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625 - Compêndio de Epistemologia
625 - Compêndio de Epistemologia
625 - Compêndio de Epistemologia
COMITÊ EDITORIAL
Thadeu Weber
PUCRS, Brasil
COMPÊNDIO DE EPISTEMOLOGIA
Organizadores
Rogel Esteves de Oliveira
Kátia Martins Etcheverry
Tiegue Vieira Rodrigues
Carlos Augusto Sartori
Diagramação: Marcelo A. S. Alves
Capa: Lucas Margoni
Fotografia / Imagem de Capa: Frank Cone
673 p.
ISBN: 978-65-5917-625-0
DOI: 10.22350/9786559176250
CDD: 100
Índices para catálogo sistemático:
1. Filosofia 100
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 13
Kátia Martins Etcheverry
Carlos Augusto Sartori
Tiegue Vieira Rodrigues
1 15
ANÁLISE TRADICIONAL DO CONHECIMENTO
Carlos Augusto Sartori
2 23
ANULADORES
J.R. Fett
3 32
AUTOCONHECIMENTO
Doraci Engel
4 47
BAYESIANISMO
André Neiva
5 72
CETICISMO ACADÊMICO
Roberto Bolzani Filho
6 82
CETICISMO PIRRÔNICO
Plínio J. Smith
7 100
COERENTISMO
Carlos Augusto Sartori
8 114
CONHECIMENTO E CERTEZA EM WITTGENSTEIN
Nicola Claudio Salvatore
9 121
CONHECIMENTO FÁCIL
Tito Alencar Flores
10 131
CONHECIMENTO NO TEETETO DE PLATÃO
Anderson de Paula Borges
11 147
CONHECIMENTO PRÁTICO
Giovanni Rolla
12 159
CONHECIMENTO PRIMEIRO
Felipe Medeiros
13 168
CONSERVADORISMO FENOMÊNICO
Carlos Augusto Sartori
14 176
CONTEXTUALISMO
Tiegue Vieira Rodrigues
15 190
DEONTOLOGISMO EPISTÊMICO
Felipe de Matos Müller
16 201
EPISTEMOLOGIA COLETIVA: CRENÇAS COLETIVAS
José Leonardo Ruivo
Luiz Paulo Cichoski
17 220
EPISTEMOLOGIA COLETIVA: JUSTIFICAÇÃO E CONHECIMENTO
José Leonardo Ruivo
Luiz Paulo Cichoski
18 230
EPISTEMOLOGIA COMPUTACIONAL
Danilo Fraga Dantas
19 244
EPISTEMOLOGIA DA MEMÓRIA
Ricardo Rangel Guimarães
20 254
EPISTEMOLOGIA DA MODALIDADE
Danilo Fraga Dantas
21 268
EPISTEMOLOGIA DA PERCEPÇÃO
Eros Moreira de Carvalho
22 287
EPISTEMOLOGIA DA VIRTUDE
Kátia M. Etcheverry
23 303
EPISTEMOLOGIA DE PLATÃO
José Lourenço
24 313
EPISTEMOLOGIA DO A PRIORI
Gregory Gaboardi
25 341
EPISTEMOLOGIA DO TESTEMUNHO
Delvair Moreira
26 352
A EPISTEMOLOGIA DE ÉMILIE DU CHÂTELET
Mitieli Seixas da Silva
27 364
EPISTEMOLOGIA FORMAL
Luis Rosa
28 374
EPISTEMOLOGIA HEGELIANA
Agemir Bavaresco
Federico Orsini
29 398
EPISTEMOLOGIA KANTIANA
Renato Duarte Fonseca
30 417
EPISTEMOLOGIA MORAL
Carlos Augusto Sartori
31 434
EPISTEMOLOGIA NATURALIZADA
José Eduardo Pires Campos Júnior
32 445
EPISTEMOLOGIA SOCIAL
José Leonardo Ruivo
Luiz Paulo Cichoski
33 457
EQUILÍBRIO REFLEXIVO
Tiaraju Andreazza
34 467
ÉTICA DA CRENÇA
Eros Moreira de Carvalho
35 494
EXPERIMENTOS MENTAIS
Roberto Schmitz Nitsche
Tiegue Vieira Rodrigues
36 511
FUNDACIONALISMO CLÁSSICO
Kátia M. Etcheverry
37 524
FUNDACIONISMO MODERADO
Carlos Augusto Sartori
38 537
INFILTRAÇÃO PRAGMÁTICA
José Leonardo Ruivo
Tiegue V. Rodrigues
39 547
INFINITISMO
Tito Alencar Flores
40 561
INJUSTIÇA EPISTÊMICA
Breno R. G. Santos
41 584
NATUREZA DA JUSTIFICAÇÃO: INTERNALISMO VERSUS EXTERNALISMO
Kátia M. Etcheverry
42 601
PARADOXO DA LOTERIA
Felipe Medeiros
43 607
PARADOXO DO DOGMATISMO
Lucas Roisenberg Rodrigues
44 615
PARADOXO DO PREFÁCIO
Lucas Roisenberg Rodrigues
45 624
PROBABILIDADE EPISTÊMICA
André Neiva
46 648
PROBLEMA DE GETTIER
J.R. Fett
47 660
TEORIAS DA DERROTABILIDADE
J.R. Fett
COLABORADORES 672
APRESENTAÇÃO
Kátia Martins Etcheverry
Carlos Augusto Sartori
Tiegue Vieira Rodrigues
1
Proposição é o significado de uma sentença declarativa. Observe que sentença é uma estrutura
linguística própria de uma língua particular. “Há um gato branco no telhado” é uma sentença
(declarativa) da língua portuguesa. “There´s a white cat on the roof” é uma sentença (declarativa) da
língua inglesa. Essas sentenças são claramente diferentes. Mas ao serem utilizadas para se referir ao
mesmo gato e ao mesmo telhado, ambas vão produzir o mesmo significado. É esse mesmo significado,
aquilo que a sentença diz, que se chama proposição. Nesse caso, teremos duas sentenças declarativas,
mas apenas uma proposição.
2
“Conhecer” e “saber” são tratados como sinônimos: ambos se referem ao acesso cognitivo que temos
de alguma coisa. Na língua portuguesa, entretanto, não são intercambiáveis: dizemos “Eu conheço o
reitor”, mas não dizemos “Eu sei o reitor”; dizemos “Eu sei falar português”, mas não dizemos “Eu conheço
falar português”.
3
Em inglês, usa-se “knowledge by acquaintance”, que comumente se traduz por “conhecimento por
familiaridade”. Optamos por indicar esse tipo de conhecimento como “conhecimento por contato
cognitivo direto”.
16 • Compêndio de Epistemologia
universidade”, não expressa algo que seja verdadeiro ou falso, mas algo
(alguém) com quem S esteve, com quem conversou, que S pode
identificar entre várias outras pessoas e assim por diante. Certamente,
S poderia saber muitos fatos sobre o reitor da universidade, que se
traduziriam por proposições e, de alguma maneira, poderíamos dizer
que S conhece o reitor da universidade, mesmo sem ter encontrado o
reitor alguma vez. Mas, nesse caso, não se trata de conhecimento direto,
mas de conhecimento proposicional. Para S estar de posse de
conhecimento direto do reitor da universidade é preciso que ele tenha
encontrado o reitor. Outro uso do verbo “conhecer”/“saber” é aquele que
expressa habilidades, que se mostra no esquema “S sabe fazer x”, como
se vê em “S sabe andar de bicicleta”. Novamente, o objeto do
conhecimento, “andar de bicicleta”, não é verdadeiro ou falso, mas algo
que S tem a habilidade de executar. Novamente, S poderia descrever
como se faz para andar de bicicleta, sem que ele mesmo saiba andar de
bicicleta. Nesse caso, “saber andar de bicicleta” não implica “ter a
habilidade de andar de bicicleta”, que não é a distinção que pretendemos
fazer aqui. O conhecimento por habilidade que queremos enfatizar é
aquele que implica que S tem a referida habilidade. 4 Esses tipos de
conhecimento são distintos do conhecimento proposicional. Assim,
uma vez estabelecido o esquema geral de conhecimento “S sabe que p”,
cabe examinar em que condições esse esquema é verdadeiro, ou seja,
cabe analisar as condições que devem ser satisfeitas para S estar de
4
Além desses usos, temos aqueles cujo objeto é uma informação específica que S detém, mas que
também não expressa algo que seja verdadeiro ou falso: S sabe quem, S sabe quando, S sabe qual, etc.
“S sabe quem proclamou a independência do Brasil” indica que S sabe dizer o nome da pessoa que
proclamou a independência. O objeto do conhecimento, nesse caso, “quem proclamou a
independência do Brasil”, não expressa algo que seja verdadeiro ou falso: apenas indica que S tem essa
informação. É controverso se esse tipo de uso pode ser reduzido ao conhecimento proposicional.
Carlos Augusto Sartori • 17
5
Ver Lemos (2007, p. 2).
6
Note que somente proposições podem ser verdadeiras ou falsas. Quando falamos de crenças
verdadeiras ou crenças falsas, isso se deve tão somente ao fato de que o conteúdo de uma crença é
sempre uma proposição.
18 • Compêndio de Epistemologia
7
A justificação epistêmica é contrastada com outras justificações, que podemos chamar de
“prudenciais”: S pode ter razões morais, culturais, teológicas, etc., para crer que p, mas essas razões não
estão direcionadas à verdade da proposição.
8
A crença é um fator psicológico; a verdade, um fator semântico. Mas o que é relevante para a
racionalidade epistêmica são os fatores que nos fazem pensar que estamos formando crenças
verdadeiras: a justificação.
20 • Compêndio de Epistemologia
9
As razões de S devem tornar a crença provavelmente verdadeira, mas não precisam garantir a verdade
da crença. Portanto, não se requerem razões conclusivas.
10
Ver verbete ‘Teorias epistemológicas da derrotabilidade’, neste compêndio.
Carlos Augusto Sartori • 21
gatos, então S não tem mais razão para pensar que há um gato nos
arredores. Mas pode dar-se, também, que os anuladores sejam anulados
e a justificação seja restabelecida: o colega está ensaiando Cats, mas os
miados são, de fato, de gatos que estão às voltas.
A análise tradicional do conhecimento como crença verdadeira
justificada, amplamente aceita na história da filosofia, enfrentou um
sério desafio na filosofia contemporânea: os contraexemplos de Gettier.
Gettier (1963) apresentou dois casos em que S está de posse de crença
verdadeira justificada e, entretanto, não parece ser o caso que S esteja
de posse de conhecimento. A análise tradicional, portanto, não
apresenta as condições suficientes para S estar de posse de
conhecimento. A partir daí, apareceram muitas teorias que tentam
contornar o desafio lançado. Há aqueles que sugerem que a definição
está correta, mas não se pode admitir justificação para crenças falsas,
ou que é preciso complementar a análise com alguma outra condição.
Há aqueles que propõem que a definição não está correta e que a
condição de justificação é dispensável, devendo ser substituída por
alguma outra. E, ainda, há aqueles que sugerem que o conceito de
conhecimento é inanalisável. 11
REFERÊNCIAS
11
Ver o verbete ‘Problema de Gettier’, neste compêndio.
22 • Compêndio de Epistemologia
ICHIKAWA, J.; STEUP, M.. The analysis of knowledge. In: Stanford Encyclopedia of
Philosophy. (2017). Disponível em: <https://plato.stanford.edu/entries/knowledge-
analysis/>
PRITCHARD, D. What is this thing called knowledge? New York: Routledge, 2006.
ROLLA, G. Epistemologia. Uma introdução elementar. Porto Alegre: Editora Fi, 2018.
SHOPE, Robert K. Conditions and analyses of knowing. In: MOSER, P. K. (ed.). The
Oxford Handbook of Epistemology. New York: Oxford University Press, 2002, p. 25-
70.
Imagine que você pretende visitar a sua avó neste sábado e, então,
pergunta ao seu pai se ela estará em casa no dia em questão, pois o seu
pai costuma ser informado por ela sobre as suas eventuais saídas e
passeios, como uma medida de precaução e segurança devido à idade da
avó. O seu pai é, portanto, uma fonte confiável de testemunho sobre o
paradeiro da sua avó. Quando seu pai lhe diz que sua vó estará em casa
neste sábado, e você passa a crer nisso, você forma uma crença
justificada (por padrões internistas e externistas, supostamente). 1
Porém, imagine também que ao chegar à casa da sua avó, as portas e
janelas estão fechadas, ninguém atende à campainha e a vizinha de sua
avó, que costuma conversar muito com ela, lhe diz que ela precisou ir
emergencialmente ao centro da cidade trocar os seus óculos que haviam
quebrado. Essas evidências perceptuais, o testemunho da vizinha e a
confiabilidade dessas fontes (percepção e testemunho) constituem
contraevidências para a crença de que a sua avó está em casa neste
sábado e, portanto, tornam a sua crença injustificada. Nestas
circunstâncias, ceteris paribus, se você é um agente epistêmico racional,
você deixará de crer que sua avó está em casa – ou ao menos diminuirá
a sua confiança ou o seu grau de crença nesta proposição. Este é o efeito
da anulação epistêmica, a supressão da justificação epistêmica para
1
Veja o verbete ‘Natureza da justificação: Internalismo versus externalismo’neste volume.
24 • Compêndio de Epistemologia
2
Uma exceção é Timothy Williamson (2000), que reconheceu e procurou dar conta do fenômeno da
anulação da justificação mesmo em sua epistemologia infalibilista. Veja o verbete ‘Conhecimento
Primeiro’, neste compêndio.
J.R. Fett • 25
3
A propósito de anuladores enganadores, ficou conhecido na literatura como ‘o paradoxo do
dogmatismo’ um argumento engenhoso segundo o qual, se você sabe que p, então você está
autorizado a rejeitar contraevidências para p sem sequer considerá-las, uma vez que qualquer anulador
para um item de conhecimento será um anulador enganador. Veja (FETT, 2017) para uma exposição
crítica do paradoxo do dogmatismo.
28 • Compêndio de Epistemologia
4
Veja o verbete ‘Problema de Gettier’, neste compêndio.
30 • Compêndio de Epistemologia
GLOSSÁRIO
Overrider: Anulador.
Defeater: Derrotador.
5
Veja o verbete ‘Teorias da Derrotabilidade’, neste compêndio.
6
Uma possibilidade talvez igualmente prudente é a adoção da terminologia proposta por Michael
Sudduth (2020), que chama anuladores e derrotadores de ‘derrotadores de estado mental’ (mental state
defeaters) e ‘derrotadores proposicionais’ (propositional defeaters), respectivamente.
J.R. Fett • 31
BIBLIOGRAFIA INTRODUTÓRIA
FETT, J.R.V. Saul Kripke e o paradoxo do dogmatismo. Analytica, v. 21, n.1, p.227-243,
2017.
REFERÊNCIAS
FETT J.R.V. Saul Kripke e o paradoxo do dogmatismo. Analytica, v. 21, n.1, p.227-243,
2017.
WILLIAMSON, T. Knowledge and its limits. New York, NY: Oxford University Press,
2000.
3
AUTOCONHECIMENTO
Doraci Engel
1
Cassam critica o mainstream dos estudos filosóficos por se concentrar na suposta distintividade
epistêmica do autoconhecimento, negligenciando o que ele denomina de autoconhecimento
“substancial’ envolvendo valores e disposições, que, segundo ele, é o que realmente importa “em um
sentido prático ou moral” (Cassam 2015, p.31).
Doraci Engel • 33
2
Boghossian (1998a, p. 7).
34 • Compêndio de Epistemologia
3
Note-se que a tentativa de encontrar resposta para esses problemas tradicionais é justamente o que
distingue as diferentes teorias e motiva o debate contemporâneo sobre o tema.
Doraci Engel • 35
QUADROS TEÓRICOS
4
Eis um dos aforismos de Wittgenstein contestando a possibilidade de uma linguagem privada:
“Imagine alguém dizendo: ‘Mas eu sei minha altura!’ levantando sua mão para o alto de sua cabeça para
prová-lo” (Wittgenstein 1953, §279).
5
Ryle (1949, p. 194-195).
36 • Compêndio de Epistemologia
ACESSO PRIVILEGIADO
6
Uma das interpretações usuais do “argumento da linguagem privada”, contido nas Investigações
Filosóficas, é que saber o que estou pensando não pode ser comparado com o tipo de conhecimento
que temos quando dizemos que sabemos o que os outros estão pensando. “Posso saber o que alguém
está pensando, não o que eu estou pensando” (Wittgenstein 1953, §315).
7
De acordo com uma conhecida objeção de Ryle, o conhecimento de primeira pessoa não é mais
seguro, epistemicamente, do que o conhecimento de terceira pessoa. “Meus relatos sobre mim mesmo
estão sujeitos aos mesmos tipos de defeitos que os meus relatos sobre você” (Ryle 1949, p. 194).
Doraci Engel • 37
ACQUAINTANCE
8
Cf. Cassam (2010). John Locke é considerado o precursor deste modelo. A sua ideia de que somos
dotados de um “sentido interior”, que nos permite acessar as operações e conteúdos mentais, foi
retomada, em diferentes versões, por autores como David Armstrong (1994) William Lycan (1996), Alvin
Goldman (2006) e Jordi Fernández (2003), entre outros.
9
A teoria de conhecimento por familiaridade é associada historicamente a Bertrand Russel.
38 • Compêndio de Epistemologia
A relação entre uma sensação e uma crença não pode ser lógica, já que
sensações não são crenças ou outras atitudes proposicionais. O que então é
essa relação? A resposta é, penso eu, óbvia: essa relação é causal. Sensações
causam algumas crenças e neste sentido são a base ou fundamento dessas
crenças. Mas uma explicação causal de uma crença não mostra que ou por
que a crença é justificada. (DAVIDSON, 2001, p. 143)
10
Fumerton (2006, p. 63).
11
Um tipo de conhecimento direto que se dá pelo ato de apontar ou mostrar o objeto a ser conhecido.
12
Armstrong (1968/1993, p. 324).
13
Idem, p. 326.
40 • Compêndio de Epistemologia
AUTOCONHECIMENTO E RACIONALIDADE
14
“Paradoxo de Moore” é o nome dado por Wittgenstein a um tipo de irracionalidade epistêmica
apontada por G.E.Moore. São proposições que, na versão original, assumem a forma de p, mas eu não
creio que p, que embora não sejam contraditórias do ponto de vista lógico, são, segundo Moore,
“absurdas” quando asseridas. Do ponto de vista da racionalidade epistêmica essa “absurdidade” é
identificada usualmente com um caso de autorrefutação, já que a crença p, mas eu não que creio que
p, envolve necessariamente uma falsidade no meu sistema de crenças. Isto porque crer na conjunção
(p, mas eu não creio que p) falsifica o segundo conjunto da conjunção, segundo o qual eu não creio
que p. Para uma análise detalhada do Paradoxo de Moore ver De Almeida (2001).
Doraci Engel • 41
errado com asserções do tipo “está chovendo, mas eu não acredito que
está chovendo”, considerando que ambas as sentenças podem ser
verdadeiras. Pode ser verdadeiro que está chovendo e pode ser
verdadeiro que eu não acredito que está chovendo. 15 Segundo ele,
criaturas racionais quando percebem que suas atitudes não estão
alinhadas com suas razões tratam de fazer alguma coisa para resolver a
tensão. Shoemaker pensa que este é um comportamento constitutivo
(faz parte do conceito do que é ser racional), enquanto que outros, como
Burge (1988) e Moran (2001), ressaltam que esse é requerimento
essencialmente normativo. Para os teóricos do modelo racionalista, o
autoconhecimento se restringe a estados mentais que envolvem
atitudes proposicionais (crenças, desejos e intenções) que podem ser
suportadas (ou derrotadas) por razões. A ideia básica é a de que, como
essas atitudes estão amarradas - em geral, normativamente - às razões
que as justificam, podemos orientar nossas próprias atitudes
considerando diretamente nossas razões. São minhas razões que
conferem um valor positivo às minhas atitudes, tornando-as
justificadas. De tal modo, que se eu violar as normas que ajustam
minhas atitudes às minhas razões - que a evidência suporta a crença,
que as intenções exibam coerência de meios e fins, e assim por diante
eu simplesmente falho em avaliar corretamente minhas razões e, como
consequência, não posso conhecer minhas próprias atitudes. Embora,
em geral, compartilhem a visão kantiana de que nossas atitudes
proposicionais são moldadas pela deliberação racional, e que nosso
contato com essas atitudes é uma necessidade lógica, não-
observacional, algumas abordagens (Moran 2001) sustentam, além
15
Schoemaker (1994, p. 282).
42 • Compêndio de Epistemologia
[....] se alguém me perguntar ‘você acredita que haverá uma terceira guerra
mundial?’, eu devo responder atentando para precisamente o mesmo
fenômeno externo que eu iria atentar ao responder à questão ‘haverá uma
terceira guerra mundial? (EVANS, 1982, p. 225)
O DESAFIO DO EXTERNALISMO
16
O argumento tem a forma de um de um experimento de pensamento: Oscar e seu irmão gêmeo, que
vive em uma terra gêmea, compartilham as mesmas características individuais no que diz respeito a
percepção, comportamento e ao funcionamento dos seus sentidos. Quando Oscar usa a palavra “água”
ele se refere a um líquido na temperatura ambiente que os usuários da sua língua reconhecem como
Doraci Engel • 43
BIBLIOGRAFIA INTRODUTÓRIA
expressando a substância água. Assim também Oscar-gêmeo. A diferença está na estrutura molecular
da substância água. Na terra-gêmea, o líquido na temperatura ambiente que seus habitantes identificam
como água não tem a composição H2O, mas XYZ. Ou seja, há aparentemente uma diferença no
conteúdo do estado mental de ambos, que deriva das diferenças entre os ambientes externos nos quais
Oscar e Oscar-gêmeo estão inseridos.
44 • Compêndio de Epistemologia
REFERÊNCIAS
BOGHOSSIAN, P. What the externalist can know a priori. In: WRIGHT, C.; SMITH, B. C.;
MACDONALD, C. (eds.). Knowing our own minds. Oxford: Oxford University Press,
1998b, p. 271-284.
DAVIDSON, D. Knowing One's Own Mind. In: CASSAM, Q. (ed.). Self-Knowledge. Oxford:
Oxford University Press, 1994, p. 43-64.
EVANS, G. The Varieties of Reference. (ed. John McDowell). Oxford: Oxford University
Press, 1982.
FELDMAN, R. Foundational Justification. In: GRECO, J. (ed.). Ernest Sosa and His Critics.
Malden, MA: Blackwell, 2004, p. 42-58.
LYCAN, W. Consciousness and Experience. Cambridge, MA: MIT Press (Bradford), 1996.
PUTNAM, H. The meaning of ‘meaning’. In: PUTNAM, H (ed.). Mind, Language, and
Reality: Philosophical Papers, v. 2, Cambridge University Press, 1975, p. 215-271.
46 • Compêndio de Epistemologia
INTRODUÇÃO
1
I. J. Good organiza e baseia o seu cálculo em sua tipologia com onze aspectos centrais das abordagens
bayesianas. Embora isso seja uma aproximação, talvez existam outras tantas variedades além das que
Good imaginou, sobretudo se considerarmos as diversas propostas de bayesianismo que figuram tanto
na ciência como na literatura filosófica contemporânea.
2
Ver Weisberg (2011) para uma visão geral sobre as variedades de bayesianismo presentes na literatura
filosófica e a ideia de um continuum de posições bayesianas. Ver também o verbete “Probabilidade
Epistêmica” disponível neste volume.
André Neiva • 49
TEORIA DA PROBABILIDADE
pr(P) ≥ 0;
pr(⏉) = 1 para qualquer tautologia ⏉ ∈ L;
pr(P ∨ R) = pr(P) + pr(R) – pr(P ∧ R).
pr(P ∧ E)
pr(P| E) =
pr(E)
3
Uma função de probabilidade condicional é uma função de dois lugares, nomeadamente, pr(⦁ | ⦁) : L
× Lpr ⟶ ℝ, sendo que todas as proposições em Lpr possuem probabilidade diferente de 0, restringindo
o domínio do condicionante (no segundo argumento). Quando a distribuição de probabilidade
condicional é tomada como básica, essa limitação é abandonada. Assim, pr(P | E) é definida mesmo que
pr(E) = 0. O problema do denominador de valor zero, entre outros, é discutido por Hájek (2003). Ele
defende que devemos inverter a ordem de análise: as probabilidades condicionais, não as categóricas,
devem corresponder à noção mais básica.
André Neiva • 51
pr(P) × pr(E | P)
pr(P | E) =
pr(E)
4
O teorema de Bayes remonta ao trabalho seminal do pastor presbiteriano e matemático inglês Thomas
Bayes (c. 1701-1761). Em sua obra “Um Ensaio buscando resolver um Problema na Doutrina das
Probabilidades”, Bayes forneceu uma demonstração de uma versão similar à formulação contemporânea
de tal teorema. Esse ensaio foi postumamente publicado e apresentado por Richard Price na Royal
Society de Londres em 1763. Está integralmente disponível em um volume da Oxford University Press,
editado e organizado por Richard Swinburne (2002). Uma bela e informativa apreciação da contribuição
da obra de Bayes está disponível em John Earman (1992, cap. 1).
52 • Compêndio de Epistemologia
PROBABILISMO
5
Ou seja, usando o nosso exemplo, significa que ζ × pr(P) – ε × pr(¬P), o que torna pr(P) = ε/(ζ + ε).
54 • Compêndio de Epistemologia
o prêmio de R$1, segue-se que bq(P ∨ R) = 0.5, uma vez que bq(P ∨ R) = 1
− bq(¬P ∧ ¬R). Qualquer que seja o resultado, S terá perda garantida se
decidir aceitar esse conjunto de apostas. Na tabela abaixo, as linhas
designam diferentes estados possíveis do mundo e cada coluna
representa uma aposta particular:
6
Isso é conhecido como teorema do Dutch Book. O teorema reverso mostra que se os quocientes de um
agente S satisfazem o cálculo de probabilidades, então não há um conjunto de apostas (baseado nos
seus quocientes de aposta) que resulta em perda garantida para S. Uma demonstração deste último
está disponível em Kemeny (1955).
André Neiva • 55
7
Mais informações em Weisberg (2011), Vineberg (2022) e Pettigrew (2020). É importante ressaltar que
existem algumas propostas que tentam despragmatizar o argumento do Dutch Book. A esse respeito,
ver Christensen (2004) e Vineberg (2022).
8
Ver também Joyce (2009) e Pettigrew (2016 e 2019).
56 • Compêndio de Epistemologia
9
Ver Fitelson e McCarthy (2015).
André Neiva • 57
(1 − 𝛼𝛼)2 quando 𝑖𝑖 = 1,
𝔮𝔮(𝑖𝑖, 𝛼𝛼) = �
𝛼𝛼 2 quando 𝑖𝑖 = 0.
10
Essa medida foi originalmente sugerida pelo meteorologista Glenn W. Brier (1950) como uma forma
de determinar a acurácia ou precisão de predições probabilísticas acerca do tempo. Mais informações
sobre o seu uso em epistemologia podem ser encontradas em Joyce (1998) e Pettigrew (2016).
11
Pettigrew (2016) define a medida quadrática como 𝔮𝔮 ∶ {0,1} × [0,1] → [0, ∞], o que torna possível que
crenças graduais tenham grau infinito de inacurácia. Infelizmente, não temos espaço para avaliar e
discutir a plausibilidade dessa proposta.
58 • Compêndio de Epistemologia
12
Há um debate importante sobre que tipo de princípio da teoria da decisão podemos apropriadamente
aplicar ao contexto epistêmico. Não temos espaço suficiente para discutir isso em detalhes neste
pequeno texto. É fundamental destacar, contudo, que o princípio de dominância não-dominada
constitui uma das melhores alternativas entre todas as opções disponíveis (assim como os princípios de
dominância imodesta e dominância deontológica). Ver Pettigrew (2016, cap. 2) para um exame
minucioso acerca dessa discussão. Ver também Easwaran e Fitelson (2012).
André Neiva • 59
13
O teorema principal demonstrado por Joyce (1998) é uma versão generalizada da primeira parte do
resultado obtido por de Finetti (1974). Mais informações e detalhes dos resultados formais podem ser
encontrados em Pettigrew (2016).
60 • Compêndio de Epistemologia
CONDICIONALIZAÇÃO
14
Uma partição é definida como um conjunto que contém proposições mutuamente excludentes e
conjuntamente exaustivas. Portanto, uma partição possui exatamente uma proposição verdadeira.
15
Os subscritos 1 e 2 nas distribuições são usados justamente para indicar momentos ou períodos de
tempos diferentes. A função pr 2 representa o grau de crença que o agente deve adotar após incluir E no
seu estoque de conhecimento.
André Neiva • 61
𝑛𝑛
16
A igualdade é o caso quando ambas as regras ℛC e ℛ𝐶𝐶∗ correspondem ao princípio da
condicionalização estrita. Ver Pettigrew (2016, cap. 14) para mais informações acerca de tal resultado
formal.
André Neiva • 63
Além das teses (1), (2) e (3), muitos autores sugerem que precisamos
acrescentar um conjunto mais amplo de princípios e normas ao
bayesianismo. Ou seja, os axiomas de probabilidade e a regra da
condicionalização estrita - ou, alternativamente, a regra de Jeffrey - são
condições individualmente necessárias, mas não formam um conjunto
suficiente de restrições normativas sobre como deve ser a estrutura das
crenças graduais de agentes racionais. Agentes podem ter atitudes bem
distintas, ainda que estejam em posse da mesma evidência. Para se
afastar desse subjetivismo, devemos aceitar outras normas. Falaremos
brevemente de algumas delas.
O princípio da indiferença pode ser interpretado como um tipo de
restrição normativa: se S não possui nenhuma razão que favorece
alguma hipótese particular de uma partição A, então os seus graus de
17
Ver também Easwaran (2013).
64 • Compêndio de Epistemologia
18
Ver Hájek (2003) para mais discussão envolvendo o princípio da regularidade.
André Neiva • 65
PROBLEMAS E DESAFIOS
19
Em contraste com a visão tradicional em epistemologia, Moss (2018) argumenta que o objeto (ou o
conteúdo) das crenças é, na verdade, constituído por conteúdos probabilísticos, não proposições. Para
ela, crença simpliciter e graus de crença possuem conteúdos complexos, mesmo embora esses dois tipos
de atitude correspondam a estados mentais simples.
66 • Compêndio de Epistemologia
GLOSSÁRIO
20
Mais informações sobre o problema das probabilidades iniciais (priors) podem ser encontradas no
verbete “Probabilidade Epistêmica” disponível neste volume.
