Government">
Artigo Juiz Das Garantias Fabiana
Artigo Juiz Das Garantias Fabiana
Artigo Juiz Das Garantias Fabiana
SÃO PAULO
2022
FABIANA SILVA FALCHI DE ASSIS
Data da Apresentação:
Banca Examinadora:
Professor Orientador:
Professor²:
Professor ³:
São Paulo
2022
O JUIZ DAS GARANTIAS E SEU PAPEL NA PRESERVAÇÃO DO SISTEMA
ACUSATÓRIO
Sumário
Introdução .................................................................................................................. 6
Capítulo I. Referencial Teórico ................................................................................. 8
1.1 Garantismo Penal .......................................................................................................................... 9
1.2 Garantia da Imparcialidade do Julgador ..................................................................................... 10
Capítulo II. Teoria da Dissonância Cognitiva ........................................................ 15
Capítulo III. Sistemas Processuais Penais ............................................................ 18
3.1 Sistema inquisitorial .................................................................................................................... 18
3.2 Sistema acusatório ...................................................................................................................... 19
3.3 Sistema misto .............................................................................................................................. 20
Capítulo IV. Discussão sobre a constitucionalidade do juiz das garantias. ...... 21
4.1 Da inconstitucionalidade Formal................................................................................................. 21
4.2 Da inconstitucionalidade Material .............................................................................................. 25
Conclusão ................................................................................................................ 31
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 34
Introdução
Tais alterações visam a adequar à lei processual penal brasileira, em vigor desde
1941, à Constituição Federal, promulgada em 1988.
Para Aury Lopes Jr. 2 “No processo penal brasileiro, o juiz mantém-se afastado
da investigação preliminar – como autêntico garantidor -, limitando-se a exercer o controle
formal da prisão em flagrante e a autorizar aquelas medidas restritivas de direitos (cautelares,
busca e apreensão, intervenções telefônicas etc.). O alheamento é uma importante garantia de
imparcialidade e, apesar de existirem alguns dispositivos que permitam a atuação de ofício, os
juízes devem condicionar sua atuação à prévia invocação do MP, da própria polícia ou do
sujeito passivo”.
1
FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 5ª Ed. ver., atual. e ampl -São Paulo : Editora
dos Tribunais, 2007. p. 18-19.
2
LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 15. Ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018. p. 123.
processo pode sofrer influência nas provas obtidas no inquérito policial, comprometendo a
parcialidade do juiz para julgar o processo.
O presente artigo, tem a finalidade analisar como a adoção do juiz das garantias
na legislação brasileira pode preservar a imparcialidade do juiz, de modo que a decisão do
magistrado não seja contaminada por juízos prévios a respeito da culpabilidade dos acusados.
Capítulo I. Referencial Teórico
A lei n° 13.964/2019, popularmente chamada de “pacote anticrime”, proposta
legislativa encaminhada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, foi promulgada em 24
de dezembro de 2019, entrando em vigência no dia 23 de janeiro de 2020.
A figura do juiz das garantias foi instituída no art. 3°-B, como responsável pelo
controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos fundamentais
do acusado.
3
LIMA, Renato Brasileiro de Manual de processo penal: volume único – 8. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador:
Ed. JusPodivm, 2020. p. 114
4
LIMA, Renato Brasileiro de Manual de processo penal: volume único – 8. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador:
Ed. JusPodivm, 2020. p. 116.
investigatória, ou que, mesmo antes da instrução probatória sob o crivo do contraditório judicial
e da ampla defesa, já tenha aderido a uma das teses, seja da acusação ou da defesa, tornando,
assim, até mesmo “dispensável o processo”, vez que sua decisão já estaria formada
independentemente das provas produzidas pelas partes.
O garantismo penal é uma doutrina criada pelo jurista italiano Luigi Ferrajoli, que
pode ser entendido de três formas distintas, mas correlacionadas. Em seu primeiro significado:
5
FERRAJOLI, Luigi Direito e razão: teoria do garantismo penal - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
p. 684.
ordenamentos complexos entre modelos normativos (tendentemente
garantistas) e práticas operacionais (tendente antigarantistas), interpretando-a
com a antinomia – dentro de certos limites fisiológica e fora destes patológica
– que subsiste entre validade (e não efetividade) dos primeiros e efetividade
(e invalidade) das segundas .6
Assim, o garantismo penal pode ser conceituado como uma política criminal, na
qual há intervenção mínima do Estado no sistema normativo punitivo, baseado na validade da
normal e na sua efetividade, que atua como filosofia política externa, que impõe ao Estado e ao
direito, o ônus de buscar a finalidade da norma penal.
