Origem Do Epíteto "Cidade Maravilhosa" para Designar o Rio de Janeiro - Lenda e Verdade
Origem Do Epíteto "Cidade Maravilhosa" para Designar o Rio de Janeiro - Lenda e Verdade
Origem Do Epíteto "Cidade Maravilhosa" para Designar o Rio de Janeiro - Lenda e Verdade
Ivo Korytowski
KARYTOWSKI, Ivo
ORIGEM DO EPÍTETO “CIDADE MARAVILHOSA” PARA
DESIGNAR O RIO DE JANEIRO: LENDA E VERDADE
R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 183(488): 265-294, jan./abr. 2022
Rio de Janeiro
jan./abr. 2022
Origem do epíteto “cidade maravilhosa”
para designar o Rio de Janeiro: lenda e verdade
265
II – COMUNICAÇÕES
NOTIFICATIONS
Resumo: Abstract:
Na primeira parte do artigo, desminto a len- In the first part of the article, I dispel the
da urbana difundida de que o epíteto “Cidade widespread myth that the writer Coelho Neto
Maravilhosa” para designar o Rio de Janeiro created the epithet “Cidade Maravilhosa”
foi uma criação do escritor Coelho Neto. Na (Marvellous City) to designate the city of Rio de
segunda parte, procuro desvendar a origem real Janeiro. In the second part, I try to unravel the
do epíteto. Mostro que foi usado para designar real origin of the epithet by showing that it was
a Exposição Nacional de 1908, depois o “novo first used to designate the National Exhibition
Rio” surgido das reformas urbanísticas de Perei- of 1908, and later the “New Rio” resulting from
ra Passos, até enfim se popularizar com a mar- the urban reforms carried out of Pereira Passos,
chinha “Cidade Maravilhosa”. until it finally became popular in the carnival
song Cidade Maravilhosa.
Palavras-chave: Cidade Maravilhosa, Rio de Keywords: Cidade Maravilhosa, Rio de Janeiro,
Janeiro, Coelho Neto. Coelho Neto.
PARTE I
1 – Escritor com duas obras premiadas pela UBE-RJ, tradutor consagrado, lexicógrafo,
filósofo graduado e licenciado pela UFRJ, pesquisador da história do Rio. Tem colabo-
rações publicadas na Revista Brasileira da ABL, revista Littera, revista Ficções, revista
Pilares da História e jornal O Trem Itabirano. E-mail: ivokory@gmail.com.
2 – Segundo as evidências que consegui levantar em antigos jornais.
5 – Nonada: Letras em Revista, vol. 1, n. 28, maio de, 2017, pp. 194-209.
6 – Convite enviado por e-mail a este autor.
7 – “Cidade maravilhosa” I: André Filho e a saga de uma marcha-hino. Artigo publicado
em 20 de janeiro de 2015 no site do IMS. Acessível em https://ims.com.br/por-dentro-
-acervos/cidade-maravilhosa-i-andre-filho-e-a-saga-de-uma-marcha-hino/
Página 3 de A Notícia de 29-30 de outubro de 1908, contendo no folhetim superior a crônica “Os Sertanejos” de
Coelho Neto. As edições de 1908 desse jornal não constam da Hemeroteca Digital, só estando disponíveis em
microfichas na Biblioteca Nacional.
PARTE II
12 – O artigo foi incluído como bônus na edição brasileira do livro citado, intitulada Em
Alto-Mar, publicada em 2017 pela Nova Alexandria em coedição com o Istituto Italiano
di Cultura, com tradução, curadoria e notas de Adriana Marcolini.
13 – Edmondo De Amicis: scritti per "La lettura," 1902-1908, Fondazione Corriere della
Sera, 2008, acessado no Google Livros.
Cidade maravilhosa!