68 • Compêndio de Epistemologia
BIBLIOGRAFIA INTRODUTÓRIA
HÁJEK, A.; HITCHCOCK, C. Probability for Everyone-even for Philosophers. In: HÁJEK,
A.; HITCHCOCK, C. (eds.). The Oxford Handbook of Probability and Philosophy.
Oxford: Oxford University Press, 2016, p. 5-32.
REFERÊNCIAS
DE FINETTI, B. Foresight: Its Logical Laws, its Subjective Sources. In: KYBURG, H.;
SMOKLER, H. (eds.). Studies in Subjective Probability. New York: Wiley, 1964, p. 93-
159.
André Neiva • 69
DE FINETTI, B. Theory of Probability, volume I. New York: Wiley & Sons, 1974.
ERIKSSON, L.; HÁJEK, A. What are Degrees of Belief? Studia Logica, v. 86, n. 2, p. 183-
213, 2007.
FOLEY, R. Beliefs, Degrees of Belief, and the Lockean Thesis. In: HUBER, F.; SCHMIDT-
PETRI, C. (eds.). Degrees of Belief (Synthese Library, v. 342). Dordrecht: Springer,
2009, p. 37-47.
HÁJEK, A. What Conditional Probability could not be. Synthese, v. 137, n. 3, p. 273-323,
2003.
JACKSON, E. The Relationship between Belief and Credence. Philosophy Compass, v. 15,
n. 6, 2020.
JAYNES, E. T. Information theory and statistical mechanics II. The Physical Review, v.
108, n. 2, p. 171-190, 1957b.
JEFFREY, R. C. The Logic of Decision. 2ª ed. Chicago: University of Chicago Press, 1983.
KEMENY, J. G. Fair Bets and Inductive Probabilities. The Journal of Symbolic Logic, v.
20, n. 03, p. 263-273, 1955.
LAPLACE, P. S. A Philosophical Essay on Probabilities. New York: John Wiley & Sons,
1902 [1825].
PETTIGREW, R. Accuracy and the Laws of Credence. Oxford: Oxford University Press,
2016.
PETTIGREW, R. Epistemic Utility Arguments for Probabilism. In: ZALTA, E. (ed.). The
Stanford Encyclopedia of Philosophy (2019). Disponível em: <http://plato.
stanford.edu/entries/epistemic-utility/>
VAN FRAASSEN, B. Belief and the Will. The Journal of Philosophy, v. 81, n. 5, p. 349-377,
1984.
VINEBERG. S. Dutch Book Arguments. In: ZALTA, E. (ed.). The Stanford Encyclopedia of
Philosophy (2022). Disponível em: <https://plato.stanford.edu/entries/dutch-book>
WEISBERG, J. Varieties of Bayesianism. In: GABBAY, D.; HARTMANN, S.; WOODS, J. (ed.).
Handbook of the History of Logic (v. 10, Inductive Logic). Amsterdam: North-
Holland, 2011, p. 477-551.
5
CETICISMO ACADÊMICO
Roberto Bolzani Filho
1
Para um painel histórico e datas aproximadas, ver o verbete Ceticismo pirrônico.
Roberto Bolzani Filho • 73
2
Hipotiposes pirrônicas I, 1-4, 220-35; Contra os lógicos I, 150-89.
74 • Compêndio de Epistemologia
3
Glucker (1978), Ioppolo (1986), Lévy (1992).
Roberto Bolzani Filho • 77
GLOSSÁRIO
Para leituras introdutórias sobre o ceticismo antigo em geral, ver o verbete “Ceticismo
pirrônico”, neste compêndio.
REFERÊNCIAS
COUISSIN, P. L’origine et l’évolution de l’epoche. Revue des Études Grecques, v. 42, 1929.
Ora, como a lógica é a área que contém a teoria dos critérios e das
demonstrações, fazemos dela o nosso ponto de partida” (M 7.24). Se não
dispusermos de um critério de verdade, nem seria preciso investigar as
outras partes da filosofia para suspender o juízo, porque seríamos em
princípio incapazes de reconhecer a verdade em qualquer uma delas. O
privilégio da epistemologia, portanto, se deve, em boa parte, à posição
defendida pelos pirrônicos.
Deve-se reconhecer, entretanto, que a epistemologia foi uma
preocupação constante das filosofias dogmáticas. Segundo Sexto, a
filosofia começou justamente quando, a partir de Tales (c. 620-546 a.C.),
os dogmáticos questionaram os critérios comuns de verdade e
propuseram outros em seu lugar, pois, atacando os sentidos e
defendendo a razão, inauguraram a investigação do critério de verdade
(M 7.89). Para os dogmáticos, esses critérios de verdade da vida comum
sequer seriam, propriamente falando, critérios (PH 2.15; M 7.33).
Também na teoria da demonstração, Sexto diz que os dogmáticos
atacam o signo comemorativo aceito pela vida comum e propõem o
signo indicativo (PH 2.100-102; M 8.157-158). O signo comemorativo é
aquele que, graças à observação de uma conjunção entre dois
fenômenos associados na experiência, como fumaça e fogo ou como um
corte e a cicatriz, podemos inferir um com base no outro; o signo
indicativo é aquele que permitiria inferir algo não-evidente a partir de
um fenômeno, como os poros a partir do suor. Além disso, os
dogmáticos formulam uma definição própria de prova (ou
demonstração), que seria: a) um argumento; b) conclusivo; c)
verdadeiro; d) que tem uma conclusão não-evidente; e) a qual é revelada
pelas premissas (PH 2.134-143; M 8.300-315). Em outros tópicos
86 • Compêndio de Epistemologia
GLOSSÁRIO
antilogia: contra-argumentação.
antirresis: contra-discurso.
arkhé : princípio.
dúnamis: habilidade.
elengkhós: refutação.
haíresis:doutrina.
isosthéneia: equipolência.
phainómenon: fenômeno.
BIBLIOGRAFIA INTRODUTÓRIA
BETT, R. Pyrrho, His Antecedents and His Legacy. Oxford: Oxford University Press,
2000.
BROCHARD, V. Os céticos gregos. (Tradução de Jaimir Conte) São Paulo: Odysseus, 2009.
PORCHAT, O. Sobre o que aparece. In: Rumo ao ceticismo. São Paulo: Editora da UNESP,
2006.
REFERÊNCIAS
BARNES, J. The beliefs of a Pyrrhonist. In: BURNYEAT, M.; FREDE, M. (eds.). The original
sceptics: a controversy. Indianapolis/Cambridge: Hackett Publishing Company,
1998, p. 58-91. (Reimpressão do “Proceedings of the Cambridge Philological Society”,
NEW SERIES, n. 28 (208), p. 1-29, 1982)
BOLZANI FILHO, R. Acadêmicos versus pirrônicos. São Paulo: Alameda Editorial, 2013.
BURNYEAT, Myles. Can the Sceptic Live His Scepticism? In: BURNYEAT, M.; FREDE, M.
(eds.). The original sceptics: a controversy. Indianapolis/Cambridge: Hackett
Publishing Company, 1998. p. 25-57. (Reimpressão de SCHOFIELD; BURNYEAT;
BARNES (eds.). “Doubt and dogmatism: Studies in Hellenistic Epistemology”.
Oxford: Clarendon Press, 1980)
FREDE, M. The Sceptic’s Belief. In: BURNYEAT, M.; FREDE, M. (eds.). The original
sceptics: a controversy. Indianapolis/Cambridge: Hackett Publishing Company,
1998, p. 1-24.
1
S é qualquer sujeito epistêmico e p qualquer proposição objeto do conhecimento de S, isto é, qualquer
proposição que S sabe ser verdadeira.
2
Assumimos a definição tradicional de conhecimento como crença verdadeira justificada. Teremos,
todavia, que considerar o problema de Gettier, segundo o qual a definição tradicional não apresenta
condições suficientes para S estar de posse de conhecimento.
3
Ver o verbete ‘Análise do conhecimento’, neste compêndio.
4
Ver os verbetes ‘Fundacionalismo Clássico’ e ‘Fundacionismo Moderado, neste compêndio.
5
O regresso epistêmico também é referido como Trilema de Agrippa ou Trilema de Münchhausen.
Carlos Augusto Sartori • 101
6
À primeira vista, apenas, porque há teóricos que não consideram o regresso ao infinito uma alternativa
implausível. Ver o verbete ‘Infinitismo’, neste compêndio.
7
Ver os verbetes “Fundacionalismo Clássico” e “Fundacionismo Moderado”, neste compêndio. As
experiências de que se trata são as experiências sensoriais, mnemônicas, introspectivas e as puramente
intelectuais.
102 • Compêndio de Epistemologia
8
Também conhecido como Dilema de Sellars-BonJour.
9
Os fundacionistas têm respostas a esse dilema, tanto por considerar não problemático admitir que
experiências tenham conteúdo proposicional (por exemplo, Steup, 2001), ou sustentando que não se
trata de que as experiências transmitem justificação, mas de geração de justificação (como Audi, 2001 e
2011). Sobre isso, ver Sartori (2009).
O sistema doxástico ou sistema de crenças do sujeito é o conjunto de todas as crenças que esse sujeito
10
mantém.
11
BonJour, (2000, p.130).
Carlos Augusto Sartori • 103
12
Ver Huemer (2010, p. 23). Huemer escreve: “A system of beliefs is said to cohere well when it is
consistent, many of the beliefs in the system are mutually sdupporting (that is, entail each other or
render each other probable), and the system contains few or none anomalies (claims that have no
104 • Compêndio de Epistemologia
explanation within the system). Ver, também, Steup (1998, p. 117ss.), em que também são descritos,
como elementos atribuídos à coerência, a consistência, o acarretamento e as relações explanatórias.
13
Essa possibilidade não exige que de fato todas as crenças sejam verdadeiras ao mesmo tempo.
Carlos Augusto Sartori • 105
14
A crença (C9) é falsa, mas, por ser uma proposição contingente, ela poderia ser verdadeira e o seu
acréscimo ao conjunto manteria a possibilidade de todas as crenças serem verdadeiras ao mesmo
tempo.
106 • Compêndio de Epistemologia
15
Uma proposição condicional é verdadeira quando ou o antecedente é falso ou o consequente é
verdadeiro.
16
Uma disjunção é verdadeira desde que um dos disjunctos seja verdadeiro.
Carlos Augusto Sartori • 107
17
Não será discutida aqui a objeção de que existem aceitações que não são crenças e nem a objeção de
que a exigência de ascensão de nível é implausível por se tratar de uma atitude sofisticada demais para
requerê-la nos processos de formação de crenças.
Embora BonJour tenha sido um dos grandes expoentes do coerentismo, mais tarde (2002) ele assume
18
BIBLIOGRAFIA INTRODUTÓRIA
BONJOUR, L. The dialectic of Foundationalism and Coherentism. In: GRECO, J.; SOSA, E.,
(eds.). The Blackwell guide to epistemology. Oxford: Blackwell Publishers, 1999, p.
117-42.
REFERÊNCIAS
HUEMER, M. Foundations and coherence. In: DANCY, J.; SOSA, E.; STEUP, M. (eds.). A
companion to epistemology. 2ª. ed. Malden, MA: Wiley-Blackwell, 2010, p. 22-33.
LEHRER, K. The coherence theory of knowledge. In: BERNECKER, S.; DRETSKE, F. (eds.).
Knowledge: Readings in contemporary epistemology. New York: Oxford University
Press, 2000, p. 149-165.
1
Ver Malcolm (1949), Clarke (1973) e Stroud (1984).
Nicola Claudio Salvatore • 117
Se você não tem certeza de nenhum fato, também não pode ter certeza do
significado de suas palavras [...]. Se você tentasse duvidar de tudo, não
chegaria a duvidar de nada. O jogo da dúvida em si pressupõe certeza (OC
114-115).
Ou seja, as questões que levantamos e nossas dúvidas dependem do fato de
algumas proposições estarem isentas de dúvida, são como dobradiças nas
quais aqueles se voltam [...]. Mas não é que a situação seja assim :
Simplesmente não podemos investigar tudo e, por esse motivo, somos
forçados a permanecer satisfeitos com a suposição. Se eu quiser que a porta
se vire, as dobradiças devem ficar colocadas (OC 341-343).
REFERÊNCIAS
COLIVA, A. Moore’s Proof and Martin Davies’ epistemic projects. Australasian Journal
of Philosophy, v. 88, n.1, P. 101-116, 2009.
COLIVA, A. Moore’s Proof, liberals and conservatives. Is there a third way? In: COLIVA,
A. (ed.). Mind, Meaning and Knowledge. Themes from the Philosophy of Crispin
Wright. Oxford: Oxford University Press, 2012. p. 323-351.
2
Ver Moyal-Sharrock (2013) e Pritchard e Boult (2013). Ver também Salvatore (2015).
120 • Compêndio de Epistemologia
WILLIAMSON, T. Knowledge and Its Limits. Oxford: Oxford University Press, 2000.
WILLIAMS, M. Wittgenstein, truth and certainty. In: KOLBEL, M.; WEISS, B. (eds.).
Wittgenstein’s lasting significance. London: Routledge, 2004b.
WRIGHT, C. Facts and Certainty. Proceedings of the British academy, v. 71, p. 429-72, 1985.
1
A primeira menção ao “problema do conhecimento fácil” ocorre em Cohen (2002).
2
Apesar de o termo “conhecimento” ser utilizado durante todo este ensaio, o problema se aplica
igualmente à justificação epistêmica.
122 • Compêndio de Epistemologia
3
Esse exemplo é uma paráfrase do apresentado por Cohen (2002).
Tito Alencar Flores • 123
4
Para uma análise inicial do princípio do fechamento epistêmico cf. Luper (2012) e Klein (2004).
124 • Compêndio de Epistemologia
5
O alvo inicial da acusação de permitir conhecimento fácil era o confiabilismo. Cf. Vogel (2002).
Tito Alencar Flores • 125
6
Ao leitor que considera insólita a noção mesma de conhecer sem saber que se conhece, a discussão
sobre o problema do conhecimento fácil será reveladora: a rejeição de exigências meta-epistêmicas,
que tem como resultado um enfraquecimento dos ideais de reflexividade que deveria possuir um sujeito
para conhecer algo, não é exclusividade do externalismo epistêmico. Cf. Bergmann, (2000) e Fumerton
(1995).
7
Esse exemplo é uma paráfrase do apresentado por Vogel (2000). Por sua vez, o de Vogel é semelhante
ao exemplo de Williams1(995).
126 • Compêndio de Epistemologia
muito fácil que o sujeito consiga sair do pântano no qual estava metido
puxando seus próprios cabelos, também parece muito fácil que o sujeito
ganhe conhecimento da confiabilidade da sua visão apenas através do
uso da própria visão.
É possível insistir na indagação sobre a justificação do motorista
para aceitar a conjunção “eu vejo que o semáforo está vermelho e o
semáforo está vermelho”. Dada a suposição de que a introspecção é um
processo confiável de formação de crenças, o primeiro conjunto está
justificado. A justificação para o segundo conjunto é conferida pelo fato
de que, segundo qualquer teoria que aceita a tese do conhecimento
básico, ele sabe que o semáforo está vermelho. Como no caso descrito
anteriormente, o sujeito não poderia usar como premissa para um
argumento subsequente o enunciado “eu sei que o semáforo está
vermelho”. Porém, como “o semáforo está vermelho” é algo que ele sabe,
ainda que não saiba que sabe, ele está autorizado a usar o enunciado “o
semáforo está vermelho” como premissa para outro argumento.
Portanto, o sujeito está autorizado a utilizar aquela conjunção como
premissa para outros argumentos.
Assim, o motorista chega impecavelmente à conclusão de que, num
dado momento, sua visão funciona apropriadamente. Com a repetição
do mesmo procedimento, ele ganha evidência indutiva para crer que sua
visão funciona adequadamente em geral.
Como o raciocínio do motorista é irrepreensível, temos que decidir
entre aceitar que não há nada de errado com todo o procedimento, e
com as consequências por ele geradas, ou abandonar a suposição inicial,
aquela que permite que um indivíduo adquira conhecimento sem saber
que a fonte da sua crença é confiável.
128 • Compêndio de Epistemologia
8
Essa é uma interpretação comum do problema do conhecimento fácil. Cf. Van Cleve (2003) e Markie
(2005).
Tito Alencar Flores • 129
BIBLIOGRAFIA INTRODUTÓRIA
REFERÊNCIAS
COHEN, S. Basic Knowledge and the Problem of Easy Knowledge. Philosophy and
Phenomenological Research, v. 65, p. 309–29, 2002.
LUPER, S. The Epistemic Closure Principle. In: ZALTA, E. (ed.). The Stanford
Encyclopedia of Philosophy (2012). Disponível em: <https://plato.stanford.edu/
entries/closure-epistemic/>
1
Esse termo pode ser traduzido por ‘conhecimento’ ou ‘ciência’. Ocasionalmente, Platão usa o termo
‘sophia’ (sabedoria) para se referir à concepção filosófica de conhecimento. Quando usado neste
sentido, o termo sophia é intercambiável com epistêmê.
2
Logos, em Teeteto 201d-210d, pode ser traduzido por ‘razão’, ‘definição’, ‘explicação’, ‘justificação’, entre
outras opções. Preferimos manter o termo sem tradução, já que qualquer opção requer uma
interpretação dos principais pontos argumentados em 201c-210d, o que foge ao escopo da presente
proposta. Uma análise compreensiva das diferentes interpretações dessa seção pode ser encontrada em
BURNYEAT, 1990, p. 128-241.
3
Cf. Teeteto 146c-147e.
4
Cf. Teeteto 151e-186e.
5
Cf. Teeteto 187e-201c.
6
Cf. Teeteto 201c-210d.
132 • Compêndio de Epistemologia
7
Geach (1966).
8
Para uma discussão de algumas contribuições ao tema, ver Benson (2012).
Anderson de Paula Borges • 133
de Platão. No Teeteto, penso que Sócrates não está defendendo que uma
definição é condição necessária para sabermos se estamos ‘predicando’
adequadamente um determinado termo numa sentença. A tese
socrática é mais específica e seu argumento se torna válido numa
concepção forte de conhecimento, distinta da concepção ordinária com
a qual Geach trabalha. Da perspectiva desta última, é óbvio – talvez de
um modo que não era para Platão – que somos capazes de reconhecer
exemplos de conhecimento em várias áreas sem que precisemos de uma
definição filosófica do que seja o conhecimento em si. Sem ignorar isso,
Sócrates defende que, se alguém falha em saber o que é Fdade, então não
está em condições de saber de forma qualificada – isto é, de um modo
que possa verbalizar e explicar as razões – se determinada proposição
da forma ‘x é F’ é efetivamente uma instância de substituição genuína
de Fdade ou não. Assim, no caso da epistêmê, se alguém falha em saber qual
é a essência dessa noção, não está em condições de explicar por que a
frase “a arte de confeccionar calçados é conhecimento” (cf. Teeteto 146d-
147b) classifica com verdade a sapataria como uma espécie de epistêmê.
Por outro lado, não há nada no princípio socrático da prioridade da
definição que invalide a prática discursiva ordinária de substituir, por
exemplo, “sapataria” por “conhecimento da arte de confeccionar
calçados” (cf. Teeteto 146d), pois tanto Sócrates quanto Geach
concordariam que essa prática não requer conhecimento definicional.
A lição definicional é concluída em 148e. Depois de expor uma
digressão sobre a arte da maiêutica (148e-151d), Sócrates questiona
novamente Teeteto sobre a definição de conhecimento e este propõe a
seguinte resposta: “conhecimento é sensação” (aisthēsis: 151d). O
primeiro aspecto notável nessa segunda resposta é o fato de ela
aproveitar a sugestão do argumento de 147c-148d. Nesta passagem, o
134 • Compêndio de Epistemologia
9
Estou evitando a prática tradicional de elencar as sugestões de definição de conhecimento apenas a
partir de 151d, pois entendo que a proposta discutida no contexto da lição definicional (146-148)
também é uma definição. O fato de ser uma resposta descartada – por não ser uma formulação geral
das características da epistêmê – não invalida sua condição de primeira proposta. Assim, identifico no
diálogo quatro propostas de definição de epistêmê. A interpretação tradicional costuma identificar
apenas três.
Anderson de Paula Borges • 135
10
Fiz uma breve análise desse argumento em Borges (2016, p. 47-49).
138 • Compêndio de Epistemologia
11
O argumento é desenvolvido em termos de referência semântica porque a ênfase nessa seção é dada
à impossibilidade de linguagem como consequência do heracliteanismo irrestrito. Mas isso não significa
que o processo de mobilismo seja exclusivamente semântico. Em minha análise, o mobilismo
heracliteano discutido nessa seção do Teeteto é uma tese sobre a indeterminação ontológica de todos
os itens do mundo. É o mesmo mobilismo que está sendo aplicado à percepção em 151-160, trecho no
qual Platão desenvolve a teoria protagoreana sobre a incorrigibilidade da percepção. A diferença entre
os dois contextos é uma questão de foco: 179-183 discute o logos heracliteano em sua forma universal
e 152-160 descreve um caso de aplicação, por Protágoras, desse logos.
Anderson de Paula Borges • 139
12
Para um exame detalhado do argumento de Teeteto 184-6, ver Borges (2016).
13
Fiz uma análise dessa primeira seção da segunda parte do Teeteto (187d-200d) em Borges (2013).
Anderson de Paula Borges • 141
14
Para a proposta de que o texto é suficientemente aberto para não excluir nenhuma dessas duas
interpretações, ver Burnyeat (1990, p. 129ss). Ele opta, contudo, pela segunda alternativa que mencionei.
Fiz uma análise de uma seção específica da terceira parte do Teeteto, a chamada ‘teoria do sonho’, em
15
Borges (2010).
Anderson de Paula Borges • 143
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRAFIA CITADA:
BORGES, A. P. O argumento ‘Saber e Não Saber’ em Teeteto 187-200. Dois Pontos, v. 10,
n. 2, p. 75-110, 2013.
BURNET, J. Platonis Opera. V. I. Oxford Classical Text. Oxford: Oxford University Press,
1900.
DUKE, E. A. et al. (eds.). Platonis Opera. Oxford Classical Text. Oxford: Oxford University
Press, 1995.
DIÈS. A. Théétète. (Texte établi et traduit par A. Diès. Oeuvres Complètes. Tome VIII. 2e
partie). Paris: Les Belles Lettres, 1924.
TRADUÇÕES:
COMENTÁRIOS:
CROMBIE, I. An Examination of Plato’s Doctrines. V. II. New York: Routledge & Kegan
Paul, 1963.
CORNFORD, F. Plato's Theory of Knowledge. London: Routledge & Kegan Paul LTD, 1953
[1935].
EL MURR, D. (org.). La Mesure du Savoir: études sur le Théétète de Platon. Paris: Vrin,
2013.
1
Qualificar um tipo de conhecimento como ‘prático’ pode sugerir uma oposição ao conhecimento
teórico. Notemos, no entanto, que é possível tratar alguns conhecimentos específicos das ciências, que
poderiam ser à primeira vista classificados como “teóricos”, como qualidades epistêmicas de ordem
prática. Por exemplo, saber como manipular instrumentos para realizar um experimento. Por essa razão,
este texto não trata conhecimento prático como oposto ao conhecimento teórico.
148 • Compêndio de Epistemologia
2
Uma tese defendida, por exemplo, por Stanley (2011), e Stanley e Williamson (2001).
Giovanni Rolla • 149
3
Cf. Fantl (2017).
4
Cf. Rolla (2019) para uma argumentação semelhante.
Giovanni Rolla • 151
5
Em seguida, uso KT para as condições de conhecimento proposicional, expresso em inglês a partir de
locuções como “knows that”, e KH para as condições de conhecimento prático (“knows how”). Também
começo a contagem atipicamente por 0 para manter a paridade entre as demais condições de
conhecimento proposicional e prático, visto que conhecimento prático aqui não implica a crença em
uma proposição.
152 • Compêndio de Epistemologia
6
Rolla (2017 e 2019).
Giovanni Rolla • 153
7
McDowell (2011); Neta (2008); Pritchard (2012).
154 • Compêndio de Epistemologia
8
Para ambos os argumentos, cf. Rolla (2019).
Giovanni Rolla • 155
9
Cf. Carvalho, 2019.
10
Di Paolo, Burhmann, & Barandiaram (2017); Hutto & Myin (2013); Noë (2004).
156 • Compêndio de Epistemologia
BIBLIOGRAFIA INTRODUTÓRIA
REFERÊNCIAS
FANTL, J. Knowledge How. In: ZALTA, E. (ed.). The Stanford Encyclopedia of Philosophy
(2017). Metaphysics Research Lab, Stanford University.
ROLLA, G. Contentless basic minds and perceptual knowledge. Filosofia Unisinos, v. 18,
n. 1, p. 47-56, 2017.
ROLLA, G. Knowing How One Knows. Logos & Episteme, v. 10, n.2, p.195-205, 2019.
STANLEY, J.; WILLIAMSON, T. Knowing How. The Journal of Philosophy, v. 98, n.8, P.
411-444, 2001.
INTRODUÇÃO
A ABORDAGEM METAFÍSICA
1
Ver os verbetes ‘Análise do Conhecimento’ e ‘Problema de Gettier’, neste compêndio.
160 • Compêndio de Epistemologia
2
Note que aqui a tese é a versão relativamente fraca onde conhecimento é relativamente fundamental,
ou seja, ele é fundamental dentro de certa categoria, nomeadamente, a categoria epistêmica. Quanto à
tese mais forte, na qual o conhecimento é absolutamente fundamental, tal item parece ser carregado
de uma série de comprometimentos (como por exemplo o de que estados mentais não são redutíveis
aos estados físicos), com os quais não precisamos nos comprometer para os propósitos aqui delineados.
3
Para uma detalhada discussão dessa tese ver o Capítulo 3 de Knowledge and Its Limits (Williamson,
2000).
Felipe Medeiros • 161
AÇÃO
4
Para uma discussão mais detalhada de um princípio como esse e a evidência a favor dele ver Littlejohn
(2014) e Unger (1975).
5
Esse caso é inspirado por Littlejohn (2018). Para uma discussão detalhada da metafísica de razões e
teses correlatas que adicionam suporte para C&A ver o mencionado texto.
162 • Compêndio de Epistemologia
Uma pergunta relevante aqui é, o que é necessário para que tal tipo
de ação sua seja apropriada? Para o teórico do conhecimento primeiro,
a resposta é de que apenas um estado de conhecimento torna essa ação
apropriada. Se isso está correto, conhecimento é o item fundamental
que explica a ação pois casos de sucesso (onde há o conhecimento
relevante) são explicados como apropriados devido a sua presença,
enquanto casos de fracasso (onde não há o conhecimento relevante) são
explicados como inapropriados devido a sua ausência.
ASSERÇÃO
6
Esse é apenas um dos motivos em uma vasta literatura que tenta argumentar a favor de tal princípio.
Para um inventário introdutório da questão, ver o capítulo 11 de Knowledge and Its Limits (Williamson,
2000).
Felipe Medeiros • 163
A ABORDAGEM REPRESENTACIONAL
7
Nós usaremos caixa alta para falar de conceitos.
164 • Compêndio de Epistemologia
8
Para um detalhe da posição ver Nagel (2013.
9
Para detalhes sobre conceitos lexicais ver Fodor (1998).
10
Um item bastante interessante que é tomado como evidência por Nagel (2013) é o fato de que
crianças parecem aprender o conceito CONHECIMENTO e suas atribuições antes do conceito CRENÇA,
e suas atribuições.
Felipe Medeiros • 165
11
A tese também requer argumentar a favor da premissa de que todo conhecimento é evidência, um
ponto que não será tocado nesse verbete. Para maiores detalhes ver Williamson (2000).
166 • Compêndio de Epistemologia
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
FODOR, J. A. Concepts: Where Cognitive Science went wrong. Oxford: Oxford University
Press, 1998.
ICHIKAWA, J.; JENKINS, C.S.I. On putting Knowledge First. In: CARTER, A. J.; GORDON,
E. C.; JARVIS, B. (eds.). Knowledge First: Approaches to Epistemology and Mind.
Oxford: Oxford University Press, 2018.
LITTLEJOHN, C. Fake Barns and False Dilemmas. Episteme, v. 11, p. 369-389, 2014.
LITTLEJOHN, C. How and Why Knowledge is First. In: CARTER, A. J., GORDON, E. C.;
JARVIS, B. (eds.). Knowledge First: Approaches to Epistemology and Mind. Oxford:
Oxford University Press, 2018.
WILLIAMSON, T. Knowledge and its Limits. Oxford: Oxford University Press, 2000.
13
CONSERVADORISMO FENOMÊNICO
Carlos Augusto Sartori
1
Ver o verbete ‘Fundacionismo moderado’, neste compêndio.
Carlos Augusto Sartori • 169
2
Um anulador da justificação da crença de que p é qualquer outra crença que possa lançar dúvida sobre
a verdade de p.
3
Intuição deve ser entendida como fonte de crenças justificadas. Trata-se do acesso que um sujeito
doxástico ou epistêmico tem a verdades através do puro entendimento da proposição, do puro
raciocínio, como às verdades que encontramos na matemática e na lógica.
4
Ver, por exemplo, BonJour (2001).
170 • Compêndio de Epistemologia
5
A racionalidade epistêmica diz respeito à meta epistêmica de atingir a verdade e evitar o erro. Além
disso, é preciso evitar que S forme uma crença verdadeira por acaso: é preciso que S tenha boas razões
para pensar que sua crença seja verdadeira (a perspectiva é internalista). Portanto, se S desconsidera
evidências contrárias à sua crença (por exemplo, um fundacionista que decidisse ignorar o dilema de
Sellars ou o coerentismo), está se comportando de maneira epistemicamente irracional.
174 • Compêndio de Epistemologia
BIBLIOGRAFIA INTRODUTÓRIA
HUEMER, M. Skepticism and the veil of perception. Lanham, MD: Rowman &
Littlefield, 2001.
HUEMER, M. Phenomenal Conservatism über alles. In: TUCKER, Chris (ed.). Seeming
and Justification: New Essays on Dogmatism and Phenomenal Conservatism. New
York: Oxford University Press, 2013, p. 329-350.
REFERÊNCIAS
1
“Contextos” aqui se remete a contextos conversacionais, por isso podemos encontrar na literatura
teóricos se referindo a esta visão como Contextualismo Conversacional. Cf. Willian (2001), Pritchard
(2002) e Barke (2002). Os principais defensores desta forma de contextualismo são David Lewis (1996),
Stewart Cohen (1986, 1988,1999, e 2000) e Keith DeRose (1992, 1995, 1999 e 2002).
2
Diferencia-se entre contextualismo do atribuidor e contextualismo do sujeito. A primeira abordagem está
interessada no contexto do agente que faz a atribuição de conhecimento; a segunda, diz respeito ao
contexto no qual o sujeito que é objeto da atribuição se encontra. No contextualismo do atribuidor, os
casos de autoatribuição, onde sujeito e atribuidor coincidem, o contexto conversacional do sujeito não
assume nenhuma importância na determinação das condições de verdade para “S sabe que p”.
