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Pajés Benzedores Miolo 17jun16
Pajés Benzedores Miolo 17jun16
Pajés Benzedores Miolo 17jun16
BENZEDORES,
PUXADORES
E PARTEIRAS
OS IMPRESCINDÍVEIS
SACERDOTES DO POVO
NA AMAZÔNIA
UFOPA
2016
Presidenta da República
Presidenta: Dilma Vana Rousseff
Ministro da Educação
Aloizio Mercadante Oliva
Secretário de Educação Superior
Jesualdo Pereira Farias
Proext/MEC
PAJÉS,
BENZEDORES,
PUXADORES
E PARTEIRAS
OS IMPRESCINDÍVEIS
SACERDOTES DO POVO
NA AMAZÔNIA
UFOPA
2016
Ficha técnica
Edição e texto Colaboradores
Florêncio Almeida Vaz Filho Ádria Fabíola Pinheiro de Sousa
Assistentes de edição João Antônio Tapajós
Eloane Janay dos Santos Picanço Revisão de texto
(bolsista Cultura/Ufopa 2016) Fernanda Silveira
Fabiana Almeida Costa (bolsista Proext/ Ilustração
MEC 2015-16) Katia Patrícia dos Santos
Proext/2015-16) Fotografia
2015-16)
SUMÁRIO
PARTE I: INTRODUÇÃO
Pajés, benzedores, puxadores e parteiras no baixo Amazonas
Pajés de ontem e de hoje
SOBRE OS AUTORES
REFERÊNCIAS
APRESENTAÇÃO
APRESENTAÇÃO
9
diferentes agentes e grupos sociais no contexto regional. As atividades do
programa privilegiam metodologias validadas nas principais esferas públi-
cas de pesquisa, formulação e implantação de estudos e políticas públicas
de patrimônio cultural no Brasil, articulando-as com instrumentos de sal-
vaguarda de direitos culturais, territoriais e socioambientais das comunida-
des locais, em vista da íntima associação entre sua produção cultural e os
modos de se relacionar com o meio.
Desde sua implantação o programa tem reunido professores e alu-
nos de diferentes áreas do conhecimento e níveis de formação, atentando
para a interdisciplinaridade com que seu objeto exige ser tratado. O apoio
financeiro concedido pelo Proext/MEC desde o início das atividades tem
permitido o desenvolvimento de vários projetos caracterizados por metas,
métodos e abordagens teóricas diferenciadas, conforme as realidades e os
problemas específicos enfocados em cada localidade de atuação. Todas
as ações convergem para o tema amplo do patrimônio cultural, entendi-
do como o conjunto de bens, processos, práticas e expressões tomadas
como referências culturais pelos grupos sociais na região, enfatizando-se
a interface daqueles com seu patrimônio natural e seus direitos coletivos.
Em 2013 o Pepca estabeleceu parceria com o projeto extensionista
A Hora do Xibé, o qual se dedica à difusão de histórias, receitas, memórias e
conhecimentos de indivíduos e grupos da região em um programa radio-
fônico homônimo, veiculado regularmente pela Rádio Rural de Santarém,
desde o ano de 2007. Dessa parceria surgiu uma primeira publicação, inti-
tulada Isso tudo é encantado, que consistiu na seleção de histórias maravi-
APRESENTAÇÃO
11
PARTE I: INTRODUÇÃO
S
e na região do baixo Amazonas os elementos que compõem fisi-
camente uma aldeia indígena ou uma comunidade1 quilombola ou
ribeirinha é, no mínimo, igreja, campo de futebol, barracão comuni-
tário e escola, é verdade também que não tem há um(a) pajé ou benzedor
(benzedeira) ou puxado (puxadeira), não é uma comunidade. E se o especialis-
ta for mulher, quase sempre terá também conhecimentos para atuar como
1
A palavra comunidade é um termo nativo, por isso o uso de itálico. O termo denomina os povo-
ados do baixo Amazonas e é fruto do trabalho da catequese rural da Prelazia de Santarém, a partir da
década de 1950. Hoje, todos os vilarejos ribeirinhos e as margens das rodovias se autodenominam
comunidades. Uma comunidade é a reunião efetiva de um grupo de famílias que vivem próximas
umas das outras na zona rural, realizando cultos religiosos semanais, festas, trabalhos e outras ativi-
dades coletivas, coordenadas por líderes eleitos entre seus membros. A partir dos anos 1990, quan-
do os moradores passaram a assumir-se como indígenas, eles substituíram o termo comunidade por
aldeia (VAZ FILHO, 2010).
INTRODUÇÃO
13
parteira. São pessoas comuns, que trabalham e vivem de forma humilde
como os demais moradores. Porém, essa simplicidade esconde sua enorme
importância na vida dessas sociedades. Elas são especiais e imprescindíveis
por terem reconhecidamente o dom de curar2 e trazer de volta a harmonia
no corpo e na alma.
2
Segundo o entendimento local e a visão de estudiosos (por exemplo, GALVÃO, 1976; MAUÉS, 1995;
CAVALCANTE, 2008) o dom é uma predisposição sobrenatural que apenas algumas pessoas trazem do
ventre materno (por isso se diz dom de nascença) para ser pajé, benzedor, puxador ou parteira. O dom
demonstra seus indícios e é reconhecido socialmente. Quem o possui é capaz de chorar já antes de
nascer, é uma criança “diferente” e um jovem cheio de perturbações, até o momento de assumir sua
missão. O dom é algo profundo e determinante para a vida e a identidade do escolhido. Ninguém
pode ser indiferente ou fugir do seu dom. É dado por Deus e deve ser exercido em favor do bem estar
das demais pessoas. O dom é a condição fundamental para o aprendizado e o exercício da pajelança.
Como não é nossa intenção aqui fazer uma análise teórica mais
profunda, relataremos nesta Introdução apenas uma contextualização do
tema, de modo a facilitar ao leitor uma adequada compreensão do fenô-
meno e dos relatos que virão a seguir.
INTRODUÇÃO
15
A PAJELANÇA NO BAIXO AMAZONAS
Os indígenas3 fazem questão de enfatizar que possuem pajés4 nas
suas aldeias, mas os demais moradores das comunidades no baixo Ama-
zonas preferem falar curadores, e é assim que muitos pajés se autoiden-
tificam. A palavra curador, apesar de ter o mesmo significado que pajé
quanto à modalidade de trabalho realizada, parece ser menos pejorativa,
e por isso é mais aceita como denominação. Negar que se é pajé pode ser
um esforço para não assumir o papel negativo localmente associado ao
termo: pessoa potencialmente má, suspeita de praticar feitiçaria (fazer ma-
cumba ou malineza) ou associada a algo diabólico. Esse sentido negativo
do termo tem uma longa história.
3
Falamos especificamente dos povos indígenas que vivem nas aldeias e terras indígenas no baixo
rio Tapajós (Arapium, Apiaká, Cara-preta, Arara-vermelha, Kumaruara, Tupinambá, Maytapu, Mun-
duruku, Tapajó, Tupaiú, Borarí e Jaraki), sem incluir os Munduruku que vivem no médio e alto rio
Tapajós, os povos que vivem na região do rio Trombetas e outros povos cujas cosmologias são bem
específicas.
4
A palavra “pajé” é de origem Tupi, mas hoje está incorporado ao português e é usada em todo o
Brasil, por essa razão a usaremos nesta publicação sem destaque.
