Psychology">
17 Valéria Quadros A Análise Do Caráter Wilhelm Reich
17 Valéria Quadros A Análise Do Caráter Wilhelm Reich
17 Valéria Quadros A Análise Do Caráter Wilhelm Reich
Valéria Quadros1
Wilhelm Reich tem uma extensa produção, abarcando o período de 1920 até
1957, ano de sua morte. Seus trabalhos tratam da técnica e da clínica psicanalíti-
ca, mas também de outras áreas de sua investigação, como relatarei a seguir. Em-
bora sua grande contribuição para a Psicanálise esteja contida no livro de 1933,
“A Análise do Caráter”, um ano após sua publicação foi desligado da Associação
Psicanalítica Internacional. Gradativamente seu pensamento foi se distanciando
das proposições freudianas.
Reich foi ainda um militante político, criador do freudo-marxismo, e pro-
fundamente envolvido com as questões sociais de seu tempo. Em recente palestra
em Porto Alegre (2016), ao referir a inter-relação estrutura psíquica e estrutura
social para abordar o tema da arrogância, Joel Birman citou Reich como o primei-
ro a fazer essa articulação na Psicanálise. Destacando o caráter, mais do que o sin-
toma, abordou diferentes formas de subjetivação e assim Reich pode ser inscrito
na “modernidade avançada”. Birman mencionou dois de seus livros: “Psicologia
de massas do fascismo” (1933) e “Escuta, Zé Ninguém” (1946).
NOTAS BIOGRÁFICAS
anos em decorrência de uma pneumonia. Wilhelm pouco falava sobre esse irmão,
chegando a ser desconhecido por amigos. Eram judeus assimilados e os jovens
foram educados longe de qualquer tradição religiosa. O pai possuía uma rentável
propriedade agrícola. Pouco depois de seu nascimento mudaram-se para Jujinetz,
Bukovine (Ucrânia). Wilhelm estudou com preceptores antes de frequentar esco-
la. Foi então que sua mãe envolveu-se amorosamente com um destes preceptores,
fato que foi comunicado ao pai pelo próprio filho. A mãe se suicidou logo depois,
quando ele estava com 14 anos. O pai morreu três anos após, de pneumonia.
Wilhelm assumiu a direção da fazenda, mas logo ingressou no exército quando da
eclosão da Primeira Guerra, alcançando o posto de tenente. Na mesma ocasião,
em decorrência da guerra, perdeu todos os bens familiares. Foi para Viena onde
iniciou o curso de Direito, abandonando-o em seguida e ingressando em 1918 na
Medicina. Os estudos de sexologia despertaram seu interesse e, na Universidade,
passou a frequentar um seminário com este tema. Meses depois tornou-se presi-
dente do seminário (WIKIPEDIA, 2016, documento on-line).
Ao tomar conhecimento da obra de Freud, decidiu introduzi-la nos estudos
de seu grupo. Foi recebido por ele no final de 1919. Na edição de 1942 do livro
“A função do orgasmo”, Reich descreve esse primeiro encontro e comenta sua
relação com o criador da psicanálise:
a Ferenczi diz que seu estudo estava em conexão com “O Eu e o Isso”, publicado
pouco antes: “[...] as curas verdadeiras e definitivas só podemos alcançar se con-
segue-se modificar o caráter neurótico que é a subestrutura da sintomatologia”
(GARCÍA, 1971, p. 19).
A partir de então, e até 1933, Reich publicou vários trabalhos em que a
temática é a teoria do caráter, incluindo a análise das resistências como objeti-
vo fundamental da terapêutica psicanalítica. Em 1925: O Caráter Impulsivo.
Verlag, Viena; 1927: A técnica de interpretação e a análise das resistências. IZP
(Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse); 1928: Sobre a análise do caráter.
IZP, apresentado no Congresso Internacional de Innsbruck no ano anterior;
1929: O caráter genital e o caráter neurótico; 1930: As fobias infantis e a for-
mação do caráter; 1932: O caráter masoquista. Refutação por parte da econo-
mia sexual do instinto de morte e da compulsão à repetição; 1933: Análise do
Caráter. Com exceção do trabalho de 1925, todos os demais foram incluídos
no livro “Análise do Caráter”, em 1933. Alguns artigos foram revisados e outros
ampliados.
