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49387-Texto Do Artigo-60751-1-10-20130108
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49387-Texto Do Artigo-60751-1-10-20130108
www.fflch.usp.br/dl/semiotica/es
issn 1980-4016 vol. 8, n.1
junho de 2012
semestral p. 124-137
Resumo: A partir da constatação da complexidade da ciência geral dos signos (Semiótica), propomos
neste texto um percurso para a compreensão de algumas ideias constituintes dessa ciência. Para tanto,
servimo-nos do histórico da Semiótica, pois ele comporta tanto os pensadores e as ideias responsáveis
pela inauguração dos estudos sobre o signo quanto à dinâmica de evolução desses estudos. Aliamos as
noções da Epistemologia à nossa discussão. Desse modo, apresentamos um material que inclui a
interdisciplinaridade conceitual, comprovando que o conhecimento adquire maior consistência pela
cooperação das diversas ciências. Além disso, também faremos referência a alguns aspectos da Semiótica
moderna desenvolvida por Charles Sanders Peirce. Essa referência servir-nos-á para reafirmar o aspecto
interdisciplinar da Semiótica, uma vez que o pensador transitou entre as mais diversas ciências a fim de
compreendê-la. Nesse ponto, reforçamos a ideia de que há um vinculo entre a Lógica e a Semiótica. O
entendimento desse vínculo ocorre desde que compreendamos que a cognição e, então, a comunicação,
são interesses comuns a essas duas ciências. É preciso incluir que está na obra Panorama da Semiótica
(2008) de Winfried Nöth a inspiração e principal fundamentação deste trabalho. Dessa maneira, seguimos
um modelo de abordagem semelhante ao de Nöth.
Cumpre ressaltar ainda que o desenvolvimento da Winfried Nöth em sua obra Panorama da Semiótica.
Semiótica ocorre no interior de várias áreas de produção Assim, está nessa obra a inspiração e principal
do conhecimento em diferentes períodos. Assim, de certo fundamentação desse trabalho. Foi a partir dela que
modo, essa ciência constitui seu conteúdo em atuação notamos a importância da discussão histórica da
conjunta com diversos campos do saber, o que a torna Semiótica aliada ao conhecimento constituído em outros
uma ciência interdisciplinar. campos de investigação a ela afins. De certo modo, este
Esse aspecto da ciência Semiótica é visto nos trabalho chega a corroborar a tese de que o conhecimento
esforços de Charles Sanders Peirce, pensador moderno, se faz e se refina pela cooperação entre as diversas
considerado pai da Semiótica americana e a quem apreensões, das quais se constituem as ciências.
devemos uma prolífica sistematização do conhecimento É preciso mencionar ainda que o presente artigo é
sobre os signos1. Torna-se importante ressaltar que Peirce fruto de uma pesquisa de iniciação científica. Isto serve
atuou em diversos campos do saber, incluindo a para definirmos e justificarmos o propósito primário deste
matemática, a física e a astronomia. Porém, não se pode trabalho, qual seja, o de apresentar um material de
adiantar o pensamento de que essa variedade de ciências à introdução à Semiótica. Em resumo, portanto, com este
qual Peirce se dedicou é fruto de uma suposta ausência de trabalho sugerimos um percurso para a compreensão da
identidade científica. Distante disso, a dedicação Semiótica americana, utilizando, sobretudo, seu histórico.
interdisciplinar de Peirce cumpria com seu interesse Em acréscimo, estudaremos algumas noções
soberano, isto é, o entendimento da Lógica. Conforme fundamentais da Epistemologia, ciência provedora de
nos explica Lucia Santaella (2007, p. 18), “entender a conceitos capazes de facilitar nossa compreensão das
lógica das ciências era, em primeiro lugar, entender seus ideias sobre os signos.
métodos de raciocínio. Os métodos diferem muito de uma Finalmente, para deflagrar nosso estudo, é preciso
ciência a outra e, de tempos em tempos, dentro de uma retomar a sugestão de que a Semiótica americana e a
mesma ciência”. Em razão disso, os aspectos lógicos Lógica estão vinculadas. Em síntese, tal vínculo resulta
comungados pelas diversas ciências só poderiam ser do fato de que ambas se dispõem a compreender o
conhecidos por alguém que se dedicasse no interior processo do conhecimento, o que também o faz a
dessas diversas ciências. Epistemologia.
