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Dissertação Mestrado Sociologia MargaridaMonte (44873) Entrega
Dissertação Mestrado Sociologia MargaridaMonte (44873) Entrega
Dissertação Mestrado Sociologia MargaridaMonte (44873) Entrega
Junho, 2020
Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em
Sociologia com especialização em Comunidades e Dinâmicas Sociais, realizada sob a orientação
científica da Professora Doutora Ana Lúcia Teixeira, professora auxiliar no Departamento de
Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
“A sociedade acha que ‘aquela posição’ é para homens e
que ‘aquela posição’ é para mulheres e nós às vezes somos
influenciados por aquilo que a sociedade pensa”
(Entrevistada 5).
Agradecimentos
Às entrevistadas e aos respondentes do inquérito, pela colaboração, sem eles nada disto
seria possível.
Às malucas das minhas amigas, Sónia e Helena, por tudo e mais alguma coisa, elas sabem.
Às minhas tias e ao meu tio, Magna, Maria João e João, que, ao longo da minha vida
académica, nos momentos de sufoco e desespero, manifestaram-se sempre prontos a
auxiliar. Foram, sem dúvida, a minha segunda casa.
Às minhas avós, Lucinda e Irene, que, do seu jeito peculiar, sempre me motivaram e se
mostraram orgulhosas.
Às minhas estrelinhas, os meus saudosos avôs, José Manuel e João Monte, que, mesmo
longe, estiveram sempre perto.
Às minhas pequenas grandes mulheres, minha mana de sangue, Isa, e à Beatriz, pelo
abrigo, pelo amor, pela amizade, pela partilha, pela paciência e pela motivação que
sempre demonstraram para comigo.
À minha mãe e ao meu pai, Noélia e Jana, por todo o amor, carinho, motivação e
insistência. Por me terem dado a oportunidade de estudar, e, mesmo distantes, nunca
deixarem de acreditar em mim e nas minhas capacidades. Obrigada pelos vários ‘puxões
de orelhas’, também foram essenciais.
Resumo
Com o objetivo geral de contribuir para os estudos de género, em específico em contexto
militar, a presente dissertação procura compreender o impacto da socialização de género
nas escolhas e gestão de carreira das mulheres militares no Exército Português. Num
primeiro momento exploratório, com a aplicação de um inquérito por questionário à
população portuguesa em geral, pretendeu-se, sob uma lente macro, abordar o plano
simbólico-cultural de género do campo militar e seus setores laborais (ramos militares,
postos hierárquicos militares, especialidades militares e regimes de prestação de serviço
militar) partilhado e difundido na mesma. Num segundo momento, sob uma lente micro,
foram realizadas entrevistas em profundidade a mulheres militares do Exército Português,
através das quais se discute como os processos de socialização de género (nomeadamente
os familiares e os escolares) a que estas estiveram expostas desde a infância, se
manifestam no entendimento da construção das suas representações de género,
consequentemente determinantes das suas escolhas e gestão de carreira militar. O diálogo
entre uma abordagem quantitativa e uma qualitativa demonstrou-se crucial à análise
aprofundada do objeto em estudo, permitindo analisá-lo segundo uma perspetiva inter-
relacional entre estrutura/ação e sociedade/indivíduo.
6.1. As Mulheres nas Forças Armadas Portuguesas: Uma Visão Geral ..................... 43
2.3.2. Ser Militar nos Diversos Postos Hierárquicos Militares do Exército Português
................................................................................................................................. 89
2.3.4. Ser Militar nos Diversos Regimes de Prestação de Serviço Militar ............. 92
2.4. Fatores Culturais de Género, Escolhas e Gestão de Carreira Militar das Mulheres
Militares do Exército Português ................................................................................. 93
Gráfico 1. Mulheres militares nas Forças Armadas Portuguesas, total e por ramo (N):
1994-2016………………………………………………………………………………44
Gráfico 2. Efetivos militares nas Forças Armadas Portuguesas, por sexo (%) : 2008-
2015…………………………………………………………………………………….44
Gráfico 12. Perceção dos regimes de prestação de serviço militar compatíveis com os
valores na masculinidade……………………………………………………………….72
Gráfico 13. Perceção dos regimes de prestação de serviço militar compatíveis com os
valores da feminilidade…………………………………………………………………72
Gráfico 14. Opção “Nenhum/a” nos setores compatíveis com a masculinidade e nos
setores compatíveis com a feminilidade (N)……………………………………………74
Índice de Quadros
Quadro 1. Matriculados no ensino superior, por área de formação e sexo (%): 2019 ….27
É, deveras, um problema que tem repercussões tanto para os homens como para
as mulheres, influenciando particularmente o modo como constroem e estruturam as suas
identidades sociais e profissionais, nomeadamente no que toca à escolha e gestão das suas
carreiras profissionais, objeto em estudo nesta dissertação. Este é um problema que tem
demonstrado ser mais desvantajoso às mulheres, por, desde cedo, lhes serem associadas
particularidades características do modelo tradicional da feminilidade, que,
desvalorizadas socialmente, as deixam em posições aparentemente naturalizadas de
inferioridade e subvalorização em diversas esferas sociais, pelo que se torna crucial à
investigação situá-lo num contexto e numa época específicos.
1
A problemática da participação das mulheres nas Forças Armadas Portuguesas
tem sido objeto de estudo, sensivelmente, desde as últimas cinco décadas. A literatura
existente encontra-se agrupada em três grupos analíticos: um primeiro, de cariz
essencialmente histográfico e descritivo; um segundo, com enfoque maioritariamente
político e ideológico, refletindo posições ideológicas e normativas quanto à necessidade
e desejabilidade do recrutamento feminino; e um último, relativo à produção científica e
empírica e ao aprofundamento teórico-conceptual do problema em causa (Carreiras,
2002). Todavia, os estudos que, do ponto de vista teórico cruzem várias dimensões de
análise, embora existam, vêem-se escassos, pelo que, esta dissertação visa também ser
um contributo nesse sentido.
Sabendo que atualmente o acesso à instituição militar e aos seus diversos setores
laborais é realizado exclusivamente de forma voluntária, e que não existem barreiras ou
limitações formais baseadas no sexo, à ocupação de qualquer posto, especialidade e
regime de prestação de serviço, afigurou-se-nos fundamental perceber que mecanismos
estão então em ação nesta desequilibrada distribuição das mulheres no Exército. Para tal,
procurou-se percebê-la à luz das perspetivas sociológicas da aprendizagem social,
nomeadamente, à luz da teoria da socialização de género. É nosso objetivo primordial
perceber até que ponto os processos de apropriação da cultura, enquanto meios
reprodutores de estereótipos e expetativas de género, influem nos processos de escolha e
gestão de carreira das mulheres militares no Exército Português.
2
profissionais dos indivíduos, nomeadamente no que toca à escolha e gestão da sua carreira
profissional. Analisou-se, ainda, o plano simbólico-cultural de género do campo e da
profissão militar, bem como o percurso da participação das mulheres nas Forças Armadas
Portuguesas, percebendo como a legislação relativa ao serviço militar e as estruturas
organizacionais foram também elas sido transformadas de modo a acompanhar a
incorporação das mulheres nas suas fileiras. Essa análise socio-histórica, foi completada
por uma recolha estatística relativa ao atual posicionamento das mulheres no campo
militar português em geral e em específico no Exército Português, percebendo a tendência
do mesmo, por posto, especialidade e regime de prestação de serviço, importantes na
construção das questões orientadoras da presente dissertação.
3
Capítulo I. Enquadramento Teórico-Conceptual
4
consciencialização e problematização, ativista e teórica, em torno do conceito ‘género’,
marcando a abertura à critica social em torno das questões de género.
Para Beauvoir (1949), “On ne naît pas femme: on le devient. Aucun destin
biologique, psychique, économique ne définit la figure que revêt au sein de la société la
femelle humaine” (Beauvoir, 1949, p. 15). A ideia de que as mulheres são identificadas
como seres “socialmente subalternizados enquanto um “outro” numa sociedade patriarcal
definida em torno do homem e construída por referência a ele” (Teixeira, 2017, p. 23),
possibilitou a Beauvoir distanciar-se das teorias psicanalíticas e biológicas, evidenciando
uma separação entre “sexo” e “género”. Defendendo que o social se sobrepõe ao natural,
a obra Le Deuxième Sexe “permitiu definir as relações sociais de género como resultantes
dos papéis socialmente atribuídos às mulheres e não da sua natureza inata, abrindo, assim,
um novo campo de possibilidades para a transformação da posição das mulheres na
sociedade” (Teixeira, 2017, p. 23). A abertura à crítica social em torno das questões de
género veio sublinhar que “apesar das diferenças entre homens e mulheres, do ponto de
vista biológico, serem inegáveis, elas não justificam as diferenças culturais supostamente
inerentes à feminilidade ou à masculinidade” (Bergano, 2012, p. 22), desvendando assim
uma conceção social desencadeante da subvalorização das mulheres e não inerente à sua
determinação biológica.
Contrariamente às teorias geradas em torno dos anos 70, as teorias mais recentes
no campo dos estudos de género, nomeadamente a partir dos anos 90, buscam , não uma
reconfiguração das relações de género baseadas no sexo, mas uma desconstrução do
próprio género ‘biologizado’ nas abordagens teóricas anteriores. Esta nova forma de olhar
5
para o género permite-nos refletir que a construção das identidades de género, não se
fecha no binarismo (masculino ou feminino) nem estabelece uma ligação estreita com o
sexo. As críticas à ‘biologização’ do género têm sido cada vez mais frequentes, contudo,
há quem perspetive esta abertura conceptual de forma desvantajosa, uma vez que, acabou
por colocar em prejuízo e em questão as políticas e os objetivos definidos nas abordagens
teóricas anteriores (Teixeira, 2017).
Uma das teóricas mais conceituadas nas questões de género, sob uma lente ‘não
biologizada’, é Judith Butler, filósofa americana. Para Butler, os estudos de género, em
especial os desenvolvidos no decorrer da segunda vaga dos feminismos, teriam
erroneamente caído numa espécie de paradoxo, na medida em que “rejeitaram a ideia de
que a biologia era o destino, mas depois desenvolveram uma narrativa da cultura
patriarcal que parte do princípio de que os géneros masculinos e feminino seriam
inevitavelmente construídos pela cultura, sobre corpos macho e fêmea, tornando outra
vez o destino inescapável” (Almeida, 2008, p. 4). Uma das fortes críticas de Butler recai
sobre a tríade socialmente construída entre sexo, género e sexualidade, por outras
palavras, sobre a heteronormatividade. Para a autora, contrariamente aos pensamentos
anteriores, o género não é algo que se é, mas algo que se faz, é performativo na medida
em que “o género é a estilização repetida do corpo, um conjunto de actos repetidos dentro
de uma moldura reguladora rígida, que congelam ao longo do tempo de modo a
produzirem a aparência de substância, de um ser natural” (Almeida, 2008, p. 7).
6
situar o conceito numa época e num contexto específico a fim de configurarmos de forma
correta o significado que lhe devemos conferir (Ferreira, 2001).
Iremos, seguidamente, sob uma lente de género, analisar em que consistem esses
estereótipos, que, seguindo o padrão das sociedades ocidentais, se organizam em torno de
uma perspetiva binária e androcêntrica de género.
7
2. Dos Estereótipos de Género às Desigualdades Sociais entre os
Sexos
8
muito preciso, que frequentemente substitui o conhecimento real” (Neto, et al., 1999, p.
10). Neto e colaboradores (1999) enfatizam a interpretação e a análise dos estereótipos
para o seu carácter social e neutro, no sentido de se poder revestir de valor positivo ou
negativo, espelhando, sempre, uma “ideologia que se legitima pela sua generalização e
aceitação implícita” (Bergano, 2012, p. 120).
9
a sua propensão a alterações é reduzida, mesmo na presença de informação contrária”
(Vieira, Nogueira, & Tavares, 2015, p. 26).
10
Susan Basow (1986), ainda que de forma mais introdutória, foi mais a fundo e agrupou
os estereótipos de género em quatro subtipos inter-relacionais: os estereótipos de género
relativos aos traços de personalidade; os estereótipos de género relativos aos papéis
desempenhados na sociedade; os estereótipos de género relativos às atividades
profissionais prosseguidas e os estereótipos de género relativos às características físicas,
sendo os últimos, segundo a linha do pensamento de Deaux & Lewis (1984), os que mais
parecem exercer poder sobre o comportamento. Segundo Vieira, Nogueira e Tavares
(2015) estes últimos “despoletam com maior intensidade a actuação das crenças
associadas ao género” (Vieira, Nogueira, & Tavares, 2015, p. 28), uma vez que as
diferenças físicas dos homens e das mulheres se manifestam o aspeto mais difícil de
mudar, de entre todos os que se relacionam com o género, por serem encaradas de forma
puramente biológica e consequentemente percecionadas como imutáveis.