Simultâneo a este período e até o final de sua vida, Reich escreveu e publicou
trabalhos que se inscrevem em outro eixo temático, embora para ele, pelo menos
até 1934, estivessem unidos: a sexologia e a psicanálise. A “teoria do orgasmo”
implica a ideia de que a neurose é a expressão de um transtorno da genitalidade, e
não apenas da sexualidade em geral, e que a satisfação orgástica no ato sexual pode
proteger da neurose. Seu livro “A função do Orgasmo. Contribuição à psicopato-
logia e à sociologia da vida sexual”, publicado em 1927 e dedicado a Freud, teve
aprovação deste com reservas. Foi reeditado com muitas modificações em 1942,
inclusive acrescido de passagens autobiográficas.
A par desses interesses, Reich voltou-se para as questões sociais, aderindo às
ideias marxistas. Em 1929 abriu a primeira clínica da Sociedade Socialista para
Consulta Sexual e Pesquisa Sexológica, na companhia de quatro analistas e três
obstetras. Foram clínicas de consulta sexual para empregados e trabalhadores,
promovendo ajuda médica e educativa. Com isso, desenvolveu a linha temáti-
ca do freudo-marxismo. Estava então envolvido numa atividade pública polí-
tico-psicossexológica. Em um trabalho de 1930 expôs sua crítica à instituição
Para Roudinesco (2016, p. 161, 265, 386, 403), Reich foi o discípulo mais
interessante e fecundo entre aqueles que causaram polêmica no movimento psi-
canalítico. Freud o queria longe em função de suas ideias políticas. No entanto,
contrariando Jones, Reich opunha-se a toda forma de colaboração com o nazis-
mo, reivindicando a dissolução da DGP2. Sabemos que essa Sociedade, a partir
de 1933, submeteu-se às exigências nazistas de expulsar todos seus membros ju-
deus.
Reich participou por breve período da Sociedade Psicanalítica de Berlim,
onde dirigiu seminários teóricos, porém mediante condições. Max Eitingon pe-
diu a Reich que não recebesse jovens analistas nessa atividade, alegando suas di-
vergências com Freud sobre a pulsão de morte. Em 1932 Reich publicou seu
trabalho sobre o caráter masoquista onde formalmente refuta esse conceito. Du-
rante esse tempo o casamento com Annie se desfez. Reich foi convidado por
psicanalistas dinamarqueses a exercer atividades de ensino naquele país, o que
foi afinal aceito por Eitingon. Esse é o ano de 1933, ano em que Hitler assume o
poder. Na ocasião Reich estava casado com Elsa Lindenberg. Da Dinamarca foi
para a Suécia.
Em 1934 no Congresso da IPA em Lucerna, Reich foi comunicado de sua
exclusão, sendo autorizado a apresentar seu trabalho “Contato psíquico e corrente
vegetativa”, apenas como membro convidado. No Prólogo à segunda edição de “A
Análise do Caráter”, datada de 1945, refere que esse trabalho marca a transição
entre a psicologia profunda de Freud e a biologia, e mais tarde a biofísica orgônica
(REICH, 2010, p. 16). Comenta sua expulsão da IPA e responsabiliza os psica-
nalistas por se afastarem da economia sexual. Ele não vê incompatibilidade na sua
forma de pensar, pois diz que “As ‘psiconeuroses’ de Freud, estudadas mediante
um método psicológico, encontram seu correlato orgânico nas ‘biopatias’, estuda-
das mediante um método orgônico-físico” (REICH, 2010, p. 16).
Ainda em 1934, na primavera, Reich aceitou convite para seguir seu trabalho
no Instituto Psicológico da Universidade de Oslo, Noruega, onde permaneceu
por cinco anos. É nesse período que parecem se estruturar as ideias que foram
consideradas delirantes: as questões da Orgonoterapia (GARCIA, 1971, p. 53). À
medida que foi dedicando-se à “investigação biofísica”, se afasta de seus posicio-
namentos políticos. Em 1939, convidado a dar aulas na New School for Social
Research de Nova Iorque, mudou-se para os Estados Unidos. Lá conheceu Ilse
Ollendorff, de início sua secretária e posteriormente sua esposa. O casal teve um
filho, Peter, nascido em 1944. No ano de 1941 entrevistou-se com Einstein, na
tentativa de convencê-lo de seus descobrimentos: já havia construído o “acumu-
lador orgônico”, uma espécie de caixa onde a pessoa receberia energia orgônica,
capaz de curar doenças e promover vitalização orgástica. Einstein mostrou inte-
resse, porém logo se retirou.
