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Apologética - Norman Geisler - Enciclopédia de Apologética, Respostas Aos Criticos Da Fé Cristã

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N o r m a n G e is l e r

En c i c l o p é d i a de
APOLOGÉTICA

r e s p o s t a s aos c r í t i c o s da f é c r i s t ã

t r a d u ç ã o

L a i l a h d e N o r o n h a

Vida
Pelo mesmo autor

Eleitos, mas livres (Vida)


Ética cristã (Vida Nova)

Obras em co-autoria

Fundam entos inabaláveis (Vida)
Introdução bíblica: como a B íblia chegou até nós (Vida)
Introdução à filosofia: um a perspectiva cristã (Vida Nova) © 1999, de N orman L. Geisler
Predestinação e livre-arbítrio (Mundo Cristão) Título do original • B aker encyclopedia o f Christian
M a n u a l po pula r de dúvidas, enigmas e “contradições” da apologetics
Bíblia (Mundo Cristão) edição publicada pela
Reencarnação (Mundo Cristão) B aker B ook H ouse C ompany,
A m a r é sempre certo (Candeia) (Grand Rapids, Michigan, eua )

Todos os direitos em língua portuguesa reservados p o r

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P roibida a reprodução por quaisquer m eios ,

salvo em breves citações , com indicação da fon te ,

Todas as citações bíblicas foram extraídas da


N ova Versão In tern a cio n a l (nvi),
© 2 0 0 1 , publicada pela Editora Vida,
salvo indicação em contrário.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip )


(Câm ara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Geisler, Norman L. -
Enciclopédia de apologética: respostas aos críticos da fé cristã/
Norman Geisler; tradução Lailah de Noronha — São Paulo:
Editora Vida, 2002.

Título original: Baker encyclopedia o f Christian apologetics

ISBN 85 -7 3 6 7 -5 6 0 -8

1. Apologética - Enciclopédias 1. Título


0 2 -3 7 6 5 _____________________________________________________________ CDD 239.03
fndice para catálogo sistemático

1. Apologética: Cristianismo: Enciclopédias 2 3 9 .0 3


Agradecimentos
Quero agradecer às pessoas que contribuíram significativamente na preparação deste manuscrito. Entre
elas se acham Steve Bright, Jeff Drauden, Scott Henderson, Mark Dorsett, Holly Hood, Kenny Hood,
David Johnson, Trevor Mander, Doug Potter, Mac Craig, Larry Blythe, Jeff Spencer e Frank Turek.
Sou muito grato a Joan Cattell pelas horas incontáveis dedicadas à revisão do manuscrito completo.
Também merecem agradecimentos especiais meu filho, David Geisler, por coletar a vasta bibliografia,
e minha secretária fiel, Laurel Maugel, que o digitou e revisou cuidadosamente.
Acima de tudo, quero agradecer a minha dedicada esposa, Barbara, seu amor, apoio e sacrifício,
que tornaram possível a realização deste projeto.
Abreviações

RA Almeida Revista e Atualizada, segunda edição


AT Antigo Testamento
ATR Anglican Theological Review
BA The Biblical Archaelogist
BAR Biblical Archaelogical Review
Bib. sac. Bibliotheca Sacra
BJRL Bulletin oh the John Rylands Library
BR Bible Review
C. cerca de
cap. capítulo
cf. confira, confronte
CNBB Tradução bíblica oficial da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil
CRJ Christian Research Journal
CT Christianity Today
e.g. exempli gratia, por exemplo
EB Encyclopaedia bíblica
ERE Encyclopaedia o f religion and ethics
fr. francês
GOTR Greek Orthodox Theological Review
gr- grego
i.e. id est, isto é
IEJ Israel Exploration Journal
ingl. inglês
ISBE International standard bible encyclopaedia
JAMA Journal o f the American Medical Association
JASA Journal o f the American Scientific Affiliation
JETS Journal o f the Evangelical Theological Society
lat. latim
LXX Septuaginta
m. data da morte
n. data do nascimento
NT Novo Testamento
NTCERK New twentieth century encyclopaedia o f
religious knowledge
NVI Nova Versão Internacional
S. seguinte
SE Studia Evangélica
V. veja; versículo
WTJ Westminster Theological Journal
Aa
acaso. 0 conceito de acaso evoluiu em significado. Aca­ trajetória e outros resultados da inércia. O acaso não teve
so para A ristóteles e outros filósofos clássicos era ape­ influência sobre o processo. Como Sproul disse: “0 aca­
nas a interseção fortuita de duas ou mais linhas de cau­ so não tem o poder de fazer nada. Ele é cósmica, total e
salidade. Nos tempos modernos, no entanto, o termo completamente impotente” (ibid., p. 6).
assumiu dois significados diferentes. Alguns veem o Para que ninguém pense que “viciamos” os dados
acaso com o a ausência de qualquer causa. Como ao citar um teísta, ouça as palavras de Hume:
Mortimer Adler afirmou, alguns interpretam o acaso
como “o que acontece sem nenhuma causa — o abso­ 0 acaso, quando examinado estritamente,é apenas uma
luto espontâneo ou fortuito” (Sproul, xv). palavra negativa, e não significa qualquer poder real que te­
Outros vêem o acaso como a grande causa, apesar nha existência em qualquer parte’. [...] “Apesar de não ha­
de ser cega, e não-inteligente. Os naturalistas e mate­ ver acaso no mundo, nossa ignorância da causa real de qual­
rialistas geralmente falam dessa maneira. Por exem­ quer evento tem a mesma influência na compreensão, e gera
plo, desde David Hume, o argumento teleológico tem uma mesma espécie de crença ou opinião (Hume, Seção 6).
sido confrontado pela alternativa de que o universo
resultou do acaso, não da criação inteligente. Apesar Atribuir p o d e r causal a o acaso. Herbert Jaki, em
de o próprio Hume não tê-lo feito, alguns entenderam God and the cosmologists [Deus e os cosmólogos], apre­
que isso significava que o universo foi causado pelo senta um capítulo penetrante intitulado “Dados vici­
acaso, não por Deus. ados”. Ele se refere a Pierre Delbert, que disse: “0 aca­
so aparece hoje como lei, a mais geral de todas as leis”
Acaso e teísmo. O acaso, concebido ou pela falta
(Delbert, p. 238).
de uma causa ou como a própria, causa, é incompatí­
Isso é mágica, não ciência. As leis científicas lidam
vel com o teísmo. Enquanto o acaso reinar, Arthur
com o regular, não o irregular (como o acaso é). E as
Koestler observou,“Deus é um anacronismo” (ibid., p.
leis da física não causam nada; apenas descrevem a
3). A existência do acaso tira Deus do seu trono cós­
m aneira como as coisas acontecem regularmente no
mico. Deus e o acaso são mutuamente excludentes. Se
mundo como resultado de causas físicas. Da mesma
o acaso existe, Deus não está no controle total do uni­
forma, as leis da matemática não causam nada. Elas
verso. Não pode nem existir um Criador inteligente.
apenas insistem em que, se eu colocar 5 moedas no
A natureza d o acaso. A definição da palavra aca­
meu bolso direito e colocar mais 7, terei 12 moedas
so depende parcialmente da cosmovisão a emprega.
ali. As leis da matemática nunca colocaram uma m o­
Dois usos geralmente são confundidos quando fala­
eda no bolso de ninguém.
mos sobre a origem das coisas: acaso como pro ba bili ­
0 erro básico de fazer do acaso um poder causai
dade matemática e acaso como causa real. 0 primeiro
foi bem colocado por Sproul: “ 1 . 0 acaso não é uma
é apenas abstrato. Quando um dado é jogado, as entidade. 2. Não-entidades não têm poder porque não
chances são de um em seis que dará o número seis. A existem. 3. Dizer que algo acontece ou é causado pelo
probabilidade é de 1 em 36 que dê seis nos dois dados acaso é atribuir poder instrumental ao nada” I p. 13 >.
e 1 em 216 que dê três seis se jogarmos três dados. Mas é absurdo afirmar que nada produziu algo. 0 nada
Essas são probabilidades matemáticas. Mas o acaso sequer existe e, logo, não tem poder para causar algo
não fez que os três dados dessem seis. 0 que interferiu (v. CAUSALIDADE, PRINCÍPIO DA).
foi a força e o ângulo do lançamento, a posição inicial Causa(s) inteligente(s) e resultados do “aca so ” .
na mão, como os dados bateram contra objetos na sua Nem to d o s os eventos do aca so a con tecem por
acognosticismo 10

fen ô m en o s naturais. Causas inteligentes podem ju s­ dizem nada sobre qualquer suposta realidade além do
tapor-se ao “acaso”. Dois cientistas, trabalhando inde­ mundo empírico. São apenas prováveis quanto à sua
pendentemente a partir de abordagens diferentes, fa­ natureza e nunca filosoficamente seguras (v. C erteza /
zem a mesma descoberta. Um ser racional enterra um S egurança ) . As afirmações definidoras são úteis em as­
tesouro. Outro o encontra por acaso ao cavar o alicer­ suntos empíricos e práticos, mas nada podem infor­
ce de uma casa. mar sobre a realidade em qualquer sentido metafísico.
O que parece ser uma mistura aleatória não está A ausência de sentido na discussão sobre Deus. O
necessariamente isento de propósito racional. Há um resultado do positivismo lógico de Ayer é tão devasta­
propósito racional por trás da criação de uma m istu­ dor para o teísmo quanto o agnosticism o tradicional.
ra aleatória de seqüências numéricas num sorteio de Não é possível conhecer a Deus, nem expressá-lo. Na
loteria. Há um propósito racional para a mistura alea­ verdade, o termo Deus não tem significado. Portanto,
tória de dióxido de carbono que expelimos no ar à nos­ até o agnosticismo tradicional é insustentável, já que
sa volta; senão voltaríamos a respirá-lo e morreríamos o agnóstico presume ser importante perguntar se Deus
de falta de ar. Nesse sentido, Deus, o Criador, e o acaso existe. Mas, para Ayer, a palavra Deus, ou qualquer
não são conceitos incompatíveis. Contudo, falar sobre equivalente transcendente, não tem significado. Assim,
a causa do acaso é absurdo. é impossível ser agnóstico. O termo Deus não é nem
Conclusão. Estritamente falando, o acaso não pode analítico nem sintético. Não é oferecido pelos teístas
causar ou originar o Universo e a vida. Todo evento tem como uma definição vazia e sem conteúdo, que a nada
uma causa adequada. As escolhas são causas inteligentes corresponde na realidade, nem é um termo cheio de
ou causas não-inteligentes,causas naturais ou causas não- conteúdo empírico, já que “Deus” é supostamente um
naturais. A única maneira de saber de qual delas se trata ser supra-empírico. Portanto, é literariamente sem sen­
é pelo tipo de efeito produzido (v. origens , ciência das ). Já tido falar sobre Deus.
que o universo manifesta criação inteligente, é razoável Ayer acabou por revisar seu princípio de verifica-
supor uma causa inteligente (v. teleológico , argumento ) . O bilidade (v. ibid., cap. lOss.). Essa nova forma admitiu
acaso ou a casualidade aparente (como a loteria ou a mis­ a possibilidade de algumas experiências empíricas se­
tura de moléculas de ar) pode ser parte de um desígnio rem seguras, tais como as produzidas por uma única
geral, inteligente, na criação. experiência sensorial, e que haja um terceiro tipo de
afirmação com alguma verificabilidade analítica ou
Fontes definidora. Ele não chegou a admitir que a discussão
P. Delbert, La Science et la realité. sob re Deus fosse s ig n ifica tiv a . As e x p e riê n c ia s
}. G leick , Caos: a criação de uma nova ciência. verificáveis não seriam verdadeiras, falsas, nem reais,
D. H um e , Investigação sobre o entendimento mas apenas significativamente definidoras. Ayer reco­
humano. nheceu que a eliminação eficiente da metafísica deve
S. J aki , God and the cosmologists. ser apoiada pela análise detalhada dos argumentos
R . C. S proul , Not a chance. metafísicos (Ayer,cap. 1 6 ).Mesmo um princípio revi­
sado de verificabilidade empírica tornaria impossível
a c o g n o s tic is m o . Não deve ser confundido com o fazer afirmações significativamente verdadeiras sobre
AGNOSTicisMO. O agnosticismo afirma que não podemos a realidade transempírica como Deus. Não há conhe­
conhecer a Deus; o acognosticismo afirma que não po- cimento cognitivo de Deus; devemos permanecer “a-
demos fa lar significativamente (cognitivamente) sobre cognósticos”.
Deus. Este conceito também é chamado “não-cognosci- Inexpressável ou místico. Seguindo a linha propos­
vismo” ou “ateísmo semântico”. ta por Ludwig W it t g e n s t e in (1 8 8 9 -1 9 5 1 ) na obra
O acognosticism o d e A.J. A yer. Seguindo a dis­ Tractatus logíco-phílosophícus, Ayer afirmava que, em ­
tinção feita por Hume entre afirmações definidoras e bora Deus possa ser experimentado, tal experiência
empíricas, A. J. Ayer ofereceu o princípio da verifica- não pode ser expressa em term os de significado.
bilidade empírica. Esse princípio considerava que, para Wittgenstein acreditava que “a maneira em que as coi-
as afirmações serem significantes, devem ser analíti­ sas são no mundo é uma questão absolutam ente
cas, a “relação de idéias” (David Hume) ou sintéticas irrelevante para o que é superior. Deus não se revela
(o que Hume cham ou “questões de fato” ), isto é, no mundo”. Pois “realmente existem coisas que não
definidoras ou empíricas (Ayer, cap. 1). Afirmações podem ser explicadas com palavras [...] Elas compre­
definidoras não têm conteúdo e nada dizem sobre o endem o que é místico”, e “o que não podemos expressar
mundo; afirmações empíricas têm conteúdo, mas não com palavras devemos consignar ao silêncio”.
11 acognosticismo

Se Deus pudesse expressar-se por meio de nossas não reivindicava valor de verdade. A verificabilidade,
palavras, seria “um livro que explodiria todos os li­ defendia ele, é analítica e definidora, mas não arbitrá­
vros”, mas isso é impossível. Portanto, além de não ria ou verdadeira. É metacognitiva, ou seja, está além
existir nenhuma revelação proposicional, também não da verificação de exatidão ou falsidade. È apenas útil
existe nenhum ser cogniscivelmente transcendental. como guia para o significado. Essa é uma tentativa
P o rta n to , q u er se co n sid ere o p rin c íp io da destinada ao fracasso por duas razões. Em primeiro
verificabilidade do positivismo lógico mais rígido, quer lugar, ela não chega a eliminar a possibilidade de fazer
as limitações lingüísticas mais amplas de Wittgenstein, afirmações metafísicas. Na verdade, admite que não
a discussão sobre Deus é metafisicamente desprovida se pode legislar significado arbitrariamente, mas que
de sentido. é preciso considerar o significado das supostas afir­
Wittgenstein acreditava que os jogos de linguagem mações metafísicas. Mas isso significa que é possível
são possíveis, até mesmo jogos de linguagem religio­ fazer afirmações significativas sobre a realidade, a ne­
sa. A discussão sobre Deus pode acontecer e acontece, gação do agnosticismo e acognosticismo completos.
mas não é metafísica; ela não diz nada sobre a exis­ Em segundo lugar, restringir o que é significativo é li­
tência e a natureza de Deus. m itar o que poderia ser verdadeiro, já que apenas o
É desastroso para o teísta que Deus não possa ser significativo pode ser verdadeiro. Então, a tentativa de
conhecido (com o em Im m anuel K axt ) e não possa limitar o significado ao descritivo ou verificável é afir­
ser objeto de expressão (com o em Ayer). Tanto o mar que a verdade deve, ela mesma, estar sujeita a al­
agnosticism o tradicional quanto o acognosticism o gum teste. Se ela não pode ser testada, então não pode
contem porâneo nos deixam no mesmo dilem a filo­
ser falsificada e é, pelos próprios padrões, uma crença
sófico: não há base para afirm ações verdadeiras so­
sem sentido.
bre Deus.
Resposta ao misticismo de Wittgenstein. Ludwig
A n ão-falsificabilidade das crenças religiosas. 0
W ittg enstein prom oveu o aco g n o sticism o auto-
o u tro la d o do p r in c íp io da v e rific a b ilid a d e é o da
ridicularizador. Ele tentou definir os limites da lingua­
falsifica b ilid a d e . C om b a se n a p a rá b o la do ja rd in e iro
gem de tal forma que fosse impossível falar cognitiva­
in v isív el de Jo h n W isd o m , A n ton y Flew la n ç o u o s e ­
m en te sobre Deus. Deus é literalmente inexprimível. E
g u in te d esa fio aos cre n tes: “0 q u e p re c isa ria te r a c o n ­
sobre o que n ão se pode falar, sequer se deveria tentar
tecid o p a ra c o n stitu ir p a ra v o cê u m a p rova c o n tra o
falar. M as W ittg en stein teve tão pouco sucesso na res­
a m o r de D eu s ou c o n tra a e x istê n c ia de D eu s?” (Flew ,
triç ã o dos lim ites lin g ü ístico s quanto Kant na delimita­
p. 9 9 ). A razão d isso é q u e n ão se p o d e p e rm itir que
ção do âm bito dos fe n ô m e n o s ou da aparência. A pró­
algo se ja u m p o n to a favor da fé e m D eu s a n ão ser
p ria tentativa de n egar to d as as a firm a ç õ e s so b re Deus
q u e h a ja d isp o siçã o de p e rm itir qu e sirv a co m o prova
c o n stitu i u m a a firm a çã o .
c o n tr a e la . T udo o q u e te m s ig n ific a d o ta m b é m é
N ão se p o d e d e lim ita r a lin g u ag em e o p e n s a m e n ­
fa lsificá v el. N ão h á d iferen ça e n tre u m ja rd in e iro in ­
to se m tra n s c e n d e r esse s m e sm o s lim ite s. É c o n tra d i­
v isív el, in d e te ctá v e l, e n e n h u m ja rd in e iro . D a m e sm a
tó rio e xp ressar o arg u m en to de qu e o in e x p rim ív el não
fo rm a , u m D eu s q u e n ão faz d iferen ça v erificáv el ou
fa lsificá v el n ão é D eu s. A n ão se r que o cre n te p o ssa p o d e se r e x p ressa d o . D a m e sm a fo rm a , até m e sm o
m o s tra r co m o o m u n d o se ria d iferen te se n ão h o u v e s­ p e n sa r q u e o im p en sá v el n ão p o d e se r p e n sad o é c o n ­
se D eu s, as c o n d içõ es do m u n d o n ão p o d e m ser u s a ­ tra d itó rio . A lin g u ag e m (p e n s a m e n to ) e a realid ad e
d as co m o e v id ên cia . P ou co im p o rta se o te ísm o se b a ­ n ão p o d e m se r m u tu a m e n te e x clu d e n tes, pois toda
se ia n u m a p a rá b o la ou n u m m ito , o cre n te n ão tem ten ta tiv a de se p a rá -la s co m p le ta m e n te implica algu­
c o n h ecim en to sig n ificativ o o u verificáv el de D eus. Isso m a in te ra çã o en tre elas. Se u m a escad a foi u sad a para
p o u co , ou n ad a, a cre sc e n ta ao a g n o stic ism o tra d ic io ­ ch eg a r ao alto de u m a c a sa , n ão se p o d e n eg a r a capa­
n al de K ant. cid ad e da e sca d a de lev ar o in d iv íd u o até lá (v. verda ­
A v aliação. C o m o seu p rim o , o a g n o s tic is m o , o de, NATUREZA DA).
a co g n o s tic ism o é p a ssív el de d u ras c rític a s. Resposta à não-falsificabilidade de Flew. Duas coi­
Resposta ao acognosticismo de Ayer. C om o iá foi sas devem ser d itas so b re o princípio da falsificabilida­
d ito, o p rin cíp io da v erifica b ilid a d e e m p íric a d e m o n s­ de de Flew. E m p rim e iro lugar, no sentido restrito da
tra d o p o r Ayer é c o n tra d itó rio . N ão é n em p u ram en te n ã o -fa lsific a b ilid a d e empírica, ela é muito restritiva.
d e fin içã o n em e strita m e n te fato. E n tã o , p ela p ró p ria N em tud o p recisa ser empiricamente falsificável. Na
d e fin içã o , ca iria na te rce ira cate g o ria de a firm a ç õ e s v erd ad e, m e sm o esse princípio não é empiricamente
desprovidas de sentido. Ayer re co n h ece u esse p ro b le m a fa ls ific á v e l. M a s no sentido mais amplo d o que é
e la n ço u m ã o de u m a te rce ira categ o ria p a ra a q u al testáv el e argumentável, certamente o princípio é útil.
acomodação, teoria da 12

A não ser que haja critérios para determinar verdade e que as Escrituras eram inspiradas e infalíveis (v. B í ­
falsidade, nenhuma afirmação sobre a verdade pode ser bl ia , P osição de J esu s em relação à ). Teólogos ortodoxos

defendida. Tudo, incluindo-se posições diametralmente rejeitam essa forma de acomodação.


opostas, pode ser verdadeiro. Dois tipos de acom odação. A acomodação legíti­
Em segundo lugar, nem tudo o que é verificável ma pode ser mais bem denominada “adaptação”. Deus,
precisa ser falsificável da mesma maneira. Como John por causa de sua infmitude, se adapta ao nosso enten­
Hick demonstrou, há uma relação assim étrica entre dimento finito para se revelar. Mas o Deus que é a ver­
verificabilidade e falsificabilidade. É possível alguém dade nunca se acomoda ao erro humano. As diferen­
verificar a imortalidade pessoal ao observar consci­ ças vitais são observados facilmente quando esses con­
entemente seu próprio funeral. Mas não é possível pro­ ceitos são comparados:
var que a imortalidade pessoal seja falsa. Quem não
sobrevive à morte não está lá para refutar nada. E ou­ Adaptação Acomodação
tra pessoa não poderia refutar a imortalidade de uma Adaptação ao entendi­ Acomodação ao erro
terceira sem ser onisciente. Mas, se é necessário supor mento finito finito
que exista uma mente onisciente ou um Deus onisci­ Finitude Pecaminosidade
ente, então seria eminentemente contraditório usar o Verdades parciais Erros verdadeiros
Verdade revelada na Verdade mascarada na
argumento da falsificação para refutar a existência de
linguagem humana linguagem humana
Deus. Assim, podemos concluir que toda afirmação so­
Condescender com Comprometer a verdade
bre a verdade deve ser testável ou argumentável, mas
a verdade
nem todas as afirmações sobre a verdade precisam ser
Antropomorfismos são Mitos são verdades
falsificáveis. 0 estado de inexistência total de qualquer necessários
coisa seria impossível de falsificar, já que não haveria A natureza de Deus A atividade de Deus é
ninguém nem maneira de refutá-lo. Por outro lado, a é revelada revelada
e xistên cia de algo é testável por exp eriên cia ou O que parece ser O que realmente é
inferência.

A Bíblia ensina a transcendência de Deus. Seus ca­


Fontes
minhos e pensamentos são muito mais altos que os
A. J. A yer , Language, truth and logic.
nossos (Is 55.9; Rm 11.33). Os seres humanos são m i­
H. F eigfx , Logical positivism after thirty-five
núsculos diante da infmitude de Deus. Deus precisa
years, pt , W inter 1964.
“tornar-se m enor” para falar conosco, mas esse ato
A. F lew , Theology and falsification, em New
essays in philosophical theology.
divino de adaptação à nossa finitude jam ais envolve
N. L. G f.isi.er, Christian apologetics, cap. 1. acom odação ao nosso pecado, pois Deus não pode
___ , Philosophy o f religion. pecar (Hb 6.18). Deus usa antropomorfismos (expres­
J. H ick, The existence o f God. sões verdadeiras de quem Deus é descritas em termos
I. R amsay, Religious language. hum anos) para falar conosco, mas não usa mitos. Às
J. W isdom , Gods, A. F lew , org., Logic and vezes nos dá apenas parte da verdade, mas essa verda­
language I. de parcial jam ais constitui erro (1 Co 13.12). Ele se re­
L. W ittgenstein, Tractatus logico-philosophicus. vela progressivamente, mas nunca erroneamente (v.
R evelação P rogressiva ). Ele nem sempre nos diz tu d o ,
a c o m o d a ç ã o , te o r ia d a. Na apologética, este termo mas tudo o que nos diz é verdadeiro.
pode se referir a duas posições: uma delas é aceitá­ Jesus e a acom odação. Sabe-se bem que no nt Je­
vel aos evangélicos, e a segunda é rejeitada por eles. sus expressou uma concepção muito elevada das Es­
A expressão pode se referir à acom odação que Deus crituras (v. B íb lia , a posição de J esu s em relação à ). Ele
fez da sua revelação às nossas circunstâncias finitas aceitava a autoridade divina (M t 4.4,7,10), a validade
a fim de com unicar-se conosco, com o na Bíblia ou eterna (M t 5.17,18), a inspiração divina (M t 22.43), a
na E ncarnação de Cristo (v. B íb l ia , E v id ên c ia s a fa ­ imutabilidade (Jo 10.35), a supremacia (M t 1 5 .3 ,6 ), a
vor da ; C alvino , J oão ; C r is t o , divin d a d e d e ). Ambas são inerrância (M t 22.29; Jo 17.17), a confiabilidade his­
form as de acom odação autolim itadora da parte de tórica (M t 12.40; 24.37,38) e a precisão científica (Mt
Deus a fim de com unicar-se com criaturas finitas. 19.4,5) das Escrituras. Para evitar a conclusão de que
Críticos negativos da Bíblia (v. C rítica da B íb l ia ) Jesus estava realmente afirmando que tudo isso é ver­
acreditam que Jesus se acomodou a posições errône­ dade, alguns críticos insistem que ele estava apenas se
as dos judeus de sua época quanto à sua convicção de acomodando à crença judaica da época, sem tentar
13 acomodação, teoria da

derrubar as convicções deles. Tais idéias errôneas teriam Até os inimigos de Jesus reconheciam que ele não
sido o ponto de partida do que ele queria lhes ensinar so­ fazia concessões. Os fariseus disseram: “Mestre, sabe­
bre questões mais importantes de moralidade e teologia. mos que és íntegro e que ensinas o caminho de Deus
A acomodação é contrária à vida de Jesus. Tudo que conforme a verdade. Tu não te deixas influenciar por
se sabe sobre a vida e os ensinamentos de Jesus revela ninguém, porque não te prendes à aparência dos ho­
que ele jam ais se acomodou aos falsos ensinamentos mens” (Mt 22.16). Nada no evangelho indica que Je­
da época. Pelo contrário, Jesus repreendeu os que acei­ sus tenha se acomodado ao erro aceito por seus con­
tavam o pensamento judaico que contradizia a Bíblia, temporâneos acerca de qualquer assunto.
declarando: “... E por que vocês transgridem o m an­ A acomodação é contrária ao caráter de Jesus. Do
damento de Deus por causa da tradição de vocês? [...] ponto de vista puramente humano, Jesus era conhecido
Assim, por causa da sua tradição, vocês anulam a pa­ por ser um homem de grande caráter moral. Seus ami­
lavra de Deus” (Mt 15.3 ,6b). gos mais próximos o consideravam impecável (1 Jo 3.3;
Jesus corrigiu opiniões falsas sobre a Bíblia. Por 4.17; IPe 1.19). As multidões se maravilhavam com seus
exemplo, no famoso Sermão do Monte, Jesus afirmou ensinamentos “porque ele as ensinava como quem tem
enfaticamente: autoridade, e não como os mestres da lei” (Mt 7.29).
Pilatos examinou Jesus e declarou: “Não encontro
Vocês ouviram o que foi dito aos seus antepassados:‘Não motivo para acusar este homem” (Lc 23.4). O soldado
matarás’, e‘quem matar estará sujeito a julgamento’. Mas eu romano que crucificou Jesus exclamou: “Certamente,
lhes digo que qualquer que se irar contra seu irmão estará este homem era justo” (Lc 23.47). Até incrédulos pres­
sujeito a julgamento (Mt 5.21,22 a). taram homenagem a Cristo. Ernest Renan, famoso ateu
francês, declarou sobre Jesus: “Seu idealismo perfeito
Esta fórmula ou a fórmula semelhante de“Foi dito:... é a mais elevada regra de vida impecável e virtuosa”
Eu, porém, vos digo...”é repetida nos versículos seguin­ (Renan, p. 383). Renan tam bém escreveu: “Vamos co­
tes (cf.M t 5.23-43). locar, então, a pessoa de Jesus no ponto mais alto da
Ele repreendeu o famoso líder judeu Nicodemos: grandeza humana” (ibid.,p. 386) e “Jesus continua sen­
“Você é mestre em Israel e não entende essas coisas?” do um princípio inesgotável de regeneração moral
(Jo 3.10). Isso não é se acomodar às falsas crenças de para a humanidade” (ibid., p. 388).
seus interlocutores. Ele até repreendeu Nicodemos por Do ponto de vista bíblico, Jesus era o Filho de Deus
não entender coisas empíricas, dizendo: “Eu lhes falei e por isso não podia mentir, pois Deus “não mente”
de coisas terrenas e vocês não creram; como crerão se (Tt 1.2). Realmente,“é impossível que Deus minta” (Hb
lhes falar de coisas celestiais?” (Jo 3.12). Ao falar es­ 6.18). Sua “palavra é a verdade” (Jo 17.17).“Seja Deus
pecificamente sobre a interpretação errada deles so­ verdadeiro, e todo homem mentiroso” (Rm 3.4). Seja
bre as Escrituras, Jesus disse diretamente aos saduceus: qual for a autolimitação divina necessária para a co­
“Vocês estão enganados porque não conhecem as Es­ municação com os seres humanos, não há pecado, pois
crituras nem o poder de Deus” (M t 22.29). Deus não pode pecar. É algo contrário à sua natureza.
As denúncias de Jesus contra os fariseus de maneira Uma objeção é respondida. É verdade que Deus se
alguma poderiam ser classificadas como acomodação. adapta às lim itações hum anas para com unicar-se
conosco. Jesus, que era Deus, também era um ser hu­
Ai de vocês, guias cegos!” [...] Ai de vocês, mestres da lei e mano. Como ser humano, seu conhecimento era lim i­
fariseus, hipócritas! [...] Guias cegos! Vocês coam um mos­ tado. Isso é revelado em várias passagens das Escritu­
quito e engolem um camelo. Ai de vocês, mestres da lei e dos ras. Primeiramente, quando criança, “ia crescendo em
fariseus, hipócritas! [...] Serpentes! Raça de víboras! Como sabedoria” (Lc 2.52). Mesmo quando adulto seu conhe­
vocês escaparão da condenação ao inferno? (Mt 23.16-33). cimento tinha certas limitações. Segundo Mateus, Jesus
não sabia o que havia na figueira antes de chegar perto
Jesus fez tanta questão de não se acomodar aos fal­ dela (Mt 21.19). Jesus disse que não sabia a hora de sua
sos ensinamentos e práticas no Templo que Segunda Vinda: “Quanto ao dia e à hora ninguém sabe,
nem os anjos dos céus, nem o Filho, senão somente o
... ele fez um chicote de cordas e expulsou todos do tem­ Pai” (Mt 24.36; grifo do autor).
plo, bem como as ovelhas e os bois; espalhou as moedas dos Mas, apesar das limitações do conhecimento hu­
cambistas e virou suas mesas. Aos que vendiam pombas dis­ mano de Jesus, limites são diferentes de falso conheci­
se:‘Tirem estas coisas daqui! Parem de fazer da casa de meu mento. O fato de ele não saber algumas coisas como
pai um mercado! (Jo 2.15,16). homem não quer dizer que estava errado sobre o que
Adão, historicidade de 14

sabia. 0 fato de Jesus desconher, como homem, a hipó­ e ). Eles


indicam o estilo poético do texto, o paralelismo
tese documentária (teoria je d p ) sobre a autoria da Lei é dos primeiros capítulos de Gênesis com outros mitos
uma coisa. Mas é bem diferente dizer que Jesus estava antigos, a suposta contradição entre o texto com a evo­
errado quando afirmou que Davi escreveu o salmo 110 lução (v. evolução biológica ; evolução humana ) e a data
(Mt 22.43),que Moisés escreveu a Lei (Lc 24.27; Jo 7.19, recente de Adão na Bíblia (c. 4000 a.C.), que é contrária
23), ou que Daniel escreveu uma profecia (Mt 24.15; v. à datação científica dos primeiros humanos como muito
B íblia , a posição de J esus em relação à ). As limitações de mais antigos. Consideram tudo isso evidência de que a
Jesus sobre coisas que não sabia como homem não o história de Adão e Eva é mítica. No entanto, a Bíblia apre­
impediam de afirmar verdadeiramente o que de fato senta Adão e Eva como pessoas reais, que tiveram fi­
sabia (v. P entateuco , autoria mosaica do ; profecia , como pro ­ lhos reais, dos quais descendeu o restante da raça hu­
va da B I bl ia ). mana (cf.Gn 5.1ss.).
O que Jesus sabia, ensinou com autoridade divina. A dão e Eva históricos. Há bons motivos para crer
Ele disse aos seus discípulos: que Adão e Eva foram personagens históricas. Em pri­
meiro lugar, Gênesis 1 e 2 apresentam-nos como pes­
Foi-me dada toda a autoridade nos céus e na terra. Por­ soas reais e até narram os eventos importantes da vida
tanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando- deles. Em segundo lugar, geraram filhos literais que
os em nome do Pai e do Filho e do espírito santo, ensinan- fizeram o mesmo (Gn 4,5). Em terceiro lugar, o m es­
do-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei. E eu estarei mo tipo de frase (“Este é o registro”, “são estas as ge­
sempre com vocês, até o fim dos tempos (Mt 28.18-20). rações”), usada para registrar a história mais tarde em
Gênesis (e.g., 6.9; 10.1; 11.10,27; 25.12,19), é usada
Ele ensinou com ênfase. No evangelho de João, Je­ para o registro da criação (2.4) e para Adão e Eva e
sus disse 25 vezes: “Digo-lhe a verdade...” (Jo 3.3,5,11). seus descendentes (Gn 5 .1 ; v. P en ta te u c o , au to ria
Ele afirmou que suas palavras valiam tanto quanto as mosaica d o ). Em quarto lugar, outras cronologias pos­
de Deus, ao declarar: “Os céus e a terra passarão, mas teriores do at colocam Adão encabeçando as listas (Gn
as minhas palavras jam ais passarão” (Mt 24.35). Além 5.1; lC r 1 .1 ).Em quinto lugar,o n t designa A dãoopri-
disso, Jesus ensinou apenas o que o Pai lhe ordenara meiro dos ancestrais literais de Jesus (Lc 3.38). Em
ensinar. Ele disse: “... nada faço de mim mesmo; mas sexto lugar, Jesus referiu-se a Adão e Eva como os pri­
falo exatamente como o que Pai me ensinou” (Jo 8.28 b). meiros “homem e mulher” literais, fazendo da união
E acrescentou: “Por mim mesmo, nada posso fazer; eu deles a base para o casamento (M t 19.4). Em sétimo
julgo apenas conforme ouço, e o meu julgamento é ju s­ lugar, Romanos declara que a m orte literal foi trazida
to, pois não procuro agradar a mim mesmo, mas àque­ ao mundo por“um homem” real — Adão (5.1 2 ,1 4 ).Em
le que me enviou ” (Jo 5.30). Assim, acusar Jesus de oitavo lugar, a com paração de Adão (o “prim eiro
errar é acusar Deus Pai de errar, já que ele só falava o Adão”) com Cristo (o “último Adão”) em 1 Coríntios
que o Pai lhe dissera. 15.45 manifesta que Adão era considerado pessoa li­
Resumo. Não há evidência de que Jesus tenha se teral e histórica. Em nono lugar, a declaração de Pau­
acomodado ao erro humano em qualquer coisa que lo: “primeiro foi formado Adão, e depois Eva” (U m
ensinou. Nem há qualquer indicação de que sua 2.13,14) revela tratar-se de pessoas reais. Em décimo
autolimitação na Encarnação tenha resultado em erro. lugar, logicamente devia haver o primeiro par real de
Ele jam ais ensinou algo nas áreas em que a Encarnação seres humanos, homem e mulher, senão a raça não po­
o limitara como homem. E o que ensinou, afirmou com deria continuar. A Bíblia chama esse casal literal “Adão
a autoridade do Pai, detendo toda autoridade no céu e e Eva”, e não há motivo para duvidar de sua verdadei­
na terra. ra existência.
Objeções à historicidade. Oestilo poético de Gênesis
Fontes 1. Apesar da pressuposição comum do contrário e da
Accom m odation, isbe. bela linguagem de Gênesis 1 e 2, o registro da criação
N. L. G eisi.fr, Christian apologetics, cap. 18. não é poesia. Apesar de haver um possível paralelismo
E. R enan , The life o f Jesus. de idéias entre os três primeiros e os três últimos dias,
J. W. W e.nham, Christ and the Bible. essa não é a forma típica da poesia hebraica, que en­
volve o uso de duplas em paralelismo. A com paração
Adão, historicidade de. Estudiosos da crítica bíblica com Salmos ou Provérbios m ostrará claramente a di­
geralm ente consideram os prim eiros capítulos de ferença. Gênesis 2 não possui nenhum paralelism o
Gênesis mito (v. arqueologia do at ; dilüvio de N oé, mito poético. Pelo contrário, o registro da criação é igual
15 agnosticismo

a qualquer outra narrativa histórica no a i . O registro é foi “elaborado”, na verdade, a partir de um dente de
introduzido com o outros registros h istóricos em uma raça extinta de porcos! A identificação fora basea­
Gênesis, com a frase “Esta é a histó ria ...” (Gn 2 .4 ; 5 .1 ). da num único dente. O “homem de Piltdown” era uma
Jesus e autores do nt referem-se aos eventos da cria­ fraude. Identificar uma criatura pelos ossos, ainda mais
ção como históricos (cf. Mt 1 9 .4 ; Rm 5 .1 4 ; ICo 1 5 .4 5 ; por fragmentos ósseos, é altamente especulativo.
U m 2 .1 3 ,1 4 ). As tabuinhas encontradas em Ebla Pode ter havido criaturas de aparência quase hu­
acrescentaram um testemunho antigo e extrabíblico mana que eram morfologicamente semelhantes aos se­
sobre a criação divina ex nihilo (v. criação , teo ria s da ). res humanos, mas não foram criadas à imagem de Deus.
Contradição com a evolução. O registro da criação A estrutura óssea não pode provar que havia uma alma
de Gênesis contradiz a macroevolução. Gênesis narra imortal feita à imagem de Deus dentro do corpo. A evi­
a criação de Adão do pó da terra, não de sua evolução dência da fabricação de ferramentas simples não prova
a partir de outros animais (Gn 2.7). Fala da criação nada. Sabe-se que animais (macacos, focas e pássaros)
direta e imediata por ordem de Deus, não por longos são capazes de usar ferramentas simples.
processos naturais (cf.Gn 1 .1 ,3,6,9,21,27).Eva foi cri­ Essa objeção tam bém pressupõe que os “dias” de
ada a partir de Adão; ela não evoluiu separadamente. Génesis são dias solares de 24 horas. Isso não é certe­
Adão era um ser inteligente que sabia falar uma lín­ za, já que dia em Gênesis é usado para todos os seis
gua, era capaz de estudar e nomear os animais, e rea­ dias (cf. Gn 2.4). E o “sétimo dia”, em que Deus des­
lizar atividades para sustentar-se. Ele não era um cansou, ainda continua, milhares de anos depois (cf.
semiprimata ignorante (v. evolução teísta ). Hb 4.4-6; v. G ên esis , dias d e ).
No entanto, ainda que se adm ita o fato do regis­ É impossível afirmar que Gênesis não é histórico.
tro de Gênesis contradizer a macroevolução, concluir Na verdade, dadas as pressuposições não provadas, a
que Gênesis está errado e a evolução está certa é in ­ história de má interpretação dos fósseis antigos e a pres-
correr no erro conhecido por petição de princípio. su p osição errô n ea de que não h a ja lacu n as nas
Na verdade, há evidências científicas suficientes para genealogias bíblicas de Gênesis 5 e 11, os argumentos
criticar a macroevolução e suas afirm ações. V. a rti­ contra a historicidade de Adão e Eva são falhos e falsos.
gos sob o tópico EVOLUÇÃO.
Objeção à data recente. A data bíblica, tradicional Fontes
para a criação de Adão (c. 4000 a.C.) é muito recente G. L. A rcher , Jr. Enciclopédia de temas bíblicos
para se encaixar na evidência de fósseis antigos de apa­ A . C ustance, Genesis and early man.
rência humana, que variam de dezenas de milhares a N’. L. G eisler &T. H o w e , Manual popular de dúvidas, enigmas e
centenas de milhares de anos. A data mais antiga para o “contradições”da Bíblia.
surgimento da humanidade baseia-se em métodos ci­ R. C. Newman , Genesis and the origin o f the
entíficos de datação e na análise de fragmentos ósseos. earth .
No entanto, há suposições falsas ou contestáveis B. R am .m , The Christian view o f Science and
nessa objeção. Em primeiro lugar, supõe-se que basta Scripture.
adicionar todos os registros genealógicos de Gênesis
5 e 11 e, assim, chegar à data aproximada de 4000 a.C. agnosticism o. Este termo provém de duas palavras gre­
para a criação de Adão. Isso, todavia, é baseado na fal­ gas [a, “não”; gnõsis “co n h ecim en to ” ). O term o
sa suposição de que não existam lacunas nessas listas, agnosticismo foi criado por T. H. Huxley. Significa li­
que de fato existem (v. genealogias abertas ou fechadas ). te ra lm e n te “n ã o -c o n h e c im e n to ” , o o p o sto de
Essa objeção tam bém supõe que o m étodo de gnosticism o (Huxley, v. 5; v. g n o st ic ism o ) . Logo, o
datação de fósseis humanos antigos é preciso. Mas es­ agnóstico é alguém que alega não conhecer. Quando
ses métodos estão sujeitos a muitas variáveis, incluin­ aplicado ao conhecim ento de Deus, há dois tipos b á ­
do-se a mudança de condições atmosféricas, a conta­ sicos de agnósticos: os que afirm am que a existência
minação de amostras e mudanças da taxa de decom­ e a natureza de Deus qãe- são conhecidas, e os que
posição (v. ciência e a B íblia e datação c ien tífic a ). acreditam que não se pode conhecer a Deus (v. ana ­
Presume-se que os fósseis antigos de aparência hu­ logia , prin c ípio da ; D e u s , ev id ên c ia s d e ). Já que o pri­
mana descobertos realmente seriam seres humanos meiro tipo não elim ina todo o conhecim ento religi­
criados à imagem de Deus. Mas essa é uma pressupo­ oso, daremos atenção aqui ao segundo.
sição questionável. Muitas dessas descobertas estão de Mais de cem anos antes de Huxley (1 8 2 5 -1 8 9 5 ),
tal modo fragmentadas de modo que a reconstrução é as obras de David Hume (1 7 1 1 -1 7 7 6 ) e Im m anuel
muito especulativa. O chamado “homem de Nebraska” K an t (1 7 2 4 -1 8 0 4 ) lan çaram a b a se filo só fica do
agnosticismo 16

agnosticism o. Grande parte da filosofia m oderna causadas por eles. Por exemplo, o sol nasce regular­
sim plesm ente pressupõe a validade geral dos tipos de mente depois que o galo canta, mas certamente não
argumentos que eles estabeleceram. porque o galo canta. Não é possível conhecer as cone­
O ceticism o d e Hume. 0 próprio Kant era racio- xões causais e, sem o conhecimento da Causa deste
nalista (v. r a c io n a l is m o ) até que foi “despertado do sono mundo, por exemplo, tudo o que resta ao indivíduo é
dogmático” ao ler Hume. Tecnicamente falando as po­ o agnosticism o a respeito desse suposto Deus.
sições de Hume são céticas, mas servem aos propósi­ Conhecimento por analogia. Mesmo supondo que
tos agnósticos. 0 raciocínio de Hume baseia-se na afir­ todo evento é causado, não podemos ter certeza sobre
m ação de que há apenas dois tipos de afirm ações o que o causa. Assim, no famoso Diálogos sobre a reli­
significantes. gião natural, Hume defende que a causa do universo
pode ser: 1) diferente da inteligência humana, já que as
Se tomarmos nas nossas mãos qualquer livro, de teolo­ invenções humanas são diferentes da natureza; 2) finita,
gia ou metafísica, por exemplo, ele conterá qualquer racio­ já que o efeito é finito e só é necessário inferir a causa
cínio abstrato relativo a quantidade ou número? Não. Con­ adequada para o efeito; 3) imperfeita, já que existem im ­
tém algum raciocínio experimental relativo aos fatos e à exis­ perfeições na natureza; 4 ) múltipla, pois a criação do
tência? Não. Então lance-o no fogo, pois não pode conter mundo se parece mais com o produto de tentativas e
nada além de sofismas e ilusão”(Investigação sobre o enten­ erros de muitas divindades em cooperação; 5) mascu­
dimento humano). lina e feminina, já que essa é a maneira de os humanos
serem gerados; e 6) antropomórfica, com mãos, nariz,
Qualquer afirm ação que não seja puramente a re­
olhos e outras partes do corpo como as de suas criatu­
lação de idéias (definidoras ou m atem áticas) por um
ras. Logo, a analogia nos deixa no ceticismo sobre a na­
lado, nem uma questão de fatos (empíricos ou reais),
tureza de qualquer suposta Causa do mundo.
por outro, é insignificante. É claro que nenhuma das
Agnosticismo d e Kant. As obras de Hume influ­
afirmativas sobre Deus se encaixa nessas categorias,
enciaram muito o pensamento de Kant. Antes de lê-
logo o conhecimento de Deus torna-se impossível (v.
las, Kant defendia uma forma de racionalismo segun­
ACOGNOSTICISMO).
do a tradição de Gottfried L eibn iz (1646-1716). Leibniz,
Atomismo empírico. Além disso, todas as sensações
bem como Christian Freiherrvon W olff (1679-1754),
são vivenciadas “totalmente soltas e separadas”. Co­
que o seguiu, acreditava que a realidade podia ser co­
nexões causais são feitas pela mente só depois de ob­
nhecida racionalmente e que o teísmo era demonstrável.
servada a conjunção constante dos elementos cons­
Foram as obras de Kant que acabaram abruptamente
tantes da exp eriên cia. O que a pessoa realm ente
com esse tipo de pensamento no mundo filosófico.
vivência é apenas uma série de sensações desconexas
A impossibilidade de conhecera realidade. Kant con­
e separadas. Na verdade, não há conhecimento direto
cedia à tradição racional de Leibniz uma dimensão ra­
nem do próprio “eu”, porque tudo o que sabemos so­
cional, a priori, do conhecimento, ou seja, a forma de
bre nós mesmos é o conjunto desconexo de impres­
todo conhecimento é independente da experiência. Por
sões sensoriais. Faz sentido falar de conexões feitas
outro lado, Kant concordava com Hume e com os
apenas na mente a priori ou independentemente da
empiristas que o conteúdo de todo tipo de conhecimento
experiência. Então, a partir da experiência não pode
vinha por meio dos sentidos. A matéria-prima do co­
haver conexões conhecidas e, certamente, não há co­
nexões necessárias. Todas as questões experimentais nhecimento é fornecida pelos sentidos, mas a estrutura
implicam na possível realidade que lhe é contrária. do conhecimento é adquirida posteriormente na men­
Causalidade baseada no costume. Segundo Hume, te. E ssa sín tese criativ a resolvia o problem a do
“todo raciocínio relativo a questões de fato parece ser racionalismo e do empirismo. No entanto, o resultado
fundamentado na relação de causa e efeito [...J Só por infeliz dessa síntese é o agnosticismo, pois, se não é pos­
meio dessa relação podemos ir além da evidência da sível saber nada antes que seja estruturado pela sensa­
nossa m emória e dos nossos sentidos” (Hume iv, p. 2; ção (tempo e espaço) e pelas categorias do conhecimento
V. CAUSALIDADE, PRINCÍPIO DAJ PRIMEIROS PRINCÍPIOS). EO CO- (tais como unidade e causalidade), então não há como
nhecimento da relação de causa e efeito não é a priori, ir além do próprio ser e saber o que realmente era antes
mas surge inteiramente a partir da experiência. Sem­ de o termos assim formado. Isto é, a pessoa só pode sa­
pre há a possibilidade da falácia post hoc — ou seja, que ber o que o objeto é para ela, mas nunca o que ele de
certas coisas acontecem geralmente depois de outros fato é. Somente o aspecto fenomenológico, mas não o
eventos (até regularmente), mas não são realmente numênico, pode ser conhecido. Devemos permanecer
17 agnostidsmo

agnósticos sobre a realidade. Só sabemos que algo exis­ N ão-falsificável. Antony F lem desenvolveu uma
te, mas nunca saberemos o que é (Kant. p. 173ss.). filosofia agnóstica a partir de outra nuança das li­
As antinomias da razão humana. Além de existir m itações da linguagem e da consciência do divino.
um abismo intransponível entre conhecer e ser, entre Pode ou não existir um Deus; não é possível provar
as categorias do nosso conhecimento e a natureza da qualquer das duas teses em piricam ente. Então, não
realidade, contradições inevitáveis também resultam é possível acreditar legitim am ente em nenhuma de­
quando começamos a atravessar esse limite (Kant, p. las. Para ser verificável, um argumento deve ser ca ­
393ss.). Por exemplo, há a antinomia da causalidade. Se paz de ser demonstrado falso. Deus deve ser dem ons­
todas as coisas são causadas, então não pode haver uma trado, de um jeito ou de outro, para fazer diferença.
causa inicial, e séries causais devem começar no infini­
A não ser que o teísta possa enfrentar esse desafio, a
to. Mas é impossível que a série seja infinita e também
impressão que fica é que ele tem o que R. M. Hare
tenha começo. Esse é o paradoxo que resulta da aplica­
denominou “blik”, ou falha de raciocínio (Flew, p.
ção da categoria da causalidade à realidade.
100). Isto é,ele tem uma crença não-falsificável (por­
E sses argu m entos não esgotam o arsenal do
tanto injustificada) em Deus, apesar de todos os fa ­
agnóstico, mas são a base do argumento “Deus não pode
tos ou condições circunstanciais.
ser conhecido”. No entanto, mesmo alguns que não es­
L óg ica d o ag n osticism o. Há duas form as de
tão dispostos a admitir a validade desses argumentos
agnosticismo. A forma fraca simplesmente afirma que
optam pelo agnosticismo mais sutil. Tal é o caso da li­
Deus é desconhecido. Isso, é claro, abre a possibilida­
nha de pensamento chamada positivismo lógico.
de de conhecer a Deus e torna possível que alguns co­
Positivismo lógico. Também chamado empirismo
lógico é uma filosofia de lógica e linguagem que pro­ nheçam a Deus. Assim, esse agnosticismo não am ea­
cura descrever toda realidade em term os sensoriais ça o teísmo cristão. A forma mais forte de agnosticismo
ou experim entais. Suas idéias originais foram desen­ é o cristianism o são incompatíveis entre si, pois ela
volvidas pelo filósofo Auguste C om tf . (1 7 9 8 -1 8 5 7 ). afirma que Deus é incognoscível.
Suas im plicações teológicas foram descritas por A. J. Outra distinção deve ser feita: existe o agnosticis­
A y e r ( 1 9 1 0 - 1 9 8 9 ) m e d ia n te seu “p rin c íp io da mo ilimitado e o limitado. O primeiro afirma que tan­
verificabilidade empírica”. Ayer alegava que seres hu­ to Deus quanto toda realidade são incognoscíveis. O
manos não podem analisar ou definir o Deus infini­ segundo afirm a apenas que Deus é parcialm ente
to, logo tudo o que se fala sobre Deus é tolice. A idéia incognoscível dadas as lim itações da finitude e do
de conhecer ou versar sobre um ser numênico é ab­ pecad o h u m a n o s. E sta seg u n d a fo rm a de
surda. Não se deve nem usar o termo Deus. Assim, agnosticism o pode ser admitida por cristãos como
até o agnosticism o trad icional é insustentável. O possível e desejável.
agnóstico pergunta se Deus existe. Para o positivista, Isso deixa três alternativas básicas relativas ao co­
a própria pergunta é insignificante. Assim, é im pos­ nhecimento de Deus.
sível ser agnóstico.
Por incrível que pareça, o acognosticismo de Ayer 1. Não podemos saber nada sobre Deus; ele é
não negava automaticamente a possibilidade da ex­ incognoscível.
periência religiosa, como o agnosticismo. É possível
2. Podemos saber tudo sobre Deus; ele pode ser
experimentar Deus, mas esse contato com o infinito
conhecido plenamente.
jam ais poderia ser expresso de forma significativa, en­
3. Podemos saber alguma coisa, mas não tudo;
tão é inútil, exceto para o receptor dessa maravilha. O
Deus é parcialmente cognoscível.
positivista lógico Ludwig W ittg en stein (1889-1951)
talvez tenha sido mais coerente ao propor um tipo
A prim eira posição é agnosticism o; a segunda,
deísta de restrição ao pensam ento p ositivista (v.
dogmatismo, e a última, realismo. A posição dogmática
d eísm o ). Se é improfícuo falar sobre Deus ou mesmo
é improvável. É necessário ser infinito para conhecer
usar o termo, então qualquer ser infinito teria o m es­
mo problema com relação ao que é físico. Wittgenstein plenamente o Ser infinito. Poucos teístas (provavelmente
negava que Deus pudesse estar preocupado com o nenhum deles) defenderam seriamente esse tipo de
mundo ou revelar-se a ele. Entre os âmbitos numênico dogmatismo.
e fenomenológico só pode haver silêncio. Em resumo, No entanto, os teístas (v . t e ísm o ) às vezes argumen­
para os não-cognitivistas religiosos Ayer e Wittgenstein, tam como se o agnosticismo parcial também fosse er­
o acognosticism o m etafísico é o resultado final da rado. A forma que esse argumento assume é que o
análise da linguagem (v. analogia , princípio da ). agnosticism o é errado simplesmente porque não se
agnosticismo 18

pode saber se algo relativo à realidade é incognoscível conhecido sobre a realidade. Isso dá espaço para dis­
sem ter algum conhecimento sobre ele. Mas essa lógi­ cutir se a realidade é finita ou infinita, pessoal ou im ­
ca está errada. Não há contradição em dizer: “Eu sei o p esso al. E ssa d iscu ssão vai além da questão do
suficiente sobre a realidade para afirmar que existem agnosticism o para debater o deísmo finito e o teísmo.
algumas coisas sobre ela que eu não posso saber”. Por O agnosticismo contraproducente de Kant. O argu­
exemplo, podemos saber o suficiente sobre técnicas de mento proposto por Kant de que as categorias de pen­
observação e relato para dizer que é impossível saber­ samento (tais como unidade e causalidade) não se
mos a população exata do mundo num determinado aplicam à realidade também é falho. A não ser que as
instante (incognoscibilidade na prática). Da mesma categorias da realidade correspondessem às categori­
forma, podemos saber o suficiente sobre a natureza da as da mente, nenhuma afirmação poderia ser feita so­
fmitude para dizer que é impossível a seres finitos co­ bre a realidade, nem mesmo a afirmação feita por Kant.
nhecer completamente um ser infinito. Então, o cristão A não ser que o mundo real fosse inteligível, nenhuma
só tem controvérsia com o agnóstico pleno, que descar­ afirmação sobre ele se aplicaria. É necessária uma pré-
ta na prática e na teoria todo conhecimento de Deus. formação da mente à realidade para falar algo sobre
Agnosticismo contraproducente. O agnosticism o ela — positivo ou negativo. De outra forma, estare­
completo reduz-se à afirmação auto destrutiva: (v. a fir ­ mos pensando sobre uma realidade inimaginável.
mações contraditórias ) “conhecemos o suficiente sobre Pode-se apresentar o argumento de que o agnóstico
a realidade para afirmar que nada pode ser conhecido não precisa fazer nenhuma afirmação sobre a realida­
sobre ela” (v. lógica ). Essa afirmação é contraditória. de, mas apenas definir os limites do que podemos sa­
Quem sabe algo sobre a realidade não pode afirmar ao ber. Mesmo tal argumento, no entanto, é contraditório.
mesmo tempo que toda realidade é incognoscível. E Dizer que alguém não pode saber mais que os limites
quem não sabe absolutamente nada sobre a realidade do fenômeno ou da aparência é como tentar fazer uma
não tem base para fazer uma afirmação sobre a reali­ linha na areia com as duas pernas. Estabelecer limites
dade. Não é suficiente dizer que o conhecimento da rea­ tão firmes equivale a ultrapassá-los. Não é possível afir­
lidade só pode ser pura e completamente negativo, isto mar que a aparência termina aqui e a realidade começa
é, o conhecimento só pode dizer o que a realidade não é. ali a não ser que se possa ver até certa distância do ou­
Toda afirmação negativa pressupõe uma afirmação po­ tro lado. Como alguém pode saber a diferença entre apa­
sitiva; não se pode afirmar significativamente que algu­ rência e realidade se não viu o suficiente da aparência e
ma coisa não é e estar completamente desprovido de co­ da realidade para fazer a comparação?
nhecimento dessa coisa. Conclui-se que o agnosticismo Outra dimensão contráditória é sugerida na ad­
total derrota a si mesmo. Ele presume o conhecimento da m issão de Kant: o número existe, mas não sabe o que
realidade para negar todo o conhecimento dela. é. Será possível saber que algo existe sem saber nada
Alguns já tentaram evitar essa crítica transforman­ sobre ele? O conhecimento não implica algum conhe­
do seu ceticism o em pergunta: “O que eu sei sobre a cimento das características? Mesmo uma criatura es­
realidade?”. Mas isso só adia o dilema. Agnósticos e tra n h a nunca vista anteriorm ente só poderia ser
cristãos devem responder essa pergunta, mas a res­ identificada se tivesse algumas características reco­
posta separa o agnóstico do realista: “Eu posso saber nhecíveis como tamanho, cor ou movimento. Até algo
alguma coisa sobre Deus” é bem diferente de “Não invisível deve deixar algum efeito ou vestígio para ser
posso saber nada sobre Deus”. Quando a segunda res­ observado. Não é preciso conhecer a origem ou fun­
posta é dada, uma afirmação contraditória foi eviden­ ção de uma coisa ou um fenômeno. Mas certamente
temente apresentada. ele foi observado, ou o observador não poderia saber
Nem adianta recorrer à mudez e não dizer nada. que ele existe. Não é possível declarar que algo existe
Os pensamentos podem ser tão auto-ridicularizantes sem simultaneamente afirm ar o que ele é. Além disso,
quanto as afirm ações. Quem assum e a postura de Kant reconheceu no número a “fonte” incognoscível
mudez sequer pode pensar que não sabe absolutamen­ da aparência que recebemos. Tudo isso é informativo
te nada sobre a realidade sem que isso implique co­ sobre o real; existe uma fonte real, essencial de impres­
nhecimento sobre a realidade. sões. Isso é menos que o agnosticismo completo.
Alguém pode estar disposto a admitir que o co­ Outras form as d e ceticismo. O ceticismo de Hume.
nhecimento sobre a realidade finita é possível, mas não A tentativa cética geral de anular todo julgamento so­
sobre a realidade infinita, o tipo de realidade em ques­ bre a realidade também é contraditório, já que implica
tão no teísmo cristão. Nesse caso, a posição não é mais julgamento sobre a realidade. De que outra maneira
agnosticism o completo, pois afirm a que algo pode ser alguém saberia que suspender todo julgamento sobre
19 agnosticismo

a realidade é o melhor caminho, a não ser que real­ como justificativa filosófica. Já vimos, no entanto, que
mente soubesse que a realidade é incognoscível? O ce­ dividir todas as afirmações de conteúdo nessas duas
ticism o implica agnosticism o; conforme dem onstra­ classes é contraditório. Então, é possível que o princí­
do acima, o agnosticismo implica conhecimento so­ pio causal tenha conteúdo e seja necessário.
bre a realidade. O ceticismo ilimitado que elogia a sus­ A própria negação da necessidade causal implica a
pensão de todo o julgamento sobre a realidade impli­ necessidade dela. A não ser que haja uma razão (ou cau­
ca um julgamento demasiado abrangente sobre a rea­ sa) necessária para a negação, ela não é necessariamente
lidade. Por que desestim ular todas as tentativas de válida. E se há uma razão ou causa para a negação, nessa
chegar à verdade, a não ser que se saiba de antemão eventualidade, seria usada uma conexão causal necessá­
que são fúteis? E como se pode ter essa informação de ria para negar a existência conexões causais necessárias.
antemão sem já saber algo sobre a realidade? Alguns já tentaram evitar essa objeção limitando
A alegação feita por Hume de que todas as afirm a­ a necessidade à realidade da lógica e das proposições
ções significativas são uma relação de idéias ou ques­ e negando que a necessidade se aplique à realidade em
tões de fato quebra suas próprias regras. A afirmação si. Isso não funciona; para que essa afirm ação exclua
não se encaixa em nenhuma das duas categorias. Logo, a necessidade do âmbito da realidade, precisa ser uma
por definição, é sem sentido. Não poderia ser absolu­ afirmação necessária sobre a realidade. Na verdade isso
tamente uma relação de idéias, porque nesse caso não faz o que alega que não pode ser feito.
descreveria a realidade, como dá a entender. Não é pu­ Um fundamento para a analogia. Da m esma for­
ramente uma afirm ação fatual porque alega cobrir ma, Hume não pode negar toda semelhança entre o
mais que assuntos empíricos. Em resumo, a distinção mundo e Deus, porque isso implicaria que a criação
de Hume é a base para o princípio da verificabilidade deve ser totalmente diferente do Criador. Isso signifi­
empírica de Ayer, e o princípio da verificabilidade em caria que os efeitos devem ser completamente diferen­
si não é empiricamente verificável (v. A ver , A .}.) tes da causa. Essa afirmação também é autodestrutiva;
O atomismo empírico radical de Hume no qual to­ a não ser que haja algum conhecimento da causa, não
dos os eventos são “completamente desconexos e sepa­ pode haver fundamento para negar toda sem elhança
rados”, e o próprio “eu” é apenas um amontoado de im ­ entre a causa e o efeito. Mesmo a comparação negati­
pressões sensoriais é inexeqüível. Se todas as coisas fos­ va implica conhecimento positivo dos termos com pa­
sem desconectadas, não haveria nem como fazer essa rados. Então, ou não há base para a afirmação de que
afirmação específica, já que certa unidade e conexão são Deus deve ser totalmente diferente, ou pode haver co­
sugeridas na afirmação de que tudo é desconectado. nhecimento de Deus em termos da nossa experiência,
Afirmar que “eu não sou nada além de impressões so­ e nesse caso Deus não é completamente diferente do
bre mim mesmo” é contraditório, pois existe sempre a que conhecemos pela experiência.
suposta unidade do “eu” que faz a afirmação. Mas não É preciso ter cuidado aqui para não exagerar na
se pode assumir um “eu” unificado a fim de negá-lo. conclusão desses argumentos. Uma vez demonstrado
Para respostas ao acognosticismo, a forma m ísti­ que o agnosticism o total é contraproducente, não se­
ca que Wittgenstein lhe deu e o princípio de falsifica- gue ipso facto que Deus exista ou que se tenha conhe­
bilidade de Flew, v. acognosticismo . cimento de Deus. Esses argumentos demonstram ape­
Algumas alegações agnósticas específicas. Hume nas que, se Deus existe, não se pode afirm ar que ele
negava o uso tradicional da causalidade e analogia não pode ser conhecido. Disso conclui-se apenas que
como meio de conhecer o Deus do teísmo. A causali­ Deus pode ser conhecido, não que sabemos algo sobre
dade é baseada no costume e a analogia levaria a um ele. A refutação do agnosticism o não é, então, a prova
deus finito e humano ou a um Deus totalmente dife­ do realismo ou teísmo. O agnosticism o apenas se des­
rente do suposto análogo. trói e possibilita a formulação do teísmo cristão. A de­
A justificativa da causalidade. Hume nunca negou fesa positiva do conhecimento cristão de Deus ainda
o princípio da causalidade. Ele admitiu que seria ab­ precisa ser formulada (v. D e u s , evidências d e ).
surdo afirm ar que as coisas surgem sem uma causa A s antinomias de Kant. Em cada uma das supos­
(Hume, i. p. 187). O que ele de fato tentou negar foi a tas antinomias de Kant há um erro. Não resulta em
existência de qualquer maneira filosófica de estabele­ contradições inevitáveis falar sobre a realidade em ter­
cer o princípio da causalidade. Se o princípio causal mos de condições necessárias do pensamento huma­
não é mera relação analítica de idéias, mas a crença no. Por exemplo, é um erro opinar que tudo precisa de
baseada na conjunção habitual de eventos triviais, uma causa, pois nesse caso haveria uma infinidade de
então não há necessidade dele. Não se pode usá-lo causas, e até Deus precisaria de uma causa. Apenas
Agostinho 20

coisas limitadas, mutáveis e contingentes precisam de I. K ant , Crítica da razão pura.


causas. Quando se chega ao Ser Necessário, ilimitado L. S teph en , A« agnostic’s apology.
e imutável, não há mais necessidade de uma causa. O ). W ard , Naturalism and agnosticism.
finito deve ser causado, mas o ser infinito não-causa-
do.As outras antinomias de Kant também são inváli­ Agostinho. Bispo de Hipona (354-430), fez sua pere­
das (v. K an t , I m m a n tel ). grinação espiritual do paganismo grego, passando pelo
Conclusão. Existem dois tipos de agnosticism o: d u a lism o m a n iq u e ísta , pelo n e o p la to n ism o (v.
o lim itado e o ilim itado. O prim eiro é com patível P lotino ) , e finalmente ao teísm o cristão. Sua mente
com as afirm ações cristãs de conhecim ento finito privilegiada e enorm e produção literária fizeram dele
do Deus in fin ito . Mas o agnosticism o ilimitado é um dos teólogos mais influentes do cristianismo.
autodestrutivo: implica conhecimento sobre a realida­ F é e razão. Como todos os grandes filósofos cris­
de para negar a possibilidade de sua existência. Tanto o tãos, Agostinho lutou para entender a relação entre fé
ceticismo quanto os não-cognitivismos (acognosticismo) e razão. Muitos apologistas tendem a destacar a ênfa­
podem ser reduzidos ao agnosticismo. A não ser que se de Agostinho sobre a fé e menosprezar sua valori­
seja impossível conhecer o real, é desnecessário abrir zação da razão na proclamação e defesa do evangelho
m ão da possibilidade de qualquer conhecim ento (v. fid e ísm o ; apologética pressu po sic io n a l ). Enfatizam
cognitivo ou dissuadir os homens de fazer qualquer passagens em que o bispo de Hipona colocou a fé an­
julgamento sobre ele. tes da razão, como: “Creio para que possa entender”.
O agnosticism o ilim itado é uma form a sutil de Na verdade, Agostinho disse: “Primeiro crer, depois
dogm atism o. Ao descartar com pletam ente a possi­ entender” {Do Credo, 4 ). Pois, “se desejamos saber e
bilidade de qualquer conhecim ento do que é real, ele depois crer, não conseguiremos nem saber nem crer”
fica no extrem o oposto da posição que afirm a o co­ (Do evangelho de João, 27.9).
n h e c im e n to total da realidade. Am bos os extrem os Se tomadas separadamente, essas passagens po­
sã o d o g m á tic o s. Ambos sã o posições obrigatórias re­ dem p a s s a r um a im p re ssã o e rrô n e a a ce rca do
lativas ao c o n h e c im e n to , c o n tr a s ta n te s c o m a p o s i­ ensinamento de Agostinho sobre o papel da razão na
ção de podermos saber ou saberm os algo sobre a re­ fé cristã. Agostinho também acreditava que há um sen­
alidade. Simplesmente não há processo além da onis- tido em que a razão vem antes da fé. “Ninguém real­
ciência que permita fazer afirm ações tão abrangentes mente acredita em alguma coisa antes de achar que
e categóricas. O agnosticism o é dogmatismo negati­ ela merece crédito”. Logo,“é necessário que tudo em
vo, e todo negativo pressupõe um positivo. Logo, o que se acredita seja aceito depois de o pensamento
agnosticism o total não é apenas autodestrutivo; é abrir o caminho” (O livre-arbítrio, 5).
autodivinizador. Apenas a mente onisciente poderia Ele proclam ou a superioridade da razão quan­
ser totalm ente agnóstica, e homens finitos eviden­ do escreveu:
temente não são onisciêncientes. Assim, a porta per­
m anece aberta para algum conhecim ento da reali­ É impossível que Deus odeie em nós o atributo pelo qual
dade. A realidade não é incognoscível. nos fez superiores aos demais seres vivos. Devemos, portanto,
recusar-nos a crer de um modo que não receba ou não bus­
Fontes que razão para nossa crença, uma vez que sequer poderíamos
J. Cou.ixs, God in modem philosophy, caps. 4 e 6. crer se não tivéssemos almas racionais ( Cartas, 120.1).
A. F l bv , Theology and falsification, A. F i .fw , et
al., orgs., New essays inphilosophkal Agostinho chegou a usar a razão para elaborar uma
theology. “prova da existência de Deus”. Em O livre-arbítrio, ele
R. F lint, Agnosticism. argumentou que “existe algo acima da razão humana”
R. Garrk.ou-L agraxgk, God: his existence and his nature. (Livro ti, cap. 6). Além de poder provar que Deus exis­
S. H ackett , The resurrection oftheism. Parte 1. te, a razão é útil no entendimento do conteúdo da men­
D. H ume, “A letter from a gentlem an to his friend sagem cristã. Pois, “como pode alguém crer naquele
in Edinburgh”, em E. C. M ossner, et al., orgs., que proclama a fé se (para não mencionar outros fa­
The letters ofDavid Hume. tores) não entender a própria língua daquele que a pro­
___ , Investigação sobre o entendimento clama?” (Citado em Przywara, p. 59).
humano. Agostinho também usou a razão para remover ob­
_ _ _ , Diálogos sobre a religião natural. jeções à fé cristã. Referindo-se a alguém que tinha dú­
T. H. H uxi.ey, Collected essays, v. 5. vidas antes de se converter, escreveu: “É razoável que
21 Agostinho

ele tenha perguntas sobre a ressurreição dos m or­ “O céu e a terra existem e, através de suas mudanças e
tos antes de ser adm itido aos sacram entos cristãos”. variações, proclamam que foram criados”.
Ainda m ais, No entanto,

talvez também lhe deva ser permitido insistir em dis­ ...o que foi criado e [...] existe,em si nada tem que antes
cussões preliminares quanto à questão proposta a res­ não existisse. Do contrário, sofreria mudanças e variações.
peito de Cristo — por que ele teria vindo tão tardiamen­ E todas as coisas proclamam que não se fizeram por si mes­
te na história mundial, bem como a algumas perguntas mas (ibid., 11.4).
sérias, às quais todas as outras são subordinadas (Car­
tas 120.1,102.38). Milagres. Já que Deus fez o mundo, pode intervir
nele (v. M ilagre ). Na verdade o que chamamos natu­
Em resumo, Agostinho acreditava que a razão hu­ reza é apenas a maneira em que Deus age regularmente
mana era usada antes, durante e depois de alguém de­ na sua criação.
positar sua fé no evangelho.
Deus. Para Agostinho, Deus é auto-existente, o eu ... Quando isso acontecer de modo regular, por assim di­
sou o que sou. Ele é substância não-criada, imutável, zer, como o rio sem fim das coisas que passam, fluem, per­
eterna, indivisível, e absolutamente perfeita (v. D eu s , manecem e depois passam das profundezas para a superfí­
n atureza d e ) . Deus não é um a força im pessoal (v. cie, da superfície para as profundezas, dizemos que é natu­
pan teísm o ), mas sim um Pai pessoal. Na verdade, ele é
ral. Quando, porém, tais acontecimentos se apresentam aos
tripessoal: Pai, Filho e Espirito Santo (v.trin d a d e ). Nes­ observadores em desusada mudança para servir de aviso
aos homens, então, os denominados milagres (A Trindade,
sa substância eterna não há nem confusão de pessoas
livro ni, cap.6).
nem divisão de essência.
Deus é onipotente, onipresente e onisciente. É
Mas até as atividades regulares da natureza são
eterno, existente antes do tem po e além do tempo.
obras de Deus. Pois:
É absolutam ente transcend ente em relação ao u n i­
verso e, ao m esm o tem po, im anente em toda parte
Quem faz elevar-se a umidade dos cachos de uva atra­
dele com o sua causa sustentadora. Apesar de o m un­
vés da raiz da videira e produz o vinho, senão Deus que dá o
do ter um com eço (v. k a l a m , a r g u m en t o cosm ológico ),
crescimento, quando o homem planta e rega? (1 Cor 3,7). Mas
nunca houve um tempo em que Deus não existisse.
quando, a uma indicação do Senhor, a água se converte em
Ele é um Ser Necessário que não depende de nada,
vinho de modo instantâneo, até os insensatos concordam
m as de quem tudo m ais depende para sua existên ­
que houve intervenção direta do poder divino ( |o2,9). Quem
cia: “Sendo, pois, Deus suma essência, isto é, sendo
cobre os arbustos de folhagem e flores, senão Deus? Contu­
em sum o grau e, portanto, imutável, pôde dar o ser
do, quando floresceu a vara do sarcedote Aarão, foi a divin­
às coisas que criou do nada...” (A cid ad e de Deus,
dade que se fez ouvir deste modo inusitado ao homem que
livro xii, cap. 2).
duvidava (Nm 17,8). (ibid.,livro ui, cap. 5)
Origem e natureza do universo. Segundo Agostinho,
o mundo foi criado ex nihilo (v. criação , posições sobre a ),
Seres humanos. A humanidade, como o resto do
do nada. A criação vem de Deus mas não é parte de Deus.
mundo, não é eterna. Os humanos foram criados por
“... [tu] criaste do nada o céu e a terra, duas realidades,
Deus e são semelhantes a ele. São compostos de um
uma grande e outra pequena. Só tu existias, e nada mais” corpo mortal e de uma alma imortal (v. im ortalidade ).
( Confissões, 12.7). Assim, o mundo não é eterno. Teve co­ Depois da morte, a alma aguarda a reunião com o cor­
meço, não no tempo, mas com o tempo. Pois o tempo co­ po num estado de alegria consciente (céu) ou de tor­
meçou com o mundo. Não havia tempo antes do tempo. mento contínuo (inferno). Essas almas serão reuni­
Quando lhe perguntaram o que Deus fazia antes de criar das com seus corpos na ressurreição. E, “depois da res­
o mundo do nada, Agostinho retrucou que, já que Deus surreição, o corpo, agora totalmente sujeito ao espíri­
era o autor de todo o tempo, não havia tempo antes que to, viverá em perfeita paz por toda a eternidade” (Da
ele criasse o mundo. Não foi criação no tempo mas a cri­ doutrina cristã, 1.24).
ação do tempo que Deus executou nos seus atos iniciais Para Agostinho, a alma, ou a dimensão espiritual
(ibid., 11.13). Então Deus não fazia (agia, criava) nada humana é de maior valor que o corpo. Na verdade, é
antes de criar o mundo. Ele apenas era Deus. na dimensão espiritual que a humanidade é feita à
O mundo é temporal e mutável, e a partir dele po­ imagem e semelhança de Deus. Portanto, os pecados
demos ver que deve haver um ser eterno e imutável. da alma são piores que os pecados do corpo.
Agostinho 22

0 mal. 0 mal é real, mas não é uma substância (v. voluntariamente todas as coisas por amor ao objeto amado;
m a l , problem a d o ). A origem do mal é a rebelião das justiça é o amor servindo apenas ao objeto amado,e portanto
criaturas livres contra Deus (v. m a l , problema d o ). “Na governando corretamente; prudência é o amor distinguindo
verdade, o pecado é de tal forma um mal voluntário astutamente entre o que o impede e o que o ajuda.
que não é pecado a não ser que seja voluntário” (Da
verdadeira religião, 14). É claro que Deus criou boas Assim,
todas as coisas e deu às suas criaturas morais o bom
poder do livre-arbítrio. Mas o pecado surgiu quando temperança é o amor mantendo-se inteiro e incorrupto
“... [a vontade] peca, ao se afastar do bem imutável e para Deus; justiça é o amor servindo apenas a Deus, e assim
comum, para se voltar para o seu próprio bem parti­ governando bem tudo mais, ainda que sujeito ao homem;
cular, seja exterior, seja interior” ( 0 livre-arbítrio, li­ prudência é o amor fazendo a distinção correta entre o que
vro ii, cap 19). o impulsiona em direção a Deus e o que o impede de fazê-lo
Ao escolher o bem menor, criaturas morais trouxe­ (Da moral da Igreja Católica, p. 15).
ram a corrupção às substâncias boas. Assim, por natu­
reza, o mal é a falta ou a privação do bem. 0 mal não 0 objeto desse am or é Deus, o Bem Supremo. Ele é
existe sozinho. Como um parasita, o mal existe apenas amor absoluto, e a obrigação absoluta do ser humano
como a corrupção das coisas boas. é expressar amor em todas as áreas de atividade, pri­
meiro para com Deus e depois para com o próximo.
Pois quem pode duvidar de que a totalidade do que se H istória e destino. No clássico A cidade de Deus
chama mal nada mais é que corrupção? Males diferentes po­ A gostinho elab oro u a p rim e ira grand e filo sofia
dem, sem dúvida, receber nomes diferentes; mas o mal de to­ cristã da história. Ele disse que há duas “cidades”
das as coisas em que qualquer mal seja percebido é a (rein os), a cidade de Deus e a cidade do hom em .
corrupção (Contra a epístola dos maniqueus,38). E ssas duas cidades têm duas origens d iferentes
(Deus e Satanás), duas naturezas diferentes (am or
a Deus e am or próprio, orgulho) e dois destinos d i­
0 mal é a ausência do bem. É como podridão para
ferentes (céu e inferno).
uma árvore ou ferrugem para o ferro. Corrompe coi­
A história caminha para o fim. Quando o tempo ter­
sas boas sem ter natureza própria. Dessa m aneira
minar, haverá a vitória definitiva de Deus sobre Sata­
A gostinh o resp ond eu ao d u alism o da relig ião
nás, do bem sobre o mal. 0 mal será separado do bem, e
maniqueísta que afirmava que o mal era uma realida­
os justos serão ressuscitados com corpos perfeitos para
de igualmente eterna, mas oposta ao bem.
viver no estado perfeito. 0 paraíso perdido no começo
Ética. Agostinho cria que Deus é amor por natu­
da história será reconquistado por Deus no final.
reza. Já que a obrigação humana devida ao Criador é
A história é de Deus. Deus está realizando seu pla­
ser semelhante a Deus, as pessoas têm o dever moral
no soberano, e no final derrotará o mal e aperfeiçoará
absoluto (v. moralidade , n atu reza a bso lu ta da ) de amar
o homem.
a Deus e ao próximo, feito à imagem de Deus.

Assim, temos uma resposta ao problema de por que


Pois esta é a lei do amor que foi imposta pela autoridade
Deus teria criado os homens, quando antecipadamente sa­
divina: “Amarás ao próximo como a ti mesmo”, mas “Amarás
bia que estes iriam pecar. Foi porque tanto neles quanto por
ao Senhor teu Deus de todo o teu coração e de toda a tua alma
meio deles ele poderia revelar quanto merecia a culpa do
e de todo o teu entendimento (Da doutrina cristã, 1.22).
homem e quanto a graça de Deus perdoou, e também por­
que a harmonia de toda a realidade que Deus criou e con­
Logo, devemos concentrar todos os pensamentos,
trola não pode ser deformada pela perversa discórdia dos
a vida e a inteligência naquele de quem derivamos tudo
que pecam (A cidade de Deus, 14).
que temos. Todas as virtudes são definidas em termos
desse amor. Avaliação. Agostinho foi criticado por muitas coi­
Agostinho disse: sas, mas talvez mais por aceitar acriticamente o pen­
samento platônico e neoplatônico (v. P lo tix o ). Ele até
Quanto à virtude que nos conduz à vida feliz, afirmo que mesmo rejeitou algumas das primeiras posições pla­
a virtude nada mais é que o perfeito amor a Deus. A quádru­ tônicas no seu livro Retratações, escrito perto do fim
pla divisão da virtude considero ser extraída de quatro for­ da sua vida. Por exemplo, por algum tempo ele acei­
mas de amor: [...] Temperança é o amor se entregando in­ tou a doutrina platônica da preexistência da alma e da
teiramente ao que ama; perseverança é o amor sofrendo lembrança das idéias da existência prévia.
23 Albright, William F.

Infelizmente, houve outras idéias platônicas que archaeology ofPalestine and the Bible [A arqueolo­
A gostinh o ja m a is repudiou. E n tre elas estava o gia da Palestina e a Bíblia], Yahweh and thegods o f
dualismo platônico do corpo e da alma em que os se­ Canaan [Iavé e os deuses de Canaã], The excavation
res humanos são almas e apenas têm corpos. Junta­ at Tell BeitMirsim [A escavação em TellBeitMirsim]
m ente com isso, Agostinho defendia uma posição e Archaeology ofPalestine [Arqueologia da Palesti­
muito ascética dos desejos físicos e do sexo, mesmo na], Escreveu vários artigos e usou sua influência
dentro do contexto do casamento. com o editor do Bulletin o f the American School o f
Além disso, a epistemologia de Agostinho sobre as Oriental Research [Boletim da Escola Americana de
idéias inatas foi contestada por empiristas modernos Pesquisas Orientais] de 1931 a 1968. Foi um dos lí­
(v. H ume, D avid), assim com o sua posição sobre o deres da E scola A m ericana de Pesquisas O rientais
iluminis-mo. E mesmo alguns teístas questionam se ( e a p o ) por quase 40 anos.
o argumento dele para provar a existência de Deus a Im portância apologética. A influência de Albright
partir da verdade realmente funciona, perguntando na apologética bíblica foi enorme e refletiu sua mu­
por que a Mente absoluta é necessária como fonte da dança do liberalism o teológico para o conservadoris­
verdade absoluta. mo protestante. Seu trabalho destruiu muitas propo­
Até algumas pessoas que aceitam o teísmo clássi­ sições de críticos liberais antigos (v. C rítica da B íb l ia ),
co de Agostinho destacam sua incoerência em não de­ que agora podem ser chamadas pré-arqueológicas. Por

m onstrar a unicidade (singularidade) das idéias divi­ meio de suas pesquisas e descobertas, Albright che­
gou a várias confirmações vitais:
nas. Isso resultou da aceitação das idéias como for­
mas platônicas irredutivelmente simples, muitas das
Autoria mosaica do Pentateuco.
quais n ão são possíveis numa substância simples (v.
um e m u ito s , problema d e ). Esse problema foi resolvido
O conteúdo do Pentateuco é, em geral, m uito m ais anti­
mais tarde p o r Tomás de Aquino com a distinção en­
go que a data em que foi editado; novas descobertas conti­
tre realidade e potencialidade na ordem da existência
nuam a confirm ar a precisão histórica da literatura antiga
(v. m o nism o ), que foi expressa n a d o u trin a da a n a lo g ia.
em cada um de seus m ínim os detalhes. M esm o quando é
necessário adm itir adições posteriores ao núcleo original
Fontes
da tradição m osaica, essas adições refletem o crescim ento
A gostinho , Contra a epístola dos mamqueus.
norm al das instituições e práticas antigas ou o esforço feito
___ , Da doutrina cristã.
por escribas posteriores de salvar o m áxim o possível das
___ , A cidade de Deus.
tradições existentes sobre M oisés. Assim, é puro exagero da
___ , Confissões.
crítica negar o caráter substancialm ente m osaico da trad i­
___ , Cartas. ção do Pentateuco (Archaeology ofPalestine, p. 225).
___ ,Da verdadeira religião.
___ , 0 livre-arbítrio. A historicidade dos patriarcas.
___ , Da predestinação.
___ , Do credo. As narrativas dos patriarcas, de M oisés e do Êxodo, da
___ , Do evangelho de João. conquista de Canaã, dos juízes, da m onarquia, do exílio e da
___ ,Da moral da Igreja Católica. restauração, todas foram confirm adas e ilustradas de um
___ ,A Trindade modo que eu pensava ser im possível há 40 anos ( Christian
N. L. G eisllr , \\'hat Augustine sais. century, p. 1329).
E. P rzv.vara, An Augustine svnthesis.
Excetuando-se alguns obstinados entre os eruditos m ais
velhos, não há quase nenhum historiador bíblico que não
A lb rig h t, W illia m F. Fo i c h a m a d o o d eã o d o s a r ­ esteia im pressionado com o acúm ulo rápido de dados que
q u e ó lo g o s b íb lic o s a m e r ic a n o s . F ilh o de m is s io n á ­ apoiam a historicidade substancial da tradição patriarcal
r io s m e to d is ta s e n a s c id o n o C h ile ( 1 8 9 1 - 1 9 7 1 ) . (BiblicalperíodA).
o b t e v e s e u d o u t o r a d o n a U n iv e r s i d a d e Jo h n
H o p k in s e m 1 9 1 6 . E n tre su a s p r in c ip a is o b r a s e s ­ Abraão, Isaque, e Jacó não parecem m ais personagens
tã o Frotn Stone Age to Christianity [Da Idade da P e­ isoladas, m uito m enos reflexos da h istória israelita poste­
dra ao cristian ism o ], A rchaeology an d the religion rior; agora eles parecem m ais verdadeiros filhos da sua
o f Israel [A arqu eologia e a religião de Israel], T h e época, com nom es sem elhantes aos de seus contem porà-
Albright, William F. 24

neos, deslocand o-se pelo m esm o território, visitando as D atação do nt. “Na minha opinião, cada um dos
mesmas cidades (principalmente Harã e Naor), praticando os livros do Novo Testamento foi escrito por um judeu
m esmos costumes que seus contemporâneos. Em outras pala­ batizado entre os anos 40 e 80 do século i a d. (muito
vras, as narrativas patriarcais têm um núcleo histórico com ­ provavelmente entre 50 e 75 d.C.)” (ibid., p. 359).
pleto, embora seja provável que uma longa transmissão oral dos
poemas originais e sagas em prosa posteriores que subjazem Já podemos dizer com certeza que não há mais base
no texto atual de Gênesis tenha refratado consideravelmente os
sólida para datar qualquer livro do Novo Testamento de­
eventos originais (Archaeology ofPalestine, p. 236).
pois de meados de 80 d.C., duas gerações completas antes
da data entre 130 e 150 proposta pelos atuais críticos mais
Evidência a fa v or do at. “Não resta dúvida de que a
radicais do Novo Testamento” (Recent discoveries in Bible
arqueologia já confirmou a historicidade substancial
da tradição do Antigo Testamento” (Archaeology and
lands, p. 136).
the religion o f Israel, p. 176).
No artigo “Descobertas recentes na Palestina e o
À m edida que o estudo crítico da Bíblia for m ais e mais evangelho de são João”, Albright argumentou que a
influenciado pelo novo e rico m aterial relacionado ao O ri­ evidência em Qumran mostra que os conceitos, ter­
ente M édio antigo, verem os o aum ento gradual do respei­ minologia e mentalidade do evangelho de João prova­
to pela significância h istó rica de passagens n egligencia­ velmente pertenceram ao início do século i (v. Novo
das ou rejeitad as atualm ente no at e no nt ” ( From Stone T estamento , datação d o ).
Age to Christianity, p. 81). Conclusão. Do ponto de vista apologético, o em i­
nente e respeitado arqueólogo apóia com firmeza as
Os rolos do m ar Morto provam colunas mestras da apologética histórica. Com algu­
ma incerteza sobre a transm issão do registro oral do
conclusivamente que devemos tratar o texto consonantal
Pentateuco, Albright acredita que as evidências atuais
da Bíblia hebraica com o m aior respeito e que a em enda li­
e descobertas previstas demonstrarão que ambos os
vre de passagens difíceis a que muito eruditos críticos m o­
testamentos são historicamente precisos. As datas des­
dernos se entregaram não pode m ais ser tolerada (Recent
ses livros são antigas. A profecia preditiva do at e a
discoveries in Bible lands [Recentes descobertas nas terras
bíblicas], p. 128). historicidade das narrativas a respeito de Cristo e da
igreja primitiva no n t são validadas pela arqueologia
Graças às descobertas de Qum ran, o Novo Testam ento moderna (v. A tos , historicidade d e ; B íb l ia , evidências da;
prova ser na verdade o que acred itavam que fo sse: o DOCUMENTOS DO NOVO TESTAMENTO, CONFIABILIDADE DOS; NOVO

ensinam ento de Cristo e de seus seguidores im ediatos entre TESTAMENTO, HISTORICIDADE D o ) .

25 e 80 d.C ( From Stone Age to Christianity, p.23).


Fontes
Os dados bíblicos históricos são m uitos m ais precisos W. F. A lbright, Archaeology and the religion o f
que as idéias dos estudantes críticos m odernos, que tendem Israel.
sistem aticam ente a errar para o lado da crítica exacerbada ___ , Recent discoveries in Palestine and
{Archaeology o f Palestine, 229). the Gospel of St. John, em W. D. D avies e D.
D aube, orgs., The background o f the New
A unidade de Isaías. Sobre a teoria antiga e popular
Testament and its eschatology.
de que havia dois autores de Isaías (v. D eu ter o - I sa ía s ),
___ , Toward a m ore conservative view,
Albright fez a seguinte objeção numa entrevista:
e m a (18 de jan eiro de 1963).

Pergunta:‘M uitas passagens em Isaías 4 0 -6 6 denunci­ ___ , Entrevista, Christianity Century (19/11/1958).
am a idolatria com o um mal atual em Israel (e.g., 44.9-20; _ _ _ , Recent discoveries in Bible lands.
51.4-7; 65.2,3; 66.17). Como elas podem ser conciliadas com _ _ _ , The biblical period.
_ _ _ , The archaeology o f Palestine.
APOLOGÉTICA

a teoria de autoria pós-exílica, já que a idolatria certam ente


não foi reintroduzida em Judá após a restauração..?’ _ _ _ , From Stone Age to Christianity.
Resposta: ‘Eu não creio que qualquer parte de Isaías 4 0 -6 6 H. H. Vos, A lbright W illiam Foxwell, em W.
seja posterior ao século vi a.C.’ ( Toward a more conservative E lwell, org., Enciclopédia histórico-teológica
view, p. 360). da igreja cristã.
25 Alcorão, suposta origem divina do

Alcorão, suposta origem divina do. 0 islamismo orto­ O Alcorão não é único, mesmo entre obras em ára­
doxo e o cristianismo histórico não podem ser ambos be. O estudioso islâmico C. G. Pfander indica que “nem
verdadeiros. Cada religião reivindica que somente suas todos os estudiosos árabes concordam que o estilo li­
escrituras são a Palavra de Deus inspirada. Também con­ terário do Alcorão seja superior a todos os outros li­
têm reivindicações mutuamente excludentes: Deus é três vros da língua árabe”. Por exemplo, “alguns duvidam
pessoas. Deus é apenas uma pessoa. A Bíblia diz que Cristo que em eloquência e poesia ele supere o Mu’allaqat ,
morreu na cruz e ressuscitou dos mortos três dias de­ ou o Magamat ou o Hariri, apesar de poucas pessoas
pois. 0 Alcorão nega essa informação (v. C risto , morte de ; em temas islâmicos serem corajosas o suficiente para
C risto , objeções morais à morte de; C risto , lendas su bstitu iu as expressar tal opinião” (Pfander, p. 264). Dashti afirma,
da morte de ; ressurreiçào , evidência da ). Logo, é necessário no entanto, que o Alcorão contém várias irregularida­
que o apologista cristão desafie as reivindicações de au­ de gramaticais. Ele observa que:

toridade divina do Alcorão.


O Alcorão contém frases que são incompletas e não são
Origem d o A lcorão. A reivindicação islâmica a
totalmente inteligíveis sem o uso de comentários; palavras
favor do Alcorão é incomparável em relação a qual­
estrangeiras,palavras árabes desconhecidas e palavras usa­
quer outra das principais religiões. Será que o Alcorão
das com sentido anormal; adjetivos e verbos flexionados sem
é um milagre? iMaomé afirmou que sim — na verda­
consideração de concordância de gênero e número; prono­
de foi o único milagre que ofereceu como prova de suas
mes aplicados ilógica e incorretamente, que às vezes não têm
afirmações de ser profeta (surata 17.88). A evidência
referente; e predicados que, em passagens rimadas, às vezes
que os muçulmanos oferecem para tal afirmação in­
estão muito afastados dos sujeitos.
clui os seguintes pontos.
Argumento do estilo literário singular. A eloquência é E acrescenta:“essas e outras aberrações na língua de­
altamente questionável como teste da inspiração divina; ram liberdade aos críticos que negam a eloquência do
mas a pedra fundamental da posição islâmica é que o Alcorão" (Dashti, p. 48-9). Ele fornece vários exemplos
Alcorão possui qualidade e estilo literários que só pode­ (74.1; 4.160; 20.66; 2.172 etc.), um dos quais é: “No
riam ter vindo diretamente de Deus. Na melhor das hi­ versículo 9 da surata 49 (Al hujjurat), ‘E quando dois
póteses a qualificação literária do Alcorão prova que grupos de crentes combaterem entre si, reconciliai-os,
Maomé era uma pessoa dotada artisticamente. Mas dons então! ’. O verbo para “combaterem” está no plural, mas
artísticos e intelectuais surpreendentes não são necessa­ deveria estar no dual como o sujeito,“dois grupos”.Anis
riamente sobrenaturais. Mozart escreveu sua primeira A. Shorrosh descreve outras falhas no Alcorão. Por exem­
sinfonia aos seis anos de idade e produziu toda a sua obra plo, na surata 2, versículo 177, ele indica que a palavra
musical antes dos 35 anos, quando morreu. Maomé só árabe deveria ser sabirun, e não sabirin como é encon­
começou a ditar as revelações quando contava com 40 trada por sua posição na frase. Da mesma forma sabiin
anos. Mas que muçulmano diria que as obras de Mozart na su rata 5, v ersícu lo 6 9 é m ais a c e rta d a que
são miraculosas? Se eloquência fosse o teste, muitos clás­ sabiun.Além disso, Shorrosh indica que há “um erro
sicos literários poderiam ser considerados divinos, desde grosseiro no árabe”da surata 3, versículo 59. (Shorrosh,
a Ilíada e a Odisséia de Homero até Shakespeare. p. 199-200). Dashti conta mais de 100 aberrações das
Além disso, até alguns dos primeiros estudiosos regras e estruturas normais do árabe (Dashti, p. 50).
muçulmanos admitiram que o Alcorão não era per­ Com tais problemas, o Alcorão pode ser eloqüente, mas
feito quanto à forma literária. O teólogo xiita iraniano não é perfeito nem incomparável.
Ali Dashti observa que: Como Pfander observou:

entre os teólogos muçulmanos do período antigo, antes mesmo que provassem sem sombra de dúvida que o Al­
do fanatismo e da hipérbole prevalecerem, houve alguns corão é muito superior a todos os outros livros em eloqüên-
como Ebrahim On-Nassam que reconheceram abertamen­ cia, elegância e poesia, isso não provaria sua inspiração, as­
te que a ordem e a sintaxe do Alcorão não eram miraculosas sim como a força de um homem não demonstra sua sabe­
e que obras de valor igual ou maior poderiam ser produzi­ doria ou como a beleza de uma mulher não demonstra sua
das por pessoas tementes a Deus. virtude (Pfander,p.267).

Apesar de alguns condenarem essa visão (basea­ Não há conexão lógica entre eloquência literária e
da na interpretação da surata 17.90), On-Nassam teve autoridade divina. O Deus soberano (que os muçul­
muitos defensores, entre eles vários expoentes impor­ manos aceitam ) poderia decidir falar na linguagem
tantes da escola mutazilita (Dashti, p. 48). cotidiana, se quisesse.
Alcorão, suposta origem divina do 26

Na melhor das hipóteses é possível tentar argu­ Em terceiro lugar, mesmo supondo que Maomé fosse
mentar que, se Deus falou, ele deve ter falado da for­ analfabeto, isso não significa que o Alcorão tenha sido
ma mais eloqüente. De qualquer maneira, seria uma ditado por Deus. Existem outras explicações possíveis.
falácia argumentar que o simples fato de o Alcorão ser Ainda que não formalmente treinado, Maomé era uma
eloquente implica que Deus teria sido o seu autor. Os pessoa inteligente, de grande habilidade. Seu escriba po­
seres humanos podem falar eloqüentemente, e Deus deria ter compensado suas deficiências ao estilizar a
pode falar na linguagem comum. obra. Tal prática era comum. Homero era cego; logo, pro­
Outras religiões usaram o belo estilo literário de vavelmente, não escreveu seus épicos sozinho. Alguns
suas obras como sinal da origem divina. Os muçul­ críticos argumentam que é possível que a primeira im­
m anos aceitariam a inspiração dessas obras? Por pressão de Maomé estivesse certa, que ele tivesse rece­
exemplo, o fundador persa do maniqueísm o, Mani, bido a informação de um espírito maligno, que pode
“supostamente afirmou que os homens devem crer ter potencializado sua capacidade ( v.M aomé, suposto cha ­
nele como o Parácleto [“Auxiliador” que Jesus prome­ mado DSWNO DE).
teu em João 14] porque ele produziu um livro cham a­ Argumento da preservação do Alcorão. A preserva­
do Artand, cheio de belas figuras”. Além disso,“ele dis­ ção perfeita do Alcorão prova sua alegada inspiração di­
se que o livro lhe foi dado por Deus, que nenhum ho­ vina? Os muçulmanos dão a entender que o Alcorão
mem vivo poderia desenhar as figuras com tanta be­ existente hoje é idêntico aos manuscritos originais, o que
leza e que, portanto, evidentemente viera do próprio colocaria o livro acima da Bíblia. Os críticos do Alcorão
Deus” (Pfander, p. 26 4 ). Mas nenhum muçulmano discordam disso. Primeiro,geralmente há um sério exa­
aceitaria essa afirmação. Então por que os não-m u­
gero com relação à preservação do Alcorão. Apesar de
çulmanos devem aceitar beleza literária como teste
ser verdade que o Alcorão atual é quase uma cópia per­
válido para a autoridade divina do A.lccão'.
feita do seu original do século vn, não é verdade que seja
Argumento do analfabetismo de Maomé. Além do
exatamente igual ao que veio de Maomé.
seu estilo, a fonte humana e o conteúdo do Alcorão são
O Alcorão foi originariamente ditado por Maomé e
prova da sua origem divina. Eles insistem em que ne­
memorizado por seus seguidores devotos, a maioria dos
nhum üvro com essa mensagem poderia ter vindo de
quais foi morta logo após a morte de Maomé. Segundo
um. rrereta analfabeto como Maomé.
a antiga tradição, os escribas de Maomé escreveram em
E cuestionável que Maomé tenha sido realmente
pedaços de papel, pedras, folhas de palmeira, ossos e
analfabeto. Como certa autoridade observou, as pala­
pedaços de couro. Os muçulmanos acreditam que du­
vras árabes al unmi, que querem dizer o profeta “incul­
rante a vida de Maomé o Alcorão já estava escrito. Mas,
to” no Alcorão (7.157), “podem [significar] ‘pagão’ em
segundo o testemunho de Zayd, contemporâneo e se­
vez de analfabeto’”. Pfander prefere a tradução “o pro­ guidor de Maomé, Abu Bakr pediu-lhe para “procurar
feta gentio”, concordando que o termo não implica anal­ o Alcorão [diversos capítulos e versos] e reuni-lo”. Ele
fabetismo (Pfander, p.254). respondeu: “Então, pesquisei o Alcorão: eu o reuni a
A evidência sugere que Maomé não era analfabeto. partir de folhas de palmeira, e pedras finas e brancas e
Por exemplo, “quando o Tratado de Hudaibah foi assi­ peitos de homens...” (Pfander, p. 258-9). Na década de
nado, Maomé pegou a pena de Ali, riscou as palavras 650, durante o reinado de Otman ibn Affan, o terceiro
nas quais Ali o designara “o enviado de Deus” e substi­ califa muçulmano, relatou-se que várias comunidades
tuiu-as com a própria mão pelas palavras “filho de islâmicas estavam usando versões diferentes do Alco­
Abdallah”. E,“segundo a tradição, quando estava mor­ rão. Mais uma vez, Zayd foi chamado para preparar a
rendo, Maomé pediu pena e tinta para escrever uma versão revisada oficial. É essa versão que permaneceu
ordem designando seu sucessor, mas sua força acabou uniforme e intacta, não a versão original vinda direta­
antes de o material ser trazido” (Pfander, p. 255). mente de Maomé.
W. Montgomery Watts informa que “muitos habi­ No livro Materials for the history ofth e text o f the
tantes de m eca sabiam ler e escrever, e portanto pres­ Quran [Materiais da história do texto do Alcorão], o
supõe-se que um comerciante eficiente como Maomé arqueólogo europeu Arthur Jeffry revelou sua desco­
entendia um pouco das artes” (Watt, p. 40). Mesmo te­ berta de uma das três cópias conhecidas de algumas
ólogos muçulmanos referem-se a Maomé como o “per­ obras islâmicas antigas chamadas Masahif. Esses li­
feito em intelecto” (Gudel, p. 72). Se Maomé não teve vros relatavam o estado do texto do Alcorão antes da
treinamento formal na juventude, não há razão para padronização, promovida por Otman. Isso revela, ao
que uma pessoa tão inteligente não pudesse aprender contrário da reivindicação dos muçulmanos, que exis­
sozinha mais tarde. tiram vários textos diferentes antes da revisão de
27 Alcorão, suposta origem divina do

O tm an. Na realidade, com o Dashti indica, alguns Os denom inados “versículos satânicos” ilustram
versículos do Alcorão foram mudados por sugestão outra mudança no texto original. Segundo um a ver­
dos escribas a Maomé, e outros por causa da influ­ são desses versículos, M aom é teve um a revelação
ência de Omar i, segundo califa do Império Muçul­ em M eca, que perm itia a intercessão de certos íd o­
m ano, sobre Maomé. los, que dizia:
Jeffry conclui que a recensão de Otman “foi o to­
que político necessário para estabelecer o texto padrão Considerastes al-Hat e al-Uzza
para todo o império”. Já que havia grandes divergên­ E al-Manat, o terceiro, o outro?
cias entre as versões de Medina, Meca, Basra, Kufa e Estes são os cisnes exaltados;
Damasco, “a solução de Otman foi canonizar o Códice Sua intercessão é esperada;
de Medina e ordenar que todos os outros fossem Seus desejos não são negligenciados (Watt,p. 60).
destruídos”. Portanto, ele conclui: “resta pouca dúvi­
da de que o texto canonizado por Otman foi apenas Pouco tempo depois disso Maomé recebeu outra
um dentre vários tipos de texto existentes na época” revelação cancelando os três últimos versículos e subs­
(Jeffry, p. 7-8). titu in d o o que en co n tra m o s agora na surata 53
Nem todos os muçulmanos atualmente aceitam a versículos 21-23 que omitem a parte sobre interces­
mesma versão do Alcorão. Os muçulmanos sunitas acei­ são desses deuses. Segundo Watt, ambas as versões ha­
tam a tradição sahih de Masud como autoritária. Masud viam sido recitadas em público. A explicação de
foi uma das poucas pessoas autorizadas por Maomé a
M aom é foi que S atan ás o enganou e in seriu os
ensinar o Alcorão. Mas o Códice de Ibn Masud do Alco­
versículos falsos sem que ele soubesse!
rão tem um grande número de variações em relação à W. St. Clair-Tisdall, que trabalhou por muito tem ­
recensão de Otman. Só na segunda surata há quase 150
po entre os muçulmanos, indicou que mesmo no Al­
variações. Jeffry precisou de aproximadamente 94 pá­
corão atual existem algumas variações.
ginas para demonstrar as variações entre os dois. Ele
também destaca que as leituras variantes não são ape­
Dentre as diversas variações podemos mencionar: 1)
nas questão de pequenas variações linguísticas, como
Na surata 28.48, alguns apresentam Sahirani em vez de
muitos muçulmanos afirmam. Jeffry conclui que o tex­
Sihrani; 2) na surata 32.6, depois de ummahatuhum um
to de Otman que foi canonizado era apenas um entre
texto acrescenta as palavras wahua abun lahum; 3) na
vários, e “há suspeita grave de que Otman possa ter edi­
surata 34.18, em vez de rabbana ba’id, algumas versões tra­
tado seriamente o texto que canonizou” (Jeffry, ix -x ).
zem rabuna ba’ada; 4) na surata 38.22, em vez de tis’un
A tradição islâmica revela certas coisas que não se
outro texto coloca tis’atun\ 5) na surata 19.35, em vez de
encontram no Alcorão atual. Uma delas é que Ayishah,
tantaruna alguns contêm yamtaruna (Clair-Tisdall, p. 60).
uma das esposas de Maomé, disse:

Apesar de os muçulmanos xiitas serem minoria,


Entre o que foi enviado do Alcorão estavam dez
são o segundo m aior grupo islâmico do mundo, com
(versículos) bem conhecidos sobre amamentação, que era
mais de cem milhões de seguidores. Eles afirm am que
proibida: depois foram anulados por cinco bem conhecidos.
o califa Otman elim inou intencionalm ente muitos
Então o enviado de Alá faleceu, e eles são o que se recita do
versículos do Alcorão que mencionavam Ali.
Alcorão (Pfander, p. 256).
L. Bevan Jones resumiu bem a questão no livro The
Outro exemplo de algo que não é encontrado no Al­ people o f the mosque [O povo da mesquita], quando
corão atual é o que Omar disse: disse:

Em verdade Alá enviou Maomé com a verdade, e fez apesar de ser verdadeiro que nenhuma outra obra per­
descer para ele o Livro, e da mesma forma o Versículo do maneceu durante doze séculos com um texto tão puro, pro­
Apedrejamento era parte do que o Altíssimo enviou: o en­ vavelmente também é verdadeiro que nenhuma outra so­
viado de Alá apedrejava, e apedrejamos como ele, e no Li­ freu mudanças tão drásticas ( Jones, p. 62).
vro de Deus o apedrejamento é o castigo do adúltero”
(Pfander, p. 256). Mesmo que o Alcorão fosse cópia perfeita do ori­
ginal dado por Maomé, isso não provaria que o origi­
Essa revelação original foi aparentemente mudada, nal foi inspirado por Deus. Tudo o que demonstraria é
e uma centena de chibatadas substituiu o apedrejamento que o Alcorão atual é uma cópia idêntica do que
como castigo pelo adultério (24.2). Maomé disse. Não diria ou provaria nada sobre a
Alcorão, suposta origem divina do 28

verdade do que ele disse. A afirmação muçulmana de Mas o Alcorão ensina a doutrina da abrogação pela qual
que têm a religião verdadeira porque têm o único li­ revelações posteriores anulam as anteriores.
vro sagrado perfeitamente copiado é tão logicamente Como Gerhard Nehls observou astutamente: “Gos­
falh a q u an to p re fe rir um a nota p e rfe ita m e n te taríamos de descobrir como a revelação divina pode
falsificada de mil dólares em lugar da genuína ainda ser melhorada. Ela deveria ser perfeita e verdadeira
que pouco imperfeita. A questão crucial em que os desde o princípio” (Nehls,p. 11). Alguns muçulmanos,
apologistas muçulmanos cometem uma petição de como Ali, afirm am que abrogação é apenas “revelação
princípio, é se o original é a Palavra de Deus, não se progressiva”, adaptando a mesma mensagem de Alá a
eles possuem uma cópia perfeita dele. pessoas diferentes que vivem em períodos diferentes.
Argumento das profecias. 0 Alcorão contém profe­ “Mas a surata 2, versículo 106 [sobre abrogação] não
cias preditivas que provam sua origem divina? Isso é fala de cultura ou revelação progressiva com referên­
tratado em detalhes no artigo M aomé , supostos milagres cia às escrituras dadas antes de Maomé, mas apenas
d e . Entre os pontos destacados estão os seguintes: aos versículos alcorânicos!” (Nehls, p. 2). A revelação
A maioria das predições são na verdade exortações de Deus, progressiva, durante 1 500 anos, faz sentido,
de um líder militar-religioso para continuarem lutan­ conforme ocorreu com a Bíblia (v. progressiva , revela ­
do que Deus lhes daria a vitória. A única predição subs­ çã o ). Ela traz o cumprimento e amplia ensi-namentos
tancial foi a respeito da vitória romana sobre o exérci­ anteriores, em vez de fazer correções, e certamente não
to persa em Issus (30.2-4), que não aconteceu no perí­ depois de vinte anos. Isso parece particularm ente ver­
odo de tempo dado pela profecia de “dentro de pouco dadeiro pelo fato de os versículos corretivos estarem
anos” era esperada.
geralmente próximos dos que são corrigidos. Além
A única outra profecia digna de nota é uma refe­
disso, há versículos que as abrogações alcorânicas apa­
rência a dez noites encontrada na surata 89.2, que é
rentemente esqueceram de redigir. A surata 7 versículo
interpretada como uma predição velada dos dez anos
54 diz que o mundo foi criado em 6 dias. Mas a surata
da perseguição sofrida pelos primeiros muçulmanos.
41, versículos 9-12, diz que Alá levou um total de oito
Essa é uma interpretação duvidosa, já que o versículo
dias para criar o mundo (2 + 4 + 2). Como ambos
aparentemente fala de peregrinação (v. profecia como
podem estar corretos?
prova da B íb l ia ).
0 Alcorão tam bém afirm a que os seres humanos
Argumento da unidade. Insistir que o Alcorão deve
são responsáveis pelas próprias escolhas (1 8 .2 9 ), e
ser revelação divina porque é coerente e não-contra­
que Alá de antemão selou o destino de todos, dizen­
ditório tam bém não é convincente. Às vezes, as rela­
do: “E a cada hom em lhe penduram os ao pescoço o
ções de M aom é foram m u d ad as, in clu in d o os
seu destino e, no Dia da Ressureição, apresentar-lhe-
“versículos satânicos” citados acima, em que a revela­
emos um livro, que encontrará aberto” (1 7 .1 3 ; v. tb.
ção original permitia que certa tribo adorasse deuses
10.99,100).
pagãos (53.21-23). Essa é uma questão séria para o
Mesmo que o Alcorão fosse coerente, unidade ou co­
profeta que acredita que o politeísmo é o pior pecado.
erência é na melhor das hipóteses um teste negativo para
Todo o conceito de abrogação (mansukh), em que
a verdade, não positivo. É claro que se um livro é de Deus,
erros prévios foram corrigidos por versículos posterio­
inerrante, ele não conterá qualquer contradição. Mas
res (chamados nasikh), revela a falta de unidade no Al­
só porque um livro não tem contradições não significa
corão. Lê-se na surata 2.1: “Não anulamos nenhum
que Deus seja o autor. John W. Montgomery observou
versículo, nem fazemos com que seja esquecido (por ti),
sem substituí-lo por outro melhor ou semelhante. Ig­ com perspicácia: “A geometria de Euclides é coerente,
noras, por acaso, que Allah é Onipotente?”. Por exem­ mas isso não é suficiente para denominá-la divinamente
autorizada” (Montgomery, p. 9).
plo, a surata 9, versículo 5 é chamada “o versículo da
espada”, e supostamente anula 124 versículos que ori- Coerência é o tipo de argumento que muitas pessoas
ginariamente encorajavam a tolerância (cf.2.256). 0 Al­ (mesmo cristãos) usam para seus livros sagrados.Mas nem
corão diz enfaticamente “Não há imposição quanto à todos podem ser a Palavra inspirada de Deus, já que são
religião” (2.256), mas em outros trechos incentiva os mutuamente contraditórios. Unidade em si não prova au­
muçulmanos: “Combatei aqueles que não crêem em tenticidade divina, ou todos os livros sagrados coerentes
Allah” (surata 9.29) e “matai os idólatras, onde quer que que contraditórios seriam verdadeiros.A Bíblia é pelo me­
os acheis (9.5 ).Nasikh é uma contradição porque o Al­ nos tão coerente quanto o Alcorão, mas nenhum muçul­
corão afirma que “... as palavras de Allah são im utá­ mano admitiria que, por isso, ela seja inspirada por Deus.
veis...” (10.64), que, segundo eles afirm am , o Alcorão Argumento da precisão científica. Esse argumento con­
é. P o is“... Nossas decisões são inexoráveis...”(6.34). quistou popularidade recentemente, p rin cip a lm en te
29 Alcorão, suposta origem divina do

p o r causa do livro de Maurice Bucaille /l Bíblia, o Al­ Mas o Alcorão não demonstra nenhuma evidência de
corão e a ciência, no qual o cristianism o é atacado por predições sobrenaturais como a Bíblia.
impedir o progresso da ciência, e o Alcorão é exaltado Alguns críticos questionam quão cientificamente
por promovê-la. Na verdade, ele insiste que o Alcorão preciso o Alcorão é. Por exemplo, a afirmação altamente
previu maravilhosamente a ciência moderna em vá­ controversa do Alcorão de que os seres humanos são
rias de suas afirm ações, confirmando assim de forma formados a partir de um coágulo de sangue. A surata
miraculosa sua origem divina. 23, versículo 14 diz:
Mas o cristianism o, não o islamismo, foi o pai da
ciência moderna. M. B. Foster, ao escrever para o reco­ Então, convertemos a gota de esperma em algo que se
nhecido jornal inglês de filosofia Mind [Mente] obser­ agarra (coágulo), transformamos esse algo em pequeno pe­
vou que a doutrina cristã da Criação é a origem da daço de carne e convertemos o pequeno pedaço de carne
ciência moderna (v. Foster, Whitehead, p. 3-4). Os fun­ em ossos; depois, revestimos os ossos de carne....
dadores de quase todas as áreas da ciência moderna
fo ram c ris tã o s tra b a lh a n d o com b a se na sua Essa dificilmente é uma descrição científica do de­
co sm o v isã o . Isso in clu i h o m en s com o Nicolau senvolvimento embriônico. Para evitar o problema,
Copérnico, Johannes Kepler, W illiam Kelvin, Isaac Bucaille reinterpreta o versículo, traduzindo a palavra
Newton, Blaise P a sc a l , R obert Boyle, Jam es Clark árabe ’alak [coágulo] por “qualquer coisa que se agarra”
Maxwell e Louis Agassiz (v. ciência das o rig en s ). (Bucaille, p. 204). No entanto, isso é questionável. È con­
Portanto, apesar de o monoteísmo islâmico ter feito trário à obra de autoridades islâmicas reconhecidas que
muitas contribuições para a cultura moderna, é exa­ fizeram as principais traduções para o inglês. E o próprio
gero reivindicar-lhe crédito para a origem da ciência Bucaille reconheceu que “...‘pasta de sangue, que figura
comumente nas traduções, é uma inexatidão...” (p.233).
m oderna. Os exércitos islâmicos destruíram vastas
Isso dá a impressão de que sua tradução caseira foi gera­
fontes de conhecimento. Pfander, por exemplo, m en­
da para resolver o problema, já que reconhece que “uma
ciona que, sob o califa Omar, os soldados muçulma­
afirmação desse tipo é totalmente inaceitável para cien­
nos destruíram vastas bibliotecas em Alexandria e na
tistas especializados no assunto” (ibid.).
Pérsia. Quando o general perguntou a Omar o que de­
Da mesma forma, outros críticos observam que na
via fazer com os livros, acredita-se que ele respondeu:
surata 18 versículo 86 o Alcorão fala de alguém viajan­
“Lance-os nos rios. Pois, se nesses livros há sabedoria,
do para o ocidente “Até que, chegando ao poente do sol,
temos sabedoria ainda melhor no Livro de Deus. Se,
viu-o pôr-se numa fonte fervente”. Mas até na tentativa
pelo contrário, há neles algo que causará desvio, Deus
de explicar esse problema, Yusuf Ali admite que isso tem
nos proteja deles” (Pfander, p. 365).
“intrigado os comentaristas”. E ele não explica realmente
É um erro supor que um livro é inspirado só por­
o problema, apenas afirma que isso não pode ser “o ex­
que se conforma à ciência moderna (v. ciência e a B í­
tremo oeste, pois tal coisa não existe” (Ali, p. 754, n.
b l ia ). Apologistas muçulmanos e cristãos cometeram
2430). Na realidade, não há extremo oeste, e ninguém
o erro de supor a verdade de um sistema de conheci­
que viaja para o oeste chega ao lugar onde o sol se põe.
mento científico específico. O conhecimento científico
Mas é isso que o texto diz, por menos científico que seja.
muda. Assim, o que parecia ser “harmonia” pode de­
Outros notaram que a suposta antevisão científica do
saparecer. Ao tentar ver teorias científicas modernas
Alcorão é altamente questionável. Kenneth Cragg observa:
em seus “livros sagrados”, erros em baraçosos foram
cometidos por seus defensores.
Alguns exegetas do Alcorão afirmavam frequentemente
Mesmo que se pudesse demonstrar perfeita harmo­
que invenções modernas e dados científicos, até fissão nu­
nia entre o Alcorão e os fatos científicos, isso não prova­
clear, toram previstos ali e agora podem ser detectados em
ria sua inspiração divina. Simplesmente provaria que o passagens não reconhecidas até agora em sua presciência.
Alcorão não cometeu nenhum erro científico. Na me­ Significados anteriormente desconhecidos se revelam à me­
lhor das hipóteses, a precisão científica é um teste ne­ dida que a ciência progride.
gativo da verdade. Se erros fossem encontrados, isso
provaria que ele não é a Palavra de Deus. O mesmo se Essa conclusão, no entanto, “é altamente repudia­
aplica à Bíblia ou a qualquer outro livro religioso. É cla­ da por outros como o tipo de corroboração de que o
ro que, se um livro antecipasse de maneira constante e Alcorão, como escritura ‘espiritual’, não precisa nem
precisa, com séculos de antecedência, o que só viria a aprova” (Cragg, p. 42).
ser descoberto mais tarde, isso poderia ser usado num Mesmo se provassem que o Alcorão é cientificamen­
contexto teísta para indicar uma fonte sobrenatural. te preciso, ele não seria divinamente autorizado. Tudo que
Alcorão, suposta origem divina do 30

a precisão prova é que o Alcorão não cometeu erros ci­ Qualquer grupo de idéias cridas e aplicadas fervorosa­
entíficos. Isso não seria inédito. Alguns teólogos judeus mente transformará os seguidores e sua cultura. Isso é
afirmam o mesmo a respeito da Torá e muitos cristãos verdadeiro sejam eles budistas (v. budismo ), cristãos, mu­
afirmam exatamente a mesma coisa a respeito da B í­ çulmanos ou judeus. Que muçulmano aceitaria o argu­
blia,usando argumentos bem semelhantes. Alas Bucaille mento de que Ocapital, de Karl M arx , é inspirado porque
não concordaria que isso prova que o at e o \x são a transformou milhões de vidas e muitas culturas?
Palavra de Deus. Os críticos não se surpreendem pelo fato de tantos
Argumento da estrutura matemática. Uma prova terem se convertido ao islamismo quando lembram o que
popular da origem divina do Alcorão é sua suposta base foi prometido como recompensa para os que se conver­
milagrosa no número 19. Dezenove é a soma do valor tessem e a ameaça de castigo para os que não se conver­
numérico das letras da palavra “um” (com base na cren­ tessem. Os que se “submetessem” receberiam a promessa
ça básica de que Deus é um). Tal método apologético do paraíso com belas mulheres (2.25; 4.57).
não é bem aceito nos círculos científicos por boas ra­
zões. Nenhum muçulmano aceitaria uma mensagem O castigo para aqueles que lutam contra Allah e contra
que afirma ser de Deus se ensinasse idolatria ou imora­ o Seu Mensageiro, e semeiam a corrupção na terra, é que
lidade. Certamente nenhuma mensagem contendo tais sejam mortos, ou crucificados, ou lhes seja decepada a mão
afirmações seria aceita apenas por motjvos matemáti­ e o pé de lados apostos, ou banidos (5.33).
cos. Portanto, mesmo se o Alcorão fosse um “milagre”
matemático, isso não seria suficiente para provar que A tradição islâmica relata que Maomé deu a seguinte
era de Deus, mesmo para muçulmanos inteligentes.
exortação para seus seguidores:
Mesmo que a probabilidade for muito alta contra
o Alcorão ter todas essas combinações incríveis do nú­
A espada é a chave do paraíso e do inferno; uma gota de
mero 19, isso não prova nada além de que há uma or­
sangue derramado pela causa de Deus, uma noite na luta,
dem matemática por trás da linguagem do Alcorão.
vale mais que dois meses de jejum e oração. Quem cai na
Como a linguagem é uma expressão da ordem do pen­
batalha terá seus pecados perdoados no dia do julgamento”
samento humano e como essa ordem pode ser reduzi­
(Gibbon,p. 3).
da à expressão matemática, não é anormal que uma or­
dem matemática possa ser encontrada por trás da lin­
A ganância hum ana teve influência: “Guerreiros
guagem de um documento. Na verdade, não há nada de
árabes tinham direito a 4/5 de todo saque que junta­
tão anormal sobre sentenças que têm dezenove letras.
vam na form a de bens móveis e escravos” (Noss, p.
Além disso, o mesmo tipo de argumento (baseado
711). Era muito vantajoso submeter-se ao inimigo. Os
no número 7) foi usado para “provar” a inspiração da
politeístas tinham duas escolhas: submeter-se ou mor­
Bíblia. Pegue o primeiro versículo da Bíblia “No prin­
rer. Os cristãos e judeus tinham outra alternativa: pa­
cípio criou Deus os céus e a terra”. G. Nehls indica que:
gar altos impostos (9 .5 ,2 9 ). E as conquistas islâmicas
foram bem-sucedidas porque, em algumas das terras
O versículo consiste em 7 palavras hebraicas e 28 letras
conquistadas, o povo estava cansado dos maus tratos
(7 x 4). Há três substantivos: “Deus, céus, terra”. Seu valor nu­
dos governantes romanos e aceitaram voluntariamente
mérico [...] é 777 (7 x 11). O verbo “criou”tem o valor 203 (7 x
a ênfase do islamismo à igualdade e fraternidade.
29). O objeto está contido nas três primeiras palavras — com
14 letras (7 x 2). As outras quatro letras contêm o sujeito — Além disso, o cristão ou judeu poderia argumen­
também com 14letras(7x2) [eassim por diante]. tar a favor da verdade das suas religiões pelo mesmo
fundamento. Não seria surpreendente se a crença sin­
Mas nenhum muçulmano permitiria que isso va­ cera em Deus, em sua lei moral e no dia final do juízo
lesse como argumento a favor da inspiração divina da mudasse a vida de uma pessoa — coisas em que to­
Bíblia. No máxim o o argumento é esotérico e não con­ dos os monoteístas morais acreditam. Mas não se pode
vincente. A maioria dos estudiosos muçulmanos in­ concluir com isso que Maomé seja o último profeta de
clusive evita usá-lo. Deus.
Argumento das vidas transformadas. Apologistas in­ Se é possível provar que vidas mudadas numa re­
dicam a transformação das vidas e da cultura pelo Alco­ ligião são evidência de sua origem divina singular, à
rão como prova da sua origem divina. Tais transforma­ luz do poder transformador do evangelho (Rm 1.16),
ções são esperadas. Quando alguém acredita em algo o cristianism o é igual, se não superior, ao islamismo.
fervorosamente, vive segundo essa crença. Mas isso ain­ No livro Evidences o f christianity [Evidências do cris­
da não responde à questão se essa é a Palavra de Deus. tianismo],Wúliam P a ley observa:
31 Alcorão, suposta origem divina do

Pois o que estamos comparando? Um camponês galileu ela. Em com paração, o islam ism o não cresceu pela
acompanhado por alguns pescadores com um conquistador m era força da sua mensagem, mas apenas depois,
à frente de um exército. Comparamos Jesus, sem força, sem quando usou a espada. Na realidade, o cristianism o
poder, sem apoio, sem nenhum atrativo ou influência exter­ primitivo cresceu mais quando o governo romano es­
na, prevalecendo contra os preconceitos, a erudição, a hie­ tava usando a espada contra os cristãos durante os três
rarquia de seu país, contra as antigas opiniões religiosas, os primeiros séculos.
ritos religiosos pomposos, a filosofia, a sabedoria, a autori­ Há razões perfeitamente naturais para a difusão
dade do Império Romano no período mais civilizado e ilu­ rápida do islamismo, diz Shorrosh. O islamismo glo­
minado de sua existência — com Maomé fazendo suas jor­ rificava o povo, os costumes e a língua árabes. Incen­
nadas entre os árabes; captando seguidores em meio a con­ tivava a conquista e o saque de outras terras. Utilizava
quistas e triunfos, na era e nos países mais em trevas do a habilidade de lutar no deserto. Oferecia uma recom­
mundo, e quando o sucesso militar não só operava por esse pensa celestial pela morte e absorvia muitas práticas
controle das vontades dos homens e pessoas que buscam pré-islâmicas na cultura árabe. Mesmo se indicarem
feitos prósperos, como também era considerado o testemu­ razões mais positivas, como melhorias morais, políti­
nho certo da aprovação divina. 0 fato de multidões, persua­ cas e culturais, parece não haver razão para supor qual­
didas por esse argumento, se ajuntarem ao séquito do líder quer coisa além de causas naturais para a difusão do
vitorioso; o fato de m ultidões ainda m aiores se prostrarem , islamismo. Finalmente,-houve incentivos naturais para
sem protesto, perante poder irresistível — é um a conduta muitos convertidos. Os soldados receberam a promes­
em que não podemos ver nada surpreendente; em que não sa do paraíso prometido como recompensa por mor­
podemos ver nada que se assem elhe às causas pelas quais o rer na difusão do islamismo. E o povo que não se sub­
estabelecimento do cristianismo foi efetuado (Paley, p. 257). metesse era ameaçado de morte, escravidão, ou com
impostos. Não há necessidade de apelar ao sobrena­
Argumento da difusão rápida do islamismo. Alguns tural para explicar o crescim ento do islamismo sob
estudiosos islâm ico indicam a rápida difusão do essas condições.
islamismo como prova de sua origem divina. De acordo O estudioso Wilfred Cantwell Smith especifica o di­
com um apologista muçulmano: “a difusão rápida do lema islâmico. Os muçulmanos acreditam que o islã é a
islamismo mostra que o Altíssimo o enviou como reve­ vontade de Deus e é destinado a dominar o mundo, en­
lação final para o homem” (Pfander, p. 226). 0 islamismo tão seu fracasso deve ser indicação de que a vontade
ensina que está destinado a ser a religião universal. Há soberana de Deus está sendo frustrada. Mas os muçul­
vários problemas sérios com esse raciocínio. Primeiro, manos negam que a vontade de Deus possa ser frustra­
pode-se questionar o tamanho e o crescimento rápido da. Portanto, logicamente eles devem concluir que tal
como testes definitivos da verdade. A maioria nem sem ­ domínio não é a vontade de Deus. O biógrafo de Maomé,
pre está certa. Na verdade, a história tem demonstrado M. H. Haykal, erra quando responde que os seres hu­
que geralmente a maioria está errada. manos são livres, e qualquer derrota ou retrocesso de­
De acordo com o próprio teste o islamismo não é a vem ser atribuídos a eles ( Haykal, p. 605). Se Deus real­
religião verdadeira, já que o cristianism o tem sido e mente quisesse a supremacia do islamismo, sua vonta­
ainda é a m aior religião do mundo em número de de divina teria sido frustrada, por meio da liberdade
adeptos — fato em baraçoso para os muçulmanos. humana ou sem ela. Pois o islamismo não é e jam ais
Além disso, mesmo que o crescimento rápido fosse foi, desde a época da sua criação, a religião mundial do­
usado como teste da verdade de um sistema, o cristia­ minante numérica, espiritual ou culturalmente. Mes­
nismo, não o islamismo, provaria ser a religião verda­ mo que o islamismo tivesse um surto repentino de su­
deira. Pois ele cresceu mais rápido no princípio, com cesso e ultrapassasse todas as outras religiões, isso não
sua mensagem simples e sob forte perseguição roma­ provaria que é de Deus. Logicamente, todo esse suces­
na, que o islamismo pela força militar. Na verdade, não so dem onstra que foi bem-sucedido, não necessaria­
só conquistou a partir de suas raízes judaicas m ilha­ mente que é verdadeiro. Pois mesmo depois que algo é
res de convertidos em poucos dias e semanas (At 2.41; bem-sucedido, ainda podemos perguntar: É verdadei­
4.4; 5.14), mas alcançou o Império Romano pela força ro ou falso?
espiritual nos seus primeiros séculos. Argumento que Deus fa la na primeira pessoa. Os
Certamente, as cruzadas cristãs (séc.xu axiv) tam ­ m uçulm anos apelam para o fato de que Alá fala na
bém usaram a espada, proibida por Jesus para espa­ prim eira pessoa como evidência de que o Alcorão é
lhar sua mensagem (M t 26.52). Mas isso foi bem de­ a Palavra de Deus. Na Bíblia, Deus geralm ente é m en­
pois de o cristianism o ter conquistado o mundo sem cionado na segunda ou terceira pessoa, do ponto de
Alcorão, suposta origem divina do 32

vista hum ano. No entanto, nem todo o Alcorão fala e talentosa. Não há razão que impeça que uma m en­
de Alá na p rim eira pessoa, de form a que por essa te criativa seja a fonte dos ensinam entos do Alcorão
lógica apenas as partes na p rim eira pessoa s e r i­ que não têm antecedentes humanos conhecidos.
am inspirad as. Nenhum m uçulm ano diria isso vo­ O biógrafo de Maomé, Haykal, identifica uma pos­
lu n tariam en te. Além d isso, em grand e parte da sível fonte das “revelações” de Maomé na sua descrição
B íblia Deus fala na p rim eira pessoa, m as os m u­ da imaginação fértil dos árabes; “Vivendo como ele sob
çulm anos não adm item que essas passagens sejam o vazio do céu e movendo-se constantemente à procura
palavras de Deus, p rin cip a lm en te quando Deus de pasto ou comércio, e sendo constantemente forçado
abençoa Israel, dando a eles a terra da P alestina a excessos, exageros, e até mentiras que a vida do co­
com o herança. mércio geralmente implica, o árabe é dado ao exercício
A verdade é que tanto o Alcorão quanto a Bíblia da sua imaginação e a cultiva sempre para o bem ou
têm passagens que falam de Deus na primeira e na para o mal, para paz ou para guerra” (ibid., p. 319).
terceira pessoas. Assim, os muçulmanos não podem Possíveis fontes satânicas do Alcorão. Também é
usar isso como prova singular da origem divina do possível que Maomé tenha recebido suas revelações
Alcorão. de um espírito maligno. Ele mesmo a princípio acre­
Evidência d e um Alcorão hum anam ente inspi­ ditava que suas “revelações” vinham de um demônio,
rado. Além de não existir evidência da origem divina mas foi encorajado por sua esposa Khadija e pela pri­
do Alcorão , há fortes indicações de que sua origem não ma dela, Waraqah, a acreditar que a revelação vinha
é divina. de Deus. Isso é contado em mais detalhes no artigo
Falibilidade. Deus não pode cometer erros ou mu­ M aomé , suposto chamado divino d e . Seja pelo próprio
dar de idéia. Porém, como visto acima, o Alcorão re­ brilhantismo, por outras fontes humanas ou por espí­
flete tal falibilidade em várias ocasiões. ritos malignos finitos, não há nada no Alcorão que não
Fontes puramente humanas. Conforme descobertas possa ser explicado sem a revelação divina.
de estudiosos reconhecidos pelo islamismo, o conteúdo Conclusão. Apesar das evidências acima contra
do Alcorão pode ser rastreado em sua origem até obras qualquer origem divina do Alcorão, é interessante que
judaicas ou cristãs (geralmente dos apócrifos judaicos autores muçulmanos tenham se negado a abordar a
ou cristãos) ou fontes pagãs. Arthur Jeffry, no livro téc­ questão das origens humanas do Alcorão, mas sim ­
nico e erudito The foreign vocabulary o f the Qur’an [O plesmente repitam afirmações dogmáticas sobre sua
vocabulário estrangeiro do Alcorão], demonstra com ha­ fonte divina. Na verdade, raramente encontra-se reco­
bilidade que “não só grande parte do vocabulário reli­ nhecimento de problemas, muito menos uma apolo­
gioso, mas também a maior parte do vocabulário cul­ gia, entre os estudiosos muçulmanos.
tural do Alcorão não são de origem árabe” (Jeffry, p. 2).
Algumas das fontes de vocabulário são as línguas etíope, Fontes
persa, grega, siríaca, hebraica e copta (ibid., 2-32). A . A . A bdul -H aqq, Sharingyourfaith with a
St. Clair-Tisdall, em The sources oflslam [As fontes muslim.
do Islã], também revela que certas histórias alcorânicas H. A hmad , Introduction to the study ofthe holy
sobre o at dependem do Talmude. A influência do Quran.
Talmude pode ser vista nas histórias alcorânicas de Caim M. M. A. A jijola , Muhammad and Christ.
e Abel, Abraão e os ídolos, e a Rainha de Sabá. A influên­ A i.-R ummani, e m A . R ip p in e J. K n a p p e rt, o rg s.,
cia direta dos apócrifos cristãos pode ser vista na histó­ Textual sources for the study oflslam.
ria dos sete adormecidos e nos milagres da infância de M. Au, The religion o f Islam.
Jesus, e doutrinas zoroastristas aparecem em descrições Y. A u, The Holy Quran: translation and
das huris (virgens) no paraíso e no sirat (a ponte entre o commentary.
inferno e o paraíso; Tisdall, p. 49-59, 74-91). Práticas M. B ucaille , A Bíblia, o Alcorão e a ciência.
como a de visitar a Caaba, os vários detalhes da pere­ W. St.&AiR-TiSDALL, A manual ofthe leading
grinação à Meca, incluindo visitas aos montes Safa e Muhammedan objections to christianity.
Marwa, e o lançamento de pedras contra uma coluna K. C ragg, Contem porary trends in Islam , em
que simboliza Satanás, eram práticas pré-islâmicas da J. D. W oodberry, org., Muslims and christians
Arábia pagã (Dashti, p. 5 5 ,9 3 -4 ,1 6 4 ). on the Emmaus road.
Obrilhantismo deMaomé. Como mencionado acima, A. D ashti, Twenty-three years: a study o f the
Maomé pode não ter sido analfabeto, e mesmo que não prophetic career ofMohammad.
tivesse treinamento formal, foi uma pessoa inteligente M. F oreman , An e v alu atio n o f islam ic m ira cle
33 Alfarabi

claim s in the life o f M uham m a, tese não- 1. Existem coisas cuja essência é diferente de sua
publicada (1991). existência. Chamadas “seres possíveis”, elas
M . B . F oster , The C hristian doctrine o f c re atio n podem ser concebidas como não-existentes
and the rise o f m od ern science, Mind apesar de existirem.
(1934). 2. Esses seres têm existência apenas no plano aci­
N. L. G eisler e A . S aleeb , Answering Islam: the dental, isto é, não faz parte de sua essência exis­
Crescent in the light o f the cross. tir. É logicamente possível que elas jam ais exis­
E . G ibbon , The history o f the decline and fall of tissem.
the Roman empire.
3. Qualquer coisa que tenha existência acidental
J. P. G udel , To every muslim an answer: islamic (e não-essencial) deve receber sua existência
apologetics compared and contrasted with
de outra. Já que a existência não é essencial a
Christian apologetics.
ela, deve haver alguma explicação para sua
H. H aneef , What everyone should know about
existência.
Islam and muslims
4. Não pode haver um a regressão infinita de
M. H. Haykai, The life o f Muhammad.
causas para a existência, lá que a existência
A. J effry , ed., Islam: M uham m ad and his
de todos os seres possíveis é recebida de ou­
religion.
tra, deve haver uma causa pela qual a exis­
L. B. J ones , The people o f the mosque.
tência é recebida.
J. W. M ontgomery, Faith founded on fact.
5. Portanto, deve haver uma Primeira Causa de
_ _ _ , Mudjiza, em The encyclopedia of
existência cuja essência e existência são idên­
Islam.
ticas. Esse é o Ser Necessário , e não apenas
G. N ehls , Christians ask muslims.
possível. A Primeira Causa não pode ser um
J. B. Noss, M an’s religions.
mero ser possível (cuja essência é não existir),
W. P aley , Evidences o f Christianity.
já que nenhum ser possível pode explicar a
C. G. P fander , The Mizanu’l Haqq (The balance o f
própria existência.
truth).
A. A. S horrosh , Islam revealed: a Christian Arab’s
view o f Islam.
A valiação d o argum ento d e Alfarabi. Muitas crí­
H. S pencer , Islam and the Gospel o f God. ticas ao argumento cosmológico foram feitas por ateus,
C. W addy , The muslim mind. agnósticos e céticos. A maioria delas emanam de David
W. M. W att , M uham m ad:prophet and statesman. H ltme e Im m anuel K a .n t e foram respondidas por
A. N. W hitehead , Science in the modern world. teístas (v. D eu s , objeções a provas em favor d e ).
Conclusão. Se existem seres cuja essência é não-
A lfarabi. Filósofo árabe de ascendência turca que vi­ existir, deve haver um Ser cu ja essência é existir,
veu em Alepo (870?-950). Foi um dos primeiros filó­ pois as coisas possíveis não são possíveis a não ser
sofos monistas ou panteístas a apresentar as obras de que haja um Ser N ecessário. Nenhum ser passa a
Aristóteles e de Platão durante a Idade Média. Influ­ existir exceto se algum Ser lhe der essa existência.
enciou Avicena (Ibn Sinâ, 9 8 0 -Í0 3 7 ) eAverróis (1126- Já que um ser não pode dar existência a outro quan­
1198), cujas posições dominaram a discussão filosó­ do é dependente de outro para a própria existên cia,
fica no fim da Era Medieval. deve haver um prim eiro Ser cuja existên cia não lhe
O pensamento de Alfarabi foi muito influente nas foi dada por outro, mas que dá existên cia a todos
formas cristãs posteriores do argumento cosmológico os outros. Esse é basicam ente o m esm o argum ento
(v. D eu s , evidências d e ; kalam, argumento cosmológico ). subjacente aos três prim eiros dos “cinco cam inhos”
Ele construiu a base para os argumentos escolásticos de Aquino para provar a existência de Deus (v. T o­
pela distinção entre o que uma coisa é e o fato de que m á s de A q u in o ).
ela existe. Alfarabi via isso como o sinal de distinção
real entre a essência da criatura e sua existência — Fontes
conceito mais tarde defendido por T omás de A quino . F. C opleston , Hístory ofphilosophy.
O argum ento cosm ológico d e A lfarabi. Nessa E. G ilson , Al Farabi, ep.
distinção real está implícito o argumento a favor da _ _ _ , History o f christian philosophy in
existência de Deus que assume a seguinte forma: the Míddle Ages.
Altizer, Thomas J. J. 34

alma,imortalidade da. V. im ortalidade . ressuscitou dos m ortos).“Sim, Deus morreu na crucifi­


cação: logo ele cumpre o movimento da Encarnação, es­
alta crítica. V. critica da B íb l ia ; critica da redação do vaziando-se completamente de sua sacralidade primor­
A ntigo T estamen ' to ;E spinosa ,B aruch ;\V ellhau $en , J ulius . dial”. De fato, só na crucificação, na morte do Verbo na
Cruz, é que o Verbo verdadeira e completamente se tor­
Altizer, Thomas J. J. G. W. F. Hegel (1770-1831) escre­ na carne. E “a encarnação só é realmente verdadeira se
veu: “Deus está m orto” (Hegel, p. 506) e Friedrich afeta a morte do sagrado original, a morte do próprio
Nietzsche (1844-1900) levou o conceito a sério. Escre­ Deus” (ibid., p. 8 2 -9 0 ,1 1 3 ,1 4 9 -5 3 ; (v. C risto , morte de ;
veu: “Deus está morto! Deus continua morto! E nós o ressurreição , evidências da; ressurreição , objeções à ).
m atam os” (Nietzche, n.° 125). Na década de 1960 A morte nos tempos modernos. Finalmente, Deus
Thomas J. J. Altizer extraiu as implicações radicais des­ morreu nos tempos modernos. Isto é, Deus não só mor­
se tipo de ateísmo e as inseriu em sua teologia da “Mor­ reu realmente na encarnação e na cruz, mas morreu em
te de Deus”. nossa consciência, na nossa época, à medida que a rea­
O significado da m orte d e Deus. Há vários tipos lidade de sua morte se desdobrou na cultura ocidental.
de ateísmo. O ateu tradicional acredita que não existe Para entender isso, é necessário falar sobre um proces­
nem nunca existiu um Deus (v. F eu er ba c h , L udwtg ; so dialético.“Progressiva mas decisivamente Deus aban­
F reu d , S ig m u x d ; S a r t r e , J ean - P aul ). Os ateus semânti­ dona ou nega sua passividade original [...] encarnando-
cos afirmam que o termo Deus está morto, que a lin­ se tanto na quanto como a realidade do mundo e da his­
guagem religiosa não tem significado (v. Ayer, A. J.; tória. Logo, apegar-se a crença num Deus transcenden­
acognosticismo ). Os ateus mitológicos,representados por te é negar a realidade histórica da encarnação”. Pois
Nietzsche, afirmam que o mito Deus já esteve vivo, mas “apenas o sagrado que nega a própria forma primordi­
morreu no século xx. Os ateus conceituais acreditam al e sagrada pode se encarnar na realidade do profano”.
que existe um Deus, mas está escondido da nossa vi­ Portanto, “dialeticamente, tudo depende do reconheci­
são, sendo obscurecido pelas nossas construções mento do significado da identificação total de Deus com
conceituais (v. B u b e r , M a r tin ). O s ateus práticos afir­ Jesus e do entendimento que é Deus que se tornou Jesus
mam que Deus existe, mas devemos viver como se não e não Jesus que se torna Deus” (ibid., p. 46). Logo, é obri­
existisse, sem usar Deus como muleta para nossa in­ gação de todo cristão desejar a morte de Deus para que
capacidade de agir de maneira espiritual e responsá­ o processo dialético possa continuar.
vel. Altizer era um ateu dialético. Os ateus dialéticos Avaliação. O ateísmo dialético nega a inspiração
acreditavam que Deus realmente existiu, mas morreu da Bíblia (v. B íb l ia , evidências da ), optando pela crítica
no nosso século. radical infundada (v. B íb l ia , crítica da ; N ovo T esta m en ­
Os estágios da morte. Altizer chamou Nietzsche o to , historicidade do ; edição , crítica d e ). Nega a ressurrei­
primeiro cristão radical (Altizer, O evangelho do ateísmo ção corporal de Cristo contra toda a evidência históri­
cristão, p. 25). Altizer acreditava que “só o cristão sabe que ca (v. r essu rreiç ã o , evidências da ).
Deus está morto, que a morte de Deus é um evento defi­ Essa teologia é baseada numa interpretação errô­
nitivo e irrevogável” (ibid., p. 111). Deus não está apenas nea da Encarnação. As Escrituras afirmam que, quan­
escondido da nossa visão, como Martin Buber acredita­ do Cristo veio à terra, o que aconteceu não foi a sub­
va. Ele realmente morreu em três estágios: tração da divindade, mas a adição da humanidade.
A morte na Encarnação. Primeiro, Deus morreu Deus não deixou o céu; apenas a segunda pessoa da
quando se encarnou em Cristo. “O fato de Deus ser Je­ Trindade acrescentou a si outra natureza, humana, sem
sus significa que o próprio Deus se tornou carne; Deus descartar sua natureza divina (v. C r isto , divindade d e ;
não precisa mais existir como Espírito transcendente trin dade ).
ou Senhor soberano”. Quando o Espírito se torna Ver­ Filosoficamente é impossível que o Ser Necessário
bo, ele se esvazia. Isto é, “se o Espírito realmente se (Deus) morra. O Ser Necessário não pode passar a exis­
esvazia ao entrar no mundo, então seu próprio Ser es­ tir ou deixar de existir. Ele sempre existirá.
sencial e original deve ser deixado para trás numa for­ O método dialético subjacente à teoria de Altizer é
ma vazia e sem vida” (ibid., p. 67-8). Em resumo, quan­ infundado. Não há base para acreditar que a realidade
do Deus veio à terra, o céu ficou vazio (v. C risto da ff. opere por meio de tese, antítese e síntese dialética.
vs. J esu s da h istó r ia ; J esu s histó rico , busca pelo ). Conclusão. O movimento da “morte de Deus” foi
A morte na cruz. Além disso, Deus não morreu ape­ curto, dominando o cenário por apenas uma década
nas em geral na encarnação, mas morreu especifica­ aproximadamente. Baseou-se numa teologia dialética,
mente na cruz quando Cristo foi crucificado (e não geralmente atribuída a Hegel. Essa teoria exige que toda
35 analogia, princípio da

tese, tal como “Deus existe”, demande a antítese: “Deus semelhante às criaturas que fez. Da mesma forma, nos­
não existe”: que por sua vez torna-se a base para nova sas idéias sobre Deus — se estiverem certas — não são
síntese. Isso sempre aparece num movimento progres­ totalmente iguais nem totalmente diferentes; são sem e­
sivo, o qual Altizer não sabia exatamente que forma as­ lhantes (análogas). A linguagem religiosa análoga, en­
sumiria. Mas ele acreditava que uma pessoa “deve estar tão, é a única maneira de preservar o verdadeiro conhe­
sempre aberta a novas epifanias do Verbo ou do Espíri­ cimento de Deus. A discussão unívoca sobre Deus é im ­
to de Deus [...] epifanias realmente novas cujas própri­ possível e a discussão equívoca sobre Deus é inaceitá­
as ocorrências afetam ou registram um novo movimen­ vel e autodestrutiva. Apenas a analogia evita as armadi­
to, ou uma nova realidade, ou o próprio processo divi­ lhas de ambas e dá entendimento genuíno de Deus.
no” (ibid., p. 84, 105). Assim, enquanto Altizer parece Como T omás de Aqltxo declarou:
negar todas as formas de transcendência, na verdade
ele nega apenas formas tradicionais que transcendem Esse nome Deus (...) não é entendido nem unívoca
para trás ou para cim a e as su b stitu i por um a nem equivocamente, mas analogicamente. Isso fica claro
transcendência futura. Isso já foi chamado de transcen­ pela seguinte razão — nomes unívocos têm absolutamente
dência escatológica (v. Geisler, p. 49-52). o mesmo significado, ao passo que nomes equívocos têm
nomes diferentes; no sentido analogo, um nome entendi­
Fontes do num significado deve ser colocado no âmbito da defi­
T. J. A ltizer , Thegospel ofChristian atheism. nição do mesmo nome entendido em outros significados
____ , Radical theology and the death ofGod. (Suma teológica, la. 13,10).
N. L. G eisler , Philosophy o f religion.
G. W.F. H egel , Thephenomenology o/Spint. A base p a ra a analogia. A analogia preserva o co­
F. N ietzche , /oy/«/ wisdom. nhecimento verdadeiro de Deus porque está baseada
na própria natureza das auto-expressões de Deus. É
analogia, princípio da. Dois princípios da analogia às claro que Deus só pode expressar-se às criaturas em
vezes afetam a apologética cristã. Uma é uma regra do term os diferentes dele mesmo. Então, pela própria
historicismo, formulada pelo historiador e teólogo libe­ natureza tal expressão ou manifestação de Deus será
ral Ernst Troeltsch (1865-1923), segundo a qual a única limitada, visto que o próprio Deus é ilimitado. Mesmo
maneira de o passado ser conhecido é por analogia com assim, uma expressão sobre Deus deve comunicá-lo.
o presente. A implicação dessa regra é que, já que os Logo, a analogia flui da própria natureza do processo
tipos de milagres realizados na Bíblia não acontecem divino de auto-revelação.
hoje, também não podemos saber se aconteceram no Analogia na causalidade. A semelhança entre o Cri­
passado. Para a discussão desse princípio e suas difi­ ador e a criatura é baseada na relação causal entre eles
culdades, v. o artigo T roeltsch , E r x s t . A outra maneira ( v. ca i salidade , princípio iu). Jáque Deus é existência pura
em que esse termo é usado é como um princípio fun­ (puro Ser), e já que ele causa todas as outras existências
damental da razão (v. prim eiro s princípios ) . É nesse senti­ (seres), deve haver uma semelhança entre ele — a Cau­
do que o princípio é considerado aqui. sa eficiente — e seus efeitos. Pois uma causa se co­
O prin cípio d a analogia. O princípio da analogia munica com o efeito. Existência causa existência. A
afirm a que o efeito deve ser semelhante à sua causa. Causa da existência deve ser um Ser. Pois ela não pode
Semelhante produz semelhante. O efeito não pode ser dar o que não tem; não pode produzir a realidade que
totalmente diferente de sua causa. O ato (ou agente) não possui. Então, embora a Causa seja um Ser Infini­
transm ite realidade. O princípio afirma que a Causa to e o efeito seja um ser finito, o ser que é o efeito é
de toda existência (Deus) deve ser semelhante aos se­ semelhante ao Ser que o causou. A analogia é baseada
res que ele causa. Nega que Deus pode ser totalmente na causalidade eficiente. Pois “podemos dar nome a
diferente (equívoco) dos seus efeitos, pois o Ser que Deus somente a partir das criaturas. Portanto, o que é
causa todos os outros seres não pode criar algo que dito sobre Deus e as criaturas é dito tanto à medida da
não tenha existência semelhante à sua. Existência cau­ relação entre as criaturas e Deus — a causa princi­
sa existência. pal delas, visto que todos os atributos preexistem ex­
Da mesma forma, a analogia afirma que Deus não celentemente” (ibid., líi.1 3 ,5 ).
pode ser totalmente o mesmo que seus efeitos, pois nesse O testemunho da analogia. A necessidade da analo­
caso eles seriam idênticos a Deus. Mas as criaturas não gia não é evidente apenas na revelação geral acerca de
podem ser idênticas ao que não foi criado, nem o finito Deus encontrada na natureza; ela tam bém é essencial
ao Infinito. Assim, Deus, o Criador de todo ser, deve ser à revelação especial de Deus nas Escrituras (v. B íblia ,
analogia, princípio da 36

evidências da ). A Bíblia declara ser verdadeiro o conhe­ (Aquino, Do ser e da essência). Então, todos os seres
cimento de Deus (v. B íb l ia , evidências da ). Mas esse co­ cria d o s devem ser co m p o sto s de rea lid a d e e
nhecimento está contido num livro composto por pa­ potencialidade. Eles têm existência real e têm o po­
lavras e frases humanas na experiência humana finita. tencial de não existir. Qualquer coisa que passa a exis­
Logo, a questão é: Como podem conceitos humanos tir pode deixar de existir. Mas, se todos os seres cria­
finitos com unicar o Deus infinito? A resposta de dos têm um potencial que limita sua existência, então
Aquino é que devem fazê-lo analogamente. Deus não eles são tipos lim itados de existência, e sua Causa
é nem idêntico nem completamente diferente de nos­ incriada é um tipo ilimitado de existência.
sas expressões sobre ele. É, antes, semelhante a elas. Logo, deve haver uma diferença entre as criaturas
Revelação especial na analogia. Em relação a isso e seu Criador. Elas são limitadas (potencial), e ele não.
a Bíblia é enfática sobre duas coisas. Em primeiro lugar, Isso implica que, quando se fazem afirm ações sobre
Deus está além de nossos pensamentos e conceitos, até Deus baseadas no que ele revelou sobre si mesmo na
mesmo dos melhores que possamos ter (cf. Rm 11.33). criação, há uma grande exceção: Deus não é semelhan­
Deus é infinito, nossos conceitos são finitos, e nenhum te à sua criação quanto à potencialidade dela, mas ape­
conceito finito pode imaginar o infinito. Também fica nas quanto à realidade. Esse elemento negativo é cha­
claro nas Escrituras que Deus ultrapassa a capacidade mado “o caminho da negação” ( via negativa), e toda
insignificante dos conceitos humanos de comunicar sua discussão adequada sobre Deus deve presumir isso.
essência inefável. Paulo disse:“Agora, pois, vemos ape­ Essa conclusão emerge da própria natureza das pro­
nas um reflexo obscuro, com o em espelho...” (IC o vas da existência de Deus.
13.12). João disse sobre o homem mortal nesta vida: Podemos afirm ar o positivo e o negativo em duas
“Ninguém jam ais viu a Deus” (Jo 1.18). Em segundo propostas:
lugar, apesar dessa deficiência, a linguagem humana é
adequada para expressar os atributos de Deus. Pois,ape­ Deus é uma Causa.
sar da diferença infinita entre Deus e as criaturas, não
há ausência total de semelhança, já que o efeito sempre Esse é o elemento positivo da semelhança na ana­
se assemelha de alguma forma à Causa eficiente. logia criatura-Criador. Seja qual for a realidade que
Mas se Deus é expresso adequadamente em lin­
existe, ela é como a Realidade que a produziu.
guagem humana, mesmo em linguagem inspirada, e
ao mesmo tempo infmitamente mais que qualquer lin­
Deus é uma causa não-causada.
guagem possa expressar, então a linguagem das Es­
crituras é, no máxim o, análoga. Isto é, nenhum termo
E sse é o elem ento negativo. A m esm a negação
extraído da experiência humana — e é daí que vêm
deve ser levada em consideração ao exam inar ou­
todos os termos bíblicos — pode fazer mais que nos
tros atributos de Deus que em ergiram do argum en­
contar com o que Deus s t parece. Nenhum deles pode
to a favor da sua existên cia. Como Aquino disse:
expressar de maneira abrangente o que Deus realmen­
“N enhum a cria tu ra finita pode ser adequada ao
te é. A linguagem religiosa é capaz de, no máximo, fa­
prim eiro agente, que é infinito” (Do poder de Deus,
zer afirmações válidas da essência de Deus, mas ja ­
7.7). Deus é a causa infinita de toda existência finita.
mais pode expressar sua essência completamente.
Mas infinito quer dizer não- finito; isso tam bém é
A linguagem da analogia. Há duas razões pelas
uma negação. Deus é a Causa eterna, isto é, sem fim
quais as afirmações feitas sobre Deus com base na re­
e além do tempo. Algumas das negações não são
velação geral (v. revelação g e r a l ) são meramente aná­
tão óbvias. Deus é a Fonte sim ples (indivisível) de
logas. Inicialmente está a questão da causalidade. Os
toda existência com plexa. Mas “sim ples” aqui real­
argumentos a favor da existência de Deus são argu­
mente significa não com plexa. Sabem os que as c ri­
mentos do efeito em direção à Causa eficiente da sua
aturas são contingentes e Deus é necessário, mas
existência (ibid., la. 2 , 3 ; v. D e u s , evidências d e ). Já que
por “necessário” só querem os dizer que Deus não é
recebem sua realidade de Deus (que é Realidade Pura),
os efeitos devem ser semelhantes a ele. Pois a Realida­ contingente. Não tem os nenhum conceito positivo
de transm ite e produz realidade. na nossa experiência que possa expressar a d im en­
Depois, a Realidade Pura (Deus) não pode criar são transcend ente das características m etafísicas
outra Realidade Pura. Realidade Pura não é criada, e é ilim itadas de Deus.
impossível criar um Ser incriado. Mas se a Realidade Portanto, a analogia que usam os para falar so ­
incriada não pode criar outra Realidade Pura, então bre Deus sem pre conterá um elem ento de negação.
ela deve criar uma realidade com potencialidade A criatura é semelhante a Deus porque a Realidade
37 analogia, princípio da

transm ite realidade, mas diferente de Deus porque tem 0 bem infinito está relacionado ao Ser infinito da
uma potencialidade limitadora que Deus não tem. Ele mesma maneira em que o bem finito está relacionado
é Realidade Pura. ao ser finito. Mas isso não ajuda, e pode atrapalhar, a
Tipos d e analogia. Dois tipos básicos de analogia encontrar uma relação (semelhança) entre o bem infi­
devem ser distinguidos: extrínseco e intrínseco. A ana­
nito e o bem finito. Esse não é o tipo de analogia em que
logia entre Deus e a criação é baseada na analogia in­
Aquino baseou a semelhança entre Criador e criatura.
trínseca. Caso contrário, não haveria semelhança real.
Analogia intrínseca. A analogia intrínseca é a em
Analogia extrínseca. Não há semelhança real entre
que ambas as coisas possuem a mesma característica,
duas partes na analogia extrínseca. Só uma possui a ca­
cada uma de acordo com a própria existência. Nova­
racterística; à outra é atribuída essa característica por
mente há dois tipos: a analogia da proporcionalidade
sua relação com ela. Isso pode ser mais bem explicado
adequada e a analogia de atribuição intrínseca.
pela observação dos tipos de analogia extrínseca.
A analogia intrínseca é baseada na semelhança de
A analogia extrínseca é baseada na causalidade efi­
relações. Ao mudar sutilmente a afirm ação de relação
ciente. A analogia é chamada “analogia por atribuição
na analogia da proporcionalidade inadequada, pode­
extrínseca”. A característica só é atribuída à causa por­
mos desenvolver a “analogia da proporcionalidade ade­
que a causa produz a característica no efeito. Na reali­
quada”. Na analogia da proporcionalidade adequada
dade, a causa não possui a característica. Alguns ali­
duas coisas semelhantes são comparadas, não duas re­
mentos são denominados “saudáveis” porque estim u­
lações semelhantes. Há uma relação adequada entre o
lam a saúde do corpo, não porque os alimentos em si
atributo que cada uma possui e suas respectivas natu­
sejam saudáveis.
rezas. Aplicada a Deus essa analogia declararia que:
Essa analogia não oferece qualquer base real para
o conhecimento de Deus. Só nos mostra o que a causa
pode produzir, não a característica que realmente pos­ Bem Infinito Bem Finito
sui. Nesse tip o de analogia, Deus pode simplesmente como
ser cham ado bom porque p ro d u z c o is a s boas, mas não Ser Infinito Ser Finito
porque ele seja realmente bom. Logo, a analogia base­
ada na atribuição e x tr ín s e c a nos deixa num estado de
Apesar de essa analogia não explicar a relação direta
AGNOSTicisMO com r e la ç ã o a Deus.
entre o atributo da bondade aplicado a ambas as partes,
A analogia extrínseca é baseada na sem elhança das
ela compara a maneira em que um atributo de Deus está
relações. A analogia baseada em relações semelhantes
relacionado à sua essência e, por comparação, a maneira
às vezes é chamada “analogia da proporcionalidade
em que um atributo semelhante no homem como cria­
inadequada”. É “inadequada” porque a relação existe
tura está relacionado à sua essência. A analogia não nos
apenas na mente que faz a comparação. Não há verda­
diz nada sobre a semelhança entre Deus e a criação. An­
deira semelhança entre o que está sendo comparado.
tes, ela nos informa sobre a mesma relação entre bonda­
Esse tipo de analogia declara que:
de e existência no ser infinito e no ser finito.
A analogia da atribuição intrínseca. Na analogia
da atribuição intrínseca, os análogos possuem o m es­
Sorriso Flores mo atributo, e a semelhança se baseia na conexão cau­
como sal entre eles. Por exemplo, água quente faz esquentar
Rosto Campina o ovo que flutua nela. A causa é transm itida ao efeito.
Uma mente transmite sua inteligência a um livro. En­
Um sorriso não é igual a flores. Mas um sorriso tão o livro é o efeito inteligível da causa inteligente.
alegra um rosto da mesma forma que flores enfeitam Esse é o tipo de analogia na qual Aquino baseia a
semelhança entre Criador e criaturas. 0 que Deus cria
uma campina. Há uma relação perceptível entre sorri­
deve ser semelhante a ele porque ele se transm ite para
so e rosto que corresponde à relação entre flores e cam ­
o efeito. Existência transm ite existência. Realidade
pina. Essa é uma relação entre duas relações.
Pura cria outras realidades. Esse tipo de analogia de
atribuição intrínseca, em que a causa e o efeito têm o
mesmo atributo, é a base para fazer afirmações ver­
Bem Infinito Bem Finito dadeiras sobre Deus. Essas afirmações correspondem
como à maneira que Deus realmente é porque essas carac­
Ser Infinito Ser Finito terísticas são derivadas dele e transm itidas por ele aos
analogia, princípio da 38

seus efeitos. Em resumo, a sem elhança entre Criador e relação causal intrínseca. Esse tipo de relação causal
criaturas é derivada das características que o Criador existe entre Deus e a criação.
deu às criaturas. Toda criação é semelhante a Deus à medida que é
As criaturas não possuem uma característica co­ real, mas diferente de Deus à medida que é limitada pela
mum (por exemplo, bondade) da mesma forma que potencialidade de receber semelhança dele. Um escul­
Deus. Um ser infinito possui bondade de forma infi­ tor, a causa, não pode conseguir o mesmo efeito no pu­
nita, e um ser finito possui bondade de forma finita. dim e na pedra, apesar da mesma forma ser imposta a
No entanto, ambos possuem bondade, porque um Ser ambos. O pudim simplesmente não tem o mesmo po­
Bom só pode transm itir bondade. Quanto cada cria­ tencial que a pedra de receber uma forma estável e du­
tura carece da bondade de Deus deve-se ao modo finito radoura. A semelhança entre Deus e criatura depende­
e falível da existência da criatura; isso não é causado rá do potencial limitado da criatura de receber sua rea­
pela infinita bondade da sua causa. Mas por menor lidade. Então, as criaturas diferem de Deus quanto à
que seja a quantidade de bondade que a criatura pos­ potencialidade, mas são semelhantes (embora não idên­
sui, essa bondade é semelhante ao atributo encontra­ ticas) a Deus quanto à realidade.
do no seu Criador, que é bondade. A relação essencial. A relação causal entre Deus e o
mundo é per se, não per accidens. Isso quer dizer que é
Deus e as criaturas. Toda discussão descritiva so­
uma relação essencial não-acidental. Deus é a causa
bre Deus baseia-se na analogia da atribuição intrínse­
da existência do mundo, não apenas a causa do seu
ca, pela qual as criaturas são semelhantes ao Criador,
aparecimento.
por meio da relação causal entre eles. Aquino escreve:
A relação acidental causal é aquela na qual existe
apenas a relação não-essencial entre a causa e o efeito.
Alguma semelhança deve ser encontrada entre eles [en­
Músicos geram não-m úsicos. A habilidade musical
tre os efeitos e sua causa], já que pertence à natureza da ação
não é um elemento essencial da relação entre pai e fi­
que um agente produza o que lhe é semelhante, já que cada
lho. Assim, não existe relação essencial entre duas
coisa age conformse é em seu comportamento (Suma contra
grandes violinistas, mesmo sendo mãe e filha, e até
os gentios, i. 29,2).
m esm o se a genética e a criação tiverem contribuído
para as realizações da filha.
Características importantes dessa relação devem ser
No entanto,humanos geram humanos. Caracterís­
entendidas.
ticas de humanidade foram essenciais para a relação
A relação causal. A relação entre Deus e o mundo é
dessas musicistas mãe e filha. A filha poderia ter nas­
causal. Nos nomes dados a Deus e às criaturas “vemos
cido com deficiência auditiva que a im pedisse de
na relação comum desses nomes a ordem da causa e
discernir tons, mas não poderia nascer felina. A hu­
efeito” (ibid., i, 33). Então,“tudo que se diz sobre Deus e
manidade é a relação causal essencial. As característi­
as criaturas é dito conforme alguma relação da criatura
cas essenciais da humanidade são possuídas tanto pela
com Deus como causa principal” (ibid., i, 13,5). Causa­
causa quanto pelo efeito. Esse é o tipo de relação cau­
lidade é uma relação de dependência, não de dualismo. sal que existe entre Deus e as criaturas.
As criaturas possuem a característica só porque a rece­ A causa eficiente. A causa eficiente é a quefaz algo exis­
beram do Criador. Em outras palavras, a Causa da exis­ tir. A causa instrumental é a que faz algo surgir. O estu­
tência compartilhou existência com os seres que fez exis­ dante é a causa eficiente do exame finalizado; sua caneta
tir. Não fosse por essa relação causal de dependência, é apenas a causa instrumental. Portanto, o exame se as­
não haveria nenhum atributo comum entre o Criador e semelhará aos pensamentos do estudante, não às idéias
as criaturas. da caneta, m esm o que ela fosse equipada com um
A relação intrínseca. A relação causal entre Deus e os microcomputador. A garagem se assemelha à planta na
seres humanos é real. A semelhança está baseada no fato mente do contrutor, não ao seu martelo. Logo, não há li­
de que causa e efeito têm a mesma característica, sendo gação necessária entre a causa instrumental e seu efeito,
que o efeito a recebe da causa. Deus não é chamado “bom”, apenas entre a causa eficiente e seu efeito.
por exemplo, só porque fez coisas boas. Essa seria uma O mesmo pode ser dito sobre a causa eficiente com­
relação causal extrínseca, como o ar quente que endurece parada à causa material. A causa material é a fonte de
o barro. 0 ar não é duro; só produz o efeito de dureza. 0 onde algo surge. O sol produz calor, que é a causa efi­
mesmo ar quente amolece a cera. ciente das calorias absorvidas pelo pedaço de barro
Mas Deus é bom, e então o ser humano tem uma assando sobre a pedra. O calor do sol é a causa m ateri­
fonte de bem. Tanto o ar quanto o barro ficam quentes, al da dureza produzida no pedaço de barro assando
porque calor transmite calor. Calor produzir calor é uma sobre a pedra. Mas a dureza não é causada pelo calor
39 analogia, princípio da

do sol. A dureza não é n em cau sa d a “e fíe ie n tem e n te ” universais de significado. As palavras que passam de
pelas condições m a te ria is do b a rro . E sse é ou tro tip o jogo a jogo ou palavras com significados semelhantes
de causa material. A ca u sa eficie n te do b a rro e n d u re ­ possuem semelhança; entretanto, jamais podemos iso­
cido é o Deus que criou os p rin cíp io s físico s p elos q uais lar um significado básico que devam compartilhar. En­
o barro reage ao calor. tão, Wittgenstein acredita que a separação de significa­
Além disso, o fato de D eu s te r cria d o o co rp o de dos nas categorias unívoco, análogo ou equívoco se des­
Adão com uma su b stâ n c ia (su a ca u sa m a te ria l) n ão faz com o uso dinâmico da linguagem.
quer dizer que Deus s e ja u m se r m a te r ia l. C au sas Será que o significado é estabelecido tão a rb i­
efecientes não precisam a sse m elh a r-se aos efeitos m a is trariam ente, à m ercê do contexto? A não ser que haja
que a mente de Santos D u m o n t se a sse m elh a v a a a sas um significado essencial, contrário ao puramente con­
e fuselagem. O avião é feito de m a te ria l; a m e n te q u e o vencional, da linguagem, todo significado (e toda ver­
criou, não. As palavras v isív eis e m a te ria is n e ssa p á g i­ dade) é relativo (v. convencionalismo ). Mas é contraditó­
na se assemelham à m in h a m e n te (su a ca u sa e fic ie n ­ rio afirmar que “Nenhum significado é objetivo”, já que
te), mas a minha mente n ão é feita de p a p el e tin ta . D a até essa afirmação não teria significado objetivo. Se não
mesma forma, o D eu s in v isív el (c a u sa e fic ie n te ) n ão é houvesse significado objetivo, “qualquer coisa” signifi­
igual ao mundo v isív el (c a u sa m a te ria l), n em o m u n ­ caria qualquer coisa para qualquer um, até mesmo o
do material ao Deus im a te ria l (Jo 4 .2 4 ). oposto do que o comunicador tencionava. Isso seria o
As críticas à analogia. V á ria s o b je ç õ e s fo ra m le ­ caos lingüístico (e social).
vantadas contra o p rin cíp io da a n a lo g ia (e .g ., Ferre, A lém disso, diferenças entre unívoco, equívoco e
1.94-97). Muitas d elas fo ram re sp o n d id as p o r T om ás analógo não são arbitrárias.Na verdade, são logica-men-
de Aquino ou p o d e m se r in ferid as a p a rtir do qu e ele te abrangentes; não há alternativas. Um termo é entendi­
disse. Eis algumas re sp o sta s a o b je ç õ e s sig n ificativ as. do ou aplicado da mesma maneira (univocamente), de
A teoria geral da analogia não funciona. À medida maneira totalmente diferente (equivocamente), ou de
que a analogia está ligada à metafísica da causalidade maneira semelhante (analogamente). Wittgenstein não
intrínseca, ela realmente funciona. Na realidade, a ana­ oferece alternativa. Mas quando aplicada à realidade ob­
logia parece ser a única resposta adequada ao proble­ jetiva, sua teoria acaba em discussão equívoca sobre Deus.
ma da linguagem religiosa. Toda discussão sobre Deus Pois apesar de ele aceitar discussões significativas sobre
em termos negativos implica em conhecimento posi­ Deus, desde que baseadas em experiências religiosas ex­
tivo sobre ele. Mas afirmações positivas sobre Deus são pressivas, elas não versam realmente a respeito de Deus.
possíveis apenas se conceitos univocamente entendi­ Na verdade, são discussões sobre experiência religiosa.
dos puderem ser aplicados às criaturas e ao Criador Deus continua parte do místico e inexprimível, pelo me­
(como D uns S co tts argumentou). nos no que diz respeito à linguagem descritiva.
Já que Deus é infinitamente perfeito e as criaturas Por que apenas algumas qualidades se aplicam a Deus.
são apenas finitamente perfeitas, nenhuma perfeição Apenas as seguintes características: (autenticidade,com­
en con trad a no m undo fin ito pode ser aplicada paixão,liberdade,bondade,santidade,imanência,conhe­
univocamente a Deus e às criaturas. Mas aplicá-las cimento, amor, justiça e sabedoriaaplicam-se à realidade
equivocamente nos deixaria no ceticismo. Portanto, humana, e não à potencialidade humana. Assim, somente
qualquer perfeição encontrada na criação e que pode elas fluem da causalidade eficiente, essencial, princi­
ser aplicada a Deus sem limites é atribuída analogamen­ pal e intrínseca de Deus. Outros seres possuem essas
te. A perfeição é entendida univocamente (da mesma qualidades; Deus é essas qualidades. Apenas essas ca­
forma), mas é predicada analogamente (de forma se­ racterísticas podem ser aplicadas adequadamente ao
melhante), porque afirmá-la finitamente de unívoca em Ser ilimitado. Coisas podem ser semelhantes a Deus
relação a um Ser infinito não o descreveria verdadeira­ na realidade, mas não em potencialidade, já que Deus
mente. E afirm á-la infinitam ente não o descreveria. não tem potencia-lidade. Ele é Realidade Pura. Então,
Logo, o conceito unívoco, tirado do mundo finito, só só sua realidade é semelhante a Deus.
pode falar de Deus de m aneira análoga. Aplicar palavras ao infinito. Palavras separadas
As distinções entre unívoco, equívoco e análogo são de sua finitude não têm significado. Isso quer dizer
obsoletas. Segundo Ludwig W ittghnstein , as expressões que toda discussão relacionada a Deus em term os
recebem significado do uso nos jogos de linguagem ba­ de analogias ou qualquer outra coisa é insignifican­
seados na experiência. Cada jogo de linguagem é autó­ te, já que os conceitos não podem aplicar-se ao Ser
nomo (i.e., estabelece as próprias reg ra s para deter­ infinito e transcendente. Tal crítica ignora a d istin­
m inar significados.) à medida q u e n ão h á c rité r io s ção entre um conceito e seu predicado. O conceito
analogia, princípio da 40

su b jacen te a um a palavra p erm an ece o m esm o; de existir é unívoco a ambos. Mas Deus existe infinita e
muda apenas a m aneira com o ele é afirm ado. Os independentemente, enquanto o ser humano existe
significados das palavras bondade, existência e be­ finita e dependentemente; nisso são diferentes. Que
leza podem ser aplicados à realidade finita e podem ambos existem é concebido de forma unívoca; como
ser aplicados a Deus; quando usadas no contexto cada um existe é predicável de forma análoga. Pois Deus
divino, as palavras são apenas estendidas de m odo necessariamente existe, e as criaturas existem de m a­
ilim itado. E xistência ainda é existência, e bondade neira contingente.
ainda é bondade; quando aplicadas à essência de Conclusão. A linguagem religiosa não evoca sim­
Deus são liberadas de qualquer form a lim itadora plesmente uma experiência sobre Deus que não diz nada
de significado. Já que a perfeição denotada por a l­ sobre quem “Deus” é. O discurso sobre Deus é unívoco,
guns term os não im plica necessariam ente q u ais­ equívoco, ou análogo. Ele não pode ser equívoco, já que
quer lim itações, não há motivo para a perfeição não sabemos algo sobre Deus. A afirmação; “Não podemos
poder ser predicada de um Ser ilim itado. Nos ter­ fazer nenhuma afirmação significativa sobre Deus” im ­
mos de Tomás de Aquino, o significado é o m esm o; plica que sabemos o que a palavra Deus significa no con­
só o m odo de significação é diferente. texto de outras palavras. Com base nisso, o discurso
Analogia e causalidade. Argumenta-se que a analo­ sobre Deus não pode ser unívoco, já que não podemos
gia baseia-se na premissa questionável da causalidade. predicar um atributo do Ser infinito da mesma form a
É verdade que Tomás de Aquino baseia a analogia na que fazemos com o ser finito. Por exemplo: Deus é
semelhança que deve existir entre a causa eficiente e “bom” , de maneira ilimitada. As criaturas podem ser
seu efeito. Isso é verdade porque existência transmite “boas” de maneira limitada e reflexiva. Ambos são bons,
existência. A Causa da existência não pode produzir a mas não da mesma forma.
perfeição que ela mesma não “possua”. Se Deus causa Mas, se a discussão sobre Deus não é unívoca, nem
bondade, então ele deve ser bom. Se ele causa existên­ equívoca, então deve ser análoga. Essa analogia de seme­
cia, ele deve existir. Senão resultará a conseqüência ab­ lhança ébaseada nas relações Criador/criatura.Como Causa
surda de que Deus dá o que não tem para dar. da existência, Deus é existência. Ele não pode dar o que não
Adequando termos para o infinito. Uma predicação tem para dar.Existência produz existência; Realidade Pura
análoga de Deus deixa de id entificar o elem ento torna reais outras realidades. Já que Deus não pode
unívoco. Ao estabelecer a analogia entre o finito e o produzir outro Ser Necessário igual a si m esm o, deve
infinito, precisamos ser capazes de isolar o atributo produzir seres contingentes. Mas seres contingentes,
ou a qualidade “unívoca” que ambos possuem. E po­ ao contrário do Ser Necessário, têm a potencialidade
demos identificar o elemento básico, apesar de termos de não existir. Logo, ao m esm o tempo que Deus é R e­
de cancelar as lim itações do nosso pensamento ao alidade pura, tudo mais é a com binação de realidade
aplicá-lo a sua Realidade Pura. Não se pode predicar a e da potencialidade lim itadora de não-ser.
perfeição ao Ser infinito da mesma maneira que ao Portanto, quando atribuímos a Deus característi­
ser finito porque ele não possui qualidades de m anei­ cas da criação, não podemos predicar-lhe qualquer de
ra finita. A objeção seria válida para conceitos equívo­ suas limitações. Só podemos atribuir a realidade que
cos, que não podem ser aplicados a Deus e à criação, a criatura recebeu do Criador. Nesse caso, as criaturas
mas não se aplica a conceitos unívocos que possuem são semelhantes a Deus e diferentes dele. Isso possibi­
predicações análogas. É preciso ter com preensão lita a compreensão por analogia.
unívoca do que está sendo predicado. Devo ter cuida­ As únicas alternativas à analogia são o ceticismo
do com a minha definição de amor quando digo que ou o dogmatismo: ou não sabemos nada sobre Deus,
“eu amo” e que “Deus é am or”. A única maneira de ou supomos que sabemos coisas da mesma maneira
evitar um equívoco ao predicar a mesma qualidade a infinita que ele sabe.
seres finitos e ao Ser infinito é predicá-la adequada­
mente ao modo de existência de cada um. Fontes
Relacionando Criador e criatura. A relação real en­ F. F erre , Analogia, na Encyclopedia o f philosophy,
tre o Criador e as criaturas não é univocamente expri- Paul E dwards, o rg . N . L . G eisler , Philosophy of
mível. Essa crítica deixa de distinguir a coisa expressa religion.
do modo de expressão. O conceito de ser ou existir é en­ ___ , Thomas Aquinas: an evangelícal
tendido igualmente, quer se refira a Deus quer a um appraisal.
ser humano. É “o que é ou existe”. Deus existe e uma R . M c I nerny , The logk ofanalogy.
pessoa existe; eles têm isso em comum. Então o conceito B. M ondin , The principie ofanalogy in protestam
41 aniquilacionismo

and catholic theology. aniqui-lacionismo. Em alguns pontos a linguagem pode


T omás de A quino , D o ser e da essência. permitir tal conclusão, mas em nenhum caso o texto exi­
___ , Sobre o poder de Deus. ge o aniquilacionismo. Examinado em cada contexto e
___ , Suma contra os gentios. em comparação com outras passagens das Escrituras,
___ , Suma teológica. o conceito deve ser rejeitado em todos os casos.
Separação, não extinção. A prim eira m orte é ape­
aniquilacionismo. É a doutrina da extinção das almas nas a separação entre a alma e o corpo (Tg 2 .2 6 ), não
dos ímpios em vez de serem enviadas, concientes, para o aniquilação da alma. As E scrituras apresentam a
o inferno eterno. Os descrentes serão destruídos, en­ m orte como separação consciente. Adão e Eva m or­
quanto os justos entrarão no estado de bem-aventu­ reram espiritualmente no momento em que pecaram,
rança eterna. mas ainda existiam e podiam ouvir a voz de Deus
Apoio das Escrituras. A segunda morte. O s (Gn 3.10). Antes de serm os salvos, estam os “... m or­
aniquilacionistas apontam para referências bíblicas tos em [...] tran sg ressõesep ecad os” (E f 2 .1 ) ,eaind a
sobre o destino dos ímpios como “a segunda morte” assim trazem os em nós a imagem de Deus (Gn 1.27;
(Ap 20.14) para apoiar sua teoria. Já que a pessoa per­ cf. Gn 9.6; Tg 3.9). Apesar de serem incapazes de che­
de a consciência deste mundo na primeira morte (m or­ gar-se a Cristo sem a intervenção de Deus, os “espiri­
te física), argumenta-se que a “segunda morte” envol­ tualmente m ortos” estão suficientemente cônscios de
verá inconsciência no mundo por vir. que as Escrituras exigem que eles creiam (At 16.31), e
Destruição eterna. As Escrituras falam dos ímpios se arrependam (At 17.30). Consciência contínua, no es­
sendo “destruídos”. Paulo disse: tado de separação de Deus e de incapacidade para sal­
var-se — essa constitui a visão das Escrituras sobre a
... quando o Senhor Jesus for revelado lá dos céus, com os segunda morte.
seus anjos poderosos, em meio a chamas flamejantes. Ele pu­ Destruição, não inexistência. Destruição “eterna”
nirá os que não conhecem a Deus e os que não obedecem ao não seria aniquilação, que só dura um instante e aca­
envangelho de nosso Senhor Jesus. Eles sofrerão a pena de ba. Se alguém sofre destruição eterna, então deve ter
destruição eterna, a separação da presença do Senhor e da existência eterna. Os carros num depósito de ferro ve­
majestade do seu poder (2Ts.7è-9). lho já foram destruídos, mas não aniquilados. Eles sim­
plesmente são irreparáveis ou, irrecuperáveis. As pes­
Os aniquilacionistas insistem que a figura d a“des- soas no inferno também.
truição” é incompatível com a existência contínua e Já que a palavra perdição significa morrer, perecer
consciente. ou arruinar, as m esm as ob jeções se aplicam . Em
Perdição. Os ímpios são descritos como reserva­ 2 Pedro 3.7 a palavra perdição ( r a ) é usada no contex­
dos para a“perdição”(ECA) ou“destruição” ( r a , 2Pe 3.7), to de julgamento, claramente implicando consciência.
e Judas é chamado “destinado à perdição” (Jo 17.12). Na analogia do ferro velho os carros destruídos pere­
A palavra perdição ( apoleia ) significa perecer. Isso, ar­ ceram, mas ainda são carros. Nesse contexto, Jesus fa­
gumentam os aniquilacionistas, indica que os perdi­ lou do inferno como depósito de lixo onde o fogo não
dos perecerão ou deixarão de existir. cessaria e onde o corpo ressurreto de uma pessoa não
O mesmo que não haver nascido. Jesus disse sobre seria consumido (Mc 9.48).
Judas, que foi levado para a perdição, que “melhor lhe Além dos comentários sobre a morte e perdição an­
seria não haver nascido” (Mc 14.21). Antes de uma pes­ teriores, deve-se observar que a palavra hebraica usada
soa ser concebida ela não existe. Então, se o inferno é para descrever os ímpios perecendo no at ( ’ãvad) tam ­
igual à condição de pré-nascimento, deve ser um es­ bém é usada para descrever os justos perecendo (v. Is
tado de inexistência. 57.1; Mq 7.2). Mas até os aniquilacionistas admitem que
Os ímpios perecerão. Várias vezes o at menciona os os justos não serão aniquilados. Sendo esse o caso, não
ímpios perecendo. O salmista escreveu: “Mas o s ím p io s, deveriam concluir que os ímpios deixarão de existir com
murcharão, perecerão; e os inimigos do S enhor c o m o base nesse termo.
a beleza dos cam pos desvanecerão com o f u m a ç a ” A mesma palavra ( ’ãvad)) é usada para descrever
(SI 37.20; cf. 68.2; 112.10). Perecer, todavia, implica no coisas que estão apenas perdidas e mais tarde são en­
estado de inexistência. contradas (Dt 22.3), o que prova que perdido não sig­
Respondendo aos argumentos das Escrituras. nifica inexistente.
Quando examinadas cuidadosamente em seu contex­ “Melhor lhe seria...” Quando diz que teria sido
to, nenhu m as das p assagen s acim a com prova o melhor se Judas não tivesse nascido, Jesus não está
aniquilacionismo 42

comparando a perdição de Judas com a inexistência 48) onde os corpos dos ímpios nunca morrerão (cf. Lc
antes da concepção, mas com sua existência antes do 12.4,5). Mas não faria sentido haver fogo eterno e cor­
nascimento. Essa linguagem figurada hiperbólica pos desprovidos de almas para sofrer o tormento.
muito provavelmente indicaria a severidade do seu Um lugar de tormento eterno. João, o apóstolo, des­
castigo; não é uma afirm ação sobre a superioridade creveu o inferno como um lugar de tormento eterno,
da inexistência sobre a~existência. Numa condena­ declarando:
ção paralela dos fariseus, Jesus disse que Sodoma e
Gomorra se arrependeriam se tivessem visto os m i­ O Diabo [...] foi lançado no lago de fogo que arde com
lagres dele (M t 11.23,24). Isso não quer dizer que re­ enxofre, onde já haviam sido lançados a besta e o falso pro­
almente teriam se arrependido, pois em tal caso Deus feta. Eles serão atormentados dia e noite, para todo o sem­
certam ente lhes teria mostrado esses milagres — 2 pre (Ap 20.10).
Pedro 3.9. É sim plesmente uma linguagem figurada
poderosa que indica que seu pecado foi tão grande Olugarpara a besta e ofalso profeta. Exemplificando
que “no dia do ju íz o hav erá m e n o r rig o r p ara claramente que esses seres ainda estarão conscientes
Sodom a” que para eles (M t 11.24). depois de mil anos de tormento no inferno, a Bíblia diz
Além disso, o nada jam ais poderá ser melhor que sobre a besta e o falso profeta que “os dois foram lança­
algo, já que não existe entre eles qualquer coisa co­ dos vivos dentro do lago de fogo que arde com enxofre”
mum por meio da qual compará-los. Então não-exis- (Ap 19.20) antes dos “mil anos” (Ap 20.2). Mas depois
tir não pode ser realmente melhor que existir. Supor o desse período “o Diabo, que as enganava, foi lançado
contrário é um erro de categoria. no lago de fogo que arde com enxofre, onde já haviam
Argumentos bíblicos. Além da ausência de qual­ sido lançados a besta e o falso profeta” (Ap 20.10, grifo
quer passagem definitiva a favor do aniquilacionismo, do autor). Eles não só estavam “vivos” quando entra­
vários textos apóiam a doutrina de castigo consciente ram, como também ainda estavam vivos depois de mil
eterno. Um breve resumo inclui: anos de tormento consciente.
O homem rico no Hades. Ao contrário de parábo­ O lugar de castigo consciente. O fato de que os
las que não têm personagens reais, Jesus contou a h is­ ímpios “sofrerão a pena de destruição eterna” (2 Ts 1.9)
tória de um mendigo real chamado Lázaro que foi para implica que eles devem estar conscientes. Não se pode
o céu e de um homem rico que morreu e foi para o sofrer penalidade sem existência. Não é castigo bater
Hades e estava em tormento consciente (Lc 16.22-28). num cadáver. Uma pessoa inconsciente não sente dor.
Ele clamou: A aniquilação não seria um castigo, mas sim um
livram ento de toda penalidade. Jó pôde sofrer algo
“Pai Abraão, tem misericórdia de mim e manda que p io r que a n iq u ila çã o n e sta vid a. O ca stig o dos
lázaro molhe a ponta do dedo na água e refresque a minha ím pios no pós-vida teria de ser consciente. Doutra
língua, por que estou sofrendo muito neste fogo”. Mas form a, Deus não seria ju sto, já que teria dado um
Abraão respondeu: “Filho, lembre-se de que durante a sua castigo m enor aos ím pios que a alguns ju sto s, pois
vida você recebeu coisas boas, enquanto Lázaro recebeu coi­ nem todos os ím pios sofrem tanto quanto os justos
sas más. Agora, porém, ele está sendo consolado aqui e você nesta vida.
está em sofrimento” (v. 24,25). O lugar eterno. O inferno é descrito como tendo a
mesma duração que o céu: “eterno” (Mt 25.41). Já que
O homem rico implorou que seus irmãos fossem os santos são descritos como conscientemente alegres
avisados “a fim de que eles não venham também para (Lc 23.43; 2Co 5.8; Fp 1.23), os pecadores no inferno
este lugar de tormento” (v. 28). Não há indício de ani­ estão concientes durante o castigo (cf. Lc 16).
quilação nesta passagem; ele está sofrendo tormento Argumentos filosóficos. A favor da aniquilação.
constante e consciente. Além dos argum entos b íb lico s, m uitos aniqu ila-
O lugar de choro e ranger de dentes. Jesus disse vá­ cionistas oferecem razões filosóficas para rejeitar o
rias vezes que as pessoas no inferno estão em agonia castigo consciente e eterno. Entretanto, da perspectiva
constante. Ele declarou que “os súditos do Reino serão teísta, a maioria delas nada mais é que uma variação
lançados para fora, nas trevas onde haverá choro e ran­ do tema da misericórdia de Deus. Os argumentos dos
ger de dentes” (Mt 8.12; cf. 22.13; 24.51; 25.30). Mas que negam o teísmo ou a imortalidade humana são
um lugar de choro é obviamente um lugar de tristeza vistos nesses respectivos artigos.
consciente. Quem não está consciente não chora. Os aniquilacionistas argumentam que Deus é um
O lugar onde o fogo não se apaga. Várias vezes Jesus Ser misericordioso (Êx 20.6), e é desumano deixar que
chamou o inferno “lugar de fogo inextinguível” (Mc 9.43- pessoas sofram conscientemente para sempre. Matamos
43 Anselmo

anim ais encurralados quando não podemos retirá- Ap 2 0 .1 2 -1 4 ). Mas não há níveis de aniquilação. A
los de com partim entos em cham as. Livramos outras inexistência seria a mesma para todos.
criaturas de seu sofrim ento. Os aniquilacionis-tas Conclusão. A doutrina da aniquilação tem bases
argumentam que um Deus misericordioso certam en­ mais sentimentais que bíblicas. Apesar de haver ex­
te faria o m esm o por suas criaturas. pressões bíblicas que podem ser interpretadas de for­
Contra a aniquilação. O próprio conceito de um ma a apoiar o aniquilacionism o,não há nenhuma que
Deus absolutamente misericordioso implica que ele é seja necessariamente entendida dessa maneira. Além
o padrão absoluto do que é misericordioso e m oral­ disso, várias passagens afirm am claramente que os
mente correto. Na verdade, o argumento moral para a ímpios sofrerão eterna e conscientemente no inferno
existência de Deus demonstra isso. Mas se Deus é o (V. IX FERXO ,“ PAGÃOS” , SALVAÇÃO DOS; UXIVERSALISMO).
padrão absoluto de justiça moral, não lhe podemos im ­
por nosso conceito de justiça. A própria idéia de in­ Fontes
justiça pressupõe um padrão absoluto, que os teístas J. E dwards, The works o f Jonathan Edwards.
atribuem a Deus. E. F udge , The fire that consumes.
A an iq u ilação rebaixa tanto o am or de Deus L. E . F room , The conditionalisfs faith o f our father.
quanto a natureza dos seres humanos como criatu­ N .L . G eisler , M an’s destiny: free or forced”, csr ,
ras morais. Seria como se Deus lhes dissesse: “Per­ 9.2
m itirei que sejam livres apenas se fizerem o que eu J. G krstnkr Jonathan Edwards on heaven and hell.
mandar. Se não fizerem, então elim inarei sua liber­ C. S. L ew is , 0 grande abismo.
dade e existên cia!”. Isso seria como se um pai d is­ ___ , O problema do so frimento, cap. 8.
sesse ao filho que esperava que ele fosse médico, mas, ___ , Cartas do diabo ao seu aprendiz.
quando o filho decidisse ser um guarda florestal, o E. Ntetzche , Genealogia da moral: uma polêmica.
pai o m atasse. O sofrim ento eterno é o testem unho R. A. P eterson , “A traditionalist response to John
eterno da liberdade e dignidade dos seres hum anos, Stott’s argum ents for annihilationism ”, jets ,
m esm o dos que não se arrependem. Dec. 1994.
Seria contrário à natureza dos homens aniquilá-
___ , He'll on trial: the case for eternal
los, já que foram feitos à imagem e sem elhança de
punishment.
Deus, que é eterno (Gn 1.27). Os animais geralmente
C. PixxocK , A wideness in God’s mercy.
são mortos para que aliviemos sua dor. Mas (a des­
B . R ussei i , Por que não sou cristão.
peito do movimento da eutanásia) não podemos fa­
J. P. S artre , Sem saída.
zer o mesmo com os seres humanos exatamente por­
W. G. T. S h ed p , Eternal punishment.
que não são meros animais. São seres criados à im a­
gem de Deus e, por isso, devem ser tratados com o
A nselm o. Nasceu em Aosta (1033-1109), Piemonte
maior respeito pela dignidade de portadores da ima­
(Itália). Tornou-se prior num mosteiro beneditino e
gem de Deus. Não permitir que continuem a existir
m ais tarde foi designado arcebispo de C antuária
segundo destino que escolheram livremente, por mais
(1093). Suas principais obras são: Proslogion,Monolo-
doloroso que seja, é eliminar a imagem de Deus neles.
gion, Cur Deus homo, e Da verdade.
Já que o livre-arbítrio é m oralm ente bom, fazendo
Filosoficamente, as idéias de Anselmo foram m ol­
parte da imagem de Deus, então seria um mal moral
dadas por P l a t ã o (428-348 a .C ). Teologicamente, as
retirá-lo. Mas é isso o que a aniquilação faz: destrói a
obras de A g o s t ix h o formam a base de seu pensam en­
liberdade humana para sempre.
to. Mesmo assim, Anselmo foi um pensador original
Além disso, eliminar uma criatura feita à imagem
que criou um dos argumentos mais criativos, contro­
imortal de Deus é renunciar ao que Deus lhe deu — a
versos e duradouros a favor da existência de Deus —
imortalidade. Equivale, no caso de Deus, a atacar a
o argumento ontológico.
própria imagem ao destruir seus portadores. Mas Deus
não age contra si mesmo. As concepções de Anselmo. Fé e razão. As posi­
Castigar o crime de dizer uma meia-verdade com a ções de fé e razão de Anselmo foram influenciadas pela
mesma ferocidade que um genocídio é injusto. Hitler “fé que busca entendimento” de Agostinho. No entan­
deveria receber um castigo maior que um ladrão co­ to, a colocação que Anselmo fez da razão sobre seus
mum, apesar de ambos os crimes afrontarem a santi­ alicerces não foi alcançada por Agostinho. Na verdade,
dade infinita de Deus. Certamente nem todo julgamen­ o método de raciocínio da escolástica recente baseia-

to proporcional ao pecado é executado nesta vida. A Bí­ se na dialética filosófica de Anselmo. Seus argumen­
blia fala sobre níveis de penalidade no inferno (Mt 5.22; tos a favor da existência de Deus são exemplos disso,
Anselmo 44

especialmente o argumento ontológico, que começou 4. Portanto, o Sumo Bem (Deus) causa a bonda­
como meditação e terminou como um dos argumen­ de em todas as coisas boas.
tos mais sofisticados e sutis que já foram criados (v.
D eu s , evidências de ; D eu s , objeções às provas d e ). Anselmo argumentou a partir da perfeição em di­
Em Cur Deus homo Anselmo deixou claro que a reção a Deus, um argumento que C. S. Lewis emulou
razão deve ser usada para explicar e defender o cristi­ em Cristianismo puro e simples:
anismo. Ele afirmou que é possível revelar “na sua ver­
dadeira racionalidade, os aspectos da fé cristã que pa­ 1. Alguns seres estão mais próximos da perfei­
recem impróprios e impossíveis para os incrédulos” ção que outros.
(ibid., 2.15). Até mesmo doutrinas como a Trindade e 2. Porém as coisas não podem ser mais ou me
a Encarnação (v. C r isto , divindade d e ) Anselmo consi­ nos perfeitas a não ser que haja um perfeição
derava “aceitáveis e incontestáveis”. Ele concluiu que absoluta para fazer a comparação.
“ao provar que Deus tornou-se homem por necessi­ 3. Portanto, deve haver um Ser absolutamente
Perfeito (Deus).
dade [...] você [pode] convencer tanto judeus quanto
pagãos pela simples força da razão” (ibid., 2.22).
Anselmo argumentou a partir da existência em
Anselmo via o papel duplo da razão. Prim eiramen­
direção a Deus:
te, ele falou em escrever a prova de certa doutrina da
nossa fé “que estou acostumado a dar aos indagadores”
1. Algo existe.
(ibid., 1.1). Isso, disse ele:
2. O que existe, existe por meio de nada ou por
meio de algo.
não p ara que a lcan cem a fé p or m eio da razão, m as para
3. Mas o nada não pode causar algo; só algo pode
qu e p o ssam reg o zijar-se ao en tend er e m ed ita r n as coisas
causar algo.
em que acred itam ; e qu e, estejam sem pre p rontos p ara c o n ­
4. E esse algo é uno ou múltiplo.
vencer qu alq u er um que ex ig ir deles u m a razão p ara a e s­
5. Se, são interdependentes ou todos dependen­
p eran ça qu e está em nó s (ibid ., 1.1).
tes de outro para existir.
6. Eles não podem ser interdependentes para
Verdade. Poucas obras defendem melhor a natu­ existir, pois algo não pode existir por meio de
reza da verdade que a obra de Anselmo que leva o sim ­
um ser a quem confere existência.
ples título Da verdade. Anselmo faz uma forte defesa
7. Portanto, deve haver um ser por meio do qual
do ponto de vista da correspondência da verdade e da todos os outros seres existem.
natureza absoluta da verdade (v. verdade , natureza a b ­ 8. Esse ser deve existir por si mesmo, já que to­
soluta da ; verd a d e , natureza da ). das as outras coisas existem por meio dele.
Deus. Anselmo era um teólogo cristão. Como tal, acei­ 9. E o que existe por si mesmo, existe no mais alto
tava a Bíblia como a Palavra infalível de Deus (v. B íblia , nível.
evidências da). Disso ele concluiu que Deus é um em es­ 10. Portanto, existe um Ser sum amente perfeito
sência (v. D eus , natureza de ) e três em pessoas — a Trin­ que existe no mais alto nível.
dade. Mas Anselmo acreditava que a existência e a natu­
reza desse Deus único (mas não sua triunidade) poderi­ Com exceção das duas últimas propostas, que são
am ser demonstradas racionalmente à parte da revela­ nitidamente platônicas ao mencionar níveis de exis­
ção sobrenatural. Ao contrário do entendimento popular, tência, esse argumento poderia ter sido expresso (e até
Anselmo tinha muitos argumentos a favor da existência certo ponto foi) por T om ás de A quino .
de Deus. Elaborou m uitas form as do argum ento 0(s) argumento(s) ontológico(s) de Anselmo (v.
cosmológico antes de formular o argumento ontológico. proslogion).A contribuição mais fam osa de Anselmo
Os argumentos de estilo cosmológico de Anselmo (v. foi(foram ) seu (s) argum ento(s) ontológico(s), ape­
M O N O w a o s ). Anselmo argumentou a partir da bonda­ sar de o próprio Anselmo não tê -lo (s) chamado as­
de em direção a Deus: sim. Im m anuel K an t fez isso vários séculos depois,
acreditando que continha(m ) uma falácia ontológica.
1. Coisas boas existem. A prim eira form a do argumento ontológico de
2. A causa dessa bondade pode ser uma ou várias. Anselmo partia da idéia de um ser absolutamente per­
3 . ' Mas não pode ser múltipla, senão não haveria feito. Ela assume a seguinte forma:
como comparar a bondade, pois todas as coi­
sas seriam igualmente boas. Porém algumas 1. Deus é por definição aquele em relação a quem
coisas são melhores que outras. nada maior pode ser imaginado.
45 antrópico, princípio

2. 0 que existe na realidade é maior que o que Fontes


existe apenas na mente. A nselmo , Cur Deus homo
3. Portanto, Deus deve existir na realidade. Se ___ ,Monologion
ele não existisse, não seria o m aior possível. ___ , Proslogion
___ , Da verdade.
A segunda forma de argumento ontológico emer­ N. L. G eisler , Philosophy o f religion, ca p s . 7 , 8.
giu do debate amigável de Anselmo com outro monge I. K a n t , A crítica da razão pura.
chamado Gaunilo. Ela se dá a partir da idéia do Ser C. S. Leuts, Cristianismo puro e simples.
Necessário.
antediluvianos, longevidade dos. V. ciência e a
1. Deus é por definição o Ser Necessário. Bíblia.
2. É logicamente necessário afirmar o que é ne­
cessário a respeito do conceito do Ser Ne­ antinomia. Esta palavra é usada de duas maneiras. No
cessário. sentido restrito, significa contradição real, paradoxo ou
3. A existência é logicamente necessária para o antítese (v. K a n t , I m m a n lel ). Geralmente é usada para
conceito do Ser Necessário. demonstrar o absurdo ou a impossibilidade de uma te­
4. Portanto, o Ser Necessário (Deus) existe ne­ oria, como reductio adabsurdum (redução ao absurdo).
cessariamente. No sentido coloquial ou popular, é usada apenas para
contradições aparentes, como nos mistérios da fé cristã.
Os prós e os contras do(s) argumento(s) ontológi- Nesse caso significa algo que vai além da razão, mas
co(s) são discutidos em outro artigo (v. ontológico,a r ­ não contra ela (v. fé e razão ; m istério ).
g um en to ). Seja qual for seu mérito, o argumento teve
uma carreira longa e ilustre e ainda está vivo um m i­ antrópico, princípio. Afirmação de que o Universo
lênio mais tarde. foi preparado desde o primeiro momento de existên­
Cristo. A obra de Anselmo, CurDeus homo [Por que cia para o aparecimento da vida, em geral, e vida hu­
o Deus-homem?] é um clássico da história do pensa­ m ana em particular (v. big - bang ; evolução bio ló gica ;
mento cristão. É uma ampla defesa racional da neces­ term o d in â m ica , L£Ls da ). Como observou o astrônomo
sidade da Encarnação de Cristo e versa sobre o ponto agnóstico Robert Jastrow, o Universo foi muito bem
de vista penal da expiação. A obra é um marco como pré-adaptado para o provável aparecimento da hum a­
tratado de teologia racional. nidade (v. A scientist caught). Pois se houvesse a m e­
A in flu ên cia d e A nselm o. A popularidade de nor variação na hora do big-bang, alterando as condi­
Anselm o, especialm ente por causa do argum ento ções, mesmo que pouco, nenhuma vida existiria. Para
ontológico, continua, apesar de opositores como David que houvesse vida hoje uma série de exigências extre­
H u m e e Kant. Anselmo teve um impacto positivo em mam ente restritivas deveria estar presente na começo
muitos pensadores modernos e contemporâneos, in ­ do Universo — e estava.
cluindo René D e s c a r t e s , Baruch E s p ix o s a , Charles Evidência favorável. Além de apontar para o iní­
Hartshorne, Norman Malcolm e Alvin Plantinga. cio do cosmo, a evidência científica aponta para cali-
Resumo. Anselmo é o modelo de apologética clás ­ bra-gem muito sofisticada e precisa do Universo des­
sica ou tradicional. Acreditava na apresentação de pro­ de o princípio, calibragem que torna possível a vida
vas da existência de Deus. Além disso, acreditava que humana. Para que a vida exista hoje, um conjunto ex­
a evidência histórica, confirmada por milagres, pode­ tremam ente restritivo de condições deve ter estado
ria ser apresentada para apoiar a verdade da religião presente no começo do Universo;
cristã (v. m ila g res , valor apologético d o s ). Anselmo é a
antítese do fideísm o e da apologética puram ente 1. 0 o x ig ê n io c o m p õ e 21% d a a tm o s fe r a . Se a
pressuposicional. p o rce n ta g e m fo sse 25%, a a tm o sfe ra com eça­
Anselmo era filho da sua época, que foi dominada ria a p e g a r fo go, se 15%, o s se re s humanos
pela filosofia platônica. As idéias de níveis de existên­ m o rre ria m a sfix iad o s.
cia e existência como perfeição geralmente são rejei­ 2. S e a fo rç a d a gravidade fosse alterada em
tadas. Estas, todavia, não são essenciais ao sistema de p a rte em IO40 (que significa 10 seguido de 40
apologética clássica como um todo. Na verdade, seu z e r o s ), o S o l não existiria, e a Lua se la n ­
argumento cosmológico com base na existência se ç a ria contra a Terra ou se perderia no espaço
compara ao de Tomás de Aquino. (Heeren, p. 196). Mesmo u m pequeno aumento
antrópico, princípio 46

na força da gravidade resultaria em todas nutrientes no fundo dos oceanos e nos deltas
as estrelas serem bem maiores que o nosso Sol, dos rios eles não voltariam para os continen
fazendo com que o Sol queimasse de forma rá­ tes por meio da elevação tectônica. Até terre­
pida e inconstante demais para sustentar a vida motos são necessários para sustentar a vida
3. Se a força centrífuga dos movimentos planetá­ como a conhecemos.
rios não equilibrasse precisamente as forças
gravitacionais, nada ficaria em órbita em tor­ Já na década de 1960 explicou-se porque, com ba­
no do Sol. ses antrópicas “devemos esperar ver um mundo que
4. Se o Universo estivesse se expandindo a velo­ possui exatamente três dimensões espaciais” (Barrow,
cidade de um milionésimo menor que está ago­ p. 247). Robert Dicke descobriu
ra, a temperatura da terra seria de 10 000°C
(ibid.,p. 185). que na verdade pode ser necessário que o universo tenha
5. A distância média entre as estrelas na nossa o tamanho e a complexidade enormes que a astronomia mo­
galáxia (que contém 100 bilhões de estrelas) é derna revelou, para a terra ser uma habitação possível para
48 trilhões de quilômetros. Se essa distância seres humanos (ibid.).
fosse alterada apenas ligeiramente, as órbitas
ficariam errantes, e haveria variações extremas Da mesma forma, a massa e a entropia do universo,
de temperatura na terra. (Viajando à velocida­ a estabilidade do próton e inúmeras outras coisas pre­
de de um ônibus espacial, 27 000 km por hora cisam ser exatas para possibilitar a vida.
ou 8 km por segundo, seriam necessários 201 Implicações teístas. Jastrow resumiu bem as im ­
450 anos para viajar 48 trilhões de quilômetros.) plicações teístas:
6. Qualquer uma das leis da física pode ser des­
crita como uma função da velocidade da luz O princípio antrópico [...] parece dizer o que a própria
(agora definida: 482 366 064 km por segun­ ciência provou, como fato, que este universo foi feito, foi pro­
do). Mesmo uma variação pequena na veloci­ jetado, para o homem viver nelt.Êum resultado muito teísta
dade da luz alteraria as outras constantes e tor­ (Jastrow, p. 17, grifo do autor).
naria impossível a vida na Terra (Ross, p. 126).
7. Se Júpiter não estivesse na sua órbita atual, se­ Isto é, o equilíbrio incrível de numerosos fatores
ríamos bombardeados com material espacial. no universo que possibilitam a vida na terra indica
O campo gravitacional de Júpiter age como um “perfeita sintonia” causada por um Ser inteligente. Isso
aspirador cósmico, atraindo asteróides e come nos leva a crer que o universo foi “providencialmente
tas que, de outra form a, atingiriam a Terra elaborado” para o nosso benefício. Nada conhecido
(ibid.,p. 196). pelos seres humanos é capaz de “pré-sintonizar” as
8. Se a espessura da crosta da Terra fosse maior, condições do universo de modo a possibilitar a vida, a
oxigênio demais seria transferido para a cros­ não ser um Criador inteligente. Ou, por outras pala­
ta, o que tornaria a vida impossível. Se fosse vras, o tipo de detalhamento e ordem no universo que
mais fina, a atividade vulcânica e tectônica possibilita a vida na terra é apenas o tipo de efeito que
tornaria a vida insustentável (ibid.,p. 130). se sabe vir de uma causa inteligente.
9. Se a rotação da Terra durasse mais que 24 ho­ O astrônomo Alan Sandage concluiu que:
ras, as diferenças de temperatura entre a noite
e o dia seriam grandes demais. Se o período de Omundo é complicado demais em todas as suas partes para
rotação fosse mais curto, as velocidades dos ser atribuído apenas ao acaso. Estou convencido de que a existên­
ventos atmosféricos seriam altas demais. cia da vida com toda essa ordem em cada organismo é extrema­
10. As diferenças de temperaturas da superfície mente bem-elaborada. Cada parte de um ser vivo depende de
seriam grandes demais se a inclinação axial da todas as outras partes para funcionar. Como é que cadaparte sabe?
Terra fosse levemente alterada. Como é que cada parte é especificada na concepção? Quanto mais
11. Se a taxa de descarga atmosférica ( relâmpagos) se aprende sobre bioquímica mais inacreditável ela se mostra, a
fosse maior, haveria m uita destruição pelo não ser que haja algum tipo de princípio organizador — um ar­
fogo; se fosse menor, haveria muito pouco ni­ quiteto para os que crêem... (Sandage, p. 54).
trogênio fixado no solo.
12. Se houvesse m ais atividade sísm ica muitas vi­ E todas as condições estavam estabelecidas no m o­
das seriam perd id as. Se houvesse m enos, mento da origem do universo.
47 apócrifos

Stephen Hawking descreveu como os valores dos di­ F. Hovi.h, The intelligent miverse.
versos números fundamentais nas leis da natureza “pa­ R. J astroav ,"A s d e n tis t c a u g h t b etw een tw o faith s:
recem ter sido ajustados com precisão para possibilitar o interview with Robert Jastrow ”, cr, 6 Aug. 1982.
desenvolvimento da vida”e como “a configuração inicial ___ , Deus e os astrónomos.
do universo” parece ter sido “escolhida cuidadosamente” H. R. P agels, Perfect symmetry.
(citado por Heeren, p.67). Apesar do fato de apenas uma H. Ross, The fmgerprints ofGod.
causa de inteligente poder “escolher cuidadosamente” A . S andage, “A s cie n tist re íle cts on relig iou s b e lie f” ,
qualquer coisa, Hawking, em sua obra, continua cético Truth (1985).
sobre Deus. Ele observou claramente as evidencias e for­ S. W einberg , Sonhos de uma teoria final: a busca
mulou a pergunta certa quando escreveu: das leis fundam entais da natureza.

P o d e h av er a p e n a s u m n ú m e ro p e q u e n o de le is, qu e sã o a n tro p o lo g ia e ev o lu ção , v. evolução biológica;


c o e re n te s e q u e co n d u z e m a se re s co m p le x o s c o m o n ó s , c a ­ ELOS PERD ID O S.
p a z e s d e fazer a p e rg u n ta : Q u al é a n atu reza de D eu s? E m e s ­
m o se só h o u v er u m c o n ju n to ú n ic o d e le is p o ss ív e is , ele apócrifos. O termo apócrifo geralmente se refere a li­
n ã o p a s s a d e u m c o n ju n to d e e q u a ç õ e s . O q u e d in a m iz a a s vros polêmicos do at que os protestantes rejeitam e os
e q u a ç õ e s e faz u m u n iv e rso p a ra q u e g o v e rn em ? (...) M e s ­ católicos romanos e as igrejas ortodoxas aceitam. A pa­
m o q u e a c iê n c ia p o ss a re so lv e r o p ro b le m a d e c o m o o u n i­ lavra apócrifo significa “escondido” ou “duvidoso”. Os
v e rso c o m e ç o u , n ã o p o d e re s p o n d e r à q u e s tã o : “ P o r q u e o que aceitam esses documentos preferem chamá-los
u n iv e rso se d á ao tr a b a lh o de e x is tir ? ” “deuterocanônicos”, isto é: livros do “segundo cânon”.
A posição católica romana. Católicos e protestan­
Hawking acrescenta: “Eu não sei a resposta para tes concordam quanto à inspiração dos 27 livros do
essa pergunta” (Hawking, p. 99). nt. Diferem em 11 obras de literatura do at (7 livros e
Albert Einstein não hesitou em responder à per­ 4 partes de livros). Essas obras polêmicas causaram
gunta de Hawking quando disse: discórdia na Reforma e, em reação à sua rejeição pe­
los protestantes, foram “infalivelmente” declaradas
A h a rm o n ia d a lei n a tu ra l [...] revela u m a in te lig ê n c ia parte do cânon inspirado das Escrituras em 1546 pelo
d e ta m a n h a s u p e rio rid a d e q u e, co m p a ra d a a ela, to d o p e n ­ Concílio de Trento (v. Bíblia, canontcidade da).
s a m e n to s is te m á tic o e to d a a çã o d o s seres h u m a n o s é u m a O Concílio afirmou:
re fle x ã o a b s o lu ta m e n te in s ig n ific a n te ( E in s te in . 4 0 ).
0 Sínodo (...) recebe e venera (...) todos os livros [incluindo
Até o ganhador do Prémio Xobel Steven Weinberg, os apócrifos] tanto do .Antigoquanto do NovoTestamento— visto
um ateu, chegou a dizer que que um só Deus é o Autor de ambos (...) que foram ditados, ou
pela própria palavra de Jesus ou pelo Espírito Santo (...) se al­
p a r e c e -m e q u e se a p a la v ra “D eu s” te m a lg u m a u tilid a ­ guém não aceitar como sagrados e canônicos os livros mencio­
d e , d e v e ria s ig n ific a r um Deus interessado, um criador e juiz nados integralmente com todas as suas partes, como costuma­
qu e estabeleceu não só as leis da natureza e o u n iv erso , m a s vam ser lidos na Igreja Católica (...) será anátema”(Schaff2.81).
ta m b é m p a d rõ e s de b e m e m a l, a lg u m a p e rs o n a lid a d e p re ­
o cu p a d a co m n o s s a s a ç õ e s , alg o q u e, em re s u m o , m e re c e Outro documento de Trento diz:
n o s s a a d o ra ç ã o (W e in b e rg ,p . 2 4 4 , g rifo do a u to r).
Mas se águém não aceitar o que está nos livros como sagra­
Assim, o princípio antrópico é baseado nas evidên­ dos e canônicos, inteiros com todas as suas partes da Bíblia (...) e
cias astronômicas mais recentes favoráveis à existên­ se consciente e deliberadamente condenar a tradição menciona­
cia de um Criador superinteligente do cosmos. Em re­ da anteriormente, que seja anátema (Denzinger,Sources,n.° 784).
sumo, fornece as evidências para a atualização do ar­
gumento teleológico a favor da existência de Deus. A mesma linguagem afirmando os apócrifos é repe­
tida pelo Concílio Vaticano ii.
Fontes Os apócrifos que Roma aceita incluem 11 ou 12 livros,
J. D. B arroav, et al. The anthropic cosmological dependendo de Baruque 1 até 6 ser dividido em duas par­
principie. tes. Baruque 1 até 5 e a carta de Jeremias (Baruque 6). O
A. F.iN-ms, Como veio o mundo. deuterocànon inclui todos os 14 (ou 15) livros conside­
S. H a1.'. Kisc, Uma breve história do tempo. rados apócrifos pelos protestantes exceto a Oração de
F. H eerka. Show me Goa. Manasses e 1 e 2 Esdras (chamados 3 e 4 Esdras pelos
apócrifos 48

católicos romanos; Esdras e Neemias eram chamados 1 e 4. Esses pais da igreja, como Ireneu, Tertuliano
2 Esdras pelos católicos). e Clemente de Alexandria aceitavam todos os
Apesar do cânon católico romano ter 11 obras de apócrifos como canônicos.
literatura a mais que a versão protestante, apenas 7 5. Cenários de catacumbas cristãs primitivas re­
livros a mais, ou um total de 46, aparecem no índice tratam episódios dos apócrifos, mostrando-os
(o a i judeu e o protestante têm 39). Como se vê na ta­ como parte da vida religiosa cristã primitiva,
bela seguinte, outras 4 peças de literatura estão incor­ o que, no mínimo, revela um grande apreço pe­
poradas a Ester e Daniel. los apócrifos.
Os apócrifos com o Escritura. O cânon m aior às 6 . Manuscritos primitivos importantes (Álef, a e
vezes é d en o m in ad o “c â n o n a le x a n d rin o ” , em
b ) intercalam os apócrifos entre os livros do at
contraposição ao “cânon palestinense”, que não con­
como parte do at greco-judaico.
tém os apócrifos, porque supostamente eram parte da
7. Concílios da igreja prim itiva aceitaram os
tradução grega do at (a Septuaginta, ou l x x ) prepara­
a p ó c r ifo s : R o m a ( 3 8 2 ) , H ip on a ( 3 9 3 ) e
da em Alexandria, Egito. As razões geralmente dadas
Cartago (397).
a favor dessa lista alexandrina mais extensa são:1
8. A Igreja Ortodoxa aceita os apócrifos. Sua acei­
tação demonstra que se trata de uma crença
Livros Livros
cristã comum, não restrita aos católicos romanos.
apócrifos deuterocanônicos
9. A Ig re ja C atólica R om an a co n sid ero u os
Sabedoria de Salomão Livro da Sabedoria apócrifos canôn icos no Concílio de Trento
(c. 30 a.C.) (1546), de acordo com os concílios anteriores
Eclesiástico (Siraque) Siraque (1 32 a.C.) já mencionados e com o Concílio de Florença,
Tobias (c. 200 a.C.) Tobias pouco antes da Reforma (1442).
Judite (c. 150 a.C) Judite 10. Os livros apócrifos continuaram sendo incluí­
1 Edras (c. 150-100 a.C.) 3 Edras dos em versões bíblicas protestantes até o sé­
1 Macabeus (c. 110 a.C.) 1 Macabeus culo xix. Isso indica que mesmo os protestantes

2 Macabeus (c. 110-70 a.C) aceitavam os apócrifos até recentemente.


2 Macabeus
11. Livros apócrifos com texto em hebraico foram
Baruque (c. 150-50 a.C) Baruque capítulos 1-5
encontrados entre os livros canônicos do at na
Carta de Jeremias Baruque 6 comunidade do mar Morto em Qumran, logo
(c.300 - 100 a.C) faziam parte do cânon hebraico (v. m a r M o r ­
2 Esdras (c. 100 d.C.) 4 Esdras t o , rolos d o ) .
Adições a Ester Ester 10.4-16.24
(140-130 a.C) R espostas aos argum entos católicos. O nt e os
Oração de Azarias Daniel 3.24-90: apócrifos. Pode haver no nt alusões aos apócrifos, mas
(c. 200-1 a.C) ''A canção dos três não há nenhuma citação definitiva de qualquer livro
rapazes" apócrifo aceito pela Igreja Católica Romana. Há alu­
Susana (c.200 a.C) Daniel 13 sões aos livros pseudepigráficos (falsas escrituras) que
Bei e o dragão Daniel 14 (c. 100 a.C) são rejeitadas por católicos romanos e protestantes, tais
Oração de Manassés como Ascensão de Moisés (Jd 9) e o Livro de Enoque
(ou segunda Oração de ( Jd 14 ,1 5 ). Também há citações de poetas e filósofos
Manassés, c. 100 a.C) pagãos (At 17.28; ICo. 15.33; Tt 1.12). Nenhuma dessas
fontes é citada como Escritura, nem possui autoridade.
O nt simplesmente faz referência a verdades contidas
1 . 0 n t reflete o p e n s a m e n to d o s a p ó c rifo s, e até nesses livros que, por outro lado, podem conter (e real­
faz re fe rê n cia a ev en to s n eles d e sc rito s (cf. Hb mente contêm) erros. Teólogos católicos romanos con­
1 .3 5 co m 2 M a ca b e u s 7 .1 2 ) . cordam com essa avaliação. O nt jamais se refere a qual­
2. 0 nt cita m ais o at grego co m b ase na at , que quer documento fora do cânon como autorizado.
continha os apócrifos. Isso dá aprovação tácita ao A lxx e os apócrifos. O fato de o nt citar várias ve­
texto in teiro . zes outros livros do at grego não prova de forma algu­
3. A lgu ns p a is da ig reja p rim itiv a c ita ra m e u s a ­ ma que os livros deuterocanônicos que ele contém se­
ra m os a p ó c rifo s co m o E s c ritu ra n a a d o raçã o jam inspirados. Não é sequer um fato comprovado que
p ú b lica . a l x x do século i contivesse os apócrifos. Os primeiros
49 apócrifos

manuscritos gregos que os incluem datam do século N.Kelly de que“para a grande maioria [dos pais] [...] as
iv d.C. escrituras deuterocanônicas se classificavam como Es­
Mesmo que esses escritos estivessem na l x x nos critura no sentido completo” está fora de sintonia com
tempos apostólicos, Jesus e os apóstolos jam ais os ci­ os fatos. Atanásio, Cirilo de Jerusalém, Orígenes e o gran­
taram , apesar de supostamente estarem incluídos na de teólogo católico romano e tradutor da Vulgata,]erôni-
mesma versão do a t geralmente citada. Até as notas da mo, todos se opunham à inclusão dos apócrifos. No sé­
New American Bible [Nova Bíblia Americana, n a b ] ad­ culo n d.C. a versão siríaca ( Peshita) não continha os
mitem de forma reveladora que os apócrifos são “li­ apócrifos ( Introdução bíblica, cap. 7 a 9).
vros religiosos usados por judeus e cristãos que não Temas apócrifos na arte das catacumbas. Muitos te­
foram incluídos na coleção de escritos inspirados”. Pelo ólogos católicos também admitem que as cenas das
contrário,“... foram introduzidos bem mais tarde na catacumbas não provam a canonicidade dos livros cujos
coleção da Bíblia. Os católicos os cham am livros eventos retratam. Tais cenas indicam o significado reli­
‘deuterocanônicos’ (segundo cânon)” ( n a b , p. 413). gioso que os eventos retratados tinham para os cristãos
Usados pelos pais da igreja. Citações dos pais da primitivos. No máximo, demonstram respeito pelos li­
igreja usadas para apoiar a canonicidade dos apócrifos vros que continham esses eventos, não o reconhecimen­
são seletivas e enganadoras. Alguns pais pareciam to de que fossem inspirados.
aceitar sua inspiração; outros os usavam para propó­ Livros nos manuscritos gregos. Nenhum dos gran­
sitos devocionais e homiléticos (pregação), mas não des manuscritos gregos (Á lef.e b) contém todos os li­
os aceitavam como canônicos. Um especialista nos vros apócrifos. Tobias, Judite, Sabedoria e Siraque
apócrifos, Roger Beckwith, observa: (Eclesiástico) são encontrados em todos eles, e os m a­
nuscritos mais antigos ( b ou Vaticano) excluem total­
Quando exam inam os as passagens nos prim eiros pais mente Macabeus. Mas os católicos apelam a esse m a­
que supostam ente deveriam estabelecer a canonicidade nuscrito para apoiar sua posição. Além disso, nenhum
dos apócrifos, descobrim os que algum as delas são tiradas m anuscrito grego contém a m esm a lista de livros
do texto grego alternativo de Esdras (lE sd ra s) ou de adi­ apócrifos aceita pelo Concílio de Trento (1545-1563;
ções ou apêndices de D aniel, Jerem ias ou algum outro li­ Beckwith, p. 194,382-3).
vro can ônico, e que [...] não são m uito relevantes; d esco­ Aceitação pelos primeiros concílios. Esses foram
b rim os ainda que outras não são citações dos apócrifos; e apenas concílios locais e não eram impostos à igreja
que, dentre as que são, m uitas não dão qualquer indício toda. Concílios locais geralm ente erravam nas suas
de que o liv ro se ja c o n sid e ra d o E s c ritu ra (The Old decisões e mais tarde eram anulados pela igreja uni­
Testament, cânon 387). versal. Alguns apologistas católicos argumentam que,
mesmo que um concílio não seja ecumênico, seus re­
Epístola de B arn abé 6 .7 e Tertu liano, Contra sultados podem ser impostos se forem confirmados.
M arcião 3 .2 2 .5 , não citam Sabed oria 2 .1 2 , e sim Mas reconhecem que não há maneira infalível de sa­
Isaías 3.10 ( a t ) , e Tertuliano, De anima [Da alm a} ber quais afirmações dos papas são infalíveis. Na ver­
15, não cita Sabed oria 1.6, e sim Salm os 139.23, dade, admitem que outras afirmações dos papas são
com o a com paração entre as passagens dem onstra. até heréticas, tais como a heresia monotelita do papa
Da m esm a fo rm a , Ju stin o M á rtir, D iálogo com Honório i (m .6 3 8 ).
Trifão 129, claram ente não cita Sabedoria, e sim Também é importante lembrar que esses livros não
Provérbios 8 .2 1 -2 5 ( a t ) . Chamar Provérbios de “S a ­ são parte das Escrituras cristãs (período do n t ) . En­
b ed oria” está de acordo com a nom enclatura co ­ contram -se, assim , sob a jurisdição da comunidade
mum dos pais [ibid., p. 42 7 ]. judaica que os compusera e que, séculos antes, os re­
Geralmente, nas referências, os pais não estavam jeitara como parte do cânon.
afirmando a autoridade divina de nenhum dos onze Os livros aceitos por esses concílios cristãos po­
livros canonizados infalivelmente pelo Concílio de dem até não ser os mesmos em cada caso. Portanto,
Trento. Citavam, apenas, uma obra bem conhecida da não podem ser usados como prova do cânon exato
literatura hebraica ou um escrito devocional inform a­ mais tarde proclamado “infalível” pela Igreja Católica
tivo ao qual não davam nenhuma probabilidade de ins­ Romana em 1546.
piração do Espírito Santo. Os Concílios locais de Hipona e Cartago no Norte
Os pais e os apócrifos. Alguns indivíduos na igreja da África foram influenciados por Agostinho, a voz
primitiva valorizavam muito os apócrifos; outros se mais importante da antigüidade, que aceitava os livros
opunham com veemência a eles. O comentário de J. D. apócrifos canonizados mais tarde pelo Concílio de
apócrifos 50

Trento. Mas a posição de Agostinho é infundada: 1) O muito suspeita, chegando apenas alguns anos depois
próprio Agostinho reconheceu que os judeus não acei­ de Lutero protestar contra essa doutrina. Ela tem toda
taram esses livros como parte do cânon (A cidade de a aparência de uma tentativa de dar apoio “infalível”
Deus, 19.36-38).2) Sobre os livros dos Macabeus,Agos­ para doutrinas que não têm verdadeira base bíblica.
tinho disse: “... tidos por canônicos pela igreja e por Livros apócrifos nas versões bíblicas protestantes. Os
apócrifos pelos judeus. A igreja assim pensa por causa livros apócrifos apareceram em versões bíblicas pro­
dos terríveis e admiráveis sofrimentos desses m árti­ testantes antes do Concílio de Trento e geralm ente
res...” (A gostinho, 1 8 .3 6 ). Nesse caso, O livro dos eram colocados numa seção separada porque não
mátires, de Foxe, deveria estar no cânon. 3) Agostinho eram considerados de igual autoridade. Apesar de
era incoerente, já que rejeitou livros que não foram anglicanos e alguns outros grupos não-católicos te­
escritos por profetas, mas aceitou um livro que parece rem sem p re dado m u ita im p o rtâ n c ia ao v alor
negar ser profético (IM acabeus 9.27). 4) A aceitação inspirativo e histórico dos apócrifos, nunca os consi­
errada dos apócrifos por Agostinho parece estar liga­ deraram de origem divina e de autoridade igual a das
da a sua crença na inspiração da Lxx, cujos m anuscri­ Escrituras. Até teólogos católicos durante o período da
tos gregos m ais recentes os continham . Mais tarde Reforma distinguiam entre o deuterocânon e o cânon.
A gostinho reconheceu a su p eriorid ad e do texto O cardeal Ximenes fez essa distinção na sua imponente
hebraico de Jerônimo comparado ao texto grego da l x x . Bíblia, a Poliglota complutense { 1514-1517) às véspe­
Isso deveria tê-lo levado a aceitar a superioridade do ras da Reforma. O cardeal Cajetano, que depois se opôs
cânon hebraico de Jerônimo também. Jerônimo rejei­ a Lutero em Augsburgo, em 1518, publicou, depois da
tava completamente os apócrifos. Reforma ter começado, o Comentário sobre todos os
O Concílio de Roma (382) que aceitou os livros livros históricos autênticos do Antigo Testamento
apócrifos não incluiu os m esm os livros aceitos por (1532), que não continha os apócrifos. Lutero falou
Hipona e Cartago. Ele não inclui Baruque, apenas seis, contra os apócrifos em 1543, incluindo tais livros no
não sete, dos livros apócrifos declarados canônicos fim da sua Bíblia (M etzger,p.l81ss.).
mais tarde. Até Trento o descreve como livro separado Livros apócrifos em Qumran. A descoberta dos ro­
(Denzinger, n.° 84). los do m ar Morto em Qumran não incluía apenas a
Aceitação pela Igreja Ortodoxa. A igreja grega nem Bíblia da comunidade (o at) mas tam bém sua biblio­
sempre aceitou os apócrifos e sua posição atual não é teca, com fragmentos de centenas de livros. Entre eles
inequívoca. Nos Sínodos de Constantinopla (1 6 3 8 ), se achavam alguns livros apócrifos do a t . O fato de ne­
Jafa (1642) e Jerusalém (1672) esses livros foram de­ nhum comentário ser encontrado para qualquer dos
clarados canônicos. Mesmo até 1839, no entanto, seu livros apócrifos e apenas livros canônicos serem en­
Catecismo maior omitia expressamente os apócrifos contrados em pergaminhos e escritos especiais indica
porque não existiam na Bíblia hebraica. que os liv ros a p ó crifo s não eram con sid erad o s
Aceitação nos Concílios de Florença e Trento. No canônicos pela comunidade de Qumran. Menahem
Concílio de Trento (1546) a proclamação infalível foi Mansur alista os seguintes fragmentos dos apócrifos
feita aceitando os apócrifos como parte da Palavra ins­ e dos livros pseudepígrafos: Tobias, em hebraico e
pirada de Deus. Alguns teólogos católicos afirmam que aramaico; Enoque, em aramaico; Jubileus, em hebraico;
o Concílio de Florença, anterior a Trento (1442) fez a Testamento de Levi e Naftali, em aramaico; literatura
mesma declaração. Mas esse concílio não afirmou ne­ apócrifa de Daniel, em hebraico e aramaico, e Salmos
nhuma infalibilidade, e a decisão do concílio também de Josué (Mansur, p. 203). O especialista em m anus­
não tem nenhuma base real na história judaica, no \ t critos do m ar M orto, M illar Burroughs, concluiu:
ou na história cristã primitiva. Infelizmente, a decisão “Não há motivo para acreditar que alguma dessas
de Trento veio um milênio e meio depois de os livros obras fosse venerada como Escritura Sagrada” (More
serem escritos e foi uma polêmica óbvia contra o pro­ light on the Dead Sea Scrolls p. 178).
testantismo. O Concílio de Florença proclamou que os Resumo dos argumentos católicos em. No máximo,
apócrifos era inspirados para apoiar a doutrina do tudo o que os argumentos usados a favor da canoni-
purgatório que havia surgido. Mas as manifestações cidade dos livros apócrifos provam é que vários livros
dessa crença na venda de indulgências chegaram ao apócrifos receberam níveis variados de aceitação por
ponto máxim o na época de Martinho Lutero, e a pro­ pessoas diferentes na igreja cristã, geralmente não atin­
clamação de Trento sobre os apócrifos era uma con­ gindo a confirmação de sua canonicidade. Só depois de
tradição clara ao ensino de Lutero. A adição infalível Agostinho e dos concílios locais que ele dominou de­
oficial dos livros que apoiam orações pelos m ortos é clararem-nos inspirados é que começaram a ser mais
51 apócrifos

usados e, por fim, receberam aceitação infalível da Igreja como vindos de Deus. Os livros de Moisés foram acei­
Católica Romana em Trento. Isso ainda não atinge o tipo tos imediatamente e guardados num lugar sagrado (Dt
de reconhecimento inicial, contínuo e total entre as igre­ 31.26). O livro de Josué foi aceito imediatamente e pre­
jas cristãs dos livros canônicos do a t protestante e da servado com a Lei de Moisés (Js 24.26). Samuel foi
Torá judaica (que exclui os apócrifos). Os verdadeiros acrescentado à coleção (IS m 10.25). Daniel já tinha
livros canônicos foram recebidos imediatamente pelo uma cópia do seu contemporâneo profético Jeremias
povo de Deus no cânon crescente das Escrituras (Intro­ (Dn 9.2) e da Lei (Dn 9.11,13). Apesar da mensagem
dução bíblica, cap. 8). Qualquer debate subseqüente foi de Jeremias ter sido rejeitada por grande parte da sua
travado pelos que não estavam numa posição, assim geração, o remanescente deve ter aceitado e espalha­
como sua audiência imediata, de saber se eram de um do rapidamente sua obra. Paulo encorajou as igrejas a
apóstolo ou profeta autorizado. Assim, esse debate sub­ fazer circular suas epístolas inspiradas (Cl 4.16). Pedro
seqüente sobre os chamados antilegomena era devido a possuía uma coleção das obras de Paulo, igualando-
sua autenticidade, não canonicidade. Eles já estavam no as ao at como “Escritura” (2Pe 3.15,16).
cânon; algumas pessoas em gerações posteriores ques­ Flavia várias maneiras de contemporâneos confir­
tionaram se deviam estar ali. Eventualmente, todos os marem se alguém era profeta de Deus. Alguns foram
antilegomena (livros questionados mais tarde por al­ confirmados de forma sobrenatural (Êx 3 ,4 ; At 2.22;
gumas pessoas) foram retidos no cânon.Isso não acon­ 2Co 12.12; Flb 2.3,4). Às vezes isso acontecia por meio
teceu com os apócrifos, pois os protestantes rejeitaram da confirmação imediata da autoridade sobre a natu­
todos eles e até os católicos rejeitaram 3 Esdras, 4 Esdras reza ou da precisão da profecia preditiva. Na verdade,
e A oração de Manasses. os talsos profetas eram eliminados se suas previsões
Argumentos a fa v o r do cânon protestante. A evi­ não se realizassem (Dt 18.20-22). Supostas revelações
dência indica que o cânon protestante, que consiste em que contradiziam verdades reveladas anteriormente
39 livros da Bíblia hebraica e exclui os apócrifos, é o ver­ tam bém eram rejeitadas (Dt 13.1-3).
dadeiro cânon. A única diferença entre o cânon protes­ Evidências de que os contemporâneos de cada pro­
tante e o palestino antigo está na sua ordem. A Bíblia feta autenticaram e acrescentaram seus livros ao cânon
antiga tem 24 livros. Combinados em um só estão 1 e 2 crescente vêm das citações de obras posteriores. As
Samuel, bem como 1 e 2 Reis, 1 e 2 Crônicas, Esdras e obras de Moisés são citadas em todo o a t , começando
Neemias (o que reduz o número em quatro). Os 12 pro­ com seu sucessor im ediato Josué (Js 1.7; lR s 2.3;
fetas menores são contados como um único livro (re­ 2Rs 14.6; 2Cr 17.9; Ed 6.18; Ne 13.3; Jr 8.8; Ml 4.4).
duzindo o número em 11). Os judeus palestinos repre­ Profetas posteriores citam os anteriores (e.g .,Jr 26.18;
sentavam a ortodoxia judaica. Portanto, seu cânon era Ez 14.14,20; Dn 9.2; Jn 2.2-9; Mq 4 .1-3). No n t , Paulo
reconhecido por ortodoxo. Foi o cânon de Jesus ( Intro­ cita Lucas (U m 5.18); Pedro reconhece as epístolas
dução bíblica, cap. 4), Josefo e Jerônimo. Foi o cânon de de Paulo (2Pe 3.15,16), e Judas (4 -1 2 ) cita 2 Pedro.
muitos pais da igreja primitiva, entre eles Orígenes, O Apocalipse está cheio de imagens e idéias de E scri­
Cirilo de Jerusalém e Atanásio. turas anteriores, especialmente Daniel (v., e.g., Ap 13).
Os argum entos que apoiam o cânon protestan­ Todo o a t judaico/protestante foi considerado pro­
te podem ser divididos em dois grupos: históricos fético. Moisés, que escreveu os cinco primeiros livros,
e doutrinários. foi um profeta (Dt 18.15). O restante dos livros do a t
Argumentos históricos. O teste da canonicidade. Ao foi conhecido durante séculos pela designação “Profe­
contrário do argumento católico com base no uso cris­ tas” (M t 5.17; Lc 24.27). Posteriormente esses livros
tão, o verdadeiro teste da canonicidade é a caracterís­ foram divididos em “Profetas” e “Escritos”. Alguns
tica profética. Deus determinou quais livros estariam acreditam que essa divisão foi baseada no fato do au­
na Bíblia ao dar sua mensagem a um profeta. Então tor ser um profeta por ofício ou por dom. Outros acre­
apenas livros escritos por um profeta ou porta-voz ditam que a separação foi estabelecida para uso tópi­
credenciado por Deus são inspirados ou pertencem ao co em festivais judaicos, ou que os livros foram colo­
cânon das Escrituras. cados em seqüência cronológica, por ordem de tam a­
É claro que, apesar de Deus ter determinado a cano­ nho decrescente (Introdução bíblica, cap. 7). Seja qual
nicidade desta maneira, o povo d e Deus teve d e desco­ for a razão, é evidente que a m aneira original (cf. 7.12)
brir quais desses livros eram proféticos. 0 povo d e e contínua de referir-se ao at como um todo até a épo­
Deus a quem o profeta escreveu sabia que os profetas ca de Cristo era a divisão dupla: “a Lei e os Profetas”.
satisfaziam os testes bíblicos para serem representan­ Os “apóstolos e profetas” (E f 3.5) compunham o n t .
tes de Deus, e eles os autenticaram ao aceitar os livros Então, toda a Bíblia é um livro profético, incluindo o
apócrifos 52

último livro (e.g., Ap 20); isso não se aplica aos livros Esses correspondem exatamente ao at judaico e
apócrifos. protestante, que exclui os apócrifos.
Profecia não-autenticada. Há forte evidência de que Os mestres judeus reconheceram que sua linhagem
os livros apócrifos não são proféticos, e já que a profecia profética terminou no século \i a.C. Mas, como até os
é o teste da canonicidade, só esse fato os elimina do católicos reconhecem, todos os livros apócrifos foram
cânon. Nenhum livro apócrifo afirma ser escrito por um escrito s depois dessa época. Josefo escreveu: “De
profeta. Na verdade, o livro de Macabeus afirma não ser Artaxerxes até nossa época tudo foi registrado, mas não
profético (IM acabeus 9.27). E não há confirmação so­ foi considerado digno do mesmo reconhecimento do
brenatural de qualquer um dos escritores dos livros que o que o precedeu, porque a sucessão exata dos pro­
apócrifos, como há para os profetas que escreveram li­ fetas cessou” (Josefo). Outras afirmações rabínicas so­
vros canônicos. Não há profecia que preveja o futuro bre o término da profecia apoiam esse argumento (v.
nos apócrifos, como há em alguns livros canônicos (e.g., Beckwith, p. 370). O Seder olam rabbah 30 declara: “Até
Is 53; Dn 9; Mq 5.2). Não há nova verdade messiânica então [a vinda de Alexandre, o Grande] os profetas pro­
nos apócrifos. Até a comunidade judaica, a quem os fetizavam por meio do Espírito Santo. Daí em diante:
livros pertenciam , reconheceu que os dons proféti­ ‘Incline seu ouvido e ouça as palavras dos sábios’”. Baba
cos haviam cessado em Israel antes de os apócrifos batra 12b declara: “Desde a época em que o templo foi
serem e scrito s (v. cita çõ es a n te rio re s). Os livros destruído, a profecia foi tirada dos profetas e dada aos
apócrifos jam ais foram alistados na Bíblia judaica sábios”. O rabino Samuel bar Inia disse: “O segundo
com os profetas ou qualquer outra seção. Os livros Templo não tinha cinco coisas que o primeiro Templo
apócrifos não são citados nenhum a vez com auto­ possuía: a saber,o fogo,a arca, o Urim e o Tumim, o óleo
ridade por nenhum livro profético escrito depois da unção e o Espírito Santo [da profecia]”. Então, os
deles. Levando em conta tudo isso, tem os evid ênci­ mestres judeus (rabinos) reconheceram que o período
as m ais que su ficientes de que os ap ócrifos não de tempo durante o qual os apócrifos foram escritos não
eram proféticos e, portanto, não deveriam ser par­ foi um período em que Deus estava transmitindo escri­
te do cânon das E scrituras. turas inspiradas.
Rejeição judaica. Além das evidências da caracte­ Jesus e os autores do n t nunca citaram os apócrifos
rística profética apontarem apenas para os livros do como Escritura, apesar de estarem cientes dessas obras
ATjudaico e protestante, há uma rejeição contínua dos e fazerem alusão a elas ocasionalmente (e.g., Hb 11.35
apócrifos como cânon por mestres judeus e cristãos. pode fazer alusão a 2 Macabeus 7,12, ou pode ser uma
Filo, um m estre judeu alexandrino (20 a.C .-40 referência a lR s 17.22). Mas centenas de citações no
d.C.), citava o at prolificamente, utilizando quase to ­ nt mencionam o cânon do a t . A autoridade com que
dos os livros canônicos, mas nunca citou os apócrifos foram citadas indica que os autores do n t as conside­
como inspiràdos. ravam parte da “Lei e dos Profetas” [i.e., o a t inteiro],
Josefo (30-1 0 0 d.C.), um historiador judeu, ex­ que era considerada Palavra de Deus inspirada e infa­
clui explicitamente os apócrifos, numerando os livros lível (Mt 5.17,18; cf. Jo 10.35). Jesus citou partes de
do a t em 22 (= 39 livros no a t protestante). Ele ta m ­ todas as divisões da “Lei” e do “Profetas” do a t , que ele
bém nunca citou um livro apócrifo como Escritura, denominava “todas as Escrituras” (Lc 24.27).
apesar de conhecê-los bem . Em Contra Ápion (1 .8 ), Os eruditos judeus em Jâm nia (c. 90 d.C.) não
ele escreveu: aceitaram os apócrifos como parte do cânon judaico
divinamente inspirado (v. Beckwith, p. 276-7). Já que
Pois não temos uma multidão incontável de livros entre o n t afirma explicitamente que a Israel foram confiadas
nós, discordando dos outros e contradizendo uns aos outros as palavras de Deus” e que a nação fora destinatária
[como os gregos têm], mus apenas 22 livros, que sãojustamente das alianças e da Lei (Rm 3.2), os judeus foram consi­
considerados divinos; e deles, cinco pertencem a Moisés, con­ derados guardiões dos limites do próprio cânon. Como
têm sua lei e as tradições da origem da humanidade até a mor­ tal, sempre rejeitaram os apócrifos.
te dele. Esse intervalo de tempo foi pouco menor que três mil A rejeição dos concílios da igreja primitiva. Nenhu­
anos; mas quanto ao tempo da morte de Moisés até o reinado ma lista canônica ou concílio da igreja cristã conside­
de Artaxerxes, rei da Pérsia, que reinou em Xerxes, os profetas, rou os apócrifos inspirados durante os quase quatro
que vieram depois de Moisés, escreveram o que foi feito nas primeiros séculos. Isso é importante, já que todas as
suas respectivas épocas em treze livros. Os outros quatro li­ listas disponíveis e a maioria dos mestres desse período
vros contêm hinos a Deus e preceitos para a conduta da vida omitem os apócrifos. Os primeiros concílios a aceitar os
humana (Josefo, 1.8,grifo do autor). apócrifos eram apenas locais, sem força ecumênica.
53 apócrifos

A alegação ca tó lica de que o C oncílio de Rom a As histórias de Susana e de Bei e o Dragão não estão con­
(3 8 2 ), apesar de não ser um concílio ecum ênico, ti­ tidas no hebraico [...] Por isso, quando traduzia Daniel m ui­
nha força ecum ênica porque o papa Dâm aso (3 0 4 - tos anos atrás, anotei essas visões com um sím bolo crítico,
384) o ratificou é sem fundam ento. É um a alegação demonstrando que não estavam incluídas no hebraico [...] Afi­
forçada, que supõe que Dâm aso era um papa com nal, Orígenes, Eusébio e Apolinário e outros clérigos e m es­
autoridade infalível. E até m esm o os católicos re­ tres distintos da Grécia reconhecem que, com o eu disse, essas
con h ecem que esse co n c ílio não era um grupo visões não se encontram no hebraico, eportanto não são obri­
ecum ênico. Nem todos os teólogos católicos concor­ gados a refutar Porfírio quanto a essasporções que não exibem
dam que tais afirm ações dos papas são infalíveis. autoridade de Escrituras Sagradas (ibid., grifo do autor).
Não há listas infalíveis de afirm ações infalíveis dos
Papas. Nem há um critério universalm ente aprova­ A sugestão de que Jerônimo realmente favorecia
do para desenvolver tais listas. No m áxim o, apelar os livros apócrifos, mas só estava argumentando que
ao papa para to rn ar infalível a afirm ação de um os judeus os rejeitavam, é infundada. Ele disse clara­
concílio local é uma faca de dois gum es. M esm o te ­ mente na citação acim a que: “não exibem autoridade
ólogos católicos adm item que alguns papas en si­ de Escrituras Sagradas”, e jam ais retirou sua rejeição
naram erros e foram até heréticos. dos apócrifos. Ele afirmou na obra Contra Rufwo, 33,
Rejeição por parte dos primeiros pais da igreja. Al­ que havia “seguido o julgam ento das igrejas” nesse
guns dos primeiros pais da igreja declararam -se con­ assunto. E sua afirm ação: “Não estava seguindo m i­
trários aos apócrifos. Entre esses figuravam Orígenes, nhas convicções” parece referir-se às “afirmações que
Cirilo de Jerusalém, Atanásio e o grande tradutor ca­ eles [os inimigos do cristianism o] estão acostumados
tólico das Escrituras, Jerônimo. a fazer contra nós”. De qualquer forma, ele não reti­
Rejeição por jerônimo. Jerônimo (340-420), o gran­ rou em lugar algum su as a firm a ç õ e s co n tra os
de teólogo bíblico do início do período medieval e tra­ apócrifos. Finalmente, o fato de que Jerônimo tenha
dutor da Vulgata latina, rejeitou explicitam ente os citado os livros apócrifos não é prova de que os aceita­
apócrifos como parte do cânon. Ele disse que a igreja os va. Essa era uma prática comum de muitos pais da
lê “para exemplo e instrução de costumes”, mas não “os igreja. Ele afirmou que a igreja os lê “para exemplo e
aplica para estabelecer nenhuma doutrina” ( Prefácio do instrução de costumes” mas não “os aplica para esta­
Livro de Salomão da Vulgata, citado em Beckwith, p. belecer qualquer doutrina”.
343). Na verdade, ele criticou a aceitação injustificada A rejeição dos teólogos. Até teólogos católicos n o ­
desses livros por Agostinho. A princípio, Jerônimo até táveis durante o período da Reforma rejeitaram os
recusou-se a traduzir os apócrifos para o latim, mas apócrifos, tal como o cardeal Cajetano, que se opôs a
depois fez uma tradução rápida de alguns livros. De­ Lutero. Como já foi citado, ele escreveu o livro Comentá­
pois de descrever os livros exatos do at judaico [e pro­ rio sobre todos os livros históricos autênticos do Antigo Tes­
testante] , Jerônimo conclui: tamento (1532), que excluía os apócrifos. Se ele acredi­
tasse que fossem autênticos, certamente os teria incluído
E então no total há 22 livros da Lei antiga [conforme as num livro sobre “todos os autênticos”livros do a t .
letras do alfabeto judaico], isto é, 5 de M oisés, 8 dos Profetas e Lutero, João Calvino e outros reformadores rejei­
9 dos hagiógrafos. Apesar de alguns incluírem [...] Rute e tavam a canonicidade dos apócrifos. Luteranos e
Lam entações no hagiógrafo, e acharem que esses livros de­ anglicanos usam -nos apenas para assuntos éticos e
vem ser contados (separadam ente) e que há então 24 livros devocionais, mas não os consideram oficiais em ques­
da antiga Lei, aos quais o Apocalipse de João representa tões da fé. Igrejas reformadas seguiram A confissão de
adorando ao Cordeiro por m eio do número de 24 anciãos [...] f é de Westminster (1647), afirma:
Esse prólogo pode servir perfeitamente como elmo ( i.e., equi­
pado com elm o, contra atacantes) de introdução a todos os Os livros geralm ente cham ados Apócrifos, não sendo de
livros bíblicos que traduzimos do hebraico para o latim, para inspiração divina, não fazem parte do Cânon da Escritura;
que saibam os que os que não estão incluídos nesses devem ser não são, portanto, de autoridade na Igreja de Deus, nem de
incluídos nos apócrifos (ibid.,grifo do autor). m odo algum podem ser aprovados ou em pregados senão
com o escritos hum anos (Da Sagrada Escritura, l.m ).
No prefácio de Daniel, Jerônimo rejeitou claramen­
te as adições apócrifas a Daniel ( Bei e o Dragão e Em resumo, a igreja cristã (incluindo anglicanos,
Susana) e defendeu apenas a canonicidade dos livros luteranos e reformados) rejeitou os livros deuterocanô-
encontrados na Bíblia hebraica, escrevendo: nicos como parte do cânon. Eles fazem isso porque lhes
apócrifos 54

falta o fator determinante primário da canonieidade: livros não considerados completamente canônicos. Se­
os livros apócrifos não têm evidência de que foram gundo o critério católico, a data da obra não diz respei­
escritos por profetas credenciados por Deus. Outra evi­ to à possibilidade de ter ela constado dos apócrifos ju ­
dência é encontrada no fato de que os livros apócrifos daicos, mas com o fato de ter sido usada por cristãos
jam ais foram citados como autoridade nas Escrituras primitivos; ela foi usada, juntamente com outros livros
do vr, nem fizeram parte do cânon judaico, e a igreja apócrifos. Não deveria ter sido rejeitada porque tinha
primitiva nunca os aceitou como inspirados. posição inferior na Vulgata. Jerônimo relegou todas es­
O erro de Trento. O pronunciamento infalível do sas obras a uma posição inferior. Ela não reapareceu no
Concílio de Trento de que os livros apócrifos são parte latim até o século xvm porque aparentemente algum mon­
da Palavra inspirada de Deus revela quão falível uma ge católico arrancou a seção de orações pelos mortos.
afirmação supostamente infalível pode ser. Esse arti­ Orações pelos mortos eram preocupação constan­
go demonstrou que a afirm ação é historicamente in­ te dos clérigos de Trento, que convocaram seu concílio
fundada. Foi um exagero polêmico e uma decisão ar­ apenas 29 anos depois de Lutero ter publicado suas te­
bitrária envolvendo um a exclusão dogmática. ses contra a venda de indulgências. As doutrinas de in­
0 pronunciamento de Trento sobre os apócrifos foi dulgências, purgatório e orações pelos mortos perm a­
parte de uma ação polêmica contra Lutero. Seus de­ necem ou caem juntas.
fensores consideravam que a aceitação dos apócrifos Argumentos doutrinários. Canonieidade. As posi­
com o in sp irad o s era n e c e s s á ria p a ra ju s tific a r ções falsas e verdadeiras que determinam a canoni-
ensinam entos que Lutero havia atacado, principal­ cidade podem ser comparadas da seguinte forma ( In­
mente as orações pelos mortos. O texto de 2 Macabeus trodução bíblica , p. 62).
12.46 diz: “... mandou fazer o sacrifício expiatório pe­
los falecidos, a fim de que fossem absolvidos do seu Posição incorreta Posição correta
pecado” ( c n bb ). Já que havia uma obrigação de aceitar sobre o cânon sobre o cânon
certos livros, as decisões foram um tanto arbitrárias. A igreja determina A igreja descobre
Trento aceitou 2 Macabeus, que apoiava as orações pe­ o cânon. o cânon.
los mortos e rejeitou 2 Esdras (4 Esdras pela avaliação A igreja é mãe do A igreja é filha do
católica), que tinha uma afirmação que não apoiava a cânon. cânon.
A igreja é magistrada A igreja é ministra
prática (cf. 7.105).
do cânon. do cânon.
A própria história dessa seção de 2(4)Esdras revela
A igreja regula A igreja reconhece
a arbitrariedade da decisão de Trento. Ele foi escrito em
o cânon. o cânon.
aramaico por um autor judeu desconhecido (c. 100 d.C.)
e circulou nas antigas versões latinas (c. 200). A Vulgata A igreja é juíza A igreja é testemunha
do cânon. do cânon.
o incluiu como apêndice do x t (c. 400). Desapareceu da
A igreja é mestra A igreja é serva
Bíblia até que protestantes, começando com Johann
do cânon. do cânon.
Haug (1 7 2 6 -1 7 4 2 ), com eçaram a im p rim i-lo nos
apócrifos com base nos textos aramaicos, já que não Fontes católicas podem ser citadas para apoiar
constava nos manuscritos em latim da época. Mas, em uma doutrina de canonieidade que se parece muito
1874 uma longa seção em latim (70 versículos do capí­ com a “posição correta”. O problema é que apologistas
tulo 7) foi encontrada por Robert Bently numa biblio­ católicos geralmente se equivocam nesse assunto. Peter
teca em Amiens, França. Bruce Metzger comentou: Kreeft, por exemplo, argumentou que a igreja deve ser
infalível se a Bíblia é, já que o efeito não pode ser m ai­
É provável que a seção perdida tenha sido deliberada- or que a causa e a igreja causou o cânon. Mas se a igre­
mente arrancada de um ancestral da m aioria dos m anuscri­ ja é regulada pelo cânon, em vez de governá-lo, então
tos latinos sobreviventes, por razões dogm áticas, pois a pas­ a igreja não é a causa do cânon. Outros defensores do
sagem contém um a negação enfática do valor das orações catolicism o com etem o mesmo erro, afirm ando da
pelos m ortos. boca para fora o fato de que a igreja apenas descobre o
cânon, mas por outro lado insistindo no argumento
Alguns católicos argumentam que essa exclusão não que faz a igreja a definidora do cânon. Eles negligen­
é arbitrária porque essa obra não fazia parte das listas ciam o fato de que foi Deus (por inspiração) quem
deuterocanônicas antigas, foi escrita depois da época de causou as Escrituras canônicas, não a igreja.
Cristo, foi relegada a uma posição inferior na Vulgata e só Essa má interpretação às vezes é evidente no uso
foi incluída nos apócrifos por protestantes no século xvm. equivocado da palavra testemunha. Quando falamos
Por outro lado, 2[4]Esdras fez parte de listas antigas de sobre a igreja como “testemunha” do cânon depois da
55 apócrifos

época em que foi escrito não queremos dizer no senti­ autor). Em terceiro lugar, não usou confirmação ime­
do de ser uma testemunha ocular (i.e., relatando evi­ diata dos contemporâneos, mas afirmações posterio­
dência de primeira mão). 0 papel adequado da igreja res de pessoas nascidas séculos depois dos eventos.
cristã no descobrimento de quais livros pertencem ao Todos esses erros surgiram da interpretação incorre­
cânon pode ser reduzido a vários preceitos. ta do próprio papel da igreja como juíza em vez de
Somente o povo de Deus contemporâneo à autoria jurada, como magistrada em vez de ministra, sobera­
dos livros bíblicos foi verdadeira testemunha da evidên­ na em vez de serva do cânon. Por outro lado, a rejeição
cia. Só eles foram testemunhas do cânon durante seu protestante dos apócrifos foi baseada na compreen­
desenvolvimento. Só eles poderiam atestar a evidên­ são do papel das primeiras testemunhas para as ca­
cia da característica profética dos livros bíblicos, que racterísticas proféticas e da igreja como guardiã dessa
é o fator determinante da canonicidade. evidência da autenticidade.
A igreja posterior não é testemunha da evidência Os apócrifos do n t . O s apócrifos do n t formam
do cânon. Ela não cria nem constitui evidência para o uma coleção de livros contestados que foram aceitos
cânon. É apenas descobridora e observadora da evi­ por algumas pessoas no cânon das Escrituras. Ao con­
dência que resta para a confirmação original da qua­ trário dos apócrifos do a t , o s apócrifos do x t não cau­
lidade profética dos livros canônicos. A suposição da saram controvérsia permanente ou séria, já que a igreja
igreja de que a evidência subsiste em si mesma é o universal concorda que apenas 27 livros do n t são ins­
erro por trás da posição católica. pirados (v. B í b l i a , e v i d ê n c i a s d a ) . O s livros apócrifos fo­
Nem a igreja primitiva nem a recente é juíza do ram usados pelo valor devocional, ao contrário dos li­
cânon. A igreja não é o árbitro final quanto aos critéri­ vros m ais esp ú rios (m u ita s vezes h e ré tic o s) da
os do que será admitido como evidência. Somente pseudepigrafia do n t . Obras pseudepigráficas às vezes
Deus pode determinar os critérios para nosso desco­ são chamadas “apócrifas”, mas foram rejeitadas uni­
brimento do que seja sua Palavra. 0 que é de Deus terá versalmente por todas as tradições da igreja.
suas “impressões digitais”; só Deus o determina como Os apócrifos do n t incluem A epístola de pseudo-
são suas “impressões digitais”. Barnabéjc. 70-90 d .C ), A epístola aos corindos (c.9 6 ),
Tanto a igreja primitiva quanto a recente são mais O evangelho segundo os hebreus (c. 65-100), A epístola
juradas que juízas. Os jurados ouvem as evidências, de Policarpo aos filipenses (c. 108), Didaquê ou O ensi­
avaliam as evidências e apresentam um veredicto de no dos doze apóstolos(c. 100-120), As sete epístolas de
acordo com as evidências. A igreja contemporânea (sé­ Inácio (c. 110), Homilia antiga ou A segunda epístola
culo i) testemunhou evidências de primeira mão da de Clemente (c. 120-140), Opastor de Hermas (c. 115-
atividade profética (tais como milagres), e a igreja pos­ 4 0 ), O apocalipse de Pedro (c. 150), e A epístola aos
terior examinou as evidências da autenticidade des­ laodicenses (século iv [?]).
ses livros proféticos, que foram confirmados direta­ R a z õ es p a r a a rejeiçã o . Nenhum dos livros
mente por Deus quando foram escritos (v. m i l a g r e s x a apócrifos do n t teve mais que uma aceitação local ou
B ( b l i a ). temporária. A maioria teve, no máximo, status quase
De certa forma, a igreja “julga” o cânon. Ela é cha­ canónico, meros apêndices de manuscritos diversos
mada, como todos os jurados são, a realizar a seleção ou incluídos em índices. Nenhum cânon importante
e avaliação das evidências para chegar ao veredicto. ou concílio eclesiástico os aceitou como parte da Pala­
Mas não é isso que a igreja romana praticou no seu vra inspirada de Deus. Onde foram aceitos no cânon
papel magisterial de determinação do cânon. Afinal, é por grupos de cristãos, isso se deve ao fato de terem
isso que se quer dizer com o “magistério” da igreja. A sido atribuídos equivocadamente a um apóstolo ou
hierarquia católica não é apenas m inisterial; tem pa­ mencionados por um livro inspirado (por exemplo, Cl
pel judicial, não apenas administrativo. Xão é apenas 4 .1 6 ). Quando descobriam que isso era falso, sua
o júri observando a evidência; é o juiz determinando canonicidade era rejeitada.
o que se classifica como evidência. Conclusão. As disputas sobre os apócrifos do at
Aí está o problema. Ao exercer o papel magisterial, têm um papel importante nas disputas católicas e pro­
a Igreja Católica escolheu o curso errado para apre­ testantes sobre ensinamentos como o purgatório e ora­
sentar sua decisão sobre os apócrifos. Inicialmente,de­ ções pelos mortos. Xão há evidências de que os livros
cidiu seguir o critério errado, uso cristão em vez de apócrifos sejam inspirados e, portanto, devam ser par­
qualidade profética. Em segundo lugar, usou evidên­ te do cânon das Escrituras inspiradas. Eles não afir­
cia de segunda mão de escritores posteriores em vez mam ser inspirados, e a inspiração não lhes é atribuí­
de apenas evidência de primeira mão para a canoni­ da pela comunidade judaica que os produziu. Não são
cidade (confirm ação divina da atuação profética do citados nenhuma vez como Escritura no n t . Muitos
apologética, argumento da 56

pais da igreja primitiva, incluindo Jerônimo, os rejei­ 4. O s m i l a g r e s s ã o possíveis (v . m i l a g r e ).


tavam categoricamente. Acrescentá-los à Bíblia pelo 5. Os milagres realizados junto com uma afirm a­
decreto infalível no Concílio de Trento evidencia um ção verdadeira são atos de Deus para confir­
pronunciamento dogmático e polêmico criado para mar sua verdade seu por meio de mensageiro
sustentar doutrinas que não são apoiadas claramente (v . m il a g r e s co m o C o n f ir m a ç ã o da v e r d a d e ; m il a ­

em nenhum dos livros canônicos. g r e s , v a lo r a p o l o g é t ic o d o s ) .

À luz d essa e v id ê n c ia p o d e ro sa c o n tra os 6. Os documentos do nt são confiáveis (v. Novo


apócrifos, a decisão da Igreja Católica Rom ana e Or­ T e st a m e n t o , d o c u m e n t o s, m a n u s c r it o s ; Novo T es

todoxa de declará-los canônicos é infundada e rejei­ t a m e n t o , h is t o r ic id a d e d o ; N ovo T esta m en to , m a ­

tada pelos protestantes. É um erro sério adm itir m a­ n u s c r it o s d o ) .

teriais não inspirados para corromper a revelação es­ 7. Como documenta, o n t , Jesus afirmou ser Deus
crita de Deus e m inar a autoridade divina das E scri­ (v . C r ist o , d iv in d a d e d e ).

turas (R am m ,p . 65). 8. A reivindicação da divindade de Jesus foi pro­


vada pela convergência singular de milagres
Fontes (v . m il a g r e s n a B íb l ia ) .
H. A ndrews, An introduction to the apocryphal 9. Portanto, Jesus era Deus em carne humana.
books o f the Old and New Testaments. 10. Tudo o que Jesus (que é Deus) afirmouser ver­
Agostinho, A cidade de Deus. dadeiro é verdadeiro (v. D e u s , n a t u r e z a d e ) .
R. B eckwith, The Old Testament canon o f the New 11. Jesus afirmou que a Bíblia é a Palavra de Deus
Testament church and its background in early (v . B íb l ia , E v id ê n c ia s da; B íb l ia , P o s iç ã o de J esu s
judaism. em relação à ).