11
relevância, como será explorado no ponto cinco do presente enquadramento teórico. Uma
vez que Basow (1986) descortina os estereótipos de género também em torno das
ocupações profissionais e das características físicas, subtipos não explorados por Neto e
colaboradores (1999), adotou-se a perspetiva da autora.
12
Uma vez tratar-se de estereótipos, é socialmente expectável e prescritivo, que
homens e mulheres, sob uma lente de género, demonstrem traços de personalidade
distintos e correspondentes à sua categoria sexual. Assim, a personalidade de homens e
de mulheres, deve ser pensada não apenas como resultado puro da subjetividade de cada
indivíduo, mas como o resultado da influência da (re)produção da estrutura, na
construção das próprias identidades dos homens e das mulheres. Contudo, reconhecemos
a existência de mulheres agressivas, competitivas e/ou independentes, homens
sentimentais, gentis e/ou emotivos, e homens e mulheres com personalidades
semelhantes, uma vez tratar-se de estereótipos.
Young (1980), alerta-nos para o facto de que, numa sociedade dominada por uma
visão androcêntrica, como é, ainda, o caso da sociedade portuguesa, a forma típica como
mulheres e homens utilizam e experienciam o seu corpo não é determinada
biologicamente, mas socialmente, visto ser resultado de discursos e práticas que, desde a
infância lhes são incutidos, através de processos socializadores. As mulheres desde cedo
são estimuladas a experimentarem os seus corpos como “objetos para os outros”,
enquanto os homens são estimulados a experimentarem os seus corpos como “objetos
para si” (Young, 1980).
13
É socialmente expectável e prescritivo que uma mulher seja mais frágil e diminuta
fisicamente e que um homem seja mais robusto, agressivo, poderoso e energético a nível
físico, o que a sociedade crê ser algo exclusivamente da condição biológica diferenciada
entre sexos. O físico de homens e de mulheres deve, assim, ser pensado não como
resultado puramente inato das diferenças biológicas entre os sexos, mas como resultado
de construções e inscrições socioculturais que desvalorizam o papel da mulher e
sobrevalorizam o do homem na sociedade, que, passadas de geração em geração
alimentam a relação naturalizada entre homem-robustez física e mulher-fragilidade física.
Contudo, reconhecemos a existência de mulheres robustas fisicamente e homens
diminuídos fisicamente, assim como homens e mulheres com corpos, robustez ou
fragilidade físicas semelhantes, uma vez tratar-se de estereótipos.
14
face ao papel social do homem. Seguidamente, procurámos realizar uma análise sócio
histórica do papel social da mulher em Portugal, que, seguindo o padrão das sociedades
ocidentais, e embebido por estereótipos, tem-se demostrado um papel de esfera de atuação
essencialmente privada e doméstica em oposição ao papel social do homem, de esfera de
atuação essencialmente pública e laboral.
1
Note-se que a Constituição de 1933 veio estabelecer a igualdade dos cidadãos portugueses perante a lei
com algumas injúrias face ao papel da mulher e aliada ao Código Civil, à época, sublinhavam o estatuto
inferior da mulher face ao marido.
15
invisíveis, umas silenciosas e outras, por vezes, silenciadas, uma vez que “inércias e
resistências ainda se fazem sentir ao nível das normas sociais e das culturas
organizacionais, dos aplicadores e das aplicadoras da lei, das instituições nos seus modos
de funcionar tendencialmente tradicionais, que podem até adotar o discurso da igualdade
sem que ela se traduza em qualquer mudança” (Torres, et al., 2018, p. 20).
2
É considerado empregado, o indivíduo “com idade mínima de 15 anos que, no período de referência, se
encontrava numa das seguintes situações: 1) tinha efetuado trabalho de pelo menos uma hora, mediante
pagamento de uma remuneração ou com vista a um benefício ou ganho familiar em dinheiro ou em géneros;
2) tinha uma ligação formal a um emprego mas não estava ao serviço; 3) tinha uma empresa, mas não estava
temporariamente a trabalhar por uma razão específica; 4) estava em situação de pré-reforma, mas a
trabalhar” (INE, 2019a)
16
refletem desigualdades de género dentro da vida familiar, desvantajosas no caso das
mulheres.
Vemos que apesar das mulheres, atualmente, fazerem parte do mundo laboral, o
papel tradicional que as ‘amarra’ à esfera privada e do lar tende a persistir. Segundo
Vicente (2013), conflitos posteriores surgem, relativamente a aspetos concernentes à
conciliação família-trabalho, o que faz com que estas, mais que os homens, optem por
trabalhos com um menor compromisso de tempo, nomeadamente os part-times, de forma
a conciliar a vida familiar com a vida laboral. Os dados de 2019 apontam que cerca de
91,9% dos homens trabalhadores trabalham a tempo completo e 8,1% a tempo parcial e
que, relativamente às mulheres trabalhadoras, 87,4% trabalham em tempo completo e
12,6 % a tempo parcial (INE, 2019f).
Não restam dúvidas que estas práticas são alimentadas e reproduzem também a
visão estereotipada do que é ser mulher e do que é ser homem, ainda presente, na
sociedade portuguesa, uma vez que os estereótipos relativos aos papéis de género
continuam a posicionar, em Portugal, mulheres e homens em polos opostos e
desvantajosos no caso das mulheres.
3
É considerado em idade ativa, o indivíduo “com idade mínima de 15 anos que, no período de referência,
constituíam a mão-de-obra disponível para a produção de bens e serviços que entram no circuito económico
(empregados e desempregados)” (INE, 2019b).
17
2.4. Estereótipos de Género e Atividades Profissionais: Tipificação
Genderizada de Atividades Profissionais
Tal como outras esferas em análise, as atividades profissionais são também alvo
de tipificações em torno de uma visão binária de género, que alimenta a ideia, socialmente
construída, da existência de profissões tipicamente femininas e adequadas às mulheres e
de profissões tipicamente masculinas e adequadas aos homens, como é o caso da profissão
militar.
Segundo Shouten (2011), tendo por base uma visão europeia, dentro das
profissões tipicamente femininas encontramos as profissões de assistência, as profissões
administrativas e as profissões ligadas ao comércio e aos serviços. Temos como exemplo,
a profissão de enfermeira, cuidadora de idosos, professora, assistente social, educadora,
secretária, cozinheira, empregada de limpeza, empregada de balcão, mulher-a-dias, entre
outras (Furtado, 2013). A perceção destas enquanto profissões femininas tem por base o
fundamento estereotipado relacionado com as características físicas e psicológicas mais
frágeis das mulheres, mas também com a conceção social que lhe atribui o papel ‘inato’
para o desempenho de funções relacionadas com o apoio e com o cuidar, justificado no
seu instinto maternal.
18
deixando, deste modo, as mulheres em desvantagem no mundo laboral, tal como ocorre
em contexto militar.
19
seguida compreender o processo de socialização, nomeadamente o de género,
averiguando a influência deste na construção das identidades sociais e profissionais dos
indivíduos sociais, bem como a sua contribuição na reprodução e fortalecimento dos
estereótipos de género.
Peter Berger e Thomas Luckmann, em torno dos anos 60, retomando as análises
dos estudiosos Mead e Schütz, analisaram a construção social da realidade, verificando
que a fase da interiorização se caracteriza por ser o processo de interiorização da realidade
objetiva de uma sociedade ou de segmentos da mesma, nos atores sociais, via
socialização. Segundo os autores, “o indivíduo não nasce membro da sociedade. Nasce
com a predisposição para sociabilidade e torna-se membro da sociedade” (Berger &
Luckmann, 1996, p. 137). Entende-se, deste modo, a socialização como um processo de
construção profunda da consciência individual pela realidade objetiva, um processo
contínuo e inacabado de introdução do indivíduo no mundo objetivo de uma sociedade
(socialização primária) ou em setores particulares da mesma (socialização secundária).
20
Relativamente ao processo de socialização, conclui-se que este é um processo que
se realiza por meio dos agentes socializadores (primários ou secundários), sendo, desse
modo, assegurado o funcionamento e a reprodução da realidade em causa (primária ou
secundária), ou do habitus referente (primário ou secundário), no sentido boudiano do
termo. Em síntese, Bourdieu (2002, 2003) e Berger e Luckmann (1996), apesar de
utilizarem terminologias diferentes, defendem a ideia de que os indivíduos sociais
interiorizam as estruturas objetivas de cada realidade social (primária ou secundária) e as
suas especificidades, via socialização, que são transformadas em estruturas
mentais/morais (ethos) e corporais (héxis), sobre a forma de habitus (primário ou
secundário), capazes de orientar as suas ações e práticas nas mesmas.
Sob uma lente de género, essencial à dissertação, sabe-se que as versões feminina
e masculina da realidade, sejam elas relativas a papéis de género, características físicas,
traços de personalidade ou ocupações profissionais, são reconhecidas e que esse
reconhecimento é, primordialmente, transmitido via socialização primária (Berger &
Luckmann, 1996). Por via essencialmente da socialização familiar, no decorrer da
primeira infância, nota-se o estabelecimento da estrita relação e da “predominância da
versão masculina para a criança do sexo masculino e da versão feminina para a do sexo
feminino” (Berger & Luckmann, 1996, p. 174). Segundo Silva (1993), desde muito cedo
aos rapazes e às raparigas são incutidos diferentes atributos e características distintas, em
função do sexo, coincidentes com a representação tradicional de feminino-passivo e
masculino-agressivo. Também Carrilho (2007) afirma que “ser rapaz ou rapariga (…) é
algo que a criança irá aprender ao longo do seu desenvolvimento, assim como os tipos de
comportamento adequados ao seu sexo” (Carrilho, 2007, p. 57). De acordo com Stoller
(1993), a masculinidade e a feminilidade poderão ser encontradas em qualquer indivíduo
social, sob diferentes formas e em diferentes graus. Para o autor, género e sexo não estão
diretamente correlacionados, porém, quando uma mulher manifesta comportamentos,
posturas ou características típicas da masculinidade ou um homem, típicas da
feminilidade “a explicação poderá encontrar-se ao longo do seu desenvolvimento , mais
precisamente na infância e adolescência” (Carrilho, 2007, p. 59), nomeadamente na
realização de uma série de identificações com atividades atípicas, socialmente
classificadas como ‘do outro género’.
21
porque homens e mulheres desenvolvem “atitudes e comportamentos adequados à sua
inclusão na respectiva categoria sexual, bem como a [sua] correlativa identidade de
género” (Carreiras, 1997, p. 37). Por outro lado, também permite-nos compreender
porque os mesmos não desenvolvem comportamentos socialmente típicos da sua
categoria sexual, uma vez que, segundo Stoller (1993) e Carrilho (2007), a identificação
com atividades ‘atípicas’, isto é, com atividades socialmente classificadas como ‘do outro
género’, no decorrer da infância e adolescência, pode explicar futuras posturas,
comportamentos e/ou características atípicos da sua categoria sexual.
22
Sob uma lente de género, observa-se que a socialização secundária,
nomeadamente a escolar e institucional, funciona, não como motor de mudança social
como alertavam Berger e Luckmann (1996) e Dubar (1997), mas como um motor de
empoderamento e de reprodução das segregações, estereótipos, assimetrias e
desigualdades entre géneros. Segundo um estudo realizado por Statham (1986), mesmo
famílias que se esforçaram a educar os filhos de forma não sexista, consideram ser difícil
combater os padrões existentes e difundidos de aprendizagem social do género para além
dos familiares, uma vez que se encontram bem presentes e enraizados em diversos
estágios e contextos da vida dos indivíduos sociais, como é o caso da escola, dos media e
das instituições profissionais.
Como vimos anteriormente, apesar das mulheres, nos dias que correm, serem parte
integrante do mercado de trabalho, anteriormente exclusivo dos homens, são notórias
algumas segregações por sexo que poderão ser explicadas pela “tradição cultural que
desvaloriza o papel social da mulher na esfera profissional” (Chambouleyron & Resende,
2006, p. 18) e as características da feminilidade, e, em contrapartida, sobrevaloriza o do
homem e as características da masculinidade.
23
da sua condição subordinada na sociedade, que lhes é incutida desde muito cedo como
algo da ordem do natural.
Perista (1999) adverte para o facto de “a igualdade tida, muitas vezes, como adquirida
e não questionada, não passa de ilusória face a todos os constrangimentos que a mulher
enfrenta, quer no acesso a determinadas profissões e posições dentro destas, quer ao nível
das remunerações auferidas” (Perista, 1999, p. 128). Segundo Lima e colaboradores
(2017) “ainda que mulheres e homens, atualmente, cheguem a executar atividades
laborais iguais, a condução das suas carreiras se dá de maneira diferente” (Lima, Voig,
Feijó, Camargo, & Cardoso, 2017, p. 44) , quer verticalmente, no acesso a cargos de
chefia (tetos de vidro), quer horizontalmente, no acesso a funções de maior prestígio (tetos
de vidro), mais desvantajosa no caso das mulheres.