Essa breve explanação do esforço de Peirce em
conjunto com a informação de que a Semiótica americana 1. Como ocorre o conhecimento
surgiu e se desenvolveu no campo da Filosofia, serve-nos
para ensaiar a explicação da importância da discussão a
que nos dispomos neste texto. Ora, tal discussão envolve Cabe, inicialmente, discutir genericamente a respeito
conceitos diversos, apreendidos e refinados em diferentes do conhecimento. Isso em razão de que a Semiótica
períodos por distintos pensadores. Em decorrência dessa americana lida, sobretudo, com a cognição (cf. Santaella,
percepção, tornou-se necessária a elaboração de um 2007).
produto próprio que reunisse alguns desses conceitos em
um trabalho cujo propósito fosse a definição e o 1.1. Visão geral da epistemologia
reconhecimento das interfaces entre os elementos do
conhecimento semiótico. É preciso sublinhar que não nos O estudo da Semiótica exige que parte do conteúdo
dispomos a questionar os conceitos provenientes dos de uma ciência em especial seja explorada com atenção.
estudos desses pensadores, mas apresentar tais estudos Referimo-nos à Epistemologia – responsável por
segundo nossa compreensão. depreender as primeiras noções necessárias para se
Desse modo, este texto destina-se a atender às construir o alicerce em que se sustentará o entendimento
exigências básicas do conhecimento da Semiótica das diversas teorias de signo formuladas no decurso da
americana, construído ao longo do tempo. Em verdade, história da filosofia. Essa ciência está arranjada como um
nossa discussão muito se assemelha com a que fez ramo da Filosofia que se preocupa em responder às
questões relacionadas ao conhecimento. Sumariamente,
são os problemas que anseia solucionar:
1
A corrente semiótica estudada neste artigo é a americana.
2
Jeferson Lima Barbosa, Maria Alice Descardeci
Captação do conhecimento
A mente humana é o único
Ou seja, a origem das Ideias a partir das coisas a priori da razão e a
instrumento capaz de
ideias está na experiência descobertas pelos sentidos posteriori da percepção
chegar à verdade
(sentidos) do sujeito
2
As informações que dão conteúdo a esse quadro estão na obra Teoria do conhecimento, cujo autor é Johannes Hessen. Cf. HESSEN,
Johannes. Teoria do conhecimento. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
3
estudos semióticos, vol 8, n° 1 (junho 2012)
É importante que esse quadro comprove que, de representação da maçã, em um quadro. Quais são as
modo geral, as controvérsias sobre a origem das ideias possíveis ideias que surgiram na mente daquele e
(conhecimento) estabelecem-se na dicotomia deste? E, além disso, eles estão conhecendo os mesmos
experiência-razão. Adiante, observaremos a proposição aspectos da coisa ou deixando de conhecer algo?
de Descartes, segundo a qual as ideias são inatas e, a São várias as ideias que se podem formar a partir
partir disso, organizou um modelo de signo cujos dos diferentes contatos que os dois sujeitos fizeram
componentes são imateriais/ideais. Essa elaboração com a maçã. Vamos elencar os seguintes aspectos que
sugeriu que o conhecimento do mundo estava, podemos conhecer sobre a maçã: cor, forma e cheiro. O
conforme as palavras de Nöth (1995, p. 41), “confinado sujeito-A, sem nenhuma deficiência sensível, pode
à mente”. Sua visão era, portanto, racionalista. Outros conhecer esses três aspectos da maçã e, vamos
modelos foram sistematizados sob a certeza de que o presumir, percebeu que a maçã é vermelha, redonda e
conhecimento do mundo se prendia à experiência, cheirosa. Em contrapartida, o sujeito-B, igualmente
vinculando-se à corrente empirista, como veremos nas sem deficiência nos sentidos, saberá a cor (vermelha) e
ideias de Locke, entre outros. a forma (redonda) da maçã, mas não poderá saber seu
