2 ARANHA Maria Lucia de A Filosofia Da Educacao Copy - OCR
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Filosofia
da Educação
2- edição
revista e ampliada
=111
EDITORA
I MODERNA
GERÊNCIA DE PRODUÇÃO
Marcei Destoillc-uf
EDIÇÃO DE ARTF
Eduardo ríe Jesus Gonçalvus
CAPA
Foto: ' Nekropotis'', óiüO sobre tela
dc Pâul Kiee £? SuperstQCk / KcySfuzii?
PFSQUISA ICÜNOÜRÃFICA
Vcza Lucra da Silva 8fíttiOtiuovo
TRATAMENTO DL IMAGENS
Dufoides A. Assis
DIAGRAMAÇÂO
flaqtjeJ Ôurloietin Ribeiro
Saída de filmes
EtííJiuzitfn C. Canado
Halin P. de Souza Fillto
COORDENAÇÃO DO PCP
Fewifljirki ܣiftu Liegan
IM P RE S S A O K ACABA \ | I • \ l O
Grd/ttí! Ai-e Mib-iti
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ISBN 85-16-01477-0
Apresentação
A primeira edição deste Filosofia da educação data de 1989. Em face de sua ampla
aceitação nos cursos de magistério e pedagogia, foram feitas inúmeras reimpressões, o
que nos estimulou a empreender criteriosa revisão, da qual resulta esta 2- edição, amplia
da e reestruturada.
A reformulação obedeceu a diferentes critérios, dentre os quais sem dúvida o mais
importante foi o destaque dado aos fundamentos filosóficos da educação, que antes eram
analisados nos diversos capítulos e agora também se encontram ampiamente explicitados
na Unidade IV, Educação e filosofia, cujos capítulos foram elaborados especialmente com
essa intenção. Na Unidade V, Concepções de educação, há capítulos novos e outros, já
existentes, sofreram desdobramentos.
Esta unidade, com seus cinco capítulos, constitui o “coração” do livro. Nela examina
mos o que é filosofia da educação e os pressupostos filosóficos subjacentes às práticas
educativas, ou seja, quais são os fundamentos antropológicos (o que é o homem?),
axiológicos (o que são valores?), epistemológicos (o que é conhecimento?) e políticos
(quais são as formas de poder?).
Em tese, bastaria este núcleo para caracterizar uma introdução à filosofia da educa
ção. No entanto, preferimos antecipar essas teorizações com “o solo da realidade” consti
tuído pelas três primeiras unidades e exemplificar os conceitos filosóficos com as concep
ções de educação apresentadas na UNIDADE V. Com isso buscamos inicialmente enten
der a gênese dos conceitos filosóficos e aprender como aplicá-los no reconhecimento dos
pressupostos de toda teoria, sejam eles explícitos ou não. Só assim o estudante poderá
adquirir autonomia de crítica no exame de qualquer teorização com que defronte ou que
precise elaborar.
O primeiro dos nove capítulos desta unidade trata da teoria geral da educação, exa
minando a especificidade da teoria pedagógica, distinta das outras ciências e da filosofia.
Nos demais capítulos percorremos as principais teorias que procuram, de uma forma ou
de outra, imprimir maior intencionalidade na prática educativa.
É feita uma abordagem histórica da educação, para maior clareza na explicitação
dessas teorias, desde as tradicionais até as.mais contemporâneas, análise essa que não
se pretende exaustiva, mas bastante elucidativa das inúmeras tendências de pensamento
e atuação dos educadores.
O capítulo final retoma algumas das principais teses defendidas no decorrer do livro.
Em face das indagações sobre o futuro da educação brasileira, persiste uma certa perple
xidade diante das mudanças vertiginosas neste final de milênio, o que reduz nossos prog
nósticos a simples conjeturas.
Para auxiliar o trabalho do professor em sala de aula e dar maiores subsídios para os
alunos, usamos diversos recursos didáticos. Cada capítulo apresenta o assunto de forma
suficientemente clara, sendo complementado por dropes, que diversificam as abordagens
feitas, e por leituras complementares, que ampliam a discussão dos temas e trazem os
textos de grandes autores ao leitor iniciante, Para completar, Atividades, que contêm Ques
tões, Análise de texto e sugestões de temas para Redação. No final do livro, oferecemos
para consufta o Vocabulário, o índice de nomes, a Indicação bibliográfica e a Bibliografia
geral.
Esperamos que este livro continue servindo para auxiliar o trabalho do professor em
sala de aula. Mais que isso, temos a esperança de estar contribuindo para o exercício da
análise crítica dos problemas relativos à educação que a realidade concreta nos apresenta.
A autora
SUMÁRIO
UNIDADE I — EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
1. Cultura e humanização.................................................................................. 14
1. Noção de cultura.................................................................... ................................................ 14
2. O animal e a natureza............................................................................................................ 15
3. A experiência humana.......................................................................,.............. ............... . 15
4. Cultura e socialização...................................................................... ,.............. ..................... 16
5. Sociedade c indivíduo ................................................................................................... 17
6. As três esferas da cultura...................................................................................................... 17
7. Cultura e educação....................... 18
Leituras complementares............... 19
1. Ernsr Cassircr: | A experiência de ilelen Keller] 2. Murray Bookchin: Paris, 1968
2. As relações de trabalho................................................................................... 22
1. O trabalho como práxis.......................................................................................................... 22
2. Trabalho e alienação............................................................................................................... 22
3. A sociedade industrial.................................................. 23
Taytorismo: “racionalização" do trabalho?. 23
4. A sociedade pós-moderna: a revolução da informática.................................................. 24 *
5. Professores como mão-de-obra alienada? ......................... ............................................... 25
6. Trabalho e escola..................................................................................................... .............. 26
Leitura complementar................................................................................................................ 27
Henry Giroux: |Os professores como intelectuais]
3, As relações de poder.................................................................................... 29
1. A política................................................................. 29
2. Diversos sentidos de ideologia................................................... 30
3. Um conceito restrito de ideologia........................................................................................ 30
4. Função da ideologia................................................................................................. 31
5. Características da ideologia................................................................................................... 32
6. Ideologia e educação.............................................................................................................. 32
Caráter ideológico das teorias pedagógicas, 33 Legislação e ideologia, 33 Prática educativa c
ideologia. 34
7. A contra-ideologia................................................................................................................... 35
8. Educar para a cidadania....................................................................... 36
Leituras complementares............................................................................................................ 37
1. Fragmentos de textos didáticos de 1- grau 2. Beniard Charlou [O conceito de desabrochar |
4. As relações culturais.................................................................................... 39
1. Os bens culturais .................................................................................................................... 39
2. Os diversos tipos de cultura..................................................................................................39
A cultura erudita, 40 A cultura popular. 40 A cultura de massa. 41 A cultura popular in
dividualizada. 42
3. Educar para qual cultura?................................................................................................... 43
Leituras complementares...........................................................................................................45
I. Florestan Fernandes; Educação c folclore 2. Luís Milanesi: |Os Ires verbos da ação cultural]
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isso ju sta m e n te o que está em questão na O contato do homem com a natureza, com
epígrafe do capítulo: os homens da civilização outros homens e consigo mesmo é interm ediado
americana consideram um bem universal o que pelos sím bolos. isto c, signos — arbitrários e
oferecem em suas escolas e, com o tal, desejam convencionais — , por m eio dos quais o homem
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Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
representa o mundo. Portanto, ao criar um sis Ao contrário da rigidez dos instintos, a resposta
tema de representações aceitas por todo o gru inteligente a um problema é criativa, improvi
po social (ou seja, a linguagem simbólica), os sada e pessoal.
homens se comunicam de forma cada vez mais Todo mundo que tem cachorro em casa gos
elaborada. ta de contar inúmeras histórias: como “compre
Nesse sentido pode-se dizer que a cultura é o ende" ordens, como consegue pegar um osso
conjunto de símbolos elaborados por um povo colocado fora de seu alcance ou. quando é ca
em determinado tempo e lugar. Dada a infinita çador, que artimanhas usa para se apoderar de
possibilidade do simbolizar, as culturas são múl uma presa. Podemos observar também que al
tiplas e variadas. guns cães aprendem mais rapidamente do que
outros. Mesmo os que não são submetidos ao
adestramento humano agem habilidosamente
2. O animal e a natureza para conseguir adaptar-se ao ambiente e sobre
viver, usando recursos inventivos que não se
O animal vive em harmonia com a natureza. acham fixados pelo instinto.
Isso significa que sua atividade é determinada Por mais flexível que seja o comportamento
por condições biológicas que lhe permitem adap desses animais, trata-se, no entanto, de uma inte
tar-se ao meio em que vive, não sendo livre para ligência concreta, e, nesse sentido, se distingue
agir cm discrepância com a sua própria natureza, da inteligência humana, que é abstraiu. Sendo
razão pela qual o comportamento de cada espé concreta, a inteligência animal é imediata c prá
cie animal é sempre idêntico. tica, isto é, depende do momento vivido aqui e
Os animais, por exemplo, que se situam nos agora e tem em vista a resolução imediata de uma
níveis mais baixos de desenvolvimento dentro da situação problemática.
escala zoológica, agem por reflexos e instintos Por exemplo, quando está com fome, um ma
e, por isso, sua atividade é a mais rígida possí caco busca o alimento por instinto. No entanto,
vel. Essa rigidez dá a ilusão de perfeição quando se o cacho dc bananas não se acha acessível, terá
observamos o animal executando determinados que “resolver o problema” de forma satisfatória:
atos com extrema habilidade. Não há quem não se estiver muito alto, poderá alcançá-lo com uma
veja com atenção e pasmo o “trabalho" paciente vara ou subir em uni caixote.
da aranha tecendo a teia, ou nào tenha admirado À diferença do homem, o animal não domina
a colméia, produto da abelha operária. o tempo, porque seu ato se esgota no momento
Sendo a ação instintiva regida por leis bioló em que o executa. Mesmo quando repete com
gicas, permanece idêntica na espécie e invariá maior rapidez comportamentos aprendidos ante-
vel de indivíduo para indivíduo. Por isso os atos rionnente, o uso do instrumento não remete para
dos animais não têm história, são os mesmos em o passado nem para o futuro. No exemplo dado,
todos os tempos, não se renovam, salvo as modi a vara usada pelo macaco sempre volta a ser vara,
ficações resultantes da evolução das espécies e o que significa que o animal não inventa o ins
as decorrentes das modificações genéticas. trumento, não o aperfeiçoa nem o conserva para
Quando ocorrem lais mudanças, elas valem para uso posterior. O gesto útil não tem sequência no
todos os indivíduos da espécie, são transmitidas tempo c, portanto, não adquire o significado de
hereditariamente e não permitem inovações in unia experiência propriamente dita.
dividuais. Mesmo as modificações que resultam
dc formas de adaptação ao ambiente são restri
tas, não podendo ser comparadas com as altera 3. A experiência hu mana
ções de que o homem é capaz.
A medida que, na escala zoológica, subimos Total mente diversa é a ação do homem sobre a
até os mamíferos, percebemos, porém, que as natureza e sobre si mesmo. Ao reproduzir técni
ações animais deixam de ser resultado exclusi cas usadas por outros homens e inventar outras,
vo de reflexos e instintos e apresentam uma fle novas, a ação humana se torna fonte de idéias c
xibilidade maior, típica dos a/f» inteligentes. por isso uma experiência propriamente dita.
15
16
O filósofo Montaigne, no século XVI. ao ana A transformação produzida pelo homem pode
lisar a perplexidade dos europeus em relação aos ser caracterizada como um ato dc liberdade, enten
costumes dos povos indígenas cias terras rccém- dendo-se liberdade não como alguma coisa que é
descobertas, já percebia o teor tendencioso das dada ao liomein, mas como o resultado da sua ca
avaliações: "Não vejo nada de bárbaro ou selva pacidade de compreender o mundo, projetar mu
gem no que dizem aqueles povos; e, na verdade, danças e realizar projetos. Pelo trabalho o homem
cada qual considera bárbaro o que não se pratica aprende a conhecer as próprias forças e limitações,
em sua terra”. Mais adiante questiona o honor desenvolve a inteligência, as habilidades, impõe-se
de muitos diante do relato de canibalismo dos uma disciplina, rclaciona-se com os companheiros
selvagens, quando não causava igual espanto o e vive os afetos de toda relação. Nesse sentido, di
costume dos religiosos de seu tempo de zemos que o homem sc autoproduz, pois ele se mo
“esquartejar um homem entre suplícios e tormen difica c se constrói a partir dc sua ação. E nesse
tos e o queimar aos poucos, ou entregá-lo a cães movimento tece sua liberdade.
e porcos, a pretexto de devoção e fé”. O que foi dito um pouco antes a respeito da
Aceitar as diferenças entre as culturas c im ação multiforme dos modelos sociais não con
portante para evitar o elnocentrismo, isto é, o jul traria a relação estabelecida entre trabalho c li
gamento de outros padrões (morais, estéticos, berdade. isso su explica pelo fato de que, se, por
políticos, religiosos etc.) a partir de valores do um lado, há sempre a necessidade dc um ponto
seu próprio grupo, Esse comportamento geral de partida para que cada um possa se compre
mente leva à xenofobia (horror ao estrangeiro), ender — e esse solo é a herança social —, por
que c uma forma dc preconceito e caminho certo outro, o ser do homem exige a superação daqui
para o exercício da violência, pois a partir dela lo que ele herda, numa constante recriação da
surgem determinados critérios dc superioridade cultura.
e inferioridade que justificam indevidamente a
dominação de um grupo sobre outro.
6. As três esferas da cultura
5. Sociedade e indivíduo _________ As relações que os homens estabelecem entre si
para produzir a cultura se dão em diversos níveis
A natureza modificada pelo trabalho humano que não sc excluem, mas se complementam c sc
não é apenas a do mundo exterior, mas tambem interpenetram. Apenas por questões didáticas cos
a da individualidade humana, pois nesse proces tumamos separar e distinguir essas relações em:
so o homem se autoproduz, isto é, faz a si mes • relações de trabalho, que são materiais, pro
mo homem. dutivas e caracterizadas pulo desenvolví mento
O autoproduzir-se humano se completa em das técnicas e atividades econômicas:
dois movimentos contraditórios e inseparáveis: • relações políticas, ou seja, as relações dc
por um lado, a sociedade exerce sobre o indiví poder que possibilitam a organização social e a
duo um efeito plasrnador. a partir do qual é criação das instituições sociais:
construída uma determinada visão de mundo; por • re/ufõer culturais ou comunicativas, que re
outro, cada um elabora e interpreta a herança re sultam da produção e difusão do saber e deve
cebida na sua perspectiva pessoal, riam pertencer ao âmbito das relações intencio
E bem verdade que o teor dessas mudanças nais. reduto da subjetividade.
varia conforme o tipo de sociedade: no mundo Nos capítulos que sc seguem abordaremos
contemporâneo de intensa urbanização, as alte não só as relações entre essas Ires esferas, como
rações são muito mais velozes do que nas tribos tambem as formas pelas quais uma pode predo
indígenas ou nas comunidades tradicionais. Mes minar sobre as outras, produzindo muitas vezes
mo assim, não há sociedade estática: em maior efeitos perversos. Por exemplo, nas sociedades
ou menor grau, iodas mudam, estabelecendo uma fortemente hierarquizadas e elitizadas, a produ
dinâmica que resulta do embate entre tradição e ção c a difusão da cultura tornam-se restritas,
ruptura, herança e renovação. constituindo privilégio de alguns. O mundo do
17
Dropes
Você sabe o que é contracultura? É a expressão que designa os diversos movimentos que
eclodiram na década de 60, inicialmente nos EUA, espalhando-se em seguida para o resto do mun
do. Essos movimentos reuniram pessoas das mais diversas ideologias, voltadas para a contestação
dos valores da sociedade industrial, centrada na tecnocracia e no consumo. A contracultura tem
como exemplos o movimento hippie e as “revoluções” estudantis mundiais, cuja expressão máxima
foi o “Maio de 68” na França (ver leitura complementar 2).
A transformação das pessoas em animais como castigo é um tema constante dos contos infan
tis de todas as nações. Estar encantado no corpo de um animal equivale a uma condenação. Para as
crianças e os diferentes povos, a idéia de semelhantes metamorfoses é imediatamente compreensí
vel e familiar. Também a crença na transmigração das almas, nas mais antigas culturas, considera a
figura animal como um castigo e um tormento. A muda ferocidade no olhar do tigre dá testemunho do
mesmo horror que as pessoas receavam nessa transformação. Todo animal recorda uma desgraça
infinita ocorrida em tempos primitivos. O conto infantil exprime o pressentimento das pessoas. {Ador
no e Horkheimer)
18
Leituras complementares
No desenvolvimento mental do espírito, é evi à casa da bomba, e fiz que Helen segurasse sua
dente a transição de uma forma a outra — de caneca debaixo da bica, enquanto eu bombea
uma atitude meramente prática a uma atitude va. Ao jorrar a água fria, enchendo a caneca, es
simbólica. Todavia, este passo é o resultado fi crevi ‘á-g-u-a1 na mão aberta de Helen. A pala
nal de um processo lento e contínuo Não é fácil vra, que se juntava à sensação de água fria que
distinguir as etapas individuais deste complicado lhe escorria pela mão, pareceu sobressaltá-la.
processo pelos métodos usuais da observação Deixou cair a caneca e quedou como que parali
psicológica. Existe, porém, outro caminho de se sada. Nova luz iluminou-lhe o rosto. Soletrou
obter plena visão do caráter geral e da extraordi ‘água’ várias vezes. A seguir, inclinou-se até o
nária importância dessa transição. A própria na solo e perguntou-lhe o nome, apontando para a
tureza, por assim dizer, realizou uma experiên bomba e para o caramanchão e, voltando-se de
cia capaz de projetar luz inesperada sobre o as repente, perguntou o meu nome. Soletrei ‘profes
sunto em questão. Temos os casos clássicos de sora’. Durante a volta para casa, mostrou-se
Laura Bridgman e Helen Keller, duas crianças excitadíssima, e aprendendo o nome de todo ob
cegas e surdas-mudas que, por meio de méto jeto que tocava, de modo que, em poucas horas,
dos especiais, aprenderam a falar. Embora es havia acrescentado trinta palavras novas ao seu
tes casos sejam bem conhecidos e tenham sido vocabulário. Na manhã seguinte, levantou-se
tratados com freqüência na literatura psicológi como uma fada radiosa. Adejou de um objeto a
ca, vejo importância em recordá-los mais uma outro, perguntando o nome de tudo e beijando-
vez por encerrarem, talvez, a melhor ilustração me alegremente. Tudo agora precisa ter um
do problema geral de que nos ocupamos. A sra. nome. Aonde quer que vamos, pergunta, ansio
Sullivan, professora de Helen Keller, registrou a sa, os nomes das coisas que não aprendeu em
data exata em que a criança realmente principiou casa. Espera, sôfrega, que os amigos soletrem e
a compreender o sentido e a função da lingua vive aflita por ensinar as letras a todas as pes
gem humana. Cito-lhe as próprias palavras: soas que encontra. Abandona os sinais e a pan
“Preciso escrever-lhe uma linha hoje cedo por tomima que antes empregava, uma vez que dis
que algo muito importante aconteceu. Helen deu o põe de palavras para substituí-los, e a aquisição
segundo grande passo em sua educação. Apren de uma palavra nova lhe proporciona o mais in
deu que tudo tem um nome, e que o alfabeto ma tenso prazer. E notamos que seu rosto se torna
nual é a chave de tudo o que ela deseja saber. cada dia mais expressivo.”**
“(. .) Hoje cedo, enquanto se lavava, ela quis O passo decisivo que leva do uso de sinais c
saber o nome correspondente a água’. Quando pantomimas ao uso de palavras, isto é. de sím
quer saber o nome de alguma coisa, aponta para bolos, não poderia ser descrito de maneira mais
essa coisa e dá umas palmadinhas na minha notável.
mão. Soletrei ;á-g-u-ar e não pensei mais no as (Ernst Cassirer, Antropologia filosófica,
sunto até depois do café (...) [Mais tarde] fomos p. 62-64.)
2. Paris, 1968
A qualidade da vida cotidiana
19
Atividades
Questões
1. Explique em que sentido os conceitos de cultura, trabalho e educaçao são inseparáveis, isto é, um não
pode ser compreendido sem o outro.
2- Faça um comentário crítico da epígrafe do capítulo, aplicando os conceitos aprendidos.
3. Caracterize e distinga esses dois tipos de atos: uma aranha tecendo a teia e um chimpanzé subindo
em um caixote para alcançar uma banana.
4. Comente: "Uma aranha executa operações que se assemelham às manipulações do tecelão, e a cons
trução das colmeias pelas abelhas poderia envergonhar, por sua perfeição, mais de um mestre-de-
20
obras. Mas há algo em que o pior mestre-de-obras é superior à melhor abelha, e é o fato de que, antes
de executar a construção, ele a projeta em seu cérebro'’ (Karl Marx).
5. Explique por que o etnocentrismo leva ao preconceito e este, à violência.
6. Indivíduo e sociedade: em que medida são pólos inseparáveis, mas ao mesmo tempo distintos?
Análise de texto
7. Qual foi a descoberta levada a efeito por Helen Keller e relatada por sua professora Anne Sullivan?
8. Qual é a comparação feita por Cassirer entre essa descoberta e o nascimento da cultura humana?
9. Que papel importante nesse processo é representado pela professora?
Com base no texto Paris, 1968 (leitura complementar 2), responda às questões de 10 a 12.
10. Herança e ruptura são dois aspectos inseparáveis da expressão da cultura. Como esses pólos estão
explicitados no texto em questão?
11. Segundo o autor, quais os principais fatores desencadeantes dos movimentos de protesto?
12. As críticas feitas à sociedade contemporânea ainda são pertinentes? Justifique sua resposta.
Redação
Tema: Analise as características da sociedade que você considera importante manter e outras que
gostaria de mudar. Use argumentos para justificar seus pontos de vista.
21
2 As relações de trabalho
Como um professor que mal prepara as aulas, que não lê um livro por ano,
que vive insatisfeito com seu trabalho e seu salário pode fazer desabrochar na
criança o amor pela leitura, a paixão do saber, a épca do trabalho c o interesse
pela política?
{Barbara Frcitag)
22
Quando em uma sociedade aparecem seg Como o trabalhador não realiza cie mesmo a
mentos dominantes que exploram o trabalho hu reflexão sobre o seu fazer, acolhe sem críticas as
mano — como nos regimes de escravidão, de formas de pensar vigentes na sociedade, elabo
servidão — ou ainda quando, para sobreviver, o radas por sua vez pelos grupos que dotem o con
indivíduo precisa vender sua força de trabalho trole das instituições e cujas atividades são pre-
em troca de uni salário, estamos diante de situa dominantemente diretivas. Essas idéias dizem
ções em que o homem perde a posse daquilo que respeito aos conhecimentos, valores, normas de
ele produz- O produto do trabalho é separado, ação, e são disseminadas pelos meios mais di
alienado de quem o produziu. versos — inclusive a escola — e aceitas pela
Com a perda da posse do produto, o próprio maioria (ver próximo capítulo).
homem não mais se pertence: não escolhe o ho A situação torna-se mais crítica com o desen
rário, o ritmo de trabalho, nem decide sobre o volvi mento do sistema capitalista, a partir do
salário; não projeta o que vai ser feito, sendo co nascimento das fábricas, nos séculos XVII e
mandado de fora, por forças estranhas a ele. Com XVIII. Os trabalhadores sofrem uma mudança
a alienação do produto, o próprio homem lam radical em relação aos hábitos adquiridos nas
bem se torna alienado, deixando de ser o centro manufaturas, nas quais a atividade era até então
ou a referência de si mesmo. predominantciiicntc doméstica.
Veremos, a seguir, como a alienação se mani Com o surgimento das fábricas — em que os
festa na sociedade industrializada c. mais recente trabalhadores se agrupam eni grandes galpões e
mente, na chamada sociedade pus-moderna. e tam se submetem a um ritmo de trabalho cada vez mais
bém como tudo isso repercute no projeto de uma intenso — acentua-se a dicotomia concepção x
educação que esteja preocupada com a formação execução do trabalho, ou seja, o processo de sepa
do homem para o trabalho e para a cidadania. ração entre aqueles que concebem, criam, inven
tam o que vai ser produzido e aqueles que são
obrigados à simples execução do trabalho.
3. A sociedade industrial
Taylorismo: “racionalização” do
Ao analisar a práxis humana, constatamos que trabalho?
ela supõe um “trabalho material”, cujo resultado é
a produção dos bens materiais. Para tanto, o ho Com o desenvolvimento do sistema fabril, dá-
mem antecipa a ação por meio do pensamento, se a agravante introdução do sistema parcelado
criando ideias, teorias, que seriam na verdade o de produção, tornando a execução do trabalho
resultado de um “trabalho não-material5 ou seja. mais mecânica e mais fragmentada. Essa divisão
o trabalho intelectual.
Desde o início da civilização,
no entanto, sempre que na socie
dade são criadas relações hierár
quicas, dá-se a separação entre
trabalho intelectual e trabalho
manual. Com isso, aqueles que se
ocupam com o trabalho intelectu
al tendem a desprezar as ativida
des manuais, enquanto os traba
lhadores braçais, ao assumir essa
“inferioridade5' imposta, deixam
de ler clareza teórica suficiente a
respeito de sua prática, manten-
do-se presos a uma atividade tão
Nesta foto de 1926, as operárias de uma indústria de biscoitos são sub
intensa c tão dividida que a refle metidas ao sistema taylorista de trabalho parcelado, que tinha por objeti
xão se toma quase impossível. vo economizar tempo e aumentar a produtividade.
23
é intensificada no início do século XX. quando o operário dócil e submisso: as ordens de serviço
Henry Ford introduziu o sistema de linha de vindas do setor de planejamento são im-
montagem na indústria automobilística. pessoalizadas, não aparecendo mais com a face
Essas inovações geral mente são vistas como si’ de um chefe que oprime, pois se acham diluídas
liais do progresso do homem e das exigências na organização burocrática. Com isso, a relação
incontomáveis da tecnologia. No entanto, é preciso entre dirigentes e dirigidos não c direta, sendo
considerar o caráter desumano do processo. na me intermediada por ordens internas vindas de di
dida em que, ao manipular a maneira de trabalhar, versos setores.
atinge o homem como ser capaz de liberdade. A eficiência torna-se um dos principais crité
A expressão teórica do processo de trabalho rios dos negócios, fazendo com que a competição
parcelado c levada a efeito por Frederick Taylor por níveis cada vez maiores de produção seja esti
(. 1856-1915) que estabelece os parâmetros do mulada por intermédio de distribuição de prêmios,
método científico de racionalização da produção, gratificações e promoções. Isso gera a “caça” aos
conhecido, daí em diante, como taylorismo. postos mais elevados, o que, por um lado, dificul
Esse sistema, que visa aumentar a produtivi ta a solidariedade entre os empregados e. por ou
dade e economizar tempo, suprimindo gestos tro, identifica-os com os interesses da empresa.
desnecessários e comportamentos supérfluos no A ordem burocrática limita a espontaneidade,
interior do processo produtivo, foi implantado a iniciativa e, portanto, a liberdade dos indiví
com sucesso e logo extrapolou os domínios da duos, submetendo-os a uma homogeneização em
fábrica, atingindo outros tipos de empresa, os es nome do controle e da eficiência, E como se as
portes, a medicina, a escola e até a atividade da pessoas fossem destituídas de individualidade,
dona-de-casa. imaginação, desejos e sentimentos. Como agra
O taylorismo pretende ser uma forma dc racio vante, na sociedade totalmcntc administrada os
nalização do trabalho porque permite melhor pre- critérios de produtividade e desempenho tornam-
v isào e controle dc todas as fases de produção. se predominantes c invadem territórios, tais
Para tanto, o setor de planejamento sc dcscnvol- como a vida familiar e afetiva, que passam a set
x e. tendo em vista a necessidade de se estabelecer impregnados pelos valores antes restritos ao
os diversos passos da execução do trabalho. mundo do trabalho.
A necessidade dc planejamento faz surgir Essas rellexões nos colocam diante dos efei
uma intensa burocratizarão. Os burocratas são tos perversos da técnica, que, apresentada dc iní
especialistas na administração de coisas e de ho cio como libertadora, tem gerado uma ordem
mens. atividade que parece ser exercida com ob tecnocrática opressiva, na qual o homem não é
jetividade e racionalidade. No entanto, essa ima um fim, mas sempre um meio para se atingir
gem de neutralidade e eficácia da organização, qualquer outra coisa que se ache fora dele.
como se ela tivesse por base um saber desinte Vale lembrar também que o taylorismo ser
ressado e simplesmente competente, é ilusória. viu de orientação para a tendência tecnieista que
Na verdade, a burocracia resulta numa técnica na década de 60. sobretudo no período da dita
social de dominação. dura, foi predominante na educação brasileira
Vejamos por quê. Não é fácil submeter o ope (ver Capítulo 18).
rário a um trabalho rotineiro, irreflexivo,
repetitivo, reduzido a gestos estereotipados. É de
se esperar que, se o sentido de uma ação não é 4. A sociedade pós-moderna: a
compreendido e se o produto de um trabalho não revolução da informática
reverte para quem o executou, seja bem difícil
conseguir o empenho de uma pessoa em qual Com o advento da cibernética, ou seja, a partir
quer tarefa. da revolução da informática e da generalização do
Para contornar a dificuldade, o taylorismo uso de computadores, a sociedade contemporânea
substitui a coação visível, típica da violência di sofreu uma mudança que alterou significativa
reta do antigo leitor de escravos, por exemplo, mente as relações de trabalho. Passou a haver a
por formas ruais sutis de dominação, que tornam predominância do setor dc serviços (terciário),
24
envolvendo atividades tanto das áreas de comuni pano de fundo controlador o grande capital das
cação e informação como de comércio, finanças, multinacionais, concentrando renda e impedin
saúde, educação, lazer etc. do que a distribuição da riqueza seja feita de for
O cotidiano do homem se transforma, passan ma homogênea.
do a ser marcado pela automação cm todas as A esse mundo da opulência, da tecnologia
esferas, de tal modo que, na era da reprodução avançada, contrapõe-sc grande parte do globo,
técnica, a máquina conslitue o intermediário relegada à miséria c à fome. Mesmo nas cama
constante entre o homem e o mundo. das que conquistam privilégios a nova organiza
No campo das comunicações, a realidade se ção acentua as características de individualismo,
transformou em simulacro. ou seja, cada vez que levam à atomização e dispersão das pessoas,
mais os meios tecnológicos de comunicação si desenvolvendo uma cultura hedonista (de busca
mulam a realidade. O mundo tornado “espetácu do prazer imediato) e narcísica (egocêntrica, com
lo” se manifesta na reconstituição de um rosto perda do sentido coletivo da ação humana).
segundo as informações obtidas a partir de um Ao mesmo tempo (c contraditoriamente), o
crânio, na “construção” antecipada de um novo processo de massificação pelos meios de comu
modelo de cano ou ainda na onipresença da TV nicação impede que seja feita uma abordagem
nos lares, permitindo assistir à Guerra do Golfo menos superficial das questões humanas mais
sem sair da poltrona. vitais, justamente aquelas que permitiriam a dis
O simulacro intensifica e embeleza o real, cussão das fornias de alienação.
que se torna “hiper-real” e, portanto, mais atra Como se vê, o avanço da tecnologia não ex
ente. Basta ver como nas propagandas a cerveja clui a possibilidade de modos dc vida alienados.
ou o hambúrguer parecem mais saborosos ain O que nos interessa, no entanto, é menos incutir
da. Ou como os scud.s norte-americanos caindo uma visão pessimista da realidade do que refor
em Bagdá mais parecem inofensivos clarões çar o papel denunciador de toda educação, como
iluminando a noite... primeiro momento para a mudança.
As consequências dessa superexposição de
imagens é que tudo se transforma em show, em
entretenimento, na sua apresentação sedutora. O 5. Professores como mão-de-obra
resultado, porém, é muitas vezes a ilusão de co alienada?
nhecimento, a atenção flutuante, o conhecer por
fragmentos, sem que haja um momento para a Os riscos de alienação que ameaçam os pro
integração das partes e a reflexão sobre as infor fissionais em geral no mundo contemporâneo
mações recebidas. Trata-se, enfim, de um desa- atingem lambem os professores, profissionais
fio para o professor, cujo trabalho teórico con que desenvolvem uni tipo dc trabalho intelectu
traria o fluxo frenético e feito em partículas do al, uu trabalho não-material, muito peculiar.
video-cHp... Enquanto, por exemplo, para os intelectuais que
No inundo do trabalho, com a ampliação do produzem obras de arte e livros, a obra de pensa
setor de serviços, é desfocada a tradicional opo mento se encontra separada de quem a produziu,
sição entre o proprietário da fábrica e o proletá no caso do professor não existe essa separação,
rio, segundo a clássica representação marxista. já que seu trabalho se desenvolve durante o ato
Cada vez mais as empresas são controladas por mesmo dc se produzir.
administradores, os tecnoburocratas. Tudo isso A esse respeito, diz o professor Saviani: “A
pode dar a ilusão de que a máquina livra o ho aula c alguma coisa que supõe, ao mesmo tem
mem do duro conflito patrão-empregado, libera po, a presença do professor c a presença do alu
o seu tempo para outras atividades, mais no. Ou seja, o ato de dar aula c inseparável da
prazerosas, criando ainda a expectativa da possi produção desse alo c de seu consumo. A aula é,
bilidade de melhor distribuição das riquezas. pois, produzida e consumida ao mesmo tempo”1.
O que ocorre, no entanto, é o aparecimento
de mecanismos de exploração menos evidentes,
já que a autonomia dos executivos tem como I. Pedagogia hisiâríco-críiica, primeiras aproximações, p. 23.
25
Jusiamente nesse contato com o aluno c que Apesar de pertencer ao mundo do trabalho, a
poderia ser inculcada a ideologia e a alienação, o escola deve dar condições para que se discuta
que foi amplamente enfatizado por muitos auto criticamcntc a realidade cm que se acha mergu
res que estudaram a escola como reprodutora do lhada. Ou seja, para exercer sua função com dig
sistema vigente (ver Capítulo 20). Nesse senti nidade. precisa manter a dialética herança-ruptu-
do, mesmo quando imbuídos de boas intenções, ra: ao transmitir o saber acumulado, deve ser ca
os professores estariam repassando a seus alunos paz de romper com as formas alienant.es, que não
valores que precisariam na verdade ser revistos e estão a favor do homem, mas contra ele.
criticados. Para tanto, cabe ao profissional do ensino de
Assim, embora saibamos que a ação do pro nunciai a alienação c a ideologia, a invasão dos
fessor pode gerar um espaço de renovação c crí parâmetros do trabalho no mundo afetivo, iden
tica, é preciso reconhecer que esses teóricos tificar o que está a serviço da democracia ou em
alertaram pata riscos com os quais devemos nos oposição a ela. Em suma, é importante a ação do
preocupar. educador na recuperação do universo de valores
Sem estender o assunto — que será retomado em um mundo marcado pela “racionalidade téc
no Capítulo 15 —. é bom lembrar que esses riscos nica", pelo mito do progresso e pelo supci di
persistem, sobretudo, na atuação desligada do mensionamento do especialista.
contexto em que se vive, quando predominam prá Por outro lado, dentre as diversas tarefas que
ticas despoli tizadas e esvaziadas de conteúdo éti lhe são atribuídas, a escola deve formar o jovem
co. Tambéin favorece a alienação a rotinização do para o trabalho. Como fazê-lo em uma sociedade
trabalho, quando se mergulha na repetição enfa marcada ainda pela divisão? Nossa escola não é
donha de fórmulas e se permite o prevalecí mento unitária. Ao contrário, c dualista, já que para a
de registros e controles burocráticos, esquecendo- elite é oferecida uma escola de boa qualidade in
sc das situações emergenciais do contexto social e telectual, enquanto para a classe trabalhadora
cultural em que se atua. resta a educação elementar, geralmcnte de má
Além disso, há o risco de se sucumbir à qualidade, com rudimentos de alguma técnica
racionalidade tecnocrática — típica do taylo- profissionalizante, sem a necessária teorização.
rismo —, em que é diminuída a autonomia do Se consideramos que o trabalho é uma práxis,
professor: a legislação é aprovada sem a partici no sentido de não separar a teoria da prática, pó
pação efetiva do profissional da educação e mui los indissolúveis, é perversa a continuidade des
tas vezes o planejamento dos cursos é feito ex se tipo de dicotomia. O desafio está cm criar uma
ternamente, com “pacotes" de materiais escola em que o trabalho ocupe um lugar de im
curriculares que transformam o professor cm portância: que não esteja ausente nos cursos de
simples executor de um projeto. “formação" nem se reduza ao adestramento pro
fissional nos chamados “profissionalizantes".
Naqueles falta a prática, nestes, a teoria.
6. Trabalho e escola __________ É preciso que todos os alunos, sem distinção,
sejam iniciados na compreensão dos fundamen
Dentre os inúmeros desafios da escola diante tos científicos das diferentes técnicas que carac
da problemática do trabalho, vamos destacar terizam o processo de trabalho produtivo con
apenas alguns. temporâneo e que saibam avaliar criticamente os
A escola é ela mesma um local de trabalho c. fins a que se destina o trabalho, bem como as
como tal, oferece serviços profissionais à coletivi consequências dele decorrentes.
dade; nesse sentido, pertence ao setor terciário c Uma das soluções possíveis para se oferecer
sofre as influências da sociedade cm que está uma escola dc boa qualidade estaria na exigên
inserida. Por exemplo, a escola transmite as idéias cia da aplicação adequada dos recursos do go
e valores que justificam as práticas sociais vigentes verno, e, além disso, no esforço conjunto de edu
e, na medida cm que não consegue assimilar exten cadores e do próprio povo. Ou seja, cabe tam
sos segmentos de possíveis estudantes, acaba ex bém à sociedade civil buscar meios e inventar
cluindo-os da apropriação da herança cultural. caminhos para conseguir uma escolarização em
26
que o conteúdo dos estudos seja, acima de tudo, ações no sentido de modificá-la segundo suas
a prática social vigente. Só assim as pessoas necessidades.
teriam uma compreensão teórica cada vez mais Nessa direção têm importante papel os inte
ampla dessa prática, o que as ajudaria a explicá- lectuais a serviço da melhor organização do povo
la melhor, a justi ficá-la ou não e a orientar suas (ver leitura complementar e o Capítulo 4).
Dropes
O Centro para um Futuro para Todos, uma Organização Não-Governamental suíça, calcula
que o mundo conta hoje com 157 biliardários, cerca de 2 milhões de milionários e 1,1 bilhão de
habitantes cuja renda é inferior a US$ 1 por dia. (Folha de S Paulo, 5 fev. 1995, p. 1 -8)
Eu uma vez os vi sepultando uma criança morta / Em uma caixa de papelão / Isso é verdade e
não esqueço / Sobre a caixa havia um carimbo: / “Companhia General Electrio/O progresso é nosso
melhor produto”. (De um poeta da Guatemala)5’
Leitura complementar
2. Apud Conrnc Kuma<-D'Souza. O ven-o do sul; em direção a novas cosmologias, in As mulheres c a constru
ção dos direitos humanos, publicação do Cladcm (Comitê Latino-Americano para a Defesa dos Direitos da
Multicr).
27
gitimam as práticas sociais que separam, de um como devem ensinar e quais os objetivos mais
lado, conceitualização, projeto e planejamento amplos por que lutam. Isto significa que devem
e, de outro, os processos de implementação e desempenhar papel importante na definição dos
execução. É importante enfatizar que os profes propósitos e das condições da escolarização.
sores devem responsabilizar-se ativamente por (Henry Giroux, Escola crítica e política
levantar questões sérias sobre o que ensinam, cultural, p. 21-22.)
Atividades
Questões
Análise de texto
5. O autor se refere à concepção tecnicista. Consulte o Capítulo 18 para identificar o período em que ela
se torna vigente no Brasil.
6. O texto se refere a uma identificação entre os trabalhadores em geral e o professor, uma vez que estão
igualmente submetidos às técnicas tayloristas. Explique isso e critique essa situação.
7. Qual é a importância dos sindicatos na luta dos profissionais da educação?
8. Estabeleça uma comparação entre os dropes 2 e 3.
No final de Educação como prática da liberdade, Paulo Freire relata o depoimento de uma mulher
residente em um conventillo (cortiço) de Santiago do Chile, após uma discussão típica proposta pelo seu
famoso método de alfabetização de adultos: “Gosto de discutir sobre isto, porque vivo assim. Enquanto
vivo, porém, não vejo. Agora, sim, observo como vivo".
12. Em que medida podemos considerar que os professores são intelectuais e, ao mesmo tempo, que sua
atividade é uma práxis?
13. Compare o teor desse texto com a epígrafe que abre o capítulo e explique por que eles se completam.
Redação
28
A gente fica pensando: o que é que a escola ensina, meu Deus? Sabe? Tem
vez que eu penso que pros pobres a escola ensina o mundo como ele não é.
(Fiila do lavrador mineiro "Ciço", segundo Carlos Rodrigues Brandão)
29
das” do processo. Embora nem sempre se tenha Sob esse mesmo aspecto, ao analisar a ideo
conseguido atingir os objetivos buscados, é im logia a respeito das concepções políticas, as pes
portante saber que os cidadãos não assistem pas- soas podem ser classificadas conforme suas ade
sivamente à corrupção e à dilapidação do sões a um ou outro partido. A ideologia é uma
patrimônio público, e um número cada vez maior espécie de “cimento” que une as pessoas de de
de pessoas começa a exigir "‘ética na política". terminado grupo, fazendo-as defender interesses
comuns c elaborar projetos dc ação. E. sc Ioda
sociedade c plural, seria saudável que fosse
2. Diversos sentidos de ideologia permeada por concepções de mundo diferentes.
Esse pluralismo tão enriquecedor não devería ser
O que percebemos com tudo isso é que a po cerceado em nome dos interesses de grupos di
lítica, embora não se confunda com as atividades vergentes.
do homem comum (na vida familiar, no traba E bom lembrar o que foi dito no início do ca
lho, no lazer etc.), na verdade permeia iodas as pítulo: a essência da democracia está na tolerân
atividades humanas o tempo lodo. E, se não esti cia, que permite a coexistência de ideologias di
vermos atentos c acreditarmos que podemos per ferentes. Quando não sc aceitam os conflitos dc
manecer apolíticos.. isto é, à margem das deci idéias, está-se a um passo da violência.
sões. certamente nos tornaremos vítimas passi Foi assim no período da ditadura, quando ór
vas da ação dos maus políticos. gãos como o DEOPS (Departamento Estadual dc
A pretensa neutralidade justifica a política vi Ordem Políticae Social) exigiam “atestados ide
gente. O homem despo litizado compreende mal ológicos”, a fim de verificar se não se estava di
o mundo em que vive e é manipulado por aque ante de adeptos da ideologia marxista, conside
les que estão no poder. Pois, se ocupam o poder rada na época “perigosa à segurança nacional”.
à revelia dos interesses da maioria e podem nele Conforme o resultado, as pessoas eram conside
se manter pela força, outras vezes o recurso usa radas “subversivas”.
do é mais sutil e a submissão é conseguida pelo Há ainda um outro sentido para ideologia, no
consentimento. qual se enfatiza o aspecto pejorati vo. isto é, a ideolo
Nas sociedades divididas, os grupos privile gia como conjunto de idéias e concepções sem fun
giados predominam sobre os demais c gcralmcn- damento. mera análise ou discussão oca de idéias
te se mantêm pelo prestígio, isto é, seus valores abstratas que não correspondem a fatos reais.
são aceitos, dando a aparência de que se vive em
uma sociedade una e harmônica, movida por in
teresses comuns e não-divergentes. 3. Uni conceito restrito de ideologia
No entanto, há uma diferença entre o consen
so obtido após discussão c exposição das diver O conceito de ideologia, utilizado neste capí
gências, típico da democracia, c o consentimen tulo foi inicial mente elaborado pelo filósofo e ci
to que resulta da ignorância dessas diferenças. entista social Karl Marx. que viveu no século XIX.
Neste último caso, estamos nos referindo a uma Atualmente este conceito está incorporado ao pen
das formas perversas dc exercício do poder, que samento político e econômico, sendo utilizado até
c a ideologia. por teóricos não-marxistas, tal a sua fecundidade
Há vários significados para a palavra ideo na compreensão das relações de poder.
logia. Em sentido amplo, c o conjunto de Para Marx, as idéias e normas de ação que
idéias, concepções ou opiniões sobre algum permeiam a sociedade são decorrentes da econo
ponto sujeito a discussão. É urna teoria, uma mia, isto é, resultam da maneira pela qual os ho
organização sistemática dos conhecimentos mens se relacionam para produzir sua existência.
destinados a orientar a prática, a ação efetiva. Com isso, ele contraria a concepção vigente de
Nesse sentido, cada um tem uma ideologia que que “as idéias movem o mundo” e que “os gran
o ajuda a decidir, por exemplo, onde estudar, des homens fazem a história”. Para Marx. o mo
que profissão escolher e a respeito do que é vimento da história se faz a partir das contradi
certo ou errado. ções existentes no seio da sociedade.
30
.
Ver. tio Capítulo 20. os conceitos de ãtjra-esfrutura e superestrutura.
Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
A função da ideologia é, pois, ocultar as dife nas quais certos tipos de trabalho brutalizam o
renças de ciasse, facilitando a continuidade da homem, em vez dc enobrece-lo (como o operá
dominação de uma classe sobre outra. A ideolo rio na linha dc montagem);
gia assegura a coesão entre os homens e a aceita • a universalização: pela qual as idéias c va
ção sem críticas das tarefas mais penosas e pou lores do grupo dominante são estendidos a todos:
co recompensadoras, em nome da “vontade dc por exemplo, mesmo tendo interesses divergen
Deus", do "dever moral" ou simplesmente como tes, o empregado adota os valores do patrão
decorrentes da “ordem natural das coisas”. como sendo também os seus;
E interessante observar que não se trata dc urna • a lacuna", há “vazios”, “partes silenciadas”
mentira inventada pelos indivíduos da classe domi que não podem ser ditas, sob pena de desmasca
nante para subjugar a outra classe. Também eles rar a ideologia; por exemplo, quando dizemos
sofrem a influência da ideologia, o que lhes permi que o salário paga o trabalho, permanece oculto
te exercer como natural sua dominação e conside o falo dc que o valor produzido pela força de tra
rar universais os valores pertencentes à sua classe. balho é maior do que o recebido, sendo a dife
Os missionários que acompanhavam os coloniza rença apropriada pelo capitalista (é o que Marx
dores às terras conquistadas, por exemplo, certa denominava mais-valia):
mente não percebiam o caráter ideológico de sua • a inversão: ao explicar a realidade, o que é
ação ao implantar uma religião e uma morai estra apresentado como causa é na verdade conse
nhas às do povo dominado. Ao contrário, estavam quência: por exemplo, se o filho de um operário
convencidos do valor dessa tarefa. não consegue melhorar seu padrão de vida, o
insucesso é considerado resultante de sua incom
petência, quando na verdade esta é efeito de ou
5. Características da ideologia tras causas. tais como as condições precárias (de
saúde, educação etc.) a que se acha submetido:
Ouvimos com frequência a frase “O trabalho ele joga um “jogo de cartas marcadas”, e as pos
dignifica o homem”. E bom lembrar que a afir sibilidades de melhora não dependem dele.
mação não é falsa, pois, como vimos nos capítu
los anteriores, o trabalho é de fato o que faz o Dessa forma, a ideologia “naturaliza” a reali
homem se tornar homem e o distingue do ani dade. escondendo o fato de que a existência hu
mal. mas soa ideológica quando considerada fora mana só é produzida pelo próprio homem e só
do contexto histórico concreto cm que os homens pode ser alterada por ele: não é “natural" que haja
trabalham, mascarando situações de exploração. ricos c pobres, nem que exista a separação entre
O trabalho alienado não dignifica, mas degrada trabalho intelectual e braçal, nem que alguns este
o homem, porque, além dc retirar dele o fruto de jam destinados ao mando c outros, à obediência.
sua produção, reduz suas possibilidades de cresci A divisão e a hierarquia instauradas na socie
mento. Quando a característica pervertida do traba dade justificam a priorízação das idéias sobre a
lho não é reconhecida, esse ocultamento beneficia prática (ao contrário da concepção dc práxis, que
não o trabalhador, já prejudicado, mas aqueles que estabelece uma relação dialética entre elas). Daí
se ocupam com as atividades menos penosas. decorre a aceitação dc que a classe que “sabe
Portanto, a frase acima, a princípio verdadei pensar” controla as decisões c manda, enquanto
ra, pode se tornar ideológica quando ocultar a si a outra “não sabe pensar” e. portanto, executa e
tuação concreta de exploração e descrever uma obedece.
realidade abstrata, universal, lacunar e invertida.
Explicando melhor, a ideologia tem por ca
racterísticas: 6. Ideologia e educação
• a abstração: na medida em que não se refe E muito comum se pensar que a educação é
re ao concreto, mas ao aparecer social. Um apolítica, a escola é um espaço neutro, uma ilha
exemplo: a “idéia de trabalho” aparece desvirtu isolada das divergências da sociedade c um ca
ada da análise histórica concreta das condições nal objetivo dc transmissão da cultura universal.
