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Pônticas e Tristes Ovídio
Pônticas e Tristes Ovídio
Pônticas e Tristes Ovídio
CAMPINAS,
2015
NATÁLIA CRISTINA GROSSO
CAMPINAS,
2015
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CAPES
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem
Crisllene Queiroz Custódio - CRB 8/8624
Título em outro idioma: Book I of Ovid's Epistulae ex Ponto : comment and translation
Palavras-chave em inglês:
Ovid. Epistulae ex Ponto. Book 1 - Translating into Portuguese
Translating and interpreting
Elegies
Elegiac poetry, Latin
Epistolary poetry, Latin
Área de concentração: Linguística
Titulação: Mestra em Linguística
Banca examinadora:
Patricia Prata [Orientador]
Robson Tadeu Cesila
Lucy Ana de Bem
Data de defesa: 14-12-2015
Programa de Pós-Graduação: Linguística
Patricia Prata
Matheus Trevizam
IEL/ UNICAMP
2015
É difícil lembrar todas as pessoas que estiveram ao meu lado durante a pesquisa
e contribuíram para a sua realização, então, primeiramente agradeço a todos aqueles que
deram alguma colaboração, mesmo que fosse uma “simples” palavra de conforto.
Sou infinitamente grata à professora Patricia Prata por ter me orientado e
trabalhado como “psicóloga” antes e durante a escrita desta dissertação. De fato, sem
ela, nada teria sido feito.
Minha mãe Angela e meu irmão Gustavo também foram meus “psicólogos”,
sempre me incentivaram e acreditaram em meu trabalho mesmo quando eu achava que
nem passaria no processo seletivo da pós. Foram vários puxões de orelha que me
obrigaram a seguir em frente. Também devo agradecer a meu pai que, apesar de nunca
ter entendido bem o que eu estudava, deu apoio financeiro principalmente durante
minha graduação.
Não posso deixar de mencionar os professores de latim do Instituto de Estudos
da Linguagem da Unicamp, o professor Paulo Sérgio de Vasconcellos, a professora
Isabella Tardin Cardoso e o professor Marcos Aurelio Pereira, pelas aulas maravilhosas
e dicas importantíssimas em apresentações de trabalho. Devo ressaltar, nesse caso,
novamente a participação da minha orientadora que, também como professora dessa
instituição, foi quem me inseriu na área e fez com que eu me apaixonasse pela língua
latina.
A meu lindo namorado, João Paulo, essa estrela maravilhosa que surgiu em
minha vida, agradeço por todos os momentos em que tivemos que nos separar para que
eu pudesse trabalhar concentrada.
Sou grata também ao Prof. Dr. Robson Tadeu Cesila e à Profa. Dra. Lucy Ana
de Bem, que prontamente aceitaram participar de meu exame de qualificação, e também
me deram a honra de estarem presentes na defesa desta dissertação.
Também agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), pela bolsa concedida sem a qual não teríamos condições de
aprofundar a pesquisa.
Obrigada também a Deus e à Nossa Senhora Aparecida que sempre
transformaram meus obstáculos em pequeninas pedras, facilitando a subida de cada
degrau da vida.
RESUMO
Key words: Ovid, Epistulae ex Ponto I; Genre – epistle and elegy; Latin literature,
Translation
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10
Estrutura do trabalho ......................................................................................... 19
Sobre a tradução ................................................................................................ 20
INTRODUÇÃO
1
Conte (1994), em sua obra Latin Literature: a History, Herrera Montero (2002), em sua introdução aos
Tristes; Cartas del Ponto, Pérez Vega (2000), também em sua introdução às Cartas desde el Ponto, e
Hardie (2002), editor do The Cambridge Companion to Ovid, são alguns autores que trazem as
informações que se sabe sobre a vida do poeta sulmonense. Vale a pena comentar que tais informações
são colhidas, sobretudo, nas obras do exílio do poeta, uma vez que essas trazem muitos dados acerca da
vida do poeta e foram por muito tempo (e ainda pode se dizer que o são para alguns estudiosos, como
para Edith Pimentel Pinto (1950)), consideradas autobiográficas. Santos (2015), como também notamos,
relata que Conte (1994) utiliza a elegia IV, 10 dos Tristes “como fonte documental, como uma espécie de
“arquivo” da vida do poeta, e Della Corte (1973) utiliza, para se referir ao conteúdo da elegia, a palavra
fatos (fatti), conferindo ao conteúdo dos versos uma espécie de ‘status de realidade’”.
2
Ver textos citados na nota anterior.
11
A crítica de todos os tempos discute as causas de seu exílio, mas ainda não foi
dita uma última palavra sobre esse assunto (e não sabemos se o será). Knox (2009)
afirma que nunca descobriremos o que levou Augusto a desterrar Ovídio. As peripécias
e os caprichos da história, como ressalta Mora (2002), fizeram com que não se
conservassem testemunhos de nenhum autor antigo ou historiador até o século V. Os
textos sobre o exílio de Ovídio, escritos durante a Idade Média, também não ajudam a
solucionar esse mistério3, pois sua credibilidade é relativa, já que suas afirmações
parecem interpretações abusivas tiradas das obras do próprio poeta, sobretudo dos
Tristes.
O veredito considerava o poeta relegatus e não exul, que são diferentes tipos de
exílio do ponto de vista jurídico romano da época. Segundo Pérez Vega (2000), a
relegatio parece aludir a um desterro mais “leve”, pois se conservavam as propriedades
e direitos civis. A esposa do poeta, Fábia, pôde desfrutar os bens do seu marido, que não
foram confiscados, e Ovídio, como Paes (1997) afirma na introdução a sua tradução de
poemas selecionados do poeta, não perdeu sua cidadania romana nem seu prestígio de
poeta, pois o cônsul Sexto Pompeu providenciou uma escolta militar para protegê-lo
daquilo que os romanos concebiam como bárbaros até o golfo da Argólida, onde
embarcou em outro navio que o levaria a Tomos4.
Mas o autor se denomina, em vários momentos de sua obra do exílio, um exul, e,
ao se considerar assim, Ovídio5, em suas elegias, estabelece um ethos de sofredor, uma
3
Alguns autores questionam a existência do exílio, afirmando que tudo pode ter sido um jogo literário e
que Ovídio nunca saiu de Roma. Brown, em 1985, levanta esse questionamento, entendendo o exílio
como um possível motivo poético, por exemplo. Após ele, vários autores retomaram a questão, citamos
alguns a título de exemplo: Claassen (1986; 1999), Hofmann (1987), Little (1990), Williams (1994),
Williams (2002). Mora (2002), por exemplo, em seu artigo “O mistério do exílio ovidiano”, discute
minuciosamente essa hipótese, mas não concorda com ela.
4
Por outro lado, a sentença de Ovídio poderia ter sido muito mais severa, implicando a perda de suas
propriedades e direitos civis. González Vázquez (1992) menciona, por exemplo, que o jurista Ulpiano
dizia que o delito cometido pelo poeta era de “lesa majestad”, mais próximo ao sacrilégio, consistente em
uma ofensa ao Imperador ou à família real, podendo ter sido castigado com a pena capital. Ovídio,
contudo, apenas foi condenado a viver em um lugar distante, sendo privado de Roma e de sua família.
5
Quando utilizamos os nomes próprios Ovídio e Nasão para caracterizar a persona criada pelo autor nas
elegias, não queremos fazer referência alguma ao poeta de “carne e osso”. O uso dos nomes do poeta
facilita a exposição, visto as elegias serem narradas em primeira pessoa (com exceção das elegias III, 2 e
V, 4, em que o protagonista é o próprio livro). Santos (2015, p. 2), na esteira de Prata, ressalta inclusive
que como a persona possui o mesmo nome do autor da obra, Nasão, o leitor, então, se sente convidado a
interpretar os versos que lê como sendo representantes da vida real do poeta. Ela observa que a inserção
do material autobiográfico nos versos torna seu conteúdo verossímil e cria uma ilusão de realidade,
levando o leitor a cair no jogo ovidiano e a interpretar os Tristes em chave biografista: ele o faz acreditar
que a matéria poética dos Tristia é a pura representação da vida do poeta.
12
vez que apresenta seu desterro de forma mais severa e difícil de suportar: o exilium
implicava a perda das propriedades e os direitos civis. Em Tristes II, por exemplo,
conforme Prata (2009) comenta, o eu poético deseja que o leitor se identifique com seu
infortúnio, pois estabelece para si um ethos6 que seja capaz de demover Augusto de sua
decisão, que possa agradá-lo e, com isso, persuadi-lo a perdoar-lhe ou amenizar sua
sentença. Santos (2015), na esteira desta autora, diz que isso remete mais a uma
estratégia poética e retórica que o relato puro e simples dos fatos que ocorreram, em
verdade, com o autor quando de seu exílio, pois, mais do que simplesmente representar
os fatos da vida real em sua poesia, Ovídio lança mão de uma estratégia de elaboração
poética - um eu poético que se confunde com o autor - que leva a um engenhoso efeito
retórico: impulsiona a comoção no leitor, movendo, ou melhor, manipulando-lhe o
pathos. Assim, o lamento, característica marcante das elegias, como veremos mais
adiante, fica ainda mais evidente.
Apesar de abordar insistentemente sua sentença em seus poemas do exílio,
Ovídio não aponta declaradamente a causa e dá esse mistério como sabido:
Nos Tristes, como ressalta Knox (2009) e González Vázquez (1992), o poeta
define o motivo da sentença de Augusto como duo crimina, carmen et error (“dois
crimes, um poema e um engano”).
6
Prata (2009) esclarece que esse ethos é composto também pelo pedido de desculpas por seu erro, a
produção da obra Arte de Amar, como discutiremos mais detidamente nesta introdução, e pelo fato de o
autor trazer justamente elementos da épica para compor seu discurso, gênero apreciado por Augusto.
7
“O motivo de minha ruína, bem conhecido de todos, / não precisa ser atestado por mim.” Esta tradução
e todas as citadas dos Tristes foram retiradas de P. PRATA, O caráter intertextual dos Tristes de Ovídio:
uma leitura dos elementos épicos virgilianos. Campinas, Tese – Instituto de Estudos da Linguagem,
Unicamp, 2007.
8
“Tendo-me arruinado dois crimes, um poema e um erro, / A culpa de um deles devo calar”.
13
anterior ao exílio relacionada ao amor. Inclusive, em sua tradução dos Tristes, em certos
momentos, Della Corte (1972) opta por traduzir como “arte de amar”, substantivo
comum, e, em outros, ele usa Arte de Amar, substantivo próprio, nome de uma obra
específica de Ovídio.
São várias as passagens dos Tristes que fazem referência a este carmen que seria
motivo de sua sentença. Citemos, a título de exemplo, algumas:
No trecho, o poeta usa praeceptor amoris para referir-se a uma obra em que o
fato de ensinar a amar já ficaria explícito no próprio título e ressalta que ela já sofreu
muitas penas: a Arte de Amar foi retirada das bibliotecas públicas por ter sido
considerada indecente e seu próprio título indica seu objetivo. Herrera Montero (2002)
afirma em nota a illud opus que essa é a primeira vez nos Tristes que Ovídio se refere à
Arte de Amar como motivo de seu exílio.
“Se houver alguém que, porque és meu, não julgue / Que devas ser lido e te afaste de seu colo, diz: /
9
‘Observa atentamente o título: não sou preceptor do amor; / Aquela obra já suportou as penas que
mereceu.’”
10
“Verás três escondidos ao longe num local escuro - /Estes que, como ninguém ignora, ensinam a amar.
/ Ou tu foges deles ou, se tiveres coragem suficiente para falar, Chama-os Édipos e Telégonos! / Destes
três, aconselho-te, se tiveres alguma preocupação com teu pai, / Não amar nenhum, embora seja isto o que
ensinem.”
14
“Os versos fizeram que a mim e meus costumes censurasse / César pela minha Arte, ora proscrita.”
11
15
Herrera Montero (2002) traduz esse termo como Arte e não tece nenhum
comentário em nota. Observemos sua tradução:
Prata (2007) também traduz como Arte, mas explicita em nota que se trata da
Arte de amar, obra que foi retirada das bibliotecas públicas por ser considerada
indecente.
Vejamos agora outro trecho:
Della Corte (1972) optou por manter-se o mais próximo possível do termo
latino, sem fazer referência a ele em seus comentários sobre a tradução:
12
“Mas sofro o castigo, e, longe, nos confins do Istro cítico / Está aquele jocoso cantor do Amor, de
aljava.”
16
Não é apenas nos Tristes que alguns trechos com referência à Arte de Amar
aparecem, pois, nas Pônticas, logo na primeira elegia, isso também ocorre:
O autor ressalta que os livros que está enviando naquele momento não entrariam
em monumentos públicos por acreditarem que seu autor lhes fechou esse caminho e que
o lugar onde Bruto havia colocado as Artes estava vazio.
Herrera Montero (2002) opta pela tradução do termo Artes no singular: mi Arte,
e não explica sua escolha em nota alguma. Pérez Vega (2000) apresenta em sua
tradução o termo no plural e explica em nota que os três livros que Bruto editará (Pont. I
– III) podem ocupar o lugar, não apenas físico, dos três livros da Ars Amatoria. Albino
(2009) prefere usar o termo em latim e apresenta a palavra Ars como escolha tradutória,
sem apresentar nota ou comentário.
