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Evolução Funcional Da Deglutição em Pacientes Com COVID-19 Internados em UTI

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ISSN 2317-1782 (Online version)

Evolução funcional da deglutição em


Comunicação Breve
Brief Communication pacientes com COVID-19 internados em UTI

Maíra Santilli de Lima1  Functional development of swallowing in ICU


Fernanda Chiarion Sassi2 
Gisele Chagas de Medeiros1  patients with COVID-19
Ana Paula Ritto2 
Claudia Regina Furquim de Andrade2 

Descritores RESUMO
Deglutição Objetivo: descrever a evolução funcional da deglutição em pacientes com COVID-19 submetidos à intervenção
Transtornos da Deglutição fonoaudiológica na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Método: participaram do estudo 77 pacientes
(ambos os gêneros; idade média 53.4±15.9; escore na Escala de Coma de Glasgow ≥14; e condição respiratória
Unidades de Terapia Intensiva estável). A escala funcional utilizada para a avaliação da deglutição foi a American Speech-Language-Hearing
COVID-19 Association National Outcome Measurement System (ASHA NOMS). Resultados: os resultados indicam que
Fonoaudiologia houve recuperação significativa nos padrões funcionais da deglutição na comparação pré e pós-intervenção
fonoaudiológica. Conclusão: 83% dos pacientes necessitam de até 3 intervenções para a recuperação dos
padrões seguros de deglutição.

Keywords ABSTRACT
Swallowing Purpose: to describe de functional development of swallowing in Intensive Care Unit (ICU) patients with
Swallowing Disorders COVID-19, who were submitted to a swallowing intervention. Methods: participants of the study were 77
patients (both gender, mean age 53.4±15.9; score on the Glasgow Coma Scale ≥14 and stable respiratory
Intensive Care Units condition). The functional scale of swallowing used for assessment was the American Speech-Language-Hearing
COVID-19 Association National Outcome Measurement System (ASHA NOMS). Results: the results indicate that there
Speech-Language and Hearing Science was a significant recovery of the functional swallowing patterns when comparing the measurements pre and
post swallowing intervention. Conclusion: 83% of the patients needed up to 3 swallowing interventions to
recover a safe swallowing pattern.

Endereço para correspondência: Trabalho realizado na Divisão de Fonoaudiologia, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade
Claudia Regina Furquim de Andrade de São Paulo – USP - São Paulo (SP), Brasil.
Departamento de Fisioterapia, 1
Divisão de Fonoaudiologia, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo – USP
Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, - São Paulo (SP), Brasil.
Faculdade de Medicina, Universidade 2
Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Faculdade de Medicina, Universidade
de São Paulo – USP de São Paulo – USP - São Paulo (SP), Brasil.
Rua Cipotânea, 51, Campus Cidade
Fonte de financiamento: nada a declarar.
Universitária, São Paulo, SP, Brasil,
CEP: 05360-160. Conflito de interesses: nada a declarar.
E-mail: clauan@usp.br

Recebido em: Julho 10, 2020 Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite
uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.

