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DISSERTAÇÃO Bruna Maria Alexandre Guido

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO

BRUNA MARIA ALEXANDRE GUIDO

PERTENCIMENTO E ARTIFICIALIDADE:
A expressividade das cores néon no cinema queer brasileiro a partir da década
de 2010

Recife
2023
BRUNA MARIA ALEXANDRE GUIDO

PERTENCIMENTO E ARTIFICIALIDADE:
A expressividade das cores néon no cinema queer brasileiro a partir da década
de 2010

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Comunicação da Universidade
Federal de Pernambuco, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestra em
Comunicação. Área de concentração:
Comunicação.
Orientadora: Profª Drª Ângela Freire Prysthon.
Coorientadora: Profª Drª Fernanda
Capibaribe Leite.

Recife
2023
Catalogação na fonte
Bibliotecária Mariana de Souza Alves – CRB-4/2105

G948p Guido, Bruna Maria Alexandre


Pertencimento e artificialidade: a expressividade das cores néon no
cinema queer brasileiro a partir da década de 2010 / Bruna Maria
Alexandre Guido. – Recife, 2023.
115f.: il. fig.

Sob orientação de Ângela Freire Prysthon.


Coorientação de Fernanda Capibaribe Leite.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco.
Centro de Artes e Comunicação. Programa de Pós-Graduação em
Comunicação, 2023.

Inclui referências.

1. Cultura Visual. 2. Cinema. 3. Experiência estética. 4. Neon. 5.


Cinema Queer I. Prysthon, Ângela Freire. (Orientação). II. Título.

302.23 CDD (22. ed.) UFPE (CAC 2023-148)


AGRADECIMENTOS

Agradeço à Ângela Prysthon e à Fernanda Capibaribe pelas orientações e discussões


proporcionadas dentro e fora dos grupos de pesquisa. Essas trocas foram
fundamentais para o amadurecimento dos textos que escrevo. Também sou grata por
tornarem o processo de pesquisa tranquilo e autônomo.

Agradeço a Chico Lacerda e a Nina Velasco, juntamente com Ângela e Fernanda,


pelas sugestões construtivas durante a banca de qualificação. As contribuições foram
essenciais para que o projeto se tornasse objetivo, me ajudando a ter clareza e
confiança na estruturação da pesquisa.

Agradeço a Renato Souto pelas conversas, o apoio durante o mestrado e o


compartilhamento do estágio docência na disciplina Cinema e Artifício, foi
enriquecedor e prazeroso.

Sou grata à FACEPE pelo auxílio financeiro de uma bolsa por dois anos, que
possibilitou minha dedicação exclusiva e a realização de uma pesquisa diversa.

Agradeço a Rayane, minha querida amiga, que está cursando seu mestrado em
biologia, pelos encontros sobre as alegrias e aflições de nossas pesquisas e vidas.

Gratidão a Maria, minha mãe, que sempre me incentivou por meio da educação, ainda
que ela tenha sido privada dessa oportunidade. Ser a primeira graduada da minha
família e ter a chance de ser a primeira mestra é uma conquista nossa.

Agradeço a Kaline, minha grande amiga e abstração perfeita, por sempre estar
disponível para ouvir minhas indagações e reflexões. Seu apoio intenso e confiança
em mim me motivam a seguir. Quando ela me diz: “Cada partezinha minha, ama cada
partezinha sua”, compreendo o quanto o amor e a liberdade são ferramentas potentes
para a autoestima e a saúde de toda uma sociedade.

Por fim, agradeço a todas as vivências que resistem. Que são, expressam e apreciam
ser quem são.
RESUMO

As discussões sobre gênero e sexualidade no cinema brasileiro contemporâneo têm


sido ampliadas através das perspectivas queer. Este estudo segue essa tendência ao
observar a presença de manifestações estéticas do artifício nos filmes brasileiros da
década de 2010, como o uso de cores e luzes néon. Para compreender essas
conexões, no capítulo I, o estudo inicia abordando a teoria queer e suas proposições
políticas, examinando as raízes estéticas do movimento underground de cinema
norte-americano que influenciam atualmente. Em seguida, o projeto indica caminhos
do cinema queer e suas estéticas, além de realizar um breve panorama da história do
cinema queer brasileiro para entender a crescente estética do artifício. No capítulo II,
a pesquisa se aprofunda na linguagem cinematográfica, observando a luz e a cor
como elementos relacionados à moralidade, sensorialidade e espectatorialidade
queer. São apresentados exemplos estéticos, assim como a história da luz néon, para
compreender a diferenciação e a identificação dos sujeitos queer diante do seu uso.
Por fim, no capítulo III, para ilustrar e fundamentar esse fenômeno, são indicados o
uso do néon no cinema de maneira geral e uma constelação fílmica (SOUTO, 2019)
é criada, denominando-se "néon queer brasileiro a partir de 2010", composta por 9
filmes que são analisados de forma comparativa.

Palavras-chave: Cultura Visual. Cinema. Experiência estética. Neon. Cinema Queer.


ABSTRACT

Discussions about gender and sexuality in contemporary Brazilian cinema have been
expanded through queer perspectives. This study follows this trend by observing the
presence of aesthetic manifestations of artifice in Brazilian films from the 2010s, such
as the use of colors and neon lights. To understand these connections, in Chapter I,
the study begins by addressing queer theory and its political propositions, examining
the aesthetic roots of the underground American cinema movement that currently
influences. Next, the project indicates the paths of queer cinema and its aesthetics,
while also providing a brief overview of the history of Brazilian queer cinema to
understand the growing aesthetics of artifice. In Chapter II, the research delves into
cinematic language, observing light and color as elements related to morality,
sensoriality, and queer spectatorship. Aesthetic examples are presented, as well as
the history of neon lights, to comprehend the differentiation and identification of queer
subjects in relation to their use. Finally, in Chapter III, to illustrate and substantiate this
phenomenon, the general use of neon in cinema is briefly indicated, followed by the
creation of a film constellation (SOUTO, 2019) called "Brazilian Neon Queer from 2010
onwards," composed of 9 films that are analyzed comparatively.

Keywords: Visual Culture. Cinema. Aesthetic Experience. Neon. Queer Cinema.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 8
2 CAPÍTULO I ................................................................................................... 17
2.1 Um panorama sobre os estudos queer........................................................... 17
2.2 Cinema underground norte-americano: Pink Narcissus (1971, dir. James
Bidgood) e The Inauguration of the Pleasure Dome (1954, dir. Kenneth
Anger) ............................................................................................................ 22
2.3 Perspectivas de um cinema queer ................................................................. 29
2.4 Cinema queer brasileiro ................................................................................. 37
3 CAPÍTULO II .................................................................................................. 43
3.1 Atmosfera artificial no cinema: a moralidade na luz ...................................... 41
3.2 O corpo queer em tela: sensorialidade e espectatorialidade ......................... 48
3.3 As armas estéticas do artifício ....................................................................... 52
3.4 Descobrindo a superficialidade da luz néon: da publicidade à arte ................ 58
4 CAPÍTULO III ................................................................................................. 72
4.1 Possibilidade de utilização do néon no cinema: o uso atípico ........................ 69
4.2 Constelações fílmicas: metodologia comparativa para seleção do corpus de
pesquisa ......................................................................................................... 74
4.3 Análise fílmica da formação constelar: um filme é a ferramenta de análise do
outro ............................................................................................................... 77
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 103
REFERÊNCIAS ............................................................................................ 109
8

1 INTRODUÇÃO

Nos últimos anos no Brasil, observa-se um crescente número de filmes que


incorporam o néon como elemento visual, seja por meio do uso de cores vibrantes em
objetos ou de recursos luminosos. Dentre esses filmes, destacam-se longas-
metragens como: Doce Amianto (2013, dir. Uirá dos Reis e Guto Parente), A Seita
(2015, dir. André Antônio), Alice Júnior (2019, dir. Gil Baroni), Batguano (2014, dir.
Tavinho Teixeira), De Gravata e Unha Vermelha (2015, dir. Miriam Chnaiderman),
Corpo elétrico (2017, dir. Marcelo Gomes), Boi Neon (2015, dir. Gabriel Mascaro) e
Tinta Bruta (2018, dir. Filipe Matzembacher e Márcio Reolon). E também curtas-
metragens, como: Latifúndio (2017, dir. Érica Sarmet), Perifericu (2020, dir. Vita
Pereira, Stheffany Fernanda, Nay Mendl e Rosa Caldeira), CorpoStyleDanceMachine
(2017, dir. Ulisses Arthur) e Peixe (2019, dir. Yasmin Guimarães).
Ao incorporar o néon nas imagens dos filmes mencionados, torna-se evidente
que esses exemplos não são casos aleatórios. O néon possui uma expressividade
forte e excitante para os olhos, em contraste com outras cores, sendo caracterizado
pelos seus excessos que distanciam o realismo e conferem artificialidade aos
espaços. Ao se referir às luzes néon de Hong Kong, Kwok (2019, p. 24) indica que
elas são capazes de construir um visual único, representando uma “cultura de rua
rápida; enriquecem as histórias visuais da comunidade urbana; e mantêm o sentido
de pertencimento nas pessoas que levam a vida sob seus matizes”1.
Além do uso do néon, os filmes mencionados também abordam temáticas
queer, relacionando-se à diversidade de corpos e indivíduos que não se enquadram
nos padrões normativos de gênero e sexualidade. O cinema queer destaca essas
sexualidades que historicamente foram ignoradas ou censuradas, explorando as
formas de produção e recepção do cinema sob esse prisma (BENSHOFF; GRIFFIN,
2004).
As diversas formas de expressões queer desafiam mecanismos de
conhecimento que são violentos e coercitivos, estes impõem padrões de naturalidade
que essencializam e limitam as vivências humanas relacionadas aos seus corpos e
identidades. Para Foucault (2009 [1969], p. 52), “nada pode existir como um elemento

1
Tradução minha. Trecho original: “prompt street culture; enrich the urban community’s visual histories;
and maintain senses of belonging in those people who carry out life under their hues.”.
9

do conhecimento se, por um lado, não se conformar a uma série de regras e


características constrangedoras [...], e por outro, se não possui os efeitos de coerção”.
Essas barreiras impostas aos indivíduos estão diretamente ligadas à
dificuldade de representação e desenvolvimento de personagens queer no cinema.
As personagens frequentemente são estereotipadas e reduzidas a um único modo de
vida, estes associados à abjeção e marginalização, “pouco a pouco, contudo, alguns
filmes passam a representar os/as ‘desviantes’ de um modo ‘positivo’, desejável, e/ou
a desenvolver a narrativa a partir da ótica desses sujeitos.” (LOURO, 2008, p. 87).
Dessa forma, desenvolvem-se maneiras de expressar orgulho diante desses
enquadramentos relativos à subalternização.
O New Queer Cinema, movimento iniciado nos Estados Unidos na década de
1990, é considerado um marco importante do cinema queer no ocidente. Ele
questionou algumas convenções de gênero e sexualidade, indo além do que era
considerado adequado de ser retratado nas telas. De forma mais ampla, o termo
"queer" está associado a desvios e rupturas em relação ao que é prescrito
socialmente. Assim, o movimento New Queer Cinema desenvolveu uma estética
queer ao:
[...] buscar imagens plurais que representa [sic] uma democracia real de
sujeitos e corpos diversos. Criar polêmica e levar assuntos desconfortáveis
ou que se consideravam já passados com a militância tradicional para o
centro do combate. (LOPES; NAGIME, 2015, p. 16)

Considerando esses aspectos, é possível identificar uma estética presente nos


filmes queer brasileiros, sobretudo no que se refere à utilização de valores cromáticos
nas imagens. As cores néon possuem características distintas em relação às demais
cores. Elas são encontradas em forma de tubos luminosos, como letreiros néon, ou
em pigmentos presentes em tintas, tecidos e sinalizadores de segurança. Segundo
Kwan (2015, p. 210), “essas cores néon são cores artificiais, não naturais, e emitem
luz de todos os comprimentos de onda da luz visível criando uma sensação como se
a cor estivesse irradiando para os arredores.”2
Assim, dependendo das características do ambiente em que são apresentadas
e da quantidade de cores e luzes presentes, é possível observar suas singularidades.
Em ambientes noturnos, por exemplo, as luzes são capazes de criar espaços

2
Tradução minha. Trecho original: “이러한 네온 컬러는 자연의 색이 아닌 인공적 색이며, 가시광선 전체
파장의 빛 을 발산하여 주변으로 발산하는 것 같은 색 감 각을 불러일으킨다. ”.
10

sensoriais que proporcionam uma fuga da realidade, trazendo compreensões


teatralizadas, remetendo ao apogeu do modernismo: “Na era da iluminação artificial e
dos letreiros luminosos, a cidade estava se tornando cada vez mais superficial e
teatral, clamando por mais e mais efeitos ”3 (RIBBAT, 2013, p. 8).
Para alcançar esses preceitos de pesquisa, é relevante discorrer sobre meus
interesses e minha trajetória acadêmica. Em 2016, ingressei no curso de Arte e Mídia
na UFCG em Campina Grande-PB. Um curso abrangente nas áreas artísticas que
explora técnicas e conceitos teatrais, de áudio e artes visuais, além de sua aplicação
em diversas mídias. Na época, com 18 anos, eu estava em um processo de
autodescoberta das minhas habilidades e me encontrei no cinema, especialmente nas
áreas de direção geral, roteiro e colorização de obras audiovisuais.
Durante o meu percurso acadêmico, recebi orientação do professor João de
Souza Lima Neto, que estava estudando personagens queer em seu mestrado. Ele
introduziu algumas perspectivas queer e feministas, quando trabalhávamos em um
projeto sobre os aspectos gerais da cor e da luz na comunicação e na arte. Apesar do
meu projeto final de graduação não abordar temáticas queer, ao me formar, comecei
a fazer conexões entre o cinema queer e as cores presentes nos filmes, até que
percebi uma constância relacionada ao uso do néon, servindo de base para o
desenvolvimento deste projeto.
Nos filmes, o néon tinha o poder de me transportar para as festas que eu
frequentava - e ainda frequento - e me levava a refletir sobre como esses espaços
estavam sendo evocados no cinema. Ao buscar trabalhar com o cinema queer, que
geralmente está associado a temáticas homoeróticas entre homens cis, desejo
ampliar esse panorama na pesquisa atendendo aos interesses diante do meu recorte
como mulher cis bissexual de classe baixa. Além disso, busco incorporar a
interseccionalidade (COLLINS; BILGE, 2021) em minha pesquisa, a fim de analisar
criticamente o cenário do cinema queer brasileiro atual. Com o objetivo de questionar
e trazer discussões que abordem outros grupos da sigla LGBTQIAP+ e também
considerem recortes de gênero e raça. Como agente pesquisadora, trago minhas
marcas sociais e corporais como inteligibilidade.
De modo que não pode ser pensado sem considerar a própria experiência
corporal do agente pesquisador como alguém também el# assujeitad# por
uma produção discursiva que porta as marcas de certa inteligibilidade social,

3
Tradução minha. Trecho original: “In the era of artificial lighting and illuminated signs the city was
becoming more and more superficial and theatrical, clamouring for more and more effects.”.
11

que são recitadas cotidianamente e legitimadas por instituições excludentes,


racistas, sexistas e classistas. (POCAHY, 2015, p. 35)

A partir da relação entre a artificialidade do néon e o cinema queer, é possível


constatar essa tendência crescente no cinema brasileiro por Prysthon (2015), que
analisa os lançamentos de 2014 e aponta a transição do realismo, antes predominante
no cinema brasileiro, para narrativas mais ambíguas que utilizam elementos
excessivamente frívolos para a criação de lugares utópicos. Dessa forma, esses filmes
estariam articulando noções tidas como apolíticas advindas do artifício para
desenvolver críticas e desestabilizar o real, possibilitando uma maior presença do
néon a partir da década de 2010.
Outra perspectiva que pode ser considerada no cenário atual é a do “cinema
de garagem”, uma categoria que engloba filmes independentes brasileiros destoantes,
repletos de hibridismos e com pouca dramaturgia. Essa forma de realização
cinematográfica possui outras características que reverberam para além do que é
apresentado em tela, refletindo nas formas de produção e na hierarquia de funções
no set, distanciando-se das regras estabelecidas pela indústria.
“Cinema de garagem” não aponta apenas para um modelo de produção, para
o barateamento dos equipamentos de produção, e para as possibilidades
estéticas vistas antes como “amadorísticas”. Fala também de possibilidades
estéticas, éticas e políticas que surgiram a partir dessas novas possibilidades.
(ROCHA, 2017, p. 61)

Rocha (2017, p. 64) estabelece conexões entre o cinema de garagem e uma


“estética do artifício”, abordando que as tecnicidades e as escolhas estéticas usadas
na direção de arte dessas obras são definitivamente poéticas e políticas. Que
recorrem a métodos alternativos de concepção, por meio das conhecidas “gambiarras”
para produzir filmes com orçamentos reduzidos e em curto prazo.
Dessa forma, o projeto está alinhado com a área de comunicação,
precisamente com a linha 2 de pesquisa do programa, que abrange estudos sobre
Cultura Visual, Cinema e Estética das Imagens. O trabalho procura desenvolver sobre
a construção da cultura queer nas imagens do cinema brasileiro nos últimos anos, e
como essas imagens são recepcionadas e contribuem para a sensação de
pertencimento e identidade da comunidade. O estudo inclui análises de filmes
brasileiros contemporâneos, buscando vestígios culturais por meio das cores e luzes
inspiradas nos letreiros néon de cidades americanas, inglesas e antigas colônias,
12

como Hong Kong, que se tornaram uma possibilidade estética. Em alguns momentos
do texto, Sérvio (2004, p. 209) resume definições como esta:
[...] os Estudos de Cultura Visual comprometem-se em analisar momentos de
consumo/recepção/interpretação demonstrando que o significado dado a um
mesmo objeto/fenômeno pode transformar-se através de usos e
reapropriações.

O projeto abrange não apenas a área de Comunicação e seus estudos da


Imagem, mas também contempla outras áreas devido à sua abordagem
interdisciplinar. Incluindo a antropologia, ao explorar as expressividades de um grupo
social específico e as estéticas do artifício empreendidas, e a tecnologia, ao investigar
a história, a materialidade e a representação das luzes néon, assim como da
iluminação cinematográfica. A partir das contribuições de Bourdieu, Lago (2015, p. 7)
expressa:
[...] a pesquisa em comunicação passa pela percepção da comunicação
enquanto fenômeno. E a comunicação como objeto obriga a um olhar
multidisciplinar, ou quando menos, a um entrecruzamento entre vários
olhares possíveis. Ora, este empreendimento só poderá ser feito de forma
coletiva e pressupõe um profundo trabalho de resgate do conhecimento já
produzido [...]

De maneira geral, o cinema é uma forma de comunicação influente na nossa


cultura contemporânea. Basta lembrar das inúmeras discussões online que surgem
quando um personagem principal de um filme live action é interpretado por uma
pessoa racializada, ou quando os gestos de um personagem em uma animação são
interpretados como indicativos de sua orientação sexual. Respectivamente,
exemplifiquei os casos do anúncio do filme live action A Pequena Sereia (2023, dir.
Rob Marshall), que tem Halle Bailey como protagonista, e da animação Luca (2021,
dir. Enrico Casarosa), que aborda uma infância queer. As escolhas feitas pelos
grandes estúdios geram diversas reações moralistas de repúdio por parte do público.
Assim, o que está em evidência no cinema e nas plataformas de streaming são
fontes de discussões políticas e culturais. A arte cinematográfica tem sido e continua
sendo objeto de debates críticos a partir de perspectivas feministas, queer e pós-
coloniais. Isso ocorre porque o cinema frequentemente é utilizado como uma
ferramenta para normalizar discursos dominantes, o que muitas vezes prejudica
outras formas de vida que não se encaixam nessas normas. Porém, através dessas
críticas e da democratização do acesso, o cinema tem o poder de construir discursos,
criando janelas para a exibição de vivências e subjetividades anteriormente ignoradas
ou sub-representadas.
13

As críticas feitas nestes campos abrem espaço para a reflexão sobre como o
cinema poderia se constituir enquanto instrumento ideológico na construção
de certos ideais de nação, de representações sobre o gênero e a sexualidade,
sobre as relações raciais, possibilitando a consolidação se [sic] certas noções
sobre dados sujeitos e subjetividades. (FERREIRA, 2015, p.181)

Durante algumas disciplinas e leituras, desenvolvi duas hipóteses para o


projeto. A primeira considera a possibilidade de um aumento no uso de elementos
néon no cinema devido à crescente preocupação com a representação queer nas
telas. Ou seja, de uma maneira literal, o aspecto chamativo da imagem está ligado à
visibilidade de temáticas queer. Antes do crescimento dos estudos queer, o cinema
brasileiro frequentemente apagou personagens e discussões dissidentes, retratando
de forma ridicularizada principalmente o estereótipo de bicha efeminada (LACERDA
JÚNIOR, 2015a). Eram personagens postas para papéis secundários, de pouca
importância narrativa, e frequentemente sofriam com tragédias e infortúnios. Nos
últimos anos, essas temáticas têm sido amplamente trabalhadas, retratando as
personagens de outras maneiras em vez de ridicularizá-las. E talvez, essa mudança
de valores esteja acompanhada de uma maior expressividade luminosa e cromática.
A segunda hipótese surgiu ao pesquisar sobre a estética e sensibilidade camp,
percebendo uma relação potencial com o néon. O camp foi desenvolvido por pessoas
homoafetivas e tem sido estudado por diversos autores (SONTAG, 2021 [1964];
LOPES, 2002; DYER, 2002; SEDGWICK, 2003). De forma resumida, o camp envolve
a apreciação do excesso, do artifício, da teatralidade e da ironia. Assim, com suas
características, o néon poderia ser considerado uma manifestação do camp.
Essas hipóteses me auxiliaram na concepção dos temas abordados nos
capítulos I e II, me indicando para reflexões iniciais que foram desenvolvidas e
passaram por algumas alterações até chegar em uma configuração final dos capítulos
do projeto.
Para investigar as conexões entre o cinema queer brasileiro e o uso do néon
como manifestação estética, a pesquisa tem uma abordagem de natureza qualitativa,
seguindo parâmetros exploratórios (PRODANOV; FREITAS, 2013) a fim de
concentrar informações relevantes deste campo específico que proponho. Assim, o
objetivo é compreender como essas relações técnico-simbólicas das luzes e as cores
néon no cinema queer no Brasil podem ser associadas ao pertencimento de pessoas
dissidentes. Isso será feito por meio de um levantamento bibliográfico, a partir de
tópicos como o movimento queer e suas influências no cinema, estéticas
14

cinematográficas, iluminação artificial e a história da luz néon. E após essas bases


teóricas, serão realizadas análises fílmicas prezando por corpos queer em imagens a
partir da década de 2010.

Para a escolha do corpus será utilizada a metodologia das constelações


fílmicas (SOUTO, 2019), buscando reunir diversas narrativas queer sob variadas
formas de néon. Esta metodologia constrói relações entre diversos filmes e cria
imageticamente uma representação de uma constelação, o qual alguns são mais
centrais e maiores, outros mais distantes e menores, demonstrando sua importância
temática. Tal formato permite que cada filme seja usado como fonte de análise para o
outro, sendo um formato mais livre de conexão, fazendo com que variados filmes
sejam analisados a partir de parâmetros relacionados ao tema. A constelação fílmica
é feita a partir de conexões imaginativas de quem a produz, assim como as
constelações astrais.

Para estabelecer os critérios de escolha do corpus utilizo o cinema queer como


recorte, uma vez que ele não é considerado um gênero fílmico formal, e sim um
segmento temático, esse aspecto será trabalhado no capítulo I. Já a compreensão do
néon e sua plasticidade nestes filmes serão desenvolvidas ao longo dos capítulos II e
III, nos quais utilizarei o néon como elemento crucial e conector sensível para a feitura
de imagens queer.

Para a análise fílmica, é interessante considerar nestes filmes selecionados


pela constelação a perspectiva de Pocahy (2015, p. 34), que eles não devem ser
somente objetos de pesquisa a serem investigados e decifrados com distanciamento
e passividade, mas sim como elementos políticos de produção de conhecimento queer
capazes de tecer novas subjetividades.

O desatino impertinente e indisciplinado queer segue no rastro de tant#s


outr#s que se movimentaram em posições dissidentes anticoloniais,
antirracistas, antissexistas. Posições interseccionadas com as sexualidades,
os corpos e as performances de gêneros minoritárias, não como objetos de
investigação, mas como políticas de conhecimento e de tessitura de novas
subjetividades.