Como vimos, o carmen pode fazer referência a sua produção amorosa anterior,
mas, em muitos momentos, faz referência direta, segundo os comentadores citados, à
Arte de Amar. Knox (2009), Della Corte (1973) e Herrera Montero (2002), porém,
“Se estás livre, Bruto, acolhe com hospitalidade estes livrinhos forasteiros / e esconde-os em algum
13
lugar, qualquer que seja. / Não ousam entrar em monumentos públicos, / talvez por acreditarem que seu
próprio autor lhes tenha fechado este caminho. / Ah, quantas vezes disse: « Certamente não ensinais nada
vergonhoso, / ide, aquele lugar está aberto a castos versos. » / Entretanto não vão, mas, como tu vês, /
julgam ser mais seguro se esconderem sob um lar privado. / Perguntas onde podes colocá-los sem
prejudicar ninguém? / Aquela parte onde estavam minhas Artes, tu a tens vazia.”
17
afirmam que é muito provável que a Arte de Amar tenha sido um mero pretexto para
esconder a “verdadeira causa” – o error - da condenação de Ovídio, devido ao enorme
espaço de tempo entre a publicação dessa obra (20 a. C.) e a sentença de Augusto (8 d.
C.). Montero acrescenta também que a Ars não era mais indecente que muitas
publicações de Propércio, Tibulo ou Horácio que circulavam livremente naquela época.
Della Corte (1973) e González Vázquez (1992) enumeram algumas possíveis
causas – tentando questionar e definir qual seria o error - que tenham levado Ovídio a
sofrer essa sentença como, por exemplo:
o poeta havia contemplado a imperatriz Lívia enquanto esta se banhava;
frequentou determinados círculos de oposição ao imperador, como o de
Fábio Máximo;
ridicularizou Augusto em epigramas de circulação clandestina ao
presenciá-lo em um terrível ataque de cólera;
descobriu o incesto de Augusto com sua filha Júlia;
foi testemunha do adultério de Júlia, filha do imperador;
testemunhou o adultério de Júlia Minor, neta do imperador;
conspirou com Fábio Máximo para devolver o direito de sucessão
imperial a Agripa Póstumo, neto de Augusto, entre outras.
A sucinta apresentação das possíveis causas do exílio do poeta sulmonense serve
para ilustrar os tipos de estudo que são normalmente realizados para discutir a literatura
ovidiana dessa fase. Conforme Prata (2002) explicita em sua dissertação de mestrado
intitulada O caráter alusivo dos Tristes de Ovídio, muitos pesquisadores procuram nos
Tristes e nas Pônticas explicações para seu desterro, bem como indícios biográficos de
todos os tipos, pois ambas as obras estão recheadas de informações sobre a vida do
poeta antes e durante o desterro, como detalhes sobre sua família, seus casamentos, suas
viagens ou estudos. Como nos diz a autora, o fato de terem sido escritas em primeira
pessoa também favorece esse interesse biográfico, visto que Ovídio, ao se colocar como
narrador-personagem de suas elegias, possibilita especulações acerca do caráter
autobiográfico dessas produções.
Contudo, essa não é a única forma de se analisar esses livros do exílio, como
ressalta Prata (2002, p. 38) pois, “antes de serem um tipo de autobiografia, são poesia e,
como tal, merecem um tratamento que leve em consideração sua estrutura poética”. Não
18
é nossa intenção discutir a relação que possa haver entre a personagem das elegias e o
próprio autor, já que não temos por objetivo traçar uma análise autobiográfica,
tampouco debater essa questão tão delicada, que implica conhecimento irrestrito da vida
de Ovídio, impossibilitado pela grande distância de tempo que nos separa dele.
Dessa forma, o estudo do exílio como material poético, ou seja, pensado na
maneira pela qual Ovídio constrói sua obra, torna possível vislumbrar um outro olhar
para tais poemas que não o puramente autobiográfico, o que nos possibilita obter
interpretações mais enriquecedoras para os textos do que aquelas apresentadas por uma
leitura plana e superficial dos versos.
Assim, concordamos com o pensamento de Prata (2009) que afirma que, embora
a obra esteja repleta de informações que remetam à vida do autor de carne e osso - já
que o protagonista se confunde com o próprio Ovídio pelo fato de que os Tristes, e nós
acrescentamos as Pônticas, quase todo foi escrito em primeira pessoa - seria material
poético. Então, segundo Prata (2009, p. 39):
Santos (2015), então, assim como Prata (2009), acredita que, quando o leitor não
considera o caráter poético da obra, pode vir a confundir os acontecimentos versados
pelo poeta com aqueles que são fatos da sua vida. Tal fato ressalta a necessidade de um
trabalho mais apurado sobre o texto das Pônticas, à luz do que já vem sendo feito com
os Tristes por Prata (2002; 2007).
Nossa dissertação, então, pretende trazer à tona a poesia do exílio, que foi
esquecida por muito tempo e que está passando por uma reavaliação nos dias atuais. Ao
contrário dos estudos autobiográficos, alguns datados do início/ meio do século passado,
muitos estão preocupados em observar a construção poética dessas obras, olhando-as de
14
Na análise, veremos, por exemplo, que principalmente os Tristes, mas também as Pônticas,
estabelecem um diálogo com a Eneida.
19
um ponto de vista literário e não mais autobiográfico apenas. Nossa intenção é lidar
com a realidade linguística e literária que as Pônticas nos oferecem, desprendida de uma
análise puramente biografista, repleta de uma ideologia subjetivista. Como Bem (2007,
p.17) demonstra em seu estudo sobre a obra Os amores de Ovídio (e parece-nos que
suas ideias se encaixam perfeitamente na obra estudada nesta dissertação), quando esse
poeta sulmonense fala de certas situações cotidianas ou familiares, fá-lo apenas no e ao
âmbito literário, sujeitando nada além de personagens ao pathos que ele cria. Ao dizer
“eu” ou “nós”, ele o diz do lugar de uma dessas personagens, que se relaciona com
outras por ele também construídas, dentro de um quadro de vida social também por ele
meticulosamente elaborado, como se tudo fosse uma grande peça teatral. Benites
(2011), em sua resenha à tradução das Pônticas feita por Geraldo José Albino, ressalta
que a poesia de Ovídio é cheia de recursos expressivos, geradores de farta polissemia e
conotação.
Estrutura do trabalho
ambos são poemas elegíacos muito parecidos, como veremos que o próprio poeta afirma
no início do Livro I das Pônticas, com escolhas vocabulares e de assuntos semelhantes.
No terceiro, apresentamos a tradução anotada do Livro I das Pônticas, sobre a
qual falamos abaixo e, por fim, nossas conclusões, em que fechamos nossas
considerações sobre as semelhanças genéricas e temáticas das Pônticas em relação aos
Tristes.
Sobre a tradução
Nossa tradução das Pônticas I de Ovídio pretende divulgar este livro, já que não
há, ao que saibamos, nenhuma tradução completa em forma de verso dessa obra para a
língua portuguesa publicada aqui no Brasil. Apenas conhecemos a tradução da quinta
elegia do Livro I e das sétima e oitava do Livro III feita por José Paulo Paes (1997), em
seu livro Poemas da carne e do exílio, e a tradução da primeira elegia do Livro III
realizada por Maria da Glória Novak (2003), presente no livro Poesia Lírica Latina.
Recentemente, Geraldo José Albino (2009) publicou uma tradução completa das
Pônticas, mas ela é em prosa.
O trabalho tradutório foi realizado a partir do texto latino presente na edição de
Jacques André (Les Belles Lettres, 1993). Não adotamos nenhum metro específico, mas
procuramos realizar uma tradução verso a verso, fazendo coincidir o número de versos
latinos com os portugueses e conservando o espaçamento tradicional dos dísticos – o
segundo verso sempre se inicia com um recuo um pouco maior que o do anterior -, como
é possível ver abaixo, no confronto com o original latino:
15
Cf. Pont. I, 1, 1-4.
16
Cf. Pont. I, 1, 5-6.
17
Cf. Pont. I, 3, 57.
22
Conte (1994) ressalta que o leitor que se depara com as obras de Ovídio, depois
de ver Propércio e Tibulo, se impressiona com a vastidão de sua produção e com a
variedade de gêneros utilizados, ressaltando que o poeta sulmonense não exclui, ao
“escolher” um tipo de texto, outras experiências poéticas. Hardie (2002) também
ressalta que os trabalhos de Ovídio confundem e “subvertem” as categorias
convencionais dos gêneros literários. Michael von Albrecht, em seu verbete Ovidio na
Enciclopedia Virgiliana (vol. III, 1987), diz que Ovídio é um mestre da transposição de
gêneros, que o faz de forma sutil e elegante, sem quebrar os limites dos mesmos.
Em toda a obra do poeta, o confronto entre gêneros é comum, e isso não poderia
ser diferente em relação às obras do exílio. Percebemos também nelas a presença de
características de gêneros diversos. Em relação às Pônticas, temos dificuldade em
classificá-las como pertencentes a um único gênero: são elegias, porque estão escritas
no metro elegíaco, contudo, também apresentam características de epístolas, como nos
indica o título da obra - Epistulae Ex Ponto. Tal fato chega a ser comentado por Benites
(2011), que explica que as Pônticas mesclam a poesia, com seus recursos expressivos
imanentes, sua versificação e métrica e, por outro lado, o discurso epistolar, os quais, na
literatura contemporânea, costumam se apresentar como tipos textuais bastante
diferentes. No entanto, esse autor destaca que provavelmente, no momento de sua
recepção, a obra era, ao mesmo tempo, carta e poesia. Por isso, antes de mais nada,
discutiremos no item abaixo o gênero elegíaco, e, em seguida, o epistolar.
Dictionnaire de Robert a elegia é definida como um poema lírico que exprime uma
lamúria dolorosa, sentimentos melancólicos, e, por extensão, denominaria toda obra
poética cujo tema é o lamento. Ainda de acordo com esses autores, há um ponto de vista
análogo a este observado no dicionário de Robert no Grand Larousse Encyclopédique,
que a define como um pequeno poema lírico sobre um sujeito geralmente sensível e
triste. Já o dicionário Houaiss da língua portuguesa traz as seguintes acepções para o
termo: 1. um poema grego ou latino composto de hexâmetros e pentâmetros alternados;
2. um poema consagrado ao luto ou à tristeza; e 3. referência a um sentimento queixoso,
de dó ou tristeza.
Tanto Luck (2008) como Gaillard e Martin (1990) afirmam que a elegia surgiu
na Grécia no século VII a.C, e, de acordo com os últimos pesquisadores mencionados,
ela se constituiu na Grécia e em Roma, assim como a sátira e a epopeia, com uma
estrutura métrica facilmente identificável - o dístico elegíaco, que é formado por
um hexâmetro datílico, cujo quinto pé é um dátilo, e um pentâmetro18.
18
Achamos por bem tecer alguns comentários mais técnicos acerca do dístico. Moura (2007), em artigo
publicado no periódico Cadernos de Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina, declara que,
em geral, cada dístico encerra um pensamento completo; e, quando, no lugar disso, utiliza-se o
enjambement, este é usado com diversas finalidades, como a de ressaltar determinada ideia ou
personagem.
No hexâmetro, ainda citando Moura (2007, p. 57), tem-se uma sequência de seis pés métricos
acentuados, em que se alternam, da primeira à quinta posições, dátilos (sequência formada por uma sílaba
longa, seguida por duas breves) e espondeus (sequência de duas sílabas longas), sendo chamado de
hexâmetro datílico aquele cuja quinta posição é ocupada por um dátilo; espondaico, aquele cuja mesma
posição é ocupada por um espondeu. Quanto ao último pé, esse pode configurar-se por um espondeu ou
por um troqueu (sequência formada por uma sílaba longa e uma breve), indiferentemente. Essa
pesquisadora também destaca o emprego da cesura, pausa de respiração na leitura que, para o hexâmetro,
costumeiramente se faz após o quinto meio pé (cesura pentemímere), que cinde o terceiro pé métrico,
marcando-lhe o tempo ou ritmo o ictus latino, em (3) + (3) + (3). Com ela, possibilita-se o destaque de
dois termos: o que a antecede, por encerrar um pensamento e deixá-lo em suspenso, e o que lhe segue, por
abrir novo movimento no verso.
Já o pentâmetro, conclui Moura (2007), verso que acompanha, no dístico, o hexâmetro, tem sua
possibilidade de variação mais reduzida, demonstrada pela própria apresentação fixa do segundo
hemistíquio, sendo ele iniciado após a cesura (cuja posição é aqui obrigatória), e seguindo o esquema de
dois dátilos e uma sílaba final obrigatoriamente longa (no hexâmetro, a quantidade final era indiferente,
i.e., breve ou longa). Caberá ao primeiro hemistíquio, portanto, possibilitar ao autor certa maleabilidade
poética, uma vez que ele pode ser composto por um dátilo ou um espondeu no primeiro e segundo pés
métricos, a última sílaba pode ser longa ou breve.
25
Gaillard e Martin (1990) ressaltam, porém, que a elegia na Grécia não era e nem
podia ser concebida como um gênero literário, pois “havia na literatura grega poemas
escritos em dísticos elegíacos, mas que não apresentavam unidade de tom nem de tema,
e eles pertenciam a categorias cuja diversidade salta aos olhos: um epigrama, um poema
didático e uma sátira, por exemplo, podiam ser escritos em dísticos elegíacos”19.
Silva (2009) corrobora essa ideia, contando-nos que, já na época de seu
surgimento, o dístico elegíaco era usado em inscrições (como já afirmaram Gaillard e
Martin) ou em poemas – de extensões distintas - cantados ao som da flauta e os temas
eram bastante variados como, por exemplo, celebrações religiosas, feitos militares,
dedicatórias e epitáfios. Bem (2007) também fala de o dístico elegíaco, quando de seu
surgimento na Grécia, ser utilizado na composição de cantos de lamento que eram
geralmente entoados em celebrações fúnebres – conforme afirmado anteriormente . De
acordo com Spalding (s/d, p. 76), a elegia pode ser considerada como uma “transição do
ritmo uniforme da epopeia [escrita em hexâmetros] para a variedade quase infinita dos
sistemas líricos [a lírica se utiliza de metros variados]; era, portanto, a mediadora entre
epopeia e poesia lírica”.
