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Dissertação Mestrado Sociologia MargaridaMonte (44873) Entrega

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Género e o Exército Português: O Impacto da Socialização de Género

nas Escolhas e Gestão de Carreira Militar das Mulheres Militares


Portuguesas

Ana Margarida Luís Monte

Dissertação de Mestrado em Sociologia

Junho, 2020
Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em
Sociologia com especialização em Comunidades e Dinâmicas Sociais, realizada sob a orientação
científica da Professora Doutora Ana Lúcia Teixeira, professora auxiliar no Departamento de
Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
“A sociedade acha que ‘aquela posição’ é para homens e
que ‘aquela posição’ é para mulheres e nós às vezes somos
influenciados por aquilo que a sociedade pensa”
(Entrevistada 5).
Agradecimentos

Gostaria de exprimir os meus sinceros agradecimentos a todos aqueles, que, de alguma


forma, me auxiliaram ao longo deste percurso e permitiram que esta dissertação se
concretizasse.

À minha orientadora, Professora Doutora Ana Lúcia Teixeira, pela disponibilidade,


orientação e motivação, ao longo deste percurso.

À Tenente-Coronel Diana Morais, pela disponibilidade e auxílio manifestados.

Às entrevistadas e aos respondentes do inquérito, pela colaboração, sem eles nada disto
seria possível.

Às malucas das minhas amigas, Sónia e Helena, por tudo e mais alguma coisa, elas sabem.

Às minhas tias e ao meu tio, Magna, Maria João e João, que, ao longo da minha vida
académica, nos momentos de sufoco e desespero, manifestaram-se sempre prontos a
auxiliar. Foram, sem dúvida, a minha segunda casa.

Às minhas avós, Lucinda e Irene, que, do seu jeito peculiar, sempre me motivaram e se
mostraram orgulhosas.

Às minhas estrelinhas, os meus saudosos avôs, José Manuel e João Monte, que, mesmo
longe, estiveram sempre perto.

Às minhas pequenas grandes mulheres, minha mana de sangue, Isa, e à Beatriz, pelo
abrigo, pelo amor, pela amizade, pela partilha, pela paciência e pela motivação que
sempre demonstraram para comigo.

À minha mãe e ao meu pai, Noélia e Jana, por todo o amor, carinho, motivação e
insistência. Por me terem dado a oportunidade de estudar, e, mesmo distantes, nunca
deixarem de acreditar em mim e nas minhas capacidades. Obrigada pelos vários ‘puxões
de orelhas’, também foram essenciais.

A todos estes e a outros tantos, um gigante OBRIGADA, do coração!


Género e o Exército Português: O Impacto da Socialização de Género
nas Escolhas e Gestão de Carreira Militar das Mulheres Militares
Portuguesas

Ana Margarida Luís Monte

Resumo
Com o objetivo geral de contribuir para os estudos de género, em específico em contexto
militar, a presente dissertação procura compreender o impacto da socialização de género
nas escolhas e gestão de carreira das mulheres militares no Exército Português. Num
primeiro momento exploratório, com a aplicação de um inquérito por questionário à
população portuguesa em geral, pretendeu-se, sob uma lente macro, abordar o plano
simbólico-cultural de género do campo militar e seus setores laborais (ramos militares,
postos hierárquicos militares, especialidades militares e regimes de prestação de serviço
militar) partilhado e difundido na mesma. Num segundo momento, sob uma lente micro,
foram realizadas entrevistas em profundidade a mulheres militares do Exército Português,
através das quais se discute como os processos de socialização de género (nomeadamente
os familiares e os escolares) a que estas estiveram expostas desde a infância, se
manifestam no entendimento da construção das suas representações de género,
consequentemente determinantes das suas escolhas e gestão de carreira militar. O diálogo
entre uma abordagem quantitativa e uma qualitativa demonstrou-se crucial à análise
aprofundada do objeto em estudo, permitindo analisá-lo segundo uma perspetiva inter-
relacional entre estrutura/ação e sociedade/indivíduo.

Palavras-chave: Género; Socialização; Estereótipos; Mulheres Militares; Exército


Português.
Abstract
Aiming to contribute to gender studies, namely in the military context, this dissertation
intends to understand the impact of gender socialization on women’s military career
choices and career management in the Portuguese Army. In a first exploratory moment,
through the application of a questionnaire survey to the portuguese population in general,
it was intended, under a macro perspective, to approach the gender's symbolic-cultural
plan of the military field and its laboral sectors (military branches, military hierarchical
positions, military specialties, military service provision regimes). Secondly, under a
micro perspective, in-depth interviews were realized with military women from the
Portuguese Army, through which we discuss how gender socialization processes
(particularly family and school) that they were exposed since childhood, are manifested
in the understanding of the construction of their representations of gender, consequently
determinant of their military career choices and military career management. The
dialogue between a quantitative and a qualitative approach was crucial to the in-depth
analysis of the object under study, which allowed an analysis according to an inter-
relational perspective between structure/action and society/individual.

Keywords: Gender; Socialization; Stereotypes; Military Women; Portuguese Army.


Índice

Introdução: Do Problema Social ao Problema Sociológico ............................................. 1

Capítulo I. Enquadramento Teórico-Conceptual .............................................................. 4

1. Género e Sexo: Conceitos em Debate ....................................................................... 4

2. Dos Estereótipos de Género às Desigualdades Sociais entre os Sexos ..................... 8

2.1. Estereótipos de Género e Traços de Personalidade: Tipificação Genderizada de


Traços de Personalidade ............................................................................................. 12

2.2. Estereótipos de Género e Características Físicas: Tipificação Genderizada de


Características Físicas ................................................................................................. 13

2.3. Estereótipos de Género e Papéis Sociais: Tipificação Genderizada de Papéis


Sociais ......................................................................................................................... 14

2.4. Estereótipos de Género e Atividades Profissionais: Tipificação Genderizada de


Atividades Profissionais ............................................................................................. 18

3. Corpos Sexuados, Identidades de Género e Reprodução de Estereótipos:


Socialização de Género .................................................................................................. 19

4. O Impacto de uma Socialização Sexista nas Escolhas e Gestão Profissional ......... 23

5. Dominação Masculina nas Instituições Militares: A Influência dos Fatores Culturais


de Género na Participação Militar Feminina .................................................................. 29

6. As Mulheres nas Forças Armadas Portuguesas: Enquadramento Sócio Histórico e


Legislativo da Participação Militar das Mulheres em Portugal ...................................... 37

6.1. As Mulheres nas Forças Armadas Portuguesas: Uma Visão Geral ..................... 43

6.2. As Mulheres no Exército Português: Uma Visão Específica............................... 47

6.2.1. Mulheres Militares e Postos Hierárquicos do Exército Português ................ 47

6.2.2. Mulheres Militares e Especialidades do Exército Português ........................ 50

6.2.3. Mulheres Militares e Regimes de Prestação de Serviço do Exército Português


................................................................................................................................. 51

Capítulo II. Metodologia ................................................................................................ 54

1. Questões e Hipóteses Orientadoras ......................................................................... 54


2. Estratégia de Investigação ....................................................................................... 56

2.1. Inquérito por Questionário ............................................................................... 57

2.2. Entrevistas em Profundidade ........................................................................... 58

Capítulo III. Apresentação e Debate dos Resultados ..................................................... 65

1. Inquérito por Questionário: Apresentação e Debate dos Resultados ...................... 65

2. Entrevistas em Profundidade: Apresentação e Debate dos Resultados................... 75

2.1. Mulheres Militares e Processos de Socialização de Género ............................ 76

2.1.1. Família, Práticas e Modelos de Género na Infância e Adolescência ........ 77

2.1.2. Escola, Práticas e Modelos de Género na Infância e Adolescência ......... 79

2.2. Práticas e Representações de Género na Vida Adulta das Mulheres Militares 80

2.2.1. Práticas de Género na Vida Adulta das Mulheres Militares..................... 80

2.2.2. Representações de Género das Mulheres Militares .................................. 81

i. Estereótipos de Género e Características Físicas ............................................. 82

ii. Estereótipos de Género e Traços de Personalidade ......................................... 83

iii. Estereótipos de Género e Papéis Sociais ........................................................... 84

iv. Estereótipos de Género e Atividades Profissionais ............................................ 85

2.3. Representações do Ser Militar no Exército Português e do Ser Militar nos


Diversos Setores Laborais: Uma Análise de Género .................................................. 87

2.3.1. Ser Militar no Exército Português ................................................................. 87

2.3.2. Ser Militar nos Diversos Postos Hierárquicos Militares do Exército Português
................................................................................................................................. 89

2.3.3. Ser Militar nas Diversas Especialidades Militares ........................................ 90

2.3.4. Ser Militar nos Diversos Regimes de Prestação de Serviço Militar ............. 92

2.4. Fatores Culturais de Género, Escolhas e Gestão de Carreira Militar das Mulheres
Militares do Exército Português ................................................................................. 93

2.4.1. Escolhas e Gestão de Carreira Militar das Mulheres Militares do Exército


Português: Perceção do Seu Comportamento Individual ....................................... 94
2.4.2. Escolha e Gestão de Carreira Militar das Mulheres Militares do Exército
Português: Perceção da Tendência do Comportamento Militar Feminino ............. 98

Conclusão ..................................................................................................................... 102

Referências ................................................................................................................... 108

Apêndice A: Inquérito por Questionário ........................................................................... i

Apêndice B: Modelo de Análise do Inquérito por Questionário ..................................... iv

Apêndice C: Consentimento Informado das Entrevistas ................................................. vi

Apêndice D: Guião das Entrevistas em Profundidade.................................................... vii

Anexo A: Especialidades, classes, armas e serviços em que teve início a incorporação


feminina ......................................................................................................................... xvi
Índice de Gráficos

Gráfico 1. Mulheres militares nas Forças Armadas Portuguesas, total e por ramo (N):
1994-2016………………………………………………………………………………44

Gráfico 2. Efetivos militares nas Forças Armadas Portuguesas, por sexo (%) : 2008-
2015…………………………………………………………………………………….44

Gráfico 3. Distribuição das mulheres militares do Exército, por posto: 2015………….50

Gráfico 4. Distribuição das mulheres militares do Exército, por regime de prestação de


serviço: 2015……….…………………………………………………………………...53

Gráfico 5. Perceção do campo militar, sob uma lente de género……………………….66

Gráfico 6. Perceção dos ramos militares compatíveis com os valores da


masculinidade…………………………………………………………………………..67

Gráfico 7. Perceção dos ramos militares compatíveis com os valores da


feminilidade…………………………………………………………………………….68

Gráfico 8. Perceção dos postos hierárquicos militares compatíveis com os valores da


masculinidade…………………………………………………………………………..69

Gráfico 9. Perceção dos postos hierárquicos militares compatíveis com os valores da


feminilidade…………………………………………………………………………….69

Gráfico 10. Perceção das especialidades militares compatíveis com os valores da


masculinidade…………………………………………………………………………..70

Gráfico 11. Perceção das especialidades militares compatíveis com os valores da


feminilidade…………………………………………………………………………….71

Gráfico 12. Perceção dos regimes de prestação de serviço militar compatíveis com os
valores na masculinidade……………………………………………………………….72

Gráfico 13. Perceção dos regimes de prestação de serviço militar compatíveis com os
valores da feminilidade…………………………………………………………………72

Gráfico 14. Opção “Nenhum/a” nos setores compatíveis com a masculinidade e nos
setores compatíveis com a feminilidade (N)……………………………………………74
Índice de Quadros

Quadro 1. Matriculados no ensino superior, por área de formação e sexo (%): 2019 ….27

Quadro 2. Percentagem de mulheres militares, no total de militares, por ramo: 2017….46

Quadro 3. Distribuição das mulheres militares, por ramo: 2016……………………......46

Quadro 4. Participação militar feminina no Exército: Modelo de análise da recolha


Estatística……………………………………………………………………………….47

Quadro 5. Percentagem de mulheres militares, por posto hierárquico, no Exército:


2015………….................................................................................................................48

Quadro 6. Percentagem de mulheres militares, por regime de prestação de serviço, no


Exército: 2015.……………………………………………………………………….…53

Quadro 7. Perfis laborais de carreira militar no Exército Português……………………60


Introdução: Do Problema Social ao Problema Sociológico

O problema social em causa, nesta dissertação, são as desigualdades resultantes


de construções e representações socioculturais de género que contribuem para a
(re)produção de estereótipos e relações de poder entre géneros. A sociedade portuguesa
continua a alimentar e a ser alimentada pela visão predominante nas sociedades
ocidentais, em primeiro plano, pela construção e reprodução de um modelo convencional
de género assente numa polarização simbólico-cultural que sobrevaloriza o masculino e
subvaloriza o feminino em várias esferas sociais e pela clara associação entre os mesmos
polos de género e o sexo biológico (homem-masculino; mulher-feminina) como algo da
ordem do natural e do inquestionável, produzindo, através de processos socializadores,
homens-masculinos-dotados de poder e mulheres-femininas-passivas.

É, deveras, um problema que tem repercussões tanto para os homens como para
as mulheres, influenciando particularmente o modo como constroem e estruturam as suas
identidades sociais e profissionais, nomeadamente no que toca à escolha e gestão das suas
carreiras profissionais, objeto em estudo nesta dissertação. Este é um problema que tem
demonstrado ser mais desvantajoso às mulheres, por, desde cedo, lhes serem associadas
particularidades características do modelo tradicional da feminilidade, que,
desvalorizadas socialmente, as deixam em posições aparentemente naturalizadas de
inferioridade e subvalorização em diversas esferas sociais, pelo que se torna crucial à
investigação situá-lo num contexto e numa época específicos.

Nesta dissertação, afunilou-se a nossa análise ao setor laboral militar,


especificamente ao ramo do Exército pertencente às Forças Armadas Portuguesas.
Contexto de análise que, primeiramente, surgiu enquanto motivação pessoal, uma vez que
a vida militar desde cedo foi uma ambição da investigadora, todavia, deixada para trás
por influências e comentários sexistas e depreciativos quanto à participação das mulheres
na carreira militar. A opção pelo ramo do Exército, enquanto campo privilegiado de
análise, teve em conta o facto de este ser o ramo onde a discrepância entre homens e
mulheres mais se faz sentir, o ramo onde se tem verificado um decréscimo mais acentuado
de efetivos militares femininos nos últimos anos, contudo, ser também o ramo que
atualmente apresenta mais efetivos militares femininos, tornando-o um locus mais
propício à análise.

1
A problemática da participação das mulheres nas Forças Armadas Portuguesas
tem sido objeto de estudo, sensivelmente, desde as últimas cinco décadas. A literatura
existente encontra-se agrupada em três grupos analíticos: um primeiro, de cariz
essencialmente histográfico e descritivo; um segundo, com enfoque maioritariamente
político e ideológico, refletindo posições ideológicas e normativas quanto à necessidade
e desejabilidade do recrutamento feminino; e um último, relativo à produção científica e
empírica e ao aprofundamento teórico-conceptual do problema em causa (Carreiras,
2002). Todavia, os estudos que, do ponto de vista teórico cruzem várias dimensões de
análise, embora existam, vêem-se escassos, pelo que, esta dissertação visa também ser
um contributo nesse sentido.

Tendo em conta os dados estatísticos mais recentes disponibilizados, sabe-se que


as mulheres militares a servir o Exército Português, embora sub-representadas em todos
os setores laborais militares (postos, especialidades e regimes de prestação de serviço),
encontram-se essencialmente concentradas no posto hierarquicamente mais baixo e
menos bem remunerado da hierarquia militar, nas especialidades de menor prestígio, dos
serviços, e em regimes de prestação de serviço que não envolvem um vínculo permanente
com a instituição e menos bem remunerados. Existe, portanto, um perfil tendencial do
posicionamento laboral feminino no Exército Português, que espelha a posição
subordinada das mulheres na sociedade, com tendência para os setores laborais menos
prestigiados e menos bem remunerados.

Sabendo que atualmente o acesso à instituição militar e aos seus diversos setores
laborais é realizado exclusivamente de forma voluntária, e que não existem barreiras ou
limitações formais baseadas no sexo, à ocupação de qualquer posto, especialidade e
regime de prestação de serviço, afigurou-se-nos fundamental perceber que mecanismos
estão então em ação nesta desequilibrada distribuição das mulheres no Exército. Para tal,
procurou-se percebê-la à luz das perspetivas sociológicas da aprendizagem social,
nomeadamente, à luz da teoria da socialização de género. É nosso objetivo primordial
perceber até que ponto os processos de apropriação da cultura, enquanto meios
reprodutores de estereótipos e expetativas de género, influem nos processos de escolha e
gestão de carreira das mulheres militares no Exército Português.

No Capítulo I, enquadramento teórico-conceptual da investigação, tentou-se,


através de teorias relevantes ao estudo, perceber o processo de construção e reprodução
social do género, analisando o impacto desse na construção das identidades sociais e

2
profissionais dos indivíduos, nomeadamente no que toca à escolha e gestão da sua carreira
profissional. Analisou-se, ainda, o plano simbólico-cultural de género do campo e da
profissão militar, bem como o percurso da participação das mulheres nas Forças Armadas
Portuguesas, percebendo como a legislação relativa ao serviço militar e as estruturas
organizacionais foram também elas sido transformadas de modo a acompanhar a
incorporação das mulheres nas suas fileiras. Essa análise socio-histórica, foi completada
por uma recolha estatística relativa ao atual posicionamento das mulheres no campo
militar português em geral e em específico no Exército Português, percebendo a tendência
do mesmo, por posto, especialidade e regime de prestação de serviço, importantes na
construção das questões orientadoras da presente dissertação.

O Capítulo II demonstrou-se ser um ponto essencial ao desenho da investigação


em curso, uma vez que explicita, de forma pormenorizada, os objetivos da mesma, as
questões que a investigação visa dar resposta, bem como discrimina as opções e as
descrições metodológicas, nomeadamente a adoção da estratégia mista, aplicada através
de um inquérito por questionário e de entrevistas em profundidade.

No Capítulo III, procedeu-se à apresentação, ao tratamento e ao debate dos dados


recolhidos através das metodologias adotadas, à exposição das conclusões da
investigação em causa , das limitações e das potencialidades encontradas ao longo da
mesma e à apresentação de pistas sugestivas a futuras investigações.

3
Capítulo I. Enquadramento Teórico-Conceptual

1. Género e Sexo: Conceitos em Debate

As questões ligadas ao género são recentes no campo académico das Ciências


Sociais, inclusive na Sociologia. O conceito ‘género’ surgiu por volta dos anos 70,
associado ao debate que o feminismo de segunda vaga veio enunciar e aliou-se ao intento
de colocar a questão das diferenças sociais entre os sexos no ‘menu’ das Ciências Sociais
e da sua investigação, retirando-as do domínio da biologia, orientando, dessa forma, “a
sua análise para as condições históricas e sociais de produção das crenças e dos saberes
sobre os sexos e de legitimação das divisões sociais baseadas no sexo” (Amâncio, 2003,
p. 687). Desde então, o género, veio evidenciar a distinção entre a dimensão biológica e
a dimensão socialmente construída em torno do sexo. Consequentemente, um leque
variado de estudos de género, associado essencialmente a correntes feministas, tem
surgido como fruto de várias investigações científicas, nomeadamente na área das
Ciências Sociais, onde se situa a Sociologia. Em Portugal, também a partir dos anos 70,
sob influência da teorização e investigação gerada pela segunda vaga dos feminismos,
foram-se constituindo saberes que permitiram averiguar um certo conhecimento sobre as
questões de género na sociedade portuguesa (Silva M. R., 1982). O interesse das Ciências
Sociais pelas questões de género, em Portugal, surgiu, de forma mais notória, após o 25
de Abril de 1974 (Vicente, 2013), data que marcou a abolição do regime ditatorial do
Estado Novo e o início do processo de implementação do regime democrático em
Portugal, bem como a abertura à crítica social.

Torna-se, assim, crucial apresentar dois conceitos centrais, o de ‘sexo’ e o de


‘género’, “a fim de evitar a simples colagem do género ao sexo e a ontologização das
identidades, das orientações comportamentais, dos papéis e das divisões sociais que
perpetuam a naturalização dos processos de produção de sentido sobre o sexo” (Amâncio,
2003, p. 690). Importa referir que os presentes conceitos nem sempre foram
conceptualizados de forma homogénea no espaço e no tempo, pelo que têm vindo a sofrer
diversas (re)conceptualizações e (re)apropriações. Por esse motivo, apresentamos, em
seguida, uma breve resenha sócio histórica dos conceitos em análise.

Sob influência dos textos de Simone Beauvoir, nomeadamente a obra Le


Deuxième Sexe (O Segundo Sexo), por volta dos anos 60/70, ergueu-se toda uma

4
consciencialização e problematização, ativista e teórica, em torno do conceito ‘género’,
marcando a abertura à critica social em torno das questões de género.

Para Beauvoir (1949), “On ne naît pas femme: on le devient. Aucun destin
biologique, psychique, économique ne définit la figure que revêt au sein de la société la
femelle humaine” (Beauvoir, 1949, p. 15). A ideia de que as mulheres são identificadas
como seres “socialmente subalternizados enquanto um “outro” numa sociedade patriarcal
definida em torno do homem e construída por referência a ele” (Teixeira, 2017, p. 23),
possibilitou a Beauvoir distanciar-se das teorias psicanalíticas e biológicas, evidenciando
uma separação entre “sexo” e “género”. Defendendo que o social se sobrepõe ao natural,
a obra Le Deuxième Sexe “permitiu definir as relações sociais de género como resultantes
dos papéis socialmente atribuídos às mulheres e não da sua natureza inata, abrindo, assim,
um novo campo de possibilidades para a transformação da posição das mulheres na
sociedade” (Teixeira, 2017, p. 23). A abertura à crítica social em torno das questões de
género veio sublinhar que “apesar das diferenças entre homens e mulheres, do ponto de
vista biológico, serem inegáveis, elas não justificam as diferenças culturais supostamente
inerentes à feminilidade ou à masculinidade” (Bergano, 2012, p. 22), desvendando assim
uma conceção social desencadeante da subvalorização das mulheres e não inerente à sua
determinação biológica.

O conceito ‘género’ permitiu, segundo uma lente binária, problematizar as


categorias ‘feminino’ e ‘masculino’ , socialmente construídas sobre os corpos sexuados
das mulheres e dos homens e as respetivas relações de poder a elas inerentes,
desvantajosas no caso das mulheres. Nesse seguimento, Bourdieu (2002) adverte-nos para
o facto de que “ não é o falo (ou a falta de) que é o fundamento dessa visão de mundo, e
sim é essa visão de mundo que, estando organizada segundo a divisão em gêneros
relacionais, masculino e feminino, pode instituir o falo, constituído em símbolo da
virilidade, de ponto de honra caracteristicamente masculino; e instituir a diferença entre
os corpos biológicos em fundamentos objetivos da diferença entre os sexos, no sentido
de gêneros construídos como duas essências sociais hierarquizadas” (Bourdieu, 2002, pp.
32-33).

Contrariamente às teorias geradas em torno dos anos 70, as teorias mais recentes
no campo dos estudos de género, nomeadamente a partir dos anos 90, buscam , não uma
reconfiguração das relações de género baseadas no sexo, mas uma desconstrução do
próprio género ‘biologizado’ nas abordagens teóricas anteriores. Esta nova forma de olhar

5
para o género permite-nos refletir que a construção das identidades de género, não se
fecha no binarismo (masculino ou feminino) nem estabelece uma ligação estreita com o
sexo. As críticas à ‘biologização’ do género têm sido cada vez mais frequentes, contudo,
há quem perspetive esta abertura conceptual de forma desvantajosa, uma vez que, acabou
por colocar em prejuízo e em questão as políticas e os objetivos definidos nas abordagens
teóricas anteriores (Teixeira, 2017).

Uma das teóricas mais conceituadas nas questões de género, sob uma lente ‘não
biologizada’, é Judith Butler, filósofa americana. Para Butler, os estudos de género, em
especial os desenvolvidos no decorrer da segunda vaga dos feminismos, teriam
erroneamente caído numa espécie de paradoxo, na medida em que “rejeitaram a ideia de
que a biologia era o destino, mas depois desenvolveram uma narrativa da cultura
patriarcal que parte do princípio de que os géneros masculinos e feminino seriam
inevitavelmente construídos pela cultura, sobre corpos macho e fêmea, tornando outra
vez o destino inescapável” (Almeida, 2008, p. 4). Uma das fortes críticas de Butler recai
sobre a tríade socialmente construída entre sexo, género e sexualidade, por outras
palavras, sobre a heteronormatividade. Para a autora, contrariamente aos pensamentos
anteriores, o género não é algo que se é, mas algo que se faz, é performativo na medida
em que “o género é a estilização repetida do corpo, um conjunto de actos repetidos dentro
de uma moldura reguladora rígida, que congelam ao longo do tempo de modo a
produzirem a aparência de substância, de um ser natural” (Almeida, 2008, p. 7).

É nesta vaga de abertura conceptual que surgem os estudos gay e lésbicos e as


teorias queer, que visam dar visibilidade à ideia de resistência ao ‘normal’ e à
heteronormatividade (homem-masculino-gosta de mulheres femininas; mulher-feminina-
gosta de homens masculinos). Assim, as teorias mais recentes em torno das questões de
género problematizam “a posição dos indivíduos na sociedade a partir de um
entrecruzamento de múltiplos aspectos identitários” (Teixeira, 2017, p. 27), que, não
partilhando a abordagem identitária das perspetivas anteriores, sobrevalorizam a
singularidade da posição social de cada indivíduo enquanto pessoa plural e não
circunscrita a um papel social (Lisboa, 2016a).

Após expor as diversas (re)conceptualizações e (re)apropriações que os conceitos


‘sexo’ e ‘género’ vieram sofrido, torna-se crucial delimitar ao que o nosso trabalho se
propõe. Sabendo que os géneros masculino e feminino não encerraram as possibilidades
de identidade de género e já analisada a polissemia deste vocábulo (género), é necessário

6
situar o conceito numa época e num contexto específico a fim de configurarmos de forma
correta o significado que lhe devemos conferir (Ferreira, 2001).

Ainda que as teorias mais recentes venham alertado para a desconstrução da


‘biologização’ do género, a perspetiva em torno de uma visão binária de género ainda se
vê muito presente nos dias que correm, com categorizações, socialmente construídas,
reproduzidas e naturalizadas, que colocam o feminino e o masculino em polos opostos
(Botton, Cúnio, Barcinski, & Strey, 2015), construídos sobre os corpos sexuados das
mulheres e dos homens, e à volta dos quais se criam diversos estereótipos, capazes de
orientar as suas ações e práticas.

Nesta dissertação, encaramos o género, enquanto termo referente “aos papéis


sociais, valores, normas e modelos produzidos e reproduzidos socialmente ao longo do
tempo, em cada contexto histórico, e que balizam a acção dos homens e das mulheres em
sociedade” (Lisboa, 2016b) portanto, referente a categorias socioculturais construídas e
reproduzidas sobre corpos sexuados. Esta definição foi adotada tendo em conta os
indicadores estatísticos existentes (eles próprios contruídos segundo uma base binária),
aliados ao contexto social em que está delimitado o trabalho, a sociedade portuguesa, que,
seguindo o padrão das sociedades ocidentais, continua a ser fortemente heteronormativa
e (re)produtora de uma ordem binária de género naturalizada, dos estereótipos,
desigualdades e das relações de poder que dela resultam. Contudo, reconhece-se as
limitações que a adoção desta visão implica, nomeadamente na exclusão dos indivíduos
que não se enquadram na ‘norma’ binária, contudo, não nos é possível, para já, fazê-lo.

Assim, o género permite-nos pensar e problematizar o ‘feminino’ e o ‘masculino’


como categorias socialmente construídas em torno do sexo biológico das mulheres e dos
homens, que, embebidas por estereótipos, permitem tipificar papéis sociais, traços de
personalidade, ocupações profissionais, características físicas entre outros aspetos,
assimétricos e polarizados por sexo.

Iremos, seguidamente, sob uma lente de género, analisar em que consistem esses
estereótipos, que, seguindo o padrão das sociedades ocidentais, se organizam em torno de
uma perspetiva binária e androcêntrica de género.

7
2. Dos Estereótipos de Género às Desigualdades Sociais entre os
Sexos

O termo ‘estereótipo’ existe desde 1798, contudo o seu uso reservava-se à


tipografia, designando “uma chapa de metal utilizada para produzir cópias repetidas do
mesmo texto” (Cabecinhas, 2005, p. 539). Desde então, o conceito tem sido alvo de
diversos estudos e reconceptualizações na ordem do plano teórico, essencialmente no
campo das Ciências Sociais (Nogueira & Saavedra, 2007).

Em 1922, Walter Lippmann, jornalista americano, introduziu e conceptualizou,


pela primeira vez, o conceito ‘estereótipo’ em contexto social e político, com o objetivo
de explicar a formação da opinião pública, analisando a forma como as pessoas
construíam as suas representações da realidade social e como as mesmas eram afetadas
por fatores internos e externos (Cabecinhas, 2005), definindo-os como pictures inside our
heads (Lippmann, 1922).

Os estereótipos, segundo Lippmann (1922), por um lado, funcionavam como


‘mapas’ que guiavam o indivíduo e ajudavam-no a lidar com informação complexa, o que
os permitia organizar e estruturar a realidade social. Por outro lado, funcionavam como
‘defesas’, o que permitia aos indivíduos a proteção dos seus valores, interesses,
ideologias, isto é, a proteção da sua a posição numa rede de relações sociais, explicando
dessa forma o carácter fixo e rígido dos estereótipos (Lippmann, 1922; Cabecinhas,
2005).

Inicialmente, definição também partilhada por Lippmann, o estereótipo era


pensado como “uma imagem interposta entre o indivíduo e a realidade, com carácter
subjetivo e pessoal, cuja formação assenta no sistema de valores do indivíduo” (Neto, et
al., 1999, p. 9). Apesar de Lippmann (1922) não preconizar o carácter negativo dos
estereótipos, grande parte dos estudos realizados até meados dos anos 50, caracterizam-
nos como um tipo inferior de pensamento, resultado de “projecções de fantasias
indesejáveis, deslocamentos de tendências agressivas para os membros de outros grupos,
ou subprodutos de síndromes de personalidade associadas ao autoritarismo e intolerância”
(Cabecinhas, 2005, p. 540), sublinhando o seu carácter individual, subjetivo e negativo,
associado, portanto, a uma conceção de natureza patológica.

Segundo os estudos mais recentes, entenda-se por estereótipo uma “construção


sociocognitiva “neutra” e uma forma de conhecimento aceitável e prático, embora não

8
muito preciso, que frequentemente substitui o conhecimento real” (Neto, et al., 1999, p.
10). Neto e colaboradores (1999) enfatizam a interpretação e a análise dos estereótipos
para o seu carácter social e neutro, no sentido de se poder revestir de valor positivo ou
negativo, espelhando, sempre, uma “ideologia que se legitima pela sua generalização e
aceitação implícita” (Bergano, 2012, p. 120).

Apesar das reconceptualizações que o conceito tem sofrido, na presente


dissertação, entendemos os estereótipos como conjuntos organizados de crenças,
construídos, reproduzidos e valorizados socioculturalmente, sobre indivíduos de
determinados grupos específicos, suas ações e comportamentos (Neto, et al., 1999),
resultantes, essencialmente, de processos cognitivos de categorização (Nogueira &
Saavedra, 2007).

Conceição Nogueira e Luísa Saavedra (2007), apontam que o primeiro objetivo


dos estereótipos é o de “simplificar e organizar um meio social complexo, tornando-o
menos ambíguo” (Nogueira & Saavedra, 2007, p. 13), contudo aludem ao facto de estes
também servirem para “justificar a discriminação de grupos e gerar preconceitos”
(Nogueira & Saavedra, 2007, p. 13), consequentes assimetrias e relações de poder
traduzidas em desigualdades entre grupos sociais. De entre os vários estereótipos sociais,
averiguamos que estes servem para fazer ilações acerca de grupos específicos baseados,
essencialmente, na nacionalidade, idade, etnicidade, orientação sexual, raça, classe social,
género, profissão e estatura física (Nogueira & Saavedra, 2007).

Apesar da sua função descritiva, na medida em que “permitem a organização da


complexidade do comportamento em categorias operacionais, facilmente manejáveis”
(Vieira, Nogueira, & Tavares, 2015, p. 26), é importante reter que os estereótipos
apresentam também um carácter valorativo e normativo “ uma vez que não se limitam a
uma função descritiva do comportamento e das características dos sujeitos, como também
têm uma função prescritiva em relação às características e ao comportamento que os
indivíduos, visados pelo estereótipo, devem ter” (Bergano, 2012, p. 120). Neste sentido,
é importante que os estereótipos sejam “partilhados por um elevado número de
indivíduos” (Nogueira & Saavedra, 2007, p. 13), implicando, portanto, a difusão dos
mesmos, num contexto sociocultural e histórico específico, ou então globalizado. Esta
função prescritiva e coerciva, é também ela essencial ao entendimento da manutenção
espácio-temporal dos estereótipos, uma vez que com frequência se apresentam “de tal
maneira consolidados nos esquemas mentais das pessoas, [sobre a forma de habitus] que

9
a sua propensão a alterações é reduzida, mesmo na presença de informação contrária”
(Vieira, Nogueira, & Tavares, 2015, p. 26).

