro da minha infância, recebiam às escondidas um
homem durante a tarde (ouvia-se tudo – era impossível
distinguir se os vizinhos as censuravam por não se portarem
devidamente ou por consagrarem as horas do dia ao prazer
em vez de estarem a limpar os vidros). Eu pensava nelas com
uma satisfação profunda.
Durante todo esse tempo, tive a impressão de estar a viver a
minha paixão no modo romanesco, mas agora já não sei em que
modo escrevo, se é como testemunho, ou confidência, como se
pratica nas revistas femininas, se é como manifesto ou relato, ou
mesmo como comentário de texto.
Não conto a história de uma ligação, não conto uma história
(cerca de metade escapa-me) com uma cronologia precisa, «ele
chegou no dia 11 de novembro», ou aproximativa, «passaram-se
semanas». Não há disso nesta relação, porque eu só tive presença
ou ausência. Limito-me a acumular os signos de uma paixão,
oscilando incessantemente entre «sempre» e «uma vez», como se o
inventário me fosse permitir chegar à realidade da paixão. Não há
aqui, naturalmente, na enumeração e descrição de factos, nem
ironia nem cinismo, que são formas de contar as coisas aos outros
ou a nós próprios depois de as termos vivido, não servem para as
sentirmos naquele momento.
Quanto à origem da minha paixão, não procurei encontrá-la na
minha história longínqua, essa que um psicanalista me faria
reconstituir, nem na história recente, nem nos modelos culturais de
sentimentos que me influenciaram desde a infância (E Tudo o Vento
Levou, Fedra ou as canções de Piaf são tão decisivos como o
complexo de Édipo). Não quero explicar a minha paixão – isso
acabaria por considerá-la erro ou desordem a justificar –, quero,
simplesmente, expô-la.
Talvez os únicos dados pertinentes a considerar sejam materiais,
o tempo e a liberdade que eu tive para viver isto.
Ele gostava de fatos Saint-Laurent, de gravatas Cerruti e de
carros grandes. Guiava depressa, a fazer sinais de luzes, sem falar,
como se estivesse completamente entregue à sensação de estar
livre, bem vestido, a dominar as autoestradas francesas, ele que
vinha de um país de Leste. Gostava que o achassem parecido com
Alain Delon. Eu adivinhava – tanto quanto isso é possível com um
estrangeiro – que ele não se sentia atraído por coisas intelectuais e
artísticas, apesar do respeito que lhe inspiravam. Da televisão,
preferia os concursos e Santa Barbara. Tanto me fazia. Sem dúvida
porque podia considerar os gostos de A., que era estrangeiro, como
sendo antes de mais diferenças culturais. Se ele fosse francês eu
teria considerado os mesmos gostos, antes de mais, como
diferenças sociais. Ou talvez me desse prazer descobrir em A. o meu
lado mais «nova-rica»: eu fora uma adolescente ávida por vestidos,
discos e viagens, privada disso entre amigas que as tinham – tal
como A., «privado» com todo o seu povo, que só aspirava a ter as
camisas bonitas e os vídeos das montras ocidentais.1

Ele bebia muito, como era costume nos países de Leste. Isso
assustava-me, porque podia ter um acidente quando se ia embora
pela autoestrada, mas não me repugnava. Mesmo que lhe
acontecesse titubear, ou arrotar quando me beijava. Pelo contrário,
sentia-me satisfeita por estarmos juntos naquele princípio de
abjeção.
Eu não sabia qual era a natureza da relação dele comigo. Ao
princípio, havia alguns indícios – o ar feliz e o silêncio quando estava
a olhar para mim, dizer «guiei que nem um maluco para cá chegar»,
contar-me a infância – de que ele sentia a mesma paixão por mim.
Esta certeza depois começou a vacilar. Ele parecia-me mais
reservado, menos propenso a entregar-se – mas bastava falar-me do
pai, das framboesas que apanhava na floresta aos doze anos, para
eu mudar de opinião. Já não me oferecia nada – quando eu recebia
flores ou um livro da parte de amigos, pensava nas atenções que ele
não achava necessário ter comigo, mas também pensava logo: «Dá-
me de presente o seu desejo.» Registava avidamente as frases que
considerava sinais de ciúme, única prova, na minha opinião, do seu
amor. Algum tempo depois percebi que «vais sair no Natal?» era
apenas uma pergunta banal ou prática, para prever ou não um
encontro, e não era nenhuma maneira desviada de saber se eu ia
para a neve com alguém (talvez ele até quisesse que eu fosse, para
poder encontrar-se com outra mulher?). Muitas vezes perguntava-
me o que significavam para ele aquelas tardes passadas a fazer
amor. Com certeza não significavam nada além disso, fazer amor.
Como quer que fosse, era inútil procurar razões suplementares, eu
nunca teria a certeza de nada a não ser de uma coisa: do desejo
dele ou da falta desse desejo. A única verdade incontestável era
visível olhando para o seu sexo.

1
Este homem continua vivo num lugar qualquer do mundo. Não posso descrevê-
lo mais, nem fornecer sinais suscetíveis de o identificarem. «Faz-se à vida» com
determinação, o que significa que para ele não há obra mais importante a elaborar
do que essa vida. Que o meu caso seja diferente não me autoriza a revelar quem
ele é. Não escolheu figurar no meu livro. Só na minha existência.
O facto de ele ser estrangeiro tornava ainda mais improvável
qualquer interpretação do seu comportamento, modelado por uma
cultura da qual eu só conhecia o aspeto turístico, os clichés. Comecei
por me sentir desencorajada com estes limites evidentes à
compreensão mútua, reforçados pelo facto de não conseguir falar a
língua dele, embora ele se exprimisse bastante bem em francês.
Depois admiti que esta situação me poupava a ilusão de acreditar
numa comunicação perfeita, ou até numa fusão, entre nós. No leve
desajustamento entre a língua francesa, que ele falava, e aquilo que
é a sua utilização mais corrente, na hesitação que eu por vezes
sentia quanto ao significado que ele estava a atribuir a um termo, eu
media continuamente o que havia de aproximativo nas trocas de
palavras. Tinha o privilégio de viver, desde o princípio,
constantemente, e em plena consciência, aquilo que acabamos por
descobrir sempre, com um grande espanto e uma profunda deceção:
que o homem que amamos é um estranho.

As regras que me impunha a sua situação de homem casado –


não lhe telefonar – não lhe enviar cartas – não lhe dar presentes
que ele teria uma grande dificuldade em justificar – depender
constantemente das suas possibilidades de se disponibilizar – não
me revoltavam.
eu entregava-lhe as cartas que lhe escrevia no momento em que
ele se ia embora de minha casa. Suspeitar de que, logo que acabava
de as ler, as deitava fora na autoestrada, rasgadas aos bocadinhos,
não me impedia de continuar a escrever-lhe.
tinha cuidado em não lhe deixar nenhum sinal meu na roupa e
não lhe fazia marcas na pele. Queria evitar-lhe cenas com a mulher,
e não queria arriscar-me a despertar nele um rancor que o levasse a
deixar-me. Pela mesma razão, evitava encontrá-lo em sítios onde
sabia que ela ia com ele. Tinha medo de trair à frente dela, com um
gesto espontâneo – acariciar a nuca de A., retificar-lhe um pormenor
no fato –, a relação que nós tínhamos. (Também não queria sofrer
inutilmente imaginando, como sempre que a via, A. a fazer amor
com ela – nem achá-la insignificante, nem pensar que ele talvez
fizesse isso porque ela «estava à mão», eram dados relevantes
contra a tortura de uma visão dessas.)

