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NASCIMENTO, Ivan Pedro Santos

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Mandinga ISSN:2526-3455

DE TAUNAY (1914) A VIOTTI (1956): CONTRASTES DE UMA


DICIONARIZAÇÃO DO LÉXICO BRASILEIRO

Ivan Pedro Santos NASCIMENTO1

RESUMO: Pretende-se, neste artigo, apresentar uma comparação entre duas obras lexicográficas
de língua portuguesa que se propuseram, no século XX, a descrever e destacar o léxico brasileiro
e suas particularidades sociolinguísticas, com o objetivo de investigar três aspectos do projeto de
dicionarização de cada trabalho: estrutura, fontes e sistema de marcas de uso. O primeiro
dicionário é o “Léxico de lacunas, subsidios para os diccionarios da lingua portugueza” (1914),
de Afonso de Taunay, que, nas palavras do autor, descreve-se como um “LÉXICO de termos
vulgares, correntes no Brazil, sobretudo no Estado de São Paulo, e de accepções de numerosos
vocábulos, ainda não apontados nos grandes diccionarios da língua portugueza” (TAUNAY,
1914, p. 7). A segunda obra é o Novo Dicionário da Gíria Brasileira (1956), de Manuel Viotti,
um suplemento lexicográfico que teve por missão “inserir material já catalogado em outros
dicionários e vocabulários cujo rol vai mencionado na Bibliografia anexa, salvo quando não
figuravam ainda nos grandes léxicos da nossa língua” (VIOTTI, 1956, p. 9). O estudo
fundamenta-se em Atkins e Rundell (2008), Burkhanov (1998), Hartmann e James (2002) e
Welker (2011). A metodologia consistiu na comparação das propostas das obras e suas respectivas
estruturas, identificação das fontes e levantamento, descrição e, por fim, contraste das marcas de
uso empregadas em verbetes. Como resultados, observa-se que: a) a construção semelhante das
obras é orientada por uma pauta da Academia Brasileira de Letras (ABL); b) as fontes
lexicográficas do Léxico de lacunas oferece destaque para as obras, enquanto o Novo Dicionário
da Gíria Brasileira enfatiza a autoria; c) o Léxico de lacunas apresenta 90 marcas de uso e o Novo
Dicionário da Gíria Brasileira 99 marcações.

PALAVRAS-CHAVE: léxico de lacunas; novo dicionário de gíria brasileira; lexicografia


comparativa; lexicografia dialetal; brasileirismos.

ABSTRACT: The aim of this article is to present a comparison between two Portuguese-language
lexicographical works that proposed, in the 20th century, to describe and highlight the Brazilian
lexicon and its sociolinguistic particularities, with the purpose of investigating three aspects of
the dictionization project of each work: structure, fonts and usage labels system. The first
dictionary is the “Léxico de lacunas, subsidios para os diccionarios da lingua portugueza” (1914),
by Afonso de Taunay, that, in the author's words, it is described as a “LÉXICO de termos vulgares,
correntes no Brazil, sobretudo no Estado de São Paulo, e de accepções de numerosos vocábulos,
ainda não apontados nos grandes diccionarios da língua portugueza” (TAUNAY, 1914, p. 7). The
second work is the Novo Dicionário da Gíria Brasileira (1956), by Manuel Viotti, a
lexicographical supplement whose mission was “inserir material já catalogado em outros
dicionários e vocabulários cujo rol vai mencionado na Bibliografia anexa, salvo quando não
figuravam ainda nos grandes léxicos da nossa língua” (VIOTTI, 1956, p. 9). The study is based
on Atkins and Rundell (2008), Burkhanov (1998), Hartmann and James (2002) and Welker
(2011). The methodology consisted of comparing the proposals for the works and their respective
structures, identifying the sources and surveying, describing and, finally, contrasting the usage
marks used in entries. As a result, it is observed that: a) the similar construction of the works is
guided by an agenda of the Brazilian Academy of Letters (ABL); b) the lexicographic sources of
the Léxico de lacunas highlight the research source, while the Novo Dicionário da Gíria Brasileira

1
Mestre em Língua e Cultura pelo Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura da Universidade
Federal da Bahia, Salvador, Bahia. E-mail: ips.nascimento@hotmail.com OrcID: https://orcid.org/0000-
0001-9255-696X
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emphasizes authorship; c) the Léxico de lacunas has 90 usage labels and the Novo Dicionário da
Gíria Brasileira 99 usage marks.

KEYWORDS: léxico de lacunas; novo dicionário de gíria brasileira; comparative lexicography;


dialectal lexicography; brazilianisms.

Introdução

Pretende-se, neste trabalho, apresentar uma comparação entre duas obras


lexicográficas de língua portuguesa que se propuseram, no século XX, a descrever e
destacar o léxico brasileiro e suas particularidades, sob a égide da representatividade
linguística e de construção de uma identidade nacional.
O primeiro dicionário é o Léxico de lacunas, subsidios para os diccionarios da
lingua portugueza (1914), de Afonso de Taunay, que, nas palavras do autor, descreve-se
como um “LÉXICO de termos vulgares, correntes no Brazil, sobretudo no Estado de São
Paulo, e de accepções de numerosos vocábulos, ainda não apontados nos grandes
diccionarios da língua portugueza” (TAUNAY, 1914, p. 7). Segundo Horta Nunes (2008,
p. 62), a obra de Taunay se situa em um período em que “ainda não haviam surgido os
grandes dicionários brasileiros de língua portuguesa”, revelando em seu trabalho um
discurso de denúncia a uma produção nacional incipiente e de crítica aos dicionários
portugueses tomados como obras de referência, embora carentes de representatividade de
uma norma lexical brasileira.
Os aspectos norteadores para a construção da obra, expressos no prefácio
intitulado Duas Palavras, relacionam-se ao contato com o Diccionario da Língua
Portugueza (1899), de Cândido de Figueiredo, e a Encyclopedia Portugueza Illustrada
(1860-1923), de Maximiano de Lemos, dos quais efetuou uma crítica às estimadas cinco
mil lacunas detectadas no vocabulário técnico e científico das duas obras e observou uma
carência de incorporação de brasileirismos, de modo que, não se reservando apenas ao
exercício metalexicográfico, Taunay construiu um dicionário. Nessas circunstâncias, é
descrito que:

[...] procurou o autor do presente e muito modesto supplemento aos grandes


diccionarios da língua, averbar indistintamente, todos os termos ainda não
inventariados pelos lexicographos, de que teve conhecimento, sem
preoccupação alguma de ordem philologica (TAUNAY, 1914, p. 10-11).

Por outro lado, o Novo Dicionário da Gíria Brasileira (1956), de Manuel Viotti,
o segundo objeto de investigação e comparação em relação ao Léxico de lacunas,
configura-se como um suplemento lexicográfico que teve por objetivo “inserir material
já catalogado em outros dicionários e vocabulários cujo rol vai mencionado na
Bibliografia anexa, salvo quando não figuravam ainda nos grandes léxicos da nossa
língua” (VIOTTI, 1956, p. 9). Esse trabalho contou com duas edições, a primeira no ano
de 1945 e outra em 1956, tomando como ponto de partida uma missão institucional da
Academia Brasileira de Letras, que, desde a sua fundação, em 1897, sob a liderança de
Machado de Assis, urgia a construção de um dicionário de brasileirismos.
Viotti, no prefácio da primeira edição, retoma o discurso acadêmico de Mário de
Alencar, de 3 de dezembro de 1918, situando o seu esforço lexicográfico em um embate
entre puristas e humanistas, tendo em vista a incorporação e sistematização do léxico
brasileiro no tocante às gírias, que podem ser entendidas como o léxico popular

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caracterizador de grupos e comunidades linguísticas. Conforme Mota, Cerqueira e de


Azevedo (2017), nesse panorama do século XX,

[...] já tínhamos a garantia de um Estado, consequentemente, houve um


deslocamento político da língua que antes estava sob o domínio da colônia
portuguesa, para se constituir enquanto elemento de afirmação de uma língua
“genuinamente” elaborada em território brasileiro. (MOTA, CERQUEIRA E
DE AZEVEDO, 2017, p. 556).