Residindo em Nova Iorque, Reich encontrou e adquiriu uma propriedade no
Maine (1942), onde estabeleceu um centro para o estudo do orgônio.
Os processos contra Reich nos Estados Unidos se iniciaram com o FBI, que
em 1941 o enviou para a prisão na Ilha Ellis, onde permaneceu por cerca de um
mês. Foi alegada identidade trocada, pois queriam prender um livreiro comunista
com o mesmo nome. Em 1947 iniciaram-se as investigações do Federal Food and
Drug Administration (FDA), acusando-o de comercializar seus “acumuladores de
orgônio”. Nesse mesmo ano, uma jornalista freelancer publicara no New Repu-
blic Magazine a reportagem “The Strange case of Wilhelm Reich”. Na matéria, ela
falsamente noticiava que Reich afirmara poder curar impotência sexual e câncer
com seu “acumulador”. A Harper’s Magazine anunciou Reich como o líder de um
novo culto de sexo e anarquia, relacionando-o com escritores como Henry Miller
e com as pesquisas de Alfred Kinsey. A própria Associação Médica Americana
pressionava o FDA a processar Reich. Eram os anos do pós-guerra, início da cha-
mada Guerra Fria e vigência do macarthismo (1950-56). Em 1956, durante um
segundo processo, seus acumuladores foram destruídos e seus livros queimados.
Os Estados Unidos, ou parte dele, parecia identificar-se com os “queimadores de
livros” que eles haviam combatido na última guerra. Sobre esse episódio assim se
refere a Enciclopédia Britânica, no verbete sobre Reich:
Após julgamento, Reich foi preso e condenado a dois anos. Poucos meses de-
pois vem a morrer de um ataque cardíaco, na penitenciária de segurança máxima
de Lewisburg, na Pensilvânia (WIKIPEDIA, 2016).
ANÁLISE DO CARÁTER
segunda edição (1945) o autor escreve que a análise do caráter evoluiu até con-
verter-se na orgonoterapia, relativa à descoberta da “função do orgasmo”. Mas
ressalta que esta análise segue pertencendo ao sistema de psicanálise freudiano e
em vigor.
Seu conteúdo está apresentado em três partes: “Técnica”, “Teoria da For-
mação do Caráter” e “Da Psicanálise à Biofísica Orgônica”. Com exceção desta
última, os demais trabalhos tomam como referência a Psicanálise. Penso que a im-
portância desta obra, destacada por muitos psicanalistas e, em parte, também por
Freud, centra-se na ênfase dada por Reich à análise do caráter e das defesas do ego.
O momento histórico em que Reich aproxima-se da psicanálise – década
de 1920 – é marcado por discussões a respeito da técnica. Em 1918 Freud apre-
sentara no Congresso de Budapeste o trabalho “Linhas de Progresso da Terapia
Psicanalítica”, discutindo modificações na técnica, em parte mobilizadas por San-
dor Ferenczi e sua “técnica ativa”. Em 1919 Karl Abraham escreve “Uma forma
particular de resistência neurótica contra o método psicanalítico”, onde aborda a
resistência narcisista de alguns pacientes à regra da associação livre; a resistência
pode se ocultar através de uma aparente boa vontade, assim como podem mos-
trar-se arrogantes e invejosos do analista. Recomenda a análise do narcisismo.
Nos anos seguintes Ferenczi continuará publicando trabalhos sobre modificações
técnicas, referindo em especial a análise do caráter, caráter esse que ele nomeia
como uma “muralha” (FERENCZI, 1921, p. 121).
