Fgalli1,+Ling+ +corrêa Rosado Layout+ (1) +
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1 - 27, 2022
https://periodicos.ufpe.br/revistas/INV/index
https://doi.org/10.51359/2175-294x.2022.252076
Abstract: The present work aims to describe the situational/discursive genre, Brazilian
telenovela, configuring its situational, discursive and formal characteristics in order to
understand its intrageneric functioning, as well as the role of it as a cultural artifact in Brazilian
society. For this, we used, as a theoretical-methodological framework, the Semiolinguistics
Theory of Charaudeau (1983; 1992; 1997; 2004; 2008), with the studies of discursive genres
proposed by Miller (1994) and Bakhtin (2010). Our analyzes showed that telenovela seeks to
represent Brazilian reality, the beliefs and values of its people, functioning as a reference horizon
for social actors.
Key-words: Brazilian telenovela. Discursive genre. Discourseanalysis. Semiolinguisticstheory.
*
Doutor em Linguística do Texto e do Discurso pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e
professor da rede particular de Belo Horizonte (MG). https://orcid.org/0000-0002-9447-472X /E-mail:
leotimtimcorre@icloud.com.
Este artigo está licenciado sob forma de uma licença Creative Commons Atribuição 4.0
Internacional, que permite uso irrestrito, distribuição e reprodução em qualquer meio, desde que
a publicação original seja corretamente citada.
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR .
CORRÊA-ROSADO, Leonardo Coelho
Introdução
1
Segundo dados do IBOPE, o capítulo final de Amor à vida consolidou 48 pontos de audiência na grande
São Paulo e 45 pontos no Rio de Janeiro. Além do mais, um tweet publicado pelo Estadão, em 31 de janeiro
de 2014 (data da exibição do último capítulo da referida telenovela), divulgando imagem e matéria sobre
o “beijo gay”, movimentou as redes sociais, com comentários de apoio e desprezo pela exibição da cena. É
possível visualizar essa repercussão na rede social em questão por meio do link:
https://twitter.com/Estadao/status/429423898480738304.
2
Para consulta dos dados levantados na pesquisa mencionada, sugerimos a leitura da página do site
Agência Brasil, por meio do link: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2018-02/uso-de-
celular-e-acesso-internet-sao-tendencias-crescentes-no-brasil.
2
CORRÊA-ROSADO, Leonardo Coelho
3
Os dados relativos à pesquisa realizada pela colunista Patrícia Kogut de O Globo podem ser acessados
pelo link: https://kogut.oglobo.globo.com/noticias-da-tv/novelas/noticia/2021/05/mulheres-de-areia-e-
novela-de-maior-sucesso-do-globoplay-confira-o-ranking-completo.html.
4
Para Charaudeau (1992; 1997), o texto é o resultado de um ato de linguagem produzido por um sujeito
em uma situação de troca social contratual.
3
CORRÊA-ROSADO, Leonardo Coelho
(1994). Essa perspectiva não exclui o ponto de vista precedente (na verdade o
complementa), já que, sendo a cultura um “modo particular de vida, em certo tempo e
lugar, experienciado em toda sua complexidade por um grupo que compreende a si
mesmo como um grupo identificável” (MILLER, 1994, p. 47), o gênero corresponderia a
um desses modos de interação desse grupo, ou nas palavras de Miller (1984, p. 22), “ações
retóricas tipificadas, fundidas em situações recorrentes”.
Diante desse quadro, o presente trabalho visa descrever o gênero
discursivo/situacional telenovela, configurando suas características situacionais,
discursivas e formais a fim de compreender seu funcionamento intragenérico, bem como
o papel desse gênero como artefato cultural. Para tal, utilizaremos como arcabouço
teórico-metodológico a Análise do Discurso Semiolinguística proposta por Charaudeau
(1983; 1992; 1997; 2004; 2008), conjuntamente com os estudos de gêneros discursivos
propostos por Miller (1984; 1994) e Bakhtin (2010). Além do mais, para empreender tal
configuração, utilizaremos trabalhos de estudiosos da televisão e das telenovelas, tais
como Balogh (2002), Costa (2000), Hamburger (2005; 2010), Machado-Borges (2003),
entre outros.