INTRODUÇÃO
17
Alguns pajés preferem ser chamados de benzedores, ainda que te-
nham passado por um processo de iniciação típico dos curadores e que
incorporem os espíritos chamados de bichos, encantados5 ou guias, ou com
eles se comuniquem mediante sonhos ou de outra forma. Mas os benze-
dores ou rezadores são diferentes dos pajés, pois constituem uma categoria
específica de agentes do que chamamos de sistema da pajelança, que
outros pesquisadores incluem no que denominam catolicismo popular
(COSTA, 2014).
5
Encantados são seres invisíveis que vivem em dimensões inferiores à superfície da terra e das
águas, e por isso são chamados também de encantados do fundo. Mesmo que os indígenas e mora-
dores afirmem que os encantados são cobras, botos, jacarés, puraqués etc. (por isso são chamados
também de bichos), os encantados podem tomar qualquer forma, inclusive de homem e mulher,
para se mostrarem aos humanos em determinadas ocasiões. Sua manifestação mais comum aos
humanos se dá através dos curadores, nos momentos de incorporação.
6
Espécie de enfermidade espiritual que deixa a pessoa sem sorte, principalmente na caça e na
pesca. Os instrumentos de caça e pesca podem ficar empanemados. Uma pessoa pode ficar panema
também nos negócios e até no amor. A panema pode ser provocada pela ação de outras pessoas,
mesmo que não tenham tido a intenção.
INTRODUÇÃO
19
Por intermédio do pajé, os espíritos repreendem as pessoas por terem
ofendido regras de respeito à natureza, aconselham-nas a bem proceder
para evitar serem molestadas, dizem o que fazer para se curar de males
e fazem as prescrições do tratamento. Os espíritos curam através da sua
incorporação no pajé. Como veremos no caso do pajé Laurelino de Takua-
ra, um pajé pode até dispensar a incorporação, temendo a condenação
social, sem que deixe de manter a comunicação com os encantados.
7
Ossos machucados ou “fora do lugar”. Os puxadores repõem os ossos no seu lugar.
INTRODUÇÃO
21
Se ainda são comuns nas áreas rurais, nas cidades as parteiras prati-
camente desapareceram. Com o avanço da medicina científica e hospitalar,
a atuação de médicos e a “indústria” de partos por cirurgia cesariana, as par-
teiras se tornaram desnecessárias. O que é uma lástima, uma vez que nesses
momentos críticos da vida as grávidas precisam muito do apoio psicológico,
espiritual e de toda a segurança que antes eram as parteiras tradicionais que
garantiam. Sem elas, na hora do parto resta medo, desespero e solidão.
8
Festivais, o resgate da cultura amazônica. Amazon View, Manaus (AM), ano XI, edição 87, p.
8-12, 2008.
INTRODUÇÃO
23
têm sobre a atuação dos pajés que, de tão poderosos, chegam até a res-
suscitar animais mortos pelo homem. Os cordões e os festivais folclóricos
reforçam a ideia de que o pajé é um elemento fundamental na cultura e
na identidade indígena e ribeirinha (NOGUEIRA, 2008).
INTRODUÇÃO
25
quem foi encantado esperam. Mas os relatos não contemplam casos reais
de volta dessas pessoas. Todos comentam que é possível quebrar o en-
canto e trazer de volta as pessoas encantadas, mas para isso alguém deve
realizar uma tarefa tão difícil e desafiadora que, no fim, não encontra um
candidato disposto a cumpri-la.
Esse discurso dos pajés é um esforço para mostrar que suas crenças
e práticas da pajelança nada têm de diabólicas ou ligadas à feitiçaria, ao
contrário do que costuma ser propalado. O fato de um pajé dizer que fre-
quenta a igreja e até faz preces diante do altar é um sinal inequívoco desse
esforço, no sentido de ressaltar que seu trabalho é ligado ao mesmo Deus
dos católicos. Foi esse mesmo discurso que escutei do curador Laurelino,
INTRODUÇÃO
27
em meados da década de 1990: os pajés são católicos, receberam um dom
de Deus e o realizam conforme as regras prescritas pela doutrina católica.
INTRODUÇÃO
29
O receio que as pessoas têm de assumir sua vocação de pajé pode
estar relacionado a certa condenação moral que se nota sobre a incorpo-
ração, e que não se observa com a benzição, por exemplo. Por isso, alguns
benzedores fazem questão de dizer que benzem, “mas não incorporam”.
Ressaltam ainda que invocam o nome de Deus e dos santos e fazem o
sinal da cruz. Voltamos a lembrar que essa foi a mesma preocupação do
curador Laurelino quando o entrevistamos nos anos 1990. Ele enfatizou
que não incorporava, apenas rezava, apesar de todos os moradores se refe-
rirem a um tempo quando ele incorporava os encantados. Desconfiado, à
época, Laurelino não quis falar muito sobre os espíritos que normalmente
incorporam nos curadores.
INTRODUÇÃO
31
diferente. Até porque, na idade adulta, a pessoa que tem o dom quase sem-
pre experimenta um período de turbulência, manifesta sinais próximos da
loucura (doidice), fica descontrolada e sofre muito com visões do mundo
dos encantados. É nesse momento que a pessoa e sua família procuram
um pajé mais experiente, que confirma ou não a presença do dom. A partir
daí, a pessoa deve passar pela preparação.
9
Pedaço de madeira oca e lavrada que serve para trabalhar a massa da mandioca no preparo da
farinha ou de outros produtos. Normalmente pode ter de três a cinco metros de comprimento e
um de largura.
10
Merandolino Cobra Grande teria morrido aproximadamente em 1948, segundo cálculos que fiz
a partir das informações de vários entrevistados (VAZ FILHO, 2010).
11
Ainda que Laurelino não se identificasse e nem fosse identificado pelos moradores como saca-
ca, ele apresentava algumas características de um pajé sacaca. Ele deixou deixou de realizar sessões
de incorporação provavelmente já nos anos 1970, o que pode ter relação com a condenação da
Igreja sobre tal prática.
12
No original: “It was God in heaven and Saulo on earth; what the medical doctor was not able to
treat, Saulo healed.” A antropóloga usa o codinome “Saulo” para se referir ao pajé Laurelino.
INTRODUÇÃO
33
p. 248). Isso era repetido pelo interior do rio Tapajós, e mostra como os
indígenas e demais moradores viam o poder daquele velho pajé. Eu mes-
mo escutei falarem algo como: “Acima de Laurelino, só Deus”; tal poder
não é para qualquer mortal.
13
Ela, como a maioria dos curadores na região, não usa o termo pajé para si, preferindo dizer que
é “uma pessoa que tem conhecimentos ligados aos encantados”.
INTRODUÇÃO
35
Interessantemente, a respeito do que se diz de Pedrinho, é a sua
ligação com as religiões de matriz africana. Pedrinho teria sido preparado
por uma mãe ou pai de santo em Salvador (BA). Por isso ele viaja, regular-
mente, para aquela cidade para fazer retiro, segundo dizem. Não deixa de
ser curioso que mesmo um homem tido como curador, e que os indígenas
acreditam seguir a linha dos antigos sacacas indígenas, tenha a tradição
das religiões africanas da Bahia como base da sua preparação. Mas para os
indígenas isso pouco importa.
