Dossie Imigracao - Olhares Contemporaneos 1 PDF
Dossie Imigracao - Olhares Contemporaneos 1 PDF
Dossie Imigracao - Olhares Contemporaneos 1 PDF
do programa de pós-graduação
em sociologia da UFSCar
v.6 | n.2
Julho/Dezembro
2017
Áskesis: Revista dxs Discentes do Programa de Desenvolvimento Web
Pos-Graduação em Sociologia da UFSCar Rodrigo Casaut Melhado
Dossiê
Imigrantes: mais que braços para o café, a constituição dos homens de negócio no interior
paulista
Eder Carlos Zuccolotto ...................................................................................................................81
A imagem do “outro”: uma análise das notícias televisivas sobre o tema da imigração
Elaine Javorski ..............................................................................................................................114
A leste do Éden: migrações por amenidade num balneário da costa atlântica uruguaia
Daniel Cajarville ............................................................................................................................166
Tradução
Os Fasci no Brasil
Paolo Targioni;
Marinei Almeida ............................................................................................................................180
Ensaio
Entrevista
Relato de Pesquisa
Migração haitiana: um estudo etnográfico com crianças, pais, professores em escolas pú-
blicas de Sinop MT
Ivone Jesus Alexandre ..................................................................................................................208
Artigo
Propagandas das formas de trabalhos: discussão sobre propaganda e novas formas de tra-
balho nas mídias digitais
Giulianna Bueno Denari ................................................................................................................237
Resenha
Resumo
Este artigo analisa as impressões de viajantes italianos sobre a imigração italia-
na no Paraná. São eles Pietro Colbacchini, Alfredo Cusano e Ranieri Veronese
que estiveram no Estado entre os anos de 1886 e 1912. A parte privilegiada das
descrições desses autores referem-se as colônias instaladas na capital e nos
seus arredores. Em seu inventário físico e humano do Paraná, especialmente
das colônias imigrantes, esses homens descreveram os aspectos positivos e
negativos da experiência imigratória, destacando as possibilidades e os limi-
tes para instalação de novos imigrantes. Na mesma direção o progresso das
colônias já estabelecidas, os discursos das qualidades dos imigrantes sobre os
nacionais e a importância da preservação da italianidade.
Abstract
This article analyzes the impressions of Italian travellers about the Italian
immigration in the state of Paraná. They are Pietro Colbacchini, Alfredo Cusano
and Ranieri Veronese that were in the State between the years 1886 and 1912.
The privileged setting in the descriptions of these authors refer to the colonies
installed in the capital and on its outskirts. In their inventory the physical and
human state of Paraná, especially in the colonies immigrants, these men have
described the positive and negative aspects of the experience of immigration,
highlighting the possibilities and limits for installation of new immigrants. In the
same direction as the progress of the colonies already established, the speechs
about the qualities of the immigrants over the national, and the importance of
the preservation of the italianidade.
2 Os relatos dos viajantes referidos foram publicados em livros nas cidades e nos anos,
respectivamente de Paris 1851, Leipzig 1859 e Londres 1878. No caso do viajante Auguste Saint-
Hilaire embora a viagem tenha sido feita em 1820, seu relato foi atualizado com anotações e dados
de outros viajantes e com informações de relatórios dos Presidentes de Província e Anuários.
Essa atualização sugere a ideia de produzir um inventário sobre o Brasil que funcionaria como
propaganda para a vinda de imigrantes estrangeiros.
3 Associação Italica Gens: Federazione per l’Assistenza degli emigranti transoceanici e diretta
dall’Associazione Nazionale per Missionari Cattolici italiani era constituída por membros de todas
as ordens e congregações religiosas que tinham missionários entre os imigrantes na América
(salesianos, jesuítas, franciscanos, scalabrinianos, capuchinhos, conventuais e vários outros).
Com sede no Segretariado Centrale di Torino e missionários atuantes nos portos de Genova e
Nápoles, o escopo da Associação era aconselhar, orientar e atender religiosamente os emigrantes
italianos tanto na partida como no estabelecimento no local de destino na América. Da mesma
forma, informar às autoridades italianas as condições que se encontravam os imigrantes nos
países de destino, e os eventuais problemas (exploração, situações de doença, fome, conflitos)
que viessem surgir na experiência migratória.
4 Sobre as impressões desse viajante ver: VANNUCCI, Alessandra. Un baritono ai tropici. Diario
di Giuseppe Banfi nel Paraná. 1858. Reggio Emilia: Diabasis Edizioni, 2007.
Me sinto no dever de gritar tão alto, para ser ouvido do outro lado
do mar aos meus conterrâneos: a vocês que emigram para o Paraná,
atentem aos lugares infectos de Paranaguá, Morretes e Antonina e de
todo este litoral, se querem evitar a maior desgraça que jamais vos pos-
sa acontecer5.
5 mi sento in dovere di gridare tanto alto, da essere udito al di là dei mari dai miei connazionali:
o voi che emigrate per il Paranà, guardatevi dai luoghi infetti di Paranaguà, Morretes ed Antonina e
da tutto questo litorale, se pur volete evitare la più grande disgrazie che mai vi possa incogliere.
6 [...] dal punto di vista economico-sociale le colonie dei tre Stati di Rio Grande do Sul, Santa
Catarina e Paraná, si può dire, da quasi tutte le altre che abbiamo sparse nel Nord e nel Sud
America, è che i nostri connazionale essendosi per la massima parte colà dedicati all’agricoltura,
vi sono divenuti tutti piccoli proprietari di terra; pochi sono gli operai ed i salariati, e questi si
trovano solo nelle città. Mentre negli altri paesi, come ad esempio negli Stati Uniti e nell’Argentina,
si hanno fra i nostri emigranti fortissimi desiquilibri di fortune, dai multimilionari ad um esercito
purtroppo numerosissimo di salariati miserabile. Qui le fortune sono quase sempre modeste e
molte fra loro equivalenti; ed è raro trovare persone valide che manchino dei mezzi necessari
alla vita. Ciò che le distingue dal punto di vista etnico è la maggior conservazoni dei costumi e
della língua italiana, resa possibile fino ad ora dalla formazione di aggruppamenti agricoli italiani
omogenei isolati daí centri brasiliani.
7 R. Veronesi dá outra indicação a respeito da população paranaense que seria de 360.000 sen-
do cerca de 70.000 poloneses e em seguida os italianos que seriam menos de 30.000. Depois
cita os alemães que se encontravam, sobretudo, na cidade de Curitiba, mas sem mencioná-los
numericamente (Veronesi, 1913, p. 328).
8 le terre più fertile e situate in posizioni ridentissime e salubre sono ancora numerose e potre-
bbero ancora fare la fortuna di migliaia e migliaia di coloni .
Destaca-se que aqui a descrição do autor, registrada quase vinte anos após
a análise de Colbacchini, vinha no sentido contrário daquilo que era almejado
pelo clero escalabriniano. Na visão de Veronesi o processo acentuado de absor-
ção brasileira se relacionaria ao contato mais estreito com a população local e
isso se dava mais intensamente no ambiente urbano. Por outro lado, aqueles
que se encontravam em áreas mais afastadas da cidade, com atividades predo-
minantemente rurais, como era o caso de Santa Felicidade, conservariam me-
lhor os elementos originários da Itália. Aqui podemos bem compreender o por-
quê da valorização de Colbacchini em relação à imigração em colônias. Cusano
(1904, p.105, tradução minha) destacou com certo saudosismo a colônia de San-
ta Felicidade como a mais bela prova daquilo que o imigrante italiano poderia se
9 Ho sentito più volte lamentare da italiani autorevoli e conoscitori dell’ambiente che la nostra
colonia di Curitiba e dintorni, è sulla via del disregramento. Nei riguardi della conservazione
nazionale e purtroppo io stesso ho dovuto constatare la verità dell’affermazione. Una buona
parte dei nostri connazionale colá residenti si sono subito ed interamente lasciati assorbite
dall’ambiente, e si possono considerare come brazilianizzati nei sentimenti e nei costumi.
Queria pode ter a virtude de devolver, com toda a força de seu vi-
brante entusiasmo, a admiração que suscitou em mim a colônia de
Santa Felicidade na primeira vez que a visitei, para fazer conhecer na
Itália o quanto soube e pode operar no Brasil o colono italiano 10.
10 Vorrei poter avere la virtù di rendere in tutta la forza del suo vibrante entusiasmo l’ammirazione
che suscitò in me la colonia de S. Felicidade la prima volta che la visitai, per far conoscere in
Italia quanto ha saputo e potuto operare in Brasile il colono italiano.
11 [...]Presi dimora presso i miei Missionarii a S. Felicidade. È questa la colonia modello: la più
ben regolata di tutto Il Brasile. I Missionarii l’ebbero in mano in sul nascere e, assistita
continuamente, si mantenne cristiana, cattolica, fervente. Ieri comunicai un numero stragrande
di persone. Si stende a circa 20 miglia all’interno e questi buoni preti sono in moto continuamente
non solo per le colonie, ma ancora in tutto lo Stato per le missioni. Sono giunto a P. ultimo confine
civilizzato. Al di là è tutto Bosco abitato dagli indii selvagici.
12 A expressão é de Pigato
13 A expressão é de Veronese.
14 Se alle colonie dei nostri immigrati si tolgono la lingua, le tradizioni, i costumi patrii, se distrug-
ge in essi il carattere della razza, si distruggono le virtù civili di laboriosità e di attività, si perdono
nelle donne quelle virtù domestiche e casalinghe che sono il fondamento di una società bene
ordinata e di prospero avvenire.
Considerações finais
Referências bibliográficas
CUSANO, A. Italia d’oltre mare: impressioni e ricordi dei miei cinque anni di
Brasile. Milano: Stabilimento tipografico Enrico Reggiani, 1911.
FRANCO, S. M. S. Relatos de viagem: reflexões sobre seu uso como fonte docu-
mental. In. FRANCO, Stella Maris Scatena; JUNQUEIRA, Mary Anne. Cadernos
de seminários de pesquisa: Projeto Temático/FAPESP – Cultura e Política nas
Américas: Circulação de Ideias e Configuração de Identidades. São Paulo: USP-
-FFLCH-Editora Humanitas, 2011.
____________________
Recebido: 10 maio, 2017.
Aceito: 11 jun., 2017
Resumo
O artigo faz uma análise acerca da imigração espanhola para o Brasil, levando em
consideração fatores de expulsão, que fizeram com que milhares de espanhóis
deixassem seu país de origem e fatores de atração, como o subsídio da viagem
por parte do governo brasileiro, por exemplo. Sob essa perspectiva, a análise abar-
ca questões econômicas e demográficas que influenciaram a Espanha e o Brasil
diante do ato de emigrar e imigrar.
Abstract
The article analyzes Spanish immigration to Brazil, taking into account expulsion
factors that caused thousands of Spaniards to leave their country of origin and
attraction factors, such as the subsidy of the trip by the Brazilian government, for
example. From this perspective, the analysis covers economic and demographic
issues that influenced Spain and Brazil in the face of emigration and immigration.
1 Mestre em História pela Unesp, com dissertação intitulada “Inserção às Avessas: a imigração
espanhola em Franca (1900-1950)”. Atualmente é historiadora da Fundação Pró-Memória de São
Carlos, atuando principalmente na pesquisa histórica e curadoria de exposições do Museu de São
Carlos e do Museu de Pedra “Tinho Leopoldino”. Membro do Conselho Municipal de Defesa do Pa-
trimônio Histórico, Artístico e Ambiental de São Carlos - COMDEPHAASC, do Conselho de Política
de Acervo do Museu de São Carlos e Representante Regional do Sistema Estadual de Museus -
SISEM
2 RIBEIRO, Mariana Cardoso dos Santos. Imigração e expulsão: mecanismos para a seleção
de estrangeiros no Brasil. In Seminários, Arquivo do Estado: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2003, p.67.
3 O termo “raça” será usado para demonstrar como as diferenças culturais eram denominadas
no início do século XX, quando essas mesmas diferenças eram designadas em caráter biológico,
mais especificamente fenotípicas, que seriam capazes de “denunciar” o caráter humano. O termo
aqui se enquadra justamente na busca de uma “raça” capaz de regenerar a população brasileira
por parte do governo, que inseriu, nesse contexto, o imigrante europeu. Em contrapartida o termo
também era recorrente entre os imigrantes espanhóis que buscavam valorizar sua “raça”, já que
essa terminologia era recorrente nesse período. No entanto, atualmente essa terminologia caiu em
desuso e os estudos antropológicos se abarcam do termo etnia, que abrange à língua e cultura de
determinado povo ou região.
6 Ibid, p. 144- 145. Nesse caso o autor faz referência a Thomaz E. Skidmore na obra Preto no
Branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro.
8 Ibid, p.68.
9 Ibid, p.68.
10 KLEIN, Herbert S. A imigração espanhola no Brasil. São Paulo: Editora Sumaré: FAPESP,
1994.p.35.
11 SOUZA, Ismara Izepe. Espanhóis: história e engajamento. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 2006, p.3.
16 MARTINEZ, Elda E. Gonzalez. O Brasil como país de destino para os imigrantes espa-
nhóis. p.239. In Fazer a América, Org. Boris Fausto, São Paulo: EDUSP, 1999.
17 Ibid, p. 251.
18 KLEIN, Herbert S., Migração Internacional na História das Américas, p.13. In Fazer a Amé-
rica, Org. Boris Fausto, São Paulo: EDUSP, 1999.
19 KLEIN, Herbert S., Migração Internacional na História das Américas, p.13. In Fazer a Amé-
rica, Org. Boris Fausto, São Paulo: EDUSP, 1999.
20 Ibid, p.14.
21 Ibid, p.15.
22 Ibid, p.17. In Fazer a América, Org. Boris Fausto, São Paulo: EDUSP, 1999.
Indivíduos Período
3.914 1882 - 1884
11.410 1885 - 1889
34.513 1890 – 1894
36.674 1895 – 1899
14.510 1900 – 1904
59.551 1905 – 1909
44.745 1910 – 1914
7.264 1915 – 1919
10.864 1920 – 1924
15.294 1925 – 1929
238.739 Total
Fonte: MARTINEZ, Elda González. O Brasil como país de destinos para os migrantes
espanhóis.In Fazer a América, 2000, p.240.
24 KLEIN, Herbert S., A imigração espanhola no Brasil. São Paulo: Editora Sumaré: FAPESP,
1994, p.7.
25 Ibid, p.35.
Gráfico 2
27 Ibid, p.28.
28 Ibid, p.28.
30 Ibid, p.418.
31 Rui Pedro Esteves; David Khoudour-Castéras. A Fantastic rain of gold: european migrants
remittances and balance os payments adjustment during the gold standard period. Universidad Ex-
ternado de Colombia; University of Oxford (working paper), 2007, p.40-41, In GONÇALVES, Paulo
Cesar. Mercadores de Braços: riqueza e acumulação na organização da emigração européia
para o Novo Mundo. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação da Univer-
sidade de São Paulo - FFLCH, 2008.
33 HOLLOWAY, Thomas H., Imigrantes para o café. São Paulo: Paz e Terra, 1984, p.67-68.
34 HOLLOWAY, Thomas H., Imigrantes para o café. São Paulo: Paz e Terra, 1984, p.67.
35 KLEIN, Herbert S., A imigração espanhola no Brasil. São Paulo: Editora Sumaré: FAPESP,
1994, p.16.