O objetivo principal deste projeto é compreender a sensação de pertencimento


proporcionada pelo o cinema queer brasileiro através da artificialidade do néon. Por
meio do estudo do queer no cinema e a formação de subjetividades a partir dele, além
do estabelecimento de conexões com estéticas artificiais como o camp, a estética do
lindo e as diversas manifestações do néon. O recorte temporal será a partir da década
15

de 2010, e o corpus para análise consiste em 9 filmes escolhidos no capítulo III por
meio da constelação fílmica.
Para alcançar esse objetivo de forma mais detalhada, irei desenvolver sobre o
movimento queer e suas correlações no contexto cinematográfico, examinando a
história do cinema underground norte-americano para estabelecer conexões junto ao
contexto brasileiro. Além disso, irei estender o significado sobre iluminação artificial
no cinema e discutirei as características do néon e das estéticas do artifício diante da
subjetividade queer no cinema. Também analisarei as implicações morais e políticas
das estéticas empreendidas no cinema queer brasileiro atual. Ou seja, de maneira
geral, buscarei responder esta pergunta: por que a artificialidade do néon gera a
sensação de pertencimento no cinema queer brasileiro nos últimos anos?
É importante ressaltar que, por motivos acadêmicos, alguns pontos precisam
ser definidos. Porém, essas delimitações não se estendem aos filmes, uma vez que
cada obra audiovisual possui universos particulares e intenções específicas. Não
gostaria de reduzir as obras a essas categorias, mas sim destacar essa tendência
criativa presente nelas. Da mesma forma, é importante não deslegitimar filmes que
apresentam o uso de néon, mas não necessariamente possuem temáticas queer,
assim como filmes queer que não fazem uso de néon ou outros artifícios.
Embora o uso do néon tenha se destacado em várias produções audiovisuais
importantes no Brasil nos últimos anos, essa temática ainda não foi abordada em
pesquisas científicas. Essas são questões profícuas que ainda não foram suscitadas,
mesmo que se discuta estéticas artificiais, pouco se fala sobre o néon como um dos
elementos visuais para sua materialização. Por isso, é fundamental produzir materiais
teóricos que possam compreender as relações entre a história das luzes néon e suas
manifestações no cinema queer brasileiro. Além disso, é crucial traçar rotas estéticas
e poéticas que possam contribuir para outras pesquisas que analisem imagens queer
e o uso do néon não apenas em filmes, mas também em publicidade, videoclipes,
fotografias e outras mídias.
No capítulo I, pretendo estabelecer diálogos entre as políticas queer, o
movimento underground americano e o cinema queer, assim como seu contexto no
Brasil, por meio de uma abordagem histórica. Para delinear esse panorama, é vital
fazer algumas considerações do termo queer, a fim de demarcar o arcabouço fílmico
presente na dissertação. Para isso, é preciso elaborar suas possibilidades de forma a
não impor limitações ao termo, reconhecendo seu propósito questionador e libertário.
16

Neste seguimento, podemos tecer algumas perguntas, tais como: Ser queer é
necessariamente sinônimo de ser LGBTQIAP+? Ser queer vai além de se
autodenominar uma pessoa não-hétero? Será que ser queer implica em tensionar o
modelo de vida cisheteronormativo? A partir dessas indagações, é possível
estabelecer critérios para classificar um filme como queer.
Já no capítulo II, o objetivo é traçar caminhos para relacionar o néon à
temáticas queer, uma ideia pouco investigada teoricamente, e por isso, será uma
sessão definitivamente exploratória. Inicialmente, é interessante discutir o cinema
enquanto linguagem, examinando como as cores e luzes nas narrativas podem ser
realistas ou artificiais, levando em consideração seu âmbito moral. Também será
desenvolvida a ideia de sensibilidade junto a espectatorialidade queer. Além desses
aspectos, abordarei a estética do artifício, como camp, o conceito de lindo (GALT,
2015) e da superfície (BARBOSA, 2015), explorando suas críticas pertinentes ao
capitalismo e à colonialidade a partir dos parâmetros visuais. Para concluir, dissertarei
sobre a história do néon e como esse elemento versátil é incorporado na arte,
compreendendo suas relações com as experiências vividas nos subúrbios dos
Estados Unidos, sua sensibilidade luminosa e seu teor erótico.
No capítulo III, realizo um recorte para explorar a presença do néon no cinema,
estabelecendo dois tipos de uso: o típico e o atípico. O uso típico refere-se ao emprego
comum e inicial das luzes néon na forma de letreiros publicitários, enquanto o uso
atípico é mais frequente nos filmes queer e envolve a reprodução do efeito néon, seja
através das luzes, da materialidade ou do uso de efeitos digitais. Esse uso atípico está
relacionado a uma estética mais artificial, pois vai além do aspecto visual comum e
adquire outras interpretações.
Por fim, ainda no mesmo capítulo, apresento a metodologia do corpus e
construo a constelação intitulada "néon queer brasileiro a partir de 2010", para em
seguida analisar os filmes que a formam. A análise de cada filme do corpus é realizada
por meio de exemplos de cenas que apresentam a presença do néon em suas
diversas formas: luz, cores dos objetos ou efeitos visuais. Levo em consideração o
discurso, a sensorialidade e a subjetividade queer, além de explorar como essas
imagens são construídas: suas características, as sensações expressas e suas
composições.
17

2 CAPÍTULO I

2.1 Um panorama sobre os estudos queer

Inicialmente, o termo queer surgiu na língua inglesa como uma prática


homofóbica de tratamento, sendo empreendido de maneira depreciativa para ofender
aqueles que eram considerados estranhos e anormais. Diante das transformações
políticas e culturais ao longo do século passado, principalmente referentes às pautas
identitárias, as estratégias combativas e reformulações se tornam frequentes. O termo
queer foi apropriado pelas próprias vítimas, passando de um estigma patologizante
para um motivo de orgulho e identificação dos que eram considerados diferentes.
As mudanças são inerentes às formações linguísticas, discursivas e de
conhecimento. Queer surge sendo relacionado principalmente às
homossexualidades, porém em constante transformação, ele possui poder de vínculo
a outros aspectos na contemporaneidade. Com base nas teorias de Derrida e J.L.
Austin, Butler (1993) argumenta que o termo queer, ao ser pronunciado e reiterado,
incorpora influências do passado e expectativas do futuro, adquirindo um caráter
performativo. Como este termo é advindo de formas de exclusão, é importante tomar
cuidado para que ele não se torne também excludente. Não há uma definição eterna
e única para as expressões, contudo há critérios que podem ser levados em
consideração neste caso.
Nota-se nos textos brasileiros sobre estudos queer, a presença de dois lugares
comuns de abordagem: a) o termo guarda-chuva e b) a política anti-normativa.
Entretanto, não há consenso sobre o termo, ele pode assumir simultaneamente as
duas definições, sendo utilizado de acordo com cada situação específica. É comum e
natural que o termo queer se expanda no âmbito acadêmico, mesmo que ele não seja
adotado nas vivências cotidianas no contexto brasileiro. Por exemplo, Nay Mendl (em
entrevista para OLIVEIRA, 2020, p. 47), uma das diretoras de Perifericu, recusa a
aproximação direta ao norte global e diz que o filme não é queer e sim cuir, na tentativa
de uma contextualização abrasileirada do termo.
Primeiramente que nosso filme não é queer pois somos, latinas e latinos
brasileires, periféricos. Poderíamos dizer que somos Cuir, transmasculines,
travestis.... Cinema queer existe enquanto gênero há algum tempo e nós
flertamos com as ideias discutidas dentro desse gênero em nosso filme, mas
não diríamos que fizemos isso. Sabemos que existe esse movimento de
"etiquetar" as obras, como comentamos ali em cima. Mas de verdade, é um
18

filme sobre nossas vivências dissidentes a partir do nosso território. (grifos no


original)

O termo queer é usado como guarda-chuva para sintetizar e substituir a sigla


LGBTQIAP+, focando na designação das sexualidades e no caráter identitário. Porém,
como política anti-normativa, o termo consegue alcançar e desenvolver pontos mais
estruturais na reformulação dos conhecimentos. Nesse último caso, os estudos queer
vão além de simplesmente nomear, promovendo possibilidades metodológicas,
estéticas, epistemológicas de percepção da verdade, indo em busca da formação
discursiva para refletir e questionar determinados poderes coercitivos. O termo queer
ultrapassa o âmbito individual, reconhecendo as estruturas inscritas nos processos
culturais, sendo localizado em um contexto pós-identitário (LOURO, 2004, p. 59 e 60).
As pautas sobre identidade mudam a partir das indagações pós-estruturalistas,
os modelos de ativismos antes separados em gay e lésbico vinculam-se e continuam
na forma de ativismo queer, com seu ápice político na crise de AIDS (JAGOSE, 1996,
p. 75 e 76). Ao reconhecer que os estudos queer se constituem a partir da perspectiva
pós-estruturalistas, entende-se que sua crítica se concentra nos discursos, evitando a
essencialização dos sujeitos. Por discurso, entende-se as regulações de ideias e
ações para estabelecer normalidade e estabilidade social, as quais podem ser
negociadas e disputadas. O discurso, assim como os processos performativos, são
consensos sociais que desembocam nos corpos dos sujeitos através da
performatividade: “não há identidade anterior ao uso, assim como não há sujeito
anterior à linguagem, ao discurso.” (SILVA, 2017, p. 65). Indicando que o ser social
não é algo subjetivo e individual, e sim criado pelas formulações socioculturais.
Dado que se trata de um fenômeno discursivo e não natural, a abordagem
foucaultiana sugere, de maneira metodológica, questionar criticamente nossas formas
de agir e pensar. Por exemplo, Foucault (2014, p. 139) define sexualidade como: “um
conjunto dos efeitos produzidos nos corpos, nos comportamentos, nas relações
sociais, por um certo dispositivo pertencente a uma tecnologia política complexa”,
observando que nas relações sexuais não há impedimentos, e sim um conjunto
discursivo complexo que sugestiona na formação dos sujeitos.
Portanto, é possível afirmar que os discursos nos constituem e alteram as
percepções sobre os nossos corpos. O corpo não possui uma definição autônoma, o
período histórico em que estamos inseridos determina como ele deve se comportar,
quais características sociais irão exaltá-lo ou puni-lo, apesar dele permanecer o
19

mesmo. Como sugere Butler, os discursos habitam corpos e se acomodam neles,


"carregam discursos como parte de seu próprio sangue” (BUTLER em entrevista a
PRINS e MEIJER, 2002, p. 163).
Sendo assim, o gênero, por meio de discursos e performances, impõe
obrigatoriedades aos corpos, e os indivíduos só são considerados sujeitos quando
atendem às expectativas. Na feminilidade, por exemplo, a visibilidade ou a
qualificação de mulheres é apreciada quando estas seguem as normas da
performatividade de gênero, ou seja, é preciso agir e adotar certos comportamentos
para que suas vivências sejam legitimadas.

Realmente, não há “um” que possa assumir uma norma de gênero. Ao


contrário, essa repetição da norma de gênero é necessária para se qualificar
como “um”, para se tornar viável como “um”, onde a formação do sujeito
depende da operação prévia que a legitimação das normas de gênero fazem.4
(BUTLER, 1993, p. 23)

Os estudos queer têm uma intenção crítica de questionar todos os protocolos


sociais, atualmente focando principalmente em desafiar os binarismos de gênero
(homem/mulher) e as sexualidades monossexuais (homossexual/heterossexual).
Ampliam-se nossas compreensões ao reconhecer diferentes vivências que não se
enquadram diante desses valores. Além disso, esses estudos procuram explorar
outras estratégias de análise e epistemologias para desestabilizar as estruturas e
instituições (LOURO, 2004, p. 46).
. Assim, o objetivo do movimento queer não é substituir o poder existente por
uma visão determinante, mas sim desafiar as estruturas opressivas de forma ampla.
Queer, enquanto conceito, é um mecanismo de resistência que se contrapõe ao que
está posto a fim de desestabilizar as ideias dominantes, servindo de escape para os
enquadramentos e formas de punição ao criar caminhos metodológicos. Luhmann
(2000, p. 151) discorre sobre o certo e errado nas pedagogias queer: “Em vez de
colocar o conhecimento (certo) como resposta ou solução, a teoria e a pedagogia
queer [ ... ] colocam o conhecimento como uma questão interminável". (apud LOURO,
2001, p. 552)
Outras metodologias baseadas nos estudos queer são fundamentais para
promover diversas formas de pensar sobre os sujeitos queer. Como as noções de

4
Tradução minha. Trecho original: “Indeed, there is no ‘one’ who takes on a gender norm. On the
contrary, this citation of the gender norm is necessary in order to qualify as a ‘one’, to become viable as
a ‘one’, where subject-formation is dependent on the prior operation of legitimating gender norms.”
20

fracasso colocadas por Jack Halberstam (2020, p. 49): “[...] mudo o direcionamento
do significado de fracasso para o acúmulo de modos afetivos que foram associados
ao fracasso e agora descrevem novos direcionamentos na teoria queer.”. Halberstam
mapeia as compreensões de inadequação diante das ideais envolvendo o fracasso,
promovendo “uma relação diferente com o saber” (Ibidem, p. 49) por meio de uma
política de deixar de ser. Já Louro (2004 p. 13) compreende o sujeito queer como
inevitavelmente corajoso, explorador, disposto a correr riscos e a perturbar as regras.
A autora também destaca que, mesmo que possa soar pejorativo para pessoas
homoafetivas, queer pode estar associado ao estranho, ao excêntrico, a algo raro ou
até ridículo (LOURO, 2001).
Na maioria das vezes, o sujeito queer é colocado na posição de "outro", em
oposição ao que é considerado a "maioria" ou o "normal", seguindo uma lógica binária
e de dominação ocidental para lidar com as diferenças. Em uma abordagem recente,
Viviane Vergueiro tece críticas sobre a ciscolonialidade e a cisgeneridade, propondo
estratégias trans ao direcionar os considerados “normais” no lugar oposto, no lugar
que corpos queer ocupam, na anormalidade. Assim, a autora faz uma espécie de
desestruturação crítica a partir da binariedade apontando um espelho para aqueles
que nos apontam os dedos.
[...] desestabilizam a naturalidade das performatividades cisgêneras, do
objetivismo e certeza científica diante das categorias “homem” e “mulher”
através de ultrassons, formas corporais, intervenções cirúrgicas, diagnósticos
psiquiátricos, certidões, rituais, lápides. (VERGUEIRO, 2015, p. 40)

A perspectiva colonial pressupõe a normalidade com base em um viés


científico, o que torna essencial tecer críticas ao que a ciência eurocêntrica sustenta
por meio de atos performativos e das performatividades dos corpos, já que isso define
o que é considerado normal e anormal. Essa abordagem exclui vivências
perfeitamente normais dos corpos, patologizando-os. Vergueiro (2014) exemplifica em
entrevista:
Se eu tomo uma lente descolonial para olhar isso, eu vou olhar para o sistema
médico como um sistema que vem dessa racionalidade eurocêntrica, essa
perspectiva eurocêntrica que é de catalogação das anormalidades, em
termos de saúde, em termos de comportamentos. Então, quando penso nas
identidades de gênero Trans, por exemplo, que hoje seguem patologizadas,
ou seja, seguem colocadas em uma posição de anormalidade em relação ao
padrão, ao padrão que é Cisgênero. (grifo meu)

Dentro dessas discussões, é importante reconhecer que ser queer em uma


sociedade marcada por normas carrega um aspecto de desejo e busca por
21

pertencimento. É nesse contexto que a apropriação do termo queer tem se


desenvolvido, e Pocahy (2015, p. 36) reflete sobre a criação desse lugar demarcado,
mesmo que queer, não deixa de ser uma forma de sujeição diante dos desejos de
pertencer.
As políticas queer querem disputar,pois somos tod#s restos e rastros desse
mundo arregimentado por ilusões normativas, pela suposta segurança da
normalidade. Afinal, sempre flertamos com alguma norma, desejos#s de
algum conforto e reconhecimento. Dizer-se queer já seria, em si mesmo,
docilizar o queer. E talvez eu tenha feito isso; afinal, toda apropriação pode
funcionar como forma de sujeição.

Aqueles que criticam ou buscam alterações nos estudos e no termo queer


podem ser acusados de despolitizá-lo. Contudo, a crítica contínua também
desempenha um papel democrático na promoção do reconhecimento identitário dos
sujeitos, ou seja, “a crítica do sujeito queer é crucial para a democratização contínua
da política queer.”5 (BUTLER, 1993, p. 19, grifo no original). Isso é importante para a
conscientização histórica do ativismo queer, apesar de ser uma ferramenta importante
na luta pela liberdade dos sujeitos, já foi excludente em certos momentos. O ativismo
queer engloba movimentos feministas e antirracistas que antes eram marginalizados,
e hoje são movimentos imprescindíveis e de potencial de abrir novas possibilidades
para o futuro queer.
Dessa forma, é importante compreender os lugares que o termo queer faz
sentido e pode ser utilizado. O conceito queer não se restringe exclusivamente a
vivência LGBTQIAP+, e especialmente neste projeto, o termo tende a ser utilizado no
sentido de vivências que tensionam as normas cisheteronormativas, abrangendo não
apenas a explicitação da sexualidade e identidade, e sim outras dimensões políticas
presentes nas imagens.
Embora uma pessoa LGBTQIAP+ esteja em uma posição de existência
desviante, isso não implica necessariamente que ela apoie as políticas queer. Ser
queer envolve questionar normas e concepções que nos aprisionam, como os
binarismos de gênero, a performatividade de gênero e as presunções heterossexuais.
São formas de pensar e agir. Sendo assim, é possível que indivíduos se identifiquem
como LGBTQIAP+ e reivindiquem lugares que se enquadrem nas normas
hegemônicas. Porém, o mesmo não se aplica àqueles que se consideram queer.

5
Tradução minha. Trecho original: “[...] then it follows that the critique of the queer subject is crucial to
the continuing democratization of queer politics.”
22

“Gays e lésbicas normalizados, que aderem a um padrão heterossexual, também


podem ser agentes da heteronormatividade” (MISKOLCI, 2016, p. 15).
Em suma, a discussão sobre os estudos queer abrange várias perspectivas e
pode ser explorada em diferentes direções. É importante considerar que essa
discussão pode envolver contradições e desafios argumentativos, uma vez que as
novas perspectivas queer são pavimentos inacabados, pesquisas exploratórias e
tentativas de alcance. Ao apresentar a amplitude do termo e destacar pontos de vista
divergentes, é possível adentrar e compreender as dinâmicas queer na história do
cinema.

2.2 Cinema underground norte-americano: Pink Narcissus (1971, dir. James Bidgood)
e The Inauguration of the Pleasure Dome (1954, dir. Kenneth Anger)

Antes do surgimento do cinema underground norte-americano na década de


1950, os movimentos do cinema amador e o de vanguarda desempenharam um papel
importante no seu desenvolvimento. Ainda que, muitas vezes seja negligenciado nas
discussões sobre cinema underground, o cinema amador exerceu sua influência a
partir dos anos 1930, com o advento de inovações tecnológicas. O cinema amador
começou a se desenvolver como uma forma independente de expressão
cinematográfica, permitindo que pessoas além da indústria cinematográfica tivessem
acesso aos equipamentos de filmagem.

O cinema de características amadoras, ausente de financiamento e da


glamourização do cinema comercial, tem como base filmagens domésticas e
cotidianas. Inicialmente restrito à elite burguesa, o cinema amador expandiu para
outras classes e ganhou popularidade nos anos 1960. Porém, o próprio cinema de
vanguarda passou a demonstrar hostilidade diante da expansão do movimento
amador, ignorando sua popularização por falta de familiaridade. Principalmente, na
década de 1970, onde há uma recusa das ideias socialistas como a valorização do
ócio, algo essencial no movimento.

A cinematografia amadora apresenta características distintas em suas


imagens. Ao contrário do cinema comercial, que busca simular a percepção do olho
humano por meio da alta nitidez e estabilidade nas formulações fotográficas, o cinema
amador possui uma estética própria. As imagens produzidas na indústria
23

cinematográfica são caracterizadas por um estado de hiperlucidez, de iluminação


clara, foco profundo e fluidez na filmagem dos planos, resultado do uso de diversos
equipamentos e do planejamento da execução, entre outros aspectos; por outro lado,
os filmes amadores costumam apresentar imagens mais opacas e translúcidas, que
podem ter vibrações e ondulações, marcadas por riscos, arranhões e sujeiras
(REEKIE, 2007, p. 108). Dessa forma, enquanto o cinema mais experimental busca
explorar características hápticas, envolvendo a sensação tátil e o envolvimento
sensorial além da visão, o cinema mainstream geralmente se concentra na
visualidade.

Assim, o cinema amador transmite uma sensação de autenticidade que muitas


vezes falta nos filmes comerciais, os quais buscam um realismo, demonstrando sua
ficcionalidade e rigidez. No amadorismo cinematográfico se conjectura o real,
encontra-se a naturalidade, onde a falta de pretensão das imagens permite uma
aproximação com a realidade (REEKIE, 2007, p. 109).

Tendo isso como base, o cinema experimental e o underground se


desenvolveram a partir do movimento amador, impulsionados pela democratização do
cinema e pela ampliação do acesso da população. Algumas características do cinema
amador se perderem com o surgimento do cinema underground no final dos anos
1950. Principalmente devido ao pós-guerra e à demonização do socialismo, visto que
o cinema amador foi inicialmente impulsionado pelo ócio e pela ideia de trabalho livre,
contornando os ideais capitalistas de monetização e exaustão dessa prática criativa.

Nos anos 60, fica mais evidente que Hollywood é uma estrutura de influência
econômica e social de disseminação dos valores burgueses, principalmente por
induzirem atitudes antiautoritárias e padrões de consumo (ARTHUR, 1992, p. 19 e
20). A desestabilização destas noções foi feita pelo cinema que registrava momentos
banais, desafiando e questionando a autoridade do fazer cinematográfico industrial,
expandindo a ideia de realização dentro da sétima arte. As “distinções imutáveis entre
gravação amadora e produção comercial se confundiam na fantasia do potencial
libertador do filme.”6 (ARTHUR, 1992, p. 18).

6
Tradução minha. Trecho original: “immutable distinctions between amateur recording and commodity
production were blurred in the fantasy of film's liberatory potential.”
24

O cinema experimental norte-americano ascendeu, em parte, devido à


contribuição do cinema de vanguarda europeu. Nomes importantes do movimento
advinham da Europa, como os irmãos Mekas, que criaram nos Estados Unidos
associações para a disseminação dos filmes e a revista Film Culture. Porém, essa
influência não ocorreu como uma transferência cultural contínua e direta entre a
Europa e os Estados Unidos. Para a consolidação e institucionalização do cinema
experimental e underground nos anos de 1950 foi importante três manifestações
socioculturais: 1- o expressionismo abstrato modernista americano; 2- a mobilidade e
a valorização cultural americana em relação à europeia; 3- a interação complexa entre
as culturas consideradas legítimas e ilegítimas enfrentada pelas pessoas afro-
americanas, que buscavam agenciar suas manifestações diante das estruturas
racistas e coloniais (REEKIE, 2007, p. 134 e 135).

De fato, a transição do cinema experimental para o underground ocorreu


gradualmente por meio de eventos formativos nos dois últimos anos da década de
1950 em Nova Iorque. O ativista lituano Jonas Mekas foi essencial nessa transição ao
se envolver nos antros da crítica de cinema independente e experimental,
estabelecendo conexões com vários cineastas da época, quando se compromete
tanto eticamente quanto esteticamente como uma resistência ao cinema comercial.
No manifesto do movimento, publicado pela revista Film Culture, foi ressaltada a busca
por um cinema que não se preocupasse com a polidez, mas sim que fosse forte, vivo
e genuíno, rejeitando a falsidade que caracterizava os filmes comerciais (REEKIE,
2007, p. 140 e 141). Buscavam ser inclusivos em relação às formas de expressão que
não eram consideradas pela indústria cinematográfica, valorizando construções
amadoras e espontâneas, e assim construíram o cinema underground norte-
americano.

É notável que o cinema underground norte-americano tenha se desenvolvido a


partir de subculturas marginalizadas, incluindo os Beats, os anti-artes, os boêmios, a
cultura negra, feminista e queer (na época, restritos a gays e lésbicas). Esses
movimentos foram fundamentais para criação de um cinema underground híbrido,
multifacetado, diverso e considerado ilegítimo. No entanto, essas subculturas foram
moldadas em diversos aspectos culturais pelas opressões sistemáticas da época, um
exemplo é a hibridização do que era considerado alta cultura junto às criações e
manifestações artísticas negras. Manifestações estas percebidas pela burguesia
25

como imorais, promíscuas, preguiçosas, sensuais, extravagantes, paródicas,


desinibidas; atitudes que reivindicam o camp, a liberdade sexual e a sexualidade,
defendido também pelos boêmios do período (REEKIE, 2007, p. 136).

Os excessos, a carnavalização e o camp passaram a se tornar elementos


recorrentes no cinema underground. Cineastas experimentais como Maya Deren,
apaixonada pelo vodu, e Kenneth Anger e Jack Smith, que exploraram a cultura
popular e Hollywood, enriqueceram a cena com suas preferências e fascinações
excêntricas (REEKIE, 2007, p. 135).