Sobre os rituais de Pedrinho, dizem que durante o dia ele faz aten-
dimentos individuais. Sua roupa é inteiramente branca e ele não usa tam-
bores ou maracás. Às vezes ele defuma a pessoa. À noite, há rituais de
incorporação, com uso de tambores e cantos. Entre os espíritos que ele
incorpora, há um que é bem conhecido dos indígenas, porque se faz pre-
sente em muitos outros terreiros de Umbanda e baixa em muitos cura-
dores: Maria Padilha, também chamada com muita intimidade de “a Padi-
lha”,14 atualmente uma entidade associada à Pombagira. Os indígenas não
a estranham, e ela continua baixando e conversando com eles, do mesmo
jeito que conversam com Mariana, Noratinho Cobra Grande, Boto, Tupi-
nambá, Juraci, Rompe Mato etc., tudo dentro da lógica indígena.
14
Carvalho Júnior (2005, p. 313), que estudou a conversão e a incorporação dos índios ao Pará
colonial entre 1653 e 1769, mostra que desde aquele tempo Maria Padilha já era conhecida naque-
las terras como uma lendária espanhola que teria sido amante de um rei e causa da morte de sua
esposa, e que passou a ser conhecida como feiticeira. Eram famosos os seus “conjuros”, ou pronúncia
de certas palavras invocando espíritos diabólicos.
15
Essa onda de proibição, desencadeada pelos frades franciscanos de origem norte-americana
que chegaram à região em 1943, também atingia as festas de santo, realizadas pelos indígenas e
ribeirinhos de um modo muito autônomo em relação à hierarquia da Igreja. Chamadas de profanas
pelos missionários, muitas festas de santo foram proibidas (VAZ FILHO, 2010).
INTRODUÇÃO
37
Com o desaparecimento dos poderosos pajés, os moradores da re-
gião sentiram que estavam perdendo seu lugar no mundo e parte das
suas referências simbólicas. Eram essas crenças e práticas que faziam os
moradores se sentir, eles mesmos, diferentes, por exemplo, dos comer-
ciantes judeus, dos nordestinos e dos moradores da cidade. Mas a notícia
da morte do pajé Laurelino, em 1998, foi um golpe difícil de suportar. A
decisão de se identificar como indígenas e exigir a demarcação de seu
território lhes pareceu como uma alternativa mais apropriada para o res-
gate da cultura que estava se perdendo, para tentar deter um mundo que
ameaçava se desestruturar.
16
Se em 1998 apenas o povoado de Takuara se identificou como indígena, hoje já são quase 70 as
aldeias indígenas autoidentificadas. Algo como 8 mil indígenas no baixo rio Tapajós.
17
Não há dúvida de que a pajelança, no sentido em que a estou estudando, como cosmovisão e
conjunto de práticas tradicionais ligados à identidade de um povo, está para os indígenas como o
candomblé está para os negros no Brasil. Assim como o candomblé serviu de fonte para a produção
de uma ampla simbologia associada à identidade negra (músicas, comidas, mitologia, espiritualida-
de etc.), no baixo Tapajós é a pajelança que fornece a chave mestra usada pelos indígenas para sua
reivindicação étnica.
18
Eracildo dos Anjos (2008), a partir da sua pesquisa na área urbana de Santarém, observou que
mesmo ali a procura pelos pajés é muito grande. Apenas no bairro do Maracanã, o pesquisador
entrevistou nove pajés, em junho de 2008, dos quais 89% se disseram pajés de nascença. A grande
maioria deles (89%) diz ser procurada por pessoas de outros bairros e até outras cidades da vizinhan-
ça. O autor afirma que a pajelança é um dos fatores que influem na “recente tomada de consciência
étnico-cultural” que ocorre no baixo Tapajós (p. 32).
19
Taussig (1993) mostra como entre os indígenas do rio Putumayo, na Colômbia do início do
século XX, mesmo sob condições de extrema violência e exploração, os xamãs eram os mestres que
guardavam e retransmitiam o esquema cósmico e a perspectiva indígena sobre o mundo. Assim,
também no Tapajós, é compreensível que tenham sido os pajés, e um em particular, aqueles que
guardaram e comunicaram a tradição e a identidade dos índios.
20
Segundo Ioris (2005), baseada na ideia de Turner (1982; 1987), uma das principais razões para a
decisão da autoidentificação indígena dos moradores de Takuara foi a busca da superação da “crise”
interna provocada pela perda do seu velho líder, o pajé Laurelino. A decisão foi um mecanismo para
reajustar socialmente a comunidade, em vista da limitação do alcance da crise. Diante da enorme
lacuna deixada pela morte de Laurelino e sua liderança (crise insuportável), aquele grupo se apegou
às suas velhas tradições e à sua identidade indígena como “reajuste” ou “reparação”.
INTRODUÇÃO
39
que o IBAMA estava lhe prometendo dentro da Floresta Nacional do Tapa-
jós ou se seguia outro caminho que lhe permitisse reconquistar a terra que
se sabia, por tradição, lhe pertencer (IORIS, 2005; VAZ FILHO, 2010).
21
Arenz (2003, p. 164) lembra que Velho (1983, p. 35), ao tratar das “sete teses equivocadas sobre
a Amazônia”, com relação à sexta tese (o sucesso da igreja católica na região se deve à “opção pelos
pobres”, que permite a ela se identificar com o povo e expressar suas aspirações), já considera a
pajelança como “um recurso alternativo” disponível e que pode ser acionado pelo campesinato nas
suas mobilizações sociopolíticas, dependendo das circunstâncias. Arenz (2003, p. 164) foi muito feliz
ao notar “o papel da pajelança como portadora de um projeto alternativo” para os ribeirinhos.
INTRODUÇÃO
41
A título de informação é bom que o leitor saiba que no meio aca-
dêmico brasileiro o pajé também é denominado pelo termo “xamã” desde
pelo menos a segunda metade do século XX, sob influência de estudos
antropológicos realizados na Ásia. A origem da palavra xamã é encontrada
entre os Tungue, povo da Sibéria ocidental. Conforme Mircea Eliade (2002),
o xamã é tido como pessoa diferenciada, com capacidades especiais para
curar doenças. Desde então, os estudiosos consolidaram a palavra xamã
para identificar todas aquelas pessoas reconhecidas como possuidoras de
dons especiais de cura (BOTELHO; COSTA, 2006), inclusive os pajés indíge-
nas nas Américas.
22
No sentido etimológico da palavra: nativos, originários do lugar; o contrário de alienígenas
(estrangeiros).
INTRODUÇÃO
43
Durante os últimos séculos, os atuais ribeirinhos sofreram um
processo de desenraizamento das suas culturas específicas e de trans-
plantação cultural de elementos europeus. Mas essa transplantação —
que passou também por uma reinterpretação nativa — não substituiu
totalmente as estruturas básicas de origem indígena, uma das quais é
a pajelança, o “sistema interpretativo” da cultura dos indígenas e ribeiri-
nhos. Pensar assim é ir além do “culto sincrético” defendido por Maués e
Villacorta (2004). Não, a pajelança apresentada nesta obra não é apenas
resultado de uma mistura de culturas, mas é o que persistiu do sistema
interpretativo nativo fornecedor de sentido para suas ações. Não foi o
catolicismo que incorporou a pajelança, mas a pajelança que incorporou
o catolicismo ao seu imaginário. É a atuação do padre que é comple-
mentar à do pajé, e não o contrário.
