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TNJ Apontamentos Resumos Versao AE Ana Patricia
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Sebenta
2020/2021
INDICE
1. Direito e cultura..................................................................................................................... 3
1. Equidade................................................................................................................................ 8
PRINCÍPIOS E NORMAS.......................................................................................................... 11
1. Normas ................................................................................................................................ 18
3. Destinatários ........................................................................................................................ 20
5. Características ..................................................................................................................... 21
7. Classificações ...................................................................................................................... 29
7. Proporcionalidade ............................................................................................................... 53
7. Análise de acórdãos............................................................................................................. 83
8. Resumo................................................................................................................................ 87
4. Analogia legis...................................................................................................................... 92
5. Limites................................................................................................................................. 93
7. Sistematizações ................................................................................................................... 94
2
Teoria da Norma Jurídica
Como se distingue o que está dentro do direito do que está fora do direito? Há um pré-
entendimento que se vai adquirindo e que vai permitindo integrar cada matéria para a qual se
pretende encontrar uma solução. Para integrar uma lacuna, tem-se de entender que determinada
matéria está dentro da esfera do direito.
1. Direito e cultura
Ex.: a pena de morte deixou de ser aplicada em Portugal durante 20 anos. Foi abolida pela
sua inutilidade. Perdeu a sua vigência por não ser mais aplicada, os tribunais não a aplicavam e,
no fim deste período, foi abolida. 7 anos depois, é abolida a prisão perpétua (1984) e, hoje em dia,
um partido político requisitou a reintegração desta norma no ordenamento jurídico português.
Conclusão: direito não é linear! Tem avanços e recuos. Nada se pode considerar, em todas as
circunstâncias, irrefutável. Devemos estar atentos a uma certa “arrogância” ocidental que tem
tendência para julgar que as suas soluções e valores de matriz judaico-cristã devem ser
disseminadas em todos os lugares. Há batalhas universais, como os direitos das mulheres, mas os
contextos sociais e culturais serão sempre diferentes.
O direito pertence às ordens normativas. Como é que distinguimos o direito das outras
ordens normativas? Como saber o que pertence ou não aos domínios do direito? Quando temos
3
Teoria da Norma Jurídica
uma consideração de outra ordem (ética, moral, religião) que consideramos que se devem
universalizar, o direito pode positivá-las.
A ideia de justiça é moldada ao longo dos séculos, assumida em cada momento e em cada
espaço com um certo grau de objetividade.
Ideia que em cada momento se tem da justiça e que o próprio Direito deve revelar.
Coercibilidade (?)
Numa sociedade que é imperfeita, em que as pessoas nem sempre cumprem o que é
imposto pelo ordenamento jurídico, é necessária pelo menos a ameaça de uma norma coerciva.
Porém, não é indispensável para que o direito exista. Ainda assim, há ainda normas que não
possuem uma face ou ameaça de coação virtual. Direito depende de uma força exterior, dada pela
organização do Estado e para a utilização da força, impondo o direito que reconhece como
vigente, mas o direito em si não depende dessa força ou coercibilidade, dependendo apenas da
ideia de direito e da ideia de Justiça. “O que é o direito” é uma construção da própria sociedade.
4
Teoria da Norma Jurídica
O direito só é valido se comportar ideia de justiça que lhe confere validade (Baptista
Machado). Exemplo – A Antígona de Sófocles – Antígona não obedece à lei positivada (“lei da
cidade”) para obedecer à lei divina e defender a sua fé e os seus deuses.
Assim, a coação não é inerente ao direito: o direito depende de uma força exterior,
legitimada pelo próprio direito, para garantir a sua vigência como direito. Mas não depende dessa
força no seu conteúdo, no seu ser: o seu conteúdo é determinado pela ideia de direito, ela própria
ligada à ideia de justiça.
5
Teoria da Norma Jurídica
SISTEMA JURÍDICO
1. Perspetiva sistémica
Segundo Kant, um sistema é uma unidade, sob uma ideia, de conceitos ou um conjunto
de conhecimentos ordenados segundo princípios. No Direito, seria uma ideia de Justiça ou de
segurança jurídica.
Para Canaris, um sistema é uma ordem axiológica ou teleológica (no sentido amplo) de
princípios gerais de direito. Um sistema existe para dar corpo a uma certa ideia de Direito ligada
à justiça (não pode ser um fim qualquer).
Finalidades valorativas – algo que procura alcançar valores, tributários da ideia de Justiça;
O sistema não é imposto à realidade nem criado externamente à realidade, mas sim uma
interpretação racional de uma realidade pré-existente;
Para Canaris, será melhor do que ter um sistema desordenado de normas, que acabariam
por ser desconexas;
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Teoria da Norma Jurídica
2. Perspetiva Tópica
O que interessa ao Direito não é procurar criar uma unidade sobre a realidade ou extrair
dela uma ordem pré-existente, mas sim olhar para os problemas em concreto e, com base neles,
ir discutindo e abordando o que mais fizer sentido em cada momento, para encontrar as melhores
soluções – que nascem dos melhores argumentos;
Esta perspetiva é importante para o legislador, para a lei que se vai construir;
Deve resolver atendendo que aquilo que está a utilizar para resolver os casos concretos
deve ter uma perspetiva de abstração e generalização;
Por vezes, atua quando o próprio Direito nos diz que devemos decidir com base na justiça
do caso concreto – a equidade – verificar à luz do caso concreto aquilo que mais sentido faz –
tendência individualizadora da justiça;
Equidade não enquanto critério normativo do caso concreto, mas enquanto forma de
resolver o problema concreto através da valoração, à luz da justiça do caso concreto.
7
Teoria da Norma Jurídica
“JANELAS” DO SISTEMA
1. Equidade
(art.º 4º CCiv)
É utilizada em situações-limite em que o direito não tem outra forma de preencher uma
lacuna ou intervir no caso concreto; casos em que uma aplicação estrita da lei levaria a casos de
iniquidade gritante.
Art.º 4 CC
A maior expressão da justiça num sistema de direito está no próprio Sistema Jurídico, o
que significa que, neste caso, também se deve ir buscar informação no mesmo sistema. O tribunal
fica desobrigado a aplicar formalmente as normas do sistema. No entanto, tal não quer dizer que
o tribunal não lhe esteja vinculado, uma vez que esse sistema é a expressão máxima da justiça e,
assim, há de influenciar a aplicação da justiça no caso concreto – apelo ao razoável, equilíbrio
entre as partes e à justa repartição de encargos entre as partes.
8
Teoria da Norma Jurídica
Se se aplicar equidade fora destes pressupostos, embarra-se no art.º 8º, nº2 do CC – juiz
não pode dizer que a lei não é justa ou que não serve, aplicando de acordo com a equidade.
Equidade não deve ser considerada fonte de Direito, pois diz respeito à particularidade
dos casos, o oposto àquilo que as fontes de Direito fazem – criar normas jurídicas com vocação
de generalidade e abstração, aplicadas a todos os casos análogos – a equidade traz, consigo,
imprevisibilidade – não pode servir como modelo de conduta e ação.
Juiz deve olhar mais para globalidade do conflito/interesses em presença e deve procurar
uma solução de acordo com a sensatez, ponderação, apelando ao razoável, ao equilíbrio entre as
partes e à justa repartição de encargos entre as partes- presentes no próprio ordenamento jurídico
formal.
9
Teoria da Norma Jurídica
São o quê?
São “válvulas de respiração” dentro da própria norma – permite que o Direito escrito
possa acompanhar uma certa evolução – não são a mesma coisa que a equidade – atendem a uma
norma mas porque não são determinados permitem que, em vários momentos diferentes da
vivência coletiva possam ganhar conteúdo diferente (conceitos indeterminados);
Trazem dificuldades?
Podem tornar mais incerta a aplicação do Direito... pelo menos até haver suficiente
densificação doutrinal e jurisprudencial.
Ex. de cláusula geral: Art.º 1781º, alínea d) – não abrangência de todas as situações de facto que
permitam a verificação da rutura definitiva do casamento.
10
Teoria da Norma Jurídica
PRINCÍPIOS E NORMAS
Exemplos:
11
Teoria da Norma Jurídica
Princípios: linhas orientadoras das quais não se retira uma norma diretamente aplicável –
ideias-chave que vão, a cada momento, ajudar a compreender ou densificar certas áreas do
Direito;
Papel operacional dos princípios não é unânime; Teixeira de Sousa – critérios normativos
que ajudam a resolver os casos concretos; há quem entenda que não se podem aplicar diretamente
ao caso concreto, necessitando de uma mediação, uma constelação de subprincípios com conteúdo
factual/descritivo que os torna aptos a interpretar casos (Batista Machado); diretriz para modelos
de decisão jurídica (Menezes Cordeiro);
• Não valem sem exceção – um princípio funciona para se conjugar com outros princípios;
• São válidos mesmo quando entram em contradição ou oposição entre si – é normal haver
num sistema princípios que se contradigam (por exemplo: segurança e justiça);
• Não têm a pretensão de exclusividade;
• Para se concretizarem, necessitam da concretização de subprincípios;
• Princípios apontam caminhos, resolução está nas normas.
12
Teoria da Norma Jurídica
❖ Princípios gerais são excessivamente abstratos para serem, por si só, critérios de
decisão, não sendo, por isso, normas, mas que, nos dão um indicativo que é
concretizado através de subprincípios (mediatização e função concretizadora) e
normas que são dotados de um conteúdo factual, descritivo, e, portanto, já servem
para resolver casos concretos (Batista Machado);
❖ Teixeira de Sousa – princípios funcionam enquanto normas, havendo 3 tipos de
princípios (pág. 419-420):
▪ Programáticos – imprimir rumos para concretizar determinados
objetivos; orientações para o legislador e para o ator político;
▪ Formais – são 3: Justiça (desdobra-se em Princípios da Igualdade e da
Proporcionalidade), confiança (desdobra-se do princípio de que deve
haver estabilidade do ordenamento jurídico e alterações à lei devem ser
justificadas objetivamente; ignorância da lei não justifica a sua violação;
não retroatividade da lei nova) e eficiência – desdobram-se, depois, em
princípios materiais (tutela da confiança, boa-fé, etc...);
▪ Materiais – maior número e muito mais concretos, desdobram-se nos
vários ramos de Direito.
• Baptista Machado, p.311: “Toda a elaboração doutrinal e todo o discorrer jurídico segue
esta tramitação sinuosa e “mediatizada” que logra, através das “traduções” e
diversificações contextualizadas do mesmo princípio jurídico, pôr a descoberto o seu
conteúdo ou virtualidade normativa e o alcance da sua eficácia vinculante. São, portanto,
predicados habilitantes do bom jurista não só o espírito do sistema como uma imaginativa
fértil e pronta, uma fantasia criativa e bem informada pela experiência da vida, capaz de
lhe figurar casos ou contextos situacionais que fecundem a sua ars inveniendi (arte de
inventar)” – juristas devem olhar para a realidade e ir percebendo os diferentes contextos
em que o mesmo princípio se pode aplicar e, de alguma forma, fazê-lo evoluir, de acordo
com o espírito do sistema, para dar resposta aos novos desafios – não é um agente passivo:
enquanto aplicador do Direito, somos chamados a ajudar na evolução do mesmo.
13
Teoria da Norma Jurídica
Apesar de esta distinção ter muitas fragilidades e de haver pontos de contacto entre ambas
as áreas ou de haver ramos do direito que não se enquadram em nenhuma, há alguma vantagem
na arrumação da matéria e na explicação da matéria – sem esta divisão, o ordenamento jurídico
ficaria mais pobre.
Esta distinção vem desde o direito romano (Justinianeu), havendo vários critérios, ao
longo do tempo, para os distinguir:
Superação da distinção?
uma lógica de desigualdade: os diferentes autores não estão numa mesma posição
– um deles está imbuído do seu Ius Imperii;
➢ No Direito Privado, está em causa uma lógica de liberdade – particulares podem
fazer tudo aquilo que a lei não proíba (princípio da autonomia privada) – não
significa caos: liberdade envolve legalidade ou, no mínimo, legitimidade; e de
paridade (com todas as limitações) – Direito Privado busca corrigir as
desigualdades para que as partes se encontrem em posições paritárias.
