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O Que É Kimbanda
O Que É Kimbanda
O Que É Kimbanda
Quanta imbecilidade em tão poucas linhas! Será que isso foi realmente “canalizado” de
um espírito “de luz”, como se apregoa? É claro que não! Isso apenas representa a pequenez
mental do pretenso médium, este sim nas trevas da ignorância! O que escreve é a vazão de seus
pensamentos tacanhos e sem conhecimento, eivados por uma total ignorância da origem
histórica dos cultos afro-brasileiros. É exemplo claro do racismo e intolerância que existe em
nosso país.
A Kimbanda, assim como todos os demais cultos afro-brasileiros ou afro-ameríndios,
tem panteão próprio, bastante semelhante à Umbanda brasileira e que não tem nenhuma ligação
com o mal, com anjos caídos e com demônios. Aos idiotas e imbecis que pensam diferente só
dou um conselho: aprimorem-se!!
Inicialmente quero destacar que este artigo tem como base a obra “O que é Umbanda”,
de Armando Cavalcanti Bandeira (Rio de Janeiro: Ed. Eco, 1973, pág. 31-37), utilizando-se,
ainda, várias fontes de pesquisa, inclusive de textos escritos em Angola e em outros países.
ANÁLISE
Tem havido muita confusão entre os termos umbanda e quimbanda, inclusive nos
significados etimológicos.
Há páginas e mais páginas escritas sobre o uso do termo Umbanda. Quer-se acreditar
que a primeira vez que foi empregado teria sido na famosa reunião espírita em Niterói – Rio de
Janeiro, quando houve a segunda manifestação do Caboclo das Sete Encruzilhadas (no dia 15
de novembro de 1908). Este fato é o mito fundador da Umbanda. No entanto, é inverídico.
Conforme exporemos ao longo deste artigo, ver-se-á que a palavra Umbanda já havia
sido registrada no Séc. XVII em terras, hoje, Angolanas.
Queremos, de uma vez por todas, dizer que aquilo que as pessoas dizem modernamente
ser Kimbanda ou Quimbanda não tem nada a ver com a origem do termo. O uso incorreto da
palavra Kimbanda ou Quimbanda é fruto do mar de ignorância histórica que banha nossos
Terreiros de cultos afro-brasileiros. A má fama da Kimbanda ou Quimbanda advém de
desgraças históricas: a escravização e a imposição do cristianismo católico em terras Bantu3.
No final do Séc. XV Dom João de Portugal enviou uma expedição ao Congo,
comandada pelo navegador Diogo Cão, composta por padres, monges, soldados, camponeses e
profissionais liberais com o intuito de formar uma sociedade nos moldes europeus. Esse envio
foi em atendimento à requisição do Rei, o Manicongo, que foi batizado Católico e queria que
seu reino fosse como a Europa. O Manicongo enviou seu neto a Roma (Vaticano) para estudar
e se tornar Padre. Este, Dom Henrique I, foi o primeiro Bispo negro (1521). O Manicongo e
seus sucessores obrigaram todos os súditos a se tornarem católicos. No entanto, essa não foi
uma opção agradável a eles, sendo que muitos preferiram se manter ligados a sua religião
tradicional.
Dessa forma, aqueles que praticavam o catolicismo eram considerados “homens de
Deus”, pois seguiam uma religião correta. Aqueles que seguiam a religião tradicional, como a
Kimbanda, entre outros cultos tradicionais bantu, foram considerados “homens do diabo”, pois
professavam uma religião primitiva e atrasada, típica do demônio. Esse entendimento chegou
até nós por meio da escravização, pois os que se negavam a se converter, de boa vontade, ao
catolicismo eram feitos escravos.
Em que pese a negativa de conversão, ainda assim, antes de serem embarcados nos
navios negreiros, os escravizados eram “batizados” à força. “Em Angola os escravos eram
batizados enquanto aguardavam embarque nos barracões dos portos portugueses quando
recebiam um nome cristão”.4 O batismo católico compulsório, feito antes do embarque nos
navios, não livrava os escravos de serem humilhados pelos traficantes, que os tratavam como
“seguidores do demônio”.
Ao chegarem aqui, esses escravizados continuaram com sua prática religiosa, mesmo
sofrendo todo tipo de perseguição, utilizando-se de vários subterfúgios para isso, como a
sincretização de seu panteão com os santos católicos, por exemplo (algo que já havia acontecido
em África e não somente nas Américas). Aliado a isso houve uma incorporação do valor “ser
do demônio” como uma estratégia de proteção, pois ao assumirem serem adeptos da Kimbanda
causavam medo nos senhores feudais e em outros negros, que, por receio, muitas das vezes,
não os agrediam e lhes davam um status superior.