24
A construção e a reprodução social do género emerge, assim, como um dos
principais fatores condicionantes da escolha e gestão profissional dos indivíduos sociais,
que, na verdade, acaba por não ser a mais livre possível, como idealizara Saavedra (2015),
mas fruto de constrangimentos socioculturais assentes na segregação estereotipada entre
géneros, influenciando particularmente o modo como os indivíduos estruturam e
constroem as suas identidades sociais e profissionais.
25
indivíduos, através de processos de socialização, influencia a opção profissional de
mulheres e de homens.
Na prática, essa diferenciação por sexo no que toca à escolha profissional, pode
ser analisada, por exemplo, na discrepância de matriculados por áreas de formação no
ensino superior. Por tal, calculou-se a percentagem de homens e de mulheres nas diversas
áreas de formação, através dos dados brutos disponibilizados pela DGEEC/MEd -
MCTES (Direção Geral de Estatísticas da Educação e Ciência), relativos ao número de
26
alunos e alunas matriculados no ensino superior, por área de educação e formação,
acedidos através do site PORDATA4.
Quadro 1. Matriculados no ensino superior, por área de formação 5 e sexo (%): 2019
Engenharia,
Ciências, Saúde e
Indústrias
Educação Matemática e Proteção Serviços
Transformadoras e
Informática Social
Construção
https://www.pordata.pt/Portugal/Alunos+do+sexo+feminino+matriculados+no+ensino+superior+total+e+
por+%C3%A1rea+de+educa%C3%A7%C3%A3o+e+forma%C3%A7%C3%A3o-1028
https://www.pordata.pt/Portugal/Alunos+do+sexo+masculino+matriculados+no+ensino+superior+total+e
+por+%C3%A1rea+de+educa%C3%A7%C3%A3o+e+forma%C3%A7%C3%A3o-1027
5
Apenas foram selecionadas as áreas de formação onde existe a sobre representação de algum dos sexos.
27
Fonte: Elaboração pessoal com base nos dados disponibilizados pela Direção Geral de Estatísticas da
Educação e Ciência.
Nota-se que os dados estatísticos mais recentes disponibilizados nos indicam que
é nas áreas de formação tradicionalmente mais próximas do padrão estrutural da
feminilidade que as mulheres se encontram sobre representadas e os homens sub-
representados e que é nas áreas mais próximas do padrão estrutural da masculinidade que
os homens se apresentam sobre representados e as mulheres sub-representadas.
Por um lado, olhar para a sociedade portuguesa, sob uma lente de género, é
observar uma sociedade que continua a alimentar e a ser alimentada pela ordem de género
predominante nas sociedades ocidentais. Em primeiro plano, pela construção e
reprodução de um modelo convencional de género, assente numa assimetria que
sobrevaloriza o masculino e subvaloriza o feminino em várias esferas sociais, e pela clara
associação entre os mesmos polos de género e sexo biológico (homem-masculino;
mulher-feminina) como algo da ordem do natural que, através de processos
socializadores, produz homens-masculinos-dotados de poder e mulheres-femininas-
passivas. Por outro lado, pensar na instituição militar é, sob uma lente de género, pensar
numa organização genderizada, altamente masculina, até mesmo a “mais masculina de
todas as instituições sociais” (Segal, 1999, p. 17), que, anteriormente exclusiva aos
homens, atualmente incorpora mulheres nas suas fileiras, nos seus diversos ramos, postos
hierárquicos, especialidades e regimes de prestação de serviço.
29
De forma breve, os fatores políticos referem-se à “ configuração das relações civil-
militares, ao regime político e respectivo quadro jurídico-institucional, à ideologia
política dos vários governos e às consequentes políticas relativas às mulheres e
minorias, aos níveis de representação feminina nas estruturas de poder ou ainda ao papel
assumido pelos diferentes actores políticos” (Carreiras, 2011, p. 102) e a forma como
estes se relacionam com as instituições militares.
30
perceções e valores social e culturalmente construídos e reproduzidos, em torno da figura
biológica da mulher e não em realidades objetivas. Por esse motivo ou “as forças armadas
têm que ser encaradas (pelos decisores políticos e população) como uma instituição
transformada para se tornar mais compatível com o modo de ser das mulheres (ou com o
modo como são vistas), ou então as mulheres têm de ser encaradas como susceptíveis de
mudança que potencialmente as torne mais aptas para o serviço militar” (Segal, 1999, p.
17).
É sabido que, ao longo dos tempos, a predominação masculina foi e continua a ser
observada em vários setores, essencialmente no laboral, promovendo uma “resistência à
ocupação de determinados postos de trabalho por mulheres, a exemplo da profissão
militar” (Moreira, 2011, p. 18). O campo militar, no que concerne ao plano simbólico-
cultural, tem “funcionado como um campo social produtor de referenciais sobre papéis
sexuais, e, em particular, de uma conceção normativa da masculinidade, que, por um lado,
amplifica o modelo socialmente dominante, por outro, participa ativamente na sua
produção e reprodução” (Carreiras, 1997, p. 45), através das suas próprias dinâmicas e
31
socializações organizacionais, enquanto instituição totalizante, no sentido goffmaniano
do termo.
Carreiras (1997) afirma que a “entrada de mulheres no domínio militar não deixará
de revelar um campo de relações marcado pelas características do processo de construção
assimétrica do género (…) pelo facto de, ao contrário de outras organizações onde a
estrutura simbólica da diferenciação entre géneros permanece implícita, as Forças
Armadas terem historicamente desenvolvido princípios de organização explicitamente
“sexuados”” (Carreiras, 1997, p. 45). O ideal-tipo do ser militar, mesmo perante um
movimento social de abertura, continua a estar ancorado em características físicas e
psicológicas estereotipadas e naturalizadas em torno dos homens como é o caso da “
agressividade, força física, orientação para a ação, frieza, stamina, capacidade de
exposição a perigo físico extremo e aos sangrentos requisitos da guerra” (Carreiras, 2013,
p. 481). Já as características físicas e psicológicas estereotipadas e naturalizadas em torno
das mulheres, continuam a ser perspetivadas, sob uma lente social, como características
indesejadas e não compatíveis com a profissão militar. Assim, o ser militar continua a
associar-se “à conceção dominante de masculinidade, seja ela decorrente de arquétipos
tradicionais ancorados na virilidade ou no poder físico, seja ela associada a novos
significados como a competência técnica e profissional” (Carreiras, 2018, p. 241).
Para além de ser uma instituição, ainda, muito masculina, a instituição militar, no
caso português, atualmente, incorpora mulheres nos seus diversos ramos, postos,
33
especialidades e regimes de prestação de serviço. A maioria das discussões públicas e
institucionais acerca da participação militar feminina, papéis e funções que as mulheres
militares devem desempenhar, enquadram-se sobretudo em torno da oposição entre
cidadania e eficácia militar, onde aspetos como “os valores democráticos da igualdade e
não-discriminação são confrontados com as exigências militares de eficácia e prontidão”
(Carreiras, 2013, p. 481).
34
Um inquérito realizado por Carreiras em 1997 concluiu que três quartos dos
inquiridos militares considerou a presença das mulheres nas forças armadas mais
desvantajosa do que vantajosa à instituição. Também a opinião partilhada, no que respeita
ao desempenho de atividades operacionais por parte das mulheres, demonstrou-se um
pouco restritiva, uma vez que grande parte dos inquiridos defendeu que as funções
desempenhadas por mulheres deveriam restringir-se a áreas de apoio e de logística.
Apenas alguns concordaram que as mulheres poderiam desempenhar qualquer tipo de
tarefas. Um inquérito mais recente, realizado em 2009, mostrou que as opiniões se têm
alterado ao longo dos tempos, uma vez que grande parte dos militares partilhou a opinião
de que as mulheres poderiam executar qualquer tarefas, incluindo combate; contudo, uma
parte ainda significativa de inquiridos concordou que as mulheres deveriam apenas
realizar tarefas de apoio logístico e técnico (Carreiras, 2018).
São vários os autores que salientam “a relação dialéctica que se estabelece entre a
estrutura e o modo de funcionamento das organizações militares e o ideal-tipo de
masculinidade prevalecente: se, através de formas específicas de socialização, modelos
disciplinares e padrões de autoridade, a instituição participa na construção do arquétipo
masculino, este, por sua vez, realimenta o funcionamento, de tal forma que (…) os
conteúdos associados às definições de masculino e militar se plasmam frequentemente
numa notável sobreposição” (Carreiras, 1997, p. 46). Deste modo, nota-se a importância
do estabelecimento da (histórica) relação entre o campo e o habitus militar e a construção
social da masculinidade, à compreensão da reprodução da ordem masculina no campo
militar.
Sabendo que o campo militar se caracteriza por um habitus militar e uma doxa
militar, eles próprios masculinos, é expectável que “os homens recém-chegados já
compartilhem, de partida, uma proximidade congénita com as regras do campo e seus
35
jogos viris de legitimação. Em contrapartida, as mulheres recém-chegadas, além de
sofrerem a violação do seu habitus “civil” (do mesmo modo que os homens recém-
chegados), sofrem também uma violação do seu habitus primário de género (feminino),
na medida em que são mulheres e precisam assimilar a lógica androcêntrica subjacente
ao campo militar” (Rosa & Brito, 2008, p. 9).
Sabendo que as identidades de género não são estáticas nem fixas, é, pelo referido
anteriormente, expectável que os homens comportem a priori um habitus de género
coincidente com o habitus militar. Em relação às mulheres, estas apresentam-se
36
desfavorecidas neste aspeto, na medida em que, ao entrarem para o campo militar, estão
sujeitas não apenas à quebra da sua identidade civil (em igualdade com os homens), mas
expostas a uma violentação do seu habitus feminino, uma vez que são submetidas a uma
ordem androcêntrica secularizada, isto é, institucionalizada no campo militar (Rosa,
2007).
37
A inclusão das mulheres nas Forças Armadas Portuguesas tem sido o resultado de
um processo contínuo de luta pela igualdade entre indivíduos de ambos os sexos (Alves,
1999). Segundo Carreiras (1995), este apelo à integração feminina, por parte das
instituições militares, foi movido essencialmente por dois fatores: a alteração do padrão
social das mulheres na família e no mercado de trabalho, agudizando a necessidade das
instituições militares alargarem a sua base social, mas também devido a dificuldades de
recrutamento, uma vez que, recrutar mulheres significaria recrutar militares com mais
qualificações e a um menor custo.
Deste então, a entrada das mulheres nas Forças Armadas e o recrutamento das
mesmas para as suas fileiras são processos que têm vindo a se desenvolver “num contexto
de transformação estrutural das organizações militares e também de significativas
alterações ao nível das relações sociais de género que, nas últimas décadas, têm
acompanhado a reconfiguração do modelo de participação social das mulheres” (Moreira,
Moura, Pinheiro, & Ribeiro, 2013, pp. 5-6). Nesse sentido, vários estudos têm vindo a ser
desenvolvidos em torno de dois vetores centrais, “por um lado, o plano socio-
organizacional da mudança na instituição militar, por outro, o plano simbólico-cultural
das relações sociais de género” (Carreiras, 1995, p. 98).
38
autónoma e descoordenadamente em cada ramo das Forças Armadas” (Castelão, 1999, p.
115).
A Força Aérea Portuguesa foi o ramo pioneiro na inclusão de mulheres nas suas
fileiras. Este, entre 1961 e 1973, criou o quadro de enfermeiras para-quedistas, que,
embora previsse 9 postos para Oficiais e 12 postos para Sargentos, nunca esteve completo
“apesar de terem sido feitos durante o referido período, 12 cursos de pára-quedismo para
enfermeiras, aos quais concorreram 126 mulheres voluntárias, sendo brevetadas 48”
(Alves, 1999, p. 76). Estas mulheres demonstraram grande eficácia no decorrer da Guerra
do Ultramar (1961-1974), facto que encorajou a Força Aérea Portuguesa a não deixar de
admitir mulheres nos seus quadros, mesmo terminada a guerra (Alves, 1999; Carreiras,
1997).
39
funções laborais que se assemelham às funções sociais contruídas em torno da figura da
mulher, relacionadas com os cuidados e o apoio.
A Força Aérea, ramo pioneiro no que toca à inclusão das mulheres nos seus
serviços, foi também ela a pioneira na inclusão das mulheres em funções operacionais e
tidas como masculinas, autorizando, em 1988, a admissão de duas cadetes para o curso
de pilotagem aeronáutica (Carreiras, 2018). Posteriormente, a Portaria nr° 60/90 de 25 de
janeiro vem considerar que “a experiência acumulada com o desempenho de funções
pelos militares do sexo feminino pertencente aos quadros (…) [e] considerando estarem
asseguradas na Academia Militar da Força Aérea as condições organizativas e
40
infraestruturais que permitem a frequência dos cursos, em regime de internato, a cidadãos
de ambos os sexos (…), os cidadãos do sexo feminino podem, em condições de igualdade
com os cidadãos do sexo masculino, candidatar-se a prestar serviço militar efectivo nos
quadros permanentes da Força Aérea, com destino às seguintes especialidades: Piloto
aviador; Engenheiro aeronáutico; Engenheiro de aeródromos; Engenheiro electrotécnico;
Intendência e contabilidade; Médico” (Ministério da Defesa Nacional, 1990). Note-se
aqui, já, uma abertura formal à formação académica das mulheres em diversas
especialidades operacionais para fins de prestação de serviço em regime de quadro
permanente, anteriormente exclusivas aos homens.