32
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planos, assisiematicidade da ação, inexistência missor de informações. Estudos realizados sobre
de projetos clara mente expostos, ou seja, é os livros didáticos dc 1° grau3 constatam muitas
algo que aí está, que o homem deixou de fazer vezes sua utilização ideológica, sobretudo quan
ou fez sem o saber, do mostram à criança uma realidade estereotipa
Se não existe uma teoria explícita subjacente, da, idealizada e deformadora.
a ação perde a intencionalidade, a unidade c a Os textos ideológicos transmitem uma visão
coerência, mas não deixa de ser orientada pelos de trabalho que iguala todos os tipos dc profis
valores vigentes, expressos pelos interesses dos são, ocultando o fato de que muitas pessoas são
grupos dominantes. E eis aí de novo a ação silen submetidas a atividades árduas, alienantes. Mos
ciosa da ideologia. Pois o Direito, como toda ela tram uma sociedade una e harmônica, na qual
- Se
boração da consciência humana, reflete as con cada um cumpre o seu papel como um destino a
utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado
dições estruturais da sociedade em um determi que não se pode fugir e ao qual se deve confor
nado momento histórico, c as leis, sendo feitas mar. A impressão que se lem é de que a riqueza e
pela elite, vêm em defesa dos seus valores. a pobreza fazem parte da natureza das coisas, não
Por isso, ao examinar o texto de uma lei, é sendo resultado da ação dos homens. Resta aos
preciso ler nas entrelinhas, analisar o contexto pobres a paciência e, aos ricos, a generosidade.
em que se insere, a fim de descobrir as relações A família, apresentada sem conflitos, aparece
de interesse que se acham por trás, no processo com papéis bem definidos; o pai tem a função de
da sua gestação. provedor; a mãe é a “rainha do lar”: se a criança
Voltemos ao exemplo da Lei de Diretrizes e não for atenciosa e obediente, isso é mostrado como
Bases. A partir do primeiro projeto de lei, data um desvio que precisa ser corrigido: a empregada,
do de 1948, esta lei seguiu um longo caminho. gcralmente negra, é feliz por ser “quase” alguém
Embora fosse inicial mente um texto progressis da família. “Mundo sem preconceito, cm que as ra
ta. foi sancionado apenas em 1961, tornando-se ças se irmanam..,'* Além disso, as situações vividas,
ultrapassado para a época em que entrou em vi bem corno o ambiente em que se desenrolam,
gor, já que era outra a sociedade brasileira de refletem invariavelmente a realidade dc um
então. Além disso, a lei refletiu os conflitos en segmento mais prospero da sociedade, muito di
tre tendências opostas, sobretudo entre liberais ferente do modo de viver da maioria da população
defensores da escola pública e a ala conserva escolar, pertencente às classes desfavorecidas.
dora dos católicos, que reivindicava a subven A pátria merece páginas dc ingênua exaltação,
ção do Estado para a rede particular do ensino. sendo retratada como um país ilusório, grande e
Este mesmo conflito reaparece na discussão da rico, ou pelo menos “o país do futuro”. Fica por
Constituição de 1988, que manteve a destinação conta do leitor investigar o que é dito, nos livros
dos recursos a certos tipos de instituição (ver didáticos, sobre a escola, sobre o trabalho no cam
dropes do Capítulo 8). po, sobre o índio, sobre a moral etc.
Se é preciso examinar os interesses subjacentes Também a abordagem das disciplinas do cur
à elaboração c aprovação dc uma lei, lambem c rículo adquire, muitas vezes, um caráter ideológi
importante avaliar sua eficácia, pois vários fatores co. O ensino de história, por exemplo, torna-se
interferem na sua aplicação. Ao ampliar a ideológico quando se restringe à sequência crono
obrigatoriedade do ensino primário de quatro para lógica dos fatos, sem a análise da ação das forças
oito anos, a LDB não considerou as condições de contraditórias que agem na sociedade. A aparente
infra-estrutura existentes, o que não permitiu que neutralidade e a ausência de interpretação ocul
este dispositivo da lei saísse do papel. tam e impedem a expressão do discurso dos ven
cidos ou dos dominados. Além disso, c típico des
Prática educativa e ideologia se processo apresentar a história como resultado
da ação dos “grandes homens”. Dessa forma, a
Dentre os recursos utilizados na prática
educativa, vamos destacar o livro didático, que,
assim como os outros recursos, não pode ser con 3. Ver Bibliografia final: U. Hco, M. Lo urdes L). N oscila, A.
siderado um veículo neutro, objetivo, mero trans L. Faria.
34
texto es
Este
abolição da escravatura é vista sob a ótica dos sa situação. É preciso superar essa posição
brancos e os bandeirantes são “heróis” que expan imobilista. Para isso, vamos explicitar o que se
dem as fronteiras brasileiras à custa das popula ria um discurso não-ideológico.
ções indígenas (aliás, no ‘‘faroeste'’ americano o Retomemos os conceitos analisados no início
mocinho não vence sempre os “ferozes" índios?). do capítulo: o discurso ideológico c abstrato c
A ênfase dada à geografia física, cm detri lacunar, faz uma análise invertida da realidade e
mento da geografia humana, reflete a preocupa separa o pensar e o agir, a fim dc manter privilé
ção positivista, que despreza o fato de ser o ho gios e a dominação de uma classe sobre outra. O
mem o construtor do seu habitat. Com isso se discurso não-ideológico deve contrapor, então,
oculta que a ação exercida sobre a natureza sig uma crítica que revele, denuncie a contradição
nifica também urna ação sobre os homens, o que interna, que se acha oculta. E esse o papel da te
recoloca a questão do poder e do controle políti oria, que não sc confunde com a ideologia, pois
co do espaço geográfico. está encarregada de desvendar os processos reais
Tomamos apenas os exemplos da história c da c históricos que dão origem à dominação, en
geografia, mas uma análise deste tipo pode ser fei quanto a ideologia visa justarnunte ocultá-la.
ta com relação a qualquer disciplina do currículo. A teoria estabelece uma relação dialética com
Embora não tenham necessariamente objetivo a prática, uma relação de reciprocidade e simul
didático, os livros de literatura infantil, são utili taneidade, não uma relação hierárquica, como no
zados com frequência em sala dc aula, como auxi discurso ideológico, que considera a teoria supe
liares no processo de aprendizagem. É muito co rior e anterior à prática.
mum encontrarmos viés ideológico nessa produ Aplicando o conceito de dialética à educa
ção, preocupada com o enquadramento da criança ção, podemos ver que uma teoria educacional
nos padrões convencionais de comportamento, do não determina autoritariamente e a p riu ri o
que decorre o caráter moralizanre do seu conteú que deve ser feito, mas parte da análise dos fa
do. Além disso, existe o reforço dos preconceitos tos e deve para eles retornar, a fim dc agir so
com relação ao negro, ao índio, à mulher e à cri bre eles, mantendo viva a relação entre o pen
ança, mostrados como seres passivos e necessita sar e o agir. Por isso, toda teoria educacional
dos de orientação e controle externos. autentica vem sempre acompanhada dc forma
A organização escolar pode exercer urn pa reflexiva c crítica peia filosofia, cuja função c
pel ideológico na medida em que a rígida hierar “explicitar os seus fundamentos, esclarecer a
quia exige o exercício do autoritarismo c da dis função c a contribuição das diversas discipli
ciplina estéril. que educam para a passividade e nas pedagógicas c avaliar o significado das
a obediência. A excessiva burocratização desen soluções escolhidas'’4. O papel da filosofia
volve o “ritual de domesticação’', que vai desde como crítica da ideologia é importante, pois
o controle da presença em sala de aula, as pro rompe as estruturas petrificadas que justificam
vas. até a obtenção do diploma. Se lembrarmos o as formas de dominação.
que foi dito no item anterior sobre estrutura e sis Nessa perspectiva, a escola não é compreendi
tema, é fácil compreender que qualquer organi da como isolada da realidade nem como pura re
zação só tem sentido enquanto mantiver viva a produção da realidade social. E, se a escola não é a
reflexão sobre os objetivos que orientam sua alavanca transformadora da realidade, como pen
ação. Caso contrário, degenera em exigência pu savam os escolanovisras, tampouco é total mente
ramente formal. E o formalismo da prática gera manipulada pelo poder, como pensavam os crítico-
a burocracia estéril e autoritária. reprodutivistas. E preciso descobrir, a partir de
suas I imitações, as reais possibilidades de trans
formação qualitativa da escola, a fim de que ela
7. A contra-ideologia possa desenvolver um discurso contra-ideológico.
35
8. Educar para a cidadania rão exercer uma vigilância c lazer pressão para
que a escola se transforme em um espaço de mu
Como proceder a essa mudança, tendo em dança. Mesmo que nessa situação existam con
vista inúmeras dificuldades e entraves? tradições. pois na sociedade civil também se or
A tarefa é árdua, mas não impossível. Sem ganizam grupos retrógrados e conservadores,
dúvida exige tempo, paciência e um esforço con que tentam manter a ordem vigente — e, portan
tínuo levado a efeito cm inúmeros setores dife to, a ideologia —, c estimulante o exercício do
rentes: que se abram “ágoras" de discussão, es poder disseminado entre os cidadãos.
paços de expressão que funcionem como Nessa linha dc atuação têm se destacado no
niicrorrevoluções. mundo inteiro as chamadas organizações não-
A salutar exigência de ética na política deve, governamentais (ONGs), responsáveis por sig
por coerência, se estender às relações de traba nificativas mudanças em diversos setores, tais
lho. à vida familiar e ao lazer, não apenas en como o recuo na construção de usinas atômi
quanto discussão, mas também na busca de for cas, a revisão do processo de construção de
mas dc atuação. Afinal, dissemos que democra grandes usinas hidrelétricas, que provocam gra
cia é policracia: pois que aumentem os focos nos ves prejuízos ecológicos, bem como na luta pe
quais possamos exercer nossa cidadania. los direitos humanos, contra o arbítrio do po
Sem dúvida, precisamos exigir do Estado o der, e assim por diante. No Brasil, surgiram du
cumprimento de suas obrigações, bem como vi rante o movimento contra a ditadura militar e
giar sua execução, Mas isso não é suficiente. É têm provocado a conscientização e a mobi
revelador de uma tendência paternalista perma lização dos cidadãos.
necer na dependência exclusiva da boa vontade e Na educação há muito que fazer. Tentos de
da ação dos governos. Até porque a alternância Lutar por êxitos parciais que, no conjunto, se tor
frequente daqueles que são eleitos para ocupar nem significativos: adequada aplicação das ver
os cargos públicos gera constantes mudanças de bas públicas, melhor formação dc professores
orientação ideológica, tornando caótica a admi competentes c politizados, remuneração condig
nistração pública. na do corpo docente, escolas bem equipadas,
As organizações de pais, de mestres, de alu classes pouco numerosas, des mistificação na
nos. os sindicatos, ou seja, os agrupamentos pro abordagem das disciplinas, leitura crítica dos tex
gressistas saídos da sociedade civil c que pode tos c do próprio mundo.
Dropes
Ao fazer do texto um objeto de investigação intelectual, tal análise coloca o leitor não como um
consumidor passivo, mas como um produtor ativo de significados. Em vista disto, o texto não é mais
investido de uma essência de autoridade, esperando para ser traduzido ou descoberto. Ao contrário,
sua essência não está mais provida de um status sacerdotal, como uma sabedoria doada. Ao invés
disso, o texto torna-se um conjunto de discursos, constituído por um jogo de significados contraditó
rios. (Henry Giroux)
Texto quer dizer tecido; mas, enquanto até aqui esse tecido foi sempre tomado por um produto,
por um véu acabado, por detrás do qual se conserva, mais ou menos escondido, o sentido (a verda
de), nós acentuamos agora, no tecido, a idéia generativa de que o texto se faz, se trabalha através
de um entrelaçamento perpétuo. (Roland Barthes)
36
Lúcia trabalha comigo há vinte anos. Faz ficar aqui, na fundição, até o último dia dos meus
parte da família (...). Lúcia sabe que vovó Lica dias. E vovô levantou os olhos para o céu, em
e Beto gostam dela. Por isso, Lúcia é uma pre direção às estrelas.
ta feliz.
♦* *
2. [O conceito de desabrochar]
37
Questões
1. Explique por que o poder não é algo que se tem, mas uma relação.
2. O que é ideologia e qual a sua função?
3. Em que sentido a teoria se distingue da ideologia? Como cada uma delas se relaciona com a prática9
4. O que é necessário para que uma teoria pedagógica não seja ideológica?
5. Explique por que o conteúdo das frases a seguir é ideológico. Faça referência a características da
ideologia, a fim de fundamentar sua resposta.
• A educação é um direito de todos.
• Isto é legal, portanto justo e legítimo.
6. Como é possível superar o destino da escola de ser simples reprodutora do sistema?
Pesquisa
7. Faça um levantamento de alguns livros didáticos (ou de literatura infantil) e identifique as eventuais caracte
rísticas ideológicas. Se os livros selecionados não forem desse tipo, explique por que não são ideológicos.
Análise de texto
A vida social é feita de conflitos tanto quanto de cooperação, e unicamente as sociedades mortas ou
as sociedades que camuflam as divergências por trás de uma harmonia e uma unidade abstratas entre
pessoas abandonam o conflituoso Pedagogicamente, isso significa que a educação deve ser preparação,
ao mesmo tempo, para a cooperação e para a luta, e que é preciso devolver seus direitos à agressividade.
(...) Evidentemente, o conflito deve ser social e pedagogicamente codificado e não desembocar na violên
cia e na lei da selva. (Bernard Charlot)
8. Explique em que sentido o conflito é uma das dimensões constitutiva das relações humanas.
9. Qual é a tarefa pedagógica diante da realidade do conflito?
10. Em que circunstâncias o conflito assume características negativas e perigosas?
Leia o texto a seguir, a respeito da Lei de Diretrizes e Bases, e responda às questões 11 e 12.
Quais os objetivos da educação brasileira9 A lei não os define, é verdade que o Título I trata ‘lDos fins
da educação’1. Mas os sete pontos aí enunciados são de tal modo gerais e vagos que podem ser adotados
por qualquer país do mundo. Isto não quer dizer que os objetivos da educação no Brasil não possam ser
definidos de modo geral; eles devem, no entanto, ser formulados não em abstrato, mas para a Educação
Brasileira, dc voz que se trata de uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Sem objetivos
claros, também os meios adequados não puderam ser previstos. (Dermeval Saviani)
11. Ter como base uma teoria da educação é importante para a definição de uma legislação eficaz?
12. Em que sentido a inexistência da teoria pode transformar a lei em um instrumento ideológico9
13. Em que se assemelham os dropes 1 e 2?
14. Com base nos lextos didáticos de 1- grau selecionados para a leitura complementar, analise a ideolo
gia subjacente a eles.
15. A partir do texto de Bernard Charlot, explique quando o concerto de desabrochar adquire um sentido ideológico.
Redação
Toma: O milagre que esperaríamos no íntimo do nosso coração, a escola como universo preservado,
ilhéu de pureza, à porta da qual se deteriam as disparidades e as lutas sociais, esse milagre não existe: a
escola faz parte do mundo. (Georges Snyders)
38
A cultura operária carece da escola não para se renegar, mas para sc realizar.
(Gcorgcs Snyders)'
39
cicdadc homogênea, qualquer produção cultural ria não está interessada em física quântica, alta
está sujeita a avaliações que dependem da posi filosofia ou música clássica nem sc encontra
ção social do grupo no qual ela surge. apta a compreender essa produção sem longo
Por isso, quando contrapomos, por exemplo, preparo para tal.
“cultura de elite” e “cultura popular”, já estamos O que sc pode criticar c um tipo dc exclusão
emitindo juízos dc valor; a cultura de elite seria externa, que seleciona dc antemão os privilegia
superior porque refinada, elaborada, ao passo dos que terão acesso a essa produção cultural,
que a cultura popular seria inferior por se tratar quando na verdade a possibilidade dc escolha
de expressão ingênua e não-intelectualizada. deveria estar garantida a qualquer um. indepen
Outra confusão está em se identificar cultu dente mente de suas posses.
ra de elite (que na verdade é a cultura erudita)
com produção da classe dominante. De manei A cultura popular
ra geral, isso se deve ao pressuposto de que a
verdadeira cultura é a produzida pela elite. O conceito dc cultura popular é complexo,
Quando se fala de conhecimento, des preza-se o devido às razões já expostas. De maneira geral,
saber popular para se valorizar apenas a ciên consiste na cultura anônima produzida pelo ho
cia: ao se tratar da técnica, exalta-se a mais re mem do campo, das cidades do interior ou pela
finada tecnologia; ao se referir à arte contem população suburbana das grandes cidades.
porânea. pensa-se nas pinturas de Pi casso; e. No sentido mais comum, a cultura popular é
quando se volta a atenção para a arte popular, c identificada ao/w/c/wr, que constitui o conjunto
para considerá-la de forma depreciativa, como de lendas, contos, provérbios, práticas c concep
arte menor ou produção exótica e objeto de cu ções transmitidos oral mente pela tradição. C) ris
riosidade. co desse enfoque está em tomar o folclore como
Apesar das dificuldades, propomos didatica realidade pronta e acabada, quando na verdade
mente a seguinte divisão; cultura erudita, cultu toda cultura é dinâmica, estando cm constante
ra popular, cultura de massa e cultura popular transformação. Aliás, a vitalidade da cultura po
individualizada. pular permite absorver e reclaborar as inúmeras
influencias de outros costumes, como, por exem
A cultura erudita plo, as que resultam do contato do mundo rural
com o urbano, ou do impacto da tecnologia e da
A cultura erudita é a produção elaborada, cultura de massa.
acadêmica, centrada no sistema educacional, so Esse modo estático de ver o folclore é tam
bretudo na universidade, lambem conhecida bém perigoso por gerar comportamentos inade
como cultura de elite, por ser produzida por uma quados à apreciação dessa cultura. Alguns a ig
minoria dc intelectuais das mais diversas especi noram ou desprezam como vulgar, não-original,
alidades (escritores, artistas cm geral, cientistas, monótona, repetitiva — inferior, em relação à
tecnólogos). cultura dc elite —, e outros podem aproeiá-ht
Com a cultura erudita, são produzidas as como manifestação do pitoresco e do exótico, o
obras-primas que revolucionam os diversos que resulta na sua apropriação para o “espetácu
campos do saber e da ação, como as descobertas lo”: veja-sc o folclore para turismo, em que as
científicas, os novos modos dc pensar, as técni práticas são adaptadas, “maquiadas”, estan
cas revolucionárias, as grandes obras literárias dardizadas c, assim, tornadas adequadas para
ou artísticas em geral, enfim, produtos humanos consumo.
que provocam “cortes” na maneira de pensar e A tentativa dc preservar e estimular a produ
agir e que, por isso, se tornam clássicos. ção da cultura popular não é tarefa fácil. Até os
Esse tipo de produção cultural é erudito por bem-intencionados, que reconhecem os riscos da
exigir maior rigor na sua elaboração, sendo, por manipulação cultural em uma sociedade dividi
isso mesmo, uma produção elitizada, acessível da c sujeita à ideologia, podem resvalar cm um
a um publico restrito (tanto na sua produção autoritarismo inconsciente. Recaem no po-
como na fruição). Afinal, supõe-se que a maio pulismo ao tentar tutelar a produção dita popu-
40
3. Maus media: do ingJcs metsx. “massa". e do latim media, "meios". Costuma-sc pronunciar “mídia", que c a forma america
nizada de ler o latim.
41
42
duções culturais como, por exemplo, a música de 3. Educar para qual cultura?
Caetano Veloso, a de Adoniram Barbosa, as peças
de teatro de Guarnieri ou o teatro dc revista. As diversas manifestações culturais são ex
Trata-se da cultura popular individualizada, que pressões diferentes dc urna sociedade pluralista,
se caracteriza por ser produzida por escritores, com e nao tem sentido tecer considerações a respei
positores. artistas plásticos, dramaturgos, cineastas, to da superioridade de uma sobre outra, o que
enfim, intelectuais que não vivem dentro da univer leva à depreciação, quando a avaliação é feita
sidade (c portanto nao produzem cultura erudita), segundo parâmetros válidos para outro tipo de
nem são típicos representantes da cultura popular cultura.
(que se caracteriza pelo anonimato) nem da cultura Portanto, cuidar da educação popular não c
de massa (que resulta do trabalho de equipe). vulgarizar, “popularizar” a cultura erudita, tor
O criador individual sofre a influência de to nando-a superficial e aguada, nem tampouco
das essas expressões culturais e. “nessa luta, a significa dirigir de forma palernalisla a produ
obra é tanto mais rica c densa c duradoura quan ção cultural popular. Com isso seria evitada a
to mais intensamente o criador participar da contrafação, isto é, o produto resultante dc imi
dialética que está vivendo a sua própria cultura, tação. típico de uma cultura envergonhada de si
também cia dilacerada entre instâncias ‘altas’, mesma.
‘inlcrnacioiializantes’ e instâncias populares’*5. Diante da ação compacta dos meios dc comu
Evidentemente, não estão libertos das influên nicação dc massa, o educador deve estar apto a
cias ideológicas, podendo ser cooptados pelo sis utilizar os benefícios deles decorrentes e cuidar
tema ou sucumbir ao apelo do consumo fácil. Daí da instrumentalização adequada para que sejam
as contrafações tais como a música dita “sertane evitados os seus efeitos massificantes.
ja”. os livros "esotéricos", e assim por diante. O grande desafio está na popularização da
Não sc quer com isso desmerecer a produção cultura, ou seja, na abertura de oportunidades
intermediária, assim chamada porque não chega iguais, para que todos tenham acesso não só ao
a constituir a vanguarda da cultura. Ao contrá consumo (ativo, nunca passivo) da cultura, mas
rio. ela tem sua importância, desde que esteja a também à sua produção. Para tanto, é necessário
serviço da expansão da sensibilidade subjetiva e o esforço conjunto da sociedade, que não sc res
não do seu embotamento c manipulação. tringe apenas ao espaço da escola (embora este
A esse respeito, o pedagogo francês Georges seja importante). Nesses espaços, as atividades
Snyders se refere às “alegrias intermediárias” pro culturais devem ser realizadas não para as pes
porcionadas pelas obras secundárias que, por nao soas. mas com elas.
serem obras-primas, nem por isso devem ser des Luís Milanesi6 caracteriza um verdadeiro cen
cartadas, desde que constituam passos iniciais para tro cultural como o resultado da conjugação de
o desenvolvimento da sensibilidade (ver dropes 4). três verbos: informar. discutir c criar.
^ fsh
ndfãl
5. Alfredo Hosi, "Cultura brasileira", in Dcrmeval Saviani e outros. Filosofia da educação brasileira, p. 174.
6. A casa da invenção, p. 141 e seguintes.
43
Pela tradição da cultura como doação, o que cussão, “as pessoas estarão inexoravelmente
mais se procura oferecer c a informação; por submersas nas respostas prontas, previamente
isso, sempre sc pensa primeiro na biblioteca dadas pelo contexto social”.
tradicional, ou até numa discoteca ou video- Os dois primeiros verbos (informar c discu
teca. Quando se trata propriamente da escola, tir) só se completam com o terceiro: criar. Toda
pensa-se no professor dando uma aula tradici ação cultural que se preza tem de oferecer ofici
onal de transmissão de conteúdo. Nada contra nas de criatividade, laboratórios de invenção, a
esse momento. Aliás, é relevante o processo fim dc romper com a simples reprodução da cul
da herança cultural, e a escola não pode se des tura, apesar de todos os riscos ideológicos do
cuidar da informação sob pretexto algum. O processo (ver leitura complementar 2).
que destacamos aqui c a necessidade de unir a A ação cultural, entendida como obra cultu
informação a outros processos que evitem a ral, torna-se um trabalho pelo qual a situação vi
erudição estéril. vida adquire um novo sentido c, portanto, c
O segundo passo c a discussão, como oportu transformada. Mudando o verbo frequentemente
nidade de reflexão c crítica, por meio de seminá usado paia identificar os ' cultos”, seria bom lem
rios, ciclos de debates, a partir de temas indica brar que o importante não é ter cultura, mas ser
dos pelo momento, “unindo o cotidiano da cida capaz decultura.
de e de seus habitantes ao universo de informa O que vale, afinal, é conceber a cultura como
ção. resultando daí os conflitos necessários e o manifestação plural, um processo dinâmico, c a
<dto qualitativoA discussão dá a necessária di educação como o momento em que herança c re
nâmica, que leva à dúvida e. consequente mente, novação se completam, a fim dc criar o espaço
remete a novas buscas dc informação. Sem a dis possível de exercício da liberdade.
Dropes
1
• CPC (Centro Popular de Cultura) — por iniciativa da UNE (União Nacional dos Estudantes);
• MCP (Movimento de Cultura Popular) — ligado inicialmente à prefeitura de Recife,
Pernambuco (participação de Paulo Freire);
■ MEB (Movimento de Educação de Base) — criado pela CNBB (Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil).
A forma de atuação dos movimentos era variável: peças de teatro representadas nos sindica
is e até nas ruas; filmes, documentários, cursos, exposições, publicações; também alfabetização
da população urbana e rural e animação cultural nas comunidades.
Esses grupos (com exceção do MEB) desapareceram após o golpe militar de 1964.
“Minha” escola quer colocar em primeiro plano as obras-primas, mas não é possível que os
alunos passem de obra-prima em obra-prima, a gente não se alimenta apenas de suculência. A
escola consome em larga escala obras que chamarei de secundárias (...)
Minha ' escola deseja que elas sejam uma preparação para o que há de mais completo, sem
se confundir com ele. Elas abrem caminho para (...) trazendo alegrias mais fáceis de serem atingi
das, constituindo transições: uma sensibilidade mais próxima da nossa, experiências progressivas e
menos intimidadoras. (...)
Não se pode tampouco instalar os alunos nas alegrias intermediárias como se não houvesse
nada além disso. (...) O maior risco das alegrias intermediárias, e o mais freqüente é querer se
realizar sem apelar para a obra-prima e até indo contra a obra-prima. (Georges Snyders)
Leituras complementares
1. Educação e folclore
O folclore possui algum valor educativo? As ológica. Verificou-se que a perpetuação não re
crianças aprendem alguma coisa através dos presenta mero fenômeno de inércia cultural. Se
folguedos que praticam, das cantigas de acalanto, as crianças continuam a “brincar de roda”, esse
das adivinhas ou dos contos populares? Essas folguedo preserva para elas toda a significação
perguntas têm sido feitas de várias maneiras. e a importância psicossocial que teve para as cri
Houve época em que se supunha ser o folclore anças do passado. Não se trata de uma “sobre
uma “relíquia" do passado íongínquo — algo tos vivência”, literal mente falando; mas de continui
co mas ingênuo, típico saber do “homem rústico”. dade sociocultural. O contexto histórico-social se
Admitia-se que ele devia ser preservado não por alterou, é verdade; contudo, preservaram-se
que fosse essencial, porém porque de sua pre condições que asseguram vitalidade e influência
servação dependeria a veneração do passado, dinâmica aos elementos folclóricos. Daí se po
dos costumes e das tradições do “povo”. der evidenciar seu valor real em dois planos dis
Em nossos dias, a resposta que se dá à mes tintos. Primeiro, no das relações humanas. A atu
ma pergunta é diferente. Primeiro, os folcloristas alização de um jogo cênico ou de um brinquedo
evidenciaram a seu modo o valor educativo do de roda exige todo um suporte estrutural, forne
folclore. Quem leia Amadeu Amaral, por exem cido peias ações e atividades das crianças. Há
plo. constata como ele percebeu com finura o tarefas prescritas a executar. Para realizá-las se
que se podería designar como as conexões gundo os modelos consagrados, as crianças pre
psicossociais do folclore. Sem dúvida. Há diver cisam organizar coletivamente o seu comporta
são atrás das atividades folclóricas: mas há tam mento. Segundo, cada um dos jogos ou dos brin
bém uma mentalidade que se mantém, que se quedos envolve composições tradicionais e ges
revigora e que orienta o comportamento ou as tos convencionais. Essas composições ou esses
atitudes do homem. A criança ou o adulto, por gestos conservam algo mais do que “fórmulas
seu intermédio, não só participam de um siste mortas”: mantêm representações da vida, do ho
ma de idéias, sentimentos e valores. Pensam e mem, dos sentimentos e dos vafores, pondo a
agem em função dele, quando as circunstâncias criança em contato com um mundo simbólico e
o exigem. um clima moral que existe e se perpetua através
Essa constatação foi confirmada, posterior do folclore.
mente, pelos estudiosos que viram o folclore de Portanto, os cientistas sociais confirmam as
uma perspectiva psicológica, etnológica ou soci conclusões dos folcloristas, dando-lhes nova
45
base empírica e teórica. O folclore possui um va objetivados culturalmente. As composições fol
lor educativo. Pelo jogo e pela recreação, a cri clóricas tratam de amor, de obrigações de pais e
ança se prepara para a vida, amadurece para tor filhos, de namoro e casamento, de atividades
nar-se um adulto em seu meio social. Nos dois profissionais, da lealdade, do significado do bem
planos mencionados, são variáveis as influências ou do mal etc. Quase que insensivelmente, a cri
socializadoras do folclore, como se poderia ança assimila esses elementos culturais, introdu-
descrevê-las positivamente. De um lado, a crian zindo-os em seu horizonte cultural e passando a
ça aprende a agir como “ser social”: a cooperar e ver as coisas muitas vezes através deles. Em
a competir com seus iguais, a se submeter e a outras palavras, pois, as influências socia
valorizar as regras sociais existentes na herança lizado ras do folclore, nesses dois planos, se dão
cultural, a importância da liderança e da identifi tanto formalmente quanto por meio do conteúdo
cação com centros de interesses suprapessoais dos processos sociais.
etc. De outro lado, introjeta em sua pessoa técni (Florestar Fernandes, O folclore em
cas, conhecimentos e valores que se acham questão, São Paulo, Hucitec, 1978, p. 61-62.)
O terceiro verbo — criar — é o que dá sentido dos sons e, se possível, registrá-lo. Romper com
aos dois outros (informar e discutir). A criação a rotina, com a reprodução permanente, é essen
permanente é o objetivo de um centro de cultura. cial para as transformações necessárias ao meio
Ele deve ser o gerador contínuo de novos dis onde se vive. Apesar das diferenças de paisa
cursos e propostas. Ao lado dos acervos e das gem, física e social, por todo o país, em essên
salas de reuniões e auditórios deverão estar os cia, circulam as mesmas idéias, conversa-se so
laboratórios de invenção, as oficinas de criati bre os mesmos assuntos superpostos à expres
vidade, espaços essenciais. Disseminar e discu são local. A criatividade pode ocorrer de forma
tir o conhecimento em seqüência permanente, espontânea, rompendo a inércia de maneira
que leva as pessoas a desvelar as aparências, irresistível. Mas isso não é, sistematicamente, o
desmontar os engodos, fazer a sua própria ca fato procurado como motor das mudanças ne
beça, para se chegar a outra etapa de um circui cessárias; é uma casualidade. A invenção é con
to perpétuo, não esgota a ação cultural. sequência de paciente trabalho: da organização
Além da renovação constante dos discursos dos estímulos, da eliminação dos obstáculos à
registrados (livros novos, jornais do dia, fil liberdade de expressão, do confronto que não
mes...), é necessário que as pessoas, articulan inibe, mas anima.
do o seu próprio discurso, possam expressá-lo (Luís Milanesi, A casa da invenção.
através da escrita, da fala, do gesto, das formas, p. 149-150.)
Atividades
Questões_________________________________________________
1. Qual é a diferença entre os conceitos de cultura, conforme foram abordados nos Capítulos 1 e 4?
2. Dê exemplos de obras dos quatro tipos de cultura (erudita, popular, de massa e popular individualiza
da) as quais você tem ou teve acesso
3. Com frequência, alunos (e seus professores) confundem trabalho de pesquisa” com cópia de verbetes
de enciclopédia. Critique esse procedimento, fazendo referência aos três verbos citados por Luís
Milanesi.
4. Quais são as polêmicas em torno da cultura de massa? Como você se posiciona a respeito delas?
Pesquisa
5. Assista a alguns programas de televisão e analise como a cultura de massa absorve extratos de outras
culturas, como a erudita e a popular, por exemplo.
46
6. Assista a dois tipos de programa infantil de televisão e discuta os elementos de caráter educativo (do
ponto de vista positivo e negativo).
7. Os dropes 2 e 3 se referem aos chamados movimentos populistas da década de 60. Procure se
posicionar a respeito da polémica criada em torno deles, consultando obras sobre o assunto. Comece
lendo o item sobre Brasil do Capítulo 8
Análise de texto
9. Quais são os dois planos que caracterizam a importância do folclore enquanto valor educativo?
10. Faça em sua classe o levantamento das brincadeiras de infância típicas das representações
folclóricas.
11. Explique por que os três verbos — informar, discutir e criar — dependem um do outro para cumprir bem
sua função e qual o risco de um deles predominar sobre o outro.
12. Por que é difícil que a criatividade das pessoas se desenvolva de maneira espontânea? Em outras
palavras, em que medida é importante um processo educativo para promovê-la plenamente9
13. O fato de adultos e crianças gastarem um tempo enorme em frente da TV poderia estar indicando que
muitos estão na contramão do que seria uma autêntica ação cultural? Discuta isso.
Redação
Tema. "Um homem nunca está só: um homem é todas as relações; sua nobreza é a nobreza dessas
relações” (Jean Guéhenno).
47
"7
de massa
5. Conceito de educação
Os meios de comunicação
> Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
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Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
tismos, habilidades etc.) e um educando (aluno, dois pólos que se completam. Como se poderia
grupos dc alunos, uma geração etc.)’\ educar alguém sem informá-lo sobre o mundo em
Diz ainda o professor Li banco que o cspccifi- que vive? É a partir da consciência dc sua própria
camente pedagógico está na imbricação entre a experiência e da experiência da humanidade que o
mensagem e o educando, propiciada pelo agen homem tem condições de se formar como um ser
te. Como instância mediadora, a ação pedagógi moral e político. Da mesma maneira, toda informa
ca torna possível a relação de reciprocidade en ção, mesmo que fornecida sein a aparente intenção
tre indivíduo c sociedade. Conclui-se, então, que de formação, ao ser assimilada pelo educando, in
a educação não pode ser compreendida fora de terfere na sua concepção de inundo. Com frequên
um contexto histórico-social concreto, sendo a cia, a informação pretensamente neutra está, na ver
prática social o ponto de partida c o ponto dc che dade. carregada de valores.
gada da ação pedagógica.
No início do processo, o educando tem uma
experiência social confusa e fragmentada, que 3. Fins da educação
deve ser levada a um estádio de organização.
Nesse sentido, o professor Dcrnieval Saviani de Pelo que vimos até agora, parece que a práxis
fine educação corno “um processo que se carac educacional, sendo intencional, será mais coe
teriza por uma atividade mediadora no seio da rente c eficaz se souber explicitar de antemão os
prática social global"12. fins a serem atingidos no processo.
A fim de não confundir conceitos, convem Retomando a história, vemos que a Grécia
estabelecer algumas nuança entre educação, en dos tempos homéricos preparava o guerreiro; na
sino c doutrinação. época clássica, Atenas formava o cidadão e
Educação e um conceito genérico, mais am Esparta era uma cidade que privilegiava a for
plo, que supõe o processo de desenvolvimento mação militar, Na Idade Media, os valores terre
integral do homem, isto é. dc sua capacidade fí nos eram submetidos aos divinos, considerados
sica, intelectual e moral, visando não só a for superiores, e assim por diante.
mação de habilidades, mas também do caráter c Seguindo esse raciocínio, sem dúvida tería
da personalidade social. O ensino consiste na mos muita dificuldade em determinar com segu
transmissão dc conhecimentos, enquanto a dou rança quais os fins da educação no mundo con
trinação é uma pseudo-educação que não respei temporâneo: que valores sc encontram subja
ta a liberdade do educando, impondo-lhe conhe centes ao processo? Sc tal elucidação é relativa
cimentos e valores. Nesse processo, todos são mente simples quando é feita a posteriori, mos-
submetidos a uma só maneira de pensar c agir, tra-se problemática quando queremos definir os
destruindo-se o pensamento divergente c man fins aqui e agora.
tendo-se a tutela e a hierarquia. Em um primeiro momento, é inadequada a pro
Ao contrário da doutrinação, a verdadeira cura dc fins tão gerais, válidos em lodo tempo c
educação tende a dissolver a assimetria entre lugar. Já vimos no Capítulo 3 que a procura de um
educador e educando, pois, se há inicialmente ideal dc homem universal, válido para todas as épo
uma desigualdade, esta deve desaparecer à me cas, favorece a abordagem ideológica do problema.
dida que sc torna eficaz a ação do agente da edu Portanto, é preciso analisar os fins para uma
cação. 0 bom educador é, portanto, aquele que determinada sociedade e, ainda assim, estar aten
vai morrendo durante o processo... (ver Capítulo to para os conflitos a ela inerentes: onde existem
6 e leitura complementar do Capítula 15). classes com interesses divergentes, os fins não
Quanto aos dois primeiros conceitos, educação podem ser abstrata mente considerados. Da mes
c ensino. não há como separar nitidamente esses ma forma, não há como analisar os fins da edu
cação cm um país desenvolvido, aplicando as
conclusões aos países em desenvolvimento.
Há ainda outro problema. A partir de consi
1. Denioerafizacão da escola pública, p. 97.
2. Educação: do senso comum à consciência li lo só fica. p.
derações feitas por Dewey, para quem o proces
120. so educativo é o seu próprio fim (o fim não é
51
prévio, nem último, mas deve ser interior à ação), sição dos valores de uma classe 3425\ seus
o professor argentino G. Cirigliano tece algumas valores particulares) a outra, como se estes fos
considerações interessantes (ver também dropes sem valores universais. Assim, para o coloniza
1): “No viver diário, vida, atividade c fim se con dor português, o “bom índio” era o índio sub
fundem. Os pais criam os seus filhos para torná- misso, disposto a trabalhar de acordo com o pa
los adultos? Ou a sua criação é parte da vida de drão europeu e a se tornar cristão, abandonando
les e dos seus próprios filhos?” Isso significa que suas crenças, consideradas atrasadas.
a educação não deve estar separada da vida nem Por isso, a educação não pode ser considera
c preparação para a vida, mas é a vida mesma. da apenas um simples veículo transmissor, mas
Não sendo os fins exteriores à ação, não quer também um instrumento de crítica dos valores
dizer que a ação se faça sem a clarificação dos fins, herdados e dos novos valores que estão sendo
e sim que esses devem ser compreendidos como propostos. A educação abre espaço para que seja
objetivos que se colocam a partir da valoração por possível a reflexão crítica da cultura.
meio da qual o homem se esforça para superar a A guisa de conclusão, convem lembrar a im
situação vivida. Por isso as necessidades humanas portância da formação do educador, para que a
devem ser analisadas concretamente, e as priorida superação das contradições seja possível com
des serão diferentes se nos propusermos a educar maior grau de intencionalidade e compreensão
em uma favela ou cm um bairro de clitc. dos fins da educação. Nos tempos que vivemos
Portanto, os fins sc baseiam cm valores pro hoje, algumas tarefas urgentes se impõem. A
visórios que sc alteram conforme alcançamos os principal delas é que tenhamos força suficiente
objetivos imediatos propostos e também enquan para tornar nossa sociedade mais justa c menos
to muda a realidade vivida. seletiva.
Tornar a educação verdadeiramente univer
sal, formativa, de modo que socialize a cultura
4. Educação e política herdada, dando a todos os instrumentos de críti
ca dessa mesma cultura, só será possível pelo
A educação não pode ser compreendida à desenvolvimento da capacidade de trabalho in
margem da história, mas apenas no contexto em telectual e manual integrados.
que os homens estabelecem entre si as relações A educação deve instrumentalizar o homem
de produção da sua própria existência. Dessa for como um ser capaz de agir sobre o mundo c. ao
ma, é impossível separar a educação da questão mesmo tempo, compreender a ação exercida. A
do poder: a educação não é um processo neutro, escola não é a transmissora de um saber acabado
mas se acha comprometida com a economia e a e definitivo, não devendo separar teoria c práti
política de seu tempo. ca. educação e vida.
Já analisamos essas questões no Capítulo 3, A escola ideal não separa cultura, trabalho c
no qual vimos que a ideologia consiste na impo educação.
Dropes
Que se procura quando se joga futebol? Ganhar a partida ou jogar futebol? Os que perderam
desperdiçaram o seu fim? (...) Quando vamos ao cinema, qual é o fim? É: por acaso, só esperar que
termine o filme? Precisamente esta idéia do fim exterior ao que se faz foi extremamente prejudicial à
educação. O fim exterior e remoto deu, sempre, muita pressa em terminar. Na aula se deseja termi
nar a hora de aula, depois terminar o trimestre, terminar o ano, terminar o curso. A única meta é
terminar e assim se desperdiça a vida. É como se vivêssemos só para morrer. O fim da vida é ola
mesma, não o seu término ou terminação alheia a ela. O fim da vida é o que fazemos com ela e nela.
(G. Cirigliano)
52
Empreendo, pois, o deixar-me levar pela força de toda vida viva: o esquecimento. Há uma
idade em que se ensina o que se sabe; mas vem em seguida outra, em que se ensina o que não se
sabe: isso se chama pesquisar.
Vem talvez agora a idade de uma outra experiência, a de desaprender, de deixar trabalhar o
remanejamento imprevisível que o esquecimento impõe à sedimentação dos saberes, das culturas,
das crenças que atravessamos. Essa experiência tem, creio eu, um nome ilustre e fora de moda, que
ousarei tomar aqui sem complexo, na própria encruzilhada de sua etimologia — Sapi&ntia; nenhum
poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria, e o máximo de sabor possível. (Roland Barthes)
Leitura complementar
Diz-se que o curso da existência do homem, mação social é pelo menos de importância
neste período crítico da nossa história, deve ser igual, muito embora seja completamente negli
modelado consoante as tarefas históricas, de genciada. Esta formação social é fundamental,
modo que a nova realidade edificada pelos ho não só porque um número crescentemente vas
mens possa ser melhor e, por conseqüência, tor to de trabalhadores será utilizado no setor dos
nar os homens mais livres e melhores; se assim serviços em detrimento do setor da produção,
ér este programa educativo torna-se indispensá mas sobretudo porque na sociedade do futuro
vel, especialmente em face da juventude. Com cada profissão será revestida de caráter social
pete à pedagogia contemporânea assegurar a e cada cidadão tornar-se-á membro responsá
realização deste programa. vel da democracia. O problema da formação so
Para tal impõe-se a resolução de dois pro cial deve ser posto no primeiro plano das nos
blemas fundamentais: o da instrução e o da sas preocupações referentes aos programas de
educação. No que respeita à instrução, deve ensino, deve ser considerado em toda a sua
mos abandonar numerosos princípios tradicio vastidão e ir do conhecimento dos grandes pro
nais que estão totalmente desadaptados às no cessos sociais do mundo moderno à capacida
vas condições da vida social e econômica, as de de compreender o meio concreto em que se
sim como à evolução que prevemos. Temos de age e se vive. O ensino politécnico não pode
introduzir muitas inovações. Todos nós nos dar plenos resultados se não for associado à
apercebemos da necessidade da instrução po formação social assim concebida; apenas esta
litécnica, mas ainda não descobrimos que a for cooperação pode formar o pensamento aliado
53
à prática, produtiva e social, quer dizer, à reali de menosprezar a vida interior do homem, para
dade plenamente humana. Enfim, no âmbito da insistir na efetivação de determinadas funções
formação do pensamento resta resolver outro sociais. A educação moral, justamente, diz res
problema: a formação dos outros tipos de pen peito à nossa vida quotidiana em situações soci
samento, alheios ao pensamento técnico e so ais concretas. A educação mora! é o problema
cial, a formação destes outros tipos de pensa do homem no pleno sentido da palavra, do ho
mento devia ser sistematicamente fomentada mem que vive e que sente. (...)
nas escolas. Referimo-nos a certas concepções Uma juventude educada desta maneira forne
modernas da filosofia e da lógica, em especial cerá cidadãos a um mundo que, embora criado
as noções de valor. há vários séculos pelos homens, não foi até ao
No domínio da educação, a tarefa mais im presente um mundo de todos os homens, É so
portante consiste em transpor os grandes ideais mente através da participação na luta para criar
universais e sociais para a vida quotidiana e con um mundo humano que possa dar a cada ho
creta do homem. No período que acaba de fin mem condições de vida e desenvolvimento hu
dar cometemos o grande erro de atribuir muito manos que a jovem geração se pode verdadei-
pouca importância à vida quotidiana do homem, ramente formar.
para realçar a sua participação espetacular nos (Bogdan Suchodolski, A pedagogia e as
grandes momentos nacionais; cometemos o erro grandes correntes filosóficas, p. 121-123.)
Atividades
Questões
Análise de texto
Uma educação que não seja apenas uma aquisição individual de técnicas e de competências especi
alizadas que cada um vende na idade adulta no mercado de trabalho, mas sim a formação de homens e
mulheres autônomos e polivalentes, capazes de se inserir em comunidades dinâmicas e conflituais e, por
isso mesmo, democráticas e, porque democráticas, em permanente mutação.
Uma educação que permita, vivendo e aprendendo, saber por que se vive e por que se aprende.
(Rosiska e Miguel Darcy de Oliveira)
54
Redação
55
São deliberadas quando transparece a inten Não se pense que a humanidade, adentrando
ção de formar um determinado tipo de compor na cultura, e cada homem, assumindo a sua cons
tamento, por exemplo, quando o pai ensina o fi ciência moral, tenham, dessa forma, resolvido
lho a respeitar as pessoas. São acidentais quando seus problemas. Aí surgem as dificuldades de
a aprendizagem de determinado comportamento correntes da autêntica humanidade: o homem é
não resulta de intenção explícita. E o caso, por um ser sempre tensionado entre os limites da in
exemplo, de um pai que costuma conversar com dividualidade e da fraternidade, dois pólos con
seus filhos, ensinando-lhes o valor da atenção e traditórios e, no entanto, indissoluvelmente liga
da amizade. No entanto, esse mesmo pai, que dos. E impossível pensar o homem como um ser
teoriza sobre o respeito ao próximo, estaciona o solitário: ele c um ser humano na medida cm que
carro em fila dupla, paga mal aos empregados “con-vive”. Por outro lado, se estiver mergulha
ou não assume seus compromissos, ensinando do na comunidade de forma indistinta, perde sua
assim, de fato, aos filhos valores negativos, originalidade fundamental e se massifica.
como o individualismo e a exploração. A pró Tais reflexões nos levam ao principal proble
pria sociedade convive hipocritamente com es ma de toda educação dentro da família: esta exis
sas contradições: prega a solidariedade, mas en te como suporte, solo, horizonte da aprendiza
sina, pelo comportamento, que só sobrevive gem das relações afetivas (amorosas, hostis,
quem aceita a competição. quaisquer que sejam!), que preparam o homem
Estamos aprendendo a cada passo, cm casa, para as relações da sua maturidade.
na igreja, no trabalho, no esporte, com os ami Freud diz que “c normal e inevitável que a
gos, com o rádio, com a TV etc. Dentre essas criança faça dos pais o objeto da primeira esco
influências, vamos destacar a ação da família e lha amorosa. Porém, a libido1 não permanece
dos meios de comunicação de massa. fixa nesse primeiro objeto: posteriormente o to
mará apenas como modelo, passando dclc para
pessoas estranhas, na ocasião da escolha defini
2. A família e a socialização tiva. Desprender dos pais a criança toma-se. por
das crianças tanto, uma obrigação inelutável, sob pena de gra
ves ameaças para a função social do jovem'*2.
Às vezes c bom recorrer aos mitos para me Isto significa que tornar o homem adulto, afas-
lhor compreender os desejos mais profundos do tando-o da neurose, consiste em livrá-lo dos “re
homem. Na Teogonia (ver dropes 1). Hesíodo síduos infantis”.
conta como foi a geração dos primeiros deuses, Por isso, um dos princípios do tratamento psi-
Urano (Céu). Cronos (Tempo) e Zeus, que se su canalítico é “matar pai e mãe”, evidentemente no
cederam em meio a acirrada disputa do poder, sentido simbólico de matar “as figuras do pai e
lutando pai contra filho. da mãe infantis" inirojetadas na criança: o ho
O fenômeno do lolemismo (ver dropes 2), mem tomado adulto não precisa, é bem verdade,
existente entre os povos primitivos, representa o abandonar ou deixar de amar as pessoas que o
assassinato simbólico do pai. É também criaram, mas a sua relação com elas deve tomar
elucidativo o mito grego de Edipo, que matou o se outra, não mais uma relação vertical, de auto
pai c casou com a própria mãe (ver dropes 3). ridade e submissão, mando c obediência, mas
Os exemplos são indicativos da ambiguidade sim de livre intersubjetividade.
amor/ódioque envolve as gerações. Freud analisou . Os próprios pais relutam, muitas vezes, em
tais fenômenos, mostrando que eles simbolizam a abandonar os papéis assumidos, persistindo
luta empreendida pelo homem para humanizar seus nos cuidados com “seus meninos”, já homens
próprios desejos: o totemismo representa a instau
ração da cultura. Édipo, a formação da consciência
moral. Se nenhuma civilização é possível enquanto 1. Libido em hilim significa vontade, desejo: na püicanáÜMí.
é um conceito de difícil definição: pode ser considerada toda
o homem permanece abandonado aos seus instin
energia de natureza sexual.
tos, a cultura c a família surgem, portanto, da apren 2. Cinco lições de psicanálise. Sâo Paulo, Abril. 1974. p. ?s.
dizagem do controle do desejo. (Coleção Os Pensadores)
57
58
59
60
texto Este
4. Tenta* básicos da sociolo^iu. São Paulo, Cultrix/Edusp. 5. Ver Ciipíiuk) ?0. Akhusscr considera a família um “apare
1973. p. 140. lho ideológico”.
61
Dropes
Por volta dos séculos VIII e VII a.C., Hesíodo recolheu os mitos gregos na obra Teogonia (gera
ção dos deuses); Urano, temendo perder o poder para os próprios filhos, os mantinha enterrados.
Cronos se revolta, castra o pai e assume o poder, mas engole seus filhos, para evitar a mesma sorte
do pai. É destronado por seu tilha Zeus, que o faz vomitar todos os irmãos engolidos e se torna o
maior dos deuses do Olimpo.
O totemismoé o fenômeno pelo qual um determinado grupo de pessoas pertencentes a uma tribo
considera um animal como ancestral ou protetor do grupo. O totem é, portanto, sagrado e considerado
tabu, isto é, objeto de proibições; dessa forma, è tabu matar ou comer o totem. Apesar disso, de tempos
em tempos realiza-se um ritual, ocasião em que, mediante sacrifício soiene, todos comem o anima! sa
grado. Choram e lamentam o animal morto e, em seguida, a festa é de extrema alegria.
6. Cíw.>«ltarSflw(>Mafi<?»gKal<Mis7iíW»(wg.>. Fwutitf hrajdteir#, « btf.ve de tetto. SõfrPwh). Cnrlez; RruxfllíK Dfíicef.. 1994.
62
O animal totêmico, para Freud, é uma substituição do pai, diante do qual os filhos tèm uma
atitude afetiva ambivalente (hostilidade e amor). Ao devorar o pai, apropriam-se de sua força, daí
derivando também o sentimento de culpa e o remorso, resultantes do crime coletivo. Portanto, é a
partir da culpa que se estabelecem as leis da solidariedade e a proibição do parricídio, indispensá
veis para a existência das instituições sociais.
Complexo de Édipo: Freud buscou essa denominação na lenda grega transcrita pelo dramatur
go Sófocles na tragédia Édipo-Rei. Segundo o relato, o rei de Tebas, Laio, mandou matar seu filho
recém-nascido porque o oráculo vaticinara que seria morto pelo próprio filho. No entanto, o escravo
incumbido do serviço não o cumpriu, e o menino foi criado longe dali, recebendo o nome de Édipo.
Assim se cumpre o destino: um dia, ao cruzar e se desentender com um desconhecido, Édipo o
mata, sem saber que matava seu pai. Dirigíndo-se em seguida a Tebas, casa-se com a própria mãe,
Jocasta.