36 Ibid, p.17.
37 RIBEIRO, Mariana Cardoso dos Santos, Imigração e expulsão: mecanismos para a sele-
ção de estrangeiros no Brasil. Seminários, Arquivo do Estado: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2003, p.67.
38 KLEIN, Herbert S. A imigração espanhola no Brasil. São Paulo, Editora Sumaré: FAPESP,
1994, p.35.
39 Ibid, p.72-74.
41 HOLLOWAY, Thomas. Imigrantes para o café. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1984, p. 72-73.
43 MARTÍNEZ, Elda E. González, O Brasil como país de destino para os imigrantes espa-
nhóis. In Fazer a América, Org. Boris Fausto, São Paulo: EDUSP, 1999, p. 243.
44 SOUZA, Ismara Izepe de. Espanhóis: história e engajamento. São Paulo: Companhia Edi-
tora Nacional, 2006, p.21.
46 RIBEIRO, Marina Cardoso dos Santos, Imigração e expulsão: mecanismos para a seleção
de estrangeiros no Brasil. Seminários, Arquivo do Estado: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2003. p.69.
47 SOUZA, Ismara Izepe de. República espanhola: um modelo a ser evitado. Inventário DE-
OPS. São Paulo: Arquivo do Estado, Imprensa Oficial, 2001, p.41.
48 Ibid, p.50.
50 Ibid, p.52.
HOLLOWAY, Thomas H., Imigrantes para o café. São Paulo: Paz e Terra, 1984.
Resumen
El artículo muestra la conformación de un espacio social gravitante entre Guayaquil
y Cataluña a partir de las prácticas transnacionales que desplegaron los migrantes
catalanes llegados a Ecuador entre mediados del siglo XIX y el primer tercio del
siglo XX, así como sus descendientes. Se infiere además cómo aquellas prácticas
transfronterizas se fueron reificando, conformando un sustrato institucional o
legado migratorio que aún hoy día encarna vínculos amplios y duraderos entre las
sociedades de origen y destino de aquel flujo. La investigación tiene un recorte
etnosociológico e incorpora la exploración de largo recorrido a los estudios
migratorios transnacionales. Por lo que participa reflexivamente en torno a las
transformaciones societales que envuelven a regiones marcadas por la inflexión
de flujos migratorios estables.
1 El artículo presenta los resultados principales de la tesis “RODA EL MÓN…I TORNA AL BORN:
Vínculos transnacionales en la migración catalana al Ecuador”. Realizada durante el año 2010 para
la obtención del título de magister en Ciencias Sociales, mención en Sociología, de la Facultad
Latinoamericana de Ciencias Sociales, sede Ecuador. La tesis fue asesorada por la Ph.D. Gioconda
Herrera Mosquera y contó con el apoyo de la Universidad Católica de Lovaina (Bélgica). He optado
por presentar el material de un modo sesgadamente teórico, dado que ya se cuenta con un relato
amplio que incorpora el lugar que merece lo empírico. En: http://repositorio.flacsoandes.edu.ec/
handle/10469/7758#.WRSeQ4iGPIU
3 Este flujo formó parte de un éxodo de aproximadamente treinta y cuatro millones de europeos
que entre 1880 y 1914 se desplazaron hacia el continente americano, dejando atrás un contexto
azotado por grandes transformaciones demográficas, económicas y sociales; así como por
constantes conflictos políticos y bélicos (Sallé, 2009).
4 Dentro de las migraciones españolas, la catalana representa un caso particular ya que deviene
un “continuum” desde el siglo XVIII (Sánchez-Albornoz, 1992); avanzándose a otros puntos
peninsulares e igualándose con las migraciones europeas del período (Yáñez, 2006).
extranjeras, la comunidad española era la quinta comunidad (con 616 registros), por detrás de
colombianos, alemanes, italianos y estadounidenses.
6 El asociacionismo de corte étnico adquirió enorme pujanza entre los migrantes españoles,
facilitando un proceso de inserción en los contextos de llegada; ya que aunaban elementos de las
sociedades de origen y destino, a la vez que definían una identidad común del colectivo (Alted,
2006).
7 Bourdieu utiliza la teoría del espacio social para explicar cómo el mundo social está sujeto a
lógicas de estructuración basadas en principios de diferenciación social y reproducción.
8 Además de las referidas, han existido o existen las siguientes instituciones con prácticas
transnacionales, teniendo un funcionamiento discontinuado o más discreto: el “Centro de Cultura
Hispánica” (1949), el “Instituto de Cultura Hispánica de Guayaquil”, el “Comité de Damas de la
Colonia” (1950), el “Círculo Femenino de Cultura Hispánica” (1953), la “Legión Femenina de
Educación Popular” y la “Fundación Gabriel Vilaseca Soler – GAVISOL” (1999).
socios.
10 La Cámara que cuenta con alrededor de 175 afiliados, pertenece a la Federación de Cámaras
Españolas de Comercio de América (FECECA) y sirve de soporte exterior al Instituto Español de
Comercio Exterior (ICEX). Trabaja en estrecha relación con la Oficina Económica y Comercial de
España en Quito.
11 La “Sociedad de Damas” mantiene una estrecha relación con la “Legión Femenina de Educación
Popular” que persigue fines filantrópicos respecto al analfabetismo y la infancia en Guayaquil.
12 El Casal Català de Guayaquil forma parte de las denominadas Comunidades Catalanas del
Exterior (C.C.E.) de la “Generalirat de Catalunya”. Los otros referentes de la comunidad catalana
en el país son el Casal Català de Quito, el Casal Català “Jorge Butiña i Cardona” de Cuenca y el
club de jóvenes o “Fórum Jove”.
14 Fundadora del Casal Catalá de Guayaquil en 1983 y presidenta vitalicia del mismo. Hija del
emigrante catalán Pere Maspons i Camarasa, llegado a Guayaquil en 1905.
15 Martha Rina Victoria Roldós Bucaram (Guayaquil, 1963): Economista y política ecuatoriana,
hija el ex-presidente de la República Jaime Roldós Aguilera (1979 y 1981) y nieta del emigrante
catalán Jaime Roldós i Baleta, quien llegó a Guayaquil a finales del siglo XIX.
16 De la que han emergido figuras reconocidas en distintas esferas de la vida social guayaquileña
o ecuatoriana, como pueden ser el ex presidente de la República, Jaime Roldós Aguilera, o el
actual alcalde de Guayaquil Jaime Nebot Saadi.
“Los que vinieron han hecho dinero, lo que pasa con la cuarta
generación es que no ve futuro aquí; y como tienen sus ancestros allá y
su (doble) nacionalidad, dicen -¿porque no voy a ir allá?-”. (Jaime Costa
Costa y Beatriz Lértora de Costa17)
“…es más con los catalanes acá que con los catalanes allá. O sea,
hay un sentido de que, de alguna manera, uno pertenece a una comunidad
no tanto de allá sino de descendientes de catalanes acá”. (Martha Roldós
Bucaram)
de todas las víctimas de la guerra civil española incluye, en su “Disposición Adicional Séptima”, la
posibilidad de acceder a la nacionalidad a descendientes de españoles migrantes o exiliados, hasta
en un tercer grado.
Referencias bibliográficas
ALOU, G. España y el Ecuador, más unidos por la migración. En: Porras, H. y Calvo-
Sotelo, P. (Coords.) Ecuador-España: Historia y perspectiva. Quito: Embajada de
España en Ecuador, 2001. p. 238-239.
____________________
Recebido: 11 maio, 2017.
Aceito: 30 maio, 2017.
Resumo
O presente trabalho relata uma investigação qualitativa sobre a prática do Karate-
-Do, em São Carlos-SP. Considera-se que tal prática veicule valores tipicamente
orientais quando orientada de acordo com a concepção de budo (caminho mar-
cial), e não enquanto apenas esporte de luta. Assim praticado, o Karate-Do obede-
ce a princípios fundamentais de ordem disciplinar, moral, espiritual e estratégica.
Por meio de observações e entrevistas, sediadas em dois dojo para a prática de
Karate-Do em São Carlos, observou-se a presença da perspectiva do budo. Por
fim, fenômenos específicos da imigração japonesa em São Carlos, associados
principalmente à população flutuante universitária, são relacionados à atuação do
Karate-Do como dispositivo da japonesidade.
Abstract
The present work reports on a qualitative investigation about the practice of Kara-
te-Do in São Carlos, SP, Brazil. This practice is thought to convey typically Eastern
values when oriented according to the concept of budō (the martial way), rather
than just as a fighting sport. When it is so practiced, Karate-Do obeys disciplinary,
moral, spiritual and strategic principles. By means of observation and interviews
conducted in two dojo of Karate-Do in São Carlos, we found the presence of the
budō perspective. Finally, we describe the relationship between certain phenome-
na that are specific to the Japanese immigration in São Carlos and mainly associa-
ted to the city’s floating university population, and the activities of Karate-Do as a
device of Japaneseness.
Introdução
Quando em 1908 o navio Kasato Maru atracou no Porto de Santos, é possível que
aquelas poucas centenas de agricultores japoneses que ali desembarcavam não
1 Professor adjunto do Centro de Ciências Naturais e Humanas da Universidade Federal do
ABC – Av. dos Estados, 5001, Bangu – Santo André – SP – CEP 09210-580 – e-mail rafael.mori@
ufabc.edu.br
Metodologia
Conclusões
COOPER, Jean C. Yin & Yang: a harmonia taoista dos opostos. Tradução de João
Azenha Jr. São Paulo: Martins Fontes, 1985.
FUNAKOSHI, Gichin. Karate-dō kyōhan: the master text. Tradução para o inglês
de Tsutomu Ohshima. New York: Kodansha International, 1973.
______. Karatê-dō: o meu modo de vida. Tradução de Euclides Luiz Calloni. São
Paulo: Cultrix, 1994.
MARTINS, Carlos J.; KANASHIRO, Cláudia. Bujutsu, budô, esporte de luta. Mo-
triz, Rio Claro, v. 16, n. 3, p. 638-648, 2010.
____________________
Recebido: 22 maio, 2017.
Aceito: 18 jun., 2017.
Resumo
Este artigo defende o desenvolvimento de um estudo biobibliográfico sobre Hiroshi
Saito para demonstrar o valor intrínseco de sua produção e a sua contribuição para
a edificação das Ciências Sociais em São Paulo. Japonês, imigrante na década
de 1930, em São Paulo torna-se importante figura no meio acadêmico na Escola
Livre de Sociologia e Política (ELSP). O contexto de sua produção intelectual car-
rega um debate que se construiu com a estruturação das Ciências Sociais em São
Paulo. Estavam presentes epistemologias distintas e divergências entre a ELSP
e a FFCL - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, o que se evidencia
na narrativa dominante das Ciências Sociais que qualifica algumas produções em
detrimento de outras. A realização deste estudo poderá contribuir para a narrativa
das Ciências Sociais em São Paulo, valorizando, acrescentando e rediscutindo
elementos no seu período de estruturação.
Abstract
This article presents the development of the bibliography study about Hiroshi Saito
to demonstrate the intrisenc value of his production and the his contribution for the
1 Cientista Social formado pela FCLAr/Unesp, mestre em Arquitetura e Urbanismo pelo IAU-USP
e doutorando em Ciências Sociais pela FCLAr/Unesp. Contato: redajj@gmail.com
Keywords: Hiroshi Saito; Social Science Structuration; Politic and Sociology Scho-
ol; Japanese studies; Social Thinking.
Apresentação
Este artigo defende o desenvolvimento de um estudo biobibliográfico de um
autor chamado Hiroshi Saito (1919-1983), assim como pretende demonstrar a sua
contribuição para a edificação das Ciências Sociais em São Paulo e o valor in-
trínseco de sua produção. Japonês, imigrante na década de 1930, na cidade de
São Paulo conquista desenvoltura e grande capacidade intelectual. Em 1933 havia
sido criada a Escola Livre de Sociologia de São Paulo (ELSP), instituição na qual
Saito iria se tornar um dos pioneiros no Brasil com os estudos sobre a integração
dos imigrantes japoneses e seus descendentes à sociedade brasileira.
Hiroshi Saito está inserido em um contexto de pioneirismos e de disputas me-
todológicas - marcado não apenas pela fundação da Escola Livre de Sociologia e
Política, mas também da Faculdade de Filosofia da USP, instituições onde houve
o desenvolvimento e a consolidação dos primeiros cursos de Ciências Sociais no
Brasil. Assim, por meio do estudo deste autor, espera-se oferecer uma contribui-
ção para a narrativa da história da edificação das Ciências Sociais em São Paulo.
Hiroshi Saito é encontrado como referência em trabalhos que estudam os imi-
grantes japoneses, porém, de uma forma que se acredita injusta com a importância
de sua contribuição pioneira. Intriga e dá motivação para essa questão a ausência
de análises e qualificações mais abrangentes de seu trabalho. A esse fato somam-
-se as controvérsias presentes na narrativa da história das Ciências Sociais que
buscam definir o valor sociológico dos estudos nesse período e demonstram a
competição pela hegemonia no campo científico.
O contexto dos anos 1930 marca mudanças desenvolvimentistas no Brasil, era
necessário compreender melhor o que acontecia. Nesse quadro foram fundadas a
Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo (ELSP) em 1933 e, em 1934, a
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras (FFCL) da USP. Essas duas instituições,
complementares em seus estudos, realizaram escolhas metodológicas e papéis
institucionais que lhes conferiram diferentes caminhos. Saito também esteve liga-
do à USP, mas sua produção de maior destaque se relaciona ao seu vínculo com
a ELSP. Aprofundar o estudo desse autor, compilar, analisar, criticar e qualificar a
sua obra pode oferecer elementos importantes para se (re) pensar o período de
Introdução
2 Para mais informações sobre a presença e a contribuição dos imigrantes para mudanças na
sociedade paulista ver Hall (2004) e Araújo (1940). Os censos do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística de 1920, 1940, 1950 e 1960 também revelam a presença dos estrangeiros no Brasil.
3 O manifesto de fundação da ELSP foi assinado por pelo menos cem membros da elite de São
Paulo, dentre eles professores, médicos e engenheiros. Para conferir, ver nos anexos de KANTOR;
MACIEL; SIMÕES (2009).
5 Para mais informações sobre a imigração japonesa para o Brasil, consultar as obras de Sakurai
(1998;2000), Nogueira (1984), Maejima (2005), e Hashimoto; Tanno; Okamoto (2008).
6 Piza, em seu artigo, mostra como Eunice Durham e Ruth Cardoso rejeitam a teoria da acultu-
ração, pois entendem que a assimilação e a integração dos imigrantes acontecem na mobilidade
social e na integração à sociedade de classes capitalista nacional, o que marca a descendência de
Florestan Fernandes (que defende uma macrossociologia) e as apartam de Willems e, consequen-
temente de seus sucessores mais fiéis como Egon Schaden e Hiroshi Saito (2012, p. 35).
8 Uma obra que retrata a perseguição dos imigrantes desse período é a de Cytrynowicz (2000).
Bibliografia
BOURDIEU, Pierre. O campo científico. In: Ortiz, Renato (org.). Florestan Fernan-
des (coord.) Pierre Bourdieu - Sociologia, Coleção Grandes Cientistas Sociais.
São Paulo, Editora Ática, 1983.