Observa-se, então, a problemática que gira em torno da definição do termo
elegia, já que havia unidade métrica, o dístico elegíaco, mas não temática: não há como
definir qual tema ou temas cabem a esse gênero, o que o caracterizaria é a métrica, a
utilização do dístico elegíaco. Contudo, gêneros que possuíam características distintas
entre si, como a sátira e o epigrama, por exemplo, conforme explicitado anteriormente,
podiam usar o dístico elegíaco sem perder as características próprias de cada gênero.
Então, embora toda elegia seja escrita em dísticos, o dístico também pode ser utilizado
por outros gêneros poéticos. Por isso, Gaillard e Martin (1990) ressaltaram a dificuldade
de caracterizar a elegia como um gênero na Grécia Antiga, pois, a despeito da estrutura
métrica do dístico, a elegia não se caracterizaria como um devido a essa diversidade
temática. O dístico elegíaco é o caracterizador da elegia, mas não é um metro utilizado
apenas por ela.
Silva (2009) conta que os adeptos do dístico elegíaco na época de seu
surgimento eram Calino, Tirteu e Mimnermo, e que o tema amoroso não era o principal
19
“...il y a dans la littérature grecque des poèmes écrits em distiques dits élégiaques, mais ces poèmes ne
présentent ni unité de ton ni unité de théme, et ils appartiennent à des catégories dont la diversitê saute
aux yeux: une epigramme, um poème didactique, une satire, peuvent être écrits em distiques élégiaques.”
26
e apenas foi tratado pelo terceiro poeta citado. No período alexandrino, a elegia (citando
ainda Silva, 2009), tornou-se popular por meio dos autores Calímaco e Fílitas, que se
preocupavam bastante com a temática amorosa que se relacionava a heróis e heroínas
mitológicos. De acordo com essa autora, esses poetas teriam influenciado a elegia
romana, em que a temática amorosa foi mais utilizada.
Bem (2007) comenta que, entre os romanos, um dos registros mais antigos do
dístico elegíaco encontra-se em Ênio, mas foi Catulo o poeta que utilizou essa medida
com mais frequência; a partir dele até Ovídio, o metro elegíaco latino teria conhecido
seu período de grande aprimoramento técnico. Luigi Alfonsi em seu verbete Elegia na
Enciclopedia Virgiliana (vol. III, 1987) afirma que a primeira composição elegíaca
romana é Thalia maesta, de Cícero, e que Catulo se sobressaiu escrevendo, em Roma,
muitos poemas sobre a vida amorosa de seu eu-poético e a morte de seu irmão.
Observa-se, então, que há concordância com o fato de Catulo ter se destacado tanto pelo
uso do dístico elegíaco em suas composições, quanto pela temática amorosa e
lamentosa, como apresenta Alfonsi, mas há divergência em relação a qual autor romano
teria utilizado inicialmente esse metro em Roma, principalmente ao considerarmos a
distância temporal entre Ênio e Cícero.
No período augustano, é com Tibulo, Propércio e Ovídio que a elegia romana se
torna um gênero com uma temática mais definida, que seria o amor. Trevizam (2003),
em A elegia erótica romana e a tradição didascálica como matrizes compositivas da
Ars amatoria de Ovidio, afirma que, numa primeira abordagem, o modelo elegíaco para
esses três poetas citados como mais importantes nesse período pode ser definido como
um gênero poético em que se expressa, sobretudo, a concepção da experiência amorosa
como angústia, como Conte (1994) também já havia ressaltado ao falar do metro
elegíaco. A temática seria, sobretudo, acerca de situações de um envolvimento amoroso
instável, que dificultaria a plena satisfação dos anseios do apaixonado quanto à
condução do relacionamento. Tudo giraria em torno, então, de um amor lamentoso
(junção entre amor e lamento).
Bem (2007) ressalta que, ao pensarmos em elegia romana, é normal
imaginarmos a persona do poeta apaixonado, e que o objeto desse amor seria a figura da
puella. Então, segundo ela, teríamos os três principais elementos da elegia romana: “o
27
Ele parece obcecado em destacar seu relacionamento com Cíntia, a puella que
ele criou para viver com sua persona. Para Luck (2008), esse autor vê o amor como algo
transcendental, servindo para enaltecer valores como a nobreza, o poder e a riqueza.
Vale ressaltar, contudo, que a obra de Propércio, como já era de se esperar após
discutirmos a diversidade de temas elegíacos, também versa sobre outros temas, embora
o amor não deixe de estar presente: passagens amorosas de fábulas mitológicas são
apresentadas, por exemplo. Segundo Silva (2009, p. 11), Propércio “busca na Mitologia
temas para mostrar que seu amor não é menor do que o dos heróis e deuses”.
Em Tibulo, também encontramos a temática amorosa; ele principiou sua obra se
declarando como um verdadeiro amante elegíaco, que preferiria sua amada às ingratas
riquezas da Vrbs. Conforme Bem (2007) assinala, também existe o núcleo temático
básico da sujeição do homem apaixonado às inclemências de uma mulher, mas,
20
“Cíntia, com o seu olhar, foi a primeira que me enfeitiçou / (infeliz, não tocado anteriormente por
nenhuma forma de paixão)”. Trecho em latim e tradução retirados de Bem (2007, p. 34), op. cit., que, por
sua vez, utilizou a tradução de Zélia de Almeida Cardoso. In: Poesia Lírica Latina. São Paulo: Martins
Fontes, 2003, p. 131.
28
diferentemente de Propércio, ele dedica seus poemas a mais de uma puellae, embora
haja uma amante principal, Délia, que seria uma suposta meretriz a quem grande parte
dos poemas foi dedicada. Ele escreveu alguns poemas de amor dedicados a outra
persona feminina, Nêmesis, e também poemas de cunho “homossexual”, “pederástico”,
dedicados a um puer nomeado Márato. Segundo Bem (2007), isso faz com que a
persona do poeta amante se apresente um pouco diferente, com um caráter instável.
Tibulo também não se limitou à temática amorosa, trazendo frequentemente o
idílio rural. Miller (2012, p. 64) destaca que “no Livro I há a recorrente fantasia de uma
tranquilidade rural como um antídoto para as corrupções da ganância, guerra e da
cidade”21.
Farrell (2012) afirma que, para Quintiliano, a diferença entre Tibulo e Propércio
se situa no “modo de composição” de cada um: o primeiro seria o dono um “estilo”
mais polido e elegante, mas há aqueles que preferem Propércio.
Já Ovídio, como Bem (2007) demonstra claramente em sua dissertação de
mestrado, introduz seu primeiro livro de elegia amorosa, Os Amores, ressaltando que se
preparava para cantar versos épicos. Entretanto, quando Cupido aparece, ri do esforço
épico do poeta e rouba um dos pés de seus versos, convertendo sua composição poética
em elegia:
21
“In Book I there is a recurring fantasy of rural ease as an antidote to the corruptions of greed, war and
the city.”
22
“Armas e violentas guerras em ritmo grave eu me preparava / Para cantar, com uma matéria adequada
ao metro. / Semelhante era o verso inferior, Cupido riu, / Dizem, e surrupiou um pé.”. Tradução retirada
de Bem (2007), op. cit..
29
puella em Ovídio, segundo Bem (2007), faria referência à própria poesia mais do que a
uma mulher amada, como aparece em Tibulo e Propércio.
A produção poética amatória de Ovídio, então, se inicia com os Amores, escritos
em dísticos elegíacos. Em torno do mesmo período de composição dessa obra, são
escritas as Heroides, cujo metro é o mesmo dos Amores, mas em que chama a atenção o
modo como se lida com o gênero elegíaco romano. Depois teríamos os dois livros da
Ars Amatoria, logo seguidos pelos três do Remedia Amoris. No mesmo período, são
produzidos os Medicamina Femineae Faciei e, depois, as Metamorphoses, poema épico
dividido em quinze livros.
A peculiaridade de Ovídio ao trabalhar com gênero é tamanha que Conte (1994,
p. 342) afirma que:
“Adherence to a genre such as love elegy does not mean for Ovid, as it did for his predecessors, an
23
absolute life choice, centered on love. In particular it does not delimit a horizon or exclude other poetic
experiences, as was the case of love poets, who were bound to a practice of poetry that was suitable for
their modes of life”.
30
24
Em nossas análises, retomaremos e discutiremos melhor essa questão da inferioridade da produção
poética de Ovídio na época do exílio.
31
como inferiores. Prata (2007) ressalta que recentes trabalhos têm reavaliado a poesia do
exílio, mostrando que, em termos de complexidade e drama, estes poemas certamente
continuam com os padrões dos trabalhos anteriores ao exílio com um nível de
intensidade inclusive maior, já que, ao afirmar em muitos momentos nos Tristes, que
essa não está lapidada, mas sim bruta e triste como a sorte de seu protagonista - mascara
o sutil e intrincado jogo intertextual que se configura entre ela e a épica virgiliana, por
exemplo, um dado que será melhor explorado no segundo capítulo desta dissertação,
quando compararmos essa obra com as Pônticas.
Desse modo, de acordo com Michael von Albrecht em seu verbete “Ovidio” na
Enciclopedia Virgiliana (vol. III, 1987), Ovídio não apenas se esmera para compor o
gênero elegíaco, mas também tenta transcendê-lo, estabelecendo muitas vezes um
confronto genérico, evidente em suas obras. Assim, a produção de exílio ovidiana, além
de apresentar características elegíacas, traz inclusive elementos que encontraríamos em
epístolas, conforme discutimos.
Pérez Vega (2000) defende a ideia de que, com os Tristes e as Pônticas, Ovídio
cria um gênero novo, cujo fundador e inclusive assunto é ele mesmo, e, como no caso
das Heróidas, Arte Amatória, Fastos e Metamorfoses, e, em geral, tudo o que Ovídio
escreveu e inovou, é o resultado de seu uso novo ou revolucionário de materiais e temas
tradicionais. O dístico elegíaco, como essa pesquisadora destaca, era a combinação de
versos usada na poesia amatória – uma das causas declaradas do desterro, e também se
considerava – e ainda se considera - que sua origem estava no lamento. A elegia então
servia como um perfeito veículo de expressão de nostalgia.
Assim, torna-se interessante retomar a ideia de que, apesar de a elegia ter se
consagrado com a temática do amor em Roma, o tom lamentoso não deixava de estar
presente nas obras do exílio. Como elucida Bem (2007, p. 208), a elegia latina continha
um tom queixoso, pois “o amans, ‘interpretado’ pelo poeta, sofre em demasia pelo amor
que devota a uma mulher de conduta duvidosa e, à mercê de seus caprichos, quase
padece por ser totalmente sujeito a ela.”
Ovídio, conforme Prata (2007) explicita, faz uso de um tom lamurioso, que,
como vimos, é comum ao gênero elegíaco – mesmo nas temáticas amorosas, o lamento
amoroso é o mais presente, segundo Bem (2007) -, e Ovídio explora, em particular, a
comoção, visto toda a situação do exílio ser apresentada como algo trágico: além do
32
exílio em si, o lugar é ruim, a língua falada nele também e os habitantes não eram
civilizados.
Os Tristes e as Pônticas, então, são obras escritas em dístico elegíaco e versam
sobre a nova situação do poeta e não mais sobre uma temática amorosa. Ambas são
elegias, diferentes em relação ao que se escreveu em Roma, ou seja, o foco não é o tema
amoroso, mas sim o lamento. E ambas possuem caráter de epístola. As Pônticas talvez
mais fortemente por já nos trazer tal informação no próprio título latino – Epistulae ex
Ponto.
Assim, vamos averiguar, no capítulo seguinte, como se dá a epistolaridade
dentro desta obra. Para discutirmos bem isso, apresentaremos primeiro como se dá o
caráter epistola nas Pônticas e, no capítulo 2, analisaremos essas características em
comparação aos Tristes.
25
“Verás que, embora não tenha um título que inspire compaixão, / não é menos triste do que aquele que
antes escrevi. / É igual no assunto, o título difere, e a carta informa, / sem ocultar o nome, a quem é
endereçada.”
33
“As poucas regras sobre a escrita de cartas que nos restaram ou estão
dispersas na correspondência do período, ou integram tratados de
retórica. A inclusão nesses tratados de capítulos específicos sobre a
escrita de cartas pode sinalizar, contudo, a importância que o gênero
epistolar passou a ter.” (p. 17 - 18)
26
Albino (2009), em sua introdução à tradução das Pônticas, comenta que se trata de cartas poéticas, em
que mulheres legendárias, como Penélope, Fedra e Dido, ou também personagens reais como Safo,
escrevem aos maridos ou amantes distantes. Eram 14 cartas no início, entretanto, por volta do ano 8 d. C.,
mais sete foram acrescentadas à obra: a da poetisa Safo, três de heróis mitológicos – Páris, Leandro e
Acôncio -, e mais outras três com as respostas das heroínas Helena, Hero e Cidipe aos respectivos
amantes.
34
Então, num período que cobre cerca de cinco séculos - desde o século I a.C. até
o século IV d. C, -, Tin sinaliza que menções a cartas aparecem nas obras de Demétrio
(que escreveu De elocutione entre os séculos I a.C. e I d.C, primeira obra a expor regras
teóricas sobre epistolografia, porém em forma de um excurso), Filóstrato de Lemnos
(autor do De epistulis, do século III d.C, dirigido a Aspasius de Ravena por este não
saber, segundo o pensamento do primeiro, utilizar um estilo adequado ao escrever
cartas) e Caio Júlio Victor (o primeiro a dedicar um capítulo à escrita de cartas, dentro
de sua Ars rhetorica, que está repleta de paráfrases de Quintiliano), além de
informações dispersas nas epístolas de Cícero (106 - 43 a. C.), de Sêneca (4 a. C. - 65 d.