Apesar desta abertura formal em igualdade com os homens, a decisão acerca das
especialidades, classes, armas e serviços em que as mulheres poderiam prestar serviço
41
recaiu essencialmente sobre especialidades e funções tidas como femininas, “às quais não
pareciam existir dúvidas em termos de facilidade de integração feminina” (Carreiras,
1999, p. 99), nomeadamente em funções administrativas, de serviços e logísticas,
afastando-as das funções mais operacionais e ligadas ao combate armado6 (Anexo A).
Em 1999 entra em vigor uma nova lei do serviço militar (Lei n° 174/99, de 21 de
setembro), que vem considerar “o maior desafio do processo de reorganização [militar]:
a instituição de uma forma exclusivamente voluntária em tempo de paz” (Carreiras, 2018,
p. 249), preconizando o término da conscrição (Assembleia da República, 1999). Este
processo, que apenas ficou completo em 2004, após quatro anos de transição, ficou
marcado pela profissionalização das forças armadas portuguesas e pelo desempenho de
serviço militar de forma exclusivamente voluntária, quer para homens, quer para
mulheres. Como ocorreu em muitos países, verificou-se que “quanto mais as forças
armadas assentam no voluntariado como base do recrutamento, maior a percentagem de
mulheres” (Carreiras, 2018, p. 245), sendo que, segundo Carreiras (2018), este processo
se encontrou, também em Portugal, associado a um aumento da participação militar das
mulheres, nomeadamente a partir de 2004.
6
Como já se verificou, apenas a Força Aérea se demonstrou suscetível à abertura de algumas especialidades
mais operacionais. Os restantes ramos, Exército e Marinha, mantiveram restrições de acesso às funções
mais operacionais, nomeadamente às diretamente ligadas ao combate (Carreiras, 1999).
42
Somente em 2008, as restrições ao acesso das mulheres militares a diversas classes
e especialidades operacionais, nomeadamente às tropas especiais, foram abolidas com o
Despacho n.º 101/MDN/2008, onde foi deliberado que “nos concursos de admissão às
Forças Armadas se respeite o princípio da igualdade de género no acesso a todas as classes
e especialidades” (XXI Governo-República Portuguesa, 2016).
No que toca à última década do séc. XX, época em que as Forças Armadas
Portuguesas começaram a admitir mulheres nas suas fileiras, notou-se, entre os anos de
1994 e 1998, um crescimento geral significativo do número de mulheres, um aumento
tido como normal e previsível, visto serem os primeiros anos após a abertura formal às
mesmas, sendo, deste modo, expectável o seu aumento (Carreiras, 1999).
43
ser realizado exclusivamente de forma voluntária. O aumento da participação militar
feminina, neste período, é encarado natural, por Carreiras, uma vez que, tal como
verificado noutros países ocidentais, “quanto mais as forças armadas assentam no
voluntariado como base do recrutamento, maior a percentagem de mulheres” (Carreiras,
2018, p. 245).
Gráfico 1. Mulheres militares nas Forças Armadas Portuguesas, total e por ramo (N):
1994-2016
Gráfico 2. Efetivos militares nas Forças Armadas Portuguesas, por sexo (%) : 2008-2015
44
O decréscimo mais acentuado de mulheres é interpretado por Carreiras (2018)
como consequência da grande redução de efetivos militares em contexto de crise, em
Portugal, a qual penalizou consequentemente os regimes de prestação de serviço não
permanentes, de voluntariado e de contrato, e o posto de Praça, setores onde as mulheres
mais se concentram. Contudo, aos olhos da autora, não deixa de ser um decréscimo
paradoxal e inesperado. Inesperado, “uma vez que o aprofundamento do processo de
profissionalização e os desafios de recrutamento que habitualmente se lhe associam
conduziriam potencialmente a um reforço da componente feminina” (Carreiras, 2018, p.
250); paradoxal, “no quadro dos compromissos assumidos por Portugal na
implementação da resolução 1325 do CSNU (Conselho de Segurança das Nações
Unidas), na qual se exortam os Estados a aumentar a representação feminina nas suas
forças” (Carreiras, 2018, p. 250).
45
A participação das mulheres militares também se tem demonstrado distinta nos
diversos ramos. Os dados de 2017 mostram que é no Exército que a expressão da
participação militar feminina, em comparação com a masculina, atualmente, se mostra
mais díspar (Carreiras, 2018), como mostra o seguinte quadro.
1718 (49,2% das 948 (27,2% das 824 (23,6% das 3490 mulheres
mulheres militares mulheres militares mulheres militares militares servem
servem o Exército) servem a Força servem a Marinha) as Forças
Aérea) Armadas
Portuguesas
Após a análise estatística da participação militar feminina por ramo, e uma vez
que a delimitação de um locus de análise é algo a ter em conta numa investigação, optou-
se como nosso campo privilegiado de análise, o Exército. A opção pelo ramo do Exército,
baseou-se no facto de este ser o ramo que incorpora mais mulheres nas suas fileiras, o
ramo onde o decréscimo de mulheres militares mais se acentua e o ramo onde a
discrepância entre sexos mais se faz sentir, fazendo com que seja um locus mais propício
à análise.
46
6.2. As Mulheres no Exército Português: Uma Visão Específica
Ressaltamos, ainda, que a recolha dos seguintes dados estatísticos foi realizada,
essencialmente, por via do mais recente Anuário Estatístico da Defesa Nacional,
disponibilizado online, referente ao ano de 2015. Porém, alguns dados mais recentes
foram também introduzidos na análise, fruto de outras investigações de âmbito científico,
que serão referenciadas.
47
(Santos J. L., 2012). Apesar da existência de várias subcategorias hierárquicas no Exército
Português, são três os postos hierárquicos comummente identificados nos documentos e
nas estatísticas militares, por serem transversais a todos os ramos: Praça, Sargento e
Oficial, por ordem ascendente na hierarquia militar. O posto de Praça, posto
hierarquicamente mais baixo e menos bem remunerado do Exército Português,
“compreende uma série de especialidades, transversais a todo o Exército, de âmbito
operacional (Armas Combatentes e de Apoio de Combate) e logístico (serviços). As
Praças do Exército desempenham, devidamente enquadradas, funções de natureza
executiva e atividades de âmbito técnico e administrativo” (Exército Português, 2018a).
O posto de Sargento, posto intermédio da hierarquia militar, “destina-se, de acordo com
os respetivos quadros especiais e postos, ao exercício de funções de comando e chefia, de
natureza executiva, de caráter técnico, administrativo, logístico e de instrução” (Exército
Português, 2018b). O posto de Oficial, posto mais alto e mais bem remunerado da
hierarquia militar, “destina-se ao exercício de funções de comando, direção ou chefia,
estado-maior e execução que requeiram elevado grau de conhecimentos de natureza
científico-técnica e de qualificação” (Exército Português, 2018c).
48
Aérea, ramo pioneiro na inclusão das mulheres nas fileiras e na Academia, bem como em
especialidades operacionais, foi também, em 2018, o primeiro e ainda o único ramo a ter
uma Oficial General. Após frequência no curso de promoção a Oficial General, no
Instituto Universitário Militar em Pedrouços, foi decretado pelo Presidente da República
(Decreto do Presidente da República n.º 100/2018) a confirmação da “promoção ao posto
de Brigadeiro-General da Coronel Médica Regina Maria de Jesus Ramos Mateus”
(Presidência da República, 2018), a primeira mulher a atingir o posto de general nas
Forças Armadas Portuguesas, atual Brigadeiro-General Médica da Força Aérea
Portuguesa e diretora do hospital das Forças Armadas Portuguesas (Duarte & Nunes,
2019).
7
Mesmo que provenientes de documentos diferentes (Anuário Estatístico da Defesa Nacional (2017) e
Presença Feminina nas Forças Armadas em Número: Dados do Ministério da Defesa Nacional (2015) ), os
dados são relativos ao mesmo ano, 2015, e provêm da mesma fonte, o Ministério da Defesa Nacional.
Reconhecemos que os dados calculados podem não corresponder de forma exata com a realidade factual,
no entanto, permitem-nos ter uma ideia da distribuição das mulheres militares por posto hierárquico no
Exército Português.
49
Gráfico 3. Distribuição das mulheres militares do Exército, por posto: 2015
1000
900
800
700
600
500
400
300
200
100
0
Oficial Sargento Praça
N 324 326 895
% 21,0% 21,1% 57,9%
50
executam combate armado direto no terreno, mas servem, de forma direta, suporte ao
mesmo.
Embora não tenhamos acesso a dados estatísticos em bruto, temos acesso a dados
já trabalhados, pelo que é sabido que a maioria das mulheres militares, no Exército, se
encontra em áreas administrativas, legais, de pessoal e técnicas (serviços), as quais parece
não existir dúvidas quanto ao seu desempenho (Carreiras, 2018). Embora as restrições de
acesso às especialidades operacionais e mais prestigiadas (armas) já não persistam, a
concentração de mulheres nessas áreas ainda é muito limitada (Carreiras, 2018; Moreira,
2011), principalmente nas especialidades de combate direto.
51
que, tendo ingressado voluntariamente na carreira militar, se encontrem vinculados às
Forças Armadas com carácter de permanência” (Assembleia da República, 1999),
mediante frequência em curso na ESE (Escola de Sargentos do Exército) ou na AM
(Academia Militar). Note-se que, atualmente, o regime de voluntariado e o regime de
contrato podem ser contemplados, de forma voluntária e mediante concurso, por todos os
postos hierárquicos do Exército Português, ao invés do regime dos quadros permanentes,
que apenas se constitui uma modalidade ao posto de Sargento e de Oficial, sendo, desta
forma, um regime de prestação de serviço não aplicável ao posto de Praça, o que deverá
ser tido em conta na análise.
52
Quadro 6. Percentagem de militares mulheres, por regime de prestação de serviço, no Exército: 2015
5,7% dos militares em regime de permanência no 12,8% dos militares em regimes de não
Exército, são mulheres permanência no Exército, são mulheres
1200
1000
800
600
400
200
0
Não permanência (RV/RC) Permanência (QP)
N 1110 301
% 78,7% 21,3%
O facto da maioria das mulheres militares estar concentrada nos regimes de não
permanência, acaba por ser normal, uma vez que a maioria destas se apresenta no posto
de Praça, o qual não contempla o regime contratual de permanência.
53
Capítulo II. Metodologia
Q2: Quais as conceções do campo militar e seus setores, sob uma lente de género,
partilhadas e difundidas na sociedade portuguesa? Esta questão visa, mesmo que de forma
exploratória, obter uma visão macro do plano simbólico-cultural do campo militar, sob
uma lente de género, na sociedade portuguesa. Quanto a esta questão, avançamos a
hipótese de que os estereótipos de género, partilhados e difundidos na sociedade
portuguesa, permitem tipificar o campo militar, aos olhos da mesma, um campo
54
tipicamente masculino e adequado aos homens. Quanto aos seus setores laborais,
formulamos a hipótese da existência de uma genderização, aos olhos da sociedade
portuguesa, no que toca aos diversos ramos, postos hierárquicos, especialidades e regimes
de prestação de serviço, desvantajosa no caso das mulheres.
Q5: Quais as conceções do ser militar e seus setores laborais militares, sob uma
lente de género, partilhadas pelas mulheres militares do Exército Português? Uma vez
que se considera que as mulheres são socializadas segundo uma estrutura de género,
espera-se que elas espelhem a visão da sociedade em que se inserem, a portuguesa, no
que toca à questão em causa. Isto, é , tendo em conta a hipótese à Q2, espera-se que os
seus discursos, revelem, também, uma conceção masculina da profissão militar e uma
genderização dos diversos postos hierárquicos, especialidades e regimes de prestação de
serviço, desvantajosa no caso das mulheres, capazes de influenciar as suas escolhas de
carreira no Exército.
55
particular, condicionem fortemente as escolhas e a gestão da carreira militar das mulheres
no Exército Português.
2. Estratégia de Investigação
56
aplicação de um inquérito por questionário, e, por outro lado, uma abordagem micro,
através da realização de entrevistas em profundidade a mulheres militares a servir o
Exército Português.