cheiro. Brevemente, podemos dizer que o sujeito-B não
1.2. O conceito de conhecimento conheceu completamente a coisa com a qual interagiu.
Esse problema, aliás, é o que subsidia a dúvida se o
A despeito das teorias conflitantes sobre a origem homem pode, de fato, conhecer as coisas.
do conhecimento, podemos extrair a noção de que o Note-se que o que se conheceu sobre a maçã são
conhecimento existe na relação entre o sujeito e o conceitos, qualidades da maçã: vermelho, redondo,
mundo (razão-experiência)3. Originadas ou não por cheiroso. Designados “universais”, nós usamos esses
meio da experiência, o sujeito tem ideias as quais conceitos (ou gêneros) para caracterizar quase tudo que
aplica, eventualmente, no seu cotidiano, seja para existe no mundo. Diversas propostas surgiram, nesse
caracterizar algo, seja para desvelar outras ideias. No sentido, para revelar se a essência do conhecimento
processo de cognição, o sujeito pode conhecer as coisas está realmente no mundo ou na mente. Platão, por
de diferentes maneiras: através do contato direto com exemplo, acreditava que esses conceitos tinham
as coisas ou por meio de representações (signos) dessas realidade em um mundo além do indivíduo, conforme
coisas (ver figura 1). Esta ou aquela garantem ao discutiremos a seguir. Podemos, aqui, consumar um
sujeito ideias para compreender o mundo, ou, de conceito para o conhecimento e afirmar que se trata de
maneira oportunamente estrita, as coisas. Observemos: uma imagem da coisa (i.e., do objeto) na “mente” do
sujeito. Essa imagem é composta por diversos atributos
Modo de conhecer 1 Modo de conhecer 2 que se descobriram sobre a coisa. Essas ideias
universais, pelas quais caracterizamos as coisas,
constituem o problema da essência do conhecimento:
aquilo que faz do conhecimento ser o que é existe na
realidade?
Por fim, uma ressalva: a descrição do
Figura 1 – Os diferentes processos de cognição
conhecimento como “uma imagem do objeto” é
questionável à luz de Peirce4. Entretanto, a mesma
Na figura 1, dois modos de conhecimento são definição serve para inaugurar a noção de que o
expostos. No primeiro modo, o sujeito concebe ideias a conhecimento estabelece-se na mente como uma
partir do contato direito com a coisa (a maçã); já no “forma” da coisa. Uma forma é composta de traços
segundo, o conhecimento está atado a uma diversos. Por esse motivo, o problema se complica
ainda mais, pois uma ideia sofisticada nos diz que essa
forma é uma “deformação da coisa”; afinal o que se
3
A origem dessas conclusões está na leitura panorâmica
que realizamos e aqui estamos expondo. Desse modo, nossas
4
proposições terão sua consistência assegurada pelas ideias que se Cf. NETTO, José Teixeira Coelho. Semiótica,
sucedem. informação e comunicação. 7. ed. São Paulo: Perspectiva, 2007.