6
FERRAJOLI, Luigi Direito e razão: teoria do garantismo penal - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
p. 684.
7
Ibid., p. 685.
A sujeição somente à lei, por ser premissa substancial da dedução
judiciária e juntamente única fonte de legitimação política, exprime por
isso a colocação institucional do juiz. Essa colocação - externa para os
sujeitos em causa e para o sistema político, e estranha aos interesses
particulares de um lado e aos gerais de outro - se exprime no requisito
da imparcialidade, e tem sua justificação ético-política nos dois valores
- a perseguição da verdade e a tutela dos direitos fundamentais - mais
acima associados à jurisdição. O juiz não deve ter qualquer interesse,
nem geral nem particular, em uma ou outra solução da controvérsia que
é chamado a resolver, sendo sua função decidir qual delas é verdadeira
qual é falsa. Ao mesmo tempo ele não deve ser um sujeito
"representativo", não devendo nenhum interesse ou desejo - nem
mesmo da maioria ou da totalidade dos cidadãos - condicionar seu
julgamento que está unicamente em tutela dos direitos subjetivos
lesados: como se viu no parágrafo 37, contrariamente aos poderes
executivo e legislativo que são poderes de maioria, o juiz julga em nome
do povo, mas não da maioria, em tutela das liberdades também das
minorias.8
8
FERRAJOLI, Luigi Direito e razão: teoria do garantismo penal - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
p. 464.
9
LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 15. Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 63.
A imparcialidade do juiz foi objeto de um dos mais emblemáticos julgamentos
realizados pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), que na apreciação do caso
Piersack x Bélgica, julgou se um juiz que na fase pré-processual utilizou-se de poderes
investigatórios poderia posteriormente julgar o processo.
Assim, o contato do juiz com objeto na investigação preliminar poderia causar “pré-
juízos” e impressões favoráveis ou contrárias ao imputado na hora do julgamento.
Em outro julgado referência para o tema, no Caso De Cubber vs. Bélgica, o Tribunal
Europeu de Direitos Humanos decidiu que “na própria direção, praticamente exclusiva, da
instrução preparatória das ações penais empreendidas contra o Requerente, o citado magistrado
havia formado já nesta fase do processo, segundo toda verossimilhança, uma ideia sobre a
culpabilidade daquele. Nestas condições, é legítimo temer que, quando começaram os debates,
o magistrado não disporia de uma inteira liberdade de julgamento e não ofereceria, em
consequência, as garantias de imparcialidade necessárias”11.
O tema já foi discutido pelo Supremo Tribunal Federal, conforme se verifica pelo
Informativo n° 528 do STF, destacando o seguinte julgado:
10
LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 15. Ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018. p. 65
11
TEDH, Caso De Cubber vs. Bélgica, sentença de 26.10.1984.
se a imediata expedição de alvará de soltura do paciente, se por al não
estiver preso. No caso, no curso de procedimento oficioso de
investigação de paternidade (Lei 8.560/92, art. 2º) promovido pela filha
do paciente para averiguar a identidade do pai da criança que essa
tivera, surgiram indícios da prática delituosa supra, sendo tais relatos
enviados ao Ministério Público. O parquet, no intuito de ser instaurada
a devida ação penal, denunciara o paciente, vindo a inicial acusatória a
ser recebida e processada pelo mesmo juiz daquela ação investigatória
de paternidade. Entendeu-se que o juiz sentenciante teria atuado como
se autoridade policial fosse, em virtude de, no procedimento preliminar
de investigação de paternidade, em que apurados os fatos, ter ouvido
testemunhas antes de encaminhar os autos ao Ministério Público para a
propositura de ação penal.
No referido julgado verifica-se que a figura do juiz inquisidor ainda está presente
nos tribunais brasileiros, uma vez que os magistrados assumem a função da acusação,
amparados em dispositivos do Código de Processo Penal, com características do sistema
inquisitorial.
Capítulo II. Teoria da Dissonância Cognitiva
Para melhor entender a imparcialidade objetiva, se mostra essencial o destaque a
teoria da Dissonância Cognitiva. Trata-se, a “Theory of Cognitive Dissonance” de Leon
Festinger,12. de um estudo da psicologia acerca da cognição e do comportamento humano: está
fundamentada na ideia de que seres racionais tendem a sempre buscar uma zona de conforto,
um estado de coerência entre suas opiniões (decisões, atitudes), daí por que passam a
desenvolver um processo voluntário ou involuntário, porém inevitável, de modo a evitar um
sentimento incômodo de dissonância cognitiva. Dessa forma, há uma tendência natural do ser
humano à estabilidade cognitiva, intolerante a incongruências, que são inevitáveis no caso de
tomada de decisões e de conhecimento de novas informações que coloquem em xeque a
primeira impressão.