Com base na recolha dos dados secundários sobre a participação militar feminina,
anteriormente analisados, achou-se oportuno averiguar, num primeiro momento, sob uma
lente de género, como o plano simbólico-cultural do campo militar e seus setores são
percecionados aos olhos da sociedade portuguesa (Q2), de modo a obter uma visão
primordialmente macro e estrutural do plano simbólico-cultural de género do campo
militar, ainda que exploratória.
57
Quanto à estrutura do questionário (Apêndice A), procurou-se organizá-lo
segundo as mesmas dimensões aferidas estatisticamente ao longo da problemática, o
campo militar, os diversos ramos, postos hierárquicos, especialidades e regimes de
prestação de serviço, com os seguintes objetivos (Apêndice B):
58
serve a recolha de informação nas entrevistas em profundidade (Dantas, 2016). Assim,
mesmo sem apresentar uma ordem de respostas rigorosamente estabelecida, estabeleceu-
se, a priori, questões guia relativamente abertas, “a propósito das quais é imperativo
receber uma informação” (Quivy & Campenhoudt, 1992, p. 194) da parte das
entrevistadas. A opção por este método prendeu-se com o facto de, num primeiro
momento, deixar as entrevistadas à vontade, visto algumas perguntas remeterem ao seu
passado e a questões de ordem mais pessoal, de modo a que falassem abertamente sobre
os temas pretendidos e que não se sentissem, em momento algum, pressionadas a falar,
não esquecendo, contudo, os objetivos e as perguntas às quais pretendemos dar resposta
com a investigação.
No que toca à dimensão da amostra, uma vez que que é nosso objetivo estudar os
processos de escolha e gestão de carreira militar das mulheres a servir o Exército
Português, procurou-se entrevistar, no mínimo, uma mulher a prestar serviço em cada um
dos perfis laborais do Exército, como mostra o seguinte quadro.
59
Quadro 7. Perfis laborais de carreira militar no Exército Português8
Legenda:
RC/RV: Regime de Contrato e Regime de Voluntariado
QP: Quadros permanentes
A seleção das militares a entrevistar foi realizada por duas vias. Primeiramente,
devido às características da instituição militar, optou-se por uma recolha
extrainstitucional (por via do contato direto com mulheres militares). Contudo, devido à
dificuldade em encontrar mulheres a servir em certos postos, nomeadamente os mais
altos, recorreu-se também à recolha intrainstitucional (por via do contato com a instituição
do Exército).
8
Idealizou-se, portanto, um mínimo de 10 entrevistadas: Praça-serviços-RC/RV; Praça-Armas-RC/RV;
Sargento-Serviços-RC/RV; Sargento-Serviços-QP; Sargento-Armas-RC/RV; Sargento-Armas-QP;
Oficial-Serviços-RC/RV; Oficial-Serviços-QP; Oficial-Armas-RC/RV; Oficial-Armas-QP.
60
algumas mulheres militares do Exército Português que manifestaram interesse em
colaborar na investigação. Posteriormente, colocou-se, através da rede social facebook,
num grupo não oficial relativo ao Exército Português9, um breve excerto introdutório da
pesquisa em causa e os requisitos pretendidos à seleção das entrevistadas, anteriormente
descritos, que depois de aprovado pelos administradores do grupo, começou a gerar
respostas de manifestação de interesse por parte de algumas militares a servir o Exército
Português.
Num segundo estágio, após vários contactos, contudo, não tantos quanto o
esperado, procedeu-se à seleção das mulheres a entrevistar, averiguando se estas
preenchiam ou não os requisitos pretendidos.
O ideal da diversidade da amostra passava por, pelo menos, entrevistar uma militar
a desempenhar serviço em cada uma das possibilidades de carreira no Exército Português,
o que não foi possível através da recolha extrainstitucional. Por tal, entrou-se em contacto,
via e-mail, com o Exército Português, contacto esse encaminhado para a Tenente-Coronel
Diana Morais10. Agendou-se uma reunião com a mesma, que se realizou na Sede do
Estado-Maior do Exército Português, na qual esta se disponibilizou a auxiliar na seleção
das mulheres a entrevistar em falta e, após revista do guião, forneceu o seu parecer para
a realização das entrevistas. Mesmo assim, não conseguimos ter acesso a mulheres a
servir nos seguintes perfis laborais: Praça-Armas-RC/RV, Sargento-Armas-RC/RV,
Oficial-Armas-QP.
9
https://www.facebook.com/groups/112364962115445/
10
Coordenadora de Área Repartição de Recursos Humanos do Exército Português e Presidente-Eleita do
NATO Commitee on Gender Perspectives.
61
Relativamente ao processo de realização das entrevistas, tomou-se em
consideração os seguintes aspetos éticos.
Estimou-se, para as entrevistas, uma duração média de uma hora. Esta informação
foi dada previamente às participantes, por questões de gestão de tempo das próprias, uma
vez que “as entrevistas devem ser marcadas com antecedência e o entrevistado deve ser
avisado da duração média esperada” (Guerra, 2006, p. 60). Desse modo, a data, o horário
e o local das entrevistas foram escolhidos por cada uma das participantes,
individualmente, visto se tratar de entrevistas individuais.
62
A etapa da realização das entrevistas em profundidade demonstrou-se uma etapa
um pouco morosa, devido à dificuldade em obter contactos de mulheres que se
enquadrassem na amostra geral definida e pelas disponibilidades, limitadas, das militares
que acederam ser entrevistadas.
63
▪ Ser militar nas diversas especialidades:
• Ser militar dos serviços;
• Ser militar das armas;
▪ Ser militar nos diversos regimes de prestação de
serviço:
• Ser militar em regime de não permanência
(RV/RC);
• Ser militar em regime de permanência (QP);
• Fatores Culturais de Género, Escolhas e Gestão da Carreira Militar
das Entrevistadas (Q6)
o Motivações das entrevistadas quanto ao seu alistamento ao
Exército, posto hierárquico, especialidade e regimes de
prestação de serviço em que operam;
o Justificação, na ótica das entrevistadas, da tendência do
posicionamento militar feminino no Exército11;
11
Esta dimensão de análise foi introduzida no decorrer da realização das entrevistas, uma vez que algumas
entrevistadas, nomeadamente as que se encontram no perfil laboral tendencial (Praça-Serviços-Regimes de
Não Permanência), evidenciaram, nas primeiras entrevistas realizadas, respostas pouco exploradas quanto
ao seu comportamento individual. A análise da justificação, na ótica das entrevistadas, da tendência do
posicionamento militar feminino no Exército, foi utilizada como um indício da perceção das entrevistadas
quanto ao seu próprio comportamento, nomeadamente das que se encontram no perfil laboral tendencial.
64
Capítulo III. Apresentação e Debate dos Resultados
12
Não excluindo o possível surgimento de novos temas de análise, com o decorrer das entrevistas.
13
Indícios, uma vez que optamos por questionar não a opinião pessoal dos respondentes, mas a perceção
destes acerca das conceções difusas na sociedade portuguesa, de modo a evitar respostas politicamente
corretas.
65
diferenças no modo como homens e mulheres percecionam o campo militar e seus setores
laborais, sob uma lente de género.
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Masculinidade Feminilidade Ambos Neutro
N 85 0 15 8
% 78,7% 0,0% 13,9% 7,4%
Uma análise por sexo evidenciou, que, embora mais de metade das mulheres e
mais de metade dos homens respondentes, tenham percecionado o campo militar, aos
olhos da sociedade portuguesa, um campo maioritariamente marcado pelos valores da
masculinidade, essa perceção demonstrou maior consenso no caso dos homens. A
masculinidade característica do campo militar foi considerada por 16 dos 18 homens
respondentes, e por 69 das 90 mulheres respondentes14.
14
Optou-se por não utilizar percentagens na análise por sexo, uma vez que, nem o número total das mulheres
nem o número total dos homens chega a 100.
66
Ressalta-se que os dados, que serão seguidamente analisados, resultaram de
questões de escolha múltipla, por esse motivo as percentagens apresentadas não são
cumulativas.
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Exército Força Aérea Marinha Nenhum
N 88 58 34 1
% 81,5% 53,7% 31,5% 0,9%
Uma análise por sexo evidenciou que, a maioria dos homens respondentes e a
maioria das mulheres respondentes, consideraram ser o Exército o ramo mais masculino,
com o maior número de seleções, todavia, os homens respondentes novamente
demonstraram mais consenso na sua opinião quanto a este aspeto. O Exército foi
considerado por 16 dos 18 homens respondentes e por 72 das 90 mulheres respondentes.
67
Gráfico 7. Perceção dos ramos militares compatíveis com os valores da
feminilidade
50
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
Exército Força Aérea Marinha Nenhum
N 24 22 47 31
% 22,2% 20,4% 43,5% 28,7%
68
Gráfico 8. Perceção dos postos hierárquicos militares compatíveis com os valores
da masculinidade
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Praças Sargentos Oficiais Nenhum
N 37 58 80 6
% 34,3% 53,7% 74,1% 5,6%
60
50
40
30
20
10
0
Praças Sargentos Oficiais Nenhum
N 48 34 22 25
% 44,4% 31,5% 20,4% 23,1%
69
Analisando por sexo, quer as mulheres, quer os homens respondentes
consideraram, com maior expressão, ser o posto de Praça o mais feminino. Todavia os
homens demonstraram estar em maior concordância no que toca a este aspeto, uma vez
que metade dos mesmos (9 em 18) o considerou, enquanto que este foi considerado por
39 das 90 mulheres respondentes.
120
100
80
60
40
20
0
Serviços Armas Nenhum
N 13 105 0
% 12,0% 97,2% 0,0%
70
Gráfico 11. Perceção das especialidades militares compatíveis com os valores da
feminilidade
120
100
80
60
40
20
0
Serviços Armas Nenhum
N 107 9 1
% 99,1% 8,3% 0,9%
Uma análise por sexo permitiu-nos concluir que, tanto os homens como as
mulheres respondentes, consideraram, em maioria, ser as especialidades dos serviços as
mais femininas. Ambos os sexos demonstraram grande consenso quanto a este aspeto,
uma vez que a totalidade dos homens respondentes e 89 das 90 mulheres respondentes o
consideraram.
71
Gráfico 12. Perceção dos regimes de prestação de serviço militar compatíveis com
os valores na masculinidade
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Tempo Limitado Vinculação Permanente Nenhum
N 29 87 9
% 26,9% 80,6% 8,3%
Analisando por sexo, concluiu-se que a maioria dos homens e das mulheres
respondentes consideraram ser o regime de permanência o regime de prestação de serviço
mais masculino, especialmente os homens. Das mulheres respondentes, 71 em 90
consideraram o regime de permanência o mais masculino, à semelhança de todos os 18
homens respondentes.
Gráfico 13. Perceção dos regimes de prestação de serviço militar compatíveis com
os valores da feminilidade
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Tempo Limitado Vinculação Permanente Nenhum
Uma análise por sexo permitiu-nos concluir que, mais de metade das mulheres e
mais de metade dos homens respondentes consideraram os regimes de não permanência,
72
os regimes de prestação de serviço mais femininos. Com expressões consideráveis quanto
a este aspeto, 61 das 90 mulheres respondentes consideraram os regimes de não
permanência os mais femininos e 13 dos 18 homens respondentes, assim o consideraram.
15
“Quais as conceções do campo militar e seus setores, sob uma lente de género, partilhadas e difundidas
na sociedade portuguesa?”
73
social da masculinidade, em oposição à da feminilidade, como evidenciam Segal (1999)
e Carreiras (1997, 2002). Relativamente às questões sobre os setores masculinos, a opção
“nenhum/a” foi considerada 16 vezes. Já, nas questões relativas aos setores femininos, a
opção “nenhum/a” registou um total de 81 seleções, como podemos verificar no gráfico
abaixo.
Gráfico 14. Opção “Nenhum/a” nos setores compatíveis com a masculinidade e nos
setores compatíveis com a feminilidade (N)
16
81
74
2. Entrevistas em Profundidade: Apresentação e Debate dos
Resultados
Segundo uma visão institucional, a amostra contou no total com seis Praças , três
Sargentos e três Oficiais; 10 formadas em especialidades dos serviços ( uma em saúde,
sete em serviços, uma em administração militar, uma em música) e duas em
especialidades das armas (duas em artilharia); nove encontram-se em regime de não
permanência (neste caso só em RC) e três em regime de permanência nos quadros
permanentes (uma por via da AM (Academia Militar), duas por via da ESE (Escola de
Sargentos do Exército)). Quanto à localização geográfica das unidades de serviço, cinco
das entrevistadas estão colocadas em unidades localizadas no centro de Lisboa e sete em
unidades localizadas no concelho do Funchal, na Ilha da Madeira.
75
mestrado. Relativamente ao estado civil, a maioria das entrevistadas, sete, são solteiras,
uma é casada e três vivem em união de facto com os cônjuges. Relativamente ao número
de filhos/as, a maioria, dez, não tem filhos nem filhas, exceto duas, cada uma com um/a
filho/a com idades compreendidas entre os 0 e os 3 anos.