Por exemplo, um reflexo desse momento é o próprio amparo que Viotti busca em
A expansão da língua portuguesa no mundo, de Teixeira Soares (1943), texto que situa
o Brasil entre as nações ocidentais e o status da língua portuguesa em termos
demográficos, quando justifica sua tarefa da seguinte forma: “se, pois, ela [a língua
portuguesa] se expande assim no universo, é conveniente que se estude a sua expansão
dentro da sua unidade idiomática” (VIOTTI, 1956, p. 10, adaptado).
A partir do contexto, das condições de produção de cada obra lexicográfica e as
premissas que vão nortear uma reflexão metalinguística e uma sistematização de um
léxico, aspectos que despertam curiosidade são o modo como variedades do português
brasileiros seriam contempladas em um dicionário, quais seriam as bases materiais para
fundamentar o exercício lexicográfico e quais dispositivos seriam mobilizados nessa para
evidenciar as dimensões sociolinguísticas e as condições de emprego do léxico registrado.
Destarte, no esteio da lexicografia, mais precisamente da lexicografia
comparativa, serão contrastadas as propostas das obras e suas respectivas estruturas, será
construída uma breve discussão das fontes indicadas por cada autor e, por fim, serão
examinados os dispositivos criados para assinalar as dimensões sociolinguísticas dos itens
lexicais, que se materializam nas marcas de uso. Esta iniciativa tem o objetivo de
desenvolver uma crítica que englobe aspectos macroestruturais e um item de
microestrutura para entender até que ponto os dicionários se aproximam e se distanciam,
ainda que guiados pelo mesmo espírito lexicográfico de salvaguardar o patrimônio lexical
como elemento constitutivo de uma identidade brasileira.

Um pouco sobre léxico, sociedade e dicionários

Nesta seção do artigo, será discutida a relação entre o léxico de uma língua e os
valores sociais subjacentes ao exercício lexicográfico para a construção de uma obra de
referência. Nesse sentido, é importante considerar os dicionários, assim como as
gramáticas, como obras metalinguísticas complementares que, aos seus consulentes,
fornecem um acesso sistematizado às línguas e auxiliam no ensino-aprendizagem e no
reconhecimento de normas.
Sobre a relação entre léxico, sociedade e dicionários, Atkins e Rundell explicam
que:

[...] um dicionário é uma descrição do vocabulário usado por membros de uma


comunidade de fala (por exemplo, por “falantes de inglês”). E o ponto de
partida para essa descrição é evidência do que os membros de uma comunidade

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de fala realizam quando se comunicam uns com os outros. (ATKINS;


RUNDELL, 2008, p. 2, tradução nossa)2.

Em linhas gerais, pode-se definir o léxico como o repertório de vocábulos de uma


língua, revelando-se como uma instância aberta e renovável, não só pelo papel que exerce
na prática sociocomunicativa, mas também pela influência dos cenários linguísticos em
que os falantes estão inseridos. Biderman (2001, p. 178) conceitua o léxico da seguinte
forma:

O Léxico de qualquer língua constitui um vasto universo de limites imprecisos


e indefinidos. Abrange todo o universo conceptual dessa língua. Qualquer
sistema léxico é a somatória de toda experiência acumulada de uma sociedade
e do acervo de sua cultura através das idades. Os membros dessa sociedade
funcionam como sujeitos-agentes, no processo de perpetuação e re-elaboração
contínua do Léxico de sua língua. Nesse processo em desenvolvimento, o
Léxico, se expande, se altera, e, às vezes, se contrai. As mudanças sociais e
culturais acarretam alterações nos usos vocabulares; daí resulta que unidades
ou setores completos do Léxico podem ser marginalizados, entrar em desuso e
vir a desaparecer. Inversamente, porém, podem ser ressuscitados termos que
voltam à circulação, geralmente com novas conotações. Enfim, novos
vocábulos, ou novas significações de vocábulos já existentes, surgem para
enriquecer o Léxico. (BIDERMAN, 2001, p. 178).

Tendo em vista os diferentes domínios em que o léxico se inscreve e suas


possibilidades de estruturação e reestruturação ao longo do tempo, por influências
socioculturais, há de se considerar como importante a observações de fenômenos
inerentes às línguas, como a própria ideia de variação, no sentido de entender a
constituição desse repertório e seu uso. Note-se que o próprio reconhecimento e a
representatividade de uma norma lexical brasileira em instrumentos lexicográficos,
incorporando suas diferenças e peculiaridades em oposição à norma lusitana, constituem
aspecto importante para a discussão das obras de Taunay (1914) e Viotti (1956).
Compreende-se a variação como um fenômeno natural das línguas em que se tem
ocorrência de variantes, isto é, formatos diferentes para um mesmo valor de referência ou
as “diversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto, e com o mesmo
valor de verdade” (TARALLO, 2001, p. 8). Notadamente, esse fenômeno ocorre em
diferentes níveis de análise, mobilizando diferentes fatores para a sua expressão na língua.
Quando se observam os produtos lexicográficos, essa variação pode ser
qualificada e incorporada através de estratégias lexicográficas que podem se dar no
âmbito de uma microestrutura ou de uma macroestrutura, que são termos relacionados ao
processo de construção de uma obra de referência linguística, em que o primeiro se refere
ao planejamento de seleção de corpora, objetivos, meta(s), público-alvo, a que se somam
os textos dicionarísticos específicos, e o segundo ao planejamento interno de um verbete,
levando em conta suas propriedades, que se revelarão através de itens, e de suas
roupagens, isto é, os indicadores.
A teorização e a elaboração de dicionários pertencem ao domínio científico e
técnico da lexicografia, que, ao longo dos séculos, assumiu os estatutos de arte, técnica,

2
[...] a dictionary is a description of the vocabulary used by members of a speech community
(for example, by ‘speakers of English’). And the starting point for this description is evidence of
what members of the speech community do when they communicate with one another.

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prática, saber, ciência e disciplina. Welker (2011) demonstra clareza ao preferir também
uma separação mais clara entre teoria e prática, atribuindo estatutos de técnica e ciência
individualmente e seus produtos, quando explica que

[...] a palavra lexicografia refere-se a duas atividades distintas, as quais,


obviamente, resultam em produtos diferentes. Essas duas subáreas costumam
ser designadas pelos termos lexicografia prática e lexicografia teórica.
Na lexicografia prática, a atividade é a elaboração de dicionários, e os produtos
são os dicionários. [...] Ela é uma técnica — e também uma prática — para a
qual se precisa de muita ciência (num outro sentido, a saber, “conhecimento
atento e aprofundado de alguma coisa”), pois quem elabora, ou compila, um
dicionário tem que conhecer não somente fatos linguísticos, principalmente o
léxico, como também as maneiras em que esses fatos podem ser apresentados
num dicionário.
Já na lexicografia teórica, cada vez mais chamada de metalexicografia, estuda-
se tudo o que diz respeito a dicionários. Essa área, sim, pode ser considerada
uma ciência (na primeira das acepções citadas). Seus produtos são os
conhecimentos adquiridos e divulgados. (WELKER, 2011, P. 30-31)

À vista disso, é importante lembrar que, a partir do momento em que se pretende


apresentar uma comparação entre duas obras lexicográficas de língua portuguesa, no
sentido de examinar as propostas e suas estratégias de sistematização do léxico, a presente
pesquisa, dentro do panorama descrito por Welker (2011), se inclina diretamente à
lexicografia teórica ou metalexicografia.
Ainda que as minúcias de uma obra de referência linguística nem sempre
constituam um objeto de interesse para um consulente, convém salientar que os
dicionários não são iguais uns aos outros e nem sempre são fiéis ao que seus títulos
propõem. Sob esse viés, a lexicografia teórica se apoia em exercícios básicos como a
descrição, a comparação, a avaliação e a teorização de tipos de obras lexicográficas para
fornecer, em termos práticos, um conhecimento especializado que permita produzir
objetos cada vez mais eficientes e refinados e descrever estratégias produtivas e
improdutivas ao longo de uma história lexicográfica.
Ademais, dicionários são obras de referência linguística forjadas para resolver
problemas linguísticos, que, por sua vez, situam-se em um contexto sociocultural, que
exerce pressões no conjunto de possibilidades de uma língua e valores na seleção de
determinados elementos, seja na escrita ou na oralidade. Nesse sentido, constituem-se
também objetos sociais e ideológicos. Borba (2003, p. 309) inclusive destaca que “um
dicionário de língua, como produto cultural e instrumento pedagógico, resulta de um
olhar sobre a estrutura e o funcionamento do sistema linguístico num determinado
momento da vida de uma sociedade”.
Uma vez situada a relação entre o léxico de uma língua e os valores sociais
subjacentes ao exercício lexicográfico para a construção de uma obra de referência
linguística, serão descritos a seguir os procedimentos metodológicos para a pesquisa nos
dois dicionários, tendo em vista a comparação das propostas das obras e suas respectivas
estruturas, a identificação das fontes e levantamento dos dados e a descrição e contraste
das marcas de uso empregadas.