Direito Público:
Direito Privado:
➢ Direito Civil – Civil porque, na sua génese, se regulam situações entre cidadãos comuns,
particulares, em relações de paridade. Direito Privado comum, bastante neutro (do ponto
de vista político ou dos princípios) – organizar determinadas realidades de forma segura,
previsível e estável – aqui estão as ferramentas essenciais para compreender todos os
outros ramos do Direito e, quando as outras áreas do Direito não resolvem certos casos,
aqui estão as ferramentas para ajudar a resolver essas situações:
15
Teoria da Norma Jurídica
Casos especiais:
➢ Direito Penal;
➢ Direito Contraordenacional;
Interesses quer particulares, quer do Estado, mas uma “mão-pesada” de Ius Imperii que
se faz notar em ambos.
16
Teoria da Norma Jurídica
Ramos Emergentes:
17
Teoria da Norma Jurídica
A NORMA JURÍDICA
1. Normas
Considerem-se as frases:
As primeiras duas frases são declarativas, têm valor de verdade. As duas últimas frases
não têm valor de verdade (representam uma realidade), pelo que não se pode dizer se são
verdadeiras ou falsas – emitem juízos de valor.
Portanto, as duas últimas têm uma linguagem prescritiva, explicam o que tem de/deve
acontecer (juízos de valor) – são normas1.
Atendendo à norma “Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16
anos.” (Art.º 131º do Código Penal), verifica-se que há uma conexão entre o sistema jurídico e as
normas. Neste caso, o conceito de punição implica um juízo de valor negativo, uma vez que não
é simplesmente uma consequência, mas uma sanção.
1
M. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, pág. 201.
18
Teoria da Norma Jurídica
2. Normas jurídicas
Considerem-se as normas:
Todas as frases expressam normas, no entanto apenas as últimas duas são normas
jurídicas. Portanto, as normas em questão pertencem a ordens normativas diferentes.
Há a prática social de aceitar como critérios e normas jurídicas as normas que vêm
positivadas na Constituição e aquilo que esta estabelece como critérios para identificar a natureza
jurídica e a forma pré-determinada que a norma deve revestir.
A norma jurídica não é o texto da lei, uma vez que o texto tem de ser interpretado. Assim,
pode dizer-se que as regras jurídicas se revelam na fonte, através da interpretação4.
2
A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, pág. 139.
3
J. Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, pág. 493.
4
M. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, pág. 198.
19
Teoria da Norma Jurídica
A norma jurídica tem o mesmo conteúdo de normas sociais? Muitas vezes, sim! As
normas jurídicas devem (apesar de não ser estritamente necessário) refletir aquilo que são as
normas sociais, quando estas têm uma importância tal que justifique a sua positivação. No final
de contas, as normas jurídicas são normas sociais – são criadas por Instituições aceites pela
sociedade, como órgãos com o poder de criar e aplicar essas normas, algo que acontece sempre
dentro da sociedade.
3. Destinatários
Considere-se a seguinte norma: “quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão
entre 8 a 16 anos” (art.º 131 CP). Os destinatários primários são os cidadãos implícitos na previsão
– “se matar alguém, será...” – define a proibição de matar, assim como as consequências negativas
para quem o fizer. Os destinatários secundários são os juízes, agentes da polícia, entre outros, que
aplicam a lei – “quem mata outra pessoa deve ser...” – define a aplicação/posição da lei
(estatuição) perante a previsão confirmada.
Assim, o destinatário primário é a pessoa explicitada dentro da norma, que tem de fazer
a escolha ou a quem são aplicadas consequências perante atos que a violem.
20
Teoria da Norma Jurídica
Não se deve reduzir a norma ao texto da lei. A previsão tem de ser interpretada, sendo o
argumento literal apenas um dos argumentos que podem ser utilizados na atividade de
interpretação. Existe uma conexão, porém não é suficiente, uma vez que apenas a leitura do texto
não permite a compreensão total da norma.
Por vezes o foco da atividade jurídica é a norma em si. Para este efeito, considere-se o
exemplo do art.º 277 CRP – “são inconstitucionais as normas que infrinjam o disposto na
Constituição ou os princípios nela consignados” –, no qual o Tribunal Constitucional tem o poder
de estabelecer quando uma norma jurídica é inconstitucional.
5. Características
Hipoteticidade
Exemplo:
• “Se forem vários os autores, instigadores ou auxiliares do ato ilícito, todos eles
respondem pelos danos que hajam causado” (art.º 490 CC);
• Antecedente – “se forem vários os autores, instigadores ou auxiliares do ato
ilícito”;
• Consequente – “todos eles respondem pelos danos que hajam causado”.
5
M. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, pág. 216.
21
Teoria da Norma Jurídica
Notas: o antecedente não tem de ser uma conduta; em muitos casos, a consequência implica uma
sanção, mas não é necessariamente assim.
22
Teoria da Norma Jurídica
Generalidade e abstração
O entendimento de que as normas são gerais, pois não são individuais, e são abstratas,
pois não são concretas, é muito limitado.
O professor Santos Justo diz que as normas são gerais, porque se aplicam a uma categoria
abstrata de pessoas, não determinada no momento da sua elaboração; abstratas, porque não se
aplicam a um caso específico, mas a um número indeterminado de situações submissíveis à
categoria prevista6.
Generalidade:
6
A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, pág. 143.
7
J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pág. 91.
8
J. Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, pág. 505 ss.
9
J. Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, pág. 508 ss.
23
Teoria da Norma Jurídica
Abstração:
• Contratos:
➢ Podem ser gerais ou individuais; gerais, quando se trata de contratação coletiva,
por exemplo; individuais e concretos, quando são apenas vinculantes para as
partes, como no caso da compra e venda de imóvel;
➢ Podem ser concretos ou abstratos; concretos, quando são entre duas pessoas
específicas; abstratos, quando se referem a uma pluralidade indeterminada de
situações ou factos, ou quando se referem a uma categoria de situações (alguns
casos de direito do trabalho);
• Decisões dos juízes:
➢ Jurisprudência – decisão do caso concreto e individual; não tem poder
vinculativo;
➢ Acórdãos com Força Obrigatória Geral ou Acórdãos Uniformizadores de
Jurisprudência – poder de generalidade e abstração; conteúdo com força
vinculante (erga omnes);
• Normas Jurídicas Retroativas:
➢ De acordo com a do prof. Oliveira Ascensão, não são abstratas;
➢ Caso contrário, são.
24
Teoria da Norma Jurídica
Imperatividade
A norma “quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos.” (art.º
131 CP) exprime a ideia de que há algo que não se pode fazer, bem como a obrigação da punição
de quem o fizer por parte de um juiz.
Porém, nem todas as regras são imperativas, podendo ser normas retroativas, meramente
qualificativas, de efeitos automáticos e normas sobre normas. Tome-se como exemplo o art.º 122
CC, “é menos quem não tiver ainda completado dezoito anos de idade”.
Considere-se agora o art.º 875 CC – “sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato
de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado por escritura pública ou por
documento particular autenticado”. De acordo com esta norma, deve-se agir de certa forma (pré-
definida na lei) para se ver contrato validado e o desejo cumprido (norma técnica). Portanto, só
se é obrigado a agir de acordo com a norma se se pretender obter algo, caso contrário não há
obrigatoriedade do seu cumprimento.
Como solução deste problema, atendo ao facto de uma norma ter vários destinatários,
pode-se concluir que terá imperatividade obrigatoriamente, pelo menos, para o destinatário
secundário – um juiz confrontado perante um caso que contrarie uma norma deste tipo (técnica),
terá, por exemplo, de declarar um contrato inválido, se não for corretamente celebrado, como
previsto no artigo acima.
Coercibilidade
25
Teoria da Norma Jurídica
Este é um direito indisponível, pois a regra impõe esse direito e não se pode alienar ou
não dispor dele. Constitui uma forma de coercibilidade indireta – a norma atribui poderes
(direitos), criando deveres associados aos mesmos, e esses deveres serão coercivos.
Bilateralidade
Corresponde à relação de direitos e deveres que uma norma estabelece entre duas pessoas.
Para muitos autores, não é caraterística, porque não se verifica num conjunto assinalável de
normas.
Outro exemplo que levanta problemas é o crime de profanação de cadáver – não há uma
relação jurídica com um ser que não está vivo. Pode-se argumentar a relação com o respeito pelos
familiares do morto, mas será igualmente problemático.
Como há casos onde é difícil encontrar este elemento, a bilateralidade não se inclui na
definição de norma jurídica.
10
A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, pág. 146.
11
J. Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, pág. 511.
26
Teoria da Norma Jurídica
6. Regras e princípios
Não há um critério claro, de tipo formal, relacionado com a forma de como funciona o
raciocínio jurídico quando é baseado em princípios, que nos permita distingui-los de forma clara.
Há vários critérios que foram sugeridos, mas, no final, não conseguem distinguir de forma
absoluta entre regras e princípios.
27
Teoria da Norma Jurídica
• Falta de consequente – apesar de parecer que sim, verificam-se muitas situações nas quais
não é difícil encontrar consequentes (ou consequências) no princípio ou na falta de
aplicação do mesmo; assim este critério não permite distinguir de forma absoluta uma
regra de um princípio; os princípios (ou falta deles) podem tornar atos ou leis inválidas e
podem ter consequentes indiretos;
• Prima facie – há princípios que não estão sujeitos a ponderação; aplicam-se ou não são
passíveis de ser aplicados (ex.: o princípio da não-retroatividade da regra penal tem um
conteúdo bastante claro e objetivo); há também regras com a natureza de aplicação prima
facie, na aplicação de um consequente amplo (ex.: pena entre 8 e 16 anos – tem de se
considerar várias condicionantes para decidir a sanção mais justa no caso concreto);
conecta-se com a dificuldade de entender o conteúdo normativo de certas normas;
28
Teoria da Norma Jurídica
• Ponderação – nem sempre se verifica nos princípios e pode observar-se também nas
regras.
Solução:
7. Classificações
Modalidade deôntica
Classificação quanto à sua relação com a vontade dos seus destinatários12, por isso diz
respeito apenas a regras de conduta13. Distingue-se em:
12
A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, pág. 146.
13
J. Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, pág. 514.
29
Teoria da Norma Jurídica
Esta distinção, quando à incidência das normas, permite distinguir entre ordenamentos
mais desenvolvidos e mais primitivos (não no acesso negativo, mas no sentido de “mais simples”).
14
M. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, pág. 223.
30
Teoria da Norma Jurídica
Âmbito de aplicação
31
Teoria da Norma Jurídica
Eficácia própria
15
A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, pág. 150.
16
J. Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, pág. 517.
17
A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, pág. 153.
32
Teoria da Norma Jurídica
18
J. Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, pág. 519.
19
A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, pág. 152.
20
J. Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, pág. 520.
33
Teoria da Norma Jurídica
34
Teoria da Norma Jurídica
Consequente
Esta distinção faz mais sentido se aplicarmos não a uma norma singular, mas ao complexo
de normas que é aplicável à conduta.
• Normas injuntivas – as partes não podem decidir de forma diferente do que está
estabelecido pelo direito;
Exemplos:
➢ determinadas normas do regime do contrato de seguro “são
absolutamente imperativas, não admitindo convenção em sentido
diverso” (art.º 12 DL n 72/2008);
➢ “é nula a cláusula pela qual o credor renuncia antecipadamente a
qualquer dos direitos que lhe são facultados (…)” (art.º 809 CC);
➢ “os contratos celebrados sob a influência de alguma prática comercial
desleal são anuláveis (…)” (art.º 14 DL n 57/2008);
• Normas dispositivas e supletivas – aplicam-se se as partes assim o quiserem ou
não afastarem a sua aplicação; posição de vontade das partes quanto a essa
aplicação;
Exemplos:
➢ “Na falta de estipulação ou disposição especial da lei, a prestação deve
ser efectuada no lugar do domicílio do devedor” (art.º 772 nº 2 CC);
35
Teoria da Norma Jurídica
Muitas vezes, é o legislador que define se a norma tem um caráter injuntivo ou supletivo.