Estas imposições eram em si mesmas motivo de expectativa e de


desejo. Como ele me telefonava sempre de cabinas telefónicas com
um funcionamento imprevisível, quando eu levantava o auscultador,
muitas vezes não havia ninguém do outro lado. Com a continuação,
percebi que aquela «falsa» chamada precedia uma verdadeira, o
mais tardar um quarto de hora depois, o tempo de ele encontrar um
telefone que funcionasse. Este primeiro telefone mudo era o sinal
que precedia a voz dele, uma (rara) promessa certa de felicidade, e
o intervalo que me separava do telefonema seguinte, em que ele
diria o meu nome e «encontramo-nos?», era um dos momentos
mais belos que se podem imaginar.

Em frente da televisão, à noite, eu perguntava-me se ele estaria


a ver o mesmo programa ou o mesmo filme que eu, principalmente
se o tema era o amor ou o erotismo, ou se o guião tinha uma
semelhança qualquer com a nossa situação. Nessa altura eu
imaginava que ele via A Mulher do Lado1 pondo-nos a nós no lugar
das personagens. Se ele me dizia que realmente vira o filme, eu
tinha tendência a acreditar que ele o escolhera nessa noite por
nossa causa, e que, representada no ecrã, a nossa história lhe devia
parecer mais bonita, e, como quer que fosse, justificada.
(Naturalmente, afastava depressa a ideia de que a nossa relação
podia, pelo contrário, parecer-lhe perigosa, porque no cinema a
maior parte das vezes as paixões extraconjugais acabam mal.)2

Por vezes, dizia a mim própria que ele passava provavelmente


um dia inteiro sem pensar em mim nem por um segundo. Via-o
levantar-se, tomar o café, falar, rir, como se eu não existisse. Essa
descoincidência com a minha própria obsessão surpreendia-me
bastante. Como é que isso era possível? Mas ele próprio teria ficado
estupefacto por saber que não me largava a cabeça de manhã à
noite. Não havia razão para achar a minha atitude mais justa do que
a sua. De certo modo, eu tinha mais sorte do que ele.

Quando andava por Paris a ver desfilar nos boulevards carros


grandes guiados por um homem sozinho, com ar de quadro superior
atarefado, dava-me conta de que A. não era nem mais nem menos
do que um entre eles, preocupado antes de mais com a carreira,
com uns acessos de erotismo, talvez mesmo de amor, por uma nova
mulher de dois em dois ou de três em três anos. Esta descoberta
libertava-me. Dava-me a certeza de que ele se tinha tornado para
mim tão anónimo e desinteressante como aqueles ocupantes clean
de BMW ou de R 25. Mas, enquanto andava, olhava para as montras
dos vestidos e da lingerie, como se estivesse a prever um próximo
encontro.
Estes momentos de distanciação, efémeros, vinham do exterior,
eu não os procurava. Pelo contrário, evitava as ocasiões que
poderiam arrancar-me à minha obsessão, leituras, saídas e qualquer
atividade de que eu gostasse antes. Aspirava à inocupação total.
Recusei, vivamente, uma carga extra de trabalho que o meu diretor
me pediu, e praticamente insultei-o ao telefone. Parecia-me que
tinha o pleno direito de me opor àquilo que me impedia de me
entregar sem limites às sensações e às histórias imaginárias da
minha paixão.

No RER, no metro, nas salas de espera, em todos os lugares


onde é permitido não nos entregarmos a ocupação nenhuma, mal
me sentava, entrava num devaneio sobre A. No exato segundo em
que caía nesse estado, sentia na minha cabeça um espasmo de
felicidade. Tinha a impressão de me abandonar a um prazer físico,
como se o cérebro, sob o afluxo repetido das mesmas imagens, das
mesmas memórias, pudesse gozar, como se fosse um órgão sexual
igual aos outros.

Claro que não sinto vergonha nenhuma ao escrever estas coisas,


por causa do tempo que separa o momento em que elas se
escrevem, e em que sou a única pessoa a vê-las, do momento em
que serão lidas por outras pessoas e que, parece-me, não chegará
nunca. Daqui até lá, posso ter um acidente, morrer, pode rebentar
uma guerra ou começar a revolução. É por causa deste lapso de
tempo que eu posso atualmente escrever, um pouco como aos
dezasseis anos me expunha ao sol a escaldar um dia inteiro, e aos
vinte fazia amor sem contracetivos: sem pensar nas consequências.
(Por isso é um erro comparar aquele que escreve sobre a sua
vida com um exibicionista, porque um exibicionista só quer uma
coisa, mostrar-se e ser visto no mesmo instante.)

1
Filme de Truffaut. (N. da T.)
2
Lulu de Pialat, Bela de Mais para Ti de Blier, etc.
Na primavera, a minha expectativa passou a ser contínua.
Instalou-se um calor precoce a partir do princípio do mês de maio.
Os vestidos de verão surgiram nas ruas, as esplanadas dos cafés
estavam cheias. Ouvia-se ininterruptamente uma dança exótica, a
lambada, nos murmúrios de uma mulher de voz sufocada. Tudo
queria dizer novas possibilidades de prazer, e eu atribuía a A. o
projeto de as aproveitar sem mim. O seu posto, as suas funções em
França pareciam-me muito elevados, suscetíveis de atraírem a
admiração de todas as mulheres, e eu depreciava-me numa
proporção inversa, não me descobrindo interesse nenhum que
pudesse retê-lo junto de mim. Quando ia a Paris, fosse em que
bairro fosse, esperava sempre vê-lo passar de carro com uma
mulher ao lado. Eu andava muito direita, numa atitude antecipada
de orgulhosa indiferença por aquele encontro. Que esse encontro
nunca tivesse ocorrido quase me dececionava ainda mais: eu
deambulava pelo boulevard des Italiens, a suar, sob o seu olhar
imaginário, enquanto ele estava num lugar qualquer, inatingível.
Perseguia-me a visão dele a guiar com os vidros abertos em direção
ao parque de Sceaux ou ao bosque de Vincennes.

