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NARRATIVASMITOPOETICASDOCORPO
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Resumo
Tendo como referência a minha história de vida no processo de me tornar professora
e a experiência docente ao longo dos quase quarenta anos no ensino básico e no
superior, apresento neste artigo narrativas (mito)poiéticas que permitiram analisar
a presença dos conceitos de corporeidade e lazer em diálogo com os escritos de Paulo
Freire. Desenvolvo o artigo apresentando a aproximação com o pensamento
freireano destacando a minha graduação em Educação Física realizada nos tempos
da ditadura e algumas experiências ao longo da prática pedagógica nas escolas. Em
seguida, extraio dos escritos de Freire elementos para a compreensão sobre o
conceito de corpo. Assumindo que o corpo consciente é aquele que vive plena e
ludicamente sua presença no mundo, ocupando espaços, experimentando sua
cultura, constituindo identidades e subjetividades diversas, relacionando-se consigo,
com o outro e com o planeta, discuto o lazer, fenômeno cultural em que essas
experiências se tornam possíveis. É nessa dimensão da vida humana que,
privilegiadamente, homens e mulheres vivem seus corpos, suas resistências e seus
sonhos. Concluo afirmando que o amor, como imaginava Freire, é a saída para
nossos sonhos utópicos de construir uma sociedade que proporcione dignidade
coletiva, esperança e justiça nesse mundo.
Palavras-chave: Docência, Corporeidade, Lazer, Paulo Freire, Narrativas
(mito)poiéticas
Abstract
Taking as a reference my life story in the process of becoming a teacher and, over the
nearly forty years of teaching in basic and higher education, I point out in this paper
(myth)poietic narratives that allowed us to analyse the presence of the concepts of
corporeality and playfulness in my education background and teaching performance
as well, in dialogue with Paulo Freire’s writings. I develop this article showing my
approach to Freire's thought, highlighting my graduation in Physical Education
carried out in the times of the dictatorship and some experiences during my
pedagogical practice in schools. Then, I bring out elements from Freire's writings for
understanding the concept of the body. Assuming that the conscious body is one that
fully and playfully lives its presence in the world, occupying spaces, experiencing its
culture, constituting different identities and subjectivities, relating to itself, to the
other and to the planet, I discuss leisure, a cultural phenomenon wherein these
experiences become possible. It is in this dimension of human life that men and
women preferentially live their bodies, resistances and dreams. I conclude by stating
that love, as Freire imagined, is the way out of our utopian dreams of a society that
provides collective dignity and hope for justice in this world.
Keywords: Teaching, Corporeality, Playfulness, Paulo Freire, Narratives
(myth)poietic.
1. Introdução
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1
Projeto de Criação e Implantação de Laboratórios de Educação Física nas Quatro Primeiras Séries
do 1º grau e Pré-Escolar da Rede Estadual de Minas Gerais. Secretaria de Estado da Educação de
Minas Gerais. Belo Horizonte, 1984.
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2
Unidades administrativas atreladas às Secretarias de Educação do país, criadas na década de 1970,
momento em que se valorizavam as estruturas centralizadas e burocráticas. (MENEZES, 2001)
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Acredito que tenha sido possível perceber como Paulo Freire e a discussão
sobre a corporeidade esteve (e está) presente ao longo do meu processo formativo.
Lembro-me muito bem de uma conversa com a Professora Leila Pinto, naquele
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Corpos conscientes que, por meio das linguagens, expressam, não uma
consciência ingênua, mas sim, uma consciência crítica, capaz de fazer leituras
ampliadas do mundo e de nele intervir. Conceber os corpos conscientes implica em
reconhecer os seres humanos enquanto expressões plurais da vida, reconhecer a
3
Gonçalves (2012) faz uma interessante pesquisa sobre como o conceito surgiu e se faz presente em
diferentes obras de Paulo Freire. Ver “A noção de corpo(s) consciente(s) na obra de Paulo Freire”,
disponível em http://www.arquivo.cppnac.org.br/wp-content/uploads/2012/09/Corpo-
Consciente.pdf
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Com esse relato, Freire em diálogo estabelecido com Faundez, dizia de sua
experiência em outras culturas. Ao exercitar a alteridade ele viu a diferença,
reconheceu a tolerância enquanto uma ação política, destacando a sabedoria e a
virtude da convivência com o diferente como revolucionária, pois é ela (a diferença)
que nos coloca diante do diálogo e da possibilidade de nos enriquecermos enquanto
sujeitos.
Assim, Freire nos chama a atenção para o conceito plural de cultura ao afirmar
que “as culturas não são melhores nem piores, as expressões culturais não são
melhores, nem piores, são diferentes entre elas. (...) A cultura não é, está sendo, e
não podemos esquecer o seu caráter de classes”. (FREIRE; FAUNDEZ, 1985, p. 25)
E, para ficar só em mais um conceito que me é caro em Freire, trago a
liberdade, conceito central em sua obra. No “Dicionário Paulo Freire”, Jung Mo Sung
(2010), teólogo coreano radicado no Brasil, destaca a afirmação de Freire sobre o ser
humano se diferenciar dos outros animais pela integração ao contexto, situado
cultural e historicamente, com capacidade criativa e crítica, enquanto os outros são
seres da acomodação. O ser humano não é algo pronto e luta constantemente contra
as forças da dominação e opressão.
Para Freire, a liberdade não é a possibilidade de realizar todos os desejos, no
sentido de almejá-la sem qualquer limite. Essa seria uma liberdade despótica,
negadora de outras vontades. A liberdade daqueles que se consideram os(as)
donos(as) do mundo e, de modo egoísta, só veem a si mesmos. Assim, para Freire, a
liberdade não “termina onde começa a liberdade do outro, ela se realiza quando se
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Por isso, defendo uma educação das sensibilidades que considere outros
conhecimentos e saberes, pouco afeitos nas escolas propedêuticas de nosso país.
Uma educação embevecida de alma, de sentido, do olhar, da escuta de si e do outro,
em diálogo com as diferenças e respeito à alteridade. Uma educação em que a poesia,
a música, a literatura, a arte, a festa, a brincadeira, o lazer, seja provedor de anima,
de sonhos, de ludicidades e de imaginários. Uma educação que reconheça nessas
diferentes práticas educativas, símbolos e arquétipos que possam constituir nos
sujeitos, o corpo mitológico de que nos fala Keleman (2001), aberto aos sonhos,
devaneios e fantasias. Estaremos contribuindo, assim, para que as futuras gerações
possam enfrentar os antigos problemas que não demos conta de resolver,
construindo soluções outras. Aqui, mais uma vez a esperança de que tanto nos fala
Freire se torna imprescindível.
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afinal, não se realiza o sonho a partir dele, em si, mas do concreto em que se
está. Para isso, é preciso compreender o presente não apenas como presente
de limitações, mas também de possibilidade. É preciso, pois, compreender o
sonho como possível e como precisando de ser viabilizado e não como algo
pré-dado. (FREIRE, 1985, p. 67)
Referências
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Sobre a autora
Tramitação:
Recebido em:29/09/2021
Aprovado em:04/11/2021
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