CHACON, Vamireh. História das ideias sociológicas no Brasil. São Paulo: Gri-
jalbo, 1977.
HALL, Michael. Imigrantes na cidade de São Paulo. In: Porta, P. (org). História da
cidade de São Paulo, v. 3: a cidade na primeira metade do século XX. São Paulo,
Paz e Terra, 2004.
KANTOR, Iris; MACIEL, Debora; SIMÕES, Julio Assis. (orgs). A Escola Livre de
Sociologia e Política: anos de formação (1933-1953) - depoimentos. 2. ed. São
Paulo, SP. Sociologia e Política, 2009.
LIMONGI, Fernando. A escola livre de sociologia e política em São Paulo. In: MI-
CELI, S. (org.) História das Ciências Sociais no Brasil. Vol. 1. São Paulo, Vérti-
ce, Editora Revista dos Tribunais: IDESP, 1989.
MATOS, Odilon Nogueira de. O clima cultural dos anos de formação e o pionei-
rismo da Escola Livre de Sociologia e Política. In: KANTOR, I; MACIEL, D. A; SI-
MÕES, J. A. (orgs). A Escola Livre de Sociologia e Política: anos de formação
(1933-1953) - depoimentos. 2. ed. São Paulo, SP. Sociologia e Política, 2009.
MICELI, Sérgio. O cenário institucional das Ciências Sociais no Brasil. In: Miceli,
S. (org.) História das Ciências Sociais no Brasil. Vol. 2. São Paulo, Editora Su-
maré: Fapesp, 1995.
MONARCHA, Carlos; LOURENÇO FILHO, Ruy. (orgs). Por Lourenço Filho: uma
biobibliografia. MEC-INEP, Brasília, DF, 2001.
PAULA, Maria de Fátima Costa de. USP e UFRJ: a influência das concepções ale-
mã e francesa em suas fundações. Revista Tempo Social, São Paulo, v.14, n.2,
p.147-161, 2002.
RUBBO, Daniela. Friederich Michel Litto: Uma biobibliografia. In: VII Colóquio In-
ternacional sobre a Escola Latino-Americana de Comunicação, 2003, São Bernar-
do do Campo. Anais do V CELACOM, 2003.
____________________
Recebido: 29 maio, 2017.
Aceito: 16 jul., 2017.
Resumo
Este artigo procura analisar uma nova perspectiva sobre a participação dos imi-
grantes no interior paulista. Acaba sendo recorrente associar a figura do imigrante,
que chegou ao Brasil, como aquela que simplesmente esteve atrelada as fazendas
de café, principalmente a presente no interior paulista. No entanto, existem casos
que demonstram que o imigrante foi muito mais do que uma simples mão de obra
rural, ele também acabou se tornando um empreendedor, um agente diferenciado,
ou, como preferimos classificá-lo, um “homem de negócios”. O surgimento e de-
senvolvimento deste empreendedorismo somente são possíveis se concebermos
o termo “homem de negócios”.
Abstract
This work tries to analyze a new perspective on the participation of the immigrants in
the interior of São Paulo, it is common to associate the figure of the immigrant who
arrived in Brazil, like that figure that simply was tied to the coffee farms, especially
those present in the interior of. However, there are cases that demonstrate that
the immigrant was much more than a simple rural manpower, he also became an
entrepreneur, a differentiated agent, or as we prefer to classify him as a Businessman.
The emergence and development of this entrepreneurship is possible only if we
conceive the term “businessman”.
1 Uma versão preliminar deste texto foi apresentada no Cadernos CERU, volume 25, número 2.
Para que seja possível abordar o imigrante como um eventual “homem de ne-
gócios” ou ainda como um “pré-burguês” no interior paulista, é crucial uma análise
da obra A revolução burguesa no Brasil (2010), de Florestan Fernandes. Nela, o
autor traça todo um caminho sobre a formação e desenvolvimento do capitalismo
no Brasil.
Antes de tratar propriamente da revolução burguesa, Fernandes (2010, p. 32)
faz uma análise interessante sobre as visões que atestam para a sua existência
3 Segundo Martins (1978) foi quem fez a explanação pioneira sobre a questão do empreendedo-
rismo industrial.
Considerações finais
Almanache álbum de São Carlos - 1894, 1905, 1915, 1916/1917, 1927 e 1928.
CORRÊA. A.M.M. História social de Araraquara 1817 a 1930. São Paulo, FFLCR,
Universidade de São Paulo. (Dissertação de Mestrado). 1967.
______, Warren. Rio Claro: um sistema de grande lavoura 1820 – 1920. Trad.
de Waldívia Portinho. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977.
HOLLOWAY, T.. Imigrantes para o café. São Paulo: Paz e Terra, 1984.
MELLO, João Manuel Cardoso de. O capitalismo tardio. São Paulo, Brasiliense,
1982.
TRUZZI, Oswaldo Mário Serra. Café e Indústria São Carlos: 1850 – 1950. São
Carlos: Editora da UFSCar, 2000.
____________________
Recebido: 13 abril, 2017.
Aceito: 29 abril, 2017.
Patrícia Bosenbecker2
Resumo
A análise da influência e controle do Estado brasileiro no processo imigratório,
bem como a seletividade presente nas políticas imigratórias nacionais, são cir-
cunstâncias que podem nos auxiliar na compreensão do fenômeno migratório, que
respeita as conjunturas de cada momento, sofrendo alterações e transformações
ao longo do tempo. Para tanto, é preciso avaliar como o imigrante é definido no
escopo da Nação. Entre os conceitos que podem auxiliar nessa análise, está a no-
ção de racialização produzida por Robert Miles (2002). A partir dessa perspectiva
desenvolvemos uma discussão sobre a percepção do imigrante na legislação bra-
sileira, desde as primeiras leis sobre o tema, ainda no início do período imperial,
até a consolidação das legislações nacionais do Estado Novo.
Abstract
The analysis of the influence and control of the Brazilian State in the immigration
process, as well as the selectivity present in the national immigration policies, are
circumstances that can help us to understand the migratory phenomenon, which
respects the conjunctures of each moment, with changes and transformations
throughout the time. Therefore, it is necessary to evaluate how the immigrant is
defined in the scope of the nation. Among the concepts that can assist in this analysis
is the notion of racialization produced by Robert Miles (2002). In this perspective
we developed a discussion on the perception of immigrants by Brazilian law, since
the first laws on the subject, at the beginning of the Brazilian Empire, until the
consolidation of the national Estado Novo laws.
1 Este artigo foi produzido para a disciplina de Povos: teorias da etnicidade, raça e nação,
ministrada pelo Prof. Dr. Karl Martin Monsma, no Programa de Pós-Graduação em Sociologia/
UFRGS.
3 Fredrickson mostra que o racismo é mais que teorização sobre as diferenças humanas ou o
pensar mal de um grupo. O racismo estabelece uma ordem racial através de uma hierarquização
dos grupos. A teoria ou conceito de racismo do Fredrickson tem dois componentes: diferença e
poder, e se origina de uma mentalidade que considera “eles” como diferente de “nós”, de uma ma-
neira permanente e intransponível. Esse sentimento de diferença fornece um motivo para usar uma
vantagem poderosa de tratar etno-racialmente o outro de maneira cruel ou injusta.
4 Não é interesse discutir nesse artigo as diferenças teóricas entre Miles, Banton e Fridrickson,
apenas salientamos uma produção acadêmica que pode enriquecer a discussão. Para críticas e
diferenças entre concepções de Miles e Banton, especialmente sobre “raça”, veja Miles (1993, p.
5 -6). Optamos por avaliar o processo migratório brasileiro, tema desse artigo, a partir do conceito
estabelecido por Miles, conforme mostraremos ao longo do trabalho.
5 Para uma discussão sobre a tipologia racial e a influência física no âmbito da cultura dos povos
Racialização e imigração
6 A referência que Miles faz é para “bons bretões” (1993, p. 140), uma vez que avalia a imigração
destinada à Grã-Bretanha. Transformamos aqui o termo, que no Brasil, poderia ser associado a
outras positivações, como “bom colono”, imigrante morigerado, entre outros.
8 Miles, como marxista, acredita que o mecanismo primário da inclusão e exclusão foi colocado
na estrutura de classe e de relações de classe. Miles mostra que mesmo os judeus, que não eram
bem aceitos no país, se apresentassem boas condições financeiras entravam livremente, sem ne-
cessidade de passar pelo controle imigratório. O autor ainda alerta para o fato de que judeus que
eram cidadãos britânicos também sofriam as classificações racistas (mais detalhes desta discus-
são em Miles, 1993, p. 145-147).
9 Conforme Miles (1993, p. 146), “O conceito de racismo institucional teve alguma utilidade na
análise dessas circunstâncias. Em uma conjuntura onde o sentimento e práticas anti-judaismo
era considerado ser vergonhoso (Holmes, 1979, 104), e ainda onde havia agitação popular para
o Estado controlar a entrada de refugiados judeus estrangeiros, e onde essa categoria particular
de migrantes constituiu uma proporção importante do total da migração interna, foi possível para o
Estado implantar e fazer cumprir o controle para esse fim, sem identificar judeus pelo nome. Dado
que a maior parte de refugiados judeus estrangeiros da Europa oriental não possuía os meios pelos
quais eles podiam “decentemente sustentar a si mesmos”, uso desse critério de “indesejabilidade”
podia funcionar efetivamente na prática para controlar sua entrada na Grã-Bretanha.”
10 Miles também está interessado em como esse processo ocorre nas instâncias mais informais,
nas operações cotidianas que marcam desde a construção das leis até o policiamento e execução
dos objetivos pretendidos.
A questão que colocamos é utilizar tais concepções para avaliar o caso bra-
sileiro. Nossa primeira tarefa é avaliar historicamente a construção e desenvolvi-
mento do processo migratório dirigido pelo Estado brasileiro e transportado para
a legislação nacional. Nessa perspectiva, optamos por avaliar na legislação os
aspectos que delimitaram os imigrantes desejáveis ou indesejáveis. Avaliamos o
período que vai da independência, ou mais precisamente, da constituição de 1824
até as leis de nacionalização do Estado Novo (1937-1945), especialmente nos
anos de 1938 e 1939.
Conforme Giralda Seyferth, os imigrantes chegados ao Brasil ainda no século
XIX eram considerados estrangeiros ou alienígenas, “categorias que, indistinta-
mente, remetem a indivíduos que não nasceram no país (mesmo quando natu-
ralizados) e aos descendentes de imigrantes portadores de identidades étnicas
consideradas incompatíveis com o pertencimento à nação” (SEYFERTH, 1999,
p. 199). Os descendentes de imigrantes, já nascidos no Brasil, são brasileiros de
nacionalidade e cidadania, contudo, problemas oriundos da baixa inserção des-
tes na sociedade nacional levaram a acirradas discussões sobre o pertencimento
nacional, ou, ainda, a própria formação da nação, e foram capazes de mudar os
cursos do incentivo destinado a alguns grupos de estrangeiros, como ocorreu com
os alemães, no início do período republicano.
Ao longo do século XIX até meados do século XX, o imigrante ideal para o
Brasil foi definido como sendo o agricultor branco, de origem europeia, e que migra
acompanhado de sua família, por vezes extensa e numerosa. Tal classificação,
portanto, visava os possíveis imigrantes europeus, que além de serem diferencia-
dos “racialmente” eram classificados pelo potencial enquanto camponeses. Tais
classificações tornam-se qualidades positivas de imigrantes e descendentes, ma-
joritariamente assentados em lotes agrícolas. Assim, surgem nas colônias qualifi-
cações como “bons colonos”, “bons agricultores”, “morigerados”, “sóbrios” (SEY-
FERTH, 2002, p. 119 e seguintes). Esse é um dos principais motivos para que a
política imigratória brasileira estivesse alicerçada, basicamente, mas não exclusi-
vamente, na regulamentação referente à propriedade de terras no país.11
Esta classificação ganharia novos contornos ao longo do processo imigrató-
rio, com o incremento de algumas questões raciais, que envolviam as discussões
sobre as melhores raças para formar o cidadão brasileiro. Além de imigrantes que
pudessem ser melhor assimilados no cenário nacional. Em todo o período aqui
tratado, existia a ideia vigente de que a imigração era essencial para o desenvolvi-
mento do país. Embora o Estado brasileiro fosse responsável direto pelo processo
migratório, tornando-se o principal agenciador de imigrantes, mas as questões
relativas à igualdade de direitos civis e de religião foram pensadas apenas tardia-
mente.
Como pode ser acompanhado pelo Quadro 1, a seguir, as diferenças entre
a legislação dos vários períodos políticos são latentes. As contradições marcam
oposições do pensamento político brasileiro, ao longo do tempo, envolvendo, prin-
12 Seyferth (2002) faz uma análise do debate entre imigrantistas e agentes do Estado, ao longo
destes períodos, marcando essencialmente o papel e agência dos imigrantes alemães estabele-
cidos no Brasil. Por motivos de nicho de pesquisa, também nos interessamos mais especialmente
por este grupo imigrante.
14 Outros dois tratados, da mesma época, foram o Tratado Regulando a Isenção do Serviço Mi-
litar e o de Dupla Nacionalidade, que “dispensava os brasileiros filhos de pai português de prestar
serviço militar no Brasil, desde que servissem nas Forças Armadas de Portugal. Nesses casos, não
haveria sanção para os jovens, que manteriam o exercício pleno dos direitos políticos, como cida-
dãos brasileiros.” (MENDES, 2010, p. 196) Contudo, um acordo com a Grã Bretanha, no mesmo
ano, garantiu aos filhos dos britânicos a dispensa do serviço militar.
16 A regulamentação da lei de terras (Decreto n. 1318, de 30 jan. 1854) criou a Repartição Geral
de Terras Públicas, que além de regularizar as terras era responsável pela promoção da coloni-
zação nacional e estrangeira. Em 1876 (Regulamento n. 6129, de 23 fev.), foi criada a Inspetoria
Geral das Terras e Colonização, dividida em duas sessões: uma para registro geral de terras e uma
agência oficial de colonização. Com a República, a Repartição Geral das Terras Públicas (Decreto
n. 603, de 26 jul. 1890) é reorganizada, mantendo uma sessão especial de Terras e Colonização,
que tinha sede na Capital Federal, cabendo aos Estados organizaram as agências de colonização.
Já em 1911 (Decreto 9081, de 3 nov. 1911) foi criado o Serviço de Povoamento, que também tinha
uma sede federal e demais inspetorias em cada Estado. Por fim, em 1938, foi criado o Conselho de
Imigração e Colonização (Decreto-Lei n. 406, 4 mai. 1938, com regulamento no Decreto n. 3691, 6
fev. 1939). A função do Conselho era mais ampla envolvendo a proposição de cotas de imigrantes,
penalidades, modificações na lei, medidas de assimilação e estudos de seleção imigratória, étnica,
social, etc. Também podia proibir a migração e tratar da colonização da Amazônia.
17 BRASIL. Decreto n.º 3784, de 19 de janeiro de 1867. Aprovou o regulamento para as colônias do
Estado. Disponível em: <http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=58880&
norma=74736.> Acesso em 05 jan. 2014. Delimitava a forma de concessão e distribuição de terras,
a forma de pagamento, a maneira pela qual seriam administradas as colônias, de que forma seria
gerida a receita, entre outros aspectos.