Além da escravização e da imposição do catolicismo na África há outro motivo que nunca
poderá ser olvidado: o preconceito, oriundo do racismo, conforme apontam Phaf-Rheinberger
& Pinto:
“A Umbanda vem de Angola. Neste país o termo [Umbanda] significa “medicina
tradicional” ou “prática tradicional de cura”. Aquele que é responsável por essa prática médica
é chamado de Kimbanda. No Brasil esse conceito angolano foi reinterpretado. Umbanda tornou-
se algo como uma religião que promove o contato com o mundo transcendental, através da
iniciação do médium (gn). Da mesma forma é usada, por vezes, como sinônimo do conceito
brasileiro de magia branca (magia boa, magia de cura). A palavra Kimbanda surge no Brazil
com a grafia Quimbanda, mudando-se totalmente seu sentido original. Não se refere mais a
uma pessoa, mas a uma força oposta à magia de cura, sendo chamada de magia negra. Por que
isso aconteceu? Reinterpretações possuem um propósito psicológico. Elas satisfazem as
necessidades das pessoas que podem ser inconscientes. Estamos assistindo ao que uma
sociedade essencialmente racista está fazendo com a terminologia africana. Enquanto a
Umbanda, com uma prática de cura de fundo religioso, é aceita no Brasil, o praticante africano
desta arte de cura não é aceito. Assim, a ideia original do termo quimbanda foi
despersonalizada. Tornou-se um símbolo das forças do mal, da bruxaria. Os conceitos
angolanos originais do termo foram reinterpretados em termos de uma dicotomia bastante
racista, sendo o negro sinônimo de demoníaco e o branco de bondoso.”5
Como bem aponta ORTIZ, houve, no Brasil, um abandono dos significados originais
dos vocábulos Kimbanda e Umbanda, até opô-los sistematicamente, considerando Kimbanda
como “magia negra” e Umbanda “magia branca”.
“No Brasil ocorre uma separação da arte do Kimbanda, de sua pessoa de sacerdote-
feiticeiro; o Kimbanda é expulso para a região da Quimbanda enquanto parte de seu
saber, a Umbanda, é reinterpretado segundo os valores da sociedade brasileira. Uma
curiosa inversão se opera: a Umbanda transformar-se em magia branca em oposição à
Quimbanda, magia negra.”6
Para BANDEIRA (p. 34) a palavra Kimbanda, oriunda da língua Quimbundo, não pode
ser confundida com feiticeiro, pois designa funções diferentes: “o curandeiro é o Kimbanda, o
feiticeiro é o Muloji”. Para afirmar isso, vale-se das palavras do Padre Antônio Miranda de
Magalhães, que viveu muitos anos em Angola e publicou o livro Alma Negra, editado em
Lisboa, em 1936, no qual afirma que o “mezinheiro, preparador de ervas, não deve ser
confundido com o feiticeiro”7. Ilustra isso com uma expressão, em quimbundo, que define
muito bem a diversidade funcional entre os dois: “O KIMBAND ‘EKI KI MULOJI É” (Este
curandeiro não é feiticeiro); e outra frase: “NGEJIAMI UMBANDA” (Conheci a arte de curar).
BANDEIRA (P. 34) nos lembra que em 1894 Heli de Chatelain, em seu livro Folktales of
Angola, registrava o termo Umbanda e Kimbanda e mostrava a sua derivação gramatical e
significado, como é encontrado em qualquer dicionário Quimbundo, assim, nada há de mais
claro e positivo. Isso vai de encontro aos inúmeros livros umbandistas que afirmam que o termo
foi utilizado pela primeira vez no Brasil, quando do evento conhecido como a segunda
manifestação do Caboclo das Sete Encruzilhadas. Ora, sabe-se que quando do início da
Umbanda havia uma luta para dar um nome adequando àquele movimento. Primeiramente se
pensava em usar o termo Embanda (uma corruptela clara de Imbanda, plural de Kimbanda, que
será explicado ao longo deste artigo), porém não soava bem. Houve também, a proposta de se
utilizar Alabanda, pois segundo alguns autores um dos espíritos incorporados por Zélio de
Moraes era um malaio muçulmano (conhecido como Orixá Malet), portanto Alabanda seria
traduzido como da “banda de Alá”. Entretanto, a melhor opção encontrada foi o uso do termo
já grafado (desde o séc. XVII) e conhecido entre os descendentes angolanos, ou seja, o termo
Umbanda.
