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RESUMO
RESUMO
RESUMO
SOBRE A AUTORA
Nascida em Belo Horizonte em 1977, a autora, doutora em Literatura Comparada pela
UFMG, tem se destacado como um dos principais nomes da poesia contemporânea brasileira.
Vencedora dos prêmios Biblioteca Nacional com o livro “Da Arte das Armadilhas” (2011) e
APCA e Oceanos com “O Livro das Semelhanças” (2015 e 2016, respectivamente), a escritora
mineira aborda temas como o cotidiano, os afetos, a linguagem e a própria criação literária
(metalinguagem).
SOBRE O LIVRO
Esta obra se caracteriza, em grande medida, pela autorreferencialidade, ou seja, o
livro refere-se a si mesmo em diversos momentos, como sugere o próprio título. Dividida em
quatro partes em que se desenvolvem núcleos temáticos diferentes, incluindo-se o cotidiano
e as relações afetivas, a obra coloca a linguagem em primeiro plano como objeto de reflexão.
Nesse sentido, fique atento ao conceito de metalinguagem: a linguagem sobre a própria
linguagem. Se um poema tem como assunto a própria escrita poética, estamos diante de um
metapoema.
Para além do livro ou do poema como matéria poética, a autora procura estabelecer
um diálogo com o leitor, colocando em análise as incertezas e desencontros no processo de
comunicação.
ESTRUTURA
Quanto à sua estrutura, a obra apresenta um poema de abertura (Ideias para um
livro), que pode ser lido como epígrafe*, seguido de quatro partes com núcleos temáticos
distintos:
Dedicatória
Cartografias: Esta parte pode ser lida a partir da temática amorosa, da tentativa do
encontro com o ser amado/desejado. Mas também podemos realizar uma leitura
metalinguística desta seção: a ideia do mapa é semelhante (!) à ideia do livro. Em ambos os
casos, temos tentativas de representar o mundo. Nessa perspectiva os sujeitos que se
procuram, que se aproximam pela imaginação sem que haja um encontro físico, podem
constituir uma metáfora da relação autor/leitor.
1
“O LIVRO DAS SEMELHANÇAS” - ANÁLISE
Cortar relações
e depois voltar-se
verificar se o que restou
suporta
remendo
demorar-se
sobre a cicatriz
do corte
O Livro das Semelhanças: A expressão que dá título à obra sinaliza que os temas
presentes ao longo do livro (de outras partes) serão retomados. O próprio livro, a linguagem
poética, as relações amorosas, os encontros e desencontros. O que confere unidade aos
poemas entre si é um aspecto peculiar da linguagem: os jogos de palavras, explorando
semelhanças sonoras ou ainda repetição de um mesmo termo, empregado em diferentes
sentidos.
Faca
Prisão antiga
fábula somente
cogitação imoderada
contentamento descontente
viva morte
2
“O LIVRO DAS SEMELHANÇAS” - ANÁLISE
deleitoso mal
o tirano
beijo tácito &
sede infinita
palavra inventada
para rimar com dor
coisa aprendida
nos poemas de amor
O TÍTULO
“O Livro das semelhanças” já expressa em seu título o teor metalinguístico da obra.
Além disso, destaca-se o jogo de correspondências (semelhanças) que se estabelecem:
- entre a linguagem e aquilo que ela representa;
- entre os poemas que se referem ao livro e o livro como objeto;
- entre os poemas uns em relação aos outros, devido à ligação temática proposta na
obra como um todo e nas partes em que o livro se divide;
- entre a autora e outros autores que ela cita ou parece emular (como Ana... Cristina
César, por exemplo);
- entre a autora e o leitor;
I
Uma antologia de poemas escritos
por personagens de romance
II
Uma antologia de poemas-
-epitáfios
III
Uma antologia de poemas que citem
o nome dos poetas que os escreveram
IV
Uma antologia de poemas
que atendam às condições II e III
3
“O LIVRO DAS SEMELHANÇAS” - ANÁLISE
V
Um livro de poemas
que sejam ideias para livros de poemas
VI
Este livro
de poemas
a) Este poema que antecede a parte chamada “Livro” parece imitar o processo de
concepção da obra, uma espécie de brainstorm em que são elaboradas várias
hipóteses até que surja a ideia a ser efetivamente desenvolvida no como livro de
poemas;
b) Chama a atenção a autorreferência no item VI, promovida pelo pronome
demonstrativo: “este livro de poemas”.
c) Assim como a obra em sua integralidade, “Ideias para um livro” se divide em
partes que estabelecem diferentes núcleos temáticos;
d) Uma característica do livro é o estabelecimento de relações entre os textos que o
compõem. Este poema emula essa teia de intertextualidades, propondo livros de
poemas organizados por temas em comum. Além disso, a ideia IV propõe uma
intersecção entre as ideias II e III.
e) A ideia V volta-se sobre si mesma, como num jogo de espelhos: “Um livro de
poemas que sejam ideias para livros de poemas”.