Quando isto não acontece, devem ser o juiz ou o jurista a refletir sobre a natureza imperativa,
injuntiva ou dispositiva, o que tem consequências muito importantes ao nível da aplicação do
direito – avaliação importante no âmbito do Direito Contratual.
Princípios
21
J. Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, pág. 526.
36
Teoria da Norma Jurídica
O ordenamento jurídico estabelece certas regras para resolver conflitos entre normas. Do
ponto de vista do âmbito de aplicação, podemos distinguir entre três tipos de conflitos:
37
Teoria da Norma Jurídica
38
Teoria da Norma Jurídica
Soluções:
❖ Proporcionalidade/ponderação;
❖ Princípio da adequação – as medidas restritivas devem revelar-se como um meio para a
prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens
constitucionalmente protegidos;
❖ Princípio da exigibilidade – o legislador só pode proceder de determinada forma, no caso
de não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato;
❖ Princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito – não poderão adotar-
se medidas excessivas e/ou desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos.
Exemplo: a lei proíbe a venda de bebidas alcoólicas a menores;
1. O objetivo é proteger a saúde dos menores;
39
Teoria da Norma Jurídica
2. Uma medida menos restritiva não seria suficiente, porque a capacidade de escolha dos
menores não é fiável;
3. A limitação da liberdade dos menores e dos comerciantes é justificada pelos benefícios
para a saúde dos menores.
Nota: o professor mandou ler o acórdão sobre a proporcionalidade (acórdão n.º 187/2001/T.
Const., pontos 15 a 24) e o acórdão sobre as lacunas de colisão (acórdão do STJ, ponto 6).
40
Teoria da Norma Jurídica
RACIOCÍNIO JURÍDICO
1. Argumentação e desacordo
➢ Argumentação – dar uma razão ou conjunto de razões dadas em apoio de uma ideia, ação
ou teoria (com relevância jurídica); tem de possibilitar resolver desacordos – opiniões
diferentes sobre o conteúdo de direito e, consequentemente, sobre os deveres, direitos,
etc., que os destinatários das normas têm;
➢ Desacordo – uma situação em que as pessoas têm opiniões diferentes ou uma
incapacidade de concordar; a questão é se esse desacordo pode ou não ser resolvido;
➢ Teoria Processual – define as condições de um discurso racional com vista a obter um
consenso sobre uma solução; o problema é que, na prática jurídica, em particular na
prática que se vê representada dentro dos acórdãos, o normal não é uma discussão
terminar com um consenso dos participantes, mas com uma dissensão entre eles; como
fundamentar a solução dada por um juiz a um problema prático onde as partes não
conseguem concordar?
• Racional – as razões de apoio a cada posição não são capazes de derrotar as outras
posições;
Exemplos:
Chouriço vs. Bacalhau – podemos dar razões em suporte de uma ideia, mas também
podemos dar boas razões em suporte de outra ideia; no final, será um desacordo racional,
razoável, baseado na impossibilidade de chegar a uma solução em que as razões em favor
da tese do chouriço sejam fortes o suficiente para derrotar a tese de que o bacalhau é
melhor;
Autonomia individual – âmbito cheio de desacordos racionais (inscrever na faculdade de
Direito ou de Engenharia; de praticar um desporto no lugar de outro...); são todos
desacordos racionais, não podemos estabelecer que o padel é claramente o melhor
desporto para praticar;
• Irracional - as razões de apoio a uma posição são capazes de derrotar as outras posições;
Exemplo: o autor prova que o réu lhe deve dinheiro e este último nega.
41
Teoria da Norma Jurídica
Prima Facie – a primeira intuição que podemos ter sobre este tópico é:
• entre os académicos sim – são difíceis de resolver, uma vez que existem boas razões para
sustentar ambas as posições na maioria dos casos;
• entre as partes não – são resolvidas pelo juiz, necessitando intervenção judicial.
• Por vezes, os desacordos entre as partes são razoáveis e os juízes exercem a sua
discricionariedade ao decidir;
Exemplo: o assassino é condenado a 10 anos de prisão; o promotor público pediu 12; o
arguido pediu 6 – solução intermédia;
• Os desacordos entre académicos também podem ser irracionais: têm uma função nobre
de esclarecimento sistemático e intelectual; porém, muitas vezes, estes pretendem ser
famosos, defendendo posições, mesmo quando estas deviam ser consideradas
“derrotadas” de um ponto de vista racional.
2.Observando os exemplos
42
Teoria da Norma Jurídica
➢ Factos:
Gisela comprou um bem online; depois de o receber, decidiu devolvê-lo; tenta fazê-lo
numa loja, mas é-lhe dito que 1) a devolução não pode ser feita na loja e 2) a caixa já fora
aberta, o que impossibilitaria a devolução;
Está-se perante um contrato de compra e venda;
Gisela é cliente particular.
➢ Principais passos do raciocínio:
Gisela tem o direito de arrependimento;
Gisela podia abrir a caixa;
O vendedor tem de comunicar a modalidade de exercício do direito de arrependimento –
falta um facto (conhecimento ou não do conteúdo do contrato relativamente às
modalidades de devolução do bem).
Esta distinção surge na ciência, na qual o contexto da descoberta relaciona-se com fatores
não científicos que possam ter influenciado o caminho dado a uma investigação, enquanto o
contexto da justificação está ligado aos raciocínios sobre evidências, resultados, construção de
hipóteses e teses.
43
Teoria da Norma Jurídica
Como pode a solução discricional dada pelo juiz não ser racional se resolve um desacordo
racional? O juiz pode, mesmo involuntariamente, decidir por motivos inaceitáveis e esconder este
facto por detrás da sua discricionariedade. Deve haver uma justificação racional por detrás da
fundamentação das decisões.
Silogismo jurídico
Exemplo:
22
M. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, pág. 447.
44
Teoria da Norma Jurídica
Este modelo centra-se na ligação entre as premissas e a conclusão. Esta, por sua vez,
assegura a coerência interna da decisão (se as premissas forem corretas, a conclusão/resolução
também o será). Ou seja, o elemento da subsunção garante a coerência interna.
Exemplo:
1) Quem matar deve ser punido com a punição P → premissa maior – norma
jurídica;
2) Manuel matou/não matou a vítima → premissa menor – factos;
3) Manuel deve/não deve ser punido com a punição P → conclusão – aplicação da
norma aos factos (subsunção).
Nota: subsunção = “qualificação jurídica dos factos” – encaixar os factos dentro da norma.
➢ Várias normas entram em jogo – há casos mais complexos que consideram várias normas
no raciocínio;
Em caso de homicídio, podem ser aplicadas múltiplas normas aos factos;
Exemplo:
23
M. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, pág. 450.
45
Teoria da Norma Jurídica
Uma mãe mata o seu filho de 2 anos; aplica-se o art.º 131 CP sobre homicídios ou o art.º
136 CP sobre o infanticídio (a mãe que matar o filho durante ou logo após o parto e
estando ainda sobre a sua influência perturbadora);
➢ A justificação da norma não vem antes da justificação dos factos – na prática, não se
alcança a premissa maior antes da premissa menor, e sim o contrário;
Exemplo:
Paula, a 3 de abril de 2018, estrangulou o seu filho de 2 anos. A perícia médico-legal
concluiu que ela estava a sofrer de depressão pós-parto. O art.º 136 CP estabelece que a
sua mãe deve estar “ainda sob a sua [do parto] influência perturbadora”. Este tribunal
considera que...;
24
M. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, pág. 462.
46
Teoria da Norma Jurídica
Este modelo enquadra-se melhor na estrutura das decisões judiciais, porém falha num
ponto importante – não dá suficiente relevância ao processo de identificação da norma N.
Hermenêutica jurídica
É de origem alemã, é uma extensão da hermenêutica geral (filosofia que estuda a teoria
da interpretação) e foca-se na construção da norma – identificação da norma aplicável ao caso.
Propõe-se que se distingam três momentos principais no processo para alcançar a resposta
a uma pergunta jurídica:
• Pré-compreensão (Vorverstandnis)
Para ser possível compreender X, é necessário formar um pré-juízo sobre X (o
que se pretende compreender. Por isso, o intérprete, quando tem de responder a
uma pergunta jurídica, não formula a resposta partindo do 0; terá sempre algum
conhecimento anterior que representa o ponto de início da reflexão sobre a
solução que o caso deve receber.
Isto distingue a hermenêutica da linguagem comum, dado que a pré-compreensão
que se tem do caso não é negativa (≠ preconceito), é antes uma necessidade
prática (que decorre sempre). Não é possível refletir sobre o entendimento de um
texto partindo do nada.
47
Teoria da Norma Jurídica
• Conclusão
Está mais perto do processo de descoberta do que do processo de justificação.
Corolários por Teixeira de Sousa em relação a este modelo da hermenêutica jurídica (conexão
quase evidente, muito forte, entre o modelo e estas consequências):
➢ A fonte não tem, em si mesma, nenhum significado, pois este depende dos casos a que
ela é ou não aplicável.
Crítica: a interpretação da fonte é o resultado da atividade interpretativa – pode ter em
conta os factos, mas isso é tudo. Não podemos dizer que a fonte é vazia de significado, já
que o significado gramatical da fonte é o ponto fundamental no início do processo
interpretativo.
➢ Entre a fonte e a regra só se interpõe os casos: a fonte é o modo de revelação da regra e
esta revela-se através da aplicação da fonte a casos.
Crítica: a fonte é um dos elementos a ter em consideração para identificar a norma, mas
existem muitos mais e muito variados. Vamos ver que há vários elementos (no processo
de identificação da norma) que se interpõe entre a fonte e a regra, que não têm só a ver
com o caso. Ao dizer isso, está a ser demasiado redutor.
48
Teoria da Norma Jurídica
Tudo o que está exposto acima tem como ponto central de interesse o raciocínio do juiz
para descobrir a solução do caso e justificar essa decisão. Um limite destes modelos é que, pelo
menos explicitamente, não refletem nem levam em conta o papel das partes no processo que
envolve a identificação da solução do caso.
As partes têm um papel muito importante na identificação dos factos e das normas –
fornecem argumentos e sugestões sobre como interpretar o direito (normas) e também fornecem
provas (factos). Portanto, participam no processo de construção das justificações externas.
As partes não têm um papel completamente autónomo nestas questões, uma vez que o
juiz tem, parcialmente, o poder de ampliar a questão jurídica que deve ser considerada (como a
nulidade do negócio jurídico), mas a ideia geral é de que as partes têm um papel muito importante
no processo de construção das premissas e de identificação do problema.
➢ Iura novit curia – "o Direito é conhecido pelo tribunal", isto é, as partes, numa disputa
legal, não precisam de provar a lei que se aplica ao seu caso; a responsabilidade, dentro
do processo, de identificar o direito aplicável ao caso, é do juiz; as partes podem tentar
influenciar o entendimento do juiz sobre o caso, mas a responsabilidade final de
identificar a lei aplicável é do juiz;
➢ Reconhecimento ex officio – em alguns contextos, há normas que devem ser aplicadas
inclusive quando isso não foi pedido pelas partes (maior exemplo será a declaração de
nulidade de um negócio jurídico pelo tribunal).
49
Teoria da Norma Jurídica
Uma forma de dar um papel às partes dentro do raciocínio do juiz é, por exemplo, quando
estas contribuem para a pré-compreensão do primeiro. Assim, quando inicia o seu raciocínio sobre
o caso, parte das razões e conhecimentos anteriores para resolver o caso, são os argumentos dados
pelas partes no decurso do processo.
➢ Interpretação da lei;
➢ Integração da lei – há casos onde não há uma norma que possa ser identificada através da
interpretação de um texto; nestes casos, há técnicas para identificar a norma, partindo de
outras normas;
➢ Relação entre normas;
➢ Critérios não normativos – ideia introduzida por Teixeira de Sousa.
