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A Independência Das Treze Colônias Inglesas Na América

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A Independência das treze colônias inglesas na América

Autor(a): Larissa Viana


E-mail: ufflarissa@gmail.com
Autora secundária: Janille Campos

A lógica da rebelião

Teóricos britânicos da época moderna argumentavam que o “Império inglês” funcionava como
uma espécie de protetorado, formado por empreendimentos coloniais largamente privados, em
contraste com as conquistas ibéricas e francesas, que lhes pareciam ser mais diretamente reguladas
pelas metrópoles. A Inglaterra propiciaria, assim, inicialmente, maiores possibilidades de autogoverno
para seus colonos.
É notável, desde a fixação dos primeiros colonos ingleses na América, a presença de uma genuína
preocupação com a questão da representação política. O Estado inglês podia até estar ausente ou
distante, mas a organização das câmaras destinadas a regular a vida social e política era considerada
uma tarefa prioritária dos colonos. A participação política intensamente requisitada pelos colonos livres
nos diferentes assentamentos estava fortemente ligada à cultura política parlamentar inglesa, em que
uma monarquia de fato deveria governar com o Parlamento, este sim detentor por direito dos poderes
do Estado. Se considerarmos a maioria dos ingleses livres que então migravam para a América, é
razoável supor que faziam esforços para construir um sistema legal e representativo capaz de
preservar as propriedades que pretendiam obter, bem como as liberdades de suas comunidades.
Como afirma o historiador Jack Greene, os colonos ingleses se inspiravam fortemente nas instituições e
sistemas legais de sua terra natal, mas contavam, na América, com um benefício criado pela própria
colonização. Na Europa, apenas uma pequena fração da população masculina escapava da condição de
dependência econômica e social. A maioria dos homens não possuía, portanto, os requisitos de
propriedade e renda que garantiam o direito de voto. Nas colônias da América, entretanto, essa
situação se alterava em função da disponibilidade de terras e das oportunidades para adquirir recursos
materiais que ampliassem as possibilidades de participação política. Afinal, a Coroa inglesa oferecia
títulos de terra a uma variedade de pessoas envolvidas na colonização: comerciantes, idealistas
religiosos, aventureiros e pessoas da nobreza, entre outros, potencializando assim o direito de
participação política.
Por volta da década de 1660, entretanto, observa-se um maior empenho do poder central, a
partir de Londres, na imposição de instituições e leis especialmente criadas para o governo das
colônias americanas. Foi somente a partir daí que a autoridade central se fez sentir mais nitidamente
nas colônias. Várias medidas foram adotadas para a ampliação do controle político e financeiro dos
colonos: as relações comerciais foram colocadas sob a tutela da Câmara de Comércio e Plantations;
foram implementadas as primeiras tentativas de promover a expansão da Igreja Anglicana oficial nas
colônias; os poderes dos governadores coloniais indicados pelo rei foram ampliados, entre outras
medidas. Ao mesmo tempo, ainda de acordo com Jack Greene, assistia-se a um reforço das
instituições representativas locais nas treze colônias. Entre os anos de 1620 e 1660, todas as colônias
inglesas com população substancial nas Américas adotaram assembleias eletivas, empenhadas em
garantir que leis e impostos não fossem criados sem seu consentimento.
O sistema representativo em sua forma colonial consolidava-se com algumas particularidades quando
comparado à Inglaterra. Lá, o sistema parlamentar se assentava em uma organização bicameral, que
contava com uma Câmara dos Lordes (formada pelos aristocratas) e uma Câmara baixa, eleita nos
vários condados ingleses e então composta principalmente por proprietários rurais. Na América, cada
colônia contava com um governador e seu conselho, e as assembleias eram formadas por apenas uma
câmara, com representantes eleitos. Na prática, as assembleias coloniais gozavam de grande
autonomia.
Mesmo quando a Inglaterra tomou medidas para ampliar o controle sobre as colônias, a
tradição do governo consensual, baseada nas assembleias locais, seguiu sendo muito importante. Na
experiência política das treze colônias, o governo consensual significava governo representativo.
Assim, os colonos, em geral, consideravam que suas assembleias deviam ser ao menos ouvidas