ELEMENTOS ELEMENTOS
CONTEÚDO
PRÉ-TEXTUAIS PÓS-TEXTUAIS
Primeiro poema
Segundo poema
Acidente O
encontro Tradução
Capa
Papel de seda Não
Nome do autor Índice remissivo
sei fazer poemas
Título Colofão
sobre gatos Boa
Dedicatória Contracapa
ideia para um
Epígrafe
poema Esconderijo
Poema de verão
Poemas reunidos
Último poema
“CAPA” E “CONTRACAPA”
4
“O LIVRO DAS SEMELHANÇAS” - ANÁLISE
Capa
Um biombo
entre o mundo
e o livro
Contracapa
Um biombo
entre o livro
e o mundo
Capa e contracapa são aqui representados como limites entre o livro, como universo
de palavras (semelhanças) e o mundo real. Nesse sentido, é interessante observar o poema
“Contracapa” como a passagem que se dá da primeira parte, “Livro”, para a segunda,
“Cartografias”, que trata de viagens, espaços. Uma passagem de um livro simulado para um
mundo real também simulado.
Título
Suspenso
sobre o livro
como um lustre
num teatro
DEDICATÓRIA
Dedicatória
5
“O LIVRO DAS SEMELHANÇAS” - ANÁLISE
EPÍGRAFE
Epígrafe
Primeiro poema
6
“O LIVRO DAS SEMELHANÇAS” - ANÁLISE
o dia
Último poema
SEGUNDO POEMA
Segundo poema
para Paulo Henriques Britto
7
“O LIVRO DAS SEMELHANÇAS” - ANÁLISE
ACIDENTE
Acidente
8
“O LIVRO DAS SEMELHANÇAS” - ANÁLISE
O ENCONTRO
O Encontro
9
“O LIVRO DAS SEMELHANÇAS” - ANÁLISE
Em “Não sei fazer poemas sobre gatos”, a autora cita em epígrafe a poeta Ana Cristina
Cesar: “Não sei fazer gatografia”. “Gatografia” é um neologismo criado por Cesar para
designar a arte de escrever como um gatuno, ou seja, roubando de forma sorrateira outros
textos. Fazendo paráfrases e paródias sem deixar claro, muitas vezes, quem é o autor com
quem se estabelece a relação de intertextualidade. Ana Martins Marques revela essa
semelhança com Ana Cristina Cesar e deixa uma pista para o próximo texto do livro: “Boa ideia
para um poema”, em que uma citação anotada em um caderno vira um poema: “pensei : se eu
não tivesse me lembrado de que a/frase não era minha/ela seria minha?/pensei : se eu me
lembrasse onde li todas as frases/que escrevi/alguma seria minha?”. Logo em seguida, surge o
poema “Esconderijo”, no qual encontramos uma epígrafe explicativa: “Involuntariamente
plagiado do poema “Os vivos devem ultrapassar os mortos”, de Robert Bringhurst [...]”.
O foco na linguagem persiste nesta terceira seção. Podemos lê-la como um único
poema que se fragmenta em estrofes numeradas, todas partindo de um lugar-comum da
linguagem. Interessante a transição dos lugares poéticos da seção “Cartografias” para a ideia
de lugar-comum.
A dinâmica ao longo das 14 estrofes é a mesma:
1- Inicia-se por um ditado popular ou por um expressão idiomática, usos cotidianos e
irrefletidos da linguagem metafórica
2- Desenvolve-se uma imagem poética surpreendente a partir de uma leitura literal
dessas metáforas gastas, ressignificando-as.
1
Quebrar o silêncio
e depois recolher
os pedaços
testar-lhes o corte
o brilho
cego
[...] 1
1
“O LIVRO DAS SEMELHANÇAS” - ANÁLISE
14
Quebrar promessas
e ao recolher os cacos
discerni-los
entre aqueles
do silêncio
quebrado
Por semelhança em relação à parte anterior, esta seção também se faz a partir de
jogos de palavras. O que confere unidade aos textos deste último segmento do livro é o
emprego de repetições, assim como o próprio título da seção repete o do livro. Observe:
Além da repetição das palavras, há, também uma reiteração de temas já trabalhados,
como a metalinguagem, viagens e mapas e relacionamentos afetivos. No poema acima,
destaca-se, como no livro todo, a reflexão sobre a palavra como representação.
Minas
Se eu encostasse
meu ouvido
no seu peito
ouviria o tumulto
do mar
o alarido estridente
dos banhistas
cegos de sol
o baque
das ondas
quando despencam
na praia
Vem
escuta
no meu peito
o silêncio
elementar
dos metais
Aqui a relação poética se faz pelo contraste. O interlocutor a quem se dirige o eu-lírico
carrega consigo, em seu peito, a agitação e o ruído do mar. Em oposição, o que se escuta no
peito do eu-poético é o silêncio elementar dos metais.
Como já vimos em outros poemas do livro, instaura-se uma ambiguidade acerca da
relação entre o eu-lírico e esse “você” a quem se refere. Seria uma relação amorosa? O convite
O modo como o seu nome dito muito baixo pode ser confundido com a palavra xícara
e como ele esquenta de dentro para fora
o modo como a palma das suas mãos se parece com porcelana trincada
A seguir, os objetos não preenchidos como a camisa e o sapato, ganham novo sentido
aos olhos do enunciador.
[...]
a camisa branca que você acabou de despir sempre me lembra um livro aberto ao sol
seus sapatos deixados na sala sempre me parecem ensaiar os primeiros passos de
[dança
numa versão musical para o cinema do seu livro preferido
[...]
o modo como os seus sonhos parecem os pensamentos de pessoas que sobreviveram
a um desastre de avião
parecem as lembranças de um ex-boxeador apaixonado
parecem os projetos de futuro de crianças muito pequenas
parecem os contos de fadas preferidos de ditadores sanguinários
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