➢ Cumulação de normas – é aplicada mais do que uma norma ao mesmo tempo para se
decidir um caso (pode ser necessário); todas elas definem diferentes efeito jurídicos
compatíveis entre si25; acontece com frequência, pois é difícil que um caso seja decidido
com a aplicação de uma única norma;
➢ Concurso de normas – normas diferentes levam à mesma consequência jurídica; ocorre
com menor frequência;
Exemplo: situação onde o réu pode ser considerado responsável por responsabilidade
contratual e responsabilidade extracontratual, e em ambos os casos se pede o
ressarcimento do dano (num caso, com as normas sobre o contrato e noutro sobre as
normas sobre a sociedade civil); neste caso tem de se escolher entra a aplicação de uma
OU outra norma;
➢ Conflito entre normas – normas diferentes conduzem a diferentes consequências legais;
só uma pode ser aplicada ao caso, porque são incompatíveis entre si.
25
M. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, pág. 417.
50
Teoria da Norma Jurídica
Deste modo, trata-se de uma escolha (conflito) entre confiança e justiça. Ao resolver um
caso com base em critérios normativos, a solução torna-se previsível (já mais confiança nesta),
porém é, provavelmente, menos justa. Em contrapartida, a utilização de critérios não normativos
torna a solução mais imprevisível (menos confiança), mas mais justa, por ter em conta as
particularidades do caso concreto.
Note-se que a ideia, de que há um conflito onde o critério da justiça prevalece, supõe uma
capacidade de decisão do juiz muito otimista; de que ele terá a capacidade, quando julgar pela
equidade, de identificar a solução certa para o caso. Estes critérios são vagos e concedem uma
autoridade significativa ao juiz. Pode-se aplicar o mesmo noutros casos (exemplo da boa fé e do
tempo razoável).
Não são critérios jurídicos? Se a decisão de julgar por discricionariedade ou por equidade
é baseada em considerações sobre o relacionamento entre os princípios da confiança e da justiça,
os quais são princípios jurídicos, a decisão tomada no contexto destes casos é uma atribuição de
poder assente em critérios jurídicos (neste caso, princípios). Portanto, a fonte dá ao juiz a
discricionariedade e a opção de julgar por equidade → são sempre critérios normativos.
Acrescenta-se ainda que o dever de fundamentar a decisão mantém-se.
6. Lacunas de colisão
“Entende-se por lacuna a ausência duma norma jurídica que permita resolver uma
situação da vida social que reclama uma solução jurídica”27.
26
M. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, pág. 413.
27
A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, pág. 349.
51
Teoria da Norma Jurídica
1 – Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos
casos análogos.
52
Teoria da Norma Jurídica
Assim, uma lacuna de colisão “surge, quando várias normas jurídicas contraditórias
disciplinam uma determinada situação e, na falta de um critério que afaste o conflito, nenhuma se
aplica. Aquele espaço jurídico, à primeira vista duplamente ocupado fica desocupado”28.
7. Proporcionalidade
O acórdão n.º 187/2001/TC tem uma conexão com o art.º 18 n.º 2 CRP:
28
A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, pág. 351.
53
Teoria da Norma Jurídica
Na questão “Estado Legislador vs. Estado Administrador”, fica a ideia de que têm
diferentes parâmetros de discricionariedade. Assim, no entendimento do TC (ponto controverso),
é exprimida a ideia de que o Estado como legislador merece um grau de respeito e confiança
maior do que o respeito dado ao Estado enquanto administrador (pelo menos neste acórdão).
Em princípio, o Tribunal não deve substituir uma sua avaliação da relação social e
economicamente complexa, entre o teor e os efeitos das medidas, à que é efetuada pelo legislador,
e que as controvérsias geradoras de dúvida sobre tal relação não devem, salvo em erro manifesto
de apreciação, ser levadas em conta pelo Tribunal Constitucional.
Conclui-se, então, que o regime legal em questão, por ser razoável supor que garante de
forma mais perfeita ou evita possíveis riscos para o interesse de saúde pública que visa proteger,
não se funda num manifesto erro de apreciação do legislador quanto à sua adequação e
necessidade.
Logo, o regime legal não é inadequado nem desnecessário para a finalidade de garantir a
independência profissional do farmacêutico. Também é este o caso das finalidades – como a
consciencialização, vinculação deontológica e responsabilização tanto do proprietário como do
diretor técnico, ou o controlo das concentrações no domínio da comercialização de produtos
farmacêuticos – que diretamente se prendem com a propriedade da farmácia.
54
Teoria da Norma Jurídica
O raciocínio jurídico sobre os factos tem como finalidade provar os factos dentro do
processo. Portanto, as provas visam demonstrar a realidade dos factos.
As decisões judiciais são baseadas na verdade? Não, baseiam-se no que foi provado e as
provas podem não corresponder à verdade.
55
Teoria da Norma Jurídica
29
M. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, pág. 444.
30
M. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, pág. 445.
56
Teoria da Norma Jurídica
surpreendente se liga à existência de outro facto, se este for provado (o último) será mais
fácil formular e argumentar a existência do primeiro perante um juiz;
• Exemplo do prof. – Lisboa, 3 da manhã, ouvem-se gritos agitados a partir do
último andar. Chama-se a polícia, que bate à porta, ninguém responde. “Abram
a porta”. Silêncio. A polícia, exercendo o seu poder, arromba a porta. A porta
abre-se, cena horripilante. O corpo da filha está na lareira, estrangulado, e a mãe
foi decapitada! Não se encontra o que poderá ter sido utilizado para decapitar a
mãe. A polícia inicia a investigação. Observam a sala e ouvem os vizinhos. A
senhora é viúva.
57
Teoria da Norma Jurídica
INTERPRETAÇÃO DA LEI
1. Observações gerais
Como já foi dito, a fonte não é a regra, apenas o modo de revelação desta. O professor
Oliveira Ascensão distingue três processos fundamentais “mediante os quais se poderão
determinar regras, a partir das fontes existentes” 31 . São eles a interpretação, a integração de
lacunas e a interpretação enunciativa.
Portanto, a disposição e a norma estão ligadas por argumentos interpretativos. Estes são
argumentos que justificam a asserção "a disposição D exprime a norma N" e, deste modo,
apresentam teses sobre o sentido certo do texto. A disposição poderá ser depois aplicada ao caso
concreto – conecta-se a disposição e a norma por trâmite de argumentos interpretativos.
31
J. Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, pág. 382.
58
Teoria da Norma Jurídica
A expressão In claris non fit interpretatio quer dizer que o significado da fonte é claro.
Há precedentes históricos segundo os quais não se deveria proceder à interpretação nesta situação:
32
M. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, pág. 338.
59
Teoria da Norma Jurídica
2. Argumentos interpretativos
Gramatical
Tem uma função negativa, pois afasta a interpretação que não tenha uma base de apoio
na letra da lei; uma função positiva, na qual dever-se-á ter presente a suposição de que o legislador
soube exprimir corretamente o seu pensamento (significado técnico-jurídico), onde assume um
sentido próprio ou peculiar (significado especial) e dir-se-á que o legislador se dirige a todos os
cidadãos e é necessário que o entendam (significado fixado pelo uso geral da linguagem)34.
Alguns elementos não são importantes, como distinções entre singular/plural ou géneros.
Problemas:
• Linguagem jurídica vs. linguagem técnica vs. linguagem corrente – geram conflitos e
problemáticas de interpretação, consoante os contextos em que são empregues certos
termos;
Exemplo: certa palavra pode ter um significado jurídico diferente do seu significado
técnico);
• Ambiguidade;
• Vagueza – obscuridade, porosidade;
Exemplo: conceito da boa-fé – seria difícil entender o significado gramatical da proibição
de ter um comportamento contrário à boa-fé.
33
M. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, pág. 352.
34
A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, pág. 337.
60
Teoria da Norma Jurídica
61
Teoria da Norma Jurídica
➢ Terreno de cultura arvense de regadio, sito no Lugar de ..., freguesia de X, concelho ...,
com a área de 1020 m2, a confrontar a norte com caminho vicinal, sul e nascente com M.
C. e poente Igreja;
➢ Definição do CC – art.º 204 nº 2 – entende-se por prédio rústico uma parte delimitada do
solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia, e por prédio urbano
qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe serviam de logradouro;
➢ Resposta do tribunal – o Código Civil não fornece um conceito de prédio, pelo que o
mesmo terá de ser obtido pelo elemento comum às noções dadas no art.º 204 nº 2 CC;
esse elemento comum é “uma parte delimitada do solo”;
➢ Argumentação gramatical baseada em linguagem jurídica – juiz analisa os dois conceitos
de prédio rústico e urbano com o elemento gramatical do art.º 204 nº 2 CC e retira um
elemento comum entre o terreno e o conceito de “prédio rústico”. Dessa forma, vemos
uma definição muito longe da linguagem comum, porque o conceito de prédio é o terreno,
e não um “edifício”, como entenderíamos comummente;
➢ Referência à linguagem comum, para manter a distinção entre a linguagem jurídica e a
linguagem comum – não suporta a interpretação, mas diz-nos que não podemos utilizar a
linguagem comum para interpretar o art.º 4 CC.
Teleológico
Este elemento diz respeito à finalidade da lei e que justifica a vigência da mesma 35 .
Dirige-se ao objetivo que a norma pretende atingir. É, portanto, um elemento racional, ratio legis,
razão da lei, espírito da lei.
35
M. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, pág. 367.
62
Teoria da Norma Jurídica
• Subjetiva – o que o legislador histórico queria alcançar ao escrever aquela norma; baseado
em factos, textos de norma, a finalidade da norma mais abrangente, que são conectados à
vontade do legislador histórico;
• Objetiva – o que o legislador racional (bem informado sobre novos factos e tendo em
consideração todos os princípios relevantes) deve ter querido alcançar, diferentemente
daquilo que efetivamente alcançou; melhor entendimento da função daquela norma
dentro do ordenamento jurídico; forte conexão entre o argumento teleológico em versão
objetiva e o argumento sistemático;
• Negativa – o que o legislador, obviamente, não queria alcançar.
63
Teoria da Norma Jurídica
Sistemático
Assim, o significado de uma lei resulta normalmente do seu contexto (sistema onde se
insere). Desta forma, visa-se assegurar que nenhuma fonte seja interpretada em divergência com
o sistema, construindo-se uma unidade do sistema jurídico.
“O elemento sistemático impõe uma interpretação sistemática, mas não garante que o
resultado seja uma interpretação conforme ao sistema, dado que é possível que o intérprete
conclua que nenhuma interpretação da lei é suscetível de assegurar a conformidade com o
sistema”.
36
M. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, pág. 359 e ss.
64
Teoria da Norma Jurídica
65
Teoria da Norma Jurídica
Histórico-Evolutivo
37
M. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, pág. 357 e ss.
38
J. Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, pág. 412 e ss.
66
Teoria da Norma Jurídica
os outros que entretanto passem a estar, não se vislumbrando ser possível considerar que
os seus destinatários sejam unicamente os primeiros, já que todo o universo de reclusos
no presente momento continua identicamente em situação de poder ser afetado ou
potencialmente poderá sê-lo pela situação de pandemia que ainda legitima a manutenção
da vigência da referida lei;
Exemplo de um argumento histórico baseado em aspetos objetivos – a occasio legis
mantém a sua importância, o que justifica a interpretação extensiva da norma.
De autoridade
É um subtipo do argumento evolutivo. Este tipo de argumento não recebe uma grande
relevância nos manuais. Tem, no entanto, um papel importante dentro dos acórdãos.
Exemplo – PIE:
➢ “Assim o entendem Menezes Cordeiro (14) e Leal Amado (15); e este Supremo Tribunal,
em recente acórdão, adotou o mesmo entendimento (16)”;
➢ A justificação da interpretação é dada simplesmente pela opinião da autoridade que
exprime essa opinião → doutrina e jurisprudência → mero argumento de autoridade.
3. Resultados interpretativos
Quando se confronta o que resulta da letra da lei (dimensão semântica) com o seu espírito
(dimensão pragmática), verifica-se que pode haver ou não coincidência. Consoante o resultado,
pode-se chegar à interpretação declarativa, reconstrutiva (extensiva ou restritiva), corretiva,
enunciativa, redução teleológica e revogatória ou ab-rogante.