quando novas leis eram criadas pelo Parlamento inglês. Também valorizavam, principalmente a partir
de meados do século XVIII, o direito de protestar contra leis impostas pela metrópole que
considerassem abusivas.
O povo teria, então, o direito de se rebelar contra uma autoridade que julgava injusta?
De acordo com a lógica da rebelião formulada nas treze colônias, sim. Esta lógica deve muito à própria
tradição política inglesa, inspirada pela noção de um Estado de base contratual. As ideias do filósofo
John Locke (1632-1704), parte relevante do repertório político da Inglaterra moderna, propunham a
existência de um contrato imaginário entre o Estado e o povo. O objetivo deste contrato era garantir
os direitos naturais dos homens, entre os quais se destacava a conservação da liberdade e da
propriedade. Na visão do filósofo inglês, o povo poderia, se ameaçado, defender esses direitos através
da rebelião. Se o Estado não cumprisse sua parte no contrato, portanto, a revolta seria legítima. Era o
que afirmava Locke no Segundo Tratado sobre o governo, publicado em 1690:
O objetivo do governo é o bem dos homens. E o que é melhor para eles?
Ficar o povo exposto sempre à vontade ilimitada da tirania, ou os
governantes terem algumas vezes de sofrer oposição quando exorbitem no
uso do poder e o empreguem para a destruição e não para a preservação
das propriedades do povo?
Na década de 1760, os sinais de abuso em relação às tradicionais liberdades dos colonos
mobilizaram muitos proprietários, políticos e populares em torno do argumento da rebelião. O
historiador Bernard Baylin, examinando os traços da cultura política colonial expressos nos panfletos
que circulavam nas colônias nesse período, notou uma recorrente referência à questão da “distribuição
do poder”. Dizia-se, nas treze colônias, que o Parlamento inglês, em tese independente da Coroa,
estava sendo manipulado pelo monarca e por seus ministros, que tentavam impor suas vontades
através da compra de votos. Além disso, os ministros do rei eram acusados de oferecer cargos na
América aos dependentes dos parlamentares, ampliando o círculo da corrupção. Ainda de acordo com
B. Baylin, disseminava-se nas colônias a ideia de que a Inglaterra estava se tornando um reino cada
vez mais corrupto. As virtudes políticas britânicas eram, igualmente, consideradas cada vez mais
fracas.
Tais denúncias eram progressivamente vistas como ameaças às instituições, leis e costumes
dos colonos, reforçando a ideia de que as autoridades inglesas estavam agindo contra os interesses
deles. Esta noção estava diretamente ligada a eventos da segunda metade do século XVIII, quando o
envolvimento dos colonos nas guerras europeias travadas em frentes de batalha americanas tornavam
particularmente evidentes os custos de ser parte de um Império. A Guerra dos Sete Anos, vencida
pelos ingleses em 1763, era lembrada por gerar altos custos locais, uma vez que os colonos foram
chamados a cooperar com a manutenção das tropas e sentiram-se prejudicados pelos acordos de paz
firmados pela Inglaterra. Além disso, a política fiscal inglesa para com as colônias alterou-se muito
após a Guerra dos Sete Anos.
Os conflitos entre os interesses da Coroa e dos colonos ficaram ainda mais evidentes nos anos
seguintes, quando a Inglaterra tentou implementar uma série de leis destinadas a aumentar a
arrecadação de impostos nas colônias. A Lei do Açúcar (1764), a Lei do Selo (1765), as Leis
Townshend (1767), entre outras medidas fiscais de semelhante teor, motivaram inúmeros protestos
dos colonos. Com base na ideia de que a “taxação sem representação” era ilegal, crescia entre os
colonos a convicção de que a metrópole estava abusando de seus poderes.
A historiografia sobre a independência americana oferece muitas descrições sobre as reações
coloniais às leis fiscais impostas pelos ingleses. Uma dessas reações merece uma atenção particular,
especialmente pelo simbolismo presente no protesto. A famosa Boston Tea Party, ou Festa do Chá de
Boston, de 1773, foi organizada pelo líder radical Samuel Adams em protesto ao monopólio do chá
concedido à Companhia das Índias Orientais. Essa medida obrigava os colonos a comprarem chá
apenas da Companhia e gerou um boicote colonial. O chá passou a ser devolvido à Inglaterra, em vez
de ser posto à venda.
Vários protestos coloniais daquela época contaram com a participação de organizações secretas
constituídas principalmente por artesãos e pequenos comerciantes. A mais famosa dessas organizações