Os filmes que indicavam realismo e retrataram o imaginário da cidade de Nova


Iorque foram substituídos pelo movimento de cinema underground por expressões
excêntricas ligadas à sexualidade. A intensidade dessas novas imagens foi marcada
por dicotomias, poéticas e ao mesmo tempo grotescas, foram chamadas por Jonas
Mekas de cinema “Baudelairiano” em exemplos como “os filmes de Ron Rice, Ken
Jacobs e especialmente Jack Smith, seguidos logo depois pelos primeiros filmes de
Andy Warhol”7 (JAMES, 1992, p. 10 e 11). Pelas atitudes incomuns e os
afrouxamentos das normatividades sociais nas abordagens dos filmes, essas
produções foram vistas como uma afronta, resultando em tentativas de censura e
ataque a Jonas Mekas e aos cineastas do período. Nas exibições dos filmes Flaming
Creatures (1963, dir. Jack Smith) e Chant d’amour (1950, dir. Jean Genet),
respectivamente, ocorreu na Bélgica em 1963 uma revolta no festival, e em 1964 em
Nova Iorque, Mekas foi preso pela acusação de obscenidade (Ibidem).

O Grupo de artistas engajados no movimento, juntamente a Mekas, estavam


comprometidos de trazer ao cinema outras formas estéticas mais diversas, menos
entediantes e menos superficiais, em contraste com as produções do cinema
comercial. Em sua busca por reformular as estruturas do cinema mainstream, Mekas,
dentro de seus métodos complexos e contraditórios, percebeu que essa
transformação era inviável. Ele percebeu que seria mais eficaz a democratização e
reformulação da gramática formal do cinema a partir dessas novas visões. E para isto,
seria necessário que aparato cinematográfico chegasse aos mais diversos grupos

7
Tradução minha. Trecho original: “the films of Ron Rice, Ken Jacobs, and especially Jack Smith, soon
followed by Andy Warhol's early films”
26

sociais, propondo uma desorganização dos sentidos calcados nos filmes (Ibidem, p.
8, 9 e 10).

No contexto do cinema underground, enquanto se buscava escapar do tédio e


da superficialidade temática do cinema comercial, começaram a surgir debates sobre
a estética camp e a representação da cultura homoafetiva através de pensadores
como Susan Sontag e Richard Dyer. O cenário foi propício para o desenvolvimento
da expressividade do desejo e do erotismo gay de maneira imagética.

Em filmes como Tea and Sympathy (Vincente Minnelli, 1956) e Pink Narcissus
(James Bidgood, 1971), em romances pulp como Desire in the Shadows de
Joe Leon Houston (1966), e em imagens de pin-up promocionais de estrelas
de Hollywood, Dyer examina como uma ampla constelação de textos pode se
dirigir a um público de homens que desejam outros homens, os quais, mesmo
que tenham experienciado essa imagética de forma isolada, podem ter
passado a se ver como geradores da vida sociosexual gay. 8 (POWELL, 2018,
p. 158 e 159, grifos no original)

A sensibilidade gay apresentada no filme Pink Narcissus (1971, dir. James


Bidgood) estendia as perspectivas dos romances literários de noções ligadas ao
dandismo. Ao mesmo tempo, que conseguiu ser visionário diante da manutenção e
desenrolar da cultura homoerótica em questões como o narcisismo, por exemplo.
Porém, devido ao perfeccionismo do diretor, o lançamento do filme foi demorado e
sua montagem final não refletiu sua visão original, levando-o a retirar seu nome dos
créditos e cair no anonimato por muitos anos. O que não impediu o impacto estético
que o filme teve na história do cinema.

O filme retrata Narciso, um garoto de programa, imerso em suas fantasias


sexuais entre os atendimentos de seus clientes em seu apartamento rosa. Ele se
imagina sendo um toureiro espanhol em sala de espelhos, um escravo romano, um
imperador e outras personagens. O contraste do filme advém quando ele se depara
com a Times Square em sua forma fantasmagórica, crua e grotesca. Nesse cenário
noturno, há copulação, prostituição e outros atos que ocorrem nas ruas da cidade. Os
letreiros néon expressam em suas frases os desejos sexuais envoltos a esse cenário
sombrio. (Figura 1)

8
Tradução minha. Trecho original: “In films such as Tea and Sympathy (Vincente Minnelli, 1956) and
Pink Narcissus (James Bidgood, 1971), pulp novels such as Joe Leon Houston’s Desire in the Shadows
(1966), and promotional pinup images of Hollywood stars, Dyer examines how a wide constellation of
texts might speak to an audience of male-desiring men who, even if they experienced this imagery in
isolation, may have come to see themselves as generators of gay sociosexual life.”
27

Figura 1 - Quadros do filme Pink Narcissus quando fica mais sombrio.

Fonte: Pink Narcissus (1971, dir. James Bidgood).

É um filme homoeroticamente explícito, mas é considerado softcore pelas


cenas abstratas e oníricas ligadas à sexualidade. Para o diretor, o desejo e os afetos
físicos só podem ser plenamente expressos pela arte pornográfica, pois esta
consegue extrair “uma resposta física.”9 (SANDBERG, 2022). Junto aos estímulos do
corpo, Pink Narcissus explicita uma poética do erotismo gay a partir de suas
composições e da plasticidade dos seus cenários construídos no apartamento do
diretor James Bidgood. Na iluminação e na arte, as cores saturadas e arroxeadas pela
mistura entre o rosa e o azul inundam a noite e descolam do fundo sempre escuro do
filme. Diante dessas características, percebo as influências de Pink Narcissus em
filmes brasileiros como Vento Seco (2020, dir. Daniel Nolasco) e Sol Alegria (2018,
dir. Tavinho Teixeira e Mariah Teixeira).

Ao longo de uma única noite longa - muitos anos longa, mas isso não importa
- em uma metrópole incandescente, através de um banheiro sujo para
homens, um campo encantado, um quarto cor-de-rosa e becos assombrados
por néon, a borboleta é aniquilada, rasgada em pedaços e espalhada ao
vento, ejaculada na noite amena. É o ciclo natural de um sonho que morre.10
(SANDBERG, 2022)

9
Tradução minha. Trecho original: “To Jim, art was pornographic because it ought to demand a physical
response.”
10
Tradução minha. Trecho original: “Over the course of one long night – many years long, but that’s
beside the point – in an incandescent metropolis, through a seedy men’s toilet, an enchanted field, pink
28

Outro filme relevante para o movimento underground americano foi o média-


metragem The Inauguration of the Pleasure Dome (1954, dir. Kenneth Anger). Assim
como Pink Narcissus, este filme é também extravagante, camp e imerso em escuridão.
No entanto, a narrativa é menos óbvia, objetiva e explícita. Inspirado nas cerimônias
esotéricas e orgiásticas do culto de Thélema, assim como pelas festas das estrelas
de Hollywood, o filme apresenta os deuses mitológicos por meio da experiência
alterada de consciência durante esses encontros (MALVEZZI, 2021, p. 21 e 22).
(Figura 2)

Figura 2 - Quadros do filme The Inauguration of the Pleasure Dome.

Fonte: The Inauguration of the Pleasure Dome (1954, dir. Kenneth Anger).

Desde o início, o filme expressa um crescimento progressivo das mudanças


dos estados de consciência e, consequentemente, dos atos a partir disso. As
personagens tomam bebidas, pílulas e há diversas introduções bucais de diferentes
objetos. É uma demonstração bem ritualística, evocando a imagem de uma seita, que
me remeteu ao final do filme brasileiro A Seita (2015, dir. André Antônio).

Em The Inauguration of the Pleasure Dome há diversas poses, máscaras,


movimentos repetitivos e sobreposições imagéticas, e ao longo da progressão
temporal, o erotismo se intensifica, deixando indícios sugestivos, ainda que não

bedroom and haunted neon alleyways, the butterfly is annihilated, ripped to shreds and scattered to the
wind, ejaculated into the balmy night. It’s the natural cycle of a dream that dies.”
29

explicitados. Nota-se um receio de quem realiza o filme e de suas personagens em


relação a isto. Porém, ao final, abraça-se o prazer, as proximidades, os gemidos e a
imoralidade, em conjunto a uma figura diabólica. Para Malvezzi (2021, p. 23), The
Inauguration of the Pleasure Dome cria uma autorreflexão sobre o cinema e suas
estrelas, os relacionando a um tipo de inferno:

Assim como o inferno, o espetáculo é o lugar da perdição sensorial e moral,


no qual o cinema e suas estrelas são ao mesmo tempo oficiantes de um ritual
macabro que se repete sempre igual (o filme) e corpos sacrificados que
continuamente se renovam nesta cerimônia, projeção após projeção, nunca
encontrando a paz espiritual.
As contribuições não se limitaram apenas a esses dois filmes, mas também a
outras obras, que formaram um banco de imagens de enfrentamento para os
movimentos cinematográficos posteriores, que buscavam reivindicar a liberdade
identitária e sexual. Apesar das reivindicações civis e de liberdade sexual do público
queer nos anos 60 e 70, ainda não existia uma “cinefilia identitária”, esta ganharia
força nos festivais direcionados ao cinema gay e lésbico que aconteceriam alguns
anos depois (OLIVEIRA, 2015, p. 114 e 115). Após os caminhos do cinema
underground impulsionarem os festivais de cinema gay e lésbico, os quais
desempenharam papéis importantes nas transformações sociais e artísticas, esses
movimentos estabeleceram as bases para as subsequentes rupturas, como no New
Queer Cinema e na atual onda queer no cinema brasileiro.

2.3 Perspectivas de um cinema queer

O cinema é o foco principal deste projeto, o que é comum nos estudos queer.
Os filmes geralmente ocupam uma posição de destaque quando se trata de análises
queer, “os teóricos queer deram maior atenção à análise de obras fílmicas, artísticas
e midiáticas em geral” (MISKOLCI, 2009, p. 155, grifo no original).
Com razão, uma vez que o cinema junto com a televisão desempenha papéis
fundamentais na manutenção da cisheteronormatividade, reafirmando estereótipos de
gênero e sexualidade (LOPES, 2006). Antes da consolidação do movimento queer,
por exemplo, as representações de sujeitos dissidentes eram formuladas apenas por
ideais cisheteronormativos, ou seja, “os gays afeminados, as lésbicas masculinizadas,
as travestis, todas as ‘fechativas’, os promíscuos que não desejam casar e ter filhos”
(COLLING ET. AL., 2012, p. 98) eram considerados representações negativas pelos
30

membros da própria comunidade. Tinha-se a noção que essas abordagens


restringiam e resumiam um grupo diverso a apenas algumas características, estas
elaboradas de maneira vexatória diante de uma conduta moral esperada.
Essas características são alguns dos efeitos de verdade que se constataram
durante o tempo através das reiterações de representações no cinema. As
pedagogias da sexualidade, segundo Louro (2000), exercem um grande poder de
sedução e autoridade nas plateias que as assistem.
Ainda que tais marcações sociais sejam transitórias ou, eventualmente,
contraditórias, seus resíduos e vestígios persistem, algumas vezes por muito
tempo. Reiteradas e ampliadas por outras instâncias, tais marcações podem
assumir significativos efeitos de verdade. (LOURO, 2008, p. 82)

As formas como o cinema e outras mídias abordam questões de gênero e


sexualidade são coercitivas. Segundo pensadores como Teresa de Lauretis e
Jonathan Ned Katz, essas mídias não retratam os sujeitos com base na
verossimilhança ou realidade, mas os inventaram dentro das concepções ocidentais
para manter a ordem social, utilizando de enquadramentos de gênero, raça e
sexualidade.
Teresa de Lauretis dizia, em 1984, que o cinema não se tratava, apenas, das
formas de representação dos sujeitos e da realidade. Para Lauretis, o cinema
e a literatura são tecnologias de gênero: não apenas representam, mas
constituem sujeitos generificados, sexuados e racializados. [...] Jonathan Ned
Katz (1996), [...] também investiga como os meios de comunicação de massa
do século XX, entre eles o cinema, contribuíram para a própria invenção do
sujeito cisgênero e heterossexual e sua suposta normalidade na cultura
ocidental. (MARCONI, 2020, p. 143)

Essa percepção histórica se faz fundamental para compreender os aparatos


que podem ser utilizados para alterar cenários cansativos e repetitivos diante de
representações no cinema. Cria-se margem para que o cinema queer possa agir
demonstrando novas perspectivas de ser, descaracterizando lugares vistos apenas
como negativos. As representações têm impacto nas relações sociais e nas
identidades, as imagens não devem ser subestimadas mediante ao seu poder no
contexto contemporâneo de construção de realidade (SHOHAT, 2001). O cinema
queer tal qual seu movimento precursor, também, se faz através do caráter discursivo,
rejeitando regimes normativos de gênero e sexualidade, contestando as
representações alimentadas pela cultura visual.
[...] parto da perspectiva de que a análise e interpretação de discursos fílmicos
pode ser um caminho profícuo para rompermos com entendimentos
“normalizados”, dos agentes políticos, institucionais e educacionais sobre a
produção e circulação de representações queer na cultura visual. (BARROS,
2016, p. 54, grifo no original)
31

Ademais, assim como o movimento que abarcou políticas antirracistas e


feministas, o cinema queer vai trilhando o mesmo caminho, englobando outras
temáticas sociais que envolvem sujeitos oprimidos. O cinema queer funciona para fins
pedagógicos para além dos conhecidos fins identitários ou de desejo, abarcando as
esferas sociais pelo caráter interseccional.
ensinar usando o cinema queer pode ser intrinsecamente subversivo, porque
ele questiona noções de identidade, subjetividade e desejo e, por meio de
suas características intertextuais, incorpora investigações mais amplas da
esfera pública sobre cidadania, raça, classe, entre outras. (BARROS, 2016,
p. 54 apud DIAS, 2007, p. 718, grifo no original)

Vale salientar que o cinema queer possui diversas abordagens e estéticas. Não
é necessariamente por ser um cinema intrinsecamente político, que ele esteja repleto
de didatismo ou instruções. Além do mais, atualmente, o cinema queer está se
afastando da abordagem baseada no tabu e das representações centradas nas
diversas formas de violência enfrentadas pela comunidade. Essa abordagem era
comum e foi influenciada pela característica do cinema brasileiro, que tinha uma ideia
intensa de que um filme para ser considerado político deveria apresentar
verossimilhança ou transmitir um teor de revolta. No entanto, essa perspectiva e
outras semelhantes carregam uma compreensão moralizante, sendo assim redutivas
e essencialistas. Como, por exemplo, a crença de que existem representações
completamente positivas ou negativas no cinema queer.
[...] é preciso cuidado para não reduzir a política de um filme às políticas de
representação que são, em última instância, sustentadas por uma estética de
verossimilhança; ou, ainda, pelo pressuposto de que as imagens são
espelhos da realidade vivida e que, portanto, os cinemas brasileiros só podem
ser políticos quando se limitam a (re) apresentar as desigualdades sociais ou
(re) elaborar a revisão de fatos históricos em tons de indignação e revolta.
(MARCONI, 2020, p. 143 e 144)

Levo em consideração a visão de Lacerda Júnior (2015a, p. 23) diante da


representação de sujeitos em obras culturais. Ele faz uma vasta pesquisa histórica
sobre o cinema gay brasileiro apontando os estereótipos depreciativos e o uso da falsa
transgeneridade para criticar a forma que eram apresentadas. Em nenhum momento
reduzindo os gestos afeminados ou os comportamentos afetados como algo negativo.
Assim, o autor busca respostas sobre a representação por meio da visualização crítica
do contexto que as personagens estão inseridas para considerar o escopo político da
obra.
32

Diante dessas circunstâncias, o realismo cinematográfico está sendo deixado


de lado em favor da consolidação de um conjunto de temáticas queer que buscam
abordar com naturalidade afetos, gestos e comportamentos por meio de uma
abordagem artificial. A maioria dessas produções opta por abordar questões que vão
além do "sair do armário" e da aceitação social. Não se trata mais apenas da
representação fiel de dados estatísticos, narrativas baseadas em medos e traumas;
em seu lugar, surgem perspectivas utópicas e inventivas que buscam configurar o
sensível por meio de imagens que criam novas realidades queer.
A partir da visão desenvolvida pelos estudos queer de pensar o ser como
múltiplas possibilidades desejantes e performáticas, dois pensamentos de Muñoz
(2017; 1999) podem ajudar a entrelaçar esse pensamento estético de configuração
do sensível a partir da imagem utópica: 1- criação utópica de memória queer e 2-
desidentificação. No primeiro, o autor contribui ao desenvolver a “memória utópica
queer” articulada a performance:
de uma utopia que entende que seu tempo estende-se para além de um
passado nostálgico (que talvez nunca tenha ocorrido) e de um futuro cuja
chegada é continuamente retardada – uma utopia no presente. (MUÑOZ,
2017, p. 9).

Essa utopia queer se estabelece pela criação de memórias (sempre) política


por meio das narrações ritualizadas e depois materializadas “através do filme, do
vídeo, da performance, da escrita e da cultura visual ” (Ibidem, p. 7).
Com base nesse pensamento de Muñoz (2017), as narrações ritualizadas
podem ser tomadas como gestos de criação documental, seja pela escrita, fotografia
ou vídeo (PEIXOTO, 2018). Ele estabelece uma conexão entre a arte queer e os
gestos documentais por meio da performance autoetnográfica, gerando uma outra
perspectiva para os sujeitos dissidentes. Esta junção é concretizada a partir dos
gestos de criação visíveis, sendo eles intencionais ou não, que produzem utopias da
memória queer. As quais criticam o presente em busca de recriar o futuro diante dos
arquivos em constante produção documental.
Diana Taylor (2013, p. 19) ao discorrer sobre a performance nos processos de
arquivo e repertório contribui para a discussão ao mostrar a performance como
epistemologia. A performance possui mecanismos de conhecer e entender diversos
aspectos da vida, gerando conhecimento e promovendo reivindicações político-
identitárias, “a performance transmite memórias, faz reivindicações políticas e
manifesta o senso de identidade de um grupo.”. Taylor (2013) não apenas apresenta
33

sobre o âmbito acadêmico, também agrega o conhecimento da corporalidade


mediante a cultura em devir. Assim, as utopias de memória queer criam espaços de
agenciamento por meio das imagens de uma consciência autoetnográfica e de novas
noções de autorrepresentação, gerando conhecimento identitário através da
performance.
Seguindo para a desidentificação, o segundo pensamento desenvolvido por
Muñoz (1999), que são processos e estratégias a partir de uma estética-subjetiva para
o agenciamento identitário. O qual trabalha - com e contra - as hegemonias culturais,
sendo uma maneira subversiva de resistência para sujeitos queer precarizados
socialmente. São reformulações produzidas por performances autoetnográficas, que
desestruturam os modelos normativos por meio de artifícios críticos e irônicos,
aproximando-se de noções estéticas como o camp e kitsch.11 É uma espécie de
reapropriação que estimula, ativa e fortifica sujeitos queer.
As contribuições de Muñoz (2017; 1999) acerca da criação de memórias queer
por meio da prática de documentação, não necessariamente dizem respeito aos
registros fiéis da realidade, podem ser quaisquer criações utópicas que rasuram as
convenções dos meios de comunicação. E a desidentificação - que pode aflorar,
principalmente por meio dos artifícios - são articulações importantes para pensar
obras cinematográficas para além do caráter de representação identitária, visando a
reconfiguração política das imagens e sujeitos pelas estéticas do artifício.
Esse distanciamento do realismo e a aproximação de narrativas que brincam
com o absurdo e os excessos foram crescentes na última década nas produções
brasileiras. O cansaço no cinema brasileiro diante de imagens cruas e histórias diretas
estavam dando espaço para as ambiguidades e frivolidades, não só no cinema queer
como também na ficção científica:
Filmes como Branco sai, preto fica (Adirley Queiroz), Brasil S.A. (Marcelo
Pedroso), Medo do escuro (Ivo Lopes de Araújo) ou Batguano (Tavinho
Teixeira), todos eles lançados em 2014, aderem, de maneiras muito distintas
entre si e em diferentes graus e níveis, ao artifício para elaborar sobre o real,
criando heterotopias, estabelecendo mundos alternativos. (PRYSTHON,
2015, p. 68)

Ao elaborar sobre o cinema do palestino Elia Suleiman, Prysthon (2015, p. 67)


também indica os caminhos contemporâneos que outros cinemas estão tomando por

11
Camp é uma estética ligada a sensibilidade homossexual caracterizada pelo uso exgerado de
artifícios, da teatralidade, do humor e do deboche. Já a estética Kitsch, está mais relacionada a artigos
de valor barato que possuem apelo popular.
34

meio do artifício. Quando estes criam possibilidades técnicas e imaginativas para falar
sobre assuntos sérios, usando de lugares do entretenimento ao utilizar da linguagem
bem humorada, do ilusionismo e dos excessos. O cinema queer brasileiro atualmente
está trilhando caminhos como este – procurando lugares outros, além dos situados no
discurso – para destacar as tessituras das imagens, evitando pensar a estética queer
como algo determinante, percebendo-a como uma possibilidade para a criação de
paisagens e superfícies amplamente aproveitadas.
Nesse sentido, há filmes queer brasileiros contemporâneos que nos
convidam a deixar de lado esse apego ao logocentrismo ocidental e a pensar
a relação entre imagem, política e estética sem reduzi-las unicamente a um
dispositivo de cunho textual ou discursivo. (MARCONI, 2020, p. 150, grifo no
original)

O cinema tem o poder de produzir corpos, subjetividades, práticas e


comportamentos, resultando na criação de realidades alternativas que podem desafiar
ou reforçar a ordem estabelecida. Na perspectiva queer, rotas de fuga podem ser
traçadas contra esse regime ao se “apostar em gestos cinematográficos
queerizadores” (SIERRA; NOGUEIRA; MIKOS; 2016, p. 24, grifo no original).
Aparentemente, esses gestos possuem maior impacto do que as representações
identitárias mais contidas e comedidas presente nos filmes, uma vez que “revelam as
sociedades em suas diversidades, gerando perplexidades e permitindo que nos
olhemos de outra maneira” (DAUSTER, 2007, p. 8). A partir desses gestos
queerizadores, ocorrem cisões, deturpações e alterações na realidade, porém,
dificilmente esses elementos são contemplados em filmes de grande alcance e/ou
pelo cinema comercial.
Ampliando a compreensão dos gestos e demais conceitos explorados neste
contexto, Daniel Williford (2009) desenvolve estudos para uma “estética queer”. Nesta
ótica, as representações descentralizadas vão além de retratar os sujeitos comumente
marginalizados como são na realidade, mas sim como poderiam ser, criando
perspectivas de futuro, utopias. Esse caráter ambíguo entre o real e o simulado cria
novas concepções sobre esses sujeitos e comunidades, rompendo com noções de
certo e errado, e mesclando percepções ficcionais e documentais para imaginar novas
vivências.
A ideia de reconfiguração das experiências culturais por meio de uma estética
queer, de acordo com a proposta por Williford (2009), atua através de agências: usa-
se da estética (algo estruturante) junto à políticas queer (agência) para ressignificar
35

essas representações. Ou seja, buscar novas estéticas como forma de criticar as


imagens que perpetuam normas culturais e estereótipos, por meio da criação de novas
imagens, é uma tentativa de construir novos olhares no cinema.
[...] as representações podem criar e ao mesmo tempo transformar
subjetividade e sujeitos em processo de disputa e confronto, negociação e
transformação, reconfigurando experiências coletivas e individuais.
(FERREIRA, 2015, p. 184)

Na última década, os filmes queer brasileiros têm expressado narrativas mais


inquietantes, explorando ambiguidades e artifícios, muitas vezes por meio do camp e
do dandismo. É possível observar o surgimento de diversos estudos recentes sobre
obras com essas características. Esses gestos também são parte de um movimento
cinematográfico mais alternativo, que não é necessariamente popular, mas vem
ganhando espaço a cada ano no Brasil. O pensamento é que a partir da estética vista
nesses filmes, vê-se que a imagem não precisa explicitar noções políticas em seu
discurso para transmitir uma mensagem política.
Seguir utilizando o termo imagem política sem, ao menos, refletir sobre ele,
talvez siga nos induzindo ao erro de acreditar que uma imagem só pode ser
adjetivada como política em função do seu discurso: quando está
denunciando de modo pedagógico racismo ou homofobia e, na mesma
tomada, criticando estereótipos; ou quando expõe diferentes formas de
dominação, exploração e injustiças que afligem sujeitos historicamente
subalternizados; ou, ainda, quando convoca espectadores a assumirem uma
postura de crítica, de indignação ou revolta. (MARCONI, 2020, p. 150, grifo
no original)

Ao final de um texto sobre as relações entre teoria queer e o cinema, os autores


provocam uma reflexão sobre a performatividade de gênero, buscando por narrativas
que transcendam aquelas que “envolvam personagens, afetos e/ou práticas
queerizadas/queerizadoras, estranhar (to do queer), ou incendiar (to burn)” (SIERRA;
NOGUEIRA; MIKOS; 2016, p. 24, grifos no original), e propõem um cinema queer de
experimentação, com filmes que permitam vivenciar as desconfianças e incertezas
das verdades moralizantes.
Propostas, certamente, não prescritivas, que possam ser abandonadas,
transformadas, hibridizadas [...] no campo da linguagem cinematográfica,
bem como no que tange aos processos de regulação e disciplinarização dos
corpos e afetos. Filmes-experiências, filmes-experimentos. (Ibidem, 2016, p.
24)

Contrariando as perspectivas acadêmicas atuais, é comum que filmes sejam


considerados queer fora do âmbito acadêmico apenas por apresentarem a
representação de certas identidades, mesmo que a narrativa não explore ou aborde
questões além disso. Geralmente são filmes inseridos em configurações imagéticas
36

tradicionais e realistas, deixando de explorar a carga subjetiva que poderia surgir ao


considerar a criação de novas espacialidades. Alguns desses apresentam
personagens dissidentes ou apenas fazem menção a sua existência como tal,
evitando desdobramentos maiores que este, usando da prática conhecida como
queerbaiting12. Como mencionado anteriormente, é possível que uma pessoa se
identifique como LGBTQIAP+ e ainda assim seja favorável a sistemas que aprisionam
os corpos dentro de certas "verdades" dominantes, ignorando as políticas queer.
produções que são definidas como queer seja pelos cineastas/roteiristas e/ou
pelos críticos de cinema e público em geral, é realizada distante das
perspectivas históricas feministas e queer, ignorando o problema da
identidade política e a questão da experiência na construção da subjetividade
e na significação do real. (BARROS, 2016, p. 53, grifos no original)

Um filme queer, segundo Benshoff e Griffin, não necessariamente precisa


apresentar personagens queer. Eles consideram como elemento principal o
desenvolvimento de problemáticas queer realizadas de uma maneira expressiva, “sem
simplesmente denegrir ou se aproveitar do tema” (2006, p. 9-10 apud SILVA, 2016, p.
48). Sendo assim, apesar de não ser nomeado como tal, o cinema queer existe antes
de passar a ser classificado desta forma. O que vemos atualmente são análises
minuciosas e produções cuidadosas, devido ao histórico de deturpação e alienação
diante das expressões de gênero e sexualidade.
Susan Hayward aponta que "o cinema queer já existe há décadas, apesar da
ausência de um rótulo". Atualmente, os estudos históricos desse cinema são
lançados em paralelo com análises de personagens e temáticas
homossexuais. Se são conceitos distintos, às vezes ainda se misturam em
propostas de realização, curadoria e em análises. Tal fato é explicado por se
referirem, em geral, a um mesmo conjunto de filmes, apesar das abordagens
críticas serem diferentes. Além disso, o termo queer ainda é algo um tanto
obscuro e mesmo ignorado em alguns países. (SILVA, 2016, p. 46)

Diante desse panorama, ao analisar um filme como queer, o projeto levará em


consideração os recortes teóricos expostos, avaliando se os aspectos apresentados
na obra fazem jus às significações importantes e a historicidade do termo queer, bem
como seus desdobramentos estéticos. Em suma, examinando os elementos que
sustentam ou desafiam as ideias cisheteronormativas, de forma correlata a
abordagem de Lacerda Júnior (2015a, p. 17), que propõe uma forma estratégica de
criação ativista para autores na análise de filmes com conteúdo homoerótico,

12
“um artista ou uma produção audiovisual utiliza a estética fluída dos queer para angariar atenção e
apoio financeiro da comunidade LGBTQIA+, mas sem se identificar pessoalmente com a causa.”
(SOUZA, 2022)
37

sugerindo perceber se essas obras se aproximam ou se afastam do caráter


heteronormativo e suas instâncias.