Declarativa
De acordo com a influência dos elementos não literais para a compreensão do significado
literal da lei, pode distinguir-se entre uma interpretação declarativa39:
39
M. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, pág. 374.
68
Teoria da Norma Jurídica
Pode uma interpretação declarativa ser justificada por argumentos gramaticais? Claro que
sim. Tudo o que importa é que o resultado da interpretação, mesmo que fundamentada noutros
tipos de argumentos, está dentro do sentido literal da disposição.
Reconstrutiva extensiva
Tem-se uma interpretação reconstrutiva sempre que o significado literal pode não
coincidir com o espírito da lei e, assim sendo, é necessário “reconstruir o significado da lei a partir
do seu texto com apoio no seu espírito”40.
Exemplo: a proibição da venda de pais ou avós a filhos ou netos deve estender-se à venda
a genros e a noras42.
Reconstrutiva restritiva
40
M. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, pág. 374.
41
M. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, pág. 375.
42
A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, pág. 345.
43
M. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, pág. 377.
69
Teoria da Norma Jurídica
Corretiva
Dá-se quando é necessária a correção da norma, está-se perante uma interpretação contra
legem sed secundum ius. “Pode manifestar-se tanto na aplicação da lei a um caso que ela exclui,
ou seja, na eliminação de uma exceção prevista na lei, como na não aplicação a lei a um caso que
ela abrange, isto é, na construção de uma exceção não prevista na lei”45.
Aparece referida em certas fontes doutrinais como uma forma mais forte da interpretação
reconstrutiva. É difícil, na prática, entender o que “mais forte” ou “mais fraco” significa, por isso
tem pouca utilidade prática.
Enunciativa
Consiste em identificar normas que estão implícitas noutras normas. Por exemplo, se é
proibido dirigir a 130 km/h na ponte 25 de abril, também é proibido dirigir a 150 km/h. A última
ideia seria uma interpretação enunciativa.
Não é estranho recavar uma norma que não tem uma clara conexão com o texto da lei?
Faria muito mais sentido falar numa integração da lei – este conceito também será, na prática,
desnecessário e confuso (quanto ao que se entende por interpretar uma disposição).
44
A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, pág. 347.
45
M. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, pág. 382.
70
Teoria da Norma Jurídica
Redução teleológica
Revogatória ou ab-rogante
4. Hierarquias interpretativas
46
J. Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, pág. 427.
47
A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, pág. 347.
71
Teoria da Norma Jurídica
Exemplos:
• Itália – na aplicação da lei, nenhum outro significado lhe pode ser atribuído para além do
que se manifesta pelo significado próprio das palavras de acordo com a ligação entre elas,
e pela intenção do legislador;
• Corte Constitucional Italiana – o carácter derrogatório do princípio da igualdade, típico
das normas que consagram as prerrogativas dos órgãos constitucionais, impõe uma ...
interpretação estrita das disposições relativas. Portanto, tanto a interpretação extensiva
como a análoga são excluídas, mas a interpretação sistemática, que permite uma
reconstrução coerente da ordem constitucional, continua a ser possível e mesmo
necessária;
• Tribunal de Justiça da União Europeia – a interpretação de uma disposição do direito da
UE exige que se tenha em conta não só a sua redação e os objetivos que persegue, mas
também o seu contexto legislativo e as disposições do direito da UE como um todo. As
origens de uma disposição do direito da UE podem também fornecer informações
relevantes para a sua interpretação (C-673/17).
1 – A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos
textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema
jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do
tempo em que é aplicada.
2 – Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que
não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que
imperfeitamente expresso.
72
Teoria da Norma Jurídica
Mais complexidade:
➢ É pela natureza excecional das leis de amnistia que elas «não comportam aplicação
analógica» (art.º 11 CC), sendo pacífico e uniforme o entendimento da doutrina e da
jurisprudência de que, pela mesma razão, não admitem as leis de amnistia interpretação
extensiva ou restritiva → «devendo ser interpretadas nos exatos termos em que estão
redigidas».
• Um tipo particular de normas excecionais não tem proibição de interpretação
analógica, também é proibido chegar a um resultado que não seja declarativo;
• Ideia de que a capacidade do legislador de criar hierarquias interpretativas é
limitada, pois a doutrina e a jurisprudência também têm um papel muito relevante
neste contexto.
Dois grandes grupos: argumento literal (norma literal e o seu texto) e argumentos lógicos
(histórico, sistemática e teleológico). Deve-se ver se há compatibilidade entre a norma literal e os
argumentos lógicos a elas associados, resultando (passe-se a redundância), nos resultados
interpretativos.
73
Teoria da Norma Jurídica
Caso Prático I
A Adriana e o Bruno, namorados e estudantes da Nova School of Law, estão prestes a ser pais
de Clara. Suponha que Adriana, ao ler as normas que regulam o ensino superior, deparou-se
com uma norma que estipulava o seguinte:
a) A Adriana, após ler o diploma, chegou à conclusão de que apenas as grávidas e mães
cujos filhos tenham até três anos de idade gozam deste direito. Qual foi o resultado da
interpretação da lei a que chegou a Adriana?
Resposta:
A Adriana chegou a uma interpretação extensiva da lei, uma vez que a norma exprimida
pela lei tem um âmbito de aplicação mais amplo do que aquilo que é expresso pelo
significado gramatical da disposição. O resultado da interpretação é mais amplo do que
o significado literal da lei. A Adriana concluiu que o legislador disse menos do que aquilo
que quereria dizer, ou seja, será necessário acrescentar algo à própria norma para refletir
aquilo que o legislador queria impor.
b) Suponha agora que Clara nasceu e que Bruno, fustigado com as horas de sono perdidas,
dirigiu-se presencialmente, com Clara ao colo, aos serviços académicos da Faculdade
para se inscrever na época especial com base naquela norma. Poderia?
Resposta:
Sim, realizando-se uma interpretação extensiva. A razão de ser da norma é facilitar ou
garantir que as pessoas que tenham filhos tenham direito a realizar exames em época
especial. Dever-se-ia ler “grávidas, mães e pais”, de forma a respeitar também o princípio
da igualdade.
c) Desconsidere as respostas dadas nas alíneas anteriores e suponha que, para acabar com
as dúvidas sobre a aplicação daquela norma, a Assembleia da República aprovou uma
nova lei que fixa o sentido e o alcance a dar àquela norma, poderia? Essa lei teria efeitos
retroativos?
74
Teoria da Norma Jurídica
Resposta:
Seria uma lei interpretativa. Poderia fazê-lo (art.º 13 nº 1 CC), poderia promulgar uma lei
que viesse dizer o alcance e o sentido, pela hierarquia que também existe entre
regulamentos e leis. Porém, não teria efeitos retroativos, pois poderia frustrar expetativas
formuladas legitimamente (a não ser que esta seja mais favorável que a anterior).
Caso Prático II
A Anabela foi candidata à Presidência da República nas eleições presidenciais de 2021. Anabela
era uma candidata pouco conhecida do grande público e sentia-se injustiçada por não ter sido
convidada para participar nos debates agendados pelas estações de televisão e rádio pretendiam
realizar.
A Anabela fazia frequentemente diretos nas redes sociais a criticar a opção tomada,
argumentando ter sido vítima de uma estratégia concertada entre todos (i.e., candidatos e estações
de televisão e de rádio) para impedir que Anabela expusesse a sua capacidade de oratória e
ganhasse os votos necessários para ser eleita a primeira Presidente da República Portuguesa.
Após um dos diretos, Belmiro, advogado, chamou à atenção de Anabela de uma norma de um
diploma legislativo que prevê a aplicação de uma coima às publicações informativas que não
tratem em igualdade de condições todos os candidatos presidenciais.
Suponha que a norma em causa corresponde a dois novos números do artigo 46.º do Decreto-Lei
n.º 319-A/76, de 3 de maio, dispondo o artigo do seguinte modo:
Artigo 46.º
1 – Todas as candidaturas têm direito a igual tratamento por parte das entidades públicas e
privadas, a fim de efetuarem, livremente e nas melhores condições, a sua campanha eleitoral.
Em face desta disposição normativa, Anabela participou das estações de televisão e de rádio em
causa junto da Comissão Nacional de Eleições. A Comissão Nacional de Eleições sancionou as
75
Teoria da Norma Jurídica
Resposta:
Começando pelo argumento gramatical, como diz no artigo 9.º CC, a letra da lei mostra
que a ação por parte das televisões não foi correta. O argumento sistemático, neste caso,
relaciona-se com a igualdade. O argumento teológico é o ratio e serve para que as
candidaturas sejam iguais.
Por isso, sim, porque, ao abrigo desse decreto, a Anabela não terá sido tratada de forma
igual com todos os outros candidatos, sendo violado tal decreto-lei. O valor não sei
precisar, mas sendo que foi uma contraordenação, a imposição de uma coima não é algo
incorreto e que não decorra implicitamente do disposto na alínea 3.
Tem-se. deste modo, de fazer uma interpretação extensiva porque é preciso ir além de
publicações informativas, e o legislador devia ter querido dizer mais do que o que está na
letra da lei.
Resposta:
Não poderia ser alvo de uma coima, porque a sua publicação no Facebook não é uma
publicação informativa. Aqui o que tenha o mais relevante é o literal e teológico.
76
Teoria da Norma Jurídica
Resposta:
Não regula isto, mas sim para a presidência, (teológico e sistemático) e portanto não
interessa.
O Alberto, licenciado pela Nova School of Law, é um estagiário muito dedicado num escritório
de advogados em Lisboa. Certo dia, por ter deixado passar um prazo judicial muito importante,
teve uma conversa muito desagradável com advogados mais velhos, perplexos com a sua falha.
Alberto, desgostoso e infeliz, decidiu almoçar num parque perto do escritório. Suponha que o
Regulamento Municipal dos Parques e Jardins do Concelho de Lisboa contém a seguinte
disposição:
Artigo X
Interdições
1 – Nenhuma pessoa deve utilizar qualquer área ou instalação dos parques e jardins municipais
para qualquer função que não seja para a finalidade para a qual foi concebida, dedicada ou para a
qual foi concedida uma utilização especial pelo serviço responsável pelos espaços verdes.
a) Fazer uso da água e energia elétrica para fins diferentes daqueles para que estão
facultadas;
b) Permanecer após o seu horário de encerramento, caso exista, salvo nos casos devidamente
autorizados pela Câmara Municipal e Lisboa, através do serviço de espaços verdes;
c) Alimentar animais ou introduzir qualquer espécie animal com o intuito de permanência
efetiva nos parques e jardins, autorização prévia da Câmara Municipal do Lisboa, através
do serviço de espaços verdes, mediante consulta ao Gabinete Veterinário;
d) Passear com animais de estimação sem trela e açaime funcional (no caso das raças
identificadas na legislação nacional em vigor);
e) Matar, ferir ou apanhar quaisquer animais que tenham o seu habitat natural ou que se
encontrem habitualmente nestes locais;
f) Retirar ninhos ou peixes e mexer nas aves que neles se encontrem;
g) Acampar ou instalar qualquer acampamento;
h) Dormir e pernoitar;
i) Fazer fogueiras ou acender braseiras;
77
Teoria da Norma Jurídica
(…)
a) Suponha que Alberto, já saciado e angustiado, adormeceu por uns minutos no relvado.
Pode Alberto ser sancionado nos termos prescritos pelo Regulamento? Justifique.
Resposta:
Art.º X nº2 h);
Alberto adormeceu no parque;
Elemento literal: DORMIR E PERNOITAR (não tem um significado próprio e é
insuficiente);
Elementos lógicos:
• Sistemático: a epigrafe “interdições”; há um quadro normativo que regula este
facto; esta norma só pode ser utilizada para os fins para que foi concebida;
• Histórico: o que esteve na origem da criação desta norma; foi criada para evitar
que pessoas pernoitassem no parque;
• Teleológico: existe para regular a utilização dos parques.