A interpretação de Freud nos remete ao desejo inconsciente que todo filho tem de matar o pai,
rival com quem disputa o amor da mãe. Ao mesmo tempo, a criança teme ser castigada pelo pai, tão
poderoso e por quem nutre sentimentos ambíguos: hostilidade e amor. Por isso, renuncia aos seus
desejos incestuosos e hostis, ocorrendo então a formação do superego, instância psíquica pela qual
se constrói a consciência moral. Inicia-se, então, o trajeto verdadeiramente humano, que, controlan
do o imperialismo dos desejos, torna possível a convivência em comunidade.
Os primeiros livros infantis foram produzidos no final do século XVII e durante o século XVIII
justamente porque, antes dessa época, não existia propriamente “infância”. No Brasil, o interesse
pela infância se intensifica no final do século XIX. Só então começa a aparecer a literatura infantil,
com a adaptação de textos europeus como Robinson Crusoé e as Aventuras do Barão de
Münchausen.
Leituras complementares
A leitura do mundo precede a leitura da pala leitura crítica implica a percepção das relações en
vra, daí que a posterior leitura desta não possa tre o texto e o contexto. Ao ensaiar escrever sobre
prescindir da continuidade da leitura daquele. Lin a importância do ato de ler, eu me senti levado — e
guagem e realidade se prendem dinamicamente. até gostosamente — a “reler" momentos funda
A compreensão do texto a ser alcançada por sua mentais de minha prática, guardados na memória,
desde as experiências mais remotas de minha in Os “textos”, as "palavras”, as “letras” daquele
fância, de minha adolescência, de minha mocida contexto se encarnavam no canto dos pássaros
de, em que a compreensão critica da importância — o do sanhaçu, o do olha-pro-caminho-quem-
do ato de ler se veio em mim constituindo. vem, o do bem-te-vi, o do sabiá; na dança das
Ao ir escrevendo este texto, ia “tomando dis copas das árvores sopradas por fortes ventanias
tância" dos diferentes momentos em que o ato que anunciavam tempestades, trovões, relâmpa
de íer se veio dando na minha experiência exis gos; as águas da chuva brincando de geografia:
tencial. Primeiro, a “leitura” do mundo, do peque inventando lagos, ilhas, rios, riachos. Os “textos”,
no mundo em que me movia; depois, a leitura da as "palavras", as “letras” daquele contexto se
palavra, que nem sempre, ao longo de minha encarnavam também no assobio do vento, nas
escolarização, foi a leitura da “palavramundo". nuvens do céu, nas suas cores, nos seus movi
A retomada da infância distante, buscando a mentos; na cor das folhagens, na forma das fo
compreensão do meu ato de ‘ler31 o mundo parti lhas, no cheiro das flores — das rosas, dos jas
cular em que me movia — e até onde não sou mins —, no corpo das árvores, na casca dos fru
traído pela memória —, me é absolutamente sig tos. Na tonalidade diferente de cores de um mes
nificativa. Neste esforço a que me vou entregan mo fruto em momentos distintos: o verde da man-
do, recrio, e re vivo, no texto que escrevo, a ex ga-espada verde, o verde da manga-espada in
periência vivida no momento em que ainda não chada; o amarelo esverdeado da mesma manga
lia a palavra. Me vejo então na casa mediana em amadurecendo, as pintas negras da manga mais
que nasci, no Recife, rodeada de árvores, algu além de madura. A relação entre estas cores, o
mas delas como se fossem gente, tal a intimida desenvolvimento do fruto, a sua resistência à
de entre nós — à sua sombra brincava e em seus nossa manipulação e o seu gosto Foi nesse tem
galhos mais dóceis à minha altura eu me experi po, possivelmente, que eu, fazendo e vendo fa
mentava em riscos menores que me preparavam zer, aprendi a significação da ação de amolegar.
para riscos e aventuras maiores. Daquele contexto faziam parte igualmente os
A velha casa, seus quartos, seu corredor, seu animais — os gatos da família, a sua maneira
sótão, seu terraço — o sítio das avenças de mi manhosa de enroscar-se nas pernas da gente, o
nha mãe —, o quintal amplo em que se achava, seu miado, de súplica ou de raiva; Joli, o velho
tudo isso foi o meu primeiro mundo. Nele enga cachorro negro de meu pai, o seu mau humor,
tinhei, balbuciei, me pus de pé, andei, falei. Na toda vez que um dos gatos incautamente se
verdade, aquele mundo especial se dava a mim aproximava demasiado do lugar em que se acha
como o mundo de minha atividade perceptiva, por va comendo e que era seu (...)
isso mesmo como o mundo de minhas primeiras Daquele contexto — o do meu mundo imedi
leituras. Os “textos”, as “palavras”, as letras” da ato — fazia parte: por outro lado, o universo da
quele contexto — em cuja percepção me experi linguagem dos mais velhos, expressando as
mentava e, quanto mais o fazia, mais aumentava suas crenças, os seus gostos, os seus receios,
a capacidade de perceber — se encarnavam os seus valores. Tudo isso ligado a contextos
numa série de coisas, de objetos, de sinais, cuja mais amplos que o do meu mundo imediato e de
compreensão eu ia apreendendo no meu trato cuja existência eu não podia sequer suspeitar.
com eles, nas minhas relações com meus irmãos (Paulo Freire, A importância do ato
mais velhos e com meus pais. de ier, p. 11-14.)
No início da obra de Karl Grober, Brinque nha era o centro geográfico da Europa, no ter
dos infantis de tempos antigos, está a modés reno do brinquedo ela é também o espirituai.
tia. O autor recusa-se a tratar de brincadeiras Pois uma boa parte dos mais belos brinquedos
infantis para, limitando-se exclusivamente à his que ainda hoje se encontram nos museus e
tória do próprio brinquedo, dedicar-se apenas quartos de crianças poderíamos considerar
ao seu material concreto. Tal como sugere me como um presente alemão à Europa. Nurem-
nos o tema do que a extraordinária solidez de berg é a pátria do soldadinho de chumbo e da
seu projeto, o autor concentrou-se no círculo brunida fauna da arca de Noé; a mais velha
cultural europeu. Se, nesse contexto, a Alema casa de boneca de que se tem noticia provém
64
de Munique. Mas mesmo quem não queira sa época, os avanços da Reforma obrigaram mu -
ber de questões de prioridade, que no fundo tos artistas — que até então haviam produzido
efetivamente pouco dizem, terá de confessar para a Igreja — a “orientarem sua produção em
que as bonecas de madeira de Sonneberg, as vista da demanda de objetos artesanais e a subs
“árvores de aparas de madeira” do Erzgebirge, tituírem as obras grandiosas por objetos de arte
a fortaleza de Oberammergauer, as lojas de es menores, feitos para a decoração das casas".
peciarias e chapelarias, a festa da colheita em Deu-se assim a extraordinária difusão daqueie
estanho de Hannover constituem modelos insu mundo de coisas minúsculas, as quais faziam a
peráveis da mais sóbria beleza. alegria das crianças nas estantes do brinquedos
Todavia, tais brinquedos não foram em seus e dos adultos nas salas de “arte e maravilhas":
primórdios invenções de fabricantes espe deu-se ainda com a fama dessas “quinquilhanas
cializados; eles nasceram sobretudo nas oficinas de Nuremberg” o predomínio dos brinquedos ale
de entalhadores em madeira, fundidores de es mães no mercado mundial, o qual até hoje per
tanho etc. Antes do século XIX a produção de manece inabalável. (...)
brinquedos não era função de uma única indús Uma emancipação do brinquedo começa a se
tria. O estilo e a beleza das peças mais antigas impor; quanto mais a industrialização avança, mais
explicam-se pela circunstância de que o brinque decididamente o brinquedo subtrai-se ao controle
do representava antigamente um produto secun da família, tornando-se cada vez mais estranho nao
dário das diversas indústrias manufatureiras. as só às crianças, mas também aos pais. (...)
quais, restringidas pelos estatutos corporativos, E, ao imaginar para crianças bonecas de
só podiam fabricar aquilo que competia a seu bétula ou de palha, um berço de vidro ou navios
ramo. Quando, no decorrer do século XVIII, co de estanho, os adultos estão na verdade inter
meçaram a aflorar os primórdios de uma fabrica pretando a seu modo a sensibilidade infantil. Ma
ção especializada, as indústrias chocaram-se por deira, ossos, tecidos, argila representam nesse
toda parte contra as restrições das corporações. microcosmo os materiais mais importantes, to
Estas impediam o marceneiro de pintar, ele pró dos eles já eram utilizados em tempos patriar
prio, suas bonequinhas; para a preparação de cais, quando o brinquedo significava ainda a
brinquedos de diferentes materiais obrigavam peça do processo de produção que ligava pais e
várias indústrias a dividir entre si os trabalhos filhos. Mais tarde vieram os metais, vidro, papel
mais simples, o que encarecia sobremaneira a e mesmo o alabastro. As bonecas apenas pos
mercadoria. suíam o peito de alabastro, celebrado pelos poe
Por conseguinte, entende-se que a venda ou. tas do século XVII, e quase sempre tiveram de
pelo menos, a distribuição de brinquedos não era pagar esse luxo com sua frágil existência. (...,<
no início função de comerciantes especializados. Mas certamente jamais se chegaria à realida
Assim como se podia encontrar animais de ma de ou ao conceito do brinquedo se se tentasse
deira com o marceneiro, assim também explicá-lo unicamente pelo espírito das crianças
soldadinhos de chumbo com o caldeireiro, figu Se a criança não é nenhum Robinson Crusoé
ras de doce com o confeiteiro, bonecas de cera assim também as crianças não constituem ne
com o fabricante de velas O mesmo não acon nhuma comunidade isolada, mas sim uma parte
tecia com o comércio intermediário, que fazia as do povo e da classe de que provém. Da mesma
vezes de grande distribuidor. Esta assim chama forma seus brinquedos não dão testemunho de
da "editora” aparece também primei ramente em uma vida autônoma e especial; são, isso sim. um
Nuremberg. Nesta cidade os exportadores co mudo diálogo simbólico entre ela e o povo. Um
meçaram a comprar brinquedos que provinham diálogo simbólico, para cuja decifração a presen
das manufaturas da cidade e, sobretudo, da in te obra oferece um seguro fundamento.
dústria doméstica da região para distribuí-los de (Walter Benjamin, Reflexões: a criança, o
pois entre as pequenas lojas. Por essa mesma brinquedo, a educação, p. 67-70 5
65
Atividades
Questões
Análise de texto
Leia o trecho abaixo, retirado do livro As palavras, no qual o filósofo francês Jean-Paul Sartre relata sua
infância. Em seguida responda às questões 7 e 8.
As densas lembranças, e a doce sem-razão das crianças do campo, em vão procurá-las-ia, eu, em
mim. Nunca esgaravatei a terra nem farejei ninhos, (...) nem joguei pedras nos passarinhos. Mas os livros
foram meus passarinhos e meus ninhos, meus animais domésticos, meu estábulo e meu campo; a biblio
teca era o mundo colhido num espelho; tinha a sua espessura infinita, a sua variedade e a sua
imprevisibilidade. (...) Foi nos livros que encontrei o universo: assimilado, classificado, rotulado, pensado e
ainda temível; e confundi a desordem de minhas experiências livrescas com o curso aventuroso dos acon
tecimentos reais. Dai veio esse idealismo de que gastei trinta anos para me desfazer.
7. Em que sentido a infância de Sartre foi diferente da infância das demais crianças?
8. O que o autor quer dizer com “esse idealismo de que gastei trinta anos para me desfazer”? Para ajudar
na sua resposta, idealismo, na teoria do conhecimento, significa privilegiar o sujeito que conhece em
detrimento do objeto conhecido, ou seja, valoriza-se a idéia mais que a coisa conhecida.
Com base no texto complementar do pedagogo brasileiro Paulo Freire, responda às questões de 9 a 11.
12. Por que só a partir do século XVIII surge a preocupação com a fabricação especializada de brinque
dos, apesar das inúmeras dificuldades criadas pelas corporações?
13. Explique o que o autor quer dizer quando afirma que a criança não é nenhum Robinson Crusoé e que
as crianças não constituem uma comunidade isolada.
Redação
Tema1 . Destaque o papei da família a partir da seguinte frase de Hannah Arendt: “A escola é (...) a
instituição que interpomos entre o domínio privado do lar e o mundo com o fito de fazer com que seja
possível a transição, de alguma forma, da família para o mundo.
66
Parte II
67
Dropes
É diante de um aparelho que a esmagadora maioria dos habitantes da cidade precisa alienar-se
de sua humanidade, nos escritórios e nas fábricas, durante o dia de trabalho. À noite, as mesmas
massas enchem os cinemas para assistirem como o ator, em nome delas, se vinga. (Walter Benja-
min)
Depois que a tecnologia inventou telefone, telégrafo, televisão, todos os meios de comunicação a
longa distância, é que se descobriu que o problema da comunicação era o de perto. (Millôr
Fernandes)
As duas mutações tratadas neste capítulo — na família nuclear e nas comunicações — produzi
rão outra sociedade que nascerá da crise atual. Num exercício de futurologia, Alvin Tofler se refere à
cabana eletrônica. Vejamos o que ele diz:
“Ao observar massas de camponeses ceifando um campo há 300 anos, só um louco teria sonha
do que viria um dia em que os campos ficariam despovoados, quando todos se apinhariam em
fábricas urbanas para ganhar o pão de cada dia. E só um louco estaria certo. Hoje é preciso um ato
de coragem para sugerir que as nossas maiores fábricas e torres de escritórios poderão, ainda no
período de nossas vidas, ficar meio vazios, reduzidos a uso para armazéns mal-assombrados ou
convertidos em espaços para moradia. Entretanto, isto é precisamente o que o novo modo de produ
ção tornará possível: uma volta à indústria caseira numa nova base eletrônica mais alta e com uma
nova ênfase no lar como centro da sociedade”.
Leituras complementares
Até há pouco a massa moderna era industrial, A esta mudança os sociólogos estão chaman
proletária, com idéias e padrões rígidos. Procu do deserção do social. É como tornar deserta uma
rava dar um sentido à História e lutava em bloco região. Pela desmobilização e a despolitização, o
por melhores condições de vida e pelo poder po neo-indMdualismo pós-moderno, que tende ao
lítico. Crente no futuro, mobilizava-se para gran descompromisso, ao não tenho nada com isso,
des metas através de sindicatos e partidos ou vem esvaziando as instituições sociais. História,
apelos nacionais. Sua participação era profunda política, ideologia, trabalho — instituições antes
(basta lembrar as duas guerras mundiais). postas em xeque apenas pela vanguarda artística
A massa pós-moderna, no entanto, é consu- -—já não orientam o comportamento individual, o
mista, classe média, flexível nas idéias e nos cos seu enfraquecimento é contínuo nos países avan
tumes. Vive no conformismo em nações sem ide çados A deserção é uma sacação nova da mas
ais e acha-se seduzida e atomizada (fragmenta sa. Ela não é orientada nem surge consciente
da) pelos mass media. querendo o espetáculo mente, como também não visa à tomada do po
com bens e serviços no lugar do poder. Partici der, mas pode abalar uma sociedade, ao afrouxar
pa, sem envolvimento profundo, de pequenas os laços sociais. Há dados para se avaliar esse
causas inseridas no cotidiano — associações de esvaziamento, como igualmente há novas atitu
bairro, defesa do consumidor, minorias raciais e des substituindo as tradicionais.
sexuais, ecologia. (...)
69
2. O vazio cintilante
Atividades
Questões
Análise de texto
4. A partir do exemplo do cinema, qual é a crítica que o autor faz aos mass media?
5. Amplie essa crítica para os programas de TV (novelas, filmes etc.).
6. Como você interpreta a frase do humorista Millõr Fernandes, transcrita no dropes 2?
70
11. Qual é a diferença entre os dois tipos de massa do ponto de vista da política?
12. Dê exemplos tirados de sua experiência cotidiana a respeito de “deserções” que esvaziam instituições
como a família, a religião, as eleições (ou outras que você queira destacar).
13. As informações na sociedade tecnológica atingem todos os indivíduos, que se encontram atomizados.
Quais os riscos do processo?
14. A partir do que o autor chama de Vazio cintilante”, explique por que, nas eleições, a tendência é valer
mais a performance do candidato nos mass media do que propriamente suas idéias.
Redação
Na Fuvest de 1995, o tema da redação criou polêmica em torno de sua provável dificuldade. Tente
atender ao que foi solicitado, utilizando os conceitos aprendidos no capítulo. Lembre-se de discutir a idéia
de massificação, em oposição à afirmação da individualidade.
Proposta de redação: Relacione os textos e a imagem acima e escreva uma dissertação em prosa,
discutindo as idéias neles contidas e expondo argumentos que sustentem o ponto de vista que você adotou.
71
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3082
Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
A escola institucionalizada, semelhante àque que uma formação adequada permita a ascensão
la que hoje conhecemos, é uma criação burguesa social e política de seus filhos,
do século XVI, época cm que surge o ‘‘sen li men A estrutura da escola tradicional foi objeto de
to de infância c de família” (ver Capítulo 6). Um reação de alguns pedagogos, ansiosos por mudar
lento processo separou a criança do adulto, cri os rumos do ensino não só quanto às obsoletas
ando um ambiente segregado e “protegido das práticas didáticas, mas também quanto ao con
ruãs influências do mundo”: caberá, então, à es teúdo transmitido.
cola não só instruir, como também educar. A Revolução Industrial, iniciada no século
XV111, altera em alguns aspectos as exigências
Os colégios da escola burguesa: à formação acadêmica pre
dominantemente humanística se contrapõe a ne
Pela primeira vez na história da humanidade cessidade de formação técnica especializada,
dá-se a formação, nos colégios fundados pelas or além do estudo das ciências.
dens religiosas dos séculos XVI e XVII, de uma No século XÍX, com a burguesia já triunfan
escola que absorve a disponibilidade de tempo da te. o pedagogo alemão Herbart enfatiza a impor
criança, restringindo sua convivência aos colegas tância da instrução completa ate como condição
de mesma faixa etária e separando-a do mundo, a de formação moral.
fim de que “não sucumba aos vícios”. Apesar de algumas alterações, continua a
A vigilância constante, mesmo dentro do co existir por muito tempo o sistema de internatos
légio, torna-se imprescindível, já que este se fun com disciplina rigorosa e vigilância constante,
da na concepção de que a natureza humana c má marcando sobretudo a escola secundária elitista,
e corruptível. Desse modo, a educação se esfor que visa a formação humanista e propedêutica
çará por disciplinar a criança e inculcar-lhe re (isto c, voltada à preparação para o curso supe
gras de conduta. Para melhor submetê-la aos ri rior). Essa situação foi sempre mais dramática no
gores da hierarquia e da aprendizagem da obedi Brasil.
ência. intensifica-se o uso dos castigos corporais. Além disso, acelera-se o processo dc sccuia-
As si ni sc estrutura o modelo da escola tradi rização e democratização do ensino, com as rei
cional burguesa, que não se baseia nos interes vindicações de uma escola publica, leiga, gratui
ses da criança, mas procura o tempo todo con ta c obrigatória a que possam ter acesso as cama
trolar seus impulsos naturais, para lhe ensinar das não-privilegiadas da sociedade.
virtudes morais consideradas adequadas aos Enquanto nos países desenvolvidos a luta pela
novos tempos. universalização do ensino básico já no século
Além da rígida formação moral, o regime de XIX atingia seus objetivos, no Brasil, nem no
trabalho é rigoroso e extenso. São valorizados os século XX conseguimos superar as dificuldade*»
estudos humanísticos, privilegia-se a cultura dc acesso à escola. Aqueles que tentam estão su
greco-latina c o ensino dessas duas línguas supe jeitos à repetência c ao êxodo, sem falar na qua-
ra. inclusive, o da língua vernácula. A ênfase na Iidade do ensino oferecido. Além disso, o
gramática e na retórica visa formar o homem cul dualismo decorrente das diferentes formas de
to. capaz de brilhar nas cortes aristocráticas. ensino (acadêmica c profissionalizante) tem per
A instalação da nova concepção de escola petuado a divisão social
contou com a contribuição dos jesuítas, cujos O desafio a ser enfrentado pelos governos e
internatos se espalham por toda a Europa ao pela sociedade civil - - abrangendo aí as forças
longo de duzentos anos (do século XVI ao organizadas dos excluídos do sistema — está na
XVIII). No Brasil, eles estão presentes desde o universalização de um ensino básico dc qualida
início da colonização, marcando indelevelmen de, que prepare para o trabalho. para a cidadania,
te nossa educação. cuidando da formação da personalidade nos as
As escolas se destinam à nobreza e à burgue pectos afetivos e éticos.
sia ascendente, esta última desejosa de alcançar Analisaremos melhor o conteúdo ensinado e
postos na administração pública, já que aspira a forma de ensinar da escola tradicional no Capí
tornar-se classe dirigente. Os burgueses esperam tulo 16.
73
74
Vivemos no momento o centro desse debate vez que já nos referimos à crise (mundial) pela
multiforme. E aí reside nossa tareia: repensar os qual passa a escola nos tempos atuais. Sc c certo
rumos da escola sem otimismo ingênuo, mas que ela reflete também a crise da cultura, pode
também sem pessimismo derrotista. O que, afi mos compreender a dimensão do desafio posto
nal, é possível fazer dentro dos limites da escola aos educadores.
e a partir de suas reais possibilidades? Voltare Se essa instituição torna-se indispensável
mos a esse assunto no capítulo final deste livro. como instância mediadora, estabelecendo o vín
Antes queremos reforçar a importância da culo entre as novas gerações c a cultura acumu
dupla função da escola: a de transmissora da he lada. à medida que a sociedade contemporânea
rança cultural e a de local privilegiado para a crí se torna mais complexa a escola adquire, cada
tica do saber apropriado. Tarefa difícil essa, uma vez mais, um papel insubstituível.
Dropes
1
O trabalho define a existência humana. No entanto, com a propriedade da terra por uma deter
minada classe, essa classe não precisa trabalhar para sobreviver, porque o trabalho do não-proprie
tário (no caso do modo de produção antigo, o trabalho do escravo) deve prover tanto a sua existên
cia como a existência do seu senhor. É nesse momento que surge uma classe que pode viver do
ócio, já que não precisa trabalhar para viver. Ela vive do trabalho alheio. É nesse contexto que surge
a escola. Vocês sabem qual é a origem da palavra escola: escola em grego significa “lugar do ócio”.
(Dermeval Saviani)
Eu ousaria, se não parodiar, pelo menos trazer para limites estritamente escolares o “final”
triunfante da Ética [de Espinosa]: “A felicidade não é o prêmio da virtude, mas a própria virtude; e não
sentimos alegria porque reprimimos nossas inclinações; ao contrário, é porque sentimos alegria que
podemos reprimir nossas inclinações”. E eu gostaria de dizer: somente se o aluno sentir a alegria
presente na escola é que ele reprimirá sua inclinação à distração, à preguiça, à facilidade. Pode-se
realmente ajudá-lo a progredir exortando-o primeiro a despojar-se daquilo que o tenta?
Afirmo que a escola preenche duas funções: preparar o futuro e assegurar ao aluno as alegrias
presentes durante esses longuíssimos anos de escolaridade que a nossa civilização conquistou para
ele. (Georges Snyders)
r Leitura complementar
A escola é necessária
A escola deve assegurar uma mediação entre uma formação em psicologia da criança, que co
a criança e os modelos sociais. Mas de que nature nhece as crianças de quem tem o encargo e que
za deve ser essa mediação? O adulto tem um pa pode, portanto, guiar as crianças em sua desco
pel indispensável a desempenhar. É ele que pode berta da liberdade social. Mas não se trata, sob a
esclarecer a análise dos modelos sociais, tanto por capa de análise dos modelos sociais, de
sua experiência mais extensa e mais aprofundada reintroduzir pura e simplesmente a relação peda
das realidades sociais, quanto por sua consciência gógica tradicional entre o mestre e o aluno. Por um
das finalidades sociais da educação e por seus co lado, o papel do mestre não é dar lições ex
nhecimentos- É ele igualmente quem recebeu* cathedra sobre os comportamentos sociais e a or
ganização social, mas ajudar a criança a explorar
e a analisar o mundo social adulto. Por outro lado,
’0u que deveria ler recebido! seria contraditório querer dar à criança uma edu-
75
cação social num quadro individualista tradicio sem procurar ilusoriamente fundir-se no grupo
nal da relação dual mestre-aluno. Certamente, a de crianças como um membro entre outros. Mas
vida num grupo de chanças não basta para as isso quer dizer também que uma de suas tarefas
segurar a formação social de uma criança. Mas, essenciais é trabalhar para a constituição, para
se a condição não é suficiente, é, entretanto, ne a vida e para a atividade do grupo de crianças.
cessária. Com efeito, a vida de grupo cria um Não deve renunciar a seu papel de guia cultural
quadro relacional onde a criança se confronta e de professor, mas deve exercê-lo no seio de
com seus pares, e essa estrutura relacional um grupo de chanças e não em face de indivídu
adapta-se melhor a uma educação social que a os isolados. E deve acrescentar a ele uma fun
relação dual entre um adulto e uma chança. A ção de animador de grupo. Além disso, deve es
mediação escolar deve, portanto, ser dupla. forçar-se por articular a vida e a atividade do gru
Deve ser assegurada ao mesmo tempo pelo po de crianças com a própria realidade social.
adulto e pelo grupo de crianças. Isso significa (Bernard Charlot, A mistificação pedagógica,
que o mestre deve assumir seu papel específico 2. ed., p. 297-298.)
Atividades
Qu estões ____________
Analise de texto
4. Explique por que a palavra grega scholé é, na sua origem, a mesma para escola e ócio
5. Em que medida persiste até hoje esse sentido discriminatório da escola?
6. Explique com suas palavras o significado da citação de Espinosa: dê um exemplo extraído de sua vida
escolar.
7. Estabeleça algumas nuanças no texto, explicando que privilegiar a alegria na escola não significa
descuidar da disciplina do trabalho.
Redação
76
78
79
giadas, o ensino médio e superior. to mais intensas são as vozes que ora simples
Começam também a atuar nessa época os je mente excluem as massas do direito à educação,
suítas, que durante dois séculos ocupam-se com ora defendem o dualismo da escola.
a formação do honnête homme, o homem culto, De resto, convém lembrar as referencias de
típico da sociedade cortesã. sairosas do filósofo francês Voltai re à “canalha
No século XVII, o desenvolvimento da eco indigna de ser esclarecida” e do jurisconsulto
texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado
nomia capitalista de produção gera a necessida italiano Filangicri, que preconiza uma educação
de de mão-de-obra um pouco mais qualificada. pública para todas as classes, “mas não uma
Advem daí os esforços para a institucionalização educação em que todas as classes tenham a
da escola, além do aperfeiçoamento de uma le mesma parle”.
gislação referente à obrigatoriedade, aos progra
mas. níveis c métodos. A educação contemporânea
Em Lyon, importante cidade fabril e mercan
til da França, destaca-se o trabalho do abade No século XIX, é intenso o debate em torno
Charles Démia, defensor da educação popular e da escola pública, cuja regulamentação se fará
fundador de diversas escolas gratuitas para cri por meio de leis que tornam a educação elemen
anças pobres. Segundo o historiador da educa tar obrigatória e gratuita, já que o Estado passa a
ção Compayré, essas escolas visavam dar instru assumir esse encargo.
ção religiosa, ensinar disciplina e iniciar as cri A burguesia se encontra, no entanto, numa
anças nos trabalhos manuais, fornecendo mão- encruzilhada. A industrialização exige cada vez
de-obra para o comércio, a indústria e pessoas melhor qualificação de mão-de-obra. Instruir o
ricas que procuravam empregados domésticos. povo para elevar o nível das técnicas pode, po
Ainda no século XVII, o maior precursor teó rém, significar o risco da subversão da ordem,
rico da educação popular é o morávio João A mós decorrente da educação das massas antes igno
Comênio, autor de Didática magna, obra que tem rantes. A solução do impasse já vinha sendo im
como subtítulo ‘Tratado da arte universal de ensi plantada. Para os filhos da elite é reservada a
nar tudo a todos” e na qual expressa claramente o educação humanística de tipo "clássico”, desin
ideal de uma educação democrática, a que todos teressada, aparatosa c brilhante. Trata-se da edu
deveriam ter acesso, fossem homens ou mulheres, cação para aqueles que podem desfrutar o “ócio
ricos ou pobres, inteligentes ou ineptos. digno”. Para as massas reserva-se a educação
No Século das Luzes (século XVIII), torna- primária, elementar, restrita à instrução, com os
se premente alterar o sistema de ensino. Não faz rudimentos do ler, escrever e contar, indispensá
mais sentido atrelar a educação à religião, como veis para o manejo das máquinas.
acontece nas escolas confessionais, nem aos in A formação de pessoal diferenciado tanto
teresses de urna classe, como quer a aristocracia. para o comércio como para a indústria exige es
Aliás, o Iluminismo exaltava justamente o poder calas técnicas. Na Europa, a Alemanha cria es
da razão humana de traçar seus próprios cami colas profissionais elementares, médias e supe
nhos, longe da tirania dos reis e das superstições riores. Esse pioneirismo é seguido mais tarde
religiosas. Nesse sentido, a escola deveria ser lei pela França e pela Inglaterra.
ga (não-religiosa), livre (independente de privi Nos Estados Unidos, a instalação da escola
légios de classe) e universal (acessível a todos). pública começa bem cedo. Já na primeira meta
Após a Revolução Francesa, o marquês de de do século XIX vários estados possuem depar
Condorcet e, posteriormente, Lepelletier apre tamentos para supervisionar c organizar a edu
sentam ao governo revolucionário planos dc ins cação. Muito importante foi a atuação de Horaee
trução pública que. contudo, não são levados a Mann. nomeado em 1837 superintendente de
80
Este
educação do estado de Massachusetts. Ele esta zado, bem como a ênfase na qualidade do ensi
va mesmo convencido de que “a educação, mais no, defendidas pelos esco lano vistas, terminaram
do que qualquer outro instrumento de origem por favorecer as escolas da elite, que tinham con
humana, é a grande igualadora das condições dições dc montá-las e de preparar adequadamen-
entre os homens — o eixo de equilíbrio da ma te seus professores.
quinaria social.,/' As escolas destinadas ao povo, atentas à críti
A nação americana conseguira, antes de to ca severa feita pela escola nova aos métodos tra
dos os países citados, tornar o ensino leigo e gra dicionais, mas sem conseguir implantar os no
tuito (o primário por volta de 1830 e o secundá vos, não ousavam dar continuidade às velhas
rio cm tomo de 1850). Ern 1820 se iniciara o en práticas com segurança. Como conseqüência,
sino profissional para a indústria, a agricultura e deu-se o afrouxamento inadequado da disciplina
o comércio. Outra novidade foi a criação de uni c o rebaixamento do nível do conteúdo a ser
versidades estatais. transmitido. Afinal, a escola democrática não cru
No século XX, cm função das necessidades de fato tão democrática assim...
econômicas advindas da intensa industrialização, A partir da década de 70 muitas criticas fo
é inevitável uma maior extensão da escola ram feitas à escola, mas voltaremos a esse as
rização. Ao mesmo tempo que se dá a expansão sunto no final do capítulo.
da indústria c do comércio, ampliam-se os qua
dros burocráticos necessários à administração e
à organização dos negócios. 3- A educação popular no Brasil
Do final do século XIX até a década de 40,
aumentam as oportunidades de estudo, com con- No Brasil Colônia prevalece a educação
seqiienlc mobilidade e ascensão social, sobretu humanista e elitista dos padres da Companhia de
do para a classe média. Como resultado temos Jesus. Os jesuítas se empenham no trabalho de
os chamados “colarinhos brancos’/ gerentes, catequese dos índios e fundam inúmeras “esco
vendedores, empregados de escritório, profis las de ler c escrever”, mas dão maior ênfase à
sionais liberais assalariados etc. escola secundária, destinada aos filhos dos colo
Com o tempo, as ofert as de emprego tornam- nos c ao encaminhamento dos futuros padres. O
se inferiores ao número de formados. Esse fato descaso pela educação popular se explica pela
determina uma política de contenção da deman vigência de uma economia dependente e exclu
da educacional, a fim de evitar gastos “inúteis ” sivamente agrária, que não exige mão-de-obra
com a educação ou os desajustes dos diplomados qualificada.
desempregados. Além disso, os filhos de traba Quando os jesuítas são expulsos, em 1759, o
lhadores que porventura conseguissem encami Marquês de Pombal inicia a organização do en
nhar-se para a burocracia das empresas tinham o sino público, leigo e universal, de acordo com as
salário pressionado para baixo, cm função da preocupações típicas do Iluminismo do século
pequena oferta. XVIII. No entanto, pouco ou nada se consegue
A situação não é percebida com clareza na efetivamente, devido ao desmantelamento da or
primeira metade do século, persistindo a idéia li ganização jesuítica, criúcávcl mas eficiente, sem
beral da educação como esperança de democra a imediata substituição por outra.
tização. com igual oportunidade para todos. Mui Com a vinda da família real para o Brasil, a
to contribuiu para essa concepção o ideário da ênfase recai na criação de escolas de nível supe
escola nova, sobretudo da educação progressiva rior, relegando-se os demais níveis. Permanece a
de Dewey e Kilpairick. Esses educadores, cujas visão aristocrática do ensino, ficando a única al
idéias repercutiram amplamente no Brasil a par teração por conta de uma pequena diversificação
tir da década de 30, estavam convencidos de que quanto à clientela que busca a escolarização, de
a adoção de métodos educativos apropriados fa corrente do aparecimento da pequena burguesia,
cilitaria o papel redentor da educação. residente nas cidades c ocupada com o pequeno
No entanto, a história provou o contrário. As comércio e a burocracia. Esse novo segmento
complexas práticas de atendimento individuali aspira adquirir status e deseja a educação dada à
81
elite, desprezando qualquer formação que lem do Recife, liderado pelo educador Paulo Freire,
bre a classe menos favorecida. cujo inovador método de alfabetização teve re
Após a Proclamação da Independência, como percussão mundial. O governo brasileiro preten
persiste o regime de escravidão e o modelo eco dia aplicar o método, que "alfabetiza em 40 ho
nômico continua sendo o agrário-exportador de ras'’, no Plano Nacional de Alfabetização (PN A).
pendente-, permanece inalterado o quadro edu O golpe militar de 1964 não só extinguiu o PNA
cacional. Existe apenas um incipiente ensino pro como paralisou as demais atividades, acusando-
fissional ministrado nas escolas agrícolas c esco as de subversão da ordem. No período seguinte,
las de artífices, nas quais se despejavam crianças houve a destruição sistemática das organizações,
órfãs ou abandonadas. abortaudo-se as tentativas dc expansão da edu
No Brasil do início do século XX, diferentemen- cação popular.
te de outras nações, é ainda altíssimo o índice de Após o golpe, durante a ditadura militar, a
analfabetismo em uma população predominante educação segue a linha tccnicista de influência
mente rural, o que mostra o descaso pela educação norte-americana, resultado dos acordos MEC-
elementar. A situação só começa a se alterar quando, USAID realizados entre técnicos brasileiros e
após a Primeira Guerra Mundial, se acelera o pro norte-americanos.
cesso de industrialização e urbanização do país, Aliás, a situação do ensino vinha se compli
acentuado ainda mais depois de 1930. A economia, cando desde a promulgação da Lei dc Diretrizes e
prcdominantemenle agrário-exportadora, esboça o Bases de 1961. Segundo Luiz Antônio Cunha, ela
modelo parcíalmcnle urbano-industrial, aumentan ‘‘propiciou a formação de sistemas estaduais dc
do. com isso, a demanda de escolarização. educação com um grau de competência muito
A escola entra em crise por não poder atender amplo. Foi por aí que os empresários do ensino e
à procura. Reformas educacionais animadas pelo os grupos confessionais assumiram o controle do
ideário liberal escolanovista marcam a década de sistema educacional Encastelados nos conselhos
20 em vários estados brasileiros. Em 1932 c pu de educação, em nível municipal, estadual e fede
blicado o Manifesto dos pioneiros da educação ral, eles conseguiram produzira deficiência da es
nova. que defende a escola leiga, nacional c gra cola pública pelo progressivo rebaixamento dos
tuita, a organização da educação popular c a abo salários dos professores, pelo experimentalismo
lição dos privilégios. curricular irresponsável (ideológico e/ou novi-
Na década dc 50, os educadores progressistas dadeiro, destituído de bases científicas) e pela de
da escola nova reforçam sua oposição aos católicos terioração dos padrões dc gestão das redes públi
conservadores, que defendem a escola particular dc cas dc ensino” ’.
orientação religiosa como a única capaz de educar As reformas educacionais de 1968 (para a
integral mente. Por trás desse debate, porém, está a universidade) e dc 1971 (para o ensino medio)
luta dos católicos pela dcstinaçâo das verbas públi foram desastrosas para a educação popular, A lei
cas também para as escolas particulares. n. 5.692/71 acenava para a profissionalização
No início da década de 60, surgem, na socie universal e compulsória do 2° grau e não foi .se
dade civil, movimentos de educação popular dc guida à risca pelas escolas dc elite, capazes dc
ampla repercussão. Interessados na conscientiza boicotar a implantação da lei. O mesmo não
ção política dos segmentos desfavorecidos, alguns aconteceu com a escola pública, abandonada à
grupos enfatizam a alfabetização, enquanto outros mercê de uma política que interessava à ditadura
se ocupam com a educação de base, tendo sempre militar por estar voltada, sobretudo, para a
cm vista a difusão e a preservação da cultura po despolitização das massas.
pular (ver o dropes 2 do Capítulo 4). Aiíida segundo Luiz Antônio Cunha, "a con
Dentre os grupos espalhados pelo Brasil, des- sequência mais grave dessa política foi a diluição
taca-se o Movimento de Cultura Popular (MCP) dos cursos normais, até então oferecidos por es
colas e corpo docente especiais, como mais urna
82
menor atenção possível, ficando sob a responsa público subjetivo” (ver dropes 4). Isso significa
bilidade dos municípios, nem sempre cm condi que prefeitos c governadores têm obrigação cons
texto es utilizado parclalmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debldamente referenciado
ções de arcar com tais despesas. A situação é no titucional de oferecer esse tipo de ensino, deven
mínimo contraditória, uma vez que, por lei, o do sofrer sanções jurídicas em caso de omissão.
tempo de obrigatoriedade de escolarização fora
dobrado de quatro para oito anos.
A fim de suprir as deficiências do ensino, o 4. Desafios
governo cria organismos de educação paralela,
como o Mobral (Movimento Brasileiro de Alfa- Como vimos, já no século XIX os países de
betização) c o Projeto Minerva. que, através do senvolvidos conseguiram implementar o ensino
rádio e da televisão, com a ajuda de monitores, básico universal e gratuito. No século XX alguns
se propõe a oferecer o curso supletivo do 1-grau. países latino-americanos, como Argentina. Chi
Na década de 70, houve uma privatização do le, Uruguai e Costa Rica, cumpriram em grande
ensino sem precedentes. Isto não só afastou da parte o projeto de universalização da educação
escola aqueles impossibilitados de pagar, como elementar e por volta de 1980, apresentam entre
também transformou as escolas particulares em 6 c 7% da população não-alfabetizada (de 15
empresas rentáveis, nem sempre preocupadas anos ou mais). Cuba, com a meta de priorizar a
com a qualidade do ensino. educação, conseguiu reduzir drasticamente (para
Nos anos 80 a luta dos brasileiros se voltou para 2,2%) o índice dc analfabetismo, No outro opos
o retomo “lento c gradual” à democracia, a anistia to, encontra-se o Haiti, com 71,3%.
dos presos políticos, o movimento das “diretas-já” O Brasil, apesar da chamada “década perdi
e. finalmcntc. os debates da Constituinte. da”, conseguiu algum progresso nas condições
Moacir Gadotti afirma: “A década de 80 foi de acesso e frequência à escola. Segundo dados
para a América Latina, no que diz respeito à do IBGE\ a taxa dc analfabetismo das pessoas
educação c ao desenvolvimento, uma ttôwc/a de 7 anos ou mais diminuiu de aproximadamen
perdida. Só ganhamos com a volta à democra te 1/4 para 1/5 no período. Além disso, ampliou
cia. Todavia, uma democracia frágil, com enor para 8 anos ou ruais o tempo de escolarização
me dívida externa, uma crise fiscal profunda, das pessoas*6 (dc 10 anos ou mais): cm 1981, esse
massivo desemprego e crise social”* Por pres índice era de 18,3% e, em 1990, há 25% freqden
são dos organismos internacionais de financia tando a escola.
mento, houve redução de gastos públicos, di Isso, no entanto, não impediu que, em face do
minuição do custo da mão-de-obra, e o contras aumento da população, ocorresse o crescimento
te entre ricos e pobres sofreu grave acentuação, absoluto do analfabetismo, que atingiu a elevada
fazendo o Brasil atingir uma das mais altas ta cifra dc 20.2 milhões de analfabetos com 10 anos
xas de concentração de renda do mundo (ver ou mais de idade. Sem dúvida, trata-se de um de-
dropes 1 do Capítulo 24).
83
Este
salio de enormes proporções, ainda mais se consi produz as diferenças sociais, perpetua o s tatus
derarmos que a Constituição Federal dc 1988 pre quu. sendo, portanto, uma instituição altamente
vê para até 1997 (!) a erradicação do analfabetis discriminadora e repressiva. Denunciando o cará
mo c a universalização do ensino fundamental. ter ideológico da escola e dos textos didáticos, as
E importante lembrar que, dentre os alfabeti teorias crítico-reprodutivistas desvendam a
zados, muitos são 1 analfabetos funcionais”, por violência simbólica da instituição e mostram
que mal sabem assinar o próprio nome e não têm como a escola permanece dualista c díscrí-
autonomia de leitura e escrita (ver leitura comple minadora. O posicionamento desses teóricos leva,
mentai’ 2). O quadro se toma mais grave em fun inevitavelmente, a uma sensação de mal-estar e
ção dos altos índices de êxodo e repetência entre impotência, a uma espécie de “beco sem saída”.
aqueles que, tendo aprendido a ler, abandonam Não têm se mostrado adequadas, também, as
cedo a escola, sem completar o ciclo básico, ge- tentativas baseadas nas práticas paternalistas, que
rahnente para entrar no mercado de trabalho. de certa forma infantilizam o educando e o
inferiorizam. Nessa linha assis-
teneialista estão as propostas de
educação compensatória. Muitas
vezes bem-intencionadas, elas
acabam privilegiando, por exem
plo. os programas de saúde e ali
mentação instalados nas escolas,
com a finalidade dc "compensar”
as deficiências da população po
bre, na verdade obrigação dc ou
tros setores do Estado.
O equívoco da educação com
pensatória está não propriamen
te na assistência, que afinal tem
beneficiado as crianças, mas na
Trabalho infantil em pedreira no Ceará Obrigadas a ajudar os pais desde cedo, situação perversa cm que se en
as crianças não freqüentam a escola e sao submetidas a trabalhos penosos. contra a família, vivendo de sa
lários aviltados e cada vez mais
incapacitada de prover, ela mes
Reavaliando os esforços empreendidos e as ma. as necessidades dc sua prole com um míni
ilusões vividas pelos educadores, já podemos mo de dignidade.
delimitar alguns campos de teoria e ação que re No nível da ação dos governos, vale pensar
sultaram do enfrentamento do desafio que é a na ilusão criada pelas construções monumentais,
educação na América Latina. obras de impacto que exigem vultosos gastos,
Comecemos pelo que rido é educação popular. mas que não vêm acompanhadas por qualidade
Sabemos que. se a escola liberal conseguiu dc ensino e remuneração justa dos professores.
educar grandes segmentos da população nos paí Outro problema está naquilo que Luiz Antônio
ses desenvolvidos, aí também não loi resolvida a Cunha chama dc "administração ziguezaguc': "as
dicotomia típica da escola dualista, que separa a mais diferentes razoes fazem com que cada secre
educação da dite daquela oferecida ao trabalha tário de educação tenha o seu plano dc carreira, a
dor. Nesse sentido, os educadores escola- sua proposta curricular, o seu tipo dc arquitetura
novistas, que viam na educação a promessa de escolar, as suas prioridades". Não é difícil imagi
redenção e igualdade, não tiveram os esforços e nar quais as consequências desse processo.
as esperanças recompensados. Diante dc tantos fraca ssos e mal-entendi dos,
Por isso descola nova foi Juramente criticada (/ que deve ser a educação popular?
na década de 70 pelos crítico-rcprodutivistas. Se Antes dc tudo, deve ser uma educação univer
gundo eles, a escola, em vez de democratizar, re sal, leiga, gratuita c. portanto, de competência do
84
Estado. A educação popular seria oferecida dc ma Nessa linha dc raciocínio, é importante que o
neira não-elitista e nela o próprio povo se tomaria o trabalho esteja no centro das atenções, a fim de
sujeito do processo. Superada a escola dualista, dc superarmos as concepções do saber abstrato e
caráter ideológico, caberá à educação a socializa desligado da prática, típico da educação elitista.
ção do saber, a popularização da cultura. Restabelecida a unidade entre teoria c prática,
Diante do quadro dc pobreza da sociedade entre trabalho intelectual e trabalho manual, tor
brasileira, não há como minimizar o importante na-se possível superar a dicotomia cultura erudi
papel que o Estado deve exercer no processo da ta x cultura popular.
educação. Nada será feito, porém, em real bene Instalada a escola elementar rcalmente aces
fício do povo se este não desenvolver mecanis sível a todos, o ensino secundário c o superior
mos de auto-suficiência que lhe permitam supe poderão estar abertos àqueles que realmente de
rar os referidos vícios da escola herdada da socie sejam estender sua formação, não mais constitu
dade burguesa. indo privilégio de alguns.
Nesse sentido, o professor Derme vai Saviani Como proceder à mudança diante do avilta
estabelece algumas nuanças, ponderando que, mento do salário do professor, da inexistência dc
em vez de centrar a defesa da escola pública na um plano de carreira e de investimentos na atua
oposição entre o ensi no público e o privado, cabe lização profissional? Um professor competente,
centrá-la na oposição entre ensino de elite c edu~ politizado e entusiasmado com seu trabalho não
caçao popular. Destaca que a educação burgue se faz apenas com “vocação’" e “sacerdócio ’. Es
sa é qiiantitativamente elitista por ser restrita a sas são justificativas ideológicas que servem para
poucos e qualitativamente elitista por ser manter o status quo.
marcada por conteúdos desvinculados dos inte É importante, nesse sentido, que os recursos
resses populares. públicos sejam destinados exclusivamente ao
A fim de superar o elitismo, a escola precisa ensino público, a fim dc atender com eficiência a
ser de boa qualidade, preocupada com a trans estrutura escolar, não se desviando para o ensino
missão dc conteúdos. Nenhuma consciência crí particular que deve ser autônomo.
tica seria pode ser desenvolvida se os alunos Surge aí a necessidade de ação atenta da serie
não tem acesso à herança cultural. Daí a neces dade civil no controle da educação. Vigiar o ensino
sidade dc se dar ênfase às disciplinas língua que é ministrado, a aplicação das verbas públicas,
portuguesa, matemática, ciências, história e exigir hoa formação e reciclagem dos professores e
geografia. Quando nos referimos a essa aquisi estar atento a outros aspectos relativos ao born fun
ção. pensamos em um saber inserido na reali cionamento da escola são tarefas que supõem a
dade vivida. Isso supõe a recuperação da me mobilização dos sindicatos, das associações de
mória coletiva, incluindo aí a história dos ven bairro, dos partidos políticos, enJirn. das organiza
cidos, dos humilhados e excluídos, cujo percur ções não-governamentais capazes de pressionar c
so geral mente é ocultado na sociedade marcada exercer o poder que todo cidadão deveria assumir.
pela ideologia. E que só terá na medida em que o exercitar!
Dropes
85
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Deporto mento de Emprego e Rencí: mento. In O traço da sociai no Brasi!, Jane Souto de
Oliveira (org.) Rio de Janeiro, IBGE, 1993, p. 25.
86
É politicamente pobre o cidadão que esqueceu sua história, que não compreende o que aconte
ce, nem por que acontece, que só espera a solução da “mão forte” ou do “bom pai”, que não se organi
za para reagir, nem se associa para exigir, nem se congrega para influenciar... (Maria Teresa Sirvent)
Leituras complementares
★Junior high school refere-se a dois ou três anos intermediários entre o elomcntory (“primário”) e a high school
(•'secundário”), aproximadamente correspondente aos últimos anos do nosso atual '1- grau", ou ao antigo 'gi
násio'1, ou !,T- ciclo secundário". (N.T.)
87
estruturado, carente de recursos e, sobretudo, a qual ele é considerado como um marginal. Foi
conduzido por uma política discriminatória em no momento em que esse sistema econômico
relação ao ensino fundamental. Este foi abando necessitava de mão-de-obra semi-analfabeta,
nado pelo poder público que, pressionado pela submissa e obediente aos seus ditames que o
classe média, deu prioridade ao ensino de ter analfabeto constituiu-se em problema. Nossos
ceiro e quarto graus. O sistema escolar é o gran governos nunca trataram o problema do analfa
de responsável pelo crescimento do analfabetis betismo como um problema humano, político-so
mo e pelo baixo grau de escolarização da nossa cial, mas como um problema puramente econô
população. Em números absolutos temos mais mico. O insucesso ou o sucesso do Mobral só
analfabetos do que em 1932, quando os “pionei pode ser medido pela qualidade de vida dos al
ros da educação nova” iniciaram suas lutas em fabetizados e não pela sua ' integração” ao siste
prol da “democratização” do ensino. O fato é que ma económico. Ora, o analfabeto de 1930 tinha
tínhamos em 1940, segundo o Censo daquele melhores condições de sobrevivência, melhor
ano, 13.279.889 analfabetos e em 1970 esse qualidade de vida do que os 5 milhões de analfa
número elevou-se para 17.936.887. Embora cri betos que receberam do Mobral, até 1975, seus
ado em 1967 o Mobral só começou a atuar deci diplomas. Hoje, esses diplomados contribuem
didamente no campo da “alfabetização funcional” para o desenvolvimento econômico brasileiro
em 1970. Em termos quantitativos parece que sem dele se beneficiar.
ele obteve êxito, reduzindo, em 5 anos (1970- O interesse maior do Mobral não é "erradicar o
1975), de 33% para 11,8% o número de analfa analfabetismo” como declaram os seus fervorosos
betos. Sabe-se agora, pelas declarações do defensores. Ele visa (na prática) o “treinamento”
novo Ministro da Educação, que é meta do próxi para o exercício de uma função no mercado de
mo governo reduzir esse número para 8%. trabalho, notadamente o industrial. Se esse obje
Quem observasse apenas esses números e tivo fosse atingido e o trabalho fosse bem remu
esse propósito poderia concluir que a batalha do nerado já seria um passo decisivo para a alfabeti
analfabetismo está sendo ganha. É preciso ver, zação. Mas isso também não ocorre. A “erradi
porém, se os números não mentem e se os me cação do analfabetismo" só poderá vír realmente
canismos criados para conter o analfabetismo não no momento em que sua causa principal for ata
são puramente artificiais. Saber assinar o próprio cada, garantindo a escolarização fundamental
nome na Carteira Profissional e ler meia dúzia de para todos. O funcionamento de uma escola
letreiros não pode constituir-se em glória de ne discriminatória garante uma clientela permanente
nhum sistema de alfabetização. Como medir, en ao Mobral e, ao setor industrial, um exército de
tão, o sucesso ou o insucesso do Mobral? reserva de mão-de-obra de baixo custo, sempre
Os números e as estatísticas podem empol pronto para substituir trabalhadores que incomo
gar aos tecnocratas, mas não podem enganar ao dam (doentes, gestantes, grevistas etc.).
próprio analfabeto cooptado pela estratégia de (Moacir Gadotti, Educação e poder,
uma política econômica discriminatória perante p. 101-102.)