M. B urroughs, More light on the Dead Sea scrolls. 12. Portanto, é verdade que a Bíblia é a Palavra de
H. Denzinger, Documents o f Vatican n, cap. 3. Deus, e tudo o que se opõe a qualquer verdade
___ , The sources o f catholic dogma. bíblica é falso (v. r e l i g i õ e s m u n d i a i s e c r i s t i a n i s ­
N. L. Geisler, “The extent of the Old Testament m o ; p l u r a l i s m o r e l i g io s o ) .

canon”, em G. F. Hawthorne, org., Current issues


in biblical and patristic interpretation. A aplicação. Se o Deus teísta existe e milagres são
__ e W. E. Nix, Introdução bíblica, ed. rev. possíveis, se Jesus é o Filho de Deus e a Bíblia é a Pala­
Josefo , Antiguidades dos judeus, 1 .8. vra de Deus, conclui-se que o cristianism o ortodoxo é
B. M etzger , A « introduction to the apocrypha. verdadeiro. Todas as doutrinas ortodoxas essenciais,
B. Ramm, The pattern o f religious authority. tais como Trindade, a expiação de Cristo pelo pecado,
P. S chaff , The creeds o f Christendom. a ressurreição física e a segunda vinda de Cristo, são
A. S outer , The text and canon o f the New Testament. ensinadas na Bíblia. Já que todas essas condições são
B. W estcott , A general survey o f the canon o f the apoiadas por boas evidências, segue-se que há boas
New Testament, evidências para concluir que o cristianism o ortodoxo
é verdadeiro.
apologética, argumento da. Existem vários tipos de E já que proposições mutuamente excludentes não
apologética (v. a p o l o g é t i c a , t i p o s d e ). Mas, segundo a podem ser ambas verdadeiras (v. l ó g ic a ) , então todas
apologética clássica, existem certos passos lógicosno as religiões mundiais opostas são religiões falsas (v.
argumento geral em defesa da fé cristã. Já que cada r e l i g i õ e s m u n d i a i s e c r i s t i a n i s m o ) . Isto é : budism o,

passo é tratado em detalhes em outros artigos, apenas hinduísmo,islamismo e outras religiões são falsas pelo
a lógica do argumento será traçada aqui. fato de se oporem aos ensinamentos do cristianism o
Ospassos. O argumento geral em defesa da fé cristã (v. artigos relacionados ao i s l a m i s m o ; m o n i s m o ; z e n - b u -
pode ser formulado em doze proposições básicas. Elas Portanto, apenas o cristianism o é a verdadeira
d is m o ) .

decorrem logicamente uma da outra:I. religião (v. p l u r a l i s m o ) .

I. A verdade sobre a realidade é cognoscível (v. apologética, necessidade da. É a disciplina que lida
VERDADE, NATUREZA DA; AGNOSTICISMO). com a defesa racional da fé cristã. O termo tem origem
2. Os opostos não podem ser verdadeiros (v. p r i ­ na palavra grega apologia que “apresentar dar uma ra­
m e i r o s p r i n c í p i o s ; l ó g ic a ). zão” ou “defesa”. Apesar das objeções a que se faça
3. O Deus teísta (v. t e í s m o ) existe (v. D e u s , e v i d ê n ­ apologética nesse sentido por parte de fideístas e alguns
c ia s d e ) . pressuposicionalistas (v. f i d e í s m o ; p r e s s u p o s i c i o n a l i s t a ,
57 apologética, argumento da

apologética),há razões importantes para participar da na igreja deve ser“ [apegado] firmemente à mensagem
tarefa apologética. fiel, da m aneira como foi ensinada, para que seja ca­
Deus a ordena. A razão mais importante para a paz de encorajar outros pela sã doutrina e de refutar
apologética é que Deus a ordenou. A afirmação clássica é: os que se opõem a ela”. Paulo também nos dá uma in­
dicação da nossa atitude nessa missão em 2 Timóteo
... Santifiquem Cristo com o Senhor em seu coração. Este­ 2.24,25:
jam sempre preparados para responder a qualquer pessoa que
lhes pedir a razão da esperança que há em vocês. Contudo, Ao servo do Senhor não convém brigar m as, sim ser
façam isso com m ansidão e respeito... (1 Pe 3.15,16a). amável para com todos, apto para ensinar, paciente. Deve
corrigir com m ansidão as que se lhe opõem , na esperança
Esses versículos mandam estarmos prontos. Tal­ de que Deus lhes conceda o arrependim ento,levando-os ao
vez jam ais encontremos alguém que faça perguntas conhecim ento da verdade.
difíceis sobre nossa fé; mesmo assim devemos estar
prontos para responder caso alguém pergunte. Estar Quem tentar responder a perguntas de incrédulos
pronto não é só uma questão de ter a informação cor­ certamente será insultado e tentado a perder a paciên­
reta à disposição, é também a atitude de prontidão e cia, mas nosso objetivo principal é que cheguem ao co­
vontade de com partilhar a verdade sobre o que acre­ nhecimento da verdade de que Jesus morreu por nos­
ditamos. Não se espera que toda pessoa precise de pré- sos pecados. Com uma tarefa tão importante a realizar,
evangelismo, mas, se alguém necesitar, devemos ser não devemos deixar de obedecer a esse mandamento.
capazes e estar dispostos a lhe responder.
É exigência da razão. Deus criou os seres huma­
Esse mandamento tam bém liga a tarefa de pré-
nos com a capacidade de raciocinar como parte da sua
evangelismo ao lugar de Cristo como Senhor de nos­
imagem (Gn 1.27; cf. Cl 3.10). Na verdade, épelo raci­
sos corações. Se ele realmente é Senhor, devemos ser
ocínio que os humanos se distinguem dos “animais
obedientes a ele para
irracionais” (Jd 10). Deus chama seu povo para usar a
razão (Is 1.18), para discernir o que é verdadeiro ou
... destruir fortalezas. D estruím os argum entos e toda
falso (1 Jo 4.6) e correto ou errado (Hb 5.14). Um prin­
pretensão que se levanta contra o conhecim ento de Deus, e
cípio fundamental da razão é que ela deve ter evidên­
levam os cativo todo pensam ento, para torná-lo obediente a
cias suficientes para a fé. Uma fé sem justificação não
Cristo” (2Co 10.4h,5).
passa disso — é injustificada (v. fé e razão ).
Sócrates disse: “A vida não examinada não vale a
Isso significa que devemos confrontar questões nas
pena ser vivida”. Ele certam ente estaria disposto a
nossas mentes e nos pensamentos expressos por ou­
acrescentar que a fé não examinada não vale a pena
tros que porventura impeçam a nós e a eles de conhe­
ser vivida. Portanto, é obrigação dos cristãos defender
cer a Deus. Essa é a essência da apologética.
sua fé. Isso faz parte do grande mandamento de amar
Em Filipenses 1.7 Paulo alude à sua missão de “defesa e
a Deus de todo coração, alma e mente (M t 22.36,37).
confirmação do evangelho”. Ele acrescenta no versículo 16:
É necessidade do mundo. As pessoas se recusam cla­
"... aqui me encontro para a defesa do evangelho”. Isso im ­
ramente a crer sem provas. Já que Deus criou os huma­
plica que o defensor do evangelho esteja em lugares onde
nos como seres racionais, ele espera que vivam racional­
possa encontrar outros e defender a verdade perante eles.
mente, olhando antes de dar um passo. Isso não significa
Judas 3 acrescenta:
que não haja espaço para a fé. Mas Deus quer que demos
Am ados, em bora estivesse muito ansioso por lhes es­ um passo de fé à luz das evidências, não no escuro.
crever acerca da salvação que com partilham os, senti que era Evidências da verdade devem preceder a fé. Nenhu­
necessário escrever-lhes insistindo que batalhassem pela fé ma pessoa racional entra num elevador sem razão para
de uma vez por todas confiada aos santos. crer que ele vai sustentá-lo. Nenhuma pessoa sensata
entra num avião que está sem parte de uma asa e com
O povo a quem Judas fora vítima de falsos mestres, cheiro de fumaça na cabine As pessoas lidam com duas
e ele precisava encorajá-los a batalhar pela fé como fora dimensões de fé: fé que e f é em. Fé que dá a evidência e
revelada por Cristo. Judas faz uma afirmação importante base racional para a confiança necessária para esta­
sobre nossa atitude no versículo 22: “Tenham com pai­ belecer f é em. Quando a f é que é estabelecida, pode­
xão daqueles que duvidam.” mos depositar fé em alguma coisa. Portanto, a pessoa
Tito 1.9 faz do conhecimento das evidências cris­ racional quer provas de que Deus existe antes de de­
tãs uma obrigação da liderança eclesiástica. Um bispo positar sua fé em Deus. Incrédulos racionais querem
apologética, argumento da 58

provas de que Jesus é o Filho de Deus antes d e d e p o s i ­ conhecer a Deus mediante a evidência que ele revelou na
tar sua confiança n e l e (v . c l á s s i c a , a p o l o g é t i c a ). criação (Rm 1.19,20) e na consciência (Rm 2.12-15). É,
Objeções à apologética. A oposição mais freqüen- sim, referência à depravação humana e rejeição insensa­
te à ap o log ética é criad a por m ístico s e outros ta da mensagem da cruz. Na verdade, apesar de a huma­
experimentalistas (v. experimental,apologética). Fideístas nidade saber claramente por meio da razão que Deus exis­
(v. f i d e í s m o ) e alguns pressuposicionalistas também le­ te, no entanto ela suprime ou troca essa verdade pela in­
vantam objeções de dois tipos básicos: baseadas na Bí­ justiça (Rm 1.18).
blia e vindas de fora das Escrituras. Um defensor da A humanidade natural não consegue entender. Pau­
apologética pode ver nos textos das Escrituras geral­ lo insistiu que quem “não tem o Espírito não aceita as
mente citados contra a tarefa apologética, algumas más coisas que vêm do Espírito de Deus” (IC o 2.14). Então
interpretações ou aplicações, que na realidade não de­ para que serve a apologética? Em resposta a esse argu­
monstram que a apologética seja desnecessária. mento contra a apologética, deve-se observar que Pau­
Objeções à apologética baseadas na Bíblia. A Bíblia lo não diz que pessoas naturais não conseguem perce­
não precisa ser defendida. Uma objeção feita geralmen­ ber a verdade sobre Deus, mas sim que elas não a rece­
te é que a Bíblia não precisa ser defendida; ela só pre­ bem (gr. dechõmai, “receber”). Paulo declara enfatica­
cisa ser exposta. “Pois a palavra de Deus é viva, e efi­ mente que as verdades básicas sobre Deus são “clara­
caz...” (Hb 4.12a). Dizem que a Bíblia é como um leão; mente” reconhecidas (Rm 1.20). O problema não é que
ele não precisa ser defendido, só solto. Um leão pode os incrédulos não estejam cientes da existência de Deus.
defender-se sozinho. Eles não querem aceitá-la por causa das conseqüências
Isso pressupõe que a Bíblia é a Palavra de Deus. É cla­ m orais que isso teria sobre sua vida p ecam inosa.
ro que a Palavra de Deus é final e fala por si própria. Mas 1 Coríntios 2.14 diz que eles não “são capazes de
como sabemos que a Bíblia, e não o Alcorão ou o Livro de entendê-las” (ginõskõ), que pode significar “entender por
Mórmon, é a Palavra de Deus? É necessário apelar para a experiência”. Eles conhecem a Deus em suas mentes
evidência para determinar isso. Nenhum cristão aceita­ (Rm 1.19,20), mas não o aceitaram em seu coração
ria a seguinte afirmação:“O Alcorão é vivo,e eficaz,e mais (Rm 1.1 8 ).“Diz o tolo em seu coração: ‘Deus não exis­
afiado que qualquer espada de dois gumes”. Devemos te’.” (SI 14.1)
exigir evidências (v. B íb l ia , e v id ê n c ia s d a ). Sem f é é impossível agradar a Deus. Hebreus 11.6
A analogia do leão é enganadora. 0 rugido do leão insiste que “sem fé é impossível agradar a Deus”. Isso
“fala por si próprio” com autoridade só porque conhe­ parece argumentar que pedir razões, em vez de sim ­
cemos por evidências anteriores o que o leão pode fa­ plesmente acreditar, desagrada a Deus. Mas, como já
zer. Sem histórias de terror sobre a ferocidade do leão, foi observado, Deus nos chama a usar a razão ( 1Pe
seu rugido não teria autoridade. Da mesma forma, sem 3.15). Na verdade, ele nos deu “claramente” (Rm 1.20)
evidências para estabelecer uma afirmação de autori­ “provas indiscutíveis” (At 1.3). O texto de Hebreus não
dade, não há razão para aceitar essa autoridade. exclui os “fatos”, mas implica sua existência. A fé é
Deus não pode ser conhecido pela razão humana. O descrita"cofno “a prova” das coisas que não vemos. As­
apóstolo Paulo escreveu: “o mundo não o [Deus] conhe­ sim como a prova de que uma testemunha é confiável
ceu por meio da sabedoria humana” (1 Co 1.21). Isso não justifica meu testemunho de fé no que ele viu e eu não
significa, porém, que não haja evidências para a existên­ vi, nossa fé em “fatos que não vemos” (Hb 11.1) é
cia de Deus, já que Paulo declarou em Romanos que a justificada pela prova de que Deus existe. Essas evidên­
evidência da existência de Deus é tão clara que os ho­ cias “desde a criação do mundo”, são percebidas “por
mens são“indesculpáveis”mesmo sem ter ouvido o evan­ meio das coisas criadas” (Rm 1.20).
gelho (Rm 1.19,20).Além disso,ocontexto de 1 Coríntios Jesus recusou-se a fazer sinais para os ímpios. Jesus
não é a existência de Deus, mas sim seu plano de salva­ repreendeu o povo que buscava sinais; então, devemos
ção por meio da cruz. Isso não pode ser conhecido pela contentar-nos em apenas acreditar. Na verdade, algu­
mera razão humana, apenas pela revelação divina.É“lou- mas vezes Jesus repreendeu os que buscavam sinais.
cura” para a mente humana depravada. Finalmente, nes­ Ele disse: “Uma geração perversa e adúltera pede um
sa mesma carta de 1 Coríntios Paulo dá a maior evidência sinal”. Isso, porém, não significa que Jesus não queria
apologética para a fé cristã — as testemunhas oculares da que as pessoas vissem as provas antes de crer. Mesmo
ressurreição de Cristo, que seu companheiro Lucas chamou nessa passagem Jesus ofereceu o milagre da sua res­
“provas indiscutíveis” (At 1.3). Então sua referência ao surreição como sinal de quem ele era, dizendo que
mundo que não conheceu a Deus por meio da sabedo­ nenhum sinal seria dado “exceto o sinal do profeta
ria não é m enção à incapacidade dos seres humanos de Jonas”. (M t 12.39; cf. Lc 16.31; v. m i l a g r e s n a B í b l i a ) .
59 apologética, argumento da

Jesus apresentou seus milagres como prova da sua capítulo de Gênesis confronta claramente as histórias
missão messiânica (v. m i l a g r e ; m i l a g r e s , v a l o r a p o l o g é ­ míticas da criação conhecidas em sua época. Seus m i­
t ic o d o s ) . Quando João Batista perguntou se ele era o lagres no Egito foram a resposta de que Deus falava
Cristo, Jesus mostrou milagres como prova, dizendo: por meio dele (Êx 4 .1-9). Elias usou a apologética no
monte Carmelo quando provou milagrosamente que
Voltem e anunciem a João o que vocês estão ouvindo e Iavé, não Baal, era o verdadeiro Deus (lR s 18). Jesus
vendo: os cegos vêem , os m ancos andam , os leprosos são utilizou constantemente a apologética, provando por
purificados, os surdos ouvem, os m ortos são ressucitados.e sinais e milagres que era o Filho de Deus (Jo 3.2; At
as boas novas são pregadas aos pobres (M t 11.4,5). 2.22). O apóstolo Paulo usou a apologética em Listra
quando provou, a partir da natureza, que o Deus su­
“M as, para que vocês saibam que o Filho do hom em tem premo do universo existia e que a idolatria era errada
na terra autoridade para perdoar pecados” — disse ao pa­ (At 14.6-20).
ralítico — “eu lhe digo: Levante-se pegue a sua m aca e vá O caso clássico da apologética no n t é Atos 17 em
para casa” ( Mc 2.10,11). que Paulo debateu com os filósofos na colina de Marte
(o Areópago). Ele não só apresentou a evidência favo­
Jesus negou-se a entreter as pessoas com milagres. rável à existência de Deus a partir da natureza, mas tam ­
Ele se recusou a fazer milagres para satisfazer a curio­ bém defendeu, com base na história, que Cristo era o
sidade do rei Herodes (Lc 23 .8 ).Em outras ocasiões não Filho de Deus. Citou filósofos pagãos para apoiar seus
fez milagres por causa da incredulidade (Mt 13.58), por argumentos. A apologética foi usada na Bíblia sempre
não querer atirar “pérolas aos porcos” (Mt 7.6). O pro­ que afirmações da verdade do judaísmo ou cristianis­
pósito dos milagres era apologético, isto é, para confir­ mo entraram em conflito com a incredulidade.
mar sua mensagem (cf. Êx 4.1 -9; Jo 3.2; Hb 2.3,4). E ele Objeções à apologética com bases não-bíblicas. Essas
fez isso em grande abundância pois foi apresentado por objeções contra a apologética surgem de suposições de
Pedro assim: “Jesus de Nazaré foi aprovado por Deus sua irracionalidade, incoerência ou improdu-tividade.
diante de vocês por meio de milagres e sinais que Deus Muitas partem do ponto de vista racionalista ou cético (v.
fez entre vocês por intermédio dele” (At 2.22). AGxosTicisMo).Outras são fideístas (v. f id e ís m o ).
Não responda ao insensato com igual insensatez. A lógica não pode nos dizer nada sobre Deus. Essa
Dizem que ateísmo é tolice (SI 14.1), e a Bíblia m an­ objeção é contraditória. Diz que a lógica não pode
da não responder ao tolo. Concordamos com Provér­ ser a p lica d a a essa q u e stã o . M as a a firm a ç ã o
bios 26.4, mas tam bém concordamos com Provérbi­ sobentende um conhecim ento lógico sobre Deus.
os 26.5, que diz: “Responda ao insensato como a sua Apela à lógica porque afirm a ser ela verdadeira en­
insensatez m erece, do contrário ele pensará que é quanto seu oposto é falso. Essa alegação, chamada
mesmo um sábio”. Ou o livro de Provérbios foi escri­ “lei da não-contradição” (v. p r i m e i r o s p r i n c í p i o s ; l ó g i ­
to por um louco, ou a lição da passagem é que deve­ é a base de toda lógica. A afirm ação de que a ló ­
c a ),

mos ter cuidado com a m aneira e a hora que esco­ gica não se aplica a Deus, aplica lógica a Deus. A ló­
lhem os para confrontar idéias falsas. Não discuta gica é inescapável. Você não pode negá-la com suas
com alguém que não dá ouvidos à razão, ou será tão palavras a não ser que a afirm e com as m esm as pa­
insensato quanto ele. Mas, se puder m ostrar a essa lavras. É inegável.
pessoa o erro do seu raciocínio de maneira que pos­ A lógica por si só pode nos dizer algum as co i­
sa entender, talvez ela busque a sabedoria de Deus sas sobre Deus — pelo m enos hipoteticam ente. Por
em vez de depender da própria sabedoria. exemplo, se Deus existe, então é falsa a n ã o -ex is­
A apologética não é usada na Bíblia. Se a apologéti­ tência. E se Deus é um Ser N ecessário, então ele não
ca é bíblica, por que não a encontramos sendo usada pode não-existir. Além disso, se Deus é infinito e
na Bíblia? De modo geral a Bíblia não foi escrita para nós somos finitos, então não somos Deus. Também,
incrédulos, mas para crentes. Por já crerem em Deus, se Deus é verdade, ele não pode m entir (Hb 6 .1 8 ),
Cristo etc., não há necessidade de provar-lhes essas ver­ pois m entir seria contrário à sua natureza. Da m es­
dades. A apologética é principalmente para os que não ma form a, a lógica nos inform a que, se Deus, é on i­
crêem, para que possam ter uma razão para crer. potente, ele não pode fazer uma pedra tão pesada
Mas a apologética é usada na Bíblia. Até os que es­ que ele não consiga levantar. Pois tudo o que ele
tão familiarizados com ela não reconhecem esse fato, pode fazer pode levantar.
pois não percebem que o que vêem é, na verdade, A lógica não pode “provar” a existência de nada. É
apologética. Moisés usou a apologética. 0 primeiro verdade, a lógica nos mostra apenas o que é possível
apologética, argumento da 60

ou impossível. Sabem os pela lógica, por exemplo, que depende do que se quer dizer com “provar” . Se “pro­
círculos quadrados são impossíveis. Também sabe­ var” significa dem onstrar com certeza m atem ática,
mos que algo pode existir, já que nenhum a contradi­ então a m aioria dos teístas concordaria que a exis­
ção está envolvida em afirm ar que algo existe. Mas tência de Deus não pode ser provada. Pois certeza
não podemos provar só pela lógica que algo realm en­ m atem ática lida apenas com o abstrato. E a existên­
te existe. No entanto, sabem os que algo realm ente cia de Deus (ou qualquer outra coisa) é concreta.
existe de outra m aneira. Sabem os intuitiva e inega­ Além disso, a certeza m atem ática é baseada em axi­
velmente. Pois não posso negar m inha existência a omas ou postulados que devem ser pressupostos para
não ser que eu exista para negá-la. A afirm ação: “Eu chegar-se à conclusão necessária. Contudo, se a exis­
não existo” é contraditória, já que tenho de existir tência de Deus deve ser pressuposta para ser prova­
para poder pronunciá-la. Então, apesar de a lógica da, então a conclusão de que Deus existe é apenas
não poder provar a existência de nada, tem os conhe­ baseada na pressuposição de que ele existe, e nesse
cimento inegável de que algo existe. E, um a vez que caso não é realm ente uma prova.
sabem os que algo existe (por exemplo, eu existo), Outra maneira de provar isso é lembrar que a cer­
então a lógica pode ajudar-nos a determ inar se é teza matemática é dedutiva por natureza. Sua argu­
finito ou infinito. E, se é finito, a lógica pode ajudar- mentação tem por base as premissas fornecidas. Mas
nos a determ inar se tam bém existe um ser infinito não se pode concluir validamente o que já não esteja
(v. D e u s , e v i d ê n c i a s d e ) . implicado na(s) prem issa(s). Nesse caso seria neces­
A razão é inútil em assuntos religiosos. O f id e is m o sário pressupor que Deus existe na premissa para in­
argumenta que a razão é inútil em assuntos que li­ feri-lo corretam ente na conclusão. Mas isso é um
dam com Deus. É preciso apenas acreditar. A fé, não exemplo de petição de princípio.
a razão, é o que Deus exige (Hb 11.6). Mas até nas Da mesma forma, se por “provar” a pessoa quer dizer
E scritu ras Deus m anda usar a razão (Is 1.18; Mt “chegar a uma conclusão logicamente necessária”, então a
22.36,37; IPe 3.15). Deus é um ser racional, e nos existência de Deus também não pode ser provada, a não
criou para serm os seres racionais. Deus não insulta­ ser que o argumento ontológico seja válido. Mas a maioria
ria a razão que nos deu pedindo que a ignorássem os dos filósofos nega a sua validade. Não é possível provar
em assuntos tão im portantes quanto nossas convic­ Deus pela necessidade lógica porque a lógica formal, como
ções a seu respeito. a matemática, lida com o abstrato. A não ser que a pessoa
O fideismo é contraditório. Ou ele tem razão para comece com algo existente, jamais poderá sair do âmbito
que não raciocinem os sobre Deus ou não tem. Se tem, puramente teórico. Se existe um triângulo, podemos saber
então usa a razão para dizer que não devemos usá-la. logicamente e com certeza absoluta que ele terá três lados e
Se o fideismo não tem razão para não usar a razão, três ângulos. Mas talvez não existissem triângulos em lu­
então não tem razão para sua posição, e nesse caso gar nenhum exceto na mente da pessoa. Da mesma forma,
não há razão para aceitar o fideismo. a não ser que saibamos que algo existe, então a lógica não
A firm ar que a razão é apenas opcional para o pode ajudar-nos a saber se Deus existe. E a lógica por si só
fideísta não é o suficiente. Pois o fideísta oferece al­ não nos pode dizer que algo existe.
gum critério para quando usar a razão e quando não, Mas, se por “provar” queremos dizer “fornecer evi­
ou o uso é simplesmente arbitrário. Se o fideísta ofe­ dência adequada para” ou “dar boas razões para”, en­
rece critérios racionais para quando devemos usar a tão pode-se concluir que é possível provar a existên­
razão, então realmente há uma base racional para essa cia de Deus (v. D e u s , e v i d ê n c i a s d e ; a r g u m e n t o c o s m o l ó -
posição, e nesse caso ele deixa de ser fideísta. g ic o ) e a veracidade do cristianismo.

A razão não é o tipo de coisa sobre a qual uma cri­ Ninguém se converte por meio da apologética. Existe
atura racional pode decidir não participar. Pelo fato a acusação de que ninguém conhece a Cristo por meio
de ser racional por natureza, o ser humano deve fazer da apologética. Se isso implica que o Espírito Santo (v.
parte do discurso racional. E o discurso racional exige E s p í r i t o S a n t o n a a p o l o g é t i c a , p v p e l d o ) nunca usa a evi­
que as leis da razão sejam seguidas. Um desses princí­ dência apologética para levar pessoas a Cristo, trata-
pios é que a pessoa precisa ter uma boa razão para suas se claramente de uma acusação falsa. C. S. Lewis disse
convicções. Mas, se ela precisa ter uma boa razão, então que
o fideismo está errado, já que afirma que não é necessá­
rio ter uma boa razão para o que acredita. quase todas as pessoas que conheço que se converte­
Não é possível provar que Deus existe pela razão. ram ao cristianismo quando adultos foram influenciadas
Segundo essa objeção, a existência de Deus não pode pelo que lhes parecia ser, no mínimo, um argumento prová­
ser provada pelo ra cio cín io hum ano. A resposta vel a favor do teísmo (Lewis, p. 173).
61 apologética, tipos de

Lewis é um exemplo do ateu que se converteu sob diferentes de pressuposicionalismo, tam bém existem
a influência da apologética. 0 cético Frank Morrison d iferen ças sig n ifica tiv a s en tre os sistem a s n ão-
converteu-se ao tentar escrever um livro que refutas­ p ressu p o sicion ais. Se alguém u sar as categ orias
se a evidência da ressurreição de Cristo (v. Morrison). evidenciai e não-evidencial, acontece a mesma coisa;
Agostinho conta em suas Confissões como foi levado apologética clássica e histórica e até algumas formas
ao cristianism o ao ouvir um debate entre um cristão de pressuposicionalismo (e.g., coerência sistemática)
e um incrédulo. 0 professor Simon Greenleaf, da Fa­ devem ser colocadas na mesma categoria. O mesmo
culdade de Direito de Harvard, foi levado a aceitar a acontece se alguém usa apologética clássica e apologética
autenticidade dos evangelhos ao aplicar as regras le­ não-clássica como duas categorias amplas.
gais à evidência do nt. Deus tem usado evidência e ra­ Tipos de sistemas. Apesar de as categorias não se­
zão de alguma forma para alcançar quase todos os rem logicamente excaustivas e se sobreporem, parece
adultos que se convertem ao cristianismo. melhor apenas usar títulos comumente aceitos e apre­
sentar as diferenças e semelhanças. A avaliação de cada
Fontes uma pode ser encontrada em outros artigos sobre sis­
R. L. Bush, org., Classical readings in Christian temas individuais e seus representantes principais.
apologetics 100-1800 d.C. Três pontos ajudam a entender cada tipo: os defen­
D. Clark, Dialogical apologetics. sores serão alistados; algumas características principais
G. H. C lark, Religion, reason and revelation. serão descritas, e comentários sobre superposições e/
ou contraste com outras abordagens serão feitos.
W. Cordcan', Reasonable faith.
N. L. G eisler e R. B rooks, When skeptics ask: a Apologética clássica. Características. A apologética
handbook on Christian evidences.
clássica enfatiza argumentos a favor da existência de
P. K reeft, et a t, Handbook o f Christian apologetics.
Deus (v. Deus, e v i d ê n c i a s d e ) , assim como a evidência
G .R . L ewis, Testing Christianity’s truth claims.
histórica que apóia a veracidade do cristianismo. A
apologética clássica é caracterizada por dois passos
C. S. L ew is , God in the dock.
básicos: argumentos teístas e comprobatórios.
J. M cDowell, Answering tough questions skeptics
Argumentos teístas são usados para estabelecer a ver­
ask.
dade do teísmo à parte do apelo à revelação especial (e.g.,
___ , Evidência que exige um veredito.
a Bíblia). A apologética clássica aceita a validade das pro­
J. W. M ontgomery , Faith founded on fact.
vas teístas tradicionais sobre Deus, apesar de alguns
]. P. M oreland , Scaling the secular city: a defense o f
enfatizarem apenas uma delas. E alguns invalidam cer­
Christianity.
tas provas tradicionais, com mais freqüência o argumen­
F. Morrison, Who moved the stone?
to ontológico. Mas a maioria aceita alguma forma de ar­
W. M. S m ith , Therefore stand.
gumento cosmológico e o argumento teleológico. Muitos
também acreditam que o argumento moral é válido.
apologética, objeções à . V. a p o l o g é t i c a , n e c e s s i d a d e d a .
O primeiro passo da apologética clássica também
envolve chegar à conclusão lógica de que, se o Deus do
apologética, tipos de. Existem diferentes tipos de sis­
teísmo existe, milagres são possíveis; na verdade, o
temas de apologética, mas não existe um meio uni­
m aior milagre, a Criação, é possível. A credibilidade
versalmente reconhecido para categorizá-los. Aborda­
dos milagres (v. m i l a g r e ) é essencial ao próximo passo
gens divergentes parecem ser determinadas pela pers­
na apologética clássica — a histórica — , m as flui
pectiva da pessoa que as categoriza. No entanto, exis­
logicamente do primeiro passo.
tem alguns termos geralmente aceitos que se podem
O segundo passo é a evidência histórica confirm a­
usar para perceber de maneira significativa as dife­ d a que substancia a verdade. Os documentos do n t são
renças entre as abordagens mais populares. comprovadamente confiáveis do ponto de vista histó­
Sistemas de categarização. É tentador criar cate­ rico (v. DOCUMENTOS DO NOVO TESTAMENTO, MANUSCRITOS;
gorias logicam ente abrangentes de sistemas apolo­ Novo T e s t a m e n t o , h is t o r ic id a d e d o ; N ovo T e s t a m e n t o , f o n ­
géticos. Dois problemas tornam isso impossível. Pri­ t e s x Ao - c r í s t ã s ) . O apologista também demonstra que
meiramente, a categoria parece funcionar, mas a cate­ esses docum entos revelam que Jesus afirm ou, por
goria correspondente que logicam ente se oporia é meio de milagres comprovados, ser o Filho de Deus
muito ampla. Em segundo lugar, sistemas divergentes (v . C r i s t o , d iv i n d a d e d e ) . Com base nisso,geralm ente se
geralmente são colocados na mesma categoria. Por argumenta que Jesus confirmou que o a t é a Palavra
exemplo, se alguém usa as categorias pressuposicional de Deus e prometeu o mesmo para o n t ( v . B í b l i a , a
e não-pressuposicional, verá que, além de existir tipos p o s iç ã o d e J esu s e m r e l a ç ã o à ).
apologética, tipos de 62

Defensores. A apologética clássica foi praticada por Os evidencialistas não baseiam todo seu argumento na
A gostinho , A nselmo e T omas de A qltxo . Apologistas clás­ evidência histórica. São mais ecléticos, mesclando evidên­
sicos modernos incluem Winfried Corduan, William cias de vários campos. Os evidencialistas atuam como ad­
Lane Craig, Norman L. Geisler, John Gerstner, Stuart vogados que combinam evidências num resumo geral em
Hackett, Peter Kreeft, C. S. L emts , J. P. Moreland, John defesa de sua posição, acreditando que o peso combina­
L ocke , William P aley , R. C. Sproul e B. B. W a rfield . do das provas apresentará uma defesa persuasiva.
Comparação com outras abordagens. Às vezes, os Muitos evidencialistas enfocam a evidência arque­
apologistas clássicos começam esse segundo passo de­ ológica como apoio para a Bíblia. Enfatizam que tanto
monstrando que a Bíblia é comprovadamente a Palavra o at quanto o nt ( v . arqueologia do at ; arqueologia do
de Deus. Ao fazer isso geralmente usam a mesma prova n t ) foram comprovados por milhares de descobertas.

básica usada pela apologética evidenciai. Isso inclui m i­ Em sua opinião isso dá razão para aceitar a autorida­
lagres (V. MILAGRES, VALOR APOLOGÉTICO DOS; MILAGRES NA Bí- de divina das Escrituras. Outros tipos de apologética
blia ), profecias cumpridas (v. profecia como prova da B í­ também apelam à evidência arqueológica, mas dela
blia ), a unidade da Bíblia, e outras indicações de sua se utilizam de m aneira diferente.
origem supernatural (v. B íblia , evidências da ). Alguns evidencialista apelam à evidência experimen­
A diferença entre os apologistas clássicos e os tal para apoiar o cristianismo, geralmente o testemunho
evidencialistas sobre o uso da evidência histórica é que de vidas transformadas. A história dos convertidos ao
os clássicos vêem a necessidade de primeiro estabele­ cristianismo é oferecida como evidência da veracidade
cer a natureza teísta do nosso universo, para assim es­ do cristianismo. Existe outra maneira, argumentam, para
explicar as mudanças dramáticas, transformadoras, du­
tabelecer a possibilidade e a identidade dos milagres.
radouras, e muitas vezes radicais? A conversão de Saulo
Os evidencialistas não consideram o teísmo pré-con­
de Tarso (At 9) é um exemplo clássico.
dição logicamente necessária da apologética históri­
A evidência profética (v. profecia como prova da B í ­
ca. 0 argumento básico dos apologistas clássicos é que
b l ia ) geralmente é oferecida para comprovar o cristia­
não faz sentido falar sobre a ressurreição como ação
nismo. Argumenta-se que apenas a origem divina pode
de Deus a não ser que, como pré-requisito lógico, seja
explicar as numerosas e precisas predições bíblicas que
primeiramente estabelecido que existe um Deus que
se cumpriram. Para os evidencialistas, evidências pro­
pode agir. Da mesma forma, a Bíblia não pode ser a
féticas e outras evidências não formam um passo espe­
Palavra de Deus se não há um Deus que possa falar. E
cífico na ordem lógica geral (como na apologética clás­
não se pode provar que Cristo é o Filho de Deus sem
sica). Mas é a soma de todas elas sobrepostas que ofere­
base na premissa logicamente anterior de que existe
ce alta probabilidade da veracidade do cristianismo.
um Deus que pode ter um Filho.
Alguns advogados da apologética evidenciai. Apesar
Apologética evidenciai. A apologética evidenciai de a apologética evidenciai ter grande apoio popular,
enfatiza a necessidade da prova para apoiar as afir­
ela apresenta poucos defensores específicos que não se
mações das verdades cristãs. A evidência pode ser ra­ encaixam em outras categorias também. Então, parece
cional, histórica, arqueológica, e até experim ental. melhor caracterizar o evidencialismo pelos vários ti­
Como é muito ampla, esta categoria se sobrepõe a ou­ pos de evidências enfatizadas na abordagem apologética
tros tipos de apologética. específica. Uma abordagem evidenciai reconhecida é
Algumas características da apologética eviden­ oferecida por William P aley no seu livro Evidences fo r
ciai. Já que os evidencialistas com preendem uma ca ­ Christianity [Indícios do cristianismo], apesar de Paley
tegoria grande e diversificada, suas características se­ ter oferecido provas de Deus primeiro, e assim poder
rão delineadas conform e o tipo. Os evidencialistas ser descrito como apologista clássico. O tão conhecido
geralm ente usam a evidência racional (por exemplo, livro de Bernard R am m Protestant Christian evidence [In­
provas sobre Deus) para defender o cristianism o. dícios do protestantismo cristão] é outro exemplo de
Assim , se sobrepõem à apologé-tica clássica. Mas apologética com probatória, apesar de o autor ter-se
para o evidencialista isso é apenas uma evidência. afastado dessa linha em obras posteriores. O livro
Também em contraste com os apologistas clássicos, evidencialista mais amplamente distribuído é Evidên­
os evidencialistas não afirm am que a evidência ra ­ cia que exige um veredito, de Josh McDowell.
cional seja n ecessária (já que é apenas uma evidên­ Algumas comparações com outras abordagens.
cia) nem logicam ente anterior a outras evidências. Apesar da evidência não ser exclusiva da apologética
No uso da evidência histórica existe outra sobre­ evidenciai, a m aneira em que é usada é peculiar.
posição entre as apologéticas evidenciai e histórica. Apologistas clássicos e alguns evidencialistas usam
63 apologética, tipos de

argum entos teístas. Mas, para os evidencialistas, es­ para vind icar o cristian ism o entre os que as têm.
tabelecer a existência de Deus não é um pré-requisito Os que apelam para tais experiências rejeitam abor­
lógico ou passo necessário. É apenas parte do conjun­ dagens apologéticas no sentido tradicional. R e je i­
to geral de evidências que apoiam o cristianismo. tam argum entos racionais ou evidência factual em
Em contraste com a apologética histórica, o eviden- lugar do que acreditam ser uma experiência que
cialista puro não apela para a evidência histórica como comprova a si m esm a.
base única para sua defesa. Para os evidencialistas há Alguns proponentes da apologética experimental.
certos eventos, tais como as curas de Jesus, ressurrei­ Entre os místicos cristãos o nome Meister Eckart se des­
ção de mortos e profecias cumpridas, que por si pró­ taca. Os existencialistas incluem Soren K ierk eg a a rd ,
prios, separados da pressuposição ou prova anterior Rudolph B ultmann e Karl B arth ( v. tb. fideísm o ). Outros
de que Deus existe, substanciam a veracidade do cris­ nomes favoráveis a uma abordagem experimental mais
tianismo. Já que os fatos deixam isso claro, não há ne­ geral incluem Friedrich S chleiermacher e Paul Tillich.
cessidade, segundo os evidencialistas, de fornecer uma Comparações com outras abordagens. Argumentos
razão independente para acreditar na existência de experimentais da existência de Deus às vezes são usa­
Deus. Em com paração, tanto a apologética clássica dos por apologistas clássicos e evidencialistas. A dife­
quanto a pressuposicional insistem que eventos h is­ rença é que, para o apologista experimental, o único
tóricos só podem ser interpretados à luz da estrutura tipo de evidência é o não-racional, m ístico e existen­
da cosmovisão da qual são parte. cial. Em outras abordagens apologéticas, o argumen­
Apologética experimental. Alguns cristãos apelam to da experiência religiosa é apenas um dentre os vá­
principalmente, mas não exclusivamente, à experiên­ rios tipos de evidência.
cia como evidência da fé cristã. Alguns apelam à ex­ Os evidencialistas, principalmente do tipo revela-
periência religiosa em geral. Outros a experiências re­ cional, rejeitam argumentos puramente experimentais
ligiosas especiais. Nessa segunda categoria estão os que por não poderem ser comprovados e por serem de in­
enfocam experiências místicas e outros que identifi­ terpretação subjetiva.
cam o que acreditam ser experiências de conversão Apologética histórica. A apologética histórica enfatiza a
especificamente sobrenaturais. Existem algumas di­ evidência histórica como base para demonstração da ve­
ferenças obviamente importantes no amplo espectro racidade do cristianismo. Esses apologistas acreditam que
experimental. mesmo a existência de Deus, pode ser provada apenas pela
Tipos de experiência. O valor da experiência religi­ evidência histórica. Por um lado a apologética histórica per­
osa geral é de valor limitado para a apologética exclu­ tence à classe mais ampla da apologética comprovatória,
sivamente cristã. Na melhor das hipóteses, a experiên­ mas é diferente porque enfatiza a importância, até mesmo
cia geral estabelece a credibilidade da crença em al­ a necessidade, de começar com o registro histórico para
gum tipo de ser supremo (não necessariamente o Deus comprovar a verdade do cristianismo.
teísta). No entanto, as provas da experiência religiosa Alguns defensores da apologética histórica. O cris­
(v. D e u s , apologética experim ental para ) têm sido ofere­ tianism o é uma religião histórica, então é compreen­
cidas por cristãos e outros. Experiências religiosas ge­ sível que tenha uma ênfase histórica desde o princí­
rais estão disponíveis a todos. pio. Os primeiros apologistas, incluindo T ertu lia n o ,
Experiências religiosas especiais são mais lim ita­ J ustino M á r t ir , C lem en te de A lexandria e O ríg en es de­
das. O místico, por exemplo, afirma uma experiência fenderam a historicidade do cristianismo.
especial com Deus .Experiências místicas (v. m ist ic is ­ Já que esses apologistas antigos geralmente não
m o ) diferem das experiências religiosas gerais porque eram sistemáticos em suas obras, é difícil dizer se en­
afirmam ser contatos diretos e imediatos com Deus. tram na categoria de apologética histórica. Alguns ofe­
Os místicos cristãos afirmam que tais experiências são receram argumentos teístas, mas provavelmente nem
verdadeiras. todos o viam como o primeiro passo logicamente ne­
Em bora os chamados “encontros de experiência cessário da apologética geral. Os apologistas históri­
existencial com Deus” (v. K ie r k e g a a r d , S o r e x ) não se­ cos contemporâneos incluem John Warwick Montgo­
jam o mesmo que experiências místicas, seus defen­ mery e Gary Habermas.
sores afirmam que também são autênticos. A pessoa é Algumas comparações com outras abordagens. A
tomada por Deus num encontro não-racional e direto ap o log ética h istó rica é diferente da abordagem
que é mais básico e real que a experiência sensorial. evidenciai por seu enfoque restrito, usando apenas um
Apesar de nem todos cham arem essas experiências tipo de evidência em vez de muitos. Ela tam bém ofe­
“evidência apologética”, elas servem, m esm o assim , rece um argumento seqüencial. 0 apologista histórico
Apolônio de Tiana 64

só começa com evidências históricas como premissa bá­ teístas. Aceitam as críticas da argumentação teísta de
sica. Depois de estabelecida a historicidade, o apologista H u m e e K a n t (v. D e u s , objeções às provas d e ). O u acredi­
argumenta que são feitas certas afirmações nas Escritu­ tam que “fatos” separados da cosmovisão cristã não
ras das quais pode-se inferir que Deus existe, que a Bíblia têm significado.
é a Palavra de Deus e que Cristo é o Filho unigénito de Conclusão. Os proponentes de um tipo de sistema
Deus. O evidencialista não tem essa ordem lógica que apologético criticam os sistemas oponentes. Assim,
começa apenas com evidências históricas. Pelo contrá­ tanto a avaliação quanto as fontes são descritas sob
rio, o evidencialista emprega uma variedade de evidên­ c a d a tipo d e apologética discutido acima. Somente li­
cias das quais se conclui que o cristianismo é verdadeiro. vros que tratam de sistemas apologéticos em geral são
Tanto a apologética histórica quanto a clássica apresentados a na relação de “Fontes”.
usam evidências históricas. Mas o apologista clássico
acredita que a evidência histórica é apenas um segun­ Fontes
do passo, logicam ente precedido por argum entos D. C lark , Dialogical apologetics, cap. 5.
teístas que estabelecem a evidência de cosmovisão N . L. G eisler , Christian apologetics, Parte 1.
necessária pela qual é possível interpretar corretamen­ G. L ew is , Testing Christianity’s truth claims.
te as evidências históricas. B. R amm , Varieties o f apologetic systems.
Apologética pressuposicional. A apologética
pressuposicional afirma que é preciso defender o cristia­ apololética clássica. V. clássica , apologética
nismo a partir do alicerce de certas pressuposições. Ge­
ralmente o adepto desta escola de apologética pressupõe apololética experimental. V. experim en ta l , apologética
a verdade básica do cristianismo e depois continua de­
monstrando que só o cristianismo é verdadeiro.
apololética histórica. V. h istó r ic a , apologética
Conforme o pressuposicionalismo revelacional, é pre­
ciso pressupor que o Deus trino revelou-se nas Escritu­
apololética pressuposicional. V. p r e ssu p o sic io n a l ,
ras Sagradas antes de haver possibilidade de compre­
apologética
ender o Universo, a vida, a linguagem ou a história. Isso
às vezes é entendido como um argumento transcen­
Apolônio de Tiana. Este personagem (m. 98 d.C.) às
dental. Os pressuposicionalistas revelacionais incluem
vezes é apresentado por críticos do cristianism o como
Cornelius V an T il , Greg Bahnsen e John Frame.
o rival de Cristo por afirm ar ser o Filho de Deus e ter a
O pressuposicionalista racional também começa com
capacidade de realizar milagres para apoiar sua afir­
a Trindade revelada na Palavra escrita de Deus. Mas o
mação. Filostrato, em Vida de Apolônio , registra as his­
teste para ver se isso é verdade ou não é apenas a lei da
tórias póstum as de milagres, incluindo aparições e
não-contradição (v. p r im e ir o s pr in c íp ios ). O cristianismo
deificação ( apo teo se ) . Alguns críticos usam essas his­
demonstra a própria veracidade, pois, de todas as reli­
tórias para negar a singularidade da vida, m orte e res­
giões, é a única internamente coerente. Gordon Clark e
surreição de Cristo.
Cari F. H. Henry são pressuposicionalistas racionais.
Assim como os pressuposicionalistas racionais, os
A valiação d as alegações. As alegações a favor de
Apolônio ficam muito aquém das referentes a Cristo
pressuposicionalistas de coerência sistemática acredi­
(v. C r is t o , d iv in d a d e d e ). A biografia de Apolônio, es­
tam que um sistema deve ser racionalmente coerente.
Além disso, deve considerar abrangentemente todos crita por Filostrato, term ina com sua m orte. As bio­
os fatos. Também é preciso ser relevante existencial­ grafias de Jesus, não (v. Mt 28; Mc 16; Lc 24; Jo 20,
mente à medida que satisfaz as necessidades básicas 2 1). Elas term inam com a ressurreição (v. r e s s u r r e i ­
da vida. Só o cristianism o, acreditam eles, oferece um ção , ev id ê n c ia s da ) . Não há nada sobrenatural na bio­

sistema tão consistente. Edward John C arnell e Gordon grafia de Apolônio, nem quanto às afirm ações de di­
Lewis defendem essa posição. vindade nem quanto aos m ilagres feitos para provar
A abordagem apologética de Francis Schaeffer tem tal alegação. H istórias de milagres após sua ressur­
sido classificada ocasionalmente como forma separa­ reição sequer fazem parte da biografia. São cham a­
da de pressuposicionalismo, um tipo de pressuposi­ das apenas “histórias” por seu biógrafo, Filostrato.
cionalismo prático. Schaeffer acredita que sistemas fal­ Na verdade, são lendas posteriores.
sos não são vivenciáveis, que apenas a verdade cristã O livro de Filostrato é a única fonte existente da
é vivenciável. vida de Apolônio. A ssim , a autenticidade do reg is­
Algumas comparações com outras abordagens. Os tro não é com provada. No caso de Jesus tem os v ári­
pressuposicionalistas rejeitam a validade das provas os registros contem porâneos de sua vida, m orte e
apoteose 66

century m iracle worker”, m onografia apresen­ Essas histórias tam bém foram usadas para m inar
tada para a Sociedade Filosófica Evangélica. afirm ações da singularidade do cristianism o (v. c r i s ­
t i a n i s m o , s i n g u l a r id a d e d o ; p l u r a l is m o r e l i g i o s o ).
ap o teo se. Os críticos usam teorias da apoteose para Avaliação. A hipótese do homem divino foi der­
argumentar que a divindade e ressurreição de Cristo rubada por diversos teólogos como Oscar Cullman (A
não são crenças exclusivas do cristianismo. Teorias de cristologia do Novo Testamento), Gary H aberm as
apoteose relativas a pessoas que são levadas para o céu (Ressurrection claims in non-christian religions) [Afir­
e divinizadas já foram contadas por outras religiões mações de ressurreição em religiões não-cristãs], e
(v. m i t r a í s m o ). Entre os críticos modernos conhecidos Ronald Nash (Christianity and the hellenistic world)
que usaram essas histórias para criar dúvidas sobre [Cristianismo e o mundo helenístico].
os registros do n t estão Otto Pfleiderer em The early Existem dificuldades para que essas lendas sejam
christian conception ofChrist [0 conceito cristão pri­ usadas como alegações que competem com as referen­
mitivo sobre Cristo] (1905) e W. Bousset em Kurios tes a Cristo. As fontes dessas histórias são todas muito-
Christos [Cristo, o Senhor] (1913). posteriores aos eventos descritos e são questionáveis.
Afirmações de divinização não são raras na m ito­ Suetônio viveu 150 anos depois de Júlio e quase cem
logia antiga e nas religiões de m istério (Pfleiderer). anos depois de Augusto. 0 relatório de Dio Cássio sobre
Entre os supostamente divinizados estão vários im ­ Adriano surgiu cerca de cem anos depois. Filostrato es­
peradores romanos (com destaque para os Césares, creveu mais de cem anos depois da morte de Apolônio.
Júlio e Augusto) e A polônio de T iana (H aberm as,p.l68). Em comparação, a encarnação e divindade de Cristo
Alegações de apoteose. Suetônio relata que, depois foram atestadas por testemunhas oculares em relatos
da morte de Júlio César,
contemporâneos (v. C risto , divindade de ; Novo T estamen ­
to , confiabilidade dos documentos do ).
um cometa apareceu cerca de uma hora antes do pôr-do-
Havia uma agenda política por trás da maioria des­
sol e permaneceu visível por vários dias. Foi considerado uma
ses relatórios. Quase metade dos doze imperadores bio­
manifestação da alma de César, elevada ao céu; daí vem a es­
grafados por Suetônio foram supostamente deificados,
trela, hoje colocada acima da testa de sua imagem divina
e a história de Apolônio aparece numa época em que
(Suetônio, 1.88).
alguns no Império tentavam estimular a adoração m i­
tológica renovada. De qualquer forma não poderiam ser
Durante a cremação de Augusto, Suetônio afirma
denominados registros históricos, já que não há como
que seu espírito supostamente foi visto “pairando no
comprovar se um espírito subiu ao céu ou uma alma se
céu por entre as chamas” (ibid., vol. 2, p. 100). Isso tam ­
transformou em estrela. Esses são testemunhos alta­
bém é considerado um sinal de apoteose.
mente subjetivos. Mas a afirmação de que Cristo res­
Antônio, o escravo favorito do imperador Adriano,
suscitou fisicamente dos mortos, deixando um túmulo
tam bém foi su p ostam ente d ivinizad o na m o rte.
vazio e aparecendo num corpo físico durante um perí­
Adriano acreditava que uma estrela foi criada a partir
odo de semanas para centenas de pessoas, é comprova­
de sua alma, e então construiu uma cidade no local e
da historicamente (v. ressurreição , evidências da ).
ergueu várias estátuas em homenagem a Antônio. Uma
O conceito de que um ser humano poderia ser
das estátuas declara que Antônio foi glorificado no céu
divinizado não é o mesmo que o conceito cristão de
e na verdade era o deus Osíris (Cartlidge, p. 198).
encarnação, em que a segunda pessoa da Trindade se
Apolônio, um neopitagórico do século i, também
torna humano. Em Cristo, o Deus monoteísta se tor­
foi supostamente transportado para o céu depois de
dem onstrar poderes milagrosos. Mais tarde relatou- nou humano. Na apoteose um ser humano se torna
se que havia aparecido a um jovem rapaz num sonho. mais um entre vários deuses.
Acreditava-se que Alexandre, o Grande, havia nas­ O caso de Alexandre. As alegações sobre Alexan­
cido de uma virgem, realizado grandes feitos e aceito dre, o Grande, ilustram a diferença radical entre essas
louvores por ser divino (Boyd, p. 49). Ele também é histórias de homens divinos e a de Cristo. Ao contrá­
colocado na categoria de lendas de homens divinos. rio dos evangelhos, os registros mais antigos de Ale­
Afirmações de ressurreição. Além de Apolônio xandre não contêm nenhum a das características en ­
de Tiana, há afirm ações de que líderes n ão-cristãos contradas em lendas posteriores sobre ele. As h istó­
ressuscitaram dos m ortos. Robert Price fez um e s­ rias dos milagres de Alexandre se desenvolveram du­
tudo extenso de religião com parativa sobre fen ô­ rante o período de mil anos. Os milagres de Jesus fo­
m enos p ós-m orte encontrados em outras religiões ram registrados nos trinta anos que se seguiram à ocor­
que se opõem às afirm ações cristãs sobre Cristo. rência deles (v. m il a g r e s na B í b l ia ; m ila g res , m it o s e ).
67 argumento cosmológico

Na verdade as lendas sobre Alexandre surgiram de­ cosmológico KAiAM e a vertical. O argumento cosmológico
pois da época de Cristo. É provável que as histórias horizontal baseia seu raciocínio numa causa do início
dos feitos excepcionais de Alexandre tenham sido in­ do universo. O argumento cosmológico vertical baseia
fluenciadas pelos registros dos evangelhos. seu raciocínio na existência do universo existente ago­
Os evangelhos foram escrito s no contexto do ra. O primeiro, que explica como o universo surgiu, foi
monoteísmo judaico, que afirmava que seres huma­ defendido por B oaventura (1221-1274). O segundo, que
nos não podem ser Deus. Mas as histórias de Alexan­ explica como ele continua existindo, provém de T omás
dre foram compostas num contexto pagão e politeísta, de A quino (1224-1274). O primeiro exige uma causa
onde o conceito de humanos divinizados era aceito. originadora, o segundo uma causa sustentadora. For­
Conclusão. Tentativas de reduzir Jesus a uma len­ mas diferentes do argumento cosmológico combinam
da grega de homem divino são fadadas ao insucesso. ambas as dimensões.
As diferenças são demasiado radicais e, se um relato Resumo dos argum entos cosmológicos. A idéia
influenciou o outro, o registro cristão de Deus m ani­ básica desse argumento é que, já que há um universo
festo em carne humana veio primeiro. em vez de nenhum, ele deve ter sido causado por algo
além dele mesmo. Esse raciocínio baseia-se na lei de
Fontes causalidade (v. causalidade , princípio da ), que diz que
B. L. B lackburn , “M iracle w o rk in g theioi andres in toda coisa finita ou contingente é causada agora por
hellenism (an d h ellen ie ju d aism )”,D. W enham , algo além de si mesma.
Gospel perspectives, v. 6: The miracles o f Jesus. A ristóteles: Motor imóvel. O discípulo de P latão (428-
W. B ousset , Kurios Christos. 348 a.C.), Aristóteles (384-322 a.C.) elaborou o argumento
G. BoYD./esws under Siege. de seu mestre sobre Deus. Em sua melhor forma, o argu­
D. R . C artlidge , Documents for the study o f the mento cosmológico é descrito no artigo sobre Aristóteles.
gospels. O argumento pressupunha um universo politeísta (v.
0 . C ullmans, Cristologia do Sovo testamento. politeísmo ). Ele partiu do fato da mudança e seus movi­
R . F u ller , The foundation of .Y en’ Testament mentos para a existência de realidades puras e motores
christology. imóveis. Esses seres necessários podem agir sobre seres
G. H abermas , “Resurrection c la im s in non-cliristian contingentes. Eles atuam sobre a mudança potencial para
religions”, rs 25. torná-la mudança realizada. A cosmologia de Aristóteles
R. N ash , Christianity and the hellenistk world. postulava dezenas de motores imóveis, mas em última
0 . P fleid erer , The early Christian conception o f análise um céu e um Deus. Pois apenas coisas materiais
Christ. podem ser numericamente diferenciadas.
R. P rice , “I s
there a p la ce for historical criticism ?”. O que chama a atenção sobre o argum ento de
artigo a p re s e n ta d o e m “0 cristianism o desafia a univer­ Aristóteles é que ele introduz a questão de uma re­
sidade: co n fe rê n cia in te rn a cio n a l de teístas e ateus”. gressão infinita de causas (v. infinita,série ).Aristóteles
D allas, T exas, 7-10 Feb 1985. luta com uma visão de que devia haver uma pluralidade
S uet Onio , The twelve Caesars. de primeiras causas, mas, ao contrário dos demiurgos
M. W ilkins , Jesus under Fire. de Platão, a Causa Primeira de Aristóteles é uma cau­
E . Y amalchi, “M agic o r m ira cle ? D isease, dem ons and sa final (determinante).
exorcism s”, D. W t w h a m , o rg . Gospel perspectives, v. 6: The Mas essa causa determinante não deve ser confun­
miracles o f Jesus. dida com a causa eficiente ou produtora dos pensado­
res cristãos posteriores. Nem os demiurgos de Platão (v.
Aquino, Tomás de. V . T omas de A q u in o . criação , teorias da ) nem o motor imóvel de Aristóteles
são iguais ao Ser absolutamente perfeito do teísmo cris­
argumento cosmológico. Os argumentos tradicional- tão. 0 motor imóvel de Aristóteles não era um Deus
mente usados para provar a existência de Deus são o pessoal e não tinha importância religiosa. Nenhuma
argumento cosmológico, o argumento teleológico, o ar­ adoração era devida a esse deus. A Causa Primeira não
gumento moral e o argumento ontológico. Esses são res­ era infinita. Apenas o que é sem forma ou indefinido
pectivamente os argumentos do cosmos, do desígnio, poderia ser considerado infinito pelos gregos.
da lei moral e da idéia de um ser absolutamente per­ Anselmo: argumentos do tipo cosmológico. Antes de
feito (ou necessário). A n selm o , A gostinho ofereceu uma “prova” de Deus. De­
Formas do argumento. Há duas formas básicas pois dele,Anselmo (1 0 3 3 -1 1 1 9 ).Ele é mais conhecido
do argumento cosmológico: a horizontal ou argumento por seu argumento ontológico contido no Proslogion,
argumento cosmológico 68

mas uma obra anterior, o Monologion, ofereceu três Causa eficiente não opera meramente sobre matéria
provas a posteriori da existência de Deus (Anselmo 1- eternamente existente. Antes, essa Causa tudo causa,
3). Uma descrição dos seus argumentos é dada no ar­ inclusive a matéria.
tigo sobre Anselmo. Esses argum entos teístas cristãos com binaram
0 primeiro argumento de Anselmo é baseado na pelo menos três elementos: 1) a causalidade eficiente
existência de coisas boas: do argumento de Platão contido em sua obra Timew,
2) a identificação desse Deus com o Bem da República
1. Coisas boas existem. de Platão, o Ser absolutamente Perfeito; 3) a identifi­
2. A causa dessa bondade é “uma” ou “muitas”. cação desse Deus com o Deus do conceito judeu-cris­
3. Se fossem “muitas”, não haveria como compa tão. Esse Deus causa a própria existência, não apenas
rar a bondade. Mas algumas coisas são melho­ as formas de existência, de tudo que existe.
res que outras. A lfarabi: argumento da existência necessária. Fi­
4. Então, há o sumo bem que causa toda bonda­ lósofos árabes e judeus da Idade Média influencia­
de em todas as coisas boas. ram form as posteriores do argumento cosmológico.'
O pensador m uçulm ano Alfarabi (870?-950) proveu
0 segundo argumento é semelhante, mas começa o fundam ento dos argumentos escolásticos posteri­
pela perfeição: ores com a distinção entre essência e existência.
Aristóteles distinguiu entre o quê uma coisa é e que
ela é. Mas Alfarabi afirmou essa distinção como a “es­
1. Alguns seres estão mais próximos da perfei­
sência” e a “existência”. Essa distinção implica um ar­
ção que outros.
gumento pela existência de Deus, cuja forma é demons­
2. Mas as coisas não podem ser mais ou menos
trada no artigo sobre Alfarabi (v. tb. Maurer p. 95-97).
perfeitas a não ser que exista o padrão absolu­
Esse raciocínio estabelece o conceito de “seres possíveis”,
tamente perfeito para fazer a comparação.
cuja essência é distinta da existência. Esses seres não
3. Esse padrão é o Ser Absolutamente Perfeito.
“precisam” existir. Antes não existiam, pois existência
não faz parte de sua essência. Pode-se dizer que eles
0 terceiro argumento, com base na existência, é
existem acidentalmente, em vez de essencialmente.
mais distintamente cosmológico:
Tais seres devem ter recebido existência de outro
ser. Esse ser causador tam bém deve ter sido causado.
1. Algo existe, e
Mas um ser não-causado teve de com eçar a causar.
2. deve sua existência ao nada ou a algo.
Essa causa prim eira deve ser um Ser essencial, cuja
3. O nada não pode causar algo.
essência é existir. Só a existência de tal Ser Necessário
4. Então, há algo que é “um” ou “muitos”.
explica a existência de todos os seres acidentais.
5. Se forem “muitos”, os seres serão interdepen­
Filosoficamente falando,se existem seres cuja essência
dentes para a própria existência ou dependen­ é não existir,então deve haver um Ser cuja essência é existir.
tes de outros. Seres possíveis não são possíveis a não ser que haja um Ser
6. Eles não podem ser interdependentes para Necessário do qual podem receber existência. E já que um
existir. Algo não pode existir por meio de um ser não pode dar existência a outro quando depende de
ser ao qual confere existência. outro para existir, deve haver um Ser cuja existência não
7. Logo, deve haver um ser por meio do qual todos lhe foi dada por outro, mas que dá existência a todos.
os outros seres existem. Awcena: argumento da primeira causa. Depois de
8. Esse ser deve existir por si mesmo. Alfarabi, o filósofo muçulmano Avicena formulou um
9. Tudo o que existe por si mesmo existe no mais argumento cosm ológico sem elhante, que foi copia­
alto grau. do de várias formas por estudiosos posteriores. ( Para
10. Logo, o Ser absolutamente perfeito existe no a form a, veja o artigo A vichna). A prova com eça pelos
mais alto grau. “seres possíveis” de Alfarabi, que devem ter uma cau­
sa para existir.Não pode haver uma série infinita de cau­
Esses argumentos, ao contrário dos de Platão, mas sas de existência, já que a causa da existência deve existir
em consonância com o raciocínio de P lotino , identifi­ ao mesmo tempo que causa outro. Por intemédio dessa
cam o Criador com o Sumo Bem. Ao contrário dos de Causa Primeira todos os seres existem. A Causa Primei­
Aristóteles, os argumentos de Anselmo consideram ra deve ser a Causa necessária, pois causa de todos os
Deus a Causa eficiente, não final, do mundo. Ao contrá­ seres possíveis não pode ser um ser possível. Deve ser
rio de Platão ou Aristóteles, Anselmo afirma que essa um Ser Necessário.
69 argumento cosmológico

Ao emprestar algumas premissas neoplatônicas (v. 4. Não pode haver uma regressão infinita de rea­
e a cosmologia de dez esferas, Avicena esten­
P l o t in o ) lizadores ou motores. Se não há um motor im ó­
deu seu argumento para defender que essa Causa Pri­ vel, não pode haver movimento subseqüente, já
meira necessária criou uma série de anjos ou “inteli­ que todo movimento subseqüente depende de
gências”. Eles controlam as dez esferas cósm icas. Ele motores anteriores para movimento.
raciocinou que o Ser Necessário, que é essencialm en­ 5. Logo, deve haver um motor imóvel, um reali­
te um, pode criar apenas um efeito de cada vez. Já que zador puro sem qualquer potencialidade em si,
pensar é criar e Deus necessariamente pensa, já que é que não seja realizada.
um Ser Necessário, deve haver da parte de Deus uma 6. Todos o consideram Deus.
emanação de dez seres, chamados “inteligências”, que
fazem o trabalho real. 0 último desses seres, chamado O argumento baseado na causalidade eficiente:
“Intelecto Agente”, forma os quatro elementos do cos­
mos e informa à mente humana toda verdade. 1. Há causas eficientes no mundo (i.e., causas
O deus de Avicena, então, era um Ser Necessário do produtoras).
qual uma força criativa em série de dez deuses resultava 2. Nada pode ser a causa eficiente de si mesmo,
com necessidade absoluta, Ao contrário do Deus cristão pois teria de ser anterior a si m esm o para
que criou livremente e que é diretamente responsável pela causar-se.
existência de tudo que existe, a cadeia de deuses de Avicena 3. Não pode haver uma regressão infinita de cau
é necessária e esses deuses criam tudo abaixo deles. sas eficientes (essencialm ente relacionadas),
O filósofo judeu Moisés M a im ô n id e s (1135-1204) an­ pois, a não ser que tenha havido uma primeira
tecipou várias formulações cristãs posteriores de argu­
causa da série, não haveria causalidade na série.
mentos do tipo cosmológico. Ele argumentava em prol o
4. Logo, deve haver uma Causa primeira, não cau­
primeiro motor, a Causa Primeira e o Ser Necessário,como
sa da e eficiente, de toda causalidade eficiente
nos três primeiros argumentos de Aquino. Insistiu que o
no mundo.
“ e u s o u ” d o a i (Êx 3.14) queria dizer “existência absoluta”
5. Todos dão a ele o nome de Deus.
e que só Deus existe absoluta e necessariamente. Todas
as criaturas têm existência apenas como “acidente” acres­
O argumento baseado na possibilidade e necessidade
centada a sua essência pela sua Causa.
T omás de áquixo: cin co argum entos. Quando
1. Há seres que com eçam a existir e deixam de
Aquino formulou sua“Cinco vias”, não criou argu­
existir (i.e., seres possíveis).
m en to s que era m s u b s ta n c ia lm e n te n ov os.
2. Nem todos os seres podem ser seres possíveis,
M aim ônides tinha os três prim eiros argum entos.
porque o que surge só o faz por meio do que já
Alfarabi e Avicena tinham as duas prim eiras provas.
existe. O nada não pode causar algo.
Anselmo tinha um argumento a partir da perfeição
3. Logo, deve haver um Ser cuja existência é ne­
sem elhante ao quarto argumento. E a quinta prova
cessária (i.e., alguém que nunca foi criado e
de Aquino era um argumento mais teleológico, que
jam ais deixará de ser).
estudiosos como Thierry de Chartes e W illiam de
4. Não pode haver regressão infinita de Seres Ne­
Conches adaptaram do argum ento de Platão em
cessários, cada um com sua necessidade depen­
Timeu. Aquino, é claro, afirm a os argumentos a par­
dente de outro porque:
tir do contexto da própria filo so fia , que é m ais
a. A regressão infinita de causas dependentes é
aristotélica que a da m aioria de seus antecessores
cristãos. Os quatro prim eiros argumentos de Aquino impossível por causa do raciocínio no argu­
podem ser resumidos desta forma: mento da causalidade eficaz.
b. Um Ser Necessário não pode ser dependente.
O argumento baseado no movimento (Aquino, 1.2.3): 5. Portanto, deve haver um primeiro Ser que é ne­
cessário em si e independente de outros para
1. As coisas se movem. O movimento é a forma existir.
de mudança mais óbvia.
2. Mudança é uma passagem da potência para o O argumento baseado na gradação (perfeição)
ato (i.e., da potencialidade para a realidade).
3. Nada passa da potência para o ato exceto por 1. Há níveis diferentes de perfeição entre as coi­
algo que está em realidade, pois é impossível sas (algumas estão mais próximas da perfeição
uma potencialidade se realizar. que outras).
argumento cosmológico 70

2. Mas as coisas não podem ser mais ou menos 5. Logo, a existência é produzível apenas por al­
perfeitas a não ser que haja o perfeito absoluto. gum ser produtivo. Somente seres podem pro­
3. A perfeição é a causa dos menos que perfeitos duzir seres.
(o maior é a causa do menor). 6. Não pode haver regressão infinita de seres pro-
4. Logo, deve haver um Ser perfeito que cau­ dutivos, cada um produzindo a existência do
sa a perfeição dos seres menos que perfeitos. seguinte, porque:
5. A esse chamamos de Deus. a. Isso é uma série de causas essencialmente
re la c io n a d a s, n ão a c id e n ta lm e n te r e la ­
O argumento a favor de uma Causa Primeira da cionadas, 1) onde a causa prim ária está mais
existência. Parece haver uma forma básica por trás próxima da perfeição que a secundária, 2) onde
de todos esses argumentos que têm apenas pontos a causa secundária depende da primária para
de partida diferentes. Cada argumento com eça com a própria causalidade e 3) onde a causa deve
alguma característica de existência (m udança, cau­ ser simultânea ao efeito.
salidade, contingência e perfeição, respectivamente) b. A série infinita de causas essencialmente
e depois argum enta a favor de uma Causa Primeira: relacionada é impossível, porque: 1) se toda a
série é dependente da causalidade (toda causa
1. Alguns seres dependentes existem. d ep end e de um a cau sa a n te rio r), en tão
2. Todos os seres dependentes devem ter uma deve haver algo além da sé rie re s p o n s á ­
causa para sua existência dependente. vel pela causalidade na série. 2) Se uma série
3. A regressão infinita de causas existencialm en­ infinita causasse o efeito, então haveria um
te dependentes é impossível. número infinito de causas simultaneamente
4. Logo, deve haver uma Causa Primeira não cau­ causando um único efeito. Isso é impossível.
sada da existência de todo ser dependente. Não pode haver um nú m ero in fin ito real
5. Esse Ser independente é igual ao “Eu Sou” das numa série, pois é sempre possível acrescentar
mais um a qualquer número. 3) Sempre que
Escrituras, o que explica a impossibilidade de
há causas anteriores, deve haver uma causa
existir mais de um ser ahsolutamente neces­
principal (prim ária). Uma causa não estaria
sário e independente do qual tudo depende
mais próxima do princípio que qualquer ou­
para existir.
tra a não ser que haja um princípio. 4) Causas
maiores estão mais próximas da perfeição que
Duns Scotus: argumento da produtibilidade. John
causas menores, e isso implica uma Causa per­
Duns Scotus (1265?-1308?) modificou o argumento
feita à frente de todas as coisas m enos que
cosmológico de Aquino de duas formas importantes.
perfeitas. 5) A regressão infinita de causas
Prim eiram ente, com eçou com a produtibilidade da
implica im perfeição, já que nenhum a causa
existência, não apenas com seres produzidos. Em Se­
tem a capacidade de explicar as causas su
gundo lugar, ampliou o argumento contra a regressão
cessivas. Mas a série imperfeita implica algo
infinita de causas dependentes. A forma completa da
perfeito além da série por base da imperfeita.
prova de Scotus (Scotus, p. 39-56) é:1
7. Logo, deve haver uma primeira Causa produti­
va de todos os seres produzíveis.
1. A existência é produzida ( i.e., os seres são pro­
8. Essa Causa Primeira de todos os seres produ-
duzidos). Isso aprendemos po meio da experi­
zivéis deve ser única, porque:
ência (pela observação dos seres produzidos), a. É perfeita em conhecimento, e não pode
mas isso tam bém é verdadeiro independente­ haver dois seres que saibam tudo perfeitamen­
mente da experiência (i.e., isso se aplicaria a te, pois um conheceria a si mesmo mais com ­
seres que não existem ). Seria verdadeiro, m es­ pletamente que o outro o conheceria.
mo se Deus não tivesse criado nada. b. É perfeita em vontade; portanto, ama a si
2. O produto é produzível, por si mesmo, ou por m esm a m ais com pletam ente que am a tudo
nada, ou por outra coisa. mais, o que significa que o outro infinito seria
3. Mas nenhum ser pode autoproduzi-se. Para amado menos que perfeitamente.
causar sua própria existência, teria de existir c. É infinitamente boa, e não pode haver dois
antes da própria existência. seres infinitam ente bons, pois assim haveria
4. E algo não pode ser causado por nada. Isso é mais que um bem infinito, e isso é impossível,
contraditório. já que não pode haver mais que o máximo.
71 argumento cosmológico

d. É infinita em poder. Se houvesse dois se­ Sob a influência do discípulo de Leibniz, Christian
res com poder infinito, isso significaria que ha­ W olff (1679-1754), essa prova tornou-se o padrão do
veria duas causas primárias totais do mesmo argumento cosmológico no mundo moderno. Wolff
efeito, já que nào pode haver duas causas que começou o argumento (Collins, p. 137-8) de maneira
tenham causado, cada, tudo que há. um pouco diferente:
e. O infinito absoluto não pode ser excedido
em perfeição, já que não pode haver um mais 1. A alma humana existe (i.e., nós existim os).
perfeito que o absolutamente Perfeito. 2. Nada existe sem uma razão suficiente para
f. Não pode haver dois Seres Necessários, existir.
pois, para diferenciá-los, um teria de ter algu­ 3. A razão de nossa existência deve estar contida
ma perfeição da qual o outro carecesse (se não em nós mesmos ou em outro ser, além de nós
há diferença real, eles não são realmente dife­ mesmos.
rentes). Mas tudo que um Ser Necessário tem, 4. A razão da nossa existência não está em nós.
deve ter necessariamente. Então, o que não tem Nossa inexistência é possível ou imaginável.
o que o outro tinha necessariamente não seria 5. Então a razão da nossa existência deve estar
um Ser Necessário. fora de nós mesmos.
6. Não se chega à razão suficiente para existirsem
g. Vontade onipotente não pode estar em dois
alcançar o ser que tenha em si mesmo a razão
seres, pois então um poderia deixar impotente
para sua própria existência. Se não tivesse,en­
o que o outro deseja onipotentemente. Mesmo
tão deve haver uma razão suficiente para sua
se concordassem em não impedir um ao ou­
existência além de si mesmo.
tro, ainda seriam incompatíveis, pois cada um
7. O ser que tem em si mesmo a razão para a pró­
fosse a causa primária total e (direta) de qual­
pria existência é o Ser Necessário.
quer coisa que concordassem em criar. Mas a
8. Logo, deve haver um Ser Necessário além de
Causa onipotente deve ser a Causa primária
nós, que é a razão suficiente de nossa existên­
total (e direta) do que cria. A causa que con­
cia. Se não houvesse um Ser Necessário fora
cordar com o efeito que não crie diretamente
de nós, seríam os Seres Necessários, tendo a
seria apenas a causa indireta e, logo, não a Cau­
razão para própria existência em nós mesmos.
sa direta (onipotente) do efeito.
9. É logicamente impossível não existir um Ser
Necessário. Auto-existência ou essência flui ne­
L eibn iz : 0 a r g u m e n t o d a r a z ã o s u fic ie n te . A forma
cessariamente da natureza do Ser Necessário.
mais influente do argumento cosmológico nos tem ­
10. Logo, esse Ser Necessário é igual ao Deus auto-
pos modernos surgiu de Gottfried Wilhelm Leibniz
existente das Escrituras.
(1646-1716), o racionalista alemão. A prova (Leibniz,
p. 32-9) é assim formulada:1
A fórmula Leibniz-Wolff do argumento cosmológico
baseia-se em grande parte no princípio de razão sufici­
1. O mundo inteiro (observado) está mudando.
ente (v. suficien te , princípio de razão ), que geralmente é
2. Tudo que é mutável carece de razão para a pró­
defendido como um princípio analítico evidente. O ar­
pria existência.
gumento é a p o s t e r io r i na forma, mas não existencial.
3. Há uma razão suficiente para todas as coisas, Começa com a existência de algo, mas depois prosse­
ou em si mesmo ou além de si. gue em direção a sua conclusão, logo é baseado numa
4. Logo, deve haver uma causa além deste m un­ certeza conceituai, não numa certeza real (existencial).
do para sua existência. É exatamente esse o ponto inicial da crítica moderna ao
5. Essa causa está ou na própria razão suficiente argumento cosmológico. Até filósofos escolásticos foram
ou possui uma causa além dela. altamente influenciados por esse tipo de raciocínio
6. Não pode haver regressão infinita de razões (Gurr). Sua reformulação do argumento cosmológico
suficientes, pois deixar de alcançar uma ex ­ de Aquino está sujeita à mesma crítica .
plicação não é explicação; mas deve haver Respondendo às objeções ao argumento. Objeções
uma explicação. contra o argumento cosmológico, emanadas em gran­
7. Logo, deve haver uma Causa Primeira do mundo de parte de Immanuel K ant e David H um e , são tratadas
que não tem razão além dele é a própria razão. A abundantemente nos artigos biográficos sobre esses fi-'
razão suficiente está nela mesma e não além dela. lósofos e no artigo D eu s , objeções às provas d e .
argumento cosmológico 72

Taylor: reafirmando o argumento cosmológico. Richard verdadeiro. O argumento de Taylor parece dar plausibi­
Taylor provocou novo interesse no argumento cosmoló­ lidade a um tipo cosmológico de argumento, já que
gico por meio de uma reformulação que evita muitas demonstra que é significante buscar uma causa para
objeções tradicionais. A reformulação de Taylor assume o mundo inteiro. Demonstra como o conceito de um
a seguinte forma (Taylor, p. 279-95): Ser Necessário é importante e argumenta firmemente
contra a regressão infinita. O argumento baseia-se na
1. O universo como um todo não explica a pró­ necessidade de uma explicação da existência do mun­
pria existência. do, não numa suposta necessidade conceituai ou lógi­
a. Nenhuma parte observável explica sua existên­ ca, como no argumento ontológico.
cia. Apesar desses fatores positivos para o teísmo, o
b. O todo também não explica sua existência (sua argumento de Taylor está sujeito às críticas da tradi­
inexistência é concebível). ção racionalista Leibniz-Wolff. Ele coloca o sucesso do
c. Responder às perguntas Onde? Há quanto tem­ argumento cosmológico nas mãos do princípio da ra­
po? O quê? ou De que tamanho? Não responde zão suficiente, em vez de baseá-lo totalmente no prin­
por que o mundo existe quando não precisa cípio da causalidade existencial. O mundo exige uma
existir (e.g., uma bola grande encontrada numa causa real e não apenas uma explicação ou razão. Isso
floresta precisa de uma explicação do porquê não pode ser alcançado ao confundir e/ou igualar uma
de existir; expandir a bola ao tam anho do uni­ base para a existência atual do mundo com uma ex­
verso inteiro não elimina a necessidade de uma plicação da incapacidade de conceber sua inexistência.
explicação). Problemas conceituais exigem soluções conceituais.
2. Tudo o que não explica a própria existência Seres dependentes reais exigem um Ser independente
precisa de uma explicação além de si mesmo. do qual dependem no momento presente.
a. É logicamente possível que o princípio da ra­ Conclusão. O argumento cosmológico vertical ba­
zão suficiente não seja verdadeiro. Não é ver­ seia-se na premissa de que algo mantém o universo
dadeiro analiticamente; pode ser negado sem em existência agora. Alguma coisa não só criou o mun-
contradição. do (Gn 1.1), mas tam bém faz com que continue a exis­
b. Mas é implausível e irracional negar sua verda­ tir (Cl 1.17). 0 mundo precisa de uma causa origina­
de quando aplicado ao mundo. A inexistência dora e uma causa conservadora. Esse argumento res­
do mundo é imaginável, quer inclua apenas um ponde a uma das perguntas mais básicas: “Por que
grão de areia ou todas as estrelas, e supomos o existe algo (agora) em vez de nada?”. Em resumo, isso
princípio da razão suficiente em todo nosso pode ser enunciado desta maneira:
pensamento.
3. A regressão infinita de razões é impossível, pois 1. Toda parte do universo é dependente.
ela não oferece uma razão suficiente; apenas evi­ 2. Se toda parte é dependente, então todo o uni­
ta indefinidamente dar a razão que é necessária verso também deve ser dependente.
para a existência. Portanto, deve haver uma cau­ 3. Logo, todo o universo é dependente agora de
sa primária, auto-suficiente (independente) de algum Ser independente além dele para sua
todo o universo. existência atual.

Taylor acrescenta que não é menos significativo fa­ Em resposta, os críticos argumentam que a segun­
lar sobre Deus como o Ser Necessário e independente da premissa é a falácia denominada composição. Só
que falar que círculos quadrados não existem. Se é sig­ porque todas as partes de um mosaico são quadradas
nificativo falar sobre seres que são impossíveis, então não significa que o mosaico inteiro seja quadrado. E
é significante falar sobre o Ser necessário. Um concei­ ju ntar dois triângulos não form a necessariam ente
to de um Ser que não pode não existir é tão significante outro triângulo; pode formar um quadrado. A totali­
quanto um conceito de um ser que não pode existir dade pode ter (e às vezes tem) uma característica não
(i.e., um que pode ser inexistente). possuída pelas partes.
Alguns comentários são necessários com respeito Os defensores da form a vertical do argum ento
ao estado do argumento cosmológico à luz da revisão cosm ológico logo afirm am que às vezes há uma
de Taylor. Tal argumento não chega à conclusão racio­ conexão n ecessá ria entre as p artes e o todo. Por
nalmente inevitável! Taylor admite que é logicamente exem plo, se todas as partes de um piso são de ca r­
possível que o princípio da razão suficiente não seja valho, então todo o piso é de carvalho. Se todas as
73 Aristóteles

iaiotas na cozinha são m a rro n s, en tã o o piso é Nascido em Estagira (384-322.C .),G récia, filho de
m arrom . A razão d isso é que está na própria n a­ um médico, Aristóteles entrou para a academ ia de
tureza das lajotas do piso m arrom que, ao serem P latão em 367 a .C , aproximadamente, e permaneceu
colocad as m ais lajo tas m arrons p arecid as, ainda ali até a morte de Platão (347). Ele começou a instruir
se tenha um piso m arrom . E unir dois triâng u los Alexandre, o Grande (3 5 6-323), em 342 a.C., aproxi­
não faz n ecessariam en te outro triân g u lo. E n tre­ madamente. Com as conquistas de Alexandre, o pen­
tanto, unir dois triângu los forma n e cessa ria m e n ­ samento de Aristóteles se espalhou, juntam ente com a
te, outra figura geom étrica. língua e a cultura grega, por todo o mundo.
Portanto, está na natureza dos seres dependentes As obras principais de Aristóteles podem ser divi­
que, quando outros lhes são acrescidos, ainda exista didas em lógica, estudos físicos, psicologia e filosofia:
um ser dependente. Se algo é dependente para existir,
então outro ser dependente não pode sustentá-lo, as­ Lógica: Categorias, Da interpretação, Primeiros
sim como um pára-quedista não pode salvar outro se analíticos, Segundos analíticos. Refuta
nenhum dos dois estiver com o pára-quedas aberto. ções sofísticas, Tópicos
Alguns críticos respondem que o todo é maior que Ciências física: Meteorológicas, Da geração e da
as partes. Apesar de as partes serem dependentes, o corrupção, Tratado do céu, Física
universo inteiro não é. Mas a soma das partes é igual P sicologia: Dos sonhos, Sobre m em ória e lem ­
ao todo ou é maior que ele. Se o universo inteiro é igual brança, Sobre a profecia por meio de so­
as suas partes, então o todo deve ser dependente, as­ nhos (Parva naturalia), Da alma
sim como as partes são. Prova disso é que, se todas as Filosofia: Poética, Metafísica, Ética a Nicômaco,

la n e s fossem tiradas, o todo também sumiria. Logo, Política, Retórica


SEEÉwn deve ser contingente.
Poucos pensadores, talvez nenhum, antes ou de­
S í. por outro lado, o universo inteiro é m ais que
pois de Aristóteles, fosse mais analítico, enciclopédico
as partes e não sum isse se as partes fossem todas
e produtivo.
destruídas, então o “todo” equivaleria a Deus. Pois é
Epistem ologia (Teoria do conhecimento). Aristó­
um Ser Necessário não causado, independente e eter­
teles era um empirista que acreditava que todo conhe­
no. do qual todo o universo depende para existir.
cimento com eça nos sentidos. Quando um objeto é
percebido por um ou mais dos cinco sentidos, a men­
Fontes
te começa a agir sobre ele com seus poderes de abs­
A nselmo , Monologion.
tração. Aristóteles via três ações do intelecto: apreen­
A rist Otei .es , Metafísica.
são (entendim ento), predicação (declarações) e racio­
J.CoLLiNS, God in modem philosophy.
cínio silogístico (lógica).
I. E. Gurr, The principie ofsuíficient reason in some
Apreensão. A primeira ação da mente é a apreensão
scholastic systems, 1750-1900.
ou o entendimento de alguma coisa ou objeto. O sujeito
J. D. S cotus, Philosophical writings.
da apreensão é um animal racional (ser humano). O
G. L eibniz , Momdology and other philosophical
objeto da apreensão é a essência (natureza fundamen­
essays.
tal ) ou forma das coisas. O método de apreensão é o pro­
A. M auer , A history o f medieval philosophy.
cesso intelectual de abstração, por meio do qual a m en­
T. M ieth e , et ai., Does God existi A believer and an
te obtém um universal do proces-samento de informa­
atheist debate.
ção sobre os particulares. Nisso Aristóteles se diferenci­
J. P. M oreland , et ai., The debate betweeti theists and ava dos nominalistas posteriores, que negavam univer­
atheists. sais e ensinavam que apenas particulares existem.
R .T aywr, “Metaphysics and God”, D. BvRJuiuorg., Dez modos de apreensão são chamados “predica­
The cosmologkal argument. mentos” ou categorias. As categorias incluem:
T omás d e A quino ,S ií W íi teológica.
1. Substância — o que é apreendido. Isso também
Aristóteles. Pensador que tem uma importância imensa se chama o sujeito da apreensão. Substância
para a apologética cristã. Estabeleceu os princípios bá­ primária é o sujeito definitivo de toda predi­
sicos da razão, usados pela maioria dos apologistas (v. cação. Substância secundária é o universal que
Al­
C A U S A L ID A D E , P R IN C ÍP IO DAJ P R I M E IR O S P R IN C ÍP IO S ; L Ó G I C A ). é predicável para uma classe.
guns dentre os maiores apologistas, principalmente 2. Quantidade ou quanto do sujeito é apreendido.
T o m á s d e Aquino, dependiam dos princípios aristotélicos. 3. Qualidade é que tipo de sujeito é apreendido.
Aristóteles 74

4. Relação nos informa a que o sujeito se refere. proposições (afirmações) são feitas, conclusões podem
5. Ação indica sobre o que o su jeito está agindo. ser tiradas da com binação de duas ou mais dessas
6. Paixão é a foute da qual o sujeito recebe ação. predicações. Combinar predicações e tirar conclusões
7. Lugar responde onde se apreende o sujeito. resulta em silogismo. Há três tipos básicos de raciocí­
8. Tempo responde quando o sujeito é apreendido. nio: dedutivo, indutivo, e ilusório.
9. Posição refere-se às circunstâncias nas quais o Lógica dedutiva lida com a validade das deduções
sujeito é apreendido. dadas às premissas num silogismo. Aristóteles desen­
10. Hábito ou estado informa a condição em que volveu essa lógica em Primeiros analíticos, e em Se­
se encontra o sujeito apreendido. Um hábito é gundos analíticos acrescentou lógica material, que lida
natural, mas não essencial a uma coisa, como com a verdade dessas deduções ou dem onstrações.
roupas para humanos. Lógica indutiva (tam bém chamada“opinião”) lida com
o raciocínio da probabilidade. Isso é discutido em Tó­
Predicação. Quando um objeto é apreendido (en­ picos. Lógica falaciosa lida com raciocínio incorreto e
tendido), certas predicações podem ser feitas sobre ele. é discutido em detalhes em Refutações sofísticas.
Semelhante à apreensão, a predicação pode ser divi­ A realidade e Deus. A posição de Aristóteles sobre
dida em sujeito da predicação (ser humano) e objeto Deus parte de sua posição sobre a realidade, chamada
da predicação (natureza fundamental ou forma de al­ “metafísica”. Metafísica, na opinião de Aristóteles, pode
guma coisa). A estas são acrescentados o propósito da ser entendida com mais clareza quando comparada a
predicação (a definição ou natureza de algo), meio de outras disciplinas. Para Aristóteles, ã física estuda a re­
predicação e o modo de predicação. alidade que pode ser experimentada por meio dos cin­
O meio de predicação pode ser comunicado por uma co sentidos. A metafísica estuda a realidade fora da per­
proposição com um sujeito, predicado e um verbo de cepção sensorial. A matemática é o estudo do (ser) real
ligação, uma afirmação do que “é” ou “não é”. Os m o­ no sentido em que pode ser quantificado (apesar desse
dos de predicação são os predicáveis, os vários tipos de não ser o caso em toda m atem ática m od erna). A
realidade que um predicado pode transmitir a respeito metafísica é o estudo do ser no sentido em que é real.
de algo. Os modos de predicação incluem: Realidade (ação) e potencialidade (potência). O
Gênero. A humanidade faz parte do gênero “animal”. entendimento de Aristóteles sobre a realidade envol­
Essa característica é comum para muitos sujeitos. via o que realmente é (realidade) e o que pode ser
Diferença específica. Os humanos são animais “ra­ (potencialidade ). Tudo na criação é composto de for­
cionais”. Essa é a diferença específica desse sujeito. m a (realidade) e matéria (potencialidade), posição
Espécie. O sujeito denota o gênero e a diferença espe­ chamada hilomorftsmo. Sua implicação imutável é que
cífica. Por meio do nosso entendimento da criação, sabe­ a realidade que percebemos por meio dos nossos sen­
mos automaticamente que humano significa “animal ra­ tidos está mudando.
cional”. Nesse exemplo específico, o sujeito recebeu um Mudança é a passagem da potencialidade para a
nome científico de espécie, que em latim éhom o sapiens. realidade. Aristóteles postulou dois tipos de mudança,
Propriedade. Um sujeito é predicado pelo que flui substancial e acidental. Mudanças substanciais alteram
de sua essência mas não é parte dela. Os seres hum a­ a substância — o que algo é essencialmente. Essa mu­
nos riem . A habilidade de rir, é uma propriedade dos dança acontece quando a substância surge (geração) ou
seres hum anos. deixa de existir (corrupção). Mudança acidental é uma
Acidentes. O predicado descreve o que está na es­ mudança naquilo que algo tem, nos seus acidentes. Um
sência do sujeito mas não é parte dele. Na sentença acidente é o que é inerente numa substância, mas não é
“Ele tem cabelo preto”, a característica de cabelo pre­ da essência dessa substância. Morrer é uma mudança
to não é parte da essência humana, mas é parte de um substancial. Aprender é uma mudança acidental.
sistema de categoria que adere a ela. As quatro mudanças. Ao estudar a natureza do
Quantidade!extensão. Essa predicação pode ser ser, A ristóteles postulou quatro causas. Duas são in ­
universal, quando toda a classe está incluída, ou par­ trín secas. Aplicadas a uma cadeira de m adeira, são
ticular, quando uma limitação é especificada. “Seres as seguintes:
humanos são anim ais racionais, mas poucos seres
humanos pensam em gaélico.” 1. A causa formal — de quê ela é feita, sua
Qualidade. A predicação que deve ser expressa por forma ou essência: qualidade de cadeira.
uma afirm ação(“é ” ) ou uma negação (“não é”). 2. A causa material — com o que é feita, seu m a­
Raciocínio (Lógica). Quando algo é apreendido, e terial: madeira
75 Aristóteles

As outras duas causas são extrínsecas: 5. Uma regressão infinita de realizadores é impos­
sível, pois toda a série não seria realizada a não
1. A cau sa efic ie n te — p or quem é feita, o ser que existisse um primeiro realizador.
agente: carpinteiro. 6. A primeira realidade realiza as coisas pela cau­
2. A causa final — para que é feita, o propósito: salidade final, atraindo-as para si como um
para servir de assento. amante é atraído pela amada.
7. Há 47 (segundo o astrônomo Eudóxio) ou 55
A resposta de Aristóteles ao monismo. A metafísica de (conform e Calipo) dessas realidades puras
Aristóteles pode ser entendida como uma resposta ao ( “motores imóveis”).
argumento de Parmênides (n. em 515 a.C.) a favor do 8. No final, só há um céu e um deus. Apenas coi­
m onism o (v. m o x is m o ; um e m u it o s , p r o b l e m a d e ). sas materiais podem ser diferentes numerica­
Parmênides argumentou que: 1) Ou tudo é “um” ou é m en te, já que a m a té ria é o p rin cíp io da
‘‘muitos”. 2) Se há “muitos” seres, eles devem ser diferen­ individualização.
tes. 3) Se são diferentes, devem ser diferentes por existir 9. Este último ponto foi uma adição posterior de
ou por não existir. 4) Não podem ser diferentes por não Aristóteles ou de um dos seus editores depois da
existir, já que não existir é nada (e isso significaria que sua morte. A segunda hipótese é mais pro-vável.
não são diferentes). 5) E também não podem ser diferen­ Para o contexto de Aristóteles na histó-ria do ar­
tes por existirem, já que existir é o que todos têm em co­ gumento cosmológico, V. ARGUMENTO COSMOLÓGICO.
mum. Não podem ser diferentes no sentido em que são
iguais. 6) Logo, só pode haver um ser (monismo). Várias coisas são notáveis sobre o argumento de
Existem quatro respostas básicas a Parmênides. 1) Aristóteles: ele introduz a questão da regressão infinita
O atomismo afirmou que essas coisas (átomos) diferem de causas (v. série infinita ). Ele supõe uma pluralidade de
pela inexistência (vazio) absoluta. 2) O platonismo ar­ primeiras causas com uma observação anexada (que
gumentou (v. Platão) que as coisas (formas) diferem pode ter sido de um editor posterior) que supõe um deus.
pela inexistência relativa (qualidade de outro), deter­ Ao contrário dos demiurgos de Platão, a Causa Primeira
minação pela negação. 3) A qltno afirmou mais tarde que de Aristóteles é uma causa proposital final, não uma cau­
a existência é um complexo de ação e potência, as coi­ sa eficiente. 0 Motor Imóvel também não era um deus
sas diferem pelo tipo de ser que são. 4) Aristóteles acre­ pessoal que amava e se preocupava com a criação. Na ver­
ditava que apenas coisas materiais eram compostas de dade, o deus de Aristóteles não tinha significado religio­
forma (ato) e matéria (potência). Formas puras, como so ou necessidade de adoração. Esse deus era apenas uma
os deuses, são simples. Então as 47 ou 55 formas (deu­ necessidade lógica a ser usada para explicar o cosmos e
ses) diferem pelo fato de serem apenas seres diferentes. depois ser descartada. Essa Causa Primeira não era infi­
A existência e natureza de deus. Dessa resposta a nita como é o Deus do teísmo cristão. Aristóteles seguiu a
Parmênides, observa-se que o conceito de deus(es) de crença grega de que apenas o que era sem forma e indefi­
Aristóteles não era o do Deus Criador do judaísmo. nido poderia ser considerado infinito. 0 deus de
Mas como muitos cristãos posteriores, Aristóteles acre­ Aristóteles não criou tudo livremente e ex nihilo (v. cria ­
ditava que a existência de Deus podia ser provada. Seus ção, teorias da) . O universo é eterno, e deus o está forman­
argumentos eram:1 do ao atraí-lo para si. Então deus não é a causa produtora
(eficiente), mas uma causa atraente (final).
1. As coisas mudam. Isso é estabelecido pela ob­ Outras opiniões de Aristóteles são de interesse para
servação do movimento, a forma mais óbvia os apologistas cristãos. Ele acreditava na hermenêutica
de mudança. literal (versus aleg ó rica). Ao contrário de Platão,
2. Toda mudança é a passagem da potencialidade Aristóteles negou a imortalidade da alma ou vida após
para a realidade. Isto é, quando o potencial é a morte. Segundo Aristóteles, a alma, que é a forma do
realizado, a mudança já ocorreu. corpo, morre com o corpo (v. im ortalidade ). Aristóteles
3. Nenhum potencial pode se auto-realizar. A adotou a ética do “m eio-term o ideal” que outros viri­
madeira não pode se transform ar em cadeira, am a desenvolver, criando uma ética situacional (v.
apesar de ter a capacidade de se tornar uma MORALIDADE, NATUREZA ABSOLUTA Da ).
cadeira.
4. Deve haver uma realidade que realiza tudo que Fontes
passa da potencialidade para a realidade. Se­ A ristóteles, Aristotle’s categories and De interpretatione ,
não, nada seria realizado. W. D. Ross, trad.
arqueologia do Antigo Testamento 76

___ , The works ofAristotle translated into English, ral, alguns traços remanescentes da verdadeira história
\V. D. R oss.org. deveriam ser esperados em tais relatos. As diferenças
W. J aeger , Anstotle: fundamentais o f the history ofhis são mais importantes. Os relatos babilónico e sumério
development, R. Robinson, trad. descrevem a criação como produto do conflito entre
J. O wen, The doetrine of being in the aristotelian deuses finitos. Quando um deus é derrotado e dividido
metaphysics. ao meio, o rio Eufrates flui de um olho e o Tigre do ou­
W. D. Ross, Prior and posterior analytics. tro. A humanidade é feita do sangue de um deus malig­
no, misturado com barro. Esses contos demonstram o
arqueologia do Antigo Testamento. Várias coisas de­ tipo de distorção e acréscimo a ser esperado quando
vem ser lembradas quando se examinam dados arque­ um relato histórico é mitificado.
ológicos relativos ao cristianismo (v. arqueologia do novo É menos provável que a progressão literária tosse des­
testa m en to ). Incialmente, o significado só pode ser de­ sa mitologia para a elegância sem adornos de Gênesis. A
rivado do contexto. Evidências arqueológicas dependem suposição comum de que o registro hebreu é simplesmen­
do contexto de data, lugar, materiais e estilo. Como isso te uma versão pu rificada e sim plificada da lenda
é interpretado depende das pressuposições do intérprete. babilónica é falsa. No Oriente Médio antigo, a regra é que
Portanto, nem todas as interpretações das evidências relatos ou tradições simples dão lugar (por acréscimo e
serão a favor do cristianismo. adorno) a lendas elaboradas, mas não o inverso. Assim, a
Em segundo lugar, a arqueologia é um tipo especial evidência apóia a posição de que Gênesis não é mito trans­
de ciência. Físicos e químicos podem fazer todo tipo de formado em história. Antes, os relatos extrabíblicos eram
experiência para recriar os processos que estudam e história transformada em mitos (v. criação e origens ; cria ­
observá-los vez após vez. Os arqueólogos não podem. ção, POSIÇÕES SOBRE A; GÊNESIS, DIAS DE).
Eles só têm a evidência deixada da única ocasião em As descobertas recentes de relatos da criação em
que aquela civilização viveu. Estudam peculiaridades Ebla (v. E bla , tabuinhas d e ) acrescentam evidências dis­
passadas, não regularidades atuais. Pelo fato de não so. Essa biblioteca de 16 mil placas de argila antecede
poderem recriar as sociedades que estudam, suas con­ o relato babilónico em 600 anos. A placa relativa à cri­
clusões não podem ser testadas como as outras ciênci­ ação é extremamente parecida com Gênesis, falando
as. A arqueologia tenta descobrir explicações plausíveis sobre um ser que criou céu, lua, estrelas e terra. O povo
e prováveis para as evidências que encontra. Ela não de Ebla acreditava na criação a partir do nada (v. i .k ia -
pode estabelecer leis como faz a física. Por isso, todas as çào , posições so bre a ). A Bíblia contém a versão antiga e
conclusões devem estar sujeitas a revisão. A melhor in­ menos adornada da história e transm ite os fatos sem
terpretação é a que melhor explica todas as evidências. a corrupção das narrativas mitológicas.
Em terceiro lugar, a evidência arqueológica é frag­ 0 Dilúvio de Noé. Assim como os relatos da cria­
mentária. Ela compreende apenas um pequena fração ção, a narrativa do Dilúvio (v. d il ú v io de Nof.) em
de tudo que ocorreu. Assim, a descoberta de mais evi­ Gênesis é mais realista e menos mitológica que outras
dências pode mudar a história consideravelmente. Isso versões antigas, indicando sua autenticidade. As sem e­
acontece especialmente quando conclusões foram ba­ lhanças superficiais indicam uma base histórica de
seadas no argumento do silêncio — a falta de evidên­ eventos que inspiraram todas, em vez de indicar plá­
cia existente. Muitas posições críticas sobre a Bíblia gio por parte de Moisés. 0 s nomes mudam. Noé é cha­
foram derrubadas posteriormente por descobertas ar­ mado Ziusudra pelos sumérios e Utnapishtim pelos
queológicas (v. B í b l i a , c r í t i c a da ). Por exemplo, por babilônios. A história básica, não. Deus(es) manda(m )
muito tempo acreditava-se que a Bíblia estava errada um homem construir um barco de dimensões especí­
quando falou sobre os heteus (Gn 2 3 .1 0 ).M as,desde a ficas porque ele(s) vai(vão) inundar o mundo. 0 ho­
descoberta da biblioteca hetéia na Turquia (1906), esse mem faz isso, escapa da tempestade e oferece sacrifí­
deixou de ser o caso. cio ao sair do barco. A(s) divindade(s) responde(m)
A arqueologia apoia o at. A criação. Os primeiros com remorso pela destruição da vida, e faz(em) uma
capítulos de Gênesis ( l a t é ll ) geralmente são conside­ aliança com o homem. Esses eventos fundamentais
rados explicações mitológicas derivadas de versões mais indicam uma base histórica.
antigas da história encontradas no Oriente Médio anti­ Relatos semelhantes aos do Dilúvio são encontra­
go. Mas essa posição destaca apenas as semelhanças dos no mundo inteiro. 0 Dilúvio é contado pelos gre­
entre Gênesis e as histórias de criação em outras cultu­ gos, hind us, ch in eses, m exican o s, algonquinos e
ras antigas. Se propusermos a derivação da raça huma­ havaianos. Uma lista de reis sumérios trata o Dilúvio
na de uma família, e a isso acrescermos a revelação ge­ como ponto de referência histórica. Depois de nomear
77 arqueologia do Antigo Testamento

oito reis que tiveram vidas extraordinariamente lon­ dizer da torre e da confusão das línguas na terra de
gas (dezenas de milhares de anos), esta frase interrom­ Babel (Gn 11)? A arqueologia revelou que Ur-Nammu,
pe a lista: “ [Então] o Dilúvio arrasou [aterra] e,qu an­ rei de Ur de aproximadamente 2044 a 2007 a .C , su­
do o reinado foi dado [novamente] do céu, o reinado postamente recebeu ordens de construir um grande
foi [primeiro] em Kish”. zigurate (templo turriform e) como um ato de adora­
Há boas razões para crer que Gênesis apresenta a ção ao deus lunar Nanate. Uma esteia (monumento em
história original. As outras versões contêm elabora­ forma de placa) de aproximadamente 1,5 m de largu­
ções que indicam corrupção. Somente em Gênesis o ra e 3 m de altura revela as atividade de Ur-Nammu.
ano do Dilúvio é dado, bem como as datas para a cro­ Um painel o representa saindo com uma cesta de ar­
nologia relativa à vida de Noé. Na verdade, Gênesis é gamassa para com eçar a construção da grande torre,
escrito como um jornal ou diário de bordo dos even­ demonstrando assim sua fidelidade aos deuses, to­
tos. O barco do relato babilónico, de formato cúbico, m ando seu lugar com o sim ples op erário. O utra
não poderia salvar ninguém. As águas turbulentas o tabuinha de argila afirma que a construção da torre
virariam para todos os lados constantemente. Mas a ofendeu os deuses, que então derrubaram o que os ho­
arca bíblica é retangular — longa, larga e baixa — mens construíram , espalharam-nos e tornaram sua
para que navegasse bem nos mares agitados. O tempo fala incompreensível. Isso é surpreendentemente se­
de duração da chuva nos relatos pagãos (sete dias) não melhante ao registro da Bíblia.
é tempo suficiente para a devastação que descrevem. Teólogos conservadores acreditam que Moisés es­
As águas teriam de subir pelo menos acima da m aio­ creveu esses p rim eiro s cap ítu lo s de G ênesis (v.
ria das montanhas, a uma altura de 5 600 metros, e é P entateuco , autoria mosaica do ). Mas como poderia, já
mais razoável supor uma chuva mais longa para que que esses eventos ocorreram muito antes do seu nas­
isso aconteça. A idéia babilónica de que toda a água cimento? Há duas possibilidades. Primeiro, Deus po­
do dilúvio sumiu em um dia também é absurda. Ou­ deria ter revelado os registros para Moisés de forma
tra diferença impressionante entre Génesis e outras sobrenatural. Assim como Deus pode revelar o futuro
versões é que nesses relatos o herói recebe im ortali­ pela revelação profética, também pode revelar o pas­
dade e louvor. A Bíblia descreve o pecado de Noé. Ape­ sado por revelação retrospectiva. A segunda possibili­
nas a versão que procura dizer a verdade incluiria essa dade é mais provável: Moisés reuniu e editou regis­
admissão realista. tros anteriores desses eventos. Isso não é contrário à
Algumas pessoas já sugeriram que esse dilúvio foi prática bíblica. Lucas fez o mesmo no seu evangelho
grave, mas localizado. Mas há evidências geológicas (Lc 1.1-4). P. J. W isem an argumentou convincente­
que apoiam um dilúvio global. Esqueletos parciais de mente que a história de Gênesis foi escrita original­
animais recentes são encontrados em fendas profun­ mente em tabuinhas de argila e passadas de geração
das em várias partes do mundo e o dilúvio parece ser em geração, e que cada “líder de clã” era responsável
a melhor explicação para elas. Isso explicaria como por m antê-las editadas e atualizadas. O indício prin­
essas fendas ocorrem até em montes de altura consi­ cipal que W iseman encontrou para isso na Bíblia é a
derável e se estendem de 40 a 90 metros. Já que ne­ repetição freqüente de palavras e frases, principal­
nhum esqueleto está inteiro, é possível concluir que mente a frase “São estas as gerações de” ou sim ilares
nenhum desses animais (mamutes, ursos, lobos, bois, (e.g., Gn 2.4; 6.9; 10.1; 11.10). Muitas tabuinhas an­
hienas, rinocerontes, bisões, veados e mamíferos m e­ tigas eram guardadas em ordem, sendo as prim eiras
nores) caíram nessas fendas vivos, nem foram leva­ palavras de uma nova tabuinha a repetição das últi­
dos por rios. Mas por causa desses ossos diferentes mas palavras da tábua anterior. Uma com paração de
terem sido juntam ente cim entados em calcita, eles Gênesis com outras obras literárias antigas indica
devem ter sido depositados sob água. Essas fendas fo­ que o livro não foi com pilado depois da época de
ram descobertas em vários lugares no mundo. É exa­ Moisés. Ê bem possível que Gênesis seja uma h istó­
tamente esse tipo de evidência que se esperaria que ria de fam ília registrada pelos patriarcas e editada
fosse provocado por um episódio dessa espécie, breve nessa forma final por M oisés.
mas violento, no curto período de um ano. Os patriarcas. Apesar das narrativas da vida de
A Torre de Babel. Existem evidências consideráveis Abraão, Isaque e Jacó não apresentarem os mesmos
agora de que o mundo realmente teve uma única lín­ tipos de dificuldades dos prim eiros capítu los de
gua no passado. A literatura suméria faz alusão a isso Gênesis, elas foram consideradas lendárias por muito
várias vezes. Lingüistas também consideram essa te­ tempo porque pareciam não se encaixar nas evidên­
oria favorável à categorização das línguas. Mas o que cias conhecidas da época. Mas, quanto mais se desco­
arqueologia do Antigo Testamento /

bre, mais histórias são comprovadas. Códigos legais Já foram feitas suposições de que a cidade de
da época de Abraão m ostram por que o patriarca te­ “R am essés” em Êxodo 1.11 se chamava assim em
ria hesitado em expulsar Hagar do seu acampamento, hom enagem a Ram essés, o Grande, que não havia
pois era obrigado legalm ente a apoiá-la. Som ente construções no delta do Nilo antes de 1300 e que
quando uma lei maior veio de Deus foi que Abraão a não havia nenhum a grande civilização em Canaã
expulsou voluntariamente. dos séculos xix a xm a.C. Mas o nom e Ram essés é
As cartas de Mari revelam nomes como Abamram com um na história egípcia. R am essés, o Grande, é
(Abraão), Jacob-el e benjam itas. Apesar de não se re­ R am essés ii. Não se sabe nada sobre R am essés i.
ferir a personagens bíblicas, pelo menos demonstram Além disso, o nom e pode referir-se a uma região,
que os nomes eram utilizados. Essas cartas também não uma cidade. Em Gênesis 4 7 .1 1 o nome Ramessés
apoiam o registro de uma guerra (Gn 14) em que cin­ descreve a região do delta do Nilo onde Jacó e seus
co reis lutaram contra quatro reis. Os nomes desses filhos se estabeleceram .
reis parecem encaixar-se com as nações proem inen­ Alguns teólogos agora sugerem que a reinterpre-
tes da época. Por exemplo, Gênesis 14.1 menciona um tação dos dados exige a mudança da data da Idade Mé­
rei amorreu Arioque; os documentos Mari dão ao rei dio do Bronze ( ib m ). Se isso for feito, demonstrará que
o nome Ariwwuk. Todas essas evidências levam à con­ várias cidades descobertas em Canaã foram destruídas
clusão de que as fontes de Gênesis foram registros de pelos israelitas. A partir de escavações recentes, surgi­
primeira mão de alguém que viveu durante a época ram evidências de que a última fase do período ( ib m )
de Abraão. precisa de mais tempo que o que se pensava original­
Sodoma e Gomorra. A destruição de Sodom a e mente, deixando seu fim mais próximo de 1400 a.C.
Gomorra era considerada falsa até que evidências re­ que de 1550 a.C. Esse alinham ento reuniria dois even­
velaram que as cinco cidades mencionadas na Bíblia tos previamente considerados separados por sécu­
na verdade eram centros de comércio na área e esta­ los: a queda das cidades da Canaã do período bm ii e
vam situados geograficamente como as Escrituras di­ a conquista.
zem. A descrição bíblica de sua destruição parece ser Outra mudança pode ser justificada pelo ponto
igualmente precisa. As evidências indicam atividade de vista tradicional da história egípcia. A cronologia
sísmica e que as várias camadas da terra foram abala­ de todo o mundo antigo é baseada na ordem e nas
das e lançadas para o alto. Há muito betum e ali, e uma datas dos reis egípcios, que geralm ente eram consi­
descrição exata seria que enxofre (piche betuminoso) deradas fixas. Mas Velikovsky e Courville afirm am
foi lançado sobre as cidades que rejeitaram a Deus. Há que 600 anos a m ais nessa cronologia desestabilizam
evidências que as camadas de pedra sedimentária fo­ datas de eventos em todo o Oriente Médio. Courville
ram fundidas por calor intenso. Evidências desse in­ dem onstrou que as listas dos reis egípcios não de­
cêndio foram encontradas no topo de Jebel Usdum vem ser consideradas com pletam ente consecutivas.
(m onte Sodom a). Isso é evidência perm anente do Ele argum enta que alguns “reis” descritos não eram
grande incêndio que aconteceu no passado longínquo, faraós, mas sim altos oficiais. Historiadores acredi­
possivelmente quando uma bacia de petróleo sob o tavam que cada dinastia vinha depois da anterior.
m ar Morto pegou fogo e explodiu. Tal explicação não Mas muitas d inastias listam subgovernadores que
diminui de forma alguma a qualidade miraculosa do viveram ao m esm o tempo que a dinastia anterior.
evento, pois Deus controla as forças naturais. A hora Com essa nova cronologia o êxodo ficaria em 1450
do evento, no contexto das advertências e da visitação a.C. e faria outros períodos da história israelita se
dos anjos, revela sua natureza milagrosa. encaixarem com os reis egípcios mencionados. A evi­
A datação do Êxodo. Uma das várias questões sobre dência não é definitiva, m as não há mais razão para
o relacionamento de Israel com o Egito é quando o exigir uma data posterior para o Êxodo. Para mais
Exodo para a Palestina aconteceu (v. P extateuco , autoria inform ações, v. o artigo faraó do êxo do .
mosaica no; faraó do êxodo ). Existe até uma “data geral­ Saul, Davi e Salomão. Saul tornou-se o primeiro
mente aceita” ( dag) oficial para a entrada em Canaã de rei de Israel, e sua fortaleza em Gibeá foi escavada. Uma
aproximadamente 1230-1220 a.C. As Escrituras, por das descobertas mais notáveis foi que fundas eram as
outro lado, ensinam em três textos diferentes (1 Rs. 6.1; armas mais importantes da época. Isso não se relaci­
Jz 11.26; At 13.19,20) que o êxodo aconteceu durante o ona apenas à vitória de Davi sobre Golias, mas à refe­
século que terminou em 1400 a.C., com a entrada em rência de Juízes 20.16 de que havia setecentos peritos
Canaã 40 anos mais tarde. Apesar do debate continuar, que “podiam atirar com a funda uma pedra num ca­
não há qualquer razão para aceitar a data de 1200. belo sem errar”.
79 arqueologia do Antigo Testamento

Com a morte de Saul, Samuel nos diz que sua ar­ A invasão assíria. Muito se aprendeu sobre os
madura foi colocada no templo em Astarote (uma deu­ assírios quando 26 mil placas de argila foram encon­
sa cananéia da fertilidade) em Bete-Seã,e Crônicas diz tradas no palácio de Assurbanipal, filho do Esaradom,
que sua cabeça foi colocada no templo de Dagom, deus que levou os reinos do norte ao cativeiro em 722 a.C.
filisteu do milho. Isso era considerado um erro por­ Essas tabuinhas narram as várias conquistas do im ­
que parecia improvável que povos inimigos tivessem pério assírio e registram com honra os castigos cruéis
templos simultaneamente no mesmo lugar. Mas esca­ e violentos que caíram sobre os que se opunham a eles.
vações descobriram que havia dois templos nesse lo­ Vários desses registros confirmam a precisão da
cal que são separados por um corredor: um para Bíblia. Toda referência do \t a um rei assírio foi com ­
Dagom e o outro para Astarote. Parece que os filisteus provada. Apesar de Sargão ser desconhecido por certo
haviam adotado a deusa cananéia. tempo, quando seu palácio foi encontrado e escavado,
Uma das principais conquistas do reinado de Davi havia uma pintura mural da batalha mencionada em
foi a captura de Jerusalém. 0 fato de os israelitas entra­ Isaías 2 0 .0 obelisco negro de Salmaneser amplia nosso
rem na cidade por um túnel que levava ao tanque de Siloé conhecimento dos personagens bíblicos ao mostrar Jeú
era problemático no registro das Escrituras. Acreditava- (ou seu emissário) se curvando perante o rei da Assíria.
se que esse tanque ficava fora das muralhas da cidade na Entre as descobertas mais interessantes está o re­
época. No entanto, durante escavações na década de 1960, gistro do sítio de Jerusalém feito por Senaqueribe.
foi finalmente determinado que a muralha realmente Milhares de seus homens morreram e o resto foi dis­
passava para além de onde ficava o tanque. perso quando o rei assírio tentou tomar a cidade que,
Geralmente considera-se que os salmos atribuídos como Isaías havia previsto, foi incapaz de conquistar.
a Davi foram escritos bem mais tarde porque as suas Já que não podia se gabar da sua grande vitória aqui,
Senaqueribe encontrou uma maneira de preservar sua
inscrições sugerem que havia associações de músicos
reputação sem adm itir a derrota:
(por exemplo, os filhos de Coré). Tal organização leva
muitos a pensar que esses hinos deveriam ser datados
Quanto a Ezequias, o judeu, ele não se submeteu ao meu
da época dos macabeus no século n a.C. Depois das
iugo. Sitiei 46 das suas cidades mais fortes,fortalezas mura­
escavações em Ras Shamra, sabe-se que havia tais or­
das e inúmeras vilas próximas [...] Expulsei 200 150 pesso­
ganizações na Síria e Palestina na época de Davi.
as, jovens e velhas, homens e mulheres, cavalos, mulas, bur­
A época de Salom ão tam bém tem muitas com ­
ros, camelos, gado grande e pequeno sem conta e (os) con­
provações. O local do templo de Salom ão ainda não
siderei presa de guerra. Dele fiz prisioneiro em Jerusalém,
foi escav ad o, porqu e fica p erto do lugar santo
sua residência real, como um pássaro numa gaiola
islâm ico, o Domo da Rocha. Mas o que se sabe s o ­
(Pritchard, p. 288).
bre tem p lo s filis te u s co n s tru íd o s na ép o ca de
Salom ão se encaixa muito bem com o estilo, a de­
O cativeiro. Várias facetas da história do at relati­
coração e os m ateriais descritos na Bíblia. A única
vas ao cativeiro foram confirmadas. Registros encon­
evidência do templo é um pequeno ornam ento, uma
trados nos fam osos jardins suspensos da Babilônia
romã, que ficava na ponta de um cajado e tem a in s­
mostraram que Joaquim e seus cinco filhos recebiam
crição: “Pertencente ao Templo de Iavé” . Foi vista
uma pensão mensal e lugar para morar e eram bem
pela prim eira vez numa loja em Jerusalém em 1979, tratados (2Rs 25.27-30). 0 nome Belsazar causou pro­
verificada em 1984 e adquirida pelo Museu de Is­ blemas, porque não havia menção dele nem lugar para
rael em 1988. ele na lista de reis babilónicos; mas Nabonido deixou
A escavação de Gezer em 1969 encontrou uma ca­ registrado que havia indicado seu filho, Belsazar (Dn
mada enorme de cinzas que cobria quase toda a colina. 5), para reinar por alguns anos na sua ausência. En­
Entre as cinzas foram encontradas peças de artefatos tão, Nabonido ainda era rei, mas Belsazar reinava na
hebraicos, egípcios e filisteus. Aparentemente as três capital. Também o decreto de Ciro registrado por
culturas estiveram ali ao mesmo tempo. Isso deixou os Esdras parecia encaixar-se nas profecias de Isaías bem
pesquisadores muito intrigados, até que perceberam que demais para ser verdade, até que um cilindro que con­
a Bíblia dizia exatamente o que haviam encontrado: firmava o decreto em todos detalhes importantes foi
encontrado.
0 faraó, rei do Egito, havia atacado e conquistado Gezer. No mesmo período da história do a i , descobrimos
Incendiou a cidade e matou os seus habitantes, que eram que há boas evidências arqueológicas de que as Escri­
cananeus, e a deu como presente de casamento à sua filha, turas dizem a verdade. Em muitos casos, as Escrituras
mulher de Salomão (1 Rs 9.16). até refletem em primeira mão conhecimento das épocas
arqueologia do Novo Testamento 80

e costu m es que descrevem . A pesar de m u itos terem d u ­ Será que Lucas estava confuso? Não; na verdade
vidado da precisão da Bíblia, o tem po e as pesquisas co n s­ ele menciona o censo posterior de Quirino em Atos
tantes têm d em o n strad o co n stan tem en te que a Palavra 5.37. É bem provável que Lucas esteja diferenciando
de D eus está m ais b em in fo rm ad a que seus críticos. esse censo na época de Herodes dos censos mais co­
Na v erd ad e, enquanto milhares de d e sc o b e rta s do nhecidos de Quirino: “Este (o primeiro) recenseamen­
m u n d o a n tig o apóiam de forma geral e m u ita s vezes to, foi feito antes de Quirino ser governador da Síria”.
em d e ta lh es o registro bíblico, nenhuma d e sc o b e rta Há vários paralelos no n t para essa tradução da pala­
in co n te stá v el jam ais contradisse a Bíblia. vra grega proton.
Gálio, procônsul de Acaia. Essa designação em Atos
Fontes 18.12-17 era anteriormente considerada impossível.
W. F. Aimicm, Archaeology ofPalestine. Mas uma inscrição em Delfos indica esse mesmo títu­
G. L. A rcher , ]v„ Enciclopédia de temas lo para o referido indivíduo e o localiza na mesma data
bíblicos.
em que Paulo estava em Corinto (51 d.C.).
). B imson e D. LiviNüSTON,“Redating the exodus” , r ir ,
Lisânias, tetrarca deAbilene. Lisânias não era conhe­
Sept.-O ct. 1987.
cido pelos historiadores modernos até ser encontrada
N. G lueck, Rivers iti the desert.
uma inscrição registrando a dedicação de um templo
K. A . K itchen , Ancient Orient and Qld Testament.
na qual são mencionados o nome o título e o lugar cer­
). B. P ritchard , org., Ancient Near F.ast texts.
to. A inscrição foi datada entre 14 e 29 d.C., facilmente
C. A. W ilson , Rocks, relics and biblical reliability.
compatível com o começo do ministério de João, que
E. Y amauchi, The stones and the Scriptures.
Lucas data no reinado de Lisânias (Lc 3.1).
Erasto. Em Atos 19.22, Erasto é descrito como um
arqueologia do Novo Testamento. A ciência da a r­
coríntio que se torna co-m inistro de Paulo. Se Lucas
queologia trouxe forte confirm ação à historicidade
quisesse inventar nomes, esse seria o melhor lugar para
do AT (v. AI.BRIGHT, WlLLIAM E ; ARQUEOLOGIA DO ANTIGO
fazê-lo. Como alguém saberia? Durante escavações em
T esta m en to ) e do s t . As evidências arqueológicas da
Corinto, foi encontrada perto do teatro uma inscrição
c o n fia b ili-d a d e d o s t são surpreendentes (v. Novo
que diz: “Erasto, para retribuir sua vereação, colocou
T e s t a m e n t o , datação d o ; Novo T e s t a m e n t o , h istoricidade
d o ). E s s a s e v id ê n c ia s se rã o re su m id a s e m tr ê s par­
essa pavimentação com recursos próprios”. Se essa
te s: a p re c is ã o h is tó r ic a de L u c a s, o te s te m u n h o dos inscrição se refere ao mesmo hom em ,isso explica por­
h is to ria d o re s se c u la re s e a e v id ê n c ia fís ic a re la tiv a à que Lucas incluiu o detalhe de que um cidadão im ­
c ru c ific a ç ã o de C risto (v. C r i s t o , m o r t e d e ). portante e rico de Corinto se converteu e deu sua vida
A precisão histórica de Lucas. A cre d ita v a -se no para o m inistério.
p a ssa d o q u e L u cas, e sc rito r do ev an g elh o m a is d e ta ­ Além desses, Lucas dá títulos corretos para os seguin­
lh ad o h isto ric a m e n te e de A tos, h av ia in v en tad o sua tes oficiais: Chipre, procônsul (1 3 .7 ,8 ); Tessalônica,
n a rra tiv a p o r m eio de su a im a g in a ç ã o fé rtil, porque politarcas (autoridades) (17.6); Éfeso,guardiã do templo
a trib u ía títu lo s e stra n h o s a a u to rid ad es e m e n cio n a v a (19.35); Malta, homem principal da ilha (28.7; Yamauchi,
g o v e rn ad o res q u e n in g u é m c o n h e c ia . As e v id ê n c ia s p. 115-9). Cada um deles foi confirmado pelo uso roma­
a g o r a in d ic a m e x a t a m e n t e o o p o s to (v. A t o s , no. Ao todo, Lucas descreve 32 países, 54 cidades e 9 ilhas
H IST O R IC ID A D E D E ). sem erro. Isso levou o reconhecido historiador Sir William
O censo em Lucas 2.1 -5. V á rio s problemas estão en­ Ramsay a renunciar a suas posições críticas:
volvidos n a afirm ação de que Augusto realizou um censo
de to d o o império durante os reinados simultâneos de C om ecei com um a atitude desfavorável a ele [Atos],
Quirino e Herodes. Por exemplo, não há registro de tal pois a engenhosidade e aparente plenitude da teoria de
censo, mas agora sabemos que censos regulares foram Tübingen h aviam -m e convencido. Não considerei ser de
feitos no Egito, Gália e Cirene. É bem provável que Lucas m inha ocupação investigar o assunto de m aneira detalh a­
tenha querido dizer que censos eram realizados em todo da; m ais recentem ente, porém , vi-m e m uitas vezes em con­
o império em épocas diferentes, e Augusto começou esse tato com o livro de Atos com o autoridade em topografia,
processo. O tempo verbal que Lucas usa indica clara­ antigüidades e sociedade da Asia M enor. Aos poucos ficou
mente o caráter repetivo desse evento. Quirino realmente evidente que em vários detalhes a narrativa dem onstrava
realizara um censo, mas fora em 6 d .C , tarde demais verdade incrível (Ram say, p. 8).
para o nascimento de Jesus, e Herodes morreu antes de
Quirino tornar-se governador.
81 arqueologia do Novo Testamento

C o n co rd a n d o p le n a m e n te, o h isto ria d o r ro m a n o • Referências geográficas incidentais que indicam


A. N. S h e rw in -W h ite diz: familiaridade com o conhecimento geral.
• Diferenças na formulação em Atos que indicam
Para Atos a co n firm ação de h istoricid ad e é im p ressi­ categorias ditintas das fontes usadas por Lucas.
o n a n te [ ...] Q u a lq u e r te n ta tiv a de r e je it a r su a • Peculiaridades na seleção de detalhes, como na
h isto ricid ad e b ásica vai p arecer absurda agora. Por m u i­ teologia, que são explicáveis no contexto do que se
to tem p o h isto ria d o re s ro m a n o s n ão o v a lo riz a ra m conhece agora sobre a vida da igreja no século i.
( S herw in -W hite, p. 189). • Materiais cuja “aparência imediata” sugere que o
autor recontava uma experiência recente, não um texto
As te o ria s c rític a s qu e su rg ira m no in ício d o sé c u ­ moldado ou editado muito tempo depois.
lo xix e p e rsiste m h o je são in fu n d a d a s. O a rq u eó lo g o • Itens culturais ou idiomáticos conhecidos agora
c ristã o W illia m F. A lb rig h t diz: como exclusivos do ambiente do século i.
•Agrupamentos inter-relacionados de detalhes em
Todas as escolas radicais de crítica do m que existiram que dois ou mais tipos de correlação são combinados
no passado ou existem hoje são pré-arqueológicas e, por­ ou onde detalhes relacionados demonstram correla­
tanto, estão bem ultrapassadas hoje, uma vez que foram fun­ ções distintas. Por meio da análise cuidadosa dessas
dadas in derLuft [no ar] (Albright, p. 29). correlações, é possível ao historiador reconstruir par­
tes bem detalhadas da história, ao encaixar os peda­
M ais re c e n te m e n te o u tro h isto ria d o r ro m a n o b e m
ços de fatos como num quebra-cabeça.
co n h ecid o cata lo g o u v á ria s c o n firm a ç õ e s a rq u e o ló g i­
•Casos onde a inform ação dada por Lucas e deta­
cas e h istó ric a s da p re cisã o de L u cas ( H em er, p. 3 9 0 s .).
lhes de outras fontes se m esclam simplesmente para
O qu e se seg u e é u m resu m o d esse re la tó rio v o lu m o so
realçar o contexto. Eles não influenciam a historicidade
e d e ta lh ad o ( v. A t o s , h is to r ic id a d e d e ; N ovo T estamento ,
de forma significante.
FO N TES N Ã O -C R IST Ã S D O ):
• Detalhes precisos em Lucas que continuam sem
comprovação ou refutação até que se saiba mais.
• D e ta lh e s geográficos e outros que podem ser
considerados conhecidos em geral no século i. É difí­
Confirmação p o r historiadores não-cristãos.
cil estimar quanto conhecimento devia ser esperado
Um conceito errôneo bastante difundido acerca de
de um escritor ou leitor antigo.
jesus é que não há m enção dele em nenhum a fonte
•Detalhes especializados, não de conhecimento ge­
antiga além da Bíblia. Pelo contrário, há várias refe­
ral, exceto de um pesquisador contemporâneo, como
rências a ele com o personagem histórica que m or­
Lucas, que viajou bastante. Esses detalhes incluem tí­
reu pelas m ãos de Pôncio Pilatos. Algumas até des­
tulos exatos de oficiais, identificação de unidades m i­
creveram relatos de sua ressurreição e adoração como
litares e informação sobre rotas principais.
• Detalhes que arqueólogos sabem ser precisos, deus por todos que o seguiam. Gary Habermas as dis­
mas cujo período exato não podem comprovar. Alguns cute exaustivamente. Citações de historiadores e ou­
deles provavelmente não seriam conhecidos, exceto por tras fontes são encontradas no artigo NotoTestamen­
um escritor que tivesse visitado os distritos. to, FONTES NÃO-CRISTÃS DO.

• Correlação das datas de reis e governadores co­ Evidências relativas à morte de Jesus. Três des­
nhecidos com a cronologia da narrativa. cobertas fascinantes iluminam a morte de Cristo e, até
• Fatos apropriados para a época de Paulo ou seus certo ponto, sua ressurreição. A prim eira é um decre­
contemporâneos imediatos na igreja, mas não para to fora do comum; a segunda é o corpo de outra víti­
uma data anterior ou posterior. ma da crucificação.
• “Coincidências não-planejadas” entre Atos e as 0 decreto de Nazaré. Uma laje de pedra foi encon­
epístolas paulinas. trada em Nazaré em 1878, inscrita com um decreto do
• Correlações internas de Atos. Imperador Cláudio (4 1-54 d.C.) segundo o qual ne­
• D etalhes ind ep en d en tem en te com provados nhuma sepultura devia ser violada nem corpos devi­
que ajudam teólogos a separar o texto original de am ser extraídos ou movidos. Esse tipo de decreto não
Atos do que pode ter sido acrescentado p o sterior­ é fora do comum, mas o fato surpreendente é que aqui
m ente nas fam ílias de textos alexandrinos ou o c i­ “o ofensor será condenado à penalidade m áxim a pela
dentais. Supostos anacronism os agora podem ser acusação de violação de um a sepultura” (ibid., p. 155).
identificados com o inserções referentes a um p erí­ Outras advertências citavam um a multa, mas morte
odo posterior. por violar uma sepultura? Uma explicação provável é
Atanásio 82

que Cláudio, depois de ouvir a doutrina cristã da res­ F. F. B ruck, Merece confiança o \'oiv Testamento?
surreição e do túmulo vazio de Jesus, ao investigar os N. G lceck, Rivers in the desert.
tumultos de 49 d.C., decidiu impedir que relatórios G. R. H abermas , The verdict o f history.
desse tipo viessem novamente à tona. Isso faria senti­ C. (. H emer , The book o f Acts in the setting o f
do à luz do argumento judaico de que o corpo fora rou­ hellenistic history, C. H. G fmpi , org.
bado (M t 28.11-15). Esse é um testemunho primitivo J. M cR ay, Archaeology and the New Testament.
da crença forte e persistente de que Jesus ressuscitou W. M. R amsay, St. Paul the traveller and the roman
dos mortos. citizen.
Yohanan — uma vítima da crucificação. Em 1968, J. A. T. R obinson, Redating the New Testament.

um antigo cem itério foi descoberto em Jerusalém A. N. S herwin -W hitf, Roman society and roman law

contendo cerca de 35 corpos. Foi determ inado que a in the New Testament
m aioria deles sofrera m ortes violentas na rebelião C. A. W ii .son, Rocks, relics and biblical reliability

judaica contra Roma em 70 d.C. Um deles era um h o ­ E. Y amauchi, The stones and the Scriptures.
mem chamado Yohanan ben Hagalgol. Ele tinha e n ­
tre 24 e 28 anos, uma fenda palatina, e am bos os pés A tanásio. Foi um dos grandes defensores da fé cristã
ainda traspassados por um cravo de 18 cm de co m ­ (296-373 d.C.). Foi educado numa escola catequética
primento. Os pés estavam virados para fora, para que em Alexandria. Como secretário do bispo Alexandre,
o cravo pudesse atravessar os calcanhares, bem no participou do Concílio de Nicéia (325). Sucedeu a Ale­
tendão de Aquiles. Isso tam bém faria as pernas se xandre três anos depois. Provavelmente antes de 318,
arquearem para fora, de modo que pudessem ser usa­ antes dos 30 anos de idade, escreveu Da encarnação e
das para apoio na cruz. O cravo havia atravessado Contra as gentes, explicando como o Logos (Cristo) tor­
uma cunha de acácia, depois os calcanhares, depois nou-se humano e redimiu a humanidade. Mais tarde,
em Cartas sobre o Espírito Santo, defendeu a personali­
uma viga de m adeira de oliveira. Também havia in ­
dade e divindade da terceira pessoa da Trindade.
dícios de cravos sem elhantes colocados entre os dois
A ortodoxia de Atanásio. Atanásio não só defen­
ossos de cada parte inferior dos braços. Estes havi­
deu o cristianismo ortodoxo como também ajudou a
am feito com que os ossos superiores se desgastas­
estabelecer o seu padrão, principalmente quanto à di­
sem à medida que a vítim a se levantava e abaixava
vindade de Cristo. De 339 a 359 escreveu uma série de
repetidam ente para respirar (a respiração é restrita
defesas da fé (Discursos contra os arianos) direcionada
com os braços levantados). As vítim as de cru cifica­
aos que negavam a divindade total de Cristo. Gramati­
ção tinham de se erguer para liberar os músculos pei­
calmente, a discussão estava centrada na questão de
torais e, quando ficavam fracos dem ais para fazê-lo,
Cristo como homoiousion (de “substância semelhante”)
m orriam por asfixia.
ou homoousion (de“mesma substância”) com o Pai. Ata­
As pernas de Yohanan foram esm agadas com um
násio manteve-se firme contra grandes obstáculos e di­
golpe violento, conform e o hábito do crucifagium
ficuldades e, assim, preservou a posição bíblica quando
rom ano ( Jo 19.31,32). Cada um desses detalhes con ­
a maioria dos líderes da igreja havia-se voltado para o
firm a a d escrição da cru cificação encontrada no n t .
arianismo. Por isso Atanásio recebeu o título de contra
Mais evidências textuais e arqueológicas apoiam
mundum (“contra o mundo”).
a precisão do nt (v. Cristo, morte de). Mas mesmo esses
O Credo niceno. Não se sabe exatamente o papel
exemplos revelam até onde a arqueologia confirm a a
de Atanásio na formulação do Credo niceno. Ele certa­
verdade das Escrituras. O arqueólogo Nelson Glueck
mente o defendeu com sua vida. Esse credo diz, em
declarou ousadamente que:
parte, na forma original:

Pode-se afirm ar categoricam ente que nenhum a d esco­ Cremos em um só D eus , P ai Onipotente, Criador do céu
b erta arqueológica jam ais contestou um a referência b íb li­ e da terra, e de todas as coisas visíveis e invisíveis. E em
ca. Inúm eras descobertas arqueológicas foram feitas que um só S enhor : J esus C risto , Filho Unigénito de Deus; gera­
confirm am em linhas gerais ou em detalhes exatos as afir­ do de seu Pai antes de todos os mundos, Deus de Deus,
m ações históricas na Bíblia (Glueck, p. 31). Luz de Luz, Verdadeiro de Deus de verdadeiro Deus; gera­
do, não feito; consubstanciai com o Pai, por quem todas as
Fontes coisas foram feitas...
W. F. A l b r ig h t , “Retrospect and prospect in the New E cremos no E spirito S anto, Senhor e Doador da vida,
Testam ent arehaeology”, em E. J. Y a rd a m a x , procedente do Pai e do Filho; o qual com o Pai e o Filho
org., The teachefsyoke. juntamente é adorado e glorificado; o qual falou pelos profetas.
83 ateísmo

Fontes dialético defendido por Thomas Altizerque propôs que


Atanãsio, On the incarnation. o Deus transcendente do passado morreu na encarnação
___ , Contra gentes. e crucificação de Cristo, e essa morte foi posteriormen­
___ , Orations against arians. te realizada nos tempos modernos. Ateus semânticos (v.
F. L. C r o ss , “A th a n a s iu s , St.” , em Oxford dictionary o f verificação empírica) afirm am que a discussão sobre

theChristian Church. Deus está morta. Essa posição foi defendida por Paul
___ , The study ofSt. Athanasius. Van Buren e outros influenciados pelos positivistas ló­
gicos que desafiaram seriamente a significância da lin­
J. A. D orner , History ofthe development of the
guagem sobre Deus. É claro que os que apoiam esta úl­
doctrine o f the person ofChrist, v. 2.
tima posição não precisam nem ser ateus verdadeiros.
A. R obertson , St. Athanasius.
Podem admitir a existência de Deus e ao mesmo tempo
R . V. S ellers , Two ancient christologies.
acreditar que não é possível falar sobre ele em termos
R Schaff , The creeds o f christendom, v. 1 .
sig n ifica tiv o s. E ssa p o sição foi cham ada
“acognosticismo”, já que nega que possamos falar de
ateísmo. Enquanto o politeísmo dominou grande parte
Deus em termos cognitivos e significativos. 0 ateísmo
do pensamento grego antigo e o teísmo dominou a posi­
conceituai acredita que há um Deus, mas ele está escon­
ção cristã medieval, o ateísmo floresceu no mundo mo­
dido da nossa visão, obscurecido por nossas constru­
derno. É claro que nem todos que não têm fé num ser ções conceituais (v. Buber, Martin). Finalmente, ateus
divino querem ser chamados de “ateus”. Alguns prefe­ práticos confessam que Deus existe, m as acreditam que
rem a atribuição positiva “humanistas” (v. humanismo se­ devemos viver como se não existisse. A questão é que
cular). Outros talvez sejam mais bem descritos como não devemos usar Deus como muleta para a incapaci­
"materialistas”. Mas todos são não-teístas, e a maioria é dade de agir de forma espiritual e responsável (algu­
antiteísta.Alguns preferem o termo mais neutro“ateístas”. mas obras de Dietrich Bonhõffer podem ser interpreta­
Ao contrário do teísta, (v. teísmo) que acredita que das nessa categoria).
Deus existe além do e no mundo, e do panteísta, que Existem outras maneiras de designar os diversos
acredita que Deus é o mundo, o ateu acredita que não tip o s de ateus. Uma maneira seria por meio da filoso­
há Deus neste mundo e nem no além. Só existe um f ia q u e expressa seu ateísmo. Dessa m aneira pode-se
universo ou cosmo e nada mais. existencialistas (Sartre), ateus marxistas
fa la r d e a te u s

Já que os ateus têm muito em com um com os psicológicos (Sigmund F r e u d ) , ateus ca­
(M a rx ), a te u s

agnósticos (v. a g n o s t i c i s m o ) e céticos, são muitas vezes pitalistas (Ayn R a n d ) e ateus comportamentais (B. F.
confundidos com eles (v. Russell, “What is an agnos- S k in n e r ) .

tic?”).Tecnicamente, o cético diz: “Eu d u v id o que Deus Para propósitos apologéticos, a m aneira m ais

exista” e o agnóstico declara “Eu n ã o s e i (ou não posso aplicável de co n sid era r o a teísm o é no sen tid o
metafísico. Os ateus são pessoas que dão razões para
saber) se Deus existe”. Mas o ateu afirma que s a b e (ou
crerem que não existe Deus no mundo nem além dele.
pelo menos acredita) que Deus não existe. Uma vez,
Assim, estam os falando sobre ateístas filosóficos em
porém, que ateus são todos não-teístas e já que a m ai­
vez de ateus práticos, que apenas vivem como se não
oria dos ateus p artilh a com os céticos a posição
houvesse Deus.
antiteísta, muitos dos seus argumentos são iguais. É
Argumentos a favor do ateísmo. Os argumentos
nesse sentido que o ateísmo moderno baseia-se mui­
a favor do ateísmo são em grande parte negativos, ape­
to no ceticismo de David Hume e no agnosticismo de
sar de alguns poderem ser formulados em termos po­
Immanuel Kaxt.
sitivos. Os argumentos negativos se dividem em duas
Variações do ateísm o. Em geral, há tipos diferen­ categorias: 1) argumentos contra as provas da exis­
tes de ateísmo. 0 ateísmo tradicional (metafísico) afir­ tência de Deus (v. D e u s , o b ie ç õ es às provas de), e 2) ar­
ma que nunca houve, não há e jam ais haverá um Deus. gumentos contra a existência de Deus (v. Deus, s u p o s ­
Há m uitos que defendem essa posição, inclusive tas contraprovas d e ).
Na primeira categoria de argu­
Ludwig Feuerbach, Karl Marx, Jean-Paul S a r t r e , e mentos, a maioria dos ateus se baseia no ceticismo de
Antony F lew. Ateus mitológicos com o F ried rich Hume e no agnosticismo de Kant.
Nietzsche, acreditam que o mito “Deus” jamais foi um Os ateus oferecem o que consideram ser razões
Ser, mas o modelo vivo pelo qual as pessoas viviam. Esse boas e suficientes para acreditar que não existe Deus.
mito foi morto pelo avanço do entendimento e da cultura Quatro desses argumentos geralmente são usados pe­
do homem. Houve uma forma passageira de ateísmo los ateus: 1) a existência do mal (v. mal, problema moral
ateísmo 84

d o ); 2) a aparente falta de propósito da vida; 3) ocor­ Moléculas de dióxido de carbono são exaladas aleatori­
rências aleatórias no universo; e 4) a primeira lei da amente com o oxigênio (e nitogina no ar), mas por um
term odinâm ica — segundo a qual “energia não pode bom propósito. Se não fosse assim, inalaríamos os mes­
nem ser criada nem destruída” como evidência de que mos gases venenosos que exalamos. E algumas coisas
o universo é eterno e, logo, não precisa de um Criador. que parecem ser inúteis podem ser o produto de um
Respostas aos argumentos. A existência do mal. processo útil. O estrume de cavalo é um bom adubo.
Uma resposta detalhada para o problema do mal é dada Segundo a cronologia do ateu, o universo absorve e neu­
em outro artigo (v. mal , problema do ), portanto ele será traliza muito bem seus “lixos”. Até onde sabemos, pou­
tratado aqui apenas em termos gerais. 0 raciocínio do co do que se considera lixo é realmente desperdiçado.
ateu é circular. 0 ex-ateu C. S. L ew is argumentou que, Mesmo que exista tal“lixo”, ele pode ser um subproduto
para saber que há injustiça no mundo, é preciso haver necessário de um processo bom num mundo finito
um padrão de justiça. Então, eliminar Deus efetivamente como o nosso, assim como serragem resulta da extra­
por causa do mal é postular um padrão moral supremo ção e processamento da madeira.
para declarar que Deus é mau ( Cristianismo puro e sim­ A eternidade da matéria (energia). Os ateus geralmen­
ples). Mas, para os teístas, Deus é o padrão moral supre­ te citam de modo incorreto a primeira lei científica da
mo, já que não pode existir uma lei moral suprema sem termodinâmica. Ela não deve ser formulada: “Energia não
um Provedor Supremo da lei moral. pode ser criada nem destruída”. A ciência como ciência
Os ateus argumentam que um Deus absolutamente não deve ocupar-se com afirmações de “pode” ou “não
bom deve ter um bom propósito para tudo, mas não pode”. A ciência operacional lida com o que é ou não é,
há um bom propósito para a maior parte do mal no baseada na observação. Uma observação só nos diz, con­
mundo. Logo, não pode haver um Deus absolutam en­ forme a primeira lei, que “a quantidade de energia real no
te perfeito. universo permanece constante”. Isto é, apesar da quanti­
Os teístas mostram que só porque não sabemos o dade de energia utilizável estar diminuindo, a quantida­
propósito das ocorrências do mal não significa que não de de energia real permanece constante no universo. A
exista um propósito bom. Esse argumento não refuta primeira lei não diz absolutamente nada sobre a origem
Deus necessariamente; apenas prova nossa ignorân­ ou destruição de energia. Ela é apenas uma observação
cia do plano de Deus. Seguindo esse raciocínio, só por­ sobre a presença contínua de energia no cosmo.
que não vemos um propósito para todo o mal agora, Ao contrário da segunda lei da termodinâmica, que
não significa que jam ais saberemos. 0 ateu é prema­ diz que a energia utilizável do universo está se esgo­
turo no seu julgamento. Segundo o teísmo, um dia de tando e, logo, devemos ter um começo, a prim eira lei
justiça está chegando. Se existe um Deus, ele deve ter não afirm a que a energia é eterna. Portanto, ela não
um bom propósito para o mal, mesmo que não o co ­ pode ser usada para eliminar um Criador do cosmos.
nheçamos. Pois o Deus teísta é onisciente e sabe tudo. As crenças d o ateísm o. Os ateus não têm crenças
Ele é totalmente benigno e tem uma boa razão para idênticas, assim como os teístas. Mas há um núcleo de
tudo. Assim, pela própria natureza deve ter uma boa crenças comuns à maioria dos ateus. Então, apesar de
razão para o mal. nem todos os ateus acreditarem no que se segue, tudo
Falta de propósito. Ao supor que a vida não tem que segue é aceito pela maioria dos ateus. E a maioria
propósito, o ateu está sendo mais uma vez um juiz pre­ dos ateus acredita no seguinte:
sunçoso e prematuro. Como se pode saber que não há Sobre Deus. Os verdadeiros ateus acreditam que
um propósito supremo no universo? Só porque o ateu apenas o cosmos existe. Deus não criou o hom em ; as
não sabe o verdadeiro propósito da vida não significa pessoas criaram Deus.
que Deus não tenha um. A maioria das pessoas passa Sobre o mundo. 0 universo é eterno. Se não foi eterno,
por situações que não fazem sentido na hora, mas então surgiu “do nada e por nada”. É auto-suficiente e
eventualmente demonstraram ter grande propósito. autoperpetuador. Nas palavras do astrônomo Carl Sagan:
O universo aleatório. O suposto caráter aleatório do “o Cosmo é a única coisa que existe, existiu, e tudo que
universo não refuta Deus. Algumas casualidades são jam ais existirá.” (Sagan, Cosmos, 4). Quando indagado
apenas aparentes, não reais. Quando o dxa foi desco­ sobre o que causou o mundo?”, a maioria dos ateus res­
berto, acreditava-se que ele se dividia aleatoriamente. ponderia com Bertrand Russell que ele não foi causado;
Agora todo o mundo científico conhece o incrível e simplesmente existe. Apenas as partes do universo preci­
complexo padrão envolvido na divisão da molécula de sam de uma causa. Elas dependem do todo, mas o todo
hélix dupla conhecida como dna . Até casualidades reais não precisa de uma causa. Se pedirmos uma causa para
têm um propósito inteligente (v. telfológico , argumento ). o universo, então devemos pedir uma causa para Deus.
85 ateísmo

E se não precisamos de uma causa para Deus, então tam­ Sobre o destino humano. A m aioria dos ateus não
bém não precisamos de uma causa para o universo. vê destino eterno para pessoas, apesar de alguns fa­
Se alguém insistir que tudo precisa de uma causa, larem de um tipo de im ortalidade coletiva da raça.
o ateu apenas sugere a regressão infinita de causas que Mas, apesar da negação da imortalidade individual,
jamais chega à primeira causa (i.e., Deus). Pois se tudo muitos ateus são utopistas. Acreditam num paraíso
deve ter uma causa, então a “primeira causa” também
terreno futuro. Skinner propôs uma utopia beha-
precisa ter. Nesse caso não é mais a primeira, e nada
vioristicam ente controlada em Walden two. Marx
mais o é (v. Sagan, Brocas bmin, p. 287).
acreditava que a dialética econôm ica da história pro­
Sobre o mal. Ao co n trá rio dos p an teístas (v.
duziria inevitavelmente um paraíso com unista. Ou­
panteísm o ) que negam a realidade do mal, os ateus a
tros, com o Rand, acreditam que o capitalism o puro
afirm am convictam ente. Na verdade, enquanto os
pode produzir uma sociedade perfeita. Ainda outros
panteístas afirmam a realidade de Deus e negam a re­
alidade do mal, os ateus, p o r outro lado, afirmam a acreditam que a razão hum ana e a ciência podem
realidade do m a l e n eg am a realidade de Deus. Eles produzir uma utopia social. No entanto, quase todos
acreditam que os te ísta s são in co e re n tes ao te n ta r ape- reconhecem a mortalidade final da raça humana, mas
gar-se às duas realid ad es. se consolam na crença de que sua destruição está a
Sobre os seres humanos. 0 ser h u m a n o é m a téria em m ilhões de anos de acontecer.
movimento sem u m a alm a im o rtal. X ã o h á m en te a n ão Avaliação. Contribuiçõespositivas do ateísmo. Mes­
ser o cérebro. N em alm a in d ep en d en te do corpo. Ape­ mo do ponto de vista teísta, nem todas as posições ex­
sar de nem to d o s os ateus serem m a terialista s rígid os pressas por ateus são falsas. Os ateus já ofereceram
que identificam a a lm a co m o co rp o , a m a io ria acred ita muitas percepções sobre a natureza da realidade.
que a a lm a é d ep en d en te do corpo. A alm a, na verdade, A realidade do mal. Ao contrário dos panteístas, os
morre q u an d o o co rp o m o rre. A alm a (e m en te) pode
ateus não ignoram a realidade do mal. Na verdade, a
ser m a is que o co rp o , da m esm a fo rm a que um p e n sa ­
maioria dos ateus tem uma percepção aguçada do mal
m en to é m ais que palavras ou sím b o lo s. M as, com o a
e da injustiça. Indicam corretamente a imperfeição
sombra de u m a árvore deixa de ex istir co m a árvore, a
d este mundo e a necessidade de adjudicação da injus­
alma também n ão sobrevive à m o rte do corpo.
tiç a . Neste caso, eles estão absolutamente certos ao di­
Sobre a ética. N ão existem abso lu to s morais, certa­
zer que um Deus amoroso e onipotente certamente
mente nenhum absolu to d iv in am en te autorizad o. Tal­
vez exitam alguns valores g eralm ente aceitos e d u rad ou ­ faria algo sobre a situação.
ros. Mas leis a b so lu tam en te o b rig a tó rias ta m b é m pare­ Conceitos contraditórios de Deus. Ao afirm ar que
cem implicar um Proved or de Leis absolu to, o que não é Deus não é causado por outro, alguns descreveram
uma opção (v. m o ra lid a d e , natureza absoluta d a ). Deus como se fosse um ser autocriado (causa sui). Os
Já que valo res n ã o são descobertos por alguma re­ ateus m ostram corretamente essa contradição, pois
velação de D eu s, eles devem ser criados. Muitos ateus nenhum ser causa a própria existência. Fazer isso se­
acreditam que valores morais emergem do processo ria existir e não existir ao mesmo tempo. Pois causar
de tentativa e erro, da mesma forma que as leis de trân­ existência é passar da inexistência à existência. Mas a
sito se desenvolveram. Geralmente a ação correta é des­ inexistência não pode causar existência. Nada não
crita em termos do que trará o maior benefício a lon­ pode causar algo (v. causalidade , prin cípio da ). Nesse
go prazo (v. utilita rism o ). Alguns reconhecem sincera­
ponto os ateus estão absolutamente corretos.
mente que situações relativas e mutantes determinam
Valores hum anos positivos. M uitos ateus são
o que é certo ou errado. Outros falam sobre o compor­
humanistas. Juntamente com outros eles afirm am o
tamento conveniente (o que“funciona” ), e alguns exer­
valor da humanidade e da cultura. Buscam sincera­
cem toda sua ética em termos de interesse próprio. Mas
mente as artes e ciências e expressam profunda preo­
praticamente todos os ateus reconhecem que cada pes­
soa deve determinar valores pessoais, ia que não há cupação por questões éticas. A maioria dos ateus acre­
Deus para revelar o que é certo e errado. Conforme o dita que o racismo, o ódio e a intolerância são errados.
Manifesto humanista declara: Muitos ateus louvam a liberdade e a tolerância e têm
outros valores morais positivos.
O humanismo afirma que a natureza do un iverso retrata­ A oposição leal. Os ateus são a oposição leal dos teístas.
da pela ciência moderna torna inaceitável qualquer garantia É difícil ver as falhas do próprio pensamento. Os ateus
sobrenatural ou cósmica dos valores humanos (Kurtz. p. 81. servem de corretivo para raciocínios teístas inválidos.
Atenágoras 86

Seus argumentos contra o teísmo devem fazer cessar o Qual é a base da beleza? Os ateus tam bém admi­
dogmatismo e abrandar o zelo com que muitos crentes ram um pôr-do-sol bonito e ficam impressionados
desprezam espontaneamente a incredulidade. Na ver­ com o céu estrelado. Admiram a beleza da natureza
dade, os ateus desempenham um papel importante de como se ela tivesse significado. Mas se o ateísmo é ver­
corretivo para o pensamento teísta. Monólogos rara­ dadeiro, tudo é acidental, sem propósito. Os ateus ad­
mente produzem um raciocínio refinado. Sem ateus, os miram a beleza natural como se fosse feita para eles, e
teístas não teriam uma oposição significativa com que ainda assim não acreditam num Criador que delibe-
dialogar e explicar seus conceitos de Deus. radamente a tenha feito para eles.
Uma crítica ao ateísmo. Ainda assim , a posição de
que Deus não existe carece de apoio racional adequa­ Fontes
do. Os argumentos do ateu contra Deus são insufici­ T. A ltizer, The gospel o f Christian atheism.
entes (v. ateísmo ) . Além disso, há bons argumentos para P. B ayle , Selections from Bayle’s dictionary.
a existência de Deus (v. D e u s , evidências d e ). Para mui­ L. F euerbach , A essência do cristianismo
tas coisas, o ateísmo não dá uma resposta satisfatória. J. N. F indlay , “ Can God’s existence be disproved?” .
Por que existe algo e não nada? O ateísmo não dá A. Plantinga, Ontological argument.

uma resposta adequada para explicar porque algo exis­ C. H artshorxe , “ The necessarily existent” ,A .
te quando não é necessário que exista. A inexistência Plantinga, The ontological argument.
de tudo no mundo é possível, mas o mundo existe. Por J. H ick , The existence o f God.
quê? Se não há causa para sua existência, não há ra­ B. C. J ohnson, An atheist debater’s handbook.

zão para o mundo existir (v. cosmológico , arg u m en to ). P. K urtz , Humanist manifestos /e //.
Qual é a base para a moralidade? Os ateus podem C. S. L ew is , Cristianismo puro e simples.

crer na moralidade, m as não podem justificar sua M . M artin , Atheism: a philosophicaljustification.


crença. Por que alguém seria bom a não ser que haja K. M a rx , M arx and Engels on religion.
quem defina bondade e responsabilize as pessoas por G. M alrades , B elief in God.

seus atos? Dizer que ódio, racism o, genocídio e estu­ T. M olnar , Theists and atheists.
pro são errados é uma coisa. Mas se não há padrão J. P. M oreland, Does God exist?
absoluto de moralidade (i.e., Deus), então com o es­ F; Nietzsche, Gaia ciência.
sas coisas podem ser erradas? Uma prescrição m o­ ___ , Assim falou Zaratustra.
ral im plica um Prescribente moral (v. argu m en to m o ­ K. N ielson, Philosophy o f atheism.
ra l para D e u s ). A. R and , For the new intellectual.
Qual é a base do significado? A maioria dos ateus B. R ussell, “ What is an agnostic?” , em Look (1953).
acredita que a vida é significativa e vale a pena ser vi­ C. S agan, Broca’s brain.
vida. Mas como pode ser isso, se não há propósito para ___ , Cosmos.
a vida, nem destino após essa vida? Propósito implica J. P. S artre, O ser e o nada.

um Autor do propósito. Mas, se não há Deus, não há B. F. S kinner, Sobre o behaviorismo.


objetivo nem significado final. Apesar disso, a m aio­ ___ , Walden two.
ria dos ateus vive como se houvesse. G. Smith, The case against God.
Qual é a base da verdade? A m aioria dos ateus R. C. S proul, I f there is a God, why are there atheists?
acredita que o ateísmo é verdadeiro e o teísm o é fal­ P. V an B uren, The secular meaning of the gospel.
so. Mas afirm ar que o ateísmo é verdadeiro implica
que há algo que seja verdade absoluta. A m aioria dos Atenágoras. Apologista cristão do século ii denomina­
ateus não acredita que o ateísmo é verdade só para do o “filósofo cristão de Atenas”. Sua famosa Petição (c.
eles. Mas, se o ateísmo é verdade, deve haver uma base 177), que ele chamou “Embaixada”, intercedia junto
para a verdade objetiva (v. v e r d a d e , n a t u r e z a d a ). A ao imperador Marco Aurélio a favor dos cristãos. Mais
verdade é uma característica da mente, e a verdade tarde ele escreveu uma defesa poderosa da ressur­
objetiva implica uma Mente objetiva além das n o s­ reição física (v. RESSURREIÇÃO, NATUREZAFÍSICADa): Sobre ü
sas mentes finitas. ressurreição dos mortos.
Qual é a base da razão? A maioria dos ateus se or­ Dois autores posteriores mencionam Atenágoras.
gulha de ser racional. Mas para que ser racional se o Metódio de Olimpo (m. 311) foi influenciado por ele
universo é o resultado do acaso irracional? Não há ra­ em sua obra Sobre a ressurreição do corpo. Filipe Sidetes
zão para ser racional num universo aleatório. Logo, o (início do século vi) afirmou que Atenágoras havia-se
maior orgulho dos ateus não é possível sem Deus. convertido ao cristianismo quando lia as Escrituras
/ Atenágoras

“buscando contradizê-las” (Pratten, p. 127). Seu tra­ o mundo mais alto que todas as coisas e estando acima do que
dutor para o inglês observou: ele fez e ordenou, onde estará o outro ou os outros? (ibid.,8).

Tanto sua Apologia quanto seu tratado sobre a Ressur­ Deus é unidade e trindade. Ele é uma pluralidade
reição demonstram habilidade na escrita e uma mente ex­ de pessoas na unidade de um Deus. Atenágoras deixou
tremamente culta. Ele é sem dúvida o mais elegante, e cer­ claro que “reconhecemos também um Filho de Deus...
tamente ao mesmo tempo o mais capaz, dos apologistas cris­ o mesmo Espírito Santo [...] é uma emanação de Deus”.
tãos primitivos (ibid.). 0 silêncio do historiador Eusébio Logo,“admit[imos] um Deus Pai, um Deus Filho e um
sobre Atenágoras é estranho em vista de sua obra. Espírito Santo” (ibid., 10). Atenágoras enfatiza que, o
Pai e o Filho sendo um, o Filho foi aquele por meio de
Apologética. Os elementos básicos da apologética quem o universo foi criado. O Pai tinha o “Verbo em si
posterior estavam presentes nos tratados de Atená­ mesmo” pela eternidade. Então o Verbo foi gerado pelo
goras. Ele defendeu o cristianism o dos ataques do ate ­ Pai, mas “não como feito admitimos” (ibid.).
ísm o , canibalism o (com er o corpo de Cristo) e da prá­ Atenágoras afirm ou os elementos essenciais do
tica do incesto. Deu ênfase à vida pacífica e irrepreen­ teísmo clássico, insistindo que
sível dos cristãos e afirmou que eles mereciam direi­
tos iguais aos outros cidadãos. ... admitimos um só Deus, incriado, eterno e invisível,
As Escrituras. Assim como outros pais da igreja, impossível, incompreensível e imenso, [...] rodeado de luz,
Atenágoras acreditava que a Bíblia era a Palavra ins­ beleza, espírito e poder inenarrável, pelo qual tudo foi feito
pirada de Deus (v. B íb l ia , evidências da ). Ele afirmou através do Verbo que dele vem, e pelo qual tudo foi ordena­
que “seria irracional da nossa parte deixar de crer no do e se conserva (ibid.).
Espírito de Deus, que moveu as bocas dos profetas
como instrumentos musicais” (ibid., ix), e que Criação. Para Atenágoras,“a divindade é incriada e
eterna [...] mas a matéria é criada e perecível” (ibid.,4).
os escritos de Moisés, [...] de Isaías, Jeremias e outros E várias vezes afirmou que o universo fora criado por
profetas que, saindo de seus [...] pensamentos, por moção meio do Verbo. Ele usa essa distinção radical entre Cri­
do Espírito Divino, falavam o que neles se realizava, pois o ador e criação para mostrar os absurdos do politeísmo.
Espírito se servia deles como flautista que sopra a flauta. Criticou os que não viam a distância entre si e seu Cria­
dor, e então oravam a ídolos feitos de matéria (ibid., 15).
Deus. Atenágoras afirmou a existência, a unidade, Ao distinguir o Artista (Deus) e sua arte (o mundo),
a trindade e os atributos essenciais de Deus. Isso ele concluiu: “... não é a ele [o mundo] mas ao seu artífice
fez contra o desafio do po liteísm o . Atenágoras com e­ que se deve adorar” (ibid., 16). Ele indicou que deuses
çou defendendo a existência de Deus contra a posição politeístas eram criados.“... como chamarei deuses aos
romana de que os cristãos eram ateus, já que n ã o acei­ que sei que têm homens como artificies?
tavam o panteão romano nem adoravam o imperador. A ressurreição. Atenágoras escreveu o tratado So­
Os cristãos não são ateus, escreveu Atenágoras, por­ bre a ressurreição dos mortos. Com todos os outros pais
que reconhecem um Deus. Ao contrário de alguns gre­ primitivos (exceto Orígenes, que foi condenado por
gos que negavam a Deus, os cristãos heresia nesse caso), Atenágoras afirmou a ressurrei­
ção física do mesmo corpo material de carne e osso
... [distinguem] Deus da matéria e [demonstram] que que morreu (v. G e isl l r ). Ele insistiu em que o poder
uma coisa é Deus e outra a matéria, e que a diferença entre de Deus é suficiente para levantar corpos mortos, já
um e outro é imensa, pois a divindade é ineríada e eterna. que criou esses corpos ( Sobre a ressurreição, 3). Quan­
[...] mas a matéria é criada e corruptível. Não é irracional to à acusação de que Deus não pode juntar as partes
cham[á-los] de ateus? (ibid.,41. espalhadas de um cadáver, ele disse:

Contra o contexto politeísta pagão, Atenágoras afir­ ... Não é possível que Deus desconheça, em cada parte e
mou a unidade de Deus ( ibid., 5). Repreendeu os “ab­ membro, a natureza dos corpos que ressucitarão, nem que
surdos do politeísmo”, perguntando: ignore o paradeiro de cada parte desfeita [...] por mais difí­
cil que pareça aos homens discernir... (ibid.,2).
Se, desde o princípio, tivesse hav ido dois ou mais deuses,
certamente os dois teriam tido que estar em um só e mesmo Deus era bem capaz, garantiu ao leitor, de refor­
lugar ou cada um, à parte, em seu lugar, sendo aquele que criou m ar esses corpos “com a mesma facilidade” (ibid., 3).
atomismo

Seu ensinamento poderoso sobre a ressurreição é usa­ re a lid a d e é c o m p o s ta d e e n e r g ia fís ic a q u e , s e g u n d o a


do para refutar a acusação de canibalismo. Ele pergunta: p r im e ir a le i d a te r m o d in â m ic a (v. term o d in â m ica , leis
d a ) , n ã o é c r ia d a n e m d e s tr u íd a .
... quemcrê na ressurreiçãoquereráoferecer-se como sepul­ Outros pluralistas m odernos.no entanto, optaram
tura dos corpos que hão de ressuscitar? Não é possível alguém pela posição mais imaterial das entidades de forma
acreditar que nossos corpos ressucitarão e, ao mesmo tempo, os atômica chamadas “mônadas” (v. L eibn iz , G o t tfr ie d ) ou
coma, como se não devessemressucitar... (Petição, 36). objetos eternos (v. W h iteh ea d , Alfred N o r th ). Assim, o
atomismo continua em diversas formas, das quais as
Uma razão para a ressurreição é que variedades materialistas ainda constituem um desa­
fio para o cristianism o (v. ateísmo).
... o hom em , que consta de alm a e corpo, deve perm ane­ Há vários problemas sérios com o atomismo m a­
cer para sempre. É im possível, porém , que ele perm aneça s e terialista tanto nas formas antigas quanto modernas.
não ressuscita. De fato, se a ressurreição não se verifica, a Primeiro, os atomistas não resolvem o problema de
natureza dos hom ens não pode perm anecer. [...] Juntam en­ “um” e “muitos”. Não têm uma explicação adequada
te com a alma im o rred o u ra , a p erm a n ê n cia do corpo para a razão das coisas simples serem diferentes ou a
perdur[ará] eternam ente conform e a sua própria natureza razão desse uni-verso existir quando a única coisa que
(Sobre a ressurreição, 15). realmente existe é multiplicidade, não unidade.
Em segundo lugar, a forma antiga do atomismo foi
destruída pela divisão do átomo. Essas partículas de
Ele acrescentou que cada pessoa deve ter corpo e
realidade supostamente indivisíveis deram lugar a
alma no julgamento para que este seja justo. Se o corpo
uma consideração mais amena da energia.
não for restaurado junto com a alm a,“... [não] guarda­
Em terceiro lugar, até na forma moderna, a crença na
rá m em ória de qualquer de suas obras ou consciência
eternidade da matéria (energia física) teve de ceder dian­
do que nela [na alma] sofrera (ibid., 20). Em termos
te da segunda lei da termodinâmica (v. termodinâmica , leis
bíblicos, uma pessoa será julgada pelas coisas que fez
da ), que revela que o universo físico não é eterno, mas
“por meio do corpo” (2 Co 5.10). Isso não é completa­
está se desgastando (v. evolução cósmica ).
mente possível a não ser que o corpo seja ressuscitado.
Em quarto lugar, o materialismo puro é contradi­
tório. É uma teoria imaterial sobre toda matéria que
Fontes
afirma que não existe nada que seja imaterial. O m a­
A tenágoras, Petição em favor dos cristãos.
terialista que olha no microscópio, examinando todas
___ , Sobre a ressurreição dos mortos.
as coisas m ateriais, deixa de levar em conta o “eu”
F. L. Cross, “Athenagoras”, em The Oxford dictionary
imaterial e autoconsciente e seu processo mental que
ofthe christian church.
está fazendo as deduções.
N. L. Geisler, The battle for the resurrection, cap. 4.
B . P. PRAiTEN,“ I n tro d u c to ry n o te to th e w ritin g s o f
Fontes
A th e n a g o ra s ” , e m A . R obkrts e J. D oxaldxon ,
J. C oi.u n s , A history o f modem european philosophy.
o rg s ., The ante-Nicene fathers, v. 2.
F. C opleston , A history o f philosophy.
M. C. Nahm,Selectionsfrom earlygreekphilosophy.
atomismo. Espécie de m a t e r ia l is m o que entendia que
J. OwEN, A history o f ancient western philosophy.
o universo era feito de pequenas unidades de realida­ J. E. R aven , et ah, Thepresocraticphilosophers.
de. Acreditavam que o espaço absoluto (o Vazio) esta­
va cheio dessas partículas pequenas e indivisíveis. Atos dos Apóstolos, historicidade de. A data e a
Toda variedade no universo era explicada em termos autenticidade são cruciais para a historicidade do
de combinações diferentes de átomos. c r is tia n is m o p rim itiv o (v. Novo T e s t a m e n t o ,
Os atomistas eram pluralistas, ao contrário dos h isto r ic id a d e d o ) e, logo, para a apologética em ge­
monistas, acreditando que a realidade é “muitos”, não ra l (v. a p o l o g é t i c a , d is c u s s ã o d a ; p r e o c u p a ç õ e s
“um” (v. m o n is m o ; u m e m u i t o s , p r o b l e m a d e ; p l u r a l i s m o ). a po lo g é tic a s do N ovo T e sta m e n t o ).
Os atomistas antigos incluíam filósofos gregos como
Demócrito e Leucipo. • Se Atos foi escrito antes de 70 d.C., enquanto as
Já que a palavra grega átomo significa indivisível, testemunhas ainda estavam vivas (v. docu m entos do
m u itas das p o siçõ es m a te ria lista s extrem as dos Novo T esta m en to , datas d e ), o livro tem grande valor
atomistas caíram com a divisão do átomo. Mas mate­ histórico para nos inform ar sobre as crenças cristãs
rialistas contemporâneos ainda acreditam que toda a mais primitivas.
89 Atos dos Apóstolos, historicidade de

• Se Atos foi escrito por Lucas, companheiro do 5. Não há indício da morte de Tiago pelas mãos
apóstolo Paulo, ele nos coloca dentro do círculo dos do Sinédrio, por volta de 62, conforme regis­
apostólos, que participaram dos eventos relatados. trada por Josefo (Antiguidades 20.9.1).
•Se Atos foi escrito por volta do ano 62 d.C (a data 6. A importância do julgamento de Gálio em Atos
tradicional, foi escrito por um contemporâneo de Jesus, 18.14-17 pode ser vista como o estabelecimen­
que morreu no ano 33 (v. Novo T estamento , datas d o ) to de um precedente para legitimar o ensina­
• Se Atos é considerado h istó ria precisa, traz mento cristão sob a égide da tolerância ao ju ­
credibilidade aos seus relatos sobre as m ais básicas daísmo.
crenças cristãs quanto a milagres (At 2.22; v. m ila g res , 7. A proeminência e autoridade dos saduceus em
valor apologético d o s ; m ilagres na B íb l ia ), m orte (At Atos pertence à era anterior a 70, antes do co­
2 .2 3 ),ressurreição ( At 2.23 ,2 9 -3 2 ), e ascensão de Cris­ lapso da sua cooperação política com Roma.
to (At 1.9,10). 8. Por outro lado, a atitude relativamente sim pá­
•Se Lucas escreveu Atos, então seu “livro anterior” tica em Atos para com os fariseus (ao contrá­
(At 1.1), o evangelho de Lucas, deve receber a mesma rio do evangelho de Lucas) não se encaixa bem
data (durante a vida dos apóstolos e testem unhas) e no período do reavivamento fariseu depois da
credibilidade. reunião de estudiosos de Jâm nia, por volta de
90 d.C. Como resultado dessa reunião, uma fase
O testem unho d e um especialista em história de de conflito crescente com o cristianism o foi li­
Rom a. Embora a erudição do N T , h á muito tempo do­ derada pelos fariseus.
minada pela alta crítica (v. crítica da B íb l ia ), tenha se 9. Algumas pessoas já argumentaram que o li­
mantido cética com relação à historicidade dos evan­ vro antecede a ida de Pedro a Roma e também
gelhos e Atos, isso não acontece com os historiadores que usa linguagem que implica que Pedro e
que estudam esse período. Sherwin-White é um caso João, assim como o próprio Paulo, ainda es­
em questão. tavam vivos.
Outro especialista acrescentou o peso do seu estu­ 10. A proeminência dos “gentios piedosos” nas si­
do à questão da historicidade do livro de Atos. Colin J. nagogas em Atos parece indicar a situação an­
Hemer descreve dezessete razões para aceitar a data tra­ terior à Guerra Judaica.
dicional que colocaria a pesquisa e a composição de Atos 11. É difícil determ inar a época dos detalhes cul­
durante a vida de muitos de seus personagens. Elas apoi­ turais insignificantes, mas podem representar
am firmemente a historicidade de Atos e, indiretamen­ melhor o ambiente cultural da era romana en­
te, do Evangelho de Lucas (cf. Lc 1.1 -4; At 1.1);1 tre Júlio César e Cláudio.
12. Áreas de controvérsia em Atos pressupõem a
1. Não há menção em Atos à queda de Jerusalém relevância do cenário judaico durante o perío­
em 70 d.C., uma omissão improvável, dado o do do templo.
conteúdo do livro, se ela já houvesse ocorrido. 13. Adolf Harnack argumentou que a profecia usa­
2. Não há indício do começo da Guerra Judaica da por Paulo em Atos 20.25 (cf. 20.38) pode ter
em 66 d.C., nem de qualquer deterioração drás­ sido contradita por eventos posteriores. Se esse
tica ou específica das relações entre romanos e for o caso, ela provavelmente foi escrita antes
judeus, o que implica que foi escrito antes des­ de esses eventos acontecerem.
sa época. 14. A formulação primitiva da term inologia cris­
3. Não há indício da deterioração das relações tã usada em Atos se encaixa no período prim i­
cristãs com Roma decorrentes da perseguição tivo. Harnack alista títulos cristológicos, como
de Nero do final dos anos 60. Iesous e ho Kurios , que são usados livrem en­
4. O autor não demonstra conhecer as cartas de te, enquanto ho Christos sempre se refere ao
Paulo. Se Atos foi escrito depois, por que Lucas, “M essias”, em vez de aparecer com o nom e
que se mostra tão cuidadoso com detalhes co­ próprio, e Christos é usado apenas em com bi­
incidentes, não tentaria informar sua narrati­ nações form ais.
va por versões relevantes das epístolas? As epís­ 15. Rackham chama atenção pelo tom otimista de
tolas evidentemente circularam e devem ter se Atos, que não seria natural depois de o judaís­
tornado fontes disponíveis aos leitores de Atos. mo ser destruído e dos cristãos serem m artiri­
Esta questão está cercada de incertezas, mas zados na perseguição de Nero do final dos anos
uma data anterior é sugerida pelo silêncio. 60 (Hemer, p 376-82).
Atos dos Apóstolos, historicidade de 90

16. O fim do livro de Atos. Lucas não continua a 7. Correlações internas latentes em Atos.
história de Paulo no final dos dois anos de Atos 8. Detalhes comprovados independentemente,
28.30. “A menção desse período definido im ­ compatíveis com os textos alexandrinos con­
plica um ponto terminal, no mínimo penden­ tra os ocidentais. Já que há diferenças entre fa­
te” (Hemer, p. 383). Ele acrescenta:“Pode-se ar­ mílias textuais, a confirm ação independente
gumentar apenas que Lucas atualizou a nar­ pode ajudar a determ inar quando as mudan­
rativa até a época em que a escrevia, e o final ças foram importadas para a tradição textual
foi acrescentado na conclusão dos dois anos” de Atos. A leitura secundária pode referir-se a
(ibid.,p. 387). condições de um período posterior e, as-sim ,
17. O “caráter imediato” de Atos 27,28: Isso é o ajudar indiretamente a discrim inar períodos
que chamam os “caráter imediato” dos últimos de tempo.
cap ítu lo s do livro, que são m arcad os c la ­ 9. Assuntos de conhecimento geográfico comum,
ramente pela reprodução aparentemente auto­ provavelmente mencionados informal ou alu­
m ática de detalhes insignificantes, uma carac­ sivamente, com uma exatidão não artificial que
terística que chega ao ponto máxim o na nar­ demonstra familiaridade.
rativa da viagem de Atos 2 7 ,2 8 .0 “caráter vívi­ 10. Diferenças estilísticas textuais que indicam que
do e imediato” dessa passagem em particular Lucas usou fontes diferentes.
se diferencia muito do “caráter indireto” das 11. Peculiaridades na seleção de detalhes, tais como
primeiras partes de Atos, onde supomos que a inclusão de detalhes que são teologicamente
Lucas se baseou em fontes ou lembranças de irrelevantes, mas que podem influenciar o con­
outros e não podia controlar o contexto da sua teúdo histórico.
narrativa (ibid., p. 388-9). 12. Peculiaridades em detalhes de “caráter imedia­
to”que sugerem a referência do autor a experi­
Outros argum entos a fa v o r d a historicid ade. O ências recentes. Tais detalhes não indicam o
argumento tradicional a favor da veracidade h istó­ resultado de edição e produção refletida e pro­
rica baseada em “coincidências não-planejadas” é um longada.
conceito discutível. Mas os seguintes argumentos p o­ 13. Referências culturais ou idiomáticas que suge­
dem ser considerados um desenvolvimento m ais re­ rem um ambiente do século i.
finado dessa abordagem. O livro de Atos contém :1 14. Agrupamentos inter-relacionados que com bi­
nam dois ou mais tipos de correlação. Tal le­
1. Detalhes geográficos supostamente bem conhe­ que de conexões possibilita a reconstrução pre­
cidos. Ainda é difícil estim ar a amplitude do cisa de um fragmento da história a partir do
conhecimento geral de um escritor ou leitor quebra-cabeça de informações.
antigo. 15. Exemplos em que novas descobertas e conhe­
2. Mais detalhes especializados que supostamen­ cimento ampliado esclarecem informações con
te são bem conhecidos: títulos de governado­ textuais. Elas são úteis para o com entarista,
res, unidades militares e rotas principais. Essa m as não influenciam significativam ente a
informação teria sido acessível aos que viaja­ historicidade.
vam ou estavam envolvidos em administração, 16. Detalhes precisos encontrados no espectro de
mas talvez não para outros. possibilidades contemporâneas, mas cuja pre­
3. Detalhes locais de rotas, fronteiras e títulos de cisão não pode ser comprovada.
governadores de cidades que provavelmente
seriam desconhecidos a nâo ser que o escritor Autor bem -inform ado. Alguns exemplos das três
tivesse visitado os distritos. prim eiras categorias ilustram como essas conexões
4. Correlação de datas de reis e governadores co­ ajudam a datar o trabalho de Lucas e analisar sua pre­
nhecidos com cronologia aparente da estrutu­ cisão. Atos reflete um entendimento profundo do que
ra de Atos. era de conhecimento geral em 60 d.C., o que pode ser
5. Detalhes adequados à data de Paulo ou Lucas chamado conhecimento especializado do mundo em
na igreja primitiva, mas não adequados às con­ que Paulo e Lucas viajaram, e conhecimento preciso
dições prévias ou posteriores. dos lugares que visitaram.
6. “Coincidências não-planejadas ” ou detalhes Conhecimento geral. O título do imperador “Augusto”
conectivos que ligam Atos às epístolas paulinas. é traduzido form alm ente ho Sebastos em palavras
91 Atos dos Apóstolos, historicidade de

atribuídas a um oficial romano (Atos 25.21, 25), mas porque provas não estão disponíveis. Alguns teólo­
“Augusto”, como o nome concedido ao primeiro impe­ gos tam bém acreditam que algum as afirm ações de
rador, é transliterado Augoustos em Lucas 2.1. Essa di­ Lucas ocasionalm ente contradizem o conh ecim en­
ferença também pode ser ilustrada por outros textos. to existente (por exemplo, no caso de Teudas). V á ­
Fatos gerais de navegação e conhecimento do for­ rios fatos são confirm ados pela pesquisa h istórica
necimento de grãos do imperador são parte da narra­ e arqueológica.
tiva da viagem de um navio alexandrino até o porto
italiano de Putéoli. O sistema de fornecimento do es­ 1. Uma passagem natural entre portos denomi­
tado foi instituído por Cláudio. Esses são exemplos de nados corretamente (13.4,5). O Monte Cássio,
grande conhecimento geral. Lucas geralmente parece ao sul de Selèucia, é visível de Chipre. O nome
ter cuidado com a descrição de lugares comuns, e vá­ do procônsul em 13.7 não pode ser confirm a­
rios detalhes terminológicos poderiam ser ilustrados do, mas a família de Sérgio Paulo é atestada.
a partir das inscrições reproduzidas. Lucas acha n e­ 2. O porto fluvial de Perge era o destino adequa­
cessário explicar alguns termos para seu leitor, mas do para um navio vindo do Chipre (13.13).
deixa outros de lado. Lugares da topografia da Judeia 3. A localização correta da Licaônia (14.6).
ou nomenclaturas sem íticas são comentados ou ex­ 4. A declinação rara mas correta do nome Listra
plicados (At 1.12,19), enquanto instituições judaicas e a linguagem correta falada em Listra. A iden­
básicas não são (1.12; 2.1; 4.1). tificação correta dos dois deuses associados à
Conhecimento especializado. O conhecimento da cidade, Zeus e Hermes (14.12).
topografia de Jerusalém é demonstrado em 1.12,19 e 5. O porto correto, Atália, para os viajantes que
3.2,11. retornavam (14.25).
Em 4.6, Anãs é descrito como alguém que ainda 6. A rota correta dos Portões Cilícios (16.1).
tem grande prestígio e com o título de sumo sacerdo­ 7. A forma correta do nome Trôade (16.8).
te depois da sua deposição pelos romanos e da esco­ 8. Um ponto de referência marcante dos m ari­
lha de Caifás (cf. Lc 3.2; Antiguidades 18.2.2; 20.9.1). nheiros na Samotrácia (16.11).
Entre termos romanos, 12.4 dá detalhes da organiza­ 9. A identificação correta de Filipos como colô­
ção de uma guarda militar (d.Vegetius,de ReMi/it. 3.8); nia romana. O local correto do rio Gangites
13.7 identifica corretamente Chipre como província pró- perto de Filipos (16.13).
consular (senatorial), com o procônsul residente em Pafos. 10. Associação de Tiatira com tingimento de teci­
0 papel desempenhado por Trôade no sistema de dos (16.14). Designações corretas dos títulos
comunicação é reconhecido em 16.8 (cf. Seção c, p. das autoridades da colônia (16.20,35,36,38).
112ss„ 16.11). Anfípolis e Apolônia são conhecidas por 11. Indicação correta dos locais onde viajantes
estações (e supostamente locais de pernoite) na Via passavam noites sucessivas durante a viagem
Ignácia de Filipos a Tessalônica, como em 17.1. Os ca­ (1 7 .1 ) .
pítulos 27 e 28 contêm detalhes geográficos e de nave­ 12. A presença de uma sinagoga em Tessalônica
gação da viagem para Roma. (1 7 .1 ) , e o título correto politarchês para as au­
Esses exemplos ilustram os diversos lugares e con­ toridades (17.6).
textos na narrativa sobre os quais Lucas possui infor­ 13. A explicação correta de que viagens marítimas
mação. O autor de Atos viajou muito nas áreas m enci­ são mais convenientes para chegar a Atenas no
onadas na narrativa ou teve acesso a fontes especiais verão com ventos favoráveis de leste (17.14).
de informação. 14. A abundância de imagens em Atenas (17.16),
Conhecimento local específico. Além disso, Lucas e a referência à sinagoga ali (17.17).
m anifesta grande conhecim ento dos locais, nom es, 15. A d escrição do debate filo sófico na ágora
condições, costum es e circunstâncias que caracteri­ (1 7.17). 0 uso correto em 17.18,19 da gíria
zam uma testem unha contem porânea registrando o ateniense usada para descrever Paulo,spermo-
tempo e os eventos. Em Atos 13 até 28, descrevendo logos, e o nome correto do tribunal ( areiospa­
as viagens de Paulo, dem onstra conhecim ento m ui­ gos); a descrição correta do caráter ateniense
to íntim o das circunstâncias locais. A evidencia é re­ ( 17.21 ). A identificação correta do altar ao “ deus
presentada de maneira m arcante nas passagens de desconhecido ” (17.23). A reação lógica dos filó­
“prim eira pessoa do plural”, quando Lucas acom pa­ sofos que negavam a ressurreição corporal. O
nhava Paulo, mas vai além delas. Em alguns casos, o título correto, areopagiês para um membro do
conhecim ento local específico deve ser descartado tribunal (17.34).
Atos dos Apóstolos, historicidade de 92

16. A identificação correta da sinagoga coríntia 32. A concordância com Josefo quanto ao nome
(1 8 .4 ). A designação correta de Gálio com o Pòrcio Festo (24.27).
procônsul (18.12). 0 bêma (local de assento do 33. A observação do direito de apelo de um cida­
juiz no tribunal) ainda pode ser visto no fórum dão romano (25.11). A fórmula legal de quibus-
em Corinto (18.16). cognoscere volebam (2 5 .1 8 ) . A fo rm a c a ­
17. 0 nome Turannous (Tirano), atestado numa racterística de referência ao imperador (25.26).
inscrição do século i (19.9). 34. A identificação correta das melhores rotas de
18. O culto dos efésios a Ártemis (19.24,27). 0 culto navegação da época (27.4).
é bem comprovado, e o teatro efésio era o 35. O uso de nomes geralmente unidos da Cilicia e
local de reuniões da cidade (19.29). Panfíliapara descrever acosta (27.5).A referên­
19. O título correto, grammateus, para o escrivão e cia ao porto principal onde se poderia encon­
o título correto de honra da cidade, neôkoros trar um navio de partida para a Itália (27.5). A
(19.35). O nome correto para identificar a deu­ observação da passagem tipicam ente lenta
sa (19.37). A designação correta para os ho­ para Cnido por causa do vento nordeste (27.7).
mens da assembléia (19.38). 0 uso do plural A localização de Bons Portos e Laséia (27.8) e
anthupatoi em 19.38 é provavelmente uma re­ a descrição correta de Bons Portos tendo más
ferência exata ao fato de que dois homens exer­ instalações portuárias para o inverno (27.12).
ciam juntam ente as funções de procônsul nes­ 36. Descrição da tendência do vento sul, naquelas
sa época. regiões clim áticas, virar repentinamente um
20. O uso da designação étnica precisa beroiaios e vento nordeste violento, ogregale (27.13). A ca­
do termo étnico asianos (20.4). racterística corretamente descrita de que um
21. O reconhecim ento sugerido da im portância navio com velas quadradas não tem opção se­
estratégica dada a Trôade (20.7-13). não ser levado por ventos fortes (27.15).
22. A sugestão do perigo da viagem pela costa nes­ 37. O nome e local precisos dados para a ilha de
sa área levou Paulo a viajar por terra (20.13). A Cauda (27.16). As manobras corretas dos ma­
seqüência correta dos lugares visitados e o plu­ rujos durante uma tempestade (27.16-19). A
ral neutro correto do nome da cidade de Pátara décima quarta noite julgada pelos navegadores
( 21. 1). mediterrâneos experientes como sendo hora
23. A rota correta que passava pelo mar aberto ao apropriada para essa jornada numa tempesta­
sul de Chipre favorecida pelo contínuo vento de (27.27). O termo correto para essa parte do
nordeste (2 1 .3 ). A d istân cia correta entre mar Adriático naquela época (27.27). O termo
Ptolemaida e Cesaréia (21.8). preciso, bolisantes, para sondar a profundidade
24. O ritual de purificação característico dos ju ­ lançando o prumo (v. 28). A posição de provável
deus piedosos (21.24). aproximação de um navio prestes a encalhar di­
25. A representação precisa da lei judaica relativa ante de um vento leste (27.39).
ao uso da área do templo pelos gentios (21.28). 38. A descrição correta do severo castigo que re­
26. A posição permanente de um grupo de solda­ cairía sobre soldados que deixassem um prisi­
dos romanos na Fortaleza Antônia para repri­ oneiro fugir (27.42).
mir tumultos durante festas (21.31). As esca­ 39. A descrição precisa das pessoas e superstições
das usadas pelos soldados (21.31,35). locais da época (28.4-6).
27. As duas maneiras comuns de adquirir a cida­ 40. O título correto prõtos (tês nêsou) de um h o­
dania romana (22.28). O tribuno fica impres­ mem na posição de liderança ocupada por
sionado com a cidadania rom ana de Paulo Públio nas ilhas.
(22.29). 41. A identificação correta de Régio como refúgio
28. As identificações corretas de Ananias como para esperar um vento sul que levasse o navio
sumo sacerdote (23.2) e Félix como governa­ pelo estreito (28.13).
dor (23.24). 42. A praça de Ápio e as Três Vendas como para­
29. A identificação de uma parada comum na es­ das na Via Ápia (28.15).
trada para Cesaréia (23.31). 43. A prática comum da custódia de um soldado
30. A observação da jurisdição correta da Cilicia romano (28.16) e as condições de prisão paga
(23.34). pelo próprio prisioneiro (28.30,31).
31. A explicação do procedimento penal provinci­ Conclusão. A historicidade do livro de Atos dos
al (24.1-9). apóstolos é confirmada por evidências incontáveis. Não
93 auto-refutáveis, afirmações

há nada igual à quantidade de provas detalhadas em


qualquer outro livro da antigüidade. Isso não é apenas 1. “Seja cético com relação a todas as reivindica­
uma confirmação direta da te cristã primitiva na morte ções da verdade.”
e ressurreição de Cristo, mas também, indiretamente, 2. “Nenhuma verdade pode ser conhecida.”
do registro do evangelho, já que o autor de Atos (Lucas) 3. “Nenhuma afirm ação é significativa.”
também escreveu um evangelho detalhado. Esse evan­
gelho é diretamente paralelo aos outros dois evangelhos O problema com a afirm ação 1) é que se trata de
sinóticos. A melhor evidência indica que esse material uma reivindicação da verdade sobre a qual não se deve
foi composto até 60 d.C, apenas 27 anos depois da morte ser cético. Mas isso é incoerente com a própria afir­
de Jesus. Isso significa que foi escrito durante a vida de mação. Semelhantemente, a afirm ação 2) é uma rei­
testemunhas dos eventos registrados (cf. Lucas 1.1-4). vindicação da verdade que pode ser conhecida, o que
Isso não permite tempo para qualquer suposto desen­ contradiz o que afirm a (ou seja, que nenhuma verda­
volvimento mitológico feito por pessoas que viveram de pode ser conhecida). O m esm o pode ser dito sobre
depois dos acontecimentos. O historiador Sherwin- a afirm ação 3), que é oferecida como afirm ação signi­
White observou que as composições de Heródoto nos ficativa de que nenhuma afirmação significativa pode
ajudam a determinar a velocidade com que lendas se ser feita.
desenvolvem. Ele concluiu que Defesa do prin cípio d a autofalsificação. O prin­
cípio da autofalsificação não é um primeiro princípio
os testes sugerem que até mesmo duas gerações são (v. prim eiro s princípios ) , tal como a lei da não-contradi­
muito curtas para permi 1tir que a tendência mitológica pre­ ção. No entanto,baseia-se na lei da não-contradição. Pois
valeça sobre a precisão histórica da tradição oral (Sherwin- uma afirmação é auto-refutável quando implica duas
White,p. 190). afirmações que são contraditórias, uma que afirma ex­
plicitamente e uma contraditória sugerida no próprio
Julius Müller (1801-1878) desafiou teólogos da sua ato ou processo de fazer a primeira afirmação. Logo, afir­
época a mostrar um exemplo sequer em que um evento mações auto-refutáveis são contraditórias. E a lei da
histórico desenvolvesse muitos elementos mitológicos não-contradição é um primeiro princípio evidente, con­
numa só geração (Müller, p.29). Não existe nenhum. siderado como tal pela análise da afirmação para ver se
o predicado é redutível ao sujeito.
Fontes P rincípio d a irrefu tabilid ad e. O princípio da
W . L. C raig , The son rises. irrefutabilidade também é conhecido por princípio da fal­
J.M ú lu r , The theory ofinyths, in its applkation to sificação ou da invalidação. O outro lado da irrefutabi­
thegospel history, exanúned and confuted. lidade é a incomunicabilidade. Certas coisas são inegá­
C. ]. H emer , The book ofActs in the setting o f veis porque qualquer tentativa de negá-las acaba por
hellenistk history, C. H. G empe, org. confirmá-las no próprio processo. Assim, são literalmente
A. N. S herwis -W h iie , Romau society and ronnin law incomunicáveis, sem negar o que comunicam ou comu­
in the .Veir Testatnent. nicar o que negam. Por exemplo, a afirmação “eu não pos­
so dizer uma palavra em português” obviamente não é
auto-refutáveis, a firm a ç õ e s. N o m e s d iv e r s o s . Afirma­ verdadeira, porque é a comunicação de uma frase em
ções auto-refutáveis são que não satisfazem próprios português, afirmando não poder dizer uma frase em por­
critérios de validade ou aceitabilidade. Também são tuguês. Desse modo, ela se destrói.
cham adas auto-referentes, autocom prom etedoras, Valor do princípio da irrefutabilidade. O princípio
autodestrutivas e autofalsificadoras. da irrefutabilidade é usado por muitos teístas (v. teísm o )
Alguns exemplos. Afirmações tais como “eu não para estabelecer o ponto de partida para seu argumen­
posso expressar uma palavra em português” são auto- to da existência de Deus (v. D eu s , evidências de ). Começa
refutáveis porque a própria afirmação é feito em por­ com “algo existe” (e.g., eu existo). Isso deve ser verda­
tuguês. Da mesma forma, a afirmação “eu não existo” deiro, já que qualquer tentativa de negar minha exis­
é autofalsificadora, já que a afirmação implica que eu tência a afirma no processo. Pois devo existir para ne­
existo para fazer a afirmação. gar que existo. Logo, minha existência é inegável.
O princípio da invalidação é um instrum ento Comparação e contraste com outros princípios. Mas
apologético útil, já que a maioria das posições não-cristãs, o princípio da irrefutabilidade não deve ser confundi­
senão todas, envolvem afirmações incoerentes. Veja, por do com o primeiro princípio do pensamento lógico,
exemplo, as seguintes afirmações incoerentes: tal como a lei de não-contradição.
Averróis 94

Diferença das leis da lógica. As leis da lógica são evi­ que é um metaprincípio, isto é, um princípio sobre prin­
dentes e racionalmente necessárias. E a necessidade ló­ cípios. Nesse caso, não é nem arbitrário nem não-infor­
gica afirma que o oposto não pode ser verdadeiro. Por mativo. É aplicável à realidade (v. realism o ). É princípio
exemplo, é logicamente necessário triângulo ter três la­ que cresce do próprio projeto de tentativas fúteis de ne­
dos. Um círculo quadrado é logicamente impossível. gar primeiros princípios ou outras afirmações que não
Também é logicamente necessário — se há um Ser Ne­ podem ser negadas sem afirmá-las. É um princípio que
cessário — que ele exista necessariamente. Mas não é surge das tentativas impossíveis de evitar certas coisas
logicamente necessário que haja um Ser Necessário. É sem afirmá-las (direta ou indiretamente) no próprio
logicamente possível que haja um estado de nada total processo. Não é deduzido ou induzido, mas aduzido. Não
para sempre (v. ontológico , argumento ). I sso não quer prescreve, mas descreve o processo de pensamento que
dizer que não possa haver um argumento inegável da se destrói e é auto-refutável.
existência de Deus (v. D eu s , evidências d e ); isso só serve Irrefutabilidade não é uma regra nova para o jogo
para indicar que há uma diferença entre necessidade da verdade, mas se assemelha mais a um juiz. Usando
lógica (que alguns invocam a fim de invalidar o argu­ as regras da lógica (tais como a lei de não-contradi­
mento ontológico) e a irrefutabilidade real (que outros ção), ele chama a atenção para o fato de que certas
teístas reivindicam para o argumento cosmológico ). afirmações eliminaram a si mesmas do jogo da ver­
Da mesma forma, minha inexistência é logicamen­ dade por ser contraditórias ou autodestrutivas. Nesse
te possível. Mas não é realmente afirmável. Na realida­ sentido, o princípio da irrefutabilidade “apita” indire-
de, é realmente inegável, já que tenho de existir para tamente o jogo da verdade ao dem onstrar quais tipos
negar que não existo. de afirmações são permitidas no jogo. Indica certas
Mas há uma ligação importante entre as leis da “afirmações”que não devem participar do jogo da ver­
lógica e o princípio da irrefutabilidade. A lei de não- dade porque implicam afirm ações opostas enquanto
contradição, por exemplo, pode ser defendida ao de­ são feitas. Elas se auto-eliminam (v. tb. prim eiro s p r in ­
monstrar que é evidente, pois seu predicado é ou idên­ cípio s ; r ea lism o ; agnosticism o ).
tico ou redutível ao sujeito. Assim, afirm ações auto-
refutáveis são falsas porque são contraditórias. E con­ A verróis. Jurista e médico muçulmano espanhol nas­
tradições são falsas porque violam o princípio evidente cido em Córdoba (1 1 2 6 -1 1 9 8 ). Seu nom e é uma
da não-contradição. latinização da forma árabe de Ibn-Rushd. Averróis es­
Diferença de um argumento transcendental. O princí­ creveu tratados sobre direito, astronomia, gramática,
pio da irrefutabilidade assem elha-se ao argum ento m edicina e filosofia, sendo um com entário sobre
transcendental . Ambos afirmam que certas condições são Aristóteles sua obra mais importante. Era conhecido
precondições necessárias de outras coisas. Por exemplo, pelos estudiosos por “o comentarista” (de Aristóteles).
não posso negar a verdade (v. verdade absoluta ) sem Religião eftlosofia. Averróis teve sua influência na
afirmá-la ao declarar que a afirmação“Não há verdade”é Idade Média cristã desvalorizada. Pelo fato de ser o co­
verdadeira. Uma verdade transcendentalmente necessá­ mentarista de Aristóteles mais lido, sua interpretação
ria é uma verdade inegável. Mas o argumento transcen­ platônica foi considerada correta e adotada pelos cris­
dental supõe algo além do que é afirmado. Por exemplo, é tãos. Como muitos da sua época, Averróis acreditava
precondição de significado transcendentalmente neces­ equivocadamente que Aristóteles era autor de um livro
sária que haja uma mente por trás do significado. Nesse chamado Teologia, que na verdade era um resumo das
sentido, o argumento transcendental é um tipo de forma obras de Plotino (Edwards,p. 221).Como resultado,idéi­
indireta de irrefutabilidade. Pois supõe que certas coisas as plotinianas foram atribuídas a Aristóteles.
não poderiam ser verdadeiras sem que outras precon­ Os comentários de Averróis sobre Aristóteles foram
dições existissem. essenciais para os currículos educacionais das primei­
Contudo, a afirm ação “Nenhuma sentença é sig­ ras universidades da Europa ocidental (ibid., p. 223).
nificativa, incluindo-se esta” é diretam ente autodes- Panteísmo emanatista. Apesar de parecer estranho
trutiva, porque se anula sem apelar para a necessi­ que um mulçumano seja panteísta (v. pan teísm o ); isso
dade de quaisquer outras condições. Logo, o argu­ não é incomum entre os sufis. O deus de Averróis es­
mento transcendental envolve uma forma indireta de tava completamente separado do mundo, sem exercer
irrefutabilidade. providência. Sem elhante à teologia de Avicena, o
Status do princípio da irrefutabilidade. O princípio universo teria sido criado por emanações de Deus. Ha­
da irrefutabilidade não é evidente como os primeiros veria uma série de esferas celestiais (inteligências) que
princípios tradicionais são. Algumas pessoas afirmam desceram de Deus até alcançar a humanidade na esfera
95 Avicena

inferior. A matéria e o intelecto seriam eternos. Deus Averróis interpretou o Alcorão alegoricamente e
seria um Primeiro Motor impessoal e remoto. A única por isso foi acusado de heresia e exilado, apesar de ser
mente real no universo seria a de Deus. chamado de volta pouco antes da sua morte. Muitos
0 indivíduo sob esse esquema só tem um inte­ cristãos, de Orígenes (c. 185-c. 254) em diante, assu­
lecto passivo. Deus pensa por meio da mente hum a­ miram essa abordagem alegórica das Escrituras.
na. Averróis negava o livre arbítrio e a im ortalidade Avaliação. Se ele realmente a ensinou, a teoria da
das almas. dupla verdade, à qual alguns dos seus discípulos de­
Duplas Verdades. Averróis foi acusado de ensinar ram continuidade, é contrária às leis básicas do racio­
uma teoria de “dupla verdade”. Xa dupla verdade, acre­ cínio ( lógica ; pr im eir o s p r in c ípio s ). Fé e razão não po­
dita-se simultaneamente em duas proposições auto- dem ser bifurcadas (v. fé e razão ).
excludentes se uma é filosófica e a outra religiosa. Essa O panteísmo de Averróis é contrário aos princípi­
é uma acusação falsa. É irônico que tal acusação tenha os gerais do teísmo, e ao teísmo cristão especificamen-
sido levantada contra Averróis, que compôs o tratado te. Suas posições sobre a eternidade da matéria (v. c r i ­
Da harmonia entre religião e filosofia, para refutar essa ação , posições so bre a ) são contrárias ao ensinamento
mesma posição. Averróis acreditava em modos alterna­ sobre a criação ( v. k a la m , argum ento cosmológico ).
tivos de acesso à verdade, mas aparentemente não acre­ Sua negação do livre-arbítrio apresenta sérios pro­
ditava que poderia haver verdades incompatíveis em blemas e é uma forma de forte determinismo, que a
campos diferentes (v. Edwards, p. 223). maioria dos cristãos rejeita. O mesmo pode ser dito so­
No entanto, averroístas posteriores foram acusados bre sua negação da imortalidade individual (v. inferno ;
de defender a dupla verdade. Siger de Brabant suposta­ im o rta lid a d e ). A forma de misticismo de Averróis, em
mente introduziu tais ensinamentos neoplatô-nicos na que a mente e as leis da razão são irrelevantes, é inacei­
Universidade de Paris. Boaventura e T omás de A qltxo rea­
tável para o s teístas sérios (v. fé e razão ; lógica ; m istér io ).
giram fortemente. Aquino é considerado o destruidor da
popularidade de Averróis no Ocidente, especialmente por
Fontes
meio do seu livro Da unidade do intelecto (1269).
Avereóo. Comentário sobre Aristóteles.
Por volta de 1270,Stephen Tempier, bispo de Paris,
_ _ _ , Averroes commentary on Platos
condenou vários ensinamentos de Averróis, inclusive
republic, E .I.J. R om .nthai , org.
a eternidade do mundo, a negação da providência uni­
_ _ _ , Aferroes on the harmony ot religion
versal de Deus, a unidade do intelecto humano e a ne­
and philosophy.
gação do livre-arbítrio. Em 1277 publicou várias con­
P. E pa ».RL'í,“Averroes”, ep.
denações de erros semelhantes. Xo preâmbulo dessa
N. L. G lislcr e A .S ai nyAnsweringlslam.
última denúncia, acusou Siger e seus seguidores de di­
E. G ilson , History ofchristian philosophie in the
zer que “coisas são verdadeiras segundo a filosofia, mas
Middle Ages.
não segundo a fé católica, como se houvesse duas ver­
dades contraditórias” (Cross, p. 116).
A. A. M alrer, Medieval philosophy.
Apesar de não haver certeza de que Siger realm en­
S. M lxk , Melanges de philosophie juive: et arabe.
te defendeu a teoria da dupla verdade, tal teoria inspi­ E. R exan , Aferroes et Yarerroisme, Paris.
rou a suposição iluminista de que os domínios da fé e T o:.ía>Aolino. Da unidade do intelecto
da razão podem ser separados. Certas formas dessa
teoria ainda prevalecem. Thom as Hobbes, Baruch A vicena. M édico e filósofo (9 8 0 -1 0 3 7 ) das proxi­
E spinoza e Immanuel K ant promoveram essa idéia, as­ midades de Bukhara, na região do Uzbequistão, no
sim como críticos do x t ( v. B íb lia , critica d a ) que sepa­ oeste asiático. Seu nom e é uma pronúncia latinizada
ram o Jesus da história do Cristo da fé (v. B l l t m a x x , da form a arábica de Ibn Sina. Avicena escreveu cer­
R üdolph ; C risto da fé v s . J esus da h istó r ia ; J esus, sem in á ­ ca de cem liv ro s s o b re ló g ic a , m a te m á tic a ,
rio ; MITOLOGIA E O ST). m etafísica e teologia, e sua m aior obra, O cânon, era
Interpretação alegórica. Seguindo Plotino, Averróis um sistem a de m edicina. Combinou o aristotelism o
acreditava que a forma suprema de sabedoria leva à (v . A r is t ó t e l e s ) e o neoplatonism o (v . P lo tin o ) em
experiência mística de Deus (v. m istic ism o ). Essa experi­ sua filosofia panteísta.
ência envolve passar de um conhecimento normal, ra­ O argumento cosmológico de Avicena. Seguindo o
cional e discursivo para uma experiência transracional, filósofo muçulmano A tfarabi, Avicena formulou um argu­
intuitiva e direta de Deus. Tal abordagem exigia uma mento cosmológico semelhante ao que foi emulado por
interpretação alegórica das Escrituras. escolásticos posteriores, incluindo Tomás de A quino . Para
Ayer, A. J. 96

encontrar o contexto de Avicena na história do argumento A cosmologia emanante ficou ultrapassada com a
cosmológico, v. COSMOLÓGICO, ARGUMENTO. astronom ia moderna.
A argumentação de Avicena é assim: Conclusão. Como no teísmo, o deus de Avicena era
um Ser Necessário. Mas, ao contrário do teísmo, a for­
1. Existem coisas possíveis (i.e., coisas que sur­ ça criativa serial de dez deuses emanou de Deus com
gem porque são causadas, mas não existiriam necessidade absoluta. Além disso, ao contrário do Deus
por si próprias). teísta cristão que criou ex nihilo livremente, e que é
2. Todas as coisas possíveis que existem têm uma diretamente responsável pela existência de tudo, na
causa para existir (já que não explicam a pró­ cosmologia de Avicena o universo emana de uma sé­
pria existência). rie de deuses (v. criação , posições so bre a ).
3. Contudo, não pode haver uma série infinita de
causas de existências. Fontes
a) Pode haver uma série infinita de causas de F. C opleston , History ofphüosophy.
geração (o pai gera o filho, que gera o filho). N. L. G eisler , Philosophy o f religion.
b) Não pode haver uma série infinita de cau­ E. G ilson , “Avicena” era The encyclopedia o f
sas de existência, já que a causa da existência philosophy.
deve ser simultânea ao efeito. A não ser que ___ , History o f christian philosophy in the
houvesse uma base causal para a série, não M iddk Ages.
haveria seres causados.
4. Logo, deve haver uma Causa Primeira para to­ Ayer, A. J. Alfred Jules Ayer (1 9 1 0 -1 9 8 9 ) foi um
dos os seres possíveis (i.e., para todos os seres humanista britânico, graduado em Oxford (1932), e
que são criados). membro do Círculo de Viena do positivismo lógico.
5. Essa Causa Primeira deve ser um Ser Necessá­ Esse grupo, formado em 1932, foi influenciado por
rio, pois a causa de todas as coisas não pode Ernst Mach (m . 1901). Sua obra era extrem am ente
ser um ser possível. antimetafísica (v. m eta física ) e anticristã.
Em Language, truth, and logic [Linguagem, ver­
A in flu ên cia n eop latôn ica sobre A vicena. Ao
d a d e e ló g ica ]( 1 9 3 6 ), Ayer te n to u e lim in a r a
em prestar algum as prem issas n eop latôn icas e a
m eta física por m eio do p rin cíp io de verificação.
cosmologia de dez esferas, Avicena amplia seu argu­
Foundations ofem pirical knowledge [Alicerces do co­
mento para provar que uma Causa Prim eira necessá­
nhecimento empírico]( 1940) lidava com problem as
ria criou uma série de “inteligências” (demiurgos ou
da linguagem p a rticu la r e ou tros p en sam en tos.
anjos) e dez esferas cósmicas que controlavam:
Philosophical essays [Ensaiosfilosóficos] (1 9 5 4 ) con­
tinha artigos tratando de problem as levantados por
6. Tudo que é essencialmente Um pode criar im e­
seus dois prim eiros livros. Até 1956 Ayer havia escri­
diatam ente apenas um efeito (cham ado in ­
to The problem o f knowledge [O problema do conhe­
teligência).
cimento] (1 9 5 6 ), que reflete o realism o moderado
7. Pensar é criar, e Deus necessariamente pensa,
contra o ceticism o. Ele aceita que algumas afirm a­
já que é um Ser Necessário.
ções possam ser verdadeiras mesmo que não pos­
8. Logo, há uma emanação necessária de Deus de
sam ser inicialm ente justificadas. Uma experiência
dez inteligências que controlam várias esferas
que deixou Ayer entre a vida e a m orte na década de
do universo. A última delas (intelecto agente)
1980 convenceu-o da possibilidade da imortalidade,
forma os quatro elementos do cosmo. Pelo in­
apesar de continuar rejeitando a existência de Deus
telecto agente, a mente humana (intelecto pos­
(v. acognosticismo).
sível) é formada de toda verdade.
Afilosofia de Ayer. Conforme Ayer e os positivistas
A v a lia çã o . M u itas c rític a s ao arg u m en to lógicos, afirmações significativas devem seguir o cri­
cosmológico foram oferecidas por ateus, agnósticos e tério da verificação. Todas as proposições genuínas de­
pelo ceticism o, a m aioria das quais originou-se de vem ser empiricamente testáveis se não são simples­
David Hume e Immanuel K ant ( v. Deus, objeções aos ar­ mente formais ou definitivas.
gumentos E M FAVOR DA E X IS T Ê N C IA D E ) . Proposições significativas. Assim como David Hume,
Além dos argumentos tradicionais, a forma do ar­ Ayer ensinou que há três tipos de proposições:
gumento de Avicena está sujeita a muitas críticas con­ 1) Proposições analíticas são truísm os, tautolo­
tra o panteísmo e o pensamento neoplotiniano. gias ou verdadeiras por definição. Elas são
97 Ayer,A. J.

explicativas, ou seja, o predicado apenas afir­ podem ser verificadas nem refutadas pela experiên­
ma o que o sujeito diz. cia. Em terceiro lugar, as proposições não precisam ser
2) Proposições sintéticas são verdadeiras por ex­ diretamente verificáveis para ser significativas. Devem,
periência e/ou em relação à experiência. Elas no entanto, ter alguma experiência sensorial relativa
são ampliativas, já que o predicado amplia ou à verdade ou à falsidade.
afirma mais que o sujeito. Todas as outras pro­ Na edição revisada de 1946 de Language, truth, and
posições são absurdas. logic (1946), Ayer considerou necessário fazer outras
3) Elas são desprovidas de significado, não têm revisões no princípio de verificação. Reconheceu re­
s ig n ific â n c ia lite ra l e são, no m á x im o , lutantemente que algumas proposições definitivas, por
emotivas. exemplo, o princípio da verificação em si, são signifi­
cativas sem ser concretas nem simplesmente arbitrá­
A metafísica não tem significado. Ayer seguiu rias. Além disso, algumas afirmações empíricas po­
Immanuel K ant ao rejeitar afirmações metafísicas ou dem ser verificadas conclusivam ente, por exemplo
teológicas, mas por razões diferentes. Kant usou o ar­ uma experiência sensorial específica. Essas qualifica­
gumento de que a mente não pode ir além dos fenôme­ ções, principalmente a primeira, viriam a ser a queda
nos do mundo físico. Mas Ayer reconheceu que a mente do positivismo lógico.
deve ir além do físico. De que outra maneira saberia que
A plicação do princípio da verificação. Metafísica
não pode ir além? Além disso, enquanto Kant tinha uma
e teologia. As conclusões de Ayer foram severas: Todas
metafísica, Ayer não tinha, argumentando que não po­
as proposições metafísicas são absurdas porque não
demos falar significativamente sobre o que pode estar
são analíticas nem empíricas. Toda filosofia genuína é
além do empírico. Como Ludwig Wittgenstein disse:
analítica, não metafísica. E a metafísica surgiu por aci­
“Sobre o que você não pode falar, não fale”. A impossi­
dente de linguagem, a crença que substantivos têm
bilidade da metafísica não está na psicologia do homem,
referêcias reais.
mas no significado da linguagem.
A metafísica não é apenas poesia deslocada. A po­
Diferenças. Ayer prescreveu duas diferenças no
esia não diz absurdos; há um significado literal por
princípio de verificação (v. verificação , princípio da ). Em
trás de grande parte do que os poetas dizem. Esse não
primeiro lugar, há uma diferença entre verificação prá­
é o caso da metafísica. Além disso, nenhuma proposi­
tica e de princípio. Ambas são significativas. Na verifi­
ção significativa que pode ser formulada sobre os ter­
cação prática o meio de verificação está disponível. Por
mos Deus ou transcendente. Conforme Ayer, isso não é
outro lado, a verificação de princípio envolve proposi­
ateísmo nem agnosticism o, os quais consideram sig­
ções que não temos meios para verificar agora, mas
nificativo falar sobre Deus. Isso é não-cognitivism o ou
sabemos como faríamos isso. Por exemplo: “Não há
acognosticismo, que considera a própria questão de
vida em Marte” é verificável em princípio, mas ainda
Deus sem sentido.
não é na prática.
Ética. Ayer acreditava que afirmações éticas não são
Em segundo lugar, há uma diferença entre verifi­
formais nem reais, e sim emotivas. Tais afirmações ex­
cação forte efraca. Apenas a verificação fraca é válida.
pressam simplesmente o sentimento de quem fala e ten­
A verificação forte envolve certeza, acima de qualquer
dúvida, ou prova conclusiva. Os primeiros positivistas tam persuadir outros a sentir o mesmo. Por exemplo:
afirmavam tê-la, mas depois modificaram sua posi­ “Você não deve roubar” significa que eu não gosto de
ção. Se houver verificação forte, então tam bém haverá roubo e quero que você também sinta o mesmo. Isso
metafísica geral. E seria pretexto Ayer dizer que há ti­ não é uma declaração concreta, mas apenas expressa a
pos importantes de absurdos. A verificação está sujei­ atitude de quem fala. Afirmações éticas não são afir­
ta a mudança ou a correção, já que está baseada na mações sobre sentimentos, e sim afirmações de senti­
experiência. Ayer concluiu que nenhuma proposição mentos. Ayer afirma que essa posição é subjetiva, mas
além da tautologia pode ser mais que provável, por não radicalmente subjetivista. Afirmações éticas são
exemplo: “Todos os seres humanos são mortais” é pu­ apenas emissoras e, portanto, inverificáveis, enquanto
ramente definitivo, ou é uma generalização empírica. afirmações sobre sentimentos são verificáveis: “Estou
Maior qualificação do princípio da verificação. Ayer entediado” é verificável; um suspiro é inverificável.
aprimorou o princípio da verificação de três m anei­ Avaliação. O positivismo lógico é diametralmente
ras. Em primeiro lugar, nenhuma proposição pode ser oposto ao cristianism o evangélico. Se verdadeiro, o
refutada conclusivamente pela experiência, a não ser positivismo lógico de Ayer teria conseqüências desas­
que possa ser verificada conclusivamente pela experi­ trosas para o cristianismo ortodoxo. Nenhuma afirma­
ência. Em segundo lugar, proposições analíticas não ção sobre a existência ou natureza de Deus poderia ser
Ayer, A. J. 98

no mínimo significativa, quanto mais verdadeira. A Bí­ elim inaram sistem aticam ente todas as afirm ações
blia não poderia conter revelação proposicional sobre metafísicas e teológicas.
Deus nem poderia ser a Palavra inspirada de Deus. Não Legislando significado sem ouvir. O problema do
poderia haver prescrições éticas significativas, e nem positivismo lógico é que ele tentou legislar o que as
princípios morais absolutos. pessoas queriam dizer em vez de ouvir o que de fato
A natureza contraditória da verificação empírica. 0 diziam. Afirmações éticas são o caso clássico em ques­
golpe mortal do princípio da verificação de Ayer é o fato tão. Uma afirmação do tipo “Não faça isso” não quer
contraditório de que ele não é empiricamente verificável. dizer “Não gosto dessa ação”. Significa “Você não pode/
Pois, segundo o critério de verificação, todas as afirma­ deve fazer isso”. É errado reduzir deve para é, o pres-
ções significativas devem ser verdadeiras por definição critivo para o descritivo. Também é um erro reduzir
ou comprováveis empiricamente. Mas o princípio de ve­ “você deve” para “eu acho que é errado”.
rificação não é nenhum dos dois. Por seus próprios pa­ Da m esm a form a, afirm ações sobre Deus não
drões, o princípio da verificabi-lidade não faz sentido. precisam ser reduzidas a tautologias nem afirm a­
E também não escapa do dilema ao criar uma ter­ ções em píricas para ser significativas. Por que as
ceira categoria para incluir a significância do princí­ afirm ações sobre um Ser tran sem pírico (D eus) de­
pio da verificação, mas para excluir todas as afirm a­ veriam estar sujeitas a critério s em píricos? A firm a­
ções metafísicas e teológicas. Pois toda tentativa de ções m e ta fís ic a s são s ig n ifica tiv a s no con tex to
definir tal princípio falhou. No fim , a m aioria dos m etafísico usando critérios m etafísicos (v. p r im e i ­
membros do Círculo de Viena original descartou seu ros p r in c íp io s ).
positivismo lógico restrito, incluindo-se o próprio Ayer.
Os princípios de verificação revisados não sobre­ Fontes
viveram. Toda tentativa de expulsar a metafísica e in­ A . J. A y er , Foundations o f empirical knowledge.
troduzir em seu lugar a verificação por qualificação ___ lan gu age, truth, and logic.
descobriu que a m etafísica reaparecia pela porta dos ___ , The problem o f knowledge.
fundos, renovada pelas qualificações ampliadas que H. F eigl, “Logical positivism after thirty-five years”,
permitiam afirmações metafísicas. As afirmações mais pr, W inter 1964.
restritas de verificação inevitavelmente eliminaram o F. F erre , Language, logic, and God.
próprio princípio de verificação. As afirm ações mais A. F lew , et al. New essays in philosophical theology.
amplas do princípio que não eram contraditórias não N. L. G kisler , Philosophy o f religion,cap. 12.
Bb
B a rn a b é, E van gelho de. Os m u çulm anos citam a autenticação dessa obra. Depois de examinar a evi­
freqüentemente o Evangelho de Barnabé para defender dência num artigo acadêmico em Islamochristiana, ].
os ensinos islâmicos (v. M ao.m é , suposto chamado divino Slomp concluiu: “Na minha opinião a pesquisa acadê­
de ;
A lcoíião, suposta origem divina d o ). Na verdade, ele é mica provou cabalmente que esse evangelho é falso. Essa
um campeão de vendas em muitos países islâmicos. opinião também é compartilhada por vários eruditos
Suzanne Haneef o recomenda em sua bibliografia ano­ muçulmanos” (Slomp, 68). Na introdução à edição de
tada sobre o islamismo, dizendo: Oxford do Evangelho de Barnabé,Longsdalee Raggcon­
cluem que “a verdadeira data fica [...] mais próxima de
Nele se encontra o Jesus vivo retratado mais vividamente e século xvi que do século i” (Longsdale, p. 37).
mais identificado coma missão quelhe tbi confiada do que qual­ As evidências de que esse não é um evangelho
quer outro dos quatro evangelhos o nt pode retratá-lo. do sécu lo i, e scrito por um d iscíp u lo de Cristo,
são esm ag ad o ras:
É chamado “leitura essencial para qualquer um que A referência mais antiga a ele vem de uma obra do
busque a verdade” (Haneef, 186). século v, o Decreto gelasiano, pelo papa Gelásio, 492-
Uma afirmação islâmica típica é a de Muhammad 495 d.C.). Mas até essa referência é questionada (Slomp,
Ata ur-Rahim: p. 74). Além disso, não h á evidência manuscritológica
na língua original para sua existência. Slomp diz direta­
O Evangelho de B a r n a b é e o único evangelho ainda exis­ mente: “Não h á tradição textual do v eb [manuscrito de
tente escrito por um discípulo de Jesus... [Ele] foi aceito como Viena do Evangelho de Barnabé ]” (ibid.). Em contraste,
evangelho canónico nas igrejas de Alexandria até 325 os livros do nt são comprovados por mais de 5 300 ma­
d.C.(Ataur-Rahim,p.41). nuscritos gregos que começam a ser produzidos durante
os três primeiros séculos (v. B íblia , evidências da ).
Em segundo lugar, L. Bevan Jones observa que
Outro autor muçulmano, M. A. Yusseff, argumenta
confiantemente que “em antigüidade e autenticidade,
Sua primeira forma conhecida é um manuscrito italia­
nenhum outro evangelho pode chegar perto do Evan­
no. Esse manuscrito foi analisado cuidadosamente por eru­
gelho de Barnabé” (Yusseff, p. 3).
ditos e é considerado pertencente ao século xv ou xvi, isto é,
Conteúdo. Xão é de surpreender que os apologis­
1400 anos após o tempo de Barnabé (Jones, 79).
tas muçulmanos recorram ao Evangelho de Barnabé,
pois ele apóia um ensinamento islâmico básico con­
trário ao nt (v. C risto , morte d e ). Afirma que Jesus não Até seus defensores muçulmanos, como Muham­
morreu na cruz (cf. surata 4.157; v. C risto , i.fnpa da su bs ­ mad ur-Rahim, admitem não existirem manuscritos
t it u iç ã o da m o r te d e ). Mas argum enta que Judas anteriores ao século xvi.
Iscariotes morreu no lugar de Jesus (seç. 217), tendo-o Esse evangelho é muito usado por apologistas
substituído na última hora. Essa posição é adotada por muçulmanos hoje, mas não há referência a ele por
muitos muçulmanos, iá que a grande maioria deles parte de nenhum escritor muçulmano antes do sécu­
acredita que outra pessoa tomou o lugar de Jesus so­ lo xv ou xvi. Certamente eles o teriam usado, se de fato
bre a cruz. existisse. Houve muitos escritores muçulmanos que
Autenticidade. Eruditos conhecidos que examina­ escreveram livros que, sem dúvida, teriam se referi­
ram cuidadosamente o Evangelho de Barnabé consi­ do a tal obra, se existisse. Mas nenhum deles, nem
deram que não há absolutamente nenhuma base para qualquer outra pessoa, jam ais o mencionou entre os
Barnabé, Evangelho de 100

séculos v ii e xv, quando houve intenso debate entre cris­ Até os promotores muçulmanos do livro, tais como
tãos e muçulmanos. Haneef, têm de admitir que “a autenticidade desse livro
Nenhum pai ou mestre da igreja cristã jam ais o ainda não foi estabelecida incontestavelmente [...] Écon-
citou entre os séculos i e xv, apesar do fato de haverem siderado um registro apócrifo da vida de Jesus”. Haneef
citado todos os versículos de todos os livros do x t , com afirma que o livro “ficou perdido do mundo durante sé­
exceção de onze (Introdução Bíblica). Se o Evangelho culos por causa da sua repressão como documento heré­
de Barnabé fosse considerado autêntico, certamente tico”, mas não há nenhuma evidência documentada dis­
teria sido citado muitas vezes, como todos os outros so. Conforme indicado acima, ele sequer foi mencionado
livros canônicos das Escrituras. Se esse evangelho exis­ por alguém anterior a ele no século vi. Outros teólogos
tisse, autêntico ou não, certamente teria sido citado por muçulmanos também duvidam da sua autenticidade (v.
alguém. Mas nenhum autor antigo o citou, nem con­ Slomp, p. 68). O fato é que o livro contém anacronismos e
tra nem a favor, por mais de 1500 anos. descrições da vida medieval na Europa ocidental que re­
Às vezes ele é confundido com a Epístola de velam que não foi escrito antes do século xiv. Por exem­
[pseudo] Barnabé do século i (c. 70-90 d.C.), que é um plo, refere-se ao ano do jubileu a cada cem anos, em vez
livro completamente diferente (Slomp, p. 37-8). Por de cinqüenta (O Evangelho de Barnabé, p. 82). A declara­
causa das referências a essa obra, eruditos muçulma­ ção papal de mudá-lo para cada cem anos foi feita pela
nos alegam falsamente haver apoio para uma data an ­ igreja em 1343. John Gilchrist, na obra intitulada Origins
terior. Muhammad Ata ur-Rahim confunde os dois li­ andsources o f the Gospel ofBarnabas [Origens efontes do
vros e, assim, afirma equivocadamente que o evange­ Evangelho de Barnabé], conclui que
lho estava em circulação nos séculos n e m d.C. Esse é
um erro estranho, já que ele admite que ambos são apenas uma solução pode explicar essa coincidência sur­
descritos como livros diferentes nos “Sessenta Livros”, preendente. O autor do Evangelho de Barnabé só citou as su­
atribuindo o número de série 18 à Epístola de Barnabé postas palavras de Jesus sobre o ano do jubileu acontecer ‘a
e o número serial 24 ao Evangelho de Barnabé. Rahim cada cem anos’porque sabia do decreto do papa Bonifácio.
até cita a “Epístola de Barnabé” pelo nome como evi­
dência da existência do Evangelho de Barnabé (Ata ur- Gilchrist acrescentou:
Rahim, p. 42-43).
Alguns até pensaram erroneamente que a referên­ Mas como saberia sobre esse decreto a não ser que vives­
cia a um evangelho usado por Barnabé mencionado se na mesma época que o papa ou algum tempo depois? É um
no livro apócrifo Atos de Barnabé (antes de 478) fosse anacronismo óbvio que nos compele a concluir que o Evan­
o Evangelho de Barnabé. Mas, isso é claramente falso, gelho de Barnabé não poderia ser escrito antes do século xiv
como a citação revela: “Barnabé, depois de desenrolar d.C.” (Gilchrist, p. 16-7).
o evangelho, que recebemos de Mateus, seu cooperador,
começou a ensinar os judeus” ( Slomp, p. 110). Ao om i­ Um anacronismo importante é que o Evangelho de
tir deliberadamente essa frase enfatizada, dá-se a im ­ Barnabé usa o texto da Vulgata do século iv. Outros
pressão de que há um evangelho de Barnabé. exemplos de anacronismos incluem um vassalo que
A mensagem do Evangelho de Barnabé é refutada deve uma parte da sua colheita para o seu senhor (O
completamente por documentos de testemunhas ocu­ evangelho de Barnabé, 122), uma ilustração do feuda­
lares do século i, encontrados no x t ( v . Novo T esta m en ­ lismo medieval, uma referência a barris de madeira para
to , historicidade d o ). Por exemplo, seus ensinamentos vinho ( 152), em vez dos odres de vinho usados na Pa­
de que Jesus não afirmou ser o Messias e que ele não lestina,e um procedimento da corte medieval (121).
morreu na cruz são absolutamente refutados por do­ J. Jomier dá uma lista de erros e exageros:
cumentos de testemunhas oculares do século i (v. B í ­
bl ia , m a nuscritos da ). Na verdade, nenhum muçulma­ A obra diz que Jesus nasceu quando Pilatos era gover­
no deveria aceitar a autenticidade do Evangelho de nador, mas ele não se tornou governador até 26 ou 27 d.C.
Barnabé, já que ele contradiz claramente a afirmação Jesus velejou para Nazaré, que não fica à beira-mar. Da mes­
do Alcorão de que Jesus era o Messias. O livro afirma: ma forma, o evangelho de Barnabé contém exageros, como a
“Jesus confessou e disse a verdade: ‘Eu não sou o Mes­ menção de 144 mil profetas e 10 mil profetas mortos “por
sias [...] Na verdade fui enviado à casa de Israel como Jizebel” (v. Slomp).
um profeta de salvação, mas depois de mim virá o
Messias’” (seç. 42 ,4 8 ). O Alcorão chama Jesus de “Mes­ O estudo de Jom ier m ostra quatorze elementos
sias” [o “Cristo”] várias vezes (cf. surata 5 .1 9 ,7 5 ). islâmicos em todo o texto que provam que um autor
101 Barth, Karl

Hüilçumano, provavelmente convertido, escreveu o li- thechurch [Teologia e a igreja] (1 928), Cristiandogmaties
tto. O pináculo do templo, de onde se diz que Jesus in outline [Esboços de dogmática cristã] (1927), Alsem
pregou — um péssimo lugar para pregação — foi tra­ IAnselmo] (1931), Church dogmaties [Dogmática cris­
duzido para o árabe como dikka , uma plataforma usa­ ta |(1932-1968). Eles escreveram também uma peque­
da nas mesquitas (7). Além disso Je s u s é apresentado na, porém importante, obra chamada Nein [Não]
como alguém que veio apenas para Israel, mas Maomé Influências. Barth inspirou-se na epistemologia de
para a salvação do mundo inteiro (cap. 11). Finalmente, Immanuel K ant, por mediação de Albrecht Ritschl e
a negação de Jesus como Filho de Deus é islâmica, as­ W ilhelm H errm an n. O existen cia lism o de Soren
sim como o fato de que o sermão de Jesus é baseado K ierkegaard também teve impacto significante sobre seu
num hutba m uçulm ano que com eça com louvor a pensamento, apesar de rejeitar essa influência mais tar­
Deus e a seu santo Profeta (cap. 12). de. Os irmãos Karamazov, de Fiodor Dostoievski, um
C on clu são. O uso islâ m ico do Evangelho de romance que retratava a falência da filosofia humanista,
Barnabé para apoiar seus ensinamentos é desprovido ajudou a moldar seu pensamento.
de comprovação. Seus ensinamentos até contradizem Barth também foi influenciado pelo método teo­
o Alcorão. Essa obra, longe de ser um registro autênti­ lógico liberal de H errm ann, pelo a teísm o de Franz
co dos fatos sobre Jesus compilados no século i, é evi­ Overbeck e pelo pietismo de Jean Blumhardt, um pas­
dentemente uma invenção do fim da era medieval. Os tor do início do século xix. O próprio Barth indicou a
melhores registros do século i que temos da vida de leitu ra da B íb lia , esp ecialm en te R om an os, e dos
Cristo são encontrados no n t , e categoricamente con­ reformadores como influências transform adoras na
tradizem o ensinamento do Evangelho de Barnabé. Até sua vida e no seu pensamento (v. Barth, Romanos; to­
referências antigas pagãs contradizem o Evangelho de das as citações neste artigo são das obras de Barth,
Barnabé em ponto cruciais (ver Novo T e s t a m e n t o , f o n ­ exceto as que têm outra indicação).
tes pagãsno). Para uma crítica detalhada o leitor deve
Barth também foi m u ito influenciado de forma ne­
consultar o livro excelente de David Sox, O Evangelho
gativa pelo ateísmo h u m a n is ta de Ludwig F e u e r b a c h . E I c
de Barnabé.
até escreveu um p r e f á c i o para uma edição do livro A es­
sência do cristianismo, de Feuerbach. Parecia afirmar que
Fontes
a religião antropomórfica é o melhor que os seres huma­
M. A ta ur -R ahim , Jesus: prophet oflslam.
nos p o d e m faz e r à parte da revelação divina.
N. L. G eisler , Introdução Geral à Bíblia.
Elementos do pensam ento de Barth. Barth foi um
__ eA. S aleeb , Answering Islam.
estudante do liberalism o que reagiu fortemente con­
S. H aneef , What ereryone should know about Islam
tra os ensinam entos liberais. Enfatizou a transcen­
and Muslims.
dência de Deus e o domínio do pecado no mundo em
]. J om ier , Egypt: reflexions sur la Recontre al-Azhar.
oposição à tendência modernista de colocar a huma­
L. B. J ones , Christianity explained to muslims.
nidade no lugar de Deus. Desenvolveu um método te­
J. S lomp , Thegospel dispute, lslamochristiana.
ológico dialético que faz da verdade uma série de pa­
D. Sox, 0 Evangelho de Barnabé.
radoxos. Por exemplo, o infinito se tornou finito, o ab­
M. A. Yusseff, T h e D e a d S e a s c r o lls . th e G osp el o f
solutamente transcendente se revelou em Jesus. Tam­
Barnabas, and the Xew Testament.
bém desenvolveu um tema de “crise”, descrevendo o

B a rth ,K a rl. Teólogo alemão (1886-1968) estudou em conflito com esses paradoxos.
Berna, Berlim, Tübingen e Marburgo. M inistrou em F ideísmo. Como pastor em Safenwil, Barth se desi­
Genebra de 1901 a 1911. Após um pastorado de 10 anos ludiu com o liberalismo diante dos problemas práti­
em Safenwil, Suíça, Barth foi indicado para ocupar ca­ cos da pregação cristã. Para Barth, a verdade na reli­
deira de teologia reform ada da Universidade de gião é baseada na fé e não na razão ou evidência
Gõttingen (1921). Em 1925 foi a Münster e depois a (Church dogmaties, 1.2.17). Isso é fideísmo. Barth acre­
Bonn (1929), onde sua oposição ao movimento Soci­ ditava que a verdade transcendental não pode ser ex­
alista Nacional Alemão resultou no seu exílio. A partir pressa em categorias racionais. Ela precisa ser revela­
de então Barth ensinou teologia na Universidade de da no conflito dos opostos. O conhecimento teológico
Basiléia até se aposentar em 1962. é uma racionalidade interna, uma coerência interior
As obras mais influentes de Barth incluem Comen­ dentro das pressuposições da fé. Esse conhecimento é
tário de romanos (1922), The WordofGodand theology independente das regras do pensamento que gover­
[A Palavra de Deus e a teologia] (1924), Theology and nam outros conhecimentos.
Barth, Karl 102

O ápice do fídeísmo de Barth foi alcançado em e descrição. Assim, a revelação de Deus e a descrição
Anselm e continuou em Church dogmatics. Só Deus humana nunca são idênticas.
pode revelar Deus. A fé não precisa de provas. O Verbo A Bíblia éfalível. A Bíblia não é a palavra infalível de
de Deus é conhecido por se fazer conhecer (Anselmo, Deus, mas um livro completamente humano. Os auto­
p.282).E sse fídeísmo era tão forte que Barth escreveu res da Bíblia eram pessoas limitadas no tempo que pos­
Nein para responder a outro teólogo neo-ortodoxo, suíam perspectiva própria, que é diferente da nossa. Tes­
Emil Brunner. Barth negou que os seres humanos te­ temunharam os eventos redentores conforme os con­
nham a capacidade ativa de receber revelação especi­ ceitos da época. Os autores erraram em todas as pala­
al de Deus (v. r e v e l a ç ã o e s p e c ia l ) . Pelo contrário, Deus vras, mas seu trabalho foi justificado e santificado por
tem de criar milagrosamente o “ponto de contato” den­ Deus para que expressassem a Palavra de Deus jam ais
tro da pessoa antes de se comunicarem (Nein, p. 29). com suas palavras falíveis e falhas. A Palavra de Deus
coincide com o próprio livro (a Bíblia). A Palavra é sem ­
Barth, como era esperado, negou a eficácia da revela­
pre uma ação livre e soberana de Deus. Isso remove as
ção geral (v. r e v e l a ç ã o g e r a l ) para comunicar a verda­
palavras da Bíblia da Palavra de Deus, de modo que a
de de Deus (ibid.,p. 79-85). A humanidade está de tal
Palavra de Deus não está sujeita a ataques direcionados
modo viciada pelo pecado que a revelação não pode
às palavras da Bíblia.
ser entendida (v. fé e r a z ã o ; e f e it o s x o é t ic o s do p e c a d o ).
A Bíblia é uma porta de acesso. Deus usa essa Bí­
A t eologia n atu r a l , que busca estabelecer a existên­
blia para seu serviço ao tomar o texto humano e ir ao
cia de Deus por meio de argumentos racionais (v. D eu s ,
encontro do indivíduo nela e por meio dela. A autori­
é simplesmente eliminada (Romans,
e v id ê n c ia s d e ),
dade da Bíblia e seu caráter divino não estão sujeitos à
2.1.168). Os milagres não confirmam a revelação a in­
demonstração humana. Só quando Deus, pelo Espíri­
crédulos. São significativos apenas para os que já crê- to Santo, fala por meio da Bíblia é que a pessoa ouve a
em (ibid., 3.3.2; 714s.;v. m il a g r e s , valor apologético d o s ). Palavra de Deus. A Bíblia consiste em 66 livros reco­
No livro Shorter commentary on Romans [Breve comen­ nhecidos na igreja, não porque a igreja lhes conceda
tário de Romanos } (1959), Barth reconheceu que há um autoridade especial, mas porque incorporam o regis­
testemunho de Deus na natureza a que todas as pesso­ tro dos que testemunharam a revelação (pessoal) na
as têm acesso, mas logo acrescenta que elas não se apro­ sua forma original (Cristo).
veitam dele (Shorter commentary, p. 28). A Palavra de Deus é sempre a Palavra de Deus, mas
A posição de Barth em relação às Escrituras. ela não está à nossa disposição. A expressão comum: “A
Três níveis da Palavra de Deus. A Palavra de Deus é Bíblia é a Palavra de Deus” não se refere ao livro mas à
revelada em três formas: ação de Deus no livro. A inspiração não garante o cará­
ter gramatical, histórico e teológico das palavras na pá­
1. O Verbo encarnado, Jesus Cristo, é o último ní­ gina; ela as usa como porta de acesso.
vel, que é idêntico à segunda pessoa da Trindade. Toda semelhança entre a Palavra de Deus e a B í­
2. A Palavra registrada é todo o cânon das Escri­ blia é deficiente, e tudo está em oposição à verdadeira
turas como testemunho da revelação. Palavra de Deus e entra em contradição com ela. Não é
3. A Palavra proclamada (pregada) depende da uma revelação infalível, mas um registro falível da re­
Palavra escrita, porque baseia-se nesse testemunho da velação de Deus em Cristo. Pode-se dizer que a Bíblia
se torna a Palavra de Deus se, e quando, Deus está dis­
revelação.
posto a falar por intermédio dela.
Linguagem religiosa. Barth se opunha fortemente
A Bíblia como registro da revelação. A Bíblia não é
à linguagem religiosa análoga. Não há analogi a da e x is ­
uma revelação escrita (Church dogm átic, 6.1.5-7). Ela
tên cia , como em são T omás de A qltxo . Há apenas uma
apenas registra a revelação de Deus em Jesus Cristo. A
analogia da fé. Isso significa que a linguagem da B í­
Palavra proclamada espera o cumprimento da Pala­
blia não descreve como Deus realmente é. Deus trans­
vra de Deus no futuro. Apenas o Verbo Revelado, o
cende de tal maneira nossa linguagem que sua descri­
Cristo encarnado, tem o caráter absoluto de Palavra ção se torna equívoca quando aplicada a ele. É evocati­
de Deus. A revelação escrita e a Palavra proclamada va, mas não descritiva.
relacionam-se à Bíblia e só podem ser nomeadas cor­ A ressurreição. Apesar de sua divergência da posi­
retamente Palavra de Deus quando Deus decide livre­ ção ortodoxa quanto às Escrituras, Barth manteve algu­
mente usá-las para nos confrontar. mas posições conservadoras. De maneira incoerente
Barth estava convencido de que a Bíblia não é a com sua posição sobre as Escrituras, Barth aceitou a
própria revelação, mas sim um testemunho da revela­ concepção virginal, os milagres e a ressurreição corpo­
ção. Há uma diferença entre um evento e seu registro ral. Confessou a Trindade ortodoxa e o Cristo que é Deus.
103 Barth, Karl

S o b re a r e s s u r r e iç ã o , B a r th a fir m o u : “A h is t ó r ia d a 1. Sua tentativa de rejeitar o modernismo e o li­


P á s c o a fa la d e C ris to r e s s u r r e to r e a lm e n te , c o r ­ beralism o;
p o r a lm e n te , e c o m o ta l a p a r e c e n d o a s e u s d is c íp u lo s ” 2. Sua identificação do esforço modernista de
{Commentary, 1 .2 .1 1 4 s .) . N o liv ro Credo, se u c o m e n ­ colocar a humanidade no lugar de Deus;
tá r io s o b r e o C re d o d o s a p ó s t o lo s , a c r e s c e n to u : 3. Sua rejeição dos esforços de tornar Deus total­
mente imanente;
O m ilagre [da ressu rreição] con siste em d ois fatos que 4. Sua ênfase na ressurreição corporal;
andam jun tos... — um , que o túm ulo daquele Jesus que m o r­ 5. Sua dedicação em chamar a igreja de volta à
reu na cruz na Sexta-F eira Santa foi encontrado vazio no ter­ Bíblia, com o entendimento de que a fé não está
ceiro dia, e o outro qu e o próp rio Jesu s ap arece’ [...] a seu s direcionada ao livro, m as apenas a Deus; e
d iscíp u lo s vivo de m an e ira visível, audível e tangível. 6. Seu apoio às doutrinas ortodoxas centrais.

B a r th e n fa tiz o u a f r a s e “ r e s s u r r e to c o r p o r a lm e n ­ Críticas. Deus está fo r a d e alcance. Barth é um


te” e a c r e s c e n to u q u e “ n ã o se p o d e fa la r e m e lim in a r o exemplo clássico de fideísta. Ao enfatizar demais a
tú m u lo v a z io ” {Credo, p. 1 0 0 ). transcendência de Deus, Barth efetivamente o torna
N a s u a o b r a The resurrection of the dead [A ressur­ incognoscível. Ele jam ais superou a forma do “com ­
reição dos m ortos], B a r th a c r e s c e n ta : “ O t ú m u lo s e m pletamente outro” que caracterizava o seu paradoxo,
d ú v id a e s t á v a z io , s o b t o d a c ir c u n s tâ n c ia c o n c e b ív e l que é não ficar lado a lado com o Filho revelado de
v a z io ! ‘E le n ã o e s t á a q u i’” . A lé m d is s o : Deus, o Cristo ( Commentary ). O Deus de Barth é o
Deus de Kierkegaard. Se a linguagem sobre Deus não
É um evento qu e envolve o verdadeiro ver com o s olh os é sequer analógica, tudo que resta é o agnosticismo so­
e ouvir com os ou vid os e tocar com as m ã o s [...] Envolve bre a natureza de Deus.
verdadeiro com er e beber, falar e responder, racio cin ar e d u ­ A tese central é contraditória. A idéia de que verda­
vid ar e d ep o is acreditar. des transcendentais não podem ser expressas em ca­
tegorias racionais realiza o que nega — expressa uma
O e v e n to verdade transcendental em categorias racionais. Pro­
por que “a verdade é uma série de paradoxos” levanta
é fixo e caracterizad o por algo que realm ente aconteceu a questão da veracidade dessa afirmação e, caso seja
entre os h om en s com o ou tros eventos, e foi vivido e m ais verdadeira, se é também paradoxal.
tarde atestad o p or eles ( Roman , 2 .6 4 .1 4 3 ). O jideísm o é infundado. Argumentar que não há
base racional para a fé cristã é contraditório. É um ar­
B a r th c h e g a a o p o n to d e r e fu ta r o s q u e e n fa tiz a m gumento que apóia uma posição religiosa afirmando
a “c o r p o r a lid a d e g lo r ific a d a ” a o fa z e r c e r ta s in fe r ê n c ia s que argumentos não podem ser dados para apoiar
e s p e c u la t iv a s a p a r t ir d o fa to d e q u e [e s u s n e m s e m ­ posições religiosas. Além disso, o fideísmo pode ser
p re fo i re c o n h e c id o im e d ia t a m e n t e a p ó s s u a r e s s u r ­ internamente coerente, mas não há indicação de onde
re iç ã o e d e q u e a p a r e c e u a tr a v e s s a n d o p o r t a s fe c h a ­ encontra a realidade, então é impossível distingui-lo
d a s . B a r th r e s p o n d e : da falsidade.
A negação da revelação geral não é bíblica. Quan­
O que os evan gelistas realm ente sab e m e dizem é sim ­ do Barth negou a validade da revelação geral, contra­
plesm en te que os d iscíp u lo s viram e ou viram Jesu s n ova­ riou o cristianism o histórico e as Escrituras. Rom a­
m ente ap ó s su a m orte e que, q u an d o o viram e ou viram , nos 1.19,20 (ef. 2.12-15) declara que a revelação geral
eles o reconh eceram , e o reconh eceram com b a se na sua na natureza é tão clara que até seres humanos peca­
id en tid ad e com o aquele qu e con h eciam antes. dores são indesculpáveis. Outras passagens demons­
tram que Deus pode ser conhecido pela revelação ge­
R e a lm e n te , “ n a s a p a r iç õ e s s e g u in te s a o s o n z e , o ral, entre elas Salmos 119 e Atos 14 e 17.
re c o n h e c im e n to a c o n te c e q u a n d o ele p e r m ite q u e v e ­ Sua p osição sobre as Escrituras está errada. Há
ja m e t o q u e m s u a s m ã o s e s e u s p é s ” ( ib id .). problemas sérios com a posição de Barth sobre as
Escrituras. Ao tentar preservar a liberdade de Deus
Avaliação. Características positivas. D o p o n to d e quanto ao falar por meio das Escrituras, Barth sola­
v is t a c r is t ã o o r t o d o x o , B a r th c o n s t it u i u m a m is t u r a pou a natureza essencial das Escrituras e da Palavra
d e b e m e m a l. E n tre a s d im e n s õ e s p o s it iv a s d o s e u autorizada de Deus. Sua posição é contrária ao que a
p e n s a m e n t o e s tã o : Bíblia afirm a sobre si m esma (v. B íb l ia , evid ên c ia s da ),
Bayle, Pierre 104

a saber, que não é apenas um testemunho da revela­ famoso Dicionário histórico e crítico (2 v., 1697),que poste­
ção, mas a própria revelação (v. B íblia, inspiração da). riormente foi expandido para dezesseis volumes até a dé­
O foco da revelação divina segundo as Escrituras cima primeira edição (1829-1824).
não é uma palavra que se confirma, mas um evento Crenças. Como Bayle viveu numa época de intole­
histórico aberto, público e verificável. A evidência é rância religiosa, suas posições eram mais secretas do
revelada a todos (At 17.31). Lucas compôs sua obra que seriam em outra situação. Apesar disso, algumas
para mostrar os fundamentos históricos sobre os quais coisas são claras.
a proclam ação do evangelho se baseia (Lc 1.1-4). Je­ Ceticismo. Após a publicação do Dicionário , Bayle
sus ofereceu provas infalíveis (At 1.3). foi acusado de ceticismo, maniqueísmo e desrespeito
Essa posição equivocada das Escrituras permite pelas Sagradas Escrituras. Bayle foi chamado perante
escolhas quase ilimitadas do que se quer ou não acre­ uma comissão presbiteriana e consentiu em mudar al­
ditar. Barth pode ter aceito a ressurreição literal e físi­ guns artigos ofensivos, que apareceram na forma revi­
ca, mas muitos que o seguiram não aceitavam. Ele acei­ sada na segunda edição. No entanto, é evidente que Bayle
tou a crença não-ortodoxa do universalismo. Assim, estava longe de ser um protestante ortodoxo.
seguindo Orígenes, Barth negou a existência do infer­ Na verdade, Bayle era um cético que se opunha fir­
no e afirmou que todos serão salvos. memente ao MONisMO de Baruch Espinosa e pendia para
o dualismo maniqueísta — o sistema do qual A g o sti ­
Fontes nho se converteu. Bayle acreditava que os reinos da fé
K. B arth , Anselm. e da razão são mutuamente excludentes. A princípio
___ ,Christian dogmatics in outline. os protestantes liberais acreditavam que Bayle estava
___ ,Church dogmatics. do seu lado, mas logo descobriram que ele considera­
___ ,Commentary on Romans. va as crenças cristãs incompatíveis com a razão e a
___ , Credo. ciência.
___ ,Nein. Ataque à religião. O ataque de Bayle à religião era
___ ,Shorter commentary on Romans. implacável, mas geralmente sutil. Muitos dos seus ar­
_ _ _ .Theology and the church. tigos no Dicionário lidavam com o problema do mal,
_ _ _ , Word o f God and theology. a imoralidade do at e a suposta irracionalidade do cris­
G. B olich , Karl Barth and evangelicalism. tianismo. Divertia-se com histórias obscenas de fam o­
C. PiNNOCK,“ Karl Barth and Christian apologetics” , sas personagens religiosas. Na verdade, seus artigos
em Themelios (197?). eram um “ataque maciço contra quase toda posição
E. B runnf.r, Aevetoion and reason. religiosa, filosófica, moral, científica ou histórica de
S. A. M atczak, Karl Barth on God. outras pessoas” ( Edwards, p. 258 ). Considerava-se “um
B. Mondin, Analogy in protestam and catholic protestante no verdadeiro sentido da palavra, que se
thought. opunha a tudo o que era dito e tudo o que era feito”
(ibid.).
Bayle, Pierre. Nasceu em Carla, França ( 1647-1706), onde Tolerância religiosa. Bayle acreditava que “questões
seu pai era um ministro calvinista. Freqüentou a Universi­ de crença devem estar fora do âmbito do Estado”—
dade Jesuíta de Toulouse em 1669, onde se converteu ao uma crença que deu à sua obra um lugar no índice
catolicismo. Depois, reconsiderou e retornou ao protestan­ Católico. Em 1686 publicou um Commentaire philoso­
tismo, ficando assim sujeito às severas penalidades da lei phique sur ces paroles de jesus-Christ “Constrains-les
francesa. Assim, deixou a França e foi para Genebra para d ’entrer” [Comentário filosófico sobre estas palavras de
terminar seus estudos. Foi nomeado para a cadeira de filo­ Jesus “obriga-os a entrar” ] em que defendeu a tolerân­
sofia em Sedan (1675) e depois em Roterdã (1682), onde cia aos judeus, muçulmanos, unitários, católicos, e até
publicou seu Pensées diverses sur la comete [Pensamentos ateus.
diversos sobre o cometa] e sua Critiquegénérale de l’histoire Influência. Apesar de Bayle não ser um revolucio­
du calvinisme de M. Maimbourg [Crítica geral da história nário, sua obras prepararam o caminho para a Revo­
do calvinismo de Maimbourg]. Seu pai e seus irmãos mor­ lução Francesa. Três anos antes de John L ocke (1632-
reram na França por causa das perseguições religiosas. De 1704) escrever seu famoso livro Carta sobre tolerân­
1684 a 1687 publicou seu famoso jornal, Nouvelles de la cia, Bayle escreveu seu Commentaire philosophique sur
Republique des Lettre [Novidades da República das Letras], le Compelle Entrare, em que argumentou que a liber­
uma tentativa de popularizar a literatura. Depois de ser de­ dade é um direito natural e que até o ateu não é neces­
posto da sua cadeira em 1693, dedicou toda atenção ao seu sariamente mau cidadão.
105 Berkeley, George

Bayle teve grande influência sobre os filósofos fran­ A negação de que haja qualquer princípio funda­
ceses do século xviii, principalmente sobre François- mental auto-evidente de pensamento envolve o indiví­
Marie V oltaire (1694-1778). O Dicionário de Bayle foi duo em uma de duas situações: ou num regresso infini­
a fonte da qual tiraram muitos dos seus argumentos. to no qual nenhuma justificação é dada, ou num ponto
A Encyclopedie, obra cética de Denis Diderot, foi base­ de interrupção arbitrário no qual a pessoa simplesmente
ada na obra de Bayle. Diderot (1713-1784) escreveu: pára de dar explicações (sem justificação para fazer isso;
v. prim eiro s princípios ). Plantinga não explica por que co­
Artigos qu e lid am com preconceitos respeitáveis devem loca sua crença em Deus na categoria de “propriamente
expô-los d iferen tem en te; a co n stru ção de b arro deve ser básica”. Um incrédulo pode simplesmente pedir suas
despedaçada, in d ican d o -se ao leitor ou tros artig o s em que razões de tê-la colocado nessa categoria, de forma que
verdades o p o sta s sã o e stab elecid as com b ase em p rin cípios ele é obrigado a dar uma justificação racional, senão
válidos ( “ D iderot, D en is” em Encyclopedia Britannka). estará cometendo uma petição de princípio.
Como outros fideístas, Plantinga aqui deixou de dis­
A influência de Bayle se estendeu a figuras como tinguir entre crença em e crença que Deus existe. É pre­
David H u m e e Edward Gibbon. Thomas J efferson re­ ciso evidência para crer que Deus existe, mas não para
comendou o Dicionário como um dos cem livros bá­ crer em Deus. Seria um insulto a qualquer esposa exigir
sicos para com eçar a Biblioteca do Congresso ( eua ). O razões para amá-la. Mas não é um insulto exigir razões
famoso ateu alem ão Ludwig F euerbach considerava de que se trata realmente dela, e não da esposa do vizi­
Bayle como uma figura importante no pensamento nho, antes de abraçá-la. Não é digno do relacionamento
de uma pessoa com Deus acreditar em Deus por causa
moderno e dedicou um volume inteiro a ele.
da evidência. Se há um Valor Supremo (i.e., Deus) no
As teses centrais do ceticismo de Bayle são trata­
universo, deve-se crer nesse Ser porque ele merece. Mas
das em outros artigos, principalmente: a g xosticism o ;
é digno pedir evidência de que Deus existe e é o Valor
apologética; B íb l ia , crítica da ; m ila g res ; e Novo T e st a ­
Supremo antes de depositar fé nele. A razão exige que
mento, confiabilidade d o .
olhemos antes de saltarmos (Geisler, p. 68-9).