Nos casos não se pode utilizar apenas o sentido literal, tem de se utilizar também o sentido
lógico para uma compreensão completa. Pode-se encontrar um elemento sistemático, por
existir um diploma que tem um conjunto de normas jurídicas aplicáveis ao caso; tem um
elemento histórico, pois houve debates sobre necessidades de criação deste diploma; e
um elemento teológico que mostra o que fez estar aqui este diploma, que neste caso, foi
regular a utilização do parque. Pode-se interpretar de muitas formas, mas a mais óbvia é
que “Dormir e pernoitar” (sentido literal), se encontram na mesma alínea e a palavra “e”
faz crer que dormir e pernoitar têm uma razão de ser semelhante. Logo, aqui, o caso do
Alberto não foi pernoitar, foi um mero adormecimento de Alberto. O legislador só quis
dizer que não podia dormir profundamente e pernoitar no parque, mas nada se refere a
estes pequenos acontecimentos como adormecer por uns minutos. Falamos assim de uma
interpretação restritiva.
78
Teoria da Norma Jurídica
b) Suponha agora que Alberto, prestes a regressar ao escritório, foi interpelado pela Polícia
Municipal por estar a fumar um cigarro eletrónico. Comente.
Resposta:
Art.º X nº2 l);
Alberto fumou um cigarro eletrónico;
Quando o diploma foi aprovado não havia cigarros eletrónicos;
Interpretação extensiva: fumar estende-se para cigarros eletrónicos;
Sendo que no artigo X alínea l) se dispõe que é proibido fumar nos parques infantis, e
assumindo que Alberto se encontra num parque infantil, só se dará foco ao ser proibido
ou não fumar cigarros eletrónicos nesse local. Outros elementos que se encontram são,
por exemplo, o elemento teológico, que mostra que esta alínea servia para que as crianças
não tivessem este tipo de comportamentos, e o elemento histórico também se encontra
presente. Aqui dever-se-á fazer uma interpretação extensiva porque foi em diploma
editado em 1998 e não havia, nessa altura, estes tipos de cigarros, e analisando outras leis
mais recentes (elemento sistemático), que se aplicam a situações semelhantes, mostra-se
que este está incluído. Portanto, Alberto não pode fumar cigarros eletrónicos no parque.
Caso Prático IV
Sucede que, em virtude da situação pandémica e do estado de emergência, Aníbal está em lay-
off e perdeu grande parte dos seus rendimentos com o cancelamento de eventos publicitários.
Atente ao Decreto n.º 3-A/2021, de 14 de janeiro, na alteração dada pelo Decreto n.º 3-B/2021,
de 19 de janeiro, que regulamentou o estado de emergência decretado pelo Presidência da
República
a) Suponha o Aníbal decidiu aproveitar o bom tempo para dar um passeio higiénico na
Marginal de Oeiras. A meio caminho decidiu fazer umas flexões com os braços apoiados
79
Teoria da Norma Jurídica
num banco de jardim. Aníbal foi confrontado por Bruno, polícia municipal, que advertiu
Aníbal do crime de desobediência. Comente. Na sua análise tenha em consideração, em
especial, os artigos 4.º, 14.º, 34.º, 35.º-A e o Anexo I do diploma referido;
Resposta:
Elemento sistemático: inseridas no diploma, decretado pelo PR → há exceção;
Elemento histórico: estado de emergência, situação pandémica;
Elemento teleológico: regular as regras e as exceções;
Resultado interpretativo declarativo.
b) Suponha agora que Aníbal estava a caminho de casa e decidiu convidar a Catarina e o
Diogo para irem almoçar a sua casa. Os três amigos, com desejos de sushi, ligaram para
o Restaurante “Pêssegos da Georgia” para fazer a sua encomenda. O funcionário do
“Pêssegos da Georgia” informou que não disponham serviço de entregas e que «não
utilizavam nenhuma daquelas aplicações e modernices da Uber Eats ou da Glovo».
Diogo sugeriu ligar para uma praça de táxis para que um táxi fosse buscar a refeição ao
restaurante. Quando Flávia, condutora de táxi chegou à casa de Aníbal, cobrou a tarifa
associada, Aníbal disse que a tarifa de táxi não podia exceder os 20% do preço cobrado
pelo restaurante, pelo que apenas lhe pagaria esse montante. Comente. Na sua análise
tenha em consideração, em especial, o artigo 24.º do diploma referido.
Resposta:
Elementos sistemático e histórico semelhantes;
Elemento teleológico: regular a obtenção de lucros no âmbito pandémico para impedir o
abuso e proteger os consumidores (tendo em conta art.º 24 nº 1);
Resultado interpretativo declarativo.
Caso Prático V
Suponha que está em vigor a Lei n.º ZZ/YYYY, que regula o mercado dos objetos de elevado
valor histórico-cultural, estabelece do seguinte modo
80
Teoria da Norma Jurídica
Artigo 1.º
Objeto
Artigo 2.º
Definições
a) ‘coisas móveis’, qualquer coisa corpórea móvel individualizada que possa ser objeto de
direito de propriedade;
b) ‘elevado valor histórico-cultural’, o reconhecimento generalizado da importância
singular e inconfundível, no padrão do homem médio, para a história e cultura do país ou
mundial;
c) ‘estabelecimento comercial’, os estabelecimentos físicos de comércio a retalho,
devidamente licenciados para o efeito nos termos da legislação aplicável, sitos em
território português;
d) (…)
Artigo 3.º
Forma
1 – (…)
2 – (…)
3 - Os negócios jurídicos que tenham por objeto livros antigos de elevado valor histórico-cultural
deverão ser celebrados por documento autêntico ou autenticado.
a) Considere que a Albina, num passeio por Belém, encontrou à venda numa feira um
conjunto de livros da coleção “Uma Aventura”. Beatriz, vendedora na feira informou
que, por um lado, tinha herdado os livros da sua tia, que os tinha pelo menos desde 1990;
e por outro, que os livros eram exatamente iguais às versões mais recentes. O negócio
jurídico em causa deve ser celebrado por documento autêntico ou autenticado? Justifique.
81
Teoria da Norma Jurídica
Resposta:
Sabemos que a feira é um estabelecimento comercial, logo, é passível de ser apreciada
por estas normas. Elemento literal não é suficiente para chegarmos a uma conclusão,
devido aos conceitos indeterminados presentes. Elemento histórico é irrelevante para
estes efeitos. Elemento sistemático tem relevância (em alternativa, não se verificando os
pressupostos, aplicar-se-ia a livre forma do contrato). Elemento teleológico importa, pois,
o objetivo da norma é proteger os bens móveis comprados, devido ao seu elevadíssimo
valor singular e inconfundível para a história e cultura do país. Os livros não terão, neste
caso, essa caraterística singular e inconfundível, apesar de antigos. Conclusão: a resposta
é não.
Resposta:
Elemento literal da norma não é suficiente. Temos de perceber se um audiobook é um
livro. Fazendo o percurso através dos argumentos, concluímos que os audiobooks não
seriam objeto deste diploma. A norma, quando refere o elemento do valor histórico-
cultural refere-se ao livro propriamente dito, e não nas reproduções dele (mesmo que
consideremos o audiobook um livro). É necessário restringir a norma em si para que
abranja apenas os objetos propriamente ditos, e não suas reproduções, muito menos
áudios.
Interpretação restritiva.
82
Teoria da Norma Jurídica
Resposta:
Foi celebrado num estabelecimento comercial (?). Vamos supor que sim. Elevado
valor histórico cultural da obra original de Shakespeare. Sim. Seria sujeito à
compra por documento autenticado (fazer raciocínio através dos argumentos).
ii. Suponha agora que, com a compra de um bilhete para o concerto, o espetador
recebia uma página rasgada daquela obra histórica. A venda dos bilhetes deveria
ser celebrada por documento autêntico ou autenticado? Justifique.
Resposta:
Não. O objeto do diploma não é proteger os livros antigos, mas sim regular a
forma da venda (que foi regulada na alínea anterior). A venda de bilhetes não está
consagrada no diploma, para além do facto de que uma página rasgada não pode
considerada um livro, pelo que também não seria regulada por este diploma.
7. Análise de acórdãos
Caso 1
1. Mero argumento de autoridade – certa interpretação dada pelo STJ em acórdão de fixação
de jurisprudência (3/2009) – o conteúdo da citação é simplesmente uma norma que
estabelece a proibição, num contexto, de fazer um desconto da medida cautelar;
83
Teoria da Norma Jurídica
2. Mero argumento de autoridade – o juiz baseia-se em normas que foram recavadas por
interpretação do STJ, em função de fixar jurisprudência, que fala em não permitir o
desconto;
3. Argumento gramatical – juiz tenta convencer o leitor e as partes de que essas palavras,
de uma forma direta e explícita, sugerem a tese de que é proibido o desconto. Tenta usar
a linguagem comum para justificar essa posição – faz isto porque claramente, na grande
maioria de contextos, o legislador ideal escreveria textos que teriam como resultado uma
interpretação declarativa: diz-nos que, pela letra da lei, seria fácil a qualquer pessoa
deduzir que o desconto é proibido;
4. Argumento teleológico, na sua versão negativa, de forma objetiva (?) – temos uma versão
claríssima do ponto de vista geral. O legislador falou de forma tão clara sobre este ponto,
que se tivesse vontade de identificar uma exceção num caso concreto, ele deveria ter
falado isso. Se não falou, podemos concluir que não quis, claramente, falar. Forma
objetiva, legislador racional, porque conecta-se não com o esquecimento hipotético do
legislador histórico (exclui-se essa hipótese), mas com a vontade intrínseca de um
legislador ideal – não falou porque não quis, tendo em consideração o facto;
5. Argumento teleológico, na sua versão objetiva + argumento sistemático, com foco
teleológico – razão de ser da norma, nem se falando em intenção de legislador nem na
possibilidade de as coisas serem diferentes – quando se fala na natureza de um instituto
jurídico entende-se como uma referência à função que o instituto jurídico tem dentro do
ordenamento – ambos os argumentos são muito conectados, estando ambos presentes
com intensidades diferentes;
6. Argumento teleológico objetivo + argumento teleológico subjetivo – a proibição de
dirigir o carro esgotou a sua finalidade no contexto processual da suspensão provisória,
logo, a conduta de não poder dirigir tinha uma função que acabou, então temos mais um
elemento objetivo, não se justifica reconsiderar aquela prestação num contexto posterior
+ falta de qualquer intenção por parte do legislador, reconstruída de forma subjetiva,
dando uma grande importância argumentativa à identificação da vontade do legislador;
7. Argumento teleológico negativo, na sua aceção subjetiva;
8. Argumento de autoridade recipiente, no qual se inserem um argumento sistemático
gramatical, argumentos gramaticais com linguagem jurídica e um argumento sistemático
teleológico objetivo.
84
Teoria da Norma Jurídica
Caso 2
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Teoria da Norma Jurídica
Caso 3
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Teoria da Norma Jurídica
8. Resumo
A letra da lei nem sempre dispõe imediatamente o seu sentido, pelo que é necessário fazer
o exercício interpretativo. As querelas que influenciam o pensamento interpretativo são:
➢ Elemento Literal – o texto da norma jurídica em si, e deve ser o ponto de partida de
qualquer interpretação. Pode ter função positiva, eliminando todos os sentidos que não
têm qualquer relação com o texto da lei, ou função negativa ajudando a determinar o
sentido mais prevalecente no caso de a norma ter mais do que um;
➢ Elemento Lógico – consiste no espírito da lei, ou seja, aquilo que a norma pretende
transmitir. Subdivide-se em três, elemento teleológico, elemento sistemático e elemento
histórico.
87
Teoria da Norma Jurídica
LACUNA E INTEGRAÇÃO
1. Observações gerais
O ordenamento jurídico português não é completo, ou seja, não existem normas para tudo.
Nestas situações tem-se lacunas, falta de uma norma jurídica para um caso específico, e por isso
criam-se mecanismos de integração de lacunas.
Este processo de integração só pode ter lugar depois de se fazer a interpretação das normas
que se poderiam subsumir ao caso, pois através dos elementos interpretativos poder-se-ia chegar
a uma interpretação extensiva.