Um dia comecei a ler, numa revista de televisão, uma reportagem


sobre um grupo de bailarinos cubanos em tournée em Paris. O autor
insistia na sensualidade e na liberdade das cubanas. Uma fotografia
mostrava a bailarina entrevistada, alta, de cabelo preto, com as
pernas compridas à mostra. À medida que continuava a ler, o meu
pressentimento crescia. No fim tinha a certeza de que A., que
conhecia Cuba, havia encontrado a bailarina da fotografia. Via-o com
ela num quarto de hotel e não havia nada que nesse momento
pudesse convencer-me de que a cena era inverosímil. Pelo contrário,
era a hipótese de não ter acontecido que me parecia estúpida e
inimaginável.

Quando ele telefonava para nos vermos, o seu telefonema, cem


vezes esperado, não mudava nada, eu ficava no mesmo estado de
tensão dolorosa. Tinha entrado num estado em que mesmo a
realidade da sua voz não conseguia fazer-me feliz. Tudo era uma
carência interminável, a não ser o momento em que estávamos
juntos a fazer amor. E, além disso, obcecava-me o momento
seguinte, em que ele se ia embora. Vivia o prazer como uma dor
futura.

Era incessante a vontade de acabar, para não continuar à mercê


de um telefonema, para deixar de sofrer. E, logo a seguir, a
representação daquilo que isso pressupunha, no exato momento da
rutura: uma sequência de dias sem esperar nada. Eu preferia
continuar, fosse qual fosse o preço – ele ter uma mulher, várias (o
que seria um sofrimento ainda maior do que aquele pelo qual eu o
queria deixar). Mas, comparando com o nada que eu entrevia, a
minha situação atual parecia-me feliz, o meu ciúme uma espécie de
privilégio frágil do qual seria uma loucura desejar que acabasse,
porque isso aconteceria um dia sem eu querer, quando fosse ele a ir-
se embora ou a deixar-me.

Eu evitava as ocasiões de o encontrar no exterior no meio de


pessoas, não suportava vê-lo só por ver. Foi assim que eu não fui a
uma inauguração para a qual ele estava convidado, e acabei por
ficar toda a noite obcecada com a imagem dele a sorrir e a dar
atenção a uma mulher, como tinha acontecido comigo quando nos
conhecemos. Depois houve uma pessoa qualquer que me disse que
nessa inauguração só estavam três gatos pingados. Fiquei aliviada, e
repetia para mim aquela frase com prazer, como se houvesse uma
relação entre o ambiente numa receção, o número de mulheres
convidadas e aquilo que só dependia do acaso de um encontro –
porque só uma mulher bastava –, e do desejo que ele tivesse, ou
não, de a seduzir.

Eu tentava saber como é que eram o tempo livre e as saídas dele


durante o fim de semana. Pensava: «Neste momento ele está na
floresta de Fontainebleau a fazer jogging – segue pela estrada de
Deauville – vai a andar pela praia com a mulher ao lado», etc. Saber
tranquilizava-me, eu tinha a impressão de que, se pudesse situá-lo
num certo lugar, num certo momento, isso me precavia contra uma
infidelidade. (É uma crença que aproximo de outra, igualmente
forte, que consiste em achar que se eu souber o sítio onde é a festa
ou onde são as férias dos meus filhos isso basta para garantir que
não vai haver nem acidente, nem droga, nem afogamento.)

Eu não queria ir de férias nesse verão, acordar de manhã num


quarto de hotel com um dia à minha frente sem a expectativa de um
telefonema dele. Mas renunciar a isso era confessar-lhe mais
claramente a minha paixão do que dizer-lhe «estou louca por ti».
Um dia em que só me apetecia romper, decidi, em vez disso,
reservar lugares no comboio e no hotel para dali a dois meses, em
Florença. Estava muito satisfeita com esta forma de rutura em que
não era obrigada a deixá-lo. Vi aproximar-se a altura da partida
como se fosse um exame para o qual me tivesse inscrito muito
tempo antes e que não tivesse preparado – prostrada, com uma
sensação de inutilidade. No compartimento da carruagem-cama, não
parava de me imaginar no mesmo comboio, mas a regressar a Paris,
oito dias mais tarde: era a perspetiva de uma felicidade inaudita,
quase impossível (talvez fosse morrer em Florença, nunca mais
voltaria a vê-lo), que aumentava o meu horror por me afastar cada
vez mais de Paris, e que me fazia sentir o intervalo entre a ida e a
vinda como uma duração interminável e atroz.
O pior era não poder ficar no quarto de hotel o dia inteiro, à
espera do comboio que me levasse outra vez para Paris. Tinha de
justificar a viagem entregando-me às visitas culturais, aos passeios a
que estava habituada em férias. Andava horas, pelo Oltrarno, pelo
jardim Boboli, até à piazza San Michelangelo, San Miniato. Entrava
em todas as igrejas que estivessem abertas, fazia três pedidos (por
causa da crença de que um dos três seria satisfeito – todos diziam
respeito a A., naturalmente), e ficava ali sentada, era fresco e
silencioso, enquanto ia continuando um dos múltiplos guiões (uns
dias juntos em Florença, o nosso encontro daqui a dez anos num
aeroporto, etc.) que eu ia construindo continuamente, em toda a
parte, de manhã à noite.

Não entendia porque é que as pessoas procuravam no guia a


data, a explicação de cada um dos quadros, tudo coisas sem relação
com as suas próprias vidas. O uso que eu fazia das obras de arte era
puramente passional. Voltava à igreja de Badia porque fora ali que
Dante encontrara Beatriz. Os frescos semiapagados de Santa Croce
perturbavam-me por causa da minha história, que um dia seria
como aquilo, farrapos descoloridos na memória dele e na minha.
Nos museus, só reparava nas representações do amor. Era
atraída pelas estátuas de homens nus. Era nelas que reencontrava a
forma dos ombros de A., da barriga, do sexo, e principalmente do
leve sulco que segue a curva interior da anca até à concavidade da
virilha. Não conseguia afastar-me do David de Miguel Ângelo,
admirada, uma admiração que chegava a ser dolorosa, por ter sido
um homem e não uma mulher a manifestar de uma forma tão
sublime a beleza do corpo masculino. Até isso se explicava pela
condição dominada das mulheres, parecia-me que qualquer coisa
tinha falhado para sempre.1

No comboio, de regresso, tinha a impressão de ter escrito,


literalmente, a minha paixão em Florença, andando pelas ruas,
percorrendo os museus, obcecada por A., a ver tudo com ele, a
comer e a dormir com ele naquele hotel barulhento na margem do
Arno. Bastava que regressasse para ler essa história de uma mulher
que amava um homem, e que era a minha história. Esses oito dias
sozinha, sem falar, a não ser com os empregados do restaurante,
possuída pela imagem de A. (até me sentir estupefacta por ser
abordada na rua, então eles não viam a imagem de A., em
transparência, no meu corpo?), surgiam-me finalmente como uma
prova que aperfeiçoava ainda mais o amor. Uma espécie de gasto
suplementar, desta vez da imaginação e do desejo na ausência.