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do léxico brasileiro
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Questões teórico-metodológicas para a pesquisa em dicionários

Nesta seção do artigo, serão apresentados os dispositivos metodológicos que


permeiam a análise das duas obras lexicográficas e o amparo teórico mobilizado para
fundamentar a investigação.
A priori, para o exame do Léxico de lacunas (1914), de Afonso de Taunay,
impresso originalmente pela Imprimiere E. Arrault et. Cie, na cidade francesa de Tours,
utilizou-se o arquivo digital do referido livro, que se encontra hospedado na Biblioteca
Brasiliana Guita e José Mindlin3. O exemplar foi digitalizado em 2011 e, atualmente,
integra o acervo de dicionários de língua portuguesa, permitindo não só a visualização,
mas também a pesquisa textual. A figura 1 apresenta a folha de rosto da publicação
supracitada.

Figura 1 — Folha de rosto do Léxico de lacunas, de Taunay (1914)

Fonte: Taunay (1914)

Por outro lado, para o exame do Novo Dicionário da Gíria Brasileira (1956), de
Manuel Viotti, pela Indústria Gráfica Bentivegna, em São Paulo, território brasileiro,
utilizou-se um exemplar em suporte impresso. A figura 2, por sua vez, apresenta a folha
de rosto da obra de Viotti (1956) e convém salientar que o material analisado constitui

3
Link de acesso: <https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/6962>.

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uma segunda edição revista e complementada de um Dicionário da Gíria Brasileira,


publicado pela Editora Universitária, de 1945, do mesmo autor.

Figura 2 — Folha de rosto do Novo Dicionário da Gíria Brasileira, de Viotti (1956)

Fonte: Viotti (1956)

Com o objetivo de investigar a estrutura das obras, as fontes selecionadas e o sistema de


marcas de uso, adota-se a perspectiva da Lexicografia Teórica. Nesses termos, fundamenta-se a
pesquisa em Atkins e Rundell (2008), Burkhanov (1998), Hartmann e James (2002),
Sterkenburg (2002) e Welker (2011), no sentido de compreender a lexicografia teórica,
em perspectiva comparativa, o dicionário como obra lexicográfica e sua estruturação,
tanto em dimensão material, como subjetiva; e em Figueiredo (2015), Oliveira (2017),
Vilairinho (2017) e Nascimento (2020), no que concerne à sistematização e análise de
marcas de uso diatópicas em dicionários dialetais e dos brasileirismos em dicionários
gerais do português.
Em relação ao percurso metodológico, houve uma leitura preliminar dos livros,
no sentido de identificar sua organização como obra lexicográfica, o que se pode entender
como macroestrutura, isto é, todo o planejamento de seleção de corpora, objetivos,
meta(s), público-alvo, a que se somam os textos pré-dicionarísticos, intradicionarísticos
e pós-dicionarísticos, conhecidos na tradição lexicográfica norte-americana como front
matter, middle matter e back matter. Além disso, procedeu-se um levantamento das fontes
utilizadas e mencionadas pelos lexicógrafos, assim como um inventário das marcas de
uso empregadas ao longo das obras.

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do léxico brasileiro
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Os textos pré-dicionarísticos precedem a nomenclatura (o conjunto de entradas do


dicionário), a exemplo de prefácios, guias de uso, lista de abreviaturas entre outras,
permitindo o entendimento da obra e de seu contexto de produção, assim como a
identificação de possíveis estratégias e convenções lexicográficas. Os textos
intradicionarísticos, por sua vez, se inserem na nomenclatura, com o intuito de
suplementá-la, como as informações enciclopédicas a que se somam codificação
semântica de um dado item lexical e as ilustrações, nas ocasiões em que uma descrição
linguística possa parecer obtusa ao consulente. Por fim, os textos pós-dicionarísticos,
seguintes à nomenclatura, costumam oferecer informações especializadas, tanto ao nível
intralinguístico, quanto extralinguístico, a exemplo de informações bibliográficas ou
referenciais, apêndices, anexos etc. A figura 3 apresenta um organograma didático de uma
megaestrutura de um dicionário.

Figura 3 — Organograma megaestrutural de um dicionário

Fonte: Hartmann e James (2002, p. 92, tradução e adaptação nossa).

Ademais, as marcas de uso, como problema de pesquisa, são visualizadas na


esfera de uma microestrutura, que é outro nível de estruturação de um dicionário que se
compreende como o conjunto de itens e indicadores relativos a um verbete. Segundo
Sterkenburg (2002, p. 419, tradução nossa), configura-se como “o arranjo dos dados
lexicográficos sobre uma entrada que é fornecido em categorias de informação separadas
em um dicionário”.
Para o levantamento das marcas de uso, no intuito de estabelecer semelhanças e
diferenças entre os dois dicionários, desenvolveu-se um dispositivo de busca através de
palavras-chave com intuito de rastrear possíveis descrições que mobilizassem
necessidades de apontar dimensões sociolinguísticas de emprego, que foram: nome,

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termo, gíria, expressão, designação, forma, região (Norte, Sul, Sudeste, Centro-
Oeste), sertão, litoral e nomes de estados.
O estabelecimento dessa estratégia lexicomática de busca de marcas de uso por
palavras afins e da pesquisa reversa na lista de abreviaturas de cada obra contou com a
experiência do pesquisador na identificação de marcas de uso em dicionários dialetais,
em Nascimento (2020), uma experiência de pesquisa a nível de mestrado, em que se
percebeu um nível de recorrência desses termos em verbetes que continham o segmento
informativo de interesse. Assim, as palavras-chave foram inseridas na ferramenta de
buscas do documento digital do Léxico de lacunas (1914), oferecendo um ponto de
partida para a coleta e sistematização dos dados, diferente do que aconteceu com o Novo
Dicionário da Gíria Brasileira (1956) que demandou uma consulta completa, verbete por
verbete.
Por fim, os dados foram projetados em um quadro de referência para a tipologia
das marcas de uso, presente em Hartmann e James (2002, p. 168), no sentido de
estabelecer classificações e comparações entre a sistematização de Taunay (1914) e Viotti
(1956).

Quadro 1 — Tipologia de marcas de uso em Hartmann e James


Tipo de Dimensão de uso Exemplos de escalas Termo popular para o
marcação vocabulário marcado

Diacrônica circulação (período) arcaico/obsolescente ARCAÍSMO/


(contemporâneo) novo/em NEOLOGISMO
voga

Diaevaluativa afetividade (atitude) apreciativo (neutro) EUFEMISMO/


depreciativo VULGARISMO

Diafrequencial frequência de básico (frequente) raro VOCABULÁRIO BÁSICO /


ocorrência HÁPAX LEGOMENON

Diaintegrativa assimilação (contato) empréstimo (nacional) ESTRANGEIRISMO/


vernacular VOCABULÁRIO NATIVO

Diamésica modalidade escrito (neutro) falado ESCRITA/ORALIDADE

Dianormativa normatividade … (correto) incorreto PURISMO/


(padrão) BARBARISMO

Diafásica formalidade (registro) prestigiado/formal (neutro) ERUDITISMO/


informal/íntimo COLOQUIALISMO

Diastrática estilo (status social) elevado (neutro) vulgar CULTISMO/GÍRIA

Diatécnica tecnicidade (domínio) … ex. Botânica …. JARGÃO

Diatextual textualidade (gênero) poético (neutro) ?


conversação

Diatópica regionalidade … ex. Americano ... REGIONALISMO


(dialeto) (Americanismo, Britanismo
etc.)
Fonte: Hartmann e James (2022, p. 168, tradução e adaptação nossa).

NASCIMENTO, Ivan Pedro Santos. De Taunay (1914) a Viotti (1956): contrastes de uma dicionarização
do léxico brasileiro
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Em suma, a partir desses dispositivos metodológicos apresentados para a


promoção da análise lexicográfica das duas obras e do referencial teórico indicado,
espera-se construir um percurso científico adequado para os contrastes de uma
dicionarização do léxico brasileiro.

De Taunay (1914) a Viotti (1956): contrastes de uma dicionarização do léxico


brasileiro

Desenvolve-se, nesta seção, a análise e discussão dos dados. Os aspectos de


estrutura, fontes e sistema de marcas de uso foram examinados a partir da comparação e
contraste dos trabalhos de Taunay (1914) e Viotti (1956).