Tiegue Vieira Rodrigues • 177
3
Cf. Ludlow (2005).
178 • Compêndio de Epistemologia
4
Força Evidencial do sujeito ou força da posição epistêmica do sujeito é simplesmente a posição
epistêmica na qual o sujeito se encontra e que relaciona o sujeito epistemicamente com uma
determinada proposição. A posição epistêmica do sujeito é determinada pela sua posição acerca das
dimensões relevantes para a verdade de p, incluindo confiabilidade, força evidencial, probabilidade
epistêmica e assim por diante. Cf. Cohen (2000) e DeRose (2000).
Tiegue Vieira Rodrigues • 179
P1. Eu não sei ~HC (Eu não sei que não sou um cérebro numa cuba).
e
P2. Se eu não sei ~HC, então eu não sei que P (Se eu não sei que não sou um
cérebro numa cuba, então não sei que tenho duas mãos)
Logo
P3. Eu não sei que P (eu não sei que eu tenho duas mãos)
5
Cabe aqui uma distinção entre o princípio de fechamento epistêmico de premissa única (single-
premise epistemic clousure), ao qual estou me referindo no texto, e o princípio de fechamento
epistêmico de premissas múltiplas (muilti-premise epistemic closure). O fechamento epistêmico de
premissas múltiplas é aquele segundo o qual se alguém sabe que pi ... pn e simultaneamente sabe que
pi ... pn implica q, então também sabe que q. Tanto o princípio de fechamento epistêmico de premissa
única quanto o de múltiplas premissas têm uma base intuitiva na alegação de que a dedução é uma
forma de adquirir conhecimento. Contudo, há objeções teóricas contra o princípio de fechamento
epistêmico de premissas múltiplas que não se constituem em objeções ao princípio de fechamento
epistêmico de premissa única. Por exemplo, uma vez que, em geral, um conjunto é menos provável do
que qualquer um de seus membros, deduzir um conjunto a partir de múltiplas premissas não preserva
uma alta probabilidade associada a cada premissa individualmente. Esta preocupação não se coloca
para o princípio de fechamento epistêmico de premissa única. Para discussões mais detalhadas ver
Hawthorne (2004) e Williamson (2000).
Tiegue Vieira Rodrigues • 183
6
Existem outras formulações para o princípio de fechamento que não incluem a exigência do
conhecimento da implicação, mas essas formulações são falhas. Para os nossos propósitos, neste ensaio,
essa versão é suficiente. Para uma maior análise desse princípio, ver Hawthorne (2005).
184 • Compêndio de Epistemologia
7
Cf. Stanley, (2005).
186 • Compêndio de Epistemologia
8
Cf. Pritchard (2001).
9
Podemos encontrar na literatura diferentes rótulos para esta mesma tese. John Hawthorne (2004) a
concebe como “Invariantismo Sensível Moderado’ (sensitive moderate invariantism). Jason Stanley
(2005), por sua vez, fala de “Invariantismo Relativo aos Interesses” (interest-relative invariantism). DeRose
apresentou a expressão Invariantismo Sensível ao Sujeito, para se remeter a este conjunto de teses, uma
vez que elas mantêm o mesmo objetivo em comum.
10
Apesar disso, não se deve confundir esta posição com a abordagem chamada de Contextualismo do
Sujeito, mencionada na nota ii.
Tiegue Vieira Rodrigues • 187
GLOSSÁRIO
Contextualism: contextualismo.
Skepticism: Ceticismo.
BIBLIOGRAFIA INTRODUTÓRIA
DEROSE, K. Contextualism: An Explanation and Defense. In: GRECO, J.; SOSA, E. (eds.).
The Blackwell Guide to Epistemology. Oxford: Basil Blackwell, 1999, p. 187-205.
LEWIS, D. Elusive Knowledge. In: Australasian Journal of Philosophy, v. 74, p. 549– 567,
1996.
RODRIGUES, T.V. Uma Abordagem sobre o Contextualismo Epistêmico. O que nos faz
pensar, v. 25, n. 38, p. 161-182, 2016.
REFERÊNCIAS
COHEN, S. Knowledge and Context. The Journal of Philosophy, v. 83, p. 574-583, 1986.
DE ROSE, K. Solving the Sceptical Problem. The Philosophical Review, v. 104, p. 1-52,
1995.
DE ROSE, K. Contextualism: An Explanation and Defense. In: GRECO, J.; SOSA, E. (eds.).
The Blackwell Guide to Epistemology. Oxford: Basil Blackwell, 1999, p. 187-205.
DE ROSE, K. Now You Know It, Now You Don’t. Proceedings of the Twentieth World
Congress of Philosophy, v. 5, (Epistemology), p. 91-106, 2000.
DRETSKE, F. The Case Against Closure. In: SOSA, E.; STEUP, M. (eds.). Contemporary
Debates in Epistemology. Oxford: Basil Blackwell, 2004.
LUDLOW, P. Contextualism and the new linguistic turn in epistemology. In: PREYER,
G.; PETERS, G. (eds.). Contextualism in Philosophy. Oxford: Oxford University
Press, 2005.
RODRIGUES, T.V. Uma Abordagem sobre o Contextualismo Epistêmico. O que nos faz
pensar, v. 25, n. 38, p. 161-182, 2016.
STANLEY, J. Knowledge and Practical Interests. Oxford: Oxford University Press. 2005.
WILLIAMSON, T. Knowledge and Its Limits. Oxford: Oxford University Press. 2000.
15
DEONTOLOGISMO EPISTÊMICO
Felipe de Matos Müller
Ora, se me abstenho de formular meu juízo sobre uma coisa, quando não a
concebo com suficiente clareza e distinção, é evidente que o utilizo muito
bem e que não estou enganado; mas, se me determino a negá-la ou
assegurá-la, então não me sirvo como devo de meu livre arbítrio; se garanto
o que não é verdadeiro, é evidente que me engano, e até mesmo, ainda que
Felipe de Matos Müller • 191
julgue segundo a verdade, isto não ocorre senão por acaso e eu não deixo de
falhar e de utilizar mal o meu livre arbítrio; pois a luz natural nos ensina
que o conhecimento do entendimento deve sempre preceder a
determinação da vontade. (DESCARTES, IVM, §13)
Aquele que crê, sem ter razão alguma para crer, pode estar enamorado de
suas próprias fantasias; nem busca a verdade como deveria buscar, nem
presta a devida obediência ao seu Criador, o qual quer que se faça uso
daquelas faculdades de discernimento de que está dotado o homem para
preservá-lo do equívoco e do erro. Quem não recorre a estas faculdades na
medida de todo o seu empenho, por mais que às vezes encontre a verdade,
não está no bom caminho senão por sorte; e eu não saberia dizer se a
felicidade do acidente basta para desculpar a irregularidade do
procedimento. Por isso, pelo menos, é seguro: que será responsável pelos
1
As atitudes doxásticas podem ser reduzidas a três: (1) crer que p (uma proposição qualquer); (2) crer
que não é o caso que p; e (3) suspender o juízo, nem crer que p nem crer que não é o caso que p.
2
Tradicionalmente, o valor epistêmico mais difundido é expresso pela conjunção entre adquirir crenças
verdadeiras e evitar crenças falsas. Todavia, outros valores epistêmicos também aparecem na literatura
especializada, como adquirir crença justificada, adquirir crença racional e adquirir conhecimento.
192 • Compêndio de Epistemologia
erros em que incorre, enquanto que quem faz uso da luz e das faculdades
que Deus lhe deu e se empenha sinceramente em buscar a verdade, valendo-
se dos auxílios e habilidades de que dispõe, pode ter esta satisfação: que, ao
estar cumprindo seu dever como criatura racional, se não consegue
alcançar a verdade, nem por isso deixará de gozar de sua recompensa,
porque, quem assim procede, sabe governar bem seu assentimento e o
coloca onde deve, quando, qualquer que seja o caso ou o assunto, crê ou
deixa de crer, segundo o comando de sua razão. Quem age de outro modo
peca contra suas luzes e emprega mal essas faculdades que só foram dadas
para o fim de buscar e seguir a evidência mais clara e a maior probabilidade.
(LOCKE, 1959, p. 231)
O leitor deveria ser advertido que ‘deontológico’, tal como usado aqui, não
contrasta com ‘teleológico’, tal como é comum na teoria ética. De acordo
com essa distinção, uma teoria ética deontológica, como a de Kant, não
considera princípios de dever ou de obrigação como devendo seu status ao
fato de que agir de maneira que eles prescrevam tende a realizar certos
estados de coisas desejáveis, enquanto uma teoria teleológica, como o
Utilitarismo, sustenta que é isto o que torna um princípio de obrigação
aceitável. O fato de que nós não estamos usando ‘deontológico’ com esta
força é mostrado pelo fato de que nós estamos pensando nas obrigações
epistêmicas como devendo sua validade ao fato de que as cumprir irá tender
a levar à realização de um estado de coisas desejável; neste caso, um amplo
corpo de crenças com uma razão verdade-falsidade favorável. (ALSTON,
1989, p. 84)
3
Dever ou obrigação em relação à crença; p. ex., o dever de crer que p (uma proposição qualquer); ou
de dever de crer que não-p; ou o dever de não crer que p e não crer que não-p.
194 • Compêndio de Epistemologia
4
O princípio kantiano pode ser descrito do seguinte modo: (K) Um agente S tem uma obrigação moral
para executar (não executar) um ato A somente se está dentro do poder de S executar (não executar)
A.
196 • Compêndio de Epistemologia
O mais sério defeito é que ela não se relaciona de maneira correta com uma
base vero conducente adequada. Eu posso ter feito o que razoavelmente
poderia ser esperado de mim na administração e no cultivo de minha vida
doxástica e, ainda assim, sustentar uma crença sobre bases
escandalosamente inadequadas. (ALSTON, 1989, p. 95).
198 • Compêndio de Epistemologia
REFERÊNCIAS
FIRTH, R. Are Epistemic Concepts Reducible to Ethical Concepts? In: GOLDMAN, A. I.;
KIM, J. (eds.). Values and Morals. D. Boston: D. Reidel, 1978. p. 215-225.
HAACK, S. The Ethics of Belief Reconsidered. In: STEUP, M. (ed.). Knowledge, Truth,
and Duty. Oxford/ New York: Oxford University Press, 2001. p. 21-33. (Reimpressão
de HAHN, E. L. (ed.), “The Philosophy of Roderick Chisholm”, 1997.)
200 • Compêndio de Epistemologia
PLANTINGA, A. Warrant: The Current Debate. Oxford: Oxford University Press, 1993.
RUSSELL, B. Epistemic and Moral Duty. In: STEUP, M. (ed.). Knowledge, Truth, and
Duty. Oxford/New York: Oxford University Press, 2001, p. 34-48.
RYAN, S. Doxastic Compatibilism and the Ethics of Belief. Philosophical Studies, v. 114,
p. 47-79, 2003.
STEUP, M. Doxastic Voluntarism and Epistemic Deontology. Acta Analytica, v.15, p. 25-
56, 2000.
16
EPISTEMOLOGIA COLETIVA: CRENÇAS COLETIVAS
José Leonardo Ruivo
Luiz Paulo Cichoski
INDIVIDUALISMO DE SUJEITOS 1
SOMATIVISMO
1
Deborah Tollefsen (2002a) foi a primeira a identificar esse princípio, rotulado por ela de individualismo
de agentes epistêmicos. Compreendendo-se que agentes e sujeitos são, nesse contexto, intercambiáveis,
e que o individualismo não incide somente sobre a impossibilidade de se atribuir não só propriedades
epistêmicas a grupos, mas qualquer estado mental a essas entidades, decidimos por modificar o rótulo
para fins de clareza e precisão.
2
O individualismo de sujeitos é mais amplo do que a tese que será explorada neste verbete. Nos
restringimos a estados cognitivos, mas o princípio sustenta que, além desses, grupos não possuem
estados conativos nem emocionais. Para um panorama da discussão geral sobre intencionalidade
coletiva ver Schmid e Schweikard (2013) e Tollefsen (2015).
José Leonardo Ruivo; Luiz Paulo Cichoski • 203
COMPROMETIMENTO CONJUNTO
amido, ao passo que o Comitê da Biblioteca não tem opinião sobre o assunto.
(GILBERT, 1987, p. 189 e 1989, p. 273)
3
Cabe assinalar que o modelo de Gilbert é mais amplo que a discussão de atribuição de crenças a
grupos, e pretende englobar diversas propriedades que envolvem essas entidades. Nossa formulação
pretende captar exclusivamente o fenômeno da crença de grupo.
José Leonardo Ruivo; Luiz Paulo Cichoski • 205
4
Tollefsen, 2002b.
5
Tollefsen, 2015.
José Leonardo Ruivo; Luiz Paulo Cichoski • 207
AGREGAÇÃO DE JUÍZOS 8
6
Ver o verbete ‘Epistemologia Coletiva: Justificação e Conhecimento’ neste compêndio.
7
Ver Carter (2014, 2015).
8
A concepção de “juízos” utilizada nas estratégias de agregação é bastante ampla. Ela pretende
acomodar tanto atitudes proposicionais representacionais (como crenças) quanto atitudes
proposicionais motivacionais (como desejos).
208 • Compêndio de Epistemologia
9
Por exemplo, pode-se ter uma função de agregação consensual (onde o grupo somente formará uma
atitude caso todos os seus membros tenham a mesma opinião) ou uma função ditatorial (onde a opinião
do grupo seguirá a opinião de apenas um dos seus membros, o ditador), entre outras.
10
Conforme Pigozzi (2015) os problemas levantados por List e Pettit possuem os seguintes antecedentes
históricos: o Paradoxo de Condorcet, elaborado pelo filósofo Marquis de Condorcet no final do século
XVIII; e o Paradoxo Doutrinal, elaborado por juristas no final da década de 1980. Ainda de acordo com a
autora, o trabalho do prêmio Nobel Kenneth Arrow, com os devidos ajustes, pode ser visto como um
corolário do trabalho de List e Pettit, de tal sorte que o problema da agregação de juízos é mais geral
do que o problema da agregação de preferências (desenvolvido por Condorcet e Arrow).
11
Cf. List; Pettit (2011).
José Leonardo Ruivo; Luiz Paulo Cichoski • 209
Proposição/ P (P → Q) Q
Cientista
Cientista 1 V V V
Cientista 2 V F F
Cientista 3 F V F
Grupo V V F
12
Cf. List; Pettit (2011).
13
Embora estejamos restringindo aqui a discussão sobre funções majoritárias, List e Pettit (2011)
defendem um teorema da impossibilidade que generaliza o problema para toda função de agregação.
210 • Compêndio de Epistemologia
14
O projeto realista dos autores teve suas primeiras intuições desenvolvidas em Pettit (2003), onde esse
argumenta em defesa de uma mente de grupo.
José Leonardo Ruivo; Luiz Paulo Cichoski • 211
mesmo que a maioria dos seus membros tenha chegado a esse resultado
em seus raciocínios individuais, então a tese somativista não é
suficiente. Mas o resultado também mostra que a tese somativista não
é necessária, uma vez que a maioria dos cientistas, individualmente, não
crê que Q, mas o grupo de cientistas crê que Q ao derivar essa conclusão
pela adoção de premissas P e (P→Q), que conduzem à verdade dessa
proposição.
O modelo dos autores não está livre de críticas. Carol Rovane 15 e Leo
Townsend, 16 cada um à sua maneira, apontaram que o modelo da função
de agregação não resolve o problema do Individualismo de Sujeitos.
Grosso modo a primeira aponta que List e Pettit subestimam a
importância do caráter deliberativo para a formação do grupo e,
portanto, a discussão entre individualistas e coletivistas seria anterior
ao estabelecimento da função de agregação. Resumidamente, o segundo
aponta que o modelo é circular pois a implementação de uma função de
agregação por um grupo só é plausível quando a entidade já é uma
unidade racional. 17
ACEITAÇÃO
15
Ver Rovane (2014).
16
Ver Townsend (2013).
17
Para a discussão sobre as consequências propriamente epistêmicas dessa proposta ver o verbete
Epistemologia Coletiva: Justificação e Conhecimento nesse compêndio.
212 • Compêndio de Epistemologia
18
Ver Wray (2001).
José Leonardo Ruivo; Luiz Paulo Cichoski • 213
19
Ver Hakli (2006).
20
Ver Tuomela (2007e 2013).
214 • Compêndio de Epistemologia
21
Tuomela (2007).
22
Tollefsen (2002a).
23
Tollefsen (2002b).
24
Ver Fallis (2009); Lackey (2013); Mahon (2015).
José Leonardo Ruivo; Luiz Paulo Cichoski • 215
25
Lackey (2021).
26
Gilbert (2014b e 2014c)
27
Carter (2014 e 2015).
28
Ver o verbete ‘Epistemologia Coletiva: Justificação e Conhecimento’, neste compêndio.
216 • Compêndio de Epistemologia
GLOSSÁRIO
I-mode: modo-eu.
Rebuke: reprovação.
Summativism: somativismo.
We-mode: modo-nós.
BIBLIOGRAFIA INTRODUTÓRIA
29
Tollefsen (2015).
José Leonardo Ruivo; Luiz Paulo Cichoski • 217
RUIVO, J.L.A. Crença de Grupo, 2017. 100 f. Tese (Doutorado em Filosofia) - Escola de
Humanidades, PUCRS, Porto Alegre, 2017.
SCHMID, H. B.; SCHWEIKARD, D.P. Collective Intentionality. In: ZALTA, E. (ed.). The
Stanford Encyclopedia of Philosophy (2013). Disponível em: <http://plato.stanford.
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TOLLEFSEN, D. Groups as Agents. Cambridge UK, Malden, USA: Polity Press, 2015.
REFERÊNCIAS
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Philosophy), v. 28, n.2, p. 711-735, 2015.
GILBERT, M. Collective Epistemology. In: Joint Commitment: How We Make the Social
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publicado em “Episteme”, v. 1, n.2, p. 95—107, 2004).
GILBERT, M. Belief and Acceptance as Features of Groups. In: Joint Commitment: How
We Make the Social World. New York: Oxford University Press, 2014b. p. 131-162
(Originalmente publicado em “ProtoSociology”, v. 16, p. 35-69, 2002).
GILBERT, M.; PILCHMAN, D. Belief, Acceptance, and What Happens in Groups. In:
LACKEY, J. (ed.). Essays in collective epistemology. Oxford: Oxford University
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HAKLI, R. Group beliefs and the distinction between belief and acceptance. Cognitive
Systems Research, v. 7, p. 286-297, 2006.
LACKEY, J. Lies and deception: an unhappy divorce. Analysis, v. 73, p. 236-248, 2013.
218 • Compêndio de Epistemologia
LIST, C; PETTIT, P. Group agency: the possibility, design, and status of corporate agents.
Oxford: Oxford University Press, 2011.
MATHIESEN, K. Can Groups Be Epistemic Agents? In: SCHMID, H.B.; SIRTES, D.;
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MAHON, J. The Definition of Lying and Deception. In: ZALTA, E. (ed.). The Stanford
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PETTIT, P. Groups with Minds of Their Own. In: SCHMITT, F. (ed.). Socializing
Metaphysics: The natures of social reality. Lanham, MD: Rowman & Littlefield
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PIGOZZI, G. Belief Merging and Judgment Aggregation. In: ZALTA, E.. (ed.). The Stanford
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ROVANE, C. Group Agency and Individualism. Erkenntnis, v. 79, n.9, p. 1663-1684, 2014.
SCHMID, H. B.; SCHWEIKARD, D.P. Collective Intentionality. In: ZALTA, E.. (ed.). The
Stanford Encyclopedia of Philosophy (2013). Disponível em: <http://plato.stanford.
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TUOMELA, R. The Philosophy of Sociality: The Shared Point of View. New York: Oxford
University Press, 2007.
TUOMELA, R Social Ontology: Collective Intentionality and Group Agents. New York:
Oxford University Press, 2013.
1
Ver o verbete ‘Epistemologia Coletiva: Crenças coletivas’, neste compêndio.
2
Ver o verbete ‘Epistemologia Coletiva: Crenças coletivas’, neste compêndio.
José Leonardo Ruivo; Luiz Paulo Cichoski • 221
JUSTIFICAÇÃO COLETIVA
3
Schmitt (1994).
4
Ver o verbete ‘Epistemologia Coletiva: Crenças coletivas’, neste compêndio.
222 • Compêndio de Epistemologia
5
Lackey (2016 e 2021).
6
Hakli (2011).
7
Mathiesen (2011).
José Leonardo Ruivo; Luiz Paulo Cichoski • 223
8
Moreira (2018).
9
Etcheverry (2018).
10
Lackey (2016 e 2021.
11
Ver o verbete ‘Epistemologia Coletiva: Crenças coletivas’, neste compêndio.
224 • Compêndio de Epistemologia
12
Ver o verbete ‘Epistemologia Coletiva: Crenças coletivas’, neste compêndio.
José Leonardo Ruivo; Luiz Paulo Cichoski • 225
13
Por exemplo, Luz, 2015; Müller, 2015; Kallestrup, 2016; Etcheverry, 2018.
226 • Compêndio de Epistemologia
CONHECIMENTO COLETIVO
Paradoxo de Hakli
(1) Conhecimento implica crença
(2) Grupos não podem ter crenças
(3) Grupos podem ter conhecimento
14
Ver Hakli (2007).
José Leonardo Ruivo; Luiz Paulo Cichoski • 227
GLOSSÁRIO
15
Ver o verbete ‘Epistemologia Coletiva: Crenças coletivas’, neste compêndio.
228 • Compêndio de Epistemologia
BIBLIOGRAFIA INTRODUTÓRIA
REFERÊNCIAS
CARTER, A. Group Knowledge and Epistemic Defeat. Ergo, v. 28, n. 2, p. 711-735, 2015.
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José Leonardo Ruivo; Luiz Paulo Cichoski • 229
LACKEY, J. What is justified group belief? Philosophical Review, v.125, n.3, p. 341-396,
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conhecemos? Ensaios em epistemologia individual e social. Porto Alegre: Editora Fi,
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MÜLLER, F. 2015. Virtudes epistêmicas coletivas. In: MULLER, F. M.; LUZ, A. M. (orgs.).
O que NÓS conhecemos? Ensaios em epistemologia individual e social. Porto Alegre:
Editora Fi, 2015. p. 127-144
INTRODUÇÃO
1
Em um de seus experimentos mais célebres, Weinberg et al. apresentaram a 89 sujeitos, divididos entre
‘ocidentais’ e ‘leste-asiáticos’, os contraexemplos de Gettier. Enquanto apenas ~26% dos ocidentais
classificaram esses como casos de conhecimento, ~57% (ou seja, a maioria) dos leste-asiáticos o fizeram.
Danilo Fraga Dantas • 231
EPISTEMOLOGIA COMPUTACIONAL
2
Ver Kahneman (2012). Vieses são desvios sistemáticos dos cânones do raciocínio correto.
3
Para Kim, Quine propõe ignorar a relação de suporte epistêmico e investigar as conexões causais entre
nossa evidência sensória e nossas crenças sobre o mundo (essas seriam relações diferentes dos mesmos
relata).
232 • Compêndio de Epistemologia
4
Cf. Titelbaum, no prelo, cap. 10.
Danilo Fraga Dantas • 233
5
“Falar merda”, aqui, é um termo técnico introduzido por Frankfurt (2005). Diferentemente da mentira,
que envolve afirmar algo que se acredita ser falso, falar merda se caracteriza pela falta de interesse na
verdade do que se fala. Frankfurt propõe que a falação de merda é mais epistemicamente danosa que
a mentira.
6
Se não por outros motivos, quando da afirmação de uma falsidade (ex. compartilhamento de fake
news), é difícil distinguir entre as possibilidades de mentira, falação de merda e engano genuíno do
sujeito que afirma.
234 • Compêndio de Epistemologia
EC INDIVIDUALISTA
7
Shah (2003).
Danilo Fraga Dantas • 235
8
Ver johnpollock.us/ftp/OSCAR-web-page.
9
Ver Glass (2002) e Olsson (2002).
236 • Compêndio de Epistemologia
10
Angere (2007) também usa métodos computacionais para comparar diferentes medidas de coerência
e conclui que a medida de coerência por sobreposição maximiza o valor epistêmico relativamente às
rivais.
11
Glass (2021) propõe uma nova medida de coerência (coerência por produto) e dá prosseguimento ao
estudo anterior incluindo essa medida. Nesse estudo, a coerência por produto se sai melhor que a por
sobreposição.
12
Cf. Titelbaum, no prelo, cap. 10.
Danilo Fraga Dantas • 237
EC SOCIAL
13
Trpin e Pellert (2018) testam casos em que agentes têm evidência incerta sobre os resultados dos
lançamentos. Ele compara um agente que utiliza condicionalização de Jeffrey (versão da
condicionalização que lida com evidência incerta) e um agente que utiliza uma variação da IME. Os
resultados sugerem que o agente explicacionista, além de convergir mais rapidamente para uma
resposta, minimiza a inacurácia na maioria dos casos e lida melhor com maior incerteza da evidência.
14
Russell; Norvig, 2010, p. 198.
238 • Compêndio de Epistemologia
15
Cf. Goldman, 1999.
Danilo Fraga Dantas • 239
16
luiq.lu.se/portfolio-item/laputa
240 • Compêndio de Epistemologia
REFERÊNCIAS
BAUMGAERTNER, B. Yes, no, maybe so: a veritistic approach to echo chambers using a
trichotomous belief model. Synthese, v. 191, n. 11, p. 2549-2569, 2014.
17
Zollman (2007) chega a resultados semelhantes utilizando outro modelo.
Câmaras de eco são situações em que agentes têm suas crenças ‘ecoadas’ de volta por outros agentes
18
DANTAS, D. When the (Bayesian) ideal is not ideal, no prelo. Disponível em:
<https://www.academia.edu/65277710103/When_the_Bayesian_ideal_is_not_ide
al>
FRANKFURT, H. Sobre falar merda. Rio de Janeiro: Editora Intrínseca Ltda, 2005.
GLASS, D. Coherence, explanation and Bayesian networks. In: O’Neill, M. et al. (eds.).
Artificial intelligence and cognitive science. Berlin: Springer, p. 177–182, 2002.
GLASS, D. Inference to the best explanation: does it track truth? Synthese, v. 185, n. 3,
p. 411-427, 2012.
GLASS, D. Coherence, explanation, and hypothesis selection. The British Journal for the
Philosophy of Science. v. 72, n. 1, p. 1-26, 2021.
HAHN, U.; HANSEN, J.; OLSSON, E. Truth tracking performance of social networks: how
connectivity and clustering can make groups less competent. Synthese, v. 197, n. 4,
p. 1511–1541, 2018.
HEGSELMANN, R.; KRAUSE, U. Truth and cognitive division of labor: first steps towards
a computer aided Social Epistemology. Journal of Artificial Societies and Social
Simulation, v. 9, n. 3, 2006. Disponível em: <jasss.soc.surrey.ac.uk/9/3/10.html>
KAHNEMAN, D. Rápido e devagar: duas formas de pensar. São Paulo: Objetiva, 2012.
OLSSON, E. What is the problem of coherence and truth? Journal of Philosophy, v. 99,
p. 246-272, 2002.
POLLOCK, J. Cognitive carpentry: A blueprint for how to build a person. Cambridge: The
MIT Press, 1995.
POLLOCK, J. How to build a person: a prolegomenon. Cambridge: The MIT Press, 1989.
SHAH, N. How truth governs belief. The Philosophical Review, v. 112, n. 4, p. 447-482,
2003.
1
No original: “PVM: S knows (justifiably believes) that P on the basis of memory at t2 only if: (i) S knows
(justifiably believes) that P at an earlier time t1, and (ii) S acquired the knowledge that P (justification
with respect to P) at t1 via a source other than memory.” Jennifer Lackey (2007) também coloca como
cláusula adicional ao “crê justificadamente” a condição e a exigência da racionalidade (“crê
Ricardo Rangel Guimarães • 245
justificadamente/é racional ao crer”). No presente contexto, está-se tomando como sinônimas as noções
de crer justificadamente e ser racional ao crer.
246 • Compêndio de Epistemologia
2
No original: “At t2 S remembers that P if only if: (1) S knows at t2 that P. (2) S knew at t1 that P. (3) S´s
knowing at t2 that P is suitable connected to S´s knowing at t1 that P.”
Ricardo Rangel Guimarães • 247
3
Ver o verbete ‘Análise do Conhecimento’, neste compêndio.
4
No original: “(1.i) P is true at t2. (1.ii) S believes at t2 that P. (1.iii) S is justified at t2 in believing that P.”
5
No original: “(2.i) P was true at t1.(2.ii) S believed at t1 that P. (2.iii) S was justified at t1 in believing that
P.”
248 • Compêndio de Epistemologia
6
Vide, por exemplo, MICHAELIAN, 2011, p. 335, em que o autor defende o que ele denomina de “nova
teoria causal da memória construtiva”, concepção esta incompatível com a VPM.
Ricardo Rangel Guimarães • 249
7
LACKEY, 2005, p. 640-644 e BERNECKER, 2010, p. 96-103.
Ricardo Rangel Guimarães • 251
8
Um detalhamento mais cioso e refinado desta versão do geracionismo lackeyano extrapola os limites
deste verbete e não cabe ser feito aqui, haja vista toda uma discussão que a autora realiza acerca dos
diferentes tipos de derrotadores, doxásticos e normativos, dentre outras questões para análise. Para o
presente propósito, é suficiente conceber esta ideia da remoção dos derrotadores normativos, onde
uma crença memorial pode se tornar conhecimento memorial em um momento posterior ao da sua
formação, quando mudanças no ambiente externo podem resultar na ausência de tais derrotadores,
elementos estes essenciais para uma compreensão mínima do que Lackey denomina de geracionismo
moderado na sua epistemologia da memória. Para uma melhor e mais clara compreensão desta
concepção, ver Lackey (2005, p. 641-642 e p. 653).
252 • Compêndio de Epistemologia
BIBLIOGRAFIA INTRODUTÓRIA
AUDI, R. The Sources of Knowledge. In: MOSER, P. (ed.). The Oxford Handbook of
Epistemology. Oxford: Oxford University Press, 2002. p. 71-94.
REFERÊNCIAS
WILLIAMSON, T. On Being Justified in One’s Head. In: TIMMONS, M.; GRECO, J.; Mele,
A.R. (eds.). Rationality and the Good: Critical Essays on the Ethics and Epistemology
of Robert Audi. Oxford: Oxford University Press, 2007, p. 106–22.