1
Também lamentei que não existisse, pintado por uma mulher, um quadro que
provocasse uma tão grande emoção indizível como a tela de Courbet que
mostrava em primeiro plano o sexo oferecido de uma mulher deitada, de rosto
invisível, e que se chama A Origem do Mundo.
Ele saiu de França e voltou para o seu país há seis meses. Claro
que nunca mais vou voltar a vê-lo. Ao princípio, quando acordava às
duas da manhã, estar viva ou morta tanto me fazia. Doía-me o
corpo todo. Gostaria de poder arrancar a dor, mas doía-me tudo. O
que eu queria era que entrasse um ladrão no meu quarto e me
matasse. Durante o dia, tentava estar constantemente ocupada, não
ficar sentada sem fazer nada, porque se isso acontecesse estava
perdida (nessa fase, esta palavra tinha um sentido vago, mergulhar
na depressão, começar a beber, etc.). Por causa disso também,
esforçava-me por me vestir e maquilhar corretamente, usar as lentes
de contacto em vez dos óculos, apesar da coragem que me exigia
essa manipulação. Não podia ver televisão nem folhear revistas,
todos os anúncios de perfumes ou de micro-ondas mostravam
exclusivamente isto: uma mulher à espera de um homem. Voltava a
cara para o lado quando passava à frente das lojas de lingerie.
Quando estava muito mal sentia uma violenta vontade de
consultar uma cartomante, parecia-me que era a única coisa vital
que eu podia fazer. Um dia procurei nomes de videntes no Minitel. A
lista era comprida. Uma delas especificava que tinha adivinhado o
tremor de terra de São Francisco e a morte de Dalila. Durante todo o
tempo em que copiei nomes e números de telefone, senti um júbilo
igual àquele que senti ao experimentar, no mês anterior, um vestido
novo para A., como se ainda estivesse a fazer alguma coisa por ele.
A seguir não telefonei a vidente nenhuma, tive medo que alguma
me dissesse que ele não ia voltar nunca mais. Pensei «afinal eu
também acabo nisto», sem me admirar. Não via razão nenhuma para
não acabar naquilo.
Uma noite atravessou-me a vontade de fazer um teste de
despistagem de sida: «Ao menos fiquei com isto.»

Queria por força lembrar-me do corpo dele, do cabelo aos dedos


dos pés. Conseguia ver, com nitidez, os olhos verdes, o movimento
da madeixa sobre a testa, a curva dos ombros. Sentia os dentes
dele, o interior da boca, a forma das coxas, a sua pele. Pensava que
a distância era mínima entre essa reconstituição e uma alucinação,
entre a memória e a loucura.

Uma vez, deitada de barriga para baixo, masturbei-me até ao


orgasmo, pareceu-me que era o orgasmo dele.

Durante semanas:
acordei a meio da noite, e fiquei até de manhã num estado
indistinto, acordada e incapaz de pensar. Queria fugir para o
sono, mas ele permanecia sempre como que suspenso por
cima de mim.
não me apetecia levantar. Via o dia à minha frente, sem
nenhum projeto. A sensação de que o tempo já não me
levava a nada, e que a única coisa a fazer era envelhecer.
no supermercado, pensava «já não preciso de comprar isto
ou aquilo» (uísque, amêndoas, etc.).
olhava para os camiseiros, para os sapatos que eu tinha
comprado para um homem, e que tinham voltado a ser coisas
sem sentido, que só serviam para seguir a moda. Seria
possível desejar aquelas coisas, qualquer coisa, fosse ela qual
fosse, sem que isso fosse para uma pessoa, para servir o
amor? Precisei de um xaile por causa do frio intenso: «Ele não
vai vê-lo.»
não suportava ninguém. As pessoas com quem conseguia
dar-me eram aquelas que tinha conhecido durante a minha
relação com A. Figuravam na minha paixão. Mesmo que não
me inspirassem nem interesse nem estima, eu sentia uma
espécie de afeição por elas. Mas não era capaz de ver na
televisão um apresentador, ou um ator, em que eu dantes
tivesse identificado o mesmo ar, as mesmas mímicas, os olhos
de A. Esses sinais dele noutra pessoa que me era indiferente
eram uma espécie de impostura. Odiava aqueles tipos por
continuarem a parecer-se com A.
fazia promessas. Se ele me telefonar antes do fim do mês,
dou quinhentos francos a uma organização humanitária.
imaginava que nos encontrávamos num hotel, num
aeroporto, ou que ele me escrevia uma carta. Eu respondia a
palavras que ele não tinha dito, a palavras que ele não ia
escrever nunca.
se ia a um sítio onde tivesse ido no ano anterior, quando
ele ali estava – ao dentista ou a uma reunião de professores
–, vestia o mesmo fato de saia-e-casaco da época, tentando
persuadir-me de que as mesmas circunstâncias produziriam
os mesmos efeitos, que ele me ia telefonar nessa noite.
Quando me deitava, por volta da meia-noite, abatida, dava-
me conta de que tinha realmente acreditado no telefonema
durante todo o dia.
Nas minhas insónias, de vez em quando pensava em Veneza,
onde tinha passado uma semana de férias mesmo antes de
encontrar A. Tentava lembrar-me daquilo que fizera e dos meus
itinerários, imaginava-me em Zattere, nas ruelas da Giudecca.
Reconstituía o meu quarto no anexo do hotel La Calcina, esforçando-
me por me recordar de tudo, da cama estreita, da janela tapada que
dava para as traseiras do Café Cucciolo, da mesa coberta por uma
toalha branca sobre a qual eu tinha pousado os meus livros, e
enumerava os títulos. Contava as coisas que ali estavam, uma por
uma, tentando esgotar o conteúdo de um lugar onde tinha ficado
antes de a história com A. começar, como se um inventário perfeito
me fosse permitir revivê-la. Era uma crença idêntica que por vezes
me fazia sentir o impulso de voltar realmente a Veneza, ao mesmo
hotel, ao mesmo quarto.
Durante esse período, todos os meus pensamentos, todos os
meus atos eram uma repetição daquilo que tinha acontecido antes.
Queria forçar o presente a voltar a ser o passado aberto sobre a
felicidade.

Calculava sempre «há duas semanas, há cinco semanas que ele


se foi embora», e «o ano passado, nesta altura, onde eu estava era
ali, o que eu fazia era aquilo». A propósito de fosse lá o que fosse, a
abertura de um centro comercial, a vinda de Gorbatchov a Paris, a
vitória de Chang em Roland-Garros, eu pensava imediatamente: «Foi
quando ele aqui esteve.» Revia momentos dessa época que não
tinham nada de particular – eu na sala dos ficheiros da Sorbonne, eu
a andar pelo boulevard Voltaire, eu a experimentar uma saia numa
loja da Benetton –, e com uma sensação tão aguda de ainda lá estar
que me perguntava porque é que era impossível passar por aquele
dia, por aquele momento, da mesma maneira que se passa de um
quarto para outro.