2.4 Cinema queer brasileiro

A partir dos anos 1960, no Brasil, a presença homoerótica masculina nos filmes
se torna mais evidente, o que resulta em reações negativas e homofóbicas. Contudo,
os filmes possuem estratégias de conotação para velar a sexualidade, “restando ao
desejo homoerótico as margens e o caráter de desvio.” (LACERDA JÚNIOR, 2015a,
p. 57). Durante muito tempo, a utilização da ambiguidade e da marginalização foi a
forma pela qual o gênero e a sexualidade foram abordados, diferente do tratamento
dado aos personagens heterossexuais.
No final dos anos 80, houve um aumento dos estudos queer e,
consequentemente, das noções liberacionistas no cinema. Isso aconteceu em
resposta à disseminação opressora da assimilação para gays e lésbicas, bem como
à negligência governamental diante da grave crise da AIDS.
Apesar da relevância do trabalho ativista realizado por meio das mídias
alternativas na abordagem de diversas pautas, foi somente na década de 1990 que
as discussões sobre a representação nos meios de comunicação de massa
começaram a ser abordadas pelos movimentos. Esse período foi denominado por
Regina Facchini como a terceira onda do movimento homossexual brasileiro
(LACERDA JÚNIOR, 2015a, p. 17). Nesse momento, as imagens, personagens e
discursos estavam moldados em um modelo homoerótico "higienizado" nos filmes.
Porém, ao mesmo tempo, o homoerotismo e a transgeneridade passaram a ser
abordados como vivências que escapavam das noções heteronormativas e se
aproximavam de experiências pessoais. O cinema estava sendo feito de uma
perspectiva “de dentro” (LACERDA JÚNIOR, 2015a, p. 129).
Durante a fase da Retomada do cinema nacional, os perfis sociais
representados mudaram, antes as personagens eram de “classe baixa, subemprego,
ligação com a marginália, comportamento feminino, tendência à solidão e
incapacidade de relação monogâmica" (MORENO, 2001, p. 291). Esse perfil da
personagem homossexual foi modificado para incluir características de pessoas
brancas, cisgênero e de classe média, juntamente com noções da monogamia. Esse
38

formato teve continuidade para os filmes de longa-metragem após 1990, tornando-se


constante durante os anos 2000 (LACERDA JÚNIOR, 2015a, p. 133).
Indo contra as tendências do cinema queer brasileiro, o lançamento do filme
Madame Satã (2002, dir. Karim Aïnouz) foi um ponto marcante de resistência, sendo
visionário. A obra resgata a figura da bicha e a reintrodução de elementos estéticos
camp no contexto cinematográfico nacional, essenciais na construção do cinema
queer até hoje. O diretor teve uma vivência direta com o movimento americano New
Queer Cinema (NQC), participando da produção de filmes nos anos 1990 durante a
crise da AIDS nos Estados Unidos. Assim, a influência desse movimento no cenário
brasileiro, assim como o de Karim Aïnouz, desempenharam um papel importante para
acelerar essas transformações.
Isso não significa, porém, que tenha sido necessário ao cinema brasileiro o
contato com o NQC para que essa abordagem se tornasse exequível. Pelo
contrário: ainda que não fossem majoritárias, abordagens transgressoras do
estereótipo já existiam na década de 70, sendo um dos exemplos mais
notórios o de Eloína (Anselmo Vasconcelos), travesti de República dos
Assassinos (1979, Miguel Faria Jr.). (LACERDA JÚNIOR, 2015b, p. 126, grifo
no original)

A evolução das discussões sociais sobre gênero e sexualidade teve como


resultado um aumento de obras cinematográficas queer ao longo da última década, a
partir dos anos 2010. Em 2017, segundo o festival Mix Brasil – referência no cinema
LGBTQIAP+ – foram exibidos 32 filmes brasileiros das cinco regiões, “uma amostra
clara do fôlego e energia de uma produção audiovisual queer brasileira crescente e
desafiadora” (Mix Brasil, 2017 apud DENNISON, 2020, p. 8, grifo no original).
Com o aumento das pautas no Brasil, também ocorreu um crescimento de
movimentos ultraconservadores que têm causado instabilidade política e democrática,
resultando em protestos contra representantes dos estudos queer. Judith Butler, por
exemplo, sofreu represálias em 2015 quando esteve no país. Em outra visita, em
2017, tentaram impedir sua participação em uma conferência por meio de uma petição
online, que obteve mais de 360.000 assinaturas. Os “protestos [...] insignificantes em
tamanho, eram maiores [...], e provocaram fortes reações [...] com a queima de uma
efígie de Butler por um membro da multidão.” (DENNISON, 2020, p. 15).
Nesse contexto, é perceptível o quanto o Brasil é um país relutante diante
desses debates, e por isso a presença do teor queer nos filmes, ainda que em
pequena quantidade, é transgressora, sendo fundamental reconhecer a importância
dos filmes que desafiam o pensamento dominante.
39

Historicamente, a visibilidade e a representação LGBTQIAP+ no cinema


brasileiro estiveram mais voltadas para a homossexualidade masculina, ainda que
muitas vezes de maneira conotativa. No cinema lésbico das décadas de 1970 e 1980,
as personagens enfrentavam o machismo e a homofobia, sendo fetichizadas e
punidas com tragédias, infelizmente uma abordagem ainda comum atualmente. Foi
apenas em 1984 com o lançado Amor Maldito (dir. Adélia Sampaio) que se teve o
primeiro filme dedicado inteiramente a temática lésbica, sendo também, o primeiro
longa-metragem dirigido por uma mulher negra no Brasil. Ao contrário do cinema gay,
que possui uma variedade de filmes com diferentes abordagens e perspectivas, o
cinema lésbico ainda é bastante nichado. Os filmes com temáticas ou cenas lésbicas
têm pouco protagonismo e centralidade, e quando existem, costumam ser exclusivos
para pessoas brancas, cisgêneras, monogâmicas e de classe média.
O cinema lésbico progressista e interseccional encontra espaço em curtas-
metragens, ainda são poucas produções e estas possuem alcance nacional limitado.
Alguns nomes importantes dos últimos anos são: Perifericu (2019, dir. Nay Mendl,
Rosa Caldeira, Stheffany Fernanda, Vita Pereira), Peixe (2019, dir. Yasmin
Guimarães), Rebu - A Egolombra de uma Sapatão Quase Arrependida (2019, dir.
Mayara Santana), Latifúndio (2017, dir. Érica Sarmet), Tea for Two (2018, dir. Julia
Katherine) e Quebramar (2019, dir. Cris Lyra). Atualmente, embora a visibilidade no
cinema gay seja estereotipada e normatizada dentro do cinema comercial, as outras
letras da sigla LGBTQAIP+ são praticamente invisíveis nas mídias brasileiras, quase
inexistentes. Porém, nos últimos anos, o cinema brasileiro tem aos poucos preenchido
essas lacunas de uma historicidade inteira, mesclando-se e interseccionando, e
trazendo presenças importantes para papéis de protagonismo, criando assim espaços
mais plurais dentro do cinema queer.
Silva (2022, p. 52) reforça essa percepção ao pontuar que o cinema brasileiro
foi constituído de uma maneira excludente, construindo ao longo do tempo um
imaginário nas subjetividades pautado por imagens de “desigualdades estruturais e
discursos hegemônicos, além de ter suas construções discursivas e estéticas forjadas
em uma lógica colonial, racista e cisheteronormativa”. Apesar de mudanças graduais,
esse cenário passa por uma alteração mais significativa na década de 2010,
apresentando um cinema que busca se opor a esse legado canônico do norte global.
Houve “uma diversificação nos perfis e contextos dos realizadores, o que se reflete na
proposição e pautação de novas estéticas, novos sujeitos e novas temáticas, além de
40

tensionamentos nas estruturas tradicionais.” (Ibidem, p. 52 e 53). Silva (2022, p. 53)


considera dois movimentos principais geradores dessa onda: 1- a democratização do
acesso a dispositivos e a internet para a prática cinematográfica, em comparação com
outros períodos e 2- o resultado das políticas públicas nos governos de Lula e Dilma,
que além disponibilizar um acesso maior a educação universitária na área de
audiovisual, criou editais para alcançar grupos fora dos grandes centros urbanos,
aumentando a produção de curtas-metragens. A “diversificação e descentralização
das produções e eventos de exibição, permitindo que as verbas fossem direcionadas
a sujeitos e grupos sociais antes apartados do mercado cinematográfico.”.
Diante desse cenário nacional, é de suma importância que se dê continuidade
a esse acesso à produção cinematográfica. As políticas públicas possibilitam o
processo de democratização ser interseccional. É preciso realizar rasuras
sistemáticas e imagéticas, a partir da mesma percepção de Jonas Mekas no cinema
underground norte-americano, pois para horizontalizar narrativas queer é
imprescindível diversos contextos e vivências. Se as histórias continuarem a serem
feitas por quem sempre pode fazê-las, teremos narrativas iguais às de sempre.
41

3 CAPÍTULO II

3.1 Atmosfera artificial no cinema: a moralidade na luz

No cinema, os termos naturalismo e realismo muitas vezes são usados como


sinônimos, mas há diferenças importantes entre essas abordagens. O realismo, de
fato, se propõe a seguir a realidade de maneira objetiva, no sentido de representar a
materialidade como é apresentada no mundo, deixando de lado figuras mitológicas,
por exemplo, o qual o naturalismo abraça. O naturalismo mostra criaturas não
existentes e lugares irreais, mas ainda sim, busca pela passabilidade nos
convencendo de sua realidade e verossimilhança.
Elementos sobrenaturais não são proibidos em filmes clássicos, afinal
naturalismo não significa realismo, tanto que situações impossíveis, figuras
mitológicas e poderes paranormais povoam as telas desde o cinema mudo.
(PUCCI JR., 2008, p. 58)

A discussão deste tópico não se concentra na presença ou ausência de


elementos sobrenaturais no cinema, mas sim em como a linguagem cinematográfica
foi desenvolvida através da iluminação para criar imagens naturais ou artificiais. Nesse
sentido, compreendo que o realismo, o naturalismo e a busca pela verossimilhança
são contrapontos da artificialidade.
Em toda a história do cinema a iluminação cinematográfica sempre buscou pela
verossimilhança, principalmente quando se trata do cinema mainstream. A busca pelo
naturalismo avançou junto ao desenvolvimento tecnológico, conforme novos tipos de
lâmpadas artificiais foram sendo criadas. Por vezes, esses instrumentos técnicos
conseguiam representar melhor a iluminação naturalista do que a própria luz solar,
devido ao maior controle para criação de especificidades mais difíceis ou
incontroláveis com a imprevisibilidade da natureza. Moura (2001, p. 89) aponta duas
razões para o uso dos refletores: “A primeira razão é econômica: redirecionar os raios
da luz para onde sejam mais úteis. A segunda, é artística: modificar a natureza da luz
segundo a vontade do fotógrafo.”
A busca pela verossimilhança encontrava sua expressão na imitação da
realidade, ainda que os primeiros filmes fossem feitos em preto e branco, se
intensificando no desenvolvimento e criação de técnicas de coloração das imagens na
película, segundo Martin (2005, p. 86), “os produtores não têm outra preocupação que
não seja a do realismo e é conhecido o lema que fez furor na época: cores cem por
42

cento naturais.” (grifos no original). Essa espécie de procura tende a atrapalhar o


cinema no desenvolvimento de outras estéticas, o qual foi percebido pelos
realizadores a não necessidade dessa cópia do real e sim a busca pelos impactos
psicológico que as cores e seus valores poderiam criar nos espectadores. Mesmo
nessa perspectiva, o volume de filmes realizados para simular a realidade produziu
códigos de como representá-la para gerar certas sensações. Assim, o cinema
desenvolveu padrões de linguagem que se convencionaram como retrato da
realidade.
Ao se falar sobre a importância da luz no cinema, os textos frequentemente
destacam sua capacidade de criar atmosfera, sensorialidade, dramaticidade e
emoção. Nesse sentido, as invenções de novos aparelhos técnicos para iluminação
possibilitaram a ampliação de expressões artísticas. A luz tem propriedades que se
diversificam na criação de nuances e efeitos, como textura, contraste, intensidade,
difusão e temperatura de cor, entre outras características.
No desenvolvimento e constituição da linguagem, esta essencial para a
existência do cinema, as escolhas de iluminação para espaços, objetos e pessoas
orientam e ensinam de forma pedagógica as maneiras de como se sentir nos filmes.
Por exemplo, tem-se as noções percebidas por meio dos aspectos físicos da
intensidade transmitida pela “iluminação fraca [que] é geralmente usada para a
tragédia ou o drama, e a brilhante tem freqüentemente a função de transmitir
impressão de alegria, calor, com um tom emocional otimista.” (MARTINS, 2004, p. 35).
De acordo com essa perspectiva, cenas mais claras e visíveis tendem a evocar
sentimentos positivos, enquanto as mais escuras são propensas a evocar sentimentos
negativos.
Embora as imagens de um filme não representem a realidade, elas foram
consagradas como tal, quando um filme mainstream se distancia dos enquadramentos
e códigos considerados realistas, este é geralmente visto como artificial, no sentido
negativo e não como uma obra com proposta experimental. Em textos sobre
iluminação cinematográfica, é comum o estabelecimento de um conjunto de diretrizes
do que é ser um bom fotógrafo: emular e simular o realismo. Martin (1993, p. 49)
evidencia a diminuição de valor relativo a usos de excessos da luz: “a fotogenia da luz
é um recurso fecundo e legítimo de prestígio artístico para o filme com a condição de
que não seja utilizada como um fator de dramatização artificial” (apud MARTINS,
2004, p. 40). O cineasta Truffaut, que aprecia a ficção e seu poder de encantamento
43

faltante no documentário, acredita que a luz em demasia massacra, comprime e


empobrece a ficção (MARTINS, 2004, p. 43).
Em outro exemplo, que argumenta a favor desta percepção, o autor diferencia
a luz usada em shows e boates daquela usada em um set de cinema, citando o uso
de filtros e gelatinas na fotografia, deixando claro o desdém pela artificialidade
luminosa no cinema. Ele argumenta que o cinema não busca por um efeito fantasia,
e que um bom resultado seria possível com uma luz certa para tonalizar a pele dos
atores e para deixar as cores da atmosfera do filme parecidas com a realidade. Ainda
que haja filmes que se baseiam nessa busca pela fidelidade da realidade, é notável
que esses textos refletem sobre o cinema de maneira generalizada, não fornecendo
pequenos contrapontos ou mesmo uma sessão do texto para falar sobre outras
iluminações. A noção é pautada de maneira binária sobre o certo e errado, e o artifício
acaba sendo não reconhecido como uma possibilidade para cinemas de diferentes
abordagens.
Esse uso dos filtros e gelatinas, como se pode notar, não tem nada a ver com
a iluminação de shows e de boates. Nos shows e boates, se queremos uma
luz vermelha, colocamos um filtro vermelho na frente do refletor e estamos
conversados. Nos shows de rock e na iluminação de teatro é a mesma coisa:
quando se quer dar a uma luz uma certa cor, coloca-se, na frente do refletor,
a gelatina daquela cor e não se fala mais nisso. Em fotografia de cinema,
vive-se em outro mundo. Aqui não estamos atrás do que chamamos dos
efeitos de fantasia, que se resumem em colorir uma parte da cena. Em
cinema, em filmes com atores e histórias, o que nos interessa é ter a luz certa
para o filme certo. Queremos que a cor da pele se pareça com a cor da pele
que vemos todo dia, e que todas as outras cores sejam como as vemos na
realidade. Como os filmes são fabricados para dar bons resultados com uma
certa luz, só com essa luz teremos o rendimento correto das cores. (MOURA,
2001, p. 160, grifos no original)

Este trabalho visa perceber a luz como um elemento distintivo e de expressão


queer. Assim, me chama a atenção a forma de exemplificação usada pelo autor na
separação do uso de luzes de festa para luzes de cinema, não somente no teor
técnico, mas também em relação à conotação de valor que elas representam. Ainda
que as luzes de festas e shows circundam vivências e possam retratar elementos do
cotidiano, o autor parece valorizar mais e apenas as luzes próprias para o cinema,
possivelmente devido a uma suposição cultural ou a experiência empírica que delimita
o que é artisticamente válido.
44

A partir dos exemplos citados, compreende-se que usar dos excessos


luminosos e da estética do artifício no cinema representa se opor aos métodos
tradicionais considerados a melhor forma de se fazer cinema.
As imagens criadas através do uso da luz são capazes de gerar subjetividades,
fomentar ideias, mensagens e sensações que contribuem para a construção de
imaginários culturais. Em contraposição, o cinema alternativo e descentralizado se
prolifera e ganha contornos justamente nas recusas de uma linguagem considerada
apropriada, e portanto, hegemônica. A luz se torna uma das várias demarcações em
que esse cinema se posiciona contra a cultura dominante, rejeitando a linguagem
realista/naturalista e buscando outras formas de expressão visual.
Percebo que o cinema hegemônico está associado a noções de equilíbrio,
constância, discrição e sobriedade, propriedades que não condizem com proposições
queer. No cinema comercial, há um desejo de controle das significações desde a
criação do projeto à recepção do público, sendo necessário tudo estar justificado para
evitar que, por exemplo, a fotografia tenha sobressaltos ou gere algum desconforto na
audiência. É a busca e o desejo pelo Belo, por algo considerado perfeito, sem
ranhuras.
A luz e sua ausência são essenciais na nossa relação de conhecimento como
um corpo no mundo, criando vivências e ciclos a partir de “seus efeitos [que]
determinam desde as atividades cotidianas relacionadas ao dia e à noite, até os
discursos e a imaginação.” (SANTOS, 2012, p. 8). Quando se trata da referencialidade
da luz no cinema, espera-se por forças de mutação, experimentações de criação da
luz que propõe diferentes formas diante de significação estabelecidas na cultura.
A ação é o novo, o questionamento e a ruptura como o modelo referencial de
representação. O uso da Luz revela assim um duplo movimento: em direção
ao conjunto estético de códigos já compartilhados, referenciais, e também em
direção ao experimentalismo, por parte do fotógrafo, e em direção à crítica,
por parte do observador. (Ibidem)

O artifício tem um lugar político, assim como as experimentações no


audiovisual, ao se posicionarem contra as convenções em busca pela vertigem da
diferença, do estranhamento e da pouca transparência cultural. Há inúmeras formas
em que o artifício como materialidade se alinha com o naturalismo proposto nos filmes,
sendo usado de maneira equilibrada e sutil. No entanto, reconheço sua potência
imagética nos momentos que assume contornos inesperados, no desbalanceamento
queer no visível.
45

Nesse contexto, na contemporaneidade, se preza pelos excessos nos gestos,


nas cores, nas formas, no corpo e na matéria. Nos primeiros contatos com filmes
queer que exploram a estética do artifício, fiquei surpresa com a desconexão pela falta
de busca nos enquadramentos da verdade, mas me conectei e me reconheci naquelas
imagens. “O observador, ao ser confrontado com o novo, perde suas referências e o
meio, a representação, se evidencia. A transparência cultural diminui.” (SANTOS,
2012, p. 10, grifos no original). Há um agenciamento nesse momento, entre a
transparência cultural das impressões naturalistas costumeiras, que reforçam noções
existentes no imaginário, e a Ação, que pretende criar novas expressões estéticas.
Referencialidade aumenta a transparência da representação ao tornar a
imagem mais naturalista. A Ação diminui da transparência ao exercitar a
criação como possibilidade estética de expressão. Disso decorre a
necessidade e a importância da complementação entre os fundamentos
conceituais e técnicos. O trabalho criativo do fotógrafo é, na verdade, a prática
de ambos. (Ibidem, grifos no original)

Além de articular as áreas relativas ao político-cultural do artifício, acredito que


exista um lugar moral importante que guia o uso da luz nos trabalhos
cinematográficos, que tem raízes anteriores ao cinema e são transbordados por ele.
A luz é um fenômeno físico essencial da criação à exibição de filmes, elemento
fundamental da visualidade, porém, as escolhas estéticas no direcionamento, difusão,
tonalidade e quantidade luminosa podem estar relacionadas com a perspectiva da luz
utilizada de forma recorrente na doutrina cristã, que usa metáforas para transmitir
ensinamentos e significados. No livro de Gênesis, por exemplo, Deus criou a luz em
meio às trevas. “Deus viu que a luz era boa, e separou a luz das trevas. 5 Deus
chamou à luz DIA, e às trevas NOITE.” (BÍBLIA, 2007, p. 49 apud SANTOS, 2012, p.
13).
A moralidade moldada pelo imaginário cristão orienta e permeia as relações e
ações humanas, estabelecendo uma dicotomia entre o bem e o mal, o certo e o errado.
Esses binarismos são responsáveis por dar significado à presença e uso da luz em
diversos contextos. Por exemplo, segundo a lógica cristã, a abundância luminosa
indicaria: “divindade, pureza, sabedoria, santidade, castidade, bondade, salvação,
paraíso, bênção, esperança e cura, entre outras.” (SANTOS, 2012, p. 14). Enquanto,
a ausência de luz, indicaria: “o demônio, a impureza, o obscurantismo, o pecado, a
luxúria, a maldade, a danação, o inferno, a maldição, o desespero e a doença.”
(Ibidem)
46

Após observar vários filmes queer brasileiros que são permeados pelas luzes
néon, nota-se que esse tipo de iluminação é mais frequente em locais escuros ou que
pretendem ser pouco iluminados. Quando a iluminação é feita através de luzes
coloridas, tubos néon ou fitas de led (opção mais acessível e próxima ao efeito do
néon) buscando a artificialidade, a imagem não é nítida, fica mais escura por ter
menos raios de luz entrando na câmera, permitindo que o não visto também faça parte
da narrativa.
Seja de maneira física ou conceitual, é perceptível que o néon não tem como
objetivo iluminar, mas sim dialogar com a escuridão e preservá-la de alguma forma.
Ele não busca quebrar a escuridão, mas sim fazer parte dela e criar um significado
conjunto. Sendo assim, na lógica binária cristã, as manifestações néon são
localizadas nas trevas, na ausência de luz, em locais considerados imorais.
O escuro é o espaço da negatividade, lugar dos seres banidos da Luz, como
Lúcifer, o anjo caído que foi condenado a permanecer na escuridão. O espaço
da não-visão, das criaturas maléficas que ficam à espreita do homem para
possuí-lo é o análogo da noite e das criaturas que sempre povoaram o
intelecto humano. O medo primitivo da noite e da escuridão ajuda a reforçar
esse imaginário religioso. (SANTOS, 2012, p. 15)