Os estereótipos também, facilmente, se podem manifestar prejudiciais, uma vez


que comportam o “risco de consubstanciarem uma leitura distorcida e redutora da
realidade, porque facilmente legitimam categorizações irreflectidamente generalizáveis,
na sua maioria mais negativas do que positivas” (Vieira, Nogueira, & Tavares, 2015, p.
26). Portanto, fazer ilações sobre grupos de pertença visados por estereótipos envolve a
tendência dos seus membros serem avaliados da mesma forma, o que, por sua vez resulta
na “clara omissão da variabilidade que é possível observar no seio de cada grupo
específico…correndo-se o risco de se efectuarem julgamentos inadequados sobre uma
pessoa particular, a partir dos estereótipos que se sabe servirem para caracterizar o grupo
a que ela pertence” (Vieira, Nogueira, & Tavares, 2015, p. 26). Tendo como exemplo os
estereótipos de género, fundamentais à presente dissertação, embora comportem o seu
carácter valorativo e prescritivo, sabe-se que, “tanto homens como mulheres podem ou
poderão manifestar comportamentos similares e empenhar-se nas mesmas actividades …
nem todos os homens e mulheres se comportam da mesma maneira” (Neto, et al., 1999,
p. 21).

Os estereótipos de género, os quais interessam à presente dissertação, são


geralmente definidos como o conjunto de crenças estruturadas, contruídas e reproduzidas
socioculturalmente sobre os comportamentos e características particulares da mulher e do
homem (Neto, et al., 1999). Segundo Fiske e Stevens (1993), estes estereótipos assumem,
em comparação com outros, um carácter fortemente prescritivo, uma vez correspondem,
não só às primeiras categorias a formarem-se nas crianças no decorrer da primeira
infância, mas também porque “o elevado número de contactos entre as duas categorias
sexuais os torna mais complexos, podendo ser caracterizados por mais subtipos que
outros estereótipos” (Nogueira & Saavedra, 2007, p. 14). Também Basow (1992) e
Vieria, Nogueira e Tavares (2015) reforçam o poder normativo destes estereótipos em
comparação com outros, uma vez que, para além de assumirem uma função descritiva das
supostas características das mulheres e dos homens, comportam, ainda que de forma
implícita, normas de conduta associadas a ambos os sexos.

Nesse seguimento, Neto e colaboradores (1999) identificam dois níveis de


conceptualização dos estereótipos de género, os estereótipos de papéis de género e os
estereótipos de traços de género, que se inter-relacionam e se influenciam mutuamente.

10
Susan Basow (1986), ainda que de forma mais introdutória, foi mais a fundo e agrupou
os estereótipos de género em quatro subtipos inter-relacionais: os estereótipos de género
relativos aos traços de personalidade; os estereótipos de género relativos aos papéis
desempenhados na sociedade; os estereótipos de género relativos às atividades
profissionais prosseguidas e os estereótipos de género relativos às características físicas,
sendo os últimos, segundo a linha do pensamento de Deaux & Lewis (1984), os que mais
parecem exercer poder sobre o comportamento. Segundo Vieira, Nogueira e Tavares
(2015) estes últimos “despoletam com maior intensidade a actuação das crenças
associadas ao género” (Vieira, Nogueira, & Tavares, 2015, p. 28), uma vez que as
diferenças físicas dos homens e das mulheres se manifestam o aspeto mais difícil de
mudar, de entre todos os que se relacionam com o género, por serem encaradas de forma
puramente biológica e consequentemente percecionadas como imutáveis.

Relativamente à temporalidade e espacialidade da sua difusão, os estereótipos de


género, têm demonstrado grande estabilidade temporal e grandes consensos interculturais
(Neto, et al., 1999), essencialmente nas sociedades ocidentais, sendo que se verifica
apenas uma certa variação em grau, em função da época histórica ou da cultura (Bergano,
2012). Bourdieu (2002) explica que a “divisão entre os sexos parece estar ‘na ordem das
coisas’ (…) em estado objectivado nas coisas (…) e, em estado incorporado, nos corpos
e nos habitus dos agentes, funcionando como sistemas de esquemas de percepção, de
pensamento e de ação” (Bourdieu, 2002, p. 17). O autor deixa claro que, as diferenças
entre os sexos, bem como todas as divisões arbitrárias do mundo social, são apreendidas
pelos e inculcadas aos agentes enquanto naturais e com reconhecimento legítimo, sem
necessidade de justificação. Ainda, segundo o autor, a naturalização destas diferenças
sociais entre os sexos, tem na base da sua aceitação social as diferenças biológicas entre
os sexos, que, através de um extenso trabalho de “socialização do biológico” e de
“biologização do social”, produz nos corpos e nas mentes dos agentes sociais, uma
perceção natural de uma diferença social e consequentemente uma construção social
naturalizada e por isso, grande parte das vezes, inquestionada e irrefletida.

A fim de explorarmos os vários subtipos de estereótipos de género, adotámos a


perspetiva de Basow (1986). A adoção da sua perspetiva, teve em conta o contexto o qual
a nossa investigação se insere, o militar. É sabido que, socialmente, a profissão militar é
considerada uma ocupação profissional masculina, onde as características físicas e de
personalidade associadas ao modelo tradicional da masculinidade assumem enorme

11
relevância, como será explorado no ponto cinco do presente enquadramento teórico. Uma
vez que Basow (1986) descortina os estereótipos de género também em torno das
ocupações profissionais e das características físicas, subtipos não explorados por Neto e
colaboradores (1999), adotou-se a perspetiva da autora.

Desta forma, procurou-se, em seguida, realizar uma breve contextualização,


quando possível, da sociedade portuguesa à luz da tipologia de Basow (1986).

2.1. Estereótipos de Género e Traços de Personalidade: Tipificação


Genderizada de Traços de Personalidade

Os traços de personalidade, aparentemente subjetivos e pessoais dos indivíduos,


podem ser problematizados em torno de uma lente social de género, à volta dos quais se
constroem e se reproduzem estereótipos, capazes de orientar o comportamento dos
homens e das mulheres.

Lígia Amâncio realizou um leque de estudos, junto da população portuguesa,


homens e mulheres, onde demonstra claramente, em Portugal, a confirmação de traços de
personalidade estereotipados por sexo. A autora demonstra que traços de
instrumentalidade e dominância, se coligam ao ser masculino, e traços de submissão e
expressividade se associam ao ser feminino (Amâncio, 1992). Deste modo, “traços como
independência, competitividade, agressividade e dominância continuam a ser associados
a homens (…) a sensibilidade, a emocionalidade, a gentileza, a empatia e a tendência para
o estabelecimento de relações continuam a estar associadas às mulheres” (Vieira,
Nogueira, & Tavares, 2015, p. 13).

Amâncio (2002), concluiu, ainda, que os traços de personalidade femininos


apontam para uma posição específica e situacional no espaço privado da família e dos
sentimentos, enquanto os masculinos para um ser universal, dominador da esfera pública.
Por conseguinte, verificou que as características tipicamente femininas se apresentam em
menor número comparativamente às masculinas, e que “a relação entre os traços positivos
e negativos (enquanto qualidade ou defeito no adulto) é mais desfavorável no estereótipo
feminino do que no masculino” (Amâncio, 1992, p. 14), indicando por um lado, uma
relação simbólica entre os traços de personalidade masculinos e a imagem universal do
adulto e por outro, a particularidade dos traços de personalidade femininos que inclui
poucas características do adulto.

12
Uma vez tratar-se de estereótipos, é socialmente expectável e prescritivo, que
homens e mulheres, sob uma lente de género, demonstrem traços de personalidade
distintos e correspondentes à sua categoria sexual. Assim, a personalidade de homens e
de mulheres, deve ser pensada não apenas como resultado puro da subjetividade de cada
indivíduo, mas como o resultado da influência da (re)produção da estrutura, na
construção das próprias identidades dos homens e das mulheres. Contudo, reconhecemos
a existência de mulheres agressivas, competitivas e/ou independentes, homens
sentimentais, gentis e/ou emotivos, e homens e mulheres com personalidades
semelhantes, uma vez tratar-se de estereótipos.

O entendimento destes estereótipos, são particularmente cruciais à nossa


dissertação, uma vez que por um lado, os traços de personalidade masculinos são
importantes ao entendimento da conceção masculina do ser militar no geral, e da
conceção masculina do ser militar nos setores laborais mais prestigiados e mais bem
remunerados. Por outro lado, os traços de personalidade femininos, para além de
encarados como indesejáveis à profissão militar, são fundamentais ao entendimento da
conceção feminina dos setores laborais militares menos bem remunerados e menos
valorizados, como será explorado no ponto cinco do presente enquadramento teórico.

2.2. Estereótipos de Género e Características Físicas: Tipificação


Genderizada de Características Físicas

O físico de mulheres e de homens, aparentemente biológico, poderá também ser


problematizado segundo uma lente social, à volta dos quais se (re)produzem estereótipos,
capazes de orientar o comportamento dos homens e das mulheres.

Young (1980), alerta-nos para o facto de que, numa sociedade dominada por uma
visão androcêntrica, como é, ainda, o caso da sociedade portuguesa, a forma típica como
mulheres e homens utilizam e experienciam o seu corpo não é determinada
biologicamente, mas socialmente, visto ser resultado de discursos e práticas que, desde a
infância lhes são incutidos, através de processos socializadores. As mulheres desde cedo
são estimuladas a experimentarem os seus corpos como “objetos para os outros”,
enquanto os homens são estimulados a experimentarem os seus corpos como “objetos
para si” (Young, 1980).

13
É socialmente expectável e prescritivo que uma mulher seja mais frágil e diminuta
fisicamente e que um homem seja mais robusto, agressivo, poderoso e energético a nível
físico, o que a sociedade crê ser algo exclusivamente da condição biológica diferenciada
entre sexos. O físico de homens e de mulheres deve, assim, ser pensado não como
resultado puramente inato das diferenças biológicas entre os sexos, mas como resultado
de construções e inscrições socioculturais que desvalorizam o papel da mulher e
sobrevalorizam o do homem na sociedade, que, passadas de geração em geração
alimentam a relação naturalizada entre homem-robustez física e mulher-fragilidade física.
Contudo, reconhecemos a existência de mulheres robustas fisicamente e homens
diminuídos fisicamente, assim como homens e mulheres com corpos, robustez ou
fragilidade físicas semelhantes, uma vez tratar-se de estereótipos.

Tais características estereotipadas inerentes à fraca força e fragilidade corporal


das mulheres, bem como com a robustez e agressividade física dos homens, vêm
evidenciar e reforçar, mais uma vez e não por acaso, a representação assimétrica e
tradicional de género, de mulher-feminina-passiva e homem-masculino-dotado de poder.

Tal como os estereótipos relacionados com os traços de personalidade, estes


estereótipos são particularmente cruciais à nossa dissertação, uma vez que, por um lado,
tal como os traços de personalidade, as características físicas masculinas são essenciais
ao entendimento da conceção masculina do ser militar no geral, e da conceção masculina
do ser militar nos setores laborais mais prestigiados e mais bem remunerados. Por outro
lado, tal como os traços de personalidade, as características físicas femininas, para além
de encaradas como inadequadas à profissão militar, são cruciais ao entendimento da
conceção feminina dos setores laborais militares menos bem remunerados e menos
valorizados, como será explorado, também, no ponto cinco do presente enquadramento
teórico.

2.3. Estereótipos de Género e Papéis Sociais: Tipificação


Genderizada de Papéis Sociais

Por ‘papel social’, entendemos o conceito que define o conjunto de expectativas


comportamentais dirigidas aos ocupantes de determinada posição numa dada sociedade
(Dahrendorf, 1974). Assim, sob uma lente de género, vê-se crucial à presente dissertação
pensar no papel social da mulher como uma posição que comporta diferentes expectativas

14
face ao papel social do homem. Seguidamente, procurámos realizar uma análise sócio
histórica do papel social da mulher em Portugal, que, seguindo o padrão das sociedades
ocidentais, e embebido por estereótipos, tem-se demostrado um papel de esfera de atuação
essencialmente privada e doméstica em oposição ao papel social do homem, de esfera de
atuação essencialmente pública e laboral.

A 1º República, demonstrou ser uma época crucial quanto às questões de género,


uma vez que, foi, no seu decorrer implementado o estatuto legal das mulheres no que
“toca a aspectos de direitos civis, nomeadamente relativos a igualdade de direito entre
cônjuges, lei do divórcio, poder paternal, administração de bem, capacidade para fazer de
júri ou ser testemunha em actos de vida cívil, acesso a carreiras e profissões vedadas”
(Silva M. R., 1982, p. 37). Também, nesta época, se assistiu ao início da luta pelo acesso
das mulheres “à educação, direito de trabalho, independência económica, direito de opção
quanto ao futuro” (Silva M. R., 1982, p. 61).

Com a implementação do Estado Novo (1926-1973), assistiu-se a uma regressão


da figura da mulher enquanto indivíduo social ativo, marcada pela sua recessão a um
papel secundário e submisso, associado à esfera privada1. O papel social da mulher era
traçado como um papel tradicional confinado à reprodução, função social da maternidade
e ao cuidado do lar, em oposição ao papel social do homem. O homem, associado
essencialmente à figura do marido, devido à forte conceção católica e tradicional de
família prevalecente na época, era consagrado o chefe da família e o único sustento
económico da mesma (único breadwinner), associado, portanto, ao domínio da esfera
pública e laboral.

A revolução de 25 de Abril de 1974, veio abrir portas à crítica social e este é um


papel que tem vindo a (re)configurar-se num contexto de mudança social (Silva M. R.,
1982). As mulheres são, nos dias que correm, parte integrante da esfera pública e
desempenham atividades anteriormente reservadas e exclusivas aos homens, como é o
caso do serviço militar. Relativamente ao papel social da mulher, este tem-se consagrado
em torno da sua emancipação e igualdade para com o do homem em vários domínios do
social, ainda que não completamente conseguida, isto porque, entre as leis e as práticas
permanecem significativas discrepâncias (Barbosa, 1998), umas visíveis, outras

1
Note-se que a Constituição de 1933 veio estabelecer a igualdade dos cidadãos portugueses perante a lei
com algumas injúrias face ao papel da mulher e aliada ao Código Civil, à época, sublinhavam o estatuto
inferior da mulher face ao marido.

15
invisíveis, umas silenciosas e outras, por vezes, silenciadas, uma vez que “inércias e
resistências ainda se fazem sentir ao nível das normas sociais e das culturas
organizacionais, dos aplicadores e das aplicadoras da lei, das instituições nos seus modos
de funcionar tendencialmente tradicionais, que podem até adotar o discurso da igualdade
sem que ela se traduza em qualquer mudança” (Torres, et al., 2018, p. 20).

Relativamente à participação de homens e mulheres no mercado de trabalho, os


dados de 2019 indicam que do total de empregados2 em Portugal 49,0% são mulheres e
51% são homens (INE, 2019c). Embora a participação das mulheres no mercado laboral,
seja, agora, uma realidade, algumas assimetrias entre sexos ainda se fazem sentir.

Apesar dos avanços relativos à abertura da esfera pública e extra doméstica às


mulheres, “não se verifica um paralelo avanço na envolvência do homem no trabalho
doméstico e de cuidados com os filhos no quadro de um expectável modelo simétrico,
igualitário” (Silva M. C., 2012, p. 147). São, ainda, as mulheres, que “suportam o maior
peso das responsabilidades da vida doméstica, cuidado da casa, cuidado dos filhos,
cuidado de parentes idosos ou doentes” (Silva M. , 2002, p. 73), portanto, que com maior
frequência e a despender maior tempo se responsabilizam pelo trabalho não pago.
Analisando o teor das tarefas familiares desenvolvidas, também podem ser encontradas
algumas discrepâncias por sexo, visto serem as mulheres as principais responsáveis pelas
“lides domésticas, mais rotineiras e menos valorizadas” (Silva M. C., 2012, p. 147), tal
como limpar a casa, tratar da loiça, tratar da roupa, ou fazer as refeições, bem como pelas
tarefas relacionadas com o cuidado dos filhos ou de pessoas dependentes. Seguindo o
padrão da segregação de géneros entre a vida privada e a vida pública, verifica-se que o
mesmo se reproduz no que toca às tarefas do lar , na medida em que são os homens os
principais responsáveis pelas tarefas que exigem um maior contacto com o exterior da
casa, nomeadamente no que concerne a tarefas administrativas ou de contacto com
serviços, e as mulheres responsáveis pelas tarefas inerentes ao interior da casa (Silva M.
C., 2012). Verifica-se, assim, que dentro da própria vida privada e doméstica, existem
espaços e tarefas mais e menos privadas, tendo em conta a divisão intra e extra-lar, que

2
É considerado empregado, o indivíduo “com idade mínima de 15 anos que, no período de referência, se
encontrava numa das seguintes situações: 1) tinha efetuado trabalho de pelo menos uma hora, mediante
pagamento de uma remuneração ou com vista a um benefício ou ganho familiar em dinheiro ou em géneros;
2) tinha uma ligação formal a um emprego mas não estava ao serviço; 3) tinha uma empresa, mas não estava
temporariamente a trabalhar por uma razão específica; 4) estava em situação de pré-reforma, mas a
trabalhar” (INE, 2019a)

16
refletem desigualdades de género dentro da vida familiar, desvantajosas no caso das
mulheres.

Quando à esfera pública e laboral, também podem ser encontradas algumas


desigualdades de género. Apesar da atual participação das mulheres no mercado de
trabalho, ao que toca à taxa de emprego, os dados mais recentes, relativos a 2019, indicam
que 73,6% dos homens em idade ativa3 e 67,6% das mulheres em idade ativa, estão
empregados (INE, 2019d). Em contrapartida, ao que toca à taxa de desemprego, em 2019,
esta apresenta um valor de 5,8% no caso dos homens em idade ativa e no caso das
mulheres em idade ativa, um valor de 7,1% (INE, 2019e). Os homens em idade ativa
continuam a apresentar uma taxa de emprego mais elevada, comparativamente às
mulheres em idade ativa. Em contrapartida, as mulheres em idade ativa, apresentam uma
maior taxa de desemprego, comparativamente aos homens em idade ativa.

Vemos que apesar das mulheres, atualmente, fazerem parte do mundo laboral, o
papel tradicional que as ‘amarra’ à esfera privada e do lar tende a persistir. Segundo
Vicente (2013), conflitos posteriores surgem, relativamente a aspetos concernentes à
conciliação família-trabalho, o que faz com que estas, mais que os homens, optem por
trabalhos com um menor compromisso de tempo, nomeadamente os part-times, de forma
a conciliar a vida familiar com a vida laboral. Os dados de 2019 apontam que cerca de
91,9% dos homens trabalhadores trabalham a tempo completo e 8,1% a tempo parcial e
que, relativamente às mulheres trabalhadoras, 87,4% trabalham em tempo completo e
12,6 % a tempo parcial (INE, 2019f).

Não restam dúvidas que estas práticas são alimentadas e reproduzem também a
visão estereotipada do que é ser mulher e do que é ser homem, ainda presente, na
sociedade portuguesa, uma vez que os estereótipos relativos aos papéis de género
continuam a posicionar, em Portugal, mulheres e homens em polos opostos e
desvantajosos no caso das mulheres.

3
É considerado em idade ativa, o indivíduo “com idade mínima de 15 anos que, no período de referência,
constituíam a mão-de-obra disponível para a produção de bens e serviços que entram no circuito económico
(empregados e desempregados)” (INE, 2019b).

17
2.4. Estereótipos de Género e Atividades Profissionais: Tipificação
Genderizada de Atividades Profissionais

Tal como outras esferas em análise, as atividades profissionais são também alvo
de tipificações em torno de uma visão binária de género, que alimenta a ideia, socialmente
construída, da existência de profissões tipicamente femininas e adequadas às mulheres e
de profissões tipicamente masculinas e adequadas aos homens, como é o caso da profissão
militar.

Segundo Shouten (2011), tendo por base uma visão europeia, dentro das
profissões tipicamente femininas encontramos as profissões de assistência, as profissões
administrativas e as profissões ligadas ao comércio e aos serviços. Temos como exemplo,
a profissão de enfermeira, cuidadora de idosos, professora, assistente social, educadora,
secretária, cozinheira, empregada de limpeza, empregada de balcão, mulher-a-dias, entre
outras (Furtado, 2013). A perceção destas enquanto profissões femininas tem por base o
fundamento estereotipado relacionado com as características físicas e psicológicas mais
frágeis das mulheres, mas também com a conceção social que lhe atribui o papel ‘inato’
para o desempenho de funções relacionadas com o apoio e com o cuidar, justificado no
seu instinto maternal.

Relativamente às profissões socialmente tipificadas como masculinas,


encontramos, segundo Furtado (2013), as várias profissões relacionadas com a construção
civil, engenharias, carreiras militares e policiais, profissões relacionadas com o transporte
de passageiros e automóveis, entre outras, evidenciando uma estreita relação com o
fundamento estereotipado relacionado com o exercício de poder e com as características
físicas e psicológicas mais robustas no caso dos homens. Nota-se, de forma clara, o
carácter relacional dos estereótipos de género, essencialmente os relativos às
características físicas e aos traços de personalidade, na gentrificação de profissões e
funções laborais.

O problema social equaciona-se a partir do momento em que, de forma geral, na


sociedade portuguesa e nas sociedades ocidentais no seu conjunto, as profissões e funções
‘destinadas às mulheres’ se apresentam em menor número e subvalorizadas em
comparação com as profissões e funções ‘destinadas aos homens’, estas últimas, de
“maior prestígio social e maiores níveis de remuneração” (Saavedra, 2015, p. 263),

18
deixando, deste modo, as mulheres em desvantagem no mundo laboral, tal como ocorre
em contexto militar.

Assim, os modos estereotipados de conceber o que é adequado a cada sexo, como


verificamos, desvantajoso no caso das mulheres, contribui para que as mulheres, embora,
parte integrante do mundo laboral, “fiquem remetidas, no mercado de trabalho à
repetição, do que têm sido as suas tarefas no espaço privado” (Saavedra, 2015, p. 164),
uma vez que mulheres e homens, continuam a fazer escolhas profissionais condicionas
por estereótipos.

3. Corpos Sexuados, Identidades de Género e Reprodução de


Estereótipos: Socialização de Género

Várias são as abordagens teóricas que visam explicar e justificar as diferenças


comportamentais entre homens e mulheres. Segundo Bergano (2012), estas agrupam-se
em quatro grupos de análise: as perspetivas biológicas na interpretação das diferenças
entre homens e mulheres; as diferenças de género nas perspetivas psicanalíticas; as
diferenças de género nas perspetivas psicométricas; as diferenças de género nas
perspetivas sociológicas.

De forma breve, as perspetivas biológicas procuram justificar as diferenças


comportamentais e de personalidade entre os sexos com base nas suas diferenças
biológicas, a nível dos cromossomas, genes e hormonas. Desse modo, perpetuam a ideia
de imutabilidade dessas mesmas diferenças, bem como defendem a subordinação da
mulher como resultado da sua própria condição biológica. As psicanalíticas, procuram
explicar as diferenças de género através do modelo de desenvolvimento humano, que
reforça a visão dual entre seres e apresenta o masculino e o feminino como identidades
opostas. As psicométricas, com um teor maioritariamente quantitativo, visam explicar as
diferenças entre géneros através da aplicação de testes psicométricos, avaliando e
comparando os resultados obtidos, por sexo, em diversas áreas em estudo, como a
inteligência, os interesses, entre outros constructos (Bergano, 2012).

Nesta investigação, basear-nos-emos, nas perspetivas sociológicas da


aprendizagem social, nomeadamente na teoria da socialização, por ser a nossa área
científica e aquela com a qual mais nos identificamos. Deste modo, procurámos de

19
seguida compreender o processo de socialização, nomeadamente o de género,
averiguando a influência deste na construção das identidades sociais e profissionais dos
indivíduos sociais, bem como a sua contribuição na reprodução e fortalecimento dos
estereótipos de género.

A teoria da socialização, sob uma lente de género, descreve “a construção da


identidade de género como um processo que acontece ao longo do tempo e na interação
com outras pessoas” (Torres, et al., 2018, p. 40), instituições e organizações, como é o
caso da família, da escola e do trabalho (Acker & Lloyd, 2002). Sabendo que a segregação
de géneros poderá ser explicada pelos “diferentes papéis atribuídos a homens e mulheres
na sociedade que são internalizados através da socialização” (Amâncio, 1992, p. 10),
torna-se crucial a compreensão deste processo, para a qual recorremos aos autores Peter
Berger e Thomas Luckmann e a Pierre Bourdieu.

Peter Berger e Thomas Luckmann, em torno dos anos 60, retomando as análises
dos estudiosos Mead e Schütz, analisaram a construção social da realidade, verificando
que a fase da interiorização se caracteriza por ser o processo de interiorização da realidade
objetiva de uma sociedade ou de segmentos da mesma, nos atores sociais, via
socialização. Segundo os autores, “o indivíduo não nasce membro da sociedade. Nasce
com a predisposição para sociabilidade e torna-se membro da sociedade” (Berger &
Luckmann, 1996, p. 137). Entende-se, deste modo, a socialização como um processo de
construção profunda da consciência individual pela realidade objetiva, um processo
contínuo e inacabado de introdução do indivíduo no mundo objetivo de uma sociedade
(socialização primária) ou em setores particulares da mesma (socialização secundária).

A socialização primária é a primeira socialização que um indivíduo experiencia


no decorrer da sua infância, tornando-se, dessa forma, membro da sociedade e da
realidade objetiva em que se insere (Berger & Luckmann, 1996). Esta efetua-se
essencialmente por via da família, os chamados ‘outros significativos’, que criam “na
consciência do indivíduo uma abstração progressiva dos papéis e atitudes de outros
específicos para com os papéis e atitudes em geral” (Berger & Luckmann, 1996, p. 140).
A socialização secundária, caracteriza-se por ser um processo de introdução do indivíduo
já membro da sociedade, portador da sua personalidade e mundo em “‘sub-mundos’
institucionais ou baseados em instituições” (Berger & Luckmann, 1996, p. 145),
especializados, como é o caso das instituições escolares e profissionais.

20
Relativamente ao processo de socialização, conclui-se que este é um processo que
se realiza por meio dos agentes socializadores (primários ou secundários), sendo, desse
modo, assegurado o funcionamento e a reprodução da realidade em causa (primária ou
secundária), ou do habitus referente (primário ou secundário), no sentido boudiano do
termo. Em síntese, Bourdieu (2002, 2003) e Berger e Luckmann (1996), apesar de
utilizarem terminologias diferentes, defendem a ideia de que os indivíduos sociais
interiorizam as estruturas objetivas de cada realidade social (primária ou secundária) e as
suas especificidades, via socialização, que são transformadas em estruturas
mentais/morais (ethos) e corporais (héxis), sobre a forma de habitus (primário ou
secundário), capazes de orientar as suas ações e práticas nas mesmas.

Sob uma lente de género, essencial à dissertação, sabe-se que as versões feminina
e masculina da realidade, sejam elas relativas a papéis de género, características físicas,
traços de personalidade ou ocupações profissionais, são reconhecidas e que esse
reconhecimento é, primordialmente, transmitido via socialização primária (Berger &
Luckmann, 1996). Por via essencialmente da socialização familiar, no decorrer da
primeira infância, nota-se o estabelecimento da estrita relação e da “predominância da
versão masculina para a criança do sexo masculino e da versão feminina para a do sexo
feminino” (Berger & Luckmann, 1996, p. 174). Segundo Silva (1993), desde muito cedo
aos rapazes e às raparigas são incutidos diferentes atributos e características distintas, em
função do sexo, coincidentes com a representação tradicional de feminino-passivo e
masculino-agressivo. Também Carrilho (2007) afirma que “ser rapaz ou rapariga (…) é
algo que a criança irá aprender ao longo do seu desenvolvimento, assim como os tipos de
comportamento adequados ao seu sexo” (Carrilho, 2007, p. 57). De acordo com Stoller
(1993), a masculinidade e a feminilidade poderão ser encontradas em qualquer indivíduo
social, sob diferentes formas e em diferentes graus. Para o autor, género e sexo não estão
diretamente correlacionados, porém, quando uma mulher manifesta comportamentos,
posturas ou características típicas da masculinidade ou um homem, típicas da
feminilidade “a explicação poderá encontrar-se ao longo do seu desenvolvimento , mais
precisamente na infância e adolescência” (Carrilho, 2007, p. 59), nomeadamente na
realização de uma série de identificações com atividades atípicas, socialmente
classificadas como ‘do outro género’.

Em síntese, concluímos que a socialização primária, desenvolvida através da


aprendizagem e internalização de papéis sexuais, permite-nos, por um lado, compreender

21
porque homens e mulheres desenvolvem “atitudes e comportamentos adequados à sua
inclusão na respectiva categoria sexual, bem como a [sua] correlativa identidade de
género” (Carreiras, 1997, p. 37). Por outro lado, também permite-nos compreender
porque os mesmos não desenvolvem comportamentos socialmente típicos da sua
categoria sexual, uma vez que, segundo Stoller (1993) e Carrilho (2007), a identificação
com atividades ‘atípicas’, isto é, com atividades socialmente classificadas como ‘do outro
género’, no decorrer da infância e adolescência, pode explicar futuras posturas,
comportamentos e/ou características atípicos da sua categoria sexual.

Não esquecemos, todavia, o carácter (re)construtivo das identidades de género ao


longo da vida, uma vez que os seres humanos não são “receptores inquestionáveis de uma
“programação” de género [na infância]…são agentes activos que criam e modificam
papéis para si mesmos” (Giddens, 2013, p. 678) . Deste modo encaramos a construção
das identidades de género não enquanto construção fixa e imutável, mas como um
processo que se vai realizando por influências sociais ao longo da vida dos indivíduos
sociais, através da interação contínua com pessoas, organizações e instituições (Acker &
Lloyd, 2002).

Nesse contexto, Berger e Luckmann (1996) advertem-nos para a importância da


socialização secundária, enquanto processo potenciador de mudança, uma vez que ,
também segundo Dubar (1997), esta não se caracteriza pela “simples reprodução dos
mecanismos da socialização primária” (Dubar, 1997, p. 95), o que permite “abordar a
questão da socialização numa perspetiva de mudança social e não somente da reprodução
da ordem social” (Dubar, 1997, p. 98).

Contudo, sob uma lente de género, é sabido que os sub-mundos institucionais,


nomeadamente os escolares e profissionais, no que toca ao plano simbólico cultural, regra
geral, se caracterizam por um habitus e uma doxa contruídos em torno da ordem vigente
de género da sociedade em que se inserem, neste caso, binária e androcêntrica. Os
escolares, uma vez que também explicitam “os comportamentos e os papéis que a
sociedade em geral considera ser mais adequados para rapazes e para raparigas” (Carrilho,
2007, p. 59) e os profissionais na medida em que alimentam “estereótipos profissionais
que excluem, realmente, os que não lhes são conforme” (Dubar, 1997, p. 135), uma vez
que o trabalhador, segundo a realidade social, é um homem (Acker, 1990), excluindo e
marginalizando dessa forma as mulheres, promovendo “a saliência do feminino como
Outro, externo ao contexto” (Rodrigues, 2018, p. 191).

22
Sob uma lente de género, observa-se que a socialização secundária,
nomeadamente a escolar e institucional, funciona, não como motor de mudança social
como alertavam Berger e Luckmann (1996) e Dubar (1997), mas como um motor de
empoderamento e de reprodução das segregações, estereótipos, assimetrias e
desigualdades entre géneros. Segundo um estudo realizado por Statham (1986), mesmo
famílias que se esforçaram a educar os filhos de forma não sexista, consideram ser difícil
combater os padrões existentes e difundidos de aprendizagem social do género para além
dos familiares, uma vez que se encontram bem presentes e enraizados em diversos
estágios e contextos da vida dos indivíduos sociais, como é o caso da escola, dos media e
das instituições profissionais.

4. O Impacto de uma Socialização Sexista nas Escolhas e Gestão


Profissional

Como vimos anteriormente, apesar das mulheres, nos dias que correm, serem parte
integrante do mercado de trabalho, anteriormente exclusivo dos homens, são notórias
algumas segregações por sexo que poderão ser explicadas pela “tradição cultural que
desvaloriza o papel social da mulher na esfera profissional” (Chambouleyron & Resende,
2006, p. 18) e as características da feminilidade, e, em contrapartida, sobrevaloriza o do
homem e as características da masculinidade.

As correntes convencionais e tradicionais defendem que a segregação no mundo


laboral entre homens e mulheres ocorre pelo facto de mulheres e homens apresentarem
características individuais distintas. As mulheres apresentam características,
feminilidades, “necessárias à esfera doméstica e relacional” (Santos & Amâncio, 2014,
p. 702), enquanto os homens demonstram, masculinidades, “características valorizadas
no mundo do trabalho” (Santos & Amâncio, 2014, p. 702) tal como a ambição, a
racionalidade, o poder de decisão e a agressividade. Estas perspetivas foram severamente
criticadas pelas correntes teóricas mais recentes, uma vez que corroboram a ideia de que
as mulheres são elas próprias responsáveis pela discriminação e inferiorização de que são
alvo e ignoram o facto do comportamento feminino não ser o resultado puro da sua
condição biológica e sexual, mas, sob uma lente social, ser o resultado da (re)produção

23
da sua condição subordinada na sociedade, que lhes é incutida desde muito cedo como
algo da ordem do natural.

