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Construção Do Raciocínio Geográfico Conceitos e Práticas Na Escola
Construção Do Raciocínio Geográfico Conceitos e Práticas Na Escola
Construção Do Raciocínio Geográfico Conceitos e Práticas Na Escola
RESUMO
Mestre em Educação pela Universidade
Federal de São João del Rei (UFSJ). Professor Nosso objetivo nesta pesquisa é entender como se dá a
na Secretaria de Estado da Educação de construção do raciocínio geográfico por meio dos conceitos e
Minas Gerais. Endereço: Rua José Ladeira, nº
conteúdos que são mediados no cotidiano de uma sala de aula.
225. Bairro Santa Tereza. CEP: 36020- 199.
Para isso, escolhemos como objeto de estudo uma turma de 3º
Juiz de Fora/MG.
ano do ensino médio de umaescola pública da rede estadual de
ensino no município de Barbacena- MG. Nossa análise se deu a
partir dos dados coletados no diário de campo, com aplicação de
Vicente de Paula Leão
questionários para discentes, entrevista com o docente e
leao@ufsj.edu.br observações em sala de aula. Como metodologia, assumimos
u m a p e r s p e c t i v a e t n o g rá fi c a . D u ra n t e a o b s e r v a ç ã o,
Doutor em Geografia pela Universidade consideramos as exposições do docente, as participações dos
Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor alunos na sua aula, o uso do livro didático, a utilização de mapase
da Universidade Federal de São João del Rei as pesquisas discentes em materiais impressos e na internet. A
(UFSJ). Endereço: Rua Afonso Anacleto
partir da análise notamos que a construção do raciocínio
Ferreira, nº12 . Bairro Colinas del rei. CEP:
geográfico na sala de aula se dá de diferentes formas e que
36302-824. São João del Rei/MG.
muitas “geografias” se fazem presentes nesse cotidiano escolar.
Em alguns momentos encontramos uma geografia de cunho
Francisco Fernandes Ladeira tradicional e em outros, uma geografia de cunho crítico.
ffernandesladeira@yahoo.com.br
PA L AV R A S - C H AV E
Mestre em Geografia pela Universidade Raciocínio geográfico, Escola básica, Ensino de Geografia,
Federal de São João del Rei (UFSJ). Professor Perspectiva etnográfica, Sala de aula.
do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES) -
Campus Vitória. Endereço: Rua Hermes Curry
Carneiro, nº 245, apto. 303. Bairro Ilha de
Santa Maria. CEP: 29050-210. Vitória/ES.
ABSTRACT
Our goal in this research is understanding how the construction of geographical thinking
through the concepts and content that are mediated in the daily life of a classroom. For this,
we chose as object of study a class of 3rd year of the high school of a public school of the
state educational network in the municipality of Barbacena-MG. Our analysis was performed
based on data collected in the field diary, an interview with the teacher and observations in
classroom. As methodology, we assume an ethnographic perspective. When observing we
consider the exhibits of teaching, participation of students in their class, the use of text books,
the use of maps, oral presentations to groups and students in research materials printed and
online. From the analysis we note that the construction of geographical reasoning in the
classroom takes different forms and that many "geographies" are present in everyday school
life. Sometimes we find a traditional geography and in others, a critical geography.
KEYWORDS
Considerações iniciais
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Quincas, A.L.N.; Leão, V.P.; & Ladeira, F.F.
práticas pedagógicas vivenciadas na sala de aula. Sabemos que essa vivência se fez e se
faz presente na relação professor-aluno. Nesse sentido, compreendemos que o raciocínio
geográfico é algo complexo e é permeado dos conceitos que compõem a referida
ciência.
