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Poesia Popular

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CLAUDIA NEIVA DE MATOS ~ wv DP t! . > ee BYE cing PREMIO SILVIO ROMERO e EDITORA UFRJ Minc / Funarte Em um pais pouco zeloso de si mesmo, onde nos comportamos com "uma inércia cémoda de mendigos fartos"(E. da Cunha), € surpreendente a curiosidade pela obra de Silvio Romero. Sem que nunca haja sido reconhecido grande pensador ou escritor, estando ha muito aparadas suas dimensées de historiador e critico da literatura, por que Silvio é um dos autores favoritos de nosso oitocentos? O livro de Claudia Matos nos leva a pensé-lo. Nao que o Silvio seja para ela um pretexto. Muito ao contrério. Se ndo me engano, 0 leitor tem nas mos a melhor monografia sobre o autor, enquanto folclorista. Mais dizé-o, ainda seria nao atinar com sua dimensao mais importante. Mais do que a monografia sobre certo tema, A Poesia popular na repiblica das letras € uma reflex4o sobre os motivos nao conscientes que presidiram a constituigdo de suas obras e presidem a sua recep¢ao. Luiz Costa Lima EDITORA UFRJ Minc/Funarte Em um pafs pouco zeloso de si mesmo, onde nos comportamos com "uma inércia cémoda de mendigos fartos"(E. da Cunha), € surpre- endente a curiosidade pela obra de Silvio Romero. Sem que nunca haja sido reconhe- cido grande pensador ou escritor, estando hé muito aparadas suas dimensdes de historiador € critico da literatura, por que Silvio € um dos autores favoritos de nosso oitocentos? O livro de Claudia Matos nos leva a pensé-lo. Nao que o Silvio seja para ela um pretexto. Muito ao contrério. Se ndo me engano, 0 leitor tem nas maos a melhor monografia sobre © autor, enquanto folclorista. Mais dizé-o, ainda seria nao atinar com sua dimensio mai importante, Mais do que a monografia sobre certo tema, A Poesia popular na repiblica das letras € uma reflexio sobre os motivos nao conscientes que presidiram a constituigio de suas obras e presidem a sua recepgao. De modo indireto, isso se anuncia em passagem da "Introdugao":"{...}A compreen- sio da poesia popular pelo intelectual s6 poderaé cumprir a funco de aproximar e enriquecer os seres humanos {...} se incluir uma reflexio sobre aquele que tenta compre- ender". Confesso que ao lé-la pela primeira vez temi que dali resultasse algo como "minha experiéncia de leitora de Silvio". Temor descabido, pois Cléudia Matos nao trabalha sob a sombra do "eu e os livros", sendo que entende autor e obras em uma conexdo muito mais cerrada, em que o elo que os une pertence e aponta para a compreensio do lugar que de igual os modelava. Por isso a monografia sobre Silvio folclorista € uma via de entrada eficaz para a caracterizagao tanto do lugar em que Sflvio foi modelado como daquele em que se vem modelando sua recepgdo. Esta é pois uma monografia sobre um lugar chamado Brasil, desde o império até nossos dias, que pensa as condigdes que tém presidido a visio que nele nos fazemos da poesia popular e da poesia, rout court. Nao que isso seja dito explicitamente. Nem estou certo de que, perguntada, a autora diria que fora sua intengao. Apenas recolho alguns indicios que me levam a afirmé-lo. Um dos primeiros motivos que o livro explora concerne posigaéo que Romero levanta 08 romanticos. Em vez de se demorar nas conhecidas diatribes do sergipano, a autora observa: "Tais disposigdes tm aqui implica- Ses politicas: a poesia popular comega entdo a ser vista como uma espécie de documento de identidade{...)". Em vez de explicar, descrever ou defender a posi¢ao do objeto de seu estudo, a autora se pde ironicamente & distancia. Por outro lado, ao comentar Alencar e Araripe Jr., 0 primeiro criticado por Silvio, o segundo dele divergindo, Cléudia Matos louva a sensibilidade poética do primeiro ¢ a “delicadeza de percepcao" do segundo. Isso nfo quer dizer que assuma a posigdo dos discordantes de Silvio, mas sim que se situa fora da contraposigao: 0 que nos leva a pensar sobre os fatores que engendraram romantismo e "positivismo", assim como aqueles que tém provocado nossa atitude sobre os dois legados. Destacam-se assim, por um lado, a dependéncia de nossos roménticos da versio conservadora do romantismo europeu, agravada pelo apadrinhamento de Pedro Il, por outro, a rebeldia dos "positivistas", sobretudo quando provincianos, como o préprio Silvio, com difi- culdades de aceitago na Corte afrancesada. Nomear tais fatores, sem privilegiar um ou outro grupo, nao significa adotar uma postura de neutralidade académica, mas sim j4 no se contentar com um outro. E, ao no se contentar, saber explicitar 0 que em ambos hoje incomoda, Esquematicamente: confundindo-se a poesia com o romantismo conservador, era aquela identificada com a cisma melancélica, sendo pois propria de homens voltados para o passado. Inver- samente, confundindo-se com a marca progressista, a ciéncia e a politica eram identificadas com um Animo transformador. Eis pois os fatores sociais transformados em valores que diziam respeito as atitudes passiveis de serem tomadas quanto a poesia (e A indagagio intelectual em geral). Se nao postas a servigo, a poesia e a atividade intelectual eram e so tomadas como atitudes conservadora: jo sei se a autora esta consciente dessa dimensio de seu texto. Em alguns momentos, tive mesmo a impres- io que dela recua. Mas isso nao chega a ser unia critica: proprio da reflexdo & antes dar a ver do que descrever 0 que viu. LUIZ COSTA LIMA Presidente da Reptblica Federativa do Brasil Itamar Franco Ministro da Cultura Luiz Roberto do Nascimento e Silva Presidente da Fundagao Nacional de Arte Ferreira Gullar Departamento de Pesquisa e Documentacao Solange Zufiga Coordenagdo de Folclore e Cultura Popular Claudia Marcia Ferreira UFRJ Reitor Paulo Alcantara Gomes Vice-reitor José Henrique Vilhena de Paiva Coordenadora do Forum de Ciéncia e Cultura Myrian Dauelsberg Editora UFRJ Forum de Ciéncia e Cultura Ay. Pasteur, 250/sala 106 Rio de Janeiro - CEP 22.295-900 Tel.: (021) 295-1595 1.35/36/37 FAX: (021) 295-2346 CLAUDIA NEIVA DE MATOS A POESIA POPULAR NA REPUBLICA DAS LETRAS: SiLVIO ROMERO FOLCLORISTA Prémio Silvio Romero 1993 Editora UFRJ minC / FUNARTE Rio de Janeiro 1994 Fundaco Nacional de Arte FUNARTE Concurso Silvio Romero 1993 Coordenacao Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti Comissao Julgadora Elizabeth Travassos, Idellete Fonseca dos Santos, Lélia Coelho Frota, Patricia Birman, Sérgio Ferretti Equipe Editorial FUNARTE Edigdo de Texto Anamaria Skinner Programacao Visual Claudia Espindola Capa Rogério Martins Supervisdo Editorial Sebastiio Uchoa Leite ISBN 85-85781-02-5 Universidade Federal do Rio de Janeiro Editora UFRJ Diretora Heloisa Buarque de Hollanda Editora-assistente Lucia Canedo Coordenadora de Producéo Leila Name Consetho Editorial Heloisa Buarque de Hollanda, Carlos Lessa, Fernando Lobo Carneiro, Flora Siissekind, Gilberto Velho, Margarida de Souza Neves Apoio i Fundagao José Bonifacio Matos, Claudia Neiva de A poesia popular na reptiblica das letras: Silvio Romero folclorista/ Claudia Neiva de Matos. Rio de Janeiro: FUNARTE, UFRJ, 1994. 208 p. Prémio Silvio Romero, 1993. 1, Anilise Literdria. 2. Cultura Popular, 3. Literatura Brasileira. 4. Romero, Silvio. 1. Titulo, IL, Titulo: Silvio Romero folclorista: CDD 398 A meméria de Mario de Andrade, poeta, folclorista, popular. Ao professor Silviano Santiagoagradeco pelo empenho da orientacao feita de competéncia, rigor ¢ carinho. Aos companheiros {talo Moriconi e Célia Pedrosa agradeco pelo estimulo de sua presenga inteligente, afetiva ¢ bem-humorada. Sumario INTRODUCAO 1. O BARBARO NA CIDADE DE MINERVA 1.1. Entre 0 Lagarto ea Corte 1.2. O caminho da Academia 1.3, Menino de engenho Notas ao capitulo 1 Referéncias bibliograficas do capitulo 1 2. SILVIO ROMERO FOLCLORISTA 2.1. Os estudos 2.2. Os colegas Notas ao capitulo 2 Referéncias bibliograficas do capitulo 2 3, A HERANGA ROMANTICA E SUA CRITICA 3.1. O legado germanico 3.2. Erros a corrigir 3.3. O vicio indianista 3.4, Alencar: um Brasil em curso Notas ao capitulo 3 Referéncias bibliograficas do capitulo 3 4, O ESTUDO F SUAS DISCIPLINAS 4.1, Mitologias e supersticbes 4.2. As linguas do Brasil 4.3. Estranhas afinidades Notas ao capitulo 4 Referéncias bibliograficas do capitulo 4 5. O CRITERIO ETNOGRAFICO 5.1. O concerto etnocéntrico das nagdes européias 15 2 23 26 28 33 34 36 36 41 47 49 50 50 52 54 57 61 62 64 66 72 80 82 83 86 86 5.2. Uma volta comprida: revendo a histéria do Brasil 5.2.1. O complexo de inferioridade colonial 5.2.2. O lado doutor 5.3. O dilema etnografico Notas ao capitulo 5 Referéncias bibliograficas ao capitulo 5 6. A EMPRESA TEORICA: QUIMICA E ALQUIMIA 6.1. A construcao da diferenga: ciéncias da vida e da sociedade. 6.2. A tcoria da mesticagem Notas ao capitulo 6 Referéncias bibliogréficas do capitulo 6 7. RESGATE E SEQUESTRO DO ELEMENTO NEGRO 7.1. Negro rejeitado, negro resgatado 7.2. Negro seqiiestrado 7.3. Ideologia do branqueamento € retorno 4 semelhanga Notas ao capitulo 7 Referéncias bibliograficas do capitulo 7 8. O GENIO DEGENERADO 8.1. O povo em negativo 8.2. A lacuna épica 8.3. Herdis do sertio 8.4. Lirismo brasileiro Notas ao capitulo 8 Referéncias bibliograficas do capitulo 8 9. OQ POVO AUTOR 9.1. A dificil mistura 90 91 94 96 98 98 100 100 106 109 109 111 lll 17 122 126 126 129 129 132 136 141 145 147 150 150 9,2. O povo autor: coletivo ¢ anénimo 9.2.1, Recusa da abordagem estética 9.2.2. O génio popular: impessoal ¢ transferivel 9.3. O povo passado a limpo: primitivo ¢ rural Notas ao capitulo 9 Referéncias bibliograficas do capitulo 9 10. A POESIA POPULAR NA REPUBLICA DAS LETRAS 10.1, Desdobramentos, projegdes 10.2. Poesia de ver ¢ ouvir 10.3. Literatura popular: literatura? 