Atividades
Questões
1. Explique que tipo de oposição existe em cada um dos seguintes pares de conceitos: povo e elite;
público e privado; público e popular.
2. Partindo do relato histórico da educação universal, o que é comum à maioria das formas de educação
popular? Dê alguns exemplos.
3. Por que a escola dualista se contrapõe à autêntica educação popular?
4. Qual é o impasse vivido pelo capitalismo industrial diante da necessidade de escolarização das mas
sas?
5. Quando começa efetivamente a preocupação com a escolarização no Brasil e por quê?
88
6. Qual era o tema do debate entre os educadores da escola nova e os católicos conservadores? Por que
ele é ainda hoje atual?
7. Porque a educação popuíar foi prejudicada pela reforma educacional de tendência tecnicista, ocorrida
durante a ditadura?
8. Qual é a importância do Estado na instalação da educação popular? Quais são os riscos?
Pesquisa
9. Consulte outros livros e faça uma dissertação a respeito do método de alfabetização de Paulo Freire.
Análise de texto
10. Explique em que sentido o termo pixote pode se referir às classes popuiares.
11.0 que o autor quer dizer quando se refere à “tutela da farda e das oligarquias”9
12. Ern que sentido a divisão entre trabalho intelectual e braçal leva à desclassificação do cidadão, tornan
do o “pixote1?
13. Leia os dropes 1,2 c 3 e redija um texto analisando os dados fornecidos.
14. Analise, a partir da leitura dos artigos da Constituição, sua importância ou desvantagens. Avalie ainda
a distância entre a lei e a realidade.
17. Qual é a importância dos testes vocacionais na situação descrita pelos autores?
18. Por que os autores se referem aos testes como tendo um “viés classista", mesmo quando se propõem
justos?
19. As expressões “administração científica” e “desempenho” nos remetem ao taylorismo. Reveja o signi
ficado desses conceitos nos Capítulos 2 e 18.
20. O texto se refere aos “reformadores progressivos”. Quem são eles?
Redação
Tema: “A Terra é um só país, e os seres humanos, seus cidadãos1’ (Vestibular lta/90). A partir desta
frase,, faça uma dissertação centrada na temática da educação.
89
Na Lucânia, quando nasce um menino se derrama uma bilha d'água pela estra
da, corno simbolizando que a criança recém-nascida está destinada a percorrer as
estradas do mundo; quando nasce uma menina a água é derramada na lareira., como
significando que sua vida se irá desenrolar dentro das paredes domesticas.
(Elena Gianini Bclotti)
90
mulher e de feminilidade. Não há a mulher em A crítica ao mito da feminilidade não tem por
si, com características universais que permitam objetivo a anulação das diferenças que certamen-
definir o que é “natural” ou “normal” no com te existem entre homem e mulher. Como já dis
portamento feminino. semos, os modelos existem, mas devem ser fle
A antropologia nos ensina a respeito de uma xíveis, ou seja, convém estarmos atentos ao fato
"construção” social da mulher, que varia de acor de que, enquanto se caracterizam como constru
do com a expectativa de cada sociedade a respei ções sociais, visam o funcionamento dinâmico
to dos papéis que a mulher deve desempenhar. da sociedade. Em contraposição, lodo estereóti
Nada conira esses modelos, que são importantes po é rígido, preconceituoso e gcralmenle se en
para o funcionamento da sociedade, para a edu contra a serviço da dominação.
cação das crianças a partir da imitação c que de Daí que toda educação precisa estar voltada
finem a expectativa em torno do comportamento para garantir a diversidade pessoal, o que
desejável em cada comunidade. independe de tratar-se de homem ou mulher.
Esses modelos, no entanto, devem ter uma Por exemplo, não faz sentido reduzir a atividade
dinâmica que suponha sua adaptação às novas de uma menina considerada “moleca” demais
exigências, o que nem sempre acontece. Com nem, tampouco, exigir de um menino tímido e
relação às mulheres, durante milênios impôs- afetuoso um comportamento mais agressivo e
se um modelo que, embora comportando algu atirado.
mas variações, conservava intacta a subordi
nação ao homem, mantendo assimétrica sua
relação com ele. 3. Tornar-se mulher
A mais comum das distorções está no apri
sionamento da mulher em estereótipos, “encai Na epígrafe do capítulo, transcrevemos
xando-a” em padrões considerados “naturais”. uma afirmação clássica da filósofa francesa
Segundo essa tendência, a mulher seria intuiti Simonc de Bcauvoir. que nos anos 40 se desta
va, sensível, delicada, amorosa, altruísta, todas cou como pioneira na desmistificação da/ewí-
essas características culminando no “instinto nilidade. De fato, “ninguém nasce mulher: tor
materno”. na-se mulher”.
Ao valorizara intuição feminina, na verdade A psicologia constata que, aos três ou quatro
a contrapomos ao homem racional, capaz du ela anos de idade, a criança já introjetou os modelos
borações intelectuais mais refinadas. Ao defini- sociais de comportamento adequados ao seu sexo,
la como sensível c amorosa, a consideramos pas aprendendo, por meio de gratificações e sanções,
siva e presa fácil das emoções, enquanto o ho quais são as exigências e expectativas dos papéis
mem é agressivo e empreendedor. Ao atribuir a a serem desempenhados na cultura a que perten
ela altruísmo, exigimos o abandono de si. mas, ce. Sc os filhos não correspondem a esses mode
ao tornar-se um “ser-para-outro”, tem facilitada los, tornam-se inevitáveis a apreensão de pais c
sua submissão. Ao exaltar o instinto materno, professores c a conseqücnte procura dos meios
aproximamos a mulher da natureza e a confina para adequá-los aos padrões vigentes.
mos ao mundo doméstico, à esfera privada. Já o Antes mesmo do nascimento, a criança já se
homem se volta para a rua, para o público, como acha submetida às expectativas dos adultos. No
artífice da civilização. mundo competitivo contemporâneo, se o filho
Dessa forma se delineiam as características for homem, os pais imaginam o seu futuro como
de inferiorização da mulher que justificam sua um profissional bem-sucedido. Nas sociedades
dependência e passividade. Embora esse esbo tradicionais, se for mulher, há que ser bonita e
ço pareça simplista demais, e apesar das mu afetuosa. Nesse caso, mães que só tiveram filhos
danças de comportamento alcançadas nas últi homens muitas vezes lamentam não poder des
mas décadas, graças aos movimentos de contes frutar a companhia de filhas mulheres; teria sido
tação, persistem ainda profundas diferenças mais fácil educá-las, ajudariam nos serviços ca
com relação às expectativas dos papéis atribuí seiros. seriam mais companheiras... Além disso,
dos a cada sexo. são mais graciosas e é mais gostoso vesti-las.
91
92
TLido o que é levado a efeito na educação fa- e com caligrafia irregular, demonstram a existên
miliar encontra reforço cm inúmeros outros as cia de uma intensa vida extraclasse. intercalada à
pectos da vida de cada um. A reprodução dos es sua atividade escolar.
tereótipos se dá nos meios de comunicação de Ora. a maioria dos professores de I- grau é
massa (novelas, comerciais, filmes, revistas de do sexo feminino, e não deixa de ser sugestiva
grande circulação, quadrinhos etc.), o mesmo a denominação de maternal para os cursos de
acontecendo com relação à religião, à escola, à atendimento à primeira infância. Não vamos
profissão, às leis, à literatura, quando difundem aqui alongar a discussão (fértil, sem dúvida!) a
velhas fórmulas preconceituosas. respeito de tal discrepância, mas podemos
apontar o falso pressuposto de que só a mulher
teria vocação para o atendimento de crianças
4» A escolarização da mulher_____ dessa faixa etária. Experiências com professo
res do sexo masculino têm desmentido isso,
A escola c os estereótipos mostrando a importância da figura masculina e
como é fecunda a interação dos dois sexos na
Os textos didáticos, bem como a literatura ado educação da criança.
tada com frequência nas escolas, reproduzem a Por outro lado, convem estarmos atentos ao
imagem bipolar das tarefas divididas segundo o fato de que, quanto maior for a participação da
sexo. É comum encontrar-se a mãe confinada ao mão-de-obra feminina em uma determinada fun
lar. enquanto o pai representa o provedor da famí ção, mais baixos serão os salários pagos. Ou c
lia. Se por acaso a mulher trabalha, descrevem-se justamente pela questão salarial que os homens
as clássicas atividades tidas como femininas. Nas não têm se candidatado?
histórias de aventura, o protagonista é sempre do Quanto ao conteúdo ensinado nas escolas, c
sexo masculino, c a mulher, mesmo quando cora curioso notar que as mulheres procuram os cur
josa, desempenha papel secundário. sos humanísticos, ao passo que os rapazes se in
Outras vezes, quando não levanta discussões teressam pelas ciências c pelas artes mecânicas.
a respeito da situação da mulher, do negro ou do A predominância de “escolhas naturais” provo
pobre, a escola discrimina por omissão, Com ca pasmo quando as meninas demonstram inte
essa atitude, faz supor que vivemos em uma so resse pelas disciplinas não habituais, provocan
ciedade harmoniosa e una, na qual todos, a partir do uma inversão com relação às expectativas. Pa
do esforço de cada uni, têm seu lugar ao sol. rece que a cultura geral c supostamente “desinte
Os próprios professores reforçam os papeis ressada” se adequaria melhor àquelas que serão
estabelecidos quando esperam que as meninas mães e esposas.
sejam mais comportadas e ordeiras e aceitam
com complacência a agitação dos meninos, como Histórico da educação da mulher
se ela fosse “natural”. Diz a educadora italiana
Elena Gianini Belotti: "As meninas, nos primei Até agora nos referimos ao tempo presente e
ros anos da escola elementar, são aparentemente a um determinado segmento social que tem aces
vitoriosas. Não há professora que resista à atra so à escola. Sc fizermos um rápido retrospecto
ção de um caderninho bem-arrumado, que cor histórico, veremos que a educação formal da
responde ao seu conceito pessoal, 'feminino', de mulher sempre foi preterida.
ordem. Os cadernos das meninas arrebatam os Com pequenas variações, todos os povos con
elogios, parecem delicados produtos de uma fina finam as mulheres a certos espaços da casa. En
sensibilidade, mas são fruto de uma criatividade quanto os meninos saem bem cedo da tutela da
extinta para sempre e que deixou cm seu lugar mãe, as meninas continuam dependendo dela para
um melancólico conformismo”1. Ao contrário, os a aprendizagem das atividades ditas femininas.
cadernos dos meninos, sujos, cheios de "orelhas” As mulheres, de modo geral, não tratam dos
negócios nem da política. Contudo, a pretensa
falta de vocação para esses assuntos tem sido
Educar petra a sttbiidswt). p. 158. muitas vezes desmentida em momentos em que
93
94
95
96
Jein. de modo que se torna praticamente im Sabemos dos limites da escola como agente
possível afirmar quando a discriminação pro de mudança dos comportamentos sociais, mas
sem do pat ri arcado. se vincula ao sistema de isso não significa negar a ela um espaço no qual
classes ou, ainda, é decorrente do racismo4. pode ser exercida uma ação i mportante.
Vimos, ao tratar da profissionalização da mu Se educar é. entre outras coisas, criar condi
lher, como ela é discriminada pelo homem, ções para transmitir às novas gerações as expec
mesmo quando ele próprio se acha inferio tativas de comportamentos adequados à conti
rizado na sociedade de classe. Poderíamos nuidade da cultura de um povo, os modelos soei
acrescentar também que as próprias mulheres ais são importantíssimos. No entanto, enfa
discriminam as que são mais pobres ou de ou tizamos novamente que esses modelos precisam
tra raça. ser compreendidos a partir de sua significação
Convém não restringir o feminismo às ques social, sempre flexível c aberta para o diálogo e
tões que dizem respeito exclusivamente à mu a cooperação. Caso contrário, a educação estará
lher. O problema é muito mais amplo e exige a serviço da dominação.
também tuna análise política, ou seja, a luta pela Cabe ao professor evitar os estereótipos, as
igualdade de oportunidades não se separa da bus afirmações de que ‘ sempre foi assim”, kSé natural
ca de viabilização de uma sociedade demo que seja assim”, para não “congelar ’ os comporta
crática. Não se trata de algo que devemos espe mentos em padrões fixados de uma vez por todas.
rar acontecer, pois exige não só a tomada de Urna educação não sexista há que reconhecer
consciência das formas de discriminação, como as pessoas na sua diversidade, não separar tare
também a mobilização, a ação transformadora fas e funções e cuidar da formação plena e inte
das situações de discriminação. gral do ser humano.
As experiências têm demonstrado a importância da presença masculina e como é fecunda a interação dos dois
sexos no atendimento infantil.
97
Dropcs
..............-l..;.:
Pelo Código Civil brasileiro de 1916, a mulher casada era considerada relativamente incapaz,
junto com os pródigos, os silvícolas e os menores de 21 anos (artigo 6-); ela não podia, sem autoriza
ção do marido, aceitar ou repudiar herança ou legado; aceitar tutela, curatela ou outro munus públi
co; aceitar mandato, litigar em juízo, salvo algumas exceções, e exercer profissão. A chefia da famí
lia era exclusiva do marido. A mãe viúva que contraía novas núpcias perdia, quanto aos filhos do
leito anterior, os direitos do pátrio poder.
O Estatuto da mulher casada (Lei 4.121, de 1962) corrigiu várias dessas aberrações, mas
manteve, no artigo 233, que “o marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a
colaboração da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos”. (Texto baseado em Florisa
Verucci.)
Leituras complementares
1. Fragmentos
As leis gregas e as romanas dizem o mesmo. essa educação gerais, quando feitas segundo
Enquanto rapariga, está sujeita a seu pai; morto bom método, fornecerão, a cada um, o que é ne
o pai, a seus irmãos e aos seus agnados; casa cessário para bem pensar e bem agir. Além dis
da, a mulher está sob tutela do marido; morto o so, em meio às fadigas do trabalho, poderão or
marido, não volta para sua própria famíiia por ganizar-se, de maneira inteligente, os lazeres
que renunciou a esta, para sempre, peio casa que sâo, atualmente, fonte de perdição. (Co-
mento sagrado; a viúva fica submetida à tutela mênío, século XVII)
dos agnados de seu marido, isto é, à tutela de
seus próprios filhos, se os tem, ou, à falta des Enfim, além do bem que faz a mulher quando
tes, à dos mais próximos parentes do marido. recebeu a educação esmerada, não se pode es
Seu marido tem sobre ela tanta autoridade, que quecer o mal que causa ao mundo se lhe falta
pode, antes de morrer, designar-lhe tutor, e até aquela educação capaz de inspirar-lhe a virtude.
mesmo escolher-lhe segundo marido. (Foustel É certo e seguro que a má educação da mulher é
de Coulanges, referindo-se à Antiguidade.) causa de maiores males que a do homem, já que
as desordens dos homens têm com freqüência
Vós, mulheres, sujeitai-vos aos vossos mari sua origem na má educação que receberam de
dos, como ao Senhor; porque o marido é a cabe suas mães e nas paixões que mais tarde outras
ça da mulher, como também Cristo é a cabeça mulheres lhes inspiraram. (Fénelon, sécuio XVII)
da Igreja. (Apóstolo Paulo, século I)
Da boa constituição das mães depende em
Se alguém vier me dizer: Aonde iremos parar primeiro lugar a das crianças; do seio das mulhe
se as próprias mulheres se derem aos estudos?, res depende a primeira educação dos homens;
responderei: Acontecerá isto: essa instrução e das mulheres dependem ainda seus costumes,
98
2. A mãe
A relação da mãe com os filhos define-se no alegria a uma mulher capaz de querer desinte
seio da forma global que é a sua vida; depende ressadamente a felicidade de outro, àquela que,
de suas relações com o marido, com o passa sem se voltar para si mesma, busca uma supe
do, com suas ocupações e consigo mesma; é ração de sua própria existência. O filho é, sem
um erro nefasto tanto quanto absurdo preten dúvida, uma empresa a que se pode validamente
der ver no filho uma panacéia universal. É a destinar; mas tal como outras não representa
conclusão a que também chega H. Deutsch, na uma justificação em si; e é preciso que seja de
obra que citei muitas vezes e em que estuda, sejada pelo que é e não por benefícios hipotéti
através de sua experiência de psiquiatra, os fe cos. Stekel diz muito justamente:
nômenos da maternidade. Ela coloca muito alto “Os filhos não são sucedâneos do amor; não
essa função pela qual considera que a mulher substituem uma meta de vida falhada; não são
se realiza totalmente; mas com a condição de material destinado a encher o vazio dc nossa
que seja livremente assumida e sinceramente vida; são uma responsabilidade e um pesado de
desejada; é preciso que a jovem mulher se en ver; são os florões mais generosos do amor li
contre numa situação psicológica, moral e ma vre. Não são nem o brinquedo dos pais, nem a
terial que lhe permita suportar-lhe o fardo, sem realização de sua necessidade de viver, nem su
o que as consequências serão desastrosas. É cedâneos de suas ambições insatisfeitas. Os fi
criminoso, em particular, aconselhar o filho lhos representam a obrigação de formar seres
como remédio a melancólicas ou neuróticas; felizes?
faz-se com isso a infelicidade da mulher e da Uma tal obrigação nada tem de natural: a Na
criança. A mulher equilibrada, sadia, conscien tureza não poderá nunca ditar uma escolha mo
te de suas responsabilidades é a única capaz ral; esta implica um compromisso; dar à luz é as
de se tornar uma “boa mãe”. sumir um compromisso; se a mãe não o cumpre
Disse que a maldição que pesa sobre o casa a seguir, comete um erro contra uma existência
mento provém de que muito frequentemente os humana, contra uma liberdade; mas ninguém lho
indivíduos nele se juntam em sua fraqueza, não pode impor. A relação dos pais com os filhos,
em sua força, cada qual solicitando do outro ao como a relação da mulher com o marido, deveria
invés de dar. É um engano ainda mais dece ser livremente desejada.
pcionante do que sonhar em alcançar, pelo filho, (Simone de Beauvoir, O segundo sexo,
uma plenitude, um calor, um valor que não se 2. ed., São Paulo, Ditei, 1967, v. 2,
soube criar por si mesmo; o casamento só dá “A experiência vivida”, p. 290.)
99
(...) Ensinar é profissão que envolve certa ta ca repousando manhosamente na intimidade da
refa, certa militância, certa especificidade no seu falsa identificação. Identificar professora com tia,
cumprimento enquanto ser tia é viver uma rela o que foi e vem sendo ainda enfatizado sobretu
ção de parentesco. Ser professora implica assu do na rede privada em todo o país, é quase como
mir uma profissão enquanto não se é tia por pro proclamar que professoras, como boas tias, não
fissão. (...) devem brigar, não devem rebelar-se, não devem
Recusar a identificação da figura da profes fazer greve. Quem já viu dez mil "tias” fazendo
sora com a da tia não significa, de modo algum, greve, sacrificando seus sobrinhos, prejudican
diminuir ou menosprezar afigura da tia, da mes do-os no seu aprendizado? E essa ideologia que
ma forma como aceitar a identificação não tra toma o protesto necessário da professora como
duz nenhuma valoração à tia. Significa, pelo con manifestação de seu desamor aos alunos, de
trário, retirar algo fundamental à professora: sua sua irresponsabilidade de tias, se constitui como
responsabilidade profissional de que faz parte a ponto central em que se apóia grande parte das
exigência política por sua formação permanente. famílias com filhos em escolas privadas. Mas
A recusa, a meu ver, se deve sobretudo a duas também ocorre com famílias de crianças de es
razoes principais. De um lado, evitar uma com colas públicas.
preensão distorcida da tarefa profissional da pro (Paulo Freire, Professora sim, tia não,
fessora, de outro, desocultar a sombra ideológi São Paulo, Olho d’Água, 1994, p. 10-12.)
Atividades
Questões
1. Em que sentido a situação feminina pode ser comparada à dos negros e dos proletários?
2. Por que é ideológico fazer qualquer análise a partir do conceito de mulher em si?
3. Dê exemplos (diferentes daqueles que aparecem no texto) de educação informal como transmissora
de estereótipos da feminilidade.
4. Faça o mesmo com relação à educação formal.
5. Por que a emancipação da mulher pode promover a maior humanização masculina?
6. Como as dificuldades de profissionalização da mulher se entrelaçam às forças do patriarcado e do
capitalismo?
7. Analise a frase de Sartre a respeito das mulheres: 'Metade vítimas, metade cúmplices, como todo
mundo”.
8. Recorte um anúncio publicitário (em revista ou jornal) e analise nele os componentes que reforçam os
estereótipos da feminilidade.
Pesquisa
Análise de texto
11. Com base nos fragmentos que compõem o texto complementar 1, identifique os discursos favoráveis à
igualdade da mulher e os que mantêm sua submissão.
100
12. O que significa dizer que a maternidade deve ser livremente assumida?
13. Por que a autora diz que ter filhos nào é uma obrigação natural? O que seria então?
Tendo como base o texto complementar 3, de Paulo Freire, responda às questões 14 e 15.
14. Quais os dois motivos pelos quais o autor reprova o hábito de se chamar as professoras de tias?
15. Tendo em vista o que foi estudado no capítulo, por que a maioria dos profissionais de educação ele
mentar sâo do sexo feminino?
Redação
Tema. “Não basta querer para mudar o mundo. Querer é fundamental mas não é suficiente. É preciso
também saber querer, aprender a saber querer, o que implica aprender a saber lutar politicamente com
táticas adequadas e coerentes com os nossos sonhos estratégicos’. (Paulo Freire)
101
104
105
cos de pesquisa. Dá-se então a especialização do ciologia, por exemplo, o filósofo questiona o que
saber, na qual cada ciência sc ocupa com seu ob é o homem, o que o trabalho significa para ele e
jeto específico. como o trabalho parcelado interfere, prejudican
A primeira questão versa sobre o que resta à do a compreensão que ele tem de si mesmo e do
filosofia se, ao longo do tempo, com o apareci mundo.
mento das ciências particulares, tornadas inde Ao criticar a realidade em que vive, o filóso
pendentes. ela foi ‘"esvaziada” dc seu conteúdo. fo projeta uni futuro em que outra realidade será
No século XX, até as questões referentes ao ho construída,
mem foram apropriadas pelas ciências humanas.
Ora. a filosofia continua tratando do mesmo O processo do filosofar
objeto abordado pelas ciências. Mas, enquanto
o cientista se especializa em “recortes” do real, Com o que foi dito até agora, percebe-se que
o filósofo jamais renuncia a considerar o objeto a filosofia não oferece um corpo acabado de co
do ponto de vista da totalidade. A filosofia bus nhecimentos nem o filósofo detém um saber que
ca uma visão dc conjunto, ou seja, nunca exa o coloca acima de todos. A filosofia se insere na
mina o problema de modo parcial, mas sempre história, e os temas com que sc ocupa mudam de
sob uma perspectiva que relacione cada aspecto acordo com os problemas que precisa enfrentar.
com os demais, no contexto em que está inseri Como seres sensíveis e racionais, estamos
do. Portanto, a realidade, que sc acha fragmen sempre dando sentido às coisas. Isso significa
tada pelo saber especializado de cada ciência que não precisamos ser filósofos profissionais
particular, é resgatada na sua integridade pela para nos ocuparmos com questões filosóficas.
filosofia, a única encarregada de fazer uma re Costumamos chamar de filosofia de vida o filo
flexão crítica c global a respeito do saber e da sofar espontâneo do homem comum, que. no co
prática do homem. tidiano, é levado a momentos de parada, a fim de
Sc a física e a química se denominam ciên retomar o significado dos atos e pensamentos,
cias c usam determinado método, definir o que é para agir mais adequadamente.
ciência, distinguir esse conhecimento dc outros, Existem valores em jogo quando resolvemos
dizer o que é método c qual a sua validade não é mudar para uma casa, deixando dc morar em
da alçada do próprio físico ou químico. Eles até apartamento: ao abandonar um emprego por ou
podem se dedicar a tais questões, mas. quando o tro não tão bem remunerado, porém mais atraen
fazem, deixam de ser exclusivamente cientistas te; ou quando escolhemos o colégio no qual va
e defrontam com problemas propriamente filo mos estudar. Escolher uni “colégio fraco para
sóficos. O mesmo se dá com o psicólogo que passar de ano” e ter tempo para passear ou, ao
aborda o conceito de homem livre; indagar sobre contrário, preferir um "colégio forte para se pre
o que c a liberdade já e fazer filosofia. parar para o vestibular" ou, ainda, “um bom co
Assim, em todos os setores do conhecimento légio para ter melhor contato com o inundo da
e da ação, a filosofia está presente como reflexão cultura c abrir as possibilidades de autoco-
crítica a respeito dos fundamentos desse conhe nheci mento" são situações que nos colocam di
ci mento e desse agir. ante dc diferentes filosofias de vida.
As conclusões da ciência têm um caráter de Iodas essas escolhas supõem certa reflexão.
juízos de realidade, yã que, de uma forma ou de Examinemos a palavra reflexão: quando nossa
outra, descrevem como os fenômenos ocorrem, imagem sc reflete no espelho, há um “desdobra
quais as suas relações constantes e, consequen mento” da figura, pois estamos aqui e estamos
temente, como prevê-los. Já a filosofia fu? juízos lá; ao se refletir, a luz chega até o espelho e
de valor: não aborda a realidade apenas como ela retorna. Reflectere, em latim, significa fazer re
é, mas como deveria ser. Julga o valor do conhe troceder, voltar atrás. Aproveitando esses diver
cimento e da ação, busca o seu significado e, com sos significados, podemos dizer que refletir é re
isso, dá sentido à experiência vivida. tomar o próprio pensamento, pensar o já pensa
A partir da análise das relações sociais resul do, voltar para si mesmo c colocar em questão o
tantes da divisão do trabalho fornecida pela so- que já se conhece.
106
impossibilita a percepção das formas alienadas interesse), também visa o lodo. a totalidade. Daí
da vida. sua função de interdisciplinaridadc, que permite
texto es utilizado parclalmente como material de consulta académica. Síempre debe ser debldamente referenciado
Embora no dia-a-dia todo homem seja capaz estabelecer o elo entre as diversas formas do sa
de elaborar sua filosofia de vida, a reflexão de ber e do agir humanos.
senvolvida pelo filósofo especialista c muito di A maneira pela qual a reflexão filosófica se
ferente. Ao se ocupar especialmente com ques faz rigorosamente varia conforme a orientação
tões filosóficas, o filósofo especialista conhece a de cada filósofo e as tendências históricas decor
tradição dos pensadores, debate com os teóricos rentes da situação vivida pelos homens na sua
do seu tempo e cria conceitos, desenvolvendo um ação sobre o mundo.
método e uma maneira rigorosa e sistemática de
pensar.
Segundo o professor Dermcval Saviani, a re 3. Importância da filosofia
flexão é propriamente filosófica quando é raJz-
cflZ. c de conjunto2. Vejamos o que sig O inundo contemporâneo é pragmático, vol
nificam esses tópicos. tado para as coisas práticas, interessado na apli
A filosofia c radical porque vai até as raízes cação imediata dos conhecimentos. Por isso, a fi
da questão. A palavra latina radix. radieis signi losofia não encontra muitos adeptos, sendo
fica literal mente “raiz” e, no sentido derivado, frcqüentemente repudiada como uma ocupação
“fundamento”, “base”. Portanto, a filosofia é ra inútil.
dical enquanto explicita os fundamentos do pen Contudo, a filosofia é necessária. E a filoso
sar c do agir. No momento em que o matemático fia que reúne o pensamento fragmentado pelas
se pergunta o que é o número ou qual a validade ciências e demais formas de conhecimento, bus
de uma demonstração geométrica, passa a inves cando compreender o mundo da técnica dilace
tigar a raiz do seu saber e. nesse caso, conta com rado em tantas especializações. Quer resgatar,
a ajuda do filósofo das ciências. Da mesma for assim, a unidade que se encontra no sentido hu
ma, ao questionar os fundamentos dos métodos mano do pensar e do agir.
usados em nossa escola, precisamos do filósofo E a reflexão filosófica que permite ao homem
da educação. adquirir outra dimensão além daquela que é dada
A filosofia é rigorosa porque, enquanto a fi pelo agir imediato, na qual estamos mergulhados
losofia de vida não leva suas conclusões até as no dia-a-dia.
últimas consequências, o filósofo especialista E a filosofia que garante o distanciamento
dispõe de um método claramenlc explicitado que para a avaliação dos fundamentos dos atos hu
permite proceder com rigor, garantindo a coerên manos e dos fins a que eles se destinam, levan
cia c o exercício da crítica. Para justificar suas tando. conseqücntcmente, o problema dos va
afirmações com argumentos, faz uso de uma lin lores.
guagem rigorosa que permite definir claramente A filosofia impede a estagnação que resulta
os conceitos, evitando a ambigüidade típica das do não-qiiestionamcnto. Sua investigação não
expressões cotidianas. Para conseguir essa lin- está alheia à ética c à política, fazendo com que
se confronte sempre com o poder. Daí sua fun
ção de desvelar a ideologia, as formas pelas quais
2. Educação brasileira: cslrLilurdc sislenia, p. 68. c mantida a dominação. Atentando para a etimo-
107
Este
logia do vocábulo grego correspondente a ver mar, quais os valores emergentes que se contra
dade (a-Iétheia. a-lelhcúein, “desnudar”), vemos põem a outros, já decadentes, e quais os preyw-
que a verdade põe a nu aquilo que estava escon postos do conhecimento subjacentes aos méto
dido. Eis aí a vocação do filósofo: desvelar o que dos e procedimentos utilizados. Como se vê, des
está encoberto pelo costume, pelo convencional, tacamos aí os três aspectos — antropológico,
pelo poder. axiológico e epistcmológico — que serão objeto
Por isso a atitude de filosofar exige coragem. de estudo nos próximos capítulos.
A filosofia não é uni exercício puramente intelec Cabe à filosofia, entre outras coisas, exami
tual. Descobrir a verdade c aceitar o desafio da nar a concepção de homem que orienta a ação
mudança, é ter a coragem de enfrentar as formas pedagógica, para que não se eduque a partir da
estagnadas de poder que mantêm o s tatus quo. noção abstrata de "criança cm si”, de ‘ homem
em si”. Da mesma forma, não há como definir
objetivos educacionais se não temos claros os
4. Filosofia da educação valores que orientam nossa ação. O filósofo
deve avaliar os currículos, as técnicas c os mé
Cada povo tem um processo de educação pelo todos a fim de julgar se são adequados ou não
qual transmite a cultura, seja de maneira infor aos fins propostos sem cair no tecnicismo, risco
mal ou por meio de instituições como a escola. inevitável sempre que os meios são super-
No entanto, nem sempre o homem reflete espe- valorizados c se desconhecem as bases teóricas
cificamente e de maneira rigorosa sobre o ato de do agir.
educar. Muitas vezes a educação c dada de ma Diante do avanço das ciências humanas, al
neira espontânea, a partir do senso comum, repe- guém talvez argumente que a filosofia da edu
ündo-se costumes transmitidos de geração para cação terá seu campo bastante restringido. Em
geração. bora sejam importantíssimas as conquistas da
A teoria, contudo, c necessária para que se su psicologia e da sociologia, e delas muito tem se
pere o espontaneísmo, permitindo que a ação aproveitado a pedagogia, a filosofia tem ainda
educacional se torne mais coerente c eficaz. tarefas bastante específicas, que não podem ser
Aliás, c bom lembrar que, segundo o conceito de desprezadas.
práxis, a teoria não se separa da prática, que é o Além das análises antropológicas, axio-
seu fundamento. Isso significa que ela não se lógicas e epistemológicas acima referidas, a fi
desliga da realidade, mas nasce do contexto so losofia tem a função de interdiscipiinaridade<
cial, econômico e político em que vai atuar. pela qual estabelece a ligação entre as diver
Quanto mais rigorosa for, mais intencional será sas ciências c Lccnicas que auxiliam a pedago
a prática. gia. Por exemplo, é a análise filosófica que
Sc a filosofia c uma reflexão radical, rigorosa permite refletir a respeito do risco que repre
e de conjunto que se faz a partir dos problemas sentam os “ismos\ ou seja, a preponderância
propostos pelo nosso existir, é inevitável que en de uma determinada ciência na análise dos fe
tre esses problemas estejam os que se referem à nômenos pedagógicos (o psicologismo, o
educação. Portanto, cabe ao filósofo acompanhar sociologismo, o economicismo etc.), corno ve
reflexiva e criticamcnle a ação pedagógica, de remos no Capítulo 15.
modo a promover a passagem "de uma educação Tendo sempre presente o questionamento so
assistem ática (guiada pelo senso comum) para bre o que é a educação, a filosofia não permite
uma educação sistematizada (alçada ao nível da que a pedagogia se torne dogmática nem que a
consciência filosófica)”-. educação se transforme em adestramento ou
A partir da análise do contexto vivido, o filó qualquer outro tipo de pseudo-educação.
sofo indaga a respeito do homem que se quer for- Concluindo, c necessário que a formação do
pedagogo esteja voltada não só para o preparo
técnico-científico, mas também para a poli-
3. Denneval Saviani, Educaçao’. do senso comum à consci tização e a fundamentação filosófica de sua ati
ência filosófica, p. 54. vidade.
108
Dropes
As raízes da utopia consistem no fato de que o homem ainda náo é um ser satisfeito, porque
ainda náo é perfeito, porque o mundo ainda não é acabado. O homem e o mundo pertencem ao
"ainda não”. Conforme E. Bloch, não devemos, no entanto, pensar que este “ainda não” implica o
que nunca será. Tal nos levaria ao desespero niilista. Ao contrário. Temos a esperança poderosa de
que o que “ainda não" é poderá ser um dia. (Pierre Furter)
...uma última palavra aos que temem a ditadura da razão: é tempo de arquivar de uma vez por
todas a máxima obscurantista de que “cinzenta é toda teoria, e verde apenas a árvore esplêndida da
vida’. Ela só pode ser sustentada, paradoxal mente, pelas naturezas não-passionais, insensíveis ao
erotismo do pensar. Quem, lendo um poema de Drummond, um livro de Tolstoi ou um tratado de
Hegel, acha que está se afastando da vida, não começou ainda a viver. Sem pensamento, a vida náo
é verde: é cinzenta. A vida do pensamento é uma parte integrante da verdadeira vida. Não é a razão
que é castradora, e sim o poder repressivo, que deriva sua solidez da incapacidade de pensar que
ele induz em suas vítimas. O fascismo se implantou através da difusão de uma ideologia vitalista
reacionária, que proclamava o primado dos instintos vitais sobre a razão, e com isso inutilizou a
razão, o único instrumento que permitiria desmascará-lo como a negação absoluta da vida. (Sérgio
Paulo Rouanet)
Leituras complementares
1. [O filósofo}
Uma vez aceito o princípio que todos os ho na indústria, além do servente e do operário quali
mens são “filósofos", isto é, que entre os filósofos ficado, há o engenheiro, quando não só conhece
profissionais ou “técnicos ’ e os outros homens o ofício praticamente, mas também teórica e his
não há diferença “qualitativa" mas apenas “quan toricamente. O filósofo profissional ou técnico não
titativa" (e neste caso “quantidade” tem um signifi só “pensa” com maior rigor lógico, com maior coe
cado particular, que não pode ser confundido com rência, com maior espírito de sistema do que os
soma aritmética, já que indica maior ou menor outros homens, mas conhece toda a história do
“homogeneidade”, “coerência”, “logicidade" etc., pensamento, sabe explicar o desenvolvimento
isto é, quantidade de elementos qualitativos), deve que o pensamento teve até ele e é capaz de reto
contudo ver-se em que consiste propriamente a mar os problemas a partir do ponto em que se
diferença. Assim, não será exato chamar filoso encontram, depois de terem sofrido as mais varia
fia” a cada tendência de pensamento, a cada ori das tentativas de solução etc. Tem, no campo do
entação geral etc., nem mesmo a cada “concep pensamento, a mesma função que os especialis
ção do mundo e da vida”. O filósofo poder-se-á tas nos diversos campos científicos.
chamar “um operário qualificado" em relação ao Todavia há uma diferença entre o filósofo espe
servente, mas nem mesmo isto é exato, porque cialista e os outros especialistas: é que o filósofo
109
especialista aproxima-se mais dos outros homens de trigonometria etc. (podem-se encontrar ciências
do que os outros especialistas. O ter feito do filóso refinadíssimas, especializadíssimas, necessárias,
fo especialista uma figura semelhante aos outros mas não por isso “comuns”), mas não se pode pen
especialistas na ciência foi precisamente o que de sar em nenhum homem que não seja também filó
terminou a caricatura do filósofo. Com efeito, pode sofo, que não pense, precisamente porque o pen
imaginar-se um entomólogo especialista, sem que sar é próprio do homem como tal (a não ser que
todos os outros homens sejam “entomólogos" seja patologicamente idiota).
empíricos, um especialista da trigonometria, sem (Antonío Gramsci, Obras escolhidas, São
que a maior parte dos outros homens se ocupem Paulo, Martins Fontes, 1978, p. 44-45.)
2. [A filosofia da educação]
Atividades
Questões
110
Análise de texto
6. Com base no dropes 1, explique em que sentido podemos dizer que a filosofia é uma utopia.
11. Como Gramsci distingue o filósofo especialista do homem comum, capaz de ter uma concepção do
mundo e da vida?
12. Em que sentido o filósofo especialista não se confunde com o especialista em qualquer outra área do
conhecimento?
13. Tendo em vista o que foi abordado neste capítulo, em que circunstâncias não é possível dizer que
“todos os homens são filósofos'?
Baseando no texto do professor Severino (leitura complementar 2), responda às questões 14 e 15.
14. Explique por que a função da filosofia da educação não é atemporal nem visa abordar a educação em
abstrato, com seres hipotéticos e distanciados do vivido.
15. Por que toda educação é política?
Redação
111
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Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
essência que tem cm potência. É assim que Kant, às forças da natureza, tornando-se incapaz de
no século X VIIL diz que "o fim da educação é gerir seu próprio destino.
desenvolver, em cada indivíduo, toda a perfei No final do século XIX c no decorrer do sé
ção de que ele seja capaz”. culo XX, quando as ciências humanas estabele
O educador polonês Suchodolski chama de cem seus métodos, nota-se forte influencia natu
essencialista essa tendência que marca a peda ralista. A psicologia experimental, por exemplo,
gogia durante um longo período da história da privilegiará no homem apenas a exterioridade do
educação e ainda hoje coexiste com outras ten comportamento, deixando a consciência "entre
dências. parênteses'’, por considerá-la inacessível aos pro
Os limites dessa abordagem se acham na vi cedimentos considerados científicos.
são parcial do problema educacional, excessiva O behaviorismo, ou psicologia comporta-
mente centrado no interior do indivíduo e nas nienialista, influencia até hoje diversas tendên
formas ideais que determinam a priorí o que c o cias na educação, inspirando uma metodologia
homem e como deve ser a educação. que enfatiza a rigorosa programação dos passos
para se adquirir o conhecimento, bem como as
técnicas e os procedimentos pedagógicos.
3< Concepção naturalista Skinncr. um dos representantes dessa tendência,
criou a famosa "máquina de ensinar”. Na década
A partir da Idade Moderna (século XVII), a dc 70, a tendência tccnicista (ver Capítulo 18) é
filosofia de Descartes e Locke, bem como o de fortemente influenciada pelo behaviorismo.
senvolvimento do método científico inaugurado Em outras teorias pedagógicas, embora não
por Galilcu e Ncwlon, faz surgir uma concepção se exerça sempre apenas a influência bcha-
do conhecimento que até hoje orienta nossa for viorista, também se nota a participação das di
ma de pensar. versas ciências humanas experimentais na elabo
A ciência surge como uma forma rigorosa de ração da metodologia. O que caracteriza a ten
conhecer que permite perceber regularidades na dência naturalista é a tentativa de adequar a me
natureza, levando à formulação dc leis e, portan todologia das ciências humanas ao método das
to, à previsibilidade dos fenômenos. Por sua vez, ciências da natureza, que se baseia na experimen
a ciência possibilita o desenvolvimento da tec tação, no controle e na generalização.
nologia, segundo a frase profética de Francis Contrapõem-se a essa tendência as teorias
Bacon "saber é poder”. humanistas que buscam a especificidade do hu
O rigor da nova abordagem certamente influ mano. com suas dimensões irredutíveis ao esta
enciará a busca de compreensão a respeito do tuto das coisas1.
homem, que agora terá a preocupação dc encon
trar as regularidades que marcam seu comporta
mento. 4. Concepção histórico-social
Na filosofia de Descartes, por exemplo, o ho
mem c compreendido a partir do dualismo Uma significativa mudança, caracterizada
psicofísico, ou seja, c constituído por duas subs pela crítica ao mecanicismo newtoniano e ao
tâncias distintas, a mente (substância pensante) e empirismo de Locke e pela primazia do senti
o corpo (substância extensa). O corpo, por sua mento sobre a razão, se desenrola no período do
vez, é como uma máquina que funciona "como Romantismo alemão (século XVlll).
instrumento universal, operando sempre da mes Esses traços fundamentais da antropologia ro
ma maneira, segundo suas próprias leis”. mântica já se encontram em um significativo re
Com o desenvolvimento das ciências, o mo presentante da Ilustração, Jean-Jaeques Rousseau
delo mecânico c substituído por outros, mais ela (1712-1778), que exerceu grande influência, rc-
borados, mas persiste a idéia do corpo como coi
sa submetido às leis da natureza. Surge um cam
po fértil para a concepção determinista: o ho I. Consultar M. L. A. Aranha e M. H. P. Martins, Filosofan
mem, reduzido à dimensão corpórea, está sujeito do: inlrocliição à filosofia, p. 166.
113
volucionando, desde então, as teorias pedagógi losofias essencialistas). Seres práticos que são.
cas. Podemos dizer que Rousscau procedeu a uma os homens se definem pela produção e pelo tra
verdadeira “revolução copcmicana” na educação balho coletivo. Assim, as condições econômicas
ao deslocar o centro tradicional do processo, fixa estabelecem os modelos sociais em determina
do no mestre, para o discípulo. Mais ainda, coloca das circunstâncias. Por isso Marx sc recusa a de
o sentimento, cuja sede é o coração ou a consciên finir o homem de forma abstrata, buscando com
cia moral, no centro de sua visão do homem. preendê-lo como homem real (concreto), sempre
Mesmo sendo ainda um pensador do Ilumi situado em um contexto histórico-social.
ni smo, ao destacar os dois níveis, natureza e No decorrer do século XTX, outros filósofos
sociedade, seu pensamento já sc encaminha se posicionam contra a concepção tradicional,
para uma concepção de homem diferente da Kierkegaard. Stirner e Nietzsche também se vol
tradicional. tam para a concretude da vida humana, inserida
Hegel (1770-1831) destaca-se entre os filó na realidade cotidiana.
sofos do Idealismo alemão que elaboram
teoricamente a antropologia subjacente à
visão romântica. Ao desenvolver a filoso
fia do devir, concebe o ser como processo,
como movimento, como vir-a-ser. Com
isso privilegia a história, mudando a dire
ção da antropologia: o homem passa a ser
pensado como ser-no-tempo.
Segundo a concepção dialética de He-
gel, a história não significa uma simples
justaposição de acontecimentos, mas o
presente resulta dc um longo e dramático
processo, um verdadeiro engendramento
cujo motor interno c a contradição.
Muda, portanto, o que se entende por
verdade, não mais um fato, uma essência,
uma realidade dada, mas o resultado de um
desenvolvimento do Espírito.
A concepção idealista que marca a fi
losofia de Hegel (que considera o indi
víduo como participando do movimento
dc manifestação do Espírito) será con
frontada por Marx (1818-1883). Apro
veitando de Hegel a concepção dialética
da história, transforma o idealismo
hegel ia no em materialismo: o mundo
material é anterior ao espírito, e este de
riva daquele.
Segundo o materialismo histórico mar
xista, para se estudar o homem e a socie
dade é preciso partir da análise do que os
homens fazem, da forma como produzem
os bens materiais necessários à vida. Só
então será possível compreender como Nesta obra, que causou estranheza em 1912, Duchamp bus
eles pensam e como são. ca representar as sucessivas fases de um movimento, reve
lando a preocupação em expressar o ^dinamismo da vida".
Dessa forma, para Marx não há nature (Marcei Duchamp, Nu descendo a escada, Museu de Fila
za humana universal (conto queriam as li- délfia.)
114
No século XX. a fenomcnologia, corrente quando se fala a respeito da infância, não é pos
fundada por Husserl, tem como principais segui sível se referir à criança em si sem se considerar
dores Max Scheler, Heidegger, Sartre e Merleau- o tempo, o lugar, a estrutura social em que ela se
Ponly. Para Sartre. um dos filósofos mais popu insere. Não existe uma natureza infantil univer
lares, só o homem é um "ser-para-si”, aberto à sal. Aliás, a mesma observação vale para uma
possibilidade de construir ele próprio sua exis suposta família cm si ou uma natureza humana
tência. Diz que para o homem “a existência pre atemporal.
cede a essência", o que significa que não há no É bem verdade que a criança é, em qualquer
homem uma essência (como num animal ou lugar, biológica e social mente dependente dos
numa mesa), mas “o homem não é mais que o adultos para sua sobrevivência, mas a maneira
que ele faz”. como ela c alimentada, vestida, tratada gera,
A concepção histórico-social se expressa cm numa determinada comunidade, uma certa ex
inúmeras tendências. O que importa destacar, pectativa a respeito do que é “ser criança". Essa
apesar das diferenças entre elas, é a preocupação expectativa geralmcntc reflete as aspirações e re
com o processo (nada c estático), com a contra pulsas dos adultos projetadas na criança, aquilo
dição (não há linearidade no desenvolvimento, que eles pensam que ela c ou esperam que ela
que resulta do embale e do conflito) e com o ca seja. É compreensível que essa imagem exolua
ráter social do engendramcnlo humano (o ser do historicamente, fazendo da dependência da cri
homem se faz permeado pelas relações humanas ança não um fato natural, mas social’.
e por isso se expressa de formas diferentes ao Ora, vimos que na Idade Média a criança par
longo da história). ticipa do mundo adulto. A criança nobre, assim
E inevitável que (ais concepções marquem de que se desgarra da saia da mãe, aprende a ser pa
forma indelével o ideário pedagógico contempo jem, depois escudeiro, preparando-se para se tor
râneo. Abandonam-se as explicações essen- nar cavaleiro. Participa das festas dos adultos e
cialistas e estáticas, não mais se reduzindo o ho até nos estudos se mistura com eles. A criança
mem à dimensão de indivíduo solitário. Ele passa do povo trabalha no campo ou em um ofício no
a ser buscado como pessoa ou ser social e com qual se inicia como aprendiz.
preende-se melhor a interação entre sujeito e soci Quando as estruturas econômicas começam a
edade, inclusive ante as forças do poder. mudar devido ao aparecimento da nova classe, a
burguesia, mudam as relações entre os homens
e, consequentemente, muda a expectativa cm re
5. Tornar-se homem lação à criança: muda a imagem da infância. A
criança é afastada das atividades que desempe
A partir desse rápido esboço, talvez seja pos nhava, e seu papel nas relações económicas e so
sível compreender a importância da antropolo ciais torna-se marginal.
gia corno orientadora do trabalho pedagógico. Sc Surge aí a imagem da fragilidade infantil, da
considerarmos que a história continua seu curso dependência, da impotência, do inacabamento
por meio das contradições a ela inerentes, preci que vai animar a construção, na Idade Moderna,
samos estar prontos para rever nossas próprias de uma teoria pedagógica que visa a ‘‘proteção”
concepções de homem. e a vigilância da criança.
Na parte 1 do Capítulo 6 analisamos o concei Retomaremos essa idéia sobre a infância na
to histórico de família c de criança, mostrando Unidade V, quando tratarmos do confronto entre
como o modelo de família nuclear e o conceito a pedagogia tradicional e a pedagogia nova. A
dc infância que conhecemos hoje surgem na imagem da criança que surge na escola nova de
modernidade, quando a concepção burguesa dc fende a espontaneidade, a iniciativa e a cria
mundo se fortalece e se difunde. tividade, cm oposição à pedagogia de resignação
Não é fácil explicar por que ocorrem tais alte e disciplina, e pode ser explicada pelas ncccssi-
rações, tantas são as influências a serem consi
deradas. Podemos, no entanto, fazer uma primei
ra observação útil ao trabalho do pedagogo: 2. Consultar Bcrnard Charlot, A mislifictiçün pedagógica.
115
Dropes
Do ponto de vista da educação o que significa, então, promover o homem? Significa tornar o
homem cada vez mais capaz de conhecer os elementos de sua situação para intervir nela transfor-
mando-a no sentido de uma ampliação da liberdade, da comunicação e colaboração entre os ho
mens. (Dermeval Saviani)
Leitura complementar
[Crise da escola?]
116
Atividades
Questões
Análise de texto
5. Com base no dropes 1, explique por que a citação nâo se encaixa nem na concepção metafísica nem
na concepção naturalista de homem.
6. Tendo como base o dropes 2, em que o autor critica a tendência metafísica na antropologia, justifique
essa crítica usando os conceitos próprios da tendência histórico-social.
7. Identifique a linha antropológica de Paulo Freire, autor do texto. Justifique sua resposta
8. Embora o autor se refira à escola, podemos compreender o texto também como se tratasse do concei
to de homem. Faça você mesmo essa transposição.
9. Da mesma forma que o autor critica a noção de "crise’’ da escola, analise o que seria a “crise” do
homem contemporâneo.
10. Em que medida essas reflexões sobre a escola e o homem são importantes para a atuação do profes
sor em sala de aula?