Das formas de iluminação utilizadas em filmes, há aquelas que emulam o divino


de maneira simbólica como um feixe de luz vinda do céu ou auras de luz branca ao
redor de objetos e sujeitos importantes para a trama. Porém, também há formulações
gerais de iluminações claras e difusas que procuram por lugares similares por meio
da constância e do equilíbrio, filmes que buscam por leveza e outras características
ligadas à benevolência, “a Luz das comédias, dos filmes infantis e dos romances.”
(SANTOS, 2012, p. 51). Nestes gêneros, é interessante que até nos ambientes
noturnos a escuridão é moderada, "numa comédia, a noite escura não é tão escura."
(KODATO, 2008 apud SANTOS, 2012, p. 216).
A atmosfera dos filmes é criada por meio do uso de luz e sombras, que revelam
as intenções da história e do tom do filme. Em comédias, é comum ter um alto nível
de iluminação e um baixo contraste nas imagens, o que sugere um tom mais leve. Já
em filmes noir, a presença de muitas sombras e alto contraste são essenciais para
transmitir densidade, visto que os temas são mais controversos. Essas escolhas
estéticas vão além da visibilidade, estas carregam uma dimensão moral, que
influencia na mensagem que o filme deseja transmitir.
E como ninguém vai ver comédia para ver efeitos de luz e sombra, faz-se só
o que é necessário para que os atores sejam vistos. E pronto. É a mesma
47

coisa com a luz das novelas. Luz por todo lado, para todos e para tudo.
Ninguém é obrigado a seguir esses códigos, e seria possível fazer um filme
noir com pouco contraste. Seria então um filme noir sem o noir. (MOURA,
2001, p. 191, grifos no original)

A iluminação tem o poder de transformar um objeto de várias maneiras, por


meio das alterações de suas características luminosas ao seu redor, se um mesmo
objeto for usado em diferentes gêneros fílmicos, sua presença terá um marcador
diferente. Ao adicionar ou retirar fontes de luz, é possível revelar ou esconder partes
do objeto, intensificar ou difundir regiões específicas e criar inúmeras perspectivas.
Cada escolha na fotografia pode alterar a visualidade do objeto, permitindo inúmeras
possibilidades estéticas e interpretativas. “Uma simples mesa, sem a menor
importância perceptiva na vida, pode transformar-se em um objeto instigante, que os
olhos perseguem e os dedos querem tocar.” (PEREIRA, 2004, p. 62).
A fim de evitar mal-entendidos, gostaria de esclarecer que o artifício utilizado
em meu projeto é uma estética contra-hegemônica que se baseia em excessos de
cores e luzes. Não se trata de fontes luminosas artificiais como refletores, por
exemplo, a luz proveniente do sol e a luz criada pelo ser humano podem ter as
mesmas características e similaridades ao iluminar uma cena e serem captadas pela
câmera. As “fontes de luz são todas iguais, e que a diferença entre a luz da cozinha e
aquela do sol é a intensidade da reação que transformou matéria em energia.”
(MOURA, 2001, p. 149).
Embora o néon e as iluminações artificiais tenham um lugar na realidade e uma
presença no cinema mainstream, é inegável que a intensidade, a abrangência e os
significados queer atravessados por essas histórias sob essas luzes são bem
significativos, em volume, nos dias de hoje. Por isso, é compreensível que, quando
essa iluminação é usada de forma mais intensa, possa causar estranheza num
primeiro momento. Porém, o crescente uso de néon e de atmosferas artificiais nos
filmes reflete uma visibilidade sem precedentes dessas narrativas, que agora são
priorizadas e apresentadas sob luzes densas e coloridas, que o cinema evitou
expressar em algum momento. Essa tendência de iluminação é desdobrada em outros
segmentos na produção de filmes, no cinema contemporâneo brasileiro, por exemplo,
busca por mudanças na estrutura fílmica, na não linearidade temporal, nas edições e
efeitos especiais, na arte, na colorização e até mesmo na hierarquização da equipe,
como é o caso do movimento denominado cinema de garagem. É um campo em
48

movimento e contraposição, onde o uso de atmosferas artificiais é apenas um aspecto


das muitas mudanças em curso.

3.2 O corpo queer em tela: sensorialidade e espectatorialidade

As análises fílmicas tiveram um momento de preponderância na lógica


dicotômica por volta dos anos 1970 até os anos 1990. Segundo Del Río (2008, p. 2),
a crítica “[...] girava em torno de considerações da representação visual e a aplicação
de estruturas de significado retiradas de modelos semióticos e psicanalíticos.” 13.
Embora tenham um lugar de prestígio em estudos sobre relações de poder, o
paradigma em questão tem limitações analíticas quando se trata das imagens em
movimento, uma vez que reduz e binariza as diversas possibilidades de análise
disponíveis.
Guiadas por noções de representação, as análises semióticas, psicanalíticas
e ideológicas, sem saber, reforçaram binários opostos que o cinema em si
tem consistentemente provado ser capaz de desfazer, como realidade/ilusão,
sujeito/objeto, pensamento/emoção, atividade/passividade, e assim por
diante. 14 (Ibidem)

A lógica binária ocidental é frequentemente vista como intocável, com as


oposições sendo consideradas independentes uma da outra, como se nunca
pudessem funcionar em equivalência ou de maneira interdependente. Essa visão
sugere que as oposições só fazem sentido quando separadas uma da outra. O corpo
é colocado como algo oposto ao raciocínio como se o mesmo não possuísse
episteme, assim: “O corpo, nesta lógica tradicional, não poderia ser pensado como
instância da cultura ou como esfera da política.” (LOURO, 2003, p. 1). A representação
visual de algo através da imagem pode limitar seu potencial expansivo e restringir sua
interpretação em uma análise cinematográfica.
Louro (2003) argumenta que os recursos identitários do corpo são uma
expressão cultural significativa. Eu acredito que essa ideia pode ser aplicada ao
cinema, especialmente considerando a ideia de escapismo do corpo e a utilização
desses mecanismos para explorar identidades queer e seus lugares comuns guiados

13 Tradução minha. Trecho original: “[...] revolved around considerations of visual representation and
the application of structures of meaning drawn from semiotic and psychoanalytic models.”
14 Tradução minha. Trecho original: “Driven by notions of representation, semiotic, psychoanalytic, and

ideological analyses unwittingly furthered oppositional binaries that the cinema itself has consistently
proven quite capable of undoing, binaries such as reality/illusion, subject/object, thought/ emotion,
activity/passivity, and so on.”
49

pela sensação de pertencimento não apenas no cotidiano, mas também na


visualidade do corpo dentro dos filmes.
Acompanhe-se ou não as idéias do autor, parece imprescindível reconhecer
que os corpos sempre foram e são, agora, de uma forma talvez mais visível
do que nunca, ditos e feitos na cultura. É imprescindível admitir que os
artifícios e as invenções se constituem na possibilidade mesma de fazer o
corpo falar e dizer de si. (p. 4)

No final do século XX, houve um retorno ao afetivo impulsionado por Linda


Williams, que influenciou a crítica e teorias sobre os corpos e imagens no cinema. As
análises fílmicas foram concentradas na espectatorialidade, no poder do corpo
retratado na tela e na recepção do espectador, buscando compreender as diversas
formas de afetar e ser afetado. Me interessa neste projeto, o entendimento de Del Río
(2008, p. 2), baseados em Deleuze, acerca da percepção do filme e do espectador
como um corpo vivido, “[...] a natureza corporificada e sinestésica da percepção, a
reversibilidade de percepção e expressão, e as operações materiais e sensoriais do
aparato tecnológico do filme [...]”15.
A autora trabalha o conceito de Poderes do Afeto (Powers of Affection), a qual
recusa as análises fílmicas que representam dicotomias e princípios guiados pela
representação, levando em consideração o corpo e sua dimensão performativa como
centralidade no cinema. Essa abordagem chama atenção diante da perspectiva de
traçar lugares não miméticos com a realidade material ou inventada, compreendendo
os “corpos como agentes, geradores, produtores, intérpretes de mundos, de
sensações e afetos [...]"16 (DEL RÍO, 2008, p. 4), sendo elaboradores e multiplicadores
de si e de outros, uma episteme.
Embora a perspectiva do trabalho de Del Río (2008) não se concentre
exclusivamente na visualidade, é importante explorar esses lugares outros da
imagem, especialmente aqueles que envolvem o corpo queer, que é central neste
projeto. Também é interessante ressaltar que o afeto dito pela autora não se refere à
sensação em si, mas está relacionado à intensidade da imagem e do corpo em meios
performáticos e performativos, considerando tanto o espectador quanto o artista como
forças que se afetam de maneira tangível.

15
Tradução minha. Trecho original: “[...] the embodied and synesthetic nature of perception, the
reversibility of perception and expression, and the material and sensuous operations of the technological
film apparatus [...]”
16
Tradução minha. Trecho original: “bodies as doers, generators, producers, performers of worlds, of
sensations and affects [...]”
50

Os movimentos e gestos do corpo são capazes de transformar formas


estáticas e conceitos típicos de um paradigma representacional em forças e
conceitos que exibem um potencial transformador/expansivo.17 (p. 6)

Indo por um caminho distinto da percepção analítica e teórica contemporânea


apresentada até o momento, bem como na noção queer que se vincula ao corpo
enquanto expressão de identidade e sexualidade, Lopes (2016, p. 11) aborda a
construção e historicidade do artifício e dos afetos na América Latina. Em seu artigo,
o autor sugere que devemos prestar atenção às manifestações queer em imagens
que estão conectadas a sensações e afetos através da frivolidade. Politicamente, o
artifício se posiciona em lugares que não buscam a racionalidade, mas sim o
superficial, onde as aparências e visualidades são de suma importância na construção
estética do supérfluo.
Sexo e gênero me interessam menos do que sensações e afetos. Claro, eles
podem ser relacionados. Talvez seja só uma questão de ênfase ou onde
estou agora. O que me faz continuar é o jogo de olhares. A beleza do mundo
é o espetáculo das imagens. Poses. Não gestos. Máscaras. Não rostos.
Peles. Não corpos. Tudo o que é artifício e superfície.

Os filmes queer estão fortemente ligados ao status quo. No entanto, no cinema


brasileiro atual, as vivências são mostradas de maneira estimulante através da
estética do artifício, o que demonstra um entendimento dos espaços, narrativas e
como apresentar personagens e situações queer. No movimento New Queer Cinema,
muitas narrativas transmitiam um senso de paranoia, falta de senso de comunidade e
ambientes cercados pela violência. Além disso, os filmes não continham cenas de
consumação amorosa (OLIVEIRA, 2015, p. 116). Pois, durante aquele período, o
medo de experienciar ou produzir sobre queer era intenso em vários aspectos. Hoje,
há uma presença forte de criações queer justamente porque nunca se teve essa
possibilidade antes. Cada vez mais explorando novas formas de contar histórias,
criando imagens e transportando ideias que conversam com as presentes no
cotidiano. Essa ideia de trocar experiências pelo cinema, seja através do corpo ou das
superfícies, pode ser compartilhada com as buscas utópicas de formas queer de viver.
[...] transmite pela força dos engajamentos afetivos propostos e possíveis na
relação entre narrativa e espectador. Pedagogias das sensações que, se de
um lado nos ensinam a ver e sentir o mundo, de outro nos ensinam também,
através e por causa desse ver e sentir, a ser e estar no mundo. (BALTAR,
2015, p. 45)

17
Tradução minha. Trecho original: “ [...] the body’s movements and gestures are capable of
transforming static forms and concepts typical of a representational paradigm into forces and concepts
that exhibit a transformative/expansive potential.”
51

Como obra de arte, o cinema age de maneira estética no mundo, provocando


sensações e questionamentos, e é fundamental esse entre-lugar manifestado entre o
real vivido e a imagem artística para que se elabore imagens afetivas. A relação que
se estabelece entre o espectador e a imagem cinematográfica são “experiências
visuais como evidências de práticas sociais, e não apenas como ilustração das
mesmas.” (HIPPERTT, 2018, p. 55). Isso acontece porque o valor da imagem está
mais na sua força sensorial do que na busca por representações que procuram a
semelhança com o mundo visível. Esse afeto surge, é criado e transposto por meio
das nossas ilustrações e criações baseadas e não tão literais do mundo em cada filme.
É importante ressaltar dois pontos, o afeto na espectatorialidade queer não se
limita aos artifícios, mesmo que atualmente esse seja o enfoque mais recorrente, e o
conceito de afeto no cinema abrange uma ampla variedade de corpos, não
exclusivamente a corpos queer. O objetivo não é colocar o artifício como a única forma
de expressão queer, mas sim compreender outras instâncias fílmicas através das
estéticas artificiais, como o camp ou o dandismo. Há, por exemplo, formas de
“apropriações, sensibilidades e assimilações, que descola a espectatorialidade queer
da relação específica ou exclusiva de uma imagem marcadamente camp, maneirista
e artificial.” (SILVA; MARCONI; TOMAZETTI, 2018, p. 200).
É possível que, conforme essa estética artificial se popularize e se torne mais
comum, novas preocupações e formas de expressão possam surgir como tendência.
O acompanhamento dos lançamentos e das inclinações visuais e temáticas
crescentes é fundamental para identificar as mudanças que ocorrerão no cinema.
Pauto essas discussões como Preciado (2018) que a partir de suas experiências,
entende que as subjetividades de forma recorrente estão se construindo e
desconstruindo a partir das imagens e da propagação de histórias. Assim, Preciado
(2018) diz “Desenhar uma imagem de mim mesmo como se fosse você. Drag you.
Travestir-me em você. Fazer você voltar a vida por meio dessa imagem.” (p. 21, grifos
no original). Contar sua perspectiva e seu íntimo sobre os eventos, nesse lugar
situado, é trabalhar de maneira coletiva, trazer vida a partir do depoimento, do
empírico e das imagens.
Atualmente, a tendência é a da diferenciação pelas imagens queer,
sensibilidades que ao nos depararmos temos certeza de algo que é visivelmente
52

queer, que não busca abrir diálogos para o público geral, alguns são bem específicos
e direcionados para o público queer.
A marca de distinção se dá pelo excesso, pelo deboche, pela artificialidade,
pelo esteticismo da direção de arte, pelos documentários performáticos,
poéticos, reflexivos e pelo orgulho da marginalidade. (SILVA; MARCONI;
TOMAZETTI, 2018, p. 190)

A espectatorialidade nos atinge de maneira única diante de nossas


experiências individuais e noções gerais da cultura em vigor. Não é algo racional ou
direto, são afetividades e artificialidades comungadas pelas experiências comuns que
passamos ou queremos passar enquanto corpos dissidentes, nos influenciando em
conjunto a como ser disruptivo ou normalizando nossos desejos considerados imorais.

3.3 As armas estéticas do artifício

O camp é uma expressão estética que surge como uma resposta à opressão
homossexual, utilizando o deboche, os excessos visuais e a paródia como formas de
resistência. Esta atitude estética é uma maneira de lidar com as intolerâncias através
do compartilhamento entre os membros LGBTQIAP+, uma tática de sobrevivência a
partir das aparências e dos comportamentos.
O dandismo e a frivolidade, importantes no desenvolvimento e concepção do
camp, têm raízes na aristocracia europeia anterior ao estabelecimento da sociedade
burguesa. Atualmente, essas estéticas são ressignificadas como uma forma de
resistência ao sistema capitalista, a partir da promoção do ócio, dos prazeres
momentâneos e da futilidade. Além de possuírem contornos nas travestilidades e
feminilidades, criando um movimento contra estrutural que desafia as normas de
gênero.
As pesquisas recentes sobre estética queer ou homoafetividade
frequentemente se concentram no camp, que tem sido estudado desde a década de
1960 e continua a ser um tema de interesse. Percebo que, devido ao seu caráter
homoafetivo masculino e cisgênero, ele é mais explorado e destacado nas pesquisas
do que outros aspectos da estética queer. Isso acontece apesar do artifício ser uma
categoria que abarque inúmeras estéticas, “da teatralidade barroca à simulação
midiática, da tradição do travestimento nas artes cênicas aos desafios da
performatividade do sujeito contemporâneo.” (LOPES, 2016, p. 3).
53

De forma geral, as estéticas do artifício se caracterizam pelo compartilhamento


diante do jogo com a realidade, não necessariamente sua oposição, são categorias
materiais e conceituais que colocam em cheque ou borram as fronteiras o que é
considerado real. Há outras categorias estéticas além das já citadas, como a do fofo
e a do bobo, que vêm sendo destacadas por uma onda cultural de manutenção e
reflexão dos lugares da arte e das mudanças de consumo contemporâneas. Não é
algo que se inicia no cinema, seu lugar está pautado na materialidade, no trabalho e
no consumo da sociedade. O cinema e os meios de comunicação são lugares que
essas estéticas se apresentam e se relacionam de maneira complexa. Sendo
importante considerar que o uso de uma determinada estética pode ser coerente ou
não com a cultura de massa vigente, e que algumas tendências se prolongam
enquanto outras desaparecem rapidamente.
Barbosa (2015) localiza no cinema queer brasileiro contemporâneo a estética
da superfície, esta é pautada pelo chapamento visual com um certo gosto pelo
anacronismo, destoando do realismo nos anos 1990 e 2000 do cinema brasileiro. Os
filmes são caracterizados por uma “sensibilidade lúdica, frívola e inconsequente” (p.
140) de um tempo “circular, repetitivo, vazio” (p. 147), associado às ideias de
simulacro e ao sistema capitalista moderno, que propagam padrões de pensamento
por meio desses mesmos visuais e temporalidade.
A partir da década de 2010, filmes como Doce Amianto (2013), Batguano
(2014) e Nova Dubai (2014) mostram um distanciamento em relação ao tom sério que
prevaleceu no cinema anteriormente. Embora utilizem imagens aparentemente
ingênuas e surreais, elas criticam a cultura de massa criando jogos de sentidos que
questionam o sistema capitalista, assim, esses filmes desafiam a noção apolítica de
frivolidade. Paradoxalmente, essa busca ou expressão queer por uma frivolidade
radical por meio da estética da superfície criam imagens de contornos
“inconsequentes, inúteis” (Ibidem), retirando-nos desse cinema repetitivo e previsível
a partir de “relações insólitas e inesperadas." (Ibidem).
Numa descrição próxima a estética da superfície, Lopes (2016, p. 8) descreve
esta tendência de maneira similar. Os artistas brasileiros estão pensando a partir da
frivolidade, e o autor percebe a frieza e o ceticismo diante das “crenças revolucionárias
românticas e as tentativas de transcendência quase religiosa da estética modernista.”,
caracterizando um senso estético teatral, sem uma procura de caminhos moralizantes.
Essa abordagem camp, frívola, sem compromisso por meio do jocoso e o deboche,
54

rejeitam a procura por certezas e pela veracidade, “se interessa mais em perder-se
radicalmente nos labirintos infinitos e coloridos da forma-mercadoria do que
encontrar-se na salvação sublime do real.” (grifo no original).
Outra estética que considero relevante para a pesquisa e que tem diálogo com
a linguagem cinematográfica promovendo contornos queer, é a do lindo. Essa estética
tem uma certa apreciação no cinema comercial, pois preza pelo prazer visual, seja no
corpo feminino ou nos cenários dos filmes. O lindo é visto, de maneira intensa, como
um “espetáculo vazio, superfície sem profundidade, o ornamento em massa.” (GALT,
2015, p. 46)
Fala tanto da sabedoria acolhida sobre o cinema como do lugar exato onde
sua estética se tornou um problema. [...] O lindo indica uma ansiedade teórica
sobre a imagem moderna, mas também nomeia práticas da feitura da imagem
que perturbam o dogma estético. (Ibidem)

A estética do lindo, como outras estéticas do artifício, apresenta questões


paradoxais. Ainda que esteja presente de forma intensa no cinema, o lindo é objeto
de rejeição, resultando em diversos desdobramentos e pontos de discussão a respeito
do capitalismo e do cinema. Ao contrário das imagens buscadas pelas outras estéticas
do artifício, o lindo, em meio ao excessivo procura por um certo equilíbrio. De maneira
formal, as imagens lindas seriam: “coloridas, compostas cuidadosamente,
equilibradas, texturizadas ricamente ou ornamentais” (Ibidem).
Diante desse panorama sobre algumas das estéticas do artifício, vou elaborar
mais sobre aquelas que demonstram maior proximidade com a luz, cor e sensações
no cinema, e que ajudam a explorar sobre o néon. É notável que essas estéticas são
muitas vezes inferiorizadas, seja no referencial geral de gosto hegemônico ou em
análises que revelam preconceitos enraizados na percepção estética. Como, por
exemplo, as expressões visuais coloridas e ornamentadas acabam sendo criticadas
por serem associadas a vivências de pessoas social e culturalmente inferiorizadas, e,
consequentemente, por associação a estas pessoas, as estéticas também são
rejeitadas de forma misógina, homofóbica ou racista. Não à toa essas estéticas
agregam narrativas e vivências dissidentes, o pertencimento se retroalimenta nesses
lugares considerados menores da imagem, é nas intersubjetividades que se
fortalecem cenários que essas experiências podem ser possíveis.
O camp, assim como o próprio queer, se inicia como um retrato da sensibilidade
homossexual, porém atualmente ativam outros sujeitos que não se reconhecem
dentro das normatividades. O camp, segundo Dyer (2002, p. 49)
55

“[...] é muito a gente. É uma forma distinta de comportamento e de relacionamento


que desenvolvemos. Desfrutar juntos do camp te dá um tremendo senso de
identificação e pertencimento.”18
O camp tem acompanhado a sua visualidade em lugares pautados na cor e na
luz, no visto e no não-visto, no erotismo queer, no gosto pelo entretenimento, na
sensibilidade da materialidade sob a superfície do corpo. Há lugares que ele quer ser
notado: “picar e gritar”19 (Ibidem), fazer a diferença ou estar chamando a atenção
dentro da cultura visual. Ao mesmo tempo que socialmente e diante das imagens
fílmicas, o erotismo tende a passar pela discrição sexual, seja em lugares particulares,
seja na escuridão da noite. É possível reparar esta concepção em Vento Seco (2020),
e Tinta Bruta (2018), por exemplo. Percebo que apesar de querermos liberdade, por
vezes, só conseguimos em lugares de reclusão, às escondidas. “Quando retorna para
casa, nem sabemos se aquilo tudo existiu, se não foi um devaneio de leitura, uma
fantasia, um sonho.” (LOPES, 2016, p. 10).
Na cultura visual atual que para ser visto diante de um fluxo gigantesco de
imagens é cada vez mais difícil, o artifício procura por esses lugares no cinema. No
Canto de Outono (2014, dir. André Antônio), que resgata Baudelaire, percebemos a
“imersão em luzes, cores, pessoas e na música eletrônica. Nada de busca de uma
materialidade da terra, da natureza. A sensação se mescla ao artifício como gesto e
pose, corpo e roupa.” (Ibidem, p. 11). Ainda que o filme beba do dandismo, há uma
artificialidade pela luz, em um lugar que na veracidade do nosso cotidiano talvez não
devesse existir. Há uma busca pela sensação do dândi contemporâneo por meio da
fotografia e da arte:
O outono, mais do que uma estação, é uma paisagem afetiva, já anunciada
pelos galhos secos, não fora, mas dentro da casa, usados como decoração.
A casa é artificial, sob uma luz rosa, se coloca como cenário, caráter realçado
pela claquete no final [...] (Ibidem, p. 9)

Assim, tanto o dandismo quanto o camp estão intimamente ligados a uma


vivência noturna e ao uso do néon, que contribui com sua iluminação para a
materialização dos excessos e da ludicidade procurados por essas estéticas. Em sua
análise de filmes brasileiros que participaram do Festival Mix Brasil nas décadas de
1990 e 2000, Lacerda Júnior (2015a, p. 153 e 154) exemplifica e evidencia o

18
Tradução minha. Trecho original: “[...] it’s very us. It is a distinctive way of behaving and of relating
to each other that we have evolved. To have a good camp together gives you a tremendous sense of
identification and belonging.”
19
Tradução minha. Trecho original: “mincing and screaming”
56

surgimento da onda estética que caracteriza os filmes queer brasileiros atuais: as


narrativas camp, que no período já se interessavam por temas como clubes, boates,
moda e sátira.
[...] Ordinária (Billy Castilho, 1997), paródia aos filmes de investigação do tipo
whodunit que se passa em uma boate gay, novamente retratando os tipos
mais reconhecíveis de tal universo; [...] As Aventuras dos Super Poderosos
(Lico Queiroz e Júlia Jordão, 2001), curta em três pequenos episódios que
traz dois super heróis gays encarnados com muita pinta por Johnny Luxo,
nome conhecido da noite gay de São Paulo, e Alexandre Hercovitch, estilista;
A Outra Filha de Francisco (Eduardo Mattos e Daniel Ribeiro, 2005), onde um
ingênuo garoto da roça sonha em cantar como transformista os clássicos de
Maria Bethânia, em uma paródia ao longa 2 Filhos de Francisco (Breno
Silveira, 2005); (grifos no original)