Perista (1999) adverte para o facto de “a igualdade tida, muitas vezes, como adquirida
e não questionada, não passa de ilusória face a todos os constrangimentos que a mulher
enfrenta, quer no acesso a determinadas profissões e posições dentro destas, quer ao nível
das remunerações auferidas” (Perista, 1999, p. 128). Segundo Lima e colaboradores
(2017) “ainda que mulheres e homens, atualmente, cheguem a executar atividades
laborais iguais, a condução das suas carreiras se dá de maneira diferente” (Lima, Voig,
Feijó, Camargo, & Cardoso, 2017, p. 44) , quer verticalmente, no acesso a cargos de
chefia (tetos de vidro), quer horizontalmente, no acesso a funções de maior prestígio (tetos
de vidro), mais desvantajosa no caso das mulheres.

Relativamente à escolha profissional, tema que nos interessa particularmente,


Saavedra (2015) alude que a mesma deve ser um processo executado com o mínimo de
constrangimentos possíveis, sejam eles pessoais ou sociais, na medida em que acarreta
não apenas consequências profissionais, como estrutura também outras dimensões da
vida dos indivíduos sociais, como por exemplo, as responsabilidades domésticas, as
responsabilidades familiares, as atividades de lazer e a participação na vida pública
(Saavedra, 2015; Perista, 1999). Contudo, vários são os estudos que demonstram que o
que ocorre na prática é o oposto, isto é, que são as várias dimensões da vida dos indivíduos
sociais, nomeadamente referentes aos diferentes papéis que desempenham na sociedade,
que estruturam e comportam grande influência no modo como homens e mulheres optam
e gerem a sua vida profissional. Tais constrangimentos estão intrinsecamente
relacionados com as distintas posições e diferentes estatutos sociais que assumem as
mulheres e os homens na sociedade, bem como com as características e expetativas
estereotipadas construídas em torno dos diferentes sexos, que posicionam os homens em
posições sobrevalorizadas na esfera pública e profissional e as mulheres em posições
inferiorizadas, amarrando-as à esfera privada do lar e da família.

Ressalta-se, desta forma, a ideia de que as desigualdades entre mulheres e homens


encontradas no mundo laboral, poderão ser entendidas como o reflexo da ordem vigente
de género da sociedade em questão (Perista, 1999), fruto da prevalência de estereótipos
de género, “regras e de sistemas de papéis tradicionais no quadro da organização familiar
e da sociedade em geral” (Covas, 1993, p. 200).

24
A construção e a reprodução social do género emerge, assim, como um dos
principais fatores condicionantes da escolha e gestão profissional dos indivíduos sociais,
que, na verdade, acaba por não ser a mais livre possível, como idealizara Saavedra (2015),
mas fruto de constrangimentos socioculturais assentes na segregação estereotipada entre
géneros, influenciando particularmente o modo como os indivíduos estruturam e
constroem as suas identidades sociais e profissionais.

Apesar dos avanços relativos à participação igualitária entre mulheres e homens


no mundo do trabalho e de, atualmente, as mulheres apresentarem liberdade de escolha,
(Covas, 1993), “mulheres e homens continuarão a fazer o seu desenvolvimento
vocacional e a explorar vocacionalmente , condicionados pelos estereótipos de género”
(Silva & Taveira, 2012, p. 174), com base no parecer socialmente construído da existência
de profissões e funções ‘destinadas às mulheres’, marcadas pelas características do
modelo tradicional da feminilidade e de profissões e funções ‘destinadas aos homens’,
marcadas pelas características do modelo tradicional da masculinidade. Essa escolha,
aparentemente livre, encobre “uma realidade que se tem prolongado no tempo e que
agrava uma situação de injustiça social para as mulheres” (Perista, 1999, p. 128). Os
estereótipos de género, construídos e reproduzidos, que subvalorizam as mulheres e as
suas características estereotipadas associadas, assumem particular influência nas
expectativas de autoeficácia das mesmas “limitando as suas aspirações e realizações e,
consequentemente, circunscrevendo o âmbito dos seus processos de exploração de
carreira e o seu desenvolvimento vocacional” (Saavedra, Taveira, & Silva, 2010, p. 52).
As mulheres acreditam possuir maiores dificuldades em desempenhar profissões e
funções laborais tipicamente masculinas e maiores capacidades em exercer profissões e
funções laborais tradicionalmente femininas, estas últimas, normalmente, menos
prestigiadas e, menos bem remuneradas. Por esse motivo, frequentemente se interessam
por profissões e funções laborais tipicamente femininas, às quais não restam dúvidas
quanto ao seu desempenho. (Saavedra, Taveira, & Silva, 2010).

Segundo Vicente (2013), as escolhas profissionais de homens e de mulheres, não


devem ser encaradas apenas como diferentes escolhas por diferentes sexos, mas como
diferentes escolhas por parte das mulheres e por parte dos homens que são influenciadas
por fatores culturais, que desde cedo que são incutidos, através de diversos processos de
socialização. Acker (1990), Santos e Amâncio (2014) e Saavedra e colaboradoras (2010),
indicam, também, que a influência do género na construção da identidade individual dos

25
indivíduos, através de processos de socialização, influencia a opção profissional de
mulheres e de homens.

Segundo Betz e Hackett (1997), os processos de socialização de género podem


explicar as divergências profissionais entre sexos após determinada idade, uma vez que
“não é o género per se que leva a um comportamento profissional discrepante entre
homens e mulheres , mas sim aspetos da socialização de género que influenciam as
diferentes carreiras e escolhas profissionais de homens e mulheres, na sociedade” (Betz
& Hackett, 1997, p. 385). Também segundo Lima e colaboradores (2017), os interesses e
as escolhas profissionais diferenciados por sexo são gerados no processo de apropriação
da cultura, no decorrer da socialização. Cada indivíduo, vai, através da família, da escola,
dos meios de comunicação e outras instituições formais e informais, “ser condicionado
precocemente em função do que é considerado socialmente adequado para o seu sexo”
(Saavedra, 2015, p. 263). Averiguamos, portanto, que o processo de socialização de
género, determinante na construção das identidades sociais dos indivíduos, como já
explorado, é consequentemente determinante na construção das identidades profissionais
dos mesmos, essencialmente, no que toca à escolha e gestão da sua carreira profissional.

Linda Gottfredson (2002, 2004), defende, com a introdução da ideia


“Circumscriptions”, que entre os seis e os oito anos de idade, as crianças passam por um
processo de “Orientation to sex roles”. Nesta etapa do desenvolvimento de auto-imagens
e aspirações ocupacionais, as crianças começam a ganhar consciência da existência de
papéis sexuais, essencialmente no que toca às profissões “adequadas às mulheres” e às
profissões “adequadas aos homens”, descartando a priori uma parte do mundo
ocupacional, por ser “wrong sex-type” (Gottfredson, 2002). Segundo Saavedra (2015),
essa consciência estereotipada, relacionada com as atividades profissionais, adquirida no
decorrer da infância, dificilmente é modificada na adolescência, altura em que em rapazes
e raparigas realizam as suas primeiras escolhas relativas à futura carreira, como a escolha
da área do curso, a continuidade dos estudos, e posteriormente ao longo da vida
profissional do indivíduo.

Na prática, essa diferenciação por sexo no que toca à escolha profissional, pode
ser analisada, por exemplo, na discrepância de matriculados por áreas de formação no
ensino superior. Por tal, calculou-se a percentagem de homens e de mulheres nas diversas
áreas de formação, através dos dados brutos disponibilizados pela DGEEC/MEd -
MCTES (Direção Geral de Estatísticas da Educação e Ciência), relativos ao número de

26
alunos e alunas matriculados no ensino superior, por área de educação e formação,
acedidos através do site PORDATA4.

Relativamente ao ano de 2019, a discrepância por sexo encontra-se de forma mais


visível nas áreas da Educação (formação de professores/formadores e ciências da
educação) , das Ciências, Matemática e Informática (ciências da vida, ciências físicas,
matemática e estatísticas, informática), das Engenharia, Indústrias Transformadoras e
Construção (engenharia e técnicas afins, indústrias transformadoras, arquitetura e
construção), dos Serviços (serviços pessoais, serviços de transporte, proteção do
ambiente, serviços de segurança) e da Saúde e Proteção Social (saúde, serviços sociais).
Do total de matriculados em 2019 na área da Educação, 78,4% são mulheres e 21,6% são
homens; do total de matriculados em 2019 na área das Ciências, Matemática e
Informática, 43,1% são mulheres e 56,9% são homens; do total de matriculados em 2019
na área das Engenharias, Indústrias Transformadoras e Construção, 28,4% são mulheres
e 71,6% são homens; do total de matriculados em 2019 na área da Saúde e Proteção
Social, 77% são mulheres e 23% são homens e do total de matriculados na área dos
Serviços, 42,7% são mulheres e 57,3% são homens.

Quadro 1. Matriculados no ensino superior, por área de formação 5 e sexo (%): 2019

Engenharia,
Ciências, Saúde e
Indústrias
Educação Matemática e Proteção Serviços
Transformadoras e
Informática Social
Construção

Mulheres 78,4% 43,1% 28,4% 77% 42,7%

Homens 21,6% 56,9% 71,6% 23% 57,3%

Total 100% 100% 100% 100% 100%

https://www.pordata.pt/Portugal/Alunos+do+sexo+feminino+matriculados+no+ensino+superior+total+e+
por+%C3%A1rea+de+educa%C3%A7%C3%A3o+e+forma%C3%A7%C3%A3o-1028

https://www.pordata.pt/Portugal/Alunos+do+sexo+masculino+matriculados+no+ensino+superior+total+e
+por+%C3%A1rea+de+educa%C3%A7%C3%A3o+e+forma%C3%A7%C3%A3o-1027

5
Apenas foram selecionadas as áreas de formação onde existe a sobre representação de algum dos sexos.

27
Fonte: Elaboração pessoal com base nos dados disponibilizados pela Direção Geral de Estatísticas da
Educação e Ciência.

*Verde- Sexo sobre representado;

*Vermelho- Sexo sub-representado

Nota-se que os dados estatísticos mais recentes disponibilizados nos indicam que
é nas áreas de formação tradicionalmente mais próximas do padrão estrutural da
feminilidade que as mulheres se encontram sobre representadas e os homens sub-
representados e que é nas áreas mais próximas do padrão estrutural da masculinidade que
os homens se apresentam sobre representados e as mulheres sub-representadas.

Ainda se calculou, através dos mesmos dados disponibilizados, a distribuição do


total das mulheres e do total dos homens matriculados no ensino superior, em 2019, por
área de formação. Essa distribuição evidencia uma maior concentração das mulheres
matriculadas em áreas de formação, socialmente, caracterizadas, como femininas e uma
maior concentração dos homens matriculados nas áreas de formação, socialmente,
caracterizadas, como masculinas. Assim, a distribuição das mulheres matriculadas, por
área de formação, mesmo que não atinja 50% dos casos, indica que é na área de Ciências
Sociais, Comércio e Direito que estas se apresentam mais concentradas (36,7% das
mulheres matriculadas). Em contrapartida, a distribuição dos homens matriculados, por
área de formação, mesmo que não atinja 50% dos casos, indica que é na área da
Engenharia, Indústrias Transformadoras e Construção que estes mais se encontram
concentrados (32,9% dos homens matriculados).

Analisamos que, os processos de socialização de género, são capazes de,


primeiramente, compreender a construção das identidades sociais, e consequentemente a
construção das identidades profissionais dos indivíduos sociais, uma vez que ocorrem
segundo uma estrutura de género segregada e androcêntrica. Assim, segundo uma lente
micro, concluímos que as escolhas e os percursos laborais de homens e de mulheres
também poderão ser explicados pela influência dos fatores culturais, como papéis e
normas de género interiorizados ao longo da vida, desde a infância.

Nesse seguimento, Carreiras (2004) esclarece que, tendo em conta a tendência


predominante no que diz respeito às escolhas profissionais femininas, já exploradas, “não
surpreende observar uma reprodução do mesmo padrão em termos das preferências
expressas no contexto militar. De um modo geral, as mulheres, interessam-se por funções
que não envolvam horários longos e irregulares, elevadas exigências físicas, exercícios
28
de campo e comando direto de grandes contingentes de soldados. Nessa medida, a sua
grande maioria desempenha funções nas áreas administrativa, legal, de pessoal e técnica,
em níveis inferiores da organização” (Carreiras, 2004, p. 77), como será analisado
adiante, com a recolha de dados estatísticos relativos à participação militar feminina no
Exército Português.

5. Dominação Masculina nas Instituições Militares: A Influência


dos Fatores Culturais de Género na Participação Militar Feminina

Por um lado, olhar para a sociedade portuguesa, sob uma lente de género, é
observar uma sociedade que continua a alimentar e a ser alimentada pela ordem de género
predominante nas sociedades ocidentais. Em primeiro plano, pela construção e
reprodução de um modelo convencional de género, assente numa assimetria que
sobrevaloriza o masculino e subvaloriza o feminino em várias esferas sociais, e pela clara
associação entre os mesmos polos de género e sexo biológico (homem-masculino;
mulher-feminina) como algo da ordem do natural que, através de processos
socializadores, produz homens-masculinos-dotados de poder e mulheres-femininas-
passivas. Por outro lado, pensar na instituição militar é, sob uma lente de género, pensar
numa organização genderizada, altamente masculina, até mesmo a “mais masculina de
todas as instituições sociais” (Segal, 1999, p. 17), que, anteriormente exclusiva aos
homens, atualmente incorpora mulheres nas suas fileiras, nos seus diversos ramos, postos
hierárquicos, especialidades e regimes de prestação de serviço.

Numa tentativa bem conseguida de construção de uma teoria sistemática sobre as


variáveis que influenciam o grau e a natureza da participação das mulheres nas Forças
Armadas, Segal (1999) identifica três categorias potencialmente influenciadoras: uma
primeira, relativa ao contexto militar, uma segunda referente à estrutura social e uma
terceira respeitante à cultura da sociedade. Mais tarde, Carreiras (2002), inspirando-se em
Segal (1999) e no contributo de outros autores, propõe um novo modelo de análise, mais
completo, composto por quatro grupos de fatores que se influenciam mutuamente e
afetam a participação militar feminina, sendo eles: fatores políticos, fatores
socioeconómicos, fatores culturais e fatores militares, este últimos descortinados em três
dimensões, dimensão cultural, dimensão estratégica e dimensão organizacional.

29
De forma breve, os fatores políticos referem-se à “ configuração das relações civil-
militares, ao regime político e respectivo quadro jurídico-institucional, à ideologia
política dos vários governos e às consequentes políticas relativas às mulheres e
minorias, aos níveis de representação feminina nas estruturas de poder ou ainda ao papel
assumido pelos diferentes actores políticos” (Carreiras, 2011, p. 102) e a forma como
estes se relacionam com as instituições militares.

Os fatores socioeconómicos, abrangem duas dimensões, por um lado, o impacto


das tendências demográficas no mercado de trabalho, uma vez que “a carência de mão-
de-obra masculina funcionou historicamente como uma importante força motriz da
participação feminina no mercado de trabalho nos países ocidentais. Este factor teve
uma expressão idêntica no campo militar, onde a menor disponibilidade de homens
significou, em geral, uma ampliação das oportunidades para as mulheres”
(Carreiras, 2011, p. 100). Por outro lado, o impacto da “participação feminina no
mercado de trabalho, a qual, por seu turno, é indissociável do estado da economia.
O processo de crescente participação feminina na economia formal na segunda metade
do século XX constituiu um dos processos com maior impacto na mudança de valores
e atitudes em direcção a uma maior aceitação das mulheres nas diversas áreas da
vida social, tornando consequentemente o serviço militar mais compatível com os
papéis admitidos às mulheres” (Carreiras, 2011, p. 100).

A participação militar feminina também tem sido o resultado da influência de


fatores militares, nomeadamente no que toca à segurança nacional-nível de ameaças e à
natureza das missões militares, como também fruto da mudança tecnológica e estrutural
das forças e políticas de recrutamento. Assim, verifica Carreiras que “a ausência de
mulheres nas áreas próximas do combate faz supor que quanto maior for a relativa
importância do combate, sobretudo terrestre, menor a presença feminina;
contrariamente o desenvolvimento de missões de peacekeeping ou de missões
similares às funções policiais internas parece estar associado a um maior
envolvimento das mulheres” (Carreiras, 2011, p. 101). Carreiras (2011) ainda adverte
para o facto da abolição da conscrição e o desenvolvimento de forças exclusivamente
voluntárias estar relacionado a um crescente recurso da participação militar feminina.

Por último, os fatores culturais, que dizem respeito ao impacto da construção


social do género na participação das mulheres na vida militar. Segundo Segal (1999), o
problema da participação das mulheres na vida militar assenta primordialmente em

30
perceções e valores social e culturalmente construídos e reproduzidos, em torno da figura
biológica da mulher e não em realidades objetivas. Por esse motivo ou “as forças armadas
têm que ser encaradas (pelos decisores políticos e população) como uma instituição
transformada para se tornar mais compatível com o modo de ser das mulheres (ou com o
modo como são vistas), ou então as mulheres têm de ser encaradas como susceptíveis de
mudança que potencialmente as torne mais aptas para o serviço militar” (Segal, 1999, p.
17).

Carreiras (2002), explorando hipóteses anteriormente propostas pelo modelo de


Segal (1999), conclui que os valores culturais prevalentes, quer na sociedade em geral,
quer na organização militar em específico, embora estabeleçam uma relação mútua com
os outros fatores de análise, são os que “se manifestam de forma mais transversal”
(Carreiras, 2002, p. 30) e têm particular influência, em todos os outros. Desta forma, a
autora conclui que são os valores culturais de uma sociedade no geral, nomeadamente
relativos à construção social do género (masculinidade, feminilidade e valores sobre a
família) e os fatores culturais específicos do contexto militar, os que mais influem na
participação militar das mulheres. Carreiras (2002) ainda enfatiza a importância destes ao
entendimento das escolhas de carreira das mulheres militares, objeto em estudo nesta
dissertação, uma vez que são “os modelos culturais e arquétipos de género dominantes na
sociedade em geral e na organização militar em particular [que] influem fortemente sobre
o processo de integração militar feminina e investem a cada momento, o processo de
decisão nas mais variadas áreas” (Carreiras, 2002, p. 34).

Já problematizados os fatores culturais da sociedade portuguesa no que toca às


questões de género, procurou-se, em seguida, analisar os fatores culturais específicos do
contexto militar, debatendo as representações socioculturalmente construídas e
reproduzidas em torno da organização e do ser militar.

É sabido que, ao longo dos tempos, a predominação masculina foi e continua a ser
observada em vários setores, essencialmente no laboral, promovendo uma “resistência à
ocupação de determinados postos de trabalho por mulheres, a exemplo da profissão
militar” (Moreira, 2011, p. 18). O campo militar, no que concerne ao plano simbólico-
cultural, tem “funcionado como um campo social produtor de referenciais sobre papéis
sexuais, e, em particular, de uma conceção normativa da masculinidade, que, por um lado,
amplifica o modelo socialmente dominante, por outro, participa ativamente na sua
produção e reprodução” (Carreiras, 1997, p. 45), através das suas próprias dinâmicas e

31
socializações organizacionais, enquanto instituição totalizante, no sentido goffmaniano
do termo.

O ideal-tipo, no sentido weberiano do termo, do ser militar tem-se como uma


projeção de um conjunto de disposições históricas (habitus militar) assentes na
masculinidade hegemónica, intervindo “na formação de identidades e estereótipos
sexuais, [que, juntamente ao percurso histórico da] (…) exclusão das mulheres, contribuiu
para reforçar diferenças e codificar fronteiras entre géneros” (Carreiras, 1997, p. 45).

Na altura em que o serviço militar se circunscrevia à conscrição (serviço militar


obrigatório para os homens), o mesmo funcionava como um rito de passagem à vida
adulta dos homens, mas também como um “ritual de diferenciação entre as categorias de
masculino e feminino” (Carreiras, 2002, p. 35), uma vez que o ser militar se
operacionalizava em torno de ideais assentes em parâmetros físicos rigorosos e na
virilidade, evidenciando uma relação naturalizada entre homem-guerreiro e
masculinidade-agressão. Já a imagem da mulher e da feminilidade era concebida em torno
da paz e da passividade em oposição à virilidade requerida do ser militar. Desse modo, a
categoria do feminino e a imagem da mulher também se demonstram cruciais à definição
do ser militar, uma vez que funcionaram, e continuam a funcionar, como referencial de
alteridade à masculinidade hegemónica característica do campo militar (Carreiras, 2002).

Segundo Carreiras (1997), a categoria de ‘outro-mulher’, enquanto figura de


alteridade em contexto militar, desdobra-se “em múltiplas subcategorias que
particularizam atributos específicos e frequentemente contraditórios que a construção
social do género feminino foi gerando” (Carreiras, 1997, p. 47). Exemplos como, a
‘mulher objecto sexual’, como meio da confirmação da masculinidade hegemónica dos
militares homens, através de encontros heterossexuais, removendo qualquer dúvida no
que toca à sua virilidade, bem como a ‘mulher intocável’, capaz de dar a vida e que, por
isso, importa ser protegida da “violência do combate e dos horrores da guerra” (Carreiras,
1997, p. 48). Divisão, esta, entre protetores e protegidas, justificada socialmente pelo
facto de que “à imagem do homem naturalmente incapaz de procriar, a mulher seria
incapaz de lutar: a maternidade seria o seu próprio combate” (Carreiras, 1997, p. 48).

Todavia, também o campo e o ser militar foram alvos de algumas


reconceptualizações na ordem do plano simbólico-cultural. Com a abertura da instituição
militar às mulheres e posterior profissionalização das Forças Armadas Portuguesas, isto
é, com a abolição da conscrição e a introdução do voluntariado como base do
32
recrutamento militar a ambos os sexos, o peso dos arquétipos tradicionais baseados no
físico e na virilidade perderam algum peso, peso esse revertido para a valorização dos
aspetos técnico-organizacionais. Porém, apesar desta abertura, as Forças Armadas
Portuguesas continuam a ser um universo de relações marcado pela construção
assimétrica de género, isto porque a história dos princípios organizativos das Forças
Armadas foi ela própria marcada por uma significativa sexualização de papéis de género,
construída com base normativa na masculinidade (Moreira, Moura, Pinheiro, & Ribeiro,
2013), que, ao longo dos anos, tem vindo a ser reproduzida nas mentes e nos corpos dos
agentes, homens e mulheres, sobre a forma de habitus. Verifica-se, desse modo que,
“mesmo diante de um movimento social de abertura, o caráter hermético da organização
militar tende a assumir uma dinâmica inercial pela qual se busca preservar estruturas do
passado que são até re-significadas no presente, mas não completamente modificadas”
(Rosa & Brito, 2008, p. 1), até porque é uma instituição que comporta uma “grande
complexidade organizativa, normalmente muito pesada em termos de evolução, portanto
tendencialmente conservadora” (Santos J. L., 2012, p. 24).

Carreiras (1997) afirma que a “entrada de mulheres no domínio militar não deixará
de revelar um campo de relações marcado pelas características do processo de construção
assimétrica do género (…) pelo facto de, ao contrário de outras organizações onde a
estrutura simbólica da diferenciação entre géneros permanece implícita, as Forças
Armadas terem historicamente desenvolvido princípios de organização explicitamente
“sexuados”” (Carreiras, 1997, p. 45). O ideal-tipo do ser militar, mesmo perante um
movimento social de abertura, continua a estar ancorado em características físicas e
psicológicas estereotipadas e naturalizadas em torno dos homens como é o caso da “
agressividade, força física, orientação para a ação, frieza, stamina, capacidade de
exposição a perigo físico extremo e aos sangrentos requisitos da guerra” (Carreiras, 2013,
p. 481). Já as características físicas e psicológicas estereotipadas e naturalizadas em torno
das mulheres, continuam a ser perspetivadas, sob uma lente social, como características
indesejadas e não compatíveis com a profissão militar. Assim, o ser militar continua a
associar-se “à conceção dominante de masculinidade, seja ela decorrente de arquétipos
tradicionais ancorados na virilidade ou no poder físico, seja ela associada a novos
significados como a competência técnica e profissional” (Carreiras, 2018, p. 241).

Para além de ser uma instituição, ainda, muito masculina, a instituição militar, no
caso português, atualmente, incorpora mulheres nos seus diversos ramos, postos,

33
especialidades e regimes de prestação de serviço. A maioria das discussões públicas e
institucionais acerca da participação militar feminina, papéis e funções que as mulheres
militares devem desempenhar, enquadram-se sobretudo em torno da oposição entre
cidadania e eficácia militar, onde aspetos como “os valores democráticos da igualdade e
não-discriminação são confrontados com as exigências militares de eficácia e prontidão”
(Carreiras, 2013, p. 481).

Embora os discursos e as opiniões partilhadas cada vez mais estejam de encontro


com a igualdade de género, argumentos negativos e restritivos à participação militar
feminina nas instituições militares e na sociedade em geral, persistem. São quatro os tipos
de argumentos que têm vindo a ser utilizados: argumentos relacionados com as
características físicas e psicológicas estereotipadas em torno das mulheres, como a fraca
força física, o período de gravidez, período menstrual, a sensibilidade emocional e a
incapacidade de operar sob stress; argumentos relacionados com o efeito da presença
feminina sobre a coesão e moral das unidades militares, nomeadamente no que concerne
ao efeito de processos de interação sobre desempenhos e impacto sobre a solidariedade
masculina; argumentos concernentes à relação custo-eficácia, como a atrição, a perca de
tempo de serviço, os custos de seleção de pessoal; e ainda argumentos ancorados nas
consequências da participação militar feminina em termos de valores sociais e culturais
(preservação de ideais de género, opinião pública, perceção das forças militares por parte
de aliados e potenciais adversários (Carreiras, 2004). Carreiras (2013), Chambouleyron e
Resende (2006), verificam que no campo militar ainda há uma constante apreensão de
que a própria identidade combatente seja ameaçada pela flexibilização dos valores.

De todos os argumentos analisados, os referentes às características físicas e


psicológicas das mulheres e os relativos ao efeito da presença feminina sobre a coesão e
moral das unidades militares, demonstram ser os mais frequentes e comuns (Carreiras,
2013).

Relativamente às especialidades militares, segundo Castelão, as operacionais


(armas) são as que, socialmente, têm uma imagem maioritariamente incompatível com o
ser feminino (Castelão, 1999), uma vez que são percecionadas em torno de características
masculinas. Todavia, a presença feminina, mesmo nos setores administrativos (os mais
femininos, segundo uma lente social), é considerada uma fonte de distúrbio, por despertar
a líbido masculina e afetar a ordem e a hierarquia militar (Chambouleyron & Resende,
2006).

34
Um inquérito realizado por Carreiras em 1997 concluiu que três quartos dos
inquiridos militares considerou a presença das mulheres nas forças armadas mais
desvantajosa do que vantajosa à instituição. Também a opinião partilhada, no que respeita
ao desempenho de atividades operacionais por parte das mulheres, demonstrou-se um
pouco restritiva, uma vez que grande parte dos inquiridos defendeu que as funções
desempenhadas por mulheres deveriam restringir-se a áreas de apoio e de logística.
Apenas alguns concordaram que as mulheres poderiam desempenhar qualquer tipo de
tarefas. Um inquérito mais recente, realizado em 2009, mostrou que as opiniões se têm
alterado ao longo dos tempos, uma vez que grande parte dos militares partilhou a opinião
de que as mulheres poderiam executar qualquer tarefas, incluindo combate; contudo, uma
parte ainda significativa de inquiridos concordou que as mulheres deveriam apenas
realizar tarefas de apoio logístico e técnico (Carreiras, 2018).

Apesar da existência de diferentes opiniões quanto à participação das mulheres


nas Forças Armadas e de atualmente as mesmas irem de encontro à igualdade de género,
“atitudes negativas persistem, apesar dos resultados de desempenho favoráveis”
(Carreiras, 2004, p. 57), essencialmente no que toca ao acesso às especialidades das armas
e ao acesso às posições de chefia, hierarquicamente mais altas. Atitudes essas, mais uma
vez, explicadas pelo peso que a masculinidade e a uniformidade simbólico-cultural,
características do campo miliar, assumem na construção simbólica do ser militar e do
campo militar.

São vários os autores que salientam “a relação dialéctica que se estabelece entre a
estrutura e o modo de funcionamento das organizações militares e o ideal-tipo de
masculinidade prevalecente: se, através de formas específicas de socialização, modelos
disciplinares e padrões de autoridade, a instituição participa na construção do arquétipo
masculino, este, por sua vez, realimenta o funcionamento, de tal forma que (…) os
conteúdos associados às definições de masculino e militar se plasmam frequentemente
numa notável sobreposição” (Carreiras, 1997, p. 46). Deste modo, nota-se a importância
do estabelecimento da (histórica) relação entre o campo e o habitus militar e a construção
social da masculinidade, à compreensão da reprodução da ordem masculina no campo
militar.

Sabendo que o campo militar se caracteriza por um habitus militar e uma doxa
militar, eles próprios masculinos, é expectável que “os homens recém-chegados já
compartilhem, de partida, uma proximidade congénita com as regras do campo e seus

35
jogos viris de legitimação. Em contrapartida, as mulheres recém-chegadas, além de
sofrerem a violação do seu habitus “civil” (do mesmo modo que os homens recém-
chegados), sofrem também uma violação do seu habitus primário de género (feminino),
na medida em que são mulheres e precisam assimilar a lógica androcêntrica subjacente
ao campo militar” (Rosa & Brito, 2008, p. 9).

No campo militar, as mulheres, para realmente conseguirem assumir uma posição


de prestígio, terão que “possuir não só o que é explicitamente exigido pela descrição do
cargo, como também todo o conjunto de atributos que os ocupantes masculinos atribuem
usualmente ao cargo, uma estrutura física, uma voz ou aptidões como a agressividade, a
segurança, a ‘distância em relação ao papel’, a autoridade dita natural etc., para as quais
os homens foram preparados e treinados tacitamente enquanto homens” (Bourdieu, 2002,
p. 78). Segundo Castelão (1999), as mulheres militares “vivem permanentemente em
conflito resultante da necessidade de se aproximarem dos valores militares, os quais
exigem ruptura com conteúdos simbólicos associados à sua categoria sexual, mas também
são desejáveis, exigindo-lhes a necessidade de preservá-los” (Castelão, 1999, p. 131),
uma vez que, no campo militar, se verifica a sobreposição entre a identidade masculina e
a identidade profissional.

Assim, as representações estereotipadas de género construídas sobre os corpos


sexuados, aliadas à visão androcêntrica que recai sobre o ser militar e a organização
militar, colocam as mulheres militares em “situação de double bin: se atuam como
homens, elas expõem-se a perder os atributos obrigatórios da ‘feminilidade’ e põem em
questão o direito ‘natural’ dos homens às posições de poder” (Bourdieu, 2002, p. 84). Por
outro lado, “se elas agem como mulheres, parecem incapazes e inadaptadas à situação”
(Bourdieu, 2002, p. 84). São, assim, as representações sociais estereotipadas e
androcêntricas de género que recaem sobre os corpos sexuados (admitidas como
representações de um habitus primário de género) e a representação social androcêntrica
do campo e do ser militar (admitida como representação de um habitus secundário militar)
que, quando confrontadas, permitem conferir aos homens uma maior adequabilidade
social de género com o campo militar e em contrapartida conferir às mulheres uma
inadequabilidade social de género com o mesmo.

Sabendo que as identidades de género não são estáticas nem fixas, é, pelo referido
anteriormente, expectável que os homens comportem a priori um habitus de género
coincidente com o habitus militar. Em relação às mulheres, estas apresentam-se

36
desfavorecidas neste aspeto, na medida em que, ao entrarem para o campo militar, estão
sujeitas não apenas à quebra da sua identidade civil (em igualdade com os homens), mas
expostas a uma violentação do seu habitus feminino, uma vez que são submetidas a uma
ordem androcêntrica secularizada, isto é, institucionalizada no campo militar (Rosa,
2007).

Desta forma, concluímos que, apesar do plano simbólico-cultural da instituição


militar e a conceção do ser militar ter sofrido algumas reconceptualizações ao longo dos
tempos, o campo e o ser militar continuam a ser fortemente marcados por uma ordem
androcêntrica de género. A figura da mulher e as características a ela associadas, sob uma
lente social, continuam a não coincidir com a conceção do ser militar, esta última
ancorada essencialmente em critérios físicos e psicológicos rigorosos, associados à
masculinidade. Esse desencontro, entre o ser mulher e o ser militar, parece acentuar-se
particularmente nas especialidades e nos postos hierárquicos que exigem funções de
comando e contacto direto com o terreno, nomeadamente as funções de chefia e as de
combate armado, consideradas, sob uma lente social, as mais masculinas. Mesmo nas
funções tipicamente femininas, como são as da administração e as dos serviços, a
presença das mulheres, não deixa de ser alvo de julgamento, uma vez que põe em causa
o bom desempenho militar, ‘natural’ dos homens.