Lacuna – existe um caso, mas falta uma norma jurídica aplicável ao mesmo; “ausência
duma norma jurídica que permita resolver uma situação da vida social que reclama uma solução
jurídica”48; “a lacuna não é a falta de regulamentação expressa (lacuna legis), mas a falta de
qualquer regulamentação (lacuna iuris)”49.
Integração – todas as técnicas que se podem utilizar para colmatar essa lacuna; o
fundamento dessa atividade e os seus limites encontram uma base muito importante nos artigos
10º e 11º CC (o primeiro disciplina de forma positiva a integração da lei).
1 – Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos
casos análogos.
Nº 1 – por analogia pode-se aplicar uma norma cuja situação não estava prevista
inicialmente; este número indica que os casos omissos (não previstos inicialmente) são regulados.
48
A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, pág. 349.
49
M. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, pág. 385.
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Teoria da Norma Jurídica
Tem-se um caso análogo quando há algumas semelhanças relevantes. Tem de ter a ver
com algo que seja significativo do ponto de vista prático – os objetivos, as finalidades, as “razões
justificativas”; são elementos de natureza teleológica (seja na intenção do legislador histórico,
seja da função objetiva da lei) ou elementos sistemáticos (princípios) que se têm de utilizar para
identificar uma semelhança que seja forte o suficiente para justificar a aplicação da norma, por
analogia, ao caso que não é regulado.
Nº 3 – na falta de caso análogo o intérprete deve resolver a situação segundo uma norma
hipotética que este criaria se tivesse de legislar dentro do sistema.
Este poder é limitado através do art.º 11 CC, que limita o poder de utilizar a analogia no
caso de normas excecionais. Isto aplica-se mesmo quando os casos têm as mesmas razões
justificativas, pois não se pode aplicar normas de forma análoga. Porém, admite-se uma
interpretação extensiva. Porquê? As normas excecionais regulam um regime contrário ao regime
geral; ao aplicar uma norma excecional por analogia está-se a criar uma nova exceção, contrária
ao regime geral.
É possível dizer que existe uma lacuna antes de ter uma interpretação da lei? Não. Uma
lacuna é a falta de norma. Sem interpretação das fontes do direito relevantes, não se consegue
identificar as normas, uma vez que estas são o conteúdo das fontes do direito, extraído através da
interpretação da lei.
89
Teoria da Norma Jurídica
2. Incompletude no sistema
90
Teoria da Norma Jurídica
devem ser resolvidos os casos futuros com as mesmas caraterísticas (estabelece como
pode ser resolvido, mas não necessariamente, como deve). Logo, o sistema permanece
incompleto.
“Os sistemas jurídicos podem ser incompletos ao nível das fontes – e, por isso, podem
possuir lacunas –, mas são sempre completos ao nível das regras quando admitem critérios de
integração de lacunas extraídos deles próprios. O sistema jurídico pode não comportar uma fonte
para algo que é juridicamente relevante, mas, quando esse sistema manda integrar a lacuna com
os recursos fornecidos pelo próprio sistema, há sempre nele solução para tudo o que seja
juridicamente relevante. Portanto, o sistema pode ser lacunoso ao nível das fontes, mas é semore
completo ao nível das regras que fornecem as soluções para os casos com relevância jurídica. É
por isso que se pode falar de uma incompletude no sistema, mas não de uma incompletude do
sistema”50.
➢ Teixeira de Sousa (pág. 390) – existe um espaço livre de direito; alguns tipos de conduta
e de relações sociais não têm relação com o direito; para além da incompletude do
sistema, fala em limite do sistema (nem todas as condutas humanas têm relação com o
sistema):
• Exemplo: cumprimentar um colega no corredor; caridade para com os pobres;
• Problema: como é que se percebe que (não) se está no espaço livre do direito?
Resposta do prof. – se não há obrigação ou proibição, é permitido.
50
M. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, pág. 389-390.
91
Teoria da Norma Jurídica
4. Analogia legis
A aplicação da norma de forma analógica é feita com base nas razões justificativas
semelhantes entre casos (requeridas pelo art.º 10 CC).
92
Teoria da Norma Jurídica
Exemplo:
5. Limites
Existe certos limites à aplicação analógica que servem o propósito de restringir o poder
estadual (que teria grande liberdade para condicionar os direitos dos indivíduos).
Quando é que uma norma é excecional? Pode-se distinguir as normas excecionais pelo
carácter formal e carácter substantivo – e se se tiver uma norma excecional de caráter substantivo
não se pode fazer integração análoga:
➢ Caráter formal – uma exceção à norma geral, mas baseada nos mesmos princípios
da norma geral;
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Teoria da Norma Jurídica
Uma regra hipotética ocorre quando, na falta de um caso análogo ao caso omisso, a lacuna
é preenchida através da regra que o intérprete criaria se tivesse de legislar dentro do espírito do
sistema (art.º 10 nº 3 CC).
7. Sistematizações
Enquadramento no programa:
➢ Direito enquanto ordem normativa – o direito é feito por um processo dinâmico; perceber
a realidade (o que tem e não tem de ser regulado); o direito tem uma natureza imperativa,
coercível, mais prática que outras ordens normativas;
➢ Direito enquanto sistema – composto por normas, palavras, válvulas de escape, cláusulas
gerais e conceitos indeterminados, que se interligam e que unificam este sistema, fundado
também em princípios – propósito que serve a lei, porque faz com que ela seja segura,
perdure no tempo e regule uma multiplicidade de situações que representam o Sistema.
Essas mesmas válvulas também representam aquilo que o direito pretende regular
enquanto um organismo vivo e social;
➢ Normas jurídicas – classificação. Alcança-se a norma através do texto da lei.
Diferenciação entre a previsão (antecedente – situação predeterminada que a própria
norma pretende atingir) e a estatuição (consequente – da previsão realizada);
➢ Normas e princípios – estes últimos subsumem-se às normas, mas não se revelam
expressamente em nenhuma norma. São valores e ideias imanentes à própria sociedade e
que têm uma relevância jurídica. São formulados de forma mais geral e mais abstrata;
94
Teoria da Norma Jurídica
Integração da lei:
➢ Direito substantivo (material) – regras jurídicas que existem que regulam a nossa vida;
Direito adjetivo (processual) – regula as fases processuais da tramitação em tribunal. Será
necessário interpretar direito material e processual, assim como integrar lacunas em
ambos;
➢ As regras interpretativas da lei são diferentes das regras interpretativas de um contrato –
a deste último tem uma relação jurídica que as partes estabelecem, onde há um diálogo,
declarações (na interpretação destas, nada importa o elemento sistemático, por exemplo,
ou os outros; tem de se perceber as vontades das partes);
➢ Quando se interpreta a lei, interpretam-se relações jurídicas com valor jurídico porque a
Constituição diz. Os contratos têm validade jurídica porque as partes lhes deram essa
mesma validade por acordo, passando a ser transponível e passível a ser alvo de uma
decisão do tribunal;
➢ Lacunas – falha, falta. Há algo que deveria ter existido, mas não existe. Falta algo, onde?
Na realidade jurídica, não apenas na lei. O ordenamento jurídico tem princípios, leis,
costumes (convicções de que há uma situação própria para regular qualquer situação). A
lacuna surge quando é necessária uma regulação, mas ela não existe;
➢ Há situações jurídicas que não precisam da lei, não são lacunas – até porque ela não
deveria existir. Por vezes, essa foi a pretensão do mundo jurídico em que nós vivemos –
opção jurídica, decisão do legislador em não regular aquela situação. Não representam
situações que o legislador não conseguiu regular, mas sim que não quis regular;
➢ Há situações análogas que resolvem a integração da lacuna;
➢ O mundo está em evolução constante – a evolução não permite a existência de um
legislador que tudo regula, por vezes há falha, por vezes não se regula porque o legislador
não consegue acompanhar essa evolução (porque a sociedade é dinâmica);
➢ Também há situações sensíveis, pois a convicção da sociedade não está ainda bem
definida e o legislador não se sente capaz de criar normas gerais e abstratas para regular
aquela situação;
➢ Tem de se encontrar a solução para colmatar essa falha;
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Teoria da Norma Jurídica
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Teoria da Norma Jurídica
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Teoria da Norma Jurídica
PRODUÇÃO LEGISLATIVA
Só aparecem novas normas se, a dada altura, for identificado um problema novo → novo
problema ou situação social/falha/lacuna. Como se descobre que há um problema? Quem os
coloca?
Há várias maneiras de revelar um problema: perante um caso concreto (como o caso dos
migrantes e suas condições de vida em Odemira) – casos reais que levantam questões assumidas
como relevantes para o direito e para a sociedade (social e politicamente relevantes). Um caso
pode gerar clamor social e ser importante, e quando isto acontece é natural que venha a surgir
alguma norma, legislação ou “afinação” nova.
O Ministério Público pode reclamar (tem esse poder), influenciar ou sugerir (sem
iniciativa legislativa) a criação ou alteração de leis tendo em conta o panorama social vivido ou
um caso concreto “de peso”.
As leis são produzidas através de um processo legislativo formal. O objetivo desta matéria
é entender a norma jurídica no âmbito do seu meio de produção (nomeadamente occasio legis).
Petições populares – não é exatamente uma iniciativa legislativa (de acordo com a CRP
não é possível um grupo de cidadãos, através de petição, obrigar o Parlamento a legislar sobre
uma certa matéria), mas pode propor um articulado normativo em concreto e, se atingir um
número de assinaturas relevante, tem direito a ser discutido no plenário da AR (30000
assinaturas). O desenlace de uma petição popular pode ser muito diversificado. Tipicamente,
quando há assuntos quentes do ponto de vista legislativo, também há petições a “mexerem-se”.
Tema suscitado pelo PR – recomendar que se olhe para determinada matéria (o atual PR
tem chamado muito à atenção para vários temas).
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Teoria da Norma Jurídica
Pode haver legislação que advém de situações externas que condicionam a ação
legislativa – Direito da UE e Direito Internacional. Decorrem, das convenções que Portugal
assina, obrigações internas, que envolvem certos ajustes legislativos. As diretivas e
decisões/quadro são importantes.
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Teoria da Norma Jurídica
O que se pode fazer desde a ideia/problema/solução até à redação da lei para se ter
legislação aprovada e em vigor? Há ciência para fazer boa legislação. Quando se precisa de passar
da ideia até à redação da lei, tem de se saber exatamente o que se vai querer fazer. Como é que se
define os objetos e os objetivos, quem tem de cumprir, quem é visado, implicações sociais e
sociológicas, etc.
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Teoria da Norma Jurídica
2. Legística
É a ciência que estuda a elaboração de atos normativos, tendo em vista a garantia da sua
qualidade, racionalidade, clareza e coerência. Normalmente, distingue-se entre legística formal
(redação da norma propriamente dita, muito importante na inserção sistemática e importante nos
casos do direito transitório – pontos 6 e 7) e legística material (conceção dos atos normativos –
pontos 2, 3, 4, 5 e 6).
Nota: o ponto 6 funciona como uma espécie de interseção entre a legística formal e a legística
material.
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Teoria da Norma Jurídica
Legística material – definir o objetivo, fazer um avaliar técnico ex ante, decidir o percurso
legislativo (quem devemos ouvir? quem devemos consultar?).
Para as avaliações ex ante e ex post é fundamental definir bem os objetivos, para que seja
mais fácil avaliar a eficácia e a qualidade das leis.
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Teoria da Norma Jurídica
Quando uma lei nova (LN) aparece, há um conjunto de questões associadas – entrada em
vigor, revogação de legislação anterior e aplicabilidade às situações em curso.
Ter em atenção o valor hierárquico dos atos formais onde constam as normas (ou seja,
uma lei do Parlamento não pode revogar a Constituição porque esse ato a viola, tornando-os
inconstitucionais, como um regulamento não pode revogar uma lei ou um DL pois tem um valor
hierárquico inferior) e aferir materialmente se há uma incompatibilidade entre aquelas normas (se
houver, a norma posterior revoga a norma anterior, de forma expressa ou tácita). Se forem
compatíveis, não há revogação.
Lei geral não revoga lei especial porque não são incompatíveis (isto é, são incompatíveis
por se tratar de um regime especial).