20
EPISTEMOLOGIA DA MODALIDADE
Danilo Fraga Dantas
1
A epistemologia da modalidade lida tipicamente com modalidade alética, em oposição a modalidade
deôntica e epistêmica. Além disso, a epistemologia da modalidade tipicamente lida com a modalidade
metafísica, em oposição à modalidade lógica ou física.
2
Um conjunto de propriedades A (ex. mentais) sobrevém noutro conjunto de propriedades B (ex. físicas)
quando duas coisas não podem diferir em relação a propriedades-A sem diferir também em relação a
propriedades-B.
Danilo Fraga Dantas • 255
HISTÓRICO
PROPOSTAS
CONCEBIBILIDADE
Uma concepção prima facie (mas não uma concepção ideal) pode
ser cancelada por mais reflexão a priori. Se concebibilidade implica
possibilidade, a noção relevante de ‘concebibilidade’ deve ser a ideal.
Considere uma verdade matemática qualquer (ex. de que o conjunto dos
números naturais e o conjunto dos racionais têm a mesma
cardinalidade). Essa é uma verdade necessária, cuja negação é
impossível. Porém, essa impossibilidade é prima facie concebível (e foi
considerada em alguns momentos da história da matemática), mas não
é idealmente concebível (como Cantor mostrou). Uma questão para a
noção de reflexão ideal é se ela está ao alcance de seres com limitações
cognitivas, como nós.
Conceber positivamente uma proposição é a construção mental de
um cenário coerente. A construção do cenário não precisa ser completa,
mas deve ser suficientemente detalhada ao ponto de a proposição em
questão ser verdadeira em relação ao cenário. Conceber negativamente
uma proposição é a incapacidade de refutar esta proposição por
considerações a priori. A concebibilidade negativa é mais fraca que a
positiva porque podemos não ser capazes de refutar algo por
ignorarmos fatos relevantes (ex. que a estrela matutina e a vespertina
é, na verdade, o planeta Vênus), enquanto somos capazes, ainda assim,
de conceber positivamente este algo.
Necessidades a posteriori são casos problemáticos para a
abordagem baseada em concebibilidade. Aparentemente, é concebível
(mesmo idealmente) que Héspero seja diferente de Fósforo, mas isso é
impossível já que ambos são Vênus. A distinção entre
Danilo Fraga Dantas • 259
ESSÊNCIA
CONTRAFACTUAIS
3
Jago (2018) tem uma teoria muito engenhosa de como podemos ter este tipo de conhecimento.
Danilo Fraga Dantas • 261
4
Cf. Byrne, 2016.
262 • Compêndio de Epistemologia
SIMILARIDADE
5
Cf. Byrne, 2016.
Danilo Fraga Dantas • 263
PRIORIDADE EPISTÊMICA
CETICISMO MODAL
REFERÊNCIAS
FISCHER, B.; LEON, F. (eds.). Modal Epistemology After Rationalism. Cham: Springer,
2017.
JAGO, M. Knowing how things might have been. Synthese, v. 198, p. 1981-1999, 2021.
LOWE, E. J. What is the Source of our Knowledge of Modal Truths, Mind, v. 121, n. 484,
p. 919-950, 2012.
1
Outro problema central para a epistemologia da percepção, mas que não será abordado aqui por
limitação de espaço, é o de determinar se e quão confiável é a capacidade perceptiva. Sobre esse
problema, ver Alston (1996). Também não discutiremos o problema de como delimitar a percepção
enquanto fonte de conhecimento. Sobre esse problema, ver Audi (2010, Capítulo 1).
Eros Moreira de Carvalho • 269
O ARGUMENTO DA ILUSÃO/ALUCINAÇÃO
2
Para uma apresentação mais longa e detalhada do argumento, ver Ayer (1940) e Price (1932).
270 • Compêndio de Epistemologia
3
Autores como Russell (2008), Moore (1980), Ayer (1940) e Price (1932) defenderam uma ou outra versão
dessa concepção da percepção, uma posição bem comum na filosofia anglófona no início de séc XX. O
argumento da ilusão foi inicialmente apresentado e discutido tendo essa concepção como pano de
fundo.
Eros Moreira de Carvalho • 271
que algo nos parece curvo nessa situação. Experiências inverídicas têm,
portanto, um objeto cuja natureza é distinta. Na literatura, objetos desse
tipo são chamados de “dados dos sentidos”. A exata natureza desse
objeto é matéria de disputa entre os defensores da concepção relacional
da percepção, podendo ser mental ou simplesmente não-física. 4 Note
que, na concepção relacional da percepção, o erro que poderia decorrer
das experiências inverídicas não é da própria percepção, mas do juízo,
que confundiria o objeto de uma ilusão ou alucinação, um dado dos
sentidos, com um objeto do mundo físico.
O próximo passo do argumento tenta generalizar esse resultado.
Se as experiências inverídicas nos colocam em contato com os dados dos
sentidos, então é razoável que as experiências verídicas nos coloquem
também em contato apenas com os dados dos sentidos. Como as
experiências inverídicas podem ser indistinguíveis de experiências
verídicas, seria surpreendente se as segundas nos colocassem em
contato direto com outro tipo de objeto, os supostos objetos físicos que
estão ao nosso redor. Uma parede branca iluminada por luz amarela
pode parecer exatamente como uma parede amarela. Se as experiências
são indistinguíveis, por que em um caso estaríamos conscientes de um
dado dos sentidos amarelo e, no outro, da própria parede amarela?
Assim, parece que a melhor explicação para esse fenômeno é que em
todos os casos de percepção estamos conscientes de dados dos sentidos
e jamais de objetos físicos.
4
Para Moore, esses objetos são requeridos para explicar qualquer experiência, verídica ou não. Quando
olhamos para uma de nossas mãos, o que realmente aparece para nós é apenas uma parte da sua
superfície. Um dado do sentido é justamente isso que realmente vemos quando olhamos para uma
mão, ficando em aberto se ele pode ser idêntico à superfície da mão e, portanto, ter uma natureza física,
ou ter uma natureza não-física (MOORE, 1980, p. 98-99).
272 • Compêndio de Epistemologia
5
AUSTIN (2004).
Eros Moreira de Carvalho • 273
6
Apesar de razoável, esse passo não é mandatório e os assim chamados “disjuntivistas” o rejeitam,
sustentando que, apesar de indistinguíveis na primeira pessoa, experiências verídicas e ilusórias são
distintas. Ver Hinton (1967) e Carvalho (2015).
7
AUSTIN (2004, p. 42-46).
8
SMITH (2002, p. 40).
9
Está em jogo aqui a interpretação correta de locuções com o verbo “parecer”. Sobre essa discussão,
ver Chisholm (1969, p. 53-57) e Austin (2004, p. 47-61).
274 • Compêndio de Epistemologia
10
Para uma discussão dessa dificuldade, veja Chisholm (1948).
11
Para uma discussão sobre se é possível que dados dos sentidos tenham propriedades espaciais
correspondentes às propriedades espaciais dos objetos físicos, veja Huemer (2001, Capítulo VII).
12
ANSCOMBE (2006). Uma segunda alternativa à concepção relacional da percepção é a concepção
adverbial, elaborada por Chisholm (1957). Basicamente, a ideia é que a experiência de um quadrado,
por exemplo, não envolve a consciência de um objeto quadrado, nem a representação de um objeto
quadrado, ela é uma maneira pela qual a nossa própria experiência é modificada. Perceber algo
quadrado é, na verdade, perceber quadradamente. Por falta de espaço, não abordaremos aqui como
essa concepção enfrenta o argumento da ilusão.
276 • Compêndio de Epistemologia
13
TYE (2002).
Eros Moreira de Carvalho • 277
14
THOMPSON (2008).
278 • Compêndio de Epistemologia
15
SELLARS (2008, p. 41). Para uma apresentação cuidadosa e detalhada do difícil ensaio de Sellars,
“Empiricismo e Filosofia da Mente” (2008), veja DeVries e Triplett (2000). Para uma discussão crítica do
mito do dado, veja Crane (2013), Carvalho (2009) e Bonevac (2002).
Eros Moreira de Carvalho • 279
16
Note que há uma diferença entre um item (uma crença, uma experiência, uma memória etc.) ser uma
razão para crer em uma proposição e ser a razão pela qual alguém efetivamente crê nessa proposição.
No segundo caso, retomando o exemplo dado, não bastaria o sujeito ser capaz de reconhecer que ser
saboroso é suficiente para ser comestível, o sujeito teria também de se basear na sua crença de que
chocolate é saboroso para crer que o chocolate é comestível. A crença de que chocolate é saboroso
teria de ser não só a razão mas também a causa da crença de que chocolate é comestível. Na literatura,
essa noção é chamada de justificação doxástica. Para uma discussão mais aprofundada dessa noção, veja
Bondy & Pritchard (2016). Para a presente discussão acerca do mito do dado, está em jogo uma noção
intermediária de justificação, mais fraca que a justificação doxástica, porém mais exigente que a noção
de indicação de verdade. A noção de ser uma razão para crer, na perspectiva do agente, exige apenas
que o sujeito esteja em condições de reconhecer a relação de indicação de verdade entre um item
justificador e uma proposição.
280 • Compêndio de Epistemologia
17
SELLARS (2008, p. 30).
Eros Moreira de Carvalho • 281
18
SELLARS (2008, p. 28).
282 • Compêndio de Epistemologia
das razões. 19 Como foi explicado, essa condição para a justificação não é
satisfeita pela simples consciência perceptiva de um objeto particular.
Alguns filósofos receberam a crítica de Sellars como um convite ao
coerentismo, 20 uma vez que estaria barrada a possibilidade de crenças
não-inferencialmente justificadas. Várias soluções para esse problema
foram apresentadas. Vou mencionar duas. 21 A primeira consiste em
compreender o papel justificatório da experiência não em termos de
razões, mas em termos de um processo causal confiável de produção de
crenças. 22 Se a maioria das nossas experiências nos causam crenças
corretas acerca do mundo, isso é suficiente para que a experiência
justifique a crença. Não é fundamental que o sujeito seja capaz de
reconhecer que a sua experiência é um mecanismo confiável de
produção de crenças. O problema dessa solução é justificar o abandono
da noção de justificação em termos de razões, uma vez que ter crenças
sensíveis a razões parece ser fundamental para mantermos a ideia de
que somos responsáveis pelas nossas crenças. Essa disputa sobre a
natureza da justificação é conhecida como o debate entre internismo e
externismo. 23 A segunda solução consiste em repensar a concepção de
percepção. Se o segundo requerimento para ser uma razão para crer
exige relações lógicas e conceituais entre o que cumpre o papel de razão
e a crença alvo, então ele pode ser satisfeito se for o caso que, ao ter uma
experiência perceptiva, o mundo nos seja apresentado como sendo de
uma determinada maneira. Assim, conceitos já estariam em operação
19
SELLARS (2008, p. 81).
20
RORTY (1995, p. 178-196), DAVIDSON (1989).
21
Outras duas soluções importantes para a dificuldade colocada por Sellars são a teoria das aparências
proposta por William Alston (2002) e o fundacionismo articulado por Richard Fumerton (2014).
22
GOLDMAN (1976), DRETSKE (1969).
23
Ver o verbete ‘Análise do Conhecimento’, neste compêndio.
Eros Moreira de Carvalho • 283
24
McDOWELL (1994).
25
McDOWELL (2009, p. 258).
McDowell pretende que o seu disjuntivismo seja suficiente para responder a essa dificuldade. Por falta
26
de espaço, esse ponto não foi desenvolvido. Veja McDowell (2005, Capítulo II) e (2011).
284 • Compêndio de Epistemologia
REFERÊNCIAS
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AYER, J. The Argument from Illusion. In: The Foundations of Empirical Knowledge.
London: The MacMillan Press Ltd, 1940, p. 1-57.
BERKELEY, G. Três Diálogos entre Hilas e Filonous em Oposição aos Céticos e Ateus. In:
CIVITA, V. (ed.). Coleção Os Pensadores: George Berkeley e David Hume. São Paulo:
Abril Cultural, 1984, p. 45-119.
BONEVAC, D. Sellars vs. the Given. Philosophy and Phenomenological Research, v. 64,
n. 1, p. 1-30, 2002.
27
McDOWELL (1994, p. 153).
* Agradecimentos: este trabalho recebeu apoio financeiro da CAPES, processo número
88881.119656/2016-01. Também agradeço ao Editor pelos valiosos comentários a versões anteriores do
presente verbete.
Eros Moreira de Carvalho • 285
CRANE, T. The Given. In: SCHEAR, J. Mind, Reason, and Being-in-the-World: The
McDowell-Dreyfus Debate. New York: Routledge, 2013, p. 229-249.
DAVIDSON, D. A Coherence Theory of Truth and Knowledge. In: LEPORE, E. (ed.). Truth
and Interpretation. Perspectives on the Philosophy of Donald Davidson. New York:
Blackwell, 1989, p. 307-319.
DEVRIES, W.; TRIPLETT, T. Knowledge, Mind, and the Given: Reading Wilfrid Sellars's
“Empiricism and the Philosophy of Mind”. Indianapolis: Hackett Publishing
Company Inc., 2000.
HUEMER, M. Skepticism and the Veil of Perception. Lanham: Rowman & Littlefield
Publishers, 2001.
286 • Compêndio de Epistemologia
McDOWELL, J. Avoiding the Myth of the Given. In: Having the World in View: Essays on
Kant, Hegel and Sellars. Massachusetts: Harvard University Press, 2009, p. 256-272.
MOORE, G. E. Uma Defesa do Senso Comum. In: CIVITA, V. (ed.). Coleção Os Pensadores:
Moore. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1980. p. 81-102.
PRICE, H. H. Naïve Realism and the Argument from Illusion. In: Perception. London:
Methuen & Co. 1932, p. 21-54.
1
Cf. SOSA (1980, p. 23).
2
Em resposta ao trilema de Agripa, fundacionalistas e coerentistas disputam a correta estrutura da
cadeia justificacional de crenças: linear, apoiada em uma fundação (a pirâmide); ou circular, formada por
relações de apoio mútuo (a balsa).
288 • Compêndio de Epistemologia
3
Segundo o Confiabilismo proposto por Alvin Goldman (1979 e 1986), ser produzida por um processo
cognitivo confiável é condição necessária e suficiente para a justificação de uma dada crença, onde para
ser confiável o processo deve ter um histórico de alta taxa de sucesso. Esta é uma teoria
paradigmaticamente externalista uma vez que a qualificação epistêmica da crença depende
exclusivamente de fatores externos à vida mental da pessoa, dispensando-a mesmo de ter qualquer
acesso à confiabilidade de seus processos cognitivos. Em outras palavras, teorias confiabilistas, inclusive
as da virtude, negam que conhecimento requeira qualquer tipo de exigência internalista, seja o
internalismo de estado mental (mentalismo) proposto por Feldman e Conee (2004), seja o internalismo
de acesso, defendido por BonJour (2001), Fumerton (2001) e outros.
Kátia M. Etcheverry • 289
4
Ver GRECO; TURRI; ALFANO (2019); e BATTALY (2008).
290 • Compêndio de Epistemologia
5
Cf. SOSA (2007, 2011 e 2015).
6
Importantes críticas foram levantadas contra a teoria de Greco. Este debate se desenvolve sobretudo
em Lackey (2007 e 2009), Greco (2009 e 2012) e Pritchard (2012).
Kátia M. Etcheverry • 291
7
Cf. ZAGZEBSKI (1996, p. 270-271).
8
Sobre esta divisão ver BAEHR (2008), BATTALY (1998), GRECO; TURRI; ALFANO (2019).
Kátia M. Etcheverry • 293
9
Ver GRECO (2003) e SOSA (2011 e 2015).
10
As teorias de Ernest Sosa (2007, 2011 e 2015), John Greco (1999 e 2003), John Turri (2019 e 2016) se
caracterizam por enfocar questões tradicionais em epistemologia, enquanto que Linda Zagzebski (1996)
e Heather Battaly (1998 e 2008) aceitam de forma moderada alguma expansão do território de
investigação, outros como Jason Baehr (2008 e 2011), Christopher Hookway (2004), Miranda Fricker
(2007), e Robert C. Roberts e Jay Wood (2007) são francamente expansionistas em suas propostas.
11
ZAGZEBSKI (1996, p. 271).
294 • Compêndio de Epistemologia
crença justificada como sendo aquela que uma pessoa deveria ter em
determinada circunstância quando ela (i) está motivada por uma virtude
intelectual, e (ii) tem de sua situação cognitiva o entendimento que uma
pessoa virtuosa teria. Nessa perspectiva, crer em uma proposição
verdadeira por causa de suas virtudes intelectuais, i.e., satisfazendo (i)
e (ii), é condição necessária e suficiente para o conhecimento.
Ainda nessa mesma linha, temos o confiabilismo do agente
proposto por John Greco, 12 que associa condições objetivas e subjetivas
para o conhecimento e constitui assim o que ele mesmo classifica de
“teoria mista”. 13 Sua motivação ao formular tal teoria está na suposição
de que as condições colocadas pelo confiabilismo processual 14 seriam
insuficientes para dar conta de dois problemas. O primeiro deles diz
respeito a processos que, apesar de satisfazerem a condição da
confiabilidade, não podem contribuir para a qualificação epistêmica da
crença por eles produzida por serem “estranhos” ou “efêmeros”. O
segundo problema derivaria da forte intuição de que conhecimento
requer justificação subjetiva, o que exigiria uma ampliação da teoria
confiabilista processual a fim de contemplar a exigência de que o sujeito
seja de alguma forma sensível ou consciente da confiabilidade de sua
evidência. Nesse sentido, Greco propõe uma explicação de
conhecimento contendo duas cláusulas: a de confiabilidade e a de
responsabilidade pela obtenção de crença verdadeira. A condição de
justificação objetiva requer confiabilidade, e é satisfeita pela concepção
de virtudes enquanto disposições estáveis para que o agente creia em
proposições verdadeiras. Já a condição de justificação subjetiva é
12
GRECO (1999).
13
Cf. GRECO; TURRI; ALFANO (2019).
14
Ver GOLDMAN (1979 e 1986) e GOLDMAN;BEDDOR (2021)
Kátia M. Etcheverry • 295
15
Cf. BATTALY (1998).
16
Cf. GRECO; TURRI; ALFANO (2019).
296 • Compêndio de Epistemologia
17
Cf. SOSA (2015, p. 36).
18
Ver SOSA (2011, p.86); ZAGZEBSKI (2003, p. 12); GRECO (2003, p. 11); PRITCHARD (2010, p. 54)
Kátia M. Etcheverry • 297
19
O caso dos falsos celeiros apresentado por Pritchard é uma versão do original de Goldman (1976, p.
772-773), um dos casos mais comentados na literatura envolvendo sorte ambiental. “Barney está
dirigindo por uma área rural, olha pela janela e vê um campo. Ao fazer isso, ele consegue dar uma boa
olhada em um objeto com forma de celeiro, e então crê que existe um celeiro no campo. Essa crença é
verdadeira, pois o que ele está olhando é realmente um celeiro. No entanto, sem que Barney saiba, ele
está de fato no ‘distrito das fachadas de celeiro’, onde todo objeto que parece um celeiro é uma farsa
convincente. Se Barney tivesse olhado para um dos celeiros falsos, ele não teria percebido a diferença.
Contudo, inteiramente por acaso, Barney olhou para o único celeiro de verdade nas proximidades.”
(PRITCHARD, 2009, p. 12)
20
PRITCHARD, 2010, p. 54.
Kátia M. Etcheverry • 299
GLOSSÁRIO
Achievement: realização.
Accuracy/accurate: verdade/verdadeiro(a).
Adroitness/adroit: Habilidade/hábil.
Aptness/apt: aptidão/apto(a).
Anti-luck: antissorte.
BIBLIOGRAFIA INTRODUTÓRIA
21
Ver Sosa (2011 e 2015), Greco (2012) e Pritchard (2012).
Ver Sosa (2015), Greco (2010 e 2012). Sobre a discussão sobre a necessidade e a suficiência da condição
22
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23
EPISTEMOLOGIA DE PLATÃO
José Lourenço
ser. Se há alguma coisa que é e não é, ela deve estar situada na posição
intermédia entre “o que é puramente” e o absoluto não-ser (477a6-7).
Como o conhecimento (gnosis) concerne ao ser e a ignorância (agnosia)
ao não-ser, deve haver um estado cognitivo intermediário entre a
ignorância e a ciência, o qual, por seu turno, corresponderá à realidade
intermediária; esse estado é a opinião. Conhecimento e opinião são,
pois, faculdades intelectuais distintas, cada qual com sua própria
potência e, consequentemente, diferentes objetos. A ciência, por
definição infalível, conhece o ser como é (gnonai hos esti to on, 477b10-
11; to on gnonai hos echei, 478a6). A opinião, por sua vez, não pode versar
sobre o ser, do contrário se confundiria com a ciência, nem sobre o não-
ser, que desprovido de toda qualidade não é nada. Mais obscura do que
a ciência e mais clara do que a ignorância, a doxa está a meio caminho
entre uma e outra, tendo por objeto as aparências, um misto de ser e
não-ser. Assim, enquanto a ciência tem por domínio o ser, ou seja, a
realidade que se preserva em sua identidade própria, o domínio da
opinião é o das coisas assinaladas pela contrariedade: os objetos da doxa
não mais são que não são, por isso mesmo residem entre o puro ser e o
puro não-ser. O que quer que se possa dizer deles, em algum sentido se
lhes aplica o contrário.
Com base no sentido em que se entende o termo ser (on) neste
argumento, explicações diferentes da natureza do conhecimento têm
sido avançadas. Há intérpretes que, tomando o ser em sentido veritativo,
x é o caso, consideram o conhecimento o âmbito constituído apenas de
proposições verdadeiras por oposição à opinião, que inclui proposições
falsas, e à ignorância que se compõe apenas de falsidades. Sendo assim,
conhecimento e opinião não diferem quanto a seus objetos, pois tanto
seria possível conhecer os sensíveis quanto opinar sobre os inteligíveis,
José Lourenço • 307
poderia confundir uma coisa conhecida seja com outra que se conhece
seja com uma desconhecida. Em outras palavras, para emitir uma
opinião falsa, se opinião verdadeira é conhecimento, uma pessoa deve
acreditar que é falso o que acredita ser verdadeiro. Mas como opinião
falsa é de fato possível (o Sofista demonstrará) e conhecimento falso é
uma contradição em termos, a episteme não se identifica a alethes doxa.
Ademais, opinião verdadeira e conhecimento não são coextensivos; nos
tribunais, por exemplo, quando retamente convencidos, os juízes
julgam não com o conhecimento que uma testemunha ocular tem do
delito, mas com base na opinião verdadeira que formaram sobre o caso.
A última definição examinada, identifica a episteme como a opinião
verdadeira com uma explicação (logos) – que, equivocadamente, tem
sido tomado por muitos como a definição padrão do conhecimento
como crença verdadeira justificada. O Teeteto evidencia diversas aporias
que mostram ser essa hipótese insustentável. De acordo com a
definição, só podem ser conhecidos os compostos porque passíveis de
receber um logos, enquanto que os simples restam incognoscíveis dado
que não se pode explica-los. Ora, é paradoxal que se possa ter
conhecimento dos compostos sem que se conheça os simples que os
constituem. E a própria noção de logos, o componente a ser adicionado
à opinião verdadeira para torná-la conhecimento, é obscura. Se o logos
for a afirmação da diferença que especifica o objeto sob consideração,
distinguindo-o de tudo o mais, a definição resulta circular:
conhecimento é opinião verdadeira acompanhada do conhecimento da
diferença. A conclusão do diálogo é, então, que “o conhecimento não
será sensação, nem opinião verdadeira, nem explicação acompanhada
de opinião verdadeira” (210b). Circunscrita ao domínio da experiência
sensível e às operações cognitivas a ele associadas, a aisthesis e a doxa,
José Lourenço • 311
REFERÊNCIAS
BRISSON, L.; PRADEAU, J.-F. Vocabulário de Platão. Trad. C. Berliner. São Paulo:
Martins Fontes, 2010.
312 • Compêndio de Epistemologia
FINE, G. Knowledge and belief in Republic V. In: FINE, G. Plato on Knowledge and Forms
- Selected Essays. Oxford: Oxford University Press, 2004.
JUSTIFICAÇÃO A PRIORI
1
As considerações sobre a justificação a priori podem ser reformuladas em termos de autorização —
que tomamos aqui como o equivalente português de “entitlement” (Cf. PEACOCKE, 2003) — ou aval
epistêmico — que tomamos aqui como o equivalente português de “warrant” (Cf. PLANTINGA, 1993).
Mesmo nos casos em que o conhecimento (qua estado ou conceito) é básico (WILLIAMSON, 2000) se
pode falar em fontes de conhecimento, e as considerações sobre a justificação a priori podem ser
reformuladas nesses termos. Para críticas (que não discutiremos) e controvérsias sobre a distinção a
priori/a posteriori, cf. Casullo (2013), Hawthorne (2007) e Williamson (2013).
2
Isso não significa que não poderíamos crer em uma mesma proposição tanto com justificação a priori
quanto com justificação a posteriori. Por exemplo: alguém poderia saber (ou crer justificadamente) a
priori que <Está chovendo ou 17x358=6.086> por saber a priori que <17x358=6.086> e fazer a devida
inferência, ou saber (ou crer justificadamente) a posteriori que <Está chovendo ou 17x358=6.086> por
saber a posteriori que <Está chovendo> e fazer a devida inferência. O que não pode haver é
conhecimento a priori baseado em uma inferência na qual alguma premissa seja conhecida ou
justificada a posteriori (nesses casos o conhecimento resultante, se houver, sempre será a posteriori).
Alguém poderia indagar: há proposição que possa ser conhecida não-inferencialmente (e sem ser por
testemunho) tanto a priori quanto a posteriori? Talvez pudesse existir algum ser capaz de conhecer não-
inferencialmente a priori alguma verdade que humanos poderiam conhecer apenas a posteriori, por
exemplo. Mas, nas discussões sobre o a priori normalmente se assume que as capacidades cognitivas
relevantes são as humanas, e dadas nossas capacidades não parece possível que alguma proposição
seja cognoscível não-inferencialmente (e sem ser por testemunho) tanto a priori quanto a posteriori.
Gregory Gaboardi • 315
3
Nessas considerações sobre o a priori há certa vagueza em função da vagueza da noção de experiência:
refletir sobre a verdade de uma proposição é ter uma experiência incompatível com a justificação a
priori? Fazer contas usando os dedos para descobrir um resultado, por envolver uma experiência,
impede que esse resultado seja conhecido a priori? Usar a memória para lembrar os passos de uma
dedução, por também envolver certa experiência, impede que a conclusão da dedução seja conhecida
a priori? Testemunhos podem fornecer conhecimento ou justificação a priori? Intuitivamente alguns
casos são mais óbvios: refletir (por contraste com fazer observações) ou fazer contas com os dedos (por
contraste com usar uma calculadora) não impede que a justificação ou o conhecimento adquirido seja
a priori, por exemplo. Por outro lado, casos envolvendo a introspecção (PEACOCKE, 2005), a memória
(BONJOUR, 1998, p.124-9) e o testemunho (CASULLO, 2007) são mais controversos.
4
A terminologia de “papel evidencial” e “papel permissor” é de Williamson (2013). Jenkins (2008, 2014)
argumenta que essa divisão não esgota as possibilidades (de como experiências podem se relacionar
com o a priori), acrescentando que no caso do conhecimento a priori a experiência poderia cumprir um
papel mais do que permissor que não seria evidencial. Esse terceiro papel poderia ser chamado de
“papel fundamentador” e, segundo Jenkins, seria necessário que a experiência desempenhasse tal papel
para haver conhecimento a priori. É disputado, entretanto, se uma instância de conhecimento pode de
316 • Compêndio de Epistemologia
fato ser a priori uma vez que a experiência desempenhe o papel fundamentador (para mais discussão
cf. Casullo, 2010, 2013).
5
Na concepção tradicional de justificação a priori, que assumiremos aqui, tal justificação, como nota
Casullo (2012, p.324), é encarada como algo positivo: exige-se que crenças justificadas a priori tenham
certo tipo de justificação (como algum estado mental característico em que se baseiam), não bastando
que apenas não tenham certo tipo de justificação. Nesse sentido, há concepções do a priori que são
heterodoxas, como as de Harman (2001), Field (2000) e Wright (2004a, 2004b), nas quais se assume que
a ausência de justificação a posteriori, dada certas crenças ou práticas inferenciais, pode ser, em alguma
Gregory Gaboardi • 317
medida, suficiente para haver justificação (ou status epistêmico similar) a priori. Não abordaremos essas
concepções heterodoxas, mas para mais discussão cf. Casullo (2013).
6
Seguiremos essa divisão. Entretanto, como Casullo (2003 e 2016) nota, uma teoria acerca do
conhecimento ou da justificação a priori pode combinar (e não é raro que o faça) condições epistêmicas
e não-epistêmicas (alguma condição acerca da fonte da justificação e a condição da necessidade, por
exemplo) bem como combinar diferentes condições da mesma categoria (condição da necessidade e
da analiticidade, por exemplo) na identificação do a priori. Para uma forma alternativa (mas compatível
com a que adotamos) de entender a justificação a priori e os problemas que ela engendra, cf. Schechter
(no prelo).
7
Cf. BonJour (1998, p.11-15) e Casullo (2003, cap.7). Entendendo aqui “verdades necessárias” como as
proposições que são verdadeiras em todos os mundos possíveis, “proposições possíveis” como as
proposições que são verdadeiras em algum mundo possível e “verdades contingentes” como as
proposições que são verdadeiras no mundo atual e falsas em algum mundo possível.
8
Cf. Kripke (2012).
318 • Compêndio de Epistemologia
9
Cf. Casullo (ibid.).
10
Para mais discussão sobre o contingente a priori cf. Gaboardi (2017).
Gregory Gaboardi • 319
11
Cf. Bealer (2002) e Peacocke (2005).
12
Cf. Rey (2017) e Russell (2007).
13
Boghossian (1996, 1997) distingue a analiticidade metafísica da analiticidade epistêmica, de maneira
que a primeira se verifica no caso em que uma sentença é analítica quando seu valor de verdade
depende completamente de seu significado (em vez dos fatos), enquanto a segunda se verifica no caso
em que entender a proposição expressa pela sentença é suficiente para ter justificação ou autorização
para crer na verdade da proposição. A analiticidade mais relevante para a discussão sobre o a priori é a
epistêmica. Para mais discussão sobre a distinção de Boghossian e a analiticidade metafísica, cf. Hofmann
e Horvath (2008), Laurence e Margolis (2001), Russell (2008) e Williamson (2007, cap.3).
320 • Compêndio de Epistemologia
14
Cf. BONJOUR, 1998, cap.2, CASULLO, 2003, cap.7, JENKINS, 2008, cap.2, KROEDEL, 2012, WILLIAMSON,
2007, cap.3-4.