Uma vez que, com o intuito de facilitar a análise, obtivemos a autorização das
entrevistadas para utilizar passagens transcritas, não identificadas, dos seus discursos no
decorrer da dissertação, codificou-se as entrevistadas numericamente, E1 (entrevistada
1), E2 (entrevistada 2)… E12 (entrevistada 12), de modo a referenciar os discursos,
garantindo o seu anonimato.
76
2.1.1. Família, Práticas e Modelos de Género na Infância e
Adolescência
Todas as entrevistadas habitaram com pelo menos uma figura feminina e uma
figura masculina, com a mãe e com o pai, sendo que a maioria também cresceu na
presença de irmãos e/ou irmãs, na maioria dos casos, mais velhos/as.
“…o meu pai trabalhava, então é claro que a minha mãe tinha mais tarefas que
o meu pai dentro de casa, mas o meu pai nos tempos que estava em casa também
ajudava. Não posso dizer “ah o meu pai fazia menos tarefas”, é claro que ele
tinha menos, ele passava menos horas em casa, porque trabalhava fora” (E12).
77
“Regra geral era mais a minha mãe, por exemplo, os banhos… Desde que me
lembro sempre foi mais a minha mãe (…) O deitar também, se bem que às vezes
eram os dois, mas era mais a minha mãe, sim (…) A minha mãe tratava, sempre,
muito mais do interior da casa e o meu pai da parte exterior, do quintal e isso
tudo” (E10).
“… os nossos pais, desde muito cedo, começam a impor limites e barreiras, que
chegamos a uma fase, mais tarde, em que não acreditamos que, nós mulheres,
sejamos capazes, porque sempre nos disseram que nós não podíamos fazer ou que
não eramos capazes…ou não deveríamos fazer isto ou aquilo porque não eram
coisas de menina” (E12).
“Por exemplo, a nível das saídas …é diferente. Aos rapazes era logo “vai, podes
ir meu filho. Agora as raparigas… “mãe, posso ir?”, era logo “Não, minha
filha!” (E1).
78
mulheres não trabalhavam fora de casa e responsabilizavam-se pelo cuidado da casa e
dos filhos e os homens (únicos breadwinners) trabalhavam fora de casa e não
participavam de forma ativa nas tarefas do lar. Nos poucos casos em que as mulheres e
os homens do agregado familiar trabalhavam fora de casa, averiguou-se a persistência de
uma partilha de tarefas, desigualitária e desvantajosa no caso das mulheres, que as
confinava à realização das tarefas mais rotineiras e menos valorizadas interiores ao lar,
que não exigiam o contacto com o exterior da casa, estas últimas realizadas
maioritariamente pelos homens.
“… se fosse futebol notava que eles (professores) estavam à espera que os rapazes
fizessem sempre tudo perfeito e não exigiam tanto das raparigas (…) Mas por
exemplo, para coisas mais paradas, tipo em voleibol já não notava isso, hum…em
79
ginástica também notava que eram as raparigas que tinham mais essa
responsabilidade, vá, de saber fazer” (E10).
De acordo com o analisado por Young (1980), numa sociedade dominada por uma
visão androcêntrica, como é ainda o caso da sociedade portuguesa, verificou-se que as
entrevistadas estiveram expostas a diversos discursos e práticas que realçaram a
influência social na construção da forma típica como homens e mulheres experienciam o
seu corpo.
16
“A que processos de socialização de género foram as mulheres militares do Exército Português expostas
desde a infância/adolescência?”
80
igualitária, quer no que toca às responsabilidades domésticas, aos cuidados parentais e à
responsabilidade laboral.
81
Tendo em conta a tipologia de Basow (1986), debatida ao longo do
enquadramento teórico, as entrevistadas, sob uma lente de género, partilharam visões
estereotipadas de perspetivar o masculino e o feminino, quer no que toca a características
físicas, traços de personalidade, papéis sociais e ocupações profissionais.
“… o homem por pré-disposição natural tem mais força e mais aptidão para
fazer algumas coisas que exijam mais o físico” (E10).
“…eu continuo a defender que as mulheres não são incapazes ou menos capazes,
mas a verdade é que eu acho que as mulheres precisam de mais treino para
conseguirem atingir os mesmos resultados físicos (força e resistência) que os
homens” (E9).
82
ii. Estereótipos de Género e Traços de Personalidade
Tal como analisou Amâncio (1992), a associação entre o ser mulher e os traços de
personalidade ligados à sensibilidade, às emoções, à subserviência e à organização, bem
como a associação entre o ser homem e os traços de personalidade ligados à
agressividade, ao exercício do poder e à dominação, demonstrou-se constante ao longo
dos discursos das entrevistadas, de forma naturalizada e consensual.
“…a mulher normalmente é mais passiva, subserviente … Com falta de…ou com
défice de …opah não é uma pessoa com muito ímpeto, não é uma pessoa com
muito poder de decisão ou com vontade de decidir, vontade de se aventurar, algo
tímida ou então retraída” (E12).
“…acho que eles (homens) são mais frios a analisar as coisas (…) nós
(mulheres) temos muito mais atenção aos pormenores, mais paciência para a
maior parte das coisas” (E10).
“… o homem é melhor líder que a mulher (…) eles (homens) têm mais
capacidades de liderança” (E9).
83
iii. Estereótipos de Género e Papéis Sociais
“ …por exemplo, nas lides da casa e isso assim, nós (mulheres), lá está, não sei
se pela sensibilidade ou por certo jeito que tenhamos, acho que nós (mulheres)
temos sempre mais… uma forma mais subtil de fazer as coisas, mais
organizadinhas. Porque lá está, os homens, a maior parte, ou pelo menos aqueles
que eu conheço, são sempre um bocado mais desorganizados, então acho que
acaba por haver coisas mais direcionadas para as mulheres… direcionadas entre
aspas, que eles fazem também, mas simplesmente acho que nós fazemos de outra
forma, melhor (…) está comprovado (cientificamente) que a ligação (emocional)
entre a mãe e filho é maior e acho que por aí também ajuda um bocadinho, ela é
mais favorável aos cuidados” (E10).
“… eu acho que nós mulheres temos uma capacidade natural (para cuidar da
casa e dos filhos)…. bem, não sei se é por ser mãe agora, mas acho que nós
(mulheres) temos uma capacidade natural para fazer tanta coisa e pensar tanta
coisa ao mesmo tempo… talvez sejam coisas que sejam mais difíceis dos homens
lidarem” (E2).
84
“… também pode ser uma pré-disposição que nós mulheres temos, daquele
instinto maternal, do querer cuidar da criança. Se calhar temos mais essa…esse
fraquinho, essa pré-disposição de cuidar” (E11).
“… as coisas têm que ser divididas né? Convém. Mas eu acho que às vezes há
ali coisas que tu vês, por exemplo, que eles (homens) não têm tanto jeito para
fazer certas coisas em casa como nós (mulheres). Mas há homens que se safam
muito bem, eu conheço rapazes que são muito aplicadinhos, parecem quase
mulheres a fazer as coisas” (E8).
“Olha, tipo em engenharia eles (homens) veem-se mais nisso… eu penso que eles
podem ter mais capacidade para essas coisas que não envolvem muito a interação
com os outros… já enfermagem… eu considero que isso é uma profissão de
85
menina, porque tipo… tens que ter concentração e cuidado, tens que saber o que
estás a fazer” (E1).
17
“Quais as representações de género, atuais, das mulheres militares do Exército Português?”
86
É de ressaltar, ainda, que as entrevistadas evidenciam um discurso contraditório.
Se, por um lado, defendem a igualdade de género no que toca às dimensões analisadas
(características físicas, traços de personalidade, papéis sociais e atividades profissionais)
e parecem, de facto, pô-lo em prática, por outro lado, indiciaram, na sua maioria,
perceções de género que naturalizam a condição ‘naturalmente’ inferior das mulheres e
das suas características associadas e que as remete à esfera doméstica, do lar e dos
sentimentos, justificadas essencialmente em questões de ordem biológica e no instinto
maternal. Isto poderá ser um indicador de mudança, pois, embora os modelos tradicionais
subsistem nas estruturas, naquilo que é mais difícil mudar, o discurso da igualdade parece
estar a tornar-se comum e incontornável, convivendo, assim, contraditoriamente as
práticas e as perceções.
Embora as entrevistadas tenham referido que tanto homens como mulheres estão,
igualmente, aptos ao desempenho da profissão militar, a conceção partilhada sobre o ser
militar, ancorada em arquétipos tradicionais masculinos, mostrou-se presente, de forma
naturalizada.
87
reconhecidos enquanto características naturais dos homens e não coincidentes com as
mulheres.
“… tem um bom físico é bom militar… tem mau físico, é mau militar” (E3).
“… um militar tem que ser forte psicologicamente para aguentar… tem que às
vezes pôr as emoções de lado” (E4).
“um militar tem que ter um bom físico e um psicológico forte” (E1).
“… acho que para ser militar não implica ser homem ou ser mulher, mas claro
que não posso deixar de lado o facto dos homens terem uma capacidade maior
para… uma capacidade física maior e um maior controlo psicológico, favorável”
(E3).
“A verdade é que há mais homens que mulheres, mas também é uma divisão que
já é muito antiga e que… o serviço militar obrigatório era principalmente para
homens… aliás, era só para homens, por isso…” (E11).
88
que, não questionando a masculinização do campo militar, acabaram por naturalizá-la,
pela tradição.
Por outro lado, o posto mais baixo da hierarquia militar (Praça), onde as mulheres
mais se concentram, foi conceptualizado de forma mais próxima à construção social da
feminilidade, definido por particularidades que as entrevistadas reconheceram como
sendo naturais das mulheres, como a paciência e a subserviência.
“…para conseguir ser Oficial é muito puxado a nível físico, é mesmo muito
puxado” (E9).
“…um Oficial é expectável que saiba liderar, que saiba dar ordens” (E10).
“…os Sargentos, são aqueles que têm que saber fazer e saber explicar, ou seja…
saber mandar” (E2).
Embora tenham defendido que tanto homens como mulheres estão, igualmente,
aptos ao desempenho de serviço em qualquer um dos postos, mesmo que de forma não
explícita, as entrevistadas conceptualizaram os diversos postos hierárquicos, tendo em
conta uma perspetiva genderizada e desvantajosa no caso das mulheres. A relação entre
a conceção dos diversos postos e os estereótipos de género expressos ao longo dos
discursos permitiu-nos identificar uma conceção partilhada, predominantemente
masculina dos postos de chefia e de instrução (Oficial e Sargento), mais prestigiados e
mais bem remunerados, e uma conceção predominantemente feminina do posto mais
baixo (Praça), menos prestigiado e menos bem remunerado da hierarquia militar.
89
Achou-se, ainda, interessante o facto de os postos hierárquicos mais altos da
hierarquia militar terem sido conceptualizados pelas entrevistadas de forma mais próxima
à conceção partilhada da profissão militar. Quer a caracterização dos postos mais altos da
hierarquia militar, quer a caracterização da profissão militar assentou em torno de
características, consideradas por estas, masculinas, essenciais ao seu desempenho. Em
contrapartida, o posto mais baixo foi caracterizado quase como alteridade à conceção
desta, segundo os seus discursos, marcado por particularidades, consideradas por estas,
femininas. De acordo com a lógica de Amâncio (1992), notou-se que os traços
orientadamente masculinos que caracterizam os postos mais altos apontam para um ser
universal no contexto em que se estuda, o ser militar, enquanto os traços orientadamente
femininos, que caracterizam a posição mais baixa da hierarquia militar, apontam para um
ser situacional, quase que em oposição à conceção partilhada do ser militar.
“… quem trabalha com armas tem que ter um bom físico, porque vão para campos
e não sei o quê (…) eu acho que em qualquer lado temos que ter um bom
psicológico, mas sim… o pessoal das armas tem que ser psicologicamente mais
forte, pois lida com coisas mais fortes” (E5).
90
“… os serviços são trabalhos mais soft, mais calmos (…) também acabam por ser
na parte de administração, saúde, serviços… parte mais soft, não exige tanto do
físico como quem está nas armas” (E4).
“Os serviços envolvem mais sentido de organização e de apoio, sem dúvida” (E7).
Tal como ocorreu com os postos mais altos, a conceção das especialidades mais
prestigiadas, das armas, aproximou-se de forma mais estrita à conceção partilhada do ser
militar, ancorada em arquétipos tradicionais masculinos, como ilustra de forma clara a
seguinte passagem.
“…tem que se ser muito mais “tradicionalmente militar” nas armas. A pessoa vai
ter que ter muito mais tento ao nível físico do que nos serviços, isso é verdade (…)
eu diria que o pessoal das armas está sempre, vá, mais ‘on the edge’ do que o
pessoal dos serviços” (E12).