Fontes
Fontes
J. Delvoive, c r i t i q u e e p h i l o s o p h i e p o s it i v e
N. L. G eisler e \V. C orduax , Philosophy ofreligion.
c h e z P. B a y le .
A. P lantinga , “The reformed o b je c tio n to n a tu ra l
L. Feuerbach, P i e r r e B a y le .
th e o lo g y ” ,csR 11 ( 1982) .
R . Popkix, “B ayle, Pierre”, ep .
H. E. S mith , The literary c r it ic is m ofP. Bayle.
Berkeley, George. Nasceu em Kilekenny, Irlanda
( 1685-1753). Estudou as obras de John L ocke e René
basicidade própria. Basicidade própria é uma teo­
D esca rtes no Trinity College, Dublin. Tentou, mas não
ria estabelecida pelo filósofo am ericano contem po­
conseguiu, começar uma faculdade em Rhode Island,
râneo Alvin Plantinga, afirmando que há certas cren­
nos eua . Depois de ser ordenado ministro anglicano
ças para as quais é possível mas insensato exigir ju s­
em 1707, foi posteriormente sagrado bispo em 1734.
tificação. Elas incluem os conceitos “eu existo” e “há
As principais obras filosóficas de Berkeley inclu­
um passado”. A pessoa tem o direito de afirm ar es­
em A treatise concerning the prin cipies o f hum an
sas crenças sem dar nenhuma explicação. Plantinga
knowledge [Tratado dos princípios do conhecimento
inclui a crença “Deus existe” entre as proposições que
humano] (1710), Three dialogues between Hylas and
são “propriamente básicas”. Se verdadeiro, isso m i­ Philonous [ Três diálogos entre Hilas e Filonous] (1 7 1 3 ),
naria a teologia natural, a necessidade de dar qual­ e The analyst; or, A discourse addressed to an infidel
quer argum ento a favor da existência de Deus (v. mathem atician [O analista; ou um discurso dirigido a
D eu s, e v id en c ia s d e ) e a ap o lo g ética clá ssica (v. um m atem ático incrédulo ] (1734).
a p o l o g é t ic a c l á s s i c a ). Plantinga afirm a que a crença A filo so fia de Berkeley. Berkeley é conhecido por
em Deus é tão central que seria insensato pedir seu duas posições aparentemente incompatíveis. Ele era
fundam ento. A crença em si é o ponto central da um empirista epistemológico no estilo de John Locke.
cosmovisão do que crê (v. Plantinga, p. 187-98). Também era um idealista metafísico que negava a exis­
Plantinga substitui o fundacionalismo clássico por tência da matéria.
essas “crenças b á sica s” . Sua teoria é um tipo de A epistemologia do empirismo. Segundo Berkeley, a
fundacionalismo fideísta (v. f i d e í s m o ). causa e cura das dificuldades filosóficas não está nos
Berkeley, George 106

nossos sentidos ou em nossa razão, mas no princípio 2. Estou recebendo uma sucessão forte e co n tí-
filosófico da abstração. Podemos imaginar, compor, di­ nua de idéias vindas de fora de mim, forçadas
vidir e simbolizar (generalizar), e nada mais. Idéias ge­ sobre mim , das quais não tenho controle. O que
rais são apenas idéias específicas designadas como re­ denomino “mundo” todos os outros também
presentação de um grupo (por exemplo, um triângulo). chamam.
O erro da abstração surge da linguagem; acredita­ 3. Portanto, deve haver uma Mente (Deus), um
mos equivocadamente que as palavras têm significa­ Espírito ativo que causa o “mundo” de idéias
dos precisos, que toda palavra representa uma idéia que eu e os outros recebemos de fora de nos­
ou que a linguagem serve primariamente para comu­ sas mentes.
nicação. Ela também desperta paixões e influencia ati­ 4. Não percebemos essa Mente de maneira dire­
tudes. A cura é limitar pensamentos a idéias básicas que ta, mas apenas seus efeitos, as idéias que ela
estão livres dos seus nomes tradicionais, para evitar causa.
controvérsias puramente verbais, a armadilha das abs­
trações e ser claro. O resultado disso é que não buscare­ Respostas às objeções. Berkeley antecipou e ofe­
mos o abstrato quando o específico é conhecido, nem receu respostas a várias objeções, apesar de nem to­
suporemos que todos os nomes representam uma idéia. das serem plausíveis.
Berkeley acreditava que a fonte de todas as idéias é Ao argumento de que sua teoria elimina a nature­
interna — sensação, percepção, m emória e imagina­ za, Berkeley responde que a natureza é um conjunto
ção. O sujeito de todo conhecimento é um perceptor (a de regras pelas quais Deus regularmente estimula idéi­
mente ou “eu”). A natureza das idéias é que elas são as nas nossas mentes. À afirmação de que m atéria não
tem significado, responde que ela é apenas uma idéia
objetos passivos de percepção. Os resultados de tudo
alcançada por um grupo de sensações. Em bora alguns
isso constituem o idealismo metafísico.
insistissem parecer severo demais com er e vestir idéi­
A metafísica do idealismo. Berkeley aceitava a exis­
as, isso é verdade, mas só porque vai contra nosso uso
tência apenas de mentes e idéias. Ser é perceber (esse
habitual das palavras.
ispercipere ) ou ser percebido ( esse ispercipi). Nenhu­
Quanto aos que afirmam que objetos distantes não
ma “matéria” nem seres extramentais existem:
estão na mente, respondeu que, se não estão em lugar
nenhum, estão nos nossos sonhos. Além disso, a visão
1. Não há como separar ser de ser percebido.
de um objeto distante é o prognóstico de que logo po­
2 . 0 argumento contra a existência de qualidades
derei senti-lo tocar-me. Apesar da objeção de que o fogo
secundárias tam bém se aplica às primárias. Por exem­
é diferente da idéia do fogo, Berkeley nos lembrou que
plo, a extensão não pode ser conhecida separada de
Platão não via essa diferença. Mesmo assim, outras
cor e peso. Os números baseiam -se em unidade, que
crenças universais são falsas. Todos podem agir como
não pode ser percebida. A imagem muda conforme a
se a matéria existisse, ainda que isso seja filosofica­
perspectiva. O movimento é relativo.
mente falso. À objeção geral de que idéias e coisas di­
3. As “coisas” não podem ser conhecidas separa­
ferem foi dada a resposta de que isso é verdade só por­
damente do pensamento; elas existem apenas no pen­
que a prim eira idéia é passiva e a segunda é ativa (ati­
samento.
vada por Deus). Essa teoria destrói o conceito de m o­
4. A crença na “matéria” acusa Deus de uma cria­
vimento? Não. O movimento é redutível a fenômenos
ção inútil (v. G u ilh erm e de O ccam ). É impossível con­
sensoriais (idéias). Berkeley tam bém respondeu ao
ceber qualquer coisa existente fora da mente. Fazer isso
argumento de que as coisas não pensadas deixariam
é um poder da mente de form ar uma idéia em si (não de existir. Deus sempre pensa sobre elas. Essa última
fora dela). Nada pode ser concebido como existência resposta ocasionou a fam osa resposta de John Knox:
não-concebida. “Um poema sobre Berkeley”.
Provas de Deus. A lém de ser um e m p irista
epistemológico e um idealista metafísico, Berkeley era Elavia um jovem que disse:
um cristão teísta ( v . t e ísm o ). Ele até ofereceu uma pro­ “Deus deve achar m uito anorm al
va da existência de Deus (v. D eu s , evidências d e ). 1 Se descobrir que essa árvore
Continua a existir
1. Todas as idéias são objetos passivos ou percep­ Quando não há ninguém no local”.
ção. Prezado Senhor:
a) Mentes percebem, mas Sua surpresa é anorm al:
b) idéias são apenas percebidas. Eu sem pre estou no local.
107 Bíblia, canonicidade da

E é por isso que a árvore Seus argumentos básicos falham. Os argumentos de


Continuará a existir Berkeley a tãvor do idealismo são baseados na noção equi­
Já que é observada por este seu vocada de que conhecer envolve a percepção de idéias em
fiel criado, Deus. vez de perceber as coisas por meio das idéias. Trata-se
novamente de petição de princípio. Se as idéias não são o
Pode-se argumentar contra Berkeley que isso faria objeto formal do conhecimento, e sim o instrumento do
tudo um resultado direto de Deus ou, senão, artificial. conhecimento, a teoria de Berkeley é destruída.
Ele acreditava que isso não era verdadeiro. Há causas Suas soluções engenhosas são contrárias à experiên­
secundárias — idéias combinadas em padrões regula­ cia. Falar de corpos, matéria e natureza que todos experi­
res (natureza) para os propósitos práticos da vida. O fogo mentamos como meras idéias que Deus regularmente
indica dor em potencial, mas não a provoca. estimula em nós é brilhante, mas anti-intuitivo. É possí­
Já que a Bíblia fala de corpos físicos, Berkeley foi vel, mas inacreditável. Na verdade, é forçado falar em co­
acusado de negar o ensinamento da Bíblia. Sua res­ mer idéias. Afirmar que Deus apenas ressuscitou um con­
posta foi que o que chamamos “corpo” é apenas uma junto de idéias defato solapa a doutrina da ressurreição.
coleção de impressões sensoriais, mas não algo real­ Sua teoria acusa Deus de mentira. Na verdade,
mente material. A insistência de que sua teoria era uma Berkeley parece acusar Deus de m entira (v. D e u s , na ­
negação dos milagres, Berkeley respondeu que as coi­ tureza d e ; m o ral , argu m en to ). Se é apenas uma questão

sas não são reais, mas são percepções reais. Então os do poder de Deus, não há dúvida de que Deus pode
discípulos realmente perceberam que estavam tocan­ estimular a idéia de matéria nas nossas mentes sem
do o corpo ressurrecto de Cristo, apesar de este não que a matéria realmente exista. Mas não é apenas uma
ser feito de matéria da m aneira que geralmente pen­ questão de poder. Deus é mais que poderoso. Ele é per­
samos (v. RESSURREIÇÃO, EVIDÊNCIAS Da ). feito. Não pode enganar. Entretanto, estimular em nós
regularmente a idéia de um mundo fora da mente
Os valores do idealism o. O bispo Berkeley enu­
quando esse não existe é mentira.
merou valores positivos em seu idealismo filosófico.
Por exemplo, a fonte d o ceticismo ( v a g n o st ic is .m o ) aca­
Fontes
bou. Como podemos saber que idéias correspondem
BERKF.iEV,George,tp.
à realidade? Sem problema; já que as idéias são reais,
G. B erklluv , A treatise concerning theprincipies o f
elas não precisam corresponder a mais nada. A pedra
human knowledge.
fundamental d o ateísmo também se foi — a m a téria .
___ J h e analyst; or, A discourse addressed to an infidel
É a matéria em movimento eterno que os ateus usam
mathematician.
para eliminar a idéia de Deus.
___ , Three dialogues between Hylas and
A base para a idolatria é eliminada. Quem adora­
Philonous.
ria a m era idéia de um objeto na sua m ente? Os
}. CouiNS, A history o) modern european philosophy.
socinianos perdem sua objeção à ressurreição, já que
não há nada específico a ser ressuscitado (v. r e ssu r r e i ­
B íb lia , c a n o n ic id a d e d a. Canonicidade (do grego
ção , OBJEÇÕES À).
kanon, regra ou n o rm a ) diz resp eito aos livros
Avaliação. Apesar de Berkeley ser um cristão teísta
normativos ou autorizados inspirados por Deus para
na tradição clássica, suas idéias metafísicas causaram
inclusão nas Escrituras Sagradas. A canonicidade é de­
grande desconforto para outros teístas. Em vez de re­
terminada por Deus (v. bíblia , evidências da ). Não são a
solver problem as, parecem criá-los. Várias críticas
antigüidade, a autenticidade ou a comunidade religiosa
devem ser observadas:
que tornam um livro canónico ou autorizado. Um livro
Sua pressuposição básica é forçada. A pressuposi­ é valioso porque é canônico, e não canônico porque é
ção fundamental do idealismo de Berkeley é que ape­
ou foi considerado valioso. Sua autoridade é estabelecida
nas mentes e idéias existem. Uma vez concedida essa por Deus e simplesmente descoberta pelo povo de Deus.
pressuposição, o restante é resultado natural. No en­ D efinição de canonicidade. A distinção entre a
tanto, não existe razão convincente para aceitá-la. Na determ inação de Deus e a descoberta humana é es­
verdade, trata-se de petição de princípio, pois presu­ sencial para a visão correta da canonicidade, e deve
me que apenas mentes e idéias existem. Não é surpre­ ser feita cuidadosamente:
sa, portanto, que ele conclua que nada existe além de Na "visão incorreta” a autoridade das Escrituras
mentes e idéias. A existência da realidade além da é baseada na autoridade da igreja; a visão correta é
mente e não-mental não é eliminada por nenhum dos que a autoridade da igreja deve ser encontrada na
argumentos de Berkeley autoridade das Escrituras. A visão incorreta coloca a
Bíblia, cononicidade da 108

0 relacionamento de autoriadade 3. Incapacidade de distinguir entre o acréscim o


entre a igreja e o cânon de livros ao cânon e a remoção de livros dele.
4. Incapacidade de distinguir entre o cânon que
Posição incorreta Posição correta a comunidade reconhecia e as opiniões excên­
sobre o cânon sobre o cânon tricas de indivíduos.
A igreja determina A igreja descobre 5. Incapacidade de usar adequadamente a evi­
o cânon. o cânon. dência judaica sobre o cânon transmitido por
A igreja é mãe do A igreja é filha do mãos cristãs, quer por negar as origens judai­
cânon. cânon. cas, quer por ignorar o meio cristão pelo qual
A igreja é magistrada A igreja é ministra ele foi transmitido.
do cânon. do cânon.
A igreja regula A igreja reconhece Princípios de canonicidade. Admitido o fato de
o cânon. o cânon. que Deus concedeu autoridade e, daí, canonicidade
A igreja é juíza A igreja é testemunha à Bíblia, surge outra questão: Como os crentes tom a­
do cânon. do cânon. ram conhecim ento do que Deus fizera? Os próprios
A igreja é mestra A igreja é serva livros canônicos aceitos da Bíblia referem -se a ou­
do cânon. do cânon. tros livros que não estão m ais disponíveis, por exem-
pio, o “Livro dos Justos” (Js 10.13) e o “livro das Guer­
igreja acima do cânon, ao passo que a posição apro­
ras do Senhor” (K m 2 1 .1 4 ). E ainda há os livros
priada vê a igreja sob o cânon. Na verdade, se na co­
apócrifos e os chamados “livros perdidos”. Como os
luna intitulada “visão incorreta” a palavra “igreja” for
pais da igreja sabiam que eles não eram inspirados?
substituída por “Deus”, a visão adequada do cânon
Por acaso João (2 1 .2 5 ) e Lucas (1 .1 ) não m enciona­
surge claram ente. Foi Deus quem regulou o cânon; o
ram um a profusão de literatura religiosa? Não havia
hom em apenas reconheceu a autoridade divina que
epístolas falsas (2Ts 2.2)? Quais m arcas de inspira­
Deus deu ao cânon. Deus determinou o cânon, e o ção guiaram os pais apostólicos enquanto identifi­
hom em o descobriu. Louis Gaussen dá um resumo cavam e coletavam os livros inspirados? Talvez o pró­
excelente dessa posição: prio fato de alguns livros canônicos serem questio­
nados periodicam ente, com base em um ou outro
Nessa questão, então, a igreja é serva e não senhora; princípio, defende o valor do princípio e a precaução
repositório, e não juíza. F.la exercita o cargo de ministra, não dos pais no seu reconhecim ento da canonicidade.
de magistrada [...] Dá testemunho, não sentencia. Discerne o Oferece certeza de que o povo de Deus realm ente in­
cânon das Escrituras, não o cria; reconhece-o, não o autenti­ cluiu os livros que Deus queria.
ca [...] A autoridade das Escrituras não é fundada, assim, na Cinco questões fundamentais estão no centro do
autoridade da igreja. É a igreja que é fundada na autoridade processo da descoberta:
das Escrituras (Gaussen,p. 137). O livro fo i escrito por um profeta de Deus? A per­
gun ta b á s ic a era se um liv ro era p ro fé tico . A
D escobrindo a cononicidade. Métodos adequa­ característica profética determinava a canonicidade.
dos devem ser empregados para descobrir que livros 0 profeta era alguém que declarava o que Deus havia
Deus determinou serem canônicos. Senão, a lista de revelado. Então, somente escrituras proféticas eram
livros canônicos seria variada e identificada incorre­ canônicas. Qualquer coisa que não fosse escrita por
tamente. Muitos procedimentos usados no estudo do um profeta de Deus não fazia parte da Palavra de Deus.
cânon do a t foram prejudicados pelo uso de métodos Os termos característicos “E a palavra do Senhor veio
falhos (v. A P Ó C R I F O S D O A T F. D O .ST). ao profeta”, ou “O S enhor disse a”, ou “Deus disse” são
Critérios inadequados de cononicidade. Cinco m é­ tão freqüentes nos a t de tal maneira que se tornaram
todos errados afligiram especificamente a igreja (v. famosas. Se comprovadas, essas afirmações de inspi­
Beckwith, p. 7-8): 1 ração são tão claras que seria praticamente desneces­
sário discutir se alguns livros eram de origem divina.
1. Incapacidade de distinguir um livro que era Na maioria dos casos tratava-se apenas da questão de
“conhecido” de um livro que tinha a autorida­ estabelecer a autoria do livro. Se foi escrito por um
de divina. apóstolo ou profeta reconhecido, seu lugar no cânon
2. Incapacidade de distinguir conflitos sobre o estava assegurado.
cânon entre grupos diferentes de incerteza so­ Evidências históricas ou estilísticas (externas ou
bre o cânon dentro desses grupos. internas) que apoiam a autenticidade de um livro
109 Bíblia, canonicidade da

profético tam bém defendem sua canonicidade. Esse é Assim, ou a epístola era uma fraude ou havia grande
o mesmo argumento que Paulo usou para defender dificuldade em explicar seu estilo diferente. Os que se
suas duras palavras aos gálatas (Gl 1.1-24). Ele argu­ incomodavam com essas evidências duvidavam da
mentou que sua mensagem era autorizada porque ele autenticidade de 2 Pedro e por isso ela foi colocada en­
era um mensageiro autorizado por Deus: “... apóstolo tre os livros denominadas antilegô-menos por um tem ­
enviado, não da parte de homens nem por meio de pes­ po. Finalmente foi aceita porque era a obra genuína de
soa alguma, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai...” Pedro. As diferenças de estilo podem ser atribuídas à
Contra-atacou também seus oponentes que pregavam passagem do tempo, a ocasiões diferentes e ao fato de
“... outro evangelho que, na realidade não é o evange­ Pedro ter ditado verbalmente 1Pedro a um amanuense
lho. [...] pervent(endo) o evangelho de Cristo”. O evan­ (ou secretário; v. IPe 5.12).
gelho dos seus oponentes não podia ser verdadeiro A inspiração era tão certa em várias obras proféti­
porque eram “falsos irm ãos” (Gl 2.4). cas que sua inclusão era óbvia. Algumas foram rejei­
Deve-se observar nesse sentido que ocasionalmen­ tadas por falta de autoridade, especialmente as obras
te a Bíblia contém profecias verdadeiras de indivíduos pseudepigráficas. Esses livros não comprovavam sua
cuja posição no povo de Deus é questionável, como alegação de autoria. Esse mesmo princípio de autori­
Balaão (Nm 24.17) e Caifás (Jo 11.49). Mas, mesmo dade foi a razão do livro de Ester ser questionado, prin­
presumindo que essas profecias tenham sido dadas cipalmente pelo fato do nome de Deus estar nitida­
conscientemente, esses profetas não eram autores de mente ausente. Com um exame mais cuidadoso, Ester
livros da Bíblia, e foram apenas citados pelo verdadei­ reteve seu lugar no cânon depois de os pais apostóli­
ro autor. Portanto, seus pronunciam entos estão na cos se convencerem de que a autoridade estava pre­
mesma categoria que os poetas gregos citados pelo sente, ainda que menos evidente.
apóstolo Paulo (cf.At 17.28; ICo 15.33; Tt 1.12). O autorfo i confirmado pelos atos de Deus?O milagre
Os argumentos que Paulo usou contras os falsos é o ato de Deus para confirmar sua palavra dada por
mestres da Galácia também foram usados como base meio do seu profeta para o seu povo. É o sinal para com­
para a rejeição de uma carta que foi forjada ou escrita provar seu sermão; o milagre para confirmar sua men­
sob falso pretexto. Uma carta desse tipo é m enciona­ sagem. Nem toda revelação profética foi confirmada por
da em 2 Tessalonicenses 2.2. Um livro não pode ser um milagre específico. Havia outras maneiras de deter­
canônico se não for autêntico. Um livro pode usar o minar a autenticidade de um suposto profeta. Se havia
recurso de personificação literária sem fraude. Um dúvidas sobre suas credenciais proféticas, isso seria de­
autor assume o papel de outro para causar impressão. terminado pela confirmação divina, como realmente
Alguns estu d io so s acham que esse é o caso de aconteceu em várias ocasiões nas Escrituras (Êx 4; Nm
Eclesiastes, se Qohelet escreveu autobiograficamente 1 6 ,1 7 ; lR s 1 8; Mc 2 ; At 5 ; v. m i l a g r e s na B íb lia ).
como se fosse Salomão (v. Leupold, p. 8ss.). Havia profetas verdadeiros e falsos (Mt 7.15), logo
Essa teoria não é incompatível com o princípio, era necessária a confirmação divina dos verdadeiros.
contanto que se possa demonstrar tratar-se de um re­ Moisés recebeu poderes miraculosos para comprovar
curso literário e não uma fraude. Mas, quando um au­ seu chamado (Êx 4.1-9). Elias triunfou sobre os falsos
tor finge ser apóstolo para conquistar a aceitação de profetas de Baal por uma ação sobrenatural (lR s 18).
suas idéias, como os autores de muitos livros apócrifos Os milagres e sinais que Deus realizou por meio de Je­
do n t fizeram, trata-se de fraude. sus lhe conferiram autoridade (At 2.22). Quanto à men­
Por causa desse princípio “profético”, 2Pedro foi sagem dos apóstolos,
questionada na igreja primitiva. Até Eusébio, no sécu­
lo iv, disse: Deus tam bém deu testemunho dela por m eio de sinais,
m aravilhas, diversos m ilagres e dons do E spírito Santo
Quanto àquela enum erada com o segunda, ti vemos n o ­ destribuídos de acordo com a sua vontade” (Hb 2.4).
tícias de que não é testam entária, todavia muitos a conside­
ram útil e foi tomada em consideração com as dem ais Es­ Paulo deu testem unho do seu apostolado aos
crituras. (História eclesiástica, livro m ,cap. 3.3). coríntios, declarando:“As marcas de um apóstolo — si­
nais, maravilhas e milagres — foram demonstradas en­
Com base em diferenças no estilo literário, alguns tre vocês, com grande perseverança” (2Co 12.12; v, m i l a ­
acreditavam que o autor de 2Pedro não podia ser o mes­ g r es , V A L O R A P O L O G É T IC O D O S ) .

mo autor de 1Pedro. Mas 2Pedro afirmava ser escrita por A mensagem diz a verdade sobre Deus?Apenas os con­
“Simão Pedro, servo e apóstolo de Jesus Cristo” (2Pe 1.1). temporâneos imediatos tiveram acesso à confirmação
Bíblia, canonicidade da 110

sobrenatural da m ensagem do profeta. Outros cren ­ da igreja primitiva rejeitaram ou consideraram de se­
tes em lugares distantes e em épocas posteriores de­ gunda categoria esses livros porque tinham impreci­
pendiam de outros testes. Um deles era a autentici­ sões h istó ric a s e até in co n g ru ên cia s m o rais. Os
dade de um livro. Isto é, o livro diz a verdade sobre reformadores rejeitaram alguns deles por causa do que
Deus e seu mundo conform e outras revelações? Deus consideravam ensinamentos heréticos, como orações
não se contradiz (2Co 1.17,18), nem pode m entir ( Hb pelos mortos, que 2Macabeus 12.45 apóia. O apóstolo
6 .8 ). Nenhum livro com afirm ações falsas pode ser a João incentivou firmemente que toda suposta “verda­
Palavra de Deus. M oisés afirm ou o princípio sobre de” fosse testada pelo padrão conhecido antes de ser
profetas em geral que: recebida ( l jo 4 .1-6).
O teste de autenticidade foi a razão de Tiago e Judas
Se aparecer entre vocês um profeta ou alguém que faz pre­ serem questionados. Algumas pessoas já considera­
d içõ es p o r m eio de so n h o s e lh es a n u n cia r um sin a l ram Judas falso porque possivelm ente cita livros
m iraculoso ou um prodígio, e se o sinal ou o prodígio de que pseudepigráficos não autênticos (Jd 9 ,1 4 ; v.Jerônimo,
ele falou acontecer, e ele disser: ‘Vamos seguir outros deuses 4 ). M artinho Lutero questionou a canonicidade de
que vocês não conhecem e vamos adorá-los’, não dêem ouvi­ Tiago por não possuir ênfase evidente da cruz, opi­
dos às palavras daquele profeta ou sonhador (Dt 13.3«) nando que o livro parecia ensinar a salvação por obras.
Um estudo mais cuidadoso liberou Tiago dessas acu­
Assim, qualquer ensinamento sobre Deus contrá­ sações, e até Lutero se sentiu melhor quanto a ela. His­
rio ao que seu povo já sabia ser verdadeiro devia ser
tórica e uniformemente, Judas e Tiago foram ju stifi­
rejeitado. Além disso, qualquer previsão feita sobre o
cados, e sua canonicidade foi reconhecida depois de
mundo que não se realizasse indicava que as palavras
serem harmonizados com o resto das Escrituras.
do profeta deveriam ser rejeitadas. Como Moisés disse
Ele veio com o pod er de Deus? Outro teste de
a Israel:
canonicidade é o poder do livro de edificar e equipar
os crentes. Isso requer o poder de Deus. Os pais acre­
M as talvez vocês perguntem a si m esm os:‘Como sabe­
ditavam que a Palavra de Deus era “viva e eficaz” (Hb
rem os se um a m ensagem não vem do S enhor?’
4 .1 2 ) e conseqüentem ente deveria ter um a força
Se o que o profeta proclam ar em nom e do S enhor não
transformadora (2Tm 3.17; IPe 1.23). Se a mensagem
acontecer nem se cum prir, essa m ensagem não vem do S e ­
de um livro não atingia seu devido objetivo, se não
nhor. Aquele profeta falou com presunção. Não tenham m edo
tivesse o poder de mudar vidas, então Deus evidente­
dele (Dt 18.21,22).
mente não estava por trás da sua mensagem. A men­
sagem divina certamente seria apoiada pelo poder de
Se um profeta fizesse essas falsas afirmações po­
Deus. Os pais acreditavam que a Palavra de Deus atin­
deria ser apedrejado. Iavé disse:
ge seu propósito (Is 55.11). Paulo aplicou esse princí­
pio ao at quando escreveu a Timóteo: “Porque desde
M as o profeta que ousar falar em m eu nom e algum a
criança você conhece as Sagradas Letras que são ca­
coisa que eu não lhe ordenei, ou que falar em nom e de ou­
pazes de torná-lo sábio para a salvação...” (2Tm 3.15).
tros deuses, terá que ser m orto (D t 18.20).
Se é de Deus, funcionará — irá se cumprir. Esse teste
simples foi dado a Moisés para testar a verdade da pre­
Esse tipo d e castigo garantia que não haveria ne­
n h u m a a ç ã o semelhante por parte daquele profeta e visão do profeta (Dt 18.20ss.). Se o que foi previsto
d a v a a outros profetas hesitação antes de dizer: “Assim não acontecesse, não seria de Deus.
diz o S enhor ” . Com base nisso, literatura herética e boa literatura
A verdade por si só não torna um livro canônico. apostólica não-canônica foi rejeitada do cânon. Até os li­
Esse é mais um teste de não-autenticidade de um li­ vros cujo ensinamento era espiritual, mas cuja mensa­
vro que de canonicidade. É um teste negativo que po­ gem era no máximo devocional, foram julgados não
deria eliminar livros do cânon. Os crentes de Beréia canônicos. Esse é o caso da maioria da literatura escrita
usavam esse princípio quando examinavam as Escri­ nos períodos apostólico e subapostólico. Há uma diferen­
turas para ver se os ensinamentos de Paulo eram ver­ ça tremenda entre os livros canônicos do nt e outras obras
dadeiros (At 17.11). Se a pregação do apóstolo não religiosas do período apostólico.“Não há o mesmo fres­
concordasse com o ensinamento do cânon do at , não cor e originalidade, profundidade e clareza. E não é para
poderia ser de Deus. admirar, pois indica a transição das verdades dadas por
Grande parte dos apócrifos foi rejeitada porque inspiração infalível para a verdade reproduzida por pio­
não era autêntica. As autoridades judaicas e os pais neiros falíveis” (Louis B erkho f : A história da doutrina
111 Bíblia, canonicidade da

cristã, p.38). Falta poder aos livros não-canônicos; não Paulo (2Pe 3.16). Na verdade, os apóstolos insistiram
tinham os aspectos dinâmicos encontrados na Escritura em que suas cartas fossem lidas e circulassem entre as
inspirada.Não eram acompanhados pelo poder de Deus. igrejas (Cl 4.16; lTs 5.27; Ap 1.3).
Os livros cujo poder edificante foi questionado in­ Alguns argumentaram que Provérbios 25.1 m os­
cluem Cântico dos Cânticos e Eclesiastes. Um livro que tra uma exceção. Sugere que alguns provérbios de
é erótico, sensual ou cético poderia ser de Deus? Cer­ Salomão provavelmente não foram aceitos no cânon
tamente não; enquanto esses livros fossem vistos des­ durante sua vida. Antes, “os hom ens de Ezequias”
sa maneira, não poderiam ser considerados canônicos. transcreveram outros provérbios de Salomão. É pos­
Certamente, a mensagem desses livros foi considera­ sível que esses provérbios adicionais (cap. 25 até 29)
da espiritual; assim os livros foram aceitos.Mas o prin­ não tenham sido apresentados oficialmente à comu­
cípio foi aplicado imparcialmente. Alguns livros pas­ nidade dos fiéis durante a vida de Salomão, talvez por
saram no teste; outros não. Nenhum livro que care­ causa do seu declínio moral posterior. Mas, como eram
cesse das características edificantes ou práticas foi con­ provérbios autênticos de Salomão, não havia razão para
siderado canônico. não apresentá-los mais tarde e então aceitá-los im e­
Ele foi aceito pelo povo de Deus? Um profeta de diatamente como autorizados. Nesse caso Provérbios
Deus era confirmado por um ato de Deus (m ilagre) 25 até 29 não seria uma exceção à regra canônica da
e era nomeado porta-voz pelo povo que recebeu a aceitação imediata.
mensagem. Então o selo da canonicidade dependia Também é possível que esses capítulos posteriores
de o livro ser aceito pelo povo. Isso não quer dizer de Provérbios tenham sido apresentados e aceitos como
que todos na comunidade à qual a mensagem do pro­ autoridade durante a vida de Salomão. Essa teoria pode
feta fora pronunciada a tivessem aceito como auto­ ser sustentada pelo fato de que a parte salomônica do
ridade divina. Profetas ( lR s 1 7 -1 9 ; 2Cr 36 .1 1 -1 6 ) e livro deve ter sido compilada em três partes, que come­
apóstolos (G 11) foram rejeitados por alguns. Mas os çam em 1.1,10.1 e 25.1. Talvez elas fossem guardadas
crentes na comunidade do profeta reconheceram a em rolos diferentes. A palavra outros em Provérbios 25.1
natureza profética da mensagem , assim como outros pode referir-se ao fato de os homens de Ezequias copia­
crentes contem porâneos fam iliarizados com o pro­ rem a última parte (rolo) com as duas primeiras partes
feta. Essa aceitação tem duas fases: aceitação inicial (rolos). Os três rolos teriam sido imediatamente aceitos
e reconhecim ento subsequente. como autoridade divina, sendo apenas copiados nova­
A aceitação inicial do livro pelo povo a quem foi mente pelos estudiosos.
endereçado era crucial. Paulo disse sobre os telassa- Já que as Escrituras de todas as épocas são m enci­
lonicenses; onadas em obras bíblicas posteriores, e cada livro é
citado por algum pai da igreja primitiva ou alistado
Também agradecem os a Deus sem cessar o fato de que, em algum cânon, há muitas evidências de que havia
ao receberem de nossa parte a palavra de Deus, vocês a acei­ contínuo acordo na comunidade da aliança com rela­
taram , não com o palavra de hom ens, m as conform e ela ver­ ção ao cânon. O fato de certos livros serem escritos por
dadeiram ente é, com o palavra de Deus... (2Ts 2 .1 3). profetas em épocas bíblicas e estarem agora no cânon
defende sua canonicidade. Junto com as evidências de
Seja qual for o argumento subseqüente que hou­ uma continuidade de crença, isso defende firmemente
vesse sobre a posição de um livro, as pessoas em m e­ a idéia de que a canonicidade existiu desde o início. A
lhores condições para conhecer suas credenciais pro­ presença de um livro no cânon ao longo dos séculos é
féticas eram as pessoas que conheciam o autor. A evi­ evidência de que os contemporâneos do profeta que o
dência definitiva é a que atesta sua aceitação por cren­ escreveu sabiam que ele era genuíno e tinha autorida­
tes contemporâneos. de, apesar de gerações posteriores não terem conheci­
Há ampla evidência de quais livros foram aceitos mento definitivo das credenciais proféticas do autor.
imediatamente para o cânon. Os livros de Moisés foram O debate posterior sobre certos livros não deve ofus­
colocados imediatamente com a arca da aliança (Dt car sua aceitação inicial pelos contemporâneos imedia­
31.26). A obra de Josué foi acrescentada (Js 24.26). De­ tos dos protêtas. A verdadeira canonicidade foi determi­
pois vieram os livros de Samuel e outros (ISm 10.25). nada por Deus quando direcionou o profeta a escrever,
Daniel tinha uma cópia de Moisés e dos Profetas, que in­ e foi imediatamente reconhecida pelo povo receptor.
cluía o livro do seu contemporâneo Jeremias (Dn 9.2,10, Tecnicamente falando, a discussão sobre certos li­
11). Paulo citou o evangelho de Lucas como “Escritura” vros nos últim os séculos não era um a questão de
(lT m 5.18). Pedro tinha uma coleção das “cartas” de canonicidade, mas de autenticidade ou genuinidade.
Bíblia, canonicidade da 112

Como os leitores mais recentes não tinham acesso ao era term inantem ente rejeitado, por mais que fosse
autor nem evidência direta de confirmação sobrena­ edificante ou popular entre os fiéis. Segundo, houve certos
tural, eles tinham de depender do testemunho histó­ livros que durante muito tempo estiveram na iminência de
rico. Uma vez convencidos pela evidência de que os ser incluídos no cânon, mas que no final deixaram de ga­
livros foram escritos por porta-vozes autorizados por rantir sua admissão, geralmente por que lhes faltava essa
Deus, os livros foram aceitos pela igreja universal. Mas marca indispensável [...] terceiro, alguns dos livros que mais
as decisões dos concílios da igreja nos séculos iv e v tarde foram incluídos tiveram de aguardar um tempo con­
não determ inaram o cânon, nem o descobriram ou siderável antes de obter reconhecimento universal [...] Gra­
reconheceram pela prim eira vez. Em momento algum dualmente, contudo, a igreja, quer do Oriente quer do Oci­
a autoridade dos livros canônicos foi competência dos dente, foi chegando a um denominador comum quanto a
concílios da igreja posterior. Tudo que os concílios fi­ seus livros sagrados. O primeiro documento oficial que pres­
zeram foi dar reconhecimento posterior, mais amplo, e creve como canônicos apenas os vinte e sete livros de nosso
final aos fatos de que Deus havia inspirado os livros e Novo Testamento é a Carta de Páscoa que Atanásio escre­
de que o povo de Deus os aceitara. veu para o ano de 367, mas o processo não se completou em
Vários séculos se passaram antes de todos os li­ todos os lugares senão um século e meio mais tarde ( Dou­
vros do cânon serem reconhecidos. A comunicação e trinas centrais da fé cristã, p.44).
o transporte eram lentos, então demorava tempo para
os crentes do Ocidente estarem completamente cien­ Alguns princípios são implícitos e outros são explíci­
tes das evidências de livros que haviam circulado pri­
tos. Todos os critérios de inspiração são necessários para
demonstrar a canonicidade de cada livro. As cinco ca­
meiro no Oriente, e vice-versa. Antes de 313 d.C a igreja
racterísticas devem pelo menos estar presentes impli­
enfrentou perseguições freqüentes que não perm iti­
citamente, apesar de algumas prevalecerem sobre ou­
rem espaço para pesquisa, reflexão e reconhecimento.
tras. Por exemplo, a dinâmica do poder capacitador de
Logo que isso se tornou possível, pouco tempo se pas­
Deus é mais óbvia nas epístolas do nt que nas narrati­
sou antes de haver conhecimento geral de todos os li­
vas históricas do at . A autoridade de “Assim diz o Se­
vros canônicos pelos concílios regionais de Hipona
nhor" é mais evidente nos profetas que na poesia. Isso
(393) e Cartago (397). Não havia a necessidade gran­
não quer dizer que a autoridade não esteja presente nas
de de precisão até que surgiu um conflito. Marcião
seções poéticas, nem que não haja dinâmica na história
publicou seu cânon gnóstico, com apenas Lucas e dez
redentora. Significa que os pais nem sempre encontra­
das epístolas de Paulo, na metade do século u. Epísto­
ram todos os princípios operando explicitamente.
las e evangelhos falsos apareceram durante os séculos
Alguns princípios são mais importantes que outros.
ii e ui. Já que esses livros afirmavam ter autoridade di­
Alguns critérios de inspiração são mais importantes
vina, a igreja universal precisou definir os limites do
que outros, pelo fato de a presença de um subenten­
cânon, autêntico e inspirado, que já se conhecia. der o outro, ou ser uma chave para os outros. Por exem­
Aplicando prin cípios d e canonicidade. Para não plo, se um livro possui autoridade divina, ele será di­
dar a impressão de que esses princípios foram aplica­ nâmico — acompanhado pelo poder transformador
dos explícita e mecanicamente por uma comissão, são de Deus. Na verdade, quando a autoridade estava ine­
necessárias algumas explicações. Como é que os prin­ gavelmente presente, as outras características de ins­
cípios operavam na consciência da igreja cristã pri­ piração eram automaticamente pressupostas. Entre os
mitiva? Apesar da questão do descobrimento do cânon livros do n t a prova de apostolicidade, sua natureza
estar centrada igualmente no at e no n t , J. N. D. Kelly profética, era considerada uma garantia de inspiração
discute esses princípios conforme aplicados ao cânon (B . B .W a r fie l d , The inspiration and authority o f the
do n t . Ele escreve: Bible,pA l5).Se a qualidade profética pudesse ser pro­
vada, só isso fundamentava o livro. No sentido geral,
A questão principal a se observar é que a fixação da os pais da igreja só estavam explicitamente preocupa­
lista de livros fm alm ente reconhecidos e da ordem em que dos com a apostolicidade e autenticidade. As caracte­
deveriam ser despostos foi resultado de um processo bem rísticas edificantes e a aceitação universal de um livro
gradual [...] D evem -se assinalar três aspectos desse pro­ eram pressupostas, a não ser que alguma dúvida so­
cesso. Prim eiro, o critério que veio a prevalecer em últim a b re as duas p rim e ira s p erg u n ta s fo rç a sse um a
instância foi o da apostolicidade. Se não fosse provado que reavaliação dos testes. Isso aconteceu com 2Pedro e
um livro era de autoridade de um apóstolo ou que, pelo 2João. A evidência positiva dos três primeiros princí­
m enos tinha o suporte da autoridade de um apóstolo, ele pios surgiu vitoriosa.
113 Bíblia, crítica da

0 testemunho do Espírito Santo. 0 reconhecimento J. N. D. K elly, Doutrinas centrais da f é cristã.


da canonicidade não era uma simples questão m ecâ­ J. P. L ange , Commentary on the Holy Scriptures.
nica resolvida por um sínodo ou concílio eclesiástico. H. C. L eupold, Exposition o f Ecclesiastes.
Era um processo providencial direcionado pelo Espí­ R. C. S proit , “The internal te s tim o n y o f the Holy
rito de Deus à medida que ele testemunhava para a Spirit”, em N . L. G eisler , org. Inerrancy.
Igreja sobre a realidade da Palavra de Deus ( v. E s p í r i t o B. B. Wari-tki.d, The inspiration and authority ofthe
S anto na apolo gética , papel d o ). As pessoas não podiam Bible.
identificar a Palavra enquanto o Espírito Santo não
abrisse seu entendimento. Jesus disse: “As minhas ove­ B íb lia , c rític a da. A palavra crítica, quando aplicada
lhas ouvem a minha voz” (Jo 10.27). Isso não quer di­ à Bíblia, significa apenas o exercício do discernimento.
zer que o Espírito Santo tenha falado misticamente em Teólogos conservadores e não-conservadores fazem
visões para resolver questões de canonicidade. O tes­ dois tipos de crítica bíblica: a baixa crítica, que lida
temunho do Espírito Santo os convenceu da realidade com o texto: a alta crítica, que trata da fonte do texto.
de que o cânon inspirado por Deus existia, não de sua A baixa crítica tenta determinar o que o texto original
extensão (Sproul, p. 337-54). A fé se uniu à ciência; dizia, e a outra pergunta quem disse e quando, onde e
princípios objetivos foram usados, mas os pais sabi­ por que foi escrito.
am que as obras haviam sido usadas nas suas igrejas A maioria das controvérsias relacionadas à crítica
para mudar vidas e ensinar corações pelo Espírito San­ bíblica envolve a alta crítica. A alta crítica pode ser di­
to. Esse testemunho subjetivo se uniu à evidência ob­ vidida em negativa (destrutiva) e positiva (construti­
jetiva na confirmação do que era Palavra de Deus. va). A crítica negativa nega a autenticidade de grande
Testes de canonicidade não eram um meio m ecâ­ parte do registro bíblico. Essa abordagem em geral
nico de medir a quantidade de literatura inspirada, e emprega uma pressuposição anti-sobrenatural (v. m i ­
o Espírito Santo não disse: “Esse livro ou essa passa­ la gres , ARGUMENTOS CONTRA;MILAGRES, MITOS é). Além dis-
gem é inspirada; aquele não é”. Isso seria revelação, so, a crítica negativa normalmente aborda a Bíblia com
não descobrimento. O Espírito Santo providencialmen­ desconfiança equivalente a um preconceito do tipo
te guiou o processo de avaliação e testemunhou para “culpado até que se prove inocente”.
o povo à medida que liam ou ouviam. Crítica negativa do nt. Métodos de crítica histó­
Conclusão. É importante distinguir entre a deter­ rica, das fontes, da forma, da tradição e da redação (e
minação e a descoberta da canonicidade. Deus é o único suas com binações) são as abordagens em que, histo­
responsável por determinar; o povo de Deus é respon­ ricamente, o preconceito surge mais forte. Qualquer
sável por descobrir. O fato de um livro ser canônico é um deles, usado para promover uma agenda cética,
devido à inspiração divina. Sabe-se que um livro é com pouca ou nenhuma consideração pela verdade,
canônico devido ao processo de reconhecimento huma­ solapa a apologética cristã.
no. O livro foi 1) escrito por um porta-voz de Deus; 2) Crítica histórica. A crítica histórica é um termo
que foi confirmado por um ato de Deus; 3) disse a ver­ amplo que abrange técnicas de datar documentos e
dade 4) no poder de Deus; e 5) foi aceito pelo povo de tradições, para verificar eventos relatados nesses do­
Deus. Se um livro tinha o primeiro sinal claramente, a cumentos, e usar os resultados na historiografia para
canonicidade geralmente era dada. Os contemporâne­ reconstruir e interpretar. O padre francês Richard
os de um profeta ou apóstolo faziam a confirmação ofi­ Simon, oratoriano, publicou uma série de livros, a par­
cial. Os pais da igreja mais recentes investigaram a pro­ tir de 1678, em que aplicou uma abordagem crítica e
fusão de literatura religiosa para reconhecer oficialmen­ racionalista para estudar a Bíblia. Esse foi o nascim en­
te quais livros eram divinamente inspirados da forma to do estudo histórico-crítico da Bíblia, mas só com
citada por Paulo em 2Timóteo 3.16. Johann G ottfried Eichhorn (1 7 5 2 -1 8 2 7 ) e Johann
David Michaelis (1717-1791) o moderno padrão his­
Fontes tórico-crítico foi estabelecido. Eles foram influencia­
R . B eckw ith , The Old Testament cânon ofthe AVir dos pela pesquisa histórica secular de Barthold Georg
Testament chnrch and its background in early judaism. Niebuhr (1776-1831; Romische Geschichte, 1811-1812),
L. B erkhof , A história das doutrinas cristãs. L eopold von R ank e (1 7 9 5 - 1 8 8 6 ; Geshichte der
E usébio , História eclesiástica. romanischen umd germanischen Volker von 1494-
L G acssen , Theopnenstia. 1535), e outros, que desenvolveram e refinaram as
N. L. G eisler e \V. E. NTx, Introdução bíblica. té c n ic a s . E n tre os in flu e n cia d o s estava Jo h a n n
J erõnlmo , Lives ot ilhistrious men. C hristian Konrad von Hofm ann (1 8 1 0 -1 8 7 7 ). Ele
Bíblia, crítica da 114

combinou elementos de Friedrich Schelling (1775- seqüências diversas, com o segundo dependendo do
1854), de Friedrich Schleiermacher (1768-1834) e do primeiro e o terceiro do segundo. Essas teorias foram
luteranis-mo ortodoxo com categorias históricas e precursoras típicas da teoria das Duas fontes desen­
métodos críticos para fazer uma síntese bíblico-teo­ volvida por B. H. Streeter (1874-1937), que afirmou a
lógica. Esse modelo enfatizava a “história supra-his- prioridade de Marcos e posteriorm ente conquistou
tórica” e “história santa” ou “história da salvação” grande aceitação entre os teólogos do n t . Os argumen­
(.Heilsgeschíchte) — o tipo de história que não precisa tos de Streeter foram questionados, e sua tese, desafi­
ser literalmente verdadeira. Suas idéias e termos in­ ada por outros. Eta L innem ann, outrora aluna de
fluenciaram KarlBARTH (1 8 8 6 -1 9 6 8 ), RudolfBuLTMANN Bultmann e estudiosa da crítica, escreveu uma crítica
(1884-1976) e outros no século xx. No final do século severa da sua antiga posição em que usa a análise de
xix, teólogos ortodoxos capazes desafiaram a “crítica fontes para concluir que, na verdade, não existe ne­
destrutiva” e sua teologia racionalista. nhum problema sinótico. Ela insiste em que cada au­
Entre os teólogos conservadores estavam George tor dos evangelhos escreveu um registro independen­
Salmon (1819-1904), Theodor von Zahn (1838-1933) e te baseado na experiência pessoal e em informações
R. H. Lightfoot (1883-1953), que usavam métodos crí­ individuais. Ela escreveu:
ticos como base para uma crítica construtiva. Essa crí­
tica construtiva se manifesta mais abertamente quan­ Com o passar d o te m p o , fico cada vez mais convencida
do considera assuntos como milagres, o nascimento vir­ de que a crítica d o n t praticada por pessoas comprometidas
ginal de Jesus e a ressurreição corporal de Cristo (v. r e s ­ com a teologia histórico-crítica não merece ser chamada de
s u r r e i ç ã o , e v i d ê n c i a s d a ) . A crítica histórica não é levada ciência” (Linnemann, p. 9).
em conta hoje nos estudos bíblicos eruditos. Vários tra­
balhos recentes na crítica histórica evidenciam a teolo­ E também: “Os evangelhos não são obras literári­
gia racionalista que ao mesmo tempo afirma apoiar a as que redefinem com criatividade um material já aca­
doutrina cristã tradicional. Como resultado disso, sur­ bado, tal como Goethe reformulou o livro popular so­
giram desenvolvimentos como a crítica das fontes. bre Fausto” (ibid., p. 104). Na verdade, “cada evange­
Crítica das fontes. A crítica das fontes, também co­ lho apresenta um testemunho completo e único. Ele
nhecida por crítica literária, tenta descobrir e definir deve sua existência a testemunhas oculares diretas ou
fontes literárias usadas pelos autores bíblicos. Ela pro­ indiretas” (ibid., p. 194).
cura descobrir fontes literárias subjacentes, classificar Crítica da forma. A crítica da forma estuda formas
tipos de literatura e responder a perguntas relaciona­ literárias, tais como ensaios, poemas e mitos, já que obras
das à autoria, unidade e datas dos materiais do at e nt diferentes têm formas diferentes. Geralmente a forma de
(Geisler, p. 436). Alguns críticos literários tendem a uma peça literária pode revelar muito sobre a sua natu­
destruir o texto bíblico, rotular certos livros como reza, seu autor e seu contexto social. Tecnicamente isso é
inautênticos e rejeitar a própria idéia de inspiração chamado de “contexto de vida” (Sitz im Leberí). A posição
verbal. Alguns teólogos levaram a rejeição de autori­ liberal clássica é a teoria documen-tária ou teoria de aná­
dade a tal ponto que modificaram a idéia do cânon lise das fontes do Pentateuco (jedp) estabelecida por Julius
(por exemplo, com relação à pseudonímia) para aco­ Wellhausen (1844-1918) e seus seguidores (v. P entateuco,
m odar suas conclusões (ibid.,p. 436). No entanto, esse autoria mosaica de ). Eles tentaram mediar o tradicio-

empreendimento difícil mas importante pode ser um nalismo e o ceticismo, datando os livros do at de forma
auxílio valioso para a interpretação bíblica, já que diz menos sobrenatural ao aplicar a “teoria dos documen­
respeito ao valor histórico das obras bíblicas. Além dis­ tos”. Esses documentos são identificados por javista (j),
so, a crítica literária cuidadosa pode impedir más in­ que data do século ix a.C ., elo ísta ( e ), século o
terpretações históricas do texto bíblico. deuteronomista (d ), por volta do tempo de Josias (640-
Durante o último século, a crítica das fontes do nt 609. a.C), e sacerdotal (p, do alemão Priesterlich), talvez
focalizou o denominado “problema sinótico”, já que do século v a.C. O conceito evolucionário era tão atraente
está relacionado a dificuldades que envolvem tentati­ na crítica literária que a teoria das fontes para a origem
vas de formular o esquema de dependência literária do Pentateuco começou a dominar toda oposição. Uma
responsável por sem elhanças e diferenças entre os posição mediadora de alguns aspectos da teoria foi ex­
evangelhos sinóticos de Mateus, Marcos e Lucas. Teo­ pressa por C. F. A. Dillman (1823-1894), Rudolph Kittel
rias diversas costumam trabalhar com a idéia da fon­ (1853-1929), e outros. A oposição à teoria documental
te ç> (do alemão Quelle, “Fonte”) que não sobreviveu, foi expressa por Franz Delitzsch (1813-1890), que rejei­
mas foi usada pelos evangelistas, que escreveram em tou a hipótese completamente no seu comentário sobre
115 Bíblia, crítica da

Génesis,por William Henry Green (1825-1900) Jam es Orr Crítica da tradição. A crítica da tradição se preocupa
(1844-1913), A. H. Sayce (1845-1933), Wilhelm Mõller, principalmente com a história das tradições antes de se­
Eduard Naville, Robert Dick Wilson (1856-1930) e ou­ rem registradas de forma escrita. As histórias dos patri­
tros (v.Harrison,p. 239-41; Archer; Pfeiffer). Às vezes es­ arcas, por exemplo, provavelmente passaram de geração
tudos de crítica e forma são prejudicados por pressupo­ a geração oralmente até serem escritas como narrativa
sições doutrinárias, incluindo-se a idéia de que formas contínua. Essas tradições orais podem ter sido mudadas
anteriores devem ser curtas e formas posteriores, mais pelo longo processo de transmissão. É de grande interes­
longas. Em geral, no entanto, a crítica da forma benefi­ se para o estudioso bíblico saber que mudanças foram
ciou a interpretação bíblica. A crítica da forma foi utiliza­ téitas e como a tradição posterior, agora registrada numa
da de maneira mais proveitosa no estudo de Salmos fonte literária, difere da versão oral anterior.
(Wenham,History and the Old Testament, p. 40). A crítica da tradição é menos garantida ou segura que
Essas técnicas foram introduzidas no estudo dos a crítica literária porque começa onde a crítica literária
evangelhos no .vr como Formgeschichte (“história da for­ pára, com conclusões que também são inseguras. É difí­
ma”) ou crítica da form a. Seguindo na tradição de cil confirmar a hipótese sobre o desenvolvimento de uma
Heinrich Paulus e Wilhelm De Wette (1780-1849), entre tradição oral (Wenham,ibid.,p. 40-1). Ainda mais tênue
outros, teólogos em Tübingen construíram sobre o fun­ é a “tradição litúrgica”enunciada por S. Mowinckel e seus
damento da teoria da crítica das fontes. Eles defendiam a associados escandinavos, que argumentam que origens
prioridade de Marcos como primeiro evangelho e várias literárias estavam relacionadas a rituais de santuários pré-
fontes escritas. Wilhelm Wrede 1 (1859-1906) e outros crí­ exüicos e fenômenos sociológicos. Derivada da aborda­
ticos da forma n t e os primeiros registros escritos desses gem litúrgica está a escola de“mito e rituaTde S. H. Hooke,
eventos. Eles tentaram classificar esse material em “for­ que argumenta que um conjunto distinto de rituais e
mas”de tradição oral para descobrir a situação histórica mitos era comum a todos os povos do antigo Oriente
(Sitz im Leben) na igreja primitiva que originou essas for­ Médio, inclusive os hebreus. Ambas as abordagens usam
mas. Geralmente supõe-se que essas unidades de tradi­ analogias do festival babilónico para apoiar suas varia­
ção refletem mais a vida e o ensinamento da igreja pri­ ções dos temas clássicos da crítica literária e da crítica da
mitiva que a vida e o ensinamento do Jesus histórico. As tradição (Harrison,p.241).
formas em que as unidades são compostas são indica­ A crítica da forma está bem próxima da crítica da
ções do seu valor histórico relativo. tradição n o s estudos do n t . Uma revisão de muitas das
A pressuposição fundamental da crítica da forma pressuposições básicas à luz do texto do n t foi feita por
é exemplificada por M artin Dibelius (1883-1947) e Oscar Cullmann em A cristologia do Novo Testamento, e I.
Bultmann. Ao criar novas palavras e ações de Jesus Howard M arshall, The origins o f New Testament
conforme a situação exigia, os evangelistas teriam or­ christology [As origens da cristologia do Novo Testamen­
ganizado as unidades ou tradição oral e criado con­ to] elbelieve in the historical Jesus [Eu creio no Jesus histó­
textos artificiais para servir a seus propósitos. Ao de­ rico]. Também veja as discussões em Brevard S. Childs,
safiar a autoria, data, estrutura e estilo de outros li­ Introduction to the Old Testament as Scripture [Introdu­
vros do n t , os críticos destrutivos chegavam a conclu­ ção ao Antigo Testamento como Escritura] e Introduction
sões semelhantes. Para obter uma teologia fragm en­ to the New Testament as canon [Introdução ao Novo Tes­
tada do n t , rejeitaram a autoria paulina de todas as tamento como Cânon], e Gerhard Hasel, Teologia do Anti­
epístolas atribuídas a ele, exceto Romanos, ICoríntios, go Testamento e Teologia do Novo Testamento.
2Coríntios e Gálatas (Hodges, p. 339-48). Crítica da redação. A c r ít ic a da r e d a ç ã o está mais pró­
Críticos d a forma assumidos apoiam duas pressupo­ xima do texto do que a crítica da tradição. Como resulta­
sições básicas: 1) A comunidade cristã primitiva tinha do, ela é menos exposta a críticas de especulação subjeti­
pouco ou nenhum interesse biográfico genuíno, nem in­ va. A crítica da redação (editorial) só pode ter certeza ab­
tegridade, d e modo q u e criou e transformou a tradição soluta quando tiverem sido usadas todas as fontes que
oral para suprir suas necessidades. 2) Os evangelistas fo­ estavam à disposição do redator (editor), já que a tarefa é
ram editores-compiladores de unidades individuais e iso­ determinar como o redator compilou suas fontes, o que
ladas de tradição que eles organizaram e ordenaram sem foi omitido, o que foi acrescentado, e que predisposição
consideração para com a realidade histórica (v. Thomas específica estava envolvida no processo. Na melhor das
eGundryA harmony ofthegospeh [p.281-2],queidenti­ hipóteses, o crítico só tem algumas das fontes à sua dis­
ficam Dibelius, Bultm ann, Burton S. Easton, R. H. posição, tais como os livros de Reis, que foram usados
Lightfoot, Vincent Taylor e D. E. Nineham como os mais pelo(s) autor(es) de Crônicas. Em outros lugares, tanto
importantes críticos d a forma do n t ). no AT quanto no nt, as fontes precisam ser reconstruídas
Bíblia, crítica da 116

a partir da própria obra editada. Assim, a crítica da reda­ crítica das fontes, para a crítica de forma e para a crítica
ção fica bem menos confiável como recurso literário da redação, pois esses métodos desafiam a genuinidade,
(Wenham, Gospel origins, p. 439). a autenticidade e, conseqüentemente, a autoridade divi­
Críticos da redação tendem a favorecer a visão de na da Bíblia. Esse tipo de crítica bíblica é infundada.
que os livros da Bíblia foram escritos muito tempo de­ Preconceito inculto. Impõe o próprio preconceito
pois, e por autores diferentes, do que o texto relata. Edi­ anti-sobrenaturalista aos documentos. O criador da
tores teológicos mais recentes associaram nomes da his­ moderna crítica negativa, Baruch E spinosa, por exem­
tória às suas obras pelo prestígio e pela credibilidade plo, declarou que Moisés não escreveu o Pentateuco,
que deles receberiam. Nos estudos do at e nt essa teoria nem Daniel o livro inteiro de Daniel, e nenhum m ila­
surgiu da crítica histórica, da crítica das fontes e da crí­ gre registrado realmente aconteceu. Segundo ele, m i­
tica da forma. Como resultado,ela adota muitas pressu­ lagres são científica e racionalmente impossíveis.
posições idênticas, incluindo a hipótese documental no Na esteira de Espinosa, críticos negativos concluí­
at e a prioridade de Marcos no n t . ram que Isaías não escreveu o livro inteiro de Isaías.
Avaliação. Como já observamos, a alta crítica pode Sua autoria teria envolvido previsões sobrenaturais
ser útil, contanto que os críticos se contentem com análi­ (inclusive saber o nome do rei Ciro) mais de cem anos
ses baseadas no que pode ser conhecido objetivamente antes (v. profecia como prova da B íblia ). Da mesma for­
ou razoavelmente teorizado. A verdadeira crítica não co­ ma, os críticos negativos concluíram que Daniel não
meça seu trabalho com a intenção de subverter a autori­ poderia ser escrito até 165 a.C. Essa data recente o co­
dade e o ensinamento das Escrituras. locaria após o cumprimento de sua descrição detalha­
Comparação dos tipos de crítica. Grande parte da da dos governos e governantes mundiais até Antíoco
crítica bíblica moderna, no entanto, parte de pressu­ Epifânio iv (m . 163 a.C.). Previsões sobrenaturais de
posições filosóficas não bíblicas expostas por Gerhard eventos futuros nem foram consideradas. O mesmo
Maier em The end o f the historical criticai method (O preconceito naturalista foi aplicado ao nt por David
fim do método histórico crítico). Essas pressuposições Strauss (1808-1874), AlbertSchweitzer (1875-1965) e
incompatíveis com a fé cristã incluem deísmo, m ate­ B ultm an n , com os mesmos resultados devastadores.
rialismo, ceticismo, agnosticismo, idealismo hegeliano Os fundamentos desse anti-sobrenaturalismo ru­
e existencialismo. A mais básica dentre elas é o natu­ íram com evidências de que o universo começou com
ralismo dominante (anti-sobrenaturalism o) que é in­ o big-bag(v. evolução cósmica). Até os agnósticos como
tuitivamente hostil a qualquer documento que conte­ Robert Jastrow (Jastrow, p. 18), falam de forças “so­
nha histórias de milagres (v. milagres na B íblia ; m ila ­ brenaturais” em ação (Kenny,p. 66; v. agnosticismo; m i ­

gre , mitos e ). Esse preconceito naturalista separa a alta basta, então, co­
lagre ; milagres ; argumentos contra );

crítica negativa (destrutiva) da positiva (construtiva): mentar aqui que, com a extinção do anti-sobrenatura­
lismo moderno, não há base filosófica para a crítica
Crítica positiva Crítica negativa destrutiva.
(construtiva) (destrutiva) Teoria imprecisa de autoria. A crítica negativa ig­
Base Sobrenaturalista Naturalista nora ou minimiza o papel dos apóstolos e testemu­
nhas que registraram os eventos. Dos quatro autores
Regra O texto é "inocente O texto é "culpado
dos evangelhos, Mateus, Marcos e João foram definiti­
até que prove ser até que prove ser
vamente testemunhas oculares dos eventos que rela­
culpado". inocente".
taram . Lucas foi contemporâneo deles e historiador
Resultado A Bíblia é comple- A Bíblia.é parcial- cuidadoso (Lc 1.1-4; v. At). Na verdade, todos os livros
tamente verdadeira. mente verdadeira do nt foram escritos por contemporâneos ou testemu­
nhas oculares da vida de Cristo. Até críticos como o
Autoridade Palavra de Deus Mente do homem teólogo da “m orte de Deus” John A. T. Robinson admi­
final tem que os evangelhos foram escritos entre os anos 40
Papel da Descobrir a verdade Determinar a ver- e 65 (Robinson, p. 352), durante a vida das testemu­
razão (racionalidade) dade (racionalismo) nhas oculares.
Mas se os documentos básicos do nt foram com ­
postos pelas testemunhas oculares, grande parte da
Algumas pressuposições negativas exigem exame crítica destrutiva desaba. Ela pressupõe a passagem
minucioso, especialmente quanto à sua relação com o re­ de muito tempo para que “mitos” fossem desenvolvi­
gistro do evangelho. Essa análise é muito relevante para a dos. Estudos revelam que são necessárias pelo menos
117 Bíblia, crítica da

duas gerações para um mito ser criado (Sherw in- “Jesus disse” ou “Jesus fez” nem sempre deve significar
White, p. 190). que na história Jesus disse ou fez o que se segue, mas às ve­
Oque]esus realmente disse? Supõe equivocadamen­ zes pode significar que no registro inventado no mínimo
te que os autores do st não distinguiam suas próprias parcialmente pelo próprio Mateus, Jesus disse ou fez o se­
palavras das de Jesus. O fato de uma distinção clara ser guinte (Gundry, p. 630).
feita entre as palavras de Jesus e as dos autores dos evan­
gelhos é evidente pela facilidade com que se faz uma Isso m ina claramente a confiança na veracidade
edição do n t que destaca as palavras de Jesus. Na verda­ dos Evangelhos e a precisão dos eventos que relatam.
de,o apóstolo Paulo distingue claramente suas palavras Nessa posição crítica os autores dos evangelhos tor­
das de Jesus (v.At 20.35; ICo 7.1 0 ,1 2 ,2 5 ). nam -se criadores dos eventos, não registradores.
João, o apóstolo, tam bém o faz no Apocalipse (v. É claro que todo estudioso bíblico cuidadoso sabe
Ap 1.8, 11, l7b-20; 2.1s.; 22.7, 12-16, 20b). À vista que determinado evangelista nem sempre usa as m es­
desse cuidado, o crítico do m torna-se culpado ao mas palavras que os demais usaram ao relatar o que
presumir, sem evidência consubstanciadora, que o Jesus disse. No entanto, eles sempre transmitem o mes­
registro dos evangelhos não relata realm ente o que mo significado. Selecionam, resumem e parafraseiam,
Jesus disse e fez. mas não distorcem. Uma comparação dos relatos para­
Mitos? A crítica destrutiva supõe incorretamente lelos nos evangelhos é grande evidência disso.
que as histórias do n t são folclore ou mito. Há uma Não há base para a afirm ação de um estudioso do
grande diferença entre os registros simples de m ila­ n t de que Mateus criou a história dos magos (M t 2)

gres do n t e os mitos rebuscados que surgiram duran­ com base na história dos pombinhos (de Lc 2 ). Pois,
te os séculos ii e m d .C , como se vê ao comparar os segundo Robert Gundry, Mateus “transform a o sacri­
registros. Os autores do n t negam mitos explicitamente. fício de duas rolinhas ou dois pombinhos’ na apresen­
Pedro declarou: tação do bebê Jesus no templo (Lc 2.24; cf. Lv 12.6-8),
no sacrifício dos bebês por Herodes em Belém” (ibid.,
De fato, não seguimos fábulas [muthos] engenhosamen­ p. 34-5). Tal teoria não só degrada a integridade dos
te inventadas, quando lhes falamos a respeito do poder e da autores dos evangelhos, como também a autenticida­
vinda de nosso Senhor Jesus Cristo; ao contrário, nós fomos de e a autoridade do registro evangélico. E isso tam ­
testemunhas da sua majestade (2 Pe 1.16). bém é ridículo.
Tampouco há apoio para Paul K. Jewett, que che­
Paulo também advertiu contra crença em mitos gou ao extremo de afirmar ( Jewett, p. 1 3 4 - 5 ) que o que
( U m 1.4; 4.7; 2Tm 4.4; Tt 1.14). o apóstolo Paulo afirmou em ICoríntios 1 1 . 3 é errado.
Um dos argumentos mais impressionantes contra Se Paulo está errado, então a verdade consagrada de
a teoria do mito foi oferecida por C. S. Lewis: que “ o que a Bíblia diz, Deus diz” não é verdadeira. Na
verdade, se Jewett estiver certo, mesmo quando alguém
Em primeiro lugar, portanto, seja lá o que tais homens descobre o que o autor das Escrituras está afirmando,
forem como críticos bíblicos, eu desconfio deles como críti­ não está mais perto de saber a verdade de Deus (cf. Gn
cos. Parece-lhes faltar o bom senso literário; parecem ser 3 . 1 ). Se “ o que a Bíblia diz, Deus diz” (v. B í b l i a , l v t d ê n -

incapazes de perceber a própria qualidade dos textos que c ia s d a ) não é verdade, a autoridade divina de todas as
leem [...] Se ele me diz que algo num determinado evange­ Escrituras é completamente sem valor.
lho é lenda ou romance, eu quero saber quantas lendas ou A parte da igreja primitiva na verdade. O fato de a
romances ele já leu, quão bem treinado é seu paladar para igreja primitiva não ter nenhum interesse biográfico
detectar esse sabor, quantos anos ele passou estudando é altamente improvável. Os autores do n t , impressio­
aquele evangelho [...] Tenho lido poemas, romances, litera­ nados como estavam por crer que Jesus era o Messias
tura visionária, lendas e mitos por toda a minha vida. Sei tão esperado, o Filho do Deus vivo (M t 16.16-18), ti­
qual é sua forma e aparência. Sei que nenhum deles se asse­ nham grande motivação para registrar precisamente
melha a isso [o evangelho] (Lewis,p. 154-5). o que ele realmente disse e fez.
Dizer o oposto é contrariar as suas afirm ações cla­
Criadores ou registradores? A alta crítica infunda­ ras. João afirmou que “Jesus fez” as coisas registradas
da mina a integridade dos autores do m ao afirmar em seu evangelho ( Jo 21.25). Em outra passagem João
que Jesus jam ais disse (ou fez) o que os evangelhos disse que anunciava “o que ouvimos, o que vimos com
afirmam. Até alguns que se chamam evangélicos che­ os nossos olhos, o que contemplamos, e as nossas mãos
garam ao ponto de afirmar que as coisas que apalparam ...” ( l jo 1.1,2).
Bíblia, crítica da 118

Lucas manifesta claramente que havia um interes­ Artigo x iii. A f ir m a m o s que estar ciente das categO'
se biográfico intenso por parte das primeiras comu­ rias literárias, formais e estilísticas das várias p arta;
nidades cristãs ao escrever: das Escrituras é essencial para a exegese adequada, e
assim valorizamos a crítica do gênero como uma das
Muitos já se dedicaram a elaborar um relato dos fatos muitas disciplinas do estudo bíblico. N e g a m o s que ca­
que se cumpriram entre nós, conforme nos foram transmi­ tegorias genéricas que neguem a historicidade possam
tidos por aqueles que desde o início foram testemunhas ocu­ ser apropriadamente impostas às narrativas bíblicas
lares e servos da palavra. Eu mesmo investiguei tudo cuida­ que se apresentam como verdadeiras.
dosamente, desde o começo, e decidi escrever-te um relato Artigo x i v . A f ir m a m o s que o registro bíblico dos even­
ordenado, ó excelentíssimo Teófilo, para que tenhas a certe­ tos, discursos e pronunciamentos, apesar de apresenta­
za das coisas que te foram ensinadas (Lc 1.11 -4). do numa variedade de formas literárias apropriadas,
corresponde ao fato histórico. N egam os que qualquer
Afirmar, como fazem os críticos, que os autores d esses eventos, d iscu rso s ou p ro n u n ciam en to s
do nt não se interessavam em registrar a verdadeira registrados nas Escrituras tenha sido inventado pelos
história é improvável. autores bíblicos ou pelas tradições que incorporavam.
A obra do Espírito Santo. Tais pressuposições tam ­ Artigo xv. A f ir m a m o s a necessidade de interpretar
bém ignoram ou negam o papel do Espírito Santo na a Bíblia de acordo com seu sentido literal ou normal.
ativação das m em órias das testem unhas oculares. O sentido literal é o sentido gram ático-histórico, isto
Grande parte da rejeição do registro evangélico é b a ­ é, o sentido que o autor se expressou. A interpretação
seada na pressuposição de que os autores não poderi­ conforme o sentido literal levará em conta a lingua­
am lembrar discursos, detalhes e eventos vinte ou qua­ gem figurada e as formas literárias encontradas no
renta anos após os eventos. Pois Jesus morreu em 33, e texto. N e g a m o s a legitimidade de qualquer abordagem
os primeiros registros dos evangelhos provavelmente das Escrituras que lhes atribua significado que o sen­
vieram (no m ínim o) entre 50 e 60 (Wenham, Gospel tido literal não apóia.
origins, p. 112-34). Artigo xvi. A f i r m a m o s que as técnicas críticas legíti­
Mais uma vez o crítico está rejeitando ou ignoran­ mas devem ser usadas para determinar o texto canônico
do a afirmação clara das Escrituras. Jesus prometeu e seu significado. N egam os a legitimidade de permitir
aos seus discípulos: “Mas o Conselheiro, o Espírito San­ que qualquer método de crítica bíblica questione a ver­
to, que o Pai enviará em meu nome, lhes ensinará to­ dade ou integridade do significado expresso pelo autor
das as coisas e lhes fará lembrar tudo o que eu lhes ou de qualquer outro ensinamento bíblico.
disse” (Jo 14.26).
Então, mesmo com a improvável pressuposição de Redação versus edição. Existem diferenças impor­
que ninguém tivesse registrado o que Jesus dissera du­ tantes entre a redação destrutiva e a edição construti­
rante sua vida, nem logo depois, os críticos nos querem va. Nenhum erudito bem informado nega que certa
fazer acreditar que as testemunhas oculares cujas me­ quantidade de edição ocorreu durante os milhares de
mórias foram ativadas sobrenaturalmente pelo Espirito anos dé história do texto bíblico. Essa edição legítima,
Santo não registraram precisamente o que Jesus fez e no entanto, deve ser distinta da redação ilegítima que
disse. Crer que as testemunhas oculares do século i es­ os críticos negativos advogam. Os críticos negativos
tavam certas e os críticos do século xx estão errados pa­ jam ais conseguiram apresentar qualquer evidência
rece bem mais provável que o contrário. convincente de que o tipo de redação em que acredi­
Parâmetros para a critica bíblica. É claro que a eru­ tam jam ais tenha sido feita no texto bíblico.
dição não precisa ser destrutiva, mas a mensagem b í­ A tabela seguinte compara as duas posições.
blica deve ser entendida em seu contexto teísta (so­
Edição legítima Redação ilegítima
brenatural) e em seu cenário histórico e gramatical
Mudanças na forma Mudanças no conteúdo
verdadeiro. Parâmetros positivos para a teologia evan­
Mudanças de escrita Mudanças substantivas
gélica são oferecidos na Declaração de Chicago sobre a
Mudanças no texto Mudanças na verdade
hermenêutica , produzida pelo Concílio Internacional
sobre a In errân cia B íblica: (v. Geisler, Summit ii: O modelo redacionista do cânon confunde a ativi­
hermeneuticSy p. 10-3, e Radmacher e Preus, Hermeneu- dade legítima dos escribas, envolvendo forma gramati­
tics, inerrancy, and the Bible, esp. p. 881-914). Diz em cal, atualização de nomes e organização do material pro­
parte o seguinte: fético, com mudanças ilegítimas de redação no próprio
119 Bíblia, evidências a favor da

conteúdo da mensagem de um profeta. Confunde a B íb lia , evid ências a favor da. A Bíblia afirma ser e
transmissão aceitável do escriba com adulteração ina- prova ser a Palavra de Deus. Foi escrita por profetas
critável. Confunde a discussão adequada sobre que tex­ de Deus, sob inspiração divina.
to é mais antigo com discussão inadequada sobre quan­ Escrita p or profetas de Deus. Os autores bíblicos fo­
to tempo depois os autores mudaram a verdade dos tex­ ram profetas e apóstolos de Deus (v. m i l a g r e s , v a l o r
tos. Não há evidência de que qualquer m udança d o s ; p r o fe c ia c o m o prova d a B íb l ia ). Há várias de­
.a polo gético

redacional ilegítima significativa tenha ocorrido des­ signações para profeta, que nos informam sobre seu papel
de que a Bíblia foi escrita. Pelo contrário, toda evi­ na produção das Escrituras. Eles são denominados:
dência apóia uma transm issão cuidadosa em todos
as assuntos importantes e nos m ínim os detalhes. Ne­ 1. Homem de Deus (lR s 12.22), que significa es­
nhuma dim inuição da verdade básica ocorreu desde colhido.
os escritos originais até as Bíblias que temos hoje em 2. Servo do Senhor (lR s 14.18), indicando fideli­
nossas mãos (v. manuscritos do at ; manuscritos do n t ). dade.
3. Mensageiro do S e n h o r (Is 42.19), demonstran­
Fontes do sua missão.
O. C ullmann , The christology o f the New Testament. 4. Vidente ( roeh ), ou profeta (hozeh ) (Is 30.9,10),
\V. R. F arm er , The synoptic problem. revelando discernimento dado por Deus.
R. G undry , Matthew: A commentary on his literary 5. Homem do Espírito (Os 9.7; cf. Mq 3.8), obser­
and theological art. vando a habitação espiritual.
G. H asel , Teologia do Novo Testamento. 6. Sentinela (Ez 3.17), relativo à atenção dada a

R. J astrow , “A scientist caught betw een tw o faith s” , Deus.


7. Profeta (m ais freqüentemente), que o marca
e m cT ,6 Aug. 1982.
como porta-voz de Deus.
P. J ew ett , Man as male and female.
E . K rentz , The historical-critical method.
A obra do profeta bíblico é descrita em term os ví­
C. S. L ew is , Christian reflections.
vidos: “0 Senhor, o Soberano falou, quem não profeti­
E. L in n em axx , Historical criticism o f the Bible.
zará?” (Am 3.8). Era ele quem falava “tudo o que o S e­
___ , Is there a synoptic problem?
nhor dissera” (Êx 4.30). Deus falou a Moisés sobre um
G. M. M aier, The end o f the historical critical
profeta, “porei as minhas palavras na sua boca, e ele
method.
lhes dirá tudo o que eu lhe ordenar” (Dt 18.18). E dis­
M arshall , I. H. The origins o f New Testament
se mais“Nada acrescentem às palavras que eu lhes or­
christology.
deno e delas nada tirem” (Dt 4 .2 ). Jeremias recebeu
A. Q. M orton, e J. M c L eman , Christianity in the
ordens: “Assim diz o Senhor: Coloque-se no pátio do
computer age.
templo do Senhor e fale a todo o povo das cidades de
E. D. R admacher e R. D. P recs , Hermeneutics,
Judá [...] tudo o que eu lhe ordenar; não omita uma só
inerrancy, and the Bible.
palavra” (Jr 26.2).
J. R obinson , Redating the New Testament.
O profeta era alguém que dizia o que Deus m an­
E. P. S anders , The tendencies o f the synoptic
dava dizer; nada mais, nada menos.
tradition.
M ovido p elo Espírito de Deus. Em toda a Bíblia,
A. N. S h er w ix - W hite , Roman society and roman law
os autores afirmaram estar sob a direção do Espírito
in the New Testament.
Santo. Davi disse: “O Espírito do S enhor falou por meu
B. H. S t r eeter , Thefour gospels: a study o f origins. intermédio; a sua palavra esteve em minha língua”
R . L. T homas, “An investigation o f the agreem ents (2Sm 23.2). Pedro, ao falar de todo o a t , acrescentou:
betw een M atthew and Luke against M ark”, “pois jam ais a profecia teve origem na vontade hum a­
jets 1 9 ,(1 9 7 6 ). na, mas homens falaram da parte de Deus, impelidos
___ , “T he h erm eneutics o f evangelical pelo Espírito Santo” (2Pe 1.21).
redaction criticism ”, jets 29/4 ( Dec 1986). Nem todos os profetas eram conhecidos por esse
J. W .W enham , “G ospel origins”, n 7. (1 9 7 8 ). termo. Davi e Salomão eram reis. Mas eram porta-vo­
___ . “H istory and T he Old Testam ent”, Bib. zes de Deus, e Davi é chamado “profeta” em Atos 2.29-
Sac., 1 2 4,1967. 39. Moisés era legislador. Ele também era o profeta ou
Bíblia, evidências a favor da 120

o porta-voz de Deus (Dt 18.18). Amós renunciou ao As reivindicações das Escrituras. “Assim diz o Se­
term o “profeta”, porque ele não era um profeta profis­ nhor”. Frases como “diz o S e n h o r ” o u “assim diz o S e ­
sional, como Samuel e seu “grupo de profetas” (IS m nhor”(por exemplo, Is 1.11,18; Jr 2 .3 ,5 ), “disse Deus”
19.20). Mesmo se Amós não fosse um profeta por pro­ (Gn 1.3), e “o S e n h o r dirigiu esta palavra”, ou sim ila­
fissão, seria por dom (cf. Am 7.14). Deus o usou para res ( Jr 34.1; Ez 30.1) são usadas centenas de vezes nas
falar. E nem todos os profetas falaram no estilo de Escrituras para enfatizar a inspiração direta e verbal
primeira pessoa explícito:“Assim diz o S e n h o r ” . Os es­ de Deus do que foi escrito.
critores das narrativas históricas partiram da abor­ A Palavra de Deus. Em alguns pontos a Bíblia afir­
dagem que subentendia a expressão “Assim fez o Se­ ma, direta e inequivocamente, ser “a Palavra de Deus”.
nhor”. Sua mensagem era sobre os atos de Deus em Referindo-se aos mandamentos do a t , Jesus disse aos ju ­
relação ao povo e seus pecados. Nesse caso Deus fazia deus da sua época: “Assim vocês anulam a Palavra de
do profeta um canal por meio do qual transm itiria sua Deus,por causa da sua tradição” (Mt 15.6). Paulo fala das
mensagem a nós. Escrituras como “as palavras de Deus” (Rm 3.2). Pedro
Inspirada (soprada) p o r Deus. Ao escrever sobre declara: “Vocês foram regenerados, não de semente pe­
todo o cânon do at, o apóstolo Paulo declarou: recível, mas imperecível, por meio da palavra de Deus,
viva e permanente” (IPe 1.23). O autor de Hebreus afir­
Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensi­ ma: “Pois a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais afiada
no, para a repreensão, para a correção e para a instrução na do que qualquer espada de dois gumes” ( Hb 4.12).
justiça, para que o homem de Deus seja apto e plenamente A reivindicação de autoridade divina. Outras pa­
preparado para toda boa obra (2 Tm 3.16,17). lavras ou frases usadas nas Escrituras representam
reivindicações da autoridade de Deus. Jesus disse que
Jesus descreveu as E scritu ras com o a “... pala­ a Bíblia nunca passará e é suficiente para a fé e a vida
vra que procede da b oca de Deus” (M t 4 .4 ; 7 .1 0 ). (Lc 16.31; cf. 2Tm 3.16,17). Ele proclamou que a Bí­
Ela foi escrita por hom ens que foram inspirados por blia possui inspiração divina (M t 22.43) e autoridade
D eus” (M t 4 .4 ;7 .1 0 ). Paulo disse que suas obras (M t 4 .4 ,7 ,1 0 ) . Ela tem unidade (Lc 24.27; Jo 5.39) e
e ra m “... p a la v ra s e n s in a d a s p elo E s p ír it o ..” clareza espiritual (Lc 24.25).
( 1 C o 2 . 1 3 ) , da m esm a form a que Jesus disse aos A extensão da sua autoridade bíblica. A exten­
fariseus: “ Como é que Davi, falando pelo Espírito, são da autoridade divina nas Escrituras inclui:
o c h a m a ‘Senhor’?” (M t 2 2 .4 3 ) .
O que a Bíblia diz. A lógica básica da inerrância
1. tudo o que está escrito — 2T m 3.16;
das Escrituras é oferecida no artigo B í b l i a , s u p o s t o s e r ­
2. até as palavras — Mt 22.43; 1Co 2.13;
r o s n a . O fato de a Bíblia ser a Palavra infalível de Deus
3. e tempos verbais — Mateus 22.32; Gálatas 3.16;
é expresso de várias maneiras nas Escrituras. Uma é a
4. mesmo as menores partes das palavras —
fórmula: “O que a Bíblia diz, Deus diz”. Uma passa­
Mt 5.17,18.
gem do at afirma que Deus disse algo, mas, quando esse
texto é citado no n t , o texto nos diz que as Escrituras
Apesar de a Bíblia não ter sido verbalmente ditada
afirmaram isso. Às vezes o inverso também é verdadei­
por Deus, o resultado é exatamente como os pensamen­
ro. No a t diz-se que a Bíblia registra algo. 0 n t declara
tos de Deus seriam. Os autores da Bíblia afirmaram que
que Deus o disse. Considere a seguinte comparação:
Deus é a fonte das próprias palavras, já que ele super­
visionou sobrenaturalmente o processo pelo qual cada
O que Deus diz... A Bíblia diz ser humano escreveu, usando o próprio vocabulário e
Gênesis 12.3 Gálatas 3.8 estilo para registrar sua mensagem (2Pe 1.20,21).
Êxodo 9.1 6 Romanos 9.1 7 Apresentada em termos humanos. Apesar de a
O que a Bíblia diz... Deus diz Bíblia alegar ser a Palavra de Deus, ela também é as pa­
Gênesis 2.24 Mateus 19.4,5 lavras de seres humanos. Afirma ser a comunicação de
Salmos 2.1 Atos 4.24,25 Deus às pessoas, na sua linguagem e expressões.
Salmos 2.7 Hebreus 3.7
Salmos 16.1 0 Atos 13.35 1. Todos os livros na Bíblia foram composições de
Salmos 95.7 Hebreus 3.7 escritores humanos.
Salmos 97.7 Hebreus 3.7
2. A Bíblia manifesta estilos literários diferentes, des­
Salmos 104.4 Hebreus 3.7
de a métrica fúnebre de Lamentações à poesia exaltada
Isaías 55.3 Atos 13.34
de Isaías, desde a gramática simples de João até o grego
121 Bíblia, evindências a favor da

complexo de Hebreus. A escolha de metáforas demonstra 4. Supremacia absoluta— Mt 15.3,6


que autores diferentes usaram o próprio contexto histó­ 5. Inerrância factual — Mt 22.29; Jo 17.17
rico e seus interesses. Tiago se interessa pela natureza. 6. Confiabilidade histórica — Mt 12.40;
Jesus usa metáforas urbanas e Oséias as da vida rural. 24.37,38
3. A Bíblia m anifestaperspectivas e emoções huma­ 7. Precisão científica — Mt 19.4,5; Jo 3.12
nas; Davi falou no salmo 23 do ponto de vista de um
pastor; o livro dos Reis foi escrito de um ponto de v is­ A autoridade de Jesus confirma a autoridade da
ta profético, e Crônicas, do ponto de vista sacerdotal; Bíblia. Se ele é o Filho de Deus ( v . C r i s t o , d iv i n d a d e d e ) ,
Atos manifesta um interesse histórico e 2Timóteo, o então a Bíblia é a Palavra de Deus. Na verdade, se Jesus
coração de um pastor. Paulo expressou tristeza pelos fosse apenas um profeta, a Bíblia ainda seria confir­
israelitas que rejeitaram a Deus (Rm 9.2). mada como a Palavra de Deus por meio do seu ofício
4. A Bíblia revela padrões e processos do pensa­ profético. Somente se a autoridade divina de Cristo for
mento humano, incluindo a razão (R om anos) e a m e­ rejeitada é que se pode rejeitar de modo coerente a
mória (IC o 1.14-16). autoridade divina das Escrituras. Se Jesus fala a ver­
5. Os autores da Bíblia usaram recursos humanos dade, é verdade que a Bíblia é a Palavra de Deus.
para informação, incluindo pesquisa histórica (Lc 1.1- Evidências de manuscritos. Há manuscritos do nt
4 )e o b r a s n ã o canônicas (Js 10.13;At 17.28; ICo 15.33; disponíveis hoje que são datados dos séculos m e iv, e
Tt 1.12; Jd 9,14). fragmentos que podem datar até mesmo do final do
século i. Desde então, o texto permaneceu substanci­
O texto original é infalível, não as cópias. Como almente o mesmo. Há manuscritos mais antigos e em
foi observado no artigo B í b l i a , s u p o s t o s e r r o s n a , isso não m a i o r quantidade do n t que de qualquer outro livro

quer dizer que todas as cópias e traduções da Bíblia são do mundo antigo. Enquanto a maioria dos livros foi
perfeitas. Deus inspirou os originais, não as cópias, en­ preservada em dez ou vinte manuscritos que datam
tão a inerrância se aplica ao texto original, não a todas de mil anos ou mais após sua composição, um m a­
as cópias. Deus na sua providência preservou as cópias nuscrito quase completo, o Papiro Chester Beatty, foi
de erros substanciais. Na verdade, o nível de precisão é copiado em 250 d.C aproximadamente. Outro m anus­
maior que em qualquer outro livro do mundo antigo, crito com a maior parte do n t , chamado Vaticano,data.
excedendo os 99% (v. Novo T e s t a m e n t o , m a n u s c r i t o s d o ; de cerca de 325 d.C.
A n t ig o T e s t a m e n t o , m a n u s c r i t o s d o ). Os autores bíblicos. Não importa quais fraquezas
A evidên cia geral. Somadas, as evidências em fa­ tivessem, os autores bíblicos são apresentados univer­
vor da reivindicação da Bíblia de ser a Palavra de Deus salmente nas Escrituras como homens escrupulosa­
são surpreendentes. mente honestos, e isso dá credibilidade à sua afirm a­
O testemunho de Cristo. Talvez o argumento mais for­ ção, pois a Bíblia não se esquiva de admitir as falhas
te em favor de a Bíblia ser a Palavra de Deus seja o teste­ do seu povo.
munho de Jesus (v. B í b l i a , po siç ã o d e J e s u s e m r e l a ç ã o a ). Eles ensinaram o mais alto padrão de ética, inclu­
Até incrédulos acreditam que ele foi um mestre divino. sive a obrigação de dizer sempre a verdade. A lei de
Os muçulmanos acreditam que ele foi um verdadeiro pro­ Moisés ordenou: “Não darás falso testemunho contra
feta de Deus (v. m a o m é , s u p o st o ch a r la d o d iv in o d e ). O s cren­ o teu próximo” ( Êx 20.16). Na verdade, apenas alguém
tes, é claro, insistem em que ele é o Filho de Deus como
afirmou ser (Mt 16.16-18; Mc 2.5-11; Jo 5.22-30; 8.58; que é integro em sua conduta e pratica o que é justo, que
10.30; 20.28,29) e provou ser por meio de vários milagres de coração fala a verdade e não usa a língua para difamar,
(Jo 3.2; At 2.22; v, m il a g r e s na B í b l i a ). Até o Alcorão admite que nenhum mal faz ao seu semelhante e não lança calúnia
que Jesus fez milagres (v. m a o m é , s u p o s t o s m il a g r e s d e ) e contra o seu próximo, que rejeita quem merece desprezo,
que a Bíblia que os cristãos usavam na época de Maomé mas honra os que temem o S e n h o r , que mantém a sua pala­
(século vn d.C.) era precisa, já que foram desafiados a vra, mesmo quando sai prejudicado (SI 15.2-4)
consultá-la para verificar as afirmações de Maomé.
Jesus afirmou que o a t era a Palavra de Deus e pro­ era considerado justo.
meteu guiar seus discípulos para saberem toda ver­ O n t tam bém exalta a integridade, ordenando:
dade. Jesus reivindicou para a Bíblia:1 “Portanto, cada um de vocês deve abandonar a m enti­
ra e falar a verdade ao seu próximo.” (E f 4.25a). A pes­
1. Autoridade divina — Mt 4.4,7,10 soa que “ama e pratica a mentira” será excluída do céu,
2. Indestrutibilidade — Mt 5.17,18 segundo Apocalipse 22.15. A honestidade absoluta era
3. Infalibilidade — Jo 10.35 louvada como virtude cristã cardeal.
Bíblia, evidências a favor da 122

Os autores bíblicos não só ensinaram os padrões realizar milagres semelhantes, ele se recusou (2.118;
morais mais elevados, incluindo honestidade, como 3.183; 4.153; 6.8,9,37). Nas palavras do próprio Maomé
também viveram assim. O profeta verdadeiro não po­ (no Alcorão): “Se os infiéis disserem: Porque não lhe
dia ser comprado. Como o profeta que foi tentado con­ foi enviado um sinal por seu Senhor?”, já que o pró­
fessou,“eu não poderia fazer coisa alguma [...] que vá prio Maomé admitiu queA llah é capaz de revelar um
além da ordem do S e n h o r ” (Nm 22.18). 0 que Deus sinal” (sura 6.37; v. M a o m é , s u p o s t o s m il a g r e s d e ; A l c o r ã o ,
falava, o profeta tinha de declarar, apesar das conseqü- s u p o s t a o r ig e m d iv in a d o ) . Mas os milagres foram uma

ências. Muitos profetas foram ameaçados e até martiri­ característica do ministério de Jesus, e de outros profe­
zados, mas nunca renunciaram à verdade. Jeremias foi tas e apóstolos (Hb 2.3,4; 2Co 12.12; v. m i l a g r e s , v a lo r
colocado na prisão por suas profecias inconvenientes Quando questionado por João Batista
a p o l o g é t ic o d o s ) .

(Jr 32.2; 37.15) e até ameaçado de morte (Jr 26.8,24). se era o Messias, Jesus respondeu:
Outros foram mortos (Mt 23.34-36; Hb 11.32-38). Pedro
e os onze apóstolos (Atos 5), assim como Paulo (At 28), ...Voltem e anunciem a João o que vocês viram e ouvi­
foram todos aprisionados, e a maioria foi posteriormen­ ram: os cegos vêem, os aleijados andam, os leprosos são
te martirizada por seu testemunho (2Tm 4.6-8; 2Pe purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados
1.14). Na verdade, ser “fiel até a morte” era identidade e as boas novas são pregadas aos pobres (Lc 7.22)
da convicção cristã primitiva (Ap 2.10).
Às vezes pessoas morrem por causas falsas que acre­ Os milagres, portanto, são a confirmação divina da
ditam ser verdadeiras, mas poucas morrem pelo que alegação do profeta de que falava em nome de Deus (ver
sabem ser falso. Mas as testemunhas bíblicas, que esta­ m i l a g r e ) . N o entanto, dentre todos os líderes religiosos

vam em posição de saber o que era verdadeiro, morre­ mundiais, apenas os profetas e apóstolos judeus-cris­
ram por proclamar que a sua mensagem veio de Deus. tãos foram confirmados sobrenaturalmente por mila­
Isso é no mínimo evidência prima facie de que a Bíblia gres genuínos de natureza tal que jam ais poderiam ser
é o que eles afirmaram ser — a Palavra de Deus. ilusões ou truques. Milagres comprovadores incluíram
A con firm ação miraculosa. É sempre possível que a transformação de água em vinho (Jo 2), a cura dos
alguém creia que fala em nome de Deus, mas na ver­ que tinham enfermidades orgânicas (Jo 5), a multipli­
dade não o faz. Existem falsos profetas (M t 7.15). É cação de comida ( Jo 6), o andar sobre a água (Jo 6) e a
por isso que a Bíblia exorta: “Amados, não creiam em ressurreição de mortos (Jo 11).
qualquer espírito, mas examinem os espíritos para ver Os muçulmanos alegam que Maomé fez milagres,
se eles procedem de Deus, por que muitos falsos pro­ mas não há comprovação dessa afirmação, mesmo no
fetas têm saído pelo mundo” ( l jo 4.1). Uma maneira Alcorão (para sua recusa de fazer milagres, v. surata
garantida de distinguir um verdadeiro profeta de um 3.181-4; v. M ao m é, c a r á t er d e ). Apenas a Bíblia é con­
falso profeta são os milagres (At 2.22; Hb 2 .3,4). O firmada sobrenaturalmente.
milagre é ato de Deus, e Deus não confirm aria sobre­ Previsões de profetas bíblicos. Ao contrário de
naturalmente que o falso profeta é verdadeiro (v. m i l a ­ qualquer outro livro, a Bíblia oferece previsões específi­
g r es na B í b l i a ; p r o f e c i a s c o m o pro v a da B í b l i a ). cas que foram escritas centenas de anos antes do seu
Quando Moisés foi chamado por Deus, recebeu cumprimento literal. Muitas delas enfocam a vinda de
milagres para provar que falava por Deus (Êx 4). Elias, Cristo e outros eventos mundiais. Para uma discussão
no Monte Carmelo, foi confirmado pelo fogo do céu sobre várias delas, v. p r o f e c ia c o m o pro v a d a B í b l i a . Ape­
como profeta verdadeiro do Deus verdadeiro (1 Rs 18). sar de os críticos da Bíblia afirmarem que previsões fo­
Até Nicodemos admitiu diante de Jesus: “Mestre, sa­ ram escritas depois do seu cumprimento, tais alegações
bemos que ensinas da parte de Deus; pois ninguém abusam da credibilidade. Em alguns casos de cumpri­
pode realizar os sinais miraculosos que estás fazendo, mento mais imediato, nenhuma dessas afirmações é
se Deus não estiver com ele” (Jo 3.2). sequer possível. Esses cumprimentos se destacam como
Mesmo o Alcorão reconheceu que Deus confirmou sinal da origem peculiar e sobrenatural da Bíblia.
seus profetas (surata 7 .1 0 6 -8 ,1 1 6 -9 ), incluindo Jesus, A unidade d a Bíblia. Uma linha de evidências que
pelos milagres. Afirma que Deus disse a Maomé: “Se apóia a origem divina da Bíblia é sua unidade em gran­
rejeitaram a ti, rejeitaram tam bém os apóstolos antes de diversidade. Apesar de composta por muitas pes­
de ti, que vieram com sinais evidentes” (17.103). Alá soas de contextos históricos diferentes durante m ui­
diz: “Então enviamos depois Moisés e seu irmão com tos anos, a Bíblia fala a partir de uma única mente.
os nossos sinais e uma evidente autoridade” (23.45). Sem levar em consideração dados desconhecidos na
Quando Maomé foi desafiado por incrédulos para datação de Jó e fontes que Moisés poderia ter usado, o
123 Bíblia, evidências a favor da

primeiro livro foi escrito no máximo em 1400 a.C. e o Mesmo que todos os autores possuíssem todas os
último pouco antes de 100 d.C. Ao todo há 66 livros livros anteriores, ainda há uma unidade que transcen­
diferentes, escritos por aproximadamente 40 autores de a habilidade humana. O leitor pode supor que cada
diferentes, de diferentes contextos históricos, níveis autor foi um gênio literário incrível que viu a unidade
educacionais e profissões. A maioria foi escrita origi­ e o “plano” m aior das Escrituras e como sua parte se
nalmente em hebraico ou grego, com algumas partes encaixaria nela. Será que mesmo tais gênios escreve­
pequenas em aramaico. riam de forma a prever o futuro, apesar de não sabe­
A Bíblia cobre centenas de tópicos em literatura, rem exatamente como ele seria? É mais fácil acreditar
de estilos muito variados. Eles incluem história, poe­ numa Mente que supervisionou nos bastidores todo o
sia, literatura didática, parábolas, alegoria, literatura processo, que formulou o plano e desde o começo pla­
apocalíptica e épica. nejou como ele se realizaria.
Deve-se observar, no entanto, a unidade incrível. Suponha que um livro de conselhos médicos fa­
Esses 66 livros revelam uma história contínua de re­ miliares fosse composto por 40 médicos durante um
denção, do paraíso perdido ao paraíso recuperado, a cri­ período de 1500 anos em línguas diferentes, tratando
ação e a consumação de todas as coisas (v. Sauer). Há de centenas de assuntos médicos. Que tipo de unidade
um tema central, a pessoa de Jesus Cristo, até por sim­ teria, mesmo supondo que os autores conhecessem o
ples implicação no a t (Lc 24.27). No a t Cristo é previs­ que seus predecessores haviam escrito? Devido à prá­
to; no n t ele é revelado (Mt 5.17,18). Há uma só mensa­ tica médica supersticiosa no passado, um capítulo di­
gem: o problema da humanidade é o pecado, e a solu­ ria que doenças são causadas por demônios que de­
ção é a salvação por meio de Cristo (Mc 10.45; Lc 19.10). vem ser exorcizados. Outro afirm aria que as doenças
Essa unidade tão incrível é bem explicada pela estão no sangue e devem ser escoadas pela sangria.
existência da Mente divina que os autores das E scri­ Outro afirmaria que as doenças são uma função psi­
turas afirmam tê-los inspirado. Essa Mente entreteceu cológica da mente sobre o corpo. Na melhor das hipó­
cada peça no mosaico único de verdade. teses, tal livro careceria de unidade, continuidade e
Os críticos afirm am que isso não é tão incrível, utilidade. Dificilmente seria uma fonte definitiva de
considerando que os autores sucessivos estavam ci­ informação sobre causas e curas de doenças. Mas a
entes dos autores precedentes. Assim, poderiam cons­ Bíblia, com uma diversidade maior, ainda é procurada
truir sobre esses textos sem contradizê-los. Ou gera­ por milhões em virtude de suas soluções para as do­
ções posteriores apenas aceitaram seus livros no cânon enças espirituais. Só ela, de todos os livros conhecidos
crescente porque pareciam encaixar-se. pela humanidade, precisa de um Deus para explicar
Mas nem todos os escritores estavam cientes de sua unidade na diversidade.
que seu livro seria incluído no cânon (por exem ­ C onfirm ação arqu eológica. A arqueologia não
plo, Cânticos dos cânticos e o livro de Provérbios, pode provar diretamente a inspiração da Bíblia; pode
escrito por vários autores). Eles não poderiam ter confirm ar sua confiabilidade como documento histó­
moldado sua obra para que se encaixasse. Não hou­ rico. Essa é uma confirmação indireta de inspiração
ve um a ocasião específica em que os livros foram (v. a r q u e o l o g ia d o x t e a r q u e o l o g ia d o a t , para algumas
aceitos no cânon. Apesar de algum as gerações pos­ dessas evidências). A conclusão dessas evidências foi
teriores questionarem com o um livro ganhou seu resumida por Nelson Glueck, ao afirm ar que
lugar no cânon, há evidências de que livros foram
aceitos im ediatam ente pelos contem porâneos dos nenhuma descoberta arqueológica jamais contradisse
autores. Quando M oisés escreveu, seus livros toram uma referência bíblica. Várias descobertas arqueológicas
colocados ao lado da arca (Dt 3 1 .2 2 -2 6 ). Mais ta r­ foram feitas que confirmam de forma geral ou em detalhes
de, Josué foi acrescentado, e Daniel tinha cópias exatos as afirmações históricas na Bíblia (Glueck,p.31).
dessas obras, e até o rolo do seu contem porâneo
Jerem ias (D n 9 .2 ). No xt , Paulo cita Lucas ( U m Millar Burroughs observa que “mais de um arque­
5.18; cf. Lc 10 .7 ), e Pedro possuía pelo m enos algu­ ólogo descobriu que seu respeito pela Bíblia aum en­
mas das epístolas de Paulo (2 Pe 3 .1 5 ,1 6 ). Apesar tou por causa de sua experiência de escavação na Pa­
de nem todo crente em todo o lugar possuir todos lestina” (Burroughs).
os livros im ediatam ente, parece que algum as obras Testemunhos de p o d er transform ador. O autor
foram aceitas e distribuídas im ediatam ente. Talvez de Hebreus declara que “a palavra de Deus é viva e efi­
outras tenham sido d issem inadas m ais lentam en­ caz, e mais afiada que qualquer espada de dois gumes”
te, depois de serem consideradas autênticas. (4.12). O apóstolo Pedro acrescentou: “Vocês foram
Bíblia, supostos erros da 124

regenerados, não de uma semente perecível, mas im ­ são encontradas não só no seu próprio caráter moral
p e recív el, por m eio da palavra de D eus, viva e mas tam bém na confirm ação sobrenatural da sua
permanente”(lP e 1.23). Apesar de não estar na área mensagem, em sua precisão profética, unidade incrí­
de evidências primárias, uma linha de evidência sub­ vel, poder transformador e no testemunho de Jesus,
jetiva e complementar é a mudança de vida que a Pa­ que foi confirmado como Filho de Deus.
lavra de Deus traz. Enquanto o islamismo inicial se
espalhou pelo poder da espada, o cristianism o prim i­ Fontes
tivo se espalhou pela espada do Espírito, apesar de os M . B urroughs , What mean these stones?
cristãos serem mortos pelo poder da espada romana. F. S. R. L. G aussen , Theopneustia.
Ogrande apologista cristão W illiam P a l e y r e s u ­ N . L. G eisler , o rg ., Inerrancy.
miu as diferenças entre o crescimento do cristianis­ ___ e A. SMSXB.Answeringlslam.
mo e o do islamismo claramente: ___ e W. E. Nix, Introdução geral à Bíblia.
N. G lueck , Rivers in the desert.
Pois o que estamos comparando? Um camponês galileu R. L. H arris , Inspiration and canonkity ofthe Bible.
acompanhando por alguns pescadores como um conquis­ C. F. H . H enry , Revelation and the Bible.
tador à frente de seu exército. Comparamos Jesus, sem for­ A. A. H odge, et al., Inspiration.
ça, sem poder, sem apoio, sem nenhuma circuntância exter­ H . L indsell , The battlefor the Bible.
na de atração ou influência, prevalencendo contra os pre­ J. I. P acker , “Fundamentalism”and the Word ofG od
conceitos, a erudição, hierarquia do seu país, contra as opi­ B. B. W aruf . i.d , Limited inspiration.
niões religiosas antigas, os rituais religiosos pomposos, a _ _ _ j The inspiration and authority o f the
filosofia, a sabedoria, a autoridade do Império Romano, no Bible.
período mais refinado e iluminado da sua existência — com C. W ilson , Rocks, relics, and reliability.
Maomé embrenhando-se entre os árabes; reunindo segui­ J. D. W oodbridge , BibUcal authority: a critique o f the
dores em meio a conquistas e vitórias, na era e nos países
RogerMcKim proposal.
mais obscuros do mundo, quando o sucesso na batalha não
E . Y amauchi, The stones and the Scriptures.
só operava por essa autoridade sobre as vontades e pessoas
dos homens que participam de empreendimentos próspe­
B íb lia , su p o sto s e rro s d a. Os críticos afirm am que
ros, como também era considerado um testemunho certo
a Bíblia está cheia de erros. Alguns até m encionam
da aprovação divina. O fato de mutiladões de pessoas, per­
m ilhares de erros. Mas cristãos ortodoxos de todas
suadidas por esse argumento, se juntarem à comitiva de um
as eras afirm aram que a Bíblia é infalível no texto
líder vitorioso; o fato de multidões ainda maiores, sem dis­
o r ig in a l ( “a u tó g ra fo s ” ; ver G e isler, D ecide fo r
cussão, se submeterem a um poder irresistível — é uma
yourself). “Se ficam os perplexos por qualquer con­
conduta com que não podemos nos surpreender, em que não
tradição aparente nas E scrituras”, A go stin h o obser­
podemos ver nada que se assemelhe às causas pelas quais o
vou sabiam ente, “não se pode dizer: ‘O autor desse
estabelecimento do cristianismo foi efetuado (Paley, p. 257)
livro está errado’, e sim que o m anuscrito está erra­
do, ou a tradução está errada, ou não foi entendida”
Apesar da má utilização posterior do poder militar
(Agostinho, 11.5). Nenhum erro que se extenda até o
nas Cruzadas e em outros episódios isolados anterior­
texto original da Bíblia foi comprovado.
mente, o fato é que o cristianismo primitivo cresceu pelo
Porque a B íblia n ão p o d e errar. O argumento de
poder espiritual, não pela força política. Desde o início,
uma Bíblia sem erros (infalível) pode ser colocado na
assim como hoje no mundo todo, foi a pregação da Pa­
seguinte forma lógica:
lavra de Deus que transformou as vidas que-deram ao
cristianismo sua vitalidade (At 2.41). Pois “a fé vem por
se ouvir a mensagem, e a mensagem é ou vida median­ Deus não pode errar.
te a palavra de Cristo” (Rm 10.17). A Bíblia é a Palavra de Deus.
Conclusão. A Bíblia é o único livro que alega e pro­ Logo, a Bíblia não pode errar.
va ser a Palavra de Deus. Ela afirma ter sido escrita
por profetas de Deus que registraram no seu próprio Deus não pode errar. Logicamente, o argumento é
estilo e linguagem exatamente a mensagem que Deus válido. Então, se as premissas são verdadeiras, a con­
queria que transm itissem à humanidade. As obras dos clusão tam bém é. Se o Deus teísta existe (v. D e u s , e v i ­
p ro fe tas e ap ó sto lo s a firm a m se r as p a la v ra s dências d e ; t e ísm o ) , então a primeira premissa é verda­

indestrutíveis, imperecíveis e infalíveis de Deus. As deira. Pois o Deus infinitamente perfeito e onisciente não
evidências de que suas obras são o que afirm am ser pode errar. As Escrituras testificam isso, declarando
125 Bíblia, supostos erros da

enfaticam ente que “é impossível que Deus m inta” com o autoridade divina, já que o histórico e o cientí­
(Hb 6.18). Paulo fala do “Deus que não mente” (Tt 1.2). fico estão inseparavelmente ligados ao espiritual.
Ele é um Deus que, mesmo quando somos infiéis, “per­ Uma observação das Escrituras revela que as verda­
manece fiel, pois não pode negar-se a si mesmo” (2Tm des científicas (reais) e espirituais da Bíblia geralmente
2.13).Deus é a verdade (Jo 14.6),e sua palavra também. são inseparáveis. Não se pode separar a verdade espiritu­
Jesus disse ao Pai: “a tua palavra é a verdade” ( Jo 17.17). al da ressurreição de Cristo do fato de que seu corpo dei­
O salmista exclamou: “A verdade é a essência da tua xou permanente e fisicamente o túmulo e andou entre as
palavra” (Sl 119.160). pessoas (Mt 28.6; ICo 15.13-19). Se Jesus não nasceu de
A Bíblia é a Palavra de Deus. Jesus, que é o Filho de uma virgem, ele não é diferente do resto da raça humana,
Deus (v. C r i s t o , d iv i n d a d e d e ) , referiu-se ao a t como a sobre quem se acha o estigma do pecado de Adão (Rm
“palavra de Deus” que “não pode ser anulada” (Jo 5.12). Da mesma forma, a morte de Cristo pelos nossos
10.35). Disse: “Enquanto existirem céus e terra.de for­ pecados não pode ser separada do derramamento literal
ma alguma desaparecerá da lei a m enor letra ou o de seu sangue na cruz, pois “sem derramamento de san­
menor traço, até que tudo se cumpra” ( Mt 5.18). Paulo gue, não há perdão” (Hb 9.22). A existência de Adão e o
acrescentou: “Toda Escritura é inspirada por Deus” pecado original não podem ser mito. Se não houve um
(2Tm 3.16). Ela “procede da boca de Deus” (M t 4.4). Adão literal e um pecado real, os ensinamentos espiritu­
Apesar de autores humanos registrarem as mensagens, ais sobre o pecado herdado e a morte física e espiritual
“Pois jam ais a profecia tem origem na vontade huma­ são falsos (Rm 5.12). A realidade histórica e a doutrina
na, mas homens falaram da parte de Deus impelidos teológica se mantêm ou desmoronam juntas.
pelo Espírito Santo” (2Pe 1.21). Além disso, a doutrina da encarnação ( v . C r is t o , d i ­
Jesus disse que os líderes religiosos da sua época esta­ vindade de ) é inseparável da verdade histórica sobre Je­

vam “anulando a palavra de Deus” pela “própria tradição” sus de Nazaré (Jo 1.1,14). O ensinamento moral de Je­
(Mc 7.13). Jesus voltou sua atenção à Palavra escrita de Deus sus sobre casamento é baseado no ensinamento sobre a
ao afirmar vez após vez: “Está escrito” (por exemplo, Mt. existência literal de Adão e Eva, a quem Deus uniu em
4.4,7,10). Essa frase ocorre mais de noventa vezes no xt, matrimónio (Mt 19.4,5). O ensinamento moral ou teo­
uma forte indicação da autoridade divina. Enfatizando a lógico é desprovido de significado sem o evento históri­
natureza infalível da verdade de Deus, o apóstolo Paulo re­ co ou real. Se alguém negar que o evento literal aconte­
feria-se às Escrituras como a palavra de Deus” (Rm 9.6). 0 ceu, então não há base para crer na doutrina bíblica
autor de Hebreus declarou que baseada nele, ou em outra coisa qualquer, pois tudo
passa a ser duvidoso (v. milagres, mito e ).
a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais afiada que qual­ Jesus costumava comparar diretamente eventos do ai
quer espada de dois gumes; ela penetra até a ponto de divi­ com verdades espirituais importantes. Relacionou sua
dir alma e espírito, juntas e medulas, e julga os pensamen­ morte e ressurreição a Jonas e o grande peixe (Mt 12.40),
tos e intenções do coração (Hb 4.12). sua segunda vinda, a Noé e o Dilúvio (Mt 24.37-39). Tanto
a ocasião quanto o modo de comparar deixam claro que
Logo, a Bíblia não pode errar. Se Deus não pode er­ Jesus estava afirmando a historicidade desses eventos do
rar e se a Bíblia é a Palavra de Deus, então a Bíblia não at.Jesus disse a Nicodemos:“Eulhes falei de coisas terrenas
pode errar (v. B íblia , evidências da ). Deus falou, e não e vocês não creram; como crerão se lhes falar de coisas
gaguejou. O Deus da verdade nos deu a Palavra da ver­ celestiais?” (Jo 3.12). O resultado dessa afirmação é que, se
dade, e ela não contém nenhuma inverdade. A Bíblia é a a Bíblia não fala verdadeiramente sobre o mundo físico,
Palavra infalível de Deus. Isso não quer dizer que não como pode ser digna de confiança quando fala sobre o mun­
haja dificuldades nas nossas Bíblias. Elas existem, ou li­ do espiritual? Os dois estão intimamente ligados.
vros como este não seriam necessários. Mas o povo de A inspiração inclui não só tudo que a Bíblia ensi­
Deus pode abordar textos difíceis com confiança, sa­ na explicitamente, mas também tudo que a Bíblia toca.
bendo que não são erros de fato; Deus não errou. Isso se aplica a história, ciência ou matemática — tudo
Erros na ciên cia e na h istó ria ?Algumas pesso­ que a Bíblia declara é verdade, seja uma questão gran­
as sugeriram que as E scrituras sempre podem ser de ou pequena. A Bíblia é a Palavra de Deus, e Deus
confiáveis em questões de fé e vida ou em questões não se afasta da verdade. Todas as partes são verda­
m orais,m as nem sempre estão corretas em questões deiras, assim como o conjunto que compõem.
históricas. Estas dependem delas no âmbito espiri­ Se inspirada, então inerrante. A inerrância é um
tual, mas não na esfera científica (v. ciência e a B í ­ resultado lógico da inspiração (v. B íblia , evidências da ).
b l i a ) . Se isso fosse verdade, a Bíblia seria ineficaz Inerrância significa “completamente verdadeiro e sem
Bíblia, supostos erros da 126

erro”. E o que Deus sopra (inspira) deve ser completa­ pode ser e não será explicado. Quando um cientista
mente verdadeiro (inerrante). Mas é útil especificar encontra uma anom alia na natureza, ele não aban­
mais claramente o que se quer dizer com “verdade” e dona investigações científicas posteriores. Pelo con­
o que constituiria um “erro” (v. Geisler, “The concept trário, o inexplicado o motiva a estudar mais. Os c i­
o f truth in the inerrancy debate”). entistas do passado não sabiam explicar m eteoros,
Verdade é o que corresponde à realidade (v. verda ­ eclipses, tornados, furacões e terrem otos. Até recen­
de , d e f i n iç ã o d a ) . Erro é o que não corresponde à r e a l i ­ temente, os cientistas não sabiam como os zangões
d a d e . Nada errado se torna verdadeiro, mesmo q u e o conseguiam voar. Todos esses m istérios revelaram
autor quisesse dizer a verdade. Senão, toda a f i r m a ç ã o seus segredos à paciência incansável. Os cientistas
sincera porventura enunciada seria verdadeira, m es­ agora não sabem como a vida pode desenvolver-se
m o se totalmente errada. em termoventas no fundo do mar. Mas nenhum de­
Alguns estudiosos bíblicos argumentam que a Bí­ les joga a toalha e grita: “C ontradição!”.
b lia não pode ser inerrante porque usam um racio­ O verdadeiro estudioso bíblico aborda a Bíblia com
cínio falho: a mesma pressuposição de que há respostas para o que
até agora permanece inexplicado. Quando encontra al­
1. A Bíblia é um livro humano. guma coisa para a qual nenhuma explicação é conheci­
2. Humanos erram. da, o estudioso continua a pesquisa, procurando os
3. Logo, a Bíblia erra. meios para descobrir a resposta. Há motivo racional
para a fé de que a resposta será encontrada, porque a
O erro desse raciocínio pode ser visto em outro maioria dos problemas inexplicáveis do passado atual­
raciocínio também errado: mente já foi respondida pela ciência, pelo estudo textu­
al, arqueologia, lingüística e outras disciplinas. Os críti­
1. Jesus era um ser humano. cos argumentaram que Moisés não poderia ter escrito
2. Humanos pecam. os cinco primeiros livros da Bíblia, porque a cultura da
3. Logo, Jesus pecou. época de Moisés era anterior à invenção da escrita.
Agora sabemos que a escrita existia milhares de anos
Pode-se logo ver que essa conclusão está errada. a n t e s de Moisés (v . P entateuco , autoria mosaica d o ) .

Jesus era “sem pecado” (Hb 4.15; v. tb. 2Co 5.21; 2Pe Os críticos acreditavam que as referências da Bí­
1.19; 2Jo 2.1; 3.3). Mas se Jesus não pecou, o que está blia ao povo heteu eram completamente fictícias. Um
errado com o argumento de que Jesus é humano e povo com esse nome jam ais existira. Agora que a b i­
hum anos pecam , logo, Jesus pecou? Onde é que a blioteca nacional dos heteus foi encontrada na Turquia,
lógica se desviou? as afirmações outrora confiantes dos céticos parecem
O erro é supor que Jesus é apenas humano. Meros ridículas.Estudos arqueológicos indicam que zomba­
seres humanos pecam. Mas Jesus não era um mero ser rias semelhantes sobre a rota e data do Êxodo logo se­
humano. Ele também era Deus. Da mesma forma, a rão silenciadas. Esses e muitos outros exemplos inspi­
Bíblia não é apenas um livro humano; tam bém é a ram confiança em que as dificuldades bíblicas que ain­
Palavra de Deus. Como Jesus, ela tem elementos divi­ da não foram explicadas não são erros da Bíblia.
nos que negam a afirmação de que tudo que é hum a­ Supor que a Bíblia é culpada de erro até provar ino­
no erra. Ambos são divinos e não podem errar. Não cência. Muitos críticos supõem que a Bíblia está erra­
pode haver mais erro na Palavra escrita de Deus do da até que algo prove esta correta. Mas, como um ci­
que havia no Verbo vivo de Deus. dadão acusado de um crime, a Bíblia deve ser lida no
Abordando dificuldades bíblicas. Como Agostinho m ínim o com a m esm a pressuposição de precisão
disse na citação anterior, os erros não procedem da re­ conferida a outras obras literárias que afirmam ser
velação de Deus, mas da má interpretação do homem. não-ficção. Essa é a m aneira que abordamos toda a
Exceto onde erros de escribas e mudanças estranhas se comunicação humana. Se não o fizéssemos, a vida não
inseriram nas famílias textuais com o passar dos sécu­ seria possível. Se supuséssemos que placas de trânsi­
los, todas as alegações de erros na Bíblia por parte dos to e semáforos não estão dizendo a verdade, provavel­
críticos são baseadas nos seus erros. A maioria dos pro­ mente estaríamos mortos antes de poder provar o con­
blemas cai em uma das seguintes categorias. trário. Se supuséssemos que embalagens de alim en­
Supor que o inexplicado é inexplicável. Nenhuma tos estavam trocadas, teríamos de abrir todas as latas
pessoa inform ada afirm aria ser capaz de explicar e embalagens antes de comprá-las.
com pletam ente todas as dificuldades da Bíblia. Mas Deve-se supor que a Bíblia, como qualquer outro li­
é um erro do crítico supor que o inexplicado não vro, está dizendo o que os autores disseram, vivenciaram
127 Bíblia, supostos erros da

e ouviram. Críticos negativos começam com a pressu­ glorie” (E f 2.8,9). E “àquele que não trabalha, mas con­
posição exatamente oposta. Não é de admirar que con­ fia em Deus, que justifica o ímpio, a sua fé lhe é causa de
cluam que a Bíblia está cheia de erros. atos como justiça” (Rm 4.5). E tam bém ,“não por causa
Confundir interpretações com revelações. Jesus afir­ de atos de justiça por nós praticados, mas devido à sua
mou que “a Escritura não pode ser anulada” ( Jo 10.35). misericórdia, ele nos salvou” (T t 3.5).
Como livro infalível, a Bíblia também é irrevogável. A leitura cuidadosa de tudo o que Tiago diz e tudo
Jesus declarou: “Porque em verdade vos digo: até que o que Paulo diz m ostra que Paulo está falando sobre
o céu e a terra passem , nem um i ou um til jam ais justificação diante de Deus (somente pela fé), enquanto
passará da lei, até que tudo se cumpra” (Mt 5.18; cf. Lc Tiago está se referindo à justificação diante dos outros
16.17). As Escrituras tam bém têm autoridade final, (que só vêem o que fazemos). Tanto Tiago como Paulo
sendo a última palavra em tudo que discutem (v. B í ­ falam das obras que sempre acompanham a vida da­
blia, posição d e C r i s t o e m r e l a ç ã o à ) . Jesus empregou a quele que ama a Deus.
Bíblia para resistir ao tentador (M t 4.4,7,10), para re­ Um exemplo sem elhante, dessa vez envolvendo
solver conflitos doutrinários (Mt 21.42) e reivindicar Paulo, é encontrado em Filipenses 2 .1 2 . Paulo diz:
sua autoridade (Mc 11.17). As vezes um ensinamento “ponham em ação a salvação de vocês com tem or e
bíblico baseia-se num pequeno detalhe histórico (Hb trem o r” . Isso p arece d izer que a salv ação é por
7.4-10), numa palavra ou frase (At 15.13-17) ou na obras. M as contradiz diretam ente os textos a n te ri­
diferença entre o singular e o plural (G1 3.16). ores e um a série de outras passagens. Quando essa
Mas ainda que a Bíblia seja infalível, as interpre­ afirm ação d ifícil sobre “pôr em ação a salvação” é
tações hum anas não são. Em bora a Palavra de Deus entendida à luz das passagens claras, podem os ver
seja perfeita (Sl 19.7), enquanto seres humanos im ­
que não significa que som os salvos por obras. Na
perfeitos existirem haverá más interpretações da Pa­
verdade, o que quer dizer é encontrado no versículo
lavra de Deus e falsas teorias sobre este mundo. Por
seguinte. Devemos p ô r em ação nossa salvação por­
isso, não devemos apressar-nos em adm itir que uma
que a graça de Deus a efetua nos nossos corações.
suposição atualmente dominante na ciência seja a pa­
Nas palavras de Paulo,“pois é Deus quem efetua em
lavra final. Algumas das leis irrefutáveis do passado
vocês tanto o querer com o o realizar, de acordo com
são consideradas erros pelos cientistas atuais. Por­
a boa vontade dele” (Fp 2 .1 3 ).
tanto, contradições entre opiniões populares na ci­
Ensinara partir de uma passagem obscura. Algu­
ência e interpretações amplamente aceitas da Bíblia
mas passagens na Bíblia são difíceis porque seu sig­
podem ser esperadas. Mas isso não prova que haja
nificado é obscuro. Isso geralm ente acontece porque
verdadeira contradição.
uma palavra-chave no texto é usada apenas uma vez
Deixar de entender o contexto. O erro mais comum
(ou raram ente), então é difícil saber o que o autor
de todos os intérpretes da Bíblia, inclusive alguns críti­
está dizendo a não ser que possa inferir do contexto.
cos, é ler um texto fora do seu contexto correto. Como
Uma das passagens mais conhecidas da Bíblia con­
diz o provérbio: “O texto fora de contexto é pretexto”.
tém uma palavra que não aparece em nenhum outro
Pode-se provar tudo a partir da Bíblia com esse proce­
lugar de toda literatura grega existente até a época
dimento errôneo. A Bíblia diz:“Deus não existe” (Sl 14.1).
em que o ,v t foi escrito. Essa palavra aparece no que
Mas o contexto é :“Diz o tolo em seu coração: Deus não
se chama popularmente “pai-nosso” (M t 6.1 1 ). Ge­
existe”. Pode-se afirmar que Jesus nos admoestou di­
ralm ente a tradução diz: “Dá-nos hoje o nosso pão
zendo: “não resistam ao perverso” (Mt 5.39), mas o con­
texto anti-retaliação em que ele fez essa afirmação não de cada dia”. A palavra em questão é traduzida como
deve ser ignorado. Muitos léem a afirmação de Jesus: “de cada dia” — ( epiousion ). Especialistas em grego
“Dê a quem lhe pede” como se fosse uma obrigação de ainda não chegaram a um acordo sobre sua origem
dar uma arma a uma criança. Deixar de observar que o ou significado exato. Comentaristas diferentes tentam
significado é determinado pelo contexto é o principal estabelecer ligações com palavras gregas conhecidas,
pecado daqueles que acham falhas na Bíblia. e muitos significados já foram propostos:
Interpretar o que e difícil pelo que é claro. Algumas
passagens são difíceis de entender ou parecem contra­ Dá-nos hoje o pão nosso contínuo.
dizer algumas partes das Escrituras. Tiago parece dizer 0 pão nosso supersubstancial (uma dádiva dá-nos
que a salvação é por obras (Tg 2.14-26), enquanto Pau­ hoje sobrenatural do céu).
lo ensina que é pela graça. Paulo diz que os cristãos são Para nosso sustento dá-nos hoje o pão nosso.
salvos pela graça“por meio da fé: e isto não vem de vocês, Dá-nos hoje o pão nosso de cada dia (ou aquilo de
é dom de Deus; não por obras, para que ninguém se que precisamos hoje).
Bíblia, supostos erros da 128

Cada uma dessas propostas tem seus defensores, pastor (A m ós), um príncipe e hom em de Estado
cada uma faz sentido no contexto, e cada uma é uma (Daniel), um sacerdote (Esdras), um coletor de impos­
possibilidade baseada na informação lingüística lim i­ tos (Mateus), um médico (Lucas), um intelectual (Pau­
tada. Não parece haver uma razão convincente para lo ) e pescadores (Pedro e João). Com tanta variedade de
abandonarmos o que se tornou a tradução aceita em ocupações representadas pelos autores bíblicos, é natu­
geral, mas isso aumenta a dificuldade, porque o signi­ ral que seus interesses e suas diferenças pessoais este­
ficado de uma palavra-chave é obscuro. jam refletidos nas suas obras.
Em outros casos, as palavras são claras, mas o sig­ Como Cristo, a Bíblia é completamente humana,
nificado não é evidente porque não temos a informa­ mas sem erro. Deixar de lado a humanidade das Es­
ção histórica que os primeiros leitores tinham. Isso com crituras pode levar à refutação falsa da sua integrida­
certeza acontece em lCoríntios 15.29, onde Paulo fala de pela expectativa de um nível de expressão maior
sobre aqueles que “se batizam pelos mortos”. Ele está- do que é comum num documento humano. Isso fica­
se referindo a crentes mortos que não se batizaram e rá m ais claro quando discutirmos os próximos erros
outros se batizando por eles para que fossem salvos dos críticos (v. B íblia , críticas à ).
(como os mórmons afirmam)? Ou está se referindo a Supor que um relatório parcial é um relatório falso.
outros se batizando na igreja para assumir o posto da­ Os críticos geralmente deduzem que um relatório par­
queles que morreram? Ou se referindo a um crente se cial é falso. Mas isso não é verdade. Se fosse, a maior
batizando “para” (i.e.,“em vista da”) a própria morte e parte do que já foi dito seria falsa, já que raramente o
sepultamento com Cristo? Ou alguma outra coisa? tempo ou espaço permite um relatório absolutamente
Quando não tem os certeza, há várias coisas que completo. Alguns autores bíblicos expressam a m es­
devemos lembrar. Prim eiro, não devemos construir ma coisa de m aneiras diferentes, ou pelo m enos de
uma doutrina com base num a passagem obscura. pontos de vista diferentes, em épocas diferentes,
A regra básica na Bíblia é: “As coisas principais são enfatizando coisas diferentes. Assim, a inspiração não
as coisas simples, e as coisas simples são as coisas exclui a diversidade da expressão. Os quatro evange­
principais”. Isso se cham a “perspicuidade” (clareza) lhos relatam a m esma história — muitas vezes os
das E scrituras. Se algo é im portante, é ensinado cla­ mesmos incidentes — de m aneiras diferentes para
ram ente, e provavelmente em m ais de um lugar. Em grupos diferentes e às vezes até citam a mesma afir­
segundo lugar, quando certa passagem não é clara, mação com palavras diferentes. Compare, por exem ­
jam ais devemos concluir que significa algo que se plo a famosa confissão de Pedro nos evangelhos:
opõe a outro ensinam ento simples das Escrituras.
Esquecer as características humanas da Bíblia. Com Mateus: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”
exceção de algumas seções pequenas como os Dez Man­ (16.16).
damentos, que foram escritos “pelo dedo de Deus” (Êx Marcos: “Tu és o Cristo” (8.29).
31.18), a Bíblia não foi ditada verbalmente (v. Rice). Os Lucas:“O Cristo de Deus” (9.20).
autores não eram meros secretários do Espírito Santo.
Eram autores humanos empregando seus estilos literá­ Até os Dez Mandamentos, que foram escritos “pelo
rios e m aneiras de sentir. Esses autores humanos às ve­ dedo de Deus” (Dt 9.10), são declarados com varia­
zes usavam fontes humanas para seu material (Js 10.13; ções na segunda vez em que foram registrados (cf. Êx
At 17.28; ICo 15.33; Tt 1.12). Na verdade, todos os li­ 20.8-11 com Dt 5.12-15). Há muitas diferenças entre
vros da Bíblia são a composição de um escritor humano os livros dos Reis e das Crônicas na descrição de even­
— cerca de 40 deles ao todo. A Bíblia também manifes­ tos idênticos, mas eles não contêm nenhuma contra­
ta estilos humanos de literatura diferentes. Os autores dição nos eventos que narram . Se tais afirmações im ­
falam do ponto de vista do observador quando escre­ portantes podem ser declaradas de m aneiras diferen­
vem sobre o sol nascendo ou se pondo (Js 1.15). Tam­ tes, então não há motivo para o restante das Escritu­
bém revelam padrões humanos de pensamento, inclusi­ ras não poderem falar a verdade sem empregar uma
ve lapsos de memória (1 Co 1.14-16), assim como emo­ forma fixa de expressão.
ções humanas (G14.14). A Bíblia revela interesses huma­ Citações do at no st. O s críticos geralmente indi­
nos específicos. Oséias tem um interesse rural, Lucas, cam variações no uso de passagens do at no nt como
uma preocupação médica, e Tiago manifesta amor pela prova de erro. Esquecem que nem toda citação preci­
natureza. Os autores bíblicos incluem um legislador sa ser exata. Às vezes usamos citações indiretas e às
(M oisés), um general (Josué), profetas (Samuel, Isaías, vezes, diretas. Na época (como hoje) era um estilo li­
e outros), reis (Davi e Salomão), um músico (Asafe), um terário perfeitamente aceitável dar a essência de uma
129 Bíblia, supostos erros da

afirmação sem usar exatamente as mesmas palavras. crítico tem a intenção de m ostrar que os textos erram ,
0 mesmo significado pode ser expresso sem usar as o erro não está na Bíblia, mas no crítico.
mesmas expressões verbais. Da m esm a forma, Mateus (27.5) nos informa que
As variações nas citações que o nt faz do at divi­ Judas se enforcou. Mas Lucas diz que “seu corpo par­
dem -se em duas categorias. As vezes elas existem tiu-se pelo meio, e as suas vísceras se derramaram”
porque há um a mudança de locutor. Por exemplo, (At 1.18). Mais uma vez, esses relatórios não se elim i­
Zacarias registra o Senhor dizendo: “Olharão para nam. Se Judas se enforcou numa árvore à beira de um
mim, aquele a quem trespassaram ” (1 2 .1 0 ). Quando precipício nessa área rochosa, e seu corpo caiu na ro­
isso é citado no n t , João, não Deus, está falando. En­ chas pontiagudas abaixo dele, suas entranhas se espa­
tão há uma mudança para: “Olharão para aquele a lhariam como Lucas descreve detalhadamente.
quem traspassaram ” (Jo 19.37). Supor que a Bíblia aprova tudo que registra. É um
Em outras ocasiões, os autores citam apenas parte erro supor que tudo que a Bíblia contém é elogiado
do texto do at. Jesus tez isso na sua sinagoga em Nazaré por ela. A Bíblia inteira é verdadeira (Jo 17.17), mas
(Lc 4.18,19, citando Is 61.1,2). Na verdade, ele parou registra mentiras, por exemplo, as de Satanás (Gn 3.4;
no meio de uma frase. Se tivesse continuado, não po­ cf. Jo 8.44) e Raabe (Js 2.4). A inspiração abarca a B í­
deria chegar à sua conclusão no texto: “Hoje se cum ­ blia completamente no sentido em que registra preci­
priu a Escritura que vocês acabaram de ouvir” (v. 21). sa e verdadeiramente até as mentiras e erros dos seres
A próxima frase: “e o dia da vingança do nosso Deus”, pecadores. A verdade das Escrituras é encontrada na­
refere-se à sua segunda vinda. quilo que a Bíblia revela, não em tudo que registra. Se
À.S vezes o nt faz uma paráfrase ou resumo do tex­ essa distinção não for feita, pode-se concluir equivo­
to do at (e.g., Mt 2.6). Ou junta dois textos em um só cadamente que a Bíblia ensina imoralidade porque
(Mt 27.9,10). Ocasionalmente uma verdade geral é narra o pecado de Davi (2Sm 11.4), que promove a
mencionada, sem citar um texto específico. Por exem­ poligamia porque registra a de Salomão (lR s 11.3),
plo, Mateus disse que Jesus mudou-se para Nazaré: “E ou que afirm a o ateísmo porque cita o insensato di­
foi viver numa cidade chamada Nazaré. Assim cum ­ zendo: “Deus não existe” (SI 14.1).
priu-se o que fora dito pelos profetas: Ele será cham a­ Esquecer que a Bíblia não é técnica. Para ser verdadei­
do Nazareno” (Mt 2.23). Note que Mateus não cita um ro, não é necessário usar linguagem erudita, técnica ou
profeta determinado, mas sim “profetas” em geral. V á­ “científica”. A Bíblia foi escrita para as pessoas comuns
rios textos falam da humildade do Messias. Ser de de todas gerações e, portanto, usa a linguagem comum,
Nazaré, um nazareno, era sinônimo de pobreza no Is­ do dia-a-dia. 0 uso de linguagem fenomenológica, não-
rael da época de Jesus. científica, não é fluficientífica, é apenas pré-científica. As
Há instâncias onde o nt aplica um texto de m anei­ Escrituras foram compostas na Antigüidade por padrões
ra diferente da do at . Por exemplo, Oséias aplica “do antigos, e seria anacrônico impor padrões científicos
Egito cham ei o meu Filho” à nação m essiânica, e modernos a ela. Mas não é mais anticientífico falar que
Mateus o aplica ao produto daquela nação, o Messias o sol “se deteve”que dizer que o sol se pôs (Js 10.13)? Os
(Mt 2.15, de Os 11.1). Em nenhum momento o nt in­ meteorologistas ainda se referem às vezes ao “nascer-
terpreta ou aplica mal o at , nem tira conclusões invá­ do-sol” e “pôr-do-sol.
lidas dele. 0 nt não erra ao citar o at, como os críticos Supor que números arredondados são falsos. Como
fazem ao citar o n t . na linguagem do dia-a-dia, a Bíblia usa números ar­
Supor que relatórios divergentes são falsos. O fato redondados (v. Js 3.4; cf. 4.1 3 ). Refere-se ao diâm e­
de dois ou mais relatórios do mesmo evento serem tro como um terço da circunferência de um objeto
diferentes não quer dizer que sejam m utuam ente (lC r 19.18; 21 .5 ). Tecnicam ente, trata-se apenas de
excludentes. Mateus 28.5 diz que havia um anjo no uma aproximação (v. L ind selfp. 165-6); pode ser im ­
túmulo após a ressurreição, enquanto João nos infor­ p re c iso do p o n to de v ista de um a so c ie d a d e
ma que eram dois (20.12). Mas não há relatórios con­ tecnológica falar que 3,14159265 é “3 ”, mas não é in ­
traditórios. Uma regra matemática infalível explica fa­ correto (v. ciência e a B íblia ). É o suficiente para um
cilmente esse problema: onde há dois, sempre há um. “mar de fundição” (2Cr 4.2) num templo hebreu an­
Mateus não disse que havia apenas um anjo. Também tigo, apesar de não ser suficiente para um com puta­
poderia haver um anjo no túmulo em determinado dor num foguete moderno. Não se pode esperar ver
momento dessa manhã agitada e dois em outro. Seria atores referindo-se a um relógio de pulso numa peça
necessário acrescentar a palavra “apenas” para que o de Shakespeare, nem pessoas de um período p ré-ci­
relatório de Mateus contradissesse o de João. Mas se o entífico usar números exatos.
Bíblia, supostos erros da 130

Deixar de observar recursos literários. A linguagem milhões de reais! E se recebesse outra carta, no dia se­
humana não é limitada a uma única forma de expres­ guinte com, esta mensagem, teria ainda mais certeza:
são. Então não há razão para supor que apenas um
estilo literário seria usado num livro divinamente ins­ “ vCÊ GANHOU R$ 1 0 MILHÕES.”

pirado. A Bíblia revela vários recursos literários: livros


inteiros escritos em poesia (por exemplo, Jó, Salmos, Quanto m ais erros desse tipo houver (cada um
Provérbios). Os evangelhos sinóticos apresentam p a ­ num lugar diferente), mais certeza você tem da men­
rábolas. Em Gálatas 4, Paulo utiliza uma alegoria. O n t sagem original. É por isso que erros de reprodução nos
está cheio de metáforas (2Co 3.2,3; Tg 3.6), símiles (Mt manuscritos bíblicos não afetam a mensagem básica
20.1; Tg 1.6), hipérboles (Jo 21.25; 2Co 3.2; Cl 1.23), e da Bíblia — e porque estudos dos manuscritos anti­
até figuras poéticas (Jó 41.1). Jesus empregou a sátira gos são tão importantes. O cristão pode ler uma tra­
(Mt 19.24; 23.24). A linguagem figurada é comum em dução moderna com a confiança de que ela transmite
toda a Bíblia. a verdade completa da Palavra original de Deus.
Não é errado o autor bíblico usar linguagem figu­ Confundir afirmações gerais com universais. Os crí­
rativa, mas é um erro se o leitor interpretar a lingua­ ticos geralmente se precipitam ao concluir que afir­
gem figurativa literalmente. É óbvio que, quando a B í­ mações não-qualificadas não admitem exceções. Eles
blia fala do crente descansando à sombra das “asas” tomam esses versículos que oferecem verdades gerais
de Deus (Sl 36.7), isso não significa que Deus é um e se contentam em indicar exceções óbvias. Tais afir­
pássaro com penas. Quando a Bíblia diz que Deus “des­ mações só têm a intenção de ser generalizações.
perta” (Sl 44.23), como se estivesse dormindo, isso sig­ Provérbios tem muitas delas. Ditados proverbiais por
nifica que é estimulado à ação. natureza oferecem direção geral, não garantia univer­
Esquecer que apenas o texto original é infalível. Er­ sal. São regras para a vida, mas regras que admitem ex­
ros genuínos foram encontrados — em cópias do tex­
ceções. Provérbios 16.7 afirma: “Quando os caminhos
to bíblico feitas centenas de anos após os autógrafos.
de um homem são agradáveis ao S e n h o r , ele faz que até
Deus pronunciou apenas o texto original da Escritu­
os seus imigos vivam em paz com ele”. Isso certamente
ra, não as cópias. Então, apenas o texto original é livre
não foi dito com a intenção de ser uma verdade univer­
de erros. A inspiração não garante que toda cópia seja
sal. Paulo agradou ao Senhor, e seus inimigos o apedre­
infalível, principalmente cópias feitas de cópias feitas
jaram (At 14.19). Jesus agradou ao Senhor, e seus ini­
de cópias feitas de cópias (v. Novo T e s t a m e n t o , m a n u s ­
migos o crucificaram. No entanto, é uma verdade geral
c r i t o s d o ; A n t ig o T e s t a m e n t o , m a n u s c r i t o s d o ) . Portan­
que quem age de m aneira agradável a Deus pode
to, devemos esperar que erros pequenos sejam encon­
minimizar o antagonismo dos seus inimigos.
trados em cópias dos manuscritos.
Provérbios 22.6 diz:“Instrua a criança segundo os
Por exemplo, 2Reis 8.26 confere a idade de 22 anos
objetivos que você tem para ela e mesmo com o pas­
ao rei Acazias,enquanto 2Crônicas 22.2 menciona 42.
sar dos anos, não se desviará deles”. Mas outras pas­
O último número não pode estar certo, ou ele seria
sagens bíblicas e a experiência mostram que isso nem
mais velho que seu pai. É sem dúvida um erro do
sempre acontece. Na verdade, algumas pessoas ínte­
copista, mas não altera a infalibilidade do original.
gras na Bíblia (incluindo Jó, Eli e Davi) tiveram filhos
Em primeiro lugar, esses são erros nas cópias, não
desviados. Esse provérbio não contradiz a experiência
nos originais. Em segundo lugar, são erros pequenos
porque é um princípio geral que se aplica de forma
(geralmente nomes ou números) que não afetam ne­
geral, mas permite exceções individuais. Os provérbi­
nhum ensinamento. Em terceiro lugar, esses erros de
os não pretendem ser garantias absolutas. Mas expres­
reprodução são relativamente poucos. Em quarto lugar,
geralmente pelo contexto, ou por outra passagem, sa­ sam verdades que dão conselho e direção úteis, pelos
bemos qual texto está errado. Por exemplo, Acazias só quais o indivíduo deve conduzir sua vida diária.
poderia ter 22 anos. Finalmente, apesar de haver um erro Provérbios são sabedoria (conselhos gerais), não
do copista, a mensagem inteira é transmitida. Por exem­ lei (imperativos universalmente impostos). Quando a
plo, se você recebesse uma carta com a seguinte afir­ Bíblia declara “sejam santos, porque eu sou santo” (Lv
mação, acha que poderia receber o dinheiro? 11.45), então não há exceção. Santidade, bondade,
amor, verdade e justiça estão arraigados na própria
“ oCÉ GANHOU R $ 1 0 MILHÕES.” natureza de um Deus imutável. Mas a literatura de sa­
bedoria aplica as verdades universais de Deus às cir­
Apesar de haver um erro na primeira palavra, a cunstâncias mutantes da vida. Os resultados nem sem­
mensagem completa é transmitida — você ganhou dez pre são os mesmos. No entanto, são conselhos úteis.
131 Bíblia, visão de Jesus sobre a

Esquecer que a revelação posterior substituí a ante­ Fontes


rior. Às vezes os críticos não reconhecem a revelação A gostinho , Reply to Faustus the mankhaean, em P.
progressiva. Deus não revela tudo ao mesmo tempo, S chaff , org., A select library o f the nicene and
nem estabelece as mesmas condições para todos os ante-nicenefathers o f the Christian church.
períodos da história. Algumas das suas revelações G. L. A rcher, Jr. Enciclopédia de temas
posteriores substituirão suas afirmações anteriores. Os bíblicos.
críticos da Bíblia às vezes confundem uma mudança W. A rndt, Bible difficulties.
na revelação com um erro. O fato de um pai deixar uma ___ , Does the Bible contradict itself?
criança pequena comer com as mãos, mas exigir que N. L. Geisler, “The concept o f truth in the inerrancy
a criança maior use garfo e faca não é uma contradi­ debate”, Bib. Sac.,O ct.-D ec. 1980.
ção. Isso é revelação progressiva, com cada ordem ade­ ___ e T. Howe, When critics ask.
quada à circunstância. ___ e W. E. Nix, Introdução bíblica.
Houve um tempo em que Deus testou a raça humana J. W. H aley.Alleged discrepancies o f the Bible.
ao proibi-la de comer de uma árvore específica no jardim H. L indsell, The battle fo r the Bible.
do Éden (Gn 2.16,17). Essa ordem não vale mais, mas a ]. O rr, The problems o f the Old Testament considered
revelação posterior não contradiz a anterior. Além disso, with reference to recent criticism.
houve um período (sob a lei de Moisés) em que Deus orde­ J. R. Rice, Our God-breathed book — The Bible.
nou que animais fossem sacrificados pelo pecado do povo. E. T hiele, The mysterious numbers o f the kings o f
Mas, já que Cristo ofereceu o sacrifício perfeito pelo pecado Israel.
(Hb 10.11 -14), essa ordem do at não é mais válida. Não há R. T uck, ed.,A handbook o f biblical difficulties.
contradição entre a primeira e a última ordem.
R. D. W ilson , A scientific investigation o f the Old
Da mesma forma, quando Deus criou a raça huma­
Testament.
na,ordenou que comessem apenas frutas e vegetais (Gn
1.29). Mas depois, quando as condições mudaram de­
B íb lia , v is ã o d e Je s u s s o b r e a . O elo crucial n a cor­
pois do dilúvio, Deus mandou que também comessem
rente de argum entos de que a Bíblia é a Palavra de Deus
carne (Gn 9.3). Essa mudança de condição herbívora
(v. B íblia, evidências da). A p ro gressão (v. apologética,
para onívora é revelação progressiva, mas não é contra­
argumentos da) é a seguinte:
dição. Na verdade, todas as revelações subseqüentes são
apenas ordens diferentes para pessoas diferentes em
1. A verdade sobre a realidade é cognoscível (v.
épocas diferentes no plano geral de redenção de Deus.
VERDADE, NATUREZA DA! AGNOSTICS,MO).
É claro que Deus não pode mudar mandamentos
2. Os opostos n ão podem ser verdadeiros (v. pri­
que têm relação com sua natureza imutável (cf.M l 3.6;
meiros princípios; lógica).
Hb 6.18). Por exemplo, já que Deus é amor ( ljo 4.16),
3. O D eus teísta existe (v. D eus, E vidências de).
ele não pode mandar que o odiemos. Nem pode orde­
4. m ilagres são p ossíveis (v. milagres, argumentos
nar o que é logicamente impossível, por exemplo, ofe­
contra).
recer e não oferecer sacrifício pelo pecado ao mesmo
5. O s m ila g re s c o n firm a m a s a fir m a ç õ e s do
tempo e no mesmo sentido. Mas, apesar desses lim i­
profeta de Deus (v. milagres, valor apologético dos).
tes morais e lógicos, Deus poderia dar e deu revela­
ções não-contraditórias e progressivas que, se tiradas
6. Os d o c u m e n to s do nt s ã o h isto r ic a m e n te
confiáveis (v. Novo T estamento, datação do; Novo
do seu contexto apropriado e justapostas, podem pa­
recer contraditórias. Isso é tão errado quanto supor T estamento, confiabilidade dos documentos do e
que um pai se contradiz quando deixa o filho de N ovo T estamento, historicidade do).
dezesseis anos dormir mais tarde que o filho de 6 anos. 7. C om o testem unhado pelo nt, Jesus afirm ou ser
Depois de quarenta anos de estudo contínuo e cui­ D eus (v. C risto, divindade de).
dadoso da Bíblia, só posso concluir que os que “desco­ 8. A afirm ação de Jesus de ser Deus foi confirm a­
briram um erro” na Bíblia não sabem muito sobre ela d a p elos m ilagres (v. milagres, valor apologético
— sabem pouquíssimo sobre ela. Isso não quer dizer, dos; milagres na B íblia; ressurreição, evidênclas da).

é claro, que saibamos como resolver todas as dificul­ 9. Logo, Jesu s é D eus.
dades das Escrituras. Mas vimos problemas suficien­ 10. Tudo que Jesu s (que é D eus) afirm ou ser ver­
tes serem resolvidos para saber que essas dificulda­ dadeiro é verdadeiro (v. D eus, natureza de).
des também têm respostas. Enquanto isso, Mark Twain 11. Jesus, que é D eus, afirm ou que a B íblia é a Pa­
estava certo quando concluiu que não eram as partes lavra de D eus.
da Bíblia que ele não entendia que o preocupavam — 12. Logo, é verdadeiro que a Bíblia é a Palavra de
eram as partes que ele entendia! Deus, e tudo que se opõe a qualquer ensinamento
Bíblia, visão de Jesus sobre a 132

bíblico é falso (v. r e l i g iõ e s m u n d i a i s e c r i s t i a n i s ­ (v. 3 4 ),“palavra de Deus” e “não pode ser anulada”. En­
mo; PLURALISMO RELIGIOSO). tão, Jesus acreditava que o a t era a lei infalível (ou
indestrutível) de Deus.
O que Jesus afirm ou sobre a Bíblia. O passo 9 é Jesus afirmou que o at é a Palavra de Deus. Jesus
crucial para o argumento geral. Se Jesus é o Filho de Deus, considerava a Bíblia “Palavra de Deus”. Ele insistiu em
então o que ele afirmou sobre a Bíblia é verdadeiro. E Je­ outra passagem que ela continha o “mandamento de
sus afirmou que a Bíblia é a Palavra infalível,indestrutível Deus” (M t 1 5 .3 ,6 ). A mesma verdade é sugerida em
einerrante de Deus (v. B íb l ia , s u p o s t o s e r r o s x a ) . sua referência à indestrutibilidade dela em Mateus
O que Jesus afirmou sobre o at. O n t s ó foi escrito 5.17,18. Em outras passagens, os discípulos de Jesus a
depois que Jesus ascendeu ao céu. Então, suas afirm a­ cham am d e “palavras de Deus” (Rm 3.2; Hb 5.12).
ções sobre a Bíblia referem-se ao a t . Mas o que Jesus Jesus atribuiu supremacia total ao at. Jesus sem ­
confirmou para o at também prometeu para o nt. pre afirm ava a autoridade e suprem acia total do at
Jesus afirmou a autoridade divina do at. Jesus e seus sobre o ensinam ento ou “tradição” humana. Ele dis­
discípulos usaram a expressão “está escrito” mais de se aos judeus:
noventa vezes. Geralmente o aspecto do verbo utiliza­
do no original remete ao fato de que algo “foi escrito E por que vocês transgridem o mandamento de Deus
no passado e ainda permanece como a Palavra escrita por causa da tradição de vocês? [...] Assim, por causa da sua
de Deus”. Geralmente Jesus usava a frase no sentido tradição, vocês anulam a palavra de Deus (Mt 15.3,6).
de “essa é a palavra final sobre a questão. Assunto en­
cerrado”. Esse é o caso quando Jesus resistiu à tenta­ Jesus acreditava que só a Bíblia tem autoridade su­
ção do diabo. prema mesmo quando todos os ensinamentos huma­
nos mais reverenciados a contestam. Só as Escrituras
Jesus respondeu: “Está escrito: ‘Nem só de pão viverá o são a suprema autoridade escrita de Deus.
homem, mas de toda palavra que procede de boca de Deus”’ Jesus afirmou a inerrância do at. Inerrância impli­
[...] Jesus lhe respondeu:“Também está escrito:‘Não ponha ca não conter erro. Esse conceito é encontrado na res­
à prova, o Senhor, o seu Deus’” [...] Jesus lhe disse: “ Retire- posta de Jesus aos saduceus, uma facção que negava a
se, Satanás! Pois está escrito: ‘Adore o Senhor,o seu Deus, e inspiração divina do a t : “Vocês estão enganados por
só a ele preste culto”’ (Mt 4.4,7,10), grifo do autor). que,não conhecem as Escrituras [que não erram] nem
o poder de Deus!” (M t 22.29). Na oração sacerdotal,
Esse uso demonstra que Jesus acreditava que a Bí­ Jesus afirmou a veracidade total das Escrituras, dizen­
blia tinha autoridade final e divina. do ao Pai: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a
Jesus afirmou que o at era imperecível. “Enquanto verdade” (Jo 17.17).
existirem céus e terra, de forma alguma desaparecerá Jesus afirmou a confiabilidade histórica do at. Je­
da Lei a menor letra ou o menor traço, até que tudo se sus afirmou serem historicamente verdadeiras algu­
cumpra” (M t 5.1 8) . Jesus acreditava que o at era a Pala­ mas das passagens mais discutidas do at , incluindo-
vra imperecível do Deus eterno. se a criação de Adão e Eva (Mt 19.4,5), o milagre com
Jesus afirmou que o at era inspirado. Apesar de Je­ Jonas no grande peixe e a destruição do mundo por
sus jam ais ter usado a palavra inspiração, ele usou seu um dilúvio na época de Noé. Sobre esta última, Jesus
equivalente. À pergunta dos fariseus, ele replicou: “En­ declarou:
tão, como é que Davi, falando pelo Espírito, o chama
Senhor... ?” (M t 22.43, grifo do autor). Na verdade, o Como foi nos dias de Noé, assim também será na vinda
próprio Davi disse a respeito de suas palavras: “0 Es­ do Filho do Homem. Pois nos dias anteriores ao Dilúvio o povo
pírito do Senhor falou por meu intermédio; sua pala­ vivia comendo e bebendo, casando-se e dando-se em casa­
vra esteve em minha língua” (2Sm 23.2). É exatam en­ mento, até o dia em que Noé entrou na arca (Mt 24.37,38).
te isso que se quer dizer com inspiração.
Jesus afirmou que a Bíblia é infalível. A palavra in­ Jesus afirmou que Jonas realmente foi engolido por
falível não é usada no n t , mas um equivalente é — um grande peixe e esteve em seu ventre durante três
não pode ser anulada (literalmente: “não pode ser que­ dias e três noites:
brada”). Jesus disse: “Se ele chamou ‘deuses’ àqueles a
quem veio a palavra de Deus, e a Escritura não pode Pois assim como Jonas esteve três dias e três noites no
ser anulada...” (Jo 10.35). Na verdade, três frases po­ ventre de um grande peixe, assim o Filho do Homem ficará
derosas descrevem o at nessa passagem curta: “lei” três dias e três noites no coração da terra (Mt 12.40).
133 Bíblia, visão de Jesus sobre a

Jesus tam bém falou sobre o assassinato de Abel discípulos autoridade divina no que escrevessem,como
ÜJo 3.12), Abraão, Isaque e Jacó (Mt 8.11), os m ila­ também os apóstolos afirmaram essa autoridade nas
gres de Elias (Tg 5.17), e muitas outras pessoas e even- suas obras. João disse: “Mas estes foram escritos para
tos do AT como historicamente verdadeiros, inclusive que vocês creiam que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus
Moisés, Isaías, Davi e Salomão (M t 12.42), e Daniel, o e, crendo, tenham vida em seu nome.”
profeta (M t 24.15). Ele afirmou a confiabilidade his­
tórica de passagens muito discutidas do at . A maneira O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vi­
em que esses eventos são citados, a autoridade que lhes mos com os nossos olhos, o que contemplamos e as nossos
é atribuída e a base que formam para ensinamentos nãos apalparam - isto proclamamos a respeito da Palavra
importantes que Jesus deu sobre sua vida, m orte e res­ daVida.OJo 1.1)
surreição revelam que ele considerava esse eventos
como históricos. Amados, não creiam em qualquer espírito, mas exami­
Jesus afirmou a precisão científica do at. Os capí­ nem os espíritos para ver se eles procedem de Deus, por que
tulos m ais discutidos da Bíblia são os onze prim ei­ muitos falsos profetas têm saído pelo mundo [...] Eles vêm
ros (v. ciência e a B íblia ). Jesus,no entanto, confirmou do mundo. Por isso, o que falam procede do mundo, e o
o registro de todo esse trecho de Gênesis. Confiante- mundo os ouve; mas quem não vem de Deus não nos ouve.
mente ele baseia seu ensinam ento moral sobre o ca­ Dessa forma reconhecemos o Espírito da verdade e o espíri­
samento na verdade literal da criação de Adão e Eva. to do erro. (1 Jo 44,5,6)
Disse aos fariseus:
Da mesma forma, o apóstolo Pedro reconheceu
V o cê s n ã o le r a m q u e , n o p rin c íp io , o C ria d o s “o s fez h o ­ toda a obra de Paulo por “Escritura” (2 Pe 3.15,16; cf. 2
T m .3 .1 5 ,1 6 ),dizendo:
m e m e m u l h e r ” e d is s e : “ P o r e s s a ra z ã o , o h o m e m d e ix a rá
p ai e m ã e e s e u n i r á à su a m u lh e r, e o s d o is se to rn a rã o u m a
Tenham em mente que a paciência de nosso Senhor sig­
só c a r n e ” (Mt 19.4,5).
nifica salvação, como também o nosso amado irmão Paulo
lhes escreveu, com a sabedoria que Deus lhe deu. Ele escre­
Depois de falar com Nicodemos, o líder dos judeus,
ve da mesma forma em todos as suas cartas, falando nelas
sobre coisas terrenas, físicas, como nascimento e ven­
destes assuntos. Suas cartas contêm algumas coisas difíceis
to, Jesus declarou: “Eu lhes falei das coisas terrenas e
de entender, as quais as ignorantes e instáveis torcem, como
vocês não creram; como crerão se lhes falar de coisas
também o fazem com as demais Escrituras, para a própria
celestiais?” (Jo 3.12). Em resumo, Jesus disse que, a não
destruição deles.
ser que acreditassem nele quando falava sobre ques­
tões científicas empíricas, não acreditariam quando
O s t é o registro do ensino apostólico. O nt é, na ver­
falasse sobre questões celestiais — revelando assim
dade, o único reg istro a u tên tico que tem os dos
que ele as considerava inseparáveis.
ensinamentos apostólicos. Cada livro foi escrito por
0 que Jesus prometeu sobre o st . Jesus não só afir­
um apóstolo ou profeta do n t (E f 2.20; 3.3-5).
mou a autoridade e infalibilidade divina do at, mas tam­
Logo, o s t é “toda a verdade"que Jesus prometeu. Com
bém assegurou o mesmo para o x t . Além disso, seus
base no fato de que Jesus prometeu guiar seus discípu­
apóstolos e profetas do x t reivindicaram em seus escri­
los a “toda a verdade” e eles afirmaram essa promessa e
tos o que Jesus lhes prometera (v. B íb l ia , evidências da ).
registraram essa verdade no nt, podemos concluir que
Jesus disse que o Espírito Santo en sin aria “toda a promessa de Jesus finalmente foi cumprida no nt ins­
a v erdade”. J e s u s prom eteu que “ M a s o C onselhei­ pirado. Dessa forma, Jesus confirmou diretamente a ins­
ro, o Espírito Santo, que o Pai e n v i a r á e m meu nome, piração e autoridade divina do at e prometeu o mesmo,
lhes ensinará todas as coisas e l h e s fará lem brar indiretamente, para o n t . Portanto, se Cristo é o Filho de
tudo o q u e e u l h e s d isse”. “ M a s quando o Espírito Deus, então o at e o nt são a Palavra de Deus.
da verdade v ie r, ele os guiará a toda a verdade. Não Jesus e os críticos. Jesus confessou o que muitos
falará d e s i m e s m o ; falará apenas o que ouvir, e lhes críticos modernos negam sobre o at (v. Bíblia , crítica
anunciará o q u e está por vir.” (Jo 14.26; 1 6 .1 3 ,grifo da ). Se Jesus estava certo, então os críticos estão erra­
do autor). Essa prom essa foi cum prida quando fa­ dos, apesar da pretensão de terem a erudição a seu fa­
laram e depois registraram (no x t ) tudo que Jesus vor. Pois se Jesus é o Filho de Deus, então é uma ques­
lhes ensinou. tão de senhorio, não uma questão de erudição.
Os apóstolos afirm aram essa au toridade divina Críticos negativos da Bíblia afirm am que Daniel
que Jesus lhes deu. Jesus não só prometeu aos seus não foi um profeta que previu o futuro, mas apenas
Bíblia, visão islâmica da 134

um historiador que registrou os eventos depois que Apesar das proclamações diretas de Cristo sobre
aconteceram (c. 165 a.C.).M as Jesus concordou com a as Escrituras, muitos críticos acreditam que ele não
visão conservadora, declarando que Daniel era um estava afirmando nada realmente, mas apenas se aco­
profeta (v. D aniel , datação de ). Na verdade, Jesus citou modando às crenças equivocadas dos judeus da sua
uma previsão que Daniel fez de um fato que ainda não época sobre o at. Porém essa hipótese é claramente
havia ocorrido na época de Jesus. No seu Sermão do contrária aos fatos (v. acomodação , teoria da ). Outros
Monte, disse: “Assim, quando vocês irem ‘o sacrilégio acreditam, que por Jesus ser apenas um homem ele
terrível’, do qual falou o profeta Daniel...” (M t 24.15, cometeu erros, alguns dos quais foram sobre a origem
grifo do autor). “Vejam que eu os avisei antecipada­ e natureza das Escrituras. Mas essa especulação tam ­
mente.” (M t 24.25). bém não está baseada nos fatos da questão (v. ibid.).
Muitos críticos afirm am que os primeiros seres Jesus nem acomodou seu ensino a falsas crenças (cf.
hum anos evoluíram por processos naturais. M as, Mt 5 .2 1 ,2 2 ,2 7 ,2 8 ,2 2 .2 9 ; 23.1 s.) nem estava limitado
como já foi observado, Jesus insistiu em que Adão e quanto à autoridade de ensinar a verdade de Deus (cf.
Eva foram criad os por Deus (M t 19.4,5; v. A d ã o , Mt 28.18-20; 7.29; Jo 12.48).
historicidade de ). Se Jesus é o Filho de Deus, então a

escolha é entre Charles Darwin e o divino, entre uma Fontes


criatura do século xix e o Criador eterno. N. L. G kisi.kr, Enciclopédia apologética, cap. 18.
A maioria dos críticos negativos da Bíblia acredita ____e W. E. Nix, Introdução bíblica.
que a história de Jonas é mitologia (v. mitologia e o Novo
R. L ightnf.r, The Saviour and the Scriptures.
T estamento ). Na verdade, com grande ênfase Jesus afir­
). W. W enham, “)esus’ view o f the Old Testam ent”,
mou que “como” Jonas ficou no grande peixe três dias
em N. L. G eisler , org., Inerrancy.
e noites, ele “também” ficaria no túmulo por três dias
e n oites. C ertam en te, Jesu s não te ria b a se a d o a
Bíblia, visão islâmica da. Os muçulmanos acreditam
historicidade da sua m orte e ressurreição em m itolo­
que o Alcorão é a Palavra de Deus, superando todas as
gia sobre Jonas.
outras revelações anteriores. Para sustentar essa cren­
Os críticos da Bíblia negam que tenha havido um
ça, precisam m anter um ataque contra as alegações
dilúvio global na época de Noé ( v. ciência e a B íblia). Mas,
opostas da sua arquiinimiga, a Bíblia.
como visto anteriormente, Jesus afirmou que houve um
O ataqu e à Bíblia. As acusações islâmicas contra a
dilúvio nos dias de Noé em que todos exceto a família
Bíblia dividem-se em duas categorias básicas: em pri­
de Noé pereceram (M t 24.38,39; cf. 1Pe 3.20; 2Pe 3.5,6).
meiro lugar, o texto das Escrituras teria sido alterado
É comum os críticos bíblicos ensinarem que há
ou falsificado; em segundo lugar, erros doutrinários te­
pelo menos dois Isaías, um que viveu após os eventos
riam se misturado ao ensinamento cristão, como a cren­
descritos nos últimos capítulos (40 até 66) e outro que
ça na encarnação de Cristo, a Trindade divina e a dou­
viveu antes e escreveu os capítulos 1 até 39. Mas Jesus
trina do pecado original (Waardenburg, p. 261-3).
citou ambas as partes do livro como a obra do “profe­
Louvor à Bíblia original. Por incrível que pareça, às
ta Isaías” (v. D eutero - I saías). Em Lucas 4.17 Jesus citou
vezes o Alcorão dá às Escrituras judeu-cristãs títulos
a última parte de Isaías (61.1 ), lendo:“O Espírito do Se­
nobres como: “o Livro de Deus”, “a Palavra de Deus”,
nhor está sobre mim, porque ele me ungiu para pregar
“luz e guia para o homem”, “decisão para todos os as­
boas novas os pobres” (Lc 4.18). Em Marcos 7.6 Jesus
suntos”, “guia e misericórdia”, “o Livro lúcido”, “a ilu­
citou a primeira parte de Isaías (29.13), dizendo: “Bem
profetizou Isaías acerca de vocês, hipócritas; como está minação (al-furqan)”, “o evangelho com sua direção e
escrito: Este povo me honra com os lábios, mas o seu luz, confirmando a Lei precedente” e “guia e advertên­
coração está longe de mim” (Mc 7.6). O discípulo de Je­ cia aos que temem a Deus” (Takle, p. 217). Os cristãos
sus, João, deixou absolutamente claro que houve ape­ são incentivados a ler as próprias Escrituras para en­
nas um Isaías ao citar ambas as partes de Isaías (capí­ contrar a revelação de Deus para eles (surata 5.50). E
tulos 53 e 6) na mesma passagem, afirmando sobre a até o próprio Maomé numa ocasião é exortado a testar
segunda que o mesmo “Isaías disse isso” (Jo 12.37-41). a veracidade da própria mensagem pelo conteúdo das
O crítico negativo da Bíblia faria bem ao pergun­ revelações divinas prévias feitas a judeus e cristãos
tar: Quem sabia mais sobre a Bíblia, Cristo ou os críti­ (10.94).
cos? O dilema é esse: Se Jesus é o Filho de Deus, então A Bíblia anulada. Esse louvor à Bíblia é enganador,
a Bíblia é a Palavra de Deus. Inversamente, se a Bíblia já que os muçulmanos logo afirmam que o Alcorão su­
não é a Palavra de Deus, então Jesus não é o Filho de pera as revelações anteriores, com base no seu conceito
Deus (já que ele ensinou falsa doutrina). de revelação progressiva. Com isso esperam mostrar que
135 Bíblia, visão islâmica da

o Alcorão cumpre e anula as revelações menos comple­ originais que vieram do profeta Jesus [...] o original e o fic­
tas, como a Bíblia. Um teólogo islâmico repete essa con­ tício, o divino e o humano estão tão misturados que o trigo
vicção ao afirmar que, apesar de um muçulmano dever não pode ser separado do joio. A verdade é que a Palavra
acreditar na Tawrat (Lei de Moisés), no Zabur (os Sal­ original de Deus não está preservada nem com os judeus
mos de Davi) e no Injil (Evangelhos),“segundo os teó­ nem com os cristãos. 0 Alcorão, por outro lado, está com­
logos mais eminentes”, os livros no estado atual “foram pletamente preservado e nenhum i e nenhum til foi muda­
violados”. Ele continua dizendo: do ou excluído dele (Ajijola, p. 79).

Deve-se acreditar que o Alcorão é o livro mais nobre de Essas acusações nos trazem de volta à doutrina
todos [...] É a última escritura dada por Deus, anula todos os islâmica de tahrif, ou corrupção das Escrituras judeu-cris­
iÕTOS que a precedem [...] É impossível que sofra qualquer tãs. Baseados em alguns dos versículos do Alcorão e, prin­
mudança ou alteração (Jeífery, p. 126-8). cipalmente, na exposição do conteúdo real de outras es­
crituras, os teólogos muçulmanos formularam duas res­
Apesar de ser essa uma visão comum entre teólogos postas. Conforme Nazir-Ali
islâmicos, muitos muçulmanos ainda afirmam crer na san­
tidade e veracidade da Bíblia atual. Mas isso é dito da boca os primeiros comentaristas muçulmanos (por exemplo, At-
para fora, por causa da sua crença firme na suficiência su­ Tabari e Ar-Razi) acreditavam que a alteração é tahrifbíal mahi,
prema do Alcorão. Poucos chegam a estudar a Bíblia. uma corrupção do significado do texto sem alteração do texto
Contra o at. O s muçulmanos geralmente demons­ em si. Gradualmente, a visão dominante mudou para tahrifbid-
tram uma visão menos favorável do at, que eles acre­ lafz, corrupção do próprio texto (Nazir-Ali,p.46).
ditam ter sido distorcido pelos mestres da lei. As acu­
sações incluem : esconder a Palavra de Deus (2.42; Os teólogos espanhóis Ibn-Hazm, e Al-Biruni, com a
3.71), distorcer verbalmente a mensagem nos seus li­ maioria dos muçulmanos, apoiam essa visão.
vros (3.78; 4.46), não crer em todas as partes das suas Outro erudito corânico afirma que
Escrituras (2.85) e não saber o que suas Escrituras re­
almente ensinam (2.78). Os muçulmanos incluíram a Torá bíblica aparentemente não era idêntica à tawrat
os cristãos nessas críticas. [lei] pura conforme revelado a Moisés, mas havia variedade
Por causa das ambigüidades dos registros do Al­ considerável de opinião quanto à extensão da corrupção das
corão, os muçulmanos adotam posições variadas (que antigas escrituras.
às vezes estão em conflito) com relação à Bíblia. Por
exemplo, o famoso reformador muçulmano Muham- Por um lado,
madAbduh escreve:
Ibn-Hazm, que foi o primeiro pensador a considerar sis­
A Bíblia, o Novo Testamento e o Alcorão são três livros tematicamente o problema de tahdil [mudança], afirmou
concordantes; homens religiosos estudam todas os três e os [...] que o próprio texto havia sido mudado ou falsificado
respeitam igualmente. Então o ensinamento divino é com­ (taghyr), e chamou atenção para histórias imorais que se
pleto, e a verdadeira religião resplandece pelos séculos encontravam nas escrituras.
(Dermenghem,p. 138).
Por outro lado,
Outro autor muçulmano tenta harmonizar as três
grandes religiões mundiais dessa forma: “O judaísm o Ibn-Khaldun afirmou que o próprio texto não havia sido
enfatiza a justiça e a retidão; o cristianism o, o amor e falsificado, mas os judeus e cristãos interpretaram mal suas
a caridade; o islam ism o, a fraternid ad e e a paz” escrituras, principalmente os textos que previam ou anun­
(Waddy,p. 116). Mas a abordagem islâmica típica para ciavam a missão de Maomé e da vinda do islamismo
esse assunto é caracterizad a por com entários do (Waardenburg, p. 257).
apologista muçulmano, Ajijola:
0 fato de um erudito m uçulm ano dem onstrar
Os cinco primeiros livros do Antigo Testamento não cons­ certo respeito pela Bíblia, fazer citações dela, ou a m a­
tituem a Tawrat original, mas partes da Tawrat foram mistura­ neira como ele faz depende da sua própria interpre­
das com outras narrativas escritas por seres humanos, e a dire­ tação de tabdil. Ibn-H azm , por exemplo, rejeita qua­
ção original do Senhor se perdeu nesse lodaçal. Da mesma se todo o at por ser uma obra falsificada, mas cita
forma, os quatro evangelhos de Cristo não são os evangelhos alegremente os maus relatórios Tawrat sobre a fé e o
Bíblia, visão islâmica da 136

com portam ento do Banu Israil como provas contra O debate continua e cada indivíduo muçulmano pode
os judeus e sua religião. posicionar-se em um dos lados nessa questão, b ase­
Contra o nt. O famoso com entarista muçulmano ado no seu próprio entendimento.
Yusuf Ali afirma que Uma resposta às acusações islâm icas. Uma evi­
dência de que essas visões islâmicas estão extrem a­
o ínji! mencionado pelo Alcorão não é o n t . Não mente erradas é a incoerência interna da própria vi­
corresponde aos quatro evangelhos canônicos. É o evange­ são muçulmana das Escrituras. Outra é que ela é con­
lho único que, segundo o islamismo, foi revelado a Jesus e trária aos fatos.
que ele ensinou. Partes dele sobrevivem nos evangelhos con­ Tensão na visão islâmica sobre a da Bíblia. Há uma
siderados canônicos e em alguns outros dos quais sobrevi­ grande tensão na rejeição islâmica da autenticidade
vem vestígios (Ali, p. 287). do nt real. Essa tensão pode ser focalizada pelos se­
guintes ensinamentos do Alcorão:
São feitas alegações d iretas con tra o nt e o
ensinamento cristão. Elas incluem acusações de que houve • O Novo Testamento original (“injil”) é uma re­
uma mudança e falsificação da revelação divina textual e velação de Deus (5.46,67,69,71).
de que houve erros doutrinários, tais como a crença na • Jesus foi um profeta e os muçulmanos devem
encarnação de Cristo, a Trindade, a divindade e a doutri­ acreditarem suas palavras (4.171; 5 .7 8 ).Como
na do pecado original (Waardenburg, p. 261-3). observa o teólogo muçulmano Mufassir: ‘Os
Discutida entre os teólogos muçulmanos é a ques­ muçulmanos acreditam que todos os profetas
tão do destino eterno do “povo do Livro”. Apesar de o são verdadeiros porque são nomeados a servi­
muçulmano comum considerar qualquer “pessoa boa” ço da humanidade pelo Deus todo-poderoso
digna de salvação, tentar explicar todas as evidências (A lá)’ (Mufassir, i).
do Alcorão sobre esse assunto criou muita incerteza. • Os cristãos eram obrigados a aceitar o nt do
Entre os teólogos muçulmanos clássicos, judeus e tempo de Maomé (século vn; 10.94).
cristãos geralm ente eram considerados incrédulos
(kafar) por causa da sua rejeição de Maomé como ver­ Na décima surata, Maomé é advertido:
dadeiro profeta de Deus. Por exemplo, no comentário
sobre o Alcorão escrito por Tabari, um dos com enta­ Se estás em dúvida sobre o que te temos revelado, con­
ristas muçulmanos mais respeitados de todos os tem ­ sulta aqueles que leram o Livro [a Bíblia] antes de ti. Sem
pos, notamos que, apesar de o autor distinguir entre o dúvida que te chegou a verdade do teu Senhor; não sejas,
“povo do livro” e os politeístas ( mushrikun ) e expres­ pois dos que duvidam.
sar uma opinião mais elevada quanto aos primeiros,
ele declara claramente que a maioria dos judeus e cris­ Abdul-Haqq observa que:
tãos são incrédulos e pecadores porque se recusam a
reconhecer a veracidade de Maomé (Antes, p. 104-5). Os doutores do islamismo ficam muito embaraçados
Além disso, existe a acusação contra a crença cristã com esse versículo, que remete o profeta ao povo do Livro
na divindade de Cristo como Filho de Deus (v. c r is t o , que resolveria suas dúvidas (Abdul-Haqq, p. 23).
d iv in d a d e d e ) , uma crença que significa cometer o peca­
do imperdoável de shirk e que é condenada enfatica­ Uma das interpretações mais estranhas é que a
mente em todo o Alcorão. A condenação dos cristãos é surata é na verdade dirigida àqueles que questionam
demonstrada na surata 5.72:“São blasfemos aqueles que sua afirmação. Outros afirm am que:
dizem: Allah é o Messias, filho de Maria [...] A quem
atribuir parceiros a Allah ser-lhe-á vedada a entrada no Foi o próprio Maomé quem foi mencionado, mas, não
Paraíso e sua morada será o Fogo Infernal...” importa o quanto mudem e direcionem a bússola, ela sem­
Por outro lado o teólogo m uçulm ano contem po­ pre aponta para o mesmo pólo celestial — a pureza e pre­
râneo, Falzur Rahm an, vai contra o que admite ser servação das Escrituras.
“a grande m aioria dos com entaristas m uçulm anos” .
Ele defende a opinião de que a salvação não é adqui­ Mas Abdul-Haqq acrescenta:
rida pelo ingresso form al na fé m uçulm ana, mas,
como mostra o Alcorão, pela crença em Deus e no dia Se novamente, considerarmos que o povo mencionado é
final e pela prática de boas obras (Rahman, p. 166-7). aquele que duvidou da verdade do islamismo, todo o fundamento
137 Bíblia, visão islâmica da

da missão do proteta é exposto; com relação a isso os incré­ Vaticano ( b ) , que data de cerca de 325-350 d.C. Há mais
dulos são dirigidos aos judeus [ou cristãos] para uma res­ de 5 300 outros m anuscritos do nt ( v. n t , m a n u s c r it o s

posta às suas dúvidas; isso só fortaleceria o argumento em do n t ), que datam do século n ao século xv (centenas
favor da autoridade das Escrituras — um resultado para o dos quais são anteriores a Maomé), que confirmam
qual os críticos muçulmanos não estariam nem um pouco que temos substancialmente o mesmo texto que foi
preparados (ibid.,p. 100). escrito no século i. Esses manuscritos oferecem uma
corrente ininterrupta de testemunhos. Por exemplo, o
Os cristãos respondem que Maomé não teria pe­ fragm ento m ais antigo do nt, o Fragm ento John
dido que aceitassem uma versão corrom pida do n t . Rylands (p-: ), data de aproximadamente 117-38 d.C.
Além disso, o x t da época de Maomé é substancial­ Ele preserva versículos de João 18 como são encontra­
m ente idêntico ao atual, já que o n t atual é baseado dos no nt atual. Da mesma forma, os Papiros Bodmer
em m anu scritos de vários séculos antes de Maomé de c. 200 preservam livros inteiros de Pedro e Judas
(v. n t , m a n u s c r i t o s d o n t ) . Então, pela lógica desse como os temos hoje. A maior parte do n t , incluindo-se
versículo, os m uçulm anos devem aceitar a autenti­ os evangelhos, está nos Papiros Beatty, e o nt inteiro
cidade da B íblia atual. M as, se o fizerem , devem no Vaticano de cerca de 325 d.C. Não há nenhuma evi­
aceitar as doutrinas da divindade de Cristo (v. C r i s ­ dência de que a mensagem do nt tenha sido destruída
t o , d i v i n d a d e d e ) e da t r i n d a d e , já que é isso que o n t
ou distorcida, como os muçulmanos afirm am que foi
ensina. Mas os m uçulm anos rejeitam totalm ente (v. Geisler e Nix, cap. 22).
esses ensinam entos, criando um dilem a dentro da Finalmente, os muçulmanos usam críticos liberais do
visão islâm ica. nt para m ostrar que o nt foi corrompido, perdido e
Outra incoerência na visão do Alcorão sobre a Bí­
desatualizado. Mas o falecido teólogo liberal John A. T.
blia é que os muçulmanos afirmam que a Bíblia é “a
Robinson concluiu que o registro do Evangelho foi escrito
palavra de Allah” (2.75). Os muçulmanos também in­
ainda durante a vida dos apóstolos, entre 40 e 60 d.C. (v. n t ,
sistem em que as palavras de Deus não podem ser alte­
h isto ric id a d e d o ; B íb l ia , c r ít ic a d a ) . A ex-crítica bultmanniana
radas ou mudadas. Mas, como Pfander demonstra: “se
do Novo Testamento Eta Linnemann concluiu recentemente
ambas as afirmações estão corretas [...] conclui-se que
que a teoria de que o Novo Testamento preservado nos
a Bíblia não foi mudada nem corrompida nem antes
manuscritos não contém precisamente as palavras e ações
nem depois da época de Maomé” (Pfander, p. 101).Mas
de Jesus não é mais defensável. Ela escreveu:
o ensinamento islâmico insiste em que a Bíblia foi cor­
rompida, logo, há contradição.
Com o passar do tempo, fico cada vez mais convencida
Como o acadêmico islâmico Richard Bell demons­
de que a crítica do Novo Testamento praticada por pessoas
trou, é irracional supor que judeus e cristãos conspira­
dedicadas à teologia histórico-crítica não merece ser cha­
riam para mudar o a t . Pois “seu [dos judeus] sentimen­
mada de ciência (Linnemann, p. 9).
to para com os cristãos sempre foi hostil” (Bell, p. 164-
5). Por que dois grupos hostis (judeus e cristãos), que
com partilhavam um a t com um , conspirariam em Ela acrescenta: “Os evangelhos não são obras de
mudá-lo para apoiar as visões de um inimigo comum, literatura que reformulam criativamente material já
os muçulmanos? Não faz sentido. Além disso, no su­ acabado como Goethe reformulou o livro popular so­
posto período das mudanças textuais, judeus e cristãos bre o Fausto” (ibid., p. 104). M as:“Cada evangelho apre­
estavam espalhados pelo mundo, tornando impossível senta um testemunho completo e singular. Ele deve sua
a suposta colaboração para corromper o texto. E o nú­ existência a testemunhas oculares diretas ou indire­
mero de cópias do at em circulação era grande demais tas” (ibid., p. 194).
para as mudanças serem uniformes. E também não há Além disso, o uso desses críticos liberais pelos
menção de nenhuma mudança por parte de judeus ou apologistas muçulmanos mina sua visão do Alcorão.
cristãos da época que se tornaram muçulmanos, algo Autores muçulmanos gostam de citar as conclusões
que certam en te teriam feito se fosse verdade (v. de críticos liberais da Bíblia sem consideração séria
McDowell.p. 52-3). das suas pressuposições. 0 anti-sobrenaturalismo que
Contrário à evidência factual. Além disso, a re­ levou críticos liberais da Bíblia a negar que Moisés es­
jeição do n t por parte dos m uçulmanos é contrária à creveu o Pentateuco, indicando os nomes diferentes de
enorme evidência de m anuscritos. Todos os evange­ Deus usados em passagens diferentes, também argu­
lhos são preservados nos Papiros Chester Beatty, copia­ mentaria que o Alcorão não veio de Maomé. Pois o Al­
dos por volta de 250. E todo o n t existe no manuscrito corão tam bém usa nomes diferentes para Deus em
b ig -b an g 138

passagens diferentes. Alá é usado para Deus em suras 4, Bíblia e ciência. V. c iê n c ia e a B íb l ia .

9,2 4,33, mas Rab [Senhor] é usado em suras 18,23 e 25


(Harrison, p. 517). Os muçulmanos não percebem que big-bang. É uma teoria muito popularizada relativa à
as visões desses críticos são baseadas em preconceito origem do universo (v. e v o l u ç ã o c ó s m i c a ) , segundo a qual
anti-sobrenatural que, se aplicado ao Alcorão e ao hadíth, o universo material ou cosmo surgiu de uma explosão há
também destruiria as crenças muçulmanas básicas. Em 15 bilhões de anos. Desde então o universo vem se ex­
resumo, os muçulmanos não podem apelar coerentemen­ pandindo e desenvolvendo conform e as condições
te à crítica do nt baseada na idéia de que milagres não estabelecidas no momento da sua origem. Se essas con­
acontecem, a não ser que queiram minar sua própria fé. dições fossem ligeiramente diferentes, o mundo e a vida
Conclusão. Se os cristãos da época de Maomé fo­ que conhecemos, inclusive a vida humana, jamais teriam
ram incentivados a aceitar o xt e se a evidência abun­ se desenvolvido. O fato de que as condições necessárias e
dante de manuscritos confirma que o nt atual é es­ favoráveis para o surgimento da vida humana foram de­
sencialm ente o mesm o, então, segundo os ensina­ terminadas no próprio momento da explosão cósmica
mentos do próprio Alcorão, os cristãos devem aceitar original é chamado de princípio antrópico.
os ensinamentos do xt . Mas o xt atual afirma que Je­ E v id ên cias d o big-bang. O astrônom o inglês
sus é o Filho de Deus, que morreu na cruz pelos nos­ Stephen Hawking esclareceu bem o assunto:
sos pecados e ressuscitou três dias depois. Mas isso é
contrário ao Alcorão. Logo, a rejeição muçulmana da Contanto que o universo tivesse um começo, podería­
autenticidade do nt é incoerente com sua própria cren­ mos supor que teve um criador. Mas se o universo fosse na
ça na inspiração do Alcorão. verdade completamente auto-abrangente, sem limite ou ex­
tremidade, não teria nem começo nem fim; simplesmente
Fontes
existiria (Uma breve história do tempo).
A. A. Abdul-Haqq, S h a r i n g y o u r f a i t h w it h a m u s lim .
A. A. D. Ajijola, T h e e s s e n c e o f f a i t h in I s la m .
Robert Jastrow foi um dos primeiros a mencionar essa
A. Y. A li, T h e h o l y Q u r'a n .
questão no seu livro God and the astronomers [Deus e os
P. A ntes, “Relations with the unbelievers in islam ic
astrônomos}. Esse astrônomo agnóstico observou que:
theology”, em A. S hlmmel e A. F alaturi, orgs.,
W e b e l i e v e in o n e G o d .
“três linhas de evidência — os movimentos das galáxi­
R. B eit , T h e o r i g i n o f I s l a m in its C h r is tia n
as, as leis de termodinâmica e a história de vida das estrelas
e n v iro n m e n t.
— apontavam para uma conclusão: todas indicavam que o
M. B ucaille, A B í b l i a , o A l c o r ã o e a c i ê n c i a .
universo teve um começo” (p. 111).
W. Campbell, T h e Q u r ’a n a n d t h e B i b l e in t h e lig h t o f

h i s t o r y a n d s c ie n c e .
A segunda lei da termodinâmica. A segunda lei da
E. Dermenghem, Aiu/iammad a n d t h e i s la m ic
term odinâm ica é a lei de entropia. Ela afirm a que a
t r a d it i o n .
quantidade de energia utilizável em qualquer sistema
N. L. Gfjsler e A. S alf.eb, A n s w e r i n g I s la m : th e
fechado está sempre diminuindo. Isso deve ser con­
C r e s c e n t in t h e li g h t o f t h e c r o s s.
trastado com a prim eira lei da term odinâm ica (v.
___ e W. E. Nix, I n t r o d u ç ã o b íb l i c a .
t e r m o d i n â m i c a , l e i s d a ) , a lei da conservação de ener­
R . K. H arrison, I n t r o d u c t i o n to t h e O ld T e s ta m e n t.
gia, que afirma que a quantidade de energia real exis­
A. J effery, org., I s la m , M u h a m m a d a n d h is r e lig io n .
tente no universo muda de forma, mas perm anece
E. L innkmann, I s t h e r e a s y n o p t i c p r o b l e m s
constante. Enquanto a energia muda para formas que
R e t h i n k i n g t h e li t e r a r y d e p e n d e n c e o f t h e fir s t
requerem menos energia, o sistema fechado do uni­
t h r e e g o s p e ls .

J. M cDowell, T h e I s l a m d e b a t e . verso está se deteriorando; tudo tende ao caos. Jastrow


S. S. Mi'FASSiRj/estiS, a p r o p h e t o f I s la m . observou: “Depois que o hidrogênio se esgotar numa
M. N a s r - A l i , F r o n t ie r s in m u s l i m - c h r i s t i a n estrela e se converter em elementos mais pesados, não
en co u n ter.
pode mais ser restaurado ao estado original”. Logo,
G. P fander, T he M iz a m f!H a q q .
“minuto a minuto e ano após ano, à medida que o hi­
F. Rahman, M a j o r t h e m e s o f t h e Q u r ’n a . drogênio é usado nas estrelas, o suprimento desse ele­
J. Waardenbcrg, “World religions as seen in the light mento no universo diminui” {Scíentist caught,p. 15 - 6).
of Islam ”, em Islam: past influence and present Ora, se a quantidade total de energia permanece a
challenge. mesma, mas o universo está gastando a energia utili­
C.W addy, T h e m u s lim m in d .
zável, o universo começou com um suprimento finito
139 big -b an g

de energia. Isso significaria que o universo não pode­ que convenceu quase todos os céticos, é que a radiação desco­
ria ter existido eternamente no passado. Se o universo berta por Penzias e Wilson tem exatamente o padrão de com­
está ficando cada vez mais desordenado, não pode ser primentos de onda esperados para a luz e o calor produzidos
eterno. Senão, estaria totalmente desordenado agora, numa grande explosão. Defensores da teoria do estado está­
mas não está. Então ele deve ter tido um começo alta­ vel tentaram desesperadamente encontrar uma explicação
mente ordenado. alternativa,mas falharam ( Jastrow,“Ascientist caught”,p. 15).
A expansão das galáxias. A segunda linha de evi­
dência é a expansão das galáxias. Evidências revelam Xovamente, essa evidência leva à conclusão de que
que o universo não está apenas num padrão estável, houve um começo do universo.
mantendo seu movimento eterno. Ele está se expan­ A descoberta de uma grande massa de matéria. De­
dindo. No momento parece que todas as galáxias es­ pois que Jastrow escreveu as trés linhas de evidência
tão se movendo para fora a partir de um ponto central para o começo do universo, uma quarta foi descoberta.
de origem e que todas as coisas estavam se expandin­ Segundo as previsões da teoria do big-bang, provavel­
do mais rápido no passado que agora. Quando olha­ mente teria havido uma grande massa de matéria asso­
mos para o espaço, também estamos olhando para o ciada à explosão original do universo, mas nada com­
passado, pois estamos vendo coisas não como são ago­ parável jamais fora encontrado. Então, por meio da uti­
ra, mas como eram quando a luz foi emitida muitos lização do telescópio espacial Hubble (1992), astrôno­
anos atrás. A luz de uma estrela a 7 milhões de anos- mos conseguiram relatar que “ao investigar o início do
hiz de distância nos conta como aquela estrela era e tempo, um satélite descobre a estrutura maior e mais
sua localização 7 milhões de anos atrás. O estudo mais antiga jam ais observada — evidência de como o uni­
com pleto feito até agora foi realizado por Allan verso surgiu 15 bilhões de anos atrás”. Na verdade, des­
Sandage utilizando um telescópio de 200 polegadas. cobriram a própria massa de matéria prevista pela
cosmologia do big-bang. Um cientista exclamou: “É
Ele reuniu informações de 42 galáxias, a distâncias no como ver Deus” (Lemonick, p. 62).
espaço de até 6 bilhões de anos-luz de nós. Suas medições Objeções ao big-bang. É claro que nem todos os
indicam que o universo estava se expandindo mais rapida­ cientistas que aceitam um universo em expansão con­
mente no passado que agora. Esse resultado dá mais apoio à cluem que o universo foi criado do nada por Deus. Al­
crença de que o universo surgiu de uma explosão (Jastrow, guns têm buscado diligentemente encontrar outras
God and the astronomers, p. 95). alternativas para as implicações teístas.
T eo ria d a r e p e r c u s s ã o c ó s m ic a . Alguns cosmólogos
Outro astrônom o,Victor J. Stenger, usou uma fra­ defendem um tipo de teoria da repercussão segundo
se sem elhante quando afirmou que “o universo ex­ a qual o universo entra em colapso e repercussão eter­
plodiu do nada” (Stenger, p. 13). Essa explosão, cha­ namente. Eles propõem que há matéria suficiente para
mada b i g - b a n g , foi o ponto de partida do qual todo o causar uma atração gravitacional que atrairá o uni­
universo surgiu. Reverter o universo em expansão verso em expansão. Consideram isso parte da nature­
nos levaria de volta ao ponto onde o universo fica za pulsante da realidade de forma semelhante à visão
menor e menor até desaparecer. Segundo esse racio­ hindu de que o universo se move em ciclos eternos.
cínio, num determ inado ponto no passado distante, Mas os defensores do big-bang observam que não
-o universo surgiu. há evidência para apoiar essa teoria. É improvável que
0 r u íd o d a r a d i a ç ã o . Uma terceira linha de evidên­ haja matéria suficiente no universo para fazer o uni­
cias de que o universo teve um começo é o “ruído” de verso em expansão entrar em colapso uma única vez.
radiação de microondas que parece vir de todo o uni­ Mesmo se houvesse m atéria suficiente para causar
verso. A princípio acreditava-se que era uma falha ou uma repercussão, há bons motivos para crer que ela
um ruído dos instrumentos, ou até o efeito de fezes de não repercutiria para sempre. Pois de acordo com a
pombas. Mas pesquisas revelaram que o ruído dos comprovada segunda lei da termodinâmica, cada re­
instrumentos vinha de toda a parte — o próprio uni­ percussão sucessiva teria menos poder explosivo que
verso tem um som de radiação baixa emanando de a anterior, até que o universo não repercutisse mais.
alguma catástrofe passada como uma bola de fogo gi­ Como uma bola que quica, ele finalmente perderia a
gante. Jastrow conclui: força, demonstrando não ser eterno. A hipótese da re­
percussão e baseada na premissa falha de que o uni­
Nenhuma explicação alem do big-bang jamais foi en­ verso é 100°o eficiente, o que não é. Parte da energia
contrada para a radiação da bola de fogo. 0 ponto decisivo, utilizável é perdida em cada processo.
b ig -b an g 140

Lógica e matematicamente a evidência para o big- real em que vivem os e que teve p rin cíp io. E até
b a n g sugere que originariamente não havia espaço, Hawking admitiu que, se houve um início, então é ra­
nem tempo, nem matéria. Logo, mesmo que o univer­ zoável supor que tenha havido um Criador.
so de alguma forma estivesse se expandindo e se con­ Hawking admitiu ainda que, mesmo que sua pro­
traindo desse ponto em diante, no começo teria surgi­ posta acabasse descrevendo o universo real, nenhu­
do do nada. Isso ainda exige um Criador inicial. ma conclusão poderia ser tomada sobre a existência
C o s m o lo g ia p l a s m á t k a (A lfv é n -K le in ). Hannes de Deus. Escreveu: “Não creio que a proposta da
Alfvén propôs uma cosmologia plasmática, segundo inexistência de limites prove a inexistência de Deus,
a qual o universo é composto de gases eletricamente mas pode afetar nossas idéias sobre a natureza de
condutores que produzem indiretamente um efeito de Deus”. Nas palavras de Hawking, apenas dem onstra­
repulsão das galáxias, causando a expansão observa­ ria que “não precisamos de alguém para acender o
da. A expansão, no entanto, não começa com um úni­ pavio do universo” (Heeren, p. 83). Mas isso não quer
co ponto; ela tem um tipo de big-bang parcial e depois dizer que não haveria nada para Deus fazer, pois há
se contrai até aproximadamente um terço do tam a­ mais coisas para fazer funcionar um universo do que
nho do universo atual. Então, algum princípio desco­ simplesmente detonar o big-bang inicial.
nhecido entra em ação e faz explodir tudo novamente, Os cientistas não têm uma teoria que demonstre
mantendo um equilíbrio eterno. Essa especulação não como um universo ilimitada poderia existir. Como,por
tem apoio científico. Como outras teorias de expan­ exemplo, as idéias do universo em expansão podem
são-contração, é contrária à segunda lei da termo di­ ser combinadas com um ou nenhum limite? Alan Guth,
nâm ica. Especula sem evidência de que o universo pai do modelo inflacionário, concluiu que a proposta
nunca se desgasta, mas recicla continuamente formas de Hawking

antigas de energia. Nada jam ais é gasto.


Os teóricos da cosm ologia plasm ática admitem
sofre do problema de ainda não ter uma teoria bem defi­
nida em que implantá-la. Ou seja, sua teoria é, na verdade, uma
que não conhecem nenhuma força que pudesse ter sido
noção de gravidade quântica, e até agora não temos uma teo­
responsável pela expansão. É apenas especulação b a ­
ria com pleta da gravidade em que im p lantar essa idéia
seada na pressuposição de um universo eterno. E a te­
(Heeren, p. 83).
oria Alfvén-Klein não explica os isótopos de hélio e
luz no universo que não teriam sido sintetizados nes­
Mesmo Einstein não foi capaz de encontrar uma
sas quantid ades só em estrela s. Elas podem ser
explicação para a equação da relatividade geral que
explicadas pelo big-bang. Além disso, não oferece uma
não exigisse um início ou um Criador para o univer­
boa explicação para o ruído cósmico, que é explicado
so. Mais tarde ele escreveu seu desejo “de saber como
pela teoria do big-bang. Matéria mais pesada deveria
Deus criou o universo” (ibid., p. 84). Na verdade, até
ser abundante de acordo com a teoria Alfvén-Klein.
Hawking levanta a questão de quem “deu partida às
Nenhuma foi encontrada.
equações” e detonou o universo ( B u ra c o s n eg ro s, p. 99)
Finalmente, a teoria Alfvén-Klein não explica as
E r u p ç ã o e s p o n tâ n e a : se m n e c e s s id a d e d e ca u sa . Al­
origens últimas. Eric Lerner, que popularizou essa te­
guns ateus argumentam que não há necessidade de
oria, propôs um “ponto de partida” para o cosmo quan­
uma causa do início do universo. Eles insistem que não
do estava “cheio de um plasma de hidrogênio mais ou
há nada incoerente sobre algo que surge espontanea­
menos uniforme, livre de elétrons e prótons” (Heeren,
mente do nada. Alguns pontos são relevantes para res­
p. 81). Quando questionado sobre o que criou esse plas­
ponder a essa objeção.
ma, ele admitiu que “não temos conhecimento real Inicialmente, essa proposição é contrária ao princí­
sobre quais foram esses processos” (ibid., p. 81). pio estabelecido da causalidade (v. c a u s a l id a d e , p r in c ip io
O te m p o in fin ito d e H aw king. Outra teoria especu­ d a ) que afirma que tudo que surge teve uma causa. Na
lativa sobre o b ig -b an g é a hip ótese de Stephen verdade, até o cético David H u m e confessou sua crença
Hawking sobre o tempo infinito - o universo não teve nesse princípio comprovado, dizendo: “Jamais afirmei
começo. Mas essa recapitulação da teoria de Albert uma proposta tão absurda quanto a idéia de que qual­
Einstein está sujeita às mesmas críticas que levaram o quer coisa possa surgir sem causa” ( Hume, v. l,p . 187).
próprio Einstein a descartá-la ( v . K a l a m , a r g u m e n t o Em segundo lugar, ela é contrária à iniciativa ci­
c o s m o l ó c i c o ) . É uma teoria engenhosa destruída pelo
entífica que busca a explicação causal das coisas.
mesmo conjunto brutal de fatos que exige que o uni­ Francis Bacon, o pai da ciência moderna, afirmou que
verso tenha início. Até Hawking distingue seu abstra­ o verdadeiro conhecimento é “o conhecimento das cau­
to tempo matemático, que não tem início, do tempo sas” (Bacon, v. 2, p. 121).
141 b ig -b an g

Em terceiro lugar, é contrário ao senso comum incluindo Cari Sagan, usam a primeira lei da term o­
acreditar que as coisas sim plesmente aparecem do dinâm ica para apoiar sua teoria. Geralmente essa lei
nada, sem m ais nem menos. A realidade não funciona da conservação de energia é assim formulada: “A ener­
assim na nossa experiência. gia não pode ser criada nem destruída”. Se isso fosse
Em quarto lugar, a idéia de que nada pode causar verdade, a conclusão natural seria que o universo (i.e.,
alguma coisa é logicamente incoerente, já que “nada” a soma total de toda energia real) é eterno.
não tem poder para fazer nada — nem sequer existe. Essa, todavia, é uma má interpretação da lei, que
Como diz o axioma latino: E x n ih ilo tiihil fit: Do nada, deveria ser assim formulada: “A quantidade real de ener­
nada vem. gia no universo permanece constante”. Essa formula­
Em quinto lugar, quando se examina o “nada” de ção é baseada na observação científica sobre o que real­
que o universo supostamente veio, sem uma causa mente ocorre e não é uma afirmação filosófica dogmá­
sobrenatural, descobre-se que não é realmente nada. tica sobre o que p o d e ou n ã o p o d e acontecer. Não há
Isaac Asimov fala sobre isso como um estado de “exis­ evidência científica de que o universo é eterno.
tência” em que há “energia” (Asimov, p. 148). Está muito A segunda lei confirma que a primeira lei não pode
longe de ser nada. Mesmo em termos físicos não é re­ ser afirmada em termos que não permitem a criação
almente o nada. Ed Tryon, que deu origem à idéia (num de energia. Pois a segunda lei demonstra que nenhu­
artigo de N atu re de 1973), reconheceu o problema de ma energia existiria se não viesse de fora de um siste­
explicar a criação a partir do nada absoluto, já que os ma. Portanto, não pode haver nada como um sistema
efeitos quânticos exigem algo mais que nada — exi­ realmente fechado.
gem es p a ç o , algo que os físicos agora distinguem cui­ Dizer que a energia n ã o p o d e ser criada é uma pe­
dadosamente de “nada” (v. Heeren, p. 93). Como Fred tição de princípio. Isso é o que precisa ser provado. É
Hoyle observou:“As propriedades físicas do vácuo [ou vitória por definição estipuladora — um exemplo clás­
“nada”) ainda seriam necessárias, e isso seria algo” sico do erro lógico de p e t itio p rin c ip ii.
(Hoyle, p. 144). Além disso, a relatividade geral revela Universo etern o inativo. Alguns sugerem que o big-
que o espaço no nosso universo não é apenas um nada. b a n g apenas indica a primeira erupção num universo
Como Einstein escreveu: “Não existe um espaço vazio, anteriormente eterno. Isto é, o universo era eternamen­
isto é, um espaço sem campo. 0 tempo-espaço não te inativo antes desse primeiro evento. A singularidade
existe sozinho, mas apenas como uma qualidade es­ do b ig -b a n g apenas marca a transição da matéria física
trutural do campo” (H eeren,p.93). 0 cosmólogo Paul primeva. Assim, não haveria necessidade de um Cria­
Davies lembra que, quando um físico pergunta como dor para fazer surgir algo do nada.
a matéria surgiu do nada,“isso significa não só como Os teístas observam que nenhuma lei natural co­
a matéria surgiu do nada, mas também ‘por que o es­ nhecida poderia explicar essa erupção violenta a par­
paço e tempo existem, para que a matéria surja de­ tir de inatividade eterna. Alguns argumentam que um
les?”. Como o cientista espacial John Mather observa, universo eternamente inativo é fisicamente impossí­
vel, já que teria de existir no zero absoluto, o que é
não tem os nenhuma equação para criar espaço e tempo. impossível. A matéria no início poderia ser qualquer
E o conceito nem mesmo faz sentido, [...] F. certam ente não coisa, menos fria, pois estaria concentrada numa bola
conheço nenhum trabalho que realmente o explique, uma vez de fogo com temperaturas acima de bilhões de graus
que não pode sequer formular o conceito ( ibid., p. 93-4). Kelvin. Num monte de matéria congelada a zero abso­
luto, nenhum evento inicial teria ocorrido.
George Smoot, principal pesquisador com o saté­ Supor matéria primordial eterna não explica a or­
lite co be , disse: “É possível imaginar a criação do uni­ dem incrível que segue o momento do b ig -b a n g . Ape­
verso do quase nada — não do nada, mas praticamen­ nas um Criador inteligente pode explicar isso.
te nada” (ibid., p. 94). Então, o “nada” a partir do qual A te o ria d o e s ta d o estável. Hoyle propôs a teoria do
alguns cientistas sugerem que o universo surgiria sem estado estável para evitar a conclusão de um Criador.
uma causa sobrenatural não é realmente nada — é Ela afirma que átomos de hidrogênio surgem para
algo. Isso envolve pelo menos espaço e tempo. Mas impedir o esgotamento do universo. Essa hipótese tem
antes do b ig -b a n g não havia espaço, nem tempo, nem falhas fatais, e a maior delas é que nenhuma evidên­
matéria. Desse “nada”, só uma causa sobrenatural po­ cia científica sequer sugere tal evento. Ninguém jam ais
deria criar algo. observou energia surgindo em lugar nenhum.
A p r im e ir a le i d a te r m o d in â m ic a . Muitos a stró ­ A teoria do estado estável contradiz o princípio de
nomos que propõem que o universo pode ser eterno, causalidade de que deve haver uma causa adequada
b ig -b an g 142

para todo evento. Apenas um Criador seria uma causa Im plicações teístas. Após revisar as evidências de
adequada para a criação de novos átomos de hidrogê­ que o cosm o s teve um in ício , o físico Edm und
nio do nada. Negar o princípio de causalidade é um Whittaker concluiu: “É mais simples postular a cria­
preço alto para o cientista pagar. ção ex nihilo — vontade divina constituindo a natu­
Apesar de Hoyle não ter abandonado sua teoria do reza do nada” (citado em Jastrow,“A scientist caught”,
estado estável, ele concluiu que a incrível complexida­ p. 111).Até Jastrow, um agnóstico declarado, disse que
de até das formas mais simples de vida exigem um “o fato de existirem coisas que eu ou qualquer outra
Criador. Depois de calcular que a probabilidade de a pessoa chamaria de forças sobrenaturais em ação é
primeira vida ter surgido sem intervenção inteligente agora, na minha opinião, cientificamente comprova­
é de 1 em IO40000, Hoyle reconhece um Criador da vida do” [God and the astronomers, p. 15,18). Jastrow acres­
(Hoyle, p. 2 4 ,1 4 7 ,1 5 0 ). centa algumas palavras embaraçosas tanto para as­
R eação às evidências. As evidências combinadas trônomos céticos quanto para teólogos liberais:
para uma origem do cosmos por meio do big-bang dão
fortes razões para o início do universo. Nenhuma alter­ Agora percebem os com o a evidência astronôm ica leva
nativa científica viável foi encontrada. Mas, se o univer­ à visão bíblica da origem do mundo. Os detalhes diferem,
so tem início, então, como Hawking admitiu, a evidên­ m as os elem entos essenciais nos registros astronôm icos e
cia indicaria a existência de um Criador. Conclui-se bíblicos da gênese são os m esm os: a cadeia de eventos que
logicamente que tudo que tem início tem um Criador. leva ao hom em com eça repentina e drasticam ente num de­
Diante dessa evidência poderosa para o início do uni­ term inado momento no tempo, numa explosão de luz e ener­
verso, é interessante observar como alguns cientistas gia” (A scientist caught, p. 14).
perspicazes reagiram à notícia.
Ele ainda observou:
O astrofísico Arthur Eddington resumiu a atitude
de muitos cientistas naturalistas quando escreveu: “Fi­
losoficamente, a idéia de um início da atual ordem da
O astrônom os descobriram agora que ficaram encurra­
lados porque provaram, pelos métodos, que o mundo com e­
natureza é repugnante para mim [...] Gostaria de en­
çou repentinamente num ato de criação (...) E descobriram
contrar uma saída genuína” (Heeren, p. 81).
que tudo isso aconteceu com o produto de forças que jam ais
A princípio Einstein se recusou a admitir que sua
poderão descobrir ( God and the astronomers, p. 115).
teoria geral da relatividade levava à conclusão de que
o universo tinha um início. Para evitar essa conclusão,
Assim, ele afirma que “a busca dos cientistas pelo
Einstein tentou trapacear nas suas equações, mas foi
passado term ina no momento da criação” . Diz ainda:
humilhado quando sua falha foi descoberta. A seu fa­
vor reconheça-se que finalmente admitiu seu erro e
Esse é um acontecim ento extrem am ente estranho, ines­
concluiu que o universo foi criado. Então, escreveu
perado para todos, menos para os teólogos. Eles sempre acei­
sobre seu desejo “de saber como Deus criou esse mun­
taram a palavra da B íb lia:‘No princípio, criou Deus os céus
do”. Disse: “Não estou interessado nesse ou naquele
e a terra’ (“A scientist caught”, p. 115).
fenôm eno, no espectro desse ou daquele elemento.
Quero conhecer seu [de Deus] raciocínio; o resto é
Jastrow termina seu livro com palavras notáveis:
detalhe” (citado por Herbert, p. 177).
Deve-se perguntar por que seres racionais reagem
Para o cientista que viveu pela fé no poder da razão, a história
de maneiras irracionais à notícia de que o universo teve
termina como um pesadelo. Ele escalou a montanha da ignorân­
um início. Jastrow oferece uma pista esclarecedora.
cia; está prestes a conquistar o pico mais alto; e, quando chega à
última pedra, é cumprimentado por um bando de teólogos que
Há um tipo de religião na ciência. É a religião da pessoa estavam sentados ali há séculos ( Godand the astronomers, p. 116).
que crê que há ordem e harm onia no universo (...) Todo efei­
to deve ter sua causa: Não há uma prim eira causa (...) Essa Outros ateus oferecem indícios semelhantes de que
fé religiosa dos cientistas é violada pela descoberta de que o o problema de tirar uma conclusão teísta das evidên­
m undo teve um com eço sob condições em que as leis co ­ cias não é racional, mas espiritual. Julian Huxley dis­
nhecidas da física não são válidas, e com o produto de forças se: “Na minha opinião, a sensação de alívio espiritual
e circunstâncias que não podem os descobrir. Quando isso que vem da rejeição da idéia de Deus como ser sobre­
acontece, o cientista perde o controle. (Jastrow, God and the natural é enorm e” (Huxley, p. 32). Mas, se alguém é
astronomers, p. 113-4, grifo do autor). puramente objetivo na consideração das evidências,
143 Bruce, F. F.

então por que experimentar “alívio espiritual” com a May 1993.


notícia de que Deus não existe! J. P. M oreland , The creation hypothesis.
Talvez o famoso ateu, Friedrich Nietzsche, tenha F. N ietzsche , O anticristo.
dito mais claramente: “Se alguém provasse esse Deus C. S agan, The edge o f forever.
dos cristãos para nós, seríamos ainda menos capazes A . S andage, “A scientist refle cts o n relig io u s b e lie f” ,
de crer nele” (Nietzsche, p. 627). É óbvio que o proble­ Truth, 1985.
ma de Nietzsche não era racional, mas moral. V. J. STENGER,“The face of chaos”, Free inquiry,
Conclusão. Em vista da ordem incrível no univer­ W inter 1992-1993.
so, é difícil tirar qualquer conclusão além da existên­ S. W einberg, Sonhos de uma teoria final: a busca
cia de um Ser sobrenatural e superinteligente por trás das leisfundamentais da natureza.
de tudo. Como um cientista gracejou, você pode levar
um astrônomo cético à ordem, mas não pode fazê-lo Boaventura. V. cosmológico , a r g u m e n t o ; k a l a m , a r g u m e n ­
pensar. Depois de escrever o que acreditava serem crí­ to COSMOI.ÓGICO.
ticas definitivas de qualquer tentativa de demonstrar
e existência de Deus, até o maior agnóstico filosófico, B ru c e , F. F. Frederick Fyvie Bruce (1 9 1 0 -1 9 9 0 ) n a s­
Immanuel K ant, escreveu: ceu em Elgin, Escócia, e estudou os clássicos na Aca­
demia Elgin, na Universidade de Aberdeen e na Uni­
Duas coisas enchem a mente com adm iração e reverên­ versidade de Cambridge. Apesar de ser reconheci­
cia cada vez m aior e mais nova, por mais freqüente e cons­ do por seu trabalho com estudos bíblicos, jam ais
tante que seja nossa reflexão sobre elas: o céu estrelado e a fez cursos form ais sobre Bíblia ou teologia. R ece­
lei m oral dentro de m im ” (Kant, p. 166).
beu diploma de doutor honorário em divindades na
U n iv ersid ad e de A b erd een . E n sin o u g rego em
Os astrônomos modernos enfrentam novamente
Edinburgo (1 9 3 4 -1 9 3 5 ) e Leeds (1 9 3 8 -1 9 4 7 ). De
a evidência de Deus como Criador do cosmos. É inte­
1959 a 1978 foi professor catedrático (cáted ra de
ressante que é justamente isso a que o apóstolo Paulo
John Rylands) de crítica bíblica e exegese da U ni­
se refere com o a razão de serem “indesculpáveis”
versidade de M anchester. Nesse m esm o períod o
(Rm 1.19,20).
(1 9 5 6 -1 9 7 8 ) foi editor colaborador para a revista
C h r is tia n ity T oday.
Fontes
Bruce escreveu quase 50 livros e cerca de 2 mil ar­
I. Asimov, The beginning and the end.
tigos, ensaios e críticas. Ele é reconhecido por M erece
F. B acon, Sovam orgamtm.
c o n fia n ça o N ovo T estam en to ? (v. Novo T e s t a m e n t o , c o n ­
W, L Craig, Theism, atheism, and big bang
f ia b il id a d e d o s m a n u s c r it o s d o ). Seu livro C o m m en ta ry
cosmology.
on th e epistles to th e E p h esia n s a n d C olossian s [C o m e n ­
___ , The existence ofGod and the origin of
tá r io so b r e a s ep isto la s a o s efésio s e co lo ssen s es ] se tor­
the universe.
A. E insteix, Ideais and opinians — The world as I nou obra de referência. Seu trabalho mais apologético
see it. é In d e fe n s e o f th e g o s p e l [E m d e fe s a d o ev a n g e lh o ]
N. L. Gf.isler, Origin Science. (1959). T he b o o k s a n d the p a r c h m e n ts [Os livros e os
S. Hawking, Buracos negros, universos-bebés e ou p e r g a m in h o s ] (1 9 6 3 ) apóia a a u ten ticid a d e e
tros ensaios. co n fiab ilid ad e da B íb lia , assim com o J e s u s a n d
___ , Uma breve história do tempo. Christian o rig in s o u tsid e th e N ew T estam en t [Jesu s e a s
F.H eeren, Show me God. orig en s cristãs fo ra d o N ovo T esta m en to ] (1974). Ele
N. Herbí:rt,.4 realidade quântica: nos confins da tam bém é conhecido por seu livro sobre Qumran,
nova física. S e c o n d thou ghts on th e D e a d S ea scrolls [ N ovas id é ia s
F. H oyle, et al„ The intelligent universe. ( 1956).
so b r e os rolos d o m a r m o r to ]
D. H cmf , The letters ofDavid Huine. Convicções e ensinam entos. E s c r i t u r a s e
J. Hcxley, without revelation. a p o lo g étic a . As conclusões de Bruce sobre a Bíblia não
R. J astrow, "A scientist caught between two faiths: o fizeram um grande defensor das Escrituras, apesar
interview with R obert Ja stro "'”, c :, 6 Aug. 1982. de geralmente tender para o ponto de vista conserva­
___ , God and the astronomers. dor. Não se considerava conservador, nem acreditava
I. K a n t , Crítica da razão prática. na “inerrância” da Bíblia, apesar de considerar as Es­
M .D . L e.vonick, “Echoes o f the big bang”. Time. 4 crituras como “verdade” (Gasque, p. 24).
Buber, Martin 144

Se alguma das minhas conclusões críticas, por exem­ em Christianity Today (7 Apr. 1989).
plo, são conservadoras, não o são porque sejam conserva­ N . L . G eisler , The battle for the resurrection.
doras, nem porque eu seja conservador, mas porque creio M . J. H arris , Raised immortal.
que são as conclusões para as quais a evidência aponta”
(Gasque,p.24). B u b er,M a rtin . Existencialista judeu (1878-1965) nas­
ceu em Viena, Áustria, e estudou filosofia e arte nas
Sua importância para a apologética foi a defesa da universidades de Viena, Zurique e Berlim . Sionista
confiabilidade dos manuscritos bíblicos. quando jovem , foi im portante no reavivamento do
Bruce não foi um apologista cristão, mas seus li­ hassidismo, uma forma de m i s t i c i s m o judaico. Sua fa­
vros apoiam a apologética histórica (v. a p o l o g é t ic a h i s ­ mosa filosofia “Eu-Tu” foi desenvolvida em 1923, ape­
t ó r i c a ) . In defense o f the gospel é uma exposição da sar de William Jam es ter usado a frase em 1897. Buber
apologética praticada pelos apóstolos no nt contra o lecionou na Universidade de Frankfurt de 1923 a 1933
judaísmo, paganismo e g n o s t ic is m o primitivo. Bruce in­ e fugiu da Alemanha em 1938. Lecionou na Universi­
siste em que “apologética cristã é uma parte necessária dade Hebraica de 1938 a 1951. Sua forma de existen­
do testemunho cristão” {In defense, p. 10; v. tb. a p o l o g é t ic a , cialism o exerceu grande influência sobre o teólogo
NECESSIDADE Da ). neo-ortodoxo Emil B r u n n e r .
Ressurreição. Bruce acreditava na historicidade dos As principais obras de Buber incluem Good and
registros da ressurreição e na ressurreição corporal. evil [Bem e mal\, / and thou[Eue tu] (7 923),Theeclipse
Distinguiu a visão cristã de ressurreição corporal da o f God [O eclipse de Deus], The prophetic faith [A f é
v isão grega de im o r t a l id a d e da alm a ( “ Paul on profética](1949),e Two types offaith [Dois tipos de fé].
immortality”, p. 464-5). Critica a visão gnóstica de res­ Afilo so fia d e Buber. Eu-Tu contra eu-aquilo. A re­
surreição espiritual, insistindo em que, para Paulo: lação Eu-Tu é quando os outros são tratados como um
“essa ressurreição futura só poderia ser uma ressur­ fim, não um meio. As pessoas devem ser amadas e as
reição corporal” (ibid., p. 466). Mas sua visão de que coisas, usadas, não vice-versa. As pessoas são o sujei­
os crentes recebem um corpo espiritual da ressurrei­ to, não o objeto. Mas muitas coisas podem atrapalhar
ção ao morrer ajudou a m inar a visão evangélica his­ relações Eu-Tu — parecer ao invés de ser; discurso ao
tórica de um corpo físico da ressurreição (v. r e s s u r r e i ­ invés de diálogo; impor-se ao outro ao invés de reve-
ç ã o , n a t u r e z a f ís ic a da). Sobre 2Coríntios 5.1 -1 0 ,ele dis­ lar-se ao outro.
se: “Aqui Paulo parece sugerir que, para os que não so­ Como B uber acreditava em Deus, e Jean-P aul
breviverem até a parousia [vinda], o novo corpo esta­ S a r t r e não acreditava, suas visões existenciais formam
rá disponível na hora da m orte” (ibid., p. 4 7 0 -1 ). Isso um contraste instrutivo:
levou vários des seus alunos, inclusive Murray Harris,
a afirm ar a visão não-ortodoxa de que o corpo da res­ Jean-Paul Sartre Martin Buber
surreição dos crentes virá do céu, não da sepultura. Projeto comum Eu-Tu
Mais tarde, pressionado pela crítica, Harris abando­ Os outros são o inferno. Os outros são O céu.
nou essa visão (v. Geisler, The battle fo r the resurrection, Os outros são o meio de Os outros me ajudam a
cap. 6 e 11). eu me "objetificar". descobrir minha subje­
tividade nas relações
Fontes interpessoais.
F. F. B ruce , Commentary on the Acts o f the Apostles. Não há significado Existe significado absolu­
___ , Commentary on the epistles to the absoluto já que a to, já que existe em
F.phesians and Colossians. humanidade não campo pessoal absoluto j
___ Jesus and Christian origins outside the pode ser Deus. de relacionamento
New Testament. pessoais
___ , In defense o f the gospel.
___ . “Paul on im m ortality”,e m Scottish Deus. De acordo com Buber, Deus é “com pleta­
Journal of Theology 2 4 .4 (Nov. 1971). mente outro”, m as tam bém “com pletam ente igual”,
___ , Second thoughts on the Dead Sea m ais p ró x im o de m im que eu de m im m esm o
scrolls. (v. D e u s , n a t u r e z a d e ) . Deus está tão perto que não pode
___ , The books and the parchments. ser buscado, já que não há lugar onde não seja encon­
___ , Merece confiança o Novo Testamento? trado. Na verdade, Deus não é procurado pelo ser hu­
W. C asque , “F. F. Bruce: a m ind for what m atters”, mano; o humano encontra Deus por meio da graça
145 Butler, Joseph

quando Deus chega à pessoa. Todos os que santifi­ nada sobre o próprio Deus. É linguagem equívoca,
cam esta vida encontram o Deus vivo como a inson­ totalm ente diferente da m aneira que Deus é. O efeito
dável condição da existência. Ver tudo em Deus não não é sem elhante à Causa. Deus dá o que não tem.
é renunciar ao mundo, mas estabelecê-lo na sua ver­ Não há analogia entre Criador e criaturas (v. a n a l o ­
dadeira base. Podemos sentir a presença de Deus, g i a , p r i n c í p io d a ) .

mas jam ais podemos resolver seu m istério. Deus é Uma epistemologia mística. Buber está sujeito às
sentido em todo o mundo e em outros, mas deve ser mesmas críticas que outros místicos. Como saber se
encontrado sozinho. Em união com Deus, não somos Deus é que foi encontrado nessa experiência mística,
absorvidos, mas perm anecem os um “eu” individual. e não Satanás? A experiência totalmente subjetiva não
Por e ss a d ife re n ç a o n to ló g ic a , B u b er e v ita o tem critérios objetivos pelos quais possa ser avaliada.
panteísmo absoluto. A experiência mística cristã é indistingüível da expe­
Linguagem Religiosa. Como P l o t in o , Buber afirm a­ riência mística budista (v . b u d i s m o ) . Não há critérios
va que Deus não é o Bem, mas o Superbem; ele deve significativos pelos quais saber a verdade.
ser amado no seu mistério. Deus não se autonomeia
(no “Eu Sou”), mas se revela. Essa é uma revelação, Fontes

não uma definição. A idéia de Deus é uma obra-prim a M.B i k r ,Good and eril.
da construção humana, a imagem do Inimaginável. No ___ , 1 and thou.
entanto, a palavra Deus não deve ser descartada, sim ­ ___ , The eclipse o/God.
plesmente porque é a palavra humana mais pesada, e ___ , The propheticfaith.
portanto a mais imperecível e indispensável das pala­ ___ , Two types oífaith.
vras. Mas a palavra religião é irritante e sofreu a doen­ \\ L. CiioLtR, Philosophy ofreligion.
\.]oHSios, Faith misguided:expos'mgthedangersofmystícism.
ça epidêmica da nossa época. Ela deve ser substituída
pela frase todas as relações humanas com Deus.
bud ism o. V. p a n t e í s m o , z e n - p a n t e í s m o .
O eclipse de Deus. A filo so fia a tra p a lh a a rela ção
h u m a n a co m D eu s. A p e sso a co n sid e ra su p re m a a sua
B u ltm a n n , Rudolph. V. m i l a g r e s , m i t o s e.
personalidade e, a ssim , ap aga a luz do céu . A p a ix ão
p e cu liar d o s filó so fo s é o o rg u lh o de q u e seu sistem a
busca pelo Jesus histórico. V. J e s u s h is t ó r ic o , b u s c a p e l o .
substitui a D eu s. A lém d isso , a lin g u ag e m o b je tiv a do
“aquilo” é id o la tria v e rb a l qu e o b sc u re c e a D eu s. D eu s
Butler, Joseph. Im p o rta n te a p o lo g ista in glês do sécu lo
não está su je ito à lei da co n tra d iç ã o ; fa la m o s d ele a p e ­
x v m (1 6 9 2 -1 7 5 3 ) (v . a polog étic a , necessidade d a ) . A pesar
nas d ia le tica m e n te .
de v ir de u m a fam ília p resb iterian a, B u tler foi o rd en a ­
A valiação. E n tre as caracte rística s positivas do p e n ­
do n a Ig reja da In g la terra em 171 8, depois de freq ü en -
samento de B u b er estão sua ê n fa se n a n ecessid ad e de
ta r a U niversidade de O xford. P o ste rio rm e n te to rn o u -
relacionamentos p esso ais e de u m a b ase em D eus. B u b er
se b isp o de D u rh am .
oferece uma c rítica v alio sa da m a n e ira em que a filo so ­
A p e sa r de B u tle r te r d ad o u m a c o n tr ib u iç ã o sig ­
fia tem eclipsado D eu s, b em co m o su gestões úteis so ­
n ific a tiv a à d is c u s s ã o d a m o r a lid a d e e m “ T h r e e
bre como su p erar rela cio n a m en to s artificiais.
s e rm o n s o n h u m a n n a tu re ” [ Três sermões sobre a na­
Sua visão, to d a v ia , e stá su je ita a m u ita s c rític a s
tureza humana], ele é m a is c o n h e c id o p o r Analogy
contra outras fo rm a s de e x iste n c ia lis m o re lig io so (v.
ofreligion [Analogia da religião], em q u e d e fe n d e o
B a r t h , K a r l ; K i e r k e g a a r d , S o r e .v ). D o p o n to de v ista
c r is tia n is m o c o n tr a o d e í s m o , e s p e c ia lm e n te o de
evangélico, a lg u m a s são d ig n a s de m e n çã o .
A n th o n y A ch ley C o o p e r, C o n d e d e S h a fte s b u r y , e
Negação da revelação proposicional. A n eg a çã o da M a tth e w T in d a l. L o r d S h a f t e s b u r y e s c r e v e u
revelação p ro p o sicio n a l p o r p a rte de B u b er (v. r e v e l a ­ Characteristics ofm en, manners, opinions, times [Ca­
ç ã o e s p e c i a l ) teve g ra n d e in flu ên cia so b re B ru n n e r e a
racterísticas de homens, maneiras, opiniões e tempos,
neo-ortodoxia (v. B íb l i a , e v id ê n c ia s d a ). Ele n ega que p. 1711],e T in d a l, Christianity as old as the creation
Deus ten h a se r e v e la d o e m q u a lq u e r a fir m a ç ã o [Cristianismo tão velho quanto a criação, p. 1730],
proposicional. É e stra n h o fa la r isso so b re um D eus A ap o log ética d e Butler. B u tler foi in flu en ciad o por
teísta. Esse deus p o d e agir, m a s n ão falar; n ão está m o r­ seu co n tem p o râ n eo m ais velho, Sam u el C l a r k e , d isc í­
to, mas é mudo. E n tã o as c ria tu ra s p o d e m fazer o que pulo de Sir Isaac N ew ton e d efen sor da fé cristã. Analogy
o Criador n ão p o d e. O efeito é maior q u e a C ausa. ofreligion foi u m a d efesa da p lau sib ilid ad e do c ristia ­
Discussão equívoca sobre Deus. Além de D eu s ser n ism o em te rm o s da a n alo g ia en tre a relig ião revelad a
tímido, quando se revela, a linguagem n ão n o s sugere e a n atu ral (v. r e ve la ç ã o g e r a l ).
Butler, Joseph 146

0 uso da probabilidade. Conforme a base empírica Julgar o cristianismo como um todo. Outro resulta­
do conhecimento e as limitações da ciência, Butler ar­ do do argumento análogo de Butler é que um sistema
gumentou, que nosso conhecimento da natureza é ape­ de religião deve ser julgado como um todo, não ape­
nas provável (v. certeza ; indução ). Já que esse é o caso: nas a partir de ataques direcionados contra partes es­
pecíficas, como tendem a fazer os deístas. Quando esse
sempre estamos na posição de aprendizes, e assim ja­ padrão fosse aplicado ao cristianism o, Butler acredi­
mais podemos supor que o que conhecemos sobre a nature­ tava que revelaria que há um “Autor Inteligente e Go­
za é o padrão para julgar o que é natural (Rurak, 367). vernador da natureza”. Ele estendeu essa analogia para
a seguinte crença:
A probabilidade, que é o guia da vida, apóia a cren­
ça numa revelação sobrenatural de Deus na Bíblia A humanidade está destinada a viver num estado futuro; o
(v. B íb l ia , evidências da ) e nos milagres de Cristo. fato de todos serem recompensados ou punidos; [...] que este mun­
Butler começou Analogy observando que: do está num estado de apostasia e maldade [... ] deu ocasião a uma
dispensação adicional da Providência; da maior importância; pro­
não sei como, muitas pessoas têm como certo que o cris­ vada por milagres; 1... ] executada por um a pessoa divina, o Messi­
tianismo não é mais um objeto de estudo, mas que, agora fi­ as, para recuperar o mundo; não revelada, no entanto, a todos os
nalmente, foi comprovado como fictício. homens, nem provada com a evidência mais forte possível a todos
aqueles a quem é revelada, mas apenas para uma parte da huma­
Sua resposta é que nidade, e com a medida de evidência específica que a sabedoria de
Deus considerou necessária (Analogy in religion, p. 16-7).
qualquer homem racional que considere bem a questão
pode estar tão certo quanto está sobre a própria existência de Revelação natural e sobrenatural. Com os deístas,
que, pelo contrário, essa questão não está de tal modo fechada Butler concorda que Deus é o Autor da natureza e que
que não precise mais ser discutida. Na minha opinião, há fortes o cristianism o contém uma republicação dessa reve­
evidências em favor da sua veracidade (Analogy in religion, 2). lação original na criação. Mas o cristianism o é mais
que uma revelação sobrenatural. Butler explica:
Objeção ao deísmo. Butler direcionou seu ataque
contra o deísta Tindal, que argumentava: pode-se dizer que a essência da religião natural consis­
te na atenção religiosa a ‘Deus Pai Todo-Poderoso’: E a es­
há uma religião da natureza e da razão, escrita nos cora­ sência da religião revelada, distinta da natural, consiste na
ções de todos nós desde a primeira criação, pela qual a hu­ atenção religiosa a ‘Deus Filho’ e ao‘Espírito Santo’.
manidade deve julgar a verdade de qualquer religião insti­
tuída (Tindal, p. 50). E,

Para os deístas que rejeitam as Escrituras como reve­ como essas revelações são dadas a conhecer, por razão
lação sobrenatural por causa das suas dificuldades, Butler ou por revelação, não importa; porque os deveres surgem
responde: Quem acredita que as Escrituras procederam das relações em si, não da maneira em que somos informa­
daquele que é o Autor da natureza pode esperar encon­ dos sobre elas (Analogy in religion, p. 198).
trar nelas o mesmo tipo de dificuldades que são encon­
tradas na constituição da natureza” (v. revelação geral ). A defesa dos milagres. Butler dedicou um capítulo
Logo, “quem nega que as Escrituras vieram de Deus, por ao assunto “Sobre a suposta pressuposição contra uma
essas dificuldades, pode pela mesma razão, negar que o revelação considerada milagrosa”. No próprio resumo
mundo foi formado por ele” (Analogy in religion, p. 9,10). do argumento (à margem), ele insiste:
Já que os deístas admitiam esta última condição não de­
viam negar a primeira. Como James Rurak comenta: i. Não há suposição, a partir da analogia, contra o
esquema cristão geral; pois 1) em bora não possa ser
a religião natural e a revelada serão julgadas pelo mesmo descoberto por razão ou experiência, só sabemos uma
padrão, a constituição e o curso da natureza. A religião natu­ pequena parte do grande todo; 2) mesmo que seja di­
ral não pode ser usada como padrão para julgar a revelação ferente do curso conhecido da natureza, a) o desco­
(Rurak, 367). nhecido talvez não se assem elhe ao conhecido em
toda parte; b ) observam os diferença às vezes na na­
Há uma analogia entre elas. tureza; c) a suposta diferença não é com pleta. Então
147 Butler, Joseph

nenhuma suposição resta contra o esquema cristão fender o cristian ism o contra os ataques dos seus
geral, quer o denominemos milagroso quer não. críticos naturalistas.
n. Não há suposição contra a revelação primitiva, Do lado negativo. Do ponto de vista da apologética
pois 1) o milagre é relativo ao curso da natureza. 2) A clássica (v. clássica , apolo gética ), Butler enfraqueceu
revelação pode ter seguido a criação, o que é um fato desnecessariamente o argumento cosmológico ao ar­
admitido.3) 0 milagre seguinte não [é] uma dificul­ gum entar com base na analogia.
dade adicional”. Pois 4) “A tradição declara que a reli­ Alguns naturalistas argumentam que o argumen­
gião foi revelada no princípio”. to de Butler em favor dos milagres é baseado numa
ui. Não há suposição da analogia contra milagres falsa analogia: “A suposição contra milagres não é ape­
nos tempos históricos, pois 1) não temos caso parale­ nas uma suposição contra um evento específico, mas
lo de um segundo mundo caído; 2) especificamente, contra o acontecimento desse tipo de evento”. Além
a) há uma suposição contra todos os fatos alegados disso, a comparação com eventos extraordinários na
antes do testemunho, não depois do testemunho; b) natureza não é válido.
razões para intervenção milagrosa podem ter surgido
«m 5000 anos; 3) a necessidade que o homem tem de Pois, no caso dessas forças, dados os mesmos antece­
direção sobrenatural é uma das razões; i) milagres dentes físicos, as mesmas conseqüências sempre advirão; e
- [são] comparáveis a eventos extraordinários, contra os a verdade disso pode ser verificada pelo experimento
quais alguma suposição sempre existe. Então ii) mila­ (Bernard,p. 161-2).
gres não [são] incríveis. Na verdade, iii) em alguns ca­
sos, [são] a priori prováveis, c) Jamais há uma suposi­ Embora essa crítica pareça válida para algumas das
ção peculiar contra eles (Analogy in religion, p. 155-61). ilustrações que Butler dá (por exemplo, eletricidade e
magnetismo), não parece funcionar com todas as sin­
Com base em tudo isso concluo: que realm ente gularidades da natureza. Especificamente, não se apli­
não há suposição contra m ilagres, que os torne, de caria à t e o r i a d o big-bang defendida por muitos cientis­
algum modo, incríveis; que, pelo contrário, nossa tas naturalistas, já que as condições antecedentes eram
capacidade de discernir razões lhes dá credibilidade o nada ou a inexistência. A partir de tais condições, ne­
positiva à história, em casos em que essas razões nhum a previsão pode ser feita ou verificada por expe­
se sustêm ; e de form a alguma é certo afirm ar que rimentos posteriores. Além disso, Butler parece estar
haja qualquer suposição peculiar da analogia, m es­ correto no lado negativo do seu argumento de que não
mo no m enor grau, contra m ilagres, conform e se há probabilidade a priori contra milagres. Na verdade,
distinguem de outros fenôm enos [naturais] extra­ ele defende convincentemente a sua probabilidade a
ordinários. priori ( V . M IL A G R E S , A R G U M E N T O S C O N T R A ).

Portanto, por analogia com a natureza, os milagres


são críveis e até a priori prováveis (v. milagre ). Fontes
A valiação. Do lado positivo. Dado o seu contex­ J. B utler , Analogy in religion, esp. ]. H. B ernard ,
to deísta, Butler fez uma defesa im portante do c ris ­ "Note F: the improbability of miracle”.
tia n ism o . A rg u m en tan d o a p a rtir da p re m issa ___ , Fifteen sermons.
deísta de revelação natural, dem onstrou que não ___ , The works o f Joseph Butler, W. E.
havia suposição provável contra o cristia n ism o . G ladstone , org .
Além disso, ao reduzir sua base epistem ológica à E. C. M ossnfr , Bishop Butler and the Age o f Reason.
simples probabilidade, evitou, com m éritos, uma J. R urak, “Butler’s analogy: a still interesting
necessidad e racion al para suas conclu sões. Não synthesis of reason and revelation”, atr, Oct.
im porta com o se avaliem seus resultados, Butler 1980.
deve ser louvado por sua tentativa racional de de­ M . T indal, Christianity as old as the creation.
Cc
Calvinojoão. Nasceu em Noyon,Picardy, França (1509- convicção que há um Deus” (ibid.). Esse “senso de di­
1564), mas tornou-se o reformador de Genebra, Suíça. vindade está gravado tão naturalmente no coração
Erudito humanista em Paris quando foi atraído para os humano, na verdade, que até os réprobos são forçados
princípios da Reforma, Calvino baseou grande parte do a reconhecê-lo” (ibid., 1.4.4).
seu pensamento teológico nas obras de Agostinho. Além A existência de Deus e a imortalidade da alma. Na
da sua sistematização da teologia, Instituías da religião primeira parte das Instituías, Calvino considera “a es­
cristã, o reformador João Calvino foi um exegeta pro­ sência invisível e incompreensível de Deus que, até cer­
testante pioneiro da Bíblia. Os comentários de Calvino to ponto, é feita visível nas suas obras” e as “provas da
sobre as Escrituras Sagradas ainda são muito usados. imortalidade da alma” (ibid., 1.5.1-2). Pois
Por meio da Academia de Genebra, Calvino e seus cole­
gas tam b ém foram p ion eiros no trein am en to em cada uma das suas [de Deus] obras sua glória está
evangelístico, na erudição protestante e numa ética gravada em letras tão brilhantes, tão distintas e tão ilustres,
abrangente da vida cristã. que ninguém, por mais simples e iletrado, pode alegar igno­
A a p o lo g é tic a d e João Calvino. Os seguidores de rância como desculpa” (ibid.).
João Calvino não estão unidos na interpretação da sua
abordagem apologética. Entre eles estão apologistas Calvino não elaborou isso formalmente, como fez
dássicos e pressuposicionalistas (v. clássica , apologé ­ Aquino, mas provavelmente teria aceito o argumento
tica ; pressuposicion al , apologética ). teleológico, o argumento cosmológico, e até o argumento
Os pressuposicionalistas, com raízes em Herman moral. Os dois primeiros podem ser vistos na sua ênfa­
Dooyerweerd, são liderados por Cornelius Van Til e se­ se em criação e causalidade e o último na sua crença numa
guidores seus como Greg Bahnsen e John Frame. Os lei moral natural. Ao comentar Romanos 1.20,21, Calvino
apologistas clássicos seguem a opinião de B. B. Uárfield conclui que Paulo
sobre Calvino e são representados por Kenneth Kantzer,
John Gerstner e R. C. Sproul (v. Kantzer). Calvino se iden­ ... claramente afirma, aqui que Deus pôs o conhecimento de si
tificaria com os apologistas dássicos. mesmo nas mentes de todos os homens.Em outras palavras,Deus
As raízes de Calvino na apologética clássica. Ao con - tem assim demonstrado sua existência por meio de más obras a
trário da visão pressuposicional, a visão de Calvino lim de levar os homens a verem o que não buscam conhecer de sua
sobreo uso da razão humana na proclamação do evan­ livre vontade,ou seia,que existe Deus (Romanos,p.66).
gelho não era muito diferente dos grandes pensado­
res anteriores. Como Agostinho e T omás nr A qltno, U i Natural. Para Calvino esse conhecimento inato de
Calvino acreditava que a revelação geral de Deus é Deus inclui o conhecimento da sua lei justa. Ele argumen­
manifesta na natureza e estabelecida nos corações de tou que, já que “os gentios têm a justiça da lei gravada
todos os homens (v. revelação g e r a l ). naturalmente nas suas mentes, certamente não podemos
O senso inato de divindade. “Consideramos indis­ dizer que são com pletam ente cegos à lei da vida”
cutível o fato de existir na mente humana, e na verda­ (Institutos, 1.2.22). Ele chama essa consciência moral de
de por instinto natural, algum senso de divindade", “lei natural”, que é “suficiente para sua condenação jus­
disse Calvino em Institutos da Religião Cristã, 1.3.1. ta”, mas não para salvação (ibid.). Com isso a lei natural
Ele argumentou que “não há nação tão bárbara, ne­ “o julgamento da consciência” é capaz de distinguir en­
nhuma raça tão brutal, que não esteja imbuída com a tre o justo e o injusto (Comentário de Romanos, p. 48).
campo comum 150

A natureza justa de Deus “está gravada em letras tão Então, a m aior prova das Escrituras é uniform em ente obti­
brilhantes, tão distintas e tão ilustres, que ninguém, por da a partir do caráter do dono da palavra [...] Nossa convic­
mais simples e iletrado, pode alegar ignorância como ção da verdade das Escrituras deve ser derivada da fonte
desculpa” (Institutos, 1.5.1), mais elevada que conjeturas, julgam entos ou raciocínios hu­
A lei natural não só é clara, mas tam bém é especí­ m anos; a saber, o testemunho secreto do Espírito (ibid., 1.7.1;
fica. Estão “gravados nos seus corações uma discrim i­ cf. 1 .8.1 ) (v. E spírito S anto n a a p o l o g é t i c a , p a p e l d o ).
nação e um julgamento, pelos quais distinguem a ju s­
tiça da injustiça, honestidade da desonestidade”. Se­ É importante lembrar, no entanto, como indica R.
gundo Calvino, até povos sem o conhecimento da Pa­ C. Sproul,que“o testimonium não é colocado acima da
lavra de Deus “provam seu conhecimento [...] de que razão como forma de subjetivismo místico. Mas vai
adultério, roubo e assassinato são males, e que a ho­ além e transcende a razão” (Sproul, p. 341). Nas pala­
nestidade deve ser almejada” ( Comentário de Roma­ vras do próprio Calvino:
nos, p. 48). Deus deixou provas de si mesmo para to­
dos os povos tanto na criação quanto na consciência. Mas respondo que o testemunho do Espírito é superi­
Já que uma lei moral natural implica um Legisla­ or à razão. Pois só Deus pode testemunhar adequadamen­
dor Moral, Calvino teria concordado com o que mais te sobre suas palavras, de modo que essas palavras não
tarde tornou-se conhecido como o argumento moral da conquistam mérito total nos corações dos homens até que
existên cia de D e u s . Na verdade, sua aceitação da lei na­
estejam seladas pelo testemunho interior do Espírito
(ibid.).
tural o coloca no centro da tradição da apologética
clássica de Agostinho, Anselmo e Aquino.
Agindo por meio da evidência objetiva, Deus dá
A evidência da inspiração das Escrituras. Calvino fa­
certeza subjetiva de que a Bíblia é a Palavra de Deus
lou várias vezes sobre as “provas” da inspiração da Bíblia.
(v. B íblia , evidências da ).
Elas incluem a unidade das Escrituras, sua majestade, suas
Conclusão. Apesar de João Calvino, por causa do seu
profecias e sua confirmação milagrosa. Calvino escreveu:
lugar na história, se preocupar primariamente com os
debates sobre autoridade, soteriologia e edesiologia, no
Veremos [...] que o volume das Escrituras sagradas ultra­
entanto o esboço da sua abordagem à apologética pare­
passa em muito todas as outras obras. Além disso, se as obser­
ce claro. Ele se encaixa na categoria geral da apologética
varmos com olhos transparentes e julgamento imparcial, elas
clássica. Isso é evidente por sua crença de que “provas”
se apresentarão imediatamente com uma ma jestade divina que
de Deus estão disponíveis à mente não-regenerada e pela
submeterá nossa oposição presunçosa e nos forçará a prestar-
sua ênfase na revelação geral e na lei natural (v. le i , na­
lhe homenagem (Institutos, 1.7.4).
tu r ez a E T IP O S D E ) .

À luz da evidência, até incrédulos “serão conven­


Fontes
cidos a confessar que as Escrituras exibem evidên­
J. C alvino , Comentário sobre as Epístolas de Paulo
cia clara de ser inspirada por Deus e, conseqüente-
aos Romanos e Tessalonicenses.
mente, de conter sua doutrina celestial” (ibid.).
___ , Instituías da religião cristã.
Os efeitos deletérios da depravação. Calvino foi rá­ K . K antzer , John Calviris theory o f the knowledge
pido em dem onstrar que a depravação obscurece essa
o f God and the Word ofGod.
revelação natural de Deus. Calvino escreve: R . C. S proul , “T he internai testim ony o f the Holy
Spirit”, em N. L. G eisler , org., Inerrancy.
A idéia de que a natureza [de Deus] não é clara a não ser B. B. W arfield , Calvin and calvinism.
que o reconheça por origem e o fundamento de toda bonda­
de. Disso surgiriam a confiança nele e um desejo de apegar- campo comum. A questão de “campo comum” é prin­
se a ele, se não fosse a depravação da mente hum ana que a cipalmente um debate entre a apologética clássica e a
afastou do cam inho certo da investigação (ibid., 1.11.2). pressuposicional. A questão é se existe uma área de evi­
dência neutra ou um ponto de partida onde cristãos e
Opapel do Espírito Santo. Calvino acreditava que a não-cristãos podem reunir-se (v. h i s t ó r i c a , a p o l o g é t i c a ) .
certeza completa de Deus e a verdade das Escrituras Os pressuposicionalistas revelacionais negam que haja
vêm apenas pelo Espírito Santo. Escreveu: um campo comum ao qual ambas as partes podem se
relacionar para estabelecer a verdade do cristianismo.
Nossa fé na doutrina não está estabelecida até que te ­ Cornelius V a n T i l acreditava firmemente que os efei­
nham os um a convicção perfeita de que Deus é seu autor. tos noéticos do p e c a d o prejudicaram o entendimento
151 Camus, Albert

humano de tal forma que não há entendimento co­ A valiação. Partes positivas do pensam ento de
mum dos fatos. Não é possível construir um argumen­ Camus. Desde o início, em O mito de Sísifo, Camus
to apologético sobre os fatos da experiência ou histó­ penetrou incisivam ente no absurdo da vida vivida
ria sem a obra sobrenatural do Espírito Santo no co­ sem Deus. Nos seus prim eiros estados de espírito
ração e na mente (v. E sp ír it o S a n t o n a a p o l o g é t ic a , pa pel niilistas, percebeu a futilidade do suicídio. Sua fi­
A visão de mundo de uma pessoa deve ser pres­
d o ). losofia hum anitária dem onstrava uma preocupação
suposta ou firmada por um argumento transcendental m oral profunda quanto ao destino da hum anidade.
para dar uma estrutura interpretativa a fatos que de Em sua jornada em direção ao e x i s t e n c i a l i s m o , che­
outra forma seriam vazios. gou a ver o fracasso do niilism o anterior. Também
Apologistas históricos e clássicos rejeitam essa vi­ se aproxim ou do entendim ento do que os cristãos
são, afirmando que há pontos de partida na razão (v. cham am de depravação hum ana. Durante sua vida,
fé E r a z ã o ; l ó g ic a ) a partir dos quais se constrói uma Camus refletiu um a necessidade profunda de Deus.
defesa de uma cosmovisão teísta e cristã (v. a p o l o g é t ic a , Dimensões negativas. O argumento do mal contra
argum ento da;D e u s , e v id ê n c ia s d e ). o teísmo supõe equivocadamente que Deus é o autor
de todo o mal no mundo. Nenhuma responsabilidade
Cam us, A lb ert. Romancista e ensaísta francês (1913- é atribuída aos seres humanos por suas ações peca­
1960) cujas principais contribuições foram feitas du­ minosas em infligir sofrimentos sobre si mesmos (v.
rante e após a Segunda Guerra Mundial. O estrangei­ l iv r e - a r b ít r io ) . A Bíblia deixa claro que a rebelião de
ro, seu prim eiro rom ance, e O mito de Sísifo (am bos Adão e Eva e seus descendentes causa mal e morte (Rm
de 1942) foram seguidos, após a guerra, por A peste 5.12). Toda a natureza está infectada com o pecado
(1947) e O rebelde (1951). Sua últim a grande obra, A (Romanos 8).
queda, apareceu em 1956. Em 1957 Camus ganhou o Além disso, Camus supõe que o fato de os cristãos
Prêmio Nobel de literatura. Morreu em 1960, num terem compaixão dos que sofrem é inconsistente com
acidente de carro. a crença cristã na soberania de Deus. Tanto em prin­
Opiniões de Deus e da vida. Camus foi parte de cípio como na prática, o cristianism o tem oferecido
um pequeno movimento de ateus franceses (v. a t e ís m o ) mais alívio ao sofredor em todos os níveis que a filo­
associado ao existencialismo e especialmente a Jean- sofia não- cristã. Até o agnóstico Bertrand R u s s e l l re­
Paul S a r t r e . Começou como niilista (v. n i i l i s m o ) , crendo conheceu que o que o mundo precisava era da com ­
que, em vista dos absurdos da vida, a única questão fi­ paixão e do amor cristãos ( Russell,p. 579). Só no cris­
losófica séria era o suicídio. Aos poucos mudou para tianismo algo foi feito, por meio da morte e ressurrei­
uma posição mais humanista (v. h u m a n is m o s e c u l a r ). ção de Cristo, para impedir a peste do pecado (Rm
À luz da negação de Deus, Camus, como outros ateus, 4.25; ICo 15.1-4).
ficou sem uma âncora de valores morais. No entanto, Como muitos outros ateus, Camus revelou certo
adotou o humanismo moralista, falando agressivamente anseio por Deus (v. D e u s , e v i d ê n c i a s d e ) . Escreveu:
contra o que considerava males morais, inclusive a guer­ “Para qualquer pessoa que está sozinha, sem Deus e
ra e a pena de morte. Até seu protesto moral contra o sem um m estre, o peso dos dias é terrível” (A queda,
teísmo desmente valores morais básicos. A liberdade do p. 3 3 ). A crescentou em ou tra p arte: “Nada pode
indivíduo é suprema; o valor que colocou na vida hu­ desencorajar o apetite pela divindade no coração do
mana o fez opor-se ao suicídio. hom em ” (O rebelde, p. 147).
Camus argumentou firmemente que o teísmo é O senso moral de certo e errado do romancista
anti-humanitário, por causa do sofrimento intolerá­ devia tê-lo levado a postular a existência de um Legis­
vel infligido àhum anidade (v. m a l , p r o b l e m a d o ). E m .4 lador Moral cuja simples presença explica a persistente
peste, o dilema que coloca diante do teísmo é descrito convicção moral de que algumas injustiças são abso­
mediante a história de uma peste causada por ratos. lutamente erradas (v. m o r a l e m fa v or d a e x i s t ê n c i a d e
Seu raciocínio pode ser assim formulado: D e la , a r g u m e n t o ) . Como o antigo ateu de Oxford, C. S.
Lewis, perguntou a si mesmo: “De onde havia tirado
O indivíduo deve unir-se ao m edico e lutar contra a peste essa idéia de justo e injusto? Um homem não conside­
ou un ir-se ao sacerdote e não iutar contra a peste. ra uma linha torta a não ser que tenha alguma noção
Não un ir-se ao m edico para lutar contra a peste e do que e uma linha reta”. Ele acrescenta: “A que estava
anti-hum anitário. comparando esse universo quando o chamei de injus­
Lutar contra a peste é lutar contra Deus. que a enviou. to [...] É claro que poderia abrir mão da minha idéia
Logo, se o hum anitarism o esta certo, o teísm o esta errado. de justiça ao dizer que não era nada além de uma idéia
cananeus, massacre dos 152

particular”, conclui. “Mas, se fizesse isso, meu argu­ completa. Essa afirmação profética indicou que Deus
mento contra Deus também cairia por terra — pois o não destruiria o povo da terra até que sua culpa mere­
argumento dependia da crença de que o mundo real­ cesse a destruição completa em julgamento.
mente era injusto, não apenas de que não agradava Por isso, Josué e o povo de Israel não estavam agin­
meus caprichos particulares.” Então, do por iniciativa própria. A destruição de Jerico foi feita
pelo exército de Israel como instrumento de julgam en­
no próprio ato de tentar provar que Deus não existia — to sobre os pecados desse povo pelo justo Juiz de toda
em outras palavras, que toda a realidade não fazia sentido — a terra. Nenhuma outra nação antes ou depois pos­
descobri que era forçado a reconhecer que uma parte da reali­ suiu essa relação especial com Deus e seu mandamento
dade — ou seja, minha idéia de justiça — fazia muito sentido” (cf. Êx 19.5; Dt 4.8; SI 147.20; Rm 3.1,2). Conseqüen-
(Lew is,p.45,46). temente, qualquer pessoa que questiona a justificação
desse ato está questionando a justiça de Deus.
Fontes Deus é soberano sobre toda vida e tem o direito
G. B rhk, Carnus. de tirar o que ele dá. Jó declarou: “o S en h o r o deu e
A. C amus , A queda. o S e n h o r o levou; louvado seja o nom e do S e n h o r ! ”
___ , 0 mito de Sísifo. (Jó 1 .2 1 ). M oisés registrou as palavras de Deus:
___ , A peste. “destruindo ao fio da espada, hom ens, m ulheres, jo ­
___ , 0 rebelde. vens, velhos, b o is, ovelhas e ju m entos: todos os se­
___ , O estrangeiro. res vivos que nela havia” (Js 6 .2 1 ). Os seres hum a­
P. E dwards,“Cam us, A lbert”, ep . nos não criam vida e não têm o direito de tirá-la (Êx
C .S. L ewis , Surpreendido pela alegria. 2 0 .1 3 ), exceto sob regras determ inadas por aquele
B. Russtu., “W hat is an agnostic?”, The basic que é dono de toda vida humana.
writings o f Bertrand Russell, R. E. E gner , et al„ Deus permite tirar a vida em autodefesa (Êx 22.2),
orgs. na pena de m orte (Gn 9.6) e em guerra justa (cf. Gn
14.14-20). E quando há uma ordem teocrática para
can an eu s, m assacre dos. Quando os israelitas che­ fazê-lo, como no caso de Israel e os cananeus, sua ju s­
garam à cidade cananéia de Jerico no início da sua in­ tificação moral é garantida pela soberania de Deus.
vasão da terra prometida, Josué e seus soldados “des­ Quanto à m atança de crianças com o parte dessa
truindo ao fio da espada, homens, mulhers, jovens, ordem, deve-se observar que, dado o estado cance­
velhos, bois, ovelhas e jum entos: todos os seres vivos roso da sociedade em que nasceram , não podiam evi­
que nela havia” (Js 6.21). Os críticos do Bíblia acusam tar sua poluição fatal. Se as crianças que m orrem an­
que tal massacre de vidas inocentes e propriedades não tes da idade de responsabilidade vão para o céu (v.
pode ser moralmente justificado. Parece contrário ao b e b ê s , s a l v a ç ã o d e ) , foi um ato de misericórdia de Deus

mandamento de Deus de não matar seres humanos tirá-los desse ambiente ímpio e levá-las à sua pre­
inocentes (v.Êx 20.13). sença santa. M as, no final, o argumento principal em
Razões da destruição. A defesa das ações do Israel todas as Escrituras é que Deus é soberano sobre a
antigo dividem-se em três categorias: 1) um desafio da vida (Dt 32.39; Jó 1.21). Ele pode ordenar seu fim
suposição de inocência moral; 2) delineamento das conform e a sua vontade, e seu povo pode ter confi­
implicações da natureza teocrática singular da ordem e ança total de que as ações de Deus são boas.
3) exame das condições sob as quais ela foi executada. Conclusão. No caso dos cananeus, era necessá­
As Escrituras deixam bem claro que os cananeus es­ rio ao estabelecim ento de um a nação e um sacer­
tavam longe de ser “inocentes”. A descrição dos seus pe­ dócio santos exterm inar o paganism o da cidade e
cados em Levítico 18 é vívida: “Até a terra ficou contami­ seu povo. Se algo restasse, exceto o que foi levado
nada; e eu castiguei a sua iniqüidade, e a terra vomitou os para a casa do tesouro do Senhor, sem pre haveria a
seus habitantes” (v. 25). Eles eram visceralsamente imo­ am eaça da influência pagã para afastar o povo da
rais, contaminados com todo tipo de “abominações”, in­ adoração pura do Senhor. Como a h istória subse-
cluindo o sacrifício de crianças (v. 21,24,26). qüente de Israel m ostra, foi isso que aconteceu.
Deus dera ao povo da Palestina mais de 400 anos
para se arrependerem da sua iniquidade. O povo daquela Fontes
terra teve toda oportunidade de abandonar sua iniqüi­ G. L. A r ch er , Jr„ Enciclopédia de temas
dade. Conforme Gênesis 15.16, Deus disse a Abraão que bíblicos.
seus descendentes voltariam a herdar essa terra, mas N. L. G eisler & T. H o w e , Manual de dúvidas,
ainda não, porque a iniquidade do povo ainda não era enigmas e “contradições"da Bíblia.
153 Carneil, Edward John

J. H a ley , Alleged discrepancies o f the Bible. Acrescentou: “Não há nenhuma abordagem ‘oficial’
W. K a is e r , org., Classical evangelical essays in Old o u ‘normativa da apologética”. Em vez disso,“a abor­
Testament interpretation. dagem é governada pelo am biente da época. Isso sig­
J.O rr, Christian view o f God and the world, apêndice nifica que um apologista deve improvisar” (Kingdom
da preleção 5. oflove, p. 6).
Ao lem brar-se dos seus esforços apologé-ticos, es­
tanoniddade. V . B íb lia , canoxicidade da . creveu: “Nos meus próprios livros sobre apologética
tentei sistem aticam ente basear-m e em algum ponto
C am ell, Edward Jo h n . A p ologista p io n eiro da re n a s­ útil de contato entre o evangelho e a cultura”. Por
cença evangélica ap ós a Segu n d a G uerra M u n d ial (1 9 1 9 -
exemplo,“Em An introduction to christian apologetics,
1967). U m d o s fu n d a d o re s d o S e m in á rio T eo ló g ico
o apelo era à lei da não-contradição; em A philosophy
Fuller em 194 8, foi seu presid ente de 1955 a 1959. C arnell
o f the christian commitment, era o sentim ento ju d i­
so fria de d ep ressão e de in sô n ia c rô n ica , q u e o casio n o u
cial. Neste livro [ The kingdom oflove and the pride o f
o v ício co n h ecid o em b arb itú rico s. M orreu tra g ica m en te
life], estou apelando para a lei do am or” (ibid., p. 6).
de u m a d o se excessiva de so n ífero s, in gerid os acid en tal
Rejeição dos argumentos clássicos. Como outros
o u in ten cio n alm en te, n a idade p reco ce de 4 8 anos.
pressuposicionalistas,Carnell rejeitou a validade dos
C arnell escreveu 8 livros, a m a io ria dos q uais lida
co m ap ologética: An introduction to Christian apologetics argumentos teístas tradicionais (v. D e u s , evid ên c ia s
{Uma introdução à apologética 1948}; The theology o f d e ). Nisso ele segue muitos dos argum entos dos céti­

Reinhold Niebuhr [A teologia de R em hold Niebuhr] cos, como David El u m e , e agnósticos (v. a g n o sticism o ),
( 1951); A philosophy o f the Christian religion [Filosofia como Im m anuel K a n t .
i a religião Cristã] ( 1 9 5 2 ); Christian commitment: an Os problem as básicos dos argumentos teístas. A
apologetic [ O compromisso cristão, uma defesa]{\957); principal razão para Carnell rejeitar o raciocínio
The case fo r orthodox theology [Ocaso da teologia orto- teísta é seu ponto de partida. Começa na experiên­
d b ctfl](1959); The kingdom o f love and the pride o f life cia e te rm in a no ce tic is m o (An introduction to
[O Reino de am or e o orgulho da vida](l960); e The christian apologetics, p. 126ss.).N a verdade, Carnell
burden o f Soren K ierk eg a a rd [0 fa r d o de Soren alista sete objeções:
Kkrkegaard](1965). A rtigos e c rítica s ta m b é m d isc u ­
tem ap ologética. D igno de m e n ç ã o é o artig o de trê s 1. 0 empirismo term ina em ceticismo. “Se tudo
partes “How every C hristian can defend h is faith” , em o que a mente tem para usar são percepções
Moody monthly (ja n ., fev. e m ar. de 1 9 5 0 ). sensoriais como relatórios fornecidos à mente
As in flu ê n c ia s q u e m o ld a ra m o p e n s a m e n to de do que está acontecendo no mundo externo,o
C arn ell sã o re su m id a s p o r um d o s seu s p rin c ip a is d is­ conhecimento jam ais pode se elevar ao uni­
cíp u lo s, G o rd on L ew is: versal e ao necessário, pois do fluxo só pode
vir fluxo” (ibid., p. 129).
Na Universidade W heaton, nas aulas de Gordon H .C lark,
2. O princípio da economia elimina o Deus cris­
Cam ell encontrou o teste da não-contradição (v. primeiros
tão. Hume estabeleceu o ritmo para os empi-
m scíPios). O teste de adequação ao fato em pírico foi defen­
ristas ao insistir que a causa fosse propor­
dido por Edgar S. Brightm an na Universidade de Boston,
cional ao efeito, mas não necessariamente m ai­
ande Carnell fez o doutorado.
or. Um efeito infinito dita uma causa infinita,
mas um efeito finito não precisa disso.
Finalm ente, a exigência da relevância à experiência pes­
3. A falácia da atribuição. Mesmo “supondo que
soal tornou-se proem inente durante a pesquisa de doutora­
uma causa possa ter mais atributos que os
do em teologia de Carnell na Universidade de Harvard, no
estudo de Soren Kierkegaard e Reinhold Niebuhr (Lew is, vistos no efeito, (...) o universo finito não
Testing Christianity’s truth claims, p. 176). exige para sua explicação a existência de uma
causa infinita”.
A apologética de Carnell. C a rn e ll e ra h ip o té tic o 4. Falácia do Deus único. Como podemos ter cer­
o u p re ss u p o sic io n a l (v. p r e s s u p o s i c i o n a l , a p o l o g é t i c a ) teza de que o Deus provado pelo primeiro ar­
na su a a b o r d a g e m , e m c o n tr a s te c o m o m é to d o gumento é a mesma Divindade que o gover­
a p o lo g é tic o c l á s s i c o . nador m oral do universo? Já que nenhum
C arn e ll d e fin iu a a p o lo g é tic a c o m o “o ra m o d a deles p re cisa ser in fin ito , p o is o efeito é
te o lo g ia c r is tã q u e te m a ta re fa de d e fe n d e r a fé ” . finito, á espaço para milhares de deuses.
Carneil, Edward John 154

5. Falácia da antecipação. T omás de A quino u s o u universo. “Uma proposição deve ser verdadeira
os mesmos argumentos que Aristóteles, mas para ser digna de crença, mas isso não quer dizer
chegou à conclusão diferente de um Deus pes­ que a crença de todos é verdadeira.”
soal. Isso não teria acontecido porque eleja 5. Os sentimentos são insuficientes, pois “sem a ra­
tinha experiência íntim a do verdadeiro Deus? zão para guiá-los, os sentimentos são irrespon­
6. D ifícil situação do com prom isso. Uma vez sáveis”.
compromissados com uma posição empírica, 6. A percepção sensorial é, na melhor das hipóteses,
como podemos mostrar que o Deus que conse­ “uma fonte da verdade, não sua definição ou tes­
guimos demonstrar é o Pai de Jesus Cristo? Os te. Nossos sentidos geralmente nos enganam”.
dados obtidos da natureza são satisfeitos pelo 7. A intuição não pode testar a verdade, já que não
Motor Imóvel proposto por Aristóteles,então por podemos “detectar intuições falsas, que existem
que passar dele para a Trindade? em profusão”.
7. Pressuposições não-empíricas. “Provar a exis­ 8. A correspondência de uma idéia à realidade não
tência de Deus a partir do fluxo na natureza exi­ pode ser um teste. “Se a realidade é extracon-
ge conceitos que não podem ser encontrados ceitual, como podemos comparar nossa idéia da
na natureza [... ]Para saber a causa é preciso mente a ela?”
primeiro saber o que é não-causado[...] Então 9. O pragmatismo é inadequado, pois numa base
argumentos empíricos são bem-sucedidos ape­ puramente pragmática não há como distinguir
nas se com eçarm os com conceitos que são as visões opostas do materialismo e do teísmo
significantes quando Deus já é conhecido, pois sobre o absoluto máximo (seja a realidade mate­
só ele é inamovível, não-causado, incontin-gen- rial seja espiritual). Além disso, pragmático não
te, perfeito e absoluto” (ibid., p. 133-4). Até“uma tem o direito, conforme sua teoria, de esperar que
lasca na estátua ou uma falha na tela faz o ar­ sua teoria seja comprovada pela experiência fu­
tista inferior [...] Em resumo, o universo reve­ tura, já que não tem base para crer na regularida­
la em si m esm o uma quantidade excessiva de de do mundo.
mal para poder suportar o peso do argumento
teleológico” (ibid., p. 139). Carnell argumenta que todas as provas dedutivas
são inadequadas, porque
Na melhor das hipóteses, os argumentos teístas
empíricos só têm “valor de inconveniência”, m ostran­ a realidade não pode ser atingida apenas pela lógica for­
do que o empirismo é insuficiente e mostrando algo mal [... 1A verdade lógica não pode passar para a verdade mate­
além do empírico (ibid., p. 152). rial até que os fatos da vida sejam introduzidos na situação.

Rejeição de outros “testes da verdade”. Carnell cri­ E provas indutivas são testes inválidos para a ver­
tica e descarta outros testes da verdade. dade, pois não podem exceder a probabilidade.
1. Os instintos “não podem ser o teste da verdade, Uma premissa é demonstrada apenas quando é a im­
já que não podem distinguir entre o que é legi­ plicação necessária de uma premissa auto-evidente ou quan­
tim am ente natural à espécie e o que é adquiri­ do é demonstrada a falsidade da sua contradição
do. Apenas a mente pode fazer isso”. (Introduction to Christian apologetics, p. 48-53,105).
2. Os costumes são um teste inadequado porque
“podem ser bons ou maus, verdadeiros ou fal­ A necessidade das idéias inatas. Uma alternativa ao
sos. Algo além e fora dos costumes, portanto, empirismo, então, é um tipo de“racionalismo cristão”.
deve testar a validade dos próprios costumes”. Agostinho ensinou que “a mente, por dom natural do
3. A tradição, um corpo mais normativo de cos­ Criador, desfruta da apreensão imediata dos padrões
tumes passados por um grupo desde a anti- que dão sentido à nossa busca da verdade, do bem e
güidade, é insuficiente. “Existem tantas tradi­ do belo”. Pois
ções, conflitantes em sua essência, que apenas
no hospício poderiam ser todas juustificadas.” para falar significativamente sobre a verdade, o bem, e o
4. 0 consensus gentium, ou o “consenso das na­ belo [...] devemos ter critérios, mas critérios que sejam uni­
ções”, falha como teste da verdade. No passado versais e necessários devem ser encontrados em outro lugar
todos acreditavam que a terra era o centro do que não o fluxo da percepção sensorial.
155 Carneil, Edward John

Senão, “como sabemos que uma coisa realmente é daquele axioma (v. pr im eir o s pr in c ípio s ). A natureza deve ser
in d ad eira, se a alma, por natureza, não possui tal con- suposta para que se prove a natureza (ibid.).
licção ?”. E “como seremos capazes de dizer confian-
Innente que o que é bom hoje será bom amanhã, a De fato, “a demonstração rígida de um primeiro
■ão ser que encerremos nossa teoria do bem em algo postulado é impossível, como Aristóteles demonstrou,
fara do processo da história?”. Em resumo,“como po- pois leva ou ao regresso infinito ou ao raciocínio circu­
áem os saber qual é o caráter de toda realidade, de lar” (ibid., p. 102).
■ o d o a agir sabiamente a não ser que Deus nos diga?” Isso não quer dizer que algumas hipóteses não
íi>id.,p. 152-7). sejam mais bem informadas que outras.
Camell acredita que as leis da lógica são evidência ina­ A inadequação dos testes da verdade. “A verdade é a
to de Deus (v. lógica). As pessoas têm um senso inato das qualidade da opinião ou proposição que, quando segui­
regras de raciocínio correto. Sem o Deus revelado nas Es- da até que se obtenha o testemunho total dos fatos na
«rituras, seria insignificante dizer que assassinato é errado nossa experiência, não desaponta nossas expectativas”
toje, de modo que ainda seja errado amanhã. O fato de {Introduction to christian apologetics,p. 45). A verdade é o
podermos fazer tal afirmação é uma comprovação de que que corresponde à mente de Deus. É pensar os pensa­
onste um Autor da nossa natureza moral. mentos de Deus como ele (ibid., p. 47).
Também há o conhecimento de Deus por meio da A inadequação dos testes dedutivos da verdade.
■atureza. O mundo é regular; ele m ostra provas do Carnell rejeita os argumentos estritam ente deduti­
Deus que faz coisas que são coerentes. Podemos ob­ vos e indutivos como m aneira de estabelecer a ver­
servar sentido em nossa existência, e não deveríamos dade do cristianism o. Em seu lugar dá preferência à
abordagem pressuposicional. Provas dedutivas são
ser capazes de fazê-lo exceto por essa pressuposição
rejeitadas porque,
« h ip ó te s e .
Uma basepressuposidonalpara todo conhecimen­
quando alguém demonstra uma proposição, mostra que
to. A segunda alternativa ao empirismo confirma a
é a conclusão necessária de uma premissa que já é considera­
primeira. A segunda compreende uma análise existen­
da verdadeira [...] Pode-se detectar facilmente que a demons­
cial do que faz a vida humana significativa (v. Lewis,
tração pura é operativa apenas num sistema de símbolos for­
"Three sides to every story” ).
mais, como na lógica e na matemática (ibid., p. 104).
Todo pensamento envolve pressuposições (ibid., p.
91 ,95 ) . Carnell reconhece que
A inadequação dos testes indutivos da verdade. O raci­
ocínio indutivo (v. indutivo, método) é rejeitado como tes­
pode se perguntar por que temos pressuposições. Por que
te adequado para a verdade do cristianismo, pois “aqui
■ão ficar com os fatos? A resposta para isso é muito fáciP. Te­
não se pode ir além da probabilidade” (ibid., p. 105). Ne­
mos pressuposições porque devemos fazer pressuposições nhuma prova real é possível com um argumento de pro­
para pensar. As melhores pressuposições são as que podem
babilidade, já que o oposto sempre é possível.
responder pelo todo da realidade” (ibid., p. 94).
A impropriedade da revelação geral. Apesar de algum
apelo ser feito à revelação geral (v. revelação geral) como
Então, como no m étodo científico, tem os de co­ ponto de contato, Carnell argumenta que ela é uma base
m eçar com a “hipótese” e depois colocá-la à prova inadequada para conhecer a verdade sobre Deus. Carnell
(ibid., p. 89s.). concordava com Calvino que a revelação geral
A hipótese cristã é a melhor pressuposição.
“O cristão pressupõe Deus e as Escrituras” (ibid., não deye apenas nos motivar a adorar a Deus, mas tam­
p.101). Na verdade,“Deus é a única premissa maior do bém despertar em nós a esperança da vida futura. Mas, ape­
cristão, mas esse Deus é conhecido por meio das Escri­ sar das representações claras dadas por Deus no espelho das
turas” (ibid.). suas obras [...] a nossa estupidez é tão grande, que, sempre
Quanto à acusação de raciocínio circular, Carnell desatemos a esses testemunhos óbvios, não tiramos vanta­
responde francamente: gem deles”. Então devemos recorrer à revelação especial
(Introduction to christian apologetics, p. 159-72).
O cristão comete petição de princípio ao supor a verda­
de da existência de Deus para estabelecer essa mesma exis­ A necessidade de revelação especial. Já que a re­
tência. De fato! Isso é verdadeiro para que se estabeleça a velação geral é inadequada, há necessidade de pres­
validade de qualquer absoluto. A verdade da lei da supor a verdade da revelação especial. Portanto, o
[nãojcontradição deve ser suposta para provar a validade apelo à revelação especial nas E scritu ras é — com o
Carneil, Edward John 156

qualquer outra hipótese — verificável se seu sistema de pensamento é epistemologicamente anterior a todo
resultante é autocoerente no plano horizontal e com ­ conhecimento (ibid., p. 164s.). A defesa que Carnell faz
patível com a realidade no plano vertical. da lei da não-contradição é o que Cornelius Van Til de­
Carnell enfatiza que trocar a revelação natural pela nominou argimento T ranscen dental.
especial não divide a epistemologia cristã. Há uma úni­ O teste positivo: ajuste factual. Além da “coerência
ca premissa principal, que o Deus que se revelou nas no plano horizontal”, o segundo teste da verdade de
Escrituras existe. Essa premissa fortalece a fé daquele Carnell era que o sistema se encaixe com os fatos no
que crê, “pois a fé é um descanso da alm a na suficiên­ plano vertical (ibid., p. 108-9). Coerência é apenas pon­
cia da evidência”. A Bíblia é necessária para nos dar to de partida. Sem ele, a verdade está ausente; despro­
vida de algo mais, a verdade está truncada (ibid., p.
mais evidência. Pois “verdade” é significado sistem a­
109). Como Lewis disse:
ticamente formulado e, se a Bíblia cumpre esse padrão,
é tão verdadeira quanto a lei da tra n sm issã o de
A mera coerência formal sem adequação factual é vazia
Lambert. Qualquer hipótese é verificada quando in­
e irrelevante. Por outro lado, a relevância obtida por mera
terpreta a vida eficientemente (ibid.,p. 175).
experiência sem coerência acaba em caos e ausência de sig­
Carnell defende tanto o fato quanto a necessidade
nificado ( Testing Christianity’s truth claims, p. 206).
da revelação especial. Nenhum argumento filosófico
prova que a revelação não pode acontecer, pois Os “fatos” incluíam experiência externa, como fa­
tos históricos, e experiência interna, como paz pesso­
só se pode saber se Deus se revelou ou não após exami­ al e subjetiva do coração (Introduction,p .109-13). Os
nar todos os fatos da realidade, pois qualquer fato ignorado “fatos” de Carnell incluem questões éticas, existenci­
pode ser a própria revelação [...] Então,para encontrar Deus, ais, psicológicas e de valor.
é preciso pelo menos estar em todo lugar ao mesmo tempo, Valores são parte do ajuste factual. Carnell estava
o que significa ser o próprio Deus. convencido de que nenhuma outra cosmovisão pode­
ria satisfazer a busca humana pela comunhão pessoal.
Basicamente, Nenhuma outra oferece padrões significativos de amor
e perdão (Lewis, Testing Christianity’s truth claims, p.
se um homem diz que não há Deus, ele simplesmente se 218). Carnell dedica A philosophy o f the Christian religion
faz Deus, e então a revelação é realizada. Se ele diz que há um a essa tese. Lewis observou:
Deus, a única maneira de saber isso é pela revelação do pró­
prio Deus. “Edward Carnell tentou mostrar que o cristianismo é
[Pois] a razão fundamental pela qual precisamos de uma não só verdadeiro, mas também desejável para cada pessoa
revelação especial é responder à questão‘O que devo fazer para como indivíduo ( Testing Christianity’s truth claims, p. 210,
grifo do autor).
ser salvo?’A alegria é nosso principal interesse, mas essa ale­
gria não pode ser nossa até sabermos exatamente como Deus
Carnell escreveu Christian commitment e The
vai tratar conosco no fim da história (ibid.,p. 175-8).
kingdom o f love and the pride o f life para provar que
apenas o cristianism o dá um sistema de valor e satis­
O teste d e coerên cia sistem ática. Dois testes nos
fação. Como afirmado na autenticidade existencial de
ajudam a avaliar a verdade de uma cosm ovisão: pri­
Francis S c h a effer , pode-se viver pelos princípios cris­
meiro, ela deve ser logicam ente coerente; segundo,
tãos sem hipocrisia.
deve explicar todos os fatos relevantes. Eles se unem
Em Kingdom o f love and the pride o f life, Carnell ar­
em um critério cham ado “coerência sistem ática” . gumentou a tese não-convencional de que a psicoterapia
“Aceite a revelação que, quando exam inada, dá um de Freud dá o modelo para fazer uma apologética do
sistem a de pensam ento que é autocoerente no plano amor, já que relaciona confiança e amor à felicidade.
horizontal e que se encaixa com os fatos da história Declarou:
no plano vertical.” A Bíblia não é aceita arbitraria­
mente como a Palavra de Deus. Eleger qualquer ou­ Acredito que, se os apologistas cristãos unissem suas
tra posição seria ignorar os fatos (ibid., p. 190). inteligências e utilizassem melhor o amor como ponto de
O teste negativo: não-contradição. O teste racional contato, grandes coisas seriam realizadas pela defesa da
básico para a verdade é a lei da não-contradição. É uma fé” (Kingdom of love, p. 10).
necessidade inata do pensamento e da vida humana.
Sem a lei da não-contradição, nem sensação, nem ver­ Acrescentou que não havia apreciado a significância
dade e nem fala são possíveis (ibid.,p. 161-3). Essa lei apologética do amor até ler Sigmund Freud.
157 Carneil, Edward John

Quanto mais refletia sobre o relacionamento entre pa- d o p e c a d o ” (Christian comrnitment, p. 198). Entre outras

d en te e analista, mais convencido fiquei de que a coisas, a imagem de Deus provê princípios morais ina­
pãcoterapia criou inconscientemente uma nova base para a tos e a própria idéia de Deus. Ao citar João Calvino com
^»iogética cristã. 0 cristianismo sempre defendeu o amor aprovação, Carnell escreveu:
a m o lei da vida” (ibid., p. 6).
Certamente não se deve achar estranho que Deus, ao me
O amor é aceitação incondicional. É sempre bondo­ criar, tenha colocado essa idéia (Deus) em mim para ser
so e sincero, e não espera nada exceto bondade e verda­ como a marca do artista gravada na sua obra (Introduction
de em retorno. to christian apologetics,p. 1 6 0 ).