12
FESTINGER, Leon. A Theory of Cognitive Dissonance. 1. Ed. Stanford University Press;
Anniversary, 1957.
O autor LOPES JR. ao explicar sobre a teoria de dissonância cognitiva, assim
discorre:
Conclui o autor que deve-se buscar medidas de redução de danos, que diminuam
a permeabilidade inquisitória e os riscos para a imparcialidade e a estrutura acusatória
constitucionalmente demarcada, tais como a) impedir atos de gestão e iniciativa de prova
13
LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 15. Ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018. p. 71.
(ativismo probatório do juiz), bem como da decretação, de ofício, de medidas restritivas de
direitos fundamentais; b) impedir que o mesmo juiz que recebe a acusação, instrua e julgue o
feito; c) criar a figura de um “juiz de investigação” responsável pelas decisões sobre medidas
restritivas de direitos fundamentais requeridas pelo investigador e que ao final recebe ou rejeita
a denúncia; d) excluir os autos do inquérito policial do processo, permanecendo apenas as
provas cautelares ou técnicas irrepetíveis, para evitar a contaminação e o efeito perseverança.
A teoria da dissonância cognitiva pode ser ilustrada com o estudo realizado por
Jerry Ross e Barry M. Staw (Organizational Escalation And Exit: Lessons From The Shoreham
Nuclear Power Plant), no qual, em um exercício, pediram para que os alunos, na posição de
executivos de alto escalão, decidissem como direcionar os recursos financeiros para as filiais
da sua empresa.
Após a entrega dos relatórios negativos era dada nova oportunidade para os alunos
alocarem recursos, e, apesar dos documentos e informações de que a primeira escolha tinha
sido errada, os alunos tinham a tendência a escolher a mesma filial, reafirmando a primeira
decisão.
O estudo demonstra que após uma pessoa tomar uma decisão, ela fica mais
suscetível a mantê-la, ainda que surjam evidências que foi uma escolha errada. De modo que
caso a primeira decisão seja de outra pessoa, a segunda pessoa a decidir pode agir com mais
discernimento e imparcialidade.
Capítulo III. Sistemas Processuais Penais
Para melhor entender a intenção do legislador ao instituir o juiz das garantias é
necessária uma breve análise dos sistemas processuais penais existentes.
Segundo o autor:
Lopes Jr15. entende que não há parcialidade no sistema inquisitorial, pois o juiz-
autor busca a prova e decide a partir da prova que ele mesmo produziu. A aglutinação de
funções na mão do juiz e atribuição de poderes instrutórios ao julgador não promovem uma
estrutura dialética ou contraditória.
14
LIMA, Renato Brasileiro de Manual de processo penal: volume único - 8. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador:
Ed. JusPodivm, 2020. p. 42
15
LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 15. Ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018. p. 42.
O sistema inquisitorial foi adotado pelo direito canônico a partir do século XIII, se
espalhando por toda Europa, sendo utilizado até o final do século XVIII, momento em que por
conta dos movimentos filosóficos e com a Revolução Francesa, com os ideais de valorização
do homem, houve repercussão no direito processual penal, diminuindo paulatinamente as
características do modelo inquisitivo.
Para Lopes JR. o sistema inquisitório foi desacreditado por incidir em um erro
psicológico: crer que uma mesma pessoa possa exercer funções tão antagônicas como
investigar, acusar, defender e julgar.16
LIMA19 ensina que “Chama-se “acusatório” porque, à luz deste sistema, ninguém
poderá ser chamado a juízo sem que haja uma acusação, por meio da qual o fato imputado seja
narrado com todas as suas circunstâncias. Daí, aliás, o porquê da existência do próprio
Ministério Público como titular da ação penal pública. Ora, se é natural que o acusado tenha
uma tendência a negar sua culpa e sustentar sua inocência, se acaso não houvesse a presença de
um órgão acusador, restaria ao julgador o papel de confrontar o acusado no processo,
fulminando sua imparcialidade. Como corolário, tem-se que o processo penal se constitui de
um actum trium personarum, integrado por sujeitos parciais e um imparcial – partes e juiz,
16
LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 15. Ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018. p. 42.