91
2.3.4. Ser Militar nos Diversos Regimes de Prestação de Serviço
Militar
A conceção dos regimes que não envolvem a vinculação laboral permanente com
a instituição (RV/RC), sob uma análise de género, foi um tema que não se conseguiu
analisar como pretendido, uma vez que os discursos das entrevistadas foram pouco
explorados no que toca a esse aspeto.
18
“Quais as conceções do ser militar e seus setores laborais militares, sob uma lente de género, partilhadas
pelas mulheres militares do Exército Português?”
92
mais próxima ao modelo tradicional da masculinidade; por outro lado, o posto mais baixo
da hierarquia militar e as especialidades dos serviços, menos prestigiados e menos bem
remunerados, onde as mulheres mais se concentram, foram caracterizados, de forma mais
próxima ao modelo tradicional da feminilidade. Apenas o regime de não permanência
ficou por analisar, sob uma lente de género, uma vez que os discursos das entrevistadas
foram nulos no que toca a esse aspeto.
93
tendência atual do posicionamento militar feminino no Exército, nomeadamente a sua
maior concentração nos setores laborais militares menos prestigiados e menos bem
remunerados, nos postos mais baixos da hierarquia, nas especialidades dos serviços e nos
regimes de prestação de serviço que não envolvem o vínculo laboral permanente com a
instituição. Esta análise foi utilizada como um indício da perceção das entrevistadas
quanto ao seu próprio comportamento, nomeadamente das que se encontram no perfil
laboral tendencial.
19
Optou-se por não introduzir, na análise, passagens dos discursos das entrevistadas quanto às motivações
pessoais de alistamento ao posto, especialidade e regime de prestação de serviço, uma vez que,
identificando o seu posicionamento institucional, e tendo em conta as passagens anteriormente utilizadas
para compreender os seus percursos familiares e escolares desde a infância até à vida adulta, o seu
anonimato poderia ser posto em causa. A análise foi realizada tendo em conta os seus discursos e
testemunhos, apenas não foi suportada por expressões exemplificativas dos mesmos.
94
12º ano20. Duas das Praças entrevistadas manifestaram ambição pela carreira militar
futura e pela ascensão ao posto de Sargento, através da frequência no curso de Sargentos
da ESE (Escola de Sargentos do Exército), que lhes garante vínculo permanente à
instituição militar. Todavia, a maioria das Praças entrevistadas, quatro, não manifestou
interesse em ascender hierarquicamente na carreira e apenas espera o término do prazo
do regime de contrato para abandonar o serviço militar. Ressalta-se que, no caso
específico das Praças, uma vez que é um posto que não contempla o regime de
permanência, a decisão da não ascensão a um posto hierárquico superior implica
diretamente a decisão da não continuidade da carreira militar. Verificou-se que a decisão
partilhada pela maioria, de não ascender hierarquicamente na carreira e,
consequentemente, não dar continuidade à mesma, passou por encararem o serviço militar
como algo temporário, mas também por não se considerarem aptas física e
psicologicamente à realização dos cursos exigidos à ascensão dos postos mais altos.
20
Atualmente, devido à necessidade de efetivos militares, os candidatos podem concorrer com o 12º ano
ao posto de Sargento em regimes de não permanência. Todavia, no momento de alistamento das
entrevistadas, com o 12º ano e sem previsões de concorrer ao ensino superior pela Academia Militar, apenas
era permitido concorrer ao posto de Praça.
95
contrato, à espera do seu término para abandonar a profissão militar, uma vez que, não se
identificando com a profissão militar, objetiva uma carreira profissional futura na área
em que é formada, fora da instituição militar. Nenhuma das Sargentos entrevistadas
pretendeu, ao longo do seu percurso de carreira, ascender ao posto de Oficial, por
conformismo no caso das Sargentos dos Quadros , e por falta de ambição militar, no caso
da Sargento em regime de contrato.
96
mestrado e com um posto de trabalho garantido para o futuro, que também poderia ser
aplicado fora da instituição militar, uma vez que fornece formação superior que pode ser
aplicada na vida civil.
98
também o facto do acesso aos quadros permanentes, através dos cursos na ESE e/ou na
Academia Militar, ser fisicamente exigente, o que faz com que as mulheres não o
considerem.
Em linha com vários autores como Acker (1990), Betz e Hackett (1997), Acker e
Lloyd (2002), Saavedra e colaboradoras (2010), Vicente (2013), Santos e Amâncio
(2014), Lima e colaboradores (2017), concluiu-se que os processos de socialização de
género se revelaram cruciais ao entendimento das escolhas e gestão de carreira militar
das entrevistadas, por posto, especialidade e regime de prestação de serviço, uma vez que
foram fortemente condicionadas pelas representações e estereótipos, que desde a infância
lhes foram incutidos, que menorizam a figura feminina, particularmente no que toca às
características físicas e psicológicas. Essas representações, que, através de processos de
socialização, lhes foram inculcadas, fê-las excluir, a priori, percursos laborais
tipicamente masculinos, mais prestigiados e mais bem remunerados e optar por um
percurso laboral menos engrandecido, com tendência para os setores, aos olhos destas e
da sociedade, mais femininos: os postos mais baixos, as especialidades mais pacíficas dos
serviços e os regimes de prestação de serviço que não envolvem a vinculação permanente
com a instituição, menos bem remunerados e menos prestigiados.
21
“Que fatores influenciam as motivações de alistamento, das mulheres, ao Exército Português, ao posto,
à especialidade e ao regime de prestação de serviço, onde operam serviço?”
99
Ainda que não fosse objetivo da nossa investigação, percebeu-se, ao longo dos
discursos das entrevistadas que, embora o acesso aos diversos postos, especialidades e
regimes de prestação de serviço seja, legalmente, realizado de forma voluntária e as
restrições formais ao acesso das mulheres tenham sido totalmente abolidas, o
posicionamento militar feminino é também o resultado de diversas dinâmicas e estruturas
organizacionais androcêntricas. Segundo as entrevistadas, a persistência de dinâmicas
organizacionais que orientam as mulheres para os setores laborais subvalorizados e que
as impedem, mesmo que de forma informal, de aceder aos setores mais privilegiados, é
uma realidade, embora não esteja consagrada no plano legal. Segundo o parecer das
entrevistadas, essas dinâmicas androcêntricas estão presentes nos processos de
divulgação do recrutamento do Exército, nos processos de seleção de candidatos, no
acesso a determinadas funções militares e nas promoções de carreira.
100
embora tenham pontuação que lhes permita enveredar por qualquer especialidade, são
orientadas, pelo Exército, para os serviços.
101
Conclusão
102
Sabendo que não existem barreiras ou limitações formais baseadas no sexo à
ocupação de qualquer posto, especialidade e regime de prestação de serviço, afigurou-se-
nos fundamental perceber que mecanismos estão então em ação nesta desequilibrada
distribuição das mulheres no Exército, por setores laborais. Para tal, procurou-se percebê-
la à luz das perspetivas sociológicas da aprendizagem social, nomeadamente, à luz da
teoria da socialização de género, uma vez que, ao longo da problemática, debatemos a
importância da mesma na forma como os indivíduos constroem as suas identidades
sociais e profissionais.
22
Ver ponto “Questões e Hipóteses Orientadoras”.
103
A realização das entrevistas em profundidade às 12 mulheres militares do Exército
entrevistadas, central neste trabalho, permitiu-nos responder às restantes questões e
compreender, de forma aprofundada, os processos de socialização de género (familiares
e escolares) a que estiveram expostas (Q3), as suas práticas e representações de género
na vida adulta (Q4), as conceções partilhadas, sob uma lente de género, do ser militar e
do ser militar nos diversos setores laborais militares (Q5) e o impacto dos fatores culturais
de género nas suas escolhas e gestão de carreira militar no Exército Português (Q6).
Segundo uma análise micro, verificou-se, através da análise de conteúdo das entrevistas
em profundidade, que, como esperado, desde a infância, as entrevistadas, estiveram
expostas a processos de socialização, modelos e práticas de género tradicionais, quer em
contexto familiar, quer em contexto escolar, que subvalorizam a figura feminina em
diversos parâmetros. Consequentemente, também como esperado, as entrevistadas
demonstraram partilhar visões estereotipadas de perceber o masculino e o feminino de
acordo com os modelos a que foram socializadas. Com efeito, verificou-se que essas
visões estereotipadas de género, essencialmente referentes às características físicas e
psicológicas, demonstraram-se essenciais à compreensão da conceção androcêntrica e
genderizada, partilhada, sobre o ser militar, e sobre o ser militar nos diversos setores
laborais militares. Em concordância com os dados resultantes do inquérito por
questionário, o ser militar, e o ser militar nos postos mais altos da hierarquia, nas
especialidades das armas e no regime de permanência, foram conceptualizados, pelas
entrevistadas, também de forma mais próxima ao modelo tradicional da masculinidade,
uma vez que foram definidos em torno de características físicas e de personalidade
associadas ao masculino. Em contrapartida, também de acordo com os dados resultantes
do inquérito por questionário, o posto mais baixo da hierarquia militar e as especialidades
dos serviços foram conceptualizados, pelas entrevistadas, de forma mais próxima ao
modelo tradicional da feminilidade, uma vez que foram definidos de acordo com
características físicas e de personalidade associadas ao feminino. Apenas a
conceptualização dos regimes de prestação de serviço não permanente, sob uma lente de
género, ficou por explorar, uma vez que os discursos das entrevistadas foram nulos no
que toca a esse aspeto.
Em linha com vários autores como Acker (1990), Betz e Hackett (1997), Acker e
Lloyd (2002), Saavedra e colaboradoras (2010), Vicente (2013), Santos e Amâncio
(2014), Lima e colaboradores (2017), concluiu-se que os processos de socialização de
104
género se revelaram cruciais ao entendimento das escolhas e gestão de carreira militar
das entrevistadas, por posto, especialidade e regime de prestação de serviço, uma vez que
foram fortemente condicionadas pelas representações e estereótipos, que desde a infância
lhes foram incutidos, que menorizam a figura feminina, particularmente no que toca às
características físicas e psicológicas. Essas representações, que, através de processos de
socialização, lhes foram inculcadas, fê-las excluir, a priori, percursos laborais
tipicamente masculinos, mais prestigiados e mais bem remunerados, por deterem baixas
expetativas de autoeficácia quanto ao seu desempenho e optar por um percurso laboral
menos engrandecido, com tendência para os setores, aos olhos destas e da sociedade, mais
femininos, aos quais não lhes pareceu existir dúvidas quanto à sua eficácia laboral: os
postos mais baixos, as especialidades mais pacíficas dos serviços e os regimes de
prestação de serviço que não envolvem a vinculação permanente com a instituição, menos
bem remunerados e menos prestigiados.
Embora não tenha sido nosso objetivo, identificou-se, ainda, ao longo dos
discursos das entrevistadas, constatações que evidenciam a influência organizacional da
105
instituição do Exército, no posicionamento militar feminino. Essas estruturas e dinâmicas
organizacionais, no entender das entrevistadas, androcêntricas e restritivas do
comportamento militar feminino, identificaram-se, essencialmente nos processos de
divulgação do recrutamento do Exército, nos processos de seleção de candidatos, no
acesso às funções militares sobrevalorizadas e nos processos de promoção de carreira,
pelo que, uma investigação de âmbito organizacional, sob uma lente de género, seria
também crucial ao entendimento da desequilibrada participação das mulheres militares,
pelos diversos setores laborais militares.
106
torno das questões de género, imprescindível ao crescimento pessoal, académico e,
esperamos, profissional. Uma das grandes potencialidades desta investigação foi, de
facto, a possibilidade de trabalhar um objeto de estudo prezado pela investigadora, pelas
razões inicialmente mencionadas, facto que a motivou, nos momentos mais hesitantes e
menos esperançosos. Noutra vertente, também encaramos como potencialidade o facto
desta investigação ter contribuído ao aprofundamento da problemática em torno das
questões de género no geral, e em específico da problemática sobre a participação militar
feminina em contexto militar, cruzando diversas dimensões analíticas.
107
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mulheres
116
Apêndice A: Inquérito por Questionário
Este inquérito visa compreender, sob uma lente de género, como o campo militar e seus setores
são percecionados aos olhos da sociedade portuguesa.
Entenda-se, segundo uma lógica binária de género, os valores da feminilidade como valores
socialmente construídos e reproduzidos em torno da figura biológica da mulher e os valores da
masculinidade como valores socialmente construídos e reproduzidos em torno da figura biológica
do homem.
Ressalvo que as respostas devem ser dadas tendo em conta os seus conhecimentos sobre os
estereótipos de género construídos e reproduzidos na sociedade portuguesa e não tendo em conta
a sua opinião ou o que considera ser ou não o mais correto.