Aceito em: Julho 30, 2020 Lima et al. CoDAS 2020;32(4):e20200222 DOI: 10.1590/2317-1782/20192020222 1/3
INTRODUÇÃO para participação e divulgação dos dados (CAPPesq Parecer
no. 3.992.554). Todos os participantes foram informados do
Os pacientes internados em cuidados intensivos em decorrência objetivo e procedimentos da pesquisa, e assinaram o Termo de
do COVID-19 (síndrome respiratória grave causada pelo vírus Consentimento Livre e Esclarecido.
SARS-CoV-2), frequentemente necessitam de intubação e Os pacientes incluídos no estudo foram aqueles encaminhados
ventilação mecânica prolongada(1,2). Estudos recentes indicam pela equipe médica (Escala de Coma de Glasgow ≥14 e condição
que estes pacientes podem apresentar danos no sistema nervoso respiratória estável) para avaliação e recuperação da capacidade
central e periférico em decorrência direta do vírus ou pela de deglutição. A escala funcional utilizada foi a American Speech-
resposta imune inata e adaptativa à infecção(3). Os pacientes, Language-Hearing Association National Outcome Measurement
seja em decorrência da intubação prolongada seja dos danos System (ASHA NOMS)(9). A ASHA NOMS para a deglutição é um
neurológicos, apresentam alto risco de disfagia orofaríngea(4-8). instrumento multifuncional que indica o grau de comprometimento
O relato apresentado compõe um estudo prospectivo da deglutição em uma escala de 1 (necessário uso de via alternativa
observacional, de 12 meses, sobre os impactos da COVID-19 na de alimentação) a 7 pontos (plenamente funcional).
deglutição dos pacientes internados em UTI, submetidos à
intubação orotraqueal prolongada (≥48h)(8). O objetivo deste relato RESULTADOS
é descrever a evolução funcional da deglutição dos pacientes
para o retorno seguro à alimentação por via oral, submetidos à Os dados coletados foram submetidos à análise estatística
intervenção fonoaudiológica na UTI. no software IBM SPSS versão 25. As análises apresentadas são
intragrupo, comparando os resultados obtidos antes e após a
MÉTODO intervenção fonoaudiológica, usando o teste Quiquadrado de
Pearson. O nível de significância adotado foi de 5% (Tabela 1).
Este recorte de pesquisa foi composto por 77 pacientes Também foram considerados o número de unidades de tratamento
(ambos os gêneros; idade média 53.4±15.9), durante as (cada unidade corresponde de 40 a 50 minutos de estimulação)
primeiras 4 semanas de atendimento fonoaudiológico em UTI/ até liberação do paciente para a via oral (Tabela 2). As técnicas
COVID-19 em hospital de grande porte. O projeto foi aprovado mais utilizadas para a reabilitação da deglutição foram: Coaptação
pela comissão de ética institucional e inclui o consentimento e vibração glótica; exercícios isométricos orofaciais.

Tabela 1. Evolução do nível funcional da deglutição pela escala ASHA NOMS


Resultado Inicial Resultado Final
Nível Definição Número de Total no Número de Total no p-value
casos nível casos nível
Nível 1 e 2 O indivíduo não é capaz de deglutir nada com segurança pela
boca. Quase toda nutrição e hidratação são recebidas por
7 9,1% 0 0 <0,001*
método alternativo de alimentação (ex.: sonda nasogástrica,
gastrostomia).
Nível 3 Método alternativo de alimentação é necessário, uma vez que
o indivíduo ingere menos de 50% da nutrição e hidratação
pela boca; e/ou a deglutição é segura com o uso moderado de 7 9,1% 0 0 <0,001*
pistas para uso de estratégias compensatórias; e/ou necessita
de restrição máxima da dieta.
Nível 4 A deglutição é segura, mas frequentemente requer uso
moderado de pistas para uso de estratégias compensatórias;
22 28,6% 1 1,3% <0,001*
e/ou o indivíduo tem restrições moderadas da dieta; e/ou ainda
necessita de alimentação por tubo e/ou suplemento oral.
Nível 5 A deglutição é segura com restrições mínimas da dieta; e/ou
ocasionalmente requer pistas mínimas para uso de estratégias
compensatórias. Ocasionalmente pode se automonitorar. 21 27,3% 5 6,5% 0,001*
Toda nutrição e hidratação são recebidas pela boca durante a
refeição.
Nível 6 A deglutição é segura e o indivíduo come e bebe
independentemente. Raramente necessita de pistas mínimas
para uso de estratégias compensatórias. Frequentemente
se automonitora quando ocorrem dificuldades. Pode ser 9 11,7% 18 23,4% 0,020*
necessário evitar alguns itens específicos de alimentos (ex.:
pipoca e amendoim); tempo adicional para alimentação pode
ser necessário (devido à disfagia).
Nível 7 A habilidade do indivíduo em se alimentar independentemente
não é limitada pela função de deglutição. A deglutição é
segura e eficiente para todas as consistências. Estratégias 11 14,3% 53 68,8% 0,016*
compensatórias são utilizadas efetivamente quando
necessárias.