17
LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 15. Ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018. p. 44.
18
LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 15. Ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018. p. 49.
19
LIMA, Renato Brasileiro de Manual de processo penal: volume único – 8. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador:
Ed. JusPodivm, 2020. p. 43
respectivamente. Somente assim será possível preservar o juiz na condição de terceiro
desinteressado em relação às partes, estando alheio aos interesses processuais.”
O modelo processual penal acusatório visa manter uma posição de igualdade entre
os sujeitos, cabendo as partes a gestão da prova, devendo produzir o material probatório,
observando os princípios do contraditório e ampla defesa, bem como garantindo o direito a
publicidade e o dever de motivação das decisões judiciais.
Parte da doutrina classifica o sistema brasileiro como misto, diante da fase inicial
da persecução penal ser caracterizada pelo inquérito policial, com características inquisitoriais,
e posteriormente o processo penal, com características acusatórias.
Lopes Jr.20 não concorda com a existência do sistema misto, pois segundo o autor
o processo tem por finalidade a busca pela reconstituição de um fato histórico, de modo que a
gestão da prova é a espinha dorsal do processo penal, estruturando e fundando o sistema a partir
de dois princípios informadores: o princípio acusatório, no qual a gestão da prova está nas mãos
das partes; e o princípio inquisitivo, no qual a gestão da prova está na mão do julgador.
Afirma o referido autor que é reducionismo pensar que basta ter uma acusação
(separação inicial das funções) para constituir-se um processo acusatório. É necessário que se
mantenha a separação para que a estrutura não se rompa e, portanto é decorrência lógica e
inafastável que a iniciativa probatória esteja na mão das partes. Somente isso permite a
imparcialidade do juiz.
20
LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 15. Ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018. p. 46.
Capítulo IV. Discussão sobre a constitucionalidade do juiz das
garantias.
As inovações promovidas pela Lei n° 13.964/2019 geraram diversos
questionamentos sobre a constitucionalidade da norma, de forma que foram propostas quatro
ações diretas de inconstitucionalidade, duas por partidos políticos (ADI n. 6.299 ajuizada pelos
partidos PODEMOS e CIDADANIA, e ADI 6.300 ajuizada pelo PSL) e duas por associações
de classe (ADI n. 6.298 ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB e
Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE, e ADI n. 6.305 ajuizada pela Associação
Nacional do Ministério Público – CONAMP).
21
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado – 18 ed. ver. atual. e ampl – São Paulo: Saraiva, 2014. p.
287.
“o ponto controverso consiste na natureza jurídica desses dispositivos,
o que definiria a legitimidade para a respectiva iniciativa legislativa e,
em consequência, a satisfação do requisito de constitucionalidade
formal. Afinal, a Constituição Federal define regras específicas de
competência e de iniciativa legislativa em relação a determinadas
matérias, que devem ser observadas como condição sine qua non para
a regularidade da norma a ser produzida. O artigo 22 da Constituição
define que compete privativamente à União legislar sobre direito
restringirá ao estabelecimento de normas gerais. Por fim, o artigo 96,
inciso II, determina que cabe ao “Supremo Tribunal Federal, aos
Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder
Legislativo respectivo, [...]: [...] d) a alteração da organização e da
divisão judiciárias”.processual. Por sua vez, o artigo 24 autoriza a
União, os Estados e o Distrito Federal a legislarem concorrentemente
sobre procedimentos em matéria processual, no âmbito do que a
competência da União se
Conclui o relator que sob uma leitura formalista poderia se afirmar que ao
instituírem a função do juiz de garantias, os artigos 3º-A ao 3º-F teriam apenas acrescentado ao
microssistema processual penal mera regra de impedimento do juiz criminal, acrescida de
repartição de competências entre magistrados paras as fases de investigação e de instrução
processual penal. Nesse sentido, esses dispositivos teriam natureza de leis gerais processuais,
definidoras de procedimentos e de competências em matéria processual penal, o que autorizaria
a iniciativa legislativa por qualquer dos três poderes, nos termos do artigo 22 da Constituição.