era a Sons of Liberty (Filhos da Liberdade), protagonista da Festa do Chá. Na noite de 16 de dezembro
de 1773, os filhos da liberdade, vestidos como guerreiros indígenas, embarcaram em navios britânicos
ancorados no porto de Boston e despejaram a carga de chá ao mar. Um dado interessante nesse
acontecimento está na vestimenta indígena escolhida pelos colonos para a ação, indicativa da
insatisfação com os desmandos de Londres. Ora, os colonos em protesto vestiram-se como os índios
mohawks, um temido grupo guerreiro, reputado pela bravura em combate.
Se os colonos, com essa ação, informavam à metrópole sobre a disposição de resistir aos abusos, a
Coroa não deixou, também, de se manifestar. O rei, Jorge III, escreveu as seguintes palavras quando
recebeu as notícias da Boston Tea Party: “A sorte está lançada. Ou as colônias se submetem, ou
triunfam”.
Até que ponto tais medidas seriam toleráveis? O primeiro Congresso Continental reuniu
representantes de todas as colônias (exceto da Georgia), em 1774, na cidade da Philadelphia. Os
representantes das doze colônias presentes no Congresso declararam-se unidos pela preservação de
suas leis e liberdades através de “medidas pacíficas”, reafirmando lealdade ao rei e ao Parlamento,
desde que os abusos cessassem. No entanto, a presença de tropas britânicas acabou levando a
confrontos entre as forças inglesas e os colonos, ao mesmo tempo em que se disseminava o clima de
conspiração. Ainda assim, os súditos que demonstravam seu descontentamento deste lado do Atlântico
moviam-se cautelosamente em direção à luta. Afinal, havia um enorme receio quanto ao futuro após
uma eventual ruptura. Quais seriam as consequências internas de uma luta pela liberdade política?
Que forma de governo seria adotada? Parte dos colonos estava deixando de se sentir como ingleses no
Novo Mundo, e este sentimento, certamente, era algo novo.
Um dos panfletos mais famosos da literatura política da Independência, o Senso Comum,
permite recuperar o clima imprevisível vivido naquele momento. Seu autor foi o inglês Thomas Paine,
que vivia na Philadelphia desde 1774 e era descrito pelos contemporâneos como radical e ousado.
Publicado pela primeira vez em janeiro de 1776, o panfleto (não assinado) disseminou-se pelas treze
colônias com grande velocidade, sistematizando argumentos relativos à Inglaterra como reino corrupto
e decadente. Ele ressaltava a ideia de não haver vantagens, para as colônias, em sua ligação com a
Inglaterra:
O sangue dos assassinados, a voz lastimosa da natureza grita É tempo
de separar-se. A própria distância a que o Todo poderoso colocou a
Inglaterra da América constitui prova forte e natural de que a autoridade
de uma sobre a outra jamais foi desígnio do céu.
Para Thomas Paine, apenas a independência política e a criação de uma nova forma de governo seriam
capazes de manter a paz do continente e preservá-lo de guerras civis. Notava, ainda, que a verdadeira
causa de “medo” no tocante à Independência era a inexistência de um plano de governo. Por esta
razão, ele dedicou parte do panfleto para propor um sistema de governo representativo baseado em
um Congresso Continental, responsável por eleger, através de seus delegados, um único presidente.
As inclinações fortemente republicanas de Thomas Paine devem ter sido recebidas com certo temor
naquele contexto. O receio quanto ao novo despertava desconfianças em relação à ruptura, ao mesmo
tempo em que a denúncia da corrupção e dos abusos da metrópole faziam pensar em formas
alternativas de governo e soberania, como aquelas propostas por Thomas Paine. Os argumentos em
prol da emancipação foram finalmente vitoriosos nos debates e votações realizados pelo Congresso
Continental no primeiro semestre de 1776. O tom desses debates pode ser recuperado através das
palavras do veemente Richard Henry Lee, delegado da Virgínia que propôs a seguinte moção ao
Congresso, em junho de 1776:
Que estas colônias unidas sejam, e por direito devem ser, Estados livres e independentes, e que sejam
liberadas de toda e qualquer fidelidade à Coroa britânica, e que todas as conexões políticas entre estas
e o estado da Grã-Bretanha sejam totalmente dissolvidas.

Equipe

Larissa Viana
Janille Campos (Janille, monitora de História da América na Universidde Federal Fluminense, em 2012,
colaborou com a seleção e identificação da imagem utilizada nesta oficina)

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