Na obra freudiana são poucas as referências ao caráter, embora presentes
desde 1905 a 1937. Com relação à técnica, destaco sua introdução ao trabalho
de 1916, “Alguns tipos de caráter encontrados no trabalho psicanalítico”, quando
comenta o imediato interesse do “médico” para os sintomas do paciente. Porém,
ele agrega, logo surgem as resistências, que são consideradas parte do caráter. “Isso
passa a adquirir a prioridade de seu interesse” (FREUD, 1916, p. 351). Ou seja,
Freud define caráter, entende que sua análise é mais difícil do que a análise do
sintoma, refere as resistências, porém não postula uma técnica para a análise do
caráter, nem mesmo para a análise das defesas do ego.
Em 1927, no Congresso da IPA em Innsbruck, Reich apresenta seu pri-
meiro trabalho sobre a análise do caráter, incluído posteriormente na publicação
Serve a uma finalidade econômica definida: proteção contra os estímulos que vêm
do exterior, e também como defesa contra os impulsos libidinais internos. Pode
desempenhar essa tarefa porque as energias libidinais e sádicas se consomem nas
formações reativas neuróticas, nas compensações e em outras atitudes neuróticas
(REICH, 1933, p. 68).
A resistência caracterológica não advém do conteúdo do material do pa-
ciente, mas da maneira específica de agir e reagir. Difere de caráter para caráter,
ainda que o conteúdo possa ser o mesmo: histérico, impulsivo, etc. A forma está
determinada pelas experiências infantis, tal como está o conteúdo dos sintomas
e das fantasias. A aparição do caráter como resistência revela sua origem infantil;
é tanto uma defesa como uma transferência das relações infantis com o mundo
exterior.
A resistência caracterológica precisa ser “atravessada” (REICH, 1933, p. 94),
o que determina um maior sofrimento ao paciente. Favorece violentos rompantes,
ataques emocionais e frequentemente situações perigosas. Possibilita ao paciente
vivenciar suas emoções. A análise do caráter pressupõe o paciente indagar-se sobre
sua “maneira de ser” e com sua própria ajuda explorar analiticamente sua origem
e significado. É necessário que o paciente passe a sentir o traço de caráter como
um corpo estranho e queira modificá-lo. Se apenas interpretamos o impulso do
id, deixamos intacto o caráter. Por isso Reich propõe interpretar a forma como o
paciente traz o material, antes que seu conteúdo. “Como se diz as coisas é um ‘ma-
terial’ tão importante para a interpretação como o que diz o paciente” (REICH,
1933, p. 69). Esse é um caminho para a análise do caráter.
Reich propõe uma compreensão metapsicológica da técnica da análise do ca-
ráter. Começa comentando o ponto de vista tópico, dizendo que não é suficiente
tornar consciente o inconsciente. Do ponto de vista dinâmico também há restrição
de resultados, pois a liberação do afeto traz efeito apenas temporário. Sua ênfase é
no aspecto econômico: a organização da couraça caracterológica defende a estase
libidinal. A energia do conflito ficou ligada à estrutura do caráter, isto é, sustenta a
couraça caracterológica, expressão da defesa narcisista. O perigo de perdê-la é ver-se
confrontado com seus impulsos agressivos (REICH, 1933, p. 97). A transferência
negativa consiste nos impulsos de ódio que o paciente defende com o caráter.
Etchegoyen critica aspectos da técnica de Reich, porém afirma “[...] seu mé-
rito de haver ampliado o alcance da interpretação com base em uma teoria me-
tapsicológica consistente e perdurável, denunciando ao mesmo tempo como não
analítica a técnica de usar a sugestão, que é sempre um aspecto da transferência
positiva, para vencer as resistências. Creio que, nesse ponto, Reich retifica e tam-
bém supera a Freud” (ETCHEGOYEN, 1988, p. 217).
O caráter pode ser analisado e modificado. “Depois da cura”, podem persistir
os traços de caráter, porém dentro de limites que não prejudicam a capacidade de
trabalho ou da gratificação sexual (REICH, 1933, p.139).
O interesse de Reich sempre foi o sexual, talvez diferenciado do psicossexual,
como ele mesmo conta nos seus comentários biográficos. Nesse sentido, diferente
do Freud dos anos 1920 – ainda que semelhante ao das neuroses atuais –, Reich
entende que só pela gratificação sexual genital pode-se liberar a libido retida. A
pré-genitalidade não pode proporcionar o orgasmo. Só a potência orgástica trará
uma modificação econômica. O prognóstico é melhor quando foi estabelecida
a primazia genital na infância (libido ligada genitalmente) versus ter usado seus
genitais no sentido do erotismo oral, anal ou uretral.