6. As Mulheres nas Forças Armadas Portuguesas: Enquadramento


Sócio Histórico e Legislativo da Participação Militar das Mulheres
em Portugal

Como explorado anteriormente, a história dos princípios organizativos bélicos e


das Forças Armadas foi e tem sido construída em paralelo com a construção social da
masculinidade, pelo que, desde sempre, o acesso às Forças Armadas foi vedado às
mulheres. Somente por volta dos anos 70 a inclusão das mulheres foi realizada na maioria
das Forças Armadas das democracias ocidentais e suas fileiras (Carreiras, 1995, 1999),
sendo-lhes consagrado o “estatuto militar, em corpos mistos e com acesso crescente às
várias posições e lugares institucionais” (Carreiras, 2018, p. 242). Inicialmente recrutadas
em tempos de guerra, somente na última década do séc. XX começaram a ser recrutadas
em tempos de paz (Carreiras, 1999).

37
A inclusão das mulheres nas Forças Armadas Portuguesas tem sido o resultado de
um processo contínuo de luta pela igualdade entre indivíduos de ambos os sexos (Alves,
1999). Segundo Carreiras (1995), este apelo à integração feminina, por parte das
instituições militares, foi movido essencialmente por dois fatores: a alteração do padrão
social das mulheres na família e no mercado de trabalho, agudizando a necessidade das
instituições militares alargarem a sua base social, mas também devido a dificuldades de
recrutamento, uma vez que, recrutar mulheres significaria recrutar militares com mais
qualificações e a um menor custo.

Deste então, a entrada das mulheres nas Forças Armadas e o recrutamento das
mesmas para as suas fileiras são processos que têm vindo a se desenvolver “num contexto
de transformação estrutural das organizações militares e também de significativas
alterações ao nível das relações sociais de género que, nas últimas décadas, têm
acompanhado a reconfiguração do modelo de participação social das mulheres” (Moreira,
Moura, Pinheiro, & Ribeiro, 2013, pp. 5-6). Nesse sentido, vários estudos têm vindo a ser
desenvolvidos em torno de dois vetores centrais, “por um lado, o plano socio-
organizacional da mudança na instituição militar, por outro, o plano simbólico-cultural
das relações sociais de género” (Carreiras, 1995, p. 98).

A primeira aparição das mulheres em contexto militar português remonta à I


Guerra Mundial, em apoio ao Corpo Expedicionário Português, em França, em 1918. Este
contou com o desempenho de mais de 10 voluntárias em funções na área da saúde, sendo
estas, 10 anos mais tarde, promovidas ao posto de tenente. Em 1918, o Governo da
Primeira República Portuguesa advogou “a necessidade de preparar a mulher para
desempenhar condignamente o papel de enfermeira militar e de criar enfermagem
feminina nos hospitais do país, nos campos de batalha e noutros estabelecimentos
congéneres…” (Alves, 1999, p. 75). Desde cedo, nota-se, de forma clara, o
estabelecimento de restrições formais às mulheres que, num primeiro estádio, as
impossibilitava de aceder à vida militar e, num segundo, quando permitido o acesso, as
amarrava às funções de apoio e de cuidar, coincidentes com o modelo tradicional da
feminilidade, às quais não restavam dúvidas quanto ao seu desempenho.

Em Portugal, a inclusão das mulheres, do ponto de vista da organização militar,


demonstrou-se heterogénea nos diversos ramos: Força Aérea, Exército e Marinha
(Carreiras, 1999), sendo que a “aplicação da legislação foi [também ela] efectuada

38
autónoma e descoordenadamente em cada ramo das Forças Armadas” (Castelão, 1999, p.
115).

A Força Aérea Portuguesa foi o ramo pioneiro na inclusão de mulheres nas suas
fileiras. Este, entre 1961 e 1973, criou o quadro de enfermeiras para-quedistas, que,
embora previsse 9 postos para Oficiais e 12 postos para Sargentos, nunca esteve completo
“apesar de terem sido feitos durante o referido período, 12 cursos de pára-quedismo para
enfermeiras, aos quais concorreram 126 mulheres voluntárias, sendo brevetadas 48”
(Alves, 1999, p. 76). Estas mulheres demonstraram grande eficácia no decorrer da Guerra
do Ultramar (1961-1974), facto que encorajou a Força Aérea Portuguesa a não deixar de
admitir mulheres nos seus quadros, mesmo terminada a guerra (Alves, 1999; Carreiras,
1997).

Em plena Guerra do Ultramar, em 1968, a nova Lei do Serviço Militar (Lei n°


2135, de 11 de Julho), através do artigo 2º, conferiu o serviço militar obrigatório a “todos
os cidadãos portugueses do sexo masculino” e a possibilidade dos cidadãos portugueses
do sexo feminino poderem “ser admitidos a prestar serviço militar voluntário”
(Presidência da República, 1968). Contudo, o artigo 31º da mesma lei deixa claro que “o
recrutamento especial respeita à admissão e preparação geral de voluntários que se
proponham prestar serviço efectivo nos ramos das forças armadas, em qualquer das
categorias e especialidades previstas para o efeito na lei (…) [e] abrange os que se
proponham servir: (…) Como pessoal militar feminino das categorias e funções
designadas especialmente na lei para pessoas deste sexo” (Presidência da República,
1968). Portanto, as mulheres que manifestassem interesse, possuíam abertura legal às
Forças Armadas, todavia, enfrentavam restrições formais relativamente às funções onde
poderiam servir.

No seguimento desta lei, em 1972, a Portaria n° 439/72 de 08 de agosto vem


declarar a admissão de “pessoal feminino voluntário para o desempenho das funções de
médicas e farmacêuticas em qualquer dos ramos das forças armadas” (Presidência do
Conselho - Defesa Nacional - Gabinete do Ministro, 1972) permitindo-lhes, também, caso
fosse o desejo, a graduação “nos postos até tenente-coronel ou capitão-de-fragata,
conforme o ramo das forças armadas a que se destinem” (Presidência do Conselho -
Defesa Nacional - Gabinete do Ministro, 1972). Contudo, só a Força Aérea, nos anos
seguintes, admitiu mulheres em funções de saúde na categoria de Oficiais (Alves, 1999;
Carreiras, 1997). A admissão de mulheres recaiu, novamente, de forma exclusiva, sobre

39
funções laborais que se assemelham às funções sociais contruídas em torno da figura da
mulher, relacionadas com os cuidados e o apoio.

Outra tentativa de inclusão das mulheres na vida militar, datada de 1975,


nomeadamente no Exército, passou pela admissão da frequência destas num curso básico
da Academia Militar do Exército, a fim de preencherem vagas de farmácia, estomatologia
e veterinária. Contudo, não teve êxito devido aos acontecimentos políticos da época,
mesmo tendo sido transformadas as instalações de modo a acomodar membros do sexo
feminino (Carreiras, 1997; Moreira, Moura, Pinheiro, & Ribeiro, 2013).

Apenas em 1984, sensivelmente nove anos depois, a questão da inclusão das


mulheres na vida militar em Portugal voltou a ganhar voz, aquando do anúncio de uma
proposta lei do Ministério da Defesa Nacional, que perspetivava o alargamento da
obrigatoriedade do serviço militar às mulheres. Esta proposta sairia vencida devido à falta
de recursos financeiros, estruturais e organizacionais (Alves, 1999; Moreira, Moura,
Pinheiro, & Ribeiro, 2013), tendo sido estabelecida a dispensa das mulheres do serviço
militar obrigatório em 1987.

A Lei n.º 30/87, de 7 de julho, segundo o artigo 1° esclarece que “a defesa da


Pátria é dever e direito fundamental de todos os portugueses (…) [e que] todos os cidadãos
portugueses dos 18 aos 38 anos de idade estão sujeitos ao serviço militar e ao
cumprimento das obrigações militares dele decorrentes” (Assembleia da República,
1987). Contudo, o artigo 42° deixa claro que “com observância do disposto no artigo 1.º
da presente lei, os cidadãos do sexo feminino são dispensados das obrigações militares
(…) [e] podem prestar serviço voluntário em regime normal ou em outras modalidades
de recrutamento especial em moldes a definir por diploma próprio e salvaguardados os
princípios constitucionais aplicáveis à protecção da igualdade dos cidadãos e da função
social da maternidade e a especificidade do desempenho das funções militares”
(Assembleia da República, 1987).

A Força Aérea, ramo pioneiro no que toca à inclusão das mulheres nos seus
serviços, foi também ela a pioneira na inclusão das mulheres em funções operacionais e
tidas como masculinas, autorizando, em 1988, a admissão de duas cadetes para o curso
de pilotagem aeronáutica (Carreiras, 2018). Posteriormente, a Portaria nr° 60/90 de 25 de
janeiro vem considerar que “a experiência acumulada com o desempenho de funções
pelos militares do sexo feminino pertencente aos quadros (…) [e] considerando estarem
asseguradas na Academia Militar da Força Aérea as condições organizativas e
40
infraestruturais que permitem a frequência dos cursos, em regime de internato, a cidadãos
de ambos os sexos (…), os cidadãos do sexo feminino podem, em condições de igualdade
com os cidadãos do sexo masculino, candidatar-se a prestar serviço militar efectivo nos
quadros permanentes da Força Aérea, com destino às seguintes especialidades: Piloto
aviador; Engenheiro aeronáutico; Engenheiro de aeródromos; Engenheiro electrotécnico;
Intendência e contabilidade; Médico” (Ministério da Defesa Nacional, 1990). Note-se
aqui, já, uma abertura formal à formação académica das mulheres em diversas
especialidades operacionais para fins de prestação de serviço em regime de quadro
permanente, anteriormente exclusivas aos homens.

Somente na última década no séc. XX foram reunidas condições que permitiram


o acesso definitivo das mulheres às fileiras das Forças Armadas Portuguesas nos seus
diversos ramos, resultado de vários atos legislativos, a nova lei do serviço militar de 1991
(Lei nr° 22/91 de 19 de junho) e diversas portarias reguladoras da prestação de serviço,
que fixaram “as classes, armas e serviços e especialidades abertas às mulheres em cada
ramo das Forças Armadas” (Carreiras, 1997, p. 84).

A nova lei de 1991 constituiu “um passo importante na direção da


profissionalização, ao consagrar a criação de um sistema misto semi-profissional, baseado
em regimes de contratos de curta duração: os regimes de voluntariado e contrato”
(Carreiras, 2018, p. 248). Assim, a nova lei preconizou um serviço efectivo normal por
um período entre 3 a 4 meses, após o qual homens e mulheres poderiam servir por um
tempo mínimo de 24 meses e máximo de 8 anos, em regime de contrato, antecedido de
um período de voluntariado, até 18 meses (Alves, 1999; Carreiras, 2018). Foi assim,
considerada a possibilidade dos cidadãos do sexo feminino e do sexo masculino,
igualmente de forma voluntária, poderem prestar serviço militar em regime efectivo
normal ou noutras modalidades de serviço decorrentes do recrutamento especial.
Contudo, o artigo 42° da mesma lei esclarece a necessidade de fixar “designadamente as
classes, as armas e serviços e as especialidades em que possa ser prestado serviço militar
feminino em regime de voluntariado” (Assembleia da República, 1991) e ainda autoriza
o ingresso de mulheres nas Escolas de Formação de Oficiais e Sargentos para desempenho
de funções de quadros permanentes (Moreira, Moura, Pinheiro, & Ribeiro, 2013; Alves,
1999).

Apesar desta abertura formal em igualdade com os homens, a decisão acerca das
especialidades, classes, armas e serviços em que as mulheres poderiam prestar serviço

41
recaiu essencialmente sobre especialidades e funções tidas como femininas, “às quais não
pareciam existir dúvidas em termos de facilidade de integração feminina” (Carreiras,
1999, p. 99), nomeadamente em funções administrativas, de serviços e logísticas,
afastando-as das funções mais operacionais e ligadas ao combate armado6 (Anexo A).

Relativamente ao Exército, o ramo mais hesitante quanto à incorporação das


mulheres nas suas fileiras, em 1991 através do artigo 1º da Portaria n.º 1156/91 de 11 de
novembro, foi estabelecido que, “ em condições de igualdade com os cidadãos do sexo
masculino, os cidadãos do sexo feminino podem voluntariamente candidatar-se à
prestação de serviço efectivo, em qualquer das suas modalidades, nas seguintes armas e
serviços do Exército: Armas de Engenharia e de Transmissões; Serviços de Saúde,
Administração Militar, Material, Informática, Pessoal, Justiça e Disciplina, Cartográfico,
Reconhecimento das Transmissões, Transportes, Educação Física, Material de Instrução
e Bandas do Exército” (Ministério da Defesa Nacional, 1991), sendo vedado às mulheres
o acesso às especialidades operacionais e de combate direto. Só em 1996 foi estabelecido
pelo artigo 1º da Portaria n.º 238/96 de 04 de julho, que, “em condições de igualdade com
os cidadãos do sexo masculino, os cidadãos do sexo feminino podem voluntariamente
candidatar-se à prestação de serviço efectivo, em qualquer das suas modalidades, na
totalidade das armas e serviços do Exército” (Ministério da Defesa Nacional, 1996).

Em 1999 entra em vigor uma nova lei do serviço militar (Lei n° 174/99, de 21 de
setembro), que vem considerar “o maior desafio do processo de reorganização [militar]:
a instituição de uma forma exclusivamente voluntária em tempo de paz” (Carreiras, 2018,
p. 249), preconizando o término da conscrição (Assembleia da República, 1999). Este
processo, que apenas ficou completo em 2004, após quatro anos de transição, ficou
marcado pela profissionalização das forças armadas portuguesas e pelo desempenho de
serviço militar de forma exclusivamente voluntária, quer para homens, quer para
mulheres. Como ocorreu em muitos países, verificou-se que “quanto mais as forças
armadas assentam no voluntariado como base do recrutamento, maior a percentagem de
mulheres” (Carreiras, 2018, p. 245), sendo que, segundo Carreiras (2018), este processo
se encontrou, também em Portugal, associado a um aumento da participação militar das
mulheres, nomeadamente a partir de 2004.

6
Como já se verificou, apenas a Força Aérea se demonstrou suscetível à abertura de algumas especialidades
mais operacionais. Os restantes ramos, Exército e Marinha, mantiveram restrições de acesso às funções
mais operacionais, nomeadamente às diretamente ligadas ao combate (Carreiras, 1999).

42
Somente em 2008, as restrições ao acesso das mulheres militares a diversas classes
e especialidades operacionais, nomeadamente às tropas especiais, foram abolidas com o
Despacho n.º 101/MDN/2008, onde foi deliberado que “nos concursos de admissão às
Forças Armadas se respeite o princípio da igualdade de género no acesso a todas as classes
e especialidades” (XXI Governo-República Portuguesa, 2016).

Atualmente, as Forças Armadas Portuguesas, após um caminho marcado por


avanços e retrocessos no que toca à participação das mulheres, permite a incorporação
voluntária de homens e de mulheres em todas as dimensões institucionais: no campo
militar em geral, nos diferentes ramos, postos hierárquicos, especialidades e regimes de
prestação de serviço, pois foram sendo eliminadas todas as restrições no acesso das
mulheres ao serviço militar. Todavia, apesar da participação militar feminina estar
consagrada no plano legal, desigualdades de género ainda persistem, pelo que “a entrada
de mulheres no domínio militar não deixará de revelar um campo de relações marcado
pelas características do processo de construção assimétrica do género” (Carreiras, 1997,
p. 45).

Uma vez que é nosso objetivo compreender os processos de escolha e gestão de


carreira das mulheres militares, faremos em seguida uma análise quantitativa da
participação das mulheres no campo militar português em geral e no Exército Português
em particular. A seguinte recolha de dados quantitativos demonstrou-se essencial a uma
primeira abordagem macro ao contexto militar português, bem como à construção da
problemática inerente à presente dissertação.

6.1. As Mulheres nas Forças Armadas Portuguesas: Uma Visão Geral

No que toca à última década do séc. XX, época em que as Forças Armadas
Portuguesas começaram a admitir mulheres nas suas fileiras, notou-se, entre os anos de
1994 e 1998, um crescimento geral significativo do número de mulheres, um aumento
tido como normal e previsível, visto serem os primeiros anos após a abertura formal às
mesmas, sendo, deste modo, expectável o seu aumento (Carreiras, 1999).

Relativamente ao séc. XXI, é importante enfatizar um período de crescimento de


efetivos militares femininos após 2004, como vemos no gráfico abaixo. Este ano, 2004,
foi o ano em que a profissionalização das Forças Armadas ficou completa, isto é, que a
conscrição foi abolida e o acesso à instituição, por parte de ambos os sexos, começou a

43
ser realizado exclusivamente de forma voluntária. O aumento da participação militar
feminina, neste período, é encarado natural, por Carreiras, uma vez que, tal como
verificado noutros países ocidentais, “quanto mais as forças armadas assentam no
voluntariado como base do recrutamento, maior a percentagem de mulheres” (Carreiras,
2018, p. 245).

Gráfico 1. Mulheres militares nas Forças Armadas Portuguesas, total e por ramo (N):
1994-2016

Como também podemos verificar no gráfico exposto, a partir de 2010, o número


de mulheres militares tem sofrido um decréscimo acentuado, decréscimo esse, sentido
especialmente no ramo do Exército (República Portuguesa: Defesa Nacional, 2015;
Carreiras, 2018). O decréscimo em número de mulheres é acompanhado pelo decréscimo
em número de homens, contudo, ao analisar a nível percentual, percebe-se que a
participação dos homens, mesmo assim, continua a crescer contrariamente à das
mulheres, o que revela, de facto, um decréscimo mais significativo da participação destas
últimas, nas Forças Armadas Portuguesas, como podemos verificar no seguinte gráfico.

Gráfico 2. Efetivos militares nas Forças Armadas Portuguesas, por sexo (%) : 2008-2015

44
O decréscimo mais acentuado de mulheres é interpretado por Carreiras (2018)
como consequência da grande redução de efetivos militares em contexto de crise, em
Portugal, a qual penalizou consequentemente os regimes de prestação de serviço não
permanentes, de voluntariado e de contrato, e o posto de Praça, setores onde as mulheres
mais se concentram. Contudo, aos olhos da autora, não deixa de ser um decréscimo
paradoxal e inesperado. Inesperado, “uma vez que o aprofundamento do processo de
profissionalização e os desafios de recrutamento que habitualmente se lhe associam
conduziriam potencialmente a um reforço da componente feminina” (Carreiras, 2018, p.
250); paradoxal, “no quadro dos compromissos assumidos por Portugal na
implementação da resolução 1325 do CSNU (Conselho de Segurança das Nações
Unidas), na qual se exortam os Estados a aumentar a representação feminina nas suas
forças” (Carreiras, 2018, p. 250).

Os dados mais recentes encontrados, relativos a 2017 e recolhidos por Carreiras


(2018), indicam que as Forças Armadas Portuguesas são constituídas por 2930 mulheres
militares, representando cerca de 10,5% do total de efetivos militares. A autora ainda
verifica que estas representam 12% dos militares em regime de voluntariado e contrato e
9,6% dos militares dos quadros Permanentes.

Apesar dos diferentes ramos militares servirem o mesmo propósito, o de “garantir


a segurança do país e defender os interesses nacionais contra ameaças que exijam a
coação física com acentuado grau de intensidade, além de assegurar o regular
funcionamento dos órgãos de soberania” (Santos J. L., 2012, p. 18), eles distinguem-se
em função do ambiente e do contexto em que operam, mas também pelas suas diferentes
formas de atuação e manuseamento operacional.

O Exército é o ramo responsável pela defesa, conquista e ocupação do terreno,


contactando “diretamente as populações às quais procura garantir segurança” (Santos J.
L., 2012, p. 22). O Exército, em comparação com a Força Aérea e Marinha, é o ramo
primordialmente terrestre e maioritariamente operacional, onde os “homens e as mulheres
atuam utilizando máquinas” (Santos J. L., 2012, p. 23), sendo assim uma ““empresa” de
pessoal intensivo” (Santos J. L., 2012, p. 23). Já na Força Aérea, que atua
primordialmente no ar, e na Marinha, que atua primordialmente em mar, “as máquinas
atuam manobradas por homens e mulheres” (Santos J. L., 2012, p. 23), sendo assim,
empresas não de “pessoal intensivo” como o Exército, mas essencialmente de “material
intensivo” (Santos J. L., 2012, p. 23).

45
A participação das mulheres militares também se tem demonstrado distinta nos
diversos ramos. Os dados de 2017 mostram que é no Exército que a expressão da
participação militar feminina, em comparação com a masculina, atualmente, se mostra
mais díspar (Carreiras, 2018), como mostra o seguinte quadro.

Quadro 2. Percentagem de mulheres militares, no total de militares, por ramo: 2017

Exército Força Aérea Marinha

8,7% dos militares são 14,8% dos militares são


10,6 % dos militares são mulheres
mulheres mulheres

Todavia, os dados de 2016 indicam-nos que o Exército é também o ramo que


incorpora mais mulheres nas suas fileiras (Carreiras, 2018), como indica o seguinte
quadro.

Quadro 3. Distribuição das mulheres militares, por ramo: 2016

Exército Força Aérea Marinha Total

1718 (49,2% das 948 (27,2% das 824 (23,6% das 3490 mulheres
mulheres militares mulheres militares mulheres militares militares servem
servem o Exército) servem a Força servem a Marinha) as Forças
Aérea) Armadas
Portuguesas

O número mais elevado de mulheres no ramo do Exército é explicado pelas


necessidades específicas do ramo e consequente maior número de vagas no mesmo, em
comparação com os outros ramos.

Após a análise estatística da participação militar feminina por ramo, e uma vez
que a delimitação de um locus de análise é algo a ter em conta numa investigação, optou-
se como nosso campo privilegiado de análise, o Exército. A opção pelo ramo do Exército,
baseou-se no facto de este ser o ramo que incorpora mais mulheres nas suas fileiras, o
ramo onde o decréscimo de mulheres militares mais se acentua e o ramo onde a
discrepância entre sexos mais se faz sentir, fazendo com que seja um locus mais propício
à análise.

46
6.2. As Mulheres no Exército Português: Uma Visão Específica

Tendo em conta que é nosso propósito estudar a escolha e gestão de carreira


militar das mulheres no Exército Português, é importante incluir neste enquadramento
geral uma análise relativa que tenha em conta a configuração do posicionamento militar
feminino nos diversos setores laborais deste ramo, nomeadamente por posto hierárquico,
especialidade e regime de prestação de serviço.

De modo a averiguar a participação militar feminina no Exército, analisou-se os


seguintes dados:

Quadro 4. Participação militar feminina no Exército: Modelo de análise da recolha estatística

Setores Militares Postos Hierárquicos Especialidades Regimes de Prestação de Serviço


em Análise Militares no Exército Militares no Exército Militar no Exército

• Total de • Não foram • Total de militares, por


militares, por encontrados regime de prestação de
posto; dados estatísticos serviço;
• Percentagem secundários, • Percentagem de
Dados Estatísticos de militares apenas dados já militares mulheres, por
Analisados mulheres, por trabalhados sobre regime de prestação de
posto; a distribuição das serviço;
• Distribuição mulheres • Distribuição das
das mulheres militares, por mulheres militares, por
militares, por especialidade. regime de prestação de
posto. serviço.

Ressaltamos, ainda, que a recolha dos seguintes dados estatísticos foi realizada,
essencialmente, por via do mais recente Anuário Estatístico da Defesa Nacional,
disponibilizado online, referente ao ano de 2015. Porém, alguns dados mais recentes
foram também introduzidos na análise, fruto de outras investigações de âmbito científico,
que serão referenciadas.

6.2.1. Mulheres Militares e Postos Hierárquicos do Exército


Português

As Forças Armadas Portuguesas, no seu conjunto, são estruturas altamente


hierarquizadas, nas quais a disciplina se revela essencial e sem a qual não funcionam

47
(Santos J. L., 2012). Apesar da existência de várias subcategorias hierárquicas no Exército
Português, são três os postos hierárquicos comummente identificados nos documentos e
nas estatísticas militares, por serem transversais a todos os ramos: Praça, Sargento e
Oficial, por ordem ascendente na hierarquia militar. O posto de Praça, posto
hierarquicamente mais baixo e menos bem remunerado do Exército Português,
“compreende uma série de especialidades, transversais a todo o Exército, de âmbito
operacional (Armas Combatentes e de Apoio de Combate) e logístico (serviços). As
Praças do Exército desempenham, devidamente enquadradas, funções de natureza
executiva e atividades de âmbito técnico e administrativo” (Exército Português, 2018a).
O posto de Sargento, posto intermédio da hierarquia militar, “destina-se, de acordo com
os respetivos quadros especiais e postos, ao exercício de funções de comando e chefia, de
natureza executiva, de caráter técnico, administrativo, logístico e de instrução” (Exército
Português, 2018b). O posto de Oficial, posto mais alto e mais bem remunerado da
hierarquia militar, “destina-se ao exercício de funções de comando, direção ou chefia,
estado-maior e execução que requeiram elevado grau de conhecimentos de natureza
científico-técnica e de qualificação” (Exército Português, 2018c).

Os dados mais recentes disponibilizados (2015), indicam que o Exército


Português é composto por 2476 efetivos militares Oficiais, 3541 Sargentos e 7987 Praças
(República Portuguesa: Defesa Nacional, 2017).

Relativamente à percentagem feminina por posto, do total de militares Oficiais do


Exército, 13,1% são mulheres, do total de militares Sargentos do Exército 9,2% são
mulheres e do total de militares Praças do Exército 11,2% são mulheres (República
Portuguesa: Defesa Nacional, 2015).

Quadro 5. Percentagem de militares mulheres, por posto hierárquico, no Exército: 2015

Oficial Sargento Praça

13,1% dos Oficias do 9,2% dos Sargentos do 11,2% das Praças do


Exército, são mulheres Exército, são mulheres Exército, são mulheres

Note-se que, apesar do aumento de mulheres no posto de Oficial, verificado ao


longo dos anos, é sabido, também, que a posição mais alta do posto, em específico a de
Oficial General dos quadros permanentes, não contempla nenhuma mulher. A Força

48
Aérea, ramo pioneiro na inclusão das mulheres nas fileiras e na Academia, bem como em
especialidades operacionais, foi também, em 2018, o primeiro e ainda o único ramo a ter
uma Oficial General. Após frequência no curso de promoção a Oficial General, no
Instituto Universitário Militar em Pedrouços, foi decretado pelo Presidente da República
(Decreto do Presidente da República n.º 100/2018) a confirmação da “promoção ao posto
de Brigadeiro-General da Coronel Médica Regina Maria de Jesus Ramos Mateus”
(Presidência da República, 2018), a primeira mulher a atingir o posto de general nas
Forças Armadas Portuguesas, atual Brigadeiro-General Médica da Força Aérea
Portuguesa e diretora do hospital das Forças Armadas Portuguesas (Duarte & Nunes,
2019).

A partir dos dados anteriormente expostos, calculou-se, através do número total


de efetivos em cada posto e da percentagem da presença feminina em cada, o número
aproximado e a percentagem aproximada7, de mulheres militares do Exército Português,
por posto, à data dos dados disponíveis, o que nos permitiu ter uma visão da distribuição
do total das mulheres militares, por posto hierárquico, no Exército.

Assim, os dados mais recentes (2015) indicam-nos que as mulheres militares do


Exército Português se apresentam distribuídas, por posto, da seguinte forma: cerca de 324
(21,0% das mulheres militares) se encontram no posto de Oficial, cerca de 326 (21,1%
das mulheres militares) se encontram no posto de Sargento e cerca de 895 (57,9% das
mulheres militares) se encontram no posto de Praça, como mostra o seguinte gráfico.

7
Mesmo que provenientes de documentos diferentes (Anuário Estatístico da Defesa Nacional (2017) e
Presença Feminina nas Forças Armadas em Número: Dados do Ministério da Defesa Nacional (2015) ), os
dados são relativos ao mesmo ano, 2015, e provêm da mesma fonte, o Ministério da Defesa Nacional.
Reconhecemos que os dados calculados podem não corresponder de forma exata com a realidade factual,
no entanto, permitem-nos ter uma ideia da distribuição das mulheres militares por posto hierárquico no
Exército Português.

49
Gráfico 3. Distribuição das mulheres militares do Exército, por posto: 2015

1000
900
800
700
600
500
400
300
200
100
0
Oficial Sargento Praça
N 324 326 895
% 21,0% 21,1% 57,9%

Desta forma podemos considerar que, embora sub-representadas em todos os


postos hierárquicos, a distribuição das mulheres militares, por posto, no Exército
Português, espelha a sua posição na sociedade, uma vez que a maioria se encontra a
desempenhar serviço nos postos subvalorizados, menos prestigiados e menos bem
remunerados, ao invés dos postos mais altos de chefia e de instrução, mais prestigiados e
mais bem remunerados.

6.2.2. Mulheres Militares e Especialidades do Exército Português

Relativamente às especialidades militares, o Exército Português oferece serviço


em diversas especialidades, conforme as vagas existentes. A lista de especialidades,
dependente do posto, ainda é extensa, pelo que, para fins de exposição, optámos por
agrupá-las em dois grupos, as especialidades dos serviços e as especialidades das armas,
até porque os dados relativos às mesmas compreendem essas categorizações, que são
transversais a todos os postos. As especialidades relativas aos serviços, no Exército
Português, compreendem as seguintes categorias funcionais: serviços gerais;
secretariado; material; música; transmissões; administração militar e saúde, pois
compreendem funções de carácter primordialmente administrativo e de apoio logístico.
As especialidades relativas às armas, no Exército Português, dividem-se em dois
subgrupos: as de combate direto, compreendidas pela infantaria e cavalaria, de ação
operacional e combate armado direto no terreno, e as de apoio direto ao combate,
realizadas pelas áreas funcionais da engenharia, da artilharia e dos transportes, que, apesar
de terem um contacto mais acentuado com a operacionalidade do que os serviços, não

50
executam combate armado direto no terreno, mas servem, de forma direta, suporte ao
mesmo.

Embora não tenhamos acesso a dados estatísticos em bruto, temos acesso a dados
já trabalhados, pelo que é sabido que a maioria das mulheres militares, no Exército, se
encontra em áreas administrativas, legais, de pessoal e técnicas (serviços), as quais parece
não existir dúvidas quanto ao seu desempenho (Carreiras, 2018). Embora as restrições de
acesso às especialidades operacionais e mais prestigiadas (armas) já não persistam, a
concentração de mulheres nessas áreas ainda é muito limitada (Carreiras, 2018; Moreira,
2011), principalmente nas especialidades de combate direto.

Novamente, verificamos que a distribuição das mulheres militares, por


especialidade no Exército Português, espelha a sua posição na sociedade, uma vez que a
maioria está concentrada nas especialidades subvalorizadas dos serviços e de apoio, ao
invés de desempenharem serviço nas mais operacionais das armas, de maior prestígio.

6.2.3. Mulheres Militares e Regimes de Prestação de Serviço do


Exército Português

Relativamente aos regimes de prestação de serviço, o Exército, tal como os outros


ramos, comporta três modalidades, o regime de voluntariado, o regime de contrato e os
quadros permanentes. O regime de voluntariado corresponde à assunção voluntária de um
vínculo às Forças Armadas por um período de 12 meses, incluindo o período de instrução,
findo o qual o militar pode ingressar no serviço efetivo em regime de contrato, sendo que,
“os cidadãos no regime de voluntariado poderão, após o termo do respectivo período de
prestação de serviço, requerer a sua permanência no serviço efectivo, em regime de
contrato” (Assembleia da República, 1999). O regime de contrato “corresponde à
prestação de serviço militar voluntário por parte dos cidadãos durante um período de
tempo limitado, com vista à satisfação das necessidades das Forças Armadas ou ao seu
eventual ingresso nos quadros permanentes” (Assembleia da República, 1999), sendo que
“tem a duração mínima de dois anos e a máxima de seis anos” (Assembleia da República,
1999). Dessa forma, “o contrato deve ser renovado sempre que permaneça vaga no
respectivo efectivo das Forças Armadas, se o militar contratado se manifestar nesse
sentido e tiver classificação de serviço que o permita” (Assembleia da República, 1999).
Já o regime em quadro permanente “corresponde à prestação de serviço pelos cidadãos

51
que, tendo ingressado voluntariamente na carreira militar, se encontrem vinculados às
Forças Armadas com carácter de permanência” (Assembleia da República, 1999),
mediante frequência em curso na ESE (Escola de Sargentos do Exército) ou na AM
(Academia Militar). Note-se que, atualmente, o regime de voluntariado e o regime de
contrato podem ser contemplados, de forma voluntária e mediante concurso, por todos os
postos hierárquicos do Exército Português, ao invés do regime dos quadros permanentes,
que apenas se constitui uma modalidade ao posto de Sargento e de Oficial, sendo, desta
forma, um regime de prestação de serviço não aplicável ao posto de Praça, o que deverá
ser tido em conta na análise.

Para fins de apresentação da informação, agrupamos os regimes de prestação de


serviço em dois grupos, o regime de permanência (quadros permanentes) e os regimes de
não permanência (regime de voluntariado e regime de contrato), uma vez que foi nosso
objetivo analisar, não a participação das mulheres militares por todos os regimes de
prestação de serviço existentes, mas averiguar a sua participação quanto ao vínculo de
permanência ou não permanência contratual com a instituição. Para além de implicarem
durações temporais contratuais diferentes, os regimes de permanência e não permanência
também implicam diferentes posicionamentos hierárquicos, uma vez que o regime de
permanência, completado pelos postos de Sargento e de Oficial, corresponde às
subcategorias hierárquicas mais altas, mais bem remuneradas e mais prestigiadas dos
postos em questão.