10.4. O poeta e o pensador 10.5, Um outro Silvio Romero 10.6. Conclusdes Notas ao capitulo 10 Referéncias bibliogréficas ao capitulo 10 BIBLIOGRAFIA 159 162 165 166 173 174 177 177 179 183 187 190 194 199 199 203 “Menocchio esta inserido numa ténue, sinuosa, porém muito nitida linha de desenvolvimento que chega até nés: podemos dizer que Menocchio é nosso antepassado, mas também um fragmento perdido, que nos alcancou por acaso, de um mundo obscuro, opaco, o qual s6 através de um gesto arbitrario podemos incorporar a nossa histéria. Essa. cultura foi destrufda. Respcitar o resfduo de indecifrabilidade que hanela e que resiste a qualquer andlise nao significa ceder ao fascinio idiota do exdtico e do incompreensivel. Significa apenas levar em consideragéo uma mutilacao histérica da qual, em certo sentido, néds mesmos somos vitimas.” Carlo Ginzburg, O queijo ¢ os vermes “Me sinto branco, fatalisadamente um ser de mundos que nunca vi. Campeio na vida ajacuma que mude a direcao destas igaras fatigadas E faca tudo ir indo de rodada mansamente ‘Ao mesmo rolar de rio das aspiracées ¢ das pesquisas... Naoacho nada, quase nada, e meus ouvidos vio escutaramorosos Outras vozes de outras falas de outras racas, mais formacio, mais forcura. Me sinto branco na curiosidade imperiosa de ser. Mario de Andrade, “Improviso do mal da América” Introdugao Tardio e lento foi o processo de admissio da poesia popular na Reptiblica das Letras. Ainda hoje, os circulos literérios reservam-lhe lugar periférico ¢ restrito. Lancam-lhe de passagem olhares polidamente desconfiados, tratando de manter as devidas distdncias. E mesmo assim, ha quem ache sem cabimento essa presenca descredenciada nos salées ilus- trados. Sugere-se quea poesia popular ficaria melhor albergada no terreno da antropologia, da sociologia, quem sabe no da hist6ria das mentalidades. H4 quem ache, na melhor das intengdes, que cla deveria simplesmente recolher-se ao scu lugar: ¢ que seu lugar é ki fora, ao ar livre, ao sol ¢ ao se- reno, na boca do povo. Foi pela boca do povo que Silvio Romero, na infancia provinciana, travou conhecimento com a poesia popular. Quando ingressou na Repti- blica das Letras, jd trazia consigo a memGria dessa poesia, impressdes que mais tarde derivaram em estudos eruditos e lograramas honras da tipografia. Comigo deu-se o contrario: freqiientei a literatura escrita antes de ser apresentada 4 literatura oral. Quando pela primeira vez me debrucei com atenco sobre a poesia popular, foi cercada de livros que o fiz. Alicomecou 0 roteiro que me conduziu a este trabalho. Nao comecou entre cantos ¢ dangas, mas na claboracao de uma disserta¢do universitaria sobre o tema: “o samba malandro: uma linguagem na fronteira”. Os textos que conduziram a reflexdo foram letras de sambas de Geraldo Pereira e Wilson Batista, produzidos nos anos 30 ¢ 40. A maior parte desses textos, recolhidos prin- cipalmente em yelhas partituras do arquivo de Almirante, jamais tinha chegado a meus ouvidos. Foi a Leitura que me introduziu no mundo da poesia popular brasileira. ¥ claro que, mais tarde, tratei de procurar esta poesia nas suas fontes, nas suas muitas caras ¢ bocas. Ao mesmo tempo, continuei insistindo em manejé-la sobre as escrivaninhas, encontréa nas estantes. Desde entio, tenho transitado entre esses dois mundos das letras, ambos fascinantes e, embora de longe, aparentados: livros ¢ cangées. Naquele final dos anos 70, 0 trabalho a que me dediquei tinha ld sua dose de novidade, se nao tanto pelos resultados obtidos, ao menos pela maneira como combinava os materiais e sua abordagem. De literatura oral 15 A Poesia Popular na Repiblica das Letras: Sitvio Romero Folclorsta ndo costumavam ocupar-se os pesquisadores da area literdria. E claro que nao faltavam estudos foleléricos, que no Brasil se tinham desenvolvido de Silvio Romero a Mario de Andrade, passando por Luis da Camara Cascudo. Mas cles costumavam adotar uma perspectiva marcadamente sociolégica, enfatizando os dados contextuais, em detrimento da considera¢io detalha- da dos textos. Ou seja, tais textos pareciam nao fazer jus a uma abordagem propriamente literdria. Até nosso maior critico contemporaneo, Antonio Candido, declinarado. projeto de abordar literariamente essa poesia. Ao conceber sua tese de doutoramento, em meados dos anos 40, fora esta a sua primeira intengao, mas acabou enveredando pelo caminho da sociologia, conforme nos conta no preficio aos Parceiros do Rio Bonito, Vale a pena considerar 0 que nos informa Candido sobre a concepgao ¢ os percalcos de sua incursio pela li- teratura popular. Sdo problemas que também teremos de confrontar nos estudos folcléricos de Silvio Romero e nos do século XIX em geral. Candido explica que a investigacao “teve como origem o desejo de analisaras relacées entrealiteratura ea sociedade; e nasceu de uma pesquisa sobre a poesia popular, tal como se manifesta no Cururu — danga cantada do caipira paulista’; a pesquisa foi revelando uma variagao de padrées que “correspondiam a momentos diferentes da sociedade caipira no tempo. As modalidades antigas se caracterizavam pela estrutura mais simples, a rusticidade dos recursos estéticos, o cunho coletivo da invencao, a obedién- cia a certas normas religiosas. As atuais manifestavam individualismo ¢ secularizacao crescentes, desaparecendo inclusive o elemento coreografico socializador, para ficar o desafio na sua pureza de confronto social. Nao era dificil perceber que se tratava de uma manifestacao espiritual ligada es- treitamente as mudancas da sociedade, ¢ que uma podia ser tomada como ponto devista para estudara outra. Foiassim quea coerénciada investigagao levou a alargar pouco a pouco o conhecimento da realidade social em que se inscrevia o cururu, até suscitar um trabalho especial, que € este (0 outro, empreendido inicialmente, talvez nunca passe do estado de rascunho).”" Deixando portanto a literatura oral no rascunho, Candido passou dos fatores sociais aos econémicos, ¢ acabou nas questdes politicas ¢ morais: “assim foi que tendo partido da tcoria literaria ¢ do folclore, o trabalho Iancou uma derivante para o lado da sociologia dos meios de vida; ¢ quando esta chegou’ao fim, terminou pelo desejo de assumir uma posi¢io em face das condigdes descritas.”* 16 Haveria outras motivacées a acrescentar. Segundo ele me contou re- centemente, um dos empecilhos que frustraram a primeira intengao de Candido, impedindo-odeseguiro caminho apontado por Mario de Andrade, foi o fato de nao conhecer mtisica. O sentido artistico da poesia oral parecia- Ihe depender da integracao com ritmo e melodia, ¢ nao estavaa seu alcance trabalhar também sobre estes elementos da expresso. Isso contribuiu para que mudasse a angulacio da pesquisa, Em 1954, o trabalho foi apresentado como tese de doutoramento em Ciéncias Sociais. Eu tampouco entendo de miisica. E também me preocupam osaspectos morais ¢ politicos implicados no interesse que a poesia popular pode despertar num pesquisador académico. Mas, entre as dificuldades iniciais ¢ as preocupagées finais que tenho a honra de compartithar com Candido, fiz um percurso diferente do seu. Permancci no terreno literario. Apesar da relativa caréncia de mcios para abordar o texto, confiei na sua promessa de sentido. Ao texto me apeguei, num esfor¢o de leitura corpo-a-corpo, usando dos instrumentos que me oferecia a andlise de discurso. Enfim, tratei a poesia popular como... poesia. Nao foi coisa muito facil, principalmente porque, depois de algumas tentativas mal sucedidas, desisti de encontrar no pensamento literario base te6rica adequada 4 abordagem dessa linguagem sui-generis, cuja diferenga cu estava decidida a respeitar e compreender. Na abertura da dissertagao, procurei exprimir esses cuidados e op¢écs: “O interesse despertado nos circulos académicos por este vasto ¢ rico material ainda é relativamente recente. Mas ja comecam a proliferar estudos, projetos, trabalhos universitarios que muitas vezes tentam enxergar esses textos, ainda intactos cm sua significacdo, através das lentes teéricas fornecidas pela teoria da literatura, a sociologia, a psicanilise c outras ciéncias afins. f certamente o caminho mais facil, procurar apressadamente enquadrar um objeto desconhecido ¢ es- tranho cm sistemas analiticos com os quais j4 estamos familiarizados, formas e discurso previamente claboradas, categorias ja testadas. “sforcei-me cuidadosamente em evitar esse caminho. Procurei abdi- car de respaldos tedricos que ameacassem obliterar a especificidade dos textos, sem entretanto desprezar conceitos cujaaplicacao sc revelas- se simultaneamente eficaz.c honesta. De toda mancira, 0 essencial esta dito pelo texto, ¢ nao pelos conceitos que a especulacao intelectual possa fazer gravitar em torno dele.”* 7 No primeiro momento, foi preciso confessar-me inteiramente ignorante a respeito do dificil saber facil enunciado pela poesia popular. Foi preciso nao saber nada, ¢ caminhar sem pressa, com a redobrada atencio ¢ 0 especial interesse de um “turista aprendiz”. Agora porém que tenho a sensacio de haver feito os primeiros passos, ou as primeiras letras, nessa fronteira de linguagem poética, pergunto-me como se deu, e como ocorre dese dar, esse encontro de visdes e linguagens dispares, Foi a prépria intensidade da experiéncia de leitura que me pro- vocoua trabalhar sobrea consciéncia de Ieitora, na esperanca de enriquecer repertérios © percepcdes. Desejo pesar, mapear, avaliar melhor os ins- trumentos e pressupostos, mais ou menos conscientes, utilizados numa expedicdo que tomou para mim inesperadas dimensées intelectuais e afe- tivas. Mesmo porque, irreversivelmente seduzida, planejo outras viagens pelo pais das letras que nao esto nos livros. Areflexdo teérica que me disponho agora a empreender nao responde apenas a necessidades pessoais: € suscitada também pelos impasses que julgo perceber nas atuais pesquisas sobre poesia popular. Por um lado, o trabalho de apreciagao critica dessa poesia continua incipiente entre nés. Desde o século XIX, ampliou-se o trabalho da coleta; aprofundou-se 0 comentario antropolégico; desenvolveu-se na criacio literaria o aproveita- mentoestético da matéria popular, no caminhoapontado pelo Modernismo. Mas a interpretacao, a leitura desse material, ainda estio por fazer. Na verdade, tais estudos continuam prestando-se a tratamento distrafdo por parte da alta intelligentzia, O problema se revela mais vivo no indisfarcavel menosprezo reservado Acangio popularcontemporanea, veiculada pelo disco ¢ pelo radio. Alocada na categoria informe de “cultura de massas”, aviltada pelo estigma de “industria cultural”, ela nem sequer faz jus A perspectiva idealizante que glamourizava as criagées “folcléricas”, a0 mesmo passo que as convertia em pecas arqueolégicas. Esta producio é vista como mercadoria corriqueira € barata, sem meméria da “naturalidade” ¢ “pureza” das velhas cangées campesinas que Silvio Romero recordava deleitado, ao mesmo tempo que torcia o nariz para os acentos mais modernos ¢ agressivos que mulatos ¢ ne- gros recém-libertados ja andavam inventando pelas esquinas da cidade. Afinal, 0 que é que Silvio Romero pretendia encontrar na pocsia po- pular? E 0 que foi que poesia popularandou fazendo com Silvio Romero? 