C.) e de Gregório Nazianzeno (329 - 390, um padre que, na epístola 51, dirigida a
Nicóbulo, comenta a dúvida do último sobre a extensão de uma carta). O interesse
dessas referências antigas é patente, conforme Tin (2005, p. 18), “uma vez que são as
primeiras teorizações sobre epistolografia de que se tem notícia e documentação”.
Para entendermos um pouco melhor como essas referências eram feitas, fomos
buscar trechos que falavam sobre a escrita de cartas nas epístolas de Cícero e Sêneca
principalmente por, de acordo com Tin, “terem sido eleitas como modelos de escrita
epistolar, sobretudo durante o Renascimento, nos séculos XV e XVI”.
Na Epistulae ad Atticum 12, 53, Cícero diz que a carta se assemelha a uma
conversa, mas de modo escrito:
Ego, etsi nihil habeo, quod ad te scribam, scribo tamen, quia tecum
loqui videor.27
27
“Eu, apesar de não ter nada para te escrever, escrevo mesmo assim, porque parece que falo contigo.”
Tradução feita por mim.
35
Haec quae est a nobis prolata laudatio obsignata erat creta illa
Asiatica quae fere est omnibus nota nobis, qua utuntur omnes non
modo in publicis sed etiam in privatis litteris quas cotidie videmus
mitti a publicanis, saepe uni cuique nostrum.29
Na epístola 55, 11, Sêneca transmite a ideia de que a carta tornaria “presente” a
pessoa a quem se escreve, o destinatário:
Video te, mi Lucili; cum maxime audio: adeo tecum sum, ut dubitem,
an incipiam non epistulas, sed codicellos tibi scribere.31
Um pouco mais adiante, na epístola 75, 1-2, afirma que a carta não deve parecer
artificial, mas coloquial e pouco elaborada, como uma conversa entre amigos:
“Nada eu teria para escrever: não ouvi nenhuma novidade e, a todas as tuas cartas respondi ontem.
28
Mas, como a aflição me priva do sono e também não me deixa ficar acordado sem uma imensa dor,
comecei a te escrever sem assunto determinado, pois assim quase falo contigo, e é só isso que me
acalma.”
“Este testemunho feito por nós foi confirmado com aquele barro Asiático com o qual nós estamos
29
quase todos familiarizados. Todo mundo usa-o em cartas públicas e privadas tais como nós vemos todo
dia sendo enviadas pelos arrecadadores de impostos, frequentemente para cada um de nós.”
30
“Mas para não exceder a dimensão normal de uma carta, que não deve encher a mão esquerda do
leitor, adiarei para outra altura esta discussão com os dialécticos, gente em excesso subtil, e cuja única
preocupação é esta, e apenas esta!” Tradução retirada de Sêneca. Cartas a Lucílio. Tradução, prefácio e
notas de J. A. Segurado e Campos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1991, p. 154.
31
“Estou a ver-te diante de mim, Lucílio amigo, estou mesmo a ouvir a tua voz; estou de tal modo perto
de ti que já não sei bem se te vou escrever uma carta, ou apenas um recado para enviar a tua casa!” (op.
cit., p. 190).
36
Desse modo, como Tin verificou, alguns traços comuns parecem unir todas as
concepções epistolares da Antiguidade, pois a carta seria definida como um diálogo
entre amigos e, como tal, deveria ser breve e clara, adaptando-se aos seus destinatários e
empregando o estilo mais apropriado.
O Anônimo de Bolonha, em seu tratado Rationes dictandi (1135), traduzido por
Tin (2005, p. 83), ressalta que “uma epístola ou carta [...] é o adequado arranjo das
palavras assim colocadas para expressar o sentido pretendido por seu remetente. Ou, em
outras palavras, uma carta é um discurso composto de partes ao mesmo tempo distintas
e coerentes, significando plenamente os sentimentos de seu remetente”.33 E divide a
epístola em cinco partes, as quais apresentamos resumidamente abaixo:
“Saudação (salutatio): é uma expressão de cortesia que transmite um
sentimento amistoso compatível com a ordem social das pessoas envolvidas.
Captação da benevolência (captatio benevolentiae): é uma certa ordenação das
palavras para influir com eficácia na mente do destinatário. Isso pode ser assegurado
numa carta por cinco modos: pela pessoa que envia a carta, ou pela pessoa que a recebe,
ou por ambas imediatamente, ou pelo efeito das circunstâncias, ou pela matéria em
questão. Mas apenas será assegurada pelo remetente se menciona humildemente alguma
coisa sobre seus negócios, suas obrigações ou razões.
32
“Tens-te queixado de receberes cartas minhas escritas sem grandes pruridos de estilo. Mas quem é que
escreve com pruridos se não aqueles cuja pretensão se limita a uma eloquência empolada? Se nós nos
sentássemos a conversar, se discutíssemos passeando de um lado para o outro, o meu estilo seria
coloquial e pouco elaborado; pois é assim mesmo que eu pretendo sejam as minhas cartas, que nada
tenham de artificial, de fingido! Se isso fosse possível, eu preferia mostrar-te o que sinto, em vez de o
dizer. Mesmo que eu estivesse discutindo contigo não me iria pôr na ponta dos pés, nem fazer grandes
gestos, nem elevar a voz: tudo isto seriam artifícios de oradores, enquanto a mim me bastaria comunicar-
te o meu pensamento, num estilo nem grandiloquente nem vulgar.” (op. cit., p. 305).
33
Tradução feita por Tin (2005), op. cit., a partir da tradução para o inglês de James J. Murphy (The
Principies of Letter-Writing, in: Three Medieval Rhetorical Arts, Berkeley, Los Angeles, London:
University of California Press, 1971).
37
34
Também podemos encontrar semelhanças com as observações feitas por Sêneca sobre a linguagem que
deve comportar as epístolas, i. é, o estilo deve ser pouco elaborado e próximo ao coloquial. como visto
acima.
38
Embora Quintiliano não esteja comentando sobre o bom modo de se fazer uma
epístola, podemos dizer que Erasmo de Rotterdam se apropria de seus conselhos e os
confere ao que seria o bom estilo epistolar, pois Erasmo, quando aponta como princípio
único o decorum, retoma declaradamente Quintiliano para lembrar esse princípio
fundamental da retórica: “a melhor forma de eloquência é a que melhor se adapta à
matéria, ao lugar, ao momento, à qualidade do auditório”36. Assim, a finalidade da carta
– o que será falado e para quem - determinaria seu estilo.
Ainda que haja semelhanças entre o gênero epistolar e o oratório, não se pode
deixar de considerar que a epístola supõe certa distância física entre quem fala e quem
ouve, enquanto o discurso pressupõe uma presença, podendo haver inclusive momentos
de improviso. Também deve considerar-se que o discurso oratório admite ritmo para
garantir a adesão do público, apesar de ser escrito em prosa.
35
Tradução de Marcos Aurélio Pereira retirada de hand-out entregue em disciplina ministrada por ele no
segundo semestre de 2011 no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp.
36
Apud Tin, E. A arte de escrever cartas. Campinas: Editora Unicamp, 2005.
39
Brvto
37
“A Bruto/ Nasão, que já não é um novo habitante da terra tomitana, / a ti envia esta obra do gético
litoral. Se estás livre, Bruto, acolhe com hospitalidade estes livrinhos forasteiros / e esconde-os em algum
lugar, qualquer que seja.”.
38
O remetente e o autor têm o mesmo, mas não podemos afirmar que se tratam da mesma pessoa.
“Ah, quantas vezes eu disse: « Certamente não ensinais nada vergonhoso, / ide, aquele lugar está
39
Ovídio, o autor parece sentir-se “obrigado” a ter alguém a quem escrever, nesse caso,
Bruto.
Pode-se pensar, diante disso, que o esquecimento de Brutus confere um caráter
mais ficcional, mais elegíaco e menos epistolar, relembrando que a epístola pressuporia
uma conversa à distância entre quem escreve e a quem se escreve.
Analisemos o que também ocorre com o destinatário na segunda elegia do Livro
I:
Fabio Maximo
“A Fábio Máximo / Máximo, que preenches a dimensão de tamanho nome / e duplicas tua origem pela
41
nobreza de teu caráter, /para que pudesses nascer, ainda que sucumbissem trezentos, / não roubou um dia
a todos os Fábios, / talvez perguntes quem te envia esta carta, / e vou te falar por quem, pois certamente
desejas saber. / Pobre de mim! O que farei? Temo que, ao ler meu nome, / leias de forma dura e com o
pensamento hostil o restante!”
42
“Aceita, Máximo, eloquência da língua romana, / o delicado patrocínio desta difícil causa.”
“Ouvir isso poderia comover o espírito de César, se contudo, / Máximo, antes tiver comovido o teu.”
43
41
O poeta parece falar com pulcherrima Roma, seu novo destinatátio, mas não
deixa de iniciar o dístico com o vocábulo maxima, que se assemelha a Maximus, nome
do destinatário “oficial”, que já estaria ecoando na cabeça do leitor. Parece haver uma
minuciosa escolha lexical.
Com relação à explicitação do remetente, Ovídio demonstra temer dizer seu
nome e não o diz em nenhum momento, opta por definir-se por sua situação e pelo lugar
em que vive (Hostibus in mediis interque pericula uersor, / tamquam cum patria pax sit
adempta mihi45).
Na terceira elegia das Pônticas, o destinatário fica claro logo no início e, ao
contrário da segunda, o remetente também:
Rvfino
“A maior parte dos homens não se preocupa contigo, / lindíssima Roma, nem teme as armas do
44
soldado ausônio.”
“Encontro-me no meio de estrangeiros e entre perigos, / como se, junto com a pátria, a paz me fosse
45
arrebatada.”
“A Rufino / Esta saudação teu Nasão te envia, Rufino, / se um miserável pode ser caro a alguém.”
46
42
“comecei a revigorar-me com os teus conselhos/ e, quando falecia, revivi com as tuas palavras”.
47
“Tu, entretanto, esperas que, com teus consolos, / possam abandonar nosso peito as mordeduras do
48
exílio.”
“E para que não louves mais o mar que a terra, a superfície líquida, / privada do sol, sempre se
49
súplicas.”
“Entretanto, ainda que seja assim, tua intenção chegou a mim como amparo / e a considero um grande
51
bem.”
43
Para ampliar a dureza de sua pena, Nasão termina a comparação com Jasão,
destacando que este pôde voltar a pátria, enquanto ele provavelmente morrerá ali.
Por se tratar de elegia, é muito comum escrever à pessoa que se ama, no entanto,
mais uma vez, parece que o destinatário é esquecido. Numa elegia dirigida à sua esposa,
esperávamos que, logo de início, Ovídio começasse a se declarar, a falar de todo seu
sofrimento devido à separação de ambos, enfim, que o sentimento amoroso fosse
exaltado como ocorreu em suas produções anteriores às do exílio. Porém, é apenas a
“Mais dura é, portanto, nossa carga, fidelíssima esposa, / que aquela que aguentou o filho de Ésão.”
52
53
“Observa, porque veio a estas paragens o filho de Esão, / quanta glória carrega da posteridade tardia. /
Mas a carga daquele foi mais leve e menor que a minha, / se é que os grandes nomes não escondem a
verdade.”
54
“Ele teve como companheiros os melhores da terra aquiva, / enquanto todos me abandonaram em meu
exílio.”
55
“Ele foi protegido por Palas e pela rainha Juno, / nenhum poder divino defendeu minha cabeça.”
56
“Ele voltou a sua casa, eu morrerei nestes campos, / se persistir a grave ira do deus magoado.”
44
partir do verso 49, numa elegia constituída por somente 58, depois de contar
detalhadamente sobre sua velhice precoce causada por uma imensa série de desgraças –
nada relacionado à ausência de sua amada – e estabelecer a comparação entre sua sorte
e a de Jasão, que ele realmente vai proferir palavras românticas a Fábia, apresentando-
lhe seu desejo de beijá-la e conversar com ela:
Nela, a todo momento Ovídio se dirige a seu interlocutor por meio de pronomes
ou verbos conjugados na segunda pessoa do singular, e, no verso 9, evidencia mais uma
vez o nome do destinatário (Haec quoque quae legitis, si quid mihi, Maxime, credis, /
57
“Oh, se eu (queiram os deuses!) pudesse te ver assim, / levar beijos amorosos a teu modificado rosto, /
e enlaçar em meus braços teu corpo magro, / e dizer “Tua preocupação por mim fez com que
emagrecesses”, / e, aos prantos, contar a ti, que também chora, minhas desgraças, / e usufruir de tua
conversa pela qual eu já nem esperava”.
58
Ressaltemos que o destinatário Maxime apresentado nesta elegia, como assinala Herrera Montero
(2002), é diferente do da segunda: primeiramente, Ovídio se referia a Fábio Máximo, personagem
importante da política imperial, pertencente a uma família ilustre (filho do cônsul Quinto Fábio Máximo e
casado com Márcia, uma prima de Augusto); na quarta elegia, dirige-se a Cota Máximo, um de seus
melhores amigos.
59
“Aquele Nasão, que em outro tempo não era o último de seus amigos, / pede que leias suas palavras,
Máximo.”
45
Graecino
60
“Isto também que lês, se acreditas em algo de mim, Máximo, / escrevo contrariamente à mão e de
modo forçado.”
61
“A Grecino / Acaso, quando ouviu minhas desgraças – já que estava / em uma terra distante – seu
coração não se entristeceu? / Embora disfarces e tenhas medo de confessá-lo, Grecino, / conheço-te bem,
sei que ficou triste.”
62
“Portanto, a esperança, Grecino, de que se abrande minha pena / não conseguiu abandonar
completamente meu coração.”
63
“...caso acredites em algo de um amigo que não é mentiroso”.