Nos meus sonhos, também havia aquele desejo de um tempo


reversível. Eu falava e discutia com a minha mãe (falecida), que
estava viva outra vez, mas no meu sonho eu sabia – e ela também –
que ela estivera morta. Isto não tinha nenhum carácter
extraordinário, a sua morte estava atrás dela, como «uma coisa que
já estava feita», e pronto. (Parece-me que tive este sonho muitas
vezes.) Outra vez, eu era uma menina de fato de banho, que
desaparecia durante uma excursão. A reconstituição do crime era
imediata. A criança nessa altura ressuscitava para voltar a fazer, ela
própria, o itinerário que a tinha levado à morte. Mas, para o juiz, o
conhecimento da verdade complicava a reconstituição. Nos outros
sonhos, eu perdia a carteira, perdia-me na estrada, não conseguia
encher a mala para me meter num comboio iminente. Voltava a ver
A. no meio das pessoas, ele não olhava para mim. Estávamos os
dois dentro de um táxi, eu acariciava-o, e o sexo dele permanecia
inerte. Mais tarde, apareceu-me a desejar-me outra vez.
Encontrávamo-nos no WC de um café, numa rua ao longo de um
muro, e ele possuía-me sem dizer uma palavra.

Durante o fim de semana, eu forçava-me a uma atividade física


exagerada, arrumava a casa, jardinava. À noite estava esgotada,
com os braços e as pernas doridos, como depois de A. ter passado
uma tarde em minha casa. Mas naquele caso era um cansaço vazio,
sem memória de outro corpo, e que me horrorizava.
Another random document with
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"Richard Bryant, hero of Earth's first successful voyage to another
planet, died quietly in his sleep an hour ago, in his Manhattan
apartment. He would have been seventy-four next month.
"He was assured of immortality on the first of August, 1984, when he
radioed from Mars the triumphant message, 'Have landed Mars One
safely. Am on way back. Mars is pretty dreary.' From that day on, Rick
Bryant was a hero to billions.
"We return you now to the regularly-scheduled program."
Cavorting dancers returned to the screen. In a soft, barely-audible
voice, Harker cursed eloquently.
"Gee, Dad! Rick Bryant died!" Chris exclaimed.
Not long after he had taken the case, Harker had induced the old
man to autograph a copy of his book I Flew to Mars for Chris; since
then, the boy had taken deep interest in Bryant's career.
Harker nodded. To Lois he said, "They didn't even give him a chance.
The hearing would have been last Thursday, but his son got it
postponed."
"Do you think this will affect the outcome, Jim?"
"I doubt it. That document was pretty solid. Damn, I wanted old
Bryant to have the satisfaction of knowing he died on top." Broodingly
he stared at his slippers. "If any of them had any guts, they would
have lied to him, told him his will was upheld. But of course they
didn't. They're just so many vultures. Hell, I guess I'd better phone. As
the old man's lawyer, I'd better get in touch."
He went upstairs to his den and switched on the phone. Punching out
the Bryant number, he waited a moment; an intercepting service took
the call and said, "We represent the Bryant family. Only friends of the
family and immediate relatives can be put through just now, sir."
"I'm the late Mr. Bryant's lawyer," Harker said, staring at the
monogrammed pattern on the screen. "James Harker. Will you put
me through?"
There was a momentary pause; then: "I beg your pardon, sir. Your
name does not seem to be on the list. You understand that in a time
of grief such as this the Bryant family accepts your condolences in
the sincere spirit in which they are offered, and regrets that it cannot
devote personal time to you as yet. We suggest that you call back
tomorrow, when the shock of Mr. Bryant's departure has lessened."
The intercepting-service monogram disappeared from the screen.
Harker scowled.
The cold-blooded lice. Hiring a service to dish out all that unctuous
crap, meanwhile making sure I don't have a chance to talk to anybody
there.
He took a deep breath and punched out another number: the home
phone of District Judge Auerbach, who was scheduled to conduct the
Bryant hearing next Thursday.
Auerbach appeared on the screen, plump, sleepy-looking. Harker
said, "Sorry to disturb you on a Sunday night, Tom. You've heard
about the Bryant business?"
Auerbach nodded. "Too bad, I guess. He was very sick."
"No doubt of that. Look, Tom, his sons are being sticky about their
phone. I'm on the spit-list and can't get through to them. Has
Jonathan phoned you tonight?"
"No. Is he supposed to?"
"I don't know. I just want to notify you that I'll be out of town on
business tomorrow and maybe Tuesday, in case you or he or
anybody is trying to reach me. But I'll be back in plenty of time for the
hearing on Thursday. There isn't another motion for a postponement,
is there?"
"Not that I know of," Auerbach said. "Be seeing you in court on
Thursday, then?"
"Right."
He returned to the television room. The ballet was still going on.
"Well?" Lois asked.
"I couldn't reach the Bryants. They hired an intercepting service,"
Harker said darkly. "I spoke to Tom Auerbach, though. The hearing's
still scheduled for Thursday. Jonathan just didn't want the old man to
be alive when it was held."
I wouldn't put it past them to murder old Bryant, he thought. Cold-
blooded bunch.
He stared at the screen, but the colorful images only irritated him.

Idlewild was a busy place the following morning. Harker got there at
half-past-nine, and the sprawling buildings were jam-packed.
"Flight 906 leaving for London via TWA in fifteen minutes—Flight 906
leaving for London via TWA in fifteen minutes—"
He heard a deep-bellied boom; someone next to him said, "That's a
cross-country job, I'll bet."
Sure enough, the loudspeaker said, "Now departing, Flight 136 for
San Francisco—"
Above him a neon board flashed. The bright letters said: Flight 136.
Lv Idlwld 0932, Ar SF 1126.
Less than two hours across the continent. Harker shivered; the plane
that had taken off two minutes ago was probably somewhere over
Pennsylvania or Ohio by now.
"Attention, please. Flight 199, United Air Lines, for Washington, D.C.,
departure 0953, now boarding—"
That was his plane. Leaving in about twenty minutes, and arriving in
Washington only about twenty minutes after that. Harker looked up
and saw a great golden stratocruiser coming in for a landing on a
distant runway. All around him he felt the nervous urgency always
surrounding people traveling.
Inwardly he began to grow tense. He had checked off two of the three
names on his scrawled list; neither had been of much
encouragement. Only Senator Clyde Thurman remained, and
Thurman represented the old-guard conservative wing of the Nat-Lib
party; there was no telling how he would react to the news that a
technique had been developed for—
"Attention, please. Telephone call for Mr. James Harker. Mr. James
Harker, please report to any ticket desk. Telephone call for James
Harker—"
Puzzled, Harker shoved his way through the crowd to the desk in the
foreground and said to the uniformed clerk, "I'm James Harker. I was
just paged for a phone-call."
"You can pick it up in there."
Harker stepped through into a waiting-room and picked up an
extension phone—audio only, no visual. He said to the operator, "I'm
James Harker. There's a phone-call for me."
"One moment, please."
There was the sound of phone-jacks being yanked in and out of
sockets. Then Mart Raymond's voice said, "Hello? Jim?"
"Harker here. That you, Mart?"
"Oh, thank God I caught you in time! I phoned your home, and your
wife said you'd gone to the airport to make a 9:53 jet! Another few
minutes and you'd have been aboard the plane, and—"
Harker had never heard Raymond this excited before. "Whoa, boy!
Calm down!"
"I can't. Cancel your trip and get out here right away!"
"How come? I'm on my way down to see Thurman."
"The hell with Thurman. Haven't you heard the news?"
"What news? About Bryant, you mean? How—"
"No, not about Bryant," Raymond snapped. "I mean about the project.
Hell, I guess you haven't heard yet. It only broke about five minutes
ago."
Harker stared strangely at the receiver in his hand. In as level a voice
as he could manage he said, "Mart, what are you trying to tell me?"
"Mitchison!" Raymond gasped. "Mitchison and Klaus—they issued a
public statement about five minutes ago, telling the world all about the
project! The lab is swarming with reporters! Jim, you've got to get out
here at once!"
He hung up. Harker let the receiver drop into its cradle. He moistened
his lips.
The mask of secrecy was off. From now on, they were accountable to
the world for their every move.