Salve, Rio de Janeiro!14”
considerado pelos que ainda o não conhecem como uma cidade maravi-
lhosa”. Este mesmo jornal, na edição de 15-16 de agosto de 1910, escre-
ve, em matéria de primeira página intitulada A CIDADE:
Dias como o de hontem, pela sua doçura, a sua luz, a sua alegria são
verdadeiras dadivas do céo. [...] É por um dia assim que a nossa cidade
melhor brilha nas suas pompas e galas, ostentando os esplendores de
uma cidade maravilhosa [...].
exclamação de todos que nos visitam.” Mais adiante deparamos com este
trecho profético:
A cidade progride e avança; toma o mar e toma as montanhas, e esten-
de-se para as costas, varando as rochas. Ainda não temos os caminhos
subterraneos, mas para lá caminhamos acceleradamente. E quando a
cidade tiver tudo isso, quando ella não construir os seus palacios ape-
nas na planicie, mas os levar para as montanhas, quando ella habitar
tambem os [sic] ilhas encantadoras de sua refulgente bahia e o mar se
encher de elegantes yachts, como hoje as avenidas se enchem de auto-
moveis, então ella poderá desafiar as que mais bellas o forem. Ella já
é a cidade maravilhosa.18
18 – Jornal A Notícia, edição de 20-21/3/1913, pág. 3, acessado por este autor na Heme-
roteca Digital.
inferno não sahi mais, nem á mão di Deus Padre. E a outra, de olhos
lacrimosos:
– Eu bem não quiria vim. Tanto dinhêro modi cantá i sambá era mêmo
p’ra genti discunfiá. E os homens mudos, arrastando as alpercatas,
lá iam cabisbaixos, mazorros, refugindo, com timidez, á curiosidade
publica. Um outro buzinou soturno.
– Ocê uviu, Clódina ? A modi qu’é boi berrando. Não vá sê genti
incantada! Era a hora angelical e o bando poz-se a rezar baixinho,
á medida que a noite começa a desengranzar o seu rosario de es-
trellas. Subito, uma deflagração. Collares de lampadas de fogo e a
linha dos edificios debruada a luzes. Foi um medo panico indizivel:
“Misericordia! Credo! Abrenuntio! P’ras areias gordas!”
– Sê tá vendo, Clódina ? Eu não dixe qu´é u inferno ? Oia cumu tudo
s’accendeu d’uma vez ! sem phosque. Estacaram deslumbrados.
A Cidade maravilhosa resplandecia como nas lendas. E a misera gen-
te tremia e encommendava-se a Deus, a Nossa Senhora e aos santos,
fazendo promessa, arrependida de haver seguido o demonio tentador
que a fôra buscar no repouso feliz da sua terra. E quando appareceu
um automovel urrando, com os dois immensos olhos accesos em cla-
rões, a debandada foi tumultuosa e gritos e esconjuros atroaram.
Foi em tal estado d’alma que os sertanejos ensaiaram no cinema os
cantos e as danças em que são exímios.
Mas que podiam os miseros cantar se lhes faltava a voz ? Como dan-
çariam elles se as pernas lhes tremiam como varas verdes? O fiasco foi
absoluto e o emprezario, corrido, recambiou-os na manhan seguinte,
desfazendo no espirito do povo uma illusão poetica. E toda a gente
está hoje convencida de que danças e cantos sertanejos são estopadas
ridiculas.
Serão no palco do cinema, mas lá no verde sertão, com a lúa grande
no ceu e as fogueiras flammejando, emquanto o rio murmúra o seu
canto dormente e a morena, arrepanhando a saia, labios entreabertos
no fervor do samba, sacode, boleia os quadris redondos, as violas e os
machetes repinicam, os violões plangem e os adufes rebatem o rythmo
do sapateio, lá é que é ver como os corações se agitam, lá é que é sentir
o prestigio do canto, lá é que é comprehender como póde o almiscar
estoteante de um corpo de mulher faceira fazer de um caboclo paci-
fico um assassino e desprestigiar um santo tirando-o da ascese para o
frenesi na eira.
Cidade maravilhosa!
Na luz do luar, fluídica e fina,
Lembra excêntrica bailarina,
Corpo de náiade ou sereia,
Desfolhando-se em pétalas de rosa,
Com os pés nus sobre a areia.