5
A soap opera pode ser considerada uma produção ficcional transmitida pela TV, cuja história se baseia
em peripécias de uma comunidade cambiante, de um local definido ou de uma família circunscrita, não
tendo um fim exatamente previsto, prestando a ser permanentemente estendida. Segundo Pallottini (1998,
p. 53), os exemplos mais próximos e mais conhecidos são Dallas e Dinastia. “Na verdade, a soap opera está
mais para um longuíssimo e infindável seriado que para a telenovela como a conhecemos”.
6
De acordo com Pallottini (1998), a telenovela fechada é similar à telenovela brasileira (tradicional), no
entanto, é totalmente escrita e gravada antes de ir ao ar, o que não possibilita mudanças nos rumos da
história devido a questões de audiência (IBOPE), mercadológicas ou de preferência do público. Algumas
emissoras brasileiras, como o SBT, produziram e ainda produzem exemplares desse modelo, como Éramos
seis (SBT, 1994), As pupilas do Senhor Reitor (SBT, 1995), entre outros.
4
CORRÊA-ROSADO, Leonardo Coelho
estamos nos referindo antes de propor uma possível resposta: a telenovela brasileira. À
maneira de Costa (2000), chamamos de telenovela brasileira esse produto televisivo
peculiar que passou a ser apresentado no Brasil, a partir do final da década de 60,
resultado de um processo de transformação marcante, cujo ponto culminante foi Beto
Rockfeller, de Bráulio Pedroso, exibida pela extinta TV Tupi em 1968-69.
Logo, não estamos nos remetendo apenas às produções adaptadas,
nacionalizadas ou geradas no Brasil, ou seja, aos produtos made in Brazil. Na verdade,
quando falamos de telenovela brasileira, estamos nos referindo ao gênero que adquiriu
características próprias, provenientes de nosso teatro, de nossa literatura, de nosso
cinema, enfim, de nossa cultura nacional, e cujas maiores expressões se dão nas
manifestações do realismo fantástico, presentes, por exemplo, em Saramandaia (1976),
Roque Santeiro (1985-1986), Tieta (1989-1990), Pedra sobre Pedra (1992), Fera Ferida
(1993-1994), A Indomada (1997-1998) e também nas histórias de cunho social, com forte
tendência realista, como Irmãos Coragem (1970-1971), Dancin’ Days (1978-1979), Água
Viva (1980), Vale Tudo (1988-1989), Belíssima (2005-2006), Avenida Brasil (2012-2013).
Estamos tratando, portanto, dessas produções com “cores locais”, como diria Machado
de Assis (1997 [1873]) em seu famoso Instinto de Nacionalidade, adaptando aqui o
pensamento de Machado às produções ficcionais televisivas.
Se nas telenovelas latino-americanas – sendo nosso referencial mais próximo as
mexicanas importadas pelo SBT como, por exemplo, Simplesmente Maria (1991), Maria
do Bairro (1997), A Usurpadora (1999), Manancial (2002-2003), entre outras – o modelo
é basicamente o chamado dramalhão, com enredo melodramático, centrado na família
burguesa e em seus conflitos, advindos geralmente da oposição entre instintos e anseios
íntimos, e a necessidade de adequá-los às normas sociais, também burguesas, na
telenovela brasileira, os temas são geralmente nacionais, retratando, ainda que de forma
ambígua e às vezes até paradoxal, uma parcela da realidade brasileira – na grande
maioria das vezes, a parcela de parte da classe média alta das grandes cidades brasileiras,
centradas no eixo Rio de Janeiro e São Paulo. Nesse sentido, elas podem ser vistas como
espaços para a mobilização de grades de interpretação e reinterpretação de certos
conteúdos socioculturais, incluindo modelos – frequentemente hegemônicos – de
estrutura familiar, relações de gênero, arranjos políticos, entre outras questões.
5
CORRÊA-ROSADO, Leonardo Coelho
Logo, trata-se de um gênero com fortes traços de natureza social e crítica, com
enredos centrados não só em conflitos íntimos, pessoais e sentimentais, mas também
sociais 7 . A maior expressão desse modelo se revela nas produções da Rede Globo de
Televisão, que, desde o início dos anos 1970, se tornou a pioneira de produção do gênero
no Brasil, engendrando um modelo que foi e é, quase sempre, seguido por outras
emissoras brasileiras.