INTRODUÇÃO
45
inequívocos do cristianismo, para, mais discretamente, persistirem em
suas ideias e práticas. Segundo Hoornaert (1974), pode-se concluir que
esse comportamento tem raízes mais antigas, do tempo das visitações
do Santo Ofício:
23
Município de Parintins. Disponível em: <http://www.cidade-brasil.com.br/municipio-parintins.
html>. Acesso: 2/5/2016.
24
Município de Santarém. Disponível em: <http://cidades.ibge.gov.br/painel/painel.php?cod-
mun=150680>. Acesso: 2/5/2016.
INTRODUÇÃO
47
parecem, mesmo nas modernas metrópoles amazônicas, como Manaus,
Belém e Santarém.
INTRODUÇÃO
49
[...] O grande desafio para a medicina na Amazônia e no mundo é tra-
tar pacientes como indivíduos únicos, portadores de suas histórias, de
seus laços familiares e seus temores. [...] É preciso que não se veja so-
mente uma hérnia de disco a ser operada na coluna, mas sim um in-
divíduo com toda a sua dimensão humana. Por mais contraditório que
possa parecer, a prática médica na Amazônia tem nos mostrado que
precisamos ser mais pajés e menos médicos (JENNINGS, 2016, p. 63).
25
Ele parece estar se referindo a Francisco Solano López Carrillo (1827-1870), que foi o segundo
Presidente constitucional do Paraguai e comandou as Forças Armadas do país durante a chamada
Guerra do Paraguai (1864-1870). Na época, o Exército do Império do Brasil, que combatia os pa-
raguaios, recrutava à força indígenas e negros, ironicamente chamados de “Voluntários da Pátria”,
que eram enviados para o campo de batalha. Os moradores da região, frequentemente associam o
período da repressão na Guerra da Cabanagem (1835-1840) com os recrutamentos forçados para a
Guerra do Paraguai, os “pega-pega”.
Aqui no rio Tapajós eu já vivi muito tempo, e ainda não sei o que é o
tar de feitiço e nem desejo ver. Ainda não encontrei feitiço. Lá no meu rio,
onde eu me criei, lá eu vi.
A MAGIA DA CURA
Sobre a cura, o que acontece é que eu vou rezando uma doença. Se
eu tiver concentrando aquilo, com aquela fé, e eu errar três, quatro vezes,
não tá pra mim. Tá diferente. Agora, se eu vou concentrar e fazer aquela
prece, é, uma prece vidente pra mim ver o que tá passando, aquilo pra
mim é uma força que me carrega e me sustenta em cima da terra. Eu tra-
balho em pé. Então, aquilo eu estou firme ali sabendo como é que vem
pra mim. É assim é que é.
PRATICANDO A BENZIÇÃO
Houve um caso, que quando eu
entrei no salão pra ver umas mulher que
pulavam, faziam, aconteciam, Tereza e Tu-
másia. Sete homens não aguentava elas.
E aí eu fui chamado. Quando eu cheguei
lá, que eu entrei na porta, que eu vi estia-
rina pra cá, estiarina pra ali, entrei, sentei;
a que o homem, seu Pedro, veio dizer: “Eu
lhe chamei pra você vim aqui ver essas
meninas. Elas só falta fazer o pé a cabeça
e a cabeça o pé”. “Tá bom!” Aí ele chamou
elas e sentou no banco. “Vem cá, que eu
trouxe o homem pra lhe benzer!”
Lá vem a Teresa. “Mas essa aqui é perigosa.” Então, vamos ver. Aí veio,
sentou e começou a querer conversar. “Dona menina, eu não vim conver-
sar, eu estou tratando minha prece clara e vidente. E a minha fé é sagrada.
Eu não vim trocar ideia com a senhora, não fui convidado pra passear aqui.”
Comecei a rezar nela e coisa e tal, e ela começou. “Acabe com isso, eu gos-
to de rezar uma pessoa corpo firme. E afirme a sua vista em que você tiver
olhando, ou pros astros ou é pra terra. Olhe e tenha crença, tenha fé em
Deus.” Rezei nela [...] e começou a se mexer. “Pular pode pular, correr pode
26
Provável referência ao livro de São Cipriano e certas “orações” que as pessoas “aprendem”, como
se fala na região.
SUPERANDO PRECONCEITOS
Olhe, eu não tenho vergonha de chegar aonde vão me chamar, fa-
zer uma benzeção numa doença. Eu rezo, sem cerimônia nenhuma. Que
me disseram lá em Santarém: “E você num é perseguido aqui?” “Não, se-
nhora!” E a bordo,28 chego lá, até o capitão lá da capitania mesmo, ele, a
mulher o filho, tudo estão lá comigo, tudo eu atendo. De coração, de mão
beijada, quando eu dou o respeito. Pois é, o caso é isso.
Olhe, esse negócio de pajé (mas rapaz!) isso foi muito falado. Por-
que eu era isso, eu era aquilo, eu trabalhava em macumba, eu entendia da
macumba [...] Mas isso tava contaminado. Os padres, quando vinham... É,
27
Neste trecho, seu Laurelino parece fazer novamente referência ao famoso livro de São Cipriano
que, na mentalidade dos indígenas e moradores da região, ensina fórmulas de feitiços e magias para
a pessoa conseguir o que quiser. A contrapartida é a pessoa entregar a vida de alguém para o diabo
e, no fim, perder a própria alma. O pajé afirma que rechaçou uma proposta desse tipo.
28
Seu Laurelino viajava regularmente para Santarém no seu barco a motor “Nossa Sra. Aparecida”,
que ficava ancorado no cais de arrimo em frente à cidade. Nesses dias, ele era procurado por várias
pessoas que iam em busca de consulta.
Pronto, acabou em nada. Digo, “não, não é assim não”. Muitos vêm
com coisa, [...] é de tal forma não. Porque eu tenho dito pra muitos aqui:
“Olhe, trabalhe com fé, trabalhe com carinho com seu próximo, mas não
trabalhe com ganância e nem fanatismo que não adianta fazer isso.”
29
Este material foi coletado em uma entrevista que o Prof. Frei Florêncio Almeida Vaz realizou com
dona Maria Santana no segundo semestre de 2015, na sua casa em Nova Vista.
Um eu fez lá, mas aquele eu foi ajeitar. Eu disse pra mãe dela: “Olha,
o filho da fulana tá de pé pra baixo.” E essa mulher não descansava [não
conseguia parir]. “Leva pro hospital!” A dona ainda achou de me chamar
quando a criança já está bem por aqui [com a metade do corpo para fora].
Ela em pé na ilharga de uma cômoda. A menina veio me chamar: “Dona
Santana, pra senhora ir lá com a mamãe!” Cheguei lá e disse: “Tá. O que tu
quer, mulher?” Ela disse:
Nessa ida que eu fui pra lá, ela fez tudo que ela tinha que fazer. E
tem um animal assim atrás da casa dela. Ela disse: “Fecha teus olhos.” Aí
eu fechei meus olhos e ela disse: “Agora abre teus olhos.” Nós estávamos
dentro daquele aningal, eu com ela. Aí ela disse: “Olha, a mãe daqui vi-
sita toda a cidade inteira. Agora, lá tu vai fazer assim, assim, numa noite
de quinta-feira.” Aí ela me deu um cigarro desse tamanho, e disse: “Tu
fuma?” Eu disse: “Agora eu não tou fumando.” Que eu dizia que até tava
30
Famosa pajé que viveu no rio Arapiuns na mesma época que o pajé Merandolino. Provavelmen-
te os dois morreram nos anos 1950.