Relativamente à participação militar do Exército Português, por regime de


prestação de serviço, os dados mais recentes (2015) indicam-nos que 5317 efetivos
militares se encontram no regime de permanência (quadros permanentes) e que 8687 se
encontram nos regimes de não permanência (regime de voluntariado e regime de contrato)
(República Portuguesa: Defesa Nacional, 2017). Relativamente à participação de efetivos
militares femininos, o regime de permanência é composto por 5,7% de mulheres e os
regimes de não permanência são constituídos por 12,8% de mulheres (República
Portuguesa: Defesa Nacional, 2017), como mostra o seguinte quadro.

52
Quadro 6. Percentagem de militares mulheres, por regime de prestação de serviço, no Exército: 2015

Regime de Permanência Regimes de Não Permanência

5,7% dos militares em regime de permanência no 12,8% dos militares em regimes de não
Exército, são mulheres permanência no Exército, são mulheres

Relativamente à distribuição das mulheres militares por regime de prestação de


serviço no Exército, os dados mais recentes (2015) indicam que 301 (21,3% das mulheres
militares), são quadros permanentes e que 1110 (78,7% das mulheres militares) se
encontram nos regimes que não envolvem o vínculo laboral permanente com a instituição
(República Portuguesa: Defesa Nacional, 2017), como mostra o seguinte gráfico.

Gráfico 4. Distribuição das mulheres militares do Exército, por regime de


prestação de serviço: 2015

1200

1000

800

600

400

200

0
Não permanência (RV/RC) Permanência (QP)
N 1110 301
% 78,7% 21,3%

O facto da maioria das mulheres militares estar concentrada nos regimes de não
permanência, acaba por ser normal, uma vez que a maioria destas se apresenta no posto
de Praça, o qual não contempla o regime contratual de permanência.

Analisou-se, que, embora sub-representadas em todos os regimes de prestação de


serviço, tal como se verificou na análise por posto e por especialidade, o posicionamento
das mulheres militares, novamente espelha a posição destas na sociedade, uma vez que
recai em maioria sobre os regimes de prestação de serviço que não envolvem o vínculo
permanente com a instituição do Exército, menos prestigiados e menos bem remunerados.

53
Capítulo II. Metodologia

1. Questões e Hipóteses Orientadoras

Tendo em conta os dados mais recentes analisados, concluímos que as militares a


servir o Exército Português, embora sub-representadas em todos os setores laborais
militares, postos, especialidades e regimes de prestação de serviço, encontram-se
maioritariamente concentradas no posto hierarquicamente mais baixo e menos bem
remunerado da hierarquia militar, nas especialidades de menor prestígio, dos serviços, e
em regimes de prestação de serviço que não envolvem um vínculo permanente com a
instituição e menos bem remunerados. Observou-se, desse modo, um perfil laboral da
participação militar feminina no Exército Português, que espelha a posição subordinada
das mulheres na sociedade, com tendência para os setores laborais menos prestigiados e
menos bem remunerados.

Sabendo que não existem barreiras ou limitações formais baseadas no sexo, à


ocupação de nenhum posto, especialidade e regime de prestação de serviço, afigurou-se-
nos fundamental perceber que mecanismos estão então em ação nesta desequilibrada
distribuição das mulheres no Exército. Para tal, procurou-se percebê-la à luz das
perspetivas sociológicas da aprendizagem social, nomeadamente, à luz da teoria da
socialização de género, uma vez que, ao longo da problemática, debatemos a importância
da mesma na forma como os indivíduos constroem as suas identidades sociais e
profissionais. Assim, tendo em conta a problemática desenvolvida e os dados estatísticos
analisados, a questão central colocada (Q1), à qual a presente dissertação se propõe dar
resposta, é: Qual a influência dos processos de socialização de género nas escolhas e
gestão da carreira das mulheres militares portuguesas a servir o Exército Português?

De forma a responder à questão principal, procurou-se averiguar as seguintes


questões específicas:

Q2: Quais as conceções do campo militar e seus setores, sob uma lente de género,
partilhadas e difundidas na sociedade portuguesa? Esta questão visa, mesmo que de forma
exploratória, obter uma visão macro do plano simbólico-cultural do campo militar, sob
uma lente de género, na sociedade portuguesa. Quanto a esta questão, avançamos a
hipótese de que os estereótipos de género, partilhados e difundidos na sociedade
portuguesa, permitem tipificar o campo militar, aos olhos da mesma, um campo

54
tipicamente masculino e adequado aos homens. Quanto aos seus setores laborais,
formulamos a hipótese da existência de uma genderização, aos olhos da sociedade
portuguesa, no que toca aos diversos ramos, postos hierárquicos, especialidades e regimes
de prestação de serviço, desvantajosa no caso das mulheres.

Q3: A que processos de socialização de género foram as mulheres militares do


Exército Português expostas desde a infância/adolescência? A nossa hipótese é a de que
as mulheres, ao longo da sua infância e adolescência, estiveram expostas a processos de
socialização de género, familiares e escolares, tradicionais, orientados por modelos e
práticas que ancoram a figura feminina à esfera privada e dos sentimentos e remetem a
figura masculina para o poder e para a dominação da esfera pública, capazes de orientar
as suas representações de género e consequentes escolhas de carreira no Exército.

Q4: Quais as representações de género das mulheres militares do Exército


Português? Como consequência da hipótese anterior, espera-se que as mulheres
transportem representações estereotipadas e naturalizadas de género, no que toca a papéis
socais, traços de personalidade, características físicas e ocupações profissionais que, por
um lado, subestimam a posição das mulheres e, por outro, sobrevalorizam a dos homens,
no que toca às dimensões referidas, capazes de influenciar as suas escolhas de carreira no
Exército.

Q5: Quais as conceções do ser militar e seus setores laborais militares, sob uma
lente de género, partilhadas pelas mulheres militares do Exército Português? Uma vez
que se considera que as mulheres são socializadas segundo uma estrutura de género,
espera-se que elas espelhem a visão da sociedade em que se inserem, a portuguesa, no
que toca à questão em causa. Isto, é , tendo em conta a hipótese à Q2, espera-se que os
seus discursos, revelem, também, uma conceção masculina da profissão militar e uma
genderização dos diversos postos hierárquicos, especialidades e regimes de prestação de
serviço, desvantajosa no caso das mulheres, capazes de influenciar as suas escolhas de
carreira no Exército.

Q6: Que fatores influenciam as motivações de alistamento, das mulheres, ao


Exército Português, ao posto, à especialidade e ao regime de prestação de serviço, onde
operam serviço? Tendo em conta todas as hipóteses anteriores, e não eliminando a
hipótese de serem múltiplos os fatores influenciadores das suas motivações, espera-se que
os fatores culturais de género, da sociedade portuguesa em geral e do Exército em

55
particular, condicionem fortemente as escolhas e a gestão da carreira militar das mulheres
no Exército Português.

Espera-se, portanto, que as mulheres revelem processos de socialização de género


tradicionais e que consequentemente transportem visões estereotipadas e naturalizadas de
género que sobrevalorizam o masculino em detrimento do feminino, na sociedade em
geral e no Exército em particular, capazes de orientar as suas ações, práticas e escolhas
laborais. Por esse motivo, consideramos que as mulheres se apresentem limitadas por
serem, mesmo que de forma não questionada, socialmente barradas ao acesso aos cargos
mais altos e mais bem remunerados da hierarquia militar, às especialidades operacionais
mais prestigiadas das armas e ao regime de prestação de serviço com vínculo permanente
à instituição e, consequentemente, socialmente orientadas para os cargos mais baixos e
menos bem remunerados da hierarquia militar, para as especialidades dos serviços e para
os regimes de prestação de serviço que não envolvem o vínculo permanente com a
instituição.

2. Estratégia de Investigação

É nosso entender que uma análise relacional, que ultrapasse as dicotomias


clássicas, falsamente antagónicas, como macro e micro, objetivismo e subjetivismo,
sociedade e indivíduo, estruturalismo e construtivismo, é a que melhor se adequa a este
trabalho. Alinhamo-nos com diversos autores, como por exemplo, Pierre Bourdieu, na
consideração do mundo social como um espaço multidimensional, onde, em cada
universo existe uma desigual distribuição de recursos, desigualdade essa que aprova o
engajamento dos agentes em diferentes posições sociais no campo em que se inserem
(dimensão estrutural). Contudo, é também um espaço de disposições dos próprios
agentes, pelo que interessa ter em conta a génese dos seus esquemas de perceções,
apreciações e ação prática (dimensão construtivista).

Por esse motivo, optou-se pela adoção da estratégia metodológica mista, na


medida em que permite uma dialética entre uma abordagem quantitativa e qualitativa que,
cumprindo diferentes funções, se complementam na análise aprofundada do presente
objeto de estudo. Sendo o objeto de estudo as escolhas e gestão de carreira militar das
mulheres militares portuguesas a servir o Exército Português, a adoção da estratégia mista
permite, por um lado, obter uma abordagem estrutural, operacionalizada através da

56
aplicação de um inquérito por questionário, e, por outro lado, uma abordagem micro,
através da realização de entrevistas em profundidade a mulheres militares a servir o
Exército Português.

2.1. Inquérito por Questionário

Com base na recolha dos dados secundários sobre a participação militar feminina,
anteriormente analisados, achou-se oportuno averiguar, num primeiro momento, sob uma
lente de género, como o plano simbólico-cultural do campo militar e seus setores são
percecionados aos olhos da sociedade portuguesa (Q2), de modo a obter uma visão
primordialmente macro e estrutural do plano simbólico-cultural de género do campo
militar, ainda que exploratória.

Por tal, optou-se, pela aplicação de um inquérito por questionário administrado


online, de forma direta e pública, através do aplicativo Google Forms. A opção por este
método de recolha de dados online teve por base a facilidade de partilha e divulgação do
mesmo nas redes sociais, nomeadamente no Facebook e no Instagram, de modo a que
chegasse a um maior número de inquiridos, distribuídos geograficamente, a baixo custo.
Foi ainda pedido ao círculo de amigos virtuais da investigadora que partilhassem o
questionário com outras pessoas.

Todavia, reconhecemos as limitações deste tipo de inquérito, nomeadamente no


que concerne à versatilidade das respostas. Por assumir um carácter altamente aberto e
público, os respondentes podem adulterar informações que não são passíveis de
verificação, ou ainda, podem interpretar as questões da forma não pretendida pelo
investigador, pelo que há o risco de as respostas serem subjetivas e não de acordo com
os objetivos da investigação. De forma a contornar essas limitações, no inquérito, optou-
se pela utilização de questões fechadas ao invés de questões abertas, esclareceu-se, de
forma introdutória, o estudo em causa e os seus objetivos e procedeu-se, ainda, à
explicitação de alguns conceitos que pudessem ser desconhecidos pelos respondentes.

A população alvo a que se destinou foi a população portuguesa. Quanto à amostra,


a proposta não passou pela garantia da representatividade da população, até porque, como
referido, o mesmo tinha objetivos exploratórios e não confirmatórios e foi aplicado de
forma aberta. Assim, a composição e dimensão da amostra consistiu no número de
respostas dadas até à data de fecho do mesmo, por quem pretendeu, de forma voluntária,
colaborar com a sua resposta. Foram contabilizados 108 respondentes.

57
Quanto à estrutura do questionário (Apêndice A), procurou-se organizá-lo
segundo as mesmas dimensões aferidas estatisticamente ao longo da problemática, o
campo militar, os diversos ramos, postos hierárquicos, especialidades e regimes de
prestação de serviço, com os seguintes objetivos (Apêndice B):

• Perceber, aos olhos da sociedade portuguesa, qual a perceção do campo


militar, sob uma lente de género;
• Perceber, aos olhos da sociedade portuguesa, quais os ramos
maioritariamente compatíveis com os valores da masculinidade e quais os ramos
maioritariamente compatíveis com os valores da feminilidade;
• Perceber, aos olhos da sociedade portuguesa, quais os postos hierárquicos
maioritariamente compatíveis com os valores da masculinidade e quais os postos
hierárquicos maioritariamente compatíveis com os valores da feminilidade;
• Perceber, aos olhos da sociedade portuguesa, quais as especialidades
militares maioritariamente compatíveis com os valores da masculinidade e quais as
especialidades militares maioritariamente compatíveis com os valores da feminilidade;
• Perceber, aos olhos da sociedade portuguesa, quais os regimes de
prestação de serviço maioritariamente compatíveis com os valores da masculinidade e
quais os regimes de prestação de serviço maioritariamente compatíveis com os valores da
feminilidade.

2.2. Entrevistas em Profundidade

Relativamente à metodologia qualitativa, a estratégia passou pela realização de


entrevistas em profundidade a mulheres militares portuguesas a servir o Exército
Português. Com o objetivo primordial de explorar de forma aprofundada o percurso de
vida das entrevistadas, desde a infância, passando pela adolescência, até à vida adulta,
tentou-se compreender os mecanismos e os processos de socialização de género a que
estas estiveram expostas (Q3), as suas práticas e representações de género atuais (Q4), as
conceções partilhadas do ser militar e do ser militar nos diversos setores laborais
militares, sob uma lente de género (Q5), percebendo por último, através das motivações
de alistamento expostas, o impacto dos fatores culturais de género, da sociedade em geral
e do Exército em particular, nas escolhas e gestão da sua carreira militar (Q6).

Relativamente à estrutura das entrevistas, optou-se pelas entrevistas


semiestruturadas, uma vez que, no entender de vários autores, é a técnica que melhor

58
serve a recolha de informação nas entrevistas em profundidade (Dantas, 2016). Assim,
mesmo sem apresentar uma ordem de respostas rigorosamente estabelecida, estabeleceu-
se, a priori, questões guia relativamente abertas, “a propósito das quais é imperativo
receber uma informação” (Quivy & Campenhoudt, 1992, p. 194) da parte das
entrevistadas. A opção por este método prendeu-se com o facto de, num primeiro
momento, deixar as entrevistadas à vontade, visto algumas perguntas remeterem ao seu
passado e a questões de ordem mais pessoal, de modo a que falassem abertamente sobre
os temas pretendidos e que não se sentissem, em momento algum, pressionadas a falar,
não esquecendo, contudo, os objetivos e as perguntas às quais pretendemos dar resposta
com a investigação.

A população alvo para as entrevistas em causa foram as mulheres militares


portuguesas a servir o Exército Português. A escolha das mulheres militares enquanto
elemento social em estudo, nesta dissertação, baseou-se na escassez de estudos em
Portugal sobre a participação militar feminina e uma vez que são elas o elemento social
minoritariamente representado na profissão militar e seus setores laborais. Por esses
motivos, optou-se por investigar a influência da socialização de género nas suas escolhas
e gestão de carreira militar, não de forma comparativa às dos homens, mas focando-nos
apenas na participação militar feminina. Todavia, seria, num futuro, interessante replicar
este estudo a homens militares, averiguando a diferença ou não do peso dos fatores
culturais de género nas escolhas de carreira dos mesmos, na medida em que, teoricamente,
mulheres e homens estão expostos a diferentes processos de socialização de género.

No que toca à dimensão da amostra, uma vez que que é nosso objetivo estudar os
processos de escolha e gestão de carreira militar das mulheres a servir o Exército
Português, procurou-se entrevistar, no mínimo, uma mulher a prestar serviço em cada um
dos perfis laborais do Exército, como mostra o seguinte quadro.

59
Quadro 7. Perfis laborais de carreira militar no Exército Português8

Praça Sargento Oficial

Serviços Armas Serviços Armas Serviços Armas

RC/RV RC/RV RC/RV QP RC/RV QP RC/RV QP RC/RV QP

Legenda:
RC/RV: Regime de Contrato e Regime de Voluntariado
QP: Quadros permanentes

Contudo, objetivou-se, de forma complementar, entrevistar mais mulheres no


perfil laboral onde as militares do Exército Português, mais se concentram: Praça-
Serviços-RC/RV, até que o ponto de saturação fosse atingido, isto é, quando os discursos
das mesmas deixassem de sugerir novas informações ou já não sugerissem novas
dimensões de categorias de análise (Bryman, 2012).

Devido à facilidade de deslocação da investigadora para a realização das


entrevistas e tendo em conta, também, os seus recursos financeiros e gestão de tempo,
definiu-se que as entrevistas seriam realizadas a mulheres colocadas em unidades
localizadas geograficamente no concelho de Lisboa e no concelho do Funchal. Optou-se,
ainda, por entrevistar apenas mulheres que se alistaram ao Exército Português a partir do
ano de 2004, ano em que o acesso à instituição militar começou a ser realizado,
exclusivamente, de forma voluntária.

A seleção das militares a entrevistar foi realizada por duas vias. Primeiramente,
devido às características da instituição militar, optou-se por uma recolha
extrainstitucional (por via do contato direto com mulheres militares). Contudo, devido à
dificuldade em encontrar mulheres a servir em certos postos, nomeadamente os mais
altos, recorreu-se também à recolha intrainstitucional (por via do contato com a instituição
do Exército).

A fase da seleção das participantes, via externa à instituição, comportou dois


estágios. O primário estágio realizou-se por duas vias. Primeiramente, utilizando a técnica
de bola de neve: por via de militares conhecidos da investigadora, conseguiu-se chegar a

8
Idealizou-se, portanto, um mínimo de 10 entrevistadas: Praça-serviços-RC/RV; Praça-Armas-RC/RV;
Sargento-Serviços-RC/RV; Sargento-Serviços-QP; Sargento-Armas-RC/RV; Sargento-Armas-QP;
Oficial-Serviços-RC/RV; Oficial-Serviços-QP; Oficial-Armas-RC/RV; Oficial-Armas-QP.

60
algumas mulheres militares do Exército Português que manifestaram interesse em
colaborar na investigação. Posteriormente, colocou-se, através da rede social facebook,
num grupo não oficial relativo ao Exército Português9, um breve excerto introdutório da
pesquisa em causa e os requisitos pretendidos à seleção das entrevistadas, anteriormente
descritos, que depois de aprovado pelos administradores do grupo, começou a gerar
respostas de manifestação de interesse por parte de algumas militares a servir o Exército
Português.

Num segundo estágio, após vários contactos, contudo, não tantos quanto o
esperado, procedeu-se à seleção das mulheres a entrevistar, averiguando se estas
preenchiam ou não os requisitos pretendidos.

O ideal da diversidade da amostra passava por, pelo menos, entrevistar uma militar
a desempenhar serviço em cada uma das possibilidades de carreira no Exército Português,
o que não foi possível através da recolha extrainstitucional. Por tal, entrou-se em contacto,
via e-mail, com o Exército Português, contacto esse encaminhado para a Tenente-Coronel
Diana Morais10. Agendou-se uma reunião com a mesma, que se realizou na Sede do
Estado-Maior do Exército Português, na qual esta se disponibilizou a auxiliar na seleção
das mulheres a entrevistar em falta e, após revista do guião, forneceu o seu parecer para
a realização das entrevistas. Mesmo assim, não conseguimos ter acesso a mulheres a
servir nos seguintes perfis laborais: Praça-Armas-RC/RV, Sargento-Armas-RC/RV,
Oficial-Armas-QP.

Após um caminho de seleções, desistências e novas seleções, no total, foram


selecionadas doze mulheres militares, 10 recrutadas via extra-instituição (sete por via da
técnica bola de neve e três através da rede social facebook) e duas via intra, fruto do
auxílio da Tenente-Coronel Diana Morais.

O contacto prévio com as participantes realizou-se via facebook (participantes via


extra) e via e-mail institucional (participantes via intra) devido à facilidade de
comunicação diária, posteriormente refletida no agendamento, ou reagendamento em
alguns casos, das entrevistas.

9
https://www.facebook.com/groups/112364962115445/
10
Coordenadora de Área Repartição de Recursos Humanos do Exército Português e Presidente-Eleita do
NATO Commitee on Gender Perspectives.

61
Relativamente ao processo de realização das entrevistas, tomou-se em
consideração os seguintes aspetos éticos.

Primeiramente, tomou-se em atenção o facto de as entrevistas serem realizadas


com o parecer da Tenente-Coronel Diana Morais, Coordenadora de Área Repartição de
Recursos Humanos do Exército Português e Presidente-Eleita do NATO Commitee on
Gender Perspectives.

Estimou-se, para as entrevistas, uma duração média de uma hora. Esta informação
foi dada previamente às participantes, por questões de gestão de tempo das próprias, uma
vez que “as entrevistas devem ser marcadas com antecedência e o entrevistado deve ser
avisado da duração média esperada” (Guerra, 2006, p. 60). Desse modo, a data, o horário
e o local das entrevistas foram escolhidos por cada uma das participantes,
individualmente, visto se tratar de entrevistas individuais.

Relativamente aos locais da realização das entrevistas, estes foram selecionados


tendo em conta as preferências geográficas das participantes. Após a seleção geográfica,
foram escolhidos locais calmos, com pouco ruído e poucas perturbações envolventes, o
que facilitou a comunicação investigadora-entrevistadas, proporcionou um ambiente
favorável à reflexividade das mesmas e, claramente, facilitou, também, a qualidade das
gravações áudio e consequente transcrição das entrevistas.

Já presencialmente, apresentou-se às participantes um consentimento informado


(Apêndice C), onde, num documento breve se discriminou, de forma geral, os principais
objetivos do estudo e, em específico as dimensões essenciais de análise das entrevistas, a
garantia da confidencialidade, o anonimato dos dados recolhidos e a finalidade científica
da sua análise. Ainda, no mesmo documento, procedeu-se ao pedido para gravar, em
áudio, a entrevista e utilizar, no decorrer da redação da dissertação, passagens, não
identificadas, dos discursos das participantes, de modo a facilitar a análise dos mesmos.
Por último, deixou-se claro a inexistência de respostas certas ou erradas, o direito de não
responder a questões que não pretendessem e o direito de parar a entrevista a qualquer
momento, evidenciando que as suas respostas deviam assentar unica e exclusivamente
nas suas opiniões e relatos acerca das suas experiências de vida nas diversas dimensões
em análise. O documento foi assinado pelas participantes, ficando uma cópia para a
investigadora e outra para as próprias.

62
A etapa da realização das entrevistas em profundidade demonstrou-se uma etapa
um pouco morosa, devido à dificuldade em obter contactos de mulheres que se
enquadrassem na amostra geral definida e pelas disponibilidades, limitadas, das militares
que acederam ser entrevistadas.

Relativamente ao guião das entrevistas (Apêndice D) este foi elaborado tendo em


conta o quadro teórico analisado e os temas definidos para análise, procurando responder
à(s) questão(ões) a que a investigação visa dar resposta.

Foram assim definidos os seguintes temas gerais de análise, importantes, também,


na organização da posterior análise de conteúdo:

• Caracterização Sociodemográfica das Entrevistadas;


• Caracterização Institucional das Entrevistadas;
• Socialização de Género: Práticas e Modelos de Género das
Entrevistadas na Infância/Adolescência (Q3)
o O contexto familiar
o O contexto escolar
• Práticas e Representações de Género na Vida Adulta das
Entrevistadas (Q4)
o Práticas de Género na Vida Adulta das Entrevistadas;
o Representações de Género na Vida Adulta das
Entrevistadas:
▪ Características físicas;
▪ Características de personalidade;
▪ Papéis sociais;
▪ Ocupações profissionais;
• Conceção das Entrevistadas Sobre o Campo Militar e seus Setores
Laborais, sob uma Lente de Género (Q5)
o Conceção geral do ser militar;
o Conceção do ser militar nos diversos setores laborais:
▪ Ser militar nos diversos postos hierárquicos:
• Ser militar Praça;
• Ser militar Sargento;
• Ser militar Oficial;

63
▪ Ser militar nas diversas especialidades:
• Ser militar dos serviços;
• Ser militar das armas;
▪ Ser militar nos diversos regimes de prestação de
serviço:
• Ser militar em regime de não permanência
(RV/RC);
• Ser militar em regime de permanência (QP);
• Fatores Culturais de Género, Escolhas e Gestão da Carreira Militar
das Entrevistadas (Q6)
o Motivações das entrevistadas quanto ao seu alistamento ao
Exército, posto hierárquico, especialidade e regimes de
prestação de serviço em que operam;
o Justificação, na ótica das entrevistadas, da tendência do
posicionamento militar feminino no Exército11;

11
Esta dimensão de análise foi introduzida no decorrer da realização das entrevistas, uma vez que algumas
entrevistadas, nomeadamente as que se encontram no perfil laboral tendencial (Praça-Serviços-Regimes de
Não Permanência), evidenciaram, nas primeiras entrevistas realizadas, respostas pouco exploradas quanto
ao seu comportamento individual. A análise da justificação, na ótica das entrevistadas, da tendência do
posicionamento militar feminino no Exército, foi utilizada como um indício da perceção das entrevistadas
quanto ao seu próprio comportamento, nomeadamente das que se encontram no perfil laboral tendencial.

64
Capítulo III. Apresentação e Debate dos Resultados

Quanto ao tratamento e análise dos dados quantitativos resultantes da aplicação


do inquérito por questionário, por assumirem um carácter quantitativo, optou-se pela
análise estatística dos mesmos. O tratamento e as operações relativas aos dados foram
efetuados via Excel.

Relativamente aos dados qualitativos, resultantes das entrevistas em


profundidade, a proposta da sua análise passou pela utilização de uma análise de conteúdo
temática. A escolha deste instrumento teve como objetivo o desenvolvimento do tema em
estudo, de forma aprofundada, incidindo a análise nos casos particulares e nos discursos
das entrevistadas “a partir da sua própria reflexividade e entendimento das situações”
(Dantas, 2016, p. 273). Após a transcrição integral das gravações áudio das entrevistas,
autorizadas pelas participantes, analisou-se os discursos tendo em conta os temas a priori
definidos12. Nas transcrições impressas, de modo a organizar a informação e a facilitar a
posterior análise, tendo em conta os diferentes temas, identificou-se os excertos de texto
das diferentes inquiridas que os abordaram, permitindo “ter uma visão conjunta da forma
como os temas são abordados por diferentes pessoas, destacando as diferenças e as
semelhanças entre eles” (Dantas, 2016, p. 274), importantes ao aprofundamento da
análise.

1. Inquérito por Questionário: Apresentação e Debate dos


Resultados
Apresentamos em seguida a análise estatística dos dados recolhidos através da
aplicação do inquérito por questionário.

Num total de 108 respondentes, 90 (83,3%) eram mulheres e 18 (16,6%) eram


homens, o que pode ser importante ter em conta na interpretação dos dados obtidos. Por
tal, para além da análise geral dos dados obtidos com a aplicação do inquérito por
questionário, analisou-se, de forma complementar, os dados obtidos, por sexo. A análise
por sexo foi realizada com o intuito de averiguar indícios13 da existência, ou não, de

12
Não excluindo o possível surgimento de novos temas de análise, com o decorrer das entrevistas.
13
Indícios, uma vez que optamos por questionar não a opinião pessoal dos respondentes, mas a perceção
destes acerca das conceções difusas na sociedade portuguesa, de modo a evitar respostas politicamente
corretas.

65
diferenças no modo como homens e mulheres percecionam o campo militar e seus setores
laborais, sob uma lente de género.

Relativamente ao primeiro objetivo da aplicação do questionário, ‘perceber, aos


olhos da sociedade portuguesa, qual a perceção do campo militar, sob uma lente de
género’, concluiu-se que, dos 108 respondentes, 85 (78,7%) consideraram o campo
militar português, aos olhos da sociedade portuguesa, um campo marcado pelos valores
da masculinidade, isto é, pelos valores socialmente construídos e reproduzidos em torno
da figura biológica do homem, 15 (13,9%) consideraram o campo militar um campo
marcado pelos valores da masculinidade e da feminilidade e 8 (7,4%) o consideraram um
campo neutro no que concerne às questões de género. É de referir que, das quatro opções
de resposta, apenas uma não obteve qualquer seleção, o que permitiu concluir que nenhum
dos respondentes considerou o campo militar, aos olhos da sociedade portuguesa, um
campo marcado pelos valores da feminilidade, isto é, pelos valores socialmente
construídos e reproduzidos em torno da figura biológica da mulher.

Gráfico 5. Perceção do campo militar, sob uma lente de género

90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Masculinidade Feminilidade Ambos Neutro
N 85 0 15 8
% 78,7% 0,0% 13,9% 7,4%

Uma análise por sexo evidenciou, que, embora mais de metade das mulheres e
mais de metade dos homens respondentes, tenham percecionado o campo militar, aos
olhos da sociedade portuguesa, um campo maioritariamente marcado pelos valores da
masculinidade, essa perceção demonstrou maior consenso no caso dos homens. A
masculinidade característica do campo militar foi considerada por 16 dos 18 homens
respondentes, e por 69 das 90 mulheres respondentes14.

14
Optou-se por não utilizar percentagens na análise por sexo, uma vez que, nem o número total das mulheres
nem o número total dos homens chega a 100.

66
Ressalta-se que os dados, que serão seguidamente analisados, resultaram de
questões de escolha múltipla, por esse motivo as percentagens apresentadas não são
cumulativas.

Relativamente ao segundo objetivo, ‘perceber, aos olhos da sociedade portuguesa,


quais os ramos maioritariamente compatíveis com os valores da masculinidade e quais os
ramos militares maioritariamente compatíveis com os valores da feminilidade’, concluiu-
se que, no que toca aos ramos militares mais compatíveis com os valores da
masculinidade, aos olhos da sociedade portuguesa, 88 (81,5%) respondentes
consideraram o Exército, seguindo-se a Força Aérea considerada por 58 (53,7%)
respondentes e a Marinha por 34 (31,5%) respondentes. A opção “nenhum” foi
considerada apenas por 1 respondente, mulher.

Gráfico 6. Perceção dos ramos militares compatíveis com os valores da masculinidade

100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Exército Força Aérea Marinha Nenhum
N 88 58 34 1
% 81,5% 53,7% 31,5% 0,9%

Uma análise por sexo evidenciou que, a maioria dos homens respondentes e a
maioria das mulheres respondentes, consideraram ser o Exército o ramo mais masculino,
com o maior número de seleções, todavia, os homens respondentes novamente
demonstraram mais consenso na sua opinião quanto a este aspeto. O Exército foi
considerado por 16 dos 18 homens respondentes e por 72 das 90 mulheres respondentes.

Relativamente aos ramos mais compatíveis com os valores da feminilidade, aos


olhos da sociedade portuguesa, 47 (43,5%) respondentes consideraram a Marinha,
seguida da opção “nenhum” considerada por 31 (28,7%) respondentes, seguida do
Exército considerada por 24 (22,2%) respondentes e da Força Aérea por 22 (20,4%).

67
Gráfico 7. Perceção dos ramos militares compatíveis com os valores da
feminilidade

50
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
Exército Força Aérea Marinha Nenhum
N 24 22 47 31
% 22,2% 20,4% 43,5% 28,7%

Analisando por sexo, encontrou-se indícios de uma discrepância quanto à


perceção dos homens e das mulheres respondentes. Quanto às mulheres respondentes,
embora não tenha sido considerado por mais de metade, a Marinha demonstrou ser o ramo
com mais seleções e, portanto, o mais feminino, na sua ótica, considerada por 39 das 90
mulheres respondentes. As respostas dos homens não nos permitiram identificar a
perceção de um ramo mais feminino, na ótica destes, uma vez que as categorias mais
selecionadas foram igualmente a Marinha e a opção “nenhum”, consideradas por 8 dos
18 homens respondentes.

Quanto ao objetivo de ‘perceber, aos olhos da sociedade portuguesa, quais os


postos hierárquicos militares maioritariamente compatíveis com os valores da
masculinidade e quais os postos hierárquicos militares maioritariamente compatíveis com
os valores da feminilidade’, conclui-se que, no que toca aos postos mais compatíveis com
os valores da masculinidade, 80 (74,1%) respondentes consideraram o posto de Oficial ,
seguido do posto de Sargento considerado por 58 (53,7%) respondentes e do posto de
Praça por 37 (34,3%) respondentes. A opção “nenhum” foi considerada por 6 (5,6%)
respondentes.

68
Gráfico 8. Perceção dos postos hierárquicos militares compatíveis com os valores
da masculinidade

90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Praças Sargentos Oficiais Nenhum
N 37 58 80 6
% 34,3% 53,7% 74,1% 5,6%

Analisando por sexo, quanto aos postos maioritariamente masculinos, verificou-


se que a maioria dos homens respondentes e a maioria das mulheres respondentes
consideraram, com mais seleções, o posto de Oficial. Este foi considerado o posto mais
masculino por 64 das 90 mulheres e por 16 dos 18 homens. Novamente verificou-se que,
apesar de ambos os sexos terem elegido, com mais seleções, o posto de Oficial, os homens
demonstraram uma opinião mais coerente no que toca a este aspeto.

Relativamente aos postos hierárquicos maioritariamente compatíveis com os


valores da feminilidade, 80 (74,1%) dos respondentes consideraram o posto Praça,
seguido do posto de Sargento considerado por 34 (31,5%) respondentes, da opção
“nenhum” considerada por 25 (23,1%) respondentes e do posto de Oficial por 22 (20,4%)
respondentes.