18 Mendes (2010, pgs 204-224) aponta três grandes ondas migratórias espontâneas de
portugueses, começando antes da proclamação da república: 1888-1898, 1904-1915 e 1919-1930.
Referências Bibliográficas
____________________
Recebido: 11 maio, 2017.
Aceito: 14 jun., 2017.
Elaine Javorski2
Resumo
O Brasil tornou-se, na última década, novamente a porta de entrada de imigrantes.
É no sentido de compreender de que forma esses grupos são representados na
mídia que esse artigo se apresenta. Para entender o tratamento da temática foi
realizada uma análise de conteúdo de peças sobre imigração encontradas nos
telejornais matutinos de âmbito nacional e regional da Rede Globo, Bom Dia Brasil
e Bom Dia Paraná, entre 2014 e 2016. Orientados teoricamente pelos estudos das
Representações Sociais, os resultados apontam para uma cobertura positiva da
questão migratória no dois informativos, especialmente no noticiário regional, com
apelo às tradições, festividades e datas comemorativas dos imigrantes.
Abstract
In the last decade, Brazil has once again become a gateway for immigrants from
different nations. This article presents itself as a way of understanding how these
groups are represented in the media. In order to understand the treatment of the
subject a content analysis of the pieces found in the national and regional morning
newscasts of Globo Network, Bom Dia Brasil and Bom Dia Paraná, between 2014
and 2016, was carried out. Theoretically oriented by the studies of the Social Re-
presentations, the results point to a positive coverage of the migratory issue in the
two informative, especially in the regional news, with appeal to the traditions, festi-
vities and commemorative dates of the immigrants.
1 Uma versão preliminar deste texto foi apresentada no IJ 1 – Jornalismo do XVIII Congresso de
Ciências da Comunicação na Região Sul, realizado de 15 a 17 de junho de 2017.
Introdução
Conclusão
Referências
____________________
Recebido: 19 maio, 2017.
Aceito: 31 maio, 2017.
Liege scremin2
Susana Trovão3
Resumo
Entender a complexidade da mobilidade humana, em pleno século XXI, faz-se
necessário não apenas na agenda dos direitos humanos, mas nos meios de co-
municação social. Por meio de uma Análise de Conteúdo Qualitativa referente a
cinco meses dos telejornais Jornal Nacional e Jornal da Record e, posteriormente,
a uma Análise de Discurso de quatro peças, foi possível verificar que esses meios
não tem o cuidado de diferenciar as variações existentes dentro das migrações,
como os refugiados, por exemplo, atualmente protagonistas de grandes conflitos.
Para embasar teoricamente o estudo foram utilizadas as Teorias da Comunicação
e a hipótese de Agenda-Setting, assim como a influência de agências internacio-
nais na pauta da mídia nacional e as Representações Sociais de Serge Moscovici.
Abstract
Understanding the complexity of human mobility in the 21st century is necessary not
only in the human rights agenda, but in the media. Through a Qualitative Content
Analysis referring to five months of the Jornal Nacional and Jornal da Record
television newsletters and, later, a four-part Discourse Analysis, it was possible to
verify that these media are not careful to differentiate the existing variations within
the Migrations, such as refugees, for example, currently leading major conflicts.
To theoretically base the study, we used the Communication Theories and the
Agenda-Setting hypothesis, as well as the influence of international agencies on
1 Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada no XI Evento de Iniciação Científica da
UniBrasil EVINCI em 2016.
2 Mestranda em Ciências Sociais pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (2017); gra-
duada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo, pelo Centro Universitário UniBrasil
(2013); intercambista pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de
Lisboa (2012). Contato: liscremin@hotmail.com
Introdução
4 Apátridas: são pessoas que nascem sem nacionalidade ou têm sua nacionalidade retirada pelo
Estado, ficando, portanto, sem proteção de um Estado nacional.
Para a organizar a recolha dos dados optou-se por elencar como fontes de
análise dois telejornais brasileiros. O primeiro é o Jornal Nacional (JN), produzido
e transmitido pela Rede Globo desde sua estreia, em 1 de setembro de 1969,
exibido no horário noturno, a partir das 20h30, de segunda-feira a sábado, onde
a cobertura no exterior se deu a partir de 1973 e atualmente atinge cerca de 5,5
milhões de telespectadores ao redor de mais de 130 países.
O segundo trata-se do Jornal da Record (JR), produzido e exibido pela
Rede Record. O mesmo estreou em 1972, substituindo o antigo Jornal da REI,
também vai ao ar de segunda-feira a sábado, a partir das 21h30. Atualmente faz
a cobertura dos principais acontecimentos no Brasil e no mundo, com a produção
de reportagens especiais e investigativas. Também conta com correspondentes
internacionais, alcançando mais de 150 países.
Em uma análise primária foram assistidos 131 dias de telejornais, na íntegra.
O Jornal Nacional tem duração média de 45 minutos diários, contabilizando um
total de 98 horas e 25 minutos assistidos, enquanto que o Jornal da Record, que
possui em média 55 minutos de duração, obteve 109 horas e 16 minutos no total.
Os refugiados
A Análise de Discurso
NEUMANN, Noelle. Return to the Concept of Powerful Mass Media. In: Studies of
Broadcasting. vol. 9, p. 67-112, 1973.
____________________
Recebido: 03 ago., 2016.
Aceito: 06 mar., 2017.
Resumo
Este artigo tem como objetivo apresentar um balanço da produção acadêmica so-
bre a imigração de bolivianos para São Paulo. Em seguida, exploram-se algumas
das lacunas no conhecimento deixadas por esses estudos, indicando de que ma-
neira a pesquisa de Mestrado Viver “Outramente”: Moradia, Condições de Vida e a
Produção da Alteridade dos Bolivianos em São Paulo2 se apropriou delas. Por fim,
expõem-se sucintamente as referências teóricas do referido projeto.
Abstract
The main objective of this article is to present the balance of the academic pro-
duction about the immigration of Bolivians to São Paulo. Thus, it is explored some
issues that were not sufficiently developed by these studies, showing in which way
the Master Degree Research Living differently: housing, living conditions and the
production of the otherness of Bolivians in São Paulo developed them. Finally, it is
briefly demonstrated the theoretical references of this project.
1 O autor é graduado em Ciências Sociais pela PUC-SP e mestre em Ciências Sociais pela mes-
ma instituição. É doutorando em Sociologia pela UFSCar.
Já para Silva (1997), entretanto, a presença boliviana neste ramo tem sim
uma dimensão nitidamente cultural e étnica, pois eles formam redes sociais que
acolhem os recém-chegados no ramo da costura, formando uma economia étni-
ca. Como oferecem salários baixos, isso dificulta que outros grupos se insiram no
ramo com a mesma competitividade.
Outro grupo de pesquisas (TIMÓTEO, 2011; ILLES, TIMÓTEO & FIORUCCI,
2008; AZEVEDO, 2005) enfoca o assunto do tráfico de pessoas, do trabalho degra-
dante e da escravização. Estes trabalhos têm uma perspectiva jurídica, tomando
acordos internacionais como referência para a análise de seu objeto de estudos.
Azevedo (2005), objetiva estudar até que ponto há a existência de trabalho
forçado/degradante entre os bolivianos que trabalham no ramo da costura em São
Paulo, tomando como referência as legislações internacionais sobre o assunto.
Já Timóteo (2011), busca investigar em que medida a exploração do trabalho dos
bolivianos no ramo de costura em São Paulo pode ser considerada uma forma
contemporânea de escravidão, tomando como referência a Organização Interna-
cional do Trabalho (OIT). Por fim, Illes, Timóteo & Fiorucci (2008) intentam, entre
outros objetivos: discutir o assunto do contrabando de imigrantes e do tráfico de
pessoas, apresentando distinções entre a definição de ambos e especificando a
problemática do tráfico de pessoas na cidade de São Paulo.
Além disso, há um conjunto de estudos (REZERA, 2012; FAVARETTO, 2012;
CAMPOS, 2009) cujo assunto central é o impacto que o trabalho degradante, o
tráfico de pessoas e a indocumentação trazem para a trajetória dos imigrantes.
Rezera (2012) dá ênfase à condição da mulher na subcontratação de mão-de-
-obra boliviana na indústria têxtil de São Paulo. Favaretto (2012) busca entender
“o impacto da experiência da migração nas trajetórias individuais, os efeitos do
preconceito e a discriminação na identidade dos grupos que ocupam posições
subalternas” (FAVARETTO, 2012, p. V). Por fim, Campos (2009) objetiva estudar
de que modo se dá a produção da subjetividade dos bolivianos nas oficinas de
costura em São Paulo.
Outro conjunto de trabalhos se debruça sobre o assunto da territorialidade e
da espacialização dos bolivianos em São Paulo. Enquanto alguns deles procuram
entender o deslocamento de bolivianos para o município de Guarulhos (APARE-
CIDA DA SILVA, 2012; OLIVEIRA AGUIAR, 2009), outros buscam apreender os
Referências Bibliográficas
AGUIAR, Márcia E. & MOTA, André (2014). “Os imigrantes bolivianos e corea-
nos no bairro do Bom Retiro através das lentes do Programa Saúde da Família.”
In: MOTA, André; MARINHO, Maria Gabriela S. M. C. (organizadores), Saúde e
História de Migrantes e Imigrantes: Direitos, Instituições e Circularidades.– São
Paulo: USP, Faculdade de Medicina: UFABC, Universidade Federal do ABC: CD.G
Casa de Soluções e Editora, 2014.
BARALDI, Camila et al. (2013). “Informe Brasil”. In: GAINZA, P. P. (coord..). Informe
Políticas Migratorias e Integración em América del Sur. São Paulo: Espacio Sin
Fronteras. Disponible en: <http://www.cdhic.org.br/wp-content/uploads/2013/06/
Informe-Politicas-Migratorias-America-do-sul.pdf>. Acesso 28 de julho de 2013.
PUCCI, Fabio Martinez Serrano (2011). A Inserção dos Bolivianos nos bairros
do Bom Retiro, Brás e Pari e a Produção da Alteridade: como são vistos pela
vizinhança. Relatório Científico, São Paulo, CNPq. 316p.
ROLNIK, Raquel (2001). São Paulo. São Paulo: Publifolha. – (Folha explica).
SASAKI, Elisa; M.; ASSIS, Gláucia O. (2000). Teorias das migrações internacionais.
In: Anais do XII Encontro Nacional da ABEP. Caxambu, outubro de 2000.
Disponível em: <http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/pdf/2000/Todos/
migt16_2.pdf> Acesso em 11 de maio de 2014.
SILVEIRA, Cássio et. alli (2014). “Processos Migratórios e Saúde: uma breve
discussão sobre abordagens teóricas nas análises em saúde dos imigrantes
no espaço urbano.” In: MOTA, André; MARINHO, Maria Gabriela S. M. C.
(organizadores), Saúde e História de Migrantes e Imigrantes: Direitos,
Instituições e Circularidades. – São Paulo: USP, Faculdade de Medicina: UFABC,
Universidade Federal do ABC: CD.G Casa de Soluções e Editora, 2014.
TRUZZI, Oswaldo (2011). “Redes em processos migratórios” in: LANNA, Ana Lúcia
D. et. alli (orgs.), São Paulo, os estrangeiros e a construção das cidades. São
Paulo: Alameda.
___________________
Recebido: 13 mar., 2017.
Aceito: 21 jun., 2017.
Janaina Santos1
Resumo
O presente artigo propõe uma reflexão acerca das migrações recentes como pos-
sibilidades poéticas e políticas de transformação do mundo social. O fenômeno
migratório deste século XXI, a partir de Santa Catarina, é analisado a partir de
suas liminaridades, montagens e possibilidades de desencadear transformações.
O enfoque proposto, para além das precariedades e restrições de direitos que in-
cidem sobre populações migrantes, atenta para a sua positividade. Através desta
perspectiva, os constantes deslocamentos e reelaborações de identidades e de
modos de estar no mundo, mais fluídos e menos estáveis presentes no cotidiano
destes novos fluxos migratórios podem ser compreendidos como desencadeado-
res de novos paradigmas de relações contra-hegemônicas.
Abstract
This article proposes a reflection about the recent migrations as poetic and politic
possibilities of transformation of the social world. The migratory phenomenon of
this XXI century, from Santa Catarina, is analyzed from its liminarities, mounts and
possibilities to trigger transformations. The proposed approach, in addition to the
precariousness and restrictions of rights that affect migrant populations, is attentive
to its positivity. Through this perspective, the constant shifts and re-constructions
of identities and ways of being in the world, more fluid and less stable in the daily
life of these new migratory flows can be understood as triggering new paradigms of
counter-hegemonic relations.
De acordo com Taussig as categorias precisam ser pensadas não como ma-
nifestações do natural mas “como um produto do desenvolvimento de relações
humanas mútuas – ainda que encobertas por aparências reificadas em uma socie-
dade baseada na produção de mercadorias” (Taussig, 2010, p.30). Deste modo,
a imigração e o refúgio podem ser compreendidos como efeitos das condições
históricas e sociais em que vivemos. Os fatos sociais não existem naturalmente,
mas “revelam-se de alguma maneira, como signos de relações sociais” (idem,
p.31), assim como seus usos seletivos nos processos de construções de memó-
rias e identidades, enquanto processos que se fortalecem na diáspora, com base
na différance, conceito que Hall (2003) busca em Jacques Derrida, remetendo a
um significado que não é fixo nem completo, mas que está em constante desli-
zamento e fluidez. A identidade, portanto, é vista como um tornar-se, um vir a ser
relacional e contextual. E, como percebido por meio de trabalho etnográfico com
populações migrantes de haitianos e senegaleses – historicamente reconhecidas
como diaspóricas -, através de seus constantes deslocamentos, torna-se possível
compreender este caráter aberto e em construção dos processos identitários.
A ideia deste artigo é refletir sobre as múltiplas maneiras pelas quais imigran-
tes e refugiados - doravante designados como migrantes, conforme propõe Agier
(2016) - se fazem presentes coetânea e simultaneamente nos mais diversos con-
textos, bem como sobre a positividade do fenômeno das migrações. Este termo,
como propõe o autor, engloba as imigrações e as situações de refúgio e solicitação
de refúgio, através da adoção de uma posição descentrada e crítica em relação
aos enunciados administrativos, midiáticos ou públicos, que são categorias sem-
pre em defasagem em relação à complexidade social. Segundo o autor a palavra
migrante é um termo descritivo, neutro e genérico, referindo-se a pessoas em
deslocamento, sem prejulgar de onde elas vêm ou para onde vão, ao passo que
refugiados é uma categoria histórica e como tal, sujeita a reelaborações conforme
o contexto, além de compreender uma definição jurídica e institucional2.
2 O estatuto do refugiado é definido por um ambiente internacional e histórico que evolui com
seu contexto. Por esta razão Agier defende uma posição nominalista, através da qual são refu-
giados aqueles designados como tais pelas instituições habilitadas a fazê-lo, a HCR, a OFPRA
(Office français pour la protection des réfugiés et apatrides) na França, CONARE no Brasil, etc.
Isso porque muitos dos que são genericamente chamados de ‘refugiados’ não tem hoje o estatuto
nem os direitos relacionados, sendo na maior parte das vezes solicitantes de refúgio ou imigrantes.