Comparação de propostas e estrutura

O Léxico de lacunas, subsidios para os diccionarios da lingua portugueza (1914),


de Afonso de Taunay, como já apresentado anteriormente, descreve-se como um
“LÉXICO de termos vulgares, correntes no Brazil, sobretudo no Estado de São Paulo, e
de accepções de numerosos vocábulos, ainda não apontados nos grandes diccionarios da
língua portugueza” (TAUNAY, 1914, p. 7).
O conjunto de verbetes se desenvolve da página 15 à página 223. Precedendo a
nomenclatura, não há lista de abreviaturas, nem chaves de consultas que permitam
identificar os recursos e as convenções lexicográficas básicas, como uma lista de
abreviaturas, mas duas seções intituladas “Duas palavras” e “Bibliografia”, nas quais o
autor revela expressivamente as motivações para a construção da obra e, posteriormente,
as fontes de pesquisa.

Não ha quem, manuseando seguidamente os melhores e mais completos


diccionarios portuguezes deixe de notar a avultada copia de lacunas que os
tornam deficientes sobretudo quanto á terminologia technica e scientifica e aos
brazileirismos. (TAUNAY, 1914, p. 9).

Procurou o autor do presente e muito modesto supplemento aos grandes


diccionarios da língua, averbar indistintamente, todos os termos ainda não
inventariados pelos lexicographos, de que teve conhecimento, sem
preoccupação alguma de ordem philologica. (TAUNAY, 1914, p.10-11).

A facilidade com que, no espaço de quatro annos, conseguimos, quasi sem


esforço notável, ou pesquizas especiaes, nem grande dispendio de tempo, entre
longas intermittencias, colleccionar mais de dez mil lacunas dos grandes
léxicos portuguezes, constitue o mais seguro indicio de quanto é defficiente,
ainda, o inventario da nossa lingua.
Oxalá possa o nosso insignificante trabalho excitar a curiosidade dos
colleccionadores de brazileirismos das differentes zonas do paiz e incitalos á
caçada dos provincianismos ao seu alcance, em resposta ao tão patriótico
appello da Academia Brazileira, para que se opulente o patrimônio
inventariado do idioma com as contribuições preciosas da linguagem brasilica.
(TAUNAY, 1914, p.12).

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É interessante observar que, em suas “Duas palavras”, Taunay (1914) situa seu
trabalho em um clima de crítica à produção dicionarística, colocando, em primeiro lugar,
o vocabulário técnico-científico para, em seguida, deter-se à questão dos brasileirismos,
isto é, do léxico brasileiro e de suas particularidades. Informações relativas à
microestrutura apresentam-se de modo disperso nessa mesma seção, referindo-se
basicamente ao emprego de nomenclatura científica para esclarecer a referência a nomes
de animais e vegetais, exemplos que permitam identificar as condições de emprego, e
indicações de fontes e páginas de localização.
Por outro lado, o Novo Dicionário da Gíria Brasileira (1956), de Manuel Viotti,
o segundo objeto de investigação e comparação em relação ao Léxico de lacunas,
configura-se como um suplemento lexicográfico que teve por objetivo “inserir material
já catalogado em outros dicionários e vocabulários cujo rol vai mencionado na
Bibliografia anexa, salvo quando não figuravam ainda nos grandes léxicos da nossa
língua” (VIOTTI, 1956, p. 9). Esse trabalho contou com duas edições (1945, 1956) e
toma-se aqui, como objeto de descrição, a segunda edição.
O conjunto de verbetes se desenvolve da página 23 à página 446, sendo
identificadas três partes: o vocabulário comum (p. 23-435), o vocabulário cigano (p. 437-
442) e o vocabulário quimbundo (p. 443-446). Precedem a nomenclatura uma epígrafe, a
Bibliografia de M. Viotti, dois prefácios, uma nota bibliográfica, um registro de ata
intitulado Língua Brasileira, a relação de autores e obras utilizadas e uma lista de
abreviaturas e três sinais convencionados. O livro conta inicialmente com uma epígrafe,
abordando a relação entre a língua, o povo e o uso a partir de referências a James
Darmesteter, Varrão e Platão, situando a perspectiva adotada em sua obra lexicográfica.

Le peuple, observou Darmesteter, “est souverain en matière de langage”;


“populus in sua potestate singuli in illius” — dissait Varron, et, avant lui,
Platon: “Le peuple est, en matière de langue, un très excellent maître”.
Ao gramático, é claro, cumpre apenas reconhecer o ato, pois “la loi du langage
est l’usage”. (VIOTTI, 1956, p. 5).

Por conseguinte, através de uma estratégia aparente de legitimação do autor,


apresenta-se uma “Bibliografia de M. Viotti”, listando vinte e seis trabalhos publicados
no período de 1896 a 1945, da qual se percebe que a discussão sobre a língua possui um
caráter muito recente, haja vista a quantidade de publicações dedicadas à área
criminalística e jurídica.
A obra conta com dois prefácios, sendo o primeiro dedicado a justificar a
construção do trabalho, impregnado por uma aura missionária da Academia Brasileira de
Letras, inclusive fazendo referência a Afonso de Taunay, que é descrito como um grande
vernaculista.

Nesta recolta de verbetes, que nos absorveu longas fadigas de alguns anos de
constante e porfiado labor, procuramos não fazer obra feita; vale dizer, inserir
material já catalogado em outros dicionários e vocabulários cujo rol vai
mencionado na Bibliografia anexa, salvo quando não figuravam ainda nos
grandes léxicos da nossa língua. E o fizemos quanto possível. Mesmo por quê:
“Certamente, é absurdo que um Dicionário seja completo quando, dia a dia,
surgem os neologistas necessários a reclamar insistentes foros de cidadania”,
na boca e autorizada afirmação do nosso grande vernaculista Afonso de E.
Taunay.

NASCIMENTO, Ivan Pedro Santos. De Taunay (1914) a Viotti (1956): contrastes de uma dicionarização
do léxico brasileiro
63

Este dicionário não trata apenas dos verbetes da gíria nacional, pois, à medida
que os colecionávamos, controlando-os com os mais recentes dicionários da
nossa língua, encontrávamos repetidas lacunas de palavras, modismos,
expressões que, não sendo propriamente da gíria popular, mereciam citados
neste glossário, uma vez que não estavam ainda mencionados nos supra
referidos dicionários. (VIOTTI, 1956, p. 9).

Por sua vez, o segundo prefácio possui um caráter mais técnico relacionado à
organização da obra, emprego de marcas de uso diatópicas e agradecimentos aos
colaboradores, que têm seus nomes e regiões de proveniência indicados.

Na organização dêste Dicionário foram consultadas as obras arroladas em


anexo, e nelas o autor respigou o que lhe pareceu oportuno respigar; eis que
numerosos verbetes não se achavam ainda catalogados nos vocabulários e
léxicos editados até 1949.
Se admitíssemos para os verbetes (e são alguns milhares deles) a indicação de
zonas onde encontradiços o livro atingiria um acréscimo sensível de páginas
que o custo do papel, já majorado de 400%, não aconselharia, sem risco de
encarecer ainda mais o preço da obra.
Sempre que possível, fez-se a indicação do Estado, zona ou local onde se
colheu o verbete ou, então, o nome do autor e o título do livro ou publicação
donde foi extraído.
E o autor ficará muito sensibilizado e grato por qualquer observação, correção,
emendas ou achegas que ocorrerem cabíveis nesta edição.
Merecem citados como colaboradores prestimosos os seguintes: Sr. Cônego
Prof. José do Patrocínio Lefort, d. d. Chanceler do Bispado de Campanha de
Minas, sr. J. L. Alvares Rubião, publicista e jornalista com apreciável fôlha de
serviços em Varginha (Minas), sr. Oswaldo Guisard, de Taubaté (S. Paulo) o
bancário sr. N. Silveira Junior, de Itajai (Santa Catarina) o cineasta Sr. Angelo
Mendes de Almeida, de São Paulo, o advogado sr. Armando Campos Toledo,
de S. Paulo, e muito particularmente o sr. José Cruz Medeiros, da Capital
Federal, pêla espontânea e muito valiosa cópia de algumas centenas de
verbetes, colhidos e seguramente definidos, contribuições estas que constituem
o que de melhor e mais recente enriquece o nosso livro. (VIOTTI, 1956, p. 11)

Posteriormente, em Bibliografia, são apresentadas considerações em torno das


obras examinadas e da observação de omissões e lacunas. Em Língua Brasileira,
encontra-se uma ata da Academia de Letras, de uma sessão de 14 de agosto de 1946, no
que diz respeito a um posicionamento sobre a discussão em torno da língua nacional.
Em abreviaturas utilizadas, sistematizam-se as formas reduzidas de palavras ou
expressões frequentes no texto, uma observação relacionada a definições de termos
chulos em latim, que expressam certo tabu linguístico por parte do lexicógrafo ao tratar
do léxico do corpo humano, e de três sinais convencionais de uso restrito.