Desenvolvemos a pesquisa numa escola pública da rede estadual no município
de Barbacena- MG. Acompanhamos uma sala de 3º ano do ensino médio, o professor de
Geografia e 36 (trinta e seis) alunos. Portanto, cabe reforçar que nosso estudo está focado
na sala de aula, onde o evento de construção do raciocínio geográfico se dá, para
conhecermos como os objetos e conceitos da Geografia lá são construídos.
www.revistaedugeo.com.br 114
Construção do raciocínio geográfico…
[…] o habitual da vida cotidiana, mas por outro lado, também é por onde se
concretizam relações e processos globais. O lugar produz-se na relação do
mundial com o local, que é ao mesmo tempo a possibilidade de manifestação
do global e de realização de resistências à globalização (CAVALCANTI, 2008, p.
50).
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Metodologia
Ainda de acordo com esta autora, os estudos etnográficos são muito importantes
na área da educação, pois investigam “as ações e relações que configuram o dia a dia da
experiência escolar, para poder repensar os processos de formação e aperfeiçoamento
docentes, a fim de aproximar cada vez mais teoria e práticas pedagógicas” (idem, p. 7).
Abordaremos como elementos que compõem a pesquisa: o diário de campo, a entrevista
semiestruturada e a aplicação de questionário.
Nessa pesquisa acompanhamos um grupo de alunos e o professor de uma turma
de 3º ano do ensino médio deuma escola pública da rede estadual de ensino, no
município de Barbacena- MG. A coleta de dados aconteceu no segundo semestre de
2013, durante as aulas assistidas pelos pesquisadores; todas às sextas-feiras, no primeiro
e quinto horário, ou seja, em duas aulas semanais de 50 minutos, conforme estabelecido
pelo horário de aulas da turma.
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Aspectos Características
Quanto aos recursos Manipulam pouco o livro didático, não leem mapas e possuem
didáticos e leituras dificuldades para compreender a linguagem cartográfica, uma vez
geográficas. que não possuem e não manipulam atlas no ensino médio.
Quanto à escola básica, notamos que a maioria dos alunos sempre estudou em
escola pública. Consideramos que a escola pública pode ser uma escola que contribua
para o pleno desenvolvimento do aluno. Uma escola que construa um cidadão crítico e
consciente.
Quanto aos meios de comunicação, sabemos que nos dias atuais, as mídias
exercem enorme influência na vida dos jovens. Percebemos que para os alunos da sala
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Quanto à internet e seus usos, percebemos que os alunos possuem acesso à rede,
nela interagem (passam muitas horas conectados) e realizam pesquisas. Contudo, não
basta ter acesso, se o aluno não consegue interpretar e desvelar as informações.
Pontuschka et al. nos chama a atenção:
Os autores ainda ressaltam que os professores devem fazer uso das mídias,
levando aos alunos à compreensão da realidade em que vivem.
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Embora fiquem muitas horas assistindo TV, os alunos da turma pesquisada não
reconhecem na mídia televisiva as informações geográficas. Para Pontuschka et al.,
Para Passini,
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“território”. Sabemos que o território é parte do espaço geográfico, mas nossa grande
preocupação é: esses alunos estão findando suas trajetórias na Geografia Escolar e ainda
não conseguem reconhecer o principal objeto de estudo da ciência geográfica.
Diante desse evento, consideramos que o possível não reconhecimento do
“espaço” como principal objeto de estudo da Geografia pode ser por que ao longo de
todo o segundo semestre letivo (semestre no qual estivemos em campo), o principal
conceito estudado foi o “território”. Diante disso, percebemos que muitas vezes o aluno
passa por toda a Geografia escolar e pouco reconhece seus conceitos e objetos. Muitas
vezes, ele se lembra dos conteúdos, mas não dos conceitos que envolvem a ciência
geográfica. Não afirmamos que não existam relações entre os conceitos e conteúdos,
pelo contrário, acreditamos que é no rompimento da dicotomia entre ambos que se
efetiva a construção do raciocínio geográfico (e que essa construção é não linear).
Devemos ter em mente também que toda essa questão epistemológica que
envolve a ciência às vezes é obscura para o professor, quanto mais para o aluno.