7
O fato de a telenovela brasileira ser um espaço de interpretação e reinterpretação de certos conteúdos
sociais, como estamos propondo, não pressupõe que elementos melodramáticos e folhetinescos não
integrem a sua construção composicional (BAKHTIN, 2010) ou mesmo sua organização narrativa
(CHARAUDEAU, 1992). A telenovela é fruto de um conjunto de antecedentes que, de um modo ou de
outro, se fazem presentes em sua estrutura narrativa. Nesse ponto, concordamos com Porto e Silva (2005),
para quem a influência do melodrama e do romance-folhetim na telenovela brasileira vai mais além das
situações melodramáticas e dos coups de théâtre (grosso modo, imprevistos). Eles se ajustam facilmente à
programação televisiva e renascem plenamente na telenovela, “[...] comovendo e prendendo o interesse
de milhões de telespectadores, assim como o fizeram as peças desse gênero de teatro [melodrama] com
plateias no passado” (PORTO E SILVA, 2005, p. 47).
6
CORRÊA-ROSADO, Leonardo Coelho
8
Ao tratar da mídia televisiva, Charaudeau (2006) afirma que a televisão é imagem e fala, fala e imagem,
não existindo, para a significação televisiva, imagem em estado puro, como poderia ser o caso das criações
na fotografia ou nas artes plásticas, como a pintura e a escultura. “Não somente imagem, como se diz
algumas vezes quando se trata de denunciar seus efeitos manipuladores, mas imagem e fala numa
solidariedade tal, que não se saberia dizer de qual das duas depende mais a estruturação do sentido”
(CHARAUDEAU, 2006, p. 109, grifo nosso).
7
CORRÊA-ROSADO, Leonardo Coelho
imagético, disfarçando os recursos narrativos. Contudo, entre esses dois gêneros há uma
diferença, por exemplo, na utilização dos planos (predominantemente mais abertos no
filme narrativo de ficção e mais fechados nas telenovelas), bem como na constituição
das personagens (no filme, geralmente, há uma interioridade marcante, enquanto nas
telenovelas as personagens são trabalhadas mais por sua exterioridade – conduta,
figurino, hábitos de linguagem e tiques).
Ademais, na telenovela, os diálogos são mais importantes que as imagens, já que
a ação progride mais por meio deles. Em Dancin’ Days, por exemplo, quando a
personagem Julia Matos viaja para a Europa, acompanhada de sua amiga Solange, as
ações de Julia no “velho mundo” chegam ao telespectador não por meio de imagens (não
há cenas que mostrem as duas em Paris ou em Londres), mas por meio de diálogos entre
as demais personagens: Carminha e Jofre, Verinha e Ubirajara. Exemplos similares
também podem ser observados em Irmãos Coragem: quando a personagem Duda
Coragem se apresenta com uma grande barba, ficamos sabendo do motivo desta pelo
diálogo que ele tece com o seu irmão Jerônimo: fora uma promessa feita a São João de
Deus, por não ter perdido a perna com o erro médico de seu sogro, Dr. Maciel.
Devido à importância dos diálogos, alguns estudiosos definem o gênero como
sendo uma história contada, por meio de imagens televisivas, com diálogo e ação
(PALLOTTINI, 1998), ou mesmo uma história que se desenrola através de diálogos ou
de conversação (PIGNATARI, 1984). Concordamos com essas definições e
acrescentamos que o frequente recurso ao diálogo é, conforme nos explica Calza (1996),
resultado de uma mistura de diferentes tradições: do rádio9, da literatura e dos clichês
cinematográficos, “submetida a um conjunto primeiro de regras esquemáticas impostas
9
A televisão brasileira surgiu e se sustentou do rádio durante seus primeiros anos. Dele, o incipiente
veículo herdou o pessoal, os recursos técnicos e administrativos, e as formas de regulamentação. Assim, o
rádio foi umas das maiores influências no que tange à produção televisiva dos primeiros anos, pois muito
dos gêneros e formatos radiofônicos, como os programas musicais, os shows de calouros, as novelas, os
radioteatros, os programas humorísticos, os jornais informativos, entre outros, foram praticamente
transferidos para a televisão. Era comum ouvir entre os telespectadores, como aponta Fanucchi (1996),
que a TV dos primórdios não passava de uma “rádio com imagens”. No entanto, com a inauguração da TV
Excelsior no início dos anos 1960 e, posteriormente, com a chegada da TV Globo, houve um rompimento
com a tradição radiofônica e uma busca pela midiatividade televisiva, de modo a tornar a TV um veículo
próprio.