Segundo a ONU - através da Convenção de Refugiados de 28 de julho de 1951 que entrou em
vigor a 21 de abril de 1954 com a criação do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refu-
giados (ACNUR) e em seguida pelo “Protocolo de 1967”, ampliado pela Convenção que Regula
os Aspectos Específicos dos Problemas dos Refugiados na África, adotado pela Assembleia dos
Chefes de Estado e de Governo da Organização da Unidade Africana em 10 de setembro de
1969 - refugiado é “qualquer pessoa que, devido a uma agressão, ocupação externa, dominação
estrangeira ou a acontecimentos que perturbem gravemente a ordem pública numa parte ou na
totalidade do seu país de origem ou do país de que tem nacionalidade, seja obrigada a deixar o
seu lugar de residência habitual para procurar refúgio em outro lugar fora do seu país de origem ou
de nacionalidade” (p. 8).
Neste sentido a tauromaquia, bem como a arte, teria lugar na interação de con-
trastes, no paroxismo, no escancaramento de ambiguidades, dissonâncias, pas-
sagens liminares e, portanto, transformadoras. Segundo ele os construtores de
espelhos seriam os toureiros, os poetas e os amantes que nos proporcionam reve-
lações a partir de experiências cruciais, lançando luz sobre nós mesmos e visibili-
zando contradições e contrastes, como no jogo/dança/luta/relação entre o touro e
o toureiro. No limiar entre a vida e a morte, entre o sagrado e profano, na fronteira
entre o ‘reto’ e o ‘torto’ acontece um movimento de aproximação e afastamento da
morte e um (re)nascimento torna-se possível, sob a iminência e a presença dos
riscos. Sua função a partir dos “lugares em que o homem tangencia o mundo e a si
mesmo” (idem, p.75) seria incorporar a morte a vida, lembrando que o mundo vai
além do que é visível, objetivo, fixo e estável.
Nossa proposta aqui é considerar os migrantes também como construtores de
espelhos, na medida em que nos obrigam a olhar para outras realidades, assim
como para nós mesmos e refletir sobre as construções sociais que tornaram pos-
sível nossa atual configuração social com suas hegemonias e fronteiras.
A migração, portanto, constitui-se como um fenômeno social liminar, político
e poético, que articula passado e presente através de temporalidades e espa-
cialidades múltiplas. Assim os fluxos relacionados à imigração apontam para o
que Turner (2008, 2013) definiu como liminaridade, enquanto zona simbólica de
transição ou passagem, espaço de indefinição que em si já é transformativo, in-
definido, criativo mas também desconhecido e repleto de rupturas. Tal sentido de
Referências
AGIER, Michel. 2016. Les Migrantes et Nous: Compreendre Babel. Paris: CNRS
Éditions.
____. 2009. Vida precária: el poder del duelo y la violência. Buenos Aires: Pai-
dós, 2009.
LEIRIS, Michel. 2001. Espelho da Tauromaquia. São Paulo: Cosac & Naify Edi-
ções.
SILVA, Tomaz Tadeu da. 2014. A produção social da identidade e da diferença. In:
Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ:
Vozes.
Turner, Victor. 1987. Images and Reflections: Ritual, Drama, Carnival, Film and
Spectacle in Cultural Performance. In The Anthropology of Performance. New
York: PAJ Publications.
____. 1981. Social Dramas and Stories about them. In: On Narrative. W.J.T.
Mitchell (org.). Chicago, University of Chicago Press, pp. 137-164.
SANSOT, Pierre. 1986. Les formes sensibles de la vie sociale. Presses Univer-
sitaires de France: Paris.
____________________
Recebido: 19 maio, 2017.
Aceito: 22 jun., 2017.
Daniel Cajarville1
Resumo
Este trabalho procura refletir sobre o fenômeno das migrações por amenidade, a
partir das manifestações que desta modalidade não-convencional de migração se
desdobram para o caso do balneário uruguaio La Paloma e sua área de influência.
O artigo discute algumas entre as aspirações assinaladas por parte de diferentes
migrantes que chegaram à referida área nos últimos anos, assim como aprofunda
sobre diversos aspectos da vida cotidiana no balneário em relação à sua adapta-
ção a essa região da costa leste uruguaia.
Abstract
This paper reflects on the phenomenon of amenity migrations, through the ex-
pressions this unconventional modality of migration shows for the case of the Uru-
guayan seaside resort La Paloma and its area of influence. The article discusses
some of the aspirations pointed out by different migrants who arrived in this area
during the last years, as well as it deals with different aspects of everyday life rela-
ted to the adaptation to this region of the Uruguayan east coast.
Introdução
2 “The movement of people to places, permanently or part-time, principally because of the actual
or perceived higher environmental quality and cultural differentiation of the destination”.
Jorge Drexler faz alguns anos declarou “Vengo de un prado vacío/ un país con
el nombre de un río un edén olvidado /un campo al costado del mar”, ao escrever
a letra de Un país con el nombre de un río (DREXLER,1999). O cantor, ao compor
essa música, dificilmente imaginaria que anos depois seria o músico uruguaio em
atividade de maior renome fora e dentro das fronteiras. Ao mesmo tempo, os que
ouviram sua interpretação dessa canção anos atrás também não imaginaram que
esse país con el nombre de un río deixaria de ser um Éden tão esquecido, chegan-
do instigar a inusual atenção que hoje gera dentro e fora das fronteiras. Nos últi-
mos anos, o país adquiriu uma notoriedade global jamais vista a partir de diferen-
tes transformações sociais, concretizadas desde uma agenda política que atribuiu
ao país um caráter vanguardista e progressista de destaque na América Latina e
Nesse sentido, múltiplos sites do ramo turístico listam 10 razões para viver
en Uruguay, apelando a caracterizações locais de uso frequente. Apresentarei as
cinco primeiras de um desses listados (URUGUAY PROPERTIES, 2017), conside-
rando a sua relevância assim como caráter ilustrativo delas:
-Usted y su familia podrán vivir tranquilos en uno de los países más se-
guros del mundo. Redescubra el placer de caminar tranquilo por la calle y
de ver a sus hijos jugando despreocupadamente en los parques ubicados
en cada rincón del país.
-En Uruguay el aire es limpio, el agua es cristalina y los espacios verdes
abundan. La calidad de vida está asegurada en un país donde la natura-
leza y el respeto por el medioambiente reinan.
-El pueblo uruguayo es amable, abierto y educado; en su enorme mayoría
descendiente de inmigrantes europeos.
-En Uruguay Usted puede pasar de la ciudad al campo o a la playa en
menos de 30 minutos. Todo queda cerca; todo es más sencillo.
-El clima es templado y ni Usted ni su familia estarán expuestos a gran-
des inclemencias. No hay tormentas de nieve, arena, u olas de calor que
afecten la salud de la población.
O país, nos últimos anos, tem passado a transformar alguns dos efeitos distin-
tivos do seu olvido ou esquecimento, em elementos chave para a sua atual re-lem-
brança ou visibilidade.
Os migrantes europeus e norteamericanos com os quais dialoguei e interagi-
mos, assinalam que Uruguai se aproxima, mais do que outros países latino ameri-
canos, às suas expectativas; eles não procuravam aqui o exótico senão o familiar.
O Uruguai oferece garantias em termos de acesso à saúde e educação que são
caros a eles, de acordo com suas exigências, e também o Uruguai oferece um
3 Algumas manifestações do referido posicionamento do pais ecoam em fatos tais como que The
Economist considerou a Uruguai o pais do ano, em 2013; assim como The New York Times tem se
referido ao pais como Uruguay’s Quiet Democratic Miracle; e artigos tais como o realizada por Buz-
zFedd em 2013 #, 21 Reasons Why You Need To Move To Uruguay In 2014, tiveram um chamativo
alcance em redes sociais. Contudo, além desses médios e suas específicas esferas de influências,
a imagem que eles promovem atinge públicos e formadores de opinião de diverso tipo.
La Paloma é uma pequena cidade da costa leste uruguaia com 3.495 habi-
tantes (INE, 2012), embora junto com outros balneários adjacentes e zonas rurais
contíguas, conforma uma área maior povoada por 5.516 (ibid.) corriqueiramen-
te denominada La Paloma Grande. A faixa costeira que compreende La Paloma
Grande abrange os balneários La Paloma, La Aguada, Costa Azul, Arachania,
San Sebastián de La Pedrera, La Pedrera, Punta Rubia, Santa Isabel y San An-
tonio. Esta conurbação, embora levemente povoada e composta principalmente
por casas de verão, constitui o principal polo urbano da costa do departamento
4 A introdução feita por Alan Estrada (2016) sobre Uruguai para os episódios filmados no pais
para o seu canal Alanxelmundo, refletem a construção do ethos pais que desde fora-dentro é cor-
riqueiramente definido.
Bibliografia
DIAS DUARTE, Luiz Fernando. Muitas felicidades! Diferentes regimes do bem nas
experiências de vida. In: Freire Filho, João (Org.). Ser feliz hoje. Rio de Janeiro:
FGV, 2010.
DREXLER, Jorge. Un país con el nombre de un río. En: Frontera. Virgin, 1999.
Mano de obra no puede ser el “embudo que trabe” el turismo. El Observador , 2016,
18 abr. Disponível em: http://www.elobservador.com.uy/mano-obra-no-puede-ser-
el- embudo-que- trabe-el-turismo-n898024 . Acesso: 20 abr 2017.
GADINO, Isabel et al. El modelo actual de desarrollo turístico al oeste del Balneario La
Paloma, Rocha, Uruguay. Tendencias, riesgos y propuestas. In: Sustentabilidade
em Debate - Brasília, v. 3, N°. 2, p. 21-40, jul/dez. 2012.
GLORIOSO, Romella S., & Laurence A.G. MOSS. Amenity migration to mountain
regions: current knowledge and a strategic construct for sustainable
development. Social Change 37, 1: 137–161. 2007.
SHELLER, Mimi & URRY Jhon. “Tourism mobilities: places to play, places in
play”. Routledge: London, 2004.
URRY, John. La mirada del turista. Universidad de San Martín de Porres: Lima,
2004.
____________________
Recebido: 20 maio, 2017.
Aceito: 02 jul., 2017.
Delinear a história dos Fasces italianos no Brasil representa uma tarefa ainda
a ser completada. Tal lacuna pode ser só parcialmente imputada à escassez de
documentação primária sobre o assunto. Pelo contrário, ela deriva, em boa medi-
da, da tendência que se firmou nas quatro décadas sucessivas à segunda guerra
mundial, de minimizar quanto possível ou de silenciar a adesão dos italianos de
além-mar ao regime de Mussolini.2 Só nos últimos vinte-trinta anos algumas pes-
quisas, por meio de um paciente e meticuloso trabalho de busca em arquivos,
em publicações e na imprensa periódica da época, ofereceram finalmente para a
temática a justa problematização. Na realidade, o consenso concedido pelo imi-
grante ao fascismo, inicialmente fraco e restrito às classes altas e médias, foi-se
ampliando a partir do final da década de 1920, para alcançar seu ápice na segunda
metade da década sucessiva. Não devemos, porém, esquecer que a passagem de
uma situação de “a-fascismo” difuso para uma situação de apoio ampliado, pas-
sou por um envolvimento mais instintivo do que meditado, baseado sobretudo em
pulsões nacionalistas.3
No Brasil, talvez mais que na Argentina e no Uruguai, o regime teve sucesso
em dar uma conotação ideológica à construção de uma identidade nacional que
envolvesse também as classes populares, que criasse nestas o orgulho de um
pertencimento étnico, aproveitando um processo que estava acontecendo havia
duas décadas, através do trabalho da imprensa, das escolas e das associações
étnicas, sobretudo nas áreas urbanas. O mérito do governo de Roma, de suas
estruturas e de seus seguidores no Brasil, foi o de tornar em próprio favor esta im-
perfeita aquisição de uma consciência nacional, identificando e fazendo identificar
italianidade e fascismo, exaltando também todas as conquistas - verdadeiras ou
contrabandeadas como tais - do regime. Neste sentido, a alta consideração que a
1 Com a expressão Fasci Italiani di combattimento – Fasces em portugues (no singular italiano
Fascio) – se entende os grupos políticos fundados em 1919 na Itália por Mussolini, que em 1921
serão transformados no Partido Nacional Fascista – PNF. Estes Fasces tiveram também suas re-
presentações no exterior, funcionando junto aos migrantes italianos. Nota do Tradutor.
Para a afirmação daquele que foi batizado “fascismo difuso”4 contribuíram fa-
çanhas que entraram no imaginário coletivo, como as várias travessias do Atlânti-
co que pilotos italianos realizaram entre 1927 e 1931, incluída aquela liderada pelo
ministro fascista da Aeronáutica Italo Balbo, que, assim como outras iniciativas,
veiculavam a ideia de uma “nova Itália” – criação moderna e audaz, além de vito-
riosa e produtora, guiada e amada pelo Duce – e tinham como objetivo conquis-
tar o consenso não somente dos imigrantes, mas da opinião pública brasileira.
A propaganda dessa ideia tornou-se uma arma indispensável, e esta batalha foi
engajada oferecendo, entre outras coisas, bolsas de estudo a alunos brasileiros,
financiamento de viagens de jornalistas para que conhecessem e descrevessem
a nova realidade, e com isso inundassem as redações locais de artigos e fotos
provenientes da península, oferta de subsídios a agências e jornais brasileiros que
colocassem em boa luz o regime, multiplicação de esforços para conseguir pro-
jetar nos cinemas documentários do Istituto Luce (agência cinematográfica criada
por Mussolini em 1925) e filmes politicamente comprometidos, normalmente reser-
vados a um público de imigrantes. Paralelamente a Itália fascista procurou recortar
seu próprio espaço em campo cultural, roendo o predomínio francês, por meio do
envio de personagens importantes - Bontempelli, Marconi, Fermi - e de professo-
res universitários como Ungaretti para ensinar nas universidades locais5.
Tais manobras foram facilitadas pela pouca hostilidade despertada no Brasil
pela realidade política italiana que, pelo contrário, a nível governamental desem-
bocava em uma aberta simpatia, encontrando uma concretização, após 1930, no
recebimento das teorias corporativistas e do modelo sindical. A presença de um
presidente - Getúlio Vargas – e de um grupo de liderança, incluindo as forças ar-
madas, fortemente interessados à experiência italiana, além do surgimento de um
partido - Ação Integralista Brasileira (AIB) - que se inspirava no fascismo, levaram
Roma à esperança de ter influência sobre o panorama político local. Baseando-se
em tais convicções, o AIB foi financiado mesmo depois de sua dissolução por Var-
gas em 1938, episódio que de qualquer forma não impediu Roma de continuar a
4 Bertonha utiliza muito esta categoria para indicar a grande massa daqueles que são envolvidos
quase epidermicamente pelo regime, mas que representam a base de sustento para o núcleo res-
trito de inscritos ao fascismo e às organizações controladas por Roma como também aquele mais
amplo dos simpatizantes verdadeiros. Cfr. J. F. Bertonha, Brasile: gli immigrati e la politica estera
fascista, in “Latinoamerica” 70, 1999, pp. 91-104; Id., sob a sombra de Mussolini: os italianos de
São Paulo e a luta contra o fascismo, FAPESP - Annablume, São Paulo 1999 e Id., O fascismo e
os imigrantes italianos no Brasil, EDIPUCRS, Porto Alegre, 2001.