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Jeferson Lima Barbosa, Maria Alice Descardeci
sabe sobre dada coisa é uma imagem desenhada por signo, estão restritas aos signos de tipo verbal. Uma
interpretações parciais. tradição que continuou até que Santo Agostinho
reconhecesse os signos naturais e ampliasse o estudo
2. Semiótica avant la lettre: dos signos aos de espécie não verbal.
No que se refere ao segundo constituinte, as
antiguidade
ideias, segundo Platão, são entidades objetivas que,
além da mente, têm realidade em um campo espiritual
Ao invés do que, a princípio, pode-se imaginar, a
além do indivíduo (Nöth, 2008). Dessa proposição,
história da Semiótica não é recente e nos remete ao
resultam algumas conclusões que caracterizam o signo,
período greco-romano antigo, quando a Semiótica
ao mesmo tempo em que o inserem em uma
ainda não estava consumada como uma ciência. Nöth
problemática representativa: os signos são
(2008) alude à Semiótica desenvolvida neste período
representações incompletas da verdadeira natureza das
por meio da expressão “Semiótica avant la lettre”. Essa
coisas. Por esse motivo, o estudo das palavras não
Semiótica compreende todas as pesquisas sobre os
revela nada sobre a verdadeira essência das coisas,
signos, a significação (ação interpretativa) e a
porque o ambiente das ideias é intangível pelo
comunicação, realizadas, principalmente, pelos
indivíduo; logo, conhecimentos concebidos por meio
filósofos.
dos signos são cognições incompletas, e, portanto,
inferiores ao conhecimento direto das coisas.
2.1. Platão: o signo é uma
Acrescenta-se ao problema a concepção platônica
representação incompleta
de que o próprio conhecimento direto das coisas é
As ideias platônicas propõem os seguintes insuficiente para se conhecer a essência delas. Assim,
aspectos do signo verbal: a composição triádica desse para essa concepção, é possível apenas aproximar-se da
signo, a relação convencional entre os componentes essência de alguma coisa. Para tanto, o sujeito teria
sígnicos e a inabilidade de representação plena do que, na cognição, tomar contato com várias
signo. Além desses tópicos, importa o conceito que manifestações dessa coisa no mundo, para, então, ser
Platão descreveu para definir “ideia” – máxima capaz de conceber, apenas em alguma medida, qual sua
importante pelas conclusões que incita – e também a essência.
concepção do verbo “significar”, que, desde logo, Essas ideias de Platão nos dirigem a conceber
pode-se dizer que corresponde a “revelar”. diferentes níveis de cognição do mundo, de acordo com
os quais o conhecimento das coisas gradua entre o
2.1.1. A composição do signo para Platão inferior e o superior. A qualidade do conhecimento é
determinada pela maneira como se toca dada coisa.
nome Portanto, quando algo se apresenta a alguém na forma
(onoma, nomos) de um signo verbal, Platão conclui que o conhecimento
que se pode apreender desse “algo” é inferior ao
signo
noção / ideia conhecimento que se conseguiria pelo contato não
(êidos, logos, dianóema) intermediado com tal algo. Entretanto, não se pode
concluir que é presumível o conhecimento suficiente
sobre alguma coisa, pois as ideias têm realidade em
coisa uma esfera intangível. Em outras palavras, pela
(pragma)
incapacidade humana de realizar contato direto com as
Diagrama 1 – Composição sígnica para Platão ideias, o conhecimento será sempre incompleto: pode-
Em consequência do modelo acima contornado
se interagir com o nome e também com a coisa, mas
(ver diagrama 1), em especial devido à nomenclatura
nunca com a ideia real.
usada para descrever o primeiro constituinte do signo
(nome), perceberemos que o modelo de signo proposto
2.1.2. Aristóteles: o signo no cerne da
por Platão e, também, todas suas outras ideias sobre o
lógica
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estudos semióticos, vol 8, n° 1 (junho 2012)
symbolon
convencional
phathémata
signo
afecções da alma
prágmata
retrato das coisas
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Jeferson Lima Barbosa, Maria Alice Descardeci
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estudos semióticos, vol 8, n° 1 (junho 2012)
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Saussure não será detalhado nesta exposição. Ele foi
contemporâneo e antípoda de Peirce. Saussure elaborou um projeto
de ciência geral dos signos, a qual denominou Semiologia.
6
Essa ideia, a propósito, poderá ser reconhecida na teoria
semiótica de Peirce (secundidade).