18, Dou-me conta de quea compreensio da poesia popular pelo intelectual s6 poder cumprir a fungdo de aproximar ¢ enriquecer os seres humanos (Go que dasentidoaqualquerconhecimento), seincluir uma reflexdo sobre aquele que tenta compreender. Que o pocta popular s6 passard a ser visto como sujeito cultural, c no como mero objeto de pesquisa —a minha, ade Silvio Romero ou outra qualquer —, se gente como cu ¢ Silvio Romero, todos os que na Reptiblica das Letras nos debrucamos sobre a pocsia popular, também nos tornarmos objeto de pesquisa. Todos falam do Silvio literato ¢ politico, enquanto o folclorista tem sido objeto de menor atengio. Reconhecem-se a precedéncia ¢ 0 alto prego de sua contribui¢io, mas ndo se examinam seus pressupostos tedricos nem se avalia sua tarefa critica no dominio. A significagao de seu interesse pela literatura oral, emsi mesmo eno conjunto de sua obra critica, énegligenciada ou secundarizada. Entretanto, os pontos de cruzamento ¢ as dreas de conflito que aproxi- mam e apartam historicamente discursos dominantes € subalternos, escri- tura e oralidade, tém merecido alguma atencao dos estudiosos nas tiltimas décadas. O desenvolvimento da chamada Histéria das mentalidades con- tribuiu para incrementar este interesse, cujos desdobramentos morais, sociais ¢ politicos deram novo félego 4 filosofia cm seus diferentes matizes. A reflexao literaria tem muito a oferecer nesse sentido, quer se ocupe do discurso culto, que do popular. O Ambito das conexdes entre eles me parece bem maior do que se costuma supor. De passagem, um exemplo a calhar: © parentesco entre 0 cantar ao desafio ea polémica literaria, apontado por Roberto Ventura na obra de Silvio Romero. Mesmo assim, para entender o cidadao das Letras, precisci deixar um pouco de lado a propria poesia popular. Um dos principais legados de Sil- vio — a coletinea de contos ¢ cantos folcléricos — mal reccbeu minha atengao, Concentrei-a nos textos do proprio folclorista, nos problemas que cles manifestam e levantam, ¢ na mancira como se relacionam com as ques- toes marcantes de sua obra ¢ de sua época. Isso me levou ao rastreamento critico dos estudos oitocentistas sobre pocsia popular, com énfase na producio brasileira. O mapeamento nao pretendeu ser exaustivo, mas ajudou a organizar 0 quadro ideoldgico ¢ conceitual sobre o qual Silvio Romero construiu sua obra de folclorista. Nao pretendi ir muito longe. Nio tentei explorar outros percursos do pensamento de Silvio, pensamento que cobre um territério vasto e jé tem 19 A Poesia Popular na Reptiblica das Letras: Sitvio Romero Folelorista sido amplamente investigado ¢ discutido por criticos como Antonio Can- dido, Carlos Sussckind de Mendonca, Renato Ortiz, Luis Costa Lima, Roberto Ventura muitos outros. Apesar de suas limitadas ambicées, 0 trabalho exigiu-me muita pacién- cia caplicacdo. Em certo sentido, foi tomando um caminho euma forma que combinam com o velho Silvio: esforco teimoso e meio desajeitado de por idéias em ordem, certa desorientacio explicadinha, encadeamento de digressdes fartamente pavimentado de citagdes. Como Silvio, fui langando no papel muitas idéias alhcias, na esperanca de constituir as minhas pré- prias. Fui assentando informagées ¢ reflexdes, deixando repicar projegdes € desejos. O trabalho procura ser austero ¢ douto, como convém as mo- nografias académicas. Mas 0 scu avesso, podem crer: é emocio de ignorar. Vamos a Silvio Romero folclorista. Mas fique bem claro que, no come- 60, estava o “folclore”: a poesia popular. Foi ela que me levou a Silvio Romero. £ bem verdade que, em certo sentido, sempre estive mais préxima da cscrita de Silvio que da voz da poesia popular: como ele, pertenco profissionalmente ao dominio dos estudos literrios; fago um trabalho “intelectual”. Mas como cle também, interesso-me pela poesia popular; ¢ € dela que quero me aproximar. Para chegar ld, tenho de passar por mim mesma; tenho de passar também por Silvio, mesmo que seja para dele me desencontrar; talyez para encontrar a mim mesma, entre Silvio Romero ea poesia popular. T Antonio CANDIDO,’Prefiicio”, In Os Parceiros do Rio Bonito, p.9. 2Id., ib, p.9.” 3 Claudia Neiva de MATOS, Acertei no mithar, p.22. 20 1. O bérbaro na cidade de Minerva Em 1879, Silvio Romero instala-se no Rio de Janeiro, vindo de Parati, onde esteve durante trés anos exercendo o cargo de juiz municipal de 6rfaios. Ea primeiravez que, adulto, vem residir na capital do Império. Antes disso, viveu no Rio de Janeiro cinco anos de adolescéncia confinada num colégio interno, até completar os estudos secundérios. Apesar do gosto pelas reminiscéncias revelado por alguns de seus depoimentos da maturi- dade, as referéncias ao periodo vivido no Ateneu Fluminense da rua do Passcio sio escassas. Ficou-lhe uma imagem negativa do “colégio instalado em enorme casarao, com aparéncia de caserna, hospicio, quartel ou hospi- tal”; ¢ algumas boas lembrancas de professores que despertaram nele, j4 nessa €poca, 0 interesse pela filosofia germanica. Depois de seu retorno ao Nordeste, aos 17 anos, para cursar a Facul- dade de Direito de Recife, Silvio s6 yoltou ao Rio para uma breve passagem em 1875, alguns meses depois de ter feito reeditar nesta cidade, pelo jornal O Globo, uma pequena série de artigos originalmente publicada num se- manario de Recife, sobre a memoria de Couto de Magalhaes, Regido e racas Selvagens do Brasil. Esses artigos é que seriam reunidos para constituir o primeiro livro de Silvio, a Etnologia seluagem, publicado no Recife no mesmo ano de 187: Agora Silvio vem para ficar: jd tem 28 anos e prepara-se para desenvol- ver, na capital do Império, uma carreira intelectual iniciada nos jornais de provincia ¢ encorpada pela publicagao de mais dois livros além do referido: © volume de poesias Cantos do fim do século e A Filosofia no Brasil, ambos lancados em 1875. Sua figura intelectual traz ainda a marca da forte impres- so, em boa parte negativa, causada nos meios académicos recifenses por varias de suas contribuigées aos periddicos locais, abrangendo uma vasta 21 A Poesia Popular na Repiiblica das Letras: ‘Silvio Romero Folelorista gama de assuntos que vao da critica literdria A etnografia e A politica. Entretanto os circulos letrados da Corte nao oferecem boa receptividade as primeiras investidas desse provinciano obstinado e dspero. Suas duas obras mais ou menos conhecidas no Rio de Janeiro, os Cantos do fim do séculoe A Filosofia no Brasil, foram mal recebidas pela critica: 0 volume de versos foi atacado por Machado de Assis no artigo “A nova geracao”; no livro de ensaios, Silvio desfechava sua agressividade critica contra alguns nomes consagrados das nossas letras (Mont’Alverne, Goncalves de Magalhies etc.), © que também tera ajudado a indispor contra ele os intelectuais da Corte. O préprio autor reconheceré alguns anos mais tarde, com indisfarcdvel orgulho, que “o arrojo nervoso de seu temperamento manifestou-se sem- pre em sua critica ea tornou desde o principio capaz de rudemente chocar os espiritos mais desabusados.”* A vocacdo contestatdria de suas idéias, espicacada por um temperamento impertinente ¢ belicoso, ja the valeu muitos desafetos, e contribui para provocar em torno dele ede seus trabalhos, nao apenas ataques ¢ ressentimentos, mas uma “conspiracao de siléncio”’ de que muito se queixara mais tarde. O carater fortemente centralizador da intelligentzia brasileira nesta época, sediada num Rio de Janeiro marcado por veleidades de cultura francesa cosmopolita, ndo favorece o acolhimento reservado aos provin- cianos recém-chegados, freqiientemente tratados com menosprezo € hos- tilidade. Por sua arte, a intelectualidade da provincia, com destaque para a chamada “escola do Recife”, de que fazem parte Silvio Romero e Tobias Barreto, ataca a hegemonia da matriz ilustrada carioca, manifestando um sentimento anti-monarquista que se insurge contra a centralizacio politica, econémica ¢ cultural. Tudo isso contribui sem dtivida para que Lafayette Pereira Rodrigues venha a comentar que 0 fracasso de Silvio nos primeiros contatos com o Rio de Janeiro se deveu a ele nio passar de “um barbaro vindo das regides cimérias, que, tendo estudado em alguma escola de provincia, falava uma lingua dura, de uma gramética impossivel, con- taminada ainda da ferrugem da aldeia”, sendo portanto incapaz de com- preender “as delicadezas de um filho da cidade de Minerva”; ¢ “porque Atenas olhe com um certo ar de desdém para os barbaros do seu feitio, queimam-lhe a alma despeitos de toda sorte.”* Araripe Junior guardaré e registraré admiravelmente a lembranca das antipatias que o nordestino recém-chegado desperta 4 sua volta. Nelas se percebe win travo mal dissimulado de medo, inseguranca: “dir-se-ia que uma cascavel, vinda dos sertées do Sergipe, tinha se emboscado a rua do 22 Ouvidor e ameacava a todo o mundo com a violéncia da sua mortifera peconha.” Silvio, sublinhando seu amor pelas coisas patrias, Araripeassente que faltou ao provinciano “a sagacidade ou a polidez artificial dos centros civilizados”®: “Apresentando-se na arena nu, como um atleta antigo, € com os seus habitos de franqueza nortista, 0 critico sergipano foi recebido a maneira deum barbaro. [...] Para evitarosinconyenientes dalutacorpoacorpo, teria sido preciso que 0 critico, além das eminentes qualidades de analistade que édotado, além da proficiéncia filos6fica que o distingue, tivesse a habilidade artistica.”” De fato, Silvio nao parece possuir esta habilidade, como indicam os comentarios de Machado sobre os Cantos do fim do século, No artigo “A nova geracio”, de 1879, diz ele que no volume de poemas manifestam-se “idéias de poeta”, mas falta de todo “forma poética, em seu genuino sen tido”®. Esta ¢ outras objecdes, que certamente ajudam a motivar no poeta frustrado a célebre hostilidade que, na qualidade de critico estabelecido, dedicara ao autor de Brés Cubas, explicitam a dificuldade de Silvio Romero em lidar com as delicadezas do estilo, Tal dificuldade influira nao somente em sua obra de poeta, de importancia praticamente nula, mas também em sua atividade critica, ¢ particularmente, paras questées queaquinosinteressam, nos estudos de poesia popular. 1.1. ENTRE O LAGARTO EA CORTE Oconfrontocoma Corte eseusintelectuais nao parece intimidar Silvio Romero. Ao contrario, encorpando seu empenho de afirmacao diferencial ¢ modernizadora no pensamento ¢ nas letras nacionais, tal confronto é em larga medida estimulado por ele ¢ por outros membros da chamada Escola do Recife, entre os quais Silvio distingue Tobias Barreto, “o mais completo tipo de provinciano independente”. Na Filosofia no Brasil, Silvio proclamaa necessidade de combater a hegemonia da “famigerada Corte”, cujo prestigio seria todo feito de corrupgao ¢ privilégio, ¢ quala cultura do pais nada deveria de fértil e consistente. A capital do Império representa paracle a centraliza¢io nao apenas politica, mas sobretudo cultural, submetendo consciéncias e obras dos homens de letras a seu poder homogeneizador, 23 ‘A Poesia Popular na Reprblica das Letras: Silvio Romero Foldlorista desestimulandoa individualidade ea critica renovadora. Assim, adivergéncia caracterizadora do Brasil nao se estabelece entre o Norte ¢ 0 Sul, mas entre as “aspiracées livres” da provincia ca “aura mérbida ¢ corrupta" da Corte. Essa polaridade estende oalcance do protesto ¢ encorpaa demanda de uma reacdo ampla ¢ organizada. “Fora titil que o que existe de fecundo e aproveitével na mocidade brasileira de hoje, nas provincias, se unisse, em cruzada santa, e, pen- sando por si, repelisse, de uma vez, 0 jugo vergonhoso.”"