Entretanto, o Min. Relator não concorda com tal raciocínio afirmando que:
Apesar dos argumentos apresentados, com exceção do art. 3°-D, parágrafo único,
as inovações apontadas não invadem a competência do judiciário para organização judiciária,
sobre o tema discorre LIMA22:
22
LIMA, Renato Brasileiro de Manual de processo penal: volume único – 8. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador:
Ed. JusPodivm, 2020. p. 117,
Ora, firmada a premissa de que a norma de direito processual é aquela
que afeta aspectos umbilicalmente ligados à tríade jurisdição, ação e
processo, não há por que se afirmar que teria havido qualquer
inconstitucionalidade nesse ponto, visto que os arts. 3º-A, 3º-B, 3º-C,
3º-D, caput, 3º-E e 3º-F do CPP estão diretamente relacionados a
questões atinentes ao próprio exercício da jurisdição no processo penal
brasileiro. A matéria versada em tais dispositivos – criação de uma
nova causa de impedimento e repartição de competências entre
magistrados para as fases de investigação e de instrução processual
penal (competência funcional por fase da persecução penal) – insere-
se, portanto, no âmbito da competência legislativa privativa da União
prevista no art. 22, inciso I, da Constituição Federal, porquanto versam
sobre Direito Processual.
(...)
Entretanto, não se pode dizer o mesmo em relação ao parágrafo único do art. 3°-D,
que tem a seguinte redação:
No referido dispositivo legal não se aborda questões do processo penal, mas sim de
organização judiciária, uma vez que estipula um sistema de rodízio de magistrados, sobre o
tema LIMA23, discorre que “ao determinar a forma pela qual deverá ser implementado o juiz
das garantias nas comarcas em que funcionar apenas um juiz, é de todo evidente que o art. 3º-
D, parágrafo único, do CPP, cria uma obrigação aos tribunais no que tange a sua forma de
organização, violando, assim, o poder de auto-organização desses órgãos (CF, art. 96) e
usurpando sua iniciativa para dispor sobre organização judiciária (CF, art. 125, §1º). Prova
disso, aliás, é a própria redação do art. 3º-E do CPP, o qual, em fiel observância à Constituição
Federal, dispõe que “o juiz das garantias será designado conforme as normas de organização
judiciária da União, dos Estados e do Distrito Federal, observando critérios objetivos a serem
periodicamente divulgados pelo respectivo tribunal”. Como se pode notar, diversamente do
parágrafo único do art. 3º-D, o art. 3º-E, também do CPP, vem ao encontro da autonomia dos
tribunais, respeitando, ademais, as peculiaridades de cada estado da federação.”
23
LIMA, Renato Brasileiro de Manual de processo penal: volume único – 8. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador:
Ed. JusPodivm, 2020. p. 119,
24
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado – 18 ed. ver. atual. e ampl – São Paulo: Saraiva, 2014. p.
290.
99 da Constituição, na medida em que o primeiro dispositivo exige
prévia dotação orçamentária para a realização de despesas por parte
da União, dos Estados, do Distrito Federal, e o segundo garante
autonomia orçamentária ao Poder Judiciário. Sem que seja necessário
repetir os elementos fáticos aqui já mencionados, é inegável que a
implementação do juízo das garantias causa impacto orçamentário de
grande monta ao Poder Judiciário, especialmente com os
deslocamentos funcionais de magistrados, os necessários incremento
dos sistemas processuais e das soluções de tecnologia da informação
correlatas, as reestruturações e as redistribuições de recursos
humanos e materiais, entre outras possibilidades. Todas essas
mudanças implicam despesas que não se encontram especificadas nas
leis orçamentárias anuais da União e dos Estados.
Nesse aspecto é importante mencionar que não se trata de criação de nova atividade
dentro do Poder Judiciário, sendo, na verdade uma redistribuição do trabalho, segundo LIMA25
25
LIMA, Renato Brasileiro de Manual de processo penal: volume único – 8. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador:
Ed. JusPodivm, 2020. p. 118
da instrução e julgamento não mais recaiam sobre a mesma pessoa,
dando-se efetividade à norma de impedimento constante do caput do
art. 3º-D do CPP.
(...)
Cabe ressaltar que apesar da Lei n° 13.964/2019 ter sido promulgada de maneira
célere, os estudos sobre a implementação do juiz das garantias foram realizados desde o projeto
de Lei do Senado n°156, de 2009, contendo mais de uma década de estudos.
Os argumentos apresentados pelo ilustre ministro relator, mais uma vez, não
guardam relação com o objeto da ação. Nesse caso não se presume de forma generalizada que
“qualquer juiz criminal do país tem tendências comportamentais típicas de favorecimento à
acusação”, mas sim de que tomar decisões na fase do inquérito policial pode influenciar no
julgamento do processo.