Sobre tudo isso eu não sei. Até eu fico pensando. Não é todas as
coisas que eu comecei, que eu vi, que eu vejo. Eu converso com as minhas
filhas, mas mesmo assim elas não acreditam muito. Hoje em dia, não tem
quem acredite em nada. Um dia eu disse pra Ester (ela mora no Garimpo)
eu disse: “Minha filha, quando eu morrer eu vou ser dividida.” Ela disse: “Lá
vai a mamãe conversar à úfa!” Eu digo: “Não, não é à úfa. O meu espírito é
pra Deus, a minha sombra é pros encantados.”“Será mamãe?”“Tu não acre-
dita, assim seja.” Ela foi rindo.
Quando eu morrer minha alma vai pro céu, meu corpo vai pra bai-
xo da terra e o meu espírito, minha sombra vai pro encante. O encante.
Nós estamos em cima de uma grande cidade, seu menino, de uma cidade
linda e rica... E tudo isso é encantado! [Gesticula com o braço para mos-
trar a amplidão da cidade encantada] Começa desde o Arapiuns e vai... O
Tapajós é uma coisa só, uma grande cidade! Aquele laguinho lá na cidade
[...] agora é só casa ao arredor dele. Eu fui lá naquele lugar. Eu vi. Ele secou.
E ela [mãe] disse que não tirasse ela de lá. Porque ela era de lá, e ela ia
mandar, ia fazer sentar a metade daquele pedaço lá.
Tem um crente aqui que é marido da diretora daqui. Ele veio foi três
vezes aqui, e ia com o compadre Nezinho, que morreu, e que também ben-
zia e consertava, mas foi despois. Primeiro, ele [Nezinho] teve o ensinamen-
to da finada Remísia, ele aprendeu com ela. Ela deu as orações. Ele sabia ler,
ela deu as orações que ela sabia pra ele. E ele [crente] foi lá com eles. Veio
de lá, despois ele veio aqui comigo. “Dona Santana eu quero que a senhora
me diga...”“E por que, seu Carlos, o que o senhor quer saber?”“Não, eu quero
saber o que a senhora diz que benze. Eu só achei, assim, que a senhora não
sabe ler, não sabe escrever.” “Mas o dom de Deus não vem só por leitura.”
E aí eu falei pra ele. Com três vez que ele veio, ele se conformou. E
assim, como estou lhe dizendo, como eu estou lhe falando agora, pra ele
já falei. Agora [pessoal da], Igreja fala, “Ô dona Maria, a senhora é de Deus”.
Graça ao meu bom Deus!
Aí, quando sentei lá vi aquela mão agarrada assim por baixo e pare-
ce que me levantava [provavelmente a mão da parteira do encante que a
pajé Remízia garantira que chegaria para ajudar Santana]. Eu cortei imbigo.
Tive dois filhos, só eu e Deus. O Vicente, que foi embora e não sei pra onde
ele anda; e o Salvino, que mora aqui.
Meu nome é Pedro Carlos, mas conhecido por todo mundo que
vem me procurar como Pedrinho. Não tenho muito estudo, me considero
uma pessoa pouco letrada, quase um semianalfabeto, mas sei muita coisa
que a maioria das pessoas não sabe. Meus professores foram outros, eles
não são desse mundo igual o nosso. Eles já foram pessoas, mas hoje eles
são meus companheiros, espíritos que me ajudam, são meus caruanas.32
31
O relato foi gravado em 2013 pelo estudante de antropologia na Ufopa João Antonio Tapajós,
como uma das atividades do Plano de Trabalho “conhecimentos tradicionais em práticas de saúde
e troca”, que fazia parte do projeto de pesquisa “Conhecimentos tradicionais e mercados populares”,
sob a coordenação da profa. Luciana Gonçalves de Carvalho.
32
O mesmo que encantados. Porém, o termo caruana, mais comum nas regiões de Belém, do
Salgado e de Marajó, normalmente não é utilizado no baixo Amazonas.
33
Povoado ribeirinho localizado próximo à cidade de Óbidos, no Oeste Pará. Por isso é chamada
Paraná de Óbidos. Atualmente, Pedrinho vive e trabalho na cidade de Curuá, vizinha dos município
de Óbidos, Alenquer e Santarém.
34
Terreiro é toda a área que fica no entorno das casas no interior, ou seja, é o quintal, porém, sem
delimitação de cercas ou muros.
35
Vassourinha (Scoparia dulcis) é uma planta rasteira com cerca de 50 cm de altura. É muito usada
pelos pajés, benzedores e rezadores nas benzições.
36
É o mesmo que irradiação: liberar raios. Conforme Pedrinho, é o modo pelo qual o pajé enxerga
encantados ou espíritos, e também um dos meios pelo quais eles se manifestam para o pajé.
37
Terreno que fica submerso no período do inverno amazônico, tempo da cheia dos rios. No
período do verão, tempo da seca [os moradores falam assim], a várzea fica fora da água, e é quando
os moradores fazem suas plantações, pois o solo é muito rico em nutrientes.
38
Pequena cidade com cerca de 30 mil habitantes, próxima ao rio Amazonas, no oeste do Pará.
Aqui só não está melhor porque de uns tempo pra cá [...] eu venho
sofrendo muitas perseguições por causa dos meus trabalhos, dos meus
dons […] São os evangélicos, dessas igrejas que rezam gritando, como se
Deus fosse surdo. Eles acham que só eles têm o direito de rezar, de crer...
Que só eles são filhos de Deus. Já fui até ameaçado de morte e tudo. Eles
me acusam de trabalhar pro demônio, de entregar a alma das pessoas
pro demônio. Eu tenho medo, porque eu moro muito sozinho. E essas
coisas deixam a gente muito triste. Meu filho, que eu crio, sofre com isso,
ele ainda é muito pequeno pra saber dessas coisas, compreender, sabe?
Mas eu já esperava. Por causa do espelho que eu guardo, como eu sou o
último... Muitas coisas ainda vão acontecer. [...]
Eu atendo todo mundo que vier, não importa a idade, não importa
se é homem, se é mulher, se é pobre, se é rico [...], todo mundo. Só tem
um porém: eu não aceito mulheres que estão naqueles dias delas.40 Não
adianta vim por que não vai ser atendida, e nem aceito que fique aqui com
os outros. Se quiser ficar num lugar afastado daqui, não tem problema.
39
Refere-se ao trabalho cansativo de todos os anos.
40
Refere-se ao período em que a mulher está no seu ciclo menstrual. Durante esse tempo, a
mulher fica de resguardo, não podendo sair de casa, principalmente para os rios, as matas ou os
igarapés, pois acredita-se que as mães desses locais ficam muito bravas, podendo punir a mulher
desobediente ou mesmo outras pessoas da comunidade.
41
Mesmo que bravo.
42
Farmacinha ou farmácia é a denominação do local onde se vende vários tipos de medicamen-
tos naturais, como ervas, cascas e raízes de árvores, sementes e folhas e também algumas poções
feitas especialmente para banhos medicinais. Há ainda vários outros artigos religiosos. Esse espaço
fica ao lado da casa de Pedrinho e foi construído por ele.