CHAPTER VIII
Harker had thought Idlewild was in a state of confusion, but he
realized he still had a lot to learn about ultimate chaos when he
reached Litchfield, an hour later. Cars clogged the highway for a
quarter of a mile on each side of the private road leading to the
laboratories. He saw television cameras, sound trucks, men who
looked like reporters.
He ducked through the milling mob and tried to slip unobtrusively
along the spruce-bordered dirt road to the administration building. But
it was a foolhardy attempt; he hadn't taken more than ten steps
before someone yelled: "Hey! There's Governor Harker!"
A dozen of them surrounded him in a minute. Harker recognized a
few of the faces from his mayoralty days—a Times man, one from the
Star-Post, one from the Hearst combine. Harker strode doggedly
along, trying to ignore them, but they blocked his path.
"What are you doing here, Governor?"
"What's your opinion on the reanimation bit? You think they're
serious?"
"How will the Nat-Libs react?"
"Do you figure there'll be a congressional investigation?"
They crowded around him, waving their minirecorders and
notebooks. In a loud voice Harker said, "Hold on, all of you! Quiet
down!"
They quieted.
"In answer to half a dozen of your questions, I'm here because I'm
legal adviser to Beller Laboratories. The statement that was released
to the press earlier today was an unofficial and possibly inaccurate
one. I'll have an official statement for you as soon as things are under
control here."
"Does that mean the reanimation process doesn't actually exist?"
"I repeat: I'll have an official statement later." It was the only way to
handle them. He spun, pushed his way forcefully but with care
between the Times and Scripps-Howard-Cauldwell, and made his
way up the hill.
The road-block still functioned—only this time there were five guards
there instead of two, and three of them held multishot rifles, the other
two machine-pistols. Harker approached and said, "How come the
fire-arms?"
"It's the only way we can keep them back, Mr. Harker. You better go
in. Dr. Raymond wants to see you."
Harker nodded grimly and stepped through the cordon. He half-
trotted the rest of the way.
Raymond's office was crowded. Barchet was there, and Lurie, and
two or three of the other researchers. Raymond, his face gray and
stony, sat quietly back of his desk.
"Here," he said. "Read this. It's the text of the handout Mitchison
released."
Harker scanned it.
Litchfield, N.J., 20 May (for immediate release)—Security wraps
today came off an eight-year-old project that will be the greatest boon
to mankind since the development of modern medicine. A process for
bringing the dead back to life has left the experimental stage and is
now ready for public demonstration, according to famous biochemist
David Klaus, 29, a Harvard graduate who has spearheaded the
project in recent months.
Klaus stated, "The technique developed at this laboratory will make
possible restoration of life in all cases where death has taken place
no more than twenty-four hours before the reanimation attempt,
provided no serious organic damage was the cause of death. A
combination of hormone therapy and electrochemical stimulation
makes this astonishing and miraculous process possible."
The Beller Research Laboratories of Litchfield, established in 2024 by
a grant from the late Darwin F. Beller, were the birthplace for this
scientific breakthrough. Further details to come.—Cal Mitchison,
publicity.
Harker dropped the sheet contemptuously to Raymond's desk. "Bad
grammar, bad writing, bad thinking—not even a good mimeograph
job. Mart, how the dickens could a thing like this have happened?"
"Klaus and Mitchison must have cooked it up last night or early this
morning. They handed copies of it to the local press-service stringers
in town, and phoned it in to all the New York area newspapers."
"We didn't even have time to fire him," Harker muttered. "Well?
Where is he now?"
Raymond shrugged. "He and Klaus are gone. I sent men looking for
them as soon as I found out about the newsbreak, but no sign of
them."
"Operation Barn Door," Harker snapped. "Most likely they're in
Manhattan getting themselves interviewed on video. I see Mitchison
didn't bother to mention anyone's name but Klaus' in this alleged
handout."
"What would you expect?"
Harker whirled on Barchet, who looked very small and meek
suddenly, with none of his earlier blustery self-assurance. "You!
You're the one who brought Mitchison into this outfit!"
In a tiny voice Barchet said, "Recriminations are useless now, Mr.
Harker."
"The hell with that. Did you tell Mitchison I was going to have him
sacked?"
"Mr. Harker, I—"
"Did you?"
Helplessly Barchet nodded. Harker glared at him, then turned to
Raymond and said, "There you have it, Mart. Mitchison heard he was
getting canned, so he whipped this thing out now, while he could get
fat on us. Well, we're stuck with this statement. There are two million
reporters on the front lawn waiting for official word from us."
Raymond had not shaved that morning. He ran his fingers through a
blue-stubbled growth of beard and then locked his hands over his
forehead. In a sepulchral voice he said, "What do you suggest? Deny
the Mitchison release?"
"Impossible," Harker said. "The word has gone out. If we nix it, the
public will never believe a further word we say. Uh-uh."
"What then?"
"Don't worry about it. First thing is to prepare a release saying that
the early announcement was premature, that Mitchison and Klaus are
no longer connected with this organization—"
"Klaus has a contract."
"The contract has a clause in it about insubordination or else it isn't
worth a damn. Have somebody send a special-delivery letter to Klaus
informing him that his contract is voided. Keep a couple of carbons.
Send a letter of dismissal to Mitchison, too."
Harker paused to wipe sweat from his face. In the small room, the air
conditioners had little effect.
He went on, "Next thing: I'll draft a release confirming the fact that
you've developed this technique, and I'll sign my name to it. When I'm
done, have it mimeographed and distributed to everybody out there.
That cancels out Mitchison's poop, anyway. After that"—he frowned
—"do you have any human cadavers around the place? Revivable
ones, I mean?"
Raymond shook his head.
"Too bad. Find one. We'll give a demonstration of the technique to
any of the pressmen who have strong enough stomachs to want to
watch. And then—"
"Don't you think that's a little risky?" Lurie asked mildly.
"What? The demonstration?"
Lurie nodded, grinning foolishly. "Well, I mean, something might go
wrong—"
"Like what?"
"There are flaws in the process," Raymond cut in. "We haven't fully
perfected it. I was meaning to talk about them to you, but of course,
this thing coming up makes it impossible to iron the bugs out in time,
and—"
"Hold it," Harker said. He felt a chill start to rise up his back. In a flat
voice he said, "You gave me the impression that this process worked
all the time. That if the body was in good enough shape to live, and
hadn't started to decay, you could revive it. Suppose you tell me
about these so-called 'bugs'—right here and now."