? O esforco de caracterizar o espirito nacional valorizando a integracio das diferengas regionais num conjunto coeso superior ¢ independente dos ditames da capital apéia-se num deslocamento das referéncias européias que respaldam nosso conceito de autonomia e desenvolvimento. O ponto central dessas referéncias transfere-se do modelo politico altamente centralizador da Franca para as nagées anglo-saxénicas, com énfase para o conjunto germAnico: “Nao se trata de uma cio politica, sim de uma mudanga no curso das. idéias. O jovem Brasil, tal deve ser 0 titulo dos novos voluntarios da in- teligéncia, 4 semelhanca da jovem Alemanha e da jovem Inglaterra, co- nhecidas na hist6ria literdria deste século, s6 se ocuparé da reforma do pensamento,”"? DaAlemanhachegaram os primeiros exemplos de valorizacao dacultura folclorica € rural. Por outro lado, a recente vitéria dos alemaes na guerra contra a Franga, juntamente com o fracasso do movimento da Comuna parisiense, permite interpretar o modelo centralizador como fator do desequilibrio e declinio do pais. O criticismo alem4o aparece como m: fecundo e moderno que o velho academicismo francés (Nota 1). Uma das primeiras polémicas em que se envolve Silvio Romero no Rio de Janeiro apresenta-o como participante da escola pejorativamente cognominada “teutosergipana”, oposta ao grupo que ele apelida, em revide, “galo- fluminense” (Nota 2). Uma dupla alternativa é contraposta a formaco na Corte, enquanto fonte de saber e atuacao consistente ¢ eficaz. As possibilidades de “qualidade politica ou intelectual”, que Silvio opée a falsa moeda cultural cunhada no Rio de Janciro, apontam quer para a provincia, quer para o continente europeu. Portanto a tentativa de “descentramento”, se por um lado resgata acontribuicao regional, por outro reitera os la¢os civilizacionais com o velho continente, apesar da lusofobia nacionalista que nao deixard dese manifestar 24 es O bérbaro na cidade de Minerva na obra de Silvio e de seus conterraneos. Afse esboca uma ambigiiidade que caracterizaré, como veremos, as propostas de Silvio, inclusive as que pertencem ao dominio dos estudos sobre poesia popular. ‘A tendéncia germanizante se inscreve numa proposta ampla de diferenciacdo desenvolvida entre nés no fim do século de XIX, como prin- cipal requisito para conquistar uma espécie de “maioridade” intelectual, contrapartida do projeto politico de modernizacao do pais, manifestado principalmente nas campanhas abolicionista ¢ republicana (cf, Nota 1). processo diferencial, em suas miltiplas facetas, procura sublinhar a autonomia do Brasil em relacao 4 Europa, da provincia em relacao capital, ¢ da nova geragao em relagio aos escritores romanticos, Estes sao acusados de carecerem de perspectiva critica, ¢ 0 valor dos novosafirma-se na medida da negacao de valor aos antigos. Aauto-afirmacao diferencial, como requisito necessario 4 conquista ou construcdo de identidade e autonomia, impregna particularmente as propostas ¢ reivindicagées do préprio Silvio Romero. A todo momento ele manifesta preocupacao em distingitir-se dos pensadores que o precederam ¢ dos seus contemporaneos. Seus primeiros trabalhos publicados jé trazem as marcas da busca de novidade e da ruptura critica com as idéias estabele- cidas, particularmente com 0 corpo da literatura romantica. O pensamento etnograifico, ao qual vinculaa pesquisa da poesia popular, sera especialmente caracterizado por essa preocupacio, refletida na critica ao indianismo. Um temperamento aguerrido engrossa 0 caldo ideolégico, e tudo isso conduz Silvio obsessao pela polémicae gera distorgdes que Araripe Jiiniorapontard com serena acuidade. Mas no se trata de nenhuma hipertrofia da individualidade. Como ja se tem sublinhado, Silvio é “a cara da época”, e deixa-se estimular nao sé pelas idéias disseminadas no seu grupo, como pela contingéncia histérica que induz a um yerdadeiro conflito de geracoes. O confronto novo/velho se apresenta em formas extremadas ¢ agressivas que Ihe do um jeito de derrubada da Bastilha. Mas, na verdade, as batalhas se travam bem longe da praca ptiblica: na Universidade, em seguida, nos jornais. A aplicacao aos estudos sérios,asincronia como estagio contempordneo daciéncia curopéia, o volume de leitura, a informacao de primeira mao, sao argumentos cons- tantemente invocados por Silvio Romero para demonstrar sua propria superioridade e a de suas idéias sobre o sistema intelectual constituido. Contra o ecletismo e o Romantismo, afirma a necessidade de criar um sistema de pensamento organizado, légico ¢ unitério, que possa dar conta 25 na Repriblica das Letras: Silvio Romero Folelorista do Brasil real e potencial, para sanear o presente ¢ construir o futuro da nacio, tarefa paraa qual ele eseus companheiros acreditam estar mais aptos que quaisquer predecessores. A fascinacdo pela seguranga cientifica se combina ao idcalismo, produzindo um discurso realista c ilustrado que nao pretende implodir as estruturas do conhecimento académico, mas ocupar dentro delas o lugar a que estima fazer jus. 1.2. O CAMINHO DA ACADEMIA Acarreira de Silvio demora parase firmar. Suaatividade se tem repartido febrilmente entre a magistratura ea politica, ojornalismo ea literatura, mas ao chegar ao Rio, nao conseguiu ainda um almejado lugar no magistério. Os atritos com a instituic&o académica, que Ihe marcaram os tempos de estudante, prolongam-se, latente ou escandalosamente, fechando-lhe as portas dos colégios oficiais. Em 1875, €anulado um concurso paraa cadeira de filosofia do Colégio das Artes no Recife, no qual Silvio se classificou em primeiro lugar. Um més depois, sua defesa de tese para doutoramento termina em espinhoso incidente com a banca examinadora (Nota 3). Assim é que s6 em 1880, jé na capital do Império, apés as temporadas em Estancia e Parati, dispde-se a nova investida, candidatando-se as cadeiras de filosofia do Colégio Pedro II. Mais uma vez, é seu o primeiro lugar. Entretanto, apesar de reconhecerem “seus incontestaveis talentos, lucidez de exposicao ¢ aptidao profissional”, os examinadores relutam em accité-lo, insinuando haver incompatibilidade entre “a filosofia de Comte, da qual o candidato é ardente sectério”, ¢ a “unidade do plano de estudos deste Imperial Colégio”", A pendéncia é submetida a decisio de Pedro II, cujo parecer favoravel garante finalmentea Silvio seu emprego de professor. Aos olhos de Araripe Jtinior, 0 episédio do ingresso de Silvio no colégio Pedro Il foi uma espécie de prova de forca de que o sergipano saiu vitorioso, conseguindo de um s6 golpe angariar “a respeitabilidade inerente a posi¢ao de um dos membros mais conspicuos do magistério" ¢ impor sua presenga aos adversarios mediante métodos e armas préoprias. Mas bem antes do prestigioso colégio imperial, é a imprensa que abre a Silvio Romero a primeira brecha para ingressar no circulo das letras cariocas ¢ daraconhecer oalcance de seu folego intelectual. A oportunidade Ihe € oferecida por Lopes Trovao, que foi seu colega de turma no Ateneu 26 0 barbaro na cidade de Minerva Fluminense nos tempos de preparatério, e é agora um editor de prestigio. Silvio encontra-o cerca de um més depois de chegar ao Rio. Lopes acaba de fundar 0 jornal O Repérter, ¢ imediatamente the propde um lugar de co- laborador. ‘A 27 de maio de 1879, na primeira pagina d’O Reporter, publica-se, assinada por Silvio Romero, uma carta ao editor, onde se lamenta que, ao contrario dos pafses da velha Europa, a nacao ainda sinta “a falta de uma colecdo dos cantos e contos anénimos do povo brasileiro”, O remetente declara-se disposto a suprir esta lacuna, ¢ preparado para fazé-lo: “depois de quatroanos de constante trabalho ¢ fadigas, consegui reunir ¢ colecionar um vasto repertério de poesias ¢ histérias populares, 6timo subsidio para a moderna etnografia e a que dei titulo de Cantos e Contos do Povo Brasileiro. Nesse mister de colecionador fui o mais escrupuloso possivel caf seacham estampadas com fidelidadea lingua- gem genuina do nosso povo, suas crengas, seus mitos...’"” A seguir, Silvio expe seu projeto de composicao da obra em trés volumes. O primeiro conterd a critica da poesia e crencas populares, com indicagio de suas origens ¢ transformagées, e seu equacionamento no processo evolucionista segundo os fatores étnicos € mesolégicos; os outros dois conterdo os cantos e contos, resultado de sua atividade de coleta. Silvio trata de encarecer aimportancia de sua pesquisa c dos resultados obtidos, demandando para eles a atengao dos editores: “semelhante trabalho, que considero um patrim6nio nacional, por ser um produto direto ¢ espontineo do nosso povo, ¢ que na Europa constituiria uma fortuna para seu autor, por ser indispensavel para os modernosestudos de Filologia, Antropologia e ciéncia dos mitos, acha- se recluso em minha gaveta porque eu nao sou um feliz que disponha de alguns contos de réis e nem pude ainda encontrar um editor... [...] Peco-vos, Sr. Redator, o favor de inserir no vosso conccituado jornal a presente carta, com o fim de despertar a atencao do ptiblico sobre a interessante colegdo que tenho em meu poder, € provocar assim 0 interesse daquelas classes da nacao que ainda ligamalguma importancia aos assuntos de alcance cientifico, e nado somente aos maus romances da baixa Escola Francesa que tanto nos tém depauperado”*. Nao ha de ser inteiramente por acaso que o primeiro passo de Silyio no territério das letras da Corte busca apoio justa mente no solo fértil eainda inculto, disponivel como uma terra de ninguém, da poesia popular. 27 A Poesia Popular na Repiiblica das Letras: ‘Silvio Romero Folctorista ° assunto lhe fornece um trunfo diferente e valorizavel de possibilidades pionciras, quando o pioneirismo é um de seus prazeres, e 0 folclore uma estratégicaa explorar para marcar presenca no cenario repetitivo das idéias nacionais, uma forma rebelde eafinal extremamente moderna dese destacar e anunciar o futuro. Acstréia de Silvio no jornalismo carioca, como etapa crucial da dificil conquista da capital do Império, tem necessariamente de se distin guir por um traco original, uma novidade que imponha sua marca diferencial, Sem querer ¢ sem poder igualar-se aos figurdes locais no jogo das elegancias ilustradas, Silvio tem de dar suas préprias cartas ¢ impor suas préprias regras. Qual hd de ser seu primeiro lance, e que novidade tem ele para apresen’ tar? Pois Silvio vai buscé-la justamente no seu bati pessoal de provinciano: daf ele tira um material que nao extraiu dos livros alheios, mas da observacio direta desenvolvida na prépria vida, e mais disponivel para um rapaz do interior que para um filho da cidade grande - trata-se do folclore. 1.3, MENINO DE ENGENHO “Aos rogos da meninice Ninguém se mostra revel. Todos entram na folia. Quando eu fui para a Bahia, A quem deixei meu anel?” (Silvio Romero, Ultimos anpejos) As reminiscéncias de infancia de Silvio Romero sio fortemente marcadas pelo papel destacado que nela exerceu o contato comas hist6rias € cantigas populares. Um registro precioso disso esta no depoimento que envia a Joao do Rio em 1905, como respostaa uma enquete promovida pelo Cronista junto a varios escritores famosos da época. Consta ela de perguntas 28 O barbaro na cidade de Minerva referentes a situacio da literatura brasileira no momento, ¢ também a prépria obra dos autores interrogados. O primeiro dos cinco quesitos é: “Para sua formacao literaria, quais os autores que mais contribuiram?” A ele Silvio consagra doze das quinze paginas de seu depoimento. Mas, em lugar dese referira um extenso repertério de autores ¢ teorias, como seu costume, compraz-se em recordar a vida de crianga ¢ adolescente, num tom intimo, suave ¢ emocionado, que nao é habitual em seus escritos. Comeca reconhecendo uma surpreendente dificuldade para respon- der a pergunta: “Quando me afundei em mim mesmo, para sondar como se me tinha operadoo quese poderia chamara minha origem e formagao espiritual, conheci que essa espécie de exame de consciéncia nao era nada facil. “Achei, em minh’alma, meio velada, num semicrepiisculo subjetivo, tantas antropologias, etnografias, lingiiisticas, criticas religiosas, folk- loricas, juridicas, politicas ¢ literarias, que tive medo de bulir com elas ¢ de me meter nesse matagal...”” Apista que conduz as origens de sua formacio, nao é nos livros que vai encontréJa. Ena memériade um passado mais distante, cuja for¢a insiste em permanecer viva: “Como carater ¢ temperamento, sou hoje o que era aos cinco anos de idade.”” Atéaidade de cinco anos, Silvio morou no engenho dos avés. E é dela que Ihe chegam lembran¢as esparsas de cenas cotidianas, como a do movimento dos animais na moagem da cana. Junto com ela, volta-the aos ouvidos a cantiga dos tangedores, Silvio cita uma quadrinha, ¢ comenta: “Ainda agora sinto no ouvido a melodia simples e monétona desses ¢ de outros versinhos do género; e me invade a saudade, doce companheira a quem devo nos dias tristes de hoje as raras horas de prazer de minha vida.”