No filme Doce Amianto, a busca por uma estética artificial se manifesta de


diversas formas, incluindo a utilização de recursos de pós-produção para baratear os
custos de produção. Além dos excessos luminosos nas casas noturnas frequentadas
pela personagem principal, o filme faz uso de tela verde e cria auras coloridas em
torno das personagens durante seus momentos de dissociação. Assim, “todos os
cenários são carregados de elementos kitsch. [...] [Algumas cenas] contam com cores
digitalmente distorcidas [...]” (Ibidem, p. 155, grifo no original).
A presença de artificialidades pode ser notada em vários aspectos dos filmes,
como nos exageros dos contextos, falas, comportamentos, atitudes, cores, cenários,
iluminação, roteiro e edição. Quanto mais evidente e distinta for essa presença em
relação ao suposto padrão, mais facilmente identificável ela será. Às vezes, mesmo
em filmes que não abordam temas queer, pessoas dissidentes conseguem se
identificar e encontrar sensibilidade na obra, por exemplo, quando se apresentam
elementos impróprios ou piegas, aspectos comuns no gênero de terror. Quanto mais
elementos e ornamentos mais perceptível, assim como no “lema: quanto pior, melhor.
O camp traz algo recalcado na arte e crítica modernas: a afetividade, mesmo a
identificação com a obra e com seu autor.” (LOPES, 2002, p. 78).
Retornando para estética do lindo, esta, importante, pois evidencia e expõe
posturas misóginas, racistas e homofóbicas presentes em outras estéticas europeias
que defendem a ideia de branquitude, cisgeneridade e masculinidade. Além de estar
associada aos corpos femininos na teoria do cinema, há um enorme desprezo pelo
lindo por causa das noções clássicas de arte, diante de seus ornamentos e imagens
coloridas. Esse desdém acaba por vincular a categoria estética do lindo a uma posição
57

pejorativa, já que é frequentemente associada à feminilidade e utilizada por sujeitos


queer e orientais.
Na sua moderna encarnação, a feminilidade desta imagem está emaranhada
ao orientalismo e às alusões insistentes ao queer e à perversidade sexual.
Por exemplo, no seu trabalho sobre a estética do detalhe, Naomi Schor (1987,
p.45) traça a crítica neoclássica do estilo “asiático”, que condenou o detalhe
visual e linguístico como “degradado, efeminado, ornamental. (GALT, 2015,
p. 52)

De acordo com Batchelor (2000, p. 22-33), além da iconofobia presente nesse


pensamento, também existe uma cromofobia em relação a essas imagens. A cor é
vista pelo olhar colonial como algo ligado ao primitivo, selvagem, estrangeiro, ou ainda
como uma aparência ou experiência descartável associada ao feminino, ao vulgar, ao
queer e à patologia. Ao passo que acham a presença da cor como danosa e apenas
digna de uma superfície ou banalidade, normalmente ela é considerada “uma
qualidade secundária da experiência; e então indigna de séria consideração. Cor é
perigosa ou é trivial, ou ambos.” (apud GALT, 2015, p. 55 e 56). Por isso, a crítica de
Dyer (1997) diante da iluminação branca para a caracterização do que seria a beleza
e a nobreza pós-kantiana no cinema, além de algo para pontuar um desprezo estético
do que não segue esta linha, serve como distinção étnico-racial (apud GALT, 2015, p.
56).
A cor em sua forma mais chamativa e brilhante é colocada em filmes para a
distinção de valores nas imagens de corpos racializados – uma forma de exotificação
do Outro que está presente nas bases do cinema desde o período que não se tinha o
colorido –, a partir desse elemento estilístico o olhar eurocêntrico resume as
expressões culturais e referências imagéticas de quem irá assistir.
[...] associação da cor com categorias de classe e raça supostamente
inferiores desloca-se rapidamente de um julgamento das audiências do
cinema para um modo de distinção do valor estético nos filmes em si. (GALT,
2015, p. 56).

Por isso, compreender a representação do lindo no cinema e analisar a rejeição


da cor ou do que é considerado superficial é importante, pois questiona lugares que
afetam a sociedade em níveis estruturais e epistemológicos. Isso implica considerar a
cor e a luz em discussões de imagem explorando um movimento antropológico geral,
incorporando a perspectiva da comunidade queer.
É perceptível o envolvimento dessa distinção estética no cinema queer
brasileiro a partir da utilização da cor e da luz colorida, que mesmo de maneira
inconsciente, os realizadores perceberam formas de expressão contra essa lógica
58

limitada e produzida pela colonialidade. Me recordando do mecanismo de resistência


já pontuado no trabalho pela ideia da desidentificação de Muñoz (1999), assim, se
torna inegável que atualmente a “cor, opulência, excesso e estilo são armas estéticas
para corpos queer também.” (GALT, 2015, p. 60), uma forma de agenciamento dos
valores estéticos desse mundo branco, moralista, sem brilho e pálido.

3.4 Descobrindo a superficialidade da luz néon: da publicidade à arte

O termo “néon" deriva de neônio, um gás nobre descoberto no século XIX e


representado pelo símbolo "Ne" na tabela periódica. Quando esse gás inerte e raro é
colocado em um tubo e submetido a uma descarga elétrica, ele emite luz vermelha.
Apesar de ser possível produzir outras cores usando diferentes gases puros ou de sua
combinação com outros, esses tubos luminosos são geralmente conhecidos como
luzes néon.
[...] em inglês usa o termo geral ‘neon lights’ para todos os tubos de luz,
mesmo quando preenchidos com outros gases (argônio produz violeta, hélio
rosa, xenônio azul pálido e criptônio prateado branco, enquanto uma mistura
de mercúrio e argônio irradia azul).20 (RIBBAT, 2013, p. 8)

O químico e físico Georges Claude foi o primeiro a aplicar a eletricidade no gás


néon em 1902 (ALTMAN, 2022), apresentando pela primeira vez um letreiro de 35
metros de comprimento de sua autoria no Grand Palais em Paris, patenteando a
invenção dos tubos néon em 1915 (RIBBAT, 2013). O imaginário sobre as luzes néon
está atrelado com a indicação e publicização de lugares como hotéis, motéis, bares,
entre outros. O primeiro estabelecimento a fazer esse uso foi a barbearia com o letreiro
escrito ‘palais coiffeur’ em Paris (Ibidem, p. 34). Em alguns anos, foram surgindo
outros letreiros néon em Paris e a tendência foi se espalhando para outros países
europeus, ganhando sua presença pelo mundo. Nos Estados Unidos, as cores nas
publicidades das revistas chegaram depois da onda luminosa e colorida dos letreiros
néon, "as ruas da América urbana deram origem à 'era da luz e da cor', na qual o tubo
de néon desempenharia um papel fundamental."21 (Ibidem, p. 28).

20 Tradução minha. Trecho original: “[...] that English uses the general term ‘neon lights’ for all
fluorescent light tubes, even when these are filled with other gases (argon produces violet, helium pink,
xenon pale blue and krypton silvery white, while a mixture of mercury and argon radiates blue).”
21 Tradução minha. Trecho original: “the streets of urban America gave birth to the ‘age of light and

colour’ in which the neon tube was to play such a key role.”
59

Os letreiros piscavam incessantemente, chamando a atenção dos transeuntes


e indicando a localização dos estabelecimentos comerciais. A luz como ambientação
noturna já teria mudado a percepção urbana antes mesmo da invenção do néon,
atingindo lugares lúdicos e imaginários. Porém, a utilização de iluminação néon não
apenas auxiliou, mas também intensificou a percepção artificial de diversas maneiras.
A quantidade e o tamanho dos letreiros, combinados com a habilidade de criar
palavras e imagens por meio de formas curvas e retas dos tubos de vidro – colocados
nas estruturas que os sustentavam –, transformaram os espaços urbanos em cenários
cinematográficos. Essa tendência contribuiu para o domínio da cultura visual na era
moderna (Figura 3).
A historiadora de mídia Anne Hoormann descreveu o mundo dos novos
anúncios iluminados como um elemento chave da cultura nos estrondosos
anos de 1920 - uma rede se espalhando por toda a cidade e desenvolvendo
sua própria 'cinematografia'. As luzes piscantes contribuíram para a
'predominância cultural do visual' e, assim, para a crescente irrealidade da
vida urbana.22 (Ibidem)

22
Tradução minha. Trecho original: “The media historian Anne Hoormann has described the world of
the new illuminated advertisements as a key feature of culture in the roaring ’20s – a network spreading
throughout the city and developing its very own ‘cinematography’. The flashing lights contributed to the
‘cultural predominance of the visual’ and thus to the increasing unreality of urban life.”
60

Figura 3 - Times Square nos anos de 1941 e 1955, Nova Iorque, Estados Unidos.

Fonte: Montone (2009).

O processo de design para a fabricação de letreiros teve início de forma


artesanal, com os sopradores de vidro moldando cada peça de forma única. Durante
as primeiras décadas do crescimento do néon, os letreiros eram considerados um
artigo de status importante para se ter. A produção era descentralizada e, muitas
vezes, democrática, sem a padronização em massa da produção industrial que
afetaria esses pequenos negócios futuramente. As luzes dos letreiros poderiam
61

“parecer desencarnadas, como se o próprio capitalismo estivesse estampado no céu,


mas na verdade o tubo de néon trouxe o objeto feito à mão de volta para a cidade.”
(Ibidem, p. 10).
O néon teve seu auge entre as décadas de 1930 e 1960, mas começou a
declinar posteriormente. Durante os anos 1940, houve uma mudança em seu
processo de produção, com a substituição do vidro pelo plástico como matéria-prima.
Esse processo industrial trouxe benefícios como maior durabilidade e flexibilidade aos
letreiros néon (Ibidem, p. 11). Com a utilização do plástico na fabricação, foi possível
disseminá-los mais ainda pela cidade. O material permitiu que fossem produzidos
letreiros mais baratos, que poderiam ser utilizados para publicidade em
estabelecimentos mais simples, tornando o néon um produto corriqueiro, diminuindo
seu valor enquanto um item de status.
Durante a ascensão do néon, ele se tornou um objeto muito importante
enquanto presença no cinema hollywoodiano como no musical Gold Diggers of 1933
(1933, dir. Mervyn LeRoy). Os letreiros eram utilizados para criar imagens brilhantes
e luminosas para expressar lugares glamourizados e espetaculares, sendo
frequentemente instalados em grandes arquiteturas, adicionando extravagância aos
espaços urbanos (Ibidem, p. 66). No gênero noir, caracterizado por narrativas
noturnas e sombrias, o néon assume uma percepção diferente, não mais associado
ao espetáculo, mas sim ao oculto. Os filmes do gênero “se concentravam na
dissolução da identidade [...] abrindo um espaço para reflexão e narrativas que só
acontecem em segredo.”23 (Ibidem, p. 67). Com o passar dos anos, o néon não
demonstrava mais essas sensações, e se tornou símbolo de decadência e melancolia,
seja no cinema como na vida cotidiana. Nesse contexto, os tubos néon já não eram
mais agradáveis como antes, tinha muitas lâmpadas que haviam parado de funcionar
e vidros quebrados na paisagem urbana.
Inicialmente, o néon foi utilizado como um disfarce para os problemas
cotidianos ou como uma luz que ofuscava as problemáticas da guerra na primeira
metade do século XX. Com o tempo, ele foi incorporado nos meandros sociais como
símbolo de decadência, tristeza ou do que deveria ser escondido. Contudo, artistas,
escritores e músicos conseguiram trazer à tona as experiências daqueles que

23
Tradução minha. Trecho original: “that continually focused on the dissolution of identity [...] opening
a space for reflection and recounting narratives that only take place in secret.”
62

estavam sob as luzes néon, expondo as vivências negligenciadas e abandonadas pelo


capitalismo.
No mundo do néon, os escritores encontraram o que procuravam: a pretensa
existência nua e aparentemente autêntica de bêbados, prostitutas, jogadores
e pequenos vigaristas. Esta é a reviravolta irônica na história dos tubos
brilhantes. Elas foram desenvolvidos como um elemento de tecnologia de
negócios para anunciar salões de cabeleireiro, cinemas e lojas de
departamento para impulsionar o sucesso comercial. Mas quando eles
perderam o charme do novo, eles se tornaram um símbolo de decadência
urbana, sua luz brilhando acima de tudo aqueles desprezados como
perdedores.24 (Ibidem, p. 21)

Iluminada por luzes néon e permeada pela presença intensa de cassinos e


estabelecimentos voltados para o lucro fácil e a erotização dos corpos, Las Vegas se
torna conhecida como a cidade do pecado. Diante disso, o uso do néon passou a
caracterizar práticas hedonistas, superficialidade, vida vazia, ociosa e sem propósito.
A “luz néon se tornou a metáfora favorita daqueles observadores da cidade que
baseavam seu tradicionalismo desafiador na realidade crua.” 25 (Ibidem). Para o
filósofo Bruce Bégout, Las Vegas é uma farsa grotesca que ridiculariza a realidade,
as pessoas e a cultura, criando um vazio ilusório por meio dos efeitos das cores e das
luzes. A famosa figura néon “Vegas Vickie” (Figura 4) é considerada por ele como “um
ícone do 'erotismo robótico'. Ela é uma figura mítica exalando 'crueldade ilimitada',
uma 'prostituta celestial e mecânica'."26 (Ibidem, p. 91).

24
Tradução minha. Trecho original: “In the world of neon, writers found what they were looking for: the
would-be naked, seemingly authentic existence of drunks, hookers, gamblers and small-time crooks.
This is the ironic twist in the story of the glowing tubes. They were developed as an element of business
technology to advertise hairdressing salons, cinemas and department stores and boost commercial
success. But when they lost the charm of the new, they became a symbol of urban decay, their light
shining above all on those looked down upon as losers.”
25
Tradução minha. Trecho original: “neon light became the favourite metaphor of those observers of
the city who based their defiant traditionalism on naked reality.”
26
Tradução minha. Trecho original: “an icon of ‘robotic eroticism’. She is a figure of myth exuding
‘boundless cruelty’, a ‘celestial and mechanical whore’.”
63

Figura 4 - A figura de uma cowgirl feita de néon em Las Vegas.

Fonte: Romano (2017).

Os letreiros néon eram destinados a fins publicitários, frequentemente


associados ao consumismo e à cultura do entretenimento, porém eles influenciaram
outras áreas, como arquitetura, design e artes visuais, servindo de ferramenta criativa
para artistas ao redor do mundo. Nas décadas de 1930 e 1940, já se localizavam
obras cinético-luminosas nas artes visuais em esculturas e instalações, que faziam
associações entre luzes néon e as áreas de interesse do artista. Um exemplo são as
esculturas do artista tcheco Zdeneˇk Pešánek, que foi pouco reconhecido em relação
a suas obras. Ele criou entrelaces entre um torso e tubos de néon, expressando
sensações de erotismo, sensualidade e intimidade por meio do brilho e do contraste
dos materiais (Figura 5).
64

Figura 5 - Torso do Spa Fountain (1936), Torso Feminino (1936), Torso Masculino (1936).

Fonte: Dusan (2013).

Algumas obras literárias associavam o néon à tecnologia e à inovação,


realizando narrativas futuristas. No entanto, de maneira geral, o néon nos Estados
Unidos passou a ser frequentemente utilizado como metáfora pelos escritores da
época para descrever a vida urbana noturna ligada à violência, ao consumo de drogas,
ao sexo e à prostituição, visto que essas práticas aumentaram durante esse período.
“Nos anos do pós-guerra, tornou-se cada vez mais conhecido pela prostituição
masculina em particular.”27 (Ibidem, p. 109). O lugares banhados pelo néon eram
ambientes associados a liberdade e a democracia, representando uma ideia de
progresso e oportunidade de trabalho oferecida pelo capitalismo americano que os
estrangeiros buscavam, porém havia também uma liberdade sexual para “os homens
de família, por outro lado, só podiam fantasiar sobre essas coisas da segurança dos
subúrbios.”28 (Ibidem, p. 72). Seguindo essa perspectiva, outra comparação
metafórica da iluminação néon, foram sobre relações sexuais casuais e a
agressividade dessas socializações urbanas no romance City Of Night de John Rechy
de 1963 (Ibidem, p. 111).
O poeta austríaco Alois Hergouth se entendia como um artista profundo diante
da superficialidade do mar néon da cidade, ele via o lado negativo, sombrio,
melancólico e vazio da funcionalidade e da sensação dessas instalações. Como um

27
Tradução minha. Trecho original: “In the post-war years it became increasingly noted for male
prostitution in particular.”
28 Tradução minha. Trecho original: “Family men, on the other hand, could only fantasize about such

things from the safety of the suburbs.”


65

crítico da cultura de massa e da publicidade, ele incorporou essa percepção em suas


obras. Hergouth reprovava a sensibilidade das pessoas em relação ao néon e suas
práticas, colocando-as como moldadas e alienadas pelo que os letreiros apontavam
para fazer (Ibidem, p. 106). Mas o que me chamou mais atenção na sua obra são as
descrições ligadas ao erotismo e a sexualidade sob essas luzes. Ele cita amantes,
clubes noturnos e ações ligadas à excitação dos corpos de maneira geral nos
ambientes com presença da luz néon.
Assim, o observador vê um ‘Liebespaar / noch erhitzt und ein wenig erregt’
(um casal de amantes / ainda estimulados e um pouco excitados) ao ver as
"cobras de néon" na cidade. A "revista mundialmente ilustrada de cultura de
massa" publicada pelo próprio Diabo mostra "a estrela de cinema" com "seios
mais do que excitantes". O poema "Grossstadtreklame" imagina "clubes
noturnos... especialmente excitantes", juntamente com "pernas cobertas de
nylon" e "máquinas de coração / sem parar". Neon und Psyche transmitiu a
mensagem de que os "dedos verdes" feitos de luz não se estendiam mais
apenas para o vazio. Eles estavam alcançando os corpos dos transeuntes. 29
(Ibidem, p. 107, grifos no original)

Contrariando às noções mais comuns ligadas ao néon pelos escritores


brancos, o poeta negro Langston Hughes tinha uma percepção diferente, enxergando-
o como algo bonito, positivo e familiar. Para Hughes, a arte e cultura da marginalidade,
como o jazz e a poesia beat, também respiravam sob as luzes néon, assim,
reconhecendo uma importância que passava despercebida pelos demais artistas.
Ribbat (2013, p. 110) comprende que Hughes trazia sofisticação para as luzes néon
através de um estilo de modernismo bebop, “brilham tão intensamente quanto a
linguagem em seus textos mais vigorosos; elas são tão evocativas quanto o jazz e tão
desconexas, rítmicas e piscantes.”.30
No período em que o néon perdeu relevância como objeto urbano, houve um
renascimento do interesse pelos tubos néon, que passaram a ser desenvolvidos
novamente em oficinas em busca de seu potencial artístico. A partir dos anos 60
surgem artistas que decidem trabalhar com os tubos néon, como Rudi Stern, que
acreditava que o néon era arte popular, reivindicando o lugar na arte da escultura. Ele

29 Tradução minha. Trecho original: “Thus the observer sees a ‘Liebespaar / noch erhitzt und ein wenig
erregt’ (A couple of lovers / still stimulated and a bit excited) at the sight of the ‘neon snakes’ in the city.
The ‘worldwide illustrated magazine of mass culture’ published by the Devil himself shows ‘the filmstar’
with ‘more than exciting breasts’. The poem ‘Grossstadtreklame’ imagines ‘night clubs . . . particularly
exciting’, along with ‘nylon-covered legs’ and ‘heart machines / all non-stop’. Neon und Psyche put over
the message that the ‘green fingers’ made of light no longer extended just into nothingness. They were
reaching out for the bodies of the passers-by.”
30
Tradução minha. Trecho original: “They shine as brightly as the language in Hughes’s most vigorous
texts; they are as evocative as jazz and just as disjointed, rhythmic, flashing.”
66

propunha colocar o néon em lugares incomuns, como na calçada, em túneis e pontes,


explorando novas possibilidades estéticas e visuais (RIBBAT, 2013, p. 12).
O artista italiano Mario Merz viu o néon como um símbolo de luta durante os
protestos estudantis de 1968. Utilizando técnicas da Arte Povera combinou materiais
considerados sem valor com o néon, que estava sendo visto como algo decadente na
época. Ele reconhecia o néon como uma importante visualidade da contracultura
daquele período e criava contrastes nas obras ao mesclar esses materiais com a luz
do néon. Para ele, “as luzes de néon representavam muito o poder quente e orgânico
de linguagem, os debates acalorados que levaram às experiências utópicas das
revoltas estudantis.”31 (Ibidem, p. 131 e 132).
A maioria dos artistas que trabalharam com néon no período costumavam criar
palavras com ênfase nos tubos, e Bruce Nauman não foi exceção, em suas obras, ele
trouxe discussões sobre sexualidade, moralidade, linguagem e filosofia. Porém ele
criou além das palavras, fazendo figuras humanóides pelo néon. Uma de suas obras
que mais me impactou foi a figura explícita que ele criou usando néon (Figura 6).
Apesar do autor não gostar de ver sua obra como arte, preferindo entendê-la como
um sinal néon comum de qualquer loja da cidade, ele criou obras ousadas que
relacionam o néon e a corporeidade de maneira intensa.

31
Tradução minha. Trecho original: “the neon lights represented very much the warm, organic power
of language, the heated debates that led to the utopian experiments of the student revolts.”
67

Figura 6 - Seven Figures (1985).

Fonte: Collection Stedelijk Museum Amsterdam (2021).

Quando se tratava de palavras, as expressões por meio do néon de Bruce


Nauman ainda pareciam engessadas, tentando emular os letreiros. Por outro
caminho, a artista Tracey Emin utiliza de caligrafias nos tubos néon, gerando
intimidade em suas obras. Ela iniciou seus trabalhos em 1990 quando se mudou para
Londres e passou a agregar o néon. A artista cresceu sob as luzes néon e as
considerava sexy e vibrantes, assim, ela produziu obras confessionais que se
localizam no pós-feminismo, se apropriando das noções do néon para um aspecto
mais pessoal, ressignificando a utilização da luz. Dessa forma, Emin “assumiu o néon,
esse símbolo do comércio sexual, para expressar suas próprias opiniões sobre a
sexualidade e lançar luz sobre o mundo de seu próprio passado.” 32 (Ibidem, p. 148).
Assim, o néon seguiu adquirindo novos significados e contornos na história
recente. Incluindo sua utilização em materiais econômicos gerados a partir de novas
tecnologias, colocados nos mais diversos ambientes, que são capazes de simular
efeitos semelhantes ao néon, como as lâmpadas e fitas de LED.

32
Tradução minha. Trecho original: “took on neon, that symbol of sexual commerce, in order to express
her own views on sexuality and to throw light on the world of her own past.”
68

Ao apresentar uma visão geral da história e destacar alguns exemplos artísticos


que exploram o néon, fica evidente como essa forma de iluminação ampla e
controversa pode evocar diversas emoções, que variam desde alegria até melancolia.
Que, sobretudo, para compreender o seu uso como elemento artificial, é necessário
análise e contextualização. Além disso, esse tópico contribui para o trabalho na
relação do néon com corpos marginalizados, o erotismo, a sensorialidade na liberdade
nas vivências e os movimentos socioculturais urbanos, evidenciando sua presença
em locais específicos e sua importância como componente constituinte da cultura
visual.
69

4 CAPÍTULO III

4.1 Possibilidade de utilização do néon no cinema: o uso atípico

O néon é frequentemente retratado no cinema como uma representação visual


das cidades, um registro do real. Os letreiros néon são intrínsecos à estética noturna
das grandes cidades desde a modernidade. Nesse contexto amplo da abordagem, o
néon se difere quando é explorado sob uma perspectiva queer e sua iluminação é
associada ao lúdico, ao erótico ou a uma fuga da normalidade. Em narrativas
comerciais, ou quando o néon não tem a questão queer associada, muitas vezes, ele
acompanha sua presença no cotidiano e não é inserido como elemento artificial.
No drama Lost in Translation (2003, dir. Sofia Coppola), por exemplo, o néon
não é exibido em todo o seu brilho ou com destaque, mas se insere no cotidiano, visto
através da lente do desencantamento das personagens ocidentais que se sentem
perdidas e deslocadas em meio às dinâmicas de Tóquio (Figura 7).

Figura 7 - Letreiro néon em Tóquio no filme Lost in Translation.

Fonte: Lost in Translation (2003, Sofia Coppola).