Lima et al. CoDAS 2020;32(4):e20200222 DOI: 10.1590/2317-1782/20192020222 2/3


Tabela 2. Evolução do nível funcional da deglutição pela escala ASHA NOMS intervenção fonoaudiológica. Há informações de que 83% dos
Número total de pacientes necessitam de até 3 intervenções para a recuperação
participantes (porcentagem) dos padrões seguros de deglutição.
Número de unidades de 1 16 (20,8%)
tratamento até liberação do 2 21 (27,3%) REFERÊNCIAS
paciente para a via oral
3 19 (24,7%)
4 8 (10,4%) 1. Wu Z, McGoogan JM. Characteristics of and important lessons from
5 7 (9,1%) the coronavirus disease 2019 (COVID-19) Outbreak in China: summary
of a Report of 72 314 Cases from the Chinese Center for Disease
6 1 (1,3%)
Control and Prevention. JAMA. 2020;323(13):1239-42. http://dx.doi.
7 4 (5,2%) org/10.1001/jama.2020.2648.
8 0 (0,0%) 2. Zhu N, Zhang D, Wang W, Li X, Yang B, Song J, et al. A novel
9 1 (1,3%) coronavirus from patients with pneumonia in China, 2019. N Engl J
Med. 2020;382(8):727-33. http://dx.doi.org/10.1056/NEJMoa2001017.
3. Ellul MA, Benjamin L, Singh B, Lant S, Michael BD, Easton A, et al.
DISCUSSÃO Neurological associations of COVID-19. Lancet Neurol. 2020;19(9):767-
83. http://dx.doi.org/10.1016/S1474-4422(20)30221-0.
Há fundamento bibliográfico indicando que pacientes com 4. Phua J, Weng L, Ling L, Egi M, Lim CM, Divatia JV, et al. Intensive
manifestações graves do COVID-19 podem apresentar, além dos care management of coronavirus disease 2019 (COVID-19): challenges
quadros respiratórios que exigem intubações prolongadas, sequelas and recommendations. Lancet Respir Med. 2020;8(5):506-17. http://
neurológicas, central e periféricas(1-3). Os quadros complexos dx.doi.org/10.1016/S2213-2600(20)30161-2.
desses pacientes podem ser causados pela ação direta do vírus ou 5. Duncan S, Gaughey JM, Fallis R, McAuley DF, Walshe M, Blackwood
B. Interventions for oropharyngeal dysphagia in acute and critical
pela resposta imunológica à infecção(10). Cabe o acompanhamento care: a protocol for a systematic review and meta-analysis. Syst Rev.
longitudinal desses pacientes na tentativa de reduzir as incapacidades e 2019;8(1):283. http://dx.doi.org/10.1186/s13643-019-1196-0.
a necessidade de cuidados de longo prazo(11,12). A disfagia orofaríngea 6. Matar N, Smaily H, Cherfane P, Hanna C. Profiling of oropharyngeal
em ambiente de cuidados intensivos é ainda pouco estudada, mas é dysphagia in an acute care hospital setting. Ear Nose Throat J. 2020;1-5.
frequentemente reportada como sintoma comum em várias condições http://dx.doi.org/10.1177/0145561320917795.
complexas de saúde(13). 7. Medeiros GC, Sassi FC, Mangilli LD, Zilberstein B, Andrade CR.
Clinical dysphagia risk predictors after prolonged orotracheal intubation.
Em condição de pandemia, é ainda mais importante que Clinics (São Paulo). 2014;69(1):8-14. http://dx.doi.org/10.6061/
sejam aplicados os protocolos de avaliação da deglutição em clinics/2014(01)02.
beira de leito, uma vez que os procedimentos endoscópicos são 8. Lima MS, Sassi FC, Medeiros GC, Ritto AP, Andrade CRF. Preliminary
geradores de aerossóis potencialmente infecciosos e, portanto, results of a clinical study to evaluate the performance and safety of
não recomendados(14). A liberação do paciente para a alimentação swallowing in critical patients with COVID-19. Clinics (São Paulo).