8
CORRÊA-ROSADO, Leonardo Coelho
menos por opções estéticas e mais por pressões econômicas, ou seja, pelas necessidades
da TV comercial” (CALZA, 1996, p. 8).
Sua relação com a realidade faz com que a telenovela brasileira seja um modo de
representação de alguns aspectos da vida cotidiana, com alguns de seus problemas,
conflitos, resoluções e comportamentos, estando mais próxima da crônica do cotidiano
que do romance, como propõe Calza (1996) – embora a telenovela não seja nenhum dos
dois. O “mundo lá fora” é uma referência para a construção do enredo de uma telenovela,
visto que “[a] audiência tem que estar apta a acreditar que as personagens construídas
no texto são pessoas reais, agradáveis ou não, com quem possuam afinidades ou não”
(ANDRADE, 2003, p. 58).
Com efeito, na enunciação telenovelística, há a simulação de uma situação
possível de ordem psicossocial e espacial – definição de ficção proposta por Mendes
(2004) –, fazendo com que o contrato comunicacional desse gênero discursivo
estabeleça um estatuto ficcional, isto é, a telenovela é um gênero em que há o
predomínio da simulação de situações possíveis. Assim, as relações do discurso
telenovelístico com a realidade são as mais instigantes possíveis; a telenovela pode “nos
dar sinalizações muito contundentes sobre o que se passa no imaginário de nosso povo”
(BALOGH, 2002, p. 197). Dessa maneira, ela mimetiza (simula) 10 e constantemente
renova determinadas imagens do cotidiano, definindo, por um lado, uma certa pauta
que regula algumas interações entre a vida pública e a vida privada, e transmitindo, por
outro lado, uma certa noção do que é ser contemporâneo.
Logo, as novelas podem fornecer certo repertório comum para indivíduos de
diferentes classes sociais, gêneros, gerações e regiões, constituindo em uma espécie de
referência para esses grupos de atores sociais. Esse repertório é, frequentemente,
organizado em torno de alguns aspectos e problemas experienciados por determinados
segmentos da sociedade brasileira. Nessa propagação de sentidos, as histórias de muitas
telenovelas retratam a realidade vivida, sobretudo, pelos integrantes da classe média alta
10
Genette (2007) afirma que a melhor tradução para o termo grego mimese (proposto por Aristóteles em
sua Arte Poética) está no termo simulação, pois, na narrativa ficcional, o ato narrativo instaura (inventa)
de uma só vez, a história (o conteúdo narrativo) e a própria narrativa (o enunciado), e os dois são
perfeitamente indissociáveis.
9
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10
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i ii iii iv
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v vi vii viii
ix x xi xii
Fonte: Imagens extraídas dos boxes de DVDs das referidas telenovelas 11.
11
As imagens que compõem os diferentes exemplos desse trabalho foram retiradas dos boxes de DVDs das
referidas telenovelas mencionadas. Cumpre-nos ressaltar que tais boxes são produtos lançados pela
Globomarcas, ligada às Organizações Globo e à Rede Globo de Televisão.
13
CORRÊA-ROSADO, Leonardo Coelho
14
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personagens, “convite que é aceito pela audiência e materializado nas fofocas, conversas
e comentários que a trama destila” (ANDRADE, 2003, p. 52), e nas respostas às
interpelações da telenovela flow (MACHADO-BORGES, 2003, p. 80).
Com isso, a telenovela aparece como um jogo que brinca com o destino das
personagens ao longo dos capítulos. Nesse sentido, assistir novela é, para alguns
telespectadores, muito mais que ver um programa de TV; é estar envolvido em sua trama,
é se deixar levar pelo suspense, é compartilhar emoções com as personagens, é discutir
as motivações de suas condutas, é, por fim, decidir o que é certo ou errado. Assim, não
é incomum que certo telespectador ligue a TV para assistir à telenovela com o intuito de
se envolver, de se deixar seduzir, de ver reconhecida sua própria existência e experiência
do dia-a-dia na tela da televisão. Sobre esse envolvimento, Calza (1996) complementa
que:
uma TN [...] [e]ngendra-se a partir de seres de papel, saídos do reino da ficção,
que de repente saltam para a vida real e, por seu alto poder de influência,
invadem a privacidade do telespectador, na situação mais desprotegida:
relaxada, no recesso do seu lar. O processo chega a ser catártico, terapêutico: o
telespectador [...] quer se exaurir em emoções e sobressaltos (CALZA, 1996, p.