Redação
117
O homem é um ser cultural, capaz de trans Estamos sempre fazendo juízos de realida
formar a natureza conforme suas necessidades de, isto é. constatamos a existência dos seres
existenciais, por meio de uma ação intencional e (ex.: esta mesa, esta caneta existem), assim
planificada. A fim de estabelecer as prioridades como afirmamos as relações entre os fenôme
com relação às necessidades a serem atendidas, nos (ex.: o calor dilata os corpos). Estabelece
o homem precisa escolher os meios c os fins da mos juízos de valor quando descobrimos nes
ação a partir de valores. E cm função dos valores sas realidades um conteúdo que provoca atra
que sentimos atração ou repulsa, desejamos ou ção ou repulsa. Isso significa que, além de
rejeitamos coisas, situações e pessoas. constatarmos a existência da mesa, julgamos se
Desde o nascimento nos encontramos envoltos é bela, se é útil, se é cara etc. Da mesma forma,
por valores herdados, porque o mundo cultural é ao afirmarmos que “o calor dilata os corpos”,
um sistema de significados estabelecidos por ou nos perguntamos se isso tem um valor de ver
tros. Desse modo, aprendemos desde cedo como dade ou não.
nos comportar à mesa, na rua, diante de estranhos; No entanto, os valores não são, no senti
como, quando c quanto falar cm determinadas cir do cm que dizemos que as coisas são. O fi
cunstâncias; como andar, correr, brincar; como co lósofo Garcia Mo rente diz: “Os valores não
brir o corpo e quando desnudá-lo; qual o padrão de são, mas valem. Uma coisa é valor c outra
beleza; que direitos e deveres temos, Na medida em coisa é ser. Quando dizemos de algo que
que atendemos ou transgredimos certos padrões, vale, não dizemos nada do seu ser, mas dize
nossos comportamentos são avaliados bons ou mos que não é indiferente. A não-indiferença
maus, e o que produzimos é julgado belo ou feio. constitui esta variedade ontológica que con
Diversos são os valores, entre eles os econô trapõe o valor ao ser. A não-indiferença é a
micos, vitais, lógicos, éticos, estéticos, religio essência do valer”1.
sos, abraçando todos os níveis da vivência hu Isso significa que não permanecemos indi
mana, o que nos leva a concluir que c impossível ferentes diante dos seres que constituem o nos
vivei sem eles. so mundo familiar, pois constantemente atri
Embora o reconhecimento do universo de va buímos a eles valores bipolarizados: bom c
lores seja tão antigo quanlo a capacidade que o mau, verdadeiro e falso, belo e feio, generoso
homem tem de pensar a respeito de suas ações, c mesquinho, sublime e ridículo, e assim por
apenas no século XTX surge a teoria dos valores diante.
ou axíologia (do grego axíos = valor) como dis
ciplina filosófica específica que aborda de ma
neira sistematizada essa temática. 1. Fundamentos de filosofia, p. 296.
118
Ainda mais, os valores não “impregnam” as tc, essas questões estarão permeando, o tempo todo,
coisas, mas dependem do homem no seu esforço os demais capítulos, já que não se pode falar em
de valoração. A vaJoração é. pois, a experiência teorias da educação sem se referir a valores.
axiológica de um sujeito dentro de uma situação
concreta. Diz Pierre Furter: “Ao crescer, o jovem
- Se prohíbe su
descobre que o seu corpo, os seus gestos, a sua 4. Educação moral: o sujeito
maneira de aparecer aos outros manifestaram a autônomo
outrem certos valores de que nem tinha consci
ência. Durante a sua aprendizagem o jovem — Dc maneira genérica, a moral c o conjunto de
mas isso continua sendo verdadeiro para o adul regras de conduta adotadas pelos indivíduos dc
to — descobre que as técnicas. os equipamentos um grupo social e tem a finalidade de organizar
texto es utilizado parclalmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debldamente referenciado
e até as ferramentas iam hem incluem valores, de as relações interpessoais segundo os valores do
tal modo que nenhuma técnica pode ser de fato bem e do mal. Cada sociedade estimula alguns
empregada de maneira neutra”2. comportamentos, por considerá-los adequados, c
Afirmar que a vaJoração depende da situação sujeita outros a sanções de diversos tipos, desde
vivida não significa dizer que os valores são sub um olhar de reprovação até o desprezo ou a in
jetivos, no sentido de variarem dc indivíduo para dignação.
indivíduo. E ainda Furter quem diz: “a nossa in Ora, o homem não nasce moral, toma-se mo
tenção não é de 'rclativizar', mas de mostrar a ral. Nesse sentido, é importante o papel desem
necessidade do relacionamento dos valores com penhado pela educação, não mediante “aulas de
uma dada situação”'. Por isso a valoração supõe moral”, mas por meio do processo mesmo da
a comunicação entre os homens, comunicação educação, enquanto a consideramos uma inte
que se dá não só com nossos contemporâneos, ração entre seres sociais: aprende-se moral pelo
mas também com nossos antepassados, de quem convívio humano.
herdamos valores. O ato de valorar é uma tarefa O educador Rcboul diz que “todo professor c.
humana c colcLiva que nunca termina. Ele “fun professor de moral, ainda que o ignore”. Por isso
damentará o projeto comum de dar um sentido é bom que o professor reconheça o importante
ao nosso mundo"\ papel que desempenha na formação dos jovens.
Dessa forma, quanto mais intencional for sua
atuação, melhores serão os resultados.
3. Valores em educação___________ Além disso, esse processo de conscientização
de valores fará a ligação entre a escola e a vida:
Se os valores estão na base de todas as nossas educamos para que se formem pessoas capazes do
ações, é inevitável reconhecer sua importância “bem viver”. A partir dc critérios morais, “bem
para a práxis educativa. No entanto, os valores viver” significa agir virtuosamente, agir segundo
transmitidos pela sociedade nem sempre são cla- princípios.
ramcntc tematizados, e até mesmo muitos edu E antiga a discussão a respeito da possibilida
cadores não baseiam sua prática em uma refle de ou não de se ensinar a virtude. Recentcmcnte,
xão mais alenta a respeito. Lawrence Kohlbcrg, um psicólogo americano
A educação se tornará mais coerente e eficaz falecido em 1987, ocupou-se amplamente com
se formos capazes de explicitar esses valores, ou essa questão. Implantou diversos programas vol
seja, se desenvolvermos um trabalho reflexivo tados para a educação moral, a partir dos quais
que esclareça as bases axiológicas da educação. elaborou unia teoria sobre os estágios da cons
Neste capítulo, vamos dar destaque especial aos trução da moralidade (ver Cap. 22).
valores morais. políticos e estéticos. Evidentcmcn- Ensinar a virtude não deve ser entendido se
gundo a maneira tradicional e conservadora de
“dar lições” sobre o que é justiça, temperança,
2. Educação e vida, p. 11.
piedade, coragem etc. Mais do que ensinar con
3. Educação e vida. p. 113. teúdos de moral, a preocupação dc Kohlberg está
4. Educação e vida. p. 115. em enfatizar a dimensão formal c processual da
119
Este
constituída pelos aspectos social e pessoal. Se paz de reciprocidade (toda ação é inlersubjetiva).
esses pólos são contraditórios, não deixam de ser A aprendizagem da vida moral não é espon
texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado
inseparáveis. Tomar-se moral é assumir livre tânea nem resulta de um automatismo. Daí as di
mente regras que possibilitem o crescimento pes ficuldades que impedem muitos de alcançarem
soal, entendendo-se pessoa como alguém que se os níveis morais mais altos, o que não nos sur
integra em um grupo, isso não é fácil, se pensar preende. em face das características individua
mos que a sociedade é plural e se constitui de listas c altamente competitivas da sociedade cm
valores conflitantes, diante dos quais devemos que vivemos. Como aprender a solidariedade no
nos posicionar e escolher, ao mesmo tempo que ambiente do “salve-se-quem-pudcr”?
aceitamos a divergência e o confronto dc ideias.
Bem sabemos que a educação para a liberda
de começa cedo e que cada etapa do crescimento 5. Educar o cidadão
tem características próprias. Chegando à idade
adulta, o homem estaria pronto para tornar-sc Não nos demoremos aqui, já que aborda
plcnamente moral (o que não significa que isso mos essa questão no Capítulo 3. Comecemos
aconteça de fato!). relembrando que a política diz respeito ao uso
A plenitude da vida moral acontece à medida do poder que torna possível a administração
que o homem desenvolve a inteligência e a da cidade, ou seja, o espaço de atuação do ci
afetividade, tornando-se capaz de perceber racio dadão.
nalmente o mundo por meio de abstração e críti Se consultarmos os livros de história, vere
ca, ao mesmo tempo que, pela solidariedade e mos que a educação das crianças e dos jovens
pela reciprocidade, ultrapassa o egocentrismo tem atendido às expectativas dos grupos que de
infantil. Só eníão poderá rever maduramente os têm o poder em cada sociedade. Compreende
valores herdados e estabelecer propostas de mu mos, então, por que existe a escola dualista (uma
dança. para a elite c outra para os pobres, quando lhes é
Não é à toa que o momento por excelência da destinada alguma!). E a ideologia que nos im
elaboração da vida moral c a adolescência, quan pede de reconhecer que a exclusão de tantas pes
do ocorrem tantas crises. Nesse estágio do de soas das atividades escolares se deve menos à in-
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Sc a criança nem sempre percebe isso, caberá recuperar a noção positiva de que o conflito é uma
ao professor, consciente dos valores a serem ad das condições principais para a existência de um
quiridos, exercer a autoridade, não no sentido de mundo livre. Para não sucumbir à tentação da ti
contrariar os interesses do aluno — embora às rania, temos de aprender a “trabalhar'’ o conflito.
vezes contrarie os desejos do aluno empírico — Além disso, se admitirmos a possibilidade de
mas de dar condições para que alcance os inte liberdade, não há como prever o desenlace de
resses maiores de sua humanização. qualquer processo desencadeado. Daí ser inade
A autoridade do professor, portanto, não está quada a pergunta sofrida de tantos pais que. de
na sua função nem na sua pessoa, mas na com saprovando o caminho seguido por seus filhos,
petência e no empenho profissional. O aluno dizemi “Onde foi que eu errei?".
(concreto) aprenderá a respeitar o mestre quando Ora, educar não é dirigir o filho ou o aluno
for capaz de perceber que ambos têm objetivos para um ponto escolhido de antemão, mas é dar
comuns. À medida que o aluno se desenvolve, a condições para que o educando se encontre c faça
tendência é o professor “perder' autoridade, por seu próprio caminho. Está aí a grandeza e o limi
que o aspecto assimétrico da relação vai desapa te da educação: pais c mestres precisam ser tole
recendo, decretando a “morte" do professor. rantes o suficiente para reconhecer que nem sem
Não e tarefa fácil fazer com que uma relação pre seus valores são tão universais quanto imagi
que é heterogênea e assimétrica no início do pro nam; ser humildes para admitir que eventual
cesso se transforme, chegando □ ser simétrica e mente eles mesmos podem estar enganados; c,
homogênea no final. O caminho é cheio de aci final mente, abandonar o desejo de onipotência,
dentes, pois educar para a liberdade supõe a valo pois, se o homem é livre, não há como obrigá-lo
rização do pluralismo das idéias, o que leva à a não errar.
eclosão de divergências e, consequentemente, ao Assim, segundo Reboul, “toda educação
conflito. Por uma questão de coerência, é preciso comporta um risco de malogro".
Dropes
Mas esta idéia de liberdade — não me incomodes que eu também te não incomodo a ti —, seja
isto dito a um colega seja dito a um professor, diria eu que é o primeiro grau da liberdade, é o grau
mais baixo da liberdade.
Para mim, conforme as palavras de Marx, “a verdadeira liberdade consiste, para cada um, em
ver em cada homem não a limitação mas a realização da sua liberdade”. A liberdade é a união de
todos nós para criar um mundo mais livre. Mas é um sentimento de liberdade a que a criança não
pode chegar por sí própria: não o alcançará sem uma longa e constante intervenção do adulto.
(Georges Snyders)
Visto que a autoridade sempre exige obediência, ela é comumente confundida com alguma
forma de poder ou violência. Contudo, a autoridade exclui a utilização de meios externos de coerção;
onde a força é usada, a autoridade em si mesma fracassou, A autoridade, por outro lado, é incompa
tível com a persuasão, a qual pressupõe igualdade e opera mediante um processo de argumenta
ção. Onde se utilizam argumentos, a autoridade é colocada em suspenso. (Hannah Arendt)
O que é, pois, a liberdade? Nascer é ao mesmo tempo nascer do mundo e nascer no mundo.
O mundo já está constituído, mas também nunca completamente constituído. Sob a primeira rela
ção somos solicitados, sob a segunda somos abertos a uma infinidade de possíveis. Mas esta
124
Renunciar à forma estética é abdicar de sua responsabilidade. Abdicação que priva a arte da
forma mesma pela qual ela pode criar esta outra realidade no interior da realidade estabelecida: o
universo da esperança. (Marcuse)
Entendo por humanização o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos
essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próxi
mo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da bele
za, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve
em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a
natureza, a sociedade, o semelhante. (Antonio Cândido)
Leitura complementar
Kohlberg procurou discutir com os colegas os contexto escolar. Por isso, insistia na necessida
problemas emergidos no contexto da educação de de treinar os professores e torná-los consci
moral. Para explicar as resistências desse con entes de sua influência sobre a formação geral
texto com relação à educação moral, pôs em de dos seus alunos e sobre seu desenvolvimento
bate o que chamou de [currículo oculto] hidden moral. Em lugar de um currículo oculto não
curricuiume [atmosfera moral] moral atmosphere conscientizado, colocava sua teoria da morali
(...) dade como matriz de orientação do professor em
O conceito do currículo oculto alude ao fato de sala de aula. Conhecendo a psicogênese da mo
que não existe um currículo específico para a edu ral, suas etapas e seus mecanismos, os profes
cação moral, mas, consciente ou inconsciente sores estariam em condições de usar qualquer
mente, o professor educa segundo princípios mo aula (inclusive de matemática ou tísica) para aju
rais nem sempre explicitados. Esses princípios dar a promover a passagem da consciência mo
implícitos no sistema escolar e transmitidos pelo ral de um estágio inferior para um estágio mais
contexto social mais amplo muitas vezes não são elevado. A teoria psicológica da moral tomaria,
conscientizados pelo professor e traduzem-se em pois, o lugar do currículo oculto. Como neste, a
suas práticas educativas. Por trás do currículo ofi teoria não poderia ser mencionada em sala de
ciai, regular, esconde-se, pois, um outro currículo aula, mas poderia servir como fio condutor para
ou programa social: o hidden curriculum. a prática de ensino do professor. (...)
Kohlberg não acreditava na possibilidade de Com o termo atmosfera moral Kohlberg fazia
desenvolver um currículo específico para a edu referência ao clima social mais ou menos favorá
cação moral. Todas as formas de conduta, todos vel para a realização com êxito de programas de
os temas, todos os relacionamentos dentro e fora educação moral. Assim, a atmosfera moral do
da escola forneciam material para a reflexão e o kibutz em Israel era mais propícia à educação
julgamento moral. A educação moral não pode moral, segundo os preceitos da teoria de
ria, pois, ser realizada de forma direta, sem me Kohlberg (incluindo os valores de liberdade, jus
diações. Mas isso não significava que ela não tiça e democracia) do que a atmosfera moral em
pudesse ser realizada de forma consciente, em um povoado tradicional na Turquia ou uma pri
pleno conhecimento de causa dos mecanismos são nos Estados Unidos.
psíquicos da construção da moralidade e das re (Barbara Freitag, Itinerários de Antígona:
gras e práticas sociais e pedagógicas em uso no a questão da moralidade, p. 219-220.)
125
Atividades
Questões
- Se prohíbe su
1. Explique por que a valoração varia conforme o tempo ou o lugar em que vivem as pessoas.
2. Observando o mundo em que você vive, analise alguns valores que são desprezados e que, segundo
seu ponto de vista, não deveriam sê-lo. Justifique sua resposta.
3. Por que a reflexão a respeito dos valores é importante para o educador?
4. Anomia, heteronomia, autonomia: explique o significado desses conceitos como indicativos da evolu
ção moral.
texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado
5. Por que no mundo de hoje é tão difícil ter urna vida autentica mente moral?
6. Critique a democracia brasileira a partir da noção de cidadania. Por que não podemos dizer que a
maioria é constituída por cidadãos de fato?
7. Qual é a importância dos valores estéticos na formação do estudante?
8. Por que é difícil exercer autoridade se não formos capazes de distinguir entre o aluno empírico e o
aluno concreto?
Análise de texto
9. Por que é pobre a concepção de liberdade a que Snyders se refere no início da citação?
10. Qual é o significado da frase de Marx?
11. Snyders destaca o papel dos adultos na formação dos valores da criança. Discuta o fato de não se
tratar de tarefa fácil e quais os perigos que podem colocar em risco a educação para a liberdade.
12. Explique porque Hannah Arendt não identifica a autoridade com a coerção nem com a persuasão.
13. Em que se sustentaria então a autoridade?
14. Releia o que discutimos sobre o sujeito social, a propósito da liberdade, e explique o que Merleau-
Ponty quer dizer com “nascer é ao mesmo tempo nascer do mundo e nascer no mundo” (grifo
nosso).
15. A partir do que foi explicado a respeito da controvérsia entre os partidários do determinismo e os da
liberdade absoluta, explique o significado da frase “Nunca sou coisa e nunca consciência nua".
Um grande pintor, tendo feito em algumas sessões o retrato de um freguês, teve que ouvir deste a
objeção de que o preço exigido era muito alto por algumas horas de trabalho. “Algumas horas”, respondeu
o artista, “mas toda a minha vida." (Gusdorf)
126
Este
Redação
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Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
mérico, incerto, vago. Agora, a explicação dos Skinner aperfeiçoou os estudos do condicio
fatos se reduziria aos seus termos reais, acessí namento clássico ou pavloviano e, a partir dc ex
veis por meio da observação e da experimenta periências com pombos e ratos, estabeleceu as
ção, que permitem a descoberta das relações en leis do condicionamento instrumental (ou ope
tre os fenômenos, ou seja, o estabelecimento das rante, também chamado skinneriano). Esse con
leis invariáveis da natureza. Em última análise, dicionamento se dá na ‘'caixa de Skinner’'. na
segundo a concepção positivista, o conhecimen qual é colocado um animal faminto. Depois de
to científico se sobrepõe a outras formas dc co esbarrar casual mente em uma alavanca diversas
nhecimento, lais como a religião e a filosofia. vezes, o animal associa o esbarrão na alavanca
O empirismo e o positivismo caracterizam a com o alimento que cai dentro da caixa. Passa
tendência naturalista que marca foriemente o então a apertar a alavanca sempre que deseja o
início da constituição do método das ciências alimento.
humanas, no final do século XLX e no começo Ao aplicar esse princípio à aprendizagem hu
do século XX. Trata-se de uma tentativa de em mana, Skinner inventa a instrução programada.
prestar o rigor do método experimental e da na qual o texto apresentado ao aluno em nível
matematização, típicos das ciências da natureza, crescente de dificuldade, tem uma série de espa
adaptando-os à análise dos fenômenos humanos ços em branco, que devem ser preenchidos pelo
em ciências como a sociologia, a psicologia e a aluno. Sc um reforço for dado a cada passo do
economia. processo e imediatamente após o ato, o aluno
O sociólogo Durkheim, por exemplo, partiu poderá ir conferindo o erro ou o acerto de sua
do pressuposto metodológico de que os fatos so resposta. O processo foi desenvolvido com o in
ciais deviam ser observados como se fossem coi tuito de se criar a ‘ máquina dc ensinar”, que po
sas. Também a psicologia nascente se volta para deria substituir o professor em várias etapas da
o exame dos aspectos comportamentais que po aprendizagem.
dem ser verificados cxperímenlalmente. O ale Estamos nos alongando na exposição do
mão Wundt, por exemplo, se ocupa com o estu empirismo porque ele exerceu forte influência na
do da percepção sensorial, principalinente a vi pedagogia contemporânea, influência esta que
são, estabelecendo relações entre os fenômenos foi explícita em tendências como a tecnicista,
psíquicos e seu substrato orgânico, sobretudo ce aparecendo também de maneira não-tematizada
rebral. na atividade de muitos professores que nem se
Outra corrente de psicologia que tem exerci quer suspeitam estar agindo segundo tais pressu
do marcante influencia na pedagogia conícmpo- postos, como veremos adiante.
rânea é o behaviorismo (de behavioiir ou
behavior, conduta) ou psicologia compor- Tentativa de superação
tarncritalista. Oriunda da mais autêntica tendên
cia naturalista e inspirando-se inicialmente nas Evidentemente, tanto as tendências aprio-
experiências com reflexo condicionado levadas rislas quanto as empiristas — que enfatizam, res-
a efeito pelo russo Paviov, teve seu primeiro re pectivamente, o sujeito ou o objeto como deter
presentante americano em Watson (1878-1958) minantes do conhecimento — são insuficientes
e desenvolveu-sc com a contribuição de Skinner para explicar a complexidade do ato cognitivo,
(1904-1990). esbarrando várias vezes em problemas inso
O princípio do condicionamento se baseia no lúveis.
associacionismo. Segundo essa teoria, a apren Vejamos um exemplo: se as idéias são ina
dizagem se faz quando associamos dois estímu tas, devem ser intetnporais e, portanto, perma
los, sendo que um deles funciona como refor nentes. Como explicar a sua mudança no tempo
çado r de uma resposta2. c no espaço? O próprio Locke já criliçava a
idéia cartesiana de Deus, ponderando que al
guns povos não têm representação de Deus ou,
2. Consultai M. 1.. A, Aranha e M. H. P. Martins. Filosofan pelo menos, não a sua representação como um
do; introdução à ílkwfia, p. 169. ser perfeito.
130
Por outro lado, se os cmpiristas partem da ex de significados. O mundo é sempre um mundo
periência, como considerar que as sensações in para uma consciência. Daí a importância dada
dividuais c, portanto, particulares c subjetivas ao sentido, à rede dc significações que envolve
podem nos levar a um conhecimento universal? os objetos percebidos. Por exemplo, a fenome-
Ao contrário, seria preciso admitir que tudo c re nologia contrapõe o símbolo, que faz parte do
lativo ou até cair no ceticismo, segundo o qual a mundo do sentido (tipicamente humano), à rela
razão humana c incapaz de conhecer a realidade. ção mecânica estímulo-resposta da psicologia
Por esse nioli vo. outros teóricos se ocuparam behaviorista. que se baseia nos sinais (típicos do
na busca de uma compreensão mais elaborada do mundo animal).
problema, a fim de superar as duas posições an A Gestalt, ou psicologia da forma, é herdeira
tagônicas. Entre eles. Lcibniz e Kant, no século dos pressupostos da fenomenología c como tal
XVIII. e Hegel e Marx, no século XIX, levaram critica as psicologias assoeiacionistas. Para os
a efeito estudos nesse sentido. No século XX, a gestaltislas, corno Kõhlere Koffka, por exemplo,
questão mereceu a atenção de Husserl, represen não há excitação sensorial isolada. Por isso o ob
tante da fenonienologia. Esta corrente filosófica, jeto não c percebido em suas partes para, depois,
por sua vez, influenciou a Psicologia da Forma ser organizado mcntalmente por meio de percep
(ou Gesiall) e a filosofia dc Mcrlcau-Poniy. ções e idéias, como frequentemente se pensa. Ao
Estas concepções são bastante diferentes, mas contrário, percebemos inicialmente totalidades (a
têm em comum o fato dc considerar insuficien configuração, a forma — gestalt, cm alemão),
tes as posições unilaterais do empirismo e do nos ocupando posterionnente com os detalhes,
inatismo. Para superá-las, lançam mão de uma Isso parece claro quando, observando nuvens no
concepção mais dinâmica de verdade, bem como céu, sempre damos formas a elas: parecem um
buscam estabelecer uma relação intrínseca entre rosto, um gato, e assim por diante.
sujeito e objeto. A tendência do sujeito para organizar campos
A título dc exemplo, vejamos alguns aspec de percepção explica também o comportamento
tos da fenomenología, cujo postulado básico é a inteligente. Quando Kõliler fez experiências com
noção de intencionalidade. Dizer que a consci chimpanzés, a fim de observar a maneira pela
ência é intencional significa que, contrariamente qual esses animais resolvem o problema dc pe
ao que afirmam os inalistas, não há pura consci gar uma fruta colocada fora de seu alcance, não
ência, separada do mundo, mas toda consciência usou a hipótese do ensaio e do erro, típica das
tende para o mundo, toda consciência é consci psicologias comportamentaíislas, mas sim a do
ência de alguma coisa. Contrariamente também insight (ou iluminação súbita), que resulta de
aos cmpiristas, os fenomenólogos afirmam que uma percepção instantânea de um campo único,
não há objeto em si, já que o objeto só existe para de uma totalidade, e não dos elementos separa
um sujeita que lhe dá significado. dos (no caso, a fruta e o bambu para alcançá-la).
Com isso, a relação entre sujeito e objeto dei Veremos posterionnente como essas teorias
xa de ser dicotômica, o que se percebe pela aná têm pontos em comum com as tendências da pe
lise do conceito de fenômeno, que em grego sig dagogia contemporânea, sobretudo as progressis
nifica “o que aparece’': não há ser em si. um scr tas, que buscam uma fundamentação histórico-crí
escondido atrás das aparências, mas o objeto do tica para a práxis pedagógica, e as construti vistas,
conhecimento é aquilo que se apresenta, que apa preocupadas com uma fundamentação episte-
rece para uma consciência. Esta desvela o objeto mológica baseada em estruturas dinâmicas.
progressivamente, por meio de seguidos perfis, As teorias progressistas de influência marxis
de perspectivas as mais variadas. Por isso o co ta e o construti vi srno soviético (ver Capítulos 22
nhecimento é um processo que nunca acaba, é e 23) se utilizam da dialética, entendida corno a
uma exploração exaustiva do mundo. lógica da contradição. Enquanto a concepção
Como se vê. a fenomenología se contrapõe ao csscncialista do mundo exige a lógica formal tra
positivismo, na medida em que não se encontra dicional, que parte do pressuposto do princípio
diante de fatos, de coisas, já que não percebe de identidade, a concepção dinâmica, na qual
mos o mundo como uni dado bruto, desprovido tudo está em constante processo, compreende o
131
real na sua contraditoricdadc, na oposição entre 6. O professor precisa saber qual é o estágio
lese e antítese. de desenvolvimento intelectual do aluno com o
A passagem do ser (tese) para o não-ser (an qual vai trabalhar, a fim de criar situações para
títese) não significa a destruição ou a negação do que ele aprenda por si próprio.
primeiro, mas o movi mento para a construção de
outra realidade, que surgirá no terceiro momento Os exemplos 1, 2. 3 c 4 se fundamentam na
da dialética, ou seja, na síntese, que é uma forma tendência ernpirista. porque partem do pressu
de superação da contradição. posto de que o conhecimento c algo que vem de
Além da coniradiloriedade, outra caracterís fora, sendo que o sujeito o recebe de uma manei
tica importante da dialética é a categoria de tota ra mais ou menos passiva, conforme o caso.
lidade, pela qual o lodo predomina sobre as par Expressões como transmitir e treinaf\ nos dois
tes que o constituem. Isso significa que as coisas primeiros exemplos, são bastante reveladoras do
estão cm constante relação recíproca e que ne caráter externo do processo. O terceiro exemplo c
nhum fenômeno da natureza ou do pensamento ernpirista também porque reforça a passividade do
pode ser compreendido isoladamente, separado sujeito, determinado pelo meio em que se insere,
dos fenômenos que o rodeiam. Os fatos não são fruto de um inundo externo hostil no qual ele está
átomos, mas pertencem a um todo dialético e. mal-alimentado e mal-informado. () empirismo
como tal, fazem parte de uma estrutura. do quarto exemplo apresenta ainda características
São essas categorias que nos permitem com típicas do behaviorismo, em que o ensino se ba
preender o homem como ser histórico-social, as seia nos reforços positivos e negativos que fixam
sim como a dialética entre o social e o pessoal, a os reflexos condicionados.
teoria e a prática, o sujeito e o objeto, o deter Já o quinto exemplo tem uma característica
minismo e a liberdade. Voltaremos a essas ques própria do apriorismo, considerando o gasto de
tões nos Capítulos 22 e 23. conhecer um elemento inato, que precisaria ser
revelado, despertado.
O sexto exemplo caracteriza uma tentativa de
3. Pressupostos epistemológicos da superação das duas posições, na medida em que
práxrs pedagógica parte do pressuposto de que o conhecimento do alu
no não é o mesmo para todos nem é estático, mas
Talvez o leitor ainda não esteja muito conven se faz por estágios; além disso, ele enfatiza o as
cido da ligação intrínseca existente entre as ques pecto pessoal c dinâmico do processo de conhecer.
tões epistemo lógicas analisadas e a sua práxis cm Dados os exemplos, retomemos agora as teo
sala de aula. rias do conhecimento aplicadas às tendências pe
Por isso vamos dar alguns exemplos. Se per dagógicas.
guntarmos a um professor o que ele considera Vimos que as teorias aprioristas dão ênfase ao
importante fazer para que seu aluno aprenda de sujeito, que teria de antemão “formas”, idéias inalas
fato, ele pode dar as seguintes respostas: que funcionariam como condição de qualquer co
nhecimento. A partir dessa perspectiva, a educação
1. É importante que o professor saiba trans surge como um processo de atualização, no sentido
mitir bem o conhecimento acumulado na cultura de tomar presente o que cada um tem em potência.
a que pertence. Caberia ao professor dar condições para que
2. O aluno precisa estudar bastante, treinando essas potencialidades venham à tona, paia que se
o suficiente para fixar o que aprendeu. desenvolvam as tendências, os dons inatos. Nesse
3. O esforço do professor é irrelevante diante caso, pode-se até explicar o fracasso de um aluno
de alunos carentes, mal-alimentados, vindos de “por não ler uma inteligência privilegiada" ou por
famílias sem tradição cultural. “não ser bom para o estudo da matemática". Ao
4. O professor deve premiar quem trabalha contrário, seria considerada boa a expectativa de
bem e punir com nota baixa quem não se esforça. aprendizagem no caso de uma criança “inteligen
5. O bom professor é capaz de despeitar no te”. entendida a inteligência como algo que é dado
aluno o gosto pelo estudo. a priori c que precisaria ser desenvolvido.
132
Dropes
1
1
De uma parte, o conhecimento não procede, em suas origens, nem de um sujeito consciente de
si mesmo nem de objetos já constituídos (do ponto de vista do sujeito) que a ele se imporiam. O
133
conhecimento resultaria de interações que se produzem a meio caminho entre os dois, dependendo,
portanto, dos dois ao mesmo tempo, mas em decorrência de uma inditerenciação completa e não de
intercâmbio entre formas distintas. De outro lado, e, por conseguinte, se não há, no início, nem sujeito,
no sentido epistemológico do termo, nem objetos concebidos como tais, nem, sobretudo, instrumentos
invariantes de troca, o problema inicial do conhecimento será pois o de elaborar tais mediadores.
(Piaget)
Piaget define sua epistemologia: ...que é naturalista sem ser positivista, que põe em evidência
a atividade do sujeito sem ser idealista, que se apoia também no objeto sem deixar de considerá-lo
como um limite (existente, portanto, independentemente de nós, mas jamais completamente atingi
do) e que, sobretudo, vê no conhecimento uma elaboração contínua.
Leitura complementar
[A epistemologia do professor]
Este texto foi extraído da “Conclusão" do livro ao conceito de treinamento. Dentre todas as qua
A epistemologia do professor, em que o professor lidades antipedagógicas que o conceito — e a
Becker relata o resultado de diversas pesquisas, prática — de treinamento condensa, a mais ne
realizadas na Universidade Federai do Rio Gran fasta é, sem sombra de dúvida, a do autori
de do Sul, que tinham por objetivo a investigação tarismo. O autoritarismo não encontra apenas
da epistemologia subjacente ao trabalho docente campo propicio na epistemologia empirista; mui
de professores de todos os níveis de ensino. to mais do que isso, o autoritarismo encontra no
empirismo a sua fundamentação e a sua
A primeira grande constatação que se deli legitimação teórica e prática.
neou, desde as primeiras análises foi a de O docente que professa esta epistemologia
que a epistemologia subjacente ao trabalho do manifesta, via de regra, uma arrogância didática.
cente é a empirista e a de que só em condições Ele acredita que seu ensino tem poder ilimitado
especiais o docente afasta-se dela, voltando a para produzir aprendizagem; se esta não ocorre,
ela assim que a condição especial tiver sido su a culpa é inequivocamente do aluno. Toda a ava
perada. (...) liação escolar passa a ser processada à base
(...) Ouvimos e observamos docentes convictos desta fundamentação. O subproduto inevitável
de que procedem didaticamente segundo um de tal relação didático-pedagógica é a morte da
modelo pedagógico construtívista. Organizam criatividade. Não há lugar para a novidade em tal
ações e fazem seus alunos realizarem tais relação. (...)
ações. Mas, como sua concepção episte- Penso, por isso, que a simples mudança de
mológica não mudou, cobram ações de seus alu paradigma epistemológico não garante, neces
nos com a finalidade única da reprodução: o alu sariamente, uma mudança de concepção peda
no deve executar tais ações a fim de conseguir o gógica ou de prática escolar, mas sem esta mu
objetivo já delineado pelo professor, e nada mais. dança de paradigma — superando o empirismo
Nem pensar num objetivo trazido pelo aluno. Não e o apriorismo — certamente não haverá mudan
pode haver surpresas. (...) ça profunda na teoria e na prática docentes. A
A epistemologia empirista constitui, em larga superação do apriorismo e, sobretudo, do empi
escala, e de forma quase totalmente inconscien rismo é condição necessária, embora não sufici
te, o fundamento “teórico-filosófico” da peda ente, de avanços apreciáveis e duradouros na
gogia de repetição ou da reprodução. Esta peda prática docente.
gogia — e a didática pela qual ela se manifesta (Fernando Becker, A epistemologia do
— identifica-se com tudo aquilo que atribuímos professor, p. 331,333-335.)
134
Atividades
Questões
1. No processo de conhecimento existem os pólos sujeito que conhece e objeto conhecido. Explique o
que é enfatizado pelo apriorismo. Faça o mesmo para o empirismo.
2. De que maneira a noção de intencionalidade da corrente filosófica fenomenológica tenta superar a
alternativa inatismo/empirismo?
3. Explique por que o construtivismo, como teoria pedagógica, parte de pressupostos diferentes daqueles
do inatismo e do empirismo?
4. Identifique a tendência (inatista. apriorista ou construtivista) que predomina nos exemplos a seguir:
a) O aluno tem mais sucesso na escola quando já tem facilidade para o trabalho intelectual. Da mesma
forma, outros têm dom para os trabalhos manuais e técnicos
b) Dê muitos trabalhos para seus alunos As notas estimulam e aceleram a aprendizagem.
c) A escola é o local onde se plasmam a mente e a alma do educando, ensinando-lhes o saber acumu
lado e os costumes da cultura a que pertence.
d) Não é possível ensinar álgebra para a criança de 8 anos porque ela ainda não entrou no estágio que
permite compreender tal nível de abstração.
e) Sou uma pessoa metódica e, no começo das atividades, faço um planejamento rigoroso, que sigo
passo a passo no decorrer do ano.
f) É importante permitir a atividade espontânea da criança, a vida em grupo, a manipulação e a expe
rimentação com materiais.
Análise de texto
6. Qual é, segundo Fernando Becker, a epistemologia que está subjacente com mais freqüência na práti
ca dos professores que foram objeto de sua pesquisa9
7. Quais são as justificativas do autor ao considerar autoritária a epistemologia empirista?
8. Por que ;em sido tão difícil para os professores aplicar as teorias construtívistas em sala de aula?
Redação
135
meios de produção e a garantia dc funciona- existe a fim dc garantir a defesa dos direitos in
mento da economia a partir do princípio do lu dividuais naturais c dar segurança para que cada
cro c da livre inicializa. A estimulação do co um desenvolva seus talentos e gerencie seus ne
mercio c da indústria justifica o interesse pelo gócios.
desenvolvimento científico e tecnológico, tão A concepção dc mundo subjacente à teoria li
bem representado pela Revolução Industrial do beral valoriza1:
século XVIII.
A exigência de não-intervenção do Estado se • o individualismo: a sociedade civil é for
estende também ao poder da Igreja, muito forte mada pela aglutinação de indivíduos inicial -
durante a Idade Média. Em contraposição, o li mente separados no “estado de natureza"; quan
beralismo burguês defende a existência do Es do se reúnem, o fazem para garantir a consecu
tado laico, não identificado com religião algu ção de seus interesses individuais. Ainda mais:
ma, da mesma forma que valoriza o ideal de to o sucesso ou não de cada um depende de seu
lerância, pelo qual não deve interferir nas cren talento e resulta da competição entre os mem
ças pessoais. bros da sociedade;
As mudanças econômicas preparam o cami • a liberdade vista como liberdade individual,
nho para que a burguesia se torne a classe “a liberdade de cada um vai até onde começa a
hegemônica. Isso ocorre quando, a partir das liberdade do outro1' c uma afirmação típica da
chamadas revoluções burguesas — a Revolução concepção liberal individualista. Em outras pa
Gloriosa (Inglaterra. 1688) c a Revolução Fran lavras, espera-se que o sucesso de cada indiví
cesa (1789) . ela assume o poder político. duo seja garantia para o crescimento da socieda
Os principais teóricos do liberalismo econô de como um todo;
mico foram Adam Smith c David Ricardo, no • a propriedade: no sentido amplo de que
século X V11. No período que vai do século XV11 todo indivíduo é proprietário de sua vida, de seu
ao XIX, o liberalismo político teve como repre corpo, dc seu trabalho e. no sentido estrito, de
sentantes Locke, Montcsquieu. Kant, Humboldt, seus bens e patrimônio. Encontra-se no libera
Stuart Mi 11 e Tocqueville. lismo uma característica que Macpherson cha
ma dc “individualismo possessivo1': “a essên
cia humana é ser livre da dependência das von
3. Um novo homem tades alheias, e a liberdade existe como exercí
cio dc posse11;
Um novo modo dc pensar surge das mudan • a /gMí/ZíWí', entendida como igualdade ci
ças levadas a efeito pelo liberalismo nos campos vil: não se admite a servidão, como na Idade
econômico, político e social. Média, nem se suportam os privilégios da nobre
Esses novos princípios ficam claros na filo za, que tanto irritavam os burgueses; todos seri
sofia do inglês John Locke (1632-1704), que. à am iguais perante a lei e a todos seria oferecida
semelhança dc outros filósofos de seu tempo, igualdade dc oportunidades;
desenvolve uma teoria eoniratua lista para expli • a segurança: baseada em uma nova con
car a origem do poder de forma racional e laica cepção de justiça, centrada na valorização da
(não religiosa). O poder não mais se justificará lei, em detrimento do arbítrio. Essa segurança
pela intervenção divina — corno no caso do di era fundamental para a garantia da proteção e
reito divino dos reis, típico do absolutismo —, da conservação da pessoa, dos direitos e da-»
passando a ser legitimado pelo contrato social: é propriedades.
o próprio homem que dá o consentimento para a
instauração do poder, reafirmando assim o valor No entanto, à medida que a ideologia burgue
do indivíduo c do cidadão. sa se fortalece, esses princípios passam a se con-
Locke parte da análise dos “direitos naturais
do indivíduo" (a vida, a liberdade e a proprie
dade). para cuja garantia estabelece um pacto 1. Consultar Luiz Antônio Cunha. Educação e. desenwlv:-
que dá origem ao Estado. Portanto, o governo tnenla xociat nn Brasil. pp. 28 ss.
137
figurar como valores fornais e não de fato. Não torna um bem reservado à elite. Mesmo no final
se estendem à sociedade como um todo, mas de do século XIX, quando o proletariado, amparado
terminam a divisão em classes, separando aque pelos movimentos socialistas, começa a exercer
les que têm a posse dos meios de produção (os maior pressão e a conquistar benefícios, tais
capitalistas) daqueles que só possuem a força de como o sufrágio universal e a expansão da rede
trabalho (os proletários). escolar, a escolarização permanece como um pri
Embora aspirasse pela democracia, o libera vilégio de classe.
lismo desde o início se apresenta elitista, porque A escola não-democrática tem persistido na
a igualdade defendida é de natureza abstrata, ge sociedade liberal devido a inúmeros fatores, mas
ral c puramente formal, não excluindo a convic convém não esquecer que uma das funções prin
ção de que as pessoas são diferentes nos talen cipais da escola liberal costuma ser a legitimação
tos, o que justificaria o sucesso desigual entre os da ordem económica e social.
membros da sociedade. Dessa forma, quando no século XIX o libera
Dessa fornia, embora todos fossem “livres e lismo clássico, fundado na livre concorrência,
proprietários” e igual mente pertencentes à so entra em crise, surge o neocapitalismo, baseado
ciedade civil, apenas os proprietários de fortu no capitalismo monopolista, que supõe a retoma
na teriam capacidade (conhecimento c da do Estado intervencionista. Acentuam-se as
racionalidade) para decidir os destinos da co exigências, entre outras, de benefícios sociais
munidade, ou seja, o liberalismo político, no tais como a escola nacional leiga e gratuita, ofe
seu início, defende o voto censitário, o que de recida pelo Estado.
monstra que só os ricos são considerados ple No entanto, a ampliação da rede escolar não
namente cidadãos. significou a equalização de oportunidades.
A importância dada à propriedade gera um Porque, à medida que o desenvolvimento do
eixo determinante pelo qual a política é condici comércio e da indústria exige maior esco
onada pela economia. Consequentemente, o Es larização, as crianças proletárias frequentam
tado se coloca a serviço da classe hegemônica, escolas que em tudo diferem daquelas reserva
protegendo-a por meio de uma legislação espe das às classes dominantes. Na escola dualista,
cífica. que salvaguarda Os interesses dos propri os jovens de acordo com a origem social são
etários em uma sociedade mercantil. encaminhados para a formação global, para a
estrita profissionalização técnica ou, ainda,
para a simples iniciação no ler. escrever e
4. A educação liberal contar.
E bem verdade que uma vertente do pensa
Na Unidade V analisaremos com mais deta mento liberal — representada desde o século
lhes as diversas expressões da educação liberal, XVil por Coinênio, passando por Diderot e
sobretudo nos capítulos em que são abordadas a Condorcet, no século XVI1T. c culminando, no
escola tradicional, a escola nova, a tendência século XX, com Dcwcy — preocupou-se com
tecnicistae algumas das teorias antiautoritárias. a questão da reconstrução social, com os fins
De maneira geral podemos dizer que a educa sociais da educação, na tentativa de superar a
ção liberal reflete os ideais do homem burguês, tendência individualista da educação burguesa
anteriormente analisados, enfatizando o indivi e orientar-se numa linha dc maior democrati
dualismo e o espírito de liberdade. A valoriza zação.
ção do homem e da sua capacidade de autono Esses objetivos darão corpo aos ideais da es
mia e de conhecimento racional foram expressos cola nova, uma tendência modemizadora da
nos ideais iluministas, reveladores de um otimis educação liberal que se coloca em oposição a
mo em relação à possibilidade da razão humana certos vícios da escola tradicional. No entanto,
de transformar o mundo. como veremos nos próximos capítulos, a fun
Aqui nos interessa realçar que, em face da ção equalizadora da escola se mostrou ilusória,
existência de um antagonismo de interesses no na medida em que não atingiu os fins dc maior
seio da sociedade liberal, também a educação se mobilidade social.
138
Dropes
Uma educação perfeita é para mim simbolizada por uma árvore plantada perto de águas fertili
zantes. Uma pequena semente que contém o germe da árvore, sua forma e suas propriedades é
colocada no solo. A árvore inteira é uma cadeia ininterrupta de partes orgânicas, cujo plano existia
na semente e na raiz. O homem é como a árvore. Na criança recém-nascida estão ocultas as facul
dades que lhe hão de desdobrar-se durante a vida: os órgãos do seu ser gradualmente se formam,
em uníssono, e constroem a humanidade à imagem de Deus. (Pestalozzi)
A educação, mais do que qualquer outro instrumento de origem humana, é a grande ígualadora
das condições entre os homens — o eixo de equilíbrio da maquinaria social (...). Dá a cada homem a
independência e os meios de resistir ao egoísmo dos outros homens. Faz mais do que desarmar os
pobres de sua hostilidade para com os ricos: impede-os de ser pobres. (Horace Mann)
Leitura complementar
As escolas constituem um campo de conflito zem parte de um Estado ao mesmo tempo de
porque têm o duplo papel de preparar trabalha mocrático e capitalista, e essa dicotomia, por si
dores e cidadãos. O preparo que a cidadania exi só, dá origem a uma importante luta. Como as
ge numa sociedade democrática, baseada em escolas se situam dentro do Estado, elas refle
igualdade de oportunidades e em direitos huma tem essa luta. Contudo, isso não significa que as
nos, é muitas vezes incompatível com o preparo influências das duas forças opostas estejam
que requer o desempenho em serviço num siste sempre em equilíbrio. Ao contrário, em cada pe
ma empresarial de trabalho Por um lado, as es ríodo histórico há uma tendência a que uma des
colas devem preparar os cidadãos para conhe sas dinâmicas tenha primazia sobre a outra. Isso
cer seus direitos legais, bem como sua obriga pode estimular uma nova etapa da luta, em que
ção de exercer esses direitos por meio da parti a dinâmica em oposição adquire a primazia, num
cipação política. Por outro lado, as escolas de ciclo permanente e periódico.
vem preparar os trabalhadores com as qualifica As escolas são instituições conservadoras.
ções e as características de personalidade que Na ausência de pressões externas pela mudan
lhes possibilitem atuar num regime de trabalho ça, elas tendem a preservar as relações sociais
autoritário. Isso exige a negação daqueles mes existentes. Mas as pressões externas em favor
mos direitos políticos que favorecem os bons ci da mudança sempre interferem nas escolas, até
dadãos. mesmo sob a forma de preferências populares.
O fato de se atribuir ao sistema educacional Nos períodos históricos em que os movimentos
essas duas responsabilidades cria, dentro dele, sociais são fracos e a ideologia empresarial é for
as sementes do conflito e da contradição. A luta te, as escolas tendem a fortalecer sua função de
subsequente, entre os defensores dos dois dife reproduzir trabalhadores para as relações do lo
rentes princípios, pelos respectivos objetivos e cal de trabalho capitalista e para a divisão desi
ações, contribui para dar forma à escola que, ne gual do trabalho. Quando aparecem movimentos
cessariamente, atenderá de maneira imperfeita sociais para contestar essas relações, as esco
às exigências de seus dois senhores. las se deslocam em outro sentido, para igualar
No correr do tempo, as tensões entre essas as oportunidades e ampliar os direitos humanos.
duas dinâmicas têm-se situado dentro do contex (...) Sem dúvida nenhuma, a mensagem
to do conflito social mais amplo. As escolas fa mais importante deste nosso estudo é a de que
139
as lutas democráticas são importantes para a forças democráticas que estabelece limites à
consecução dos tipos de escola e de economia opressão e aumenta os custos da batalha para
que atendam às necessidades mais amplas de o outro lado.
nossa sociedade e cidadania: (...) é a tomada (Marli n Carnoy e Henry M. Levin, Escola e
de posição pelos movimentos sociais e pelas trabalho no Estado capitalista, p.281 -282 e 301.)
Atividades
Questões
Análise de texto
5. Com base no dropes 1 f responda: em que sentido a comparação entre o plantio da semente de uma
árvore e a educação é reveladora de algumas características típicas da educação liberal?
6. No dropes 2 Horace Mann expressa uma das mais caras esperanças da escola nova Explique qual é
ela.
7. Por que, para os autores, a incumbência de formar trabalhadores e cidadãos revela uma contradição
intrínseca?
8. Em que sentido podemos dizer que no sistema capitalista predomina o regime de trabalho autoritário?
Dê exemplos de características de personalidade necessárias para se atuar nesse regime.
9. Segundo os autores, o que determina que o pêndulo oscile mais para um lado que para outro?
10. Os autores se referem a klforças externas1 que seriam contrapostas ao poder ideológico das empresas.
Que forças são estas9 Dê também exemplos concretos a partir de sua vivência pessoal.
Redação
140
Parte II
Tendência socialista
1. As idéias socialistas aquelas forças. Segundo o marxismo, não é pos
sível existir um Robinson Crusoé desenvolven
O liberalismo se configurou desde sua ori do-se. solitariamente, à margem da sociedade.
gem como a teoria política c econômica da Compreende-se assim a crítica feita por Marx
burguesia, cm oposição aos privilégios da no ao idealismo burguês: não são as idéias que ino
breza. No entanto, os benefícios conquistados vem o mundo, mas as idéias (formas de pensar,
pelas revoluções burguesas não foram distrb valores) c que são determinadas pelas condições
buídos com igualdade na sociedade, que se materiais da existência humana.
manteve dividida entre proprietários e não- Segundo o materialismo marxista, então, as
proprietários. relações do homem com a natureza no esforço
No século XIX, o proletariado se encontra re de produzir a própria existência e as relações dos
legado a uma situação de penúria e exploração. homens entre si (proprietários e não-proprietá
São conhecidas as exigências de que crianças, rios) explicam formas de pensar como a moral, o
homens c mulheres trabalhem em condições pre direito, a filosofia, a ciência, a educação, c assim
cárias de higiene, numa jornada de 14 a 16 ho por diante.
ras. recebendo ínfima remuneração. Dessa forma, a educação (e outras expressões
Para fazer frente ao poder da burguesia, o pro da superestrutura2), se encontra, também sob o
letariado precisaria tomar consciência dessa si ponto de vista do materialismo marxista, na de
tuação. buscando a expressão de sua própria ide pendência das forças econômicas vigentes na so
ologia. A produção teórica dos socialistas uiópi- ciedade. Por isso seria ilusório pensar que pode
cos Proudhon, Fourier. Saint-Sinion e Owcn e o mos mudar as estruturas sociais por meio da edu
socialismo científico dc Marx e Engels foram im cação. O homem novo só seria possível após a
portantes no sentido de conscientizar o proletari revolução social e política, ou seja, pela implan
ado. promovendo sua aglutinação em movimen tação de uma sociedade nova, na qual não hou
tos efetivos de contestação. vesse divisão de classes.
Karl Marx (1818-1883) c Friedrich Engels Ao mesmo tempo. Marx diz que se por um
(1820-1895), quando concebem sua utopia, as lado é preciso mudar as condições sociais para
piram por uma classe operária revolucionária se criar um novo sistema de ensino, por outro fal
que seria capaz de destruir o Estado burguês e ta uma educação nova, que proporcione mudan
de criar uma sociedade pos-inercantil (que re ças nas condições sociais vigentes. A educação
jeita o capital e o mercado) a partir da supres deve, então, acompanhar o processo revolucio
são da propriedade privada dos meios de pro nário, preparando por meio da conscientização
dução. aqueles que querem destruir a velha sociedade e
Criticam a ideologia burguesa por ser indi instaurar a nova.
vidualista c idealista. Em oposição às teses li Dessa forma, o marxismo confere às discus
berais do contrato social, não concebem o ho sões sobre a educação uni caráter político c social
mem “em estado de natureza", considerando até então inexistente.
que o ser do homem é construído nas relações Questões sobre o marxismo referentes ao mé
de trabalho e. corno tal, ele é antes de tudo um todo dialético foram abordadas no capítulo ante
ser social. rior. sobre a cpistemologia.
isso significa que, num primeiro momento, a
subjetividade resulta das forças sociais que agem
sobre o indivíduo, de modo que seus desejos, as 2. Para a compreensão do conceito de wperestruíuni, côn
pirações, valores e idéias são determinados por sul Le o Capítulo 20, p. 190.