There was a brief, ominous silence in the room. Harker saw


Raymond glare sourly at Lurie, who cowered; the other staff
researcher looked uneasy, and Barchet nibbled at his nails.
At last Raymond said, "Jim, I'm sorry. We didn't play it square with
you."
"Go on. Bare your soul to me now, Raymond. I want to know
everything."
"Well—ah—the process doesn't always work. About one out of twenty
times, we can't bring the patient back to life."
"Understandable. If that's the whole trouble—"
"It isn't. Jim, you have to understand that death is a tremendous
shock to the nervous system—the biggest shock there is. That goes
without saying. Sometimes the shock is so great that it short-circuits
the brain, so to speak. And so even though we can achieve
physiological reanimation, the mind—ah—the mind is not always
reanimated with the body."
Harker was stunned as if by a physical blow. He took one step
backward, groped for a chair, and lowered himself into it. Forcing
himself to keep calm he said, "Just how often does this happen?"
"About one out of every six tries, so far."
"I see." He drew in his breath sharply, cleared his throat, and fought
to hang on to his self-control. The whole thing had taken on an unreal
dreamlike atmosphere in the past two hours. And this was the
crusher.
So one out of six revivifications produced a live idiot? Great, Harker
thought. So a public demonstration will be like a game of Russian
Roulette. One-chance-out-of-six that the whole show will blow up in
our faces.
"How long will it take you to iron this thing out?" he asked.
"All I can say is that we're working toward it."
"Okay. Forget the demonstration. We don't dare try it until things calm
down. Remind me to cut your throat for this, Mart. Later."
There was a knock on the door. Harker nodded to Barchet, who
opened it. One of the laboratory guards stood outside.
"The reporters are getting out of hand," he said. "They want to know
when they're getting their statement."
Harker stood up and said, "It's five minutes to eleven now. Tell them
that I'll have a statement for them before noon."
"Yes, sir."
"Get me a typewriter," Harker said to Raymond.
A typewriter was produced. Harker fed a sheet of paper in, switched
on the current, and began to type. He composed a hasty 250-word
statement disowning Mitchison, crediting Raymond as head of the
project, and declaring that full details of the technique would be
released as soon as they were ready.
He signed it James Harker, and added parenthetically. (Former
Governor of New York—now legal adviser to Beller Research
Laboratories.)
"Here," he said, handing the release to Raymond. "Read this thing
through and approve it, Mart. Then get it mimeographed and
distributed to that wolfpack out there. Is there a vidset around
anywhere?"
"In A Lounge," Lurie offered.
A Lounge was in the small dormitory in back. Harker said, "I'm going
there to pick up the news reports. Lurie, I'm requisitioning you to set
up office space for me someplace in Dormitory A. I want a phone, a
vidset, a radio, and a typewriter. And I don't care who has to get
pushed out of the way."
"Yes, sir."
"Good."
He jogged across the clearing toward Dormitory A, pausing only to
look back briefly at the horde of newsmen straining at the barrier
down the hill. A Lounge was packed with lab researchers, clustered
around the video. They moved to one side as Harker entered.
He recognized Vogel and said to the bearded surgeon, "Has there
been much about us on yet?"
Vogel laughed. "Much about us? Hardly anything but!"
Harker stared at the screen. A newscaster's solemn face stared back.
"... a discovery of staggering importance, if we can credit this
morning's release. Further details will be brought to you as bulletins
the moment information is received at the network newsroom."
Harker wrenched the channel-selector dial one turn to the left. A new
voice, equally crisp and solemn, was saying: "... called for an
immediate Senate investigation. The cry was echoed by Nat-Lib
Senator Clyde Thurman, who declared that such a scientific finding
would have to be placed under careful Federal regulation."
A third channel offered: "... the President had no comment on the
news, pending further details. Vice-President Chalmers, attending a
meeting in Detroit, commented: 'This is not as incredible a
development as superficial appearances would indicate. Science has
long had the power to save human lives; this is merely the next step.
We should not lose our sense of proportion in considering this
matter'."
Harker felt a sudden need for fresh air. He muscled his way through
the crowded lounge and out onto the dormitory porch.
Confusion reigned everywhere. His tentative plans for making a
careful survey of the situation had gone up in one puff of press-
agentry; from now on, he would have to improvise, setting his course
with desperate agility.
He tried to tell himself that things would quiet down before long, once
the initial impact had expended itself. But he was too well schooled in
the study of mass human behavior to be able to make himself believe
any such naive hope.
The man in the street could only be thinking one thing now: that the
power of death over humanity had ended. In future days, death would
have no dominion.
But how would they react? Jubilantly, or with terror? What would they
say when they learned that five times out of six, life could be restored
—but the sixth time a mindless idiot was the product?
Fear and trembling lay ahead, and days of uncertainty. Harker let the
warm mid-May sun beat down on him; he stared up at the sky as if
looking into tomorrow.
The sky held no answers. Confusion would be tomorrow's watchword.
And there was no turning back, now, not for any of them.
CHAPTER IX
Harker held his first news-conference at three-thirty that afternoon, in
the hastily-rigged room that was now his Litchfield office.
By that time, it had occurred to him that he had become not only the
legal adviser of the laboratories, but the public spokesman, publicity
director, and chairman of the board as well. Everyone, Raymond
included, seemed perfectly willing to delegate responsibility to him.
He made a list of eight selected media representatives—three
newspapers, both press services, two video networks and one radio
network, and invited them to send men to his conference. No others
were allowed in.
He told them very concisely what the Beller technique was, how it
had been developed, and what it could do. He used a few technical
terms that he had picked up from his weekend reading. He did not
mention the fact that the technique was not without flaws.
When he had finished his explanation, he called for questions.
Surprisingly few were forthcoming. The news seemed to have stilled
the tongues of even these veteran reporters.
At the close of the conference he said, "Headquarters for further
Beller news will be right here. I'll try to make myself available for
comment about the same time every afternoon."
He watched them go. He wondered how much of what he had said
would reach the public undistorted, and how much would emerge in
garbled and sensationalized form.
Toward evening, he started finding out.
Harker reached his home in Larchmont about seven that evening,
utterly exhausted. Lois was at the door, anxious-faced, tense.
"Jim! I've been listening to the news all day. So have the boys. Your
name's been mentioned every time."
"That's nice," Harker said wearily. He unsnapped his shoes and
nodded hello to his sons, who stared at him strangely as if he had
undergone some strange transformation during the day.
"I'll be spending most of my time at Litchfield until things get calmer,"
he said. "I may even have to sleep out there for a while."
The phone rang suddenly. Harker started to go for it, then changed
his mind and said, "Find out who it is, first. If it's anybody official tell
them I'm not home yet. Except Raymond."
Lois nodded and glided off toward the phone alcove. When she
returned, she looked even more pale, more tense.
"Who was it?"
"Some—some crank. There've been a lot of those calls today, Jim."
He tightened his lips. "I'll have the number changed tomorrow.
Nuisances."
The late editions of two of the New York papers lay on the hassock
near his chair. He picked up the Seventh Edition of the Star-Post. A
red-inked banner said, Can Life Be Restored? Read Nobel
Winner's Opinion!
Harker glanced at the article. It was by Carlos Rodriguez, the
Peruvian poet, winner of the Nobel Prize for Literature in 2018.
Evidently it was a philosophical discussion of man's right to bring
back the dead. Harker read about three paragraphs, then abruptly
lost interest when another headline at the lower right-hand corner
caught his eye. It said,
Rick Bryant Remains Dead, Say Space Pioneer's Heirs
New York, May 20—The body of 73-year-old Richard Bryant, early
hero of the space age, will be cremated on schedule tomorrow
morning, according to a family spokesman. Commenting on the
growing public sentiment that the famed Bryant be granted a reprieve
from death for his epochal flight to Mars, Jonathan Bryant, his oldest
son, declared:
"The feeling of my family is that my father should go to eternal rest.
He was an old and sick man and frequently expressed the desire to
sleep forever. We emphatically will not subject his remains to the
dubious claims of the so-called reanimators currently in the
headlines."
Harker looked up.
"Listen to this hogwash, Lois!" He read her the article, bearing down
with sardonic malice on Jonathan's more cynical remarks.
She nodded. "I heard about it before. Seems some people got up a
quick petition to bring old Bryant back to life. Jonathan's statement
was broadcast about five this afternoon."
Scowling, Harker said, "You can bet they'll rush him off to the
crematorium in a hurry, now. They waited four years for him to die,
and they'd be damned before they let him be brought back to life!"
The phone rang again. Lois slipped away to answer it, while Harker
busied himself with the papers. She returned in a moment, looking
puzzled, and said, "It's a Father Carteret. He begged me to let him
talk to you. What should I tell him?"
"Never mind. I'll talk to him."
He picked up in the foyer, where the phone was audio-only. "Father
Carteret? Jim Harker speaking."
"Hello there, Jim." Carteret sounded troubled. "I—I guess you meant
what you said, that day you saw me. It's all over the papers."
"I know. Some knucklehead sprang the thing prematurely and we're
stuck with it now."
"I thought I'd let you know that ecclesiastic circles are in a dither,"
Carteret said. "The Archbishop's been on the phone to Rome half the
day."
Harker's throat tightened. "Any news?"
"Afraid so. The Vatican has issued a hands-off order: no Catholic is to
go near your process in any way whatever until the Church has had
ample time to explore the implications. Which means a few months or
a few centuries; there's no telling."
"So it's a condemnation, then?"
"Pretty much so," Carteret agreed softly. "Until it's determined
whether or not reanimation is sinful, no Catholic can let a member of
his family be reanimated—or even work in your laboratories. I hope
everything works out for you, Jim. There's nothing you can do now
but stick to your guns, is there?"
"No," Harker said. "I guess not."
He thanked the priest for the advance information and hung up.
Storm-clouds were beginning to gather already. But his earlier mood
of gloom and desperation had washed away, he found.
He knew why. The battle had been joined. No more behind-the-
scenes skulking; he was out in the open as the standard-bearer of
Beller Labs. It promised to be a rough fight, but that didn't scare him.
"This is my second chance," he said to Lois.
She smiled palely. "I don't understand, Jim."
"I was elected Governor of New York on a reform platform that
nobody in the party organization took seriously except me. I waded in
and started to make reforms, and I got my teeth rammed down my
throat for it. Okay. I lost round one. But now I'm in the thick of the fight
again, fighting against ignorance and fear and hysteria. Maybe I'll
lose again—but at least I'll have tried."
She touched his arm, almost timidly. Harker realized that he had
never really seen into his wife before: seen the contradictions in her,
the caution, the timidity, and the core of toughness that was there too.
"This time you'll win, Jim," she said simply.