46
Messalino
“A Messalino / Carta em vez de palavras a ti, Messalino, esta saudação / que lês vem do cruel geta. /
64
Indica o lugar o autor? Ou a não ser que leias o nome / não percebes que eu isto escrevo, Nasão? / Jaz
algum dos teus no extremo do mundo, / a não ser eu, que continuo pedindo tua amizade?”
65
“Em qualquer posto que queiras, inclua-me, Messalino”.
66
“e se as penas que Nasão sofre não te doem, por te parecer que ele as mereça”
47
uma curiosa simetria, comprovando a engenhosidade do poeta e que ele não estava
apenas preocupado em escrever cartas ou elegias para conseguir o perdão e se livrar do
exílio. Herrera Montero (2002, p. 16) apresenta esquematicamente essa simetria:
Essa ordenação das Pônticas, conforme Pérez Vega (2000) salienta, não
corresponde com a data de composição, como era frequente nas coleções de poemas da
época de Augusto, que se ordenavam com critérios artísticos. Não se procurava
construir tanto a criação de simetrias por si mesmas, como talvez dar um significado
concreto ou especial relevância a determinados temas, que se destacam mais de acordo
com seu lugar de aparição. De acordo com os costumes da época, é bem provável que a
maior parte das elegias das Pônticas tenham sido enviadas a Roma logo após terem sido
escritas.
A organização da obra já se nota pelo fato de as elegias que abrem cada um dos
três primeiros livros serem programáticas (Pérez Vega, 2000). A primeira, direcionada a
Bruto, apresenta a coleção e comenta sobre a poesia em geral. A que abre o Livro II
trata de um tema oficial da máxima importância política, como o triunfo de Tibério do
ano 12 d. C., num momento em que ainda não havia um herdeiro claro para o
principado. O terceiro livro se inicia com uma elegia de Ovídio a sua mulher, renovando
48
sua petição de mudança de lugar do desterro. A elegia IV, 1, apesar de não fazer parte
da simetria, também é considerada prólogo do Livro IV.
Ao observarmos essa construção, parece mais fácil aceitar que nem tudo o que
era dito era específico ao destinatário explícito, mas a um grupo que fica impossível de
identificar nos dias de hoje. Pérez Vega (2000: p. XXII) ressalta ainda que a primeira e
a última epístolas, ambas dirigidas a Bruto, foram escritas propositalmente para o
momento da edição, funcionando como a introdução e o epílogo da obra.
Por muitas vezes, comentamos o que o emissor disse, mas também deve-se
mencionar como ele construiu esses dizeres na língua latina ao simplesmente fazer
inversões na ordem das palavras67, pois isso gerará efeitos poéticos.
Então, o trabalho com a linguagem apresentado por Ovídio nas Pônticas mostra
que ela não tem um caráter “descuidado” como Erasmo de Rotterdam, em sua
Brevissima formula (1520), aconselhou que a epístola devesse apresentar. Por mais que
Ovídio afirme em mais de um trecho que é uma obra inferior as outras produzidas
anteriormente, isso é facilmente desmentido pela engenhosidade com que trabalha com
a linguagem - além disso, como já mencionamos, foi escrito em dísticos elegíacos.
Esse cuidadoso trabalho com a linguagem pode ser observado em diversas
passagens das Pônticas. Comentemos algumas:
Neste dístico, nota-se que o locutor separou o adjetivo Tomitanae, que fica
ecoando na cabeça do destinatário até aparecer seu substantivo terrae somente no final
do verso. Ao fazer essa separação, Ovídio realça a ideia de que a terra tomitana é muito
distante de Roma, fato mencionado durante toda sua obra, e que o envio da obra
também percorreria um longo caminho – separação de hoc e opus, deixando o Getico
Marouzeau (1922: 1) afirma que “a ordem das palavras no latim é livre. [...] Livre, no sentido que,
67
salvo exceções, não há um lugar obrigatório para cada termo na frase. Mas não indiferente, pois
geralmente duas ordens possíveis não produzem o mesmo sentido” (“L’ordre des mots en latin est libre.
[...] Libre, en ce sens que, sauf exception, Il n’y a pas pour chaque terme de la phrase une place
obligatoire. Mais non pas indifférent, parce qu’en general deux ordres possibles ne sonte pas
synonymes”).
49
litore entre eles, ou seja, atravessar o gético litoral para chegar a Roma leva bastante
tempo.
Numa outra epístola, o locutor passa a sensação da enorme duração do castigo
de Tício ao fazer a disjunção de “inconsumptum iecur”:
Non petito ut bene sit, sed uti male tutius utque69 (Pont. I, 2, 103)
Há um pedido sendo feito, representado pelo petito, termo que apresenta o t duas
vezes. Benites (2011) entende esse fonema t como uma espécie de ícone do pedido
feito. A repetição fonética, deste modo, nada mais seria que um ecoar do pedido ao
longo de todo o verso-súplica, reforçando-o conotativamente. O sentido seria ampliado
quando se verifica a ocorrência do termo tu no verso 101 (At tu tam placido quam nos
quoque sensimus illum70), o vocativo que inicia o pedido, o que reforça a carga de
convencimento, sendo que o termo reaparece, paranomasticamente, no verso 103, em ut,
em uti e, de forma integral e duas vezes em tutius.
“Desta maneira, o fígado de Tício sempre renasce intacto/ e não perece para poder perecer muitas
68
outras vezes”.
69
“Não pedirá que esteja bem, mas mal”.
70
“Mas tu, frente a um juiz tão plácido como já experimentei, utiliza”.
50
71
“La producción elegíaca de Ovidio perteneciente a la época del destierro forma un bloque bastante
homogéneo, compuesto de cinco libros de Tristes y cuatro de Cartas desde el Ponto. Ambas obras son
muy similares: poemas elegíacos en forma de cartas, cuyo contenido no es outro que el lamento reiterado
por la desgraciada situación en que se encuentra el poeta; aunque difieren en pequeños detallles, como es
el que en las Pónticas se citan los nombres delos destinatários de las epístolas, cosa que no ocurre en las
Tristes.”
52
72
Por bem da precisão, é importante dizer que a elegia única do Livro II dos Tristes tem como
destinatário Augusto, que condenou Ovídio ao degredo.
73
“Verás que, embora não tenha um título que inspire compaixão, / não é menos triste do que aquele que
antes escrevi. / É igual no assunto, o título difere, e a carta informa, / sem ocultar o nome, a quem é
53
Comecemos, então, pela diferença mais visível entre as obras. Apesar de ambas
serem escritas em dísticos elegíacos, o que as caracterizaria como elegias, as Pônticas
possuem também um forte caráter epistolar. Nas Pônticas, contudo, os destinatários são
nomeados, enquanto que nos Tristes não, eles podem ser inferidos, mas não são clara e
diretamente nomeados.
As elegias das Pônticas, então, como foi observado no primeiro capítulo de
nossa dissertação, nomeiam nos próprios versos o destinatário, muito frequentemente
eles aparecem já nos primeiros, e às vezes mais para o meio/fim da elegia, seguindo,
inclusive, uma ordem, ao que tudo indica, planejada por Ovídio, como também
demonstramos no capítulo anterior.
Os Tristes, em compensação, não trazem o nome a quem seriam destinadas suas
“elegias-cartas”. Observemos que o próprio autor, ao comentar, no excerto acima citado
das Pônticas I, 1, as semelhanças e diferenças entre suas obras do exílio, deixa claro que
esses nomes estão ocultados nos Tristes, o que nos leva a pensar que, apesar de não
nomeá-los, os destinatários também estão presentes nos Tristes e até podemos em
alguns casos identificá-los.
A elegia I, 5 dos Tristes, por exemplo, se aproxima mais do formato das
Pônticas, trazendo um destinatário concreto74 – ainda que desconhecido - logo no
início:
endereçada. / E vós não desejais isto, mas não podeis proibir / e a musa vem para vos servir mesmo que
não queirais”. (Todas as traduções das Pônticas citadas neste texto são minhas.)
74
Prata (2002) afirma em sua análise que a quinta elegia é a primeira do livro I a apresentar
características de uma correspondência e é dirigida a um amigo íntimo, cujo nome não é expresso.
“Ó tu que nunca deves ser por mim lembrado depois de nenhum outro amigo / E a quem, sobretudo,
75
minha sorte pareceu sua, / A mim atônito, lembro-me, caríssimo, foste o primeiro / Que ousaste confortar
com tuas palavras, / Que a mim o afetuoso conselho de viver deste, / Quando havia no mísero peito o
54
Ovídio justifica a não nomeação desse receptor com medo de que este sofra
represálias, mas dá detalhes da relação de amizade. Como dá pistas de quem é o
destinatário, Prata (2009) destaca, em nota de rodapé, que tanto Lechi (1993) quanto
André (1987) sugerem que esta elegia ou pode ser dirigida ao poeta Caro ou ao poeta
Celso, de quem Ovídio chora a morte nas Pônticas I, 9. Além dessas possibilidades,
Prata (2009) acrescenta que Ferrara (1944) comenta que Lorentz (De amic. in Ov. trist.
pers.), adotando a opinião de Loers expressa na sua edição dos Tristia, sustentada
também por Koch (Prosop. Ovid. Elem.), diz ser esta dirigida a Sesto Pompeu. Então,
essa elegia I, 5 dos Tristes representa bem o que o poeta disse no início das Pônticas:
existem destinatários nos Tristes, mas eles não são nomeados.
Vemos um caso semelhante ao anterior nos Tristes I, 7, pois também se fala de
um amigo cuja identidade é ocultada. Observemos seu início:
Nos primeiros versos, temos a sensação de que o autor fala para o seu público,
seu leitor em geral, ao utilizar a expressão si quis. Contudo, no verso 5, ele se dirige a
um leitor em específico que inferimos ser seu amigo, dado o vocativo do adjetivo
“ótimo” (optime). Os versos parecem trazer como destinatário um amigo que possui um
selo com a imagem de Ovídio, coroado de heras, símbolo da poesia lírica, e também,
por que não, da poesia produzida por Ovídio antes de seu exílio: poesia amorosa e
épica. A identidade desse destinatário também é discutida e Herrera Montero, que
amor da morte, / Sabes bem a quem falo, colocando, ao invés do nome, sinais, / Não te esqueces, amigo,
de teu dever.”
76
“Se, quem quer que sejas, tiveres um rosto igual ao nosso em retrato, / Tira de meu cabelo as heras,
coroa báquica! / Esses felizes adornos convêm aos venturosos poetas: / À minha situação não é própria
essa coroa. / Que isto te foi dito oculta, ó ótimo amigo, mas escuta, / Tu que em teu dedo me conduzes e
reconduzes / E, tendo engastado minha efígie no fulvo ouro, / A cara face do relegado que podes, vês.”
55
Nota-se que Ovídio nomeia o remetente de maneira indireta, dentro do que seria
um dizer do destinatário, entretanto a identificação continua por meio de descrição de si
mesmo: autor que teve os versos que cantavam as metamorfoses dos homens
interrompidos pelo exílio.
Nos Tristes I, 8, o autor começa a se expressar como se não houvesse
destinatário específico, pois, até o verso 8, ele apenas descreve fatos impossíveis de
acontecer visto que contrariam as leis naturais: as águas dos rios profundos voltarem a
sua nascente, o sol mudar de curso, o céu ser sulcado pelo arado, a terra suportar as
estrelas, a onda lançar chamas, e o fogo lançar águas.
77
Ressaltemos que a questão da aparição do destinatário e do remetente nas Pônticas foi retratada no
capítulo I.
“Todas as vezes que a contemplares, talvez te ocorra dizer: / “Quão longe de nós o amigo Nasão está!”.
78
“Para a sua nascente retornarão do mar os profundos / Rios, e, voltados os cavalos, o Sol retrocederá, /
79
A terra suportará as estrelas, o céu será sulcado pelo arado, / A onda lançará chamas e lançará o fogo
águas, / Tudo caminhará contra as leis da natureza, / E parte alguma do mundo manterá seu caminho, / Já
já acontecerá tudo o que negava ser possível acontecer / E não há nada em que não se deva acreditar. /”
56
Porém, logo depois, nos dois versos seguintes, ressalta que não há nada em que
não se deva acreditar, pois ele não recebeu auxílio de quem acreditava que receberia
(Haec ego uaticinor, quia sum deceptus ab illo / Laturum misero quem mihi rebar
opem). Ou seja, Ovídio trouxe todas essas imagens para nos dizer que nada é
impossível, já que um amigo seu não agiu como tal, sendo desleal. Essa deslealdade,
como diz Prata (2002), seria tão inverossímil quanto os fatos citados, mas, se ela
aconteceu, pode-se acreditar em qualquer coisa.
Tudo isso foi dito sem que o poeta se dirigisse diretamente a um interlocutor,
que aparece apenas no verso 11, com o pronome de segunda pessoa te e o vocativo
fallax:
Ovídio continua sua narração, trazendo os diversos favores que teria feito a esse
suposto amigo, o que já tinham realizado juntos, ou seja, menciona o aprazível convívio
que tiveram para comprovar o que foi dito nos primeiros versos da elegia: sua
deslealdade era absurda. No meio de toda essa narração, aparecem outras referências ao
interlocutor, geralmente os pronomes tu e te, porém não é possível identificá-lo. Prata
(2002), em nota de rodapé a sua tradução, diz que alguns estudiosos levantam hipóteses
sobre a identidade desse interlocutor, como G. Ferrara (1944), que comenta que Merkel
(Trist. I, 8, 33) e Graeber (Unters. ü. Ov. Brief. p. 9) dizem que essa elegia é dirigida a
Macro, companheiro de Ovídio na viagem para a Sicília e Ásia (ex P. II, 10, 21 e ss.),
como também cogita a possibilidade de ser o poeta Pompeu Macro, a quem é
endereçada a elegia 18, do livro II dos Amores.