Gráfico 9. Perceção dos postos hierárquicos militares compatíveis com os valores


da feminilidade

60

50

40

30

20

10

0
Praças Sargentos Oficiais Nenhum
N 48 34 22 25
% 44,4% 31,5% 20,4% 23,1%

69
Analisando por sexo, quer as mulheres, quer os homens respondentes
consideraram, com maior expressão, ser o posto de Praça o mais feminino. Todavia os
homens demonstraram estar em maior concordância no que toca a este aspeto, uma vez
que metade dos mesmos (9 em 18) o considerou, enquanto que este foi considerado por
39 das 90 mulheres respondentes.

Quanto ao objetivo de ‘perceber, aos olhos da sociedade portuguesa, quais as


especialidades militares maioritariamente compatíveis com os valores da masculinidade
e quais as especialidades maioritariamente compatíveis com os valores da feminilidade’,
conclui-se que, quanto às especialidades maioritariamente compatíveis com os valores
da masculinidade, aos olhos da sociedade portuguesa, 105 (97,2%) respondentes
consideraram as especialidade das armas, seguidas das especialidades dos serviços,
consideradas por 13 (12%) respondentes.

Gráfico 10. Perceção das especialidades militares compatíveis com os valores da


masculinidade

120

100

80

60

40

20

0
Serviços Armas Nenhum
N 13 105 0
% 12,0% 97,2% 0,0%

Analisando por sexo, verificou-se que a maioria das mulheres respondentes e a


maioria dos homens respondentes, consideraram as especialidades das armas, as mais
masculinas. Ambos os sexos demonstram grande consenso quanto às armas serem as
especialidades primordialmente masculinas, especialmente os homens, uma vez que a
totalidade o considerou . Relativamente às mulheres respondentes, as especialidades das
armas foram consideradas as mais masculinas por 87 das 90 respondentes.

Relativamente às especialidades maioritariamente compatíveis com os valores da


feminilidade, 107 (99,1%) respondentes consideraram as especialidades dos serviços,
seguidas das especialidades das armas, considerada por 9 (8,3%) respondentes. A opção
“nenhum” foi considerada apenas por 1 respondente mulher.

70
Gráfico 11. Perceção das especialidades militares compatíveis com os valores da
feminilidade

120

100

80

60

40

20

0
Serviços Armas Nenhum
N 107 9 1
% 99,1% 8,3% 0,9%

Uma análise por sexo permitiu-nos concluir que, tanto os homens como as
mulheres respondentes, consideraram, em maioria, ser as especialidades dos serviços as
mais femininas. Ambos os sexos demonstraram grande consenso quanto a este aspeto,
uma vez que a totalidade dos homens respondentes e 89 das 90 mulheres respondentes o
consideraram.

Por último, quanto ao objetivo de ‘perceber, aos olhos da sociedade portuguesa,


quais os regimes de prestação de serviço militar do Exército maioritariamente
compatíveis com os valores da masculinidade e quais os regimes de prestação de serviço
militar maioritariamente compatíveis com os valores da feminilidade’, concluiu-se que,
quanto aos regimes de prestação de serviços mais compatíveis com os valores da
masculinidade, aos olhos da sociedade portuguesa, 87 (80,6%) respondentes
consideraram o regime de permanência (vinculação permanente), seguido dos regimes de
não permanência (tempo limitado) considerados por 29 (26,9%) respondentes e da opção
“nenhum” considerada por 9 (8,3%).

71
Gráfico 12. Perceção dos regimes de prestação de serviço militar compatíveis com
os valores na masculinidade

100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Tempo Limitado Vinculação Permanente Nenhum
N 29 87 9
% 26,9% 80,6% 8,3%

Analisando por sexo, concluiu-se que a maioria dos homens e das mulheres
respondentes consideraram ser o regime de permanência o regime de prestação de serviço
mais masculino, especialmente os homens. Das mulheres respondentes, 71 em 90
consideraram o regime de permanência o mais masculino, à semelhança de todos os 18
homens respondentes.

Relativamente aos regimes de prestação de serviço mais compatíveis com os


valores da feminilidade, aos olhos da sociedade portuguesa, 74 (68,5%) respondentes
consideraram os regimes de não permanência, seguido da opção “nenhum” considerada
por 24 (22,2%) respondentes, e do regime de permanência por 19 (17,6%) respondentes.

Gráfico 13. Perceção dos regimes de prestação de serviço militar compatíveis com
os valores da feminilidade

80
70
60
50
40
30
20
10
0
Tempo Limitado Vinculação Permanente Nenhum

Uma análise por sexo permitiu-nos concluir que, mais de metade das mulheres e
mais de metade dos homens respondentes consideraram os regimes de não permanência,

72
os regimes de prestação de serviço mais femininos. Com expressões consideráveis quanto
a este aspeto, 61 das 90 mulheres respondentes consideraram os regimes de não
permanência os mais femininos e 13 dos 18 homens respondentes, assim o consideraram.

Como expectável e respondendo à Q215, concluiu-se, pelo inquérito por


questionário aplicado, que os respondentes, consideraram, aos olhos da sociedade
portuguesa, o campo militar um campo essencialmente marcado pelos valores da
masculinidade. Também, como esperado, averiguou-se que estes consideraram, aos olhos
da sociedade portuguesa, a existência de setores laborais genderizados, nomeadamente
no respeitante aos diversos ramos, postos hierárquicos, especialidades e regimes de
prestação de serviço, desvantajosos no caso das mulheres. Assim, no que toca ao plano
simbólico-cultural, sob uma lente de género, apurou-se, aos olhos da sociedade
portuguesa, a existência de uma conceção androcêntrica e genderizada do campo militar
e seus setores laborais.

Dentro dos setores mais masculinos, evidenciaram-se, com maior número de


seleções, o ramo mais operacional, o Exército, as posições mais elevadas e mais bem
remuneradas da hierarquia militar, as especialidades mais prestigiadas das armas e o
regime de prestação de serviço mais prestigiado e mais bem remunerado, dos quadros
permanentes.

Dentro dos setores mais femininos, destacaram-se o ramo da Marinha, a posição


mais baixa e menos bem remunerada da hierarquia militar, as especialidades menos
prestigiadas dos serviços e os regimes de prestação de serviço que não envolvem a
vinculação laboral permanente com a instituição (RV/RC), menos prestigiados e menos
bem remunerados. No que toca ao plano simbólico-cultural, sobre uma lente de género,
averiguou-se, aos olhos da sociedade portuguesa, a existência de uma conceção
genderizada e androcêntrica do campo militar e dos seus setores laborais.

Achou-se ainda interessante o facto dos respondentes terem considerado em maior


número a opção “nenhum/a” nas questões relativas aos setores maioritariamente
compatíveis com os valores da feminilidade e terem, de forma pouco expressiva,
considerado essa opção nas questões relativas aos setores compatíveis com os valores da
masculinidade, evidenciando mais uma vez a relação entre o campo militar e a construção

15
“Quais as conceções do campo militar e seus setores, sob uma lente de género, partilhadas e difundidas
na sociedade portuguesa?”

73
social da masculinidade, em oposição à da feminilidade, como evidenciam Segal (1999)
e Carreiras (1997, 2002). Relativamente às questões sobre os setores masculinos, a opção
“nenhum/a” foi considerada 16 vezes. Já, nas questões relativas aos setores femininos, a
opção “nenhum/a” registou um total de 81 seleções, como podemos verificar no gráfico
abaixo.

Gráfico 14. Opção “Nenhum/a” nos setores compatíveis com a masculinidade e nos
setores compatíveis com a feminilidade (N)

16

81

Setores compatíveis com a masculinidade


Setores compatíveis com a feminilidade

Analisando, de forma relacional, os dados recolhidos com o inquérito por


questionário e os dados estatísticos relativos à participação militar feminina, verificou-se
que as mulheres militares se apresentam maioritariamente concentradas nos setores
laborais militares, aos olhos da sociedade portuguesa, considerados mais femininos. Em
contrapartida, apresentam-se menos concentradas nos setores, considerados aos olhos
desta, mais masculinos. Embora que de forma exploratória, segundo uma lente macro,
averiguou-se uma relação entre os fatores culturais de género (da sociedade em geral e
do campo militar em particular) e a participação militar feminina, como sugerem Segal
(1999) e Carreiras (2002).

Seguidamente, segundo uma lente micro, procurou-se compreender os processos


de socialização de género a que as entrevistadas estiveram expostas desde a
infância/adolescência, as suas práticas e representações de género na vida adulta, as
conceções partilhadas sobre o ser militar e o ser militar nos diversos setores laborais
militares, percebendo, por fim, o impacto dos fatores culturais de género, da sociedade
em geral e do campo militar em especifico, nas suas escolhas e gestão de carreira militar
no Exército.

74
2. Entrevistas em Profundidade: Apresentação e Debate dos
Resultados

Como referido anteriormente, a proposta da amostra para as entrevistas em


profundidade passou por entrevistar no mínimo uma mulher a desempenhar serviço em
cada um dos perfis laborais militares identificados, o que não foi possível devido ao
escasso número de mulheres em determinados perfis, e consequente dificuldade em
selecionar participantes nos mesmos. Por tal, não foram realizadas entrevistas a mulheres
militares a servir em Praça-Armas-RC/RV, Sargento-Armas-RC/RV e Oficial-Armas-
QP. Foram ainda realizadas mais entrevistas a militares que operam no perfil laboral onde
as mulheres militares do Exército mais se encontram, Praça-Serviços-RC/RV, até que o
ponto de saturação fosse atingido. No total foram realizadas 12 entrevistas.

Uma vez que se garantiu o anonimato das entrevistadas e a confidencialidade das


entrevistas, e ponderando o número reduzido de mulheres militares a servir o Exército
Português no centro de Lisboa e no concelho do Funchal, optou-se por não caracterizar
socio demograficamente e institucionalmente as entrevistadas uma a uma, por motivos de
sigilo profissional, uma vez que o seu anonimato poderia ser posto em causa. Realizou-
se, no entanto, uma caracterização geral da amostra, que iremos apresentar em seguida.

Segundo uma visão institucional, a amostra contou no total com seis Praças , três
Sargentos e três Oficiais; 10 formadas em especialidades dos serviços ( uma em saúde,
sete em serviços, uma em administração militar, uma em música) e duas em
especialidades das armas (duas em artilharia); nove encontram-se em regime de não
permanência (neste caso só em RC) e três em regime de permanência nos quadros
permanentes (uma por via da AM (Academia Militar), duas por via da ESE (Escola de
Sargentos do Exército)). Quanto à localização geográfica das unidades de serviço, cinco
das entrevistadas estão colocadas em unidades localizadas no centro de Lisboa e sete em
unidades localizadas no concelho do Funchal, na Ilha da Madeira.

Tendo em conta uma visão sociodemográfica, a amostra contou com mulheres


com idade compreendida entre os 21 anos e os 34 anos, apresentando uma amplitude de
13 anos e uma média de 28 anos. Uma vez que só se entrevistou mulheres alistadas após
o ano de 2004 e sabendo que existem limites de idade para se alistar ao Exército, a
variação das idades não se demonstrou tão acentuada. Quanto às habilitações literárias, a
maioria das entrevistadas, oito, têm o 12º ano, três apresentam licenciatura e uma,

75
mestrado. Relativamente ao estado civil, a maioria das entrevistadas, sete, são solteiras,
uma é casada e três vivem em união de facto com os cônjuges. Relativamente ao número
de filhos/as, a maioria, dez, não tem filhos nem filhas, exceto duas, cada uma com um/a
filho/a com idades compreendidas entre os 0 e os 3 anos.

Uma vez que, com o intuito de facilitar a análise, obtivemos a autorização das
entrevistadas para utilizar passagens transcritas, não identificadas, dos seus discursos no
decorrer da dissertação, codificou-se as entrevistadas numericamente, E1 (entrevistada
1), E2 (entrevistada 2)… E12 (entrevistada 12), de modo a referenciar os discursos,
garantindo o seu anonimato.

2.1. Mulheres Militares e Processos de Socialização de Género

A análise dos processos de socialização de género a que as entrevistadas


estiveram expostas demonstrou-se fundamental à investigação, uma vez que, tendo em
conta a nossa hipótese central e de acordo com vários autores como Acker (1990), Betz e
Hackett (1997), Acker e Lloyd (2002), Saavedra e colaboradoras (2010), Vicente (2013),
Santos e Amâncio (2014), Lima e colaboradores (2017), os processos de apropriação da
cultura, nomeadamente os aspetos relativos aos processos de socialização de género, são
cruciais ao entendimento do modo como os indivíduos sociais executam as suas escolhas
profissionais, objeto em estudo nesta dissertação.

Ao analisar os discursos, identificou-se diversas práticas e modelos de


socialização de género tradicionais, nomeadamente no decorrer da infância e da
adolescência, a que as entrevistadas estiveram expostas. Esses modelos e práticas foram
identificados de forma mais explícita em contexto familiar e em contexto escolar,
contextos que Berger e Luckmann (1996), Carrilho (2007) e outros autores consideram
ser primordialmente fundamentais na transmissão e incorporação de papéis e expectativas
de género.

76
2.1.1. Família, Práticas e Modelos de Género na Infância e
Adolescência

Relativamente ao contexto familiar, a maioria das entrevistadas cresceu em


ambientes familiares tradicionais no que concerne às questões de género, uma vez que
esteve exposta a uma série de práticas que envolvem a divisão sexual de papéis, seja a
nível da economia doméstica, das lides domésticas, dos cuidados parentais e/ou do
tratamento diferenciado, por sexo, no seio familiar, como será debatido.

Todas as entrevistadas habitaram com pelo menos uma figura feminina e uma
figura masculina, com a mãe e com o pai, sendo que a maioria também cresceu na
presença de irmãos e/ou irmãs, na maioria dos casos, mais velhos/as.

Como expetável, a grande parte das entrevistadas esteve exposta, no decorrer da


adolescência/infância, a um modelo de economia doméstica tradicional no que concerne
às questões de género: o pai enquanto único breadwinner e a mãe, doméstica, responsável
pelas tarefas do lar e pelo cuidado dos/as filhos/as.

“…o meu pai trabalhava, então é claro que a minha mãe tinha mais tarefas que
o meu pai dentro de casa, mas o meu pai nos tempos que estava em casa também
ajudava. Não posso dizer “ah o meu pai fazia menos tarefas”, é claro que ele
tinha menos, ele passava menos horas em casa, porque trabalhava fora” (E12).

“ … o meu pai ia trabalhar e chegava mais tarde, já a minha mãe é doméstica,


ela não trabalha fora, por isso ela assumia essas funções mais de casa também”
(E6).

As poucas entrevistadas que vivenciaram um modelo de economia doméstica


marcado pela participação ativa também da mãe no mercado laboral indicaram, no
entanto, a participação maioritária da mãe nas lides domésticas e a existência de uma
partilha de tarefas desigual, no sentido do observado por Silva (2012), no que toca ao
interior e ao exterior do lar. A maioria das tarefas domésticas, nomeadamente as relativas
ao interior da casa, bem como as relacionadas aos cuidados parentais, segundo as
entrevistadas, eram realizadas essencialmente pela figura feminina (maioritariamente
pela mãe mas também por elas próprias e pelas irmãs) e as tarefas inerentes ao exterior
da casa, em menor número e com menor frequência, eram essencialmente realizadas pela
figura masculina (maioritariamente pelo pai e, em alguns casos, também pelos irmãos).

77
“Regra geral era mais a minha mãe, por exemplo, os banhos… Desde que me
lembro sempre foi mais a minha mãe (…) O deitar também, se bem que às vezes
eram os dois, mas era mais a minha mãe, sim (…) A minha mãe tratava, sempre,
muito mais do interior da casa e o meu pai da parte exterior, do quintal e isso
tudo” (E10).

“Por norma, eu e a minha irmã colaborávamos sempre com a minha mãe…Entre


mim e a minha irmã, dividíamos sempre as tarefas… arrumar louças, fazer
camas… cada uma limpava o seu quarto (…) O meu pai ajudava, mas era mais
da parte exterior, tratar de terraços, jardins” (E9).

As entrevistadas focaram, ainda, de forma unânime, o excesso de proteção sentida,


em contexto familiar, que confinava as raparigas ao interior da casa, bem como a escassez
de liberdade em permiti-las realizar diversas atividades ‘atípicas’ no seu exterior,
permitidas no caso dos rapazes. Algumas, ainda, reconheceram o possível impacto dessas
restrições e limitações comportamentais, na vida adulta, o que importa ter em conta, pois
contraria a visão das escolhas e preferências das mulheres enquanto naturais.

“… os nossos pais, desde muito cedo, começam a impor limites e barreiras, que
chegamos a uma fase, mais tarde, em que não acreditamos que, nós mulheres,
sejamos capazes, porque sempre nos disseram que nós não podíamos fazer ou que
não eramos capazes…ou não deveríamos fazer isto ou aquilo porque não eram
coisas de menina” (E12).

“Por exemplo, a nível das saídas …é diferente. Aos rapazes era logo “vai, podes
ir meu filho. Agora as raparigas… “mãe, posso ir?”, era logo “Não, minha
filha!” (E1).

A exposição a ideais e a expetativas diferenciadas, que remeteram o papel da


mulher para a esfera privada e doméstica e o papel do homem para a esfera pública e
laboral, no decorrer da infância e adolescência das entrevistadas, demonstrou ser
constante.

Desse modo, observou-se a persistência, na maioria dos casos, de uma economia


doméstica de moldes tradicionais, vivenciada no decorrer da infância e da adolescência,
não apenas típicos de contextos de uma menor participação das mulheres na esfera pública
e no mercado de trabalho, mas também decorrentes de um modelo genderizado das
funções de cada um dos membros do agregado doméstico. Na maioria dos casos, as

78
mulheres não trabalhavam fora de casa e responsabilizavam-se pelo cuidado da casa e
dos filhos e os homens (únicos breadwinners) trabalhavam fora de casa e não
participavam de forma ativa nas tarefas do lar. Nos poucos casos em que as mulheres e
os homens do agregado familiar trabalhavam fora de casa, averiguou-se a persistência de
uma partilha de tarefas, desigualitária e desvantajosa no caso das mulheres, que as
confinava à realização das tarefas mais rotineiras e menos valorizadas interiores ao lar,
que não exigiam o contacto com o exterior da casa, estas últimas realizadas
maioritariamente pelos homens.

2.1.2. Escola, Práticas e Modelos de Género na Infância e


Adolescência

Para além da família, os discursos das entrevistadas também apontaram a escola


como uma instituição crucial à transmissão de ideais e expetativas de género, no sentido
do observado por Acker & Lloyd (2002), Carrilho (2007) e Saavedra (2015).

Segundo a maioria das entrevistadas, o pessoal docente e não docente, comportava


diferentes expetativas comportamentais, tendo em conta o sexo dos alunos e das alunas.
Às raparigas era exigido que cumprissem certos requisitos comportamentais, ligados à
pacificidade, à organização e à boa ética, enquanto que, no que toca aos rapazes, as
expetativas comportamentais não se demonstravam tão limitadoras.

“… (em contexto escolar) as raparigas tinham que ser bem-comportadas e os


rapazes era mais a abandalhar” (E1).

Grande parte das entrevistadas realçou também as diferentes expetativas sentidas,


especialmente na disciplina da Educação Física. Essa diferenciação, segundo os
discursos, assentava no facto das expetativas de sucesso recaírem maioritariamente sobre
os rapazes e no facto de estes serem frequentemente impulsionados para desportos que
envolvem um maior contacto corporal e uma robustez física mais arrojada e as mulheres
para desportos mais pacíficos, que não exigem tanta agressividade e empoderamento
físico.

“… se fosse futebol notava que eles (professores) estavam à espera que os rapazes
fizessem sempre tudo perfeito e não exigiam tanto das raparigas (…) Mas por
exemplo, para coisas mais paradas, tipo em voleibol já não notava isso, hum…em

79
ginástica também notava que eram as raparigas que tinham mais essa
responsabilidade, vá, de saber fazer” (E10).

De acordo com o analisado por Young (1980), numa sociedade dominada por uma
visão androcêntrica, como é ainda o caso da sociedade portuguesa, verificou-se que as
entrevistadas estiveram expostas a diversos discursos e práticas que realçaram a
influência social na construção da forma típica como homens e mulheres experienciam o
seu corpo.

Relativamente à dimensão “Mulheres Militares e Processos de Socialização de


Género” e respondendo à Q316, verificou-se, então, que, de acordo com o esperado, a
instituição familiar e a instituição escolar desempenharam um papel crucial na
apropriação de expetativas genderizadas por parte entrevistadas. Quer em contexto
familiar quer em contexto escolar, as entrevistadas estiverem expostas a diversos modelos
e processos de socialização de género tradicionais, impulsionadores de práticas e de
características correspondentes, sob uma lente social, à sua categoria sexual.

Seguidamente, procurou-se perceber o impacto da socialização de género nas


dinâmicas de género atuais das entrevistadas, através da análise das suas práticas e
representações de género na vida adulta.

2.2. Práticas e Representações de Género na Vida Adulta das


Mulheres Militares

2.2.1. Práticas de Género na Vida Adulta das Mulheres Militares

A maioria das entrevistadas, sete, não manifestou, atualmente, uma reprodução da


estrutura da economia doméstica tradicional, anteriormente experienciada em contexto
familiar. Nos casos em que as entrevistadas já não residem com os pais e em que os seus
agregados domésticos são compostos pelo cônjuge, e em alguns casos também por
filhos/as, contrariamente ao vivenciado na sua infância e juventude, quer a figura
feminina, quer a figura masculina são breadwinners e partilham tarefas, de forma

16
“A que processos de socialização de género foram as mulheres militares do Exército Português expostas
desde a infância/adolescência?”

80
igualitária, quer no que toca às responsabilidades domésticas, aos cuidados parentais e à
responsabilidade laboral.

“…dividimos entre os dois e é uma coisa natural. Se um está a fazer o jantar, o


outro já sabe que vai ter que dar banho à criança, ou se um for dar banho já sabe
que o outro lhe calha o jantar, e é assim. Os cuidados com o filho também é tudo
partilhado e rotativo, é, é” (E11).

A manutenção do padrão tradicional de género em contexto familiar foi apenas


identificada ao longo dos discursos de algumas entrevistadas que residem com o agregado
familiar da infância e adolescência. Contudo, duas das entrevistadas, ainda que residam
na casa do agregado da infância e adolescência, indicaram que atualmente o padrão não
se repete, ou que, pelo menos, não se demonstra tão vincadamente diferenciador.

“… as coisas deixaram de ser assim, atualmente isso já não acontece, quer


dizer…mais ou menos, mas…já não é tão acentuado, é mais igualitário” (E5).

Embora algumas entrevistadas ainda experienciem práticas tradicionais de género


em contexto familiar, a maioria, não evidenciou uma reprodução do padrão da infância e
adolescência, uma vez que atualmente, experiencia práticas de género mais igualitárias
em contexto familiar: por um lado, tal como os homens do agregado, também elas são
breadwinners e participam de forma ativa no mundo laboral; por outro lado, evidenciam
uma atual divisão mais igualitária de tarefas entre sexos, seja relativa às lides domésticas
(interiores e exteriores), seja inerente aos cuidados parentais (quando aplicável). A
palavra “natural” chegou a ser utilizada para descrever as práticas igualitárias entre sexos
vivenciadas nos tempos atuais, o que poderá ser um indício de mudança, pelo menos a
nível comportamental. Já analisadas as práticas, iremos em seguida averiguar as
perceções de género partilhadas pelas entrevistadas.

2.2.2. Representações de Género das Mulheres Militares

Embora a maioria das entrevistadas experiencie práticas atuais de género mais


igualitárias, aos longo dos discursos, diversos estereótipos de género emergiram de forma
consensual e naturalizada. Na verdade, esse consenso era expectável, uma vez que,
segundo Vieira, Nogueira e Tavares (2015) e Nogueira e Saavedra (2007), os estereótipos,
implicando uma difusão social, encontram-se consolidados nos esquemas mentais dos
indivíduos, de forma naturalizada, mesmo na presença de informação contrária.

81
Tendo em conta a tipologia de Basow (1986), debatida ao longo do
enquadramento teórico, as entrevistadas, sob uma lente de género, partilharam visões
estereotipadas de perspetivar o masculino e o feminino, quer no que toca a características
físicas, traços de personalidade, papéis sociais e ocupações profissionais.

i. Estereótipos de Género e Características Físicas

De entre os estereótipos de género identificados, os relativos às características


físicas, foram os que, unanimemente, de forma mais acentuada e naturalizada, surgiram
nos discursos das entrevistadas. Em linha com o analisado por Vieira, Nogueira e Tavares
(2015), a robustez e o empoderamento físico no caso dos homens e a fragilidade física no
caso das mulheres, foram, ao longo dos discursos, características justificadas
essencialmente em questões de ordem biológica.

“… o homem por pré-disposição natural tem mais força e mais aptidão para
fazer algumas coisas que exijam mais o físico” (E10).

“… eu acho que a questão física é biológica. Eu sou da opinião que os homens …


que os homens têm mais ‘facilidades físicas’, passo a expressão, do que as
mulheres” (E9).

Algumas entrevistadas consideraram a possibilidade de as mulheres conseguirem


alcançar parâmetros físicos semelhantes aos dos homens, essencialmente no que toca à
força e à resistência. Contudo, para consegui-lo, as mulheres necessitam de um esforço
acrescido, dispensável no caso dos homens, explicitando, dessa forma, uma relação,
naturalizada entre masculinidade-robustez física e feminilidade-fragilidade física.

“… a mulher tipicamente portuguesa com média de…sei lá…1,65m? 60 kg? (…)


ela tem que estar sempre próxima dos 100% da capacidade física se quiser estar
ao bom nível dos homens…hum…enquanto um homem está ali pelos 70%, a
mulher tem que estar nos 100% para o acompanhar” (E12).

“…eu continuo a defender que as mulheres não são incapazes ou menos capazes,
mas a verdade é que eu acho que as mulheres precisam de mais treino para
conseguirem atingir os mesmos resultados físicos (força e resistência) que os
homens” (E9).

82
ii. Estereótipos de Género e Traços de Personalidade

Quanto aos traços de personalidade, a maioria das entrevistadas defendeu que a


personalidade varia de pessoa para pessoa, independentemente do sexo. Porém, uma
análise mais aprofundada dos seus discursos permitiu identificar passagens e expressões
que remetem, de facto, para uma visão de género estereotipada no que toca a esse aspeto.

Tal como analisou Amâncio (1992), a associação entre o ser mulher e os traços de
personalidade ligados à sensibilidade, às emoções, à subserviência e à organização, bem
como a associação entre o ser homem e os traços de personalidade ligados à
agressividade, ao exercício do poder e à dominação, demonstrou-se constante ao longo
dos discursos das entrevistadas, de forma naturalizada e consensual.

“… nós (mulheres) conseguimos ser mais sensíveis, mais cuidadosas,


compreensíveis…não que eles (homens) não consigam, mas nós (mulheres) temos
uma maneira de ver as coisas (…) perceber outro tipo de coisas e conseguimos
ter, digamos, gavetas abertas para outro tipo de sentimentos (…) as mulheres são
também sempre as mais organizadinhas” (E9).

“…a mulher normalmente é mais passiva, subserviente … Com falta de…ou com
défice de …opah não é uma pessoa com muito ímpeto, não é uma pessoa com
muito poder de decisão ou com vontade de decidir, vontade de se aventurar, algo
tímida ou então retraída” (E12).

“…acho que eles (homens) são mais frios a analisar as coisas (…) nós
(mulheres) temos muito mais atenção aos pormenores, mais paciência para a
maior parte das coisas” (E10).

“… eles (homens) são mais abrutalhados e agressivos…” (E10).

“… o homem é melhor líder que a mulher (…) eles (homens) têm mais
capacidades de liderança” (E9).

Verificou-se assim que, num plano geral, as entrevistadas adotaram o discurso


‘politicamente correto’, afirmando que a personalidade não depende do sexo dos
indivíduos, todavia, controversamente, averiguou-se a persistência de perceções
genderizadas no que toca aos traços de personalidade, que remetem a figura feminina para
a esfera dos sentimentos e das emoções e a figura masculina para a esfera do poder e da
dominação.

83
iii. Estereótipos de Género e Papéis Sociais

No que toca aos papéis desempenhados na sociedade, novamente, adotando o


discurso ‘politicamente correto’, as entrevistadas, defenderam que homens e mulheres
devem contribuir de forma igualitária, tanto na economia doméstica, como na realização
das tarefas inerentes ao lar e aos cuidados parentais.

“Lides domésticas, o cuidado com os filhos e filhas, gestão financeira,


responsabilidade laboral, acho que não depende do sexo da pessoa e sim do
indivíduo e da responsabilidade do indivíduo enquanto pessoa. Tanto os homens
como as mulheres são perfeitamente capazes e devem desempenhar qualquer
papel, independentemente do sexo” (E12).

Contraditoriamente, uma análise mais profunda dos discursos das entrevistadas,


permitiu-nos identificar a presença de diversos estereótipos de género naturalizados no
que toca aos papéis que homens e mulheres devem desempenhar na sociedade. Diversas
entrevistadas indicaram que as mulheres comportam características particulares que as
favorecem ao desempenho de um papel circunscrito à vida privada e doméstica, bem
como aos cuidados parentais.

“ …por exemplo, nas lides da casa e isso assim, nós (mulheres), lá está, não sei
se pela sensibilidade ou por certo jeito que tenhamos, acho que nós (mulheres)
temos sempre mais… uma forma mais subtil de fazer as coisas, mais
organizadinhas. Porque lá está, os homens, a maior parte, ou pelo menos aqueles
que eu conheço, são sempre um bocado mais desorganizados, então acho que
acaba por haver coisas mais direcionadas para as mulheres… direcionadas entre
aspas, que eles fazem também, mas simplesmente acho que nós fazemos de outra
forma, melhor (…) está comprovado (cientificamente) que a ligação (emocional)
entre a mãe e filho é maior e acho que por aí também ajuda um bocadinho, ela é
mais favorável aos cuidados” (E10).

“… eu acho que nós mulheres temos uma capacidade natural (para cuidar da
casa e dos filhos)…. bem, não sei se é por ser mãe agora, mas acho que nós
(mulheres) temos uma capacidade natural para fazer tanta coisa e pensar tanta
coisa ao mesmo tempo… talvez sejam coisas que sejam mais difíceis dos homens
lidarem” (E2).

84
“… também pode ser uma pré-disposição que nós mulheres temos, daquele
instinto maternal, do querer cuidar da criança. Se calhar temos mais essa…esse
fraquinho, essa pré-disposição de cuidar” (E11).

Apesar de algumas entrevistadas evidenciarem a existência de homens com essas


mesmas características, equipararam-nos à figura da mulher, reforçando a tipificação do
papel feminino, naturalizado, na esfera privada do lar.

“… as coisas têm que ser divididas né? Convém. Mas eu acho que às vezes há
ali coisas que tu vês, por exemplo, que eles (homens) não têm tanto jeito para
fazer certas coisas em casa como nós (mulheres). Mas há homens que se safam
muito bem, eu conheço rapazes que são muito aplicadinhos, parecem quase
mulheres a fazer as coisas” (E8).

As entrevistadas evidenciam, assim, um discurso contraditório. Se, por um lado,


defendem a igualdade de género no que toca ao desempenho de papéis e parecem, de
facto, pô-lo em prática, por outro lado, indiciaram, na sua maioria, perceções de género
que naturalizam o papel das mulheres na esfera doméstica, do lar e dos sentimentos,
justificada essencialmente em questões de ordem biológica e no instinto maternal.

iv. Estereótipos de Género e Atividades Profissionais

Novamente o discurso ‘politicamente correto’ foi adotado pela maioria das


entrevistadas, que defendeu que homens e mulheres são, igualmente, capazes de
desempenhar qualquer profissão. Seguindo o padrão no que toca às dimensões até agora
analisadas, as entrevistadas evidenciaram novamente discursos contraditórios, uma vez
que empregaram expressões que remetem uma tipificação genderizada de ocupações
profissionais. Em linha com Furtado (2013), essa tipificação genderizada de profissões,
na ótica das entrevistadas, assenta essencialmente nas características físicas e de
personalidade estereotipadas em torno de ambos os sexos, que, segundo elas, tipificam
determinadas funções laborais e/ou determinadas profissões como mais adequadas aos
homens ou como mais adequadas às mulheres.

“Olha, tipo em engenharia eles (homens) veem-se mais nisso… eu penso que eles
podem ter mais capacidade para essas coisas que não envolvem muito a interação
com os outros… já enfermagem… eu considero que isso é uma profissão de

85
menina, porque tipo… tens que ter concentração e cuidado, tens que saber o que
estás a fazer” (E1).

“Eu considero que os homens tenham algumas características favoráveis a


algumas profissões, por exemplo, para trabalhar nas obras… eu acho que isso é
um trabalho mais masculino, principalmente pela força” (E8).

Ainda a ideia de que as mulheres necessitam de despender outro tipo de esforços,


não necessários por parte dos homens, ao desempenho laboral, demonstrou-se presente,
evidenciando o caráter físico ‘naturalmente’ inferior das mulheres em contexto laboral,
nomeadamente nas profissões consideradas masculinas.