Se o homem é feito à imagem de Deus (como as Escri- Avaliação. Contribuições da apologética de Carnell.
ttras dizem que é), então os conservadores devem acolher A ênfase na lei da não-contradição. Carnell enfatizou
qualquer evidência que ajude a estabelecer uma conexão corretamente a importância da lei da não-contradi­
vital entre o poder curador do evangelho e o homem como ção como teste negativo da racionalidade (v. lógica).
criatura que é atormentada por ansiedade e desavença. Um Ele considerava sua importância transcendental e ja ­
divórcio entre graça comum e especial é uma ofensa tanto à mais deixou de usá-la, apesar do fato de acrescentar
cuhura quanto ao evangelho (ibid.,9). outras dimensões aos seus critérios gerais para a ver­
dade de uma cosmovisão.
Os defensores de Carnell reconhecem que essa abor­ A exigência do ajuste factual. Ao contrário do
dagem de valores tem limites. Gordon Lewis pergunta: pressuposicionalismo racional de Clark, a apologética
“Mas apenas a apologética psicológica é suficiente para de Carnell levou em consideração a necessidade de
apoiar a reivindicação da verdade do cristianismo?”. Ele
ser abrangente em qualquer teste adequado da ver­
responde sua própria pergunta na negativa:
dade. A coerência lógica só oferece um teste negati­
vo para falsidade. Positivamente, dem onstra apenas
Em termos de experiência, a verdade do amor resolve
que um sistem a pode ser verdadeiro, não que seja ver­
problemas, mas d o p o n t o d e vista teórico, uma religião pode
dadeiro. Para dem onstrar a verdade, uma cosmovisão
aliviar as ansiedades das pessoas c o m falsas promessas. Na
deve estar ligada à realidade.
werdade, é o que algumas das seitas c h a m a d a s cristãs fazem
A rejeição da suficiência factual. Carnell reconhe­
{TestingChristianity’s truth claims, p . 2 5 2 ) .
ceu que a verdade absoluta e metafísica não está nos
fatos em si. Os fatos sozinhos são insuficientes. Ape­
A ética é parte do ajuste factual. Só o cristianismo
nas fatos compreendidos no contexto coerente de uma
pode resolver a situação moral do indivíduo. Nenhu­
cosmovisão completa podem ser a base da verdade
ma outra religião pode dar uma resposta coerente à
absoluta. Se a substância da experiência não estiver
pergunta: Como pode um pecador ser justo perante
estruturada por um modelo de significado, não é pos­
Deus? Lewis resum e o (s) te ste(s) da verdade de
sível falar sobre a significância desse sistem a. Deve-
Carnell:
se pressupor ou teorizar um modelo m etafísico do
universo antes que seja ao menos possível fazer rei­
Em resumo, a a p o l o g é t i c a d e C a r n e ll c o n s i d e r a a h i p ó ­
vindicações da verdade absoluta. É claro que é pos­
tese cristã verdadeira porque, s e m c o n t r a d i ç ã o , e x p l ic a m a i s
sível entender os fatos num sentido cotidiano. Cren­
evidências empíricas [...], e v i d ê n c i a s a x i o l ó g i c a s [...] e v i ­
tes e incrédulos podem ter algo em comum no en­
dências psicológicas [...] e v i d ê n c i a s é t i c a s [...] c o m menos
dificuldade que qualquer o u t r a h i p ó t e s e ” ( i b i d ., p . 2 8 2 ) . tendim ento do que é uma dúzia de rosas. Mas o fato
de o significado absoluto dessas rosas ser glorificar
Probabilidade e certeza moral. Carnell está ciente de o Deus do teísm o só é conhecido por aqueles que têm
que seu método não dá certeza racional absoluta. Cons­ uma pressuposição teísta.
cientemente, ele escolhe uma confiança racional da alta A necessidade de uma estrutura de cosmovisão.
probabilidade, desde que acompanhada de uma certe­ Carnell viu co rretam en te a necessid ad e de um a
za moral que vá além da dúvida razoável (Introduction cosmovisão e de uma visão da vida, isto é, do que em
to Christian apologetics, p. 1 13s.). alemão se chama Weltanschauung. Apenas uma dimen­
Oponto de contato: a imagem de Deus. Ao contrário são da questão da verdade não é o suficiente. Verdades
de Van Til, Carnell acreditava que o ser humano natural de cosmovisão devem cobrir tudo que está no mundo.
era capaz de entender algumas verdades sobre Deus. Separar o elemento racional, o elemento empírico ou o
Não gostava das “homilias vagas sobre os e f e i t o s x o é t i c o s elemento existencial apenas é inadequado. Carnell viu
Carnell, Edward John 158

claramente a necessidade de testar a verdade de todo o Na verdade, isso pode ser colocado na mesma forma
sistema cristão. Ele integrou os três elementos básicos que o que Van Til chamou de argumento transcendental.
nesse teste: o racional, o empírico e o existencial. Então a questão não é se podemos provar Deus, mas
A validade contextuai da coerência sistemática. sim que tipo de prova funciona. Assim, Carnell não é
Dada uma estrutura teísta, a coerência sistemática é um pressuposicionalista, m as sim um teísta racional
um método suficiente para determ inar a verdade. Isto — oferecendo uma prova para a existência de Deus.
é, numa cosmovisão teísta, a posição que explica de É claro que Carnell acredita que esse tipo de argumen­
maneira m ais coerente todos os fatos relevantes é ver­ to evita o fluxo de experiência sensorial porque tem um
dadeira. É por isso que o cristianism o passa no teste e ponto de partida interior na pessoa, não exterior na natu­
o judaísm o não, já que o primeiro explica toda a pro­ reza. Mas, quando comenta Romanos 1.20, admite que
fecia (v. profecia como prova da Bíblia) sobre o Messias,
e o segundo não. Da mesma forma, o islamismo não os céus [natureza externa] declaram a glória de Deus,
explica a evidência teísta de que Cristo morreu na cruz pois nos lembram constantemente que Deus existe. A per­
e ressuscitou dentre os mortos três dias depois. O cris­ feição limitada da natureza é uma recordação da perfeição
tianism o explica. Então, tanto o judaísm o quanto o absoluta; a mutabilidade da natureza é uma recordação que
islamismo são reprovados no teste de abrangência. há uma imutabilidade absoluta.
A necessidade da relevância existencial. Carnell viu
o que poucos apologistas estão dispostos a admitir, que Até admite que seu teste factual da verdade é o mun­
um verdadeiro Weltanschauungdeve ser relevante à vida. do externo, pois, a o “encaixar osfatos, queremos ser fiéis
Isso não foi enfatizado o suficiente em An introduction à natureza” (ibid.,p. 169-70).Não importando como seja
to christian apologetics. Mas, quando escreveu Christian chamado o argumento, trata-se ainda de uma “prova”
commitment: an apologetic, a relevância existencial ha­ racional da existência de Deus que pode ser feita a par­
via-se tornado importante para o teste de abrangência tir da natureza externa, que é o que os argumentos teístas
de Carnell no que diz respeito à verdade do seu sistema. tradicionais rejeitados por Carnell pretendem alcançar.
D ificuldades na apolog ética de Carnell. A Uso incoerente da probabilidade. Carnell também é
apologética de Carnell não está isenta de falhas, algu­ incoerente no seu uso da probabilidade. Carnell repreen­
mas delas defeitos cruciais. de as abordagens apologéticas que começam com pro­
Epistemologia inata. Carnell evidentemente baseia-se babilidades empíricas e históricas. A argumentação
em Agostinho para sua crença em idéias inatas. Apesar empírica é rejeitada como teste adequado para a verda­
disso não ser uma crítica fatal do seu sistema, vale a pena de do cristianismo, pois “aqui não se pode ir além da
comentar que a crença em idéias inatas é infundada (v. probabilidade” (ibid., p. 105). Ele insiste em que nenhu­
Hume, David) e desnecessária. Os mesmos dados podem ma prova real é possível com um argumento de proba­
ser explicados simplesmente supondo uma capacidade bilidade, já que o oposto sempre é possível. Mas, ao de­
inata sem idéias inatas. Kant e Tomás de Aquino demons­ fender-se contra a acusação de que sua visão apenas
traram como isso poderia ser feito — mas Aquino não apresenta probabilidade, mesmo em questões cruciais
chegou à conclusão do agnosticismo. como a ressurreição de Cristo, ele responde afirmando
Rejeição dos argumentos teístas. Ao mesmo tempo que a probabilidade é suficiente. Pois
que Carnell rejeita a validade dos argumentos teístas
tradicionais, usa um argumento propriamente teísta. nenhum evento histórico, por mais recente, pode ser de­
Conforme Agostinho e René Descartes, Carnell argu­ monstrado além de um grau de probabilidade. Então seria
menta que o ceticismo total é contraditório. Se o ceti­ inadequado esperar que a comprovação da ressurreição de
cism o é duvidar, então ele está pensando. E, se pensa, Cristo, por exemplo, chegasse ao ponto de necessidade lógi­
então deve existir ( cogito ergo sum). Mas Carnell ar­ ca (ibid., p. 198).
gumenta que isso fornece não só o conhecimento de
si próprio, mas “o cogito nos dá o conhecimento de Mas não se pode adotar os dois aspectos da ques­
Deus. Sabendo o que a verdade é, sabemos o que Deus tão. Se a probabilidade jam ais é prova, então não im ­
é,pois Deus é a verdade”. Acrescenta: “A prova de Deus porta quão alta seja a probabilidade, Carnell não teria
é semelhante à prova da lógica; lógica deve ser usada provas da ressurreição (cf. At 1.3).
para provar a lógica” (ibid.,p. 158-9). Então, ao mesmo Um erro de categoria metodológica. Carnell trata ex­
tempo que Carnell rejeita os argumentos teístas tra­ plicitamente o teste das reivindicações da verdade do cris­
dicionais, oferece uma “prova” própria — que é a m es­ tianismo como o teste de uma “hipótese” científica (An
ma que sua prova para a validade das leis da lógica. introduction to christian apologetics, p. 101). Mas, como
159 Car neil, Eduard John

Edenne Gilson demonstrou muito bem, isso é um erro Mas, se falamos apenas sobre o evento anôm alo ou
de categoriametodológica. Emprestar um método da incomum de um cadáver ressurrecto numa estrutura
geometria, ou matemática, ou ciência não é a maneira de uma cosmovisão naturalista, o fato em si também se
de fazer
metafísica. Cada disciplina tem seu próprio encaixa na estrutura.
método apropriado. E o que funciona na ciência, por Conflito de critérios múltiplos para testar a verdade.
oem plo, nem sempre funciona na metafísica. Um sistema que tem muitos critérios para testar a ver­
Argumentação num círculo vicioso. 0 uso de fatos dade, como o de Carnell, tem um problema com o que
para testar a verdade da cosmovisão, que por sua vez dá fazer quando os critérios oferecem resultados contradi­
significado a esses fatos, é um círculo vicioso. Ao testar tórios. Nenhum critério é oferecido por Carnell para
CDsmovisões não se pode pressupor a verdade de um adjudicar tais conflitos. 0 que acontece, por exemplo, se
dado contexto ou estrutura, pois é exatamente isso que o critério do amor contradiz a lei da não-contradição?
está sendo testado. Mas o método apologético da con­ 0 que acontece quando os fatos parecem apoiar uma
sistência sistemática proposto por Carnell não pode ser posição que contradiz outro princípio do seu sistema?
mn teste do contexto (ou modelo) pelo qual os próprios 0 erro do “balde furado”. Coerência sistemática é
fetos, os quais ele defende, recebem significado. uma forma de argumento do “balde furado”. Na ver­
O ajuste factual é inadequado para testar uma dade diz que o empirismo não é um teste adequado
cosmovisão porque tal “ajuste” é determinado para os da verdade, que o existencialismo não é um teste ade­
fetos pelo padrão geral da cosmovisão. O significado quado da verdade e que o racionalismo não é um teste
de um fato não é encontrado na sua pura factualidade, adequado da verdade. Mas se um balde furado não
mas pela maneira em que é modelado ou incorpora­ segura a água, então dois ou três baldes furados tam ­
do por uma cosmovisão. Carnell diz: “um fato é qual­ bém não segurarão. Som ar soluções inadequadas não
quer unidade de ser que é capaz de dar significado, produz uma solução adequada, a não ser que haja al­
mas é o significado, não o fato, que é o conhecimento” guma maneira de corrigir a inadequação de um teste.
(Introduction to christian apologetics,p.92).Então,pa­ Mas o problem a com a coerên cia lógica com o
rece claro que os mesmos dados (por exemplo, a res­ teste da verdade não é corrig id o pelo apelo aos fa­
surreição de Cristo) podem ser interpretados alterna­ tos. E sse argum ento lógico não falha apenas p o r­
tivamente como uma anomalia (do ponto de vista na­ que não oferece referen ciais factu ais para o p e n ­
turalista), um evento mágico sobrenatural (do ponto sam ento, m as porque na sua form a m ais forte não
de vista panteísta) ou uma ação sobrenatural de Deus oferece argum entos racion alm en te inescap áv eis, e
(do ponto de vista teísta). Cosmovisões incompatíveis na form a fraca é apenas um teste para a possibilida­
dassificam os mesmos dados com significados dife­ de da verdade de um sistema. A lei da não-contradi­
rentes. Por não usar argumentos teístas para estabele­ ção só pode m ostrar que um sistema está errado se
cer um contexto geral de cosmovisão para os fatos da tem contradições nos seus princípios centrais. Mas
experiência, Carnell não consegue evitar essa crítica vários sistemas podem ser internamente não-contra-
(v. milagres, ARGUMENTOS coxtra). Por exemplo, algumas d itó rios. Da m esm a form a, podem e x istir várias
línguas antigas que não dividem letras em palavras dei­ cosmovisões que explicam todos os dados da experi­
xavam o leitor decidir pelo contexto. Nenhum apelo aos ência à medida que os interpretam. O panteísmo, por
simples fatos pode resolver o problema; apenas um con­ exemplo, não tem contradições internas lógicas, e pode
texto, modelo ou estrutura exterior pode fazer isso. E explicar todos os fatos como interpretados através das
quando uma estrutura se encaixa tão bem quanto om lentes da sua cosmovisão. Apenas se sobrepusermos
tra, não há como adjudicar o problema pela apelação a as lentes não-panteístas isso não acontece. Quem en­
modelos diferentes, em que cada um explica todos os tra em outra cosmovisão pode descobrir que seus prin­
fatos à sua própria maneira. Ou sistemas diferentes po­ cípios básicos são coerentes, que ela explica todos os
dem explicar de modo igualmente satisfatório o mes­ fatos da experiência interpretados por meio da sua
mo número de fatos e ter dificuldade com outros. estrutura e que é existencialmente relevante àqueles
Coerência sistemática não oferece maneira de sa­ que têm esse estilo de vida.
ber se o modelo se encaixa melhor nos fatos porque os Apenas um teste negativo da verdade. Consistência
fatos são antecipadamente ajustados para se encaixar sistemática testa apenas a falsidade, não a verdade, de
no modelo e dar sentido ao todo desde o início. 0 fato uma cosmovisão. Mais de uma visão pode ser coerente
da ressurreição de Cristo já é um “interprefato” teísta e e adequada. Mas aquelas que não são coerentes nem
como tal naturalmente se encaixará melhor num esque­ adequadas serão consideradas falsas. O ponto de vista
ma teísta das coisas que numa cosmovisão naturalista. de Carnell seria no máxim o apenas capaz de eliminar
causalidade, princípios da 160

cosmovisões falsas (ou aspectos de cosmovisões). Ele não 1. Todo efeito tem uma causa.
pode determinar que uma cosmovisão é verdadeira. Essa forma é claramente auto-evidente, e é analí­
É digno de nota que Frederick Ferre, que usa um mé­ tica, pois o predicado pode ser reduzido a sujeito. Ou­
todo semelhante, tenha reconhecido que mesmo cosmo­ tras maneiras afirm ar o princípio não são analíticas,
visões não-teístas podem ter peso igual ou até maior que o nem auto-evidentes:
modelo cristão quando testadas por seus próprios critéri­ 2. Todo ser contingente é causado por outro.
os. Se os teístas ocidentais admitirem isso, certamente o 3. Todo ser limitado é causado por outro.
hindu ou budista sofisticado poderia criar um teste 4. Tudo que surge é causado por outro.
combinatório da verdade para justificar sua cosmovisão. 5. Inexistência não pode causar existência.

Fontes Às vezes o princípio é afirmado de maneiras dife­


J. E . B arnhard , The religious epistemology and rentes dessas, mas cada forma é redutível a uma ou
theodicy of Edward John Carnell and Edgar mais dessas afirmações. Por exemplo, “Tudo que co­
Sheffield Brightman, dissertação não publicada, meça tem uma causa” é o mesmo que “Tudo que surge
Universidade de Boston, 1964. é causado por outro”. E “Todo ser dependente é causa­
E . J. C a r n e u , The burden ofSüren Kierkegaard. do por outros” é o mesmo que “Todo ser contingente é
____, The case for orthodox theology. causado por outro”.
____, Christian commitment: an Defesa do princípio. Uma verdade inegável. Se o
apologetic. princípio da causalidade é afirmado,“Todo efeito tem
___ , “How every Christian can defend uma causa”, então é inegável.
his faith”, Moody monthly, Jan., Feb., Mar. 1950.
Nessa forma o princípio da causalidade é analitica­
____, An introduction to Christian
mente auto-evidente, já que “efeito” quer dizer o que é
apologetics.
causado e uma “causa” quer dizer o que produz o efeito.
____, The kingdom of love and the
Então, o predicado é redutível ao sujeito. É como dizer:
pride of life.
“Todo triângulo tem três lados”. Mas há uma dificulda­
___ , A philosophy of the Christian
de em afirmar o princípio dessa forma para um teísta
religion.
que quer usá-lo para provar a existência de Deus (v. D eus,
____, The theology o f Reinhold
evidências de ). Ele apenas
passa o ônus da prova de volta
Niebuhr.
para o teísta, que deve mostrar que seres contingentes,
N . L. G e is ie r , Christian apologetics, cap . 7.
finitos e/ou temporais são efeitos. Ainda que isso possa
E. Gilson, The unity o f philosophical experience.
ser feito, não é tão útil quanto usar a form a“Inexistência
G. Lewis,“Edward John Carnell”, W. Elwell, org.,
não pode produzir existência”. Permanece, todavia, a
Handbook o f evangelical theologians.
questão se essa forma é auto-evidente ou inegável.
____,et al. Integrative theology, v. 1.
Todas as maneiras de defender as formas não ana­
_____ Testing Christianity’s truth claims.
líticas do princípio da causalidade (form as 2 -4 ) exi­
___ /‘Three sides to every story”, R.
gem explicação do que se quer dizer com os termos
L. Harris, org., Interpretation and history.
N. Nash, The new evangelicalism. da afirmação. Vejamos os seguintes exemplos:

B. Ramm, Types o f apologetics systems. A natureza da existência e inexistência. A afirmação


W. S. S ailer , The role o f reason in the theologies o f n.° 5 pode ser defendida pela definição dos termos.
Nets Ferre and Edward John Carnell, d issertação
“Inexistência não pode causar existência” porque ape­
doutoral n ão publicada, Universidade Temple. nas existência pode fazer algo existir. Inexistência não é
nada; não existe. E o que não existe não tem poder de
c a u s a lid a d e ,p r in c íp io d a. O princípio da cau sali­ produzir nada. Apenas o que existe pode causar exis­
dade é um prim eiro princípio. Todos os prim eiros tência, já que o próprio conceito de “causa” implica que
princípios são auto-evidentes ou redutíveis a auto- alguma coisa existente tem o poder de criar outra. Do
evidência. Mas nem tudo que é auto-evidente pare­ nada absoluto não vem absolutamente nada. Ou, para
ce ser auto-evidente a todos. O princípio da cau sa­ expressar de maneira mais popular: “Nada vem do nada;
lidade (v. primeiros princípios) se encaixa nessa cate­ nada jam ais poderia”.
goria e, portanto, A firm ação d o p r in cíp io d a ca u ­ A natureza da contingência. Todos os seres contin­
sa lid a d e. O princípio da causalidade pode ser de­ gentes precisam de uma causa, pois um ser contin­
clarado de várias m aneiras, algum as m ais aceitas gente é algo que existe, mas que pode, sob outras cir­
que outras. Por exemplo, pode-se dizer que: cunstâncias, não existir. Já que tem a possibilidade de
161 causalidade, princípio da

aão existir,não é responsável pela sua própria exis­ Primeiros princípios e a existência d e Deus. Dado
tência. Em si, não há razão para existir. Antes não exis- que algo existe (o que é inegável) pela causalidade (e pelo
tia, mas inexistência não pode causar nada. Existên­ princípio da analogia), a existência de Deus pode ser de­
cia só pode ser causada por existência. Apenas algo monstrada (v. cosMOLóGico, argumento). Em cada caso, é
pode produzir algo. claro, o ônus da prova cai sobre a premissa menor, não a
Observe que am bas as defesas acim a (e x istên ­ premissa que é o princípio da causalidade.
cia/ inexistência e contingência) dependem do prin­ Tudo que surge tem uma causa. Usando essa afir­
cípio de que “Inexistên cia não pode cau sar existên ­ m ação do princípio da causalidade, a existência de
cia” ou “o nada não pode causar algo”. Muitos filó ­ uma Primeira Causa pode ser demonstrada da seguin­
sofos afirm am que esse princípio é considerado ver­ te maneira:
dadeiro intuitivam ente e é auto-evidente. M as, se
alguém não aceitar isso com o auto-evidente, a afir­ Tudo o que surge é causado por outro.
m ação pode ser defendida de duas m aneiras. 0 universo surgiu.
Em primeiro lugar, inerente ao conceito de produzir Portanto, o universo foi causado por outro.
ou causar está a implicação de que algo que existia criou
o que é produzido ou causado. A alternativa é definir o É claro que deve-se demonstrar que o universo
nada como algo ou uma inexistência como existência, o surgiu. 0 teísta faz isso pela ciência e filosofia (v. big-
que é absurdo. Esse arg u m en to deve ser distinguido da bang; k a l a m , argumento cosmológico).
proposta de David H ume de que n ão é absurdo dizer que Outra maneira de provar a existência de Deus usa
o nada pode ser seguido por algo. 0 p ró p rio Hume nega uma afirmação diferente do princípio da causalidade:
que algo pode ser causado pelo nada: “Jam ais afirmei
uma proposição tão absu rd a co m o q u e algo p o d e sur­ Todo ser contingente é causado por outro.
gir sem uma causa” (H u m e, The letters o f David Hume, 0 universo é contingente.
v. l,p . 187). Logo, o universo é causado por outro.
Os teístas aceitam p lenam ente a a firm a çã o de
Hume. Por exem plo, u m estado em que não havia Aqui também o ônus da prova está na dem onstra­
mundo foi seguido por um estado e m q u e o m u n ­ ção de que o universo como um todo é contigente. Isso
do existia (depois que Deus o c r io u ) . Isto é , nada geralmente é feito ao dem onstrar que o universo como
(nenhum m undo) seguido de a lg o (um m u nd o). um todo poderia surgir ou, de fato, surgiu, logo é con­
Não há con trad ição inerente em dizer que nada tingente. Da m esma forma, o universo poderia deixar
pode ser seguido de algo. 0 p roblem a surge em de existir. Ele deve ter uma causa para explicar sua
dizer que o nada pode produzir ou causar algo. existência, ao invés da sua inexistência.
A importância dessa verdade começa a surgir quan­ É claro que, se alguém quiser dem onstrar que essa
do é afirmada de outra maneira: Se desde sempre não causa do universo é inteligente ou moral, o princípio
existisse absolutamente nada (inclusive Deus), então sem­ da analogia deve ser usado para m ostrar que efeitos
pre haveria absolutamente nada (inclusive Deus). se assemelham à sua causa eficiente (v. analogia , prin ­
Em segundo lugar, tudo que surge deve ter uma cípio da; primeiros princípios). Por exemplo:

causa. Se surgiu, não é um Ser Necessário, que por


sua natureza deve sempre existir. O que surge é um Efeitos se assemelham às suas causas de sua existência.
ser contingente, que por natureza é capaz de existir 0 universo manifesta uma criação inteligente na sua
ou não existir. Algo separado do ser contingente deve existência. Logo, o universo tem um Criador inteligente.
determ inar que ele surgirá. Então, tudo que surgiu
deve ser causado, já que deve haver uma ação efici­ Objeções. A m aioria das respostas às objeções
ente que o faz passar de um estado de potencialidade direcionadas ao princípio da causalidade estão implí­
(potência) para um estado de realidade (ato). Pois, citas no que foi afirmado.
A quino o b serv o u , n enhu m a p o tên cia de e x istir Não há necessidade de uma causa. Alguns ateus (v.
pode realizar-se. R ealizar-se significa que estaria ateísmo) argumentam que não há necessidade de uma
anteriorm ente num estado de realidade, e ser atu a­ causa. Eles insistem em que não há nada incoerente so­
liz a d o s ig n ific a q u e e s t a r ia nu m e sta d o de bre algo surgindo do nada. Isso, todavia, é contrário à re­
potencialidade. Não pode ser am bos ao m esm o tem ­ alidade que conhecemos e vivemos e à iniciativa científi­
po. Isso v iolaria o princípio da não contrad ição. ca, que busca uma explicação causal. É antiintuitivo acre­
Logo, não se pode negar o princípio da causalidade ditar que coisas simplesmente aparecem e desapare­
sem violar o princípio da não-contradição. cem. Quem defende tal visão também deve encarar o
causalidade, princípio da 162

fato de que algo que nem mesmo existe não tem o po­ precisa ter um Ser Necessário para impedir que deixe
der de fazer coisa alguma. de existir — o tempo todo.
Se tudo é causado, então Deus também é. Essa objeção A suposição oculta em postular um antigo Ser Ne­
é baseada numa compreensão errônea. 0 princípio da cessário que não existe mais é que causalidade simul­
causalidade não afirma que tudo tem uma causa. Afirma tânea não faz sentido. Mas não há contradição em di­
apenas que tudo que tem um começo (e então é finito) zer que um efeito está sendo efetuado no mesmo ins­
precisa de uma causa. Por exemplo, se o universo não teve tante em que sua existência é causada. Esse é sem dú­
começo, então não precisa de uma causa para seu come­ vida o caso no relacionamento entre premissas (cau­
ço. Da mesma forma, se Deus não teve começo, ele tam­ sa) e a conclusão (efeito) num silogismo. Causa e efei­
bém não precisa de uma causa. Só o que tem um começo to são sim u ltân eos, p o is, no in sta n te em que se
precisa de uma causa. Mas poucas pessoas argumentam retira(m ) a(s) prem issa(s), a conclusão não surge. Da
que o universo não teve começo. No final das contas o m esma forma, a relação causal entre um rosto e sua
universo precisa de uma Causa que não teve um começo, imagem no espelho é simultânea.
pois o universo não pode surgir do nada. O que atrapalha a compreensão é confundir um
0 princípio da causalidade não se aplica à realida­ efeito com um pós-efeito. Por exemplo, quando a bola é
de, Alguns críticos insistem em que o princípio da cau­ jogada, ela continua a se mover depois que o lançador
salidade pertence ao âmbito da lógica, mas não se apli­ deixou de jogá-la. Depois que se dá corda no relógio,
ca à realidade (v. realismo ). Isso é contraditório. Não ele continua funcionando. Mas, nesses e noutros exem­
se pode afirmar consistentemente que as leis do pen­ plos, o pós-efeito tam bém está sendo efetuado direta
samento não podem ser afirmadas com relação à rea­ ou simultaneamente por alguma causa, depois que a
lidade. É inconsistente pensar que a realidade não pode causa original deixou de operar. A força da inércia
ser p en sad a. Já que o p rin cíp io da cau salid ad e m antém a bola se movendo; as forças de tensão e rea­
é um princípio fundamental da razão (v. F undacioxa - ção m antêm a mola movendo o relógio. Se qualquer
lism o ) , deve aplicar-se à realidade. Caso contrário,aca­ uma dessas forças desaparecesse, o pós-efeito cessa­
ba-se numa posição contraditória segundo a qual o ria. Se a inércia cessasse logo depois da bola sair da
que é conhecido sobre a realidade não pode ser co­ minha m ão,abola pararia instantaneamente no ar.Da
nhecido. O princípio da causalidade é um princípio mesma forma, o relógio deixaria de funcionar no ins­
sobre a realidade. Quando diz: “Inexistência não pode tante em que as leis da física que o colocam em funci­
produzir existência”, existência significa o que é real e onamento deixassem de operar. Todo suposto pós-efei­
inexistência o que não é real. to é apenas um efeito de algumas causas simultâneas.
Não há necessidade de uma causa aqui e agora. Al­ Não há pós-efeitos existenciais. Tudo que existe, exis­
guns críticos argumentam que, mesmo se houve uma te aqui e agora. E tudo que está sendo criado agora deve
causa do começo do universo, ela não precisa existir ter um criador agora. Uma distinção básica ajudará a ilus­
agora. Ou uma causa deixou de existir, ou ainda exis­ trar esse problema. O artista não é a causa da existência
te, mas não é necessária para suster o universo. de uma pintura; ele é apenas a causa da criação da pintu­
O Deus te ísta d em o n strad o pelo argu m ento ra. A pintura continua existindo depois que o artista tira
cosmológico não poderia ter causado o universo e de­ suas mãos da tela. O pai não causa a existência do filho,
pois deixado de existir. O Deus teísta é um Ser Neces­ mas apenas causa a criação do filho, pois quando o pai
sário, e um Ser Necessário não deixa de existir. Se exis­ morre o filho continua a viver.
te, deve por sua própria natureza existir necessaria­ Seres finitos claramente precisam de uma causa,
mente. Um Ser Necessário não pode existir num modo não só para sua criação, mas tam bém para sua exis­
contingente mais que um triângulo pode existir num tência aqui e agora. Pois a todo momento da sua exis­
modo de cinco lados. tência são dependentes de outro ser para sua existên­
Um Ser Necessário deve continuar a causar seus cia. Nunca deixam de ser seres limitados, finitos, con­
ser(es) contingente(s). Um ser contingente deve perma­ tingentes. E, como tal, exigem uma causa para cada
necer contingente enquanto existir, já que jam ais pode momento da sua existência. Não importa se estamos
ser um Ser Necessário. Mas essa é a única alternativa nos referindo a José da Silva no primeiro, segundo ou
para um ser contingente além de deixar de existir ou terceiro momento da sua existência. Ele ainda existe,
continuar sendo um ser contingente. Mas se um ser con­ recebeu existência, e portanto está recebendo existên­
tingente é sempre contingente, sempre precisa de um cia de algo além de si mesmo.
Ser Necessário de que dependa para sua existência. Já Parte do problema poderia ser removido se não fa­
que nenhum ser contingente se mantém em existência, lássemos de existência como se todo o conjunto fosse
163 Celso

recebido ao mesmo tempo, mas de existir, um processo conhecimento natural sobre o mundo externo depen­
de momento a momento. A palavra ser pode ser ainda de de uma conexão causal entre ele e nossas mentes.
mais enganosa nesse aspecto. Ninguém recebe todo o
seu ser de uma só vez, nem mesmo no próximo instan­ Fontes
te. Cada criatura tem um “ser”presente. A existência vem L. F euerbach , The essence o f christianity.
um momento de cada vez. Mas a cada momento de exis­ S. F reud , 0 futuro de uma ilusão.
tência dependente precisa haver algum Ser independen­ R. G arrigoc -L a G raxge , God: his existence and his
te que dá aquele momento de existência. Nesse caso, a nature.
distinção entre o latim esse (ser) e ens (ser, coisa) é útil. N. L. G eisler , Christian apologetics.
Deus é puro Esse e nosso presente esse (nossa serzice, ___ , e W . C orduax , Philosophy o f
nosso caráter de ser) é dependente dele. Alguma exis­ religion.
tência pura precisa existencializar nossa potencialidade E. G ilson, On being and some philosophers.
de existência, caso contrário não existiríam os. Deus D. H ume, Dialogues concerning natural religion.
como Realidade pura está tornando real tudo que é real. ___ , The letters ofDavid Hume, J. Y. T. G reig , org.
Logo, é a realidade presente de tudo que é real que exige I. K ant , Crítica da razão pura.
uma base causal. A. L ightman , Origins.
A física quântica mostra que eventos subatômicos J. MARiTAiN.-Ejcisfen« and the existent.
não são causados. O princípio da incerteza de Heisen- E. M ascall, Existence and analogy.
berg (v. iNDETERMixAÇÃo, princípio de ) é um princípio de B. M ondin , The principie o f analogy inprotestant
mecânica quântica que afirma que and catholic theology.
L. M. R egis , Epistemology.
B. R cssell , Por que não sou cristão.
a posição e velocidade de uma partícula não pode ser
T omas de A qvino , On being and essence.
simultaneamente conhecida com certeza absoluta. Segun­
do essa teoria, por exemplo, é possível prever precisamente
Celso. Filósofo pagão do século n. Sua obra A verdadei­
que fração de átomos de urânio se desintegrará radioativa­
ra doutrina (ou Discurso) é a obra mais antiga que se
mente na próxima hora, mas é impossível prever quais áto­
conhece que ataca a fé cristã (c. 178). É conhecida por
mos farão isso (ibid.).
meio da resposta de oito livros de Orígenes, Contra Cel­
so, que preserva grande parte do discurso de Celso. Ne­
Conclui-se que, se alguns eventos são imprevisíveis,
nhuma outra cópia sobreviveu.
eles não devem ser causados.
O rígenes retrata as cren ças de Celso com o um a
Mas, essa conclusão não está certa por várias ra­
com bin ação de um a visão p latônica (v. P latão) de
zões discutidas no artigo in d e t e r m in a ç à o , p r in c íp io da .
Deus e do politeísmo grego. O resultad o era um
Em prim eiro lugar, o princípio de Heisenberg não é
Deus d esco nhecid o que coloca seus d em ônios d i­
um princípio de incausalidade, mas um princípio de
versos na exp eriên cia hu m ana. A verdadeira reli­
imprevisibilidade. Em segundo lugar, é apenas a po­ gião é d em onstrad a ao co n c en tra r-se em Deus e
sição de determ inada partícula que não pode ser pre­ propiciar d em ônios cu ltu ais. A ad oração é devida
vista, não o padrão geral. Em terceiro lugar, já que o ao im perad or sob as form as de celebração de fe s­
meio subatômico não pode ser “observado” sem ser tas p ú blicas, p restação de serv iço público e a lis ­
bom bardeado, o cientista não pode ter certeza de tam en to no exército (v. D ouglas, p. 2 0 6 ).
como realmente é. Nem todos os físicos concordam Celso se apresenta com o um observador pagão
com Heisenberg. A resposta de Einstein foi: “Deus não descom prom issado, sem qualquer sentim ento for­
joga dados com o universo”. te sobre religião. Ele louva o cristian ism o por sua
Conclusão. Há outros argumentos negativos so­ doutrina do Logos e pelos valores m orais elevados,
bre o princípio da causalidade (v. D e u s , objeções as pro ­ m as se opõe firm em ente à sua exclusividade. C riti­
vas da existên c ia d e ), mas eles não negam o próprio ca grande parte da história b íblica por seus relatos
princípio. Por exemplo, o argumento de que pode ha­ de m ilagres e expressa repugnância pelas dou tri­
ver um número infinito de causas não nega o princí­ nas da encarnação e cru cificação. Tam bém se opõe
pio da causalidade; ele o pressupõe. O princípio da ao não-conform ism o cristão, que ele considera uma
causalidade em si é tão válido quanto qualquer pri­ am eaça ao governo rom ano. Suas acu sações se re­
meiro princípio. Sem ele nem a ciência em particular sum iam a superstição religiosa, intolerância e não-
nem o raciocínio em geral seriam possíveis. Todo o conform ism o político.
certeza / convicção 164

As acusações foram respondidas por Orígenes. com certeza, já que o sujeito e o predicado dizem a
Celso fracassou em sua apreciação da evidência h is­ m esm a coisa: “A existência existe”; “Inexistência é
tórica (v.Novo T e s t a m e n t o , h is t o r ic i d a d e d o ) e da ju s ­ não existir”. “Inexistência não pode produzir exis­
tificação filosófica de m ilagres bíblicos (v. m i l a g r e ; tência” tam bém é certo, já que produzir implica um
milagres , a r g u m e n t o s c o n t r a ). Também fracassou em produtor existente.
entender a evidência que apóia a divindade de C ris­ Certeza moral. Certeza moral existe onde a evidên­
to (v. C r i s t o , d i v i n d a d e d e ) e a singularidade do c ris ­ cia é tão grande que a mente não tem nenhuma razão
tianism o (v. C r i s t o , s i n g u l a r i d a d e d e ; r e l i g i õ e s m u n ­ para vetar a vontade de crer que é assim. Confia-se
diais e c r i s t i a n i s m o ). completamente numa certeza moral. É claro que há
uma possibilidade lógica de que as coisas a respeito
Fontes das quais temos certeza moral sejam falsas. Mas a evi­
C elso , The true doctrine. dência é tão grande que não há razão para crer que
H . C hadwick , Origen contra Celsum. sejam falsas. Em termos legais isso é o que se quer di­
F. L. CROss,“Celsus”, em The Oxford dictionary o f zer com “sem sombra de dúvida”.
the christian church. Certeza prática (alta probabilidade). Certeza práti­
E. R . D odds, Pagan and christian in an age o f ca não é tão forte quanto certeza moral. As pessoas afir­
anxiety.
mam estar “certas” de coisas que acreditam ter uma alta

O rígenes , Contra Celso.


probabilidade de verdade. Alguém pode ter certeza de
que tomou o café da manhã hoje, sem ser capaz de pro­
var isso matemática ou metafisicamente. Isso é verdade
certeza /conv icção. Certeza é a confiança de que algo
a não ser que algo tenha mudado a percepção dessa pes­
é verdadeiro. Às vezes certeza é diferente de convicção.
soa e, assim, ela seja levada a pensar que tomou o café
Certeza é objetiva, mas convicção é subjetiva. Um pri­
da manhã. É possível estar errado sobre essas questões.
meiro princípio ou afirmação auto-evidente é objeti­
Certeza espiritual (sobrenatural). Na hipótese de
vamente certa, quer a pessoa tenha certeza disso quer
que o Deus teísta exista, ele poderia dar certeza sobre­
não. Convicção envolve o consentimento pelo conhe­
natural de que algo é verdade. Da mesma forma, se
cedor do que é certo; é uma aceitação subjetiva do que
Deus fala diretamente a uma pessoa (e.g.,Abraão em
é objetivamente certo. No uso comum os term os são
Gn 2 2 ), então essa pessoa poderia ter certeza espiritu­
empregados alternativamente. A diferença é que cer­
al que transcende outros tipos de certeza, porque vem
teza existe onde há razões objetivas ou evidências que
diretam ente de Deus. Aqueles que têm experiências
são proporcionais ao nível de certeza reivindicado.
místicas diretas com Deus (v. misticismo), tal como Paulo
M as, no que se refere à convicção, não precisa haver
descreve em 2 Coríntios 12, têm esse tipo de certeza.
um nível proporcional de razões objetivas ou evidên­
Ela seria maior que qualquer outro tipo de certeza, já
cias para o nível de convicção que se tem.
que um ser onisciente é sua garantia e a onisciência
Tipos d e certeza. A certeza divide-se nas catego­ não pode errar. Como e se essa certeza realmente existe
rias lógica, moral, prática e espiritual. sem uma ação sobrenatural é um ponto duvidoso en­
Certeza lógica. A certeza lógica é encontrada em tre teólogos, apesar de muitos apologistas clássicos e
grande parte na matemática e na lógica pura. Esse tipo outros argumentarem que existe (v. E spírito Santo na
de certeza está envolvida onde o oposto seria uma con­ apologética , papel do ).
tradição. Algo é certo nesse sentido quando não há pos­ Certeza e consentimento. Certeza é sempre acom­
sibilidade lógica de ser falso. Já que a m atemática é panhada de assentimento. Isto é, a mente sempre con­
redutível à lógica, encaixa-se nessa categoria. É encon­ corda com proposições que são certas, caso as enten­
trada em afirmações como 5 + 4 = 9. Também é encon­ da adequadamente. Mas nem todo assentim ento é
trada em tautologias ou afirmações que são verdadei­ acompanhado de convicção. No cotidiano, damos as­
ras por definição: Todos os círculos são redondos, e ne­ sentimento a algo que é apenas provável, e não neces­
nhum triângulo é quadrado. sário. Nos negócios geralmente não há certeza abso­
Certeza metafísica. Há algumas outras coisas, po­ luta; é preciso dar assentimento com base em vários
rém, que podemos ter certeza absoluta de que não são níveis de probabilidade. Esse é quase sempre o caso no
afirmações sem conteúdo. Por exemplo, tenho certeza raciocínio indutivo, já que quem raciocina está pas­
de que existo. Isso é inegável, já que não posso negar mi­ sando do específico para o geral e não tem certeza
nha existên cia sem existir para fazer a negação. de todos os dados específicos. Uma indução com ple­
Os primeiros princípios também podem ser conhecidos ta seria uma exceção, já que todo dado específico é
165 Chesterton, Gilbert K.

conhecido. Por exemplo: “Há três, apenas três boli- L. M . R egis, Epistemology.
■has de gude na m inha m ão direita” é algo que se J. B. S i lei van, An examination offirst principles in
pode saber com certeza. Apesar de ser possível que a thought and being.
pessoa não tenha visto ou contado corretamente, a pro- T omas de A quino , On hermeneutics.
labilidade de estar correta é alta o suficiente para a pro­ ___ , Suma teológica.
posição ser uma certeza moral (v. indutivo, método ). F. D. W ilh elm sex , Man’s knowledge o f reality.
Alguém pode possuir certeza intelectual de uma
proposição, mas não ter convicção subjetiva ou em o­ C h esterto n , G ilb ert K. Ensaísta e poeta inglês (1874-
cional. Esse é o caso comum da dúvida. Há medo em o­ 1936) inteligente e espirituoso, a quem C. S. Lewis
cional, apesar da comprovação racional. A pessoa pode disse dever muito. Chesterton trocou a escola de arte
tsr certeza moral de que Deus existe e mesmo assim pelo jornalism o e, em 1922, a Igreja da Inglaterra pelo
sentir sua ausência. catolicism o romano. Suas obras religiosas incluem
Muitas vezes a convicção subjetiva também funci­ Heretics (1 9 0 5 ), Orthodoxy (1 9 0 8 ), The everlasting
ona na direção oposta. Um sentimento de convicção man (1 9 2 5 ) e Avowals and denials (1 9 3 4 ). Sua obra
domina a análise racional de tal forma que move a von­ Autobiography (1 9 3 6 ) fornece uma boa visão do ce­
tade de consentir com pouca ou nenhuma evidência. nário religioso de 1895 a 1936.
Certeza e erro. A convicção subjetiva é uma m a­ Opiniões. Deus. Chesterton defendeu o catolicis­
neira em que é possível ter certeza moral e l o u con­ mo ortodoxo, e suas obras estão repletas de argu­
vicção sobre a verdade de algo que é objetivam ente m entos apologéticos espirituosos a favor da fé c ris ­
falso. A vontade de crer pode dom inar a falta de evi­ tã. Em Orthodoxy, declarou que “nunca houve nada
dência, a ponto de se ter segurança de crença sem tão perigoso ou em ocionante quanto a ortodoxia”
sua veracidade. Razões de erros incluem sentidos ou (p. 106).
processos mentais defeituosos, consciência incom ­
pleta, a motivação da vontade e a necessidade de agir Qualquer pessoa poderia seguir os m odism os religio­
na ausência de evidência convincente. sos, desde o gnosticism o até a Ciência C ristã,m as evitá-los
Não se pode estar errado sobre os primeiros prin­ tem sido uma grande aventura; e na m inha opinião a carru ­
cípios ou as proposições auto-evidentes. Uma vez que agem de fogo passa com o um trovão pelas eras, deixando as
a mente as entenda, é compelida a concordar com elas. h eresias ted iosas estatelad as e pro strad as, e a verdade
Não há liberdade de não concordar com uma verdade indóm ita, cam baleante, m as por fim ereta (ibid .,p. 107).
auto-evidente. Apesar dessa tendência natural à ver­
dade ser um impulso inconsciente, parece que, ade­ Chesterton criticou as cosm ovisões não-teístas.
quadamente falando, o assentimento à certeza é cons­ Chamou o ateísmo

ciente. Só pode ter certeza quem entende que a verda­


de é um primeiro princípio ou pode ser reduzida a ele. o dogm a m ais ousado de todos [...] É a a firm ação de
Esse nível de análise exige consciência. Apenas quan­ um a negativa universal; dizer que n ão há Deus no u n i­
do se entende o princípio e a verdade se torna inequi­ verso é com o dizer que n ão há in setos em n en h u m a das
vocamente clara, o assentimento é necessário e a con­ estrelas (Five types, p. 5 9).
vicção é garantida.
Convicção envolve repouso. Já que a convicção Criticou o panteísmo por ser incapaz de inspirar a
envolve o assentimento consciente com a certeza da ação moral.
verdade pela qual um ser humano tem um apetite in­
consciente, a posse dessa verdade pelo intelecto é a re­ Pois o p anteísm o im p lica por sua n atu reza que um a
compensa da convicção. Xa presença de tais verdades, co isa é tão boa quanto a o u tra; a ação , por seu tu rn o , im ­
nada no mundo pode privar o intelecto dessa posse. A plica na sua natureza que um a coisa é preferível a outra
recompensa da fome de verdade é a convicção de que ( Orthodoxy, p. 143).
desfruta conscientemente quem percebe a certeza e a
necessidade da verdade que veio a possuir. Até o paganism o é m elhor que o p an teísm o,
acrescentou.
Fontes O paganism o está livre para im aginar divinda­
A r is t ó t e l e s Oh hernieiieutics. des, enquanto o panteísm o é forçado a fingir, de m a­
G. H a be r m a s , Dealing with lioubt. neira pedante, que todas as coisas são igualm ente
J. N evw . a n , The gnnnmar ot assetit. divinas (Catholic church and conversion, p. 89).
Chesterton, Gilbert K. 166

Chesterton resum iu a diferença entre o c ristia ­ coelh os de um a cartola vazia; um p rocesso que geralm ente
nism o e o budismo nessa observação perspicaz: envolve algum tipo de d esígnio (ibid ., p. 172).

0 cristão tem pena dos homens porque estão morrendo, e Chesterton declarou que a sugestão de que a evolu­
o budista tem pena dos homens porque estão vivendo. O cris­ ção produziu a mente humana é
tão lamenta o que prejudica a vida de um homem; mas o budis­ co m o d iz er um h o m em qu e p erg u n ta qu em p asso u
ta lamenta que esteja vivo (Genemlly speaking, p. 115-6). co m a rod a p or cim a da su a p ern a : foi a evo lu ção qu e o
fez’. A firm a r o p ro cesso nào é m esm o qu e a firm a r o a g en ­
No seu vívido testemunho pessoal, Chesterton con­ te (Handful o f authors, p. 9 7 -8 ).
fessou:
Além disso,
Sempre acreditei que o mundo envolvia mágica; agora
pensei que talvez envolvesse um mágico [...] Esse nosso mun­ é absurdo o evolucionista reclam ar qu e é inim aginável
do tem algum propósito; e se há um propósito, há uma pes­ p ara u m D eus considerado inim aginável fazer tudo do nada
soa. Sempre achei que a vida era uma história; e se há uma (v. c r i a ç ã o , v i s õ e s d a ) , e depois fingir qu e é m ais im aginável o
história há um contador de histórias(Orthodoxy,ç>. 61). nada se to rn a r algu m a coisa (Saint Thomas Aquinas, p. 173).

Milagres. Chesterton acreditava que Deus intervém Pecado. Chesterton tam bém afirmou a Queda de
ativamente no mundo. Ele definiu milagre como “o Adão e o pecado original. É ruim o bastante estarmos
controle repentino da matéria pela mente” (ibid., p. presos no mundo mau, disse ele, mas temos usado mal
137). A realidade dos milagres foi básica para a defesa o mundo bom. O mal é o uso errado da vontade, e en­
apologética de Chesterton. Insistiu em que os m ila­ tão as coisas podem ser corrigidas apenas por meio
gres devem ser confirm ados pela evidência, assim do uso correto da vontade. “Todas as outras crenças,
como outros eventos da história. exceto essa, são formas de capitulação ao fatalismo”
( The thing, p. 226). Chesterton descreveu os efeitos da
Minha crença que milagres aconteceram na história hu­ queda ao dizer que a doutrina do pecado original é “a
mana não é uma crença mística; acredito neles com base doutrina da igualdade dos homens”. Por enquanto to­
em evidência humana como acredito no descobrimento da dos são insensatos (Heretics,p. 165-6).
América” (ibid., p. 161). Avaliação. Chesterton foi um defensor espirituo­
so e inteligente da fé cristã em geral e da fé católica
“Uma conspiração de fatos” impõe essa aceitação rom ana especificam ente. Ele está entre os grandes
na mente. As testemunhas não eram sonhadores m ís­ apologistas intelectuais católicos do século x.\. Sua
ticos, mas pescadores, fazendeiros e outros que eram abordagem é mais literária que lógica quanto a for­
“incultos e cautelosos” (ibid., p. 163). Por outro lado, ma, mas é racional e penetrante.
as negações de milagres não se baseiam em evidên­
cias, mas em com prom etim ento filosófico. “Só há Fontes
uma razão para uma pessoa inteligente não acredi­ G. K. C hesterton , A handful o f authors.
tar em milagres. Ela acredita no m aterialism o” (St. ___ , Autobiography.
Francis ofAssisi, p. 204). Os crentes aceitam os m ila­ ___ , Five types.
gres porque têm evidência deles. Os incrédulos os ___ , Generally speaking.
negam porque têm uma doutrina contra eles. ___ , Heretics.
Criação. A criação para Chesterton foi a “m aior ___ , Orthodoxy
das revoluções” (Chaucer, p. 2 7). Ele não parece ter ___ , St. Francis ofAssisi.
negado a possibilidade da criação por m eio da evo­ ___ , Saint Thomas Aquinas.
lução (v. e v o l u ç ã o t e í s t a ) , mas tam bém reconheceu ___ , The catholic church and conversion.
as deficiências da evolução com o teoria das origens ___ , The thing: why la m a catholic.
(v. e vo l u ç ã o b i o l ó g i c a ) . Mesmo que a teoria fosse ver­ C. H ollis , The mind o f Chesterton.
dadeira, A. L. M atlock , The man who was orthodox.
J. W. M ontgomery, Myth, allegory and gospel (cap. 2).
a evolução como explicação, como filosofia absoluta da M. W ard, Gilbert Keith Chesterton.
causa dos seres viventes, ainda enfrenta o problema de tirar ___ , Return to Chesterton.
167 ciência e a Bíblia

ciên cia das origens. V. o r ig e n s , ciência das . Ambos os grupos estão sujeitos ao erro. Pessoas in­
formadas de ambos os lados, tanto intérpretes bíbli­
ciência e a B íb lia . 0 conflito entre a ciência e a Bíblia cos como cientistas, cometem erros. Muitos teólogos
tem sido amargo, principalm ente nos últim os 150 já acreditaram que o sol girava em torno da terra
anos. A maioria das razões dessa hostilidade está re­ (como muitos cientistas acreditavam); alguns acredi­
lacionada ao que a pessoa considera ser a natureza e o tavam que a terra era quadrada. Mas estavam errados.
procedimento de cada domínio. Para muitos, o supos­ Da mesma forma, o modelo de um cosmos eterno foi
to conflito é resolvido pela separação completa das descartado dando lugar ao modelo do big-bang. Teo­
duas esferas. Isso às vezes é feito pela lim itação do rias evolutivas sobre herança de características adqui­
papel da religião ou da Bíblia a questões de fé e da ridas foram derrubadas (v. evolução bioló gic a ; evo l u ­
déncia a questões de fatos. Especificamente, alguns ção q u í m i c a ).
cristãos envolvidos com a ciência argumentam que a Ambos os grupos estão sujeitos a correção. Outro prin­
Bíblia nos fala sobre “quem e porquê” ( Deus), e a ciên­ cípio importante é que ambas as áreas estão sujeitas a
cia lida com os “como”. correção uma pela outra. Por exemplo, o fato científico
Mas essa separação nítida dos domínios da ciên­ refutou a teoria da terra achatada. Logo, qualquer inter­
cia e da Bíblia é insatisfatória, já que a Bíblia não se pretação que tome versículos sobre os “quatro cantos
limita a questões de “quem e porquê”. Ela freqüen-te- da terra” como descrições literais de geografia está er­
mente faz afirmações de fatos sobre o mundo científi­ rada. A ciência provou que isso está errado.
co. E a ciência nào se lim ita apenas a questões de Igualmente, cientistas que insistem em que o uni­
“como”. Ela também lida com as origens (v. o r ig e n s , verso é eterno defendem uma teoria comprovadamente
CIÊNCIA DAS). falsa, tanto pela ciência quanto pelas críticas de cris­
Do ponto de vista cristão, a relação entre a Bíblia e tãos (v. c r i a ç ã o , v i s õ e s d a ; e vo l u ç ã o c ó s m i c a ; b i g - b a n g ,
a natureza é a relação entre duas revelações de Deus, TEORIA DO).
revelação especial e revelação geral (v. r e v e l a ç ã o ge r a l Nem todos os conflitos são resolvidos com tanta fa­
e revelação e s p e c i a l ). A primeira é encontrada na reve­ cilidade. Pouquíssimas coisas são provadas com certe­
lação de Deus nas Escrituras (v. B íblia, e v i d ê n c i a s da) e za na ciência. Algumas coisas são apenas prováveis ou
a segunda na sua revelação na natureza. Entre essas altamente prováveis. Por exemplo, o fato de a terra girar
duas, quando interpretadas adequadamente, não há em torno do Sol não foi absolutamente provado. Essa
conflitos, já que Deus é o Autor de ambas e não pode teoria condiz com os fatos da maneira que são conheci­
contradizer-se. dos e é uma interpretação científica altamente provável
No entanto, como o entendimento científico é ape­ da natureza que entra em conflito com uma interpreta­
nas o entendimento humano falível da natureza e como ção contestável das Escrituras, então devemos supor que
teólogos só têm uma interpretação falível das Escri­ a segunda está errada. E vice-versa. Por exemplo, a
turas, é compreensível que haja contradições nessas macroevolução é questionável, e a criação do universo,
áreas. A situação pode ser diagramada da seguinte da primeira vida e de novas formas de vida é altamente
maneira: provável. Logo, a criação deve ser considerada verda­
deira e a macroevolução deve ser rejeitada (v. evolução ).
| escrituras «—sem conflito—» natureza
A Bíblia não é um livro de ciências. Um princípio
) teologia « - algum conflito-» ciência que alguns apologistas cristãos superzelosos às vezes
esquecem é que, embora a Bíblia não cometa erros ci­
A teologia bíblica envolve a interpretação humana entíficos (v. B í b l ia , su p o st os e r r o s n a ), ela também não
do texto bíblico. Como tal, está sujeita a má interpre­ e um livro de ciências. Ela não fala em termos científi­
tação e erro. Da mesma forma, a ciência é o conjunto cos, técnicos, nem com precisão. Usa números arre­
de tentativas humanas falíveis de compreender o uni­ dondados. Emprega linguagem de observação, em lu­
verso. Assim, o conflito é inevitável. Por exemplo, a m ai­ gar de linguagem astronômica (v. B íb l i a , su p o st o s e r ­
oria dos cientistas acredita que o universo tem bilhões ros n a ). A Bíblia apenas afirma verdades parciais em
de anos. Alguns teólogos afirmam que ele tem apenas várias áreas da ciência. Ela não ensina geometria, nem
alguns milhares de anos de idade. Certamente, ambos álgebra, nem trigonometria. Não se pode supor con­
não podem estar certos. flitos sem levar esses fatores em consideração.
Princípios de reconciliação. Antes das áreas de con­ .4 ciência está em constante mudança. 0 conheci­
flitos específicos serem analisadas, várias diretrizes são mento científico muda constantem ente. Isso signifi­
úteis para avaliarmos a natureza e o procedimento de ca que um apologista de anos atrás que teve sucesso
ambas as disciplinas. em conciliar a Bíblia com alguma teoria da ciência
ciência e a Bíblia 168

poderia estar absolutamente errado, já que não havia eventos que levam ao homem começa repentina e abrupta­
um conflito real para resolver. A conformidade perfei­ mente num momento definido no tempo, num clarão de luz
ta tam bém pode estar errada hoje, já que a ciência pode e energia (ibid., p. 14).
mudar amanhã. Dado o fato de que a ciência é uma
disciplina experimental e progressiva, jam ais atingin­ Nenhuma matéria nova é criada. A Bíblia declarou
do um a conclusão final quanto a qualquer assunto, desde o princípio que a criação é completa. Deus des­
cabe a nós não pressupor que haja erros científicos na cansou do seu trabalho (Gn 2.2) e ainda descansa (Hb
Bíblia a não ser que: 4.4s.). Em resumo, nenhuma matéria nova (energia)
está sendo criada. É exatamente isso que a primeira
1. algo seja inquestionavelmente reconhecido lei da Termodinâmica declara, ou seja, que a quanti­
como um fato científico; e dade de energia real no universo permanece constan­
2. entre em conflito com uma interpretação das te (v. TERMODINÂMICA, LEIS Da ).
Escrituras que seja inquestionável. O universo está se desgastando. De acordo com a
segunda lei da term o din âm ica , o universo está desgas­
Por exemplo, é inquestionável que a Bíblia ensina tando sua energia utilizável. Está literalmente enve­
que um Deus teísta existe (v. te ísm o ) . Logo, seria ne­ lhecendo. É exatamente isso que o salm ista disse:
cessário provar que é um fato científico inquestionável
que Deus não existe para m ostrar um conflito real. É No princípio firmaste os fundamentos da terra, e os céus
improvável que conflitos reais entre a ciência e Bíblia são obras das tuas mãos. Eles fornecerão, mas tu permane­
jam ais venham a ser demonstrados. Alguns conflitos cerás; envelhecerão como vestimentas. Como roupas tu os
aparentes merecem atenção, bem como algumas teo­ trocarás e serão jogados fora. Mas tu permaneces o mesmo,
rias prováveis e até altam ente prováveis da ciência e os teus dias formais terão fim (SI 102.25-27).
moderna que encontram paralelos impressionantes na
Bíblia. Exam inaremos estas primeiro. Gênesis declara que a vida apareceu primeiro no
A Bíblia e a ciência convergem. Como nem toda infor­ m ar (Gn 1.21), e só depois na terra (1.26,27). Isso está
mação científica era conhecida nos tempos bíblicos, a Bí­ de acordo com a teoria de que a vida multicelular pu­
blia fala com credibilidade científica considerável, uma lulava nas águas cam brianas antes de se multiplicar
evidência da sua natureza sobrenatural. na terra.
Origens. 0 universo teve um princípio. 0 primeiro A vida se reproduz conform e sua espécie. Em
versículo da Bíblia proclama que “No princípio criou
Gênesis 1.24 Deus disse: “Produza a terra seres vivos
Deus os céus e a terra”. Era comum em teorias antigas
de acordo com as suas espécies: rebanhos domésticos,
considerar o universo eterno, mas a Bíblia ensinava
animais selvagens e os demais seres vivos da terra,
que ele tinha um princípio. É exatamente isso que a
cada um de acordo com a sua espécie”. Segundo o
maioria dos cientistas acredita agora por aceitar a te­
paleontólogo agnóstico Stephen Jay Gould:
oria do big-bang. 0 astro físico ag n óstico R obert
Jastrow escreveu que
A maioria das espécies não demonstra mudança
direcional durante sua vida na terra. Aparecem no registro
três linhas de evidência — os movimentos das galáxias, as
fóssil com a mesma aparência que quando desapareceram;
leis da termodinâmica e a história de vida das estrelas — leva­
mudança morfológica geralmente é limitada e não-direcional
vam a uma conclusão: tudo indicava que o Universo teve um prin­
(Gould, Evolution’s erratic pace [O ritmo incerto da evolução],
cípio (Godandtheastronomers [Deuseos astrônomos],p. 111).
p. 13,14).
Ordem dos eventos. Gênesis 1 tam bém indica uma
criação progressiva: universo, seguido da terra sem for­ Nesse registro fóssil, como em Gênesis, os seres
ma, seguida pelo que deu forma à terra. Esse é um con­ humanos foram os últimos a aparecer.
ceito muito mais sofisticado cientificamente do que a Os seres humanos feitos do pó da terra. Ao contrá­
antiga história comum da criação. A Bíblia afirm a que rio de antigos mitos ou do Alcorão, que afirma que os
Deus disse no princípio: “Haja luz; e houve luz” (Gn seres humanos foram feitos de um “coágulo” de san­
1.3). Jastrow escreveu sobre a semelhança dessa afir­ gue (v. surata 23.14), a Bíblia afirma que “Então o S e­
mação com a ciência moderna: n h or Deus formou o homem do pó da terra e soprou
em suas narinas o fôlego de vida, e o homem se tor­
Os detalhes diferem, mas os elementos essenciais nos nou um ser vivente”(Gn 2.7). Além disso, acrescenta:
registros astronômico e bíblico são os mesmos: a série de “Com o suor do seu rosto você com erá o seu pão, até
169 ciência e a Bíblia

que volte à terra, visto que dela foi tirado; porque você M as foi dem onstrad o no artigo G ê n e s is , d ia s d e , que
é p ó , e ao pó voltará” (Gn 3.19). Segundo a ciência, os a palavra hebraica para “dia” pode significar era e
dementos constituintes do corpo humano são os m es­ que, se se tratassem de “dias solares”, não precisa­
mos que os elementos encontrados na terra. vam ser períodos sucessivos de 24 horas. Além dis­
Ciência terrestre. A água retorna à sua fonte. As Es­ so, os métodos científicos de datação são baseados
crituras afirmam: “Todos os rios vão para o mar, con­ em duas pressuposições improváveis: 1) que as con­
tudo, o mar nunca se enche; ainda que sempre corram dições originais eram puras e incontam inadas; e 2)
para lá, para lá voltam a correr” (Ec 1.7; cf. Jó 37.16). que a taxa ou ritmo das mudanças não variou desde
Apesar de o autor provavelmente não estar ciente do as condições originais.
processo exato de evaporação, condensação e precipi­ Gênesis 1.2. Gênesis 1.2 foi chamado “monumento
tação, sua descrição está em perfeita harm onia com de inexatidões do ponto de vista científico” (Bucaille, p.
esses processos. 4 0). Bucaille cita o fato de que Gênesis 1.2 menciona
A Terra é redonda. Isaías falou de Deus que “assen­ água no estágio inicial da história da terra, mas ele in­
tado no seu trono acima da cúpula da terra” (40.22). siste em que “colocar-se água aí é um erro” (Bucaille).
Essa é uma descrição surpreendentemente precisa para Essa é uma acusação estranha, pois o próprio
nm profeta do século xviii a.C. E Salomão havia apre­ Bucaille admite que “no estágio inicial da formação do
sentado a mesma verdade no século x a.C. (Pv 8.27). universo existia uma massa gasosa” (ibid.). Mas a pró­
A. Terra está suspensa no espaço. Numa era em que pria água tem um estado gasoso conhecido por vapor.
era comum acreditar que o céu era um domo sólido, a Além disso, teorias científicas mudam. As teorias de hoje
geralmente são descartadas amanhã. Assim, mesmo se
Bíblia fala precisamente de Deus estendendo os céus
houvesse alguma teoria hoje que afirm asse que não
do norte sobre o espaço vazio e suspendendo a terra
havia água nos estágios iniciais do universo, ela conti­
sobre o nada (Jó 26.7).
nua sendo altamente teórica. E mais, havia água nos
A Bíblia não é apenas compatível com as desco­
primeiros estágios da história da terra, pelo menos na
bertas científicas verdadeiras, mas antecipou muitas
forma de vapor. É por isso que a vida que conhecemos é
delas. O conhecimento científico é compatível com as
possível na Terra, mas não em outros planetas do nosso
verdades das Escrituras.
sistema solar. Portanto, na sua pressa de encontrar er­
Outras descobertas científicas. Muitas outras coi­
ros na Bíblia, Bucaille cometeu um.
sas descobertas pela ciência foram afirm adas na B í­
Gênesis 1.3-5. Com relação a Gênesis 1.3-5, o críti­
blia centenas e até milhares de anos antes. E la s ln -
co muçulmano Bucaille afirma: “Mas é ilógico citar­
duem o fato de que: 1) o m ar tem sendas e veredas
mos o efeito produzido (a luz) no primeiro dia, situ­
(2Sm 22.16; SI 8.8; Pv 8.2 8 ); 2) o m ar tem lim ites (Pv
ando a criação do meio de produção (as luzes) três
8.29); 3) a vida está no sangue (Lv 17.11); 4) a doen­
dias mais tarde” (ibid., p .47).
ça pode ser espalhada pelo contato físico (Lv 13).
Mas o sol não é a única fonte de luz no universo.
Supostos conflitos. Gênesis 1 e 2. O exemplo de
Além disso, não é necessário interpretar que o texto
conflito entre a ciência e a Bíblia citado com m ais
está falando que o Sol foi criado no quarto dia. Pode
freqüência é com relação à doutrina da criação. Há o
ser que Deus apenas o tenha feito aparecer no quarto
conflito sobre a origem do universo (v. o r i g e n s , c i ê n ­
dia, depois que a névoa de água se dissipou, tornando
cia d a s ) , o conflito relativo à origem da prim eira vida
sua silhueta visível. (A palavra hebraica para fe z , asà,
e o conflito relativo à origem humana. Um ataque
ocorre cerca de 1 200 vezes no a i . Tem uma grande
violento contra a Bíblia do ponto de vista científico é variedade de significados, inclusive: fazer, criar, m os­
encontrado no livro A Bíblia, o Alcorão e a ciência , trar, aparecer, revelar e fazer aparecer.) Antes disso sua
do autor muçulmano Maurice Bucaille. Alguns dos luz estava brilhando,como num dia enevoado,sem que
seguintes exemplos específicos de suposto conflito observadores da terra pudessem ver a silhueta do sol.
são catalogados por Bucaille. Uma resposta cristã de Gênesis 1.14-19. Muitos concordariam com Bucaille
peso a essa obra apareceu em W illiam Campbell, The que “Colocar a criação do Sol e da Lua depois da cria­
Q ufan an d the Bible in the light ofhistory and science ção da Terra é absolutamente contrário à noções mais
[O Alcorão e a B íblia à luz da história e da ciência}. solidamente estabelecidas sobre a formação dos ele­
Dias de Gênesis. Os críticos argum entam que, mentos do Sistema solar” (Bucaille, p. 47).
como os “dias” de Gênesis são obviamente de 24 ho­ Mais uma vez, há dois problemas. Um é supor que
ras de d uração, a B íblia está em conflito com a até mesmo as idéias científicas mais dominantes de­
datação da ciência m oderna que provou que a ori­ vem ser consideradas fato absoluto. Na realidade, é
gem do mundo e da vida levou muito mais tempo. estranho que muçulmanos usem esse argumento, já
ciência e a Bíblia 170

que eles também apontam o erro de teólogos que acre­ criaturas aladas apareceram depois dos répteis. Alguns
ditavam que a teoria científica quase universalmente fósseis de animais marinhos alados foram encontra­
dominante de um universo geocêntrico (que tem a ter­ dos em estratos mais antigos que geralmente são de­
ra como centro) era um fato científico. Semelhante­ signados para a origem dos répteis. De qualquer for­
mente, idéias científicas dominantes sobre a origem ma, não há contradição, exceto entre teorias da ciên­
do sol e da lua poderiam estar erradas. cia e algumas más interpretações de Gênesis.
Porém , com o já vim os nos com entários sobre Gênesis 2.1-3. Ao comentar o ensinamento bíblico
Gênesis 1.3-5, não é necessário acreditar que o Sol e a de que Deus criou em seis dias (Gn. 2.1-3), Bucaille ale­
Lua foram criados no quarto dia. Antes, por alguma ga que “Sabe-se perfeitamente, em nossos dias, que a
razão (talvez o vapor original tenha-se dissipado), sua formação do universo e da terra [...] foi afetuada eta­
forma pode ter-se tornado visível da face da terra ape­ pas, estendendo-se em períodos de tempos extrema­
nas no quarto dia. mente longos!”. Isso foi demonstrado acima como sen­
Gênesis 1.19-23. Os críticos encontram duas coi­ do infundado no artigo G ên esis , dias de .
sas inaceitáveis em Gn. 1.19-23: “o fato de continentes Gênesis 2.4-25. Bucaille adota a teoria ultrapassada
emergirem no período da história da terra em que ela de que Gênesis 2 contradiz o registro dado em Gênesis
ainda estava coberta de água” e “que um reino vegetal 1. A alegação aqui é que Gênesis 1 declara que os ani­
organizado com reprodução por sementes pudesse ter mais foram criados antes dos seres humanos, e Gênesis
aparecido antes da existência do sol”. 2.19 parece inverter essa ordem, dizendo: “Depois que
A primeira questão é infundada, e a segunda foi formou da terra todos os animais do campo [...] o Se­
respondida na seção de Gênesis 1.3-5. Quem acha acei­ nhor Deus os trouxe ao homem para ver como este lhes
tável que Deus tenha criado plantas que produziam
chamaria”, sugerindo que Adão fora criado antes deles
sementes no início da história da terra? Evolucionistas
(v. A dão , historicidade de ; jardim do É den ).
não-teístas que rejeitam Deus e sua obra especial de
A solução para esse problema, no entanto, torna-se
criação podem ter dificuldades. Isso não deveria ser
evidente quando examinamos os dois textos com cuida­
inaceitável para um muçulmano, como Bucaille, que
do. As diferenças surgem do fato de Gênesis 1 dar a or­
afirma acreditar no Alcorão. O Alcorão afirma que Deus
dem dos eventos; Gênesis 2 dá o conteúdo sobre eles.
criou o mundo e tudo que nele há em alguns dias.
Gênesis 2 não contradiz o capítulo 1, já que não afirma
A contradição aqui é entre a Bíblia e a hipótese cientí­
exatamente quando Deus criou os animais. Apenas diz
fica dominante (v. Denton; Johnson; Geisler, cap. 5-7).
que ele trouxe os animais (que havia criado anteriormen­
Gênesis 1.20-30. Bucaille insiste em que essa pas­
te) a Adão para que ele os nomeasse. A ênfase no capítulo
sagem contém afirmações inaceitáveis de que o reino
2 é na concessão de nomes aos animais, não na sua cria­
animal começou com criaturas do m ar e aves. Mas as
ção. Logo, Gênesis 2.19,enfatizando a classificação (não a
aves só aparecem depois dos répteis e outros animais
criação) dos animais,apenas diz:“Depois que formou da
terrestres (ibid., p. 48-9).
terra [previamente] todos os animais do campo [...] o
Na verdade a Bíblia não diz que Deus criou aves com
Senhor Deus os trouxe ao homem para ver como este lhes
penas antes dos répteis. Ela se refere a criaturas com
chamaria”.
asas (Gn 1.21). Isso geralmente é traduzido por “aves”
Gênesis 1 fornece o resumo dos eventos, e o capí­
(i.e., animais voadores), mas jam ais “criaturas com pe­
tulo 2 dá os detalhes. Juntos, os dois capítulos dão um
rcas”. E, segundo a ciência, criaturas com asas existiam
retrato harm onioso e mais completo dos eventos da
antes das aves com penas. Sua menção juntamente com
criação. As diferenças, então, podem ser resumidas da
“grandes animais marinhos” é uma indicação de que a
referência é a dinossauros com asas. Aqui Bucaille su­ seguinte maneira:
Com isso em mente, os dois textos são perfeita­
põe um cenário evolutivo. Mas a evolução é uma hipó­
tese infundada. Oferecer como prova científica que “vá­ mente complementares.
rias características biológicas comuns às duas espécies
Gênesis 1 Gênesis 2
tornam essa dedução possível” é fazer uma dedução
Ordem cronológica Ordem tópica
errada. Pois características comuns não provam ascen­
Resumo Detalhes
dência comum; podem indicar um Criador comum.
Criação Nomeação
Afinal, há uma semelhança progressiva em automóveis
dos animais dos animais
desde os primeiros até os atuais. Mas ninguém acredita
que um evoluiu do outro por processos naturais.
Finalmente, alguns cientistas contemporâneos es­ Gênesis 2, 3. Muitos críticos da Bíblia alegam que
tão questionando a antiga suposição de que todas as não há evidência científica de que o jardim do Éden
171 ciência e a Bíblia

fcnha existido como a Bíblia afirma. Mas, além de ba­ longevidade diminuiu para 70 ou 80 anos para a maio­
sear-se no silêncio, que é uma forma do erro do argu­ ria, apesar de Moisés ter vivido 120 anos (Dt 34.7).
mento da ignorância, esse argumento não é verdadei- Terceiro, alguns sugeriram que esses “anos” são, na
*x H á ampla evidência histórica e geográfica da exis­ verdade, apenas meses, o que reduziria 900 anos à expec­
tência de um jardim do Éden literal. tativa de vida normal de 80 anos. Mas isso é inaceitável.
Gênesis 4. O problema aqui é que a Bíblia diz que Não há precedente no at hebraico para interpretar a pala­
Caim se casou quando aparentemente não havia nin­ vra ano como “mês”. E Maalaleel teve filhos quando ti­
guém com quem se casar. Caim e Abel eram os pri­ nha “apenas” 65 anos (Gn 5.15),e Cainã teve filhos aos 70
meiros filhos de Adão: não havia mulheres para casar anos (Gn 5.12); isso significaria que tinham menos de
com Caim. Só havia Adão, Eva (Gn 4.1) e seu irmão seis anos — o que não é biologicamente possível.
morto Abel (4.8). Mas a Bíblia diz que Caim casou-se Quarto, outros sugerem que esses nomes represen­
eteve filhos. tam linhagens ou clãs que duraram gerações antes de
Embora esse seja o problema favorito dos críticos sumirem. Isso, porém, não faz sentido. Para começar,
da Bíblia, a solução é bem simples. Caim casou-se com alguns desses nomes (e.g., Adão, Sete, Enoque, Noé)
sua irmã (ou talvez uma sobrinha). A Bíblia diz que são definitivamente indivíduos cujas vidas são narra­
Adão “teve filhos e filh a s ’ (Gn 5.4). Na verdade, como das no texto (Gênesis 1— 9 ).Além disso,linhagens não
Adão viveu 930an o s(G n 5 .5 ), teve bastante tempo para “geram” linhagens com nomes diferentes. E linhagens
gerar muitos filhos. Caim poderia ter-se casado com não “morrem”, indivíduos morrem (cf. 5.5 ,8 ,1 1 ). Ade­
uma das suas várias irmãs, ou até mesmo com uma mais, a referência a ter “filhos e filhas” (5.4) não con­
sobrinha, caso tenha-se casado depois que seus irmãos diz com a teoria de clãs.
ou irmãs tinham filhas já crescidas. Quinto, parece melhor aceitar os anos (apesar de
Quanto ao problema secundário do incesto proibi­ serem anos lunares de 12 x 30 = 360 dias).
do e geneticamente perigoso (Lv 18.6) se Caim se ca­ Nem só a Bíblia fala de expectativa de vida de cen­
sasse com sua irmã, a solução também não é difícil. tenas de anos entre os antigos. Também há registros
Antes de mais nada, não havia imperfeições genéticas gregos e egípcios de seres humanos que viveram cen­
no início da raça humana. Deus criou Adão genetica­ tenas de anos.
mente perfeito (Gn 1.27). Defeitos genéticos resultaram Um problema relacionado a isso é que em Gênesis
da Queda e só ocorreram gradualmente durante longos (6.3) Deus decidiu logo antes do Dilúvio lim itar a ex­
períodos de tempo. Além disso, não havia m andam en­ pectativa de vida do homem a 120 anos. Em Gênesis
to na época de Caim de não se casar com um parente 11.10-32, no entanto, os dez descendentes de Noé vi­
próximo. Esse mandamento (Lv 18) veio milhares de veram de 148 a 600 anos.
anos depois, na época de Moisés (c. 1500 a.C.). Final­ Mesmo supondo que 6.3 refere-se ao tempo de vida
mente, como a raça humana começou com um único dos descendentes de Noé, ele não diz que essa lim ita­
par (Adão e Eva), Caim não tinha outra pessoa para ca­ ção ocorreria imediatamente. Pode referir-se apenas
sar exceto uma parente próxima (irmã ou sobrinha). ao eventual tempo de vida dos pós-diluvianos. Na ver­
Gênesis 5 . O problem a da longevidade das p esso­ dade, Moisés, que escreveu essas palavras, viveu exa­
as antes do Dilúvio é óbvio: Adão viveu 930 anos ( Gn tamente 120 anos (Dt 34.7).
5.5); M atusalém viveu 969 anos (Gn 5.2 7 ), e a expec­ Além disso, não há necessidade de interpretar
tativa de vida m édia de uma pessoa norm al era de essa passagem com o referên cia à expectativa de
mais de 900 anos. Mas até a Bíblia reconhece o que o vida de indivíduos depois do Dilúvio. Provavelmen­
fato científico dem onstra, ou seja, que a m aioria das te refere-se ao tempo de vida que a humanidade ain­
pessoas vive apenas 70 ou 80 anos antes da morte da teria antes de Deus m and ar seu julgam ento fa ­
natural (SI 90.10). tal. Isso condiz melhor com o contexto im ediato, que
É fato que as pessoas não vivem tanto tempo atual­ fala de por quanto tem po Deus exortaria a hum a­
mente. Mas essa é apenas uma afirmação descritiva, não nidade a se arrepender antes de enviar o Dilúvio.
prescritiva. Nenhum cientista demonstrou que é impos­ Génesis 5,11. Os críticos afirmam que a Bíblia co­
sível alguém viver tanto tempo. Na verdade,biologicamen­ mete um erro científico quando data a humanidade de
te não há razão para os seres humanos não viverem cen­ 4000 a.G. aproximadamente. Na verdade, há intervalos
tenas de anos. Os cientistas ficam mais perplexos com o nas genealogias bíblicas. Logo, é impossível obter um
envelhecimento que com a longevidade. total de anos de Adão até A braão. A B íb lia tem
Segundo, a referência em Salmos 90 é da época de genealogias precisas nas quais há intervalos evidentes
Moisés (por volta de 1400 a.C.) em diante, quando a ( v . G F .N E A L O G IA S A B E R T A S O U F E C H A D A S ) .
ciência e a Bíblia 172

Gênesis 6-9. A história do Dilúvio foi acusada de afirma: “No fim da madrugada, do alto da coluna de
improbabilidades científicas, inclusive o fato de não fogo e de nuvem, o Senhor viu o exército dos egípcios e
haver evidência geológica e o argumento de que seria o pôs em confusão” . Finalm ente, de acordo com o
impossível colocar todas as espécies de animais do versículo 26, Deus disse a Moisés: “Estenda a mão sobre
mundo num barco tão pequeno. Mas foi demonstrado o mar para que as águas coltem sobre os egípcios”. Mas
(v. d i l ú v i o dl Noé) que há evidência do Dilúvio e que a não há referência da hora dessa ordem, e não é necessá­
arca era enorm e, suficiente para abrigar os tipos de rio concluir Israel havia completado sua travessia na­
animais que não poderiam sobreviver ao Dilúvio. quela mesma manhã.
Gênesis 30. Segundo Gênesis 30, Jacó parecia acei­ Uma travessia de 24 horas não é tão impossível
tar a posição não-científica da sua época de que a in­ quanto parece. A passagem não afirm a que o povo
fluência pré-natal sobre a mãe afeta as características atravessou em fila indiana, nem que atravessaram
físicas da prole, pois obteve cordeiros malhados e sal­ numa extensão de terra da largura de uma via expres­
picados depois de colocar varas riscadas diante das sa moderna. Na verdade, é bem mais provável que Deus
cabras que concebiam (Gn 30.37). tenha preparado uma extensão de vários quilômetros
Apesar de os cordeiros malhados não terem nas­ de largura. Isso certamente condiz com a situação, já
cido por causa do plano de Jacó com as varas, há uma que o acampamento de Israel às margens do m ar Ver­
base científica para seus resultados: melho provavelmente se estendia por 5 ou 6 km ao lon­
go da costa. Quando chegou a hora de o povo atraves­
Para o observador casual eram de cor sólida, pois todos sar em terra seca, provavelmente se moveu como um
grande tropel, como um grande exército avançando
bodes malhados foram removidos; mas seus fatores ou genes
sobre linhas inimigas. O mar Vermelho tem uma ex­
hereditários de cor eram mistos, a condição que o geneticista
tensão de aproximadamente 2 320 km e 290 km de
chama de heterozigótica.
largura em média. Se essa grande multidão atraves­
sou da maneira descrita, para atravessar uma distân­
[Pois] testes de procriação demonstraram que manchas
cia de 290 km num período de 24 horas eles teriam de
são recessivas em bodes, tornando possível para um bode
se deslocar a uma velocidade de cerca de 13 km por
ter manchas que podem ser transmitidas, apesar de não se­
hora. Essa teria sido uma velocidade razoável e tempo
rem visíveis ( a sa , p. 71).
suficiente para atravessar o mar longo e estreito.
Levítico 11. Nos versículos 5 e 6, dois anim ais,o co­
Deus abençoou Jacó, apesar do seu plano de con­
elho e a lebre, são considerados impuros por Levítico
seguir o rebanho do seu tio desonesto. 0 Senhor re­
porque, apesar de remoerem ou ruminarem, não têm o
velou a Jacó num sonho a verdadeira razão de os ca ­
casco fendido. Mas a ciência moderna descobriu que
britos nascerem daquela maneira: “Então ele disse:
esses dois animais não ruminam. Logo, a Bíblia parece
‘Olhe e veja que todos os m achos que fecundam o
ter cometido um erro nesse caso.
rebanho são têm linhas, são salpicados e malhados,
É injusto impor o conhecimento científico moder­
porque tenho visto tudo o Labão lhe fez’” (Gn 31.12, no à palavra “remoer”. Os coelhos não ruminam no
grifo do autor). sentido técnico, eles fazem uma ação de mastigação
Êxodo 14. Segundo esse registro da travessia do cham ada“refecção”, que parece o mesmo para um ob­
m ar Vermelho, o grupo m aciço de fugitivos israelitas servador. Isso é conhecido por “linguagem de obser­
não teve mais que 24 horas para atravessar a parte vação” , e a usam os o tempo todo, principalm ente
do m ar Vermelho que Deus havia preparado. Mas, se­ quando estamos falando com pessoas que não enten­
gundo os núm eros dados, havia aproximadamente dem os aspectos técnicos de um assunto. Por exemplo,
dois milhões de pessoas (v. Nm 1.45,46). Mas, para usamos linguagem de observação para falar sobre a
uma multidão desse tam anho, um período de 24 ho­ aurora e o pôr-do-sol. A descrição não é tecnicamente
ras não era tempo suficiente para fazer tal travessia. correta pelos padrões científicos modernos, mas é útil
É preciso lembrar que, apesar de a passagem dar para o nível de conhecimento da pessoa pré-científica
idéia de que o tempo que a nação de Israel teve para comum. A frase bíblica deve ser considerada uma ob­
atravessar o m ar foi curto, essa não é uma conclusão servação ampla e prática que inclui a definição técni­
necessária. O texto afirma que Deus mandou um ven­ ca moderna de remoer ou ruminar, assim como ou­
to oriental que abriu as águas “toda aquela noite” (Êx tros animais, inclusive coelhos, que parecem ruminar.
14.21). O versículo 22 parece indicar que foi na m a­ Eles são incluídos na lista de animais que ruminam
nhã seguinte que a multidão de israelitas começou sua para que a pessoa comum pudesse fazer a distinção
jornada através do leito do mar. Depois o versículo 24 na observação cotidiana.
173 ciência e a Bíblia

Esse é um bom exemplo do porquê afirmarmos que “falsa gravidez” em que seus ventres e seios aumenta­
a Bíblia não tem erros tãetuais, mas não é um livro cien­ ram sem realmente terem um bebê crescendo no úte­
tífico no sentido moderno. Essas distinções feitas em ro. Algumas pessoas já sofreram cegueira por causas
Levítico eram práticas, não científicas. Deviam ajudar as psicológicas. Experiências com placebos (pílulas de
pessoas a selecionar a comida. Os animais que ruminam, açúcar) indicam que muitas pessoas com doenças ter­
ou ruminantes, são os que regurgitam a comida a fim de minais sentem o mesmo alívio que com morfina. En­
mastigá-la novamente. Os ruminantes são normalmente tão, é um fato científico que a mente pode ter um gran­
considerados comida “limpa”, ou aceitável para os de efeito sobre os processos físicos.
israelitas. Nem a lebre nem o coelho são ruminantes e O texto diz que a mulher era “obrigada a ju rar” pe­
tecnicamente não ruminam. Mas ambos movem suas rante Deus sob ameaça de “maldição” (v. 21). Se fosse
mandíbulas de tal forma que parecem estar ruminando. culpada, a água amarga teria funcionado como detetor
Até o cientista sueco Lineu os classificou originariamen- de mentira psicossomático. Uma mulher que realmen­
te como ruminantes. te acreditasse que seria amaldiçoada e soubesse que
Refecção é o processo em que matéria vegetal indi- era culpada seria afetada. Mas aquelas que sabiam que
gerível absorve certas bactérias e é eliminada como eram inocentes não seriam.
fezes e depois comida novamente. Esse processo ca­ Finalmente, o texto não diz que alguém realmente
pacita o coelho a digerir melhor. O processo é sem e­ bebeu a água e ficou com o ventre inchado. Simplesmen­
lhante à ruminação. te diz “se” (cf. v. 14,28) beber, esse será o resultado. Sem
Levítico 13. Levítico 13 descreve“lepra” como uma dúvida só acreditar que isso aconteceria e que ela seria
doença infecciosa que pode contaminar roupas. Mas considerada culpada convenceria a mulher que soubesse
lepra é uma doença causada por bactérias e não afeta que era culpada de não se sujeitar ao processo.
objetos inanimados como roupas. }osué 6. Josué 6 registra a conquista e destruição da
Todavia, teólogos tém observado que essa é ape­ cidade de Jericó. Se esse registro fosse preciso, aparente­
nas uma questão de uso da palavra, que tem mudado mente as escavações arqueológicas modernas teriam en­
com o tempo. Atualmente a lepra é conhecida por contrado evidência desse evento monumental. No entan­
hanseníase. Esse não é o mesmo tipo de infecção que to, nenhuma evidência da época de Josué foi descoberta.
é descrita como “lepra” no at .A doença bacteriana ago­ Durante muitos anos a teoria predominante dos
ra identificada como lepra não produz os sintomas des­ críticos era que não havia nenhuma cidade de Jericó
critos em várias passagens do at . 0 termo hebraico na época em que Josué supostamente entrou em Canaã.
tsarat, traduzido “lepra”, é um termo mais geral para Apesar de investigações anteriores da reconhecida ar­
qualquer doença grave de pele ou sinal de infecção ou queóloga britânica Kathleen Kenyon terem confirm a­
impureza na superfície de objetos inanimados. A im ­ do a existência da antiga Jericó e sua destruição re­
pureza de roupas ou paredes em Levítico 14.33-57 pro­ pentina, suas descobertas a levaram a concluir que a
vavelmente era um tipo de fungo ou mofo. Roupas cidade só teria existido até no máximo 1550 a.C. apro­
infectadas deviam ser queimadas (Lv 13.52 ). Casas de­ ximadamente. Essa data é muito antiga para Josué e
veriam ser purificadas. Se a infecção não pudesse ser os filhos de Israel fazerem parte da sua destruição.
erradicada, as casas seriam demolidas e as ruínas, tira­ Xo entanto, a recente revisão dessas descobertas
das da cidade (Lv 14.45). anteriores e uma investigação das evidências atuais in­
Números 5. Aqui Moisés supostamente ordenou a dica que não só havia uma cidade que corresponde à
prática de uma superstição que não tem base na ciên­ cronologia bíblica, mas que seus restos coincidem com
cia. A esposa acusada de adultério era culpada se, de­ o registro bíblico da destruição da sua fortaleza mura­
pois de beber água amarga, seu ventre inchasse. Mas da. Xum artigo publicado em BiblicalArcheology Review
as esposas inocentes e culpadas bebiam a mesma água (março/abril de 1990), Bryant G. Wood, professor con­
amarga, o que demonstra que não havia base química vidado pelo departamento de Estudos do Oriente Mé­
ou biológica para o inchaço ou ausência dele. dio na Universidade de Toronto, apresentou evidências
Em resposta, várias coisas são importantes. Pri­ de que o registro bíblico é preciso. Sua investigação de­
meira, o texto não diz que a diíerença da condição da talhada forneceu as seguintes conclusões:
mulher culpada tinha uma causa química ou física. Xa Primeira, a cidade que existiu nesse local era for­
verdade, indica que a causa era espiritual e psicológi­ temente fortificada, correspondendo ao registro bíblico
ca. “Culpa” não é uma causa física. A razão do ventre em Josué 2.5,7,15; 6.5,20.
de uma mulher culpada inchar pode facilmente ser Segunda, as ruínas dão evidência de que a cidade
explicada pelo que se sabe cientificamente sobre con­ foi atacada depois da colheita na primavera, correspon­
dições psicossomáticas. Muitas mulheres já tiveram dendo a Josué 2.6; 3.15; 5.10.
ciência e a Bíblia 174

Terceira, os habitantes não tiveram a oportunida­ o versículo 13, que afirma: “O sol parou no meio do
de de fugir com seus alimentos do exército invasor, céu e por quase um dia não se pôs”.
como relatado em Josué 6.1. Além disso, mesmo se a terra reduzisse sua velo­
Quarta, o sítio foi curto, não permitindo que os cidade de rotação, não é necessário concluir que a ro­
habitantes consumissem a comida que foi estocada na tação da terra parou completamente. O versículo afir­
cidade, como Josué 6.15 indica. ma que o sol “por quase um dia inteiro não se pôs”.
Quinta, as muralhas foram derrubadas de forma Isso poderia indicar que a rotação da terra não foi com ­
que houvesse acesso à cidade para os invasores, como pletamente detida, mas que foi retardada de tal forma
Josué 6.20 registra. que o sol não se pôs por quase um dia inteiro. Ou é
Sexta, a cidade não foi saqueada pelos invasores, possível que Deus tenha feito a luz do sol se refletir
segundo as instruções de Deus em Josué 6.17,18. por meio de um “espelho” cósm ico para que pudesse
Sétim a, a cidade foi queimada depois de as mura­ ser visto por um dia a mais. Se a rotação da terra pa­
lhas serem destruídas, tal como Josué 6.24 diz. rou completamente, devemos lembrar que Deus é ca­
Apesar de algumas pessoas não aceitarem que es­ paz não só de parar a rotação da terra por um dia, mas
ses fatos estejam relacionados à época correta, há evi­ tam bém impedir qualquer efeito catastrófico possível
dência de que estão (v.Wood). De qualquer forma, a que poderia resultar da interrupção da rotação da ter­
possibilidade de que realmente esses sejam os restos ra. Apesar de não saberm os exatamente como Deus
da Jericó de Josué não foi descartada. Logo, nenhuma realizou esse evento milagroso, isso não quer dizer que
refutação científica da história bíblica de Jericó foi feita. não possamos saber que ele aconteceu.
Além disso, mesmo se não houvesse evidência presente A frase “parou” não é científica, assim como as ex­
ou remanescente, isso não prova que a história não pressões “nascer do sol” e “pòr-do-sol” usadas por ci­
aconteceu. É possível que a evidência tivesse sido entistas (m eteorologistas) todos os dias quando dão a
previsão do tempo. Trata-se simplesmente de uma afir­
destruída ou estivesse em outro local. O argumento
mação referente à observação do ponto de vista de uma
de que “não existe evidência, portanto, não aconteceu”
pessoa na face da terra que é, afinal, onde estamos. Em
é, na melhor das hipóteses, tênue. Envolve o erro do
resumo, não há prova científica de que Josué não teve
argumento da ignorância.
um dia extra de luz para terminar sua batalha.
Josué 10. Durante a batalha com os reis da terra de
IReis 7.23. Alguns críticos alegaram um erro cien­
Canaã, Deus deu a Israel o poder de vencer seus inimi­
tífico nas Escrituras, pois, seguindo IReis 7.23, Hirão
gos. À medida que exércitos do povo da terra fugiam de
construiu um “tanque de metal fundido, redondo,
Israel, Josué buscou o Senhor para deter o sol de modo
medindo quatro metros e meio de diâmetro e dois
que tivessem luz suficiente para completar a destruição
metros e vinte e cinco centímetros de altura”. Com base
dos seus inimigos. Mas os críticos insistem em que há
nesse relato, aprendemos que a razão entre a circunfe­
pelo menos dois erros científicos aqui. Primeiro, Josué
rência e o diâmetro é de três para um. Mas esse é um
está afirm ando equivocadam ente um a visão g eo­
valor impreciso de pi, que é, na verdade, 3,14158...
cêntrica (tendo a terra como centro) do sistema solar.
Os apologistas ofereceram duas soluções possíveis
Segundo, mesmo levando em conta que isso ocorreu
para esse problema. Harold Lindsell escreve que 1 Reis
porque a terra parou de girar em torno do seu eixo na
não errou no uso de pi. Pois, se a largura de 4,5 m do
sua rota ao redor do sol, isso só causaria problemas ain­
recipiente é medida externamente de uma borda a
da maiores. Por exemplo, essa redução de velocidade
outra e a circunferência é apenas da água que está den­
faria as coisas na terra serem lançadas no espaço.
tro do recipiente ,pi seria 3,14. Dessa forma a medição
Esse argumento é baseado na suposição não com­
interna do recipiente seria menor que 4,5 m, explican­
provada de que milagres não são possíveis (v. milagre ;
do como a circunferência da água (ou do interior do
milagres , argumentos contra ). O Deus que fez o sol e a recipiente) seria de apenas 13 m e estaria próximo de
terra pode certamente fazer o sol brilhar mais tempo 3,14 vezes o diâmetro de 4,5 m (13,5 m).
num dia, se quiser. Alguns teólogos ortodoxos (e.g., Há duas dificuldades com essa teoria. Prim eira­
Robert Dick Wilson, de Princeton) afirmaram que a mente, é preciso supor uma espessura do recipiente
palavra hebraica dôm (trad.“deter”) pode ser traduzida de bronze de 95 cm, que não é afirmada no texto. Se­
por “silenciar”, “cessar” ou “partir”. Logo, interpretam gunda, é preciso supor que o diâmetro é medido ex­
que o sol deixou de emanar seu calor intenso para que ternamente, mas a circunferência internamente. Isso
as tropas pudessem fazer o trabalho de dois dias em parece fora do comum e não é mencionado no texto.
um. Essa teoria não envolveria a redução da velocidade Teoria do número arredondado. Segundo essa teo­
da terra no seu eixo.Todavia, é difícil conciliar isso com ria, é característico da Bíblia falar em números redondos
175 ciência e a Bíblia

(v . B í b l i a , s u p o s t o s e r r o s n a ) , e 3 é o número arredon­ Jó 38.7. Muitos críticos da Bíblia acreditam que o


damento de 3 ,1 4 .0 registro bíblico de várias medidas at erra quando fala do firmamento como um domo
de partes diferentes do templo não foi necessariamente sólido. Em relação a Deus, Jó é questionado; “pode
projetado para dar cálculos científicos ou m atem áti­ aiudá-lo a estender os céus, duros como espelho de
cos precisos. As Escrituras simplesmente dão uma bronze?” ( 37.18). Na realidade a palavra hebraica para
aproximação. A evidência parece apoiar essa teoria. Ar­ o “firmamento” ( rãqi‘a ) que Deus criou (cf. Gn 1.6) é
redondar números ou relatar valores ou medidas apro­ definido no léxico hebraico como objeto sólido. Mas
ximados era uma prática comum nos tempos antigos, isso contradiz claramente o conhecimento científico
quando cálculos científicos exatos não eram usados. moderno do espaço como sendo não-sólido e em gran­
A Bíblia usa números arredondados em outras passa­ de parte vazio.
gens (cf. Js 3.4; cf. 4.13; 2C r9.25; 13.17). Até 3,14 não é É verdade que,na origem, a palavra hebraica raqiaa
preciso. Nem 3,1415..., já que pi continua indefinida­ significava um objeto sólido. Mas o significado não é
mente. Então até“precisão científica” é um termo relati­ determinado pela origem (etimologia), e sim pelo uso.
vo com relação a pi. Mas é relativamente correto, já que Quando usado em relação à atmosfera acima da terra,
é o que p i é para todos os propósitos práticos. E isso era “firmamento” claramente não significa algo sólido (v.
suficiente para fazer um mar de fundição para o tem ­ Newman).
plo antigo. Levar um homem para a lua exige mais pre­ xA palavra relacionada rãqa (“achatar, espalhar”) é
cisão. Mas é anacrônico impor esse tipo de precisão traduzida corretamente como “expansão” por traduções
matemática à Bíblia. recentes. xAssim como o metal se espalha quando achata­
2 Reis 20. Em resposta à oração de Ezequias, Deus do (cf. Êx 39.3; Is 40.19),igualmente o firmamento é uma
mandou Isaías profetizar ao rei que Deus acrescentaria área espalhada. O significado “espalhar” pode ser usado
quinze anos à sua vida (2Rs 20.11). Quando ouviu isso, independentemente de “achatar”, como acontece em vá­
Ezequias pediu um sinal para confirmar a promessa de rias passagens (cf. Sl 136.6; Is 42.5; 44.24). Isaías escre­
Deus. 0 sinal era que a sombra voltaria dez graus. Isso veu: “É o que diz Deus, o Senhor, aquele que criou o céu
significaria fazer a sombra voltar, em vez de adiantar o e o estendeu, que espalhou a terra e tudo o que dela pro­
pôr-do-sol. Mas os críticos insistem em que não é cien- cede” (Is 42.5). Esse mesmo verbo é usado para estender
tifícamente possível que sombras voltem. Para fazer isso, cortinas ou tendas para morar, o que não faria sentido se
a terra teria de reverter abruptamente sua rotação. não houvesse espaço vazio no qual viver. Isaías, por exem­
Essa objeção tem os mesmos problemas que as plo, falou do Senhor “que se assenta no seu trono, acima
reclamações dos críticos sobre o sol parar na época de da cúpula da terra, cujos habitantes são pequenos como
Josué. Num universo teísta (v. t e í s m o ) não há razão para gafanhotos. Ele estende os céus como um forro, e os
um milagre como esse não poder acontecer. arma como uma tenda para neles habitar” (Is 40.22).
É d ig n o d e c r é d ito acreditar que eventos m ila g r o ­ .A Bíblia fala da chuva caindo do céu ( Jó 36.27,28).
s o s o c o r r e r a m (v . m il a g r e s , a r g u m e n t o s c o n t r a ) , in c lu ­ Mas isso não faz sentido se o céu é um domo de metal.
nada (v. c r i a ç ã o , v i s õ e s d a ).
siv e a c r i a ç ã o d o .A Bíblia não se refere a pequenos buracos num domo
.Avolta do relógio de sol de Acaz sem dúvida foi um de metal através dos quais os pingos caem. Ela fala no
milagre. Coisas como essa não ocorrem naturalmente. sentido figurado das comportas do céu que se abri­
Na verdade, Ezequias percebeu que não seria uma con­ ram para o Dilúvio (Gn 7.11). Mas provavelmente isso
firmação milagrosa de Deus se o sinal envolvesse algum não deve ser interpretado literalmente por ser uma ex­
fenômeno que pudesse ser explicado (2Rs 20.10). Foi a pressão idiomática, como: “Está chovendo canivete”.
natureza milagrosa do evento que o qualificou como O registro da criação fala de pássaros que voam
sinal de Deus. Qualquer tentativa de explicar isso seria “sobre a terra, sob o firmamento do céu” (Gn 1.20).
pura especulação. Apesar de Deus poder empregar for­ Mas isso seria impossível se o céu fosse sólido. Logo,é
ças da natureza para realizar seus propósitos, ele tam ­ mais adequado traduzir rãqia pela palavra “expansão”
bém pode cumprir sua vontade de uma maneira que (como na a r c ) . E nesse sentido não há conflito com o
transcende a lei natural. .A Bíblia não diz exatamente conceito de espaço da ciência moderna.
como Deus o fez, mas isso não é fora do comum em Mesmo que traduzida literalmente, a afirmação de
milagres onde ocorre a intervenção direta de Deus. Se Jó 37.18 não declara que “os céus” são um “espelho de
Deus reverteu milagrosamente a rotação da terra no seu bronze”, mas apenas que é como [ou semelhante a]
eixo ou a sombra do sol (por retração, talvez) não nos um espelho. É uma comparação poética que não pre­
compete saber. É suficiente dizer que Deus pode fazer cisa ser interpretada literalmente, assim como a afir­
milagres, e esse foi sem dúvida um milagre. mação em Provérbios 18.10 de que o nome de Deus é
cientificismo 176

uma “torre forte”. Além disso, o ponto de comparação O s c o n flito s q u e e x i s t e m n ã o s ã o e n tre a n a tu r e z a e a s


em Jó não é a solidez dos céus e de um espelho, mas E s c r it u r a s , m a s e n t r e in te r p r e ta ç õ e s fa lív e is d e u m a
sua respectiva durabilidade (forte [ bz]). ou o u tra, o u d e a m b a s .
fonas 1. Muitas pessoas têm dificuldade em acre­
ditar que uma pessoa poderia viver dentro de uma Fontes
baleia por três dias e três noites. 0 problema da res­ G. L. A rcher , )r E n c i c l o p é d i a d e temas bíblicos.

piração, sem contar os processos gástricos, certam en­ A utores da asa , M o d e r n s c i e n c e a n d th e C hristian faith.

te seriam fatais bem antes de três dias se passarem . M . B ucaille , A B í b l i a , o A l c o r ã o e a ciência.

Novamente, o evento é apresentado como um m i­ W. C am pbell , The Q u r ’a n a n d the Bible in the light o f history

lagre (Jn 1.17; cf. Mt 12.40). O Deus que criou Jonas a n d s c ie n c e .

e a baleia poderia preservar a vida de Jonas na b a ­ N. L. G eisler e T. Howe, When critics ask.
leia. Segundo, Jonas e seu m inistério profético são S. J. G ould , “Evolution’s erratic pace”, Natural
mencionados no livro histórico de 2Reis (1 4.25). Há History (1972).

confirm ação arqueológica de um profeta chamado J. H aley , An e x a m i n a t i o n o f the alleged discrepancies

Jonas cuja sepultura se encontra no norte de Israel, o f the Bible.

de onde Jonas era. Existem até relatos verossímeis da R. Jastrow , God a n d t h e astronomers.

história moderna de pessoas que sobreviveram em __ , “A scientist caught between two faiths:

baleias sem qualquer intervenção divina especial. interview with Robert Jastrow”, C T (6 Aug. 1982).

Um forte argumento para a precisão histórica de H . L ixd sell , The b a t t l e for the Bible.

M . N ahn , Selections f r o m early Greek philosophy.


Jonas é que ela foi atestada por Jesus, o Filho de Deus
R. N ew m an , The biblical teaching on the firmament.
(v. C risto, divindade de ). Em Mateus 12.40, Jesus prevê
B. R a .m m , The Christian view o f science and the Bible.
seu próprio sepultamento e ressurreição como sinal
G. Ross, Joshua’s long day and other mysterious
para os escribas e fariseus incrédulos da mesma or­
events (video).
dem do sinal de Jonas. Jesus diz: “Porque assim como
esteve Jonas três dias e três noites no ventre do grande
c ie n tific is m o . Crença de que o m étodo científico é
peixe, assim estará o Filho do Homem estará três dias
o único m étodo de d escobrir a verdade. O pai do
e três noites no coração da terra”. Se a história da ex­
cientism o m oderno foi o ateu (v. a t e í s m o ) Auguste
periência de Jonas no ventre do grande peixe fosse fic­
C o m t e (1 7 9 8 -1 8 5 7 ), que tam bém com eçou um a re­
ção, ela não daria apoio profético para a reivindicação
ligião de hum anism o secular (v. h u m a n i s m o s e c u l a r ) .
de Jesus. Para Jesus, o fato histórico da própria morte,
A te o ria de C om te ta m b ém é co n h e c id a com o
sepultamento e ressurreição estava no mesmo nível
positivism o, ancestral do positivism o lógico de A.
histórico que Jonas no ventre do peixe. Rejeitar um é
J. A ver.
lançar dúvida sobre o outro (cf. Jo 3.12).
Como o cientificism o geralmente acolhe muitas
Jesus continuou mencionando o detalhe histórico
crenças individuais, inclusive ateísmo, teorias evolutivas
importante. Sua própria morte, sepultamento e ressur­
(v. e v o l u ç ã o b i o l ó g i c a ),anti-sobrenaturalismo (v. m i l a g r e s ,
reição era o sinal supremo que comprovava suas reivin­
a r g u m e n t o s c o n t r a ) e m a t e r i a l i s m o , ele é avaliado nesses
dicações. Quando Jonas pregou para os gentios incrédu­
artigos.Os que rejeitam a Deus não apreciam seriamente
los, eles se arrependeram. Mas aqui Jesus estava na pre­
o peso da evidência (v. D e u s , e v i d ê n c i a s d e ) . Esse mau
sença do próprio povo de Deus, e eles se recusaram a crer.
uso do método científico é restrito e truncado (v. f é e
Portanto, o povo de Nínive se levantaria para testemu­
r a z ã o ; o r i g e n s , c i ê n c i a d a s ) , constituindo uma forma de
nhar contra eles no julgamento, porque os ninivitas se
naturalismo e, muitas vezes, de materialismo.
arrependeram com a pregação de Jonas (Mt 12.41).Seos Os métodos do cientismo são questionáveis, m es­
eventos do livro de Jonas tossem meramente parábola ou mo que haja um método científico universalmente
ficção, e não história literal, os homens de Nínive na ver­ aceito. Não há razão para crer que o método científi­
dade não teriam se arrependido, e qualquer julgamento co seja a única m aneira de descobrir a verdade.
dos fariseus incrédulos seria injusto. Por causa do teste­ Essa dependência do método científico também ig­
munho de Jesus, podemos ter certeza de que Jonas regis­ nora as diferenças que a maioria dos cientistas percebe
tra história literal. entre as ciências da operação, que são empiricamente
Conclusão. Todas as tentativas de culpar a Bíblia estudadas, e as ciências forenses, igualmente legítimas,
de erro científico falham. Tanto a natureza quanto as para as quais a metodologia científica rígida é impossí­
Escrituras são revelações de Deus, e Deus não pode se vel ( v . o r i g e n s , c i ê n c i a d a s ) . As ciências forenses não são
contradizer (v. D e u s , n a t u r e z a d e ; v e r d a d e , n a t u r e z a d a ) . baseadas na religião, apesar de uma delas, a ciência das
177 Clark, Gordon H.

origens, ter implicações religiosas. Mas a ciência das Escuridão epistemológica. Ceticismo empírico. Na
origens é a única maneira de analisar algumas ques­ epistemologia, Clark era um cético empírico (v. agnosti-
tões essenciais sobre a humanidade e sua importância. c i s m o ) , concordando com David Hume. Os sentidos enga­

Ao contrário do cientismo, ela se baseia na evidência nam e não se pode confiar neles. Princípios universais
para validar suas pressuposições. Estas levam a um pon­ e necessários vão além dos limites da experiência hu­
to de partida e à existência de um Criador inteligente ( v. mana. Como Hume demonstrou, os sentidos nunca
ANTRóPico, p r in c íp io ; big-bang; evo lu çã o q u ím ic a ; recebem impressão de uma conexão necessária. As­
teleológico , argumento ). As descobertas da ciência das sim, nada pode ser provado empiricamente. Clark duvi­
origens contradizem diretamente o cientismo. dava de tudo que seus sentidos dissessem sobre o mun­
Até os cientistas empíricos reconhecem as limitações do externo. Ele acreditava que, sem a revelação divina,
do método científico (v. Sullivan), já que ele só pode lidar não podemos sequer ter certeza de que existimos.
com fenômenos observáveis. É uma petição de princípio Clark construiu três objeções principais ao empiris­
a favor do materialismo supor que não há nada além do mo: primeiro, é impossível descobrir a “conexão neces­
observável. Outros aspectos da realidade não podem ser sária” entre idéias e eventos. Isso nega a causalidade e
apreendidos pelo método científico ( v. Gilson). Alguns são torna toda investigação histórica e científica inútil. Na
conhecidos intuitivamente (v . primeiros princípios ) , outros melhor das hipóteses, o conhecimento pode chegar às
inferencialmente (v . transcendental , argumento ) , e alguns impressões do cérebro neste instante e aos vestígios que
apenas pela revelação especial ( v. revelação especial ). permaneçam agora das lembranças de impressões pas­
sadas. Segundo, a tarefa contínua de integrar-se ao seu
Fontes ambiente atual influencia inevitavelmente as percepções
A. ). A ver, Langtiage. truth, and logic.
e as torna indignas de confiança. A memória é efetiva­
J. C om in\ A history o f modem europeanphilosophe
mente aniquilada nesse processo. Terceiro, e mais im ­
(capítulo 161.
portante, o empirismo usa o tempo e o espaço sorra­
A . C om te , Curso de filosofia positiva.
teiramente no começo do processo de aprendizado.
E. G ilson , The unity ofphilosophkal experience.
Mas percepções exatas de tempo e espaço só podem
J. N. D. Su.i.iYAN, The li m i t a t i o n s o f s c ie n c e .
vir no fim do processo de aprendizado, então a mente
T. W hittaker, C o m t e a n d MUI.
é continuamente bombardeada com informações que
não é capaz de julgar com precisão ( “Special divine
Clark, Gordon H. Nasceu em Filadélfia (1902-1985) e
revelation”,p. 33).
recebeu seu doutorado em filosofia em 1929. Lecionou
Ceticismo histórico. 0 ceticismo histórico de Clark
na Universidade Wheaton, no Seminário Episcopal Re­
é paralelo às suas dúvidas empíricas. Então, Clark nega
formado no Covenant College e foi presidente do De­
a validade da apologética histórica. Mesmo que pu­
partamento de Filosofia da Universidade Butler duran­
déssemos saber que a ressurreição de Cristo é um fato
te 28 anos. Sua carreira acadêmica durou 60 anos.
do testemunho empírico, isso não provaria nada (v. res­
Clark foi um pressuposicionalista racional, ao con­
surreição , evidências da ).
trário de Cornélius Van Til, que foi um pressuposiciona­
lista revelacional (v. p r e s s e p o s i c i o n a l , apologética ). Entre
Suponha que Jesus realmente ressuscitou dos mortos.
seus alunos figuram Cari F. H. Henry, John Edward
Isso só prova que seu corpo voltou às suas atividades por
Carnell e Ronald Nash.
um período de tempo após sua crucificação; isso não prova
Seus 30 livros abrangem grande variedade de tópicos
filosóficos, éticos e teológicos. Algumas das suas obras de que ele morreu pelos nossos pecados ou que ele era o Filho
filosofia e apologética incluíram uma história completa de Deus [...] A ressurreição, vista estritamente como um
da filosofia: Thaïes to Dewey [De Tales a Dewey]; A evento historico isolado, não prova que Cristo morreu pelos
Christian view o f man and things [A visão cristã do ho­ nossos pecados.
mem e das coisas]; Religions, reason and révélation [Reli­
giões, razão e reveleção]; e Historiography, secular and Pesquisas históricas e arqueológicas são incom ­
religions [Historiografia secular e religiosa]. Ele também p e te n te s p ara lid a r com ta is a s s u n to s (C la rk ,
escreveu um livro didático sobre lógica. “Philosophy of education”, p. 35).
A teologia reformada de Clark baseava-se na so­ Idéias matas. Clark considerava-se agostiniano na
berania de Deus, e sua apologética tomava o Deus trino epistemologia, com eçando com idéias inatas e dadas
revelado nas Escrituras como seu ponto de partida por Deus (v. A g o stin h o , S a n to ). Sem a ilum inação d i­
pressuposicional. Seu teste da verdade era a lei da não- vina via idéias inatas, a mente estaria trancada em
contradição (v. P R I M E I R O S P R I N C Í P I O S ) . trevas epistem ológicas. Pela luz do Logos podemos
Clark, Gordon H. 178

ver o mundo. Clark traduziu audaciosam ente João O tomismo identifica Deus como Motor Imóvel.
1.1: “No princípio era a Lógica. E a Lógica estava com Suponha que a experiência do Motor Imóvel fosse de­
Deus, e a Lógica era Deus” (citado em Nash, The monstrada. Isso não provaria que o Motor Imóvel é
philosophy o f Gordon Clark, p. 67, 118; v. ló g ic a ). Já Deus; é apenas uma causa física do movimento. Nada
que cada ser humano foi criado por Deus, cada pes­ no argum ento dá a essa força um a personalidade
soa é uma idéia inata de Deus. Mas a mente vazia de transcendental.
uma pessoa não pode elevar-se acim a do seu con­
texto sensorial a um nível espiritual abstrato. Sem Na verdade, se o argumento é válido, e se esse Motor
ajuda, ninguém pode conhecer a Deus. As teorias de Imóvel explica os processos da natureza, o Deus de Abraão,
empirismo desde A r istó te les e T omás de A quino a John Isaque e Jacó é supérfluo, e de fato impossível (ibid., p. 37).
L ó c k e , portanto, não funcionam (Religions, reason,
and revelation, p. 135). Não podem os conh ecer a
O argumento da existência de Deus é, no m áxi­
Deus, muito menos de m aneira salvadora. Mas Deus
mo, inútil. Ele não prova mais que um Deus finito ou
se revelou nas E scritu ra s, sua Palavra infalível e
físico. Perm ite,em bora não prove, a existência de um
inerrante (v. B íb l ia , caxontcidade da ) . 0 cristianism o
Deus bom , que, no entanto, não precisa ser onipo­
baseado nessa revelação é a única religião verdadei­
tente nem a causa de tudo que acontece.
ra (v. C r ist o , sin g u la rid a d e d e ; r e l ig iõ e s m u x d ia is e o
Todos os argumentos causais envolvem um equí­
c ristia n ism o ) . 0 cristianism o é considerado verdadeiro
voco. Esse argumento envolve a crítica da analogia
porque só ele está livre de contradições internas nas
feita por Clark (v. a próxim a seção).
suas reivindicações sobre a verdade. Todos os siste­
mas opostos têm crenças contraditórias em um ou Com base nesse raciocínio, Clark considera o ar­
m ais dos ensinam entos básicos. gumento cosmológico
A rejeição das provas teístas. Como a maioria dos
outros pressuposicionalistas, Clark rejeitava as provas pior que inútil. Na verdade, os cristãos podem ficar feli­
tradicionais da existência de Deus (v. D eu s , evidências zes com seu fracasso, pois, se fosse válido, provaria uma con­
d e ). Suas razões eram muito parecidas com as de Hume clusão inconsistente com o cristianismo (Religions, reason, and
e Immanuel K a n t . Já que nossos sentidos não mere­ revelation, p.41).
cem confiança, não podemos com eçar pela experiên­
cia nem provar nada sobre o mundo, muito menos Rejeição da analogia. Clark argumentou que a dou­
sobre Deus. Referiu-se à apologética clássica de Tomás trina da analogia, sugerida nos argumentos teístas, en­
de Aquino com o “in terp retação cristian izad a do volve um erro lógico de ambigüidade. Considerando-se
aristotelismo” ( Christian view ofm en and things, p. p. as proposições:“existem coisas contingentes no movimen­
309). Ele considerou os argumentos de Aquino sobre to, que são tanto realidade quanto potencialidade”e“Deus
Deus circu lares, m eram ente fo rm ais, inválidos e existe como realidade total e nenhuma potencialidade”,
indefensáveis (Religions, reason, and revelation, p. 35). Clark questiona se o verbo existir pode ser definido da
O tom ism o, disse Clark, exige os conceitos de mesma maneira quando aplicado a Seres Necessários e a
potencialidade e realidade, mas Aristóteles nunca conse­ seres contingentes. E teme que haja muita divergência para
guiu definir precisamente o que quer dizer com essas idéi­ o argumento ser válido ( Thaïes toDewey,p. 227,278). Exis­
as (“Special divine revelation as rational”, p. 31). O raciocí­ te tem um sentido temporal e humano demais para ser
nio é circular: movimento é usado para definir realidade e aplicado adequadamente a Deus: “Nesse sentido da pala­
potencialidade, mas realidade e potencialidade são usados vra existe, Deus não existe” ( ibid. ,312).
para definir movimento (ibid., p. 36).
Tomás remonta às origens do movimento com a Se chegarmos corretamente à conclusão ‘Deus existe’, a
suposição de que há uma prim eira causa, já que cau­ existência a que chegamos nào será a existência de Deus.
sas não podem regredir infmitamente. Mas essa tam ­ Silogismos [v. lógica ] e argumentos válidos exigem que seus
bém é a conclusão tirada por Aquino. Portanto, ele termos sejam usados univocamente (ibid.).
está com etendo petição de princípio (ibid., p. 31).
Para Tomás há duas maneiras de conhecer a Deus. O teste da verdade. Clark foi um defensor resoluto
Sabemos por negação o que Deus não é, e podemos sa­ da validade da lei da não-contradição (v. prim eiro s prin ­
ber o que ele é por analogia (v. analogia , princípio da ). cípio s ). A não-contradição era a base “inevitável” de todo
Não pode haver significados idênticos derivados desses conhecimento e o teste da verdade ( Christian view o f
dois métodos. Mas a não ser que os termos possam ser men and things, p. 313). A defesa de Clark da lei da não-
unívocos, o argumento é uma falácia (ibid.). contradição foi o que V ax T il chamaria argumento
179 Clark, Gordon H.

transcendental. Sem as formas de lógica, alegou Clark, O sistem a de Clark oferece um teste abrangente
nenhuma discussão sobre qualquer assunto seria pos­ da verdade em todos os sistem as. A não-contradição
sível (ibid ., p. 3 0 8 ). Usando a n ão-contrad ição, a pode ser aplicada a todo sistem a de crença. É ofere­
apologética tem uma tarefa dupla: cida como meio de descobrir quais são falsos e para
Tarefa negativa. A apologética deve m ostrar que comprovar os verdadeiros. A lei da não-contradição
todos os sistemas não cristãos são contraditórios em é empregada por todas as pessoas racionais, portan­
suas reivindicações. Clark fez isso na sua história da to é um tipo de padrão indiscutível, não im porta qual
filosofia, Thales to Dewey. Ele colocou todos os gran­ a cosmovisão. É ju sta e universal.
des filósofos perante o tribunal da racionalidade e os Ao contrário de alguns testes filosóficos com pli­
declarou inaptos. cados da verdade, Clark dá apenas um, e é simples: a
Tarefa positiva. Clark acreditava que apenas o cris­ verdade não pode entrar em conflito consigo m es­
tianismo está livre de contradição e, logo, só ele pode ma. Ou uma visão é não contraditória ou não é. O
ser comprovado. Usando um método geométrico que critério de Clark tam bém é racional. É claro e sólido,
lembrava René Descartes, Clark reduziu o cristianis­ com pouca probabilidade de se perder em experiên­
mo a seus axiomas básicos a fim de m ostrar sua con­ cia subjetiva e m ística.
sistência interna. Concluiu: Como Nash observou corretamente, Clark enfatizou
“a importância de recusar-se a separar a fé” (citado em
O cristianismo é uma visão abrangente de todas as coi­ Robbins, p. 89). Era um arquiinimigo do fideísmo e insis­
sas; ele considera o mundo, tanto material quanto espiritu­ tia na necessidade da crença religiosa racional.
al, como um sistema ordenado (ibid., p. 33). Outra característica positiva é a ênfase de Clark na
verdade objetiva e proposicional (v. v e r d a d e , n a t u r e z a d a ) .
C lark estava cien te de que nenhu m sistem a
Ele enfatiza isso corretamente, não só em geral, mas na
finito poderia dar respostas a todos os problem as,
revelação proposicional expressa nas Escrituras.
já que nenhum m ortal é onisciente. Ele raciocinou
Critica negativa. Ceticismo empírico injustificado.
que,
Clark afirmou não confiar nos seus sentidos, mas pre­
cisava deles para ler a Bíblia. Como poderia acreditar
se um sistema pode dar soluções plausíveis a muitos
no que leu? Como outros céticos, Clark confiava incoe­
problemas, e outro deixa muitas perguntas sem resposta, se
rentemente nos seus sentidos em relação aos aconteci­
um sistema tende menos ao ceticismo e dá mais significado
mentos cotidianos. De que outra maneira poderia ter
à vida, se uma cosmovisão é coerente quando outras são con­
comido ou atravessado a rua? E como saber que seus
traditórias, quem pode negar, já que devemos escolher, o
sentidos são confiáveis sem que isso seja determinado
direito de escolher o princípio mais promissor? (ibid., p. 34).
pelo sentidos? Por exemplo, aprendemos pelos nossos
sentidos a aceitar a aparência de uma vara reta que pa­
Campo comum com não-cristãos. Em oposição ao
rece torta quando mergulhada na água. Não sabería­
seu contemporâneo na teologia reformada, Cornelius
mos que é apenas um reflexo se não pudéssemos confi­
Van Til, Clark acreditava que podia ser estabelecido
ar nos nossos sentidos.
um campo comum com os incrédulos. Esse campo
Tal como outros céticos empíricos, Clark não era
comum é encontrado nas leis da lógica e em “algu­
cético sobre seu ceticismo ( v . a g n o s t i c i s m o ) . Aceita-o sem
mas verdades divinas”, que os incrédulos conhecem
em v irtu d e da im ag em de D eus n eles ( B arth s críticas como um passo necessário no seu pressupo-
theological method, p. 96). Em resposta a Karl Barth, sicionalismo. Mas por que o ceticismo precisa ser o pon­
Clark afirmou: to de partida? Por que não pressupor que podemos apren­
der com nossos sentidos? Grande parte das críticas con­
A fé é uma atividade mental e por definição pressupõe tidas no artigo D a y i d H u m e e na crítica da a p o l o g é t ic a

um sujeito racional. A razão, portanto, pode ser considera­ p r e s s u p o s ic io n a l podem ser dirigidas a Clark.
da um elemento em comum entre crentes e descrentes (ibid., Raciocínio circular. Clark comete o erro de petitio
p. 102). principii ou raciocínio circular (v. l ó g i c a ) . Ele admite que
seu sistema envolve raciocínio circular, mas tenta resol­
Avaliação. Contribuições positivas. Além das con­ ver o problema, em parte, ao afirmar que todos os ou­
tribu ições gerais que fez em prol da reavaliação tros sistemas também padecem desse mal.
evangélica criativa de sua tarefa filosófica, Clark
teve muita influência sobre filósofos evangélicos, Argumentos não cristãos geralmente supõem o ponto
entre ele John Carnell, Cari Henry e Ronald Nash. discutido antes de começarem. As questões são formuladas
Clarke, Samuel 180

de modo a excluir a resposta cristã desde o princípio C on clu são. C la rk p re sto u g ra n d e s s e r v iç o s à


(.Religions, reason, and revelation, p. 27). apologética cristã ao enfatizar as leis da lógica nas quais
todos os argum entos racionais se baseiam . A lei da não-
Ele acredita que foge do problema porque o ceti­ contradição é absolutam ente necessária para a afirm ação
cismo é contraditório ( Thales to Dewey, p. 2 9 ,3 0 ). Re­ e confirm ação de todas as reivindicações da verdade. M as
duzir seu argumento ao nível dos outros não parece a lógica é apenas um conjunto de princípios form ais. Ela
ajudar, e isso elimina a possibilidade de que outras vi­ diz o que pode ser verdadeiro, não o que é verdadeiro. Para
sões sejam igualmente consistentes. saber o que realm ente é verdadeiro, m ais cedo ou m ais tar­
Argumentos equivocados contra provas. A rejeição de é preciso entrar em contato com o m undo externo. É
das provas teístas (v. D f.us, supostas refutações de ) por isso que a apologética clássica faz.
parte de Clark não foi melhor que a de seus mentores A visão do próprio C lark depende da aceitação da
agnósticos Hume e Kant (v. agnosticismo). A apologética validade das im p ressões sensoriais e da probabilidade (v.
de Clark oferece um racionalismo estranho. Primeiro indutivismo), que ele nega ter qualquer validade com o teste
ele defendeu os céticos nos seus argumentos contra
da verdade. D e acordo com os próprios p rin cíp io s, sua
Deus, e depois argumentou a necessidade de defen­
visão n ão p od eria ser verdadeira. Ele precisa co n fiar nos
der Deus racionalm ente pelo pressuposicionalismo.
sentid os, m esm o quand o lê livros sobre o u tras visões.
Teria sido mais simples usar argumentos clássicos
P recisa co n fessar ap en as a probabilidade de que todas as
desde o princípio.
visões n ão cristãs se ja m falsas, já que não exam in o u cada
Um exame de todos os sistemas? Para ser justo, an­
u m a delas. Deve co n fiar n os seus sentid os m esm o q u a n ­
tes de Clark provar seu argumento, ele deve provar que
do aceita a a firm ação de que a B íb lia é verdadeira. O m é ­
todos os outros sistemas na história e no cenário con­
tod o apologético de C lark fra cassa em ser u m teste p o si­
temporâneo são inconsistentes. Ele leva a conclusão
tivo abran gen te da verdade do cristian ism o .
do seu argumento além da evidência. A fmitude do
investigador limita o apoio à sua tese (Lewis, p. 119).
Fontes
Uma vida é curta demais para examinar todos os ou­
G. H. C l a r k , A C h r is t ia n v i e w o f m e n a n d t h in g s .
tros sistemas concebíveis. Clark poderia forçar a con­
___ , “A p o lo g etics” , em C. F. H. Henry, org.,
clusão da probabilidade de que o cristianismo seja ver­
C o n te m p o r a r y e v a n g e lic a l th o u g h t.
dadeiro por esse método, mas, como reduz toda pro­
___ , B a r t h ’s t h e o lo g ic a l m e th o d .
babilidade a mero ceticismo, seu método apologético
nos deixa no ceticismo, pelo seu próprio padrão. ___ , P h i l o s o p h y o f e d u c a tio n .

Consistência com outros sistemas. Um problema se­ ___ , R e lig i o n , r e a s o n , a n d r e v e la t io n .

melhante é que Clark usa consistência interna como o ___ , “S p ecial d iv in e rev ela tio n as r a tio n a l” ,

único teste da verdade de um sistema. Mas ele não pode e m C. F. H . H enry , o rg ., R e v e l a t i o n a n d t h e B ib le .

saber que todos os sistemas são contraditórios usando ___ , T h a le s to D e w e y : a h i s t o r y o f

p h il o s o p h y .
apenas a lei da não-contradição. Pelos padrões cristãos
isso pode ser possível, mas muitos sistemas são consis­ ___ , “ T h e B ible as tru th ”, e m B ib lio th e c a

tentes na sua própria visão da realidade. O panteísta (v. S acra 1 1 4 Apr. 1 9 5 7 .


panteísmo) diz: “Eu sou Deus”. Se essa fosse apenas uma ___ , T h e J o h a n n i n e L ogos.

afirmação internamente contraditória, o próprio Deus ___ . “ T ru th ” , em E. F. H arrison , o rg ., B a k e r ’s


não poderia dizê-la. Mas ele pode e diz. “Deus é tudo, e d ic tio n a r y o f th e o lo g y

tudo é Deus”pode ser uma afirmação contraditória para N. L. G eisler , C h r is t ia n a p o l o g e t i c s , cap . 2.


uma visão teísta, mas para o panteísta que crê que o G. L ew is , T e s tin g C h r is t ia n it y ’s t r u t h c la i m s , c a p . 4.
mundo real é uma ilusão isso é perfeitamente coerente R . N ash , “Go rd o n H . C lark ”, e m \V. E i.w ei .l , o rg .,
(v. HINDUÍSMO; M O N I S M O ) . H a n d b o o k o f e v a n g e lic a l th e o lo g ia n s .

Só um teste negativo. Alei da não-contradição é no ___ , o rg ., T h e p h i l o s o p h y o f G o r d o n C la r k : A festsch rift.


máxim o um teste negativo da verdade. Ela pode anu­ D. W. R obbins , o rg ., G o r d o n H . C la r k : p e r s o n a l

lar uma afirm ação de cosm ovisão, mas não pode r e f le c t io n s .

comprová-la. Não pode provar que só uma visão é ver­


dadeira, já que mais que uma pode ser consistente in­ C l a r k e , S a m u e l . I m p o r t a n t e f i l ó s o f o , f í s ic o e
ternamente. Como Gordon Lewis disse: “Contradição a p o lo g ista in g lê s d e su a é p o c a ( 1 6 7 5 - 1 7 2 9 ) , e stu d o u
é o sinal mais garantido de erro, mas consistência não e m C a m b rid g e e to r n o u - s e u m n e w to n ia n o n u m
é garantia de verdade” (120). m e io d o m in a d o p rin c ip a lm e n te p ela c iê n c ia d e R e n é
181 Clarke, Samuel

D escartes (1 5 9 6 -1 6 5 0 ). Foi ordenado pela Igreja da permite nada necessário. Não pode ser do acaso, que
Inglaterra. Seus cargos incluíram ser pároco de St. é uma mera palavra sem qualquer significado. Não
Jam es, Westminster. pode ser explicada pela mera possibilidade, já que
Suas o b ras e stão reu n id as em The works ot potencialidade pura de existência não explica porque
Samuel Clarke, que incluem suas Conferências Boyle algo existe. Portanto, “deve ter existido desde a eterni­
de 1704, “Uma dem onstração do ser e dos atributos dade um ser imutável e independente” (ibid.).
de Deus”, e de 1705, “Um discurso concernente às 3. Esse ser imutável e independente que sempre
obrigações imutáveis da religião natural e à verdade existiu deve ser auto-existente, ou necessariam ente
e certeza da revelação cristã em resposta ao Sr. existente. Tudo que existe deve ser criado do nada, sem
Hobbes, a E sp in o s a , ao autor dos Oracles ofreason e a causa, ou deve ser auto-existente. Surgir sem causa do
outros que negam a religião natural e revelada”. Vá­ nada é uma contradição.
rios volumes de serm ões ainda existem . As obras de
Clarke influenciaram Joseph Butler (1 6 9 2 -1 7 5 2 ) no Ser criado por alguma causa externa não pode se apli­
seuAnalogy in religion (1736). car a tudo; mas algo sempre existiu independentemente;
A bordagem ap olog ética clássica. A abordagem assim como já foi demonstrado (ibid., p. 3).
de Clarke entra na categoria de apologética clássica.
Ele com eçou com um forte argumento cosmológico Tal ser deve ter existência própria. Esse ser eterno,
em favor da existência de Deus conform e expresso necessário não pode ser o universo material (v. m a t e r i a ­
na teologia natural. Continuou defendendo a revela­ l ism o) . O universo material não é eterno nem necessá­

ção sobrenatural cristã (v. m i l a g r e ) . Como o título do rio, já que muitas das suas propriedades são contingen­
seu livro indica, é direcionado a Thom as Hobbes tes. Não pode ser necessário e eterno, já que sua
(1 5 8 8 -1 6 7 9 ), a Baruch Espinosa (1 6 3 2 -1 6 7 7 ) e a ou­ inexistência pode ser concebida. E a inexistência de um
tras abordagens naturalistas (v. n a t u r a l i s m o ) . ser necessário não é possível.
Existência e atributos de Deus. A s Conferências de Moralidade e cristianismo. As conferências de Boyle
Boyle de 1704 consistiam em “um argumento numa em 1705 sobre religião natural e a verdade do cristia­
cadeia de proposições”. As três prim eiras são as mais nismo geraram quinze proposições. As quatro primei­
im portantes: ras são dedicadas às obrigações da religião natural. As
proposições cinco a quinze são sobre a verdade e certe­
1. É inegável que algo tenha sempre existido, (á za da revelação cristã. O argumento é típico da aborda­
que algo existe, é evidente que algo sempre existiu. gem clássica porque detende a possibilidade de mila­
Senão, as coisas que existem surgiram do nada, sem gres e a historicidade dos eventos sobrenaturais que
uma causa. Uma coisa não pode ser criada sem que apoiam o cristianismo (v. a p o l o g é t i c a h is t ó r ic a ; m il a g r e s ;

algo a crie. Isso é u m a“primeira verdade clara e auto- A R G U M E N T O S C O N T R A ).

evidente” ( “D iscourse con cern in g the b ein g and Avaliação. A m aioria dos pontos da avaliação de
attributes”, p. 1). Clarke são com entados detalhadam ente nos artigos
2. Um ser im utáv el e in d ep en d en te sem pre D elm, e v i d ê n c i a s d e , e D e u s , o b j e ç õ e s A s p r o v a s d e .
existiu. Contribuições positivas. Clarke fez uma forte de­
fesa clássica do t e í s m o e cristianism o (v. a p o l o g é t i c a ,
O u sem p re e x istiu u m se r im u táv el e in d e p en d e n te, do a rg u m en to s d a ). Seu argumento, principalmente a pri­
q u a l to d o s os o u tro s seres q u e e x is te m ou e x is tir a m n o u n i­ meira parte, é um dos mais poderosos já oferecidos
v erso, re ce b e ra m su a o rig e m : ou h ou v e u m a su ce ssã o in fin ita a favor de um Ser N ecessário eterno. M ais tarde teve
d e seres m u tá v e is e d e p en d en tes prod u zid os u n s d o s o u tro s grande influência no apologista am ericano Jonathan
n u m a su ce ssã o in fin ita ( ib id ., 2). Ed w a r d s . Tem muitas sem elhanças com o “terceiro ca­

minho” de T o m a s d e A q l t n o .
Não pode haver uma sucessão infinita de seres, Da mesma form a, Clarke viu o que outros teístas
pois tal série deve ser causado de dentro ou de fora. clássicos viram , que a defesa do cristianism o deve
Ela não pode ser causada de fora, já que, suposta­ vir em duas etapas. Prim eiro, deve haver um a defesa
mente tudo está dentro da série, Não pode ser cau­ racional da existência de Deus. Segundo, deve haver
sada de dentro porque nenhum ser na série é auto- uma defesa histórica da origem sobrenatural do cris­
existente e necessário, e tal série surgiu da necessi­ tianism o.
dade, da mera possibilidade, ou do acaso. Não pode Crítica negativa. Infelizmente, a lógica na última
ser da necessidade, já que a regressão infinita não parte do argum ento de Clarke não é tão rigorosa
clássica, apologética 182

quanto na prim eira. Apesar de ficar claro que 1) algo divindade de Cristo e a inspiração da Bíblia. O uso da
existe inegavelmente e 2) algo deve ser eterno e ne­ ressurreição de Cristo geralmente tem um papel im ­
cessário, não fica bem claro pelo seu tratam ento se portante nesse segundo passo.
esse “algo” precisa ser 3) absolutam ente um. Seus ar­ Validade das provas teístas. A apologética clássica
gum entos de que a m atéria não pode ser eterna de­ aceita e os pressuposicionalistas rejeitam a validade das
pendem da física de Newton. No contexto da ciência provas teístas tradicionais de Deus. Alguns pressupo­
m oderna, a evidência de um a origem repentina e sicionalistas substituem provas tradicionais por seus
explosiva é mais convincente (v. big- bang, teoria do). próprios argumentos transcendentais de Deus (v. pres-
suposicional, apologética; Van TiL,CoRNEuus).Nem todos
Fontes os apologistas clássicos aceitam todas as provas tradi­
H. G. A lexan d e r , org., The Leibniz-Clarke cionais de Deus. Por exemplo, muitos rejeitam a valida­
correspondence. de do argumento ontológico. Mas a maioria aceita algu­
C lark e S ., “A discourse concerning the being and ma form a de argumento cosmológico e o argumento
attributes o f God”, (Conferências de Boyle, 1704). teleológico. Muitos também acreditam que o argumento
__ , “A D iscourse concerning the moral é válido.
unchangeable obligation o f natural relig io n ...” Apologistas pressuposicionais rejeitam a vali­
(C onferências de Boyle, 1705). dade das provas teístas de Deus (v. Deus, evidências
__ , The works o f Samuel Clarke. de). A m aioria deles aceita a validade de grande par­
B. P each , “Sam uel Clarke”, em V. F erm , org., te do que David Hume e Im m anuel Kant disseram
Encyclopedia o f morais.
nas suas crítica s da argum entação teísta (v. Deus,
D. S pr a l g e , “Clarke, Sam uel”, em ep.
objeções às provas de) . Alguns, como Gordon Clark, fazem
isso com base no ceticismo empírico. Cornelius Van Til
clássica, apologética. Praticada pelos primeiros pen­
e outros fazem isso porque acreditam que fatos não
sadores que estudaram e usaram a aplicação da razão
têm significado sem a visão de m undo trin itá ria
para a defesa do cristianismo. Entre esses apologistas
pressuposta. Seja qual for o m otivo, todos os verda­
pioneiros estavam Agostinho, Anselmo e Tomás deAquino
d eiros p re ssu p o sicio n a lista s se unem a ateus e
(v. apologética, tipos de) . As raízes da apologética clássi­
agnósticos na rejeição da validade das provas teístas
ca também se encontram em alguns apologistas dos sé­
trad icionais de Deus (v. agnosticismo; ateísmo).
culos ii e ui. A apologética clássica moderna é represen­
Evidência histórica e teísmo. Uma tática apolo­
tada por William Paley, John Locke, C. S. Lewis, B. B.
gética é dem onstrar a confiabilidade histórica do nt
W arfield, John Gerstner, R. C. Sproul, William Craig, J. P.
(v.Novo Testamento, datação do; NovoTestamento, histo­
Moreland e Norman L. Geisler.
ricidade do;Novo Testamento, manuscritos do) e argu­
A apologética clássica enfatiza argumentos racionais
mentar, com base nessa credibilidade, a favor do tes­
para a existência de Deus (v. Deus, evidências de) e evidência
temunho do nt que Jesus afirmou ser, e comprovou
histórica que apoia a verdade do cristianismo. Os milagres
milagrosamente ser, o Filho de Deus (v. Cristo, divin­
recebem ênfase como confirmação das afirmações de Cristo
dade de). Assim, a própria voz de Jesus é acrescentada
e dos profetas e apóstolos bíblicos.
à evidência histórica de que o at é a Palavra de Deus.
D iferenças em relação à apologética pressupo-
Sua promessa do ministério do Espírito Santo faz o
sicional e evidenciai A apologética clássica difere das
mesmo para o nt (v. Bíblia, visão de Jesus da).
várias formas de apologética pressuposicional na maneira
pela qual lida com as provas da existência de Deus e no Às vezes apologistas clássicos começam esse se­

seu uso da evidência histórica. A apologética clássica di­ gundo passo demonstrando que a Bíblia afirma ser a
fere da evidenciai quanto à questão da existência de uma Palavra de Deus e é comprovada sobrenaturalmente
necessidade logicamente anterior para estabelecer a exis­ como tal. Ao fazer isso geralmente usam a mesma evi­
tência de Deus antes de defender a verdade do cristianis­ dência básica usada por apologistas evidencialistas.
mo (por exemplo, a divindade de Cristo e a inspiração da Isso in clu i m ilag res (v. milagre; milagres, valor
Bíblia [v.Cristo, divindade de]). apologético dos; milagres na Bíblia), profecias cum pri­
A apologética clássica é caracterizada por dois pas­ das (v. profecia como prova daBíblia), a unidade da B í­
sos básicos. O primeiro passo é estabelecer argumen­ blia e outras indicações da sua origem sobrenatural
tos teístas válidos para a verdade do teísmo sem (mas (v. Bíblia, evidências da ). A diferença entre os apologistas
com apelo a) revelação especial nas Escrituras. O se­ evidencialistas e os clássicos nesse ponto é que os clás­
gundo passo é com pilar evidências históricas para sicos vêem a necessidade de primeiro estabelecer um
estabelecer verdades básicas do cristianism o como a universo teísta para estabelecer a possibilidade de
183 clássica, apologética

milagres. Os evidencialistas não vêem o teísmo como interpretados de forma diferente sob perspectivas di­
uma pré-condição logicamente necessária da apolo­ ferentes de visão de mundo. Não há fatos puros. Todos
gética histórica. os fatos são interpretados, e a interpretação deriva da
0 argumento básico do apologista clássico é que não visão de mundo da pessoa. Se concordarem que o ca­
faz sentido falar sobre a ressurreição como um ato de dáver de Jesus ressuscitou, então essa informação pode
Deus a não ser que seja estabelecido, como passo lógi­ ser interpretada de outra forma pelas diferentes visões
co, que há um Deus que possa agir. Da mesma forma, a de mundo. Um teísta cristão (v. teísmo ) vê o evento
Bíblia não pode ser a Palavra de Deus se não há um como uma ressurreição sobrenatural que confirma a
Deus que possa falar. E não é possível provar que Cristo afirm ação de Cristo de ser o Filho de Deus. Mas o
é o Filho de Deus sem a premissa logicamente anterior panteísta (v. panteísmo ) vê isso apenas como uma m a­
de que há um Deus que pode ter um Filho. nifestação do Ser, do qual somos todos parte. Revela
Ao m esm o tem po que alguns evid encialistas que Cristo era um guru, não Deus, o Criador, revelado
usam provas teístas, eles não acreditam que seja na carne humana. O ateu ou naturalista vê o evento
logicam ente necessário fazê-lo. Acreditam que tra- como um mito ou, na melhor das hipóteses, uma ano­
ta-se apenas de uma abordagem alternativa. As obras malia que tem uma explicação puramente natural.
de John Warwick Montgom ery e Gary Habermas se Em resposta a essa objeção, muitos apologistas
encaixam nessa categoria. clássicos, inclusive este autor, concordam com o pon­
N esse ponto há um a se m e lh a n ç a en tre a to básico defendido pelos pressuposicionalistas; ob­
apologética clássica e a pressuposicionalista. Ambas servam, porém, que isso não afeta a abordagem, já que
acreditam que não se pode argumentar legitim am en­ a apologética clássica acredita que é logicamente ne­
te com base em dados históricos sem começar com a cessário primeiro estabelecer o teísmo como o con­
premissa anterior de que um Deus teísta existe. Eles texto de visão de mundo em que os fatos da história
diferem sobre como estabelecer essa premissa inicial. são interpretados adequadamente.
Os pressuposicionalistas afirmam que cada visão de A apologética clássica e os pressuposicionalistas dis­
mundo age como uma grade pressuposicional que fil­ cordam em duas questões. Primeiro, apologistas clássi­
tra fatos adicionais e tenta encaixá-los na idéia do in­ cos afirmam que podem estabelecer o teísmo pelos ar­
divíduo de como o mundo funciona. Mas por trás desse gumentos racionais tradicionais, e os pressuposiciona­
processo está um conhecimento inato e subentendido listas não. Segundo, os apologistas clássicos argumen­
da verdade, como diz Romanos 1 e a máxima de Agos­ tam que só é logicam ente necessário estabelecer o
tinho de que todo ser humano está “lidando” com Deus. teísmo antes de entender a evidência histórica correta­
O apologista depende da obra do Espírito Santo para mente. Muitos pressuposicionalistas, tal como Van Til,
m ostrar o fracasso da visão de mundo do indivíduo e insistem em que é necessário pressupor um Deus trino
estimular o conhecimento inato. Os apologistas clás­ (v. T rindade ) que se revelou nas Escrituras como pres­
sicos insistem em que o apologista assume um papel suposição necessária para qualquer evidência históri­
mais ativo junto com o Espírito Santo de analisar a ca que apóie o cristianismo. Mas isso, para os apologistas
verdade sobre Deus até ela estar estabelecida e admi­ clássicos, é apenas raciocínio circular.
tida no coração do incrédulo. A validade dos argumentos transcendentais. Nem
Objeções à apologética clássica. Outras visões todos os pressuposicionalistas descartam todos os ar­
cristãs fazem várias objeções im portantes à apolo­ gumentos a favor do cristianismo. Alguns usam um ar­
gética clássica. Algumas delas vêm de evidencialistas gumento t r a n s c e n d e n t a l (por exemplo, Greg Bahnsen).
e outras de pressuposicionalistas ou fid eístas (v. Eles insistem em que a única maneira válida de argu­
fideísmo), que rejeitam a validade dos argum entos mentar a favor da verdade do cristianismo é mostrar
teístas tradicionais. que é transcendentalmente necessário supor a verdade
Invalidade das provas tradicionais. Fideístas e básica do cristianismo como condição para fazer algum
pressuposicionalistas rígidos rejeitam todos os argu­ sentido independentemente do nosso mundo. Em ne­
mentos clássicos da existência de Deus. Suas objeções nhuma outra pressuposição pode-se supor que há al­
específicas são consideradas em outro artigo (v. Dels, gum significado na história ou ciência, ou mesmo ten­
O B JE Ç Õ E S À S PR O V A S D E ) . tativa de comunicação.
Invalidade dos argumentos históricos. Fideístas Os apologistas clássicos concordam que isso é
e pressuposicionalistas afirm am que nenhum ape­ verdade à medida que o teísmo é necessário para con­
lo a qualquer tipo de evidência, inclusive evidênci­ siderar a vida significativa e coerente. Num sistem a
as h istóricas, é válido, já que os m esm os dados são fechado não há significado absoluto, nem valores
Clemente de Alexandria 184

absolutos, e nenhum “milagre” ocorre que não possa Ele também falou da inspiração dos poetas gregos
ser explicado por fenômenos naturalistas (cf. Jo 3 .1,2; (Exortação aos pagãos , 8), e chegou ao ponto de decla­
At 2.22; Hb 2.3,4). Mas não é necessário pressupor que rar que, “pela retlexão e visão direta, aqueles dentre os
Deus é trino, que tem um Filho que se encarnou como gregos que filosofaram precisamente, viram a Deus”
Jesus de Nazaré e se revelou nos 66 livros inspirados (Stromata 1.19).
das Escrituras cristãs. É possível entender o mundo Mas Clemente não foi racionalista a ponto de não
supondo menos que toda a verdade do cristianismo. afirmar o sola Scriptura, insistindo, a respeito da Bí­
Outras diferenças são detalhadas em outro artigo. blia, em que “certamente a usamos como critério na
É suficiente observar aqui que elas envolvem o papel descoberta das coisas”. Pois
da fé e da razão, principalmente o uso da lógica ou da
razão para dem onstrar a existência de Deus, que os o que é sujeito a critica não deve ser aceito até que seja
apologistas clássicos usam e os pressuposicionalistas assim sujeito; então o que precisa de crítica não pode ser
puros rejeitam. um primeiro princípio” (Stromata 7.16).

Fontes No entanto, a filosofia grega ser via no máximo como


A n selm o , Afono/ogío«. um papel preparatório para Cristo. Pois
___ , Prologion.
R. B ush, Readings in classical apologetics. a filosofia helénica não compreende toda a extensão da
W. C o rd u a n , A reasonable faith. verdade, e [... ] prepara o caminho para o ensinamento verda­
W. L. C ra ig , Apologetics: an in t r o d u c t io n . deiramente real [...] e apropriado àquele que crê na providên­
N. L G e is l e r , Christian a p o l o g e t i c s . cia para a recepção da verdade” (Stromata 1.16).
J. G erstnf .r , Reasons for faith.
S. H a ck ett , The reconstruction o f t h e C h r is tia n Havia limitações à filosofia. Os gregos só tinham
revelation claim. “certos reflexos da palavra divina” (Exortação 7). A fé é
C. S. L e w s , Cristianismo puro e simples. o meio de atingir a revelação total de Deus (Exortação 8).
J. L ocke , The reasonableness o f C h r is tia n ity . Como Justino Mártir, Clemente acreditava que a
J. P. M orelan d , Scaling the secular city. verdade da filosofia foi tomada por empréstimo das
\V. P a l e y , Saturai theology Escrituras hebraicas. Escreveu:
R. C. Spkovu Razão para crer.
T omas de A q u in o , Sumrna contra gentiles. Eu conheço teus mestres, mesmo que os queiras escon­
___ . Suma teológica. der. Aprendeste geometria com os egípcios, astronomia com
os babilônios; [...] mas as leis que são consistentes com a
Clemente de Alexandria. Os pais da igreja dos sécu­ verdade, e teus sentimentos com respeito a Deus, deves aos
los n e in foram apologistas que defenderam a fé con­ hebreus (Exortação 6).
tra os ataques de pensadores judeus e pagãos. Entre
os primeiros apologistas estava Clemente de Alexan­ Mas o que os filósofos possuíam da verdade não
dria (c. 1 5 0 - C . 2 1 3 ) . revelava Cristo diretam ente. Ele disse com clareza:
A apologética d e Clemente. Para alguns, a posi­
ção de certos apologistas primitivos, como Clemente, Não creio que a filosofia declare diretamente a Pala­
parece muito racionalista e enfatiza demais a filosofia vra, apesar de em muitos casos a filosofia tentar e conse­
grega. Depois de uma análise mais profunda, no en­ guir ensinar-nos persuasivamente argumentos prováveis
tanto, os primeiros defensores pós-apostólicos da fé (Stromata 1.19).
eram mais cristãos na sua apologética do que pare­
cem à prim eira vista (v, fé e razão). Geralmente ignora-se o fato de Clemente acredi­
Clemente afirmou que tar que a fé é um pré-requisito da filosofia; acreditar é
uma precondição de saber. Pois segundo ele todo co­
antes do advento do nosso Senhor, a filosofia era necessária nhecimento é baseado em primeiros princípios, e
para que os gregos conhecessem a justiça [...] Talvez a filosofia
também tenha sido dada aos gregos direta e primariamente, até primeiros princípios são incapazes de demonstração
o Senhor chamar os gregos. Pois ela tbi um aio para trazer‘a men­ [...] Assim, a fé é algo superior ao conhecimento e [é] seu
te helénica,como a lei, os hebreus,‘para Cristo’ (Stromata 1.5). critério” (Stromata 2.4).
185 Comte, Auguste

Avaliação. Em seu contexto, a defesa da fé cristã das forças naturais, e para a compreensão através de
feita por Clemente foi eficaz. Com base em seu dom í­ descrições fenomenológicas (empíricas). Em vez de es­
nio da filosofia predominante, defendeu a superiori­ píritos animados ou poderes impessoais, as leis natu­
dade da revelação cristã. Ao mesmo tempo em que fi­ rais são supostas. Nesse crescimento de três fases cau­
lósofos não-cristãos possuíam alguma verdade, esta sas espirituais e depois racionais são substituídas por
também vinha de Deus, por revelação geral ou especi­ descrições puramente naturais (positivistas).
al. Sem o cristianism o os gregos teriam no máximo O estágio religioso tem evolução própria. As pesso­
apenas um conhecimento preparatório e parcial de as passam das manifestações politeístas (v. politeísmo )
Deus. A plenitude da verdade é encontrada apenas em da natureza para deuses múltiplos e finalmente ao
Cristo. De fato, a verdade que os pagãos possuíam to­ monoteísmo, que consolida todas as forças que não são
maram de empréstimo das Escrituras cristãs. compreendidas numa única divindade. O problema com
a interpretação religiosa é que ela antropomorfiza a na­
Fontes tureza. O problema com o estágio metafísico é que tor­
C l e m e n t e de A l e x a n d ria , Exhortation to the heathen.
na as idéias reais, em lugar de apenas descrevê-las e
___ , Stromata, ante-nicenefathers, v. 2,
interpretá-las, como faz o estágio positivista.
P h il lip S c h a ff , o r g .
O objetivo de Comte era encontrar uma lei geral
pela qual todos os fenômenos estão relacionados. Tal
coerên cia. V. v e r d a d e , d e f i n i ç ã o d a .
lei, acreditava ele, seria o resultado ideal da filosofia
positivista. Mas o resultado mais provável é uma uni­
coerên cia com o teste da verdade. V. Clark, Gordon;
dade no método científico.
VERDADE, DEFINIÇÃO DA.
Para Comte, a sociologia é a ciência final, a ciência
da sociedade. O progresso social é dialético, passando
Comte, Auguste. De uma família francesa católica e
do feudalismo (v. F reud , S igmund ), através da Revolu­
racionalista (1797-1857) (v. r a c i o n a l i s m o ) . Estudou ciên­
ção Francesa, até o positivismo. A liberdade de pensa­
cia e foi secretário de Saint-Simone na École Polytechniqiie.
mento está tão deslocada na sociedade quanto na físi­
Disse que “deixou de acreditar em Deus naturalmente”
ca. A verdadeira liberdade está na sujeição racional a
aos 14 anos de idade. Comte é o pai do positivismo e da
leis científicas. Uma lei é que a sociedade deve se de­
sociologia. Ele inventou este último termo. Desenvolveu
senvolver numa direção positivista.
uma seita religiosa mística (v. m i s t i c i s m o ) , não-teísta e
Os três estágios de Comte também foram expressos
humanista, na qual se instalou como sumo sacerdote
(v. H U M A N IS M O S E C U L A R ) . politicamente. Primeiro, a sociedade da Idade Média
As principais obras de Comte foram Discurso so­ compartilhava idéias religiosas comuns (estágio teoló­
bre o espírito positivo (1 8 3 0 - 1 8 4 2 ) e Catecismo gico). Segundo, a Revolução Francesa tinha ideais polí­
positivista (1852). O Catecismo incluía um calendário tico s co m u n s (estág io metafísico). Finalmente,a socie­
de “santos” seculares. dade m o d e rn a (p o sitiv ista ) deve compartilhar o méto­
À filosofia positivista de Comte. Com um ponto do científico. N esse estágio o sacerd ócio católico foi subs­
de p artid a ep istem o ló g ico no ag n o sticism o titu íd o p o r u m a elite científico-industrial. Dogmas são
antimetafísico de Immanuel K axt e no desenvolvimen- b ase a d o s na ciê n cia e p ro cla m a d o s pela elite.
tismo histórico de G. W. F. Hegel, Comte desenvolveu sua K arl M arx negou q u e te n h a lid o Comte antes de
“lei de crescimento”. Ela incluía três estágios do desen­ 1886, m a s u m a m ig o c o m tia n o (E. S. Beesley) presi­
volvimento humano: teológico (infantil) — antigo, diu a a s s e m b lé ia d e 1864 da Associação Internacio­
metafísico (jovem) — medieval e positivista (adulto) — n al d o s O p e rá rio s M a rx is ta s. As teorias de Comte sem
moderno. O primeiro apresentava crença primitiva em d ú v id a in flu e n c ia r a m o desenvolvimento da inter­
deuses pessoais, mais tarde substituída pela idéia grega p re ta ç ã o d ia lé tic a da h is tó r ia p o r parte de Marx.
da lei im pessoal, suplantada pela crença m oderna As op in iõ es relig iosas d e C om te. C o m te não gos­
(positivista) na unidade metodológica da ciência. Es­ tava do p ro te sta n tism o , d e c la ra n d o -o negativo e cau­
ses três estágios representam os estágios mitológico sa d o r de a n a rq u ia in te le ctu a l. Desenvolveu uma reli­
(mythos),metafísico (logos) e científico (positivista) da gião h u m a n ista e n ã o -te ís ta , em que ele era o sumo
raça humana. Segundo Comte, os seres humanos pas­ sa cerd o te da R elig ião da Humanidade. S u a amante,
sam da explicação pessoal da natureza para a lei im ­ C lo th ild e Yaux, era a sa cerd o tisa . Comte desenvolveu
pessoal, e finalmente a um método objetivo. Eles avan­ Calendário religioso humanista, com “santos” tais como
çam da crença em seres sobrenaturais para a aceitação F red erico , o G ran d e, D an te e S h a k esp eare.
convencionalismo 186

Avaliação. As opiniões de Comte estão sujeitas a é relativa. Mas isso é contrário à afirmação cristã de que
várias fraquezas filosóficas, científicas e históricas. A h á verdade absoluta ( v . v e r d a d e , n a t u r e z a a b s o l u t a d a ) .

crítica de algumas das suas idéias é encontrada em Verdades absolutas são sempre verdadeiras, em todos
outros lugares, particularmente no artigo h u m a n i s m o os lugares para todas as pessoas.
sec u la r . O convencionalismo é uma reação ao platonismo
Oateísmo de Comte é inadequado. Como outros ateus (v. P latão ), que argumenta que a linguagem tem uma
(v. D e u s , s u p o s t a r e f u t a ç ã o d e ) , Comte jam ais conseguiu essência imutável ou formas ideais. Convencionalistas
eliminar Deus. Ele não refutou realmente os argumen­ acreditam que o significado muda para se ajustar a
tos a favor da existência de Deus (v. D e u s , e v i d ê n c i a s d e ) . cada situação. O significado é arbitrário e relativo à
Em vez disso, tentou eliminá-los por meio de suas teo­ cultura e ao contexto. Não há formas transculturais. A
rias do desenvolvimento histórico. linguagem (significado) não tem essência própria; o
0 desenvolvimento histórico de Comte é infunda­ significado lingüístico é derivado da experiência rela­
do. A filosofia da história de Comte é gratuita e in­ tiva em que a linguagem se baseia.
fund ada. Não é ju s tific a d a filo so fica m e n te nem Alguns dos proponentes modernos do convencio­
corresponde aos fatos. A história sim plesmente não nalismo são Ferdinand Saussure (m . 1913), Gottlob
se encaixa nos estágios nítidos de desenvolvimento Fregge (m. 1925) e Ludwig W ittgexstein (m. 1951). Sua
que sua teoria exige. Por exemplo, restam grandes teoria é muito aceita na filosofia lingüística atual.
teorias m etafísicas m odernas e contem porâneas, Símbolos e significado. Uma diferença importante
com o o PANENTEfsMO, representado por Alfred North separa uma teoria convencionalista de símbolos e uma
W h i t e h f a d , e o m o n o te ísm o que a n te ce d e u o teoria convencionalista de significado. Além dos símbo­
politeísm o, com o dem onstrado pelas tábuas de Ebla los naturais (por exemplo, fumaça indicando fogo) e ter­
( V . M O N O T E ÍS M O P R I M I T I V O ) . mos onomatopéicos (por exemplo, cabrum, chuá, bum)
As crenças humanistas de Comte são absurdas. Até cujo som expressa os significados das palavras, pratica­
outros ateus e humanistas ficam constrangidos com mente todos os lingüistas reconhecem que símbolos são
as crenças religiosas de Comte. Elas descrevem uma convencionalmente relativos. No inglês, a palavra down
p e rsp e c tiv a re lig io sa e su p e rstic io sa q u e ele mesmo não tem nenhuma relação intrínseca com as penugem
c la ssific o u co m o p rim itiv a . Se a re lig ião e stá u ltra p a s­ de um ganso. A palavra também se refere a uma posição
sada p ela c iê n c ia , p a ra q u e e sta b e le c e r o u tra relig ião , mais inferior, um estado psicológico, um tipo de forma­
com su m o sa cerd o te, sa cerd o tisa e d ias san to s? ção montanhosa, uma tentativa de mover a bola no fute­
N a v e rd ad e, C o m te d e ific o u o m é to d o c ie n tífic o bol americano e a direção sul. O mesmo grupo de sons
de e stu d a r a n a tu re z a . M a s C o m te p ro te sto u q u e o u ­ ou sons semelhantes podem ter vários significados bem
tr o s h a v ia m d e ific a d o a n a tu r e z a . A a b o r d a g e m diferentes em outras línguas, e muitas línguas terão sons
p o s itiv is ta n ã o e ra a p e n a s um m é to d o de d e s c o b rir diferentes para se referirem às penas de um ganso. Isso
alguma v erd ad e, m a s o m é to d o de d e sc o b rir to d a v er­ acontece com a maioria das palavras.
dade. C o m o ta l, e n v o lv ia c re n ç a s c o n tr a d itó ria s no Isso não é o mesmo que afirm ar que o significado
m a te r ia lis m o . E r a e n fr a q u e c id a c o m o c o s m o v is ã o de uma frase é relativo culturalmente. É dizer apenas
pela n e g a ç ã o d a m e ta fís ic a e d a m o ra lid a d e a b so lu ta que as palavras usadas para expressar significado são
(v. M O R A L I D A D E , N A T U R E Z A A B S O L U T A Da ) . relativas. Isto é, símbolos individuais são relativos, mas
não o significado que uma com binação de símbolos
Fontes dá a uma frase.
A. C o m te , C u r s o d e f i l o s o f i a p o s it i v a . Avaliação. Como teoria de significado, o conven­
___ , C a t e c i s m o p o s it i v is t a . cionalismo tem sérias falhas. Primeiro, é uma teoria
“Com te, Auguste”, eps. contraditória. Se a teoria fosse correta, a afirm ação
L. L e v y -B r u h l , T h e p h i l o s o p h y o f A u g u s t e C o m t e . “Todo significado lingüístico é relativo” seria relativa
J. S. M ill , A u g u s t e C o m t e a n d p o s i t i v i s m . e, portanto, insignificante. Mas o convencionalista que
T. WHiTTAKER, C o m t e a n d M ill. faz tais afirmações supõe que frases têm significado
objetivo, então ele faz afirm açõ es ob jetivam ente
contradição. V. primeiros princípios. significantes para argumentar que não há afirmações
objetivamente significantes.
convencionalismo. T eoria de que to d o sig n ificad o é Segundo, se o convencionalismo fosse correto, afir­
relativo. Já q u e to d as as a firm a çõ e s da verdade são a fir­ mações universais não seriam traduzidas para outras
mações sig n ificativ as, isso im p lica ria q u e to d a verdade línguas como afirmações universais. Mas esse não é o
187 convencionalismo

caso. A frase“Todos os triângulos têm três lados”é con­ cosmovisões. Um teísta (v. teísm o ) ou um panteísta (v.
siderada universalmente verdadeira em mongol, espa­ panteísmo ) podem fazer a afirmação: “Deus é um Ser Ne­
nhol e em qualquer língua com as palavras triângulo, cessário”. As palavras em si, sem definições objetivas por
três e lado. O mesmo acontece com a afirmação “Todas trás das palavras para apoio, carecem de qualquer rela­
as esposas são mulheres casadas”. Se o significado fos­ ção com a verdade. O teísta e o panteísta podem conver­
se culturalmente relativo, nenhuma afirmação univer­ sar por horas, dando um ao outro a impressão de que
sal e transcultural seria possível. acreditam nas mesmas coisas sobre Deus. Ao consegui­
Não haveria verdades universais em nenhuma lín­ rem demonstrar significados sólidos de Deus e Ser Neces­
gua. Não se poderia nem dizer 3 + 4 = 7. Na lógica, sário, no entanto, os que conversam podem discutir as
não haveria a lei da não-contradição. Na verdade, ne­ diferenças em suas cosmovisões.
nhum convencionalista coerente pode sequer negar É fácil ver que nenhum conhecimento realmente
tais primeiros princípios absolutos sem usá-los. A pró­ descritivo de Deus é possível para um convenciona-lis-
pria afirmação de que “o significado de todas as afir­ ta. A linguagem é estritamente baseada na experiência.
mações é relativo a uma cultura” baseia seu significa­ Ela nos diz apenas o que Deus parece ser para nós na
do no fato de as leis da lógica não serem relativas a nossa experiência. Não pode nos dizer o que ele real­
uma cultura, e sim transcenderem culturas e línguas. mente ép o r si. Isso acaba por se reduzir a agnosticismo
Terceiro, se o convencionalismo fosse verdadeiro, contraditório ou à afirmação de que sabemos que não
não conheceríamos nenhuma verdade antes de conhe­ podemos saber nada sobre a natureza de Deus (v. ana­
cer o contexto dessa verdade nessa língua. Mas pode­ logia , princípio da ). O s convencionalistas reduzem o sig­
mos saber que 3 + 4 = 7 antes de conhecer qualquer nificado de Deus a um mero referencial interpreta-tivo,
convenção de uma língua. A matemática pode depen­ em vez de um ser que está além do mundo. O teísmo
der dos símbolos relativos para se expressar, mas as mostra que Deus é (v. cosmológico , argumento ; D eu s , evi ­
verdades da matemática são independentes da cultu­ dências de ; K alam , argumento cosmológico d e ).
ra. Da mesma forma, as leis da lógica são indepen­ Sétima, o convencionalismo tem uma justificação cir­
dentes da convenção humana. A l ó g i c a não é arbitrá­ cular. Não justifica suas alegações, apenas as declara. Se
ria, e suas regras não são criadas num contexto cultu­ pedir para um convencionalista dar a base dessa crença de
ral, e sim descobertas. Elas são verdadeiras acima da que todo significado é convencional, ele não pode dar uma
língua e da expressão cultural. base não convencional. Se pudesse, não seria mais
Q uarto, um problem a relacionad o é que o convencionalista. Mas uma base convencional para o
convencionalismo confunde a fonte de significado com convencionalism o seria uma razão relativa para o
sua base. A fonte do conhecimento de uma pessoa de relativismo. Tal argumento só poderia ser circular.
que “Todas as esposas são mulheres casadas” pode ser Oitava, convencionalistas geralmente distinguem
social. É possível aprender isso de um parente ou pro­ entre gramática superficial e profunda para evitar al­
fessor. Mas a base do conhecimento de que isso é uma guns dos seus dilemas. Mas tal distinção supõe que eles
afirmação verdadeira não é social, mas sim lógica. Re­ têm um ponto de vista independente da linguagem e da
presenta um primeiro princípio de lógica na medida em experiência. 0 convencionalismo, por natureza, não per­
que o predicado é redutível ao sujeito (esposa = mulher mite um ponto de vista fora da cultura. Assim, até essa
casada). É verdadeira por definição, não por aculturação. distinção é logicamente inconsistente com a teoria.
Quinta, se o convencionalismo fosse correto, ne­ Conclusão. A teoria de significado dos convencio­
nhum significado seria possível. Se todo significado é nalistas é uma forma de relativismo semântico. Como
relativo, com base na experiência mutável, que por sua outras formas de relativismo, o convencionalismo é con­
vez deriva significado da experiência mutável, não há traditório. A própria teoria de que todo significado é rela­
base para significado. Uma série infinita é imprópria tivo é em si um conceito não relativo. É uma afirmação
para encontrar a primeira causa do universo e é im ­ significativa feita para ser aplicada a todas as afirmações
própria para descobrir o início do significado se todo significativas. É uma afirmação não convencional que
significado depende de outros significados. Uma afir­ declara que todas as afirmações são convencionais.
mação sem base de significado é uma afirmação in­
fundada. Fontes
Sexta, o convencionalismo tem apenas um critério G. FRF.'.ji, Cber Sinn undBedeutung (“On sense and
interno de significado. Mas critérios internos não ajudam reférence” ) em P. Geach, org. e trad., Translations
a resolver conflitos entre significados distintos para a trom the phüosophkal writings o f Gottlob Frege.
mesma afirmação obtidos de perspectivas de diferentes E. G . •.. Linguistics andphilosophy.
cosmovisão 188

J. H arris , Against relativism. Panteísmo. Deus éo Todo/Universo. Para o panteísta,


P latão , Cratylus. não há Criador transcendente além do universo. O Cri­
F. Saussure , Cours de linguistique générale (1916). ador e a criação são duas maneiras de denotar uma
___ , Course in general linguistics. realidade. Deus é o universo ou Todo, e o universo é
T omás de A qltno , Suma teológica, 1.84-5. Deus. Há, em última análise, uma realidade, não mui­
L. WiTTGENSTEiN, Investigações filosóficas. tas diferentes. Tudo é mente. 0 panteísmo é represen­
tado por certas formas de hinduísmo, zen - bu dism o e
cosmovisão. Modo pelo qual a pessoa vê ou interpre­ Ciência Cristã.
ta a realidade. A palavra alemã é Weltanschau-ung, que Panenteísmo. Deus está no universo, como a mente
significa um “mundo e uma visão de vida”, ou “um está no corpo. O universo é o “corpo” de Deus. É seu
paradigma”. É a estrutura por meio da qual a pessoa pólo real. Mas há outro “pólo” de Deus além do uni­
entende os dados da vida. Uma cosmovisão influencia verso físico. Ele tem potencial infinito de se transfor­
muito a maneira em que a pessoa vê Deus, origens, mar. Essa visão é representada por Alfred North
mal, natureza humana, valores e destino. W h iteh ea d , Charles H artshorne e Shubert Ogden.
Há sete visões principais de mundo. Cada uma é Deus finito a lé m d o e no
T eísmo F inito. E x iste um
singular. Com uma exceção, pan teísm o /p o lit eism o , nin­ universo. O teísmo finito é como o teísmo, só que o deus
guém pode acreditar coerentemente em mais de uma além do universo e ativo nele é limitado em natureza e
cosmovisão, porque as prem issas centrais são mu­ poder. Como os deístas, os teístas finitos geralmente
tuamente exclusivas (v. verdade , natureza da; pluralismo aceitam a criação, mas negam a intervenção milagro­
relig io so ; relig iõ es , m undiais e c r istia n ism o ) . É claro que sa. Muitas vezes a incapacidade de Deus de derrotar o
apenas uma cosmovisão pode ser verdadeira. As sete mal é dada como razão para crer que Deus é limitado
cosmovisões principais são: teísmo, deísmo, ateísmo, em poder. John Stuart M ie i ,, W illiam J a m e s e Peter
panteísmo, panenteísmo, teísmo finito e politeísmo. Bertocci defendem essa cosmovisão.
A nalisando as visões. Teísmo. Um Deus infinito e P oliteísmo. Muitos deuses existem além do mundo
pessoal existe além do e no universo. O teísmo diz que o e nele. 0 politeísm o é a crença em muitos deuses
universo físico não é tudo que existe. Há um Deus in­ finitos, que influenciam o mundo. Seus defensores
finito e pessoal além do universo que o criou, que o negam que qualquer Deus infinito esteja além do
sustenta e que age nele de forma sobrenatural. Está mundo. Afirmam que os deuses são ativos, geralm en­
transcendentalm ente “em algum lugar distante” e te acreditando que cada um tem seu próprio dom í­
imanentemente “aqui”. É a visão representada pelo nio. Quando um deus finito é considerado chefe so­
judaísmo tradicional, o cristianism o e o islamismo. bre outros, a religião é cham ada de henoteísm o. Os
Deísmo. Deus está além do universo, mas não nele. principais representantes do politeísm o incluem os
0 deísmo é o teísmo sem milagres. Diz que Deus é gregos antigos, os m órm ons e os neopagãos (e. g.
transcendente sobre o universo mas não imanente adeptos da wicca).
nele, por certo não sobrenaturalmente. Defende uma Im portância de um a cosmovisão. Cosmovisões
visão naturalista da operação do mundo. Junto com o influenciam o significado pessoal e os valores, a ma­
teísmo, acredita que o originador do mundo é um Cri­ neira em que as pessoas agem e pensam. A pergunta
ador. Deus fez o mundo, mas não age nele. Ele “deu mais importante a que uma cosmovisão responde é:
corda” na criação e a deixa funcionar sozinha. Ao con­ “De onde viemos?”.A resposta a essa pergunta é crucial
trário do panteísmo, que nega a transcendência de para o modo pelo qual as outras perguntas são res­
Deus, favorecendo a sua imanência, o deísmo nega a pondidas. O teísmo declara que Deus nos criou. A cri­
imanência de Deus, favorecendo sua transcendência. ação foi do nada, ex nihilo. 0 ateísmo acredita que evo­
François-M arie V oltaire , Thomas J epferso x e Thomas luímos por acaso. 0 ateísmo defende a criação a partir
P aine foram deístas. da matéria, ex matéria. O panteísmo afirma que em a­
Ateísmo. Não existe nenhum Deus além do ou no namos de Deus como raios do sol ou fagulhas do fogo.
universo. O ateísmo afirma que o universo físico é tudo A criação é a partir do próprio Deus, ex Deo (v. c ria ­
que existe. Não existe nenhum Deus em lugar algum, ção , visõ es da ). O s outros usam alguma forma dessas
nem no universo nem além dele. 0 universo ou cos­ explicações, com ligeiras diferenças.
mos é tudo que existe e tudo que jam ais existirá. Tudo Essa idéia influenciaria a visão sobre a morte, por
é matéria. O universo é auto-suficiente. Alguns dos exemplo. O teísta acredita na im ortalidade pessoal;
ateus m ais fam osos foram Karl M a r x , Fried rich o ateu geralm ente não. Para o teísta, a m orte é o co­
N ietzsch e e Jean-Paul S a r t r e . meço, para o ateu um térm ino da existência. Para o
189 criação, visões da

panteísta, a m orte é o fim de uma vida e o começo (um além do e um no mundo), o panenteísmo está
de outra, levando a uma eventual união com Deus. correto. Se há um Deus infinito, ou há intervenção des­
Os teístas acreditam que foram criados por Deus se Deus no universo ou não há. Se há intervenção, o
com o propósito de ter comunhão eternamente com teísmo é verdadeiro. Se não há, o deísmo é verdadeiro.
ele e adorá-lo. Os panteístas acreditam que perdere­
mos toda identidade individual em Deus. Os ateus ge­ Fontes
ralmente veem a imortalidade como a continuação da X. L. G:ULi-.K, Worlds apart: a handbook on world
espécie. Vivemos nas memórias (por certo tempo) e v ie w s .
na influência que temos sobre as gerações futuras. |. S isl, The unirerse nextdoor.
O bviam ente, o que a pessoa acredita sobre o fu ­ ]. Ni 'I>i e . UndersttViding the times.
turo influenciará com o ela vive agora. Xo teísm o
clássico,“só vivemos na terra uma vez” (cf. Hb 9.27 ), criação, evidências da. V. axtrópico , princípio ; D eu s , ev i ­
portanto a vida assum e uma certa sobriedade e ur­ dencias de ; cosMOLóGico, argumento ; D arw in , C harles ; evo ­
gência que não teria para alguém que acredita em lução biológica ; ralam , argumento cosmológico d e ; elos
REENCARXAÇÁo. A urgência é em lidar com o carm a perd id o s .
para a próxim a vida ser m elhor. Mas sem pre há
mais oportunidades nas vidas futuras de tentar n o ­ c ria ç ã o , v isõ es da. Três visões básicas procuram ex­
vam ente. Para o ateu, o velho com ercial de cerveja plicar a origem do Universo. Os teístas (v. t e ísm o ) afir­
resum e tudo: Temos de “viver pra valer, porque só mam que todas as coisas foram criadas ex nihilo, “do
vivemos uma vez”. nada”. Os panteístas (v. pa n teísm o ) acreditam que o
Um ato virtuoso recebe significados diferentes Universo material surgiu ex Deo, “de Deus”, uma par­
das diversas visões de mundo. 0 teísta vê um ato te de um Deus impessoal, em vez da obra de um ser
de com paixão com o obrigação absoluta im posta sábio que age além de si mesmo. O materialismo (v.
por Deus (v. m o r a l i d a d e , n a t u r e z a a b s o l u t a d a ) , que m a t e r i a l i s m o ) afirma uma criação ex matéria (de m a­

tem valor intrínseco independentem ente das con- terial preexistente).


seq ü ências. 0 ateu vê a virtude com o obrigação Os materialistas, in c lu s iv e o s a te u s (v. ateísm o ) e
au to-im p osta que a raça hum ana colocou sobre dualistas (v. d u a l i s m o ) , acreditam que as origens nem
seus m em bros. Um ato não tem valor intrínseco envolvem criação, se criação for definida como o tra­
além do que lhe foi designado pela sociedade. balho executado por um ser. Para efeito de compara­
Também há um abismo entre cosmovisões com ção, todavia, o materialismo e o panteísmo podem ser
relação à natureza dos valores. Para o teísta, Deus do­ colocados sob o título da criação. A origem m ateria­
tou certas coisas, a vida humana por exemplo, com lista pode ser chamada de Criação ex m atéria,“a par­
valor supremo. É sagrada porque Deus a fez à sua im a­ tir da matéria”.
gem. Assim, há obrigações divinas de respeitar a vida C ria çã o e x m atéria. V isão m a te ria lis ta (ou
e proibições absolutas contra o assassinato. Para o ateu, dualista) das coisas existentes geralmente afirma que
a vida tem o valor que lhe foi atribuído pela raça hu­ a matéria (ou energia física) é eterna. A matéria sem ­
mana e suas diversas sociedades. É relativamente va­ pre existiu e, por isso, sempre existirá. Como o físico
liosa, comparada com outras coisas. Geralmente o ateu afirma na primeira lei da termodinâmica: “a energia
acredita que um ato é bom se traz bons resultados e não pode ser criada nem destruída”.
mau se não traz.O cristão acredita que certos atos são Há duas subdivisões básicas na visão da “criação-
bons, não importa quais sejam os resultados. da-matéria”: aquela que envolve um Deus e a que não
As diferenças em cosmovisões podem ser resumi­ envolve.
das no diagrama seguinte. Em alguns casos as palavras Deus criou a partir de m atéria preexistente. Muitos
representam apenas a forma dominante ou caracterís­ gregos antigos (dualistas) acreditavam na criação por
tica da visão, não a de todos que aceitam o sistema. Deus a partir de certo “monte de barro” preexistente e
Resum o. A realidade é ou apenas o universo, eterno (v. Platão, 2 7 s.). Isto é, Deus e a matéria do uni­
ou apenas Deus, ou o universo e D eus( e s ). Se só verso material (cosm o) sempre existiram. A “criação”
existe o universo, o ateísm o está correto. Se só é o processo eterno pelo qual Deus tem dado forma
Deus existe, o panteísm o está correto. Se Deus e o continuamente à matéria do universo.
universo existem , então ou há um Deus ou m u i­ P l a t ã o denominou a matéria^òrnia (ou caos). Deus
tos deuses. Se há apenas um Deus, esse Deus é ou era o Formador (ou demiurgo). Usando um mundo eter­
finito ou infinito. Se há um deus finito, o teísm o no de idéias , Deus deu forma ou estrutura à massa sem
finito está correto, Se esse deus finito tem dois pólos forma de matéria. O Formador (Deus), por meio dessas
criação, visões da 190

idéias (que fluíam da forma), transformou o que era M arx, a m ente não criou a m atéria; a m atéria criou
sem forma (matéria) no que é formado (cosm o). Em a m ente (M a rx, p. 2 3 1 ).
termos gregos, o demiurgo, por meio dos eidos (idéias), Ao supor a existência eterna da matéria e do movi­
que fluíam do agathos (bem ), transformou o chãos em mento, o ateu explica todo o resto pelas doutrinas da evo­
cosmos. Os elementos do dualismo platônico podem ser lução natural (v. evolução cósmica ) e das leis naturais. A
facilmente separados: evolução natural (v. evolução biológica ) funciona pela
A matéria é eterna. A matéria básica do universo interação de matéria, mais tempo, mais acaso. Até as com­
sempre existiu. Nunca houve uma época em que os plexidades da vida humana podem ser explicadas por leis
elementos do universo físico não existissem. puramente naturais do universo físico. Dado o tempo
A “criação”significa form ação, não origem. “Cria­ suficiente, macacos com uma máquina de escrever po­
ção” não significa fazer algo surgir e sim formação ou dem produzir obras de Shakespeare. Nenhum Criador
ordenação. Deus organiza a matéria que existe. inteligente é necessário.
O “criador” é o Formador, não um Produtor. Por­ Os dogm as d a criação ex m atéria. O conceito ateu
tanto, Criador não significa Originador, e sim Cons­ das origens pode ser resumido em quatro temas:
trutor. Deus é um Arquiteto do universo material, não A matéria é eterna. Conforme comentado acima, a
a Fonte de todas as coisas. premissa central do materialismo é que a matéria sem ­
Deus não é soberano sobre todas as coisas. Tal Deus pre existiu. Ou, com o um ateu disse, se a matéria sur­
não está no controle absoluto, pois há algo eterno além giu, surgiu do nada epelo nada (Kenny, p. 147). O uni­
de Deus. A matéria eterna está em conflito dualista com verso material é um sistema fechado auto-sustentável
Deus, e ele não pode fazer nada a respeito. Ele pode e autogerado. Isaac Asimov especulou que havia uma
formar a matéria dentro de certos parâm etros. Assim chance igual de que nada viria do nada ou que algo
viria do nada. Por acaso, algo surgiu (Asimov, p. 148).
como há limites sobre o que pode ser feito com papel
Então ou a m atéria é eterna ou veio do nada esponta­
(ele é bom para fazer pipas, mas não espaçonaves), a
neamente sem uma causa.
própria natureza da matéria é uma deficiência. Tanto
Os primeiros materialistas, os atomistas (v. atomismo )
a existência quanto a natureza da matéria impõem li­
acreditavam que a matéria era uma massa de inúmeras
mites a Deus.
partículas indestrutíveis de realidade chamadas átomos.
Não havia Deus para criar. Uma segunda visão
Com a divisão do verdadeiro átomo e o surgimento d a .
geralm ente é cham ada de a t e í s m o , apesar de m uitos
teoria e = mc 2 (energia igual a massa vezes a velocidade da
agnósticos (v. a g n o s t i c i s m o ) terem praticam ente a
luz ao quadrado) proposta por Albert E instein , o s materi­
m esm a visão de mundo. 0 ateu diz que não há Deus;
alistas modernos falam da indestrutibilidade da energia
o agnóstico afirm a não saber se há um Deus. Mas
(a primeira lei da termodinâmica). Energia não deixa de
nenhum deles acred ita ser n ecessá rio supor um
existir; ela simplesmente assume novas formas. Até na
Deus para explicar o universo. A m atéria sim ples­
morte, todos os elementos do nosso ser são reabsorvidos
m ente existe. O universo é tudo que existe. Até o
pelo ambiente e reutilizados por outras coisas. Então o
espírito veio da m atéria.
processo continua.
O materialista rígido responde à pergunta de onde
Nenhum Criador é necessário. O materialismo rígido
veio o universo com a pergunta: De onde veio Deus? A
exige a premissa do ateísmo ou não-teísmo. Não há Deus,
visão de mundo do materialista considera a pergunta
nem ao menos necessidade de um Deus. O mundo se ex­
absurda, porque o universo preenche grande parte do
plica. Como O n manifesto humanista disse: “Como não-
lugar conceituai normalmente reservado para o Cria­
teístas, começamos com os humanos, não com Deus, com
dor (v. C A U S A L I D A D E , P R I X C Í P I O D a ) .
a natureza e não com a divindade” (Kurtz, p. 16).
A idéia da criação vinda da m atéria tem sido de­
Os humanos não são imortais. Outra implicação é
fendida desde os primeiros atomistas (v. a t o m i s m o ) . que não há alma im ortal ( v . i m o r t a l i d a d e ) o u u m as­
Karl M a r x (1818 -1 8 8 3 ) foi o filósofo moderno que pecto espiritual nos seres hum anos. 0 i manifesto
tentou levar o m aterialism o a sua conclusão final no humanista rejeitou
socialism o (M arx, p. 298). Um século depois, o as­
trônom o Cari Sagan popularizou a teoria na televi­ o dualismo tradicional de mente e corpo [...] A ciência
são e nos livros destinados ao grande público. Gran­ moderna desacredita tais conceitos históricos como ‘o espí­
de parte do mundo ocidental ouviu o credo de Sagan: rito na máquina’ e ‘alma separável” (ibid.,p. 8,16,17).
“O cosmo é tudo que existe, ou existiu, ou e xistirá ”
(Sagan, p. 4). A humanidade é apenas poeira cósm i­ 0 materialista rígido não acredita em espírito nem
ca. Os seres hum anos criaram Deus. Como disse mente. Não há mente, apenas uma reação quím ica
191 criação, visões da

no cérebro. Thom as Hobbes (1 5 8 8 -1 6 7 9 ) definiu existe. Essa visão foi defendida por dois represen­
assim a matéria: tantes clássicos, Parm ênides, do Ocidente (um gre­
go), e Shankara, do Oriente (um hindu).
0 mundo (não quero dizer a terra apenas, que denomi­ P a rm ên id es arg u m en tou que tudo é um (v.
na os seus amantes “homens mundanos”, mas o universo, m o n ism o ), porque supor que mais de uma coisa existe
isto é, toda a massa de todas as coisas que existem) é é absurdo (Parmênides, p. 266-283). Duas ou mais coi­
corpóreo, ou seja, corpo; e tem as dimensões de magnitude, sas teriam de ser diferentes umas das outras. Mas as
a saber, comprimento, largura e profundidade: e todas as únicas maneiras de diferir são por alguma coisa (exis­
partes do corpo também são o corpo, e tém as mesmas di­ tência) ou por nada (inexistência). É impossível dife­
mensões; e conseqüentemente todas as partes do universo rir por nada, iá que diferir por nada (ou inexistência)
são o corpo, e aquilo que não é corpo não é parte do univer­ é apenas outra maneira de dizer que não há diferença
so: e porque o universo é tudo, o que não faz parte dele não nenhuma. E duas coisas não podem ser diferentes por
é nada, e conseqüentemente não está em lugar algum existência porque existência é a única coisa que têm
(Hobbes, p. 269). em comum. Isso significaria que diferem exatamente
naquilo em que são iguais. Logo, é impossível haver
Materialistas menos rígidos admitem a existência duas ou mais coisas; só pode haver um ser. Tudo em
da alma, mas negam que ela possa existir independen­
um, e um em tudo. Nada mais realmente existe.
temente da matéria. Para eles a alma é para o corpo o
Na terminologia da criação, isso significa que Deus
que a imagem no espelho é para quem o olha. Quando
existe e o mundo não existe. Há um Criador, mas não há
o corpo morre, a alma também morre. Quando a maté­
criação. Ou, no mínimo, só podemos dizer que há uma
ria se desintegra, a mente também é destruída.
criação pelo reconhecimento de que a criação vem de deus
Os hum anos não são singulares. Entre os que de­
como um sonho vem de uma mente. O universo é apenas
fendem a criação a partir da m atéria, há diferenças
o que deus pensa. Deus é a totalidade de toda realidade. E
com relação à natureza dos seres humanos. A m aio­
o não-real sobre o que ele pensa e que aparece para nós é
ria concede um status especial aos hum anos, como o
como um zero. É literalmente nada.
ponto mais alto no processo evolutivo. Mas pratica­
Shankara descreveu a relação do mundo para Deus,
mente todos concordam que os hum anos diferem
da ilusão à realidade, pela relação do que parece ser uma
apenas em grau, não em tipo, das formas de vida mais
cobra, mas, por um exame mais acurado, descobrimos
inferiores. Os seres humanos são apenas a forma mais
ser uma corda (v. Prabhavananda, p. 5). Quando olha­
elevada e mais nova da escada evolutiva. Tém habili­
mos para o mundo, o que está ali não é a realidade
dades mais desenvolvidas que os prim atas. Certa­
(Brahman). É apenas uma ilusão (maya).
mente os humanos não são peculiares em relação ao
Da mesma forma, quando uma pessoa olha para
resto do reino anim al, m esm o que sejam os seres
si, o que parece ser (corpo) é apenas uma m anifesta­
mais elevados nele existentes.
ção ilusória do que realmente existe (alm a). E quando
Uma avaliação da criação ex m atéria. Para uma
alguém olha para sua alma, descobre que a profundi­
crítica do dualismo, veja fin ito , d eísm o . A visão ateísta é
dade da sua alma (Atmã) é realmente a profundidade
criticada em a teísm o . Além disso, a evidência a favor
do teísmo é evidência contra um universo e te r n o (v. do universo (B ra h m a n ). A tm ã (h u m a n id a d e) é
C0SM0LÕGIC0, argu m en to ; , argumento c ü s m o l o g i c o
k a l a m
Brahman (Deus). Pensar que não somos Deus é parte
d e ; t e ísm o ). A ciência contemporânea deu argumentos da ilusão ou sonho do qual devemos acordar. Mais cedo
poderosos contra a eternidade da matéria com base ou mais tarde devemos todos descobrir que tudo vem
na teoria cosm ológica do big-bang (v.tb. f v o i u c à o de Deus, e tudo é Deus.
cosmológica ). Panteísmo não-absoluto. Outros panteístas têm uma
Criação ex Deo. Enquanto ateus e dualistas a c r e ­ visão mais flexível da realidade. Ao mesmo tempo que
ditam na criação ex matéria, o panteísmo defende a c r i­ acreditam que tudo é um com deus, aceitam um a
ação ex Deo, a partir de deus. Todos os panteístas p o ­ multiplicidade na unidade de Deus. Acreditam que tudo
dem ser enquadrados em duas categorias: p a n te ís m o é um como todos os raios de um círculo estão no centro
absoluto e não-absoluto. desse círculo, ou como todas as gotas juntam-se numa
Panteísm o absoluto. O panteísm o absoluto a f i r ­ poça infinita. Os representantes dessa visão incluem o
ma que apenas a m ente (ou espírito) existe. O que filósofo neoplatônico do século n, P lotino (205-270), o
cham am os “m atéria” é ilusão, como um s o n h o ou filósofo moderno, Baruch E spinosa (1632-1677), e o con­
um a m iragem . Parece existir, mas na verdade n ã o temporâneo hindu, Radhakrishnan.
criação, visões da 192

Conforme o Panteísmo não-absoluto, há muitas no Eu sou Deus!”. O Senhor Maitreya, considerado por
mundo, mas todas vem da essência de deus. Os mui­ muitos o “Cristo” da Nova Era, declarou por meio de
tos estão no Um, mas o Um não está nos muitos. Isto é, Benjam in Creme, seu agente de imprensa:
todas as criaturas são parte do Criador.Elas vem dele
assim como uma flor vem Elas vem dele assim como Meu propósito é mostrar ao homem que ele não precisa
uma flor vem de uma semente ou fagulhas vêm do mais ter medo, que toda Luz e verdade está dentro do seu
fogo. As criaturas são apenas gotas que se esparramam coração,que quando esse fato simples for conhecido o ho­
da poça Infinita, eventualmente caindo de volta e jun­ mem se tornará Deus.
tando-se ao Todo. Todas as coisas vêm de Deus, são
parte de Deus e se unem de volta a Deus. Tecnicamen­ Uma avaliação d a criação ex Deo. Há várias m a­
te falando, para o panteísta, não há criação, mas ape­ neiras de avaliar a ex Deo. Já que é parte de uma visão
nas uma emanação de todas as coisas de Deus. 0 uni­ panteísta, as críticas ao panteísmo se aplicam a ela.
verso não foi feito do nada (ex nihilo), nem de algo Por exemplo, há uma diferença real entre o finito e o
preexistente (ex matéria). Foi feito de Deus (ex Deo). infinito, o contingente e o necessário, o mutável e o
Elementos importantes dessa visão panteísta das imutável. E já que não sou um Ser necessário e imutá­
origens podem ser resumidos brevemente: vel, então devo ser um ser contingente. Mas um ser
Não há diferença absoluta entre Criador e cria­ contingente é aquele que pode não existir. E tal ser re­
ção. Criador e criação são um. Eles podem ser dife­ almente existe apenas porque foi causado por Deus,
rentes em perspectiva, como os dois lados de um pi­ quando de outra forma não existiria. Em resumo, exis­
res, ou relacionalm ente, como causa e efeito. iMas cri­ te a partir do nada (ex nihilo).
ador e criação não são mais diferentes que o reflexo Segundo, como o argumento cosmológico k a l a m
num lago é diferente do cisne que nada nele. Um é dem onstra, o universo não é eterno. Logo, surgiu. Mas
uma imagem no espelho e o outro a coisa real. Até antes dele existir não era nada. Ou, m ais adequada­
para quem acredita que o mundo é real, Criador e mente, não havia nada (exceto Deus), e depois que ele
criação são apenas dois lados da m esma moeda. Não criou o mundo havia algo (além de Deus). É isso que
há diferença real entre eles. se quer dizer com criação ex nihilo. Portanto, o que
A relação entre Criador e criação é eterna. Os pan- surge (com o o universo surgiu) surge do nada, isto é,
teístas acreditam que Deus causou o mundo, mas in­ ex nihilo.
sistem em que ele sempre o causou, assim com o rai­ C riação ex n ih ilo . Ex nihilo vem do latim e signi­
os brilham eternam ente de um sol eterno. O univer­ fica “a partir do ou do nada”. É a visão teísta das ori­
so é tão antigo quanto Deus. Assim como uma pedra gens que afirm a que Deus criou o universo sem usar
poderia ficar para sempre sobre outra num mundo material preexistente. 0 teísmo declara que só Deus é
eterno, o mundo tam bém poderia ser dependente de e te rn o , que ele c rio u tudo sem u sar m a te ria l
Deus para sempre. preexistente e sem fazer o universo com “pedaços” da
0 mundo éfeito da mesma substância que Deus. Os sua própria substância. Pelo contrário, o universo foi
panteístas acreditam que Deus e o mundo são feitos feito “do nada” (ex nihilo).
da m esm a substância. Ambos são compostos de m a­ A coerência da criação ex nihilo. Alguns críticos
terial divino. A criação é parte do Criador. É uma em afirmam que a criação ex nihilo é um conceito sem
essência com Deus. Deus é água. Deus é árvores. Como sentido. Outros afirmam que não é bíblico, um suple­
Marilyn Ferguson disse, quando leite é derramado no mento filosófico ao pensamento cristão. 0 argumento
cereal, Deus é derramado em Deus (Ferguson, p. 382)! que a criação ex nihilo é incoerente é este:
No final há apenas uma substância, um material no
universo, e é divino. Somos todos feitos dele, então 1. Criar “de” implica material preexistente.
somos todos Deus. 2. Mas a criação ex nihilo insiste em que não
A humanidade é Deus. Se toda a criação é a em a­ havia material preexistente.
nação de Deus, então a hum anidade tam bém é. A 3. Logo, a criação ex nihilo é uma contradição.
teóloga popular do panteísm o da Nova Era, Shirley
M acLaine, acredita que se pode dizer com a m esma Em resposta, os teístas negam a primeira premissa,
veracidade: “Eu sou Deus ”, ou “Eu sou Cristo ”, ou “Eu mostrando que“do nada” é apenas uma maneira positiva
sou o que so u ” (M acLaine, p. 112). No seriado espe­ de afirmar um conceito negativo — “não de algo”. Isto
cial de televisão, “Out on a lim b” (janeiro de 1987), é, Deus não criou o universo com material preexistente.
ela acenou para o oceano e declarou: “Eu sou Deus. O ditado “nada vem do nada” não é absoluto. Significa
193 criação, visões da

T e ís m o A t e ís m o D e ís m o T e ís m o P a n e n t e ís m o P a n t e ís m o P o lit e ís m o

F in it o

Deus U m , in f in it o N enhum U m , in f in it o U m , fin ito U m , p o t e n c ia lm e n t e U m , in f in ito , M ú lt ip lo

e p esso al e pessoal e p e sso al in f in it o , re a lm e n t e im p e s s o a l fin it o

f in it o o u p e sso al e p e sso al

M undo C r ia d o ex E te rn o F in ito o u C r ia d o e x C r ia d o e x m a t é r i a e C r ia d o C r ia d o

n ih ilo , Im a t e r ia h e te rn o m a t é r i a ou e x D e o E te rn o ex D e o , e x m a t é r ia ,
f in it o e v n ih ilo , im a t e r ia l e te rn o

e te rn o

Deus e D e u s a lé m Só m u n d o D e u s a lé m . D eu s no D e u s p o n t e n d a lm e n te D eus é o D eu se s no

M undo d o e no m as não m undo e a lé m d o m u n d o , m undo m undo


u n iv e r s o do m undo a lé m d o e no m undo

m undo re a l m e n te

M ila g r e s P o s s ív e is Im p o s s ív e is P o d e m se r P o d e m se r Im p o s s ív e is Im p o s s ív e l P o s s ív e is e

e re a is p o s s ív e is , m a s p o s s ív e is , r e a is

n ã o r e a is m as não

r e a is

N a tu re za A lm a e C o rp o C o r p o m o r t a l/ C o rp o C o r p o m o r t a l/ C o r p o m o rta l C o r p o m o rta l

hum ana c o rp o m o rta l a lm a im o rta l m o r t a l/ a lm a a lm a im o rta l a lm a im o rt a l a lm a im o rta l

im o r t a is im o r t a l ( a lg u n s )

D e s t in o R e s s u rre iç ã o A n iq u ila ç ã o R eco m p e n sa R eco m p en sa N a m e m ó r ia R e e n ca rn a ç ã o R eco m p en sa

hum ano p a ra o u ju lg a m e n t o e i ou de D eus u n in d o -s e e ju lg a m e n t o

re c o m p e n s a d a a lm a ju lg a m e n t o a D eus d iv in o s
ou ju lg a m e n to d a a lm a

O r ig e m L iv r e -a r b ít r io Ig n o r â n c ia L i\ re -arb ítrio e> N a luta inter­ A s p e c t o n e c e s s á r io Ilu s ã o E m lu ta s e n tre

d o m al hum ana ou ig n o râ n cia na d e D eu s de D eus D eu ses

F im d o S e rá P o d e ser P o d e ser P o d e ser N ã o p o d e ser d erro tad o S e rá a b s o r v id o N ã o se rá


m al d e rro ta d o d e rro ta d o d e rro ta d o p o r d e rro ta d o p o r se re s h u m a n o s por D eus d e rro ta d o
por D eus p o r se re s se re s h u m a n o s p o r se re s ou por D e u s p e lo s d e u s e s
hum anos ou por D e u s hum anos

B ase d a B aseada B a s e a d a na B a s e a d a na B a s e a d a em B ase ad a num B a se a d a em B a se a d a em


é t ic a em D e u s h u m a n i­ n a tu re z a D e u s o u na D e u s m u tá v e l m a n if e s t a ç õ e s d euses
dade h u m a n id a d e m e n o re s de
D eus

N a tu re za A b s o lu t a R e la t iv a A b s o lu t a R e la t iv a R e la t iv a R e la t iv a R e la t iv a
da

é t ic a

H is t ó r ia L in e a r , C a ó t ic a . L in e a r , L in e a r, L in e a r, p r o p o s ita l. c ir c u la r . L in e a r o u

e p r o p o s it a l, se m p r o p o s ita l, p r o p o s ita l, e te rn a ilu s ó r ia , e te rn a c ir c u la r ,

o b je t iv o d e t e r m in a d a o b je t k o , e te rn a e te rn a p r o p o s it a l,

por D eus e te rn a e te rn a
criação, visões da 194

que algo não pode ser causado por nada, não que nada E se há um infinito e um (ou mais) ser(es) fmito(s),
não pode vir depois do nada. Isto é, algo pode ser cria­ então o ser finito não pode ser um Ser Necessário eter­
do do nada,mas não por nada. Deus fez o universo exis­ no. Ele não pode ser necessário já que é limitado nãAüa
tir a partir da inexistência. Ex nihilo simplesmente de­ potencialidade, e qualquer ser com a potencialidade de
nota movimento de um estado de nada para um esta­ não existir não é um Ser Necessário. Não pode ser eter­
do de algo. Não implica que o nada é um estado de exis­ no, já que o que é limitado na sua existência jam ais al­
tência do qual Deus formou algo. Nada (além de Deus) cança a eternidade. Portanto, não poderia ter preexistido
é um estado de inexistência que precedeu o surgimento eternamente ( v . D e u s , e v i d ê n c i a s d e ) .
do universo. Quando ateus e panteístas usam a prepo­ No entanto, se o universo não é eterno, e se Deus não
sição ex eles querem dizer “de” no sentido de uma cau­ pode criar de si mesmo, então não há alternativa. Para
sa material. Com ex um teísta quer dizer uma causa um teísta, a criação ex nihilo fica assim demonstrada.
eficiente. O m eio-dia vem “da m anhã”, depois da m a­ 0 argumento da Primeira Causa. A forma horizon­
nhã, mas não literalmente dela. tal do argumento cosmológico (v. kalam , argumento
A lógica da criação ex nihilo. A base para a criação cosMOLóGico d e ) sustenta que há um princípio do uni­
ex nihilo é dupla: primeiro, as únicas alternativas lógi­ verso material de espaço e tempo. Mas, se o universo
cas são inaceitáveis. Segundo, é a conclusão lógica do tem um princípio, ele nem sempre e x is tiu . Isso elim i­
argumento da Primeira Causa da existência de Deus na a criação ex matéria (de material preexistente), já
(v . COSMOLÓGICO, ARGUMENTO). que não havia nenhum material antes d e a matéria
As três possibilidades. Já foi demonstrado que as cri­ surgir. Não havia nada, e então havia matéria que foi
ações ex Deo e ex matéria são incompatíveis com o c ria d a por D eu s, m as não de alg u m a m a té ria
teísmo. Logo, a criação ex nihilo deve ser verdadeira. preexistente. Em outras palavras, se todo ser finito foi
Em primeiro lugar, o Deus do teísmo não pode criar criado por uma Primeira Causa que sempre existiu,
exDeo. Já que Deus é um ser simples (v. D eu s , n a t u r e z a então “antes” de qualquer ser finito existir não havia
d e ) , ele não pode pegar uma “parte” de si mesmo e fazer nada além da Primeira Causa eterna. Logo, todo ser
o mundo. Simplicidade significa sem divisão ou partes. finito veio a existir a partir da inexistência.
Logo, não há como o mundo criado ser uma parte de Elem entos d a criação ex n ih ilo . A diferença ab­
Deus. Esse ponto de vista é panteísmo, não teísmo. soluta entre Criador e criação. 0 teísmo cristão afirm a
Além disso, o Deus do teísmo é um Ser Necessário, que há uma diferença fundamental entre o Criador e
isto é, um ser que não pode não existir. Ele não pode ser sua criação. As seguintes comparações enfatizarão es­
criado nem deixar de existir. A criação é um ser contin­ sas diferenças.
gente; a criação é um ser que existe, mas pode não exis­
tir. Então, é impossível que a criação seja parte de Deus, Criador Criação
já que ela é contingente e Ele é necessário. Em resumo, n ã o -cria d o criad a

um Ser Necessário não tem elementos desnecessários in fin ito fin ita

de seu ser a partir dos quais possa fazer algo. Pode-se ete rn o tem p oral

dizer que Deus não tem partes que possa partilhar. Se n ece ssário c o n tin g e n te

pudesse ficar sem elas, não seriam necessárias. Se são im u táv el m u táv el

necessárias Ele não pode abrir mão delas. Assim, a cria­


ção ex Deo é impossível para um Deus teísta. Deus e o mundo são radicalmente diferentes. Um é
Além disso, um Deus teísta não pode criar ex o Criador e o outro é a criação. Deus é a Causa e o mun­
matéria. Pois a crença de que há algo eterno fora de do é o efeito. Deus é ilimitado e limitado. 0 Criador é
Deus não é teísm o, m as sim dualismo. Não pode ha­ auto-existente, mas a criação é completamente depen­
ver outro ser infinito além de Deus, já que é im possí­ dente dele para sua existência.
vel haver dois seres infinitos. Se há dois, eles devem Algumas ilustrações podem ajudar a esclarecer a
ser diferentes, e dois seres infinitos não podem ser distinção real entre o Criador e a criação. No p a n t e í s m o ,
diferentes na sua existência, já que são o m esm o tipo Deus é para o mundo o que um lago é para as gotas de
de existência. Dois seres unívocos não podem ser di­ água nele, ou o que um fogo é para as fagulhas que
ferentes na sua existência, já que existência é o pró­ saem dele. Mas no teísmo Deus é para o mundo o que
prio aspecto em que são idênticos. Eles só poderiam o pintor é para uma pintura ou o autor é para uma
ser diferentes se fossem tipos diferentes de seres (v. peça. Enquanto o artista é, de certa forma, manifesto
u m e m u it o s , pr o b l e m a d e ). Logo, não pode haver dois na arte, ele também está além dela. O pintor não é a
seres infinitos. pintura. Seu criador está além, sobre e acim a dela.
195 criação, visões da

0 Criador do mundo o faz existir e é revelado nele; mas Ainda que a palavra hebraica para “criação”, bãra, não
Deus não é o mundo. signifique necessariamente criar do nada (v SI 104.30),
A criação teve um principio. Outro elemento crucial em certos contextos só pode significar isso. Gênesis 1.1
da visão teísta da criação a partir do nada é que o uni­ declara: “No princípio Deus criou os céus e a terra”. Dado
verso (tudo exceto Deus) teve um princípio. Jesus fa­ o contexto de que se fala da criação original, subentende-
lou de sua glória com o Pai “antes que o mundo exis­ se ex nihilo. Da mesma forma, quando Deus ordenou:
tisse” (Jo 17.5). O tempo não é eterno. O universo de “Haja luz”, e houve luz (Gn 1.3), a criação exnihilo estava
espaço e tempo foi criado. O mundo nem sempre exis­ envolvida. Pois a luz, de forma literal, e aparentemente
tiu. O mundo não começou no tempo. O mundo foi o de m aneira instantânea, surgiu onde anteriormente
princípio do tempo. O tempo não existia antes da cria­ não estava.
ção, e então, em algum momento no tempo, Deus criou S a lm o s 148.5 d e c la r a : “ [Os anjos] lo u v e m todos
o mundo. Na verdade, não foi uma criação no tempo, e le s o n o m e d o S e n h o r , pois ordenou e e le s fo r a m
mas sim a criação do tempo. c r ia d o s .
Isso não significa que tenha havido um tempo em Jesus afirmou: “E agora, Pai, glorifica-me junto a ti,
que o universo não existia. Pois não havia tempo an­ com a glória que eu tinha contigo antes que o mundo
tes do tempo começar. A única coisa “anterior” ao tem ­ existisse” (Jo 17.5). Essa frase é repetida em 1 Coríntios
po foi a eternidade. Isto é, Deus existe eternamente; 2.7 e 2 Timóteo 1.9. Obviamente, se o mundo teve um
o universo começou a existir. Logo, ele é anterior ao princípio, então ele nem sempre existiu. Literalmente
mundo temporal ontologicamente (na realidade),mas surgiu da inexistência. Nesse sentido, toda passagem do
não cronologicamente (no tempo). nt que fala do “princípio” do universo supõe criação ex
Dizer que a criação teve um princípio é mostrar nihilo (v. Mt 19.4; Mc 13.19). Romanos 4.17 afirma a
que ele surgiu do nada. Primeiramente ele não existia, criação ex nihilo em termos bem claros e sim ples:“... o
e então passou a existir. Não estava lá, e então apare­ Deus que dá vida aos mortos e chama à existência coi­
ceu. A causa desse surgimento foi Deus. sas que não e x iste m , com o se e x is tis s e m ” . Em
Ilustrando a criação ex nihilo. Realmente não h á Colossenses 1.16, o apóstolo Paulo acrescentou: “Pois
ilustrações perfeitas da criação ex nihilo, Já que é um nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra,
evento singular que não ocorre no nosso cotidiano. Só as visíveis e as invisíveis”. Isso elimina a visão de que o
conhecemos coisas que vem de algo. No entanto, há universo visível é apenas feito de matéria invisível, já
analogias imperfeitas, mas úteis. Uma é a criação de que até o domínio invisível foi criado.
uma nova idéia, que faz surgir algo que não existia an­ Em Apocalipse, João expressou o mesmo pensamen­
tes. Nós literalmente a concebem os ou arquitetamos. to ao declarar: “Porque criaste todas as coisas, e por tua
Nós a criam os, por assim dizer, do nada. É claro que, vontade elas existem e foram criadas” (Ap 4.11).
ao contrário do universo físico, as idéias não são m a­ De Gênesis a Apocalipse, a Bíblia declara a doutri­
téria. Mas, como a criação ex nihilo de Deus, são cria­ na da criação divina de tudo que existe, além dele, a
das por uma inteligência criativa. partir do nada.
Outra ilustração de ex nihilo é um ato de livre-arbí­ Crítica à criação ex nihilo. Há várias implicações
trio, pelo qual o agente livre inicia uma ação que não importantes quanto à criação ex nihilo. A maioria vem
existia. Já que uma livre escolha (v. l i v r e - a r b í t r i o ) é de compreensões erradas desse ponto de vista.
autodeterminada, ela não surgiu de condições anterio­ Ela não implica tempo antes do tempo. Alega-se que
res. Então, quase como ex nihilo, não flui de estados an­ esse ponto de vista implica que havia tempo antes de
teriores. Em vez disso, a livre escolha não é determina­ o tempo começar, já que afirma que o tempo teve um
da por nada; literalmente cria a ação em si. princípio e ao mesmo tempo Deus existia antes (um
Apoio p a ra a criação ex nihilo. Uma das afirma­ termo temporal) de o tempo começar. Essa objeção é
ções extrabíblicas mais antigas sobre a criação conhe­ respondida pelo teísta com a demonstração de que an­
cida pelos arqueólogos, com mais de 4 mil anos de ida­ tes não é usado aqui como um termo temporal, mas para
de, esclarece a afirmação sobre a criação ex nihilo'. “Se­ indicar prioridade ontológica. O tempo não existia an­
nhor do céu e da terra: a terra não existia, tu a criaste, tes do tempo, mas Deus existia. Não havia tempo antes
a luz do dia não existia, tu a criaste, a luz da manhã [ain­ do tempo, mas havia eternidade. Para o universo, a
da] não fizera existir” [Ebla archives, p. 259). A criação inexistência veio “antes” da existência no sentido lógi­
do nada é expressa claram ente fora da Bíblia em co, não no cronológico. O Criador existe desde “antes
2 Macabeus 7.28, que diz: “Olha para os céus e para a dos tempos eternos” só por uma prioridade da nature­
terra e vé tudo que neles há, e reconhece que Deus não za, não do tempo. Deus não criou no tempo; ele execu­
os criou a partir de coisas que existiam”. tou a criação do tempo.
criação e origens 196

Ela não implica que o nada fez algo. As vezes a Criação ex nihilo
criação ex nihilo é criticada como se afirmasse que o A g o st in h o , A c i d a d e d e D e u s.

nada fez algo. É claramente absurdo afirmar que a A n selm o , Prologion.

inexistência produziu existência (v. causalidade, prin­ F ilo , The works ofPhilo.
cipio da). Pois a criação exige uma causa existente, mas T o m á s d e A q u in o , Suma teológica.
a inexistência não existe. Logo, o nada não pode criar
algo. Somente algo (ou alguém) pode causar algo. 0 c ria ç ã o e o rig en s. A palavra hebraica da Bíblia para
nada não causa nada. “criação” (bãrã’) e seu equivalente grego (ktisis) geral­
Em vez do nada produzindo algo, a criação ex nihilo mente são reservados para a origem ou princípios das
afirma que Alguém (Deus) fez algo do nada. Isso está de coisas. Mas, apesar de Deus ter completado seu traba­
acordo com a lei fundamental da causalidade, que exige lho de criação (Gn 2.2; Êx 20.13), ele não terminou
que tudo que surge seja causado. 0 nada não pode criar seu trabalho na criação (Jo 5.17). Acreditar numa cri­
algo, mas Alguém (Deus) pode criar algo além de si mes­ ação teísta e na preservação seguinte do mundo ge­
mo, quando antes não existia. Então, para o teísmo, a cria­ ralmente não é considerado científico atualmente (v.
ção do nada não significa criação pelo nada. ANTRóPico, p r i n c í p i o ; b i g - b a n g ; o r i g e n s , c i ê n c i a d a s ) . Essa
Ela não implica que “nada"é algo. Quando o teísta opinião baseia-se em parte numa má interpretação do
declara que Deus criou “do nada”, ele não quer dizer ensinamento bíblico sobre a criação e providência de
que “nada” era alguma coisa invisível e imaterial que Deus e em parte num preconceito naturalista. É digno
Deus usou para fazer o universo material. Nada signi­ de nota que a maioria dos fundadores da ciência mo­
fica absolutamente nada. Isto é, Deus, e absolutamen­ derna, que certamente tinham um ponto de vista ci­
te nada mais, existia. Deus criou o universo e depois entífico, acreditavam que as evidências do mundo ci­
fez sozinho algo mais existir. entífico indicavam um Criador.
Conclusão. A criação ex nihilo é biblicamente fun­ Esse é um estudo relevante, tanto na busca cientí­
damentada e filosoficamente coerente. É uma verdade fica da verdade quanto na fé cristã. A criação literal do
essencial do teísmo cristão que claramente o distingue universo por Deus é vital ao cristianism o (v. criação ,
das outras cosmovisões, como o panteísmo (ex d eo )eo visõ es da ; evolução ; evolução biológica ). Além das im ­
ateísmo (ex materia). Objeções à criação ex nihilo não plicações para o teísm o em geral, os cristãos encon­
resistem diante de uma averiguação cuidadosa. tram no nt um a relação direta entre a criação literal
de Adão (v. A dão , historicidade de ) e os ensinamentos
Fontes cristãos mais básicos.
Criação ex materia O trabalho de origem de Deus. Há uma diferença
I. A simov , The beginning o f the end. entre o trabalho de Deus na origem do mundo e seu tra­
N. L. G f.isler , Knowing the truth about creation. balho na sua operação. Na m aioria das referências
T. H obbes, Leviatã. bíblicas, não há dúvida de que a palavra criação refere-
A. K e n n y , Five ways. se à origem do universo. Onde um processo pode ser
P. K reeft , Between heaven and hell. sugerido, não está em vista a criação do universo físi­
P. K ustz, Humanist manifestos lan dII. co, mas a propagação da vida animal e humana.
K. M a rx , Marx and Engels on religion, R. N ifburh, A palavra hebraica bãrã’ é usada para a operação
org. do mundo por Deus apenas raramente, como em Sal­
P eatãü , Timeu. mos 104.30 e Amós 4.13. É usada para a origem do
C. S a gan , Cosmos. mundo ou universo em Gênesis 1.1,21,27; 2 .3,4; 5.1,2;
Criação ex Deo 6.7; Deuteronômio 4.32; Salmos 89.11,12; 148.5; Isaías
B. E s pin o sa , Tratado politico. 40.26; 42.5; 43.1,7; 45.8,12; e Malaquias 2 .1 0 .0 grego
M. F erguson , A conspiração aquariana. ktisis refere-se à criação em Marcos 10.6; 13.19; Ro­
N. L. G f.isler , Christian apologetics. manos 1.20; 1 Coríntios 11.9; Efésios 3.9; Colossenses
___ & W. W atkins , Worlds apart. 1.16; 1 Timóteo 4.3; e Apocalipse 3.14; 4.11 e 10.6.
S. M ac L a in e , Dançando na luz. Apalavra bãrã’ no at. Gênesis 1.1 (f. 1.21,27). “No prin­
P a r m e n id e s , Proem , G. S. K irk , e t a l., The presocratic cípio Deus criou os céus e a terra”. Isso obviamente refere-
philosophers. se não ao funcionamento do universo, mas à sua gênese.
PLOTiNO,“ I h e s ix e n n e a d s ” . Gênesis 2.3. “Abençoou Deus o sétimo dia e o santifi­
P rabiiavananda , Os Upanishads: sopro vital do eterno. cou, porque nele descançou de toda a obra que realizara
S. R ad h akrish n an , The Hindu view o f life. na criação”. O fato de que Deus descansou (cessou o ato
197 cnaçao e origens

de criação) e ainda está descansando (Hb 4.4,5) pro­ dúvida refere-se à criação como uma singularidade
va que a palavra criação é usada aqui sobre eventos passada, não um processo regular e observável.
de origem passados, singulares, não repetidos. Marcos 13.19. “Porque aqueles serão dias de tribu­
Gênesis 2.4. “Esta é a história das origens dos céus lação como nunca houve desde que Deus criou o m un­
e da terra, no tempo em que foram criados”. Isso colo­ do até agora, nem jam ais haverá.” Essa é uma referên­
ca o evento da criação no passado. cia inconfundível à criação como ponto de início, não
Gênesis 5.1,2. A criação de Adão e Eva também é um processo de continuação.
mencionada no passado: “Quando Deus criou o ho­ Romanos 1.20. Paulo declarou que “desde a criação
mem, à semelhança de Deus o fez; homem e mulher do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno
os criou. Quando foram criados, ele os abençoou e os poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramen­
chamou Homem”. te, sendo compreendidos por meio das coisas criadas”.
Gênesis 6.7. Deus clama a Noé: “Farei desaparecer 1 Coríntios 11.8,9. A criação original de Adão e
da face da terra o homem q u e criei, os homens e tam ­ Eva literais é vista nos atos pelos quais Deus fez “a
bém os grandes animais e os pequenos e as aves do mulher do hom em ” e “por causa do hom em ”.
céu. Arrependo-me de havê-los feito”. Apesar de pare­ Efésios 3.9; Colossenses 1.16. Efésios fala da cria­
cer referir-se aos seres humanos vivos na época de Noé, ção como uma ação completa e passada, referindo-se
sua criação como raça em Adão (Rm 5.12) foi um even­ ao “Deus, que criou todas as coisas”. Paulo acrescenta
to de origem passado. É claro que Deus continua a pro­ em Colossenses que“todas as coisas foram criadas por
pagação da raça (Gn 1.28; 4.1,25). Mas a criação de ele e para ele [Cristo]”.
Adão foi um evento inicial que não foi repetido. 1 Timóteo 4.3. Em bora alim entos sejam produ­
Deuteronômio 4.32. Moisés disse:“Perguntem, ago­ zidos no presente, a referência aqui é à criação ori­
ra, aos tempos an tigos, antes de vocês existirem, des­ ginal dos alim entos. Isso é evidente pelo uso do tem ­
de o dia em que Deus criou o homem sobre a terra; po aoristo, indicando ação com pleta. Além disso, a
perguntem de um lado ao outro do céu: Já aconteceu frase “para serem recebidos” indica o propósito o ri­
algo tão grandioso ou já se ouviu algo parecido?”. ginal da criação dos alim entos.
Jó 38.4,7; Salmos 148.5. Sobre os anjos o salmista Apocalipse 3.14.0 livro de Apocalipse refere-se à
diz: “Pois ordenou, e eles foram criados”. Jó nos diz criação como obra passada de Deus pela qual as coi­
que os anjos já existiam quando “lancei os alicerces sas com eçaram . João indicou a proem inência de Cris­
da terra”. Então a referência à criação, Salmo, volta ao to desde “o soberano da criação de Deus” (Ap 3.14; v.
princípio. Cl 1.15,18). O exército celestial ao redor do trono de
Salmos 89.11,12. Criação é usada para todas as coisas Deus o louva porque por ele todas as coisas “foram
que Deus fez, que agora são suas e lhe dão glória:“Os céus criadas” (4 .1 1 ). E o anjo jurou por aquele “que criou
são teus, e tua também é a terra; fundaste o mundo e tudo os céus e tudo o que neles há, a terra e tudo o que
o que nele existe, tu criaste o Norte e o Sul; o Tabor e o nela há e o m ar e tudo o que nele há” (10.6; v. 1 4 .7 )”.
Hermon cantam de alegria pelo teu nome”. A criação contínua de Deus. Alguns usos de bãrã e
Isaías 40.26; 42.5; 43.1,7. Deus criou as estrelas, nu- ktisis referem-se ao trabalho contínuo ou à providência
merou-as e nomeou-as, relata Isaías 40.26. Em 42.5 ele de Deus. Ele não deixa de se relacionar com o mundo que
declara que Deus “criou o céu [...] a terra e tudo o que criou. Opera continuamente nele. Sustém sua existência.
dela procede”. (v. tb. Is 45.8,12). Deus criou Jacó e “todo Salmos 104.30. “Quando sopras o teu fôlego, eles são
o que é chamado pelo meu nome” (Is 43.1,7). criados, e renovas a face da terra.”Aqui criar (bãm) é usa­
Malaquias 2.10. Referindo-se à criação da raça do não com relação à geração inicial da vida, mas com
humana, Malaquias diz: “Não temos todos o mesmo relação à sua regeneração contínua. O contexto fala de
Pai? Não fomos todos criados pelo mesmo Deus?”. Deus fazendo “crescer o pasto para a gado, e as plantas
Em bora a raça tenha se propagado desde Adão, a B í­ que o homem cultiva” (v. 14). É Deus quem faz “jorrar as
blia deixa claro que ela foi criada em Adão (Gn 1.27; nascentes nos vales e correrem as águas entre os montes”
v. Rm 5.12). Então a criação da humanidade é vista (SI 104.10) e que traz “trevas, e cai a noite” (v. 20). É um
como um evento de origem. Até Jesus referiu-se a ela Deus que continuamente dá alimento para todos os seres
como um evento que ocorreu quando “no princípio, vivos (v. 28). A ênfase repetida recai sobre a preservação
o Criador os fez hom em e m ulher” (Mt 19.4). de Deus em relação a esse mundo.
A palavra ktisis no xr. Assim como o at , o nt usa Amós 4.13. “Aquele que forma os m ontes, cria o
sistem aticam ente a palavra criação (ktisis ) para re­ vento e revela os seus pensamentos ao hom em , aquele
ferir-se a um evento de origem passado. que transform a a alvorada em trevas, e pisa as m on­
Marcos 10.6. Quando Jesus diz que “Mas no prin­ tanhas da terra; S e n h o r , Deus dos Exércitos, é o seu
cípio da criação Deus ‘os fez homem e mulher”, sem nom e”. Bãm aqui parece ser usado para o trabalho
criação e origens 198

d e D eu s n a su a c ria ç ã o , n ão a p e n a s p a ra su a o b ra d iv id e-se em d u as g ra n d e s c a te g o ria s: c ria r e p re se r­


o rig in a l d e c ria ç ã o . A p a la v ra faz, q u e g e ra lm e n te var (cu id a d o p ro v id e n cia l). E m cad a u m a d e ssas c a ­
a p a re c e a lte r n a tiv a m e n te co m o v e rb o criar (v. Gn te g o ria s h á trê s á rea s de co n tra ste : o a to r (D e u s), seu s
1 .2 6 ,2 7 ; 2 .1 8 ) , é u sa d o e m o u tro s te x to s p a ra d e s c r e ­ a to s e o re su ltad o de seu s ato s. Os atos de D eu s na c r i­
v er a p ro v id ê n c ia c o n tín u a de D eu s (v. SI 1 0 4 .3 ,4 ,1 0 ). açã o e p re se rv a ç ã o p o d em ser co m p a ra d o s.
Outras descrições. D e v á ria s m a n e ira s, a B íb lia apre­ Os atos divinos de criação e preservação. As p a ssa ­
sen ta D eu s tra b alh an d o . A lém de c ria r e fazer, ele está gens b íb licas ap resentad as d eclaram que os atos de Deus
“realizan d o ” e “cau san d o ” as o p eraçõ es da n atu reza. Ele são n e ce ssá rio s p a ra a criação do m u n d o e p ara q u e ele
a sustenta (H b 1 .3 ), conserva (C l 1 .1 7 ), faz existir (Ap continue existindo. Isso p o d e ser fo rm u lad o de v árias
4 .1 1 ) , produz vid a n ela (SI 1 0 4 .1 4 ). E le é a cau sa co n tí­ m a n e ira s q u e d e sta cam n u a n ça s da d istin ção :
n u a da sua e x istê n cia . N ão h averia a realid ad e da c ria ­
ção , p a ssa d a ou presen te, se n ão fo sse D eus. • D eu s crio u o u n iv erso do n a d a e o im p ed e de
Comparando a criação e a providência. O trab alh o v o lta r ao n ad a.
duplo de D eu s — c ria r e p reserv ar o m u n d o — geral­ • D eu s é a cau sa in icia l e a cau sa co n serv ad o ra de
m e n te é a p resen tad o n a m e sm a p a ssa g em , até n o m e s­ tu d o q u e ex iste .
m o v ersícu lo . N ote esses co n trastes reveladores. • D eus estava ativo n a p ro d u ção da vida e é ativo
Deus produziu e ainda produz. G ê n e sis 1.1 diz n a su a rep ro d u ção .
“D eu s c rio u o s cé u s e a te rra ” e m a is ta rd e e stá tr a ­ • D eu s operou n a geração do m u nd o e o governa
b a lh a n d o n a te r r a produzindo “relv a” (v. 1 1 ). A p r i­ a tiv am en te. A p ro v id ên cia re fe re -se m a is e sp e ­
m e ira fo i u m a a çã o de o rig e m ; a se g u n d a , d e o p e ra ­ c ific a m e n te à a d m in is tra ç ã o de D eu s d e tu d o
ç ã o . A m b a s sã o a o b ra d e D eu s. q u e e x iste e a co n tece .
Deus descansou e ainda trabalha. G ên esis 2 .2 d e ­ • D eu s estav a envolvid o n a c ria ç ã o do u n iv erso e
c la ra q u e “D eu s já h av ia co n clu íd o a o b ra q u e re a liz a ­ e stá env olv id o n a su a co n se rv a çã o .
ra, e n esse d ia d e sca n so u ”. M as Jesu s a firm o u q u e D eus • D eu s é re sp o n sáv el p ela c ria ç ã o e o p e ra ç ã o do
“co n tin u a tra b a lh a n d o até h o je ” (Jo 5 .1 7 ). O p rim e iro co sm o .
te x to d e cla ra o in ício de su a o b ra d e c ria ç ã o ; o se g u n ­
do re tra ta a continuação d e su a o b ra n a c ria ç ã o . Isso p o d e se r re su m id o n u m a ta b e la :
Deus lançou os fundam entos da terra e ainda a
fa z produtiva. S a lm o s 1 0 4 .5 d e c la ra a D eu s: “ F ir m a s ­
te a t e r r a s o b r e o s s e u s f u n d a m e n t o s ” . A lg u n s Atos de criação Atos de preservação/
v e rsícu lo s d e p o is D eu s e stá tirando“d a te r r a [ ...] o seu providência
a lim e n to ” (v. 1 4 ). O p rim e iro é u m tra b a lh o d e o r ig i­ Criação do mundo Preservação
n ar, o se g u n d o d e o p e ra r. D eu s faz a m b o s . do mundo
Deus criou o mundo e ainda o sustenta. E m Atos 17.24, Surgimento Continuidade
a s E scritu ras en sin a m qu e D eus “ fez o m u nd o”. Quatro Criação do nada Preservação do
versículos depois, le m o s:“Nele vivem os, nos m o v em o s,e retorno ao nada
existimos” (v. 2 8 ). D eus é a cau sa p assad a da sua criação e Princípio Conservação
ta m b é m é a cau sa presente d a sua existência. Produção Reprodução
Deus criou o mundo e ainda o conserva. C olossenses Geração Administração
1.16 expressa o trab alh o p assad o de D eus co m o aquele Fabricação Manutenção
pelo qual “fo ram criad as to d as as co isas”. O versículo se­ Originar Operar
guinte explica que “nele, tud o subsiste”. O p rim eiro é um
ato de criação. O segun d o é o ato divino de conservação.
Deus fez o universo e ainda o faz existir. E m A poca­ Deus com o autor: causalidade p rim ária e secun­
lipse 4 .1 1 , o apóstolo Jo ão co m p ara as o bras de criação e dária. A o e n fa tiz a r D eu s c o m o Originador e Opera­
preservação de D eus. Ele escreveu: “P or tu a vontade elas dor p rin c ip a l d a c r ia ç ã o , p o d e -s e v er D eu s d ire ta e
existem e foram criadas”. Todas as co isas receberam sua in d ire ta m e n te e n v o lv id o c o m e ste m u n d o d o p r in c í­
existên cia de D eus e ain d a têm existên cia p o r cau sa dele. p io ao fim . A p e sa r d e s e r a Causa P rim ária d e to d a s
A realid ad e da c ria çã o lid a co m o rig en s e o p eração a s c o is a s , D e u s o p e ra p o r m e io d e causas secun dári­
p resen te. O C riad o r é n ece ssá rio , n ão ap en as p a ra criá- as. O q u e g e ra lm e n te c o n s id e ra m o s p ro c e sso s d a n a ­
la, m a s ta m b é m p a ra su sten tá -la. N enh u m retrato da tu re z a s ã o , n a v e rd a d e , a to s in d ire to s d e D e u s p o r
c ria ç ã o está co m p leto se m u m a d essas açõ es. m e io d e c a u sa s s e c u n d á ria s (o u n a tu ra is ). N essa fu n ­
E x p lican d o o tra b a lh o d e Deus. C om o já v im o s, ção , D eu s é a Causa Remota, e as fo rças n atu rais são
o tra b a lh o de D eu s e m re la ção à e x istê n c ia d o m u n d o cau sas próximas d e eventos. O utra m a n e ira de d izer isso
199 criação e origens

é qu e D eu s é a Causa Final e a n atu reza, a cau sa imedia­ p re se n tes, a m b a s a çõ e s d e D eu s, é a b a s e d e d o is tip o s


ta da m a io ria d o s a co n tecim en to s. A relação en tre os de c iê n c ia : c iê n c ia da o rig e m e c iê n c ia d a o p e ra çã o .
d o is p ap éis de D eu s co m o Originador e Operador pode Im p o rtâ n cia cien tífica. Até d ep o is d a m o rte de
ser resu m id a: D an vin , os responsáveis pelo desenvolvim ento d a c iê n ­
cia m o d e rn a e ra m criacio n ista s.p o is acred itavam n a o ri­
gem sobrenatural do universo e da vida. E n tre eles estão:
Diretamente, na Diretamente, na provi­
criação, Deus é: dência, Deus é:
Johann Kepler (15 71 -16 30 ), m ecânica celestial,
Originador Operador
astronom ia física
Fonte Sustentador
Blaise Pascal (16 2 3 -1 6 6 2 ), hidrostática
Criador Conservador
Robert Boyle (16 27 -16 91 ), quím ica, dinâm ica do gás
Produtor Provedor
Xicholas Steno (16 3 8 -1 6 8 7 ), estratigrafia
Indiretamente, Deus é: Agindo por meio de:
IsaacN ew ton (1 6 4 2 -1 7 2 7 ),cálculo,dinâm ica
Causa primária Causas secundárias
M ichael Faraday (17 9 1 -1 8 6 7 ), teoria de cam pos
Causa remota Causas próximas
Charles Babbage (17 9 2 -1 8 7 1 ), ciência da com putação
Causa final Causas imediatas
Louis Agassiz (18 0 7 -1 8 7 3 ), geologia glacial, ictiologia
Comandante original Subautoridades na
Jam es Sim pson (1 8 1 1 -1 8 7 0 ),ginecologia
escala de comando
Gregor Mendel (18 2 2 -1 8 8 4 ), genética
Louis Pasteur (18 2 2 -1 8 9 5 ), bacteriologia
Os resultados. D eus age em seu m u nd o d e duas m a ­
W illiam Kelvin (1 8 2 4 -1 9 0 7 ),energética,term odinâm ica
n eiras: p o r intervenção direta (co m o n a c ria çã o ) e por
ação indireta (co m o n a p reserv ação). A p rim eira é u m a Joseph Lister (18 27 -19 12 ), cirurgia anti-séptica
ação imediata de D eus e a ou tra é u m a ação mediata. As Jam es Clerk Maxwell (18 3 1 -1 8 7 9 ), eletrodinâm ica,
açõ es d iretas de D eu s são instantâneas; as in diretas en ­ term odinâm ica estatística
volvem um processo. E as ações d iv in a s de criação são W illiam Ram say (18 5 2 -1 9 1 6 ), quím ica isotópica
descontínuas com o q u e acon teceu antes. Elas foram e x ­
p eriên cia nihilo ( “do nada” ) (v. criacào, visões da), o u de A lém d e sses fu n d a d o re s d e c a m p o s c ie n tífic o s e
nova (co m p letam en te novas). Por exem plo, ele produziu m a te m á tic o s e sta v a m se u s p re cu rso re s, q u e ta m b é m
algo do nad a, vida da n ão-vid a, e o racional do n ã o -ra ci­ d e fe n d ia m a c r ia ç ã o s o b re n a tu ra l. E n tre ele s e stã o
onal. E ssas são d escontinu id ad es tran sp ostas por um a R o g er B a co n ( 1 2 2 0 - 1 2 9 2 ) , N icolau C o p érn ico ( 1 4 7 3 -
ação direta de D eus (v. evolução biológica). 1 5 4 3 ) e G alileu G alilei ( 1 5 6 4 - 1 6 4 2 ) . C om a lg u m a s e x ­
A lé m d isso , as a ç õ e s de c ria ç ã o de D eu s c a u s a ­ ce çõ e s, os cie n tista s an tes de 1 8 6 0 eram cristã o s. A a fir­
r a m e v e n to s singulares de o rig e m , e n q u a n to su a s m a çã o de N ew ton e xp ressa a cre n ç a d o s c ie n tista s q u e
a ç õ e s de p r e s e r v a ç ã o e n v o lv em u m a repetição de v iv eram d u ra n te os p rim e iro s d o is sé c u lo s e m e io do
e v e n to s. U m a p ro d u z iu singularidades , e a o u tra , re­ Ilu m in ism o :
gularidades. Os e v e n to s da c ria ç ã o o rig in a l não são
observados h o je , m a s a o p e ra ç ã o d iv in a p o d e se r o b ­ Esse esplêndido sistem a do Sol, planetas e com etas só
servada n o p re se n te . O re su lta d o d as a çõ e s de D eu s poderia proceder do conselho e dom ínio de um Ser inteli­
p o d e se r c o m p a ra d o d e sta fo rm a : gente e poderoso. E se as estrelas fixas são os centros de ou­
tros sistem as sem elhantes, elas, sendo form adas pelo m es­
Resultado das ações de Deus mo conselho sábio, devem estar todas sujeitas ao seu dom í­
E s sa d is tin ç ã o e n tre sin g u la rid a d e s p a ssa d a s e nio (X’ew ton,p. 369).

Resultado da Resultado da ação K ep ler d eixo u claro os m o tiv o s p o r q u e fazia c iê n ­


intervenção direta indireta cia q u a n d o escrev eu :
Imediato Mediato
Instantâneo Um processo D eus p e rm ita que m in h a p ra ze ro sa e sp e cu la çã o
Descontínuo com Contínuo com (Mysterium cosmographicum) tenha entre hom ens racionais
o passado o passado o efeito completo que me esforcei em obter na publicação;
Evento singular Repetição de eventos isto é, que a crença na criação do mundo seja fortalecida
Singularidade Regularidades por meio desse apoio externo, que a opinião sobre o Criador
Não observ ado Observado seja reconhecida na natureza e que sua sabedoria inexaurível
brilhe cada vez m ais (citado em Holton, p. 84).
criaçao e origens 200

A lém d o s fu n d a d o res da ciê n cia m o d e rn a serem n e m a c r ia ç ã o sã o c iê n c ia s o p e ra c io n a is. A m b a s o p e ­


criacion istas,o próprio conceito de criação foi u m fator sig­ ra m e m p rin c íp io s de c iê n c ia d a o rig e m (v. origens,
nificativo n o ím peto à ciência. M . B. Foster, ao escrever no ciência das). C ria ç ã o é u m a c iê n c ia — u m a c iê n c ia

fam oso jo rn al Mind, em 1934, observou: d a o rig e m — ta n to q u a n to a m a c ro e v o lu ç ã o .


Importância teológica. É o m u n d o c ria d o q u e
Surge a questão geral: Qual é a fonte dos elementos não- m a n ife sta a g ló ria de D e u s.“Os cé u s d e cla ra m a g ló ria
gregos que foram importados para a filosofia pelos filósofos de D eu s; e o firm a m e n to p ro c la m a a o b ra d as su as
da pós-Reform a e que constituem a modernidade da filosofia m ã o s” (SI 19.1). O sa lm is ta d e cla ro u : “Senhor, S e n h o r
moderna? E [...] qual é a fonte dos elementos não-gregos na n o sso , c o m o é m a je sto so o teu n o m e em to d a a terra!
teoria m oderna da natureza pela qual o caráter peculiar da Tu, c u ja g ló ria é co n ta d a n o s c é u s” (SI 8 .1). D essa a fir­
ciência m oderna da natureza seria determinado? A resposta à m a ç ã o flu i a b a se da a d o ra çã o te ísta.
prim eira questão é: a revelação cristã, e a resposta à segunda O fato d e as c ria tu r a s se re m fe ita s p a ra a d o ra r é
é: a doutrina cristã da criação (Foster, p. 448). e v id e n te e m to d a s as E s c r itu r a s . Jo ã o e sc re v e u q u e
n o cé u a g ló ria d a c r ia ç ã o se rá o te m a d o lo u v or. O s
A passagem para o naturalismo. D ep o is q u e C harles ju s to s c a n ta rã o : “ Tu, S e n h o r e D eu s n o ss o , é s d ig n o
D arwin ( 1 8 0 9 -1 8 8 2 ) p u b lico u A origem das espécies em de re c e b e r a g ló ria , a h o n ra e o p o d e r, p o rq u e c r ia s te
1 8 5 9 , o c e n á rio m u d o u ra d ica lm e n te . A p rin c íp io um a to d a s a s c o is a s , e p o r tu a v o n ta d e e la s e x is te m e fo ­
exp licaçã o n atu ralista d as esp écies se to rn o u d o m in a n ­ ra m c ria d a s ” (A p 4 .1 1 ) .
te (v. naturalismo ). M a s, n o ú ltim o p a rá g ra fo da se g u n ­ P au lo a firm o u q u e e sse m a n d a m e n to d e a d o ra ­
d a e d içã o d e sse liv ro b o m b á s tic o , fo i a cre sc e n ta d a a ç ã o se e ste n d e a to d a h u m a n id a d e e q u e n in g u é m é
n eg a çã o de D a rw in d e in s is tir n u m a e x p lic a ç ã o n a tu ­ re a lm e n te ig n o ra n te q u a n to à n e c e ssid a d e d e a d o ra r
ra lista da o rig e m d o (s ) p rim e iro (s ) s e r(e s ) vivo. Ele ao C ria d o r: “ P o is o q u e d e D eu s se p o d e c o n h e c e r é
escrev eu : “H á g ra n d e za n e ss a v isã o da v id a , c o m seus m a n ife s to e n tre e le s , p o rq u e D eu s lh e s m a n ife sto u .
v á rio s p o d e re s, ten d o sido so p ra d a o rig in a lm e n te pelo P o is d e sd e a c r ia ç ã o d o m u n d o o s a trib u to s in v is í­
C ria d o r e m a lg u m a s fo rm a s ou n u m a s ó ” . A p esa r de v e is de D e u s, se u e te r n o p o d e r e su a n a tu re z a d iv in a ,
D a rw in a cre d ita r q u e a v id a su rg iu n u m “la g u in h o de tê m sid o v is to s c la r a m e n te , s e n d o c o m p re e n d id o s
á g u as m o rn a s” , ele n ã o ten to u u m a e x p lic a ç ã o to ta l­ p o r m e io d a s c o is a s c r ia d a s , d e fo rm a q u e ta is h o ­
m e n te n a tu ra lista d o u n iv erso (v. evolução cósmica), m e n s sã o in d e sc u lp á v e is; p o rq u e , te n d o c o n h e c id o a
e m b o ra se u p o n to de v ista a p o n te n a tu ra lm e n te n essa D e u s, n ã o o g lo r ific a r a m c o m o D e u s, n e m lh e re n ­
d ire ção . P o r fim , ta is e x p lica çõ e s n a tu ra lista s c o m e ç a ­ d e ra m g ra ç a s , m a s o s se u s p e n s a m e n to to r n a r a m -
ra m a d o m in a r. se fú te is e o c o ra ç ã o in s e n s a to d e le s o b s c u r e c e u -s e ”
Falácias do anti-supernaturalismo. O p re c o n c e i­ (R m 1 .1 9 - 2 1 ) .
to n a tu ra lista n a c iê n c ia é d evid o ao a u m e n to do a n ti- Pelo fato de o u n iv erso se r criad o e n ão se r D eu s, é
su p e rn a tu ra lism o d ep o is d a o b ra de B a ru c h E spinosa, id olatria a d o rá-lo o u ad o rar q u a lq u er p a rte dele. O c o s­
q u e a rg u m e n to u in siste n te m e n te q u e m ila g res e ra m m o n ã o é feito de m a terial d iv in o ; foi feito p o r D eu s a
im p o ssív e is, e de D avid Hume, q u e in sistiu q u e o m ila ­ p a rtir do n ad a. V eja a seção so b re c ria çã o ex nihilo em
g ro so é in a cred itá v el. A m b o s o s a rg u m e n to s tê m fa ­ criação, visões da. É u m p ecad o terrível ad o rar e se rv ir a
lh a s, co m o d e m o n stra d o n o a rtig o milagres , argumen ­ “c o isa s e seres cria d o s, e m lu gar do C riad o r” (R m 1.2 5).
tos contra . Por isso a B íb lia co n d en a firm em en te a id olatria. D eu s
N a v e rd a d e, m u ita s c o isa s tê m a co n te c id o n a c i­ o rd en ou : “N ão fa rá s p a ra ti n e n h u m íd o lo , n en h u m a
ê n c ia do fin a l d o sé c u lo xx p a ra fa z e r v o lta r a a te n ­ im a g e m de q u a lq u e r c o isa s n o cé u , n a te rra , ou n as
ç ã o a u m C ria d o r s o b re n a tu ra l, e s p e c ia lm e n te p o r á g u as d e b aix o da te rra ” (Ê x 2 0 .4 ). D eus é tão d iferen te
m e io d a te o r ia d o big-bang, do p rin c íp io a n tró p ic o e do m u n d o q u an to o o leiro é d iferen te do vaso de b arro
d e d e se n v o lv im e n to s n a b io lo g ia m o le c u la r. (R m 9 .2 0 ,2 1 ). A d m ira ção e a d o ração devem ser d adas
Ciência da origem e ciência da operação. L ig ad a à ao A rtesão, n ão ao o b je to feito.
p re ss u p o siç ã o a n ti-s o b re n a tu r a l, a a tu a l re je iç ã o c i­ Importância social/ética. A criação santifica o ca­
e n tífic a d o s p o n to s de v ista c ria c io n is ta s b a s e ia -s e samento. Jesu s situ ou a b a se m o ral do casam e n to na c r i­
n a in c a p a c id a d e de d is tin g u ir e n tre a ciência da op e­ a çã o literal de A dão e Eva. Ao resp o n d er à p ergu n ta: “ É
ração, q u e lid a co m re g u la rid a d e s a tu a is o b s e rv a d a s , p e rm itid o ao h o m e m d iv o rcia r-se de su a m u lh e r p o r
e a ciência da origem, a r e c o n s tr u ç ã o e sp e c u la tiv a de q u a lq u e r m o tiv o ?” (M t 1 9 .3 ), Jesu s d isse: “V ocês n ão
sin g u la rid a d e s p a s s a d a s n ã o o b s e r v a d a s . A p r im e i­ le ra m q u e , n o p rin c íp io , o C ria d o r o s fez ‘h o m e m e
ra é u m a c iê n c ia e m p ír ic a ; a s e g u n d a o p e ra m a is m u lh e r’ e d isse : ‘P or e ssa ra zã o , o h o m e m d e ix a rá pai
c o m o u m a c iê n c ia fo re n s e . N em a m a c ro e v o lu ç ã o e m ã e e se u n irá à su a m u lh er, e o s d o is se to rn a rã o
201 cnaçao e origens

u m a só c a rn e ’? A ssim , eles já n ã o são d o is, m a s sim m u lh er proveio do h o m e m , ta m b é m o h o m e m n asce da


u m a só c a rn e . P o rtan to , o q u e D eu s u n iu , n in g u é m m ulher. M as tud o p rovém d e D eu s” ( IC o 1 1 .9 -1 2 ).
sep a re” (v .4 -6 ). A criação legitima a autoridade do governo. A B í­
A criação confere dignidade aos seres humanos. b lia d e cla ra q u e “n ã o h á a u to rid ad e q u e n ão v en h a de
M oisés d isse que matar seres h u m a n o s era errad o p o r­ D e u s; a s a u to r id a d e s q u e e x is te m fo ra m p o r e le
q u e “^ im ag em de D eu s foi o h o m e m criad o ” (G n 9 .6 ). e sta b e le c id a s” ( R m 1 3 .1 ). E m G ê n e sis 9 .6 , cita d o a c i­
Tiago a crescen to u que am aldiçoar ou tros seres h u m a ­ m a , a im a g e m d e D eu s na h u m a n id a d e c ria d a é tão
n os é erra d o pela m e sm a razão: “C om a lín g u a b e n d i­ im p o rta n te q u e o s a ssa s sin o s d evem se r e x e cu ta d o s.
zem os o S e n h o r e Pai, e com ela a m a ld iço a m o s os h o ­ A p ro te ç ã o da v id a h u m a n a e o ca stig o d a q u eles q u e a
m en s, feitos às se m e lh a n ça de D eu s” (T g 3 .9 ). v io lam to rn o u -s e u m a fu n ç ã o d o go vern o. S e g u n d o o
A criação dá sentido à moralidade. Todos os p rin ­ a p ó sto lo P aulo, “é serv a [au to rid ad e] d e D eu s p a ra o
cíp io s m o ra is (v. moralidade , natureza absoluta da ) e s ­ seu b e m . M as se v o cê p ra tic a r o m a l, te n h a m ed o , p o is
tã o a rra ig a d o s n a p e rfe iç ã o a b so lu ta e n a n a tu re z a ela n ã o p o rta a esp a d a se m m o tiv o ” (R m 1 3 .4 ).
im u táv el de D eu s (v. D e u s , natureza de ). A c ria ç ã o fala A criação estabelece fu n ções e autoridade. A lid e ­
m a is e sp e c ific a m e n te a p rin c íp io s m o ra is re fe re n te s a ra n ç a m a sc u lin a é u m a q u e stã o c o n te n c io s a n a s ig re ­
re la c io n a m e n to s e n tre se re s h u m a n o s c o m o c o -p o r- ja s o n d e o s m e m b ro s d e fe n d em a v isã o b íb lic a d a c r i­
tad o res da im a g e m de D eu s. P or e x e m p lo , a p ro ib iç ã o a çã o . N ão é q u e o s c ristã o s tra d ic io n a is (h o m e n s e m u ­
c o n tra m a ta r o u tro se r h u m a n o e x iste p o rq u e só D eu s lh e re s) s e ja m m is ó g in o s, c o m o o s d e fe n so res d o s d i­
d á e tem o d ireito d e tir a r a v id a h u m a n a (G n 9 .6 ; Jó re ito s d a m u lh e r g e ra lm e n te o s a cu sa m d e ser. V alor
1 .2 1 ). N ão n o s a tre v em o s a faz e r o m e sm o se m a u to ­ ig u al e resp eito d e h o m e n s e m u lh e re s, b e m c o m o u m a
riza ção , p o rq u e n ão c ria m o s a v id a h u m a n a e n ã o a o rd e m q u e e n fa tiz e a lid e ra n ç a m a sc u lin a , sã o e n s i­
p o ssu ím o s. N o ssa re sp o n sa b ilid a d e m o ra l d e p ro teg er n a d o s e m G ê n e sis e a p lica d o s à ig re ja n o n t .
e p re se rv a r a v id a h u m a n a d eriv a d o fato de se r ela P aulo p o stu la esse s p rin cíp io s firm em en te e m 1T i­
c ria d a p o r D eus. m ó te o 2 .1 1 -1 4 : “A m u lh e r deve ap ren d er e m silên cio ,
A criação unifica a humanidade. Deus criou Adão e Eva co m to d a a su jeiçã o . N ão p e rm ito q u e a m u lh e r en sin e,
(G n 1.27) e lhes ordenou que se m ultiplicassem ! 1.28), o n em q u e ten h a au to rid ad e so b re o h o m e m . E steja , p o ­
rém , em silên cio . Porqu e p rim eiro tbi fo rm a d o A dão, e
que realm ente aconteceu (5 .1 ).Todos os seres hum anos são
d ep o is Eva. E A dão n ão foi en gan ad o , m a s sim a m u lh er
seus descendentes (lC r 1.1; Lc 3.3 8). Com b ase na doutri­
q u e, ten d o sid o e n g a n a d a , to rn o u -se tra n s g re sso ra ” .
na da unidade h u m ana nos prim eiros pais, Paulo declara a
C om relação à e stru tu ra de au to rid ad e fam iliar, Paulo
filósofos gregos que, de um , Deus tez todas as nações (At
escreveu : “Q uero, p o rém , q u e e n te n d am q u e o cab e ça
1 7 .2 6 -2 9 ).M alaquias perguntou:“Não tem os todos o m es­
de to d o h o m e m é C risto, é o ca b e ça da m u lh er é o h o ­
m o Pai? Não fom os todos criados pelo m esm o Deus?” (M l
m e m , e o cab e ça de C risto é D eu s [...] Pois o h o m em
10). U m a im plicação dessa unidade criada é que o racism o
n ão se o rig in o u d a m u lher, m a s a m u lh e r d o h o m e m ;
é m oralm ente errado perante o C riador e é incorreto. Há
a lém d isso , o h o m e m n ão foi criad o p o r cau sa da m u ­
apenas um a raça, a raça de Adão, que é dividida em grupos
lher, m a s a m u lh er p o r cau sa d o h o m em ” ( 1Co 1 1 .3 ,8 ,9 ).
étnicos. O casam ento entre esses grupos é perm itido. O ódio
É e v id en te a q u i q u e a o rd e m d e c r ia ç ã o é d ad a
étnico é um ataque direto à criação de Deus.
co m o b a se p a ra a e stru tu ra d e a u to rid a d e d e n tro de
A criação define a igualdade sexual. A d o u trin a da
u m a fam ília .
c ria çã o o p õ e-se a ten tativ as, por p arte de h o m en s ou
Por o rd em de criação e pelo papel de A dão co m o c a ­
m u lh eres, de a firm a r su p erio rid ad e so b re o o u tro sexo.
b eça da aliança entre D eus e a h u m anid ad e, a estru tu ra
A p esar de a cu sa çõ e s terem sido feitas co n tra cristão s de autorid ad e n o lar e na igreja foi estab elecid a através
tra d icio n a is n esse sen tid o , o co m p o rta m en to abu sivo e do h o m em . A respon sabilidade fin al de A dão era de cu m ­
h u m ilh a n te viola o en sin a m e n to d as E scritu ra s. D eus prir as ordens da aliança. Foi seu pecad o qu e trouxe m o r­
d eclara q u e a m b o s os sexos são igu ais p era n te ele: “A te à raça h u m a n a (v., p. ex, R m 5 .1 2 -1 4 ).
im a g em de D eus o crio u ; h o m e m e m u lh er os crio u ” N u m a b re v e m e n ç ã o d e u m a ssu n to co m p le x o ,
(G n 1 .2 7 ). Isso é igu ald ad e em essên cia. Jesu s repetiu d e v e -se e n fa tiz a r q u e e ssa o rd e m n ã o deve se r c o n s i­
essa verdade em M ateus 1 9.4. Da m esm a fo rm a, o a p ó s­ d era d a co m o p e rm issã o p a ra n eg a r a ig u ald ad e e s s e n ­
tolo Paulo o bserv o u a in terd ep en d ên cia en tre h o m e m e cia l e n tre h o m e m e m u lh e r ( v. a c im a ). O p la n o d e D eu s
m u lh er: “A lém d isso , o h o m e m n ão foi criad o por cau sa de fu n ç õ e s d iferen tes n ã o ex p ressa im p o rtâ n c ia o u v a ­
da m u lher, m a s a m u lh er p o r cau sa do h o m e m [...] to ­ lo r relativ o n o co rp o e sp iritu a l d e C risto , o n d e “n ã o h á
davia, a m u lh er n ão é in d ep en d en te do h o m e m , n em o ju d e u n e m greg o , escra v o n em liv re, h o m e m n e m m u ­
h o m e m in d ep en d en te d a m u lher. Pois, a ssim co m o a lh er, p o is to d o s sã o um e m C risto Je su s” (G 1 3 .2 8 ).
criação e origens 202

A criação e a queda estão relacionadas à salvação. querendo que ninguém pereça, m as que todos cheguem ao
R o m a n o s 5 liga e x p re ssa m e n te a red e n çã o à c ria ç ã o arrependim ento. O dia do Senhor, porém , virá com o ladrão.
litera l de A dão: Os céus desparecerão com um grande estrondo, os elem en­
tos serão desfeitos pelo calor, e a terra, e tudo o que nela há,
Portanto, da m esm a form a com o o pecado entrou no será desnudada. Visto que tudo será assim desfeito, que tipo
mundo por um hom em , e pelo pecado a m orte, assim ta m ­ de pessoas é necessário que vocês sejam ? Vivam de m anei­
bém a m orte veio a todos os hom ens, porque todos pecaram ra santa e piedosa, esperando o dia de Deus e apressando a
[...] Se pela transgressão de um só a m orte reinou por m eio sua vinda. Naquele dia os céus serão desfeitos pelo fogo, e
dele, muito m ais aqueles que recebem de Deus a im ensa pro­ os elementos se derreterão pelo calor. Todavia, de acordo com
visão da graça e a dáviva da ju stiça reinarão em vida por a sua prom essa, esperam os novos céus e nova terra, onde
m eio de um único hom em , Jesus Cristo (R m 5.12,17). habita a ju stiça (2 Pe 3.3-13).