43
É o nome que os pajés dão ao seu cigarro de uso ritual, em razão de ser feito com a fibra da ár-
vore tauarí. A fibra faz a função do papel no preparo do cigarro. A tauarí também é conhecida como
o lugar que abriga o curupira, um dos encantados da floresta.
44
Também chamado de maracá, é um instrumento que produz o som de um chocalho, usado
pelo pajé na hora de fazer seus trabalhos espirituais. É fabricado com uma pequena cabaça, uma
haste de madeira para servir como cabo e algumas penas de aves.
45
Uma pessoa está muito carregada, quando está com muita energia negativa, está doente espi-
ritualmente. Geralmente o problema é ocasionado por mau-olhado ou inveja.
Eu não sei quando vou morrer, mas só sei que minha missão está
chegando no fim. Vamos ver, né? Quem sabe Deus tá gostando do meu
trabalho e me deixa mais um tempinho [risos].
46
Fala-se judiação de bicho do mato quando alguém adoece vítima das mães dos igarapés, das
cabeceiras ou dos rios. Na cosmologia das populações dessa região, quando o meio ambiente não
está sendo respeitado ou quando alguém infringe alguma regra da natureza, como, por exemplo,
uma mulher se banha menstruada no rio, a mãe do rio se vinga, provocando uma doença em al-
guém. Assim, essa pessoa fica judiada de bicho, e, nesse caso, só um pajé poderá restituir sua saúde.
47
Alguém que fica incorporado por espíritos. Geralmente isso ocorre com quem tem uma mediu-
nidade mais aflorada e que precisa saber controlar. Nesses casos, o pajé ajuda a pessoa a doutrinar
esses espíritos ou, se for o caso, afasta os espíritos da pessoa.
48
Comunidade localizada no Km 24 da rodovia BR 163 (Santarém-Cuiabá), Planalto santareno.
49
Paulinho se refere na verdade à tese de doutorado de Florêncio Almeida Vaz Filho (2010), onde
as crenças e práticas da pajelança aparecem com certo destaque.
Tudo isso envolve a cura, envolve tradição, envolve uma coisa que
a gente tem, e os nossos pajés fazem isso aqui. Tinham uns pajés aqui que
rezava num dente, e às vezes o dente tava ruim, o dente caía, o dente que-
brava. [...] E o que eu vejo hoje é que as pessoas, além de algumas tarem
buscando, algumas estão esquecendo disso, estão deixando de lado, não
estão valorizando. O meu trabalho eu não cobro. Eu não cobro porque os
mestres não gostam que a gente cobre pelo trabalho, mas se eu for num
rezador pra ele me dar um passe, pra ele me rezar, sempre deixo um agrado,
porque sempre é bom deixar um agrado, um agradecimento pra pessoa.
E o que eu digo é que se aceite, que busque esse lado espiritual [...].
Você pode estar se sentindo fraco pra assumir esse lado espiritual, mas a
50
Ele também usava muito boneca. A boneca era essencial pra ele, pra
dar aula pras alunas dele. Nós era em torno de seis meninas e três meninos.
Ele dava aula pra nós. Ele dizia que não era emprego, era dom que nós tinha
de Deus. Por isso, não cobramos nada por esse trabalho. Ele sempre dizia
que o dom de Deus nunca se cobra. Agora, vai das pessoas em ajudar algu-
ma coisa, mas nada é cobrado, porque é o dom de Deus. Porque quando
cobra, não vale a reza pra consertar, porque Deus [...] pode virar contra. Mas
se a pessoa ver que o trabalho é bom, ela dá uma gratificação.
Esse meu avô fazia esse trabalho, e era muito procurado. Na época
que ele ia nos ensinar a costurar, foi o tempo que ele faleceu.
51
Assistir: no linguajar popular significa ver como é feito o parto, mas também acompanhar e
ajudar a parturiente durante o parto.
52
Mangarataia: raiz também conhecida como gengibre; do latim zingiber.
53
Puxar: neste contexto, puxar está relacionado com as massagens que as parteiras precisam fa-
zer na barriga da grávida para sentir como está a posição do bebê. As tradicionais parteiras orientam
as mães a ir puxar a barriga mensamente até o nascimento do bebê.
Eu comecei a puxar, com uns oito anos. Comecei com animal [risos].
Meu primeiro cliente foi um cachorrinho que desmentiu as cadeiras, e vie-
ram trazer pra mim. O segundo foi um coelhinho também que desmentiu
a pata, e vieram trazer pra mim. Aí, foi começando, criança, adulto...
Tem gente que sabe benzer, tem gente que sabe consertar rasga-
dura e tem gente que puxa e conserta. Só que, no meu caso é assim, a gen-
te mesmo vai procurando ossinho por ossinho, quando tem uma fratura a
gente sabe, quando tá quebrado, quando pertence ao médico e quando
não pertence.
Aí eu fiz o parto. Graças a Deus o parto foi normal, não teve nenhu-
ma complicação. A criança saiu, nasceu bem sadia mesmo.54
54
Serviço de Atendimento Móvel de Urgência.
55
Quebranto ou quebrante: mau-olhado, enfermidade que deixa principalmente as crianças in-
dispostas, mofinas, com febre e com diarreia (fezes esverdeadas). A palavra vem de quebrar, do latim
vulgar crepantare (rachar, quebrar, estalar). Acredita-se que o mal foi provocado pelo olhar forte de
alguém, pois as criancinhas são mais fracas contra esse tipo de olho forte. Por isso, recomenda-se
aos pais colocar pulseiras coloridas ou colares com dente ou osso de animais no pescoço do bebê,
que é para rebater essas forças ruins e proteger as crianças.
RELATOS: DONA RAIMUNDA PEREIRA, REZADEIRA, DOM DE REZAR MESMO CONTRA A VONTADE
97
Eu suspendo a campainha,56 só campainha que é quando dá aquela
tosse com coceira... Boto um pouco de pimenta-do-reino e açúcar no cabo
da colher e aí eu suspendo o pinguelo.
56
Campainha: segundo os benzedores, está localizada na garganta. No contexto regional deno-
mina-se também de “pinguelo”.
Quando a minha mãe estava morrendo [...] ela tava já só, já no final
da respiração, aí, deu aquele negócio em mim e eu caí. Quando inda eu
tava sabendo, aquela coisa entrou pelo meu nariz.57 E aí, pronto, quando
me recordei eu já tava no braço da minha tia [...]. Depois, eles, meu pai e
minha mãe, eles me incorporaram. Fiquei toda dormente, eu não sentia
57
A mãe de dona Maria Pereira já era benzedeira ou curadeira, e foi dela, na hora da sua morte,
que dona Maria Pereira recebeu o dom de benzer. Ela disse que apenas no início da sua preparação
ela incorporava os espíritos dos seus pais mortos.
Passou uns tempos ainda, passou uns cinco mês, aí eles [pai e mãe
falecidos] me ensinavam no meu sonho, como que não era, como era. O
meu pai entendia bem do negócio. Comecei primeiro benzer, depois ela
me ensinou puxar junta, e aí eu consegui adquirir.
[Foi] um dom que Deus me deu. Então, por isso que eu não posso
às vez cobrar as criança. É só o que eles58 me proibiram, que não cobrasse
criança, assim inocentezinho. Então, foi isso que eles me falaram no meu
sonho. Eles vinham tudo pelo sonho. E graças a Deus me dei bem. Tô me
dando bem.