141
142
sociedade civil (corri suas inúmeras instituições, Além disso, a ênfase dada ao coletivo, no afã
inclusive a escola) pudesse se tornar o lugar pos de superar o individualismo e o egoísmo burguês,
sível da livre circulação das ideologias. muitas vezes resultou na incapacidade dc permitir
Para Gramsci, os elementos populares deve o pensamento divergente, a dissidência, provo
riam continuar organicamente ligados à sua clas cando a expressão de formas de intolerância e
se, de modo a elaborar, coerente e criticamenic, doutrinação.
a experiência proletária. Só assim a classe domi Em 1985, quando Gorbatchev deu início à
nada teria intelectuais orgânicos capazes de peresíroika (reestruturação da economia), bus
compreender as contradições que permeiam a cando quebrar a rigidez do planejamento estatal
sociedade dividida cm classes. por meio da introdução de elementos de
A partir dos grupos de pressão formados na regulação de mercado, c à glasnost (abertura po
sociedade civil, como o partido da classe traba lítica), visando a renovação dos quadros, forma
lhadora c os sindicatos, por exemplo, a consci dos pela velha e autoritária elite burocrática diri
ência de classe, geradora de uma contra-ideolo gente, acelerou a implosão do mundo socialista.
gia, poderia ser desenvolvida. Sc, por um lado, as pessoas estavam asfixia
Destacamos, cm alguns dos capítulos que se das pelo poder e muitos eram os críticos que de
seguem, a influência socialista em uma pane das nunciavam os excessos e exigiam a liberdade de
teorias antíautoritárias (ver Capítulo 19, no qual pensamento havia muito tempo, por outro lado a
analisamos a contribuição dos anarquistas), em rápida deterioração do chamado "socialismo
alguns dos teóricos crílico-reprodutivistas (Capí real'' culminou com o esfacelamento das repú
tulo 20) c nas teorias progressistas (Capítulo 23), blicas socialistas, que, retomando á economia dc
mercado, perderam os benefícios sociais que
desfrutavam, incluindo aí a educação.
3. Depois do muro de Berlim Esses acontecimentos não devem, todavia,
nos enganar. Os desacertos do “socialismo real”
A educação considerada prioridade máxima não avalizam o capitalismo como defensor da
dos governos revolucionários e implantada com democracia e da liberdade. O pensador italiano
rigor, logo frutificou nos países socialistas. Os Bobbio ponderava bem antes da queda do muro
níveis dc analfabetismo baixaram drasticamen dc Berlim que, se o socialismo criou o Estado dc
te, atingindo índices próximos do zero. não-liberdade, o capitalismo é, em contraparti
Algumas das demais metas apresentaram difi da, o Estado da não-justiça.
culdades, como, por exemplo, a implantação da Em outras palavras, o malogro do “socialis
polilccnia: em um mundo no qual ocorrem rápidas mo real” não garante o sucesso do liberalismo,
transformações científicas e tecnológicas, é sempre que continua gerando os excluídos da riqueza: os
problemático atrelar a escola ao funcionamento das países subdesenvolvidos c a grande massa de
atividades no campo, na fábrica c nos serviços. pobres c miseráveis analfabetos.
Dropes
1
As idéias da classe dominante são, em cada época, as idéias dominantes; isto é, a classe que
é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A
classe que tem à sua disposição os meios de produção material dispõe, ao mesmo tempo, dos
meios de produção espiritual, o que faz com que a ela sejam submetidas, ao mesmo tempo e em
média, as idéias daqueles aos quais faltam os meios de produção espiritual. (Karl Marx)
O advento da escola unitária significa o início de novas relações entre trabalho intelectual e
trabalho industrial não apenas na escofa, mas em toda a vida social. O princípio unitário, por isso,
143
Uma sociedade justa não é uma sociedade que adotou leis justas, mas uma sociedade onde a
questão da justiça permanece constantemente aberta. (Cornelius Castoriadis)
Leitura complementar
[O coletivo infantil]
Nossa tese fundamental é a seguinte: se a da que se deve dar às chanças para que cresçam
auto-organização das crianças na escola soviéti e assumam sua própria educação, reduzindo-se
ca não se basear na existência do coletivo infan simplesmente à “influência" educativa do
til, será uma disposição abortiva. pedagogo sobre uma determinada criança.
Mas, perguntará o leitor, qual é a escola “onde Voltamos, assim, ao ponto já analisado várias
não há coletivo infantil?”. (...) vezes através de outros caminhos, ou seja, à idéia
Mas uma certa quantidade de crianças, um de que escola deve não somente formar, mas sus
simples agrupamento quantitativo, uma reunião citar os interesses das crianças, organizá-los,
acidental, não formam ainda um coletivo. (...) ampliá-los, formulá-los e fazer deles interesses
As crianças e também os homens em geral for sociais. Poderíamos mesmo formular o raciocínio
mam um 'coletivo” quando estão unidos por de da seguinte forma: a escola deve transformar os
terminados interesses, dos quais têm consciência interesses individuais, as emoções das crianças,
e que lhes são próximos, Se quisermos criar na em fatos sociais, cimentando com base nisso o
escola um coletivo infantil, seremos obrigados a coletivo infantil,
desenvolver estes interesses entre as crianças, A necessidade do coletivo infantil deriva da
inspirando-lhes interesses novos. (...) A escola só necessidade fundamental de inculcar nas crian
permitirá um amplo desenvolvimento e uma coe ças a atividade, a iniciativa coletiva, a responsa
são íntima do coletivo das crianças no momento bilidade correspondente à sua atividade. O cole
em que for o lugar (e o centro) da vida infantil, e tivo das crianças criará, pelo próprio fato de exis
não apenas o lugar de sua formação; nós nem tir, a autoorganização.
chegaremos a dizer que ela deve ser o lugar de (Pistrak, Fundamentos da escola do
sua formação, se esta palavra não exprimir a aju trabalho, p 136-138.)
Atividades
Questões
Análise de texto
5. Para aplicar o enunciado de Marx ao contexto da escola, reescreva-o com suas palavras; utilizando os
conceitos de capitalista e proletário e identificando educação com produção espiritual.
144
6. Tendo como base o dropes 1 da Parte I (texto de Pestaiozzr), comente como ele podería ser criticado
por um teórico da educação socialista.
7. Baseando-se no dropes 2, explique por que a relação entre trabalho manual e trabalho intelectual
permeia ao mesmo tempo a questão escolar e a social.
8. Baseado no dropes 3, utilize o argumento de Castoriadis para criticar o “socialismo real”.
9. Para Pistrak, o ' coletivo infantil” não se confunde com um simples “agrupamento quantitativo” de crian
ças. Explique por quê
10. Em que sentido o conceito de coletivo infantil está enraizado na concepção socialista de educação?
Qual é a crítica à educação burguesa?
11. Neste trecho o autor começa e termina se referindo à auto-organização das crianças. Como ela se
toma possível?
Redação
Tema: Indivíduo e sociedade, como conciliar esses dois pólos contraditórios na educação?
145
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Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
149
Portanto, para Durkheim, “a educação satis tam com o desenvolvimento do comércio e, pos
faz, antes de tudo, a necessidades sociais" e "sal teriormente. no século XX, com o início da in
ta aos olhos que toda educação consiste num es dustrialização,
forço contínuo para impor à criança maneiras de E de especial importância para a reflexão so
ver, de sentir e de agir às quais a criança não te bre a pedagogia a contribuição do estudo da histó
ria espontaneamente chegado”. ria da educação. O interesse pelo passado não é o
O mérito da nova abordagem está no fato de resultado de simples preocupação erudita ou mera
ter acentuado o caráter social dos fins da educa curiosidade. A realidade presente só pode ser bem
ção e instituído a pedagogia como uma discipli compreendida quando analisamos o passado. Com
na autônoma, desligada da filosofia, da moral e esses elementos, podemos viabilizar um projeto
da teologia. Além disso, Durkheim considera a de mudança que não seja visionário e ingênuo, ou
pedagogia uma "‘teoria prática” da educação que, que, ao contrário, não esteja contaminado pelo
fundamentando suas principais noções na socio pessimismo gerado pelas repetidas crises.
logia e na psicologia, torna-se capaz de guiar e São recentes os trabalhos de síntese histórica
esclarecer a prática. no Brasil, e muitos campos estão ainda a exigir
Os limites da abordagem durkheimiana estão premente investigação, para que se desenhe um
em ser ela também parcial, na medida em que, perfil mais nítido da educação brasileira. Só as
ao enfatizar o processo externo, descuida-se do sim será bem fundamentada uma análise crítica
processo interno da educação. Além disso, que proporcione mudanças efetivas.
absolutiza o poder da sociedade sobre o indiví Ainda entre as ciências humanas, a antropo
duo. retirando dele todo o poder de contestação. logia, a geografia humana e a linguística têm tra
Mesmo considerando os diversos segmentos que zido importantes contribuições para a pedagogia,
compõem a sociedade, não analisa os conflitos além da cibernética, que tem revolucionado os
nela existentes, conflitos esses que determinam métodos pedagógicos.
o caráter ideológico da educação. Trata-se de Quanto às demais ciências, merece destaque
uma concepção de certa forma conservadora, especial a biologia, que mantém estreita ligação
pois vê a educação como forma de manutenção com a educação por meio do estudo do desen
da estrutura de uma determinada sociedade. volvimento fisiológico, da interação corpo-men
Muitos foram os sociólogos que trouxeram te, da genética etc.
contribuições importantes para a pedagogia. No
Capítulo 20 examinaremos o impacto das análises
feitas pelas duplas francesas Bourdieu/Passeron e 4. A teoria geral da educação
Baudelot/Establct, que denunciaram a função
reprodutora da escola na sociedade de classes. Mostramos até aqui que a filosofia é muito
importante para a pedagogia, mas não se confun
Outras ciências de com ela, assim como o reconhecimento da re
levante contribuição das ciências da educação (a
Partir da análise dos modelos econômicos pode psicologia da educação, a sociologia da educa
auxiliar no estudo das relações entre a economia ção ctc.) não nos leva a colocá-las no lugar da
do país e os fluxos de demanda de escolarização. pedagogia.
Nesse sentido, são fecundas as análises feitas a As tendências contemporâneas da pedagogia
propósito dos níveis de desenvolvimento econô visam superar análises parciais — individualista
mico dos países, o que tem servido, inclusive, para ou social —, na busca de uma abordagem
melhor compreender as contradições existentes dialética da educação que possa equacionar de
nas regiões subdesenvolvidas. vidamente os pólos opostos indivíduo-socieda
No Brasil, por exemplo, o modelo agrário de de, reflexão-ação, teoria-prática, particular-geral.
economia, característico do primeiro período de Pretende-se superar, com isso, a concepção da
nossa história (que vai do século XVI até a vinda pedagogia como ‘Tilha” da filosofia e também o
da família real para o Brasil, em 1808), c acom risco do psicologismo ou do sociologismo. Isso
panhado por uma escola cujas exigências aumen não significa desprezar o importante papel de-
150
sempenhado pela filosofia, que acompanha refle- teoria ou porque não sabe como integrá-la à práti
xivamente os problemas educacionais, c a con ca efetiva. A realidade concreta, que se resume no
tribuição dada pelas ciências cm geral para que a convívio com os alunos, é sempre um desafio
análise dos fatos se torne mais objetiva. quando o professor não assimilou bem as teorias.
O pedagogo precisa equilibrar as diversas Vejamos alguns exemplos. Pensemos cm uma
contribuições teóricas que enriquecem sua teoria escola dc 22 grau que oferece, a cada semana, dez
e lhe dão rigor c objetividade, mas deve evitar o aulas de química, uma de história e nenhuma de
que o professor Luiz B. Lacerda Orlandi deno filosofia; cm uma sala de primário cm que as car
mina “flutuações da consciência pedagógica"■■. O teiras estão fixadas no chão; cm um professor que
risco dos “ismos" só será evitado se a educação prefere estimular os trabalhos em grupo e outro
for o ponto de partida e de chegada dessas análi que privilegia a exposição oral; em alguém que
ses. Explicando: o ponto de partida da pedago lamenta o fato de não se ensi nar mais latim no co
gia é sempre um problema apresentado pela rea légio; em outro que exige leituras extraclasse; em
lidade educacional. Busca-se, em seguida, a con um que faz chamada oral com freqíiência e outro
tribuição das ciências auxiliares da educação, que não dá valor às avaliações.
para só então atingir o ponto de chegada, que é, Todos esses aspectos resultam de concepções —■
de novo, a realidade educacional. Assim, não se tematizadas ou não — que revelam, primeiramente,
deve perder a especificidade da pedagogia como a seguinte questão: que homem se quer formar? Para
teoria distinta daquelas ciências, não rejeitando, que tipo de sociedade? A partir da elucidação da base
ao mesmo tempo, sua contribuição. antropológica, passamos para a seleção dos conteú
Com isso, a pedagogia delimita o próprio dos a serem transmitidos. O que ensinar para formar
campo e estabelece seu caminho, podendo então aquele tipo de homem? Só então se colocam ques
ser compreendida como teoria geral da educa tões metodológicas: como ensinar?
ção. capaz de transformar a educação em uma Portanto, a escolha dos conteúdos e do méto
atividade intencional e eficaz, do não é casual» mas se enraíza — quer o profes
A partir da consciência dos problemas educa' sor saiba, quer não — em uma determinada con
cionais de seu tempo, o pedagogo estabelece ob cepção de homem e de sociedade, concepção esta
jetivos realizáveis, busca os meios para atingi-los, que não é neutra, estando impregnada da visão
verifica a sua eficácia, revê os processos utiliza política que a anima.
dos, e assim por diante. Só dessa forma a educa Dessa forma, os procedimentos específicos
ção se tornará instrumento real de transformação. usados em sala de aula adquirem sentido a partir
do esclarecimento dos pressupostos antropológi
cos, bem como da constatação a respeito da coe
5. A importância da pedagogia_____ rência (ou incoerência) com o método e o con
teúdo escolhidos.
Qualquer atividade educacional que se queira Vejamos, como exemplo, a escola tradicio
intencional e eficaz tem claros os pressupostos nal, que parte de uma concepção de natureza
teóricos que orientam a ação. Ao elaborar leis, humana universal que precisa ser “trazida à luz’’
fundar uma escola, preparar o planejamento es pela educação. Para “atualizar" as potencia
colar ou enfrentar dificuldades específicas em lidades, busca-se transmitir a maior quantidade
sala de aula, é preciso ter clareza a respeito da possível de conhecimentos (ênfase no conteú
teoria que permeia as decisões. do) e de valores desta sociedade relativamente
No entanto, é comum observarmos o estável. Para tanto, usa-se o recurso do método
“espontaneísmo”, resultado da indevida dicotomia expositivo, por meio de procedimentos especí
entre teoria e prática, gerada porque o professor ficos como a exposição oral, feita peio profes
não foi adequadamente informado a respeito da sor, ou a exposição escrita dos manuais escola
res. Na avaliação da aprendizagem, utilizam-se
procedimentos tais como exercícios de fixação
2. O problema da pesquisa cm educação e algumas de suas e provas periódicas, nas quais se exige a repro
implicações. Revista n. 2. mar. 1969. dução do conhecimento.
151
152
ê relevante ensinar e de como fazê-lo, a fim de brar a desde sempre existente “feminização” do
não se cair no enciclopedismo, no academicismo magistério. Não é a vocação o motivo pelo qual
ou no tecnicismo. Nesse caso, é sempre bom predominam as mulheres na função docente, so
lembrar: mesmo quando existe um falso bretudo a primária. O desprestígio e a baixa re
apoliticismo e a crença de que se está desenvol muneração destinam essas atividades ao segmen
vendo uma atividade neutra, encontramos bem to feminino, também desvalorizado profissional
escondidos os interesses do grupo que se acha mente na sociedade sexista.
no poder. Quer queira, quer não, as convicções A expressão “sacerdócio” nos faz lembrar
do professor a respeito da clica e da política apa abnegação, total dedicação a uma atividade vil
recem na forma como os conflitos surgidos em mente remunerada, levando à convicção dc que
ciasse são trabalhados por meio daquilo que ele a “grandeza espiritual” do empreendimento de
diz, assim como por meio daquilo que silencia. educar estaria na razão inversa da exigência dc
Convem que o professor se posicione diante um salário justo.
do mundo, o que não significa, em absoluto, as Aliás, é sempre interessante observar como são
sumir atitudes de proselitismo, perniciosas por tratadas em todos os tempos as “obras de pensa
que visam doutrinar o aluno, abusando de sua mento”. As pessoas tendem a considerar que, para
receptividade intelectual. Assumir posições sig os intelectuais, dar uma aula, fazer uma conferên
nifica estar comprometido com o mundo e dis cia, escrever um artigo ou livro3, dispondo, para
posto a participar, lutando contra o trabalho de isso, de suas idéias, não lhes custa nada e que po
gradante, a submissão política, a alienação da deriam oferecer seus préstimos como dádivas. A
consciência, as exclusões injustas e as diversas mesma atitude seria impensável nas situações em
formas de preconceito. que precisamos de um técnico para consertar a tor
neira ou um médico para nos extrair a vesícula...
A profissionalização do educador O professor é um profissional e, como tal.
além de uma boa formação, deve buscar garantir
Chamar a professora de “tia” ou exclamar, condições mínimas para um trabalho decente:
com reverência, que “o magistério é um sacerdó condições materiais adequadas, reuniões pedagó
cio'’ são formas semelhantes de depreciação do gicas, reciclagem para atualização permanente,
trabalho do mestre. plano de carreira, além de salários mais dignos.
O tom falsamcntc afetivo dessas expressões Essas modificações não dependem dos indi
descaracteriza o cunho profissional da atividade víduos isolados, só serão possíveis caso os pro
docente, que merece ser respeitada principal men fessores tomem consciência política da sua situ
te sob o aspecto do trabalho realizado, e não como ação e estejam dispostos a se mobilizar sempre
ocupação desinteressada, amorosa ou mística. que necessário. Para tanto, c preciso que eles es
A expressão “tia”, alem de conferir um “ar tejam engajados em associações representativas
domestico” à atividade profissional, nos faz lem de classe que defendam seus interesses.
Dropes
1
Em reuniões que tive nos últimos anos com muitos companheiros em congressos, conferências,
cursos, debates etc., sempre observei um mesmo fenômeno: o professor primário procura avida
mente respostas detalhadas a uma porção de questões práticas, metodológicas, didáticas e outras:
“Como agir neste caso?”, “Como aplicar esta ou aquela parte do programa?”, “Como organizar na
escola este ou aquele trabalho?" etc.
3. Você já notou corno as pessoas fazem, com frequência, cópias reprográ ficas (xerox, por exemplo) de qualquer livro, sem
lembrar que esião cometendo um crime, ou seja, o roubo do direito autoral! A Associação Brasileira de Direitos Reprográficos
(ABDR) foi criada para o esclarecimento público da questão, buscando garantir os direitos do Autor c do Editor.
153
Estudando centenas de perguntas feitas por escrito aos relatores em diferentes lugares, perce-
be-se facilmente que a massa dos professores se apaixona principalmente por questões práticas;
mas a teoria deixa os professores indiferentes, frios, para não falar de estados de espírito ainda
menos receptivos. (Pistrak)
Na burocracia, na obediência cega, que confunde (...) autoridade com autoritarismo e segue a
ordem pela ordem, está um dos pioneiros germes da dissolução do social, que é o germe do fascis
mo e do nazismo. Numa sociedade autoritária, ditatorial, a opressão é fundada basicamente na roti
na e na burocracia. São aqueles que obedecem até o ponto de torturar e matar os outros. Quando se
passa a obedecer cegamente, você perde o sentimento do que é a lei, na medida em que as regras
são frutos da discussão pública. As leis mudam, somos nós que as fazemos e elas são sempre
melhores em função do interesse comum. Se não as discutimos, e advogamos que qualquer lei é lei,
então estamos ao lado da marginalidade e somos capazes de desprezar as regras e instaurar nossa
própria lei. (Jurandir Freire Costa)
Leitura complementar
[A importância do professor]
A tentativa de resolver problemas políticos e Assim como a dona-de-casa trabalha “no lar”,
pedagógicos da escola mediante introdução de educa os filhos e zela pelo bem-estar de todos de
novas tecnologias constitui o velho e repetido erro graça, sem nenhuma recompensa ou facilidade fi
de todas as iniciativas de reforma do ensino, pro nanceira, assim também se espera que as profes
movidas em nível municipal, estadual e mesmo soras, vistas de certa forma como ^substitutas da
federal, nas últimas décadas. Não é o satélite, a mãe11 na escola, tenham dedicação semelhante,
TV Educativa ou o computador que conseguirão sem que lhes sejam oferecidos salários dignos e
alfabetizar os 20 milhões de brasileiros até agora justos. Enquanto não houver uma reconsideração
excluídos de toda e qualquer educação formal do Estado em sua avaliação do magistério, recom-
Não são eles que vão evitar as taxas de evasão e pensando-o com salários justos, pouca utilidade
reprovação escolar nas primeiras séries. Não será têm as caríssimas campanhas publicitárias para
através deles que o ensino de 3- grau poderá vol convencer a população do valor da educação. No
tar a ter níveis efetivamente “acadêmicos1, de pa momento em que o Estado der o primeiro passo,
drão qualitativo internacional. As soluções mais valorizando, mediante salários adequados, o tra
próximas, óbvias e corretas são em geral aquelas balho docente, a valorização da educação na so
nas quais somente se pensará quando todas as ciedade será difundida pelo próprio professor na
outras, mais distantes e dispendiosas, já tiverem escola e pelo “produto” que dela sai: a criança efe
fracassado. Em todas as reformas de ensino dos tivamente alfabetizada, informada, politizada,
últimos anos, pensou-se em reestruturar os níveis conscientizada do seu valor e de sua responsabi
de ensino, passar do modelo francês ao america lidade no mundo moderno, capaz de trabalhar e
no, introduzir moderna tecnologia, alterar o siste construir uma sociedade mais justa. As outras ini
ma de avaliação, propor novas metodologias de ciativas poderão ser úteis, na medida em que
ensino, sugerir novos métodos didáticos. Somen complementarem e enriquecerem o trabalho do
te não se pensou na valorização do professor, professor. Boas bibliotecas, laboratórios, compu
pagando-lhe melhores salários, qualificando-o e tadores, livros didáticos, material escolar e mes
reciclando-o. As professoras primárias ganham, mo a merenda escolar só farão sentido e servirão
via de regra, salários que não chegam ao de um como elemento de transmissão de cultura, de for
auxiliar de construção, um lixeiro ou qualquer ser mação de personalidade, de valor educacional, se
vente com salário mínimo. Este fato revela um forem competentemente usados e introduzidos
desprezo profundo pela educação e, possivel pelo professor em sala de aula. Além da conside
mente, por este trabalho remunerado da mulher. ração do valor do professor e de sua qualificação,
154
Atividades
Questões
1. Como poderíamos responder àqueles para os quais basta '‘bom senso” para ser um bom professor?
2. Como a pedagogia pode garantir sua especificidade teórica sem cair nos “ismos” (psicologismo,
socíologismo etc.)?
3. Quais são os três aspectos importantes na formação do professor?
Pesquisa_______________________________________________________________
Análise de texto_________________________________________________________________
4. Sob que aspecto Pistrak coloca a questão da relação entre teoria e prática na práxis educativa?
5. Quais as conseqüências do desinteresse pela teoria?
Observe que o texto de Barbara Freitag (leitura complementar) foi escrito assim que saímos da ditadu
ra militar, período em que se tentou implantar uma determinada tendência na educação Daí a crítica feita
aos “erros das reformas de ensino”. Responda então às questões de 8 a 12.
8. Por que, para a autora, a mais alta tecnologia não resolveria o problema da educação brasileira?
9. Explique por que a autora, ao se referir à importância do estudo das humanidades, lembra a experiên
cia do nazismo e da vivência do risco atômico.
155
10. A que reforma, especificamente, a autora se refere ao citar a passagem do modelo francês para o
americano?
11. A autora se refere a '‘reativação1’ do estudo de filosofia. O que aconteceu com as disciplinas
humanísticas durante a citada reforma?
12. Qual foi a conseqüência desta reforma nos cursos de magistério?
Redação
156
Não c por sadismo que a escola tradicional exige silêncio e imobilidade, que
faz colocar os alunos em filas e que concede lanla importância ao aprendizado
das regras, inclusive ortográficas c gramaticais. F porque se apóia sobre uma peda
gogia da disciplina, da antinatureza. E, mais profunda mente ainda, porque consi
dera a natureza da criança originalmente corrompida.
(bernard Charloti
157
Diante da dificuldade em analisar de forma dar o que será avaliado”, não em “estudar para
homogênea o que seria a “escola tradicional”, saber”, simplesmente. Se de um lado o professor
veremos em primeiro lugar o que chamamos ge “dá a lição”, de outro o exercício ou a prova re
nericamente de características gerais, mesmo presentam o momento de “restituição”, cm que
correndo o risco das simplificações, para em se ele “toma a lição”.
guida fazer um breve histórico que possibilite Como o processo de verificação da aprendiza
introduzir algumas nuanças nessa abordagem. gem se torna artificial, ela passa a ser estimulada
por meio de prêmios e punições, assim como há
uma valorização da competição entre os alunos,
2. Características gerais submetidos a um sistema classificatório.
A institucionalização da escola surgiu sob o
Quanto à relação entre professor e aluno, a signo da hierarquia e da vigilância. Assim, para
educação tradicional é magistrocêntrica, isto é, ser “protegida”, a criança se submete a um siste
centrada no professor e na transmissão dos conhe ma disciplinar paternalista, autoritário e dogmá
cimentos. O mestre detém o saber e a autoridade, tico. Rigidamente estipuladas, as normas garan
dirige o processo de aprendizagem e se apresenta, tem a submissão do aluno, para quem a obediên
ainda, corno um modelo a ser seguido. cia se torna a virtude primeira.
Essa relação vertical, porque hierárquica, tem A manutenção da disciplina e da ordem é ga
como conscqücncia, nos casos extremos, a pas rantida frequentemente por meio do castigo cor
sividade do aluno, reduzido a simples receptor poral, prática pela qual se mantinha a ordem pela
da tradição cultural. intimidação e que até bem pouco tempo atrás era
O conteúdo visa a aquisição de noções, dan considerada normal.
do-se ênfase ao esforço intelectual de assimila
ção dos conhecimentos. Daí derivam o caráter
abstrato do saber, o verbalismo c a preocupação
em transmitir o saber acumulado. A valorização
do passado é inevitável, assim como o destaque
ao estudo das “obras-primas”. O exagero desses
aspectos leva a um distanciamento com relação
à vida e aos problemas cotidianos e atuais.
Quanto à metodologia, é valorizada a aula
exposítiva, centrada no professor, com destaque
para situações em sala de aula nas quais são fei
tos exercícios de fixação, como leituras repeti
das c cópias. Submetidos a horários e currículos
rígidos, os alunos são considerados um bloco
único e homogêneo, não havendo qualquer preo
Neste sinete de uma escola inglesa do século XVI lê-se;
cupação com as diferenças individuais. “Quem poupa a vara odeia a criança'’. A frase ilustra o
Todas essas características evidenciam a posi recurso à violência física para a imposição da disciplina.
ção empirista, que dá ênfase à assimilação, por
parte do aluno, do conhecimento que lhe é exter
no e deve ser adquirido por meio de transmissão, 3. As muitas faces da escola
sem a exigência de maiores elaborações pessoais. tradicional_____________________
A avaliação valoriza os aspectos cognitivos
(de aquisição de conhecimentos transmitidos), Renascimento e Idade Moderna
superestimando a memória e a capacidade de
“restituir" o que foi assimilado. As provas assu Como já dissemos, a escola tradicional é
mem um papel central entre os instrumentos de multifacetada c adapla-se às exigências históri
avaliação, chegando a determinai- o comporta cas ao longo do tempo, como também tem sido a
mento do aluno, sempre preocupado cm “estu implantação do liberalismo.
158
159
O inglês John Locke (1632-1704) é conheci da consciência moral que o homem rege sua vida
do, na política, pela elaboração do pensamento prática, partindo dc certos princípios racionais.
liberal e, na teoria do conhecimento, pela defesa No entanto, o homem não realiza espontanea
das teses empiristas. mente a lei moral, fundada no dever, mas a
Ao criticar as idéias inatas de Descartes, moralidade resulta da lula interior entre a lei uni
Locke desenvolve uma nova concepção da men versal e as inclinações individuais.
te infantil c. consequentemente, de educação, Portanto, a moral formal, que se constrói a
enfatizando o papel do mestre em proporcionar partir do postulado da liberdade e se baseia na
experiências fecundas que auxiliem a criança a autonomia, exige a aprendizagem do controle do
fazer uso correto da razão. desejo pela disciplina, a fim de que o homem
Na linha dos principais críticos da velha tra atinja seu próprio governo c seja capaz de auto
dição medieval, Locke lamenta a excessiva pre determinação.
ocupação com o latim c o descaso com a língua A educação, ao desenvolver a faculdade da ra
vernácula c o cálculo. Como bom representante zão. leva à formação do caráter moral. Por isso,
dos interesses burgueses, considera importante o quando Kant diz “Mandamos, cm primeiro lugar,
estudo dc contabilidade e de escrituração comer as crianças à escola, não na intenção dc que nela
cial, visando a preparação mais ampla para a vida aprendam alguma coisa, mas a fim de que se habi
prática. Sua pedagogia realista recusa a retórica tuem a observar pontualmente o que se lhes orde
c os excessos da lógica, propondo o estudo de na”, não pretende levar a criança à passividade da
história, geografia, geometria e ciências naturais. obediência, mas sim que ela aprenda a agir com
No entanto, ainda que as idéias realistas planos c pela submissão às regras. Kant busca a
permeiem as teorias pedagógicas do século “obediência voluntária”, fruto do reconhecimento
XVII, nem sempre se fazem presentes efetiva pessoal de que as exigências são razoáveis e supe
mente, predominando de fato o ensino acadêmi riores aos caprichos momentâneos.
co e intelectu alista.
A escola tradicional no século XIX
O ideal iluminista de educação
O sucesso da industrialização e o desenvolvi
O século XV111 é conhecido como Século das mento das ciências trazem algumas preocupa
Luzes, Iluminismo, Ilustração ou Aufklamng. ções específicas à escola tradicional do século
Luzes significam, nesse contexto, o poder da ra XIX. Por um lado, accntua-sc o dualismo esco
zão humana para interpretar e reorganizar o mun lar, que consiste no falo dc existir unia escola
do. Tal otimismo com respeito à razão vinha se para a elite e outra para o segmento popular ope
revelando, desde o Renascimento, no processo rário. Por outro, surge a necessidade dc não pri
de secularização da consciência, antes impreg vilegiar, na formação dos jovens, apenas as hu
nada dc religiosidade. manidades, mas estimular o estudo das ciências.
Foi importante o esforço dos franceses La Nesse intuito, dcstacou-sc o papel dos
Chalotais. Condorcet e Lepelletier. Autores de positivistas interessados na “formação do espíri
projetos apresentados à Assembléia Legislativa, to científico”. Augusto Comlc, fundador do
tinham por objetivo tomar a escola leiga c fun positivismo, estava convencido de que cada ho
ção do Estado. mem passa, durante sua vida, pelas mesmas eta
Para Kant (1724-1804), um dos maiores pen pas percorridas pela humanidade. Dessa forma,
sadores iluministas, a Aufklarung “é a saída do o pensamento fetichista da criança deveria ser
homem de sua menoridade, da qual ele é o pró superado pela concepção metafísica na adoles
prio responsável”. Esse caminho novo é expres cência, sendo o estado positivo (ou científico)
so no lema da Ilustração, Sapere ande! (“Tenha fruto da maturidade.
coragem dc usar seu próprio entendi mento’”). Essa tendência é responsável pelo cien-
As reflexões dc Kant a respeito da moral se tificismo que marcou muitas vezes a escolha dos
tomam fecundas para a pedagogia tradicional, na currículos escolares. Sc lembrarmos a influência
sua busca dc laicização. Segundo ele, é por meio positivista no ideário republicano brasileiro, po-
160
161
Dropes
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Sobre a Reforma Republicana do Ensino Público Paulista, na última década do século XIX: “A
crença no poder educativo das ciências levou à adoção de um plano de estudo enciclopédico que
incluía, desde a escola elementar, todo o elenco de noções científicas. (...) Acreditava-se que pelo
domínio do conhecimento científico, pela posse das verdades reveladas pela ciência, formar-se-ia o
homem perfeito e o cidadão completo. (...) O ano escolar compreendia mais de dez meses letivos,
com cinco horas diárias de aulas. O rigoroso sistema de exames procurava, por sua vez, assegurar
a seleção dos mais capazes. Data de então o equívoco da educação elementar paulista. Ao mesmo
tempo que era destinada a todos, criava-se um sistema seletivo que excluía da escola, pela
repetência e pela consequente evasão, considerável parcela da população escolar’'. (Casemiro dos
Reis Filho)
Leituras complementares
1. [A disciplina]
163
a inserção dos corpos em um espaço individuali mente e com gestos melhor adaptados. Apare
zado. classificatório, combinatório. ce, no exército, o suboficial e com ele os exercí
2-) A disciplina exerce seu controle não sobre cios. as manobras e a decomposição dos gestos
o resultado de uma ação, mas sobre seu desen no tempo. O famoso Regulamento da Infantaria
volvimento. No século XVII, nas oficinas de tipo Prussiana, que assegurou as vitórias de
corporativo, o que se exigia do companheiro ou Frederico da Prússia, consiste em mecanismos
do mestre era que fabricasse um produto com de gestão disciplinar dos corpos.
determinadas qualidades. A maneira de fabricá- 3Q) A disciplina é uma técnica de poder que im
lo dependia da transmissão de geração em ge plica uma vigilância perpétua e constante dos indi
ração O controle não atingia o próprio gesto. Do víduos. Não basta olhá-los às vezes ou ver se o
mesmo modo, se ensinava o soldado a lutar, a que fizeram é conforme à regra. £ preciso vigiá-los
ser mais forte do que o adversário na luta indivi durante todo o tempo da atividade e submetê-los a
dual da batalha. A partir do século XVIII, se de uma perpétua pirâmide de olhares. É assim que no
senvolve uma arte do corpo humano. Começa- exército aparecem sistemas de graus que vão, sem
se a observar de que maneira os gestos são fei interrupção, do general chefe até o ínfimo soldado,
tos, qual o mais eficaz, rápido e melhor ajustado. como também os sistemas de inspeção, revistas,
É assim que nas oficinas aparece o famoso e si paradas, desfiles etc., que permitem que cada indi
nistro personagem do contramestre, destinado víduo seja observado permanentemente.
não só a obser/ar se o trabalho foi feito, mas (Michel Foucault, Microfísica do poder, Rio
como é feito, como pode ser feito mais rapida de Janeiro, Graal, 1979, p. 105-106.)
Não tenho muita confiança nesses jardins de fazer com que as crianças saboreiem as ciências
infância e outras invenções por meio dos quais e as artes como saboreamos os doces de frutas.
procura-se instruir divertindo. O método já nâo é O homem se forma pelo esforço; seus verdadei
excelente para os homens. Poderia citar pessoas ros prazeres, ele deve ganhá-los, merecê-los.
que são consideradas instruídas e que se Deve dar antes de receber. É a lei
entediam lendo La Chartreuse de Parme ou Lys O ofício de distrair é solicitado e bem pago, e,
dans la Vallée*. Tais pessoas só lêem obras de no fundo, secretamente desprezado. Que pensar
valor secundário, nas quais tudo está disposto dessas vazias revistas semanais, cheias de ima
para agradar à primeira vista: mas, entregando- gens, nas quais todas as artes e todas as ciências
se a prazeres fáceis, perdem um prazer mais alto são postas ao alcance do olhar mais distraído?
que teriam adquirido por meio de um pouco de Viagens, rádio, aeroplanos, política, economia,
coragem e de atenção. medicina, biologia, tudo reunido; e os autores ti
Não há experiência que eduque melhor um ram também todos os espinhos. Esse magro pra
homem que a descoberta de um prazer superior, zer desgosta: produz um enfado das coisas do
que ele teria ignorado para sempre se não tives espírito, que são severas no início, mas delicio
se se esforçado, um pouco, inicialmente. sas. Citei há pouco dois romances que não são
Montaigne é difícil: é que é preciso inicialmente mais lidos. Quantos prazeres ignorados e que as
conhecê-lo, orientar-se em sua obra, identificar- pessoas poderiam obter com a condição de terem
se com ela; somente depois disso é que é possí um pouco de coragem! Ouvi contar que uma cri
vel descobri-lo. Do mesmo modo, a geometria ança muito amada, que ganhara um teatro de ma
por cartões reunidos pode agradar; mas os pro rionetes como presente de aniversário, instalava-
blemas mais rigorosos produzem também um se na orquestra como um velho senhor rico, en
prazer mais vivo. Assim é que o prazer de ler quanto sua mãe se esforçava para fazer com que
uma obra ao piano não pode ser percebido nas os personagens se movessem e inventava
primeiras lições; é preciso sabermos suportar o estórias. Com semelhante regime, o pensamento
aborrecimento inicial. Eis por que não se pode engorda como uma galinha. Prefiro um pensa
mento magro, que caça a sua presa.
Principal mente às crianças, que têm tanto fres
* Rcspcctivamente, A Cartuxa de Parma. de Siendhal,
cor, tanta força, tanta curiosidade ávida, não que
o O Lirío do Vale., de Balzac, autores preferidos de ro que se ofereça assim a noz descascada. Toda
Alain. a arte de instruir consiste em conseguir-se, pelo
164
contrário, que a criança se esforce e se erga ao gem, longe de tomá-la insensível, eu a desejaria
estado de homem. (...) Há, sem dúvida, uma frivo marcada e solene. A criança nos será reconheci
lidade da criança, uma necessidade de movimen da por ter sido forçada; mas desprezar-nos-á se
to e de ruído; é a parte dos jogos; mas é também tiver sido adulada.
necessário que a criança se sinta crescer, quan (Alain (Émile Chartier), Reflexões sobre a
do passa do jogo ao trabalho. Esta bela passa educação, São Paulo, Saraiva, 1978, p.11-12.)
Atividades
Questões
1. Explique por que podemos dizer que a escola tradicional é filha do liberalismo.
2. Que concepção a respeito da natureza humana se encontra inicialmente subjacente ao ideário da
escola tradicional?
3. Lembrando o que foi visto no Capítulo 13, quais são os pressupostos epistemológicos da escola tradi
cional? Para tanto, observe também os passos do método de Herbart.
4. Porque a escola tradicional assume características diferentes ao longo de sua trajetória?
5. Explique o que é tradicional e o que é novo na pedagogia de Herbart.
6. Apesar das justas críticas feitas à escola tradicional, há elementos positivos que poderiam ser nela
resgatados?
Análise de texto
13. Segundo Foucault, o que distingue a disciplina imposta no século XVIII das demais existentes ao longo
da história?
14. Segundo o autor, o que há de comum entre a escola, a fábrica e o exército?
15. Como podemos relacionar essas mudanças com o desenvolvimento do capitalismo?
16. Por que a disciplina tornou-se importante na escola tradicional?
17. Em que sentido seria correto dizer que Alain defende a ‘pedagogia da dificuldade ?
18. Qual é, para Alain, o significado pedagógico da transposição das dificuldades conseguida pela criança?
19. Explique por que, ao se referir a “um pensamento magro, que caça a sua presa", Alain descaracteriza
a crítica de passividade frequentemente atribuída ao aluno da escola tradicional.
165
Redação
Tema. Faça uma dissertação identificando as características da escola tradicional a partir desta frase
de Alain: ‘Chego à conclusão de que os trabalhos escolares são provas para o caráter, e não para a
inteligência. Seja na ortografia, na tradução ou no cálculo, trata-se de superar o humor, trata-se de apren
der a querer”.
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partir daí o destaque às atividade manuais e físi todos esses projetos de educação, persistem mui
cas. bem como o estímulo ao espírito de iniciati tas vezes diferenças de orientação, sendo, por
va c à independência do aluno. exemplo, explícita a divergência entre Mon
Do ponto de vista cpisteinológico (ver Capí tessori e Dewey.
tulo 13), é clara, em um primeiro momento, a in No Brasil, o movimento da escola nova só
fluência da tendência empirista, que valoriza os começou no século XX, na década de 20, com
elementos resultantes da experiência. Diferente diversas reformas esparsas do ensino público.
mente da escola tradicional, no entanto, Dewey Suas idéias expressaram-se de maneira clara em
não reserva à escola o destino de simples 1932, no Manifesto dos pioneiros da educação
transmissora da experiência da humanidade, mas nova, cujos principais signatários foram
realça também o papel ativo do aluno. Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira e Lou-
E nesse sentido que ele define tecnicamente a renço Filho. Esse manifesto foi muito importan
educação como “uma reconstrução ou reorgani te na história da pedagogia brasileira porque re
zação da experiência, que esclarece e aumenta o presentou a tomada de consciência da defasa-
sentido desta e também a nossa aptidão para gem cxistcnLc entre a educação e as exigências
dirigirmos o curso das experiências subse do desenvolvimento.
quentes”1 (o grifo é nosso). O manifesto surgiu cm uma época de conflito
Com isso, Dewey dá destaque aos dois pó entre os adeptos da escola renovada e os católicos
los de influência no processo de conhecimento. conservadores, que detinham o monopólio da edu
O sujeito que conhece c o objeto conhecido são cação elitista e tradicional. No período do Estado
igual mente importantes, já que *'a experiência Novo, o movimento renovador entra em recesso,
consiste primariamente cm relações ativas en ressurgindo na década de 50 com a participação
tre um ser humano e seu ambiente natural e so dos já citados pedagogos, entre outros. Embora a
cial" e, conseqücntemente. “a educação prati polêmica entre os defensores da escola leiga e os
cada intencional mente (ou escolar) deveria da escola confessional ainda existisse, alguns co
apresentar um ambiente cm que essa interação légios religiosos abandonam os métodos tradicio
proporcionasse a aquisição daquelas significa nais c começam a aderir ao eseolanovismo.
ções que são tão importantes, que se tornam por Novas teorias, tais como as de Piagel e de
sua vez instrumentos para a ulterior aquisição Brunner, foram incorporadas ao ideário
de conhecimentos"2. escolanovista, até que na década de 60, por oca
sião do golpe militar, se deu a tentativa de implan
tação da tendência tecnicista (ver Capítulo 18).
4. Principais representantes _____
170
Dropes
171
Na escola» a criança que trabalha não só se apropria das coisas aprendidas, mas ainda as
assimila. A escola nova, evitando dispersar a atenção para multíplices objetos a todas as horas do
dia ou da semana; acostumando o estudante a cumprir seus deveres com calma, sem precipitação;
reservando horas especiais para o trabalho manual e dando ocasião para tratar todas as matérias;
despertando, finalmente, na criança o desejo de recolher, elaborar mentalmente e utilizar para a
ciência e para a vida os documentos tangíveis, proporciona resultados infinitamente superiores aos
que possa dar a leitura de centenas de livros insossos, ainda que escritos e aprovados por todos os
inspetores acadêmicos do mundo. (Ferrière)
Leituras complementares
1. O mundo infantil
A criança vive em um mundo em que tudo é assoberbadas pelos longos séculos da história
contato pessoal. Dificilmente penetrará no de todos os povos.
campo da sua experiência qualquer coisa que Além disso a vida da criança é integral e
não interesse diretamente seu bem-estar ou o unitária: é um todo único. Se ela passa, a cada
de sua família e amigos. O seu mundo é um momento, de um objeto para outro, como de
mundo de pessoas e de interesses pessoais, um lugar para outro, fá-lo sem nenhuma cons
não um sistema de fatos ou leis. Tudo é afei ciência de quebra ou transição. Não há isola
ção e simpatia, não havendo lugar para a ver mento consciente, nem mesmo distinção cons
dade, no sentido de conformidade com o fato ciente. A unidade de interesses pessoais e so
externo. ciais que dirigem sua vida mantém coesas to
Opondo-se a isso, o programa de estudos das as coisas que a ocupam. Para ela aquilo
que a escola apresenta estende-se, no tempo, que prende seu espírito constitui, no momen
indefinidamente para o passado, e prolonga-se, to, todo o universo, que é assim fluido e fugidio,
sem termo, no espaço. A criança é arrancada do desfazendo e refazendo-se com espantosa ra
seu pequeno meio físico familiar — um ou dois pidez.
quilômetros quadrados de área, se tanto — e ati Esse, afinal, é que é o mundo infantil Tem
rada dentro do mundo inteiro, até aos limites do a unidade e a integridade da própria vida da
sistema solar. A pequena curva de sua memória criança.
pessoal e a sua pequena tradição véem-se (J. Dewey, Vida e educação, p. 138.)
Tem-se considerado como um ponto culmi ram e que por ela entraram em circulação, como
nante no movimento de renovação educacional pela fermentação de idéias que provocou e pelo
no Brasil a reforma de 1928 no Distrito Federal, estado social que estabeleceu, de trepidação dos
que se tornou o foco mais intenso de irradiação espíritos, de sôfregas impaciências e de aspira
das novas idéias e técnicas pedagógicas. Alguns ções ardentes. Nenhuma outra, de fato, até
historiadores da educação não hesitaram mes 1930, imprimiu ao nosso sistema de educação
mo em afirmar que, com a reforma consubstan uma direção social, tanto quanto nacionalista,
ciada no decreto n° 3.281, de 23 de janeiro de mais vigorosa, nem levou mais em conta, no con
1928, se entrou resolutamente numa fase nova junto como nos seus detalhes, a função social
da história da educação nacional. Seja qual for, da escola: nenhuma outra atendeu mais ao enri
porém, o ponto de vista que se tenha de adotar quecimento interno da escola e ao alargamento
na apreciação dessa reforma, é certo que, se de seu raio de ação; nenhuma outra procurou
gundo o julgamento de autoridades nacionais e articular mais estreitamente as atividades esco
estrangeiras, ela marcou, nos domínios da edu lares com a família, com os meios profissionais
cação, um período revolucionário, não só pelas interessados, com a vida nacional e as necessi
idéias francamente renovadoras que a inspira dades e condições do mundo moderno. Atribuin-
172
do novos fins, nacionais, sociais e democráticos, variedade das exigências sociais e das necessi
ao sistema de educação, procedeu o reformador dades e aptidões individuais, ou, para empregar
à renovação das técnicas e dos processos que as suas palavras, “o panorama de uma vida mais
deviam variar, como instrumentos, em função ampla e rica para o homem, em geral, uma vida
dos objetivos que se propunha atingir e que atu de maior liberdade e de iguais oportunidades
avam sobre todo o conjunto, e se esforçou por para todos, a fim de que cada um possa desen
fornecer, pela reforma, às escolas de todos os volver-se e alcançar tudo o que possa chegar a
graus e tipos uma base concreta, de serviços téc ser”. A vigorosa afirmação dos princípios funda
nicos e administrativos, para uma educação mais mentais por que se norteou essa reforma; as po
eficiente e que realmente se estendesse a todos lêmicas apaixonadas que se levantaram em tor
Assim, pois, aliviando a escola do peso morto do no dela e o movimento de idéias que suscitou,
ensino tradicional; reagindo contra os fins pura produzindo uma ruptura da unidade do pensa
mente individualistas da escola antiga; erguendo mento pedagógico, dominante desde o Império,
ao primeiro plano de suas preocupações os prin deram-lhe um tal impulso e tão grande poder de
cípios da ação, solidariedade e cooperação soci desenvolvimento que pôde repercutir fortemen
al; quebrando, para articulá-los uns com os ou te, colhendo-os no seu raio de influência, sobre
tros, as barreiras que separavam os diversos diversos Estados da União. Na tempestade de
ensinos, e introduzindo novas idéias e técnicas protestos e aplausos, na corrente de entusiasmo
pedagógicas, a reforma de 1928. no Distrito Fe ou na avalancha de críticas que levantou por
derai, inaugurava efetivamente uma nova políti toda parte, não se pode deixar de reconhecer
ca de educação no Brasil. antes o choque de conflitos ideológicos do que
O que, por essa reforma, baseada numa con uma simples reação diante de uma reforma com
cepção democrática da existência e no respeito que o Brasil se integrava no movimento de reno
da pessoa humana, se pretendeu alcançar, na vação escolar que se vinha desenvolvendo em
capital do país, era aquela “educação universal” alguns países europeus e americanos.
a que se refere J. Dewey e que põe ao alcance (Fernando de Azevedo, A cultura brasileira,
de todos as suas vantagens e satisfaz à imensa p. 655-657.)
Atividades
Questões
1. Do ponto de vista social e econômico, como se justifica a critica feita pela escola nova à escola tradici
onal?
2. Faça um esquema comparando a escola tradicional (ver capítulo anterior) e a escola nova a partir das
características abordadas nos dois capítulos (aluno e professor, conteúdo, metodologia, avaliação e
disciplina).
3. Em que consiste a "ilusão liberal" da escola nova? Sob este aspecto, quais são as críticas feitas a ela?
4. Destaque e comente algumas das principais virtudes da escola nova
5. Justifique as raízes liberais (burguesas) da escola nova.
6. A pedagogia de Dewey também é conhecida como instrumentalísmo ou, ainda, como pedagogia pro
gressiva. Explique como essas denominações fazem sentido na sua teoria
Pesquisa
7. Organizem-se em grupos de trabalho. Cada grupo deve escolher um educador da escola nova, cujas
teorias e experiências deverão examinar com mais detalhes.
Análise de texto
173
10. Que crítica Ferrière faz à velha escola quando diz: “(...) não só se apropria das coisas aprendidas, mas
ainda as assimila ?
11. Localize o trecho que revela preocupação com a psicologia.
12. O que o autor quer dizer com '‘documentos tangíveis”?
13. Em que sentido a educação livresca merece críticas? Como seria possível recuperar a importância do
livro?