N esse texto, o fato da m o rte literal, que aco n tece co m P ed ro c o m p a ra v iv id a m e n te a c ria ç ã o lite r a l do
to d o s os seres h u m a n o s, está d iretam en te ligad o a um m u n d o co m su a d e stru iç ã o lite ra l ev en tu al e a sa lv a ­
A dão literal e sua qu ed a. D a m e sm a fo rm a , p o r c o m p a ­ ção ev en tu al. A v erd ad e d e u m a é in te rd e p e n d e n te d a
ra çã o d ireta, a m o rte literal de C risto e a salvação do o u tra . Isto é, a c o n fia n ç a d o cre n te n a p u rific a ç ã o e
p ecad o estão relacio n ad as c o m esse A dão literal. re sta u ra ç ã o fin a l d a c ria ç ã o b a s e ia -s e n a e v id ê n cia d a
A criação está relacionada à ressurreição. Ao c ita r c ria ç ã o d o u n iv erso .
G ênesis 2 .2 4 , Paulo escreveu e m 1 C o rín tio s 1 5 .4 5 -4 9 : Conclusão. O D eu s da B íb lia é ativo ta n to na ori­
gem q u an to n a conservação d o u n iv erso. E le é a cau sa
Assim está escrito: “O prim eiro hom em , Adão, tornou- de su a criação e a cau sa de sua preservação. O argu m en to
se um ser vivente”; o últim o Adão, espirito vivificante. Não co sm o ló g ico de kalarn é a e v id ên cia d o p rim e iro tipo
foi o espiritual que veio antes, m as o natural; depois dele o de rela ção cau sa l d e D eus co m o un iverso (u m a causa­
espiritual. 0 prim eiro hom em era do pó da terra; o segundo lidade horizontal). E o a rg u m en to co sm o ló g ico tra d ic i­
hom em , dos céus. Os que são da terra são sem elhantes ao o n a l é a ev id ên cia d a causalidade vertical d e D eu s n a
hom em terreno; os que são dos céus, ao hom em celestial. su sten ta ção da e x istê n cia do u n iv erso agora. E sse tip o
Assim com o tivem os a im agem do hom em terreno, terem os de cau salid ad e se op õ e ao d eísm o . A m b o s o s tip o s de
tam bém a im agem do hom em celestial. c a u s a lid a d e a p o ia m a c r ia ç ã o ex nihilo. C ad a u m
c o r r e s p o n d e a u m tip o d e c iê n c ia : a c a u s a lid a d e
P aulo c o m p a ra u m A dão lite ra l e u m C risto lite ra l o rig in a d o ra de D eu s é o o b je to d a ciência da origem (v.
ao e n sin a r o sig n ifica d o da re ssu rre iç ã o lite ra l d e C ris­ origens, ciência das), e su a cau sa lid ad e co n se rv ad o ra é

to. Já qu e C risto é a s p rim íc ia s ( IC o 1 5 .2 0 ) da re ssu r­ o b je to d a ciência operacional.


re iç ã o físic a d o cre n te, a d o u trin a da c ria ç ã o de A dão A c iê n c ia te r ia se d e se n v o lv id o d e o u tra m a n e ir a
e stá lig ad a à re ssu rre iç ã o de C risto e d o s cre n tes. se se u s fu n d a d o re s, d e R o g e r B a c o n e m d ia n te , t i­
A criação está relacionada com a segunda vinda. O v e sse m a p e rsp e c tiv a a te ís ta d e g ra n d e p a rte d a c o ­
a p ó sto lo P ed ro e xo rto u : m u n id a d e c ie n tífic a d o fin a l d o sé c u lo xx. A m a io ria
a cre d ita v a fir m e m e n te n u m a c r ia ç ã o te ís ta p la n e ja ­
Antes de tudo saibam que, nos últim os dias, surgirão d a, c o m le is d is c e rn ív e is , e s ta b e le c id a s p o r u m C ria ­
escarnecedores zombando e seguindo suas próprias paixões. dor. O p re c o n c e ito p ó s -d a rw in ia n o c o n tr a q u a lq u e r
Eles dirão: “O que houve com a prom essa da sua vinda? D es­ e x p lic a ç ã o s o b re n a tu ra l da c ria ç ã o b a s e ia -s e n u m a
de que os antepassados m orreram , tudo continua como des­ c o n fu sã o e n tre c iê n c ia de o rig e m e d e o p e ra ç ã o .
de o princípio da criação”. M as eles deliberadam ente se es­ Na verdade, até a redenção é descrita com o um a nova
quecem de que há muito tempo, pela palavra de Deus, exis­ criação (2C o 5 .1 7 ) ,o que im plica conexão com a “velha”.
tem céus e terra, esta form ada da água e pela água. E pela Até a doutrina de inspiração das Escritu ras (v. Bíblia, evi­
água o mundo daquele tem po foi subm erso e destruído. Pela dências da) flui do fato de que há um D eus que por sim ples

m esm a palavra os céus e a terra que agora existem estão re­ palavras trouxe o universo à existência (p .ex.,G n 1 .3 ,6). O
servados para o fogo, guardados para o dia do juízo e para a apóstolo Paulo declarou que “Deus, que disse: ‘Das trevas
destruição dos ímpios. Não se esqueçam disto, amados: para resplandeça a luz’, ele m esm o brilhou em nossos corações,
o Senhor um dia é com o m il anos, e m il anos com o um dia. para ilum inação do conhecim ento da glória de Deus na
O Senhor não dem ora em cum prir a sua prom essa, com o face de Cristo” (2C o 4 .6 ). Com o sua criação, a Palavra de
julgam alguns. Ao contrário, ele é paciente com vocês, não Deus procede “da b o ca de Deus” (M t 4.4 ).
203 Cristo, divindade de

Fontes Jesus afirmou ser Iavé. Iavé ( yhwh; às vezes ap arece


I. A s im o v , The beginning ot the end. e m tra d u ç õ e s e m p o r tu g u ê s c o m o “ Je o v á ” o u e m
A g o s t in h o , Literary commentary on Genesis. v ersa le te co m o “Senhor” ) é o n o m e esp ecial d ado p o r
___ , On the soul and its origin. D eu s a si m e sm o n o a t . É o n o m e revelado a M oisés em
F. B , Sovum organutn.
a c o n Ê xo d o 3 .1 4 , q u a n d o D eu s d isse: “Eu Sou o q u e Sou ” .
P, S im o n L d e , The system ot the world.
a p l a c e O u tros títu lo s p a ra D eus p o d em se r u sad os p ara seres
M . B. F , “The C hristian d o ctrine o f creation and
o s t e r h u m a n o s, tais co m o ’ãdòn ( “S en h o r” ) em G ên esis 18.12,
the rise o f m odern natural science”, Mind, 1934. o u fa ls o s d e u s e s , c o m o ' e lò h í m ( “d e u s e s ” ) e m
N. L. G e K. A
e is l e r , Origins science.
n d e r s o n D e u tero n ô m io 6 .1 4 . Iavé n o en tan to , refere a p e n a s ao
H. G , D an vin on man.
r u b e r ú n ico D eus verd ad eiro. N enh u m a o u tra p e sso a ou co isa
G . H o l t o n , Thematic origins o f scientific thought. p o d ia ser ad o rad a ou serv id a (Ê x 2 0 .5 ), e seu n o m e e
P. K , Between heaven and hell.
r e e f t su a g ló ria n ão p o d iam se r dad os a outro. Isaías e sc re ­
C. S. L ewis, Milagres. v e u :‘A ssim diz o Senhor [...] Eu so u o p rim e iro e eu sou
K. M a r x , Marx and engels on religion. o ú ltim o ; além de m im n ão h á D eu s” (Is 4 4 .6 ) e: “E u sou
I. N ew ton , General Sholium em Princípios matemáticos. o S enhor; e ste é o m eu n o m e! N ão d a ria a o u tro a m i­
P latão , Timaeus. n h a g ló ria n em a im a g e n s o m e u lo u v o r” (4 2 .8 ).
C. Sagan , Cosmos. Jesus a firm o u se r Iavé. O rou: “E a g o ra, P ai, g lo rift-
T o m As de A quino , On the power o f God. c a -m e ju n to a ti, co m a g ló ria q u e eu tin h a co n tig o a n ­
A. N. W h iteh ead , Science and the modern world. te s q u e o m u n d o e x istiss e ” (Jo 1 7 .5 ). M a s Iavé d o a t
“ n ã o d arei a o u tro a m in h a g ló ria...” (Is 4 2 .8 ). Jesu s ta m ­
criação e preservação. V. criação e o rig en s . b é m d eclarou : “Eu sou o P rim eiro e o Ü ltim o ” (A p 1 .1 7 )
— exa tam en te as p alav ras u sad as p o r Iav é e m Isaías
criacionistas, primeiros. V. criação e orig en s . 4 2 .8 . Ele d isse: “Eu sou o b o m p a sto r” ( Jo 1 0 .1 1 ), m a s o
a t d isse: “Ia v éé m eu p a sto r” (SI 2 3 .1 ). A lém d isso , Jesu s

Cristo, divindade de. A b a s e d o c r is tia n is m o é a a firm o u se r o ju iz de to d o s o s p ovos (M t 2 5 .3 ls .; Jo


c re n ç a d e q u e Je su s C risto é o F ilh o de D e u s, isto é, 5 .2 7 s .), m a s Jo el cita Iavé dizendcc “P ois ali m e a sse n ta ­
D eu s m a n ife s to em c a r n e h u m a n a . A p ro v a d isso é o rei p a ra ju lg ar to d a s as n a çõ es v iz in h a s” (Jl 3 .1 2 ). Da
se g u in te : m e sm a fo rm a , Jesu s falou de si m e sm o co m o o “noivo”
(M t 2 5 .1 ), e o a t id en tifica Iavé d essa fo rm a (Is 6 2 .5 ; Os
1. A verd ad e so b re a realid ad e p o d e se r c o n h e c i­ 2 .1 6 ). O sa lm ista d eclarou : “O Senhor é a m in h a luz” (SI
da (v. VERDADE, NATUREZA; AGNOSTICISMO). 2 7 .1 ) e Jesu s d isse: “Eu sou a luz do m u nd o” ( Jo 8 .1 2 ).
2. O p o sto s n ão p o d e m ser v e rd ad eiro s (v. p l u r a ­ Talvez a reiv in d icação m ais forte qu e Jesus tenh a feito
l is m o r e l ig io s o ; l ó g ic a ). de se r Iavé está em Jo ão 8 .5 8 , o n d e ele diz: “A n tes de
3. D eu s ex iste (v. D eus, evidências de). A b raão n ascer, E u Sou ” . E ssa a firm a çã o reiv in d ica n ão
4. M ila g re s são p o ssív eis (v. m i l a g r e s ) . só e x istê n cia an tes de A braão, m a s igu ald ad e co m o “ Eu
5. O m ila g re é ato de D eu s p a ra c o n fir m a r su a S o u ” de Ê xo d o 3 .1 4 . Os ju d eu s à sua volta en ten d eram
v e rd ad e a firm a d a p elo m e n s a g e iro d e D eu s cla ra m en te seu sign ificad o e p egaram p ed ras p ara m a tá-
(v.MILAGRES, VALOR APOLOGÉTICO DOS; MILAGRES COMO lo p o r b la sfêm ia (v. Jo 8 .5 8 ; 10.31 -3 3 ). A m e sm a a firm a ­
CONFIRMAÇÃO DA verdade ). ç ã o é feita e m M arco s 14.62 e Jo ão 18.5,6.
6. Os d o c u m e n to s do nt são co n fiá v e is (v. Novo Jesus afirmou ser igual a Deus. Jesu s a firm o u se r
TESTAMENTO, CONFIABILIDADE DOCUMENTOS DO; NOVO ig u al a D eu s de v á ria s m a n e ira s. l Tm a d elas foi ao a s ­
T estam ento , m a n u sc r it o s d o ; N ovo T e st a m e n t o , su m ir as p re rro g ativ as de D eu s. E le d isse ao p a ra líti­
HISTORICIDADE DO). co : “F ilh o , o s se u s p e cad o s e stã o p e rd o a d o s” (M c 2 .5 -
7. No n t Jesu s a firm o u se r D eu s. 1 1 ). O s e s c rib a s re sp o n d e ra m c o rre ta m e n te : “Q u em
8. Jesu s provou ser D eu s p o r u m a co n v erg ên cia p o d e p e rd o a r p e ca d o s, a n ã o se r so m e n te D eu s?” . E n ­
in é d ita de m ila g res (v. m i l a g r e s n a B í b l i a ) . tã o , p a ra p ro v ar q u e su a a firm a ç ã o n ã o e ra a p e n a s ja c ­
9. P o rta n to , Jesu s era D eu s e m c a rn e h u m a n a . tâ n c ia , ele cu ro u o h o m e m , o ferece n d o p ro va d ire ta de
q u e o q u e d isse ra so b re p e rd o a r p e ca d o s ta m b é m e ra
Já que os seis prim eiros pontos são tratados n os ver­ verd ad eiro .
betes indicados, este artigo enfatizará os pontos 5 e 6. O u tra p rerro g ativ a q u e Jesu s a ssu m iu fo i o p o d e r
A afirmação de Jesus de ser Deus. Jesu s a firm o u de re ssu sc ita r e ju lg a r os m o rto s:
se r D eu s, d ire ta m e n te e p o r im p lic a ç ã o n e c e ssá ria do Eu lh es a firm o q u e e stá ch e g a n d o a h o ra , e já c h e ­
q u e d isse o u fez. gou , em q u e os m o rto s o u v irã o [...] e sa irã o ; o s q u e
Cristo, divindade de 204

fiz era m o b e m re ssu sc ita rã o p a ra a v id a, e os q u e fiz e ­ (M t 1 5 .2 5 ) , a m ã e d e T ia g o e Jo ã o (M t 2 0 .2 0 ) , o


ra m o m al re ssu sc ita rã o p a ra se re m c o n d en a d o s. (Jo e n d e m o n in h a d o g e ra se n o (M c 5 .6 ) , to d o s a d o ra ra m
5 .2 5 ,2 9 ) . Jesu s se m u m a p a lav ra de rep ro v ação . O s d isc íp u lo s o
E le rem oveu to d a d ú vid a do q u e q u e ria d izer q u a n ­ a d o ra ra m a p ó s su a re ssu rre iç ã o (M t 2 8 .1 7 ) . T om é viu
d o acrescen to u : “Pois, da m e sm a fo rm a q u e o Pai re s­ o C risto re ssu rre to e e x cla m o u : “S e n h o r m e u e D eu s
su scita os m o rto s e lh es dá vid a, o filho ta m b é m dá vida m e u !” (Jo 2 0 .2 8 ) . Is so só p o d e ria se r p e rm itid o p o r
a q u em ele q u e r” ( Jo 5 .2 1 ). M as o at cla ra m en te e n sin a ­ u m a p e sso a q u e se ria m e n te se c o n sid e ra sse D eu s. Je ­
va q u e ap en as D eu s dava a vid a (D t 3 2 .3 9 ; IS m 2 .6 ), su s n ã o só a ce ito u e ssa a d o ra çã o d evid a a p e n a s a D eu s
ressu scitav a os m o rto s (SI 2 .7 ) e era o ú n ico juiz (D t se m rep ro v ar o s q u e a p ra tic a ra m c o m o ta m b é m e lo ­
3 2 .3 5 ; J1 3 .1 2 ). Jesus d eclarou c o ra jo sa m e n te d e te r p o ­ g io u o s q u e re c o n h e c e ra m su a d iv in d a d e (Jo 2 0 .2 9 ; M t
deres que ap en as D eu s p o ssu ía. 1 6 .1 7 ).
Je su s ta m b é m a firm o u q u e d e v e ria s e r h o n ra d o Jesus afirmou ter autoridade igual a de Deus. Jesus
c o m o D e u s. E le e x ig iu “q u e to d o s h o n re m o F ilh o ta m b é m co lo co u su as p alav ras n o m e sm o nível q u e as
c o m o h o n ra m o P ai. A q u ele q u e n ã o h o n ra o F ilh o , de D eu s. “ V ocês o u v iram o q u e foi d ito aos seu s a n te ­
ta m b é m n ã o h o n ra o P ai q u e o e n v io u ” (Jo 5 .2 3 ) . Os p a ssa d o s [...] M as eu lh es digo...” (M t 5 .2 1 ,2 2 ) é re p e ti­
ju d e u s q u e o o u v iam sa b ia m q u e n in g u é m p o d ia a fir ­ d o vez ap ó s vez. “F o i-m e d ad a to d a a au to rid ad e n os
m a r se r ig u a l a D eu s d e ssa m a n e ir a , e n o v a m e n te p e ­ céu s e n a te rra . P o rtan to , v ão e faça m d iscíp u lo s d e to ­
g a ra m p e d ra s (Jo 5 .1 8 ) . d as as n a çõ es ...” (M t 2 8 .1 8 ,1 9 ). D eu s deu o s Dez M a n ­
Jesus afirmou ser o Deus-Messias. Até o Alcorão re ­ d a m e n to s a M o isés, m a s Jesu s d isse: “U m novo m a n d a ­
co n h ece q u e Jesu s era o M essias ( 5 .1 7 ,7 5 ) . M as o at e n ­ m en to lh es dou: A m e m -se u n s a o s o u tro s” (Jo 1 3 .3 4 ).
sin a qu e o M essias v in d ou ro seria o p ró p rio D eu s. P or­ T am b ém d isse: “E n q u a n to e x istire m céu s e te rra .d e for­
tan to , q u an d o Jesus a firm o u ser e sse M essias, ta m b é m m a a lg u m a d esa p arecerá d a L ei a m e n o r letra ou o m e ­
estava a firm a n d o ser D eus. Por exem plo, o pro feta Isaías n o r tra ço , até q u e tu d o se cu m p ra ” (M t 5 .1 8 ), m a s d e ­
(e m 9 .6 ) ch a m a o M essias de “D eu s F o rte” . O sa lm ista p o is, a resp eito de su as p ró p rias p a lav ra s, a firm o u : “Os
escreveu so b re o M essias: “O teu tro n o, ó D eu s, su b siste céu s e a te rra p a ssa rã o , m a s as m in h a s p alav ras ja m a is
p a ra to d o o sem p re” (SI 4 5 .6 ; v. H b 1 .8 ). S a lm o s 110.1 p a ssa rão ” (M t 2 4 .3 5 ). Ao falar d o s q u e o re je ita m , Jesu s
reg istra u m a co nversa en tre o Pai e o Filho: “S e n ta -te à d isse: “A p ró p ria p alav ra q u e p ro feri o co n d en a rá n o
m in h a d ireita” . Jesu s ap lico u essa p a ssa g em a si m e sm o ú ltim o dia” (Jo 1 2 .4 8 ). N ão há d ú vid a d e q u e Jesu s e s ­
e m M ateus 2 2 .4 3 ,4 4 . Na g ra n d e p ro fecia m essiâ n ica de perava q u e su as p alav ras tiv essem a m e sm a au torid ad e
D an iel 7, o Filh o do H o m em é ch a m a d o “a n ciã o ” (v. 2 2 ), q u e a s d e cla ra çõ e s de D eus n o at.
exp ressão u sad a du as vezes n a m e sm a p a ssa g em o n d e Jesus afirmou ser Deus ao autorizar oração em seu
a p are ce D eu s Pai (v. 9 ,1 3 ). Jesu s ta m b é m d isse q u e era nome. Jesu s n ão só in cen tiv o u q u e a s p e sso a s cre sse m
o M essias n o seu ju lg a m e n to p eran te o su m o sacerd o te. nele e o b e d ece sse m ao s seu s m a n d am e n to s, co m o ta m ­
Q u an do p erg u n ta ra m : “V ocê é o C risto, o Filho do D eus b ém au to rizo u q u e a o ra sse m em seu n o m e .“ E eu farei
B en d ito ?” , Jesu s resp o n d eu : “Sou , [...] e vereis o Filho o qu e v o cê s p e d ire m e m m eu n o m e [...] O q u e v o cês
do h o m e m assen tad o à d ireita do P od eroso v in d o co m p e d ire m e m m eu n o m e , eu fa rei” (Jo 1 5 .7 ). Jesu s até
as n uvens do céu” . C om isso, o su m o sacerd o te rasgou in sistiu : “N in gu ém vem ao P ai, a n ã o se r p o r m im ” (Jo
su as vestes e d isse: “P orqu e p re c is a de testem u n h a s? 1 4 .6 ). E m resp o sta a isso, os d iscíp u lo s n ão só o ravam
V o cês o u v ira m a b la s fê m ia ” (M c 1 4 .6 1 -6 4 ). N ão havia em n o m e de Jesu s (IC o 5 .4 ), m a s o ravam a C risto (At
d ú vid a de que, ao a firm a r ser o M essias, Jesu s ta m b é m 7 .5 9 ). Jesu s ce rta m en te q u eria q u e seu n o m e fo sse in ­
a firm o u ser D eu s (v. tb. M t 2 6 .5 4 ; Lc 2 4 .2 7 ). vo cad o p era n te D eu s e co m o D eus na oração .
Jesus afirmou ser Deus ao aceitar adoração. O at p ro ­ A luz d e ssa s fo rm a s cla ra s p elas q u a is Jesu s a fir­
íb e a d o ra r q u a lq u er p e sso a a lém de D eu s (Ê x 2 0 .1 -4 ; m o u se r D e u s, q u a lq u e r o b s e r v a d o r im p a rc ia l d o s
D t 5 .6 - 9 ) . O n t co n co rd a , m o stra n d o q u e seres h u m a ­ e v an g elh o s deve re c o n h e c e r q u e Jesu s de N azaré re a l­
n o s re c u s a ra m a d o ra çã o (A t 1 4 .1 5 ), e ta m b é m os a n ­ m e n te a firm o u ser D eu s em c a rn e h u m a n a . A firm o u
jo s (A p 2 2 .8 ,9 ). M as Jesu s a ce ito u a d o ra ç ã o em v á ria s se r igu al ao Iavé do a t .
o c a siõ e s, m o stra n d o qu e a firm a v a se r D eu s. U m le ­ Supostas aleg ações con trad itórias d e Cristo. A pe­
p ro so cu ra d o o ad o ro u (M t 8 .2 ), e u m g o v ern an te se sa r de C risto d ecla ra r ser D eu s, algu n s crítico s to m am
a jo e lh o u p e ra n te ele c o m u m p ed id o (M t 9 .1 8 ). D e ­ ce rta s a firm a çõ e s de Jesu s co m o n eg a çõ es da d iv in d a­
p o is q u e c e sso u a te m p e sta d e , “en tã o os q u e estav am de. D ois d esses in cid en tes são m u ito cita d o s: n u m , u m
n o b a rco o a d o ra ra m , d iz e n d o :‘V e rd ad eira m en te tu és jo v em g overn an te rico veio a Jesu s e o ch a m o u “B o m
o F ilh o de D e u s!’” (M t 1 4 .3 3 ). U m a m u lh e r c a n a n é ia M estre”. M as Jesus o repreend eu, d izen d o :“Por que você
205 Cristo, divindade de

m e ch a m a b o m ? N in gu ém é b o m , a n ão se r u m , q u e é o “e sp o so ” ( E f 5 .2 8 - 3 3 ; Ap 2 1 .2 ) , “o S u p rem o P a sto r”
D eus” (M c 1 0 .1 7 ,1 8 ; v .M c 1 0 .1 7 -2 7 ; cf. p assag en s p a ra ­ ( I P e 5 . 4 ) , e “o g ra n d e P a sto r” (H b 1 3 .2 0 ) .O p a p el de
lelas, M t 1 9 .1 6 -3 0 ; L c 1 8 .1 8 -3 0 ). re d e n to r d o at (S l 1 3 0 .7 ; O s 1 3 .1 4 ) é d ad o a Je su s n o
n t (T t 2 .1 3 ; Ap 5 .9 ) . E le é v isto c o m o p e rd o a d o r de
M as n o te q u e Jesu s n ão n egou ser D eu s; ele ped iu
q u e o jo v e m e x a m in a s se as im p lic a ç õ e s do q u e d is s e ­ p e ca d o s (A t 5 .3 1 ; Cl 3 .1 3 ; v .S l 1 3 0 .4 ; Jr 3 1 .3 4 ) e “S a l-
ra. Jesu s estav a d izen d o ; “V ocê p e rce b e o q u e está d i­ v ad o r do m u n d o ” (Jo 4 .4 2 ; v. Is 4 3 .4 ) . Os a p ó s to lo s
zen d o q u a n d o m e c h a m a b o m ? E stá re a lm e n te d iz e n ­ ta m b é m e n s in a ra m so b re ele: “C risto Je su s, q u e h á
do q u e so u D eu s?” . É claro q u e o h o m e m n ão p e rc e ­ de ju lg a r o s v iv o s e o s m o r to s ” (2 T m 4 .1 ) . T od o s e s ­
b e u as im p lic a ç õ e s n em de su as a firm a ç õ e s n em do se s títu lo s sã o e x c lu s iv o s d e Ia v é n o a t , m a s sã o
a trib u íd o s a Je su s n o n t .
q u e a lei d izia; a ssim , Jesu s o estav a fo rça n d o a um
Os discípulos consideraram Jesus o Deus-Messias. O
d ilem a m u ito co n stran g ed o r. Ou Jesu s era b o m e D eus,
nt co m eça co m u m a p a ssa g e m q u e co n clu i qu e Je su s
o u era m a u e h u m a n o , p o is to d o ser h u m a n o é m au e
é E m a n u e l (D e u s c o n o s c o ), re fe rin d o -se à p re v isã o
n ão m e re ce vid a e tern a .
m e ssiâ n ic a de Isa ía s 7 .1 4 .0 p ró p rio títu lo “C risto ” tem
O seg u n d o su p osto exem p lo é e n co n tra d o em Jo ão
o m e sm o sig n ific a d o q u e o títu lo h e b ra ic o Messias
1 4 .2 8 , o n d e Jesu s d isse : “0 P ai é m a io r do q u e eu” .
( “u n g id o ” ) . E m Z a ca ria s 1 2 .1 0 , Iavé diz: “O lh arão p ara
C om o p o d e o Pai se r m a io r se Jesu s é igu al a D eus? A
[...] a q u ele a q u e m tra sp a ssa ra m ” . M as os a u to res do
re sp o sta é q u e, co m o h o m e m , Jesu s se su b o rd in o u ao nt a p lica m e ssa p a ssa g em à c ru c ific a ç ã o de Je su s (Jo
P ai e a ce ito u lim ita çõ e s in e re n te s à h u m a n id a d e . E n ­ 1 9 .3 7 ; Ap 1 .7 ). P aulo in te rp re ta Isa ía s 4 5 .2 2 ,2 3 ( “Pois
tã o , o P ai era m a io r q u e o Jesu s humano. A lém d isso , eu so u D eu s, e n ão h á n e n h u m o u tro [...] D ian te de
n a o rd e m da sa lv a ção , o Pai tem u m carg o m a is alto m im to d o jo e lh o se d o b ra rá ; ju n to a m im to d a lín g u a
q u e o Filh o . Jesu s p ro ced eu do P ai co m o o p ro feta que ju ra rá ” ) a p lica n d o o texto a Jesu s: “P a ra q u e ao n o m e
tro u x e as p a lav ra s de D eu s e o su m o sa cerd o te qu e in ­ de Jesu s se d o b re to d o jo e lh o [...] e to d a lín g u a c o n ­
te rc e d e u p elo povo. E m su a e s s ê n c ia n a tu ra l co m o fesse q u e Jesu s C risto é o S e n h o r” (F p 2 .1 0 ,1 1 ) . P aulo
D eu s, Je su s e o Pai são ig u ais (Jo 1 .1; 8 .5 8 ; 1 0 .3 0 ). U m diz q u e to d o s o s se re s c ria d o s c h a m a rã o Je su s d e Mes­
p ai te rre n o é tã o h u m a n o q u a n to seu filh o , m a s tem sias (C ris to ) e Iavé (S e n h o r ).
u m a p o siç ã o m a is alta. A ssim , o P ai e o F ilh o n a T rin ­ Os discípulos atribuíram os poderes de Deus a Je­
d ad e são ig u ais ern essência, m a s d iferen te s em fun­ sus. O b ra s e a u to rid a d e q u e p e rte n c e m a p e n a s a D eu s
ção. D a m e sm a fo rm a , fa la m o s d o p re sid e n te de u m a sã o a trib u íd a s a Je su s p o r se u s d is c íp u lo s . D isse ra m
n a ç ã o co m o ten d o u m carg o d e m a io r d ig n id a d e , m a s q u e ele re ssu sc ito u o s m o rto s (Jo 5 .2 1 ; 1 1 .3 8 - 4 4 ) e
n ã o ten d o m a io r caráter. p e rd o o u p e c a d o s (A t 5 .3 1 ; 1 3 .3 8 ) . D isse ra m q u e foi
N ão p o d e m o s d izer q u e Je su s se co n sid e ra v a in fe ­ o a g en te p rin c ip a l n a c r ia ç ã o (Jo 1 .2 ; Cl 1 .1 6 ) e s u s ­
rio r a D eu s p o r n atu re za . E sse re su m o n o s a ju d a a e n ­ te n ta ç ã o (C l 1 .1 7 ) d o u n iv erso .
te n d e r as d iferen ça s: Os discípulos associaram o nome d e Jesus a o de Deus.
Seu s se g u id o re s u s a ra m o n o m e de Jesu s c o m o ag en te
Jesus e o Pai com o Deus p a ra q u e su as o ra çõ e s fo sse m re ce b id a s e re p o n d id as
(At 7 .5 9 ; 1 Co 5 .4 ) . G e ra lm e n te , n as o ra çõ e s e b ê n ç ã o s,
Jesus é igual... Jesus é subordinado... o n o m e de Jesu s é u sad o co m o de D eu s, co m o e m “A
em sua natureza divina, em sua natureza humana, v o cê s, g ra ça e p az d a p a rte de D eu s, n o sso Pai e do
ern sua essência divina, em sua função humana. n o sso S e n h o r Jesu s C risto ” (G 1 1.3; E f 1 .2 ). O n o m e de
em seus atributos. em seu cargo humano, Jesu s a p a re ce c o m a m e sm a im p o rtâ n cia q u e o de D eu s
em seu caráter divino, em sua posição humana. n as d e n o m in a d a s fó rm u las trin itá ria s; Jesus m a n d o u
b atizar “em n o m e [sin g u lar] do Pai e do Filho e do E sp í­
A afirmação dos discípulos de Jesus ser Deus. rito San to” (M t 2 8 .1 9 ). E ssa a sso c ia ç ã o é feita n o fim de
A lém da a firm a ç ã o de Jesu s so b re si m e sm o , seu s d is ­ 2 C orín tio s (1 3 .1 4 ): “A g ra ça d o S e n h o r Jesus C risto, o
cíp u lo s ta m b é m re c o n h e c e ra m sua a firm a ç ã o da d i­ a m o r de D eu s e a co m u n h ã o do E sp írito S an to se ja m
v in d ad e. M a n ife sta ra m isso de v á ria s m a n e ira s, in c lu ­ com to d o s vo cês”.
in d o -se as se g u in te s: Os discípulos cham aram Jesus de Deus. T o m é v iu
Os discípulos atribuíram títulos de divin dade a as m a rc a s de Je su s e e x c la m o u : “ S e n h o r m e u e D eu s
Cristo. E m c o n c o rd â n c ia co m seu m e s tre , os a p ó s to ­ m e u !” (Jo 2 0 .2 8 ) . P au lo diz q u e Je su s é a q u e le e m
lo s de Je su s o c h a m a r a m “o p rim e iro e o ú ltim o ” (A p q u e m “ h a b ita c o rp o ra lm e n te to d a a p le n itu d e d a d i­
1 .1 7 ; 2 .8 ; 2 2 .1 3 ) , “a v e rd a d eira lu z ” ( Jo 1 .9 ), su a “r o ­ v in d ad e” (C l 2 .9 ). E m T ito , Jesu s é “n o sso g ra n d e D eu s
c h a ” o u “p e d ra ” (1 C o 1 0 .4 ; IP e 2 .6 - 8 ; v. SI 1 8 .2 ;9 5 .1 ) , e S alv ad o r, Je su s C risto ” ( 2 .1 3 ) , e o a u to r de H eb reu s
Cristo, divindade de 20 6

d iz so b re e le : “O teu tro n o , ó D e u s, su b s iste p a ra to d o e m 1 .1 . E le e o u tro s a u to re s d a s E s c r itu r a s c o n s id e ­


o se m p re ” (H b 1 .8 ). P au lo d iz q u e , a n te s d e C risto ra v a m Je su s “o D e u s” , n ã o “u m d e u s” (v. H b 1 .8 ).
e x is tir n a fo rm a d e h o m e m , e x isia “se n d o D e u s” ( Fp O s c r ític o s ta m b é m u s a m C o lo s se n se s 1 .1 5 , o n d e
2 .5 - 8 ) . A s fra s e s p a ra le la s su g e re m q u e , se Je su s e ra P au lo c la s s ific a C risto c o m o “o p rim o g ê n ito de to d a
to ta lm e n te h u m a n o , e n tã o ele ta m b é m e ra to ta lm e n te a c r ia ç ã o ” . Is so p a re c e d e n o ta r q u e C risto é u m a c r i­
D e u s. U m a e x p re s sã o s e m e lh a n te ,“a im a g e m d o D eu s a tu ra , a p rim e ira c ria tu r a d o u n iv e rso . E s s a in te rp re ­
in v is ív e l” re fe re -s e , e m C o lo s se n se s 1 .1 5 , à m a n ife s ­ ta ç ã o ta m b é m é c o n tr á r ia ao c o n te x to , p o is P au lo, e m
ta ç ã o d e D e u s. E s s a d e s c r iç ã o é re fo rç a d a em C o lo sse n se s 1 .1 6 , diz p re c is a m e n te q u e e m C risto “ fo ­
H e b re u s, q u e d iz: “O F ilh o é o re sp le n d o r d a g ló ria de ra m c ria d a s to d a s a s c o is a s ” e e stá p re ste s a d izer q u e
D eu s e a e x p re s sã o e x a ta d o se u ser, su ste n ta n d o t o ­ “a p le n itu d e d a D iv in d a d e ” e s tá n ele ( 2 .9 ) . O te rm o
d a s a s c o isa s p o r su a p a la v ra p o d e ro sa ” ( 1 .3 ) . prim ogênito g e ra lm e n te re fe re -s e a u m a p o s iç ã o de
O p ró lo g o d o e v a n g e lh o d e Jo ã o a firm a c a te g o r i­ p ro e m in ê n c ia n a fa m ília , o q u e c la ra m e n te a co n te c e
c a m e n te : “N o p r in c íp io e ra a q u e le q u e é a P a la v ra . n e ss e c o n te x to (v. 1 .1 8 ). C risto é o h e rd e iro d e to d a s
E le e sta v a c o m D e u s, e e ra D eu s.” (Jo 1 .1 ). as c o is a s , c ria d o r e d o n o . E le v em a n te s d e to d a s as
Os discípulos consideravam Jesus superior aos a n ­ c o isa s.
jos. O s d iscíp u lo s n ã o a cred ita v a m sim p le sm e n te q u e O m e s m o se a p lic a a A p o c a lip s e 3 .1 4 , o u tr o
C risto era m a is q u e u m h o m e m ; a cred ita v a m q u e ele v e rsíc u lo u sa d o p a ra n e g a r a d iv in d a d e d e C risto .
era m a io r q u e q u a lq u e r se r cria d o , a té m e sm o q u e os Jo ã o re fe re -s e a C risto c o m o “o p rin c íp io d a c ria ç ã o
a n jo s . P aulo d iz q u e Je su s e stá “m u ito a cim a de to d o de D e u s” ( r a ) . Isso d á a im p re ssã o d e q u e C risto fo i o
go vern o e au to rid ad e, p o d e r e d o m ín io , e de to d o n o m e p rim e iro se r c ria d o . M a s a q u i o s ig n ific a d o é q u e
q u e se p a ssa m e n cio n a r, n ã o a p e n a s n e sta e ra , m a s C risto é o Soberano, n ã o o princípio d a c r ia ç ã o de
ta m b é m n a qu e h á de v ir” ( E f 1 .2 1 ). O s d e m ô n io s s u b ­ D eu s. A m e s m a p a la v ra g re g a p a ra princípio é u sad a
m e te ra m -s e ao seu c o m a n d o (M t 8 .3 2 ). Os a n jo s q u e p a ra D eu s Pai em A p o c a lip se 2 1 .6 ,7 :
re c u s a ra m a a d o ra çã o de h u m a n o s sã o v isto s a d o ra n ­
d o -o (A p 2 2 .8 ,9 ). O a u to r d e H eb reu s a p re se n ta u m Está feito. Eu sou o Alfa e o ô m ega, o Princípio e Fim. A
a rg u m e n to co m p leto da su p erio rid a d e de C risto a o s quem tiver rede, darei de beber gratuitam ente da fonte da
a n jo s , d izen d o : “P ois a q u al dos a n jo s D eu s a lg u m a vez água da vida. O vencedor herdará tudo isto, e eu serei seu
d is s e :‘Tu és m eu F ilh o ; eu h o je te gerei? [...] E a in d a, Deus e ele será m eu filho.
q u a n d o D eu s in tro d u z o P rim o g ê n ito n o m u n d o , diz:
‘T od os o s a n jo s de D eu s o a d o re m ?” (H b 1 .5 ,6 ). A força do testemunho. H á te ste m u n h o a b u n d a n te
Supostas alegações contrárias à divindade de Cris­ do p ró p rio C risto , e d aq u eles q u e o c o n h ecia m m elh or,
to feita s pelos discípulos. Os c r ític o s o fe re c e m te x to s d e qu e Jesu s a firm o u se r D eu s e q u e seu s segu id ores
p a ra a rg u m e n ta r q u e os d isc íp u lo s de Je su s n ã o a c r e ­ acred itav am se r e ssa a v erd ad e. S e e sse for o ca so , n ão
d ita v a m q u e ele e ra D eu s. Tais te x to s p re c is a m se r h á d ú vid a de que é n isso q u e eles acred itavam . C. S. Lewis
e x a m in a d o s ra p id a m e n te d e n tro do co n te x to . As Tes - o b serv o u , q u an d o d ep a ro u co m a au d á cia d as a firm a ­
te m u n h a s de Jeo v á u s a m Jo ã o 1.1 p a ra m o s tr a r q u e çõ es de C risto, q u e so m o s co n fro n tad o s co m a lte rn a ti­
Je su s e ra “um d e u s” , n ã o “ o D e u s” , p o rq u e n e n h u m vas d iferen tes.
a rtig o d e fin id o o a p a re c e n o greg o . E s sa é u m a m á
i n t e r p r e t a ç ã o t a n t o d a lin g u a g e m q u a n t o d o Estou tentando evitar que se diga a coisa m ais tola que
v e rsíc u lo . No greg o , o a rtig o d e fin id o g e ra lm e n te é m uita gente diz por aí, a respeito de Cristo: “Estou pronto
u sad o p a ra e n fa tiz a r “o in d iv íd u o ” , e, q u a n d o n ã o e stá para aceitar que Jesus foi um grande m estre de m oral, m as
p re se n te , a re fe rê n c ia é à “n a tu re z a ” d o q u e é d e n o ta ­ não aceito a sua prerrogativa de ser Deus”. Eis aí precisa­
do. E n tã o , o v e rsíc u lo p o d e se r tra d u z id o : “E o V erb o m ente o que não podem os dizer. Um hom em que fosse só
e ra d a n a tu re z a d e D eu s” . No c o n te x to d o s v e rsíc u lo s hom em , e dissesse as coisas que Jesus disse, não seria um
se g u in te s e n o re sta n te d o e v a n g e lh o d e Jo ã o (p . e x ., grande m estre de m oral: seria ou um lunático, em pé de
1 .3 ; 8 .5 8 ; 1 0 .3 0 ; 2 0 .2 8 ) , é im p o s sív e l q u e Jo ã o 1.1 s u ­ igualdade com quem diz ser um ovo cozido, ou então será o
g ira q u e Je su s s e ja alg o m e n o s q u e d iv in o . O re s ta n te Dem ônio ( Lewis, p.29).
d o nt u n e -s e a Jo ã o n a p r o c la m a ç ã o d ire ta d e q u e
Je su s é D eu s ( p .e x .,e m Cl 1 .1 5 ,1 6 e T t 2 .1 3 ). E v id ên cia d e q u e Jesu s é Deus. O fato d e Je su s e
A lé m d is s o , a lg u n s te x to s do n t u sa m o a rtig o d e ­ se u s d iscíp u lo s a firm a re m q u e ele era D eu s e m c a rn e
fin id o e c la r a m e n te r e f e r e m - s e a C r is to c o m o “o h u m a n a n ão p rova e m si m e sm o q u e ele é D eu s. A v er­
D e u s” . N ão im p o r ta se Jo ã o u so u o a rtig o d e fin id o d a d eira q u e stã o é se h á a lg u m a b o a ra z ã o p a ra cre r
207 Cristo, divindade de

n e ssa s a firm a ç õ e s. P ara a p o ia r su as a firm a ç õ e s de d i­ 15. se ria levad o ao céu (SI 6 8 .1 8 ; v. At 1 .9 );


v in d a d e , Jesu s d e m o n stro u p o d e r e a u to rid ad e so b re ­ 16. c o lo ca d o a sse n ta d o à d ire ita de D eu s (SI 1 1 0 .1 ;
n a tu ra is q u e são ú n ic o s n a h is tó ria h u m a n a . v. H b 1 .3 ).
Profecias messiânicas cumpridas. H avia dezenas de
p rofecias preditivas n o a i relativas ao M essias (v. profecia E ssa s p ro fe c ia s fo ra m e sc rita s c e n te n a s d e a n o s
c o m o p r o v a d a B í b l i a ) . C onsidere as seguintes previsões, a n tes de C risto n asce r. E las são p re cisa s d e m a is p a ra
feitas séculos antes, de que Jesus: se b a se a re m e m te n d ên cia s lite rá ria s d a é p o ca ou a p e ­
n as e m su p o siçõ es in te lig e n te s, co m o “p ro fe cia s” n u m
1. n a sc e ria de u m a m u lh e r (G n 3 .1 5 ; v. G 14 .4 ); jo r n a l se n s a c io n a lista .
2. n a sc e ria de u m a v irg em (Is 7 .1 4 ; v .M t 1.21 s.) E las ta m b é m sã o m a is p re c is a s q u e a s su p o s ta s
(v. VIRGEM,nascimento ); p ro fe c ia s de M a o m é n o A lcorão (v. A l c o r ã o , su po st a
3. m o rreria 4 8 3 anos após a declaração de recons o r ig e .m d iv in a d o ). A té o s c r ític o s m a is lib e ra is a d m i­
tru ção do tem plo, em 4 4 4 a.C. (D n 9 .2 4 s.; isso foi te m q u e o s liv ro s p ro fé tic o s fo ra m e s c rito s n o m ín i­
cum prid o co m precisão. V H oehner, p. 1 1 5 -3 8 ); m o 4 0 0 a n o s a n te s de C risto , e o liv ro de D a n ie l n o
4. se ria d e sce n d e n te de A b raão (G n 1 2 .1 -3 e 2 .1 8 ; m á x im o em 1 65 a.C . (v. D a n ie l , datação d e ). H á b o a s
v .M t 1.1 e G l 3 .1 6 ); e v id ê n c ia s p a ra d a ta r e sse s liv ro s b e m a n te s (a lg u n s
5. d e sce n d e ria da trib o de Jud á (G n 4 9 .1 0 ; v. Lc sa lm o s e o s p rim e iro s p ro fe ta s d o s sé c u lo s vin e ix
3 .2 3 ,3 3 e H b 7 .1 4 ); а . C .). M a s q u a lq u e r d a ta ç ã o ra z o á v e l c o lo c a e s s a s
6. se ria d e sce n d e n te de D avi (2 Sm 7 .1 2 s.; v. M t o b ra s b e m a n te s de Je su s te r v iv id o . É h u m a n a m e n te
1. 1) ; im p o s sív e l fa z e r p re v isõ e s c la ra s , re p e tid a s e p r e c i­
7. n a s c e r ia e m B e lé m (M q 5 .2 ; v. M t 2.1 e Lc sa s c o m 2 0 0 a n o s de a n te c e d ê n c ia . O c u m p rim e n to
2 .4 -7 ); d e ss a s p ro fe c ia s n o u n iv e rso te ís ta é m ila g ro s o e in ­
8. se ria u n g id o p elo E sp írito S an to (Is 1 1 .2 ; v. M t d ica a c o n fir m a ç ã o d iv in a de Je su s se r o M e s sia s.
3 .1 6 ,1 7 )";
A lg u n s su g e rira m q u e h á a q u i u m a e x p lic a ç ã o
9. se ria a n u n cia d o p o r um m e n sa g e iro (Is 4 0 .3 e
n a tu ra l p a ra o q u e p a re cem se r u n ic a m e n te p re v isõ es
M l 3 .1 ; v .M t 3 .1 ,2 );
so b re n a tu ra is. U m a e x p lic a ç ã o é q u e as p ro fe cia s fo ­
10. rea liz a ria de m ilag res (Is 3 5 .5 ,6 ; v. M t 9 .3 5 ; v.
ra m c u m p rid a s a cid e n ta lm e n te em Jesu s. P or a ca so ,
m il a g r e s va B íb l ia );
ele estav a n o lu g ar c e rto n a h o ra c e rta . M as co m o e x ­
11. p u rific a ria d o te m p lo (M l 3 .1 ; v. M t 2 1 .1 2 s .);
p lic a r as p ro fe cia s so b re m ilag res? “E le fez um cego
12. s e r ia r e je i t a d o p e lo s ju d e u s (S I 1 1 8 .2 2 ;
ver p o r a c a s o ? ” “ R e ssu sc ito u a lg u é m p o r a c a s o ? ” É
v. IP e 2 .7 );
p o u co p ro vável q u e e sse s s e ja m e v e n to s c a s u a is. Se
13. se ria m o rto d e m a n e ira h u m ilh a n te (SI 2 2 e Is
D eu s e stá n o c o n tro le d o u n iv erso , a p ro b a b ilid a d e é
5 3 ; v .M t 2 7 .3 ls s .) ; su a m o rte en v olv eria;
e lim in a d a . A lé m d is s o , é p o u c o p ro v áv el q u e e sse s
a) re je içã o d u ra d o u ra p elo se u p ró p rio
povo (Is 5 3 .3 ; v. Jo 1 .1 0 ,1 1 ; 7 .5 ,4 8 ) ; ev en to s c o n v e rg isse m n a v id a de u m h o m e m . A p ro ­
b ) silê n c io p e ra n te se u s a cu sa d o re s b a b ilid a d e d as 16 p re v isõ es se re m c u m p rid a s e m um
d ) (Is 5 3 .7 ; v .M t 2 7 .1 2 - 1 9 ) ; h o m e m fo i c a lc u la d a e m 1 em K T a S e c o n sid e ra rm o s
c) z o m b a ria (SI 2 2 .7 ,8 ; v .M t 2 7 .3 1 ); 4 8 p re v isõ e s, a p ro b a b ilid a d e é d e 1 em IO 1’7. É p ra ti­
d ) m ã o s e pés tra sp a ssa d o s c a m e n te im p o s s ív e l c o n c e b e r um n ú m e ro tã o a lto
(SI 2 2 .1 6 ; v .L c 2 3 .3 3 ); (S to n e r.p . 1 0 8 ).
e) c ru c ific a ç ã o co m la d rõ es M as n ão é ap en as a im p robabilid ad e lógica que eli­
(Is 5 3 .1 2 ; v .M . 1 5 .2 7 ,2 8 ); m in a essa teoria; é a im p lausibilidade m oral de um D eus
f) o ra çã o p o r seu s p erse g u id o re s T od o-Poderoso e oniscien te d eixar as co isas fugir do seu
(Is 5 3 .1 2 ; v .L c 2 3 .3 4 ); controle de tal fo rm a que tod os os seus plan os de c u m ­
g) p e rfu ra ç ã o de seu lado p rim en to pro fético se ja m a rru in a d o s p o r algu ém q u e
(Z c 1 2 .1 0 ; v. Jo 1 9 .3 4 ); sim p lesm ente estava n o lu gar certo na h ora certa. D eus
h ) se p u lta m e n to n o tú m u lo de um n ão p o d e m entir, n em pode q u ebrar u m a pro m essa (H b
h o m e m rico (Is 5 3 .9 ; v. M t 2 7 .5 7 - 6 0 ) . б . 18). E n tão devem os conclu ir que ele n ão p erm itiu que
i) la n ç a r a so rte p ela s su as vestes suas pro m essas proféticas fossem fru strad as pelo acaso.
(SI 2 2 .1 8 ; v. J o l9 .2 3 ,2 4 ) . Todas a s evid ên cias in d icam q u e Jesus é o cu m p rim en to
14. re ssu rre iç ã o d o s m o rto s (S I 2 .7 e 1 6 .1 0 ; v. At d ivin am en te d esignado d as p rofecias m essiân icas. Ele foi
2 .3 1 e M c 1 6 .6 ); o h o m e m de D eu s, co n firm a d o p elos sin a is de D eus.
Cristo, divindade de 208

Se D eus fez as previsões serem cum prid as na vida de C ris­ Voltem e anunciem a João o que vocês estão ouvindo e
to, n ão p erm itiria qu e fossem cu m p rid as na vida de q u al­ vendo: os cegos vêem , o sm ancos andam , os leprosos são
q u er outro. O D eus da verdade não p erm itiria qu e um a purificados, os surdos ouvem, os m ortos são ressuscitados,
m en tira fosse co n firm ad a (v. m i l a g r e s c o m o c o n f i r m a ç ã o e as boas novas pregadas ao pobres. (M t 11.4,5).
da v erd a d e ).

Uma vida miraculosa e sem pecado. A p ró p ria n atu re­ E ssa realização esp ecial de m ilag res era o sin a l e s ­
za d a vida de Cristo co n firm a su a reiv ind icação de d iv in ­ p ecial de q u e o M essias veio (v. Is 3 5 .5 ,6 ). O líd er ju d eu
dade. V iver u m a vid a p erfeitam en te san ta seria u m feito N ico d em o s até d isse: “M estre, sa b e m o s q u e e n sin a da
grandioso, m a s a firm ar ser D eus e oferecer um a vida santa p a rte de D eus, p o is n in g u ém p o d e realiazar o s sin a is
co m o e v id ên cia é o u tra q u estão . M ao m é n ão o fez (v. m i ra cu lo so s q u e estás fazend o, se D eu s n ão estiv er co m
M a o m é , c a r á t e r d e ) . B u d a ta m b é m n ão , n em q u alq u er ele” ( Jo 3 .2 ). P ara um ju d eu d o sécu lo i, m ilag res co m o
outro líder religioso (v. c r i s t o , s i n g u l a r i d a d e d e ) .Alguns dos os q u e C risto fez e ra m in d ica çõ es cla ra s da ap rovação
in im igos de C risto tro u xeram falsas acu sa çõ es co n tra ele, divin a p ara a m e n sag e m d o p regad o r (v. m il a g r es como
confirm ação da verd a d e ) . M a s,n o c a so de Jesu s,p a rte d es­
m a s o veredicto de Pilatos tbi o veredicto d a h istó ria :“N ão
enco n tro m otivo p ara a cu sar este h om em ” (L c 2 3 .4 ). U m sa m en sag em era q u e ele e ra D eu s e m ca rn e h u m an a.
soldado no Calvário concord ou ,d izendo:“C ertam ente este E n tão, seu s m ilag res co m p ro v am su a a firm a ç ã o d e se r
h o m em era ju sto ” (L c 2 3 .4 7 ), e o ladrão n a cru z ao lado o D eu s verdadeiro.
A ressurreição. N ada igu al a re ssu rre içã o de C risto é
de Jesus disse: “M as este h o m em n ão co m eteu n en h u m
re iv in d ica d o p o r q u a lq u e r o u tra re lig ião , e n en h u m
m al” (L c 2 3 .4 1 ). M as o verdadeiro teste é o que as p esso as
o u tro m ilagre tem ta n ta c o n firm a ç ã o h istó rica . Jesu s
m ais p ró x im as de Jesus d isseram sobre seu caráter. Seus
C risto ressu scito u d o s m o rto s ao te rce iro d ia no m e s­
discípulos viveram e trab alh aram b em p róxim os dele d u ­
m o co rp o físico , a p esar d e tra n sfo rm a d o , em q u e m o r­
ran te três an o s, m a s suas o p in iõ es so b re ele n ão se to rn a ­
reu. No seu co rp o físico ressu scita d o ele a p areceu para
ra m negativas. Pedro ch a m o u -o “cordeiro se m m a n ch a e
m a is de 5 0 0 d iscíp u lo s n u m p erío d o d e 4 0 d ias e c o n ­
sem defeito” (1 Pe 1.19) e acrescen tou: “e n en h u m engano
verso u co m eles (A t 1.3; IC o 1 5 .3 -6 ; v. r e ssu r r e iç ã o , o r ­
foi en co n trad o em sua b o ca ” (2 .2 2 ). Jo ão ch a m o u -o de
dem dos ev e n t o s ). A n atu reza, a e x te n sã o e a q u an tid ad e
“Jesus C risto, o Justo” ( ljo 2.1; cf. 3 .7 ). Paulo expressou a
desses a p a r e c im e n t o s rem ovem q u a lq u er d ú vid a de qu e
cren ça u n ân im e da igreja p rim itiva de que C risto “não
Jesu s r e a lm e n te ressu scito u dos m o rto s n o m e sm o co r­
tin h a pecado” (2C o 5 .2 1 ), e o autor de H ebreus diz que po de carn e e o sso em q u e m o rreu . D u ran te cad a a p are­
foi te n ta d o c o m o u m h o m e m , “p o ré m se m p e cad o ” cim en to , foi v is to e ouvido co m o s sen tid o s n atu rais do
( 4 .1 5 ) . O p ró p rio Jesu s d esa fio u os seu s acu sa d o res: observad or. E m p e lo m e n o s q u atro o casiõ e s foi to cad o
“Q u al d e v o cê s p o d e m e a c u sa r de a lg u m p ecad o ” (Jo ou o fereceu -se p ara ser to cad o. Pelo m e n o s d u as vezes
8 .4 6 ), m a s n in g u é m foi cap az de ju lg á -lo cu lp ad o de re alm e n te foi fisic a m e n te to cad o. Q u atro vezes Jesu s
n ad a. E le p ro ib iu a reta lia ção (M t 5 .3 8 -4 2 ). Ao co n trá ­ a lim e n to u -se co m seu s d iscíp u lo s. Q uatro vezes v iram
rio de M ao m é, ja m a is u sou a esp ad a p a ra esp a lh a r sua seu tú m u lo vazio, e em du as o casiõ e s e le lhes m o stro u
m e n sa g e m (M t 2 6 .5 2 ). A ssim , o caráte r im p ecável de as cica triz es da cru cifica çã o . Ele literalm en te esgotou as
C risto dá testem u n h o duplo da v eracid ad e de sua afir­ m a n e ira s p elas q u a is é p o ssív el p ro v ar qu e re ssu sc i­
m a ção . Isso dá e v id ên cia do q u e ele deu a enten d er, m as tou c o rp o ra lm e n te da se p u ltu ra . N en h u m ev en to n o
ta m b é m n o s a sseg u ra que n ão estava m en tin d o q u a n ­ m u n d o a n tig o tem a co m p ro v a ção de m a i s te ste m u ­
d o d isse D eus. n h a s o cu la re s q u e a re ssu rre iç ã o de Jesu s (v. r e s s u r ­
A lém d o s a sp e cto s m o ra is de su a v id a, a n atu reza r e iç ã o , e v id ê n c ia s d a ).
m ila g ro sa d e seu m in is té rio é a c o n firm a ç ã o d iv in a. O que é m a is im p ressio n an te so b re a re ssu rreiçã o é
Jesu s m ila g res in é d ito s. T ra n sfo rm o u ág u a em v in h o o fato de o at e Jesus terem p revisto qu e ele re ssu scita ria
(Jo 2 .7 s .) , a n d o u so b re a á g u a (M t 1 4 .2 5 ), m u ltip lico u dos m o rto s. Isso d esta ca o valo r ev id en ciai da ressu r­
p ã es (Jo 6 .1 ls .) ,a b r iu o s o lh o s d o s ceg o s (Jo 9 .7 s .), fez re içã o de C risto de fo rm a singular.
o s co x o s a n d a r (M c 2 .3 s .) , e x p u lso u d e m ô n io s (M c Previsão da ressurreição no . O s p r o fe ta s ju d eu s
a t

3.1 l s .) , cu ro u a s m u ltid õ e s d e to d o s o s tip o s de d o e n ­ p reviram a ressu rreição em a firm a çõ es esp ecíficas e pela
ç a s (M t 9 .3 5 ) , in clu siv e le p ra (M c 1 .4 0 -4 2 ), e a té re s­ d ed u ção ló gica. Os ap ó sto lo s a p lica ram texto s esp e cífi­
su scito u o s m o rto s e m v á ria s o c a siõ e s (Jo 1 1 .4 3 ,4 4 ; co s d o a t à ressu rreiçã o de C risto (SI 2 .7 ; cf. H b 1.5 e At
L c 7.11 -1 5 ; M c 5 .3 5 s .). Q u an d o p e rg u n ta ra m se ele era 1 3 .3 3 ). Ped ro diz que, já q u e sa b e m o s q u e D avi m o rreu
o M essia s, u sou se u s m ila g res c o m o e v id ê n cia p a ra e foi sep u ltad o, ele devia esta r falan d o de C risto q u an d o
a p o ia r a a firm a ç ã o , d izen d o : d isse: “p orque tu n ão m e ab a n d o n arás no sep u lcro , n em
209 Cristo, lendas da substituição

p e rm itirá s q u e o teu S a n to s a tra d e c o m p o siç ã o ” (SI R esum o. Jesu s a firm o u se r D eu s e provou isso p ela
1 6 .8 -1 1 , c ita d o em At 2 .2 5 -3 1 ). S e m d ú v id a P aulo u sou co n v e rg ên cia d e trê s c o n ju n to s d e m ila g res in é d ito s:
e ssa s p a ssa g en s e o u tra s sem e lh an tes n a s sin ag og as, p ro fecias c u m p rid a s, u m a v id a m ila g ro sa e su a re s­
q u an d o “... d isc u tiu co m eles c o m b a s e n a s E s c ritu ra s , s u rre iç ã o d o s m o r to s . E s s a c o n v e rg ê n c ia ú n ic a d e
e x p lican d o e p ro v a n d o q u e o C risto d ev eria so fre r e ev en to s so b re n a tu ra is c o n firm a su as a le g a çõ e s d e se r
re ssu c ita r d en tre os m o rto s” (A t 1 7 .2 ,3 ). D eu s e m c a rn e h u m a n a . Isso ta m b é m re sp o n d e à o b ­
O AT ta m b é m e n sin a a re ssu rre iç ã o p o r d ed u ção jeçã o de D avid H um f . d e q u e, j á q u e to d o s o s m ila g res
ló g ica . H á e n sin a m e n to s claro s d e q u e o M e ssia s m o r­ têm re iv in d ic a çõ e s se m e lh a n te s , su a s p ro v as se c a n ­
re ria (cf. SI 2 2 ; Is 5 3 ) e ig u a lm en te ev id en te s d e qu e c e la m m u tu a m e n te . N em to d a s a s re lig iõ e s tê m as
ele te ria u m rein ad o p o lítico d u ra d o u ro e m Je ru sa lé m m e sm a s re iv in d ic a çõ e s d e m ila g re s. A p en a s n o c r is ti­
(Is 9 .6 ; D n 2 .4 4 ; Zc 1 3 .1 ). N ão h á m a n e ira v iáv el de a n ism o seu líd er a firm a p o d e r p ro v ar q u e é D eu s p ela
c o n c ilia r esse s d o is e n sin a m e n to s a n ão se r a d m itir co n v erg ên cia d e ev en to s so b re n a tu ra is ú n ic o s co m o
q u e o M essia s, qu e m o rre ria , v iria a ser re ssu scita d o os q u e Jesu s o fereceu ( v. C r is t o , sin g u l a r id a d e d e ) . D e s­
dos m o rto s p a ra re in a r e te rn a m e n te . N ão h á in d ic a ­ sa fo rm a , só C ris to é c o n fir m a d o m ila g r o s a m e n te
ção n o AT de d o is M essia s, um so fre n d o e o u tro r e i­ co m o D eu s e, p o r ca u sa d isso , só e le d ev e s e r a ce ito
n an d o , c o m o alg u n s teó lo g o s ju d eu s já su g erira m . R e ­ co m o v erd ad eiro e m tu d o q u e e n sin a .
fe rê n c ia s ao M essia s e stã o sem p re n o sin g u la r (c f. Is
9 .6 ; 5 3 .Is .; D n 9 .2 6 ). N en h u m o u tro M essia s é ja m a is Fontes
d esign ad o . F. F. B ru e, c W. J. M artin, "T wo laym en on Christ s
M as Jesu s n ã o h av ia c o m eça d o n en h u m rein ad o d e ity C C I
q u a n d o m o rreu . Só p ela sua re ssu rre içã o a s p ro fecias ). Bi h l et al., Jesus: God,ghost o rg u ru ?
do R e in o m e ssiâ n ic o p o d e ria m se r c u m p rid a s. X. L. G f.isi .er, C h r is t ia n a p o l o g e t i c s .
A p revisão de Jesus sobre sua ressurreição. E m v á ­ ___ e A. Saleeb, A n s w e r in g I s la m .
ria s o c a s iõ e s Je su s ta m b é m p rev iu su a re s s u rre iç ã o
C. Hu d c l S y s t e m a t i c t h e o lo g y ,\ . l.c a p .8 .
d o s m o rto s . N a p rim e ira p a rte do se u m in is té r io ,d is ­
H. \V. H oehner, C h r o n o l o g i c a l a s p e c t s o f t h e life o f
se: “ D e stru a m e ste te m p lo [do m e u c o r p o ], e eu o le ­
C h r is t.
v a n ta re i e m trê s d ia s” ( Jo 2 .1 9 ,2 1 ) . E m M a te u s 1 2 .4 0 ,
C. S. L eu is, C r i s t i a n i s m o p u r o e s im p l e s .
d isse : “ P ois a s s im c o m o Jo n a s e ste v e trê s d ia s e trê s
J. McDvu ell e B. L arson, Jesus — uma defesa bíbli­
n o ite s n o v e n tre de u m g ra n d e p e ix e , a s s im o F ilh o
ca de sua divindade.
do h o m e m fic a rá trê s d ia s e trê s n o ite s n o c o ra ç ã o
R. R hoaI'5, C h r is t b e f o r e t h e m a n g e r .
d a te rra ” . À q u e le s q u e v ira m se u s m ila g re s e a in d a
P. W . S toner, S c i e n c e s p e a k s .
a s s im n ã o c re r a m , d isse : “ U m a g e ra ç ã o p e rv e rs a e
B. B. W arfiei.d, The person and work o f Christ.
a d ú lte ra p e d e u m s in a l m ir a c u lo s o ! M a s n e n h u m s i­
n a l lh e se rá d a d o , e x c e to o sin a l d o p ró p rio Jo n a s ”
C risto , h u m a n id a d e d e. V. C r is t o , d iv in d a d e d e ;
(M t 1 2 .3 9 ; 1 6 .4 ). A p ó s a c o n fis s ã o de P ed ro : “E n tã o
d o c e t ism o .
e le c o m e ç o u a e n s in a r-lh e s q u e era n e c e s s á rio q u e o
F ilh o d o h o m e m s o fre s s e m u ita s c o is a s , fo sse m o rto
Cristo, lendas da substituição da m o rte de. A m o rte
e trê s d ia s d e p o is re ssu sc ita sse .” (M c 8 .3 1 ). Is so se to r­
n o u u m a p a rte c e n tr a l d o se u e n s in a m e n to d e ss e e ressu rreiçã o de C risto são a b so lu tam en te c ru cia is à
p o n to a té su a m o rte (M t 2 7 .6 3 ; M c 1 4 .5 9 ). A lé m d is ­ verdade do c ristia n is m o h istó ric o (1 Co 15.1 -4) . Na ver­
so , Je su s e n sin o u q u e re s s u s c ita r ia d o s m o rto s , d i­ dade, a co m p ro v ação o u refu ta ção do c ristia n is m o o r­
z en d o so b re su a v id a : “ T en h o a u to rid a d e p a ra d á -la todoxo d ep en d e d o fato d e C risto te r ressu scita d o co r­
e p a ra re to m á -la ” (Jo 1 0 .1 8 ). p o ra lm en te dos m o rto s (R m 1 0 .9 ; IC o 1 5 .1 2 - 1 9 ) .M as,
O filó so fo d a c iê n c ia K arl P o p p er a rg u m e n to u q u e, se C risto n ão m o rreu , ce rtam en te n ão ressu scito u dos
se m p re q u e u m a “p re v isão a rris c a d a ” é cu m p rid a , é m o rto s. U m a d as m a n e ira s p elas q u ais o s c é tico s (v.
co n sid e ra d a c o n firm a ç ã o d a te o ria q u e a p rev iu . A s- AGxosTicisMo) e crítico s (v. B íblia , crítica da) d o c ristia n is­
' sim , o c u m p rim e n to d a p re v isão de Je su s so b re a p ró ­ m o ten tam evitar a verdade da ressu rreição (v. ressurrei­
ç ã o , e v i d ê n c i a s d a ) é su por qu e algu m a ou tra p esso a su b s­
p ria re ssu rre iç ã o é a c o n fir m a ç ã o de su a a firm a ç ã o
d e se r D eu s. P ois o q u e se ria m a is a rris c a d o q u e p re ­ tituiu Jesus na cru z n o ú ltim o instante.
v er su a p ró p ria re ssu rre içã o ? S e a lg u é m n ão a ce ita r Lendas de substituição. F orm as da lenda de su b s­
e ssa s lin h a s de e v id ê n cia co m o p rova da a firm a ç ã o de tituição foram oferecidas já no século n p or opon en ­
C risto , tem um p re co n ce ito ta l q u e n ã o a ce ita rá co isa tes do cristia n ism o com o exp licação altern ativa d a
a lg u m a co m o e v id ên cia . afirm ação cristã de que Cristo m orreu e ressuscitou
Cristo, lendas da substituição 210

d o s m o rto s. M as a e v id ê n c ia fa c tu a l d a m o rte d e C ris­ Lendas islâmicas de substituição. Os m u çu lm a n o s


to n a cru z é su b s ta n c ia l, e é co m p ro v a d a se m q u a l­ fo ra m a tra íd o s p ela id éia de q u e Ju d as o u S im ã o de
q u e r cre n ç a te o ló g ica . C irene m o rrera m n a cru z n o lu gar de Jesus. U m a teoria
A le n d a da su b s titu içã o a tu a lm e n te é m a is e n s i­ op o sta de que ele d esm aio u n a cru z e foi tirad o aind a
n ad a e n tre o s m u ç u lm a n o s; p o rta n to , su a v isã o se rá vivo n ão refo rça tal h ip ó tese. A l-T ab ari, fam o so h isto ri­
re sp o n d id a n e ss e a rtig o . E s sa re sp o sta in clu i n e c e s s a ­ ad or e co m en ta rista m u çu lm a n o do Alcorão, relata qu e
ria m e n te u m a e x p lic a ç ã o d a p o siç ã o d o c ristia n is m o W ahab B. M u n ab ih , q u e viveu p o r volta do an o 7 0 0 , p ro ­
so b re salv ação à luz d a cru z. O esfo rço e m d efen d er a pagou a m e n tira de qu e um a fo rm a h u m a n a , n ão u m a
in teligibilid ad e h istó ric a e teo ló g ica d a m o rte de C risto p esso a, foi su b stitu íd a. Sua versão é relatad a:
é em p reend id o p arcialm en te n o artigo geral C risto , morte
de e n o a rtig o relacio n ad o aos p ro b le m as islâ m ico s e Eles o trouxeram à cruz onde pretendiam crucificá-lo, mas
lib era is co m a cru cifica çã o , C risto , objeções morais à mo r ­ Deus o levou para si e um simulacro foi crucificado no seu
t e de . 0 co n teú d o seg u in te su p õe e sse co n teú d o e te n ta ­ lugar. Ele ficou ali durante sete horas, e depois sua m ãe e ou­
rá e v ita r rep eti-lo . tra m ulher que ele havia curado de loucura vieram chorar por
Razões para rejeitar a morte de Cristo. P or u m lado, ele. M as Jesus veio a elas e disse:“Deus me levou para si, e esse
a in d isp o siç ã o is lâ m ic a d e a c e ita r o ev en to h istó ric o é apenas um simulacro” (Abdul-Haqq, p. 135-6).
d a m o rte d e C risto é e stra n h a . A lé m d e h av e r a u sê n cia
to tal de e v id ên cia s p a ra u m a su b stitu içã o , o isla m ism o O u tro exem p lo d a c re sc im e n to d e ssa tra d iç ã o le n ­
ta m b é m e n sin a q u e d á ria é a te o ria d e T h a la b i, q u e viveu u n s 3 0 0 a n o s
d ep o is d e M u n a b ih . A fo rm a d e Je su s foi c o lo c a d a e m
1. Je su s m o rre ria (su ra ta 3 .5 5 ; cf. 1 9 .3 3 ). Ju d a s, q u e o tra iu , e o c ru c ific a ra m , su p o n d o q u e era
2 . Je su s re ssu sc ita ria d o s m o rto s (1 9 .3 3 ). Je su s. D ep o is de trê s h o ra s D eu s lev o u Je su s p a ra si ao
3 . O s d isc íp u lo s de Je su s q u e te ste m u n h a ra m cé u (v. B ru ce , p. 1 7 9 ).
o s ev en to s c re ra m q u e e ra Je su s, n ã o o u tra M a is re c e n te m e n te , A. R . D o i o ferece a h ip ó te s e de
p e sso a q u e fo ra c ru c ific a d a n o seu lugar. q u e, q u a n d o o s so ld ad o s ro m a n o s v ie ra m c o m Ju d as
4. O s so ld ad o s ro m a n o s e o s ju d e u s a cre d ita p a ra p re n d e r Je su s,“o s d o is ju d e u s se c o n fu n d ira m n o
v a m q u e e ra Je su s de N azaré q u e ele s c ru c ifi­ e scu ro , e o s so ld a d o s p re n d e ra m Ju d as em vez d e Je­
c a ra m . su s. E n tã o Jesu s foi salv o e levad o ao cé u ” (D o i, p. 2 1 ).
5. Je su s fez m ila g re s, in clu siv e re ssu sc ita n d o C om o e v id ê n c ia , o s m u ç u lm a n o s g e ra lm e n te c ita m o
p e sso a s dos m o rto s. e sp ú rio E vascelho oe Barnabé.
A base inadequada. A s le n d a s d e s u b s titu iç ã o
Se tudo isso é aceito pelos m u çu lm an o s, então n ão sim p le sm e n te n ã o são d ig n a s d e c ré d ito d o p o n to de
h á razão p ara rejeitar o fato de Jesus ter m o rrid o na cruz, v ista h istó ric o .
n em que ressu scitou dos m o rto s três dias depois. E las co n tra d iz e m o re g istro e x iste n te do te ste m u ­
Primeiras lendas de substituição. L en d as de su bstitu i­ n h o o c u la r de q u e Je su s de N azaré foi c ru c ific a d o (M t
ção n ão são exclusivas do islam ism o. A lguns dos p rim e i­ 2 7 ; M c 14; Lc 2 3 ; Jo 1 9).
ros op onentes do cristia n ism o ofereceram especulações E la s sã o c o n tr á r ia s ao s p rim e iro s te ste m u n h o s
sem elh an tes. Segundo o pai da igreja do século n, Frenaco, e x tra b íb lic o s ju d e u s, ro m a n o s e sa m a rita n o s (H a b e r-
Basílide, o gn óstico (v. gkosticismo ) ensinou que “na c ru ­ m a s, p. 8 7 -1 1 8 , B ru ce , p. 3 1 ; v. resumo em arqueologia
cifica çã o , ele [Jesu s] m u d o u de fo rm a co m S im ão de do Novo T esta m en to ; C r isto , mo rte d e ). A p e sa r do fato
C irene que carregou a cruz. Os ju d eu s co n fu n d iram Si­ de to d o s e sse s au to res te re m sid o o p o n e n te s do c r is ti­
m ão com Jesus e o pregaram na cruz. Jesus ficou rid icu ­ a n ism o , eles co n c o rd a m q u e Jesu s de N azaré foi c r u c i­
larizan d o o erro deles antes de su bir ao céu” (Lígh tfoot,p, ficad o so b o c o m a n d o de P ô n c io P ila to s. N ão h á n e ­
1 56 ss.). No século m, M an i da P érsia, fu n d ad or da reli­ n h u m v estíg io de te ste m u n h o co n trá rio n o sécu lo i p o r
gião m an iq u eísta, ensinou que o filho da viúva de N aim , a m ig o s ou in im ig o s do c ristia n is m o .A s p rim e ira s le n ­
que Jesus ressu scitara dos m o rto s, foi m o rto em seu lu ­ d as de su b stitu içã o c o m e ç a m p o r volta de 150 d.C e n ­
gar. Segu n d o ou tra tra d ição m an iq u eísta, o diabo, que tre p e sso a s m u ito in flu e n cia d a s p elo g n o s tic ism o . N e­
estava tentand o cru cifica r Jesus, foi a v ítim a dessa troca. n h u m a b a s e ia -s e e m e v id ên cia s de te ste m u n h a s o c u ­
Fó cio (c. 8 2 0 -8 9 5 ) referiu -se, em suas obras, a um livro la res ou c o n te m p o râ n e a s d o s ev en to s.
apócrifo, As viagens de Paulo, que dizia que outra pessoa E las são im p lau sív e is, p o is ex ig em ig n o râ n c ia to ­
fora cru cificad a n o lugar de Jesus (A bdu l-H aqq, p. 136). ta l p o r p a rte dos q u e e sta v a m m a is p ró x im o s de Jesu s,
211 Cristo, lendas da substituição

seu s d iscíp u lo s e o s ro m a n o s. S u p õ e m q u e Jesu s d isse A b d a lati diz q u e o fato de


a su a m ã e e a o u tra m u lh e r q u e a lg u ém p a re cid o co m
ele fo ra c ru c ific a d o e q u e elas n ã o in fo rm a ra m o s d is ­ ele [Jesus] ter ressuscitado em alm a e corpo ou em alm a
cíp u lo s n e m os c o rrig ira m q u a n d o fo ra m p reg a r d ili­ apenas depois de ter um a m orte natural não influencia a fé
g e n te m e n te , so b a m e a ç a de m o rte , q u e Je su s h avia islâm ica. Não se trata de um Artigo da Fé, pois o que é im ­
m o rrid o e re ssu scita d o d o s m o rto s. portante e fundam ental para um m uçulm ano é o que Deus
Já q u e a m a io ria dos m u çu lm a n o s rejeita o fato da revela; e Deus revelou que Jesus não foi crucificado, m as sim
cru cifica çã o e m o rte de C risto, eles tê m g ra n d e d ificu l­ levado a ele (v.Abdalati, p. 159).
dade em exp licar o s a p are cim en to s ap ó s a ressu rreição
e a a scen sã o de C risto. Já q u e crê e m q u e C risto era a p e ­ E le m e n c io n a a su ra ta 4 .1 5 7 (c ita d a a n te rio rm e n ­
n as u m ser h u m a n o , a ceita m o fato d a m o rta lid ad e de te ). A m a io ria d o s m u ç u lm a n o s, n o e n ta n to , a cred ita
C risto. A cred itam que Jesu s se rá ressu scita d o com to ­ q u e Jesu s re ssu sc ita rá fisic a m e n te d o s m o rto s n a re s ­
dos os outros seres h u m a n o s, m a s, dep ois de rejeitar sua su rre iç ã o geral n o ú ltim o d ia. N ada m a is é e sse n c ia l à
m o rte n a cru z, são fo rçad o s a e n co n tra r alg u m a ou tra fé islâ m ic a . P o rta n to , re je ita r a m o rte d e Je su s p o r c r u ­
e xp licação p ara a m o rte de C risto. c ific a ç ã o leva à re je içã o d a su a re ssu rre iç ã o trê s d ias
d e p o is e d e ix a o e n ig m a d a a sc e n sã o p a ra a n te s d a
E sse d ilem a in cen tiv ou a esp ecu lação . M u itos te ó ­
m o rte o u re ssu rre içã o .
logos islâm ico s a cred ita m que Jesu s C risto foi levado ao
A má interpretação. A n egação islâm ica d a m o rte
céu vivo. Sua m o rte ain d a a co n tece rá n o fu tu ro , q u a n ­
d e C risto p o r cru cificação é b asea d a e m m á in terp reta­
do v oltar à te rra an tes do ú ltim o d ia. Isso eles tira m da
ção teológica. A bdalati, p o r exem plo, descreve, en tre su as
in terp retação literal de su rata 4 .1 5 7 ,1 5 8 : E p o r d izerem :
razões para rejeitar a cru cificação de C risto:
M ata m o s o M essias, Jesu s, filh o de M aria, o m e n sa g e i­
ro de A llah, e m b o ra n ão sen d o , n a realid ad e, certo que
É justo da parte de Deus, ou da parte de qualquer um,
o m a ta ra m , n em o c ru c ific a ra m , m a s o co n fu n d ira m
fazer alguém se arrepender pelos pecados ou erros de outros,
co m outro. E aqu eles q u e d isco rd a m q u an to a isso estão
pecados que essa pessoa não cometeu? (Abdalati, p. 160).
n a d ú vid a, p o rq u e n ão p o ssu em co n h ecim en to alg u m ,
m a s a p en as co n je c tu ra s p a ra seg u ir; p o ré m , c e rta m e n ­
Isso, é claro, b a se ia -se e m m á in terp retação d a d ou ­
te, n ão o m a ta ra m . M as A llah fê-lo a scen d e r até E le, p o r­
trin a sobre a expiação de C risto. C om o foi co m en ta d o em
q u e é P od eroso, P ru d en tíssim o.
o u tro artig o (C risto, objeções morais à morte de), C risto
O u tros su p õ e m q u e Jesu s teve m o rte n a tu ra l a l­
n ã o co n fesso u n em se a rrep en d eu d o s n o sso s p ecad os.
g u m te m p o a p ó s a c ru c ific a ç ã o e fico u m o rto p o r trê s
E le m o rreu p o r n o ss o s p e ca d o s ( IC o 153). Judicial­
h o ra s o u , se g u n d o o u tra tra d iç ã o , sete h o ra s — e d e ­
mente, D eu s “ [o ] to rn o u p e ca d o p o r n ó s” (2 Co 5 .2 1 )
p o is d isso re ssu scito u e foi levado ao céu ( A b d u l-H aqq , — a su b s titu içã o q u e os c ris tã o s a d m ite m co m p ra ­
p. 1 3 1 ). N ão h á te ste m u n h o h istó ric o p a ra a p o ia r tal zer. E le p agou o p re ço d a m o rte e m n o ss o lu gar, p a ra
esp e cu la çã o . q u e p u d é sse m o s e s ta r d ian te de D eu s se m cu lp a (M c
A lgu n s a u to res islâ m ic o s, co m o A h m ad K h a n , da 1 0 .4 5 ; R m 4 .2 5 ; IP e 2 .2 2 ; 3 .1 8 ). E sse c o n c e ito d e v id a
ín d ia , a cre d ita m q u e Je su s foi c ru c ific a d o , m a s n ão p ela v id a n ã o é e stra n h o ao isla m ism o . É o p rin cíp io
m o rreu n a cru z. E le a p en a s d e sm a io u (v. ressurreição, p o r trá s da su a c re n ç a n a p e n a d e m o rte ; o a ssa s sin o
teorias alternativas da ) e foi re tira d o d ep o is de 3 h o ra s
deve p a g ar co m a vid a.
(A b d u l-H a q q , 1 3 2 ). O u tros m u ç u lm a n o s n o N o rte da O u tra m á in t e r p r e t a ç ã o p o r t r á s d a r e je iç ã o
ín d ia a c re s c e n ta ra m a le n d a de q u e Je su s v isito u o is lâ m ic a da c ru c ific a çã o é q u e u m D eu s m is e ric o rd io ­
T ib ete . A b d u l-H a q q diz q u e G h u lam A h m ad so p o d e p e rd o a r o p ecad o se m co n d e n á -lo ju s ta m e n ­
te. Na v erd ad e, h á d o is e rro s b á sic o s a q u i. A te o lo g ia
inventou a teoria de que Jesus Cristo viajou para a is lâ m ic a c o m e te o p rim e iro e rro q u a n d o su g ere q u e o
Caxem ira [...] depois da sua crucificação. Para apoiar essa q u e Je su s fez n ão foi v o lu n tá rio , m a s in flig id o a ele.
te o ria , e n co n tro u co n v e n ie n te m e n te um tú m u lo em Je su s d is s e : “... p o rq u e eu d o u a m in h a v id a p a ra
Sirinagar, Caxem ira, que declarou ser o túm ulo de Jesus” . re to m á -la . N in g u ém a tira de m im , m a s e a d ou p o r
m in h a e sp o n tâ n e a von tad e. T enho au to rid ad e p a ra d á-
M as “as e sp e c u la ç õ e s [d a se ita de A h m ad ] fo ram la e p a ra re to m á -la ” (Jo 1 0 .1 7 ,1 8 ). Q u an d o Jesu s m o r­
c o n sid e ra d a s h e ré tica s p ela o rto d o x ia islâ m ic a ” (ib id ., reu , a B íb lia diz q u e ele “e n treg o u [e sp o n ta n e a m e n te ]
p. 1 3 3 ). o e sp írito ” (Jo 1 9 .3 0 ).
Cristo, lendas da substituição 212

0 se g u n d o e rro é q u e o D eu s so b e ra n o p o ssa ser A base racional para a salvação por substituição.


sa n to e ao m e sm o tem p o m u d a r a rb itra ria m e n te as N ão há n ad a c o n tra d itó rio o u in crív el a resp eito da
re g ra s so b re o ce rto e o erra d o (v. C r is t o , o b je ç õ e s m o ­ sa lv a ção p o r su b stitu içã o . A m e n te is lâ m ic a n ão deve
rais à morte de ). O s m u ç u lm a n o s, co m o o s c ristã o s, te r m a is d ificu ld a d e c o m e sse co n ce ito q u e q u a lq u er
a cre d ita m n o in fe rn o p a ra os qu e n ã o se a rre p e n d em o u tra m en te. E sse co n ce ito e stá de a co rd o co m a p rá ­
(su ra ta 1 4 .1 7 ; 2 5 .1 1 - 1 4 ) . M as, se a ju stiça sa n ta exige tic a h u m a n a q u a se u n iv ersal. É c o n sid e ra d o lou v ável
q u e o s qu e n ã o a a ce ita m s e ja m p u n id o s, e n tã o D eus q u e as p e sso a s m o rra m p a ra d e fe n d er o s in o ce n te s.
n ã o p o d e a rb itra ria m e n te p e rd o a r a lg u ém p o r co isa G u erreiro s são sau d ad os p o r m o rre r p o r su a trib o . S o l­
a lg u m a se m u m a b a s e ju s ta d e p e rd ã o . A te o lo g ia d ad o s são h o n ra d o s p o r m o rre re m p elo seu p a ís. P ais
is lâ m ic a n ã o p o ssu i tal b a se . Os m u ç u lm a n o s re je ita m são c o n sid e ra d o s co m p a ssiv o s q u a n d o m o rre m p elo s
o p a g a m e n to sa c rific ia l de C risto pelo p ecad o p a ra um filh o s. É e x a ta m e n te isso q u e Jesu s fez. C om o o a p ó s­
D eu s ju sto , p elo q u al os in ju sto s qu e a ce ita m o p a g a ­ tolo P au lo d isse : D ific ilm e n te h av erá a lg u ém q u e m o r­
m e n to de C risto em fav or d eles são d ecla ra d o s ju sto s ra p o r u m ju sto , e m b o ra p elo h o m e m b o m talvez a l­
(cf. R m 3 .2 1 - 2 6 ) . A n ão se r q u e a lg u ém co n sig a p ag ar g u é m te n h a co ra g e m de m o rrer. M as [...] C risto m o r­
o p re ço do p e cad o , D eu s é o b rig a d o a e x p re ssa r ira, reu em n o sso fav or q u a n d o a in d a é ra m o s p e ca d o res”
n ã o m is e r ic ó r d ia . S e m a c r u c if ic a ç ã o , o s is te m a (R m 5 .7 ,8 ).
islâ m ico n ão tem co m o e x p lica r de q u e fo rm a A lá p o d e A lém disso, até n o islam ism o h á m o rte sacrificial. A
se r m is e ric o rd io s o e ao m e sm o te m p o ju sto . p rática m u çu lm a n a de id ghorban (feito de sa crifício )
S alv a ção em Cristo. S u p e rfic ia lm e n te , p a re ce que apresenta o sacrifício de um novilho em m e m ó ria do sa ­
a sa lv a ção p e la g ra ç a p o r m e io d a fé n a m o rte e re s­ crifício de A braão do seu filho. P ara alguns isso é a sso ci­
su rre içã o de C risto é in co m p re en sív e l p a ra o s m u ç u l­ ado ao perd ão de pecad os. E sold ad os m u çu lm an o s q u e
m a n o s. E sse , c re m o s, n ã o é o ca so . A p esa r d e o in c r é ­ sacrificam suas vidas p ela cau sa do islam ism o g a n h am o
dulo n ão receber (gr. dechomai) a verd ad e de D eu s (1 Co P araíso (3 .1 5 7 -8 ; 2 2 .5 8 -9 ).S e Alá p o d ia ch a m a r seus ser­
2 .1 4 ), ele p o d e percebê-la. S eg u n d o R o m a n o s 1 .1 8 -2 0 , vos para m o rrer pelo islam ism o , p o r q u e a ch a r estran h o
o s in cré d u lo s sã o “in d e scu lp á v eis” à lu z da rev elação que Deus ch a m a sse seu Filho p ara m o rrer pela salvação
de D eu s n a n atu re za . Só o fato de o s in cré d u lo s se re m dos m u çu lm an o s e do m undo?
co n v id a d o s a c re r n o ev an g elh o im p lica q u e p o d em C onclusão. G ra n d e p a rte d a re je içã o islâ m ic a d e
e n te n d ê -lo (cf. At 1 6 .3 1 ; 1 7 .3 0 ,3 1 ). Jesu s rep reen d eu C risto b a s e ia -s e e m m á in te rp re ta çã o d o s fato s so b re
o s in cré d u lo s p o r n ão e n te n d e re m o q u e ele estav a fa ­ ele. E les c rê e m na in sp ira ç ã o d iv in a d o at e nt o r ig i­
la n d o , d e cla ra n d o : “Se v o cê s fo sse m ce g o s, n ão s e r i­ n a is , n o n a s c im e n to v ir g in a l, n a v id a s a n ta , n o
a m cu lp a d o s d e p e c a d o ; m a s a g o ra q u e d iz e m q u e e n sin a m e n to de a u to rid a d e d iv in a , na m o rte e e v e n ­
p o d e m ver, a cu lp a d e v o cê s p e rm a n e c e ” (Jo 9 .4 1 ). tu a l re ssu rre iç ã o (v. ressurreição, evidências da ), n a a s ­
A base islâmica para a Salvação por substituição. c e n sã o e se g u n d a v in d a d e C risto . É u m a tra g é d ia q u e
A té m e sm o n o is la m ism o o co n ce ito c ris tã o d a cru z a re je içã o d a s a le g a ç õ e s d e Je su s s e r o F ilh o de D eu s e
faz sen tid o . O is la m ism o te m v á ria s d o u trin a s , a ju s t i­ S alv ad o r d o m u n d o se p e rca m e m m e io a tu d o q u e os
ça e o p e rd ã o d e D eu s, cé u e in fe rn o , q u e n ão fa z e m m u ç u lm a n o s a ce ita m . O p ro b le m a p rin c ip a l é a re je i­
se n tid o se m a e x p ia ç ã o su b stitu tiv a . O is la m ism o e n ­ ç ã o da a u te n ticid a d e d a B íb lia . Talvez o e n te n d im e n to
sin a q u e D eu s é ju s to (v. islamismo ). M as a ju s tiç a a b ­ m e lh o r d a b a s e fa c tu a l d a a u te n ticid a d e d a B íb lia (v.
so lu ta deve s e r sa tisfe ita . D eu s n ã o p o d e sim p le sm e n ­ Novo T estamento , historicidade do ) p u d esse a b rir um
te ignorar o p ecad o . D eve se r p ago u m p re ço p elo p e ­ c a m in h o p a ra levar o Alcorão a sé rio q u a n d o e n c o ra ja
cad o q u e p e rm ita à s p e sso a s e n tr a r n o cé u , pago p o r o s d u v id o so s a b u sc a r a s E s c ritu ra s :
elas m e sm a s o u p o r a lg u é m n o lu g ar d ela s. N u m a c a r­
ta a u m a m ig o e x p lica n d o p o rq u e se to rn a ra c ristã o , Porém, se estás em dúvida sobre o que te tem os revela­
D au d R a h b a r a rg u m e n ta : do, consulta aqueles que leram o livro antes de ti. Sem dúvi­
da que te chegou a verdade do teu Senhor; não sejas, pois,
A doutrina alcorânica da justiça de Deus exige que esse dos que estão em dúvida. (10.94)
m esm o Deus esteja envolvido no sofrim ento e seja visto en ­
volvido no sofrim ento. Só então ele pode ser um iusto juiz Fontes
do sofrim ento da hum anidade. H. A b d a l a t i , Islam in focus.
A. A. A boli -H\(?Q,Sharingyour faith with a tnuslim.
P ois “u m D eu s q u e é p reserv ad o d o so frim en to será R . B e l l , The origin o f Islain in its christian
u m ju iz a rb itrá rio e c a p ric h o s o ” (N a zir-A li, 2 8 ). environment.
213 Cristo, morte de

F. F. B r u c e , Jesus and Christian origins outside the d a re ssu rre iç ã o . A e v id ê n cia de q u e C risto re a lm e n te
New Testament. m o rre u n a cru z é e sm a g a d o ra .
A. R. I. D oi,“The status o f prophet Jesus in Islam - Uma morte prevista. O at p rev iu (v. profecia como
II"MWLJ. prova da B íblia ) q u e o M essia s m o rre ria (S I 2 2 .1 6 ; Is

W. D. E , et al., “On the physical death o f Je­


d u a r d s 5 3 .5 -1 0 ; D n 9 .2 6 ; Z c 1 2 .1 0 ). Jesu s cu m p riu isso e q u a ­
sus Christ,”/4AiA 2 1 de M ar.de 1 9 8 6 . se ce m o u tra s p ro fe cia s d o A n tigo T estam e n to so b re o
F l Avio J osefo , “A ntiquities o f the Jews,” 1 8 .3 M e ssia s (v., p o r e x e m p lo , M t 4 .1 4 ; 5 .1 7 ,1 8 ; 8 .1 7 ; Jo
N. L. G . e W. E. Nix, Introdução bíblica.
e is l f r 4 .2 5 ,2 6 ; 5 .3 9 ).
G. H a b e r m a s , Ancient evidence for the life of Jesus. Je s u s p re v iu m u ita s v ezes d u ra n te s e u m in is té ­
M. H. H a y k a i , The life of Muhammad. rio q u e ir ia m o r r e r e r e s s u s c ita r (M t 1 2 .4 0 ; M c 8 .3 1 ;
J u s t in M a r t y r , First apology, e m The ante-nicene Jo 2 .1 9 - 2 1 ; 1 0 .1 0 ,1 1 ) . U m a d a s p re d iç õ e s m a is e x ­
fathers. p líc ita s é M a te u s 1 7 .2 2 ,2 3 : “ R e u n in d o -s e e le s n a
J. B. L ig h t f o o t , The apostolic fathers. G a lilé ia , Je su s lh e s d is s e : ‘O F ilh o d o h o m e m s e rá
S. S. M u f f a s ir , Jesus, A prophet of Islam. e n tr e g u e n a s m ã o s d o s h o m e n s . E le s o m a ta r ã o , e
M. N a z ir - A l i , Frontiers in muslim-christiam n o te r c e ir o d ia e le r e s s u c ita r á ’ E o s d is c íp u lo s f ic a ­
encounter. ra m c h e io s d e tr is te z a ” .
“Sanhedrin”, The babylonian Talmud. T od as a s p re v isõ es da su a re ssu rre iç ã o n o at (c f. Sl
T á c it o , Anais. 2 .7 ; 1 6 .1 0 ) e n o nt ( c f .M t 1 2 .4 0 ; 1 7 .2 2 ,2 3 ; Jo 2 .1 9 - 2 1 )
su p õ em q u e ele m o rreria (v. ressurreição, evidências da ).
C r is to , m o r t e d e . A m o rte d e C risto é o p ré -re q u isito Morte p o r crucificação. O s fe rim e n to s d e Je su s to r­
n e c e ssá rio p a ra su a re ssu rre iç ã o (v. ressurreição, evi­ n a ra m a m o rte in e v itá v e l. E le n ã o d o rm iu n a n o ite
dências d a ) , qu e é a p ro v a p rin c ip a l d a re iv in d ic a çã o a n te rio r à su a c ru c ific a ç ã o ; fo i e sp a n ca d o e a ço ita d o ,
de Je su s se r D eu s (v. a p o l o g é t i c a , argumento da). A lém e d e sm a io u e n q u a n to carreg av a a cru z . S ó e sse p re lú ­
d isso , o isla m ism o , u m d o s p rin c ip a is o p o n e n te s do dio à c ru c ific a ç ã o já fo i e x te n u a n te .
c ristia n is m o , n eg a qu e Jesu s te n h a m o rrid o n a cru z A n a tu re z a d a c ru c ific a ç ã o g a ra n te a m o rte . P a ra
(M cD ow ell, p .4 7 s .). M u itos c é tico s (v. agsosticismo) d e ­ u m a d e sc riç ã o de u m h o m e m c ru c ific a d o c u jo s o sso s
sa fia m a realid ad e da m o rte de C risto. fo ra m d e se n te rra d o s, v. arqueologia , Novo T estamento .
E v id ên cia s d a m orte d e Cristo. H á e v id ê n c ia s Je su s ficou p e n d u ra d o na cru z d as n ov e h o ra s d a m a ­
e sm a g a d o ra s, h is tó r ic a s e re a is, de q u e Je su s m o rreu n h ã até lo g o a n te s d o p ô r-d o -so l (M c 1 5 .2 5 ,3 3 ). S a n ­
n a cru z e re s s u s c ito u n o te rc e iro d ia (v. ressurreição, g ro u d o s fe rim e n to s n as su a s m ã o s e p és e d o s e sp i­
evidências da ). A e v id ê n c ia da m o rte d e C risto é m a i­ n h o s q u e fu r a r a m se u c o u ro c a b e lu d o . P o r e s s e s
o r q u e a d e q u a se to d o s o s o u tro s e v e n to s n o m u n d o fe rim e n to s te ria vazad o b o a p a rte d o sa n g u e e m m a is
a n tig o . A h is to ric id a d e d o s re g is tro s d o e v a n g e lh o foi d e se is h o ra s. A lém d isso , a c ru c ific a ç ã o ex ig e q u e a
c o n fir m a d a p o r u m a p ro fu sã o de m a n u s c r ito s d o st p e s s o a se p ro je te c o n s ta n te m e n te p a ra c im a p e la s
e te ste m u n h a s o cu la re s co n te m p o râ n e a s ( v. Novo T es­ m ã o s , a p o ia n d o -se n o s p é s fe rid o s, p a ra resp irar. Isso
ta m en to , datação do ; Novo T estamento , confiabilidade cau sav a d o r a g o n iz an te d o s cra v o s. U m d ia co m o e sse
DOS DOCUMENTOS DO; NOVO TESTAM ENTO, HISTORICIDADE D O ). m a ta ria q u a lq u e r p e sso a sau d áv el (v .T z a fe ris).
Explicações alternativas. C é tic o s e m u ç u lm a n o s A lém d e sses fe rim e n to s, o la d o d e Je su s foi tr a s ­
e s c o lh e ra m d e n tre v á ria s v e rsõ e s d a te o r ia se g u n d o p a ssa d o co m u m a la n ç a . D esse fe rim e n to s e sco rre u
a q u a l Je su s n ã o m o rre u n a c ru z . U m a é q u e u m a u m a m is tu ra d e sa n g u e e á g u a (Jo 1 9 .3 4 ), p rova de
d rog a te ria c o lo c a d o Je su s e m e sta d o d e c o m a , e m a is q u e a m o rte físic a h av ia o c o rrid o . S ó e sse d e ta lh e, e
ta rd e e le a c o rd a ra n o tú m u lo . O te s te m u n h o c la ro da su a c o n firm a ç ã o p e lo s e sp e c ia lista s m é d ic o s m o d e r­
n a rra tiv a d e M a te u s é q u e ele re c u s o u a té a d ro g a g e ­ n o s, co m p ro v a p le n a m e n te a a firm a ç ã o d e q u e e ssa
r a lm e n te o fe r e c id a à v ítim a a n te s d a c r u c ific a ç ã o n a rra tiv a é u m re g istro de te ste m u n h a s o c u la re s. U m
p a ra a ju d a r a a m o r te c e r a d o r ( 2 7 .3 4 ) . A ceito u a p e ­ a rtig o n o Journal o fth e American M edicai Association
n a s v in a g re m a is ta rd e (v. 4 8 ) p a ra m a ta r a sed e. (21/ 3/ 1986) co n clu iu :
Se a B íb lia tem a lg u m cré d ito , to d o s o s a u to res do
NT d izem e sp e c ific a m e n te o u fa la m de m o d o a s u b e n ­ Sem dúvida, o peso da evidência histórica e médica indi­
te n d e r q u e acred ita v a m q u e C risto m o rreu n a cru z (cf. ca que Jesus estava m orto antes do ferimento no seu lado ser
R m 5 .8 ; IC o 1 5 .3 ; U s 4 .1 4 ) . N em d e s m a io n e m têito e apóia a visão tradicional de que a lança, enfiada entre
d e s fa le c im e n to n e m d ro g a s p o d e r ia m p ro d u z ir o suas costelas no lado direito, provavelmente perfurou não só
v e n ce d o r v ig o ro so d a m o rte d e sc r ito n a s a p a riç õ e s o pulmão direito, m as tam bém o pericárdio e o coração e,
Cristo, objeções morais à morte 214

assim , garantiu sua m orte. Conseqüentem ente, as interpre­ O s p rim e iro s a u to res c ris tã o s a p ó s a é p o c a de C ris­
tações baseadas na suposição de que Jesus não m orreu na to a firm a ra m su a m o rte n a c ru z p e la c r u c ific a ç ã o .
cruz parecem estar em conflito com o conhecim ento m édi­ P o lica rp o , d iscíp u lo d o a p ó sto lo Jo ão , m e n c io n o u v á ­
co m oderno (p. 1463). ria s vezes a m o rte d e C risto , d izen d o , p o r exem p lo , q u e
“n o ss o S e n h o r Je su s C risto , q u e p o r n o ss o s p e ca d o s
Je su s d isse q u e estav a m o rre n d o q u a n d o d ecla ro u so fre u até a m o rte ” (P o lic a rp o , 3 3 ). In á c io ( 3 0 - 1 0 7 ) ,
n a cru z : “P ai, n as tu a s m ã o s en treg o o m e u e sp írito !” a m ig o d e P o licarp o , escre v e u : “E ele re a lm e n te so freu
(L c 2 3 .4 6 ) . E “dito isto , exp iro u ” (v. 4 6 ). Jo ã o n a rra qu e e m o rre u , e re ssu scito u ” . S e n ã o , ele a cre s c e n ta , to d o s
ele “ren d eu o e sp írito ” ( Jo 1 9 .3 0 ). S eu g rito d e m o rte o s se u s a p ó sto lo s q u e s o fre ra m p o r su a fé, m o rre ra m
foi o u v id o p elo s q u e esta v a m p o r p e rto (L c 2 3 .4 7 - 4 9 ) . e m v ã o .“M as, (e m v erd ad e) n e n h u m d e sses s o frim e n ­
Soldados ro m a n o s, aco stu m ad o s co m cru cificaçõ es to s fo i e m v ã o ; p o is o Senhor realmente fo i crucificado
e m o rte, atestaram a m o rte de Jesus. A pesar de quebrar p elo s in cré d u lo s” (In á cio , 1 0 7 ). E m Diálogo com Trifão,
as p ern as d a v ítim a ser u m a p rática co m u m (p a ra que Ju s tin o M á r tir o b s e rv o u q u e o s ju d e u s d a su a é p o ca
ela n ão pu desse m ais resp irar), eles n ão ach aram n eces­ a cred ita v a m q u e “Je su s [e ra ] u m e n g a n a d o r g a lileu , a
sário q u eb rar as p ern as d e Jesus (Jo 1 9 .3 3 ). P ilatos certi­ q u e m c ru c ific a ra m ” (Ju stiv o , 2 5 3 ).
fico u -se de q u e Jesu s estava m o rto antes de d ar o corp o a E sse te ste m u n h o co n tín u o d o at até o s p a is d a ig re ­
Jo sé p ara se r enterrad o. “C ham ad o o cen tu rião, p ergu n ­ ja , in clu siv e c re n tes e d e sc re n te s, ju d e u s e g e n tio s, é
to u -lh e se Jesus já tin h a m o rrid o . Send o in fo rm ad o pelo e v id ê n cia e sm a g a d o ra d e q u e Je su s so fre u e m o rre u
cen tu rião, entregou o co rp o a Jo sé ” (M c 1 5.44 ,45 ). n a cru z.
Je su s foi e n ro lad o e m c e rc a d e 5 0 q u ilo s d e p a n o e
e sp e cia ria s e co lo cad o n u m tú m u lo selad o p o r trê s dias Fontes
(M t 2 7 .6 0 ; Jo 1 9 .3 9 ,4 0 ). S e a in d a n ã o e stiv e sse m o rto , F l é g o n , Chronides.
a falta de co m id a , d e á g u a e de tra ta m e n to m é d ico a ca ­ F. F. B r u c e , Merece confiança o Novo Testamento?
b a r ia m c o m ele. N. L. G e is l e r , Christian apologetics.
Referências à crucificação. O a rtig o arq ueologia , G. H a b e r m a s , Ancient evidence fo r the life o f Jesus,
Novo T estamento in clu i re g istro s de v á rio s h isto ria d o ­ Journal o f the American Medicai Society, 21 Mar.
res e a u to res n ã o -c ris tã o s até o s sé cu lo s i e n q u e re ­ 1986.
g is tra r a m a m o rte de C risto c o m o fato in co n testá v el. Ju s t in o M á r t ir , “D ialogue w ith Trypho”, The ante-
E n tre eles c o n sta m o Talmude e o h isto ria d o r ju d e u da nicenefathers,v. 1.
é p o c a d e C r is to , J o s e fo , e o h is t o r ia d o r ro m a n o J. M c D o w e l i , Evidência que exige um veredicto.

C o rn élio T á c ito ( 5 5 ? - l 17 d .C .). “Passover”, Talmud babilónico.


S eg u n d o Jú lio A frica n o (c. 2 2 1 ), Talo, u m h isto ria ­ D. Stra iss , New life o f Jesus, v. 1.
d o r sa m a rita n o do sécu lo i (c. 5 2 ) ,“ao d iscu tir a e sc u ri­ V. Tzaferis, “Jew ish tom bs at and near Giv’at ha-
dão qu e caiu so b re a te rra durante a crucificação de Cris­ M ivtrat,” IEJ, 20 (1 9 7 0 ).
to”, re fe riu -se a ela co m o u m eclip se (B ru ce , p. 113, g ri­
fo do a u to r). O e sc rito r grego do sécu lo n, L u cian o , fala Cristo, nascimento virginal de. V virginal , nascimento .
de C risto co m o “ o hom em que fo i crucificado na Palesti­
na p o rq u e co m eço u u m a n ova seita n o m u n d o ” . Ele o Cristo, objeções morais à morte de. M u ito s c r í t i ­
ch a m a e “sofista crucificado” (G eisler, p. 3 2 3 ). A “carta c o s d o c r is tia n is m o , in c lu s iv e e r u d ito s m u ç u lm a ­
de M ara B a r-S e ra p io n ” (c . 7 3 d .C .), q u e se e n co n tra no n o s e lib e r a is , r e je ita m a d o u tr in a d a s a lv a ç ã o m e ­
M u seu B ritâ n ico , fala da m o rte de C risto, p ergu n tan d o: d ia n te a c ru z p o r m o tiv o s m o r a is . U m a ra z ã o q u e
“Q ue v an tag em tiv eram os ju d eu s em executar seu Rei o s m u ç u lm a n o s d ã o é q u e , se g u n d o o is la m is m o ,
sábio?” (B ru ce , p. 1 1 4 ). F in alm en te, hou ve u m escrito r o s p r in c ip a is p ro fe ta s d a h is tó r ia s e m p r e fo r a m v i­
ro m a n o , F légo n , q u e falou da m o rte e ressu rreiçã o de to r io s o s c o n tr a s e u s in im ig o s . S e o C ris to d e D e u s
C risto e m su as Crônicas, d izend o: “Jesu s, q u an d o vivo, fo i m o r to n a c ru z p o r se u s a d v e r s á r io s , e n tã o o q u e
n ão se d efend eu de n en h u m a d as a cu sa çõ e s qu e rece­ a c o n te c e r ia c o m o te m a re c o r r e n te d o A lcorão s e ­
b eu , m a s ressuscitou dos mortos, e exibiu marcas do seu g u n d o o q u a l q u e m n ã o o b e d e c e r ao p ro fe ta d e D e u s
castigo, e mostrou como suas mãos foram fu radas pelos n ã o v e n c e rá ? A a d m is s ã o d a c ru z n ã o é o r e c o n h e ­
cravos (F lé g o n , Crônicas, citad o p o r O rígen es, 4 :4 5 5 ). c im e n to d e q u e o s ím p io s tr iu n fa r a m s o b re o ju s to
F lég o n até m e n cio n o u “o eclip se n a é p o ca de T ib ério n o fin a l? ( B e ll, p. 1 5 4 ).
C ésar, em cu jo rein o Jesus a p aren tem en te foi c ru cifica ­ O s t e ó lo g o s c r i s t ã o s l i b e r a i s n e g a m a c r u z
do, e hou ve g ran d es te rre m o to s” (ib id ., p. 4 4 5 ). p o r q u e p a r e c e e m in e n te m e n te in ju s t o p u n ir u m a
215 Cristo, objeções morais à morte de

p e s s o a in o c e n te p e lo s c u lp a d o s . N a v e rd a d e a p r ó ­ A llah! X ão há m ais divindade além d’Ele, V ivente, Auto-


p ria B íb lia d e c la ra q u e “o filh o n ã o le v a rá a in ju s t i­ Subsistente, a Quem jam ais alcança a inatividade ou o sono; d’Ele
ç a d o p a i ...” (E z 1 8 .2 0 ) . é tudo qunto existe nos céus e n a terra. Quem poderá interceder
A r e je iç ã o islâ m ica d a c ru cifica çã o . A d e s c r e n ­ jun to a Ele, sem o Seu consentim ento? Ele conhece tanto o passa­
ç a is lâ m ic a n a c r u c ific a ç ã o d e Je su s e s tá c e n tr a d a n o do com o o futuro, e eles (h u m an os) nada conhecem da Sua ciên ­
se u e n te n d im e n to d e le c o m o p r o fe ta . O d e s g o s to cia, senão o que Ele perm ite. O Seu Trono abrange os céus e a terra,
is lâ m ic o p ela c r u c ific a ç ã o de u m p ro fe ta b a s e ia -s e cu ja p reservação n ào O abate, porque é o Ingente, o A ltíssim o
e m se u c o n c e ito d e s o b e r a n ia d e D eu s e re je iç ã o d a (2 .2 2 5 ).
c re n ç a n a d e p ra v a ç ã o h u m a n a .
A crucificação é contrária à soberania de Deus. T o­ M u ito s d o s 9 9 n o m e s de D eu s e x p re ssa m su a s o ­
d o s o s m u ç u lm a n o s o rto d o x o s c o n c o rd a m q u e D eu s b e r a n ia . Al-Aziz,“o P o d ero so ” n a su a su b lim e s o b e r a ­
n ã o p e rm itiria q u e u m de se u s p ro fe ta s so fre sse u m a n ia (5 9 .2 3 ); Al-Ali,“o A ltíssim o ”, q u e é p o d e r o s o (2 .2 5 5 -
m o rte tã o ig n o m in io sa c o m o a c ru c ific a ç ã o (v. C r i s t o , 6 ); Al-Qadir,“o C apaz” , q u e te m o p o d e r d e fazer o q u e
LENDA D E S U B S T I T U I Ç Ã O D A M O R T E D E ; IS E A .M I S .M O ) . M u ffa sir q u er (1 7 .9 9 -1 0 1 ); Al-Quddus,“o S an to ”, a q u e m tu d o n o
resu m iu b e m tal o p in iã o ao d izer; “O s m u ç u lm a n o s cé u e n a te rra a trib u i sa n tid a d e (6 2 .1 ); Al-Mutaali,“o
a cre d ita m q u e Jesu s n ã o foi c ru c ific a d o . O s se u s in i­ G rand e”, q u e se co lo co u a cim a d e tu d o (1 3 .9 ,1 0 ); Al-
m ig os tin h a m a in te n çã o de m a tá -lo n a cru z , m a s D eu s Muizz,“o E n g ra n d eced o r” , q u e e n g ran d e ce o u reb aix a
o salvo u d e ssa c o n sp ira ç ã o ” (M u ffasir, p. 5 ). q u em q u e r (3 .2 6 ); Malik al-Mulk, “R ei d o R ein o ”, q u e
V á r ia s p a ssa g e n s n o A lcorão e n s in a m q u e Je su s d á so b e ra n ia a q u e m lh e a p raz (3 .2 6 ) ; Al-Wahed, “o
n ão fo i c ru c ific a d o n a c ru z p o r n o s s o s p e c a d o s . A Ü n ico ”, sin g u lar n a su a so b e ra n ia d iv in a (1 3 .1 6 ,1 7 ); Al-
su ra ta 4 .1 5 7 - 8 é u m te x to -c h a v e ; a p a re n te m e n te p a ­ Wahid,“o Sin gu lar” ,o ú n ico q u e crio u (7 4 .1 1 );Al-Wakil,
rece d iz e r q u e Je su s s e q u e r m o rre u . C e rta m e n te n eg a “o A d m in istra d o r”, q u e a d m in istra tu d o (6 .1 0 2 ).
q u e ele m o rre u p o r c ru c ific a ç ã o . D iz; Alá p o d e fazer o q u e b e m enten d er, e n tã o p o d e ria
p e rm itir q u e se u S e rv o fo sse c ru c ific a d o , se a s s im o
E por dizerem: M atamos o M essias, Jesus, filho de M aria, q u isesse. Na verd ad e u m a p a ssa g em n o A lco rão p arece
o mensageiro de Allah, em bora não sendo, na realidade, certo ap lica r e ssa m e sm a verdade a C risto:
que o m ataram ,nem o crucificaram , m as o confundiram com
outro. E aqueles que discordam quanto a isso estão na dúvida, Quem possu iria o m ín im o poder para im ped ir que
porque não possuem conhecim ento algum , m as apenas Allah, assim querendo, aniquilasse o M essias, filho de M a­
conjecturas para seguir; porém, certam ente não o mataram. ria, sua m ãe e todos os que estão na terra? Só a Allah perten­
M as A llah fê-lo ascen d er até Ele, por que é Poderoso, ce o Reino dos céus e da terra, e tudo quanto há entre am ­
Prudentíssimo. bos. Ele cria o que lhe apraz, por que é Onipotente (5.1 7)

U m D eu s so b e ra n o te m co n tro le so b re to d a s as S u p o n d o q u e D eu s é so b e ra n o , é p u ra p re su n çã o
c o is a s , e n ã o p e r m itir ia q u e se u se rv o s o fre s s e ta l d e te rm in a r o q u e ele deve o u n ã o d eve fazer. C o m o o
m o rte . Pelo c o n trá rio , u m D eu s so b e ra n o , c o m o A lá é, p ro fe ta Is a ía s n o s in fo rm a ,D e u s d is s e :“ P o is o s m e u s
liv ra ria seu serv o d o s seu s in im ig o s. A b d a lati, n o e s ti­ p e n s a m e n to s n ã o sã o o s p e n s a m e n to s d e v o cê s, n em
lo tip ic a m e n te islâ m ic o p e rg u n ta : “É co m p atív el co m o s se u s c a m in h o s sã o o s m e u s c a m in h o s (Is 5 5 .8 ) . O
a m is e ric ó rd ia e sa b e d o ria de D eu s a cre d ita r q u e Je ­ p ro fe ta Is a ía s n o s e n sin a q u e D eu s re a lm e n te aprovou
sus fo i h u m ilh a d o e a ssa ssin a d o d a m a n e ira q u e d i­ a m o rte ig n o m in io sa do seu S erv o :
zem q u e fo i?” (A b d a lati, 1 6 0 ). 0 Alcorão a firm a :
... Ele não tinha qualquer beleza ou m ajestade que nos
E quando Allah disse: Ó Jesus, por certo que porei ter­ atraísse, nada havia em sua aparência para que o desejásse­
mo à tua estada na terra; ascender-te-ei até M im e salvar- m os [...] Contudo nós o consideram os castigado por Deus,
te-ei dos incrédulos, fazendo prevalecer sobre eles os teus por Deus atingido e afligido. M as ele foi transpassado por
seguidores, até ao Dia da Ressurreição. causa das nossas trangressões, foi esm agado por causa de
nossas iniquidades; o castigo que nos trouxe a paz estava
Uma resposta à opinião islâmica sobre a soberania. sobre ele, e pelas suas feridas fom os curados [Is 53.2-5]
A c re n ç a is lâ m ic a n a so b e r a n ia de D eu s d e rru b a su a
o b je ç ã o à cru z . S e D eu s p o d e fazer tu d o q u e q u er, e n ­ A ssim , a c ru cifica çã o de Jesu s n ão foi a p en as a p ro ­
tã o p o d e p e rm itir q u e se u p ró p rio F ilh o m o rr a p o r vada p o r D eus, ela foi prevista (cf. Sl 2 2 .1 6 ; Z c 1 2 .1 0 ).
c ru c ific a çã o . O Alcorão d e cla ra : N ão d everia se r su rp resa p a ra u m le ito r d o nt q u e a
Cristo, objeções morais à morte de 216

m en sag em da c ru cifica çã o fo sse ofensiva p a ra os in c ré ­ Jesu s m o rre u n a cru z p o r n o ss o s p e ca d o s c o m a d o u ­


du los. Na verd ad e, Paulo até referiu -se à cru z co m o “lo u ­ trin a d a d ep rav a ção .
c u ra ” , m a s a cre sc e n to u q u e “A g rad o u a D eu s sa lv a r A. R. I. D o i o b se rv a q u e “a trelad o à c re n ç a c ristã
aqu eles qu e crê e m p o r m eio da lo u cu ra da p reg ação ” n a c ru c ific a ç ã o d e Isa [Je su s ] e stá o c o n c e ito ir re c o n ­
“P orqu e a lo u c u ra de D eu s é m a is sá b ia q u e a s a ­ ciliáv el d o p e cad o o rig in a l” (D o i, p. 19). E le a cre s c e n ta
b e d o ria h u m a n a ” (v. 2 5 ). c a te g o rica m e n te qu e
P o rtan to , a id éia de q u e D eu s p e rm ite qu e seu s se r­
vos s e ja m in su lta d o s n ã o é a n o rm a l. O b ió g ra fo de o is la m is m o n ã o a c re d ita n a d o u trin a d o p e ca d o o r ig i­
M a o m é , H aykai, fala de c a s o s de in su lto so frid o s p o r n al. N ão é o p e ca d o d e A d ão q u e a c r ia n ç a h e rd a e m a n ife s ta
ao n a scer. T od a c r ia n ç a n a s c e s e m p e ca d o e os p e c a d o s d o s
M a o m é . O b se rv a , p o r exem p lo , q u e
p a is n ã o s ã o p a s s a d o s p a r a o s filh o s .

a trib o d e T h a q if, n o en ta n to , n ã o só rep u d io u M ao m é


A lém d isso ,
co m o ta m b é m en v io u seu s serv o s p a ra in su ltá -lo e ex p u lsá-
lo da su a cid ad e. E le fugiu deles e se ab rig o u p erto de u m m uro
“o is la m is m o n e g a e n fa tic a m e n te o c o n c e ito de p e ca d o
[...] q u e fo r a c r u c if ic a d o ali sen to u so b u m a v in h a p o n d e ­
o rig in a l e d e p ra v a çã o h e r e d itá ria . T od a c r ia n ç a n a s c e p u ra
ra n d o su a d e rro ta p elo s filh o s d e R a b i’ah ” (H ay kai, 1 3 7 ).
e c o rr e ta ; to d o d e sv io n a p ó s -v id a d o c a m in h o d a v erd a d e e
re tid ã o é d e v id o à e d u c a ç ã o im p e rfe ita ” .
A lém d isso , m e sm o se su p u se rm o s, c o m o os m u ­
ç u lm a n o s , q u e D eu s liv ra ria se u s p ro fe ta s d o s seu s Ao c ita r o p ro fe ta M a o m é , D o i a firm a qu e
in im ig o s, é erra d o co n c lu ir q u e ele n ão liv ro u C risto
d o s seu s in im ig o s. N a v erd ad e, é e x a ta m e n te isso que “to d a cr ia n ç a n a s c e n u m m o ld e re lig io so ; sã o seu s p ais
a re ssu rre iç ã o re p re se n ta . P ois “D eu s [o] re ssu scito u , qu e d ep ois o tra n s fo rm a m em ju d e u , cristã o o u sa b e u [...] E m
ro m p e n d o o s la ç o s d a m o rte p o rq u e era im p o ssív el o u tras p a la v ra s, o b e m o e m a l n ã o são cria d o s n o h o m e m ao
q u e a m o rte o re tiv esse ” (A t 2 .2 4 ). S eg u n d o as E s c r i­ n ascer. Os b e b ê s n ã o tê m c a r á te r m o ra l p o sitiv o ” .
tu r a s , D eu s re ssu sc ito u Je su s p o rq u e , co m o d isse : “ Tu
és m eu F ilh o , eu h o je te g e re i” (A t 1 3 .3 3 ). E ta m b é m as E m vez d isso ,
E s c ritu ra s d e cla ra m q u e D eu s cu m p riu su a p ro m e ssa
p a ra seu povo (e m SI 1 6 .1 0 ) e c e rtific o u -s e a resp eito to d o s e r h u m a n o j...] te m d u a s in c lin a ç õ e s — u m a q u e
d e “C risto , q u e n ã o fo i a b a n d o n a d o n o sep u lcro e c u jo o lev a a fa z e r o b e m e o im p e le a o b e m , e o u tra in c ita n d o -o a
c o rp o n ã o so fre u d e c o m p o siç ã o . E le fo i “e x a lta d o à d i­ fazer o m a l e im p e lin d o -o a o m a l; m a s a a s s is tê n c ia d e D eu s
re ita d e D eu s” (A t 2 .3 1 ,3 3 ) . e s tá p r ó x im a (D o i,p . 2 0 ).
N a v erd ad e, fo i p ela m o rte e re ssu rre iç ã o d e C risto
q u e “tra g a d a fo i a m o rte p ela v itó ria ” ( IC o 1 5 .5 4 ), e Resposta ao argumento contra a depravação. O c ris ­
p o d e m o s d iz e r: “O n d e e s tá , ó m o rte , a su a v itó ria ? tã o o rto d o x o ta m b é m liga a m o rte ex p iató ria à d ep ra ­
v ação h u m a n a . S e D eu s n ão fo sse im u tav elm en te ju sto
O n d e e stá , ó m o rte , o seu a g u ilh ã o ?” (1 Co 1 5 .5 5 ).
e a h u m a n id ad e in cu rav elm en te dep ravad a, a m o rte de
Ao co n trário d o en sin a m en to islâm ico, a m o rte e res­
C risto p elo s n o sso s p ecad o s n ã o se ria n ece ssá ria . M as,
su rreição de C risto m an ifestaram a m isericó rd ia de Deus.
ao co n trá rio d a cre n ça islâm ica, a h u m a n id ad e é d ep ra ­
Na verdade, sem isso n ão haveria m isericó rd ia p ara um
vad a, logo, o so frim en to e a m o rte de C risto fo ram n e ­
m u nd o p ecam in o so . Paulo escreveu: “M as Deus d em o n s­
ce ssá rio s. A re jeiçã o d a d ep rav ação to tal é in fu n d ad a
tra seu a m o r por nós: C risto m orreu em n osso távor q u an ­
— o q u e ta m b é m é s u g e r id o p e lo e n s in a - m e n to
d o ain d a é ram o s pecad ores” (R m 5 .8 ). Ele acrescen ta em islâm ico.
o u tra p assagem q u e é “n ão por cau sa de atos de ju stiça Até o s m u çu lm a n o s re co n h ece m q u e os seres h u ­
p o r n ó s p rsticad o s, m a s devido à sua m isericó rd ia (T t m a n o s são p ecad ores. D e o u tra fo rm a, p o r q u e p re cisa ­
3 .5 ). C om o o p róp rio Jesus disse: “N inguém tem m aio r riam da m isericó rd ia de D eus? Na verd ad e, p o r que ta n ­
a m o r do q u e a q u ele q u e d á a su a vid a p elo s seu s a m i­ tos (in clu sive to d o s os c ristã o s) c o m e te ra m o m a io r de
g o s” (Jo 1 5 .1 3 ). M as ele m o rreu por n ós “qu and o [éra­ to d o s os p ecad os (shirk), a firm a n d o ex istire m seres se ­
m o s seus] in im igos” (R m 5 .1 0 ). m elh an tes a D eus (su ra ta 4 .1 1 6 )? P or que D eu s p re ci­
A crucificação é baseada no pecado original. O u tra sa ria m a n d a r p rofetas p a ra ad v erti-lo s de seu p ecad o,
ra zã o p a ra re je ita r a c ru c ific a ç ã o b a s e ia -s e n a re je i­ se n ão fo ssem p ecad ores co n stan tes? Todo o m in istério
ção d a d o u trin a da d ep rav a ção . Os e ru d ito s islâ m ico s p ro fé tico , q u e é a b a se do isla m ism o , se o cu p a co m
são rá p id o s e m re la c io n a r a a firm a ç ã o c ris tã de q u e ch a m a d o ao a rre p e n d im e n to do p ecad o da id olatria.
217 Cristo, objeções morais à morte de

M as p o r que a h u m a n id ad e teria esse ap etite in saciáv el D eu s, ao céu e ao in fern o , n ão fazem se n tid o se m a


p o r falso s deu ses se as p esso as n ão fo ssem depravadas? e x p ia çã o su b stitu tiv a.
A lém d isso , p o r q u e os in cré d u lo s m a n d a d o s p ara Deus p od e perdoar sem castigar. O u tro co n ce ito e r­
o in fe rn o d evem so fre r p ara sem p re? Isso p a re ce im ­ ra d o da re je içã o islâ m ic a da c ru c ific a ç ã o é q u e o D eu s
p lica r g ra n d e p e c a m in o sid a d e p a ra m e re c e r castig o m is e ric o rd io s o p o d e p e rd o a r o p e cad o se m co n d e n á -
tã o sev ero q u a n to o so frim e n to e tern o . É ao m e sm o lo ju sta m e n te . Isso é refletid o n a p erg u n ta de A b d alati:
te m p o fa n ta s io s o e c o n tr á r io ao A lcorão n e g a r a
p e c a m in o sid a d e in e re n te à h u m a n id ad e . O Deus M isericordioso, Perdoador e Altíssim o seria in­
capaz de perdoar os pecados dos hom ens sem infligir essa
Alguns teólogos muçulm anos acreditavam na doutrina suposta crucificação cruel e hum ilhante em quem era não
de pecado hereditário [...] E h á uma tradição fam osa de que o só inocente m as tam bém dedicado ao seu serviço e causa
Profeta do islamismo disse:‘Nenhuma criança nasce sem que de m aneira tão notável? (Abdalati, p. 162).
o diabo a toque, exceto M aria e seu filho Jesus (Nazir-Ali,
p. 165). Resposta ao p erdão sem expiação. D o is e rro s b á s i­
co s e stã o p re se n tes aqu i. P rim e iro , su g ere-se q u e o qu e
T extos do Alcorão a p o ia m a d o u trin a da d ep rav a ­ Je su s fez n ão foi v o lu n tá rio , m a s foi im p o sto so b re ele.
ção h u m a n a . A h u m a n id a d e é p e c a m in o sa e in ju sta O s e v an g elh o s d e cla ra m q u e Je su s deu su a v id a v o ­
(1 4 .3 4 -3 7 ; 3 3 .7 2 ), tola (3 3 .7 2 ), in g rata (1 4 .3 4 / 3 7 ),fraca lu n tá ria e e sp o n ta n e a m e n te . Jesu s d isse : “... eu d ou a
( 4 .2 8 - 3 2 ) , d e se sp e ra d a ou o rg u lh o sa ( 1 1 .9 - 1 2 - 1 0 - 1 3 ) , m in h a vid a p a ra re to m á -la . N in g u ém a tira d e m im ,
d a d a a b rig a s (1 6 .4 ) e reb eld e ( 9 6 .6 ; W o o d b erry , p. m a s eu a d ou p o r m in h a e sp o n tâ n e a v o n tad e. T en h o
1 5 5 ). O Alcorão até d e cla ra q u e ,“se A llah c a s tig a sse os a u to rid a d e p ara d á -la e p a ra re to m á -la ” (Jo 1 0 .1 7 ,1 8 ).
h u m a n o s p o r su a in ig u id a d e n ã o d e ix a ria c ria tu ra a l­ Os m u çu lm a n o s n ão p a recem ap reciar o fu n d a m en ­
g u m a so b re a te rra ” ( 1 6 .6 1 ) . O A iatolá K h o m e in i c h e ­ to so b re o qual o D eu s ju sto e sa n to p o d e p erd o a r os
gou a d izer q u e “a ca la m id a d e d o h o m e m sã o seu s d e ­ p ecad o s. A pesar d e D eus se r so b era n o , ele n ão é p arcial
se jo s c a rn a is, e isso e x iste em to d o m u n d o , e está a r ­ so b re o q u e é certo e errad o (v. G eisler, Christian ethics,
raig ad o à n atu reza do h o m e m ” (W o o d b e rry , p. 1 5 9 ). p. 1 3 6 -7 ). Os m u çu lm a n o s,a ssim co m o o s c ristã o s,a c re ­
Jesus teve de se arrepender pelos pecados. A n e g a ­ d ita m q u e D eu s castig a rá p ara sem p re n o in fern o os
ção is lâ m ic a d a m o rte d e C risto p o r c ru c ific a ç ã o b a ­ q u e n ão se arrep en d erem (cf. su rata 1 4 .1 7 ; 2 5 .1 1 -1 4 ).
se ia -se n u m a m á in te rp re ta çã o so b re o a rre p e n d im e n ­ M as, se a ju stiça sa n ta de D eus exige q u e q u em n ã o o
to. A b d a lati, p o r exem p lo , d escrev e, e n tre su as ra zõ es a ce ita r se ja castig ad o e te rn a m e n te p o r seu s p ecad os,
p a ra re je ita r a c ru c ific a ç ã o de C risto : co n clu i-se q u e D eus n ão p erd o a rá a rb itra ria m e n te sem
u m a b a se ju sta para e sse perd ão. Na teologia islâm ica
É justo da parte de Deus, ou de qualquer pessoa, fazer há p erd ão, m as n ão há b a se p ara esse p erd ão, pois eles
alguém se arrepender pelos pecados ou erros de outros, pe­ re jeita m o p ag am en to sa crificia l de C risto pelo p ecad o
cados que o penitente não cometeu? (A bdalati,p. 160). p era n te o D eus ju sto , pelo qual ele pode d e cla ra r ju sto o
in ju sto q u e a ceita o p ag am en to d e C risto em seu favor
Resposta à acusação de que Jesus teve de se arrepen­ (cf. R m 3 .2 1 -2 6 ).
der. E m n en h u m lu gar na B íb lia está e scrito qu e C risto U m D eu s re a lm e n te ju s to n ã o p o d e s im p le s m e n ­
se arrep end eu pelos n ossos pecad os. Só diz que d e c o r ­ te ig n o ra r o p e ca d o . A n ã o s e r q u e a lg u é m c a p a z de
reu p elos n o sso s p e ca d o s” ( IC o 1 5 .3 ). Judicialmente , p a g a r a d ív id a do p e c a d o a D e u s o fa ç a , e le é o b r ig a ­
D eu s to rn o u , p e cad o p o r n ó s a q u ele q u e n ã o tin h a d o a e x p r e s s a r su a ira, n ã o su a m is e r ic ó rd ia . S e m a
p ecad o ” (2C o 5 .2 1 ). M as em n en h u m a o casião ele c o n ­ c ru c ific a ç ã o , o s iste m a is lâ m ic o n ã o te m m e io s d e
fesso u os p ecad os de algu ém . E n sin o u seus d iscíp u lo s a e x p lic a r c o m o A lá p o d e se r m is e r ic o rd io s o e ju s to
o r a r :“P erd o a-n o s as n o ssas d ív id as” (M t 6 .1 2 ), m as Je ­ ao m e s m o te m p o .
su s n ão se une a eles n essa p etição. Isso é u m a d isto rção O p o n to ceg o te o ló g ic o n e ss e s is te m a c ria d o pel^
to tal do co n ceito da exp iação su bstitutiva. re je iç ã o do s a c rifíc io e x p ia tó rio d e C risto lev a a o u ­
A B íb lia e n sin a q u e Jesu s to m o u n o sso lu gar: p a ­ tra s a firm a ç õ e s in fu n d a d a s, ta is c o m o a p e rg u n ta r e - .
gou o p reço da m o rte p o r n ós (cf. M c 1 0 .4 5 ; R m 4 .2 5 ; tó r ic a de A b d a la ti:
IP e 2 .2 2 ; 3 .1 8 ). E sse co n ce ito de vid a p ela v id a é o
m e sm o p rin c íp io p o r trá s da cre n ça islâ m ic a na p en a A crença cristã] da crucificação e do sacrifício pelo pe­
d e m o rte . Q u an d o u m a ssa s sin o tira a vid a de o u tra cado aparece em alguma religião além dos credos pagãos ou
p e sso a , deve a b rir m ã o da p ró p ria v id a co m o castigo . dos gregos, romanos, índios, persas, e semelhantes? (Abdalati,
V á ria s d o u trin a s rela tiv a s à ju s tiç a e ao p e rd ão de p. 160).
Cristo, objeções morais à morte de 218

A re sp o sta é u m ó b v io “sim ” . É a b a s e do ju d a ísm o Até em relação à T rindade e e n c a rn a ç ã o de C risto,


h is tó ric o , co m o m e sm o u m c o n h e c im e n to ca su a l do os cristã o s o rto d o x o s in sistem e m q u e o s en sin a m e n to s
AT revela. M o isé s d isse a Isra el: “P o is a v id a da c a rn e cristã o s são ra cio n a is (v. lógica ). O s “m istério s” d a fé
e s tá n o s a n g u e , e e u o d e i a v o c ê s p a ra fa z e re m p o d em ir a lém da n o ssa razão e ser a lcan çad o s p o r re ­
p ro p icia çã o p o r si m e sm o s n o a lta r; é o sa n g u e qu e velação esp ecial, m a s n u n ca vão co n tra n o ssa h ab ilid a ­
faz p ro p ic ia ç ã o p ela v id a . É p o r is s o q u e os filh o s de de de co m p reen d er c o m co n sistê n cia ló gica ( v. m istério ).
Is ra e l tin h a m d e s a c rific a r o n o v ilh o da P á sc o a , c o ­ A T rin d ad e, p o r exem p lo, n ão é co n sid era d a co n tra d i­
m e m o ra n d o su a lib e rta ç ã o d o cativ e iro (É x 1 2 .1 s s .). ção. Ela n ão a firm a q u e h á trê s p e sso a s em u m a p esso a,
É p o r is so q u e o N ovo T e sta m e n to fa la de C risto co m o m a s trê s p e sso a s e m u m a essência.
“o C ord eiro d e D eu s, q u e tira o p e cad o d o m u n d o ” (Jo A cruz é itnoral. O s lib e ra is lo u v a ra m a s v irtu d e s
1 .2 9 ). E o a p ó sto lo P au lo c h a m o u C risto “n o sso C or­ da m o rte de C risto co m o e xem p lo d e a m o r sa c rific ia l.
d eiro p a sc a l, [q u e ] fo i sa c rific a d o ” (1 C o 5 .7 ). 0 au to r M as ta n to m u ç u lm a n o s q u a n to lib e ra is d e te sta m a
de H eb reu s a cre s c e n ta : “se m d e rra m a m e n to de s a n ­ id éia do c a stig o su b stitu tiv o p elo p ecad o . E s sa v isã o
gu e, n ã o p e rd ão ” (H b 9 .2 2 ). e sse n c ia lm e n te im o ra l. C o m o p o d e u m a p e sso a in o ­
É cla ro q u e os teólogo s m u çu lm a n o s arg u m en tam ce n te se r c a stig a d a p e lo s cu lp ad o s? A p ró p ria B íb lia
q u e o a i o rig in a l ta m b é m foi d isto rcid o . No en tan to , n ão diz q u e “o filh o n ã o lev a rá a cu lp a d o p a i, n em o
co m o o n t , o s an tigo s m a n u scrito s do m a r M o rto do at p ai, le v a rá a cu lp a d o filh o . A ju s tiç a d o ju s to lh e será
revelam q u e o at h o je é su b sta n cia lm en te o m e sm o que c re d ita d a ; e a im p ie d a d e d o ím p io lh e se rá co b ra d a ”
n a é p o ca de C risto, m a is de 6 0 0 an o s a n tes de M ao m é (E z 1 8 .2 0 )?
(v. G eisler e N ix ,ca p . 2 1 ). P o rtan to , já q u e o Alcorão in ­ U m a p rá tic a h u m a n a q u a se u n iv ersal é c o n sid e ­
cen tiv a o s ju d e u s d a é p o ca d e M ao m é a a ce ita r a revela - ra r lo u v áv eis as a çõ e s d e q u e m m o rre p a ra d e fe n d er
çã o de D eu s n a L ei (su ra ta 1 0 .9 4 ), e já q u e o at ju d a ico é os in o cen tes. So ld ad o s são h o n ra d o s p o r m o rrerem p o r
su b sta n cia lm en te o m e sm o h o je q u e e ra n a é p o ca de seu p a ís. P ais são co n sid e ra d o s co m p a ssiv o s q u a n d o
M ao m é, en tã o o s m u ç u lm a n o s devem a ce ita r q u e sa ­ m o rre m p o r se u s filh o s. M as é e x a ta m e n te isso qu e
crifício s p elo s p ecad o s e ra m u m m a n d am e n to de D eu s. Jesu s fez. C o m o o ap ó sto lo P aulo a firm o u : D ificilm en te
R e jeiç ã o lib era l d a cruz. Ju n ta m e n te co m o s m u ­ h av e rá a lg u ém q u e m o rra p o r u m ju s to , e m b o ra p elo
ç u lm a n o s, o s c ristã o s “lib e ra is ” n ã o -o rto d o x o s r e je i­ h o m e m b o m talvez a lg u é m te n h a co ra g em d e m o rrer.
ta m a ju s tiç a a b so lu ta d e D eu s ( v . e s s e n c i a ü s m o divino ), M as D eu s d e m o n stra se u a m o r p o r n ó s: C risto m o r ­
a d ep rav a ção do h o m e m e a e x p ia çã o su b stitu tiv a . O s reu em n o sso fav or q u a n d o a in d a é ra m o s p e ca d o res
lib e ra is g e ra lm e n te n ã o re je ita m a h isto ric id a d e da (R m 5 .7 -8 )
cru z, m a s a c o n sid e ra m im o ra l. In siste m e m qu e é e s ­ A m o rte sa c rific ia l n ão é e stra n h a ao isla m ism o . A
se n c ia lm e n te ir ra c io n a l e im o ra l c a s tig a r u m a p e sso a p rá tica de Id Ghorban (fe ito de sa c rifíc io ) rep resen ta
in o c e n te n o lu g ar d a cu lp ad a. o sa c rifíc io de um n o v ilh o e m m e m ó ria do sa c rifíc io
A cruz é irracional. N ada p arece m a is co n trad itó rio qu e A b raão fez de seu filh o . P ara a lg u n s isso é a s s o c i­
o u irra cio n a l q u e a id éia de salvação p o r su bstitu ição . ado ao p erd ão dos p ecad o s. S o ld ad o s m u çu lm a n o s que
A té o a p ó sto lo P aulo su geriu isso q u a n d o d isse “a m e n ­ sa c rific a m su as v id a s p e la ca u sa do is la m ism o re c e ­
sag em da cru z é lo u cu ra p a ra os que estão p erecen d o ” b e m o P a ra íso c o m o r e c o m p e n s a (s u r a ta 3 .1 5 7 - 8 ;
( IC o 1 .1 8 ). Na verd ad e, u m dos p ais da ig reja p rim itiv a, 2 2 .5 8 - 9 ) . E n ão é n o v id a d e q u e u m a p e sso a p agu e a
T ertuliano ( c . d écad a d e 1 6 0 -c . 2 1 5 - 2 2 0 ) n ão d isse s o ­ d ív id a de o u tra , m e sm o co m o sa c rifíc io d e su a vid a
b re a cru z: “C reio p o rq u e é absu rd a” (T ertu lian o, 5)? p o r ela.
P o u q u íssim o s te ó lo g o s cristã o s d o p a ssa d o a fir­ Se A lá p o d e p e d ir q u e seu s se rv o s m o rr a m pelo
m a r a m q u e a c r u z e r a ir r a c i o n a l . S e m d ú v id a , isla m ism o , p o r q u e é tã o e stra n h o qu e D eu s c h a m a s ­
T ertu lian o ja m a is d isse q u e a m o rte de C risto e ra a b ­ se seu F ilh o p a ra m o rre r a fim de q u e a sa lv a ção p u ­
su rd a , qu e te ria sid o a p a lav ra la tin a absurdum. Ele d e sse ser o ferecid a aos m u ç u lm a n o s e p a ra o resto do
d isse q u e e ra “lo u cu ra ” (L a t.: ineptum) p a ra os q u e e s ­ m u n d o? O Alcorão dá u m b elo exem p lo de e x p ia çã o
ta v a m m o rre n d o — in cré d u lo s — e x a ta m e n te co m o su b stitu tiv a ao d escrev er o sa c rifíc io de A b raão do seu
P au lo d isse . T ertu lia n o se m p re p ro m o v eu o u so da ra ­ filho no M o n te M o riá. A su ra ta 3 7 .1 0 2 - 7 diz:
zão e d a c o n sistê n c ia ra c io n a l n a su a teo lo g ia. D isse:
“N ada p o d e se r co n sid e ra d o ra c io n a l se m o rd e m , m u i - Seu pai lhe disse: Ó filho m eu, sonhei que te degolava...
to m e n o s a p ró p ria ra z ã o p a ssa r se m o rd em ” (ib id .). quando am bas aceitaram o desígnio (de Allah) e (Abraão)
A té q u a n d o falava do m is té rio d o liv re -a rb ítrio h u m a ­ preparava (seu filho) para o sacrifício, então o cham am os
n o ,T e rtu lia n o d ecla ro u q u e “n em a ssim p o d e se r c o n ­ [D eus]: Ó A braão... E o resgatamos com outro sacrifício
sid e rad o ir ra c io n a l” (ib id ., 1 .2 5 ). im portante [grifo do autor].
219 Cristo, objeções morais à morte de

0 u so d as p a la v ra s sacrifício e resgate é e x a ta m e n ­ Fontes


te o q u e o s c ris tã o s q u e re m d izer co m a m o rte de Je ­ H. A bdalati, Islam in focus.

su s n a cru z. Jesu s u so u a s m e sm a s p a la v ra s p a ra d e s ­ A. A. A b d il -H aqq, S/wrmg your faith with a muslim.


c re v e r a p ró p ria m o rte (M c 1 0 .4 5 ) . E n tã o a m o rte M. A li, Religious ideas o f Sir Sayaad Ahmad Khan.
sa c rific ia l de C risto n ã o se op õ e ao Alcorão. R. B , The origin o f Islam in its Christian
e ll

C om o foi observado, o peso dessa crítica da cruz b a ­ environment.


s e ia -s e n a fa lsa p re m is s a q u e a m o rte d e Je su s foi A. R. Doi, “The status o f prophet Jesus in Islam -n,”
involuntária. M as ela não foi forçada. Ao aguardar a cruz, stwu, Jun. 1982.
Jesus disse ao Pai: “não seja feita a m in h a vontade, m as a W. D. E dwards, et a l.,“On the physical death o f Je­
tua” (L c 2 2 .4 2 ). Antes, no evangelho de João, Jesus referiu- sus Christ”, ;.4AM, 21 Mar. 1986.
se ao sacrifício da sua vida ao dizer: “N inguém a tira de N. L. G eisi.fr , Ética critã.
__ e A. Saleeb, Answering Islam: the
m im , m as eu a dou por m in h a espontânea vontade” (Jo
10.18). O livro de Hebreus registra as palavras de Jesus: Aqui Crescent in the light o f the cross.

estou, no livro está escrito a m eu respeito; vim para fazer a __ e W. E . N i x , Introdução bíblica.
G. H aberm as , Ancient evidence for the life o f Jesus.
tua vontade, ó Deus” (H b 10.7).
M. H. H ayk ai , The life o f Mohammed.
N ão h á o u tra m a n e ira de p agar a d ívid a do pecad o
Justin' o M artin , First apology, em Ante-nicenefathers.
exceto que o filho san to de D eus o faça. C om o A n selm o
S. S. M uffasir .Jesus, a prophet o f Islam.
arg u m en to u (e m CurDeus homo?), o p reço do pecad o
M . N azir - A li , Frontiers in muslim-christian
deve ser pago a D eus. A ju stiça de D eus exige que o p e ­
encounter.
cad o se ja exp iad o (cf. Lv 17.11 ; H b 9 .2 2 ). E n tão, ao in ­
“Sanhedrin,” The babylonian Talmud.
vés de in ju stiça , é a ju stiç a qu e exige a exp iação su b sti­
T ertulia xo , On the flesh o f Christ.
tu ta de C risto. O Alcorão e n sin a qu e D eu s é ju sto (v.
]. D. W oodberry , org., Muslims and Christians on the
su rata 2 1 .4 7 -8 ). Ju stiça abso lu ta sig n ifica qu e D eus n ão
Emmaus road.
p o d e sim p lesm en te ignorar o p ecad o. U m p reço deve
A. Z. Y amasi, “Prefácio”, W. M . W att, Islam and
ser pago, ou pelas p ró p rias p esso as ou p o r o u tra p esso a
Christianity today: A contribution to dialogue.
n o lu gar delas, que as cap acita a ir p a ra o céu.
P u n ir u m a p esso a in o cen te n ão q u eb ra n en h u m a C r is to , s in g u la r id a d e d e . O s c ris tã o s o rto d o x o s a c r e ­
lei m o ra l co n ta n to q u e ela esteja d isp o sta e u m a lei m o ­ d itam q u e Jesu s é o F ilh o u n ig é n ito d e D eu s em c a rn e
ra l m a io r e x ija a su sp en são da lei m e n o r (v. G eisler, Éti­ h u m a n a ( v. C r isto , divindade d e ). M as a lg u n s in c ré d u ­
ca cristã). No caso da cru z, tra ta -s e da salv ação do m u n ­ los, q u e p o d e m o u n ã o c re r q u e Je su s e x istiu , n ã o a c r e ­
do, pela q u al C risto, o in o cen te, a ceito u v o lu n ta ria m e n ­ d itam q u e Jesu s e ra u m h o m e m n e c e ssa ria m e n te s á ­
te a in ju stiça de m o rrer n u m a cru z. bio o u e sp e c ific a m e n te b o m . O u tro s, c o m o o s m u ç u l­
Conclusão. A c rític a m o ra l da cru z b a s e ia -s e n u m m a n o s (v. isLAMiSMo), a ch a m q u e Je su s foi u m p ro fe ta,
ra c io c ín io circu la r. N ão faz se n tid o a firm a r q u e a e x ­ d en tre o u tro s p ro fetas. O hinduísm o re tra ta C risto co m o
p ia çã o su b stitu tiv a é essencialmente im o ra l a n ão ser u m d e n tre v á rio s g ra n d e s g u ru s. O s lib e ra is e m u ito s
q u e alg o s e ja e s s e n c ia lm e n te m o ra l, u m a n a tu re z a o u tro s a cre d ita m q u e C risto fo i u m se r h u m a n o b o m
im u ta v e lm e n te m o r a l d e D e u s . M a s a n a tu r e z a e u m g ra n d e e xem p lo m o ra l.
im u tav elm en te ju sta e sa n ta d e D eu s exige q u e o p e c a ­ No seu e n sa io “ P or q u e n ão so u c ristã o ” , o a g n ó stic o
d o se ja castig a d o . A n ã o se r q u e a ju stiça de D eu s se ja B e rtra n d R u ssell e screv eu : “H isto ric a m e n te é p o u co
sa tisfe ita p o r o u tra p e sso a n o lu g ar d o s p e ca d o res, o provável q u e C risto te n h a se q u e r e x istid o e, se e x istiu ,
p rin c íp io e sse n c ia l, m o ra l e e te rn o , u sad o p elo s lib e ­ n ão sa b e m o s n ad a a seu resp eito ” . Q u an to ao c a rá te r
ra is e x ig iria q u e to d o s fo sse m p u n id o s e te rn a m e n te de C risto , d isse:
p o r se u s p e cad o s n o in fern o . M as e ssa d o u trin a ta m ­
b é m n ão a g rad a aos lib e ra is. A ssim , se D eus é a m o ro ­ E u m e s m o n ão co n sig o s e n tir q u e e m q u e s tã o d e s a b e ­
so, co m o os lib era is felizm ente a d m item , en tão ele p re ­ d o ria ou de v irtu d e C risto e s te ja n o m e s m o n ív e l q u e o u tra s
cisa e n co n tra r u m a m a n e ira de p agar n o ssa dívida do p e sso a s c o n h e cid a s n a h is tó r ia . A cho q u e d ev o c o lo c a r B u d a
p ecad o e n os livrar. C risto se d isp ô s e satisfez a ju stiça e S ó c ra te s a c im a d e le n e s s e s a s s u n to s (R u s s e ll, Por que não
de D e u s,“o ju sto pelos in ju sto s” ( IP e 3 .1 8 ), p ara lib era r sou cristão).
o a m o r red en tor de D eus e n os lib e rta r da cu lp a e das
co n se q ü ê n cia s dos n o sso s p ecad os (Jo 3 .1 6 ; R m 5 .8 ). D iv in d ad e e h u m an id ad e. O c ris tia n is m o é s in ­
N ão h á ou tra m a n eira. g u la r e n tre a s r e lig iõ e s m u n d ia is, e a sin g u la rid a d e
Cristo, singularidade de 220

v erd ad eira de C risto é o ce n tro do c ristia n is m o . A v er­ Singular na vida. D esd e o seu p rim e iro m ilag re em
dad e so b re C risto é b a se a d a p rin c ip a lm e n te n o s d o ­ C aná da G aliléia ( Jo 2 .1 1 ), o m in istério de Jesus foi m a r­
cu m en to s do nt q u e fo ram co m p ro vad o s a u tên tico s em cad o p o r m ilag res (cf. Jo 3 .2 ; At 2 .2 2 ). N ão e ra m cu ras
o u tro a rtig o (v. Novo T e s t a m e n t o , c o n f i a b i l i d a d e d o s m a ­ de d o e n ça s ilu só rias, n em p o d ería m ser exp licad os com
n u s c r i t o s d o ; Novo T e s t a m e n t o , h i s t o r i c i d a d e d o ) . O re­ dados n atu rais. S ão singu lares (v. m i l a g r e ) p o rq u e são
g istro d o n t , p rin c ip a lm e n te d o s e v an g elh o s, é u m dos im ed iato s, sem p re b em -su ce d id o s, n ão tiv eram re in ci­
d o c u m e n to s m a is co n fiá v e is do m u n d o an tigo . A p a r­ d ê n cia co n h ecid a e cu ra ra m d o e n ça s que e ra m in c u rá ­
tir d e sses d o c u m e n to s a p re n d em o s q u e v á ria s face ta s veis pela m e d icin a , tais co m o p e sso a s n ascid as cegas
d a p e sso a de C risto são a b so lu ta m e n te sin g u lares. (Jo ão 9 ). Jesus até ressu scito u d o s m o rto s v árias p e sso ­
Jesu s C risto era sin g u lar pelo fato de a p en as ele, de as, in clusive Lázaro, cu jo co rp o já estava se d e co m p o n ­
to d o s que viv eram , ter sido D eus e h o m e m . O n t en sin a do (Jo 1 1 .3 9 ).
a d iv in d ad e e h u m a n id a d e to ta lm en te u n ifica d a s de Jesus tra n sfo rm o u águ a em v in h o (Jo 2 .7 s .), an d ou
C risto. O Credo de N icéia (3 2 5 d .C ) a firm a a cren ça u n i­ so b re a água (A lt 1 4 .2 5 ), m u ltip lico u pão (Jo 6.1 ls .) ,
fo rm e de tod o c ristia n is m o o rto d o x o de qu e C risto era abriu os o lh os dos cegos (Jo 9 .7 s .), fez os coxos an d ar
to talm en te D eu s e to talm en te h o m e m em u m a p esso a. (iMc 2 .3 s.), exp u lso u d e m ô n io s (M c 3 .1 0s.), cu rou tod o
T o d as as h e re sia s rela tiv a s a C risto n e g a m u m a ou tip o de d o e n ça (M t 9 .3 5 ), in clu in d o lep ra (M c 1 .4 0 -4 2 ),
a m b a s as p ro p o siçõ es. A penas isso, co m o aleg ação, já o e até re ssu scito u os m o rto s e m v á ria s o c a siõ e s (M c
to rn a sin g u lar en tre tod os os ou tro s líd eres ou p e rso ­ 5 .3 5 s.; L c 7 .1 1 -1 5 ; Jo 1 1 .4 3 ,4 4 ). Q u an do p e rg u n ta ra m
n ag en s religio sas que já v iveram , o qu e p o d e ser c o m ­ se ele era o M essias, u sou seu s m ilag res co m o e v id ên cia
provado co m e v id ên cias factu ais. A lgu m as d essas e v i­ p ara ap oiar a a firm a çã o , dizend o: V oltem e a n u n cie m a
d ê n cias são v istas em o u tro s a sp ecto s da sin gu larid ad e João o que vo cês estão o u vind o e ven d o : o s cegos vêem ,
de C risto (v. C r i s t o , d i v i n d a d e d e ) . os m a n co s a n d am , os lep ro so s sã o re ssu scita d o s, e a s
A n atu reza sobren atu ral d e Cristo. Singular nas b o a s novas são p regad as aos p o b res (M t 1 1 .4 ,5 ). E ssa
profecias messiânicas. Jesus teve u m a e x istê n cia ch eia gran d e q u an tid ad e de m ilag res foi u m sin al e sp ecial de
de m ilag res e p o d e r so b ren a tu ra l desd e sua co n cep ção q u e o M e s s ia s v ie r a (v. Is 3 5 . 5 , 6 ) . O líd e r ju d e u
até su a a scen sã o . Sécu lo s an tes do seu n ascim en to , foi N ico d em o s até d isse: M estre, sa b e m o s q u e e n sin a s da
alvo de p red içõ es p o r p a rte da p ro fecia so b ren a tu ra l (v. p a rte de D eu s, p o is n in g u é m p o d e realiz ar o s sin a is
m il a g r e s n a B íb l ia ; p r o f e c ia c o m o pro va d a B íb l ia ). m iracu lo so s qu e estás fazend o, se D eu s n ão estiv er co m
O a t , que até o c rítico m a is ferv o ro so reco n h ece que ele (Jo 3 .2 ).
já e x istia sé cu lo s an tes de C risto ,p re v iu onde (M q 5 ,2 ), Singular na morte. Os ev entos relativos à m o rte de
quando (D n 9 .2 6 ) e com o (Is 7 .1 4 ) se ria a v in d a de C risto fo ram m ira cu lo so s (v. C risto , morte d e ). Isso in ­
C risto ao m u n d o . E le n a s c e ria de u m a m u lh e r (G n cluiu a escu rid ão de m eio - dia às trê s d a tarde (M c 15.33)
3 .1 5 ) d a lin h a g e m do filh o d e A d ão , S e te (G n 4 .2 6 ) , e o terrem o to que a b riu os tú m u lo s e rasgou o véu do
a tra v és do filh o de N oé, S em (G n 9 .2 6 ,2 7 ) , e de A b raão sa n tu ário (M t 2 7 .5 1 -5 4 ). A m a n e ira pela q u al so freu a
(G n 1 2 .3 ; 1 5 .5 ). V iria p ela tr ib o d e Ju d á (G n 4 9 .1 0 ) e to rtu ra m o rta l da cru cifica çã o foi m iracu lo sa. A atitu d e
s e ria d e sc e n d e n te de D avi (2 S m 7 .1 2 s s .) . O a t p rev iu qu e teve em relação aos seu s zom b ad o res e carra sco s
q u e C risto m o rr e r ia p e lo s n o s s o s p e c a d o s (S I 2 2 ; ls foi m iracu lo sa, d izend o: “P ai, p e rd o a -lh es, pois n ão sa ­
5 3 ; D n 9 .2 6 ; Z c 1 2 .1 0 ) e r e s s u s c ita ria d o s m o rto s (Sl b em o q u e estão faz en d o ” (L c 2 3 .3 4 ). A m a n e ira pela
2 .7 ; 1 6 .1 0 ). qual ele realm en te m o rreu foi m ira cu lo sa . C om o Jesu s
T od as e ssa s p ro fe cia s so b re n a tu ra is fo ra m c u m ­ d isse: “p o rq u e eu d ou a m in h a v id a p a ra re to m á -la
p rid a s sin g u la rm e n te em Jesu s C risto. Isso n ã o a c o n ­ n in g u é m a tira de m im , m a s eu a d ou p o r m in h a e s ­
te ceu co m n e n h u m d o s g ra n d e s líd eres ou p e rso n a ­ p o n tâ n ea v o n tad e” (Jo 1 0 .1 7 ,1 8 ). No m o m e n to da sua
g e n s e s p ir itu a is q u e já v iv e ra m , in c lu in d o M a o m é p a rtid a, n ã o foi v en cid o pela m o rte , m a s entregou seu
(v. M a o m é , s u p o s t o s m i l a g r e s d e ) . e sp írito v o lu n ta ria m e n te . Je su s d isse : “ E s ta c o n s u ­
Singular na concepção. C risto n ão só foi pred ito so ­ m a d o !” C o m is s o , c u r v o u a c a b e ç a e e n tr e g o u o
b r e n a tu r a lm e n te , ta m b é m fo i c o n c e b id o de fo rm a e sp írito ” (Jo 1 9 .3 0 ).
m iracu lo sa. Ao a n u n cia r sua co n cep ção virgin al, M ateus Singular na ressurreição. O m a io r m ilag re da m is ­
(1 .2 2 ,2 3 ) in d ica a p ro fecia de Isaías (7 .1 4 ). L u cas, um são te rre n a de Jesu s foi a ressu rreiçã o (v. r e s s u r r e i ç ã o ,
m éd ico , reg istra esse in ício m ira cu lo so de vida h u m a ­ e v i d ê n c i a s d a ) . Ela n ão só foi prevista n o a t (Sl 2 ;1 6 ),m a s

n a (L c 1 .2 6 s.); Paulo faz alu são ao fato em G álatas 4.4. o p ró p rio Jesus a previu desd e o in ício do seu m in isté ­
D e to d as as co n ce p çõ es h u m a n a s, a de Jesus se d estaca rio. D isse: D estru a m e ste tem plo, [do m eu co rp o ] e eu
co m o sin g u lar e m iracu lo sa ( v . v i r g i n a l , n a s c i m e n t o ) . o lev an tarei em três d ias’ [... ]M as o tem p lo do q u al ele
221 Cristo, singularidade de

falava e ra o seu co rp o ” .s (Jo 2 .1 9 , 2 1 ; M t 1 2 .4 0 -4 2 ; Jesu s foi o exem p lo p erfeito d e p a ciê n cia , b o n d a d e e


1 7 .9 ). Je su s d e m o n stro u a realid ad e da su a re ssu rre i­ co m p aixão . Teve co m p aix ã o d as m u ltid õ es (M t 9 .3 6 ), a
ç ã o em d oze a p a riç õ e s d u ra n te 4 0 d ias p a ra m a is de ponto de ch o ra r p o r Je ru salé m (M t 2 3 .3 7 ). A pesar de
5 0 0 p e sso a s . co n d en ar ju sta m e n te (e m te rm o s cla ro s) o s fariseu s qu e
Singular na Ascensão. A ssim co m o sua en trad a n e s­ en g an av am o s in o ce n tes (M t 2 3 ), n ão h esitou em falar
se m u n d o , a p a rtid a d e Jesu s ta m b é m foi m ira c u lo sa . co m líd eres ju d eu s q u e d e m o n stra v am in teresse ( Jo 3 ).
D ep o is de c o m iss io n a r se u s d isc íp u lo s,“E eles fica ra m Ao combinar características aparentemente opostas.
c o m o s o lh o s fixo s n o cé u e n q u a n to ele su b ia. De re ­ U m a d as co isa s sin gu lares so b re C risto é a m a n e ira pela
p en te su rg ira m d ian te d eles d o is h o m e n s v estid o de q u al u n ia n a sua p e sso a c a ra c te rístic a s q u e em q u a l­
b ra n c o ” (A t 1 .1 0 ). q u er o u tra p e sso a p a re ceria m im p o ssív eis. Foi e x e m ­
Ao co n trá rio da o p in ião de algu n s (v. H a rris.p . 4 2 3 ), plo p erfeito de h u m ild ad e, a p o n to de lavar os p és de
essa n ão foi u m a “p a ráb o la ”, m a s sim a a sc e n sã o c o r­ seu s d iscíp u lo s (Jo 15). M as fez a firm a ç õ e s a u d acio sas
p o ral, literal, ao céu , do q u al v o ltará n o m e sm o co rp o de divindade, tais co m o: “Eu e o P ai so m o s um ” ( Jo 1 0.30 )
literal p ara re in a r n este m u n d o (At 1.1 1; Ap. 1 .7 ,1 9 ,2 0 ). e “an tes de A braão n a sce r, Eu Sou” (Jo 8 .5 8 ; cf. Ê x 3 .1 4 ).
O s g ra n d e s C red o s c ris tã o s e n fa tiz a m c la ra m e n te a A a firm a ç ã o “so u m a n so e h u m ild e de co ra çã o ” (M t
m ira cu lo sa a scen sã o co rp o ra l de C risto. 1 1 .2 9 ) p a rece arro g an te, m a s co m p rovou ta is p alav ras
Singular na santidade. A lg u n s d o s in im ig o s de p o r su a atitu d e p a ra co m as c ria n ç a s (M t 1 8 ). No e n ­
C risto tro u x e ra m fa lsa s a cu sa çõ e s c o n tra ele, m a s o ta n to , e r a tã o f o r te q u e v ir o u a s m e s a s d o s q u e
v e re d icto de P ila to s n o seu ju lg a m e n to foi o v ered icto co m ercializav am n a ca sa de D eu s, u san d o u m ch ico te
d a h istó ria : “N ão v ejo n este h o m e m c rim e a lg u m ” (L c p ara e sp a n ta r seu s a n im a is ( Jo 2 ). Jesu s e ra co n h ecid o
2 3 .4 ). U m so ld ad o na cru z co n co rd o u , d izen d o : “C er­ p o r su a b o n d a d e, m a s foi severo co m o s h ip ó c rita s q u e
ta m e n te , e ste h o m e m era ju s to ” (L c 2 3 .4 7 ), e o la d rão en gan avam os in o ce n tes (M t 2 3 ).
n a cru z ao lado de Jesu s d isse q u e “M as e ste h o m e m Vida e ensinamento. C o m o o p ró p rio Je su s d e c la ­
n ão c o m ete u n en h u m m a l” (L c 2 3 .4 1 ). rou , a e ssê n c ia d o q u e e n sin o u está e sta b e le c id a n o a t
P ara a d e sc riç ã o do q u e as p e sso a s m a is p ró x im a s (M t 5 .1 7 ,1 8 ) . E le c o n d e n o u tra d iç õ e s irre le v a n te s e
de Jesu s p e n sa v a m do seu ca rá te r, H eb reu s diz que ele
m á s in te rp re ta çõ e s d o a t (M t 5 .2 1 s ., 1 5 .3 -5 ; v. a c o m o ­
foi ten ta d o co m o h o m e m ,“p o ré m , se m p e cad o ” (4 .1 5 ).
d a ç ã o , t e o r i a d a ) . A p esa r d a e ssê n c ia d o q u e e n sin o u
O p ró p rio Je su s d e sa fio u seu s a cu sa d o re s: “Q ual de
n ão ser nova, a fo rm a e a m a n e ira p ela q u al e n sin o u
v o cê s p o d e m e a cu sa r de a lg u m p e cad o ?” (Jo 8 .4 6 ),
foi sin gu lar. 0 S e rm ã o do M on te em p reg a u m m é to d o
m a s n in g u é m foi cap az de cu lp á -lo de n ad a. A ssim , o
de e n sin o novo.
c a rá te r im p ecá v e l de C risto dá te ste m u n h o du plo da
As paráb o las vívidas, co m o o b o m sa m arita n o (L c
verd ad e da su a p ro cla m a çã o . A sa n tid a d e de Jesu s foi
1 0 ),o filho pródigo (L c 15) eao v e lh a perdida (L c .1 5 .4 ss.),
sin gu lar.
são o b ra s-p rim a s de co m u n icaçã o . As p a ráb o la s estão
O ca rá ter d e Cristo é singular. 0 c a rá te r de C risto
n o cen tro do estilo de e n sin o de Jesu s. Ao se in sp ira r no
era sin g u la r de o u tra s m a n e ira s. E le m a n ife sto u em
estilo de vida d as p esso as p ara ilu strar verd ad es que
g rau ab so lu to as m e lh o res v irtu d es. T am b ém c o m b i­
q u eria tra n sm itir, Jesus co m u n icav a a verd ad e e refu ta ­
n o u c a ra c te rístic a s a p a re n tem en te o p o stas.
va o erro. A lém d isso , ao falar em p a ráb o la s p o d ia e v i­
Ao exemplificar virtudes. Até B e rtra n d R u s s e l l , que
tar “la n ça r p érolas aos p o rco s” . P od ia co n fu n d ir o s que
im a g in av a ver d efeito s n o c a rá te r de C risto, co n fe sso u
n ão q u e ria m acred ita r (o s in cré d u lo s), m a s ilu m in a r
m e sm o a ssim q u e “o q u e o m u n d o p re cisa é de am or,
a m o r c ristã o , o u co m p a ix ã o ” . M as isso n ão c o rre sp o n ­ os que q u eriam acred ita r (o s d iscíp u lo s). E m b o ra o uso
de a c re n ç a da m a io ria , a sab er, q u e C risto foi a m a n i­ de aleg orias e p a ráb o la s em si n ão fosse o rig in al, a m a ­
fe sta çã o p e rfe ita da v irtu d e do am or. n eira co m o Jesus as em pregou era. Ele tro u xe a a rte de
A su b m issã o v o lu n tária de Jesu s ao so frim en to e e n sin a r m isté rio s e tern o s e m te rm o s d a e x p e riên cia
m o rte ig n o m in io sa p o r cru cifica çã o , tend o ao m esm o co tid ian a p ara um novo p atam ar. As “leis do e n sin o ”
tem p o a m o r e p erd ão pelos q u e o m atav am , é prova id en tificad as p o r p edagogos m o d e rn o s (Shafer, Seven
d essa v irtu d e (L c 2 3 .3 4 ,4 3 ). Só ele viveu p erfeitam en te hws), fo ram p raticad as p erfeita m en te n o estilo de e n si­
o qu e e n sin o u n o S e rm ã o do M on te (M t 5 — 7 ). Ele n ão no de Jesus.
se vingou de seus in im ig o s; pelo co n trário , p erd oo u -o s. A m a n e ira p ela q u a l Jesu s e n sin o u foi sin g u lar.
R epreend eu seu s d iscíp u lo s p o r fazer m au uso da e sp a ­ Os intelectu ais judeu s ad m itiram : “N ingu ém ja m a is fa­
da (M t 2 6 .5 2 ), e m ilag ro sam en te reco lo cou e curou a lou da m aneira com o esse h om em fala” ( Jo 7.4 6). E n q u a n ­
o relh a am p u tad a d e u m dos q u e, d en tre a tu rb a , v ieram to ensinava em p arábolas, as m u ltid ões se aglom eravam
p a ra lev á-lo à m o rte (L c 2 2 .5 0 ). para ou vi-lo (M t 13.34). Q uando jovem , im p ressio n ou
Cristo, singularidade de 222

até o s ra b in o s do tem plo. Pois “T odos os qu e o o u viam co m o F ilh o so b re a c a s a de D eu s; e e sta c a s a so m o s


ficav am m arav ilh ad o s co m o seu en ten d im en to e com n ó s, se é q u e n o s a p eg a m o s firm e m e n te à c o n fia n ç a e
as su as resp ostas” (L c 2 .4 7 ). M ais tarde, co n fu n d iu aqu e­ à e sp e ra n ç a da q u a l n o s g lo ria m o s. A p esa r d e M o isés
les q u e te n ta ra m e n g a n á -lo de fo rm a q u e “N ingu ém s e rv ir a D eu s, Jesu s foi d ecla ra d o F ilh o de D eu s co m o
co n seg u ia resp o n d er-lh e u m a p alav ra; e daqu ele dia em d ire ito de re in a r so b re to d o s os serv o s.
d ian te, n in g u é m ja m a is se atreveu a lh e fazer p erg u n ­ Os milagres de Cristo são superiores aos de Moisés.
ta s” (M t 2 2 .4 6 ). M o isés realizou g ran d es m ilag res, m a s os m ilag res de
Cristo é superior. Jesu s C risto foi sin g u la r de to ­ C risto fo ram m a io res em grau (v. m i l a g r e s n a B í b l i a ) .
d as as fo rm a s. D a d iv in d a d e co m p le ta à h u m a n id a d e M oisés levantou a serp en te de bro n ze p a ra c u ra r o s que
p e rfe ita ; d a co n c e p ç ã o m ila g ro sa da à a sc e n sã o so b re ­ a o lh asse m , m a s n isso ele ap en as seguiu in stru çõ e s. Ja ­
n a tu ra l; d a c a rá te r im p ecá v el até seu e n sin a m e n to in ­ m a is fez os cegos verem , os su rd os ou virem . E n ã o h á
c o m p a rá v el — Je su s e stá a cim a d e to d o s os o u tro s n ad a n o m in istério de M oisés p ara ser co m p arad o à re s­
m e stre s re lig io so s o u m o ra is. su rreiçã o de Lázaro ou de C risto.
Cristo é superior a Moisés. C om o ju d e u , Je su s n ão As afirmações de Cristo são maiores que as de Moisés.
tin h a a rg u m e n to s c o n tra M o isé s, o p ro fe ta q u e tro u x e M oisés ja m a is a firm o u ser D eus e n ão fez n ad a além de
a le i ju d a ic a e tiro u os isra e lita s do cativ eiro eg íp cio cu m p rir seu papel de profeta. Jesus a firm o u se r D eu s e
p a ra a lib e rd a d e c o m o n a ç ã o in d e p e n d e n te . M o isé s e
previu a p rópria ressu rreição p a ra prová-lo.
Je su s e ra m p ro fe tas do m e sm o D eu s, e Jesu s d isse que
Cristo é superior a M aomé. M a o m é , o fu n d a d o r do
n ã o veio p a ra a b o lir a le i (e n c o n tra d a n a s o b ra s de
isla m ism o , co n co rd o u c o m Je su s e M o isé s q u e D eu s é
M o isé s), m a s p a ra c u m p ri-la (M t 5 .1 7 ). Je su s d eixa
u m ( v . i s l a m i s m o ) , qu e c rio u o u n iv erso e q u e e stá a lém
im p lícito q u e as p a lav ra s de M o isés são as p a lav ra s de
d o u n iv erso. H á u m n ú m e ro c o n sid e rá v e l d e c o n c o r­
D eu s (c o m p a ra r M t 1 9 .4 ,5 c o m G n 2 .2 4 ). P o rém , em
d â n cia s so b re o s ev en to s d o s p rim e iro s d e z e s se is c a ­
v á rio s a sp e cto s, v em o s q u e Jesu s é su p erio r a M oisés.
p ítu lo s de G ê n e sis , a té o p o n to e m q u e H a g a r fo i e x ­
Cristo éprofeta superior a Moisés. E m D e u tero n ô -
p u ls a d a c a s a d e A b r a ã o . D e p o is d is s o , a B íb lia
m io 1 8 .1 5 -1 9 , M o isés p rev iu q u e D eu s le v a n ta ria um
e n fa tiz a Is a q u e e o is la m is m o s e p re o c u p a co m o q u e
p ro fe ta ju d e u co m u m a m e n sa g e m e sp e cia l. Q u alq u er
a c o n te c e u c o m se u p a tria rc a , Is m a e l. O e n s in a m e n to
p e sso a q u e n ã o a cre d ita sse n esse p ro feta se ria ju lg a d a
p o r D eu s. E s sa p a ssa g e m te m sid o tra d ic io n a lm e n te d e M a o m é p o d e s e r re su m id o e m c in c o d o u trin a s :
in te rp re ta d a c o m o referen te ao M essia s. G ê n e sis 3 .1 5
ta m b é m é in te rp re ta d o p o r m u ito s c o m o re fe rê n c ia a 1. A lá é o ú n ic o D eu s v erd ad eiro .
Je su s “a se m e n te d a m u lh e r q u e e sm a g a ria a c a b e ç a 2 . A lá e n v io u m u ito s p r o f e ta s , in c lu in d o - s e
d a se rp e n te ” . M o is é s e J e s u s , m a s M a o m é é o ú ltim o e
A revelação de Cristo é superior à de Moisés. “P ois a m a io r.
le i foi dad a p o r in te rm é d io d e M o isés; a g ra ç a e a verd a­ 3 . O Alcorão é o livro religioso su p rem o (v. A l c o ­
r ã o , s u p o s t a o r i g e m d i v i n a d o ) , sen d o m a io r q u e a
de v ieram p o r in te rm é d io de Jesus C risto” ( Jo 1 .1 7 ). A pe­
sa r de M o isés esta b e le cer a s estru tu ra s m o ra is e so cia is L ei, o s S alm o s, e o In jil (E v an g elh o s) de Jesus.
q u e gu iav am a n ação , a lei n ão p o d ia salvar n in g u ém 4. H á m u ito s se re s in te rm e d iá rio s e n tre D e u s e
d o castig o d o s seu s p ecad o s, q u e é a m o rte. C om o Paulo n ó s ( a n jo s ), a lg u n s d o s q u a is sã o b o n s e a l­
d iz :“...n in g u é m se rá d e cla ra d o ju s to d ian te d ele b a se - g u n s m a u s.
a n d o -s e n a o b e d iê n c ia à le i, p o is é m e d ia n te a le i qu e 5 . A s o b ra s d e ca d a h o m e m se rã o a v a lia d a s p a ra
n o to rn a m o s p le n a m e n te c o n sc ie n te s do p ecad o ” (R m d e te rm in a r q u e m se rá d e stin a d o ao c é u e ao
3 .2 0 ). A revelação q u e veio p o r m eio de Jesu s é qu e os in fe r n o n a re ssu rre iç ã o . A m a n e ir a d e c o n s e ­
p ecad o s q u e a lei revelou fo ram p erd oad o s, “sen d o ju s ­ g u ir sa lv a ç ã o in c lu i re c ita r o shahadah v á ria s
tifica d o s g ra tu itam e n te p o r su a g ra ça , po m e io d a re­ v e z e s ao d ia ( “ N ão h á D eu s a lé m d e A lá ; e
d e n çã o q u e h á em C risto Jesus” (R m 3 .2 4 ). A revelação M a o m é é seu p ro feta.” ); o ra r c in c o v ezes p o r
d e C risto foi co n stru íd a so b re o alicerce de M oisés ao d ia ; je ju a r um m ê s d e c a d a a n o ; d a r e sm o la s
reso lver o p ro b lem a q u e a lei n o s m o stro u . e fa z e r p e re g rin a ç õ e s a M eca .
A posição de Cristo é superior à de Moisés. M oisés é o
m a io r dos p rofetas do a t , m a s Jesu s é m ais q u e u m pro­ Cristo oferece uma mensagem superior. Jesus fez afir­
feta. C om o a ep ísto la a o s H ebreus diz; M o isés foi fiel m ações superiores às de M aom é. Jesus afirm ou ser Deus
co m o servo e m to d a a ca sa de D eu s, d an d o testem u n h o (v. C r i s t o , d i v i n d a d e dh).M aom é afirm ou apenas ser u m sim ­
d o q u e h averia d e se r dito n o fu tu ro, m a s C risto é fiel ples h o m e m que era profeta ( v . M a o m é , s u p o s t o c h a m a d o
223 Cristo, singularidade de

d i v i n o d e ) . Portanto, se Jesus n ão é D eus, certam en te n ão é O ensinamento de Cristo é m oralmente superior. O


profeta. Jesus ofereceu um a confirm ação superior das suas h in d u ísm o o rto d o x o in siste e m q u e p e sso a s so fre d o ­
afirm ações. Jesus realizou vários m ilagres. M aom é não tez ras s e ja m a b a n d o n a d a s ao so frim e n to , p o rq u e e sse é
m ilagres e adm itiu no Alcorão que Jesus fez m uitos. Só Je­ seu d e stin o d e te rm in a d o p elo ca rm a . Je su s d is s e :“A m e
sus m orreu e ressuscitou dos m ortos. o seu p ró x im o c o m o a si m e sm o ” . E le d e fin iu p ró x i­
Cristo oferece o melhor caminho de salvação. Ao co n ­ m o co m o q u a lq u e r p e sso a n e c e ssita d a . Jo ã o d isse : “Se
trá rio do D eus do islam ism o , o D eus da B íb lia foi ao n o s­ a lg u ém tiv er re cu rso s m a te ria is e, ven d o seu irm ã o e m
so en co n tro ao m a n d ar seu Filho à terra p ara m o rrer p e­ n ece ssid a d e , n ão se c o m p a d e ce r d ele, co m o p o d e p e r­
los n ossos pecad os. M ao m é não ofereceu n en h u m a esp e­ m a n e c e r n ele o a m o r d e D eu s? ( l j o 3 .1 7 ). A lé m d isso ,
ra n ça garan tid a de salvação, apenas regras p ara o b ter o m u ito s, se n ão a m a io ria , d o s g u ru s u s a m su a p o siçã o
favor de Alá. C risto deu tudo que é n ecessá rio p ara nos b e m -c o n c e itu a d a p a ra e x p lo ra r seu s seg u id o res fin a n ­
levar ao céu na sua m o rte: “Pois ta m b é m C risto sofreu c e ira e se x u a lm e n te . 0 B a g w an S h ri R a jn e e s h a cu m u ­
pelos pecad os u m a vez p o r tod as, o ju sto pelos in ju sto s, lo u d ez en as de R o lls R oyces d e p re se n te d o s se u s s e ­
p ara cond uzir-n os a D eus” (IP e 3 .1 8 ). g u id o re s . O s B e a tle s f ic a r a m d e s e n c a n ta d o s c o m
Cristo oferece o m odelo de vida superior. M a o m é M a h a rish i M a h esh Yogi q u a n d o d e sc o b rira m q u e ele
p a sso u os ú ltim o s dez a n o s da su a v id a g u e rrea n d o . estav a m u ito m a is in te re ssa d o p e lo co rp o d e u m a d as
C om o p o líg am o , u ltra p a sso u até o n ú m e ro de esp o sa s m u lh e re s n o seu g ru p o q u e c o m seu e sp írito . A d m iti­
(q u a tro ) q u e p re screv eu p a ra su a re lig ião . T a m b é m ra m : “C o m e te m o s u m e rro ” . A té o re sp e ita d o g u ru
v io lo u a p ró p ria lei ao sa q u ea r c a ra v a n a s q u e ia m a M a h a tm a G a n d h i d o rm ia co m o u tra s m u lh e re s a lém
M eca , a lg u m a s d as q u a is estav am em p e re g rin a çã o . d a su a e sp o sa.
E m p e n h o u -s e em v in g a n ç a s , c o n tr a ria n d o seu Jesus oferece o caminho superior p ara a ilumina­
e n sin a m e n to (v. M a o m é , c a r á t e r d e ). ção. Os g u ru s são n e c e ssá rio s p a ra tra z e r e n te n d im e n ­
Jesus é superior aos gurus hindus. No h i n d u í s m o ( v . to à s e s c r it u r a s s a g r a d a s d e B h ag a v ad Gita e o s
h i n d u í s m o v e d a x t a ) , guru é u m m e stre . A s e sc ritu ra s Upanixades, m a s n ão h á n e n h u m a v erd ad e e so té ric a
h in d u s n ão p o d em ser en ten d id as p ela le itu ra ; elas só ou o c u lta n a B íb lia q u e p re cise se r e x p licad a a lé m do
p o d em ser ap ren d id as p o r m eio de u m gu ru . E sse s h o ­ e n te n d im e n to c o m u m . A m e d ita ç ã o c ris tã n ã o é u m
m e n s san to s, são ad orad os m e sm o ap ós m o rrerem , ao esfo rço p a ra e sv a zia r a m e n te , m a s sim p a ra e n c h ê -la
co n trário d as e n ca rn a çõ es dos d eu ses. 0 q u e eles e n si­ da verd ad e d o s p rin cíp io s b íb lic o s (SI 1). A m e d ita ç ã o
n a m é que os seres h u m a n o s p re cisam de lib e rta ç ã o do in te rio r é c o m o d e s c a s c a r u m a c e b o la ; tir a -s e c a m a d a
ciclo in fin ito de reen ca rn a çã o ( sam sara ) q u e é cau sad o p o r c a m a d a até q u e, q u a n d o se ch eg a ao ce n tro , d e s­
pelo carma, os efeitos de to d as as p alav ras e a çõ es da co b re -se q u e n ão h á n ad a a li.A m e d ita ç ã o n a P ala v ra
vid a p resen te e das an terio res. L ib e rta çã o ( m oksha ) é de D eu s c o m e ç a co m co n te ú d o e revela o sig n ifica d o
o b tid a q u an d o o indivídu o exp an d e seu se r e c o n sc iê n ­ até d a r c o n te n ta m e n to à a lm a.
cia a um nível in fin ito e p erceb e qu e atman (o eu ) é o Cristo ensina a m elhor m aneira de salvação. O
m e sm o q u e Brahm an (o se r a b so lu to d o q u a l to d a h in d u está p erd id o n o c iclo d o c a r m a d a re e n c a rn a -
m u ltip licid ad e se o rig in a ). çào até a lc a n ç a r m oksha e é a b a n d o n a d o p a ra a ch a r a
Isto é, ca d a h in d u deve a lc a n ç a r a d iv in d a d e p e s ­ sa íd a d e sse la b irin to so zin h o . Je su s p ro m e te u q u e s e ­
so a l. Tal re a liz a ç ã o só p o d e se r a lc a n ç a d a ao se g u ir: ría m o s salv o s p ela fé ( E f 2 .8 ,9 ; T t 3 .5 - 7 ) e q u e p o d e rí­
Jn an a ioga — sa lv a ç ã o p elo c o n h e c im e n to d a s e s ­ a m o s s a b e r q u e n o s s a s a lv a ç ã o e s tá g a ra n tid a ( E f
c ritu ra s a n tig a s e da m e d ita ç ã o in te r io r ; B hakti ioga 1 .1 3 ,1 4 ; l jo 5 .1 3 ).
— sa lv a ç ã o p ela d e v o çã o a u m a d a s v á ria s d iv in d a ­ Cristo é superior a Buda. S itard a G au tam a (Buda é
d e s; carm a ioga — sa lv a ç ã o p o r o b r a s , c o m o c e r i­ um títu lo qu e sig n ific a “ilu m in ad o ” ) é in ferio r a C risto.
m ô n ia s , s a c r ifíc io s , je ju m e p e re g rin a ç õ e s , q u e d e ­ O b u d ism o co m eço u co m o m o v im en to de re fo rm a d e n ­
v em se r fe ito s se m e s p e ra r re c o m p e n s a . C ad a um tro d o h in d u ísm o , q u e se to rn a ra u m siste m a de esp e ­
d e ss e s m é to d o s in c lu irá até c e rto p o n to R aia ioga , cu lação e su p erstição. P ara c o rrig ir isso, G au tam a re je i­
u m a té c n ic a de m e d ita ç ã o e n v o lv en d o c o n tro le do tou o s ritu ais e o o cu ltism o e d esenvolveu u m a religião
c o rp o , re sp ira ç ã o e p e n s a m e n to s. e ssen cialm en te ateísta (m a s fo rm a s p o sterio res de b u ­
O h in d u ísm o co n siste em g ra n d e p a rte de su p ers­ d ism o v o ltaram aos d eu ses h in d u s). Su as c re n ça s b á s i­
tiç ã o , h is tó r ia s le n d á r ia s so b re os d e u se s , p rá tic a s cas são resu m id as e m Q u atro N obres Verdades:
o c u lta s e a d o ra çã o de d e m ô n io s.
Cristo ensina uma cosmovisão superior. Jesus en sin a 1. A v id a é so frim en to .
u m a co sm o v isã o teísta ( v . t e í s m o ) . M as o p a n teísm o , a 2. O so frim en to é cau sad o p elo d e se jo de p razer
realização da divin d ad e, é o cen tro do h in d u ísm o . e p rosp erid ad e.
Cristo, singularidade de 224

3 . 0 s o frim e n to p o d e se r su p erad o p ela e lim in a ­ S ó cra te s n ão e screv eu n a d a , m a s P latão , seu d isc íp u ­


ç ã o d o d e se jo . lo , e screv eu m u ito so b re ele, a p e s a r d e sses re g istro s
4 . 0 d e se jo pode se r elim in a d o p ela Trilha sprem ta n to d as id éia s d e P latão q u a n to d o p e n s a m e n ­
Ó ctup la. to d e S ó c r a te s . P la tã o a p re se n ta S ó c r a te s c o m o u m
h o m e m co n v e n cid o d e q u e D eu s o d e sig n o u p a ra a
A T rilha Ó ctup la é u m sistem a d e ed u ca ção religio­ ta re fa d e p rom ovei' a verd ad e e a b o n d a d e ao fa z e r o s
sa e p receito s m o ra is d o bu dism o . In clu i 1 ) sa b ed o ria co r­ seres h u m a n o s e x a m in a rem su as p alav ras e a çõ e s p a ra
reta ( “As Q u atro N obres V erdades” ); 2 ) in te n çõ es c o rre ­ ver se sã o v e rd ad eiras e b o a s . E le é c o n sid e ra d o a p ri­
tas; 3 ) lin gu agem co rre ta ; 4 ) co n d u ta co rreta (n ã o m a ­ m e ira p e s s o a a re c o n h e c e r a n e c e ssid a d e d e d e se n v o l­
tar, b eb e r, ro u b ar, m e n tir n em ad u lterar); 5 ) o cu p a ção v er u m a a b o rd a g e m siste m á tic a p a ra a d e sc o b e rta da
co rre ta (q u e n ã o ca u sa so frim e n to ); 6 ) esfo rço co rre to ; v erd ad e, a p e s a r de o siste m a e m si te r sid o fin a lm e n te
7 ) m en ta lid ad e co rre ta (n e g a r o eu fin ito ) e 8 ) m e d ita ­ fo rm u lad o p o r A ristó te le s — d isc íp u lo d e P latão .
ç ã o co rre ta (Raja Ioga). C om o C risto, S ó crate s foi co n d en ad o à m o rte p o r
0 o b jetiv o d e to d o b u d ista n ão é o céu n em esta r a cu sa çõ e s falsas de au to rid ad es qu e fo ram a m ea çad as
c o m D e u s, p o is n ã o h á D e u s n o e n s in a m e n to d e p o r seu en sin a m en to . E le p o d eria te r sid o a b so lv id o se
G au tam a. 0 q u e b u sc a m é o n irv a n a , a e lim in a çã o de n ã o tiv esse in sistid o em fazer seu s acu sad o res e ju ízes
to d o so frim en to , d esejo e ilu são de au to -ex istên cia. A pe­ e x a m in a rem su as a firm a çõ e s e v id as, o q u e n ão e sta ­
sa r de u m a lin h a lib e ra l d o b u d ism o (b u d ism o a ia n a ) vam d isp o sto s a fazer. C o n ten to u -se em m o rrer, s a b e n ­
agora te r d eificad o G au tam a co m o salvador, o b u d ism o d o q u e h av ia cu m p rid o su a m issã o até o fim , e qu e a
tev arad a m a n té m -se m a is p ró x im o d o s en sin a m e n to s m o rte , fo sse u m so n o sem so n h o s ou u m a co m u n h ã o
d e G au tam a e a firm a q u e ele ja m a is reiv in d ico u d iv in ­ m a ra v ilh o sa co m g ra n d e s h o m e n s, era b o a .
dade. Q u anto ao fato de se r o salvador, d iz-se q u e as ú l­ Cristo tem uma base superior para a verdade. Jesu s,
tim a s p alav ras d e B u d a fo ram : “ Bu d as n ão m o stra m o co m o S ó crate s, gera lm en te usava p erg u n tas p a ra fazer
ca m in h o ; b u sq u e a p ró p ria salv ação co m d iligên cia” . seu s o u v in tes e x a m in a rem a si m e sm o s, m a s sua b a se
C om o fo rm a v a ria n te d o h in d u ísm o , o b u d ism o está
p ara sa b e r a verdade so b re o s seres h u m a n o s e D eus
su jeito a to d as as c rítica s m e n cio n a d a s an terio rm en te.
estav a a rraig ad a n o fato de q u e ele era o D eu s o n isc ie n ­
0 e n sin a m e n to de Jesu s é superior. A lém d isso :
te. E le d isse a re sp e ito d e si m e s m o :“Eu so u o ca m in h o ,
Cristo enche a vida de mais esperança. O e n sin a m e n ­
e a verd ad e, e a vid a” . E le m e sm o e ra a fo n te da qual
to de Jesus é su p erio r ao de Buda porque Jesus ensinou a
to d a verdade fluía. D a m e sm a fo rm a , co m o D eu s, era a
ter esp eran ça n a vida, m a s o b u d ism o vê a vida apenas
B o n d a d e abso lu ta p ela qual to d a o u tra b o n d a d e é m e ­
co m o so frim en to e egoísm o, coisas a serem erradicadas.
dida. C erta vez p ed iu p a ra u m jo v em e x a m in a r su as
Jesus ensinou que a vida é um a dádiva de D eu s p ara ser
p alav ras ao dizer: “P or que m e ch a m a s b o m ? N ingu ém
d esfrutad a (Jo 10.10) e que o indivíduo deve ser su m a ­
é b o m , sen ão u m , que é D eu s” . Jesu s era a p ró p ria ver­
m en te hon rad o (M t 5 .2 2 ). Ele ta m b é m prom eteu esp e­
dade e b o n d a d e q u e S ó crates q u eria entender.
ra n ça na vida v ind ou ra (Jo 14.6).
Cristo d á m ais conhecim en to exato. A p e s a r d e
Cristo oferece a melhor maneira de salvação. O b u ­
S ó cra te s te r e n sin a d o a lg u n s p rin c íp io s v erd ad eiro s,
d ista ta m b é m e n sin a a re e n ca rn a çã o co m o m e io de sa l­
g e ra lm e n te tin h a de e sp e cu la r so b re m u ita s q u e stõ es
vação . M as d essa fo rm a o eu ou a in d ivid u alid ad e da
a lm a é erra d ica d a no fim de cad a vida. A ssim , a p esar de im p o rta n te s, co m o o q u e a co n te ce n a m o rte (v. c l r t e -
z a / c o n v i c ç ã o ) . Je su s deu u m a re sp o sta e x a ta p a ra tais
co n tin u a r vivend o, n ão é você co m o um in d ivíd u o q u e
tem alg u m a esp e ra n ça de a lca n ça r o n irv a n a. Jesu s p ro ­ q u e stõ e s, p o rq u e tin h a c o n h e c im e n to exa to do d e sti­
m e te u esp e ra n ça p a ra cad a h o m e m e m u lh er co m o in ­ n o h u m a n o ( J o 5 .1 9 - 2 9 ; 1 1 .2 5 ,2 6 ) . O n d e a ra z ã o
divíduo (Jo 1 4 .3 ) e d isse p ara o la d rão n a cru z ao seu (S ó c r a te s ) te m e v id ê n cia in su ficie n te p a ra tir a r u m a
lad o: “ [...] h o je e stará co m ig o n o p a raíso ” (L c 2 3 .4 3 ). co n clu sã o d e fin itiv a, a rev elação (Je su s) dá re sp o sta s
Jesus é o melhor Cristo. Jesu s a firm o u e provou se r q u e ja m a is p o d e ria m se r a n te cip a d a s.
D eu s e n c a rn a d o . B u d a era u m sim p le s h o m e m q u e A morte de Cristo fo i mais nobre. S ó cra te s m o rreu
m o rreu e n ão re ssu scito u . M as Je su s re ssu scito u c o r­ p o r u m a ca u sa e fez isso co m co ra g em , o q u e é m u ito
p o ra lm e n te d a se p u ltu ra . G a u tam a a p en a s q u e ria tr a ­ louvável. M as Jesu s m o rre u c o m o su b stitu to p o r o u ­
zer su a “ilu m in a çã o ” ao s o u tro s p a ra a ju d á -lo s a c h e ­ tro s (M c 1 0 .4 5 ) p a ra p a g ar o p reço do q u e m e re cia m .
g a r ao n irv a n a , o n d e to d o s os d e se jo s e to d a e x is tê n ­ A lém de m o rre r p o r seu s a m ig o s, ta m b é m m o rreu p o r
c ia in d iv id u al se p e rd em . a q u eles q u e e ra m e c o n tin u a ria m se n d o seu s in im i­
Cristo ésuperior a Sócrates. A p esar de S ó cra te s n ão g o s ( R m 5 .6 , 7 ) . T al d e m o n s t r a ç ã o d e a m o r é
te r co m e ç a d o u m a relig ião , a tra iu m u ito s seg u id o res. in ig u alá v el e m q u a lq u er o u tro filó so fo ou filan tro p o .
225 Cristo da fé versus Jesus da história

A prova que Cristo oferece da sua mensagem é su­ P ed ro n o s e x o rta a “...r e s p o n d e r a q u a lq u e r p e s s o a


perior. P ro vas ra c io n a is são b o a s q u a n d o h á ev id ên cia q u e lh e s p e d ir a ra zã o d a e sp e ra n ç a q u e h á e m v o c ê s”
válid a p a ra su as co n clu sõ es (v. D e u s , evidências de). M as ( I P e 3 .1 5 b ).
S ó cra te s n ã o p ô d e a p o ia r su a a firm a ç ã o de se r e n v ia ­ Jesu s in cen tiv o u o u so da lib erd ad e de e sco lh a , se m
d o p o r D eu s c o m n ad a q u e se co m p are aos m ilag res ja m a is se im p o r a o s in cré d u lo s (M t 2 3 .3 7 ). O ta o ísm o
d e C risto e su a re ssu rre iç ã o (v. r e s s u r r e i ç ã o , e v i d ê n c i a s ped e q u e cad a se g u id o r su sp e n d a a e sc o lh a , a b ra m ã o
da). P ro feta s e p ro fe tisa s p a g ão s, ta is c o m o o O rácu lo do p o d e r d e m u d a r a s c o isa s. Je su s diz q u e cad a p e s­
d e D elfo s, n ã o se c o m p a ra m à p re v isã o p re cisa e aos so a tem u m a e sc o lh a e q u e e ssa e sc o lh a faz a d ife re n ­
m ilag res b íb lic o s (v p r o f e c i a c o m o p r o v a d a B í b l i a ) . N es­ ça. C ad a u m d ecid e c re r o u n ã o c re r (Jo 3 .1 8 ) , o b e d e ­
ses a to s h á u m a p rova su p erio r d e q u e a m e n sa g e m de ce r ou d e so b e d e ce r ( Jo 1 5 .1 4 ), m u d a r o m u n d o o u se r
Jesu s fo i a u te n tica d a p o r D eu s co m o v erd ad eira (v. m i ­ m u d ad o p o r ele (M t 5 .1 3 -1 6 ).
l a g r e s , v a l o r a p o l o g é t ic o d o s ; m il a g r e s c o m o c o n f ir m a ç ã o Je su s p e rm ite q u e c a d a p e sso a te n h a a lib e rd a d e
DA v er d a d e ). de se r salvo. O ta o ísm o só o ferece u m a m a n e ira de c o n ­
Cristo é superior a L ao Tse (taoísm o). O ta o ísm o fo rm a r-se c o m a m a n e ira q u e a s c o isa s sã o . C risto o fe ­
m o d e rn o é u m a re lig iã o d e b ru x a ria , s u p e rstiç ã o e rece u m a c a m in h o p a ra m u d a n ç a d e q u e m so m o s e
p o lite ísm o , m a s era o rig in a ria m e n te u m siste m a filo ­ d o q u e so m o s, p a ra c o n h e c e rm o s a s a le g ria s d a v id a .
só fic o , e é a ssim q u e se a p re se n ta à c u ltu ra o c id e n ta l Em vez d e a c e ita r a m o rte c o m o fim in e v itá v e l, C risto
h o je . L a o T se c o n stru iu e sse s iste m a e m to rn o d e u m dá u m a m a n e ira d e v e n ce r a m o rte p ela su a re ssu rre i­
p rin cíp io q u e exp licav a tud o n o u n iv erso e gu iav a tudo. ção . L a o T se n ã o p o d e faz e r e ssa a firm a ç ã o .
E sse p rin c íp io é ch a m a d o Tao. N ão h á u m a fo rm a s im ­ C onclusão. C risto é a b so lu ta m e n te sin g u la r e n tre
ples de e x p lic a r o Tao (v. z e n - b u d i s m o ) . O m u n d o e stá to d o s o s q u e j á v iv eram (v. r e l i g iõ e s m u n d ia is e o c r i s t i ­
ch e io de o p o sto s c o n flita n te s — b e m e m a l, m a c h o e a n is m o ) . E le é sin g u la r e m su a n a tu re z a so b re n a tu ra l,

fê m ea , luz e tre v a s, sim e n ão . T od as as o p o siç õ e s são em se u c a rá te r su p erlativ o , e m su a v id a e e n sin a m e n to


m a n ife sta ç õ e s do co n flito en tre Yin e Yang. M as n a re­ (v. C r is t o , d iv in d a d e d e ) . N en h u m o u tro m e stre m u n d i­
a lid ad e fin a l Yin e Yang e stã o c o m p le ta m e n te e n tre la ­ al a firm o u se r D eu s. M esm o q u a n d o o s se g u id o re s d e
çad o s e p e rfe ita m e n te e q u ilib ra d o s. E sse e q u ilíb rio é algu m p ro fe ta e n d e u sa ra m se u m e stre , n ã o h á prova
o m is té rio c h a m a d o Tao. P ara e n te n d e r o Tao é p re c i­ d ad a p a ra e ssa a firm a ç ã o q u e p o ssa se r co m p a ra d a
so p e rc e b e r q u e to d o s o s o p o sto s sã o u m e q u e to d a ao c u m p rim e n to de p ro fe c ia s, à v id a sa n ta e m ila g ro ­
verd ad e está n a c o n tra d iç ã o , n ã o n a re so lu çã o (v. l ó g i ­ sa e à r e s s u r r e iç ã o . N e n h u m o u tro líd e r r e lig io s o
ca ; P R IM E IR O S P R IN C ÍP IO S ). (e x ce to a lg u n s q u e c o p ia ra m C risto ) o ferece u sa lv a ­
0 ta o ísm o vai a lém d isso p ara in cita r a vid a em h a r­ ção p ela fé, se m o b ra s, b a se a d a n a a çã o de tir a r a c u l­
m o n ia co m o Tao. U m a p esso a deve ter u m a vida de pa do p e cad o h u m a n o . N en h u m líd e r re lig io so ou fi­
co m p leta p assiv id ad e e reflexão so b re q u estõ es co m o : lo só fico d e m o n stro u o a m o r p e la s p e sso a s q u e Je su s
“Qual o som de u m a m ão b aten d o p alm as?”, o u ;“Se um a d e m o n stro u ao m o rre r p elo s p e cad o s d o m u n d o (Jo
árvore cai na flo resta e n ão h á n in g u é m p ara ouvir, ela 1 5 .1 3 ; R m 5 .6 -8 ). Jesu s é a b so lu ta m e n te sin g u la r e n ­
e co a rá ?” . É p reciso e star em paz co m a n atu reza e e v i­ tre to d o s os seres h u m a n o s q u e já v iv eram .
ta r to d a s as fo rm a s de v io lên cia. E sse sistem a de filo so ­
fia tem m u itas se m e lh a n ça s co m o z en -bu d ism o . Fontes
Cristo traz liberdade superior. Je su s p e rm ite qu e }. N. D. A nderson, The world’s religions.
o s se re s h u m a n o s u se m a ra zã o . N a v e rd ad e, ele o r ­ H. B lshnell, The supernaturalness o f Christ.
d e n a q u e o fa ç a m (M t 2 2 .3 7 ; cf. IP e 3 .1 5 ) ; o ta o ísm o N. L. G eisler , The battle for the ressurection.
n ã o faz is s o , p elo m e n o s n o n ív el m a is ele v ad o . 0 __ e R. B rooks, When skeptics ask.
ta o ís m o se o cu p a c o m a a firm a ç ã o de q u e “a ra zã o M. J. H arris, From grave to glory.
n ã o se a p lic a à re a lid a d e ” . E s sa a firm a ç ã o é c o n tr a ­ C. S. L ewis , Cristianismo puro e simples.
d itó r ia , p o is é u m a a firm a ç ã o ra zo á v el so b re a r e a li­ B. R ussell, Porque não sou cristão.
d a d e. P o d erá se r fa lsa ou v e rd a d e ira so b re c o m o as A. Sh a fe r , The seven laws o f teaching.
c o is a s re a lm e n te sã o , m a s d e c la ra q u e n o fin a l a v e r­
d a d e e stá n a c o n tra d iç ã o . Je su s o rd e n o u : “A m o o S e ­ Cristo da fé versus Je s u s da história. A o rig e m da
n h o r, o seu D eu s de to d o o c o ra ç ã o , de to d a a su a d iferen ça en tre o “C risto d a fé ” e o Jesu s d a h istó ria
a lm a e de todo o seu entendimento. E ste é o p rim e iro g era lm en te é re m o n ta d a a M a rtin K ah ler ( 1 8 3 5 -1 9 1 2 ),
e m a io r m a n d a m e n to ” (M t 2 2 .3 7 ,3 8 , g rifo d o a u to r). m a s p ro v av elm en te ele n ão q u is d izer co m o te rm o o
D eu s d iz: “V e n h a m , v a m o s re fle tir ju n to s ” (Is 1 .1 8 ). que a m a io ria dos c rític o s a cre d ita m . M esm o a n te s de
Cristo da fé versus Jesus da história 226

K a h ler, G o tth o ld L e ssin g ( 1 7 2 9 - 1 7 8 1 ) a sse n to u o fu n ­ e ra m co n fiáv eis. F alo u de su a “fid elid ad e relativ am en te
d a m e n to p a ra a se p a ra ç ã o e n tre o C risto d a fé e o Je­ n o tá v e l” . A c o n fu sã o d e K a h le r so b re c o m o c o n sid e ­
sus d a h istó ria . O q u e a co n tece u n e ssa se p a ra ç ã o p o r ra r o s e v an g elh o s le v o u -o a c o n sid e ra r co n fiá v e is até
m e io d as “b u sc a s d o Jesu s h istó ric o ” é d isc u tid o n o as “le n d a s” d o ev an g elh o, “a té o n d e s e ja c o n ce b ív e l”
a rtig o J esus h istó r ic o , busca d o . (ib id ., 7 9 - 9 0 ,9 5 ,1 4 1 - 2 ) .
O “fo sso ”d e Lessing. Já e m 1 7 7 8 , L e ssin g c o n sid e ­ O q u e “q u erem o s d e ix a r m u ito cla ro ”, d isse K ahler,
ro u a se p a ra ç ã o e n tre o h istó ric o e o e te rn o co m o “o é “q u e n o fin a l a cre d ita m o s e m C risto, n ão p o r ca u sa
fo sso te rrív e l q u e n ão co n sig o atrav essar, p o r m a is fre­ de q u a lq u er a u to rid ad e, m a s p o rq u e ele m e sm o d e s­
quente e d ilig en tem en te qu e tente ch eg a r ao o u tro lado” p e rta ta l fé em n ó s” (ib id ., p. 8 7 ). E le fez a p e rg u n ta
(L e ss in g , p. 5 5 ). 0 fo sso sep a rav a as verd ad es c o n tin ­ c rític a d a ig re ja d a su a é p o ca :
g en tes da h istó ria d as verd ad es n e c e ssá ria s da religião.
E ra sim p le sm e n te im p o ssív el a tra v e ssá -lo a p a r tir do Como Jesus Cristo pode ser um objeto real da fé para
n o sso lado. A ssim , L e ssin g co n clu iu q u e, n ão im p o r­ todos os cristãos se o que e quem ele realm ente era só pode
ta n d o q u ã o p ro váveis o s re g istro s d o ev an g elh o s e ja m ser averiguado por m etodologias de pesquisa tão elabora­
c o n sid e ra d o s, ja m a is p o d e m s e rv ir de b a se p a ra c o ­ das que só os eruditos da nossa época são adequados para a
n h e c e r v erd ad es e te rn a s. tarefa? (v .So u len ,p .98).
Ofo sso d e Kant. E m 1 7 8 1 , Im m a n u e l K ant m e n ­
c io n o u n o se u Crítica da razão pura a se p a ra ç ã o en tre O “salto”de Kierkegaard. O qu e ta m b é m preparou
as verd ad es co n tin g en tes d a n o ssa e x p e riê n c ia e as v er­ o ce n á rio p a ra a d isju n çã o p o ste rio r en tre o C risto d a fé
d a d es n e c e ssá ria s da razão . A ssim , ele acred ita v a se r e o Jesu s h istó rico foi o ico n o cla sta d in a m a rq u ê s, S o ren
n e c e ssá ria a d e stru iç ã o de q u a lq u e r b a s e filo só fic a ou K ierk eg a a rd . K ierk eg a ard p e rg u n to u : “C o m o algo de
c ie n tífic a de c re n ç a e m D e u s.“P o rta n to , a ch o n e c e s s á ­ n atu reza h istó rica p o d e se r d ecisivo p a ra a felicid ad e
rio ” , ele d is s e ,“n eg a r o conhecimento, p a ra d a r esp a ço etern a ?” ( Concluding unscientificpostscripts, p. 8 6 ). Por­
à/é ” ( K a n t “P refácio ,” p. 2 9 ). K an t acred ita v a q u e é p re ­ ta n to , K ierk eg aard reb aix o u a b a s e h istó ric a d o c ristia ­
ciso a b o rd a r o â m b ito d a relig ião p ela fé, q u e é o â m ­
n ism o . A h istó ria real n ão e ra im p o rta n te co m p a ra d a à
b ito d a ra z ã o p rá tic a , n ã o d a ra zã o te ó ric a . C rio u u m
cre n ça “d e q u e em tal a n o o D eu s ap areceu a n ó s n a for­
fo sso in tra n sp o n ív e l e n tre o â m b ito o b je tiv o , c ie n tífi­
m a h u m ild e de u m servo , q u e viveu e en sin o u n a n o ssa
co e c o g n o scív e l d o s fato s e o â m b ito in c o g n o sc ív e l d o
co m u n id ad e, e depois morreu” (Philosophicalfragments,
v a lo r (m o ra lid a d e e re lig iã o ). E s sa d ic o to m ia fato/va-
1 3 0 ). A p en as u m “salto” d e fé p o d e co lo c a r-n o s a lém do
lo r e stá n a b a s e d a d isju n ç ã o e n tre o C risto d a fé e o
h istó ric o e d en tro d o e sp iritu a l (v. fideismo).
Je su s d a h istó ria .
C risto versus Jesu s . R u d o lp h B u ltm a n n fez a
A d iv is ã o h istó rica /h isto ria l d e K ahler. O títu lo
d isju n çã o fin al d efin itiv a e rad ical en tre o C risto d a fé e
d o liv ro d e K a h le r d e screv e a d ic o to m ia q u e e le c o n s i­
o Jesu s da h istó ria . A v isão p o d e se r resu m id a a ssim :
d erav a n e c e ssá ria : The so-called historical Jesus and the
A im p lica ção g era lm en te tira d a d essa d isju n çã o é
historie, biblical Christ ( 1 8 9 2 ) . A e sse v o lu m e é a trib u ­
q u e o h istó ric o tem p o u ca ou n en h u m a im p o rtâ n cia
íd a a o rig e m d a d is tin ç ã o e n tre o Je su s “h is tó r ic o ”
(historisch) e o C risto “h is to ria l” (Geschichtlich).Q q u e
K a h le r tin h a e m m e n te c o m “h istó ric o ” , n o e n ta n to , O Jesus histórico O Cristo histórico
e ra o Jesu s re c o n stru íd o d a e ru d iç ã o lib e ra l c r ític a d a Irrelevante para a fé Relevante para a fé
su a é p o ca , n ã o o Je su s re a l d o sé c u lo i. Jesus dos eruditos Cristo dos crentes
K a h le r p erg u n to u : Jesus da história crítica Cristo dos evangelhos
Fundamento incerto Fundamento certo
“Devemos esperar [que os crentes] dependam da auto­ Inacessível à maioria Acessível a todos
ridade dos eruditos quando a questão se relaciona à fonte dos cristãos os cristãos
da qual retiram a verdade para suas vidas?” A tactualidade de Jesus A significância de Jesus
A cre sce n to u : Jesus do passado O Cristo do presente

“Não consigo confiar nas probabilidades ou num a sé­ esp iritu al. C om o K ierkegaard a rg u m en to u , m e sm o se
rie instável de detalhes, cuja confiabilidade está sem pre m u­ a lg u ém p u d esse p rovar a h isto ricid a d e d o s evan gelh os
dando“ (Kahler, 109 ,1 11 ). em cad a d etalh e, isso n ão o ap ro xim aria n ece ssa ria m e n ­
te de C risto. P or o u tro lado, se os crític o s p u d essem re­
A p e sa r de K a h le r n ã o a ce ita r u m a B íb lia in e rra n te fu ta r a h isto ricid a d e d o s ev an gelh os, a ten d o -se ao h o ­
(s e m e r r o s ), a cred ita v a q u e o s ev an g e lh o s e m g era l m e m e q u e viveu em q u e m a s p e sso a s acred itav am que
227 Cristo da fé versus Jesus da história

D eus h abitava, isso n ão d e stru iria os fu n d a m en to s da Traconites; Lisánias, Tetrarca de Abilene; Anãs e Caifás exer­
fé verd ad eira. ciam o sumo sacerdócio (Lc 3 .1 ,2 « )
Avaliação. Toda a dicotom ia entre o Jesus da história e
o Cristo da f é é baseada em suposições altam ente duvido­ H á u m a su p osição in ju stificad a de q u e o n t , e p rin ­
sas. A prim eira lida com a historicidade dos docum entos cip alm en te os evan gelh os, carece m de ap oio h istó rico
dom . ad equ ad o. Isso sim p le sm e n te n ão é verd ad e (v. Novo
O que é necessário para salvação. E sse co n ce ito de T esta m en to , a rqueologia d o ; Novo T esta m en to , datação d o ;
q u e a c re n ç a n o s fato s do evan gelh o é h isto ric a m e n te N ovo T esta m en to , co n fia bilid a d e dos d o c u m en to s d o ; N ovo
irre le v an te é co n trá rio à a firm a ç ã o do n t do que é n e ­ T e sta m en to , h isto ricida de d o , e ou tro s a rtig o s re la cio n a ­
c e ssá rio p a ra salv ação . O a p ó sto lo Paulo a p resen to u dos à p recisão do reg istro do n t ).
co m o e sse n c ia l a c re n ç a de q u e Jesu s m o rreu e re ssu s­ Uma falsa dicotomia. A se p a raçã o en tre o Jesu s e o
cito u c o rp o ra lm e n te da se p u ltu ra (v. C r i s t o , m o r t e d e ; C risto h istó rico s é b ase a d a n a d ico to m ia falsa de fato e
r e s s u r r e i ç ã o , e v i d E x c i a s d a ) . E le escreveu : fé (v. f é e r a z ã o ) o u de fato e valor. O sig n ificad o h is tó ri­
co de C risto n ão p o d e ser sep arad o de su a h isto ricid ad e.
E, se Cristo não ressuscitou, é inútil a nossa pregação, Se ele n ão tiv esse vivid o, en sin ad o , m o rrid o e re ssu sci­
como também é inútil afé que vocês têm. Mais que isso, se­ tad o dos m o rto s co m o o n t a firm a , en tã o ele n ã o te ria
remos considerados falsas testemunhas de Deus, pois con­ sig n ificâ n cia salvad o ra h o je.
tra ele testemunhamos que ressuscitou a Cristo dentre os M esm o d ep ois de u m sécu lo d e u so, a d istin çã o co n ­
mortos. Mas se de fato os mortos não ressuscitam, ele tam­ tin u a sen d o a m b íg u a e varia e m sig n ificad o de au to r a
bém não ressuscitou a Cristo. Pois, se os mortos não ressus­ autor. K ah ler a usou p a ra d efen d er o “p ie tism o crítico ” .
citou, é inútil é a fé que vocês têm, e ainda estão em seus P ara B u ltm a n n , sig n ificav a o e stilo de ex iste n cia lism o
pecados. Neste caso, também os que dormiram em Cristo de M artin H eidegger (M eyer, p. 2 7 ). Jo h n M eyer o b s e r­
estão perdidos. Se é somente para esta vida que temos espe­ va q u e “o C risto da fé exaltad o p o r B u ltm a n n p a rece
rança em Cristo, somos, de todos os homens, os mais dignos su sp eito sam en te um m ito g n ó stico o u u m a rq u étip o de
de compaixão (ICo 15.14-19). Jung” (ib id ., p. 2 8 ). M ais p ró x im o d o o u tro ex trem o do
esp ectro , eru d ito s co m o Paul A lthau s (1 8 8 8 -1 9 6 6 ) u sa ­
ram a d istin çã o de K ah ler p a ra d efen d er u m a a b o rd a ­
A preocupação dos autores. Essa indiferença quanto à
gem m ais co n serv ad ora d a h isto ricid ad e de Jesu s. K ahler
historicidade tam bém não é com partilhada pelos próprios
n ão te ria a ceito a co n c e p ç ã o d e B u ltm a n n n e m a de
autores do n t , que parecem estar preocupados com os de­
A lthaus. A lb ert Schw eitzer (1 8 7 5 -1 9 6 5 ) está m a is c ie n ­
talhes de um registro preciso, n ão um m ito vago. Na verda­
te do q u e K ah ler q u is dizer. E le d en u n cia d u ra m e n te os
de Lucas nos conta suas técnicas de pesquisa e seu objetivo
que, em n o m e d essa d istin ção , fiz eram o C risto h istó ri­
com o historiador:
co respon sável p o r to d o tip o de te n d ên cia , d esd e a d e s­
tru içã o da cu ltu ra an tig a até o p ro g resso d as realiz a ­
Muitos já se dedicaram a elaborar um relato dos fatos
çõ es m o d e rn as. P ortan to, a d istin çã o e n tre histórico e
que se cumpriram entre nós, conforme nos foram transmi­
historial to rn o u -se u m a e xp ressão ca p cio sa e p o rta d o ­
tidos por aqueles que desde o início foram testemunhas ocu­
ra de tod o tip o de b ag a g em id eo ló g ica (ib id .).
lares e servos da palavra. Eu mesmo investiguei tudo cuida­
dosamente, desde o começo, e decidi escrever-te um relato
Fontes
ordenado, o excelentíssimo teófilo, para que tenhas a certe­
G. B locmberg. The historical reliability of thegospels.
za das coisas que te foram ensinadas (Lc 1.1-4).
M. J. Boru, Jesus in contemporary scholarship.
D. E. B saaten,"M artin Kahler on the historie,
Lucas exp ressa esse interesse h istó rico ao relacionar biblical Christ”, em R. A. Harrisville, The historical Jesus
a h istó ria a p esso as e eventos q u e são p arte do registro and the kerygmatic Christ.
pú blico da h istó ria ( v . A t o s , h i s t o r i c i d a d e d e ; L u c a s , s u p o s ­ G.H amrmau The historical Jesus.
t o s e r r o s e m ) , tais co m o H erodes, o G rand e (1 .5 ), C ésar
M. K a h if .r. The so-called historical Jesus and the
A ugusto (2 .1 ), Q uirino (2 .2 ), Pilatos (3 .1 ), e m u itos o u ­ historie, biblical Christ.
tro s ao longo de Lu cas e Atos. Note seu d etalh ism o h istó ­ I. K a n t . Critica da razão pura.
rico em d atar o an ú n cio que João B atista fez de C risto S. K: f r k .=g a a r p , Concluding unscientitic postscripts.
__ , Philosophical fragments.
No décimo quinto ano do reinado de Tibério César, ]. P. Mever.A marginal iew.
quandos Pôncio Pilatos era governador da Judéia; Herodes. G. Lessing. Lessings theological writings, trad. H.
tetrarca da Galiléia; seu irmão Filipe, tetrarca da Ituréia e Chadwiek.
curas psicossomáticas 228

R. N. Soulen, Handbook ofbiblical criticism, 2‘ ed. P or m e io d o biofeedback, as p e sso a s p o d e m tr e i­


R. Striple, Modem search fo r the real Jesus. n a r-s e a d ire cio n a r p ro ce sso s co rp o ra is q u e an tes eram
co n sid e ra d o s in v o lu n tá rio s. P o d em c o n tro la r a p re s­
c r o n o lo g ia n a B íb lia , p r o b le m a s d e . V. g e n e a l o g ia s são a rte ria l, os b a tim e n to s ca rd ía c o s, as o n d a s c e re ­
A BERTA S OU FEC H A D A S. b ra is e a te m p e ra tu ra do co rp o .
S o b h ip n o se, 2 0 % dos p a cien tes p o d em ser in d u zi­
c r u c if ic a ç ã o d e C r is to . V. C r isto , m o rte d e . d o s a p erd er a c o n sciên cia da d o r tão co m p letam en te
q u e p o d em so frer ciru rg ia se m a n estesia . A lguns p a c i­
c u r a s p s ic o s s o m á tic a s . C uras a co n tece m e m v á ria s en tes fo ra m até cu ra d o s d e v erru g a s so b h ip n o se . O
religiões. P ortan to, n ão tê m valo r ap ologético . A lém d is­ h ip n o tizad o r sugere a id éia e o co rp o realiza u m feito
so, m u ito s eventos co n sid erad o s so b ren a tu ra is p o d em su rp reen d en te de ren ov ação e co n stru çã o da pele, e n ­
se r ap en as p sico sso m á tico s. Se algo realm en te a co n tece volvendo a co o p era ção das m ilh ares de células n u m p ro ­
n o co rp o , tal evento e n tra n a categ o ria de falso m ilagre cesso m en ta l d irecio n ad o n ão o b tid o de o u tra m a n e ira .
(v. m ilagres , falsos ) e deve ser d iferen ciad o do v erd ad ei­ N u m a falsa g rav id ez, a m u lh e r a cre d ita ta n to em
ro (v. m ilagres , definição d e ). E n tão é do in teresse da a ti­ su a c o n d iç ã o q u e su a m e n te d ire cio n a u m a se q ü ê n c ia
vid ad e a p o lo g ética d iferen cia r cu ras so b ren a tu ra is de e x tra o rd in á ria de a tiv id a d es: A u m en to h o rm o n a l, a u ­
cu ra s p sicológ icas. m e n to d o s se io s, su sp e n sã o d a m e n s tru a ç ã o , in d u çã o
Fo i d em o n stra d o que a m e n te tem u m a in flu ên cia de m a l-e s ta r e a té c o n tra ç õ e s d e p a rto . Tudo isso sem
in crível so b re o co rp o . D o e n ça s e cu ras p sico sso m á tica s fertiliza ção n em feto (B ra n d , p. 19).
o u “p ro d u zid as p o r in flu ên cia s p síq u ic a s” re a lm e n te O Dr. W illia m N olen exp lica qu e
o c o rre m . A s e n fe rm id a d e s p s ic o s s o m á tic a s n ã o sã o
im a g in á ria s. E n ferm id ad es se m b a se n o co rp o sã o c h a ­ o paciente que descobre repentinam ente [...] que pode
m a d a s d o e n ça s de conversão ou o u tra s fo rm a s de n eu ­ agora m over um braço ou perna que estavam anteriorm en­
ro se. A ú lcera é u m a d o e n ça p sic o sso m á tic a se fo i cau ­ te paralisados, teve paralisia com o resultado de um distúr­
sad a pelo m e n o s em p a rte p elo n erv o sism o q u e p e rtu r­ bio em ocional, não físico.
b o u o p ro cesso digestivo e indu ziu u m a su p erp ro d u ­
ção de ácid o s ou o u tra s en z im a s. ]á q u e têm b a se e m o ­ S a b e -s e q u e
cio n a l, tais d o e n ça s ten d em à cu ra pela m en te. Isso é neuróticos e histéricos freqüentem ente se aliviarão de
u sad o p o r a lg u n s p ara a rg u m e n tar q u e cu ra s sem p re seus sintom as pelas sugestões e pelo m inistério de curan­
são fe n ô m e n o s p sico e m o cio n a is. deiros carism áticos. É tratando os pacientes desse tipo que
O p o d e r d a m ente. P esso as fica ra m d o en tes e até os curandeiros afirm am suas vitórias m ais d ram áticas’
fo ram in tern a d a s sim p lesm en te p o rq u e u m g ru p o d e (N olen,p.287).
am ig o s (fazen d o um a e x p e riê n c ia ) su geriu q u e elas e s ­
tav am d o en tes. F o ram “cu rad as” da m e sm a fo rm a — N ão h á n ad a m ilag ro so n essas cu ras. P siq u iatras,
q u an d o o s a m ig o s su g erira m m a is tard e q u e estav am in te rn o s, p ro fissio n a is g rad u ad os e d o u tores qu e fazem
co m a a p arê n cia m elh or. E sse é u m exem p lo de d o e n ç a terap ia p siq u iá trica a liv iam m ilh a res d esses p acien tes
cau sa d a p elas e m o çõ e s e ‘ cu ra” q u e só estão p e rife ric a - d o s seu s sin to m as to d o an o (ib id .).
m e n te rela cio n a d a s ao corpo. O p siq u ia tra c ristã o Paul M eyer revelou qu e cu rou
0 m é d ico e a p o lo g ista c ristã o P aul B ra n d fo rn e c e u m a jo v e m d e ceg u eira sim p lesm en te in stru in d o -a que,
e xem p lo s d o p o d e r d a m e n te d e c u r a r o c o rp o . A m e n ­ q u a n d o a co rd asse e m o u tro q u a rto , p o d eria ver. A cu ra
te p o d e c o n tro la r c o m e fic á c ia a d o r e stim u la n d o a a co n teceu ex a tam en te co m o o m éd ico ord en ou . Su a v i­
p ro d u çã o d e e n d o rfm a s , sim p le s d isc ip lin a m e n ta l, são fo i restau rad a pelo p o d er da su gestão. O u tros m é ­
in u n d a n d o o siste m a n e rv o so co m o u tro s e stím u lo s. d icos re g istra ra m cu ra s d e d iarré ia c rô n ic a p ela p re s­
A a cu p u n tu ra é u m exem p lo de a c re s c e n ta r s e n s a ç õ e s c riçã o d e p la ceb o s. D o e n ça s severas d e p ele e até p a ra ­
p a ra in te rro m p e r a dor. lisia fo ram cu rad as p o r esse m éto d o .
No ch a m a d o efeito p la ce b o , a fé em sim p le s p ílu ­ S a b e -s e q u e p o r volta d e 8 0 % d a s d o e n ç a s e stã o
las d e a çú c a r e stim u la a m e n te a co n tro la r a d o r e até re la cio n a d a s ao e stre sse (P e lletier, p. 8 ). E s sa s d o e n ­
c u r a r a lg u n s d is tú r b io s . E m a lg u m a s e x p e r iê n c ia s ç a s e m o c io n a lm e n te in d u zid as g e ra lm e n te p o d e m se r
e n tre p e sso a s co m c â n c e r te rm in a l, a m o rfin a e ra u m rev ertid a s p ela tera p ia p sico ló g ica o u p o r m e io d as “c u ­
a n a lg é sico e ficie n te e m d o is te rç o s d o s p a cie n te s, m a s ra s p ela fé ” , q u a n d o a a titu d e m e n ta l a d e q u ad a o c a s i­
p la ce b o s ta m b é m fo ra m e ficie n te s n a m e ta d e d eles. 0 o n a u m e feito de c u ra .
p la ce b o en g a n a a m e n te p a ra qu e a cred ite q u e o a lív io N e n h u m a d e ss a s c u ra s é so b re n a tu ra l. O e fe ito
ch eg o u , e o c o rp o reag e de acord o. d a m e n te so b re o c o rp o é u m p ro c e s s o n a tu ra l. N ão
229 curas psicossomáticas

en v olv e n e n h u m a su sp en sã o d as leis n atu rais. É p o ssí­ colheita. M as Jesus pegou o pão (g rã o ) e o m ultiplicou
vel ap ren d er a faz er isso. Q u an d o feito p o r u m a p esso a im ed iatam en te p ara alim en tar o s cin co m il ( Jo 6 .1 0 -1 2 ).
q u e a firm a se r u m ca n a l p a ra D eu s, n ão é m e n o s n a tu ­ R e fe rim o -n o s a o s “m ila g re s” d o n a sc im e n to o u da
ral. A fé e m v á rio s tip o s de d eu ses o u a p en as em o u tra v id a . D eu s é q u e m ca u sa a m b o s. M as a q u e stã o se to r­
p e sso a (o m é d ico o u cu ran d e iro ) fará a m e sm a co isa. n a c o n fu sa q u a n d o fa la m o s so b re ev en to s n a tu ra is,
O s c ris tã o s n ã o d ev em su rp re e n d e r-se q u e cu ra s g ra d u a is e re p e tid o s c o m o “m ila g re s” . S ã o a p e n a s a
p s ic o s s o m á tic a s n a tu ra is a c o n te ç a m . D e u s c rio u a m a n e ira p ela q u a l D eu s tra b a lh a re g u la rm en te . S ão
m e n te c o m h a b ilid a d e s m a ra v ilh o sa s e c rio u o s p o d e ­ m a ra v ilh o so s, m a s n ã o m ila g ro so s (v. m ila g re ).
res cu ra tiv o s d o c o rp o . A B íb lia re c o n h e c e o e feito da 0 v erd ad eiro m ila g re n ã o é u m a a tiv id ad e n a tu ­
m e n te so b re a sa ú d e d a p e sso a : “0 c o ra ç ã o b e m d is ­ ra l, m a s a a çã o so b re n a tu ra l d ireta (v. m ilagres na B í ­
p o sto é re m é d io e ficie n te , m a s o e sp írito o p rim id o re s­ b l ia ). É p o r is so q u e u m a d a s p a la v ra s b íb lic a s p a ra
se ca o s o sso s” (P v 1 7 .2 2 ). No seu liv ro Anatomy o f an m ila g re é “m a ra v ilh a ” . Ela a tra i n o ssa a te n ç ã o . U m a
illness [Anatomia de uma en ferm idade], N o rm a n sa rça a rd en te n ã o é a n o rm a l, m a s, q u a n d o q u e im a sem
C ou sin s d e screv eu e m d e ta lh e s c o m o ele lite ra lm e n te se r c o n su m id a e a voz d e D eu s fala d ela , e sse n ã o é um
c u ro u -se d o se u c â n c e r p o r m e io d o riso . É p o ssív el ev en to n a tu ra l (Ê x 3 .1 - 1 4 ) .
a d o e c e r q u a n d o e n triste c id o p o r u m a tra g é d ia o u fi­ D o p o n to d e v is ta a p o lo g é tic o , c o m o d is tin g u ir a
c a r cu ra d o ao o u v ir b o a s n o tíc ia s. c u ra n o r m a l d a c u ra m ila g ro s a ? C o m o d is tin g u ir a
Já q u e D eu s n o s c rio u c o m o u n id ad es de m e n te e c u ra p sic o ló g ic a d a so b re n a tu ra l? A p e n a s a se g u n d a
c o rp o , ele deve re c e b e r a g ló ria q u a n d o e ssa re la çã o te m v a lo r a p o lo g é tic o (v. m ila g r e s , valor apologético
m a ra v ilh o sa d a m e n te a fe ta n d o o c o rp o é u sa d a p a ra d o s ).
tra z e r c u ra . M a s é u m exa g ero sé rio c o n sid e ra r e ssa s A fé é o ingrediente essen cial da cu ra p sicossom ática,
cu ra s so b re n a tu ra is. m a s n ão da cu ra so b renatu ral, ap esar de aco m p an h á-la.
0 q u e a m en te n ã o p o d e fa zer. H á a lg u m a s co n d i­ U m a p essoa pode ser cu rad a m esm o q u e n ão acred ite
çõ es e m qu e a p en as a “fé ” n ã o p o d e curar. 0 p o d e r do que a cu ra é possível. Nos Evangelhos 3 5 m ilagres de Je­
p en sam en to p o sitivo n ão p o d e e v ita r a m o rte , re ssu sci­ sus são registrad os. D entre esses, a fé do agraciad o só é
ta r os m o rto s, d a r v isão a u m co rp o sem o lh os, c ria r m en cion ad a em dez: 1) o coxo (Jo 5 .1 -9 ); 2 ) leproso (M t.
m em b ro s am p u tad o s ou cu rar tetrap légicos. 0 Dr. N olen 8 .2 -4 ); 3 ) a m ã o seca (M t 9 .2 -8 ); 4 ) o cego de n ascen ça
o b serv a q u e n e n h u m a lesão p a ra lisa d o ra da m ed u la ( Jo 9.1 -7 ); 5 ) o cego B a rtim eu (M t 2 0 .2 9 -3 4 ); 6 ) a m u lh er
esp in h al ja m a is foi e n u n ca será cu rad a p o r m eio da fé com h em o rrag ia (M t 9 .2 0 -2 2 ; M c 5 .2 4 -3 4 ; L c 8 .4 3 -4 8 );
(N o len ,p . 2 8 6 ). Jo n i E a rick so n Tada sofreu tal lesão n um 7) os dez leprosos (L c 1 7 .1 1 -1 9 ); 8 ) Pedro a n d an d o n a
acid en te de n a ta çã o e ficou tetrap lég ica. A p esar das o ra ­ água (M t 1 4 .2 4 -3 3 ); 9 ) a p rim eira p escaria m ilag rosa (L c
çõ es ferv o ro sas e de to d a a sua fé, ela p e rm a n e ce sem 5 .1 -1 1 ); 10) a segunda p escaria m ilagrosa (Jo 2 1 .1 -1 1 ).
se r cu rad a p o r to d a a fé que p ô d e exercitar. Jo n i conclu i: Na m a io ria d esses ca so s a fé n ão foi exigid a exp lici­
ta m en te co m o p ré -co n d ição . N os p o u co s ca so s em que
Deus certam ente pode curar, e às vezes cura, pessoas de a fé foi exigid a, p rovavelm ente foi a fé em C risto co m o
form a m ilagrosa hoje em dia. M as a Bíblia não ensina que M essias q u e foi n ece ssá ria , n ão sim p lesm en te o fé que a
sempre curará que chegam a ele com fé. Ele se reserva sobe­ p esso a p o d eria ser cu rad a. P ortan to, m e sm o n esses c a ­
ranam ente o direito de curar ou não curar com o lhe con­ sos n ão foi n ece ssá rio ter fé p a ra ser cu rad o.
vém (Tada, p. 132). E m pelo m e n o s 18 d o s m ilag res de Je su s, a fé n ão
e stá p re se n te e x p lícita ou im p lic ita m e n te . E m a lg u n s
In terv en ção sobren atu ral. A sra. Tada re co n h ece ca so s a fé é resu ltad o do m ila g re, n ão su a co n d ição .
q u e, se D eu s c u ra ss e su a m ed u la , u m tip o d iferen te de Q u an d o Jesu s tra n s fo rm o u a ág u a e m v in h o , “m a n i­
c u ra te ria a co n te cid o , u m tip o qu e su sp en d e os p ro ­ festo u a su a g ló ria , e os seu s d iscíp u lo s c re ra m n ele”
c e sso s n a tu ra is. Os m ila g res, ao c o n trá rio de cu ra s n a ­ (Jo 2 .1 1 ).
tu ra is, são a m a n e ira p ela q u a l D eu s age e m o c a siõ e s Os d isc íp u lo s de Je su s n ã o a c re d ita ra m q u e ele
e sp e c ia is. A fo rm a p ela q u al D eu s g e ra lm e n te c u ra é p o d eria a lim e n ta r os 5 0 0 0 pela m u ltip licaçã o dos p ães
len ta. M as n u m m ila g re ele age de im e d ia to . Q u an d o e p eix es (L c 9 .1 3 ,1 4 ; c f.M t 1 4 .1 7 ) .M esm o d ep o is q u e
Jesu s cu ro u o lep ro so , a cu ra foi in sta n tâ n e a — n ão o v ira m Jesu s a lim e n ta r 5 m il, n ão a cre d ita ra m q u e p o ­
resu ltad o de a u to -re ju v e n e sc im e n to da pele (M c 1 .4 2 ). d e ria faz ê -lo de novo p a ra 4 m il (M t 1 5 .3 3 ). No ca so
M uitos dos m ilagres de Jesus envolveram a acelera­ do p a ra lític o , Jesu s o cu ro u q u a n d o viu a fé d o s q u a ­
ção de u m p rocesso natural. 0 fazendeiro coloca o grão tro q u e o c a rre g a ra m até Je su s, n ão a fé do p ró p rio
no solo e ele se m u ltiplica len tam ente em m ais grãos até a h o m e m (M c 2 .5 ).
curas psicossomáticas 230

Em sete milagres Jesus não podia ter exigido fé. quando o trouxe de volta à vida ( Jo 11.43,44). O após­
Certamente isso é verdade com relação aos três que tolo tocou os crentes samaritanos para que pudessem
ressuscitou dos mortos. Mesmo assim Jesus ressusci­ receber o Espírito Santo (At 8.18; 19.6). Mas os pró­
tou Lázaro ( Jo 11), o filho da viúva (Lc 7) e a filha de prios apóstolos receberam o Espírito sem que nin­
Jairo (Mt 9). O mesmo é verdadeiro com relação à fi­ guém lhes impusesse as mãos (At 2.1).
gueira amaldiçoada (M t 21), ao milagre da moeda no Em comparação, as curas de fé dependem de im ­
peixe (Mt 17.24-27), às duas vezes que Jesus multipli­ posição de mãos ou de algum outro contato físico ou
cou os pães (M t 14.15) e quando acalmou o mar (Mt influência pessoal. Alguns que oram por cura usam
8.18-27). toalhas ou lenços de oração. Outros pedem que os ou­
Também não pode ser provado que a fé dos discí­ vintes coloquem as mãos no rádio ou na tv como ponto
pulos foi necessária. Na maioria dos casos os discípulos de contato. Um evangelista pede que as pessoas fiquem
careciam de fé. No milagre da ressurreição de Lázaro, de pé sobre a Bíblia com as mãos na televisão. O con­
Jesus orou para que as pessoas presentes acreditassem tato pessoal ou pelo menos a preparação psicológica
que Deus o enviara (Jo 11.42). Logo antes de Jesus re­ parece ser condicional para a própria cura.
preender as ondas, disse aos discípulos: “Onde está a Milagres não envolvem recaídas. Os milagres bíbli­
sua fé?” (Lc 8.25). Depois de ter acalmado as águas, per­ cos duram; não houve recaídas. Quando Jesus curava
guntou: “Ainda não têm fé?” (Mc 4.40). uma doença, ela não voltava. É claro que todos posteri­
Às vezes Jesus fazia milagres apesar da descrença. ormente morreram, mesmo os que ressuscitaram dos
Os discípulos careciam de fé para expulsar o demônio mortos. Mas isso foi o resultado do processo natural de
do menino (M t 17.14-21). Até a passagem mais usada mortalidade, não porque o milagre fora cancelado. En­
para mostrar que a fé é necessária para a operação de tretanto, quando Jesus fazia um milagre, ele durava.
milagres prova exatamente o oposto. Mateus 13.58 nos Qualquer outro problema que o corpo apresentasse, não
diz: “E não realizou muitos milagres ali, por causa da era causado porque o milagre não tivesse reparado ime­
incredulidade deles”. No entanto, apesar da increduli­ diata e permanentemente aquele problema.
dade presente, Jesus “im p[ôs] as mãos sobre alguns Curas psicológicas nem sem pre duram , sejam
doentes e cu r[ou -os]” (MC 6.5). induzidas por hipnotismo, placebos ou curandeiros.
Como distinguir curas. Há uma distinção clara Na verdade, os “curados” e os “canais de cura” sucum­
entre a cura sobrenatural e a psicológica. A cura real­ bem à má saúde. O pregador de rádio Chuck Smith
mente milagrosa diferencia-se da mental por várias relata que conhece alguns dos principais expoentes da
características. Apenas religiões que manifestam es­ fé positiva no evangelho de cura e prosperidade que
sas características podem usá-las como confirmação foram internados em hospitais por exaustão nervosa
de reivindicações de fé. (Sm ith, p. 136-7).
Milagres não exigem fé. Deus está no controle so­ Milagres são sempre bem-sucedidos. Jesus não fa­
berano do universo e pode realizar, e realiza, milagres lhou em nenhum milagre que tentou fazer. Já que o
com ou sem nossa fé. Dons milagrosos são distribuí­ milagre é ato de Deus, é impossível que falhe. É verda­
dos aos crentes do nt “como quer” (1 Co 12.11). Como de que Jesus nem sempre tentava fazer um milagre.
foi demonstrado, Jesus fez milagres mesmo onde ha­ Às vezes ele explicava por quê (cf. Mt 13.58). Já que
via incredulidade. não era do ramo do entretenimento, nem sempre sa­
Já as curas psicológicas exigem fé. Quem sofre de tisfazia os caprichos da platéia. Deus faz milagres de
doenças psicossom áticas deve crer em Deus, ou no acordo com sua vontade (Hb 2.4) e propósitos, não os
médico, ou num evangelista. Sua fé possibilita a cura. nossos. Quando, porém, Deus tenta criar um evento
Mas não há nada sobrenatural nesse tipo de cura. Ela sobrenatural, ele o concretiza.
a co n te ce co m b u d is ta s (v . b u d is m o ) , h in d u s (v. Tentativas psicológicas de curar nem sempre são
H iN D U ís M o ), cató licos rom anos, protestantes e até bem -sucedidas. Como foi observado, alguns tipos de
ateus. Curandeiros que alegam possuir poderes so­ problem as físicos não são curáveis pela fé. As curas
brenaturais podem fazê-lo. E psicólogos e psiquia­ psicológicas são mais freqüentem ente bem -sucedi­
tras tam bém . das nos tipos de personalidade mais influenciáveis.
Milagres não exigem contato pessoal. Às vezes o Alguns estudos dem onstram que a grande m aioria
apóstolo impunha as mãos sobre os que Deus curava das pessoas no movimento de cura são esses tipos
milagrosamente (cf. At 8.18). No entanto, isso não era de personalidade.
essencial para os milagres. Jesus não tocou muitos dos Milagres são curas de doenças orgânicas, não só de
que foram curados. Jesus ressuscitou o filho do oficial enfermidadesfuncionais. Jesus curou pessoas cegas de
do rei à distância (Jo 4.5 0 -5 4 ). Jesus não tocou Lázaro nascença (Jo 9) e pernas (Jo 5). Os apóstolos curaram
231 curas psicossomáticas

um homem paralítico de nascença (At 3.2). Jesus res­ Resum o. A m ente pode auxiliar no processo de
taurou uma mão seca instantaneamente (Mc 3.1-5). cura. A atitude m ental positiva geralm ente a n teci­
Curas psicológicas não acontecem em nenhum desses pa o processo curativo natural. Quando a doença é
tipos de curas orgânicas ou condições da natureza. Ge­ causada psicologicam ente, pode haver uma rever­
ralmente são eficazes apenas em doenças funcionais. são dram ática quando a pessoa acredita repentina­
Com freqüência apenas auxiliam ou antecipam a re­ m ente que pode ser curada. Nesse sentido algum as
cuperação. Não curam instantaneamente nem restau­ curas psicossom áticas podem ser im ediatas. Mas a
ram o incurável. cura psicossom ática não pode ocorrer em todas as
0 dr. Brand afirmou diretamente que nunca ouviu d oenças, principalm ente as orgânicas e incuráveis.
falar de cura milagrosa de câncer do pâncreas, fibrose Curas de “fé” de doenças funcionais não são sob re­
cística, defeito maior de nascença ou amputação (en ­ naturais. Carecem das características do verdadei­
trevista, Christianity Today, 25/11/1983). Certa vez ro m ila g r e , que são as m a rc a s q u e d ão v a lo r
George Bernard Shaw comentou sarcasticamente que apologético aos m ilagres. Na verdade, apenas os
as curas em Lourdes, França,não o convenceram . Viu profetas ju d eu s-cristã o s com provaram exem plos
m uitas m uletas e cadeiras de rodas em exposição, singulares desses tipos de curas (v. m i l a g r e s c o m o
“m as nenhum olho de vidro, nenhum a perna de CONFIRMAÇÃO DA VERDADE; M a OMÉ, SUPOSTOS MILAGRES D E).
pau, nenhum a peruca” (ibid .).
Milagres são sempre instantâneos. Como m encio­ Fontes
nado anteriormente, Jesus curava as pessoas “imedia­ P. B r a n d , CT (25 Nov. 1983).
tamente” (Mc. 1.42). Quando falou, o m ar se acalmou N. L. G eisl f .r , Signs and wonders.
completamente (M t 8.26). Quando o apóstolo curou o W. N o l e n , A doctor in search o f a miracle.
homem paralítico de nascença,“imediatamente, os pés K. P e u i t i e r , CAÍS/1 (1980):8.
e os tornozelos do homem se firmaram” (At 3.7). Até C. Smith, Charismatics or charism aniat
no caso de um milagre de dois estágios, cada estágio }. E. T a d a , Um passo mais.
foi cumprido imediatamente (Mc 8.22-25). B. B. W a r f ie l d , Counterfeit miracles.
Dd
D aniel, d atação de. 0 livro de Daniel contém uma de Daniel é um ataque ao seu caráter. Mas só José en­
quantidade incrível de profecias detalhadas. Alega fa­ tre os personagens do at demonstra o caráter im pecá­
lar dos vários grandes reinos no decorrer da história vel de Daniel (v.Dn 1.4,8; 6.3). Até seus inimigos reco­
humana bem antes de sua existência: Babilónia, Medo- nheceram que não podiam encontrar falhas em seu
Pérsia, Grécia e Roma. Se isso for verdadeiro, é uma caráter ou dedicação (Dn 6.5).
das maiores evidências da origem divina da Bíblia e, As partes históricas de Daniel são descrições tão
em comparação, dos outros livros da Bíblia (v. p r o f e c ia claras, detalhadas e precisas de sua época que dão
COMO PROVA DA B ÍB L IA ). credibilidade ao discurso quando falam sobre o futu­
História ou profecia? Daniel viu no futuro os rei­ ro. Só a distinção clara de Daniel entre o presente e o
nos dos gentios desde o reinado de Nabucodonosor, co­ futuro é evidência de que ele estava escrevendo cons­
meçando por volta de 605 a.C., até o Império Romano, cientemente profecia, não história, nas suas grandes
que começou a exercer domínio já em 241 a.C. e, sob o visões.
general romano Pompeu, conquistou a Palestina em 63 Antes do surgimento do anti-sobrenaturalism o
a.C. Assim, o livro de Daniel descreve eventos mundiais moderno, a datação de Daniel como do século vi a.C.
centenas de anos antes de acontecerem (Dn 2.7). Daniel (e, portanto, sua natureza profética) não era questio­
11 apresenta uma extensa e detalhada descrição do rei­ nada entre os teólogos. Por incrível que pareça,não foi
nado de Ciro, o Grande, até o reinado do anticristo, o o descobrimento de algum fato arqueológico ou his­
reino milenar e o fim dos tempos. tórico que levou os teólogos modernos, seguindo o
Se Daniel escreveu no século vi a.C., como os teó­ exemplo de Baruch E sp in o sa , a atribuírem a data do
logos conservadores afirmam, então é um exemplo po­ século n a.C. para o livro de Daniel. Foi a pressuposi­
deroso de profecia. Mas se Daniel é datado em 170 a.C., ç ã o filosófica (infundada) do anti-sobrenaturalismo
como muitos teólogos argumentam, ele está escreven­ que o s levou a presumir uma data recente (v. m il a g r e ;
do história, e não profecia, e um dos grandes argu­ MILAGRES, SUPOSTA IMPOSSIBILIDADE DOS).
mentos a favor da origem sobrenatural da profecia b í­ 0 fato de as profecias de Daniel serem pós-data-
blica se perderia. das nos registros históricos demonstra sua precisão.
Evidência interna apoia uma composição antiga. Há Senão, por que todo o esforço por parte dos que rejei­
evidência persuasiva indicando que Daniel viveu e es­ tam a origem sobrenatural de suas profecias de datá-
creveu no século vi a.C. e que, assim, suas descrições las em época posterior à que os eventos realmente
detalhadas da história são previsões sobrenaturais. ocorreram?
Esses eventos são apresentados como futuros. Sua Testemunhas apoiam a com posição antiga. Josefo
escrita é datada por anos específicos dos reinados dos (v. F l .ávio J o s e f o ), historiador judeu da época de Cristo,
reis da Babilônia e da Medo-Pérsia (por exemplo, os colocou Daniel entre os Profetas (a segunda seção do
primeiros versículos dos capítulos 2 , 7 ,9 ,1 0 e 11). Fo­ atjudaico), não entre os Escritos (a terceira e última
ram coisas que os homens mais sábios do maior reino seção). X a q u e i a data, portanto, Daniel era considera­
da terra não poderiam adivinhar (cf. Dn 2.1 -13). O tex­ do profeta, não historiador. E os profetas eram consi­
to afirma explicitamente que eram sobre o futuro, “o derados m a i s antigos. Na verdade, a razão para a
que acontecerá nos últimos dias” (Dn 2.28; cf. 9.24- datação recente de Daniel é que ele se encontra entre
29). Ele até declara que era uma extensão de tempo os Escritos no Talmude posterior (400 d .C ). Mas a divi­
“prolongada”, em Daniel 10.1, indicando o futuro dis­ são normal do at por teólogos judeus posteriores era a
tante. Logo, o ataque à natureza preditiva das palavras Lei e os Profetas (v. Dn 9.2 ,1 1 -1 3 ; Zc 7.12; M t 5.17;
Daniel, datação de 234

Lc 24.27). A ordem não convencional do Talmude po­ seu livro não está entre os Profetas na Bíblia judaica, mas
deria ter sido criada para usos litúrgicos, tópicos ou li­ só mais tarde entre os Escritos? Conforme mencionado
terários (v. Geisler, cap. 14). acima, essa foi uma decisão posterior, por volta de 400
Jesus confirmou que Daniel era profeta. Na verdade, d.C. Daniel estava originalmente entre os Profetas. No
usou o exemplo de uma previsão feita por Daniel que ain­ século i da era cristã, o historiador judeu Josefo colocou
da era futura na época de Jesus. Prevendo a futura des­ Daniel entre os profetas (Contra Ápion 1.8). Na divisão
truição de Jerusalém e do templo pelo exército romano posterior dos Profetas em Profetas e Escritos era com­
de Tito, Jesus referiu-se ao “sacrilégio terrível”, que esta­ preensível que Daniel fosse colocado entre os Escritos.
ria no santo lugar do templo (Mt 24.15). E há forte evi­ Os capítulos de 1 a 6 contêm muita história. E Daniel foi
dência histórica de que os evangelhos sinóticos foram um profeta por dom, não por função, já que tinha um
escritos antes de 70 d.C. (v. A to s , historicidade d e ; Bíblia, papel político importante no governo babilónico.
crítica da ; N ovo T esta m en to , historicidade d o ). A evidência A teologia é desenvolvida demais. Alguns críticos afir­
apóia a afirmação de Jesus de ser o Filho de Deus. Tal en­ mam que Daniel não podería ter sido escrito no século vi
trelaçamento de credenciais proféticas significa que ne­ porque a visão altamente desenvolvida de anjos, do Mes­
gar a natureza profética das profecias de Daniel é um passo sias, da ressurreição e do julgamento final no livro foi co­
em direção à negação da divindade de Cristo (v. C risto , nhecida apenas num período posterior.
divindade d e ). Esse argumento constitui petição de princípio. Se
Os m anuscritos do m ar Morto apoiam uma data Daniel é um livro anterior, então é prova de que essa
anterior. Um fragmento de Daniel, possivelmente do teologia “altamente desenvolvida” existia na época. Jó
século ii, foi encontrado entre os manuscritos do m a r e Isaías são livros anteriores e fazem referência à res­
M o r to em Qumran. Já que era apenas uma cópia, in­ surreição ( Jó 19.25,26; Is 26.19). Malaquias e Zacarias
dicaria uma data anterior. foram escritos antes do século n a.C. e referem-se ao
Daniel, o homem, é mencionado em Ezequiel 14.14, Messias (Zc 3.1; 6.12; Ml 3.1; 4.2 ). Anjos são proem i­
20; 28.3. Até os críticos mais radicais reconhecem que nentes em Gênesis (v. cap. 18, 19 e 28) e em todo o
Ezequiel viveu no século ví a.C. Mas se o único profeta livro de Zacarias.
Daniel conhecido no a t viveu no século vi, não há ra­ Daniel supostamente errou. Alguns críticos alegam
zão para negar que suas profecias sejam do mesmo que o livro comete erros históricos. Esse argumento
período. Isso é verdadeiro principalmente à luz da na­ dem onstra que o que realmente está em jogo não é a
tureza do livro, que é vívida, com um sabor de notícia datação de Daniel, e sim a inspiração divina das Es­
de primeira mão, como fornecida por uma testemu­ crituras. Faria mais sentido se um Daniel mais antigo
nha ocular. fosse historicamente impreciso. Um escritor posterior
O Talmude atribu i o livro de Daniel ao profeta saberia o que aconteceu.
Daniel que viveu no século ví a.C. Isso garante à data Mas nenhum dos supostos erros de Daniel resis­
antiga o apoio dos teólogos judeus posteriores. tiu ao exame (v. Archer, cap. 20). Por exemplo, confor­
Mesmo com d a ta çã o recente, as pred ições de me Daniel 5.31, o reino de Belsazar foi derrubado por
Daniel foram precisas. M esmo com a data posterior um exército invasor, e “Dario, o medo”, tornou-se rei.
(170 a.C.), algum as das previsões de Daniel seriam Mas eruditos modernos não encontraram nenhuma
futuras e sobrenaturalm ente precisas. Algumas das menção a tal pessoa nos documentos antigos. Alguns
previsões m ais sen sacionais foram cum pridas na teólogos m odernos afirm am que o autor de Daniel
época de Cristo. Daniel 9.2 4 -2 7 prevê que Cristo m or­ erron eam ente pensou que os m edos, em vez dos
reria depois de “expiar as culpas” e depois de “trazer persas, conquistaram a Babilônia. Eles afirm am que o
justiça eterna”, aproximadamente 483 anos depois de autor confundiu Dario i, rei da Pérsia (521-486 a.C.),
444 a.C. De acordo com o ano lunar judaico de 360 com a conquista da Babilônia e identificou esse per­
dias, há exatam ente 483 anos entre 444 a.C. e 33 d.C. sonagem como Dario, o medo. Esse, alegaram, parece
Deve-se acrescentar aos 477 anos lunares (4 4 4 + 33) constituir um erro por parte de Daniel.
outros 6 anos (= 4 8 3 ). Há 5 dias a m ais (3 6 5 ) no ano Evidências arqueológicas modernas (v. a r q u e o l o ­
real (solar) que no ano lunar (3 6 0 ). E cinco dias ve­ g ia d oA n t ig o T e s t a m e n t o ) m ostram que D ario, o
zes 477 é 2 385 dias. Isso dá m ais seis anos e meio (v. medo, poderia facilm ente ter sido outra pessoa além
H oeh n er, x ). de Dario i da Pérsia. Dois hom ens se encaixam per­
Objeções a um D aniel profético. As escrituras ju ­ feitam ente nas referências de Daniel. Ciro, o Grande,
daicas classificam Daniel como um dos “escritos”. Se que governou um im pério unido m edo-persa, po­
Daniel era um profeta, perguntam os críticos, porque deria representar o lado medo dessa aliança, sendo
235 Darrow, Clarence

conh ecid o fora das com u n icações o ficia is com o era usada num período anterior não significa que não
Dario, o medo. 0 fato de Daniel identificar esse Dario era, a não ser que tenham onisciência sobre o uso da
como medo se encaixa ao contexto persa onde isso linguagem em toda a sociedade antiga. E quanto mais
seria digno de nota. se sabe lingüisticamente sobre culturas antigas, mais
Um candidato melhor surgiu nos textos cuneifor- os teólogos descobrem evidência de uso anterior (v.
mes: Gubaru, que foi designado por Ciro para ser go­ Archer, cap. 20).
vernador sobre toda a Babilônia. A prática comum na Conclusão. Há fortes evidências de que as previ­
aristocracia babilónica e persa, principalmente para sões de Daniel vêm do século vi a.C., fazendo delas pre­
emigrantes, era que os nomes particulares refletissem d ições notáveis do d eco rrer da h is tó ria desde a
o histórico e a família do indivíduo e o nome oficial Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia e Roma até depois de
representasse as realidades políticas das novas alian­ Cristo. Os críticos não ganham nada com a pós-data
ças da pessoa. Daniel era conhecido em suas funções de Daniel. Uma data m ais recente significaria que
oficiais como Beltessazar (Dn 1.7). Sadraque, Mesaque Daniel escreveu exemplos notáveis de profecia sobre­
e Abede-Nego eram nom es babilónicos dos jovens natural (Dn 9). Se essas profecias são verdadeiras, por
hebreus Ananias, Misael e Azarias. que as outras não o seriam?
No artigo Daniel in the historians’ den [Daniel na
cova dos historiadores], W illiam Sierichs, Jr. afirma Fontes
que Belsazar não era o “filho” de Nabucodonosor, e G. L. A r ch er , Jr., M erece confiança o Antigo Testamento?
“Belsazar não era o rei como o livro de Daniel afir­ ___ , Enciclopédia de dificuldades bíblicas.
ma, e jam ais foi rei” ( tsr, v. 7.4, p. 8). Mas até o critico N. L. G e k l e r , A popular survey o fthe Old Testament.
radical dr. Philip R. Davies admitiu que ambos são “ar­ ___ e T. H o w e , When critics ask.
gumentos fracos” (Philip R. Davies, Daniel [Sheffield: H . H o e h n e r , Chronological aspects o f the life o f
Christ.
jsot Press, 1985], p. 31). Ele escreveu:
R. K. H a r r is o x , Introduction to the Old Testament.
J. M c D o w f .i l , Daniel in the critics den.
C om entários críticos, principalm ente no início do século
]. Whitcomb, Darius the mede.
[xx], en fatizaram que B elsazar não era filho de N abu codon o­
sor e nem rei da B abiônia. E sse argum ento é repetido, às ve­
Dario, o medo. V. D aniel , datação de.
zes, com o prova contra a h istoricidade de Daniel, sendo rejei­
tad a p or estu d io so s con servadores. A p artir de 1924 (J.A.
Darrow, Clarence. Clarence Darrow (1 8 5 7 -1 9 3 8 )
M on tgom ery, D aniel, Intern ation al, C ritical C om m en tary
foi um advogado crim inalista m uito conhecido no
[Edinburg: T an d T Clark/New York: C. Scribner’s Son s, 1927],
início do século xx. Ele é m ais conhecido pela defe­
p. 66-7) torn ou -se evidente que, a p e sar de N ab on id o ter sido
sa de um hom em que foi acusado de ensinar evolu­
o últim o rei da d in astia neobabilónica, B elsazar efetivam ente
ção (v. evolução bio l ó g ic a ) em escolas públicas. Du­
governava a B ab ilôn ia. Sobre e sse ponto, D aniel e stá corre­
rante o ju lg a m en to de John Scop es em D ayton,
to. O sign ificad o literal do vocáb u lo “ filho” n âo deveria ser
Tennessee (1 9 2 5 ), Darrow conseguiu defender fir­
levado em con sid eração... (p. 30-1)
m em ente suas próprias opiniões com o evolucio-
nista e agnóstico (v. a g n o stic ism o ). O estadista c ris ­
O vocabulário de Daniel é de um período posterior.
tão W illiam Jennings Bryan (1 8 6 0 -1 9 2 5 ) represen­
Críticos lingüísticos acham termos em Daniel que su­
tou o Estado e m orreu alguns dias depois do vere­
postamente não eram usados até o século n a.C. Supõe-
dicto.
se que palavras como harpa, trombeta e saltério origi­
O verdadeiro Darrow. Darrow foi muito citado por
naram-se no período macabeu posterior (século n a.C.),
dizer: “É intolerante por parte das escolas públicas
e não no século v i. O estudioso do at R. K. Harrison ob­
ensinar apenas uma teoria das origens” (M clver,
serva que:
p. 1-13). Wendell Bird, cujo artigo no Yale Law Review
esse argu m ento não constitui m ais um problem a na crí­ de 1978 foi responsável por muitas reproduções dessa
tica do livro, porqu e com o [W illiam E] A lbright d e m o n s­ suposta citação, subseqüentemente reconheceu que tal
trou, agora é bem reconhecido que a cu ltu ra g rega pen etrou afirmação provavelmente não era autêntica.
o O riente M éd io m u ito an tes do p erío d o n e o b ab ilô n ico Darrow também foi citado incorretamente no sen­
(H arrison , 1126). tido de acreditar que a criação era uma visão científi­
ca. Ele declarou no julgamento de Scopes que as cri­
Além disso, esse argumento é logicamente um erro anças devem aprender tanto a criação, quanto a evo­
de ignorância. Só porque não se sabe se uma palavra lução. Ele quis dizer que a evolução deveria ser ensinada
Darrow, Clarence 236

como ciência, e a criação, como teologia. Isso se encaixa “Dizem que é patrocinado por vários intolerantes reli­
no argumento que usou no tribunal e na sua declara­ giosos. 0 sr. Darrow disse isso, substancialmente isso”
ção alguns anos mais tarde: “Na verdade, não há outra (ibid., 197, grifo do autor).
teoria a ser ensinada com relação à origem das várias Essas citações não deixam dúvida de que Darrow
espécies animais, inclusive o homem” (Darrow, p. 275). acreditava que quem produzia, promovia e defendia a
Darrow e a acusação de intolerância. Ele acreditava lei antievolução do Tennessee era intolerante por ne­
que aprovar e defender a lei da criação de Tennessee era gar o direito de ensinar evolução nas escolas públicas,
“intolerância” e usou a palavra intolerância ou intole­ embora a criação não fosse ali ensinada. É interessan­
rante seis vezes em apenas duas páginas da transcrição te observar exatamente o que o próprio Darrow esta­
do julgamento (Hilleary, p. 7 5 ,8 7 ). Bryan disse no seu va promovendo para ver se ele mesmo permanece aci­
depoimento: ma da acusação de intolerância.
0 que Darrow estava defendendo. Darrow certamente
Eu realmente quero que o mundo saiba que esses cava­ estava desafiando a lei para estabelecer o ensinamento
lheiros não têm outro propósito além de ridicularizar todo da evolução. Mas mesmo evolucionistas reconhecem
cristão que acredita na Bíblia. que “as escolas públicas de Dayton só estavam ensinan­
do uma teoria — evolução — , e era isso que Darrow
Darrow respondeu bruscamente: “Temos o propó­ estava tentando defender” (Mclver, p. 9). Assim, o apelo
sito de impedir que intolerantes e ignorantes contro­ de Darrow: “Que tenham ambas. Que ambas sejam en­
lem a educação dos Estados Unidos, e você sabe disso, sinadas” soa falso. Certamente ele não defendia que o
e isso é tudo” (ibid., p. 299, grifo do autor). registro de Gênesis fosse ensinado nas escolas públicas,
Em outro trecho, Darrow argumentou que mesmo como teologia. Darrow se opunha categorica­
mente ao ensino da religião nas escolas públicas.
se não sobrar o suficiente do espírito de liberdade no A referência de Darrow a Jefferson é infeliz, já que
estado do Tennessee, e nos Estados Unidos, não há uma úni­ Jefferson acreditava que “todos os homens foram cri­
ca linha de qualquer constituição que possa resistir à intole­ ados...” e até refere-se ao “Criador” na Declaração de
rância e ignorância que procura destruir os direitos do in­ Independência. Jefferson ficaria surpreso em retornar
divíduo; e intolerância e ignorância estão sempre ativas à América e descobrir que uma nova sociedade decla­
(ibid.,p. 75,grifo do autor). rou inconstitucional ensinar as verdades da Declara­
ção da Independência nas escolas públicas. 0 próprio
Darrow até refere-se a Thomas J efferson , pergun­ Jefferson instituiu um departamento de teologia na
tando: Universidade Estadual da Virgínia e transformou em
lei um tratado com os índios kaskaskia (1803) de pa­
Um corpo legislativo tem o direito de dizer:‘Você não pode gar um m issionário católico para estabelecer uma
ler um livro ou fazer uma lição, ou fazer um discurso sobre m issão entre eles.
ciência até descobrir se o que está dizendo [é] contra Gênesis Avaliação. A opinião de que a evolução é apenas ci­
[...]? Teria — exceto peia obra de Thomas Jefferson, que foi entífica e a criação é apenas religiosa é uma forma de in­
entretecida na constituição de cada estado da União, e per­ tolerância distintiva. Se a criação não é científica, então a
maneceu ali como uma espada flamejante para proteger os maioria dos grandes cientistas entre 1620e 1860 não eram
direitos do homem contra a ignorância e a intolerância (ibid., científicos quando diziam que a evidência científica in­
P- 83). dicava um Criador (v. criação e origens ).
Como argumentado em outro artigo (v. o rig en s , ci ­
Em outra questão Darrow apelou para o juiz, pro­ ê n c ia d a s ) , a c ria ç ã o é tão c ie n tífic a q u a n to a
testando: macroevolução (Geisler, Origin Science, cap. 6 e 7). Nem
a criação nem a macroevolução representa uma ciên­
O Meritíssimo conhece os fogos que foram acesos na cia empírica. Nenhuma criatura observou a origem do
América para alimentar a intolerância e o ódio religioso [...] universo e da vida, e ela não se repete hoje. Mas tanto
O senhor sabe que nenhuma outra suspeita possui a mente a visão criacionista quanto a evolucionista são “cien­
dos homens tão intensamente quanto a intolerância, a ig­ tíficas” no sentido de ciência forense. Elas são apenas
norância e o ódio” (ibid., p. 87, grifo do autor). reconstruções especulativas de eventos passados não
observados com base na evidência remanescente. Ar­
Até os advogados que se opunham a Darrow no­ gumentar que podemos permitir que professores de ci­
taram o uso da palavra intolerantes, m encionando: ências na escola pública ensinem evolução é permitir
237 Darwin, Charles

especulação sobre possíveis causas naturais, mas não ocorrido. Ao aplicar o princípio da seleção natural
possíveis causas inteligentes. Por essa m esm a lógica, (sobrevivência do m ais forte) às variações dentro de
os arqueólogos não são científicos quando supõem populações, Darwin conseguiu argum entar persua­
uma causa inteligente para a cerâmica antiga. Darrow sivamente que, durante longos períodos de tempo,
teria sido mais coerente na defesa da pesquisa cientí­ pequenas mudanças som aram grandes mudanças.
fica e da liberdade acadêmica se realmente tivesse pro­ Essas grandes mudanças podem explicar a origem
nunciado a afirmação atribuída a ele: “É intolerante da nova espécie sem a intervenção direta de um Po­
por parte das escolas públicas ensinar apenas uma te­ der sobrenatural, exceto talvez para dar início a todo
oria das origens!”. o processo.
A evolução do Deus de Darwin. Darwin começou
Fontes como teísta cristão, foi batizado na Igreja da Inglaterra
C. D a rr o w , The story ofm y life. e, apesar de sua rejeição ao cristianismo, foi enterrado
N. L. G eisler , The Creator in the courtroom. na Abadia de Westminster. A vida de Darwin é um
___ , Origin science: a proposal fo r the
microcosmo da crescente descrença do final do século
creation-evolution controversy, caps. 6,7.
xix ( Darwins early religious training).
___ , “Was Clarence Darrow a bigot?”, em C/E, Fall 1988.
W. H illeary e W. M etzg er , The world’s most famous Apesar de ser anglicano, Darwin foi mandado para
court trial. um a escola d irig id a por um m in istro u n ita rista
T. M c I vf.r , “Creationist m isquotation o f Darrow”, (Moore, p. 315). Mais tarde, em 1828, entrou para a
em C/E, Spring 1988. Universidade de Cambridge, onde, por decisão de seu
I. N e w t o n , “G en eral Sch o liu m ” , Princípios matemáticos, pai, se prepararia para o m inistério (ibid.). Com pou­
Livro 3 ,“The system s o f the world”. ca idade e com o auxílio de Exposition o f the creed [Ex­
posição do credo],de Pearson,e Evidenceof Christianity
D arw in , C h arles. Charles R ob ert Darwin (1 8 0 9 - derive d from its nature and reception [Evidências do
1882) nasceu em Shrewsbury, Inglaterra, filho de m é­ cristianismo derivadas de sua natureza e recepção], do
dico. Como naturalista, conseguiu patrocinadores e bispo Sumner (1 8 2 4 ),“Darwin abandonou os poucos
apoio do governo para uma expedição no navio m i­ escrúpulos que tinha para professar crença em todas
litar HMS Beagle, onde fez suas fam osas observações as doutrinas da Igreja” (ibid.). No entanto, Darwin fi­
sobre as diferenças dos tentilhões. Mais tarde usou o cou muito impressionado com dois livros de William
que havia aprendido nesse navio como evidência da Paley, A view o f the evidences o f Christianity [ Uma vi­
sua teoria da evolução (v. c r i a ç ã o e o r i g e n s ; c r i a ç ã o , são das evidências do cristianismo] (1794); e Natural
v is õ e s d a ; e v o l u ç ã o ; e v o l u ç ã o b io l ó g ic a ; e v o lu ç ã o q u ím i­ theology, ou Evidences o f the existence and attributes
ca; ELOS PERDIDOS). o f the Deity [ Teologia natural, ou evidências da exis­
Darwin é mais famoso pela obra A origem das espé­ tência e dos atributos da Divindade] (1802).
cies (1859), na qual sugeriu nas últimas linhas da pri­ As crenças teístas originais de Darwin. Ele aceitou
meira edição que, “enquanto este planeta continua em o argumento do desígnio de P a l e y (v. t e l e o l ó g i c o , ar­
seus ciclos conforme a lei fixa da gravidade”, nele Em sua Autobiografia, referiu-se ao seu diá­
g u m en to ).
rio, onde escrevera que
a vida, com seus vários poderes, sendo originalmente so­
prada [pelo Criador] em algumas formas ou talvez em uma enquanto se está em meio à grandeza da floresta brasi­
só [...] de um princípio tão simples formas infinitas tão belas leira é impossível dar uma idéia adequada dos sentimentos
e maravilhosas evoluíram e continuam evoluindo. elevados de espanto, admiração e evolução que enchem e
elevam a mente.
A expressão entre colchetes foi acrescentada na se­
gunda edição de Origem. Só na sua obra posterior, The Ele acrescenta: “Eu me lembro de minha convic­
descent o f man (A descendência do homem, 1871), ção de que há mais no homem que a mera respiração
Darwin proclamou que os humanos também evoluíram de seu corpo” (Darwin, Autobiography,p. 91).
pelos processos naturais a partir de formas inferiores Darwin reconheceu
de vida. Essa teoria causou uma revolução nas ciências,
cujas reverberações são sentidas ainda hoje. a dificuldade extrema, ou melhor, a impossibilidade de
Foi um momento decisivo no pensamento moder­ conceber este universo imenso e maravilhoso, inclusive o ho­
no porque, na opinião de muitos, Darwin deu a primei­ mem com sua capacidade de olhar para o passado distante e
ra explicação plausível de como a evolução poderia ter para o futuro, como resultado do acaso ou da necessidade.
Darwin, Charles 238

Então, essencialmente os mesmos que quando foram compos­


tos originalmente” e que “foram atribuídos aos seus ver­
ao refletir, sinto-me constrangido a olhar para uma Pri­ dadeiros autores” (Moore, p. 212). Mas sua fé no at já ha­
meira Causa com uma mente inteligente de certa forma aná­ via se deteriorado alguns anos antes (v. B íblia, crítica da).
loga à do homem; e mereço ser chamado teísta. A aceitação da alta crítica negativa. “Gradualmen­
te com ecei a ver que o Antigo Testamento, com sua his­
Darwin reconheceu que havia sido criacionista. Até tória do mundo claramente falsa, com sua torre de
falou da visão criacionista como uma teoria “que a Babel, com o arco-íris como sinal etc. etc., atribuindo
maioria dos naturalistas até recentemente nutriu, e que a Deus sentimentos de um tirano vingativo, não era
nutri no passado” (Darwin, p. 30). m ais merecedor de confiança que os livros sagrados
dos hindus ou as crenças de um bárbaro qualquer”
Essa conclusão estava forte na minha mente na época, (Darwin ,Autobiography, p. 85).
pelo que posso lembrar, em que escrevi A origem das espéci­ A aceitação do anti-sobrenaturalismo. Tanto Baruch
es; e desde aquela época tornou-se gradualmente mais fra­ E spinqsa em 1670 quanto David H um e um século mais
ca (Darwin, Autobiography, p. 92-3). tarde atacaram a base da intervenção sobrenatural no
mundo. Darwin acrescentou:
A rejeição de Darwin ao cristianismo. Por volta de
1835, antes de zarpar no Beagle (em 1836), Darwin Por meio de uma reflexão maior de que a evidência
ainda era criacionista. Darwin descreve seu próprio
mais clara seria necessária para fazer qualquer homem são
declínio religioso na sua Autobiografia. Escreveu:
acreditar nos milagres pelos quais o cristianismo é apoia­
do; de que quanto mais sabemos sobre as leis fixas da na­
A bordo do Beagle [outubro de 1836 a janeiro de 1839]
tureza mais inacreditáveis os milagres se tornam; de que
eu era bem ortodoxo, e me lembro das zombarias intensas
os homens daquela época eram ignorantes e crédulos a um
por parte de vários oficiais (apesar de também serem orto­
ponto quase incompreensível por nós; de que não se pode
doxos) por citar a Bíblia como autoridade incontestável em
provar que os evangelhos foram escritos ao mesmo tempo
alguma questão de moralidade.
que os eventos; de que são diferentes em vários detalhes
importantes, importantes demais na minha opinião para
Mas ele não acreditava que a Bíblia fosse uma au­
serem admitidos como imprecisões normais de testemu­
toridade incontestável quanto à ciência nessa época.
nhas oculares — por essas reflexões [... ] eu gradualmente
De acord o com E rn st M ayr, D arw in to rn o u -s e
passei a não acreditar no cristianismo como revelação di­
evolucionista entre 1835 e 1837 (M ayr,x).“Já em 1844,
vina (A u t o b i o g r a p h y , p. 86).
suas opiniões [sobre evolução] haviam atingido gran­
de maturidade, como demonstrado por seu manus­
No entanto, Darwin acrescentou:
crito ‘Essay’.” (ibid.) O filho e biógrafo de Charles
Darwin, Francis Darwin, disse que
Eu não estava disposto a abrir mão da minha crença [...]
assim a descrença insinuou-se lentamente, mas no final foi
apesar de Darwin ter quase todas as idéias principais
completa. O avanço foi tão lento que não sofri, e nunca mais
da Origem em mente já em 1838, ele deliberou durante vinte
duvidei nem por um segundo sequer de que minha conclu­
anos antes de se comprometer publicamente com a evolu­
são estava correta (ibid.,p. 87).
ção” (F. Darwin, p. 3.18).