2020;75:e2021. http://dx.doi.org/10.6061/clinics/2020/e2021.
por via oral, sem a avaliação fonoaudiológica da deglutição, dos
9. American Speech-language-hearing Association. National Outcome
pacientes com COVID-19, conforme indicam os dados desta
Measurement System (NOMS). Adult Speech-Language Pathology
pesquisa, é de alto risco para estes pacientes, já que quase 20% training manual. Rockville, MD: ASHA; 1998
dos pacientes não apresentam condições mínimas de alimentação 10. Matthay MA, Aldrich JM, Gotts JE. Treatment for severe acute
segura e aproximadamente 29% destes pacientes necessitam de respiratory distress syndrome from COVID-19. Lancet Respir Med.
estratégias compensatórias e restrições na dieta para a função da 2020;8(5):433-4. http://dx.doi.org/10.1016/S2213-2600(20)30127-2.
deglutição ser executada. Os dados desta pesquisa também indicam 11. Soldatova L, Williams C, Postma GN, Falk GW, Mirza N. Virtual
que os pacientes, em sua grande maioria (72,8%), precisam de até 3 dysphagia evaluation: practical guidelines for dysphagia management in
the context of the COVID-19 pandemic. Otolaryngol Head Neck Surg.
intervenções fonoaudiológicas para recuperar a deglutição, ou seja, 2020;163(3):455-8. http://dx.doi.org/10.1177/0194599820931791.
a intervenção precoce da reabilitação da deglutição promove a saída 12. Furuya J, Suzuki H, Tamada Y, Onodera S, Nomura T, Hidaka R, et al.
mais rápida do paciente da UTI. Food intake and oral health status of inpatients with dysphagia in
Complicações nas habilidades de deglutição, em situações acute care settings. J Oral Rehabil. 2020;47(6):736-42. http://dx.doi.
não COVID-19, implicam aumento de até 4 vezes no tempo de org/10.1111/joor.12964.
internação dos pacientes; levam à subnutrição; desidratação; e 13. Kiekens C, Boldrini P, Andreoli A, Avesani R, Gamna F, Grandi M, et al.
Rehabilitation and respiratory management in the acute and early postacute
pneumonia aspirativa. É esperado que, para os pacientes com phase. “Instant paper from the field” on rehabilitation answers to the
COVID-19, cujo quadro respiratório é severo, possa haver ainda COVID-19 emergency. Eur J Phys Rehabil Med. 2020;56(3). http://
mais risco de complicações(8). Há uma série de novas condições dx.doi.org/10.23736/S1973-9087.20.06305-4.
físicas (imobilização longa na posição pronada, fraqueza muscular, 14. Baqui P, Bica I, Marra V, Ercole A, van der Schaar M. Ethnic and
fadiga etc.) e mentais (isolamento da família, do trabalho etc.) que regional variations in hospital mortality from COVID-19 in Brazil: a
cross-sectional observational study. Lancet Glob Health. 2020;8(8):e1018-
devem ser acompanhadas mesmo após o paciente ter atingido um 26. http://dx.doi.org/10.1016/S2214-109X(20)30285-0.
nível funcional seguro para a deglutição(4,12).
Contribuição dos autores
CONCLUSÃO
MSL e GCM coleta, análise dos dados, redação inicial e revisão do artigo;
FCS análise dos dados e redação da versão final e revisão do artigo; APR
Os resultados indicam que houve recuperação significativa análise e interpretação dos dados; CRFA delineamento do projeto, redação
nos padrões funcionais da deglutição na comparação pré e pós- da versão final e revisão do artigo.

Lima et al. CoDAS 2020;32(4):e20200222 DOI: 10.1590/2317-1782/20192020222 3/3

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