* Um outro Silvio Romero (Nota 4) se dé a conhecer nestas paginas, despindo-se dos paramentos cruditos que acumulou ao longo da vida para tomar pé, descalco, num remoto chao: o nacionalismo se transforma em “nativismo”®; a identificacao com 0 povo — inclusive com seus defeitos — vem A tona; o sentimento religioso é evocado com nostalgia ¢ comocao: “Bem cedo aprendi as oracdes ¢ habituei-me tao intensamente a considerara religido como coisa séria, queaindaagoraatenhonaconta d’uma criagao fundamental ¢ irredutivel da humanidade. “Desgra- cadamente, ai de mim! nao rezo mais; mas sinto quea religiosidade jaz dentro de meu sentir inteirica ¢ irredutivel.”" 29 A Poesia Popular na Repiblica das Letras: NON aie ones ea Este sentimento religioso, Silvio confessa devé-lo 4 mucama de esti- macio, “essa adorada Antonia” que “é um dos [seus] fdolos, dos mais recatados e queridos.”" E sio também figuras andnimas como ela que esto na origem dos primeiros contatos de Silvio com o mundo da narrativa, conforme declara a Coelho Neto: “omeu maior encanto era, a noite, no copiar ou na eira, entre criangas, ouvir as velhinhas, que, com a almofada ao colo urdindo o crivo, contavam xécaras peninsulares, narravam conselhos ou espavoriam o auditério ingénuo com histérias sombrias em que o Saci saltava num péalumiando a brenha com o olhar esbraseado [...]. Ah! meu amigo, nunca livro algum, por mais notavel que fosse 0 seu autor e celebrada asua fabula, conseguiu atrair-me como aquelas velhas 0 faziam com 0 ima dos seus recontos.”* Dos cinco aos doze anos, Silvio morou com os pais na vila do Lagarto, em Sergipe. Esse periodo teria fortificado nele “as disposicdes inatas ¢ adquiridas. “O Lagarto, naquele periodo, era uma terra onde os feste- jos populares, reisados, chegancas, bailes pastoris, taieras, bumbas meu boi... imperavam ao lado das magnificas festividades da igreja.”Saturei-me desse brasileirismo, desse folclorismo nortista,”* Recorda também a escola primaria ¢ os estudos preparatérios no Atencu Fluminense, onde alguns professores Ihe teriam influfdo o pensa- mento no sentido do germanismo. Entre eles salienta 0 Bardo de Tautphoeus, em cuja filosofia da histéria ja se destacava 0 ponto de vista etnografico (Nota 5). Quanto a Faculdade de Direito, afirma que “as influénciasali recebidas nao fizcram senao desenvolver o que [nele] ja existia, desde os tempos do engenho, da vila, da aula primaria ¢ dos preparatérios.”” Como primeira leitura universitéria, menciona um estudo de Lavelley sobre os Niebelungen ¢ a antiga poesia popular germénica, que o teria introduzido “nessas en- cantadas regides do folclore, critica religiosa, mitologia, etnografia, tradi¢des populares” que nao deixariam mais de interessé-lo. Tais declaragées retrospectivas revelam que o contato interessado de Silvio coma cultura popular foi nao apenas precoce, mas extenso e constan- te, apesar de somente se ter manifestado formalmente, na obra do critico e pesquisador, a partir de sua chegadaao Rio de Janciro em 1879, Entretanto, nas publicagées anteriores, encontram-se passagens que parecem contra- dizer tal interesse, ou pelo menos a possibilidade de que ele conduza a 30 resultados efetivos ¢ relevantes para a cultura dajovem nacao brasileira. Em. 1870, escreve no jornal recifense O Movimento: “Procurai nos séculos XVI ¢ XVI manifestag6es sérias da intcligéncia colonial e as nao achareis. A totalidade da populacao, sem saber, sem grandezas, sem glorias, nem sequer estava nesse perfodo de barbara fecundidade em que os povos inteligentes amalgamam os clementos das suas vastas epopéias. Procura, portanto, uma poesia popular brasi- leira, que mereca este nome, naquela época, ¢, como ainda hoje, correreis atras do absurdo.”” ‘Trés anos mais tarde, n’O Trabalho, tornaa refutar a existéncia de uma tradigao poética popular entre nés. Referindo-se as explicagdes que o Ro- mantismo brasileiro produziu de si mesmo, escreve: “Uma volta A poesia popular e as tradicées jé esquecidas é uma sua pretensio mal definida. [...] A ressurrcicao da poesia popular, em um livro de erudito, era coisa exeqiiivel; mas continué-la, fazé-la viver sua vida romanesca, era impossivel; sobretudo no Brasil, onde nao existia uma genuina poesia popular olvidada pelo tempo. Nao sei se bem pensaram nisto os romanticos brasileiros. Sei que lhes faltou a paixio pelo passado que tanto animara os da Europa. Quando nao buscassem formar Cancioneiros e Romanceiros antigos, porque seriam quase nulos, deveriam ao menos procurar as leis de formacao de nossa vida mental. A poesia popular revela o carater dos povos... Ao lado, pois, de pecas antigas, ainda hoje cantadas em nossas festas de Natal e de Reis, comoa Nav Calarinetade origem portuguesa c que da idéia de um povo navegador, ouvem-se entre nés os verdadeiros cantos que nos definem e individualizam. [grifos meus]”*” Note-se a contradicao entre as duas primeiras ea terceira partes grifa- das nesta tiltima citacdo. A hesitagdo de Silvio é sintomatica da dificuldade que parece encontrar em transformar a experiéncia imediata da poesia popular, que conheccu desde os tempos de garoto, em objeto de estudo, digno daapreciacao erudita. A significacao dessa literatura oral cujamemoéria traz desde a infancia parece, quando nao inteiramente recalcada, condena- da ao confinamento no passado, sem possibilidade de transito para a literatura culta, eimpossibilitada de continuara “viversua vida romanesca”.* Como é queaalguém tio profundae diretamente tocado pela forcadas tradigdes populares — a julgar pelo depoimento de Silvio a Jodo do Rio — aconteceu-Ihe de negara propria existéncia efetiva dessas tradigées? Como 31 A Poesia Popular na Repiiblica das Letras: Silvio Romero Folelorista se explicaria 0 descompasso entre a fruicdo da literatura oral pelo Silvio menino esua rejeicio, ainda que temporaria, pelo moco ilustrado? Este nao éum detalhe menor, de ordem meramente psicobiografica, da questio que nos ocupa. Voltarei ao tépico no final desta discussio para tentar usé-lo como pista e sintoma na elucidagao dos limites redutores da interpretacio da poesia popular pelo autor. Por enquanto contento-me em constatar, a respeito dessa instabilidade tipicamente romeriana, que a composicao dos Estudos sobre a poesia popular do Brasil, de par coma organizacao dos Cantos e Contos, assinala uma perspectiva diferenciada que se constitui dentro do ideario do préprio Silvio Romero, ¢ representa novidade no quadro de nossas pesquisas letradas. Ele tem consciéncia disso, e dispde-se a retificar seus passados enganos — tanto é que faz dessa tomada de consciéncia 0 ponto de partida dos seus Estudos, confessando nas primeiras linhas: “Come- co poruma declaracao que asinceridade exige: eujaacreditei menos do que hoje na importancia da poesia popular entre nés.”®= Silvio atribui o equivoco de suas primeiras posicdes a exacerbacao de sua reacio ao Romantismo, que teria superestimado a amplitude ¢ 0 valor de nossa tradicao poética popular. No estado atual de suas pesquisas, revé 0 “carater de rigor negativo” de suas primeiras posicdes: embora mantendo a conviccéo de que a poesia popular brasileira carece de profundeza e originalidade, reconhece-lhe a existéncia e utilidade como objeto de inves- tigacio: “Nés possusmos uma poesia popular especificamente brasileira, que, se nao se presta a bordaduras de sublimidades dos romanticos, tem. contudo enorme interesse para a ciéncia. Um estudo mais aturado e desprevenido trouxe-me, durante os tiltimos quatro anos, esta convic- io." O exame desta passagem introdutéria dos Estudos permite-nos deline- ar desde ja o encaminhamento das formulagées de Silvio Romero sobre nossa poesia popular, eo da reflexdo que clas me levaraoa desenvolver. Para ele, o ingresso desse material ainda inexplorado no universo da cultura crudita esté condicionado pela adogao de posturas cientificas, que neu- tralizem toda idealizagao esteticista, corrigindo assim a perspectiva viciada do Romantismo. Sobre a manipulacao literaria do imagindrio e das formas poéticas populares, o que deve prevalecer é 0 estabelecimento preciso de fatos, documentos, registros honestos ¢ laboriosos, andlises objetivas ¢ rigorosas. + Ha na sua opinido um grande trabalho a fazer com essa matéria prima = O barbaro na cidade de Minerva inexplorada e ristica, A disposi¢do de pesquisadores ¢ analistas que se habilitem naoa lapidar diamantes brutos para enriquecer nossa ourivesaria literaria, masa garimpé-los, estudé-los ¢ estabelecer sua situacao na geologia cultural brasileira. $6 assim eles deixariam o solo inculto e passariam a figurar nos repert6rios que habitam livros ¢ muscus, ganhando serventia no quadro do pensamento cultivado ¢ justificando sua promogao a objetos dignos de apreco erudito, segundo os padrées internacionais estabelecidos pelas civilizagdes superiores. Tais disposigdes tém aqui implicagées politicas: a poesia popular comeca entao a ser vista como uma espécie de document o de identidade, um dos elementos necessarios ao atestado de maioridade do pais. Mas esse documento precisa ser fornecido por canais competentes — disso se ocu- pardo os homens de letras, muito prestigiados pelo ptiblico ¢ pelo poder imperial. No ocaso do Império, o ingresso da poesia popular no territério das ciéncias humanas depende de agentes letrados que se proponham a inter- mediar essa promogao, mediante procedimentos objetiva e cientificamente prescritos. Estes sio constitufdos pela coleta e publicacdo, complementadas como que automatica ¢ naturalmente pelo trabalho de andlise do material assim recolhido e organizado, com 0 seu conseqiiente enquadramento no sistema tedrico geral das ciéncias humanas, ocupado em definir a cara do Brasil. Neste momento, 0 quadro de tais ciéncias no pais desenvolve um proceso cuja feicao é, mais ainda que renovadora, praticamente inaugural. Esse tipo de (auto-) conhecimento cria-se e manifesta-se entre néds numa escala ¢ num sentido que jamais teve antes, ¢ que participa intensamente do momento ¢ tarefa de construir a modernizacao da sociedade e do Estado brasileiros, o que passa destacadamente pelos processos da Aboli¢do ¢ da Republica. NOTAS 1. A questo das alternativas francesa ¢ germanica, como pélos de referéncia para nosso pensamento politico, etnografico etc., esta desenvolvida no segmento 3.1 (“O Legado germanico”) eno capitulo 4 (“O Estudo e suas disciplinas”), especialmente em 4.3 (“Estranhas afinidades”). 