17. Pesquise a respeito de quem foi Fernando de Azevedo e sua importância na pedagogia brasileira.
18. Porque, segundo o autor, a reforma de 1928 revela importante preocupação social com a educação?
19. Sob que aspecto a posição do autor coincide com a citação de Dewey?
Redação
174
175
Sob essa perspectiva, o professor é um técni as propostas tayloristas têm sua fundamentação
co que, assessorado por outros técnicos c teórica no positivismo, encontrando na tendên
intermediado por recursos técnicos, transmite um cia tecnicista sua adequada expressão.
conhecimento técnico c objetivo. Como é de se
esperar, a relação entre professor e aluno exige
distanciamento afetivo e não está voltada para a 4. Críticas_______
abertura de discussões e debates.
/A tendência tecnicista na educação se inse
re cm uma estrutura maior, na qual se desenro
3. Pressupostos teóricos la o que podemos chamai dc crise da razão
contemporânea.
Embora a prática pedagógica tecnicista não te Se lembrarmos as reflexões do filósofo
nha se preocupado com a análise de seus pressu Habermas. o mundo contemporâneo é marcado
postos teóricos, é importante que o façamos. pela razão instrumental, que submete c coloniza
Constatamos então a influência da filosofia a razão comunicativa. ou seja, a primeira, pie-
positivista e da psicologia americana behaviorista. dominantemente técnica, c usada na organização
Como vimos no Capítulo 13. para o posi das forças produtivas e não tem a mesma lógica
tivismo. corrente filosófica que surgiu no sécu que preside a razão vital, existente no mundo das
lo XIX c leve Augusto Comle como principal experiências pessoais c da comunicação entre as
representante, o objeto da ciência se restringe pessoas.
ao positivo. Entende-se por conhecünento posi Não se deve negar a importância da razão ins
tivo aquele que está sujeito ao método de trumental. válida sobretudo para o desenvolvi
observação c experimentação, forma de anali mento da técnica, mas ela torna-se preocupante
sar os fatos considerada objetiva c que leva à na medida cm que se expande c interfere em
descoberta de suas leis. campos que não lhe são próprios e que deveriam
Portanto, o positivismo é herdeiro da tendên ser regidos pela razão comunicativa. Ao tealizar
cia empirista, que, ao analisar o ato do conheci essa indevida “colonização’', descaracteriza e
mento, enfatiza o objeto conhecido, não o sujei desumaniza setores como o da educação, por
to que conhece. Em outras palavras, o conheci exemplo.
mento é compreendido como "descoberta'5 de Em outras palavras, o tecnicismo dá uma res
algo que se acha fora do sujeito (não resulta de posta simplista a uma questão muito mais com
uma construção). Coerente com esse princípio, o plexa, pois apresenta uma solução rcducionista
ensino busca a mudança de comportamento do — como aliás é reducionista o positivismo, que
aluno mediante treinamento, a fim de desenvol constitui um de seus pressupostos. Por mais que
ver habilidades. a ciência e a tecnologia possam auxiliar o traba
Herdeira do cicnli fieis mo, a tendência lho do pedagogo, isso nào significa que a educa
tecnicista busca no behaviorismo. teoria psicoló ção resulte apenas dc uma técnica bem aplicada
gica também dc base positivista, os procedimen ou mesmo que não existam outras formas possí
tos experimentais necessários para a aplicação do veis dc compreensão da realidade educacional
condicionamento c o controle do comportamen fora do conhecimento científico.
to. Daí a preocupação com a avaliação a partir A tendência tecnicista c tributária de uma vi
dos aspectos observáveis c mensuráveis da con são tccnocrálica e cientificista que orienta o pen
duta e o cuidado com o uso da tecnologia educa samento contemporâneo. O cicnli licismo se fun
cional, não só quanto à utilização dos recursos da na exaltação da ciência e no desprezo de ou
avançados da técnica, mas também quanto ao tras formas possíveis de conhecimento do mun
planejamento racional, que tem em vista alcan do. Decorre daí uma distorção que leva ao mil o
çares objetivos propostos com economia de tem do especialista e à justificação da tecnocracia.
po, esforços e custo. A valorização excessiva do especialista ocor
Como se vê. os ideais dc racionalidade, orga reu cm função da fragmentação do saber em di
nização, objetividade e eficiência que permeiam versos campos das ciências particulares, o que dei-
176
177
Dropes
“Estudante é para estudar, trabalhador para trabalhar’: a ditadura coloca fora da lei as organi
zações consideradas subversivas, como o CGT (Comando Geral dos Trabalhadores) e a UNE (União
Nacional dos Estudantes). O controle se estende às escolas de nível médio, com a transformação
dos grêmios estudantis em Centros Cívicos, sob a direta orientação do professor de educação moral
e cívica (cargo ocupado apenas por pessoas “de confiança" da direção da escola).
Se na pedagogia tradicional a iniciativa cabia ao professor, que era, ao mesmo tempo, o sujeito
do processo, o elemento decisivo e decisório; se na pedagogia nova a iniciativa desloca-se para o
aluno —situando-se o nervo da ação educativa na relação professor-aluno, portanto, relação
interpessoal, intersubjetiva —; na pedagogia tecnicista, o elemento principal passa a ser a organiza
ção racional dos meios, ocupando professor e aluno posição secundária, relegados que são à condi
ção de executores de um processo cuja concepção, planejamento, coordenação e controle ficam a
cargo de especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos, imparciais. A organização do
processo converte-se na garantia da eficiência, compensando e corrigindo as deficiências do profes
sor e maximizando os efeitos de sua intervenção. (Dermeval Saviani)
178
Leitura complementar
Rumo à proietarizaçào do magistério
Atividades
Questões
179
Pesquisa
7. Compare, a partir dos aspectos tratados nos capítulos anteriores (método, objetivo, conteúdo), as dife
renças entre a escola tradicional, a escola nova e a escola tecnicista.
Análise de texto
8. Analise o caráter ideológico da frase: “Estudante é para estudar, trabalhador para trabalhar”.
9. Discuta a importância das organizações representativas dos estudantes e indique suas possíveis fun
ções.
10. Qual é a relação entre a introdução da disciplina educação moral e cívica e o contexto da ditadura
militar?
11. A partir do texto, discuta a importância de uma ampla formação pedagógica do professor.
12. Discuta a relação entre educação e política e a decorrente necessidade de o professor se informar a
respeito dos pressupostos subjacentes às reformas educacionais.
13. Com base no dropes 3 e na epígrafe do capítulo, identifique as características do tecnicismo.
14. Identifique as três pedagogias às quais o texto se refere e a posição ocupada pelo professor em cada
uma delas.
15. Comparando a organização escolar na pedagogia tecnicista e o taylorismo, explique como se dá na
quele modelo a dicotomia concepção-execução
16. Explique o que o autor quer dizer com 'supostamente neutros”.
17. Em que sentido o modelo analisado leva fatalmente a uma desvalorização do professor? Por que essa
fragmentação é incompatível com a natureza do trabalho do professor?
Redação
180
(.) maior segredo da educação reside precisamente nisso, de que não cumpro
educar.
(Fílen Key)
181
lação, em que as decisões são tomadas nos ní responsabilidade. Com isso são descartados
veis mais simples e só depois ampliadas para ins também os procedimentos burocráticos, abomi
tâncias mais amplas. Com relação à política, por nados pelos libertários como sendo instrumen
exemplo, as discussões começariam no local de tos de poder.
trabalho e nos bairros, nunca se delegando pode A disciplina resulta da autonomia c nunca é
res a representante algum. imposta externamente; nada de prêmios, castigos
Vejamos como essas diversas tendências po ou qualquer tipo de sanção artificial.
dem Ler influenciado, direta ou indireta mente, as
teorias pedagógicas não-autoritárias.
3. Principais representantes
2. Características gerais Dentre as diversas tendências antiautoritárias,
alguns pedagogos se restringem a uma visão ba
Quanto às relações entre aluno e professor, a seada na psicologia, enquanto outros, preocupa
educação centrada no aluno, típica da escola re dos com aspectos sociais e políticos, estendem
novada, c levada até as últimas consequências. suas críticas também à sociedade a que perten
() professor não comanda o processo de aprendi cem, havendo ainda quem concilie psicanálise e
zagem, mas é antes um “facilitador” da atividade marxismo. Enquanto uns são típicos representan
do aluno. Embora haja diferenças entre as diver tes da pedagogia liberal, outros partein de pres
sas propostas, predomina a supostos socialistas e, mais que reformar a esco
pela qual o mestre não dirige, mas cria as condi la, assumem a tarefa revolucionária de liberação
ções de atuação da criança. Com isso, quer sc das classes oprimidas.
evitar toda e qualquer hierarquia que propicie o
exercício do poder. As pedagogias não-diretivas
O conteúdo não pode ser dogmático, no sen
tido de expressar verdades “doadas” externamen Cari Rogers (1902-1987), psicólogo clínico
te. nem resultar de exposição “magistral” (do americano versado cm psicanálise, aplica na edu
professor), mas precisa ter ressonância nos inte cação os procedimentos da terapia.
resses dos alunos, isto é. não pode estar desliga Segundo ele, o homem é capaz de resolver
do de sua experiência de vida. por si só seus problemas, bastando que tenha
A metodologia, coerente com o que já foi autocompreensão ou percepção do eu. Como
dito, não resulta de caminhos pré-estipulados esta não se faz automaticamente, é necessário
pelo professor, mas se baseia na autogestão. Se que o educador não propriamente dirija, mas
uma das críticas feitas ao ensino tradicional está crie condições para que o sujeito seja capaz de
em que existe uma grande distância entre o que o se guiar por conta própria.
professor ensina e o que o aluno aprende de fato, Valoriza no processo pedagógico aspectos
aqui é importante apenas a aprendizagem auto- importantes na terapia, tais como a empatia e a
iniciada e autoconsumada. confiança. Ao contrário da escola tradicional,
Daí a valorização das “comunidades de Rogers considera o ato educativo essencial men
aprendizagem”, cuja direção é dada pelo próprio te relacional e não individual, daí a importância
grupo em discussões, encontros c assembléias, de se colocar ênfase nos intercâmbios, para que
considerados meios para aumentar a coesão do o grupo, com seu professor, sc transforme ern
grupo, bem como para trabalhar os conflitos. uma “comunidade de aprendizagem”.
Com relação à avaliação desprezam-se os C. Rogers desenvolveu os T-group {training
seus clássicos instrumentos (exames, qualifica group, dinâmica dc grupo), ern que dez a quinze
ções, notas), mesmo porque, não havendo “ma pessoas interagem sob a observação de um
téria transmitida”, não há como “tomar a lição”, monitor, que intervém o mínimo possível. Sua
entendido esse processo como forma de exercí função é dissolver as relações dc autoridade que
cio de dominação. Prefere-se a auto-avaliação, surgem como decorrência da compulsão que as
que parte da aprendizagem da autocrítica e da pessoas têm de mandar ou obedecer.
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vcis acontecimentos de maio de 68 na França. O Alguns autores, no entanto, veem com reser
conflito leve início tias instalações dos estudan vas certas práticas educativas por igualarem ina
tes da Sorbonnc c assumiu proporções mundiais, dequadamente professor c aluno e por descuida
alastrando-se pelos quatro cantos e passando a rem da transmissão da cultura acumulada. Um
significar unia crítica profunda à instituição es destes severos críticos é Gcorges SnydersT que
colar e à civilização contemporânea. aborda a questão em diversos livros.
As ideias anarquistas permeavam as denún As tendências não-diretivas de orientação li
cias do afastamento do homem comum dos cen beral são criticadas pelo excessivo pcdocentrismo
tros de decisão, e as maiores reinvídicações vi e por não evitar o individualismo. Onde predomi
nham acompanhadas das palavras-chave auto na a análise psicológica, recriniina-se o descuido
nomia, diálogo e nas causas sociais das diferenças de classe.
As teorias antíautoritárias são importantes Mesmo quando essas preocupações sociais
para o questionamento do exercício do poder, existem, haveria uni risco em deixar os alunos às
que muitas vezes adquire formas sutis, camuflan suas inclinações imediatas, aos seus desejos ou
do a repressão c transformando a escola em ins àquilo que poderíamos chamar de sua experiên
trumento de doutrinação. É louvável o esforço cia empírica. Nem sempre eles saberão livrar-se
em favor de encaminhar as crianças para a felici sozinhos da rede de pressupostos e preconceitos
dade. superando as relações marcadas pelo medo que caracterizam a ideologia, necessitando da
e pela opressão. atuação efetiva do professor.
Dropes [j
1
(...) Não temos necessidade de alguns “sábios”. Temos necessidade de que o maior número
adquira e exerça a sabedoria — o que por sua vez exige uma transformação radical da sociedade
como sociedade política, instaurando não somente a participação formal, mas também a paixão de
todos petas questões comuns. Ora, seres humanos sábios é a última coisa que a cultura atual pro
duz.
“•— Então, o que você quer? Mudar a humanidade?
— Não. alguma coisa mais modesta: que a humanidade se transforme, como ela mesma já fez
duas ou três vezes.” (Cornelius Castoriadis)
Tenho grandes reticências quanto à pedagogia não-diretiva; não é por ela ser demasiado revo
lucionária, mas sim porque, querendo ser revolucionária, não o consegue e mantém-se no confor
mismo; pois, se tomarmos como fio condutor o desejo da criança, as crianças que vivem num meio
onde ninguém ou quase ninguém se interessa, digamos, pela leitura de livros, devido às condições
de vida, à super-exploração, às condições do trabalho etc., essas crianças hão-de vir a ter pouca
vontade de ler. (Georges Snyders)
Ajudar os alunos a converter-se em indivíduos que sejam capazes de ter iniciativas próprias
para a ação e de ser responsáveis de suas ações: que sejam capazes de uma direção e
autodireção inteligentes; que aprendam criticamente, com a capacidade de avaliar as contribui
ções que fazem os demais; que tenham adquirido conhecimentos relevantes para a resolução de
185
Leitura complementar
[Homens preguiçosos]
“Mas o que fazer com o homem preguiçoso, (...) Pois tal é a natureza humana: a eficiên
com o homem que não quer trabalhar?”, pergun cia para realizar certas tarefas significa que há
ta um amigo. uma inclinação e uma capacidade especial para
Esta é, sem dúvida, uma pergunta interessan desempenhá-la; disposição para o trabalho sig
te e você provavelmente ficará surpreso quando nifica interesse. E é por isso que há tanta pregui
eu disser que na verdade não existe essa coisa ça e tanta incompetência no mundo atual. Pois
a que chamamos preguiça. Um homem pregui na verdade, quem ocupa hoje o lugar certo?
çoso é quase sempre um tarugo quadrado num Quem trabalha naquilo que realmente desperta
buraco redondo, ou seja, um homem certo no lu o seu interesse?
gar errado. E acabaremos descobrindo que, Nas atuais condições, o homem comum não
sempre que um camarada está no lugar errado, tem oportunidade de escolher o tipo de trabalho
ele será incompetente e lerdo. Pois a chamada que melhor se adapta às suas aptidões e prefe
preguiça, bem como grande parte da incompe rências. O acidente do nascimento e do nível so
tência, é apenas um sinal de falta de aptidão, de cial é que irão geralmente determinar a sua futu
inadaptação. Se alguém é obrigado a fazer exa ra profissão. Dificilmente o filho de um financista
tamente aquilo que não lhe agrada, por inclina se tornará lenhador, mesmo que seja muito mais
ção ou temperamento, certamente será um in hábil no manejo dos toros de madeira do que nas
competente; se for forçado a trabalhar em coisas cifras das contas bancárias. A classe média man
que não despertam o seu interesse, terá pregui da seus filhos para as universidades que os
ça de fazê-las. transformarão em médicos, advogados ou enge
Qualquer pessoa que já tenha administrado nheiros. Mas, se tivesse nascido numa família de
uma empresa com muitos empregados pode operários sem condições de permitir que prosse
confirmar o que acabo de dizer. A vida numa pri guisse seus estudos, é provável que você acei
são* é uma prova especialmente convincente da tasse o primeiro emprego que lhe fosse ofereci
verdade da minha afirmação — e afinal, para a do ou que decidisse ingressar numa profissão
maioria das pessoas, a vida moderna não passa que lhe desse a oportunidade de um período de
de uma grande prisão. Qualquer carcereiro po aprendizado prático. É a situação particular de
derá dizer que os prisioneiros obrigados a de cada um, e não suas inclinações, habilidades e
sempenhar tarefas para as quais não têm nenhu preferências, que irá determinara sua profissão.
ma habilidade ou interesse são sempre pregui (...) Só a necessidade de ganhar a vida e a espe
çosos e submetidos a constantes castigos. Mas, rança de obter vantagens materiais mantêm as
tão logo esses prisioneiros rebeldes são desig pessoas presas à profissão errada.
nados para funções que satisfazem as suas in (Alexander Berkman, O que é comunismo
clinações, tornam-se “modelos”, no dizer dos anarquista, in George Woodcock, Os grandes
carcereiros. escritos anarquistas, p. 301-303.)
186
Atividades
Questões
Análise de texto
Redação
Tema' 'Qualquer pessoa que tenha lido a história da humanidade aprendeu que a desobediência é a
virtude original do homem ” (Oscar Wilde)
187
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Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
pensar de unia determinada maneira imposta, É bastante frequente a explicação de que as
sem se darem conta de que agem e pensam sob desigualdades com relação ao sucesso escolar
coação. Nesse sentido, a cultura e os sistemas são o resultado de “desigualdades naturais”. Se
simbólicos cm geral podem se tornar instrumen gundo essa hipótese, o sucesso dos bons alunos
tos de poder quando legitimam a ordem vigente se deve a qualidades inerentes, como aptidões,
c tornam homogêneo o comportamento social. talentos, dotes, mérito pessoal.
Para os autores, a escola constitui um instru No entanto, para os reprodutivistas, esse tipo
mento de violência simbólica porque reproduz de justificativa representa uma forma dc mistifi
os privilégios existentes na sociedade, benefi cação e de mascarai nen to das verdadeiras causas
ciando os já social mente favorecidos. O acesso à do insucesso escolar. O que essa "ideologia dos
educação, o sucesso escolar, a possibilidade de dotes" dissimula é a imposição da cultura da
escolaridade prolongada até a universidade es- classe dominante sobre classe dominada, leva
tão reservados àqueles cujas famílias pertencem da a efeito pela ação pedagógica.
à classe dominante, ou seja, aos herdeiros de sis Tal imposição só é possível porque a autorida
temas privilegiados. Não cabe à escola promo de pedagógica tem o poder de aplicar sanções, o
ver a democratização e possibilitar a ascensão que determina o reconhecimento da cultura domi
social \ ao contrário, ela reafirma os privilégios nante. Daí a importância do iraba lho pedagógico.
existentes. A escola limita-se a confirmar e re pelo qual c inculcada a pretensa “universalidade"
forçar um habilus de classe. Habitus significa, dos modos dc pensar, agir e sentir dc um grupo.
para Bourdieu e Passeron, "uma formação durá Segundo os autores, é a existência de um sis
vel e transportável, isto é, [um conjunto de| es tema dc ensino institucionalizado, burocratizado,
quemas comuns dc pensamento, de percepção, que permite a eficácia da ação pedagógica. A
de apreciação c dc ação"1. “objetividade” do sistema exige fórmulas apa
Os habitus são inculcados desde a infância por rentemente neutras dc avaliação, tais como as
um trabalho pedagógico realizado primeiro pela provas e os exames, por meio dos quais se ex
família e, postei iormente, pela escola, de modo cluem “os menos dotados”. Aqueles que são ex
que as normas de conduta que a sociedade espera cluídos reconhecem a si mesmos como “incom
de cada indivíduo sejam interiorizadas por cie. petentes”. O exame, aparentemente democrático,
Ora, as crianças vindas das classes privilegia oculta os laços entre o sistema escolar e a estru
das recebem unia educação familiar muito pró tura das relações de classe.
xima daquela que receberão na escola, isto c,
seus hábitos familiares são semelhantes aos há
bitos e ritos escolares. São crianças acostumadas 3. Althusser: a teoria da escola como
a viagens, visitas a museus, contato com livros, aparelho ideológico de Estado
discussões, além de ter o domínio da linguagem
que c adotada na escola. Louis Althusser (1918-1990), filósofo francês
Por outro lado, as crianças das classes influenciado pela corrente estruturalista e pelo
desfavorecidas pertencem a outro universo de ex marxismo2, considera que a função da escola
periências e expressam-se de maneira diferente. deve ser compreendida não de forma isolada,
O 'falar vulgar" c discriminado em relação ao “fa mas enquanto inserida no contexto da sociedade
lar burguês” a partir dc índices como correção, capitalista. Desenvolve, então, a noção dc apa
sotaque, tom e facilidade dc elocução. É natural relho ideológico de Estado em seu pequeno li
que este estudante fique desambientado. perplexo vro Ideologia e aparelhos ideológicos de Esta
mesmo, diante da descontinuidade entre o ambi do. lançado cm 1969.
ente familiar c o escolar. A consequência dessas Partindo do pensamento de Marx, Althusser
discrepâncias c o insucesso frequente dos estudan reconhece que toda produção precisa assegurar
tes vindos das classes pobres (ver dropes). a reprodução de suas condições materiais. Qual-
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190
191
lista na França, partindo de pressupostos teóricos escola, nas diversas organizações dc operários.
marxistas, mais propriamente maoístas, sob a in Por isso, cabe à escola não só inculcar a ideolo
fluência da Revolução Chinesa de Mao Tsetung. gia burguesa, mas também recalcar c disfarçar a
Retomam de Althusser o conceito de escola nascente ideologia do proletariado.
como aparelho ideológico e criticam em Bourdicu
e Passcron o fato de não terem enfatizado a con
tradição real entre classe dominante e classe do 5. Os representantes brasileiros
minada nem terem levado cm conta a força laten
te da ideologia do proletariado. Apoiados nas teorias crítico-reprodutivistas,
Para Establet e Baudelot. se vivemos em uma vários teóricos brasileiros fazem uma releitura do
sociedade dividida em classes, não é possível ha fracasso escolar que ocorre no Brasil e criticam
ver uma “escola única". Existem na verdade duas a ilusão liberal da escola nova, bem como as ten
escolas radical mente diferentes quanto ao número dências tccnicistas que influenciaram a educação
de anos de escolaridade, aos itinerários, aos fins durante a ditadura militar.
da educação. Mais ainda: trata-se não apenas de Não convém enquadrar definitivamente esses
duas escolas diferentes, mas opostas, heterogêne teóricos na tendência reproduti vista, pois suas
as, antagonistas. As duas grandes redes dc escola reflexões tiveram sentido no momento histórico
ridade são a SS (secundária superior) c a PP (pri em que foram levadas a efeito.
mária profissional), que correspondem à divisão Assim, partindo de Althusser c G ram sei,
da sociedade em burguesia e proletariado. Barbara Freilag analisou a educação brasileira dc
A rede primária profissional (PP) diz respeito 1964 a 1975. Maria dc Lourdes Deiró Nosella fez
às séries finais dos estudos primários, tendo con uma análise dos livros didáticos, buscando a ideo
tinuidade com as aulas práticas em colégios téc logia a cies subjacente. Luiz Antônio Cunha criti
nicos ou de aprendizagem no próprio local de tra cou a escola liberal, sobretudo a esco/a nova, de
balho. A rede secundária superior (SS) prosse nunciando a política educacional que leva à dis
gue no segundo ciclo c conduz ao bacharelado. criminação e à falência educacional no Brasil.
A divisão em redes não se dá no final da
escolarização, como se poderia supor, pois desde
o começa os filhos dos proletários estão destina 6. Repercussões
dos a nâo atingir níveis superiores, encaminhan
do-se para as atividades manuais. Aliás, é esta a É necessário reconhecer a importância da
função da escola primária, “é ela que, definitiva análise feita pelos autores crítico-icprodulivistas
mente, decide a orientação dos indivíduos para para a compreensão dos mecanismos da escola
uma ou outra rede”. Portanto, a escola tem a fun na sociedade dividida em classes.
ção dc reproduzir as divisões sociais já existentes. Levar essa crítica às ultimas consequências,
Desse modo, observa-se que a escola reafir no entanto, poderia resultar cm um pessimismo
ma a divisão entre trabalho intelectual (rede SS) imobilista. Se considerarmos a escola mera
e trabalho manual (rede PP), já que nessa dico reprodutora das desigualdades sociais, não tere
tomia repousa a possibilidade material de ma mos como exercer a ação pedagógica sem misti
nutenção da estrutura capitalista. Como apa ficações, a menos que a exploração de classe seja
relho ideológico, a escola tem a função de con politicamente superada.
tribuir para a formação da força dc trabalho, Bourdicu e Passeron, na medida em que não
mas, sendo o proletariado uma força ativa e “pe enfatizaram o embate de forças contraditórias den
rigosa”, no sentido de ter interesses antagôni tro da sociedade, não observam o fato de que, afi
cos aos da burguesia, c preciso contê-lo e do nal, sc a classe dominante precisa impor seus valo
miná-lo. Daí a segunda função da escola: incul res como legítimos, isto significa que a classe do
car a ideologia burguesa. minada não sc submete assim tão passivamente.
Diferente mente de Bourdicu c Passeron, O filósofo e educador francês Georges Snydcrs
Establet e Baudelot consideram que o proletaria diz que. se o operário não atinge de imediato uma
do possui uma ideologia que sc origina fora da consciência lúcida da realidade social, também
192
não sc reduz a um alvo passivo de mistificação. tornar a escola um dos campos dessa luta, o que
“A partida não sc joga unicamente entre alunos redunda em pessimismo e impotência.
ludibriados e professores cúmplices do sistema.’" No entanto, tais questões são polêmicas. O
Completa, dizendo que a separação entre es professor Luiz Antônio Cunha não concorda com
cola e mundo descrita por Baudelol c Establet pa a acusação de que essas teorias sejam pessimis
rece muito ultrapassada, presa a uma caricatura da tas e geradoras de impotência, ponderando que,
escola tradicional, não levando cm conta as con “sc algum problema existe, está na onipotência
tribuições da pedagogia contemporânea. Alem dos educadores, não nas teorias que pretendem
disso, exageram quando afirmam que 'Iodas as desvelar a ilusão da mudança da sociedade a par
práticas escolares são práticas de inculcaçao ideo tir da educação escolar”. E completa dizendo
lógica”, não admitindo que os conhecimentos ad que, cm vez de “levarem à suposta impotência,
quiridos na escola possibilitam a elaboração de por nada restar aos docentes senão conformar-se
uma sabedoria autêntica. Embora enfatizem a lula com a reprodução da sociedade, elas permitem,
de classes, parecem descartar a possibilidade de isto sim, orientar sua ação”5.
I___ Dropes
No Brasil, em 1989, a taxa de analfabetismo entre os jovens de 10 a 14 anos com renda fami
liar per capita de mais de 2 salários mínimos era de 2,6%. Esse índice aumenta 14 vezes entre os
jovens de renda familiar per capita de até 1/4 de salário mínimo, ou seja, neste caso a taxa de
analfabetismo atinge 36,3%. (IBGE-PNAD. in Crianças & Adolescentes: indicadores sociais, v. 3,
1989, p. 52.)
Em 1988, mais da metade das crianças e adolescentes vivia em famílias com rendimento de
até 1/2 salário mínimo.
(...j Quando se analisam as taxas de escolarização a partir da renda familiar, verifica-se que
há uma nítida associação positiva entre ambas. No Brasil, para o ano de 1988, a taxa mais baixa é
5. Luiz Antônio Cunha. A atuação de Dermeva! Saviani na educação brasileira: um depoimento. In: Dermeval Saviani e a
educação brasileira < p. 52-53.
193
encontrada nas classes de rendimento mensal familiar per capita de até 1/4 de salário mínimo —
72,5% para a população de 7 a 14 anos. A partir deste nível de renda, há um crescimento contínuo
desta taxa, que atinge quase 98% na classe de rendimento superior a 2 salários mínimos per capita.
(...) Cabe observar ainda que, dentre todas as regiões, é o Nordeste que apresenta a taxa de
escolarização mais baixa, e o Sudeste, a mais elevada. (Adaptado de IBGE-PNAD, in Crianças &
Adolescentes: indicadores sociais, v. 2,1988, p. 19 e 39.)
Leitura complementar
- Se
texto es utilizado parclalmente como material de consulta académica. Síempre debe ser debldamente referenciado
[O AIE escolar] *
194
Este
guesa dominante: uma ideologia que representa alimentar esta representação ideológica da
a Escola como neutra, desprovida de ideologia escola, que faz da Escola hoje algo tão "natu
(uma vez que é leiga), onde os professores, res ral” e indispensável, e benfazeja a nossos con
peitosos da “consciência" e da “liberdade" das temporâneos como a Igreja era "natural”, indis
crianças que lhes são confiadas (com toda confi pensável e generosa para nossos ancestrais de
ança) pelos "pais" (que por sua vez são também alguns séculos atrás.
livres, isto é, proprietários de seus filhos), condu- De fato, a Igreja foi substituída pela Escola
zem-nas à liberdade, à moralidade, à responsa em seu papel de Aparelho Ideológico de Estado
bilidade adulta pelo seu exemplo, conhecimen dominante. Ela forma com a Família um par, as
tos, literatura e virtudes “libertárias". sim como outrora a Igreja o era. Podemos então
Peço desculpas aos professores que, em afirmar que a crise, de profundidade sem prece
condições assustadoras, tentam voltar contra a dentes, que abala por todo o mundo o sistema
ideologia, contra o sistema e contra as práticas escolar de tantos Estados, geralmente acompa
que os aprisionam as poucas armas que podem nhada por uma crise (já anunciada no Manifes
encontrar na história e no saber que “ensinam”. to*) que sacode o sistema familiar, ganha um
São uma espécie de heróis. Mas eles são raros, sentido político se considerarmos a Escola (e o
e muitos (a maioria) não têm nem um princípio par Escola-Família) como o Aparelho Ideológico
de suspeita do “trabalho” que o sistema (que os de Estado dominante, Aparelho que desempe
ultrapassa e esmaga) os obriga a fazer, ou, o nha um papel determinante na reprodução das
que é pior, põem todo seu empenho e relações de produção de um modo de produção
engenhosidade em fazê-lo de acordo com a ameaçado em sua existência pela luta mundial
última orientação (os famosos métodos novos!). de classes.
Eles questionam tão pouco que contribuem, (Louis Althusser, Aparelhos ideológicos de
pelo seu devotamento mesmo, para manter e Estado, p. 78-81)
Atividades
Questões
Análise de texto
a) A escola, de início aparelho aristocrático para aperfeiçoar e ilustrar os que tinham dinheiro e tempo
para freqüentá-la, passou a ser aparelho de nivelamento político e econômico, destinado a preparar os
homens para produzirem economicamente; e agora visa, ambiciosamente, tornar-se o aparelho de
equalização de oportunidades econômicas e sociais de cada indivíduo. Sociedade nova e democrática
como a brasileira, não a poderia considerar senão neste último aspecto. A escola não está a serviço de
nenhuma classe, seja a dos consumidores privilegiados da vida, seja a dos produtores ou industriais;
mas a serviço do indivíduo, procurando, graças ao processo de educação, habilitá-lo a participar da
vida na medida e proporção dos seus valores intrínsecos. Neste sentido, a escola é a grande regulado
ra sociai, e seu programa inclui a correção da maior parte das iniquidades da atual ordem social e o
195
preparo de uma nova ordem mais estável e mais justa. Isso não é extremismo, nem nenhum
partidarismo sectário, mas reconhecimento da função social hoje proposta às escolas públicas. (Anísio
Teixeira)
b) O Estado atribui ao ensino primário (na nomenclatura antiga) o caráter de aberto. Construímos, então,
um esquema de análise para medir o grau de abertura do ensino primário. Utilizamos uma grande
quantidade de dados oficiais e verificamos que o ensino primário está longe de ser aberto e que esta
situação não tem sofrido melhoria substanciai nos últimos anos.
Os setores de mais baixa renda da sociedade brasileira têm menos chances de entrar na escola;
quando entram, o fazem mais tardiamente e em escolas de mais baixa qualidade. Isso faz com que
seu desempenho seja mais baixo e, em conseqüência, sejam reprovados mais freqü ente mente. Por
isso, e devido, também, à migração e ao trabalho “precoce’’, evadem com maior freqüência. Todos
esses fatores determinam uma profunda desigualdade no desempenho escolar das crianças e de jo
vens das diversas classes sociais. (Luiz Antônio Cunha)
7. Anísio Teixeira foi pessoa de destaque na pedagogia brasileira. Faça o levantamento de alguns dados
a respeito.
8. Identifique a posição dos autores dos dois fragmentos de texto acima e analise em que sentido eles
representam posições divergentes.
10. Como a ideologia inculca em algumas pessoas o papel de explorado e em outras o de agente da
exploração? Quais são as virtudes adequadas a cada papel?
11. Que crítica o autor faz ao setor de 'relações humanas” das empresas e fábricas?
12. Que critica é feita aos professores?
13. A que corrente pedagógica o autor se refere ao ironizar “os famosos métodos novos”?
Redação
Tema'. Faça uma dissertação fundamentando com argumentos pró e contra a seguinte frase de
Baudelot e Establet: "Tudo o que acontece na escola só pode ser explicado através do que ocorre fora dos
muros escolares”.
196
197
198
3. Ivan lilich, Sociedade sern escolas. p. 153. 5. La cuestiõn escolar, críticas y alternativas, Barcelona.
4. Consultar G. Snyders. rZtwc' e luta de classes. Editorial Laia. 197H. p 629.
199
também Illich pensa assim, a solução que pro Ora, o ideal de convivialidade, segundo o qual a
põe não deixa de ser ingênua, já que desvin desigualdade existente no nosso sistema de
culada da referida perspectiva política. escolarização seria substituída pelo ensino em
Por isso, a principal critica à proposta de rede igualitária, repousa na ingenuidade de su
Illich sc refere à dimensão individualista de seu por que o sistema de redes escaparia à pressão e
projeto, que despreza uma análise mais profun às contradições dos interesses estabelecidos.
da dos conflitos sociais. Na verdade, ele propõe O grande risco do não-diretivismo c do ideal
uma revolução moral, empenhada cm conscien de convivialidade está em que os alunos sc en
tizar os indivíduos para a mudança c cm con contrariam abandonados a formas conservadoras
verter cada um. de pensar e viver, impregnadas da ideologia da
É nesse sentido que Illich, temendo os riscos classe dominante. Para evitar isso, apenas um
do autoritarismo do professor, propõe uma não- corpo docente crítico e experiente teria condi
diretividade na qual as pessoas estariam entre ções dc provocar um questionamento profundo e
gues às forças espontâneas de seu auto-interesse. radical, muitas vezes doloroso e demorado.
Dropes
Num mundo sem escolas só restaria o clã familiar para a educação dos jovens ou os jovens se
dispersariam numa sociedade de massa. Bem se vê que Illich não é um educador e nunca conviveu
nas escolas com os jovens. Sua “sociedade sem escolas” é uma sociedade geriátrica, uma república
de Platão gerida pelos sábios que “se encontram” ocasionalmente em seus simpósios... O fato de a
escola não ser um "foyer”* de comunicação e de criatividade é, apenas, um defeito histórico supera-
vel e é para obter esta mudança processual que os educadores refletem e experimentam! Não se
destroem as constituições e os códigos dos direitos do homem porque o código de processo civil é
emperrado ou porque estas normas são violadas na prática forense... (Lauro Oliveira Lima)
Leitura complementar
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Surgiu, em 1956, a necessidade de ensinar por uma rádio espanhola que precisava de
rapidamente espanhol a várias centenas de pessoas do Harlem que falassem espanhol. No
professores, assistentes sociais e ministros de dia seguinte havia uma fila de aproximadamen
religião na Arquidiocese de Nova York para te duzentos adolescentes diante de seu escri
que pudessem comunicar-se com os porto- tório e ele escolheu quarenta e oito — muitos
riquenhos. Meu amigo Gerry Morris anunciou dos quais haviam abandonado a escola antes
de concluírem o curso fundamental obrigatório.
Treinou-os no uso do Manual de Espanhol pu
* Foyer: no contexto, significa “centro”, "sacie'1. blicado pelo Instituto de Serviço aos Estrangei-
200
ros (FSI) dos Estados Unidos e indicado para Spellman pôde anunciar que havia 127 paró
uso de lingüistas com treinamento superior, e quias em que ao menos três membros do
dentro de uma semana estavam funcionando “staff” sabiam comunicar-se em espanhol. Ne
— cada um cuidando de quatro nova-iorquinos nhum programa escolar teria obtido esses re
que desejavam aprender a língua. Em seis sultados.
meses a missão estava realizada. O Cardeal (Ivan lllich, Sociedade sem escolas, p. 41.)
Atividades
Questões
Pesquisa
5. Faça uma crítica à proposta de desescolarização com base no dropes 2 deste capítulo, no conceito de
ideologia no Capítulo 3 e na leitura complementar do Capítula 23.
6. Informe-se a respeito das vantagens decorrentes da ampliação de adesões à Internet. Investigue tam
bém sobre as preferências de certos grupos por temas pornográficos, racistas que previ legiem o incita
mento a outras formas de violência. Em seguida, analise criticamente os dados segundo a perspectiva
de educação das novas gerações.
Análise de texto
7. Baseado no texto complementar, explique por que o exemplo dado não pode ser generalizado para
justificar a extinção da escola.
Redação
Tema-. “A escolaridade não promove nem a aprendizagem nem a justiça, porque os educadores insis
tem em embrulhar a instrução com diplomas”. (Ivan lllich)
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Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
blicações datam da década de 20, e tiveram logo depois, a criança evolui para o egocentrismo,
viva repercussão. apenas superável na vida adulta, quando atinge a
Além de ter realizado diversos estudos com reciprocidade e a cooperação;
crianças em idade escolar, Piaget e sua mulher • a consciência moral: da anomia inicial (au
observaram com cuidado o desenvolvimento da sência de leis), passa pela heteronomia (aceita
inteligência e a construção do real nos seus pró ção da norma externa) e atinge a autonomia ou
prios filhos. capacidade de autodeterminação, caminho per
O encaminhamento das pesquisas para a dis corrido pelo desejo até a construção da vontade,
cussão de questões cpistemológicas levaram-no à que indica a superação da moral infantil.
elaboração da psicologia genética, que investiga
o desenvolvimento cognitivo, dividido por ele em A compreensão desse processo ajuda o
quatro estágios: sensório-motor (de 0 a 2 anos), pedagogo a saber em que estágio o aluno tem
intuitivo ou simbólico (de 2 a 7 anos), das opera predisposição para assimilar determinada in
ções concretas (de 7 a 14) e das operações formais formação —- por exemplo, entender mapas de
ou hipotético-dedutivo (a partir da adolescência). seu bairro—, podendo acomodá-la cm novas
A passagem de um estágio para outro é possí formas de organização do conhecimento. O mes
vel por meio dos mecanismos de organização e mo vale para a afetividade c para a construção da
adaptação, conceitos que Piaget aproveita de vida moral, presentes nas diversas formas de
seus conhecimentos de biologia. “Do ponto de interação no grupo.
vista biológico [e psicológico| a organização é
inseparável da adaptação: são dois processos
complementares de um único mecanismo, o pri 3. Psrcogênese da escrita
meiro sendo o aspecto interno do ciclo do qual a
adaptação constitui o aspecto exterior”. A psicopcdagoga Emilia Ferreiro, argentina
A adaptação, por sua vez, supõe dois proces radicada no México, estudou com Piaget na Suí
sos interligados, a t/xwHÍ/açâo e a ça. A teoria construtivista do mestre acrescentou
Pela assimilação, a realidade externa é interpre seus estudos no terreno da linguística, a hm de
tada por meio de algum tipo de significado já compreender como a criança realiza a construção
existente na organização cognitiva do indivíduo, da linguagem escrita. As reflexões de Emilia Fer
ao mesmo tempo que a acomodação realiza a al reiro foram desenvolvidas, no final da década de
teração desses significados já existentes. 70, em conjunto com Ana Teberosky, de Barcelo
Como se vê. são funções opostas mas comple na, e os resultados dessas pesquisas têm sido am-
mentares. Mais propriamente, trata-se de uma es plamenie difundidos e incorporados nas escolas,
trutura concebida como urna totalidade em equi modificando as técnicas de alfabetização.
líbrio em que as partes, lendo relação umas com De início existe uma preocupação com a su
as outras, provocam transformações constantes, peração das dificuldades enfrentadas por crian
sendo que cada mudança particular altera o lodo. ças com problemas de aprendizagem, sobretudo
As mudanças mais significativas ocorrem na diante da realidade da América Latina, em que
passagem de um estágio para outro, quando se os setores marginalizados da população padecem
desfaz o equilíbrio instável e busca-se nova de altos índices de repetência e exclusão.
equilibração. Assim, os quatro estágios represen De maneira geral, alfabetiza-se “de fora para
tam o desenvolvimento da inteligência (da lógi dentro”, a partir do pressuposto de que a crian
ca), da afetividade c da consciência moral: ça nada sabe. Daí os educadores explicarem os
insucessos da alfabetização ora pela insuficiên
■ a inteligência: da simples motricidade, a cia dos próprios mestres, ora pela ineficácia dos
criança passa para as formas intuitivas e para o métodos, ora ainda pela inadequação do mate
pensamento concreto, até chegar ao pensamento rial didático.
abstraio, à possibilidade de reilexão: Para Emilia Ferreiro, no entanto, se a inven
• a afetividade’, de início, predomina a indi ção da escrita alfabética resultou de um longo
ferenciação entre o bebê c o mundo que o cerca; processo histórico, pode-se concluir que também
203
para a criança não é fácil compreender com rapi Uma alternativa para a psicologia
dez a natureza da escrita. Por isso, a alfabetiza
ção levanta, antes de tudo, um problema epis- Vygotsky orienta suas reflexões na busca de
temológico fundamental: “Qual é a natureza da uma alternativa para as teorias comportamentais
relação entre o real e a sua representação?’* de tendência naturalista que predominavam no
Essa questão provoca uma revolução concei seu tempo. Sabemos que a psicologia como ci
tuai na alfabetização. Ao investigar a psico- ência apareceu na Alemanha no final do século
gênese da escrita, Emilia Ferreiro descobre que a XIX, a partir do estudo dc fenômenos psíquicos
criança dc fato “reinventa” a escrita e, por isso, o ligados à física e à fisiologia.
professor precisa estar atento ao que a criança já Um de seus fundadores, o medico Wilhehn
sabe. À diferença da tradição, começa-se pela Wundt, desenvolvera em laboratório experiências
investigação de como a criança interpreta os si relativas aos fenômenos de percepção, estabele
nais que a rodeiam, já que. antes mesmo de inici cendo critérios para generalizar c quantificar a re
ar o ensino formal da escrita, constrói interpreta* lação entre as mudanças dc estímulo e os efeitos
ções, elaborações internas que não dependem do sensoriais correspondentes. Sob essa perspectiva,
ensino adulto e não devem ser entendidas como volta-se principal mente para o estudo da visão,
confusões perceptivas, ou seja, as garatujas não estabelecendo relações entre os fenômenos psíqui
são simples rabiscos sem nexo, mas significam cos e seu substrato orgânico, sobretudo cerebral.
uma determinada interpretação pessoal. Na mesma linha, o médico russo Ivan Pavlov,
Percebe-se aí o caráter não-empirista dessa a partir da observação dos fenômenos de diges
teoria, que acentua o papel do sujeito no proces tão e salivação, encaminhou-se para o estudo da
so de alfabetização. Cabe ao professor a função aprendizagem, explicando pela primeira vez o
de observar e interpretar atentamente as interven mecanismo dos reflexos condicionados, baseado
ções da criança, para com ela interagir. na unidade estímulo-resposta. A partir desses
pressupostos, o norte-americano Watson, con
temporâneo de Vygotsky, desenvolve o beha-
4. Pensamento e linguagem viorismo.
As discussões a respeito da consciência, inclu
I >ev Semenovich Vygotsky nasceu na Rússia sive os temas relativos às atividades psíquicas
czarista. no final do século XIX. e morreu de tu mais complexas (como pensamento, linguagem e
berculose, cm 1934, com 37 anos. Mesmo assim, comportamento volitivo). são abandonadas, como
foi grande sua produção teórica, acompanhada se fossem impróprias para a abordagem experi
pelos colaboradores Luria e Leontiev, que deram mental. considerada a única científica.
continuidade ao seu trabalho após sua morte. No A essa tendência naturalista se opõe a psicolo
entanto, essas obras só começaram a ser tra gia da Gestalt. (psicologia da forma), que não acei
duzidas nos EUA nos anos 60 e. no Brasil, ape ta as explicações empiristas. segundo as quais as
nas na década de 80. idéias se formam por associação, a partir de sen
Em 1917. ano da Revolução Russa, graduou- sações e percepções. Vygotsky tomou conheci
se em Direito, mas sua formação foi ampla, mento dessa corrente e das experiências feitas pelo
abrangendo filosofia, filologia, literatura, peda alemão Kôhlcr com macacos antropóides c, em
gogia e psicologia, o que o levou a sc dedicar ao bora reconhecesse a importância da crítica que
ensino, à pesquisa e a organizar o Laboratório de eles fizeram ao naturalismo, considerava ainda
Psicologia para Crianças Deficientes. Sempre insuficientes as explicações dadas.
preocupado com o estudo das anomalias físicas O esforço de Vygotsky no sentido de com
e mentais, Vygotsky cursou também medicina. preender os aspectos tipicamente humanos do
Viveu intensamente a implantação das idéi comportamento, sobretudo aqueles que se refe
as revolucionárias que transformaram a Rússia rem aos processos superiores — como o pensa
em União Soviética, sendo marcante a influên mento abstrato, a atenção voluntária, a me
cia marxista no seu pensamento e método morização ativa, as ações intencionais—, pode
dialético. ser mais bem avaliado à luz dos pressupostos te-
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Segundo Vygotsky, “a verdadeira comunica Atento à questão, Vygotsky observou que cri
ção humana pressupõe uma atitude gcncra- anças consideradas de mesmo nível mental (de
lizante, que constitui um estágio avançado do senvolvimento real) apresentavam aproveita
desenvolvimento do significado da palavra. As mento diferente quando se partia da segunda hi
formas mais elevadas da comunicação humana pótese, isto é, quando sc oferecia algum tipo dc
somente são possíveis porque o pensamento do auxílio. Chamou então a essa diferença de zona
homem reflete unia realidade conceituaiizada”. de desenvolvimento proximal, que é “a distância
Mais ainda: esses conceitos não são fixos, entre o nível de desenvolvimento real, que se
mas construídos a partir de uma dialética indi- costuma determinar através da solução indepen
víduo/socicdade. sofrendo constantes transfor dente de problemas, e o nível dc desenvolvimen
mações conforme o grupo e o tempo. “Os signi to potencial, determinado através da solução de
ficados das palavras são formações dinâmicas, problemas sob a orientação dc um adulto ou em
e não estáticas. Modíficam-se à medida que a colaboração com companheiros mais capazes”-.
criança se desenvolve; e também de acordo com Esta zona define as funções que ainda não
as várias formas pelas quais o pensamento fun amadureceram, mas estão em processo de
ciona.” maturação, o que é importante para entender o
Se a linguagem surge inicialmente como um curso interno do desenvolvimento. Dada a di
meio de comunicação entre as crianças c as pes mensão prospectiva (voltada para o futuro) des
soas em seu ambiente, ao se converter em “fala sa zona, ela se torna um instrumento poderoso
interior” organiza o pensamento, transformando- que pode ajudar a resolver rnais eficaz mente
se em função mental interna. O próprio Vygotsky problemas educacionais, justamente porque o
se refere a PiagcV’ ao concordar com a importân bom aprendizado não é o que vai a reboque do
cia da discussão entabulada entre as crianças desenvolvimento “de ontem” mas o que a ele sc
como forma de desenvolvimento da fala interior adianta.
e do pensamento reflexivo. Além disso, é dado destaque justamcnlc ao
Em todos os níveis de mediação é grande a trabalho coletivo. A atividade da criança é esti
importância dada ao outro, seja ele o adulto ou o mulada enquanto interage com pessoas de sua
companheiro dc brincadeira, o que pode ser mais convivência e em cooperação com seus compa
bem avaliado no conceito de desenvolvimento nheiros, para só depois internalizar esses proces
proximal, analisado a seguir. sos. Com isso, Vygotsky reavalia o papel da imi
tação no aprendizado, tão desprezada pela peda
Zona de desenvolvimento proximal gogia que valoriza apenas a atividade indepen
dente da criança.
Quando falamos dc nível dc desenvolvi Analisa também a função do brinquedo, por
mento das funções mentais da criança, geral meio do qual a criança vai além do comporta
mente nos referimos ao desenvolvimento real mento cotidiano, sc projeta nas atividades dos
como resultado de certos ciclos já completa adultos, ensaiando regras, valores e futuros pa
dos, ou seja, aquilo que a criança consegue fa péis a serem desempenhados na sua cultura —
zer por si mesma. E esLc o objetivo dos testes por exemplo, quando brinca de mãe. professor
psicológicos. ou comerciante — e. dessa forma, cria uma zona
No entanto. Vygotsky se surpreende pelo fato de desenvolvimento proximal.
de não ser dada a devida importância à resolução Em resumo, com esse conceito pode-se me
de problemas quando são fornecidas pistas, o lhor entender a transformação de um processo
professor inicia a solução ou esta é alcançada interpessoal — entre pessoas e. portanto, so
com a colaboração de outras crianças. cial — em direção a um processo intrapessoal,
ou seja, de internaiização pessoal e. portanto,
rumo à independência intelectual c afetiva.
206
Dropes
O fato de que ao longo da história o homem tenha desenvolvido novas funções não significa
que cada uma dessas funções depende do surgimento de um novo grupo de células nervosas ou do
aparecimento de novos “centros” de funções nervosas superiores, tal como os neurologistas do final
do século XIX buscavam com tanta ansiedade. O desenvolvimento de novos “órgãos funcionais’
ocorre através da formação de novos sistemas funcionais, que é a maneira pela qual se dá o desen
volvimento ilimitado da atividade cerebral. O córtex cerebral humano, graças a esse princípio, torna-
se um órgão da civilização, no qual estão ocultas possibilidades ilimitadas e que não requer novos
aparelhos morfológicos cada vez que a história cria a necessidade de uma nova função. (Luria)
207
Quando a mãe vem em ajuda da criança, e nota que o seu movimento indica alguma coisa, a
situação muda fundamentalmente. O apontar torna-se um gesto para os outros. A tentativa
malsucedida da criança engendra uma reação não do objeto que ela procura, mas de uma outra
pessoa. Conseqüentemente, o significado primário daquele movimento malsucedido de pegar é es
tabelecido por outros. Somente mais tarde, quando a criança pode associar o seu movimento à
situação objetiva como um todo, é que ela, de fato, começa a compreender esse movimento como
um gesto de apontar. Nesse momento, ocorre uma mudança naquela função do movimento: de um
movimento orientado pelo objeto, torna-se um movimento dirigido para uma outra pessoa, um meio
de estabelecer relações. O movimento de pegar transforma-se no ato de apontar. (Vygotsky)
Leitura complementar
208
r Atividades
Questões
Análise de texto
11. Com base nos dropes 1 e 2 do Capítulo 13, explique o que diz Piaget nas citações.
12. Com base no dropes 1 deste capítulo, explique o que disse Emilia Ferreiro
13. O que significa para Luria dizer que o córtex cerebral humano torna-se um órgão da civilização?
14. Para ilustrar o que se afirma na citação, compare a atividade intelectual reflexiva do homem das civili
zações urbanas contemporâneas com a consciência mítica do homem tribal.4
15. Usando o conceito de mediação (pelo instrumento e pelo signo), explique por que o gesto de apontar
resulta de um processo de internalização.