Corroborando com essa discussão, Callai aponta que
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aprendizagem significativa dos alunos. Notamos que ele prepara as suas aulas e busca
alternar suas práticas; ora anotando, ora apresentando um conteúdo, ora realizando
tarefas e as corrigindo, ora observando as pesquisas realizadas pelos discentes. Portanto,
acreditamos que essa variedade de práticas possibilita a construção do raciocínio
geográfico na sala de aula.
Diante do grande compromisso do docente perante a turma, observamos as
discussões de Rego et al. que apontam:
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Geografia chamado de “Geografia humana”. Tão embora, o tema central das aulas no
segundo semestre do ano de 2013 tenha sido a globalização e o espaço geográfico
mundial, percebemos que a ênfase do espaço físico pouco se fez presente nas discussões.
Já o uso de caderno por parte dos discentes (para anotar dos apontamentos) era uma
prática corriqueira. Os alunos utilizaram o caderno para anotarem os apontamentos
passados no quadro (resumos ou tópicos), para realizarem as tarefas e para fazerem suas
pesquisas semanais. Percebemos que o professor realiza apontamentos no quadro com o
intuito de promover o registro das aulas e para orientar os discentes sobre o andamento
do conteúdo, conforme o plano de ensino apresentado.
Diante do exposto, parte da comunicação (mediação) entre o professor e os
alunos nessa turma foi realizada por meio das práticas orais, leituras e anotações.
Podemos considerar que o professor se apropria, na maioria das vezes, de aulas
expositivas.
Quanto ao aspecto de mediação, observamos que, é por meio do quadro (lousa)
que o professor organiza suas “falas” e orienta suas aulas (tema das aulas, exercícios,
tópicos que resumem acerca de um conteúdo etc.). Nesse sentido, acreditamos que o
docente constitui a sua aula e a “formaliza” de modo que demonstre o conteúdo
planejado. Embora busque estimular os estudantes, a maioria dos discentes participa
apenas como ouvinte. Diante disso, lembramos do que Paulo Freire chama de “educação
bancária”. Para ele,
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com a Geografia escolar e sentem-se pouco hábeis para lidarem com mapas e atlas. Não
conseguimos pontuar as ausências da leitura e alfabetização cartográfica, mas pontuamos
algumas que consideramos importantes: pouco uso de atlas e mapas por parte dos
professores, ausência de atlas e mapas no acervo das escolas, ausência de cartografia em
alguns documentos (como no CBC de Geografia), entre outros.
Porém, não basta ter um mapa, temos que saber alfabetizar cartograficamente.
Nesse sentido, Almeida aponta que
O valor do mapa está naquilo que o professor se propõe a fazer com ele.
Portanto, o mapa é um instrumento na mão do professor; é um modelo da
realidade que ele aplicará e adaptará às diversas situações e necessidades que
se apresentem durante as suas aulas, durante as suas relações didáticas com os
alunos (ALMEIDA, 2012, p. 23-24).
Considerações finais
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pois cada aula e cada sala de aula são únicas dentro de um universo de possibilidades.
Afinal, cada uma apresenta uma especificidade.
Percebemos que diante das práticas vividas durante as aulas, o professor ocupa
uma posição de destaque na mediação dos conteúdos e conceitos que efetivam a
construção do conhecimento e do raciocínio geográfico. Notamos que os saberes
disciplinares, curriculares e experienciais se fizeram presentes na sala de aula observada.
Verificamos que os apontamentos repassados aos alunos no quadro (lousa)
durante as aulas sempre serviram como complementação aos materiais disponíveis -
como, por exemplo, uma complementação ao livro didático - e como suporte para suas
aulas. Vimos que o docente sempre planeja suas aulas realizando pesquisas em diferentes
fontes, principalmente outros livros didáticos e internet - através de pesquisas livres em
diversos sítios eletrônicos. Cabe ressaltar que diante da enorme complexidade do
cotidiano do professor, ele preparava suas aulas nos finais de semana, o que demandava
muito tempo e limitava seus momentos de lazer.