Apenas uma década mais tarde (1848) Darwin es­ A “doutrina condenável”d o in f e r n o . Darwin escre­
tava completamente convencido da evolução, declaran­ ve que a crença ortodoxa no inferno foi uma influên­
do desafiadoramente a J. D. Hooker: “Não importa o cia específica de sua rejeição ao cristianismo. Ele es­
que você diz, minha teoria das espécies é evangelho creveu:
absoluto” (citado por Moore, p. 211).
A deterioração das crenças cristãs de Darwin co­ Na verdade mal posso ver como alguém pode querer que
meçou com uma erosão da confiança na Bíblia. É ver­ o cristianismo seja verdadeiro; pois uma linguagem tão cla­
dade que já em 1848 leu The evidence o f the genuineness ra do texto parece mostrar que os homens que não crêem, e
o f the gospels [A evidência da genuinidade dos evange­ isso incluiria meu pai, meu irmão e quase todos os meus
lhos], do professor Andrew Norton, de Harvard, que melhores amigos, serão punidos eternamente. E essa é uma
argum entou que os evangelhos “continuam sendo doutrina condenável (ibid., p. 87).
239 Darwin, Charles

A morte da filha de Darwin. 0 ceticismo crescente mais planejamento na variabilidade dos seres orgâni­
de Darwin já era completo quando sua querida filha, cos e na ação da seleção natural que na direção que o
Anne, morreu em 1851. O biógrafo James Moore es­ vento toma. Tudo na natureza é resultado de leis fixas”
creve que (ibid., 87). Darwin escreveu:

duas e m o ç õ e s f o r t e s , r a i v a e tristeza, na Autobiografia T en h o a te n d ê n c ia de ver tudo como resultado das leis


destacam o s a n o s d e 1848 a 1851 como o período em que quer bons quer maus, deixa­
p la n e ja d a s , c o m o s d e ta lh e s,

Darwin f i n a l m e n t e r e n u n c i o u à s u a fé (Moore, p. 209). dos à m e r c ê do que p o d e m o s chamar acaso (F. Darwin, 1.279;

2.105).
Isso, é claro, foi logo depois que sua visão da evo­
lução se solidificou (1844-1848) e antes de escrever Com o acaso como a única fé que lhe restara, o na­
seu famoso Origem (1859). turalista se aventurou a cham ar a seleção natural de
Apesar de os herdeiros de Darwin suprimirem o sua “divindade”. Pois crer nas criações milagrosas ou
efeito que a m orte da filha teve sobre Darwin, suas pa­ na “intervenção contínua do poder criativo”, disse
lavras revelam o impacto (v. Moore, p. 220-3). Em co­ Darwin,
nexão com a doutrina do castigo eterno, Darwin não
conseguia ver a conciliação entre a vida de uma crian­ é tornar minha divindade, a Seleção Natural, supérflua
ça perfeita e um Deus vingativo (ibid., p. 220). Refe- e responsabilizar a divindade — se é que ela existe — pelos
rindo-se a si mesmo como um “miserável horrível”, fenômenos que são atribuídos corretamente apenas às suas
um dos condenados, em maio de 1856 advertiu um leis magníficas (citado por Moore, p. 322).
jovem entomologista:
Aqui Darwin não só afirmou seu deísmo, mas in­
O u vi o u n ita r ia n ism o se r c h a m a d o d e u m a c a m a p a r a dicou seu crescente agnosticism o pela frase “se é que
salvar u m c r is t ã o c a íd o ; e a c h o q u e v o c ê e s t á n u m a c a m a ela existe”.
dessas, m a s a c r e d ito q u e a in d a c a ir á m a is e m a is ( c ita d o p o r Deísmo finito' Nos últimos estágios de seu deísmo
Moore, p. 221). Darwin parecia flertar com um deus finito (v. fin ito ,
deísmo ) como o que John Stuart M m havia adotado. Já

Um mês mais tarde, Darwin referiu-se a si mesmo em 1871, em A descendência , Darwin pareceu negar a
como “o capelão do Diabo”, que satiricam ente,em lin­ crença num Deus infinitam ente poderoso. Escreveu
guagem figurada, refere-se a um incrédulo convicto Crença em Deus — religião que “não há evidência de
(Moore, p. 222; v. m a l , p r o b l e m a d o ). que o homem tenha sido dotado originalmente com
A decadência de Darwin. Darwin gradualmente uma crença enobrecedora na existência de um Deus
descartou o teísmo a favor do d e ís m o , deixando apenas Onipotente” (Descent, p. 302). Aqui ele sugere deísmo
o ato de intervenção divina para a criação da primeira finito. Se esse for o caso, durou pouco; Darwin defini­
forma ou das primeiras formas de vida. Essa era apa­ tivam ente acabou se to rn an d o um ag n ó stico (v.
rentemente sua visão na época de A origem das espéci­ agnosticismo).

es (1859), onde, na segunda edição, falou da Agnosticismo. Em 1 8 7 9 , D arw in já era um


agnóstico, escrevendo:
vida, com seus vários poderes, sendo originalmente so­
prada [pelo Criador] em algumas formas ou em uma [...] de Creio que geralmente (e mais e mais à medida que en­
um princípio tão simples formas infinitas tão belas e mara­ velheço), mas nem sempre, um agnóstico seria a descrição
vilhosas evoluíram e continuam evoluindo (grifo do autor). mais correta de meu estado mental (citado por Moore, p.
204).
Rejeição do argumento do planejamento de Paley.
Apesar de Darwin se apegar a um Deus deísta que cri­ Mais tarde, escreveu: “O m istério do princípio de
ara o mundo, mas deixara que ele operasse pelas “leis todas as coisas é insolúvel por nós; e eu por exemplo
naturais fixas”, gradualmente chegou a rejeitar até a devo me contentar em continuar sendo um agnóstico”
força convincente do argumento da criação. Disse que (Darwin, Autobiografia, p. 84).
foi “levado” à conclusão de que “o velho argumento do Apesar de seu agnosticismo, Darwin claramente
desígnio na natureza, apresentado por Paley, que an­ nega ter sido ateu. Disse: “Nas minhas variações mais
tes me parecia tão conclusivo, falha, agora que a lei da extremas jam ais fui ateu, negando a existência de Deus”
seleção natural foi descoberta [...] parece não haver (citado por Moore, p. 204). Os historiadores rejeitam a
Darwin, Charles 240

história apócrifa da conversão de Danvin no seu leito A microevolução foi confirmada. É atribuída a
de morte. Darwin, até por criacionistas, a confirmação da exis­
Em 1879, muitos anos após a A descendência (1871), tência de pequenas mudanças no desenvolvimento
Darwin declarou: “Parece-me absurdo duvidar de que natural das espécies. Elas são até observáveis, como
um hom em possa ser um teísta fervoroso e um revela seu estu d o dos te n tilh õ e s . E n q u an to os
evolucionista”(Carta 7, maio de 1879). O próprio Darwin criacionistas discordam de Darwin quanto à possibi­
se contentava em continuar sendo agnóstico. lidade de tais mudanças resultarem em grandes m u­
Avaliação. Ao contrário do dogmatismo de mui­ danças pela seleção natural após longos períodos de
tos evolucionistas contemporâneos, que afirm am que tempo, Darwin e outros devem ser reconhecidos pela
“a evolução é um fato”, Darwin era mais reservado, extinção da visão platônica mais antiga de formas fi­
pelo menos nas suas publicações. xas no nível do que os biólogos cham am espécies.
Aspectos positivos das teorias de Darwin. Darwin A lei da seleção naturalfoi explicada. Darwin tam ­
deve ser louvado por geralmente ter o cuidado de não bém viu corretam ente a função valiosa que a seleção
exagerar. Certamente esse é o caso em A origem das natural tem no desenvolvimento da vida. A sobrevi­
espécies. vência do m ais forte é um fato da vida anim al, como
A evolução é apenas urna teoria. Darwin reconhe­ dem onstram docu m en tários sobre a natureza na
ceu que sua visão era apenas uma teoria, não um fato. África. Mais uma vez, criacionistas e evolucionistas
Ele a chamou “teoria da evolução”, em oposição à “te­ diferem quanto à quantidade de mudança que a se­
oria da Criação”, expressões que usou muitas vezes em leção natural pode causar e se ela é evolutiva. Mas
A origem das espécies (por exemplo, p. 2 3 5 ,4 3 5 ,4 3 7 ). concordam que a seleção natural pode e faz algumas
Tecnicamente, a macroevolução é mais que uma hi­ m udanças biológicas im portantes no desenvolvi­
m ento da vida.
pótese não confirmada que uma teoria (v. evolução bi­
“Elos perdidos”são mencionados. Darwin também
ológica ). Muitos,inclusive alguns evolucionistas,acre­
estava ciente do fato de que a evidência a favor (ou
ditam que se trata de uma tautologia não-falsificável.
contra) a evolução estava no registro fóssil e que ha­
R obertH .Peters,em The american naturalist, afirmou
via nela espaços vazios (v. a seguir). Ele, é claro, espe­
que as teorias evolutivas
rava que descobertas futuras preenchessem esses es­
paços e confirmassem sua “teoria”.
são na verdade tautologias e, como tais, não podem fa­
Aspectos negativos. Uma crítica m ais completa da
zer previsões empíricas testáveis. Elas sequer são teorias ci­
evolução biológica e humana é encontrada no artigo
entíficas (Peters, 1).
evolução biológica . Aqui a ênfase será dada às falhas

das visões pessoais de Darwin.


Outros, como Stephen Toulmin e Langdon Gilkey
Afalta de evidência fóssil. Ao sentir a falta de formas
chegaram a conclusões semelhantes, cham ando-a de
intermediárias no registro fóssil, Darwin confessou:
“m ito científico” (Gilkey, p. 39).
Ambos os lados devem ser considerados. Ao con­
A geologia certamente não revela nenhuma mudança
trário de muitos evolucionistas atuais, Darwin acre­
orgânica gradativa, e p o s s iv e l m e n t e e ss a é a o b je ç ã o m a is
ditava que a evolução e sua antítese lógica, a criação, ó b v ia e s é r i a q u e p o d e s e r u s a d a c o n t ra a te o ria [da evolu­
devem ser consideradas, m edindo-se cuidadosamen­ ção] (Darwin, A o r i g e m d a s e s p é c ie s , 152, grifo do autor).
te a evidência de am bas. Na “Introdução” de Origem
Darwin afirm ou: “Estou ciente de que quase nenhu­ Darwin confessou que não encontramos
ma questão é discutida neste volume para a qual não
haja fatos, em geral aparentem ente levando a con­ um número infinito dessas formas transicionais que, na
clusões diretam ente opostas àquelas que foram tira ­ nossa teoria, ligaram todas as espécies passadas e presentes
das”. Acrescenta: “Um resultado ju sto pode ser obti­ do mesmo grupo em uma cadeia longa e ramificada da vida
do apenas pela m enção e avaliação total dos fatos e (ibid.,161).
argumentos de ambos os lados de cada questão; e isso
é impossível aqui”. Isso parece apoiar uma teoria de Ele atribuiu isso à falta do “registro geológico como
dois modelos que muitos criacionistas sugerem para história do mundo mal cuidado” (ibid.), e outros, à su­
as escolas públicas, mas cujo m andato foi rejeitado posta falta de formas transicionais. Mas esse é um ar­
pela Suprema Corte am ericana ( Edwards , 19 de ju ­ gum ento de silêncio praticam ente irrefutável e pres­
nho de 1987). supõe que form as transicionais realm ente existem .
241 Darwin, Charles

A realidade é que não há elos perdidos, mas sim uma Quem acredita que alguma forma antiga foi transfor­
cadeia perdida, com apenas alguns elos aqui e ali. mada repentinamente [...] entra no âmbito dos milagres e
0 registro fóssil é a única evidência real do que deixa o da ciência (citado por Denton, p. 59).
realmente aconteceu , ao contrário do que poderia ter
acontecido, logo essa é uma objeção muito séria. E o Ainda estudante, Darwin, comentando Evidences o f
período subseqüente de aproximadamente 140 anos Christianity, de Sumner, disse que “quando se vê uma
não foi favorável a Darwin. Apesar da descoberta de religião estabelecida, que não tem protótipo existente
milhares de fósseis, nas palavras de Fred Hoyle, “o [...] há grande possibilidade de sua origem divina”.
registro evolutivo é tão furado quanto uma peneira” Como Howard Gruber disse:
(Hoyle, p. 77). Mas o paleontólogo Stephen Jay Gould,
de Harvard, adm itiu que A natureza não salta, mas Deus sim. Logo, se queremos
saber se algo que nos interessa é de [origem] natural ou so­
a raridade extrema das formas transicionais no registro fós­ brenatural, devemos perguntar: Isso surgiu gradualmente a
sil persiste como o segredo profissional da paleontologia. As partir do que veio antes, ou repentinamente, sem qualquer
árvores evolutivas que decoram nossos livros só têm dados nas evidência de causa natural? (ibid.).
pontas e nós de seus galhos; o resto é suposição, por mais razo­
ável que seja, não a evidência de fósseis” (Gould, p. 14). Mas claram ente, pelas p róp rias prem issas de
Darwin, o resultado não é a macroevoluçâo, pois ele
Na verdade, a falta de evidência para a teoria de admite que há grandes saltos no registro fóssil, que são
Darwin forçou muitos evolucionistas contemporâne­ sinal de criação, não de evolução.
os com o Gould a re c o rre r a so lu çõ es m ais Darwin fez uma analogia falsa. Grande parte da
especulativas, como “equilíbrios acentuados” que por persuasão da teoria de Darwin veio do argumento apa­
natureza dão grandes saltos em períodos de tempo re­ rentemente plausível segundo o qual se a seleção arti­
lativamente curtos. ficial pode fazer pequenas mudanças significativas
A microevolução não prova a macroevoluçâo. Tudo num curto período, então certamente a seleção natu­
que Darwin demonstrou com sucesso foi que mudan­ ral pode fazer grandes mudanças num longo período
ças pequenas ocorrem em formas específicas de vida, de tempo. Mas, como E. S. Russell observou: “a ação
não que haja qualquer evolução entre tipos maiores. do homem na reprodução seletiva não éanáloga à ação
Mesmo considerando longos períodos de tempo, não da ‘seleção natural’, mas quase seu oposto absoluto”. Pois
há evidência real de grandes mudanças. Citando Gould “o homem tem um objetivo ou um fim em vista;‘a se­
novamente: leção natural’ não pode ter. O homem escolhe os indi­
víduos com quem quer cruzar, escolhendo-os pelas
A história da maioria das espécies fósseis inclui duas características que quer perpetuar ou acentuar”. E
características especificamente em harmonia com o
gradualismo: ele os protege e à sua prole com todas as suas forças,
1. Estase. A maioria das espécies não exibe nenhuma defendendo-os da operação da seleção natural, que logo eli­
mudança direcional durante a vida na terra. Elas minaria muitas anomalias; ele continua sua seleção ativa e
surgem no registro fóssil com a mesma aparência objetiva de geração a geração até atingir, se possível, sua
com que desaparecem; a mudança morfológica ge­ meta.
ralmente é limitada e sem direção,
2. Surgimento repentino. Numa área local, nenhuma es­ Mas
pécie surge gradualmente pela transformação lenta
de seus ancestrais; ela aparece de repente, comple­ nada desse tipo acontece, ou pode acontecer, pelo pro­
tamente formada (Gould, ibid., 13-4). cesso cego da eliminação diferencial e da sobrevivência di­
ferencial que denominamos incorretamente seleção natu­
A evidência fóssil claramente dá uma dem ons­ ral (citado em Moore, p. 124).
tração de criaturas maduras e com pletamente fun­
cionais aparecendo repentinamente e perm anecen­ Então, a coluna central da teoria de Darwin está ba­
do muito sem elhantes. Isso é evidência de criação, seada numa analogia falsa (v . e v o l u ç ã o b io l ó g ic a para
não de evolução. maiores comentários sobre essa questão).
Saltos são evidência de criação. À luz das grandes Darwin admitiu sérias objeções. Darwin dedicou
omissões no registro fóssil, as próprias afirmações de um capítulo inteiro de A origem das espécies para o
Darwin são incriminadoras. Ele disse: que cham ou “uma série de dificuldades” (8 0 ). Por
Darwin, Charles 242

exemplo: “Podemos acreditar que a seleção natural pode ser ensinada ju n to com a evolução porque ‘“a
pode produzir [...]um órgão tão m aravilhosos quan­ ciência da criação’ [...] tem com o referência os p ri­
to o olho?” (ibid.). Como os organism os que preci­ m eiros onze capítulos do livro de G ênesis” (citado
sam dele sobreviveram sem ele enquanto evoluía em Geisler, p. 173).
durante m ilhares ou m ilhões de anos? Na verdade, a Não é estranho que a criação não seja científica
m aioria dos órgãos e organism os complexos devem por ter um a fonte não científica, quando paralela­
ter todas as partes funcionando juntas ao mesmo mente a teoria de Darwin tam bém tem? A verdade é
tempo desde o princípio. Adquiri-las gradualmente que uma teoria científica não precisa de uma fonte
seria fatal para seu funcionam ento. Além disso, “os científica, m as apenas de algum apoio científico pos­
instintos podem ser adquiridos ou m odificados por sível ou real. Como o autor dem onstrou no testem u­
m eio da seleção natural?” (ibid.). Darwin admite as nho do julgam ento de “Scopes n”, muitas teorias c i­
dificuldades da evolução ao dizer que “algumas de­ entíficas válidas têm fontes não científicas, até reli­
las são tão sérias que até hoje m al posso refletir so­ giosas. A idéia de Nikola Tesla para o motor de cor­
bre elas sem ficar um pouco atordoado” (ibid.). rente alternada veio de uma visão que teve ao ler um
A evidência revela ancestrais separados. Por in­ poem a panteísta. E o modelo da molécula de benzeno
crível que pareça, o próprio Darwin reconheceu a na­ de Kekule foi derivada da visão de uma cobra m or­
tureza enganosa da analogia em que sua teoria se ba­ dendo a própria cauda (ibid., p. 116-7).
seava. Ao explicar suas últimas palavras tão citadas A teoria de Darwin é equivalente ao ateísmo.
da Origem, segundo as quais Deus criou “uma” ou Apesar de Darwin e m uitos d arw inistas negarem
“algum as” form as de vida, Darwin admite duas coi­ de form a decisiva que a teoria de Darwin seja em
sas reveladoras. Prim eiro, reconheceu cerca de oito a p rin cíp io ateísta, essa acu sação p esa seriam ente
dez form as criadas. Disse: “Acredito que os animais contra ele. Charles Hodge (1 7 9 7 -1 8 7 8 ), o estudioso
são descendentes de um núm ero igual ou m enor” de P rinceton, num a análise profunda, perguntou e
(Darwin, A origem das espécies, p. 24 1 ). Além disso, respondeu à própria pergunta:
adm itiu que só se pode argum entar por analogia,
acrescentando: O que é danvinismo? É ateísmo. Isso não significa que o
sr. Darwin e todos os que adotam suas teorias sejam ateus;
A analogia me levaria um passo adiante, isto é, à crença mas significa que sua teoria é ateísta, que a exclusão do plane­
de que todos os animais e plantas são descendentes de um jamento da natureza é [...] equivalente ao ateísmo (Hodge, p.
único protótipo. Mas a analogia pode ser um guia enganoso 177).
(ibid.,grifo do autor).
A lógica de Hodge é desafiadora. A evolução exclui
Essa é uma admissão reveladora em vista da analo­ o planejamento, e se não há planejamento na natureza
gia comprovadamente falsa usada entre seleção artifi­ então não há necessidade de um Planejador da nature­
cial e natural. za. Logo, apesar das afirmações em contrário, a evolu­
A teoria de Darwin não fo i derivada da natureza. ção é em princípio uma teoria ateísta, já que exclui a
Até mesmo evolucionistas admitem que Darwin não necessidade de um Criador inteligente (v. c o s m o l ó g ic o ,
derivou sua teoria do estudo da natureza, mas de uma argum ento; F lew ,A ntony).
cosmovisão naturalista. George Grinnell escreveu: Até muitos evolucionistas reconhecem que o cená­
rio de Darwin de uma “poça de água morna” em que a
Fiz muitas pesquisas sobre Darwin e posso dizer prim eira vida surgiu espontaneamente exclui Deus
com certa segurança que Darwin também não derivou completamente do âmbito da biologia. Ele escreveu:
sua teoria da natureza, mas sobrepôs uma certa “Geralmente dizem que todas as condições para a pri­
cosmovisão filosófica à natureza e depois passou vinte meira produção de um organismo vivo estão presentes
anos tentando ju n ta r fatos para ten ta r prová-la agora e que sempre estiveram presentes”. Então, o
(Grinnell, p. 44). surgimento espontâneo seria possível se

Isso é m uito interessante em vista do que o Tri­ pudéssemos conceber uma poça morna com todos os ti­
bunal Federal decidiu no ju lg am ento “Scopes n” pos de amónia e sais fosfóricos,luz, calor eletricidade presen­
(M cLean, 22 de jan eiro de 1982) que a criação não tes, de modo que uma proteína fosse formada pronta para so­
é ciência, porque, prim eiro, tem um a fonte não c i­ frer mudanças ainda mais complexas (citado por F. Darwin,
entífica — a Bíblia. 0 ju iz decidiu que a criação não 3.18).
243 datação científica

Francis Darwin admitiu que __ , A o r ig e m das espécies.


F. Darwin, The life and letters o f Charles Darwin, v. 3.
M. D enton , Evolution: a theory in c r is is .
Darwin jamais afirmou que sua teoria explicaria a ori­
N. L. G eisler , The Creator in the courtroom.
gem da vida, mas a implicação existe. Logo, Deusfoi banido
L. G ilk e y , Maker o f heaven and earth.
da criação das espécies e de todo o âmbito da biologia (ibid.). S. J. G o u ld , “Evolution’s erratic pace”, N H , 1972.
C. G r in n ell , “R eexam ination o f the foundations”,
Qual a necessidade de um Criador? Só é necessá­ P e n s e e , May 1972.

rio supor o que muitos acreditam há muito tempo, que C. H odge , O que é darwinismo?
o universo material era eterno e parece não haver lu­ F. H oyle et al., Evolution from space.
P. Johnson , Darwin on trial.
gar para uma Primeira Causa, para Deus. Há, é claro,
__ , R e a s o n in the balance.
evidências contra o surgimento espontâneo da primei­
E. M ayr , “Introdução”, C. Darwin , A o r i g e m das es­
ra vida (v. evolução q u ím ica ) e um universo eterno (v. p é c ie s , 1964 org.
BIG-BANG, TEORIA DO; K A LA M , ARGUMENTO COSMOLÓGICO). E, J. M oore , The post-darwinian controversies.
logo, há n e cessid a d e de D eu s, a d esp eito do R. P e t er s , “Tautology in evolution and ecology”, AN,
darwinismo (v. D e u s , evidências d e ). Jan .— Feb. 1976.
Razões para negar o cristianismo eram inválidas.
Além de o deísmo e o agnosticismo de Darwin serem d atação científica. O problema. A datação geralmen­
injustificados, sua rejeição ao cristianismo também era, te aceita (dga ) na comunidade científica apresenta vá­
pois estava baseada no predomínio de uma alta crítica rios problemas para a apologética cristã, já que supõe
negativa (v. B íblia , crítica da) em sua época, que era pré- de dez a vinte bilhões de anos para o universo e cente­
arqueológica e há muito tempo foi desacreditada. nas de milhares de anos para a vida humana. Isso é
Da mesma forma, Darwin supõe incorretamente contrário a uma datação amplamente suposta por
que o Deus do at era vingativo, e não amoroso, algo muitos evangélicos de 10 a 20 mil anos do universo e
contrário à afirmação do at sobre o amor, a m isericór­ da vida humana.
dia e o perdão de Deus (Êx 20.6; Jn 4.2). Na verdade, o Na realidade, a dga apresenta quatro problemas di­
amor de Deus é mencionado com mais freqüência no ferentes para a defesa do cristianismo histórico: 1) A
d g a apóia a evolução? 2) A dga contradiz a posição bí­
at que no n t .
Além disso, o conceito de Darwin a respeito do in ­ blica da idade do universo? 3) A dga contradiz a posi­
ção bíblica da idade da raça humana? 4) A dga contra­
ferno era bastante defeituoso. A própria idéia de que o
inferno é injusto implica que deve haver um Deus ab­
diz a posição bíblica da criação em “seis dias”? Como
a últim a pergunta é discutida em detalhes em outro
solutamente justo. E um Deus absolutamente justo
artigo (v. G ênesis, dias de ), apenas as três primeiras se­
deve punir o pecado.
Mais que isso, Darwin parecia ter um conceito de
rão discutidas aqui.
inferno que não era conseqüência de um Deus am o­
Datação científica e evolução. Mesmo consideran­
do verdadeira a conclusão da dga de que o universo
roso, que não força suas criaturas livres a crer nele con­
tem bilhões de anos e a vida tem pelo menos meio
tra a vontade.
bilhão de anos, isso não quer dizer que a m acroevo-
Finalmente, a família de Darwin disfarça o fato de
lução tenha ocorrido (v. evolução biológica ). Pois bi­
que, quando Darwin abandonou a fé cristã, não con­
lhões de anos são apenas uma condição necessária
seguiu lidar com a morte de sua querida filha. Justa­
para a verdade da evolução, mas não uma condição
mente na hora em que precisava da esperança cristã
suficiente para ela. Um período de tempo mais longo
da ressurreição (v. r e s s u r r e iç ã o , e v id ê n c ia s da) e reunião
sim plesmente não é suficiente para explicar como
com os entes queridos, ele não a teve, porque seu anti-
mudanças graduais por processos naturais poderi­
sobrenaturalismo crescente havia eliminado qualquer
am tra n s fo rm a r um m ic ró b io num h o m em .
base firme de crença. Então, ele se voltou para Deus
M ultimilhões de anos são uma condição necessária
— o que sobrara dele — e o culpou por ser “vingati­
para todas as coisas vivas evoluírem. Mas longos pe­
vo”. Tal é a condição de um coração ingrato e incrédu­
ríodos de tempo não são o suficiente para provar que
lo (cf.R m 1.18ss.).
a macroevolução é verdadeira por dois motivos b á ­
Fontes sicos: 1) longos períodos de tempo não produzem
C. D arw in , Autobiografia. complexidade específica; e 2) um m ecanism o natu­
__ , The descem ofiman. ral é necessário para explicar a macroevolução.
datação científica 244

Longos períodos de tempo não produzem complexi­ Datação científica e a idade do universo. A teoria
dade especifica. Não há evidência empírica ou experi­ oganão causa problema para todos os cristãos orto­
mental de que longos períodos de tempo produzam o doxos — apenas para os que acreditam no universo
tipo de complexidade específica e irredutível encontra­ jovem (de milhares de anos). Apologistas do universo
da nos seres vivos (v. ev olução q u ím ic a ) . A simples obser­ jovem, tais como Henry Morris (v. Morris, toda a obra)
vação revela que, se alguém derrama sacos de confete e seus seguidores, devem contestar a dga. Eles o fazem
vermelho, branco e azul de um avião a trezentos metros de duas m aneiras.
de altitude, isso não formará a bandeira americana no Argumentos científicos negativos contra um univer­
gramado do quintal de ninguém. As leis da natureza, so antigo. O elem ento esse n cia l m ínim o de uma
sem intervenção inteligente, misturarão as cores; elas apologética do universo jovem é encontrar falhas no
não formarão 50 estrelas e 13 listras com o confete. E a esquema de datação científica aceito atualmente. Isso
observação e experimentação demonstram que lançar é tentado de várias maneiras.
os pedaços de papel colorido de trezentos metros de al­ Pressuposições improváveis. Proponentes do univer­
titude não dará o tempo necessário para que se organi­ so jovem indicam que há pressuposições improváveis
zem. Só há uma causa conhecida pelos seres humanos nos métodos de datação do universo antigo. Por exem­
que pode criar uma bandeira americana com peque­ plo, métodos de datação radiom étrica supõem uma
nos pedaços de papel, e essa é a inteligência. Mas inter­ condição original da substância que era “pura”. Eles
venção inteligente não é evolução naturalista; é criação. também supõem que houve uma taxa ou ritm o cons­
A necessidade de um mecanismo natural. Para a tante de mudança desde então. Por exemplo, para ar­
evolução naturalista ocorrer, é preciso mais que lon­ gumentar a favor de uma terra antiga com base na
gos períodos de tempo. Deve haver tam bém algumas salinidade do mar, a pessoa precisa supor que ele não
causas naturais que possam explicar a complexidade tinha sal e que o sal tem sido depositado nele por rios
crescente nas coisas vivas a p a rtir do organism o e córregos a uma freqüência relativamente constante
unicelular original até o ser humano. Nenhum m eca­ desde o princípio. Mas essas prem issas são am bas
nismo jam ais foi encontrado. A seleção natural não faz questionáveis, principalm ente se houve um dilúvio
isso. É apenas um princípio de sobrevivência de tipos universal (v. Noé, d il ü v io d e ) . Da mesma forma, para
existentes de vida, não o surgimento de novos tipos (v. argumentar a favor de um universo de bilhões de anos
Darwin, Charles). Mutações naturais também não fa­ com base nos isótopos de chumbo no urânio, é neces­
zem isso. Geralmente não são úteis e muitas vezes são sário supor que eles não existiam no princípio e que a
letais. Variação em populações só explica pequenas taxa de decomposição tem sido constante desde en­
mudanças em tipos específicos de vida e não mudan­ tão. Isso tam bém foi questionado.
ças macroevolutivas necessárias entre todas as diver­ Além disso, sempre existe o problem a de uma
sas formas de vida, desde a mais simples até a mais amostra contaminada ou algum outro fator para alte­
complexa. Portanto, longos períodos não explicam rar a taxa de decomposição ou depósito. Isto é, para
como a macroevolução poderia ocorrer. São necessá­ apoiar o argumento de universo antigo, é preciso m os­
rias causas naturais que possam realmente produzir trar que a am ostra usada não foi contaminada com
complexidade específica superior sem qualquer cau­ material de um período posterior. Esse é o caso da
sa inteligente. Na verdade, a evidência é contrária (v. datação com carbono. Caso contrário, a data resultan­
TELEOLÓGICO,ARGUiMENTOJ ANTRÓPICO, PRINCÍPIO). Leis natU- te não é a data original do material.
rais não especificam; escolhem a esmo. Não causam Argumentos positivos a favor de um universo jovem.
ordem específica superior; causam desordem. Não cri­ Outra tática disponível para os defensores do univer­
am vida; causam decomposição. so jovem é dar evidência científica de que o universo é
Pouco tempo é fatal para a macroevolução. Uma jovem. Muitos desses argumentos foram oferecidos. O
razão pela qual os evolucionistas naturalistas se opõem problema desse método é que ele tam bém deve acei­
tão veementemente aos esquemas de datação que pos­ tar algumas pressuposições não provadas (ou impro­
tulam um universo jovem (de 10 mil a 20 mil anos) é váveis) como uma condição original e um processo
que isso é fatal para a teoria evolutiva. A evolução sim ­ constante desde então. Mas é exatamente isso que os
plesmente deve ter períodos de tempo mais longos que proponentes do universo jovem desafiam na teoria do
apenas alguns milhares de anos. Logo, apesar dos lon­ universo antigo. Por exemplo, alguns deles argumenta­
gos períodos de tempo supostos pelo esquema dga não ram, com base na pouca profundidade do pó lunar, que
eliminarem a criação, curtos períodos de tempo eli­ a lua tem apenas milhares de anos. Mas fazer isso é su­
minam a evolução. por que a lua não tinha pó no princípio e que a taxa de
245 datação científica

acúmulo tem sido relativamente constante a cada ano. centenas de milhares de anos. E os seres humanos com
Isso também não foi provado, e talvez seja improvável. evidência de religião e consciência de Deus não são
No entanto, os proponentes de um universo jovem têm muito mais antigos. Essas formas bem mais recentes
todo direito de oferecer evidência científica positiva da indicam o tempo da origem dos verdadeiros seres hu­
sua teoria, seja por meio de um dilúvio universal, seja manos feitos à imagem de Deus, isto é, seres com capa­
pela freqüência mais rápida de decomposição ou depó­ cidade racional, moral e religiosa.
sitos. E se o peso da evidência favorece sua teoria, o peso Demonstração de intervalos nas genealogias bíblicas.
da evidência vai contra a macroevolução, que exige pe­ É verdadeiro que, se alguém supõe que não há intervalos
ríodos de tempo mais longos. nas genealogias bíblicas, a raça humana tem pouco mais
A alternativa: um universo antigo. Outros cristãos de seis mil anos. Mas há intervalos evidentes nos regis­
ortodoxos defendem sua teoria aceitando a possibilida­ tros ancestrais da Bíblia (v. Mt 1.8 e 1Cr 3.11 -14), mesmo
de de um universo antigo de bilhões de anos e indican­ nas genealogias antigas em Gênesis (v. Lc 3.36 com Gn
do o fato de que a Bíblia não os constrange em lugar 11.12). Isso é discutido detalhadamente em outro artigo
algum a aceitar um universo jovem. Geralmente indi­ (v.genealogias abertas). Muitos conhecidos teólogos evan­
cam vários fatores. Primeiro, Gênesis 1.1 diz apenas que gélicos têm sustentado essa teoria, desde B. B. Warfield
houve um “princípio”, mas não exatamente quando foi. até Gleason Archer.
Segundo, os “dias” de Gênesis podem representar lon­ Conclusão. Apesar de haver conflitos entre certas
gos períodos de tempo. Terceiro, pode ter havido um interpretações do registro bíblico e teorias predomi­
intervalo de tempo antes de os dias de Gênesis começa­ nantes da idade da terra e da humanidade, não há con­
rem (como numa forma da teoria do intervalo). Quar­ tradições reais. Isso é verdadeiro por duas razões bá­
to, há intervalos conhecidos no registro genealógico (v. sicas. Primeira, ninguém provou com certeza absolu­
GENEALOGIASABERTAS). ta que o universo tem determinada idade, jovem ou
Datação científica e a idade da raça humana. Ou­ antiga. Segunda, há maneiras diferentes de interpre­
tro problema que os defensores da terra jovem e até tar o registro bíblico de forma a evitar conflito com a
muitos da terra antiga enfrentam é conciliar a dga da dga de bilhões de anos. Logo, apesar de haver conflito
idade da raça humana com o registro bíblico. Já que com a teoria científica predominante e interpretações
isso é discutido detalhadamente em outro artigo (v. preferenciais do registro bíblico, não há uma contra­
elos perdidos), será apenas resumido aqui. Há várias dição insolúvel.
maneiras para resolver esse problema.
Rejeição dos métodos de datação da raça huma­ Fontes
na. Os métodos de datação da antigüidade da raça G. A rc h e r ,. Merece confiança o Antigo Testamento?
hum ana estão sujeitos a m aior debate que os da data A . C c sta ncf , The genealogies o f the Bible.
R. G entry , Creation's tiny mystery.
do universo — e pelas m esm as razões, só que em
W. H. G r ee n , “Prim eval chronology”, em W a iter
m aior grau em alguns casos. Prim eiro, há o proble­
K a iser , org., Essays in Old Testament
ma de supor que o estado original era puro. Segun­ interpretation.
do, tam bém há o problema de dem onstrar uma taxa H. M o r r is , et al., What is creation science?
constante de decomposição. Terceiro, há a questão de J. D. M o r r is , The young earth.
contam inação da am ostra ou influência de outras R. N e u m a n et al., Genesis one and the origin o f the
forças. Além disso, alguns métodos de datação (como earth.
o Carbono 14) só são precisos para m ilhares, não B. R amm , The Christian view of science and Scripture.
H. Ri">, Creation and time.
centenas de m ilhares ou m ilhões de anos. Outros
B. B. W'ARHEu\“0 n the antiquity and the unity o f
métodos de datação como os períodos interglaciais
the hum an race”, The Princeton Theological
são ainda menos precisos.
PeW eu’ U 9 1 1).
Desafiando a classificação “humana”para os fósseis. J. W h it c o m b , et al.. The Genesisflood.
Outro problema é a pressuposição de que antropóides D. E. W o n p e r i .y. God s time-records in ancient
ou hominídeos muito antigos eram realmente seres sediments.
humanos criados à imagem e semelhança de Deus em D. A . Yot'NG, Christianity and the age of the earth.
lugar de símios altamente desenvolvidos. E o uso de ins­
trumentos simples não prova humanidade, já que alguns deísmo. Deísmo é a crença num Deus que fez o mundo,
animais atualmente usam instrumentos simples (como mas nunca interrompe as operações deste com eventos
focas que usam pedras para abrir conchas). A maioria sobrenaturais. É um teísmosem milagres (v.milagre).Deus
dos estudiosos admite que o homem civilizado não tem não interfere na sua criação. Pelo contrário, criou-a para
deísmo 246

ser independente dele mediante leis naturais imutáveis O Deus com preocupação moral com esta vida e a
(v. Espinosa, Baruch). Na natureza, ele também provi­ próxima. O quarto tipo de deísmo afirm a que Deus
denciou tudo de que as criaturas precisam para viver. regula o mundo, exige obediência à lei moral b asea­
0 deísmo cresceu nos séculos xvi a xvm, mas co­ da na natureza e preparou uma vida após a m orte,
meçou a morrer no século xix. Hoje seus dogmas in­ com recom pensas para os bons e castigos para os
sistem na negação anti-sobrenatural, aos milagres (v. maus. Essa visão era comum entre os deístas ingle­
milagres, argumentos contra), e nas visões críticas da ses e am ericanos.
Bíblia (v. Bíblia, crítica da). Representa aqueles que Crenças básicas. Apesar de haver diferenças entre
acreditam num ser superior que tem pouco ou nada os deístas, as crenças comuns permitem um entendi­
que ver com nossas vidas. mento de sua cosmovisão comum.
O deísm o cresceu na Europa, especialm ente na Deus. Todos os deístas concordam que há um Deus
França e na Inglaterra, e no final do século xvm na (v. teísmo). Esse Deus é eterno, imutável, inatingível,
A m érica (v. Orr, cap. 3 e 4). Os deístas europeus mais onisciente, onipotente, benévolo, verdadeiro, justo, in­
proem inentes foram H erbert de Cherbury (1 5 8 3 - visível, infinito — em resumo, completamente perfei­
1 6 4 8 ), o pai do d eísm o in g lês; M atthew Tindal to, sem que lhe falte nada.
(1 6 5 6 -1 7 3 3 ); John Toland (1 6 7 0 -1 7 2 2 ) e Thom as Deus é uma unidade absoluta, não uma trindade.
W oolston (1 6 6 9 -1 7 3 1 ). Alguns deístas am ericanos Deus é apenas uma pessoa, não três. O conceito teísta
notáveis foram B en ja m in F ran k lin (1 7 0 6 -1 7 9 0 ), cristão da Trindade é falso, até insignificante. Deus não
Stephen Hopkins (1 7 0 7 -1 7 8 5 ), Thom as Jefferson existe como três pessoas iguais. Jefferson zombou disso
(1 7 4 3 -1 8 2 6 ) e Thom as Paine (1 7 3 7 -1 8 0 9 ). O efeito dizendo que “a aritmética trinitária em que três são um
da visão dos deístas am erican os, principalm ente e um é três” é “jargão incomparável”. Paine acreditava
Paine e Jefferson, são sentidos m ais hoje por m eio que o conceito trinitário resultava em três deuses, logo
da fundação e herança política dos Estados Unidos era politeísta (v. politeísmo). Em comparação, os deístas
(v. M orais, cap. 4 ,5 ) . afirmam que Deus é um em natureza e um em pessoa.
Vários tipos de deísm o. Todos os deístas concor­ A origem do universo. O universo é a criação de Deus
dam que há um Deus, que criou o mundo. Todos os (v. criação e origens). Antes de o universo existir, não
deístas concordam que Deus não intervém no mundo havia nada exceto Deus (v. criação, visões da). Ele criou
m ediante ações sobrenaturais. Mas nem todos os tudo. Então, ao contrário de Deus, o mundo é finito. Teve
deístas concordam quanto à preocupação de Deus com um começo, mas Deus não tem princípio nem fim.
o mundo e à existência da vida após a morte para os O universo opera por leis naturais. Essas leis fluem
seres humanos (v. imortalidade). Com base nessas di­ da própria natureza da Deus (v. essencialismo divino).
ferenças, quatro tipos de deísmo são distinguíveis. Os Como ele, elas são eternas, perfeitas e imutáveis, repre­
quatro variam da preocupação mínim a por parte de sentando a ordem e a constância da natureza divina. São
Deus até a preocupação máxima pelo mundo, mas sem regras pelas quais Deus mede sua atividade e regras que
intervenção sobrenatural (Morais, p. 17,85-126). ele espera serem o padrão de sua criação.
ODeus sem preocupação. O primeiro tipo de deísmo A relação entre Deus e o universo. Deus é tão di­
foi em grande parte de origem francesa. De acordo com ferente do universo quanto um pintor de um a pintu­
essa visão, Deus não se preocupa em governar o mun­ ra, um relojoeiro de um relógio e um escultor de uma
do que fez. Criou o mundo e o estabeleceu, mas não escultura ( v. teleológico, argumento). M as,com o uma
tem consideração pelo que vem acontecendo com ele pintura, um relógio e uma escultura, o universo re­
depois disso. vela muitas coisas sobre Deus. Por meio de suas ca­
O Deus sem preocupação moral. Na segunda forma racterísticas, dem onstra que existe um Criador có s­
de deísmo, Deus se preocupa com os acontecimentos m ico, com o esse Criador é e o que ele espera. O uni­
do mundo, mas não com as ações morais dos seres verso tam bém revela que foi criado por Outro Ser e
humanos. O homem pode agir correta ou incorreta­ que sua regularidade e sua conservação devem ser
mente, justa ou injustamente, moral ou imoralmente. atribuídas a Outro Ser. Há um Deus que criou, regu­
Deus não se preocupa com isso. la e sustenta o mundo. E esse mundo depende de
O Deus com preocupação moral com esta vida. O Deus, não Deus do mundo.
terceiro tipo de deísmo afirm a que Deus governa o Deus não se revela de qualquer outra maneira além
mundo e se preocupa com a atividade m oral dos se­ da criação. O universo é a Bíblia do deísta. Somente
res hum anos. Na verdade, exige obediência à lei m o­ ele revela a Deus. Todas as outras supostas revelações,
ral que estabeleceu na natureza. Mas não há futuro quer verbais quer escritas, são invenções humanas (v.
depois da m orte. REVELAÇÃOESPECIAL).
247 deísmo

Milagres. Milagres não acontecem (v. milagres, argu­ um certo absoluto ou a um errado absoluto, apesar de
mentos contra). Ou Deus não pode intervir na natureza a aplicação desses absolutos variar, dependendo da
ou não quer. Os deístas que acreditam que Deus não cultura ou circunstância.
pode fazer milagres geralmente argumentam com base O destino humano. Apesar de alguns deístas nega­
na imutabilidade das leis da natureza. Um milagre vio­ rem que a humanidade sobreviva à morte em qual­
laria as leis naturais. Mas as leis naturais são imutáveis, quer caso, muitos acreditam na vida pós-m orte. Para
logo não podem ser violadas, pois uma violação envol­ a maioria desses deístas, a vida após a m orte é de na­
veria uma mudança do imutável. Portanto, milagres são tureza imaterial; nela, as pessoas m oralm ente boas
impossíveis. Os deístas que acham que Deus poderia serão recompensadas por Deus e as moralmente más
fazer um milagre, mas não faz, geralmente argumen­ serão punidas.
tam com base na propensão humana à superstição e ao História. Em geral, os deístas tinham pouco a di­
engano, na falta de evidência suficiente para apoiar um zer sobre a história. Eles geralmente acreditavam que
milagre e no conhecimento humano da natureza cons­ a história era linear e objetiva. Também acreditavam
tante. Eles insistem em que isso põe em destaque a na­ que Deus não intervinha na história por intermédio
tureza do Mecânico perfeito, já que ele fez a máquina da de atos sobrenaturais de revelação ou sinais cham a­
natureza funcionar sem precisar de consertos constan­ dos milagres. Diferiam quanto à preocupação de Deus
tes. Para os deístas, toda narrativa de milagres é resul­ com o que acontece na história. Muitos deístas fran­
tado da invenção ou superstição humana. ceses dos séculos xvn e xvni acreditavam que Deus não
Seres humanos. Os deístas concordam que a huma­ se importava com esse assunto. A maioria dos deístas
nidade foi criada por Deus e está adequadamente ca­ ingleses achava que Deus exercia um tipo de cuidado
pacitada a viver alegremente no mundo. 0 ser hum a­
providencial sobre as questões da história, mas sem
no é pessoal, racional e livre (v. li vre- arbítrio), dotado
intervenção milagrosa.
de direitos naturais que não devem ser violados por
Muitos deístas acreditavam que o estudo da h is­
nenhum indivíduo, grupo ou governo. O ser humano
tó ria tinha grande valor. Pois, antes de m ais nada, a
tem a habilidade racional de descobrir na natureza
h istória dem onstra a tend ência hum ana à supers­
tudo que é necessário saber para viver uma vida feliz
tição, ao engano, à dom inação, e as terríveis conse-
e completa.
q üências, quando essa tend ência não é controlada
Como todos os outros animais, o homo sapiens foi
ou desafiada.
criado com poderes e fraquezas. Os poderes são a razão
Avaliação do deísmo. Contribuições. Coisas positi­
e a liberdade. Entre as fraquezas está uma tendência à
vas podem ser aprendidas com o deísmo. Muitos con­
superstição e um desejo de dominar outros de sua raça.
cordam com a insistência dos deístas na importância e
Essas duas fraquezas inatas acabaram por produzir re­
utilização da razão em assuntos religiosos (v. apologética,
ligiões sobrenaturais e governos opressores.
necessidade da; fé e razão; lógica). As muitas afirmações
Ética. A base da moralidade humana é a natureza
feitas sobre milagres e revelação sobrenatural devem ser
(v. lei, natureza e tipos de; revelação geral). Xa natureza
verificadas. Nenhuma pessoa razoável entraria num ele­
cada pessoa descobre como se autogovernar, associar-
vador se tivesse um bom motivo para crer que não fos­
se com outras criaturas e relacionar-se com Deus. Para
a maioria dos deístas, o único princípio humano inato e' se seguro. Da m esm a form a, ninguém deve confiar
o desejo pela felicidade. Como esse desejo inato é satis­ numa afirmação religiosa sem uma boa razão para crer
feito depende da razão. Uma pessoa que deixa de agir que é verdadeira.
pela razão torna-se infeliz e age imoralmente. Os deístas foram louvados pela crença de que o
Os deístas diferem quanto à universalidade das leis mundo reflete a existência de Deus (v. cosmolócico, ar­
morais. Eles concordam que a base de todo valor é gumento). A regularidade e a ordem do mundo sugerem
universal, porque está baseado na natureza. Mas dis­ um Criador cósmico. A incapacidade do mundo para
cordam sobre quais leis morais são absolutas e quais explicar suas operações e sua existência parece sugerir
são relativas. 0 fato de haver certo e errado não é ques­ uma explicação final fora do mundo — Deus. As per­
tionado. 0 problema está em determinar exatamente feições limitadas verificáveis na natureza podem suge­
o que é certo ou errado em cada caso ou circunstân­ rir que há um Ser ilimitado e perfeito além da natureza,
cia. Alguns deístas, tais como Jefferson, concluem que que criou e sustenta todas as coisas. Essa evidência na­
regras morais específicas são relativas. O que é consi­ tural está disponível para que todos a vejam e a ela res­
derado certo num a cultura é errado em outra (v. pondam de maneira razoável.
moralidade, natureza absoluta da). Outros deístas argu­ Os deístas também são reconhecidos por expor mui­
mentam que o uso correto da razão sempre levará a tas fraudes religiosas e superstições. Seus constantes
Derrida, Jacques 248

ataques a muitas crenças e práticas ajudaram as pessoas da). Que anti-sobrenaturalista conseguiu responder a
a avaliar a própria fé religiosa e purificá-la da corrupção. teístas cristãos como J. Gersham Machen e C. S. Lewis
Críticas ao deísmo. Mas há razão para criticar a (v. Lewis, esp. Milagres; Machen)? Eles construíram
cosmovisão deísta. Um ser que pôde criar o universo uma defesa ampla e sólida com base na ciência, filo­
do nada certamente é capaz de fazer pequenos mila­ sofia e lógica contra a crença de que as histórias de
gres, se quiser. Um Deus que criou a água pode parti-la milagres na Bíblia são necessariamente m íticas (v. mi­
ou permitir que uma pessoa ande sobre ela. A multipli­ tologia e o Novo Testamento).
cação instantânea dos pães e peixes não seria problema Por exemplo, a crença de Paine de que a maioria
para um Deus que criou matéria e vida. Um nascimen­ dos livros da Bíblia foram escritos por outras pessoas,
to virginal ou até a ressurreição física dos mortos seri­ e não pelas que afirmaram escrevê-los, e escritos muito
am milagres pequenos comparados com o milagre da depois dos acontecimentos, ainda é proclamada como
criação do universo a partir do nada. Parece contradi­ fato irrefutável por muitos críticos. Mas não há n e­
tório admitir um grande milagre como a criação e de­ nhum vestígio de evidência razoável que não tenha
pois negar a possibilidade de milagres menores. sido rejeitada com bons motivos por arqueólogos e
A compreensão deísta da lei universal natural não teólogos. Mais de 25 mil descobertas confirmaram o
é mais válida. Os cientistas de hoje consideram as leis retrato do mundo antigo dado pela Bíblia (v. arqueolo­
da natureza gerais, não necessariamente universais. As gia do Novo Testamento; arqueologia do Antigo Testa­
leis naturais descrevem como a natureza se comporta mento). Há evidência suficiente para apoiar a autoria e
em geral. Não ditam como a natureza sempre age (v. as datas antigas da maioria dos livros bíblicos (v. Novo
MILAGRES, ARGUMENTOS CONTRa ). Testamento, dataçãodo;NovoTestamento, confiabilidade
Se Deus criou o universo para o bem de suas cria­ dos documentos do).
turas, parece ter poder para intervir miraculo-samente Além disso, o ataque deísta contra ensinamentos
em sua vida, se seu bem -estar depende disso. Certa­ cristãos como Trindade, redenção e divindade de Cris­
mente o Criador bondoso que as trouxe à existência to (v. Cristo, divindade de), mostra um entendimento
não abandonaria sua criação. Pelo contrário, im agi­ superficial e ingênuo desses ensinamentos.
na-se que tal Deus continuaria a nutrir pelas suas cri­
aturas o mesmo am or e preocupação que o levaram a
criá-las, mesmo que isso significasse prover tais cui­ Fontes
dados por meios milagrosos (v. m a l , problema do ). J. B , The analogy o f religion.
u t l e r

Supondo, então, que milagres são possíveis, não se R . F lint , Anti-theistic theories.
pode rejeitar toda afirmação de revelação sobrenatu­ N . L. G eisler , Christian apologetics.
ral sem primeiro examinar a evidência para sua apro­ ___ e W . W atkins, Worlds apart.
I. K ant , Religion within the limits o f reason alone.
vação. Se lhe faltam evidências, deve ser rejeitada. Mas
J. L e L and , t1 view o f the principal deistic writers...
se a evidência apóia a afirmação, então a suposta re­
C. S. L ew is , Christian reflections.
velação deve ser considerada autêntica. Certamente
___ , Milagres: um estudo preliminar.
não deve ser descartada sem maiores investigações. ). G. M achen , The virgin birth o f Christ.
Além disso, o fato de muitos indivíduos e grupos H. M . M orais, Deism in eighteenth century America.
terem abusado das crenças religiosas não é motivo J. O rr , English deism: its roots and itsfruits.
suficiente para rejeitar religiões sobrenaturais. As des­ T. P ain e , Complete works o f Thomas Paine.
cobertas científicas também foram vítimas de abusos, M .T indal, Christianity as old as the creation; ou The
mas poucos argumentam que o abuso torna tais des­ gospel: A republication o f the religion o f nature.
cobertas falsas ou constitui razão para abolir a ciên­
cia. Além disso, a mutabilidade da linguagem e o fato D errid a, Jacques. É considerado um “filósofo” fran­
da falha humanas não parecem ser argumentos váli­ cês contemporâneo, apesar de alguns questionarem se
dos contra a revelação sobrenatural (v. B íblia , supostos ele é um verdadeiro filósofo. É pai de um movimento
erros na ; B íblia , evidências da ). É concebível que um conhecido como “desconstrutivismo”, ainda que pes­
Deus onipotente e onisciente superasse esses proble­ soalmente ele rejeite o significado popular do termo.
mas. Pelo menos tais problemas não deveriam elim i­ O movimento também é chamado “pós-modernismo”,
nar a possibilidade de Deus ter-se revelado, verbalmen­ apesar de Derrida também não usar o termo para des­
te ou de forma escrita. Mais uma vez, a evidência deve crever sua visão.
ser consultada primeiro. Entre os livros influentes de Derrida estão A voz e
Finalmente, o argumento dos deístas contra o cris­ o fenôm eno (1967-1968), Da gramatologia , Escrita e
tianismo e a Bíblia é considerado falho (v. B íblia, crítica diferença, Posições (1981) e Limited Inc. (1977).
249 Derrida, Jacques

Parte de seu pensamento está fundamentada em é possível. Acredita que estamos presos em
m e t a f ísic a

Immanuel K ant (metafísica), Friedrich N ietzsche (ate­ nossa redoma lingüística. Mas reconhece que usar a lin­
ísm o), Ludwig W ittgenstein (visão da linguagem ), guagem para negar a metafísica é em si uma forma de
Friedrich Frege (convencionalismo), Edmund Husserl metafísica. Essa incoerência indica a necessidade da
(método fenomenológico; v. verdade , natureza absoluta arquiescrita, um protesto poético contra a metafísica.
da ) , Martin Heidegger (existencialismo) e William James Três fatores são básicos para entender a filosofia
(pragmatismo e a vontade de acreditar). de Derrida — gram ática, lógica e retórica. A gram á­
As visões de Derrida são difíceis de entender por tica expressa frases aceitáveis com palavras m odifi­
causa da natureza de suas posições, sua forma de es­ cadoras adequadas. A lógica reconhece o absurdo das
crever e, às vezes, as más traduções. Por causa desses frases contraditórias. E a retórica dem onstra com o e
fatores, foi mal interpretado muitas vezes. Não adota quando usar as frases dominadas por meio da gra­
o niilismo, por exemplo, que é a negação de toda exis­ m ática e da lógica.
tência e valor (v. moralidade , natureza absoluta da). E Derrida acredita que a gram ática é relativamente
não é anarquista, que nega toda estrutura social. Ape­ superficial, relacionada com a manutenção dos sinais
sar de obras que parecem negar toda lei moral, Derrida da linguagem em boa ordem. L ógica e retórica são mais
também não é um antinomiano. profundas, lidando com o uso e a interpretação dos
O d esconstrutivism o é um a form a de h erm e­ sinais. Derrida rejeita a história da filosofia ocidental,
nêutica, de interpretar um texto. Pode, assim, ser dis­ em que a linguagem é baseada na lógica. Isso signifi­
tinguido das outras abordagens interpretativas. Derrida caria que há um alicerce de lógica na realidade. Ele
não está interessado em destruir o significado, mas em rejeita essa pressuposição.
reconstruí-lo. Não é a negação que desmantela o texto, Segundo Derrida, a linguagem é baseada na retó­
mas a crítica o remodela. Ele se opõe às regras fixas da ric a , não na ló g ica . A s o b e ra n ia da ló g ic a está
alicerçada na teoria de que sinais (por exemplo, pala­
análise. Um desconstrutivista lê e relê um texto, procu­
vras) representam idéias. As idéias fazem contraste
rando significados novos, mais profundos e esquecidos.
sem ântico com outras idéias. A linguagem diferencia
O desconstrutivism o adota o convencionalismo.
idéias. Devemos “deconstruir” a linguagem baseada na
Todo significado é relativo à cultura e à situação. Não
lógica para aprender sobre como expressões lingüís-
há significado antes da linguagem.
ticas são usadas na atividade humana. A linguagem
0 desconstrutivismo aceita o perspectivismo. Toda
baseada na lógica acarreta uma crença incorreta de
verdade é condicionada pela perspectiva da pessoa.
que há “linguagens particulares” com “fala pessoal” e
O desconstrutivismo adota uma forma de referen-
“vida mental particular”. Se a lógica é soberana, en­
cialismo. Não há referência perfeita ou correspondên­
tão a linguagem particular é possível. Idéias não iri­
cia única entre as palavras e o significado que elas con­
am variar com as circunstâncias.
ferem. Então, o significado é intransferível entre autor e
Retórica como base da linguagem. Derrida acredi­
leitor. Constantemente mudamos o contexto através do
tava que o significado é baseado na força retórica, ou
qual vemos símbolos. Esse contexto é limitado. Não po­
seja, o papel que exerce na atividade hum ana (v.
demos saber algo com base numa perspectiva infinita.
Wittgenstein, L udwig). Em vez de uma lógica formal
O desconstrutivismo é diferencialismo. Todas as es­
subjacente, o significado vem da torrente da vida. Pa­
truturas racionais omitem algo. O leitor aborda o tex­
lavras expressam experiência ligada ao tempo. Assim,
to com suspeita, procurando a “diferença”, o desconhe­
para entender o que o texto significa, é preciso pri­
cido que não está lá. meiro entender completamente seu contexto real de
O desconstrutivismo adota uma forma de solipsi- vida. Isso é visto nos cinco argumentos centrais de
sismo lingüístico. Segundo essa teoria, não podemos Derrida:
escapar dos limites da linguagem. Podemos ampliar
nossos conceitos lingüísticos, mas não escapar de nos­ 1. Todo significado é complexo. Não há nenhum
sos limites. significado puro e simples por trás dos sinais
O desconstrutivismo adota o progresso semântico. Não da linguagem. Se toda linguagem é complexa,
se pode esgotar todos os significados possíveis. Um texto nenhum significado essencial transcende o
pode ser sempre desconstruído. tempo e o lugar.
D errida e o desconstrutivismo. Derrida é ateu (v. 2. Todo significado é contingente. Todo objeto da
ateísmo) com relação à existência de Deus e agnóstico linguagem e significado é contingente a uma
com relação à possibilidade de conhecer a verdade ab­ realidade de vida mutável. Não há significado
soluta. É antim etafísico, afirm ando que nenhum a objetivo.
Descartes, René 250

3. Todo significado é impuro. Experiências puras nega a lógica é baseada nela; caso contrário, seria in­
não existem sem referência a uma experiência significante.
transitória. Não há vida mental particular que Apesar de sua rejeição à (ou protesto contra a)
não pressuponha um mundo real. Não pode­ metafísica, Derrida tem pressuposições metafísicas. O
m os sequer pensar sobre um conceito sem próprio fato de discutir “O que é real?” indica uma
contam iná-lo com alguma referência do nos­ metafísica subjacente. E ele afirma que a linguagem
so próprio passado ou futuro. depende de uma relação com o mundo. Isso implica
4. Não existe percepção. Os desconstrutivistas uma visão metafísica do mundo.
não rejeitam a vivência. Rejeitam conceitos ide­ Sua teoria é uma form a de nom inalism o em pi­
alizados desconectados do mundo do cotidia­ rismo radical (“real” é realidade concreta, diretam en­
no. A natureza do que é significado não é inde­ te à minha frente). Como tal é reduzida a um tipo de
pendente do sinal que a significa. solipsismo e está sujeita às mesmas críticas que essas
5. A retórica é a base de todo significado. Toda lin­ teorias.
guagem escrita é dependente da linguagem fa­ A supremacia da diferença sobre a identidade foge
lada. Não é dependente do significado dos si-nais ao senso comum e torna toda comunicação im possí­
falados. É dependente do padrão de vocalização vel. Na verdade, Derrida não poderia sequer com uni­
(fonêm ica). Fonemas são partes do som que car a própria visão, se estivesse certo.
podem ser representados por uma letra. Sem A visão de D errid a está b em a s s o c ia d a ao
essa diferença em fonemas as letras são impos­ p o sitiv ism o ló g ic o , com sua fa m o sa n atu reza
síveis. A diferenciação é a chave do significado, contraditória.(Para uma crítica, v. A yer , A. J.) A visão
já que todos os sons devem ser diferenciados convencionalista do significado adotada por Derrida
para ser distintos e formar sons significativos. é contraditória (v. convencionalismo ). As frases que
transm item sua teoria não teriam significado numa
Muitos acreditam que, com Derrida, a filosofia oci­ teoria convencionalista sobre significado. Em resumo,
dental chega ao fim. Ela literalmente se autodestrói à ele não deixou uma base para se firm ar — nem se­
medida que se deconstrói. O próprio Derrida acredita quer para expressar sua própria teoria.
que isso continua eternamente em desconstruções ou Finalmente, a “fala” de Derrida não é melhor que o
reinterpretações sucessivas. “nú m eno” incognoscív el de Kant, o “silên cio ” de
Avaliação. Derrida mostra como a tradição lin- Wittgenstein, ou as “cham as” de Hume. Pois nenhum
güística leva ao agnosticism o. Faz algumas críticas deles nos diz nada sobre a realidade.
precisas do pensamento ocidental. Revela que, se a fi­ Um tipo de fé está envolvido nesse processo, e o
losofia da pessoa não começa na realidade, ela nunca deconstrucionismo é fideísta (v. f i d e ís m o ) . A fé é sem ­
acabará logicamente na realidade. Sua crítica da “lin­ pre necessária. Já que o significado absoluto é im pos­
guagem particular”, pensamento esotérico desligado sível, a indecisão é inevitável. Vivemos sempre entre a
da experiência humana, é perspicaz. certeza absoluta e a dúvida absoluta, entre o ceticis­
No entanto, o desconstrutivismo de Derrida está mo e o dogmatismo. Logo, a fé sempre é necessária.
sujeito a sérias críticas.
Sua expressão difícil (altamente metafórica) é obs­ Fontes
cura e contraditória. Isso obscurece sua teoria, gera J. D , Limited Inc.
e r r id a

___ , Da gramatologia.
má interpretação e dificulta a avaliação. Sua visão con­
___ , A voz e o fenômeno.
tém afirmações contraditórias, tais como: “A história
___ , Escritura e a diferença.
da filosofia está fechada”. Ou: “A metafísica chegou ao R. W. D , org., Redrawing the Unes.
a s e n b o o c k

fim ”. Ele não consegue deixar de usar filosofia e S. E vans , Christian perspectives on religious
m etafísica em tais afirmações. Sua dúvida quanto à knowledge.
possibilidade real de sabermos alguma coisa é con­ L u n d in , The culture o f interpretation.
traditória. Como ele pode saber isso a não ser que sai­ J. E L yotard , Opós-moderno.
ba algo? Que tipo de status epistemológico devemos G. B. M a d iso n , Working through Derrida.
dar a suas afirmações? Se fossem verdadeiras, seriam C . N o rr is .Derrida.
falsas. Se são apenas protestos poéticos, não destroem
o significado objetivo ou a metafísica. D escartes, R ené. Vida e obras de Descartes. O teísta
Até sua negação da lógica na retórica é altamente pro­ francês René Descartes nasceu em 1596 e morreu em
blemática, se não contraditória. A própria linguagem que 1650 depois de ministrar uma aula matinal de filosofia
251 Descartes, René

à rainha Cristina da Suécia. Foi chamado à filosofia Um argumento cosmológico (prova a posteriori). O
por meio de um sonho no dia 10de novembro de 1619. raciocínio de Descartes procedeu desta maneira: 1) se
Foi um grande matemático e aprendeu filosofia com duvido, então sou imperfeito (pois careço de conheci­
os jesuítas. Suas principais obras são Princípios da fi­ m ento); 2) mas, se sei que sou imperfeito, devo co­
losofia (1641) e Discurso sobre o método (1637). nhecer o perfeito (senão não teria como saber que não
Seu método filosófico. Descartes buscou um pon­ sou perfeito); 3) mas o conhecimento do perfeito não
to arquimediano do qual pudesse começar seu racio­ pode surgir de m im, já que sou imperfeito (uma m en­
cínio. Ao contrário de Agostinho ( v.), que passou por te imperfeita não pode ser a fonte [base] de uma idéia
um período de dúvida real, Descartes nunca foi céti­ perfeita); 4) logo, deve haver uma Mente perfeita que
co. Usou a dúvida como ponto de partida universal e é a fonte dessa idéia perfeita. Essa abordagem era di­
metódico para sua filosofia. ferente, e talvez única. Descartes teve de provar que
Afirmação do método. O método de Descartes era Deus existia antes de ter certeza de que o mundo exis­
simples e universal. Ele propôs reter a dúvida apenas tia!
do que é indubitável. Em resumo, duvida de tudo de 0 argumento ontológico (prova a priori). Como
que seja consistentemente possível duvidar. A nselmo antes dele, Descartes acreditava que o argu ­
Aplicação do método. Ao aplicar seu método, Des­ mento ontológico para a existência de Deus era válido.
cartes descobriu que podia duvidar: 1) de seus senti­ Sua forma para ele era esta: 1) é logicamente necessá­
dos — já que às vezes enganam (por exemplo, um ga­ rio afirm ar sobre um conceito o que é essencial à sua
lho na água parece torto); 2) de que estava acordado natureza (por exemplo, um triângulo deve ter três la­
— já que às vezes poderia estar sonhando que estava dos); 2) mas a existência é logicamente necessária à
acordado; 3) que 2 + 3 = 5 — já que sua memória natureza de um Ser necessário (i.e., Ser); 3) logo, é
poderia deixar de lembrar os números; 4) que há um logicamente necessário afirm ar que um Ser necessá­
mundo externo — já que um demônio maligno po­ rio realmente existe.
deria enganá-lo. Mas, com toda sua dúvida, havia uma Houve várias reações ao argumento ontológico de
coisa que Descartes considerava impossível duvidar, Descartes. Mas ele o defendeu firmemente, reafirman­
isto é, de que estava duvidando. do-o nesta forma para evitar críticas: 1) a existência de
Da dúvida à existência. Descartes encontrou seu Deus não pode ser concebida apenas como possível, e
ponto de partida universal na dúvida. Ele argumen­ não real (pois assim ele não seria um Ser necessário);
tou da dúvida em direção ao pensamento e daí à exis­ 2) podemos conceber a existência de Deus (ela não é
tência. Foi de dubito a cogito a sum (de“duvido” a “pen- contraditória); 3) logo, a existência de Deus deve ser con­
so” a “sou”). cebida como mais que possível (isto é, como real).
Descartes raciocinou assim: “A única coisa de que Uma objeção a seu argumento, a que ele nunca res­
não posso duvidar é que estou duvidando. Mas, se es­ pondeu, foi a de Pierre Gassendi, que insistia em que
tou duvidando, então estou pensando (pois dúvida é Descartes não provara que a existência de Deus não é
uma forma de pensamento). E, se estou pensando, sou logicamente impossível. Portanto, não provara que é
algo pensante (pois só mentes podem pensar)”. logicamente necessária. Gottfried L eibntz argumentou
Nesse ponto, Descartes supõe que há uma diferença mais tarde que a existência é um atributo e, como tal,
entre uma coisa pensante e uma coisa extensa. Minha é uma qualidade simples e irredutível que não pode
mente é uma coisa pensante — e não posso duvidar de entrar em conflito com outras. Então, Deus pode ter
sua existência. Meu corpo e o mundo são coisas exten­ todos os atributos, inclusive a existência. Mas depois
sas — e posso duvidar da sua existência. Então, mesmo Immanuel K a x t criticaria essa teoria, insistindo em
sendo um teísta, ele não conseguia raciocinar direta­ que a existência não é um atributo.
mente em direção a Deus a partir do mundo externo, O teste da verdade d e Descartes. Descartes era
como Aristóteles, Tomás de Aquino, Gottfried Leibntz e racionalista, no que foi seguido por Baruch E spinosa e
muitos outros teístas (v. cosmológico, argumento). Gottfried Leibniz. Como tal, acreditava que a verdade
A existência de Deus pode ser provada. No en­ se encontrava no âmbito das idéias.
tanto, Descartes encontrou uma maneira indireta de Idéias claras e distintas. Para Descartes, a verda­
dem onstrar a existência de Deus envolvendo o mun­ deira idéia era clara e distinta. Apenas idéias claras e
do exterior. Com eçaria com seu ponto de partida distintas são verdadeiras (não as m isturadas), a sa­
indubitável — a sua própria existência — e racioci­ ber, as idéias consideradas auto-evidentes pela intui­
naria a partir daí em direção a Deus e depois de Deus ção racional. Ou aquelas que são (geom etricamente)
ao mundo externo. dedutíveis de idéias auto-evidentes.
Descartes, René 252

Quatro regras de pensamento válido. No seu Dis­ tou que a verdade sobre a realidade pode ser conhecida pela
curso sobre o método, Descartes estabeleceu quatro re­ mente. Além disso, defendeu que a certeza poderia ser
gras para determinar uma idéia verdadeira. Prim ei­ alcançada no nosso conhecimento. 0 ceticismo pode­
ramente, a regra da certeza afirma que apenas idéias ria ser evitado. Na verdade, ele é contraditório.
indubitavelmente certas (claras e distintas) devem ser A verdade é racional. Descartes abraçou os primeiros
consideradas verdadeiras. Segundo, a regra da divisão princípios do conhecimento, tais como a lei da não-con­
afirma que todos os problemas devem ser reduzidos tradição. Ele os usou na compreensão do mundo. Acredi­
às suas partes mais simples. Terceiro, segundo a regra tava que sem eles a realidade não poderia ser conhecida.
da ordem, o raciocínio deve proceder do simples ao A verdade é discutível. Não somente a verdade é
complexo. Finalmente, a regra da enumeração diz que cognoscível e racional, mas também pode apresentar ar­
é preciso revisar e reavaliar cada passo no argumento. gumentos racionais, como os argumentos a favor da exis­
A fonte dos erros. Toda epístemologia deve explicar tência de Deus. Essa visão é útil para a apologética cristã,
erros, principalmente uma epistomologia como a de principalmente para a apologética clássica.
Descartes, que exalta a certeza. A resposta de Descartes Dimensões negativas. Nem tudo em que Descartes
foi que erros surgem no julgamento (na vontade), não acreditava é útil para o apologista cristão. Na verdade,
no pensamento. Pois erramos quando julgamos estar algumas coisas provaram ser destrutivas para o cris­
correto o que não sabemos estar correto. tianism o ortodoxo.
A prova da existência de um mundo externo 0 argumento ontológico inválido. A maioria dos
proveniente de Deus. O próprio método cartesiano ap o log istas cristã o s n ão concord a com a defesa
de dúvida sistemática levantou a questão da existên­ cartesiana do argumento ontológico. A maioria dos
cia de um mundo externo em questão — pelo menos pensadores argumenta que ele envolve uma transição
por meio dos sentidos apenas. Portanto, era necessá­ ilegítima entre o pensamento e a realidade.
rio para ele argumentar a favor da existência do mun­ Seu ponto de partida insuficiente. Um problema
do de maneira mais indireta. Ele fez isso da seguinte mais sério é o ponto de partida de Descartes. Por que
maneira: 1) Recebo uma sucessão forte e contínua de duvidar do que é óbvio, isto é, que se tem um corpo e
idéias sobre um mundo, que não estão sob o meu con­ que há outros corpos à sua volta? Por que duvidar de
trole (logo, não posso estar errado a seu respeito); 2) tudo que é duvidável? Por que não duvidar apenas do
assim, ou Deus está fazendo com que acredite nelas que é necessário duvidar ou do que não se tem razão
falsamente ou há um mundo real externo que as cau­ para acreditar? Ou, em outras palavras, pode-se duvi­
sa; 3) mas Deus não me enganará (nem perm itirá que dar de que o ponto de partida de Descartes, a dúvida,
seja enganado) no que estou percebendo clara e dis­ seja a melhor maneira de abordar o mundo.
tintamente, já que é perfeito (e o engano é um sinal de Seu ponto de partida não é realista. Descartes come­
imperfeição); 4) logo, é verdadeiro que há um mundo çou sua filo so fia no p ensam ento (p en sam en to
externo; 5) já que o mesmo argumento se aplica ao indubitável) e depois passou para a realidade. Racioci-
meu corpo, é verdade que tenho um corpo. nouf'PensoJogo existo”. Na realidade, porém: “Sou,logo
Avaliação das visões de Descartes. Descartes é existo”. Ele colocou a carroça à frente dos bois!
em parte bênção, em parte problema para o teísmo cris­ Quando se começa no âmbito do pensamento se­
tão. Por um lado, é um teísta racional que oferece ar­ parado da realidade, não se pode sair legitimamente
gumentos a favor da existência de Deus. Por outro lado, do pensam ento puro. Tal é o destino de qualquer
sua forma de dualismo racionalista é um fator negati­ racionalismo ou idealismo que não comece com a exis­
vo significante que apóia visões contrárias ao teísmo tência (v. r ea lism o ).
bíblico. Dualismo intransponível entre mente e corpo. A for­
Algumas características positivas. Do lado bom , ma específica de racionalismo de Descartes estabele­
Descartes pode ser louvado por várias coisas. Entre ceu um dualismo intransponível entre a mente e o cor­
elas, muitas têm valor apologético. po. Na verdade, eles são definidos de tal maneira que
A verdade é objetiva. Para começar, Descartes de­ são logicamente separados. A mente é definida como
fendeu a objetividade da verdade (v. verdade , natureza uma coisa pensante e não-extensa, e a matéria como
da). Ela não é subjetiva ou mística. Pelo contrário, é uma coisa extensa e não-pensante. Então, por definição
comum a todas as mentes racionais. “os dois jam ais se encontrarão”. Ao fazer isso, Descar­
A verdade é cognosável Ao contrário do agnosticismo, tes ficou vulnerável à crítica da defesa do homem como
Descartes afirmou que a verdade é cognoscível. Ao contrá­ “um espírito numa máquina”. 0 dualismo cartesiano
rio de Immanuel K ant ou David H ome, Descartes argumen­ tem implicações sérias para a visão da natureza dos
253 determinismo

seres humanos, assim como para a da natureza das Es­ impressão que era a base do seu futuro ministério [...] Tal
crituras. Pois ele não só nega a unidade da natureza hu­ revivificação só poderia ter diminuído a impressão que lhes
mana, mas também estabelece uma dicotomia na na­ dera na vida e na morte e, no máximo, só lhes teria dado uma
tureza entre o material e o espiritual que apóia grande voz elegíaca, mas jamais poderia ter transformado sua triste­
parte da crítica negativa da Bíblia (v. B íb l ia , c rític a da ; za em entusiasmo, sua reverência em adoraçãojv.l; p.412].
B íb l ia , ev id ên c ia s da ; B íb l ia , su po stos er r o s na ).
Outros problemas. Descartes foi criticado por mui­ Fontes
tas outras coisas — o espaço não permite entrar em W. C raiü , Knowing the truth about thc resurrection.
d etalh es. Como aconteceu tam b ém com B aruch G. H aberm as , The resurrection o f Jesus: an apologetic.
Espinosa, sua forma geométrica de deducionismo era H. E. G. P aulus , The life o f Jesus.

questionável. Descartes não justifica o uso que faz do D. Strauss,/! new life o f Jesus.
princípio da causalidade. E não prova que uma mente
imperfeita não pode ser a causa de uma idéia perfeita. d eterm in ism o. Determinismo é a crença de que to­
Ele não dá o valor devido ao papel da experiência na dos os eventos, inclusive escolhas humanas (v. i.ivre -
busca da verdade. Seu padrão de julgamento da ver­ arbítrio ), são determinados ou causados por outro. Os

dade não é claro. Esse padrão não pode aplicar-se a defensores dessa visão acreditam que escolhas huma­
conceitos, já que apenas julgamentos são verdadeiros. nas são o resultado de causas antecedentes, que por
E não pode aplicar-se a julgamentos, já que Descartes sua vez foram causadas por causas anteriores.
admite que alguns deles são falsos. Finalmente, sua Tipos de determ inism o. Há dois tipos básicos de
visão é reduzida a solipsismo mental (a saber, eu sei determinismo: naturalista e teísta. Deterministas na­
apenas enquanto estou pensando — agora — , e não turalistas incluem o psicólogo comportamental B. F.
quando não estou pensando). Skinner, autor de Beyond freedom and dignity [Além
da liberdade e dignidade] e Beyond behaviorism [Além
Fontes do behaviorismo ]. Ateu (v. ateísmo), Skinner escreveu
J. C ollins , God and modern philosophy. que todo comportamento humano é determinado por
R. D escartes, Princípios da filosofia. fatores genéticos e comportamentais. Nessa teoria, hu­
___ , Discurso sobre o método manos são como um pincel nas mãos de um artista,
E. G ilson , T h e unity ofphilosophical evidence. apesar de em sua opinião o “artista” ser uma mistura
de manipulação societária e acaso. O ser humano está
desconstrutivismo. v. D e r r id a , J a c q u e s . à mercê dessas forças, simplesmente como instrum en­
to por meio do qual elas se expressam.
desmaio, teoria do. A teoria do desmaio é a teoria A versão teísta dessa visão insiste em que Deus é a
naturalista (v. n a t u r a l is m o ) de que Cristo não estava causa final que determina todas as ações humanas.
morto quando foi tirado da cruz e colocado no túmulo. Bondage o f the will [A escravidão da vontade ], de
Portanto, não ressuscitou dos mortos (v. r e s s u r r e iç ã o , Martinho L utero , e Freedom o f the will [Liberdade da
e v id ê n c ia s d a ) . Ela foi proposta por H. E. G. Paulus em vontade ], de Jonathan E dwards, são exemplos desse
The life o f Jesus [A vida de Jesus], (1828). determ inismo teísta. Trata-se da visão defendida por
Essa teoria tem sérias falhas como explicação al­ todos os calvinistas ferrenhos.
ternativa da ressurreição (v. ressurreição , teorias a l ­ Argumentos a fa v o r do determinismo. Oargumen­
ternativas da ), já que há forte evidência de que Jesus to da possibilidade alternativa. Todo comportamento hu­
sofreu a m orte física real na cruz (v. C risto, morte d e ), mano é não causado, autocausado ou causado por ou­
e cen ten as de testem u n h as o viram num corpo tra coisa. Mas o comportamento humano não pode ser
ressurreto totalm ente inteiro e transform ado (v. res­ não causado, já que nada acontece sem uma causa. Além
surreição , evidências d a ). Até m esm o a obra natura­ disso, ações humanas não podem ser autocausadas, pois
lista A new life o f Jesus [ Uma nova vida de Jesus} nenhuma ação pode causar a si mesma. Para isso, teria
(1879), de David Strauss, refutou a teoria do desmaio: que ser anterior a si mesma, o que é impossível. A única
alternativa restante, então, é que todo comportamento
É im possível qu e um ser que tivesse saíd o às esco n d i­ humano é causado por algo externo a ele.
d as, q u ase m orto , de u m a sep u ltu ra, qu e tivesse se a rra sta ­ Oargumento da natureza da causalidade. Edwards
do fraco e d oente, n ecessitan d o de tra ta m en to m éd ico, a l­ argumentou com base na natureza da causalidade. Ele
gu ém qu e p recisava de cu rativo s, fo rta lecim en to e cuidado raciocinou que, já que o princípio da causalidade (v.
e qu e fm alm en te en treg o u -se a seus so frim en to s, pu desse causalidade , princípio da; primeiros princípios) exige que
te r d ado aos d iscíp u los a im p ressão de qu e era um V ence­ todas as ações sejam causadas, então éirracional afir­
d or so bre a m o rte e a sep u ltu ra, o P rín cip e da V ida, u m a m ar que coisas surgem sem um a causa. Mas para
determinismo 254

Edwards uma ação autocausada é impossível, já que a Deus seja a cau sa de to d as essas a çõ e s. A ação
causa e' anterior ao efeito, e algo não pode ser anterior autocausada não é impossível, já que a pessoa é ante­
a si mesmo. Portanto, no final das contas, todas as ações rior às suas ações. Portanto, nem todas as ações preci­
são causadas pela Primeira Causa (Deus). “Livre-ar­ sam ser atribuídas à Primeira Causa (Deus). Algumas
bítrio” para Edwards é fazer o que se quer, mas Deus ações podem ser causadas por seres humanos a quem
dá os desejos ou afeições que controlam a ação. Logo, Deus deu liberdade moral. Livre-arbítrio não é, como
todas as ações humanas são determinadas por Deus. Edwards afirm a, fazer o que se quer (com Deus dando
O argumento da soberania. Se Deus é soberano, os desejos). Mas é fazer o que se decide. E nem sempre
então todas as ações devem ser determinadas por ele fazemos o que desejam os, como é o caso em que o de­
(v. Deus, natureza de). Se Deus controla tudo, então ele ver é colocado antes do desejo. Logo, não podemos con­
deve ser a causa de tudo. Senão, não controlaria tudo. cluir que todas as ações são determinadas por Deus.
O argumento da onisdência. Alguns deterministas Resposta ao argumento da soberania. Não é preci­
argumentam com base na onisciência de Deus. Pois, so rejeitar o controle soberano de Deus sobre o uni­
se Deus sabe tudo, então tudo que ele sabe deve acon­ verso para acreditar que o determ inismo está errado.
tecer conforme sua vontade. Se não fosse assim, Deus Pois Deus tem o controle pela sua onisciência, assim
estaria errado sobre o que soubesse. Mas a Mente onis­ como por seu poder causal. Como o próximo ponto
ciente não poder estar errada sobre o que sabe. revela, Deus pode controlar eventos ao desejar, segun­
Uma resposta a o determ inism o teísta. Os não- do seu conhecimento onisciente, o que acontecerá pelo
deterministas, principalmente os autodeterministas (v. livre-arbítrio. Deus não precisa criar (ou causar) a es­
rejeitam as premissas dos argumentos
l iv r e - a r b ít r io ) ,
colha do homem. Apenas ter a certeza de que uma pes­
deterministas. É importante distinguir duas formas de
soa fará algo livremente é suficiente para Deus con­
determinismo, rígido e moderado. 0 determinismo re­
trolar o mundo.
jeitado aqui é o determ inismo rígido:
Resposta ao argumento da onisciência. É verdade
que tudo que Deus sabe deve acontecer segundo sua
Determinismo rígido Determinismo vontade. Senão, Deus estaria errado quanto ao que
moderado soubesse, pois a Mente onisciente não pode estar er­
Ação é causada por Ação não é causada rada sobre o que sabe. Mas isso não significa que to­
Deus. por Deus. dos os eventos são determinados (i.e., causados por
Deus é a única causa. Deus é a causa primá­ Deus). Deus poderia sim plesmente determ inar que
ria; seres humanos são fôssemos seres autodeterminantes no sentido moral.
a causa secundária. O fato de ele saber com certeza o que as criaturas li­
O livre-arbítrio humano O livre-arbítrio huma­ vres farão com sua liberdade é suficiente para que o
total é eliminado. no é compatível com a evento seja determinado. Mas o fato de Deus não as
soberania. forçar a escolher é suficiente para estabelecer que as
ações livres humanas não são determinadas (causa­
0 determ inism o moderado às vezes é chamado
das) por outra pessoa. Deus determinou o fato da li­
compatibilismo, já que é “compatível” com o livre-ar­
berdade humana, mas as criaturas livres executam as
bítrio (autodeterminismo). Apenas o determinismo rí­
gido é incompatível com o livre-arbítrio ou a causali­
ações da liberdade humana.
dade secundária do agente humano livre.
Pontos fracos do determinismo. 0 determinismo é
Resposta ao argumento da possibilidade alternati­ contraditório. 0 d e te rm in is ta in s is te em que
va. Todo com portam ento hum ano é não causado, determ inistas e não-determ inistas estão determ ina­
autocausado ou causado por outra coisa. Mas o com­ dos a acreditar no que acreditam . Mas os determ i­
portamento humano pode ser autocausado, já que não nistas acreditam que os autodeterministas estão er­
há nada contraditório sobre uma ação autocausada rados e devem mudar de opinião. Contudo, “devem
(como há sobre um ser autocausado). Pois uma ação mudar” implica que eles estão livres para mudar, o que
não precisa ser anterior a si mesma para ser causada é contrário ao determinismo.
por si própria. Apenas o ser (eu) precisa ser anterior à O determinismo é irracional. C. S. Lewis argumen­
ação. Uma ação autocausada é apenas causada por mim tou que o determinismo naturalista e completo é irra­
mesmo. E eu mesmo sou anterior às minhas ações. cional (v. Lewis). Para o determinismo ser verdadeiro,
Resposta ao argumento da natureza da causalida­ seria necessária uma base racional para seu pensamen­
de. Jonathan Edwards argumentou corretamente que to. Mas, se o determinismo é verdadeiro, não há base
todas as ações são causadas, mas isso não significa que racional para o pensamento, já que tudo é determinado
255 Deus, evidências de

por forças não racionais. Portanto, se o determinismo providência. Deus ordena que elas sucedam, necessá­
afirma ser verdadeiro, então deve ser falso. ria, livre ou contingentemente, conforme a natureza das
0 determinismo destrói a responsabilidade huma­ causas secundárias” (5.2, grifo do autor).
na. Se Deus é a causa de todas as ações humanas, en­
tão os seres humanos não são moralmente responsá­ Fontes
veis. A pessoa só é responsável por uma escolha se A g o s t in h o , Sobre o livre-arbítrio.
houve livre-arbítrio para fazer ou deixar de fazê-la. }. E duardj, Freedom ofthe will.
Toda responsabilidade implica a habilidade de respon­ ]. F letc h er , Checks to antínomianism.
der, ou por si mesmo ou pela graça de Deus. Dever D. Hl .me, The letters ofDavid Hume.
implica poder. Mas, se Deus causou a ação, então não M. L u te r o , Bondage ofthe will.
poderíamos evitá-la. Logo, não somos responsáveis. _ _ _ , On grace andfree will.
0 determinismo anula o elogio e a culpa. Da m es­ B. F. S k in n e r , Beyond behaviorism.
ma forma, se Deus causa todas as ações humanas, não ___ , Beyondfreedom and dignity.
T o m ás de A qltno , Summa theologica.
faz sentido louvar os seres humanos por fazerem o
bem, nem culpá-los por fazerem o mal. Pois, se os co­
rajosos não tivessem outra escolha além de dem ons­ Deus, argumento moral de. V. moral de Deus, argu­
trar coragem, por que recompensá-la? Se os maus não mento.

tivessem escolha além de cometer seus crimes, por que


puni-los? Recompensas e castigos por com portam en­ Deus, coerência de. V. Deus, objeções às provas de;
PANEXTEÍSMO.
to moral só fazem sentido se as ações não foram cau­
sadas por outro.
Deus, discussão sobre. V. a n a l o g ia , p r in c íp io da.
Determinismo leva ao fatalismo. Se tudo é determi­
nado além do nosso controle, por que fazer o bem e evi­
Deus, evidências de. Os argumentos mais conheci­
tar o mal? Na verdade, se o determinismo estiver corre­
dos para a e x is tê n c ia de D eus são o a rg u m en to
to, o mal é inevitável. 0 determinismo destrói a própria
COSMOLÓGICO, O ARGUMENTO TELEOLÓGICO, O ARGUMENTO MO­
motivação de fazer o bem e esquivar-se do mal.
RAL e o argumento ontológico. Respectivamente, esses
Determinismo não é bíblico. Os oponentes teístas
são os argumentos da criação (gr. cosmos, “universo,
do determinismo oferecem várias objeções a partir das
mundo ”),finalidade (gr. fe/os,“finalidade, propósito”)
Escrituras. Definir livre-arbítrio como “fazer o que se
e da idéia de um ser perfeito (gr. ontos,“realidade, exis­
quer” é contrário à realidade. Pois as pessoas nem sem ­
tência”). Além deles, o argumento axiológico, o argu­
pre fazem o que querem, nem desejam sempre fazer o
mento antropológico e o argumento da experiência
que fazem (cf. Rm 7.15,16).
re lig io sa g era lm en te são u sad os. O arg u m en to
Se Deus deve conceder o desejo antes de a pessoa
axiológico (gr. axios, “valor”) é baseado nos julgam en­
poder executar uma ação, então Deus deve ter dado a
tos de valor. Está intimamente ligado ao argumento
Lúcifer o desejo de se rebelar contra ele. Mas isso é
moral, o argumento que parte de uma lei moral para
impossível, pois nesse caso Deus daria um desejo con­
um Legislador Moral.
tra Deus. Deus estaria contra si mesmo, o que é im ­
O argum ento cosm ológico. Existe um universo,
possível.
em vez de nenhum, que deve ter sido causado por algo
Os deterministas teístas como Edwards têm uma além de si mesmo. A lei da causalidade (v. causalidade,
visão falha e m ecanicista da personalidade humana. princípio da ) diz que todo ser finito é causado por algo
Ele equipara o livre-arbítrio humano a balanças que além de si mesmo.
precisam de mais pressão de fora para pender. Seres Há duas formas básicas para esse argumento. A pri­
humanos, entretanto, não são máquinas; são pessoas meira diz que o cosmo ou universo precisou de uma
feitas à imagem de Deus (Gn 1.27). causa no seu princípio', a segunda argumenta que ele
Edwards pressupõe equivocadamente que autode- precisa de uma causa para con tin u ar existindo.
terminismo é contrário à soberania de Deus. Pois Deus U m a c a u sa n o p rin c íp io . 0 argumento de que o
poderia ter predeterminado as coisas de acordo com universo teve um princípio causado por algo além do
o livre-arbítrio, não em contradição a ele. Até a Con­ universo pode ser afirmado desta maneira:
fissão de f é de Westminster, que é calvinista, declara;
“Posto que, em relação à presciência e ao decreto de 1. O universo teve um princípio.
Deus, que é a causa primária, todas as coisas aconte­ 2. Qualquer coisa que teve um princípio deve ter
cem imutável e infalivelmente, contudo, pela mesma sido causada por outra coisa.
Deus, evidências de 256

3. Logo, o universo foi causado por outra coisa Portanto, o mundo é um evento finito e precisa de uma
(um Criador). causa para seu princípio. O argumento pode ser resu­
mido:
Evidência científica. Evidências científicas e filo­
sóficas podem ser usadas para apoiar esse argumen­ 1. Um número infinito de momentos não pode
to. De acordo com a segunda lei da termodinâmica, ser percorrido.
num sistem a isolado e fechado como o universo, a 2. Se um número infinito de momentos tivesse
quantidade de energia utilizável está diminuindo. O de transcorrer antes do presente, então o pre­
universo está se desgastando, logo não pode ser eter­ sente jam ais teria vindo.
no. Caso contrário, teria esgotado sua energia utilizá­ 3. Mas o presente veio.
vel há muito tempo. Deixadas à própria sorte, sem in­ 4. Logo, um número infinito de momentos não
tervenção inteligente externa, as coisas tendem à de­ transcorreu antes do presente (i.e., o universo
sordem. Já que o universo ainda não atingiu o estado teve um princípio).
5. Mas tudo que tem um princípio é causado por
de desordem total, esse processo não está acontecen­
outra coisa.
do eternamente.
6. Logo, deve haver uma Causa (Criador) do uni­
Outra série de evidências vem da bem aceita
verso.
cosmologia do big-ban g. De acordo com essa teoria, o
universo surgiu com uma explosão aproximadamente 15
Uma causa agora. A versão anterior do argumento
ou 20 bilhões de anos atrás. A evidência oferecida para
cosmológico foi denominada “argumento horizontal”,
isso inclui: 1) o efeito de Doppler, observado na luz das
já que argumenta de forma linear de volta a um prin­
estrelas à medida que se afastam; 2) o eco da radiação
cípio. Esse argumento tam bém é conhecido como ar­
vinda do espaço, que tem o mesmo comprimento de onda
gumento cosmológico kalam. Foi formulado por filó­
que seria emitido por uma explosão cósmica gigantesca;
sofo s á ra b e s da Id ade M éd ia e em pregad o por
3) a descoberta de uma massa de energia que seria espe­
Boaventura (1 2 1 7 -1 2 7 4 ). O filósofo contemporâneo
rada de uma explosão. William Craig publicou várias obras sobre ele. Um pro­
O agnóstico Robert Jastrow, fundador-diretor do Ins­ blem a com o argumento é que ele afirm a que houve
tituto Goddard de Estudos Espaciais da nasa, disse: um Criador apenas no princípio do universo. Não mos­
tra a necessidade contínua de um Criador. Essa é a
Pode existir uma explicação, lógica para o nascimento questão da forma vertical do argumento cosmológico.
explosivo do nosso universo; mas, se existe, a ciência não O proponente mais famoso desse argumento foi T o­
pode descobrir essa explicação. A busca do cientista pelo más de Aquino (1225-1274).
passado termina no momento da criação. Algo nos mantém em existência agora para não
desaparecermos. Algo não só causou o surgimento do
Mas se o universo foi criado, então é razoável con­ mundo (Gn 1.1), mas também causa a continuação da
cluir que houve um Criador. Pois tudo que tem início sua existência (v. Cl 1.17). O mundo precisa de uma
tem um Iniciador. causa originadora e de uma causa conservadora. Esse
Evidência filosófica. O tempo não pode voltar no argumento responde à pergunta básica: “Por que existe
passado eternamente, pois é impossível passar por um algo (agora) ao invés de nada?”. Resumidamente, ele
número infinito e real de momentos. Um número teo­ pode ser afirmado desta maneira:
ricamente infinito de pontos sem dimensão existe en­
tre meu polegar e meu dedo indicador, mas não posso 1. Todas as partes do universo são dependentes.
colocar um núm ero infinito de folhas de papel entre 2. Se todas as partes são dependentes, então o uni­
eles, não importa quão finas sejam. Cada momento que verso inteiro também deve ser dependente.
passa gasta tempo real que nunca mais podemos vi­ 3. Logo, o universo inteiro é dependente em sua
ver. Se você passasse seu dedo por um número infini­ existência de algum Ser Independente agora.
to de livros numa biblioteca, jam ais chegaria ao últi­
mo livro. É impossível term inar uma série infinita de Os críticos respondem que a segunda prem issa é
coisas reais. a falha da com posição. Só porque todas as peças de
Assim, o tempo deve ter um princípio. Se o mundo um m osaico são quadradas não significa que o m o­
não tivesse princípio, não poderíamos ter chegado ao saico inteiro seja quadrado. E ju ntar dois triângulos
presente. Mas, se chegamos, o tempo deve ter com eça­ não form a necessariam ente outro triângulo; form a
do em determinado momento e continuado até hoje. um quadrado. O todo pode ter (e às vezes tem ) uma
25/ Deus, evidências de

característica não possuída pelas partes. A defesa esp ecificid ad e. Uma célula viva, no entanto, tem
responde que às vezes há uma ligação necessária especificidade e complexidade. Esse tipo de complexi­
entre as partes e o todo. Se todas as partes de um dade nunca é produzida por leis puramente naturais. É
piso são de carvalho, o piso inteiro é de carvalho. E, sempre o resultado de um ser inteligente. É o mesmo
apesar de dois triângulos juntos não formarem neces­ tipo de complexidade encontrada na linguagem huma­
sariamente outro triângulo, formarão necessariamente na. A seqüência de letras no alfabeto genético de quatro
outra figura geométrica. Ser uma figura geométrica letras também é idêntica à de uma linguagem escrita. E
faz parte da natureza de um t riângulo, assim como ser a quantidade de informação complexa num simples ani­
dependente faz parte da natureza de tudo no univer­ mal unicelular é maior que a informação encontrada
so. Um ser dependente não pode sustentar outro ser num dicionário Aurélio.
dependente. O astrônom o agnóstico Cari Sagan inadvertida­
Alguns críticos argumentam que o todo é maior que mente deu um exemplo ainda maior. Ele declarou que
as partes, assim, apesar de as partes serem dependen­ a informação genética no cérebro humano expressa
tes, o universo inteiro não é. Mas isso não funciona no em bits é provavelmente comparável ao número total
caso do universo. Se as partes contingentes, que juntas de conexões entre os neurônios — cerca de 100
compõem o universo, sumirem, o universo some. Evi­ trilhões, 1014 bits. Se escrita em inglês, por exemplo,
dentemente o universo inteiro é dependente. essa informação encheria uns 20 milhões de volumes,
O argum ento teleológico. Existem muitas formas tantos quantos se encontram nas maiores bibliotecas
para o argumento teleológico, a mais fam osa deriva­ do mundo. O equivalente a 20 milhões de livros está
da da analogia do relojoeiro de William Palhy. Já que dentro da cabeça de cada um de nós. “O cérebro é um
todo relógio tem um relojoeiro, e já que o universo é lugar muito grande num espaço bem pequeno”, disse
extremamente mais complexo no seu funcionamento Sagan. Ele declarou tembém que “a neuroquímica do
do que um relógio, conclui-se que deve haver um Cri­ cérebro é incrivelmente ativa, o circuito elétrico de uma
ador do universo. R esu m idam ente, o argum ento máquina mais maravilhosa que qualquer outra inven­
teleológico raciocina a partir de um projeto em dire­ tada por seres humanos”. Mas, se esse é o caso, então
ção a um Projetista inteligente. por que o cérebro humano não precisa de um Criador
inteligente, assim como o computador mais simples?
1. Todos os projetos implicam um projetista O argum ento ontológico. O argumento onto- ló­
2. Há muito planejamento envolvido no projeto g ic o p a r t e da idéia de um Ser Perfeito ou Necessário
do universo. p a r a a e x is t ê n c ia d e tal Ser. Pelo que se sabe, o prim ei­
3. Logo, deve haver um Grande Projetista do uni­ ro filó s o fo a d e se n v o lv e r o argumento ontológico (ape­
verso. s a r d e n ã o s e r o p r im e ir o a dar-lhe esse nom e) foi
A nselmo (1033-1109). N a fo r m a mais simples, o argu­
Toda vez que vemos um objeto complexo, sabemos m e n to é c o n s t r u íd o a p a r t ir da idéia de Deus para a
por experiência prévia que ele veio da mente de um pro­ existência d e D e u s. H á d u a s formas para esse argu­
jetista. Os relógios implicam relojoeiros; prédios impli­ m e n to : a id é ia d e u m S e r P e rfe ito e a da idéia de um
cam arquitetos; pinturas implicam artistas; e mensa­ S e r N e c e s sá r io .
gens codificadas implicam uma fonte inteligente. 0 Ser Perfeito. S e g u n d o e s s a afirmação, a simples
Além disso, quanto maior o projeto, maior o pro­ id é ia d e D e u s c o m o s e r absolutamente perfeito exige
jetista. Os castores fazem represas com toras, mas ja ­ q u e ele e x is ta . R e s u m id a m e n te :
mais construíram algo parecido com a ponte Golden
Gate.Mil macacos datilografando por milhões de anos 1. D e u s é p o r d e fin iç ã o u m ser absolutamente
jam ais produziriam Hamlet por acaso. Shakespeare p e rfe ito .
não o escreveu na primeira tentativa. Quanto mais 2. M a s a e x is t ê n c ia é u m a perfeição.
complexo o projeto, maior a, inteligência necessária 3. L o g o , D e u s d e v e e x istir.
para produzi-lo.
É importante lembrar que por "projeto complexo” S e D e u s n ã o e x is t is s e , ele careceria de uma perfei­
quero dizer complexidade específica. Um cristal, por ç ã o , a sa b e r , a e x is t ê n c ia . M a s s e Deus não tivesse al­
exemplo, tem especificidade, mas não complexidade. g u m a p e r fe iç ã o , n ã o p o d e r ia s e r absolutamente per­
Tal como um floco de neve, ele tem os mesmos pa­ feito . M a s D e u s é por definição u m ser absolutamente
drões básicos repetidos vez após vez. Polímeros alea­ p e r fe it o . P o r t a n t o , u m s e r absolutam ente perfeito
tórios, por outro lado, têm complexidade, mas não (D e u s ) d e v e e x istir.
Deus, evidências de 258

Desde a época de Immanuel Kant (1724-1804), a A primeira premissa é auto-evidente. As leis m o­


maioria das pessoas concorda que essa forma de ar­ rais são diferentes das leis naturais. As leis morais não
gumento é inválida porque a existência não é a perfei­ descrevem o que é, prescrevem o que deveria ser. Elas
ção. Argum enta-se que a existência não acrescenta não podem ser conhecidas a partir do que as pessoas
nada ao conceito de uma coisa: apenas dá uma ins­ fazem. São o que todas as pessoas deveriam fazer, quer
tância concreta dela. A moeda na minha mente pode façam quer não.
ter exatamente as mesmas propriedades da que está O peso do argumento está na segunda premissa —
no meu bolso. Mas há uma segunda forma do argu­ há uma lei moral objetiva. Isto é, há uma lei moral que
mento ontológico que não está sujeita a essa crítica. não é apenas prescrita por nós, mas também para nós.
O Ser Necessário. Anselmo argumentou que o pró­ Os seres humanos realmente prescrevem o comporta­
prio conceito de um Ser N ecessário exige sua exis­ mento adequado para outros humanos. A questão é se
tência: há evidência de que uma prescrição universal e objeti­
va compreende todos os seres humanos. A evidência
1. Se Deus existe, devemos imaginá-lo como um para tal lei é forte. Está subentendida nos nossos julga­
Ser Necessário. mentos do tipo: “O mundo está piorando”. Como sabe­
2. Mas, por definição, um Ser N ecessário não ríamos, a não ser que houvesse algum padrão além do
pode não existir. mundo pelo qual pudéssemos medi-lo? Afirmações
3. Logo, se um Ser Necessário pode existir; então como “Hider estava errado” não têm força se essa é ape­
deve existir. nas uma opinião ou se os julgamentos morais de Hider
estavam certos ou errados dependendo das normas cul­

Já que não há contradição na idéia de um Ser Ne­ turais. Se ele estava objetivamente errado, então deve
haver uma lei moral além de todos nós pela qual estamos
cessário, parece correto concluir que ele deve existir.
todos presos. Mas se existe tal lei moral objetiva e uni­
Pois a própria idéia de um Ser Necessário exige sua
versal, então deve haver um Legislador Moral (Deus).
existência. Pois, se ele não existisse, não seria uma exis­
O argum ento da necessidade religiosa. Muitas
tência necessária.
pessoas afirm am que não precisam de Deus. Sigmund
Os críticos desse argumento m ostram um proble­
Freud até considerou que o desejo de acreditar em Deus
ma, pois é o mesmo que dizer: “Se há triângulos, eles
é uma ilusão. O desejo de Deus está baseado na reali­
devem ter três lados”. Mas o argumento nunca passa
dade ou nos desejos inatingíveis dos seres humanos?
do “se” inicial. Isso não prova a questão que afirma
A base para a crença em Deus é puramente psicológi­
responder. Apenas supõe, mas não prova, a existência
ca ou é factual? Não importa se os humanos sentem
de um Ser Necessário. Apenas diz que, se um Ser Ne­
necessidade dele, há boa evidência da existência de
cessário existe — e isso está aberto a questionamento
Deus. Mas o anseio por Deus existe, não como desejo
— , ele deve existir necessariamente, já que essa é a
psicológico, mas como verdadeira necessidade existen­
única maneira pela qual um Ser Necessário pode exis­
cial. Essa necessidade em si é uma evidência da exis­
tir, se é que existe.
tência de Deus.
O argumento ontológico não pode provar a exis­
Resumidamente, o argumento da suposta neces­
tência de Deus, mas pode provar certas coisas sobre
sidade de Deus para sua existência é assim:
sua natureza. Por exemplo, Deus deve existir necessa­
riamente, se é que existe. Ele não pode deixar de exis­
1. Os seres humanos precisam de Deus.
tir ou existir contingentemente. 2. Aquilo de que os humanos realmente precisam
O argum ento d a lei moral. As raízes do argumen­ provavelmente existe.
to moral de Deus são encontradas em Romanos 2.12-
3. Logo, Deus realmente existe.
15, que diz que a humanidade é indesculpável por cau­
sa das “exigências da lei [...] gravadas em seu cora­ Para esse argumento ter a oportunidade de ser
ção”. Desde a época de Kant esse argumento foi citado comprovado, a segunda premissa deve ser diferencia­
de várias formas. A mais popular emana de C. S. Lewis da da afirm ação de que tudo de que se precisa será
em Cristianismo puro e simples. O coração do argumen­ encontrado. É possível precisar realmente de água e
to segue esta estrutura básica:1 m orrer de desidratação. Mas isso é bem diferente de
argumentar que a pessoa realmente precisa de água e
1. Leis morais implicam um Legislador Moral. não existe água em lugar nenhum.
2. Há uma lei moral objetiva. Pareceria irracional acreditar que há necessida­
3. Logo, há um Legislador Moral. des reais no universo que são im possíveis de suprir.
259 Deus, evidências de

Há muitos desejos impossíveis de suprir, mas supor ou quatro páscoas seguidas. Gostava da solidão e da natureza,
que há necessidades impossíveis de suprir é supor um e tinha uma paixão por flores silvestres: mas quando a santi­
universo irracional. Da mesma forma, seria razoável dade está no ar, como na Páscoa, então ela pode expandir-se
supor que, se os seres humanos realmente precisam livremente (p. 70).
de Deus, provavelmente há um Deus, ainda que nin­
guém o tivesse encontrado. Assim como acontece com Friedrich Schleiermacher definiu a religião como o
outras necessidades não supridas na vida, pode ser que sen tim en to de d ep en d ên cia ab so lu ta do Todo
alguns procurem no lugar errado ou de forma errada (Schleiermacher, p. 39). E, apesar de Freud não querer
(v.Pv 14.12). chamar esse sentimento de religioso, ele admite sentir
Isso nos leva ao ponto crucial do problema: Os se­ tal dependência. Paul T illich definiu religião como o
res humanos têm necessidade real de Deus, ou isso é compromisso supremo (Tillich, p. 7 ,8 ,3 0 ). Nesse sen­
apenas um desejo? Se há uma necessidade real, então tido da palavra religião, a maioria dos humanistas têm
porque nem todos a sentem? Por exemplo, a maioria um compromisso com o humanismo. O n Manifesto
dos ateus afirma que não há necessidade real de Deus. humanista diz: “O compromisso com toda a hum ani­
Até os ateus precisam de Deus. A literatura religio­ dade é o maior compromisso de que somos capazes”
(Kurtz, p. 23). Este é, usando a expressão de Tillich,
sa está cheia de testemunhos de crentes que confes­
um “compromisso supremo”. John Dewey definiu o re­
sam que realmente precisam de Deus. O salmista es­
ligioso como qualquer ideal perseguido com grande
creveu: “Como a corça anseia por águas correntes, a
convicção por causa do valor geral e duradouro. Nesse
minha alma anseia por Ti, ó Deus” (SI 42.1). Jeremias
sentido, o humanismo certamente envolve uma expe­
29.13 declara: “Vocês me procurarão e me acharão
riência religiosa.
quando me procurarem de todo o coração”. Jesus en­
Erich Fromm estava até disposto a usar a palavra
sinou: “Nem só de pão viverá o homem, mas de toda
Deus para o sentimento de compromisso supremo com
palavra que procede da boca de Deus” (Mt 4.4). A gos ­
toda a humanidade. E, apesar de querer desassociar-
tinho resumiu isso muito bem quando disse que o co­
se do que chamava crenças “autoritárias”, admitiu que
ração do homem fica inquieto até encontrar seu des­
suas crenças humanistas eram religiosas. Sentia que
canso em Deus.
sua devoção à humanidade como um todo era uma
O que geralmente não é valorizado pelos incrédulos
devoção religiosa. O objeto humanista dessa devoção
é o fato de que a necessidade de Deus não é limitada às
ele chamou “Deus” (Fromm, p. 4 9 ,5 4 ,8 7 ). O existen­
pessoas ignorantes e conformadas. Algumas das maio­ cialista judeu M artin B uber disse que a palavra Deus é
res mentes, inclusive os fundadores da maioria das áre­ a mais forte no nosso vocabulário, mas insistiu que,
as da ciência moderna, confessaram sua necessidade. ao am ar outras pessoas, a pessoa já cumpriu as obri­
Não é de admirar que essa lista inclua os teólogos Agos­ gações religiosas pessoais (Buber, Eu e tu, p. 55).
tinho, Anselmo e Tomás de Aquino. Mas também inclui Até os humanistas ateus (v. humanismo secular) que
Galileo Galilei, Nicolau Copérnico, William Kelvin, Isaac negam ter qualquer experiência religiosa geralmente
Newton, Francis Bacon, Blaise P ascal, René Descartes, admitem que uma vez a tiveram no passado. Jean-Paul
Gottfried L eibntz, John L ocke e Soren K ierkegaard.É qua­ Sartre fala de experiências na infância. Escreveu:
se impossível afirmar que a deficiência intelectual os
tenha levado a sentir necessidade de Deus. No entanto, eu acreditava. De pijama, ajoelhado ao lado da
Lidando com os sentimentos. Mas, se Deus é neces­ cama, com minha mãos juntas, fazia minhas orações todos os
sidade de todos, por que nem todos refletem essa ne­ dias, mas pensava em Deus cada vez menos” (Sartre,p. 102).
cessidade? Por incrível que pareça, há evidência de que
refletem. Veja, por exemplo, o testemunho de ateus e Bertrand Russell admitiu ter acreditado em Deus,
agnósticos nos seus momentos mais sinceros. Julian assim como Friedrich N ietzsche.
H uxley , por exemplo, admitiu sinceramente um tipo A religião secular. Quer passadas quer presentes as
de encontro religioso: experiências de devoção a Deus, ao “Todo” ou à hu­
manidade, muitos humanistas admitem algum tipo de
Num domingo de Páscoa, cedo de manhã,levantei-me ao experiência que seria denominada “religiosa”. E, ape­
amanhecer, antes de todos, saí, corri para meu bosque favori­ sar do i Manifesto humanista exigir o abandono da
to, entrei onde sabia que havia cerejas silvestres, eali, no orva­ crença em qualquer forma de vida extraterrestre (v.
lho da primavera, peguei uma grande quantidade daquelas Kurtz, p. 14-16), muitos humanistas ateus insistem em
delícias, que trouxe, com uma sensação de que fosse uma ofer­ que não renegaram a religião por causa disso. Na verda­
ta aceitável, de volta à casa. Lembro-me de ter feito isso três de, o impulso religioso é tão grande, até nos humanistas,
Deus, evidências de 260

que August Comte estabeleceu uma seita humanista e secular “não evoca uma resposta da pessoa inteira,
nom eou-se sumo sacerdote. No sentido em que a pa­ in te le c to , vontad e e e m o ç ã o ” . Além d isso os
lavra religioso é definida atualmente por dicionários, humanistas “carecem de originalidade ao fazer afir­
filósofos, teólogos e pelos próprios hum anistas, o m ações positivas sobre a vida do homem e facilmente
humanismo é uma religião. caem nas trivialidades” (Kitwood, p. 48).
Devido a uma interessante série de eventos, a Su­ Outra fraqueza do hum anism o pode ser a de que
p rem a C orte dos E stad o s Unidos reco n h eceu o ele não leva em conta a natureza hum ana. Alguns
humanismo secular como religião. O julgamento do hum anistas refletiram uma ingenuidade incrível com
caso Estados Unidos vs. Kauten (1943) permitiu isen­ relação à vida. John Stuart M ill escreveu que seu pai
ção de convocação militar com base na objeção cons­ “achava que tudo seria ganho se toda a população
ciente, mesmo se a pessoa não acreditasse numa di­ aprendesse a ler” (ibid., p. 50). Até Russell pensava
vindade. O Segundo Tribunal afirmou: que “se pudéssem os aprender a am ar nosso próxi­
mo o mundo logo se tornaria um paraíso para nós
[A objeção consciente] pode ser justamente considera­ to d o s ” ( ib id .) . F in a lm e n te , K itw o od a c u sa os
da uma resposta do indivíduo a um mentor interior, que hum anistas de serem “um corpo aristocrático e como
pode ser denominada consciência ou Deus, que é para mui­ tal isolado das m ais terríveis realidades da vida”
tas pessoas atualmente o equivalente do que sempre foi con­ (ibid ., p. 5 1 ). Uma conclusão surge claram ente: o
siderado um impulso religioso (Whitehead, p. 10). hum anism o secular prova não ser suficiente para as
re a lid a d es p s ic o ló g ic a s da vid a. W illia m J a m e s
enfatizou no seu tratam ento clássico da experiência
Em 1965, o Supremo Tribunal no caso Estados Uni­
religiosa que aqueles que colocaram em cham as este
dos vs. Seeger decidiu que qualquer crença é válida se
m undo foram eles m esm os, inflam ados por outro
for “sincera e significativa [e que ela] ocupe um lugar
mundo. São os santos, não os secularistas. Acredita­
na vida de seu possuidor paralela à posição preenchi­
vam num mundo sobrenatural, que o hum anism o
da pela crença ortodoxa em Deus” (ibid., 14). Depois
secular nega (Jam es, p. 290).
de consultar o teólogo Tillich, a Suprema Corte defi­
Apesar de os humanistas seculares geralmente con­
niu religião como a crença “baseada num poder ou ser
fessarem ter experiências místicas e religiosas, negam
ou numa fé, aos quais tudo mais está subordinado ou
que elas envolvam um Deus pessoal. Mas isso é inade­
sobre os quais tudo mais é dependente no final” (ibid.).
quado, primeiro porque sua experiência é estranhamen­
Num artigo bastante revelador na revista Humanist
te pessoal para não ter um objeto pessoal. Falam de “le­
Magazine (1964), várias fraquezas foram demonstra­
aldade”, “devoção” e “amor” como valores básicos. Mas
das com relação a isso. No artigo “W hafs wrong with
esses são termos que fazem sentido adequado somente
h u m a n ism ?” [ “O que há de errad o com o
quando existe um objeto pessoal. Quem, por exemplo,
humanismo?”] é feita a acusação de que o movimen­
pode apaixonar-se pelo teorema de Pitágoras? Ou quem
to é intelectual demais e quase “removido cirurgica­
seria religiosamente motivado pela exortação: “Prepa­
mente da vida”. Para alcançar as massas com sua men­
ra-te para conhecer teu e = mc 2?” . Como Elton T rueblood
sagem, o escritor sugere que seja feito um esforço para
observou com perspicácia:
d esenvolver um a B íb lia h u m a n ista , um h in á rio
humanista, dez mandamentos para humanistas e até
A alegria e maravilha que os homens sentem na busca
práticas confessionais (testemunhos)! Além disso
da verdade, inclusive a qualidade do sentimento dos cien­
tistas que se consideram materialistas, é o mesmo tipo de
o uso das técnicas hipnóticas — música e outros meca­ sentimento que temos quando há comunicação real entre duas
nismos psicológicos — durante os cultos humanistas daria mentesfinitas (Trueblood.p. 115).
à audiência aquela experiência espiritual profunda e eles sai­
riam revigorados e inspirados por sua fé humanista (citado Só um objeto pessoal pode realmente satisfazer a
em Kitwood,p.49). devoção pessoal. Talvez seja isso que cause a falta de
um a e x p e riê n c ia re lig io sa s a tis fa tó ria e n tre os
É raro os humanistas falarem tão abertamente so­ hum anistas. Huxley disse que sua experiência religio­
bre as falhas psicológicas de seu sistema e a necessi­ sa ficou cada vez mais fraca com o passar dos anos.
dade de tom ar de empréstimo práticas cristãs para Escreveu:
corrigi-las.
Fraquezas na religião humanista. T. M. Kitwood resu­ Eu estava acostumado, desde a idade de 15 ou 16 anos, a
miu as deficiências quando observou que o humanismo ter tais momentos naturalmente [...] Mas agora [...] eram
261 Deus, evidências de

concedidos em quantidade decrescente, e (apesar de ocasi­


onalmente com grande intensidade) mais transitoriamente Seguro diante de mim as imagens de Dante e E spinosa,
(Huxley.p. 77). que foram mais capazes de aceitar o destino da solidão [...]
e no final, para todos os que de alguma forma ainda tinham
Sartre confessou que suas experiências religiosas um “Deus” como companhia [...] Minha vida agora consiste
cessaram quando dispensou Deus de sua vida. Disse: no meu desejo de que fosse diferente [...] e de que alguém
pudesse fazer minhas “verdades” parecerem inacreditáveis
Tive muito mais dificuldade para me livrar dele, pois para mim (Nietzsche, p. 441).
havia se instalado no meu subconsciente [...] Prendi o Espí­
rito Santo no porão e o lancei fora; o ateísmo é um caso de Sartre admitiu sua necessidade pessoal de religião,
amor cruel e duradouro; acredito que o levei às últimas con- dizendo: “Preciso de Deus”. Acrescentou: “Busquei
seqüências (Sartre,p.252-3). minha religião, ansiei por ela, pois era o remédio. Se
me tivesse sido negada, eu mesmo a inventaria” (Sartre,
A confissão de Sartre acerca da dificuldade e até da p. 9 7 , 102). O ateu francês Albert Camus acrescentou:
crueldade da vida sem Deus não deveria surpreender “Nada pode desencorajar o apetite pela divindade no
alguém que realmente entende a pessoa humana. A sa­ coração do homem” ( O rebelde, p. 147). Freud minou a
tisfação origina-se no pessoal. Os seres humanos se sa­ base da realidade de Deus, mas admitiu que ele tam ­
tisfazem com o que Buber chamou de experiência “Eu- bém tinha uma sensação schleiermachiana de depen­
Tu não com a experiência “eu-isto”. Isto é, as pessoas dência absoluta. Admitiu que tinha “um senso da in­
se satisfazem melhor com pessoas (sujeitos), não com significância e impotência do homem diante do uni­
coisas (objetos). Logo, não é estranho que uma experi­ verso” (Freud, p. 57). Freud também admitiu que esse
ência religiosa não seja totalmente satisfeita com algo senso de dependência absoluta é inevitável e não pode
menos que um objeto pessoal. ser vencido pela ciência.
Tillich reconheceu que nem todo com promisso A mesma necessidade do divino é dramatizada em
absoluto era feito com algo absoluto. Na verdade, acre­ Esperando Godot, de Samuel Beckett, peça teatral com
ditava que ser absolutamente comprometido com o um título que lembra a frase de M artin Heidegger,
que é menos que absoluto é idolatria (v. Tillich, p. 57). “waiting for God” ( “esperando por Deus”). Os roman­
Buber demonstrou que ídolos podem ser mentais tanto ces de Franz Kafka expressam a futilidade das tentati­
quanto metais (Buber, Eclipse de Deus, p. 62). Combi­ vas solitárias e persistentes de encontrar algum ser cós­
nando esses dois discernimentos dos próprios pensa­ mico. Walter Kaufmann chega ao ponto de confessar
dores, podemos observar que, quando os humanistas
fazem de algum ideal ou objetivo finito o objeto do seu A religião está baseada na aspiração do homem de trans­
compromisso religioso, são idólatras. cender a si mesmo [... ] Quer adore ídolos quer procure aper­
Os hu m anistas reconhecem que a vida hum ana feiçoar-se, o homem é o primata intoxicado por Deus
é m ortal. A raça pode ser aniquilada ou extinta. (Kaufmann, p. 354-5,399).
Então por que os hu m anistas tratam a hum anida­
de com o se fosse eterna? Por que um com prom isso Outros incrédulos como Julian Hüxley também as­
resoluto com aquilo que está mudando e até pere­ sumiram uma atitude positiva com relação a necessi­
cendo, produto de um processo evolutivo cego? Não dades religiosas aparentemente incuráveis. Huxley fa­
é o cúmulo da arrogância hum anista que a hu m a­ lou da
nidade se dote de divindade (v. Geisler, cap. 15)?
Essa devoção ilim itada que os hum anistas dão à possibilidade de desfrutar de experiências de arrebata­
hum anidade é devida apenas ao Infinito. A única mento transcendental, físico ou místico, estético ou religio­
coisa digna de com prom isso absoluto é o Absoluto. so [...] de alcançar harmonia e paz interior,que coloca o ho­
A necessidade confessada pelo ateu. Uma das indi­ mem acima das preocupações e dos cuidados do dia-a-dia
cações mais fortes de que os seres humanos precisam (citado em Kit\vood,p.38).
de Deus é encontrada no próprio homem que nega a
necessidade de Deus. As necessidades confessas de O que é isso além de outra descrição da busca de
hum anistas ateus são testem unho eloqüente dessa um Deus?
afirmação. Se a necessidade de Deus é tão enraizada, até nos
Nietzsche lamentou sua solidão intolerável com ­ hum anistas, por que tantos parecem capazes de vi­
parada a outros poetas que acreditavam em Deus. Es­ ver sem Deus? Alguns sugeriram que o incrédulo é
creveu: incoerente nesse ponto. A filosofia ateísta (v. a t e ís m o )
Deus, evidências de 262

de John Cage o levou ao suicídio quando tentava v i­ O argumento d a alegria. C. S. Lewis desenvolveu
ver de m aneira puramente aleatória. Jackson Pollock, um argumento baseado na alegria ou na antecipação
no entanto, decidiu ser incoerente e viver. Seu passa­ do prazer celestial. Esse argumento foi afirmado por
tempo era colher cogumelos de forma aleatória, como Lewis em Cristianismo puro e simples, O problema do
era sua visão do mundo e ele sabiam ente decidiu não sofrimento e Surpreendido pela alegria. Foi defendido por
procurar saber quais eram venenosos. Peter Kreeft em Handbook ofChristian apologetics [Ma­
Numa entrevista franca com o jornal Chicago Sun nual de apologética cristã] e The hearts deepest longing
lim es, Will Durant admitiu que o homem comum des­ [■O mais profundo anseio do coração}.
moronará moralmente se acreditar que não há Deus. O argumento da alegria é assim: As criaturas não
Mas “um homem como eu”, disse Durant, “sobrevive nascem com desejos a não ser que a satisfação para
moralmente porque retenho o código moral que me esses desejos exista. Um bebê sente fome; a comida
ensinaram junto com a religião, apesar de eu ter des­ pode satisfazê-lo. Um patinho quer nadar; a água su­
cartado a religião, que era o catolicism o rom ano”. pre sua necessidade. Homens e mulheres sentem de­
Durant continuou: sejo sexual; a relação sexual satisfaz esse desejo. Se sin­
to um desejo que nenhuma experiência nesse mundo
Você e eu vivemos à sombra de algo [...] porque estamos pode satisfazer, provavelmente fui feito para outro
usando o código ético cristão que nos foi ensinado fundido mundo. Se nenhum prazer terreno satisfaz a necessi­
com a fé cristã [...] Mas o que acontecerá com nossos filhos dade, isso não significa que o universo seja uma frau­
[...]? Não damos a eles a ética aquecida por uma fé religiosa. de. Provavelmente os prazeres terrenos não foram fei­
Eles estão vivendo à sombra de uma sombra (Durant, 1B:8). tos para satisfazê-la, mas para despertá-la (Lewis, Sur­
preendido pela alegria, p. 120).
É difícil viver à sombra de algo e pior ainda viver à A lógica do argumento da alegria. A lógica do ar­
som bra da som bra. Mas é exatam ente aí que os gumento da alegria é colocada dessa maneira:
humanistas tentar viver sem Deus.
Geralmente a ética ou a estética se torna substitu­ 1. Todo desejo natural inato tem um objeto real
ta de Deus, mas mesmo isso só satisfaz enquanto está que pode satisfazê-lo.
ligado a uma crença em Deus. Como Martin Marty 2. Os seres humanos têm um desejo natural, ina­
observou, o ateísmo to, pela IMORTALIDADE.
3. Logo, deve haver um a vida im ortal após a
acontece e pode acontecer apenas onde a crença existe morte.
ou existia. [Isso] explica porque o ateísmo [...] é uma prova
em si, por causa de seu caráter invariavelmente polêmico Para defender a prim eira premissa, argumenta-se
(Marty, p. 119-20). que, “se há fome, há comida; se sede, bebida; se eros,
sexo; se curiosidade, conhecimento; se solidão, socie­
Quem tenta subverter tudo — até as som bras es­ dade” (Kreeft, Handbook, p. 250). A natureza se apres­
téticas e éticas, descobre com Camus que “para quem sa a preencher um vazio. A segunda premissa é apoia­
está sozinho, sem Deus e sem um m estre, o peso dos da por um apelo a um anseio m isterioso que difere de
dias é terrível” (Camus, A queda, p. 133). todos os outros de dois modos. Primeiro, seu objeto é
S a rtre consid erou o ateísm o “c ru e l”, Cam us, indefinível e inatingível nesta vida. Segundo, a mera
“terrível”, e Nietzsche, “enlouquecedor” . Os ateus presença desse desejo na alma é considerada mais pre­
que coerentem ente tentam viver sem Deus tendem ciosa e agradável que qualquer outra satisfação. Por
a com eter suicídio ou a ficar loucos. Os que são in ­ m ais inadequadamente que expressemos isso, o que
coerentes vivem à som bra ética ou estética da ver­ desejamos é o paraíso, o céu ou a eternidade (ibid.).Até
dade cristã enquanto negam a realidade que fez a os ateus sentem esse desejo.
som bra. Mas crédulos e incrédulos evidenciam uma Se essas premissas são verdadeiras, então há “mais”
necessidade definitiva de Deus. Viktor Frankl, em que esta vida; há uma vida futura. O fato de reclamar­
The unconscious God [O Deus inconsciente ], argu­ mos deste mundo, da dor e da morte — mas nunca da
m enta que “o hom em sem pre esteve num a relação eternidade — revela um desejo arraigado por ela. Tal­
intencional para com a tran scend ên cia, m esm o que vez nunca a alcancemos, mas isso não anula sua exis­
apenas no nível inconsciente” . Nesse sentido, ele diz, tência, assim como ficar solteiro não prova que não haja
todos os hom ens procuram o “Deus Incon sciente” alegria matrimonial e morrer de fome não prova que
(citado em M acdonald, p. 4 3 ). não exista comida (ibid.).
263 Deus, natureza de

Avaliação. Esse argumento não é logicamente in­ J. H uxley , R eligion w ithout revelation.

contestável. Poucos, se tantos, argumentos são. Mas W . J a m es, Varieties o f religious experiences.
tem uma certa força existencial que não pode ser ne­ R. J astrow , A scientist caught betw een two faiths:
gada. Até grandes incrédulos admitiram um desejo por interview with Robert Jastrow , cr 6 Aug. 1982.
Deus. 0 famoso incrédulo Bertrand Russell admitiu __ , G od a n d th e astronom ers.
numa carta a Lady Otto: W . K a u fm a x x , C ritique o f religion a n d philosophy.

T. M. K it w o o d , W hat is h u m a n ?
Mesmo quando uma pessoa se sente muito próxima de P. K r e e f t , Handbook o f Christian apologetics.
outras pessoas, alguma coisa nela parece pertencer obsti­ __ , The h e a r t’s d eepest longing.
nadamente a Deus e recusa-se a entrar numa comunhão P. K u r t z , org. H um anist m anifestos i and n.
terrena — pelo menos é assim que eu deveria expressar isso, C . S. L e w is , Cristianismo puro e simples.
se acreditasse que Deus existe. É estranho, não é? Importo- __ S urpreendido p ela alegria.
me profundamente com este mundo e com muitas coisas e __ , O p ro b le m a d o sofrim ento.
pessoas nele, mas [...] para quê? Deve existir algo mais im­ M . M a cdonald , “T he roots o f com m itm ent” cr, 19

portante, alguém diria, apesar de eu não acreditar que exis­ Aug. 1976.
ta (Autobiography, p. 125-6). M . M arty , Varieties o f unbelief.
F. N ietzsche, T he p o r ta b le N ietz sch e.
É claro que é possível que o universo seja irracio­ H. Ross, T he fin g erp rin t o f God.
nal, que esteja zombando de nossas necessidades b á­ B. Russell, T he au tobio g rap h y o f B ertra n d Russell.
sicas. Mas há algo na pessoa que se recusa a aceitar C . S a gan , Cosmos.

isso. O desejo de felicidade pode ser desacreditado, mas A. S andage , “A s c i e n t i s t r e f l e c t o n r e lig io u s b e lie f ” ,

é mais difícil de erradicar. Truth, 1 9 8 5


Conclusão. Poucos teístas apoiariam sua defesa da J. P . S a rtr e , As palavras.

existência de Deus em um único argumento. Cada ar­ F. S c h i.eie r m a c h er , On religion: speeches to its cultu­
gum ento parece dem onstrar uma característica de ra l despisers.
Deus junto com sua existência. Por exemplo, o argu­ T o m á s de A q u in o , Suma teológica.
mento cosmológico demonstra que Deus é infinita- P. TILLIC H , Ultimate concern.
mente poderoso; o argumento teleológico revela que D. E. Tr ueblood , P hilosophy o f religion.
ele é inteligente; o argumento moral que ele é moral; S. W einberg , Sonhos de uma teoria final: a busca das
e, se ele existe, o argumento ontológico demonstra que leis fu n d a m en ta is d a natureza.
é u m Ser Necessário. J. W hitehead, “The establishm ent o f the religion o f
Alguns teístas oferecem outros argumentos para a secular hum anism and its first am endm ent
existência de Deus, tal como o argumento da necessi­ im plications”, t t lr .
dade religiosa ou o argumento da experiência religio­
sa (v. e x p e r i m e n t a l , a p o e o g í t i c a ) . A maioria dos não- Deus, natureza de. A teo logia natural lida com o que
teístas afirmam que não precisam de Deus, mas suas pode ser conhecido sobre a existência (v. cosmológico ,
obras e sua experiência traem sua posição. Mas, se há argumento ; kalam, a rgu m en to cosm ológico de ) e natureza
uma necessidade real de Deus, é bem mais razoável de Deus por meio da razão natural (v. revelação geral ),
acreditar que haja um Deus real que pode realmente separada de qualquer revelação sobrenatural (v. rev e ­
suprir essa necessidade real. lação especia l ). De acordo com os teístas cristãos clássi­
cos (v. teísm o ), tais como T om ás de A quino (1225-1274),
Fontes todos os atributos metafísicos essenciais de Deus po­
A nselmo, P r o s lo g io . dem ser conhecidos pela razão natural. Isso inclui a
M. B eber , E c l ip s e d e D e u s. asseidade, simplicidade, imutabilidade, eternidade,
___ , E u e Tu. imensidade, unidade, infinidade e moralidade de Deus.
A. C amcs, A q u e d a . Asseidade (auto-existência). A m aioria dos
___ , 0 r e b e ld e . teístas clássicos considera a asseidade ou existência
W. D cra.nt, C h ic a g o S u n T im e s , 24 Aug. 1975. pura de Deus uma característica fundamental. Os pais
V. F r a n k l , T h e in c o n s c i o u s G o d . da igreja primitiva, assim como A gostinho (354-430),
E. F . . , P s i c o a n á l i s e e r e lig iã o .
r o m m A nselmo (1033-1109) e Aquino, continuamente citam
S. H awking, U m a b r e v e h i s t ó r i a d o tem p o. a Bíblia para apoiar essa posição. Ao defender a auto-
F. H o y l e , T h e in t e lli g e n t m i v e r s e . existência (asseidade) de Deus, os teístas clássicos tais
Deus, natureza de 264

como Aquino gostam de citar Êxodo 3.14, onde Deus não tem a possibilidade de não existir. Se não tem o
se identifica para Moisés com o“Ec Soe o que S o u ” . Eles potencial de não existir, então deve existir.
interpretavam isso como referência a Deus como Ser Isso não quer dizer que o a r g u m e n t o o n t o ló g ic o seja
Puro ou Existência Pura. válido. Aquino considerou e rejeitou essa prova da exis­
Deus é Realidade Pura, sem potencial em seu ser. tência de Deus proposta por Anselmo. Se Deus (i.e.,
Tudo que tem potencial (potência) precisa ser realiza­ Realidade Pura) existe, então deve existir necessaria­
do ou causado por outro. E já que Deus é a Causa su­ mente. Mas só porque posso defini-lo não quer dizer
prema, não há nada além dele que realize qualquer que ele exista. Aquino ofereceu seus famosos argumen­
potencial (i.e., habilidade) que ele possa ter. E Deus tos cosmológicos para a existência de Deus (Suma te­
não pode realizar seu próprio potencial de existir, já ológica, 1.2.3). E uma vez que sabemos, pela razão e
que isso significaria que ele causou sua própria exis­ revelação, que Deus existe, podemos ter certeza de que
tência. Mas um ser autocausado é impossível, já que ele deve existir necessariam ente. Tal ser não tem o
não pode criar a si mesmo. Algo deve existir antes dele potencial de não existir.
para poder fazer algo. Nem mesmo Deus pode criar a Imutabilidade. Na sua épica Suma teológica
si mesmo por seus próprios esforços ontológicos. En­ ( la .9 .1), Aquino oferece três argumentos básicos a fa­
tão, Deus deve ser Realidade Pura na sua Existência. vor da imutabilidade de Deus. O primeiro argumento
É claro que Deus tem o potencial de criar outras é transm itido no fato de um Deus de Realidade Pura
coisas. Mas não pode criar a si mesmo. Ele sempre exis­ (sua qualidade “Eu Sou”) não ter potencial. Conclui-se
tiu. E, apesar de Deus ter o potencial d e fazer outras então que Deus não pode mudar (Êx 3.14). Tudo que
coisas, ele não pode ser nada além do que é. Ele tem o muda tem que ter o potencial para mudar. Mas, como
poder de criar outras coisas (potência ativa), mas não Realidade pura, Deus não tem potencial, então não
tem o poder (potência passiva) de existir de qualquer pode mudar.
outra maneira além daquela em que existe, isto é, como O segundo argumento para a imutabilidade de
um Ser infinito, eterno, necessário e simples. Deus resulta de sua simplicidade. Tudo que muda é
A asseidade de Deus significa que ele é Existência; composto do que muda e do que não muda. Deus não
tudo mais apenas tem existência. Deus é Realidade pode mudar porque um ser absolutamente simples
Pura; todas as outras coisas têm realidade e potencial. não tem composição. Se tudo sobre um ser mudasse,
Então Deus não pode não existir. Todas as criaturas então seria um ser completamente diferente. Na ver­
podem ser não existentes. Isto é, têm o potencial de dade, não seria mudança, mas aniquilamento de uma
inexistência. Só Deus é um Ser Necessário. Todos os coisa e criação de algo completamente novo. Mas se
outros seres são contingentes. em toda mudança num ser algo permanece igual e algo
Simplicidade (indivisibilidade). Já que Deus não não, então ele deve ser composto desses dois elemen­
é composto em sua Existência, mas é Pura Existência, tos. Então um Ser absolutamente simples, sem com ­
Pura Realidade sem potencial, conclui-se que é sim ­ posição, não pode mudar.
ples e indivisível. Um Ser que por natureza não é com ­ O terceiro argumento para a imutabilidade de Deus
posto não pode ser decomposto. Quem não tem par­ origina-se em sua perfeição absoluta. Tudo que muda
tes não pode ser dividido. Logo, Deus tem simplicida­ adquire algo novo. Mas Deus não pode adquirir algo
de absoluta sem a possibilidade de ser dividido. É lite­ novo, já que não poderia ser melhor ou mais completo.
ralmente indivisível. Portanto, Deus não pode mudar. Se mudasse, não seria
Da mesma forma, um Deus de Realidade Pura sem Deus, pois teria carecido de alguma perfeição.
potencial não pode ser dividido. Pois, se fosse divisí­ Aquino tam bém argumenta que só Deus é imutá­
vel, teria de ter o potencial de ser dividido. Mas a Reali­ vel {Suma teológica , la .9 .2 ). Todas as criaturas exis­
dade Pura não tem nenhum potencial no seu Ser. Logo, tem só por causa da vontade do Criador. Seu poder as
deve ser absolutamente simples ou indivisível. trouxe à existência, e é seu poder que as mantém na
A indivisibilidade de Deus tam bém resulta de sua existência. Portanto, se ele retirasse seu poder elas dei­
imutabilidade (v. a seguir). Pois se Deus pudesse ser xariam de existir. Tudo que pode deixar de existir não
dividido, poderia mudar. Mas Deus é imutável por é imutável. Portanto, só Deus é imutável; tudo mais
natureza. Então não pode ser dividido. Ele tam bém é poderia deixar de existir.
absolutamente simples na sua natureza. Impassibilidade (sem paixões). Um atributo
Necessidade (incontingência). Deus é por natu­ muito reconhecido de Deus que foi atacado recen­
reza um Ser absolutamente necessário. Isto é, ele não tem ente é a impassibilidade. Deus é im passível. A
pode não existir. Deus não é um Ser que pode existir, paixão im plica desejo do que não se tem. Mas Deus,
mas um Ser que deve existir. Não é contingente, já que com o Ser ab solu tam ente p erfeito, não carece de
265 Deus, natureza de

nada. Para carecer de algo ele precisaria ter um p o­ O tempo (a humanidade) dura com potência atua­
tencial para tê-lo. Mas Deus é Pura Realidade, sem lizada progressiva.
potencial nenhum . Portanto, Deus está com pleta e O segundo argumento a favor da eternidade de
infinitam ente satisfeito com sua própria perfeição. Deus resulta, semelhantemente, da imutabilidade. Co­
Mas dizer que Deus é im passível no sentido de meça com a premissa de que tudo que é imutável não
não ter paixões ou desejos de satisfação não é dizer muda no estado de seu ser. Tudo que está no tempo
que ele não tem sen tim en tos. Deus fica irado com passa por uma sucessão de estados. Assim, tudo que é
o pecado e se regozija com a ju s tiç a . Mas os se n ti­ imutável não é tem poral. Esse argumento enfatiza
m e n to s de D eus sã o im u tá v e is . E le s e m p re , outro aspecto do tempo: tudo que é temporal tem es­
im utavelm ente, sente o m esm o sen tim ento de ira tados sucessivos, um após o outro. Deus não os tem,
contra o pecado. Nunca deixa de reg ozijar-se com logo ele não é temporal.
a bond ade e ju s tiça . P ortanto, Deus não tem p a i­ Imutabilidade total implica necessariamente eter­
xões m utáveis, mas tem sen tim en tos im utáveis. nidade (ibid., la . 10.2). Porque tudo que muda subs­
Eternidade (intemporalidade). Deus não é tem ­ tancialmente está no tempo e pode ser computado de
poral (Summa theologica, 1a. 10.1). Ele está além do tem­ acordo com o antes e o depois. Tudo que não muda
po. Aquino oferece vários argumentos para apoiar essa não está no tempo, já que não tem estados diferentes
conclusão. 0 primeiro argumento é assim: pelos quais o antes e o depois possam ser computa­
dos. Nunca muda. Tudo que não muda não é tem po­
1. Tudo que existe no tempo pode ser computa­ ral. Além de ser eterno, Deus é o único ser eterno (ibid.,
l a .10.3), pois só ele é essencialmente imutável.
do de acordo com seu antes e depois.
Aquino distingue a eternidade do tempo sem fim
2. A existência imutável, como Deus é, não tem
(ibid., la. 10.4). Primeiro, tudo que é essencialmente
antes nem depois; é sempre a mesma.
completo (eternidade) é essencialmente diferente do que
3. Conseqüentemente, Deus deve ser intemporal.
tem partes (tempo). A eternidade é o agora para sem ­
pre; o tempo inclui passado, presente e futuro, agora e
O tempo é duração caracterizada por mudanças
antes. A implicação disso é que a eternidade de Deus
substanciais e acidentais. Uma mudança substancial
não é dividida; toda ela é presente para ele no seu agora
é uma mudança no que algo é. O fogo muda o que um
eterno. Deve, assim, ser essencialmente diferente do tem­
pedaço de madeira é. Uma mudança acidental é uma
po em momentos sucessivos.
mudança no que algo tem. Conhecimento crescente é
Segundo, o tempo sem fim é apenas um alonga­
uma mudança acidental num ser. Aquino vê três ní­
mento do tempo. Mas a eternidade estabelece diferen­
veis de existência em relação ao tempo e à eternidade:
ças qualitativamente. Ela difere essencialmente, não
apenas acidentalmente. A eternidade é um estado es­
1. Deus na eternidade é Pura Realidade, sem mu­
sencial, imutável de existência que transcende a reali­
dança essencial ou acidental.
dade de m om ento a m om ento sucessivo. O tempo
2. Anjos e santos que vivem no mundo espiritual
mede essa realidade, ou melhor, o palco em que a rea­
do céu vivem em evitern idade (do latim
lidade transcorre.
am//?7„“sem fim” ).
Terceiro, um ser eterno não pode mudar, ao passo
3. Os seres humanos, compostos de alma e cor­
que o tempo envolve mudança. Por mudança podem
po, forma e matéria, vivem no tempo. ser feitas as medidas do antes e do depois. Tudo que
pode ser computado de acordo com o antes e o depois
A eternidade (Deus) dura sem qualquer potência. não é eterno. O tempo sem fim pode ser computado
A eviternidade (anjos) dura com potência com pleta­ conforme o antes e o depois. Logo, o tempo sem fim
mente realizada. Suas mudanças não são essenciais, não é o mesmo que eternidade. O eterno é imutável,
mas acidentais. Os seres espirituais na eviternidade mas o que pode ser computado pelo antes e depois
não mudam na essência, apesar de sofrerem mudan­ mudou. Conclui-se então que o agora eterno não pode
ças acidentais. Os anjos crescem em conhecimento por viver em relação aos antes e depois infinitos.
infusão divina e têm mutabilidade com relação a es­ Obviamente, Aquino viu uma diferença crucial en­
colha, inteligência, afeições e lugares (ibid., l a .10.6). tre o “agora” do tempo e o “agora”da eternidade (ibid.).
Mas sem mudança substancial na eviternidade os an­ O agora do tempo é móvel. O agora da eternidade não
jos são imutáveis no seu nível de graça e amor. O que é é mutável de forma alguma. O agora eterno é imutá­
verdadeiro sobre os anjos também é verdadeiro sobre vel, mas o agora do tempo está sempre mudando. Há
os eleitos no céu. apenas uma analogia entre o tempo e a eternidade;
Deus, natureza de 266

eles não podem ser os mesmos. O agora de Deus não poderia relacionar-se com um mundo mutável. Aquino
tem passado nem futuro; o agora do tempo tem. antecipou essa objeção e a tratou extensamente.
Alguns concluíram equivocadamente que Aquino Há três tipos de relações: uma em que ambos os
não acreditava na duração de Deus pela eternidade, termos são idéias; uma em que ambos os termos são
porque rejeitava a temporalidade em Deus. Aquino reais; e uma em que um termo é real e um é idéia (ibid.,
argumentou que a duração ocorre contanto que a rea­ la.13.7).
lidade exista. Mas a eternidade, a eviternidade e o tem - Ora, já que as criaturas dependem de Deus mas
po duram de formas diferentes. Deus não é dependente delas, estão relacionadas como
Conclui-se, portanto, que a diferença essencial na reais para um a idéia. Isto é, Deus sabe sobre o relacio­
qualidade da duração no tempo, na eviternidade e na namento de dependência, mas não o tem. Quando há
eternidade vem da condição da realidade. Deus é Rea­ uma mudança na criatura, não há mudança em Deus.
lidade Pura. Os anjos têm recebido realidade total de Assim tam bém quando o homem muda sua posição
Deus nas suas form as espirituais criadas. Os seres de um lado para outro de uma coluna: a coluna não
humanos receberam realidade progressivamente na for­ muda; apenas o hom em muda em relação à coluna.
ma espiritual e no corpo material. Então, apesar de o relacionamento entre Deus e as cri­
Já que Deus dura sem potencialidade, não pode aturas ser real, Deus não depende de forma alguma
durar progressivamente. Dura de forma muito maior desse relacionamento.
— como Realidade Pura. Aquino só está negando os relacionamentos depen­
Im ensidade. Com a eternidade está o atributo da dentes, não todos os reais. Deus nunca muda quando
imensidade (extensão ilimitada). Deus não é limitado no se relaciona com o mundo, mas mudanças reais ocor­
tempo nem no espaço. Na imanência de Deus ele preen­ rem nesse relacionamento com o mundo. A relação do
che o espaço, mas não é espacial. Apenas coisas materiais homem com a coluna realmente muda quando ele se
existem no espaço e no tempo, e Deus não é material. move, mas a coluna não muda.
“Deus é espírito” (Jo 4.24). Como ser espiritual, Deus não A relação real mas imutável de Deus com o mundo
é material nem espacial. Faz parte da transcendência de fica mais evidente quando Aquino considera como o
Deus que ele esteja além do tempo e do espaço. Deus eterno se relaciona com o mundo temporal (ibid.,
Unidade. Os teístas clássicos ofereceram três ra­ la.3.7, ad 2). Deus condescende em se relacionar com
zões para a unidade de Deus (ibid., la .1 1 .3 ). O pri­ os seres humanos, como se compartilhasse o tempo com
meiro argumento é baseado na simplicidade de Deus. eles. Ele pode criar uma relação temporal no tempo,
Um ser absolutamente simples não pode ser mais que apesar de o tempo não poder se mover na eternidade.
um, já que para ser mais que um deve haver partes; no Para ter um relacionamento com o mundo temporal,
entanto, seres simples não têm partes. Seres absoluta­ Deus não precisa ser temporal. Faz tão pouco sentido
mente simples não são divisíveis. Portanto, Deus não dizer que Deus precisa ser temporal para se relacionar
pode ser mais que um ser. com um mundo temporal quanto dizer que ele tem de
A perfeição de Deus argumenta em favor de sua ser uma criatura para criar.
unidade. Se dois ou mais deuses existissem, teriam de Deus está realmente relacionado com as criaturas
ser diferentes. Para serem diferentes, um precisa ter o como seu Criador. Mas as criaturas estão realmente
que o outro não tem. Mas o ser absolutamente perfei­ relacionadas com Deus apenas porque ele é seu Cria­
to não pode carecer de nada. Portanto, só pode existir dor. Elas são dependentes dessa ligação entre Criador
um ser absolutamente perfeito. A unidade de Deus e criatura; ele, não. Portanto a relação de Deus com
tam bém pode ser inferida da unidade do mundo. O suas criaturas é real, e não apenas ideal. Trata-se, no
mundo é composto de várias coisas. Várias coisas não entanto, de um relacionamento real de dependência
se unem a não ser que sejam ordenadas. Mas o mun­ por parte das criaturas,não de uma relação de depen­
do tem uma unidade ordenada. Portanto, deve haver dência por parte de Deus (ibid., la.13.7, ad 5).
um Ordenador do mundo. O conhecim ento d e Deus. Deus conhece a si pró­
Os teístas argumentam que a unidade essencial é prio. Se Deus é absolutamente simples, ele pode co­
explicada melhor por um Ordenador que por vários nhecer a si próprio? Todo conhecimento envolve um
ordenadores. Pois um é a causa essencial da unidade, conhecedor e um conhecido. Mas Deus não tem tal
mas muitos são apenas a causa acidental da unidade. dualidade. Aquino argumenta que no autoconheci-
Portanto, é razoável inferir que há apenas uma causa mento o conhecedor e o conhecido são idênticos. Logo,
para o mundo, não muitas. Deus só pode conhecer a si mesmo por meio de si mes­
R elacionabilidade (com o mundo). Uma crítica ao mo (ibid., la . 14.2). Já que Deus é simples, ele conhece a
teísmo clássico é que um Deus eterno e imutável não si próprio simplesmente.
267 Deus, natureza de

Deus também conhece a si mesmo perfeitamente. Portanto, todas as coisas preexistem no conhecimento
A coisa é conhecida perfeitamente quando seu poten­ de Deus, não só com relação à sua existência, mas tam ­
cial de ser conhecido é completamente realizado e não bém com relação às suas essências individuais.
há potencial desatualizado em conhecer a si próprio. A base para o que Deus conhece é sua própria
Portanto, o autoconhecimento de Deus é com pleta­ essência, porém a extensão do que ele conhece não é
mente realizado (ibid., 1a. 14.3). lim itada a essa essência, mas alcança todas as coisas
O conhecimento de Deus é idêntico à sua essência. sem elhantes a ela (ibid., Ia. 15.2). O conhecim ento
Pois se as ações de conhecimento de Deus fossem re­ que Deus tem de todas as coisas em si m esm o não
almente distintas da sua essência, então estariam re­ significa que ele só conheça outras coisas em geral, e
lacionadas, assim como a realidade e o potencial. Mas não especificam ente. Pois o conhecim ento de Deus
não pode haver potencialidade em Deus. Portanto, o se estende até os lim ites da causalidade. E a causali­
conhecimento e a essência de Deus são realmente idên­ dade de Deus se estende a coisas singulares, já que
ticos (ibid., la. 14.4). Isso não significa que Deus não ele é a causa de cada coisa individual. Portanto, Deus
possa conhecer as coisas além de si mesmo. Pois Deus conhece as coisas singulares (ibid., la .1 4 .1 1 ). Deus
é a causa eficaz de todas as coisas. tem conhecim ento perfeito de tudo. E conhecer algo
Deus conhece e faz. Apesar de Deus conhecer ou­ só em geral mas não especificam ente é conhecim en­
tras coisas além de si mesmo, ele as conhece por meio to inadequado. Assim, Deus conhece tudo adequa­
de si mesmo. Pois Deus não conhece outras coisas por damente. Isto é, não conhece os raios dos círculos
meio de si mesmo sucessiva ou logicamente, mas si­ apenas por conhecer o centro; ele conhece os raios
multânea e intuitivamente (ibid., la.14.7, ad 2). O co­ assim como o centro.
nhecimento de Deus é perfeito porque ele não precisa Deus conhece o mal. O conhecim ento perfeito das
conhecer as coisas discursivam ente m ediante suas coisas deve incluir o conhecim ento de tudo que pode
causas, mas as conhece direta e intuitivamente (ibid., o c o rre r com e la s . O m al p o d e o c o r r e r co m o
la.14.7 ad 3 ,4 ). Deus não só sabe todas as coisas pelo corrupção das coisas boas. Logo, Deus pode conhe­
seu conhecimento, mas tam bém causa todas as coisas cer o mal (v. m a l , pro blem a d o ). Mas as coisas são
pelo seu conhecimento. Deus causa todas as coisas pela cognoscíveis na m aneira em que existem . O m al é
sua existência, mas a existência e o conhecimento de uma privação nas coisas boas. Portanto, Deus conhe­
Deus são idênticos (ibid., la. 14.8). Isso não quer dizer ce o mal como uma privação no bem (ibid., la . 14.10).
que a criação seja eterna porque ele é eterno. Pois Deus Deus conhece as coisas mutáveis. Já que Deus é imu­
causa todas as coisas como elas são em seu conheci­ tável e seu conhecimento é idêntico à sua essência, ele
mento. Mas a idéia da criação ser eterna não estava no conhece o passado, presente e futuro no agora eterno.
conhecimento de Deus (ibid., la. 14.8,ad 2). Portanto, quando o tempo muda, o conhecimento de
Um efeito preexiste na mente da cama eficaz. Logo, tudo Deus não muda, já que ele conhecia antecipadamente.
que existe deve preexistir em Deus, que é sua causa eficaz. Deus conhece mudança, mas não da maneira que co­
Deus conhece todos os vários tipos de perfeição em si mes­ nhecemos, em momentos sucessivos. Desde a eternida­
mo, assim como os que participam de sua semelhança. Logo, de Deus conhece a totalidade do antes e do depois do
Deus conhece perfêitamente tudo que existe, na medida em agora temporal da história humana (ibid., la. 14.15).
que tudo preexiste nele (ibid., la. 14.5). Deus conhece as mesmas coisas que nós, mas não
Deus conhece todas as criaturas idealmente. Deus as conhece da m esma forma que nós as conhecemos.
conhece a própria essência perfeitamente. E conhecer Nosso conhecim ento é discursivo, passando de pre­
sua essência perfeitamente implica conhecê-la confor­ m issas a conclusões. No conhecimento humano há
me todos os modos pelos quais possa ser conhecida, a discursos duplos: uma coisa é conhecida depois da
saber, em si mesma e nas criaturas que participam dela. outra, e uma coisa é conhecida p or meio de outra. Mas
Mas toda criatura tem a própria forma, na qual é seme­ Deus não pode conhecer as coisas seqüencialmente,
lhante a Deus. Conclui-se, então, que Deus conhece a já que é eterno e conhece todas as coisas eternamente
forma ou idéia de todas as criaturas como modelada à de uma só vez. E Deus não pode conhecer as coisas
sua semelhança. 0 conhecimento perfeito envolve a ca­ logicamente, pois é simples e conhece todas as coisas
pacidade de distinguir uma coisa da outra. Isto é, ele por meio de sua singularidade. Portanto, Deus não pode
conhece não só o que as coisas têm em comum (esse) conhecer nada discursivamente (seqüencialmente, de tó­
mas como elas diferem ( essentia ). Portanto, Deus co­ pico a tópico), visto que o conhecim ento discursivo
nhece todas as coisas em sua essência individual. Mas implica uma limitação de considerar uma coisa de cada
todas as coisas preexistem no conhecimento de Deus. vez por parte do conhecedor (ibid., la.14.7).
Deus, natureza de 268

Deus conhece todas as possibilidades. Por conhecer vontade acom panha o intelecto. Além disso, toda na­
a si mesmo perfeitamente, Deus conhece perfeitamente tureza tende para o próprio bem ou fim adequado.
todas as maneiras diferentes em que suas perfeições Quando o fim é racional, a inclinação é a racional. Deus
podem ser com partilhadas pelos outros. Pois há na tem inclinação racional para o bem de sua própria na­
essência de Deus todo o conhecimento de todos os ti­ tureza. Portanto, Deus tem vontade (ibid., la . 19.1).
pos possíveis de coisas que a sua vontade poderia rea­ Ter vontade não significa que Deus mude. Pois o
lizar. Logo, Deus conhece todas as coisas específicas objeto da vontade de Deus é sua bondade divina. E o
que poderiam ser realizadas (ibid., la. 14.6). que está na pessoa não precisa de mudança fora da
0 conhecimento de Deus permite o livre-arbítrio. pessoa para alcançá-lo. Logo, Deus não precisa m o­
Reunindo essas linhas de pensamento sobre o conhe­ ver-se fora de si mesmo para alcançar seu próprio fim.
cimento de Deus, vemos como a soberania de Deus Então, há vontade em Deus, visto que ele se inclina para
atua junto com o livre-arbítrio humano. O conheci­ o seu próprio bem . A vontade tam bém envolve amor e
mento de Deus não é simplesmente sobre o real; ele deleite no que é possuído. Deus ama a vontade e se
também conhece todos os tipos possíveis de potenci­ deleita na possessão de sua própria natureza. Portan­
al. Conhece o que existe e o que poderia existir. Pois to, Deus tem vontade no sentido de deleite, mas não
Deus conhece tudo que existe de todas as maneiras no sentido de desejo (ibid.).
possíveis. Tanto o real quanto o potencial têm realida­ A vontade de Deus causa a existência das coisas. Só
de. Apenas o impossível não tem realidade. Então, tudo porque Deus determ ina as coisas apenas em si m es­
que é potencial tem realidade. Conclui-se que Deus mo não significa que só determine a si mesmo. Pois
pode conhecer o que é potencial assim como o que é está de acordo com a natureza do ente com unicar seu
real (ibid., la. 14.9). bem para os outros. E Deus é o ente por excelência; ele
Isso significa que Deus pode conhecer contingen­ é a fonte de toda existência. Logo, está de acordo com
tes futuros, isto é, coisas que são dependentes do li­
a natureza de Deus determ inar outros seres além de si
vre-arbítrio. Pois o futuro é o potencial que preexiste
mesmo (ibid., la .1 9 .2 ). Assim,Deus determ ina as coi­
em Deus. E Deus conhece tudo que existe em si m es­
sas além de si em si mesmo e por meio de si mesmo.
mo como a causa dessas coisas (ibid., la . 14.13). Já que
Deus não é outro além de si mesmo, mas pode deter­
Deus é um ser eterno, conhece todo o tempo no agora
m inar coisas distintas de si em si mesmo. Pois vonta­
eterno. Mas o futuro é parte do tempo, portanto Deus
de implica relacionamento. Logo, apesar de Deus não
conhece o futuro, inclusive os atos livres realizados
ser outro além de si mesmo, ele determina coisas além
nele. É claro que tudo que Deus conhece é conhecido
de si mesmo (ibid., la. 19.2, ad 1).
infalivelmente, já que Deus não pode errar no seu co­
Deus não é movido por nada além de si mesmo
nhecimento. Os contingentes futuros são conhecidos
quando decide criar por m eio de si m esm o (ibid.
infalivelmente. São contingentes com relação à sua
la .1 9 .2 , ad 2). Mas, ao determ inar coisas além de si
causa imediata (livre-arbítrio hum ano), mas neces­
mesmo, Deus não é movido por qualquer insuficiên­
sários com relação ao conhecimento de Deus. Deus
cia em si mesmo, e sim pela suficiência em si mesmo,
pode fazer isso sem elim inar o livre-arbítrio, pois o
isto é, pela sua própria bondade. Portanto, determ inar
ser onisciente pode saber tudo que não é impossível
outras coisas por meio de sua própria suficiência não
saber. E não é impossível o ser eterno conhecer o fim
denota nenhuma insuficiência em Deus (ibid., la . 19.2,
necessário causado por um meio contingente. Deus
ad 3). Assim como Deus conhece muitas coisas por
pode conhecer o que deve ser mediante o que pode ser,
meio da singularidade de sua essência, ele pode de­
mas não o que não pode ser.
term inar muitas coisas por meio da singularidade
Portanto, o ser onisciente conhece as ações futuras
como eventos necessariamente verdadeiros. Se uma (bem ) de sua vontade (ibid., la. 19.2, ad 4).
ação ocorrerá e Deus sabe disso, então aquele evento Deus deve determinar ep od e determinar. Deus de­
precisa ocorrer, pois a Mente onisciente não pode estar term ina as coisas de duas m aneiras. Algumas coisas
errada sobre o que conhece. Assim, a afirmação “Tudo — a própria bondade, por exemplo — ele deve de­
que é conhecido por Deus deve necessariamente ser” é term inar. Não pode escolher o contrário. Essas coi­
verdadeira caso se refira à afirmação da verdade do co­ sas ele determ ina com necessidade absoluta. Outras
nhecimento de Deus, mas é falsa caso se refira à neces­ coisas Deus determ ina com necessidade condicional
sidade dos eventos contingentes (ibid., la.14.5). — a bondade das criatu ras, por exemplo. Tudo que
A vontade d e Deus. Vontade pode ser definida como é determ inado por necessidade condicional não é
a inclinação racional de um ser para seu próprio bem. absolutamente necessário. A criação é determinada
Tudo que tem intelecto tam bém tem vontade, pois a por necessidade condicional.
269 Deus, natureza de

É claro que Deus determina outras coisas por causa E já que todas as coisas preexistem na Primeira Causa
da própria bondade, mas não obrigado por eh . Pois Deus (a vontade de Deus), não há causa para a vontade de
pode existir sem determinar outras coisas. Deus só pre­ Deus (ibid., la . 19.5).
cisa estabelecer sua própria bondade necessariamente A vontade de Deus jam ais pode falhar. A vontade
e outras coisas contingentemente. Portanto, essas ou­ de Deus é a causa universal de todas as coisas. Portan­
tras coisas não precisam ser determinadas com neces­ to, a vontade de Deus é sempre cumprida. O que não
sidade absoluta. É claro que é necessário à vontade de cumpre a vontade de Deus numa ordem cumpre em
Deus que ele determine a própria natureza necessaria­ outra. Por exemplo, o que escapa à ordem de seu favor
mente. Mas Deus não precisa determinar nada além de retorna à ordem de sua justiça. Quando causas especí­
si mesmo. Quando Deus estabeleceu coisas além de si ficas falham, a causa universal não falha. Deus não
m esm o, deve ter feito isso voluntariam ente (ibid., pode falhar (ibid., la. 19.6).
la. 19.3, ad 3). Pode-se falar de uma vontade antecedente e conse­
Parece que Deus deve determinar as coisas neces­ quente de Deus. Deus determ ina antecedentemente
sariamente. Como um Ser Necessário, ele deve conhe­ que todos sejam salvos (2 Pe 3.9). Mas Deus determ i­
cer necessariamente tudo que conhece. Assim, parece na conseqüentemente que alguns sejam perdidos, a
que ele deve determ inar necessariamente o que deter­ saber, aqueles que a justiça exige. Mas o que é deter­
mina. minado antecedentemente não é determinado abso­
Aquino responde que o conhecimento divino está lutamente, mas condicionalm ente. Apenas o conse-
necessariamente relacionado à coisa criada conheci­ qüente é determinado à luz de todas as circunstânci­
da, porque o conhecimento no Conhecedor é um com as. É claro que Deus determ ina algumas coisas por
sua essência. Mas a determinação divina não está ne­ meio de causas secundárias. E causas prim árias às
cessariamente relacionada à coisa criada determ ina­ vezes são prejudicadas por um defeito na causa secun­
da. A determinação está relacionada às coisas como dária. O movimento do corpo é prejudicado por uma
elas existem em si, fora da essência divina. Deus co­ perna defeituosa. De igual modo, a vontade anteceden­
nhece necessariam ente o que conhece, mas não deter­ te de Deus é ocasionalmente impedida por um defeito
mina necessariamente o que determina. Além disso, numa causa secundária. Sua vontade subseqüente, no
todas as coisas existem necessariamente em Deus, mas entanto, nunca é frustrada. Pois causas primárias uni­
nada existe necessariamente fora dele. Porém Deus só versais não podem ser prejudicadas por causas secun­
precisa determ inar o que é necessariam ente de sua dárias defeituosas, assim como a bondade como tal
natureza. Portanto, Deus só precisa determ inar outras não pode ser prejudicada pelo mal. Mas Deus é a Cau­
coisas como elas existem nele, mas não como existem sa Prim ária universal da existência, e sua vontade não
fora dele (ibid., la. 19.3). pode ser prejudicada por ele ter causado a existência
Todas as coisas criadas preexistem na vontade de (ibid., l a .19.6, ad 2).
Deus. A vontade de Deus é a causa de todas as coisas, Deus não muda de idéia. E a vontade de Deus não
então todas as coisas criadas preexistem no conheci­ pode ser mudada, pois ela está de perfeito acordo com
mento de Deus. A vontade é a tendência de colocar em seu conhecimento. Ele é onisciente, então o que ele sabe
ação o que se conhece. Portanto, todas as coisas cria­ que acontecerá, acontecerá. Isso não quer dizer que
das fluem da vontade de Deus (ibid., la. 19.4). É claro Deus não determine que algumas coisas mudem. Mas
que Deus deve dar o bem a tudo que escolhe criar; Deus a vontade de Deus não muda (ibid., la. 19.7). Quando
não pode criar o mal. Mas não é necessário que Deus a Bíblia fala de Deus “se arrependendo”, quer dizer que
determ ine qualquer outra coisa ou bem além de si do nosso ponto de vista parece que ele mudou de idéia.
mesmo. Portanto, Deus só precisa dar o bem ao que Deus sabia desde a eternidade como tudo aconteceria.
quer criar (ibid., l a .19.4, ad 1). E a vontade de Deus inclui causas intermediárias, tais
A vontade de Deus é não causada. Quanto à ques­ como o livre-arbítrio. Assim, Deus sabe o que as cau­
tão da vontade de Deus ser causada, Aquino diz que, sas intermediárias decidirão fazer. E a vontade de Deus
pelo contrário, a vontade de Deus é a causa de todas as está de acordo com seu conhecimento imutável. Por­
coisas. 0 que é a causa de tudo não precisa de causa. tanto, a vontade de Deus não muda, já que ele estabe­
Pois em Deus o meio e o fim preexistem na causa por lece o que sabe que acontecerá. O que é estabelecido
serem determinados juntos. A vontade humana con­ pela necessidade condicional não viola a liberdade
templa um fim determinado e o que pode ser feito para humana, já que o que é determ inado está condicio­
atingir esse objetivo. A vontade de Deus causa tanto o nado à sua escolha livre. Deus determ ina a salvação
fim determinado quanto o meio para alcançar esse fim. dos seres hum anos condicionalm ente. Portanto, a
Deus, objeções às prova de 270

determ inação divina de salvar não viola o livre-arbí­ Não há nada de incoerente entre tais term os se
trio humano, antes o utiliza. não são contraditórios. Sabem os o que contingente
significa, e necessário é o oposto, a saber,“não contin­
Fontes gente”. Os significados desses termos são derivados de
A Cidade de Deus.
g o s t in h o , seu relacionamento com o que é dependente deles. E
S. C , Discourse upon the existente and
h a r n o c k
esses significados são duplos. Primeiro, os termos ne­
attributes o f God. cessário e infinito são negativos. Necessário significa
R. G a r r ig u o u - L aG ran ge , God: his existente and his
“não contingente”. Infinito significa “não finito”. Sa­
nature.
bem os o que essas limitações significam pela experi­
N. L Gkisier, Philosophy o f religion.
ência e, por comparação, sabemos que Deus não pode
T omás de A quino, Suma contra os gentios.
___ , Suma teológica. ter nenhuma delas. Um termo negativo não denota um
atributo negativo. Não é a afirmação de nada; pelo con­
Deus,necessidade de. V. Deus, e v id ê n c ia s de. trário, é a negação de toda contingência e limitação
na primeira Causa. O conteúdo positivo de Deus é de­
Deus, objeções às provas de. A maioria das objeções rivado do princípio da causalidade. Ele é Realidade
tradicionais aos argumentos em defesa da existência porque causa toda realidade. É Existência, já que é a
de Deus desenvolveram-se a partir das questões pro­ Causa de toda existência. Mas, como Causa de toda
existência, sua existência não pode ser causada. Como
postas por David H u m e e Immanuel K a x t . Algumas
Base de toda existência contingente, ele deve ser um
delas são tratadas mais detalhadamente sob a estru­
Ser Necessário (não-contingente).
tura apologética específica à qual estão relacionadas,
tais como o argumento moral, o argumento ontológico
C ausalidade não passível d e prova. Já que todas
as formas do argumento cosmológico dependem do
e o argumento teleológico. Este resumo descreve ar­
princípio da causalidade (v . c a u sa lid a d e , p r in c íp io da ),
gumentos e objeções à existência de Deus. São respos­
ele falharia sem o princípio. Porém esse princípio pode
tas às questões feitas pelos apologistas cristãos. Argu­
ser provado? Normalmente pensamos que ele é óbvio,
mentos contra a existência de Deus levantados pelos
baseados na experiência. Mas a experiência pode ser
próprios não-teístas são discutidos em D e u s , s u p o s t a s
uma ilusão. Tudo que não é baseado na experiência é
REFUTAÇÕES DE.
apenas tautologia, isto é, verdadeiro apenas por defi­
Causas fin ita s para seres finitos. O a r g u m e n t o
nição e, portanto, não é prova em si.
cosmológico teoriza a partir de um efeito fin ito a té u m a
Essa crítica vem do atomismo epistemológico de
Causa infinita (D e u s ). Essa conclusão é desafiada p e lo s
Hume — con form e o qual todas as im pressões
que insistem em que a única coisa necessária para e x ­
empíricas são “completamente desligadas e separadas”.
plicar um efeito finito é uma causa finita. S u p o r u m a
Hume acreditava que a conexão causai necessária não
Causa infinita é um e x a g e ro metafísico.
podia ser estabelecida empiricamente a partir da expe­
No entanto, todo ser ou efeito finito é limitado, e todo
riência sensível. Mas a causalidade é apoiada pela ne­
ser limitado só é explicado adequadamente se foi cau­
cessidade metafísica. Não precisamos depender somente
sado por algum Ser que não é limitado. A primeira Causa
da observação empírica. O próprio Hume jam ais negou
é o limitador ilimitado de todas as coisas limitadas. Se
que as coisas tivessem uma causa para sua existência.
essa Causa fosse limitada (i.e., causada), precisaria de
Disse: “Nunca afirm ei uma proposição tão absurda
uma causa além dela em que basear sua existência li­
como a que sustentasse que algo pode surgir sem uma
mitada. Inevitavelmente, todo ser limitado é c a u s a d o . causa” (Hume, p. 1.187).
Mas a Realidade P u ra , o u Existência como tal, é ilim ita ­ Seria ontologicamente imprudente supor que algo
da. E a Realidade q u e d á os limites para tu d o m a is q u e é poderia surgir do nada. O princípio da causalidade
realizado deve ser ilim ita d a n a sua existência. A p r im e ira usado por Aquino é que “todo ser limitado tem uma
Causa deve ser não causada, e uma Causa n ã o c a u s a d a causa para sua existência”. Esse princípio é baseado
tem de ser a Causa ilimitada ou infinita de tudo mais. na realidade fundamental de que a inexistência não
Nenhum Ser Necessário. Insistem em que termos pode causar existência; o nada não pode produzir algo.
como Ser Necessário e Causa não causada não têm sig­ É necessário um produtor ou um produto (v. c a u sa li ­
nificado, já que nada na nossa experiência corresponde d a d e , PRINCÍPIO D á).
a eles. Essa não é uma objeção válida. A própria frase A necessidade de uma causa da existência está
“Um Ser Necessário não tem significado” n ã o faz sen­ basead a na natureza dos seres finitos e mutáveis
tido, a não ser que as palavras ser necessário possam com postos por existência (realidade ou ato) e essên­
ser definidas. A afirmação é contraditória. cia (potencial ou potência). A existência com o tal é
271 Deus, objeções às provas de

ilim itada; toda existên cia lim itad a está sendo li­ Matematicamente séries infinitas são possíveis, mas
m itada por algo diferente da existên cia em si (esse não séries reais. As primeiras são abstratas; as segun­
fator lim itad or será cham ado de “essên cia” ); tudo das são concretas. É possível ter um número infinito de
que está sendo lim itad o está sendo causado, pois pontos numa linha desta página. Mas não é possível
ser lim itad o na existên cia ê ser causado de d eter­ colocar um número infinito de letras nesta linha, não
m inada m aneira finita. Uma existên cia lim itad a é importa quão pequenas sejam (v. infinita, série). Pontos
uma existên cia causada. são entidades abstratas ou teóricas; uma série de cau­
Pelo contrário, todos os seres limitados sâo seres sas de existência é composta de entidades reais. Um
compostos, compostos de existência e essência. Sua número infinito dos primeiros é possível, mas não das
essência limita o tipo de existência que podem ter. Da últimas. A razão para isso é simples: não importa quanto
mesma forma, um Ser ilimitado é um Ser não com ­ dominós estejam enfileirados, pode-se acrescentar mais
posto (i.e., um Ser simples). Tal Ser não tem essência um. O número não pode ser infinito.
limitadora como tal. Sua essência é idêntica à sua exis­ Além disso, a série infinita de causas sim ultâ­
tência ilimitada. A necessidade de causalidade, então, neas e existencialm ente dependentes não é p o ssí­
é derivada de uma análise do que um ser finito é. Ao ser vel. Deve haver uma base atual para uma série s i­
examinado, o ser finito é visto como ser causado, e o ser m u ltânea de cau sas, senão n enhu m a delas teria
causado deve ter uma causa. uma base para sua existên cia. Uma regressão in fi­
Contradições da causalidade. Muitos não-teístas nita sem um a base é o m esm o que afirm ar que a
interpretam mal o princípio de causalidade. Supõem existência na série surge da inexistência, já que n e ­
que o princípio insiste em que “todas as c o is a s têm nhuma causa na série tem uma b ase real para sua
uma causa”. Se isso fosse verdadeiro, resultaria que não existência. Ou, se uma causa na série dá a b ase para
se deve nunca parar de buscar uma causa, mesmo para a existência das outras, então ela deve ser a P rim ei­
Deus. Mas não se deve afirmar que o princípio é :“Todo ra Causa, m as nesse caso a série não é infinita. S e ­
ser tem uma causa”. Antes é: “Todo ser f i n i t o e c o n t in ­ não a causa ca u sa ria sua própria e x istê n c ia , ao
gente tem uma causa”. Dessa maneira não há contradi­ m esm o tem po que está causando a existên cia de
ção entre a Primeira Causa, que não é contingente, e o tudo m ais na série. Isso é im possível.
princípio da causalidade, que afirma que todos os seres O argum ento ontológico inválido. K a n t acredi­
finitos precisam de uma causa. Uma vez que a pessoa tava que essa prestidigitação ontológica introduz um
chega ao ser infinito e necessário, não há necessidade Ser Necessário em todo argumento cosmológico. Tal
de procurar outra causa. 0 ser necessário explica (esta­ movimento argumenta invalidamente da experiência
belece) sua própria existência. Existe porque deve exis­ à necessidade. Essa crítica não é aplicável à forma
tir. Não pode não existir. Só o que p o d e não existir (a m etafísica do argumento cosmológico (v. c o sm o ló g ic o ,
saber, um ser contingente) precisa de uma explicação. a r g u m e n t o ; T o m á s d e A q ltn o ).
Perguntar para um ser necessário por que ele existe é Já que o argumento cosmológico começa com a exis­
como perguntar por que a necessidade deve ser neces­ tência, não o pensamento, ele não precisa contrabandear
sária, ou por que os círculos são redondos. a existência para o argumento. A primeira premissa é:
Uma série infinita de causas. Uma objeção ao “Algo existe”.Não há nenhum começo em “aquilo a par­
argumento cosmológico é que uma Causa Primeira tir de que nada maior pode ser concebido”, com que
não é necessária porque uma série infinita de causas é Anselmo iniciou seu argumento ontológico.
possível. Séries infinitas são comuns na matemática. 0 argumento cosmológico continua com princí­
A sugestão de uma série infinita só é feita na for­ pio fundado na realidade, não no pensamento. São
ma horizontal ( k a l a m ) do argumento cosmológico (v. princípios ontologicamente fundamentados, em vez de
kala m , a r g u m e n t o g o sm o l ó g ic o d e ). Xa forma vertical idéias racionalmente inevitáveis. Baseia-se na verda­
proposta por T o m a s d e A q i t n o , a própria primeira cau­ de metafísica de que “O nada não pode causar nada”,
sa, além de um ser finito, contingente e mutável, deve em lugar da afirm ação racional de que “Tudo deve ter
ser infinita e não causada (v. D e u s , e v i d ê n c i a s d e ) . Isso uma razão suficiente” (v. s u f ic ie n t e , p r in c íp io da r a z ã o ).
se dá porque to d o ser finito precisa de uma causa. Logo, 0 argumento term ina com “Realidade Pura é a causa
um ser finito nào pode causar a existência de outro. da existência de toda existência limitada”, em vez de
Não pode haver nem mesmo um elo intermediário “um Ser que logicamente não pode não existir”.
entre o Criador e suas criaturas. A primeira causa além O conceito d a necessidade. Uma objeção é que o
dos seres cuja existência está sendo realizada deve ser princípio da necessidade se aplica apenas a constru­
o Realizador da existência. ções ou idéias lógicas, não à existência da vida real.
Deus, objeções às provas de 272

Na verdade necessário é mal aplicado ao “Ser Necessá­ cosmológico (v. KALAM, ARGUMENTO COSMOI.ÓCICO DE). Ela
rio” do argumento cosmológico. não afeta a forma vertical do argumento baseada numa
Esse argumento falha porque a objeção é contra­ causa atual de existência. Esse tipo de argumento
ditória. Ou a afirm ação “A necessidade não se aplica à cosm ológico não depende de uma posição específi­
vida real” é um a afirm ação sobre existência ou não é. ca sobre a origem da criação, mas apenas de sua con­
Se é uma afirm ação sobre existência, é contraditória, servação atual em existência. O mundo finito exige
pois afirma ser necessária e sobre a realidade, ao m es­ uma causa agora, não im porta se com eçou no tempo
m o tempo dizendo que nenhuma afirm ação necessá­ ou se é eterno.
ria pode ser feita sobre a realidade. Se é apenas uma 0 antinômio da causalidade. Os teístas são acusa­
m etaafirmação, ou afirmação sobre afirmações (e não dos de argumentar que o mundo ao mesmo tempo tem
uma verdadeira afirmação sobre a realidade), então uma Primeira Causa e não tem uma Primeira Causa.
não é informativa sobre que tipo de afirm ação pode Tese: Nem toda causa tem uma causa, senão uma série
ou não ser feita sobre a realidade. de causas não começaria a causar, como de fato cau­
Essa crítica tam bém constitui petição de princí­ sam. Antítese: Uma série de causas não pode ter um prin­
pio. Os críticos afirm am “saber” que a necessidade cípio, já que tudo exige uma causa. Logo, a série deve
não se aplica à existência porque não há Ser Neces­ continuar indefinidamente.
sário. Não há m aneira válida e antecipada, ao obser­ A antítese desse suposto dilema está incorreta ao
var o argum ento a favor da existência de Deus, de afirm ar que toda causa precisa de uma causa. De acor­
saber se um Ser Necessário existe. 0 conceito não é do com o princípio da causalidade (v. c a u sa lid a d e , p r in ­
contraditório. Apenas significa não contingente, o apenas coisas finitas e contingentes precisam
c ípio da ),
que é um a idéia coerente. Mas se não há uma m anei­ de causas. Portanto, a Causa do ser finito não é finita.
ra a priori de saber se um Ser Necessário não pode Apenas causas finitas precisam de uma causa; a Pri­
existir, então é possível que a necessidade realmente meira Causa não causada não precisa de uma causa,
possa aplicar-se à existência, ou seja, se um Ser Ne­ porque não é finita.
cessário realm ente existe. A antinomia da contingência. Kant insiste em que
Contradições m etafísicas. Kant ofereceu várias tudo deve ser contingente e ao mesmo tempo não ser
supostas contradições e antinôm ios que ele achava contingente, se supusermos que esses conceitos se apli­
resultarem da aplicação do argumento cosmológico à cam à realidade. Tese: Nem tudo é contingente, de outra
realidade. Pelo menos três desses antinôm ios se apli­ forma não haveria condição para a contingência. O de­
cam ao argumento cosmológico. pendente deve ser dependente de algo que não é depen­
0 antinômio sobre o tempo. Se supusermos que o dente. Antítese: Tudo deve ser contingente, pois a neces­
tempo se aplica à realidade, o resultado parece ser a sidade se aplica apenas a conceitos, não a coisas.
contradição de que o mundo é ao mesmo tempo tem ­ Essa objeção falha porque não há como negar que
poral e eterno. Tese: 0 mundo deve ter começado no a necessidade pode ser aplicada à realidade sem fazer
tempo, ou uma infinidade de momentos passou-se uma afirmação necessária sobre a realidade. Apenas
antes de ele começar, e isso é impossível ( já que uma uma refutação ontológica poderia estabelecer a afir­
infinidade de momentos jam ais term ina). Antítese: 0 mação de Kant. E refutações ontológicas (v. Deus, s u ­
mundo não poderia ter começado no tempo, pois isso são contraditórias. Além disso, o
po sta s r e fu t a ç õ e s d e )
implica que havia um tempo antes de o tempo com e­ argumento cosmológico já concluiu que algo existe
çar, e isso é contraditório. necessariamente. A validade desse argumento é a re­
A teoria do tempo de Kant é incorreta. 0 tempo futação à alegação de Kant de que a necessidade não
não é um espectro de momentos sucessivos que existe se aplica à existência.
sem princípio nem fim. Então, a criação não com e­ O Deus cosmológico. Alega-se que o argumento
çou num tempo que já existia; a criação foi o p rincí­ cosmológico não prova o Deus teísta. Há muitos ou­
pio do tempo. A única coisa “anterior” ao tempo é a tros conceitos de Deus além do teísmo (v. v isã o de m u n ­
eternidade, e a eternidade é anterior de maneira cau­ do).Essa Primeira Causa tem a mesma chance de ser
sal, não tem poral. igual ao Deus teísta quanto aos deuses politeístas, ao
Além disso, esse argumento ignora a possibilida­ deus panteísta, panenteísta, deísta, ou ao universo
de de uma criação eterna, que alguns teístas, como material do ateísmo (v. a t eísm o ; d e ís m o ; d e ísm o f in it o ;
Aquino, consideravam filosoficam ente possível. De PANENTEÍSMO; PANTEÍSMO; POLITEÍSMO).
qualquer forma, a objeção de Kant, se válida, atacaria Deus não é os deuses do politeísmo. Não pode ha­
apenas a form a horizontal ( kalam ) do argumento ver mais de uma existência ilimitada como tal. Mais
273 Deus, objeções às provas de

que o Maior náo é possível. Tal Causa é puro Ato ou causa de toda existência finita e imutável, mas está além
Realidade, um Ato que é ilim itado e único. Apenas de toda finitude e mudança. Deus muda relacionalmente
realidade unida à potência é limitada, tal como se dá (ao entrar em relações mutáveis com o mundo), mas
nos seres contingentes. Para se diferenciar, um ser te­ não muda essencialmente. Quando a pessoa passa de
ria de carecer de alguma característica encontrada no um lado de uma coluna para o outro, há uma mudança
outro. Mas qualquer ser que carecesse de alguma ca­ real na relação, mas não há mudança na coluna.
racterística de existência não seria uma existência ili­ Deus não é o deus do deísmo. O Deus deísta não é a
mitada e perfeita. Em outras palavras, dois seres infi­ causa real do universo, como o Deus teísta é. Já que o
nitos não podem ser diferentes no seu potencial, já que universo é um ser dependente, precisa de algo Indepen­
não têm potencial; são realidade pura. E não podem dente do qual depender — o tempo todo. O universo
ser diferentes na sua realidade, já que realidade como nunca cessa de ser dependente ou contingente. Uma vez
tal não difere de realidade como tal. Logo, devem ser contingente, sempre contingente. Um ser contingente
idênticos. Só pode haver uma Causa ilimitada para não pode tornar-se um Ser Necessário, pois um Ser
toda existência limitada. Necessário não pode surgir nem deixar de existir. En­
Deus não é o deus do panteísmo. O panteísmo afirma tão, se o universo deixasse de ser contingente, teria se
que um Ser ilimitado e necessário existe, mas nega a rea­ tornado um Ser Necessário, o que é impossível.
lidade dos seres limitados e finitos. Todavia a mudança é Deus não é o deus do teísmo finito. Uma causa não
um fato fundamental da existência finita. O panteísmo é causada não é finita. Pois todo ser finito precisa de uma
contrário à nossa experiência de mudança. Se toda mu­ causa, ou seja, é causado. Mas essa causa é não causa­
dança, inclusive a que se dá nas nossas mentes e consci­ da. Logo, não pode ser finita ou limitada. Antes é o
ências, é irreal, então nenhum rio se move, nenhuma ár­ Limitador ilimitado de todo ser limitado. Em resumo,
vore cresce e nenhum ser humano envelhece. Se há mu­ tudo que é limitado é causado. Logo, esse Ser não cau­
danças reais, realmente deve haver seres mutáveis distin­ sado deve ser ilimitado.
tos de Deus, pois Deus é um Ser imutável. Deus n ã o é o deus do ateísmo. A Causa não causada
Deus não é o deus do panenteísmo. 0 panenteísmo, não pode ser idêntica ao universo m aterial, com o
também conhecido como teísmo bipolar ou teologia muitos ateus acreditam. Como normalmente imagi­
de processo, afirma que Deus tem dois pólos: um pólo nado, o cosmos ou universo material é um sistema li­
real (que é id entificad o com o m undo tem poral mitado espaço-temporal. Sendo, por exemplo, sujeito à
mutável) e um pólo potencial (que é eterno e im utá­ segunda lei da termodinâmica, está se desgastando.
vel). Tal conceito de Deus deve ser rejeitado. A conclu­ Além disso, já que espaço e tempo implicam limitações
são do argumento cosmológico demonstra a necessi­ a um tipo de existência atual, e uma Causa não causada
dade de um Deus de Realidade Pura sem nenhum po­ não é limitada, ela não pode ser idêntica ao mundo es­
tencial (pólo). Além disso, Deus não pode estar sujei­ paço-temporal. O Deus teísta está no mundo temporal
to à limitação, composição ou espaço-temporalidade como o próprio alicerce da existência contínua, mas não
por ser ilimitado. Além disso, o Deus teísta não pode é do mundo, pois este é limitado e ele não é.
ter pólos ou aspectos, já que é absolutamente simples Se, em resposta, afirmássemos que todo o universo
(i.e., não composto), sem nenhuma dualidade (premis­ material não é temporal e limitado, como as partes são,
sa 5). Uma existência ilimitada e parcialmente lim ita­ isso só demonstraria o que o teísmo afirma. Pois sua
da é uma contradição. conclusão é que existe, além do mundo contingente da
Deus também não está sujeito a mudanças. Pois tudo espaço-temporalidade limitada, uma realidade “comple­
que muda deve ser composto de realidade e potencial ta” que é eterna, ilimitada e necessária. Em outras pala­
para mudar. Mudança é uma passagem do potencial vras, isso concorda com o teísmo, de acordo com o qual
para a realidade; do que poderia ser para o que real­ há um Deus além do mundo limitado e mutável da ex­
mente se tornou. Mas já que a existência como tal não periência. Não passa de um substituto para Deus o que
tem potencialidade, ela não pode mudar. Qualquer coi­ se admite como uma realidade “completa” que é “mai­
sa que mude prova, dessa forma, que possuía algum or” que a parte vivida da realidade e que tem todos os
potencial para a mudança que sofreu. Uma realidade atributos metafísicos essenciais do Deus teísta.
pura e ilimitada não pode mudar. Portanto, a conclusão do argumento cosmológico
Finalmente, o Deus do panenteísmo é uma confu­ deve ser o Deus do teísm o, ou seja, a Causa única,
são do processo do mundo com o Deus que alicerça esse indivisível, infinita, necessária e nãocausada de tudo
processo. Deus está no processo como a base imutável que existe, tanto quando surgiu quanto agora que
para mudança, mas Deus não é do processo. Deus é a continua existindo.
Deus, objeçoes às provas de 274

Nenhuma cama atual Mas grande parte do raciocí­ de realidade e potencial. Contudo, como nenhum po­
nio acima é inútil se, como alguns críticos argumentam, tencial pode se auto-realizar, então seres compostos
pudesse existir uma causa inicial sem a necessidade de realidade e potencial devem ser realizados pela Re­
de uma agora. Ou essa Causa já deixou de existir há alidade Pura.
muito tempo, ou pelo menos não é necessária para Falácias modais. A lógica modal é baseada na dis­
sustentar o universo. tinção entre o possível e o necessário. Essa forma de raci­
Um Deus que causou o universo e subsequentemen­ ocínio desenvolveu sua lista de falácias. Alguns lógicos
te deixou de existir não poderia ser o Deus teísta de­ modais argumentariam que é possível todas as partes de
monstrado pelo argumento cosmoiógico. O Deus teísta meu carro quebrarem ao mesmo tempo, mas isso não
é um Ser Necessário, e um Ser Necessário não pode dei­ significa que todas as partes necessariamente quebrarão.
xar de existir. Se existe, deve, por sua própria natureza, Assim, embora todos os seres contingentes possivelmen­
existir necessariamente. Um Ser Necessário não pode te não existam, não necessariamente inexistem ao mes­
existir de modo contingente assim como um triângulo mo tempo, não carecendo,assim,de uma causa universal
não pode existir sem três lados. de existência.
Um Ser Necessário deve causar um ser contingen­ Com relação à lógica modal, essa objeção é correta
te o tempo todo. Pois um ser contingente deve ser sem ­ e criaria dúvida sobre algumas formas do argumento a
pre contingente enquanto existir, já que não pode ser partir da contingência. No entanto, essa objeção não se
um Ser Necessário. Mas, se um ser contingente é sem ­ aplica ao argumento de Aquino, já que ele não se preo­
pre contingente, então sempre precisa de um Ser Ne­ cupa em demonstrar que todas as coisas que podiam
cessário do qual possa depender para sua existência. não existir precisavam de uma única causa para produ­
Já que nenhum ser contingente se mantém em exis­ zir sua existência, mas que todas as coisas que existem
tência, deve ser mantido em existência o tempo todo (apesar de possivelmente poderem não existir) preci­
por um Ser Necessário. sam de um causa para sua existência real, tanto indivi­
Para uma discussão completa desse argumento, v. dualmente como no todo.
a seção de “objeções” em c o sm o ló g ic o , a r g u m en t o . Como Uma segunda acusação possível de com eter uma
é explicado naquele artigo, existir é um processo de falácia modal é que é ilegítimo inferir do fato de o
momento a momento. Nada recebe toda sua existência mundo necessariamente precisar de um ser como a
de uma só vez, nem no instante seguinte. A existência Primeira Causa que o mundo precise de um Ser Neces­
vem um momento de cada vez. A cada momento de exis­ sário como Primeira Causa. Mais uma vez, como foi
tência dependente deve haver algum Ser independente afirmado, essa proposição estaria correta, mas o ar­
pelo qual o momento de existência é dado. Deus como g u m en to c o sm o ló g ic o de A quino n ão faz essa
Realidade Pura está realizando tudo que é real. inferência. Deus não é considerado um Ser Necessá­
Modelos arbitrários. Essa objeção afirm a que é rio porque o argumento necessariamente demonstra
só porque tem os modelado a realidade como contin­ sua existência. Ele é chamado de Ser Necessário por­
gente ou composta de realidade e potencial que somos, que ontologicamente não pode não existir. Aprende­
então, forçados a concluir que há um Ser Necessário mos sobre esse Ser Necessário não a partir do rigor de
ou Realidade Pura. Isso, insistem, é uma m aneira ar­ nossas premissas, mas porque a causa de toda exis­
bitrária e forçada de encarar a realidade. tência contingente não pode ser uma existência con­
Os teístas mostram que o modelo de contingência/ tingente, mas deve ser um Ser Necessário.
necessidade não é arbitrário, e sim logicamente com ­ O erro de muitos teístas, principalm ente desde
pleto. Ou há apenas um Ser Necessário ou há ser(es) Gottfried L eibniz (1646-1716), é lançar o argumento
contingente(s) e um Ser Necessário. Porém não existe cosmológico no contexto de necessidade lógica basea­
apenas um ser contingente. Pois seres contingentes não do no princípio da razão suficiente. No final, isso leva
são responsáveis pela própria existência, já que existem, a contradições e a um argumento inválido. Em com ­
mas poderiam não existir. paração, outros teístas (inclusive Aquino) usaram o
Da mesma forma, ou tudo é Realidade Pura, ou po­ princípio da causalidade existencial para inferir a exis­
tencial puro, ou uma com binação de realidade e po­ tência da Causa ilimitada ou do Realizador de toda
tencial não diferenciados. Nenhuma outra possibili­ existência. Essa conclusão não é racionalmente inevi­
dade existe. Mas não pode haver duas Realidades Pu­ tável, mas é realmente inegável. Se algum ser contin­
ras, já que a realidade como tal é ilimitada e única. Não gente existe, então um Ser Necessário existe; se algum
pode haver dois absolutos ou dois seres infinitos. Por­ ser com o potencial de não existir existe, então um Ser
tanto, tudo m ais que existe deve ser uma combinação sem potencial de não existir deve existir.
Í/D Deus, objeções às provas de

Mundo imperfeito, causa imperfeita. Também ale­ teleológico. É possível que nada tenha existido, inclu­
ga-se que, se há uma causa do universo, ela não precisa sive Deus. Assim, um estado de total inexistência não
ser perfeita, já que o mundo é imperfeito. Se uma causa é uma situação impossível. Mas algo inegavelmente
se assemelha aos seus efeitos, então parece que o mun­ existe, e por isso essa objeção é irrelevante. Pois en­
do deve ser causado por um grupo de deuses imperfei­ quanto algo finito existir, deve haver uma Causa para
tos, finitos, masculinos ou femininos. Pois isso é o que sua existência.
conhecemos como as causas de coisas imperfeitas e se­ Apenas uma existência lógica. Alguns ateus ar­
melhantes na nossa experiência. gumentam que é logicamente necessário que um tri­
A causa final, no entanto, não pode ser imperfeita, ângulo tenha três lados, mas não é necessário que al­
já que o imperfeito só pode ser conhecido se no final gum a coisa de três lados exista. M esmo se fosse
há um Perfeito pelo qual se deduz que não é perfeito. logicamente necessário que Deus existisse, isso não
E a causa não precisa ser igual ao seu efeito. A causa significa que ele realmente exista.
não pode ser menor que seu efeito, mas pode ser m ai­ Na melhor das hipóteses, essa é uma objeção váli­
or. A causa do ser finito não pode ser imperfeita, já da apenas para o argumento ontológico. Os teístas não
que é o próprio Ser ou Realidade Pura. Apenas a Rea­ precisam imaginar Deus, e a maioria deles não im agi­
lidade Pura pode realizar uma potência (potencial). na, como um ser logicamente necessário, mas como
Nenhuma potência pode se realizar. Logo, a Causa da um ser realmente necessário.
existência tem de ser perfeita na sua Existência, já que É logicamente possível que nenhum triângulo exis­
não tem potencial, limitações ou privação que possam ta, mas, se existe, é necessário que tenha três lados. É
constituir uma imperfeição. logicamente possível que não haja um Ser Necessário.
A explicação do acaso. Por que supor uma causa Mas, se um Ser Necessário existe, então é realmente
inteligente (criador) do mundo quando o acaso pode necessário que exista. Pois um Ser Necessário deve
explicar o aparente desígnio? Dado tempo suficiente, existir necessariamente.
qualquer combinação “de sorte” resultará. O universo Inferindo causa com base na experiência. Há um
pode ser u m “ f e l i z acidente” (v. a c a s o ) . abismo intransponível entre a coisa-para-mim (fenô­
Em primeiro lugar, não houve tempo suficiente meno) e a coisa-em-si (númeno ou real), disse KantN ão
para o acaso dar resultado. Um ex-ateu, Fred Hoyle, podemos conhecer o númeno; conhecemos as coisas
calculou que, dado o período de tempo geológico de apenas como as percebemos, não como realmente são.
bilhões de anos, a probabilidade ainda é apenas uma Portanto, não podemos inferir validamente uma causa
em IO30 000 de que uma forma tão complexa como um real dos efeitos que sentimos.
animal unicelular surja por forças meramente natu­ Essa objeção é forçada e contraditória. É petição
rais (Hoyle). A probabilidade é praticamente zero de de princípio, pois parte do princípio de que nossos
que o acaso tenha sido responsável. sentidos não nos dão inform ação sobre o mundo real.
Segundo, o acaso não “causa” nada; só as forças cau­ Supõe equivocadamente que sentim os apenas sen­
sam. E sabe-se que as forças naturais não produzem com­ sações, e não a realidade. Acredita erroneam ente que
plexidade específica, tal como a encontrada nos seres vi­ só conhecem os nossas idéias, em vez de conhecer a
vos. O acaso é apenas uma abstração que descreve a in­ realidade por meio de nossas idéias. Em segundo lu­
terseção de duas ou mais linhas de causas. gar, ao afirm ar que não é possível conhecer a reali­
Finalmente, não é científico nem racional apelar à dade, a pessoa está fazendo uma afirm ação sobre a
probabilidade. Como até o cético David H ime adm i­ realidade. O agnóstico afirm a saber o suficiente so­
tiu, a ciência é baseada na observação sobre eventos bre a realidade para ter certeza de que nada pode ser
que ocorrem regularmente. E o único tipo de causa conhecido sobre a realidade. Trata-se de uma afir­
conhecida pelos seres racionais que pode causar a m ação autocontraditória.
complexidade específica encontrada nos seres vivos é Como Kant poderia saber que a realidade causa
uma causa inteligente (v. e v o l u ç ã o q u í m i c a ) . nossas experiências a não ser que haja uma conexão
Uma possível inexistência. De acordo com essa causal válida entre o mundo real (numenal) da causa e
objeção, é sempre possível imaginar que qualquer coi­ o mundo aparente (fenomenal) da experiência? Além
sa, inclusive Deus, não exista. Logo, nada existe neces­ disso, não seria possível sequer saber que suas próprias
sariamente. Já que Deus é considerado um Ser Neces­ idéias eram conexões reais entre causa (mente) e efeito
sário, então nem ele deve existir necessariamente; por­ (idéias). E ele não escreveria livros, como os agnósticos,
tanto, Deus não existe. supondo que os leitores olhariam para os efeitos feno­
Essa é uma objeção válida ao argumento onto- ló­ menais (palavras) e pudessem conhecer algo sobre a
gico, mas não contra os argumentos cosmológico e causa (mente) numenal (real).
Deus, objeções às provas de 276

A causa de Deus. Bertrand Russell (1872-1970) Nos termos em que é afirmada, o teísta rejeita a pri­
argumentou que, se todas as coisas precisa de uma meira premissa como definição inadequada de onipo­
causa, então Deus também precisa. E se todas as coi­ tência. Deus não pode fazer qualquer coisa literalmen­
sas não precisam de uma causa, o mundo também não te. Só pode fazer o que é possível fazer de forma coeren­
precisa. Mas em nenhum dos dois casos precisamos te com sua existência como Deus. Ele não pode fazer o
de uma Primeira Causa. que é lógica e realmente impossível. Deus não pode fa­
A premissa principal é falsa. Os teístas não afir­ zer algumas coisas. Não pode deixar de ser Deus. Não
mam que tudo precisa de uma causa. O princípio da pode contradizer sua natureza (cf. Hb 6.18). Não pode
causalidade afirma apenas que tudo que começa (ou é fazer o que é logicamente impossível, por exemplo, fa­
finito) precisa de uma causa. Se algo não tem princí­ zer um círculo quadrado. Da mesma forma, Deus não
pio, então obviamente não precisa de um Iniciador. Os pode fazer uma rocha tão pesada que não possa levantá-
não-teístas como Russell reconhecem que o universo la simplesmente porque tudo que pode fazer é finito.
não precisa de uma causa — simplesmente existe. Se Qualquer coisa que seja finita ele pode mover por seu
o universo simplesmente existe sem uma causa, por poder infinito. Se pode fazê-la, pode movê-la.
que Deus não pode existir? Ao mesmo tempo bem e mal, existência e inexis­
Arbitrário ou não-supremo. Russell acreditava tência. Os não-teístas dizem que, se Deus é infinito,
que a lei moral está ou além de Deus ou resulta da sua então é tudo, inclusive os opostos. É bom e mau. É per­
vontade. Mas se ela está além de Deus, então Deus não feito e imperfeito. Também é Existência e inexistência.
é supremo, já que está sujeito a ela (e, assim, não é o Mas esses são opostos, e Deus não pode ser opostos.
Bem supremo). E se Deus decidiu o que seria moral, Além disso, o teísta não pode admitir que Deus seja
então ele é arbitrário e não essencialmente bom, e nes­ mau ou inexistente. Portanto, não existe Deus teísta.
se caso não seria digno de nossa adoração. Então, de O teísta rejeita a premissa de que Deus é tudo; ele
qualquer forma nenhum Deus digno do nome existe. é apenas o que é — um Ser absolutamente perfeito. E
Os te ísta s resp ond em de duas m a n e ira s. Os Deus não é o que não é — um ser imperfeito. É o Cri­
voluntaristas encaram o dilema e concordam que alei ador, e não uma criatura. Deus é existência pura e ne­
moral flui da vontade de Deus, mas negam que isso cessária. Então, não pode ser inexistente. Deus não
seja arbitrário. Deus é a fonte de toda bondade. O que pode ser o oposto do que é, assim com o um triângulo
ele determina como certo é certo. E o que ele determ i­ não pode ser um quadrado e um círculo não pode ser
na que seja considerado errado é errado. A vontade de um retângulo.
Deus é o tribunal supremo. Quando dizemos que Deus é ilim itado ou infini­
Os essencialistas evitam o dilema, indicando que to, não queremos dizer que é tudo. Não significa, por
há uma terceira alternativa: a vontade de Deus está exemplo, que Deus seja lim itado e finito. O ilimitado
sujeita ao que é essencialmente bom , mas esse Bem é não pode ser limitado. O Criador não criado não pode
sua natureza imutável. Isto é, algo não é bom apenas ser uma criatura criada. O padrão de todo o bem não
porque Deus o determina (voluntarismo). Pelo con­ pode ser mau.
trário, Deus o determina porque é bom. É bom por­ Uma projeção da imaginação. Ludwig Feuerbach
que está de acordo com sua natureza imutavel-mente (1 8 0 4 -1 8 7 2 ) argumentou que os seres hum anos fi­
boa. Dessa form a, Deus não é nem arbitrário nem zeram Deus à sua imagem . Deus é apenas um a pro­
menos que supremo. jeção do que pensam os sobre nós m esm os. As idéias
Existência onipotente. Os teístas afirmam que Deus de Deus vêm das nossas idéias de seres humanos.
é onipotente. Mas muitos não-teístas insistem em que isso Logo, Deus é apenas uma projeção dessas idéias. Não
é impossível. A lógica de seu argumento é:1 existe além delas.
Esse tipo de argumento com ete um erro sério:
1. Se Deus é onipotente, então poderia fazer qualquer Quem pode saber que Deus não é “nada além” de uma
coisa. projeção sem conhecimento do “além”? A essência do
2. E se pudesse fazer qualquer coisa, então Deus seu argumento pode ser afirmada dessa maneira:
poderia fazer uma pedra tão grande que não
pudesse movê-la. 1. Deus existe na consciência humana.
3. Mas se Deus não pudesse mover essa rocha, 2. Mas os humanos não podem ir além da pró­
então não poderia fazer tudo. pria consciência.
4. Logo, um Deus onipotente que pode fazer qual­ 3. Portanto, Deus não existe além da nossa cons­
quer coisa não pode existir. ciência.
277 Deus, natureza de

0 problema com esse argumento é a segunda pre­ Além disso, a realidade da existência de Deus é in­
missa. Só porque não podemos ir além de nossa cons­ dependente das razões pelas quais as pessoas dese­
ciência não significa que nada existe além de nossa jam ou não que ele exista. Ou Deus não existe ou exis­
consciência. Não posso ir além da minha mente, mas te. Os desejos não podem mudar a verdade. A própria
sei que há outras mentes além da minha com as quais descrença de Freud pode ser ilusão, baseada no seu
interajo. Se não podemos ir além de nossa consciên­ desejo de não seguir a Deus (v. Sl 14.1; Rm 1.18-32).
cia, Feuerbach não poderia fazer a afirmação de que O acaso e as origens. Se o acaso pode explicar a
não há Deus lá. Como ele sabe que não há Deus lá, a origem do universo (v. evolução), não há necessidade
não ser que seu conhecimento vá além de sua consci­ de uma causa. Essa objeção às provas da existência de
ência? Fazer afirm ações do tipo “nada além” (tais Deus está sujeita a várias críticas.
com o:“Deus não é nada além de uma projeção de nos­ Um efeito não pode ser m aior que sua causa. A
sa imaginação”) implica um conhecimento do “além”. Causa dos seres inteligentes deve ser inteligente. Ela
Só porque não podemos ir além da própria cons­ não pode conceder perfeições que não tem para dar
ciência não significa que nossa consciência não esteja ( V.PRIMEIROSPRINCÍPIOS; TEEEOEÓGICO, ARGUMENTO).
ciente das coisas que estão além de nós. Não podemos Não é científico falar que o acaso causou os pa­
sair de nós mesmos, mas podemos alcançar o que é drões incrivelmente complexos e inteligentes encon­
externo. É exatamente isso que o conhecimento faz. A trados na estrutura da vida (v. teleológico, argumento)
consciência não é apenas consciência de si mesmo. e do universo (v. big-bang). Apenas a intervenção inte­
Também é consciência dos outros. Quando lemos um ligente explica adequadamente a organização do dna
livro, não estamos apenas conscientes de nossas pró­ no organismo mais simples.
prias idéias, estamos conscientes de outra mente que 0 acaso é apenas uma descrição estatística da pro­
escreveu as palavras das quais derivamos aquelas idéi­ babilidade dos eventos. Apenas forças ou poderes po­
as. A consciência alcança além de si. É isso que os sen­ dem causar eventos. O acaso apenas descreve a proba­
tidos e a mente nos capacitam a fazer. bilidade de uma força (ou forças) produzirem deter­
Uma ilusão. Sigmund Freud insistiu em que Deus minado evento.
é uma ilusão — algo que desejamos ser verdadeiro, 0 acaso não pode ser uma causa nos termos do
mas em que não temos base para acreditar, além do argumento cosmológico. 0 acaso não é um poder, por
nosso desejo. Esse argumento é desenvolvido no arti­ isso não pode causar nada.
go F reud, Sigmund. Seu raciocínio aparente: Nem m esm o o crítico que propõe que o acaso ex­
plica todo o universo concordaria que as próprias
1. Uma ilusão é algo baseado apenas no desejo, palavras usadas para expressar suas idéias fossem
mas não na realidade. um produto do acaso.
2. A crença em Deus tem as características de A possibilidade do nada. Alguns críticos argumen­
uma ilusão. tam contra o argumento cosmológico com base na afir­
3. Portanto, a crença em Deus é um desejo não mação de que é logicamente possível que nada jam ais
baseado na realidade. tenha existido, inclusive Deus. Se é logicamente possí­
vel que Deus ja m a is tenha existid o, então não é
É claro que nessa forma o teísta desafia a premissa logicamente necessário que ele exista.
menor. Nem todos que acreditam em Deus acreditam 0 teísta pode admitir prontamente que é possível
apenas porque desejam um Consolador Cósmico. Al­ um Ser Necessário não existir contanto que nada mais
guns encontram a Deus porque anseiam pela realida­ tenha existido. Todavia, se há um Ser Necessário, não
de; outros porque estão interessados na verdade, não é possível que ele não exista. Um Ser logicamente ne­
para se sentirem bem . Deus não é apenas um Pai cessário não precisa existir real e necessariamente. Mas
consolador; também é um Juiz que castiga. Os cristãos um Ser realmente necessário deve existir real e neces­
acreditam no inferno, mas ninguém realmente deseja sariamente. A objeção do ateu ao conceito de um Ser
que seja verdadeiro. Na verdade, Freud pode ter inverti­ Necessário aplica-se apenas a um ser logicamente ne­
do as coisas; talvez nossa imagem dos pais terrenos seja cessário, não a um ser realmente necessário.
baseada em Deus, e não o inverso. Certamente o desejo Apesar de ser logicamente possível que nada jam ais
por Deus não é a única base para acreditar que Deus tenha existido, inclusive Deus, isso não é realmente
existe (v. Deus, evidências de). 0 argumento de Freud, no possível. Algo existe. Enquanto não for realmente pos­
máximo, se aplicaria apenas aos que não têm outra base sível um estado de total inexistência, algo deve existir
além do próprio desejo de que Deus exista. necessária e eternamente (e.g., Deus), já que o nada
Deus, supostas refutações de 278

não pode produzir algo. E se houvesse um estado de que não é dependente do universo para sua existência.
to ta l in e x is tê n c ia , en tã o sem pre haveria um a Mas, de qualquer forma, a afirmação dos ateus é falha.
inexistência total. Pois o nada não pode produzir nada. Argumentos não convincentes. Alguns alegam
Um Ser N ecessário (n ão cau sado). Mas talvez que os argumentos teístas só persuadem aqueles que
toda a idéia de um Ser não causado não faça sentido. já acreditam, isto é, os que não precisam deles. Por­
Trata-se de um conceito coerente no sentido de ser não tanto, são inúteis. Mas o fato de um a pessoa ser
contraditório. Um ser contingente é que pode não existir. convencida por um argumento depende de vários fa­
Um Ser Necessário é aquele que não pode não existir. tores. Em primeiro lugar, mesmo que o argumento seja
Já que o últim o é logicam ente (e realm ente) oposto válido, a persuasão dependerá em parte do fato de o
ao outro, então rejeitar a coerência de um ser n eces­ argumento ser entendido ou não.
sário envolveria rejeitar a coerência de um ser con­ Uma vez que a mente entenda o argumento, con­
cordar com ele é uma questão de vontade. Ninguém é
tingente. Porém esses são os únicos tipos de e x is­
forçado a acreditar em Deus só porque a mente enten­
tên cia que pode haver. Logo, rejeitar a significância
de que há um Deus. Fatores pessoais podem levar uma
do conceito de um Ser N ecessário seria rejeitar a
pessoa a evitar o compromisso da crença. Os argumen­
significância de toda existência. Mas dizer que “toda
tos teístas não convertem incrédulos automaticamen­
existên cia é insignificante” é fazer uma afirm ação
te. Mas pessoas de boa vontade que entendem o argu­
sobre a existên cia que afirm a ter significado. Isso é
mento devem aceitá-lo como sendo verdadeiro. Se não
contraditório.
o fazem, isso não prova que o argumento esteja erra­
Outra maneira de m ostrar a significância do con­
do, apenas demonstra sua relutância em aceitá-lo.
ceito de um Ser não causado é indicar o conceito ateísta
Conclusão. Muitas objeções foram propostas con­
de um universo não causado. A maioria dos ateus acre­
tra as provas da existência de Deus. Elas geralmente
dita ser significativo falar de um universo que não teve são baseadas numa má interpretação das provas. Ne­
causa. Mas se o conceito de um universo não causado nhuma delas é bem-sucedida em refutar os argumen­
é significativo, então o conceito de um Deus não cau­ tos. Se fossem, seriam uma prova de que não se pode
sado tam bém é. ter uma p r o v a . Isso é um argumento contraditório.
Um universo não causado. Por mais significante
que um universo não causado seja, fazê-lo existir em F o n te s
termos práticos é outra coisa. 0 universo é uma coleção W. L. Craig, T h e kalam c o s m o l o g i c a l a rg u m en t.

de partes, cada uma contingente e, assim, dependente L. F euerbach, T h e e s s e n c e o f C h r is t ia n it y .

de uma causa. Ou o universo inteiro é igual a todas as J.N. F indlay, “Can God’s existence be disproved?” ,
suas partes ou é mais que todas as suas partes. Se é igual em A. P laxtixga , org., T h e o n to lo g ic a l a rg u m en t.

a elas, então também precisa de uma causa. A soma de R. F lint , A g n o s t i c is m .


muitas partes dependentes nunca será igual a mais que S. F reud , 0 f u t u r o d e u m a ilu s ã o .

um todo dependente, não importa quão grande ele seja. R. Garrigou-LaG raxge, G o d : h is e x i s t e n c e a n d h is n a tu r e .

Adicionar efeitos nunca dá uma causa; produz apenas N. L. Geisler , P h i l o s o p h y o f r e lig io n .

uma grande série de efeitos. Só se o universo for mais F. H oylk, et al., E v o lu t io n fr o m s p a c e .

que todos os seus efeitos é que pode ser não causado e D. H ume, D i a l o g u e s C o n c e r n in g n a t u r a l r e lig io n .

necessário. Mas afirmar que há um algo mais, não cau­ ____, T h e le t t e r s o f D a v i d H u m e .

sado e necessário do qual tudo no universo depende é I. K ant, A c r ít ic a d a r a z ã o p u r a .

A. K enny, fire itwts.


afirmar exatamente o que o teísta quer dizer com um
B. R u s s e l l , P o r q u e n ã o s o u c r is t ã o .
Ser Necessário do qual todos os seres contingentes de­
pendem para sua existência.
Deus, supostas refu tações de. Muitos teístas ofere­
A questão toda pode ser esclarecida ao fazer ao não-
c e m p r o v a s a fa v o r d a e x is tê n c ia de Deus. Da mesma
teísta esta pergunta: Se tudo no universo (i.e., todo ser
f o r m a , a t e u s d e v o t o s (v. a t e í s m o ) têm oferecido o que
contingente) deixasse de existir repentinamente, sobra­
c o n s i d e r a m s e r r e f u t a ç õ e s d a existên cia de Deus
ria alguma coisa? Se não, o universo como um todo tam ­
co rresp o n d e n d o a o s arg u m en to s on to ló g ico ,
bém seria contingente, já que a existência do todo de­
c o s m o l ó g i c o , t e l e o l ó g i c o e m o r a l . Argumentos especí­
pende das partes. Mas se algo perm anecesse depois
f ic o s d e n ã o - t e í s t a s c o n t r a o s argumentos apologéticos
de todas as partes contingentes do universo deixa­
sã o d isc u tid o s em D eus , o bje ç õ e s As refutações d e .
rem de existir repentinam ente, então realm ente h a­
Uma refutação ontológica de Deus. Um ateu ar­
veria Algo não causado, necessário e transcendente
g u m e n t o u d a s e g u i n t e f o r m a (v. F i n d l a y , p . I lls .):
279 Deus, supostas refutações de

1. Deus é por definição uma existência necessária. Os teístas observam que isso não chega a ser uma
2. Mas a necessidade não pode aplicar-se à exis­ refutação, já que não é logicam ente necessária. A se­
tência. gunda, mesmo como argumento (m as não como re­
3. Logo, Deus não existe. futação), apresenta sérios problem as. A evidência de
que o universo teve princípio é muito mais podero­
Para apoiar a segunda premissa crucial, observou sa, já que sua energia utilizável está se desgastando
que a necessidade é um termo lógico, não ontológico. (v.t e r m o d i n â m i c a , l e i s d a ; big-bang,t e o r i a D o),e,jáqu e
Isto é, a necessidade se aplica a proposições, não à exis­ um núm ero infinito de m om entos antes de hoje não
tência ou realidade. poderia ter passado, nenhuma série infinita poderia
Os teístas observam que a segunda premissa é con­ ser percorrida (v. k a l a m , a r g u m e n t o c o s m o l ó g i c o d e ) .
traditória. É uma afirmação necessária sobre a exis­ Além disso, a ciência não se baseia na p r o b a b i l i d a d e ,
tência que reivindica que afirmações necessárias não mas na observação e repetição. Esses princípios nos
podem ser feitas sobre a existência. Quem disse que a informam que uma coisa complexa como a vida não
necessidade não pode ser aplicada à existência? Isso ocorre sem uma causa inteligente.
impõe o significado em vez de atentar para ele. O pró­ Uma refutação moral de Deus. O argum ento
prio critério pelo qual se conclui que a necessidade moral contra a existência de Deus é sem dúvida o mais
não pode ser aplicada à existência é arbitrário. Não há conhecido (v. m a l , p r o b l e m a d o ) . Uma versão conheci­
necessidade de aceitá-lo. da desse argumento é esta: (v. Bayle, p. 157ss.);
Uma refutação cosmológica de Deus. Esse argu­
mento contra a existência de Deus pode ser afirmado 1. Um Deus completamente bom destruiria o mal.
assim: 2. Um Deus onipotente poderia destruir o mal.
3. Mas o mal não foi destruído.
1. Deus é um ser autocausado (v. Sartre, p. 758,
4. Logo, tal Deus não existe.
762).
2. Mas é impossível causar a própria existência,
Esse argumento também não consegue ser uma re­
pois a causa é anterior ao efeito, e nada pode
futação, porque a primeira premissa é ambígua e a ter­
ser anterior a si mesmo.
ceira premissa não afirma completamente as condições
3. Logo, Deus não pode existir.
reais. Para começar, destruir é ambíguo. Se significa
“aniquilar”, então Deus não pode destruir todo o mal
Esse argumento comete um engano na primeira
sem destruir toda a liberdade (v. l i v r e - a r b í t r i o ) . Mas
premissa. Os teístas não afirm am que Deus é um ser
nenhum ateu quer que a liberdade de não acreditar
autocausado. Esse é um conceito contraditório. An­
em Deus seja retirada. Segundo, se destruir significa
tes os teístas definem Deus como um ser incausado,
“derrotar”, a terceira prem issa não acrescenta a im ­
o que não é contraditório. Até os ateus acreditam que
p o rta n te p a la v ra ain d a: “O m al ain d a n ã o foi
o universo é incausado e sempre existiu. Mas se Deus
destruído”. Quando isso é afirm ado, a conclusão é
não é definido como um ser autocausado, a refuta­
diferente, já que Deus ainda pode derrotar o mal no
ção é falha.
futuro. Se o ateu (v. ateísmo ) responde afirm ando: “O
Uma refutação teleológica de Deus. Um argu­
mal ainda não foi derrotado e nunca será”, não há
mento teleológico contra a existência de Deus pode ser
base para a afirm ação. Apenas Deus conhece o futu­
afirmado assim (v. Hume, Parte 8):
ro com certeza. Então o ateu deve ser Deus para eli­

1. 0 universo foi projetado ou aconteceu por aca­ m inar Deus por m eio desse raciocínio.
so. A refutação existencial de Deus. O filó sofo
2. Mas o acaso é a causa adequada do universo. existencialista Jean-Paul S a r t r e argumentou:
3. Logo, o universo não foi projetado.
1. Se Deus existe, então tudo está determinado.
Para apoiar a segunda premissa, duas linhas de ar­ 2. Mas se tudo está determinado, então não sou
gumento são oferecidas. A primeira afirma que numa livre.
quantidade infinita de tempo todas as combinações 3. Mas sou livre.
acontecerão, não importa quais as probabilidades con­ 4. Logo, Deus não existe.
tra isso. Segunda, não importa qual a probabilidade
de algo não acontecer, isso ainda pode acontecer e às Minha liberdade é inegável. Pois até a tentativa de
vezes acontece. negá-la a afirma. Mas se a liberdade é inegável, então
Dewey, John 280

Deus não pode existir. Pois um ser onisciente (Deus) esteve na Universidade Columbia de 1904 a 1930. Es­
que exista sabe tudo que acontecerá. Então, tudo é de­ creveu muitos livros e vários artigos sobre assuntos
terminado, pois se não acontecesse como ele sabia que que variam desde educação e democracia
aconteceria, Deus teria errado. Mas um ser onisciente (Democracy andeducation [Democracia e educação],
não pode errar. Portanto, se Deus existe, tudo é deter­ 1916) a psicologia (Human nature and conduct: an
minado, mas tudo não está determinado, porque sou introduction to social psychology [Natureza humana
livre. Logo, não há Deus. e comportamento: uma introdução à psicologia soci­
Os teístas desafiam a segunda premissa. Não há al, 1930), lógica (Logic: the theory ofinquiry [Lógica :
contradição entre determinação e livre-arbítrio. Deus a teoria da in v estigação ], 1938fl e arte (Art as
pode determinar as coisas de acordo com nosso livre- experience [Arte como experiência ], 1934). Sua visão
arbítrio. Elas podem ser determinadas com relação à de Deus e de religião é muito bem expressa em A
sua presciência e ainda livres com relação à nossa es­ common faith [Uma f é comum] (1934).
colha (v. d et er m in ism o ). Assim como todo evento no Religião numa era de ciência, Como humanista
replay de um jogo é determinado, mas foi livre (v. li ­ secular, Dewey rejeitava a crença no Deus teísta (v.
v r e - a r b ít r io ) no momento em que aconteceu, qualquer t e í s m o ) . Dewey concluiu que a ciência moderna tor­

evento no mundo pode ser determinado da perspecti­ nou improvável a crença numa origem sobrenatural
va de Deus — mas livre do nosso ponto de vista. do universo. “O impacto da astronomia eliminou as
velhas histórias religiosas sobre a criação.” E “desco­
Fontes bertas geológicas removeram o mito de criação que
P. B ayi.e , Selections from Bayle's dictionary. antes parecia tão grande”. Além disso
W. L. C r a ig , The kalam cosmological argument.
J.N . F indlay , “Can G od’s existence be disproved?”, em a biologia revolucionou conceitos de alm a e m ente [...]
A. P lan ting a , org., The ontological argument. e essa ciência m arcou profundam ente as idéias de pecado,
R. F l in t , Agnosticism. redenção e im ortalidade.
R. G a r r ig u o u - L aG ran ge , God: his existence and his A antropologia, a história e a crítica literária fornece­
nature. ram um a versão radicalm ente diferente dos eventos e per­
N. L. G eisler e W. C o rd u a n , Philosophy of religion. sonagens históricos sobre os quais as religiões cristãs se fun­
D. H ume, Dialogues, Parte 8. daram.
A. K en n y , Five ways. A psicologia
J. P. M o r e l a n d , The existence o f God debate.
B. R ussel , Por que não sou cristão. já nos está revelando explicações naturais de fenôm e­
J. P. S a rt r e , Oser e o nada. nos tão extraordinários que no passado sua origem sobre­
natural era, por assim dizer, a explicação natural” (A common
D eu tero -Isaías. V. I saías, D eu ter o . faith, p. 31).

Dewey, Jo h n . John Dewey (1859-1952) foi chamado A ciência, acreditava Dewey, fez até do a g n o s t i c i s m o
pai da moderna educação americana, sobre a qual teve uma reação muito branda ao teísmo tradicional.
grande influência. Como filósofo e escritor, identifi­ ‘“Agnosticismo’ é a sombra lançada pelo eclipse do so­
cou-se com a filosofia do instrum entalismo, também brenatural” (ibid., p. 86). E “agnosticismo generalizado
conhecido como progressivismo ou humanismo prag­ é apenas a eliminação parcial do sobrenatural”. Como
mático. No contexto do sistema educacional am erica­ antiteísta ou ateu (v. a t e í s m o ) , rejeitou qualquer tentati­
no, suas visões influenciaram praticamente todo ci­ va de provar a existência de Deus.
dadão am ericano do século xx. Dewey assinou o Ma­
nifesto humanista e foi líder do m ovim ento pelo A cau sa d a i n s a t i s f a ç ã o ta lv e z n ã o s e ja t a n t o 1 ) o s a r ­
direcionamento da educação ao humanism o secular g u m e n t o s q u e K ant u so u p a r a d e m o n s tr a r a in s u fic iê n ­
( V . H U M A N IS M O S E C U L A R ). c ia d e s s a s s u p o s ta s p ro v a s, q u a n to o s e n tim e n to c re s c e n te
Nascido e educado no estado de Vermont, Dewey 2 ) d e q u e e la s s ã o d e m a s ia d a m e n te fo r m a is p a r a o fe re ­
fez seu doutorado na Universidade John Hopkins. Lá c e r q u a lq u e r a p o io p a r a a r e lig iã o e m a ç ã o ( ib id ., p . 1 1 ).
estudou o pragm atism o de C. S. Pierce, a psicologia
experim ental de G. S. Hall e as filosofias de G. S. Acreditava que a realidade do mal não poderia ser
M orris (um neo-hegeliano) e T. H. Huxley. Dewey conciliada com o conceito de um Deus pessoal, bom e
ensinou nas universidades de Michigan e Chicago e onipotente (v.m a l , p r o b l e m a d o ) .
281 Dewey, John

Desde seu surgimento na Renascença por meio do Tais crenças atrapalham o progresso social. Pois
protesto contra a autoridade eclesiástica, no século
xvm, Dewey acreditava que o secularismo dera fruto os homens nunca usaram totalmente os poderes que
no século xix pela “difusão do sobrenatural através da possuem para promover o bem na vida, porque esperavam
vida secular” (ibid.,p. 65). Interesses seculares cresce­ que algum poder externo além de si mesmos e da natureza
ram independentes da religião organizada e “restrin­ fizesse o trabalho que eles têm a responsabilidade de fazer.
giram a importância social das religiões organizadas A dependência de um poder externo equivale a abandonar
a um espaço limitado, e esse espaço está diminuindo” o esforço humano (ibid., p. 46).
(ibid., p .83).
Já que não há Criador, os seres humanos não fo­ O problema é a divisão entre o secular e o sagrado
ram criados. Para Dewey homens e mulheres pensam feita pela religião. “A idéia de que ‘religioso’ significa
em termos científicos e seculares, logo, agora devem uma certa atitude e visão, independentemente do so­
ter uma visão naturalista das origens (v. eyo liç à o bio ­ brenatural, não exige tal divisão”. Pois
lógica ). A humanidade é resultado dos processos na­
turalistas evolutivos, não a criação especial de qual­ ela não limita valores religiosos a um compartimento
quer tipo de Deus. específico nem supõe que determinada forma de associa­
A eliminação da religião sobrenatural Dewey se opu­ ção tem uma relação singular consigo. No sentido social, o
nha a qualquer sobrenaturalismo na religião. Como a futuro da função religiosa parece estar altamente ligado à
maioria das religiões celebram de alguma forma o so­ sua emancipação das religiões e de uma religião específica
brenatural, ele se opôs à religião no conceito: (ibid., p. 66-7).

A a fir m a ç ã o p o r p a r te d a s r e lig iõ e s d e q u e p o s s u e m m o ­ Além do progresso social ser prejudicado pela


n o p ó lio d a s id é ia s e d o s m e io s s o b r e n a t u r a is p e lo s q u a is , crença no sobrenatural, os valores sociais também são
su p o sta m e n te , p o d e m se r p r o m o v id a s im p e d e a c o n c r e ti­ condenados por ela.
z a ç ã o d e v a l o r e s d i s t i n t a m e n t e r e l i g i o s o s in e r e n t e s à h u m a ­

n id a d e (ib id .,p . 2 7 -8 ). A afirmação de um número crescente de pessoas é que


A ciência questiona o próprio conceito do sobre­ a depreciação dos valores sociais naturais resultou, tanto em
natural. Muitas coisas ensinadas como milagres ago­ princípio quanto em fato real, da referência de sua origem e
ra têm explicações naturais. A ciência continuará a significância a fontes sobrenaturais (ibid.,p. 71).
explicar os fenômenos incomuns da natureza (v. m i l a ­
g r es , ARGUMENTOS CONTRA). Até mesmo atitudes realmente religiosas são preju­
dicadas pela crença no sobrenatural. Dewey escreveu:
Além da crença no sobrenatural ser baseada na ig­
norância, ela atrapalha a inteligência social. Sugeri que o elemento religioso na vida foi prejudicado
pelas idéias acerca do sobrenatural arraigadas que essas cul­
E la s u f o c a o c r e s c i m e n t o d a in t e l i g ê n c i a s o c i a l p e l a q u a l turas onde o homem tinha pouco controle da natureza ex­
a m u d a n ç a so c ia l p o d e r ia se r d ire c io n a d a p a r a fo ra d o c a m ­ terna e pouco desenvolvimento de métodos de pesquisa e
p o d o s m e r o s a c i d e n t e s , n a d e f i n i ç ã o n o r m a l d e a c id e n t e teste (ibid., p. 56).
( i b i d ., p . 7 8 ) .

Um novo tipo de religião. Apesar de sua rejeição à


As religiões religião e ao sobrenatural, Dewey não se considerava
irreligioso. Insistia na necessidade e preservação da re­
e n v o lv e m c r e n ç a s i n t e le c t u a i s e s p e c í f i c a s e a s s o c i a m [...] ligião. 0 que Dewey realmente preconizava era que a
im p o r t â n c ia à c o n c o r d â n c ia c o m e la s c o m o d o u t r in a s v e r ­ religião tradicional — que envolve crença no sobrena­
d a d e i r a s , v e r d a d e i r a s n u m s e n t i d o in t e l e c t u a . [ ...] e l a s d e ­ tural além desta vida — fosse descartada como atitude
s e n v o lv e r a m u m a p a r a t o d o u t r in á r io q u e o s c r e n te s ” s ã o religiosa com relação a toda a vida:
o b r i g a d o s [ ...] a a c e i t a r ( i b i d ., p . 2 9 ) .

Vou desenvolver outro conceito de natureza da fase reli­


E s s a s c r e n ç a s in c l u e m n o ç õ e s d e p o d e r e s i n v i s í v e i s q u e giosa da experiência, que a separe do sobrenatural e das coi­
c o n tr o la m o d e s tin o h u m a n o e a o s q u a is s ã o d e v id a s o b e d i­ sas que surgiram a partir dele. E vou tentar demonstrar que
ê n c ia , r e v e r ê n c ia e a d o r a ç ã o . X ã o s o b r a n a d a n e s s a s c r e n ­ essas derivações são empecilhos, e o que é genuinamente
ç a s q u e v a l h a a p e n a p r e s e r v a r ( i b i d ., p . 7 ). religioso sofrerá uma emancipação quando liberto delas;
Dewey, John 282

para que, pela primeira vez, o aspecto religioso da experi­ integração de cenários mutáveis do mundo numa totali­
ência esteja livre para se desenvolver livremente, por conta dade imaginária que chamamos de Universo (ibid., p. 19).
própria (ibid.,p.2).
Tal experiência acontece de m aneiras diferentes
0 problema mais sério com a religião é que ela pre­ com pessoas diferentes.
judica o progresso social. Sua crença no sobrenatural
prejudica a realização de objetivos socialmente dese­ As vezes é causada por devoção a uma causa; às vezes
jáveis. Portanto, nada é perdido ao eliminá-la. Na ver­ por um trecho de um poema que revela uma nova perspec­
dade, já que há mais pessoas religiosas que pessoas tiva; às vezes, como foi o caso de E s p i n o s a , [...] mediante a
que têm religião, há muitos benefícios em rejeitar a reflexão filosófica.
religião. Pois, disse Dewey:
A ssim , experiências religiosas não são n ecessa­
Acredito que muitas pessoas são de tal modo repelidas riam ente um a espécie singular à parte. Pelo con ­
pelo que existe como religião à vista de suas implicações inte­ trá rio ,“acontecem com freqüência, juntam ente com
lectuais e morais, que nem estão cientes das atitudes nelas m uitos m om entos significantes da vida” (ibid ., p.
mesmas que, se viessem a fruir, seriam genuinamente religi­ 1 4 ). A e x p e riê n c ia relig io sa é um tip o de ideal
osas (ibid.,9). unificador de outras experiências na vida.
Dewey estava disposto a usar o term o Deus, mas

0 estabelecimento das atitudes religiosas naturais. queria dizer não um ser sobrenatural, mas
Dewey foi rápido em mostrar que não estava propondo
os fins ideais que num determinado tempo e lugar são
que uma nova religião substituísse a religião sobrena­
reconhecidos por autoridade sobre sua vontade e emoção,
tural. Pelo contrário, ele tentava emancipar elementos e
os valores aos quais a pessoa é extremamente dedicada,
perspectivas que poderiam ser denominadas religiosas
contanto que esses fins, por meio da imaginação, assumam
(ibid., p. 8). A diferença entre uma religião e o religioso
unidade (ibid.,p. 42).
é que uma religião “sempre significa um conjunto es­
pecial de crenças e práticas, tendo algum tipo de orga­
Deus representa uma unificação dos valores essen­
nização institucional, moderada ou rígida”. Em com­
ciais da pessoa. Para Dewey, progresso e realização são
paração, “o adjetivo ‘religioso’ não denota nada referen­
esses valores ideais.
te a uma entidade específica, institucional ou como sis­
Ele considerava essencial que as pessoas tivessem
tema de crenças”. Mas “denota uma atitude que pode
ideais religiosos. Pois
ser tomada em relação a todo objeto e todo fim ou ideal
proposto” (ibid., p. 9,1 0 ).
nem a observação, nem o pensamento, nem a atividade
Substituir a religião tradicional por atitudes religi­
prática podem alcançar a unificação completa da pessoa que
osas reajustaria e redirecionaria a vida. Então a defini­
é chamada de todo. A pessoa toda é um ideal, uma projeção
ção humanista de Dewey do religioso é:
imaginária (ibid.,p. 19).

Qualquer atividade encetada em prol de um fim ideal


Então, a auto-unificação pode ser atingida apenas
contra obstáculos e apesar de ameaças de perda pessoal por
por meio de um compromisso religioso com “Deus”
causa da convicção de seu valor geral e duradouro é de qua­
(i.e. valores ideais). Dewey diz:
lidade religiosa (ibid., p. 27).

Eu deveria descrever essa fé como a unificação da pessoa


Dewey reconhece, da m esm a form a que Friedrich mediante a aliança com fins ideais inclusivos, que a imaginação
S c h le ie RjMacher , que uma experiência religiosa envol­ apresenta para nós e aos quais a vontade humana reage como
ve um sentimento de dependência. Mas insiste em que dignos de controlar nossos desejos e escolhas (ibid., p. 33).
deve ser uma dependência sem doutrinas tradicionais
ou medo (ibid., p. 25). A experiência religiosa ajuda a Uma f é comum. A forma religiosa do humanismo
desenvolver um senso de unidade impossível sem ela. pragmático proposto por Dewey era global. Na sua “fé
Pois por intermédio de uma experiência religiosa comum”, ele viu um objetivo religioso para todos.

a pessoa é sempre direcionada a algo além de si mes­ Aqui estão todos os elementos para uma fé religiosa
ma, e então sua própria unificação depende da idéia da que não se limitará a seita, classe ou raça. Tal fé sempre foi
283 Dewey, John

implicitamente a fé comum da humanidade. Resta ainda no sentido mais geral e generoso — nenhuma descoberta
fazê-la explícita e militante (ibid., p. 87). em qualquer área do conhecimento e da pesquisa poderia
prejudicar a fé que é religiosa (ibid., p. 33).
Ele viu a doutrina da fraternidade como tendo a
maior importância religiosa. Para Dewey, a fé na ciência, isto é, a inteligência
crítica, é mais religiosa que a fé em qualquer revela­
Quer sejamos quer não, num sentido metafórico, todos ção de Deus. Por outro lado
irmãos, estamos pelo menos no mesmo barco, atravessan­
do o mesmo oceano turbulento. A importância religiosa po­ algum aparato doutrinário fixo é necessário para uma reli­
tencial desse fato é infinita (ibid., p. 84). gião. Mas a fé nas possibilidades da pesquisa contínua e rigoro­
sa não limita o acesso à verdade, a um canal ou esquema. Essa
Oprincípio último de Dewey. Para Dewey, o abso­ fé reverencia a inteligência como uma força (ibid., p. 26).
luto era o progresso democrático. Dewey se opunha à
religião tradicional sobrenatural porque a considerava A ciência tem uma vantagem sobre a religião como
prejudicial ao progresso social. Disse que “a pressupo­ meio para o progresso humano porque é um método, não
sição de que apenas agentes sobrenaturais podem dar um conjunto de crenças fixas. É uma maneira de mudar
controle é um método garantido de adiar esse esforço o pensamento pela pesquisa testada. Além de a ciência
[de melhoria social]” (ibid.,p. 76). ser superior à religião, ela se opõe ao dogma religioso.
Ele viu três estágios no desenvolvimento social.
Pois o método científico é contrário ao dogma e à dou­
No primeiro estágio, os relacionamentos humanos eram trina também, contanto que consideremos “doutrina” no seu
sentido comum — um corpo de crenças definidas que só
considerados infectados com os males da natureza humana
precisam ser ensinadas e aprendidas como verdadeiras.
corrupta que necessitavam de redenção de fontes externas
Mas
e sobrenaturais.
Isso deve ser rejeitado. “No estágio seguinte, desco­
essa atitude negativa da ciência em relação à doutri­
briu-se que aquilo que é importante nessa relação está
na não indica indiferença à verdade. Significa suprema
ligado a valores considerados distintamente religiosos.”
lealdade ao método pelo qual a verdade é alcançada. No
Isso também deve ser superado.
final, o conflito científico-religioso é um conflito entre a
aliança com esse método e a aliança com um mínimo
O terceiro estágio perceberia que na verdade os valores ad­
irredutível de crenças tão preestabelecidas que jamais
mirados nessas religiões que têm elementos ideais constituem
poderão ser modificadas (ibid., p. 38-9).
idealizações de fatores característicos da associação natural que
foram projetados a um âmbito sobrenatural para segurança e
Logo, a ciência e a religião são incompatíveis. Mas
aprovação [...] A não ser que haja um movimento em direção
uma dedicação religiosa à ciência é essencial ao pro­
ao que chamei de terceiro estágio, o dualismo fundamental e
gresso humano.
uma divisão na vida continuarão (ibid., p. 73).
A valiação. P r a g m a t i s m o . O relativism o de Dewey
é m anifesto na verdade e na ética. Pela visão prag­
A ciência como meio para o progresso. Naturalmen­
m ática da verdade, tudo que funciona é verdadeiro.
te, depende da humanidade alcançar o progresso so­
Mas m uitas coisas que “funcionam ” em cu rto p ra­
cial. Essa crença não é nem egoísta nem otimista. 0
zo são falsas. A verdade não é o que fu nciona, m as
único meio adequado de alcançar o objetivo do pro­
o que corresponde aos fatos (v. v e r d a d e , n a t u r e z a d a ) .
gresso s o c ia li a ciência.
Nenhum pragm ático gostaria de que alguém repre-
s e n ta s s e e r r o n e a m e n te su a te o r ia p o rq u e
Há apenas um caminho garantido de acesso à verdade rep resen tá-la de tal form a seria fu n cio n al. Nem
— o caminho da pesquisa paciente e cooperativa, operan­ m esm o pais pragm áticos desejam que seus filhos
do por meio da observação, do registro experimental e da m intam para eles sim plesm ente porque é conveni­
reflexão controlada (ibid., p. 32). ente fazê-lo do ponto de vista da crian ça. Josiah
Royce criticou o pragm atism o de Jam es ao pergun­
Pois tar se Jam es testem unharia no tribunal e “ju raria
dizer o que fosse conveniente!” .
se admitíssemos haver apenas um método para verifi­ 0 pragm atism o não se daria melhor no âmbito
car o fato e a verdade transmitidos pela palavra “científico” da ética. Nem tudo que funciona é correto. Algumas
Dewey, John 284

coisas que funcionam são sim plesmente malignas. p en sam en to são peculiares a Dewey. A form a de
Traição, mentira e até assassinato de indesejáveis têm humanismo de Dewey era pragmática, militantemente
sido atividades“bem -sucedidas”. Questões éticas não secular, progressiva e democrática. E Dewey deu muita
são resolvidas pela obtenção de resultados desejados. ênfase à ciência como meio de realização humana. A
Tudo que o sucesso prova é que determ inada condu­ definição de Deus como o objetivo ideal e unificador
ta funciona ; não prova que a conduta seja correta. para o progresso humano é própria dele. Dewey acre­
Progressivismo. O relativismo de Dewey não é to­ ditava na salvação pela educação, e a base da educa­
tal. Seu sistema tem o absoluto do progresso ou da re­ ção é a pesquisa. Aprendemos fazendo, e o aprendiza­
alização. Tudo que funciona para o progresso social é do está sempre incompleto. Sempre há espaço para
bom ; tudo o que o prejudica é mau. Mas por qual pa­ mais progresso. Não haverá um milênio, apenas um
drão o progresso é julgado? Se o padrão está na socie­ processo contínuo e relativo de buscar novos objeti­
dade, então não podemos ter certeza de que estamos vos por meio de experimentos pragmáticos.
progredindo. Talvez estejamos mudando. Se o padrão
está fora da raça, é uma norma transcendente, um Fontes
imperativo divino, o que Dewey rejeita. R . J. B e r n s t e in , “ D ew ey , Jo h n ” , e m ep

Outro problema com o progressivismo é sua ca­ J. O . B i shell, S r., The philosophies o fF .R . Tennant
rência de um ponto fixo pelo qual se meça a mudança. and John Dewey.
Caso contrário, não é possível sequer medir a mudan­ G . H . C lark , Dewey.
ça. Se, por exemplo, um observador de um carro em J. D e w e y , .4 comm on faith.
movimento está num carro em movimento, não pode N . L . G e isl e r , I s m an the m easure?, c a p . 4 .
m edir facilmente a velocidade em que o outro carro P. A. S c h il p p , org., The philosophy o f John Dewey.
está andando. Se o outro carro está andando na mes­
ma velocidade, na mesma direção, o observador não dias de Gênesis. V. G ên esis , dias d e .
pode sequer saber se está se movendo, a não ser que
outra coisa que não está se movendo possa ser usada Dilúvio de Noé. 0 registro do Dilúvio de Noé em
para fazer a medição. Gênesis 6— 9 levantou sérias questões nas mentes dos
Na prática, o progressivismo está baseado nos de­ críticos da Bíblia, entre elas:
sejos daqueles que têm o poder de estabelecer as pri­
oridades. Por que progressivism o social? Por que Como essa pequena arca poderia carregar centenas de
progressivismo social democrático ? É possível progre­ milhares de espécies?
dir em direção a ditaduras cada vez melhores. A defi­
Como um navio de madeira flutuaria numa tempesta­
nição de Dewey de “realização” ou “progresso” em ter­
de tão violenta?
mos sociais e democráticos é totalmente arbitrária e
Como a família de Noé e os animais sobreviveram tanto
filosoficamente injustificada. Não é mais justificada
tempo na arca?
que qualquer outro objetivo que se possa escolher.
Relativismo. In tim am en te ligado ao p ro g res­
Espécies salvas. 0 primeiro problema questiona a
sivismo está o relativismo. Dewey nega absolutos no
possibilidade uma arca tão pequena carregar todas as
âmbito da verdade (v. v e r d a d e , n a t u r e z a d a ) e da ética
espécies animais da terra. 0 consenso dos historiadores
(v. m o r a l i d a d e , n a t u r e z a a b s o l u t a d a ) . Isso é incoerente.
e arqueólogos da Antigüidade é que um côvado tinha
Para m ostrar que tudo é relativo, é preciso ter uma
cerca de 46 cm. Traduzindo as dimensões da Bíblia de
perspectiva não-relativa para enxergar toda a verda­
acordo com essa medida, a arca de Noé teria apenas 14
de. Não se pode “relativizar” tudo mais sem ter uma
m de altura, 23 de largura e 137 de comprimento (Gn
base absoluta. A afirm ação “Tudo é relativo” signifi­
ca que a afirm ação tam bém é relativa, ou que pelo 6.15). Noé recebeu ordens de pegar dois pares de cada
m enos essa afirm ação é absoluta. Vimos que Dewey tipo de animal impuro e sete pares de cada tipo de ani­
acreditava em absolutos, mas por sua própria esco­ mal puro (6.19; 7.2). Mas os cientistas contam as espé­
lha. Então, a afirm ação é contraditória e falha segun­ cies animais entre meio bilhão e mais de um bilhão.
do sua própria cosmovisão. Ele é culpado de parcia­ Um desastre local? Uma explicação possível é que
lidade, dizendo que tudo é relativo, exceto o que ele o dilúvio tenha sido local. Nesse caso Noé só precisa­
quer que seja absoluto. Isso é puro dogmatismo. ria repovoar a área e dispor de animais para comer e
Resumo. O hum anism o de Dewey era naturalis­ sacrificar.
ta, relativista, otim ista e até religioso, apesar de sua Como evidência de que o Dilúvio não foi univer­
oposição à religião. Algumas características desse sal, observa-se que a m esm a linguagem “universal”
285 Dilúvio deNoé

de Gênesis 6-9 é usada em outras partes quando algo Segundo, o conceito moderno de “espécie” não é o
m enor que o mundo inteiro é mencionado. 0 povo mesmo que um “tipo” na Bíblia. Mas, ainda que fosse,
no Dia de Pentecoste é descrito como sendo “de to­ há provavelmente apenas 72 mil tipos diferentes de
das as nações do mundo” (At 2 .5 ), mas as nações c i­ animais terrestres, que a arca teria de conter. Como o
tadas estão restritas ao mundo romano. Paulo fala tamanho médio dos animais terrestres é menor que o
em Colossenses 1.23 a respeito do “evangelho, que de um gato, menos da metade da arca seria suficiente
vocês ouviram e que tem sido proclam ado a todos os para guardar 150 mil animais — mais do que prova­
que estão debaixo do céu”. O itinerário de Paulo em velmente havia. Insetos só tomam um pouco de espa­
Atos 13-28 m ostra que ele foi apenas até a região do ço. Os animais marinhos ficaram no mar, e muitas es­
M editerrâneo. pécies poderiam ter sobrevividos na forma de ovo. So­
E o sedimento que um dilúvio como o de Noé te­ braria bastante espaço para oito pessoas e a comida.
ria deixado só é encontrado no vale da Mesopotàmia, Terceiro, Noé poderia ter levado variedades mais
não no mundo inteiro. Não há água suficiente no jovens ou menores de alguns animais grandes. Dados
mundo para cobrir as maiores m ontanhas (7 .2 0 ). Al­ todos esses fatores, havia espaço suficiente para todos
gumas m ontanhas têm vários quilôm etros de altu­ os animais, comida para a viagem e os oito seres hu­
ra. Aguas tão altas teriam causado problem as na ro­ manos a bordo.
tação da terra. As m ontanhas na área m esopotãm ica Navio de m adeira num a tem pestade violenta.
não são tão altas. A arca era feita de madeira e carregava uma carga pe­
Finalmente, o tamanho da arca restringiria o nú­ sada. Argumenta-se que as ondas violentas de um di­
mero de espécies. As de uma área restrita seriam aco­ lúvio global certamente a teriam partido em pedaços
modadas mais facilmente. (cf.G n 7 .4 ,1 1 ).
Um dilúvio universal?Alguns estudiosos do at acre­ A arca era feita de um material forte e flexível (ce­
ditam que há evidências de um dilúvio universal. A lin­ dro). Cedro cede sem quebrar. A carga pesada dava
guagem de Gênesis é mais intensa que a das referências estabilidade à arca. Além disso, arquitetos navais rela­
observadas. A ordem de divina de levar animais de toda tam que um vagão retangular flutuante, como a arca,
espécie não seria necessária se apenas a vida numa área é o tipo de embarcação mais estável em águas turbu­
geográfica limitada fosse destruída. Os animais pode­ lentas. Um ex-arquiteto naval concluiu: “A arca de Noé
riam m igrar para repovoar a região. E Gênesis 10.32 era extremamente estável, mais estável, na verdade, que
declara que o mundo inteiro foi povoado após o Dilú­ os navios modernos” (v. Collins, p. 86). Na verdade, os
vio por meio das oito pessoas que foram salvas. Isso navios modernos seguem as mesmas proporções bá­
não seria verdade se as pessoas fora da região não ti­ sicas. Mas sua estabilidade é reduzida pela necessida­
vessem se afogado. Pedro refere-se à salvação de apenas de de atravessar a água com o m ínimo de resistência
oito pessoas (IPe 3.20). possível. Não há razão para a arca de Noé não ter so­
O sedimento no vale da Mesopotàmia é de um di­ brevivido a um dilúvio gigantesco, ou até mesmo glo­
lúvio local, não do Dilúvio universal. As cam adas bal. Os testes de estabilidade modernos dem onstra­
sedimentares em todo o mundo estão abertas a inter­ ram que tal embarcação poderia enfrentar ondas de
pretação, inclusive a possibilidade de uma catástrofe até sessenta metros e inclinar-se até quase noventa
mundial. Também há sinais de mudanças dramáticas graus e voltar a se estabilizar.
na posição das massas de terra do planeta. As m onta­ Sobrevivência dentro d a arca. Como todos esses
nhas poderiam ter assum ido form as novas, muito animais e humanos sobreviveram mais de um ano fe­
mais elevadas por causa das forças sem paralelo atu­ chados nessa arca?
antes durante o Dilúvio. Há algumas divergências quanto à duração do Di­
A arca era grande o suficiente. Mas supondo que o lúvio. Gênesis 7.24 e 8.3 falam que as águas do Dilú­
Dilúvio tenha sido universal, permanece a questão de vio duraram 150 dias. Mas outros versículos parecem
como Noé colocaria todos aqueles animais na arca. En­ dizer que foram apenas quarenta dias (Gn 7.4,12,17).
genheiros, programadores e especialistas em animais E um versículo indica que foi mais de um ano. Esses
selvagens, todos consideraram o problema, e seu con­ números referem-se a coisas diferentes. Quarenta dias
senso é que a arca era suficiente para a tarefa. é o período em que a chuva caiu sobre a terra (7.12), e
A arca era na verdade uma estrutura enorme — do 150 dias é o tempo em que as águas foram baixando
tamanho de um navio moderno, com três níveis de con­ pouco a pouco (8.3; v. 7.24). Depois disso, só no quin­
vés (Gn 6.16), que triplicavam seu espaço para mais de to mês depois de a chuva com eçar a arca firm ou-se no
45 000 m\ Isso é equivalente a 569 vagões de trem. monte Ararate (8.4). Cerca de onze meses depois de a
docetismo 286

chuva começar, as águas secaram (8.13). E exatamen­ elementos emprestados de mitos de nascimen­
te um ano e dez dias depois de o Dilúvio ter começa­ tos pagãos conhecidos.
do, Noé e sua família pisaram em terra seca (8.14). 3. Pessoas, lugares e eventos identificados com o
Outra resposta é que os seres vivos podem fazer nascimento de Cristo são historicam ente pre­
qualquer coisa para sobreviver, contanto que tenham cisos. Até detalhes que eram considerados er­
água e comida suficiente. Muitos dos animais devem ros foram comprovados pela pesquisa:
ter hibernado completa ou parcialmente. E Noé tinha 4. Nenhum m ito grego falou da encarnação li­
bastante espaço para comida do lado de dentro e água teral de um Deus m onoteísta na form a hum a­
abundante para pegar do lado de fora. na. No cristia n ism o , a segunda pessoa da
Para comentários sobre como relatos extrabíblicos Trindade to rn ou -se hum ana. Nas religiões
do Dilúvio e lendas do mundo antigo se relacionam pagãs, os deuses apenas se disfarçavam de hu­
ao registro da Bíblia, v. A r q u e o l o g ia d o A n t ig o T e s t a ­ m anos; não eram realm ente hum anos. Nos
m en to ; E bla , T a b u in h a s d e . m itos pagãos, um deus e um ser hum ano in­
variavelmente m antinham relações sexuais, o
Fontes que não acontece no registro cristão.
G. L A r c h e r , Jr„ M erece confiança o Antigo Testamento? 5. Os mitos de deuses gregos que se tornaram hu­
D. C o l l in s , “W as Noah’s ark stable?” CRSQ, 14 manos vêm depois do tempo de Cristo,então os
(Sept. 1977). autores do evangelho não poderiam tê-los to­
A . C u s t a n c e , The floodr.local or global? mado de empréstimo.
G. M . P r ic e , The new geology.
B. R a m m , The Christian view o f science and Scripture. Fontes
J. F r a z e r O ramo de ouro.
,
A . R e iw in k e l , Theflood.
J. G. M , The virgin birth ofChrist.
a c h e n
J. W h it c o m b , The world that perished.
R. N a s h , Christianity and Hellenism.
___ e H. M orris , The Genesisflood.
E. Y amalchi, “E a s te r — m y th , h a llu cin à tio n , o r
}. W o o d m o r a ppe , Noah's a rk: a feasibility study.
h isto ry ?”, CT (2 9 M ar. 1 9 7 4 ; 15 Apr. 1 9 7 4 ).
D. A. Y o u n g , The biblicalflood.

d o c e tis m o . D ocetism o (gr. dokein, “aparentar”) é


d ivino-hum anas, lendas. V. A p o t e o s e .
um a heresia do final do século i que afirm ava que
Jesus apenas aparentava ser hum ano (Kelly, p. 141).
divinos, histórias de nascim entos. Desde que James
O docetism o é
F razer publicou O ramo de ouro (1890,1912), tem sido
comum acusar o cristianismo de não ser singular quan­
a a f ir m a ç ã o d e q u e o c o r p o h u m a n o d e C r is to e r a u m fa n ­
to à história da encarnação de Cristo, mas que histórias
t a s m a e d e q u e s e u s o f r im e n t o e m o r t e fo r a m m e r a s a p a r ê n ­
de nascimentos sobrenaturais são comuns entre os deu­
c ia s . “ S e s o fr e u , n ã o e ra D e u s; s e e r a D e u s, n ã o s o fre u ”
ses pagãos. Se isso for verdadeiro, parece minar o cristi­
(B e tte n s o n ,4 9 ).
anismo, demonstrando que ele talvez tenha tomado
emprestado tais idéias de outras religiões. Negavam a humanidade de Cristo, mas afirmavam
Vários tipos de evidência que refutam a teoria da a divindade. Isso é o oposto do arianism o, que afir­
fonte do mito pagão são discutidos em detalhes em mava a humanidade de Jesus, mas negava sua divin­
outro artigo (v. L ucas , supostos erros e m ; m itr a ísm o ; m i ­ dade (v. C r isto , divindade d e ). O docetismo já estava pre­
t o l o g ia e o N o v o T e s t a m e n t o ; N ovo T e s t a m e n t o , sente no final da época do n t , como é evidente pela
h isto r icid a d e d o ; v ir g in a l , n a scim en to ). Aqui os itens exortação de João, o apóstolo, sobre aqueles que ne­
principais são resumidos:1 gam “que Jesus Cristo veio em carne” (1 Jo 4.2, grifo do
autor. V.tb. 2Jo 7).
1. O NT foi escrito por contemporâneos e não é o Uma resposta bíblica. As Escrituras estão reple­
resultado de desenvolvimento mitológico pos­ tas de evidências de que Jesus Cristo era completamen­
terior. Lendas não se desenvolvem se as histó­ te humano em todos os aspectos, mas sem pecado (Hb
rias são escritas enquanto testemunhas ocula­ 4.15). Na verdade, ele é chamado de “o homem Cristo
res ainda estão vivas para refutar as impreci­ Jesus” (lT m 2.5).
sões. Jesus tinha ancestrais humanos. Os evangelhos afir­
2. Os registros de nascimento virginal não mos­ mam que Jesus tinha uma verdadeira genealogia hu­
tram sinais de serem m íticos, nem incluem mana que começava com o primeiro homem, Adão.
287 docetismo

Isso só era possível por parte de mãe, já que ele nas­ anos de idade (Lc 2.42-47). A partir daí, Lucas relata: “Je­
ceu de uma virgem (Mt 1.20-25; Lc 2.1-7; v. n a sc im e n ­ sus ia crescendo em sabedoria, estatura e graça diante de
to v ir g in a l ) . iMateus traça a genealogia de Jesus a Deus e dos homens” (Lc 2.52). Como homem, tinha co­
Abraão por intermédio de seu pai legal, José, por meio nhecimento finito. Como Deus, era infinito em todas as
de quem herdou o direito ao trono de Davi (Mt 1.1). coisas (v. trin d a d e ).
Lucas aparentemente traça a genealogia de Jesus por Jesus passou fom e humana. Lucas registra que Je­
meio de Maria, sua verdadeira mãe, a Adão, o prim ei­ sus foi para o deserto “onde, durante quarenta dias,
ro membro da raça humana (Lc 3.23-38). foi tentado pelo Diabo. Não comeu nada durante esses
Jesus teve uma concepção hum ana. Segundo dias e, ao fim deles, teve fome”. O corpo de Jesus preci­
Mateus, “apareceu-lhe um anjo do Senhor em so ­ sava de comida para sustentá-lo.
nho e disse: ‘José, filho de Davi, não tem a receber Jesus teve sede humana. João diz: “Jesus, cansado
M aria com o sua esposa, pois o que nela foi gerado da viagem, sentou-se à beira do poço. Isto se deu por
procede do Espírito Santo’ ”. Na linguagem cien tí­ volta do meio-dia. Nisso veio uma mulher sam aritana
fica, Jesus com eçou com o todos os seres hum anos, tirar água. Disse-lhe Jesus:‘Dê-me um pouco de água’
pela fertilização de um óvulo hum ano. Só que, no ( Jo 4.6 ,7 ). Jesus precisava de água para sustentar seu
caso dele, foi fertilizado sobrenaturalm ente pelo E s­ corpo. Quando não bebia o suficiente, ficava com
pírito Santo, não por esperm a humano. sede.
Jesus teve um nascimento humano. Segundo o dr. Jesus sentiu cansaço humano. Jesus também ficava
Lucas: cansado fisicamente. E quando ficava cansado, descan­
sava. João disse que Jesus estava “cansado da viagem” (Jo
4.6). Outras vezes se afastou da multidão: “Havia muita
Assim, José também foi da cidade de Nazaré da Galileia
gente indo e vindo, ao ponto de eles não terem tempo para
para a Judeia, para Belém, cidade de Davi, porque pertencia
comer. Jesus lhes disse: ‘Venham comigo para um lugar
à casa e à linhagem da Davi. Ele foi a fim de alistar-se, com
deserto e descansem um pouco’ (Mc 6.31).
Maria, que lhe estava prometida em casamento e esperava
Jesus teve emoções humanas. O versículo mais cur­
um filho. Enquanto estavam lá, chegou o tempo de nascer o
to da Bíblia diz apenas:“Jesus chorou” (Jo 1 1.35),quan-
bebê, e ela deu à luz o seu primogênito. Envolveu-o em pa­
do ele estava ao lado do sepulcro de seu amigo. Mas,
nos e o colocou numa manjedoura, porque não havia lugar
um momento antes, o texto diz: “Ao ver chorando M a­
para eles na hospedaria (Lc 2.4-7).
ria e os judeus que a acompanhavam, Jesus agitou-se
no espírito e pertubou-se (v. 33). Jesus chorou por Je­
Não houve nada sobrenatural no nascimento de
rusalém , dizendo: “Jerusalém , Jerusalém , você, que
Jesus. Maria teve uma gravidez de nove meses (Lc
mata os profetas e apedreja os que lhe são enviados!
1.26,56,57) e dores de parto, e Jesus nasceu através do
Quantas vezes eu quis reunir os seus filhos, como a
canal de nascimento, como todas as outras crianças.
galinha reúne os seus pintinho debaixo das suas asas,
Lucas, citando a lei m osaica, falou de Jesus como
mas vocês não quiseram” (Lc 13.34).
“primogênito” (Lc 2.2 3 ), a m esm a expressão usada
Jesus tam bém ficou irado quando viu o templo
para todos os judeus machos primogênitos. Foi um
sendo profanado: “Então ele fez um chicote de cordas
nascimento natural, só que Maria não tinha parteira, e expulsou todos do templo, bem como as ovelhas e os
então deu à luz sozinha (Lc 2.7). bois; espalhou as moedas dos cambistas e virou as suas
Paulo afirm a o nascim ento hum ano de Jesus de mesas” (Jo 2.15). Irado com a hipocrisia religiosa, ata­
form a sim ples: “M as, quando chegou a plenitude do cou os líderes religiosos:
tem po, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher,
nascid o d ebaixo da lei” . Ele provém da m ulher, Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas, porque
com o todos nós (IC o 11.12). percorrem terra e mar para fazer um convertido e quando
Jesus teve uma infância humana. Apesar de saber­ conseguem, vocês o tornam duas vezes mais filho do infer­
mos pouco sobre a infância de Jesus, sabemos o sufi- no do que vocês.
ciente para concluir que ele cresceu como as outras Ai de vocês, guias cegos!, pois dizem: “Se alguém jurar
crianças, aprendeu e se desenvolveu norm alm ente. pelo santuário, isto nada significa; mas se alguém jurar pelo
Como outros meninos judeus, foi circuncidado ao oi­ ouro do santuário, está obrigado por seu juramento” (Mt
tavo dia e dedicado ao Senhor no templo aos quarenta 23.15,16).
dias (Lc 2.21,22). Aparentemente era uma criança pre­
coce (Lc 2.41-49), impressionando os líderes religiosos Jesus tinha um senso de humor humano. Ao contrá­
com seu conhecimento de assuntos espirituais aos doze rio de algumas opiniões austeras, Jesus tinha senso de
Dooyeweerd, Herman 288

humor. 0 humor é baseado no senso do ridículo. Jesus que Jesus derramou seu “sangue” por nossoá pecados.
expressou isso em várias ocasiões. Na mesma denúncia Paulo escreveu:“Mas agora, em Cristo Jesus, vocês que
de Mateus 23, ele disse aos escribas e fariseus: “Guias antes estavam longe, foram aproximados mediante o
cegos! Vocês coam um mosquito e engolem um cam e­ sangue de C risto” (E f 2 .1 3 ). Hebreus acrescen ta:
lo” (v. 24). Além disso, depois da ressurreição repreen­ “...quanto mais o sangue de Cristo, que pelo Espírito
deu os seus discípulos, que eram pescadores experien­ eterno se ofereceu de forma imaculada a Deus, purifi­
tes, porque haviam pescado a noite toda e sem apanhar cará a nossa consciência de atos que levam à morte,
um peixe sequer (Jo 21.5). para que sirvamos ao Deus vivo” (9.14).
Jesus tinha linguagem e cultura humanas. Jesus era Uma resposta teológica. A negação da hum ani­
judeu. Era o filho de Abraão e Davi (Mt 1.1). Tinha dade de Cristo é um erro tão grave quanto negar sua
uma mãe judia (M t 1.20-25; G14.4). Tinha cultura e divindade. Se Jesus não é Deus e humano, não pode
religião judaicas ( Jo 4.5-9,21,22). A mulher de Samaria mediar entre Deus e humanos (IT m 2.5). A salvação
o reconheceu imediatamente como judeu pela aparên­ envolve a reconciliação dos seres humanos com Deus
cia e pelo modo de falar (Jo 4.9). (2Co 5.18,19). Isso só é possível se Deus se torna hu­
Jesus teve tentação humana. O autor de Hebreus nos m ano. A n selm o dem onstrou isso em seu Cur Deus
informa: “Pois não temos um sumosacerdote que não homo? [Por que o Deus homem?] Negar a verdadeira
possa compadecer-se das nossas fraquezas, mas sim humanidade de Cristo é negar a base de nossa reconci­

alguém que, como nós, passou por todo tipo de tenta­ liação com Deus. É por isso que a igreja primitiva con­

ção, porém, sem pecado” (4.15). A tentação de Cristo denou o docetismo. Entre os condenados por ensinar
essa falsa doutrina estava Cerinto, a quem o apóstolo
foi real (Mt 3). Como ser humano, Cristo sentiu toda
João se opôs em Éfeso (v. Cross, p. 413; Douglas, p. 305).
sua força (M t 26.38-42).
Jesus era de carne e osso humanos. Jesus, como Adão
antes da queda, não possuía mortalidade inerente. Isso
Fontes
veio como resultado da queda (Rm 5.12). No entanto, H. B ettexson , Documents o f the Christian church.
Jesus era capaz de morrer e realmente morreu. Como F. L. C ross, The Oxford dictionary o f the Christian-
qualquer outro ser humano, Jesus sangrava quando se church.
cortava.“Um dos soldados perfurou o lado de Jesus com J. D. D ouglas, The new international dictionary of
uma lança, e logo saiu sangue e água” ( Jo 19.34). O livro the Christian church, org. rev.
de Hebreus compartilha as implicações desse sangue e J. N. D. K elly, Doutrinas centrais da fé cristã.
água: “Portanto, visto que os filhos são pessoas de car­
ne e sangue, ele também participou dessa condição hu­ D ooyew eerd, H erm an. Filósofo reformado holandês
mana, para que, por sua morte, derrotasse aquele que (1894-1977) que estudou e depois ensinou filosofia le­
tem o poder da morte, isto é, o Diabo” (2.14). gal na Universidade Livre em Amsterdã (1926-1965).
Jesus sentiu dor humana. A crucificação inflige uma É mais conhecido por sua obra de quatro volumes A new
morte agonizante, e Jesus sentiu cada momento dela, critique o f theoretical thought [Nova crítica do pensamen­
recusando até uma droga que lhe diminuiria a dor (Mt to teórico] (1953-1958). Fundou o jornal Philosophia
27.34). Sua dor foi física e emocional. Na cruz, clamou Reformata,que foi fundamental no estabelecimento da
em agonia: “Meu Deus! Meu Deus! Por que me aban­ Associação pela Filosofia Calvinista (m ais tarde cha­
donaste?” (Mt 27.46). Antes de sua morte, angustiou-se mada Filosofia Cristã). Outras obras: The Christian
no jardim, suando gotas de sangue e confessando: “A idea o f the State [A idéia cristã do Estado], In the
m inha alma está profundamente triste, numa tristeza twilight o f western thought [No crepúsculo do pensa­
mortal” (M t 26.38). O autor de Hebreus descreve as ex­ mento ocidental], Roots o f western culture [As raízes
periências de Jesus vividamente: “Durante os seus dias da cultura ocidental] e Transcendental problems [Pro­
de vida na terra, Jesus ofereceu orações e súplicas, em blemas transcendentais). Seu trabalho seguiu a tradi­
alta voz e com lágrimas, àquele que o podia salvar da ção reformada de Abraham Kuyper (1837-1920), ape­
m orte, sendo ouvido por causa da sua reverente sub­ sar de ter ido muito além de seu antecessor na crítica
missão” (5.7). ao pensamento ocidental e no desenvolvimento de seu
Jesus teve uma morte humana. A Bíblia testifica re­ próprio sistema.
petidamente que Jesus morreu (por exemplo,Mt 16.21; A filo s o fia d e D ooyew eerd. Apesar de seu pen­
R m 5 .8 ; ICo 15.3; v. C r isto , m o rte DE).“Ele foi morto no sam ento b asear-se no pensador reform ado Kuyper,
corpo” (IP e 3.18). As Escrituras dizem repetidamente as raízes filosóficas do pensam ento de Dooyeweerd
289 Dooyeweerd, Herman

re m o n ta m a Im m a n u e l K a n t ( 1 7 2 4 - 1 8 0 4 ) e à O coração como raiz da realidade. Dooyeweerd via


fenom enologia de Edmund Husserl (1 8 5 9 -1 9 3 8 ). o coração como a raiz da existência cristã. É o centro
Ele com eça com uma crítica dos fundam entos do religioso da pessoa. O coração pecaminoso está con­
pensam ento ocidental, concluindo que sua base na tra Deus; logo, não há nenhuma estrutura de pensa­
razão é infundada e infrutífera, cega a seus p ró p ri­ mento religiosamente neutra para a qual se possa ape­
os com p rom issos re lig io so s, p rin cip a lm en te na lar na construção de um sistema filosófico (v. noéticos
pretensa autonom ia pela qual a filosofia se desli­ DO PECADO, EFEITOS).
gou da revelação divina. Da m esm a form a, rejeitou A falha de todo pensamento não cristão é que ele julga
a suficiência da revelação geral ou da graça comum encontrar significado na criação. Mas significado não é
com o base para construir uma teologia natural (v. encontrado na criação imanente, e sim no Criador trans­
D e u s , e v id e n c ia s d e ). cendente. Logo, devemos rejeitar a autonomia humana (v.
A crítica transcendental. Uma das heranças de Schaeffer, Fraxcis) e viver na dependência da revelação de
Dooyeweerd é sua crítica transcendental, que foi usada Deus (v. Dooyeweerd,/« the twilight,p.67).
por Cornelius V an T il n a sua apologética pressuposicio- Soberania nas esferas da realidade. Dooyeweerd
nal. A forma de argumento segue a redução transcen­ constrói um sistema distintamente cristão de dom í­
dental de K a n t , pela qual se estabelecem as condições nios hierarquicam ente ordenados que, segundo ele,
necessárias do pensamento e das ações. compõem o fundamento da realidade. Sua teoria é co­
A crítica transcendental difere da crítica tran s­ nhecida como soberania das esferas, com cada esfera
cendente. A segunda é puramente externa, sem che­ de atividade intelectual ou prática subordinada à re­
gar à raiz da questão. A crítica transcendental per­ velação de Deus.
gunta: “O que faz a ciência possível?”; “Como a Fé (o Deus estabeleceu quinze esferas de ação para a
ponto de partida religioso) direciona a ciência (e a operação de aspectos diferentes da criação:
filosofia)?”; “Como ela pode, infelizmente, também
orientar mal a ciência?” (Klapwijk, p. 22). Segundo
Jacob Klapwijk, essa crítica Sucessão de Momento Ciência
esferas modal
1. numérica quantidade matemática
concentra-se nos fenômenos da própria ciência, como
discreta
se reconstituindo, de dentro para fora, o raciocínio que a
2.espacial extensão matemática
ciência segue, para finalmente chegar a esse ponto de ori­
3. cinemática movimento mecânica
gem, o ponto de partida religioso e oculto de toda atividade 4.física energia física, química
científica (ibid.). 5. biológica vida orgânica biologia, fisiolo­
gia e morfologia
A crítica transcendental procura a “antítese”, já que 6. psíquica sentimento- psicologia
sua tarefa é entrar em conflito com todas as estrutu­ sensação empírica
ras de pensamento de base humana. Uma lei do co­ 7. analítica distinção teórica lógica
nhecimento humano é que a verdade é alcançada ape­ 8. histórica processo história do
cultural desenvolvimento
nas no conflito de opinião (Dooyeweerd, ix). Essa crí­
da sociedade
tica interna se opõe ao ponto de partida absoluto do
humana
coração impenitente e “tenta abrir os olhos de um pen­
9. linguística significado filologia,
sador para pressuposições e motivações pré-teóricas” simbólico semântica
que, segundo Dooyeweerd, são de natureza religiosa
(ibid.). Com isso dem onstra-se “que a argumentação 10.social relação social sociologia
racional do conhecimento humano é impelida (e pos­ 11. económica economia economia
sivelmente distorcida) pela motivação do coração hu­ 12.estética harmonia estética
mano” (ibid.). Pois todo cientista, consciente ou in­ 13.jurídica retribuição jurisprudência
conscientemente, tem uma “idéia cósmica” ou estru­ 14.ética amor ao próximo ética
15. fé certeza transcen­ teologia
tura geral na qual se encaixa todo conhecim ento
dente com relação
factual.“Essa estrutura em si, no entanto, está funda­
à origem
da numa base religiosa (crédula ou incrédula)"(ibid.).
Então o m étodojranscendental é a chave para a porta (Adaptado de: E. L. Hebdon Taylor: The Christian
do coração. Apenas a serviço de Deus ele pode ser philosophy o f law, politics, and the State [Nutley, N.J.:
usado para destrancar essa porta. Craig, 1969 [,2 7 4 .)
Dooyeweerd, Herman 290

Todo significado nas esferas criadas aponta para mais é absolutamente absoluto. Todas as outras coisas
algo além de si. Dooyeweerd escreveu: dependem dele. Com a soberania absoluta de Deus fir­
me no lugar, Dooyeweerd vê todas as outras esferas
Significado, como dissemos, aponta para algo fora e além como ramificações. Na verdade, a própria idéia de que
de si, a uma origem, que, em si mesma, não é mais significado. tudo que existe abaixo de Deus é soberano apenas na
Continua dentro dos limites do relativo. A verdadeira Origem, sua esfera é útil, pois quando há conflitos entre as esfe­
pelo contrário, é absoluta e auto-suficiente! (New critique, p. 10). ras, ela chama a atenção para o fato de que não são ab­
solutamente absolutas.
Além disso, não há verdades isoladas. Toda verdade O coração. A filosofia de Dooyeweerd começa no
deve ser vista em coerência com o sistema inteiro da coração. Pois, como dizem as Escrituras: “Acima de tudo,
verdade. guarde o seu coração, pois dele depende toda a sua vida”.
(Pv 4.23). Na verdade, o a teísm o começa no coração (SI
Não existe verdade parcial que seja suficiente para si. 14.1). Portanto, nenhum conhecimento completo da hu­
Verdade teórica parcial só é verdade na coerência das ver­ manidade é possível sem incluir o papel do coração.
dades teóricas, e essa coerência na sua relatividade pressu­ Oponto de partida fixo. Como ponto de partida fixo
põe a plenitude ou totalidade da verdade (ibid., p. 116). para sua filosofia, o Dooyeweerd pós-kantiano desen­
volveu um argumento tr a n sc e n d en t a l , que se tornou
Só Deus, o Soberano, é absoluto. Cada esfera é re­ uma característica de seu discípulo, Van Til. Essa abor­
lativa e subordinada a ele. “O conceito de uma ‘verda­ dagem oferece uma base epistemológica firme sobre
de absoluta teórica’ se dissolve em contradição inter­ a qual construir.
na” (ibid., p. 156). Aspectos negativos. Dooyeweerd tem críticos, m es­
mo entre teólogos reformados. Da mesma forma, re­
Isso significa que o dogma relativo à autonomia do pen­ jeitou a suficiência da revelação geral (v. r e v e la ç ã o
samento teórico deve levar seus adeptos a um impasse apa­ g e r a l ) o u a graça comum como base para construir
rentemente inevitável. Para manter essa autonomia, são obri­ uma teologia natural (v. D e u s , ev id ên c ia s d e ).
gados a buscar seu ponto de partida no próprio pensamen­ A tendência ao voluntarismo. Um voluntarismo su­
to teórico (Dooyeweerd, In the twilight, p. 19). bentendido é inerente à ênfase que Dooyeweerd dá à so­
berania. Apesar de um esforço nobre para evitar a acusa­
Cada esfera está su jeita à sob eran ia de Deus. ção de ser arbitrário, ele não consegue. Pois regras imutá­
Dooyeweerd cita Calvino: “Deus não está sujeito às leis veis da razão comum a Deus e ao homem, mas baseadas
[que ele fez], mas [ele] não [é] arbitrário” (A new cri­ na natureza de Deus, não parecem ser o que ele tem em
tique, p. 93). Esse julgamento está na base de todo pen­ mente (v. D e u s , natureza d e ).
samento especulativo. Ele “revela os limites da razão A confusão da autonomia e da supremacia da razão.
humana estabelecidos para ele por Deus na sua or­ Apesar de Dooyeweerd estar certo ao repreender a auto­
dem mundial temporal” (ibid.). nomia da razão separada de Deus, parece rejeitar o fato
Influência. A filosofia de Dooyeweerd não teve muita de que isso não significa que a razão possa ser um pa­
aceitação fora dos grupos reformados, mas mesmo as­ drão suprem o para a verdade. Isso surge de seu
sim atraiu um pequeno grupo de seguidores dedicados. voluntarismo, que vê a razão como vindo da vontade de
Hans Rookmaaker e Van Til talvez sejam seus discípulos Deus, não ligada à sua própria natureza.
mais conhecidos, apesar de Francis Scha e f f f . r ter popula­ A falta de base bíblica. Há uma falha geral na de­
rizado muitas de suas idéias. monstração de que todas as suas esferas estão basea­
Avaliação. Contribuições positivas. Entre os aspec­ das nas Escrituras. De um ponto de vista estritamente
tos valiosos do pensamento de Dooyeweerd está seu cristão, o que sua visão afirm a ser, isso é uma defici­
desejo de preservar a soberania de Deus. ência séria.
Uma crítica pesada ao pensamento não-cristão. Pou­ Uma incoerência básica. Dooyeweerd insiste em que
cos filósofos cristãos atacaram mais diretamente a jugular o ser humano autônomo não pode interpretar a cria­
do pensamento não-cristão. Dooyeweerd oferece uma crí­ ção sozinho. Deve vê-la com a ajuda de Deus, do ponto
tica pesada aos fundamentos do pensamento ocidental, de vista de Deus. Mas afirma que há um ponto de parti­
avaliando corretamente que este é ignorante quanto aos da pré-científico (fenomenológico) pelo qual a pessoa
seus próprios compromissos religiosos. pode interpretar a criação.Nesse caso, Dooyeweerd não
Soberania e soberania das esferas. Dooyeweerd deixa é coerente com a abordagem transcendental. Pois, em
tudo em ordem. Deus é o primeiro e é soberano. Nada vez de procurar as condições transcendentalm ente
291 dualismo

necessárias a todos os pensamentos e ações hum a­ outro, tais como m atéria e form a (ou espírito), ou
nos, ele parece basear sua epistemologia num ponto bem e mal. O platonismo é um exemplo do primeiro,
de partida fenomenológico. e o zoroastrism o, o gxosticismo e o m aniqueísm o são
Um ponto de partida não racional. Além disso, esse exemplos do segundo. Os dualistas acreditam na cri­
método fenomenológico é contraditório. Não se pode ação e x m a t é r i a , isto é, de material preexistente. Tal
conceber o pré-conceitual nem pensar no pré-racional. posição é diferente da dos teístas, que acreditam na
A verdade é que a razão é inevitável. Não há ponto de criação e x n i h i l o , do nada, e da dos panteístas (v.
partida pré-racional para seres racionais. panteísmo ), que acreditam na criação e x D e o , de Deus
Uma negação da supremacia das leis da lógica. Para (v. CRIAÇÃO, VISÕES DA).
Dooyeweerd, a lógica que conhecemos só se aplica ao D ificuldades com o dualism o. Como T omás de
mundo criado. Mas então como podemos pensar so­ A qltxo observou (v.Aquino,passim),nem todos os pri­
bre Deus sem essas leis de raciocínio? Certamente a meiros princípios, como o bem e o mal, são eternos.
verdade não pode ser encontrada em afirmações con­ Baixo e alto são opostos, mas isso não significa que
traditórias sobre Deus. Como isso seria diferente do deve haver seres eternamente baixos e eternamente
koan de um zen-budista (v. b u d ism o ) , tal como uma altos. Então, o bem e o mal podem ser opostos sem
mão batendo palmas, sendo uma chave para “enten­ serem ambos eternos. Ele chegou à conclusão de que
der” a realidade suprema (o Tao)? o problema é a suposição de que
Testes inadequados para a verdade. Os testes de
Dooyeweerd para a verdade parecem resumir-se a um
to d o s o s con trário s p arecem e star co m p rim id o s so b as
teste subjetivo (o testemunho do Espírito Santo) e a tes­
categorias de b em e m al, p or u m deles sem p re se r deficien ­
te inadequado (coerência interna). O segundo é na ver­
te em com p aração, eles ach am qu e o s p rin cíp io s ativos p ri­
dade apenas um teste de falsidade; todas as teorias in­
m ário s são o Bem e o M al.
coerentes são falsas. Mas não é realmente um teste da
verdade, já que mais de uma visão oposta pode ser in­
Então “não há um primeiro princípio do mal como
ternamente incoerente (v. C lark , G ordox ).
há do bem”. Uma razão para isso é que
A insuficiência da revelação geral. Como muitos
o prin cípio origin al d as co isas é essen cialm en te bom .
pensadores reformados, Dooyeweerd acredita que a
[M as] n ada pode ser essencialm ente m au.T odo ser,com o ser,
revelação geral não é compreensível para a humani­
é bom ; o m al não existe exceto num sujeito bom (A quino 1.1).
dade pecadora. Mas isso é diretamente contrário à afir­
mação das Escrituras (Rm 1 .1 9 ,2 0 ; 2 .1 2 ), que assegu­
No dualismo, nenhum dos princípios pode ser supre­
ram que a revelação geral é “claramente vista” e a hu­
mo, já que cada um é limitado pelo outro. Mas alguma coi­
manidade pecadora é indesculpável por não ser sen­
sa deveria ser suprema. Como afirmou, C.S. Lew is,
sível a ela (v. revelação geral ). O fato de o coração in­
crédulo não entendê-la ( ICo 2 .1 4 ) não significa de for­
Os dois Poderes, o bem e o m al, não explicam um ao ou ­
ma alguma que não perceba a revelação geral de Deus
tro. N enhum deles [...] pode afirm ar que é Suprem o. M ais su ­
(cf.Sl 1 9 .1 -6 ; At 1 4 .1 7 ).
prem o que am b os é o fato inevitável de existirem juntos. Cada
F o n tes
um deles, então, está condicionado — se encontra, quer qu ei­
V. B rimme.r, T r a n s c e n d e n t a l c r it ic is m a n d C h r is t ia n
ra quer não, num a situação; e assim , a próp ria situação, ou
phü osophy.
algum a força descon hecida que produziu e ssa situação é o
A. L. Coxradie, T he n e o -c a h in is t co n c ep t o f p h ü osop h y .
Suprem o real (Lew is, God in the dock, p .22).
H. D o o y e w e e r d , In t h e t w ü ig h t o t w e s t e r n t h o u g h t.