5 Os sucessos destas operações foram limitados tanto no plano cultural e cinematográfico, cam-
po este no qual já se assistia a um claro monopólio de Hollywood, como naquele jornalístico. Ainda
no final de 1930, o enviado do “Corriere della Sera”, Cesco Tomaselli, comunicava numa carta a
Pavolini, que no Brasil “quem dá corda ao relógio da opinião pública é a Inglaterra” (Archivio Cen-
trale dello Stato, Ministério da Cultura Popular, B. 275, Fasc. 5/46), juízo que poderia ser estendido
a todo subcontinente, como denunciava G. Quartara, Un viaggio nel Sud - America, Bocca, Milão
1939, p. 146.
7 Para o 1927, cfr. “Fanfulla”, 15 de setembro 1927; para o 1934, Gagliardetti italiani nel mondo,
s.e., Novara 1934, p. 9.
8 Cfr. Rios, Aspectos Políticos cit., p. 56; “Fanfulla”, 7 de março de 1928; F. Rubbiani, Almanacco
degli italiani nel Brasile pel 1932, s.e., São Paulo 1932, pp. 415-57; S. Pisani, Lo Stato di San Paolo
nel cinquentenario dell’immigrazione, s.e., São Paulo 1937, pp. 1248 - 51.
10 Dalle fazende alle miniere d’oro, in: “Il Legionario”, 4 de março 1933, apud: E. Franzina, Storia
dell’immigrazione veneta. Dall’Unità al fascismo, Cierre, Verona 1991, p. 163.
11 OND – Opera Nazionale Dopolavoro: tratava-se de uma organização criada pelo regime fas-
cista em 1925, que tinha como objetivo cuidar do tempo livre dos trabalhadores. (NDT)
12 Sobre a modesta participação às convocatórias do Partido, cfr. A. Trento, Il fascismo e gli ita-
liani in Brasile, in: “Latinoamerica”, 29, 1988, p. 50.
13 A expressão é de E. Santarelli, I Fasci italiani all’estero (note e appunti), in: “Studi Urbinati di
Storia, Filosofia e Letteratura”, 1-2, 1971, p. 1373.
15 Sobre a interessante figura de Gobbato, cfr. L. Slomp Giron, As sombras do Littorio: o fascismo
no Rio Grande do Sul, Parlenda, Porto Alegre 1994, pp. 86-90.
17 Cfr. sobretudo A. Trento, Do outro lado do Atlântico. Um século de imigração italiana no Bra-
sil, Nobel, São Paulo 1989, pp. 314-46, e Id., Il Brasile, gli immigrati e il fenomeno fascista, em V.
Blengino, E. Franzina, A. Pepe (a cura de), La riscoperta delle Americhe. Lavoratori e sindacato
nell’emigrazione italiana in America Latina, 1870-1970, Teti, Milão 1994, pp.257-64; Slomp Giron,
As Sombras cit., pp. 85-104, e Bertonha, O fascismo cit., pp.87-164.
18 Sobre esta sociedade, cfr. P. Salvetti, Immagine nazionale ed emigrazione nella Società “Dan-
te Alighieri”, Bonacci, Roma 1995, pp. 249-56.
20 Tratava-se de trens a preço reduzido organizados pelas OND para levar a população a desti-
nos, geralmente de praia ou turísticos durante os feriados. Obtiveram grande sucesso de público e
inauguraram na Itália o turismo de massa.. (NDT)
21 Citamos, como exemplo, o hino cantado, no ritmo de Fischia il sasso, pelas crianças do acam-
pamento “Edda Ciano Mussolini” de Nova Friburgo no começo da década de 1940, ou seja, quan-
do o governo brasileiro já tinha proibido as atividades políticas aos estrangeiros: “ Di una fede
sol sorretti/ presentiamo il nuovo sole;/ noi del Duce siam gli eletti,/ del fascismo siam la prole./
del fascismo audace e fiero/ che i nemici spezza e doma,/ del fascismo che l’impero/ ricondusse
all’alma Roma./ Giovinezza è il nostro canto;/ noi d’Italia rifiorita,/ per l’Italia amata tanto/ noi siam
pronti anche a morir” (Por uma só fé regidos/ apresentamos o novo sol;/ nós do Duce somos os
escolhidos,/ do fascismo somos os filhos./ Do fascismo audaz e altivo/ que os inimigos quebra e
doma,/ do fascismo que o Império/ trouxe de volta para a mãe Roma./ Juventude é nosso canto;/
nós da Itália reflorescida/ para a Itália amada tanto/ estamos pronto até a morrer), (“Fanfulla”, 25
de janeiro 1940).
22 I. Guerrini, M. Pluviano, L’organizzazione del tempo libero nelle comunità italiane in America
Latina: l’Opera Nazionale Dopolavoro, em Blengino, Franzina e Pepe (orgs.), La riscoperta cit., p.
381. Dos mesmos autores, cfr. L’Opera Nazionale Dopolavoro in Sudamerica, in: “Studi Emigrazio-
ne”, 119, 1995, p. 518-37.
23 Dentre das 54 fichas relativas aos inscritos ao Fascio de São Paulo, compiladas pela polícia
política, conservadas no Arquivo de Estado, e apresentadas por Dos Santos (Os seguidores cit.,
pp. 93-152) bem 14 são relativas a comerciantes, 8 a profissionais liberais, 7 a empregados e o
mesmo número a pequenos empresários, assim como a pessoas trabalhando em serviços, en-
quanto os operários não passam das 3 unidades.
24 Giuseppe Bastianini – político e diplomata italiano, foi deputado, vice-secretário do PNF e se-
cretario dos Fasci italianos no exterior. (NDT)
25 Cit. em Istituto italo-latino americano, Sartorio 1924. Crociera della Regia Nave “Italia”, edizioni
De Luca, Roma 1999, p. 97. Giurati, inclusive, exprimia parecer negativo a propósito dos Fasci que,
não podendo desenvolver plena atividade política em terra estrangeira, “constituem uma Socie-
dade colonial que muitas vezes aumenta as causas da desagregação das nossas coletividades.
Vestem, em algum País, a camisa preta, gritam alalà mas não podem alcançar resultados de im-
portância relevante”.
26 Piero Parini – político italiano, foi o terceiro secretário dos Fasci italiano no exterior (NDT).
28 Sobre os episódios que em 1928 envolveram Luigi Freddi, que já fora vice secretário dos Fasci
no exterior e que transferiu-se no Brasil para dirigir o jornal “Il Piccolo” e, a distância de menos de
um mês, Osvaldo Brancaleoni, secretário do cônsul Mazzolini, cfr. Bertonha, O fascismo cit., pp.
332-35 e Trento, Presenze cit., pp 410-14. Em ambos os casos a acender a faísca foram alguns
comentários ofensivos em relação aos brasileiros e às brasileiras.
29 Cfr. Slomp Giron, As sombras cit., e B. Corsetti, O crime de ser italiano: a perseguição no
estado Novo, em L. A. De Boni (org.), A presença italiana no Brasil, I, EST, Porto Alegre 1987,
pp.363-82.
32 Galeazzo Ciano (1903 – 1944) foi um político italiano, genro de Benito Mussolini e ministro dos
assuntos exteriores de 1936 a 1943. NDT
Resumo
A partir de dados empíricos de atendimento no Posto de Atendimento Humani-
zado aos Migrantes no Aeroporto Internacional de Guarulhos, apresento como a
migração das mulheres e trans brasileiras ocorrem de forma ainda mais vulnerável
que a migração masculina, pois lidam com violações de direito características de
construções societárias em que os papéis de “mulheres” e “homens” são acentu-
adamente marcados e diferenciados, e supostamente atendem a um padrão nor-
mativo. Para tanto, o recorte específico no tipo de migração que este trabalho está
voltado é a migração de mulheres, e a representação do termo trans como um
universo que abriga travestis, transexuais e transgêneros.
Abstract
Based on empirical data from the Humanized Attendance Service for Migrants
at the International Airport of Guarulhos, I present how the migration of Brazilian
women and transgenders occurs with more vulnerability than the male migration,
since they deal with law’s violations characteristic of social constructions in which
the roles of “women” and “men” are marked and differentiated, and supposedly
attend a normative standard. For this, the specific type of migration that this work
is focused on is the migration of women, and a universe that shelters “travestis”,
transsexuals and transgenders.
1 Socióloga, com Mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo e Dou-
toranda em Sociologia pela Universidade Federal de São Carlos.
ao ponto de a vida lhes ser insuportável, pela violência sobre eles exer-
cida, muitas vezes até à morte – sendo a morte e as condições de pos-
sibilidade do seu luto o horizonte teórico por excelência duma qualquer
política do reconhecimento (Rocha, 2006).
Hoje é possível inferir que em busca por melhores condições de vida, mulheres
e trans migram em busca primeiro de trabalho, para enviar dinheiro aos familiares,
e segundo por relacionamentos amorosos – que podem ser tanto o fator de “atra-
ção” para o país de destino, como ainda o fator de “expulsão” do Brasil, caso em
que estejam sofrendo violência, doméstica, sexual ou psicológica aqui. Os carac-
teres distintivos seriam o fator emocional bastante constante nas entrevistas com
esse público, ainda a alta mobilização das redes sociais para executar a migração,
como é possível visualizar a partir do caso da Joana.
Sobre a violência de gênero é possível apresentar todo um leque possibilida-
des que só são encontradas com frequência na migração de mulheres e trans.
Darei alguns exemplos a seguir:
Ainda sobre Joana (2009), ela fez o trajeto pelo deserto do México, contou
sobre a grande dificuldade do percurso, sobre o calor, sobre os únicos dois litros
d’água que lhes dão, sobre os espinhos dos cactos em seus corpos, e que quando
finalmente chegam na fronteira, ela e o grupo em que estava foram pegos pela
migração. Ao contrário do que ocorria sete anos antes, eles ficaram em prisões à
espera da partida para o país de origem. Seu filho desistiu de entrar nos EUA desta
forma. Sobre sua passagem no México ela acabou contando que ao desembarcar
na Guatemala não chegou nem a encontrar com o casal de amigos (com quem
arranjaria os papéis de casamento para o visto nos EUA). Acabou pegando um
táxi e foi sequestrada. Ela contou sobre o grupo conhecido no México que pratica
este crime, e que tem ajuda de forças policiais, o Zeta. Contou que o grupo tem
a prática de sequestrar turistas e subornar as famílias para devolver as vítimas.
Como ela não passou nenhum contato pessoal a eles, e ficava sempre repetindo
que só tinha o dinheiro que carregava com ela na viagem, eles foram gastando seu
dinheiro e levando ela de carro até o México. Em um momento em que fizeram
uma parada, ela escapou e recorreu a um taxista para lhe levar a um centro de
polícia para reportar o roubo. Chegando neste posto policial eles desconfiaram da
história dela, em suas palavras: “os policiais mexicanos pensam como os america-
nos, que todos imigrantes que se encontram no México estão tentando atravessar
a fronteira para os EUA”. Ela ficou detida, e começou a sentir que estava grávida.
A levaram para fazer exames médicos, mas o de urina não acusou, bem como
9 Termo que significa quando alguma organização internacional, ou mesmo o governo federal do
país estrangeiro que a abrigava, paga sua passagem de volta ao país de origem.
Notas Finais
Referências Bibliográficas
OIT. Uma aliança global contra o trabalho forçado. Relatório Global do Seguimento
da Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, 2005.
Apresentação
Quando eu iniciei meu percurso acadêmico, logo voltei meu interesse para o
estudo da América Latina em geral e, depois de pouco anos, do Brasil em especial,
Eu próprio cheguei do outro lado do Atlântico, ainda criança, com 12 anos, de-
sembarcado em 1954 na cidade de São Paulo, onde meu pai trabalhava na Alita-
lia. Foi uma experiência muito importante para mim, apesar de ter ficado no Brasil
menos de 6 anos (voltei para Roma no começo de 1960 para cursar a Faculdade),
pois deu-me uma grande abertura mental e uma atitude à convivência e ao inter-
câmbio cultural, mesmo tendo frequentado o Colégio Dante Alighieri, que, naque-
les anos, já era um instituto totalmente brasileiro e hospedava alunos de diferentes
nacionalidades, se bem que com preponderância de italianos e descendentes.
Eu acredito que o caminho que temos pela frente será o de aprofundar alguns
temas, por exemplo da organização interna das coletividades imigradas, de sua
participação à vida da sociedade receptora, isto é aprofundar tudo o que ilustre
que o caminho da identidade étnica (que foi, aliás, um valor difícil a ser interioriza-
do para essas grandes massas de desiguais que logicamente foram os imigrantes)
Resumo
A pesquisa de doutorado em andamento “Crianças migrantes haitianas em Sinop/
MT: inserção nas instituições escolares” tem como objetivo compreender como
ocorre a inserção e socialização das crianças migrantes e haitianas nas institui-
ções escolares públicas de Sinop. Objetiva também analisar como as instituições
escolares recebem e percebem essas crianças; verificar as experiências viven-
ciadas por elas em relação às outras crianças/colegas, professores e gestores e
como os pais das crianças haitianas veem e percebem a escola. A metodologia
é qualitativa com desenho etnográfico para gerar dados através de observações
livres, entrevistas e depoimentos. O recorte temporal da pesquisa é a migração
de crianças que vieram com seus pais no ano de 2015 a 2016 para Sinop MT. Os
dados preliminares apontam que nas escolas, as crianças haitianas têm muitas
dificuldades com a língua portuguesa o que limita sua comunicação e interfere
na relação com os professores, colegas, aprendizagem dos conteúdos e na in-
ternalização das regras escolares. Os professores, em sua maioria, demonstram
preconceito racial de forma velada em seus discursos e em relação à origem dos
alunos. Para eles o Haiti é um país pobre e miserável, em consequências os hai-
tianos podem ser subalternos, sujos e “diferentes” em relação aos demais negros
brasileiros. Os pais das crianças haitianas valorizam a escola e os professores
dos seus filhos. Nas relações entre alunos o preconceito racial é mais perceptível
na fase da Educação Infantil, na faixa etária de 5 a 6 anos. Na fase dos 12 anos é
mais perceptível nas meninas do que nos meninos brasileiros.
Abstract
The doctoral research in progress “Haitian migrant children in Sinop/MT: insertion
in school institutions” aims to understand how the insertion and socialization of the
migrant and Haitian children occurs in the public-school institutions of Sinop. It also
aims to analyze how school institutions receive and perceive these children; to
verify the experiences they lived by them in relation to the other children/colleagues,
1 Graduada em Pedagogia pela UNEMAT, Mestre em Educação pela UFMT e cursando douto-
rado em Sociologia pela Universidade Federal de São Carlos. Professora Assistente na área de
Metodologia de Ensino na Universidade Estadual de Mato Grosso. Email: jesusalexandre.ivone@
gmail.com
1. Introdução
2. Discussão teórica
2 Portaria Nº067/2016 que dispõe sobre as denominações das unidades de Educação Infantil do
Munícipio.
3 [...] o uso do termo migrante (no lugar de imigrante) e migração (no lugar de imigração) nos
permite enfatizar as dimensões múltiplas tanto de movimento, trânsito e fluidez quanto de tempo-
ralidades e motivações que marcam as migrações contemporâneas e que podem variar em função
de diferentes fatores políticos, econômicos e sociais (COGO E BADET, 2013, p. 12).
4 SEYFERTH, Giralda. Colonização, imigração e a questão racial no Brasil. Revista USP. São
Paulo, n.53, março/maio 2002. p. 117-149.