Gregory Gaboardi • 321
15
Cf. AYER, 1952, BONJOUR, 1998, pp.28-32, CASSAM, 2000, SWINBURNE, 1987.
16
Quine (2011, p.37-72)
17
Na realidade, a crítica quineana ao a priori é em parte fraca exatamente por depender da suposição
de que a analiticidade seria condição necessária para o a priori (uma suposição que muitos defensores
do a priori rejeitariam sem constrangimentos). A parte em que a crítica é promissora é aquela em que
seu alvo é o fundacionismo epistêmico, e que acaba por ameaçar a possibilidade do conhecimento ou
da justificação a priori. Para mais discussão sobre a crítica de Quine, cf. BonJour (1998, cap.3), Casullo
(2003, cap.5), Hylton (2014), Jenkins (2013) e Kelly (2014) e Teixeira (2018).
322 • Compêndio de Epistemologia
18
Para uma taxonomia das posições contemporâneas, cf. Jenkins (2012). Sobre a discussão mais recente
acerca da analiticidade cf. Rey (2013).
19
Ver verbete ‘Anuladores’, neste Compêndio.
20
Cf. CASULLO, 2003, pp.28-9.
Gregory Gaboardi • 323
21
Cf. KELLY, 2014.
324 • Compêndio de Epistemologia
Posteriormente, Kitcher (2000) reformulou sua posição sobre o conhecimento a priori. Para mais
22
24
BONJOUR, 1998.
25
HUEMER, 2005.
26
CHUDNOFF, 2013; SOSA, 2007.
27
AUDI, 1999; GINET, 2010.
28
JENKINS, 2008; PEACOCKE, 2004.
29
WEDGWOOD, 2015.
30
Cf. SOSA, ibid.
31
Cf. BENGSON, 2015.
32
Cf. BEALER, 2000.
33
Cf. WEDGWOOD, ibid.
Gregory Gaboardi • 327
34
Cf. BENGSON, ibid.
35
Cf. PEACOCKE, ibid.
36
Cf. BONJOUR, 2014.
328 • Compêndio de Epistemologia
37
Cf. DEVITT, 2014.
Gregory Gaboardi • 329
A premissa mais frágil nessa instância é (1) uma vez que negar (2)
levaria ao ceticismo (que seria absurdo). A defesa de (1) se baseia, grosso
modo, na suposição de que para fazer uma inferência que justifique a
crença em uma proposição sobre o passado não observado (como em
<Alguém passou por aqui>, inferida a partir de crenças justificadas a
posteriori não-inferencialmente, como a de que <Há pegadas na areia>)
é preciso ter justificação para crer em condicionais que relacionem as
38
Para mais discussão sobre argumentos desse tipo, cf. Casullo (2003, cap.4, 2012) e Kroedel (2004).
330 • Compêndio de Epistemologia
Cf. Bealer (1999), Beebe (2008), BonJour (1998, cap.1, 2014), Casullo (2003, cap.4), Devitt (2014, 2011),
39
Huemer (2017), Neta (2004), Peacocke (2004), Poston (2013), Thurow (2009) e Wedgwood (2013).
40
Cf. HASAN, 2014.
Gregory Gaboardi • 331
41
Para mais discussão Cf. Casullo (ibid., cap.6) e Pust (2014).
42
Cf. BOGHOSSIAN, 2000, p.231; BUENO, 2018; DEVITT, 2011, 2014; KATZ, 1997, p.32-34.
332 • Compêndio de Epistemologia
ela exista (uma vez que temos razões para pensar que que ela precisa
existir, o que BonJour sustenta que temos). 43
Outra dificuldade influente foi colocada para quem defende que há
justificação ou conhecimento a priori e que aceita o platonismo: o
desafio de Benacerraf (1973). Originalmente, Benacerraf arguiu que se
verdades matemáticas envolvem entidades abstratas (como sustenta o
platonismo), que não estão no espaço e no tempo (são causalmente
inacessíveis), fica difícil explicar como podemos conhecer tais verdades,
ao menos sob a suposição de que precisamos ter algum contato causal,
ainda que indireto, com aquilo no mundo que torna verdadeiras as
proposições que supomos conhecer. 44 Esse problema se generaliza para
além do domínio matemático, abarcando qualquer domínio acerca do
qual o platonismo for defendido, como o domínio moral, semântico,
estético ou teológico (com isso também podendo ameaçar o
conhecimento moral, semântico, estético ou teológico). E o desafio pode
ser (e foi) reformulado: ao longo do tempo recebeu formulações mais
neutras ou independentes da suposição sobre contato causal 45, e acabou
ficando claro que o cerne da dificuldade, como Bengson (2015) aponta, é
identificar qual relação entre nossos estados mentais e as entidades
abstratas permite que tenhamos conhecimento a priori sobre elas.
Contudo, cabe destacar que o desafio de Benacerraf é um desafio
43
Para mais discussão sobre a alegação de que a justificação a priori seria misteriosa e sobre as críticas
tradicionalmente empiristas ou naturalistas feitas ao a priori, cf. BonJour (2011), Casullo (2003, cap. 5) e
Jenkins (2013, 2014b). Recentemente, Beebe (2011) propôs um argumento em defesa do ceticismo
sobre o conhecimento a priori que não se apoia na alegação de que o conhecimento (ou a justificação)
a priori seria misterioso. Entretanto, apesar de ser engenhoso e digno de discussão, não é um argumento
que ameaça todo o conhecimento a priori (não ameaça a possibilidade do conhecimento a priori de
verdades contingentes, por exemplo) e tampouco ameaça a existência da justificação a priori (ao
contrário dos argumentos empiristas radicais), razão pela qual deixamos ele de lado.
44
Cf. BALAGUER, 2016, seção 5.
45
Cf. BONJOUR, 1998, cap. 6; CASULLO, 2003, cap. 5; FIELD, 2005; THUROW, 2013.
Gregory Gaboardi • 333
46
Cf. HYLTON, 2014.
47
Cf. BONJOUR, 2011, CASSAM, 2000, FOLESCU; MARKIE, 2021.
48
Cf. Cutter (2020) e Folescu e Markie (ibid.).
49
Cf. PUST, 2017.
334 • Compêndio de Epistemologia
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30, 2000.
50
Verbete ‘Problema de Gettier’ neste Compêndio.
51
Cf. CHUDNOFF, ibid., SOSA, ibid.
52
Cf. KNOBE; NICHOLS, 2017.
53
Para mais discussão sobre a relação entre intuições, o a priori e a filosofia experimental, cf. Jenkins
(2014a), Ichikawa (2013), Pust (ibid.), Thurow (2013b) e Weinberg (2013).
Gregory Gaboardi • 335
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EPISTEMOLOGIA DO TESTEMUNHO
Delvair Moreira
1
Para fins desta discussão irei pressupor que conhecimento implica em, pelo menos, crença verdadeira
justificada.
342 • Compêndio de Epistemologia
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A POSSIBILIDADE DA REDUÇÃO
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Mitieli Seixas da Silva • 353
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HUTTON (2004).
4
Na tradução em língua inglesa, Foundations of physics, 1740. Não há tradução para o português dessa
obra.
354 • Compêndio de Epistemologia
5
O valor e o prestígio desse trabalho podem ser medidos por sua citação na entrada “Newtonismo” (ou
Filosofia Newtoniana) da Enciclopédia de Diderot e D’Alembert, a qual atribui à Madame du Châtelet a
qualidade de “comentadora”. A Enciclopédia ou Dicionário razoado das ciências, das artes e dos ofícios
foi um empreendimento monumental levado a cabo pelos filósofos Denis Diderot e Jean Le Rond
D’Alembert de 1751 a 1772 e que pretendia reunir todo o conhecimento do mundo. Sobre a
Enciclopédia, consultar bibliografia abaixo.
Mitieli Seixas da Silva • 355
6
DEAR (1995).
7
ZINSSER (2007, em especial, Capítulo 3).
356 • Compêndio de Epistemologia
EXPERIÊNCIA
8
DU CHÂTELET (2009, p. 73).
9
DU CHÂTELET (2009, p. 64).
10
DU CHÂTELET (2009, p. 74).
11
A marquesa não era uma pensadora ingênua e, portanto, era vacinada contra os problemas lógicos que
a generalização universal carrega: “Não devemos concluir do particular ao geral, assim, embora calor e luz
estejam frequentemente unidos, não se segue que eles sempre estejam. ” (DU CHÂTELET, 2009, p. 63)
Mitieli Seixas da Silva • 357
RAZÃO
12
Na Dissertação, ao menos em duas ocasiões, Madame du Châtelet expressa ceticismo sobre a
capacidade da experiência em gerar conhecimento por si só. A primeira delas aparece quando a
marquesa busca a autoridade de Descartes para justificar sua opinião ao final da Seção I (DU CHÂTELET,
2009, p. 63), a segunda na sua crítica às conclusões acerca dos experimentos para provar um suposto
peso ao fogo na Seção VI (Idem, p. 74), as quais são retiradas a partir da replicação de experimentos
conduzidos por químicos de sua época.
13
Ao fim e ao cabo, para o entendimento aprofundado do pensamento da marquesa, é necessário
compreender se é possível interpretar Du Châtelet como uma filósofa experimental, a exemplo dos
newtonianos e dos autores da Enciclopédia. Interpretá-la desse modo significa considerar que
experimentos são suficientes para justificar crenças que são casos de conhecimento. Isso parece ser
sugerido por algumas passagens da Dissertação e do Comentário. Contudo, se esse é o caso, teremos
que enfrentar problemas exegéticos para acomodar passagens essenciais do Fundamentos nas quais é
dada considerável importância aos princípios de Leibniz na fundação do conhecimento. Essas
possibilidades interpretativas mostram que muita pesquisa ainda precisa ser realizada.
14
DU CHÂTELET (2009, p. 63).
15
Katherine Brading nota a assimetria que há entre a aceitação e a rejeição de uma hipótese no que diz
respeito à confirmação pela experiência (2019, p. 44), o que aparece no seguinte trecho do famoso
capítulo sobre Hipóteses de seu Fundamentos de física, onde Du Châtelet escreve: “Um experimento
não é suficiente para uma hipótese ser aceita, mas um único experimento é suficiente para rejeitá-la,
quando ele é contrário a ela. ” (DU CHÂTELET, 2009, p. 152)
16
DU CHÂTELET (2009, p. 152).
358 • Compêndio de Epistemologia
17
A propósito da entrada “experimental” na Enciclopédia, D’Alembert escreve: “Chama-se experimental
a Filosofia que toma a via dos experimentos para descobrir leis da natureza.” (DIDEROT; D’ALEMBERT,
2015, v.2, p. 278)
18
DU CHÂTELET (2009, p. 121).
19
DETFLESEN (2018); BRADING (2019).
20
Não há grande controvérsia na literatura quanto à natureza inata dos princípios para Du Châtelet
(HAGENGRUBER, 2012), embora, como será assinalado, haja controvérsia quanto ao estatuto dos
princípios.
21
Para fazer-lhe justiça, na verdade, são quatro os princípios considerados pela marquesa: princípio de
não contradição (PNC), princípio de razão suficiente (PRS), princípio de continuidade (PC) e princípio de
identidade (PI). Por brevidade, nos ocupamos neste texto apenas dos dois primeiros.
22
DU CHÂTELET (2009, p. 126-7).
Mitieli Seixas da Silva • 359
23
DU CHÂTELET (2009, p. 128).
Lembremos que acima nós notamos sua atenção crítica à tentativa de alcançar conhecimento através
24
ESTRUTURA DO CONHECIMENTO
26
BRADING (2019).
Mitieli Seixas da Silva • 361
[...] não há dúvida de que restam ainda muitas coisas obscuras em metafísica
[Émilie refere-se à metafísica de Leibniz]; mas, parece-me que com o
princípio de razão suficiente, ele forneceu uma bússola capaz de nos guiar
através da areia movediça dessa ciência.” (DU CHÂTELET, 2009, p. 123, meu
destaque.)
27
DU CHÂTELET (2009, p. 123).
362 • Compêndio de Epistemologia
BIBLIOGRAFIA INTRODUTÓRIA
REFERÊNCIAS
1
Veja a versão original do paradoxo em Fitch (1963).
2
Nosso quantificador universal ∀φ é um quantificador de segunda-ordem - mas isso não precisa nos deter
aqui.
366 • Compêndio de Epistemologia
(F) Kφ ⊨ φ
(D) K(φ ∧ ψ) ⊨ Kφ ∧ Kψ
(N) Se ⊨ φ, então ⊨ ◻φ
3
Assim, (φ → ψ) será verdadeiro quando e somente quando φ não é verdadeiro ou ψ é verdadeiro.
4
A validade de uma proposição é somente um caso especial da validade de um argumento: trata-se de
um argumento sem premissas. Isto é, φ é válido quando ∅ ⊨ φ, onde ∅ é o conjunto vazio de premissas.
Luis Rosa • 367
necessário que algo não é o caso, então este algo não é possível. Mais
precisamente:
onde “¬” é o sinal de negação (“¬__” traduz a expressão “não é o caso que
__”).
Notemos agora que a seguinte proposição é válida: ¬K(p ∧ ¬Kp),
onde p é uma proposição qualquer (ver nota 4 sobre o que significa dizer
que uma proposição é válida). Isto é, não é o caso que alguém sabe que a
seguinte proposição é verdadeira: p e ninguém (inclusive a pessoa em
questão) sabe que p. 5 Afinal, podemos provar isso por redução ao absurdo,
usando os nossos dois princípios epistêmicos incontroversos, (F) e (D):
5
Essa proposição é uma proposição paradoxal-Mooreana - veja De Almeida, C. (2001).
6
Regra da eliminação da conjunção: de (φ ∧ ψ) podemos deduzir φ e podemos deduzir ψ.
368 • Compêndio de Epistemologia
7
Modus tollens: de (φ → ψ), ¬ψ, podemos deduzir ¬φ.
8
Regra de negação da conjunção: de ¬(φ ∧ ¬ψ) podemos deduzir (φ → ψ).
9
Aplicável à todos axiomas/teoremas, bem como à conclusões que dependem exclusivamente de
suposições universalmente quantificadas—no nosso caso, a única suposição da qual 7 depende é 1.
10
Caso o leitor pense que Deus existe e que Deus é onisciente - e que portanto não é absurdo que toda
verdade seja conhecida por alguém (pois Deus sabe todas as verdades) - basta restringir o escopo do
quantificador implícito em K de tal modo que Kφ signifique algum ser humano sabe que φ. Nessa
interpretação restrita, nossa conclusão 8 diria que toda proposição verdadeira é objeto de conhecimento
de algum ser humano: eis novamente um absurdo, desta vez para todos (teístas, ateus e agnósticos).
11
Para mais informações sobre o paradoxo, veja Williamson, T. (1987) e Kvanvig, J. (2006).
Luis Rosa • 369
Um conjunto de crenças {Bφ1, Bφ2..., Bφn} é inconsistente quando é impossível que todos os membros
12
13
Sobre a Tese Lockeana, veja Foley, R. (1992); sobre Bayesianismo de graus de crença veja Christensen,
D, (2004), principalmente o capítulo 2.
14
φ é probabilisticamente independente de ψ quando Pr(φ | ψ) = Pr(φ).
Luis Rosa • 371
OBSERVAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
CHRISTENSEN, D. Putting Logic in its Place. Oxford: Oxford University Press, 2004.
FITCH, F. A Logical Analysis of Some Value Concepts. The Journal of Symbolic Logic, v.
28, p. 135-142, 1963.
15
Agradeço André Neiva por valiosos comentários sobre este verbete.
28
EPISTEMOLOGIA HEGELIANA
Agemir Bavaresco
Federico Orsini
1
De acordo com a interpretação de Nuzzo (Ver Nuzzo, 1992, pp. 138-145), o problema do conhecimento
no sistema de Hegel é o seguinte: como o pensar pode produzir seu próprio objeto e, no mesmo
processo, produzir a si mesmo enquanto conhecimento de seu objeto? Para Nuzzo, o caráter
problemático da teoria hegeliana do conhecimento decorre do fato de que Hegel estaria tentando
combinar dois modelos distintos de conhecimento: um modelo de conhecimento guiado pela
produtividade do pensar e um modelo de conhecimento como atividade que pressupõe e busca
superar a separação entre sujeito cognoscente e objeto conhecido, bem como a separação entre teoria
e práxis. A autora italiana reconduz a distinção entre Lógica e Filosofia Real à articulação da solução do
problema da combinação dos modelos referidos de conhecimento: O conhecimento como atividade
causal imanente e o conhecimento como apropriação ou assimilação do dado.
2
Ver Alcoff (2010, p. 287 – 288).
Agemir Bavaresco; Federico Orsini • 377
EPISTEMOLOGIA DIALÉTICA
3
Ver Okrent, (2010, pp. 432 -433).
380 • Compêndio de Epistemologia
HEGEL E AS EPISTEMOLOGIAS
4
Ver Westphal (2010, p. 312 – 313).
Agemir Bavaresco; Federico Orsini • 381
MÉTODO DIALÉTICO
5
Ver Westphal (2010, p. 405 – 408).
384 • Compêndio de Epistemologia
6
Ver Hegel (1985, § 80).
7
Ver Hegel (1985, § 81)
8
Ver Hegel (1985, § 82).
Agemir Bavaresco; Federico Orsini • 385
EPISTEMOLOGIA HEGELIANA
9
Ver Bavaresco (2015, p. 9-10).
386 • Compêndio de Epistemologia
10
Ver Forster (1989, p. 97-170). O tema da conexão entre ceticismo antigo e dialética hegeliana tem sido
extensivamente estudado nas últimas cinco décadas. De uma perspectiva teórico-sistemática, além da
contribuição de Forster, cabe mencionar: (Heidemann 2007). De uma perspectiva histórico-filosófica,
mencionamos, entre os muitos estudos, uma contribuição brasileira: (Beckenkamp 2019).
11
Ver Winfield (2010, p. 5).
Agemir Bavaresco; Federico Orsini • 387
12
Ver Halbig (2004, p. 147). Sobre a relação entre Lógica e Filosofia do Espírito subjetivo em chave
epistemológica, destacam-se: Di Riccio (2018); Varnier (2020).
388 • Compêndio de Epistemologia
13
Ver Hegel (2016, p. 50-53). Sobre o significado crítico e inovador do pensar objetivo em Hegel,
remetemos a: Halbig (2002); Illetterati (2007); Brinkmann (2010); Ferrarin (2016, p. 70-140).
Agemir Bavaresco; Federico Orsini • 389
14
Ver Hegel (2016, p.40, p.50)
390 • Compêndio de Epistemologia
15
Ver Hegel (2016, p. 38). Cabe destacar que a expressão pensar (Denken) não significa de imediato a
mesma coisa que saber (Wissen). No sistema de Hegel, o campo do pensar é mais amplo, porque abrange
todas as determinações lógicas e as estruturas inteligíveis, mas inconscientes, da natureza, enquanto o
saber denota o processo de conscientização do pensar, a qual se afirma somente com a modalidade do
espírito. A rigor, existe também uma diferença entre saber (Wissen) e conhecer (Erkennen). No
conhecimento finito, o saber indica o aspecto da certeza subjetiva, enquanto o conhecer remete ao
aspecto da verdade objetiva do saber. Não se trata de uma diferença real entre duas atividades, mas de
uma diferença conceitual entre dois aspectos potencialmente presentes dentro de uma e da mesma
atividade. No âmbito da ciência, o termo “saber” destaca a determinação formal da ciência (Wissenschaft)
como atitude do espírito a respeito de si mesmo e de seu outro. O verbo “conhecer” refere-se mais à
organização rigorosamente conceitual, autogerativa, dos conteúdos do saber científico. Sem o
conhecer, o saber permanece uma determinação da consciência contraposta ao objeto, uma certeza
simplesmente assertória. Sem o saber, porém, o conhecer não alcança a refletividade exigida para ser
autoconhecimento, e permanece uma doutrina incapaz de dar conta do fato de que os indivíduos
(espíritos finitos singulares) são os que filosofam. Sobre a diferença entre saber e conhecer, remetemos
a: Hegel (1969, TW 16/118-119).
Agemir Bavaresco; Federico Orsini • 391
16
Sobre a epistemologia circular do sistema hegeliano como estratégia alternativa às abordagens
fundacionistas de Reinhold e Fichte, ver: Rockmore, (1986, p. 44-77).
392 • Compêndio de Epistemologia
17
A aplicação do termo ‘mente’ à Filosofia do Espírito de Hegel é um tanto arriscada, porque esse termo
evoca todo um espectro de dualismos (os dualismos de mente e corpo, consciente e inconsciente,
interno e externo) que o conceito de espírito busca dissolver. Porém, com os devidos cuidados, é
legítimo usar o termo ‘mente’ para designar o conjunto das funções do espírito subjetivo e, assim,
possibilitar uma interlocução critica com a filosofia moderna e contemporânea, a fim de ressaltar a
originalidade das soluções hegelianas aos problemas que ainda assolam a filosofia da mente. Para uma
reconstrução sistemática da teoria hegeliana da mente, ver: DeVries (1988); Ferrarin (2001, p. 234-347);
Winfield (2010); Corti (2016).
394 • Compêndio de Epistemologia
GLOSSÁRIO
REFERÊNCIAS
ALCOFF, l. Continental epistemology. In: DANCY, J.; SOSA, E.; STEUP, M. (eds.). A
Companion to Epistemology. Singapore: Blackwell, 2ª ed., 2010, p. 287-292.
18
Sobre as características formais do sistema hegeliano, ver especialmente: Nuzzo, (1992, p. 49-166);
Chiereghin, (2011, p. 39-100). Sobre as motivações e os referentes históricos da noção hegeliana de
sistema, ver: Bodei (1975, p. 295-330).
396 • Compêndio de Epistemologia
DANCY, J.; SOSA, E.; STEUP, M. (eds.). A Companion to Epistemology, 2ª ed. Singapore:
Blackwell, 2010.
HALBIG, C. Das Erkennen als solches. Überlegungen zur Grundstruktur von Hegels
Epistemologie. In: HALBIG, C.; QUANTE, M.; SIEP, L. (orgs.). Hegels Erbe. Frankfurt
am Main: Suhrkamp, 2004, p. 138-163.
HEGEL, G.W.F. Ciência da lógica. 1. A Doutrina do Ser (1832). Petrópolis: Editora Vozes,
2016.
OKRENT, M. In itself/ For itself. In: DANCY, J.; SOSA, E.; STEUP, M. (eds.). A Companion
to Epistemology. Singapore: Blackwell, 2ª ed., 2010, p. 432-433.
TAYLOR, Charles. Hegel: Sistema, Método e Estrutura. (Traduzido por Nelio Schneider.)
São Paulo: É Realizações, 2014.
WESTPHAL, K. R. Dialectic (Hegel). In: DANCY, J.; SOSA, E.; STEUP, M. (eds.). A
Companion to Epistemology, 2ª ed. Singapore: Blackwell, 2010, p. 312-313.
VARNIER, G. Hegel’s Epistemology. In: M. BYKOVA, K.R. WESTPHAL (eds.). The Palgrave
Hegel Handbook. Basingstoke, 2020, p. 65-81.
WESTPHAL, K. R. Hegel, Georg Wilhelm Friedrich (1770-1831). In: DANCY, J.; SOSA, E.;
STEUP, M. (eds.). A Companion to Epistemology, 2ª ed. Singapore: Blackwell, 2010,
p. 405-408.
1
Seguindo o padrão consagrado entre os pesquisadores da Crítica da Razão Pura, cito a obra de acordo
com a paginação original de sua primeira e segunda edições – respectivamente A (1781) e B (1787).
Todas as traduções bem-cuidadas da Crítica trazem essa paginação lateralmente ao texto.
Renato Duarte Fonseca • 399
CONHECIMENTO TRANSCENDENTAL
A FORMA DA SENSIBILIDADE
2
Para uma introdução à Estética, ver Parsons (2009); para a Lógica Transcendental, ver Altmann (2012).
406 • Compêndio de Epistemologia
CONCEITOS A PRIORI
3
Cf. Fonseca 2008; ver também Licht dos Santos (2016).
Renato Duarte Fonseca • 409
4
Para o estado da arte da leitura não-conceitualista de Kant, ver Schulting (2016). Para um representante
exemplar entre nós, ver Torres (1999). Para um questionamento interessante dos termos do debate, ver
Pereira (2010).
410 • Compêndio de Epistemologia
5
Para uma boa apresentação da Refutação, ver Klotz (2012).
Renato Duarte Fonseca • 411
6
Ver Stern (2003).
7
Ver Bonacinni (2003).
412 • Compêndio de Epistemologia
GLOSSÁRIO
Begriff: Conceito.
Erkenntnis: Conhecimento.
Verstand: Entendimento.
Erfahrung: Experiência.
Idee: Ideia.
Anschauung: Intuição.
8
O autor agradece aos editores e ao revisor anônimo por suas observações, que contribuíram para
aperfeiçoar o texto.
414 • Compêndio de Epistemologia
Vernunft: Razão.
Vorstellung: Representação.
Wissen: Saber.
Sinnlichkeit: Sensibilidade.
BIBLIOGRAFIA INTRODUTÓRIA
REFERÊNCIAS
ALLAIS, L. Manifest Reality: Kant’s idealism and his realism. Oxford: Oxford University
Press, 2015.
KANT, I. Crítica da Razão Pura. (Trad. Fernando Costa Mattos) Petrópolis: Vozes, 2012.
MCDOWELL, J. Mente e Mundo. (Trad. João Vergílio Cuter) Aparecida: Ideias & Letras,
2005.
PARSONS, C. A Estética transcendental. In: GUYER, P. (org.). Kant. Aparecida: Ideias &
Letras, 2009, p. 85-128.
QUINE, W. V. O. De um Ponto de Vista Lógico. (Trad. Antonio Ianni Segatto) São Paulo:
Unesp, 2011.
STRAWSON, P. F. The Bounds of Sense: an essay on the Critique of Pure Reason. London:
Methuen, 1966.
416 • Compêndio de Epistemologia
1
Vamos ignorar a contestação da suficiência dessa definição oferecida por Gettier (1963) e os
desdobramentos que se sucederam. Além disso, trata-se da definição de conhecimento proposicional
(saber que), em contraste com o conhecimento de contato (quem, o que, ...) e com o conhecimento de
habilidades (saber nadar, dirigir, fazer bolo, ...).
2
Proposições podem ser verdadeiras ou falsas, mas para que um sujeito tenha conhecimento dessa
proposição, ela tem que ser verdadeira, dada a definição tradicional de conhecimento proposicional.
418 • Compêndio de Epistemologia
3
Novamente, deixemos de lado a intricada questão da verdade e aceitemos, ainda que provisoriamente,
a tese da correspondência.
4
Trata-se da justificação epistêmica: aquela em que o sujeito tem razões, evidências, etc., para pensar
que a crença seja verdadeira. Há outros tipos de justificação que, por ventura, o sujeito possa ter
(justificação cultural, justificação teológica, por exemplo), mas que não têm relevância para o
conhecimento.
5
Se o cético desvincular conhecimento de justificação, isto é, se adotar uma definição de conhecimento
independentemente da justificação, então poderia adotar uma posição mais moderada: não temos
conhecimento moral, mas podemos ter justificação para nossas crenças morais.
Carlos Augusto Sartori • 419
6
Sujeito doxástico é aquele sujeito que forma a crença. Em contraste, usa-se sujeito epistêmico para o
sujeito que detém conhecimento.
7
Ver Aristóteles, Analíticos posteriores, § 3.
8
Há diferença entre fonte básica de crenças e fonte de crença básica. Uma fonte é básica se produz
crenças independentemente de qualquer outra fonte: percepção, introspecção e intelecção (intuição)
são fontes básicas de crenças básicas. Mas há fontes não-básicas de crenças, fontes que dependem de
outras fontes para produzir crenças: a memória é um exemplo. Para lembrar que p, é preciso que o
sujeito tenha tido uma experiência de outra ordem – perceptual, por exemplo. Entre as fontes de
crenças básicas, encontra-se também o testemunho, que também não é uma fonte básica.
420 • Compêndio de Epistemologia
9
Proposição é definida como significado de uma sentença declarativa (ou de um enunciado
declarativo). No caso de proposições morais, trata-se de enunciados ou sentenças com conteúdo moral.
As proposições morais constituem o conteúdo das crenças morais.
Carlos Augusto Sartori • 421
10
O imperativo categórico, especificado em “princípio de humanidade”, indica que devemos agir de
modo a respeitar a dignidade de pessoa de cada um.
11
Intuição, aqui, é sinônimo de razão pura ou entendimento puro.
12
São deveres prima facie, para Ross: fidelidade, reparação, justiça, gratidão, autoaperfeiçoamento,
benevolência e não-maleficência.
422 • Compêndio de Epistemologia
13
Uma vez que a teoria não acarreta a inanulabilidade do dever, ela dispensa a infalibilidade. Por isso é
dita moderada.
Carlos Augusto Sartori • 423
14
Ver Zimmerman (2010, p.94).
15
“A existência de um bisneto é impossível separadamente da existência de quatro gerações” (Audi,
2004, p. 49).
16
Huemer (2005, p. 102).
424 • Compêndio de Epistemologia
17
Ver Zimmerman 2010, p, 98ss).
Carlos Augusto Sartori • 425
18
Além do confiabilismo, podemos citar como teorias externalistas: A teoria causal, a teoria do
rastreamento da verdade e a teoria da função apropriada.
426 • Compêndio de Epistemologia
19
Ver Zimmerman 2010, p. 78ss.
Carlos Augusto Sartori • 429
20
Ver Zimmerman, Aaron (2010), p. 48).
430 • Compêndio de Epistemologia
21
Diferentemente do subjetivismo individualista, em que não há contradição entre um indivíduo que
aprova e outro que desaprova x, no relativismo cultural não pode se dar que um indivíduo aprove e
outro não. É a sociedade que decide o que é correto e o que não é correto.
22
Ver Huemer (2005, esp. Cap. 3).
Carlos Augusto Sartori • 431
23
Representante dos emotivistas é Ayer.
24
Ver Dall’Agnol, Darlei (2002, p. 102).
25
Ver Felfhaus, Charles (2011, p. 307ss).
26
Hare (1996).
432 • Compêndio de Epistemologia
REFERÊNCIAS
AUDI, R. The good in the right: A theory of intuition and intrinsic value. Princeton, NJ:
Princeton University Press, 2004.
AUDI, R. Moral knowledge and ethical character. New York: Oxford University Press,
1997.
27
A teoria do erro também é conhecida por niilismo. Todavia, isso pode induzir a erro, já que alguns
teóricos consideram niilistas aquelas visões morais para as quais não existem fatos morais, ou seja, o
niilismo moral poderia ser também sinônimo de antirrealismo moral.