Além disso, o néon pode ser utilizado no cinema como um aspecto visual de
diferenciação temporal em filmes com temáticas distópicas, tecnológicas e futuristas.
Em Metrópolis (1927, dir. Fritz Lang), por exemplo, círculos de luz percorrem o robô
em sua transformação em uma figura humana (Figura 8). Em Blade Runner (1982, dir.
70

Ridley Scott), que além de mostrar letreiros néon, o filme utiliza de maneira incomum
o néon como parte do cenário, como visto nos guarda-chuvas, para retratar uma
sociedade diferente do presente (Figura 9).

Figura 8 - Linhas luminosas de efeito néon em Metrópolis.

Fonte: Metrópolis (1927, Fritz Lang).

Figura 9 - Tubos luminosos nos guarda-chuvas em Blade Runner.

Fonte: Blade Runner (1982, Ridley Scott).

A utilização do néon pode ser expandida de sua funcionalidade como letreiro


noturno, exemplificado nos casos mencionados na arte cinematográfica, e em outros
exemplos das artes plásticas discutidos no capítulo anterior. Percebendo esse uso
71

técnico e os contornos de significação possíveis do néon, que podem ser


desvinculados do caráter publicitário inicial que contribuiu para sua popularização.
Entende-se que é possível um uso atípico do elemento, tanto na forma de tubos
quanto em efeitos luminosos que remeta ao néon, conforme os últimos dois filmes
citados, e esse aspecto se torna relevante para a definição do corpus de análise.
No contexto queer do cinema brasileiro, é possível observar que esse uso mais
incomum do néon é paradoxalmente bastante comum. Alguns exemplos dessa
utilização do néon podem estar integrados à atmosfera do filme, seja como elemento
de iluminação, objeto e/ou efeito visual. Em Mate-me Por Favor (2015, dir. Anita Rocha
da Silveira), um filme que discute o imaginário da violência de gênero na adolescência,
a sexualidade não é a temática principal, mas permeia a personagem principal, Bia,
em suas explorações tanto da sexualidade quanto dos limites relacionados à violência
e à morte. Brincando com o lúdico e o humor, uma cena apresenta o uso incomum do
néon, emulando um crucifixo. A pastora adolescente, após realizar um discurso
moralizante sobre o sexo, começa a cantar um funk com letras evangelizantes,
escancarando os conflitos entre discursos religiosos e a vivência retratada no filme
(Figura 10).

Figura 10 - Adolescente faz orações e canta louvor em ritmo de funk em frente de um crucifixo azul
néon, evocando a estética camp.

Fonte: Mate-me Por Favor (2015, Anita Rocha da Silveira).

Na casa de Amianto em Doce Amianto (2013), mesmo passando por momentos


depressivos, há uma utilização atípica ao criar ambientes escuros iluminados por
tonalidades fortes, criando um efeito néon (Figura 11). Da mesma forma, no filme
Greta (2019, dir. Armando Praça), no quarto de Daniela, amiga de Pedro, as luzes
72

néon invadem o espaço em três tonalidades: rosa, azul e verde (Figura 12). Outro
exemplo está no filme de comédia Alice Júnior (2019, dir. Gil Baroni), em que as cores
no porão da casa de Alice, embora necessitando de iluminação clara por ser um local
de trabalho, são escuras e remetem a ambientes eróticos (Figura 13).

Figura 11 - Dois cômodos na casa de Amianto, o primeiro em azul néon e o segundo em vermelho, na
qual uma luz rosa da televisão ilumina a personagem.

Fonte: Doce Amianto (2013, Uirá dos Reis e Guto Parente).


73

Figura 12 - No quarto de Daniela, Pedro conversa com ela.

Fonte: Greta (2019, Armando Praça).

Figura 13 - Porão, e antigo quarto do sexo, da casa que Alice e seu pai moram.

Fonte: Alice Júnior (2019, Gil Baroni).

Além de compartilharem características como serem filmes brasileiros da


década de 2010, os últimos exemplos possuem cenas que criam atmosferas néon em
ambientes domésticos para personagens que desafiam as noções de gênero por meio
da travestilidade ou da identidade travesti. Alice e Daniela são mulheres trans,
74

enquanto Amianto utiliza a travestilidade para questionar as concepções de gênero,


através do exagero de sua abordagem em relação à feminilidade.
O uso atípico do néon, junto às perspectivas queer, irão pautar a formação do
corpus de análise do projeto, abrangendo tanto seu aspecto técnico-simbólico quanto
a percepção crescente desse fenômeno no cinema brasileiro a partir do ano de 2010.
Partirei e irei me concentrar neste nicho especificamente.
Além disso, busco explorar a sensorialidade presente no uso distinto do néon
em conjunto com as experiências queer, que pode estar relacionado a diversos
sentimentos ligados à formação da subjetividade, assim como à relação com o afeto
da corporeidade entre o corpo que performa no filme e o de quem o assiste. A
tangibilidade da aparência e da superfície da imagem demonstra uma intensidade do
néon que pode variar do lúdico ao erótico, e em cada filme essas relações são
estabelecidas de maneiras diversas, permitindo comparações.
Por isso, antes de aprofundar uma análise, irei esquematizar a partir da
metodologia comparativa das constelações fílmicas (SOUTO, 2019) para definir os
objetos e criar uma constelação denominada “néon queer brasileiro a partir de 2010”.

4.2 Constelações fílmicas: metodologia comparativa para seleção do corpus de


pesquisa

Utilizarei como base a concepção de constelações fílmicas proposta por Souto


(2019) para a seleção das imagens criadas pelo néon no cinema queer brasileiro a
partir da década de 2010. Essa abordagem metodológica busca, por meio da
fabulação, propor uma narrativa imaginativa, relacional e comparativa entre os filmes,
permitindo uma maior liberdade para esquematizar um recorte, distanciando-se de
escolhas mais convencionais para a criação do corpus de pesquisa.
Assim como na astronomia, as constelações estelares são formadas a partir de
uma abordagem imaginativa humana que aproxima um grupo de estrelas, sendo
nomeadas e conectadas entre si. Essa metodologia também é subjetiva, porém
consegue expressar suas intenções por meio de um viés crítico, não sendo arbitrária.
O exercício imaginativo faz com que um filme remeta a outro, estabelecendo relações
com mais dois filmes e assim por diante, formando uma imagem constelar em que as
estrelas representam os filmes selecionados.
75

São necessárias diversas reflexões, testes de ordenação e criação de sentido


para concretizar essa proposta de constelação fílmica. De acordo com Souto (2019,
p. 13), requer do pesquisador uma certa capacidade para realizar uma representação
visual de uma constelação, pois esta deve elucidar as ideias por meio do tamanho dos
pontos e da distância entre eles. A localização espacial dos elementos revela a
importância das obras e suas correlações (Figura 14).

Figura 14 - Exemplo de uma constelação fílmica denominada: “fantasmagorias sociais


no cinema ibero-americano”

Fonte: SOUTO (2019).

Essa metodologia possui uma historicidade atrelada a ela, com a intenção de


redimir narrativas negligenciadas no passado ao trazer a imagem para o presente sob
uma nova perspectiva. Isso permite realizar manobras que não seguem uma ordem
temporal ou cronológica, e sim a partir de um tema específico, por exemplo. Assim, a
constelação é um exercício crítico e tensionador, ao mesmo tempo que “os arranjos
não são fixos e podem não mais fazer sentido no futuro.” (SOUTO, 2019, p. 10).
Outro aspecto interessante está na maleabilidade da não-linearidade, que
estabelece um diálogo fluido entre os filmes, aprofundando suas relações e ampliando
as possibilidades analíticas. Essa característica permite que uma mesma obra, em
diferentes constelações, estabeleça conexões não convencionais e únicas, além de
descobrir novas camadas de significado em cada constelação fílmica. A memória da
percepção de um filme “funciona como instrumento de abordagem no contato com o
próximo: um filme é a ferramenta de análise de outro.” (SOUTO, 2019, p. 18). Dessa
76

forma, para a criação de uma constelação fílmica, é preciso ter no mínimo três filmes,
não existindo um número máximo.
Inicialmente, este projeto estava focado na análise de dois longas-metragens:
Boi Neon e Tinta Bruta. No entanto, buscando uma abordagem mais dinâmica e
interseccional, decidi criar uma constelação fílmica a partir de eixos que considero
fundamentais para sua constituição. Isso abre a possibilidade de estabelecer
conexões entre curtas, médias e longas-metragens. Utilizo a historicidade recente do
cinema queer brasileiro e a visualidade do néon como elementos basilares para a
construção dessa constelação, explorando as aproximações narrativas e técnicas que
envolvem a artificialidade do uso incomum do néon na iluminação, como objeto e nos
efeitos visuais.
Durante o período de pesquisa, assisti a diversos filmes queer em busca de
suas conexões com o néon, e Latifúndio (2017, dir. Érica Sarmet) foi um dos filmes
em que a relação entre a temática queer e o néon se mostra mais perceptível, intensa
e com diversidade de relações e corpos ao longo da obra. Esse curta-metragem
experimental de diretore e pesquisadore Érica Sarmet, se destaca por abordar o corpo
e o desejo a partir do teor pornográfico com segurança e sem medo, movimento que
acredito que seja justamente pelo seu trabalho como pesquisadore. Diante disso, irei
iniciar a formação da constelação por ele.
A iluminação proporcionada pelo néon e o apelo pornográfico presentes em
Latifúndio se conectam ao longa-metragem Vento Seco (2020, dir. Daniel Nolasco).
Este filme me remeteu a outros dois longas-metragens. O primeiro é Boi Neon (2015,
dir. Gabriel Mascaro), devido ao seu teor sexual homoerótico e ao fetiche ligado ao
animalesco. E o segundo é Doce Amianto (2013, dir. Uirá dos Reis e Guto Parente),
devido ao seu caráter lúdico e imaginativo.
Os filmes mencionados têm em comum o elemento do néon em sua iluminação,
mas Boi Neon e Doce Amianto vão além trazendo formatos diferentes, como a tinta
néon como materialidade e o néon como efeito da pós-produção. Sendo assim, Boi
Neon possui ligações com Tinta Bruta (2018, dir. Filipe Matzembacher e Márcio
Reolon) pelo uso da tinta néon e Peixe (2019, dir. Yasmin Guimarães), de maneira
mais distante, pela presença de objetos em néon. No caso de Doce Amianto, o filme
se aproxima de Alice Júnior (2019, dir. Gil Baroni) devido às intervenções do néon na
pós-produção.
77

Prosseguindo as conexões, Tinta Bruta se conecta com o filme Greta (2019,


dir. Armando Praça) por terem trajetórias no protagonismo parecidas, e o néon, em
ambos os filmes é usado como um indicativo na autocompreensão. Devido aos dois
filmes utilizarem tinta néon, não é só Boi Neon como Tinta Bruta possui ligações com
Peixe. E o curta-metragem Peixe, por conta do uso do néon nos objetos de cena se
associa A Seita (2015, dir. André Antônio), no qual, cartazes néon são importantes na
narrativa. Em A Seita, as cenas finais possuem uma iluminação néon e uma atmosfera
ritualística, envolvendo o corpo e a busca por sonhar novamente. Encerrando a
constelação “néon queer brasileiro a partir de 2010” ao se conectar com o filme Vento
Seco, a partir da relação entre sonho, realidade e prazer iluminados pelo néon (Figura
15).

Figura 15 - Representação da constelação “néon queer brasileiro a partir de 2010”.

Fonte: Arquivo pessoal.

4.3 Análise fílmica da formação constelar: um filme é a ferramenta de análise do outro

Latifúndio explora as múltiplas possibilidades do corpo humano. Ao longo do


curta-metragem, são retratadas diversas relações sexuais e afetivas, incluindo o auto
78

prazer e relações que desafiam as normas heteronormativas. Essas interações


ocorrem em uma casa, onde os cômodos são iluminados por néon em diferentes
cores, criando uma atmosfera vibrante. O filme enfatiza a importância de considerar o
corpo como um território livre, onde os desejos podem ser plenamente expressos.
Ao fugir de uma narrativa convencional, Latifúndio abraça e representa
diferentes identidades e sexualidades que raramente são postas em outros filmes.
Esse aspecto ressoa com o público queer a partir da espectatorialidade, transmitindo
possibilidades de ser, por meio da coragem e despreocupação diante dos diversos
comportamentos desejantes do corpo.
Sua abordagem fetichista e pornográfica como centralidade abre novos
caminhos para abordar assuntos considerados delicados pela maioria, desafiando a
visão de que o sexo é descartável ou menos relevante nas narrativas. Os encontros
corporais, a falta de linearidade narrativa e a filmagem percorrendo os diferentes
cômodos mergulhados no uso incomum do néon, conduzem o espectador a perceber
o corpo como uma fonte ampla de mistérios, sensibilidade afetiva, pulsões sexuais e
força. Há uma espécie de magia, fascinando e impactando a quem assiste.
Latifúndio não apresenta a mesma qualidade visual refinada encontrada em
Vento Seco, provavelmente devido a restrições orçamentárias. Porém, ambos os
filmes compartilham a presença de imagens imersas em uma iluminação
monocromática intensa, expressando um efeito néon juntamente ao posicionamento
destemido ao retratar o sexo e o corpo de forma explícita (Figura 16).
Por exemplo, em uma cena no banheiro público no filme Vento Seco sob a
iluminação vermelha néon (Figura 16), não há um ato sexual em si, mas ocorre uma
briga entre as personagens. O protagonista Sandro é obcecado por Maicon e
interpreta essa interação de maneira completamente erótica. Enquanto uma
cusparada no rosto poderia ser considerada ofensiva, Sandro não revida e até lambe
seu próprio rosto, demonstrando o tesão diante da situação.
79

Figura 16 - Comparação entre um quadro em Latifúndio e em Vento Seco, respectivamente.

Fonte: Latifúndio (2017, Érica Sarmet) e Vento Seco (2020, Daniel Nolasco).

Em Latifúndio, a iluminação néon é proeminente em boa parte do filme, criando


uma atmosfera geral para visualizar o corpo desejante e dissidente. Enquanto em
Vento Seco é nos momentos de devaneio do protagonista que a intensidade do néon
se destaca. Quando Sandro começa a sentir atração por Maicon, ele passa a ter
sonhos eróticos. Em um desses momentos, Sandro vai até a casa de Maicon e tem
interações sexuais com a moto dele.
80

Nessa cena específica, Sandro observa Maicon de longe, enquanto ele chega
em casa. Após a entrada de Maicon, Sandro se aproxima da residência e o portão se
abre de maneira misteriosa, sugerindo uma dimensão sobrenatural, um devaneio.
Sandro decide entrar, e é nesse momento que a iluminação rosa néon surge,
intensificando seus desejos (Figura 17). O que nas cenas anteriores era apenas um
sonho se torna claro nesta cena, Sandro está dissociado da realidade, pois as luzes
rosas vão se apagando gradualmente à medida que ele se aproxima da moto.
Mergulhado em seus contatos íntimos com a moto, de repente, Sandro escuta
barulhos dentro da casa, voltando também às sonoridades da cidade, tirando-o do
estado de excitação. Assim, fica nítido que Sandro invadiu a casa de Maicon movido
por seus desejos.

Figura 17 - Sandro entrando na iluminação rosa néon no momento que sua imaginação sexual aflora
em Vento Seco.

Fonte: Vento Seco (2020, Daniel Nolasco).

Os sonhos eróticos e devaneios estão intrinsecamente ligados aos desejos de


submissão e à obsessão de Sandro por Maicon. Isso fica evidente no parque, quando
os dois estão juntos em uma cabine de um brinquedo, e a iluminação rosa néon é
exatamente a mesma presente nos devaneios com a moto (Figura 18). Essa conexão
entre a luz rosa néon ressalta a diferença na maioria do filme, entre os momentos
cotidianos e os sonhos sexuais de Sandro, sendo fundamental para compreender que
81

o néon representa uma ruptura, um marcador de quando o desejo homoerótico


emerge do inconsciente (Figura 19).

Figura 18 - A mesma iluminação rosa que se apresenta quando Sandro deseja Maicon, seja em um
acontecimento real ou em um devaneio, respectivamente.

Fonte: Vento Seco (2020, Daniel Nolasco).


82

Figura 19 - Sandro vê Maicon pela primeira vez. O quadro apresenta a presença do néon, porém não
está imerso na mesma intensidade de iluminação dos devaneios de Sandro.

Fonte: Vento Seco (2020, Daniel Nolasco).

Elementos como a presença da moto, uniforme policial, roupas de couro,


coleira, entre outros, deixam evidente o fetiche associado à cultura leather em Vento
Seco. Esses aspectos, juntamente com as cenas de sexo que ocorrem em locais
incomuns, conectados a ambientes naturais, me fizeram estabelecer uma relação
entre o filme e Boi Neon.
Boi Neon é um filme que se passa no contexto das vaquejadas em
Pernambuco, levantando questionamentos sobre a performatividade de gênero e a
mercantilização e objetificação dos animais, ao mesmo tempo em que expõe o
tratamento inferior dado aos trabalhadores envolvidos nesse circuito. Isso pode ser
visto em cenas intercaladas ao longo do filme, que o corpo humano replica por meio
de uma performance os comportamentos de um cavalo, evocando lugares do fetiche.
Embora o filme não apresente explicitamente um personagem LGBTQIAP+, há uma
grande fluidez em relação aos comportamentos de gênero, desafiando as noções
vinculadas à heteronormatividade.
Se analisarmos essa perspectiva em Boi Neon, ela traz complexidade ao
personagem principal, Iremar. No início do filme, a narrativa brinca com as convenções
de atitudes associadas ao que consideramos ser um homem ou uma mulher
heterossexual. Iremar é habilidoso na costura e confecção de roupas, mas é um
83

homem que se relaciona apenas com mulheres. Ele demonstra seu desejo em
momentos apropriados, desafiando os estereótipos de masculinidade viril e
hipersexual. A narrativa distingue claramente sua visão sexual diante do corpo
feminino em um contexto de intimidade e quando ele lida com esse corpo no âmbito
profissional, esses momentos revelam também sua sensibilidade na arte da
confecção. Isso vai de encontro à ideia cultural esperada por homens cis, que não
deveriam agir com sensibilidade ou ver mulheres por outros pontos de vista, que não
o sexual. Assim, o filme apresenta comportamentos possíveis que não seguem a
cartilha da performatividade de gênero. De forma similar, essa complexidade é
explorada na personagem Galega, uma mulher cis que desfruta de liberdade sexual e
trabalha em uma ocupação considerada masculina, dirigindo um caminhão. O filme
complexifica a construção das personagens, estabelecendo oposições
comportamentais em nuances, questionando a rigidez de ideias binárias.
Em Boi Neon, a performance corporal e a estética relacionadas ao néon
buscam desafiar convenções sociais e nos conduzir a um exercício imaginativo. Os
valores que são apresentados e aparentemente superficiais desempenham um papel
crucial no filme, pois além de refletir sobre desejos e fetiches, também questionam o
valor monetário e social do trabalho. O filme explora essa imagem, essa busca pela
beleza através do prisma do lucro e da exploração de corpos, aproximando a ideia do
néon enquanto elemento capitalista, como vemos nos letreiros (Figura 20).
84

Figura 20 - Performance de Galega modulando trejeitos de um cavalo sob uma iluminação néon
vermelha e a derrubada do boi coberto por tinta néon em uma vaquejada.

Fonte: Boi Neon (2015, Gabriel Mascaro).

Boi Neon está em uma zona de transição, pois além da presença da iluminação
néon, também há a inclusão de objetos a partir da tinta néon. É interessante perceber
que nesse filme, as aparências e escolhas estéticas com apelo néon não dizem
respeito às relações sexuais, e sim sobre os corpos que trabalham. Ao invés disso,
aproxima-se o sexo a uma noção animalesca, não no sentido de selvageria e
intensidade, mas sim em busca de uma normalização das práticas. É um ponto que
consigo observar também em Vento Seco.
Embora em Vento Seco o néon esteja relacionado aos desejos sexuais do
inconsciente, o filme também apresenta cenas de sexo, assim como em Boi Neon.
Ambos os filmes buscam por momentos de respiro do néon, explorando a realidade
carnal. Há uma tentativa de retratar o ato sexual como algo normal e banal, ligado à
natureza, e não como uma fantasia, ou do uso do corpo como mercadoria (Figura 21).
85

Além disso, os filmes abordam o trabalho como questão central, e o sexo ocorre
nos intervalos, nos lembrando que a fantasia e a aparência nos afetam e nos
conduzem, mas as relações sexuais são, acima de tudo, simples e diretas. Em Boi
Neon, próximo ao final do filme, há uma cena de sexo entre Iremar e Geise,
apresentada em um plano-sequência de quase 10 minutos. É importante destacar que
Geise é uma mulher grávida desfrutando do prazer sexual, desafiando outra
convenção cultural no filme. Em Vento Seco, também no desfecho do filme, três
personagens que ao longo da trama foram envolvidos em intrigas e comportamentos
questionáveis devido a ciúmes e outros pressupostos monogâmicos têm relações
sexuais em conjunto (Figura 21).
86

Figura 21 - A similaridade entre a abordagem de relações sexuais na busca pela naturalização.


Quadro de Boi Neon e Vento Seco, respectivamente.

Fonte: Boi Neon (2015, Gabriel Mascaro) e Vento Seco (2020, Daniel Nolasco).

Outro filme que Vento Seco se conecta é Doce Amianto, devido ao aspecto
lúdico, embora de uma maneira distinta, com um foco mais afetivo do que sexual.
Doce Amianto é um filme extremamente frívolo e camp, em que a narrativa,
caracterização, linguagem e comportamentos das personagens são exagerados e
inspirados em contos de fadas. O filme destaca personagens queer no centro da
história, como Amianto e sua fada madrinha Blanche. A vida de Amianto possui altos
e baixos em seus relacionamentos afetivos, principalmente devido aos traumas que
carrega e às expectativas amorosas impostas pela heteronormatividade. Após ser
abandonada por seu antigo amante, Amianto fica triste e encontra conforto em
87

Blanche, que a ajuda a percorrer o caminho da autoaceitação diante da rejeição, dos


sentimentos intensos e da dependência emocional que Amianto busca superar para
se sentir bem.
O filme utiliza não apenas iluminação néon, mas também efeitos néon na pós-
produção (Figura 22). Esses efeitos são especialmente presentes quando Amianto
sonha com momentos de felicidade e a realização de seus desejos, proporcionando
uma fuga de seus anseios e angústias. O filme apresenta uma narrativa que dificulta
a distinção entre os momentos de devaneio, havendo momentos que parecem ser um
sonho dentro de outro, criando uma atmosfera surrealista. Nesse contexto, o uso do
néon contribui para a construção desses cenários lúdicos de conto de fadas nos
sonhos de Amianto, criando um aspecto visual que marca o estado de felicidade e
esperança da personagem.

Figura 22 - Amianto corre feliz em seus sonhos em meio a trocas de figurinos.

Fonte: Doce Amianto (2013, Uirá dos Reis e Guto Parente).

Em uma cena, Amianto sai para jantar com seu pretendente, porém, ao retornar
do banheiro trazendo um presente em mãos, se depara com outra versão de si mesma
com o rapaz, ficando incrédula. Esse acontecimento ilustra o medo profundo de
rejeição que ela carrega, como se fosse possível ser substituída por uma versão de si
mesma. Depois, entende-se que esta cena é um sonho representado inteiramente em
88

néon, um cenário onírico onde a personagem esperava um bom encontro romântico


e foi surpreendida de forma negativa (Figura 23).

Figura 23 - Amianto se surpreende ao vê-la traindo a si mesma.

Fonte: Doce Amianto (2013, Uirá dos Reis e Guto Parente).

Outra cena intrigante que reforça essa dinâmica ocorre quando Blanche
aconselha Amianto a ir a uma festa para se distrair e se sentir melhor. Amianto segue
o conselho e, ao chegar à festa, começa a dançar entusiasmada (Figura 24). De
repente, ela avista um homem que desperta seu interesse. A música muda para o som
de batidas de coração, e Amianto começa a apresentar diversas trocas de roupas,
como em um sonho que teve anteriormente. Nesse momento, parece que ela está
escolhendo diferentes roupas e personalidades para se apresentar a esse homem, na
esperança de ser aceita. Amianto então se aproxima dele e, após algumas trocas de
palavras, começa a imaginar uma vida completa ao seu lado: encontros românticos,
casamento, lua de mel, a rotina de convivência e o término. De volta à realidade,
devastada com o término fictício, Amianto interrompe o beijo e expressa sua
descrença de que ele poderia tratá-la daquela forma em seus pensamentos.
89

Figura 24 - Após conselho, Amianto tenta se distrair e dança na festa.

Fonte: Doce Amianto (2013, Uirá dos Reis e Guto Parente).

Após o ocorrido, Amianto anda pelas ruas visivelmente triste vestindo um traje
de luto. Ao retornar para casa, alguns momentos depois, o mesmo rapaz que a deixou
abalada bate à sua porta e eles acabam se envolvendo casualmente. Nesse momento,
Amianto se vê feliz, pois sente que sua aparência e personalidade foram validadas.
Chega ao fim do filme, a cena corta para Amianto dançando alegremente sob luzes
strobo, ou seja, luzes de efeitos estroboscópicos (Figura 25).
90

Figura 25 - Ao final do filme, Amianto dança feliz sob luzes strobo após sexo casual.