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Jeferson Lima Barbosa, Maria Alice Descardeci
descobriu a limitação do signo em representar aquilo a começam a surgir os modelos ousados que ambicionam
que se refere. Nesse sentido, podemos mesmo dizer desvendar todos os modos de interpretação do mundo.
que o signo é uma representação parcial. Com efeito, o Dois destes chamam a atenção: o modelo dos quatro
conhecimento adquirido por intermédio sígnico é sentidos exegéticos e o modelo das assinaturas,
sempre incompleto. Aristóteles também se restringiu formulado por Paracelsus (1493-1541).
sobre o signo verbal e contribuiu apontando o caráter Nominalismo e Realismo são correntes que
lógico desempenhado na significação desses signos. Os respondem à questão da existência dos universais, que,
estoicos concordaram com essa ideia aristotélica, conforme já explicado, são conceitos comuns às coisas
sofisticando a ideia de que conhecimento se realiza por que indicamos pelo mesmo nome (como “vermelho”
processo indutivo, isto é, um processo deflagrado na ou “redondo”). Para Platão, os universais são as ideias
experiência sensível, que desencadeia a produção de transcendentes às coisas individuais; as coisas têm uma
conceitos ou ideias por meio da razão. Disso, os essência objetiva além do mundo aparente. Para os
epicuristas discordaram ao levar em conta a semiose realistas, os universais existem objetivamente, ou seja,
nos animais. Brotou aí a atenção voltada para outros têm corpo e realidade em alguma esfera. Os
seres além dos humanos. O gesto, o movimento e a nominalistas, por outro lado, acreditavam que os
comunicação dos animais convivendo com outros universais não existiam, não passavam de pura emissão
animais, pareceram excitar na mente dos epicuristas a fonética, eram apenas nomes; em suma, não existiam
ideia de que a linguagem natural não obedecia a regras gêneros universais.
racionais. O auge da Semiótica desse período está explícito
Segue-se daí a necessidade de distinguir signos nesta frase de João de São Tomaz (1589-1644): “Todos
naturais de signos convencionais, conforme operou os instrumentos dos quais nos servimos para a
Agostinho. Em consequência de toda essa sofisticação cognição e para falar são signos” (João de São Tomaz,
do estudo sobre signos, a Semiótica compôs a tradição 1948 apud Nöth, 2008, p. 36). A análise que Nöth faz
de ampliar-se cada vez mais. Por isso, diz-se hoje que a dessa frase expõe a relevância que tem para o futuro da
Semiótica não é o estudo de apenas uma espécie de Semiótica: ponto primeiro, o signo é visto como um
signo, mas compreende a investigação de toda extensão instrumento, ou seja, um elemento por meio do qual se
das linguagens (cf. Santaella, 2007). produz e manifesta sentidos. E, em segundo, faz-se
evidente que o processo de conhecimento
3. Semiótica avant la lettre: Idade (significação) ocorre sempre por intermédio de signos.
Média e Renascimento Disso resulta a interpretação de que o mundo inteiro
está composto de signos, conforme se pode ver mais
patente nas ideias de Peirce. Desde logo, em
Nessa etapa, a Semiótica desenvolveu-se no
consequência dessa conclusão, surgem os modelos
interior do escolasticismo (teologia e filosofia
pansemióticos, que pretendiam revelar os significados
medievais) e das artes liberais: gramática, retórica e
dos signos que compunham todo o mundo natural.