1. Sexo:
o Homem
o Mulher
o Outro
3. Sabendo que as Forças Armadas Portuguesas comportam três ramos, Exército, Força
Aérea e Marinha, selecione quais considera ser, aos olhos da sociedade portuguesa, os
ramos mais:
o Compatíveis com os valores da masculinidade: (escolha múltipla, pelo menos
uma seleção obrigatória)
o Exército Português
i
o Força Aérea Portuguesa
o Marinha Portuguesa
o Nenhum
o Compatíveis com os valores da feminilidade: (escolha múltipla, pelo menos uma
seleção obrigatória)
o Exército Português
o Força Aérea Portuguesa
o Marinha Portuguesa
o Nenhum
4. Sabendo que a hierarquia militar comporta, por ordem crescente, as posições hierárquicas
de Praças, Sargentos e Oficiais, selecione quais considera ser, aos olhos da sociedade
portuguesa, as posições hierárquicas mais:
o Compatíveis com os valores da masculinidade: (escolha múltipla, pelo menos
uma seleção obrigatória)
o Praças
o Sargentos
o Oficiais
o Nenhuma
o Compatíveis com os valores da feminilidade: (escolha múltipla, pelo menos uma
seleção obrigatória)
o Praças
o Sargentos
o Oficiais
o Nenhuma
ii
o Especialidades operacionais (armas)
o Nenhuma
iii
Apêndice B: Modelo de Análise do Inquérito por Questionário
Quais os ramos
maioritariamente
compatíveis com
Perceber, aos olhos da os valores da Ramos:
sociedade portuguesa, qual masculinidade. Exército Português;
a perceção dos ramos Questão nr. 3
Quais os ramos Força Aérea Portuguesa;
militares, sobre uma lente
de género. maioritariamente Marinha Portuguesa;
compatíveis com
os valores da
feminilidade.
Quais as posições
hierárquicas do
Exército
Português
maioritariamente
compatíveis com
Perceber, aos olhos da
os valores da Posições Hierárquicas:
sociedade portuguesa, qual
masculinidade. Praças;
a perceção das posições
Questão nr. 4
hierárquicas do Exército Sargentos;
Quais as posições
Português, sobre uma lente
hierárquicas do Oficiais;
de género.
Exército
Português,
maioritariamente
compatíveis com
os valores da
feminilidade.
Quais as
Perceber, aos olhos da Funções/Especialidades:
especialidades do
sociedade portuguesa, qual
Exército Administrativas (Serviços); Questão nr. 5
a perceção das
Português Operacionais (Armas);
especialidades do Exército
maioritariamente
iv
Português, sobre um lente compatíveis com
de género. os valores da
masculinidade.
Quais as
especialidades do
Exército
Português
maioritariamente
compatíveis com
os valores da
feminilidade.
Quais os regimes
de prestação de
serviço
maioritariamente
compatíveis com
Perceber, aos olhos da Regimes de Serviço:
os valores da
sociedade portuguesa, qual
masculinidade. Regime de Serviço com
a perceção dos regimes de
Vinculação Permanente (QP); Questão nr. 6
prestação de serviço do
Quais os regimes
Exército Português, sobre Regimes de Serviço de
de prestação de
um lente de género. Tempo Limitado (RV/RC);
serviço
maioritariamente
compatíveis com
os valores da
feminilidade.
v
Apêndice C: Consentimento Informado das Entrevistas
Consentimento Informado
O meu nome é Margarida Monte, sou mestranda em Sociologia na Faculdade de Ciências Sociais
e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, sob a orientação da Professora Doutora Ana Lúcia
Teixeira e a coorientação do Professor Doutor Manuel Lisboa. Encontro-me a realizar uma
investigação para a obtenção do grau de mestre, dentro dos estudos de género, mais
especificamente sobre a influência da socialização de género nos processos de escolha e gestão
de carreira das mulheres militares do Exército Português.
A sua colaboração consistirá numa entrevista individual que abordará questões relativas ao seu
percurso de vida, abrangendo três dimensões essenciais, a familiar, a educacional e a laboral.
Os dados recolhidos com esta entrevista serão analisados e interpretados somente para efeitos da
investigação em causa e utilizados exclusivamente com intuito académico e científico,
garantindo, desta forma a sua confidencialidade e anonimato.
De modo a facilitar a recolha e a análise detalhada dos dados, gostaria de obter uma autorização
para gravar, em áudio, a entrevista que se segue, bem como para utilizar algumas passagens
transcritas, não identificadas, do seu discurso, no decorrer da dissertação.
Ressalvo que comporta o direito de não responder a questões que não queira e de se pretender,
parar a entrevista a qualquer momento. Mais informo que não existem respostas corretas ou
incorretas, apenas as suas opiniões e relatos acerca da sua experiência de vida nas dimensões
acima referidas.
vi
Apêndice D: Guião das Entrevistas em Profundidade
Objetivo Geral
Dimensões em análise Questões-Guia
vii
Tem memória de como era feita a
distribuição das tarefas domésticas pelo
agregado familiar, no decorrer da sua
infância/adolescência? Considera a
Distribuição das Tarefas Domésticas existência de uma distribuição específica
de tarefas, por sexo?
(Se foram partilhadas pelo agregado … o
teor e a dedicação temporal às mesmas
eram iguais, por sexo?)
Tem memória de como era feita a
distribuição dos cuidados parentais pelo
agregado familiar, no decorrer da sua
infância/adolescência? Considera a
Distribuição dos Cuidados Parentais existência de uma distribuição específica
de cuidados, por sexo?
(Se foram partilhados pelo agregado … o
teor e a dedicação temporal aos mesmos
eram iguais, por sexo?)
Considera a existência de diferenças no
modo como rapazes e raparigas eram
tratados no seio familiar?
Ex:
Tratamento, por sexo, no seio familiar
- brincadeiras autorizadas;
- ajudas em tarefas domésticas;
- espaços autorizados a frequentar;
- amizades, namoros;
Compreender os processos escolares de socialização de género no decorrer da
infância/adolescência
Tem memória, ao longo da sua formação
escolar, da existência de diferentes
Tratamento, por sexo, na escola
atitudes e/ou expectativas dos
professores/funcionários quanto ao
viii
comportamento dos alunos e das alunas?
Se sim, quais?
Alguma vez, apercebeu-se de uma atitude
Tratamento, por sexo, nas diferentes
diferenciada para com os alunos e para
disciplinas
com as alunas, em diferentes disciplinas?
Se sim, em quais e de que forma?
Analisar as práticas de género no decorrer da vida adulta
(Concentrando-se nos tempos atuais…)
Atualmente, por quem é constituído o seu
Caracterização do agregado familiar atual
agregado familiar?
Como é feita a distribuição das tarefas
domésticas, pelo agregado familiar atual?
Existe uma distribuição específica de
Distribuição das tarefas domésticas tarefas, por sexo?
(Se são partilhadas pelo agregado … o
teor e a dedicação temporal às mesmas
são iguais, por sexo?)
É responsável pelo cuidado, mesmo que
parcial de alguma pessoa em situação de
dependência (filhos, outras crianças,
idosos ou pessoas com deficiências...)?
No caso de ter filhos, ou de ser
Distribuição de cuidados parentais responsável pelo cuidado, de alguma
(quando aplicável) pessoa em situação de dependência,
como é feita a distribuição dos cuidados
atualmente? O cuidado da mesma é
partilhado com alguém? (Existe uma
distribuição específica de tarefas, por
sexo?)
Compreender as representações de género da entrevistada
(Pensando agora não nas suas vivências, mas nas suas opiniões pessoais…)
ix
Considera a existência de características
Representações de género e físicas tipicamente femininas ou
características físicas características tipicamente masculinas?
Porquê?
Considera a existência de características
Representações de género e de personalidade tipicamente femininas
características de personalidade ou características de personalidade
tipicamente masculinas? Porquê?
Na sua opinião, em contexto laboral,
considera a existência de profissões
femininas e profissões masculinas?
Porquê?
Vários estudos têm demonstrado que os
rapazes frequentam em maior número
Representações de género e ocupações cursos como engenharias, arquiteturas,
profissionais informática e que as raparigas, estão
maioritariamente representadas em
cursos ligados à educação, literatura,
relações humanas e à saúde. Porque acha
que, nos dias que correm, rapazes e
raparigas fazem diferentes escolhas
vocacionais?
Na sua opinião, considera a existência de
papéis femininos ou papéis masculinos,
na sociedade? Porquê?
Diversos estudos de género têm
demonstrado que, nos dias que correm,
Representações de género e papéis
são as mulheres que mais tempo e com
sociais
mais frequência, se dedicam às diversas
tarefas relacionadas com as
responsabilidades domésticas, bem como
com o cuidado com os filhos ou pessoas
em situação de dependência. Porque acha
x
que tal facto acontece nos dias que
correm?
Já em relação as tarefas relacionadas com
a atividade laboral, os diversos dados
estatísticos demonstram que a taxa de
emprego em Portugal é, superior para os
homens em idade ativa do que para as
mulheres em idade ativa e que, em
contrapartida, a taxa de desemprego é
superior no caso das mulheres em idade
ativa do que para os homens em idade
ativa. Porque acha que isso acontece?
Os dados mostram ainda que são mais as
mulheres a trabalhar a tempo parcial (em
regime part-time) do que os homens, e
em contrapartida, no que respeita ao
emprego a tempo completo/inteiro,
continuam a ser os homens a estar mais
presentes na atividade profissional.
Porque acha que isto acontece?
Compreender as motivações/razões de ingresso ao Exército e aos seus setores
laborais e analisar as previsões futuras da carreira militar
xi
Qual a razão ou razões da escolha da
Razão para o desempenho de serviço na especialidade na qual se encontra?
especialidade em que se encontra Desempenha funções na especialidade
em que se formou?
Qual a razão ou razões da escolha pelo
Razão para o desempenho de serviço no
regime de serviço no qual desempenha
regime de prestação em que se encontra
serviço?
Compreender a conceção da entrevistada sobre o ser militar no Exército
Português e sobre o ser militar nos diversos setores laborais, sob uma lente de
género
xii
Um Sargento do Exército Português?
Porquê?
Uma Praça do Exército Português?
Porquê?
Na sua opinião, em relação às
especialidades das armas e dos serviços,
qual considera a mais feminina e a mais
masculina? Porquê?
Conceção do ser militar nas diversas Não pensando nos critérios de admissão,
especialidades mas em características individuais e
(Armas e Serviços) pessoais ….
Quais as características essenciais, que
caracterizam um militar das Armas?
Porquê?
Dos Serviços? Porquê?
Na sua opinião, em relação aos QP e aos
RV/RC, qual o regime de prestação de
serviço que considera ser o mais
masculino e o mais feminino? Porquê?
Não pensando nos critérios de admissão,
Conceção do ser militar nos diversos mas em características individuais e
regimes de serviço (RC/RV e QP) pessoais ….
Tendo em conta os diferentes regimes de
prestação de serviço, RC/RV e QP:
Quais as características essenciais, que
caracterizam um militar em QP? Em
RV/RC? Porquê?
Compreender a perceção da entrevistada quanto à tendência do posicionamento
militar feminino no Exército Português
(Tendo em conta os dados estatísticos relativos à participação militar feminina no
Exército Português…)
xiii
Pedia que enumerasse possíveis razões
para o seguinte facto (confirmado
estatisticamente):
Sub-representação das mulheres nas
As mulheres estarem, nos dias que
Forças Armadas no geral e em específico
correm, sub-representadas em
no Exército Português
comparação com os homens, nas Forças
Armadas Portuguesas, especialmente no
Exército Português.
Pedia que enumerasse possíveis razões
para o seguinte facto (confirmado
Maior concentração das mulheres estatisticamente):
militares do Exército no posto As mulheres militares do Exército
hierárquico mais baixo (Praça) Português estarem maioritariamente
concentradas no posto de Praça, e menos
nos postos de Sargentos e Oficial.
Pedia que enumerasse possíveis razões
para o seguinte facto (confirmado
estatisticamente):
Maior concentração das mulheres
As mulheres militares do Exército
militares do Exército nas especialidades
Português estarem maioritariamente
dos serviços
concentradas nas especialidades dos
serviços, e menos nas especialidades das
armas.
Pedia que enumerasse possíveis razões
para o seguinte facto (confirmado
estatisticamente):
Maior concentração das mulheres As mulheres militares do Exército
militares nos regimes que não envolvem Português estarem maioritariamente
a vinculação permanente com a concentradas nos regimes de prestação de
instituição serviço que não envolvem o
compromisso permanente com a
instituição (RV/RC) e menos no regime
de permanência (QP).
xiv
Quero desde já agradecer o seu contributo e a sua disponibilidade em colaborar na
investigação em curso. Como referi inicialmente, os dados recolhidos com esta entrevista
serão apenas utilizados para fins académicos e científicos, pelo que serão tratados de
forma completamente confidencial. Qualquer dúvida que disponha pode sempre,
novamente, entrar em contacto comigo. Quando acabar a dissertação, terei todo o gosto
em partilhá-la consigo.
xv
Anexo A: Especialidades, classes, armas e serviços em que teve início a
incorporação feminina
xvi