58
Ela se refere aos espíritos dos seus pais.
Zormar Pedroso Lopes, benzedor em Pinhel (Aveiro), rio Tapajós. Faleceu em 2015
Quando eu era jovem não sabia de nada, hoje em dia eu estou com
essa idade de 67 anos, e eu tenho um saberzinho porque Deus que deixou
no meu corpo. Quando eu era jovem eu não acreditava. Um tempo meu
pai estava na mão de um pajé. Ele acreditava muito nessas arrumação59
dessas benzenção. Ele tava se tratando com ele, e eu cheguei lá um dia, aí
ele disse assim: “Seu Armindo, o senhor não quer uma benzeção pra cima
do seu filho?” Meu pai falou que era bom.
59
Algo confuso ou estranho; situação duvidosa.
60
Nome popular para erisipela, também chamada de vermelha.
Mas esse aprender foi da minha autoria mesmo, não fui aprendista
não. Eu fui fazendo, experimentando... Deu certo, né? Faço essas coisas aí,
e outras coisas mais que eu entendo de fazer, eu faço. Que graças a Deus
61
Paneiro: cesto feito de talas de bacaba, caraná, tucumã ou outra palmeira. Faz poucos anos a
farinha de mandioca era comercializada em paneiros, antes da popularização dos sacos de fibras
sintéticas. Continua vivo o costume da confecção e do uso de paneiros para carregar mandioca ou
outros produtos nas costas, presos ao corpo por fibras de envira.
62
Jamanxim: palavra indígena para um tipo de cesto feito de cipó ambé, também de origem indí-
gena, usado normalmente por homens no trabalho na roça ou na caçada. Eles prendem o jamanxim
ao corpo (inclusive à cabeça) com fibras da entrecasca da árvore envira. Diferentemente do paneiro
ou uaturá que são grandes cestos fechados nos lados, o jamanxim tem uma abertura na parte de
trás, o que permite que comporte bastante carga.
63
Ontonte: anteontem. Quando a pessoa se demora na pronúncia da sílaba “ton” (ontoooooonte)
significa muitos dias antes, e se ela diz três ontonte significa muito mais tempo atrás, meses talvez.
Essa pessoa que vem no sonho e me fala pra mim fazer o paneiro
diferente do que eu sei fazer, eu não conheço não. Agora, sei lá quem é
que veio lá dizer, né? Sei que eu me acordei com aquilo na cabeça, imagi-
nando... Eu sentei na rede, tava imaginando lá. De manhã cedo, antes de
alevantar pra fazer o café, eu contei pra minha velha. Ela disse:
Sabe aquela pessoa que sofre, sofre, sofre, muito antes de morrer?
Pois é, tem que pegar a mão de pilão64 colocar debaixo da rede dela. Quan-
do não tem jeito mesmo, pega o machado e põe também embaixo da
rede daquele sofredor. E pronto, ele vai embora.
64
Parte do pilão que serve para socar e quebrar grãos. A mão do pilão consiste em um pedaço
firme e pesado de madeira, longo e com uma espessura que possa ser segurado com as duas mãos.
65 Uma pessoa que “sabe oração” é alguém que conhece e usa os poderes sobrenaturais liga-
dos a uma fórmula mágica, uma oração. Há um mistério sobre isso nas aldeias e comunidades. Mas
suspeita-se que algumas pessoas “sabem oração”. O que significa que elas têm mais sorte na caça,
na economia ou no amor. Porém, é sabido que tais pessoas têm muita dificuldade para morrer. E
somente um especialista pode cortar o poder dessa oração. Só depois disso a pessoa poder morrer.
Não sei essa oração. Mas quem sabe precisa ensinar, pra que ele não
leve na hora que ele mudar de vida.
Dona Matica67, era uma parteira muito boa, pra todo lado iam bus-
car ela pra partejar as mulheres. Ela morava sozinha. Tinha morador dum
lado e do outro, e tinha a casa do filho dela bem pertinho, mas ela morava
sozinha na casa dela.
66
Os relatos de dona Geralda Sousa da Costa, Maria Gracineide da Silva e dona Luiza Menezes
foram coletados em 2011 por Fabíola Pinheiro durante a pesquisa de campo para o trabalho de con-
clusão de curso (TCC), sob orientação da professora Luciana Gonçalves de Carvalho (SOUSA, 2013).
Somos gratos pela gentileza de terem compartilhado estes ricos depoimentos que complementam
tão bem o conteúdo geral deste livro.
67
Dona Geralda está contando a história da Dona Matica, e não falando de uma experiência
própria.
Ela disse: “Então, vira de lado.” Ela foi puxando, puxando na costa
dela, e achou um arpão de pescador afincado na costa dela. Mas era uma
mulher grande e loura, com um pano embrulhado na cabeça. E ela disse:
“Mas olha o que tá doendo na sua costa! É isso aqui que tá afincado na sua
costa.” Ela disse: “Então, tire!”.
Deixou lá e foi puxar na barriga da mulher pro filho nascer, mas era
mulher, naquela hora era gente, e nasceu o filho. A criança era normal, era
fêmea. E o homem daqui, ali, tava passeando por lá, esse que foi em terra
chamar ela.
Ela disse: “Olha, meu senhor, eu não cobro nada. Quando eu vou
por aí eles me dão o que eles querem, eu não cobro.” Ele saiu assim pra um
escondido e veio de lá com um dinheiro, ela viu que era dinheiro naquela
Quando chegou, ela saiu, eles voltaram. Ela subiu. Aí, foi tomar um
banho, mudar a roupa. Deitou na rede, nem dormiu mais, só pensando na
viagem, pra onde ela foi, o que ela viu. Nisso, amanheceu o dia. Quando
ela foi ver o dinheiro que ele tinha dado, não era dinheiro, era só folha seca
de pau. Ela foi contar pro filho pra onde ela tinha ido e o que ela tinha
visto. O filho ralhou com ela, e ela disse: “Mas se tudo por aí eu vou, eu não
queria ir, mas eu fui”.
RELATOS: MARIA GRACINEIDE DA SILVAQUEM TEM DOM E NÃO QUER TRABALHAR, TEM QUE ENDIREITAR
113
Nesse tempo, mais era curador que tinha. Aí, me levou lá, e me en-
sinaram remédio e me davam. Diziam que era negócio de encosto que
tinha comigo. Quando dava aquela coisa, eu ficava sem fala, ficava assim...
sem saber de mim. Quando foi um dia, eles fizeram um trabalho e me
proibiram um ano sem sair de casa. Eu ficava em casa, só saia de dentro
da cozinha pra vim pro terreiro, era proibida, não podia sair pra nenhum
canto. Até o peixe pra mim tinha de ser escolhido. E eu passei, mas con-
fiando no Senhor em nome de Jesus, com muita oração, e pedia pra Deus
pra ele ter misericórdia. O remédio eu fui tomando e aquela coisa sempre
me aperreando.
Quando foi um dia, meu avô veio, eu já tava bem melhor. Ele me
levou pra lá, passei dois dias pra lá e não aguentei. Eu gritava, desesperada
de tanta dor no estômago, era uma dor que queria me acabar. Quando foi
um dia, meu pai disse: “Mas eu vou fazer remédio pra minha filha.” O remé-
dio que ele fez, botou tanta coisa, casca de pau, mas em nome de Jesus
aquele remédio foi tão abençoado que o meu pai me deu, que até o dia
de hoje eu não soube mais o que foi dor no estômago.