Fontes

Entende-se aqui como fonte a relação de obras consultadas e utilizadas como


matéria-prima linguística e fundamentação teórico-metodológica, pelos autores, para a
construção de suas obras lexicográficas, tanto na acepção atual de referência, como
também de corpora escritos.
O repertório mobilizado por Taunay (1914), em seu léxico, é majoritariamente
situado no campo técnico-científico, contando com um fundo literário bastante expressivo

Mandinga – Revista de Estudos Linguísticos, Redenção-CE, v. 05, n. 02, p. 52-72, jul./dez. 2021
64

do próprio autor e uma nota sobre colaboradores, dos quais destaca a figura de Eurico
Teixeira Leite, como se pode observar no quadro 2.

Quadro 2 — Bibliografia do Léxico de lacunas (1914), de Afonso de Taunay


● Boletim mensal da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo; As madeiras do Estado
de São Paulo, pelo Dr. Huascar Pereira;
● O Diccionario de Botânica, de Arruda Câmara;
● Sertum Palmarum, de Barbosa Rodrigues;
● Ensaios de matéria médica vegetal, pelo Dr. Mello Oliveira;
● os catálogos das exposições parciaes dos diversos Estados, durante a Exposição Nacional de
1908, Monographias Agrícolas, ao Dr. Joaquim Carlos Travassos;
● O Pará em 1900;
● O Maranhão em 1896, publicações officiaes, Innocencia, Scenas de Viagem; Historias
Brazileiras; Viagem de regresso do Visconde de Taunay;
● A caça no Brazil Central, pelo major Henrique Silva;
● Lepidopteros do Brazil, por Benedicto da Silva;
● As aves do Brazil, Álbum de Aves Amazônicas, os Mammiferos do Brazil, pelo Dr. Emilio A.
Goeldi;
● Diccionario da Província do Espírito Santo, Diccionario da Província do Maranhão, do Dr.
César Augusto Marques;
● excerptos do Diccionario de brazileirismos, do Dr. Ermelino de Leão;
● Pescas e peixes da Bahia, pelo Almirante Alves Câmara;
● Apontamentos sobre a província de São Paulo, de Azevedo Marques;
● As Missões Orientaes do Dr. Hemeterio Velloso da Silveira;
● Diccionario de Marinha, pelo Barão de Angra;
● Inferno Verde, de Alberto Rangel;
● Os Sertões, de Euclydes da Cunha;
● A Chapada Diamantina, de Theodoro Sampaio;
● Memória sobre a Província de Santa Catharina, de Coelho e Galvão;
● Terra de Sol, de Gustavo Barroso;
● Viagem ao Alto Tocantins, pelo Dr. Ignacio de Moura;
● Viagem ao Madeira, pelo Conego Francisco Bernardino de Souza;
● O Brazil, publicação do Centro Industrial do Brazil,
● numerosas memórias insertas nas collecções da Revista do Instituto Histórico e Geographico
Brazileiro, da Revista do Instituto Histórico e Geographico de São Paulo, da Revista do
Museu Paraense, da Revista do Museu Paulista, dos Archivos do Museu Nacional,
● dos relatórios da Commissão Geographico e Geológica do Estado de São Paulo, da
Commissão demarcadora do novo Districto Federal,
● das revistas dos Institutos Histórico e Geographico da Parahyba do Norte, do Ceará, do
Archivo Mineiro,
● alem de avultado numero de obras de escriptores brazileiros, vivos e já desapparecidos, como
se poderá ver das referencias a ellas feitas.
● Tivemos ainda preciosas informações de dedicados amigos, entre os quaes mencionaremos,
sobretudo, o Snr. Dr. Eurico Teixeira Leite, de quem recebemos o mais valioso auxílio, e a
quem somos summamente grato.

Fonte: Taunay (1914, adaptado).

Do outro ponto de vista, Viotti (1956), em um outro momento histórico, apresenta


um levantamento bibliográfico maior para a construção de sua obra lexicográfica,
reconhecendo trabalhos que se detiveram sobre o português brasileiro, dicionários,
vocabulários dialetais e ainda inclui em suas fontes a presença de informantes situados
geograficamente, como bem ilustra o quadro 3.

NASCIMENTO, Ivan Pedro Santos. De Taunay (1914) a Viotti (1956): contrastes de uma dicionarização
do léxico brasileiro
65

Quadro 3 — Bibliografia do Novo Dicionário da Gíria Brasileira (1956), de M. Viotti


Autores e suas obras donde extraídos os Verbetes
● A. A. DE SAMPAIO (dr.) – “A alimentação Sertaneja e do Interior da Amazônia”. 1944 –
Prestou-nos concurso inestimável na recolha de duas centenas de verbetes que elucidam
sobremaneira êste vocabulário.
● A. TENÓRIO DE ALBUQUERQUE (Prof.) – “Falsos Brasileirismos” – Rio, 1946.
● AFRANIO PEIXOTO (dr.) – “Missangas” – São Paulo, 1931 – “Fruta do Mato”, 1920, e
outras obras de sua copiosa bibliografia. Desta, em especial destaque, “Brasileirismos”.
● AGENOR LOPES DE OLIVEIRA (dr.) – “Vocabulário Indígena Carioca”, no jornal “A
União – Rio, 1948, infelizmente interrompida a colaboração.
● AGENOR SILVEIRA – “Ouro de 24”.
● ALFREDO A. DA MATTA (dr.) – “Vocabulário Amazonense”. 1939, obra onde colhemos
copioso cabedal.
● ALFREDO RICARDO DO NASCIMENTO – Ver Zé do Norte. – “Brasil Sertanejo”.
● ÁLVARES RUBIÃO (L.J.) “A pesca no Estado de Minas”, 112.
● IDEM (LUIZ JOSÉ) “O leão do Mar”, – Belo Horizonte, 1946.
● ALUIZIO DE ALMEIDA – “Linguagem Popular”, no “Est. de São Paulo”, 26-11-1947.
● AMADEU AMARAL – “O Dialeto Caipira” – S. Paulo 1920.
● AMANDO MENDES – “Vocabulário Amazônico” – S. Paulo, 1942. – Com a devida vênia,
vamos reproduzir as palavras do Apêndice a esta obra de singular apreço, editada em São
Paulo, em 1942:
● BARBOSA RODRIGUES dá nos das suas viagens ao rio Jauapery, ao tempo em que o
eminente cientista brasileiro era diretor do Museu Botânico do Amazonas, extenso
vocabulário, coligido das tribos dos Crichanás, Ipurucotós e Macuhys, na copiosa contribuição
dessas nações indigenas do extremo norte, onde, como bem disse Hartt (1) em época remota,
dispersou-se o grande tronco Tupi-guarani em considerável número de tribos, que, vivendo
separadas umas das outras, desenvolveram no correr do tempo, hábitos, costumes, idéias
religiosas e línguas mais ou menos diferentes”.
● ANTENOR NASCENTES (Prof.) – “O Linguajar Carioca em 1922”; “O Idioma Nacional”
1936, 4a edição; “Tesouro da Fraseologia Brasileira”, 1945.
● ARTHUR NEIVA (dr.) – “Estudos da língua nacional”, 1940.
● ARTHUR RAMOS (dr.) – “O Folk-lore Negro do Brasil” – Rio 1935 – Biblioteca de
Divulgação CIentífica – vol. IV.
● AIRES DA MATA MACHADO FILHO – “Escrever Certo”, 1.a e 2.a séries – 1935 – “O
Garimpo em Minas Gerais”.
● ARISTÓTELES XAVIER (tenente) – Monografia policial contendo verbetes da gíria ladra.
● AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA – Do notável “Glossário” da Edição Crítica de
“Contos Gauchescos e Lendas do Sul”, de J. Simões Lopes Neto – Editora Globo, 1950.
● BEAUREPAIRE – ROHAN (Visconde de) – “Dicionário de Vocábulos Brasileiros” 1889.
● BASILIO MAGALHÃES (prof) – “O Folclore no Brasil”, Imprensa Nacional, 1939. Insere
excelente glossário onde colhemos apreciáveis achegas.
● BERNARDINO J. DE SOUSA – “Dicionário da Terra e da Gente do Brasil”.
● CATULO DA PAIXÃO CEARENSE – Várias de suas obras poéticas.
● CLÓVIS ALVIM – “A gíria dos malandros” – “Folha de Minas Lite´raria”, n.o 22, de 5-12-
1948. Ext. da tese “O folclore da prisão” ao 5.o Cong. Bras. de Psiquiat., Neurol. e Md. Leg.
Rio.
● CORNÉLIO PIRES – “Mixordia”, “Cenas e Paisagens”, “Conversas ao pé do fogo”, “Quem
conta um conto”, “Tá no bocó”, “Meu samburá”.
● DANTE DE LAYTANO “Linguagem dos Praieiros do Nordeste do Rio G. do Sul: “Os
africanismos do Dialeto Gaúcho” – Pôrto Alegre – 1936 – Separata da Revis. do Inst. Hist. e
Geográfico do Rio Grande do Sul, 2.o 1.0 do ano XVI – Livraria do Globo, n.o 64.310.
● EDGARD SANCHES – “Língua Brasileira”, 1.o tomo, 1940 – Só foi editado esse tomo.
● E. DE COSTA LIMA – “O Filho da Cobra Grande” – 2.a ed. Rio, 1944 com vocabulário
anexo.
● EDMYLSON PERDIGÃO – “Linguajar da Malandragem”. – Rio, 1940.
● ELYSIO DE CARVALHO – “Gíria dos Gatunos”.
● EUCLIDES DE ANDRADE –”Caipiras e Caipiradas”, “Ouça mais esta” etc.