Fonte: Doce Amianto (2013, Uirá dos Reis e Guto Parente).

Doce Amianto pode ser considerado caricato, sem sentido e lúdico à primeira
vista, entretanto ele retrata um sentimento comum entre pessoas queer: a rejeição.
Por não se encaixarem nas expectativas cisheteronormativas, essas pessoas
enfrentam dificuldades para terem afetividades, são corpos comumente objetificados.
Além disso, quando inseridas em uma cultura cristã, capitalista e monogâmica, que
promove modelos de vivência ideais, muitas vezes não há espaço para aqueles que
são dissidentes, restando a frustração.
Fazendo um paralelo com a realidade, pessoas como Amianto muitas vezes
procuram conselhos em suas comunidades, encontrando apoio em figuras como
Blanche. Que utilizam de festas como ambiente seguro para se distrair e tentar
estabelecer conexões sem sofrer tanto. Essas estratégias são uma forma de lidar com
as dificuldades enfrentadas por pessoas queer na busca por aceitação e
relacionamentos significativos.
Antes de abordar os filmes que Boi Neon me remeteu ao definir a constelação,
gostaria de discutir Alice Júnior, um filme que se conecta com Doce Amianto pela
utilização do néon na pós-produção. Em Doce Amianto, o néon é inserido na pós-
produção por meio do chroma key e é destacado nos sonhos de Amianto, onde ela
troca de roupas ou experimenta momentos de alegria. Em Alice Júnior, os efeitos
visuais em néon estão presentes em duas ocasiões distintas. Primeiro, eles são
91

utilizados no âmbito digital, como na tela inicial do computador da personagem (Figura


26). E, segundo, eles são aplicados como intervenções na tela durante as cenas
cotidianas, enfatizando determinadas ideias (Figura 27). Nesse sentido, embora a
presença de néon na iluminação e nos objetos seja menos proeminente em Alice
Júnior, os efeitos visuais em néon têm maior destaque e relevância.

Figura 26 - Vídeo produzido por Alice respondendo perguntas, transmitido na tela inicial de seu
computador.

Fonte: Alice Júnior (2019, dir. Gil Baroni).


92

Figura 27 - Exemplos da presença do néon no filme a partir de efeitos visuais.

Fonte: Alice Júnior (2019, dir. Gil Baroni).

A escolha do néon ser apresentado dessa forma é extremamente adequada


para a proposta do filme, apesar de ser um uso incomum diante dos exemplos
presentes na análise. Alice Júnior é um longa-metragem de comédia sobre a vivência
adolescente de uma garota trans, que compartilha sua vida por meio de vídeos na
93

internet e está tentando conseguir seu primeiro beijo. A utilização de traços na tela em
situações cotidianas e o uso do néon em sua vida online tornam o filme mais leve e
divertido. Apesar de lidar com momentos de preconceito, a narrativa busca
proporcionar momentos de diversão e percalços típicos da adolescência. O filme não
se concentra exclusivamente no sofrimento trans, mas sim na celebração das
amizades, no relacionamento com seu pai e na transição para a nova fase de vida em
uma cidade diferente.
Do ponto de vista identitário, Alice Júnior é um filme muito relevante. Não se
trata de momentos de fabulações como os outros já citados, a fabulação nesse filme
é de uma representação de uma vida trans adolescente possível, na qual Alice se
diverte, tem recursos financeiros, conta com o apoio paterno, pode se expressar como
indivíduo, possui autoestima e ainda descobre sua bissexualidade ao fim do filme. O
filme destaca a possibilidade de uma vivência positiva para pessoas trans, celebrando
suas experiências e existência.
Seguindo a formação constelar, Boi neon se conecta a Tinta bruta e Peixe.
Em Tinta Bruta, estabelece-se um diálogo com Boi Neon por meio do uso da
tinta néon. Enquanto em Boi Neon há um equilíbrio entre a iluminação e o néon
material da tinta, em Tinta Bruta a sensibilidade está concentrada no uso da tinta néon,
que é realçada pela luz negra.
O contraste visual entre o néon e uma atmosfera densa da cidade é marcante
em Tinta Bruta, o néon cria uma variabilidade do cotidiano de Pedro. O protagonista
se encontra em um estado ansioso, solitário e problemático, em um momento de
vários processos de transição em sua vida. A tinta néon representa a busca de Pedro
pela libertação. Ela simboliza sua tentativa de se desvencilhar dos medos que o
aprisionam, assim o néon assume um papel simbólico e sensorial, guiando-o em sua
jornada de superação dos traumas causados pela homofobia.
No início do filme, somos apresentados a Pedro, que utiliza o codinome
GarotoNeon para realizar performances eróticas virtuais com tinta néon. Essas
performances se tornam um refúgio para ele, uma forma de escape diante das
interações homofóbicas que enfrenta ao longo da história. Pedro encontra conforto e
liberdade na relação afetiva que estabelece com Leo, e juntos, eles também utilizam
de seus corpos nas performances online, fazendo uso do néon para se diferenciarem.
Essas performances são uma forma de criar marcadores para si mesmos enquanto
sujeitos queer.
94

No entanto, a relação de Pedro com Leo se finda, e Pedro se vê confrontado


com a responsabilidade de lidar com seus próprios sentimentos e amadurecer
emocionalmente. Culminando no final do filme, quando Pedro decide que o néon não
será mais aplicado em seu corpo de forma privada, em seu quarto, mas sim em uma
festa, diante de todos (Figura 28). Ele percebe que precisa enfrentar suas frustrações
e aproveitar o presente, sem se esconder ou se isolar. Assim, a cena em que o néon
é aplicado durante a festa simboliza essa transformação e a coragem de Pedro em se
expor e se permitir ser visto enquanto homem gay.

Figura 28 - Primeira imagem, Pedro performa em seu quarto com tinta néon. Na segunda, ao final do
filme, ele dança em público usando a mesma tinta.

Fonte: Tinta Bruta (2018, Filipe Matzembacher e Márcio Reolon).

Apesar de sua superação, Tinta Bruta é um filme introspectivo e pessimista ao


abordar de forma crua algumas questões delicadas através da visão solitária do
95

protagonista. Assim, o filme retrata uma espécie de processo terapêutico, iniciando


com a frieza e rigidez do protagonista para alcançar a ideia de viver menos preso a
questões dolorosas e mais ligado às que proporcionam momentos bons pela vida,
mesmo que em meio aos traumas.
O segundo filme que Boi Neon se relaciona é o curta-metragem Peixe, filme
focado na vivência sáfica/sapatão. A tinta néon emerge uma materialidade, que pode
ser observada em Peixe nos elementos de direção de arte, como roupas, cadeiras e
copos. O filme estabelece um contraste entre a rotina do dia a dia e os momentos de
lazer, utilizando o néon como uma sensibilidade frívola. No filme, há um paralelismo
visual entre dois quadros (Figura 29), nos quais fica evidente a variação visual e a
sensibilidade queer entre os dias normais e os dias festivos.
96

Figura 29 - Comparação entre um dia comum e um dia de festa. A cor néon é usada como elemento
distintivo.

Fonte: Peixe (2019, Yasmin Guimarães).

Prosseguindo com as conexões da constelação, Tinta Bruta me trouxe à


memória o filme Greta, pois ambos apresentam personagens principais passando por
um processo de autoconsciência da própria imagem e se sentindo deslocados do
mundo ao seu redor. Nesses filmes, o néon atua como um guia de libertação e
aceitação, em Tinta Bruta, esse processo é mais explícito, enquanto em Greta é algo
mais implícito, culminando em um final surpreendente.
97

O filme Greta discorre sobre o processo de transição de gênero da personagem


de Pedro para Greta, revelado surpreendentemente apenas no desfecho da narrativa.
Além disso, há a presença de outra personagem trans, amiga de Greta, que está
enfrentando problemas de saúde. O filme também explora a intimidade de Pedro,
antes da transição, com outro rapaz. Aborda-se questões sobre a amizade, laços
afetivos e as complexidades sexuais entre essas personagens. Em meio a isso, a
transição de Greta é silenciosa, provavelmente para transmitir que é um processo
longo e solitário, principalmente para pessoas mais maduras.
Destaco dois momentos significativos do néon atípico na narrativa de Greta. O
primeiro ocorre logo no início do filme, quando o nome "Greta" é exibido enquanto
Pedro sai de seu apartamento em direção a uma ambulância. Nesse trajeto, uma luz
roxa cria um contraste em relação ao restante do caminho percorrido. De maneira
sutil, essa cena utiliza a iluminação distinta do néon para antecipar a revelação final
do filme (Figura 30). Ao longo da história, não há menção a uma personagem
chamada Greta, o que permite que o espectador pense em diversas possibilidades ao
longo da trama.

Figura 30 - Presença néon em um momento incomum que conota que Pedro é Greta.

Fonte: Greta (2019, Armando Praça).


98

O segundo momento de destaque é o uso que, pelas análises, é comum em


filmes que fazem conexão entre o néon e o desejo queer. Nessa cena em Greta, Pedro
visita um bar erótico gay, também conhecido como sauna, um local onde homens
homossexuais se encontram para ter relações sexuais (Figura 31). O néon presente
nesse ambiente oculta e revela, entra em diálogo com a escuridão, com o não-dito,
com o que é considerado imoral. A iluminação nesses espaços e contextos de
liberdade sexual permite que a fantasia floresça e nos conduza para além da realidade
por meio de cores e luzes artificiais.

Figura 31 - Pedro vai até um bar homoerótico.

Fonte: Greta (2019, Armando Praça).

O curta-metragem Peixe me remeteu ao filme A Seita devido à utilização de


objetos néon, sendo que no longa-metragem o néon é apresentado por meio de um
cartaz que contribui para mudanças narrativas. A Seita é uma distopia ambientada no
Recife, que faz uma crítica contundente à cultura capitalista e à desigualdade social.
O filme mescla estéticas e conceitos anacrônicos para criar uma atmosfera futurística,
incluindo elementos como o estilo dândi, cenários em ruínas, sons espaciais, objetos
kitsch e camp.
No filme, o conflito principal se desenrola entre as pessoas do Recife e aquelas
das colônias espaciais, e gira em torno da capacidade de dormir e sonhar. Nas
99

colônias, todos foram vacinados para perder essa habilidade. Na Terra, a polícia atua
em defesa dos interesses da colônia espacial, enquanto a seita surge como um ato
de resistência contra o sistema dominante. Eles fornecem uma bebida específica de
forma ritualística em um ambiente seguro para permitir que os que permaneceram na
Terra possam dormir e sonhar.
O protagonista, entre relações amorosas e o tédio do cotidiano, descobre a
existência da seita ao se deparar com um cartaz rosa néon que aparece
repetidamente nas ruas (Figura 32). Esse momento marca uma virada na trama,
servindo como um alerta em meio à realidade comum. O cartaz desperta sua
curiosidade, levando-o para algo secreto e considerado impróprio pelos padrões
dessa sociedade futurista.
100

Figura 32 - Cartazes de chamamento para a seita colocados nas ruas do Recife.

Fonte: A Seita (2015, dir. André Antônio).

Quando o protagonista finalmente encontra e participa da seita, muda-se toda


a estética até então apresentada na narrativa. O ambiente está imerso em néon,
representando um espaço de possibilidades e liberdade. Apesar do desconforto e
estranhamento inicial, os rituais vão acontecendo, enquanto ele observa. Nesse
contexto, os sonhos literalmente se tornam possíveis, o lugar é de desfrute e de direito
ao ócio, abrindo inúmeras possibilidades metafóricas.
101

A sensibilidade queer é muito marcante durante todo o filme. As cenas da seita


é uma reunião de pessoas marginalizadas, que acreditam que podem ter o mínimo de
descanso e vislumbre em suas vivências. Por essa razão, faço uma correlação entre
esse ambiente e uma casa noturna. Ao consumir uma bebida específica, as pessoas
conseguem sonhar, estabelecendo um paralelo entre o uso de substâncias e o desejo
das pessoas queer de desfrutarem momentos de ócio e liberdade sexual (Figura 33).
Os comportamentos encontrados em boates, como danças, expressões afetivas e
vestimentas excêntricas, estão presentes no filme, mesmo em uma roupagem
distópica.
102

Figura 33 - Local onde ocorre a seita ao final do filme.

Fonte: A Seita (2015, dir. André Antônio).

A superficialidade da iluminação néon presente ao final de A Seita se conecta


com o tema do desejo e dos sonhos, como mencionei anteriormente em relação ao
filme Vento Seco. Dessa forma, a fabulação e o sonho se apresentam como
perspectivas possíveis para os desejos e afetos queer, oferecendo uma oportunidade
de vivência livre de julgamentos morais em relação ao gênero, sexualidade e outras
formas de diversidade queer. Com essa última conexão, concluo a análise da
constelação "néon queer brasileiro a partir de 2010".
103

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Destaco alguns pontos importantes desenvolvidos na pesquisa. Primeiro, a


abordagem da interseccionalidade ao discutir cinema brasileiro lésbico no capítulo I.
Assim como, nas análises no capítulo III dos filmes Alice Júnior, Peixe e Latifúndio,
que apresentam mulheres, pessoas trans e bissexualidade. Abordagem essencial
para ampliar noções do queer e do néon de um contexto homoerótico masculino para
algo compartilhado por diversos sujeitos e sexualidades.
Além disso, o projeto trouxe uma perspectiva sobre o cinema de iluminação
artificial como um conceito oposto ao ensinado tradicionalmente aos fotógrafos,
explorando os aspectos morais relacionados a essas escolhas. Já que, durante a
pesquisa, não foram encontrados pontos de vista específicos sobre esse tema, o mais
próximo se dedica a ligação da luz com o contexto cultural.
Assim como, através dos argumentos, esta pesquisa teve avanços nas
discussões sobre as estéticas do artifício, estabelecendo conexões entre cor, luz
artificial e néon. Estas estéticas foram vistas sob o filtro da moralidade cristã presente
no ocidente, que influenciam os países antes colonizados, a possuírem uma
percepção e preconceitos construídos em relação às suas próprias estéticas. Por fim,
nos capítulos II e III, foram estabelecidos novos entendimentos e discussões teóricas
acerca da relação entre luz néon e cinema queer.
Considerando as duas hipóteses mencionadas na introdução, a primeira está
relacionada ao aumento da visibilidade queer, que poderia estar diretamente ligada
ao uso crescente do néon no cinema queer brasileiro. Apesar de perceber esta
crescente a partir de 2010, para confirmar essa hipótese, seria necessário uma
pesquisa mais minuciosa que analisasse os filmes brasileiros anteriores e os
comparassem com as obras atuais, o que não foi realizado neste estudo.
Já a segunda hipótese, que aborda a relação entre o néon e o camp, é
confirmada no tópico sobre a estética do artifício no capítulo II. Ela estabelece uma
conexão entre a estética camp e o néon, porém, percebo que há uma ligação mais
forte entre o néon e as discussões sobre a estética do lindo.
Em relação ao problema de pesquisa, que busca compreender a artificialidade
do néon e a sensação de pertencimento no cinema queer brasileiro, a pesquisa
encontrou caminhos para abordá-lo. Principalmente, a partir das investigações
104

argumentativas no capítulo II e nas análises fílmicas no capítulo III, que foram


fundamentais para essa compreensão.
De forma mais evidente, percebe-se que essa conexão é resultado das
vivências queer e sua relação com a noite urbana, assim como dos espaços seguros
construídos, que o néon acompanha criando sensibilidade e teatralização para os
desejos que encontram vazões nestes cenários compartilhados. E dessa forma, essa
dinâmica ressoa nas estéticas do artifício e no cinema.
Em uma análise mais profunda, essas estéticas surgem como uma resposta
contrária às normas morais e estéticas impostas, uma forma de resistência
comportamental e sensível às estruturas opressivas e aos sujeitos que as
reproduzem, que ganha forma na expressão dos desejos e naquilo que é considerado
imoral dentro dos parâmetros ocidentais. No tópico sobre iluminação artificial, é
possível observar uma reação estética ao preconceito associado à feminilidade, ao
racismo e à discriminação contra sujeitos queer, que se manifesta por meio do uso de
cores, formas e outras estéticas que se opõem ao padrão estético europeu.
É possível perceber o mesmo pensamento, quando o atual cinema queer
brasileiro se apresenta de forma similar ao cinema underground norte-americano:
como uma ferramenta estética que se opõe ao cinema comercial e cria aproximações
com as subculturas. Esses espaços de atmosfera néon, ainda que inconscientemente,
são visíveis entre indivíduos não normativos e são compartilhados por meio da
sensibilidade cinematográfica, tornando-se um marcador de pertencimento através da
artificialidade.
Assim, o néon aflora e sensibiliza as relações de pertencimento dos
comportamentos queer, ao que se observa desde os filmes realizados pelo cinema
underground norte-americano. Há uma troca significativa entre os sujeitos e essa
distinção visual, ocorrendo em momentos festivos em alguns filmes, mas em outros
não requerendo tal contexto. Nas análises, no capítulo III, percebe-se que o néon é
utilizado na criação de fabulações e exercícios imaginativos dos desejos dissidentes,
sendo correlacionado às utopias queer, comentadas no capítulo I. Isso afasta a ideia
de pecado e apropria-se dessa noção de novas realidades por meio da luz, tornando-
se motivo de apreço e pertencimento de existências queer, assim como as
ressignificações que o termo queer vem passando.
Percebe-se que o sentimento de pertencimento desempenha um papel
essencial para evitar a culpabilização diante de discursos morais direcionados às
105

pessoas que já enfrentam rejeição. Esse movimento é nítido e representa uma


possibilidade de caminho, onde não existe culpa em viver uma experiência que a
maioria julga. Os filmes trilham essa temática, não se tratando apenas de assumir ser
diferente, mas de explorar e desfrutar de outras possibilidades que surgem a partir
dessa diferenciação social. Há uma ideia de: uma vez que somos vistos como errados,
podemos continuar errando com prazer.
Em algum nível, os filmes analisados abordam questões queer que ainda são
vistas como incômodas socialmente pela comunidade LGBTQIAP+ e outros
indivíduos. Eles buscam agenciar subjetividades para normalizar comportamentos
que são repudiados por pessoas conservadoras. Um exemplo disso é a resolução em
Vento Seco, que apresenta uma relação a três, indicando caminhos não-
monogâmicos.
Dentre os filmes queer analisados, observa-se a presença de luz néon, luz
estroboscópica, fitas de LED e outras formas de iluminação que remete ao efeito néon,
permeando as narrativas em diferentes graus. Diante do contexto atual, vê-se que
quanto mais os filmes envolvem desejo, dissidência, eroticidade, imoralidade, sátira e
críticas ao sistema, maior é a probabilidade de o néon ser utilizado como um elemento
visual. O néon funciona como um indicador de lugares e contextos dissidentes, sendo
uma expressão que desafia a moralidade no cinema.
No primeiro momento, o néon pode ser visto como algo relacionado apenas ao
noturno. No entanto, nas análises, é evidente que seu uso vai além da iluminação,
sendo visualizado durante o dia por meio de objetos ou efeitos visuais, como nos
filmes Peixe, Alice Júnior e A Seita.
No panorama do néon no cinema queer, é interessante observar sua integração
com a própria história do néon. A luz néon vai criando associações com os contextos
que ilumina, surgindo definições em relação a ela diante do sistema dominante de
pensamento, bem como seu uso e os corpos que ela ilumina. Aprecio as visualidades
e intensidades das cores néon nas telas, porém, como acontece com qualquer
movimentação estética, ela passa por transformações, mesclagens e possivelmente
cai em desuso.
Diante dos avanços alcançados, ressalto algumas limitações de pesquisa.
Infelizmente, durante o processo foi desafiador encontrar textos que abordassem
sensibilidade, comportamento, sexualidade e vivências associadas às iluminações
néon. Essas limitações são especialmente evidentes na área de comunicação. Além
106

disso, há uma predominância de textos produzidos no norte global, o que revela


problemas de diversidade, já que os artigos provenientes do oriente são escassos em
relação ao tema. Portanto, no capítulo II, a principal fonte teórica sobre o néon foi a
obra Flickering light: A history of néon de Christoph Ribbat, que aborda diversos
ângulos relacionados a essa temática.
Interseccionalizar o projeto foi outro desafio, na construção da constelação
fílmica foi feita uma tentativa de incluir filmes que vão além do desejo homoerótico
masculino cisgênero e branco. Alguns exemplos atingem esse objetivo como Alice
Júnior, Peixe, Latifúndio e Doce Amianto. No entanto, reconheço que essa
constelação ainda é limitada e gostaria que houvesse mais diversidade queer e racial
no centro das narrativas dos longas-metragens. É extremamente necessário
interseccionalizar o cinema nacional em todas as suas etapas, desde a escrita de
roteiros, produção, direção, criação de personagens até a seleção de atores e atrizes,
já que existe por exemplo, uma presença significativa do homoerotismo, mas a
representação de homens trans é praticamente inexistente no cinema queer brasileiro.
Apesar disso, espero que, nos próximos anos, as políticas culturais e os esforços
resultem em produções mais diversificadas, trazendo discussões mais desafiadoras.
A discussão proposta sobre iluminação no cinema neste projeto se baseia em
uma lógica binária, na qual é definido o que é considerado certo ou errado.
Infelizmente, não encontrei textos específicos que abordassem a politização e
moralização da luz na arte e no cinema. Portanto, utilizei desse caminho possível para
construir a argumentação da pesquisa, porém encorajo a ampliação dessa noção,
explorando outros pontos de conexão em relação a imoralidade e a escuridão
discutidas no primeiro tópico do capítulo II. Embora reconheça sua relevância,
especialmente no contexto do uso de luzes néon, prefiro pensar que a análise da
iluminação artificial, assim como outras práticas que desafiam a lógica hegemônica,
colonial e ocidental - como a queer e a não-monogamia - proporciona uma abertura
para múltiplos contrapontos ao realismo. É por essa razão que optei por abordar o uso
atípico do néon como algo classificatório, não se restringindo apenas ao aspecto
moral, mas ampliando o uso para além dos letreiros, constituindo sua estética de
forma conceitual e permitindo sua aplicação em análises para outros filmes, queer ou
não.
De maneira geral, acredito que o projeto tenha contribuído para a área de
comunicação ao elaborar discussões sobre a luz no cinema sob uma perspectiva
107

moral, bem como ao estender as noções sobre o camp por meio da estética do lindo
e da ligação entre cor e luz. Ao trazer o néon como um elemento cinematográfico e
propor uma forma de análise, tanto em sua expressão atípica quanto típica, foi
possível perceber suas nuances como conceito a partir do efeito néon. Além disso, foi
aberta a possibilidade de compreender o néon não apenas como um dispositivo
material de iluminação, mas também como um rastro luminoso cujas fontes de
produção podem ser variadas, tanto materiais quanto digitais. Outra contribuição
importante foi a colaboração, ainda que de forma concisa, da história do néon e do
movimento underground americano na língua portuguesa. Essa disponibilidade de
material em português facilita o acesso a esses temas, uma vez que não encontrei
fontes disponíveis na língua portuguesa anteriormente.
Gostaria de ressaltar mais uma questão antes de concluir as considerações,
que foi observada durante a pesquisa: a relação entre a estética do artifício e do queer
como ações anticapitalistas através de suas críticas. Essas estéticas funcionam como
ferramentas para compreender o sistema e evidenciar sua precariedade e a
necessidade de mudanças. No entanto, é importante ressaltar que o fim desse sistema
não deve ser promovido apenas por meio dessas estéticas, mesmo que elas
desempenhem um papel crítico em relação à realidade. A possibilidade de superar o
sistema capitalista ocorre por meio de mobilizações populares e/ou ações de partidos
socialistas e comunistas. É importante reconhecer que, ao longo do tempo, essas
estéticas podem ter seu impacto reduzido, já que as críticas ao capitalismo são
absorvidas por ele e transformadas em mercadorias, observamos esse fenômeno nas
pautas identitárias, por exemplo, nas quais são vendidos inúmeros produtos com a
bandeira LGBTQIAP+ estampada.
Por fim, considero que o projeto obteve resultados satisfatórios. Desde o início,
não foram realizadas grandes mudanças no tema, mas sim direcionamentos mais
objetivos e aprofundamentos, o que me auxiliou a focar nos argumentos. Foi
desafiador em diversos aspectos, uma vez que os temas abordados eram
relativamente distantes e foi necessário encontrar pontos de intersecção para criar
significados e possibilidades teóricas. O projeto se revelou importante ao apontar
novos caminhos para a compreensão do cinema queer e da estética do artifício, ao
introduzir um novo elemento, o néon. Isso possibilita a ampliação dos estudos sobre
o néon em outras áreas da arte e em cinemas que vão além do contexto queer,
também permitindo a realização de pesquisas que não se restrinjam apenas aos filmes
108

brasileiros. Além disso, há o desenvolvimento de estudos sobre o conceito do lindo no


cinema queer, uma vez que o camp já foi bastante estudado. Espero que essa
pesquisa estimule a realização de mais estudos brasileiros que abordem aspectos
queer, estéticos, conceituais e técnicos relacionados à cor e à luz no cinema.
109

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