A imagem do remetente nessa elegia I, 8 tampouco é apresentada claramente,
apenas podemos dizer que se trata de um amigo traído que se sentiu inconformado com
a atitude de quem considerava um verdadeiro companheiro.
“De ti, falaz, se apoderou um esquecimento tão grande de mim, / E tiveste um temor tão grande de te
80
aproximar de um aflito, / Que não tens olhado nem consolado a mim, abatido, / Ó cruel, nem tens
acompanhado minhas exéquias?”
57
Observemos agora o início de uma elegia de outro livro dos Tristes, que,
diferentemente das citadas anteriormente, parece trazer como destinatário seu leitor em
geral e não alguém específico:
“Também este livrinho, meu admirador, ajunta / Aos quatro outros enviados do litoral gético!”.
81
82
“Il lettore benévolo aggiunga questo libro dei tristia ai precedenti quattro già inviati a Roma.”
58
A questão dos destinatários é tão particular que Ovídio traz, nos Tristes, um que
não é de carne e osso: o próprio livro. Este também chega a aparecer como remetente
nas elegias III, 1 e V, 4. Observa-se, então, que o livro é personificado, ou seja, tem
ouvidos para escutar suas palavras e boca para expressar seus pensamentos.
Observemos, inicialmente, o que acontece já na primeira elegia dos Tristes:
Ovídio, então, iniciou sua elegia dirigindo-se ao livro – vê-se o vocativo parue
liber84, e do começo ao fim dá conselhos a ele de como se apresentar e agir em Roma,
lugar onde lamenta não poder mais ir. O vocativo liber também aparece em outros
momentos da elegia, mais especificamente nos versos 15, 49, 87 e 125:
83
“Ó meu pequeno livro - e não invejo - irás a Roma sem mim: / Aonde, ai de mim!, a teu senhor não é
permitido ir.”
84
Chamou-nos a atenção a semelhança entre o som do vocábulo parue, que inicia a primeira elegia dos
Tristes, e o do vocábulo Maxime, que dá início à segunda elegia das Pônticas (Maxime, qui tanti
mensuram nominis inples...). A impressão que nos dá é que Maxime ecoa parue, e ambos são o oposto: o
grande e o pequeno – o livro seria pequeno segundo o autor.
“Vai, livro, e saúda com minhas palavras os lugares que me são caros!”
85
86
“Finalmente, lembra-te de ir, meu livro, sem te importares com tua fama, / E sem te envergonhares de
ser lido e não agradar.”
87
“Logo, acautela-te, ó livro, e com espírito receoso observa / Para que te contentes em ser lido pela
gente comum!”
60
88
“E se tu, ó meu livro, levasses contigo todas as coisas que me ocorrem, / Estarias com um fardo muito
pesado para quem te carregue.”
61
Observa-se que o remetente fica explicíto logo no primeiro verso e que não se
trata apenas de um livro qualquer, mas do livro de um exilado (liber exulis), obra que
não envergonharia o leitor por não ter nenhum verso que ensina a amar. Nota-se já no
início um alerta de que o conteúdo do livro não se relaciona ao da à Arte de Amar, que,
conforme discutimos na introdução, era provavelmente uma das possíveis causas do
exílio do poeta. É interessante observar, então, que, quando o livro está em questão,
como destinatário na elegia I, 1 ou como remetente agora na elegia III, 1, Ovídio
enfatiza a questão de sua obra não cantar o amor e distanciar-se desse assunto.
No decorrer da elegia III, 1, percebemos que o livro continua tendo voz, ou seja,
ele é o remetente de toda a elegia:
Nos versos 19 e 20, observamos que o livro pergunta aos leitores onde deve ir e
quais casas procurar, ou seja, ele pede uma indicação de que caminho ele, o livro de um
exilado, deve seguir. Nos versos 53 e 54, o livro parece carregar os mesmos “medos”,
pois sua letra chega até a tremer.
89
“Enviado a esta Cidade, eu, livro de um exilado, chego receoso: / Estende, leitor amigo, tua mão
benevolente a alguém exausto / E não temas que eu te possa envergonhar! / Verso algum destas páginas
ensina a amar.”
90
“Dizei, leitores, se não vos é penoso, para onde se deve ir / E quais casas procurar um livro estrangeiro
na Cidade.”
91
“Ai de mim! Receio este lugar, receio o soberano, / E treme-se minha letra com inquietante medo.”
62
Vemos que apesar de a carta ter sido escrita por Ovídio – Nasonis epistula, não é
ele quem tem voz na elegia, mas ela. Tal fato não ocorre nas Pônticas I, que traz o
próprio Nasão como emissor.
Observamos que o livro ou a epístola como destinatário ou ganhando voz dentro
da elegia ocorre apenas nos Tristes, nas Pônticas I não encontramos nada semelhante a
isso.
É interessante observar que, nesse caso acima, Ovídio destaca que não é ele
quem está escrevendo, no sentido de usar suas próprias mãos, já que se diz
debilitado. No entanto, trata-se de uma epistula segundo o primeiro verso dos Tristes
III, 3.
“Do litoral euxino, eu, a carta de Nasão, chego, / Debilitada pelo mar, debilitada pelo caminho.”
92
“Se acaso te admiras de esta minha carta ser escrita / Por mãos alheias, é porque estou doente, / Doente
93
Nessa outra elegia, fica evidente que é a própria carta que fala em primeira
pessoa e se autodenomina epistula.
No livro V dos Tristes, o poeta apresenta novamente essa “classificação” de sua
obra:
O uso do termo epistula para definir, às vezes, sua produção nos chamou a
atenção, pois ambas as obras, tanto os Tristes como as Pônticas, são compostas por
elegias, como González Vázquez (1992) nos diz, com mais ou menos características de
cartas, mas não em sentido stricto sensu. Isso nos leva a não considerar, por exemplo,
que ambas seriam elegias com aspectos de epístola, sendo que as Pônticas apresentam
um caráter epistolar mais acentuado. Sabendo que Nasão é o mestre da composição de
gêneros e que sempre ultrapassa os limites dos mesmos, como nos diz Albrecht (1987),
não esperaríamos outra coisa.
94
“Do litoral euxino, eu, a carta de Nasão, chego, / Debilitada pelo mar, debilitada pelo caminho.”
“A carta que lês te chega daquela terra / Onde o largo Istro se soma às águas do mar.”
95
“É igual no assunto, o título difere, e a carta informa, / sem ocultar o nome, a quem é endereçada.”
96
“...talvez perguntes quem te envia esta carta, / e queiras te certificar de quem está falando contigo.”
97
64
Fica claro tanto nas Pônticas como nos Tristes que Ovídio não está mais em sua
terra natal, encontra-se exilado em terras estrangeiras. Observemos, mais uma vez, o
dístico que inicia os Tristes:
Ovídio, no trecho citado, inicialmente deixa claro que não está em Roma,
enquanto que, no início das Pônticas, ele esclarece que está no gético litoral:
98
“Ó meu pequeno livro - e não invejo - irás a Roma sem mim: / Aonde, ai de mim!, a teu senhor não é
permitido ir.”
99
“Nasão, que já não é um novo habitante da terra tomitana,/ a ti envia esta obra do gético litoral. /Se
estás livre, Bruto, acolhe com hospitalidade estes livrinhos estrangeiros”
100
“Que tens com o Ponto? Acaso a ira de César também a ti / Enviou a esta terra nos confins de um
gélido mundo?”
“Também este livrinho, meu admirador, ajunta / Aos quatro outros enviados do litoral gético!”
101
“Relegado, mandaste-me conhecer as regiões do Ponto / E o mar cítico sulcar em nau proscrita. /
102
Cumprindo ordens, aos horrendos litorais do mar Euxino / Cheguei a esta terra que jaz sob o gélido pólo.”
65
Pode-se pensar que a insistência no fato de se dizer várias vezes onde está se dá
porque o local onde ele se encontra influencia, de acordo com o poeta, sua produção,
pois também teria perdido seu público leitor, tendo apenas bárbaros para ouvir seus
versos, ou seja, escreveria a si mesmo:
“ Mas não há para quem declamar meus versos, nem quem / Possa ouvir e compreender palavras
103
latinas. / É para mim mesmo – que fazer, afinal? – que escrevo e leio, / E meus escritos não têm que temer
seu julgamento. / Mas amiúde digo: ‘Para quem se empenha tal fadiga? / Acaso meus versos os sármatas
e os getas lerão?’”
“Mas, penso que, sentindo falta da terra onde nasci, / tivesse a sorte de estar, pelo menos, em um lugar
104
humano: / jazo abandonado nas areias da extremidade do mundo, / onde a terra encoberta suporta neves
perpétuas.”
66
A distância de sua terra natal, como Ovídio faz questão de destacar sempre, não se
deu por sua própria vontade, mas por uma dura decisão de Augusto:
O poeta mostra, então, em vários momentos nos Tristes e nas Pônticas, como no
excerto citado acima, seu descontentamento com a decisão de Augusto de tê-lo banido
105
“O próprio temor, todavia, impede-me de realizar tranquilo o trabalho: / Este lugar, cercado por
inimigos inumeráveis, detém-me. /Acresce que o engenho, prejudicado pela longa inércia, / Entorpece-se
e é muito inferior a antes.”
“Embora outros tenham sido por ti banidos por motivos mais graves, / A ninguém que não a mim foi
106
destinada terra mais distante; / Mais além dessa nada há senão apenas frio e inimigos / E ondas do mar
congeladas pelo frio glacial. / Até aqui é romana a parte esquerda do Ponto, / Bastarnos e sármatas
ocupam as proximidades, / Esta é a última terra sob domínio ausônio, / E custosamente jaz nas margens
de teu império.”
67
para uma terra tão distante e inóspita, já que tal pena não foi imputada a outros que
cometeram crimes mais graves.
O autor sulmonense, ao comentar ao leitor a pena que foi a ele imputada por
Augusto, diz ter sido o imperador leve ao nomear a pena, pois ele foi relegado e não
exilado:
Como vemos nessa passagem, o autor nos informa que foi chamado de relegatus
e não de exul, uma vez que sua pena foi a relegatio, como ele mesmo nos informa na
elegia V, 2b:
“Foi, todavia, leve ao nomear a pena: / Porque sou nele chamado relegado, e não exilado, / E te
107
109
“...nada impede aos nascidos / de um exilado desfrutar a cidade desde que respeitadas as leis”.
110
“A morte certamente fará, quando ela vier, com que eu não seja um exilado / mas também a morte
minha culpa não poderá apagar”.
“Não pedirá que esteja bem, mas mal, / no entanto, em segurança, e que meu exílio esteja afastado do
111
impetuoso inimigo”.
“... que minhas cinzas mal compostas, como certamente é digno de um exilado.”
112
“Tu, entretanto, esperas que, com teus consolos, / possam abandonar nosso peito as mordeduras do
113
exílio.”
“Nelas desiste de buscar meu talento / para que não pareças desconhecedor de meu exílio.”
114
“E de tantos expulsos eu sou o único que é soldado em seu exílio: / os outros, não me ressinto, se
115
118
“Enviado a esta Cidade, eu, livro de um exilado, chego receoso”.
“Ai de mim, se, quando te chamam de mulher do exilado, / Desvias o rosto e o pudor te cora a face!”
119
120
“O que te devo seria conhecido em toda a Urbe, / Se, exilado, todavia, sou lido na cidade que perdi.”
121
“Que eu não saiba quem te chamou em uma discussão / De mulher de um exilado queixa-se tua carta.”
“Se é licito servir-se de grandes exemplos no pequeno, / Este era o aspecto de Tróia quando
122
capturada”.
70
Temos, nesta passagem uma interessante comparação entre o livro e Eneias. Nos
dois primeiros versos, Ovídio faz referência ao episódio da saída de Eneias de Troia
quando ela é destruída, e, nos dois últimos, compara o livro com Eneias: assim como
este, aquele também carrega nas costas um pai, um Enéada, Augusto, descendente de
Eneias, a quem foi dado o título de pater patriae, então mais poderoso que Anquises
que só é pai de Eneias. Essa alusão à Eneida serve para corroborar as semelhanças entre
os Tristes e as Pônticas, mantendo o universo épico no segundo via o primeiro.
123
“Quando a cerviz de Eneias carregava seu pai, / diz-se que o próprio fogo ao herói abriu passagem. /
Se meu livro um Enéada carrega, não se abrirá todo o caminho? / Este é o pai da pátria, o outro, só
daquele.”
71
Heitor – Heu, fuge, nate dea, teque his “ait” eripe flammis127
(En. II, 289)
124
Os exemplos citados do uso de fuga e fugere nos Tristes e na Eneida foram levantados e discutidos por
Prata (2007) em sua tese de doutorado.
125
“Todavia, livrai este exílio de ódios”.
126
“Mas aquela era a última noite antes do exílio”.
127
“Ai, foge, filho da deusa, e livra-te destas chamas”.
128
“Apressa, filho, a fuga e põe termo ao teu labor”.
129
“Vós, preparai a fuga”.
130
“[Anquises], olhando ao longe, exclama “Filho, foge, filho, aproximam-se”.
72
Nas Pônticas, esse uso dos vocábulos fuga e fugere para caracterizar o exílio
ovidiano também é frequente:
“É má, confesso, mas boa se tornará se a defender: / usa somente palavras agradáveis em favor deste
131
triste exílio.”
132
“Logo, como orador enviado a tão benévolos ouvidos, / roga que meu exílio esteja mais próximo da
pátria.”
“Ele teve como companheiros os melhores da terra aquiva, / enquanto todos me abandonaram em meu
133
exílio.”
134
“Mas eu não te alcanço com meus medíocres escritos, / e minha fama com seu senhor foi exilada da
Cidade”.