No que toca ao tema em análise “Práticas e Representações de Género na Vida


Adulta das Mulheres Militares” e respondendo à Q417, verificou-se que a maioria das
práticas de género das entrevistadas, em contexto familiar, indicou a existência de uma
economia doméstica mais igualitária que em tempos remotos, quer no que toca à
responsabilidade laboral, quer no que toca à responsabilidade das tarefas do lar e dos
cuidados parentais. Essa mudança do padrão vivenciado na infância e adolescência, foi
verificada especialmente no caso das entrevistadas que já não residem com o agregado
familiar da infância e adolescência.

De acordo com o esperado, as representações de género das entrevistadas, de


forma unânime, manifestaram-se em torno de uma estereotipização de género
naturalizada, desvantajosa no caso das mulheres, no respeitante à tipologia estabelecida
por Basow (1986): características físicas, traços de personalidade, papéis sociais e
atividades profissionais. Essa naturalização remete-nos à teoria de Bourdieu (2002), que
nos explica a naturalização inquestionada e por vezes irrefletida das divisões sociais com
base no sexo, que através de processos de socialização do biológico e de “biologização”
do social, produz, sobre a forma de habitus, nas mentes e nos corpos dos indivíduos
sociais uma perceção naturalizada das diferenças entre os sexos e dos estereótipos que
delas resultam. De acordo com Bourdieu (2002), verificou-se uma relação direta entre os
processos de apropriação da cultura e de aprendizagem social das entrevistadas e as
representações de género estereotipadas e naturalizadas que transportam consigo, que
espelham o carácter ‘naturalmente’ inferior das mulheres e das suas características
associadas.

17
“Quais as representações de género, atuais, das mulheres militares do Exército Português?”

86
É de ressaltar, ainda, que as entrevistadas evidenciam um discurso contraditório.
Se, por um lado, defendem a igualdade de género no que toca às dimensões analisadas
(características físicas, traços de personalidade, papéis sociais e atividades profissionais)
e parecem, de facto, pô-lo em prática, por outro lado, indiciaram, na sua maioria,
perceções de género que naturalizam a condição ‘naturalmente’ inferior das mulheres e
das suas características associadas e que as remete à esfera doméstica, do lar e dos
sentimentos, justificadas essencialmente em questões de ordem biológica e no instinto
maternal. Isto poderá ser um indicador de mudança, pois, embora os modelos tradicionais
subsistem nas estruturas, naquilo que é mais difícil mudar, o discurso da igualdade parece
estar a tornar-se comum e incontornável, convivendo, assim, contraditoriamente as
práticas e as perceções.

2.3. Representações do Ser Militar no Exército Português e do Ser


Militar nos Diversos Setores Laborais: Uma Análise de Género

Tendo em conta as representações de género, já analisadas, buscou-se


seguidamente analisar a conceção das entrevistadas acerca do ser militar no Exército e do
ser militar nos diversos setores laborais militares: postos hierárquicos, especialidades e
regimes de prestação de serviço. As conceções partilhadas foram analisadas em confronto
com as representações de género expressas no decorrer dos seus discursos, o que nos
permitiu analisá-las segundo uma lente de género.

2.3.1. Ser Militar no Exército Português

Embora as entrevistadas tenham referido que tanto homens como mulheres estão,
igualmente, aptos ao desempenho da profissão militar, a conceção partilhada sobre o ser
militar, ancorada em arquétipos tradicionais masculinos, mostrou-se presente, de forma
naturalizada.

De acordo com o analisado por Carreiras (2013), as entrevistadas


conceptualizaram a profissão e o ser militar em paralelo com a construção social da
masculinidade. A profissão militar foi, assim, conceptualizada em torno dos bons
parâmetros físicos e psicológicos, os quais, como vimos anteriormente, foram

87
reconhecidos enquanto características naturais dos homens e não coincidentes com as
mulheres.

“… tem um bom físico é bom militar… tem mau físico, é mau militar” (E3).
“… um militar tem que ser forte psicologicamente para aguentar… tem que às
vezes pôr as emoções de lado” (E4).
“um militar tem que ter um bom físico e um psicológico forte” (E1).
“… acho que para ser militar não implica ser homem ou ser mulher, mas claro
que não posso deixar de lado o facto dos homens terem uma capacidade maior
para… uma capacidade física maior e um maior controlo psicológico, favorável”
(E3).

A maioria das entrevistadas considerou que o Exército continua a ser uma


instituição muito masculina e maioritariamente composta por homens, uma vez que o
campo militar foi, desde sempre, povoado por homens, sendo, outrora a presença
feminina impedida no plano legal. Nenhuma das entrevistadas questionou o facto do
serviço militar, outrora, ser só para homens, pelo que acabaram por naturalizar a questão
da masculinização da profissão militar, pela tradição.

“…porque é quase patriarcal… historicamente as mulheres ficavam em casa


enquanto os homens lutavam e iam para as guerras e isto vem já de há séculos
atrás. Maioritariamente, sempre foram as mulheres que ficaram em casa a fazer
os trabalhos domésticos e a cuidar das crianças, enquanto os homens iam para a
guerra morrer…porque sempre foi assim” (E12).

“A verdade é que há mais homens que mulheres, mas também é uma divisão que
já é muito antiga e que… o serviço militar obrigatório era principalmente para
homens… aliás, era só para homens, por isso…” (E11).

Verificou-se que, apesar da abertura à participação feminina, a profissão militar,


no entender das entrevistadas, continua a ser uma profissão marcada por uma construção
assimétrica de género com base normativa na masculinidade. Segundo Moreira e
colaboradores (2013), a história dos princípios organizativos das Forças Armadas, ela
própria marcada por uma significativa sexualização de papéis de género, construída com
base normativa na masculinidade (Moreira, Moura, Pinheiro, & Ribeiro, 2013), ao longo
dos anos, é reproduzida, de forma naturalizada, nas mentes e nos corpos dos agentes,
sobre a forma de habitus, tal como se verificou ao longo dos discursos das entrevistadas,

88
que, não questionando a masculinização do campo militar, acabaram por naturalizá-la,
pela tradição.

2.3.2. Ser Militar nos Diversos Postos Hierárquicos Militares do


Exército Português

Relativamente aos postos hierárquicos militares, percebeu-se, por um lado, que os


postos mais altos da hierarquia militar (Oficial e Sargento), onde as mulheres menos se
concentram, foram caracterizados por particularidades que as entrevistadas consideraram
naturais dos homens, como o exercício de poder e a robustez física, não coincidentes com
a figura feminina.

Por outro lado, o posto mais baixo da hierarquia militar (Praça), onde as mulheres
mais se concentram, foi conceptualizado de forma mais próxima à construção social da
feminilidade, definido por particularidades que as entrevistadas reconheceram como
sendo naturais das mulheres, como a paciência e a subserviência.

“…para conseguir ser Oficial é muito puxado a nível físico, é mesmo muito
puxado” (E9).

“…um Oficial é expectável que saiba liderar, que saiba dar ordens” (E10).

“…os Sargentos, são aqueles que têm que saber fazer e saber explicar, ou seja…
saber mandar” (E2).

“Um Praça… deixa ver, um Praça… é um Praça. Um Praça acaba por se


submeter” (E6).

Embora tenham defendido que tanto homens como mulheres estão, igualmente,
aptos ao desempenho de serviço em qualquer um dos postos, mesmo que de forma não
explícita, as entrevistadas conceptualizaram os diversos postos hierárquicos, tendo em
conta uma perspetiva genderizada e desvantajosa no caso das mulheres. A relação entre
a conceção dos diversos postos e os estereótipos de género expressos ao longo dos
discursos permitiu-nos identificar uma conceção partilhada, predominantemente
masculina dos postos de chefia e de instrução (Oficial e Sargento), mais prestigiados e
mais bem remunerados, e uma conceção predominantemente feminina do posto mais
baixo (Praça), menos prestigiado e menos bem remunerado da hierarquia militar.

89
Achou-se, ainda, interessante o facto de os postos hierárquicos mais altos da
hierarquia militar terem sido conceptualizados pelas entrevistadas de forma mais próxima
à conceção partilhada da profissão militar. Quer a caracterização dos postos mais altos da
hierarquia militar, quer a caracterização da profissão militar assentou em torno de
características, consideradas por estas, masculinas, essenciais ao seu desempenho. Em
contrapartida, o posto mais baixo foi caracterizado quase como alteridade à conceção
desta, segundo os seus discursos, marcado por particularidades, consideradas por estas,
femininas. De acordo com a lógica de Amâncio (1992), notou-se que os traços
orientadamente masculinos que caracterizam os postos mais altos apontam para um ser
universal no contexto em que se estuda, o ser militar, enquanto os traços orientadamente
femininos, que caracterizam a posição mais baixa da hierarquia militar, apontam para um
ser situacional, quase que em oposição à conceção partilhada do ser militar.

2.3.3. Ser Militar nas Diversas Especialidades Militares

Relativamente às diferentes especialidades, das armas e dos serviços, a maioria


dos discursos evidenciou uma relação entre a conceção das especialidades das armas e a
masculinidade, bem como uma relação entre a conceção das especialidades dos serviços
e a feminilidade.

Quanto às especialidades das armas, onde as mulheres menos se concentram, a


conceção, partilhada pela generalidade das entrevistadas, recaiu sobre os bons parâmetros
físicos e psicológicos e a agressividade, características, consideradas por estas, naturais
dos homens e não coincidentes com a figura feminina.

“… quem trabalha com armas tem que ter um bom físico, porque vão para campos
e não sei o quê (…) eu acho que em qualquer lado temos que ter um bom
psicológico, mas sim… o pessoal das armas tem que ser psicologicamente mais
forte, pois lida com coisas mais fortes” (E5).

“…para trabalhar nas armas é preciso gostar de ação, de combate, de


agressividade” (E7).

Relativamente às especialidades dos serviços, onde as mulheres mais se


concentram, a conceção, partilhada também, pela generalidade das entrevistadas, recaiu
sobre a não exigência física, o apoio, a pacificidade e a capacidade de organização,
características consideradas, por estas, naturais das mulheres.

90
“… os serviços são trabalhos mais soft, mais calmos (…) também acabam por ser
na parte de administração, saúde, serviços… parte mais soft, não exige tanto do
físico como quem está nas armas” (E4).

“Os serviços envolvem mais sentido de organização e de apoio, sem dúvida” (E7).

Mesmo que de forma não explícita, os discursos das entrevistadas manifestaram


também uma visão partilhada e genderizada das especialidades militares, embora tenham
defendido, num plano geral, que tanto homens como mulheres estão, igualmente, aptos
ao desempenho de qualquer especialidade. A relação entre a conceção das diversas
especialidades e os estereótipos de género expressos ao longo dos discursos, permitiu-nos
averiguar uma conceção predominantemente masculina das especialidades mais
prestigiadas e mais bem remuneradas das armas e uma conceção predominantemente
feminina das especialidades de apoio e menos bem remuneradas dos serviços.

Tal como ocorreu com os postos mais altos, a conceção das especialidades mais
prestigiadas, das armas, aproximou-se de forma mais estrita à conceção partilhada do ser
militar, ancorada em arquétipos tradicionais masculinos, como ilustra de forma clara a
seguinte passagem.

“…tem que se ser muito mais “tradicionalmente militar” nas armas. A pessoa vai
ter que ter muito mais tento ao nível físico do que nos serviços, isso é verdade (…)
eu diria que o pessoal das armas está sempre, vá, mais ‘on the edge’ do que o
pessoal dos serviços” (E12).

Em contrapartida, as especialidades dos serviços foram caracterizadas quase


como alteridade à conceção da profissão militar, segundo os seus discursos. Seguindo a
lógica de Amâncio (1992), notou-se que os traços orientadamente masculinos que
caracterizam as especialidades das armas, apontam para o ser universal no meio o qual
estudamos, o ser militar, enquanto os traços orientadamente femininos que caracterizam
as especialidades de apoio, dos serviços, apontam para um ser situacional, antagónico à
conceção partilhada do ser militar.

91
2.3.4. Ser Militar nos Diversos Regimes de Prestação de Serviço
Militar

Foram poucas as entrevistadas que evidenciaram, ao longo dos discursos, uma


relação entre o serviço militar em regime de permanência, onde as mulheres menos se
concentram, e a construção social do género. Todavia, as poucas que o fizeram,
conceptualizaram-no em torno de características como o exercício do poder e a robustez
física e psicológica, consideradas naturais dos homens e não coincidentes com a figura
feminina.

“… em QP (quadros permanentes) tens que saber comandar homens, saber


liderar, tens que fazer um monte de… ter uma postura e ter determinadas coisas
(…) A exigência é muito superior, é treino físico todos os dias, com situações
completamente diferentes e… é muito desgastante, fisicamente e mesmo
mentalmente, para entrar para os Quadros” (E11).

A conceção dos regimes que não envolvem a vinculação laboral permanente com
a instituição (RV/RC), sob uma análise de género, foi um tema que não se conseguiu
analisar como pretendido, uma vez que os discursos das entrevistadas foram pouco
explorados no que toca a esse aspeto.

Quanto ao tema em análise “ Representações do Ser Militar no Exército Português


e do Ser Militar Português nos Diversos Setores Laborais: Uma Análise de Género” e
respondendo à Q518, verificou-se, como esperado, que as entrevistadas conceptualizaram,
de forma unânime, a profissão militar em torno de características, no seu entender,
masculinas e não coincidentes com a figura feminina. Relativamente às representações
acerca do ser militar nos diversos setores militares, tal como concluímos com o inquérito
por questionário, os discursos das entrevistadas evidenciaram uma perspetiva genderizada
no que toca aos diversos postos hierárquicos, especialidades e regimes de prestação de
serviço, desvantajosa no caso das mulheres. Desse modo, verificou-se que as perceções
das entrevistadas espelharam a conceção predominantemente partilhada pelos
respondentes do inquérito: por um lado, os postos mais altos da hierarquia, as
especialidades das armas e o regime de permanência, mais prestigiados e mais bem
remunerados, onde as mulheres menos se concentram, foram caracterizados, de forma

18
“Quais as conceções do ser militar e seus setores laborais militares, sob uma lente de género, partilhadas
pelas mulheres militares do Exército Português?”

92
mais próxima ao modelo tradicional da masculinidade; por outro lado, o posto mais baixo
da hierarquia militar e as especialidades dos serviços, menos prestigiados e menos bem
remunerados, onde as mulheres mais se concentram, foram caracterizados, de forma mais
próxima ao modelo tradicional da feminilidade. Apenas o regime de não permanência
ficou por analisar, sob uma lente de género, uma vez que os discursos das entrevistadas
foram nulos no que toca a esse aspeto.

Até agora, averiguou-se que as representações estereotipadas e androcêntricas de


género partilhadas pelas entrevistadas, para além de espelharem os processos de
aprendizagem social a que estiveram expostas desde a infância, permitiram apurar uma
conceção, partilhada, predominantemente masculina do campo militar e uma conceção,
partilhada, genderizada dos diversos setores laborais militares, desvantajosa no caso das
mulheres.

Por tal, de forma a responder à questão principal da investigação “Qual a


influência dos processos de socialização de género nas escolhas e gestão da carreira das
mulheres militares portuguesas a servir o Exército Português?”, procurou-se, em seguida,
analisar a influência dos fatores culturais de género analisados, nas motivações de escolha
e gestão de carreira das entrevistadas no Exército Português.

2.4. Fatores Culturais de Género, Escolhas e Gestão de Carreira


Militar das Mulheres Militares do Exército Português

Com o objetivo de perceber a influência dos fatores culturais de género nas


escolhas e gestão da carreira militar das entrevistadas, num primeiro momento, analisou-
se as motivações pessoais das mesmas quanto ao seu alistamento ao Exército, ao posto
hierárquico, à especialidade e ao regime de prestação de serviço em que operam, bem
como as suas previsões futuras de carreira. Uma vez que, algumas entrevistadas,
nomeadamente as que se encontram no perfil laboral tendencial (Praça-Serviços-Regime
de não Permanência), evidenciaram, nas primeiras entrevistas realizadas, respostas pouco
exploradas quanto ao seu comportamento individual, na interpretação da investigadora,
por receio de julgamento, confrontou-se as entrevistadas com os dados estatísticos
relativos à participação militar feminina no Exército Português. Por tal, num segundo
momento, foi nosso objetivo analisar a justificação, na ótica das entrevistadas, da

93
tendência atual do posicionamento militar feminino no Exército, nomeadamente a sua
maior concentração nos setores laborais militares menos prestigiados e menos bem
remunerados, nos postos mais baixos da hierarquia, nas especialidades dos serviços e nos
regimes de prestação de serviço que não envolvem o vínculo laboral permanente com a
instituição. Esta análise foi utilizada como um indício da perceção das entrevistadas
quanto ao seu próprio comportamento, nomeadamente das que se encontram no perfil
laboral tendencial.

2.4.1. Escolhas e Gestão de Carreira Militar das Mulheres Militares


do Exército Português: Perceção do Seu Comportamento
Individual 19

Quanto às motivações pessoais de ingresso no Exército Português , na maioria dos


casos, este não foi movido pela ambição, gosto ou identificação com a profissão militar e
suas especificidades, mas uma decisão tomada tardiamente, por considerarem o Exército,
na falta de opção no mercado laboral civil, uma escapatória temporária que lhes garantia
alguma estabilidade financeira e profissional.

Independentemente do posto, especialidade ou regime de prestação de serviço em


que operam, esta foi uma motivação geral, partilhada pelas 12 entrevistadas.

Se tomarmos em consideração o facto de estas não serem movidas pelos fatores


culturais que caracterizam a profissão militar (sob uma lente de género, masculinos, no
seu entender), é admissível cogitar que a maioria também não objetivasse um percurso
laboral nos setores mais próximos da conceção partilhada sobre a mesma, como são os
postos mais altos, as especialidades das armas e os regimes de prestação de serviço
permanente (conceptualizados também de forma mais próxima à masculinidade), o que
se verificou.

Quanto às Praças entrevistadas, todas manifestaram ser as habilitações literárias,


a razão principal por se encontrarem no posto de Praça, uma vez que apenas possuem o

19
Optou-se por não introduzir, na análise, passagens dos discursos das entrevistadas quanto às motivações
pessoais de alistamento ao posto, especialidade e regime de prestação de serviço, uma vez que,
identificando o seu posicionamento institucional, e tendo em conta as passagens anteriormente utilizadas
para compreender os seus percursos familiares e escolares desde a infância até à vida adulta, o seu
anonimato poderia ser posto em causa. A análise foi realizada tendo em conta os seus discursos e
testemunhos, apenas não foi suportada por expressões exemplificativas dos mesmos.

94
12º ano20. Duas das Praças entrevistadas manifestaram ambição pela carreira militar
futura e pela ascensão ao posto de Sargento, através da frequência no curso de Sargentos
da ESE (Escola de Sargentos do Exército), que lhes garante vínculo permanente à
instituição militar. Todavia, a maioria das Praças entrevistadas, quatro, não manifestou
interesse em ascender hierarquicamente na carreira e apenas espera o término do prazo
do regime de contrato para abandonar o serviço militar. Ressalta-se que, no caso
específico das Praças, uma vez que é um posto que não contempla o regime de
permanência, a decisão da não ascensão a um posto hierárquico superior implica
diretamente a decisão da não continuidade da carreira militar. Verificou-se que a decisão
partilhada pela maioria, de não ascender hierarquicamente na carreira e,
consequentemente, não dar continuidade à mesma, passou por encararem o serviço militar
como algo temporário, mas também por não se considerarem aptas física e
psicologicamente à realização dos cursos exigidos à ascensão dos postos mais altos.

Quanto às especialidades, a totalidade das Praças entrevistadas optou por


especialidades dos serviços, uma vez que, a priori, excluiu as armas por se ajuizar
insuficientemente apta, física e psicologicamente, ao seu desempenho.

Averiguou-se, portanto, que a falta de ambição militar e o peso das exigências


físicas e psicológicas, anteriormente atribuídas de forma naturalizada aos homens, no
caso das Praças entrevistadas, assumiu enorme relevância no que toca à escolha e gestão
da sua carreira militar, quer no que toca ao acesso ao posto, especialidade e regime de
prestação de serviço em que operam.

Das Sargentos entrevistadas, duas começaram o seu percurso militar em Praça e,


após frequência no curso de Sargentos da ESE, atualmente encontram-se no posto de
Sargento em regime de permanência. A ascensão ao posto de Sargento, num dos casos,
passou por motivações de estabilidade financeira e profissional e não propriamente pela
identificação com a profissão militar. Outra, embora tenha entrado para a profissão
militar, também por a considerar uma escapatória que lhe garantia estabilidade financeira
e profissional, acabou por se identificar com a profissão militar e as suas particularidades,
o que a fez optar pela ascensão ao posto de Sargento e pela afiliação permanente à
instituição. A terceira Sargento entrevistada é licenciada e encontra-se em regime de

20
Atualmente, devido à necessidade de efetivos militares, os candidatos podem concorrer com o 12º ano
ao posto de Sargento em regimes de não permanência. Todavia, no momento de alistamento das
entrevistadas, com o 12º ano e sem previsões de concorrer ao ensino superior pela Academia Militar, apenas
era permitido concorrer ao posto de Praça.

95
contrato, à espera do seu término para abandonar a profissão militar, uma vez que, não se
identificando com a profissão militar, objetiva uma carreira profissional futura na área
em que é formada, fora da instituição militar. Nenhuma das Sargentos entrevistadas
pretendeu, ao longo do seu percurso de carreira, ascender ao posto de Oficial, por
conformismo no caso das Sargentos dos Quadros , e por falta de ambição militar, no caso
da Sargento em regime de contrato.

Relativamente às especialidades prosseguidas, duas das Sargentos entrevistadas


são formadas em especialidades dos serviços e uma na das armas. Quanto às motivações
de alistamento às especialidades dos serviços, uma indicou que as armas nunca foi opção,
por considerá-las muito exigentes a nível físico e psicológico, o que a fez optar pelos
serviços. Outra, embora tenha iniciado o seu percurso militar em Praça nas armas, quando
concorreu ao posto de Sargento em regime de permanência, sentiu necessidade de optar
por uma especialidade mais “soft”, uma vez que considerou ser difícil para as mulheres
acompanharem o ritmo das armas a longo prazo, pelas demandas físicas, o que a fez optar
por uma rota mais “comodista”, nas suas palavras. A Sargento das armas opera neste
serviço desde que se alistou ao Exército Português como Praça. A sua opção pelas armas
foi por influência, uma vez que os seus instrutores eram artilheiros, mas também por
considerar que de entre todas as especialidades, essa era aquela com a qual mais se
identificava, razão que a fez optar novamente pelas armas quando ascendeu ao posto de
Sargento em regime de permanência.

Quanto às Oficias entrevistadas, duas delas operam em regime de contrato e uma


em regime de permanência. Relativamente ao alistamento ao posto de Oficial, as duas
entrevistadas em regime de contrato não foram movidas por motivações institucionais,
nem pela identificação com as particularidades da profissão militar, mas sim por questões
de estabilidade profissional e financeira, uma vez que têm licenciatura e não encontraram
uma ocupação que lhes garantisse essa estabilidade no mercado de trabalho civil. A
Oficial dos quadros permanentes entrevistada manifestou uma certa ambivalência quanto
ao alistamento ao posto de Oficial, neste caso, em regime de permanência. Apesar de
atualmente se identificar com a profissão militar e suas particularidades, confessou ter-se
candidatado à Academia Militar sem saber, propriamente, para o que ia e sem saber o que
era, exatamente, ser Oficial dos Quadros do Exército. Assim, o seu alistamento à
Academia Militar não foi movido pela ambição de ser Oficial dos Quadros, até porque
não sabia o que era ao certo, mas pelo facto de que sairia da Academia Militar com um

96
mestrado e com um posto de trabalho garantido para o futuro, que também poderia ser
aplicado fora da instituição militar, uma vez que fornece formação superior que pode ser
aplicada na vida civil.

Relativamente às especialidades, duas das Oficiais entrevistadas formaram-se nos


serviços e uma nas armas. Quanto às motivações de alistamento às especialidades dos
serviços, uma optou pelos serviços, uma vez que tem licenciatura numa área que pode ser
aplicada dentro da instituição e pelo facto das armas nunca ter sido opção, por as
considerar fisicamente exigentes e não se considerar apta ao seu desempenho. A outra,
optou pela área dos serviços, pois foi a área que lhe pareceu ser a mais indicada, na medida
em que, também, na sua ótica, as especialidades das armas são mais exigentes
fisicamente. A única Oficial das armas entrevistada, optou pelas armas, não por se
identificar com as suas particularidades, mas por ser a única especialidade que tinha vagas
na unidade de serviço mais próxima do seu local de residência. Contudo, nunca chegou a
desempenhar funções nas armas, pois a arma em que se especializou entrou em extinção,
sendo que atualmente se encontra a desempenhar funções na área dos serviços.

Após identificarmos os percursos e as motivações das entrevistadas quando ao seu


alistamento ao Exército, ao posto hierárquico, especialidade e regime de prestação de
serviço, concluiu-se que, as representações de género que subvalorizam as mulheres,
especialmente as relativas às características físicas e aos traços de personalidade, em
paralelo com as conceções partilhadas, do ser militar e do ser militar nos diversos setores
laborais, sob uma lente de género, manifestaram-se crucias ao entendimento das suas
escolhas e gestão de carreira militar, no Exército.

De forma geral, averiguou-se que, independentemente do posto, especialidade ou


regime de prestação de serviço, a maioria das entrevistadas não demonstrou ambição
militar nem identificação com a profissão militar pré-alistamento, porém, na falta de
opção, considerou o Exército uma instituição estável a nível profissional, algumas, por
tempo temporário, outras, por tempo permanente, revelando uma motivação sobretudo
circunstancial ou instrumental.

Em linha com Saavedra e colaboradoras (2010), a maioria das entrevistadas


excluiu a priori a hipótese de desempenhar serviço nos setores laborais considerados, aos
olhos destas e da sociedade, mais masculinos, que envolvem grandes exigências físicas e
psicológicas, por transportarem baixas expetativas de autoeficácia quanto ao seu
desempenho. Verificou-se, assim, que a grande parte das mesmas optou por setores
97
laborais considerados, aos olhos destas e da sociedade mais femininos, aos quais não lhes
pareceu existir dúvidas quanto à sua eficácia laboral, que, não por acaso, são os menos
bem remunerados e menos prestigiados. No entanto, as poucas entrevistadas que optaram,
ou tencionam futuramente enveredar o seu percurso de carreira pelos setores militares
considerados masculinos, não manifestaram ser uma decisão baseada em fatores culturais,
mas uma decisão baseada em privilégios económicos, uma vez tratar-se dos mais
prestigiados e mais bem remunerados.

2.4.2. Escolha e Gestão de Carreira Militar das Mulheres Militares


do Exército Português: Perceção da Tendência do
Comportamento Militar Feminino

Ao confrontar as entrevistadas com os dados estatísticos relativos à tendência do


posicionamento militar feminino no Exército Português, averiguou-se que, quanto à
maior concentração das mulheres militares no posto mais baixo da hierarquia, Praça, e a
menor concentração destas nos postos hierárquicos mais elevados, Sargento e Oficial, as
entrevistadas consideraram, como expectável, o facto das mulheres não ambicionarem o
acesso aos postos mais elevados por não se considerarem aptas física e psicologicamente
ao desempenho das funções de instrução e de chefia, caracterizadas por particularidades
masculinas.

Quanto à maior concentração das mulheres militares do Exército nas


especialidades dos serviços e a menor concentração destas nas especialidades das armas,
novamente a questão física e psicológica foi a justificativa, na ótica da maioria das
entrevistadas, uma vez que consideraram que as mulheres não se sentem aptas ao
desempenho de funções que exigem o contacto operacional direto com o terreno o que as
faz excluir a priori as especialidades das armas e optar por especialidades de apoio, dos
serviços, caracterizadas por particularidades femininas.

Relativamente à maior concentração das mulheres militares do Exército nos


regimes que não envolvem o vínculo permanente com a instituição e a menor
concentração destas no regime de permanência, as entrevistadas indicaram que as
mulheres não ambicionam trabalhar a vida inteira como militares, uma vez que, desde
cedo, sabem o que querem a nível profissional e académico e que a opção pela vida militar
acaba por ser uma opção tardia e na maior parte das vezes temporária. Algumas indicaram

98
também o facto do acesso aos quadros permanentes, através dos cursos na ESE e/ou na
Academia Militar, ser fisicamente exigente, o que faz com que as mulheres não o
considerem.

No geral, verificou-se que as entrevistadas, percecionaram a tendência do


posicionamento militar feminino no Exército enquanto resultado da influência dos fatores
culturais de género nas escolhas e gestão de carreira das mulheres, por estas transportarem
estereótipos de género que as subvalorizam física e psicologicamente, fazendo com que
não se sintam aptas ao desempenho de serviço nos setores mais masculinos que exigem
uma maior robustez física e psicológica, que não por acaso são os mais prestigiados e
mais bem remunerados.

Quanto ao tema em análise “Fatores Culturais de Género, Escolhas e Gestão de


Carreira Militar das Mulheres Militares do Exército Português” e respondendo à Q621,
verificou-se que a análise das motivações pessoais das mulheres entrevistadas, bem como
a análise da justificação da tendência geral do posicionamento militar feminino,
evidenciaram uma significativa influência dos fatores culturais de género na maneira
como as mulheres constroem e gerem o seu percurso laboral no Exército.

Em linha com vários autores como Acker (1990), Betz e Hackett (1997), Acker e
Lloyd (2002), Saavedra e colaboradoras (2010), Vicente (2013), Santos e Amâncio
(2014), Lima e colaboradores (2017), concluiu-se que os processos de socialização de
género se revelaram cruciais ao entendimento das escolhas e gestão de carreira militar
das entrevistadas, por posto, especialidade e regime de prestação de serviço, uma vez que
foram fortemente condicionadas pelas representações e estereótipos, que desde a infância
lhes foram incutidos, que menorizam a figura feminina, particularmente no que toca às
características físicas e psicológicas. Essas representações, que, através de processos de
socialização, lhes foram inculcadas, fê-las excluir, a priori, percursos laborais
tipicamente masculinos, mais prestigiados e mais bem remunerados e optar por um
percurso laboral menos engrandecido, com tendência para os setores, aos olhos destas e
da sociedade, mais femininos: os postos mais baixos, as especialidades mais pacíficas dos
serviços e os regimes de prestação de serviço que não envolvem a vinculação permanente
com a instituição, menos bem remunerados e menos prestigiados.

21
“Que fatores influenciam as motivações de alistamento, das mulheres, ao Exército Português, ao posto,
à especialidade e ao regime de prestação de serviço, onde operam serviço?”

99
Ainda que não fosse objetivo da nossa investigação, percebeu-se, ao longo dos
discursos das entrevistadas que, embora o acesso aos diversos postos, especialidades e
regimes de prestação de serviço seja, legalmente, realizado de forma voluntária e as
restrições formais ao acesso das mulheres tenham sido totalmente abolidas, o
posicionamento militar feminino é também o resultado de diversas dinâmicas e estruturas
organizacionais androcêntricas. Segundo as entrevistadas, a persistência de dinâmicas
organizacionais que orientam as mulheres para os setores laborais subvalorizados e que
as impedem, mesmo que de forma informal, de aceder aos setores mais privilegiados, é
uma realidade, embora não esteja consagrada no plano legal. Segundo o parecer das
entrevistadas, essas dinâmicas androcêntricas estão presentes nos processos de
divulgação do recrutamento do Exército, nos processos de seleção de candidatos, no
acesso a determinadas funções militares e nas promoções de carreira.

Não sendo objetivo da investigação, apenas se analisou de forma breve esta


dimensão emergente ao longo dos discursos, uma vez que poderá sugerir pistas a futuros
estudos.

No que toca à divulgação do recrutamento do Exército, embora algumas


entrevistadas tenham reconhecido que, atualmente, a publicidade e a divulgação do
Exército nas redes sociais se demonstre favorável ao aumento do recrutamento feminino
(uma vez que contemplam, cada vez mais, fotos e vídeos de mulheres militares), a
divulgação no terreno, na ótica destas, tem-se demonstrado prejudicial ao recrutamento
feminino. Foram várias as entrevistadas que realçaram a persistência de comentários e
atitudes depreciativas para com as mulheres interessadas e para com as suas capacidades,
por parte, essencialmente, de militares homens, em ações de divulgação presencial do
recrutamento da instituição.

No que toca aos testes de recrutamento e seleção do Exército, a maioria das


entrevistadas, embora tenha considerado que a diminuição das exigências físicas no caso
das mulheres e a abolição da eliminação de candidatos com base nos resultados físicos
tenham sido vantajosas à incorporação de mulheres nas fileiras do Exército, consideram
que existem processos organizacionais que contribuem para o posicionamento
institucional desvantajoso das mulheres. Todas as entrevistadas, experienciando ou não o
ocorrido, indicaram que as entrevistas de orientação de especialidade, no decorrer dos
processos de recrutamento e seleção, se revelam essenciais também à compreensão da
maior concentração das mulheres militares em especialidades dos serviços, uma vez que,

100
embora tenham pontuação que lhes permita enveredar por qualquer especialidade, são
orientadas, pelo Exército, para os serviços.