Mandinga – Revista de Estudos Linguísticos, Redenção-CE, v. 05, n. 02, p. 52-72, jul./dez. 2021
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● EUCLIDES DA CUNHA – “Os Sertões”.


● EXUPERO MONTEIRO – “Musa Matuta”.
● FAUSTO TEIXEIRA – “Vocabulário do Caipira Paulista” – na Revista do Arquivo Municipal
(S. Paulo) vol. CXI, 1946, pgs. 67/104.
● GASTÃO CRULS – “Amazônia Misteriosa” e “Amazônia que eu vi”.
● GUSTAVO BARROSO – “Ao Som da Viola”, “Terra do Sol”, “O Sertão e o Mundo”.
● HAROLDO MARANHÃO – "Gíria do Jornal”, na “Folha do Norte” – Pará, de 11-8-46.
● HELIO LOBO – “O Português do Brasil”, no “Jornal do Commercio” de 20-2-1945.
● HELENA B. SANGIRARDI – “Alegria de Cozinhar” – S. Paulo – 1949 – contendo o
Dicionárinho da Cozinha onde respigamos alguns verbetes, data venia.
● HELENA MORLEY – “Minha Vida de Menina” – Rio, 2.a ediç. 1944.
● HERMANO RIBEIRO DA SILVA – “Nos Garimpos”.
● YAGO JOSÉ – “Briguela” – 1945.
● INÁCIO RAPOSO – “Provincialismos Maranhenses” in “Fanfarra”, Rio, 7-1-1937.
● JOÃO DORNAS FILHO – “A Influência Social do Negro Brasileiro” Editôra Guaira, Curitiba
– 1943 – Traz em anexo o “Vocabulário Quimbundo” constante de 102 verbetes – Com
permissão do Autor, damos a conhecer êsse interessante Vocabulário, genlieza que nos
sensibilizou sinceramente entre outras recebidas do operoso e conscensioso rebuscador de
fatos de nossa história a opulentar nossas letras com o ouro do bom quilate das suas catas
históricas.
“Os Ciganos em Minas Gerais”. Rev. do Inst. Histórico e Geográfico de Minas, vol. 3.o, 1948
– Separata distribuída pelo Movimento Editorial Panorama – em 1949 donde extraimos o
Vocabulário Cigano.
● JOÃO DE FREITAS – “Umbanda”, 1.a edição – Rio, 1941.
● JORGE DAUPIÁS – “O Dialeto Capiou” – Rio, 1932.
● JOSÉ CRUZ MEDEIROS – Algumas centenas de verbetes em 24 fls. datilografadas,
contribiução que nos prestou auxílio muito apreciado e bastante valioso – Rio – 1947 – Rua
Cândido Gafrée, 196.
● JOSÉ DE MESQUITA – (da Academia Matogressense de Letras) “No Tempo da Cadeirinha”,
Contos – Estante Matogrossense, vol. 5.o, 1946 Impresso na Editôra Guaira, Ltda. – Curitiba.
● JOSÉ SATURNINO – (Prof.) – “Alguns Regionalismos Norte-Riograndenses”, – in “Lingua e
Linguagem”, tomo 1. o Jan-Fev. 194 – p. 121/126, – publicado sob os auspícios da Academia
Brasileira de Filologia – Rio.
● DO MESMO PROF. – “Pastilhas de Vernáculo”, Letra A. – Natal – D.E.I.P. 1944 – É
monografia de valor glotológico – Lamentável que não viessem a lume as demais letras de
obra assim meritória.
● LINCOLN DE ALBUQUERQUE – “A Vida dos Ladrões” – S. Paulo, 1922.
● MARIA PORTUGAL MILWARD – “Pão Alheio” – Rio, 1946; “Lendas do Brasil
Maravilhoso”.
● MÁRIO BOUCHARDET – “Comentário do Dicionário da Língua Luso-Brasileira”– Rio
Branco. Minas, 1930/1933.
● MÁRIO MARROQUIM – “A Linguagem do Nordeste” (Alagoas e Pernambuco). S. Paulo.
● MARQUES REBÊLO – “Marafa”, 2.a ed. Rio, 1947, com vocabulário anexo. 1934.
● NELSON DE SENNA – “Africanos no Brasil”, Belo Horizonte – 1938.
● NORBERTO SILVEIRA JÚNIOR – V. Informantes.
● ORLANDO MENDES DE MORAIS – “Dicionário de Sinónimos” – 2.a ed., S. Paulo, Agosto
1944.
● OSVALDO GUISARD – “Os Torturados” S. Paulo – 1945.
● PACHECO JUNIOR – "Dialeto Brasileiro” – Rev. da Língua Portuguesa, tomo V.
● PAMPHILO MARMO (cap.) “Memórias Policiais”, muito interessante, relativas ao longo
tempo em que o autor militou na Polícia de S. Paulo – P. Marmo e s/ Consorte d. Maria Isabel
são os progenitores de Antoninho Marmo, nome que se aguarda incluído no Hagiológico
Católico.
● PEDRO A. PINTO (dr. méd.) / “Brasileirismos e Supostos Brasileirismos” de “Os Sertões”,
de Euclides da Cunha” – Rio, 1931.
● PEREGRINO JÚNIOR (dr. méd.) – “Pussanga”, “Matupá”, “Histórias da Amazônia”.
● RAMOS DE FREITAS – Obra policial contendo gíria ladra.
● RAUL PEDERNEIRAS (prof.) – “Geringonça Carioca” (Verbetes para um dicionário de
gíria) 1922 (1.a ediç.) 1946, 2.a ediç. acrescida de numerosos verbetes onde colhemos boa

NASCIMENTO, Ivan Pedro Santos. De Taunay (1914) a Viotti (1956): contrastes de uma dicionarização
do léxico brasileiro
67