Por outro lado, Reich também afirma que a análise da resistência caracteroló-
gica conduz ao centro da neurose, ao complexo de Édipo e à angústia de castração
(REICH, 1933, p. 97). Superar as resistências caracterológicas não quer dizer que
o caráter se modifique; isso só é possível depois da análise de suas fontes infantis.
A compulsão à repetição se baseia na força das necessidades sexuais insatis-
feitas e permanece enquanto estiver bloqueado o caminho para a satisfação sexual
madura; depende da situação econômica da libido.
Reich apresenta ainda, na Segunda Parte do livro, a descrição de algumas
“formas de caráter”. Como já vinha afirmando, a função do caráter será sem-
pre a de construir a couraça caracterológica. No entanto, a forma externa desta
tem seus determinantes históricos específicos. Ele descreve as seguintes formas
caracterológicas: caráter aristocrático, caráter histérico, caráter compulsivo, cará-
ter fálico-narcisista e caráter masoquista. Demonstra sua técnica através da análi-
se de muitos exemplos clínicos. Encontramos em Lacan, no trabalho “Variantes
do tratamento padrão” (LACAN, 1966), esta referência: “[...] W. Reich, em sua
concepção que se tornou clássica na análise, acentua expressamente ter por fina-
lidade fazer o sujeito considerar essa personalidade como um sintoma” (p. 343).
E destaca a contribuição específica dos tipos de caráter fálico-narcísico e maso-
quista: “[...] até então desconhecidos, por serem aparentemente assintomáticos”
(LACAN, 1966, p. 344).
EPÍLOGO
Essa é uma citação de Horacio Etchegoyen (1985) das palavras de seu an-
tigo professor de escola. E me parecem muito apropriadas para o que aqui nos
propomos.
Ler atentamente os pioneiros da Psicanálise nos coloca a tarefa de vencer
algumas barreiras, talvez couraças no sentido de se constituírem em defesas ao
conhecimento. Perpetuar o já sabido aponta para nosso narcisismo.
Desejo que essa breve contribuição possa abrir espaço à reflexão e, na melhor
das hipóteses, ampliar nossas ideias a respeito da clínica psicanalítica.
Wilhelm Reich foi um criador polêmico e, portanto, com uma obra comple-
xa. Sua trajetória no movimento psicanalítico também nos remete às questões do
poder institucional e ao medo do diferente. Conhecemos as maneiras como é pos-
sível contribuir para a difamação de um colega, através do próprio corpo teórico-
clínico que nos referencia. Se Reich foi ou esteve paranoico como o nomearam – e
sobre isso eu não sei – é preciso um trabalho de conhecimento e elaboração para
poder discernir a importância de suas contribuições. Se não, estaremos jogando
fora o bebê junto com a água do banho.
Para além da Psicanálise, Wilhelm Reich, banido pelos psicanalistas e pelos
comunistas, manteve uma atitude crítica com relação à sociedade, enfatizando a
possibilidade humana de expandir suas potencialidades sem as amarras da repres-
são sexual. Sua ênfase no fator curativo da sexualidade levou-o, sem que ele pu-
desse saber, pois já estava morto, ao patamar de ideólogo da chamada “revolução
sexual” nos anos 1960. Este termo, aliás, foi cunhado pelo próprio Reich. Seu
livro “Listen, little man”, traduzido como “Escuta, Zé Ninguém”, foi considerado
referência pelos jovens no Brasil nos anos 1970, por seu cunho político-social.
O tema da sexualidade é considerado princeps na Psicanálise, portanto as
questões que inquietaram Reich seguem vigentes. Ainda que as mudanças no
comportamento sexual, por si, não tenham promovido as transformações socio-
políticas que Reich desejava, constata-se um incessante movimento nesse campo,
que não pode ser desvinculado das questões do poder.
REFERÊNCIAS
REICH, Ilse Ollendorff. Wilhelm Reich: A Personal Biography. Dispónível em: <ht-
tps://books.google.com.br/books?id=r_LFbIrSM6wC&pg>. Acesso em: 16 ago. 2016.
REICH, WILHELM (1933). Análisis del Carácter. Buenos Aires: Paidós, 2010.