26
CNJ. A implantação do juiz das garantias no poder judiciário brasileiro – junho/2020.
impunidade ou, ao menos, prejudicar a duração razoável do processo - aumentando o tempo
necessário para que prestação jurisdicional final ocorra.”
27
CNJ. Supremo em ação 2017: ano-base 2016/Conselho Nacional de Justiça - Brasília: CNJ, 2017
28
Disponível em https://congressoemfoco.uol.com.br/especial/noticias/um-em-cada-cinco-processos-caduca-
no-supremo/ matéria de 02.10.2017, acessado em 25.04.2022.
Conclusão
Nesse cenário, não se pode afirmar que todo magistrado que atuou no inquérito
policial é parcial, ficando comprometido a julgar a causa de acordo com as decisões tomadas.
Na verdade, a adoção do juiz das garantias visa afastar a possibilidade que o magistrado seja
influenciado pelos atos praticados na fase pré-processual.
Assim como toda inovação legislativa, a proposta de inserção da figura do juiz das
garantias sofreu diversas críticas, fundadas basicamente: nas despesas para sua implementação
e no possível atraso no andamento dos processos.
A ideia de que a implementação do juiz das garantias trará mais morosidade ao
judiciário vem desacompanhada de fundamentos. Isso porque alguns dos modelos sugeridos se
aproximam do funcionamento do Departamento de Inquéritos Policiais adotado pelo Tribunal
de Justiça de São Paulo29,, no qual treze magistrados atuam exclusivamente na fase de
investigação criminal, decretando medidas como prisões, buscas e apreensões e conduzindo
audiências. Tal departamento funciona há mais de 30 anos, dando maior celeridade e eficiência
na tramitação regular dos inquéritos policiais, não atuando na fase de recebimento da denúncia
e na homologação dos acordos de não persecução penal, situações que o diferencia do juiz das
garantias.
Apesar da liminar concedida nos autos da ADIN 6.296/DF, verifica-se que, com
exceção do disposto no parágrafo único do art. 3°-D, a implementação do juízo das garantias
não afronta o texto constitucional, garantindo, na verdade, a adequação da lei processual com
as premissas constitucionais.
Conclui-se que a adoção do juiz das garantias, apesar de não solucionar todos os
problemas que se referem à imparcialidade dos magistrados, é um grande avanço, pois permite
29
Dantas Dimitrius. Em São Paulo o Juiz das Garantias já funciona há 36 anos, 07 de janeiro de 2020. Disponível
em: //oglobo.globo.com/politica/em-sao-paulo-juiz-de-garantias-ja-funciona-ha-36-anos-24174858 Acesso em:
25 de abril de 2022
30
STF, Medida Cautelar na Ação Direta De Inconstitucionalidade n° 6.298 - DF
31
Art. 3º-D. O juiz que, na fase de investigação, praticar qualquer ato incluído nas competências dos arts. 4º e
5º deste Código ficará impedido de funcionar no processo.
Parágrafo único. Nas comarcas em que funcionar apenas um juiz, os tribunais criarão um sistema de rodízio de
magistrados, a fim de atender às disposições deste Capítulo.
que o processo seja julgado por juiz que não atuou na fase preliminar, não comprometendo seu
julgamento com uma decisão já tomada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CNJ. Supremo em ação 2017: ano-base 2016/Conselho Nacional de Justiça - Brasília: CNJ,
2017
DANTAS, Dimetrius. Em São Paulo o Juiz das garantias já funciona há 36 anos, 07 de janeiro
de 2020. Disponível em: https://oglobo.globo.com/politica/em-sao-paulo-juiz-de-garantias-ja-
funciona-ha-36-anos-24174858 Acesso em: 25 de abril de 2022.
FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 5ª Ed. ver., atual. e ampl -
São Paulo : Editora dos Tribunais, 2007.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão : teoria do garantismo penal - São Paulo : Editora Revista
dos Tribunais, 2002.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado – 18 ed. ver. atual. e ampl – São Paulo:
Saraiva, 2014.
LIMA., Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 10. Ed. – São
LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 15. Ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018.
NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito processual penal– 17. ed. – Rio de Janeiro:
Forense, 2020.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal– 5. ed. ver., atual. e
ampl. 3 tir. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
VIAPIANA, Tabáta. Juiz das garantias pode incentivar ampliação do Dipo ao interior paulista,
08 de janeiro de 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jan-08/juiz-garantias-
incentivar-ampliacao-dipo-sp Acesso em: 25 de abril de 2022.