135
“Não me preocupei em escolher escravos nem companheiros, / Nem roupa nem riqueza necessárias ao
desterrado”.
73
Como esperado, nas Pônticas, o uso de profugus para designar o poeta também
ocorre:
“Nasão, seu desterrado amigo, te envia, Flaco, seus votos de saúde, / se é que se pode enviar a
136
os deuses assim o quiseram, já que sua vontade era perecer lutando. O poeta
sulmonense parte para o desconhecido, e Eneias, para a Itália, onde fundará uma nova
“Troia”. Essa diferença, ressalta Prata (2002), faz pensar que o desterro de Nasão está
repleto de dor e saudade e o de Eneias cheio de esperança, o que talvez o tornaria menos
doloroso. Apesar de retomar a Eneida e trazer elementos épicos a sua narrativa, Ovídio
não se esquece do caráter elegíaco de sua obra, construindo um alter Aeneas, porém
elegíaco.
Nessa mesma elegia, ele descreve o clima daquele ambiente como eternamente
frio – a um inverno se seguiria outro inverno. Esse seria mais um fardo que o poeta teria
que carregar vivendo distante de Roma, ressaltado pela hipérbole fine carent lacrimae, o
que torna o lamento ainda mais contundente:
137
“Encontro-me no meio de estrangeiros e entre perigos, / como se, junto com a pátria, a paz me fosse
arrebatada. / Eles, para duplicar as causas de morte com a crueldade da ferida, / cobrem todos os dardos
com fel de serpente.”
75
“Acrescenta a aparência do lugar, que não é coberto por folhagens nem árvores / e que ao inerte
138
inverno se segue outro inverno. / Aqui, lutando contra o frio, contra as flechas e / contra meu destino,
atormenta-me este quarto inverno. / Minhas lágrimas não têm limite, a não ser quando o entorpecimento
lhes impede / e um torpor semelhante à morte domina meu peito.”
“Este campo não produz frutos nem doces videiras, / não florescem salgueiros nas ribeiras nem
139
carvalhos nos montes. / E para que não louves mais o mar que a terra, a superfície líquida, / privada do
sol, sempre se entumesce pela raiva dos ventos. / Para onde quer que olhes, os campos estão carentes de
cultivo / e as terras desertas não são defendidas por ninguém. / O temido inimigo se aproxima de toda
parte, pela direita e esquerda, / e o vizinho medo nos aterroriza dos dois lados: / as lanças bistônias estão
em uma parte, / em outra, as flechas enviadas pela mão dos sármatas.”
“Esta água e este lugar me prejudicam, e uma causa mais forte que essa, / a ansiedade da alma, que
140
Nota-se, nos Tristes IV, 4 e V, 2a que Ovídio critica tanto o lugar onde está
exilado como o povo que vivia ali, uma terra completamente bárbara e cercada de
inimigos.
Analisando mais a fundo as elegias, vemos que Ovídio não apenas reclama do
local do exílio e dos povos que lá vivem, como também considera tudo aquilo como sua
própria morte.
141
“Os frios litorais do Ponto Euxino me retêm, / Ele, que os antigos chamaram Axeno; / Pois não são
moderados os ventos que revolvem as águas, / Nem a portos tranqüilos chega a nau estrangeira. / Os
povos ao redor buscam a presa com sangue, / E não causa menos medo a terra que o mar traiçoeiro. /
Aqueles que, como ouves dizer, gostam de sangue humano / Vivem quase sob o eixo da mesma
constelação; / Não longe de mim está o local onde, em Táuris, o altar / Da deusa de aljava é regado com
imolações horrendas.”
142
“É uma terra bárbara, a mais remota do vasto mundo, / Que me retém, um lugar cercado por cruéis
inimigos.”
77
Nec letum timeo; genus est miserabile leti 144 (Tr. I, 2, 51)
Em todos os excertos acima citados, Ovídio coloca-se como morto. Nos Tristes
I, 2, afirma que não há como uma vida já extinta ser salva e que o aspecto da morte é
infeliz; em I, 4, conversa com seu espírito e lhe acrescenta que já morreu; em III, 5, diz
que morreu assim que perdeu a pátria e foi morto pelo seu próprio engenho. Nesse
último excerto, o poeta sulmonense cita inclusive uma expressão comum em epitáfios:
Nasonis molliter ossa cubent.
A persona poética afirma também que não deixará que seu funeral passe em
silêncio e traz a imagem da tibia, que era um instrumento romano de sopro, associado à
flauta, que acompanhava o cortejo fúnebre:
“Todavia, mesmo que todos desejais salvar um infeliz, / Não pode ser salva a vida que já se
143
extinguiu”.
“Não temo a morte, infeliz é o aspecto desta morte.”
144
145
“Vós, meu espírito fatigado privai de uma morte atroz, / Se, todavia, quem já morreu, não ter morrido
pode!”
146
“Quando perdi a pátria, nesse momento, acredita, morri: / A primeira e mais grave morte foi para mim
essa.”
““Eu que aqui repouso, cantor de ternos amores, / Sou o poeta Ovídio, morto pelo meu próprio
147
engenho. / Mas tu que passas, seja quem for, se amaste, não te pese / Dizer: que os ossos de Nasão
descansem em paz.””
78
“Assim eu, banido para longe, nos litorais sarmáticos, / Faço com que meu funeral não passe em
148
silêncio.”
“Mas agora do que tratarão meus livros, senão de tristeza? / Esta flauta convém ao meu funeral.”
149
“...e vós, junto a quem eu pereci, agora que minha fama se sepultou, / também penso que calais sobre
150
minha morte.”
“Nem, se de repente me visses, poderias me reconhecer: / tão grande ruína se fez em minha vida. /
151
Confesso que os anos me fizeram isso, mas há uma outra causa, / a ansiedade da alma e o contínuo
sofrimento”.
“Jaz alguém dos teus no extremo do mundo, /a não ser eu, que continua pedindo tua amizade?”
152
“Não é suficiente viver entre o gelo e as flechas cíticas, / se é que este tipo de morte deve ser
153
considerado vida.”
154
“Aqui, lutando contra o frio, contra as flechas e / contra meu destino, atormenta-me este quarto
inverno. / Minhas lágrimas não têm limite, a não ser quando o entorpecimento lhes impede / e um torpor
semelhante à morte domina meu peito.”
79
155
“Vai, mas sem ornatos como convém ser o de um exilado. /Infeliz, exibe o aspecto desta presente
situação. /Nem as violetas roxas te cubram de púrpura / Não combina com lutos tal cor - / Nem o título de
vermelho seja adornado nem de cedro, o papel, / Nem leves cornos brancos com uma fronte negra! / Que
esses ornatos embelezem livros alegres: /A ti, convém a lembrança da minha sorte.”
156
“Olha o que trago, nada verás aqui, senão tristezas, / Estão os versos adequados às circunstâncias.”
157
“Também este será tal qual a sorte do poeta: / Não encontrarás em toda poesia nenhuma amenidade. /
Como é lamentosa minha situação, também é lamentosa a poesia, / Adapta-se a forma ao conteúdo. / Ileso
e alegre, com versos alegres e juvenis me divertia: / Agora, contudo, pesa-me tê-los composto.”
80
Nas Pônticas, o poeta ressalta, nos tão citados versos do Livro I, 1 que, embora
elas não tenham um título que inspire compaixão, não são menos tristes do que aquele
que antes escreveu, ou seja, são tão tristes quanto os Tristes. Na quinta elegia, Ovídio
menciona que os versos são semelhantes a seu destino, que sempre é descrito como
infeliz:
158
“Se, todavia, algum de vós perguntar de onde vêm / Os tantos pesares que canto, tamanhos pesares
sofri. / Não os escrevi com estro nem com arte, O assunto condiz com meus próprios males.”
159
“Entretanto, como tu mesmo vês, luto para compor versos, / mas não são eles mais agradáveis que
meu destino.”
160
“Olha o que trago, nada verás aqui, senão tristezas, / Estão os versos adequados às circunstâncias. / Se
o manco poema tropeça com versos desiguais, / É em razão da medida do pé ou da longa viagem. / Se não
estou tingido pelo cedro nem polido com pomes, / É que me envergonharia de ter mais esmero que meu
senhor. / Se as letras apresentam manchas e borrões espalhados, / É que o próprio poeta, em lágrimas,
maculou sua obra. / Caso, porventura, algumas expressões não pareçam latim, / Era bárbara a terra na
qual escrevia.”
81
Ainda nesta elegia, ele ressalta ironicamente que não há necessidade de polir
seus versos, pois seu atual público, os getas, não conheceria um talento maior que o
dele. Para os bárbaros, então, ironiza Ovídio, qualquer produção serviria:
161
“Quando os releio, sinto-me envergonhado por tê-los escrito, / porque eu que os criei, vejo, como juiz,
o muito que deve ser apagado. / Contudo, não os corrijo; esta carga é maior que o escrever / e meu doente
espírito não suporta mais nada cruel.”
162
“Por que eu poliria meus poemas com cuidado extremo? / Acaso deveria temer que o geta não os
aprove? / Talvez audacioso eu seja, mas me orgulho de que o Istro / não tenha nenhum talento maior que
o meu. / Nesta terra em que tenho de viver, basta, se o consigo, / ser poeta entre os selvagens getas. / Por
que lutar por fama no outro extremo do orbe?”
82
admiração do público cativado por sua virtude, Ovídio de uma vez por
todas se encontra sozinho, compondo poesias para si mesmo; e sua
condição como artista sem público, sem contato com o público, sugere
a ele a imagem sombria de um homem dançando na escuridão.163
Nas elegias III, 1 dos Tristes e I, 1 das Pônticas, também se observa semelhança
entre os relatos do exílio, quando se afirma que suas obras não ousam entrar em
edifícios públicos, como bibliotecas, e que o lugar onde estava a Arte de Amar agora
está vazio:
“The unexpected banishment from Rome naturally signals na abrupt break in Ovid’s poetic career. He
163
more than others surely bewailed the separation from the capital, from the society to which his poetry was
addressed and by which it had been nourished (…). Accostumed to success, to the fervent admiration of a
public captivated by his virtuosity, Ovid all at once finds himself alone, composing poetry for himself;
and his condition as an artist without a public, lacking contact with an audience, suggests to him the
gloomy image of a man dancing in the darkness.”
164
“Não ousam entrar em monumentos públicos, / talvez por acreditarem que seu autor lhes tenha
fechado este caminho. / Ah, quantas vezes disse: « Certamente não ensinais nada vergonhoso, / ide,
aquele lugar está aberto a castos versos. » / Entretanto não vão, mas, como tu vês, / julgam ser mais
seguro se esconderem sob um lar privado”.
165
“Outros templos procuro ao lado do teatro vizinho: / Também esses não podiam ser por meus pés
visitados”.
166
“Nesse ínterim, como me é vedado o espaço público, / Seja-me permitido esconder em local privado.”
83
É o próprio livro, que tem voz na elegia III, 1 e IV, 1 dos Tristes, que afirma que
não pode entrar em templos, teatros, ou seja, no espaço público como é ressaltado
novamente na epístola I, 1 das Pônticas, comprovando a semelhança entre os relatos do
exílio narrados nessas duas obras.
Os temas, como vimos em todo esse segundo capítulo, são muito semelhantes
nas duas obras. Como afirma Conte (1994, p. 357), além do lamento,
“Equally insistent is the recurring appeal to his friends and wife to obtain, if not a complete remission
167
of his punishment, then at least a change of location. The repeated expressions of regret for his faraway
homeland and the frequent descriptions of the inhospitable and squalid landscape around him, of the
dangers from the continual raids of the barbarians, of the desolation of an existence deprived of its
lifeblood – all these seek to bring about a change of mind that may grant the exiled poet the minimum
conditions to be himself”.
84
Ex Ponto
Liber Primvs
1
Brvto
Pônticas
87
Livro Primeiro
A Bruto
168
Ovídio usa seu próprio nome como remetente.
169
Atual Constanza, na Romênia.
170
Região habitada pelos getas, antigo povo da Trácia.
171
Neste caso, edifícios públicos, bibliotecas. O étimo latino monumentum se refere à recordação, a tudo
que nos traz à lembrança algo, daí o sentido adquirido aqui no texto.
172
O sentido primeiro de lar faz referência aos deuses familiares, espíritos tutelares da casa.
173
Ovídio refere-se à sua Arte de Amar (Ars Amatoria).
174
É tão triste quanto os Tristes, escrito antes das Pônticas.
88
175
Os dois versos (33-34) fazem referência ao episódio da saída de Eneias de Troia quando de sua
destruição.
176
Há uma comparação, o livro, como Eneias, carrega nas costas um pai, um Enéada, Augusto,
descendente de Enéias, a quem foi dado o título de pater patriae, então mais poderoso que Anquises, que
só é pai de Enéias.
177
Alusão aos sacerdotes do culto da deusa egípcia Ísis, da qual um dos símbolos era o sistrum. O culto se
estendeu desde a ilha de Faros.
178
A Mãe dos deuses é Cibele.
179
Diana é a deusa responsável pelas atividades de caça, trazendo sempre consigo um arco dourado.
89
180
Ísis é considerada a deusa da maternidade e fertilidade.
181
Ísis cegava quem não cumpria um juramento feito em seu nome.
90
182
Os cíticos viviam na Eurásia, mais especificamente na região da Cítia, habitada por um grupo de povos
iranianos.
91
Fabio Maximo
2
96
A Fábio Máximo
187
Antigo povo da Trácia.
188
Ramificação do povo sármata.
189
Ausônio = romano. Ausônia é um antigo nome para a região em que se fundou Roma ou mesmo para
a Itália como um todo.
99
190
Habitavam as cercanias do lago Bistônio, localizado na região da Trácia.
100
191
Rei que dava vítimas humanas aos seus leões.