dialética. Importante na Semiótica medieval são os
temas sobre os quais se debruçou e desenvolveu:
nominalismo e realismo. Além disso, a teoria geral dos 3.1. Modelo dos quatro sentidos
signos recebe reforço enquanto ciência lógica a partir
da sua disposição como tal no quadro das ciências Elaborado na Idade Média, esse modelo nasce
gerais. Os escolásticos organizaram o quadro das caracterizado pela religião: em um mundo em que a
ciências e oficializaram três espécies gerais de ciências: bíblia era considerada, sobretudo, o livro dos
a filosofia natural, a filosofia moral e a ciência dos ensinamentos, quatro níveis de interpretação foram
signos, também chamada de “ciência racional”, que identificados: (a) interpretação literal – sentido
equivalia à lógica. O apogeu das ideias Semióticas comumente produzido, tal como é; (b) interpretação
dessa época evidencia-se na obra de João de São tropológica/moral – sentido no que se refere à vida do
Tomaz, Tractatus de Signis (apud Nöth, 2008), e na sua homem; (c) alegórico – o sentido a propósito de Deus e
definição de signo. É também na Idade Média que da igreja e; (d) sentido anagógico – relativo aos
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estudos semióticos, vol 8, n° 1 (junho 2012)
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Jeferson Lima Barbosa, Maria Alice Descardeci
Seguindo essa proposição, um exemplo se monta: surgem os heróis que representavam as virtudes
fantasiemos um cenário natural, no qual a visão capta valorizadas: coragem, lealdade etc. Essas duas eras que
diversos elementos, tais como árvores, lagos, flores, antecedem à Era dos Homens foram, de forma geral,
pássaros etc. Nesse cenário, o homem apreende delineadas pelo uso da imaginação, da poesia, da
diversos conceitos presentes na árvore. Por exemplo: metáfora, na produção de sentidos (signos). O que se
digamos que na sua mente há a ideia de “verde” – cor diferencia na Era dos Homens quando, então, acontece
das folhas -, mas sem essa forma linguística por nós já a valorização da lógica, do raciocínio, da razão. Por
atribuída, isto é, a palavra “verde”. A pura ideia é, conseguinte, a comunicação dessa época desenvolveu
nesse sentido, um signo da propriedade “verdura” da os signos arbitrários, literais e abstratos. Por fim, uma
coisa “árvore”. Em resumo, o signo, para Locke, é uma advertência de Vico destacada por Nöth (1995, p. 48) é
apreensão sensível das coisas. Essa apreensão pode ser adequada nesse momento: “as mitologias antigas não
traduzida em palavras. Nesse ponto, a palavra “verde” são meras ficções ou mesmo distorções da realidade,
refere-se ao conceito de “verde” e não à verdura da mas expressões poéticas precoces da sabedoria
árvore da qual se assimilou a ideia de verde. humana”.
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As concepções de Diderot são importantes no que As ideias (e, logo, os signos), adquirem fundação
respeita às características que identifica no signo de pelo processo de semiose constituído por três estágios.
tipo não verbal. Sua conclusão mais importante, que se O primeiro nível é o das sensações. O segundo nível se
origina de seus estudos focados na representação inscreve no limite as sensações e os signos linguísticos.
icônica (gestos, imagens etc.), é a seguinte: a Já o terceiro nível consiste em quando os signos
representação tridimensional corresponde mais à adquirem formas linguísticas.
realidade do que as demais unidimensionais, como a A sensibilidade e o próprio sentimento são os
língua. É primordial entender que a linguagem verbal requisitos prévios para que haja significação. Conforme
está caracterizada, segundo este teórico, pela as ideias de Degérando, há, nesse nível, um primeiro
unidimensionalidade: os fonemas são substâncias momento que constitui o reconhecimento de algo como
representativas lineares. Em contraste, a linguagem de signo. Abaixo desse primeiro momento, há a sensação
espécie não verbal é mais expressiva e mais lógica, pura, sem qualquer reconhecimento. Essa sensação de
pois é tridimensional, conforme a realidade. reconhecimento é o primeiro estágio da semiose,
As principais inferências surgidas desse responsável pela percepção sígnica.