Relativamente ao acesso às variadas funções, diversas entrevistadas indicaram a


falta de oportunidade fornecida às mulheres no desempenho de funções de combate. Para
além do número reduzido de mulheres nas armas, no entendimento das entrevistadas, o
número de mulheres a desempenhar funções nas armas ainda é mais ínfimo pois não lhe
são dadas oportunidades de desempenhar funções nas especialidade em que são formadas.

Relativamente às promoções de carreira, os discursos das entrevistadas também


sugeriram a existência de dinâmicas organizacionais que condicionam as mulheres ao
acesso aos postos mais altos. Segundo as entrevistadas, a aversão partilhada,
principalmente, pelos homens militares mais antigos e pertencentes aos postos mais
elevados dos quadros permanentes, no que toca à presença feminina nos postos de chefia,
é uma realidade, o que, segundo estas, faz com que as mulheres, mesmo que
informalmente, não consigam ascender aos postos mais altos.

101
Conclusão

Procurou-se, num primeiro momento teórico-conceptual, perceber o processo de


construção social do género, analisando o seu impacto, por intermédio dos processos de
socialização (nomeadamente os familiares e os escolares), na construção das identidades
sociais e profissionais dos indivíduos, especificamente no que toca à escolha e gestão da
sua carreira profissional. Analisou-se ainda o plano simbólico-cultural do campo e da
profissão militar, que, mesmo na presença de um movimento social e institucional de
abertura à participação militar feminina, continua a ser fortemente marcado por uma
ordem androcêntrica de género. A figura da mulher e as características construídas em
torno da sua categoria sexual continuam a não coincidir com a conceção do ser militar,
esta última, ancorada, essencialmente, em critérios físicos e psicológicos rigorosos,
associados à masculinidade. Esse desencontro, entre o ser mulher e o ser militar, parece
acentuar-se particularmente nos setores laborais militares mais valorizados e mais bem
remunerados, que implicam funções de comando e contacto direto com o terreno,
nomeadamente nas funções de chefia e instrução e nas de combate armado, consideradas,
sob uma lente social, as mais masculinas.

Ainda numa perspetiva teórica, averiguou-se a forma como a legislação relativa


ao serviço militar e as próprias estruturas militares foram também elas sido alteradas de
modo a acompanhar a incorporação das mulheres nas suas fileiras. Essa análise socio-
histórica foi completada por uma recolha estatística relativa à atual participação das
mulheres, em geral no campo militar português e em específico no Exército Português, o
que nos permitiu identificar um perfil tendencial do posicionamento militar feminino no
Exército, por posto, especialidade e regime de prestação de serviço. Averiguou-se que,
embora sub-representadas em todos os setores laborais militares, as mulheres militares,
no Exército Português, apresentam-se maioritariamente concentradas nos setores laborais
militares menos prestigiados e menos bem remunerados: no posto mais baixo da
hierarquia militar (Praça), nas especialidades dos serviços e nos regimes de prestação de
serviço que não envolvem a vinculação permanente com a instituição.

Observou-se, desse modo, um perfil laboral da participação militar feminina no


Exército que espelha a posição subordinada das mulheres na sociedade, com tendência
para os setores laborais menos prestigiados e menos bem remunerados.

102
Sabendo que não existem barreiras ou limitações formais baseadas no sexo à
ocupação de qualquer posto, especialidade e regime de prestação de serviço, afigurou-se-
nos fundamental perceber que mecanismos estão então em ação nesta desequilibrada
distribuição das mulheres no Exército, por setores laborais. Para tal, procurou-se percebê-
la à luz das perspetivas sociológicas da aprendizagem social, nomeadamente, à luz da
teoria da socialização de género, uma vez que, ao longo da problemática, debatemos a
importância da mesma na forma como os indivíduos constroem as suas identidades
sociais e profissionais.

Após uma revisão bibliográfica e procurando responder à questão primordial da


investigação “Qual a influência dos processos de socialização de género nas escolhas e
gestão da carreira das mulheres militares do Exército Português?” (Q1), bem como às
questões específicas propostas (Q2, Q3, Q4, Q5 e Q622), optou-se por uma estratégia
metodológica mista. Essa foi conseguida através da aplicação de um inquérito por
questionário e da realização de entrevistas em profundidade, que, cumprindo diferentes
funções, se complementaram na análise, aprofundada, do nosso objeto de estudo.

O inquérito por questionário, mesmo que exploratório, permitiu-nos responder à


Q2 e obter uma visão primordialmente macro do plano simbólico-cultural de género do
campo militar e seus setores laborais, partilhado e difuso na sociedade portuguesa. De
acordo com o esperado, averiguou-se uma conceção predominantemente masculina do
campo militar e uma genderização dos setores laborais militares, aos olhos da sociedade
portuguesa, desvantajosa no caso das mulheres. Analisando a distribuição das mulheres
militares no Exército em paralelo com os dados obtidos com o inquérito por questionário,
verificou-se que estas se apresentam maioritariamente concentradas nos setores laborais
militares, aos olhos da sociedade portuguesa, considerados mais femininos (posto de
Praça, especialidades dos serviços e regimes de prestação de serviço não permanente) e
em menor número nos setores, considerados aos olhos desta, mais masculinos (posto de
Oficial e Sargento, especialidades das armas, regime de prestação de serviço permanente).
Assim, segundo uma análise macro, identificou-se, embora que de forma exploratória,
uma relação entre os fatores culturais de género (da sociedade em geral e do campo militar
em particular) e a participação militar feminina no Exército, como sugerem Segal (1999)
e Carreiras (2002).

22
Ver ponto “Questões e Hipóteses Orientadoras”.

103
A realização das entrevistas em profundidade às 12 mulheres militares do Exército
entrevistadas, central neste trabalho, permitiu-nos responder às restantes questões e
compreender, de forma aprofundada, os processos de socialização de género (familiares
e escolares) a que estiveram expostas (Q3), as suas práticas e representações de género
na vida adulta (Q4), as conceções partilhadas, sob uma lente de género, do ser militar e
do ser militar nos diversos setores laborais militares (Q5) e o impacto dos fatores culturais
de género nas suas escolhas e gestão de carreira militar no Exército Português (Q6).
Segundo uma análise micro, verificou-se, através da análise de conteúdo das entrevistas
em profundidade, que, como esperado, desde a infância, as entrevistadas, estiveram
expostas a processos de socialização, modelos e práticas de género tradicionais, quer em
contexto familiar, quer em contexto escolar, que subvalorizam a figura feminina em
diversos parâmetros. Consequentemente, também como esperado, as entrevistadas
demonstraram partilhar visões estereotipadas de perceber o masculino e o feminino de
acordo com os modelos a que foram socializadas. Com efeito, verificou-se que essas
visões estereotipadas de género, essencialmente referentes às características físicas e
psicológicas, demonstraram-se essenciais à compreensão da conceção androcêntrica e
genderizada, partilhada, sobre o ser militar, e sobre o ser militar nos diversos setores
laborais militares. Em concordância com os dados resultantes do inquérito por
questionário, o ser militar, e o ser militar nos postos mais altos da hierarquia, nas
especialidades das armas e no regime de permanência, foram conceptualizados, pelas
entrevistadas, também de forma mais próxima ao modelo tradicional da masculinidade,
uma vez que foram definidos em torno de características físicas e de personalidade
associadas ao masculino. Em contrapartida, também de acordo com os dados resultantes
do inquérito por questionário, o posto mais baixo da hierarquia militar e as especialidades
dos serviços foram conceptualizados, pelas entrevistadas, de forma mais próxima ao
modelo tradicional da feminilidade, uma vez que foram definidos de acordo com
características físicas e de personalidade associadas ao feminino. Apenas a
conceptualização dos regimes de prestação de serviço não permanente, sob uma lente de
género, ficou por explorar, uma vez que os discursos das entrevistadas foram nulos no
que toca a esse aspeto.

Em linha com vários autores como Acker (1990), Betz e Hackett (1997), Acker e
Lloyd (2002), Saavedra e colaboradoras (2010), Vicente (2013), Santos e Amâncio
(2014), Lima e colaboradores (2017), concluiu-se que os processos de socialização de

104
género se revelaram cruciais ao entendimento das escolhas e gestão de carreira militar
das entrevistadas, por posto, especialidade e regime de prestação de serviço, uma vez que
foram fortemente condicionadas pelas representações e estereótipos, que desde a infância
lhes foram incutidos, que menorizam a figura feminina, particularmente no que toca às
características físicas e psicológicas. Essas representações, que, através de processos de
socialização, lhes foram inculcadas, fê-las excluir, a priori, percursos laborais
tipicamente masculinos, mais prestigiados e mais bem remunerados, por deterem baixas
expetativas de autoeficácia quanto ao seu desempenho e optar por um percurso laboral
menos engrandecido, com tendência para os setores, aos olhos destas e da sociedade, mais
femininos, aos quais não lhes pareceu existir dúvidas quanto à sua eficácia laboral: os
postos mais baixos, as especialidades mais pacíficas dos serviços e os regimes de
prestação de serviço que não envolvem a vinculação permanente com a instituição, menos
bem remunerados e menos prestigiados.

Analisou-se, portanto, uma inter-relação entre a estrutura de género vigente na


sociedade e a ação das mulheres militares entrevistadas. Por um lado, averiguou-se o
impacto da reprodução da estrutura androcêntrica de género, através de processos de
socialização, na construção das suas representações estereotipadas de género,
determinantes nas suas escolhas de carreira no Exército. Por outro lado, analisou-se o
papel ‘inocente’ das mulheres entrevistadas na reprodução da estrutura, uma vez que ao
fazerem escolhas profissionais, condicionadas pelos estereótipos que lhes foram incutidos
desde a infância, continuam a reproduzi-la, em jeito de ‘círculo vicioso’.

Neste processo de inter-relação entre estrutura e ação, identificou-se o papel


crucial dos processos de socialização, essencialmente familiares e escolares, no que
concerne à transmissão de ideais e expetativas de género. Por esse motivo, promover e
propiciar a igualdade de género, em contexto educacional, familiar, escolar e não escolar,
torna-se crucial à eliminação das barreiras informais, socialmente construídas e
reproduzidas, que as mulheres no geral, e neste caso em específico, as mulheres
entrevistadas, enfrentam no acesso aos setores laborais militares mais prestigiados e mais
bem remunerados, como é o caso dos postos mais altos, das especialidades das armas e
dos regimes de prestação de serviço que envolvem a vinculação laboral permanente com
a instituição.

Embora não tenha sido nosso objetivo, identificou-se, ainda, ao longo dos
discursos das entrevistadas, constatações que evidenciam a influência organizacional da

105
instituição do Exército, no posicionamento militar feminino. Essas estruturas e dinâmicas
organizacionais, no entender das entrevistadas, androcêntricas e restritivas do
comportamento militar feminino, identificaram-se, essencialmente nos processos de
divulgação do recrutamento do Exército, nos processos de seleção de candidatos, no
acesso às funções militares sobrevalorizadas e nos processos de promoção de carreira,
pelo que, uma investigação de âmbito organizacional, sob uma lente de género, seria
também crucial ao entendimento da desequilibrada participação das mulheres militares,
pelos diversos setores laborais militares.

Não podemos esquecer, no entanto, as limitações e os obstáculos com que nos


deparamos ao longo da investigação. Há que referir o número reduzido de entrevistadas,
12, o que faz com que as conclusões não se possam generalizar às mulheres militares do
Exército Português, mas que se restrinjam à amostra selecionada. Desse modo, um estudo
mais abrangente seria pertinente ao aprofundamento da investigação. Um dos principais
obstáculos com que nos deparámos, no decorrer da realização das entrevistas, foi a
procura, das entrevistadas, em responder, não o que propriamente achavam, mas o que,
politicamente seria o mais correto. De modo a contornarmos este obstáculo, na análise de
conteúdo, tentou-se interpretar os discursos das entrevistadas, não à letra, mas à luz das
teorias debatidas no enquadramento teórico, interpretando de forma crítica as
permanentes contradições encontradas entre o ‘politicamente correto’ e as representações
estereotipadas de género, naturalizadas e manifestadas ao longo dos seus discursos. Um
outro obstáculo, este, que não conseguimos contornar, foi a impossibilidade de
caracterizarmos institucionalmente e socio-demograficamente as entrevistadas uma a
uma, devido ao número reduzido de mulheres militares a servir nas áreas geográficas por
nós definidas. Identificando o seu posicionamento institucional e sociodemográfico, e
tendo em conta as passagens utilizadas no decorrer da análise de conteúdo, relativas aos
seus percursos familiares e escolares, o seu anonimato poderia ser posto em causa, por
tal, optou-se por não o fazer. Reconhecemos, no entanto, que esta caracterização
individual seria também importante à análise, uma vez que se trata de diferentes mulheres,
a desempenhar serviço em diferentes perfis laborais militares e expostas a diferentes
percursos familiares e escolares, o que seria importante ter em conta na análise.

Ressaltamos também os aspetos positivos que nos trouxe a presente investigação


e as potencialidades com que nos deparamos em todo o processo. Por um lado, permitiu-
nos adquirir um vasto, complexo e aprofundado conhecimento teórico e metodológico em

106
torno das questões de género, imprescindível ao crescimento pessoal, académico e,
esperamos, profissional. Uma das grandes potencialidades desta investigação foi, de
facto, a possibilidade de trabalhar um objeto de estudo prezado pela investigadora, pelas
razões inicialmente mencionadas, facto que a motivou, nos momentos mais hesitantes e
menos esperançosos. Noutra vertente, também encaramos como potencialidade o facto
desta investigação ter contribuído ao aprofundamento da problemática em torno das
questões de género no geral, e em específico da problemática sobre a participação militar
feminina em contexto militar, cruzando diversas dimensões analíticas.

Novamente, enfatizamos que a adoção da estratégia metodológica mista


demonstrou-se uma mais valia, uma vez que, uma abordagem inter-relacional entre
estrutura e ação, permitiu-nos identificar o papel crucial dos processos de socialização de
género, enquanto meios de reprodução da estrutura, na forma como as mulheres escolhem
e gerem, de forma desvantajosa, o seu percurso militar no Exército, bem como o seu papel
‘inocente’ na reprodução da estrutura, ao fazerem escolhas profissionais condicionadas
por estereótipos. Por esse motivo, e porque vale a pena reforçar mais uma vez, propiciar
e promover a igualdade de género, em contexto educacional, familiar, escolar e não
escolar, torna-se crucial à eliminação das barreiras informais, socialmente construídas e
reproduzidas, que as mulheres no geral, e neste caso em específico, as mulheres
entrevistadas, se deparam no acesso aos setores laborais militares mais prestigiados e
mais bem remunerados, como é o caso dos postos hierárquicos mais altos, das
especialidades das armas e dos regimes de prestação de serviço que envolvem a
vinculação laboral permanente com a instituição militar.

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mulheres

Young, I. M. (1980). Throwing Like a Girl: A Phenomenology of Feminine Body


Comportment Motility and Spatiality. Human Studies, 3, 137-156.

116
Apêndice A: Inquérito por Questionário

O Campo Militar em Análise: Uma Perspetiva de Género

Sou estudante do Mestrado em Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da


Universidade Nova de Lisboa e estou a desenvolver uma dissertação assente nas relações de
género em contexto militar.

Este inquérito visa compreender, sob uma lente de género, como o campo militar e seus setores
são percecionados aos olhos da sociedade portuguesa.

Entenda-se, segundo uma lógica binária de género, os valores da feminilidade como valores
socialmente construídos e reproduzidos em torno da figura biológica da mulher e os valores da
masculinidade como valores socialmente construídos e reproduzidos em torno da figura biológica
do homem.

Ressalvo que as respostas devem ser dadas tendo em conta os seus conhecimentos sobre os
estereótipos de género construídos e reproduzidos na sociedade portuguesa e não tendo em conta
a sua opinião ou o que considera ser ou não o mais correto.

1. Sexo:
o Homem
o Mulher
o Outro

2. Considera o campo militar português, aos olhos da sociedade portuguesa, um campo


marcado pelos valores:
o Da masculinidade
o Da feminilidade
o De ambos
o Neutro no que concerne a valores de género

3. Sabendo que as Forças Armadas Portuguesas comportam três ramos, Exército, Força
Aérea e Marinha, selecione quais considera ser, aos olhos da sociedade portuguesa, os
ramos mais:
o Compatíveis com os valores da masculinidade: (escolha múltipla, pelo menos
uma seleção obrigatória)
o Exército Português

i
o Força Aérea Portuguesa
o Marinha Portuguesa
o Nenhum
o Compatíveis com os valores da feminilidade: (escolha múltipla, pelo menos uma
seleção obrigatória)
o Exército Português
o Força Aérea Portuguesa
o Marinha Portuguesa
o Nenhum

4. Sabendo que a hierarquia militar comporta, por ordem crescente, as posições hierárquicas
de Praças, Sargentos e Oficiais, selecione quais considera ser, aos olhos da sociedade
portuguesa, as posições hierárquicas mais:
o Compatíveis com os valores da masculinidade: (escolha múltipla, pelo menos
uma seleção obrigatória)
o Praças
o Sargentos
o Oficiais
o Nenhuma
o Compatíveis com os valores da feminilidade: (escolha múltipla, pelo menos uma
seleção obrigatória)
o Praças
o Sargentos
o Oficiais
o Nenhuma

5. As diversas posições hierárquicas comportam várias especialidades de âmbito


administrativo (serviços) e operacional (armas). Selecione para as mesmas, qual
considera ser, aos olhos da sociedade portuguesa, as especialidades mais:
o Compatíveis com os valores da masculinidade: (escolha múltipla, pelo menos
uma seleção obrigatória)
o Especialidades administrativas (serviços)
o Especialidades operacionais (armas)
o Nenhuma
o Compatíveis com os valores da feminilidade: (escolha múltipla, pelo menos uma
seleção obrigatória)
o Especialidades administrativas (serviços)

ii
o Especialidades operacionais (armas)
o Nenhuma

6. Nas Forças Armadas Portuguesas, os militares podem prestar serviço em regimes de


tempo limitado de contrato ou voluntariado, ou vincularem-se permanentemente às
mesmas, em regime de quadros permanentes. Selecione quais considera ser, aos olhos da
sociedade portuguesa, os regimes mais:
o Compatíveis com os valores da masculinidade: (escolha múltipla, pelo menos
uma seleção obrigatória)
o Regimes de serviço de tempo limitado (RV/RC)
o Regime de serviço com vinculação permanente (QP)
o Nenhum
o Compatíveis com os valores da feminilidade: (escolha múltipla, pelo menos uma
seleção obrigatória)
o Regimes de serviço de tempo limitado (RV/RC)
o Regime de serviço com vinculação permanente (QP)
o Nenhum

iii
Apêndice B: Modelo de Análise do Inquérito por Questionário

Objetivos do Questionário Dimensões Militares em Questões do questionário


Análise tendo em conta os objetivos

Perceber, aos olhos da sociedade portuguesa, qual


Campo Militar (Forças
a perceção do campo militar, sobre uma lente de Questão nr. 2
Armadas Portuguesas);
género.

Quais os ramos
maioritariamente
compatíveis com
Perceber, aos olhos da os valores da Ramos:
sociedade portuguesa, qual masculinidade. Exército Português;
a perceção dos ramos Questão nr. 3
Quais os ramos Força Aérea Portuguesa;
militares, sobre uma lente
de género. maioritariamente Marinha Portuguesa;
compatíveis com
os valores da
feminilidade.

Quais as posições
hierárquicas do
Exército
Português
maioritariamente
compatíveis com
Perceber, aos olhos da
os valores da Posições Hierárquicas:
sociedade portuguesa, qual
masculinidade. Praças;
a perceção das posições
Questão nr. 4
hierárquicas do Exército Sargentos;
Quais as posições
Português, sobre uma lente
hierárquicas do Oficiais;
de género.
Exército
Português,
maioritariamente
compatíveis com
os valores da
feminilidade.

Quais as
Perceber, aos olhos da Funções/Especialidades:
especialidades do
sociedade portuguesa, qual
Exército Administrativas (Serviços); Questão nr. 5
a perceção das
Português Operacionais (Armas);
especialidades do Exército
maioritariamente

iv
Português, sobre um lente compatíveis com
de género. os valores da
masculinidade.

Quais as
especialidades do
Exército
Português
maioritariamente
compatíveis com
os valores da
feminilidade.

Quais os regimes
de prestação de
serviço
maioritariamente
compatíveis com
Perceber, aos olhos da Regimes de Serviço:
os valores da
sociedade portuguesa, qual
masculinidade. Regime de Serviço com
a perceção dos regimes de
Vinculação Permanente (QP); Questão nr. 6
prestação de serviço do
Quais os regimes
Exército Português, sobre Regimes de Serviço de
de prestação de
um lente de género. Tempo Limitado (RV/RC);
serviço
maioritariamente
compatíveis com
os valores da
feminilidade.

v
Apêndice C: Consentimento Informado das Entrevistas

Consentimento Informado

O meu nome é Margarida Monte, sou mestranda em Sociologia na Faculdade de Ciências Sociais
e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, sob a orientação da Professora Doutora Ana Lúcia
Teixeira e a coorientação do Professor Doutor Manuel Lisboa. Encontro-me a realizar uma
investigação para a obtenção do grau de mestre, dentro dos estudos de género, mais
especificamente sobre a influência da socialização de género nos processos de escolha e gestão
de carreira das mulheres militares do Exército Português.

A sua colaboração consistirá numa entrevista individual que abordará questões relativas ao seu
percurso de vida, abrangendo três dimensões essenciais, a familiar, a educacional e a laboral.

Os dados recolhidos com esta entrevista serão analisados e interpretados somente para efeitos da
investigação em causa e utilizados exclusivamente com intuito académico e científico,
garantindo, desta forma a sua confidencialidade e anonimato.

De modo a facilitar a recolha e a análise detalhada dos dados, gostaria de obter uma autorização
para gravar, em áudio, a entrevista que se segue, bem como para utilizar algumas passagens
transcritas, não identificadas, do seu discurso, no decorrer da dissertação.

Ressalvo que comporta o direito de não responder a questões que não queira e de se pretender,
parar a entrevista a qualquer momento. Mais informo que não existem respostas corretas ou
incorretas, apenas as suas opiniões e relatos acerca da sua experiência de vida nas dimensões
acima referidas.

Eu _________________________________________________, aceito participar na


investigação em curso e autorizo a gravação áudio da mesma, bem como a utilização de algumas
passagens transcritas, não identificadas, do meu discurso, no decorrer da dissertação.

Data: _____ / _____ / ________

Hora do início da entrevista: ________________________________

Local de realização da entrevista: ____________________________

vi
Apêndice D: Guião das Entrevistas em Profundidade

Objetivo Geral
Dimensões em análise Questões-Guia

Caracterizar socio demograficamente a entrevistada

Qual a sua idade?


Caracterização sociodemográfica da Quais as suas habilitações literárias?
entrevistada Qual o seu estado civil?
Tem filhos/as?
Caracterizar institucionalmente a entrevistada
Qual o seu posto no Exército Português?
Qual a sua especialidade no Exército
Caracterização institucional da Português?
entrevistada Qual o seu regime de prestação de
serviço no Exército Português?
Qual a unidade de colocação?
Compreender os processos familiares de socialização de género no decorrer da
infância/adolescência
(Recordando as suas vivências experienciadas no decorrer da infância e
adolescência…)
Durante a infância/adolescência, por
quem era constituído o seu agregado
familiar?
Tem irmãos/irmãs? Se sim, qual a idade e
o sexo dos/das mesmos/mesmas?
Caracterização do agregado familiar da
Quais as habilitações literárias do seu
infância/adolescência
agregado familiar da
infância/adolescência?
Quais eram as profissões do seu agregado
familiar no decorrer da
infância/adolescência?

vii
Tem memória de como era feita a
distribuição das tarefas domésticas pelo
agregado familiar, no decorrer da sua
infância/adolescência? Considera a
Distribuição das Tarefas Domésticas existência de uma distribuição específica
de tarefas, por sexo?
(Se foram partilhadas pelo agregado … o
teor e a dedicação temporal às mesmas
eram iguais, por sexo?)
Tem memória de como era feita a
distribuição dos cuidados parentais pelo
agregado familiar, no decorrer da sua
infância/adolescência? Considera a
Distribuição dos Cuidados Parentais existência de uma distribuição específica
de cuidados, por sexo?
(Se foram partilhados pelo agregado … o
teor e a dedicação temporal aos mesmos
eram iguais, por sexo?)
Considera a existência de diferenças no
modo como rapazes e raparigas eram
tratados no seio familiar?
Ex:
Tratamento, por sexo, no seio familiar
- brincadeiras autorizadas;
- ajudas em tarefas domésticas;
- espaços autorizados a frequentar;
- amizades, namoros;
Compreender os processos escolares de socialização de género no decorrer da
infância/adolescência
Tem memória, ao longo da sua formação
escolar, da existência de diferentes
Tratamento, por sexo, na escola
atitudes e/ou expectativas dos
professores/funcionários quanto ao

viii
comportamento dos alunos e das alunas?
Se sim, quais?
Alguma vez, apercebeu-se de uma atitude
Tratamento, por sexo, nas diferentes
diferenciada para com os alunos e para
disciplinas
com as alunas, em diferentes disciplinas?
Se sim, em quais e de que forma?
Analisar as práticas de género no decorrer da vida adulta
(Concentrando-se nos tempos atuais…)
Atualmente, por quem é constituído o seu
Caracterização do agregado familiar atual
agregado familiar?
Como é feita a distribuição das tarefas
domésticas, pelo agregado familiar atual?
Existe uma distribuição específica de
Distribuição das tarefas domésticas tarefas, por sexo?
(Se são partilhadas pelo agregado … o
teor e a dedicação temporal às mesmas
são iguais, por sexo?)
É responsável pelo cuidado, mesmo que
parcial de alguma pessoa em situação de
dependência (filhos, outras crianças,
idosos ou pessoas com deficiências...)?
No caso de ter filhos, ou de ser
Distribuição de cuidados parentais responsável pelo cuidado, de alguma
(quando aplicável) pessoa em situação de dependência,
como é feita a distribuição dos cuidados
atualmente? O cuidado da mesma é
partilhado com alguém? (Existe uma
distribuição específica de tarefas, por
sexo?)
Compreender as representações de género da entrevistada
(Pensando agora não nas suas vivências, mas nas suas opiniões pessoais…)

ix
Considera a existência de características
Representações de género e físicas tipicamente femininas ou
características físicas características tipicamente masculinas?
Porquê?
Considera a existência de características
Representações de género e de personalidade tipicamente femininas
características de personalidade ou características de personalidade
tipicamente masculinas? Porquê?
Na sua opinião, em contexto laboral,
considera a existência de profissões
femininas e profissões masculinas?
Porquê?
Vários estudos têm demonstrado que os
rapazes frequentam em maior número
Representações de género e ocupações cursos como engenharias, arquiteturas,
profissionais informática e que as raparigas, estão
maioritariamente representadas em
cursos ligados à educação, literatura,
relações humanas e à saúde. Porque acha
que, nos dias que correm, rapazes e
raparigas fazem diferentes escolhas
vocacionais?
Na sua opinião, considera a existência de
papéis femininos ou papéis masculinos,
na sociedade? Porquê?
Diversos estudos de género têm
demonstrado que, nos dias que correm,
Representações de género e papéis
são as mulheres que mais tempo e com
sociais
mais frequência, se dedicam às diversas
tarefas relacionadas com as
responsabilidades domésticas, bem como
com o cuidado com os filhos ou pessoas
em situação de dependência. Porque acha

x
que tal facto acontece nos dias que
correm?
Já em relação as tarefas relacionadas com
a atividade laboral, os diversos dados
estatísticos demonstram que a taxa de
emprego em Portugal é, superior para os
homens em idade ativa do que para as
mulheres em idade ativa e que, em
contrapartida, a taxa de desemprego é
superior no caso das mulheres em idade
ativa do que para os homens em idade
ativa. Porque acha que isso acontece?
Os dados mostram ainda que são mais as
mulheres a trabalhar a tempo parcial (em
regime part-time) do que os homens, e
em contrapartida, no que respeita ao
emprego a tempo completo/inteiro,
continuam a ser os homens a estar mais
presentes na atividade profissional.
Porque acha que isto acontece?
Compreender as motivações/razões de ingresso ao Exército e aos seus setores
laborais e analisar as previsões futuras da carreira militar

(Concentrando-se nas suas motivações de alistamento à instituição militar…)

Qual foi a motivação/razão ou


motivações/razões para o seu alistamento
Motivação de Ingresso ao Exército
à vida militar e em específico ao Exército
Português?
Qual a razão ou razões para o
Razão para o desempenho de serviço no desempenho de serviço no posto
posto em que se encontra e objetivo hierárquico no qual se encontra?
hierárquico Qual o seu objetivo no Exército
Português, a nível hierárquico?

xi
Qual a razão ou razões da escolha da
Razão para o desempenho de serviço na especialidade na qual se encontra?
especialidade em que se encontra Desempenha funções na especialidade
em que se formou?
Qual a razão ou razões da escolha pelo
Razão para o desempenho de serviço no
regime de serviço no qual desempenha
regime de prestação em que se encontra
serviço?
Compreender a conceção da entrevistada sobre o ser militar no Exército
Português e sobre o ser militar nos diversos setores laborais, sob uma lente de
género

(Concentrando-se novamente na sua opinião pessoal…)

Na sua opinião, considera a profissão


militar, uma profissão masculina ou uma
profissão feminina? Porquê?
Não pensando nos critérios de admissão,
Conceção do ser militar no Exército
mas em características individuais e
Português
pessoais ….
Quais as características essenciais que
caracterizam um militar, em específico,
um militar do Exército Português?
Pensando agora nas diversas categorias,
Praças, Sargentos, Oficiais:
Na sua opinião, das três categorias
hierárquicas (praças, sargentos, oficiais),
Conceção do ser militar nos diversos qual considera a mais feminina e a mais
postos hierárquicos (Praça, Sargento, masculina? Porquê?
Oficial) Não pensando nos critérios de admissão,
mas em características individuais e
pessoais ….
Quais as características essenciais, que
caracterizam um Oficial do Exército
Português? Porquê?

xii
Um Sargento do Exército Português?
Porquê?
Uma Praça do Exército Português?
Porquê?
Na sua opinião, em relação às
especialidades das armas e dos serviços,
qual considera a mais feminina e a mais
masculina? Porquê?
Conceção do ser militar nas diversas Não pensando nos critérios de admissão,
especialidades mas em características individuais e
(Armas e Serviços) pessoais ….
Quais as características essenciais, que
caracterizam um militar das Armas?
Porquê?
Dos Serviços? Porquê?
Na sua opinião, em relação aos QP e aos
RV/RC, qual o regime de prestação de
serviço que considera ser o mais
masculino e o mais feminino? Porquê?
Não pensando nos critérios de admissão,
Conceção do ser militar nos diversos mas em características individuais e
regimes de serviço (RC/RV e QP) pessoais ….
Tendo em conta os diferentes regimes de
prestação de serviço, RC/RV e QP:
Quais as características essenciais, que
caracterizam um militar em QP? Em
RV/RC? Porquê?
Compreender a perceção da entrevistada quanto à tendência do posicionamento
militar feminino no Exército Português
(Tendo em conta os dados estatísticos relativos à participação militar feminina no
Exército Português…)

xiii
Pedia que enumerasse possíveis razões
para o seguinte facto (confirmado
estatisticamente):
Sub-representação das mulheres nas
As mulheres estarem, nos dias que
Forças Armadas no geral e em específico
correm, sub-representadas em
no Exército Português
comparação com os homens, nas Forças
Armadas Portuguesas, especialmente no
Exército Português.
Pedia que enumerasse possíveis razões
para o seguinte facto (confirmado
Maior concentração das mulheres estatisticamente):
militares do Exército no posto As mulheres militares do Exército
hierárquico mais baixo (Praça) Português estarem maioritariamente
concentradas no posto de Praça, e menos
nos postos de Sargentos e Oficial.
Pedia que enumerasse possíveis razões
para o seguinte facto (confirmado
estatisticamente):
Maior concentração das mulheres
As mulheres militares do Exército
militares do Exército nas especialidades
Português estarem maioritariamente
dos serviços
concentradas nas especialidades dos
serviços, e menos nas especialidades das
armas.
Pedia que enumerasse possíveis razões
para o seguinte facto (confirmado
estatisticamente):
Maior concentração das mulheres As mulheres militares do Exército
militares nos regimes que não envolvem Português estarem maioritariamente
a vinculação permanente com a concentradas nos regimes de prestação de
instituição serviço que não envolvem o
compromisso permanente com a
instituição (RV/RC) e menos no regime
de permanência (QP).

xiv
Quero desde já agradecer o seu contributo e a sua disponibilidade em colaborar na
investigação em curso. Como referi inicialmente, os dados recolhidos com esta entrevista
serão apenas utilizados para fins académicos e científicos, pelo que serão tratados de
forma completamente confidencial. Qualquer dúvida que disponha pode sempre,
novamente, entrar em contacto comigo. Quando acabar a dissertação, terei todo o gosto
em partilhá-la consigo.

xv
Anexo A: Especialidades, classes, armas e serviços em que teve início a
incorporação feminina

Fonte: (Carreiras, Mulheres Militares em Portugal (1992-1998): Politicas, Processos e


Protagonistas, 1999)

xvi

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