33 A Poesia Popular na Reptiblica das Letras: Silvio Romero Folclorista 2. Este debate tem origem na publicacdo pela imprensa nordestina dos Estudos Alemdes de Tobias Barreto, em 1879. Carlos de Laet, referindo-se ao autor ¢ a seus companheiros, engloba-os sob a denominacio pejorativa de “escola teuto-sergipana”. Dois anos depois, Tobias Barreto revida 0 ataque, aludindo ao “claro intuito que, com a designacao, tiveram os literatos fluminenses de produzir impressio cémica, pela associacao da idéia da Alemanha 4 da provincia natal dos dois infatig4veis promotores do germanismo nas letras brasileiras”, acrescentando que os detratores, “sem 0 saber, lhes conferiram, bem como Asua terra, uma honra imensa, cujo valor exato s6 ao futuro é dado conhecer e aquilatar.” (Apud Carlos Sussekind de Mendonga, Silvio Romero de corpo inteiro, p. 92) Silvio completa a represdlia rotulando por sua vez os adversarios de “escola galo-fluminense”. 3. Exposicdes do incidente na defesa de tese de Silvio podem ser encontradas em Silvio Romero de corpo inteiro, de Carlos Sussekind de Mendonca; eem Cara de um, focinho do outro, de Roberto Ventura, nosegmento 7.7 (“A morte da metafisica”). 4, Veja-se a respeito o segmento 10.5 (“Um outro Silvio Romero”). 5. Um depoimento elogioso deste Bardo junto ao Imperador foi um dos fatores que valeram mais tarde a Silvio 0 ingresso no corpo docente do Colégio Pedro II. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 1 Silvio ROMERO. Apud Carlos Sussekind de MENDONGA, Silvio Romero, de corpo inteiro, p. 32. 2 Id., Historia da literatura brasileira, tomo I, p. 19. 3 Id,, ib., p. 32. 4 Id,, Apud Carlos Sussckind de MENDONCA, Silvio Romero de corpo inteiro, p71. 5 ARARIPE JUNIOR, Obra critica de Araripe Jiinior, vol. I, p. 273. 6 Id,, ib., p. 273. 7 Id,, ib., p. 273. 8 Machado de ASSIS, “A nova geracao”. In Critica literdria, pp. 234/235. 9 Silvio ROMERO, Obra filoséfica, p. 113. 84 O bérbaro na cidade de Minerva 10 Id., ib., p. 112. 13 Id,, ib., p. 113. 14 Apud Carlos Sussekind de MENDONGA, Silvio Romero, de corpo inteiro, p. 112. 15 ARARIPE JUNIOR, Obra critica de Araripe Jiinior, vol. 111, p. 275. 16 Silvio ROMERO. Apud Carlos Sussekind de MENDONCA, Silvio Romero, de corpo inteiro, p. 73. 17 Id,, ib., p.74. 18 Id., ib., p. 75. 19 Id., Depoimento. In Paulo BARRETO, O momento literdrio, pp. 35/36. 20 Id., #b., p. 37. 21 Id., ib., pp. 38/39. 22 Id., ib., p. 39. 23 Id., ib., pp. 39/40. 24 Id., tb., p. 39. 25 Id.. Apud Carlos Sussekind de MENDONCA, Silvio Romero, de corpo inteiro, pp. 27/28. 26 Id., Depoimento. In Paulo BARRETO, O momento literdirio, p. 43. 27 Id., ib, p. 45. 28 Id., ib., p. 46. 29 Id., Estudos sobre a poesia popular do Brasil, p. 31. 30 Id., ib., pp. 31/32. 31 Id., ib. p. 31. 32 Id., ib. p. 31. 33 Id, ib., p. 32. 35 2. Silvio Romero folclorista 2.1. OS ESTUDOS Apesar de anunciados com destaque na primeira pagina d’ O Repérter em 1879, reforcados por elogios do editor, os estudos de Silvio Romero sobre a poesia popular do Brasil nao despertam de imediato 0 interesse esperado. Maior repercussio alcangam, nesta época, seus artigos politicos publicados no mesmo periddico, que mais tarde integrarao os Ensaios de critica parlamentar. Os exemplares de literatura popular reunidos pelo autor s6 vém a ser editados alguns anos mais tarde, pela Nova Livraria Internacional de Lisboa. Os Cantos populares do Brasil sio lancados em 1883; ¢ em 1885 surgem os Contos populares do Brasil, com uma “Adyerténcia” onde se assinalam as fontes de coleta e se explica o plano de organizacdo da obra. Sua constitu ¢4o inspira-se declaradamente nos Canti e raconti del popolo italiano de D’Ancona e Comparetti; provavelmente também no Romanceiro portugués de Almeida Garrett, ¢ no Cancioneiro e romanceiro geral de Teéfilo Braga, autor das introducées e notas comparativas para esta primeira edicao. A segunda edicdo dos Cantos ¢ Contos, apresentados como a primei- ra em respectivamente dois ¢ um volumes, surge no Rio de Janeiro em 1897, pela casa Francisco Alves, sob o titulo geral Folelore brasileiro, com a observacao “edi¢éo melhorada”. A “melhora” é explicitada no final dos Cantos: uma “Nota indispensdvel” adverte que a segunda edigado “difere consideravalmente da primeira”!, e discorre sobre a necessidade e a natureza das modificacdes. O autor diz que completou 0 texto de algumas cangées € tirou os enxertos do editor portugués; acrescentou uma introducao do préprio punho para substituir a de Tedfilo. A discordancia 36 Silvio Romero foletoista entre os dois, geradora de extensa polémica (Nota 1), jé vinha de longa data. No livreto Uma Esperteza, lancado dez anos antes (1887), Silvio acusava Teéfilo de se haver apropriado de sua classificagao etnografica ¢ de ter modificado 0 texto original da obra, incluindo cantos nao folcléricos ¢ acrescentando introducao € notas sem permissao do autor. Os Cantos populares do Brasil estio divididos em quatro séries: “Ro- mances ¢ xdcaras” (66 textos) “Bailes, chegancas e reisados” (12 textos) no tomo I; “Versos gerais” (117 textos) e “Orag6es e parlendas” (26 textos) no tomo II, Todas as quatro séries trazem, apés 0s titulos gerais, a indicacao: “Origens: do portugués e do mestico; transformagdes pelo mestico”. Quanto aos Contos, repartem-se cm trés segdes: “Contos de origem européia” (51 textos), “Contos de origem indigena” (21 textos) e “Contos de origem africana e mestica” (16 textos). O esquema da obra aponta, logo ao primeiro olhar, um aspecto digno de atencdo; enquanto uma suposta nitidez da origem étnica orienta a classificagdo dos contos, os cantos apresentam-se enfeixados sob a mesma vaga rubrica luso-mesticada. A falta de uma distingao racial que classifique os textos em verso, 0 autor vale-se de critérios heterogéneos: géneros poéticos, linhas tematicas, circunstancias do convivio social. Haveria ai uma indicagdo de maior dificuldade em enquadrar etnologicamente os documentos de poesia? Algumas condigées da coleta, do contetido e da forma dos textos, tendem a apoiar essa hipétese. Em primeiro lugar, as que se referem ao sinal mais palpavel da vinculacao etnografica do documento: © idioma. Boa parte do consideravel repertério de contos amcrindios disponiveis foi recolhido pelos pesquisadores em lingua original. Quanto aos documentos de poesia, sio vazados quase exclusivamente em portu- gués (ha raros casos de textos bilingiies). Em segundo lugar, 0 contetido fortemente referencial ou mitolégico da maioria das narrativas em prosa contribui para evidenciar-lhes a genealogia indigena, africana ou européia; jo temario da poesia desenvolve freqiientemente acentos subjetivos que The conferem aparéncia mais “universal”. Além disso a poesia oral, ao contrario da prosa, fixa e impée sua forma: o nivel de formalizacdo nos textos em verso € por conseguinte muito mais perceptivel, realcando o teor propriamente literario, a cons- trugdo estética. A perspectiva critica de Silvio, aferrada aos pontos de vista etnograficos ¢ refrataria 4 sutileza dos desdobramentos estéticos, encontra assim problematizada sua tentativa de demarcar os diferentes territdrios da cancao popular. Quando a origem étnica mostra-se muito obscura, 0 37 ‘A Poesia Popular na Repriblica das Letras: Sitvio Romero Folelorista autor € obrigado a recorrer a categorias formais ou sociolégicas; mas nao chega a resolver, nem mesmo a colocar adequadamente, o problema da passagem entre 0s varios critérios. Na dificuldade de equacionar as relagdes entre o racial e o sécio-cultural, contenta-se em misturar tudo na categoria imprecisa da “mesticagem”. Mas apesar de suas lacunas e deficiéncias, a pesquisa de nossa literatu- ra oral empreendida por Silvio tem enorme importancia pioneira ¢ exemplar: pelo menos nesse dominio, nao seria justo recusarlhe as p' oridades que ele tanto aprecia. No final do século XIX, o repertério de nossos registros folcléricos no dominio da cancao e da narrativa (cuja constituicdo veremos adiante) é nado somente muitissimo parco, como também fragmentdario ¢ lacunar. Antes dos Cantos e Contos, nenhuma coleténea desse porte ¢ abrangéncia veio A luz, justificando que Camara Cascudo apresente mais tarde a obra como “o primeiro documentario de literatura oral brasileira”*. Entretanto, o exame do material divulgado por Silvio, em cotejo com o de sua biografia, parece indicar que ele pouco se dedicou a trabalho sistematico de coleta. Observando o conjunto dos textos registrados nos Cantos ¢ Contos ¢ nos Estudos, nota-se que eles provém dos lugares onde o pesquisador morou por forca das circunstancias, na infancia e na vida profissional: Sergipe, Pernambuco, Parati ¢ Rio de Janeiro. Nao ha noticia ou indicio de que tenha empenhado esfor¢os diretamente nesse sentido, tais como viagens, temporadas de dedicago especifica, etc. (Nota 2). Muita coisa cle confessa tirar da propria memé6ria, das lembrangas distantes do engenho onde cresceu ¢ onde ouvia a noite os criados contar histérias; sabemos entretanto que esse perfodo terminou aos cinco anos de idade; e a temporada no Lagarto, quando presenciava as festas do povo, s6 durou até os doze anos de idade (Nota 3). Silvio aproveita as circunstancias que a vida Ihe oferece para ir co- Thendo aqui ¢ ali, desde os tempos de menino, nas varias provincias por onde passa, os documentos que reunira e organizaré nos Cantos e Contos. Assim se constitui a base para as propostas critico-tedricas que desenvolve nos Estudos, obra que lhe servird de carta de apresentacdo para ingressar no clube fechado dos intelectuais da capital do Império. Trata-se_ini- cialmente de uma série de artigos aparecidos na Revista Brasileira em 1879 e 1880, sob 0, titulo “Poesia popular do Brasil”, que apenas em 1888 sio reunidos no volume intitulado Estudos sobre a poesia popular do Brasil. Ai se encontram também registros de cangées ¢ narrativas populares, entre- 38 ll Silvio Romero folcorista meados ao texto do autor, mas em quantidade relativamente pequena. No mais das vezesa transcri¢do dos documentos atende a intengao de comparar variantes, referindo-se constantemente ao material apresentado por ou- tros coletores. Boa parte da obra dedica-se 4 exposi¢ao ¢ discussio de teorias relacionadas com a cultura popular, de modo a construir uma avaliacdo critica nao somente do préprio material, mas também das idéias alheias sobre 0 assunto. A atividade intelectual de Silvio Romero nos dominios da poesia po- pular se realiza portanto, basicamente, de trés maneiras: na coleta € registro de textos de literatura oral; no comentario critico-tedrico desenvolvido a partir deste material; ¢ na discussdo ¢ aval iacao dos trabalhos andlogos empreendidos antes dele no Brasil. Esta tiltima parte nao pode ser consi- derada menos importante que as outras: ocupa quatro dos dez capitulos dos Estudos, todos intitulados “Andlise dos escritores, que trataram de nossa poesia popular”. Em conformidade com os habitos da época, Silvio transcreve longos trechos das obras alheias, inclusive documentos colhidos pelos autores, € explicita sua concordancia ou discordancia em relacdo aos pontos de vista enunciados, aproveitando sempre para insistir em suas préprias idéias basicas, e dar vazio a seu gosto pela discussao enfatica. Com isso ele cumpre os requisitos do que considera ser a esséncia da fungao critica, a qual consistiria na avaliagao légica dos comentarios alheios e de seus postulados de base. E sobretudo através desse expediente que se ma- nifestam suas proprias posicdes quanto a poesia popular. Por outro lado, tal procedimento tem a utilidade de constituir um levantamento das pes- quisas folcléricas brasileiras na época, ensejando uma tentativa pioneira de sistemalizacao nesse dominio de estudos que, aseu modo, abre uma das primeiras vias de comunica¢ao no Brasil entre os mundos letrado ¢ iletrado. Pela amplitude sem precedentes do territério mapeado, a compila- cdo de literatura oral € o levantamento e comentario das pesquisas alheias empreendidos por Silvio Romero apresentam resultados considerdveis. Ja suas iniciativas pessoais de andlise dos contos € cangées, que aparecem fragmentadas e esparsas ao longo dos Estudos, sfio escassas e pobres. O cardter sempre incipiente ¢ restrito da abordagem textual parece con- dicionado pelo fato de a reflexdo no se concentrar nos préprios textos, mas sempre no seu relacionamento com o quadro étnico, geografico ¢ sécio-temporal a que pertencem, ou na comparacéo com variantes da origens diversas, brasilciras ¢ estrangeiras, anotadas pelo autor. No primeiro 39 A Poesia Popular na Repiiblica das Letras: Silvio Romero Folelorista caso manifesta-se 0 fundo tedrico determinista que, apesar de sua proclama- da rebeldia contra o modelo da triade taineana, subjaz ao pensamento de Silvio. No segundo caso, seu método de trabalho alinha-se com a pre- ocupacao geral da etnologia comparada da época, que faz do cotejo de variantes um instrumento freqitentemente monétono da construcdo de gencalogias, a fim de elucidar nao sé a constituicao cultural de nosso povo, mas também a histria de nossos ascendentes bioantropolégicos. A combinagio da perspectiva determinista com a da etnologia comparada, se por um lado enseja a reuniao de grande ¢ valioso acervo de informacées sobre o assunto, por outro lado tende a desviar a atengao do observador para fora dos textos. Na pressa de enquadrar o objeto particular nas pretensas Ieis gerais da producéo cultural nas tipologias e genealogias postuladas pelas pesquisas etnolégicas, descuidase de qualquer exame mais acurado de suas singularidades; dai passa-se quase automaticamente para a discussio dos préprios princfpios generalizados. Afinal, acaba-se como que “mudando de assunto”, e 0 conjunto do trabalho dé a singular impressao de uma descontinuidade gritante entre a coleta e 0 comentario. Como observou Silvio Rabello, “o pesquisador paciente das fontes tradicionais [...] € 0 te6rico que, de posse desse material, tentou uma andlise cientifica”, representam no folclorista Silvio Romero “dois aspectos que jamais se completaram”’. Os Contos Cantos populares do Brasile os Estudos sobre a poesia ‘popular do Brasil retinem e constituem o principal da investigacdo e andlise de poesia popular emprecndidas por Silvio Romero. Além delas, 0 plano de distri- buicdo sistematica de suas obras, organizado por cle mesmo no fim da vida, s6 inclui na rubrica “Folclore” Uma esperteza - Os Cantos e os Contos populares do Brasil e o Sr. Teofilo Braga, de 1887, ¢ Passe recibo, de 1905; mas estes es- critos, vinculados 4 polémica com 0 folclorista portugués, nao acrescentam novidades relevantes quanto ao assunto especifico. Ainda restaria a contar a série de artigos “Novas contribuicées para o folclore no Brasil”, publica- dos nos ntimeros 2, 4 ¢ 7 da Revista da Academia Brasileira de Letras, entre 1910 e 1912, ¢ integrados a 3* edicdo da Historia da literatura brasileira. Uma breve consideracdo da bibliografia de Sth bastaria para evidenciar que sua atividade de pesquisador consagrada a producao poética popular desenvolve-se num perfodo relativamente curto de sua carrcira ¢ de sua vida, mais ou menos entre 1873 ¢ 1880. Recorde-se, para fun- damentar essa datagio, que as duas obras refcridas, apesar de s6 terem sido publicadas em volume em 1883/85 ¢ 1888, j4 esto praticamente prontas 40 Silvio Romero foldlorista em 80. A partir do inicio dos anos 80 até 1914, data de sua morte, Silvio Romero nao acrescenta quase nada a sua obra de folclorista. Entretanto, cle nunca deixaré de manifestar, em prefacios e passagens diversas, interesse pela poesia popular ¢ desejo de ver seu trabalho pros- seguido e desenvolvido por outros estudiosos. “Professor de Direito, com uma bibliografia estonteante, velho, avé, Silvio Romero ainda sugeria pro- gramas de pesquisas folcléricas que ninguém atendeu. Pedia que escrevessem miisicas de uns cantos populares interessantissimos ¢ que, como ele previa, desapareceram.”* Como indicam estas palavras de Luis da CAmara Cascudo, o exemplo de Silvio encontra pouca repercussao entre seus contemporaneos. Em 1894, 0 autor dedica a segunda edicéo dos seus Contos a0 amigo Mello Moraes Filho, por consideré-lo “o companheiro inico que [tem] neste género de estudos no Brasil” 2.2. OS COLEGAS No inicio do capitulo II dos Estudos sobre a poesia popular do Brasil, Silvio fornece a listagem das obras alheias que possui sobre o assunto: uns poucos livros e artigos de autores como Celso de Magalhies, José de Alencar, Couto de Magalhaes, Carlos de Koseritz etc. Silvio transcreve parcialmente e procede ao comentirio critico de cada um dos textos, todos publicados na década de 1870. O repertério de nossos estudos de literatura oral na época é bem escasso. Nao haveria grande coisa a acrescentar aos itens mencionados pelo autor: alguns mitos amazénicos colhidos por pesquisadores estrangei- ros, € contribuigdes esparsas de uns poucos escritores brasileiros da época, geralmente origindrios das provincias do Norte. Por exemplo, o historiador cearense Capistrano de Abreu, que em 1875 produz uma das primeiras indicagdes sobre a importincia do estudo de nossa poesia popular: “Con- siderar-me-ia feliz se conseguisse chamar a aten¢do dos amantes da histéria patria para o estudo dos contos populares. Aqui, vejo-me forcado a tocar neles muito de leve; porém a sua importancia saltard aos olhos de quem os quiser colher e interpretar.”* Embora nutrindo uma concepcio dohomem tropical, sobretudo do mestico, bastante negativa, Capistrano reforca a necessidade de se debrucar sobre a identidade nacional mediante a con- sideracdo de todos os seus fatores constituintes ¢ manifestagdes, entre os quais as narrativas, miisica ¢ dangas populares. 41 A Poesia Popular na Repiiblica das Letras: Sitvio Romero Folelorista O paraense José Verissimo desenvolve em sua obra da juventude alguma pesquisa da histria e costumes dos indios e mesticos amazénicos, com desdobramentos criticos ¢ ficcionais. Porém na sua perspectiva, ao contrario das de Silvio Romero e Capistrano de Abreu, a consideragio do elemento étnico nao é ultrapassada ou trabalhada no sentido de estruturar um quadro mais amplo ¢ complexo, onde teria lugar a conceituagao de uma cultura popular. E mesmo a importincia do ponto de vista etnografico parece ter-se retrafdo a seus olhos mais tarde: na sua Histéria da Literatura brasileira (1916, edicdo péstuma), viria ele a negar radicalmente a presenca do indio e do negro na constitui¢io da tradi¢do poética do Brasil, apontando o portugués como “tinico fator certo, positivo ¢ aprecidvel nas origens da nossa literatura. Em todo caso, as duas racas inferiores apenas influiram pela via indireta da mesticagem ¢ ndo com quaisquer ma- nifestacdes claras de ordem emotiva, como sem nenhum fundamento se Ihes atribuiu.”” Um breve exame dos principais pontos comentados por Sflvio na obra dos folcloristas de que se ocupa nos ajudaré nao so a situar as principais areas de discussio, como também a formar uma idéia da situagao dos estudos folcléricos em sua época, 0 que nos permitird avaliar melhor a importincia da contribuicao do préprio Silvio. As mais longas transcriges ¢ mais detalhados comentarios sio dedi- cados a Celso de Magalhies, que foi seu colega de turma na Academia do Recife. Apesar de ter morrido ainda jovem, aos 30 anos de idade, Celso desenvolveu atividade pioncira nos estudos folcléricos brasileiros, regis- trando festas da Bahia ¢ do Maranhéo ¢ comparando romances portugueses € brasileiros, Evolucionista convicto, fortemente materialista € antireligioso, Celso propde uma equacdo da histéria etno-cultural do Brasil estigmatizada pela negatividade de seus fatores constitutivos: inco- municabilidade ¢ rudeza do indigena, bestialidade e corrupgao do negro, degeneracio e mediocridade do portugués. Silvio reconhece respeito- samente alguns acertos nas teorias desse “espirito sem hesitagdes”’, mas também aponta equivocos ¢ excessos: superestimar o papel do fator racial, negar radicalmente a influéncia amerindia e considerar o negro sob uma 6tica exclusivamente negativa, Atribui tais deficiéncias a um certo “exagero reacionario” em relagio ao Romantismo: “Celso entrou na reacio por mim promovida contra semelhante despropésito [0 indianismo romantico] excedewse”’. c Sitio Romero folctorista O Seluagem de Couto de Magalhies (1876) destaca-se entre os estudos amerindios da época por apresentar, além de um curso de gramatica tupi earcimpressao do optisculo Regido ¢ ragas selvagens do Brasil (originalmente publicado em 1874) (Nota 4), 23 contos em Ifngua indfgena acompanhados de traducdo interlinear. Silvio exalta a importancia da colecao de lendas: so “paginas inestimaveis”® que fazem do pesquisador um “benemérito das letras”" nacionais. Mas critica-lhe a abordagem critico-tedrica, consi- derando-a fortemente comprometida pelo “selvagismo”” que exagera a marca amerindia no idioma ¢ na poesia popular do Brasil, ignorando a contribuicdo negra ¢ estabelecendo parentescos fantasiosos entre a cultura autéctone ¢ a européia. Os mais graves equivocos de José Antonio de Freitas, discfpulo con- fesso de Teéfilo Braga, estariam na opiniao de Silvio relacionados com a orientacao recebida do pesquisador portugués. O nticleo dessa orientacao é constituido pela tese do turanismo, que estabelece um vinculo origindrio entre a poesia popular portuguesa e a brasileira, ambas supostamente tributirias da etnia turana, da qual fariam parte tanto os povos da Peninsula Ibérica quanto os Tupis. Silvio imputa aos adeptos do turanismo distorgéo andloga A que é por cle censurada na perspectiva de Couto de Magalhaes: construir artificiosamente analogias entre a cultura brasileira ¢ a curopéia, mediante a determinacio de pontos comuns as culturas tupi ¢ lusitana ou ibérica, Esse tipo de paralelo, no terreno lingiiistico, histdrico ou estético, costuma irritar bastante 0 nosso autor, que se empenha em defender a especificidade da matéria amerindia ¢ brasileira: “E