28
Indico a leitura de Huemer (2005) e Zimmerman (2010), que foram a base deste verbete.
Carlos Augusto Sartori • 433
1
As proposições analíticas seriam aquelas em que o predicado nada apresenta de novo sobre o sujeito,
isto é, o que é explicitado no predicado já é implícito no sujeito (“Todos os celibatários são solteiros”).
As proposições sintéticas seriam aquelas em que o predicado acrescenta algo além do que o sujeito já
supõe (“Todos os solteiros são infelizes”).
José Eduardo Pires Campos Júnior • 437
2
Quine advogava um behaviorismo semelhante ao de seu colega e amigo em Harvard, Burrhus Frederic
Skinner, que afirmava que todo e qualquer comportamento só pode ser explicado em função de suas
relações causais com as mudanças ambientais, das quais o comportamento é derivado. A proposta de
Skinner era de que a psicologia deveria abolir o uso de termos que remeteriam a algum suposto
processo interno ao indivíduo; todos esses termos devem ser substituídos por vocabulário que remete
ao comportamento observado.
438 • Compêndio de Epistemologia
3
RYSIEW (2016).
4
GOLDMAN (1994).
440 • Compêndio de Epistemologia
5
KORNBLITH (1993).
6
WEINBERG et al. (2001).
442 • Compêndio de Epistemologia
pois indicam que as intuições não ocorrem a priori, mas são informadas
previamente. Para Goldman elas são o objeto de pesquisa empírica
psicológica de nossos conceitos e para Kornblith o objeto da observação
de fenômenos naturais de interação entre organismo e meio ambiente,
característica de uma abordagem ecológica. Recentemente, Edouard
Machery e outros (2017) refizeram as pesquisas da percepção intuitiva
sobre os casos Gettier entre populações diversas e encontraram o
contrário das pesquisas iniciais da filosofia experimental. Haveria uma
epistemologia popular central de cunho inato que mostrou ser comum
a essas diversas populações, o que deu mais força à noção de que
intuições são a priori.
GLOSSÁRIO
Natural kinds: O termo inglês “natural kinds” aparece em dois autores naturalistas
importantes: Quine e Kornblith. Quine escreveu um artigo com esse título que está no
livro Ontological relativity and other essays de 1969. A primeira tradução para o português
está no volume com artigos de Quine da 1ª edição da Coleção Os Pensadores, de 1972. Lá
o tradutor escolheu “Espécies naturais” para traduzir o título do artigo. Em Kornblith
esse conceito tem origem em John Locke via Richard Boyd, que o utiliza para defender
um realismo científico. A minha opção por traduzir “natural kinds” utilizando os termos
“tipos naturais” se deu em razão de o termo “espécie” estar mais afeito ao uso biológico,
inclusive quando os críticos de Boyd e Kornblith utilizam as espécies biológicas para
criticar a possibilidade de que possamos identificar categorias/tipos naturais.
BIBLIOGRAFIA INTRODUTÓRIA
REFERÊNCIAS
KORNBLITH, Hilary. Inductive inference and its natural grounds. Cambridge: MIT
Press, 1993.
KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas, 12ª ed. São Paulo: Perspectiva,
2013.
PLATÃO. Diálogos (O banquete – Fédon – Sofista - Político). São Paulo: Abril Cultural,
1972.
QUINE, W. V. Two dogmas of empiricism. In: QUINE, W. V. From a logical point of view,
2ª ed. Boston: Harvard UP, 1980, p. 20-46.
WEINBERG, J.; NICHOLS, S.; STICH, S. (WNS). Normativity and epistemic intuitions.
Philosophical Topics, v. 29, n. 1-2, p. 429-460, 2001.
32
EPISTEMOLOGIA SOCIAL
José Leonardo Ruivo
Luiz Paulo Cichoski
BREVE HISTÓRICO
1
Zandonade (2004); Lamar (2007); Cichoski (2013).
446 • Compêndio de Epistemologia
2
Através de um programa de epistemologia social diagnóstica, que tenta analisar, explicar e criticar as
fundações clássicas da epistemologia. Sendo esse programa subdividido em: epistemologia social
analítica, genealógica, histórica, política e epistemologia naturalizada (cf. Kusch, 2011).
448 • Compêndio de Epistemologia
3
Ver o verbete ‘Epistemologia do Testemunho’, neste compêndio.
450 • Compêndio de Epistemologia
A EPISTEMOLOGIA COLETIVA
4
Ver os verbetes ‘Epistemologia Coletiva: Crenças Coletivas’ e ‘Epistemologia Coletiva: Justificação e
Conhecimento’, neste compêndio.
José Leonardo Ruivo; Luiz Paulo Cichoski • 453
PERSPECTIVAS DA ÁREA
5
Alguns, como David Coady e James Chase (2019), defendem inclusive que muito do que é feito em
epistemologia social é epistemologia aplicada.
454 • Compêndio de Epistemologia
BIBLIOGRAFIA INTRODUTÓRIA
GOLDMAN, A.; O’CONNOR, C. Social Epistemology. In: ZALTA, E. N. (ed.). The Stanford
Encyclopedia of Philosophy (2019). Disponível em: <https://plato.stanford.edu/
archives/fall2019/entries/epistemology-social/>
REFERÊNCIAS
GOLDMAN, A.; BLANCHARD, T. Social Epistemology. In: ZALTA, E. (ed.). The Stanford
Encyclopedia of Philosophy (2016). Disponível em: <https://plato.stanford.edu/
archives/win2016/entries/epistemology-social/>
SCHMITT, F. F. Social Epistemology. In: GRECO, J.; SOSA, E. (eds.). The Blackwell Guide
to Epistemology. Malden: Blackwell, 1999, p. 354-382.
ZANDONADE, T. Social Epistemology from Jesse Shera to Steve Fuller. Library Trends,
v. 52, n. 4, p. 810-832, 2004.
33
EQUILÍBRIO REFLEXIVO
Tiaraju Andreazza
1
A expressão “equilíbrio reflexivo” (reflective equilibrium) é cunhado por John Rawls, em sua obra A
Theory of Justice (1999), originalmente publicada em 1971. Mesmo antes de receber esse nome, o
método pode ser encontrado em “Outline for a Decision Procedure for Ethics” (1951), um artigo antigo
de Rawls, como o “procedimento” para demonstrar como princípios morais podem ser vistos como
justificáveis ou válidos.
2
Weinberg, Nichols e Stich (2001).
458 • Compêndio de Epistemologia
3
Brink (1989) e Daniels (1996) são os principais proponentes de uma abordagem coerentista, enquanto
Audi (2004) e Scanlon (2014) são os principais defensores de um modelo intuicionista.
4
Ver Scanlon (2014) e DePaul (1993). A ideia de um processo em duas etapas é de Scanlon. Outros, como
Rawls, parecem apontar para um processo em três estágios. Primeiro o indivíduo selecionaria os seus
juízos morais ponderados. Segundo, ele procuraria por um conjunto de princípios que capaz de estar
em uma relação de ajuste mútuo com esses juízos. Cumprindo essas duas etapas, ele estaria em um
equilíbrio estreito (narrow). Para estar em um equilíbrio próprio, que seria amplo (wide), ele teria de, em
um terceiro estágio, considerar o mérito de explicações alternativas de suas crenças morais e os seus
argumentos filosóficos (RAWLS, 1975, p. 8). O que torna a divisão de duas etapas de Scanlon preferível
é o que esse terceiro estágio não parece ocorrer depois da segunda, ou como um processo diferente.
Para decidir quais princípios morais explicam os seus juízos morais, e para avaliar como os conflitos
entre os seus juízos e os princípios devem ser resolvidos, o indivíduo já terá de valer-se de uma reflexão
crítica a partir de descrições alternativas. O modelo de Rawls sugere uma reflexão em que primeiro
decidiríamos por conta própria no que acreditar para só então testar como isso se ajusta ao trabalho
que os outros, também por conta própria, fizeram. Mas não parece ser assim que nós (ou o próprio
Rawls) refletimos na prática.
Tiaraju Andreazza • 459
S será aquela suportada pelos princípios morais que ele afirmaria após
seguir o método do equilíbrio reflexivo (DANIELS, 1996, p. 31).
A abordagem coerentista recebe esse nome porque ela explica o
valor epistemológico do equilíbrio reflexivo recorrendo a um modelo
epistemológico coerentista. Esse modelo estaria presente na afirmação
de Goodman de que no acordo entre regras e inferências “reside toda a
justificação necessária para ambos” (1983, p. 64) ou na maneira como
Rawls concebe a justificação: “uma questão de apoio mútuo de muitas
considerações, de tudo se ajustar em uma visão coerente” (1999, p. 19).
Para os teóricos que defendem alguma forma de coerentismo, o valor
epistêmico de uma crença qualquer é sempre condicional à sua
contribuição para a coerência de um sistema coerente de crenças: a tese
é que uma crença é justificada pela sua coerência com um sistema
coerente de crenças (BRINK, 1989, p. 103). Assim, a promessa é que
alguém interessado em descobrir no que acreditar deveria seguir o
equilíbrio reflexivo porque, se seguido impecavelmente, o método
asseguraria para o seu usuário a aceitação apenas de crenças morais que
formam um sistema coerente de crenças. Como crenças são
epistemicamente justificadas precisamente pelo seu pertencimento a
um sistema coerente de crenças morais e não morais, segue que o uso
do equilíbrio reflexivo asseguraria para o seu usuário a sustentação de
crenças que são epistemicamente justificadas.
Assim interpretado, o equilíbrio reflexivo é essencialmente a
“teoria coerentista da justificação” aplicada à filosofia moral (BRINK,
1989, p. 104) e, enquanto tal, está sujeito a todas as objeções que em geral
são dirigidas a essas teorias. Por exemplo, a objeção mais influente
dirigida ao equilíbrio reflexivo afirma que se fatos a respeito da
coerência interna de um sistema de crenças são fatos que constituem a
Tiaraju Andreazza • 461
5
RAWLS, 1975.
462 • Compêndio de Epistemologia
verdadeiras, mas que ele tem razões para acreditar que podem ser
falsas, deveriam ser rejeitadas. O proponente da abordagem
intuicionista não precisa especificar aqui o que conta como razão para
duvidar de uma intuição moral. Por exemplo, ele pode admitir que
temos razões para duvidar de intuições de certos tipos, como intuições
causadas por emoções como ódio, raiva e nojo, e também de intuições
morais que não são consensualmente compartilhadas dentro de uma
dada comunidade. Em contraste com o modelo coerentista, para o
modelo intuicionista nem todas as nossas crenças morais (ponderadas)
são iguais. De acordo com Rawls, algumas crenças morais sustentamos
intuitivamente, com mais convicção e confiança do que sustentamos
outras, e por isso são “pontos fixos provisórios” (provisional fixed points)
em nossos sistemas de crenças (por “provisórios” não deve se entender
que elas sejam incorrigíveis ou imunes à revisão, pois elas devem ser
afirmadas apenas enquanto S não encontrar, em sua reflexão, razões
para duvidar delas). Segundo o modelo intuicionista, essas crenças
morais cumprem um papel especial no processo do equilíbrio reflexivo,
no sentido de que todas as outras crenças morais que aceitamos são
“justificadas pelo fato de que elas explicam essas alegações e as unificam
de maneiras plausíveis” (SCANLON, 2014, p. 85). Na segunda etapa do
método, S procurará (ou formulará) o princípio, ou um conjunto de
princípios (uma teoria), que ofereça a melhor explicação dessas
proposições. Para cumprir essa segunda etapa, S precisaria revisar ora
as suas crenças morais, ora os princípios, até que ambos estejam em
uma relação de apoio mútuo, formando um sistema coerente de crenças
morais e não morais sobre o objeto da sua investigação. Se esse processo
for seguido impecavelmente, S aceitará uma teoria T sobre um assunto
X qualquer porque ele acredita que T explica, melhor do que teorias
Tiaraju Andreazza • 463
6
GREENE, 2014.
Tiaraju Andreazza • 465
BIBLIOGRAFIA INTRODUTÓRIA
REFERÊNCIAS
AUDI, R. The Good in the Right: A Theory of Intuition and Intrinsic Value. Princeton:
Princeton University Press, 2004.
BRANDT, R. A Theory of the Good and the Right. New York: Prometheus Books, 1979.
BRINK, D. Moral Realism and the Foundations of Ethics. New York: Cambridge
University Press, 1989.
Goodman, N. Fact Fiction and Forecast. 4 ed. Cambridge: Harvard University Press,
1983.
RAWLS, J. Outline of a Decision Procedure for Ethics. The Philosophical Review, v. 60,
n. 2, p. 177-197, 1951.
SCANLON, T. Being Realistic about Reasons. Oxford: Oxford University Press, 2014.
34
ÉTICA DA CRENÇA
Eros Moreira de Carvalho
INTRODUÇÃO
1
Embora o caso do André possa inadvertidamente sugerir um estereótipo, o que não desejamos, esse
caso será discutido na seção “A ofensa doxástica” justamente como um exemplo de crença que
defensavelmente incorre em um erro moral.
468 • Compêndio de Epistemologia
CRENÇAS CULPÁVEIS
2
CLIFFORD (2010, p. 97-99).
Eros Moreira de Carvalho • 469
suficientemente seguro para ser enviado ao mar. Ele sabe que o navio é
velho, tem defeitos de construção, e que já fez muitas viagens. Apesar
de estar inicialmente incerto sobre a segurança do navio, o armador
afasta as suas dúvidas pela consideração de que, como o navio já havia
feito com sucesso muitas viagens, ele provavelmente faria mais uma.
Além disso, como há muitas pessoas a bordo, a providência divina
zelaria pelo bem-estar dessas pessoas. Feitas essas considerações, o
armador acredita sinceramente que o navio está seguro e o libera para
navegação.
O armador está legitimado a crer que o navio está seguro para a
próxima viagem? As suas considerações são fracas e claramente
insuficientes para assegurar minimamente a verdade da sua crença. A
expectativa indutiva de que o navio fará uma nova viagem em segurança
porque já fez muitas é derrotada pela consideração de que a cada viagem
o navio também se desgasta, para além do fato conhecido de que o navio
tem problemas de estrutura. O apelo à providencia divina, além de
basear-se em uma crença bastante disputada, a existência do deus
teísta, é derrotada pela consideração de que, ainda que ele exista, não
temos qualquer razão para pensar que o deus teísta esteja intervindo
para evitar desastres e acidentes, muito pelo contrário. De acordo com
Clifford, diríamos que o armador é culpado por crer que o navio está em
boas condições de navegação, “ele não tinha o direito de acreditar com base
nos indícios de que dispunha” (2010, p. 98, ênfase do autor).
Note que a crença do armador é objeto de uma avaliação normativa.
Afirma-se que ele não tinha o direito de tê-la, ou que ele é culpado ou
irresponsável por tê-la. Por que o armador não tinha esse direito, por
que ele deveria investigar e basear-se em indícios mais sólidos? Na
literatura, a noção de crença culpável/não culpável está fortemente
470 • Compêndio de Epistemologia
3
ALSTON (1988).
4
CHISHOLM (1969, p. 26).
5
BROWN (2019); CHISHOLM (1991); HAACK (2001); PEELS (2017, p. 4).
6
SIMION; KELP; GHIJSEN (2016, p. 376).
Eros Moreira de Carvalho • 471
7
WHITCOMB (2014, p. 90).
472 • Compêndio de Epistemologia
8
SIMION; KELP; GHIJSEN (2016, p. 379-380).
9
CONEE; FELDMAN (2004, p. 177).
10
Algumas emendas seriam necessárias para evitar a consequência indesejável de que somos obrigados
a crer em tudo que é suportado pela evidência que possuímos. Pode haver consequências lógicas da
evidência que possuímos que não vislumbramos e que talvez seja razoável que não estejamos em
condições de vislumbrar. Nesse caso, seria um exagero dizer que somos culpados por não crer nessas
proposições que seguem da evidência disponível. Uma solução seria a seguinte máxima evidencialista:
no caso de se formar alguma atitude doxástica em relação a p, então deve-se formar a atitude doxástica
em relação a p que se ajusta à evidência (CONEE; FELDMAN, 2004, p. 177).
Eros Moreira de Carvalho • 473
11
Uma abordagem mais completa caracterizaria também desculpas que eximiriam ou atenuariam a
culpa por violar a norma da crença. Imagine que Trevor tenha sido hipnotizado e sugestionado a não
formar qualquer crença sobre pesticidas industriais. Nesse caso, não manteríamos o juízo de que ele é
culpado por não crer que esses pesticidas são prejudiciais às abelhas. Para uma discussão cuidadosa
desse tópico, veja (PEELS, 2017, p. 169-184).
12
GOLDMAN (2012, p. 123).
13
CONEE; FELDMAN (2004, p. 185).
474 • Compêndio de Epistemologia
A AGÊNCIA DOXÁSTICA
14
CONEE; FELDMAN (2004, p. 184).
15
FELDMAN (2000, p. 669).
16
ALSTON (1988).
Eros Moreira de Carvalho • 475
17
WILLIAMS (1973, p. 148).
18
LEVY; MANDELBAUM (2014, p. 16).
19
KRUGLANSKI; BOYATZI, 2014; LEVY; MANDELBAUM (2014, p. 21).
20
NICKERSON (1998).
21
LEVY; MANDELBAUM (2014, p. 23).
476 • Compêndio de Epistemologia
22
CONEE; FELDMAN (2004, p. 175).
23
PEELS (2017); RETTLER (2018).
Eros Moreira de Carvalho • 477
24
LEVY; MANDELBAUM (2014, p. 28).
25
VANDERHEIDEN (2016, p. 299).
26
DOUGHERTY (2014, p. 154).
478 • Compêndio de Epistemologia
suporta essa noção. 27 Por outro lado, se aceitamos que a noção de culpa
doxástica se apoia no controle indireto sobre as crenças, então não é
claro que essa culpa seja de natureza epistêmica em vez de moral ou
prudencial. Para ver isso, voltemos ao caso do armador. Sua culpa é
moral por colocar os emigrantes em uma situação de risco. Imagine que
não houvesse emigrantes na embarcação, na verdade, nem mesmo
tripulação, trata-se de um navio totalmente automatizado. Neste caso,
mesmo a sua evidência permanecendo a mesma, diríamos que o
armador é imprudente, não culpado, por não investigar as condições do
navio.
27
DOUGHERTY (2014, p. 155).
28
DOUGHERTY (2014, p. 146).
Eros Moreira de Carvalho • 479
29
AIKIN (2014, p. 42); CONEE; FELDMAN (2004, p. 177).
30
CLIFFORD (2010, p. 104).
31
ZAMULINSKI (2002).
32
BERGERON (2006).
33
AIKIN (2014, p. 44).
480 • Compêndio de Epistemologia
conta, mas o modo como a adotou; não se trata afinal da crença ser
verdadeira ou falsa, mas de o armador ter ou não o direito a acreditar
com base nos indícios de que dispunha” (CLIFFORD, 2010, p. 99). Essa
exigência pode ser acomodada pela distinção entre causar dano a
alguém e colocar alguém em uma situação de risco. 34 Mesmo se, por
sorte, o navio chega ao seu destino ileso, uma das consequências da ação
do armador é que ele colocou os emigrantes em uma situação de risco.
Essa consequência não é obviamente tão ruim quanto a que leva ao
naufrágio e possivelmente à morte dos emigrantes, mas ela não deixa
de ser uma forma de prejuízo para terceiros. Em qualquer caso, o
armador evitaria a correspondente consequência indesejável se fosse
mais zeloso e acreditasse apenas com base em indícios suficientes. Se
crenças infundadas ensejam ações que têm consequências ruins para
terceiros, e podemos evitar essas últimas seguindo a norma de Clifford
ou a evidencialista, então temos a obrigação moral de seguir uma dessas
normas.
A defesa consequencialista da norma de Clifford esbarra em
contraexemplos simples. 35 Lembremos que essa norma visa ser aplicada
a todas as crenças, sem exceções. Podemos apresentar tanto casos de
crença infundada que não têm consequências indesejáveis para
terceiros quanto, mais do que isso, casos de crença infundada que têm
consequências benéficas para terceiros. A situação já mencionada do
armador que, sem qualquer inspeção, libera um navio automático, não
tripulado, e, vamos supor, sem nenhuma carga imprescindível para
ajudar ou salvar a vida de terceiros, é um exemplo do primeiro tipo de
34
ZAMULINSKI (2002, p. 439).
35
OLIVEIRA (2017).
Eros Moreira de Carvalho • 481
36
BROGAARD (2014, p. 131).
37
BROGAARD (2014, p. 133-136). Na verdade, uma vez que o agente mantém a crença, ele não só deve
evitar agir com base nela, mas mais do que isso, ele teria também de monitorá-la para evitar ou
contrabalancear o surgimento de expectativas e disposições automáticas com base no conteúdo dessa
crença (CARVALHO, 2018, p. 31-32).
482 • Compêndio de Epistemologia
38
BERGERON, 2006, p. 68. Pode-se propor uma defesa semelhante da norma de Clifford a partir do
comprometimento antecedente com a obrigação moral de ajudar os outros, veja (GOLDBERG, 2015),
especialmente o capítulo “The Ethics of Assertion (and Belief)”.
Eros Moreira de Carvalho • 483
39
BERGERON (2006, p. 76).
40
JAMES (2010, p. 149-150).
484 • Compêndio de Epistemologia
41
CLIFFORD (2010, p. 158).
Eros Moreira de Carvalho • 485
acreditar, um certo bem vital” (2010, p. 168). Suponha que esse bem vital
traga não só bem-estar para o crente mas produza também uma
transformação positiva da sua sensibilidade moral, tornando-o mais
cuidadoso e generoso. Em uma situação como essa, ainda que o sujeito
resolva arriscar e acreditar na afirmação religiosa sem ter evidência
para ela, o que é um episódio de credulidade, pode-se argumentar que o
bem prudencial e moral que advém desse ato de credulidade talvez
sobrepuje e expie a culpa que a credulidade encerra. Clifford parece não
contemplar a possibilidade de que, ao nos comprometermos com a
norma evidencialista, podemos perder bens que superam o bem de
minimizar o risco de prejudicar terceiros. A questão não é fácil, pois é
preciso ponderar valores morais, e não está claro se a crença religiosa
traz efetivamente tanto um bem prudencial quanto um bem moral, mas
essas considerações levantam uma dúvida razoável sobre se a norma
evidencialista não foi longe demais 42.
Outra crítica importante levantada por James é que, como uma
questão de fato e de direito, não podemos submeter todas as nossas
crenças ao escrutínio da norma evidencialista. Como James pontua, “a
nossa natureza inintelectual influencia as nossas convicções” (2010, p.
149), os comprometimentos mais básicos, por exemplo, se teremos ou
não “fé na fé de outrem”, se acreditamos que há verdades para serem
descobertas, são determinados pela nossa natureza volitiva. Pode-se
questionar se deveria ser assim. Mas igualmente não podemos aplicar a
regra evidencialista sucessivamente sem acabar caindo no ceticismo do
regresso das justificações. O próprio Clifford reconhece que há algumas
Por limitação de espaço, não há como fazer justiça ao rico texto de James (JAMES, 2010) nesta entrada.
42
Para uma análise detalhada de “A vontade de acreditar”, veja (HOLLINGER, 2010) e sobretudo (AIKIN,
2014, p. 79-180).
486 • Compêndio de Epistemologia
A OFENSA DOXÁSTICA
43
CLIFFORD (2010, p. 111 e 131).
44
COHEN (1989).
45
Como na situação da aposta de Pascal, pode ser prudencialmente vantajoso para nós acreditar no deus
teísta, mas daí não se segue que tenhamos uma razão para pensar que é verdade que o deus teísta
existe.
46
MATHESON; VITZ (2014, p. 3-4).
Eros Moreira de Carvalho • 487
47
BASU (2019a, p. 2498).
48
BASU (2019a, p. 2501).
488 • Compêndio de Epistemologia
49
BASU (2019b, p. 12).
50
Uma posição análoga e muito discutida é a que defende que a justificação (ou o conhecimento) é
infiltrada pragmaticamente (FANTL; MCGRATH, 2007). A posição de Basu é que razões morais também
se infiltram na noção de evidência suficiente. Na filosofia da ciência, uma posição de contornos
semelhantes é defendida pela Douglas Heather (DOUGLAS, 2000, 2007).
490 • Compêndio de Epistemologia
REFERÊNCIAS
AIKIN, S. F. Evidentialism and the will to believe. London: Bloomsbury Academic, 2014.
BASU, R. Radical moral encroachment: The moral stakes of racist beliefs. Philosophical
Issues, v. 29, n. 1, p. 9-23, 2019b.
BROGAARD, B. Wide-Scope Requirements and the Ethics of Belief. In: MATHESON, J.;
VITZ, R. (eds.). The Ethics of Belief: Individual and Social. Oxford: Oxford University
Press, 2014, p. 130-145.
DOUGHERTY, T. The ‘Ethics of Belief’ is Ethics (Period). In: MATHESON, J.; VITZ, R.
(eds.). The Ethics of Belief: Individual and Social. Oxford: Oxford University Press,
2014, p. 146-166.
DOUGLAS, H. Rejecting the Ideal of Value‐Free Science. In: KINCAID, H.; DUPRÉ, J.;
WYLIE, A. (eds.). Value-Free Science? Oxford: Oxford University Press, 2007. v. 15,
p. 120-140.
HAACK, S. “The Ethics of Belief” Reconsidered. In: Knowledge, Truth, and Duty: Essays
on Epistemic Justification, Responsability, and Virtue. Oxford: Oxford University
Press, 2001, p. 21-30.
LEVY, N.; MANDELBAUM, E. The Powers that Bind: In: MATHESON, J.; VITZ, R. (eds.).
The Ethics of Belief: Individual and Social. Oxford: Oxford University Press, 2014,
p. 15-32.
MATHESON, J.; VITZ, R. The Ethics of Belief: Individual and Social. Oxford: Oxford
University Press, 2014.
SIMION, M.; KELP, C.; GHIJSEN, H. Norms of Belief. Philosophical Issues (A Supplement
to NOÛS), v. 26, n. 1, p. 374-392, 2016.
WILLIAMSON, T. Knowledge and Its Limits. Oxford: Oxford University Press, 2002.
INTRODUÇÃO
1
Casos como esse foram desenvolvidos por Gilbert Harman (1973) e Hilary Putnam (1999).
Roberto Schmitz Nitsche; Tiegue Vieira Rodrigues • 495
2
Jackson (1982).
3
Searle (1980).
4
Nozick (1974).
5
Foot (1967).
6
Por exemplo, Judith Jarvis Thomson (1976).
7
Rawls (1999).
8
Hume ([1748] 2007).
9
Wittgenstein (1953).
10
Nietzsche ([1882] 2001).
11
Putnam (1973).
496 • Compêndio de Epistemologia
Um dos casos mais antigos que talvez possa ser classificado como
um exemplo de experimento mental 13 foi apresentado por Arquitas de
12
Galileu desenvolveu um cenário para refutar a teoria aristotélica da queda dos corpos, que afirma que
o peso determina qual será a velocidade de queda de um objeto. Galileu nos pede para imaginarmos
dois corpos, o primeiro deles pesando uma unidade e o segundo pesando duas, que são unidos durante
sua queda. A partir da abordagem aristotélica a junção dos dois corpos aumentaria o peso da
composição e a faria cair mais rapidamente do que o segundo corpo com duas unidades de peso, por
outro lado, o peso mais leve, com uma unidade, atuaria como um freio na composição, pois é mais leve
e objetos mais leves caem mais lentamente. A contradição se torna clara. Galileu elegantemente nos
apresenta a solução: todos os corpos caem com a mesma velocidade independentemente do seu peso.
Não há unanimidade na literatura sobre qual caso deve ser considerado o primeiro experimento
13
mental. Por exemplo, Nicholas Rescher (1991) defende que os pré-socráticos já utilizavam experimentos
mentais, enquanto Andrew Irvine (1991) afirma que os pré-socráticos representam apenas um primeiro,
mas importante, passo em direção a um futuro desenvolvimento dos experimentos mentais.
Roberto Schmitz Nitsche; Tiegue Vieira Rodrigues • 497
14
Ver Katerina Ierodiakonou (2018, p. 31).
15
Segundo Ierodiakonou (2011, p. 32), “a estrutura geral do experimento mental de Arquitas é a seguinte:
Imagine, diz Arquitas, que o universo é finito, que há um homem em sua borda mais externa e que ele
tenta estender sua mão ou seu cajado. Há duas possibilidades: ou ele pode ou não pode estendê-lo.
Mas é absurdo pensar que ele não pode estendê-lo. E se ele pode estendê-lo, significa que ele não está
no limite do universo; assim, a mesma questão será levantada quando ele avançar, e esta questão
continuará a ser levantada ad infinitum. Portanto, se assumirmos que o universo é finito, ou chegamos
a um absurdo ou concluímos que o universo é infinito. Portanto, o universo é infinito”.
16
Ver Katerina Ierodiakonou (2005, 2011, 2018).
17
Ver Aspasia S. Moue, Kyriakos A. Masavetas e Haido Karayianni (2006, p. 63).
18
Ver Ernst Mach (1976).
498 • Compêndio de Epistemologia
19
Ver Duhem (1991).
20
Ver Aspasia S. Moue, Kyriakos A. Masavetas e Haido Karayianni (2006, p. 65).
21
Ver Karl Popper (2005).
22
Ver Karl Popper (2005, p. 466).
23
Ver Alexandre Koyré (1992).
Roberto Schmitz Nitsche; Tiegue Vieira Rodrigues • 499
A ABORDAGEM PLATÔNICA
24
Ver Alexandre Koyré (1992, p. 45).
25
Ver Kuhn (1977).
26
Brown (1986, 1991a, 1991b, 1993, 2002)
Lukáš Bielik buscou formular uma definição a partir dos trabalhos de Brown: “eles são realizados na
27
mente; eles envolvem algo semelhante à experiência; normalmente ‘vemos’ algo acontecendo em um
500 • Compêndio de Epistemologia
experimento mental; há mais do que mera observação neles (como cálculo, aplicação da teoria,
adivinhação, etc.); às vezes, eles contêm idealizações” (2014, p. 5).
Roberto Schmitz Nitsche; Tiegue Vieira Rodrigues • 501
28
Laymon (1991), Rescher (1991), Irvine (1991), Forge (1991), Bunzl (1996) e Norton (1991, 1993, 1996,
2004a e 2004b).
502 • Compêndio de Epistemologia
A ABORDAGEM INTUICIONISTA
29
Miščević (1992).
30
Nersessian (1992, 2008, 2018).