Etimologicamente o substantivo KIMBANDA (que significa, em Angola, curandeiro,
médico ocultista), sendo que ao se substituir o prefixo KI por U, forma-se um nome abstrato, o
qual designa arte ou ofício. UMBANDA, então, é a arte de curar, ofício de ocultista.
BANDEIRA (p. 34) afirma, em sintética análise de obras que consultou (as quais foram
referenciadas por este articulista para que o leitor possa, ele mesmo, aumentar suas pesquisas)
que Umbanda teria os seguintes significados:
“Termo da língua quimbundo, comum a várias tribos e línguas africanas especialmente entre
os Umbundos e, segundo o etnólogo Carlos Estermann é bastante usado entre os Nhaneka-Umbi
e igualmente conhecido pelos Cunhamas, embora nestes com menos frequência em seus cultos;
entretanto não se restringe a Angola, pois, é encontrado na Guiné nos cânticos de invocação
espiritual. Abrange alguns significados semelhantes: arte de curar, magia, segundo o Padre
Domingos V. Balão e J. Cordeiro da Mata.”8
“[…] bruxaria, magia, arte ou magia de encantar.”9
“[…] ciência médica ou ciências médicas; originando-se de KIMBANDA, médico.”10
“[….] arte de curar originando-se do verbo KUBANDA, subir, de onde deriva o
vocábulo KIMBANDA, curandeiro, do qual resulta o substantivo UMBANDA.”11
Malê não era um povo, mas era como os yorùbá (grupo etnolinguístico que está distribuído
em vários países da África Ocidental) não muçulmanos chamavam os negros muçulmanos,
conforme citei anteriormente. A palavra yorùbá que dá origem ao termo é Ìmàlè;
O Exu Marabô, ao qual o “autor” se refere, cujo nome não tem nenhuma ligação com o
termo Marabout, pois este é o professor de Alcorão, conselheiro político e religioso; alguns
Marabout praticam a medicina tradicional africana, sendo que na linguagem berbere é
sinônimo de santo, enquanto que o nome Marabô, dado ao Exu (Orixá), vem da seguinte
cantiga, feita em língua Yorùbá (portanto não tem nada a ver com a língua Kimbundu):
CONCLUSÃO
REPERCUSSÕES
Depois da publicação deste texto na “Internet” pela primeira vez, recebi muitas
mensagens de felicitações e agradecimento, em que pese algumas opiniões contrárias que foram
escritas. Uma delas me chamou atenção e pelo respeito que tenho pelo interlocutor que ma
escreveu, colo-a abaixo e tentarei respondê-la em seguida:
“Desculpe Mário. Não vou entrar em detalhes, mas o texto está incorreto. A Kimbanda é um
culto feiticeiro, e a Umbanda é um culto religioso. São coisas diferentes. O praticante e iniciado
em Kimbanda é o Kihuendê, termo que significa, feiticeiro, necromante, comunicador dos
mortos. Falam muita bobagem por aí de fato. Várias delas, por exemplo, ao dizer que um Exu
(ou Mavambo) seria um ser de luz, um escravo de Orixá ou, um espírito em evolução. Muito
pelo contrário. São seres noturnos e contraproducentes. Um Kihuendê é um feiticeiro, não um
curandeiro. Todas as visões que ocorrem na Umbanda são visões externas à Kimbanda, que é
um culto totalmente diferente, separado e independente da Umbanda. Seres da Kimbanda
manifestam-se na Umbanda. O oposto não ocorre”.
Bom, como disse antes, em respeito ao autor dessas afirmações, pessoa que conheço há anos,
passo a me debruçar sobre suas palavras. Em primeiro lugar temos que lembrar que a palavra
Kimbanda vem do idioma Kimbundu, portanto é sobre essa língua que a discussão deve andar.
[1] Itaoman, Mestre. Pemba: a grafia sagrada dos Orixás. Brasília: Thesaurus, p. 137, 1990.
[2] MAES, Ercílio. A Missão do Espiritismo. Rio de Janeiro: Ed. Do Conhecimento, 1967, pp.
165-166.
[3] Constitui um grupo etnolinguístico localizado especialmente na África subsaariana, que
engloba aproximadamente de 400 subgrupos étnicos diferentes.
[4] BOXER, C.R. A idade de ouro do Brasil. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1969, p.