192
Era o rei de Micenas. Matou, por vingança, os filhos de seu irmão Tiestes e serviu-os a ele em um
banquete.
101
Rvfino
A Rufino
193
Referência à lenda de Filoctetes, filho de Peante. O primeiro foi picado por uma serpente em Tênedos,
a caminho de Troia. Como sua ferida na perna exalava um odor fétido, foi abandonado pelos gregos na
ilha de Lemnos.
194
Macaón, acompanhando Ulisses, curou Filoctetes.
106
195
Deus que curou a si próprio da ferida causada pela flecha de Cupido, que o deixou enlouquecido de
amor por Dafne.
196
Refere-se a Odisseu.
107
Para que sentir saudades de tais amigos seja um mal mais leve.
Mas, penso que, sentindo falta da terra onde nasci,
Tivesse a sorte de estar, pelo menos, em um lugar humano:
Jazo abandonado nas areias da extremidade do mundo,
Onde a terra encoberta suporta neves perpétuas. 50
Este campo não produz frutos nem doces videiras,
Não florescem salgueiros nas ribeiras nem carvalhos nos montes.
E para que não louves mais o mar que a terra, a superfície líquida,
Privada do sol, sempre se entumesce pela raiva dos ventos.
Para onde quer que olhes, os campos estão carentes de cultivo 55
E as terras desertas não são defendidas por ninguém.
O temido inimigo se aproxima de toda parte, pela direita e esquerda,
E o medo vizinho nos aterroriza dos dois lados:
As lanças bistônias197 estão em uma parte,
Em outra, as flechas enviadas pela mão dos sármatas. 60
Vai agora e me faça recordar os exemplos dos velhos varões
Que suportaram grandes infelicidades com um espírito forte,
E a severa resistência do magnânimo Rutílio198 admira,
Porque não aproveitou o retorno quando lhe foi dada permissão.
Esmirna199 hospedava este varão, não o Ponto ou alguma hostil terra, 65
Esmirna, quase melhor que qualquer outro lugar.
Por estar longe da pátria, o cínico de Sínope200 não se afligiu,
Pois te elegeu, terra de Ática, como sede.
O filho de Néocles201, que destruiu com suas armas as dos persas,
Na cidade de Argos viveu seu primeiro desterro. 70
Expulso Aristides202 de sua pátria à Lacedemônia fugiu,
E, dentre elas, era dúbio saber qual era superior.
197
Povo da Trácia.
198
Públio Rutílio Rufo, senador romano, historiador e senador, responsável por reprimir os excessos dos
publicani, os arrecadadores de impostos, pertencentes à classe equestre.
199
É uma das cidades mais antigas da bacia do Mediterrâneo.
200
Diógenes de Sínope, fundador da Escola Cínica, foi exilado e se tornou discípulo de Antístenes em
Atenas.
201
Temístocles, político de Atenas.
202
Político de Atenas, que se exilou na Lacedônia.
108
203
Lutou na guerra de Troia junto de Aquiles. Durante um jogo, após um ataque de fúria, matou seu
amigo.
204
Antiga cidade grega, capital da região de Lócrida Opuntia.
205
Filho de Agenor, é fundador de Cadmeia, acrópole fortificada da futura cidade de Tebas, após sair em
busca de Europa, sua irmã raptada por Zeus.
206
Foi um dos participantes da Guerra dos Sete Chefes contra Tebas. Exilado por ter cometido um
assassinato.
207
Filho de Télamon, meio irmão de Ajax. Após deixar Troia sem vingar a morte deste, foi exilado por
seu pai.
109
Vxori
À minha esposa
208
Rei de Pilos, famoso por sua coragem e eloquência, apesar de ser velho, lutou na Guerra de Troia.
209
Jasão.
112
210
Pélias enviou Jasão à Cólquida com o objetivo de buscar o velo de ouro.
211
Foi um dos cinquenta argonautas, sendo piloto da Argo até morrer.
212
Fineu, rei da Trácia, que indicou a rota que os argonautas deveriam seguir.
113
5
117
A Cota Máximo
Aquele Nasão, que em outro tempo não era o último de seus amigos,
Pede que leias suas palavras, Máximo.
Nelas desiste de buscar meu talento
Para que não pareças desconhecedor de meu exílio.
Vês como os ócios corrompem o corpo inativo, 5
Como mancham as águas se não se movimentam.
E se eu tinha o hábito de compor poemas,
Extinguiu-se e diminuiu em inerte abandono.
Isto também que lês, se acreditas em algo de mim, Máximo,
Escrevo contrariamente à mão e de modo forçado. 10
Não me agrada concentrar minha atenção em tais preocupações,
Nem a Musa, invocada, chega aos rudes getas.
Entretanto, como tu mesmo vês, luto para compor versos,
Mas não são eles mais agradáveis que meu destino.
Quando os releio, sinto-me envergonhado por tê-los escrito, 15
Porque eu que os criei, vejo, como juiz, o muito que deve ser apagado.
Contudo, não os corrijo; esta carga é maior que o escrever
E meu doente espírito não suporta mais nada cruel.
É-me permitido começar a usar de modo mais mordaz a lima
E colocar sob juízo cada palavra? 20
Pois meu destino pouco se incomoda, se o Lixo213 não chega no Ebro214
E se o Atos não junta suas florestas às dos Alpes.
Deve-se perdoar um ânimo que tem uma ferida miserável:
Os bois subtraem do peso seus pescoços arranhados.
Mas, penso, o fruto aí está, causa justíssima das minhas desgraças, 25
E o campo semeado me devolve as sementes com muita usura.
213
Referência ao Rio Lixo, que se localiza na África do Norte.
214
Referência ao Rio Ebro, situado na Trácia.
118
215
Nome dado à ilha de Ceilão, atual Sri Lanka, pelos gregos e romanos.
120
Graecino
6
122
A Grecino
Messalino
A Messalino
Esta carta, em vez de palavras a ti, Messalino, traz dos getas cruéis
Esta saudação que lês.
Indica o lugar o autor? Ou, a não ser que leias o nome,
Não percebes que estas palavras escrevo eu, Nasão?
Jaz alguém dos teus no extremo do mundo, 5
A não ser eu, que continua pedindo tua amizade?
Queiram os deuses manter distantes do conhecimento desse povo
A todos os que te dão sua reverência e seu amor.
Já é o bastante eu viver entre o gelo e as flechas cíticas,
Se é que este tipo de morte por vida se há de ter. 10
Com guerra me oprima a terra e o céu com frio, e com armas
Me ataque o geta feroz, com gelo o frio invernal,
127
Que esta região me retenha, que não dá nem frutas nem uvas,
E da qual lado algum está livre da inimigos;
Mas que a salvo fique a multidão de teus servidores, 15
Entre os quais eu próprio fui pequena parte, em meio ao povo.
Pobre de mim, se te ofendesses com estas palavras
E me dissesses que não tive lugar entre os teus!
Mesmo que isso fosse verdade, perdoar minha mentira deverias.
Em nada tira nossa vaidade a tua glória. 20
Quem, conhecido pelos Césares, não se passa por seu amigo?
Perdoa-me esta confissão: tu para mim eras o César.
Porém, não forço a entrada por onde não me é permitido andar; é bastante
Se não negas ter me aberto teus átrios.
Embora não haja mais nada entre nós, sem dúvida 25
Agora te falta uma voz no cumprimento que te dão.
Teu próprio pai jamais negou que eu era teu amigo,
Ele, que foi impulso e razão e promotor de minha carreira:
A quem minhas lágrimas dei como oferenda suprema em seu enterro,
E em pleno fórum outorguei meus versos para cantar. 30
Acresce também que teu irmão, se une a ti com um amor tão grande
Como o que existiu entre os Atridas216 ou os de Tíndáridas217.
Ele nunca me rejeitou como companheiro ou amigo,
A menos que penses que isto a ele possa causar dano.
Mas se não, confesso-te também que nisto não minto: 35
Que me feche assim toda tua casa por fim.
Mas não se fechará, que nenhum poder tem forças
Para impedir que um amigo cometa um erro.
E, entretanto, da mesma forma que eu quisera poder negar que pequei,
Também qualquer um sabe que está longe o crime de mim. 40
E é que, se em minha falta uma parte não fosse escusável,
A relegação teria sido uma condenação pequena.
216
Os filhos de Atreu são Agamêmnon e Menelau.
217
Os filhos de Tíndaro são Castor e Pólux.
128
218
Lança feita de uma árvore do monte Pelião.
129
Severo
A Severo
219
Na parte inferior, o rio chama-se Istro; na superior, Danúbio.
133
220
Referência mais uma vez a Roma.
221
Refere-se à Sulmona, lugar onde Ovídio nasceu, que fica localizado no território peligno.
134
Cottae Maximo
A Cota Máximo
10
Flacco
10
A Flaco
Mas minha boca está embotada, e as mesas postas agravam minha falta de apetite,
E reclamo quando chega a hora da odiosa refeição.
O que quer que o mar, a terra e o ar produzam me serve:
Nada haverá ali que eu tenha vontade de comer. 10
Nem néctar e ambrosia, licor e manjar dos deuses,
Se me desse a solícita Juventude222 com sua formosa mão,
Nem esse sabor despertaria meu insensível paladar
E permaneceria, por muito tempo, um peso inerte no estômago.
Isto eu não me atreveria, mesmo sendo verdade, a qualquer um 15
Escrever, para que não chamasse minhas infelicidades de delícias.
O meu estado é tal, tal é a forma das minhas coisas,
Que ainda poderia existir lugar para delícias!
Estas delícias desejo a quem, se há alguém,
Teme que a ira de César seja muito suave comigo. 20
O sono, que é também alimento para um corpo debilitado,
Não nutre com seu ofício meu corpo inane,
Mas velo e velam minhas dores sem fim,
Cujo motivo me dá o próprio lugar.
Portanto, mal poderias reconhecer minha fisionomia se a visses, 25
E perguntarias onde estava minha cor anterior.
Pouco fluido me chega às fracas articulações
E meus membros estão mais pálidos que a cera nova.
Não contraí estes males devido ao excessivo Baco223:
Tu sabes que praticamente bebo só água. 30
Não me sobrecarrego de alimentos e, se pela paixão por eles fosse tocado,
Não encontraria abundância deles, entretanto, em terras géticas.
Nem me rouba as forças o danoso prazer de Vênus:
Ela não costuma ir aos leitos aflitos.
É esta água e este lugar que me prejudicam, e uma causa mais forte que essa, 35
A ansiedade da alma, que sempre está junto de mim.
222
Hebe, deusa da juventude.
223
Referência ao vinho, Baco é considerado o deus dessa bebida.
142
CONCLUSÃO
de que o que foi escrito ali não se dirigia exatamente a quem Ovídio nomeou. Pareceu-
nos haver uma preocupação maior com a elaboração da linguagem e do lamento do que
com a construção de uma conversa entre duas pessoas distantes.
No segundo capítulo, que traçava uma comparação entre os Tristes e as
Pônticas, pudemos perceber que as semelhanças entre as obras são muitas. A primeira é
que as duas obras possuem a figura do destinatário; porém, nos Tristes, ele não é
diretamente nomeado e, em algumas elegias, o poeta traz um que não é sequer animado:
o próprio livro, que é personificado e ganha voz para expressar seus pensamentos e
ouvidos para escutar as palavras de seu autor. A produção de exílio ovidiana, então,
além de apresentar características elegíacas, traz, inclusive, elementos que
encontraríamos em epístolas, conforme discutimos.
Também verificamos o uso dos vocábulos exilium e fuga para se referir ao
exílio, representando-o de forma mais difícil de suportar e, em muitos momentos, como
morte. Ressaltemos, mais uma vez, que a sentença que Ovídio recebeu era a relegatio,
punição mais leve que o exilium. Porém, nos Tristes e nas Pônticas, Ovídio por muitas
vezes se apresentou como exul, parecendo fazer referência, de fato, ao grande exul da
poesia augustana, Eneias. Apesar de retomar a Eneida e trazer elementos épicos a sua
narrativa, Ovídio não se esquece do caráter elegíaco de sua obra, construindo um alter
Aeneas, porém elegíaco augustano.
Ainda no segundo capítulo, vimos que o modo como o poeta apresentava o local
em que estava exilado era muito semelhante. Em ambas as obras, ele apresenta um lugar
praticamente inabitável tanto pelas condições climáticas como pela primitividade dos
moradores daquela região. Ovídio chega a comparar o exílio com a morte várias vezes.
Assim, tentamos apresentar as semelhanças entre os Tristes e as Pônticas e o
modo como, principalmente as Pônticas, apresentavam uma mistura de gêneros. Tal
fato chega a ser comentado por Benites (2011), que explica que as Pônticas mesclam,
por um lado, a poesia, com seus recursos expressivos imanentes, sua versificação e
métrica e, por outro lado, o discurso epistolar, os quais na literatura contemporânea
costumam se apresentar como tipos textuais bastante diferentes.
Retomamos, então, Michael von Albrecht que, em seu verbete Ovidio na
Enciclopedia Virgiliana (1987), diz que Ovídio é um mestre da transposição de gêneros,
pois fá-lo de forma sutil e elegante, sem quebrar os limites dos mesmos. Segundo esse
145
estudioso, o poeta sulmonense não apenas se esmera em compor o gênero elegíaco, mas
também tenta transcendê-lo, estabelecendo, muitas vezes, um confronto genérico,
evidente em suas obras.
Concluímos, assim, que os poemas dos Tristes e das Pônticas são elegias com
um caráter epistolar. As Pônticas talvez possuam um caráter epistolar mais forte por já
nos trazer tal informação no título– e possuir destinatários explícitos. Porém os Tristes
também têm muitas marcas de epístola, embora nem sempre declaradas, como pudemos
observar na discussão sobre a existência de destinatários, que apenas não são nomeados,
mas existem.
146
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