Percebemos que os estudantes gostam da Geografia e a reconhecem como
importante para suas vidas, mas também são cientes que a Geografia escolar vivida ao
longo de suas trajetórias é bem limitada. Conforme já destacamos, nas análises do
questionário, a maioria deles mostra que em suas leituras (através das diferentes mídias:
TV, Internet, materiais impressos, entre outras) não reconhecem ou não reconhecem
facilmente as informações geográficas e sentem muitas dificuldades com a leitura
cartográfica. Nesse sentido, percebemos que um grande desafio a ser superado quanto à
alfabetização cartográfica é a leitura de mapas e atlas. A leitura de mapas é fundamental,
pois permite a compreensão da organização e a concepção de “espacialidade”.
Constatamos que o docente, mesmo diante das dificuldades e das realidades dos
alunos, buscou ser um “mediador” capaz de elencar os conteúdos e os conceitos da
Geografia, tão embora esses (principalmente os conceitos da ciência geográfica) ainda
estivessem tão obscuros e subentendidos em seu caráter formador e de formação. Vimos
que; tanto o professor quanto os alunos sentem dificuldades em reconhecer o “espaço”
como o principal objeto da ciência geográfica e que pouco conseguem identificar acerca
de outros conceitos fundamentadores da Geografia, como os conceitos de “território”,
“territorialidade”, “lugar”, “paisagem”, entre outros.
Durante a entrevista, sentimos que o professor deseja novos momentos, que
priorizem uma educação de qualidade. O mesmo gostaria de ser reconhecido como
importante para a sociedade e ter melhores condições de trabalho.
Notamos no campo que as atuações docente e discentes convergem em um
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ensino da Geografia ainda um pouco disperso, em que diferentes práticas ainda são
consolidadas. Ora vivencia-se uma aula tradicional e ora, uma aula crítica. Nesse
sentido, percebemos que o professor possibilita uma mediação através da prática
pedagógica mesclada e alternada. Ele manifesta preocupação em “proporcionar” uma
aula de qualidade e sempre respeitar as individualidades dos sujeitos envolvidos. Nesse
sentido, observamos que o professor tem um papel fundamental na construção do
raciocínio geográfico ao propor discussões, atividades e conteúdos que atendam às
especificidades dos sujeitos envolvidos e contribua para a formação cidadã e crítica,
efetivada na interação entre os alunos e entre eles e o próprio professor.
Quanto à oralidade estabelecida em sala de aula, observamos que, na maioria
das vezes, essa é praticada através dos diálogos estabelecidos. O docente posiciona-se
sempre de forma a ser o destaque da aula e o grande mediador da mesma. Diante disso,
devemos entender que a construção do raciocínio geográfico na escola básica deve
oferecer aos alunos “novos olhares”, fazendo com que todos compreendam de forma
crítica os elementos presentes na sociedade em que vivem.Portanto, é importante nos
atentarmos para o fato de que os conceitos da ciência geográfica devem proporcionar a
criticidade do mundo real através de uma formação cidadã, promovendo a compreensão
da multiplicidade do espaço geográfico.
Embora muitas vezes encontremos no campo educacional algumas contradições,
sejam nos documentos oficiais ou nas vivências dos professores, devemos ter em mente
que um dos principais objetivos da educação é promover a formação de um sujeito
crítico, no sentido pleno da palavra. Portanto, entendemos que devido à multiplicidade
de conceitos e objetos que é apresentada pela ciência geográfica, a mesma possa
contribuir para que o processo de construção da realidade se efetive.
Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Rosangela Doin de (Org.). Cartografia escolar. 2ed. São Paulo: Contexto, 2012.
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CALLAI, Helena Copetti. Estudar o lugar para compreender o mundo. In: CASTROGIOVANNI, A.
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Construção do raciocínio geográfico…
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