29.
[5] PINTO, Tiago de Oliveira. Crossed Rhythms: african structures, brazilian practices, and
afro-brazilian meanings. In: PHAF-RHEINBERGER, Ineke & PINTO, Tiago de Oliveira
(orgs.). AfricAmerica: itineraries, dialogues and sounds. Frankfurt: Vervuert Verlag, 2008, PP.
161-162.
[6] ORTIZ, Renato. A morte branca do feiticeiro negro. São Paulo: Brasiliense, 1990, p. 133.
[7] MAGALHÃES, António Miranda. A alma negra. In: Cadernos Coloniais, nº 40. Lisboa:
Editorial Cosmos, p. 07, 1938.
[8] Apud BAIÃO, Domingos Vieira. O Kimbundu sem Mestre. Porto: Imprensa Moderna,
1946, p. 22 e MATTA, J. D. Cordeiro da. Ensaio de diccionario Kimbundu-Portuguez. Lisboa
: Typographia e Stereotypia Moderna da Casa Editora Maria Pereira, 1893, p. 43.
[9] Apud ASSIS JÚNIOR, António de. Dicionário Kimbundu-Português. Luanda: Santos e Cia,
1884, p. 17.
[10] MAIA, Antônio da Silva. Lições de gramática de quimbundo (português e banto – dialecto
omumbuim, língua indígena), apud GABELA, Amboim. Quanza Sul, Angola e Africa
Ocidental Portuguesa. Luanda: Edição do Autor, 1964.
[11] Apud ESTERMANN, Carlos. Etnografia do Sudoeste de Angola: Os Povos não-Bantos e
o Grupo Étnico dos Ambós. Lisboa: JIU, Vol. I, 1960a [29 canções; 23 adivinhas; 19
provérbios; 12 orações (e várias); 40 narrativas da Comunidade Ovambo]
[12] BATSTONE, David B. et alli. Lieberation theologies, postmoderity and the Américas.
New York: Routledge, 1997, p. 108.
[13] RIBAS, Oscar. Ilundu: espíritos e ritos angolanos. Porto: Edições ASA, 1989, p. 27.
[14] Cf. Id., pp. 24-32.
[15] SANTOS, Ana de Sousa. Subsídio etnográfico do povo da ilha de Luanda. In: Memórias
e trabalhos do Instituto de Investigação Científica de Angola: estudos etnográficos: Luanda:
Instituto de Investigação Científica de Angola, Nº. 2, p. 129, 1960.
[16] JAMES, W. Martin & BROADHEAD, Susan Herlin. Historical dictionary of Angola.
Oxford: Scarecrow Press, p. 79, 2004.
[17] Idem.
[18] LOPES, Nei. Novo Dicionário Banto do Brasil. Rio de Janeiro: Pallas, 2003.
[19] Divindades do mar.
[20] RIBAS. Op. Cit, p. 28.
[21] Id., p. 24 e 52.
[22] TENGUNA, Ribeiro. Quanto vale a vida do Africano: uma narrativa fiel de como a
ganância dos países ricos, a ineficiência da ONU e a corrupção de governos do continente afro
destruíram a África e os africanos. São Paulo: Biblioteca 24×7, 2008, p. 156.
[23] RAMOS, Arthur. O negro brasileiro. Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1951,
p. 101.
[24] Para um melhor entendimento da palavra Imbanda veja o site “Ritos de Angola”,
disponível em: http://www.ritosdeangola.com.br/page.php?132 , um excelente site de
informações sobre os bantus e sua religiosidade.
[25] LIBBY, Douglas Cole & FURTADO, Júnia Ferreira (org.). Trabalho livre, trabalho
escravo: Brasil e Europa, séculos XVIII e XIX. São Paulo: Annablume, p. 297, 2006.
[26] CRUZ, Tomás Vieira da. Buzi. Lisboa: Secretaria Geral do Ministério do Ultramar e da
Junta de Investigações do Ultramar, Estudos Ultramarinos: literatura e Arte, nº 3, 1959, p. 244.
[27] Disponível em:
http://www.multiculturas.com/angolanos/alberto_pinto_kimb_port_vocab.htm, Acesso em
10/02/2010.
[28] SILVA, Jesus. Medicina natural só em último caso. Luanda: Jornal de Angola, 24/09/2010.
[29] ASSIS JÚNIOR, A. de. Diccionário Kimbundu-Português. Luanda: Argente, Santos &
Cia, 1947, p. 119.