It didn't look that way in the morning.


Thurman Spearheads Reanimation Inquiry, the Times
announced, and the story revealed that Senator Clyde Thurman (N-L,
N.Y.) had urged immediate Congressional investigation of the claims
of Beller Research Laboratories, and from the tone of Thurman's
statements it was obvious that he was hostile to the whole idea of
reanimation. "Sinful—possibly a menace to the fabric of society,"
were two of the terms quoted in the newspaper.
The Times also printed a full page of extracts from editorials of other
newspapers throughout the country, plus a few comments from
overseas papers that had arrived in time for the early editions.
The prevailing newspaper sentiment was one of caution. The East
Coast papers generally suggested that careful scrutiny be applied to
the alleged statements of Beller Labs before such a process be used
on any wide scale. The Far West papers called for immediate
scientific study of the Beller achievement, and most of them implied
that it would be a tremendous boon to humanity if the claims were
found to be true.
The Midwest papers, though, took a different approach, in general.
The Chicago Tribune declared: "We fear that this new advance of
science may instead be a step backward, that it may sound the
trumpet-call for the decline of civilization as we know it. A society
without the fear of death is one without the fear of God"—and so on
for nearly a full column.
The overseas notices were mixed: the Manchester Guardian offered
cautious approval, the London Daily Mirror ringing condemnation.
From France came puzzled admiration for American scientific
prowess; the Germans applauded the discovery, while no word was
forthcoming from Russia at the moment. The Vatican statement was
about what Carteret had predicted it would be.
He reached the Litchfield headquarters about quarter-past-ten that
morning. There was the usual gaggle of newsmen cluttering up the
highway, even though the skies held a definite threat of rain.
However, someone had had enough sense to rope off the approach
to the laboratory grounds, and so he had no trouble getting past the
gauntlet of reporters and into the area.
Raymond and Lurie were in the office when Harker got there. They
had a huge pile of newspapers spread out all over the floor.
"Makes interesting reading," Harker said amiably.
Raymond looked up. "We never expected this, Jim. We never
expected anything like this."
Harker shrugged. "Death is the most important word in the language,
right after birth. What comes in between is immaterial; everybody
goes through his days remembering that all his life is just a
preparation for the moment of his death. You've changed all that. Did
you expect the world to take it calmly?"
Lurie said, "Show him the letters, Mart."
Raymond sprang to his feet and shoved a thick file-folder at Harker.
"Take a look at these, will you? It's enough to break your heart."
"They come in truckloads," Lurie said. "The Litchfield post-master is
running hourly deliveries down to us because he does not have room
for the stuff up there."
Harker reached into the folder and pulled out a letter at random. It
was written painstakingly by hand on blue-lined yellow paper. He read
it.

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