pensamento descrevem que as linguagens verbais Essa percepção sígnica se realiza de dois modos, e
provocam uma distorção da realidade, em esses modos constituem o estágio do signo
conformidade com as ideias platônicas já vistas. As prelinguístico (segundo estágio), limiar do signo
conclusões a que chegou Diderot estimularam outros linguístico. Assim, são signos prelinguísticos todas as
pensamentos que se fizeram fundamentais para o futuro sensações puras reconhecidas, tais como o cheiro de
da estética. uma rosa que excitou o reconhecimento dessa rosa que
Exemplo de um desses pensamentos é o de G. E. o exalou. Neste ponto, é necessário notar que os signos
Lessing (1729-1781). O teórico considerou os de sensação pura parecem chamar a atenção para as
princípios advindos da teoria da mimese e, ainda, o coisas com as quais se relacionam. Já os signos
axioma de que a representação icônica é a que está linguísticos ou verbais (terceiro estágio) dão forma a
mais próxima daquilo que representa, para concluir que quaisquer ideias originárias do estágio da sensação
os signos icônicos e naturais são esteticamente pura. Daí que os signos linguísticos não se referem às
superiores aos arbitrários. Disso, ele inferiu, coisas em si, mas fazem referências às ideias dessas
finalmente, a noção de que o teatro é a forma mais coisas.
estética de todas as artes, porque o teatro teria mais
vínculo com a realidade em comparação às outras 4.6. A evolução da Semiótica
formas de representação (cf. Nöth, 2008, p. 50).
A polêmica, inaugurada por Descartes, que
4.5. A Semiótica genética dos questionou a origem das ideias e dos signos, representa
ideólogos à Semiótica um mecanismo cujo funcionamento
provocou seu desenvolvimento e sofisticação. Mais do
Como o nome mesmo pode sugerir, os ideólogos que pensar nas ideias produzidas desde Descartes como
investigavam a semiogênese, isto é, a origem e o um mero confronto entre Racionalismo e Empirismo,
desenvolvimento das ideias. As considerações que há de se notar que o domínio da cognição foi explorado
constam neste item foram desenvolvidas por em suas variadas possibilidades. Para os empiristas, a
Degérando (1772-1842) na sua obra “Des signeset de teoria das ideias inatas era inconcebível, pois eles não
l’art de penser” (apud Nöth, 2008, p. 50). Ainda aqui desvinculavam o conhecimento da experiência,
permanece uma doutrina marcada pelo sensualismo. conjunto de fatores que excitam os sentidos dos seres
Assim, a “Semiótica” sensualista desenvolvida por que conhecem. Daí que a investigação procedeu até a
Degérando discrimina todo o processo de semiose, formação de teorias Semióticas menos lacunares, isto é,
propondo que o ponto de partida desta esteja nas teorias que esclareciam as dúvidas aparentemente
sensações. insolúveis e que, por isso, constituíam impasses que
dificultavam a sofisticação da Semiótica.
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Jeferson Lima Barbosa, Maria Alice Descardeci
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Dados para indexação em língua estrangeira
Understanding semiotics: the cooperation between epistemology and the history of semiotics
ISSN 1980-4016
Abstract: Based on the observation of the complexity of the general science of signs (semiotics), we propose a
course of understanding some ideas, which constitute this science. For this purpose, we take the history of semiotics,
as it involves both the thinkers and the ideas responsible for the inauguration of the studies on the sign and the
dynamic evolution of these studies. We also consider epistemological notions in our discussion. Thus, the present
paper includes conceptual interdisciplinarity, showing that knowledge acquires greater consistency through the
cooperation of the various sciences. In addition, we will also refer to some aspects of modern semiotics developed by
Charles Sanders Peirce. This reference will serve to reaffirm the interdisciplinary aspect of semiotics, once Peirce
transited through various sciences in order to understand semiotics. At this point, we reinforce the idea that there is
a link between logic and semiotics. The understanding of this link is based on fact that cognition and communication
are common interests to these two sciences. This paper relies on Winfried Nöth’s Panorama da Semiótica (2008),
thus, it follows a similar approach to Nöth’s.