6 Cor neste trabalho tem como parâmetros as categorias de cor utilizada pelo IBGE e também
dos traços fenotípicos. A classificação por cor [...] teve como critério não somente a cor da pele,
mas é um conceito extensivo, que considera também a textura dos cabelos, a forma do nariz e a
cor e espessura dos lábios (OLIVEIRA, 1999, p.48).
3. Metodologia da pesquisa
Resultados preliminares
Referências bibliográficas
COGO, Denise Maria; SOUZA, Maria Badet. Guia das migrações transnacio-
nais e diversidade cultural para comunicadores – Migrantes no Brasil. Bella-
terra: Instituto Humaitas; Unisinos; Instituto de la Comunicación de la UAB, 2013.
(Coleção: Guias De Diversidade Cultural Para Comunicadores).
DUTRA, Cristiane Feldmann. GAYER, Suely Marisco. A Inclusão social dos imi-
grantes haitianos, senegaleses e ganeses no Brasil. Seminário internacional
de demandas sociais e políticas na sociedade contemporânea. VIII mostra de
trabalhos jurídicos científicos, 2015.
GUIMARÃES, Antonio Sergio. Democracia Racial: O ideal, o pacto, o mito. In. OLI-
VEIRA, Iolanda (org.) Cadernos de Pesquisas: Relações raciais e educação
- Temas contemporâneos. –Niterói: EdUFF, 2002.
__________________
Recebido: 11 jul., 2017.
Aceito: 24 jul., 2017.
Resumo
Este trabalho pretende analisar o contexto e o evento de 25 de julho de 1965,
quando Bob Dylan tocou com uma guitarra e acompanhado de uma banda elétrica
durante o Newport Folk Festival. A hipótese central deste artigo é de que o capita-
lismo pode oferecer aparentes saídas de fuga ao indivíduo, porém, tais podem ser
representadas como uma pintura de Escher, na qual o indivíduo, mesmo saindo
de um plano, permanece no mesmo circuito retroalimentando processos aos quais
está submetido historicamente e materialmente. Este caso empírico permite a ob-
servação de como a busca de si, o desejo por uma produção própria e em romper
com laços limitantes de produção provocaram maior individualização, isolamento e
maior capitalização sobre a produção artística justamente nos anos considerados
como de ruptura.
Abstract
This work intends to analyze the context and the event of July 25, 1965, when Bob
Dylan played with an electric guitar and accompanied by an electric band during the
Newport Folk Festival. The central hypothesis of this article is that capitalism can
offer apparent exits to the individual, but these can be represented as an Escher’s
painting, in which the individual, even out of a plane, remains in the same feeding
1 Este artigo é fruto de uma pesquisa paralela que vem sendo feita desde 2012, inicialmente
incentivada e guiada por Frédéric Vandenberghe (IESP/UERJ). O primeiro esboço deste texto re-
cebeu importantes considerações de Maria Aparecida de Moraes e Silva, a quem agradeço. So-
mam-se a estes dois, Gabriel de Santis Feltran, que também vem dialogando com esta iniciativa
acadêmica nos últimos anos.
Introdução
Aquela tarde de domingo, 25 de julho de 1965, foi a última vez que Bob Dylan se
apresentou no Newport Folk Festival.
3 Depoimento do crítico musical Robert Shelton (1926-1995). Shelton foi o primeiro crítico da
grande imprensa estadunidense a noticiar o surgimento de Bob Dylan, em artigo na New York Ti-
mes de 29 de setembro de 1961 e a ser próximo ao artista nas décadas seguintes.
4 Se falar em trajetória supõe uma linha unidirecional, há um contraponto feito por Lévi-Strauss
(1978, p. 42) no qual não há como compreender um “mito” como algo linear e que tal não é
compreendido através de uma sequência de acontecimentos, mas de grupos de acontecimentos
que ocorrem em momentos diferentes da história: “ou seja, não só temos de ler da esquerda para a
direita, mas simultaneamente na vertical, de cima para baixo. Temos de perceber que cada página
é uma totalidade”. O filme I’m Not There (2007) foi feito exatamente nessa forma de exposição.
5 Entre 1959 a agosto de 1962, o artista utilizou os nomes “Bob Dillon”, “Elston Gunn”, “Bob
Landy” e, legalmente registrado, Bob Dylan. Nas décadas seguintes se apresentou também com
os pseudônimos de “Tedham Porterhouse”, “Blind Boy Grunt”, “Robert Milkwood”, “Thomas Boo
Folk: dissonâncias
É interessante pontuar o quanto para além dos empresários de Dylan, Pete
Seeger e Joan Baez tiveram cuidados com o jovem artista, seja com os locais nos
quais moraria, o local onde passaria as férias e inclusive os refúgios em momentos
6 A frase é um famoso escrito no mundo folk, inscrita no violão de Woody Guthrie, que também
deu nome à personagem citada. Dylan chegou a compor a música “Song to Woody” e a recitar seu
poema “Last Thoughts On Woody Guthrie” em shows durante o ano de 1963.
7 Hobo, aqui, diz respeito àquele indivíduo sem casa, viajante e que, para o caso dos EUA costu-
mava habitar as estações de treme linhas férreas, utilizando vagões de carga para se deslocarem
pelo território. Bob Dylan chegou a compor as músicas “Only a hobo” (1962) e “I Am a Lonesome
Hobo” (1967) e em várias outras aparece como o ragman (homem em andrajos), o orphan (o ór-
fão), o rambling (desconectado), o gambler (apostador em jogos de azar), o clown (palhaço), o thief
(ladrão) e outros milhares de personagens socialmente marginalizados.
Entre 1963 e 1965, Dylan foi acusado e criticado por vários motivos: se traba-
lhava num blues, ele era um “branco roubando a música negra”; se desenvolvia
o talking blues, um “imitador”; quando não compunha músicas de protesto, os
tradicionalistas diziam que ele era um “traidor” e “apolítico”, quando era subjetivo,
era taxado de “existencialista centrado em si mesmo” (SHELTON, 2011). Um dos
primeiros momentos críticos foi uma matéria da revista Newsweek, de novembro
de 1963, que além de expor o nome verdadeiro, desmentiu toda a construção de
que o artista era um órfão9. Depois da mídia, o segundo momento crítico foi com
a própria “esquerda”: em dezembro de 1963, durante jantar em comemoração ao
Bill of Rights, organizado pela Emergency Civil Liberties Committee (ECLC), o ar-
tista, homenageado com o Tom Paine Award, disse em um determinado momento
– após fazer críticas à “velha guarda”:
8 Entrevista para Stuart Crump, do Brown Daily Herald, Brown University, 1965.
9 Bob Dylan se declarou órfão ao sindicato em 1961 para conseguir autorização legal para exer-
cer a profissão de músico. Uma matéria da Newsweek de 4 de novembro de 1963 desmentiu a
história, trazendo o primeiro momento de ruído entre o artista e a imprensa. Após a notícia cortou a
comunicação com os pais, irmãos e com Billy James, do departamento de publicidade da Columbia
Records. É a partir daqui que surge, timidamente, as famosas antientrevistas (SHELTON, 2011).
O desapontamento com o cantor foi geral. O editor da Sing Out! escreveu uma
carta aberta denunciando que “a parafernália da fama entrou em seu caminho”, en-
quanto um jornalista da Broadside que até então era próximo do artista sentenciou
que ele havia “desertado em busca de forma mais elevada de arte”, acusando-o
de renunciar o protesto, de “inocuidade”, “completa indiferença a plateia”, “inibição
egoísta” e ainda, criticando as músicas por “falha” e “nível absurdo de confusão”
(SHELTON, 2011). Dylan confidenciou a Shelton: “já não escrevo canções para to-
dos, mas para mim mesmo”, afirmou também que sua consciência estava mudan-
do significativamente. Nessa dinâmica relacional de produção, crítica, consciência
e, novamente, produção, como não lembrarmos dos escritos dos escritos de Karl
Marx quando este escreve sobre a transformação da consciência, da atividade
autoconsciente, da emancipação e do sentimento de si (MARX, 2009)?
10 Importante para minha intenção em destacar que parar Marx e Engels (2007), a divisão do
trabalho só se converte em verdadeira divisão a partir do momento em que se separam os traba-
lhos material e espiritual. A divisão do trabalho social também cria contradições entre os distintos
interesses, individual, familiar e comunitário.
11 Entrevista para Nat Hentoff da revista Playboy dos EUA no segundo semestre de 1965, publi-
cada em março de 1966.
12 Preferi usar o termo entre aspas para não confundir e pontualmente caracterizar esta eman-
cipação enquanto ato político individual, diferente da emancipação humana de Marx.
Como nos diz Marx (1985), o objetivo das comunidades é a preservação, isto
é, a produção de indivíduos que as constituam não apenas como proprietários, isto
é, no mesmo modo objetivo de existência que, também, forma o relacionamento
recíproco dos membros e, portanto, forma a própria comunidade. Mas, “esta repro-
dução, é ao mesmo tempo, necessariamente nova produção e destruição da velha
forma” (MARX, 1985, p. 87). Após o Newport Folk Festival de 1965, houve divisão
na comunidade folk. Um músico escreveu na Sing Out!:
A animosidade era recíproca. Dylan se via explorado e limitado pelo que espe-
ravam e queriam dele. Esse embate é próprio da relação essencial de apropriação
e dominação, que nos diz Marx (1985). Para o autor, a apropriação da própria von-
tade de outrem é pressuposto básico na relação (social) de dominação,
Dylan acreditava que sendo “honesto” consigo mesmo poderia alterar as for-
mas de produção que, ao seu modo de ver, lhe pertenciam. Ao tentar romper com
a lógica de dominação a qual estava submetido sob o circuito folk, o artista aden-
trou num processo maior de exploração, alienação a, por fim, leva-lo quase a mor-
te física.
Oh all the money that in my whole life I did spend/Be it mine right or wrongfully/
I let it slip gladly past the hands of my friends/To tie up the time
most forcefully (Restless Farewell, 1964).
13 Entrevista para Izzy Young no Folklore Center em New York, em outubro de 1961.
14 Entrevista para Richard Gilbert, publicada pela revista inglesa Scene, em janeiro de 1963.
15 Tanto John Lennon e Paul MacCartney dão depoimentos sobre a influência de Dylan e a
importância daquele primeiro encontro, retratado em I’m not there (2007). Em 1966, retratado no
documentário Eat the document (1972), há toda uma cena entre Dylan e Lennon num táxi londrino.
Me parece que MacCartney escreveu a música “Rocky Raccon” (1968) para Bob Dylan; assim
como fez David Bowie, “A Song For Bob Dylan” no álbum Hunky Dory (1971). Já com Harrison, Bob
Dylan se apresentou no Concert for Bangladesh (1971) organizado pelo beatle.
16 Entrevista em Les Crane, talk show do canal televisivo WABC, em 17 de fevereiro de 1965.
18 Entrevista para Nat Hentoff da revista Playboy dos EUA, publicada em março de 1966.
19 Observáveis em ambos os documentários citados, No direction home (2005) e Eat the docu-
ment (1972).
20 Show no Manchester Free Trade Hall e o indivíduo da plateia era Keith Butler. Áudio dis-
ponível no The Bootleg Series, vol. 4, Bob Dylan Live 1966, The Royal Albert Hall Concert. No
documentário No direction home (2005) parte da cena está disponível.
Como apontado por Silveira (1994, p. 58), a indiferença refere-se àquela dos
indivíduos sob o capitalismo. Para manter o ritmo de produção exigido pela grava-
dora, o artista, para sobrevier enquanto produtor, passa a contar exclusivamente
consigo mesmo, seu próprio corpo (o “trabalho nu”), com suas energias, habi-
lidades e capacidades. A necessidade de acumulação implica na separação do
homem de seu corpo inorgânico, momento que ocorre a perda do objeto, a alie-
nação, emergindo aqui a forma da individualidade correspondente ao capitalismo,
enquanto processo histórico inseparável da história da humanidades e do desen-
volvimento das forças de produção (SILVEIRA, 1994).
Em outra conversa:
Como o próprio Dylan disse em 1966, durante a turnê inglesa: “é sempre soli-
tário onde eu estou” (SHELTON, 2011). A partir das rupturas de relações sociais,
aliado ao processo de indiferença, o artista passa a se situar numa forma de isola-
mento social (SILVEIRA, 1994). Segundo o autor, este é uma das dimensões fun-
damenteis da indiferença em relação a outros indivíduos, na qual o sujeito conta
apenas consigo mesmo, com seu corpo e sua força de trabalho. Ainda, esse isola-
mento, que para Silveira (1994) é também ausência de sociabilidade prévia, “é ao
mesmo tempo condição para que a individualidade e as formas de sociabilidade
adquiram um caráter efetivamente histórico” (SILVEIRA, 1994, p. 61).
Durante a turnê inglesa, em 16 de maio de 1966, Dylan lançou Blonde On Blon-
de, com músicas que já faziam parte do repertório do artista desde o ano anterior.
Em 1966, num período de 112 dias entre 04 de fevereiro a 27 de maio, foram 45
apresentações, incluindo uma apresentação no Hawaii, três cidades canadenses,
cinco australianas, uma (na Suécia, Dinamarca, Irlanda, Irlanda do Norte, França),
duas cidades escocesas e oito cidades inglesas. Em 112 dias, uma estimativa de
54.224 km percorridos. Ao fim da turnê europeia, Dylan estava debilitado pela roti-
na de shows e abusos, além de todos os conflitos internos. O artista queria dar um
tempo nas apresentações. Concretamente, a tentativa de Dylan em exercer sua
individualidade e qualidade de produtor cuja subjetividade deveria ser respeitada
perante o circuito folk o situou em um processo de exploração ainda mais profun-
do que o anterior: alienado do que produzia, de como produzia e da renda obtida,
a figura de Escher é ilustrativa: ao tentar sair de um plano, subindo ou descendo
as escadas, Dylan, encapuzado, permanece alienado dentro de um todo, um todo
já posto, estruturado historicamente e materialmente dado22. Ao regressarem aos
EUA, Dylan e a banda que o acompanhava, The Hawks, foram informados que o
empresário do cantor, Albert Grossman, havia agendado mais 64 shows para os
meses seguintes de 2016. Isolando-se no interior de New York, em sua casa de
Woodstock, Dylan ficou reservado entre junho e julho. Uma saída? A sua própria
“morte”. Em 29 de julho, sofreu um grave acidente de moto, cujo detalhes não
foram revelados. Voltou a realizar uma turnê apenas oito anos depois23. Mas isso
voltando a se apresentar somente em 1971 no Concert for Bangladesh, organizado pelo amigo
George Harrison. Depois, mais dois anos sem subir aos palcos, retornando apenas em 3 de janeiro
de 1974 ao iniciar uma turnê acompanhando pela The Hawks, conhecida também como The Band.
CESAR, Ligia. Poesia e política nas canções de Bob Dylan e Chico Buarque. Dis-
sertação (Mestrado em Literatura Inglesa) – Setor Ciências Humanas, Letras e
Artes, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 1990.
EAT THE DOCUMENT. Direção: Bob Dylan e Donn Alan Pennebaker. Produção:
Bob Dylan, 1972. DVD (54 min.), mono, color.
DON’T LOOK BACK. Direção: Donn Alan Pennebaker. Produção: COURT, John;
GROSSMAN, Albert, 1967. DVD (96 min.), mono, preto e branco.