uma coisa terrivel essa monomania de querer, a forca de despropésitos, descobrir parentesco € filiagdes no velho mundo para os indigenas da América”. Ao gaticho Carlos de Koseritz, que foi o editor de sua Filosofia no Brasil (Porto Alegre, 1878), Silvio Romero parece reservar os maiores clogios dentre os que parcimoniosamente distribui aos pesquisadores comentados nos Estudos, Esse “distinto escritor alemao-brasileiro” € um “ilustre jorna- lista que tem posto a sua provincia em contato com as grandes idéias do tempo.” A dedicagao de Koseritz 4 coleta, publicagao e andlise de nossa produgao popular parece-Ihe tanto mais admiravel por ndo ter esse homem “9 menor interesse direto nesses assuntos; nem ao menos a simpatia da raca; ndo é filho deste pais, para cuja emancipacio intelectual, entretanto, ninguém tem mais trabalho do que ele.” O entusiasmo manifestado por Silvio diante de tal “rasgo de elevada fineza para conosco, fineza de literato, digna dele ¢ imerecida por nés", pode ser interpretado, pelo menos em 43 Silvio Romero Folelorista Parte, como uma retribuigéo de delicadezas e rapapés. Em nota ao pé de pagina, explica ter recebido uma carta de Koseritz revelando-lhe que 0 trabalho de colheita publicado na Gazeta de Porto Alegrefora feito na intengio de ser enviado a sua pessoa. Silvio ndo descura portanto de citar am- plamente os escritos do colega, embora nao se possa ver neles qualquer tentativa ou proposta original. Sdo quadrinhas e improvisos que correm de boca em boca; 0 autor compara variantes, especula sobre origens, detecta reminiscéncias de romances portugueses ¢ assinala diferencas sem analisa- las. Apesar de sua producdo referente a cultura popular brasileira ser relativamente pequena, José de Alencar ¢ Araripe Jtinior sio os con- temporaneos de Silvio Romero que mais interessam nossa angulacao do problema. Ao contrario de Celso de Magalhaes, Couto de Magalhaes e Carlos Koseritz, nao se distinguem pelo trabalho de coletae documentacio, nem se dedicam a reflexio propriamente etnografica; porém, vinculados basicamente ao dominio literario, produzem uma visio diferenciada dos significados ¢ potencialidades do material poético popular. Além disso o trabalho de Alencar esté no ponto de partida dos registros ¢ reflexdes empreendidos por Silvio Romero, conforme este declara expressamente logo no inicio dos Estudos: “Pretendia cm algumas provincias do pais, por onde tinha de passar, fazer uns apanhados de cantos ¢ contos do nosso Povo, como base para uma refutacdo ao escrito de José de Alencar, O-nosso cancioneiro”””. Quanto a Araripe Junior, apesar de ter no conterranco Alencar sua principal referéncia literdria, matéria de estudo ¢ emulacio, organiza boa parte de seus pontos de vista sobre nossa poesia popular em fungao de certas discordancias com 0 velho mestre. Veremos que 0 confronto de Silvio com as perspectivas indicadas pelos dois cearenses conduz a discussdes bastante significativas tanto das peculiaridades como das dificuldades de nosso autor no trato das questées folcloricas... ¢ literdrias. F preciso portanto dedicar especial atencao as observacées de Araripe ¢ Alencar sobre nosso folclore, assim como aos comentirios tecidos por Silvio Romero a respeito delas. Os pardgrafos que seguem introduzem brevemente o assunto, que sera retomado e de- senvolvido no curso posterior desta reflexio. Em dezembro de 1874, José de Alencar publica no jornal O Globo do Rio de Janeiro uma série de quatro artigos intitulada “O Nosso Cancioneire”. Declara-se “convencido de que nosso cancioneiro popular é [..] mais rico do que se presume”, ¢ afirma coligir hd bastante tempo suas 44 Silvio Romero folclorsta trovas originais, lamentando a falta de tempo para empreendér mais acurado trabalho de pesquisa sobre essas “raps6dias de improvisadores desconhecidos, maiores poetas em sua rudeza do que muitos laureados com esse epiteto.”!* O material documentado se resume a dois romances: “O Boi Espacio” e “O Rabicho da Geralda”. Servem eles de base cae io mentarios de Alencar sobre o género pastoril, que a seu ver predominaria no Ceara, apresentando ai tracos diferentes dos encontrados no modelo clissico greco-romano ¢ na tradi¢io popular européia, A discussio dos caracteres especificos do romance pastoril cearense inchui fatores de ordem mesol6gica ¢ social, mas sustentase principalmente nas consideragdes literarias e lingiiisticas, conduzindo Alencar a alt! _ connecdas propostas sobre o idioma nacional. O povo, afirma, é “o primeiro dos classicos ¢ igualmente dos gramaticos"”. Apesar do grande mérito que reconhece no “célebre poligrafo"® por “haver sempre sido inimigo declarado do lusismo em nossa literatura” (0 que o teria levado praticamente a fundar o romance brasileiro, impondo ao género cunho nacional), Silvio Romero estima que o ecletismo su- perficializou o tratamento da poesia popular por José de Alencar, impedindo-o de produzir uma visio adequadamente cientifica do pro- blema, Sua perspectiva teria ficado restrita aos romances de vaqueiros da poesia sertaneja cearense ¢ As transformacbes sofridas pelo portugués no Brasil, carecendo de qualquer alcance na questio das origens — ou seja, faltaria a Alencar 0 ponto de vista etnografico, indevidamente substivufdo pela insisténcia nas “observa¢ées estéticas e [nos] entusiasmos retéricos’ (Nota 5). Araripe Jiinior est mais préximo de Silvio Romero que outros intelectuais da primeira linha de sua geracio. Chegam a fundar juntos, em junho de 1883, a revista de crénica politica Lucros ¢ perdas, que combate 0 escravagismo ¢ contesta 0 poder centralizador de Pedro II. O periédico tera vida breve, mas seu posicionamento ideol6gico ja sinaliza para nds uma das principais convergéncias entre os criticos nordestinos na abordagem da literatura oral. Para Araripe Jiinior como para Silvio Romero, a valorizacio da poesia popular inscrevese no processo de insurreicéo do Norte rural e provinciano contra o sentimento ~ in- ferioridade face 4 Corte metropolitana do Sul. A propésito do “Nosso cancioneiro” de Alencar, Araripe escreve em 1875, na Serra de Maran- guape: “Aqui sim, é que se pode verdadeiramente dar valor a essas coisas, cm aparéncia minimas, tao dificeis de ser compreendidas em uma corte, 45 A Poesia Popular na Refriblica das Letras: Silvio Romero Folclorista onde, no torvelinho das induistrias ¢ especulagées, esvaise 0 anjo da poesia.” Nove anos mais tarde, j residente no Rio hd longa data, o ponto de vista do ccarense permanece 0 mesmo. Retomando 0 assunto da poesia popular, faz reimprimir boa parte daquele primeiro ensaio, acrescido de novas informag6es e comentarios. Expée um plano de coleta do cancionciro brasileiro, concebido sob a inspiragao dos artigos de Alencar, que nao chegou a executar “por muito pretensioso ¢ por falta de tempo”. Recorda os motivos eas condigdes que © conduziram ao universo das cangdes populares “Seguia fatalmente a luz dos meus olhos, ¢ nao tinha, nesse tempo, a arrigre-pensée de uma escola ou de um sistema. Livre explorador, dirigido por instintos gerais, apenas esclarecido por um método filos6fico que comegava a estender as suas linhas através de meu espirito, fui colhendo e anotando o que encontraya. “Nés, brasileiros, somos por demais entusiastas. De ordinario, quando nos dedicamos & ciéncia, em lugar do microsc6pio, apoderamo-nos do prisma.” Esta passagem pertence a um texto de 1884, “Cantos populares do Ceara”; subintitulado “A propésito do livro do Dr. Silvio Romero”, refere- se certamente a primeira edicao dos Cantos populares do Brasil. Araripe nao explicita, mas pode-se entrever no seu comentario a intengao de dar uma “alfinetada” no colega, cuja obsessio sistematizante absolutizaria 0 esque- ma tedrico, em detrimento ¢/ou a revelia da observacao cuidadosa dos objetos considerados. Em termos de volume de produgio, a contribuicao de Araripe Janior aos estudos folcléricos 6 muito menos relevante que a de Silvio; mas em termos qualitativos, oferece algo a mais. A diferenca é andloga a que se manifesta nos dominios habituais da critica literdria: se 0 enfoque de Araripe nio chega a renegar os critérios deterministas adotados por sua geracdo, esse determinismo é largamente temperado por uma abordagem analitica cuja cota de flutuacio subjetiva é assumida pelo autor. Descrente de férmulas universais ¢ de generalizagées ambiciosas, ele cuida de am- pliar o espectro interpretative, que se abre para captar e apreciar os acentos hetcrogéneos que transitam entre 0 culto ¢ 0 inculto. O pendor para a percep¢ao de detalhes e nuances, a vocacdo para 0 compromisso liberal entre tendéncias variadas, que tém sido apontados nos seus estudos literarios, sio particularmente enriquecidores da perspectiva aplicada por 46 ——— Silvio Romero folclorisia Araripe as manifestacées culturais populares. Ele parece perceber com mais acuidade que a maioria dos contemporaneos as peculiaridades dessas manifestacées, sublinhando-lhes as nuances individualizadas e fugindo assim aos enfoques costumeiros que a homogeneizam, quer 4 luz das equacées deterministas, quer 4 luz dos esquemas roménticos: “Em vez da poesia ser andnima, é principalmente individual, subjetiva!”® Essa de- licadeza de percepcdo engendra um respeito pela cultura popular mais sincero ¢ mais efetivo que o de grande parte de seus colegas,¢ deve ter sido um dos fatores que conduziria Araripe, em sua maturidade, ea contrapelo da tendéncia majoritéria, a insurgir-se contra o racismo pseudo-cientifico cujas ligdes nos chegam da Europa nco-colonialista. Podemos agora sintetizar os elementos levantados nas diversas etapas da “andlise dos escritores que trataram de nossa poesia popular” empreendida por Silvio Romero. Ai deparamos 0 procedimento mais caracteristico e reitcrado do método de Silvio nesses estudos, procedimen- to que também marca seus escritos na drea da literatura culta, da critica filos6fica, politica etc. Consiste ele em estabelecer e explicitar suas idéias em fungao da oposicaio ¢/ou concordancia com as de outros pensadores, confirmando 0 debate como a forma de pensamento preferida por ele. Esse debate inclui a auto-referéncia e a autocitacao, a fim de ratificar, ¢ mais raramente retificar, seus pontos de vista anteriormente enunciados. A Celso de Magalhics liga-o a filiagdo a perspectiva evolucionista; mas critica nele o ter negado a influéncia indigena e depreciado o elemento negro. Em Couto de Magalhies, elogia o trabalho de coleta mas censura a falta de método ¢ 0 apego ao indianismo. José Anténio de Freitas pecaria gravemente pela insisténcia na tese do turanismo ¢ pelo realce exagerado do fator portugués. Silvio aplaude o antilusismo de Alencar mas critica-Ihe os desvios retoricos. Finalmente, concorda em larga escala com Araripe Jtinior ¢ Carlos de Koseritz, 0 que pode ter alguma relacéo com 0 fato de estes dois escritores Ihe haverem feito a deferéncia de Ihe enderecarem parte de seus préprios estudos. NOTAS 1. Exposicao detalhada dessa polémica encontra-se no segmento 6.1. (“As espertezas de Te6filo Braga”), da tese de Roberto Ventura, Cara de 47

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