16. Neste trecho (e também na epígrafe do capítulo) a referência à atuação do outro na construção dos
signos remete a um conceito fundamental da teoria de Vygotsky. Explique qual é este conceito.
17. Explique por que o aspecto indireto ou mediado é uma característica essencial dos processos mentais
superiores.
209
Redação
Tema. Faça uma dissertação sobre a noção de equilíbrio nas teorias construtivistas a partir da seguin
te frase de Piaget. “Um estado de equilíbrio não é um estado de repouso final, mas constitui um novo ponto
de partida”.
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212
a escola cumpriria a parte que lhe cabc nessa pedagogos na teoria progressista. Alguns dos te
mudança. Em termos muito simples, seria ensi óricos que poderiam estar sendo aqui discutidos
texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado
nando — c bem — a ler, escrever, calcular, falar já tiveram seu pensamento abordado em outros
c transmitindo conhecimentos básicos do mundo capítulos.
físico e social que a educação escolar poderia ser Para orientação do leitor, lembramos que uma
útil às camadas populares. Não como promotora forma de aproximação entre os diversos repre
da igualdade, já que a sociedade ú estrutural men sentantes é o exame dos pressupostos filosóficos
te desigual. Nem como força revolucionária, já dessas teorias.
que isso vai além do seu movimento possível Dc maneira geral, as bases teóricas da peda
nessa sociedade. Mas como estratégia de melho gogia progressista encontram-se na literatura
ria de vida e pré-requisito para a organização marxista, que fornece o instrumento da lógica
política”1. dialética, bem como os elementos conceituais
Daí a extrema importância da formação do que possibilitam a crítica ao liberalismo, na ten
professor e de sua conscientização a respeito da tativa de superar a sociedade dividida em classes
educação como prática social transformadora e as consequentes dificuldades para a democrati
(uma entre várias possíveis). Que o professor le zação da educação. Já examinamos essas ques
nha, aliado à competência técnica., um compro tões nos Capítulos 13 e 14.
misso político a orientá-lo na escolha das priori
dades em educação, não só quanto ao conteúdo Uma extensa lista
transmitido, mas também quanto à maneira de
ensinar, tendo em vista objetivos que não se se Entre os pioneiros da tendência progressista
param da realidade concreta vivida. se encontram os pedagogos soviéticos Maka-
Se a ação dos professores é importante dentro renko c Pistrak, bem como o italiano Antonio
da sala de aula, também é necessário que eles se Gramsci. os três já analisados no Capítulo 14.
aglutinem, para que a discussão dos problemas Também é importante a contribuição do fran
não se dilua cm casuísmos, perdendo-sc a visão cês Céleslin Freinet na busca de uma pedagogia
do lodo. Essa comunidade se expressa nas reu popular e democrática e sua influência sobre as
niões pedagógicas e educacionais, nos cursos de correntes antiauloritárias de base socialista, tais
reciclagem e no engajamento nas associações de como as de Lobrot. Oury. Vásquez, aos quais já
classe. nos referimos no Capítulo 19. Aí também vimos o
Nestas últimas, a ação dos professores se am espanhol Francisco Fcrrcrc os representantes bra
plia pela participação política na sociedade, no sileiros Maurício Tragtcnberg e Miguel Gonzales
sentido, por exemplo, de denunciar o desinteres Arroyo.
se dos governos e defender a necessidade de va Outros nomes significativos são os dos cons-
lorização da escola pública. Ao mesmo tempo trutivistas soviéticos Vygotsky e Leonúcv (Ca
que essas organizações exigiriam a atuação mais pítulo 22), que apresentam alguns pontos em co
efetiva dos órgãos públicos e o cumprimento das mum. Há ainda muitos outros, como o francos
obrigações do Estado, procurariam, dentro da Bernard Charlol, que sc preocupou com os pro
cessos ideológicos das teorias educacionais;
Henry Giroux. representante da teoria crítica de
I. Edm.a^do. paixão, pensamento c práiica, p. 77-78. inspiração frankfurtiana; o polonês Suchodolski,
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Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado - Se prohíbe su venta o fotocopia
internas c externas (por inadequação à realidade nal mente nos alunos o que a sociedade produziu
brasileira). Como consequência. a LDB c ino coletivamente no decorrer do tempo, a sua he
perante, por não ser capaz de realizar as transfor rança cultural: a ciência, as artes, a religião, a fi
mações necessárias. losofia, as técnicas etc.
Enquanto os demais países conseguiram, a par A atividade nuclear da escola é, portanto, a
tir do século XIX. implantar sistemas nacionais transmissão dos instrumentos que permitam al
dc educação, e outros o fizeram recentemente, cançar o saber elaborado. Sendo a mediadora
como o Japão e a Coréia, permanecemos desorga entre o aluno c a realidade, a escola se ocupa
nizados e com altas taxas de analfabetismo. As re com a aquisição dc conteúdos, a formação de
formas educacionais constantes fragmentam e de habilidades, hábitos e convicções. Isso não sig
formam ainda mais nossas precárias leis, nas quais nifica que a proposta progressista se identifique
também não existe articulação entre graus e cur com os métodos tradicionais, porque o caráter
sos. Uma danosa dcscontinuidade de programas histórico-social da pedagogia progressista exi
prejudica o trabalho educativo, que exige, ao con ge a constante vinculação entre educação c so
trário. tempo para que as habilidades e os concei ciedade. entre educação e transformação da so
tos sejam assimilados pelos alunos. ciedade. ou seja, o ponto dc partida e o de che
A tarefa da pedagogia histórico-crítica con gada do processo educativo é sempre a prática
siste na tentativa de reverter esse quadro, bus social.
cando construir uma teoria pedagógica a partir Por isso, o saber objetivo transformado em
da compreensão de nossa realidade histórica e saber escolar não interessa por si mesmo, mas
social, a fim de tornar possível o papel mediador sim como meio para o crescimento dos alunos, a
da educação no processo dc transformação so fim de que “não apenas assimilem o saber obje
cial. Não que a educação possa por si só produ tivo enquanto resultado, mas aprendam o proces
zir a democratização da sociedade, mas a mudan so de sua produção, bem como as tendências de
ça se faz de forma mediatizada, ou seja, por meio sua transformação”5.
da transformação das consciências. A fim de desfazer confusões, Saviani destaca
Que não se veja aí uma proposta idealista a diferença entre elaboração do saber e produ
de mudança, mesmo porque esse projeto peda ção do saber. Esta última é social c se dá no inte
gógico se funda em pressupostos materialistas rior das relações sociais, só alcançando o nível
e dialéticos. De fato, Saviani começa sua aná de elaboração aqueles que possuem o domínio
lise a partir da categoria do trabalho, por exce dos instrumentos de sistematização. Nas socie
lência a forma pela qual o homem produz sua dades divididas, só a classe dominante atinge
própria existência, transformando a natureza essa etapa. Daí a importância da educação for
cm cultura. mal, pois, “ se a escola não permite o acesso a
O fazer que tem como resultado um produto esses instrumentos, os trabalhadores ficam blo
material, no entanto, não se separa do trabalho queados c impedidos de ascenderem ao nível da
“não-material”, que consiste na produção de elaboração do saber, embora continuem, pela sua
idéias, conceitos, valores, ou seja, na produção atividade prática real, a contribuir para a produ
do saber. Essa produção espiritual (conhecimen ção do saber”6.
to sensível ou intelectual, prático ou teórico, ar A tendência progressista histórico-crítica
tístico, axiológico, religioso, e assim por diante) constitui um projeto pedagógico cm construção
varia dc acordo com os povos, e cada pessoa pre do qual participam inúmeros educadores. Pode
cisa sc inteirar deles para sua humanização. mos distinguir, além de Dermeval Saviani, José
“Para saber pensar c sentir, para saber querer, Carlos Libâneo, Carlos Roberto Jamil Cury,
agir ou avaliar é preciso aprender, o que implica Guiomar Namo de Mello, entre muitos outros.
o trabalho educativo.”
Dessa forma, a escola promove a socializa
5. Dermeval Saviani, Pedagogia hiMóríco-rrítiea: primeiras
ção do saber por meio da apropriação do conhe
aproximações, p, 20.
cimento produzido histórica e social mente, ou 6. Dermeval Saviani, Pedagogia hislánco-cnticit: primeiras
seja, pelo trabalho educativo produz-se intencio aproximações, p. 100.
216
I Dropes
1
(. ..) há uma greve recente [1984] que deveria ser mencionada. Talvez a maior de todos os
tempos na educação brasileira: a greve do magistério público do Estado de São Paulo, que teve
assembléias com cerca de cem mil professores numa categoria de 180 mil. O movimento cresceu
rapidamente. Foram dezessete dias de greve com duas assembléias por semana, toda quarta e
sábado. Foi um movimento crescente pela valorização do trabalho do professor. (...) Esse movimen
to marcou profundamente a escola pública no Estado de São Paulo porque conquistou uma grande
qualidade: a união de várias entidades. (...) Pois bem, apesar da sábia medida do então secretário
217
Seria, realmente, uma violência, como de fato é, que os homens, seres históricos e necessa
riamente inseridos num movimento de busca, com outros homens, não fossem o sujeito de seu
próprio movimento.
Se
Por isto mesmo é que, qualquer que seja a situação em que alguns homens proibam aos
outros que sejam sujeitos de sua busca, se instaura como situação violenta. Não importam os meios
Este texto es utilizado parcialmente como material de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado
usados para esta proibição. Fazê-los objetos é aliená-los de suas decisões, que são transferidas a
outro ou a outros. (Paulo Freire)
Diante das objeções de que oferecer sistematicamente obras-primas para os alunos poderia
ser contrário ao desenvolvimento de sua autonomia, por se tratar da transmissão de produtos acaba
dos, obras concluídas, objetos alheios, exteriores, Snyders contrapõe os argumentos de Picasso.
“A resposta de Picasso a essas objeções banais é magnífica: neste exemplo, o quadro é um
nu; ao mesmo tempo ele foi inteiramente realizado pelo artista e cada um pode compô-lo: ‘É preciso
que você dê a quem olha as condições para que ele próprio faça o nu, com os seus olhos; [é preciso
que] ele tenha à mão todas as coisas das quais necessite para fazer um nu. Então ele mesmo as
porá no lugar com os olhos dele. Cada um fará o nu que quiser com o nu que eu tiver feito para ele’.
A relação do espectador com o quadro é bem a síntese do obrigatório e da autonomia: a partir
de dados impostos, é ele que monta o quadro, e esse quadro restituído é um Picasso; a prova de que
a síntese foi bem-sucedida é a alegria sentida "
Leituras complementares
1. Escola e democracia
Se é razoável supor que não se ensina demo põe a questão de sua realização no ponto de che
cracia através de práticas pedagógicas antide gada. Com isto o processo educativo fica sem
mocráticas, nem por isso se deve inferir que a de sentido. Veja-se o paradoxo em que desemboca
mocratização das relações internas à escola a Escola Nova; a contradição interna que atraves
é condição suficiente de democratização da soci sa de ponta a ponta a sua proposta pedagógica:
edade. Mais do que isso: se a democracia supõe de tanto endeusar o processo, de tanto valorizá-lo
condições de igualdade entre os diferentes agen em si e por si, acabou por transformá-lo em algo
tes sociais, como a prática pedagógica pode ser místico, uma entidade metafísica, uma abstração
democrática já no ponto de partida? Com efeito, esvaziada de conteúdo e sentido Ora, com isso
se, como procurei esclarecer, a educação supõe perdeu-se de vista que o processo jamais pode
a desigualdade no ponto de partida e a igualdade ser justificado por si mesmo. Ele é sempre algum
no ponto de chegada, agir como se as condições tipo de passagem (de um ponto a outro); uma cer
de igualdade estivessem instauradas desde o iní ta transformação (de algo em outra coisa). É, en
cio não significa, então, assumir uma atitude de fim, a própria catarse (elaboração-transformação
fato pseudodemocrática? Não resulta, em suma, da estrutura em superestrutura na consciência
num engodo? Acrescente-se, ainda, que essa dos homens).
maneira de encarar o problema educacional aca Entendo, pois, que o processo educativo é
ba por desnaturar o próprio sentido do projeto pe passagem da desigualdade à igualdade. Portan
dagógico. Isto porque, se as condições de igual to, só é possível considerar o processo educati
dade estão dadas desde o início, então já não se vo em seu conjunto como democrático sob a con-
218
dição de se distinguir a democracia como possi antever com uma certa clareza a diferença entre
bilidade no ponto de partida e a democracia o ponto de partida e o ponto de chegada, sem o
como realidade no ponto de chegada. Conse que não será possível organizar e implementar
quentemente, aqui também vale o aforismo: de os procedimentos necessários para se transfor
mocracia é uma conquista; não um dado. Este mar a possibilidade em realidade. Diga-se de
ponto, porém, é de fundamental importância. passagem que esta capacidade de antecipar
Com efeito, assim como a afirmação das condi mentalmente os resultados da ação é a nota dis
ções de igualdade como uma realidade no ponto tintiva da atividade especificamente humana.
de partida torna inútil o processo educativo, tam Não sendo preenchida essa exigência cai-se no
bém a negação dessas condições como uma espontaneísmo. E a especificidade da ação
possibilidade no ponto de partida inviabiliza o tra educativa se esboroa.
balho pedagógico Isto porque, se eu não admito Em síntese, não se trata de optar entre rela
que a desigualdade real é uma igualdade possí ções autoritárias ou democráticas no interior da
vel, isto é, se não acredito que a desigualdade sala de aula, mas de articular o trabalho desen
pode ser convertida em igualdade pela media volvido nas escolas com o processo de demo
ção da educação (obviamente não em termos cratização da sociedade. E a prática pedagógica
isolados, mas articulada com as demais modali contribui de modo específico, isto é, propriamen
dades que configuram a prática social global), te pedagógico para a democratização da socie
então não vale a pena desencadear a ação pe dade na medida em que se compreende como
dagógica. E neste ponto vale lembrar que, se se coloca a questão da democracia relativamen
para os alunos a percepção dessa possibilidade te à natureza própria do trabalho pedagógico.
é sincrética, o professor deve compreendê-la em (Dermeval Saviani, Escola e democracia,
termos sintéticos. Isto porque o professor deve p. 80-82.)
Eu mantenho que o que considero essencial cem-me comportamentos de fuga, que evitam
na escola é a apropriação de certos conteúdos ao professor põr-se questões fundamentais, tal
pelos alunos. E que a reforma, a revolução da como: que esperança tenho eu em relação aos
escola para mim é a modificação dos conteúdos, meus alunos?
sendo que os problemas de método não consti Não se educa inocentemente. O sonho de
tuem a coisa primeira, mas a consequência dos muitos professores seria criar simplesmente con
conteúdos. Neste momento, objetam-me, por dições favoráveis ao desenvolvimento dos alu
certo, e eu próprio o objeto a mim mesmo, que nos e o professor não pesaria sobre a sua liber
com isso se caí no doutrinamento, que a aula se dade. O professor deixaria simplesmente ao alu
vai transformar em lugar de propaganda, que vai no desenvolver o que se designa por espírito crí
haver divisão e oposição entre os alunos e o pro tico, a curiosidade, o sentido da observação; e
fessor. E eu não sei bem como responder a tal não o doutrinaria. É o sonho de muitos professo
questão. (...) res, mas eu penso que isso é uma ilusão. Por
Para mim, o drama de ser professor — e há que, há que reconhecê-lo, os nossos silêncios
algo de dramático em se ser professor —, é efe falam quase tanto como as nossas palavras...
tivamente eu arriscar-me a conduzir os alunos Vou buscar os meus exemplos ao racismo e à
numa má direção. Ou, pelo menos, o não conse xenofobia. E continuarei a ser maldoso dizendo
guir fazer dele o tipo de homem que desejaria que em França, como todos sabem, hâ muitas cri
que fosse. É o risco que define a função docen anças portuguesas; de uma maneira geral, as
te: será que fiz tudo para fazer dos meus alunos crianças mais malvistas são as argelinas, mas
os homens que eu desejaria que eles fossem? imediatamente a seguir vêm as portuguesas. Em
Que eu considere meu dever fazer de meus alu contrapartida, às crianças amarelas, às asiáticas,
nos, digamos, homens de esquerda, homens tecem-se grandes elogios. (...) Ora, se o profes-
progressistas, irei ter alunos e pais de direita que
não ficarão satisfeitos.
Direi com alguma maldade que considero * Este texto tem características de exposição oral por
que muitas das pedagogias ditas modernas, e se tratar dc debate após seminário realizado pelo au
não excluo talvez o ‘trabalho autônomo”, pare tor, em Portugal.
sor, na aula, não diz nada — e é a importância do por um meio comunista; quando digo racistas de
silêncio —ou diz simplesmente: “José, 2 em 20”, crianças de 10 anos, digo a mesma coisa: são as
sem qualquer comentário, nem agradável, nem crianças influenciadas por um meio racista.
desagradável ele confirma aos olhos do pequeno Para mim, a reforma da escola não é funda
Dupont que as crianças portuguesas são “estúpi mentalmente uma reforma de métodos. O méto
das”. Para lutar contra esta idéia é preciso dizer do é uma consequência dos conteúdos. E a gran
que o José não estuda na sua língua, tem um de dificuldade numa sociedade pluralista como a
meio difícil e país superexplorados. (. . .) nossa — e eu sinto-me feliz por ela ser plura
Ora, o meu desejo, o meu sonho, seria fazer lista —, é encontrar suficientes pontos de con
da escola não o lugar do partido comunista, ou vergência para que a escola seja viva. Natural
socialista, ou radical, nem também um lugar onde mente, diz-se, os professores de Ciências têm
não se diria nada sobre nada, mas um lugar de menos dificuldades que os professores de Histó
congregação; por exemplo, e é o meu exemplo ria ou de Literatura, mas isso não é muito verda
capital: seria o lugar de congregação de todos os deiro. Quando eles explicam como funciona um
que quisessem lutar contra o racismo e a xenofo motor elétrico, há um acordo assaz grande, mas
bia. (...) É preciso dar argumentos científicos — desde que eles se interroguem sobre a confian
não creio haver nenhuma ciência que demonstre ça que se pode ler na ciência, como nos servir
que os portugueses são mais “estúpidos” que os mos da ciência para aumentar a felicidade dos
outros —, sendo preciso por conseguinte explicar homens, e sobretudo a confiança que se pode
as dificuldades dos imigrados, dar às crianças o ter na razão científica dos homens, aí encontram-
hábito de trabalhar com os Josés e os Moha- se perante as mesmas dificuldades. E os alunos
medes; é preciso fazer-lhes sentir não só as dife esperam de nós não somente que lhes ensine
renças, mas amar as diferenças, o valor criador mos a resolver uma equação do 2- grau, mas
das diferenças: dar portanto a possibilidade a José também em que medida o progresso da razão
de fazer progressos, como os mais, mas dar-lhe a humana ajuda a humanidade a progredir, ou
possibilidade também de mostrar a sua originali melhor: que há a fazer para que o progresso das
dade, pela sua própria experiência da vida. É, re ciências seja acompanhado do progresso do
pito-o, não um discurso para ser feito uma vez, conjunto dos homens.
mas é um esforço de todo o ano, simultaneamen Isto significa que todos os professores são
te para dizer coisas aos alunos e para os fazer confrontados com os problemas para mim essen
viver, para os fazer organizar-se, direi, de um ciais da educação: como dizer aos alunos as coi
modo acolhedor. Ora, se há um "doutrinamento” sas essenciais que esperam de nós, sem abusar
— e com isso eu vou desagradar às pessoas que da nossa posição. Dizemo-nos sempre que se
são racistas ou xenófobas e que pensam que os não formos nós a falar do Amor, da Morte, e do
estrangeiros o melhor era ficarem na sua terra —, Destino Humano adotarão as idéias que circu
vou descontentar pessoas; mas não vou fazer lam em torno deles a partir da televisão, e dos
uma propaganda comunista ou socialista, ou cris jornais de grande tiragem.
tã, mas vou tentar reunir cristãos, comunistas, so Fico-me por aqui, pois tudo isto é demasiado
cialistas e sem partido, que têm vontade de se difícil...
abrir aos outros e às suas diferenças. Repare-se: (Georges Snyders, As pedagogias não-
quando digo “comunistas” em relação a crianças diretivas, in Correntes atuais da pedagogia,
de 10 anos, digo crianças que são influenciadas p. 28-33.)
Atividades
Questões
1. Em que aspectos as teorias progressistas se assemelham e em que se distinguem das teorias crítico-
reprodutivistas?
2. Em que sentido o conceito de trabalho nas teorias progressistas é diferente daquele usado nas diver
sas teorias pedagógicas que costumam recorrer a esse tipo de atividade'?
3. Que papel as teorias progressistas reservam aos professores?
4. Qual é, para a teoria progressista, a função da escola na sociedade capitalista?
5. Em que sentido a valorização dos modelos pode não significar adesão à escola tradicional?
220
Análise de texto
10. Com base no dropes 1, explique como se justificaria a afirmação de que os professores em greve
teriam dado ‘lições de democracia”.
15. O que significa a seguinte afirmação: “a educação supõe a desigualdade no ponto de partida e a
igualdade no ponto de chegada”?
16. Que crítica o autor faz à escola nova?
17. Que tipo de percepção o professor deve ter para que possa desencadear o processo de passagem a
que o texto se refere?
18. Dê alguns exemplos concretos de atitudes supostamente autoritárias quando analisadas sob o ângulo
do ponto de partida, mas democráticas quanto ao ponto de chegada. Dê um exemplo referente à
situação inversa.
19. Com a expressão "Não se educa inocente mente", Snyders se refere à impossibilidade de neutralidade
na educação. Explique isto.
20. Explique o que o autor quis dizer com “(...) os nossos silêncios falam quase tanto como as nossas
palavras...”
21. Como enfrentar em sala de aula manifestações de racismo e xenofobia?
22. Qual é a importância do professor como veiculador de valores? Como cumprir essa tarefa sem o risco
de doutrinação?
23. O autor estabelece uma relação entre métodos e conteúdos. Explique em que medida essa postura é
representativa das teorias progressistas.
Redação
Tema T. “A inteligência dos alunos não é um vaso que se tem de encher; é uma fogueira que é preciso
manter acesa” (Plutarco). A partir da citação, faça uma dissertação a propósito da ênfase dada pelas
teorias progressistas aos conteúdos.
Tema 2. Educação e transformação da sociedade: possibilidades e limites.
221
O mundo não somenle o nosso eslá íragmenlada. Porém não cai aos
pedaços. Refletir me parece uma das principais tarefas da filosofia dos nossos dias.
(Corneiius Castoriadis)
224
225
nome e a habilidade de ler e escrever com certa ciplina do trabalho (intelectual e manual), bem
fluência. Na segunda hipótese, o aluno precisa como o desenvolvimento da sociabilidade, pois
se aplicar seguramente durante mais de um ano nesse momento a criança estará se esforçando,
a fim de fixai o hábito. não para reprimir seus desejos, mas para apren
Avaliando a situação a partir desse último cri der o controle autônomo deles, condição moral
tério, chegaríamos a conclusões muito mais pes de qualquer vivência em comunidade.
simistas. pois descobriríamos o enorme contin
gente de semi-alfabetizados. Este fato configura O 2° grau e a politecnia
o quadro de seletividade e elitismo de nossa es
cola, marcada por exclusão, evasão, repetência e Dos três graus de ensino, o 2- grau é o que
baixo índice de escolarização superior, com a mais tem oscilado quanto à definição e. por
agravante de que neste nível predominam os alu conseqücncia, quanto aos objetivos.
nos vindos das classes dominantes. Por tradição, o ensino secundário sempre foi
Por isso, a primeira consideração a ser feita acadêmico, no sentido de proporcionar formação
em relação ao I- grau é que ele se torna univer geral '‘desinteressada”, visando a cultura “de
sal e gratuito, eliminando-se as distorções que adorno”, sobretudo para os filhos das classes di
expulsam desde cedo as crianças da escola. A rigentes. Também tem um caráter propedêutico,
segunda se refere ao conteúdo a ser transmiti já que se propõe a preparar osjovens para o aces
do. Levar em conta a herança cultural que o pró so ao ensino superior. Devido a alta seletividade,
prio aluno traz consigo supõe a aceitação c a é também elitista.
não-discriminação de sua linguagem e de seu Se por um lado predomina o 2- grau acadê
saber, Isso não significa, no entanto, que ele mico, propedêutico e elitista, por outro lado o de
permaneça nesse nível; o educando deve ser le senvolvimento industrial exige a formação de
vado a dominar a norma culta, bem como Ler técnicos, o que tem feito aumentar a oferta de
acesso ao saber acumulado pela humanidade. cursos profissionalizantes de nível médio. Por
Só assim o povo poderá organizar de forma co isso podemos perceber, no estudo da legislação,
erente o seu saber difuso. as oscilações que ora acentuam o caráter de for
Tendo cm vista o patamar atual atingido pela mação geral, ora o de profissionalização, sem
indústria e pela tecnologia moderna, são as se que se tenha conseguido superar a dicotomia da
guintes as exigências para o Ia grau; escola dualista.
A nossa experiência tem mostrado que a op
• alfabetizar, proporcio ção por um dos dois pólos em questão c insufi-
nando o real domínio da lei
tura e da escrita;
• ensinar matemática, a
linguagem das ciências;
• ensinar as leis das ciên
cias da natureza, que possibi
litam sua transformação:
♦ensinar as ciências so
ciais, para que o educando
venha a saber como os ho
mens, ao trabalhar, estabele
cem relações de poder, ocu
pam os espaços, criam insti
tuições, determinam direitos
e deveres.
226
ciente e prejudicial, ainda mais se lembrarmos des particulares, geral mente na arca de ciências
que a faixa etária dos jovens que frequentam o humanas, fáceis de instalar c dc baixo custo, mas
2-grau vai dos 15 aos 18 anos. Torna-se urgente que nem sempre oferecem cursos de qualidade.
a superação dessas duas tendências, buscando-se Para elas se encaminham os excluídos das prin
a escola unitária e politécnica, que dê a todos o cipais universidades que, ao terminar o curso (o
mesmo tipo de educação, no qual não se separe que nem sempre ocorre), lançam-se uo mercado
trabalho intelectual c trabalho manual. com o prejuízo de uma formação inadequada.
Como já vimos no Capítulo 23, a politecnia Se denunciamos o caráter elitista da forma
não se confunde com o ensino de determinada ção superior, é apenas no sentido dc que o aces
técnica, mas supõe a compreensão dos funda so a ela tem sido barrado aos jovens das classes
mentos das diferentes técnicas constitutivas do pobres. No entanto, em tese, trata-se de um nível
trabalho tal como ele se apresenta no estado atu de ensino que sempre será procurado por pou
al de desenvolvimento tecnológico. Devido ao cos, devido ao caráter de extrema especialização
nível de abstração dc que c capaz o aluno do 2- e exigência dc rigor na formação intelectual.
grau, é possível estabelecer a relação entre ciên Em outras palavras, nem todos os jovens de
cia e produção. sejarão cursar a universidade, e seria bom que
Por fim, se considerarmos que na faixa etária essa escolha fosse pessoal, não resultando da in
em que se encontram os alunos do 2Q grau está justa seletividade econômica. Aliás, essa injusti
em processo a formação do caráter, acrescenta- ça se faz de duas formas: aqueles que desejam e
se à compreensão da relação cicncia-produção a têm condições intelectuais de cursar a universi
convicção de que qualquer ação transformadora dade são barrados, enquanto jovens pouco inte
sobre o mundo e os outros exige responsabilida ressados pelo trabalho intelectual são a ela con
de moral c política. duzidos, a reboque da exigência social dc se ter
Lslão aí os crimes ecológicos praticados cm um diploma de nível superior.
nome do "progresso”, a corrupção c a violência Por isso, diante do caráter de especialização
para provar que o homem ainda lem muito a da educação superior, deveria haver, dentro da
aprender. Portanto, como já foi visto no Capítulo sociedade, mecanismos que permitissem a difu
12, é importante que se cuide da formação inte são das conquistas da pesquisa superior.
gral do jovem, atentando para a educação da sen Para tanto, o professor Derme vai Saviani diz
sibilidade. para sua autonomia moral e para o ser necessária a viabilização de Centros dc Cul
exercício da cidadania. tura Superior, '"com o objetivo de possibilitar a
toda a população a difusão e discussão dos
O 3- grau e a comunidade grandes problemas que afetam o homem con
temporâneo'*, ressaltando que "essa proposta é
A falta de uma adequada definição dos pro bem diversa da atual função da extensão uni
pósitos do 2a grau tem prejudicado o acesso ao versitária. Não se trata dc estender à população
nível superior, ora porque a autonomia intelec trabalhadora, enquanto receptora passiva, algo
tual do aluno não se acha encaminhada de for próprio da atividade universitária. Prata-se, an
ma satisfatória, ora porque os instrumentos de tes. dc evitar que os trabalhadores caiam na pas
controle do acesso ao nível superior (como os sividade intelectual, evitando-se ao mesmo tem
exames vestibulares) se tornam artificiais e po que os universitários caiam no academi-
ineficazes. cismo”- (ver leitura complementar).
Esse estado de coisas tem penalizado mais Parece que se fecha, assim, o circulo aberto
uma vez os alunos vindos das classes des pela necessidade de integração do trabalho in-
favorecidas, uma vez que os jovens bem-pre pa
rados pela escola particular ocupam as vagas das
melhores universidades, que são as públicas.
2, Perspectivas de expansão e qualidade para o ensino dc 2-
Esta perversa inversão elitiza ainda mais a
grau: repensando a relação trabalho-es cola. In: Seminário de
educação, provocando outra distorção: desde a ensino de 2 ogratt: perspectivas. Anais. São Paulo, Faculda
década dc 70 lêm sido criadas inúmeras faculda de de kducaçíío da USP, maio de 1988.
228
229
Dropes
Apropriação de renda pelos 10% mais ricos e pelos 50% mais pobres
da População Economicamente Ativa (PEA) do Brasil — 1980-1991
Na última década houve um agravamento da pobreza relativa no Brasil: os 10% mais ricos se apropriam de quase
metade (48%) do total de rendimentos. Com isso, configura-se um dos mais perversos perfis de distribuição de
renda do mundo.
Total 100,0
Furile: iBGt (excluindo se c população de 10 anos ou niais üâ ares rural da Região Norte) ln: Olga Lcpes da Cru7, FducdÇâO; indicôdaes
SíX.w, Riu de Janeiro, iBGE, Departsnerto de E-Jtetsticas e :ndir.adores Socais. 1990.. p. 9fi.
230
Fonte: IBGE, Dreiora de Pesquisas, Departamento de indicadores Sociais, Unesco In; Jane Souto de Oliveira forg.), O traço dd desij^lda-
df. social no tfási!. Rio de Janeiro, IBGE, 1993, p. 41
Leituras complementares
1. [As academias]
Problema da nova função que poderão as trabalho científico, para os quais poderão cola
sumir as un versidades e as academias. Estas borar e nos quais encontrarão todos os subsídi
duas instituições são, atualmente, independen os necessários para qualquer forma de ativida
tes uma da outra; as academias são o símbolo de cultural que pretendam empreender.
ridicularizado frequentemente, com razão, da A organização acadêmica deverá ser reor
separação existente entre a alta cultura e a vida, ganizada e vivificada de alto a baixo. Territo
entre os intelectuais e o povo. (...) rialmente, possuirá uma centralização de com
Em um novo contexto de relações entre vida petências e de especializações: centros nacio
e cultura, entre trabalho intelectual e trabalho in nais que se agregarão às grandes instituições
dustrial, as academias deverão se tornar a or existentes, seções regionais e provinciais e cír
ganização cultural (de sistematização, expan culos locais urbanos e rurais. Dividir-se-á por
são e criação intelectual) dos elementos que, especializações científico-culturais, que serão
após a escola unitária, passarão para o traba representadas em sua totalidade nos centros
lho profissional, bem como um terreno de en superiores, mas só parcialmente nos círculos
contro entre estes e os universitários. Os ele locais. Unificar os vários tipos de organização
mentos sociais empregados no trabalho profis cultural existentes: academias, institutos de
sional não devem cair na passividade intelec cultura, círculos filológicos etc., integrando o
tual, mas devem ter à sua disposição (por inici trabalho acadêmico tradicional — que se ex
ativa coletiva e não de indivíduos, como função pressa principalmente na sistematização do
social orgânica reconhecida como de utilidade saber passado ou em buscar fixar uma média
e necessidade públicas) institutos especia do pensamento nacional como guia da ativida
lizados em todos os ramos de investigação e de de intelectual — às atividades ligadas à vida
231
(...) são determinações constitutivas do con ções. É uma sociedade na qual a informação cir
ceito de democracia as idéias de conflito, abertu cula íivremente, percorre todos os níveis da ativi
ra e rotatividade. Quando o conflito perde sua di dade social, enriquecendo-se ao circular, isto é,
mensão reaí, qual seja a da contradição, para con numa circulação que não é consumo, mas pro
verter-se em oposição, a democracia se reduz à dução da própria informação. No entanto, não é
capacidade para rotmízar conflitos, em lugar de a liberdade da informação que define a abertura
trabalhá-los ou de pôr-se em movimento para democrática, mas uma outra idéia do espaço pú
superá-los e, assim, efetuar-se como sociedade blico que não se confunde com o da mera opi
histórica. A democracia é difícil, subversiva, como nião pública. É a elevação de toda a cultura à
dizia Bobbio, quando não cessa de pôr em ques condição de coisa pública. Isto não significa que
tão suas instituições. Esse questionamento per a ciência, a filosofia, as artes e as técnicas se
manente do instituído, pelo qual a sociedade de tornem transparentes e imediatamente acessí
mocrática é plenamente histórica (e não o fim da veis (isto é o ideal da televisão e da gratificação
história), é o que se entende por admissão da re imediata do consumidor); não significa que dei
alidade dos conflitos. Dizer que o conflito é con xem de ser, em suas expressões mais rigorosas,
tradição e não oposição significa dizer que ele ins impenetráveis para os não-iniciados. Significa,
taura uma forma de sociabilidade sempre ques apenas, que é bastante diverso considerá-las
tionável e questionada; significa, também, reco como de direito acessíveis a todos que desejem
nhecer que as divisões sociais não serão abolidas dedicar-se a elas, do que considerá-las privilégio
numa sociedade futura, mas que, por existirem, de uns poucos. Uma coisa é usar a impene
nem por isso serão legitimadas e legalizadas por trabilidade imediata de certos produtos da cultu
mecanismos que as dissimulem. Não se trata de ra para justificá-los como coisas privadas; outra,
supor que a sociedade se tornará transparente, bastante diversa, é afirmá-los como coisas públi
mas sim que não poderá dissimular seus confli cas pelo igual direito de acesso não apenas ao
tos. Precisará trabalhá-los e recriar-se. É isto que seu consumo, mas sobretudo à possibilidade de
a faz livre ou autodeterminada. produzi-los. Há duas maneiras igualmente
O caráter aberto da democracia não se con antidemocráticas de lidar com a cultura e com a
funde com a utopia de uma igualdade indife informação: fazê-las privilégio de uns poucos, em
renciada que é, antes, sinônimo de coletivização nome da divisão “natural” das aptidões, ou
do que o de socialização. A abertura democráti vulgarizá-las, escamoteando tanto a divisão so
ca não significa a existência de uma sociedade cial do trabalho quanto a realidade do privilégio
transparente que se comunica consigo mesma para produzi-las.
de ponta a ponta, sem opacidade e sem ruído, Enfim, no que respeita á rotatividade, é preci
uma sociedade onde todos se comunicam com so recuperar o significado real e simbólico daqui
todos numa circulação imediata das informa lo que aparece na utopia da cozinheira-ministra
232
de Estado de Lénin. Uma sociedade democráti do com seus ocupantes porque a vacância reve
ca (é tão óbvio!) supõe que as funções de deci la sua origem, a sociedade soberana. Nesta
são e direção não são propriedade exclusiva de perspectiva, a idéia de representação pode ad
um grupo nem de uma classe. Enquanto a idéia quirir sentido concreto. Assim, a idéia e a prática
de representação estiver vinculada à de proprie da democracia direta, longe de ser uma alterna
dade privada do poder, a democracia não é um tiva para a democracia representativa, é sua con
logro por ser representativa, pois em tal contexto dição. Quando se vai além da democracia libe
ela não é nem pode ser representativa. Somente ral e quando se tem presente o significado da
numa democracia real é possível compreender o indiferenciação ou identificação totalitária entre
significado prático-simbólico das eleições: nes poder, sociedade e Estado é que se pode avali
tas não se exprime tanto o direito legítimo de ar em que um projeto democrático pode ou não
manifestação da pluralidade de interesses e de ser um projeto de transformação social e em
opiniões, mas a própria idéia de soberania popu que pode ou não apelar internamente para o so
lar (o Krathós do demos), pois durante o período cialismo.
eleitoral, por um breve lapso de tempo, o poder (Marilena Chaui, Cultura e democracia,
aparece como desocupado, como não identifica p. 156-159.)
Atividades
Questões
Análise de texto
10. Baseando-se nos dados dos dropes 1, 2 e 3, explique em que medida o afunilamento do acesso à
educação pode estar relacionado com a distribuição de renda.
11. Consulte o dropes 3 e, a partir dos índices de analfabetismo, escolarização, repetência e evasão,
compare a situação brasileira com a dos outros países citados.
12. Em que sentido as Academias de Letras poderiam se adequar às críticas feitas por Gramsci?
13. Qual é o sentido pejorativo da palavra "acadêmico”?
14. Se nem todos os estudantes procuram o curso superior, qual tem sido o seu destino intelectual até
agora e qual é a proposta de Gramsci?
15. Explique em que sentido a sugestão de Gramsci não desvaloriza a escola e de que forma poderia ser
contraposta à 'desescolarização” defendida por Ivan lllich (Capítulo 21).
16. Como é possível que essa proposta a respeito das universidades e academias possa superar a
dicotomia entre trabalho intelectual e trabalho manual?
17. Explique como, ao se referir à cultura nacional no final do texto, Gramsci deixa subentendida a supera
ção da oposição entre cultura erudita e cultura popular.
233
Redação
Tema T. Faça uma dissertação sobre os caminhos possíveis para a democratização da educação no
Brasil.
Tema 2: Faça uma narração imaginando como seria a educação no terceiro milênio.
234
VOCABULÁRIO
- Se prohíbe su venta o
Abstração, Ato de abstrair, ou seja, isolar men mem livre, distintas das artes do homem ser
tal rncntc para considerar à parle o elemento vil, que eram as artes mecânicas. Na Idade
de uma representação que não é dado sepa Média, constituem o trivium (gramática, re
radamente na realidade. Por exemplo, o con tórica C dialética) e o quadrivium (geome
ceito de homem é resultado de uma abstra tria, aritmética, astronomia e música).
ção: considera o que é comum a todos os
homens, deixando de lado as características Ascetismo. IDo latim ascesis. “exercício”.| A
ascese constitui o exercício prático que possi
texto es utilizado parcialmente como m aterial de consulta académica. Siempre debe ser debidamente referenciado
235
Este
Conceito. Idéia abstrata e geral; representação Ser absoluto ou Idéia. Para Engels, é a ciên
intelectual de um objeto; apreensão abstrata cia das leis gerais do movimento, tanto do
de um objeto. mundo externo quanto do pensamento hu
mano. Engels aproveita a dialética de Hegel,
Concreto. São concretas as representações que mas transforma o idealismo hegeliano em
manifestam o objeto tal como ele c dado na materialismo.
intuição sensorial (exemplos: sensação, ima
gem, percepção). Portanto, a representação Dogmatismo. Doutrina filosófica que parte do
concreta é singular, individual; ao contrário, pressuposto de que o homem é capaz de atin
a representação abstrata é geral (exemplo: gir verdades certas e absolutas. Nesse senti
idéia). do, o conceito se opõe a ceticismo (ver). Para
Kant, posição dos filósofos que admitem a
Construtivismo. Segundo as teorias cons- capacidade da razão de conhecer sem antes
truti vistas ou interacionistas, o conhecimen fazer a crítica da faculdade de conhecer. No
to resulta de uma construção contínua que sentido comum, atitude de quem tende a im
se processa mediante a interação entre sujei por doutrina ou valores sem provas suficien
to e objeto; essas teorias pretendem superar tes e sem admitir discussões.
tanto o iiiatisino quanto u empirismo. Ver
Capítulos 13 e 22. Doutrina. Conjunto de princípios, de idéias que
servem de base a um sistema religioso, polí
C r íti co- reprodu tivistas (teorias). São teorias tico, filosófico ou científico.
pedagógicas que criticam a ilusão liberal da
escola como instância de democratização,
concluindo que, ao contrário, a escola re
produz as diferenças sociais e perpetua o Ecletismo. Método filosófico que consiste em
s tatus quo. Ver Capítulo 20. reunir doutrinas de vários sistemas, elabo
rando um sistema próprio.
236
237
e pelos enciclopedistas franceses) que con a crítica do Estado burguês. A teoria marxis
siste na crença no poder da razão de reorga ta compõe-se de uma teoria científica, o ma
nizar o mundo humano. terialismo histórico, e de uma filosofia, o
materialismo dialético. Ver materialismo e
Inatismo. Concepção segundo a qual as idéias Capítulo 14.
ou os princípios já existem na mente dos in
divíduos, pertencem à natureza humana e. Massificação. Ato de influenciar o indivíduo
portanto, não surgem de fora para dentro. por meio da comunicação de massa ou ori
Ver Capítulo 13. entar o indivíduo no sentido dc estereoti
par-lhe as reações e a conduta. Ver Capítu
Indução. Operação lógica em que, de dados sin los 4 e 6.
gulares suficientemente enumerados, inferi
mos uma verdade universal. É o raciocínio Materialismo. No sentido moral. designa a ori
que chega a uma conclusão a partir dos da entação da vida em busca do gozo c dos
dos particulares. bens materiais. No sentido psicológico. é a
negação da existência da alma como prin
Instinto. Atividade automática, existente sobre cípio espiritual, reduzindo os fatos da cons
tudo no animal, caracterizada por um con ciência a epifenônienos da matéria. 13o pon
junto de reações bem determinadas, heredi to dc vista da teoria do conhecimento. o
tárias, específicas, idênticas na espécie. Não dado material é considerado anterior ao es
confundir com intuição (ver). Ver também piritual e o determina. Segundo o materia
Capítulo 1. lismo histórico e dialético (século XIX.
Marx e Engels), as idéias derivam das con
Intuição. Conhecimento imediato, sem interme
dições materiais: não é a consciência dos
diários; visão súbita.
homens que determina o seu ser, mas é o
seu ser social que determina sua consciên
cia. Ver Capítulo 14.
Laicização. Ato de tornar algo ou alguém leigo
(laico), isto é, não mais religioso. Diz-se Metafísica. Parte da filosofia que estuda o “ser
também secularização (ver). enquanto ser", isto c. o ser independente
mente de suas determinações particulares;
Liberal (pedagogia). Pedagogia própria da soci estudo do ser absoluto e dos primeiros prin
edade capitalista. Ver liberalismo. cípios. E para Aristóteles a ciência primei
ra, na medida em que fornece a todas as
Liberalismo. Teoria política e económica
outras o fundamento comum, isto é, o obje
surgida no século XV11 que exprime os
to ao qual iodas se referem e os princípios
anseios da burguesia. Defende os direitos
dos quais dependem. Exemplos de proble
da iniciativa privada, restringindo o mais
mas metafísicos: a essência do universo
possível as atribuições do Estado e opon-
(cosmologia racional); a existência da alma
do-se vigorosamente ao absolutismo. Ver
(psicologia racional); a existência dc Deus
Capítulo 14.
(teologia racional ou teodicéia). Ver Capí
Lógica. Parte da filosofia que trata do estudo tulos 11 e 15.
normativo das condições da verdade (da
Moral. Conjunto dos costumes e juízos morais
conseqüência e da verdade da argumen
de um indivíduo ou de uma sociedade que
tação).
possui caráter normativo (regras do com
portamento das pessoas no grupo); conjun
to de regras que visa orientar a ação huma
Marxismo. Doutrina econômica e filosófica ini na, submetendo-a ao dever, tendo em vista
ciada por Marx e Engcls (século XÍX) que o bem e o mal; conjunto dc normas livre e
se contrapõe ao sistema capitalista, fazendo conscientemente aceitas que visam organi-
238
zar as relações dos indivíduos na socieda ou vago: “‘Somente são reais os conheci
de. Ver Capítulo 12, mentos que repousam sobre fatos obser
vados".
Não-diretividade. Tendência radical das teo
rias pedocêntricas. que minimizam a ação e Pragmático. Que se refere à ação, ao sucesso ou
a autoridade do mestre e enfatizam a atua à prática; também significa útil, eficaz. Opo
ção do aluno. sição: teórico, especulativo.
Quadrivium. Ver artes liberais. Sofistas. [Do grego sophistés, “sábio”.] Filóso
fos do século V a.C. Inicialmente, sofista de
signava qualquer filósofo, mas a partir de
Platão e Aristóteles adquiriu um sentido pe
Raciocínio. Operação discursiva do pensamento
jorativo, qualificando a pessoa cuja sabedo
que consiste cm encadear logicamente juízos
ria é aparente e que argumenta com sofismas
e deles tirar uma conclusão. Em lógica, cha
(ver). Somente no século XIX iniciou-se a
ma-se argumentação.
reabilitação dos sofistas.
Racionalismo. Doutrina filosófica moderna (sé
culo XVII) que admite a razão como única
fome de conhecimento válido; superestima
Taylorismo (de Frederick Taylor). Método ci
o poder da razão. Principais representantes:
entífico de racionalização da produção que,
Descartes. Leibniz. Doutrina oposta ao
por meio da supressão de gestos desnecessá
empirismo (ver). Ver também Capítulo 13.
rios e comportamentos supérfluos no interior
Razão. Em sentido geral, é a faculdade de co do processo produtivo, visa o aumento da
nhecimento intelectual; entendimento (em produtividade e a economia de tempo. O
oposição a sensibilidade). Faculdade de pen processo de trabalho parcelado acentua a
samento discursivo, feito por meio de argu dicotomia entre a concepção c a execução do
mentos e de abstrações; faculdade de racio trabalho. Ver Capítulos 2 e 18.
cinar; faculdade dc alcançar o conhecimento
Tecnieista (pedagogia). A tendência tecnicista
do universal. de ascender às idéias.
surgiu nos EUA a partir da tentativa de inse
Reflexão. Ato de conhecimento que se volta so rir a escola no modelo de racionalização c
bre si mesmo, tomando por objeto seu pró produtividade típicas do sistema de produ
prio ato; ato de pensar o próprio pensamento. ção capiLalista. Utiliza procedimentos do
taylorismo (ver) e do fc/Mnwrijm# (ver).
Ver também Capítulo 18.
Secularízação. Ato dc tornar secular (isto é, do Teologia. Estudo da existência, da natureza c dos
século, do mundo); deixar de ser religioso atributos dc Deus, assim como de sua rela
ou sagrado. Diz-se também laicização (ver). ção com o mundo. Chama-se teologia racio
nal ou teodicéia a parte da metafísica que se
Signo. Alguma coisa que está no lugar de outra,
ocupa desse assunto usando cxclusivamentc
sob algum aspecto.
a razão. Chama-se teologia sobrenatural ou
Símbolo. [Do grego .vywZw/tfH. “marca, sinal dc re revelada a que baseia suas afirmações, cm
conhecimento”. | Qualquer representação dc última instância, na revelação sobrenatural
uma realidade por outra. A linguagem humana, procedente de Deus.
por exemplo, é simbólica enquanto representa a
Teoria. [Do grego théoreim “contemplar” c
realidade de forma analógica ou convencional.
theoria, “visão dc um espetáculo”.! Cons
Socialismo. Nome genérico das doutrinas que trução especulativa do espírito; construção
pretendem substituir o capitalismo por um intelectual para justificar ou explicar algu
sistema planificado que conduza a resultados ma coisa. Em oposição à prática, a teoria é
mais equitativos c mais favoráveis ao pleno um conhecimento independente das aplica
desenvolvimento do ser humano. Designação ções; no entanto, isso não significa que a
de correntes e movimentos políticos da classe teoria esteja separada da prática, pois ela
operária que visam a propriedade coletiva dos nasce da prática e está sempre sujeita à crí
meios dc produção. Ver Capítulo 14. tica a partir dos acontecimentos. Em oposi
ção ao conhecimento vulgar, a teoria é uma
Sofisma. Falso raciocínio. etapa do método científico, c uma conccp-
240
Totalitarismo. Sistema político no qual todas as Utopia. [Do grego u-topos\ “nenhum lugar". |
atividades do ser humano estão submetidas Que não existe cm lugar nenhum; descrição
ao Estado. de uma sociedade ideal; refere-sc a um ideal
de vida proposto. Pode ser lambem a expres
Transcendência. Ato de ultrapassar, de ir além são da esperança, pois, graças ao projeto utó
de; superação. Na teoria do conhecimento, pico — como antecipação teórica daquilo
diz-se do objeto como real mente distinto da que “ainda não é" —, torna-se possível criar
consciência (caso não se admita a transcen condições para a reforma social. No sentido
dência do objeto, mantém-se uma concepção pejorativo, refere-se a um ideal irrealizável.
idealista do conhecimento).
241
ÍNDICE de nomes
ADORNO, Theodor, 18, 61,71 COMÊNIO, João Amós, 94, 98, 138,159, 168
ALAIN (Émile Chartier), 162, 164, 165,166 COMPAYRÉ, Jules-Gabriel, 80
ALTHUSSER, Louis, 189, 191,192, 194, 195 COMTE, Augusto, 129, 160, 176
AQUINO, Santo Tomás de, 148, 159 CONDORCET, Marquês de, 94, 99, 138, 160
ARENDT, Hannah, 44, 66, 124 COSTA, Jurandir Freire, 154
ARIÈS, Phílippe, 58, 59 COULANGES, Foustel de, 98
ARISTÓTELES, 105, 112, 159 CUNHA, Luiz Antônio, 82, 84, 137, 192, 193,
ARROYO, Miguel Gonzales, 184, 213 196
AZEVEDO, Fernando de, 170,173 CURY, Carlos Roberto Jamil, 216
242
243
244
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Filosofia
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Em edição revista e ampliada