506 • Compêndio de Epistemologia
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
BIELIK, L. Thought Experiments: Their Structure and Function. 2014. Disponível em:
<http://www.amesh.sk/pdf/Bielik-
thought_Experiments_Their_Structure_and_Function.pdf>
BRENDEL, E. Intuition Pumps and the Proper Use of Thought Experiments. Dialectica,
v. 58, n. 1, p. 89-108, 2004.
DUHEM, P. The Aim and Structure of Physical Theory. (Traduzido do francês por Philip
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THOMSON, J. J. Killing, Letting Die, and the Trolley Problem. The Monist, v. 59, n. 2, p.
204-217, 1976.
1
Feldman (2003, p. 51), por exemplo, se vale do trilema cético para argumentar em favor do
fundacionalismo.
2
Relações inferenciais podem ser dedutivas ou indutivas. Enquanto relações inferenciais dedutivas
garantem a verdade da crença, as indutivas apenas a probabilizam. Plausivelmente, a maior parte do
que sabemos ou cremos justificadamente tem por apoio relações probabilísticas.
3
O fundacionalismo se apresenta em diferentes versões, seja conforme o rigor da força justificacional
(infalibilidade ou falibilidade), seja quanto à natureza dos justificadores (internalismo ou externalismo).
Ver o verbete Análise do conhecimento.
Kátia M. Etcheverry • 513
FUNDACIONALISMO CLÁSSICO
4
Cf. os Segundos Analíticos de Aristóteles (2004, Livro I, Parte 3, p. 7): “Nossa própria doutrina é a de que
nem todo conhecimento é demonstrativo: ao contrário, o conhecimento das premissas imediatas é
independente de demonstração”.
514 • Compêndio de Epistemologia
5
Ver Newman (2019).
Kátia M. Etcheverry • 515
(i) crenças formadas a priori por meio de intuição racional sobre o que
nos é autoevidente; ou (ii) crenças formadas a partir do conteúdo de
nossos próprios estados mentais conscientes. 6 Assim, na ótica
cartesiana, o rigor infalibilista requer que todo o conhecimento
sustentado por uma pessoa seja dedutivamente inferido a partir do
fundamento forte constituído pelas referidas crenças. A inegável e
contraintuitiva consequência dessa concepção é a drástica redução do
que podemos conhecer, sobretudo devido à negação de que possamos
conhecer algo em bases probabilísticas, como é o caso do conhecimento
de proposições empíricas sobre o mundo exterior. O fundacionalismo
em sua forma clássica recebeu numerosas críticas dirigidas tanto ao seu
caráter internalista, quanto ao seu rigor infalibilista. As dificuldades
teóricas levantadas pelos objetores levaram os fundacionalistas a
proporem versões falibilistas, tanto de natureza internalista quanto
externalista. Contudo, essas teorias também encontraram seus próprios
problemas, o que abriu espaço para o retorno às intuições clássicas por
parte de alguns teóricos fundacionalistas contemporâneos. 7
6
Sobre a dicotomia internalismo/externalismo ver o verbete ‘Análise do conhecimento’, neste
compêndio.
7
Ver o verbete ‘Fundacionismo moderado’ e o verbete ‘Análise do conhecimento’, neste compêndio.
516 • Compêndio de Epistemologia
8
Sobre a relevância epistêmica da infalibilidade e a motivação para um retorno a um fundacionalismo
de inspiração clássica ver Fumerton (1995, p. 71-73).
9
Sobre este ponto ver BonJour (2003a, p. 64 e p. 70) e Fumerton (1995, p. 73-79).
518 • Compêndio de Epistemologia
CRÍTICA
10
Outra proposta nesse mesmo sentido, mas menos presente nas discussões em epistemologia, é a de
Timothy McGrew (1995 e 2003).
11
Outra crítica importante que não podemos deixar de mencionar, embora não possamos aqui
desenvolvê-la, está em SOSA (2003a, 2003b e 2006). Ver BonJour (2003b) para uma resposta parcial a
essa crítica.
Kátia M. Etcheverry • 519
12
Para pressionar o internalista e mostrar a magnitude do desafio gerado pela exigência de acesso aos
justificadores, Bergmann retoma as reflexões de outros críticos, em especial o caso do clarividente
Norman proposto por BonJour (1985, p. 38-45).
Kátia M. Etcheverry • 521
CONCLUSÃO
GLOSSÁRIO
BIBLIOGRAFIA INTRODUTÓRIA
13
A esse respeito ver BonJour (2006), DePoe (2012), Fales (2014), Fumerton (2007), Hasan (2011) e Sosa
(2003a, 2003b e 2006).
522 • Compêndio de Epistemologia
REFERÊNCIAS
BONJOUR, L. Reply to Sosa. In: BONJOUR, L.; SOSA, E. (eds.). Epistemic Justification:
internalism vs. externalism, foundations vs. virtues. Malden: Blackwell Publishers,
2003b, p. 173-200.
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of Knowledge. Belmont, CA: Wadsworth/Thomson Learning, 2003. p. 194-206.
SOSA, E. Beyond Internal Foundations to External Virtues. In: BONJOUR, L.; SOSA, E.
(eds.). Epistemic Justification: internalism vs. externalism, foundations vs. virtues.
Malden: Blackwell Publishers, 2003a, p. 97- 170.
SOSA, E. Reply to BonJour. In: BONJOUR, L.; SOSA, E. (eds.). Epistemic Justification:
internalism vs. externalism, foundations vs. virtues. Malden: Blackwell Publishers,
2003b, p. 201-227.
1
“S” estará no lugar de um sujeito doxástico (aquele que forma crenças) ou de um sujeito epistêmico
(aquele que está de posse de conhecimento). “p, q, r, ...” estarão no lugar de quaisquer proposições.
2
“Justificação” será usada aqui sempre nesse sentido epistêmico.
Carlos Augusto Sartori • 525
3
Laurence BonJour, Richard Fumerton e Timothy McGrew são expoentes do fundacionismo neoclássico.
4
São fundacionistas moderados: Robert Audi, Richard Feldman, James Pryor, James Van Cleve, Matthias
Steup, Michael Huemer, entre outros.
5
O testemunho também é uma fonte de crenças básicas. Todavia, pelas suas peculiaridades,
particularmente por envolver considerações sobre outros sujeitos epistêmicos além de S, não será
tratado aqui.
Carlos Augusto Sartori • 527
6
Ver Feldman (2003, p. 73-5).
7
“Âncora” é um termo usado por Audi (2011, e.g, p. 214).
528 • Compêndio de Epistemologia
crença (e, se a crença for verdadeira, também é o que faz com que a
crença seja um caso de conhecimento para S). Temos nisso o que é a
basicalidade de uma crença perceptual: uma crença básica perceptual é
uma crença formada não inferencialmente a partir da experiência
sensorial e que está enraizada na experiência sensorial, tal que esse
enraizamento é o fator-J da crença. Por isso, normalmente se utiliza
“crença básica” com o significado de crença não inferencialmente
justificada. Mas isso não indica que a crença básica seja imune ao erro.
A justificação da crença básica pode ser anulada, no sentido de que S
perde a justificação para crer se alguma evidência em contrário se
apresentar. 8 Se S forma a crença de que há uma árvore no jardim e está
ciente de que a iluminação não é adequada ou de que ele pode estar sob
efeito de uma droga alucinógena ou ele lembra (e sabe) que não há
árvores no jardim, então ele dispõe de fatores que anulam a justificação
que ele obtém através da experiência sensorial. É importante marcar
que S pode formar justificadamente a crença de que há uma árvore no
jardim no tempo t e perder ou ter enfraquecida essa justificação no
tempo t1 caso se apresente alguma contraevidência. Assim, a crença
básica perceptual é justificada desde que tenha sido espontaneamente
formada a partir das experiências sensoriais e não haja evidências
contrárias. Por isso se diz que as crenças básicas são “inocentes até
prova em contrário”: sua justificação é tipicamente prima facie. 9
8
Lembre-se o leitor que a anulabilidade a justificação das crenças básicas é característica exclusiva das
versões moderadas de fundacionismo. As versões neoclássicas adotam a infalibilidade da justificação
das crenças básicas, que é dada pela imediaticidade da formação dessas crenças.
9
Note-se que o fundacionismo moderado não implica que a justificação de uma crença básica não
possa ser ultima facie. O que o fundacionismo moderado pretende é que a justificação da crença básica
seja adequada mesmo que seja anulável.
Carlos Augusto Sartori • 529
10
O sentido que se pretende aqui é que somos menos propensos ao engano relativamente a crenças
introspectivas e intuitivas do que em relação a crenças perceptuais e mnemônicas.
530 • Compêndio de Epistemologia
11
O fundacionismo moderado é uma tese indutivista porque não requer que a transmissão da
justificação seja dedutiva, embora não precise excluir essa possibilidade. Nos casos em que a justificação
é dedutiva, a justificação não é anulável.
12
A indução por enumeração ocorre quando, a partir de várias observações de casos similares, chega-
se a uma dada conclusão. Exemplo: Observou-se o caso x. o caso y, o caso z, o caso w e todos os casos
têm a propriedade F. Portanto, todos os casos similares têm a propriedade F. A inferência à melhor
explicação ocorre quando, observado um fenômeno, apesar de várias outras possibilidades, o evento x
parece ser o que melhor explica aquele evento. Exemplo: Ao chegar ao bairro onde moro, observo que
todas as ruas estão molhadas. A melhor explicação para isso é a de que tenha chovido.
Carlos Augusto Sartori • 531
13
Inferências indutivas fortes são aquelas em que a verdade das premissas torna a conclusão altamente
provável, isto é, se as premissas são verdadeiras, a conclusão é provavelmente verdadeira.
14
Argumento similar poderia ser construído para os casos de conhecimento direto. Ver Audi, 2011, cap. 9.
532 • Compêndio de Epistemologia
15
Ver Audi (2003).
Carlos Augusto Sartori • 533
16
Crenças básicas já foram definidas acima: são crenças derivadas diretamente da experiência (portanto,
são crenças não inferenciais). Fontes básicas são aquelas que produzem crenças sem a cooperação de
outras fontes. A percepção, por exemplo, produz crenças sem depender de nenhuma outra fonte. Já o
testemunho, que é uma fonte de crenças básicas, não é uma fonte básica, por depender, pelo menos,
da percepção.
534 • Compêndio de Epistemologia
17
Sobre o desafio lançado pelo dilema de Sellars ao fundacionismo, ver Sartori (2009).
18
Ver Feldman (2003).
19
Ver o verbete ‘Fundacionalismo clássico’, neste compêndio.
Carlos Augusto Sartori • 535
dificuldade: por que a experiência visual de uma galinha com três pintas
justifica S em crer que há uma galinha com três pintas diante dele e a
experiência visual de uma galinha com 48 pintas não justificaria S em
formar a crença correspondente? O fundacionista moderado poderia
responder que, nesse caso, a experiência visual não fornece a S todas as
informações, o que impediria S de formar justificadamente a crença de
que há uma galinha com 48 pintas diante dele. O fundacionista
moderado não precisa sustentar que toda experiência produz crenças e
nem que toda crença derivada da experiência é necessariamente
justificada. 20
BIBLIOGRAFIA INTRODUTÓRIA
PRYOR, J. There is immediate justification. In: STEUP, M.; TURRI, J.; SOSA, E. (eds.).
Contemporary debates in epistemology. 2ª ed. Malden, MA: Wiley-Blackwell, 2014,
p. 202-222.
REFERÊNCIAS
AUDI, R. The structure of justification. New York: Cambridge University Press. 1993.
20
Ver também as entradas ‘Conservadorismo fenomênico’ e ‘Fundacionalismo clássico’, neste
compêndio.
536 • Compêndio de Epistemologia
HUEMER, M. Skepticism and the veil of perception. Lanham, MD: Rowman &
Littlefields, 2001.
PRYOR, J. The skeptic and the dogmatist. Noûs, v. 34, n. 4, p. 517-549, 2000.
1
O rótulo se deve a Kvanvig (2004). Agradecemos a Cláudio de Almeida pela sugestão de tradução.
2
Diferentes rótulos são, por vezes, utilizados para se referir as posições dos infiltradores. Por exemplo,
Stanley denomina sua teoria de Invariantismo Relativo ao Interesse. Hawthorne, de Invariantismo
Sensível ao Sujeito.
3
Diferente de como estamos concebendo, alguns autores (e.g. Reed, 2013; Engel, 2009) tomam o
intelectualismo simplesmente como equivalente ao purismo ignorando o aspecto invariantista.
538 • Compêndio de Epistemologia
4
Ver o verbete ‘Contextualismo’, neste compêndio.
José Leonardo Ruivo; Tiegue V. Rodrigues • 539
GLOSSÁRIO
Variantism: variantismo.
BIBLIOGRAFIA INTRODUTÓRIA
REED, B. Practical Matters Do Not Affect Whether You Know. In: STEUP, M.; TURRI, J.
(eds.). Contemporary Debates in Epistemology. Malden: Blackwell, 2013, p. 85-106.
STANLEY, J. Knowledge and Practical Interests. Oxford: Oxford University Press, 2005.
REFERÊNCIAS
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REED, B. Practical Matters Do Not Affect Whether You Know. In: STEUP, M.; TURRI, J.
(eds.). Contemporary Debates in Epistemology. Malden: Blackwell, 2013, p. 85-106.
STANLEY, J. Knowledge and Practical Interests. Oxford: Oxford University Press, 2005.
39
INFINITISMO
Tito Alencar Flores
1
Naturalmente, é possível avaliar atitudes doxásticas de outras maneiras. É bastante comum que nossas
opiniões sejam moralmente avaliadas, por exemplo. Por outro lado, não é óbvio que avaliações
epistêmicas se reduzam à avaliação de crenças. É possível que outras atitudes mentais também possam
ser epistemicamente avaliadas. Caso atos mentais como temer que p, ou desejar que p, por exemplo, não
possam ser reduzidos a alguma forma de crer que p, tais atos poderiam ser avaliados em virtude de sua
justificação epistêmica.
2
Talvez, levando em conta um certo sentido do termo “razão”, mais aproximado do conceito de motivo
ou causa, seja factualmente impossível para um sujeito ter uma crença sem uma razão. O ponto que
ressaltamos, entretanto, é que é possível, e até mesmo frequente, um sujeito manter uma crença sem
dispor de uma razão que adequadamente justifique epistemicamente essa opinião.
548 • Compêndio de Epistemologia
3
O termo “irracional” deve ser entendido aqui como sinônimo de “epistemicamente injustificado”.
4
Tal como entendido aqui, o conceito série infinita de razões exclui a possibilidade de recorrência de
razões.
Tito Alencar Flores • 549
INFINITISMO E CETICISMO
5
Cf. Klein, 2000.
552 • Compêndio de Epistemologia
razões para a sustentação dessa crença. Porém, uma vez que os três
únicos caminhos disponíveis para a justificação de uma opinião, ou para
a estruturação de uma cadeia adequada de razões (a hipótese, o regresso
ao infinito e o raciocínio circular), não permitem que razões sejam
oferecidas sem algum vício incorrigível, ou a existência mesma de um
conjunto adequado de razões, nenhuma opinião poderá ser justificada.
Assim, todas as proposições possuem o mesmo status epistêmico para
todos os indivíduos: nenhuma proposição é epistemicamente justificada
para ninguém. 6 Portanto, segundo o pirronismo, como toda crença será
mantida de maneira arbitrária ou dogmática, deve-se suspender o juízo,
i.e., deve-se suspender a aceitação de qualquer proposição.
Dada a suposição de que razões devem elas mesmas ser justificadas
para que possam justificar (cuja consequência é que se r é a razão para
crer p e não há justificação para crer r, então não há justificação para
crer p), o que temos é que se toda opinião precisa de razão, então é
impossível que qualquer opinião seja justificada. Como devemos aceitar
que nossas opiniões precisam de razões, temos que admitir que
nenhuma opinião pode ser justificada. Ao menos tal é a argumentação
cética.
A posição infinitista, por outro lado, é bastante diferente: não é o
caso que todas as proposições possuam o mesmo status epistêmico para
um indivíduo, nem que uma dada proposição possua, necessariamente,
o mesmo status epistêmico para todos os indivíduos. Segundo o
6
Talvez não seja correto afirmar que o pirronismo considera que não há qualquer proposição
epistemicamente justificada para qualquer indivíduo. Talvez sejam apenas proposições cujo valor de
verdade não seja evidente, de modo que verdades lógicas e mesmo proposições que descrevem
estados mentais do indivíduo possam ser justificadas. Em todo caso, o ponto é que nenhuma proposição
do tipo que aqui consideramos relevante, i.e., proposições que descrevem fatos ou estado de coisas,
podem ser, segundo o pirronismo, justificadas para nenhum indivíduo.
Tito Alencar Flores • 553
7
A escolha do nome “problema do regresso” é equivocada pois enfatiza apenas um dos modos que,
segundo os pirrônicos, devem levar à suspensão do juízo. Além do mais, parte do problema pirrônico
sequer diz respeito ao regresso, ou progresso, da justificação. Com relação a tudo aquilo que diz respeito
à justificação proposicional, o que está em jogo são as características normativas que regulam conjuntos
de razões, que podem e, segundo o infinitismo, devem ser conjuntos infinitos de razões. Mas séries
infinitas de razões não possuem qualquer relação óbvia com alguma noção de regresso de razões.
554 • Compêndio de Epistemologia
justificar? Uma cadeia com uma razão última, para a qual não há razão
adicional, pode justificar? Uma série com razões que não se repetem e
que não possui uma razão última pode justificar?
Por outro lado, há um problema dialético colocado pelo trilema. Esse
é o problema que emerge da tentativa de responder a estas perguntas:
há alguma forma de argumentação que pode conferir credibilidade a
uma opinião? É epistemicamente apropriado não oferecer razões para
uma crença? Pode haver um ponto final no processo de justificação de
uma opinião? Em que medida é necessário defender uma crença para
que ela seja justificada?
Mesmo que se suponha que uma dessas interpretações possui
alguma prioridade, lógica ou histórica, sobre a outra, é fundamental
notar que teremos teorias substancialmente diferentes para responder
a cada um desses conjuntos de questões.
de que ele dispõe para crer em p, e (b) o sujeito possui justificação para
crer em p, mas não crê em p.
Assim, podemos tratar, por um lado, das condições para que um
sujeito tenha justificação para sustentar opiniões, independentemente
de ele ter ou não crenças ou de manter suas crenças com base nessas
razões. Com esse tratamento ex ante da justificação epistêmica,
chamado de justificação proposicional, dificuldades que envolvem o
modo como baseamos nossas crenças em razões, ou se devemos ser
capazes de defender nossas opiniões, simplesmente não surgem. É aqui
onde a tese infinitista possui sua consequência mais óbvia e direta:
ninguém pode ter justificação a menos que disponha de um conjunto
infinito de razões.
Por outro lado, podemos tratar das condições para que um
indivíduo tenha crenças epistemicamente justificadas. Ou seja, podemos
tratar especificamente da justificação doxástica. Há diversas exigências
que podem ser estabelecidas para esse tipo de justificação, inclusive a
de que a justificação proposicional é uma condição necessária para a
justificação doxástica. A seguir será apresentada apenas uma condição,
que é tão interessante quanto controversa.
Ao definirmos justificação doxástica, é necessário levarmos em
conta outra distinção, entre estar justificado ao crer em p e mostrar que se
está justificado ao crer em p. Embora seja frequente afirmar que, para que
um sujeito tenha uma opinião justificada, não é necessário que ele
mostre que está justificado, não há nada de obviamente incorreto em
sustentar que um sujeito só pode estar justificado ao crer em p se ele é
capaz de mostrar que está justificado ao crer em p. Assim, mesmo que
um sujeito tenha razões para crer em p, a crença em p não será
justificada para esse sujeito se ele for incapaz de defender sua opinião.
556 • Compêndio de Epistemologia
8
Cf. Klein, 2014.
558 • Compêndio de Epistemologia
BIBLIOGRAFIA INTRODUTÓRIA
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA
AUDI, R. Rational Belief: Structure, Grounds and Intellectual Virtues. Oxford: Oxford
University Press, 2015.
FIRTH, R. Are Epistemic Concepts Reducible to Ethical Concepts? In: GOLDMAN, A.;
KIM, J. (eds.). Value and Morals. Dordrecht: D. Reidel Publishing Co., 1978.
GOLDMAN, A. Liasons: Philosophy meets the Cognitive and Social Sciences. Mass: MIT
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KLEIN, P. Infinitism is the solution to the regress problem. In: STEUP, M.; SOSA, E. (eds.).
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KLEIN, P. The Failures of Dogmatism and a New Phyrronism. Acta Analitica, v. 15, n. 24,
p. 7-24, 2000.
LEITE, A. On justifying and Being Justified. Philosophical Issues, v. 14, n. 1, p. 219, 253,
2004.
POLLOCK, J.; CRUZ, T. Contemporary Theories of Knowledge, 2ª ed. New York: Rowman
& Littlefield, 1999.
INTRODUÇÃO
1
Ver GOLDMAN e O'CONNOR (2019) para uma explicação das diferenças entre os projetos analíticos de
epistemologia social e a sociologia do conhecimento.
562 • Compêndio de Epistemologia
2
FRICKER (2007, p. 1-5). A maior parte das referências desse texto será feita ao livro de Fricker de 2007.
Por isso, indicarei apenas a página de referência daqui para frente. Quando a referência não for a essa
obra, ficará explícito através do nome e data da publicação. Os trechos das obras citados em português
são de tradução própria.
564 • Compêndio de Epistemologia
3
Traduzido para o português em LEE, Harper. O sol é para todos. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.
Breno R. G. Santos • 567
4
Fricker defende que devemos ter sempre em mente uma ontologia social que considere a intersecção
de identidades sociais e não uma visão monolítica dessas identidades. Ver p. 153.
568 • Compêndio de Epistemologia
5
BAILEY (2014, p. 64).
570 • Compêndio de Epistemologia
6
Na epistemologia social, essas visões são expressas, em grande medida, por posições redutivistas e não
redutivistas acerca da justificação testemunhal. Ver, por exemplo, COADY (1992) e FRICKER (1994).
Breno R. G. Santos • 573
7
Ver ANDERSON (2012); BOHMAN (2012).
8
Ver DOTSON (2011); MASON (2011); MEDINA (2011 e 2012); POHLHAUS, JR. (2012); COADY (2012).
9
Ver DAVIS (2010); FRICKER (2012); HAWLEY (2012); GILADI (2017); ALMASSI (2018); MEDINA (2018);
BAYRUNS GARCIA (2019); MCGLYNN (2019); ICHIKAWA (2020).
10
Ver BHARGAVA (2013); SANATI e KYRATSOUS (2015); WARDROPE (2015); BURROUGHS e TOLLEFSEN
(2016); JENKINS (2017); ELZINGA (2018); ATKINS (2018).
Breno R. G. Santos • 581
REFERÊNCIAS
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injustice. Social Epistemology, v. 33, n. 1, p. 1-22, 2019.
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Oxford University Press, 2007.
FRICKER, Miranda. Silence and institutional prejudice. In: CRASNOW, S. L.; SUPERSON,
A. M. (eds.). Out from the shadows: Analytical feminist contributions to traditional
philosophy. New York: Oxford University Press, 2012, p. 287-306.
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hermeneutical ignorance. Hypatia, v. 27, n. 4, p. 715-735, 2012.
1
Em língua portuguesa, os rótulos ‘internalism’ e ‘externalism’ têm recebido duas traduções:
‘internalismo’ ou ‘internismo’ e ‘externalismo’ ou ‘externismo’. No presente verbete adotaremos
‘internalismo/externalismo’.
2
Esse debate tem envolvido vários epistemólogos importantes, resultando em vasta literatura. Alguns
nomes importantes são: Alston (1986), Bergmann (2006), BonJour (2002, 2010b), BonJour e Sosa (2003),
Feldman e Conee (2001), Goldman (1999, 2009), Huemer (2006), McGrew e McGrew (2007), Pappas
(2017), Pryor (2001), Sosa (2006) e Steup (2004).
3
Ver o tratamento do caso do clarividente Norman em Goldman (1986, p. 109-113).
Kátia M. Etcheverry • 585
INTERNALISMO
4
Este verbete considera em detalhe duas posições fundacionalistas que exemplificam de modo
exemplar o contraste nas concepções de justificação internalista e externalista. Cabe, contudo,
mencionar que existem outras propostas, como a de Timothy McGrew, também um fundacionalista
forte, e Keith Lehrer, um coerentista. Ver os verbetes ‘Fundacionalismo Clássico’ e ‘Coerentismo’, neste
compêndio.
5
É preciso ressaltar que teorias internalistas menos exigentes, nas quais o sujeito não precisa ter acesso
aos justificadores de sua crença para crer justificadamente, também consideram que o sujeito pode ter
esse acesso, dado que todo item pertencente à vida mental da pessoa é passível de ser cognitivamente
acessado por ela.
6
Ver Conee e Feldman (2001 e 2004).
7
Ver Conee e Feldman (2004) e Pryor (2001, p. 104). Apesar de seu caráter ontológico, a noção de
superveniência (supervenience) tem sido com frequência usada em epistemologia no sentido de tentar
falar de uma ligação entre propriedades normativas, como é o caso da justificação, e propriedades
naturais, sem, contudo, reduzir as primeiras a essas últimas. Superveniência pode ser entendida como
sendo a relação entre dois conjuntos de itens (coisas, propriedades, eventos), digamos X e Y, na qual X
depende de Y se, e somente se, não pode ocorrer nenhuma alteração em X sem que igualmente ocorra
alguma alteração em Y. Conforme McLaughlin e Bennett (2021): “Um conjunto de propriedades A
sobrevém a outro conjunto B se e somente se nenhum par de coisas pode variar quanto a suas
propriedades A sem variar também quanto a suas propriedades B”.
586 • Compêndio de Epistemologia
8
Cf. Conee e Feldman (2001).
9
Ver BonJour ((2001e 2003)
Sobre a questão do regresso epistêmico e da justificação de crenças básicas, ver os verbetes
10
12
Ver BonJour (2003, p. 64).
13
Ver Fumerton (1995 e 2001).
14
Cf. Fumerton (2001, p. 13-14).
15
Cf. Fumerton (1995, p. 75-76).
588 • Compêndio de Epistemologia
EXTERNALISMO
16
Cf. Fumerton (1995, p. 67).
17
Apenas o confiabilismo processual de Goldman (1979 e 1986) oferece uma teoria da justificação
externalista. Propostas como a teoria causal do conhecimento de Alvin Goldman (1967), a teoria do
rastreamento da verdade de Robert Nozick (1981) e a teoria da função própria de Alvin Plantinga (1993),
pretendem explicar conhecimento.
18
Ver Goldman (1979, 1986 e 1999).
Kátia M. Etcheverry • 589
19
Esse caso foi originalmente oferecido por Stewart Cohen (1984). Desde então, muitas versões
explorando essa intuição foram apresentadas na literatura epistemológica.
20
Cf. BonJour (2009, p. 369-370).
Kátia M. Etcheverry • 591
21
Ver o verbete ‘Deontologismo Epistêmico’, neste compêndio.
592 • Compêndio de Epistemologia
22
Muitos críticos enfocaram o caráter deontológico da concepção internalista de justificação. Ver Alston
(1988), Goldman (1999) e Plantinga (1993).
23
Em Goldman (1999).
24
Essas objeções têm como alvo a explicação de como justificadores internos à vida mental do sujeito
podem ser efetivos indicadores de fatos do mundo exterior. Ver Sellars (1991), Sosa (2003) e Bergmann
(2006).
Kátia M. Etcheverry • 593
25
Cf. Feldman (2003, p. 57-59).
26
Cf. BonJour (2010a, p. 205-206).
27
Cf. Fumerton (2001, p. 4-5).
28
Cf. Fumerton (2002, p. 215).
29
Ver BonJour (2006).
594 • Compêndio de Epistemologia
30
BonJour (2010a, p. 205).
Kátia M. Etcheverry • 595
31
Ver Goldman (1979, p. 12).
32
Ver Feldman (1985) e Conee e Feldman (1998).
Conforme Wetzel (2018): “A distinção entre um tipo e seus tokens é uma [distinção] ontológica entre
33
35
Ver Goldman (1993) e Goldman e Beddor (2021).
36
Como é o caso do confiabilismo da virtude. Ver o verbete ‘Epistemologia da virtude’, neste compêndio.
Kátia M. Etcheverry • 597
BIBLIOGRAFIA INTRODUTÓRIA
REFERÊNCIAS
37
Acerca da discussão sobre a natureza da justificação ver, entre muitíssimos outros, Alston (1986 e
1988), BonJour (1980, 1996 e 2001), BonJour e Sosa (2003), Conee e Feldman (2001) Fumerton (1988),
Goldman (1999) e Kornblith (2001).
598 • Compêndio de Epistemologia
GOLDMAN, A.; BEDDOR, B. Reliabilist Epistemology. In: ZALTA, E. (ed.). The Stanford
Encyclopedia of Philosophy (2021). Disponível em: <https://plato.stanford.edu/
archives/sum2021/entries/reliabilism/>
MCGREW, T. A Defense of Classical Foundationalism. In: POJMAN, L.P. (ed.). The Theory
of Knowledge. Belmont, CA: Wadsworth/Thomson Learning, 2003, p. 194-206.
PLANTINGA, A. Warrant and Proper Function. New York: Oxford University Press,
1993.
SOSA, E. Beyond Internal Foundations to External Virtues. In: BONJOUR, L.; SOSA, E.
(eds.). Epistemic Justification: internalism vs. externalism, foundations vs. virtues.
Malden: Blackwell Publishers, 2003, p. 97- 170.
WETZEL, L. Types and Tokens. In: ZALTA, E. (ed.). The Stanford Encyclopedia of
Philosophy (2018). Disponível em: <https://plato.stanford.edu/archives/fall
2018/entries/types-tokens/>
42
PARADOXO DA LOTERIA
Felipe Medeiros
INTRODUÇÃO
1
Apesar de não explicitamente defendida por Locke, a tese lockeana tem esse nome por ser
supostamente inspirada pelo seu pensamento.
602 • Compêndio de Epistemologia
2
Grosso modo essa é a ideia de que certa propriedade epistêmica (usualmente justificação, mas para
certos autores conhecimento) é transmitida por meio da implicação lógica.