Quando ele foi lá no curador, ele disse que eu vivia assim porque era
pra mim ser médium de nascença, mas eles não me levaram pra endireitar
a linha, e eu não aceitava. Eu não queria mesmo não, e minha mãe tam-
bém não quis. Mas eu fiquei boa, graças a Jesus. Ele dizia que não era pra
eu sair de casa porque era pra eu ser médium de nascença. E os espíritos
ficavam me perseguindo, e eu não queria. Só que diziam que era de bem,
Apareceu um senhor. Ele falou lá com ele, e ele disse que me bo-
tava boa. Ele perguntou se eu queria trabalhar pra fazer trabalhos pras
pessoas, quando chegassem precisando de mim, ou se eu queria que ele
endireitasse minha linha pra não ficar... O papai não quis, ele mandou que
endireitasse. O papai ainda deu até um farol pra ele, e ele disse que não
queria nada assim. Aí, ele endireitou, ele fez uns cinco trabalhos. Endireitar
é fechar o corpo, por causa que ele dizia que o meu corpo tava aberto.
Depois que fecha o corpo nada mais acontece.
Ele fazia o trabalho, chamava os mestres dele. Ele tinha o dom tam-
bém que Deus deu pra ele, e esse dom ele dava os nomes dos mestres.
Tinha um que era o Zé Pretinho, tinha outro que era Zé Mineiro, e tinha ou-
tros que ele dá o nome deles. Ele chamava os mestres dele e fez o trabalho.
Ele endireitou e fechou meu corpo. Ele me ensinava banho, defumação. Aí,
eu fazia os banhos, ensinava os banhos todinhos, os ingredientes. Eu fazia
tudinho. Depois ele me ensinava a defumação. Ele passou uns remédios,
apertou meu corpo e fechou meu corpo.
RELATOS: MARIA GRACINEIDE DA SILVAQUEM TEM DOM E NÃO QUER TRABALHAR, TEM QUE ENDIREITAR
115
e com uma outra irmã que morreu, era a Sofia. Ela era pra ser médium
também de nascença, eles aperreavam muito ela. Ela morreu na idade
de 10 anos.
Esse dito curador que me curou disse que o dela era mais forte, aí
não tinha como endireitar, ela tinha que trabalhar. A mamãe não se inco-
modou, e com a idade de 10 anos ela morreu. A desculpa dela ter morrido
é que ela tinha comido um pedaço de manga. E aí, a mamãe tava fazendo
um mingau de arroz com leite, e a mamãe deu um copo de mingau de
arroz com leite pra ela e eu também tomei. Aí, deu essa dor no estômago
nela nessa hora, que foi a desculpa da morte dela, esse copo de mingau
com leite. Com 10 anos de idade ela faleceu.
Eu digo: “Olha, ninguém facilita...” Dizem que boto não judia de nin-
guém, eu digo, ele pode até não judiar, mas da feita que ele se encanta
por uma pessoa ele só sossega depois que ele leva. Por isso que eu digo,
“não facilitam!”.
Esse curador que trabalhava ali pro outro lado, a mulher dele ainda
tá viva até agora, o filho dele... Quando era de noite, as mulheres apare-
ciam lá, que iam buscar ele. Foi que ele conseguiu ser dominado por elas.
Porque ele disse que não ia morrer, ele ia pro fundo, pro encante. Assim
dizem, que ele ficou no encante. Diz que no fundo do rio é muito bonito,
a maior riqueza que tem, é só ouro. Diz que o banco deles lá no fundo é
só ouro, assim dizem, porque eu não vi, eu não fui pro fundo, o que acon-
teceu comigo foi tudo por cima da terra. Mas os que contam, que diz que
iam no encante, dizem que é muito lindo, os bancos é tartaruga só de
ouro, os bichos de lá é só ouro.
Chegamos na casa da tia dele, paramos lá, aí eu disse pra uma das
filhas dele que eu tava com muita dor na cabeça, aí ela disse assim: “É bem
da quentura.” Eu disse: “Mas não, isso não é de quentura, é uma dor muito
enjoada, muito ruim.”
ANJOS, Eracildo Silva dos. A pajelança na cidade: um estudo sobre a atuação dos curado-
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SOBRE OS AUTORES
127
para que a verdade de cada depoimento fosse impressa sem que dei-
xasse de ser fiel ao original. E junto com uma equipe, orientada pelo
professor Florêncio Almeida Vaz Filho, “encerramos” uma parte deste tão
rico material etnográfico.
SOBRE OS AUTORES
129
FLORÊNCIO ALMEIDA VAZ FILHO
Professor no Programa de Antropologia e Arqueologia (PAA/Ufopa) e vice-co-
ordenador do PEPCA/Ufopa.
SOBRE OS AUTORES
131
LUANA DA SILVA CARDOSO
Estudante de Antropologia e bolsista do projeto O Sabor e a Arte do Povo Ku-
maruara (Plano de Cultura da Procce).
SOBRE OS AUTORES
133
Mesmo p Saber ceder, saber amar, É saber cada um de nos carrega
consigo... assando por vários casos de preconceito e discriminação dentro
da universidade, isso só me fortalece. Em muitas vezes eu não falei nada;
em outras, eu recuei para não bater de frente. Busquei outras estratégias
para estar ali participando, abrindo mais o caminho, até que as pessoas
começaram a me identificar, porque a mulher Kumaruara é assim, aguer-
rida, lutadora. Muitas vezes somos nós que definimos as lutas. E dentro da
universidade há muitas mulheres indígenas no anonimato.
Desde a infância, era muito comum ouvir os “mais velhos” e até meus
avós falarem sobre pajés, benzedeiras, curandeirismo, curupiras, boto, vi-
sagens, pessoas que foram encantadas etc. Essas histórias me levavam a
imaginar um mundo fascinante, mas também causavam medo, pelo fato
de serem contadas com muito realismo.
SOBRE OS AUTORES
135
As pesquisas, escutas e transcrições dos relatos de pessoas reais e
de algumas que não estão mais entre nós me proporcionaram um grande
aprendizado. É muito importante o registro de relatos e sua valorização
para que a memória dos nossos antepassados não fique somente em nos-
sa lembrança, e sim documentada. Como bem disse o saudoso Laurelino:
“O dom que Deus me deu eu devo aproveitar com toda fé” (Pajé Laurelino,
entrevistado em 1993).
SOBRE OS AUTORES
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comunidade ribeirinhas (nos rios Tapajós e Arapiuns), e percebi que as
pessoas têm respeito e confiança pelo trabalho realizado pelos pajés e
benzedores. Eles são considerados “os médicos da floresta”, e são muito
procurados.
Segundo Maués (1995), os médicos não têm como curar muitas do-
enças que só podem ser tratadas pelos pajés e benzedores. Seu Laurelino
colocou seu dom a serviço dos que precisavam, de forma honesta e pru-
dente. Ele mesmo disse: “Trabalhe com fé, trabalhe com carinho com seu
próximo, mas não trabalhe com ganância e nem fanatismo.” Isso é uma
lição de vida e deve ser valorizado. Precisamos dar os merecidos créditos
aos homens e mulheres que nasceram ou receberam um dom especial, e
que têm por missão ajudar a salvar vidas e praticar o bem.