messe.
● RAYMUNDO MORAES – “Os Ygaraunas”; “Meu Dicionário das Cousas Amazônicas” –
Rio, 1931.
● RENATO DE MENDONÇA – “A influência Africana no Brasil” – São Paulo, 1934.
● RICARDO ARRUDA – “A Arte de Furtar no Jôgo” – S. Paulo, 1935.
● RODOLPHO GARCIA – “Dicionário de Brasileirismos – Peculiaridades Pernambucanas" –
Rio, 1915 – “Na Planície Amazônica”.
● ROMAGUERA CORRÊA (J.) “Vocabulário Sul Rio-Grandense” – Porto Alegre – 1898.
● ROQUE CALLAGE – “Vocabulário Gaúcho” – Pôrto Alegre, 1926.
● SABINO CAMPOS – “Catimbó” – Rio, 1946.
● SEBASTIÃO ALMEIDA OLIVEIRA – “Expressões do Populário Sertanejo – Vocabulário e
Superstições” –– S. Paulo, 1940 – “Folclore”, 1949.
● SOUZA CARNEIRO (A. J. de) – “Cassacos”, “Furundungo” – Rio, 1934. “Mitos Africanos
no Brasil” – S. Paulo, 1937.
● TEIXEIRA SOARES – “Tradição e Cultura” no “Jornal do Commercio”, julho 1943.
● VALDOMIRO SILVEIRA – “Os Caboclos”, “Nas Serras e nas Furnas”, “Mixuangos,
“Lereias”.
● VICENTE CHERMONT DE MIRANDA (dr.) – “Glossário Paraense” – Belém do Pará, 1905.
● VITTÓRIO BERGO (prof.) – “Erros e Dúvidas de Linguagem” – 1.a edç. – Rio, 1940, 2.a
edç. (2 vls.) Rio, 1945.
● ZÉ DO NORTE – (pseudônimo de Alfredo Ricardo do Nascimento) – “Brasil Sertanejo” –
ASA Editôra – Rio, 1948. – Insere copioso vocabulário nordestino, colhido diretamente no
local.
Dicionários
● CALDAS AULETE (F. J.) – “Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa” – Lisboa
1.a. edc. 1881. 2.a. edc. 1892; .a ediç. 1.o tomo, 1949.
● CÂNDIDO DE FIGUEIREDO – “Novo Dicionário da Língua Portuguesa” 3.a edc. – Lisboa,
1899 – a 4.a. e última edc. é de 1925, ano do falecimento do prof. C. de Figueiredo aos 79
anos de vida.
● SIMÕES DA FONSECA – “Novo Dicionário Enciclopédico Ilustrado da Língua Portuguesa”
“Ediç. de 1926, refundida, acrescentada e melhorada pelo prof. João Ribeiro, da Acad.
Brasileira de Letras; onde aliás, não se empossou de sua poltrona apesar de haver sido o
primeiro imortal escolhido por eleição regimental.
● HAMILCAR DE GARCIA – “Dicionário de Espanhol – Português– 1943. Editado pela
Livraria do Globo – Pôrto Alegre.
● NOVO DICIONÁRIO INGLÊS-PORTUGUÊS – de Jacob Bensabat – Lisboa, 1880.
● ANTENOR NASCENTES – “Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa" – edc. de 1932 –
Rio.
● CARLOS TESCHAUER (Je. S. J.) – “Novo Dicionário Nacional” Porto Alegre, 1928.
● VISCONDE DE BEAUREPAIRE – Rohan – “Dicionário de Vocábulos Brasileiros” – Rio,
1889.
● PEQUENO VOCABULÁRIO ORTOGRÁFICO – Edç. da Academia de Letras – Imp.
Nacional – Rio, 1945.
● DICIONÁRIO DE CIÊNCIAS OCULTAS – Edição da Livraria do “Pensamento” – S. Paulo,
1947.
Vocabulários
● VOCABULÁRIO AMAZONENSE (Dr. Méd.) – Alfredo Augusto da Matta – Manaus – 1939.
● VOCABULÁRIO AMAZÔNICO (Estudos) – S. Paulo, 1942, da autoria de Amando Mendes.
● VOCABULÁRIO SUL RIO-GRANDENSE – de Luiz Carlos de Moraes.
Informantes
● Ari Martins – (Rio G. do Sul)
● Bento Ernesto Junior – (Minas)
● J. Anatolio de Lima – (Minas)
● Prof. Júlio de Faria e Sousa – (São Paulo)
● Prof. dr. Raul Pederneiras – (Rio)
● Oswald Guisard – (Taubaté - São Paulo)
● José Cruz Medeiros – (Rio)
● Norberto Silveira Júnior – (Itajaí - S. Cat.)
● J. L. Álvares Rubião – (Varginha - Minas)

Mandinga – Revista de Estudos Linguísticos, Redenção-CE, v. 05, n. 02, p. 52-72, jul./dez. 2021
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● Cônego J. P. Lefort, do Bispado de Campanha – (Minas)


● Prof. Dr. Francisco da Silveira Bueno, catedrático de Filologia e Língua Portuguesa da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade – (S. Paulo)
Fonte: Viotti (1956, adaptado).

O que se percebe, através dos contrastes bibliográficos, é que, enquanto o Léxico


de lacunas oferece destaque para as obras, no sentido de validar seu esforço lexicográfico
a partir de textos representativos de uma norma lexical brasileira, o Novo Dicionário da
Gíria Brasileira enfatiza a autoria, em uma listagem que abriga diferentes livros de
referência, dicionários, vocabulários e informantes, indicando uma representatividade do
contributo a partir dos nomes envolvidos na pesquisa e de seus respectivos lugares de
autoridade, seja de forma indireta, pelo acesso aos escritos, ou direta, sob a condição de
colaboradores e informantes, algo que se percebe pelas notas explicativas elogiosas de
determinadas fontes e pela atribuição de títulos e patentes, como um sinal de reverência.
Além disso, a lista de informantes situados geograficamente, presente em Viotti
(1956), causa estranhamento, haja vista o projeto de construção de um dicionário
brasileiro com amplitude que se volte a descrever usos populares com um número
reduzido de informantes. Isso ocorre por uma lacuna de representatividade, visto que
constam apenas onze informantes nomeados diretamente, todos do sexo masculino e
pertencentes ao eixo Sudeste-Sul do Brasil, sem detalhamentos dos grupos sociais
integrados, do grau de escolaridade de cada participante ou de cuidado especial no uso
das fontes escritas para representar um conhecimento dialetológicos. Esses aspectos
suscitam dúvidas em relação ao nível de fidedignidade do trabalho em função da
densidade de obras consultadas e do baixo número de informantes para atestar as
ocorrências linguísticas registradas.

Marcas de uso

Essencialmente, marcas de uso são itens lexicográficos da microestrutura de um


dicionário que fornecem, ao consulente, as dimensões sociolinguísticas de um item lexical
e suas condições de emprego no exercício sociocomunicativo por meio de rotulações
convencionadas no âmbito do planejamento da obra lexicográfica, na macroestrutura,
contando com a sensibilidade e a intenção do lexicógrafo sobre o corpus linguístico.
Oliveira (2017, p. 37) classifica como “recurso microestrutural” que se manifesta na
“necessidade de classificar um uso lexical dentro de um contexto, quando há uma gama
de opções para serem selecionadas” (OLIVEIRA, 2017, p. 35-36) e Vilairinho (2017, p.
376) como “recursos lexicográficos para registrar lexemas que remetem a contextos de
variação diacrônica, diatópica, diastrática, diafásica, entre outras”.
A observação das marcas de uso revela-se como um exercício eficiente para
depreender o nível de intervenção sociolinguística que o lexicógrafo expressa em seu
trabalho, pensando nas funções sociocomunicativas às quais o seu objeto se destina. No
caso de Taunay (1914), verifica-se uma preocupação relacionada ao vocabulário técnico-
científico e o registro de brasileirismos, enquanto Viotti (1956), em outro momento
histórico, volta-se à gíria brasileira, pensando o léxico em diferentes estratos sociais.
Note-se que o exame desse segmento informativo de dicionário apresentou produtividade
pela alta frequência, o que permitiu um cotejo, que se materializa no quadro 4, idealizado
a partir de Hartmann e James (2002, p. 168).

NASCIMENTO, Ivan Pedro Santos. De Taunay (1914) a Viotti (1956): contrastes de uma dicionarização
do léxico brasileiro
69

Quadro 4 — Comparação das marcas de uso empregadas em Taunay (1914) e Viotti (1956)
Léxico de lacunas (1914) Tipo de marcação Novo Dicionário da Gíria Brasileira
(1956)

Diacrônica
- circulação Neologismo
(período)

Chulo, pejorativo, plebeísmo, Diaevaluativa


plebeísmo cearense, termo injurioso no afetividade Burlesco, chulo, forma eufêmica,
Oeste de São Paulo. (atitude) sentido depreciativo, vulgar.

Expressão muito popular no interior de


São Paulo, forma usualíssima em São
Paulo, forma usualíssima no Oeste de
São Paulo, locução muito popular no Diafrequencial
Estado de São Paulo, popular, termo frequência Muito em uso, popular.n
corrente em todo São Paulo, termo (ocorrência)
corrente no Oeste de São Paulo, termo
corrente no E. do Paraná, termo corrente
na Bahia, termo frequente no E. do Rio
de Janeiro, termo frequentemente usado
em construção, verbo corrente no Sul de
São Paulo.

Anglicismo corrente no Estado de São Alemão, castelhanismo, caboclo,


Paulo, galicismo, italianismo muito Diaintegrativa cigano, guarani, inglês, italianismo,
usual em São Paulo, italianismo assimilação língua geral, língua tupi,
corrente em São Paulo, termo francês, (contato) provincialismo luso, russo, verbete
termo platino. castelhano, verbete italiano, vocábulo
francês.