604 • Compêndio de Epistemologia
talvez o agente de viagens tenha pensado que você queria viajar para
Moscou, Rússia ao invés de Moscou, Idaho, etc.” (Sorensen, 2017). O
cético probabilístico, então, procura apontar que para todas essas
proposições sempre há a possibilidade de cenários (em geral altamente
improváveis) onde alguma possibilidade faz com que nós estejamos
inclinados a duvidar da justificação de nossa crença em proposições a
posteriori ordinárias. Isso parece acontecer pois, para cada tipo de
proposição a posteriori, existem possíveis erros (por mais improváveis
que eles sejam), que são passíveis de checagem, e que poderiam tornar
a crença na proposição alvo falsa. Além disso, é possível checar alguns
desses erros, mão não é possível checar todos eles. Em adição, essas
possibilidades não podem, também, ser facilmente desconsideradas. De
fato, essas possibilidades são “exatamente o tipo de possibilidade que
nós checamos quando algo dá errado” (Sorensen, 2017). Esse fato, junto
com a concepção de que, para cada uma dessas possibilidades, pode ser
construído um caso de loteria no qual a probabilidade de satisfação de
uma proposição lotérica como “esse bilhete é o vencedor” seja ainda
menor do que a probabilidade de cada um desses possíveis erros fazem
que o ceticismo acerca de probabilidades pareça ser capaz de atacar uma
gama de crenças muito maiores do que as originalmente pensadas.
CONCLUSÃO
3
Grosso modo essa é a tese de que alguém deve asserir que p apenas quando sabe que p.
4
Ver o verbete ‘Conhecimento Primeiro’, neste compêndio.
5
Ver o verbete ‘Problema de Gettier’, neste compêndio.
6
O paradoxo do prefácio consiste, grosso modo, na ideia de que há inconsistência entre uma afirmação
razoável como “nas afirmações a seguir devo ter cometido algum erro” (quando por exemplo escrita no
prefácio de um livro sobre um complexo tema científico) e na crença de cada um dos itens apresentados
em seguida a esta afirmação estão corretos (mais precisamente na conjunção de que cada um dos itens
apresentado, por exemplo, no volume científico está correta).
606 • Compêndio de Epistemologia
REFERÊNCIAS
WILLIAMSON, T. Knowledge and its Limits. Oxford: Oxford University Press, 2000.
43
PARADOXO DO DOGMATISMO
Lucas Roisenberg Rodrigues
1
Posteriormente, a palestra foi revisada e publicada em Kripke (2011).
608 • Compêndio de Epistemologia
Vamos supor que S sabe que é verdadeira cada uma das suposições
do argumento acima, o que é prima facie uma possibilidade, e que o
sujeito executa o raciocínio, vindo assim a crer na conclusão. Pelo
2
Sobre o princípio de fecho do conhecimento, consultar Luper (2008).
Lucas Roisenberg Rodrigues • 609
(3’) se meu amigo confiável Doug disse que o carro não está no
estacionamento, então o seu relato é enganador (é uma evidência
enganadora).
Digamos agora que meu confiável amigo Doug me disse que o carro
não está no estacionamento. Assim, eu sei que:
(4’) meu confiável amigo Doug disse que o carro não está no estacionamento.
GLOSSÁRIO
BIBLIOGRAFIA INTRODUTÓRIA
REFERÊNCIAS
LUPER, S. Epistemic closure. In: In: ZALTA, E. (ed.). The Stanford Encyclopedia of
Philosophy (2020). Disponível em: <https://plato.stanford.edu/archives/sum2020/
entries/closure-epistemic/>
44
PARADOXO DO PREFÁCIO
Lucas Roisenberg Rodrigues
1
Não faço aqui distinção entre “crença justificada” e “crença racional”. Se houver alguma diferença entre
os dois conceitos, ela certamente não é relevante para a discussão do presente verbete.
616 • Compêndio de Epistemologia
qual ele não possa ter muitas delas, e que elas sejam todas registradas
em algum lugar, tal como, por exemplo, em um livro.
O problema surge quando observamos que o sujeito S pode refletir
sobre a totalidade das crenças expressas no livro. Ele sabe, por exemplo,
que as crenças ali expressas são muitas, (e podemos imaginar o livro tão
extenso quanto quisermos). Ele também sabe que é um sujeito falível,
isto é, que pode formar crenças falsas, mesmo apesar dos seus melhores
esforços. Se o livro for suficientemente extenso, não é extremamente
provável que, ao menos, alguma das crenças ali expressa seja falsa? Não
seria isto suficiente para tornar justificada e racional a sua crença de
que existe algum erro, ainda que inespecificado, escondido em algum
lugar no extenso livro?
Tendo em vista o raciocínio acima, o sujeito S escreve, muito
modestamente, que acredita que existe alguma sentença falsa em algum
lugar do livro, ainda que ele não saiba especificar a sentença. 2
Obviamente, se ele soubesse qual sentença é falsa, ele não a manteria.
Vamos denominar a proposição “existe uma sentença falsa neste livro”
de proposição do prefácio (daqui por diante, referida simplesmente por
“PP”).
Seja p1, p2... pn o conjunto de n proposições contidas no livro. Como
cada proposição do livro expressa uma crença do sujeito S, e ele acredita
justificadamente em cada uma delas, temos que o sujeito S acredita
justificadamente em p1, acredita justificadamente em p2 ... e acredita
justificadamente em pn. Ora, pelo raciocínio que desenvolvemos até
aqui, S tem justificação para crer que existe ao menos alguma
proposição falsa no livro, i.e., a crença em PP é justificada.
2
Para evitar quaisquer problemas de autorreferência, não relevantes para os presentes propósitos,
consideramos o prefácio como parte separada do livro.
Lucas Roisenberg Rodrigues • 617
3
Um excelente estudo do paradoxo do prefácio, a partir da relação com o princípio da conjunção e do
fechamento dedutivo, pode ser encontrada em Christensen (2004, cap. 3).
4
Um exame de algumas das primeiras soluções ao paradoxo do prefácio, incluindo as soluções
adverbialistas, pode ser encontrado em Rodrigues (2002).
Lucas Roisenberg Rodrigues • 619
5
Entre autores que argumentaram que a proposição do prefácio não é justificada, temos Klein (1985) e
Foley (1979).
620 • Compêndio de Epistemologia
6
Também merece destaque a complexa proposta de Pollock (1986).
Lucas Roisenberg Rodrigues • 621
7
O exemplo original da autora não é de leitura de cartas de tarô, e foi modificado apenas para tornar o
exemplo mais compreensível. Qualquer outro método, que não consideremos confiável e que possa
produzir indistintamente crenças verdadeiras e falsas, poderia desempenhar o papel do exemplo aqui
apresentado.
8
Olin entende que crenças são epistemicamente indistinguíveis, se não há qualquer razão para preferir
uma em detrimento das outras, no que diz respeito às suas credenciais.
622 • Compêndio de Epistemologia
GLOSSÁRIO
BIBLIOGRAFIA INTRODUTÓRIA
CONEE, E. A. The Preface Paradox. In: DANCY, J.; SOSA, E.; STEUP, M. (eds.). A
Companion to Epistemology, 2ª ed. Malden, MA: Wiley-Blackwell, 2009, p. 604–605.
9
A existência de outros exemplos estruturalmente semelhantes foi apontada por Conee (2009). Uma
análise destes exemplos e da sua relevância pode ser encontrada em Rodrigues (2018).
Lucas Roisenberg Rodrigues • 623
REFERÊNCIAS
CONEE, E. A. The Preface Paradox. In: DANCY, J.; SOSA, E.; STEUP, M. (eds.). A
Companion to Epistemology, 2ª ed. Malden, MA: Wiley-Blackwell, 2009, p. 604–605.
RYAN, S. The preface paradox. Philosophical Studies, v.64, n.3, p. 293-307, 1991.
45
PROBABILIDADE EPISTÊMICA
André Neiva
1
É claro que alguém poderia argumentar em defesa da tese segundo a qual não existem probabilidades
no mundo que são independentes de agentes e, consequentemente, que as afirmações sobre
probabilidades sempre expressam fatos subjetivos. Essa forma de subjetivismo implica em uma posição
antirrealista sobre a verdade das afirmações que contêm os termos “provável”, “provavelmente” e
correlatos. Infelizmente, não temos espaço para discutir em mais detalhes questões semânticas e
André Neiva • 625
metafísicas em torno da natureza da probabilidade. Apesar disso, vale ressaltar que muitos bayesianos
e probabilistas costumam adotar uma forma de pluralismo, isto é, aceitam que existem diferentes tipos
de probabilidade e que o nosso discurso é ambíguo entre diferentes sentidos e usos de
“provavelmente”. O leitor interessado pode encontrar mais informações sobre discussões semânticas e
metafísicas em Weatherson e Egan (2011) e Handfield (2012).
2
O leitor pode encontrar mais informações a respeito do formalismo da teoria clássica da probabilidade
(cálculo de Kolmogorov) no verbete “Bayesianismo” presente neste volume.
626 • Compêndio de Epistemologia
3
Isso não impede que probabilidades físicas ou objetivas (chance) também tenham um papel
importante na ciência. Elas estão presentes, presumivelmente, em várias áreas como a física, a biologia,
a genética, a epidemiologia e mesmo a psicologia. Além do mais, probabilidades objetivas podem ser
parte da evidência que temos à nossa disposição em um dado momento, com implicações decisivas
para a probabilidade epistêmica de diferentes hipóteses.
André Neiva • 627
4
É necessário que pr(E ∧ K) > 0 para que a distribuição pr(H | E ∧ K) seja definida. Ademais, E e K precisam
ser consistentes entre si.
628 • Compêndio de Epistemologia
5
Caso r e l não fossem formuladas como medidas logarítmicas, o ponto de inflexão entre infirmar e
confirmar dessas medidas seria 1 e não 0; elas teriam como retorno qualquer valor entre 0 e infinito.
Contanto que a base do logaritmo seja maior que 1, as versões logarítmicas asseguram que r e l estejam
em concordância com a definição de confirmação incremental (tal como ocorre com as medidas d e s).
630 • Compêndio de Epistemologia
6
É importante enfatizar, todavia, que medidas da relevância podem discordar sobre fatos comparativos
envolvendo a confirmação de hipóteses. Considere o exemplo oferecido por Titelbaum (2022b). Um
mecanismo justo lançará um dado de seis lados. Portanto, cada um dos seis resultados possíveis tem
probabilidade igual de 1/6; a hipótese H 1 diz que a próxima jogada terá como resultado o número 5, H 2
é a hipótese de que a próxima jogada terá como resultado o número 2 ou o número 3, P é a proposição
de que o resultado é um número primo e K é toda informação relevante neste caso (por exemplo, que
o dado não é enviesado). De acordo com a medida d, o grau de confirmação que H2 recebe de P é maior
que o grau de confirmação que H1 recebe de P: d(H2, P | K) = 1/3 e d(H1, P | K) = 1/6. No entanto, segundo
a medida r, não há diferença no grau de confirmação que P fornece para cada uma das hipóteses: r(H2,
P | K) = r(H1, P | K) = log(2).
André Neiva • 631
7
Fitelson (1999) mostra que alguns argumentos e discussões centrais em filosofia da ciência e
epistemologia – como, por exemplo, resoluções do problema da conjunção irrelevante e do novo
enigma da indução de Goodman – dependem de qual medida quantitativa de confirmação é escolhida.
632 • Compêndio de Epistemologia
(Tese da Unicidade)
Para qualquer proposição P e qualquer conjunto de evidências E, há uma
única atitude racionalmente permissível que agentes em posse da evidência
E podem adotar em relação a P. 10
8
Autores como de Finetti e Ramsey entendem que as probabilidades subjetivas de um agente são
influenciadas pelos seus quocientes ou preços justos de aposta; Ramsey, na realidade, dá mais ênfase
ao teorema da representação e à relação entre as probabilidades subjetivas e as preferências do agente.
Abordagens bayesianas mais contemporâneas, no entanto, evitam analisar ou mesmo explicar graus
racionais de crença em termos de comportamento de aposta. Eriksson & Hájek (2007) examinam várias
concepções filosóficas que tentam clarificar a natureza da crença gradual ou graus de crença.
9
Ver o verbete ‘Bayesianismo, neste compêndio.
10
Defendida por White (2005, 2007), Feldman (2007) e outros, a tese da unicidade é objeto de discussão
primariamente no âmbito das atitudes doxásticas categóricas (crença, descrença e suspensão de juízo
ou dúvida tipicamente) e com respeito ao problema do desacordo racional. Parece natural pensar, no
entanto, em uma variação da tese da unicidade na qual graus de crença ou probabilidades subjetivas
são tomadas como as atitudes epistêmicas relevantes. O leitor interessado pode encontrar mais
informações e um resumo do debate em torno da tese da unicidade em Kopec e Titelbaum (2016).
André Neiva • 633
11
O bayesianismo subjetivo parece estar em conflito com o que Kopec e Titelbaum (2016) chamam de
a tese da unicidade interpessoal, mas não necessariamente com a tese da unicidade intrapessoal. Em linhas
gerais, a primeira diz que há uma única atitude racionalmente permissível (em relação a uma
proposição) para todos os indivíduos que compartilham exatamente o mesmo conjunto de evidências.
A segunda, por outro lado, estabelece que há uma única atitude racional que um indivíduo particular
pode adotar em relação a uma proposição quando este está em posse de um determinado corpo
evidencial. Muitos bayesianos subjetivos defendem que o agente não está autorizado a mudar as suas
probabilidades iniciais (priors) a partir do momento em que ele fixa tal ponto de partida. Agentes
racionais, portanto, devem sempre atualizar os seus graus de crença a partir de (e em conformidade
com) uma determinada distribuição inicial. Para mais informações acerca do debate em relação à tese
da unicidade no âmbito da epistemologia bayesiana, ver Douven (2009) e Meacham (2013).
634 • Compêndio de Epistemologia
12
Por questão de simplificação, a variável K foi suprimida da função de probabilidade.
André Neiva • 635
13
Bayesianos objetivos, por outro lado, rejeitam a tese de que existe uma pluralidade de padrões
evidenciais admissíveis.
14
Bayesianos subjetivos entendem que tais fatores ou padrões evidenciais, que sob certo aspecto
caracterizam as tendências e as diferentes maneiras pelas quais as pessoas lidam com novas
informações, constituem o que eles denominam como distribuição inicial hipotética (alguns preferem o
termo ur-priors). Agentes bayesianos revisam os seus graus de crença pelo princípio da
condicionalização. Se reconstruímos toda a cadeia de revisões que o agente precisou percorrer sempre
que obteve mais informações, chegaremos a um ponto inicial no qual ele não detinha nenhuma
informação ou evidência contingente. Uma distribuição inicial hipotética retrata justamente essa
origem. Ver Meacham (2016) e Titelbaum (2022a e 2022b) para mais discussão.
636 • Compêndio de Epistemologia
evidências que eles compartilham. Mas será que não há uma resposta
objetivamente correta, uma que não muda de pessoa para pessoa,
sempre que avaliamos a confirmação de hipóteses científicas? Diferente
de bayesianos subjetivos, bayesianos objetivos pensam que há uma
única resposta correta, uma única distribuição racional que agentes
epistêmicos podem ter em qualquer situação evidencial. Bayesianos
objetivos endossam, por conseguinte, a tese da unicidade. Se a versão
radical do bayesianismo subjetivo está localizada em um extremo do
espectro das abordagens bayesianas à racionalidade e à confirmação, o
bayesianismo objetivo se situa justamente no outro extremo.
A questão mais fundamental para o bayesianismo objetivo é como
produzir e justificar uma distribuição correta de probabilidade, de
modo que ela forneça uma resposta universal em qualquer situação
evidencial particular. A proposta historicamente mais famosa e
discutida foi desenvolvida por Rudolf Carnap em seu livro Logical
Foundations of Probability (1962 [1950]). Ao lado de Keynes (1921), Carnap
é considerado o principal defensor da interpretação lógica de
probabilidade. Para Carnap, existem fatos puramente lógicos que
determinam o quanto E probabiliza H. Nesse sentido, probabilidades
epistêmicas (e relações de confirmação) dependem do que constitui o
espaço lógico de possibilidades; e vão depender, essencialmente, da
linguagem sobre a qual a distribuição de probabilidade é definida. Tal
como Hempel (1945), Carnap fundamenta a sua teoria da confirmação
em bases puramente sintáticas, com o objetivo de erigir um sistema de
lógica indutiva. Diferente de Hempel, Carnap desenvolve uma
abordagem não-dedutiva à confirmação. Na sua teoria, as
probabilidades lógicas determinam em última instância as relações de
confirmação entre conjuntos de evidências e hipóteses. Uma hipótese H
André Neiva • 637
15
Em The Continuum of Inductive Methods (1952), Carnap introduz um parâmetro ajustável λ que admite
não apenas uma distribuição de probabilidade, mas uma família-λ de distribuições. Esse parâmetro
pondera dois tipos de influências: um fator puramente lógico, que depende do que constitui a
linguagem formal, e um fator empírico, que é determinado pela informação e evidência que obtemos
por meio de observações (em termos de frequências relativas). Ao admitir uma família de distribuições,
Carnap se afasta assim de uma teoria puramente lógica da confirmação.
André Neiva • 639
16
Cabe ressaltar que a maior parte dos bayesianos resiste a aceitar a tipologia proposta por Williamson,
uma vez que ele diferencia duas noções de probabilidade epistêmica – uma que se refere a fatos
psicológicos do agente e outra que corresponde a relações evidenciais objetivas – quando, na verdade,
muitos gostariam de ter uma noção unificada. O leitor interessado pode encontrar mais informações e
discussão sobre essa distinção em Joyce (2004) e Eder (2019).
André Neiva • 641
17
Os dois usos mencionados acima são, de fato, aplicações mais recentes do aparato probabilístico. Há
outros epistemólogos – como, por exemplo, Moser (1989), Swinburne (2001) e Fumerton (2002) – que
também recorrem à noção de probabilidade epistêmica (ou evidencial) para explicar o que torna uma
crença justificada.
642 • Compêndio de Epistemologia
18
Fitelson (2011) oferece algumas críticas contundentes ao projeto de Sober, especialmente contra o
princípio de suporte evidencial que subjaz à sua proposta. Apesar disso, a abordagem verossimilhancista
representa uma tradição importante em inferência estatística. Ver, por exemplo, o trabalho desenvolvido
por Richard Royall (1997).
André Neiva • 643
GLOSSÁRIO
Grue: verzul.
BIBLIOGRAFIA INTRODUTÓRIA
REFERÊNCIAS
DE FINETTI, B. Probabilism: A Critical Essay on the Theory of Probability and the Value
of Science. Erkenntnis, v. 31, n. 2/3, p. 169-223, 1989.
EDER, A. Evidential Probabilities and Credences. The British Journal for the Philosophy
of Science, Preprint: <https://doi.org/10.1093/bjps/axz043>, 2019.
ERIKSSON, L.; HÁJEK, A. What are Degrees of Belief? Studia Logica, v. 86, n. 2, p. 183–
213, 2007.
GOODMAN, N. Fact, Fiction, and Forecast. Cambridge, MA: Harvard University Press,
1955.
HÁJEK, A. What Conditional Probability could not be. Synthese, v. 137, n. 3, p. 273–323,
2003.
HEMPEL, C. G. Studies in the Logic of Confirmation. Mind, v. 54, n. 213, p. 1-26, p. 97-
121, 1945.
JAYNES, E. T. Information Theory and Statistical Mechanics II. The Physical Review, v.
108, n. 2, p. 171-190, 1957b.
POPPER, K. The Logic of Scientific Discovery. London: Hutchinson & Co., 1959.
ROYALL, R. Statistical Evidence: A Likelihood Paradigm. London: Chapman & Hall, 1997.
SOBER, E. Evidence and Evolution: The Logic behind the Science. Cambridge:
Cambridge University Press, 2008.
WILLIAMSON. T. Knowledge and its Limits. Oxford: Oxford University Press, 2000.
46
PROBLEMA DE GETTIER
J.R. Fett
1
Para referências históricas sobre a adesão milenar à ideia de que conhecimento é crença verdadeira e
justificada, veja (Shope, 1983).
J.R. Fett • 649
2
Na realidade, casos muito semelhantes aos casos apresentados por Gettier já haviam sido propostos
na literatura antes de 1963, embora seus propósitos fossem outros que não a contraexemplificação da
análise tradicional do conhecimento. Bertrand Russell, na primeira metade do século XX, imaginou duas
cenas nas quais os protagonistas têm uma crença justificada que é apenas acidentalmente verdadeira;
veja (Russell, 1912, p.131-132) e (Russell, 1948, p.91).
650 • Compêndio de Epistemologia
Jones e não fazia ideia de que carregava dez moedas consigo; é pura
sorte que Smith tenha acabado com uma crença verdadeira nessas
circunstâncias. Eis um golpe certeiro na análise tradicional do
conhecimento. Basta que concedamos que uma crença justificada pode
ser falsa – uma ideia que epistemólogos chamam de falibilismo, pois diz
respeito à possibilidade de uma boa justificação não garantir a verdade
da crença justificada – e os contraexemplos de Gettier se impõem como
um desafio com o qual precisamos lidar.
Em um primeiro momento, poderíamos pensar que o problema de
Gettier é simplesmente encontrar o defeito da análise tradicional que a
faz vulnerável a um contraexemplo tal como o caso apresentado acima,
seja consertando a condição de justificação, seja adicionando uma
quarta condição às três condições presentes. Neste espírito, soluções
rápidas ao problema apareceram imediatamente na literatura. A
primeira delas surge ainda em 1963, proposta por Michael Clark, cujo
nome carrega o núcleo da sua proposta anti-Gettier: “Sem premissas
falsas”! A teoria de Clark (1963) é muito simples, pois preserva as três
condições da análise tradicional e acrescenta a exigência de que a
justificação da crença-alvo, P, não contenha nenhuma premissa ou
suposição falsa. É uma exigência altamente intuitiva, visto que os casos
originais de Gettier eram casos de inferência com base em uma
premissa falsa. No caso que considerávamos acima, a crença-alvo de que
a pessoa que ficará com o emprego tem dez moedas em seu bolso é o
resultado de uma inferência dedutiva contendo a premissa falsa de que
Jones é quem ficará com o emprego. Se exigirmos que justificação boa
para o conhecimento não pode conter falsidades, como sugere a teoria
de Clark, então impediremos que alguém na situação de Smith seja
contado como um conhecedor.
J.R. Fett • 651
protagonista não foi causada pelo fato que a faz verdadeira, mas por
algum outro elemento da cena. Não é o fato de que Smith possui dez
moedas em seu bolso o que causa sua crença de que a “pessoa que ficará
com o emprego tem dez moedas em seu bolso” mas a sua crença falsa
sobre Jones ficar com o emprego e ter dez moedas no bolso. Do mesmo
modo, não é o fato de que há aquela ovelha no campo escondida atrás do
arbusto o que causa a crença do agricultor de que “há uma ovelha no
campo”, mas sim a percepção do cachorro ovelhudo.
Contudo, a gettierização é pervasiva. Vejamos o famoso caso dos
celeiros falsos, proposto originalmente por Carl Ginet e apresentado por
Alvin Goldman (1976). Imagine que S se encontra no Distrito dos Celeiros
Falsos, mas que S não sabe disso. Ele passeia pela região
despreocupadamente sem saber que a Secretaria de Turismo da cidade
encheu a região com fachadas de celeiros para atrair os visitantes
bucólicos que apreciam esse ambiente. Há apenas um celeiro genuíno
entre os 25 celeiros falsos. Por puro acaso, S olha para o único celeiro
genuíno e forma a seguinte crença: “Aquilo é um celeiro.” A crença de S
de que aquilo que ele vê é um celeiro é causada pelo fato de que aquilo
que ele vê é um celeiro – em outras palavras, é a percepção
verídica/acurada de um celeiro que causa a crença de S de que aquilo é
um celeiro. Condição de causação adequada satisfeita. Mas ainda que a
teoria causal entregue o veredito de que S tem conhecimento nesse caso,
isso está longe de ser óbvio e é desacreditado por boa parte dos
epistemólogos – inclusive pelo próprio Goldman – afinal, S é incapaz de
discriminar celeiros genuínos de celeiros falsos; ele facilmente
formaria uma crença falsa sobre a presença de um celeiro naquele
ambiente hostil. Aliás, Alvin Goldman (1979) é conhecido por propor
uma teoria da justificação muito mais popular que a sua teoria causal
J.R. Fett • 653
GLOSSÁRIO
3
Veja os verbetes ‘Teorias Epistemológicas Modais’, ‘Epistemologia da Virtude’, e ‘Teorias da
Derrotabilidade’, neste compêndio.
658 • Compêndio de Epistemologia
Reliabilism: Confiabilismo.
BIBLIOGRAFIA INTRODUTÓRIA
REFERÊNCIAS
CLARK, M. Knowledge and Grounds: A Comment on Mr. Gettier's Paper. Analysis, v. 24,
n. 2, p. 46-48, 1963.
KLEIN, P. The Nature of Knowledge. In: BORGES, R.; DE ALMEIDA, C.; KLEIN, P. (eds.).
Explaining Knowledge: New Essays on the Gettier Problem. Oxford: Oxford
University Press, 2017, p. 35-56
RUSSELL, B. Human Knowledge: Its Scope and Limits. New York: Allen and Unwin, 1948.
WIILLIAMSON, T. Knowledge and its limits. New York, NY: Oxford University Press,
2000.
Lamborghini: Um dos estudantes da Dra. Lamb, Linus, diz a ela que ele possui
um Lamborghini. Linus tem a nota em mãos. A Dra. Lamb viu Linus chegar
ao campus no Lamborghini todos os dias dessa semana. Linus, ainda por
cima, entregou as chaves à Dra. Lamb e a deixou dar uma volta. A Dra. Lamb
crê que Q, ‘Linus possui um Lamborghini’, e como um resultado disso
conclui P, ‘Pelo menos um dos meus alunos possui um Lamborghini’. Na
realidade, Linus não possui um Lamborghini. Ele está usando o carro
emprestado de seu primo, que de fato tem o seu mesmo nome e data de
nascimento. Contudo, a Dra. Lamb não tem evidência alguma sobre essa
farsa. Todavia, ainda é verdadeiro que pelo menos um de seus alunos possui
um Lamborghini: uma moça discreta, que senta no fundo da sala, é dona de
1
Para informações sobre o problema de Gettier e sobre o que são os casos tipo-Gettier, veja o verbete
‘Problema de Gettier’, neste compêndio.
J.R. Fett • 661
um. Mas ela não gosta de se exibir, então ela não chama atenção para o fato
de que ela possui um Lamborghini. (TURRI, 2012, p.215) 2
2
Esta é uma versão modificada do famoso caso Mr. Nogot, de Keith Lehrer (1965), apresentado por John
Turri (2012, p.215).
662 • Compêndio de Epistemologia
3
Esta é uma versão modificada do famoso caso Mrs. Grabit, de Lehrer & Paxson (1969), apresentada em
De Almeida e Fett (2016, p.156).
J.R. Fett • 665
veredito oposto. De acordo com a teoria, S não sabe que, P, foi Tom quem
roubou o livro, pois se S for informado sobre, D, o depoimento da mãe
de Tom, ele perderá a sua justificação para crer que Tom é o ladrão, uma
vez que tal informação justificará, para ele, a crença na proposição F, a
saber, “O ladrão era, na realidade, o irmão gêmeo de Tom.” A mera
intitulação para crer que F, justificada por D, supostamente derrota a
justificação de S para P. Há, neste caso, uma cadeia inferencial
derrotadora, cujo derrotador inicial (uma proposição verdadeira
constituindo o primeiro elo na cadeia), D, justifica o derrotador efetivo (o
último elo na cadeia), F, para S, e a proposição F é tal que se a
adicionarmos ao sistema de crenças de S, ele não mais estará justificado
em crer que P; se S passar a crer que o irmão gêmeo de Tom é o ladrão,
ele não mais estará justificado em crer que foi Tom quem roubou o
livro. 4
O problema no veredito entregue pela teoria da derrotabilidade
está em julgar que D derrota a justificação de S para P ao fazer F
justificado para ele, e não notar que há mais verdades relevantes sobre o
caso a serem consideradas, como a verdade, R, “A Sra. Grabit sofre de
Alzheimer e está fazendo alegações falsas sobre um gêmeo que sequer
existe.” Se assim como D, R também for adicionada ao sistema de
crenças de S, R é capaz de cancelar o efeito de F e restaurar a justificação
de S para crer que P. Costumamos identificar os elementos dessa cena
por meio de alguns rótulos. A teoria da derrotabilidade de Klein
identifica D como um derrotador enganador, cujo efeito de derrota da
justificação é apenas ilusório, pois ele próprio é cancelado pelo que
chamamos de restaurador – R, neste caso – uma verdade capaz de
4
Uma explicação em detalhes desta terminologia encontra-se me Klein (1981).
666 • Compêndio de Epistemologia
5
Esta réplica à objeção de Turri contra a teoria da derrotabilidade de Klein foi feita originalmente por
De Almeida e Fett (2016).
J.R. Fett • 669
GLOSSÁRIO
6
Veja Harman (1973) e Warfield (2005) para a apresentação de alguns desses casos, e Klein (2008) e De
Almeida e Fett (2016, p.162-163) para o tratamento deles no espírito da teoria da derrotabilidade.
7
Recentes objeções à teoria da derrotabilidade de Klein e defesas da mesma encontram-se em Williams
(2015), De Almeida e Fett (2016), Fett (2016), De Almeida (2017), e Klein (2012) e (2017).
670 • Compêndio de Epistemologia
BIBLIOGRAFIA INTRODUTÓRIA
KLEIN, P. The Nature of Knowledge. In: BORGES, R.; DE AMEIDA, C.; KLEIN, P. (eds.),
Explaining Knowledge: New Essays on the Gettier Problem. Oxford: Oxford
University Press, 2017. p. 35-56.
REFERÊNCIAS
DE ALMEIDA, C. Knowledge, Benign Falsehoods, and the Gettier Problem. In: BORGES,
R.; DE ALMEIDA, C.; KLEIN, P. (eds.). Explaining Knowledge: New Essays on the
Gettier Problem. Oxford: Oxford University Press, 2017, p. 292-311.
KLEIN, P. Useful False Beliefs. In: SMITH, Q. (ed.). Epistemology: New Essays. Oxford:
Oxford University Press, 2008, p. 25-61.
KLEIN, P. What Makes Knowledge the Most Highly Prized Form of True Belief. In:
BECKER, K.; BLACK T. (eds.). The Sensitivity Principle in Epistemology. Cambridge:
Cambridge University Press, 2012, p.152-169.
KLEIN, P. The Nature of Knowledge. In: BORGES, R.; DE AMEIDA, C.; KLEIN, P. (eds.).
Explaining Knowledge: New Essays on the Gettier Problem. Oxford: Oxford
University Press, 2017, p. 35-56.
LEHRER, K.; PAXSON, T. Knowledge: Undefeated Justified True Belief. The Journal of
Philosophy, v.66, n.8, p. 225-237, 1969.
WILLIAMS, J. Not knowing you know: a new objection to the defeasibility theory of
knowledge. Analysis, v. 75, n. 2, p. 213-217, 2015.
COLABORADORES
José Eduardo Campos Júnior - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
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