14, grifos nossos).
Dessa maneira, a telenovela, como todo ato de linguagem, é uma aposta, ou nas
palavras de Charaudeau (1983), uma expedição e uma aventura. Uma expedição porque
ela é organizada, dentro das possibilidades situacionais, por um sujeito (na verdade, por
vários sujeitos que constituem uma instância compósita), dotado de uma
intencionalidade, que se dirige a outros sujeitos, seus destinatários, a fim de influenciá-
lo de algum modo; uma aventura porque não se sabe se os efeitos visados por esse sujeito
intencional serão efetivamente produzidos no destinatário.
Podemos afirmar que a telenovela é similar a um encontro de conhecidos, em que
um (o telespectador) espia a vida do outro (as personagens), encontro este cuja única
fidelidade que existe é com a interação comunicativa, ou seja, com o próprio ritual de
contar/assistir (COSTA, 2000). Apesar de o autor, o próprio escritor do roteiro, ser tido
como o grande responsável pela enunciação telenovelística, visto que é a sua assinatura
que consta como responsabilidade autoral (conforme evidenciamos nas imagens a
seguir), a produção televisiva se comporta de maneira antropofágica em relação ao texto
15
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i ii iii iv
v vi vii viii
16
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ALENCAR, 2004). Todavia, o desenrolar da trama pode tomar outros rumos, devido à
influência dos fatores acima.
Nesse contexto, o jugo do IBOPE, aferindo a satisfação do público, e as opiniões
expressas pelos telespectadores do Rio de Janeiro e São Paulo nos grupos de discussão
(discussion groups) montados pelas emissoras, são elementos importantes nesse
processo.
Como afirma Hamburguer (1998):
[a]s relações do público com as novelas são marcadas pelo caráter folhetinesco,
sujeito às mais variadas pressões de instituições sociais, de índices de audiência,
às reações expressas por telespectadores em contato direto com autores e
produtores, ou mediadas pela imprensa e mídia especializada (HAMBURGUER,
1998, p. 479).
17
CORRÊA-ROSADO, Leonardo Coelho
Nessa ânsia de agradar seu público, a telenovela é uma espécie de ritual, uma vez
que ela é oferecida sempre no mesmo horário e nos mesmos dias da semana para o
telespectador – uma consequência da programação vertical e horizontal que permitiu
desenvolver o potencial comercial da televisão e também desse gênero. Com isso, ela se
insere nas rotinas diárias da audiência, em meio a afazeres de diversas ordens. Por
exemplo, no caso de um homem que gosta desse gênero: o ritual de assistir telenovelas
ocorre concomitante a outras atividades como a chegada do trabalho; organização da
casa; cuidado com os filhos; jantar, etc.
Com efeito, a telenovela se torna uma verdadeira prática sociodiscursiva. Dessa
maneira, ela institui um verdadeiro cerimonial narrativo (COSTA, 2000), no qual um
determinado local (a televisão localizada em certo cômodo da casa) e um horário são
estabelecidos para sua interação, organizando, com efeito, a vida temporal e social dos
atores sociais12.
Portanto, de um modo geral, a telenovela é uma narrativa ficcional escrita para a
televisão ou adaptada de outro gênero (romance, peça teatral, poema, etc.), apresentada
em capítulos diários, com duração de 40 a 55 minutos. Trata-se de uma “obra aberta”, na
qual o desenrolar da trama acompanha as reações do público e do IBOPE. A telenovela,
mesmo sendo entretenimento, pode lidar com temáticas sociais e discutir questões de
interesse social, tais como a pedofilia, a prostituição, o desaparecimento de crianças, ou
o uso de drogas, entre outros. Entretanto, muitas delas acabam por tratar dessas pautas
a partir de uma perspectiva hegemônica, conforme mencionamos.