Galicismo frequentemente usado na Diamésica


imprensa modalidade -
(meio)

- Dianormativa
normatividade -
(padrão)

Figuradamente, familiar, fraseologia Diafásica Figuradamente, sentido figurado.


infantil em São Paulo, linguagem formalidade
familiar, figuradamente. (registro)

Gíria, gíria carioca, gíria cearense, gíria Gíria bancária, gíria de acadêmicos,
de bandidos do R. G. do Sul, gíria de Diastrática gíria de caipiras ou capiaus, gíria de
estudantes, gíria de marinheiros, gíria do estilo escolares, gíria de filatelista, gíria de
interior do Estado de S. Paulo, gíria do (status social, grupo) garimpeiros, gíria de gatunos, gíria de
Oeste de São Paulo, gíria fluminense, jornalistas ou de tipógrafos da
gíria paulista, gíria portuense. imprensa, gíria de pescadores, gíria
dos colegiais, gíria esportiva, gíria
marítima ou militar, gíria
numismática, gíria portuguesa, gíria
teatral, turfe.

Mandinga – Revista de Estudos Linguísticos, Redenção-CE, v. 05, n. 02, p. 52-72, jul./dez. 2021
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Direito penal, mitologia tupi, termo de Diatécnica Agricultura, alpinismo, burocracia,


açougue, termo da carpintaria, termo de tecnicidade ferraria, mecânica, náutica, pescaria,
futebol, termo jurídico, termo jurídico (domínio) postal, termo de medicina, termo
corrente, técnica naval, topografia, musical.
veterinária, xadrez.

Diatextual
Alusão literária textualidade -
(gênero)

Amazonas, Amazônia, Bahia, Ceará, Alagoas, Amazonas, Bahia,


em certas regiões do Estado de São brasileirismo do Norte, Campinas,
Paulo, Estado do Rio de Janeiro, Campos, Ceará, Centro, Cuiabá,
Estado(s) do Norte, expressão do Oeste Distrito Federal, Espírito Santo,
de São Paulo, forma do Brasil central, Estado do Rio de Janeiro, Fronteira
Goiás, Litoral baiano, Litoral sul Diatópica boliviana, gauchismo, gaúcho, Goiás,
baiano, Locução baiana, Maranhão, regionalidade ilha do Marajó, Juruá, Marajó,
Mato Grosso, Minas, Minas Gerais, (dialeto) Maranhão, Mato Grosso, Minas
Norte, Norte do Rio Grande do Sul, Gerais, modismo paraibano, Nordeste,
Oeste de São Paulo, Piauí, região do Nordeste do Rio Grande do Sul, Norte,
Tocantins, Rio Grande do Sul, Sertões Norte de Minas Gerais, Nova Odessa,
baianos, Sertões do Centro, Sertões do Pará, Paraíba, Paraná, paulistismo,
norte da Bahia, Sul de(a) Bahia, termo Pernambuco, Piauí, Portugal,
cearense, termo do centro de Minas, regionalismo de Taquari, Rio Acre,
termo do centro de São Paulo, termo da Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, rio
zona do S. Francisco, termo do oeste de Purus, Santa Catarina, Santos, São
São Paulo, termo do Rio Grande do Sul, Borja, São Paulo, Sergipe, Taquari e
termo empregado na Paraíba do Norte, municípios lindeiros, termo de
termo empregado no Rio Grande do Sul, Itirapina, termo regional sulino,
termo goiano, termo goiense, termo vocábulo gaúcho.
paranaense, termo rio grandense, termo
rio grandense do Sul.
Fonte: Elaboração própria.

A pesquisa sobre as marcas de uso no Léxico de lacunas (1914) permitiu a


identificação de 90 rótulos, sendo um conjunto que apresenta a seguinte configuração
tipológica, conforme Hartmann e James (2002), nos moldes de descrição do quadro 1:
diaevaluativa (5), diafrequencial (11), diaintegrativa (6), diamésica (1), diafásica (4),
diastrática (11), diatécnica (11), diatextual (1) e diatópica (40). Por sua vez, a partir do
exame do Novo Dicionário da Gíria Brasileira (1956), foram encontradas 99 marcações,
que se distribuem em: diacrônica (1), diaevaluativa (5), diafrequencial (2), diaintegrativa
(14), diafásica (2), diastrática (16), diatécnica (10) e diatópica (49).
Em o Léxico de lacunas, as marcas de uso têm como base a diatopia, isto é, o uso
linguístico situado no espaço, de modo que as dimensões sociolinguísticas indicadas por
esse segmento informativo associam-se, em primeira instância, a uma noção geográfica
que segue uma hierarquia do tipo Estado > Região > Zona > Local, articulando-se a um
aspecto do léxico em uma situação sociocomunicativa. Em contrapartida, o Novo
Dicionário da Gíria Brasileira, tendo em vista a densidade das fontes e o contato com
informantes, as marcas de uso apresentam uma maior clareza em relação às tipologias,
operando-se com uma diversidade de rótulos.

NASCIMENTO, Ivan Pedro Santos. De Taunay (1914) a Viotti (1956): contrastes de uma dicionarização
do léxico brasileiro
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Considerações finais

Buscou-se, neste trabalho, valendo-se do aparato teórico-metodológico da


lexicografia teórica, apresentar uma comparação entre duas obras lexicográficas de língua
portuguesa que se propuseram, no século XX, a descrever e destacar o léxico brasileiro e
suas particularidades, sob a égide da representatividade linguística e de construção de
uma identidade nacional. Particularmente, foram examinados o Léxico de lacunas,
subsidios para os diccionarios da lingua portugueza (1914), de Afonso de Taunay, e o
Novo Dicionário da Gíria Brasileira (1956), de Manuel Viotti. A pesquisa se direcionou
à comparação das propostas das obras e suas respectivas estruturas, identificação das
fontes e levantamento, sistematização e contraste das marcas de uso empregadas.
No que concerne à caracterização do léxico, notou-se que nas obras houve o
predomínio do que Faulstich (2004) considera por brasileirismo terminológico, isto é,
“palavra, locução e outra estrutura sintagmática criada e formada no Brasil, que tenha
significado autonômico e esteja encerrado num conceito de especialidade, que possibilite
reconhecer a área a que pertence” (FAULSTICH, 2004) e uma recolha de brasileirismos
que se adequam à seguinte descrição de Afrânio Peixoto:

[...] decidiu a Academia Brasileira considerar como tais [brasileirismos] as


palavras de uso nacional, estranhas ao hábito lusitano, umas de origem
regional, outras de gíria das capitais, quando todavia autorizadas ou abonadas
por um escritor. O seu dicionário [da Academia] deverá recolher todos estes
vocábulos e expressões — nossa colaboração à língua comum — com essas
respectivas abonações. (PEIXOTO, 1924).

Note-se que os maiores índices de marcas de uso identificados na pesquisa situam-


se justamente no âmbito diatópico e diastrático, referindo-se essencialmente às dimensões
geográficas e sociais dos usos linguísticos.
Sem pretensões de desenvolver um trabalho completo, defende-se que as referidas
obras constituem peças importantes para uma compreensão e estudo da história do léxico
brasileiro, em função do contexto histórico em que estão inseridas, assim como pelo
exercício metalexicográfico que mobilizou a seleção de fontes diversificadas e a
marcação de dimensões sociolinguísticas ao vocabulário do português brasileiro
registrado.

Referências

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York: Oxford University Press, 2008.
BIDERMAN, M. T. C. Teoria linguística: teoria lexical e linguística computacional.
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Paulo: Ed. da UNESP, 2003.
BURKHANOV, I. Lexicography: A Dictionary of Basic Terminology. Rzeszow:
WWP, 1998.
FAULSTICH, E. Duas questões em discussão: o que são brasileirismos nos
dicionários de Língua Portuguesa? Existem brasileirismos terminológicos. Jornada
sobre “Variación Geolectal i Terminologia”, Barcelona: Red Panlatina de Terminologia

Mandinga – Revista de Estudos Linguísticos, Redenção-CE, v. 05, n. 02, p. 52-72, jul./dez. 2021
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Acesso em: 15 set. 2021.
FIGUEIREDO, V. C. Marcas de uso de regionalismos no “dicionário aurélio da
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Paulo: Parábola, 2011, p. 30-31.

Submetido em 10 de outubro de 2021.


Aprovado em 20 de dezembro de 2021.

NASCIMENTO, Ivan Pedro Santos. De Taunay (1914) a Viotti (1956): contrastes de uma dicionarização
do léxico brasileiro

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