O que acontece na resolução de casos concretos quando aparece uma lei nova que revoga
a anterior? O caso geral é claro – aplicamos a lei nova assim que esta entrar em vigor. Mas
podemos aplicar a lei nova a factos do passado? E se aparecerem novos factos que alteram a
situação? E se a regulação de factos novos tiver dependente da situação original? Estes são alguns
exemplos da problemática da aplicação da lei no tempo.
Ao direito que trata destas situações de aplicabilidade da lei à realidade em curso chama-
se “Direito Transitório”.
103
Teoria da Norma Jurídica
1. Direito transitório
O Direito Transitório são as normas que, em cada diploma, explicam qual dos diplomas
deve ser utilizado, consoante a matéria. Pode-se dividir o direito transitório em dois tipos:
Previsão da norma:
➢ Qual o objeto de conexão? Factos (que se esgotam naquele momento; ou duradouros, que
configuram situações jurídicas), efeitos destes factos e situações jurídicas;
➢ Qual o elemento de conexão (o que liga à LN ou à LA)? – ocorrência do facto, existência
ou não de determinada situação jurídica ou produção do efeito na vigência da lei antiga
ou da lei nova.
Estatuição – seleção da norma competente para regular aquele facto, aquela situação
jurídica ou aquele efeito jurídico – LN ou LA.
104
Teoria da Norma Jurídica
1 – A lei só dispõe para o futuro; ainda que, lhe seja atribuída eficácia retroativa,
presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se
destina a regular.
Em princípio a lei só se aplica para o futuro e tem aplicabilidade imediata – à partida não
há eficácia retroativa. Caso seja atribuída eficácia retroativa, a lei nova não se aplica a factos que
já produziram efeitos, a fim de proteger a confiança jurídica (ex.: depois de um contrato estar
realizado há 30 anos não se anula os seus efeitos porque a lei nova requeria uma forma especial).
A retroatividade é uma coisa especial, e em princípio certas áreas do direito estão ressalvadas da
sua aplicação – direito penal (não todos os casos), direito fiscal.
105
Teoria da Norma Jurídica
No nosso ordenamento jurídico existe este princípio de que a LN não deve ter efeitos
retroativos. Esta regra geral surge em proteção do princípio da confiança jurídica, e pretende
assegurar a proteção das expectativas dos indivíduos.
Nota: quando há lei interpretativa com conteúdo inovador, pode-se fazer um raciocínio defendido
pela doutrina que é – o legislador, ao classificá-la como interpretativa, quis que ela fosse à partida
retroativa, desde que essa lei cumpra os limites à retroatividade impostos constitucionalmente;
Níveis de Retroatividade:
106
Teoria da Norma Jurídica
➢ Retroatividade extrema – não respeita o caso julgado, só é admitida nos casos de exceção
(lei penal mais favorável ao agente) – art.º 282 nº 3 CRP.
A lei nova tem eficácia imediata e para o futuro, aplicando-se a todas as situações
jurídicas que se podem subsumir à norma. Mais uma vez, este princípio geral comporta algumas
exceções e limites:
Qual é o objetivo destas exceções à regra? Bem, por vezes a aplicação imediata de uma
lei nova implicaria certos efeitos que não eram previstos na lei antiga, o que seria considerado
uma violação ao princípio da confiança jurídica porque as relações jurídicas tinham sido
constituídas com base em convicções confirmadas pelo antigo ordenamento jurídico.
1 – A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado
na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo
só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei
antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
2 – A lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já
estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu
momento inicial.
Este artigo refere-se aos prazos fixados por lei que são alterados por uma lei nova. Ou
seja, fixa o regime transitório forma subsidiário para normas que tratem prazos.
O nº 1 explica que, caso a lei nova estabeleça um prazo mais curto que a lei antiga, se
deve aplicar o novo prazo – mas que este deve ser contado a partir da entrada em vigor da lei nova
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Teoria da Norma Jurídica
(a não ser que a lei antiga o faça terminar mais cedo, caso em que deverá utilizar-se o prazo
antigo).
O nº 2 destina-se às situações em que o novo prazo é mais longo que o prazo antigo, em
que se deve aplicar o prazo novo – mas que se deve contar a partir do momento original (ou seja,
se já tivessem passado 15 de 30 dias no momento em que uma nova lei estabelece um prazo de
45, continuam a ter passado 15 dias – mas passam a ser 15 de 45).
O nº 3 indica que é extensível aos prazos aplicáveis por qualquer tribunal ou autoridade.
Estas disposições não se aplicam a prazos fixados pelas partes numa relação jurídica (ver
o elemento sistemático, o local onde o art.º 297 está inserido dentro do Código Civil).
Em síntese:
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Teoria da Norma Jurídica
A muda de ideias e decide que não quer mais vender o automóvel. Pretende devolver o sinal
recebido a B e dar o assunto como encerrado. B não se conforma e quer recorrer a tribunal e
executar especificamente o contrato.
Quid juris?
Hipótese 2: Imagine que para a situação X a lei antiga estabelece um prazo de prescrição de 6
meses e qua a lei nova estabelece um prazo de 2 anos.
a) Quanto a lei nova entrou em vigor, tinham decorrido 7 anos. Quando prescreve o direito?
Imagine agora que para a mesma situação a lei antiga estabelecia um prazo de 3 anos e a lei nova
encurtou para 1 ano.
c) O titular do direito ainda tem prazo para exercer o seu direito? Qual?
• a) Art.º 297 nº 2 – prazo mais longo. Está fora da aplicação da lei, já tinham decorrido 7
anos, prazo já estava prescrito;
• b) Aplica-se a Lei Nova, subtraindo o que já tinha passado à luz da lei antiga – 2 anos
menos 4 meses – 20 meses;
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Teoria da Norma Jurídica
• c) Sendo um prazo mais curto, aplica-se o nº 1 do art.º 297º. Neste caso, faltam 6 meses.
Aplica-se a lei nova, mas aplica-se o prazo da lei antiga.
1. CRP – dá alguns princípios que não podem ser ultrapassados aquando da aplicação da lei
no tempo (art.º 29 – em que domínios é proibida a retroatividade; art.º 104 não são
aplicados impostos retroativamente), o que consiste num limite à retroatividade. Se a CRP
limitar a retroatividade na matéria em causa, sabe-se que a lei nova não pode ser
retroativa. Mas e se a CRP não dispuser nada sobre a matéria em causa? Passa-se a
observar a lei;
2. Lei – tem disposições transitórias? Diz qual é a lei que será aplicável?
• Disposições transitórias formais – quando se olha para lei e esta diz qual a lei
aplicável diretamente naquelas situações; remete para outros diplomas – art.º 9
CC (antes);
• Disposições transitórias materiais – as que dizem que em determinadas situações
o que vai acontecer é isto – cria um regime jurídico que regula aquela situação –
art.º 20 (antes);
• Ou então não tem disposições transitórias, quer por lapso, quer por vontade do
legislador;
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Teoria da Norma Jurídica
3. Caso não haja nenhuma disposição deve-se olhar de novo para a matéria legislada,
procurando identificar o domínio em que se insere – porque certos domínios (ramos do
direito) têm regimes específicos de aplicação temporal:
• Direito Penal – art.º 2 CP;
• Direito Processual;
• Direito Fiscal;
Não havendo nenhum regime específico no domínio em que a matéria em análise se
insere procede-se para o direito transitório subsidiário;
4. A aplicação do direito transitório subsidiário rege-se por dois princípios gerais: a não
retroatividade da lei nova e a aplicação imediata da lei nova;
Porque a lei nova tem aplicação imediata, aplica-se desde o momento em que entra em
vigor e para o futuro (art.º 12/1 1ª parte) – presumindo-se que os efeitos já produzidos
nas matérias que a LN vem regular não são afetados (art.º 12/1 2ª parte);
Ou seja, se não há normas especiais no ponto 3, então olha-se para o art.º 12 CC – é um
artigo completo e não se encontra nada:
• Art.º 12 nº 1: princípio geral, a lei não regula nada para trás; efeitos da
retroatividade da lei, se for atribuída eficácia retroativa, presume-se que os factos
que aconteceram no passado não são afetados por lei nova:
o 1º Teoria dos direitos adquiridos (Savigny) – aos direitos adquiridos
aplica-se a lei passada que os atribuiu, expectativas jurídicas são
reguladas por lei nova – insuficiente;
o 2ª Teoria dos Factos Passados – tudo o que for facto passado é lei antiga,
facto novo é lei nova – insuficiente;
o 3ª Teoria da relação facto-efeito – artigoº 12º 2 CC – é preciso distinguir
os factos dos efeitos jurídicos, as condições de validade de existência e
eficácia de situações jurídicas será regulada por lei antiga; todas as outras
aplicar-se-á a lei nova;
• Art.º 12 nº 2:
o 1ª parte: se a lei nova dispuser sobre as condições de validade formal e
substancial de factos ou dos seus efeitos, só se aplica a factos novos. Ou
seja, para factos antigos, porque a lei nova alterou a validade formal ou
substancial, ou porque a lei nova alterou os efeitos por eles produzidos,
aplica-se a Lei Antiga.
o 2ª parte: se a lei nova dispuser sobre o conteúdo de relações jurídicas,
mas se abstrair dos factos jurídicos que deram origem a esta relação
jurídica em primeiro lugar (factos constitutivos), entende-se que a lei
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Teoria da Norma Jurídica
Em suma:
➢ Lei Antiga – validade substancial e forma; quando não se consegue individualizar o facto
do acontecimento jurídico, quando não é abstrato;
➢ Lei Nova – factos posteriores; quando a lei nova se abstrai dos factos jurídicos que têm
uma relação umbilical com a relação jurídica, quando é abstrato.
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Teoria da Norma Jurídica
Um tribunal português pode aplicar lei estrangeira. Se o fizer, deve interpretá-la e aplicá-
la à luz do ordenamento em que se insere – princípio do reconhecimento do direito estrangeiro.
Este princípio geral tem por objetivo reconhecer as leis de outros países como válidas em
caso de conflito na aplicação da lei no espaço. Na prática isto significa que o nosso ordenamento
jurídico reconhece outros ordenamentos jurídicos e que os nossos tribunais têm a competência
para aplicar a lei deles caso seja necessário – sendo que o deverá fazer seguindo as regras
interpretativas e de aplicação do ordenamento jurídico estrangeiro, apesar de ser um tribunal
português.
Normas de conflito – art.º 25 e seguintes do CC; estas normas pretendem definir conceitos
e determinar modos de proceder em caso de conflito entre normas/ordenamentos.
O critério para a escolha da lei aplicável é sempre nacional, o que pode gerar confusões
quando ordenamentos jurídicos distintos se vêm envolvidos no mesmo caso e têm normas
incompatíveis (por exemplo se o nosso ordenamento indicasse que no conflito X deveríamos usar
a lei espanhola, a lei espanhola diz que para esse conflito deveríamos usar a lei da UE e a lei da
UE remete para a lei portuguesa, criando um círculo difícil de resolver). No geral, as normas de
Direito Internacional Privado são indiretas e de conexão.
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Teoria da Norma Jurídica
NOTAS FINAIS
Esta sebenta foi feita com o auxílio de apontamentos de alguns colegas e das aulas, bem
como com recurso à bibliografia recomendada pelos professores.
Bibliografia principal:
➢ Ascensão, José de Oliveira, O Direito. Introdução e Teoria Geral, 13.ª edição, Almedina,
Coimbra, 2019;
➢ Hespanha, António Manuel, O Caleidoscópio do Direito. O Direito e a Justiça nos dias
e no mundo de hoje, 2.ª edição reelaborada, Almedina, Coimbra, 2019;
➢ Machado, João Baptista, Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina,
Coimbra, Almedina, Coimbra, 1987 (25.ª reimpressão 2018);
➢ Sousa, Miguel Teixeira de, Introdução ao Direito, Almedina, Coimbra, 2018
(reimpressão 2021);
➢ Canaris, Claus-Wilhelm, Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do
Direito, 3.ª edição, Fundação Calouste-Gulbenkian, Lisboa, 2002.
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