DYLAN, Bob. 1963. Transcript of Bob Dylan’s remarks at the Bill of Rights Dinner at
the Americana Hotel on 12/13/63 [Online]. Corlis Lamont Organization. Disponível
em: <http://www.corliss-lamont.org/dylan.htm>. Acesso em: 23/04/2017.
______. Interviews from the 60’s (1961-1969) [Online]. Disponível em: <http://www.
interferenza.com/bcs/interv.htm>. Acesso em: 24/04/2017.
HONNETH, Axel. Liberty’s entanglements: Bob Dylan and his era. Philosophy So-
cial Criticism, v. 36, n. 7, p. 777-783, 2010.
I’M NOT THERE. Direção: Todd Haynes. Produção: VACHON, Christine; GOLD-
WYN, John, 2007. DVD (135 min.), son., preto e branco (parcialmente), color.
SHELTON, Robert. No direction home: a vida e música de Bob Dylan. São Paulo:
Larousse, 2011.
____________________
Recebido: 17 maio, 2017.
Aceito: 20 jun., 2017.
Resumo
Buscamos neste texto fazer uma articulação entre a teoria crítica proposta por
Adorno e Horkheimer (1985) no que diz respeito ao surgimento do homem mo-
derno e a possibilidade de alcance da chamada Indústria Cultural, com a teoria
marxista sobre trabalho vivo e tempo de trabalho, com nosso objeto de pesquisa, o
trabalho dos YouTubers nas mídias digitais. Trazemos dois exemplos recentes ví-
deos patrocinados pelo governo e um outro vídeo, não patrocinado, para discutir a
questão do uso de publicidades visando um público jovem, bem como para ilustrar
esse formato de trabalho nas mídias digitais, mais especificamente, o YouTube. O
YouTube é uma plataforma online gratuita de divulgação de conteúdos em formato
de vídeo. Nela todo usuário cadastrado nas contas da empresa Google pode ter
um canal e fazer o upload dos vídeos. Os YouTubers exercem uma nova forma de
trabalho nas mídias, colocando esses vídeos online, recebendo dinheiro a partir de
publicidade embutida em seus vídeos. O argumento central é que essa positivação
de um trabalho não regulamentado, que vem desde a flexibilização da educação,
nas mídias, atinge toda uma geração que está se inserindo neste momento no
mercado de trabalho e é afetada diretamente com isso, facilitando a aceitação das
mudanças trabalhistas e educacionais propostas pelo atual governo brasileiro.
Abstract
The intention of this text is to articulate the critical theory proposed by Adorno and
Horkheimer (1985) regarding the emergence of modern subject and the possibility
of reaching the so-called Cultural Industry, with the Marxist theory of live work and
work time, with our research object, the work of YouTubers in digital media. We bring
two recent examples of government-sponsored videos and another non-sponsored
video to discuss the use of advertising aimed at a young audience as well as to
illustrate this format in digital media, specifically YouTube. YouTube is a free online
platform for content delivery in video format. In it all registered users in the compa-
ny accounts Google can have a channel and upload the videos. YouTubers exert a
1 Bacharel em Ciências Sociais pela UFSCar. Mestre em Sociologia pelo Programa de Pós-Gra-
duação em Sociologia da UFSCar. Doutoranda em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação
em Sociologia da UFSCar. Contato: giudenari@gmail.com
Introdução
Buscamos neste texto fazer uma articulação entre a teoria crítica proposta
por Adorno e Horkheimer (1985) no que diz respeito ao surgimento do homem
moderno e a possibilidade de alcance da chamada Indústria Cultural, com a teoria
marxista sobre trabalho vivo e tempo de trabalho, com nosso objeto de pesquisa,
o trabalho dos YouTubers nas mídias digitais.
Começaremos este texto descrevendo três vídeos publicados na plataforma
YouTube: dois do ano de 2016 sobre o Novo Ensino Médio e um, de 2017, sobre a
Reforma Trabalhista. Os dois primeiros vídeos, ambos patrocinados pelo governo
federal, estimando um gasto de R$65000,00 com cada vídeo, falam de forma po-
sitivada sobre a reforma proposta para a educação.
No primeiro vídeo, de um canal com mais de um milhão de inscritos, com cem
mil visualizações e sete minutos de duração, intitulado “Tudo o que você precisa
saber sobre o novo ensino médio!!”, dois jovens começam explicando que o vídeo
se destina àqueles e àquelas que ou já cursam o ensino médio ou irão ingressar
nos próximos anos, ou seja, jovens de 14 a 18 anos. Começam falando sobre o
aumento da carga horária, alegando que por mais que os alunos não gostem de
passar mais tempo na escola, esse aumento será bom, pois vai melhorar a quali-
dade do ensino e então, citam o caso do estado de Pernambuco, que aumentou
a carga horária e isso teria feito o ensino melhorar. Segundo o argumento deles,
mais tempo de aula significaria mais tempo de aprendizado, o que faria com que
os estudantes, no futuro conseguissem melhores empregos e com isso, ganhas-
sem mais dinheiro. A segunda mudança citada é sobre as matérias passarem a
ser divididas em setores e os alunos poderem escolher quais matérias irão cursar.
Segundo o argumento dado, uma vez que o aluno já sabe o que irá fazer após
concluir o ensino médio, ele deveria poder focar nas matérias que o ajudarão e
não ficar cursando todas as matérias, como era antes da Reforma, o que faz com
que a escola fique mais chata ainda, aumentando a evasão e os índices de reten-
ção nessas matérias, por falta de interesse dos alunos. Explicam a partir de suas
vivências que em escolas no exterior, no caso a Itália, onde se formaram no ensino
médio, já funciona desta forma e segundo eles, faz com que o ensino seja bom.
A partir disso, passam a citar outros casos de sistemas educacionais europeus e
asiáticos, para positivar a mudança no Brasil. Abordam, por fim, sobre a polêmica
de algumas matérias terem sido excluídas ou não e o quanto isso seria uma menti-
ra. Afirmam que mais tempo na escola os teriam feito mais inteligentes e encerram
2 Houve um caso recente de vídeos com conteúdo antissemitas sendo pagos aparentemente
sem que as empresas soubessem. Isso fez com que várias empresas parassem de fazer propa-
ganda na plataforma o que fez mudar as políticas de monetização e termos de uso do YouTube.
(Excerto de caderno de campo, junho 2017).
3 Caso descrito em < http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2017/02/1859532-governo-paga-
youtubers-para-fazer-elogios-as-mudancas-do-ensino-medio.shtml > Acesso em 20 de fevereiro
de 2017.
4 Neste texto não farei a discussão sobre geração que cabe quando discutimos juventude.
5 Não busco neste trabalho fazer um debate sobre classes e classificação social. Uso os ter-
mos classe baixa, média e alta de forma cotidiana, sabendo que podem ser problematizadas no
contexto e dentro de um debate sociológico muito mais amplo.
Para Marx, quando se fala em Ideologia se diz sobre as ilusões criadas nas
relações através das quais os homens pensam suas realidades de maneira envie-
sada e fantasmagórica. Quando pensamos na Indústria Cultural esse significado
tem a sua abrangência exacerbada, com a produção em massa de meios de nor-
matização da vida comum. Sendo a consciência um produto social e desta forma
construído de acordo com os ideais determinados pelo momento histórico, político
e econômico, de acordo com a teoria marxista, quando estas não são vinculadas
à classe dominante, a Ideologia se torna ainda mais efetiva. “Os pensamentos da
classe dominante são também, em todas as épocas, os pensamentos dominantes;
em outras palavras, a classe que é o poder material dominante numa determinada
sociedade é também o poder espiritual dominante” (MARX, 2008, p. 48).
Na sociedade capitalista esse poder só é possível pela divisão do trabalho, que
o autor classifica entre trabalho material e trabalho intelectual, o que subordinaria
o indivíduo nesse sistema de produção. “Portanto, segundo a nossa concepção,
todos os conflitos da história têm sua origem na contradição entre as forças pro-
dutivas e o modo das trocas” (Idem, p. 91). Isso faz com que seja possível des-
naturalizar o modo de produção e a propriedade privada, colocando os indivíduos
enquanto sujeitos na história. A Ideologia não é uma mentira, é ilusória, mas uma
ilusão necessária. É por isso que ela é determinada de acordo com os tempos e
6 É preciso destacar que os dados de pesquisa apresentados neste trabalho são de caráter ex-
ploratório, sendo que a pesquisa de doutorado se iniciou no começo deste ano (2017).
Essa redução ao real racional que pode ser medido e calculado é a forma de
dominação moderna, que tem nas disciplinas sua expressão na dominação dessa
nova subjetividade burguesa. “Não seria o trabalho, portanto, que teria introduzido
as disciplinas, mas muito pelo contrário, as disciplinas e as normas que teriam
tornado possível o trabalho tal como ele se organiza na economia chamada capi-
talista”. (FOUCAULT, 2005, p. 335).
O poder disciplinar tornou os corpos e as mentes em produtivos de acordo
com a nova racionalidade proposta e a nova forma de produção desde o século
XVIII. Podemos ver também o quanto essas novas lógicas vão se adaptando a
8 Preferimos aqui manter a ideia de influencia e não determinação, como a tradição marxista e
da teoria crítica nos propõem, por não fazermos análise da recepção desses conteúdos.
Que se estabeleça uma relação aparente, porém não pareça menos real,
entre o produtor e consumidor, que extrapole a relação de trabalho. “Todavia, a
indústria cultural permanece a indústria da diversão. Seu controle sobre os consu-
midores é mediado pela diversão, e não é por um mero decreto que esta acaba por
se destruir, mas pela habilidade inerente ao princípio da diversão por tudo aquilo
que seja mais do que ela própria.” (ADORNO e HORKHEIMER, 2008, p. 112).
O autor continua sobre a apropriação desse valor pelo capital, gerando riqueza
pela absorção do trabalho alheio, mas principalmente do tempo de trabalho, ou
seja, é o tempo de trabalho que serve de medida e fonte de riqueza dos que explo-
ram o trabalho. “A riqueza não é o comando sobre o tempo de trabalho excedente
(riqueza real), mas tempo disponível para cada indivíduo e toda sociedade para
além do usado na produção imediata”. (Idem, p. 589).
A formação do sujeito moderno no capitalismo possibilitou o surgimento do
indivíduo capitalista, que se basta em si, é uno e pleno em si mesmo, que valoriza
e busca o não tempo de trabalho, ou seja, tempo disponível para o lazer, mas prin-
cipalmente, para o consumo. Tudo que não é trabalho acaba sendo agregado ao
capital da produção e, como discutido por Adorno e Horkheimer (1985), a Indústria
Cultural acaba por preencher esse tempo e elemento da vida cotidiana. Se não em
forma de consumo de produtos físicos, em forma de Ideologia: construção do va-
lor do empreendedorismo, busca por investir em si mesmo, as microempresas, a
chamada PJtização, trabalho por projetos, enfim, termos e ideais que não existiam
ainda , mas que Marx já mostrava a transformação do tempo do não trabalho em
9 É uma plataforma que permite os usuários a tirar e postar fotos e pequenos vídeos, aplicar
efeitos, para serem compartilhados com outros usuários.
11 Like é o termo usado para quando um usuário avalia positivamente um vídeo no YouTube.
Considerações finais
O trabalho dos YouTubers nos permite pensar o quando seu formato, livre, des-
pretensioso, com altos ganhos monetários, se torna propaganda para um trabalho
desejável, até em outros setores do mercado. Os conteúdos apresentados nos
três vídeos de exemplo nos ajudam também a pensar o quanto o termo influencia-
dor digital pode ser mais preciso quanto à denominação do que fazem e de como
fazem: são jovens, falando para jovens sobre uma vida com menos regras, mais
ganhos e divertimento, flexível e sem patrões, ou também, professores e matérias
desinteressantes. A pouca necessidade de fazer um curso profissionalizante, ou
graduação, mas a necessidade de ser criativo, inventivo, buscar sempre melhorar
a si mesmo para conseguir ganhar mais dinheiro e seguidores.
A formação do indivíduo moderno enquanto sujeito produtivo nos ajuda a
pensar o quanto o trabalho e o mercado influenciam nas vidas de produtores e
consumidores. A separação entre os tipos de trabalho, material a intelectual to-
mou proporções não imaginadas devido às especificidades criadas pelo próprio
mercado. Para que este continuasse a ser satisfeito e realizado foi preciso criar
novas formas de trabalho e novas formas de interação com ele. O trabalho infor-
macional aparece na modernidade enquanto trabalho intelectual em si, porém não
descartando alguns dos problemas que já apareciam nas formas de trabalho mais
tradicionais, como o setor de serviços, em geral. “As particularidades do eu são
mercadorias monopolizadas e socialmente condicionadas, que se fazem passar
por algo natural”. (ADORNO e HORKHEIMER, 2008, p. 128).
Quando pensamos na Indústria Cultura, buscamos entender o quanto a Ideolo-
gia dominante, que varia de acordo com os contextos colocados, é posta em cada
momento da vida cotidiana, sendo que o capital não domina mais apenas o tempo
passado trabalhando, mas transforma em trabalho, mercadoria e consumo, todos
os aspectos da vida do indivíduo.
A questão então que nos parece pertinente ressaltar é o quanto essa forma de
propaganda no YouTube, seja explicita, implícita ou mesmo uma forma de valori-
zação de um tipo de trabalho e vida específicos, atinge o público que acompanha
esses canais todos os dias, em qualquer lugar que estiver, bastando ter conexão
com a internet. Também o quanto essa forma de trabalho é positivada, podendo
ser exacerbada para outros setores e valorizando a flexibilização das relações de
trabalho.
___________________
Recebido: 13 nov., 2017.
Aceito: 22 nov., 2017.
Paolo Targioni1
E hoje?
O autor dá um pulo no tempo, chega aos dias de hoje e nos aponta como,
mesmo após a Declaração universal dos direitos humanos da ONU de 1948, que
declara em seu artigo 13 que cada ser humano tem o direito de sair de seu país e
de lá voltar, se assim ele desejar, sair do próprio país continua sendo um direito, já
entrar em outro uma concessão do país acolhedor. Continua forte a prerrogativa
dos Estados modernos de determinar a composição de sua população; esta assi-
metria entre entradas e saídas é a base do atual sistema migratório mundial. Uma
leve mudança vem do artigo 14 desta mesma Declaração que impulsiona, pela
primeira vez, um regime especial para os refugiados ao distinguir os migrantes
econômicos desta categoria e oferecendo a estes uma leve forma de ius immigran-
di, ao impedir que os países para os quais os refugiados perseguidos se deslocam
os expulsem e os reenviem de volta aos países, dos quais estes estariam fugindo.
O prevalecer do direito de saída sobre o direito de entrada faz com que os
atores principais que determinam e regulam as migrações internacionais sejam
apenas os estados mais economicamente desenvolvidos: os estados receptores.
Estes Estados normalmente criam políticas restritivas em relação à migração pois
nas modernas democracias se assume que aos imigrantes são, aos poucos, con-
cedidos garantias e direitos iguais aos dos cidadãos - em momentos sucessivos
também é possível para eles adquirirem a cidadania – com todo o contorno de
direitos e deveres que isso implica, já que nos dias de hoje, como bem lembra o
__________________
Recebido: 05 jul., 2017.
Aceito: 11 jul., 2017.