____, A (iew c r it iq u e o f t h e c r e t i c a l t h o u g h t.
Você não p od e aceitar que d ois seres con d icion ad os e
L. K als b eeyk , C o n t o u r s o f a C h r is t ia n p h ü o s o p h y . m utu am en te in dependentes sejam A bsolutos (ibid.).
J. K i .a p w í i k , “Dooyeweerds Christian phüosophy:
antithesis and critique", R J. Mar. 1980. No sentido moral, um princípio não pode ser declara­
R. N ash , D o o y e w e e r d a n d th e A m s te r d a m p h ü o so p h y . do “bom” e o outro “mau”, a não ser que sejam medidos
J. M. S pier , A n in t r o d u c t io n to C h r is t ia n p h ü o s o p h y por algo além dos dois. Mas, como Lewis observou
E. L. H. T a y lo r , The Christian phüosophy of law,
politics, and politics, and the State. no m om ento que você diz isso , está colocan do no u n i­
verso u m a terceira coisa além d os dois p oderes: u m a lei ou
dualismo. Na metafísica, o dualismo é a crença de que p ad rão ou regra de bem ao qual um d os p od eres se con for­
há dois princípios co-eternos em conflito um com o m a e o outro deixa de se conform ar.
dualismo 292

Mas, já que Como A g o s t i n h o c o n c l u i u , o mal é a f a l t a d o bem , e


não o contrário. Pois, quando tiram os todo o mal de
os dois poderes são julgados por esse padrão, ou pelo algo, ele fica melhor. Por outro lado, quando tiramos
Ser que criou esse padrão, então esse padrão, ou o Ser que todo o bem de algo, não há nada (Agostinho). Logo, o
fez esse padrão, é anterior e superior a ambos, e será o Deus bem é supremo, e o mal é uma lim itação ou privação
real (Cristianismo puro e simples, p. 49). do bem (v. mal, problema do).

“O dualismo dá ao mal um a natureza positiva, Fontes


substantiva e autoconsistente, como a do bem”, m as A g o s t in h o , Anti-manichean writings.
N. L. G f .i s i .e r, Philosophy o f religion, cap s. 1 4 ,1 5 .
“se o mal tem o mesmo tipo de realidade que o bem, a
m esma autonomia e plenitude, nossa aliança com o ____ , The roots o f evil.
C. S. Lewis, God in the dock.
bem torna-se a lealdade arbitrária de um partidário.”
____ , Cristianismo puro e simples.
Contudo
T A
o m sA d e , On evil.
q u in o

“a teoria íntegra do valor [...] exige que o bem seja


Duns Scotus. V. cosmológico, argumento.
original, e o mal, mera perversão; que o bem seja a árvo­
re, e o mal, a hera; que o bem seja capaz de perceber o
dupla verdade, teo ria da. V. Averróis.
mal (como quando homens sãos percebem a loucura)
enquanto o mal não pode fazer o mesmo... (Lewis, God dúvida. V certeza / convicção; f é e r a zã o ; primeiros princípi­
in thedock, p. 22-3). os ; indutivismo; E spírito Santo na apologética, papel do.
Ee
E b lâ,tab u in h as de. Dezesseis mil tabuinhas de argi­ Há implicações significativas nos arquivos de Ebla
la do terceiro milênio a.C. foram descobertas em Ebla, para a apologética cristã. Elas destroem a crença críti­
na Síria moderna, a partir de 1974. Giovanni Pettinato ca na evolução do monoteísmo (v. monoteísmo primiti­
data-as de 2580-2450 a.C., e Paolo Matthiae sugere vo) a partir do politeísmo e henoteísmo, supostamen­
2400-2250 a.C. Ambos os períodos antecedem qual­ te anteriores. Essa hipótese da evolução da religião é
quer outro material escrito em centenas de anos. popular desde a época de Charles Darwin (1809-1882)
Im portân cia apologética d as tabuinhas. A im ­ e Julius W ellhausen (1844-1918). Agora sabe-se que o
p o rtân cia das tab u inhas de Ebla é que elas co r­ monoteísmo é anterior. E a força da evidência de Ebla
respondem aos primeiros capítulos de Gênesis, con- apóia o ponto de vista de que os primeiros capítulos
firm ando-os. Apesar de prejudicados por pressão po­ de Gênesis são história, não mitologia (v. dilúvio de noé;
lítica e negações subseqüentes, os relatórios publica­ B íb l ia ).
c iên c ia e a
dos em jornais respeitados oferecem várias linhas pos­
síveis de apoio para o registro bíblico (v. arqueologia Fontes
do Antigo T estamento). S. C. B e l d , et al„ The tablets ofEbla: concordance
Segundo os relatórios, as tábuas contêm nomes das and bibliography.
cidades de Ur, Sodoma e Gomorra e de deuses pagãos M . D a h o o d , “Are the Ebla tablets relevant to biblical
m e n cio n a d o s na B íb lia , com o B a a l (v. O stling, research?”, &4.R, Sept.-O ct. 1980.
P- 76-7). H. L a F ay, “Ebla”, National geographic, 154.6 (D ec.
Os relatórios dizem que as tabuinhas de Ebla con­ 1978).
têm referências a nom es encontrados no livro de P. M a tt h ia e , Ebla: an empire rediscovered.
Gênesis, inclusive Adão, Eva e Noé (Dahood, p. 55-6). E. M e r r il l , “Ebla and biblical h istorical in erran cy”.
É de grande importância a descoberta dos regis­ Bib. Sac.,O ct.-D ec. 1983.
tros da criação mais antigos que se conhecem além da R. O st lin g , “New grounding for the Bible?”, Time,
Bíblia. A versão de Ebla antecede o registro babilónico 21 Dec. 1981.
em cerca de seiscentos anos. A tabuinha da criação é B. P ettina to , The archives o f Ebla.
surpreendentemente parecida com Gênesis, falando de
um ser que criou os céus, a Lua, as Estrelas e a terra. Éden, ja rd im do. “Ora, o S en h o r Deus tinha plantado
Semelhanças mostram que a Bíblia contém a versão um jardim no Éden, para os lados do leste, e ali colo­
mais antiga e menos alterada da história e transm ite cou o homem que formara”, relata Gênesis 2.8. Já que
os fatos sem a corrupção das narrações mitológicas. Adão e Eva s ã o apresentados como pessoas reais, com
As tabuinhas relatam a crença na criação do nada, de­ filhos reais, dos quais se originou toda a ração hum a­
clarando: “Senhor do céu e da terra: a terra não exis­ na (Gn 5.1; lCr 1.1; Lc 3.38; Rm 5.12), supõe-se tam ­
tia, tu a criaste, a luz do dia não existia, tu a criaste, a bém que houve um jardim do Éden literal. Na verda­
luz da manhã [ainda] não havia sido criada” (Ebla de, a Bíblia fala dele como um lugar real na terra, re­
archives, p. 259). pleto de árvores, plantas e animais. Tinha rios e um
Edwards, Jonathan 294

portal (Gn 2 e 3). Mas os críticos salientam que não há Filho de um ministro congregacional, Edwards foi um
evidência arqueológica (v. a r q u e o l o g i a d o a n t i g o t e s t a ­ apologista clássico (v. clássica , apologética ). Depois de
m e n t o ) de que tal local tenha existido. Eles concluem receber o diploma de bacharel em Vale (1720), ingres­
que a história do Éden é apenas um mito (v. B í b l i a , sou no m inistério na Igreja Presbiteriana em Nova
c r ít ic a d a ). York,em 1726.M orreu poucas semanas após começar
Argumentos a fa v o r d e um ja rd im real. Mas evi­ seu trabalho como presidente da Faculdade de Nova
dências fortes que apoiam a realidade literal do ja r­ Jersey (hoje Universidade Princeton), em 1758.
dim do Éden vêm de várias fontes. Edwards foi muito influenciado por John L ocke
Já que as Escrituras dizem que o Senhor selou o (1632-1704) e lsa a c Newton (1642-1727), e em menor
jardim de alguma forma após a Queda, exatam ente extensão pelo idealismo britânico de George B erkeley
por isso os crentes não devem esperar encontrar evi­ (1685-1753). Menino prodígio, Edwards produziu suas
dências arqueológicas (Gn 3.2 4 ). Nem há qualquer obras iniciais na adolescência. Sua primeira obra filo­
indicação de que Adão e Eva tenham feito vasos ou sófica, “O f being” [“Do ser”}, contém um argumento
construído edificações duráveis. Tudo que tivesse so­ cosmológico poderoso, assim como sua outra obra ju ­
brado de um jardim do Éden seria destruído pelo Di­ venil “The mind” \A mente]. Da mesma forma, no seu
lúvio que cobriu a terra (Gn 6 — 9; 2Pe 3.5,6). Miscellanies [Miscelâneas] defende a existência e neces­
A Bíblia dá evidência do local, já que os dois rios sidade de Deus. No“Sermon on Romans 1.20” [ “Sermão
m encionados ainda existem — o Tigre e o Eufrates sobre Romanos”], (1743), não-publicado, Edwards for­
(Gn 2.14). Mesmo que os rios tenham adquirido um nece um argumento cosmológico e teleológico detalha­
curso diferente após o dilúvio, a colocação de nomes do a favor de Deus. Uma de suas maiores obras, The
em rios indica que o autor acreditava que esse era freedom o f the will [Da liberdade da vontade] (1754),
um local literal. A Bíblia até os localiza na Assíria (v. também é enfaticamente apologética, assim como A
14), que é o atual Iraque. treatise concerning religious affections [Um tratado so­
Para uma discussão acerca da realidade de Adão
bre as sensações religiosas] (1746). Sua grande obra so­
bre apologética,A rationaldivinity[Uma teologia racio­
e Eva, v. A d ã o , h is t o r ic id a d e d e . Há evidências abun­
nal], não foi completada.
dantes de que esses são os primeiros seres humanos
A apologética d e Edwards. Como apologista clás­
e progenitores literais da raça humana. Pessoas lite­
sico seguindo os passos de T omAs de Aquino e John
rais precisam de um lugar literal para viver. A Bíblia
Locke, Edwards começou com provas da existência de
cham a esse lugar jardim que Deus plantou no Éden
Deus. Edwards usou os argumentos cosm ológico e
(Gn 2.8).
teleológico, apesar da ênfase ser dada ao primeiro.
0 n t refere-se a eventos que aconteceram no Éden
A relação de fé e razão. Edwards equilibrou a razão
como históricos. Fala da criação de Adão e Eva (Mt
e a revelação. A razão tinha oito funções básicas:
19.4; lTm 2.13) e de seu pecado original (lT m 2.14;
Rm 5.12). Mas esses eventos históricos literais pre­
Primeiro, a razão deve provar a existência de Deus, o
cisam de um lugar geográfico em que acontecer.
Revelador. Segundo, a razão prevê que haverá uma revela­
As Escrituras afirm am que Deus ainda restaura­
ção. Terceiro, só a razão pode compreender racionalmente
rá os seres humanos por uma ressurreição corporal
qualquer “suposta” revelação. Quarto, só a razão pode de­
literal (v. r e s s u r r e i ç ã o f í s i c a , n a t u r e z a d a ) a um paraí­
monstrar a racionalidade da revelação. Quinto, a razão deve
so literal restaurado (Rm 8.18-23; Ap 2 1 ,2 2 ). Mas o
comprovar que qualquer revelação seja genuína. Sexto, a ra­
que é um paraíso literal reconquistado se não houve
zão argumenta a confiabilidade da revelação. Sétimo, a ra­
um paraíso literal perdido?
zão, tendo previsto mistérios em qualquer revelação divina
C o n clu são . Para a q u eles que dão alg u m a
genuína, defende esses mistérios, refutando quaisquer ob­
credibili-dade ao registro bíblico, a evidência de um
jeções à sua presença. Oitavo, apesar de a “luz divina e so­
Éden literal é bem convincente. Esse lugar está en ­
brenatural” não vir da razão, é a razão que compreende o
trelaçado com ensinam entos básicos da fé cristã, tais que essa luz ilumina [Jonathan Edwards, p. 22-3].
como Criação literal, Queda e Restauração, o que lhe
dá ainda mais im portância. Negar o Éden literal é ne­ Mas a razão humana tem quatro limitações signi­
gar uma pedra fundamental dos ensinam entos b ási­ ficativas.
cos da Bíblia para os quais há forte evidência.
Primeiro, ela não pode tornar o conhecimento de Deus
E d w ard s, Jo n a th a n . Im portante filósofo-teólogo, “real” para o homem impenitente. Segundo, não pode con­
avivalista e pastor na A m érica antiga (1 7 0 3 -1 7 5 8 ). ceder uma revelação sobrenatural e salvadora, nem mesmo
295 E d w a rd s , Jo n a th a n

“percebê-la” pela mera razão. Terceiro, se recebe uma reve­ alternativas: nada ou Deus. Mas como o estudioso da
lação, não pode determinar daí em diante o que essa revela­ obra de Edwards, John Gerstner, disse sucintamente:
ção pode ou não conter. Quarto, não pode nem “compreen­
der” a revelação divina como revelação divina, apesar de O nada é absolutamente nada. Isto é, não podemos
poder reconhecer sua presença [ibid., p. 27]. formar a idéia do Nada. Se pensamos que temos uma
idéia do Nada, então pensamos que sabemos que o Nada
Provas da existência de Deus. Edwards esboça sua existe. O Nada então é Algo (Gerstner, “Outline of the
abordagem da existência de Deus (v. D e u s , ev id ên c ia s apologetics”,p. 10).
df.) em Freedom o f the will (2.3). O apologista prova a
posteriori, ou a partir dos efeitos, que deve haver uma Provas dos atributos de Deus. Como Gerstner ob­
causa eterna e depois argumenta que esse ser deve ser servou corretam ente:
necessário e perfeito a priori. Edwards combinou pro­
vas cosmológieas e teleológicas. Até argumentou con­ Teólogos extraordinários como Tomás de Aquino e
tra um universo eterno (v. “Sermão sobre Romanos Jonathan Edwards descobrem mais sobre Deus na revela­
1.20”) no estilo do argumento cosmológico de kalam. ção comum da natureza que teólogos ordinários encontram
Deus é eterno. O fato de Deus ser eterno estava fir­ na revelação extraordinária das Escrituras, (ibid., p. 99).
me na mente de Edwards desde a infância. No seu en-
saio“The mind”, concluiu que“não é estranho que haja Edwards resume o que pode ser conhecido sobre
[algo eterno], pois a necessidade de haver algo ou nada
Deus pela revelação geral (v. revelação g er al ):
o subentende”. E já que existe algo, então sempre hou­
ve algo. Por quê? Porque o nada é uma impossibilida­
Somente pela metafísica é que podemos demonstrar
de, já que “não podemos ter tal conhecimento porque
que Deus não é limitado a um lugar nem é mutável; que
tal coisa não existe”.
ele não é ignorante ou esquecido; que é impossível ele
A convicção firm e de Edwards de que algo é eter­
morrer ou ser injusto; e há apenas um Deus e não cente­
no surge da lei da causalidade (v. c a u s a l id a d e , p r i n c í ­
nas oumilhares (Freedom,4.13).
pio d a ) , que ele descreve como princípio auto-eviden­
te, um “ditame do bom senso”, “a mente da hum ani­
Deus é independente. Já que Deus é eterno e ne­
d ade” e “esse g ran d e p rin cíp io do b om sen so ”
cessário, deve ser independente. É anterior ao m un­
( Freedom , 2 .3 ). Em Miseellanies ele declara que o
do, e o mundo é dependente dele, não o inverso.
princípio segundo o qual todos os efeitos têm uma
Deus tem todas as perfeições. “Ter algum as, mas
causa é uma verdade auto-evidente (v. p r i m e i r o s p r i n ­
não todas [as perfeições], é ser finito. Ele é limitado
c í p i o s ). Nesse caso, “se im aginarm os uma época em
em certos aspectos, isto é, com relação ao número de
que não havia nada, um corpo não pode surgir por
virtudes ou perfeições.” Mas “isso é [...] incoerente
conta própria. Pois acreditar que algo pode surgir
com a existência independente e necessária. Ser li­
sem um a causa é abom inável ao en ten d im en to”
mitado quanto às virtudes e qualidades excelentes é
{Freedom, p. 91, 74).
ser contingente” (“Serm on on Romans 1.20”).
Edwards estava tão convencido de que nada podia
surgir sem uma causa que argumentou que mesmo um
Deus é infinito. Edwards afirm ou que “nada é
mais certo que a existên cia de um Ser incriado e
mundo eterno precisaria de uma causa. Pois,“se supu­
sermos que o mundo é eterno, a beleza, o plano e a dis­ ilim itado” ( Works, p. 9 7 -8 ). Pois aquilo que é n eces­
posição útil do mundo não indicariam com menos for­ sário e independente tem de ser infinito.
ça a existência de um autor inteligente”. Pois, Deus é um. Já que Deus é infinito, ele deve ser
um. Pois “ser infinito é ser tudo e seria uma co n tra­
se considerássemos um poema como a E n eid a de dição supor dois tudos” (Miseellanies, n°. 6 9 7 ). Toda
Virgílio, seria ele mais satisfatório a nós se nos dissessem realidade está em Deus, ou com o sua existên cia ou
que era da eternidade [...] Seria mais satisfatório se nos no que flui dela. Nas palavras de Edwards:
dissessem que foi feito por manchas aleatórias de tinta no
papel?” (ibid., 312, p. 79,80). Deus é a soma de toda existência e não há existência
sem sua existência. Todas as coisas estão nele, e ele está em
Deve haver um ser eterno. Assim, a eternidade de todas elas (ibid.,n.° 880).
Deus é necessária porque um “nada” eterno é im pos­
sível, já que o nada não pode produzir algo. Algo exis­ O ataque de Edwards ao deísmo. Edwards acredi­
te, então algo sempre deve ter existido. Há apenas duas tava que Deus existia e que milagres são possíveis
E d w a rd s , Jo n a th a n 296

(v. m i l a g r e ; m i l a g r e s , valor apologético oos). Deus não é verdades im portantes, se não houvesse algo com o a revelação
deísta (v. d e í s m o ) . Na verdade, a crítica de Edwards ao no m undo, e que jam ais teriam deixado sua brutalidade.
deísmo é uma das mais profundas do século xvm.
Deístas, ao contrário dos cristãos teístas, acredita­ Além disso,“ninguém jam ais alcançou noções to­
vam que Deus criou o mundo e se revelou na nature­ leráveis das coisas divinas, a não ser pela revelação
za, mas nunca faz milagres nem produz revelação so­ contida nas E scrituras” (Miscellanies, p. 350). Como
brenatural. Essa visão foi declarada na “Bíblia dos Gerstner disse: “Se há alguma coisa que a revelação
deístas”, Christianity as old as creation, or thegospel, a natural revela, é que a revelação natural não é sufici­
republication o f the religion ofnature [O cristianismo ente (G erstner,“Outline of the apologetics”, p. 200).
tão antigo quanto a criação, ou o evangelho, uma Prova da revelação sobrenatural na Bíblia. É cla­
reedição da religião da natureza] (1730), de Matthew ro que isso só m ostra que precisam os de revelação
T indal. Para Tindal, e outros deístas, tais como Thomas especial, não que a temos. Para dem onstrar que a
J efferson, Thomas Paine e François Voltaire, a revela­ Bíblia é a Palavra de Deus, Edwards usou um argu­
ção natural era suficiente. mento duplo: 1) Ela é internam ente coerente. 2) Ela
Como Gerstner observa, Edwards “refuta os deístas é externam ente comprovada.
não por um apelo à fé, mas pela análise racional” O teste interno: racionalidade. Numa formulação ne­
(Gerstner, “Outline of the apologetics”, p. 196). Ele de­ gativa, o cristianismo não é falso por apresentar mistéri­
monstra a insuficiência da razão como substituta da re­ os (v. m is t é r io ), mas sim porque não tem contradições in­
velação (ibid., p. 197). Ao contrário de Tindal, Edwards ternas (v. “ miscellanies ” , p. 544). Razão e revelação corre­
argumenta que, quando a razão demonstra que uma re­ tas se harmonizam, e “a Bíblia não pede [que os seres
velação é de Deus, é razoável insistir em que toda doutri­ humanos] acreditem contra a razão” (“Sermon on Isaiah
na contida naquela revelação é verdadeira ( Works, p. 3.10”). Deus chega ao coração por meio da cabeça.
2479s.). Quando se sabe que a Bíblia é a Palavra de Deus, O teste externo: evidência milagrosa. Como ou­
a lógica exige que tudo que ela diz seja aceito. tros apologistas clássicos, Edwards acreditava que
Prova da necessidade da revelação sobrenatural O ar­ m ilagres resultam da existência de um Deus teísta.
gumento de Edwards a favor da revelação divina é triplo: Se Deus pode criar o mundo, ele pode intervir nele.
“ 1) Apesar de Deus por meio da natureza revelar tanto so­ Essa intervenção m ilag rosa assum e uma dentre
bre si mesmo, os homens não ‘conhecem’ a Deus realmente quatro form as.
pela natureza. 2) Mesmo que conhecessem a Deus pela Prim eiro, há o milagre da profecia sobrenatural
natureza, ela não revela se Deus os salvará ou condenará. (v. p r o f e c ia co mo prova da B í b l i a ). Em Miscellanies, ele
3) Mesmo se a natureza revelasse esse fato, não mudaria a discute o cum prim ento das previsões do a t , tanto ge­
atitude hostil do homem contra Deus e a salvação” (Gerstner, rais quanto m essiânicas (p. 4 4 3 ,8 9 1 ,1 3 3 5 ). Só Deus
“Outline of the apologetics”, 198-9). poderia fazer tais previsões.
As pessoas não “conhecem” a Deus pela natureza. Segundo, milagres podem ser usados para dar cré­
Num de seus sermões, Edwards fala da “cegueira natu­ dito a um mensageiro de Deus. Edwards recorre aos
ral do homem nas coisas da religião” (Edwards, Works, milagres de Cristo. Às vezes, como no caso da ressur­
2247s.). Pois “há uma cegueira extrema nas coisas da reição de Lázaro, Jesus afirmou com antecedência que
religião, que naturalmente possui os corações da huma­ faria um milagre para provar sua afirmação.
nidade” (ibid., p. 247). Isso não é culpa dos sentidos, mas
da cegueira do coração. Assim, “surge claramente a ne­ Será possível que Deus ouviria um impostor, ou orde­
cessidade da revelação divina” (ibid., 253). naria ou permitiria que uma coisa tão extraordinária fosse
As pessoas não sabem se serão salvas. Por melhor feita imediatamente como conseqüéncia da palavra e do ato
que seja a revelação natural, ela não é salvadora. A re­ de um impostor? (ibid., p. 444).
velação natural traz condenação, não salvação. Deixa
as pessoas indesculpáveis (Rm 1.20). Se elas “não se Terceiro, ele recorre à natureza sobrenatural do
convenceram pela salvação, serão convencidas pela conteúdo do ensinamento de Moisés (v. m il a g r e s como
condenação” (ibid., p. 255). co n f ir m a ç ão da v e r d a d e ), argumentando que nenhuma
A revelação natural não ameniza a inimizade. A na­ coisa divina viria de uma fonte puramente humana.
tureza deixa a humanidade em inimizade com Deus.
Edwards concluiu: Por exemplo, como os judeus, que não tinham conheci­
mento em ciência ou filosofia e que eram propensos à idola­
Acredito que a humanidade seria como um bando de tria como as nações à sua volta, poderiam inventar sua dou­
feras, com relação ao seu conhecimento sobre todas as trina refinada e avançada acerca de Deus? (ibid.,p. 159,1158).
297 E d w a rd s , Jo n a th a n

Quarto, ele argumentou com base nos resultados falhas na justiça e na misericórdia de Deus,e temos evi­
sobrenaturais da conversão. De que outra m aneira dências abundantes da necessidade do inferno. Então,
uma pessoa venceria o medo da morte? (“Sermon on insistiu, se tivéssemos uma verdadeira consciência es­
Rom ans 1 4 .7 ”). Ele se em penhou, em “A treatise piritual, não ficaríamos chocados com a severidade do
concerning religious affections” (“Tratado sobre as inferno,e sim com nossa depravação ( Works, v. l,p 109).
sensações religiosas”], em m ostrar que a alegria e a Edwards argumentou que
paz que caracterizam a conversão cristã não estão pre­
sentes em outras religiões. é m u ito irracio n al su p or qu e não deveria haver castig o
A necessidade de iluminação subjetiva. Apesar de futuro, su p or qu e D eus, qu e fez o hom em com o cria tu ra ra ­
tudo isso enfatizar evidências racionais e objetivas, cion al, cap az d e sa b er seu dever e cien te de qu e m erece c a s­
Edwards não acreditava que a revelação geral nem a es­ tigo qu and o não o faz, d eixaria o ho m em sozin ho e o d eix a­
pecial fossem suficientes para abrir corações deprava­ ria viver com o quer, iam ais o p u n iria pelos seu s p ecad o s e
dos para a verdade de Deus. Somente “a luz divina e so­ ja m a is faria d istin ção entre o b em e o m al (...] É irra cio n a l
brenatural” poderia abrir o coração para receber a re­ su p or qu e A quele q u e fez o m undo d eixaria as coisas em tal
velação de Deus. Sem essa iluminação divina, ninguém con fu são e ja m a is cu id aria do governo de su as c ria tu ras, e
aceita a revelação de Deus, não importa quão forte seja ja m a is ju lg aria su as cria tu ras racion ais ( Works, v. 2, p. 8 8 4 ).
a evidência. É necessário um coração novo, não um cé­
rebro novo. Isso vem pela iluminação do Espírito Santo. Edw ards respond e a alg u m as das pergun tas
Essa luz divina não concede nova verdade, ou nova re­ m ais difíceis sobre o inferno já feitas por uma mente
velação. Pelo contrário, dá um novo coração, uma nova racional:
atitude de receptividade à verdade revelada (v. Gerstner, Por que as pessoas não se arrependem no inferno?
“Outline of the apologetics” (“Esboço da apologética”], Parece que, uma vez num lugar tão horrível, os conde­
p. 295-7; v. E spírito Santo na apologética, papel do ). nad os q u e re ria m sair. Não é a ssim , ra cio cin o u
A racionalidade do livre-arbítrio e da predestinação. Edwards. Pois como pode um lugar desprovido da
Como grande defensor da predestinação, Edwards acre­ misericórdia de Deus conseguir o que nenhum esfor­
ditava que Deus não tinha obrigação de salvar ninguém. ço de sua graça conseguiu na terra, a saber, causar a
Todos merecem ir para o in f er n o . Então,“ele poderia, se mudança no coração e na disposição dos ímpios? Se o
quisesse, ter deixado todos perecerem ou poderia inferno pudesse reformar pecadores perversos, então
redimir todos” (Jonathan Edwards, p. 119). Mas Deus estes seriam salvos sem Cristo, que é o único meio de
escolheu predestinar alguns ao céu e deixar que outros salvação (ibid., v. 2, p 520). O sofrimento não amolece
recebam o que merecem no inferno. Como todos po­ o coração; antes, o endurece. Vivesse Edwards em nos­
dem ser livres se ao m esm o tem po Deus sos dias, descobriria que os altos índices de reincidên­
predeterm inou que apenas alguns fossem salvos? cia e criminalidade crônica nas prisões modernas con­
Edwards tenta conciliar racionalmente essas duas dou­ firmam esse ponto de vista.
trinas aparentemente contraditórias ao afirmar que a Por que os pecados temporais merecem castigo
Liberdade “é o poder, oportunidade ou vantagem que eterno? A justiça de Deus exige castigo eterno para os
todo mundo tem para fazer o que quer” (ibid., p. 311). pecados porque “a atrocidade de qualquer crim e deve
O livre-arbítrio é fazer o que se quer, mas é Deus quem ser avaliada conforme o valor ou dignidade da pessoa
dá apenas aos eleitos o desejo de aceitá-lo. Logo, ape­ contra a qual ele é cometido” (Davidson, p. 50). Então,
nas eles serão salvos (v.“ pagãos ” , salvação d e ; c r ia n ç a s , um assassinato de um presidente ou do papa é mais
salvação d e ; u n i v e r s a l i s m o ). atroz que o de um terrorista ou chefão da máfia. O pe­
A defesa racional do inferno por Edwards. Edwards cado contra um Deus infinito é um pecado infinito, dig­
não d em on stra em parte algum a sua cren ça na no de castigo eterno ( Works, v. 2, p. 83).
racionalidade do cristão mais que na sua defesa da dou­ Por que o inferno não pode ter valor redentor? O
trina do castigo consciente eterno. Argumentou que inferno satisfaz a justiça de Deus e a glorifica ao m os­
mesmo um simples pecado merece o inferno, já que o trar quão grande e assombroso esse padrão é.“A ju sti­
Deus santo e eterno não pode tolerar nenhum pecado. ça vindicativa de Deus parece rígida, exata, tremenda
Quanto mais, então, uma multidão de pecados diários e terrível, e, portanto, gloriosa” (ibid., p. 2 p. 87). Quanto
em forma de pensamentos, palavras e ações fazem a mais horrível e tenebroso o julgamento, maior o brilho
pessoa indigna de sua presença? A isso deve ser acres­ na espada da justiça de Deus. Castigo aterrorizante é
centada a rejeição da misericórdia imensa de Deus. digno da natureza de um Deus aterrorizante. Pela de­
E acrescente-se a isso uma disposição para encontrar monstração majestosa da ira de Deus, ele recupera a
E d w a rd s , Jo n a th a n 298

majestade que lhe foi recusada. Uma demonstração confrontar os problemas teológicos mais difíceis. Ele
tenebrosa de castigo na vida futura trará a Deus o que acreditava que a verdade de Deus está em harmonia com
os seres humanos recusaram -se a dar a ele nesta vida. a razão correta. Sua defesa do cristianismo começou
Aqueles que não glorificam a Deus espontaneamente com um dos argumentos mais racionais e poderosos a
nesta vida serão forçados a glorificá-lo na próxima. favor da existência de Deus já oferecidos por um teísta.
Todos são ativa ou passivamente úteis a Deus. No Apesar de enfatizar o raciocínio, Edwards não era
céu, os crentes serão ativamente úteis ao louvar a sua racionalista. Argumentou a favor da necessidade da
misericórdia. No inferno, os incrédulos serão úteis pas­ revelação especial. Acreditava que a razão era insufi­
sivamente ao trazer majestade à sua justiça. Assim como ciente para trazer as pessoas a Cristo. Nada além da
uma árvore morta é útil como lenha para o fogo, os ho­ obra sobrenatural da iluminação divina do coração
mens desobedientes são apenas combustível para o fogo hu m ano p o d eria fazer isso (v. E spírito S anto na

eterno (ibid., v. 2, p. 216). Já que os incrédulos preferem APOLOGÉTICA, PAPEL D O ).


ficar longe de Deus agora, por que não esperar que esse Edwards viu claramente a necessidade de apresen­
seja seu estado escolhido pela eternidade? tar uma defesa racional da existência de Deus antes
Um Deus misericordioso permitiría sofrimento no de tentar uma defesa histórica do cristianismo. Mas
inferno? Supor que a m isericórdia de Deus não per­ ele tam bém percebeu que a verdade do cristianism o
mite sofrimento no inferno é contrário à realidade. não pode ser justificada sem recorrer à evidência ex­
Deus permite muito sofrimento neste mundo. É um terna. Há um teste factual, assim como racional, para
fato empírico que Deus e o sofrimento humano não a verdade do cristianismo.
são in co m p atív e is (G e rstn e r, “O utline o f the Crítica negativa. Algumas críticas justificadas e
apologetics”, p. 80). Se a misericórdia de Deus não pode algumas injustificadas foram feitas a Edwards. Críti­
tolerar sofrim ento eterno, então tam bém não pode cas comuns à teologia reformada são comentadas em
tolerá-la em doses menores (Works, v. 2 p. 84). outro artigo (v. livre -arbítrio ). Para uma compreen­
Além disso, Edwards argumentou que a m iseri­ são precisa de seu pensamento, entretanto, duas críti­
córdia de Deus não é um a paixão ou em oção que cas devem ser respondidas: que seu idealismo platô­
supera sua justiça. Esse tipo de misericórdia seria um nico (v. P latão ) o leva ao panteísmo e que seu Deus
defeito em Deus, ela o faria fraco e incoerente, não carece de misericórdia.
um justo juiz. A acu sação de que Edwards era p an teísta (v.
Finalmente, nossas atitudes e sentimentos serão p a n t e í s m o ) , porque identificou Deus com toda Existên­

transformados e corresponderão mais aos de Deus. cia, é respondida cuidadosamente em Gerstner, “An
Logo, amaremos apenas o que Deus ama e odiaremos outline of the apologetics of Jonathan Edwards”, pt. 2,
o que Deus odeia. Já que Deus não sofre ao pensar no p. 9 9 -1 0 7 .0 Deus de Edwards é apenas “toda Existên­
inferno ou em vê-lo, nós também não sofreremos — cia” no sentido de que toda existência ou é sua essên­
mesmo no caso de pessoas que amamos nesta vida. cia ou flui dele. Edwards deixa claras distinções entre
Edwards dedicou um sermão inteiro e isso: “The end of Deus e a criação, entre Ser Necessário e ser contingen­
the wicked contemplated by the righteous” [“O fim dos te. E sua ênfase a indivíduos eternamente eleitos ou
ímpios contemplado pelos justos” ]. Na condensação eternam ente condenados é incompatível com uma
desse sermão por Gerstner cosmovisão panteísta (ibid., p. 104).
Um dos argumentos de Edwards sobre o inferno é
não parece nem um pouco cruel da parte de Deus infli­ que Deus não tem a obrigação de ser misericordioso.
gir tal sofrimento extremo a criaturas extremamente per­ A misericórdia, ele insiste, é uma escolha, e não um de­
versas (Gerstner, “Outline of the apologetics”, p. 90). ver. Deus só tem de conceder sua misericórdia a quem
decidiu concedê-la. Esse argumento parece negar o que
Avaliação. Só é possível examinar rapidamente as Edwards diz acreditar: Deus é um ser completamente
im plicações à apologética encontradas na obra de perfeito, o que incluiria benevolência total. Mas se Deus
Edwards. é completamente benevolente, então algo em Deus o
Avaliação positiva. Jonathan Edwards foi um fam o­ obriga a ajudar pecadores necessitados. Jamais acharí­
so avivalista americano e um grande intelectual — amos que uma pessoa é completamente boa se ela não
uma combinação rara. Sua defesa da fé seguia a tradi­ tentasse salvar todos os que pudesse de um naufrágio
ção da A P O L O G É T IC A C L Á S S I C A . ou de um prédio em chamas.
Não im porta o que se pense das respostas de Segundo Edwards, ninguém é levado a agir, a não
Edwards a perguntas difíceis sobre o inferno, ele tentou ser que Deus aja por ele. O livre-arbítrio é fazer o que
299 E in s te in , A lb e rt

se quer, mas só Deus dá o desejo para tal. Quando apli­ escapou a vida inteira. Sua primeira publicação foi
cado à escolha de Lúcifer, a de se rebelar contra Deus, intitulada A new determimtion o f molecular dimensions
isso significaria que Deus lhe deu o desejo de pecar. [ Uma nova determinação de dimensões moleculares)
Mas Deus não pode pecar (Hc 1.13) nem pode dar a (1905). Seu artigo seguinte, On a heuristic viewpoint
pessoas livres o desejo de pecar (Tg 1.13,14). Logo, o concerning the pmduction and transforma-tion o f light
conceito de livre-arbítrio de Edwards (e o conceito bem [Sobre um ponto de vista heurístico a respeito da produ­
semelhante do calvinista rígido) parece racionalm en­ ção e transformação da luz], postulava que a luz é com­
te incoerente. posta de quanta (partículas que mais tarde foram de­
nominadas fótons) que, além do comportamento de
Fontes ondas, demonstram certas propriedades exclusivas das
B.W. D avidson , Reasonable dam nation: how partículas. Em On the electrodynamics o f movingbodies
lonathan Edwards argued for the rationality of [Da eletrodinámica dos corpos em movimento], postu­
hell, jets , 38.1 (Mar. 1995). lou que o tempo e o movimento são relativos para o ob­
J. E dw ards , Freedom o f the will. servador. Seu artigo seguinte, Does the inertia o f a body
___ , Jonathan Edwards: representative depend upon its energy content? [A inércia de um corpo
selection ....C laren ce H. F au st,et al.,orgs. depende de seu conteúdo de energia?], postulava sua fa­
___ , O f being, The philosophy o f Jonathan mosa equação e= mc (Energia = massa vezes a veloci­
Edwards from his private notebooks, seção 12, dade da luz ao quadrado). Em 1916 ele escreveu The
H .G. Townsend, org. foundation o f the general theory o f relativity [Fundamen­
___ , “ S e rm o n o n Is a ia h 3 .1 0 “, m s. n ão p u b lica d o , tos da teoria geral da relatividade], obra em que argu­
Yale University Beinecke Library. mentou que a gravidade não é uma força, mas um cam ­
___ , “ S e rm o n o n R o m a n s 1 .2 0 ” , m s. n ão p u b lica d o , po curvo no espaço-tempo contínuo criado pela pre­
Yale University Beinecke Library, sença da matéria.
____ , “ Sermon on R o m a n s 1 4 .7 ” , m s. n ão p u b lica d o , Visão de Deus e d a religião. Apesar de seu apoio
Yale University Beinecke Library. ao movimento sionista, Einstein não era um judeu pra­
___ , The m ind, The philosophy o f ticante. Sua relação com o judaísmo era mais étnica que
Jonathan Edwards from his private notebooks, religiosa. O judaísmo não tinha grande importância em
seção 12, H. G. Townsend, org. sua vida, mas ele insistia em que um judeu pode aban­
___ , The works o f Jonathan Edwards, E. donar sua fé e ainda ser judeu. Numa carta do período
H ickm an.org. da guerra ao físico Paul Ehrenfest, Einstein expressou
J. G e r s t n er , Jonathan Edwards: A mini-theology. um sentimento de amargura contra Deus por causa do
___ , An outline o f the apologetics of holocausto europeu:
Jonathan Edwards, em Bib. Sac., 133 (Jan.-Mar.
1976; Apr.-Jun. 1976; Jul.-Set. 1976; O ct.-D ec. 0 antigo Jeová ainda está ausente. Infelizmente ele sa­
1976). crifica os inocentes com os culpados, a quem ele deixa tão
terrivelmente cegos que sequer sentem culpa (ibid., 156; v.
Einstein, Albert. Nasceu em Ulm, Alemanha, em 1879. C A .X A N L L S , MASSACRE DOs).

Formou-se na escola de engenharia em Zurique, em


1901. Em 1905 escreveu seu primeiro artigo sobre a Quanto à interação de religião e ciência, Einstein
teoria da relatividade, pelo qual recebeu o doutorado acreditava que
da Universidade de Zurique. Mais tarde, em 1 9 1 9 , fi­
cou mundialmente famoso, do dia para a noite, quan­ ao domínio da religião pertence a fé em que os regula­
do a Sociedade Britânica Real anunciou que sua nova mentos válidos para o mundo da existência são racionais,
teoria da gravidade havia derrubado a teoria de Isaac isto é, compreensíveis à razão. Xão posso imaginar um ci­
Newton, que se mantivera por trezentos anos. Em 1921, entista genuíno sem essa fé profunda. A situação pode ser
ganhou o Prêmio Nobel de Física por seu trabalho no expressa por uma imagem: ciência sem religião é aleijada,
campo da física teórica. 0 anti-sem itism o crescente religião sem ciência é cega (Frank, p. 286; v. Ff r r a z ã o ).
na Europa levou Einstein a mudar-se para os Estados A ordem do universo. Para Einstein o universo era
U nidos em 1933, onde ensinou na Universidade uma maravilha da ordem matemática:
Princeton até sua morte em 1955.
Einstein abraçou o pacifism o, o liberalism o e o Quanto mais um homem é imbuído da regularida­
sionismo. Buscou durante toda a vida encontrar uma de ordenada de todos os eventos, mais firme se torna
teoria do campo unificado — um objetivo que lhe sua convicção de que não há mais espaço, ao lado dessa
E d w a rd s, Jo n a th a n 300

re g u la rid a d e o rd e n a d a , p a r a c a u s a s d e u m a n a tu re z a d i­ n ã o p o s s o a c r e d it a r n e s s e c o n c e ito d e u m D e u s
feren te (d e u m C ria d o r). P a ra ele, n e m o g o v ern o h u m a ­ an trop om órfico qu e tem o s p o d eres d e in terferir n e ssa s leis
n o n e m o go v ern o d e u m a v o n tad e d iv in a e x iste co m o n atu rais [...] S e há tal con ceito de D eu s, é um esp írito sutil,
c a u sa in d e p e n d e n te de ev en to s n a tu ra is. C om certeza a não u m a im ag em d e u m h om em qu e tan tos fixaram n as su as
d o u trin a de u m D eu s p e s s o a l q u e in terfere com ev en to s m en tes. E m e ssê n cia, m in h a religião con siste em u m a a d ­
n a tu ra is ja m a is p o d e r ia se r re fu ta d a , d e m o d o real, pela m iração h u m ild e p o r e sse esp írito su p erio r ilim itável que
ciê n c ia , p o is e s s a d o u trin a p o d e se m p re re fu g ia r-se n o s se revela n o s p e q u e n o s d etalh es q u e so m o s cap az e s d e p er­
d o m ín io s em q u e o co n h e cim e n to cie n tífic o a in d a n ão ceber com n o ssa s m en tes frág eis e d e lic ad as (ib id ., v. m i l a ­
se e sta b e le c e u (ib id .; v. te le o ló g ico , a rg u m e n to ). g res, A R G U M E N T O S C O N T R A ).

Um biógrafo explicou que Einstein acreditava que A origem do universo. Há um a estranha ironia
quanto à visão de Deus sustentada por Einstein. Sua
do pon to de v ista m atem ático o siste m a d a s leis físicas aceitação relutante da teoria do big-bang para a ori­
é m uito com plexo, e, p ara entendê-lo, são n e c e ssá ria s en or­ gem do universo deveria afastá-lo da sua posição
m es c ap acid ad e s m atem áticas. No entanto, ele e sp e ra qu e a panteísta para uma posição mais teísta. Pois Einstein
n atu reza realm en te o b ed eça a u m sistem a d e leis m a te m á ­ não conseguiu encontrar uma explicação para sua
tic a s (citad o em H erbert, p. 177). equação da relatividade geral que não exigisse um
princípio ou um Criador para o universo. Até mesmo
A natureza de Deus. Numa resposta de 1929 a uma o físico e antiteísta do final do século xx, Stephen
pergunta do rabino Goldstein de Nova York, Einstein
Hawking, faz a pergunta sobre quem “acendeu as equa­
descreveu sua crença num conceito panteísta de Deus:
ções” e detonou o universo (Hawking, p. 99).
“Acredito no Deus de Espinosa que se revela na har­
Primeiro Einstein se opôs à evidência crescente de
monia de tudo que existe, não num Deus que se preo­
uma origem por uma grande explosão [big-bang), tal­
cupa com o destino e as ações dos homens” (Clark, p.
vez por perceber suas implicações teístas. Para evitar
38; v. E s p in o s a , B a r u c h ). Acrescentou em outro lugar:
essa co n c lu sã o , E in ste in a crescen to u um “fato r
“A fonte principal dos conflitos atuais entre os dom í­
indeterminante” a suas equações e acabou sendo hu­
nios da religião e da ciência está no conceito de um
milhado m ais tarde quando sua fraude foi descober­
Deus pessoal” (Frank, 285). Logo, ele rejeitou o t e í s m o
ta. Felizmente, ele eventualmente admitiu seu erro e
em favor do panteísmo.
concluiu que o universo foi criado. Então, escreveu
Conseqüentemente, negava que haveria um dia de
sobre seu desejo de saber como Deus criou esse m un­
recompensa ou castigo após a morte.
do. Disse: “Não estou interessado nesse ou naquele fe­

O que não consigo entender é com o p od eria haver um nôm eno, no espectro desse ou daquele elem ento.

D eus que recom pensaria ou castigaria seu s sú ditos ou que po­ Quero conhecer seu pensamento, o resto é detalhe” (v.
d eria nos induzir a desenvolver n o ssa vontade no n o sso coti­ Herbert, p. 177).
dian o (Bucky, 85). Avaliação. É lógico que, após reconsiderar a evi­
dência de que o cosm o teve um princípio, Einstein
Ele disse: deveria ter concluído, como o físico britânico Edmund
W hittaker: “É mais simples postular criação ex nihilo
N ão acredito que um h om em deve ser reprim ido n as su as — vontade divina constituindo a natureza do nada”
ações d iárias p o r ter m ed o do castigo ap ó s a m orte ou que deva (Jastrow,“Scientist caughf’,p. 111; v. c r i a ç ã o , v i s õ e s da ).

fazer a s coisas só porque d essa m aneira será recom pensado de­ Até Robert Jastrow, agnóstico convicto, disse: “Que
pois que m orrer [...] A religião não deveria ter nad a que ver com existem o que eu ou qualquer pessoa cham aria de for­
m ed o d e viver ou m edo d e m orrer, e sim deveria ser u m a b u sca ças sobrenaturais em ação agora é, creio eu, fato cien­
do conhecim ento racional (ibid., p. 86). tificamente comprovado” ( God and the astronomers,
p. 1 5 ,1 8 ). Jastrow observa que
Deus e milagres. Ao anunciar que a existência de
milagres jam ais poderia ser refutada, Einstein uniu- a strô n o m o s ago ra sab e m qu e se co lo caram n u m beco
se a Espinosa ao negar que pudessem ocorrer: se m sa íd a p o rq u e p ro v aram , p e lo s se u s m é to d o s, q u e o
m u n d o com eçou ab ru p tam en te n u m ato d e c riação (...) E
A s leis n atu rais d a ciên cia n ão só fo ram reso lv id as te o ­ d esco b riram q u e tud o isso acon teceu com o resu ltad o de for­
ricam en te, m a s tam b é m fo ram p ro v ad as n a p rática. E ntão ç a s qu e eles n ão têm e sp e ra n ç as de d esco b rir (ib id ., p. 15).
301 e lo s e v o l u c i o n á r i o s p e r d id o s

Infelizmente, não temos evidência de que Einstein verdade não eram verdadeiros fósseis transicionais, de
tenha chegado à conclusão que seus avanços científicos forma que o registro é ainda mais escasso hoje que na
apoiam (v. a n t r ó p i c o , p r i n c í p i o ; e v o l u ç ã o c ó s m i c a ; kalam, época de Darwin! O paleontólogo Stephen Jay Gould,
A R G U M E N T O C O S M O L Ó G IC O D E ; T E R M O D I N Â M I C A , L E I S D a ) . da Universidade de Harvard, confessou:
Se é fato científico que o universo surgiu de uma
explosão por forças sobrenaturais, Einstein deve ter A extrem a rarid ad e de fo rm a s tran sicio n ais no registro
aceitado milagres. Esse foi o maior milagre de todos. fóssil persiste com o “o segred o do negócio” d a p aleon tologia.
A s árvores evolutivas que en feitam n o sso s livros d id átic o s
Fontes só têm d a d o s n as ex trem id ad es e n o s n ó s d e se u s g alh o s; o
P. A. B ccky, The private Albert Einstein. resto é in ferên cia, p or m a is razoável qu e se ja, n ão evid ên cia
R. W . C lark , Einstein: his lite and times. de fó sse is (G ou ld , p. 14).
“ Einstein,” £8,1994 org.
P. F rank , Einstein: his life and times. Niles Eldredge concorda, argumentando que
S. H aw kinc , Buracos negros, universos-bebés e outros
ensaios. a expectativa afetou a percepção d e tal form a que o fatomais
F. H ef.res , Show me God. óbviosobre a evoluçãobiológica — imutabilidade— raram en­
N. H f.rbf.rt, A realidade quântica — nos confins da te, se algum a vez, foi incorporado nas noções científicas de com o
nova física. a vida realm ente evolui. S e ja existiu um m ito, é que a evolução
R. J astrow,“ A scientist caught between two taiths: é um processo de m udança constante (Eldredge, p. 8).'
interview with Robert Jastrow” , CT 6 Aug. 1982.
___ , God and the astronomers. Gould reconheceu francamente que a história da
maioria das espécies fósseis inclui duas característi­
elos evolucionários perdidos. Os evolucionistas acre­ cas especificamente incoerentes com o gradualismo:
ditam em ancestrais comuns para todas as plantas e
a n im a is, in clu siv e seres h u m a n o s. Sua teo ria Estase. A m aioria das espécies não exibe nenhu­
macroevolutiva (v. e v o l u ç ã o ; e v o l u ç ã o b i o l ó g i c a ) impli­ ma mudança direcional durante sua presença na ter­
ca a crença de que todas as formas superiores de vida ra. Aparecem no registro fóssil praticam ente da m es­
evoluíram das formas inferiores por meio de peque­ m a fo rm a q ue q u an d o d esa p a rece m ; m u d an ça
nas mudanças no decorrer de vários milhões de anos. morfológica geralm ente é limitada e sem direção.
No entanto, reconhecem que o registro fóssil estuda­ Aparição repentina. Em nenhum lugar, a espécie
do pela paleontologia não revela tal série extremamen­ surge gradualm ente, por m eio da transform ação
te gradativa de formas animais nas seqüências de tem ­ constante de seus ancestrais. Aparece de uma vez,
po adequadas. Esses fósseis transicionais que deveri­ “com pletam ente formada” (Gould, p. 13-4). Assim, é
am ser encontrados no solo, mas não têm sido, são justo dizer que a teoria da evolução, com o Darwin a
chamados “elos perdidos” na cadeia evolutiva. concebeu, não foi verificada pela única fonte de evi­
O próprio pai da evolução m od erna, Charles dência real, o registro fóssil.
Darwin, reconheceu isso como um problema sério Explicação de “elosperdidos”. Apesar de a incapa­
quando escreveu em A origem das espécies: “Então por cidade de encontrar “elos perdidos” ter desapontado os
que nem toda formação geológica nem todo estrato evolucionistas, poucos abandonaram a teoria. Pelo con­
estão cheios de tais elos intermediários? A geologia trário, reagem de várias formas:
certamente não revela nenhuma cadeia orgânica ex­
tremam ente gradativa, e essa, talvez, seja a objeção Existem algumas formas fósseis transicionais para
mais óbvia e grave que possa ser alegada contra a m i­ apoiar a evolução, então é provável que outras venham
nha teoria” (p. 152). É claro que Darwin esperava que a ser encontradas. Fósseis de cavalos são dados como
um número suficiente desses “elos perdidos” fosse en­ exemplo de série fóssil.
contrado para substanciar o que ele chamou “teoria da Uma pequena fração de todos os animais que exis­
evolução”, em vez de “teoria da criação” (235,435,437). tiram foi preservada em fósseis. E apenas uma fração
Nos quase 150 anos desde que Darwin escreveu muito pequena de todos os fósseis foi desenterrada.
(1859), milhões de fósseis foram desenterrados. Mas Então, não devemos esperar que muitos “elos perdi­
os “elos perdidos” necessários para confirmar essa te­ dos” sejam encontrados.
oria não foram encontrados. Na verdade, descobriu- Por natureza, fósseis transicionais eram poucos.
se que algumas espécies consideradas transicionais na Isso aumenta sua raridade.
e lo s e v o l u c i o n á r i o s p e r d id o s 302

Muitas espécies tinham partes moles que perece­ mudar seu tipo básico. M udanças podem ser feitas
ram facilmente e não foram preservadas. aos poucos no formato dos pára-lam as, na cor e no
Muitos evolucionistas apoiam a posição denomi­ acabamento. Mas se uma mudança é feita no tam a­
nada “equilíbrio pontuado”, que afirma que a evolu­ nho do pistão, isso envolve mudanças simultâneas no
ção ocorreu mais rapidamente do que se pensava. Há virabrequim, no bloco, no sistema de refrigeração, no
saltos no registro fóssil. A evolução, afirmam eles, pa­ com partimento do motor e em outros sistemas. De
rece mais uma bola quicando até o alto de uma esca­ outra forma, o novo motor não funcionará (Denton.p.
da que uma bola rolando para o alto de um monte. 11). Da mesma forma, transformar um peixe num rép­
Elos cruciais foram encontrados entre os primatas til ou um réptil num pássaro envolve mudanças drás­
e os seres h u m an os. E les incluem o hom em de ticas e simultâneas em todos os sistemas biológicos
Neandertal, o homem de Pequim, o Australopithecus, do animal. A evolução gradual não pode explicar isso.
Lucie e outros. O mesmo se aplica ao sistema do código genético mui­
Resposta à teoria do elo perdido. As respostas to mais complexo.
de criacionistas a essas defesas da teoria evolutiva se­ O próprio conceito do “elo perdido” contém uma
guem várias linhas de raciocínio. petição de princípio a favor da evolução. A analogia
Mesmo que uma série extremamente gradual de pressupõe uma cadeia com algumas lacunas. A verda­
fósseis fosse encontrada, havendo assim menos elos deira descrição implica alguns elos com uma cadeia
perdidos na progressão, isso não provaria a evolução. perdida. Existem “intervalos”gigantescos entre os prin­
Semelhança e progresso não provam necessariam en­ cipais tipos de vida em todos os “níveis” da suposta
te um ancestral comum; podem ser evidência de um hierarquia evolutiva. No entanto, toda a analogia da
cadeia pressupõe que a “cadeia” de evolução existiu e
Criador comum. Os evolucionistas às vezes falam da
que existem “elos” perdidos a ser encontrados. Isso
evolução do avião ou do carro, de modelos simples a
sobrepõe uma analogia a favor da evolução no regis­
mais complexos mais tarde. No entanto, nem o carro
tro fóssil. Um estudo imparcial desse registro não re­
nem o avião evoluíram por forças naturais que pro­
vela partes de uma cadeia, mas formas básicas dife­
duziram pequenas mudanças durante um longo perí­
rentes, que aparecem de forma repentina e simultâ­
odo de tempo. Em ambos os casos, houve interferên­
nea, completamente formadas e funcionais, reprodu­
cia externa inteligente que criou um modelo semelhan­
zindo a espécie e continuando praticamente iguais em
te aos anteriores. Essas ilustrações apoiam o modelo
toda sua história geológica. Essa evidência indica um
criacionista de um Criador comum, em lugar de um
criador inteligente.
ancestral evolutivo comum.
Há menos fósseis transicionais hoje que na época
Isso leva a outro problema: formas de vida diferen­
de Darwin. Pois muitas coisas consideradas transicio­
tes podem ser semelhantes externamente ou até mes­
nais na verdade não eram. A evolução do cavalo é um
mo nos componentes básicos de seu código genético,
exemplo disso. Até os evolucionistas reconhecem que a
mas ainda assim ser partes de sistemas completamente
suposta progressão não é uma série contínua de trans­
diferentes. Assim como é necessário inteligência para
formação. Há uma regressão em alguns casos (e.g., o
criar Hamlet a partir de palavras selecionadas de um
número de costelas no Eohippus antigo é dezoito e no
idioma, também é necessário inteligência para selecio­
Orohippus posterior é quinze). Da mesma forma, o nú­
nar e organizar informação genética a fim de produzir
mero de costelas no Pliohippus antigo é dezenove, ao
um a variedade de espécies que se encaixam num
passo que no Equus Scotti posterior é dezoito. Até a
biossistema.
maioria dos evolucionistas deixou de lado esse exem­
Além disso, o código genético de uma form a de plo como prova da evolução. O menor animal (do ta­
vida difere de outra, assim com o o m odelo t de manho de um cachorro) da série (Eohippus) não é um
Henry Ford difere de um Mercedes Benz. Existem cavalo, e sim um texugo.
sem elhanças b ásicas, mas são sistem as bem d ife­ Entre os poucos “elos perdidos” encontrados, o
rentes. E m udanças sistem áticas devem aparecer celacanto (um peixe com nadadeiras fortes, norm al­
sim ultaneam ente para o sistem a funcionar; elas não mente datado do período devoniano) não é meio peixe
podem ser gradativas. Isto é, todo o novo sistem a e meio réptil. É 100% peixe. Nenhum celacanto foi en­
deve surgir de m odo funcional. Mas m udança si­ contrado com pés evoluindo nele. Na verdade, foram
m ultânea e sistem ática num organism o que já fu n­ encontrados celacantos vivos no presente, e são idênti­
ciona é adequado a um m odelo criacio n ista, não cos aos do registro fóssil de uns 60 milhões de anos atrás.
evolucionista. É possível fazer pequenas mudanças Da mesma forma, o arqueoptérix não é meio pássaro e
num carro gradualm ente durante um tempo sem meio réptil. Outros pássaros antigos tinham dentes
303 e p is te m o lo g ia

como ele, Alguns pássaros atuais, tais como o avestruz, Ainda q u e o u t r o s primatas morfologicamente seme­
têm garras nas suas asas. O arqueoptérix tem penas e lhantes a seres humanos fossem desenterrados, isso não
asas perfeitamente formadas — necessáras para o vôo. significaria que são espiritualmente iguais. Por trás da
E primatas que utilizam ferramentas simples não são forma de homem estão a mente e a alma humanas (v.
prova da evolução. Até mesmo alguns pássaros e focas i m o r t a l i d a d e ) . A pessoa humana tem uma consciência

usam objetos como ferramentas. Mas os primatas não singular, e esta tem linguagem, com sua estrutura ori­
fizeram foguetes ou computadores. entada por regras gramaticais. Além disso, os seres hu­
A descoberta de supostos “elos perdidos” entre m anos têm co n sciên cia e p rá tica s relig iosas; os
primatas e humanos não apoia a macroevolução (v. primatas, não. Todas as tentativas de demonstrar seme­
Lubenow). lhança física entre primatas e seres humanos como base
Logicamente, as semelhanças físicas entre as es­ para a evolução ignoram a diferença gigantesca entre o
pécies não provam um ancestral comum. Uma expli­ reino animal e um ser humano criado à imagem e se­
cação alternativa é que elas têm um Criador comum, melhança de Deus (Gn 1.27).
que as criou para viverem em ambientes semelhantes.
A genética é a única maneira de provar uma ligação. Fontes
Infelizmente, não há como reconstruir a estrutura ge­ W . R . B ird , The origin o f the species revisited, 2 v.
nética dos ossos desenterrados. É o que está oculto que C. D arwin , ,4 origem das espécies.
importa. E a diferença entre um cérebro primata e um M . D e m o n , Evolution: a theory in crisis.
humano é imensa. Essa diferença não se refere ape­ N . E ldredgf , Os mitos da evolução humana.
nas ao tamanho do cérebro, mas à sua complexidade e N. L. G eu ler , Is man the measure?, cap. 11.
habilidade de criar arte, linguagem humana e m eca­ ___ , Origin science (cap. 7).
nismos altamente complexos. D. G is h , Evolução: o desafio do registro fóssil.
Além disso, alguns dos ossos do passado, famosos S. J. G ould , “Evolution’s erratic pace”, em Natural
por serem considerados de espécies transicionais, não history ( 1 9 7 2 ) .
são m ais vistos dessa m aneira nem pelos evolu- A. Jo h n s o n , Darwinism on trial.
cionistas. O homem de Piltdown, uma referência nos M. L ubenow, B o n e s o f contention.
livros de ciência e museus durante anos, acabou des­ J. M oore, T h e p o s t - d a r w i n i a n c o n t r o v e r s ie s .
mascarado como fraude. O homem de Nebraska era a C, T haxton, et al., orgs., O f p a n d a s a n d p e o p l e .
reconstrução a partir de um dente, que na verdade era
de um porco extinto. No entanto, o homem de Nebraska epistemologia. E p istem o lo g ia é a d is c ip lin a q u e lid a
foi usado como evidência no julgamento Scopes (1925) c o m a te o r ia d o c o n h e c im e n to . O te r m o p o d e s e r d iv i­
para apoiar o ensino da evolução nas escolas públicas. A d i d o e m e p iste m o lo g ia ( g r . ep istem e, “ c o n h e c e r , s a b e r ” ;
evidência fóssil do homem de Pequim desapareceu. Al­ lo g o s , “ e s t u d o ” ). É o e s t u d o d e c o m o c o n h e c e m o s .
guns questionam sua validade, baseada em estudos an­ A s v á r ia s e p is t e m o lo g ia s in c lu e m o r a c io n a lism o (v.
teriores ao desaparecimento dos pedaços de ossos. Um E s p in o s a , B a ru ch ), e m p ir ic is m o (v . H um e, D a v id ) ,

problema sério é que essa criatura foi morta com um a g x o st ic ism o (v. K a n t , I m m a n u e l ) , i d e a l i s m o (v. P l a t ã o ),
objeto pontiagudo, uma causa de morte altamente im ­ p o s i t i v i s m o , (v. C o m t e , A u g u s t e ) , e x i s t e n c ia l i s m o (v .
provável para um pré-humano. Até alg u n s evolu- S o r e n K ie r k e g a a r d ), f e n o m e n o l o g i a (v. H e g e l , W. F. G.;
cion istas acreditam que o australopiteco era um H e id e g g e r , M a r t in ) , e m is t ic ism o (v. P l o t in o ).
orangotango. Até hoje, nenhum a d escoberta de fó s­ A epistemologia discute se as idéias são inatas ou se
sil prim ata sujeita a exam e m inucioso científico e nascemos como uma tabula rasa, isto é, um quadro-ne­
objetivo é uma forte candidata à árvore genealógica gro vazio. Ela também se ocupa com testes da verdade
hum ana. Apesar de supostas diferenças genéticas, (v. \e r d a d e , n a t u r e z a a bso lu ta d a ) e se verifica idéias ver­
o hom em de Neandertal tinha capacidade cerebral dadeiras apenas são coerentes (v. c o f . r e n t i s .m o ) o u se pre­
m aior que o homem m oderno, e há evidência de que cisam de uma base suprema (v. f u n d a c i o n a l i s .m o ) em pri­
celebrava rituais religiosos, características norm al­ meiros princípios auto-evidentes.
m ente associadas a seres racionais e m orais. Com A e p i s t e m o l o g i a t a m b é m l i d a c o m c e r t e z a (v. c e r ­
essa história, há razão para questionar outras desco­ t e z a c o n v ic ç ã o ) e d ú v i d a (v. c e t ic is m o ). 0 a g n o s t i c i s m o

bertas fragmentárias. A postura curvada do homem a fir m a q u e n ã o p o d e m o s c o n h e c e r a r e a lid a d e . O ní­


de N eandertaP foi atribuída a uma deformidade ós­ vel d e c e rte z a d o q u e c o n h e c e m o s v a r ia e n tre a b a ix a
sea resultante de uma deficiência de vitaminas que os p r o b a b i l i d a d e (v. in d u t iv t sm o ) e a n e c e s s id a d e ra c io n a l
habitantes de cavernas sofriam por falta de luz solar. (v . p r im e ir o s p r in c íp io s ; l ó g ic a ; t a u t o l o g ia s ).
E sp in o s a , B a ru c h 304

escatológica, verificação. V v e r i f i c a ç ã o , estratégias p f . modalmente dependentes de Deus. Esses “modos” são


aspectos ou momentos de Deus, atributos seus e pro­
Espinosa, Baruch. Baruch (ou Benedictus) Espinosa priedades para nós. Os dois únicos atributos de Deus
(1632-1677) nasceu em Amsterdã, de uma família de que conhecemos são o pensamento e a extensão de Deus
judeus portugueses. Apesar de ser do ramo da ótica infínitamente no espaço.
(polidor de lentes) e jamais ter lecionado filosofia na Provas de Deus. Espinosa acreditava que a exis­
universidade, teve grande influência na filosofia moder­ tência de Deus podia ser provada com certeza mate­
na. Acima de tudo, criou um impacto negativo no cris­ mática. A primeira forma de sua prova pode ser afir­
tianismo ortodoxo. Espinosa foi até excomungado da sua mada da seguinte maneira:
sinagoga em 1656 por acreditar que Deus é “extenso”,
uma forma de pantfIsmo, que anjos são imaginários e 1. Deve haver uma causa para tudo, tanto existente
que imortalidade da alma não existe. quanto inexistente.
O filósofo medieval M oisés M
aimõntdes (1 1 3 5 - 2. Um Ser Necessário deve existir necessariamente,
1204), por meio do seu Guia dos perplexos, ajudou a não ser que haja uma causa adequada para
Espinosa a conceituar Deus como um Ser Necessário explicar sua inexistência.
e a empregar a razão humana independentemente da 3. Mas não existe causa adequada para explicar
revelação divina. A idéia de Anselmo (c. 1034-1109) porque um Ser Necessário não existe:
de Deus como um ser absolutamente perfeito e neces­ a ) Tal causa teria de ser ou de dentro da na­
sário tam bém influenciou o pensamento de Espinosa. tureza de Deus ou de fora dela;
0 racionalista francês René D escartes (1596-1650), que b ) Nenhuma causa fora de uma existência
necessária poderia anular sua existência;
escreveu Meditations [Meditações], ensinou Espinosa
c) e nada interior a um Ser Necessário nega
a usar os métodos matemáticos na filosofia. O filósofo
que este seja um Ser necessário;
do prim eiro século F il o x ( 1 3 a .C .-45 d .C .) levou
d) Logo, não há causa adequada para expli­
Espinosa a acreditar que Deus é a base de toda existên­
car porque um Ser Necessário não existe;
cia e que a Bíblia deve ser interpretada alegoricamente.
4. Logo, um Ser Necessário necessariamente existe.
A geometria de Euclides (c. 300 a.C.) ensinou a Espinosa
seu racionalismo dedutivo. A partir desse histórico, ele
A s e g u n d a fo r m a d o argumento de Espinosa é esta:
deu grande ênfase à unidade de Deus. Todos esses e
outros fatores contribuíram para uma forma singular
1. A lg o e x iste n e c e s s a r ia m e n te .
de panteísmo racionalista.
2 . E s s a E x is tê n c ia N e c e s sá r ia é fin ita o u in fin ita .
As duas obras principais de Espinosa são Tractatus
3. M a s n e n h u m a c a u s a fin ita p o d e im p e d ir exis­
theologico-politicus, tractatuspoliticus [Tratado teoló­
t ê n c ia in fin ita , e é c o n t r a d it ó r io d iz e r q u e a
gico-político, tratado político ], (1670) e Ética (1674).
C a u s a in fin ita im p e d iu a E x is t ê n c ia in fin ita .
Filosofia. Como Euclides, Espinosa começa defi­
4 . L o g o , d e v e h a v e r u m a E x is t ê n c ia in fin ita .
nindo seus axiomas e depois fazendo deduções a par­
tir deles. Somente dessa maneira, ele escreve, é que se
A c r i a ç ã o d ife r e d e D e u s a p e n a s c o m o u m m o d o
pode ter certeza de suas conclusões. A verdade só é
d ife r e d a s u a s u b s tâ n c ia o u u m p e n sa m e n to d a
conhecida por meio de uma idéia verdadeira. A verda­
m e n t e q u e o g e r o u . T o d o s o s m o d o s flu e m n e c e s s a ­
de perfeita só é conhecida por meio da idéia perfeita.
r ia m e n t e d e D e u s c o m o 1 8 0 ° flu e m d e u m t r i â n g u ­
O erro tem quatro causas: 1) Nossas mentes dão ape­
lo . E s s a c r i a ç ã o é ex Deo, n ã o c r i a ç ã o ex nihilo (v.
nas uma impressão fragmentada das idéias. 2) A im a­ c r i a ç ã o , v i s õ e s d a ) . O e fe it o d e v e s e r t ã o i n f in it o
ginação é afetada pelos sentidos físicos e nos confun­ q u a n to a C a u sa . A v o n ta d e n ã o é u m a tr ib u to d e
de. 3) O raciocínio é abstrato e geral demais. 4) Não D e u s , m a s a p e n a s u m m o d o ( lo g o , n ã o é u m a fo n te
podemos começar com a idéia perfeita. O remédio para de c r ia ç ã o ).
o erro é voltar à Idéia perfeita de Deus. Quanto mais a E ste m u n d o é o m a is p e rfe ito p o ssív e l. O m a l é n e ­
pessoa se alimenta da Idéia perfeita, mas perfeita ela c e ssá r io . O m u n d o n a tu ra l o p e r a p e la lei n a tu ra l (c ie n ­
se torna. Sensações são confusas e indefinidas. tífic a ) (v. n a t u r a l i s m o ) . A lei d a g r a v id a d e d e N e w to n é
A filosofia de Espinosa começa com a idéia perfeita u n iv e rsa l e é o m o d e lo p a r a t o d a s a s le is c ie n tífic a s. N ã o
de Deus, o ser absolutamente necessário e perfeito. Deus h á e x c e ç õ e s p a r a u m a lei v e rd a d e ira .
deve ser concebido como um ser que existe por si mes­ A im possibilidade de m i l a g r e s . E s p in o s a a c r e d i­
mo — isto é, autocausado. Mas só pode haver um Ser ta v a q u e s ó p o d e r ia h a v e r u m a s u b s t â n c i a in fin ita
absolutamente independente. Todos os outros seres são e q u e , p o r t a n t o , o u n iv e r s o n ã o fo i c r ia d o . D e u s é
305 E sp in o s a , B a ru c h

idêntico ao universo. Não poderia criá-lo, pois é da organização do universo físico. Por isso era axiomático
sua substância (v. m i l a g r e s , i m p o s s i b i l i d a d e d e ) . Para que leis naturais eram imutáveis.
Espinosa, Deus não é transcendente; não está além Crítica bíblica. O racionalismo e o naturalismo de
da criação que conhecemos ou em alguma outra cri­ Espinosa têm conseqüências profundas para quem acre­
ação. Isso significa que a criatividade de Deus não é dita em eventos milagrosos ou revelações sobrenaturais.
mais que a atividade da natureza. Se a suposição de Ele tornou-se um dos primeiros intelectuais modernos
Espinosa é verdadeira, milagres são impossíveis. Se a fazer uma alta crítica sistemática da Bíblia (v. B í b l i a ,
Deus (o sobrenatural) é idêntico à natureza (o natu­ c r ít ic a d a ; w e l l h a u s e x , J c l i u s ) . Seu livro Tractatus

ral), não há intervenção sobrenatural na natureza Theologico-politicus, muito difundido no final do sécu­
vinda de fora dela. Com essa estrutura geral em m en­ lo xvn, era em grande parte um comentário crítico da
te, podemos exam inar os argumentos de Espinosa Bíblia. Ele chegou a algumas conclusões radicais que,
contra milagres. se verdadeiras, tornariam falsas as Escrituras sobrena­
Espinosa declarou: turalmente inspiradas.
O n a t u r a l i s m o de Espinosa o levou a concluir que
portanto, nada acontece na natureza em contradição Moisés não poderia ter escrito muitas passagens do
com suas leis universais; não, tudo concorda com elas e as Pentateuco (v. p e x t a t e u c o , a u t o r i a m o s a i c a d o ) , logo a teo­
segue, pois [...] ela mantém a ordem fixa e imutável. ria de que Moisés era seu autor era infundada ( Tractatus,
p. 126). Ele acreditava que Esdras, o escriba, escrevera
Na verdade, “um milagre, seja em contravenção à os cinco primeiros livros do a t , assim como o restante
natureza, seja ultrapassando-a, é um absurdo”.Espinosa dele (ibid., p. 129-30).
era dogmático com relação à impossibilidade de mila­ Não é de admirar que Espinosa tenha rejeitado os
gres. Proclamou: registros dos evangelhos sobre a ressurreição. Os após­
tolos, disse, pregaram uma religião universal baseada
Podemos, então, ter certeza absoluta de que todo evento apenas na crucificação (ibid., p. 170). O cristianismo era
que é realmente descrito nas Escrituras necessariamente acon­ uma religião mística e não-proposicional, sem funda­
teceu, como todas as outras coisas, segundo leis naturais” mentos. Essencialmente, Espinosa concordou com Paulo
(Tractatus, 1:83,87,92). em 1 Coríntios 15 quanto ao fato de que, sem a ressur­
reição de Cristo, o cristianismo é uma religião sem es­
0 argumento de Espinosa contra milagres é mais perança. Por não acreditar na ressurreição, essa era
ou menos assim: sua opinião a respeito da fé cristã. Todos os outros
m ilagres tam bém são condenados. Ele louvou“qual-
1. Os milagres são violações de leis naturais. quer pessoa que procura as verdadeiras causas dos
2. As leis naturais são imutáveis. m ilagres e tenta entender os fenôm enos naturais
3. É impossível violar leis imutáveis. com o um ser inteligente” (Éfícn, Apêndice, pt. 1, pro­
4. Logo, milagres são impossíveis. posição 3 6 ). Além de tudo ter acontecido de acordo
com leis naturais, as próprias E scrituras “fazem a
A segunda premissa é a chave do argumento de afirm ação geral em várias passagens de que o cu r­
Espinosa. A natureza “mantém a ordem fixa e imutável” so da natureza é fixo e im utável” (Ética, p. 9 2 ,9 6 ).
(ibid.,p.83).Tudo “acontece necessariamente [...] segun­ Para Espinosa, as Escrituras sim plesm ente “con­
do as leis naturais” (ibid., p. 92). Se é verdadeiro que têm a palavra de Deus” (Tractatus, p. 165, grifo do
“nada acontece na natureza em contravenção às suas autor). Essa posição foi um a das características do
leis universais”, Espinosa está certo em acreditar que c r is tia n is m o lib e r a l p o s te r io r , d e fe n d id o p o r
um milagre“é um absurdo” (ibid., p. 83,87). Friedrich S c h e l e i e r m a c h e r (1 7 6 8 -1 8 3 4 ). É falso d i­
Para apreciar as implicações, é preciso estar ciente zer que a Bíblia é a Palavra de Deus (v. B íblia , e v i ­
de que Espinosa era um racionalista que tentou cons­ d ê n c i a s d a ) . Partes da Bíblia que contêm a palavra

truir sua filosofia com base na geometria euclidiana são conhecidas com o tal porque a m oralidade se
(Ética, 1.1-42). Ele acreditava que era preciso aceitar conform a à lei natural conhecida por razão hu m a­
como verdadeiro apenas o que é evidente ou o que é na (ibid., p. 172, 196-7).
redutível à evidência. Como D e s c a r t e s , Espinosa ar­ Os profetas não falaram com base na “revelação”
gum entava de form a geom étrica a partir de axio­ sobrenatural, e “os modos de expressão e discursos
m as, chegando a conclusões contidas nesses a x io ­ adotados pelos apóstolos nas epístolas mostram cla­
m as. Espinosa viveu na era que foi m arcada pela ramente que elas não foram escritas por revelação e
E sp in o s a , B a ru c h 306

ordem divina, mas apenas pelos poderes naturais e cia dos cientistas em concluir que o universo surgiu por
opiniões dos autores” (ibid .,p. 159).E sp inosa ocasi­ meio de uma grande explosão (“big-bang”) bilhões de
onalm ente diz que os profetas falavam por “revela­ anos atrás. Jastrow oferece várias linhas de evidência
ção”, m as vê isso com o o poder extraordinário da científica que apoiam um princípio do universo: o fato
im aginação (ibid., p. 24). de o universo estar se desgastando, a teoria da relativi­
Os conceitos gerais e o anti-sobrenaturalismo da dade de Einstein, e o padrão de expansão e o eco de ra­
crítica bíblica de Espinosa ainda são amplamente acei­ diação que podem ser detectados. O eco de radiação
tos pelos teólogos seculares e eruditos cristãos liberais. “convenceu os mais céticos” ) Jastrow,p. 15). Einstein de­
A valiação. Três elem entos no pensam ento de senvolveu a teoria geral da relatividade, mas não notou
Espinosa são interessantes para a apologética cristã: que um universo em expansão era o resultado natural
panteísmo , o anti-sobrenaturalismo (v. milagres , argu ­ de sua teoria. 0 matemático russo Alexander Friedmann
mentos contra ) e a crítica bíblica (v. B íblia , crítica da ). descobriu a razão da omissão de Einstein, um erro in­
Os três estão relacionados. Como o panteísmo e a crí­ fantil de álgebra. Na verdade, ele havia dividido por zero.
tica bíblica são criticados em seus respectivos artigos, Einstein respondeu defendendo sua tese original, só que
a ênfase aqui será dada às pressuposições naturalis­ cometeu outro erro nessa prova.
tas e suas conseqüências sobre a crença na inspiração Posteriormente Einstein reconheceu seu erro e es­
das Escrituras. creveu: “Minha objeção baseava-se num erro de cál­
O ataque de Espinosa aos milagres baseia-se na ge­ culo. Considero os resultados do sr. Friedmann corre­
om etria ou dedução euclidiana, no racionalismo, no tos e esclarecedores”. No entanto, “essa circunstância
determ inismo natural e na visão da natureza de Deus. [de um universo em expansão] me irrita”. Em outra
Umjogo dedutivo com cartas marcadas. 0 panteís­ ocasião, ele disse: “Admitir tais possibilidades parece
mo dedutivo e racionalista de Espinosa sofre de um um absurdo” (ibid., p. 16,25-8).
problema sério de petição de princípio. Isso é verda­ Por que a teoria de que o universo teve um prin­
d eiro com rela çã o ao p a n te ísm o e ao a n ti- cípio parece “absurda” e tão irritante a ponto de le­
sobrenaturalism o que flui dele. Como David H ume var Einstein a com eter um erro matem ático? A res­
observou, nada validamente dedutível das premissas posta, escreve Jastrow, foi dada quando Einstein dis­
deve estar presente nessas premissas desde o princí­ se que sua religião era a crença “no Deus de Espinosa,
pio. Se Deus é definido como ser absolutamente ne­ que se revela na harm onia ordenada do que existe”
cessário, do qual tudo mais é apenas um modo, é evi­ (ibid., p. 28).
dente que o resultado é o panteísmo, pois uma defini­ Conclusão. Espinosa foi um racionalista (v. racio-
ção panteísta de Deus está contida no axioma. Se uma xalismo )para quem a essência de Deus era igual ao
concepção panteísta é inserida a priorí , não é de ad­ universo, e para quem o universo é eterno e opera
mirar que mais tarde ela possa ser deduzida. segundo a uniformidade da lei natural. Liderou o ata­
Da mesma forma, se o m a t e r i a l i s m o já é pressupos­ que filosófico contra os milagres e contra o testem u­
to nas premissas racionalistas de Espinosa, não é de nho da Bíblia sobre o Deus Salvador pessoal. Mas,
admirar que ataque os milagres da Bíblia. A questão é com o foi dem onstrado, sua pressuposição de fé co­
se suas premissas racionalistas são defensáveis. Ele não mete um a petição de princípio quando defendida
fornece um argumento convincente. Mas, uma vez que logica-m ente, porque sua definição de leis naturais,
se definam leis naturais como “fixas” e “imutáveis”, é sem fundamento, preconiza que elas sejam inque­
fácil chegar à conclusão de que relatos de milagres são bráveis (v. MILAGRES, ARGUMENTOS CONTRa ).
irracionais. Nada pode quebrar o inquebrável. 0 que Espinosa precisava fazer, mas não fez, era
ODeus e a ciência de Espinosa. 0 Deus de Espinosa fornecer um argumento sólido para suas pressuposi­
era de substância igual à do universo. Milagres como ções racionalistas. Seu raciocínio é geométrico, mas
intervenções sobrenaturais só são possíveis num uni­ retirou seus axiomas do nada, em vez de basear-se na
verso teísta. Logo, cientistas querem razão para crer observação empírica.
que um Deus teísta (v. t e í s m o ) existe, antes de acredi­ 0 conceito de lei natural de Espinosa como sistema
tar que há qualquer evidência a favor de milagres. determinista é auto-refutável. Se tudo é determinado,
Num universo do tipo Natureza = Deus, milagres sim ­ a teoria de que o determinismo é errado também é de­
plesmente não acontecem. terminada. Mas o determinismo não pode ser verda­
A crença de Albert E in s t e in no Deus de Espinosa deu deiro e falso ao mesmo tempo. Logo, a base de Espinosa
origem a uma das histórias mais fascinantes na ciência para o anti-sobrenaturalismo é infundada. Portanto, mi­
moderna. 0 astrofísico Robert Jastrow fala da relutân­ lagres não podem ser considerados impossíveis.
307 E s p írito S a n to n a a p o lo g é tic a , p a p e l d o

Finalm ente, a evidência em favor de um princí­ Santo. Isso foi ta re fa dos teó lo g o s p o ste rio re s,
pio singular do universo de espaço e tempo tem cres­ p rin cip a lm en te A gostinho, T omás de A quino e os
cido (v. B I G - B A N G , T E O R I A D 0 | E V O L U Ç Ã O C Ó S M I C a ) . NeSSe refo rm ad o res.
caso, há um exemplo irrefutável de um m ilagre, e sua Agostinho. Agostinho (354-430) enfatizou a obra do
hipótese de Espinosa é refutada. Além disso, concluir Espírito - chamar seres humanos depravados e mortos
que o universo teve um princípio arrasa o conceito em delitos à nova vida em Cristo. Mas manteve essa obra
de Deus defendido por Espinosa, um Deus que não em tensão com a crença de que a razão humana é ne­
existe além do universo. cessária para julgar e entender a revelação divina. Sem
ela não podemos conhecer a verdade de Deus. Cada um
Fontes dos cinco propósitos servidos pela razão no pensamen­
B. E s p in o s a , Tractatus theologico-politicus, tractatus to de Agostinho é independente da mediação sobrena­
politicus. tural do Espírito Santo.
R. J a s t r o w , G od a n d the astronom ers. A razão vem antes da fé. Primeiro, há um sentido em
W. J , S om e p ro blem s ofp h ilo so p h y .
a m e s que a razão vem antes da fé. Agostinho declarou que
C. F. von W , The relevance o f Science.
e iz s a c k e r

W. C ra ig , The kalam cosm olog ical argnm ent. n in g u ém realm en te acred ita em algo a n ão se r qu e ten h a
S. H a w k in g , Uma breve h istória d o tem po. p rim eiro p ensad o qu e tudo qu e em qu e se a cred ita deve ser
a ceito d ep ois qu e o p en sam en to m o stra o cam in h o ” (O li­
“espírito m entiroso” enviado p o r Deus. V. mentiras vre-arbítrio.5).
nas E scrituras.
A razão distingue os seres humanos. Segundo, a razão é
Espírito Santo na apologética, papel do. A maioria uma faculdade distintiva e superior nos seres humanos.
dos apologistas cristãos concordam que o Espírito San­
to dá ao indivíduo testemunho da salvação pessoal. Ro­ D eus nos livre qu e ele od eie em nós a facu ld ad e pela
manos 8.16 afirma: “0 próprio Espírito testemunha ao qu al nos fez su p eriores aos ou tros seres. P o rtan to , d evem os
nosso espírito que somos filhos de Deus” (v. ljo 3.24; recu sa r-n o s a a cred itar n isso e n ão receb er o u b u sca r a ra ­
4.13). Muitos também acreditam que o Espírito Santo zão p ara n o ssa p ró p ria cren ça , já qu e não p o d eríam o s nem
dá testemunho da verdade do cristianismo. Um dos vá­ acred ita r se não tiv éssem os a lm a s racion ais ( Cartas, 1 2 0.1 ).
rios textos que ensinam isso é 1 João 5.6-10:
A razão complementa a criação e a providência.
Este é aquele que veio por m eio de água e sangue, Jesus Cristo Terceiro, a razão complementa as provas que Deus dá
[...] E o Espírito é quem dá testem unho, porque o Espírito é a verda­ de sua existência (v. Deus, evidências de). “Ficará claro
de [...] Nós aceitam os o testem unho dos hom ens,m as o testem unho que Deus existe quando, com sua assistência, eu pro­
de Deus tem m aior valor, pois é o testem unho de Deus, que ele dá var, como prometi, que existe algo superior à razão
acerca de seu Filho [...] Quem não crê em Deus o faz m entiroso, por­ humana” (O livre-arbítrio, 2.6).
que não crê no testem unho que Deus dá acerca de seu Filho A razão capacita a comentar o evangelho. Quarto, a
razão ajuda as pessoas a entenderem o conteúdo da
Alguns alegam que o uso da razão relacionada a mensagem cristã. Como alguém pode acreditar num
Deus, como a apologética diz fazer (v. apologética , n e ­ pregador sem entender as palavras que o pregador fala?
é incoerente com a ênfase bíblica da ne­
cessidade da ), O entendimento contribui para a crença.
cessidade de o Espírito Santo convencer alguém da A razão remove as objeções. Quinto, a razão pode
verdade do cristianismo. Mas a posição cristã é que ser usada para remover objeções à fé. Referindo-se a
não há contradição entre razão e evidência por um alguém que tinha dúvidas antes de se tornar cristão,
lado e a obra do Espírito Santo por outro. escreveu: “É razoável que indague sobre a ressurrei­
Os pais da igreja prim itiva. Os primeiros apolo­ ção dos mortos antes de ser admitido aos sacram en­
gistas cristãos, de Justino M ártir (100-165) a C lemente tos cristãos”. Além disso,
de A lexandria (c. 155-220), usaram a razão para defen­

der a fé. Eles também acreditavam na necessidade da talvez tam b ém deva ter p erm issã o p ara in sistir em d isc u s­
revelação divina e da obra do Espírito Santo para trazer são p relim in ar sobre a qu estão p rop osta relativa a C risto —
a verdade sobre Deus à humanidade. No entanto, não p or qu e ele veio tão tard e na h istó ria h u m an a, e so bre alg u ­
deram tratamento sistemático ao relacionamento pre­ m as o u tras g ran d es q u estõ es, às q u ais tod as as o u tras estão
ciso entre a razão humana e o ministério do Espírito su bo rd in ad as ( Cartas, 1 0 2 .3 8 ).
E s p í r i t o S a n to n a a p o l o g é t i c a , p a p e l d o 308

Assim, Agostinho ensinou que a razão é útil antes, A filosofia aplica a razão. Aquino via três usos para a
durante e depois de se exercitar a fé no evangelho. No razão na filosofia. A razão humana pode ser usada para
entanto, a razão tem deficiências e, sem a obra do Espí­ provar a teologia natural (a existência e natureza de um
rito Santo, a humanidade estaria nas trevas. Deus). Pode também ser usada para ilustrar a teologia
O papel do Espírito Santo. A necessidade e superi­ sobrenatural (a Trindade e a encarnação). E pode ser usa­
oridade da revelação divina ficam bastante claras no da para refutar falsas teologias.
pensamento de Agostinho. Uma famosa afirmação sua Ela demonstra a existência e a unidade de Deus e
é: “Prim eiro creia, depois entenda” ( Sobre o credo, 4). outras proposições relativas a Deus e às criaturas.“Tais
“Se quiséssemos saber e depois crer, não seríamos ca­ verdades sobre Deus foram provadas demonstrativa­
pazes nem de saber nem de crer” (Do evangelho de mente pelos filósofos, guiados pela luz da razão natu­
Jo ã o , 2 7 .9 ). Já que a fé foi um dom do E sp írito ral” ( Summa theologica, la .3 , 2). A filosofia usa os
(Enchiridion, 31), não há verdadeiro conhecimento da ensinamentos dos filósofos para explicar doutrinas cris­
fé cristã sem a obra do Espírito Santo. tãs tais como a Trindade. Apesar de os argumentos de­
A revelação supera o resultado do pecado. “A falsi­ monstrativos não estarem disponíveis à teologia sobre­
dade surge não porque as coisas nos enganam [...] É o natural, existem argumentos prováveis que podem re­
pecado que engana a alma, quando as pessoas bus­ velar a verdade divina. E a filosofia pode ser usada para
cam algo que é verdadeiro, mas abandonam ou negli­ se opor a ataques contra a fé, demonstrando que são
genciam a verdade” ( Da verdadeira religião, 36). Esse falsos e desnecessários.
pecado é herdado, pois A razão humana pode apoiar a fé. Sobre o uso da “ra­
zão” (apologia) em 1 Pedro 3.15,Aquino argumentou que,
o pecado que eles [Adão e Eva] cometeram foi tão grande apoiando o que cremos, a razão humana tem uma rela­
que prejudicou toda natureza humana — nesse sentido, a ção dupla com a vontade do crente. Às vezes a pessoa não
natureza foi transmitida à posteridade com uma propen­ tem vontade de acreditar senão movido pela razão hu­
são ao pecado e uma necessidade de morrer (A Cidade de mana. Nesse caso, a razão diminui o mérito que viria com
Deus, 14.1). a fé, já que as pessoas “deveriam acreditar nas questões
da fé, não por causa da razão humana, mas por causa da
Somente a revelação divina recebida pela fé pode autoridade divina”. E “a razão humana pode ser subse-
superar isso.“E ninguém consegue descobrir Deus sem qüente à vontade do crente”.
que tenha primeiro acreditado no que mais tarde co­
nhecerá” (O livre-arbítrio, 2.6). Pois, quando um homem tem a vontade pronta para crer,
A revelação é superior à razão. “Então o que entende­ ele ama a verdade em que crê, reflete sobre as razões que
mos devemos à razão; aquilo em que acreditamos, à au­ pode encontrar para apoiá-la e as leva a sério; e, dessa ma­
toridade” (Da vantagem do crer, 25). Agostinho deixou isso neira, a razão humana não exclui o mérito da fé, mas é sinal
bem explícito quando confessou a Deus: “Éramos fracos de mérito maior (ibid., 2a2ae.2,10).
demais para encontrar a verdade somente por meio da
razão, por essa causa precisávamos da autoridade das A fé é apoiada pela evidência provável não basea­
Escrituras Sagradas” ( Confissões, 6.5). da nela. “Aqueles que depositam sua fé nessa verdade,
Além de o Espírito Santo ser o meio pelo qual re­ no entanto, ‘para a qual a razão humana não oferece
cebemos a revelação escrita de Deus (ibid., 7.21), ele é evidência experim ental’, não acreditam ignorante­
necessário para iluminar e confirmar sua verdade. E o mente, como se ‘seguissem fábulas artificiais’.” Antes,
Espírito Santo é a verdade da presença de Deus no cris­ “argumentos confirmam verdades que excedem o co­
tão. “Se em verdade tens caridade, tens o espírito de nhecimento natural e manifestam as obras de Deus
Deus para entender: pois é uma coisa muito necessá­ que superam toda natureza” ( Suma contra gentios, 1.6).
ria” (Homilia vi). Na evidência positiva apresentada por Aquino figura­
Tomás de Aquino. A questão da relação entre o vam a ressurreição dos mortos, a conversão do mun­
Espírito Santo e o uso da razão humana é realmente do e os milagres (v. milagres, valor apologético dos).
uma subdivisão do assunto mais amplo, fé e razão. A evidência negativa com preende argumentos
Aquino (1224-1274) falou extensamente sobre ambas. contra as falsas religiões, inclusive seu apelo sensual
Falou sobre as provas racionais da existência de Deus a prazeres carnais, ensinam entos que contradizem
e ofereceu evidências históricas e experimentais para suas prom essas, fábulas e falsidade, a falta de profe­
apoiar a verdade do cristianism o. Aquino também tas e milagres que ofereçam confirm ação para teste­
acreditava que ninguém chega à fé em Cristo sem uma munhar a inspiração divina do seu livro sagrado (por
obra especial e graciosa do Espírito Santo. exemplo, o Alcorão), o uso da força para difundir a
309 E s p írito S a n to n a a p o lo g é tic a , p a p e l d o

mensagem, o testemunho de sábios que se recusaram vo maior da inspiração interior (instinctus) de Deus convidan­
a crer e perversões das Escrituras. do-o a crer (Summa theologica ,2a2ae.6,1).
Pode ser surpreendente para quem conhece suas
diferenças saber quão próximas as razões de Aquino Quanto ao consentimento voluntário nas questões de
para a necessidade do Espírito Santo estão das de João fé,podemos observar dois tipos decausas.A causaqueper-
Calvino. Calvino estudou a fundo Aquino e os teólo­ suade defora é confirmada por algo como um milagre ou
gos medievais, apesar de ser devedor, em grande par­ um apelo humano. Isso é suficiente se não há uma causa
te, a Agostinho. que persuada de dentro.“O consentimento da fé, que é sua
0 Espírito supera os efeitos do pecado (v. so êtico s do ação principal, portanto, tem como causa o próprio Deus,
pecado,efeitos). Como Calvino em seus escritos posteri­ movendo-nos interiormente por meio da graça.” Crer pró­
ores, Aquino acreditava que o pecado distorce profun­ prio da vontade que foi preparada por Deus por meio de
damente a mente. Essa distorção deixa a razão incapaz sua graça, para receber o conhecimento que supera a na­
de contemplar a Deus e, assim, descobrir a fé que traz tureza (ibid., 2a2ae.2,9, ad 3).
certeza. Deus quer que seu povo tenha confiança, assim OEspírito torna certa a evidência provável. Como po­
seu Espírito comunica certo conhecimento dele por demos ter certeza, já que o apoio de nossa fé se baseia em
meio da fé {Suma teológica ,2a2ae. 1,5, ad 4). testemunhos intermediários (falíveis)? Aquino responde
0 Espírito revela verdade sobrenatural. Para Aquino que acreditamos nos profetas e apóstolos por causa de
a única maneira de superar um adversário da verdade seu testemunho confirmado por milagres (Mc 16.20; v.
divina é a partir da autoridade das Escrituras — uma milagres na B íblia ). Cremos em outros mestres apenas por
autoridade divinamente confirmada pelos milagres. concordarem com os escritos dos profetas e apóstolos (Da
Pois cremos naquilo que está acima da razão humana verdade, 14.10, ad llj.Socam en te a Bíblia, inspirada pelo
apenas porque Deus o revelou. É necessário “receber
Espírito Santo, dá certeza e autoridade infalível à fé (v. cer ­
pela fé não apenas coisas que estão acim a da razão,
teza/ convicção).
mas tam bém aquelas que podem ser conhecidas pela
Deus é a base da fé. Somente Deus, não a razão, é a
razão”. Sem a revelação do Espírito Santo, estaría­
base da fé. A razão pode provar que Deus existe, mas não
mos nas trevas com relação a m istérios da fé como a
pode convencer um incrédulo a acreditar em Deus (Suma
Trindade, a salvação e outras questões reveladas ape­
teológica, 2a2ae.2.2, ad 3). Podemos acreditar (consentir
nas na Bíblia.
sem reservas) em algo que não é nem auto-evidente nem
O Espírito é necessário para conceder fé. Além de
deduzido a partir de si mesmo (onde o intelecto é movi­
muitas coisas serem conhecidas apenas pela fé, a pró­
do) por uma ação da vontade.
pria fé pela qual são conhecidas é um dom do Espírito
Isso não significa que a razão não tenha um papel
Santo. A razão pode acompanhar a fé, mas não pode
anterior.
causar fé.“Fé é chamada consentimento sem questio-
na-m ento à medida que o consentimento de fé, ou as­
A fé não envolve uma busca pela razão natural de provar
sentimento, não seja causado por uma investigação do
aquilo em que se acredita. Envolve, no entanto, uma forma de
entendimento”. A fé é produzida por Deus. Ao com en­
questionamento das coisas pelas quais uma pessoa é levada a
tar Efésios 2.8,9, Aquino argumentou que o livre-ar­
acreditar, e.g., se elas são faladas por Deus e confirmadas por
bítrio é inadequado para a fé, já que os objetos da fé
milagres” (ibid., 2a2ae.2.1, resposta).
estão acima da razão. “O fato de um homem acreditar,
portanto, não acontece por si mesmo a não ser que
Deus o permita” (Comentário sobre Efésios, 96). A fé é Os demônios, por exemplo, estão convencidos pela
um dom de Deus, e ninguém pode crer sem ela. evidência de que Deus existe,
A razão acompanha o assentimento da fé; ela não
a causa (Da verdade, 14.A1, ad 6). Uma não causa a mas não são suas vontades que trazem consentimento do
outra, mas a fé e a razão são paralelas. “A fé envolve a que supostamente acreditam. Antes são forçados pela evi­
vontade (liberdade), e a razão não força a vontade” dência dos sinais que os convencem de que aquilo em que
(ibid.). Uma pessoa é livre para discordar, mesmo di­ os fiéis acreditam é verdadeiro.
ante de razões convincentes para crer.
OEspírito dá um motivo para crer. Para crer em Deus, Xo entanto,
é preciso ter o testemunho interior do Espírito Santo. Pois
esses sinais não causam a aparência do que se acredita para se
quem crê tem u m m otivo suficiente para crer, a autoridade do dizer que os demônios, em virtude disso, podem ver as coisas
en sin am en to de D eus, con firm ad o pelos m ilagres, e o m o ti­ em que acreditam (Da verdade, 14.9,ad4).
E s p í r i t o S a n to n a a p o l o g é t i c a , p a p e l d o 310

Jo ã o Calvino. João C alvino (1509-1564) acredita­ ad u ltério , roubo e assa ssin a to são considerados
va que a razão humana era adequada para entender a maus em todas as sociedades, e a honestidade é valo­
existência de Deus, a imortalidade da alma e até a ver­ rizada (Romanos e Tessalonicenses, p. 48). É evidente
dade do cristianismo. Ao mesmo tempo, acreditava que que Deus deixou provas de si mesmo para todos na
ninguém poderia ter certeza dessas verdades sem a criação e na consciência.
obra do Espírito Santo. Calvino acreditava que muitas A evidência da inspiração das Escrituras. Calvino
verdades sobre Deus poderiam ser conhecidas, sem falou repetidas vezes sobre “provas” da inspiração da
qualquer obra especial do Espírito Santo, tais como Bíblia (v. B íblia , evidência da), entre elas a unidade das
senso de divindade, lei natural e evidência da verdade Escrituras, sua majestade, suas profecias e sua confir­
da Bíblia. mação milagrosa. Ele escreveu:
Osenso inato de divindade. Todo ser humano tem um
senso natural de Deus à partir da obra do Espírito Santo. Se olharmos para [a Bíblia] com olhos puros e julgamen­
Algum senso da pessoa de Deus está embutido na mente to imparcial, ela se apresentará imediatamente com uma ma­
e nos instintos humanos.“Não há nação tão bárbara, ne­ jestade divina que subjugará nossa oposição presunçosa e nos
nhuma raça tão bruta, que não esteja imbuída com a con­
forçará a homenageá-la (Instituías, 1.7.4).
vicção de que há um Deus” (Institutos, 1.3.1). Esse senso
de divindade está tão naturalmente gravado no coração A evidência compele até incrédulos a confessar (até
humano que até mesmo filósofos incrédulos são força­
certo ponto conscientemente) que as Escrituras exibem evi­
dos a reconhecê-lo isso (ibid., 1.4.4).
dências claras de que foram enunciadas por Deus (ibid.).
A existência de Deus e a m ortalidade da alma.
O uso da razão humana, apesar de não ser absolu­
Calvino falou da “essência invisível e incompreensível
to, trouxe convicção suficiente sobre a existência de
de Deus” que foi revelada na criação. Essa prova se es­
Deus e a verdade das Escrituras. Calvino disse que pro­
tende à imortalidade da alma.
vas da inspiração das Escrituras podem não ser tão
fortes a ponto de produzir e fixar uma convicção na
Em cada uma de suas obras sua glória está gravada em
m ente, m as são “auxílios muito adequados” (ibid.,
letras tão brilhantes, tão distintas e tão ilustres que ninguém,
1.8. 1).
por mais tolo e iletrado, pode alegar ignorância como des­
Calvino fala da “credibilidade da Escritura suficiente­
culpa (ibid., 1.5.1-2).
mente provada, até o ponto em que a razão natural admi-
ta”.Oferece provas racionais sobre várias áreas,como a dig­
Com respeito a Romanos 1.20,21, Calvino conclui
que Deus nidade, a verdade, a simplicidade e a eficácia das Escritu­
ras. A isso ele acrescenta evidência de milagres, profecia,
apresentou às mentes de todos o meio de conhecê-lo, tendo história da igreja e até os mártires (ibid.).
se manifestado de tal forma por meio de suas obras, que A necessidade do Espírito Santo. Ao mesmo tempo,
devem ver necessariamente o que por conta própria não pro­ Calvino acreditava que ninguém jam ais se convenceu
curam saber — que existe um Deus (Comentário sobre Ro­ das verdades sobre Deus, Cristo e a Bíblia sem a obra
manos e Tessalonkenses,2). sobrenatural do Espírito Santo. Ele não via contradi­
ção no que dissera sobre o conhecimento natural de
Conhecimento natural da lei natural. O conhecimen­ Deus e das Escrituras.
to inato de Deus inclui conhecimento de sua lei justa. Os efeitos deletérios da depravação. Calvino acredi­
Calvino acreditava que já que “os gentios têm a justiça tava que a depravação humana obscurecia a capaci­
da lei naturalmente gravada nas suas mentes, certamen­ dade de entender e perceber a revelação natural de
te não podemos dizer que são completamente cegos à Deus (v. NOÉTicos d o pec a d o , e f e it o s ). Escreveu:
lei da vida” (Instituías, 1.2.22). Essa consciência moral é
a lei natural e é suficiente para que nenhum mortal te­ Sua idéia da natureza dele [de Deus] não é clara a não ser
nha desculpa para não conhecer a Deus. Por meio dessa que você o reconheça como sendo a origem e o alicerce de
lei natural, o julgamento da consciência é capaz de dis­ toda bondade. Logo, surgiria em você confiança nele e um
tinguir entre o justo e o injusto. Esse conhecimento in­ desejo de apegar-se a ele, se a depravação da mente humana
clui o senso de justiça implantado pela natureza no co­ não o tirasse do rumo certo da investigação (ibid., 1.11.2).
ração. Inclui uma discriminação e um julgamento na­
turais que distinguem justiça e injustiça, honestidade e O testemunho do Espírito. A certeza completa vem
desonestidade. Calvino acreditava que crimes como apenas pelo Espírito, que age com o interm édio da
311 E s p í r i t o S a n to n a a p o l o g é t i c a , p a p e l d o

evidência objetiva para confirmar no coração da pes­ za/ c o n v i c ç ã o ) . Sua segurança não pede razões; em tal

soa que a Bíblia é a Palavra de Deus. Calvino afirmou conhecimento a mente descansa mais firme e segura­
que mente que em qualquer raciocínio. É uma “convicção
que só a revelação do céu pode produzir” (ibid.). Sem
nossa fé na doutrina não está estabelecida até que tenhamos essa confirmação divina, todo argumento e apoio da
uma convicção perfeita de que Deus é seu autor. Logo, a maior igreja é vão. “Até que esse fundamento superior tenha
prova das Escrituras é uniformemente originada do caráter sido estabelecido, a autoridade das Escrituras perm a­
daquele a quem pertencem suas palavras. nece incerta” (ibid., 1.8.1).
0 testemunho do Espírito e da evidência. É impor­
Então, tante lembrar, como R. C. Sproul demonstra, que “o
testimonium não descarta a razão como uma forma
nossa convicção da verdade das Escrituras deve ser deriva­ de misticismo ou subjetivismo. Pelo contrário, trans­
da de uma fonte superior às conjecturas, julgamentos ou ra­ cende e vai além da razão” (Sproul,“Internai testimony
of the Holy S p irif’, p. 341). É a ação de Deus por meio
zões humanas, a saber, o testemunho secreto do Espírito
(ibid., 1.7.1,cf. 1.8.1,1.7.4; grifo do autor). da evidência objetiva, não separado da evidência, que
dá a certeza subjetiva de que a Bíblia é a Palavra de
Deus. É uma combinação do objetivo e do subjetivo,
Usar a razão para defender as Escrituras é insuficiente.
não uma exclusão da evidência objetiva por uma ex­
periência subjetiva. V. adiante os comentários sobre
Apesar de podermos manter a Palavra sagrada de
B .B .W a r field .
Deus contra os oponentes, isso não significa que iremos
Jo n a th a n Edwards. Jonathan E dw ards (1 7 0 3 -
imediatamente implantar a certeza que a fé exige nos
1758) oferece novas percepções sobre a relação entre
seus corações (ibid., 1.7.4).
a evidência apologética e o Espírito Santo. Ele tam ­
Calvino insistiu em que o testemunho do Espírito
bém via uma relação com plem entar entre os dois.
é superior à razão.
Edwards via oito funções da razão:

Pois assim como somente Deus pode testemunhar ade­


1. A razão deve provar a existência de Deus, o
quadamente sobre suas palavras, essas palavras também não
Revelador.
obterão crédito total nos corações dos homens até que este­
2. A razão percebe que haverá uma revelação.
jam seladas pelo testemunho interior do Espírito.
3. A razão pode dem onstrar que algo que alegue
ser revelação não é de Deus.
Ele acrescenta:
4. A razão demonstra a racionalidade da revela­
ção.
0 mesmo Espírito, portanto, que falou pela boca dos pro­
5. A razão verifica se uma revelação é genuína.
fetas, deve penetrar em nossos corações, para nos conven­
6. A razão defende a confiabilidade da revelação.
cer de que eles transmitiram com fidelidade a mensagem 7. A razão prenuncia que haverá m istérios numa
que lhes foi divinamente confiada (ibid., 1.7.4). revelação divina genuína, defende-os e refuta
Seja portanto confirmado que os que são ensinados objeções à sua presença.
interiormente pelo Espírito Santo consentem implicita­ 8. A razão compreende o que é iluminado pela
mente nas Escrituras; que a Bíblia,levando consigo a pró­ revelação.
pria evidência, não consente em submeter-se a provas e
argumentos, mas deve a convicção total com que deve­ A razão prova a existência de Deus. Edwards esbo­
mos recebê-la ao testemunho do Espírito [...] Ilumina­ ça sua concepção da existência de Deus em Freedom
dos por ele, não mais acreditamos, no nosso próprio ju l­ ofthe will [Da liberdade da vontade] (2.3). A primeira
gamento nem no dos outros, que as Escrituras são de prova é a posteriori, a partir de efeitos, de que há uma
Deus; mas.de maneira superior ao julgamento humano, causa eterna. A partir de argumentos, demonstra que
temos certeza absoluta [...] que vieram a nós, pela tal ser é necessariamente existente. A necessidade dessa
instrumentalidade dos homens, da própria boca de Deus existência demonstra suas perfeições a priori. As pro­
(ibid., 1.7.5). vas dos argumentos cosm oi.õgico e teleológico se unem
nessa abordagem.
Calvino acrescentou que a prova apresentada pelo A razão pode conferir certeza. É im possível que
Espírito transcende provas e probabilidades (v. c e r t e ­ o nada pudesse causar algo. E já que algo existe, deve
E s p í r i t o S a n to n a a p o l o g é t i c a , p a p e l d o 312

haver um Ser N ecessário e eterno. Essa convicção Se não fosse a revelação divina, tenho certeza de que não
firm e de Edwards vem do princípio da cau salid a­ há sequer uma doutrina da chamada religião natural, ape­
de, que ele descreve com o um princípio auto-evi­ sar de toda filosofia e conhecimento, que não estivesse en­
dente, uma “regra do bom senso”, a “mente da hu­ volvida em trevas, dúvidas, disputas intermináveis e terrí­
m anidade” e “esse princípio m aior do bom senso” vel confusão [...] De fato, os filósofos receberam o funda­
(ibid .). Em Miscellanies, ele declara: “É reconhecido mento da maioria de suas verdades dos antigos, ou dos
por todos como auto-evidente que nada pode com e­ fenícios, ou do que recolheram aqui e ali das relíquias da
çar sem uma causa”. Logo, “quando compreendida, revelação (Miscellanies, 1.1.19).
essa é um a verdade que irresistivelm ente terá lugar
no consentim ento”. Nesse caso, “se supusermos um Apesar da convicção de Edwards de que a razão
tempo quando não havia nada, um corpo não surgi­ natural poderia construir argumentos válidos a favor
rá por conta própria” . Pois afirm ar que algo pode da existência de Deus, ele negou que algum filósofo
surgir sem uma causa é “o que a inteligência abom i­ não cristão tenha feito isso.“Jamais se conheceu ou se
na” (Miscellanies número 91). ouviu falar de um homem que tivesse uma idéia [cor­
Edwards estava tão convicto de que algo não po­ reta] sobre Deus, sem que esta lhe tivesse sido ensina­
d eria su rgir sem um a cau sa que, a exem plo de da” (ibid., 1.6.15).
Aquino, argumentou que até um mundo eterno pre­ O Espírito dá vida à revelação. Por causa da luz do
cisaria de uma causa. Pois, Espírito Santo, os cristãos podem formular uma reli­
gião natural válida onde os pagãos fracassam . Isso
se supuséssemos que o mundo é eterno, a própria dispo­ acontece porque
sição bela, planejada e útil do mundo também levaria à
conclusão clara de que teve um autor inteligente. o aumento do conhecimento e da filosofia no mundo cris­
tão deve-se à revelação. As doutrinas da religião revelada
são os fundamentos de toda sabedoria útil e excelente [...]
Ele usa o exemplo de uma grande obra da litera­
A palavra de, Deus leva nações bárbaras a usar seu
tura. Tal obra, ainda que existisse desde a eternida­
discernimento. Traz suas mentes à reflexão e a razão abstra­
de, exigiria m ais explicação que tinta derram ada so­
ta e livra da incerteza nos primeiros princípios, tais como a
bre papel (ibid., número 312).
existência de Deus, a dependência de todas as coisas a ele
Dependemos da m etafísica para m ostrar como é
[...] Tais princípios são a base de toda filosofia pura, como
esse Ser Necessário, para
se vê mais e mais à medida que a filosofia avança (ibid.).

demonstrar que Deus não é limitado a um lugar, nem é


Em vista disso, não é razoável supor que a filo ­
mutável; que ele não é ignorante, ou esquecido; que é im­
sofia em si poderia preencher a lacuna. O conh eci­
possível para ele morrer, ou ser injusto; e há apenas um
m ento é fácil, porém , para os que o com preendem
Deus e não centenas ou milhares (Freedom ofthe will, 4.13).
por m eio da revelação.
Pode parecer incoerente da parte de Edwards
Edwards tinha certeza de que a razão dem onstra
afirm ar que Deus pode ser comprovado pela razão
os atributos divinos na sua infinidade (v. D e u s , natu ­
natural e que o incrédulo jam ais poderia chegar ao
reza d e ).
Deus verdadeiro dessa m an eira. O m otivo, com o
A razão limitada necessita do Espírito Santo. Ape­ Edwards explicou, é que a razão tem m ais facilidae
sar do valor dado à razão hum ana, Edwards acredi­ para dem onstrar um ponto proposto por outra pes­
tava que lim itações significativas da razão hum ana soa que para descobrir o ponto diretam ente. Sab e­
precisam da obra do Espírito Santo no coração. A ra­ ríam os que as obras da criação são efeitos se não
zão não pode tornar o conhecim ento de Deus “real” nos tivessem dito que têm um a causa? As m aiores
para os não-regenerados. Ela não pode oferecer uma m entes poderiam ser levadas ao erro e à contrad i­
revelação sobrenatural capaz de levar à salvação, ou ção se tentassem form ular uma d escrição da causa
m esm o perceber tal revelação, por causa da depra­ apenas pelo estudo dos efeitos (ibid ., 1.6 .1 6 ).
vação humana. Se recebe uma revelação, não conse­ Edwards acreditava ser possível a um incrédulo
gue determ inar seu pleno conteúdo divino. construir prova válida da existência do Deus verdadei­
Nada é mais evidente para Edwards que o fato, por ro, mas o fato de ninguém jam ais ter feito isso demons­
mais válida que seja a revelação natural, de que há uma trou para ele que a mente precisa ter a iluminação do
necessidade indispensável da revelação sobrenatural: Espírito. Uma vez que a mente tenha conhecimento do
313 E s p írito S a n to n a a p o lo g é tic a , p a p e l d o

verdadeiro Deus da revelação, é possível construir um A prim eira função pertence apropriadam ente à
argumento válido de sua existência com base nas pre­ apologética filosófica, que assum e o estabelecim en­
missas tiradas apenas da natureza e da razão (v. revela ­ to da existência de Deus com o Espírito pessoal, Cri­
ção g e r a l ) . A ssim , um a revelação esp ecial não é ador, Preservador e Governador de todas as coisas.
logicamente necessária para provar a existência do Deus A ela pertencem os problem as do teísm o com a
verdadeiro, mas na prática é historicamente necessária. com plexa d iscussão das teorias antiteístas.
Edwards afirma que, ao entendermos completa­ W arfield acreditava que a apologética eram os
mente as dificuldades envolvidas em conhecer o Deus prolegôm enos necessários à teologia. Escreveu:
verdadeiro, inevitavelmente atribuímos toda religião
verdadeira à instrução divina e todo erro teológico à A teologia apologética prepara o caminho para toda te­
invenção humana (ibid., 1.6.22). ologia ao estabelecer suas pressuposições necessárias, sem
A iluminação subjetiva é necessária. Apesar de toda as quais nenhuma teologia é possível — a existência e na­
sua ênfase na evidência racional e objetiva, Edwards tureza essencial de Deus, a natureza religiosa do homem que
acreditava que nem a revelação geral nem a especial o capacita a receber a revelação de Deus, a possibilidade de
eram suficientes para fazer pessoas depravadas abrir- uma revelação de Deus, a possibilidade da revelação e sua
se para a verdade. Além da revelação especial objetiva, concretização real nas Escrituras [ Works,9.64],
era necessária a iluminação divina subjetiva. Apenas
a luz sobrenatural poderia abrir o coração para rece­ Warfield acreditava que a apologética tem “um a
ber a revelação de Deus. Sem essa iluminação divina, parte prim ária” e “uma parte conquistadora” na d is­
ninguém jam ais aceitaria a revelação de Deus, não sem inação da fé cristã. O cristian ism o é ca ra cteri­
importa quão poderosa fosse a evidência a seu favor. zado pela m issão de chegar à posição dom inante
Um novo coração é necessário, não um novo cérebro.
por m eio do ra cio cín io . O utras religiões apelam
Isso é feito pela iluminação do Espírito Santo. Essa luz
para a espada ou procuram outra m aneira de pro­
divina não oferece nenhuma verdade nova nem reve­
pagar-se. O cristian ism o apela à razão e é portanto
lações novas. Antes concede um novo coração, uma
“a religião apologética” (Selected shorter writings
nova atitude de receptividade pela qual se pode acei­
[Escritos breves selecionados ], 2 .9 9 -1 0 0 ).
tar a verdade de Deus.
O papel do Espírito. Os indícios ou d em onstra­
B. B. Warfield. A apologética clássica (v. clássica ,
ções do caráter divino da B íblia andam lado a lado
a p o l o g é t ic a ) foi levada a d ia n te p o r B e n ja m in
com o Espírito Santo para convencer as pessoas da
Breckinridge Warfield (1851-1921). Ele também via a
verdade da Bíblia. W arfield concordava com Calvino
necessidade tanto da razão humana quanto da obra
em que eles não são em si capazes de levar pessoas
do Espírito Santo para convencer pessoas da verdade
a Cristo nem m esm o de convencê-las da autorida­
do cristianismo.
de divina e com pleta das E scritu ras. No entanto,
A necessidade da apologética racional. Warfield
W arfield acreditava que o E sp írito Santo sem pre
definiu apologética como “a vindicação sistem atica­
exerce seu poder de form a convincente por m eio
mente organizada do cristianism o em todos os ele­
da evidência.
mentos e detalhes, contra toda oposição” ( Works,9.5).
Sobre a relação entre a apologética e a Bíblia,
Ou, mais tecnicamente:
W arfield disse:

A apologética não assume a defesa, nem mesmo a


É fácil, naturalmente, dizer que o cristão não deve ba­
vindicação, mas o estabelecimento, não do cristianismo es­
sear sua opinião além das Escrituras, mas nas Escritu­
tritamente falando, e sim do conhecimento de Deus que o
cristianismo professa incorporar e busca tornar eficaz no ras. Ele certamente deve. Mas com certeza a Bíblia deve
mundo, e que é responsabilidade da teologia explicar cien- primeiramente ser-lhe autentica como tal, antes de po­
tificamente (ibid.,3). der basear nela seu ponto de vista (ibid., 2.98).

Ele dividiu a apologética funcionalm ente: Nesse apelo à evidência, Warfield percebeu que o
1. A ap ologética d em on stra a e xistên cia e a cristão tem algo em comum com os incrédulos. Os fa­
natureza de Deus. tos são universalmente disponíveis, e todos podem ser
2. A apologética revela a origem divina e a au­ convencidos da existência de Deus e da verdade das
toridade do cristianism o. Escrituras por meio delas, pelo poder da razão de um
3. A apologética d em onstra a superioridade pensador redim ido. No seu artigo de 1908 sobre
do cristian ism o (ibid ., 10). “Apologética”, ele disse que, apesar de a fé ser um dom,
E s p í r i t o S a n to n a a p o l o g é t i c a , p a p e l d o 314

ainda é uma convicção formal da mente. Todas as for­ Logo, o cristianismo é confirmado por fatos objeti­
mas de convicção devem ter evidência como base. A vos. Os atos mais excepcionais de Deus, milagres e pro­
razão investiga a natureza e validade dessa base fecias cumpridas, oferecem a melhor evidência das rei­
(Works,9.15). vindicações da verdade do cristianismo (v. milagres,va­
A razão não salva ninguém, não porque não haja lor apologético dos). Eventos sobrenaturais comprovam

prova para a fé cristã, mas porque a alma morta não os teológicos. A razão testa a revelação (v. fé e razão).
C o s m o y i s à o . 0 cristianism o também é testado pela
pode responder à evidência.
capacidade de fornecer uma visão do mundo inteiro,
A ação do Espírito Santo conceder a fé não está separada da humanidade e de Deus. Os princípios cristãos dão
mais sentido à vida e ao mundo. Uma cosmovisão, ou
da evidência, mas junto dela; e no primeiro instante consiste
“visão sinóptica”, organiza as coisas de m aneira mais
em preparar a alma para a recepção da evidência.
significativa (ibid., p. 60). A escolha de uma cosm o­
visão atraente não a torna verdadeira. Além disso, ela
A apologética não transforma homens e mulheres
deve ser internamente coerente (ibid.,p. 63 ,6 7 ). Os cri­
em cristãos, mas a apologética fornece a base sistema­
térios e a coerência de Ramm são semelhantes aos cri­
ticamente organizada sobre a qual a fé deve apoiar-se
térios de coerência factual e consistência lógica pro­
(ibid.).
postos por John Carnell.
Assim, o relacionamento entre a razão e a evidên­
Ramm está convencido da validade da lei da não-
cia de um lado e o Espírito Santo do outro é comple­
contradição como teste necessário da verdade (v. primei­
mentar. Não é o u o Espírito Santo ou a evidência. É o
ros princípios). Não podemos pensar sem ela (ibid.,68,69;
Espírito Santo agindo na e por meio da evidência para Protestant Christian evidences [Evidências cristãs pro­
convencer as pessoas da verdade do cristianismo. Há testantes], Al, 54). No entanto, Ramm não dá a mesma
uma dimensão externa (objetiva) e interna (subjeti­ ênfase à lógica que outros pressuposi-cionalistas, como
va) do processo pelo qual as pessoas reconhecem que Gordon Clark.
o cristianismo é verdadeiro. Tais dimensões podem ser Probabilidade ou certeza. Ramm faz distinção en­
chamadas racional e mística, respectivamente. Mas as tre probalidade e certeza. A revelação divina nas Escri­
duas nunca estão separadas,como muitos místicos cris­ turas e o testemunho interno do Espírito Santo permi­
tãos e subjetivistas tendem a fazer (v. Biblical and tem uma convicção espiritual plena. Essa confiança es­
theologicalstudies [Estudos bíblicos e teológicos],cap. 16). piritual se estende à existência e aos atributos de Deus,
B ern ard Ramm. De acordo com Bernard Ramm, à verdade das afirmações de Jesus Cristo e à salvação
há três círculos concêntricos de verificação. Eles re­ pessoal. Tais fatos são baseados no que Deus fez na his­
presentam três andares na confirmação das reivindi­ tória. Nenhum fato histórico é conhecido com “certe­
cações da verdade cristã. za”, já que ninguém pode voltar ao lugar físico e a época
Testemunho interno. No primeiro círculo de verifi­ para testar o evento empiricamente. Ele não pode ser
cação, testemunho interno, o pecador ouve o evange­ recriado no laboratório. Mas isso não significa que de­
lho e é convencido de sua verdade pelo Espírito Santo. vemos usar a palavra provavelmente. Os fatos históricos
podem ser conhecidos com um alto nível de probabili­
Isso é “uma verificação espiritual, pois a verificação
dade. Com a evidência das Escrituras, o testemunho do
primária da religião deve ser dessa ordem, senão o caso
Espírito Santo e as mudanças efetuadas pelas ações do
é transferido para um método de verificação estranho
Deus vivo no cosmo, o cristão deposita a fé no alto grau
à religião”. Essa influência persuasiva do Espírito Santo
de probabilidade da convicção absoluta.
é interna, mas não subjetiva ( Witness ofthe Holy Spirit
Resumo. Obviamente, nem todos os apologistas
[ 0 testemunho do Espírito Santo], p. 44).
apresentados aqui concordam em todos os pontos, mas
A ação de Deus. A função primária da evidência cris­ há um acordo geral em comparação com o fideIsmo,
tã é cultivar a recepção favorável para o evangelho. O
misticismo e outras formas de subjetivismo.
evangelho ainda deve fazer sua obra, não os argumen­ O papel da razão. A razão humana, sem a revela­
tos apologéticos. As provas mostram que ção especial (v. revelaçã o g era l ; revelação espe c ia l ),
pode fornecer argumentos que apoiam a existência de
esse Deus [bíblico] realmente entra em nosso tempo, Deus, conhecer vários atributos essenciais de Deus (v.
nossa história, nosso espaço, nosso cosmo e faz uma dife­ D e u s , evidências d e ) , oferecer evidência que sustenta a
rença [...] Pelo fato de Deus fazer essa diferença, sabemos fé cristã, defender o cristianism o contra ataques, ju l­
que acreditamos na verdade e não em ficção ou mera filoso­ gar a verdade de supostas revelações e ensinar o con­
fia religiosa (ibid., p. 57). teúdo de uma revelação de Deus.
315 e s s e n c i a l i s m o d iv in o

Há consenso geral sobre os lim ites da razão. Ela ___ , Protestant Christian evidences.
é m arcada pelos efeitos do pecado. Não chega ao co ­ ___ , The God who makes a difference.
nhecim ento adequado do Deus verdadeiro sem a ___ , The witness o f the Spirit.
ajuda divina. Não pode conceder certeza absoluta R. C. S proul, et al., Classical apologetics.
com relação à verdade sobre Deus. Não pode expli­ ___ , “The internal testim ony o f the Holy
car os m istérios da encarnação e da T rindade. Apóia Spirit”, em N. L. G eisler , org., Inerrancy.
a fé em Deus, m as não é a base para essa fé. Ela so ­ T omás de A q u in o , Commentary on Ephesians.
zinha não pode levar ninguém a crer em Deus ou ___ , On truth.
dar conhecim ento salvador. ___ , Suma contra gentios.
0 papel do Espírito. A maioria dos apologistas clás­ ___ , Sutnma theologica.
sicos concorda que o Espírito Santo tem vários papéis B. B. W arfield, Biblical and theological studies.
apologéticos necessários. 0 Espírito possibilitou a ori­ ___ . “Introduction”, em F. R. Beattie,
gem das Escrituras. Dá aos indivíduos entendimento Apologetics, or the rational vindication o f
da verdade revelada nas Escrituras e suas implicações Christianity.
. 0 Espírito Santo é necessário para a convicção total ___ , Selected shorter writings o f Benjamin
das verdades do cristianismo, e só ele leva as pessoas B. Warfield, 2 v.

a crer na verdade redentora de Deus. O Espírito Santo ____ , The works o f Benjamin B. Warfield, 10 v.

age na evidência e por meio dela, mas não separado


dela. Como Espírito de um Deus racional, não se des­ esse n cia lism o d ivino. Essencialismo (do latim esse,
via da mente para chegar ao coração. 0 Espírito ofere­ “ser” ), em relação aos princípios morais e à vontade
de Deus, é o ponto de vista segundo qual os princípios
ce evidência sobrenatural (milagres) para confirm ar
éticos baseiam -se na essência divina imutável (v. D eu s ,
o cristianismo.
natureza de), não só na vontade mutável de Deus. É
contrário ao voluntarismo divino, que afirma que algo
Fontes
é bom porque Deus o deseja. O essencialismo, pelo con­
A gostinho, Confissões.
trário, afirm a que Deus deseja algo porque é bom.
_ _ _ , Enchiridion.
Há dois tipos básicos de essencialismo: platônico
_ _ _ , Homilia VI sobre foão 3.1 — 4.3.
e teísta. Platão acreditava que Deus, o demiurgo, dese­
___ , Cartas.
ja todas as coisas de acordo com o Bem (agathós), que
_ _ _ , Da verdadeira religião.
é externo a Deus e ao qual ele se sujeita.
_ _ _ , Do livre-arbítrio.
Os teístas (v. teísmo), acreditam que Deus deseja as
_ _ _ , Da predestinação.
coisas de acordo com sua natureza imutavelmente boa
_ _ _ , Do credo.
(v. Deus, natureza de). Então o bem supremo não está
_ _ _ , Evangelho de João.
fora de Deus, mas nele, é sua própria natureza im utá­
_ _ _ , Da moral da Igreja Católica.
vel. Isso é chamado essencialismo divino.
_ _ _ , Do valor da crença.
A rg u m en tos a fa v o r d o e ssen c ia lism o . Os
_ _ _ , Da Trindade, em Kicene andpost-
essencialistas cristãos oferecem três linhas básicas de
Nicene fathers.
argumento a favor de sua visão: filosófica,bíblica e prá­
_ _ _ , Cidade de Deus.
tica.
J. Calvino, Instituías da religião cristã, edição de Argumentos filosóficos do essencialismo. Os teístas
1559.
tradicionais argumentam que Deus segundo sua na­
_ _ _ , As Epístolas aos Romanos e tureza é imutável. T omás de A quino ofereceu três argu­
Tessalonicenses. mentos básicos a favor da imutabilidade de Deus (v.
J. E dwards, Freedom o f the will. Deus, natureza de).
___ , “M iscellanies”. O argumento da realidade pura de Deus. O prim ei­
_ _ _ ,“0 f being”. ro argumento é baseado no fato de que o Deus de pura
_ _ _ , “The mind”. realidade (“Eu Sou”) não tem potencialidade, pois tudo
N. L. Geisler, Christian apologetics. que muda tem potencialidade. Mas não pode haver
S. Grenz, et al., orgs., Twentieth-century theology. potencialidade em Deus (ele é Realidade Pura). Por­
K. K rantzerJ o/uj Calvirís theory ofthe knowledge o f tanto, Deus não pode mudar (Êx 3.14). Pois tudo que
God and the Word o/God. muda tem o potencial de mudar. Porém, como Reali­
G. L favis, Testing Cchristianitys truth claims. dade Pura, Deus não tem o potencial de realizar por
B. R amm, Problems in Christian apologetics. meio da mudança.
e s s e n c i a l i s m o d iv in o 316

0 argumento da perfeição de Deus. O segundo ar­ O apóstolo Paulo acrescenta em Tito 1.2: o Deus
gumento a favor da imutabilidade de Deus baseia-se que não mente prometeu antes dos tempos eternos
em sua perfeição absoluta. Tudo que muda adquire Tiago 1.17 m ostra: Toda boa dádiva e todo dom
algo novo. Mas Deus não pode adquirir nada novo, já perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, que não
que é absolutamente perfeito; ele não poderia ser m e­ muda como sombras inconstantes”.
lhor. Portanto, Deus não pode mudar. Deus é pela pró­ Mas, se Deus é imutável por natureza, então sua von­
pria natureza um ser absolutamente perfeito. Se lhe tade está sujeita à sua natureza imutável. Assim, tudo que
faltasse alguma perfeição, não seria Deus. No entanto, Deus deseja deve ser bom de acordo com sua natureza.
para mudar é preciso ganhar algo novo. Mas ganhar Deus não pode desejar o que é contrário à sua natureza.
uma nova perfeição é ter carecido dela. Um Deus que Ele não pode mentir (Hb 6.18). Não pode ser odioso nem
carece de alguma perfeição não poderia ser o Deus injusto. O essencialismo divino deve estar correto.
absolutamente perfeito que é. Argumentos práticos da imutabilidade moral de Deus.
0 argumento da simplicidade de Deus. 0 terceiro Dois argumentos práticos são oferecidos a favor do
argumento a favor da imutabilidade de Deus parte de essencialismo divino, o da necessidade de estabilidade
sua simplicidade. Tudo que muda é composto do que moral e o da necessidade da repugnância moral. Ambos
muda e do que não muda. Mas não pode haver com ­ são apoiados pelo que conhecemos sobre a confiabilidade
posição em Deus (eleéu m ser absolutamente simples). de Deus e o testemunho escriturístico de que podemos
confiar que Deus não muda.
Logo, Deus não pode mudar.
O argumento da necessidade de estabilidade moral.
Se tudo sobre um ser mudasse, ele não seria mais
Se todos os princípios morais fossem baseados na von­
o m esm o ser. Na verdade, isso nem seria mudança,
tade mutável de Deus, então não haveria segurança
mas aniquilação de um a coisa e recriação de algo
moral. Como alguém poderia dedicar-se a uma vida de
com pletam ente novo. Se a cada mudança algo per­
amor, misericórdia ou justiça e depois descobrir que as
m anece igual e algo não, a coisa que muda deve ser
regras mudaram e que aquelas não são as coisas cer­
com posta desses dois elementos. Já que um ser ab­
tas? Na verdade, como poderíamos servir a Deus como
solutam ente simples como Deus não pode ter dois
supremo se ele pudesse desejar que nosso bem supre­
elem entos, conclui-se que Deus não pode mudar.
mo não fosse amá-lo, mas odiá-lo?
Argumentos bíblicos do essencialismo divino. As
O argumento da repugnância moral. Essencialistas
Escrituras apoiam o essencialismo teísta declarando
divinos insistem em que é moralm ente repugnante
que Deus é imutável por natureza.
supor, como os voluntaristas, que Deus poderia mu­
Evidência de imutabilidade no at. 0 salm ista do
dar sua vontade quanto ao amor essencialmente bom
a i declarou:
e, em vez disso, querer que o ódio fosse uma obriga­
ção moral. Da mesma forma, é difícil conceber como
No princípio firmaste os fundamentos da terra, e os céus um ser moralmente perfeito poderia desejar que es­
são obras das tuas mãos. Eles perecerão, mas tu permane­ tupro, crueldade e genocídio fossem moralmente bons.
cerás; envelhecerão como vestimentas. Como roupas tu os Já que é repugnante do ponto de vista moral que cria­
trocarás e serão jogados fora. Mas tu permaneces o mesmo, turas feitas à imagem de Deus imaginem tal mudança
eos teus dias jamais terão fim (SI 102.25-27). na vontade de Deus, quanto mais deve ser para o Deus
à imagem de quem fomos feitos.
Como 1 Samuel 15.29 afirma: “Aquele que é a Glória O argumento da confiabilidade de Deus. A Bíblia
de Israel não mente nem se arrepende, pois não é homem apresenta Deus como eminentemente confiável. Quan­
para se arrepender”. do ele faz uma promessa incondicional, jam ais deixa
O profeta acrescentou: “De fato, eu, o Senhor, não de cumpri-la (cf. Gn 12.1-3; Hb 6.16-18). Na verdade,
mudo. Por isso vocês, descendentes de Jacó, não fo­ os dons e chamados de Deus são decisões imutáveis
ram destruídos” (Ml 3.6) de sua parte (Rm 11.29). Deus não é homem para que
Evidência de imutabilidade no nt . O nt é igual­ se arrependa (1 Sm 15.29). Sempre se pode confiar que
mente forte com relação à natureza imutável de Deus. ele cumprirá sua palavra (Is 55.11). Mas essa confian­
Hebreus 1.10-12 cita Salmos 102, em comprovação. ça suprema em Deus não seria possível se ele pudesse
Alguns capítulos depois o autor de Hebreus afirm a: mudar sua vontade sobre qualquer coisa a qualquer
“Para que por meio de duas coisas imutáveis nas hora. A única coisa que faz Deus moralmente respon­
quais é impossível que Deus minta, sejam os firm e­ sável por cumprir sua palavra é sua natureza imutá­
mente encorajados, nos” (Hb 6.18). vel. Senão, ele poderia decidir a qualquer momento
317 e s s e n c i a l i s m o d iv in o

mandar todos os crentes para o inferno. Poderia re­ planos pode ser frustado” (Jó 42.2)? E o apóstolo Pau­
compensar os ímpios por assassinato e crueldade. Tal lo não afirmou sobre Deus: “Pois ele diz a Moisés: ‘Te­
D eus não se ria co n fiá v el. 0 D eus da B íb lia é rei misericórdia de quem eu quiser ter m isericórdia e
imutavelmente bom. terei compaixão de quem eu quiser ter compaixão’.
Objeções ao essencialismo. Objeção da suprema­ Portanto, isso não depende do desejo ou do esforço
cia de Deus. Os voluntaristas, como G uilherm e de O ccam , humano, mas da misericórdia de Deus” (Rm 9.15,16)?
opõem-se ao essencialismo. Um dos argumentos baseia- Deus não faz tudo “conforme o bom propósito da sua
se na supremacia de Deus, que pode ser afirmada: vontade” (E f 1.5)?
Não é preciso rejeitar a soberania de Deus para ver
1. Ou Deus deseja que algo seja correto, ou é o erro desse argumento. Essas passagens não estão fa­
correto porque Deus deseja. lando da base suprema dos princípios morais, mas da
2. Mas, se ele o deseja porque é correto, então eleição de Deus. Nem mesmo textos bíblicos que fa­
Deus não é suprem o, porque há algo além lam da vontade de Deus como a fonte absoluta do que
dele ao qual está sujeito. é m oralm ente correto comprovam o voluntarismo.
3. Logo, algo é co rreto porque Deus d eseja Princípios morais poderiam vir da vontade de Deus
assim. baseada em sua natureza imutável. Isso é, na verdade,
exatamente o que a Bíblia declara sobre o caráter imu­
Os essencialistas indicam dois problemas com esse tável de Deus.
argumento. A primeira premissa apresenta um falso Objeção de que Deus mudou de idéia. Segundo os
dilema. Não é preciso escolher um ou outro; ambos essencialistas, há exemplos nas Escrituras onde Deus
podem coexistir. Isto é, talvez os princípios morais flu­
mudou de idéia. Ele não se “arrependeu” de ter feito a
am da vontade de Deus baseada na natureza de Deus.
humanidade nos dias de Noé (Gn 6)? Deus não se “arre­
Se esse for o caso, a conclusão voluntarista não está
pendeu” ou mudou de idéia sobre a destruição de Nínive
correta. E a segunda premissa supõe incorretamente
(Jn 3)? Deus não mudou de idéia quanto a destruir Is­
que o padrão ético supremo ao qual a vontade de Deus
rael depois que Moisés orou (Nm 14)?
deve sujeitar-se está “além” de Deus. Mas, se está “nele”,
E ssencialistas divinos m ostram que Deus não
a saber, sua natureza moral suprema, então o dilema
mudou realmente em nenhum desses casos. Os seres
desaparece.
humanos mudaram em relação a Deus e, portanto, só
Objeção da natureza da moralidade. Os que se
parece , do ponto de vista humano, que Deus mudou. O
opõem ao essencialismo argumentam que princípios
vento parece mudar quando deixamos de pedalar con­
m orais pela própria natureza fluem da vontade de
tra ele e passamos a andar a favor dele. Uma cachoeira
Deus, não de sua natureza. Pois uma lei moral é uma
não mudou seu fluxo simplesmente porque viramos
prescrição, e prescrições só vêm de prescribentes. É
um copo para cim a e de repente vemos que ele está
uma ordem ética, e ordens só vêm de ordenadores.
Logo, é da natureza da lei moral que ela venha de um cheio. Como Tomás de Aquino observou, quando a pes­
Legislador Moral. Insistem em que afirm ar (como os soa se move de um lado da coluna para o outro, a co­
essencialistas) que as leis morais fluem da essência luna não muda em relação à pessoa. Pelo contrário, a
de Deus, não de sua vontade, é interpretar mal a natu­ pessoa se move em relação à coluna.
reza de um princípio moral. Conclusão. O essencialismo divino baseia-se em
Mas os essencialistas respondem que os volunta­ bons argumentos filosóficos, bíblicos e práticos. As
ristas supõem erroneamente, mais uma vez, que se tra­ objeções contra ele não são bem-sucedidas. Logo, ape­
ta de um ou outro, em vez de ambos. O problema é re­ sar de os princípios éticos fluírem da vontade de Deus,
solvido supondo-se (como faz o essencialismo) que os eles estão baseados em sua natureza imutável. Assim,
princípios morais fluem da vontade de Deus baseada Deus não pode desejar nada que seja contrário à sua
em sua natureza imutável. Isto é, Deus deseja o que é natureza moral essencialmente boa.
correto de acordo com o caráter imutavelmente bom de
sua natureza moral (v. m o r a l i d a d e , n a t u r e z a a b s o l u t a d a ) . Fontes
Objeção da soberania de Deus. O argumento da Aw>> UNHO, A cidade de Deus.
soberania da vontade de Deus baseia-se mais na in ­ C. S. L bvis , Cristianismo pum e simples.
terpretação específica de certas passagens bíblicas Pi ai A o .Protágoras.
que em raciocínio filosófico. Jó não declarou a Deus: ___ , A república.
“Sei que podes fazer todas as coisas; nenhum dos teus T omaã de A qitxo, Suma teológica.
e s s ê n io s e Je su s 318

essênios e Jesus. Os essênios eram uma seita judaica • pregou o am or, eles, não;
separatista que estabeleceu uma comunidade perto do • afirm ou se r o M e ssias sem p ecad o ; eles co lo ­
mar Morto (v. m a r M o r t o , r o l o s d o ) . Seu nome deve de­ caram um fardo p esad o de p ecad o sobre cada
rivar de hasídim (“pessoas leais” [ou piedosas]). Isso p essoa;
pode refletir sua crença de que viviam no fim dos tem­ • garantiu a salvação aos gentios; eles eram
pos de apostasia. 0 reinado maligno de Antíoco Epifânio nacionalistas judeus;
no século ii a.C. pode ter sido o impulso para a funda­ • ensinou que havia um Messias; eles buscavam
ção dessa seita. Sua comunidade durou até o século n dois;
d.C. Segundo Josefo ( Guerras dos judeus, 2 .8 .2 ), os • ensinou a ressurreição do corpo; eles enfati­
essênios, fariseus e saduceus eram as principais seitas zavam a imortalidade da alma, mas não do
do judaísmo. Plínio, o Velho, ligou-os a Qumran. Sua vida corpo.
era marcada pelo ascetismo, comunismo e a rejeição dos
sacrifícios animais. Na época do n t , eram cerca de 4 mil Em geral, o ensinamento ético de Jesus era mais
(Cross,p. 471). parecido com o judaísmo rabínico que com a austeri­
Jesus e os essênios. Alguns teólogos, tais como I. dade de Qumran.
Ewing ( The essene Christ; [O Cristo essênio]), alegam Apesar de Jesus ensinar a justiça, isso não signifi­
que Jesus era o “Mestre da Justiça” essênio, m enciona­ ca que fosse o “Mestre da Justiça” essênio. Tal identifi­
do nos rolos do mar Morto. cação ignora diferenças cruciais. 0 líder essênio
Há quem defenda que João Batista e até Jesus teri­
am sido membros da comunidade essênia. Durante seu • era um sacerdote, enquanto Jesus foi um Pro­
ministério registrado nos evangelhos, Jesus só se opôs feta, Sacerdote e Rei;
a fariseus e saduceus. Nunca criticou os essênios. Je­ • era um pecador que precisava de purificação,
sus certam ente se considerava “Mestre de Justiça”. mas Jesus não teve pecado (v. Cristo, divindade de);
Quando foi batizado, disse: “Deixe assim por enquan­ • considerava-se criatura, não o Criador;
to; convém que assim façam os, para cumprir toda a • não fez expiação por ninguém ao morrer;
justiça” (Mt 3.15). Então João consentiu. Jesus era sa­ • não ressuscitou dos mortos como Jesus;
cerdote. De acordo com o n t , Jesus foi sacerdote para • não foi adorado como Deus;
sempre segundo a ordem de Melquisedeque (Hb 7.17). • viveu bem antes de Jesus.
Ele cumpriu a tipologia do sacerdócio aarônico. Da
m esm a forma, o “Mestre da Justiça” da comunidade Não há evidência real de que Jesus tivesse sequer
essênia era um sacerdote. Jesus passou um tempo no visitado a comunidade essênia, mas, de qualquer for­
deserto perto dos essênios. Também opôs-se enfati­ ma, uma afiliação casual com os essênios é irrelevante.
camente ao sistema religioso vigente, de maneira bem Sua identidade não permaneceu com ninguém mais
semelhante aos essênios. além de Deus. Em vários asp ectos, Jesus foi um
Avaliação. Há várias falhas na teoria essênia. Os iconoclasta do judaísm o estabelecido. Apesar de ter
três argumentos básicos a favor da visão essênia se­ cumprido, não destruído a lei (M t 5.17,18), opôs-se
rão tratados em ordem. ao ju d aísm o oficial por razões diferentes das dos
O fato de Jesus não criticar os essênios é um ar­ essênios. A hierarquia judaica o rejeitou como Messi­
gum ento falho baseado no silêncio. Não foi registra­ as, o Filho de Deus. Esse não foi o caso dos essênios.
do nada que ele tenha dito contra eles. Os essênios Além disso, Jesus não era um asceta. Foi criticado por
não eram parte do judaísm o oficial, que se opunha a comer com pecadores (v. C r i s t o , d i v i n d a d e d e ) .
C risto . O Talmude ta m b é m não se op unha aos Conclusão. Não há evidência de que Jesus tivesse
essênios, mas não é um livro essênio. Esse tam bém é contato com a comunidade essênia. Mas, se teve, isso
um exemplo da falha “preto e branco”. Ela ignora o não faz dele um essênio nem refuta suas afirmações
fato de Jesus talvez não ter pertencido a nenhum gru­ singulares. Seus ensinamentos eram diferentes em as­
po. E ignora diferenças cruciais entre o ensinam ento pectos importantes. Só Jesus afirmou ser o Messias
de Jesus e as doutrinas essênias. Jesus judeu (v. p r o f e c i a c o m o p r o v a d a B í b l i a ) e Filho de Deus
(v. C r is t o , d iv in d a d e d e ).

• opunha-se à pureza cerim onial em relação à


qual os essênios eram tão radicais; Fontes
• opunha-se ao legalismo, e eles eram sem dúvi­ M. B , The scrolls and Christian origins.
la c k

da legalistas quanto à lei mosaica; F. L. CROss,“Essenes”, em The Oxford dictionary o f


• enfatizou o Reino de Deus, eles, não; the Christian church..
319 Evangelho d e Tomé

M. D vpont-Sommer , TheJewish sect ofQumran and E vangelho de B a rn a b é . V. B a rn a bé , E vangelho d e .


the Essenes.
I. Ewing, The Essene Christ. Evangelho de q. V. q, d ocu m ento .
F lavio J osefo, Guerras dos judeus.
C. D . Ginsbcrg, Os essênios. Evangelho de Tomé A alegação dos críticos. Alguns crí­
J. B. L ightfoot, Sr. PauTs Epistles to the Colossians ticos radicais do x t alegam que o evangelho gnóstico de
and to Philemon. Tomé é igual ou superior ao x t e que não apoia a ressurrei­
ção de Cristo. O S eminário J esus coloca o Evangelho de Tomé
Eusébio. Eusébio (c. 260-340) foi bispo de Cesaréia e o na tão gravemente mutilada Bíblia adotada por eles.Ambas
“pai da história da igreja”. Sua História eclesiástica é a as posições são sérios desafios à fé cristã histórica.
principal fonte de informação desde o período apostó­ O Evangelho de Tomé foi d esco b erto em Nag
lico até o século iv. Contém uma quantidade imensa de Hammadi, Egito, perto do Cairo, em 1945, e traduzido
material da igreja oriental, apesar de pouco a respeito para o inglês em 1977. Apesar de alguns terem tenta­
da igreja ocidental. Eusébio também escreveu Os már­ do dar-lhe uma data anterior, a mais provável não deve
tires da Palestina, um relato das perseguições promovi­ ser anteriora 140-170 d.C. Contém 114 afirm ações se­
das pelo imperador Diocleciano (303-310). Também cretas de Jesus. Entre os defensores do Evangelho de
escreveu uma biografia do imperador Constantino. Tomé estão Walter Baur, Frederick W isse, A. Powell
As obras apologéticas e polêmicas de Eusébio fo­ Davies e Elaine Pageis.
ram extensas. Entre elas estão: C on tra Hiérocles (res­ Uma avaliação da credibilidade do Evangelho de
pondendo à retórica anticristã de um governador pa­ Tomé. A melhor maneira de avaliar a credibilidade do
gão d a Bitínia), A preparação p a r a o evangelho (por Evangelho de Tomé é pela comparação com os evange­
que cristãos aceitam a tradição hebraica e rejeitam a lhos do n t , que os mesmos críticos geralmente questio­
grega) e Demonstração do ev a n g e lh o (argumentos a nam muito (v. Novo T estamento , historicidade do ; Novo

favor de Cristo com base no a t ) . Eusébio também es­


T estamento , C onfiabilidade dos documentos do ; Novo T es ­
tamento , manuscritos do ). Quando essa comparação é fei­
creveu um livro sobre a encarnação: A teofania. Outra
ta, o Evangelho de Tomé revela-se inferior.
de suas obras, Contra Marcelo, b isp o deAncira, é uma
Os evangelhos canônicos são bem anteriores. Levan­
coleção de passagens d o a t que prevêem a vinda de
do em conta as datas mais amplamente aceitas dos evan­
Cristo. A esse último acrescentou um livro teológico,
gelhos sinóticos (c. 60-80 d.C ),o Evangelho de Tomé vem
Refutação d e M a rcelo . Eusébio escreveu A defesa de
quase um século mais tarde. Na verdade, há evidência
Orígenes com os pontos d e vista de O r í g e n e s a respeito
de datas ainda anteriores de alguns evangelhos (v. N oto
da T r i n d a d e e d a encarnação (v. Schaff, série 2d, 1.36).
T estamento , datação do ), como até alguns teólogos libe­
Escreveu outras obras como Problemas dos evangelhos,
rais admitem (v. Robinson, John A., tudo). O. C. Edwards
Sobre a P á s c o a , S o b re a te o lo g ia da ig reja e Dos nomes
afirma quanto ao Evangelho de Tomé e aos evangelhos
e lugares nas S a g r a d a s Escrituras.
canônicos: “Como reconstruções históricas não há como
Eusébio é um elo histórico crucial entre os apósto­
os dois reivindicarem as mesmas credenciais” (p. 27). E
los e a Idade Média. Depois dos apóstolos e primeiros
Joseph Fitzmyer acrescenta:
apologistas, ele é o exemplo principal da forma assumi­
da pelos apologistas cristãos primitivos. Além disso,
V ez a p ó s v e z , e l a e s t á c e g a p a r a o f a t o d e q u e e s t á i g n o ­
desempenhou um papel importante na transmissão das
r a n d o u m s é c u l o in t e ir o d e e x i s t ê n c i a c r i s t ã n o q u a l e s s e s
Escrituras (v. Geisler e Nix, p. 278-82) por meio da pre­
c r i s t ã o s g n ó s t ic o s s im p le s m e n t e n ã o e x is t ia m (p . 1 2 3 ).
paração de cinquenta cópias da Bíblia apenas 23 anos
depois de Diocleciano ordenar sua extinção em 302.
O Evangelho de Tomé é dependente dos evangelhos
Outras testemunhas primitivas são comentadas no
canônicos. Mesmo que pudesse ser comprovado que o
artigo N ovo T e s t a m e n t o , f o n t e s n à o - c r i s t ã s d o . Evangelho de Tomé contém afirm ações autênticas de
Jesus, “nenhuma defesa convincente foi feita de que
Fontes
qualquer afirmação de Jesus nos evangelhos depende
F. L. Cross, The Oxford dktionary ot the Chnstian de uma afirm ação no Evangelho de Tomé” (Boyd, p.
church. 118). Mas o contrário é verdadeiro, já que o Evangelho
X. L. Geisler eW . X ;x ,Introdução bíblica. de Tomé pressupõe verdades encontradas anterior­
J. S tevenson, Studies in Eusebius. mente nos evangelhos canônicos.
D. S. W x i u s -H a o r ii i , Eusebius ofCaesarea. O Evangelho de Tomé retrata o gnosticismo do
P. Schaff , TheXiceneandpost-Sicene fathers. século ii. O Evangelho de Tomé é influenciado pelo tipo
e v id e n te s , v e r d a d e s 320

de gnosticismo predominante no século n. Por exem­ (c. 125.140), nos Oráculos, fala de Mateus, Marcos (de­
plo, afirma que Jesus disse estas palavras improváveis e pendente de Pedro) e João (por último), que escreve­
humilhantes: “Toda mulher que se fizer homem entra­ ram os evangelhos. Ele diz três vezes que Marcos não
rá no Reino dos céus” (citado por Boyd, p. 118). cometeu erros. Além disso, os pais consideravam os
A falta de narrativa do Evangelho de Tomé não pro­ evangelhos e as epístolas de Paulo tão importantes quan­
va que Jesus não fe z milagres. O fato de o(s) autor(es) to o a t inspirado.
do Evangelho de Tomé não incluir (incluírem) narra­ Logo, os pais deram testemunho da precisão dos
tivas dos m ilagres de Jesus não significa que não evangelhos canônicos já no início do século n, bem
acreditava(m) neles. O livro parece ser uma coleção antes do Evangelho de Tomé ser escrito.
dos pronunciamentos de Jesus, e não de suas obras. O relato da ressurreição. O Evangelho de Tomé reco­
Os evangelhos canônicos são mais confiáveis histori­ nhece a ressurreição de Jesus. Na verdade, o próprio
camente. Há várias razões pelas quais os evangelhos do Cristo ressurreto e vivo aparece nele falando (34.25-27;
nt são mais confiáveis que os gnósticos. Primeira, os 45.1 -16). É verdade que o livro não enfatiza a ressurrei­
cristãos primitivos foram meticulosos na preservação ção, mas isso era de esperar, já que se trata de uma fonte
das palavras e obras de Jesus. Segunda, os autores dos voltada principalmente para as “afirmações”, em vez de
evangelhos estavam perto das testemunhas oculares e uma narração histórica. Além disso, o preconceito teo­
pesquisaram os fatos (Lc 1.1-4). Terceira, há boa evi­ lógico gnóstico contra o assunto tenderia a menospre­
zar a ressurreição corporal.
dência de que os autores dos evangelhos fossem narra­
dores honestos (v. Novo Testamento, historicidade d o ; tes­
Conclusão. A evidência da autenticidade do Evan­
gelho de Totné nem se compara à do n t . O nt data do
t e m u n h a s , c r it é r io de Hume para). Quarta, o retrato geral
século i; o Evangelho de Tomé, do século n. O nt é con­
de Jesus apresentado nos evangelhos é o mesmo.
firmado por várias linhas de evidência, inclusive refe­
O cânon básico do n t fo i fo rm a d o no século /. Ao
rências internas, listas canônicas antigas, milhares de
contrário das afirmações dos críticos, o cânon básico
citações dos primeiros pais da igreja e as datas bem
do nt foi formado no século i. Os livros contestados
estabelecidas dos evangelhos sinóticos.
não têm efeito apologético sobre o argum ento da
confiabilidade do material histórico usado para esta­
Fontes
belecer a divindade de Cristo.
G . B oyd , / « u s under siege.
O nt revela que uma coleção de livros existia no
O. C. E dw ards , Aviv review o f books and religion
século i. Pedro fala que possuía as epístolas de Paulo
(M ay 1980).
(2Pe 3.15,16). Na verdade, ele as considerava tão im ­
C. A. 'Evxxs.NagHatmnadi texts and the Bible.
portantes quanto as “Escrituras” do a t . Paulo teve aces­
J. F it z m y er , America (1 6 Feb. 1980).
so ao evangelho de Lucas e o cita em 1 Timóteo 5.18.
A . F r ed erick , et a l., The gnostic gospels.
As igrejas foram instruídas a enviar a outras igrejas
N. L. G e isler , e W. Nix, Introdução bíblica.
as epístolas que receberam (Cl 4.16). R. M . G r a n t , Gnosticism and early Christianity.
Além do n t , há listas canônicas extrabíblicas que E. L in n e m a n , Is there a synoptic problem?
apoiam a existência de um cânon do nt ( v . Geisler e E . P agels , The gnostic gospels.
Nix, p. 294). Na verdade, todos os evangelhos e as epís­ J. A. R o b in so n , Redating the New Testament.
tolas básicas de Paulo estão representados nessas lis­ J. M. R o b in so n , The Nag Hammadi library in English.
tas. Até o cânon herético do gnóstico Marcião (c. 140 F. S eig er t , et a l., Nag-Hammadi register.
d.C.) continha o evangelho de Lucas e dez das epísto­ M. J. W il k in s , et d\.Jesus under fire.
las de Paulo, inclusive 1 Coríntios.
Os pais do século //apoiam os evangelhos canônicos. evangelhos, historicidade dos. V. Novo T estamento,
Os pais do século n citaram um conjunto de livros que h ist o r ic id a d e d o .
inclui todos os livros im portantes que apoiam a
historicidade de Cristo e sua ressurreição, a saber, os evidentes, verdades. Quando aplicada a proposições,
evangelhos, Atos e 1 Coríntios. Clemente de Roma (95 a expressão evidente significa que, quando os termos
d.C.) citou os evangelhos (Aos coríntios, 13, 42, 46). são conhecidos, a verdade da proposição é cognoscível
Inácio (c. 110-115) citou Lucas 24.39 (Aos esmirnenses, por si mesma, sem precisar de esclarecimento ou con­
3 ). P olicarp o (c. 115) citou todos os evangelhos firmação de qualquer coisa exterior a ela. Por exem ­
sinóticos (Aos filipenses, 2, 7). O Didaquê cita várias plo: “Todas as “esposas” são “mulheres casadas” é evi­
vezes os evangelhos sinóticos (p. 1, 3, 8, 9, 15,16). A dente, já que os term os esposas e m ulheres casadas
Epístola de B arn abé (c. 135) cita Mateus 22.14. Papias significam a m esm a coisa. Este tipo de afirm ação
321 e v o lu ç ã o b io ló g ic a

evidente é considerada tautologia, já que é desprovida evolução cósmica ). Pelo fato de implicações e argumen­

de todo significado, sem afirm ar realmente que existe tos diferentes separarem os tipos de apologética rela­
qualquer esposa. Significa simplesmente: “Se existe cionadas a cada uma dessas vias evolutivas, elas de­
uma esposa, ela é uma mulher casada”. vem ser discutidas em artigos diferentes.
Princípios evidentes. Os primeiros princípios sâo No sentido amplo, evolução significa desenvolvi­
considerados princípios-evidentes, pois são o alicerce mento; mais especificamente passou a significar a teo­
(v. fundacioxalismo) de todas as outras afirmações. Apa­ ria da ancestralidade comum. Acredita-se que todos os
rentemente, no entanto, há uma ordem de prioridade seres vivos evoluíram por processos naturais a partir
entre primeiros princípios. de formas de vida anteriores e mais simples. A evolu ção
Em contraste com o fundacionalism o,o coerentis- teísta supõe um Deus que deu partida ao processo (ao
mo rejeita todos os princípios e verdades evidentes, criar a matéria e/ ou a primeira vida) e/ ou dirigiu o
exceto as tautologias, que, segundo eles, são vazias e processo. A evolução naturalista acredita que o proces­
inúteis no conhecimento da realidade. Eles insistem so inteiro é natural, inclusive a origem do universo e da
não ser necessário um alicerce absoluto para a verda­ primeira vida por geração espontânea.
de, mas apenas coerência entre suas afirmações. Para outras discussões relacionadas à crítica da ciên­
“Eu sou eu” é uma afirmação evidente. Não é ne­ cia da evolução, v. Adão, historicidadede; antrópico, princípio;
cessária informação adicional para saber que ela é ver­ big-bang, teorla do; crlaçào, vtsões da; Darwin, Charles; elos
dadeira. Depois de compreendidos os term os, fica cla­ perdidos; origens, ciênoa das, e teleológico, argumento.
ro, por si mesma, que é verdadeira. Além disso, as leis
básicas de não-contradição afirmam que uma proposi­
evolução biológica. Alguns gregos antigos acredita­
ção não pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo e no
vam na evolução. Mas, antes de Charles Darwin (1809-
mesmo sentido. Essa é uma verdade irredutível em cujos
1882), as teorias da evolução tendiam a surgir de uma
termos todas as outras verdades são consideradas verda­
cosm ovisão panteísta (v. panteísmo) e careciam de
deiras. Sem a lei de não-contradição, nada pode ser con­
credibilidade científica. Darwin teorizou o mecanismo,
siderado verdadeiro. É um primeiro princípio evidente.
chamado “seleção natural”, para fazer a evolução fun­
D efesa das afirm ações evidentes. Não há prova
cionar. Isso colocou a evolução no contexto naturalis­
direta de uma proposição evidente em nada além de
ta que tem sido sua fortaleza desde então. Grande par­
si mesma. É considerada verdadeira simplesmente pela
te do que Darwin ensinou foi rejeitado ou ultrapassa­
análise de seus termos. Se o predicado é redutível ao
do, mas sua doutrina da seleção natural foi mantida.
sujeito, é evidente. Afirmações evidentes não podem
A evolução biológica divide-se em micro evolução
ser provadas por outros termos. Se pudessem, não se­
(pequena escala) e macroevolução (grande escala).
riam por outros evidentes.
Os oponentes da macroevolução geralmente aceitam a
No entanto, há uma “prova” indireta de afirmações
microevolução, já que esse processo simplesmente des­
evidentes. Pois uma verdade evidente não pode ser ne­
creve a habilidade que têm várias formas de vida de se
gada sem ser afirmada. Por exemplo, eu não posso ne­
adaptar ao seu ambiente. Por exemplo, há vários tipos
gar que “existo” sem existir para negar isso. Da mesma
forma, a lei de não-contradição não pode ser negada de cachorros, mas são todos cachorros. Suas diferenças
sem sugerir que é verdadeira. A afirmação: “Uma afir­ de raciais “evoluíram” (desenvolveram-se) por meio da
mação pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo e seleção natural e artificial. A macroevolução defende a
no mesmo sentido”— deve ser verdadeira ou falsa. Mas evolução em grande escala, do micróbio ao homem,
só pode ser aceita ou negada se a lei da não-contradição desde o primeiro animal unicelular até o ser humano
for válida. É preciso supor que a lei seja válida antes de como o animal mais elevado na cadeia.
afirmar que não é. A m aioria dos m acroevolucionistas acredita que
Dessa forma, há uma “prova” indireta de verdades a prim eira vida com eçou como resultado das reações
auto-evidentes: Elas não podem ser negadas sem ser quím icas no que D arw in cham ou “pequena poça
empregadas. Esse tipo de prova às vezes é colocado na m orna”. Pesquisas dem onstram que é possível gerar
forma de um argum ento transcendental . as proteínas necessárias para a vida com apenas al­
guns gases básicos e água. Isso incentivou a opinião
evolução. A evolução compreende três áreas básicas: a de que a vida surgiu da m atéria sem vida (v. e v o l u ­
origem do universo, a origem da primeira vida e a ori­ ç ã o q u í m i c a ) . Dizem que novas formas de vida evoluí­

gem de novas formas de vida. Respectivamente, elas são ram por meio de mutações e da seleção natural. À m e­
chamadas evolução cósmica, evolução química e evo­ dida que as condições na terra m udaram , anim ais
lução biológica (v. e v o l u ç ã o b i o l ó g i c a ; e v o l u ç ã o q u í m i c a ; ad ap taram novas c a ra c te rís tic a s para su p rir os
e v o lu ç ã o b io ló g i c a 322

d e s a fio s . Os que se adaptaram sobreviveram, e os inteligentes. Ambas as ciências acreditam que sabem
que não se adaptavam entraram em extinção. A gran­ quando encontraram um etêito que requer uma causa
de variedade de anim ais extintos representada entre inteligente pelas marcas especiais que a mente deixa no
os fósseis e suas sem elhanças com espécies vivas são que produz. Por exemplo, há uma diferença óbvia entre
usadas para confirm ar essa tese. um pacote de biscoitos em formas de letra derramado na
B a se científica. A evolução, como outras aborda­ mesa e a série ordenada de letras: “Paulo, leve o lixo para
gens de eventos passados, é uma ciência especulativa, fora. Mamãe”. Os que acreditam que há uma causa inteli­
não empírica. A ciência especulativa lida com singu­ gente para a origem do universo, da primeira vida e/ ou
laridades passadas para as quais não há padrões de de novas formas de vida são chamados “criacionistas”.
eventos recorrentes com que possam ser testadas. As Os que acreditam que isso pode ser explicado por causas
teorias da evolução e da criação tam bém são cham a­ meramente naturais e não inteligentes são chamados
das teorias da ciência da origem (v.origens, ciência das), “evolucionistas”.O s“evolucionistas teístas” tentam sinte­
em vez de ciência da operação. Ciência da operação é tizar as duas visões.
ciência empírica; e trata da maneira em que as coisas Três áreas básicas de debate separam criacionistas
operam agora. Estuda fenômenos regulares e repeti­ e evolucionistas quanto à questão das origens: 1) a ori­
dos. Suas respostas podem ser testadas ao repetir-se a gem do universo (v. evolução cósmica), 2) a origem da
observação ou a experiência. Seus princípios básicos são primeira vida (v. evolução química) e 3) a origem da vida
a possibilidade de observação e a da repetição. A humana. Historicamente, essas áreas foram chamadas
microevolução é o estudo legítimo da ciência da opera­ “cosmogonia, biogonia, antropogonia” (v. elos perdidos),
ção, principalmente relacionada à genética. em com p aração com as c iê n c ia s de op eração,
Já que a ciência das origens lida com singularida­ cosmologia, biologia e antropologia.
des passadas, ela é mais uma ciência forense. Os even­ A origem de novas fo rm a s d e vida. Explicação
tos passados das origens não foram observados e não naturalista das origens. As novas formas de vida vie­
podem ser repetidos. Devem ser reconstituídos pela ram de causas naturais ou sobrenaturais (inteligen­
observação da evidência que resta. Assim como o c i­ tes). Darwin deu um a das maiores contribuições à te­
entista forense tenta reconstruir como o hom icídio oria da evolução com sua analogia da seleção por cri­
ocorreu a partir da evidência física, o cientista das ori­ adores com a seleção na natureza. O princípio de sele­
gens tenta reconstruir a origem do universo, a prim ei­ ção natural tornou-se o selo da evolução porque for­
ra vida e novas formas de vida a partir da evidência. neceu o sistema pelo qual novos desenvolvimentos de
Os prin cípios d a ciência das origens. Em lugar formas de vida poderiam ser explicados sem apelar a
da observação e da repetição, o cientista das origens uma causa sobrenatural.
usa os princípios da causalidade e da analogia. O prin­ Darwin estava ciente de que havia sérias talhas na
cípio da causalidade (v. causalidade, princípio da ; primei ­ analogia entre criadores e a natureza, mas ele cria que o
ros princípios), que está na base da ciência moderna e que os humanos podiam fazer em algumas gerações po­
de todo o pensamento racional, afirma que todo evento deria ser feito pela natureza em algumas centenas de
tem uma causa adequada. Na ciência, o princípio da gerações. Mas o tempo não é o único fator que enfra­
analogia (ou uniformidade) afirma que o presente é a quece a analogia. E. S. Russell escreveu:
chave do passado. Ou, mais precisamente, os tipos de
causas que produzem certos tipos de efeitos no pre­ É lamentável que Darwin tenha apresentado o termo
sente são os que produziram eventos semelhantes no “seleção natural”,pois isso criou muita confusão. Ele fez isso,
passado. é claro, porque chegou à sua teoria por meio do estudo dos
Dois tipos de causas. A causalidade divide-se em dois efeitos da seleção praticados pelo homem na criação de ani­
tipos básicos: natural e inteligente. Causas inteligentes às mais domésticos e plantas cultivadas. Aqui o uso da palavra
vezes são chamadas causas primárias e causas naturais é completamente legítimo. No entanto, a ação do homem na
são chamadas causas secundárias. A maioria das ciênci­ reprodução seletiva não é análoga à ação da “seleção natu­
as busca causas naturais nas leis da física ou da química. ral”, mas quase o seu oposto direto [...] 0 homem tem um
Mas outras lidam com causas inteligentes. A arqueologia, objetivo ou fim em vista; a “seleção natural” não pode ter. O
por exemplo, busca uma causa inteligente para os restos homem seleciona os exemplares que quer cruzar, escolhen­
culturais do passado. Os astrônomos do programa s e t i do-o pelas características que quer perpetuar ou acentuar,
(Search for Extra Terrestrial Intelligence [Busca por Inte­ Protege-os de seus resultados por todos os meios possíveis,
ligência Extraterrestre] dirigiram seus radiotelescópios guardando-os assim da intervenção da seleção natural, que
ao espaço sideral, procurando uma mensagem de seres rapidamente eliminaria muitas anomalias; ele continua sua
323 e v o lu ç ã o b i o l ó g i c a

seleção ativa e objetiva até alcançar, se possível, seu alvo. Não há indicação real de que uma forma de vida
Nada assim acontece, ou pode acontecer, por meio do pro­ se transforme em outra completamente diferente. Ape­
cesso cego da eliminação e sobrevivência diferencial, que sar de essas duas características parecerem invalidar
chamamos erroneamente “seleção natural” [citado em a evolução clássica, também são problemáticas para
Moore,p. 124], os criacionistas.
Alguns criacionistas dizem que o registro fóssil
Evidência do registro fóssil. Raramente é dada a reflete os restos do grande Dilúvio, ou porque alguns
im portância ao fato de a única evidência verdadeira a animais foram mais capazes de escapar das águas ou
favor ou contra a evolução estar no registro fóssil. To­ pela seleção hidrodinâm ica à medida que os restos
dos os outros argumentos a favor da evolução são b a­ eram depositados. Esses cientistas estão preocupados
seados no que poderia ter acontecido. Apenas os regis­ em preservar evidências de uma terra jovem porque
tros fósseis registram exemplos do que realmente acon­ acreditam que a criação foi feita em sete períodos lite­
teceu. Darwin também reconheceu isso como um pro­ rais de 24 horas e que não há grandes espaços de tem ­
blema e escreveu em A origem das espécies: po nas primeiras genealogias de Gênesis.
Outros, conhecidos por “criacionistas da terra an­
Então porque nem toda formação geológica e nem todo tiga”, afirmam que a terra não precisa ter apenas m i­
estrato estão cheios de elos intermediários? A geologia cer­ lhares de anos. Esse grupo acredita que o registro fós­
tamente não revela nenhuma cadeia orgânica detalha­ sil mostra que a criação foi feita numa série de estági­
damente graduada, e isso talvez seja a objeção mais óbvia e os, com cada novo surgimento no estrato geológico
séria que possa ser levantada contra minha teoria (Darwin, indicando um novo momento de criação direta. Os
p. 280). invertebrados aparecem primeiro, seguidos por um
longo período em que a natureza natureza se equili­
Nesses 150 anos, desde que Darwin a escreveu, a si­
brara antes da explosão seguinte de criação. Depois
tu ação só ficou pior para sua teoria. O fam oso
apareceram os peixes e daí os anfíbios, até o hom em
paleontólogo Stephen Jay Gould, de Harvard, escreveu:
ser criado. Essa última teoria concorda com o registro
fóssil, mas não há consenso entre os criacionistas so­
A extrema raridade de formas transicionais no registro
bre a idade da terra. Esse é um assunto muito polêmi­
fóssil persiste como o segredo da paleontologia. As árvores
co, mas ambos os lados concordam que a evidência
evolutivas que enfeitam nossos livros só têm dados nas pon­
fóssil apóia mais a criação que a evolução.
tas e nos nós de seus galhos; o resto é dedução, por mais
Alguns evolucionistas tentaram explicara a evi­
razoável que seja, não evidência de fósseis (Gould, p. 14).
dência fóssil ao apresentar a idéia do equilíbrio pon­
tuado. Esses cientistas dizem que os saltos no registro
Eldredge e Tattersall concordam, dizendo:
fóssil refletem verdadeiras catástrofes que induziram
mudanças radicais repentinas às espécies existentes.
A expectativa deturpou a percepção de tal forma que o
Logo, a evolução não é gradual, mas pontuada por sal­
fato mais óbvio sobre a evolução biológica — ausência de
tos repentinos de um estágio para o outro. A teoria tem
mudança — raramente, se tanto, foi incorporado às noções
sido criticada porque nenhuma evidência de m ecanis­
científicas de como a vida realmente evolve. O verdadeiro
mo de causas secundárias necessárias para possibili­
mito é que a evolução é um processo de mudança constante
tar esses avanços repentinos foi demonstrada. Assim,
(Eldredge, p. 8).
a teoria parece basear-se apenas na ausência de fós­
O que o registro fóssil sugere? Evolucionistas como seis transicionais. Ela abandona Darwin, que sabia que
Gould agora concordam com o que criaci- onistas des­ evidências de algo repentino eram favoráveis à cria­
de Louis Agassiz até Duane Gish sempre disseram, que ção. Aceitar a idéia da pontuação como resultado de
o registro fóssil inclui duas características especifica- uma causa prim ária aproxima-se perigosamente da
mente inconsistentes com o gradualismo: uma visão criacionista.
Estase. A maioria das espécies aparece no registro A evidência dos órgãos atrofiados. Os evolucionistas
fóssil praticamente com a mesma aparência de quan­ têm usado a presença dos “órgãos atrofiados” nos se­
do desapareceram; a mudança morfológica é lim ita­ res humanos como apoio. Argumentam que, já que o
da e sem objetivo. corpo humano tem órgãos para os quais não há uso
Aparecimento repentino. Em qualquer área, uma conhecido, eles são remanescentes de um estágio ani­
espécie não surge gradualmente. Surge de repente e mal anterior no qual eram úteis. O fato de órgãos
completamente formada (Gould, ibid., 13-4). atrofiados poderem ser removidos sem mal aparente
e v o lu ç ã o b i o l ó g i c a 324

ao corpo indica que são inúteis. O apêndice, os mús­ organizar informações genéticas para produzir a va­
culos das orelhas e a terceira pálpebra são colocados riedade de espécies que trabalham juntas, como um
nessa categoria. sistema, na natureza.
Mas só porque as funções desses órgãos são des­ O surgimento repentino dessas formas de vida for­
conhecidas não significa que elas não existam. Já que talece a alegação de que uma inteligência sobrenatu­
o conhecimento científico é finito e progressivo, pode ha­ ral estava agindo para alcançar essa organização. De
ver funções sobre as quais a ciência ainda não está ciente. acordo com o princípio da uniformidade, essa é a so­
O fato de tais órgãos poderem ser removidos sem mal lução mais plausível para o problema. Então, o m aior
aparente para o corpo é insignificante. Outros órgãos po­ problema para os evolucionistas não são os “elos per­
dem compensar sua perda. E pode existir uma perda que didos”, mas uma explicação para a origem de novos
não é facilmente detectada. Alguns órgãos, como as amíg­ sistemas complexos de informação genética.
dalas, podem ser importantes no estágio inicial do de­ A evidência baseada na complexidade específica.
senvolvimento da pessoa, como, por exemplo, durante o Além do fato de a primeira célula viva ser extrem a­
início da infância, para ajudar a combater doenças. E ór­ mente complexa, as formas de vida elevadas são ain­
gãos como um rim ou um pulmão podem ser removidos da m ais complexas. Se a inform ação genética num
sem grande perda, mas têm uma função. animal unicelular excede a da Enciclopédia britânica ,
É im p o rtan te o b serv a r que a lis ta de órgãos a inform ação no cérebro humano é maior que a da
atrofiados diminuiu de cerca de cem, quando a idéia foi Biblioteca do Congresso. Se é necessária um a causa
proposta pela primeira vez, para meia dúzia hoje. Há inteligente para produzir a forma de vida mais sim ­
indícios de propósitos para alguns deles. 0 apêndice ples, quanto m ais para a vida humana!
pode auxiliar na digestão e pode ser útil no combate a A complexidade sempre foi um grande problema
doenças. Os coelhos têm um apêndice grande, e vegeta­ para a evolução. É o mesmo problema enfrentado ao
rianos podem beneficiar-se mais com apêndice. 0 mús­ examinarmos a origem da primeira vida (v. evolução
culo da orelha ajuda a proteger contra congelamento em
química ). A analogia dos criadores usada para ilustrar
climas mais frios. A “terceira pálpebra” ou membrana
como processos naturais fizeram tudo contém muita
nictitante existe nos seres humanos para coletar mate­ intervenção inteligente, que é ignorada na teoria. Os cri­
rial estranho que entra no olho. 0 “rabo” ou cóccix é
adores manipulam o processo de acordo com um plano
necessário para sentar confortavelmente. As glândulas
inteligente para encorajar desenvolvimentos específicos.
endócrinas, antes consideradas orgãos atrofiados, agora
Com relação à informação, isso é passar de um estado
são consideradas de grande importância na produção
de complexidade no código de DNA para um estado de
de hormônios. Descobriu-se que o timo está envolvido
complexidade maior, ou pelo menos mais específico. É
na proteção do corpo contra doenças.
como mudar a frase:
Mesmo que alguns órgãos realmente fossem rema­
nescentes de um período anterior no desenvolvimento
“Ela tinha cabelo castanho”
humano, isso não provaria a evolução. Podem ser re­
manescentes de um estágio anterior da raça humana,
para a afirmação mais complexa:
em vez de uma espécie pré-humana. Pode-se dizer que
um órgão que perdeu sua função não demonstraria que
“Seus cachos acaju brilhavam ao sol”.
está evoluindo, mas “involuindo” — perdendo alguns
órgãos e habilidades. Isso é o oposto da evolução.
E sse au m en to na in fo rm a ç ã o c o d ific a d a no
A evidência do código genético. Os criacionistas
filamento de dna exige inteligência tanto quanto o có­
concluem que há limitações reais à mudança evolutiva
digo original para produzir vida. Na verdade, se a ana­
embutidas no código genético de todo ser vivo. As
logia de Darwin prova alguma coisa, é a necessidade
mudanças nessa estrutura indicam um projeto para a
categoria principal de cada forma de vida. Cada nova de intervenção inteligente para produzir novas formas
forma de vida surgiu por um ato de intervenção inte­ de vida. O princípio da uniformidade leva diretam en­
ligente que organizou informação genética para ade­ te a essa conclusão quando deixa claro que estamos
quar-se a determinadas funções. Assim como seqüên- lidando com a ciência das origens, não com a ciência
cias de letras variam formando palavras diferentes, da operação.
padrões de dna variam produzindo espécies diferen­ A evidência da mudança sistêmica. M udanças
tes. Se a inteligência é necessária para criar Os lusíadas macro evolutivas exigem mudanças em grande escala
a partir de uma seleção de palavras encontradas num de um tipo de organismo para outro. Os evolucionistas
dicionário, ela também é necessária para selecionar e argumentam que isso ocorreu gradualmente durante
325 e v o lu ç ã o b i o l ó g i c a

um longo período. Uma objeção séria a essa teoria é Pode-se usar as mesmas palavras e transm itir uma
que todas as mudanças funcionais de um sistema para mensagem com pletam ente diferente. Logo, o argu­
outro devem ser simultâneas (v. Denton, p. 11). Por mento do evolucionista da alta sem elhança das for­
exemplo, pequenas mudanças podem ser feitas num mas de expressão num macaco e um ser humano não
carro gradualmente durante um período de tempo sem prova ancestrais comuns. As frases: “Você me ama” e
mudar seu tipo básico. Pode-se mudar o formato dos “Você me ama?” têm ambas as mesmas palavras, mas
pára-choques, a cor e o estilo gradualmente. Mas, se transmitem mensagens totalmente diferentes. Com in­
há uma mudança no tamanho do êmbolo, isso exigirá teligência pode-se construir um parágrafo (ou até
mudanças simultâneas no virabrequim, no bloco e no mesmo um livro inteiro) em que exatamente as m es­
sistem a de ventilação. Se isso não for feito, o novo mas frases transmitem mensagens completamente di­
motor não funcionará. ferentes. Um exemplo rudimentar pode ser algo assim:
Da mesma forma, mudar peixe para réptil ou de João veio antes de Maria. Maria veio após João [=
réptil para pássaro exige mudanças dramáticas em todo depois de]. Então João e Maria se encontraram [= no
o sistema do animal. Todas essas mudanças devem ocor­ mesmo lugar].
rer simultaneamente ou a oxigenação do sangue não Compare isso com as mesmas frases numa ordem
combinará com o desenvolvimento do pulmão, nem diferente, transm itindo um significado diferente:
com a passagem nasal e mudanças na garganta, refle­ Maria veio após João [= procurando-o]. João veio
xos autônom os no cérebro, m usculatura torácica e antes de Maria [= à frente de]. Então João e Maria se
membranas. A evolução gradual não explica isso. encontraram [= num encontro amoroso].
Para explicar a m esm a coisa pelo prism a da gené­ 0 alto nível de similaridade de informação genéti­
ca no m acaco e no ser humano não significa absoluta­
tica, não se pode passar de pequenas mudanças gra­
mente nada. É a maneira em que as peças são unidas
duais num código genético simples para uma m olé­
que faz uma grande diferença. Ouça o testem unho
cula complexa de d n a sem grandes mudanças simul­
desse evolucionista:
tâneas, muito menos por mutações aleatórias. Peque­
nas mudanças aleatórias em “Batatinha quando nas­
Quando nos empenhamos em tentar estabelecer uma
ce se esparram a pelo chão” ja m a is produzirão Os
série evolutiva de seqüências, não conseguimos achar a or­
lusíadas, mesmo que todas as letras do alfabeto e a
dem linear que esperávamos, do primitivo ao avançado.
pontuação estiverem presentes. A primeira mudança
pequena e aleatória poderia ser “Batatinha quanto
Na verdade,“em vez de uma progressão de divergên­
nasce...”. A próxima, “Batatinha quando nasce...”. A
cia crescente, cada seqüência vertebrada é igualmente iso­
cada mudança, a mensagem fica mais truncada, mui­
lada, por exemplo, da seqüência citocromática do cação”.
to longe de Os lusíadas e indo na direção errada. Ape­
Logo,
nas um ser inteligente pode transform ar as mesmas
letras da língua em Os lusíadas — por redesenvol-
nessas e em outras inúmeras comparações, provou-se im­
vimentos simultâneos e sistemáticos.
possível ordenar seqüências protéicas numa série
0 alfabeto tem 23 letras; o alfabeto genético tem
macroevolutiva correspondente às transições esperadas de
apenas quatro, mas o método de comunicação pela se-
peixe > anfíbio > réptil > mamífero (Thaxton.p. 139-40).
qüência de letras é igual. 0 cientista de informação
Hubert P. Yockey insiste:
Conclusão. Agora que temos novas evidências so­
bre a natureza do universo, a informação armazenada
É importante entender que não estamos raciocinando nas moléculas de dna e outras confirmações fósseis,
por analogia. A hipótese da seqüência aplica-se diretamen­ as palavras de Agassiz ressoam mais alto que quando
te à proteína e ao texto genético como também à língua es­ foram escritas pela primeira vez em 1860:
crita, e, portanto, o tratamento é matematicamente idênti­
co” (Yockey, p. 16). [Darwin] perdeu de vista a mais impressionante das ca­
racterísticas, e a que permeia o todo, a saber, que percorrem
Acontece que um filamento de d n a carrega a m es­ a Natureza evidências inconfundíveis de pensamento, cor­
ma quantidade de informação que um volume de uma respondentes às operações de nossa mente e portanto inte­
enciclopédia. ligíveis para nós como seres pensantes e inexplicáveis em
Cada nova form a de vida tem seu próprio código qualquer outra base exceto que devem sua existência à inte­
singular, que, apesar de sem elhante nas letras usa­ ligência ativa; e nenhuma teoria que ignore esse elemento
das, difere grandem ente na m ensagem transm itida. pode ser fiel à natureza (Agassiz, p. 13).
e v o lu ç ã o c ó s m i c a 326

Há duas teorias das origens de novas formas de vida. E tal ocorrência seria contrária ao princípio da causa­
-Uma diz que tudo surgiu por causas naturais; a outra lidade (v. c a u s a l i d a d e , p r i n c í p i o d a ) , que afirma que deve
depende de uma causa sobrenatural (inteligente). As haver um a causa adequada para cada evento. Os
evidências esmagadoras apoiam esta última. criacionistas observam prontamente que apenas o Cri­
ador seria a causa adequada para a criação de novos
Fontes átomos de hidrogênio a partir do nada (v. c r i a ç ã o ,
L. A gassiz , “Agassiz: review o f D arw ins Origins...” v is õ e s d a ).

série 2, v. 3 0 (3 0 Ju n ,1 8 6 0 ). Apegar-se a crenças como a teoria do estado está­


M. J. B eheb, Darwin’s black box. vel ou a teoria da eternidade da matéria tem um alto
YV. R. B ird, The origin o f species revisited,2 v. preço para o cientista, pois ambas violam uma lei fun­
C. D a r w in , A origem das espécies. dam ental da ciên cia: o princípio da causalidade.
R. D a w k i n s ,River out o f Eden. Ambas as teorias exigem que o cientista acredite em
___ , The blind watchmaker. eventos que acontecem sem uma causa. Mesmo o gran­
M. D knion, Evolution: a theory in crisis. de cético David H um f . disse: “Jam ais afirm ei um a
N. E ldredge, Os mitos da evolução humana.. proposição tão absurda como a de que algo pode surgir
N. L. G eisi .kr, Is man the measure?, cap . 11. sem uma causa” (Hume, v. 1 p. 187). Mas essa proposi­
___ , Origin science, cap . 7 . ção absurda é aceita por cientistas que ganham a vida
D. G ish, Evolução: o desafio do registro fossil. na base da lei da causalidade. Se o universo inteiro não
S . ). G ould,“Evolutions erratic pace”, NH, 1972. foi causado, por que deveríamos crer que as partes te­
R J o h n s o n , Darwinism on trial. nham sido causadas? Se as partes são todas causadas,
que evidência poderia sugerir que o todo não é o foi?
___ , Reason in the balance.
Nada no princípio da causalidade apóia essa conclusão.
M. L ubf.n o w , Bones o f contention.
Alguns evolucionistas cósmicos afirm am um tipo
J. M o o r e , Thepost-darwinian controversies.
de teoria da repercussão, pela qual o universo entra
C. T h a x to n , et. al„ orgs., Ofpandas and people.
em colapso e repercute para sempre. Mas não há evi­
H. P. Y ockey , “Self-organization, origin o f life
dência de que exista matéria suficiente para parar e
scenarios, and inform ation theory”, JTB, 1981.
reiniciar por forças gravitacionais o universo em ex­
pansão sequer uma vez. Além disso, essa hipótese é
evolução có sm ica. Ou o universo teve princípio ou
contrária à segunda lei da term odinâm ica, que afir­
não teve. Se teve princípio, então foi causado ou não
ma que, mesmo que o universo repercutisse, iria, como
foi causado. Se foi causado, que tipo de causa poderia
uma bola que ricocheteia, perder a força (v. b i g - b a n g ,
ser responsável por criar todas as coisas?
T E O R IA d o ).
O universo eterno. Tradicionalmente, os cientis­
Universo com princípio. Os criacionistas podem
tas evolucionistas cósmicos acreditam que o univer­
oferecer evidências de que o universo não é eterno, mas
so, de alguma forma, sempre existiu. A matéria é eter­
teve uma causa. Apesar de não ser teísta, Robert Jastrovv,
na. A principal base científica é a prim eira lei da
fundador e diretor do Instituto Goddard de Estudos
term odinâm ica (v. t e r m o d i n â m i c a , l e i s d a ) , segundo a
Espaciais da .v a s a , resumiu a evidência no seu livro God
qual “energia não pode ser criada nem destruída”.
and the astronomers [Deus e os astrônomos], Jastrow
Os criacionistas respondem que isso é uma má
indica três linhas de evidência — os movimentos das
interpretação da primeira lei que deveria ser afirm a­
galáxias, as leis da termodinâmica e o histórico da vida
da: “A quantidade real de energia no universo perm a­ das estrelas — que indicam que o universo teve um
nece constante”. Ao contrário da versão mal-interpre- princípio (Jastrow, p. 111). Ora, se estamos falando de
tada da primeira lei, isso baseia-se na observação ci­ um movimento da ausência de matéria para a matéria,
entífica sobre o que ocorre e não é uma afirmação fi­ estamos claramente num âmbito de eventos que não
losófica sobre o que pode ou não acontecer. Não há podem ser repetidos, relativos à ciência das origens.
evidência científica de que o universo é eterno. A segunda lei da termodinâmica. Talvez a evidência
Fred Hoyle propôs a teoria do estado estável para mais significativa seja a segunda lei da term o- dinâmi­
evitar essa conclusão. Ela afirm a que átomos de hi­ ca. Segundo essa lei,“a quantidade de energia utilizável
drogênio surgem para impedir que o universo se dis­ no universo está diminuindo”. Ou, em outras palavras:
sipe. Isso tam bém exige que o universo constante­ “Num sistema isolado e fechado, a quantidade de ener­
mente gere átomos de hidrogênio a partir do nada. gia utilizável está diminuindo”.Não importa como seja
Essa hipótese apresenta falhas insolúveis. Não há evi­ formulada, essa lei mostra que um universo eterno
dência científica de que tal evento tenha ocorrido. teria utilizado toda sua energia ou chegado ao estado
327 evolução cósmica

de total desordem. Como isso não aconteceu, ele deve A descoberta de uma grande massa de matéria. De­
ter tido um princípio. pois que Jastrow registrou as três linhas de evidência para
A primeira lei da termodinâmica diz que a quan­ o princípio do universo, uma quarta foi descoberta. Se­
tidade real de energia no universo permanece cons­ gundo a teoria do big-bang, deve ter existido uma gran­
tante — não muda. A segunda lei da termodinâmica de massa de matéria associada à explosão original que
diz que a quantidade de energia utilizável em qual­ criou o universo, mas nenhuma era conhecida até 1992.
quer sistema fechado (o que o universo é) está dim i­ Por meio do telescópio espacial Hubble, astrônomos en­
nuindo. Tudo tende à desordem, e o universo está se contraram a própria massa de matéria prevista pela
dissipando. Ora, se a quantidade total de energia con­ cosmologia do big-bang. Assim, a evidência combinada
tinua a mesma, mas a energia utilizável está se dissi­ dá uma prova surpreendente do fato de que o universo
pando, a quantidade inicial não era infinita. A quanti­ teve um princípio.
dade infinita não pode acabar. Isso significa que o uni­ Causa do cosmo. Se o universo não é eterno, mas
verso é e sempre foi finito. Não poderia ter existido no surgiu em algum momento, a lei da causalidade nos
passado infinito. Então deve ter tido um princípio. E, diz que ele deve ter tido uma causa. Pois tudo que sur­
se teve um princípio, este deve ter sido causado, já que ge é causado. Logo, o universo foi causado.
todo evento tem uma causa correspondente (v. c a u s a ­ Logicamente, se estam os procurando uma causa
l id a d e , p r in c íp io d a ).
que existia antes de o universo (natureza) começar,
O movimento das galáxias. Os cientistas argumen­
estam os procurando uma causa sobrenatural. Até
tam que o universo não está situado apenas num pa­
Jastrow, agnóstico convicto, declarou: “O fato de ha­
drão estabelecido, mantendo seu movimento eterno.
ver o que eu ou qualquer pessoa cham aria de forças
Agora parece que todas as galáxias estão se movendo
sobrenaturais agindo é agora, na m inha opinião, um
para fora, como se de um ponto de origem central e
fato cientificam ente comprovado” (ibid., p. 15, 18).
que todas as coisas estavam se expandindo mais rápi­
Já que está falando do ponto de vista da ciência da
do no passado do que agora. Olhando para o espaço,
operação, provavelmente ele quer dizer que não há
tam bém olhamos para o passado. Vemos as coisas
causa secundária que possa explicar a origem do
como elas eram quando a luz foi emitida pelas estre­
universo. Mas com o reconhecim ento da ciência das
las muitos anos atrás. A luz de uma estrela a sete m i­
origens, podemos supor uma causa prim ária sobre­
lhões de anos-luz de distância nos diz como ela era e
natural que parece ser a resposta m ais plausível à
onde estava há sete milhões de anos. Usando um te­
questão.
lescópio de duzentas polegadas, Allan Sandage com ­
Conclusão. Jastrow resume bem o enigm a dos
pilou informação sobre 42 galáxias, até seis bilhões de
evolucionistas cósm icos e conclui assim o seu livro:
anos-luz de distância. Suas medições indicam que o
universo estava se expandindo mais rapidamente no
Para o cien tista qu e viveu p ela fé no p o d er d a razão, esta
passado do que hoje. Esse resultado também apóia a
h istória term in a como um pesadelo. Ele escalou a m on tan h a
crença de que o universo começou com uma explosão
d a ign orân cia; está prestes a con q u istar o pico m ais alto; e,
(Jastrow, God an d the astronomers, p. 95).
O eco da radiação. Uma terceira linha de evidência q u an d o chega à ú ltim a p ed ra, é cu m prim en tado p or u m b a n ­
de que o universo teve um princípio é o “eco” da radi­
do de teólogos q u e estavam sen tad os ali h á sécu los (ib id ., p.
ação que parece vir de tudo. A princípio acreditava-se 105-6).
que era uma falha ou ruído dos instrum entos. Mas
pesquisas descobriram que o ruído vinha de toda parte Depois de ser humilhado pela evidência de que o
— o próprio universo tem uma radiação baixa de al­ cosmos teve um princípio, Albert Einstein declarou seu
guma catástrofe passada que parece uma grande bola desejo de saber como Deus criou este mundo. Não es­
de fogo. Jastrow diz: tou interessado neste ou naquele fenômeno, no espec­
tro deste ou daquele elemento. Quero conhecer seu pen­
N enh u m a exp licação além d o big-bang ja m a is foi en ­ samento,o resto sãodetalhes (citado em Herbert,p. 177).
con trad a p a ra a rad iação d a b o la de fogo. O ponto decisivo,
qu e convenceu q u a se to d o s os céticos, é qu e a rad iação d e s ­ Fontes
cob erta p o r P enzias e W ilson tem exatam en te o p a d rã o de W. L. C r a ig , The kalam argument for the existence o f God.
com prim en to de o n d a esp erad o p ara a luz e o calor p ro d u ­ EH e e r e n , Show me God.
zid os n u m a g ran d e exp losão. D efen sores d a teoria do e sta ­ N . H e r b e r t , A realidade quântica: nos confins da
do estável ten taram d ese sp e rad am e n te en con trar u m a ex­ nova física.
p licação alternativa, m a s falh aram (ib id ., p. 15). D. H i v .e , The letters ot David Huine, v. 1
evolução química 328

M. D. LEMONic'K,“Echoes of the big-bang”, Time, no desconhecim ento das bactérias m icroscópicas.


4 May 1993. Quando Pasteur esterilizou o recipiente, matando as bac­
R. J astrow , “A scientist caught betw een two faiths”, térias, nenhuma vida surgiu. A mesma incapacidade é
CT,6 Aug. 1982. reconhecida por princípios de causação. Um conceito
___ , God and the astronomers. causal básico exige que o efeito não possa ser maior que
H. Ross, The fingerprint ofGod. sua causa (v. causalidade, princípio da ). Assim como a
E. W h it ta k e r , The beginning and end ofthe world. inexistência não pode produzir existência, a ausência
de vida não pode produzir vida. A água não pode subir
evolução humana. V. D a r r o w , C l a r e n c e ; D a r w in , sozinha acima do nível de sua fonte.
C h a rles ; D e w e y , J ohn ; evolução biológica ; elos per d id o s . As experiências da origem da vida envolvem interfe­
rências ilegítimas do investigador. Por exemplo, interven­
evolução química. Os evolucionistas químicos afir­ ção inteligente é manifesta em vários níveis. Por que cer­
mam que leis puramente naturais podem explicar a tos gases (como o hidrogênio) são incluídos e outros
origem da primeira vida por geração espontânea. Os (como o oxigênio) são excluídos? Essa não é uma escolha
criacionistas insistem em que uma causa inteligente é inteligente,baseada no conhecimento do que funcionará
necessária para construir a estrutura básica da vida. ou não? Além disso, quem construiu o aparato para a ex­
Ao contrário do que se acredita, a evidência positiva periência? Por que ele não tem um formato diferente? Por
de um a cau sa in te lig en te n ão é b a se a d a na que decidiram injetar uma descarga elétrica? Certamen­
improbabilidade estatística de a vida ter surgido por te, escolhas inteligentes foram feitas em vários níveis.
acaso. Na verdade, é porque a ciência não é baseada Há uma suposição injustificada de que as condições
no acaso; é baseada na observação e na repetição (v. primitivas da terra (ou de algum outro lugar) eram se­
ORIGENS, CIÊNCIA D A s). melhantes às da experiência. Hoje sabe-se que duas con­
Apesar do fato estabelecido — baseado na obra dições cruciais eram diferentes. Já que a experiência não
de Louis Pasteur (1822-1895) — de que a vida não funcionará com a presença de oxigênio, supuseram que a
começa espontaneamente da ausência de vida, todos atmosfera primit iva da terra não tinha oxigênio. Mas sabe-
os cientistas naturalistas acreditam que no princípio se agora que isso é falso. Só esse fato em si é suficiente
foi assim. A base científica para essa conclusão são as para anular a experiência e a teoria da evolução química.
experiências de Harold Urey e Stanley Miller. Eles de­ Além disso, como muitos evolucionistas químicos admi­
m o n stra ra m que e stru tu ra s b á sic a s de vida tem, os elementos químicos na concentração usada na
(am inoácidos) podem ser obtidas a partir de elemen­ experiência não são encontrados em nenhum lugar da
tos puramente químicos (hidrogênio, nitrogênio, am ó­ terra. Todo o cenário da sopa primitiva é um mito (v.
nia e gases de dióxido de carbono) por leis naturais Thaxton,cap. 4).
sem qualquer intervenção inteligente. Uma descarga A analogia entre a experiência de Miller e as condições
elétrica passada através desses elementos, os fez pro­ conhecidas da terra primitiva é inválida, pois ignora a pre­
duzir essas estruturas fundamentais de vida. Supon­ sença de forças destrutivas. 0 oxigênio destruiria o proces­
do que raios passassem por elementos semelhantes na so. A energia necessária do Sol e da radiação cósmica dani­
atmosfera primitiva, a primeira vida pode ter surgido fica as próprias substâncias produzidas. Sob as condições
pelo processo puramente natural na terra ou em qual­ necessárias para a vida ter surgido espontaneamente, é mais
quer outro lugar. provável que os elementos fossem destruídos mais depres­
A teoria é que logo depois que a terra esfriou o sufi­ sa do que seriam produzidos. A natureza está cheia de for­
ciente, a combinação de hidrogênio, nitrogênio, am ó­ ças destrutivas que derrubam e desorganizam. Isso é parte
nia e dióxido de carbono reagiu, formando aminoácidos, da segunda lei da termodinâmica (v. termodinâmica , leis da) .
que com o tempo evoluíram para filamentos de dna e Mesmo que os elementos químicos certos pudes­
finalmente para células. Esse processo supostamente sem ser produzidos, não se pode responder de forma
consumiu vários bilhões de anos, e foi necessária a ener­ satisfatória como seriam ordenados adequadamente
gia acumulada do sol, da atividade vulcânica, de raios e e envolvidos numa parede celular. Isso exigiria outra
raios cósmicos para manter o processo em andamento. série totalmente distinta de condições.
Os problem as. A teoria segundo a qual a vida te­ Além disso, os evolucionistas jam ais apresentaram
ria surgido por causas puramente naturais está sujei­ qualquer mecanism o que possa captar a energia para
ta a várias objeções. fazer o trabalho de selecionar aminoácidos e determ i­
É contrária à experiência científica universal de que nar qual deles construirá cada gene para desenvolver
a vida nunca surge da ausência de vida. A equivocada um organismo vivo. Não adianta ter uma gaveta cheia
crença pré-moderna de que isso era possível baseava-se de pilhas se não há uma lanterna — um mecanism o
329 evolução química

p a r a c a p t a r e n e r g ia — para c o n t ê - l a s . A m o l é c u l a d e necessária para produzir vida. Sabemos que pedras re­


dna é m u it o c o m p le x a . Veja u m a d e s c r i ç ã o d e s s a c o m ­ dondas geralmente são causadas por leis naturais re­
plexidade em evolução b io l ó g ic a . sultantes do movimento da água e da fricção. Sílex e
Supondo que poderia haver energia suficiente dis­ obsidiana não se transformarão em lança ou flecha des­
ponível, os únicos sistemas que podem captar energia sa forma. A única questão, então, é se uma célula viva é
para fazer esse tipo de trabalho são ou vivos ou inteli­ mais parecida com uma pedra redonda ou uma ponta
gentes. É fácil transferir bastante energia a um siste­ de flecha. Qualquer pessoa que observe os rostos escul­
ma aleatoriamente para aquecê-lo, mas organizá-lo e pidos dos presidentes no monte Rushmore sabe que es­
criar informação exige inteligência. sas formas de pedra foram formadas por uma causa
Finalmente, mesmo com todas as interferências inteligente. Além de causas naturais jam ais produzirem
nas experiências de Miller, que anulam os resultados o tipo de informação específica demonstrada no monte
a favor do processo puramente natural, não foi pro­ Rushmore, sabe-se também pela observação repetida
duzida uma única célula viva. Um aminoácido n ã o que causas inteligentes realmente produzem esse tipo
passa de um elemento químico. Por mais biologica­ de especificidade.
mente interessante que seja, não está vivo. Falta um Complexidade específica indica uma causa inteligente.
ingrediente crucial — o código de vida ou dna — que 0 tipo de evidência que indica uma causa inteligente para
é a evidência positiva de uma inteligência criativa. a vida é chamado complexidade específica. Cari S agan
Outras teorias naturalistas. Outras teorias fo­ disse que uma única mensagem do espaço sideral con­
ram propostas para explicar as origens da prim eira firmaria sua crença de que há vida extraterrestre. Tal co­
vida na terra. Uma é que haveria leis naturais envol­ municação seria complexidade específica. Ou, para ser
vidas no processo ainda não descobertas, mas os c i­
mais preciso, já que sabemos que mensagens comple­
entistas só são capazes de indicar tal necessidade
xas sempre resultam de causas inteligentes, só resta
quando as leis que conhecem m ilitam contra a cria­
ver se uma célula viva contém mensagem complexa.
ção da vida. Outros sugerem que a vida pode ter vin­
Com a descoberta do código dna de vida, a resposta é
do à terra de outro lugar no universo — ou num m e­
clara. Em toda a natureza, apenas células vivas têm
teorito ou numa antiga espaçonave — , mas ambas
mensagens complexas conhecidas por complexidade
as soluções apenas pioram o problema. De onde veio
específica. Um pedaço de quartzo tem especificidade,
aquela vida? Fendas term ais no fundo do oceano e
mas não complexidade. A mensagem num cristal é
depósitos de argila estão sendo estudados como pos­
repetitiva, como a mensagem: estrelaestrelaestrela. Uma
síveis fontes de reprodução do princípio da vida, mas
cadeia de polímeros aleatórios (chamados polipeptí-
isso não explica um a m aneira de captar energia para
deos) é complexa, mas não dá mensagem específica.
possibilitar a complexidade específica. A causa mais
Parece-se mais com: fqpizgenyatkpvno. Apenas uma
provável, e a única que a evidência apoia, é uma cau­
célula viva tem especificidade e complexidade que não é
sa inteligente. O único debate significativo é entre o
repetitiva e que comunica uma mensagem ou função cla­
panteísta e o teísta; am bos insistem em que há uma
ra, tal como: Estafrase tem um significado. Logo, uma cé­
Mente por trás da complexidade específica nos seres
lula viva exige uma causa inteligente. A ciência fala da
vivos, diferindo apenas quanto a essa Mente estar
vida simples e da vida complexa. Mesmo o organismo
além do universo ou apenas nele.
unicelular mais simples tem informação suficiente que,
Evidência d e inteligência. Falta evidência de uma
se escrita, daria um volume da Enciclopédia britânica.
causa natural da origem, mas haverá evidência positi­
Uma mensagem clara e distinta — um projeto
va que indique uma causa inteligente da primeira vida?
A chave para saber que tipo de causa está envolvida complexo com uma função específica — foi causada
nas questões da origem é o princípio da analogia (uni­ por alguma forma de inteligência que interveio para
formidade). Esse é um dos princípios fundamentais em impor à matéria natural limites que ela não assumiria
qualquer compreensão científica do passado. A arque­ sozinha. Alguns fenômenos naturais são organizados
ologia utiliza ao supor uma causa inteligente para os e surpreendentes, mas claramente causados por for­
artefatos que podem ter se originado em civilizações ças n atu rais. O Grande C ânion e as cataratas do
passadas. 0 programa se t i analisa as ondas de rádio do Niágara exigem apenas as forças cegas do vento e da
cosmos em busca de vida extraterrestre, procurando água para formá-los. Não se pode dizer o mesmo so­
algo que rompa com a uniformidade. bre o monte Rushmore ou uma usina hidrelétrica. Eles
O princípio da analogia (uniformidade). Ao obser­ requerem intervenção inteligente.
var vez após vez que tipos de efeitos são produzidos pe­ A confirmação da teoria da informação. Estudos
las causas, podemos determinar qual tipo de causa é da teoria da inform ação confirm am que é possível
evolução química 330

determ inar uma causa inteligente apenas pelas fre- Conclui:


qüências de letras. Numa série de letras que carrega
uma mensagem (m esm o que não saibamos qual é a Ninguém na Universidade de Harvard, ninguém nos ins­
mensagem ), há uma certa freqüência de letras. É isso titutos nacionais de saúde, nenhum membro da Academia
que faz códigos desconhecidos serem decifráveis e pos­ Nacional de Ciências, nenhum ganhador do Prémio Xobel
sibilita a remoção de ruídos de uma fita, aumentando — absolutamente ninguém pode dar uma explicação deta­
a clareza da mensagem. lhada de como o cílio, ou a visão, ou a coagulação do sangue,
O que explicaria o surgimento repentino da vida e tam­ ou qualquer outro processo bioquímico complexo pode ter
bém forneceria a organização informativa da matéria viva? se desenvolvido no estilo darwiniano. Mas estamos aqui.
Se aplicarmos o princípio da uniformidade (analogia) à Todas essas coisas surgiram de alguma forma; se não no
questão, a única causa que sabemos que faz esse tipo de estilo darwiniano, como? (p. 187).
trabalho geralmente é a inteligência. A suposição razoável
é que também foi necessária inteligência desse tipo no pas­ Outros exemplos de complexidade irredutível que
sado. A experiência uniforme nos prova isso e.como David Behe são: aspectos de reduplicação de d.x.v, transporte
H u m e diz, a experiência uniforme resulta em prova, aqui há de elétrons, síntese telomérica, fotossíntese e regulação
prova direta e completa,baseada na natureza do fato (Hume, de transcrição (ibid., p. 1 6 0 ).“A vida na terra, no seu
p. 122-3). Já que não é possível que estejamos falando de nível mais fundamental, nos seus componentes mais
inteligência humana ou mesmo de seres vivos no âmbito críticos, é produto de atividade inteligente” (ibid., 193).
Behe acrescenta:
natural, deve tratar-se de uma inteligência sobrenatural. Isso
cria uma disjunção no decorrer da natureza que irrita a
A conclusão da criação inteligente flui naturalmente dos
maioria dos cientistas; porém, uma vez que se admita que
próprios dados — não de livros sagrados ou crenças sectá­
há uma disjunção radical do nada para algo no princípio
rias. Deduzir que sistemas bioquímicos foram criados por
do universo, pode haver pouca objeção à idéia de mais uma
um agente inteligente é um processo monótono que não
intervenção quando a evidência claramente a indica.
exige novos princípios de lógica ou ciência (ibid.).
A confirmação da biologia molecular. O livro de
Michael Behe, A caixa preta de Darwin, confere forte
Logo,
evidência, baseada na natureza de uma célula viva, de
que ela não poderia ter se originado ou evoluído a par­
o resultado desses esforços cumulativos para investigar a
tir de nada menos que a criação inteligente. A célula
célula — para investigar vida no nível molecular — é um
representa, em muitos casos, complexidade irredutível
clamor alto, claro e penetrante de “desígnio”! O resultado é
que não pode ser explicada pelas pequenas mudanças
tão preciso e tão significativo que deve ser exibido como uma
incrementais exigidas pela evolução.
das maiores conquistas da história da ciência. A descoberta
Darwin admitiu:
compete com as de Newton e Einstein (ibid., p. 232-3).

Se pudesse ser demonstrado que qualquer órgão com­


Conclusão. Como Hume demonstrou, no mundo
plexo que existisse não pudesse ser formado por várias mo­
empírico supomos conexões causais apenas porque ve­
dificações sucessivas e pequenas, minha teoria seria derru­
mos certos eventos unidos vez após vez. E já que o pre­
bada (A origem das espécies, p. 154).
sente é a chave para o passado, o mesmo se aplica às cau­
sas da origem. Portanto, não é científico supor algo além
Até e v o lu cio n is ta s , com o R ich ard D aw kins,
de uma causa inteligente para a primeira célula viva, já
concord am : que a experiência repetida diz que a única causa conhe­
cida capaz de produzir complexidade específica, como a
Na verdade, a evolução muito provavelmente nem sem­ vida tem, é uma causa inteligente. Então, a evolução quí­
pre é gradual. Mas deve ser gradual quando usada para ex­ mica não passa no teste científico. E é irrelevante especu­
plicar o surgimento de objetos complicados e aparentemente lar que uma causa natural ainda é possível, já que a ciên­
projetados, como os olhos. Pois se não é gradual nesses ca­ cia é baseada na evidência que aponta claramente na di­
sos, deixa de ter qualquer poder explicativo. Sem graduação reção de uma causa inteligente pela conjunção constante
nesses casos, voltamos ao milagre, que é sinônimo da au­ que David Hume denominou “prova”.
sência total de explicação [naturalista] (p.83).
Fontes
Behe dá v ário s exem plos de com plexid ad e M. J. Bf.Ht, A c a i x a p r e t a d e D a r w in .
irredutível que não pode evoluir em pequenos passos. R. D.v> Kixs, The btínd watchmaker.
331 evolução teísta

M. D en to n , Evolution: a theory in crisis. interveio sobrenaturalm ente muito m ais vezes que
D. H o m e , Investigação acerca do entendimento humano. isso. Eles geralmente se denominam criacionistas pro­
A. Johnson, D arn ™ on trial. gressivos. Bernard R a m m e Hugh Ross ( Thefingerprints
L. O rgel.A s origens da vida. of God [As impressões digitais de Deus]) encaixam -se
M. P olanyi, “Life transcending physics and nessa categoria.
c h e m is tr v ”, C E X . Evolução deísta. O deísm o não acredita em nenhum
B. T haxton, et al., The mystery o f life's origin. ato sobrenatural ou milagre após o ato inicial da cria­
ção do universo material a partir do nada. Quanto ao
evolução teísta. D efinição. Xo sentido am plo,a evo­ processo evolutivo e a produção de formas de vida, in­
lução teísta é a crença de que Deus usou a evolução clusive os seres humanos, não há diferença real entre
como meio de produzir as várias formas de vida fí­ a evolução deísta e a evolução naturalista, que inclui o
sica neste planeta, inclusive a vida humana. Mas há ATEÍSMO e O AGXOSTICISMO.
vários tipos de evolução nas quais Deus supostam en­ Evolução panteísta. Outra forma de evolução envol­
te está envolvido. Na verdade, há várias idéias de Deus vendo crença em Deus é chamada evolução panteísta. O
ligadas à evolução. panteísm o , ao contrário do teísmo e do deísmo, acredita
Tipos de evolução ligadas a Deus. Nem todas as que Deus é tudo e tudo é Deus. Deus é o universo ou a
formas de evolução ligadas a Deus são tecnicamente Natureza. Baruch E spinosa e Albert E in stein acreditavam
formas de evolução teísta, já que muitas delas não en­ nisso. O ex-ateu Fred Hoyle adotou essa visão no seu livro
volvem um conceito teísta. A seguinte tipologia deve Evolutionfromspace [A evolução vinda do espaço) (1981).
ser considerada sugestiva, não exaustiva. Segundo essa teoria, Deus criou a primeira vida e depois
Evolução teísta. Evolução “teísta” significa a crença muitas formas básicas de vida, em várias ocasiões, como
de que o Deus teísta u s o u o processo evolutivo que cri­ indicado pelos grandes lapsos no registro fóssil. Mas o
ara para produzir todas as espécies de vida. Além d is so , Deus que interveio inteligentemente para formar esses
“teísta” quer dizer que D e u s fez pelo menos um m i l a g r e vários tipos de vida fez isso de dentro do universo, não de
após sua criação original d o universo ex nihilo (v. c r i a ­ fora. Pois Deus é a Mente do universo. Deus é a natureza.
ç ã o , t r ê s v i s õ e s d a ) . Senão, não há diferença entre te ísm o Evolução panenteísta. Ao contrário do panteísmo,
e d e í s m o n a q u e s t ã o d a s o r i g e n s . É c la r o q u e o que acredita que Deus é tudo, o panenteísmo afirm a que
e v o lu c io n ista te ísta (q u e n ã o n e g a m a is q u e d o is atos Deus está em tudo. O panenteísmo é diferente por sua
d e c r ia ç ã o s o b r e n a tu r a l) a in d a p o d e r ia a c r e d ita r n o s crença de que Deus é a Força Vital no universo e na
o u tro s m ila g re s n a B íb lia a p ó s a c ria ç ã o , ta is c o m o o força evolutiva. Henri Bergson expressou essa teoria
N A SC IM E N T O v i r g i n a l o u a R E S S U R R E IÇ Ã O . no livro Creative evolution [Evolução criativa] em 1907.
E volução teísta m ín im a . O e v o lu c io n is ta t e ís ta m í­ Essa também parece ser a posição do evolucionista
n im o a c r e d it a q u e D e u s re a liz o u d o is a to s s o b r e n a t u ­ católico Teilhard de Chardin. Segundo essa posição, a
rais d e c r ia ç ã o : 1) a c r ia ç ã o d a m a t é r ia d o n a d a e 2) a evolução é o processo contínuo que avança, às vezes
criação da p r im e ir a v id a . D e p o is d is s o to d o s o s ou­ em saltos, pela virtude da força divina imanente no
tros s e r e s v iv o s, a té m e s m o o s se r e s h u m a n o s , s u r g i ­ universo.
ram p o r p r o c e s s o s n a t u r a is q u e D e u s o r d e n o u d e s d e Avaliação. Já que a essência de todas as teorias é
o p rin c íp io . criticada em outros artigos sobre deísmo, panteísmo e
Evolução t e ís t a m á x i m a . O e v o l u c io n is t a t e ís t a panenteísmo, não é necessário fazê-lo aqui. Resta ape­
m á x im o a c r e d ita q u e D e u s re a liz o u p e lo m e n o s trê s nas destacar que sua visão da evolução deorganismos
a to s s o b r e n a tu r a is d e c r ia ç ã o : m a té r ia , a p r im e ir a v id a vivos pressupõe as posições anti-sobrenaturalistas do
e a a lm a h u m a n a . D e p o is d a c r ia ç ã o in ic ia l d a m a t é ­ ateísmo e agnosticismo. Só o teísmo realmente acredita
r ia e d a v id a , t o d o s o s o r g a n is m o s a n im a is , a té m e s ­ nos atos sobrenaturais do Deus que está além do uni­
m o o c o r p o h u m a n o , e v o lu ír a m p e la s le is n a t u r a is q u e verso e que ocasionalmente intervém nele.
D e u s e s ta b e le c e u d e s d e o p r in c íp io . E s s a é a v is ã o t r a ­ Muitos dos argumentos usados contra a evolução
d ic io n a l c a tó lic a , p e lo m e n o s n o ú ltim o sé c u lo . naturalista ou materialista também se aplicam a es­
A c re n ç a e m o u tr o s a to s d e c r ia ç ã o s o b r e n a tu r a l sas outras formas de evolução que envolvem Deus. Pois
p ro v a v e lm e n te s e r ia m c h a m a d o s fo r m a m ín im a d e não taz diferença se os processos naturais foram cria­
c r ia c io n is m o ( a p e s a r d is s o s e r u m a lin h a a r b it r á r ia ) , dos pelo Deus teísta ou não. A evidência m ostra que
j á q u e a fir m a r ia q u e D e u s in te rv e io s o b r e n a tu ra lm e n te leis naturais não inteligentes não têm a habilidade de
p e lo m e n o s q u a tr o v e z e s n a c r ia ç ã o . A m a io r ia d o s dar vida ou criar novas formas de vida, muito menos
t e ó lo g o s q u e a f ir m a m is s o t a m b é m a c r e d ita q u e D e u s seres humanos (v. D armtn , C harles ; elos perdidos).
exclusivismo 332

Fontes cristianismo, tais como a morte de Cristo na cruz e sua


H . B e r g s o n , Creative evolution. ressurreição t r ê s d i a s d e p o i s (v . C r is t o , m o r t e d e ; r e s s u r ­
C. D a r w in , A origem das espécies. r e iç ã o , e v id ê n c ia s d a ).

_ _ _ , The descent ofman.


F. H o y l e , Evolution from space. e x is te n c ia lis m o . Como m ovim ento ateu, o exis­
G. M ills, “A theory of theistic evolution as an alternative tencialismo floresceu na metade do século xx,mas seus
to n a t u r a lis t ic th e o ry ” , Perspectives on Science efeitos permaneceram. O existencialismo provoca um
and Christianfaith ( 1 9 9 5 ) . efeito negativo no cristianism o evangélico.
B . R a m m , The Christian view o f Science and Scripture. Influência teológica. V ários movimentos teológicos,
D . R a t z s c h , Battle o f beginnings. amplamente conhecidos por neo-ortodoxos, foram in­
H. R o ss , The fm gerprints o f God. fluenciados pelo existencialismo. Karl Barth enfatizou o
T e ilh a r d d e C h a r d in , The omega point. encontro pessoal com Deus, salientando que a Bíblia é o
H. V a n Till, Portraits ofcreation. registro humano falível da Palavra de Deus. Emil Brunner
___ , The fourth day. enfatizou que a revelação é pessoal, não preposicional.
Rudolph Bultmanndesenvolveu o método antimitológico
exclu sivism o. O exclusivismo, com relação a reivindi­ para arrancar da Bíblia sua desatualizada cosmovisão so­
cação da verdade, afirma que, se uma proposição da brenatural para chegar à essência existencial (v. mitologia
verdade é verdadeira, todas as proposições opostas a e o Novo Testamento).
ela devem ser falsas. Isso é baseado na lei do meio ex­ Principais defensores do existencialismo. Um grupo
cluído da lógica (ou A ou não-A, mas não am bos). Essa eclético de filósofos e teólogos contribuíram para o que
lei afirm a que se A é verdade, então todo náo-A é falso se tornou o existencialismo moderno. Entre eles estão o
(v . L ó g ic a ; p r im e ir o s p r in c í p io s ) . teísta luterano Soren Kierkegaard(1813-1855), o ateu ale­
O exclusivismo religioso afirm a que apenas uma mão Friedrich Nietzsche (1844-1900), os ateus franceses
religião pode ser verdadeira, e todas as outras opos­ Jean-Paul Sartre (1905-1980) e Albert Camus (1913-1960),
tas à única religião verdadeira devem ser falsas. V á­ o teísta judeu alemão Martin Buber (1878-1965), o não-
rios term os relacionados ao pluralism o religioso de­ teísta alemão Martin Heidegger (1832-1970), o católico
vem ser d ife re n cia d o s: pluralism o, relativism o, francês Gabriel Marcei (1889-1964) e o leigo ortodoxo
inclusivismo e exclusivismo. 0 pluralismo é a crença alemão-oriental Karl Jaspers (1883-1969).
de que toda religião é verdadeira. Cada uma propor­ Ênfases e contrastes do existencialismo. O existen­
ciona um encontro genuíno com o Supremo. Uma cialism o enfatiza a vida acim a do conhecim ento,
pode ser melhor que as outras, mas todas são ade­ o desejo acima do pensamento, o concreto acima do
quadas. 0 relativismo (v. v e r d a d e , n a t u r e z a d a ) é sem e­ abstrato, o dinâmico acima do estático, o amor acima
lhante ao pluralismo, afirmando que cada religião é da lei, o pessoal acima do preposicional, o indivíduo
verdadeira para quem acredita nela. Não há verdade acima da sociedade, o subjetivo acima do objetivo, o
objetiva na religião, logo não há critérios pelos quais não-racional acima do racional e a liberdade acima
determ inar qual é a melhor. 0 inclusivismo afirma que da necessidade.
uma religião é explicitamente verdadeira, e todas as No centro do existencialismo está a crença de que
outras são implicitamente verdadeiras. 0 exclusivismo a existência tem precedência sobre a essência. Todos
é a crença de que apenas uma religião é verdadeira, e os existencialistas defendem essa visão, de alguma for­
as outras opostas a ela são falsas. ma. Eles discordam em outros aspectos, mas a m aio­
Há vários tipos de exclusivismo. 0 exclusivismo fi­ ria dos existencialistas, especialmente os ateus, ten­
losófico é aquele em que uma afirmação ou posição é dem a aceitar outras proposições:
incompatível com outra. Por exemplo, o teísmo é incom­ Os seres humanos são basicamente animais que
patível com o ateísmo (v. cosmovisào). Pois se a afirma­ aprenderam a escolher. Não são vistos como seres ra­
ção “Deus existe” é verdadeira (v. teísmo), a afirmação cionais, políticos ou mecânicos.
“Deus não existe” é necessariamente falsa (v. a t e ís m o ). A humanidade como objeto não está livre, mas in­
0 exclusivismo religioso, ao contrário do pluralismo divíduos como sujeitos estão livres.
religioso, afirma que apenas uma religião é verdadeira “Eu” não sou “eu mesmo”. O “ser” pode ser estuda­
(v. c r is t o , sin g u la r id a d e d e ) , e as outras opostas a ela são do e descrito como a “coisa”. Mas o “eu” por trás da
falsas. Se o cristianismo é verdadeiro (v. a po lo g étic a , a r g u ­ coisa transcende a descrição; é totalmente livre.
m en t o da ), então o islamismo é falso, j á que suas reivindi­ Objetividade carece de existência. Apenas o sub­
cações de verdade se opõem às doutrinas centrais do jetivo realm ente existe.
333 existencialismo

Significado e valor são encontrados em existência, pode ser conhecida. Os existencialistas, no entanto,
vida, desejo e ação. Forma, essência e estrutura são tentam explicá-la, descrevê-la e conhecê-la. Escrevem
irrelevantes e inúteis. livros sobre o assunto. Para serem coerentes, no m o­
Significado e valores são criados, não descobertos. mento em que reconhecem que há uma essência da
Existencialistas teístas como Kierkegaard discordam existência, deixam de ser existencialistas no sentido
nesse caso. com um do term o. O existen cialism o estabelece a
Da essência à existência. Tudo isso parece mais filosófi­ disjunção radical entre essência e existência. Mas nun­
co que prático, e os existencialistas lutam com o movimen­ ca encontramos existência pura na vida sem alguma
to do abstrato para o concreto. Eles próprios descrevem o essência. Jamais sabemos que uma coisa existe sem
movimento de várias maneiras. O existencialista cristão saber um pouco sobre o que ela é.
Kierkegaard descreveu-o como “passo de fé” (v. f id e ís m o ), O existencialismo é tão subjetivo que tende ao m is­
no qual se tem um encontro pessoal com Deus. O ateu Sartre ticismo (v. misticismo). Sem critérios objetivos, não há
o denominou“tentativa de passar da existência para si para como diferenciar o encontro com o real do encontro
a existência em si”. Ele acreditava que fazer isso é impossí­ com a ilusão. Para os existencialistas teístas, não há
vel, e que a vida é absurda. Os existencialistas ateus, inclusi­ como o indivíduo saber se encontrou o verdadeiro
ve Sartre e Camus, insistem que nenhuma experiência exis­ Deus ou o subconsciente — ou até m esm o Satanás
tencial autêntica é possível. O melhor a fazer é reconhecer a (2Co 11.14).
própria inautenticidade. Os existencialistas teístas acredi­ Quando conhecemos outras pessoas ou Deus, o
tam que a experiência existencial genuína é possível, mas p e sso a l n ão pode ser to ta lm e n te sep a ra d o do
não sem o encontro pessoal com Deus. Se isso é feito ape­
preposicional. Podemos dizer algo sobre as pessoas por
nas como indivíduo (Kierkegaard) ou na comunidade
meio de proposições ou declarações sobre elas. Pesso­
(Marcei), não se sabe. Pelo menos é possível. Para o
as que nunca se encontraram tam bém podem se co­
existencialista judeu Martin Buber, tal movimento vai dos
nhecer intim amente por meio de cartas. Da mesma
relacionamentos Eu-coisa para Eu-Tu.Gabriel Marcei acre­
forma, a Bíblia é uma revelação preposicional sobre o
ditava ser possível uma verdadeira experiência existencial
Deus pessoal (v. B íblia, evidências da).
passando de“mim”(o indivíduo) ou“eles” (a multidão) para
A liberdade adotada pelos existencialistas ateus é
“nós” (a comunidade).
impossível. Não temos liberdade absoluta. E, se há um
Avaliação. As opiniões existencialistas são tão varia­
Deus, todas as outras vontades estão subordinadas à
das que comentários gerais dificilmente podem ser classi­
sua vontade absoluta.
ficados por um ou mais grupos sob a categoria. Algumas
A irracionalidade não corresponde ao que a vida
generalizações, todavia, podem ser relacionadas.
é. Deus e a realidade absoluta não estão em contradi­
Contribuições positivas. A ênfase do existencialismo
ção. Deus é o Pai de toda razão. A lógica flui de sua
no amor acima do legalismo encaixa-se no ensinamen­
to de Jesus (Mc 2.27) e é um tipo de corretivo para o natureza (v. fé e razão). Os existencialistas não prati­
legalismo sempre presente em alguns domínios da vida cam a irracionalidade. São bem racionais quando ex­
cristã. A ênfase no prático em vez de no puramente teóri­ põem e defendem seu sistema. Inevitavelmente ten­
co coincide com a ênfase cristã numa fé viva (v. Tiago). tam a tirar conclusões racionais de sua visão da exis­
O n t evita o abstrato no ensinamento que boas obras re­ tência. A própria tentativa é contraditória.
sultam da fé verdadeira (Ef 2.8-10; Tg 2). Todos os cris­
tãos acreditam na liberdade humana, apesar de alguns Fontes
grupos discordarem em algumas nuanças do significa­ ). C o i .l is s , The existencialists.

do (v. d e t e r m in is m o ; l iv r e - a r b ít r io ) . W . B a r r e t t , Irrational man.