12
É comum ouvirmos, em nosso dia-a-dia, enunciados do tipo: “Só posso depois da novela”; “Hoje não vai
dar porque não quero perder o capítulo da novela”; “Chegando em casa, depois de um dia exaustivo de
trabalho, só quero deitar na cama e assistir às novelas”; “Eu adoro novelas. Não perco um capítulo”, entre
outros tão comumente ditos por certos brasileiros, o que evidencia o modo como as telenovelas organizam
a vida de determinados telespectadores.
18
CORRÊA-ROSADO, Leonardo Coelho
Nessa parte de nosso trabalho, achamos adequado apresentar ao nosso leitor uma
breve descrição do gênero telenovela para complementar as considerações feitas
anteriormente. Para tal, resgatamos alguns apontamentos realizados por nós mesmos
em outros trabalhos (CORRÊA-ROSADO, 2013, 2016; CORRÊA-ROSADO; MELO, 2015)
e inserimo-los em um quadro, conforme podemos visualizar a seguir (quadro 1).
Segue-se, então, o quadro que resume as configurações do gênero telenovela,
segundo a perspectiva adotada.
19
CORRÊA-ROSADO, Leonardo Coelho
Contudo, não podemos perder de vista que, ao propor essa descrição do gênero
telenovela, estamos calcados na proposta de Charaudeau (1997, 2004). Para o
pesquisador em tela, os gêneros do discurso são necessários para a inteligibilidade dos
objetos do mundo, servindo de modelo ou contra-modelo de produção-leitura do
discurso. “Assim, os gêneros se inscrevem em uma relação social na medida em que eles
testemunham uma codificação que pode variar no espaço (diferenças culturais) e no
tempo (mudanças históricas)” (CHARAUDEAU, 1997, p. 82, tradução nossa13).
Assim, partindo do postulado bakhtiniano de que é preciso certas referências para
comunicar, ou seja, de que aprendemos a moldar nossos enunciados em formas de
gênero (BAKHTIN, 2010), Charaudeau (2004) entende que os gêneros estão ancorados
na dimensão social da linguagem, sem esquecer-se de suas outras dimensões, discursiva
e formal. Com isso, ele os denomina de “gêneros situacionais”, na medida em que as
características do discurso dependem essencialmente de suas condições de produção em
determinadas situações, isto é, dos dados do contrato comunicacional que modela a
situação de troca verbal (CHARAUDEAU, 2006, p. 251).
Nesse sentido, ele parte da ideia de que falar em gêneros é falar em restrições e
propõe, com isso, uma articulação entre as restrições das três dimensões do fato
linguageiro: a) as restrições situacionais, b) as restrições discursivas e c) as restrições
formais. No entanto, é importante esclarecer que tal articulação deve ser entendida
como uma correlação e não como uma implicação sucessiva entre os diversos níveis, pois
todos eles possuem categorias que permitem apreender um determinado gênero.
Assim, as restrições situacionais são delimitadas pelos componentes do contrato
comunicacional (finalidade, identidade, propósito e circunstâncias materiais); já as
restrições discursivas dizem respeito aos componentes ligados ao “como dizer” em
função dos dados situacionais (modos enunciativos, modos enoncivos, modos de
tematização, modos de semiologização); por fim, as restrições formais, que
correspondem às recorrências formais que testemunham as regularidades e até mesmo
as rotinizações e a configuração textual do gênero (CHARAUDEAU, 2004), como a
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CORRÊA-ROSADO, Leonardo Coelho
14 No original: “s’attache aux discours qui visentexplicitement à agir sub le public, qu’àceux qui
exercentune influence sans se donner pour autant come une enterprise de persuasion”.
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Considerações finais
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Referências
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CORRÊA-ROSADO, Leonardo Coelho
AUMONT, J.; MARIE, M. A análise do filme. Lisboa: Edições Texto e Grafia, 2009.
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CORRÊA-ROSADO, Leonardo Coelho
MACHADO, I. L. Uma analista do discurso face aos ditos de dois políticos: narrativas
de vida que se entrecruzam. Revista Eletrônica de Estudos Integrados em
Discurso e Argumentação, [s.l.], v. 3, p. 68-81, 2012.
26
CORRÊA-ROSADO, Leonardo Coelho
Recebido em 15/12/2021.
Aprovado em 04/05/2022.
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