No sentido original de que “existência está acima da ). P. S a r t r e , O existencialismo e um humanismo.

essência”, T o m á s d e A q l t n o pode ser classificado como A . C amus, O mito de Sísifo.

existencialista. Ele descreveu Deus como Existência Pura. E. B r u n n e r , Revelation and reason.
Deus, que é superior em ordem e importância a qual­ K. B a r t h , Church dogmatics.v. 1.
q u er outro ser, é pura Realidade sem nenhum a M . H e id e g g e r , What is metaphysics?
potencialidade. Deus é Existência Pura. Esse é o máximo R. B u l t m a n n , Kerygma and myth: a theological de­
no existencialismo cristão, do ponto de vista do realismo. bate, org., H. W„ trad. R. H. F uller.
Erros e perigos. Mas o existencialismo não aborda G. M a r c e l , The mystery ofbeing.
adequadamente a essência da existência. Se a existência K. J a s p e r s , Reason and existence.
é superior à essência, então a essência da existência não S. K ie r k e g a a r d , Temor e tremor.
experimental, apologética 334

Ê xodo, d ata do. V. arqueologia do A ntigo T esta m en to ; O valor das experiências religiosas em geral é que es­
faraó do Ê xodo . tão disponíveis a todos. Até o ateu Sigmund Freud admitiu
que experimentou um tipo de “sentimento de dependên­
exp erim en tal,ap olog ética. A apologética experimen­ cia absoluta” como descrito por Friedrich S chleieralacher.
tal é a forma de defender a fé cristã que apela para a Paul T illich denominou-se experiência do “compromis­
experiência cristã como evidência da verdade do cris­ so absoluto”. O humanista John D ewey acreditava que todo
tianismo. Apelando à evidência interna, em vez de ex­ mundo tem uma experiência religiosa na sua busca pe­
terna, ela difere grandem ente de outros sistem as los objetivos, apesar dos obstáculos.
apologéticos (v. apologética , t ipo s d e ). Experiência religiosa especial. A experiência religi­
Proponentes da apologética experimental. Mui­ osa especial, ao contrário da geral, não é tão divulgada.
tos pensadores cristãos enfatizaram a experiência, al­ Para os que têm tais experiências, elas podem ser uma
guns m ísticos, outros não. Meister Eckart, na Idade demonstração poderosa da prova do cristianismo. Elas
Média, foi considerado herege, mas escreveu convin­ têm formas m ísticas e existenciais variadas.
centemente sobre as implicações do m isticism o cris­ Experiência mística cristã. Os m ísticos cristãos (v.
tão . No p e río d o m o d e rn o , o e x is t e n c ia l is m o ( v . m is t ic is m o ) reivindicam um a exp eriên cia especial
K ierk eg a a rd , S o r e n ) e a neo-ortodoxia (v. B arth , K a r l ) com Deus. Experiências m ísticas diferem das expe­
deram muito valor à experiência religiosa e suas pro­ riências gerais de outra maneira: proclamam ser con­
vas do cristianismo. Os liberais e modernistas clássi­ tatos diretos com Deus, sem mediação. A experiên­
cos rejeitam a verdade cristã objetiva, então a religião cia é auto-evidente, tão básica para a realidade quan­
experimental geral é praticamente o único fundamen­ to a experiência sensorial de perceber cores. Para elas,
to possível sobre o qual construir uma apologética cris­ pelo m enos, nada precisa de comprovação.
tã (v. MILAGRES, MITO EJ SCHLEIERMACHER, FRIEDRICH). Entre Experiências existenciais. Apesar de encontros exis­
os evangélicos, Elton Trueblood defendeu o experi­ tenciais com Deus não serem místicos, seus proponen­
mentalismo. Apesar de geralmente ficar fora das dis­ tes afirmam que eles também autenticam a si m es­
cussões apologéticas, a apologética experimental ca­ mos. Há ocasiões em que a pessoa é tomada por Deus
racteriza o movimento pentecostal, carism ático e a num encontro não-racional e direto que é mais básico e
chamada “terceira onda”. real que a experiência sensorial. Apesar de nem todos
Tipos de apologética experimental. Os apolo­ considerarem tais experiências evidência, elas servem
gistas cristãos experimentais dividem-se em várias ca­ para provar a autenticidade da fé à pessoa que tem a
tegorias. Alguns apelam à experiência religiosa em ge­ experiência. Quem apela para tais experiências rejeita
ral, apesar de geralmente esta não ser usada para pro­ abordagens apologéticas no sentido tradicional. Rejeita
var as afirm ações singulares do cristianism o tanto o apelo à evidência racional e factual e aceita o que acre­
quanto a existência de ensinamentos comuns a várias dita ser uma experiência que comprova a si mesma.
religiões. Isso pode inclu ir a existên cia do Deus Deve-se observar que nem todos os que têm expe­
transcendental ou a imortalidade da alma. riências especiais com Deus consideram esses m o­
Outros experim entalistas cristãos apelam para mentos provas apologéticas para o cristianism o, nem
experiências religiosas. Nessa categoria estão os que para si nem para os outros. Quem enfatiza essas expe­
enfatizam experiências místicas e os que buscam con­ riências como componente principal do sistema cris­
versões cristãs sobrenaturais. A descrição clássica de tão, no entanto, tende a considerá-las provas de sua fé.
Jonathan E dwards para a natureza da conversão, A Avaliação da apologética experimental. Apesar
treatise concerning religious affections [Tratado sobre de alguns cristãos basearem sua fé principalmente na
as sensações religiosas], argumenta em favor de Deus experiência, outros desmascaram totalmente o valor
a p a rtir da exp eriên cia da conversão, apesar de apologético desses argumentos subjetivos. Mas, vista
Edwards geralmente enfatizar a razão. da forma correta, a experiência tem um papel impor­
Experiência religiosa geral. 0 valor da experiência tante na religião.
religiosa em geral está limitado às afirmações cristãs. Aspectos positivos. Toda verdade religiosa deveria ser
Logicamente é difícil ver como esse argumento pode vivida. A verdade religiosa, ao contrário das outras for­
ser usado para apoiar até mesmo um Deus distinta­ mas de verdade, é preeminentemente uma verdade a ser
mente teísta. Na melhor das hipóteses, estabelece al­ vivida. Como disse William James, no coração da expe­
guma credibilidade para um tipo de ser supremo. Mas riência religiosa está o objetivo de ter um relacionamen­
provas da experiência religiosa foram oferecidas por to satisfatório e transcendental. A verdade religiosa, disse
cristãos e outros. Kierkegaard, é pessoal, não apenas proposicional. É
335 experimental, apologética

um a exp eriên cia que propicia o relacion am en to vivo da razão, p ossa avaliar e julgar essa experiência pura,
com o Deus vivo. N esse sentido, a verdade religiosa é ela não tem valor de verdade. Como Jonathan Edwards
m uito m ais que o que sabem os; é o que vivem os. Não diria, Deus quer alcançar o coração, mas ele nunca dei­
é apenas verdade para ser dom inada pelos cristãos; xa de p assar pela cabeça.
ela os dom ina. Ao contrário do que alguns afirmam, não há experiên­
Toda verdade é vivida. Xo sentido m ais geral, toda cias religiosas auto-evidentes que possam demonstrar a
verdade deve ser vivida. Na sua base, experiência signi­ verdade do cristianismo. Há diferenças importantes entre
fica consciência — consciência do Suprem o. Isso se es­ a experiência sensorial e a experiência religiosa especial.
tende da consciência de Deus à consciência de um a ver­ Uma é experiência geral, e outra, especial. Uma é experiên­
dade m atem ática. Se não é vivida, então não é possível cia contínua, e outra, apenas ocasional. Uma é pública e a
“conhecê-la” . A ssim , a experiência nesse sentido não é outra, particular. Uma é sensitiva e objetiva, enquanto a
apenas im portante para a fé religiosa; é essencial. outra é espiritual e subjetiva. Nenhuma comparação entre
Verdade conceituai é vazia sem experiência. U m a as duas é válida.
co n seqü ên cia da necessidade de exp erim en tar a ver­ Isso deixa pendente a afirmação de João C alvino e
dade é que conceitos estéreis são vazios por não se outros de que todos os homens têm conhecimento inato
b asearem na exp eriên cia (v. t a u t o l o g i a s ) . A pesar de de Deus. Se têm, certamente não é específico o suficiente
haver vários níveis e o b jetos de exp eriên cia, não há para estabelecer muito mais que a existência de Deus (e
verdade sobre a realidade que seja totalm ente sep ara­ talvez da imortalidade), mas não as verdades singulares
da da exp eriên cia. A não ser que se tenha co n sciên cia do cristianismo, como a divindade de Cristo (v. C risto , di­
de um o b jeto por m eio da exp eriên cia, não se pode v i n d a d e de ), a TRiNDADE e Cristo como caminho para Deus
co n h ecê-lo diretam ente. Logo, a exp eriên cia é in d is­ (v. C risto , singularidade de;“ ragãos” , salvação dos; pluralismo ;
pensável p ara con h ecer qu alqu er verdade, inclusive a RELIGIÕES MUNDIAIS,CRISTIANISMO e ).
verdade religiosa. Uma “fonte da” verdade não é uma “prova da” ver­
Aspectos negativos. Embora toda verdade, mesmo dade. Aqueles que usam a experiência no sentido pri­
a religiosa, deva ser vivida no sentido amplo de ter­ mário para dem onstrar a verdade do cristianism o en­
mos co n sciên cia dela, nenhuma reivindicação de ver­
volvem-se num mal-entendido básico. A experiência
dade religiosa deve b asear-se na experiência sem crí­
religiosa é certam ente um a fonte de verdade sobre
tica ou com provação (v. vtrda de , natureza da ).
Deus, mas não pode ser usada como teste para essa
0 experimentalismo confunde as categorias. É uma
verdade. Tal uso apologético da experiência religiosa
confusão de categorias falar da verdade religiosa expe­
é forçado, já que apela para a experiência a fim de pro­
rimental. Há experiências religiosas verdadeiras (expe­
var a verdade da experiência.
riência de D eus), mas elas são diferentes das expressões
Experiências religiosas não são auto-interpretativas.
(afirmações) sobre tais experiências. A verdade é en­
Nenhuma experiência religiosa, e certam ente nenhu­
contrada na expressão sobre o objeto de nossas experi­
ma do tipo especial (m ístico), pode ser autoclassi-
ências, não nas próprias experiências. Então, tecnica­
ficada. Outras interpretações são possíveis, que são
mente, não há experiência religiosa verdadeira ou falsa.
dadas prontamente por Ludwig F eu erba ch , W illiam
Há afirmações verdadeiras ou falsas relativas ao que a
James e Freud. O fato de a pessoa religiosa ter tido a
pessoa realmente experimentou de Deus e acerca desse
experiência e tê-la classificado não significa que essa
Deus. Mas a própria experiência, no sentido primário,
é a única interpretação ou a interpretação adequada.
não é verdadeira nem falsa.
Alucinações, ilusões e projeções mentais têm aconte­
A razão é necessária. Se a razão é considerada no senti­
cido em muitas experiências religiosas. É necessário
do secundário de reflexão sobre nossa experiência primá­
ria (especialmente a reflexão racional), ela é crucial para mais que uma experiência subjetiva para dem onstrar
sabermos a verdade sobre nossa experiência primária. A a verdade objetiva.
experiência primária, assim definida por muitos que a Experiências religiosas carecem de valor objetivo.
enfatizam, não é reflexiva nem crítica. Supostamente não Alguns critérios objetivos e demonstráveis para de­
há utilidade para a lógica nem para a razão. A lógica é pré- terminar a verdade das experiências religiosas são ne­
conceitual. Esse tipo de experiência, se realmente possível, cessárias. É óbvio, com base nos fatos, que experiênci­
é perigosa e não tem função definitiva para determinar a as semelhantes podem ser interpretadas de maneiras
verdade na religião. É “pura” experiência, sem meios pró­ diferentes e que experiências religiosas entram em
prios para nos deixar saber se a experiência nos está colo­ conflito umas com as outras. É por isso que a Bíblia
cando em contato com a realidade divina. A não ser adverte contra falsos profetas (M t 7 .1 5 ) e falsos
que a denominada “experiência secundária”, pelo uso ensinamentos (H m 4.1s.; ljo 4.1s.). Na verdade ela
experimental, apologética 336

até estabelece critérios objetivos pelos quais a falsida­ investigação crítica ou racional. Critérios objetivos são
de pode ser conhecida (cf. Dt 18.9-22). necessários para todas as experiências subjetivas se­
Experiências indescritíveis não têm valor de ver­ rem significativas para outra pessoa além da que as
dade. Os m ísticos geralm ente afirm am ter experiên­ vivenciam. A verificação objetiva certamente é neces­
cias inefáveis. Seja qual for o valor subjetivo que pos­ sária antes que possam ser usadas para estabelecer
sam ter para a pessoa que as vive, não podem cons­ uma reivindicação da verdade. A mente deve entender
tituir reivindicação válida da verdade para outras e investigar o que o coração está sentindo. Caso con­
pessoas. Estados subjetivos têm força de coerção, se trário, não podemos saber se corresponde à realidade
tanto, apenas para quem os experim entam . Pela pró­ (v. V E R D A D E , N A T U R E Z A A B S O L U T A D .\ ) .

pria natureza são vivenciados apenas por uma pes­


soa. Segundo, uma experiência indescritível não pode Fontes
ser testada porque nem ao m enos é conhecida. Seria |. E dw ards , A treatise concerning religious affections.
necessário conhecê-la antes de poder testá-la. Se não L. F euerba ch , The essence o f Christianity.
é com preendida racionalm ente, não pode ser testa­ S. F r e u d , Ofuturo de uma ilusão.
da racionalm ente. N. L. G e is l f r , e l a l. Philosophy o f religion, Pt. 1
Conclusão. A experiência religiosa geral não é es­ W. J a m e s , Varieties o f religious experience.
pecífica o suficiente para apoiar afirm ações da verda­ S. K ier keg aa rd , Temor e tremor.
de do cristianism o. No máxim o pode apoiar algumas R. O t t o , The idea o f the holy.
afirm ações vagas sobre um ser transcendental, mas F. S c h l e ie r m a c h er , On religion: speeches to its
não as afirm ações singulares de um Deus trino que se cultured despisers.
revela nas Escrituras. As experiências religiosas tam ­ P. T il l ic h , Ultimate concern.
bém não são objetivas nem verificáveis. Não oferecem E . T rueblo o d , Philosophy o f religion.
Ff
falsificação,princípio de. V F lew ,A ntony; verificação , es ­ quanto ao que é bom. Ao contrário do determinismo,
tratégias DE. Deus é amoroso (Jo 3.16; Rm 5.6-8; 2Co 5.14,15; ljo
2.1) e não quer que ninguém pereça (2Pe 3.9). Inde-
faraó, endurecimento do coração do. Em Êxodo 4.21, pendentemente do que o determinista diga, a justiça de
Deus declara: “Eu vou endurecer o coração dele, para não Deus é impugnada se ele endurece pessoas em pecado
deixar o povo ir”. Mas se Deus endureceu o coração do contra a vontade desta. O livre-arbítrio e a compulsão
faraó, ele não pode ser julgado moralmente responsável são contraditórios. Como Paulo comentou sobre a con­
pelas suas ações, já que não o fez por livre e espontânea tribuição: “Cada um dê conforme determinou em seu
vontade, mas por coação (cf. 2Co 9.7; IPe 5.2). Parece ha­ coração, não com pesar ou por obrigação Deus ama
ver um problema sério aqui em relação ao amor e à justi­ quem dá com alegria” (2Co 9.7). Pedro acrescentou que
ça de Deus (v. mae , problema do ). Se Deus ama a todos, por os líderes da igreja, ao servirem a Deus, devem traba­
que ele endureceu o coração do faraó para que rejeitasse lhar “não por obrigação, mas de livre vontade” (IP e 5.2).
a vontade de Deus? Se Deus é justo, por que culpar o faraó A resposta dos deterministas moderados. Outros res­
pelo seu pecado, se foi Deus quem endureceu o coração pondem ao problema do endurecimento do coração do
dele para o pecado? faraó alegando que Deus não endureceu o coração do
Soluções propostas. Há duas respostas básicas para faraó contra seu livre-arbítrio. As Escrituras deixam cla­
esse problema com base em teologias divergentes. ro que o faraó endureceu o próprio coração. Elas decla­
A resposta do determinista rígido. Calvinistas ou ram que o coração do faraó “se endureceu” (Êx 7.13), que
deterministas rígidos (v. determinismo ) enfatizam a sobe­ ele “obstinou-se em seu coração” (Êx 8.15) e que “o cora­
rania de Deus e afirmam que ele tem o direito de endure­ ção do faraó permaneceu endurecido”à medida que Deus
cer ou amolecer o coração que quiser. Quanto à justiça de agia sobre ele (8.19). Mais um vez, quando Deus enviou a
Deus, a resposta é de Paulo em Romanos 9.20: “Mas quem praga das moscas, “mas também dessa vez o faraó obsti-
é você, ó homem, para questionar Deus?! Acaso aquilo nou-se em seu coração” (8.32). Essa mesma frase ou equi­
que é formado pode dizer ao que o formou: ‘Por que me valente é repetida várias vezes (v. tb. 9.7,34,35). Na reali­
fizeste assim?’” 0 amor redentor de Deus é dado aos elei­ dade, com exceção da previsão de Deus acerca do que
tos. Mais uma vez, citando Paulo, eles insistem em que aconteceria (Êx 4.21), o fato é que o faraó endureceu pri­
Deus “tem misericórdia de quem quer, e endurece a meiramente o próprio coração (7.13; 8.15 etc.), e Deus o
quem ele quer” (Rm 9.18). A forte resposta calvinista endureceu mais tarde (cf. 9.12; 10.1,20,27).
ao problema, então, é que o faraó já era um incrédulo Teólogos explicam que palavras hebraicas diferen­
endurecido, e Deus apenas o endureceu ao retirar a tes para “endurecer” são usadas nessa passagem (Forster,
graça que suaviza os efeitos da Queda no coração in­ p. 1555-1568). Qãshâ, que significa “teimosia”, é usada
crédulo. Ele deixou o faraó intensificar sua rebelião, duas vezes, uma vez quando Deus é o agente e uma vez
como um incrédulo faria sem restrição divina. Deus quando o faraó é o agente (7.3; 13.15). Em ambos os
fez isso para mostrar seu poder e glória. O faraó não casos, ela é usada para o processo geral, não para uma
teria se arrependido verdadeiramente sem a interven­ ação específica. Kãvêd, que significa “pesado” ou “insen­
ção positiva do poder redentor de Deus. sível”, é usada várias vezes, não só se referindo ao cora­
Essa posição é baseada numa visão voluntarista ina­ ção do faraó, mas também às pragas. Deus enviou um
ceitável (v. voLCNTAR]smo ), em que Deus pode desejar uma “pesado” enxame de moscas, granizo e enxame de gafa­
de duas ações opostas. Isso parece fazer Deus arbitrário nhotos. hãzãq , que significa “força” ou “incentivo”, é o
faraó do Êxodo 338

termo usado em relação ao coração do faraó. Quando faraó do Êxodo. A teoria predominante dos teólogos
o faraó é o agente do endurecimento, a palavra usada modernos é que o faraó do Êxodo foi Ramessés n (v. B í­
ékãvéd. Quando Deus é o agente, o termo usado é hãzãq. , c r í t i c a d a ) . Nesse caso, o Êxodo teria acontecido por
b l ia

“Embora o faraó tome sua própria decisão moral, Deus volta de 1270 a 1260 a.C. Mas a Bíblia (Jz 11.26; lRs 6.1;
lhe dará força para realizá-la”, escreve Roger Forster (p. At 13.19,20) data o Êxodo em aproximadamente 1447 a.C.
72). Com base nisso, não há nada moralmente sinis­ Segundo a datação normalmente aceita, o faraó do Êxodo
tro com relação ao “endurecimento” do faraó, e esse é seria Amenotepe n, uma identificação que os arqueólo­
o entendimento com o qual calvinistas moderados e gos e teólogos tradicionalmente rejeitam.
arminianos podem concordar. O Êxodo antigo. Os estudiosos modernos elevaram
Deus endureceu o coração dele de forma semelhan­ Ramessés n e a data de metade do século xiii ao nível de
te à maneira em que o sol endurece a argila e também doutrina indiscutível, mas há evidência suficiente para
derrete a cera. Se o faraó fosse receptivo às advertências desafiar a opinião convencional sobre o Êxodo, assim
de Deus, seu coração não teria sido endurecido por Deus. como a datação tradicional de vários faraós. Explicações
Mas quando Deus deu ao faraó uma suspensão tempo­ alternativas dão melhor esclarecimento a todos os dados
rária das pragas, ele se aproveitou da situação. “Mas históricos, tornando possível a data de 1447 a.C. para a
quando o faraó percebeu que houve alívio, obstinou-se saída dos israelitas.
em seu coração e não deu mais ouvidos a Moisés e a A Bíblia é bem específica em IReis 6.1 que 480 anos
Arão, conforme o S enhor tinha dito” (Êx 8.15). haviam se passado do Êxodo até o quarto ano do reinado
A questão pode ser resumida da seguinte forma: Deus de Salomão, por volta de 967 a.C., o que colocaria o Êxodo
endurece corações? por volta de 1447 a.C. Isso também concorda com Juízes
11.26, que afirma que Israel passou trezentos anos na terra
Deus não endurece Deus endurece até o tempo de Jefté (por volta de 1100 a.C ). Da mesma
corações corações forma, Atos 13.20 fala do período de 450 anos de governo
inicialmente su b s e q ü e n te m e n te dos juízes de Moisés a Samuel, que viveu por volta do ano
diretamente indiretamente 1000 a.C. Paulo disse em Gálatas 3.17 que houve 430 anos
contra o por meio do de Jacó a Moisés. Isso seria de 1800 a 1450 a.C. O mesmo
livre-arbítrio livre-arbítrio número é usado em Êxodo 12.40. Se a Bíblia está errada
quanto à sua causa quanto ao seu efeito nesse ponto, ela certamente é coerente e não permite um
Êxodo no século xiu.
Conclusão. Se Deus endureceu o coração do faraó Possíveis soluções. Há pelo menos três maneiras de
ou de alguma outra pessoa de acordo com a própria ten­ conciliar os dados bíblicos com a data do século xv. A pri­
dência e escolha dela, não pode ser acusado de ser in­ meira supõe a possibilidade de um Ramessés mais anti­
justo, cruel, ou de agir contrariamente ao livre-arbítrio go. A segunda oferece uma base para ajustar a cronologia
dado por ele mesmo. E as Escrituras deixam claro que o dos reis egípcios (v. .arqueologia do A ntigo T estamento ).
faraó endureceu o próprio coração. Então, o que Deus Como essas mudanças abalariam muitas opiniões am­
fez estava de acordo com a livre escolha do próprio o plamente aceitas sobre a história antiga, elas enfrentam
faraó (v. liv r e - a rbítrio ). O s eventos podem ser determi­ muita oposição, mas a evidência é forte.
nados por Deus na sua presciência, mas são livres do A data geralmente aceita foi baseada em três su­
ponto de vista da escolha humana. Jesus atingiu esse posições:
equilíbrio quando disse em Mateus 18.7: “É inevitável
que tais coisas [que fazem tropeçar] aconteçam, mas ai 1. “Ramessés” em Êxodo 1.11 recebeu o nome de
daquele por meio de quem elas acontecem!”. Ramessés, o Grande.
2. Não houve nenhum projeto de construção no
Fontes delta do Nilo antes de 1300.
A gostinho , O livre-arbítrio. 3. Não houve nenhuma grande civilização em
___ , A graça Canaâ entre os séculos xlx e xni a .C.
J. E dwards, Freedom o f the wüL
J. F letcher , John Fletchers checks to antinomianism, Se tudo isso for verdadeiro, as condições descritas em
E W iseman, cond. Êxodo seriam impossíveis antes de 1300 a.C. Mas o nome
R. T. F orster, Gods strategy in human history. Ramessés aparece em toda a história egípcia, e a cidade
N. L. Geisler,Predestinação ou livre-arbítrio, R. Basinger, et al., mencionada em Êxodo 1 pode ter honrado um nobre mais
orgs. antigo com esse nome. Como Ramessés, o Grande, é
M. L utero,A escravidão da vontade. Ramessés n, deve ter existido um Ramessés i, sobre o qual
339 faraó do Êxodo

não se sabe nada. Em Gênesis 47.11,o nome Ramessés é Bronze Médio é mais prolongada do que se imaginava,
usado para descrever a área do delta do Nilo onde Jacó e ficando assim seu término mais próximo de 1420 a.C.
seus filhos se instalaram. Esse pode ser o nome que Moisés Isso corresponde à Bíblia, onde as cidades em Canaã
normalmente usava para se referir a toda a área geográ­ eram “grandes, com muros que vão até o céu” (Dt 1.28),
fica. Ramessés, então, não precisa sequer se referir a uma como disse Moisés. Além disso, a extensão da destruição,
cidade chamada pelo nome de um rei. com apenas algumas exceções, coincide com a descrição
Segundo, projetos de construção foram encontrados bíblica. “Realmente, a área na qual a destruição ocorreu
em Pi-Ramesse (Ramessés) e em ambos os sítios possí­ no final do [Idade do Bronze Médio] corresponde à área
veis para Pitom, datando dos séculos xix e xvn a.C, a era da ocupação israelita, ao passo que as cidades que sobre­
na qual os israelitas chegaram. Eles revelam forte influ­ viveram estavam foram dessa área.”
ência palestina. Uma escavação feita em 1987 demonstra Alguns arqueólogos perguntam onde está a evidên­
que houve construção em Pi-Ramesse e em um dos síti­ cia do domínio israelita no final da Idade do Bronze.Sem-
os de Pitom no século xv. Então, se Êxodo 1.11 faz refe­ pre consideramos os israelitas responsáveis pela transi­
rência aos projetos de construção que estavam em anda­ ção da Idade do Bronze para a Idade do Ferro em 1200
mento na época em que os israelitas eram escravos, ou a.C. O problema com essa teoria é que aquelas mudanças
àqueles em que estavam trabalhando na época do Êxodo, são iguais em todo o Mediterrâneo, não apenas na Pales­
há evidência de construção em andamento. Pesquisas su­ tina. Os hebreus não poderiam ser responsáveis por uma
perficiais não apresentaram sinais de civilizações como mudança tão extensa. Na verdade, como nômades, eles
as dos moabitas e edomitas antes da entrada de Israel na provavelmente não trouxeram nada consigo, viveram em
terra, mas a escavação mais profunda revelou muitos sí­ tendas por algum tempo e compraram sua cerâmica nos
tios que se encaixam nesse período. Até o homem que fez mercados cananeus. Além disso, o livro de Juízes mostra
a pesquisa inicial mudou sua opinião. Provou-se assim que, depois que Israel entrou na terra, eles não exerceram
que os três argumentos a favor da datação do Êxodo após domínio sobre ninguém por várias centenas de anos. Fo­
1300 a.C eram falsos. Ora, se essas três suposições estão ram dominados por todos à sua volta.
erradas, não há razão para supor uma data posterior para Bimson resume sua proposta desta maneira:
o Êxodo, e podemos procurar evidências para apoiar a
data bíblica de aproximadamente 1447. Propomos: 1) um retorno à data bíblica da conquista de
Revisão de Bimson-Livingston. John Bim son e Canaã (i.e., logo antes de 1400 a.C.) e 2) uma diminuição da
David Livingston propuseram em 1987 que a data da data do final da Idade do Bronze Médio, de 1550 a.C. para logo
mudança da Idade do Bronze Médio para a Idade do antes de 1400 a.C. O resultado é que dois eventos previamente
Bronze Recente era imprecisa e devia ser mudada. 0 separados por séculos são unidos: a queda das cidades bm ii
que estava em jo go era a ev id ên cia de cidad es de Canaã torna-se evidência arqueológica da conquista. Es­
destruídas em Canaã. A maioria dos sinais de uma sas propostas duplas criam uma coincidência quase perfeita
invasão ou conquista significativa datam de cerca de entre a evidência arqueológica e o registro bíblico.
1550 a.C. — 150 anos antes. Essa data é atribuída a
essas ruínas porque se supõe que foram destruídas Revisão de Velikovsky-Courville. Uma terceira pos­
quando os egípcios expulsaram os hicsos, uma nação sibilidade cria um problema para a teoria tradicional
hostil que dominou o Egito durante vários séculos. da história egípcia. A cronologia de todo o mundo anti­
Bimson acredita que mudar o fim da Idade do Bronze go é baseada na ordem e nas datas dos reis egípcios. Em
Médio demonstraria que essa destruição foi feita pe­ grande parte, conhecemos essa ordem por meio de um
los israelitas, não pelos egípcios. historiador chamado Maneto, que é citado por outros
Como tal mudança pode ser justificada? A Idade três historiadores. Também há monumentos que dão
do Bronze Médio ( b.m) foi caracterizada por cidades listas parciais. Essa ordem era considerada indiscutível.
fortificadas; a Idade do Bronze Recente ( b r ) tinha em No entanto, a única data absolutamente fixa é no seu
grande parte colônias menores, sem muros. Portanto, final, quando Alexandre, o Grande, conquistou o Egito.
o causador da destruição dessas cidades fornece data Yelikovskv e Courville afirmam que seiscentos anos adi­
para a divisão do período. A evidência é escassa e im ­ cionais nessa cronologia mudam as datas de todos os
precisa. Além disso, há dúvidas de que os egípcios, que eventos no Oriente Médio.
começavam a estabelecer um novo governo e exército, Deixando de lado a idéia de que a história egípcia é
pudessem realizar longos sítios por toda a terra de fixa, há três evidências de que a história de Israel coin­
Canaã. Evidências positivas surgiram de escavações cide com a história do Egito. Esse tipo de coincidência,
recentes que revelaram que a última fase da Idade do onde o mesmo evento é registrado em ambos os países,
faraó do Êxodo 340

é chama-se sincronismo. As três ocasiões em que encon­ entre as nações, mas o seu fim será destruição” (Nm
tramos sincronismos são as pragas de Moisés, a derrota 24.20). Por que ele amaldiçoou Amaleque, e não o Egi­
dos amalequitas e o reinado de Acabe. to? Só se o Egito estivesse sob domínio amalequita! Além
Um papiro muito antigo escrito por um sacerdote disso, os nomes do primeiro e do último rei amalequita
egípcio chamado Ipuwer, apesar de receber várias inter­ naBíblia(A gagueien,v.N m 24.7e ISm 15.8) correspon­
pretações, fala de dois eventos singulares: uma série de dem ao primeiro e ao último rei hicso. Isso indicaria que
pragas e a invasão de uma potência estrangeira. As pra­ os hicsos entraram no Egito logo depois do Êxodo e per­
gas coincidem bem com o registro mosaico das pragas maneceram no poder até Saul derrotá-los e libertar os
do Egito em Êxodo 7— 1 2 .0 texto fala do rio transfor­ egípcios do cativeiro. Isso explicaria as relações amisto­
mado em sangue (cf. Êx 7.20), colheitas destruídas (Êx sas que Israel tinha com o Egito na época de Davi e
9.25), fogo (Êx 9.23,24; 10.15) e trevas (Êx 10.22). A pra­ Salomão. Na verdade, Velikovsky descobriu semelhanças
ga final, que matou o filho do faraó, também é mencio­ surpreendentes entre a rainha de Sabá e rainha egípcia
nada: “De fato os filhos dos príncipes são esmagados con­ Hatshepsut. Acredita-se que ela viajou à Terra Prometi­
tra as paredes [...] A prisão é arruinada [...] Aquele que da, e as dádivas que recebeu ali são muito semelhantes às
enterra seu irmão está em toda parte [...] Há gemidos em que Salomão deu à sua visitante (v. lRs 10.10-22). Ela
toda a terra, misturados a lamentações” (Papiro 2.13; 3.14; também construiu um templo no Egito que é semelhan­
4.3; 6.13). Isso coincide com o registro bíblico que diz:“0 te ao templo de Salomão. Mas, de acordo com a crono­
Senhor matou todos os primogênitos do Egito, desde o logia egípcia, ela viveu antes do Êxodo. Somente se a
filho mais velho do faraó, herdeiro do trono, até o filho cronologia for reexaminada esse paralelismo poderá ser
mais velho do prisioneiro que estava no calabouço [...] E explicado. A invasão de Tutmés m à Palestina também
houve grande pranto no Egito, pois não havia casa que pode ser igualada ao ataque de Sisaque (2Cr 12.2-9).
não tivesse um morto” (Êx 12.29,30). Imediatamente após O terceiro sincronismo é uma série de cartas (em
esses desastres,houve uma invasão de“uma tribo estran­ tabuinhas de argila) chamadas de cartas El-Amarna. São
geira” que saiu do deserto (Papiro 3.1). Essa invasão deve correspondências entre os reis da Palestina (Jerusalém,
ter sido dos hicsos, que dominaram o Egito entre o Reino Síria e Sumur) e os faraós Amenotepe ui e seu filho
Médio e o Novo Reino. Aquenatom. Os palestinos estavam preocupados com um
O monolito de El-Arish conta uma história semelhan - exército que se aproximava do sul chamado habiru, que
te de trevas e sofrimento na terra nos dias do rei Tom. estava causando grande destruição. Com base em tal des­
Também relata como o faraó “saiu para a batalha contra crição, tradicionalmente acredita-se que essas cartas fa­
os amigos de Apopi (o deus das trevas)”, mas o exército lam da entrada dos israelitas em Canaã. Velikovsky mos­
não voltou mais: “Sua majestade lançou-se no chamado tra que uma investigação maior dessas tabuinhas revela
Lugar do Redemoinho”. O lugar do incidente é Pi-Kharoti, um quadro totalmente diferente. Primeiro, Sumur pode
que pode ser o equivalente a Pi-ha-hiroth, onde os israe­ ser identificado como a cidade de Samaria, que só foi
litas acamparam perto do mar (Êx 14.9). Isso é muito in­ construída depois de Salomão (lR s 16.24). Segundo, o
teressante, porque o nome da cidade construída pelos “rei de Hati” ameaça invadir do norte, o que parece ser
israelitas é Pi-Tom,“a morada de Tom”. E o rei que reinou uma invasão hitita. Terceiro, nenhum dos nomes nas car­
logo antes da invasão dos hicsos foi (no grego) Timaios. tas coincide com os nomes dos reis dados no livro de Josué.
Mas a data egípcia para o rei Tom está cerca de seiscen­ Em outras palavras, a situação política está totalmente
tos anos adiantada, por volta de 2000 a.C. Ou a cronolo­ errada, caso essas cartas sejam da época do Êxodo. Se
gia egípcia está errada, ou a história se repetiu de manei­ mudarmos sua data para a época em que Acabe reinou
ra muito incomum. em Samaria e foi ameaçado pelos moabitas e hititas, to­
Segundo Velikovsky, os hicsos devem ser identifica­ dos os nomes, lugares e eventos podem ser situados em
dos com os amalequitas, que os israelitas encontraram Reis e Crônicas, até os nomes dos generais dos exércitos.
antes de chegar ao Sinai (Êx 17.8-16). Eles poderiam ter Mas isso coloca Amenotepe m quinhentos anos depois
chegado ao Egito poucos dias depois de os israelitas par­ da cronologia tradicional. Assim, ou a cronologia está
tirem. Os egípcios referem-se a eles como Amu, e histo­ errada ou é necessário afirmar que a história se repetiu
riadores árabes mencionam alguns faraós amalequitas. exatamente meio milênio depois.
Mas os equivalentes bíblicos são bem convincentes. A descrição que emerge é coerente apenas se a his­
Quando o falso profeta Balaão encontrou Israel, eles os tória israelita for usada para datar os eventos egípci­
abençoou apesar das instruções que havia recebido, mas, os. Tal interpretação também exige uma nova crono­
quando se voltou, defrontando o Egito,“viu Amaleque e logia para a história egípcia. Courville demonstrou que
pronunciou este oráculo: “Amaleque foi o primeiro as listas dos reis egípcios não devem ser consideradas
341 fé e razão

completamente consecutivas. Ele mostra que alguns A razão não pode produzirfé. A razão acompanha,
dos “reis” descritos não eram faraós, mas governado­ mas não causa a fé. A fé é assentimento sem questiona­
res locais ou altos oficiais. Entre os mencionados es­ mento porque o assentimento da fé não é causado pela
tão José (Yufni) e o pai adotivo de Moisés, Quenefres, investigação, e sim por Deus. Ao comentar Efésios 2.8,9,
que era príncipe apenas por casamento. Aquino argumentou que
0 reconhecimento de que “reis” da xm Dinastia eram
na verdade príncipes de regiões locais ou vice-reis escla­ o livre-arbítrio é inadequado para o ato da fé, já que o
recem sobre o que Maneto considerava uma dinastia. conteúdo da fé está acima da razão [...] Então, o fato de um
Evidentemente não estava fora de cogitação dar nomes à homem acreditar não pode surgir nele a não ser que Deus o
linhagem principal de reis, compondo uma dinastia, e conceda” (Aquino, Ephesians, 96)
depois voltar na escala de tempo e começar uma linha­
gem de vice-reis como dinastia distinta. Ao classificar es­ A fé é um presente de Deus,e ninguém pode crer sem
ses vice-reis como reis, o antigo historiador hidealizou ela. No entanto,“isso não impede que a compreensão da­
uma cronologia errônea e extremamente expandida do quele que acredita tenha algum pensamento discursivo
Egito. A correção dessa cronologia coloca o Êxodo por de comparação sobre as coisas em que acredita” (Da ver­
volta de 1447 a.C. e faz outros períodos da história israe­ dade, 14. A1.2). Tal pensamento discursivo, ou raciocínio
lita coincidirem com os reis egípcios mencionados. de premissas a conclusões, não é a causa do assentimen­
Conclusão. A evidência é forte a favor da data do sé­ to da fé, mas pode e deve acompanhá-lo (ibid., 14.A l.6).
culo xv a.C para o Êxodo. Isso entra em conflito com a Fé e razão são paralelas. Uma não causa a outra porque
data geralmente aceita para os reis egípcios. Mas talvez a “fé envolve vontade (liberdade) e a razão não força a von­
datação convencional para a Idade do Bronze e certa­ tade” (ibid.). A pessoa está livre para discordar, mesmo
mente a cronologia dos reis egípcios precisem ser drasti­ que haja razões convincentes para acreditar.
camente mudadas. Mais pesquisas e escavações serão Como questão de abordagem tática na apologética,
necessárias para descobrir quais teorias descrevem me­ se a autoridade das Escrituras é aceita (fé), o apelo pode
lhor a seqüência de eventos no Egito e em Canaã. No en­ ser feito a ela (razão).
tanto, parece que a datação bíblica é mais precisa que se
suspeitava, mais até que o conhecimento reunido à custa Logo, contra os judeus somos capazes de argumentar por
de pesquisa. meio do Antigo Testamento, e contra hereges podemos argu­
mentar por meio do Novo Testamento. Mas os maometanos
Fontes [ .
v ] e os pagãos não aceitam nem um nem outro [...]
i s l a m is m o

G. A rcher, Enciclopédia de temas bíblicos. Devemos, portanto, recorrer à razão natural, à qual todos os
J. B imson e D. Lm\(iSTOXE,“Redating the Exodus”, homens são forçados a dar seu assentimento (Summa
Biblical archaeology review (Sep.-Oct. 1987). theologica,\a.2.2).
CouRviLLE, D. A. The exodus problem and its
ramifications. No entanto, algumas verdades cristãs são atingíveis
N. L. GEisi.tR e R. B rooks When skeptics ask, cap. 9. pela razão humana, por exemplo, que Deus existe e é um.
R. K. H arrisos, Introduction to the Old Testament. “Tais verdades sobre Deus foram provadas demonstrati­
V elikovsky, Worlds in collision. vamente pelos filósofos, guiados pela luz da razão natu­
ral” (ibid., la.3.2).
fé e razão. A relação da fé com a razão é muito importan­ Três usos da razão. A razão ou filosofia pode ser usa­
te para o cristão reflexivo. O problema de como combinar da de três maneiras, diz Aquino:
esses aspectos de personalidade existe desde os primei­
ros apologistas. De Justino M á r t ir e C l e m e n t e de 1. A ponta os “preâmbulos da fé” (que Deus exis­
Alexandria a Tertuliano, todos tiveram dificuldades. A gos ­ te, que somos suas criaturas...; v. cosmológico ,
tinho fez a primeira tentativa séria de relacionar as duas, .a rgumento ; D eu s , evidências de ).
mas o tratamento mais abrangente veio no final do perí­ 2. Analisa os ensinamentos dos filósofos para re­
odo medieval, quando o intelectualismo cristão flores­ velar conceitos correspondentes na fé cristã.
ceu n a obra de T omás de A quixo . Aquino dá o exemplo da obra de Agostinho,
Relação da f é com a razão. Aquino acreditava que A Trindade, que se baseia na filosofia para
a fé e a razão se entrelaçam. A fé usa a razão, e a razão ajudar a explicar a Trindade.
não pode ser bem-sucedida na descoberta da verdade 3. Opõe-se a ataques contra a fé a partir da lógica
sem a fé. (Gentios, 1.9).
fé e razão 342

A razão pode ser usada para provar a teologia natu­ A fé não envolve uma busca por meio da razão natural para
ral, que estuda a existência e a natureza de um Deus. provar o que se acredita. Envolve, porém, uma forma de verifi­
Pode ser usada para ilustrar conceitos teológicos sobre­ cação das coisas pelas quais uma pessoa é levada a acreditar,
naturais, tais como a Trindade e a Encarnação (v. C risto , e.g. se são faladas por Deus e confirmadas por milagres” (ibid.,
divindade d e ). E pode ser usada para refutar falsas teolo­ 2a2ae.2,l, resposta).
gias (A Trindade, 2.3). O apologista direciona a pessoa
a aceitar dois tipos de verdade sobre coisas divinas e Os demônios não são convencidos de bom grado
destruir o que é contrário à verdade. A pessoa é direcio­ pela evidência de que Deus existe, mas são forçados
nada às verdade da teologia natural pela investigação intelectualmente pelos sinais confirmadores de que
racional e às verdades da teologia sobrenatural pela fé. aquilo em que os fiéis acreditam é verdadeiro. Mas não
Assim, para mostrar o primeiro tipo de verdade divi­ podem dizer que realmente acreditam (Da verdade,
na, devemos proceder com argumentos demonstrativos. 14.9. ad 4).
Mas, já que tais argumentos não estão disponíveis para o O testemunho do Espírito. Para que alguém acredi­
segundo tipo de verdade divina, nossa intenção não de­ te em Deus é preciso que tenha o testemunho interno
veria centrar-se em convencer nosso adversário por meio do Espírito Santo (v. E spírito S anto na apologética , pa­
de argumentos: deveria preocupar-se em responder a pel d o ). Pois

seus argumentos contra a verdade; pois, como demons­


tramos, a razão natural não pode contrariar a verdade da quem acredita tem, de fato, motivo suficiente para acredi­
fé. A única maneira de derrotar um adversário da ver­ tar, a saber, na autoridade do ensinamento de Deus, confirma­
dade divina é a partir da autoridade das Escrituras — a do por milagres, e — o mais importante — na inspiração inte­
rior [instinctus] de Deus convidando-o a acreditar” (Suma te­
autoridade divinamente confirmada por milagres. Pois
cremos no que está além da razão humana apenas por­
ológica, 2a2ae.6.1).
que Deus o revelou. No entanto, certamente há argu­
O Espírito Santo usa duas causas para estimular a
mentos prováveis que devem ser apresentados para re­
fé voluntária. A persuasão pode vir de fora — por exem­
velar a verdade divina [Gentios, 1.9; v. m i l a g r e s , v a l o r
plo, um milagre que é testemunhado. Ou pode vir de
A P O L O G É T IC O D O S ] ,
dentro. A primeira causa nunca é suficiente para que
A existência de Deus é auto-evidente de modo abso­
alguém consinta interiormente com as coisas da fé.
luto, mas não relativamente (para nós) (ibid., 1.10,11; v.
O assentimento da fé é causado por Deus à medida que
p r i m e i r o s p r i n c í p i o s ) . Logo, em última análise, é necessário
ele conduz o crente interiormente por meio da graça. A
receber pela f é as coisas que podem ser conhecidas pela
crença é uma questão de vontade, mas a vontade preci­
razão, assim como as coisas que estão acima da razão. O
sa ser preparada por Deus “para ser elevada ao nível do
assentimento intelectual que carece de fé não pode ter
que ultrapassa a natureza” (ibid., 2a2ae.2,9. ad 3).
convicção, pois a razão humana é notoriamente suspeita
Razão apoiando a fé. Ao comentar o uso da razão
com relação a assuntos espirituais. Consequentemente,
em 1 Pedro 3.15, Aquino argumentou que "o raciocínio
humano, apoiando o que acreditamos, pode estar numa
foi necessário que a verdade d iv in a f o s s e d a d a p o r meio da
relação dupla com a vontade do crente”. Primeiro, o in­
fé, sendo dita a eles, p o r assim dizer, p e lo p r ó p r io Deus que não
crédulo pode não ter a vontade de acreditar a não ser
pode mentir (Suma teológica, 2a2a e. 1 ,5 .4 ).
que seja levado pela razão humana. Segundo, a pessoa
com uma vontade d isp osta a acreditar ama a verda­
Autoridade divina. Aquino não acreditava que a ra­ de, considera-a e leva a sério sua evidência. A pri­
zão fosse suficiente para a crença em Deus. Ela pode pro­
m eira v ontade, in créd u la, pode vir a ter um tipo de
var que Deus existe, m as não pode convencer um incré­
fé, m as n ão te rá m érito , porque a crença não vai
dulo a acreditar em Deus. m u ito além da v isão. A segunda pessoa tam bém es­
Razão antes da fé. Podem os acreditar (assentim ento tuda o ra cio cín io h u m an o , mas é uma obra m eritó­
sem reserva) em algo que não é auto-evidente nem de­ ria de fé (ibid., 2 a 2 a e .2 ,10).
duzido dele por um a ação da vontade. Isso, no entanto, Evidência positiva. A fé é apoiada pela evidência pro­
não significa que a razão não tenha um papel anterior ao vável.
da crença. Julgamos que um a revelação é digna de crédi­
to “com base nos sinais evidentes ou algo desse tipo” (ibid., A q u e le s q u e d e p o s i t a m s u a fé n e s s a verdade, no entanto,
2a2ae.l,4. ad2). n ã o b a s e a d a n e la , “ p a r a a qual a razão h u m an a não oferece
A razão enuncia que deve ser crido antes que se n e n h u m a e v i d ê n c i a e x p e r i m e n t a l ” , n ã o acreditam ignoran­
acredite. t e m e n t e ,c o m o s e “ s e g u i s s e m f á b u l a s a r t i f i c i a i s ” (2Pe 1.16).
343 fé e razão

Mas F é em relação à razão. A razão humana não força a fé.


Se forçasse, a fé não seria um ato livre. O que acontece é
ela revela a própria presença, assim como a verdade do que
seu ensinamento e inspiração,por meio de argumentos apro­
priados; e para confirmar aquelas verdades que excedem o a mente de quem acredita se decide quanto a um lado da
conhecimento natural, dá manifestações visíveis de obras questão não em virtude da sua razão, mas em virtude da sua
que ultrapassam a habilidade de toda natureza. vontade. Portanto, o assentimento é considerado na definição
[de fé] como um ato mental, à medida que a mente é levada à
O tipo de evidência positiva que Aquino usou incluía sua decisão pela vontade (ibid., 2a2ae.2,1, ad 3).
coisas como ressuscitar os mortos, milagres e a conver­
são do mundo pagão ao cristianismo (Da verdade , 14.A l). Fé não é irracional. A fé é razão com assentimento.
Evidência negativa. A evidência negativa compreen­ Pois
de argumentos contra religiões falsas, inclusive coisas
como seu apelo tentador aos prazeres carnais, ensinamen­ refletir com assentimento é, então, característico do crente;
tos que contradizem suas promessas, suas várias fábulas é assim que seu ato de crença está separado de todos os outros
e falsidades, a falta de milagres para dar testemunho à atos da mente envolvidos com o verdadeiro e o falso ( Summa
inspiração divina de seus livros sagrados (como o Alco­ theologica ,2a2ae.2,1, resposta).
rão), o uso de guerra (armas) para difundir sua mensa­
gem, o fato de homens sábios não acreditarem em Maomé, Assim, a fé é definida como “o hábito da mente pelo
apenas nômades ignorantes do deserto, o fato de que não qual a vida eterna começa em nós e que leva a mente a
havia profetas para testemunhar a seu favor e perversões assentir com coisas que não estão manifestas”. A fé
muçulmanas das histórias do x t e do a t ( Gentios, 1.6). difere da ciência porque o objeto da fé é invisível. E
Fé e testemunho falível Como podemos ter certeza também difere da dúvida, suspeita e opinião porque
quando o sustentáculo de nossa fé se baseia em tantos há evidência para apoiar a fé.
testemunhos intermediários (falíveis)? Aquino responde Fé é um ato livre. Aquino cita Agostinho com aprova­
que os intermediários estão acima de suspeita se forem ção ao dizer que “a fé é uma virtude pela qual se acredita
confirmados por milagres (p. ex., Mc 16.20).“Só acredi­ em coisas invisíveis” (ibid., 2a2ae.4,1, resposta). Ele de­
tamos nos sucessores dos apóstolos e profetas se nos di­ clara:
zem as mesmas coisas que os apóstolos e profetas deixa­
ram nas suas obras” {Da verdade, 14.10 e 11). Só a Bíblia Crer é um ato da mente assentindo com a verdade divi­
é a autoridade final e infalível de nossa fé (v. B íb l ia , e v i­ na por causa da ordem da vontade movida por Deus por
d ê n c ia s d a ). meio da graça; nisso o ato está sob o controle do livre-arbí­
F é e argumentos demonstrativos. Aquino diferenciou trio e é direcionado a Deus. O ato da fé é, portanto, meritó­
dois tipos de argumentos racionais: demonstrativos e rio. Isto é, há recompensa para quem crê no que não vê. Não
persuasivos. há mérito (recompensa) em crer no que pode ser visto, já
que não há fé envolvida; é visível. O cientista [i.e., filósofo] é
Argumentos demonstrativos,irrefutáveise intelectualmen­ impelido a assentir pela força de uma prova conclusiva. Logo,
te convincentes não podem alcançar as verdades da fé, apesar o assentimento não é meritório (ibid.,2a2ae.2,9).
de poderem neutralizar a crítica destrutiva que deixaria a fé
indefensável. Fé é um ato da mente e da vontade. Já que a crença é
um ato do intelecto sob o ímpeto da vontade, resulta tan­
Por outro lado, to da mente quanto da vontade, e ambas são perfectíveis
pela ação. “Para um ato de fé ser completamente bom,
o raciocínio persuasivo tirado das probabilidades [...] não então, hábitos devem necessariamente estar presentes na
diminui o mérito da fé, pois não implica uma tentativa de trans­ mente e vontade” (ibid., 2a2ae.4,2, resposta). Isto é, uma
formar a fé em visão ao transformar em primeiros princípios pessoa não pode ser salva sem uma disposição de fazer
evidentes aquilo em que se crè(Da Trindade, 2.1 ad 5). algo com a fé. Fé salvadora produzirá boas obras.
Xatureza meritória da fé. A fé é meritória, não porque
Distinguindo f é e razão. Embora a fé não esteja se­ é preciso se esforçar por ela, mas porque envolve a vonta­
parada da razão, Aquino as diferencia formalmente. Ele de de acreditar. Ela“depende da vontade segundo sua pró­
acreditava que estão relacionadas, mas o relacionamento pria natureza” (ibid., ad 5).“Pois na ciência e opinião [ar­
não força uma pessoa a crer. gumentos prováveis] não há inclinação por causa da
fé e razão 344

vontade, mas apenas por causa da razão” (ibid., 14.3, res­ crença em Deus é proposta no Credo? Aquino responde
posta). Mas “nenhum ato pode ser meritório a não ser que nem todos são capazes de demonstrar a existência
que seja voluntário, como foi dito” (ibid., 14.5, resposta). de Deus.
Aquino acreditava que Hebreus 11.1 é uma boa
definição de fé, pois descreve não só o que a fé faz, Não dizemos que a proposição Deus é um, a medida que é
mas o que ela é. Ele via aí os três pontos essenciais: provada pela demonstração, é um artigo de fé, mas algo pres­
suposto antes dos artigos. Pois o conhecimento da fé pressu­
1. A passagem menciona a vontade e o objeto que põe conhecimento natural, assim como a graça pressupõe a
move a vontade como princípios sobre os quais natureza (ibid., 14.9, ad 8).
a natureza da fé se baseia.
2. Nela podemos distinguir a fé a partir das coisas A perfeiçoada pelo amor, produzida pela graça. A
que são invisíveis, em contraste com a ciência e
razão só pode ir até certo ponto. A fé vai além da razão e a
o entendimento.
completa. “A fé não destrói a razão, mas vai além dela e a
3. Toda a definição se reduz à frase essencial,“a
aperfeiçoa” (ibid., 14.10, resposta, ad 7).“0 amor é a per­
certeza daquilo que se esperamos” (ibid., 14.2).
feição da fé. Já que o amor é um atributo da vontade, a fé
é formada por amor” (ibid.,ad 1).“Dizemos que ela é for­
A diferença formal entre fé e razão é que não é
mada no sentido em que a fé adquire alguma perfeição a
possível saber e acreditar na m esma coisa ao mesmo
partir do amor”(ibid„ ad 7). Mas “o ato de fé que precede
tempo. Pois “todas as coisas que sabemos com conheci­
o amor é um ato imperfeito, esperando completar-se a
mento científico adequadamente denominado sabe­
mos por reduzi-las a primeiros princípios que estão partir do amor” (ibid., 14.A5, resposta). Assim, o amor
naturalmente presentes e disponíveis à compreensão”. aperfeiçoa a fé. Já que acreditar depende do entendimen­
Fé e conhecimento sobre o mesmo objeto. O conheci­ to e da vontade, “tal ato não pode ser perfeito sem que a
mento científico culmina na visão da coisa em que se acre­ vontade seja aperfeiçoada pelo amor, e o entendimento,
dita, de modo que não haja lugar para a fé. Não é possível pela fé. Logo, fé sem forma não pode ser uma virtude”
ter fé e conhecimento científico sobre a mesma coisa (ibid., (ibid.,ad 1).
14.9, resposta). O objeto da fé verdadeira está acima dos No entanto,“o que a fé recebe do amor é acidental à fé
sentidos e do entendimento. “Consequentemente, o obje­ na sua constituição natural, mas essencial a ela com rela­
to da fé é aquilo que está fora do nosso entendimento.” ção à sua moralidade” (ibid., 14.6, resposta).
Como Agostinho disse,“cremos no que está ausente, mas Além do amor ser necessário para aperfeiçoar a fé, a
vemos o que está presente” (ibid., 14.9, resposta). graça é necessária para produzi-la. “A graça é o primeiro
Isso não significa, é claro, que todo mundo neces­ [isto é, remoto] atributo das virtudes, mas o amor é seu
sariam ente acreditará no que eu posso ver sem fé atributo próximo” (ibid., 14.A5,ad 6).
(Suma teológica, 2 a 2 a e .l, 5). Significa, isto sim, que a As limitações da razão. Aquino não acreditava que a
m esma pessoa não pode ter ao m esm o tempo fé em razão humana fosse ilimitada. Na verdade ofereceu mui­
um objeto e prova a respeito dele. Quem acredita nele tos argumentos para a insuficiência da razão e para a ne-
pelo testemunho de outro não vê (não sabe) pessoal­
cessidadeda revelação.
mente.
Cinco razões para revelação. Seguindo o filósofo ju ­
Conhecimento provável efé. Da mesma forma, não se
deu Moisés M ai.mônid£s,Aquino estabeleceu cinco razões
pode ter “opinião” (conhecimento provável) e “ciência”
pelas quais devemos primeiro crer naquilo que, mais
(conhecim ento certo) sobre o mesmo objeto. Como
tarde, poderemos comprovar (Maimônides, 1.34):
Aquino diz,

1. O objeto do entendimento espiritual é profun­


a opinião inclui um receio de que a outra parte [da contra­
do e sutil, bem afastado da percepção ofereci­
dição] seja verdadeira, e o conhecimento científico exclui tal
medo. Mas esse medo de que o oposto possa ser verdadeiro não da pelos sentidos.
se aplica às questões da fé. Pois a fé traz com ela uma convicção 2. O entendimento humano é fraco em sua luta
maior do que o que pode ser conhecido pela razão (Da verdade, com essas questões.
14.9 ad 6). 3. Várias coisas são necessárias como provas es­
p iritu a is co n c lu siv a s. Leva tem po para
Conhecimento doutrinário efé. Se a existência de Deus discerni-las.
pode ser provada pela razão, e se o que se sabe pela razão 4. Algumas pessoas não têm inclinação para a in­
também não pode ser uma questão de fé, então porque a vestigação filosófica rigorosa.
345 fé e razão

5. É necessário envolver-se com outras ocu­ Como resultado dos efeitos noéticos do pecado, a graça
pações além da filosofia e da ciência para é necessária. Aquino concluiu:
suprir as necessidades da vida (Da verda­
de, 14.10, resposta). Se o fato de termos algo em nosso poder significa que
podemos fazê-lo sem a ajuda da graça, então estamos presos
Aquino disse ser claro que, a muitas coisas que não estão no nosso poder sem a graça
curadora — por exemplo, amar a Deus ou ao nosso próximo.
se fosse necessário usar a demonstração estrita como
única maneira de alcançar o conhecimento das coisas que O mesmo se aplica à crença. Mas com a ajuda da gra­
devemos saber sobre Deus, poucos de qualquer forma ça realmente temos esse poder (ibid., 2a2ae.2,6, ad 1).
construiriam a demonstração e mesmo essas pessoas só Aquino, no entanto, não acreditava que o pecado
poderiam fazê-lo depois de muito tempo. destruísse a habilidade racional humana. “O pecado
não pode destruir totalmente a racionalidade do ho­
Em outro trecho, Aquino descreve apenas três ra­ mem, pois assim ele não seria mais capaz de pecar”
zões básicas da necessidade da revelação divina. (ibid., Ia 2 a e .8 5 ,2).
Coisas acim a da razão, Além de ser necessária por
1. Poucos possuem o conhecimento de Deus; causa da depravação humana, a fé também é necessária
porque algumas coisas simplesmente vão além do poder
alguns não têm a disposição para o estudo
da razão. Isso não significa que sejam contrárias à razão,
filosófico, e outros não têm o tempo ou são
mas que não são completamente compreensíveis.
indolentes.
2. É preciso tempo para descobrir a verdade.
Contudo, sabe-se que a fé ultrapassa a razão, não por­
Essa verdade é muito profunda, e há muitas
que não há ato de razão na fé, mas porque o raciocínio sobre
coisas que devem ser pressupostas. Durante
a fé não pode levar à visão das coisas que são questões de fé
a juventude a alma é distraída pelos “vários
(ibid., 14.A2,ad9).
movimentos das paixões”.
3. É difícil separar o que é falso no intelecto.
Se alguém pudesse basear a fé completamente na
Nosso julgamento é fraco para separar con­
razão, a fé não seria um ato livre; seria assentimento
ceitos verdadeiros e falsos. Mesmo ao de­
causado pela mente.
monstrar proposições há uma mistura do
Uma questão de fé pode estar “acima da razão em
que é falso.
dois níveis”. No nível mais alto pode estar absolutamente
acima da razão — excedendo a capacidade intelectual
É por isso que era necessário que a convicção ina­
da mente humana (e.g., a T rindade ). É impossível ter
balável e a verdade pura com relação às coisas divinas
conhecimento científico disso. Os crentes concordam
fossem apresentadas aos homens por meio da fé (Gen­
com isso só por causa do testemunho de Deus. Ou ela
tios, 1.4,2-5). pode não exceder absolutamente a capacidade intelec­
tual de todos, mas é extremamente difícil de compreen­
Os efeitos Notncos do pecado. É claro que a men­ der, e está acima da capacidade intelectual de alguns (por
te é deficiente com relação às coisas de Deus. Como exemplo,que Deus exista sem um corpo).“Podemos ter
exemplos de fraqueza Aquino considerou os filó­ provas científicas disso e, se não temos, podemos acre­
sofos e seus erros e contradições. ditar” (Da verdade, 14.9, resposta).
Devemos ter fé quando a luz da graça é mais forte
Portanto, para que o conhecimento de Deus, inaba­ que a luz da natureza. Pois, “apesar da luz divinamente
lável e seguro, pudesse estar presente entre os homens, derramada ser mais poderosa que a luz natural, no
era necessário que as coisas divinas fossem ensinadas nosso estado atual não a com partilham os perfeita­
por meio da fé, apresentadas, por assim dizer, pela Pala­ mente, mas imperfeitamente”. Portanto,
vra do Deus que não pode mentir (ibid.,2a2ae.2,4).
por essa participação defeituosa, por meio dessa mes­
Pois “a busca da razão natural não satisfaz a ne­ ma luz derramada não chegamos à visão dessas coisas para
cessidade humana de saber até mesmo as realidades cujo conhecimento a luz nos foi dada. No entanto, teremos
divinas que a razão pode provar” (ibid., 2a2ae.2,4, tal visão no céu, quando compartilharmos essa luz perfei­
resposta). tamente, e na luz de Deus veremos a luz ( Gentios, 14.8, ad 2).
Feuerbach, Ludwig 346

Assim, a fé ultrapassa a razão. Pois “algumas ver­ pressuposicionalistas. Com relação à crença de que
dades sobre Deus excedem toda habilidade da razão D eus e x iste , A quino se une aos ra c io n a lis ta s e
humana. Tal é a verdade de que Deus é trino” (ibid. evidencialistas. Mas com relação à crença em Deus,
1.3). A essência inefável de Deus não pode ser conhe­ concorda com os fid eístas (v. f i d e í s m o ) e p ressu­
cida pela razão humana. 0 motivo para isso é que a posicionalistas (v. A p o l o g é t i c a p r e s s u p o s i c i o n a l ) .
mente depende dos sentidos.
Fontes
Ora, coisas dependentes dos sentidos não podem levar o N. L. G ThomasAquinas: an evangelkal appraisal.
e is l e r ,

intelecto humano ao ponto de ver nelas a natureza da substân­ M . M a im ô m d e s , Oguia dos perplexos.
cia divina; pois coisas dependentes dos sentidos são eleitos que T omás d e A q u in o , Em Boéao, Da Trindade.

carecem do poder da sua causa (ibid., 1.3,3). ___ Commentary on Saint PauTs Epistle to the Ephesians.
______, Suma contra os gentios.
Só porque não temos razões para as coisas que vão ______, Suma teológica.

além da razão não significa que elas não sejam racionais. ______, Da verdade.

Toda crença que não é auto-evidente pode ser defendida


como necessária. Talvez não conheçamos o argumento, Feuerbach, Ludwig. Ateu alemão (1804-1872) nascido
mas ele existe. Pelo menos é conhecido por Deus “e pelos em Landshut,na Bavária, e educado em Heidelberg e em
abençoados que têm visão e não fé sobre essas coisas” Berlim sob a influência de G. W. F. Hegel. Recebeu seu
(Da Trindade, 1.1.4; Da verdade 14.9, ad 1). Apesar de a doutorado em Erlangen em 1828 (White,p. 190).Em 1830,
razão humana não conseguir alcançar as coisas da fé, ser­ publicou uma obra anônima, Pensamentos sobre a morte
ve como prefácio para elas. Embora e a imortalidade, que interpretava o cristianismo como
uma religião egoísta e desumana. Quando sua autoria foi
verdades filosóficas não possam ser opostas à verdade
descoberta, ele foi demitido do corpo docente.
da fé, pois realmente não a atingem, ainda admitem analo­
Feuerbach foi influenciado por Pierre B ayle e es­
gias comuns; e algumas ainda oferecem um prenúncio, pois
c re v e u u m a biografia sobre ele (1838). Sua obra mais
a natureza é o prefácio da graça (Da Trindade, 2.3).
in flu e n te fo i A essência do cristianismo (1841), apesar
de t a m b é m te r e s c r it o Princípios da filosofia do futuro,
Embora a verdade da fé cristã que temos discutido ul­
1843, Preleções sobre a essência da religião (1851) e
trapasse a capacidade da razão, essa verdade que a razão
Theogonie (T e o g o n ia , 1857).
humana é naturalmente capacitada a conhecer não pode ser
A natureza da religião. F e u e rb a c h foi in flu e n ciad o
oposta à verdade da fé cristã (Gentios, 1.7, [ 1]).
p e la d ia lé tic a d e H egel e, p o r s u a vez, in flu e n cio u K arl
M arx e S ig m u n d F reu d . 0 m a te ria lism o d e F e u e rb a c h re­
Resumo. A visão de Aquino sobre a relação entre a
a g iu c o n tra o id e a lism o d e H egel. N a relig ião , Feuerbach
fé e a razão mistura elementos positivos de pressupo-
sicionalismo e evidencialismo, de racionalismo (v. D e s ­
foi in flu e n c ia d o p e lo p o n to d e v is ta d e D a v id S trauss d e
ca rtes , R en é ; L ie bn iz , G o t tfr ie d ) e fideísmo. Aquino en­
q u e a re lig ião n o s d iz m a is so b re a v id a in terio r d o s in d i­
fatiza a necessidade da razão antes, durante e depois v íd u o s q u e so b re o o b je to d a a d o ra ç ã o (W h ite, p. 191).
de as crenças serem adquiridas. Mesmo os mistérios S e u o b jetiv o p rin cip al;
da fé não são irracionais.
No entanto, Aquino não acredita que apenas a ra­ Transformar os amigos de Deus em amigos do homem,
zão possa levar alguém à fé. A salvação é atingida so­ crentes em pensadores, adoradores em trabalhadores, can­
mente pela graça de Deus. A fé nunca pode estar basea­ didatos a outro mundo em estudantes deste mundo, cris­
da na razão. No máximo pode estar apoiada pela razão. tãos, que se consideram meio animais e meio anjos, em ho­
Então, a razão e a evidência nunca forçam a fé. Há sem ­ mens — homens completos (A essência do cristianism o, xi.).
pre espaço para que os incrédulos não acreditem em
Deus, ainda que um crente possa elaborar uma prova A base da religião: Autoconscientizaçào. Segundo
válida de que Deus existe. A razão pode ser usada para Feuerbach, apenas um ser hu m ano (n ão um an im al)
demonstrar que Deus existe, mas jam ais pode persua­ tem au tocon sciên cia. A religião é um a expressão d es­
dir alguém a acreditar em Deus. Só Deus pode fazer isso, sa co n sciên cia, sob a m áscara da con scien tização de
agindo no livre-arbítrio do homem e por meio dele. D eus. “No objeto que contem pla, p ortan to, o hom em
Essas distinções propostas por Aquino são em i­ passa a se co n h ecer” (A essência do cristianismo, 5).
n e n te m e n te re le v a n tes para a d is c u ss ã o en tre M as a con scien tização com o tal é ilim itada, então a
racionalistas e fideístas ou entre evidencialistas e hu m anidade deve ser ilim itada. E con scien tização é
347 Feuerbach, Ludwig

objetificaçâo. Logo, Deus não é nada além de uma ob- era essencial. A razão é que seres humanos, pela própria
jetificação da espécie humana. natureza, devem objetificar; não podem evitar fazê-lo. E
Deus, uma projeção da im aginação humana. Deus, segundo Feuerbach, é essa objetificação. Mas a ig­
Feuerbach acreditava que a religião é apenas o sonho da norância do fato de que o objeto na verdade é a própria
humanidade. Ofereceu vários argumentos apoiando sua pessoa é essencial à religião. A criança deve primeiro ver­
hipótese de que Deus não é nada além da autoprojeçâo se sob a forma de outro (o pai) antes de poder ver-se como
da consciência humana. ela mesma. Se isso não fosse verdade nas projeções religi­
Argumento da personalidade humana. 0 primeiro é osas, seria idolatria, a saber, a adoração de si mesmo. En­
baseado nos elementos básicos da personalidade huma­ tão, é necessário acreditar que essa projeção da própria
na: razão, vontade e afeição. Razão, vontade e afeição exis­ natureza é realmente Deus, mesmo que não seja.
tem cada qual para seu próprio benefício. Pois “querer, 0 progresso no entendimento humano não seria pos­
amar,pensar são os poderes mais elevados, são a nature­ sível sem essa projeção. 0 ser hum ano cresce em
za absoluta do homem como homem e a base da sua exis­ autoconhecimento quando antigas divindades se tornam
tência” (A essência do cristianismo, p. 3). Mas tudo que ídolos. Logo, o curso ideal da religião é que os indivíduos
existe para seu próprio benefício é Deus. Logo, pela pró­ aprendam a atribuir mais a si mesmos e menos a Deus.
pria natureza, a pessoa é Deus. Os atributos de Deus são realmente o que as pessoas
Argumento da natureza do entendimento. Não é pos­ acreditam sobre si mesmas. A asseidade ou auto-existên-
sível entender algo sem ter sua natureza, já que só coisas cia de Deus é o desejo de evitar a temporali-dade ao su­
parecidas podem se entender. Pois “a medida da natureza por um princípio absoluto. A perfeição de Deus é a natu­
também é a medida do entendimento”. Ou seja, é preciso reza moral humana considerada ser absoluto. A persona­
ser para conhecer. Mas os humanos entendem o divino. lidade de Deus é o esforço de mostrar que personalidade
é a forma mais elevada de existência. A providência de
Portanto, a humanidade deve ser o divino. Nas palavras
Deus é na verdade o desejo pela importância. A oração
de Feuerbach,“à medida que a natureza alcança, à medi­
expressa o desejo de autocomunicação. O resultado da
da que tua autoconsciência também alcança, nesta mes­
crença em milagres é o desejo de satisfação imediata das
ma medida tu és Deus” (A essência do cristianismo, p. 8).
vontades sem espera cansativa.
Argumento dos limites da natureza da pessoa. Um ser
A ironia d a religião. Há uma ironia básica nesse
humano não pode ir além de sua natureza; não pode sair
processo que pode ser vista com parando-se as cren­
de si. Mas uma pessoa pode sentir o infinito (ter consci­
ças ao sistema circulatório do corpo. A religião é uma
ência dele). Pois “todo ser é em e por si mesmo infinito
ação sistólica, como a das artérias, em que pessoas pro­
— tem seu Deus, seu ser imaginável mais elevado, em si
jetam seu melhor em Deus. A bondade é transportada
mesmo” (A essência do cristianismo, 7). Assim, os seres
para fora da personalidade como o sangue rico em oxi­
humanos são infinitos por natureza. O infinito que você
gênio sai do coração. Sem esse sentimento de bonda­
sente é sua própria infinitude.
de, o indivíduo passa a ser pecaminoso. Isso estabele­
Argumento da história da religião. Feuerbach acredi­
ce a ação diastólica, como a das veias, pelas quais a
tava que historicamente certos atributos foram dados a
bondade é levada de volta ao coração na forma de gra­
Deus porque no raciocínio humano tais atributos eram
ça. Mandamos toda nossa bondade humana “para o
considerados divinos. Não eram considerados divinos
andar de cima” e o chamamos Deus. Então, sentindo-
porque foram dados a Deus. Nesse caso, conclui-se que o
nos depravados, pedimos para o Deus que criam os
que chamamos “divino” ou “Deus” não é nada além de
mandar de volta nossa bondade na forma de graça.
características humanas atribuídas a Deus.
Feuerbach conclui, portanto, que:
“0 objeto de qualquer sujeito não é nada além da
própria natureza do sujeito tomada objetivamente.
1. A religião é a projeção da imaginação humana
Quais sejam os pensamentos e disposições do homem, no ato de autoconscientização.
tal é seu Deus.” Logo, 2. Deus é o melhor que se vê involuntariamente
em si mesmo.
a conscientização de Deus é autoconscientização, co­ 3. A religião é a dialética necessária do desenvol­
nhecimento de Deus é autoconhecimento. Por seu Deus co­ vimento para o progresso humano.
nheces o homem, e pelo homem seu Deus; os dois são idên­ 4. A religião capacita o autodescobrimento indi­
ticos (A essência do cristianismo, p. 12). reto e involuntário.

N ecessidade da religião. Apesar de suas conclu­ A in flu ên cia d e F eu erb a ch . A in flu ê n cia de
sões pessimistas, Feuerbach acreditava que a religião Feuerbach no pensamento moderno foi considerável.
Feuerbach, Ludwig 348

Houve um impacto direto e imediato sobre Karl M a r x , existência de Deus se torna uma existência insípida — uma
e por meio dele sobre o movimento comunista mun­ existência sem qualidade (4 essência do cristianismo,p. 15).
dial. Marx e Friedrich Engels incorporaram os argu­
mentos de Feuerbach contra Deus e a religião ao seu Linguagem religiosa puramente negativa — onde
m aterialismo dialético, ao mesmo tempo em que cri­ podemos saber apenas o que Deus não é — é inútil e
ticavam Feuerbach por sua falta de envolvimento po­ inadequada. Não podemos saber que Deus não é “isso”
lítico. Engels gabou-se que, com um golpe para pulve­ a não ser que saibamos o que “isso” é (v. analogia , prin ­
rizar a religião, o comunismo colocaria o m aterialis­ cípio da ).
mo de volta no trono (M arx, p. 224). Ele criticou corretamente religiões centradas em outro
Feuerbach também teve um impacto considerável mundo. A condenação de Feuerbach às religiões centradas
na formação do existencialismo ateísta moderno por em outro mundo é mais precisa que a maioria das pesso­
meio de Martin Heidegger e Jean-Paul S a rtre . O pai da as religiosas admite. Algumas formas de cristianismo ten­
teologia neo-ortodoxa, Karl Barth, presta homenagem dem a se preocupar mais com o céu que com a terra. É
a Feuerbach (v. B arth , K a r l ). Em geral, Feuerbach é um possível que alguém fique tão obcecado com o doce por­
dos ateus mais importantes e cativantes dos tempos vir que se esqueça do presente infeliz. Nem todos os cren­
modernos, antecipando até a obra de Sigmund Freud. tes são pensadores (A essência do cristianismo, xi).
Avaliação. 0 atfísm o como cosmovisão é avaliado Ele expôs o narcisismo de boa parte da experiência re­
em outros artigos, mas alguns com entários sobre a ligiosa. A tese de Feuerbach não está errada; está apenas
análise singular de Feuerbach sobre a religião são ne­ excessivamente ampliada. Muitas religiões realmente fa­
cessários aqui. zem seu deus à imagem humana, criando um deus que é
Algumas contribuições positivas. Até os ateus têm al­ domesticado e inofensivo — um deus que podem mani­
guns discernimentos sobre a natureza da realidade. En­ pular. Tal deus pode ser tudo que quiserem, mas não é o
tre os de Feuerbach estão: Deus infinito e soberano da Bíblia (v. Deus, natureza de ).
Ele viu a centralidade da questão de Deus. Apesar de Problemas com a visão de Feuerbach. Sua tese central
seu caso amoroso com o divino ser infeliz, Feuerbach é contraditória. A premissa básica da visão de Feuerbach
identificou Deus como a questão central: é contraditória. Ele afirma que “Deus não é nada mais
que uma projeção da imaginação humana”. Mas todas
Todas as minhas obras tiveram, estritamente falando, as afirmações de “nada mais”pressupõem conhecimento
um propósito, uma intenção, um tema. Isso não é nada me­ do “mais que”. Como ele poderia saber que Deus não é
nos que religião e teologia e tudo que está ligado a elas” (A “nada mais” a não ser que ele mesmo conhecesse o “mais
essência do cristianismo, x ) . que”? Em resumo, a afirmação central do sistema de
Feuerbach destrói-se a si mesma porque implica mais
Ele expôs a religião centralizada no homem. Barth re­ conhecimento do que o que permite.
velou na “Introdução”de uma edição de A essência do cris­ Talvez o ateísmo seja uma projeção. Feuerbach não
tianismo que Feuerbach analisou corretamente toda for­ considera seriamente que sua própria visão pode ser
ma de religião centrada na humanidade, inclusive as que um a projeção de sua própria im aginação. Talvez
vêm do pai do lib eralism o m oderno, Friedrich Feuerbach esteja apenas imaginando que não há Deus.
Schleiermacher. B arth observou: Talvez, como Freud, Feuerbach esteja preocupado em
criar uma visão de Deus à sua própria imagem. Seu
Poderíamos negar que o próprio Feuerbach, como um ateísmo também poderia facilmente ser uma ilusão
espião pouco astuto, mas de visão bem aguçada, revela o se­ — algo que resulta dos seus desejos — como o teísmo
gredo esotérico de todo esse sacerdócio? [...] A teologia faz que ele rejeita. A autoprojeção tam bém explica o ate­
muito tempo se tornou antropologia (Barth, xxi). ísmo, talvez melhor do que explica o teísmo. Assim,
talvez não tenhamos criado o Pai; quem sabe o ateís­
Quando a teologia moderna abandonou o ponto de mo o tenha matado.
partida da revelação divina, os seres humanos criaram Ele nunca prova consciência infinita. Muitos argu­
Deus à sua própria imagem. A moderna teologia liberal mentos que Feuerbach oferece para o ateísmo são for­
tornou-se antropologia. çados; ele pressupõe o que será provado. Nunca prova
Ele chamou a linguagem religiosa negativa de inútil. realmente que a consciência humana é infinita; ape­
Feuerbach disse corretamente: nas supõe. É claro que, se nossa consciência realmen­
te é infinita, então somos Deus. Mas esse sem dúvida
Somente quando o homem perde o gosto pela religião, e não é o caso, já que nossa consciência é mutável e li­
então a religião em si se torna existência insípida — é que a mitada, enquanto Deus é imutável e ilimitado.
349 fideísmo

Não é necessário ser para conhecer. Outra suposição ___ , Preleções sobre a essência da religião.
falha é que é necessário ser idêntico a todo objeto que se N. L. G eisler, et al„ Philosophy ofreligion.
conhece. Mas ele não prova essa premissa, e esse não é o K . M a r x , Marx and Engels on religion.
caso. Coisas semelhantes podem se conhecer. 0 conheci­ H. W hite , “Feuerbach, Ludwig”, £ £
mento pode ser por analogia (v. analogia , princípio da) . Não
precisamos ser uma árvore para conhecer uma árvore, fideísmo. O fideísmo religioso afirma que assuntos de fé e
só precisamos supor a sua semelhança em nossa mente. crença religiosa não são apoiados pela razão. A religião é
Da mesma forma, não precisamos ser Deus para conhe­ uma questão de fé e não pode ser argüida pela razão. Só é
cer a Deus. Simplesmente temos de ser semelhantes a preciso crer.Afé,nãoarazão,éoque Deus exige (Hb 11.6).
Deus. Semelhança é suficiente para conhecimento; o su­ Os fideístas são céticos em relação à natureza da evidência
jeito e o objeto não precisam ser idênticos. aplicada à crença. Eles acreditam que nenhuma evidência
Tal crença destruiria o processo humano. Feuerbach ou argumento se aplica à crença em Deus. Deus não é al­
acreditava que supor um Deus que na verdade não existe cançado pela razão, mas apenas pela fé. Soren K ierkegaard
é essencial ao desenvolvimento humano. Mas quem e Karl B arth são exemplos de fideístas.
aceita a análise de Feuerbach não acredita mais que as Na epistem ologia, os fid eístas geralm ente são
autoprojeções sejam Deus. Então, segundo o argumen­ coerentistas. Definitivamente rejeitam o fundaciona-
to de Feuerbach, o progresso humano cessará. Se a ig­ lismo clássico ou qualquer crença em primeiros princí­
norância do fato de que somos Deus é essencial ao pro­ pios auto-evidentes. Alguns pressuposicionalistas (v.
gresso hum ano, então, quando a pessoa se torna apolo gética pressu po sicio n a l ) são classificados como
feuerbachiana, o jogo acaba e o progresso é impossível. fideístas, apesar de muitos acreditarem em alguma for­
Om a t e r ia l is m o de Feuerbach era inconsistente. Apesar ma de argumento para apoiar sua crença em Deus.
de Feuerbach abominar seu mentor Hegel, jamais esca­ Resposta ao fideísm o. Até do ponto de vista bíblico,
pou totalmente da ressaca do idealismo. E também não Deus nos chama a usar a razão (Is 1.18; Mt 22.36,37; IPe
se livrou da questão irritante de Deus. Para uma pessoa 3.15). Deus é um ser racional e nos criou seres racionais.
que acredita no materialismo básico, essa ênfase na cons­ Deus não insultaria a razão que nos deu, pedindo para a
ciência é eminentemente inadequada. Engels observou ignorarmos em questões tão importantes quanto nossas
que Feuerbach “parou na metade do caminho; sua meta­ crenças a seu respeito.
de inferior era materialista, a metade superior era idea­ O fideísmo também é contraditório, usando a razão
lista” (citado em White, p. 192). para dizer que não devemos usar a razão em questões de
Essa análise da experiência religiosa ésuperficial Barth religião. Se alguém não tem razão para não usar a razão,
denominou o problema de Feuerbach de “superficialida­ então essa posição é indefensável. Não há razão para que
de”. Escreveu: se aceite o fideísmo.
Afirmar que a razão é apenas opcional para um
Feuerbach era um “verdadeiro filho do seu século”, que fideísta não é suficiente. Pois, ou o fideísta oferece algum
“não conhecia a morte”, e“entendia mal o maligno”. Na ver­ critério para sermos razoáveis e quando não devemos,
dade, qualquer um que soubesse que nós, homens, somos ou a decisão é simplesmente arbitrária. Se há critérios ra­
maus da cabeça aos pés e que refletisse que devemos mor­ cionais para sermos racionais, há uma base racional para
rer, reconheceria que a mais ilusória de todas as ilusões é usar a razão, e o fideísmo é falsificável. A razão não é o
supor que a essência de Deus é a essência do homem (Barth, tipo de coisa de que uma criatura racional escolha parti­
x x v i i i ). cipar. Pelo fato de sermos racionais por natureza, é preci­
so que sejamos parte do discurso racional. E o discurso
Fontes racional exige que certas leis da razão sejam seguidas (v.
K. B arth, “An introductory essay”, Feuerbach, A p r i m e i r o s p r i n c í p i o s ; l ó g i c a ) . Um desses princípios é que a

essência do cristianismo. pessoa deve ter uma razão suficiente para suas crenças.
W. B. C hamberlain, Heaven wasrít his destination: Mas se é necessário ter razão suficiente, então o fideísmo
the philosophy ofLudwig Feuerbach. está errado, já que afirma que não é necessário termos
J. C o l l in s , God and modern philosophy. uma razão suficiente para crer (v. f é e r a z ã o ) .
___ , History o f modern European philosophy. Os fideístas geralm ente confundem crença em
F. E ngels, Feuerbach and the outcome ofdassical com crença que. Apesar do que eles afirm am sobre fé
German philosophy. aplicar-se adequadamente à crença em Deus, não se
L . F euerbach, A essência do cristianismo. aplica à crença que Deus existe. É necessário ter evi­
___ , Pierre Bayle. dência de que há um piso no elevador. De outra forma,
Filho do Homem, Jesus como 350

é loucura dar um passo no escuro. Da m esm a for­ destacando sua divindade (ibid.; v. C r ist o , divindade
m a, é loucura dar um passo no escuro com o um ato ) . Jesus disse à multidão que havia perdoado os pe­
d e

de fé em Deus, a não ser que haja evidência de que cados do paralítico, “para que vocês saibam que o
ele está lá. Filho do hom em tem na terra autoridade para per­
Há boas razões para crer que Deus existe, tal como doar pecados” (M c 2.1 0 ). Em vez de supor que ele
o argumento cosmológico, o argumento teleológico e estava negando sua divindade, a m ultidão estava
o argumento moral. Além disso, há boas evidências prestes a apedrejá-lo por blasfêm ia.
para crer que milagres acontecem, inclusive a morte Jesus disse repetidas vezes que o Filho do Homem
de Cristo e sua vitória sobre a morte por nós (v. r e s ­ m orreria e ressuscitaria dos m ortos, eventos que lhe
s u r r e iç ã o , E V ID Ê N C IA S D A ). deram suas credenciais m essiânicas. M arcos escre­
veu: “Então ele com eçou a ensinar-lhes que era ne­
Filho do Homem, Jesus como. A expressão Filho do cessário que o Filho do hom em sofresse m uitas coi­
Homem é usada mais freqüentemente para indicar Jesus sas e fosse rejeitado pelos líderes religiosos, pelos
que qualquer outro nome, exceto a própria palavra Jesus. chefes dos sacerdotes e pelos mestres da lei, fosse
Filho do Homem aparece nos quatro evangelhos: 30 vezes morto e três dias depois ressuscitasse” (8.31; v. Mc
em Mateus, 14 em Marcos, 25 em Lucas, e 13 em João 9.9,1 2 ,3 1 ; 10.33; 14.21). Jesus tam bém usou a frase
(Marshall, p. 777). Também ocorre em Atos 7.56. Hebreus com referência à sua segunda vinda em poder e gló­
2.6 refere-se a “filho do homem” e Apocalipse 14.14 a “fi­ ria. Quando o sumo sacerdote lhe perguntou: “Você
lho de homem”. é o Cristo, o Filho do Deus Bendito?’ ‘S o u ,d is s e Je­
O problema é que Jesus faz referência si mesmo sus. ‘E vereis o Filho do hom em assentado à direita
quase exclusivamente como “Filho do Homem”, quan­ do Poderoso vindo com as núvens do céu”. Foi com
do os cristãos afirmam que ele é o Filho de Deus. Será base nessas palavras que o Sinédrio condenou Jesus
que essa é uma negação implícita de sua divindade? à morte por blasfêm ia (M c 1 4.61-64). Reconheceram
Além do sentido literal das palavras, as Escrituras são que o Filho do Homem em questão era claram ente o
usadas para fundam entar essa teoria: Salmos 8.4; hom em poderoso da visão de Daniel:
80.17; Ezequiel 2.1; 3.1; 4.1, e outras.
O significado literal das palavras não transmite ne­ Em minha visão à noite, vi alguém semelhante a um
cessariamente o significado literal da expressão. Há filho de homem, vindo com as nuvens dos céus. Ele se apro­
muitos projetos “engavetados” que não estão literal­ ximou do ancião e foi conduzido à sua presença. Ele rece­
mente guardados numa gaveta. Uma “plataforma” elei­ beu autoridade, glória e o reino; todos os povos, nações e
toral não é uma superfície plana de madeira ou de aço. homens de todas as línguas o adoraram. Seu domínio é
O contexto deve nos ajudar a entender essas expres­ um domínio eterno que não acabará, e seu reino jamais
sões. Ezequiel é responsável por 93 ocorrências da ex­ será destruído (Dn 7.13,14).
pressão no a i . Na maioria delas, Deus está falando, e
elas parecem expressar intimidade especial para com No registro do julgam ento de Jesus, em Mateus
Ezequiel, o servo. Daniel usa o termo apenas duas ve­ (26.64), o próprio Jesus se descreve como “O Filho do
zes, mas vai mais longe, pois Daniel 7.13 descreve um homem assentado à direita do Poderoso”. Quem mais
rei, o Messias, em toda sua glória na presença de Deus. além de Cristo, o Filho de Deus, poderia sentar-se na
É a ele que Daniel se refere como tendo “aparência de posição honrada à direita de Deus?
homem” em 8.15, com a implicação de que era muito Além disso, quando uma voz do céu confirm ou a
mais que carne e osso. É interessante que em 8.17 o divindade e glória de Cristo, Jesus falou sobre o Fi­
Messias passa adiante a expressão. Daniel é chamado lho do Homem sendo “levantado” da m orte ( Jo 12.28-
pelo nome do M essias:“Filho do homem...”. Há, certa­ 32). Então a multidão respondeu: “A Lei nos ensina
mente, algumas nuanças complexas e sutis por trás que o Cristo perm anecerá para sempre; como podes
do uso desse termo no at . dizer: ‘O Filho do hom em precisa ser levantado’?”(Jo
Se Jesus usa a auto-identificação “Filho do Homem” 12.34). A multidão certam ente entendeu o significa­
para enfatizar a própria humanidade e condição de ser­ do da expressão. Ela é usada alternadam ente com
vo, como em Ezequiel, ou para anunciar seu papel Messias e com o conceito de Isaías 48.11 de que o
messiânico, como em Daniel, ou ambos, o termo certa­ Messias com partilha a “glória” do Pai, que Deus de­
mente não é uma negação de divindade. clarou que não daria a outro.
O estudioso do nt I. Howard Marshall demonstra que M esm o que a expressão fosse apenas uma refe­
Jesus geralmente empregava a expressão quando estava rência à hum anidade de Jesus, isso não seria um a
351 Fílon de Alexandria

negação de sua divindade. Ele afirmou claramente ser Misticismo e alegoria. Já que Deus não pode ser co­
Deus de várias maneiras e em várias ocasiões, como nhecido de m an eira positiva, Fílon, com o outros
demonstrado no artigo C r is t o , d iv in d a d e d e . Ele tam ­ platonistas (v. P latão ) e neoplatonistas (v. P lotino ) , re­
bém aceitou louvor como Deus em outras ocasiões (v„ correu ao misticismo. Nem mesmo a revelação de Deus
p.ex.,M t 16.16-18; Jo 20.28,29). nas Escrituras oferecia conhecimento positivo da na­
tureza de Deus e não poderia ser interpretada literal­
Fontes mente quando falava sobre Deus. Apenas a interpre­
D. G vthrie , Introduction to Aeiv Testament theology. tação alegórica poderia dar o verdadeiro significado.
T. M iethe e G. H abermas, UTiv I believe God exists. i Criação e providência. Como teísta judeu (v. t e ís m o ) ,
0. Cull.mann, Christology in the Setv Testament. Füon acreditava na criação ex nihilo (v. cria ç ã o , v is õ e s da ) .
1. H. .M a rsh a l l , “Son o f m an”, em Dictionary o f Como platonista, acreditava que a matéria existia antes
Christand the Gospels. da criação. Na tentativa criativa de conciliar essas posi­
ções, supôs que houve dois atos criativos de Deus, um
Fflon de Alexandria. Filósofo e exegeta de Alexandria, pelo qual ele criou a matéria e outro pelo qual ele criou o
Egito (c. 20 a.C.-50 d .C ). Por sua afinidade com a filoso­ mundo a partir da matéria preexistente.
fia platônica, é conhecido como o Platão hebreu. Suas di­ Como Deus é onipotente, é capaz de intervir m ila­
versas obras incluem AgainstFlaccus,procurador ofEgypt grosamente nas leis da natureza que estabeleceu. Mas
[Contra Flaco,procurador do Egito]; Legum allegoriae; On ele faz isso com um propósito. Ao contrário da filoso­
providence [Daprovidência ]; On the etemalityofthe world fia grega, Deus tem providência geral sobre o mundo
[Da eternidade do mundo]-, Questions and Solutions in e providência especial e específica.
Genesis and Exodus [Perguntas e soluções em Gênesis e Logos. Ao interagir com a filosofia grega, Fílon tomou
Êxodo]-, The contemplative life (Da vida contemplativa) e emprestado certos conceitos platônicos para expressar
The life ofMoses [A vida de Moisés]. suas próprias visões teístas. Seu conceito do Logos é um
Fílon teve uma influência considerável nos líderes desses casos. Em De opificio, ele descreve o Logos como
cristãos da “escola alexandrina”, tais como C l e m e n t e de um princípio cosmológico, dizendo:
Alexandria e J ustixo Mártir. Seu método alegórico de in­
terpretar as Escrituras também influenciou O r íg e n e s , Deus, supondo, como Deus suporia, que uma bela cópia
Ambrósio, Agostinho e outros. Outros elementos de sua jamais poderia ser criada sem um belo modelo [...] quando
filosofia tiveram um impacto no pensamento cristão pos­ ordenou a criação desse mundo visível, primeiro separou o
terior, inclusive seu uso de provas da existência de Deus, mundo inteligível, para que, usando um modelo incorpóreo e
sua doutrina do Logos e suas teorias da incognoscibilidade divino, pudesse fazer do mundo corpóreo uma imagem mais
de Deus, linguagem negativa sobre Deus, criação ex nihilo nova do velho [...] Quando uma cidade está sendo fundada
e providência específica.
(v. cr ia çã o , v isõ es da) [...] às vezes aparece um homem treinado como arquiteto e,
Filosofia de Fflon. Fílon tentou interpretar as Escri­ depois de examinar as características favoráveis do local, pri­
turas conform e a filosofia grega. Sua abordagem era meiro faz um esboço na sua mente de quase todas as partes
eclética e inovadora. da cidade que será construída [...] Depois, recebendo uma im­
Conceito de Deus. Fílon ensinou que os seres huma­ pressão de cada uma delas na sua alma, como na cera, modela
nos podem conhecer a Deus, quer diretamente por meio uma cidade na mente. Baseado nesse modelo, ele procede com
da revelação divina, quer indiretamente por meio da ra­ a construção na cidade de pedra e madeira, fazendo a subs­
zão humana. Várias formas de provas da existência de tância corpórea se assemelhar a cada uma das idéias
Deus incluíam o argumento de P latão a favor d e u m incorpóreas. Da mesma forma devemos pensar sobre Deus
demiurgo (tratado em Timaeus) e o argumento cosmo- [Dodd,p. 67].
lógico de A r ist ó t e le s a favor de um Motor Imóvel. Fílon
aplica o Motor Imóvel à existência do mundo, não ape­ As semelhanças e diferenças entre o Logos de Fílon e
nas ao movimento. Ele até adotou o argumento estóico a o de João 1 são instrutivas ( v . L ogos, t e o r i a d o ) . Pois am­
favor de uma Mente ( D e u s ) na natureza para mostrar que bos os Logos são a imagem de Deus, o meio da criação e o
havia um Deus t r a n s c e n d e n t e além da natureza. meio do governo de Deus sobre a criação. Só que, em João,
Fílon acreditava que tais argumentos só poderiam o Logos é verdadeiramente pessoal, que se tornou um ser
mostrar a existência de Deus, não sua natureza. Para humano realmente encarnado e ao mesmo tempo idên­
ele, Deus era inefável e inominável. Apenas o conheci­ tico a Deus em natureza (Jo 1.1-14). C. H. Dodd observa
mento negativo era possível. Termos positivos só po­ como diferença decisiva que João “concebe o Logos en­
dem descrever a atividade de Deus, não sua essência. carnado, e [...], realmente vivendo e morrendo na terra
finito, deísmo 352

como homem. Isso significa que o Logos, que em Fílon aqui. Apesar de muitos teístas finitos acreditarem que
não é pessoal [...], no evangelho é totalmente pessoal, deus é transcendental (está além do universo),alguns
envolvido em relações pessoais com Deus e com os ho­ têm um deus finito que é imanente (está dentro do
mens, e tendo um lugar na história”. Além disso,“o Logos universo). Henri Bergson, um exemplo dessa última
de Fílon não é objeto da fé e do amor. 0 Logos encarnado posição, acredita que Deus é a Força Vital que dá con­
do quarto Evangelho ama e é amado” (Dodd, p. 73). tinuação ao processo de evolução ( v. Bergson, cap. 3).
Avaliação. Fílon deve ser criticado por sua teologia Dogmas d o teísm o finito. Teístas finitos tendem
puramente negativa (v. ana log ia , p r in c ipio da ) , seu m is t ic is ­ a discordar entre si sobre Deus e o mundo. Apesar de
mo,seu método alegórico de interpretação e sua atração este artigo enfatizar pontos em comum, algumas dife­
excessiva pela filosofia grega, que o levou a erros. Sua dou­ renças serão comentadas.
trina do Logos foi equivocadamente aplicada a Cristo (v. Visão de Deus. A característica mais fundamental
L o g o s , t e o r ia d o ) por autores posteriores. da posição do deus finito é que esse deus é limitado
pela própria natureza; poucos, se é que existem , afir­
Fontes mam que ele é limitado pela bondade. Alguns afirmam
N. Bwtmai.Füon-Judaeus ofAlexandria. que Deus é limitado em poder e em bondade. Quase
C. H. Dodd, The interpretation o f the fourth Gospel. todos concordam que Deus não é infinito em poder.
J. Drummond, Füon Judaeus. Estritamente falando, a posição de Deus finito afir­
R. N ash, Christianity and the Hellenistic world. ma que Deus é intrinsecamente limitado na sua natu­
F ílon J udaeus, De vita contemplativa.
reza. Apesar de Platão parecer acreditar que Deus não
F. E. W alton, Development ofthe Logos-doctrine in é intrinsecamente limitado na sua natureza, a maioria
Greek and Hebrew thought. acredita que o mundo eterno (que Deus não criou)
impõe limites à habilidade de Deus para agir nele (v.
H. A. W olfson, Fílon: fomdations ofreligious
d u a l i s m o ) . Se Deus não criou o mundo e não sustenta
philosophy in fudaism, Christianity and Islam.
sua existência, então não é capaz de fazer com ele o
que quiser; por exemplo, não pode destruí-lo.
finito, deísmo. 0 t e ís m o acredita que um Deus infini­
Visão do m al Ao contrário dos panteístas, os teístas
to está além do mundo e no mundo. 0 teísmo finito,
finitos afirmam que o mal é real. Na verdade, a presença e
em comparação, supõe um deus que é apenas finito. O
o poder do mal limitam a Deus. 0 mal é físico e moral. O
politeísmo afirma que há muitos deuses, mas teístas
mal físico nem sempre é evitável, mas podemos fazer algo
finitos acreditam que só há um Deus.
a respeito do mal moral. Cooperar com os esforços de
As antigas versões gregas de um Deus limitado in ­
Deus pelo bem, mesmo ir além deles se necessário,é par­
cluíam a filosofia de P latão ( 4 2 8 - 3 4 8 a.C.; v. Platão, p.
te de nosso dever moral no mundo.
17-92). Mas, no mundo ocidental, a maioria dos deuses
Há várias explicações para a origem do mal. Os
finitos surgem de um contexto teísta. Em geral, muitos
dualistas ( v . d u a l i s m o ) dizem que ele está sempre aqui,
teístas finitos chegam a essa conclusão porque não con­
de alguma forma. Outros atribuem parte dele ao li­
seguem conciliar sua tradição teísta com a presença
vre-arbítrio humano. Todos, no entanto, concordam
penetrante do mal (v. m a l , problema d o ).
que não há garantia de que o mal será completamente
Tipologia do teísmo finito. Há muitas possibilida­
destruído. Se Deus fosse onipotente, destruiria o mal.
des diferentes para o ponto de vista finito sobre Deus, e
Mas, já que o mal não é destruído, não deve existir um
nem todas têm representantes conhecidos. A maioria dos
Deus onipotente. 0 argumento é este;
teístas finitos afirma que Deus é pessoal, mas alguns, in­
clusive Henry W iem an, supõem um ser im pessoal
1.Se Deus fosse onipotente, destruiria o mal.
(Wieman,p. 6 - 8 ,5 4 - 6 2 ) . As limitações desse Deus pode­ 2.Se Deus fosse com pletam ente bom , destrui­
riam ser internas, como John Stuart M ill acreditava, ou ria o mal.
externas ao mundo, como Platão acreditava. As limita­ 3. Mas o mal não foi destruído.
ções poderiam estar em sua bondade, mas não em seu 4. Logo, não pode haver um Deus onipotente e com­
poder (uma posição minoritária), ou no seu poder, mas pletamente bom.
não na sua bondade, como proposto por Edgar Brightman
(v. Brightman) e Peter Bertocci. Ou Deus poderia ser li­ Ponto de vista sobre a criação. 0 teísmo finito não tem
mitado em poder e bondade (ponto de vista de Mill). uma posição uniforme sobre a criação. Os que vêm da
Um deus finito pode ter ou um ou dois pólos. Para tradição grega dualista, seguindo Platão, acreditam na
a explicação do teísm o finito bipolar, veja o artigo criação ex matéria, isto é, a partir de matéria eterna
p a n e n t e í s m o . Exemplos monopolares são discutidos preexistente (v. c r i a ç ã o , v i s õ e s d a ) . Deus não criou o
353 finito, deísmo

mundo; ele apenas formou a matéria que já existia. A luz não revelou nenhuma norma ética inequívoca, as pes­
disso, a limitação do poder de Deus é externa. Logo, há soas têm de decidir por si mesmas o procedimento cor­
algo sobre a extensão e a natureza da matéria sobre a qual reto em cada situação. A direção geral nessas decisões é
nem Deus tem controle absoluto. Ele apenas tem de tra­ dada de maneiras diferentes por posições diferentes.
balhar com o mundo e fazer o melhor que pode sob as Visão da história. Com relação ao movimento da his­
limitações que o mundo impõe a seus poderes criativos. tória e da humanidade, alguns são mais otimistas que
Uma visão alternativa é que Deus criou o universo ex outros. Alguns indicam um progresso evolutivo gradu­
nihilo, do nada. Nesse caso, Deus está limitado por sua al do universo com a esperança de vitória final. A maio­
natureza, não por alguma coisa externa com a qual deve ria tem menos certeza de que o bem derrotará todo o
lidar e sobre a qual não tem autoridade. mal. Todos admitem que é possível que não haja ne­
Todos os teístas finitos concordam que a criação nhuma vitória final. É até imaginável que o mal vença o
não foi ex Deo (de Deus). Essa não é uma posição bem, apesar de a maioria dos teístas finitos considerar
panteísta, apesar de Deus estar limitado à criação e essa possibilidade intuitivamente repugnante. No entan­
ser limitado por ela. to, já que Deus é limitado e (no máximo) está lutando
Visão do mundo. Poucas afirmações relativas ao mun­ contra o mal, não há garantia. A luta pode simplesmen­
do unem os teístas finitos. Todos concordam que o mun­ te durar para sempre.
do existe e funciona de acordo com as leis naturais. Além Avaliação. O teísmo finito contém percepções signi­
disso, não há unanimidade sobre se ele sempre existiu e/ ficativas da realidade. Como sistema, no entanto, tem sé­
ou sempre existirá. A única posição comum entre os teístas rios problemas.
finitos é que o universo físico não é eterno nem ilimitado Contribuiçõespositivas. Omal é tratado realisticamente.
em energia. 0 universo está sujeito à lei da entropia (v. Ao contrário de cosmovisões como o pa n teísm o , o teísmo
t e r m o d i n â m i c a , l e i s d a ) e está se exaurindo. finito não pode ser culpado de tentar evitar a realidade
Visão de milagres. A maioria dos teístas finitos re­ do mal. É por encarar o problema que a maioria dos teístas
jeita os milagres. Alguns admitem que intervenções finitos chegou a essa posição.
sobrenaturais são possíveis em princípio, mas negam O exercício do poder divino é limitado. Não importa
que aconteçam na prática. Nesse caso, o teísmo finito o que os teístas finitos digam sobre o significado da pa­
é semelhante ao deísmo, que afirma um Criador so­ lavra onipotente, ela não pode significar que Deus pos­
brenatural, mas rejeita qualquer ato sobrenatural na sa literalmente fazer qualquer coisa. Os teístas finitos
criação. Mas o deísmo é bem diferenciado do teísmo estão certos ao mostrar que Deus é limitado no seu uso
finito pelo fato de o Deus deísta não ter limites intrín­ do poder. Por exemplo, Deus não pode usar seu poder
secos em seu poder. Ambas as posições consideram (limitado ou ilimitado) para criar e destruir a mesma
milagres uma violação da lei natural. E já que dão tanta coisa ao mesmo tempo. Deus não pode fazer círculos
ênfase à regularidade e uniformidade do mundo, não quadrados. Não pode dar livre-arbítrio às criaturas e
querem admitir que milagres as interrompam (v. m i ­ ao mesmo tempo forçá-las a agir contra suas decisões.
la g r e ; M IL A G R E S , A R G U M E N T O S C O N T R A ). Da mesma forma, o teísmo finito indica um proble­
Visão dos seres humanos. Em última análise a hu­ ma real em muitas visões teístas do mal. A posição reco­
manidade foi criada por Deus. Mas, desde Darwin, os nhece que “o melhor mundo possível” pode não ser real­
teístas finitos foram convencidos de que Deus usou mente possível. Só porque podemos imaginar nosso uni­
um processo evolutivo natural. Como foi dito, alguns verso presente com menos ou nenhum mal,não significa
d eístas finitos até identificam Deus com a força que Deus possa alcançar tal universo. Um mundo de cri­
evolutiva na natureza. aturas livres, quer livremente criadas por Deus quer não,
A maioria dos teístas finitos admite que os huma­ coloca algumas limitações no uso do poder de Deus (v.
nos têm alma, e alguns acreditam que as pessoas são M A L , PR O BLEM A D O ).

imortais. Todos rejeitam uma visão puramente materi­ Há uma necessidade de lutar contra o mal. Outro va­
alista (v. m a t e r i a l i s m o ) da humanidade, mas nem todos lor que emerge da maioria das formas de teísmo finito é
têm certeza de que haja vida após a morte. um antídoto para o fatalismo. 0 resultado da luta entre o
Visão da ética. Poucos teístas finitos acreditam nos bem e o mal depende do homem num sentido real. Nos­
absolutos éticos. Já que Deus não é imutável, conclui- sos estorços podem fazer a diferença. 0 d e t e r m i n i s m o com­
se que nenhum valor baseado nele também seja imu­ pleto é fatal quanto à motivação necessária para lutar
tável. Mas muitos acreditam que valores são objetivos contra o mal. Os teístas finitos não podem ser acusados
e duradouros. Alguns ate acreditam que certos valo­ de resignação passiva ao inevitável. Sua visão demanda
res são incondicionais. Mas, para a maioria, como Deus envolvimento real das pessoas para derrotar o mal.
finito, deísmo 354

Problemas com a visão. Apesar de suas várias percep­ 3 .Mas o mal ainda não foi destruído.
ções positivas quanto à natureza das coisas, o teísmo finito A palavra ainda imediatamente revela a possibilida­
como sistema é fatalmente falho. de de o mal ser destruído (i.e., derrotado) no futuro. E o
Sua visão de Deus é inadequada. Filosoficamente, o teísta finito que insiste em que isso nunca acontecerá está
conceito de um deus finito é contrário ao princípio da supondo que sabe mais do que uma criatura finita é ca­
causalidade, que afirma que todo ser finito precisa de uma paz de saber.
causa. Um deus finito é apenas uma criatura grande, e Alguns teístas finitos até adm item esse ponto.
todas as criaturas precisam de um Criador. Um ser finito Bertocci, por exemplo, disse que há mal “cujo efeito
é um ser contingente, não um Ser Necessário, que não destrutivo, pelo que sabemos, é maior que qualquer bem
pode não existir. Um ser contingente pode ser inexistente. que pode vir dele”. Mas é exatamente esse o problema.
Mas tudo que poderia não existir depende para sua exis­ Como um homem finito poderia saber tanto sobre o fu­
tência do que não pode não existir, um Ser Necessário. turo a ponto de dizer que nada será feito para derrotar o
Além disso, quem acredita que Deus é limitado em mal e trazer um bem maior? Por mais improvável que
perfeição assim como em poder não identifica o que re­ pareça, o futuro pode trazer boas novas.
almente é Deus, pelo menos não Deus no sentido absolu­ Além disso, se há um Deus onipotente e completa­
to. Pois só seria possível medir a imperfeição por um pa­ mente bom, isso garante automaticamente que o mal será
drão absoluto (v. Lewis, p. 45-6). Mas o padrão absoluto derrotado no futuro. 0 raciocínio é:
da perfeição é por definição Deus. Então um deus finito e
1. Um Deus completamente bom tem o desejo de
imperfeito seria algo menor que o Deus absoluto. Na ver­
derrotar o mal.
dade, parece não haver maneira de supor um deus
2. Um Deus onipotente tem a habilidade para der­
fmitamente bom sem ter um Deus infinitamente bom
rotar o mal.
como padrão para comparação.
3. Mas o mal ainda não foi derrotado.
Nenhum bem incompleto é digno de adoração. Ado­
4. Logo, o mal será derrotado no futuro.
ração significa atribuir valor absoluto a algo ou alguém.
Mas por que alguém atribuiria valor absoluto ao que não
Dessa forma, a questão não seria se o mal é com ­
é absolutamente digno? Todo ser finito é uma criatura, e
patível com um Deus infinito; certamente parece ser.
adorar a criatura em vez de ao Criador é idolatria. Ou,
Na verdade, se um Deus infinito existe, então há uma
citando as palavras de Paul T i l l i c h , um compromisso
garantia de que o mal será derrotado, já que tal Deus
absoluto não deveria ser feito com nada além de um Ser
teria o desejo e o poder para fazê-lo. Então parece que
Absoluto. Mas um ser parcialmente bom não é o Bem
o teísmo finito não conseguiu eliminar um Deus infi­
absoluto. Então por que alguém adoraria um deus finito?
nito por meio do mal.
Sua visão do mal é inadequada. 0 problema do mal
Outro problema para as formas modernas de teísmo
não elimina Deus. Na verdade, não podemos se quer sa­
finito é que, se Deus não é completamente bom, então
ber se há injustiças absolutas no mundo a não ser que
qual é o padrão para medir sua bondade? Não pode­
tenhamos algum padrão absoluto de justiça — Deus —
mos medi-lo pelo padrão de sua natureza, pois isso ele
além do mundo. Inversamente, só o Deus onipotente pode
alcança perfeitamente. Mas se medirmos Deus por al­
derrotar o mal, e só o Deus onipotente desejaria derrotar
guma lei moral absoluta além de Deus, então o Legisla­
o mal. Logo, se o mal ainda vier a ser derrotado, então
dor dessa lei absoluta será Deus. Pois as leis vêm de le­
deve haver um Deus onipotente e completamente bom. gisladores, e prescrições morais vêm de prescribentes
Um Deus finito não seria suficiente para a tarefa. morais (v. m o r a l a favor de D eu s , a r g u m e n t o ). Assim,leis
Além disso, há uma alternativa ao argumento para absolutamente perfeitas não viriam de um Legislador
um Deus finito. Lembre-se de que o argumento é assim: Moral absolutamente perfeito? Se um Deus finito não
alcança o padrão absoluto de bondade, então não é Deus.
1. Se Deus fosse onipotente, destruiria o mal. O Ser moral absoluto além dele seria Deus.
2. Se Deus fosse completamente bom , destrui­ Talvez seja por isso que a maioria dos teístas finitos
ria o mal. queiram limitar apenas o poder de Deus, e não sua bon­
3. Mas o mal não foi destruído. dade. Mas, para quem olha de fora, isso parece um jul­
4. Logo, não pode haver um Deus onipotente e gamento arbitrário e racionalização. Além disso, como
completamente bom. Deus pode ser um Ser infinitamente bom se é apenas
um ser finito? Como é possível ser mais do que tem a
A cosm ovisão teísta só p recisa m udar a te rc e i­ capacidade de ser? Como os atributos de Deus podem
ra p rem issa: ser ampliados além do que sua natureza real permite?
355 Flávio Josefo

Como pode o conhecimento da pessoa, por exemplo, ser firm am ento. V c iê n c ia e a B íb l ia .

ampliado além da capacidade de seu cérebro?


O teísmo finito afirma que Deus não pode destruir Flávio Josefo. Josefo (c. 37-c. 100 d.C.) foi fariseu de li­
todo o mal. Alguns dizem que é por causa de um limite nhagem sacerdotal e historiador judeu. Além de sua au­
intrínseco de sua natureza. Outros afirmam que é por tobiografia, escreveu duas obras importantes, Guerras dos
causa de uma limitação extrínseca sobre ele. Mas a única judeus (c. 77-78) e Antiguidades dos judeus (c. 94). Tam­
limitação extrínseca que o Criador não poderia destruir bém escreveu uma obra menor, Contra Ápion.
seria um Ser Necessário eterno e não-criado, pois um ser Josefo confirmou de forma geral, e muitas vezes
criado e contingente poderia ser destruído por um Ser em minuciosos detalhes, a historicidade do at e de par­
Necessário, não-criado. Mas se há um Ser Necessário eter­ te do XT (v. Novo T estamento , fontes não- cristãs d o ). Ape­
no e não-criado além de Deus, então tal ser é o Criador, e sar de a obra de Josefo relatar os fatos de m aneira a
o “deus finito” acaba sendo apenas uma criação limitada. não ofen d er os ro m a n o s, ela tem g ran d e v alor
Se, no entanto, o ser além de Deus é apenas criado e con­ apologético para o cristianism o — uma religião que
tingente, mas Deus é não-criado e necessário, Deus po­ era condenada pelos romanos. Josefo foi altamente
deria destruí-lo. Mas se ele pode criar e destruir tudo, por apreciado e grandemente citado pelos primeiros pais
que não admitir que é onipotente? da igreja para apoiar o cristianismo.
Este é o dilema: se Deus pode destruir tudo no uni­ Testemunho do cânon. Josefo apoia a posição pro­
verso exceto a si mesmo, então ele é onipotente. Se há al­ testante do cânon do at contra a posição católica, que
gum outro ser indestrutível além de Deus, então ele não é reconhece os apócrifos do at (v. apócrifos do A n tigo e
um Deus onipotente; esse outro ser pode resistir ao seu Novo T esta m en to s ). Ele até menciona os nomes dos li­
poder. Mas em ambos os casos a visão do deus finito es­
vros, que são idênticos aos 39 livros do at protestante.
taria erradá, pois haveria um Ser onipotente que poderia
Reúne 39 livros em 22 volumes, que correspondem ao
destruir o deus finito.
número das letras do alfabeto hebraico:
Os teístas finitos admitem que não há garantia de que
o bem triunfará sobre o mal no final. Assim, os que tra­
Pois não temos uma multidão inumerável de livros en­
balham pelo bem podem estar trabalhando em vão. É cla­
tre nós, discordando um do outro e contradizendo um ao
ro que no decorrer diário dos eventos nossos esforços são
o u tro [como os gregos têm], mas apenas 22 livros, que con­
frustrados. No entanto, um compromisso religioso não é
té m os re g istro s de todos os tempos passados e que são jus­
um compromisso diário; é um compromisso definitivo.
ta m e n te co n sid erad o s d iv in o s; e deles, 5 pertencem a Moisés,
Será que um deus finito, que não pode garantir vitória
os q u a is c o n tê m su a s leis [...] O s p ro fe ta s, que vieram de­
mesmo que nos esforcemos ao máximo, pode realmente
p o is d e M o is é s , e s c re v e ra m o q u e foi feito n a su a é p o c a em
inspirar um compromisso definitivo? Quantas pessoas
13 liv ro s. Os 4 re sta n te s c o n tê m h in o s a D eu s e p rece ito s p ara
realmente assumirão um compromisso definitivo de tra­
a co n d u ta da v id a h u m a n a (Contra Ápion 1 .8 ).
balhar em prol do que não tem garantia que vencerá no
final? Podemos ficar inspirados a confessar corajosamen­
Outro ponto de interesse apologético é a referência
te: “Prefiro perder a batalha com quem vencerá no final
de Josefo a Daniel, o profeta, como um escritor do sécu­
que vencer a batalha com quem perderá no final”.
lo vi a.C. (Antiguidades, p. 10-2). Isso confirma a natu­
Outras visões inadequadas. Além de suas visões fa­
reza sobrenatural das incríveis previsões sobre o decor­
lhas sobre Deus e o mal, os teístas finitos não defendem
rer da história depois da época em que Daniel viveu (v.
adequadamente suas visões de aniquilacionismo e anti-
P r o f e c ia c o m o P rova da B íb l ia ). A o contrário do Talmude,
sobrenaturalismo (v. m i l a g r e s , a r g u m e n t o s c o n t r a ) .
que é mais recente, Josefo obviamente coloca Daniel
Fontes
entre os profetas, já que não está em Moisés nem na se­
H. Bergson, Creative evolution. ção dos “hinos de Deus”, que incluiria Salmos, Provér­
E. S. B rightman, A philosophy ofreligion. bios, Eclesiastes e Cântico do Cânticos. Isso ajuda a con­
E. J. C arxell, C/iráí/aM apologetics, caps. 16,17. firmar a data anterior de Daniel.
J. C ollins, God and modem philosophy. Testemunho do n t . Josefo referiu-se a Jesus como ir­
N. L G eisler, et a l, Worlds apart, cap. 6. mão do Tiago que foi martirizado. Escreveu:
C. S. L ewis, Cristianismo puro e simples..
J. S. M il l , Three essays on religion: nature, utility of F esto ag o ra estav a m o rto , e A lb io estav a p re ste s a a ta ­
religion, and theism. c a r ; en tã o re u n iu o S in é d rio d o s ju íz e s , e tro u x e d ia n te d eles
H. P. Owens, Concepts ofdeity o irm ã o de Jesu s, e a lg u n s o u tro s [ou a lg u n s de seu s c o m p a ­
H. X. W ieman, The source ofhuman Good. n h e ir o s ] , e q u a n d o fo rm o u u m a a c u s a ç ã o c o n tra eles co m o
Flew, Antony 356

infratores da lei, entregou-os para serem apedrejados Nessa época havia um homem sábio que se chamava Je­
(Antigüidades 20.9A). sus. E sua conduta era boa e [ele] era considerado virtuoso.
Muitas pessoas dentre os judeus e outras nações se torna­
Essa passagem comprova a existência de Cristo por ram seus discípulos. Pilatos o condenou a ser crucificado e
um autor não-cristão do século i e a afirmação princi­ morrer. E aqueles que se tornaram seus discípulos não aban­
pal que seus seguidores faziam a seu respeito — que donaram seu discipulado. Eles relataram que ele havia apa­
ele era o Messias. recido a eles três dias após sua crucificação e que estava vivo;
Josefo também confirmou a existência e o martírio conseqüentemente, talvez fosse o messias sobre o qual os
de João Batista, o arauto de Jesus: profetas relataram maravilhas.

Alguns dos judeus pensavam que a destruição do exército Nessa forma, o texto não afirma que Josefo acredi­
de Herodes veio de Deus, e muito justamente, como castigo do tava na ressurreição, mas apenas que seus discípulos
que fez contra João, que era chamado o Batista; pois Herodes a “relataram”. Isso pelo menos refletiria um relatório
assassinou a João, que era um homem bom e ordenava que os honesto daquilo em que seus discípulos íntimos acre­
judeus exercessem a virtude, tanto em justiça para com os ou­ ditavam. Bruce observa que há boa razão para crer que
tros, quanto em piedade para com Deus, para assim serem Josefo realmente se referia a Jesus, testemunhando so­
batizados (Antigüidades 18.5.2).
bre sua datação, reputação, parentesco com Tiago, cru­
cificação sob Pilatos pela instigação dos líderes judeus,
Essa referência confirm a a existência, o nom e, a
afirmação messiânica, fundação da igreja e a convic­
m issão e o m artírio de João Batista, assim como o nt
ção da ressurreição entre seus seguidores.
o apresenta.
Num texto polêmico, Josefo dá uma breve descrição
Fontes
de Jesus e sua missão:
F. F. B ruce, Merece c o n f i a n ç a o Novo Testamento?
L. H. F eld.m ax, Studies on Philo and Josephus.
Ora, havia nessa época Jesus, um homem sábio, se for lí­
J oseeo, Contra Ápion.
cito chamá-lo de homem, pois fazia obras maravilhosas —
___ , A n t i g ü i d a d e s dos judeus.
um mestre de homens do tipo que recebem a verdade com
___ , G u e r r a s dos judeus
prazer. Atraiu a si muitos dos judeus e muitos dos gentios. Ele
J. M c D owell, Evidência que exige um veredito.
era [o] Cristo; e quando Pilatos, seguindo a sugestão dos líde­
S. P ines, An Arabic version ofthe Testimonium
res entre nós, o condenou à cruz, aqueles que o amavam des­
Flavianum and its implications.
de o princípio não o abandonaram. Pois ele lhes apareceu vivo
R. J. H. S h u t t , Studies in fosephus.
novamente no terceiro dia, como os profetas divinos haviam
H. St. J. T hackeray , ]osephus the man and the
previsto essas e dezenas de milhares de outras coisas maravi­
historian.
lhosas a seu respeito; e a tribo de cristãos, chamados pelo seu
nome, não desapareceu até hoje [Antigüidades, 18.3.3).
Flew, Antony. Antony Flew (n. 1923) é um proeminente
ateu britânico que lecionou filosofia nas principais uni­
Essa passagem foi citada por Eusébio na sua forma
atual (História eclesiástica 1.11), e a evidência dos ma­ versidades britânicas e foi professor de filosofia na Uni­
nuscritos a apoia. Mas é amplamente considerada uma versidade de Keele. Escreveu ou editou vários livros e
interpolação, já que é improvável que Josefo, um judeu, artigos acadêmicos e é bem conhecido por suas obras
afirmasse que Jesus era o Messias e que isso tenha sido em teologia filosófica. Entre suas obras mais poderosas
comprovado pelas profecias cumpridas, obras milagro­ estão o artigo “Milagres”, na Encyclopedia ofphilosophy
sas e ressurreição dos mortos. Até Orígenes disse que “Jo­ [Enciclopédia de filosofia ], e seus livros New essays in
sefo não acreditava que Jesus era o Messias, nem decla­ philosophical theology [Novos ensaios de teologia] e The
rou que era” (Contra Celso 2.47; 2.13; Bruce, p. 108). E F. resurrection debate [O debate sobre a ressurreição].
Bruce sugere que a frase “se for lícito chamá-lo de ho- Afakificabilidade de Deus. A não ser que exista al­
m enfpode indicar que o texto é autêntico, mas que Josefo gum critério pelo qual se possa saber se algo é falso, afir­
está escrevendo em referência sarcástica à crença cristã ma Flew, não se pode saber se é verdadeiro. Se a declara­
de que Jesus é o Filho de Deus (Bruce, p. 109). ção teísta “Deus existe” é uma afirmação,“ela necessaria­
Outros teólogos sugeriram corrigir o texto de for­ mente será equivalente à negação da negativa dessa afir­
m a a preservar sua autenticidade sem a im plicação mação”. Mas “se não há nada que uma suposta afirma­
de que Josefo aceitava pessoalm ente que Cristo era o ção negue, então também não há nada que afirme; por­
Messias (v. Bruce, p. 110-1). Pode ser que um texto árabe tanto, essa não é realmente uma afirmação” (New essays,
do século x (v. McDowell, p. 85) reflita a intenção original: p. 98). À medida que esse argumento se aplica a Deus,
357 Flew, Antony

Flew está dizendo que, a não ser que um teísta possa es­ não que não pudesse ter êxito em princípio, se de fato
pecificar condições pelas quais se pudesse provar que nenhum Deus existisse.
Deus não existe, não há condições pelas quais provar que Falsificação escatológica. A falsificação escatológica
Deus existe. Algum evento ou série de eventos teria de ser de algumas coisas, tais como a imortalidade, é impossí­
concebido que pudesse provar que não há Deus. vel. Mas m uitas cren ças religiosas poderiam ser
Além de aceitar a premissa de Flew e admitir que falsificadas. A afirmação “Irei a um lugar de alegria
n enhu m a a firm a çã o relig iosa é falsificáv el (v. quando morrer” é falsificada se a pessoa continua cons­
a c o g n o s t i c i s m o ; FiDEísMo),há duas respostas amplas para ciente após a morte e vai para um lugar de sofrimento.
Flew. P rim eira, p o d e-se re je ita r o p rin cíp io de Da mesma forma, a reencarnação pode ser falsificada,
falsificabilidade. Segunda, se pode aceitar o desafio de se alguém morrer com um “carma”, mas não reencarnar.
Flew e afirmar condições pelas quais a existência de É mais difícil falsificar a existência de Deus, ainda que
Deus poderia ser falsificada ( v . A y e r , A. J.). alguém viva para sempre. Deus poderia decidir escon­
Rejeição ao princípio da falsificabilidade de Flew. 0 der-se para sempre, mas isso é improvável.
princípio da falsificabilidade em si não é falsificável. Não Não importa como é abordado, o princípio da falsifi­
há condições sob as quais se possa saber que esse princí­ cação de Flew está longe de ser um golpe convincente à
pio é falso. E outras coisas além da existência de Deus verdade do teísmo ou do cristianismo. O teísta pode ofe­
não são falsificáveis. Por exemplo, a imortalidade da pes­ recer muitas maneiras pelas quais crenças básicas po­
soa pode ser provada, desde que haja consciência após a dem ser falsificadas em princípio, mas não rta prática.
morte. Mas não pode ser falsificada, uma vez que, se for­ Onipotência divina, liberdade e mal. Flew pro­
mos aniquilados por ocasião da morte, não poderemos pôs um dilema difícil para o teísmo no artigo sobre
falsificar a alegação de i m o r t a l i d a d e . “Onipotência divina e liberdade humana” (Flew, New
Aceitação do princípio dafabficação de Flew. A outra essays, cap. 8). Ele reconhece que os teístas afirmam
resposta é aceitar o desafio de Flew e demonstrar que a que mesmo um Ser onipotente não pode fazer o que é
falsificação é possível em uma de três maneiras: passada, contraditório. Mas desafia a visão de muitos teístas de
presente e futura. que é contraditório criar um mundo onde nenhuma
Falsificação histórica. A ressurreição de Jesus Cristo criatura livre faria o mal.
no terceiro dia pode ser falsificada (v. t e s s u r r e i ç ã o , e v i ­ Flew insiste que
) . Bastava que se achasse o corpo de Jesus ou
d ê n c ia s d a

a prova de uma conspiração para eliminar o corpo. Ou a onipotência poderia ter, poderia sem contradição ser
encontrar uma testemunha ocular de que Jesus conti­ considerada como tendo criado pessoas que realmente sem­
nuou na sepultura mais que três dias. O apóstolo Pau­ pre escolheriam livremente fazer a coisa certa (p. 152).
lo reconheceu isso quando disse: “E, se Cristo não res­
suscitou, é inútil a nossa pregação, como também é E em resposta à afirmação teísta de que Deus não
inútil a fé que vocês têm. Mais que isso, seremos con­ poderia ter criado bens de ordem superior sem permi­
siderados falsas testemunhas de Deus, pois contra ele tir bens de ordem inferior, Flew argumenta que
testem unham os que ressuscitou a Cristo [...]. E, se
Cristo não ressuscitou, inútil é a fé que vocês têm, e a onipotência poderia ter criado criaturas sobre as quais
ainda estão em seus pecados. Neste caso, também os ela poderia estar certa de que responderiam ao desafio ade­
que dormiram em Cristo estão perdidos ” (1 Co 15.14- quado pelo exercício voluntário de força moral sem que tais
18). Se a ressurreição pode ser desacreditada, o cristi­ criaturas tivessem adquirido esse caráter pelo exercício real
anismo e o Deus do cristianism o são falsos. de força moral (p. 155).
Falsificação agora. Já que a evidência apologética da
verdade do cristianismo é baseada em eventos passados, Os argumentos de Flew evocaram a famosa res­
não há maneira direta de testá-la no presente. Só se pode p o sta do “liv re -a rb ítr io ” de A lvin P lan tin g a (v.
usar evidência do passado que permanece no presente P l a x t i n g a , A l v i x ) , que argumentou que, enquanto uma

para argumentar a favor ou contra a verdade de eventos única criatura livre escolher o mal, Deus não pode
passados. Já que o cristianismo depende da verdade da impedi-la sem restringir sua liberdade — e nesse caso
premissa “Deus existe (agora)”, essa é uma premissa elas não seriam realmente livres. Outros observam que
falsificável. Um teísta pode estar disposto a abrir mão da o que é logicamente possível não é necessariamente
crença em Deus se o ateu puder apresentar uma prova realizável (v. m a l , p r o b l e m a d o ) . Assim, apesar de ser
válida da inexistência de Deus. Tais provas já foram ten­ logicam ente possível que ninguém jam ais fizesse o
tadas, e todas falharam (v. D e u s , s u p o s t a s r e f u t a ç õ e s d e ) . mal, isso não é realmente realizável enquanto alguém
Isso significa que a falsificação não foi bem-sucedida, livremente escolher fazer o mal.
Flew, Antony 358

Milagres e apologética cristã. Flew alega que os m i­ ocorrências do milagroso são necessariamente singulares,
lagres não são históricos (v. milagre; milagres, valor específicos e passados.
a p o l o g é t i c o d o s ) , nem verossímeis, nem identificáveis.

0 argumento de Flew de que os milagres não são Proposições repetíveis, portanto, têm maior credi­
históricos baseia-se na suposição de que milagres não bilidade lógica (ibid.). Esse argumento pode ser afir­
são repetíveis. Falham, portanto, no teste de credibili­ mado da seguinte maneira:
dade. 0 argumento de Flew segue a forma desenvolvi­
da por David H ume. A maneira pala qual Flew entende 1. Milagres, por natureza, são específicos e não
o argumento de Hume é a seguinte: repetíveis.
2. Eventos naturais são por natureza gerais e
1. Todo milagre é uma violação de uma lei da na­ repetíveis.
tureza. 3. Na prática, a evidência para o geral e repetível é
2. A evidência contra qualquer violação da natu­ sem pre m aior que para o específico e não
reza é a evidência mais forte possível. repetível.
3. Portanto, a evidência contra milagres é a evi­ 4. Portanto, na prática, haverá sempre mais a evi­
dência mais forte possível. dência contra os milagres que a favor deles.

Flew diz que Hume estava preocupado principal­ Com base nessa afirmação fica claro que Flew acre­
mente com a questão da evidência. 0 problema era dita que a generalidade e a repetibilidade são fatores
como a ocorrência de um milagre poderia ser prova­ que estabelecem a credibilidade.

da, e não se tais eventos realmente ocorreram. Mas


R epetibilidade e falsificabilidade. A maioria dos
naturalistas modernos, tais como Flew, aceitam algu­
“nossa única base para caracterizar a ocorrência rela­
mas singularidades não repetíveis, por exemplo, na for­
tada como milagrosa é ao mesmo tempo a razão sufi­
mação do universo ( v.big-bang, t e o r i a d o ) . E quase to­
ciente para denominá-la fisicamente impossível”. Mas
dos os cientistas acreditam que o processo de origem
por que é assim? Flew responde que o historiador crí­
da vida jam ais se repetiu. Se o argumento de Flew for
tico, confrontado com a história de um milagre, a des­
aplicado consistentemente, é errado os cientistas acre­
carta. Isso é presumir a resposta como prova. Qual a
ditarem em tal singularidade. O argumento de Flew eli­
justificativa para descartar os milagres?
minaria algumas crenças básicas dos naturalistas.
A visão de Flew também está sujeita à mesma crítica
Para justificar seu procedimento ele terá de apelar
que Flew fez aos teístas, pois não é um a posição
exatamente para o princípio que Hume apresentou: a “im­
infalsificável (v. acima). Não importa o que aconteça,
possibilidade absoluta ou a natureza milagrosa” dos even­
mesmo uma ressurreição, Flew (ao contrário até das afir­
tos atestados.
mações de Hume) seria obrigado a negar que era um
milagre. E nenhum evento no mundo falsificaria o natu­
Isso tem de ser feito de modo a satisfazer o intelecto
ralismo. Assim, as cartas estão marcadas, de forma que a
de pessoas razoáveis. Assim, Flew acredita que, apesar de
evidência sem pre pesará m ais a favor do an ti-
os milagres não serem logicamente impossíveis, são ci­
sobrenaturalismo que contra ele. E não ajudaria se Flew
entificamente impossíveis.
afirmasse que o naturalismo é falsificável em princí­
pio, se nunca fosse na prática. Então, para ser justo,
É pura e simplesmente pela suposição de que as leis vá­
teria de permitir aos teístas o mesmo privilégio. Se o
lidas hoje eram válidas no passado [...] que podemos racio­
sobrenaturalismo nunca pode ser estabelecido na práti­
nalmente interpretar os detritos (fragmentos) do passado ca, o naturalismo também não. É sempre possível ao teísta
como evidência e a partir deles construir nosso relato do alegar sobre todo evento supostamente natural que“Deus
que realmente aconteceu (“Milagres”). é a causa final”. O teísta pode insistir em que todos os
eventos “naturais” (i.e., naturalmente repetíveis) são a for­
À acusação de que esse uniformismo é irracional­ ma de Deus operar normalmente e que os eventos “mila­
mente dogmático, Flew responde com o que está no cen­ grosos” são a maneira de Deus operar ocasionalmente.
tro de sua amplificação do argumento de Hume. Como Pelas próprias afirmações de Flew, não há como, na prá­
Hume insistiu, tica, falsificar a crença teísta.
É possível objetar a conjetura de Flew de que o
a possibilidade de milagres é uma questão de evidên­ repetível sempre excede o não repetível. Se fosse assim,
cia, e não de dogmatismo. Além disso, relatos de supostas então, como Richard Whately demonstrou, ninguém
359 F le w , A n to n y

poderia acreditar na h istoricidade de nenhum evento sin­ idéia de Agostinho sobre milagre asseguraria a depen­
gular do passado. Se a repetibilidade na prática é o verda­ dência da criação em Deus, faria isso somente à custa
deiro teste de evidência superior, ninguém deveria acre­ da subversão do valor apologético de todos os m ila­
ditar que observou nascimentos ou que mortes ocorre­ gres (Flew, p. 348). Se um milagre não está além do
ram, pois nenhum deles é repetível na prática. A ciência poder da natureza, mas apenas além do nosso conhe­
da geologia seria eliminada. cimento da natureza, então um milagre não é nada
Os cientistas não rejeitam singularidades imediata­ além de um evento natural. Não poderíamos saber se
mente, observa o físico e professor Stanley Jaki. um milagre realmente aconteceu; apenas que pareceu
acontecer. Para ser verdadeiramente milagroso, um
F e liz m e n te p a r a a c i ê n c i a , o s c i e n t i s t a s m u ito r a r a m e n ­
milagre deve ser independente da natureza, mas um
te d e s c a r t a m r e la to s s o b r e u m c a s o r e a lm e n t e novo com a
milagre não pode ser identificado exceto por sua rela­
a f i r m a ç ã o : “ N â o p o d e s e r r e a lm e n t e d if e r e n te d o s m il c a s o s
ção com a natureza. Não há m aneira natural de iden­
q u e j á in v e s t ig a m o s ” . A r e s p o s ta c o r a jo s a d o jo v e m a s s i s ­
tificar um milagre, a não ser que seja considerado m i­
te n te : “M a s p ro fe s s o r , e s e e s s e fo r o m ilé s im o p r im e ir o c a s o ? ”
lagre por motivos independentes. Deve ser considera­
q u e [ ...] é e x a t a m e n t e a r e s p o s ta q u e d e v e s e r o fe r e c id a c o m
do apenas um evento estranho ou incoerente que uma
r e la ç ã o a o s fa to s s u s p e ito s p o r c a u s a d e s e u c a r á t e r m i l a ­
lei científica mais ampla poderia explicar.
g r o s o ( J a k i , p. 1 0 0 ).
Com base nisso, Flew argum enta que nenhum
evento supostamente milagroso pode ser usado para
Então, se o naturalista impõe argumentos a tal ponto
provar que um sistema religioso é verdadeiro. A não
de eliminar milagres, conseqüentemente a base de mui­
ser que já exista um Deus que age, não pode haver uma
tas outras crenças é eliminada por implicação. Qualifica­
ções apresentadas de modo a incluir dados naturais e ci­ ação de Deus. Argumentar com base na ação de Deus
entíficos reabrem a porta para os milagres. a favor do sistema sobrenatural é com eter petição de
Identificabilidade. O segundo argumento de Flew princípio. Devemos identificar o evento como sobre­
não é ontológico, mas epistemológico. Milagres não são natural de um ponto de vista estritamente naturalis­
rejeitados porque se sabe que eles não ocorreram. São ta. Mas isso é impossível, já que um evento incomum
rejeitados porque não se sabe ou não é possível saber se no âmbito natural é, do ponto de vista naturalista, es­
ocorreram. O argumento de Flew vai além da mera tritamente um ponto de vista natural.
identificabilidade. Se bem-sucedido, demonstraria que Portanto, milagres não têm valor apologético.
milagres não têm valor apologético. Agora o coração do argumento de Flew está em foco
Flew afirma estar disposto a perm itir a possibili­ (ibid., p. 348-9). Milagres não são identificáveis porque
dade de milagres em princípio (v. E spino sa , B a r ix h ). não há maneira de defini-los sem presumir como certa a
Na prática, argumenta, há um problema sério, até in­ prova de sua existência.
superável, por sermos incapazes de identificar m ila­
gres. O argumento pode ser assim resumido: 1. Um milagre deve ser identificável antes de poder
ser identificado.
1. Um milagre deve ser identificável ou distinguível 2. Um milagre é identificado de uma de duas m a­
antes de se saber o que ocorreu. neiras: a) um evento anormal na natureza ou
2. Milagres só podem ser identificados no âmbito
b) uma exceção à natureza.
da natureza ou na dimensão do sobrenatural.
3. Um evento anormal na natureza é apenas um
3. Identificá-lo por referência ao sobrenatural (como
evento natural, não um milagre.
um ato de Deus) é petição de princípio.
4. Uma exceção da natureza não pode ser conheci­
4. Identificá-lo em referência a termos naturais eli­
da a partir da própria natureza apenas.
mina a dimensão sobrenatural necessária.
5. Logo, um milagre não é identificável e não pode
5. Portanto,não é possível saber se milagres ocorre­
ser usado para provar nada.
ram, já que eles não podem ser identificados.

Flew insiste, contra A gostinho (A cidade de Deus Parece que Flew conseguiu provar seu argumento.
21.8), que se um milagre é apenas “um portento [que] Sua primeira premissa é sólida. Devemos saber o que
não é contrário à natureza, mas contrário ao nosso co­ estamos procurando antes de saber se o encontramos.
nhecim ento da natureza”, então realmente não tem Não podemos descobrir o que não pode ser definido.
valor como prova do sobrenatural. Apenas mostra o Mas definir milagres em termos de eventos naturais é
conhecimento relativo de uma geração. Enquanto a reduzi-los a eventos naturais. Defini-los em termos de
F ra z e r, Ja m e s 360

uma causa sobrenatural é supor que Deus existe, um refutar essa possibilidade é refutar a possibilidade da exis­
argumento circular. tência de Deus.Tais esforços estão destinados ao fracasso
Pressupondo a existência de Deus. Uma maneira de e geralmente são contraditórios (v. Decs, supostas refuta­
responder a Flew é afirmar que tanto os naturalistas quan­ ções de).

to os sobrenaturalistas argumentam em círculo. Os argu­ Os apologistas históricos não têm essa opção, já que
mentos anti-sobrenaturalistas pressupõem o naturalis­ acreditam que toda a defesa do cristianismo, inclusive a
mo. Então, alguns teístas simplesmente afirmam que é existência de Deus, pode ser estabelecida apenas com base
necessário argumentar em círculo. Toda razão é circular na evidência histórica. Contra essa visão, Flew tem um
(V an T il, p. 118), pois todo pensamento, no final das con­ argumento poderoso.
tas, é baseado na fé (v. fideísmo).
Fontes
Se um sobrenaturalista escolhe esse caminho, a base
T omás dl A qviso , Suma contra os gentios. Livro 3.
(ou falta dela) parece tão b oa quanto a do anti-
A gostinho, Cidade de Deus.
sobrenaturalista. Os naturalistas que tentam eliminar
A. F i.kw,“M iracles", em the Encyclopedia o f
milagres com base no compromisso de te com o natura­
philosophy, P. EnwRPs, org.
lismo não estão em posição de proibir os teístas de sim­
___ . “Theologv and falsification”, em New
plesmente acreditar que Deus existe e, portanto, que mi­
essays in philosophical rheology.
lagres sejam identificáveis. Uma vez que seja dado aos na­
N. L. G eisler , Miracles and the modern mind.
turalistas o privilégio de uma mera base de fé para o natu­
S. I wi. Miracles and physics.
ralism o, sem prova racional ou científica, outras
C.S. L ewis, Milagres.
cosmovisões devem receber a mesma oportunidade.
T. MiETiir. ed., Did Jesus rise from the dead? The
Evidência da existência de Deus. Outra forma de
resurrection debate.
abordagem está disponível, no entanto: Os teístas po­
R .S w isbi r\k. Miracles.
dem dar justificativa racional para a crença em Deus.
C. V an T i i , Defense o f the faith.
Se bem-sucedidos, podem definir ( m ostrar a identifi-
cabilidade de) milagres no âmbito do reino sobrena­
Frazer, Jam es. James Frazer (1854-1941) nasceu em
tural que têm razão para crer que existe. É exatam en­
Glasgow e estudou na Academia Larchfield, em
te isso que o argumento cosmológico e o argumento Helensburg,e nas Universidades de Glasgow e Cambridge.
teleológico fazem. Até o ponto em que se possa dar um De 1907 a 1919 lecionou antropologia social na Universi­
argumento racional para a existência de Deus, a críti­ dade de Liverpool. Frazer foi importante para o lança­
ca de Flew é evitada. mento do jornal The Cambridge Review (1879). Fez a pri­
Resumo. Dois temas de Flew são uma ameaça séria à meira de suas Conferências Gifford em 1911 sobre“Crença
apologética cristã: 1) O argumento de que a crença em na imortalidade e a adoração aos mortos”. Entre 1890 e
Deus não é falsificável, e 2) o ponto de vista de que mila­ 1912 produziu sua obra monumental, O ramo de ouro.
gres não são identificáveis. Há algumas maneiras de en­ Esse livro e Folk-lore in the Old Testament [Folclore no
carar o desafio da verificabilidade. O cristianismo pode Antigo Testamento] (1918), em três volumes, foram pro­
ser comprovado por eventos no passado, presente e futu­ duzidos em edições condensadas em 1922 e 1923, res­
ro. Um assunto mais sério é o ataque aos milagres. Ape­ pectivamente. Frazer também escreveu The worship o f
sar de Flew não afirmar que esse argumento elimina a nature [A adoração à natureza] (1926) e The fear o f the
possibilidade de milagres, ele poderia, se bem-sucedido, dead in primitive religion [O medo dos mortos na religião
prejudicar seriamente a apologética cristã (v. clássica, primitiva] (1933-1934).
apologética;histórica, apologética). Se milagres não podem O ramo de ouro confere um colorido evolutivo à his­
ser identificados como eventos sobrenaturais, eles não têm tória das religiões. Frazer propôs que as religiões evoluí­
valor apologético. Um simples evento anormal na natu­ ram a partir da mágica, passando pelo anim ism o e
reza não tem nenhum valor evidenciai para provar nada politeísmo, até o henoteísmo e, finalmente, para o mono­

além da existência da natureza. teísmo. Ele


acusou o cristianismo de copiar os mitos pa­
Mas, como demonstrado acima, a apologética clássi­ gãos. Apesar de seu uso seletivo e cômico de fontes que
ca pode escapar desses problemas, seja por pressupor a foram desatualizadas por pesquisas subseqüentes.as idéi­
existência de uma estêra sobrenatural (i.e., Deus),seja por as do livro ainda são amplamente aceitas.
oferecer evidência para sua existência. Enquanto houver Avaliação. A tese da evolução da religião de Frazer é
um Deus capaz de agir, ações especiais de Deus (mila­ infundada por razões discutidas em detalhes em outros
gres) são possíveis e identificáveis. A única maneira de artigos. V. milagres, mito e ; mitr.aís.mo; mitologia e o N ovo
361 F ra z e r, Jam es

T estam en to ; e ressurreiç ão em religiõ es não - c r istã s , relatos Isso claramente vai contra as noções animistas e
d e . Entre as principais razões estão: politeístas de divindade.
Os mitos pagãos mais freqüentemente citados como O estudo de Frazer e seus críticos m ostra de forma
modelos para o nascimento, morte e ressurreição de Cris­ praticamente conclusiva que a tese de Frazer não é
to na verdade apareceram depois dos evangelhos (v. motivada pelos fatos, mas por sua visão evolutiva da
Yamauchi). Portanto, os autores cristãos não poderiam religião (v. D arutn , C harles ). Ele simplesmente pres­
ter copiado essas histórias. supôs isso. Sua contribuição foi uma apresentação en­
Há diferenças importantes nas versões pagãs e cris­ genhosa do conhecimento existente numa estrutura
tãs. Por exemplo, os pagãos não acreditavam na ressur­ específica.
reição (v. r e ssu r r e iç ã o , natureza físic a da ) do corpo físico A visão evolutiva da religião foi, ela mesma, recente,
que morreu, mas na reencarnação da alma em outro ganhando popularidade apenas quando a teoria da evo­
corpo. Histórias pagãs eram todas sobre deuses poli­ lução biológica (v. evolução biológica;elos perdidos)íoí po­
teístas (v . p o l it e ís m o ) , não sobre um a divindade pularizada por Charles Darwin em A origem das espécies
monoteísta (v. t e ís m o ). (1859) e Descent o f man [Descendência do homem] (1871).
Há boas evidências de que o m onoteísm o tenha A idéia evolutiva de Frazer é baseada em várias conjetu­
sido a prim eira religião primitiva dos povos mais an­ ras não provadas. Ela pressupõe que a evolução biológica
tigos de que se tem notícia, principalm ente no Cres­ é um fato, apesar de não ser comprovada. Também pres­
cente Fértil, e não o anim ism o ou o politeísm o (v. supõe que a evolução biológica descreve eventos nos ní­
veis social e religioso, o que não é conseqüência necessá­
m o n o t e ísm o p r im it iv o ). Os registros mais antigos de
ria em qualquer dos casos.
Ebla (v. e b l a , ta bl t n h a s d e ) e os livros do at sobre a
Até a revisão feita por Theodore Gaster no livro de
A n tig ü id a d e, G ê n e sis e Jó , a p o n ta m para o
Frazer afirma:
m onoteísmo. O antropólogo W. Schmidt propõe uma
interpretação dos dados em que o m onoteísm o é a
[A re v is ã o ] e lim in a , p o r e x e m p lo , a d is c u s s ã o p ro lo n g a d a
v isão m ais p rim itiv a de D eu s. 0 a n im ism o , o
d e F r a z e r s o b re a r e la ç ã o e n tr e a m á g ic a e a re lig iã o , p o rq u e a
p o lite ís m o e o h e n o te ís m o sã o c o n sid e ra d o s
v is ã o a li e x p re s s a , q u e s u g ere q u e a s d u a s c o is a s e s tã o e m s u ­
corrupção posterior ( Origin and growth: primitive
c e s s ã o g e n e a l ó g i c a [ . . . . ] , fo i d e m o n s t r a d a c o m o m e r o
revelation [Origem e crescimento: revelação primiti-
s u b p ro d u to d o e v o lu c io n is m o d o fin a l d e s é c u lo xix, s e m b a s e
vfl]).W illiam F. A l b r ig h t comenta:
a d e q u a d a ( Frazer, The newgolden bough [ O novo ramo de ouro],
1 9 5 9 ,x v -x v i).
N ã o p o d e h a v e r m a i s d ú v id a q u e Fr. S c h m i d t r e fu to u

com su cesso a p ro g ressã o e v o lu tiv a s im p le s [ ...]


A teoria de Frazer também é baseada num anti-
fe tic h is m o — p o lite ís m o — m o n o te ís m o , o u a p ro g re s s ã o
sobrenaturalismo infundado (v. milagres , argumentos
p r o p o s ta p o r T y lo r, a n i m i s m o — p o l i t e í s m o — m o n o t e ís m o
c o n t r a ).
A Bíblia ensina que Deus revelou-se especifi-
[ ...] O s im p le s fa to é q u e o s fe n ô m e n o s r e lig io s o s s ã o tã o
camente a certas pessoas e geralmente a toda a huma­
c o m p le x o s n a o r ig e m e tã o in s tá v e is n a n a tu r e z a q u e a s i m ­
nidade por meio da criação e da ordem moral (cf. Sal­
p lif ic a ç ã o e x c e s s iv a é m a i s e n g a n o s a n o c a m p o d a r e lig iã o
mo 19; Rm 1.18-20; 2.14,15). A visão evolutiva faz do
q u e ta lv e z e m q u a l q u e r o u tr o c a m p o (A lb r ig h t , p. 1 7 1 ) . monoteísmo um produto do desenvolvimento hum a­
no. Deus era visto a princípio como algo na natureza e
Mesmo nas denominadas “religiões primitivas” exis­ depois como algo além da natureza. Ele não se revela
tentes há um conceito muito difundido de um deus su­ às pessoas.
perior ou celestial que os teólogos acreditam estar inti­ Além desses fatores, foi demonstrado que mitos pa­
mamente ligado com o monoteísmo primitivo. John gãos são posteriores ao registro cristão de nascimento,
Mbiti descreveu trezentas religiões tradicionais. Mas “em morte e ressurreição. Ronald Nash observa que a crono­
todas essas sociedades, sem exceção, as pessoas têm logia está toda errada se as religiões pagãs influenciaram
uma noção de Deus como Ser Supremo (v. Mbiti, African os criadores dos mitos cristãos. Todas as fontes que fa­
religions and philosophy [Religiões africanas e filosofia] ). lam desses mitos pagãos são bem posteriores (Nash, p.
193). Os cristãos não poderiam ser os influenciados.
A lb rig h t ta m b é m r e c o n h e c e q u e o s d e u s e s s u p e rio re s p o ­ A conclusão é que as religiões pagãs provavelmente
d e m s e r o n ip o te n te s e lh e s p o d e s e r a tr ib u íd a a c r ia ç ã o d o copiaram seus mitos do cristianismo (v. divinos, histó-
m u n d o ; e m g e ra l s ã o d iv in d a d e s c ó s m ic a s q u e o c a s io n a lm e n ­ RLAS DE NASCIMENTOS; MH R.AÍS.MO; MITOLOGIA E 0 NOVO T eSTAMEN-
te , ta lv e z h a b it u a lm e n te ,r e s id e m n o c é u (A lb r ig h t ,p . 1 7 0 ). TO; RESSURREIÇÃO EM RELIGIÕES NÃO-CRISTÃS, RELATOS DE).
F r e u d , S ig m u n d 362

Diferenças importantes entre as versões pagãs e cris­ Reconheceu que: 1) Realmente há alguma verdade na re­
tãs também impossibilitam uma dependência cristã. ligião. 2) Na verdade, parte da religião pode ser comple­
Nash descreve seis diferenças entre a morte de Jesus e tamente verdadeira, e não pode ser definitivamente refu­
os registros de morte de deuses pagãos: 1) Nenhuma tada. 3) Seria muito importante se tosse verdadeira. 4)
divindade pagã morreu no lugar de um ser humano, Há um sentimento de dependência, do qual a religião
como Jesus. 2) Somente Jesus morreu para expiar os surgiu, que é compartilhado por todos. 5) A religião tem
pecados. 3) Jesus morreu de uma vez por todas, mas dado grande conforto às pessoas. 6) Certos objetivos da
divindades pagãs m orriam e nasciam com os ciclos religião, como fraternidade e alívio do sofrimento, são
anuais da natureza. 4) A morte de Jesus foi um evento bons e corretos. 7) Historicamente, tem sido a parte mais
testemunhado na história; as histórias de divindades importante e influente da cultura. Freud até admitiu que
pagãs são apenas míticas. 5) Jesus morreu voluntaria­ sua posição contra a religião poderia estar completamente
mente. 6) A morte de Jesus foi uma vitória, não uma infundada, mas mesmo assim a defendia firmemente.
derrota (Nash, 171 -2). Da mesma forma, a ressurreição, Apesar desses benefícios, Freud acreditava que a re­
os conceitos cristãos de novo nascimento e redenção e ligião deve ser rejeitada por ser autoritária na forma,
os sacramentos todos diferem significativamente das desnecessária e inadequada. Ele suspeitava que estava
crenças e práticas religiosas pagãs (Nash). fundada num anseio ilusório de realização de desejos.
A religião é algo que queremos que seja verdadeiro, mas
Fontes não temos base para confiar além do nosso anseio. Em
W. F. A lbright, From the stone age to Christianity.
termos psicanalíticos, Deus é uma neurose da infância
J. F razer, 0 ramo de ouro ( 1890-1912). que não foi abandonada, o resultado de um anseio por
J. F razer, 0 novo ramo de ouro (1959). um tipo de proteção celestial. O fato de desejarmos ga­
E. 0 . J ames, “Frazer, Jam es George”, em New twentieth-century nhar na loteria não significa que ganharemos. O desejo
de um pai para nos confortar em meio às dificuldades da
encyclopedia o f religious knowledge.
vida também é ilusório.
S. K im, The origin o f Paul’s gospel.
Freud acreditava que a religião era prejudicial por­
J. S. M biti, African religion and philosophy.
que:
___ , Concepts of God in Africa.
1. Surge do desejo de um Consolador Cósmico.
J. G. iM achex, The origin o f Paul’s religion.
2. Originou-se durante um período primitivo (de
___ , The virgin birth.
obscurantism o) do desenvolvimento humano.
R. N ash, Christianity and the Hellenistic world.
3. Suga a energia do ímpeto de resolver os proble­
W. Schmidt , High gods in North America.
mas mundiais.
___ , The origin and growth o f religion.
4. É egoísta e impaciente, querendo recompensa
___ , Primitive revelation.
imediata e imortal depois da morte.
E. Y amauchi, “Easter — myth, hallucination, or history?” CT (29
5. Pode contribuir para a natureza passional e irra­
Mar. 1974; 15 Apr. 1974).
cional, por causa da doutrinação e repressão de
desenvolvimento sexual.
Freud, Sigmund. Pai da psicanálise, foi um dos ateus
6. Mantém as pessoas num estado perpétuo de
(v. a t e ís m o ) mais influentes da modernidade (1856-
infantilidade e imaturidade.
1339). Suas posições sobre religião propiciaram uma
7. Seus adeptos são “bitolados”; não a abandonam
base racional amplamente aceita para a descrença em
voluntariamente sob nenhuma circunstância.
Deus. Por isso são examinadas minuciosamente pelos
8. Não é necessária; a humanidade agora tem a ci­
apologistas cristãos. ência para controlar o mundo e, com resignação,
Freud nasceu em 1856 em Freiberg, Morávia. Quan­ pode viver com o resto.
do tinha três anos de idade, sua família se mudou para 9. Não trouxe satisfação pessoal e social em milha­
Viena, onde mais tarde ele freqüentou a universidade e res de anos de esforço.
estudou medicina. Casou-se com Martha Bernays, que 10. Tem uma base ilusória e falsa. É considerada ver­
lhe deu seis filhos. dadeira porque: a) nossos ancestrais primitivos
Além de suas obras sobre psicologia, Freud se preo­ acreditavam nela; b) provas milagrosas foram
cupava com religião. Escreveu Totem e tabu e M oisés e o passadas desde a Antigüidade, e é prova de impi­
m on oteísm o, mas sua obra mais eficaz em minar a cren­ edade questionar sua autenticidade.
ça em Deus foi Ofu tu ro d e u m a ilusão, datada de 1927.
Visão d a religião. Apesar de ser ateu, Freud en­ Ju stificações in a d e q u a d a s p a r a a religião. Se alguém
controu algumas características positivas na religião. purificasse a religião de todas as suas contradições, ela
363 F re u d , S ig m u n d

ainda seria rejeitada, porque é apenas a realização pode ser verdadeiro e que ele esteja errado; ele tende a
de um anseio. Por que devemos acreditar nesse ab­ relacionar a maioria das religiões ao tipo de dependên­
surdo, e não em outros? Não se deve sim plesmente cia que Schleiermacher chama religião. Freud concor­
agir “com o se fosse verdadeira”, contrariando nosso da com Schleiermacher em que a religião pode ser ver­
senso de realidade. dadeira e necessária.
Espiritismo e transes não justificam a religião. Essas Esses consentimentos fazem a rejeição geral da reli­
experiências só provam o estado mental subjetivo das gião por Freud parecer preconceituosa, injustificada e até
pessoas que as vivenciam. A religião não deve ser aceita cruel. Na verdade, ele finge não se importar com o fato de
em virtude de ser uma crença ancestral. Nossos ances­ os princípios religiosos poderem ser verdadeiros, de que
trais eram ignorantes sobre muitas coisas. a religião tem objetivos altruístas, oferece conforto e é a
E não devemos aceitar a religião devido ao sentimen­ parte mais significativa e influente da cultura humana.
to de dependência que está dentro de todos os seres hu­ A dinâmica da religião. A suposição de que o dese­
manos (v. Schleiermacher, Friedrich). Refletir unicamen­ jo de satisfação está errado é tão claramente infunda­
te sobre esse sentimento é irreligioso; o que se faz a res­ do quanto dizer que o desejo por comida e água é er­
peito desse sentimento de dependência é que constitui a rado. Freud supõe que tudo que a religião envolve é
religião. A religião não deveria ser aceita como uma res­ um desejo de consolo. Mas algumas obrigações religi­
trição moral necessária. Uma base racional é melhor e é osas não são confortáveis. A pessoa as cumpre por um
aplicável a todas as pessoas, não só às religiosas. senso de dever para com Deus e os outros. Certam en­
Achar que Deus é indefinível e indescritível é inade­ te, os que são perseguidos e martirizados não encon­
quado. Esse Deus incognoscível não é interessante para tram consolo.
os seres humanos. A ignorância cultural de nossos ancestrais não
Resposta às objeções. A objeção de que “a razão e a desqualifica automaticamente seu julgamento religioso,
ciência são lentas demais para dar o conforto e as res­ não mais que a falta de treinamento formal significa que
postas necessárias”, Freud replicou que a razão per­ alguém não possa ter sabedoria. Na verdade, o oposto
siste e é melhor em longo prazo. Freud admitiu que pode ser verdadeiro se a educação tem um objetivo im­
não há garantia de recompensa na razão e na ciência. plícito de induzir ao preconceito. A pessoa pode ser
Tal garantia é buscada por egoísmo. A razão é menos educada pela cultura secular longe de uma reflexão cui­
egoísta que a religião. Ele tam bém admitiu que sua dadosa sobre assuntos religiosos.
visão poderia ser uma ilusão. Ele respondeu que a fra­ Em vez de sugar a energia da preocupação com o
queza de sua visão não prova que a religião esteja cor­ mundo, a religião historicam ente a tem estimulado
reta. Se fé na razão também é intolerante e dogmática, muito. Outro grande psicólogo, William J a m e s , demons­
pelo menos a razão pode ser abandonada sem castigo trou que os santos são fortes, não fracos. Seu clássico
por descrença. A religião, não. Varieties ofreligious experiences [ Variedades de expe­
À acusação de que a rejeição é perigosa para a ins­ riências religiosas} concluiu que quem está em conta­
tituição e o trabalho da religião, Freud comenta que a to com um mundo mais elevado geralmente tem m ai­
pessoa realmente religiosa não se incomodará com seu or motivação para mudar esse mundo. Por outro lado,
ponto de vista. não é egoísmo desejar a justiça ou receber uma recom­
S e ria m os seres h u m an os d em a sia d a m e n te pensa. 0 que há de errado em desejar o que é certo? Se
passionais para ser governados pela razão? Como a o correto não é feito nesta vida, por que não desejá-lo
sociedade sabe se são, uma vez que isso nunca foi na próxima, supondo que há uma esperança racional
tentado? “Sem a religião, o resultado será o caos m o­ de que exista um mundo por vir? Nessa mesma linha,
ral.” Não, afirm a Freud. Pois a razão é uma base m e­ por que não recompensar o bem e castigar o mal? A
lhor para os valores morais. Também é falsa a idéia experiência ensina que essa é uma maneira valiosa de
de que somos indefesos sem a religião, pois temos a aprender o que é digno.
ciência e a habilidade de nos resignarm os a cuidar Com respeito às paixões humanas, a experiência
de nossos próprios problemas. dem onstra que a religião verdadeira não contribui
Em geral o argumento ao qual Freud respondia era para a paixão descontrolada, exceto quando sentim en­
que, verdade ou não, os seres humanos não podem ficar tos religiosos são manipulados para servir a um pro­
sem consolação religiosa. Não é de admirar que Freud pósito nacionalista ou racial inadequado. Doutra for­
insista em que as pessoas precisam amadurecer. ma, a religião reprime e controla as paixões humanas.
Avaliação. É digno de nota que Freud não é con­ A religião é um fogo que motiva a moralidade, um
tra a religião, mas contra a religiosidade dogmática e catalisador para o compromisso com os valores. É a
autoritária. Admite que até mesmo o tipo dogmático força motriz por trás do controle da paixão.
F r e u d , S ig m u n d 364

Já que os seres humanos nunca abandonam sua de­ ateísmo for verdadeiro, ele é, ao mesmo tempo, perigo­
pendência do universo ou do todo, por que rejeitá-la como so e destrutivo para a religião. Pois a crença em Deus é
inválida? Não é fraqueza dizer que sempre somos seres absolutamente fundamental para a maioria das formas
dependentes. Significa que somos constituídos como cri­ de religião. Além disso, Freud tem uma visão irreal da
aturas que precisam receber da mão do Criador. Supor natureza humana. Outro incrédulo, Thomas Hobbes,
que admitir uma necessidade real é sinal de fraqueza psi­ está mais perto da verdade. Nem a ciência nem a resig­
cológica é como dizer que fome e sede são neuroses. Todo nação substituem adequadamente a religião, como foi
mundo tem uma necessidade básica de compromisso, o evidenciado pelo desespero existencial das pessoas sem
que Paul T illich chamou “compromisso supremo”. Freud Deus. E a razão é uma base incompleta para a morali­
admitiu que seu compromisso era com o deus da Razão dade. Precisamos de um Deus para explicar por que
(Logos). A questão não é se a pessoa tem um compromis­ há razões universais para fazer certas coisas. Da mes­
so supremo, mas se aquilo com que está comprometida ma forma, a maturidade individual e a dependência
realmente é supremo. Ao contrário do que pensava Freud, cósm ica não são incompatíveis. É possível ter um ca­
a religião é necessária. Os seres humanos jamais conse­ ráter forte e ser totalmente dependente de Deus. Com­
guirão controlar tudo ou estar satisfeitos sozinhos. pare Moisés, Elias, Joana d’Arc e Oliver Cromwell.
A gostinho estava certo quando disse que a alma fica Uma resposta à afirmação de Freud de que a religião é
inquieta até encontrar seu descanso em Deus. Até os uma ilusão. É difícil colocar a posição de Freud num tipo
ateus existenciais modernos (v. C amus , A lbert ; Sartre , de argumento que tem premissas a desafiar. Talvez o que
Jea n -P aul ) reconheceram sua necessidade de Deus (v.
ele queira dizer seja o seguinte:
D eus, necessidade de ).

A incapacidade de muitos em usar a religião ade­ 1. Uma ilusão é algo baseado apenas num desejo,
quadamente não a invalida, assim como o adultério não
não na realidade.
invalida o valor do casamento. O valor da religião é mais
2. A crença em Deus tem as características de uma
bem visto pelos que a aceitam que pelos que a rejeitam.
ilusão.
Isso se vê na rejeição de Freud à Bíblia, como um livro
3. Logo, a crença em Deus é um desejo não baseado
não histórico, sem conferir a autenticidade dos docu­
na realidade.
mentos bíblicos. Sua rejeição à Bíblia não foi baseada
na razão nem na evidência. Tomando por empréstimo
É claro que nessa forma a premissa menor pode
seu próprio argumento, Freud rejeitou a Bíblia com base
ser desafiada facilmente. Nem todos que acreditam em
no próprio anseio, sem evidência racional. Freud não
Deus o fazem só porque querem um Consolador Cós­
dá atenção aos argumentos racionais ou experimentais
mico. Alguns acreditam em Deus porque têm sede de
da existência de Deus (v. D eus, evidências de ). Ele sim­
realidade. Muitos acreditam em Deus porque estão in­
plesmente os ignora.
teressados na verdade, não apenas por estar preocu­
É necessário dar uma resposta breve ao que Freud
pados em se sentir bem.
afirmou serem justificações inadequadas da religião.
Além disso, há muitas dimensões desconfortáveis
Freud está certo ao afirmar que a realização de anseios, a
da crença cristã em Deus. Deus não é apenas um Pai
crença diante do absurdo, a crença contrária à realidade,
provedor; ele também é um Juiz que castiga. Os cris­
os estados mentais subjetivos e as crenças ancestrais são
tãos acreditam no inferno, mas ninguém realmente
bases inadequadas para a crença. A religião não deve ser
deseja que ele exista.
aceita simplesmente porque é coerente, e certamente não
Freud pode ter invertido as coisas. Talvez nossas
porque é absurda. Um Deus completamente indefinível é
de pouco interesse para o homem. imagens dos pais terrenos sejam baseadas em Deus,
Freud define a religião de form a diferente de e não o contrário. Talvez seja assim porque Deus nos
Schleiermacher, e por isso sua rejeição à dependência criou à sua imagem, e não o contrário. Talvez a cren­
absoluta é mal-argumentada. A moralidade não pre­ ça cristã em Deus não seja baseada no desejo de cri­
cisa ser baseada apenas na razão ou na autoridade ar um Pai. Mas talvez a crença do ateu de que não há
religiosa; pode ser baseada na aceitação razoável de Deus seja baseada no desejo de matar o Pai. Afinal, a
um a autoridade suprema. Bíblia declara que os desejos humanos rebeldes re­
A razão substituirá a religião? Freud afirma que não prim em a verdade sobre Deus (R m 1.18) porque as
está disposto para abrir mão da ciência, mas afirma pessoas decidem viver um estilo de vida contrário
que isso não é ilusão. Então a indisposição do crente ao caráter dele (v. SI 14).
de abrir mão de Deus tam bém não deveria ser consi­ O simples anseio humano por Deus não é a única
derada ilusão. Ao contrário da alegação de Freud, se o base para crer que Deus existe. Há boas razões para
365 fu n d a c io n a lis m o

crer que Deus existe (v. Deus, evidências de). Na m e­ N e g á - l o s é n e g a r o p r ó p r io c o n h e c i m e n t o ; n ã o a d ia n ta t e n ­


lhor das hipóteses, o argumento de Freud só se apli­ t a r c o m p r e e n d e r o s p r i m e i r o s p r i n c í p i o s . S e fo r p o s s ív e l
ca aos que não têm outra base além do próprio dese­ v e r a tr a v é s d e tu d o , e n tã o tu d o é t r a n s p a r e n t e . M a s u m
jo de que Deus exista. Além disso, Deus pode existir m u n d o c o m p le t a m e n t e t r a n s p a r e n t e é u m m u n d o i n v i s í-
ainda que muitas (ou todas as) pessoas tenham o v e l . “ V er a t r a v é s ” d e t o d a s a s c o is a s é o m esm o q u e n ão ver
motivo errado para crer/ desejar que ele exista. Só ( L e w i s , p. 8 7 ) .
porque alguém deseja ganhar na loteria não signifi­
ca que isso acontecerá. Algumas pessoas ganham. Só
0 argumento fundacional básico é que deve haver
porque muitos desejam um estilo de vida melhor não
uma base para todas as reivindicações da verdade e
significa que isso seja alcançável. Muitos obtêm.
que a regressão infinita (v. infinita, Série) nunca ofere­
Além disso, Freud confunde desejo com necessida­
ce um fundamento; só prorroga o oferecimento para
de. E se houver, como muitos ateus admitem, uma ne­
sempre. Logo, deve haver alguns princípios fundamen­
cessidade real de Deus no coração humano? Crianças
tais sobre os quais todo conhecimento se baseia. Tudo
sempre querem doce, mas precisam de comida. Se o
que não é auto-evidente deve ser feito evidente em ter­
desejo por Deus é uma necessidade, não apenas um
mos de algo que é. Portanto, em última análise, deve
desejo, então a análise que Freud fez da experiência
haver alguns princípios auto-evidentes em torno dos
religiosa é inadequada.
Pode ser que a própria crença de Freud de que não há quais tudo mais pode tornar-se evidente.
Deus seja uma ilusão. Se alguém não deseja obedecer a Não é razoável tentar contorná-los. Portanto, não se
Deus, é muito mais fácil acreditar que não existe nenhum pode ter “mente aberta” sobre sua veracidade. Não se pode
Deus. Na verdade, para alguém que vive em pecado e re­ nem ter uma mente sem eles.
belião contra Deus, é muito confortante acreditar que nem Princípios fundam entais. Os fundacionalistas clás­
ele nem o inferno existem (SI 14.1; Rm 1.18ss.). sicos geralmente concordam que as leis básicas da lógica
são princípios fundamentais. Elas incluem a lei da não-
Fontes contradição — que uma proposição não pode ser verda­
S. F reud , Moisés e o monoteísmo. deira e falsa ao mesmo tempo e no mesmo sentido. Da
___ , 0 futuro de uma ilusão. mesma forma, os princípios análogos do terço (ou termo
___ , Totem e tabu. médio) excluído (ou algo é verdadeiro ou é falso, mas não
R. C. S proul, Ifthere i$ a God, why are there atheists? ambos) e da identidade (o que é verdadeiro é verdadeiro,
N. L. G eisler , Philosophy o f religion, cap. 4. e o que é falso é falso) são princípios fundamentais.
P. V itz, The religious unconsciousness ofSigmund Freud. Na metafísica, os fundacionalistas tradicionais ofe­
recem princípios, tais com o: “Existência é existir”;
fu n d acio n alism o . Fundacionalismo é a teoria do co­ “In existên cia é não e x is tir”; “Algo é existen te ou
nhecimento (v. epistemologia) que afirm a a necessida­
inexistente”.
de de certos princípios fundamentais (v. primeiros prin­
Os primeiros princípios éticos incluem: “0 bem deve
cípios) como a base de todo pensamento. Em contra­
ser buscado”; “0 mal deve ser evitado”; “Ou uma coisa é
partida, o coerentismo afirma que tais princípios não
boa ou é má”.
são necessários, mas que as idéias só precisam estar
Críticas. As críticas mais importantes ao fundacio­
ligadas com o uma teia, de form a consistente, sem
nalismo são:
quaisquer princípios fundamentais absolutos.
Não há consenso sobre os primeiros princípios.
A rgum ento a fa v o r d o fu n d a cio n a lism o . Os
Nem todos concordam sobre quais princípios devem
fundacionalistas argum entam que nenhum conhe­
ser incluídos nos princípios fundam entais. Em res­
cim ento, nem m esm o sobre idéias coerentes, seria
possível sem que houvesse princípios fundam entais posta, os fundacionalistas dem onstram que a inca­
como a lei da não-contradição. Esses princípios pos­ pacidade de chegar a um acordo universal sobre o
sibilitam saber que as idéias são coerentes, e não con­ núm ero de princípios fundam entais não significa
traditórias. Eles indicam que nenhum a teia fica sol­ que eles não existam , assim como a incapacidade de
ta no ar; ela precisa estar ancorada em algum lugar. concordar sobre quantos princípios éticos existem
C. S. L ewis observou: não significa que não haja base absoluta para certo e
errado (v. mor.alid.ade, natureza absoluta da), e que a não
Assim, esses primeiros princípios da Razão Prática concordância sobre quantas leis científicas existem não
são fundamentais para todo conhecimento e argumento. significa que elas não existam.
fu n d a c io n a lis m o 366

Não há base para os primeiros princípios. Mas se tudo para descobrir se esse é o caso. Por exemplo, é auto-
precisa de uma base, por que não procuramos a base para evidente que “a existência existe”, já que tudo que
os denominados princípios fundamentais? Qual é o fun­ “existe” tem “existência”. Da m esma forma, é auto-
damento do fundacionalismo? evidente que “todo efeito tem uma causa”, já que um
Os fundacionalistas não argumentam que toda afir­ “efeito” significa aquilo que é “causado”. Além disso,
mação precisa de uma base. Eles acreditam que todas só porque algumas coisas não são evidentes para to­
as afirmações que não são auto-evidentes precisam de dos não significa que não sejam auto-evidentes. A
um fundamento. Acreditam que afirmações que não são razão pela qual uma verdade auto-evidente pode não
evidentes em si devem tornar-se evidentes amparados ser evidente para alguém poderia ser pelo fato de a
por algo que seja auto-evidente. Quando se chega ao pessoa não a ter analisado cuifalha de forma algu­
auto-evidente, este não precisa ser evidente com base ma invalida a natureza auto-evidente do primeiro
em mais nada (v. r e a l i s m o ) . princípio.
O que é auto-evidente? Alguns discordam que não há
como saber o que é auto-evidente. Nem tudo que é consi­ Fontes
derado auto-evidente para os fundacionalistas é auto- A ristóteles Metafísica.

evidente para outras pessoas. NT. L. G eisler e R. M. B rooks, C o m e le t u s r ea so n .

Para essa crítica, os fundacionalistas demonstram C. S. L ewis, T h e a b o li t io n o f m a n .

que uma verdade auto-evidente é aquela cujo predicado L. M. Regis, E p iste m o lo g y .


é redutível a seu sujeito, direta ou indiretam ente. Logo, T omás de A qlino, S u m a t e o ló g ic a , Pt. 1.
tudo que é necessário fazer é analisá-la claram ente F. D. W ilhemsex, M an's k n o w le d g e o f reality.
genealogias. Do ponto de vista apologético, o proble­ G ê n e s is 5 , 1 1 1 C r ó n ic a s 1 . 1 - 2 8 L u c a s 3 .3 4 -3 8
ma de genealogias “abertas” ou “fechadas” é o seguinte: Adão Adão Adão
se elas são abertas (têm intervalos), então por que apa­ Se te S e te S e te
recem fechadas, especialmente em Gênesis 5 e 11, onde Enos Enos Enos
as idades exatas em que os filhos nasceram são menci­ C a in ã C a in ã C a in ã
onadas? Se são fechadas, então a criação da humanida­ M a a la le e l M a a la le e l M a a la le e l
de é estabelecida por volta de 4000 a.C , o que contradiz la r e d e la r e d e la r e d e
toda evidência histórica e científica de uma data m íni­ Enoque Enoque Enoque
ma da humanidade (v . G ê n e s i s , d i a s d e ) . Já que devem M a t u s a lé m M a t u s a lé m M a t u s a lé m
ser ou abertas ou fechadas, há um problema apologético Lam eque Lam eque Lam eque
com relação à autenticidade do registro de Gênesis. Noé N oé Noé
Soluções para o problema. Posição da cronologia Sem Sem Sem
fechada. Segundo a posição da cronologia fechada, não A rfa x a d e A rfa x a d e A rfa x a d e
há intervalos nas listas de Gênesis 5 e 11. Ambas estão — — C a in ã
completas e dão todos os números necessários para S a lá S a lá S a lá
determinar a idade da raça humana. H éber H éber H é b e r /E b e r
Argumentos. A favor da posição da cronologia fe­ P e le g u e P e le g u e P e le g u e /F a le q u e
chada, argumentos diferentes foram oferecidos. 0 mais Reú Reú R e ú /R a g a ú
forte é o argumento prima fa d e. As genealogias pare­ S e ru g u e S e ru g u e
S e ru g u e
cem ser fechadas. Pois, além de ser dada a idade em N aor N aor
N aor
que o filho nasceu, e seu filho, e assim por diante, a
T e ra T e rá T e rá
idade total do pai depois de ter o filho também é dada.
A b rã o A b rã o /A b ra ã o A b ra ã o
Por exemplo, o texto diz: “Aos 130 anos, Adão gerou
um filho [...] e deu-lhe o nome de Sete [...] Viveu ao
Os supostos “humanos” fossilizados não são descen­
todo 930 anos e morreu. Aos 105 anos, Sete gerou Enos”
dentes de Adão. Foram explicados de formas diferen­
(Gn 5.3-6). Essa linguagem parece não deixar espaço
tes c o m o :l) um a raça pré-ad âm ica extinta entre
para intervalos.
Gênesis 1.1 e 1.2 ( a “teoria do intervalo”); 2) criaturas
Com uma exceção, nenhuma lista na Bíblia deixa
pré-humanas que tinham formas semelhantes a hu­
elos perdidos nessa genealogia. Há apenas duas ou­
manos, mas não eram realmente humanos; 3) frau­
tras listas desse primeiro período dadas por Gênesis 5
des (o homem de Piltdmvn) ou más interpretações
e 11, e ambas têm os mesmos nomes.
A única exceção é Cainã (na lista de Lc 3). Fora isso, (como o “homem de Nebraska”, que descobriram ser
desconsiderando as ortografias alternativas Salá/ Selá, baseado na identificação errada do dente de um por­
Héber/ Éber, Pelegue/ Faleque, Reú/ Ragaú, e o nome de co extinto).
Abrão mudado para Abraão, as listas são idênticas e não Finalmente, os proponentes da cronologia fecha­
revelam intervalos. Os mesmos nomes aparecem em to­ da tentam explicar o intervalo nas listas (Cainã, Lc
das, sem gerações perdidas aparentes. 3.36) como um problema textual, tal como erro de
Argumenta-se que não há evidência sólida para a escriba ou a inclusão de outro filho de Arfaxade além
civilização humana ter começado antes de 4000 a.C. de Salá. Segundo essa posição, Salá e Cainã seriam
g e n e a lo g ia s 368

irmãos. Logo, o nome de Caínã em Lucas 3 não repre­ de civilizações pré-históricas e falando apenas da hu­
sentaria um intervalo nas cronologias completas de manidade “civilizada”, o tempo se estende a vários
Gênesis e Crônicas. milhares de anos antes de 4000 a.C. Houve uma civi­
Objeções à posição da cronologia fechada. /I expli­ lização no Egito bem antes dessa época. Evidências
cação implausivel de Lucas 3.36. A tentativa de expli­ científicas e históricas parecem descartar uma ge­
car que Lucas 3.36 não tem intervalos parece altamente nealogia fechada.
implausivel. Não existe nenhuma autoridade manus- Genealogias abertas. A evidência científica. Genea­
critológica real para om itir Cainã de Lucas 3.36. Essa logias abertas são a melhor solução para o problema.
seqüência está em todos os manuscritos principais e Como já foi discutido, mesmo descontando as
praticamente em todos os menores. Não há no texto afirmações exageradas de fósseis de seres humanos
absolutamente nenhuma indicação de que Cainã deva de supostos milhões de anos ou até centenas de m i­
ser incluído como irmão de Salá. A construção gra­ lhares de anos, há forte evidência para a existência
matical é a mesma para todos os outros nomes na lis­ de humanos “modernos” bem antes de 4000 a.C., di­
ta que eram filhos. Apesar de o grego colocar “de” sem ferentemente do que exigia a genealogia fechada.
a palavra/ií/io, os tradutores colocaram filho correta­ A evidência bíblica. A evidência bíblica para a
mente, já que é isso que a expressão subentende em genealogia aberta com um número desconhecido de
todos os outros casos da lista. É uma petição de prin­ gerações ausentes tem boa base. Primeiro, existem
cípio dizer que essa é uma exceção, quando tem a m es­ as três gerações ausentes em Mateus 1.8, apesar de
ma construção. Não há precedentes em nenhuma das o grego gennaõ) (“gerou”, “foi o pai de” ) ser usado.
listas genealógicas para classificar Cainã como algo Na cultura hebraica bíblica, ser pai era considerado
além de pai de Salá. o m esm o que antepassado ou ancestral. Gerou pode
A única explicação alternativa é que tanto Gênesis
significar “foi ancestral de”. A palavra filho (ben)
11 quanto 1 Crônicas 1 são esquemas que destacam os
pode significar descendente. Jesus foi o “filho de
pontos importantes na árvore genealógica. Eles têm pelo
Davi”, apesar de pelo menos 31 gerações separarem
menos um intervalo conhecido nas suas genealogias.
Davi de Cristo (as 28 dadas em Mateus 1.17 m ais as
Outros intervalos conhecidos. A genealogia de Cristo
três ausentes do versículo 8, que são encontradas
em Mateus 1 tem pelo menos um grande intervalo
em 1 Crônicas 3.1 1 ,1 2 ).
conhecido; apesar de o texto dizer que Jorão foi pai de
Em outro exemplo, uma comparação de lCrôni-
Uzias (v. 8), sabe-se pelo texto de 1 Crônicas 3 que três
cas 6.6-14 com Esdras 7.3,4 revela que Esdras omite
gerações ausentes separam Jorão de Uzias:
6 gerações entre Zeraías e Esdras:
Mateus 1.8 1 Crônicas 3.11,12 Há no m ínimo uma geração faltando até mesmo
Jorão Jeorão na genealogia de Gênesis 5 e 11, que parece fechada.
— Acazias Isso demonstra que não importa o que o texto pare­
— Joás ça dizer, a cronologia deve ser interpretada por meio
— Amazias de uma genealogia aberta.
Uzias Azarias (mais conhe­ Se não há intervalos nas genealogias de Gênesis 5 e
c id o por Uzias) 11, surgem exemplos impossíveis. Pois ao acrescentar

Assim, já que há intervalos conhecidos nas genea­ os números é possível determinar as seguintes datas de

logias, m esm o de um ponto de vista estritam ente b í­ nascimento e morte A.A. (após a criação de Adão):
blico as genealogias não podem ser consideradas fe­
chadas. 1Crônicas 6.6-14 Esdras 7.3,4
Evidência científica e histórica. Mesmo consideran- Zeraías Zeraías
do-se a interpretação mais conservadora do que cons­ Meraiote Meraiote
titui um remanescente humano do “homem moderno”, Amarias —

ainda é forte a evidência de que havia seres humanos Aitube —

bem antes de 4000 a.C. Os seres humanos parecem va­ Zadoque —


gar pela América do Norte desde 10000 a.C. Mesmo que Aimaás —
todas as d escobertas fó sseis antes dos povos Cro- Azarias —
Magnon e Neandertal não fossem humanas, há vários Joanã —
esqueletos completos desses grupos que datam de an­ Azarias Azarias
tes de 10000 a.C. Mesmo descartando todos os fósseis Amarias Amarias
369 g e n e a lo g ia s

Adão (1-930) (Êx 12.40,41). Já que Moisés tinha 80 anos na época


Sete (130-1042) do Êxodo (Êx 7.7), ele deve ter nascido mais de 350
E n o s (235-1140) anos depois de Coate. Mas Coate era avô de Moisés (1 Cr
Cainã (325-1236) 6 .1 -3 ). Isso faria com que a geração entre Coate e
Maalaleel (395-1290) Moisés (a saber, Anrão) durasse 350 anos, quando a
Jarede (460-1422) expectativa de vida do período de Moisés já havia sido
Enoque (622-987) diminuída para 120. Bem antes da época de Moisés,
M atusalém (687-1656) Abraão morreu aos 175 anos, Isaque aos 120, Jacó aos
Lameque (874-1651) 147 e José aos 110.
Noé (1056-2006) A Bíblia não sugere em lugar algum a soma dos
Sem (1558-2158) números dados em Gênesis 5 e 11. Nenhuma afirm a­
Arfaxade (1658-2096) ção cronológica é deduzida desses números nem em
Salá (1693-2126) Gênesis 5 e 11 nem em qualquer outra parte das Es­
Héber (1723-2187) crituras. Não é fornecida nenhuma totalização em lu­
Pelegue (1757-1996) gar algum no texto bíblico do tempo que se passou
Reú (1787-2026) entre a criação e Abraão, como há para o tempo no
Serugue (1819-2049) Egito (Êx 12.40) e o tempo entre o Êxodo e Salomão
N ao r(1849-1997) (lR s 6.1).
Terá (1878-2083) A sim etria do texto argumenta contra o fato de ele
A b raão(2008-2183) ser completo. Teólogos observaram que o arranjo si­
Isaque (2108-2228) métrico de Gênesis 5 e 11 em grupos de dez defende
Jacó (2168-2315) sua compressão. Noé é o décimo nome depois de Adão,
e Terá o décimo depois de Noé. Cada um termina com
P rim eiro, Adão, o p rim eiro hom em (v. A d à o , um pai que tinha três filhos. Esse certamente é o caso
h isto r ic id a d e d e ), teria sido contemporâneo do pai de em Mateus 1, onde há três séries de 14 (o sete duplo,
Noé. Pois Adão morreu no ano 930 A.A. (após a cria­ número de integralidade e perfeição),pois sabemos que
ção de Adão). Lameque, pai de Noé, nasceu em 874 três gerações estão faltando em M ateus 1.8 (lC r
A.A. Isso significa que eles foram contemporâneos por 3.11,12).
56 anos. Da mesma maneira, Abraão só não foi con­ Objeção à posição da genealogia aberta. Das obje­
temporâneo de Noé por uma diferença de dois anos. ções à posição da genealogia aberta que ainda não fo­
Mas não há indicação de que este seja o caso. ram discutidas, a mais importante é baseada na supos­
É m ais im plausível supor que Naor, o avô de ta interpretação implausível da linguagem de Gênesis 5
Abraão, tenha morrido antes de seu ancestral de sete e 11. Alega-se não só que parece exagero encontrar in­
gerações Noé. Pois Noé morreu em 2006 A.A. e Naor tervalos em Gênesis 5 e 11, dada a linguagem do texto,
morreu em 1997 A.A. como também parece eisegese (impor ao texto algo que
Isaque teria nascido 50 anos antes da morte de não se acha nele) em lugar de exegese (extrair do texto
Sem, filho de Noé. o que ali se acha). Afinal, o nome do pai e do filho são
Gênesis 10.4 diz que um homem (Javã) deu ori­ citados, assim como a idade do pai quando teve esse
gem a povos, não indivíduos (e.g.,Quitim e Rodanim). filho, que se tornou pai do próximo filho com certa ida­
O im no final de seus nomes é plural, indicando uma de. Descrever a idade do pai na hora do nascimento do
pluralidade de povos — tribos ou nações. filho é inútil, a não ser que seja o filho imediato e não
Se não houver intervalos, surgem improbabilida­ haja intervalos.
des significativas de população. Números 3.19,27,28 Em resposta, algumas questões importantes devem
diz que os quatro filhos de Coate originaram as fam í­ ser lembradas.
lias dos anram itas, isaritas, hebronitas e uzielitas, dos Primeira, a Bíblia vem de outra cultura e contexto
quais somente os homens eram em número de 8 600 lingüístico. A linguagem m etafórica pode atrapalhar
apenas um ano depois do Êxodo. Logo, o avô de Moisés o leitor quando quer dizer algo diferente. No hebraico,
teve, só durante a vida de Moisés, 8 600 descendentes como no português, é possível falar dos quatro “can­
homens, 2 750 dos quais tinham entre 30 e 50 anos tos” da terra (Is 41.9; cf. Ez 7.2). A Bíblia está dizendo
(Nm 4.36). Essa realmente seria uma família prolífera. que o mundo é quadrado? Alguns críticos dizem que
Coate, filho de Levi, nasceu antes da ida de Jacó ao sim. Mas a terra também é descrita como um círculo
Egito (Gn 46.11), onde Israel ficou durante 430 anos ou globo (Is 40.22). É possível que quatro cantos seja
G ê n e s is , d i a s d e 370

uma linguagem m etafórica que pode significar a geo­ J. JoRPAN,"The biblical chronology question: an analysis”,
grafia compreendida pelos quatro “quartos” do compas­ csshq, 2.2 (W inter 1979, Spring 1980).

so, assim como quando nós falamos? R. X e w m a n , et al., Genesis one and the origin ofthe earth.
Segunda, como observado nas datas insustentáveis F. S c h a e f f e r , Xo final cotiükt.
acima, até na Bíblia há forte evidência de intervalos nas B. B. W a r f i e l d , “On the antiquitv and the unity ot the hum an
genealogias. Race”,PTR, 1911.
Terceira, há maneiras de entender o texto de Gênesis
11 que permitem intervalos. A frase “e x viveu tanto anos G ênesis, dias de. O problema apresentado pela ciên­
e gerou v”pode significar“e x viveu tantos anos e tornou- cia moderna aos defensores da interpretação “literal”
se o ancestral de v”. Isso não é especulação, pois em de Gênesis 1 é lendário: Como pode haver seis dias
Mateus 1.8 (“Jorão gerou a Uzias” ) significa exatamente literais de criação quando a datação científica tem
isso. “Gerou” deve significar “tornou-se ancestral de”, já demonstrado que a vida surgiu gradativamente ao
que lCrônicas 3.11,12 preenche três gerações ausentes longo de um período de muitos milhões de anos?
entre Jorão e Uzias. Isso não teria sido uma falha de Seis dias de 24 horas. Os apologistas prontamen­
Mateus, pois a genealogia da linhagem de Davi era co­ te observam que esse problema é grave só para aque­
nhecida por todos os judeus. les que acreditam em seis dias sucessivos de 24 ho­
Alusões quanto à idade do pai na hora do nascim en­ ras (= 144 horas) de criação. Isso não se aplica a ou­
to do filho não são necessariamente insignificantes. Só tras posições de 24 horas nem à posição que inter­
porque não sabemos o motivo pelo qual Deus incluiu preta “dias” como sendo longos períodos de tempo.
algo no texto não significa que não houve propósito para Argumentos a favor dos dias solares. O problema é
fazê-lo. É um pouco presunçoso dizer a Deus o que ele ampliado pelo fato de haver evidência prima facie que
deveria ou não ter colocado na sua Palavra inspirada. indica que os dias de Gênesis 1 realmente são perío­
B. B. W a r f ie l d sugere que essa informação deve “deixar dos de 24 horas. Considere os seguintes argumentos:
uma impressão vívida em nós do vigor e da grandeza O significado normal deyom. O significado nor­
da humanidade naqueles velhos tempos da plenitude mal da palavra hebraica yom (“dia”) é 24 horas, a não
do mundo” (Warfield). Esse detalhe dá credibilidade ao ser que o contexto indique o contrário. Mas o contex­
fato de que as pessoas viviam até idade extremamente to não indica nada além de um dia de 24 horas em
avançada antes do dilúvio (v. c iên c ia e a B íb l ia ) . Faz sen­ Gênesis 1.
tido saber que homens que viveram tanto tempo não Os números estão em série. Quando números são
tiveram filhos aos 16 anos, como homens que vivem usados numa série ( 1 ,2 ,3 ...) de dias, referem -se a
apenas 70 anos. Mesmo descontando a idade avançada dias de 24 horas. Não há exceção a isso em outra
de Noé para ter filhos (500), a idade média para ter um parte do a t .
filho em Gênesis 5 está acima de 100 anos de idade. Isso A expressão “tarde e manhã "é usada. A frase “hou­
certamente é apropriado para alguém que viveu até 800 ve tarde e m anhã” denota cada período. Já que o dia
ou 900 anos. literal de 24 horas no calendário judaico começava
Conclusão. A evidência apóia a posição de que a no pôr-do-sol e terminava antes do pôr-do-sol do dia
Bíblia não nos dá em Gênesis 5 e 11 uma cronologia seguinte, Gênesis 1 deve referir-se a dias literais.
fechada, mas sim uma genealogia resumida. Isso é sus­ Os dias são comparados a uma semana de traba­
tentado pela evidência bíblica interna de gerações au­ lho. Segundo a Lei de Moisés (Éx 20.11), a sem ana de
sentes, mesmo em Gênesis 1 l,co m o também por expe­ trabalho judaica de domingo a sexta-feira devia ser
riência externa que a humanidade data de bem antes seguido de descanso no sábado, assim como Deus ha­
de 4000 a.C. Se esse for o caso, não há conflito real nes­ via feito na sua semana de seis dias da criação. Sabe­
se assunto entre a Bíblia e a ciência nem entre a Bíblia e mos que a semana de trabalho judaica refere-se a seis
si mesma. A genealogia aberta dá uma linhagem preci­ dias sucessivos de 24 horas.
sa de descendência para os propósitos de linhagem, mas A vida não pode existir sem luz. Segundo Gênesis
não satisfaz nossa curiosidade sobre a data da criação 1, o Sol e as estrelas só foram feitos no quarto dia
humana. (1.14), mas havia vida no terceiro dia (1.11-13). A
vida, no entanto, não pode existir muito tempo sem
Fontes luz. Logo, os “dias” não podem ter sido longos perío­
M. A kstav, C h r o n o lo g y o t t h e O ld T e s ta m e n t. dos de tempo.
A. C , T h e g e n e a lo g ie s o f th e B ib le.
u staxck As plantas não podem viver sem animais. As plan­
W. H. GREEX,“Prim eval e h o r o n o l g y ” , \ V . K a is e r , o rg ., E s s a y s in tas foram criadas no terceiro dia (1.11-13), e os ani­
O ld T e s t a m e n t i n t e r p r e t a t io n . mais, só no quinto dia (1.20-23). Mas há uma relação
371 G ê n e s is , d ia s d e

sim biótica entre plantas e animais, um dependendo e então não há necessidade de considerar os outros dias
do outro para a sobrevivência. Por exemplo, as plan­ como sendo de 24 horas, já que todos usam a palavra
tas liberam oxigênio e recebem o dióxido de carbono yom e têm uma série de números com eles.
e os animais fazem o inverso. Então, plantas e animais Os seis períodos são comparáveis a uma sem ana de
devem ser criados juntos, não separados por longos trabalho. É verdade que a semana da criação é com pa­
períodos de tempo. rada a uma semana de trabalho (Êx 20.11). Mas não é
Resposta aos argumentos. Apesar desses argumen­ raro no a t comparações em termos de unidades, em
tos, a questão ainda não tem solução definitiva. Aqueles vez de minutos. Por exemplo, Deus designou quarenta
que rejeitam a posição dos seis dias solares respondem: anos de peregrinação para quarenta dias de desobe­
Dia (yôm) p od e significar um longo período. Ge­ diência (Nm 14.34). E em Daniel 9 .2 4 -2 7 ,4 9 0 dias são
ralmente a palavra hebraica yôm significa 24 horas. comparados a 490 anos.
Mas o significado em Gênesis 1 é determinado pelo Sabemos que o sétimo dia é mais que 24 horas, já
contexto, não pela maioria. Mesmo nessa passagem, que, segundo Hebreus 4, o sétim o dia ainda está acon­
em Gênesis 1 e 2, yôm é usado para toda a criação. tecendo. Pois Gênesis diz que“No sétim o dia Deus (...)
Gênesis 2.4 refere-se ao “tempo [yôm]” em que foram descansou” (2.2), mas Hebreus 4.5-10 nos informa que
criados. A palavra hebraica aparece em outra passa­ Deus ainda está nesse descanso de sábado no qual
gem para longos períodos, como em Salmos 90.4 (ci­ entrou depois de criar.
tado em 2Pe 3.8): “De fato, mil anos para ti são como o Quando surgiu a luz? A luz não foi criada no quar­
dia de ontem que passou”. to dia, como os defensores do dia solar argumentam.
Dias numerados não precisam ser solares. E não há Antes, foi feita já no primeiro dia, quando Deus disse:
regra na linguagem hebraica exigindo que todos os “Haja luz” (Gn 1.3). Quanto à razão para haver luz no
dias numerados em série refiram -se a dias de 24 ho­ primeiro dia e o Sol não aparecer até o quarto dia, há
ras. Ainda que não houvesse exceções no a t , isso não duas possibilidades. Alguns estudiosos observaram
significaria que “dias” em Gênesis 1 não pudesse refe­ um paralelismo entre os três primeiros dias (luz, água
rir-se a um período m aior que 24 horas. Mas há outro e terra — totalmente vazia) e os três dias seguintes
exemplo no a t . Oséias 6.1,2 diz: “Venham, voltemos (luz, água e terra — cheia de criaturas). Isso pode in­
para o S e n h o r . Ele nos despedaçou, mas nos trará cura dicar um paralelismo em que o primeiro o quarto dia
[...] ele nos dará vida novamente; ao terceiro dia nos cobrem o m esm o períod o de tem po. Nesse caso
restaurará, para que vivamos em sua presença”. Cla­ estamos lidando com três períodos de tempo, não seis,
ramente o profeta não está falando de “dias” solares, e o Sol existiu desde o princípio. Outros argumentam
mas de períodos mais longos no futuro. Todavia, ele que, apesar de o Sol ter sido criado no quarto dia, ele
numera os dias em série. não apareceu visualmente até o quarto dia. Talvez isso
Houve um princípio e um fim . O fato de essa frase tenha acontecido por causa de uma nuvem de vapor
geralmente referir-se a dias de 24 horas, não significa que permitia que a luz passasse, não a forma distinta
que ela sempre seja usada dessa forma. Gênesis 1 é um dos corpos celestes emanando luz.
bom candidato a exceção. Além disso, se tudo em Nem todas as plantas e animais são interdependen­
Gênesis 1 for considerado num sentido estritamente tes. Se Gênesis 1 é um paralelismo, compreendendo três
literal, a frase “tarde e m anhã” não compreende um dias, como sugerido acima, então o problema de plan­
dia de 24 horas, mas apenas o final da tarde e começo tas e animais criados separadamente desaparece. E
da manhã. Isso é bem menos que 24 horas. Tecnica­ algumas plantas e animais são interdependentes, mas
mente o texto não diz que o dia era composto de “tar­ nem todos. O Gênesis não menciona todas as plantas
de e m anhã” (o que faria um dia de 24 horas judaico). e animais, mas apenas alguns.
Mas fala simplesmente que “Passaram -se a tarde e a Se os dias são seis períodos sucessivos, então es­
manhã; esse foi o primeiro dia” (1.5). A frase pode es­ sas formas de vida vegetal e animal que precisam umas
tar no sentido figurado, indicando o começo e fim de das outras poderiam ter sido criadas ju ntas. Na ver­
um período definido de tempo, assim como nos refe­ dade, a ordem básica dos eventos é de dependên­
rimos ao “amanhecer da história” ou ao “entardecer cia. Por exemplo, muitas plantas e anim ais podem
da vida”. existir sem seres hum anos (e foram criados prim ei­
Finalmente, se todos os dias nessa série de sete fo­ ro), mas seres hum anos (que são criados no últim o
rem considerados 24 horas, então por que a expressão dia) não podem existir sem plantas e anim ais.
“tarde e m anhã” não é usada para o sétimo dia? Na “D ias” com o p eríod os de tempo. Outros cristãos
verdade, como veremos, o sétimo dia não é de 24 horas, ortodoxos acreditam que os dias de Gênesis envolvem
G ê n e s is , d i a s d e 372

longos períodos de tempo. Eles oferecem evidência bí­ Adão demonstrou que esperava Eva havia algum tempo
blica e científica para essa posição. (Gn2.23).
A evidência bíblica para dias longos. Há muitas in­ Eva foi trazida para Adão, que a observou, aceitou-a e
dicações no texto das Escrituras para apoiar a crença uniu-se a ela (Gn 2.22-25).
de que os “dias” da criação foram mais longos que 24
horas. As mais frequentes para apoiar essa posição são Parece pouco provável que todos esses eventos,
explanadas a seguir. principalmente o segundo, estivessem compreendi­
Dia (yom) freqüentemente significa tempo. Voltan­ dos num período de 24 horas.
do ao significado das palavras, deve-se observar como A evidência científica para dias longos. A maior
yom é usado na Bíblia. A palavra às vezes significa um parte da evidência científica estabelece uma idade
dia profético, um tempo futuro significativo, como em para um mundo de bilhões de anos. A idade do uni­
“dia do S enhor ” (Jl 2.31; v. 2Pe 3.10). Como observado verso é baseada na velocidade da luz e na distância
acima, “mil anos [...] são como o dia de ontem”. Em das estrelas, assim como na velocidade de expansão
Salmos 90.4 e 2Pedro 3.8. E em Gênesis 2.4, a palavra do universo. Rochas primitivas foram datadas com
resume toda a criação. Isso indica um significado am ­ base na radioatividade, de bilhões de anos. Conside­
plo da palavra yom na Bíblia é paralelo ao significado rando apenas a velocidade em que o sal escorre para
da palavra portuguesa dia. o oceano e a quantidade de sal ali existente, chega-se
Como observado acim a, Hebreus 4.3-5 ensina que a milhões de anos (v. o r ig e n s , c iên c ia da s ).
Deus ainda está nesse descanso do sétimo dia após a Posições sobre os dias d e Gênesis. É claro que, se
criação, descrito como um dia em Gênesis 2.2,3. Esse os dias de Gênesis são longos períodos de tempo, não
dia, então, tem pelo menos 6 mil anos de duração, m es­ há conflito com a ciência moderna sobre a idade da
mo nas cronologias mais curtas. terra. Mas, ainda que os dias de Gênesis sejam dias
O terceiro dia é mais longo. No terceiro “dia” Deus de 24 horas, ainda há maneira de conciliar longos pe­
criou a vegetação e a fez amadurecer. Pois o texto diz: ríodos de tempo com Gênesis 1 e 2.
“A terra fez brotar a vegetação: plantas que dão sem en­ Posição do dia revelatório. Alguns teólogos con­
tes de acordo com as suas espécies, e árvores cujos fru­ servadores sugerem que os “dias” de Gênesis podem
tas produzem sementes de acordo com as suas espéci­ ser dias de revelação, não dias de criação (W iseman).
es. E Deus viu que ficou bom” (Gn 1 .1 2 ,grifo do autor). Isto é, Deus levou uma semana solar literal (de 144
Mas crescer de semente à maturidade e produzir mais horas) para revelar a Adão (ou Moisés) o que ele ha­
sementes é um processo que leva meses ou anos. via feito nas eras antes de os seres humanos serem
Osexto dia é mais longo. Também parece que o sex­ criados. Até as passagens de Êxodo (20.11) que fa­
to dia foi bem mais longo que um dia solar. Considere lam que Deus “fez ” [‘õsâ] o céu e a terra em seis dias
tudo que acon teceu n e sse p erío d o de tem po (v. podem significar “revelou”.
Newman, Apêndice m): Assim como um profeta pode receber uma revela­
ção de Deus projetando uma série de eventos futuros
Deus criou todos os milhares de animais terrestres (Gn (v. Dn 2 ,7 ,9 ; Ap 6 -1 9 ), Deus também pode revelar uma
1.24,25). série de eventos passados a um de seus servos. Na ver­
Deus formou o homem do pó (Gn 2.7), como um oleiro dade, Moisés ficou no monte santo por quarenta dias
(cf.Jr 18.2s.). (Êx 24.18). Deus poderia ter levado seis desses dias
Deus plantou um jardim (Gn 2.8), sugerindo atividade para revelar os eventos passados da criação para ele.
envolvendo tempo. Ou, depois que Deus criou Adão, ele poderia ter levado
Adão observou e deu nome a todos aqueles milhares de seis dias literais para revelar a ele o que havia feito an­
animais (Gn 2.19). tes de Adão aparecer. Alguns teólogos acreditam que
Deus prometeu: “Farei para ele alguém que o uma au­ esse material poderia ser memorizado e passado adi­
xilie e lhe corresponda” (Gn 2.18), denotando um tempo ante como a primeira “história das origens dos céus e
subseqüente. da terra” (Gn 2.4), assim como as outras histórias (lit.,
Adão procurou uma auxiliadora para si, aparentemente genealogias) foram aparentemente registradas e pas­
entre as criaturas que Deus havia feito: “Todavia não se en­ sadas adiante (p.ex., Gn 5.1; 6.9; 10.1).
controu para o homem [implicando um tempo] alguém que Posição de dias e eras alternadas. Outros teólogos
o auxiliasse e lhe correspondesse” (Gn 2.20, grifo do autor) evangélicos sugeriram que os “dias” de Gênesis são pe­
Deus fez Adão dormir por um tempo e operou nele, ti­ ríodos de 24 horas de tempo nos quais Deus criou as
rando uma de suas costelas e curando a carne (Gn 2.21). coisas m encionadas, mas que estão separados por
373 G ê n e s is , d ia s d e

longos períodos entre eles. Isso explicaria as indi­ A velocidade da luz pode mudar. Apesar de E in s t e i n
cações de grandes períodos de tempo em Gênesis 1 e as considerá-la absoluta, e a ciência moderna considerá-
indicações de que havia dias de 24 horas envolvidos. la imutável, não pode ser provado que a velocidade da
Teorias de intervalo. C. I. Scofield popularizou a luz nunca mudou. No entanto, a velocidade da luz (c.
posição de que poderia haver um grande intervalo de 300 000 km/s) é pressuposta em muitos argumentos em
tempo entre os dois primeiros versículos da Bíblia nos favor de uma terra antiga. Mas, se a velocidade da luz é
quais todas as eras geológicas se encaixam . Dessa constante e se Deus não criou os raios de luz junto com
maneira os dias poderiam ser de 24 horas, e o mundo as estrelas, então aparentemente o universo tem bilhões
ainda poderia ter muitos milhões de anos ou mais. de anos. Pois ao que tudo indica são necessários m i­
Outros acreditam que pode haver um “intervalo”, lhões de anos para essa luz chegar até nós. Porém são
ou melhor, um lapso de tempo antes de os seis dias de grandes “claúsulas condicionais”, que ainda não foram
24 horas começarem. Nesse caso, o primeiro versículo provadas. Na verdade, parece que não podem ser pro­
da Bíblia não se referiria necessariamente à criação vadas. Então, enquanto o argumento com base na velo­
ex nihilo original de Deus (v. c r i a ç ã o , v i s õ e s d a ) , mas a cidade da luz a favor do universo antigo pode parecer
ações mais recentes de Deus na formação de um mun­ plausível, não é uma prova definitiva.
do que havia criado antes (v. Waltke). A datação radioativa fa z pressuposições. Sabe-se
Então há maneiras de acomodar longos períodos bem que u235 e u238 liberam isótopos de chumbo
de tempo e ainda aceitar uma interpretação basica­ em determinado ritmo. Ao medir a quantidade de seu
mente literal de Gênesis 1 e 2. Não há necessariam en­ depósito, é possível calcular quando a decomposição
te um conflito entre Gênesis e a crença de que o uni­ começou. Muitas rochas primitivas na crosta terres­
verso tem milhões ou até bilhões de anos. tre foram datadas de bilhões de anos por esse m éto­
Quanto é a id ad e d a terra? Parece não haver m a­ do. Novamente, por mais plausível que possa pare­
neira de provar quanto tempo o universo realmente cer, isso não é definitivo. Pois é preciso supor pelos
tem, nem com base na ciência nem com base na B í­ menos duas coisas para chegar à conclusão de que o
blia. Há intervalos conhecidos e possíveis nas genea­ mundo tem bilhões de anos. Prim eiro, é preciso su­
logias bíblicas. E há pressuposições improváveis em por que não havia depósitos de chum bo no princí­
todos os argumentos científicos para uma terra anti­ pio. Segundo, é preciso supor que o ritm o de decom ­
ga, isto é, uma terra de milhões ou bilhões de anos. posição sempre foi estável durante toda a história.
Intervalos no registro bíblico. 0 bispo James Usher Nenhuma das duas hipóteses pode ser provada. Logo,
(1581-1656), cuja cronologia foi usada na antiga Bí­ não há com o comprovar pela datação radioativa que
blia de Scofield, argumentou que Adão foi criado em o mundo tem bilhões de anos.
4004 a.C. Mas seus cálculos são baseados na suposi­ Não há conflito. O mesmo é aparentemente verda­
ção de que não há intervalos nas genealogias de deiro com relação a todos os argumentos para uma
Gênesis 5 e 11. Sabemos, no entanto, que isso é falso terra antiga.
(v. GENEALOGIAS, ABERTAS OU FECHADAS). Pois a Bíblia diz: Por exemplo, os oceanos têm determinada quan­
“A rfaxade [...] gerou a S alá” (Gn 1 1 .1 2 ), m as na tidade de sais e minerais neles, e estes escorrem para
genealogia de Jesus em Lucas 3 .3 6 “Cainã’ é colocado o oceano num ritm o fixo a cada ano. Pela matemática
entre Arfaxade e Salá. Se há um intervalo, pode haver simples pode-se determ inar a quantos anos isso vem
outros. Na verdade, conhecemos outros. Por exemplo, acontecendo. Mas aqui também deve-se supor que não
Mateus 1.8d iz:“Jorão, [gerou] a Uzias”, mas a listagem havia sais e m inerais no oceano no princípio e que o
paralela em lCrônicas 3.11-14 ilustra gerações ausen­ ritm o não mudou. Um dilúvio global, como o que a
tes entre Jeorão e Uzias (Azarias),a saber, Acazias, Joás Bíblia descreve, certamente teria mudado o ritm o de
e Amazias. Quantos intervalos há na genealogia bíbli­ depósitos durante aquele período.
ca e qual o tempo de cada intervalo não se sabe. Mas Isso não quer dizer que o universo não tenha b i­
os intervalos existem, logo, cronologias completas não lhões de anos. Pode ter. No entanto, todos os argu­
podem ser feitas, mas apenas genealogias precisas (li­ mentos a favor da idade antiga partem de pressupo­
nhagens de descendência) são apresentadas. sições que não podem ser provadas. Com isso em
Pressuposições nos argumentos científicos. Há mui­ m ente, as seguintes conclusões são adequadas: Não
tos argumentos científicos para o universo antigo, al­ há conflito dem onstrado entre Gênesis 1 e 2 e o fato
guns dos quais são persuasivos. Mas nenhum desses científico. O conflito real não é entre a revelação de
argumentos é incontestável, e todos eles podem estar Deus na Bíblia e o fato científico, mas entre algumas
errados. Alguns exemplos ilustrarão por que não de­ interpretações cristãs da Bíblia e m uitas teorias de
vemos ser dogmáticos. cientistas com relação à idade da terra.
g n o s tic is m o 374

Na verdade, já que a Bíblia não diz exatamente a de Maria [Madalena], a Sofia de Jesus, Atos de Pedro e
idade do universo, a idade da terra não é um teste de o Apócrifo de João. A primeira tradução de um trata­
ortodoxia. Na verdade, muitos teólogos evangélicos or­ do, o Evangelho da verdade, apareceu em 1956, e uma
todoxos afirmam que o universo tem milhões ou bi­ tradução de 51 tratados, inclusive o Evangelho de
lhões de anos, inclusive Agostinho, B. B. Warfield, John Tomé, apareceu em 1977.
Walvoord, Francis Schaeffer, Gleason Archer, Hugh Ross Líderes. Os pais da igreja primitiva acreditavam
e a maioria dos líderes do movimento que produziu a que o gnosticismo começara no século i e que Simão,
famosa Declaração de Chicago sobre a inerrância da o mágico de Samaria (At 8), foi o primeiro gnóstico.
Bíblia (1978). De acordo com os pais da igreja, Simão praticava m a­
gia, afirmava ser divino e ensinava que sua companhei­
Fontes ra, uma ex-prostituta, era Helena de Tróia reencarnada.
A g o s t in h o , Cidade de Deus, L i v r o 11. Hipólito (m. 236) atribuiu o Apophasis megale [Ogran­
N. L. G e is l e r , K n ow in g the truth a b o u t creation. de anúncio] a Simão. O discípulo de Simão, um antigo
H . M o r r is , Biblical cosmology and modern Science. samaritano chamado Menandero, que lecionou em
__ , T he G enesis record. Antioquia da Síria no final do século i, ensinava que os
R. N , G enesis on e a n d the origin
e w m a n o f t h e earth. que acreditavam nele não morreriam. Essa afirmação
B . R a m .v i , The Christian view o f Science and Scripture. foi anulada quando ele morreu.
H. Ross, C reation a n d time. No início do século n, Saturnino (Satórnilo) afir­
B. W a it k e , The creation account in Genesis 1 :1 -3 , 5 v.
mou que o Cristo incorpóreo era o redentor, negando
D. W is e m a n , Creation rev ea led in six days. que Cristo realmente tivesse se encarnado como ho­
D . Young,C hristianity a n d the a g e o f the earth. mem. Essa crença é compartilhada com o d o c et ism o .
E.Y o u n g , Studies in G enesis one. Nesse período, Cerinto, da Ásia Menor, ensinava o
adocia-nismo, a heresia segundo a qual Jesus tinha sido
gnosticism o. Os gnósticos se seguiram a vários movi­ apenas um homem sobre o qual Cristo descera no ba­
mentos religiosos que enfatizavam a gnose ou o conhe­ tismo. Já que Cristo não podia morrer, abandonou Je­
cimento, principalmente sobre a origem da pessoa. O sus antes da crucificação. Basilides do Egito foi consi­
dualismo cosmológico também era uma característica derado dualista por Ireneu e monista por Hipólito.
do sistema — mundos espirituais opostos do bem e do Um dos gnósticos m ais polêm icos, apesar de
mal. O mundo material estava alinhado com o mundo atípico, foi M arciào do Ponto. Ele acreditava que o
sombrio do mal. Deus do ai era diferente do Deus do xt e que o cânon
N inguém co n h ece com ce rte z a a orig em do das Escrituras incluía apenas uma versão truncada
gnosticismo. Alguns acreditam que começou com um de Lucas e dez das epístolas de Paulo (todas, menos
grupo herético dentro do judaísm o. Os proponentes as Epístolas pastorais). Suas teorias foram severa­
dessa teoria citam 0 apocalipse de A dão e A paráfrase mente atacadas por Tertuliano (c. década de 160-c.
de Sem como antigos documentos gnósticos que reve­ 215). Marcião tornou-se um estímulo para a igreja
lam uma origem judaica. Outros dão a ele um contexto primitiva definir oficialmente os limites do cânon (v.
cristão. Uma forma incipiente pode ter-se infiltrado na apócrifos;Bíblia, canontcidade da).
igreja em Colossos ou pode ter tido uma base comple­ Valentim de Alexandria foi outro gnóstico proe­
tamente pagã. Durante os séculos n a iv o gnosticismo minente. Veio a Roma em 140 e ensinava que havia
foi considerado uma séria ameaça por pais da igreja uma série de emanações divinas. Dividiu a humani­
como Agostinho, Justino M ártir , I reneu , Clemente de dade em três classes: 1) hiléticos ou incrédulos, que
Alexandria, T ertuliano e O rígenes. estavam imersos na natureza material e carnal; 2)
Fontes p rim árias. O livro de Ireneu, Contra as he­ cristãos psíquicos ou comuns, que viviam pela fé e
resias, dá um tratam ento extenso ao que os gnósticos atividades pneumáticas; 3) gnósticos espirituais. En­
acreditavam. Três códices gnósticos escritos em copta tre seus seguidores estavam Ptolom eu, Herácleo,
foram publicados. Dois foram descobertos em N ag Teódoto e M arcos. A in terp retação de João por
H a m m a d i , Egito, em 1 9 4 5 .0 Códice Askewia-nus con­ Herácleo é o primeiro comentário conhecido do n t .
tém Pistis Sophia, Códice Brucianus contém O livro Crenças de característica gnóstica persistiram
de Jeú. O mais conhecido entre os docum entos de Nag até o século iv. Entre as manifestações posteriores es­
Hammadi é o E vasgelho de Tomé. Uma terceira obra tavam o maniqueísmo, uma seita dualista que enga­
desse período, Códice Berolinensis, foi encontrada em nou Agostinho na sua vida p ré-cristã. Contra ela
outra parte e publicada em 1955. Contém o Evangelho Agostinho escreveu muitos tratados.
375 G re en leaf, S im o n

Ensinam entos, Já que o gnosticism o carecia de levantou-se, depois de ter tragado o visível através do invisí­
uma autoridade comum, ele compreendia várias cren­ vel, e nos deu o caminho para a imortalidade [...] Mas se so­
ças. A base da maioria, se não todas, era: mos manifestos nesse mundo ao vesti-lo, somos seus raios e
estamos cercados por ele até nosso crepúsculo, que é nossa
1. O dualismo cósmico entre espírito e matéria, bem morte nesta vida. Somos elevados por ele como raios pelo sol,
em al. sem sermos impedidos por nada. Isso é a ressurreição espiri­
2. A distinção entre o Deus finito do at, lavé ,que tual que traga o psíquico junto com o carnal (Malinine,p.45).
era igualado ao Demiurgo de P latão , e o Deus
transcendental do xt . O gnosticism o como movimento organizado pra­
3. A visão da criação como resultante da queda ticamente morreu. O único remanescente atual acha-
de Sofia (Sabedoria). se no sudoeste do Irã. Mas m uitos ensinam entos
4. A identificação da matéria como maligna. gnósticos continuam entre os adeptos da Nova Era,
5. A crença em que a maioria das pessoas são ig­ existencialistas e críticos da Bíblia. O reavivamento do
norantes sobre sua origem e condição. interesse no Evangelho de Tomé pelo chamado Sem i­
6. A identificação de fagulhas de divindade que nário Jesus é um exemplo disso. Também há uma ten­
estão encapsuladas em certos indivíduos es­ dência, mesmo entre alguns teólogos evangélicos (v.
pirituais. Geisler), de negar a natureza física da ressurreição. Mas
7. A fé num Redentor docetista, que não era real­ o gnosticismo continua vivo hoje de forma ampla no
mente humano nem morreu na cruz. Esse re­ movimento da Nova Era (Jones).
dentor trouxe salvação na forma de uma gnose Avaliação. O gnosticismo foi muito criticado pe­
secreta ou um conhecimento que foi com uni­ los pais da igreja primitiva, principalm ente Ireneu,
cado por Cristo após sua ressurreição. Tertuliano, Agostinho e Orígenes, apesar de Orígenes
8. O objetivo de escapar da prisão do corpo, atra­ aceitar algumas de suas posições. A posição de Marcião
vessando as esferas planetárias de demônios com relação ao cânon é criticada nos artigos apócrifos
hostis e reunindo-se com Deus. d o Novo T e sta m en to e B íb l ia , canontcidade da . Para mais

9. A salvação baseada não na fé nem nas obras, comentários sobre o gnosticism o, v. os artigos C r isto ,
mas num conhecimento especial ou gnose da .m o rte d e ; d o c e t is .m o ; d u a lism o .
própria condição.
10. A visão confusa da moralidade. Carpócrates Fontes
incentivou seus seguidores a se empenharem A g o s t in h o , The ivni-manichean writings.
em promiscuidade deliberada. Epifânio, seu C. A . E vans, Xag Hammadi texts and the Bible.
filho, ensinava que libertinagem era a lei de A. F rederick, et al„ The gnosticgospels.
Deus. A maioria dos gnósticos, no entanto, ti­ X. L. Geisler, The battle for the resurrection.
nham uma posição muito ascética com rela­ R. M. G rant, Gnosticism and early Christianity.
ção ao sexo e ao casamento, argumentando que a P. Josts, Spirit wars.
criação da mulher era a fonte de todo mal e a M. M a l im n e , et al„ De resurrection.
procriação de filhos só multiplicava o número J. M. R o b in so n , The Xag Hammadi library in English.

de pessoas escravizadas pelo mundo material. F.S eigert, etú.,Xag-Hammadi-register.


A salvação das mulheres dependia de um dia TtRTLLiANO, Contra os valentinianos.
se tornarem homens e voltarem às condições _ _ _ , Cinco livros contra Marcião.
do Éden antes de Eva ser criada. Por incrível _ _ _ , Sobre a carne de Cristo.
que pareça, as mulheres eram proeminentes ___ , Da ressurreição da carne.
em muitas seitas gnósticas. E. Y amauchi, Pre- christian gnosticism.
11. A interpretação do batism o e da santa ceia
como símbolos espirituais da gnose. gnósticos, evangelhos. V. gnosticismo; E vangelho de

12. A visão da ressurreição como sendo espiritu­ T om é ; X ag H a m m a d i , evangelhos de .

al, não física (V . RESSURREIÇÃO, NATUREZA FÍSICA Da ) .


Greenleaf, Simon. Uma das grandes mentes da história
Um dos códigos de Nag Hammadi, De resurrectione jurídica americana (1783-1853). Ele não só lecionou di­
[Da ressurreição] afirma que: reito na Universidade de Harvard como também produ­
ziu o principal estudo de evidência legal em três volumes
O Salvador tragou a morte [...] Pois colocou de lado o mun­ (A treatise on the law o f evidences [ Tratado sobre a lei
do que perece. Transformou-se em um éon incorruptível e das evidências] , 18 4 2 -1 8 5 3 ) usado para ensinar aos
G r e e n le a f, S im o n 376

advogados as regras de evidência legal e o meio pelo segundo, de sua capacidade; terceiro, de seu número
qual a autenticidade dos docum entos e testem unhas e da consistência de seu testemunho; quarto, da con­
pode ser testada. formidade do testemunho com a experiência; e quin­
Quando desafiado a aplicar essas regras aos docu­ to, da coincidência de seu testemunho com circuns­
m entos do n t , Greenleaf produziu um volume The tâncias colaterais.” De acordo com esses princípios, o
testimony o f the evangelists [O testemunho dos evange­ nt é um registro autêntico (v. tb. r e ss u r r e iç ã o , e v id ê n ­
listas] que defende a autenticidade do nt. A obra defen­ c ia s da ; t e s t e m u n h a s , c r it é r io de H ume pa r a ).
de um elo importante no argumento apologético geral Certeza moral. Sobre a natureza da certeza m o­
a favor do cristianism o — a confiabilidade das teste­ ral, Greenleaf escreveu (p. 24):
munhas do NT.
Um Novo Testamento autêntico. As conclusões de Mas a prova de questões de fato repousa apenas na
Greenleaf incluem fortes indicações de evidência. As evidência moral; o que significa não apenas a espécie de
seguintes citações são retiradas de sua obra: evidência que não obtemos nem dos nossos próprios sen­
tidos, nem da intuição, nem da demonstração. Nos assun­
“A todo documento, aparentemente antigo, que vem tos comuns da vida não exigimos nem esperamos evidên­
do repositório ou custódia adequados, e não apresen­ cia demonstrativa, porque ela é incoerente com a natureza
tando nenhuma marca evidente de falsificação, a lei pre­ das questões de fato, e insistir na sua apresentação seria
sume genuíno e faz retornar à parte oposta o encargo irracional e absurdo.
de provar o contrário”, escreveu Greenleaf. De acordo
com essa “Regra do documento antigo”, o x t seria consi­ Em geral, Greenleaf considerou-se persuadido por
derado autêntico, já que não apresenta nenhum sinal de um alto nível de probabilidade de que os relatos sejam
falsificação e está sob custódia adequada da igreja no verdadeiros:
decorrer dos séculos, como é demonstrado pela evidên­
cia manuscritológica (v. Novo T estamento , manuscritos d o ). Então a força da evidência circunstancial é considera­
“Nas questões de interesse público e geral, todas as da dependente do número de pormenores envolvidos na
pessoas devem ser supostamentes versadas, com base narrativa; da dificuldade de fabricar todos eles, se falsos, e
no princípio de que indivíduos são versados nos pró­ da grande facilidade de detecção; da natureza das circuns­
prios interesses”. Aplicado às testemunhas do n t , isso tâncias a serem comparadas, e das quais as datas e outros
significaria que os livros que vêm delas devem ser con­ fatos devem ser coletados; da complexidade da compara­
siderados autênticos, já que versavam sobre seus pró­ ção; do número de passos intermediários no processo de
prios interesses. dedução, e da estrutura da investigação.
“Em julgam entos de fato, pelo testem unho oral, a Nas narrativas dos autores sagrados, tanto judeus quan­
investigação adequada não é pela possibilidade do tes­ to cristãos, existem muitos exemplos desse tipo de evidên­
temunho ser falso, mas pela probabilidade suficiente cia, cujo valor mal se pode estimar adequadamente. Como
de que seja verdadeiro”. Já que há evidência provável já foi afirmado, isso não equivale a uma demonstração ma­
de que as testem unhas do n t disseram a verdade (v. temática, nem esse nível de prova pode ser justamente exi­
Novo T e st a m e n t o , h is t o r ic id a d e d o ) , a possibilidade de gido relações em qualquer conduta moral. Em todas as rela­
que pudessem estar mentindo não supera a verdade ções humanas, o nível mais elevado de segurança a que po­
de seu testemunho. demos chegar, antes da evidência denossos sentidos, é o da
“Uma proposição do fato é provada quando sua veracida­ probabilidade. 0 máximo que pode ser afirmado é que a nar­
de é estabelecida por evidência competente e satisfatória”. Há rativa é mais provavelmente verdadeira que falsa; e pode ser
evidência competente e satisfatória da veracidade do registro verdadeira no mais alto nível de probabilidade, mas ainda
d o NT (V. ARQUEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO). não chegar à certeza matemática absoluta (p.45).
“Na ausência de circunstâncias que gerem suspei­
ta, toda testemunha deve ser considerada digna de cré­ Conclusão. A conclusão de Greenleaf já diz tudo:
dito, até que o contrário seja demonstrado; o ônus de
contestar sua credibilidade repousa sobre a parte opos­ As narrativas dos evangelistas agora são submetidas à
ta”. 0 n t , como outros livros, deve ser considerado ino­ leitura cuidadosa e exame do leitor, sob os princípios e pelas
cente. Esse é o oposto do princípio de “considerado cul­ regras já afirmadas [...] Seu trabalho é de um advogado, exa­
pado até que prove ser inocente” usado pelos críticos minando o depoimento das testemunhas pelas regras de
negativos (v. c r ític a da B íb l ia ). sua profissão, para averiguar se, caso elas testificassem as­
“O crédito devido ao depoim ento das testem u­ sim sob juramento, num tribunal de justiça, teriam sido
nhas depende, prim eiram ente, de sua honestidade; consideradas confiáveis; e se suas narrativas, como as temos
377 G u il h e r m e d e O c c a m

agora, seriam recebidas como documentos antigos, vindos sem que houvesse mundo? Aplicando Occam a um cé­
da custódia adequada. Se esse for o caso, então acredita-se tico posterior, o “demônio” concebido por René D escar­
que todo homem honesto e imparcial agirá em conformi­ tes (1596-1650) não poderia nos enganar para acredi­

dade com esse resultado, recebendo tal testemunho em toda tarmos que um mundo inexistente existe?
aextensão de seu significado. Mesmo sem engano malevolente, por que o Deus
benevolente não poderia criar as impressões que de­
Fontes sejasse sem que houvesse qualquer objeto externo que
S. G ruen lea f , A treatise on the h w ofevidences. a elas correspondesse?
___ , The testimony oj the evangelists. Ceticismo metodológico. Occam também supôs o
princípio de economia de causas, conhecido por nava­
G u ilh e rm e de O cca m . O ceticism o m oderno (v. lha de Ockham. Esse instrumento também provou ser
AGNOSTiciSMo) não começou com David H om e . Come­ útil para os céticos posteriores, com seu princípio de
çou no final da Idade Média com William de Occam simplicidade ou economia de causas. Apesar de a afir­
(1285-1349). Occam foi contemporâneo mais jovem mação de Occam ser: “Não multiplique causas sem ne­
de Duns Scotus (1266-1308) e T omás de A qltxo (1224- cessidade”, ela foi popularizada (corrompida) pela idéia:
1274). Viveu no final da Idade Média e contribuiu para “A causa mais simples é a melhor explicação”, ou: “Quan­
o surgimento da Idade Moderna. Embora o ceticismo to menor, mais verdadeiro”. Isto é: “O mais simples é o
tenha florescido com David Hume (1711 -1 776), suas verdadeiro”. Quando isso é combinado ao princípio de
raízes estavam em Guilherme de Occam. onipotência, as conseqüências podem ser desastrosas.
O pensamento de Ockham teve influência signifi­ Por exemplo, Deus poderia criar a impressão de que há
cativa sobre o em pirism o radical e o ceticism o de um mundo físico sem que haja um. Essa explicação mais
Hume, o situacionism o ético de Joseph Fletcher (v. simples seria, então, a verdadeira. Essa, realmente, é a
moralidade , natureza absoluta de ),o idealismo de George conclusão a que o bispo Berkeley chegou mais tarde.
B erkeley (1 6 8 5 -1 7 5 3 ), a antitransu bstanciação de Ceticismo apologético. O ccam não era cético
Martinho L utero (1 4 8 3 -1 5 4 6 ), assim como sobre o com relação à existência de Deus. Era um teísta. No
voluntarismo ético, o nominalismo e a univocidade da entanto, seu ceticism o minou a defesa apologética do
linguagem religiosa (v. analogia , princípio da ). teísmo. Suas objeções ao argumento cosmológico an­
Ceticismo epistemológico. Seu ceticism o foi m a­ teciparam Hume e Im m anuel K a n t . Occam levantou
nifesto em três níveis: epistemológico, metodológico pelo menos três dúvidas com relação ao argumento
e apologético. Quanto à epistemologia foi um nom ina­ cosm ológico (O ccam , 129ss; v. D eus , objeções aos a r ­
lista e um empirista cético. gumentos a favor d e ).

Occam não confiava em seus sentidos. Enfatizava A possibilidade de uma série infinita. Occam ne­
a intuição. Afirmou que as essências ou universais são gou que a regressão essencialmente relacionada e in­
abstrações mentais baseadas em coisas reais (v. rea ­ finita de causas (v. infinitas, séries) fosse impossível (v.
lismo ). Mas Occam acreditava que a essência era ape­ k a l a m , a r g u m e n t o cosmológico). Como causas essenci-

nas invenção sem base na realidade. Tais coisas como almente relacionadas (p. ex„ um pai gerando um fi­
a natureza humana não eram reais. Apenas seres hu­ lho) não precisam ser simultâneas, elas poderiam ser
manos individuais existem. causas originárias e não meramente conservativas. O
O nominalismo tem sérias implicações quando apli­ pai não é a causa continuada da existência do filho. Só
cado à queda da humanidade e sua redenção. Como se essa simultaneidade da causa conservativa atual for
pode um ser pecador herdar uma natureza, se não exis­ acrescentada ao conceito de uma série essencialm en­
te natureza? Como Cristo pode assum ir a natureza te relacionada de causas, argumentou Occam, é que
humana e morrer por todos, se não há natureza hu­ uma regressão infinita é impossível.
mana? Como alguém pode ter uma crença ortodoxa É contraditório afirm ar que não há Primeira Cau­
na Trindade, que afirma que Deus é três pessoas numa sa para o que continua sendo conservado em existên­
essência, se não existe essência? cia agora. Portanto, o argumento cosmológico é váli­
Occam argumentou que, como Deus era onipoten­ do em referência ao que existe agora, mas não para
te, podia fazer qualquer coisa. Podia criar a idéia da ár­ qualquer criação original.
vore na nossa mente, mesmo sem a presença de uma Conhecimento de causas eficientes. Antecipando
árvore (v. D eus, natureza de ). Isso,é claro, rebaixou a cren­ Hume, Occam baseou o conhecimento de causas efi­
ça no processo de “conhecer” algo. A pessoa podia “co­ cientes na experiência (v. causalidade , princípio da ).
nhecer” com certeza algo que não existia. Deus não Causalidade é definida como “aquilo cuja existência ou
podia criar a idéia de um mundo nas nossas mentes presença é seguida por algo” (Maurer, p. 270). A distinção
G u il h e r m e d e O c c a m 378

antecipa a crítica de Hume de que não há base na expe­ Avaliação. O ceticism o epistem ológico de O ccam
riência para fazer uma ligação necessária entre causa e é discu tido nos artigos c a u sa lid a d e , p r in c íp io da ; p r i ­
efeito. Mas a inevitabilidade da conclusão do argumento m e ir o s p r in c íp io s ; H u m e , D a y id , e r e a l is m o . 0 ceticism o

cosmológico depende da necessidade da conexão entre apologético é tratado em cosm ológico , a rg u m en to ; D e u s ,


causa e efeito. Occam colocou então sua navalha no cor­ o b je ç õ e s As provas d e ; H u m e , D avid e K a n t , I m m a n u e l .
dão central que unia o argumento cosmológico. Quanto ao ceticism o m etodológico de O ccam , da­
Incapacidade de provar um Deus. Occam também das suas prem issas, a “navalha de O ccam ” não fu n cio­
afirmou que não se podia provar em sentido absoluto a na em debates sobre Deus, já que pressupõe a existên­
existência de apenas um Deus (v. t e ís m o ; D e u s , n atureza cia do Deus onipotente como premissa. Mesmo a su­
: e ). Apenas se a unidade de Deus for interpretada como posição de que Deus pudesse criar idéias em nós sem
"o Ser mais perfeito que realmente existe” é que se pode objetos externos não significa que elefaria isso. O Deus
dizer que a unidade de Deus foi provada. Se, no entan­ teísta de Occam não é apenas onipotente, mas total­
to, como os teístas cristãos insistem, a unidade de Deus mente benevolente. E o Deus benevolente não engana
refere-se ao Ser “mais perfeito” possível, a unidade de (v. F.ssENCiALisMOdivino) . O cet ici smo de Occam não fun-
Deus não pode ser provada. A proposição “Deus existe” ciona sem o princípio questionável da parcimônia.
não é auto-evidente. Muitos duvidam disso, e uma pro­ Mas como alguém pode provar que supor o mínimo
posição auto-evidente não pode ser colocada em dúvi­ possível de causas é a maneira de determinar o que é
da. E a unidade absoluta de Deus tam bém não pode ser verdade? Isso não é um primeiro princípio. Na me­
conhecida por meio de outras proposições, que tam ­ lhor das hipóteses, é apenas um guia geral em ques­
bém podem ser postas em dúvida, nem pela experiên­ tões científicas. Não é uma regra universal em ques­
cia, pois a experiência só pode prover tal unidade ao
tões metafísicas.
Por que supor que o mundo externo é redundante?
que é real, não ao que é possível.
Deus pode ter bons propósitos para ele. Usando a pró­
Portanto, não há m aneira de dem onstrar que Deus
pria “navalha de Occam”, pode-se dizer que é uma ex­
é absolutamente um.
plicação mais simples admitir que o mundo objetiva­
L in g u ag em re lig io sa u n ív oca. N um a área
mente real envia impressões a todos, que supor que
Occam foi contra o ceticism o. Falou firm em ente con ­
Deus precise criar impressões em todo ser humano
tra qualquer conceito equívoco ou analógico ap lica­
individualmente. A explicação de Occam de que Deus
do a Deus. Occam argum enta convincentem ente que
criaria idéias diretamente de um mundo externo em
nenhum conceito pode ter significad o totalm ente
todo ser humano é deus ex machina. Occam invoca o
diferente ou equívoco quando aplicado a Deus. Pois,
sobrenatural para salvar sua conclusão do colapso.
se tivesse, não teríam os idéia do que significava.
Mais uma vez, é m ais sim ples nesse caso dar um a ex­
Sem elhantem ente, o conceito análogo deve ter um
plicação natural que invocar um a sobrenatural.
elem ento de sem elhança, senão seria totalm ente d i­
ferente. Esse elem ento de sem elhança é realm ente
Fontes
unívoco. Logo, sem conceitos unívocos não podemos
0 . F. M. B oehner, “Introdução”, em W illiam of
saber nada sobre Deus.
O ckham , Philosophical writings.
Apesar de analisar bem os conceitos unívocos,
N. L. G eislf.r e W. C o r d l a x , Philosophy o f religion.
Occam parece não entender a necessidade de predicação E. G ii .so x , History ofchristian philosophy in the
analógica, como suposta por Aquino. Isto é, devemos middle ages.
definir termos usados por Deus e pelas criaturas da A.Macrer,Medieval philosophy.
mesma maneira, mas eles são aplicados de forma dife­ W ilua .m of O ckham , Expositio super librum
rente. Deus é infinitamente bom , mas as criaturas só perihermenias.
podem lutar por bondade finita. Bondade não pode ser __ Ordinatio ( d . n, q. vm ,prim a redactio).
aplicada univocamente ou da mesma m aneira ao infi­ ___ , Philosophical writings.
nito e ao finito (v. a n a lo g ia , pr in c íp io d a ). __ Summa totius logicae (i, c .xiv ).
Hh
hadith, supostos milagres na. V. M aomé , supostos m i ­ volumes de suas obras publicadas (Meuller,p.411). Apa­
lagres DE. rece uma vez no “Prefácio” de seu Fenomenologia do es­
pírito, onde afirmou que essa fórmula vinha de Kant e
Hegel, Georg Wilhelm Friedrich. Vida e obras de rejeitou-a, chamando-a “esquema sem vida” (ibid., p.
Hegel. Hegel (1770-1831) nasceu em Wurtenberg, Ale­ 412). O especialista hegeliano Gustav Meuller afirmou
manha, numa família luterana. Seu pai era oficial do que “a lenda mais aborrecedora e devastadora de Hegel
governo. Hegel se entediava com professores enfado­ é que nele tudo é visto em ‘tese, antítese e síntese’” (ibid.,
nhos e “faltava a” muitas aulas. Lecionou na Universi­ 411). A lenda foi espalhada por Karl Marx por causa de
dade de Jena, onde ele e F. W. J. Schelling lutaram con­ sua compreensão distorcida de Hegel.
tra a onda de ceticismo. Hegel era luterano e ao que A lei da não-contradição. Hegel não é claro quanto
parece freqüentava a igreja regularmente. ao status da lei da não-contradição (v. primeiros princípi­
Suas principais obras incluem Lições sobre a filo ­ os). Às vezes ele parece negá-la, afirmando que “todas
sofia da história, Filosofia da natureza, Enciclopédia as coisas são contraditórias”, que “o movimento é por si
das ciências filosóficas em compêndio, A razão na his­ uma contradição existente” e que “só enquanto algo se
tória, Lições sobre a filosofia da religião, sua obra prin­ contradiz é que se move, tem impulso ou atividade”
cipal, Fenomenologia do espírito e Filosofia da estética.
(Acton, p. 443-4). Na verdade, ele nem a menciona como
In flu ên cias so bre Hegel. Como a m aioria das
categoria separada de pensamento no seu Ciência da
grandes personagens da história, Hegel baseou-se em
lógica. Alguns acreditam que ele só afirma va que há
muitos que vieram antes dele. Para m encionar alguns
contradições no nível finito que são resolvidas no Ab­
de principais, de P latão aprendeu que o significado do
soluto. Outros acreditam que ele não usava o termo no
homem é encontrado no estado; que a filosofia é a ex­
seu sentido lógico e técnico, mas apenas no sentido prá­
pressão mais elevada da realidade; e que toda deter­
tico no desenrolar da dialética da história. Outros acre­
minação é pela negação. De P lotino , Hegel aprendeu a
ditam que o termo se refere a uma doença necessária
ver o mundo e a consciência como manifestação do
do pensamento a caminho da verdade absoluta. Hegel
Absoluto — um a form a de panteísm o . De Baruch
afirma que um “círculo quadrado” ou um “círculo de
E spinosa, aprendeu sobre a inseparabilidade entre Deus
vários lados”é contraditório (Acton,p.4 4 4 ).É claro que,
e a natureza e, portanto, o anti-sobrenaturalismo. De
Immanuel K a n t Hegel, concluiu que devemos com e­ se Hegel quis dizer que a lei da não-contradição (v. pri­
çar com o fenômeno da experiência e usar o método meiros princípios) não se aplica a todas as alegações da
transcendental para chegar à verdade. É claro que seu verdade, então sua teoria era incoerente.

treinamento judaico-cristão lhe ensinou uma visão li­ O argumento transcendental. Seguindo a prática de
near da história. Kant, Hegel argumentava transcendentalm ente, ape­
Epistem ologia d e Hegel. A teoria de Hegel do co­ sar de acreditar que isso resultava em absolutos no
nhecimento não é fácil de transm itir brevemente. Mas conteúdo e na forma de conhecimento. Ele acreditava
alguns de seus aspectos são claros. que havia duas opções: realismo e transcendentalismo.
Dialética de Hegel. Para começar, é necessária uma Isto é, podemos ignorar Kant e voltar ao realismo in­
palavra sobre o que Hegel não acreditava. Apesar de gênuo ou ampliar Kant e desenvolver um transcenden­
usar a palavra “dialética”, ele não acreditava no tipo talismo (v. transcendental, argumento ). Ele escolheu a
marxista (v. Marx, Karl) de dialética de tese-antítese- segunda. Como Kant, acreditava que formas apriori na
síntese. Esse trio não aparece nenhuma vez nos oito mente garantem a certeza. Ao contrário de Kant, no
H e g e l, G e o r g W . F. 380

entanto, Hegel julgava que mesmo o conteúdo nosso co­ dimensão espiritual). Depois passa para o homem cor­
nhecimento é absoluto. Argumentou que o conhecimen­ poral (a dimensão material). Finalmente, volta-se para
to parcial (relativo) é impossível porque pressupõe co­ o homem integrado, ser autoconsciente (a dimensão
nhecimento do todo (o absoluto). ética).
O processo transcendental de conhecer começa com No espírito objetivo a distinção entre sujeitos é
o conhecimento tal como se nos apresenta (nos fenô­ vencida. Tudo é parte da unidade maior — o espírito
menos de nossa experiência) e depois continua até en­ hu m ano. P ortan to, no hom em com o um todo a
contrar suas condições necessárias. O teste do conheci­ dualidade é vencida à medida que o todo se posiciona
mento é consistência e coerência. Mas nosso conheci­ acima das partes e as une. Em resumo, não há Deus se­
mento não pode persistir a não ser que esteja baseado parado da natureza. Deus é dependente da natureza.
em alguma forma maior de conhecimento. E a regres­ A visão de Hegel do cristianismo. A encarnação.
são não pode ser infinita (senão não saberíamos nada). Hegel considerava o cristianism o (luteranismo) a re­
Portanto, eventualmente devemos chegar ao conheci­ ligião absoluta, a manifestação mais elevada do Abso­
mento absoluto, que é a confirmação de todo o outro luto até então. Isso é m anifesto especialm ente na
(conhecimento inferior). encarnação de Deus em Cristo, na qual Deus apareceu
Visão de Hegel sobre Deus. Provas da existência na terra num hom em específico numa época específi­
de Deus. Hegel acreditava que havia vencido as obje­ ca. Aqui o Infinito se identifica com o finito.
ções de K a nt para a existência de Deus (v. D eus, obje­ O centro da religião é a encarnação. O Espírito
Numa série de pales­
ções às provas da sua existência ).
Absoluto é onde a dualidade entre Deus e hom em é
tras, defendeu o argumento ontológico para a existên­ vencida. Isso é feito em três fases: arte, religião e fi­
cia de Deus (v. Acton, p. 449). losofia. A arte é apenas um a m anifestação limitada
Panteísmo evolucionário. A metafísica de Hegel é (em im agens) do Absoluto. A religião realiza uma
um tipo de panteísmo evolucionário realizado no pro­
m anifestação mais elevada do Espírito Absoluto na
cesso histórico. Também pode ser considerada uma
verdadeira liberdade revelada em sím bolos. Então, a
forma de panenteísmo , já que há uma bipolaridade de
essência da religião é a cristologia — o Deus-homem
Deus e do mundo. De qualquer forma, a história é o
que morreu e ressuscitou. Quando ele morreu, Deus
conjunto “dos passos” de Deus na areia do tempo. Ou
e o hom em m orreram . Porém, quando ressuscitou,
melhor, a história é a revelação de Deus no mundo tem ­
nem Deus nem o hom em ressuscitaram , mas o Espí­
poral. É a conquista progressiva do mundo pelo Espí­
rito Absoluto em que Deus e o hom em se uniram .
rito Absoluto.
Hegel acreditava que a manifestação mais elevada
Metafísica dialética. A metafísica de Hegel é um exem­
do Absoluto está na filosofia. É a Id éia eterna, a
plo de como sua dialética funcionava. Primeiro, ele co ­
epítome, o mais completo de todos os conceitos. Essa
meça com a lógica, que pressupõe a idéia eterna. Essa é
é apenas a “categoria” mais elevada de todo pensamen­
a mais vazia de todas as noções, desprovida de conteú­
to e existência, não o ponto m ais elevado de realiza­
do. Representa Deus como ele é em sua essência eterna
ção. Jamais poderemos “alcançar” o Espírito Absoluto,
antes da criação do espírito finito.
ele sempre desaparece, deixando apenas a longa es­
A seguir, há a filosofia da natureza. Essa é a criação
trada do argumento que leva a ele. Logo, enquanto
sem Deus. Mas a criação deve estar relacionada a Deus.
Deus se torna homem na religião, o homem se torna
Então como podem esses dois ser conciliados?
Deus na filosofia.
A resposta de Hegel está na filosofia do espírito,
em que há uma dualidade vencedora. Os dois pólos
A Trindade. A conciliação final do Infinito e do
de dualidade são Deus e o mundo. Hegel acreditava finito, de Deus e do homem, é encontrada na Trinda­
que Deus e o mundo devem ser unidos e, assim , de. Pois Deus existia antes do mundo como Pai, foi
abrir mão de suas identidade separadas. Essa é um a manifesto na sua encarnação no mundo como Filhoe
idéia básica do panenteísm o m ais recente de Alfred como aquele que reconcilia Deus e mundo no Espírito
North W h ite h e a d . 0 ponto de contato está no h o ­ Santo. Assim, apesar de Deus não poder existir sem
m em , que é o trad u tor entre natureza e esp írito. negação e opostos, ambos são finalmente conciliados
Logo, o hom em tem a espiritualidade de Deus e o na Trindade.
m aterialism o do mundo. Visão de Hegel da B íblia. Um com eço anti-
Essa vitória divide-se em três fases: espírito sub­ sobrenaturalizado da vida de Cristo. Numa tentativa
jetivo, espírito objetivo e Espírito Absoluto (Deus). No inicial de escrever uma biografia de Jesus, Hegel apre­
espírito subjetivo, a dualidade entre sujeito e objeto sentou uma visão anti-sobrenaturalizada de Jesus e
é vencida. Hegel com eça com o hom em consciente (a formulou os ensinamentos sobre Jesus em termos da
381 H e g e l, G e o r g

ética kantiana, algo que aprendeu do famoso Religião do Espírito triunfando sobre todo literalismo. Ele cita
dentro dos limites da razão pura, de Kant, Aqui Jesus é 2 Coríntios 3.6: “A letra mata, mas o Espírito vivifica”.
retratado por Hegel como ignorante e obscurantista Com isso, a teologia é convertida em filosofia — filo­
em comparação a Sócrates. Além disso, Jesus não é sofia hegeliana.
nascido de uma virgem (v. v ir g in a l , n a sc im e n t o ). Todos Influência de Hegel sobre outros. Hegel teve uma
os m ilag res m en cio n a d o s são in te rp re ta d o s enorm e influência sobre os que o seguiram. Isso in ­
naturalisticamente. O prefácio do Evangelho de João é clui o a t eísm o de Ludwig F e u e r b a c h , que argumentou
reinterpretado de forma a afirmar: “A Razão Pura in­ que “Deus” é o auto-entendim ento do homem. O pro­
capaz de qualquer limitação é a própria Divindade”. fessor W infried Corduan divide os seguidores em es­
Mais tarde, em O espírito do cristianismo e seu des­ querda, centro e direita. Na esquerda estão os que
tino, Hegel comparou a ética evangélica do amor a duas acreditam que o pensam ento de Hegel leva sistem a­
éticas da lei, a judaica e a kantiana, mas nunca aban­ ticam ente ao ateísm o im pessoal. Na direita estão
donou nem seu anti-sobrenaturalismo nem sua visão aqueles que interpretam a filosofia de Hegel num sen­
dos Evangelhos centrada na moralidade. Hegel tam ­ tido teológico. No centro estão os que acreditam que
bém reinterpretou em termos de tragédia grega as his­ a crença central no Espírito Absoluto perm ite a reli­
tórias da morte redentora e ressurreição de Cristo en­ gião. Isso inclui Bruno Bauer, Ludwig Feuerbach e
contradas no Evangelho. Karl Marx (v. Corduan).
Em A positividade da religião cristã, Hegel diz que, Influência de Hegel sobre o ateísmo. Hegel teve
ao afirm ar ser o Messias, Jesus estava apenas usando uma influência significativa sobre o ateísmo m oder­
a linguagem do seu ouvinte, uma forma de t e o r ia da no. Vários jovens hegelianos de esquerda foram seus
a c o m o d a ç ã o . Em vez de re v e re n c iá -lo por seu alunos, inclusive Karl M a r x , com seu m a t e r ia l is m o
e n sin am en to sob re v irtu d e, re v e re n cia ra m seu d i a l é t i c o d erivado de sua m á in te rp re ta ç ã o da
ensinamento sobre virtude por causa dos milagres que “dialética” de Hegel. Friedrich N ietzschf., Thom as
supostamente realizara. Aqui Hegel argumenta que a A l t iz e r e os teólogos da “Morte de Deus” foram in ­
religião grega foi vencida pelo cristianism o porque “o fluenciados pela afirm ação de Hegel de que Deus e o
despotismo dos imperadores romanos havia expulsa­ hom em m orreram na m orte de Cristo.
do o espírito humano da terra e espalhado a miséria Influência de Hegel sobre o e x i s t e n c i a l i s m o . Hegel
que obrigava os homens a buscar e esperar felicidade influenciou existencialistas de vários tipos: teístas,
no céu”. Então,“roubado da liberdade,seu espírito, seu ateus, panteístas e panenteístas. Apesar de sua rejei­
elemento eterno e absoluto, foi forçado a se refugiar ção clara a grande parte das teorias de Hegel, o exis­
na divindade”. Dessa maneira, a objetividade de Deus tencialism o teísta de Soren K ierkegaard depende da
é um complemento da corrupção e escravidão do ho­ idéia de Hegel de que a essência da consciência é li­
mem (Primeiros escritos teológicos, p. 162-3). berdade; de que a verdade é vivida, não conhecida
Transcendentalismo posterior de Hegel ( panteísmo). (práxis); de que a existência é um processo concreto e
Mais tarde, em sua Enciclopédia, dominado por seu ide­ dinâmico; e de uma avaliação realista da posição infe­
alismo transcendental (i.e., panteísmo evolucioná-rio), liz do indivíduo no processo da história. Da mesma
Hegel foi um revisionista radical da verdade literal e his­ forma, o existencialismo ateísta de Jean-Paul Sartrk
tórica da morte e ressurreição de Cristo. O centro da re­ tam bém depende das idéias hegelianas de que a cons­
ligião revelada é a cristologia: Jesus Cristo é o Deus-ho­ ciência é negatividade (liberdade absoluta); de que a
mem. Como tal, morreu na cruz; portanto, Deus e o ho­ pessoa é condenada a nunca se conhecer; e de que o
mem morreram ali. A ressurreição não foi nem de Deus homem impõe significado às coisas. A fenomenologia
nem do homem. Mas na ressurreição Deus e homem de Husserl está baseada no método fenomenológico
uniram-se em Espírito Absoluto. Logo, no panteísmo (descritivo) usado por Hegel para analisar a experi­
desenvolvimentista de Hegel é encontrada a manifesta­ ência humana. E o existencialismo panteísta de Martin
ção mais elevada do Espírito Absoluto. Heidegger é derivado do hegelianismo.
Interpretação das Escrituras. Toda Escritura deve Influência de Hegel sobre a moderna crítica bíbli­
ser interpretada em termos de Espírito Absoluto, que ca. De interesse especial para a apologética cristã é a
Hegel identifica como o Espírito Santo. Ao interpretar influência significativa de Hegel sobre a critica n ega ­
as E scritu ra s, devem os ev ita r o lib era lism o e o tiva da B íblia . Por exemplo, seguindo Hegel, F. C. Baur
racionalismo. O verdadeiro entendimento é baseado e sua escola de Tübingen afirm aram que a tensão do
no Espírito. Crenças ortodoxas devem ser reinterpreta- século I entre a forma judaica do cristianismo de Pedro
das à luz da interpretação (panteísta) de Hegel acerca oposta à forma antijudaica de Paulo foi conciliada no
h e n o te ís m o 382

Evangelho de João no século n (v. Novo T estamento , _ _ _ , Lições sobre a filosofia da religião.
E a versão anti-sobrenaturalista de David
datação de ). S. K ie r k e g a a r d , Either/or.
Strauss sobre a vida de Cristo parte da idéia hegeliana G. E. M e it “The Hegel legend of thesis, nntithesis-synthesis”,
.l e r ,

de que a realidade espiritual é maior que a histórica. Journal o f History o f Ideas 19, no. 3 (1 9 5 8 ).
Logo, como Rudolph B ultmann afirmaria mais tarde: o A.V. M i l i .e r , Hegels phenomenology o f spirit.
cristianismo é mito (v. mitologia e o N ovo T estamento). H . S t e r u n g , The secrets o f Hegel.
Influência de Hegel sobre a hermenêutica. Da m es­
ma forma, o panteísmo m ístico de Martin Heidegger Heisenberg, princípio da incerteza de. V. indeter -

e a h e rm e n ê u tica desenvolvida por B u ltm an n e NAÇÃO, PRINCÍPIO DA.


Gadamer baseiam -se na ênfase de Hegel nas interpre­
tações espirituais das Escrituras. Isso deu origem à helénicos, salvadores. V. apoteose ; histórias de nasci­

“nova hermenêutica”, que é toda subjetiva. mentos divinos; mitraísmo ; ressurreição em religiões não -

A valiação d o p en sam en to d e H egel Do ponto de cristãs, AFIRMAÇÕES DE.


vista apologético, o sistema de pensamento de Hegel
tem aspectos positivos e negativos. Primeiro, alguns h en oteísm o. Henoteísmo é um tipo de politeísmo que
elementos positivos serão rapidamente observados. acredita que há um deus supremo entre os muitos deu­
Valores positivos. Sem elaboração (que é feita em ses que existem, como Zeus no politeísmo grego. Isso
outros artigos anotados), Hegel afirmou o valor da não deve ser confundido com teísmo ou monoteísmo
metafísica; da verdade absoluta (v. verdade , natureza (v. monoteísmo primitivo ), que acredita que há apenas
absoluta da ); de
uma visão cristã linear da história; da um Deus supremo e nenhum outro deus.
compreensão dos seres humanos nas suas situações
de vida concretas; da liberdade humana (v. livre -arbí ­ heteus (hititas), problema dos. Gênesis afirma que
trio ); de uma dimensão a priori do conhecimento (v. Hete foi o progenitor dos heteus (ou hititas), cujo rei­
primeiros princípios); de um argumento transcendental ; no surgiu onde hoje se encontra a Turquia. Entretan­
e outras coisas. to, de acordo com algumas evidências arqueológicas,
Crítica negativa. Apesar dos valores positivos de os heteus não se tornaram um a força proeminente no
Hegel, sua filosofia geral tem tido um efeito negativo Oriente Médio até o reino de Mursílis i, por volta de
sobre o cristianism o ortodoxo. Alguns deles incluem 1620 a.C. Foi Mursilis quem conquistou a Babilônia
seu panteísmo ou PANENTEíSMO, seja qual for o caso; sua em 1600 a.C.
negação do realismo (v.); seus fundamentos para a Contudo, várias vezes em Gênesis 23 faz-se referên­
crítica da Bíblia; seu anti-sobrenaturalismo (v. m ila ­ cia ao encontro de Abraão com os filhos de Hete, que
gres), que envolve a negação da ressurreição física (v. controlavam Hebrom por volta de 2050 a.C. Como os
ressurreição, evidências da); sua idéia de que determ i­ heteus poderiam ter controlado Hebrom tanto tempo
nação é por negação (v. analogia , princípio da ); sua in­ antes de se tornarem uma força significativa na área?
terpretação “espiritual”, que antecipa o pós-modernis- Tabuinhas cuneiformes foram encontradas descre­
m o ea d e sco n stru çã o de Jacques D er r id a e outros (v. vendo conflitos em Anatólia (Turquia) entre princi­
tb. misticismo); e sua incapacidade de basear o conhe­ pados heteus de 1950 a 1850 a.C. aproximadamente.
cimento num Deus imutável, minando assim a verda­ Mesmo antes desse conflito, havia naquela região uma
de absoluta que afirmava (v. verdade , natureza da ). raça de não-indo-europeus chamada hati. Essas pes­
soas foram subjugadas por invasores por volta de 2300
Fontes a 2000 a.C. Os invasores indo-europeus adotaram o
H. B. A cton, “Hegel, Georg W ilhelm Friedrich”, em The nom e hati. Em algum as línguas sem itas com o o
encyclopedia ofphilosophy (v. 3). hebraico, hate e hete seriam escritos com as mesmas
J.C ollins,A history o f modem Western philosophy. letras. Só as consoantes eram escritas, não as vogais.
W. Corduan, “Transcendentalism : Hegel”, em N. L G eisler, Na época de R am essés n, no Egito, a força m ilitar
Biblical errancy: its philosophical roots. dos heteus foi suficiente para precipitar um pacto de
G. W. F. H , Earthly theological writings.
e g e l não-agressão entre o Egito e o Im pério Heteu, esta­
___ , Enciclopédia das ciências filosóficas. belecendo uma fronteira entre eles. Nessa época o
___ , A razão na história. Im pério Heteu chegava até Cades, no rio Orontes
___ , Fenomenologia do espírito. (atual Asi). Entretanto, evidências adicionais indi­
___ , Lições sobre a filosofia da história. cam que os heteus realm ente penetraram m ais ao
___ , Filosofia da natureza. sul, na Síria e Palestina.
383 h in d u ís m o v e d a n ta

Apesar de o reino hitita não ter atingido seu apo­ h in d u ísm o ved anta. O hinduísmo representa uma
geu até a segunda metade do século xiv, há evidência categoria ampla de crenças religiosas, a m aioria das
satisfatória para substanciar a presença significativa quais é panteísta (v. panteísm o ) ou panenteísta (v.
dos heteus de modo suficiente para que controlassem p a n e n t e ís m o ). U m a das fo rm a s m a is a n tig a s de

Hebrom na época de Abraão. panteísmo é encontrada na última parte dos Vedas, as


e s c r itu ra s h in d u s. E ssa p a rte fin a l é ch am ad a
Fontes Upanixades. Pelo fato de os Upanixade virem no final
C. E.A . H ittites.em D iction ary o f biblical archaeology. de cada um dos quatro Vedas, foram chamados v e d a n t a ,
N . L . G e is l e r & T. H o w e , M an u al p o p u la r d e dúvidas, en ig m as e que significa fim ou objetivo do Veda.
“con trad ições”d a B íblia
G . L . A r c h e r , Jr., E n ciclopédia d e tem as bíblicos. Portanto, quando um hindu m oderno fala do Vedanta,
O. R. G u r n e y , The hittites. ele quer dizer as duas coisas: as escrituras m encionadas, que
E. N e u f ie l d , The hittite laws. são para ele a últim a parte dos Vedas, e ao m esm o tem po a
razão últim a para a existência dos Vedas, sua culm inação
Hick, John. A vida e obras de Hick. Um dos filósofos p erfeita — num a palavra, sua sabed oria m ais elevada
da religião mais importantes do final do século xx. Suas ( Prabhavananda, Spiritual heritage, p. 39).
obras literárias e influência têm sido uma grande força
contra o cristianismo ortodoxo em vários momentos 0 autor e a data dos Upanixades são desconhecidos.
críticos. Isso inclui as questões da existência de Deus, Consistem nas experiências registradas de sábios hindus
do problema do mal, do destino dos seres humanos e (ibid., p. 39 ,4 0 ). Os Upanixades, juntam ente com o
da divindade de Cristo. Bhagavad-Gita, formam a base do hinduísmo vedanta,
As posições de Hick. Hick defende firmemente o que é um exemplo clássico de panteísmo (v. tb. monismo;
PLURALISMO e O UNTTARISMO. Sua teodicéia (v. M AL, PROBLE­ um e muitos ; problema de; P arméntdes; P lotino).
MAdo) envolve o universalismo e o reencarxacionismo. O conceito vedanta sobre Deus. Nem todas as for­
Todas estas posições, inclusive as de Hick, são discuti­ mas de hinduísmo acreditam num Deus impessoal. O
das em outros artigos. As principais obras de Hick são hinduísmo bhakti não acredita. Nem o Hare Krishna.
alistadas a seguir. M as o p a n te ísm o ved an ta e n sin a que só D eus
(Brahm an) existe. Esse Deus é ao mesmo tempo infi­
Fontes nito em fo rm a, im o rta l, im p erecív el, im p esso al,
A. D. C l a r k e e B. H u n t e r , orgs., One God, o n e Lord: C hristianity onipresente, supremo, imutável, absoluto e indivisivel-
in a w orld o f religious pluralism . mente, mas também nada disso. Pois Deus está além
D. G e iv e t t , Evil a n d the ev id en ce f o r G od: the challen ge o f John de todo pensamento e palavra:
H ick’s theology.
D. G e iv e t t , et al„ em D e n n is O k h o l m et a l., M ore than on e wave O o lh o n ã o o [B r a h m a n ] v ê ,n e m a lín g u a e x p re s s a , nem
Four views on salvation in a pluralistic w orld. 1 a m e n te co m p re e n d e . N em o c o n h e c e m o s n e m p o d e m o s en ­
K . G n a n a k a x , The plu ralistic predicam ent. sin ar. E le é d ife re n te do c o n h e c id o e [...] do d e s co n h e cid o .
}. H ic k , D eath a n d e tern a l life. Q u em re a lm e n te c o n h e c e B r a h m a n o c o n h e c e co m o além
______, An interpretation o f religion. d o c o n h e c im e n to ; q u e m a cre d ita q u e o c o n h e c e , n ã o o c o ­
______, The m etap h or o f G od incarnate: christology in a pluralistic n h ece. Os ig n o ra n te s p e n s a m qu e B ra h m a n é co n h e cid o , m a s
age. os s á b io s s a b e m q u e e le e s tá a lé m d o c o n h e c im e n to [v.
___ , “A pluralist’s view?”, em D e n n is O k h o l m et al., M ore than U pan ixades,p.30,1).
on e w ay? Four v ie w s on salvation in a pluralistic world.
A. M G c, “The challenge o f pluralism for the contem porary
r a t h Brahman é inexprimível e indefinível. Nada pode
Christian church”, Jo u rn a l o f the E vangelical T heological ser realmente dito ou pensado sobre ele. Isso é ilustra­
Society (Sept. 1992). do graficamente pelo filósofo hindu Sankara no co­
___ , “Response to John Hick”, em D O et ah, M ore e n n is k h o l m mentário sobre os Upanixades:“ ‘Senhor’, disse um alu­
than on e way? Four views on salvation in a pluralistic no ao seu m estre,‘ensina-me a natureza de Brahm an.
world. O mestre não respondeu. Quando foi importunado pela
R. N a s h , I s Jesus the only savior? segunda e terceira vez, respondeu: ‘Eu te ensinarei, mas
H. N f.t i .a n d , D issonant voices: religious pluralism a n d the tu não seguirás. Seu nome é silêncio’” (Prabhavananda,
question o f truth. Spiritual heritage, p. 45).
D.0KHOLM,et al, Afore than one w ay?Four views on salvation in O conceito vedanta sobre o mundo. O panteísmo
a p luralistic world. vedanta também ensina que tudo é Deus e Deus é tudo.
h in d u ís m o v e d a n ta 384

Há apenas uma realidade. O mundo que vemos, ouvi­ Esse impulso em direção à indiferença a qualquer
mos, tocamos, degustamos e cheiramos não existe real­ ação é explicado mais claramente em Bhagavad-Gita.
mente. Ele parece existir, mas na verdade é uma ilusão, Xo Gita, um longo diálogo ocorre entre Krishna, uma
ou maya. O universo que percebemos é como andar por m anifestação de Brahm an, e seu amigo e discípulo,
uma floresta densa à noite e ver o que parece ser uma Arjuna. Arjuna fala com Krishna sobre sua relutân­
cobra. Mas, quando voltamos para o mesmo lugar à luz cia em lutar contra um povo no meio do qual tem
do dia, vemos que a cobra era na verdade uma corda. A muitos amigos. Ele pergunta a Krishna com o pode­
corda parecia uma cobra, porém na realidade não era ria ser ju stifica d o o assassin ato de seus am igos.
uma cobra. Assim como a cobra parecia existir, o uni­ Krishna diz a Arjuna que ele precisa libertar-se dos
verso parece existir, mas na verdade não existe. O uni­ fru tos de suas a çõ e s, não im p orta quais sejam .
verso, pelo contrário, é maya , uma ilusão sobreposta à Krishna afirm a o seguinte:
verdadeira realidade, Brahman.
Como os Upanixades afirmam: “Somente Brahman Aquele cuja mente se encontra
existe — nada mais existe. Quem vê o universo com ­ Longe de qualquer vínculo,
plexo, e não a realidade única, passa de morte em mor­ Não corrompido pelo ego,
te” (Prabhavananda, Upanixades, p. 21). “Medite, e per­ Nenhuma ação o limitará
ceberá que mente, matéria e maya (o poder que une Com qualquer grilhão:
m en te e m a té ria ) são ap en as trê s a sp e cto s de Mesmo que assassine esses milhares
Brahman, a realidade única” (ibid., p. 119). Não será assassino (ibid.,p. 122).
O conceito vedanta sobre a hum an id ad e. O
panteísmo vedanta diz que a humanidade é Brahman. Krishna explica a Arjuna que esse estado de união
Maya, ou o universo ilusório, fez-nos pensar que cada com Brahm an pode ser alcançado por um ou pela
pessoa é um indivíduo no universo. Mas, se a pessoa combinação qualquer dos seguintes caminhos:
pudesse eliminar o maya dos seus sentidos e mente e
meditar no Ser verdadeiro (Átm ã), chegaria à conclu­ 1. Ragayoga — o cam inho da união por meio
são de que Átmã é Brahman, a única realidade. A pro­ da meditação e controle mental;
fundidade da alma da pessoa é idêntica à profundida­ 2. Karm ayoga — o cam inho da união por meio
de do universo. do trabalho;
Depois de alcançar o Brahman, um sábio decla­ 3. Jnana yoga — o caminho da união por meio
rou: “Eu sou a vida [...] estou estabelecido na pureza do conhecimento; ou
de Brahman. Alcancei a liberdade do Ser. Sou Brahman, 4. Bhaktiyoga — o caminho da união por meio
auto-iluminado, o tesouro mais brilhante. Sou dotado do amor e da devoção (Prabhavananda,
de sabedoria. Sou imortal, imperecível” (ibid., p. 54). Spiritual heritage, p. 9 8 ,1 2 3 -9 ).
O conceito vedanta sobre a ética. De acordo com
o panteísm o vedanta, as pessoas devem transcender Mas qualquer caminho deve ser acompanhado por
o mundo da ilusão para descobrir o Ser verdadeiro desprendimento ou indiferença a qualquer ação. Só
(Prabhavananda, Spiritual heritage, p. 55). Isso é al­ assim o bem e o mal serão transcendidos e a união
cançado ao ir além do bem e do mal. “Quando o ob ­ com Brahman, alcançada.
servador contempla o Fulgente, o Senhor, o Ser Su­ O destino hum ano. P erceber a unidade com
premo, então, transcendendo o bem e o mal, e liber­ Brahm an é essencial no panteísmo vedanta, pois sem
to de impurezas, une-se a ele” (Upanixades, p. 47). essa consciência a pessoa está condenada para sem ­
Quando uma pessoa se une a Brahm an, ele não será pre ao ciclo de samsara. Samsara é o ciclo do tempo e
mais perturbado por pensam entos como “Fiz uma desejo, ou nascim ento, m orte e renascim ento (v. re -
coisa ruim ” ou “Fiz uma coisa boa”. Pois ir além do e n c a r n a ç ã o ). É o ciclo ao qual tudo no mundo de ilu­
bem e do mal é não se preocupar mais com o que foi são está preso. E samsara “em si está sujeito e condi­
feito (ibid., p. 111). É tornar-se independente das cionado pela causa infinita, o darma do universo”
ações do passado pessoal (ou de outra pessoa), pre­ (Corwin, p. 22).
sente ou futuro. Até os resultados de quaisquer ações A vida da pessoa também é determinada pela lei
serão vistos com indiferença. “Quando teu intelecto do carma ou ação. Essa é a lei moral do universo.
libertar-se das suas ilusões, ficarás indiferente aos Huston Smith explica que carma é “a lei moral de cau­
re su lta d o s de to d a a ç ã o , p re se n te ou fu tu ra ” sa e efeito”. É absolutamente comprometedora e não
(Prabhavananda, Bhagavad-Gíta, p. 41). permite exceções. 0 carma diz que toda decisão feita
385 h in d u ís m o v e d a n ta

por um indivíduo no presente é causada por todas as O desejo de negar todas as limitações da verdadeira
decisões anteriores nas vidas passadas, e por sua vez realidade também é bom. A verdade não pode ser li­
afetará toda decisão futura (Sm ith, p. 76). m itada pela sensações ou percepções hum anas. O
A pessoa cujo carma é bom pode seguir um dos hinduísmo luta com o problema básico do mal (v. m a l ,
dois caminhos possíveis. Quem consegue se libertar pro blem a d o ). Reconhece que o mal deve ser explicado
do samsara — o ciclo de nascimento e renascimento e combatido.
— alcançará os planos mais elevados de existência ou Já que o hinduísm o vedanta é um a form a de
consciência até tornar-se um com o ser divino “no seu monismo e panteísmo, é avaliado em outros artigos.
aspecto impessoal e, assim, chegar final mente ao tér­ Seu erro metafísico básico está na rejeição à ana­
mino da sua jornada” (Spiritual heritage , p. 70). logia da existência (v . a n a l o g ia ) . Nem toda existência é
Quem fez o bem, mas não o suficiente para se li­ unívoca — a mesma coisa. Há um Ser Infinito e há
vrar do samsara, irá “para um ou outro céu, onde go­ seres finitos, e estes são tipos diferentes de seres. Há
zará dos frutos das suas boas obras que fez no corpo uma analogia de existência.
[...] e quando esses frutos se acabarem, nascerá de Da mesma forma, a negação da realidade do mal é
novo, isto é, reencarnará” na terra num “novo corpo uma forma clássica de il u s io n is m o . Mas quem não sabe
adequado a um nível de existência novo e superior” o que é real, não pode saber que o mundo é uma ilu­
(ibid.,p. 70-1). Se o carma da pessoa é em grande par­ são. Conhecer o real é pré-requisito para conhecer o
te mau, ela “vai para as regiões dos perversos para co­ que não é real.
m er ali os frutos amargos das suas obras. Quando es­ Para manter o panteísmo absoluto, os monistas de­
ses frutos se acabarem, ela também retornará à terra” vem negar a validade do conhecimento sensorial. Os
reencarnada ( ibid., p. 71). sentidos nos dizem que há muitas coisas e que elas
Com relação à lei do carma e ao ciclo do samsara, são físicas. O m onista deve negar essas duas inform a­
“é na terra que o homem determina seu destino espi­ ções sobre a realidade. Mas a negação de todo conhe­
ritual e alcança sua realização final” (ibid.). A salva­ cimento sensorial é incoerente. Não é possível saber
ção depende apenas dos esforços pessoais. Estados su­ que os sentidos enganam sem confiar neles para fazer
periores de existência oferecem recompensas de feli­ tal afirmação. Vemos um galho torto na água e sabe­
cidade e estados inferiores são castigos que cada pes­ mos que nossos sentidos estão nos enganando. Como
soa alcança para si.“A história de um indivíduo espe­ sabemos que o galho é realmente reto? Devemos usar
cífico, o número de vezes que passa por renascimento, nossos sentidos. O sentido da visão nos diz como ele
ou reencarnação, como é chamada, depende totalm en­ parece ser quando está fora da água e o tato nos per­
te da qualidade da sua vontade, do esforço moral que mite sentir como ele é dentro da água.
exerce” (ibid.,p. 27) (v. i n t e r n o ) . Os monistas esperam que confiemos em nossos
No final, toda a humanidade alcançará libertação sentidos quando olhamos para seus livros ou ouvimos
do samsara e a união com Brahman. Algumas pessoas as suas palestras para que as entendamos. Não reco­
poderão voltar à terra várias vezes, mas certamente al­ nhecem que, apesar do conhecimento ser mais que
cançarão sua salvação. Como Prabhavananda diz: “Os sensação, ele começa com a sensação. Tudo na mente
Upanixades não conhecem a condenação eterna — e passou primeiro pelos sentidos, exceto a própria m en­
esse também é o caso de todals as outras escrituras te. Portanto, conhecemos mais que sensações, mas não
hindus” (ibid., p. 71 [v. i n f e r n o ] ). conhecemos o mundo sem sensações. As sensações são
0 panteísmo vedanta é o panteísmo absoluto do básicas para toda compreensão da realidade.
Oriente. O hinduísmo ficou mais popular e aceito no Epistemologicamente, o hinduísmo monista está
Ocidente por causa de grupos religiosos e práticos sujeito a várias críticas feitas também ao a g n o stic ism o .
como a Meditação Transcendental e a Sociedade In­ É contraditório, pois usa as leis básicas do pensam en­
ternacional pela Consciência de Krishna. O panteísmo to para expressar suas teorias sobre o que afirma ser
vedanta é um monismo absoluto, declarando que Deus inexprimível. Usa primeiros princípios na sua rejei­
é tudo e tudo é Um. ção aos primeiros princípios e à realidade finita.
Avaliação. Como outras cosmovisões, o m o n ism o A ética do hinduísmo vedanta é uma form a de
tem dimensões positivas e negativas. Apesar de sua relativismo, já que nega que haja absolutos morais (v.
posição de realidade suprema estar errada, o hinduís­ M O R A L ID A D E , N ATUREZA A BSO LUTA Da ) . IS S O tam b ém é CO n-
mo vedanta pode ser recomendado por sua busca pelo traditório. Não é possível evitar todos os absolutos
conhecimento da verdadeira realidade. A realidade vai morais sem afirm ar o absoluto moral de que não há
muito além do mundo que nossos sentidos percebem. absolutos morais. A afirmação de que a pessoa “deve”
h i s t ó r i a , o b j e ti v id a d e d a 386

evitar absolutos é um “dever” moral em si. Não é pos­ passados, mas com afirmações sobre eventos passados.
sível afirm ar que a verdadeira realidade está além do Esse fato capacita o historiador a lidar com fatos de for­
bem e do mal a não ser que haja um princípio moral ma imaginativa. Fatos históricos, insistem eles, só exis­
absoluto pelo qual medir o bem e o mal. Nesse caso, tem na mente criativa do historiador. Os documentos não
no entanto, há um padrão moral absoluto. contêm fatos, mas são, sem o entendimento do historia­
dor, meras linhas de tinta no papel.
Fontes Além disso, uma vez que o evento tenha aconteci­
B h a g a v a d -G ita ,Prabhavananda, trad., com C. U íh e r w o o d . do, ele nunca mais poderá ser completamente recria­
D. C e N .L. G
l a r k ,A p o l o g e t i c s iti t h e X e w .A g e .
e is l e r do. O historiador deve atribuir significado ao registro
C. C o rivin , E a s t to E d e n f R e l i g i o n a n d t h e d y n a m i c s o f s o c i a l fragmentado de segunda m ão.“0 evento em si, os fa­
chan ge. tos, não dizem nada, não dão nenhum significado. É o
N. L. G e is l e r e W . W a t k in s , W o r ld s a p a r t : a h a n d b o o k o n w o r ld h istoriad or que fala, que im põe um significad o”
v ie w s . (Becker, K hat are historicalfacts?, p. 131).
H. P. Owen, C o n c e p t s o f d e i t y , Duas razões permitem ao historiador apenas um
Prabhavananda, T h e s p i r i t u a l h e r i t a g e o f í n d i a . acesso indireto ao passado. Primeira, o mundo do his­
S. R a d h a k r ish n a n , T h e h in d u v í e w o f l i f e . toriador é composto de registros, e não de eventos. É
___ , T h e p r i n c i p i e U p a n is h a d s . por isso que o historiador se vê limitado a oferecer ape­
H. S mith , T h e r e l ig io n s o f m a n . nas um “retrato restaurado” do passado. Nesse sentido,
T h e U p a n i s h a d s : b r e a t h o f t h e e t e r n a l , Prabhavananda, F. o passado é na verdade um produto do presente. Segun­
M a x c h e st e r , trad. da, o cientista pode testar sua teoria, ao passo que a ex­
periência não é possível com eventos históricos. 0 cien­
história, objetividade da. O argum ento geral em de­ tista empírico tem a vantagem da repetição; pode sujei­
fesa do cristianismo (v. a p o l o g é t i c a , a r g u m e n t o da ) é b a­ tar suas teorias à falsificação. 0 historiador não pode. O
seado na historicidade dos documentos do x t ( v . N ovo evento histórico não observável não pode mais ser com­
T E S T A M E N T O , M A N U S C R IT O S ; N O V O T E S T A M E N T O , HISTORICIDADE provado; faz parte do passado desaparecido para sem ­
d o ).
Mas isso, por sua vez é baseado na afirmação de pre. Portanto, o que a pessoa acredita sobre o passado
que a história é objetivamente cognoscível. Já que tal não será mais que uma reflexão da imaginação. Será
fato é desafiado fortemente pelos historiadores con­ uma construção subjetiva nas mentes dos historiado­
temporâneos, é necessário refutar essa afirmação para res atuais, mas não se pode esperar que seja a represen­
assegurar a defesa do cristianismo. tação objetiva do que realmente aconteceu.
Objeções à história objetiva. Muitos argumentos A natureza fragmentária dos registros históricos. Na
foram levantados contra a posição de que a história é melhor das hipóteses o historiador pode esperar a to­
objetivamente cognoscível. A discussão aqui apresen­ talidade da documentação, mas a totalidade dos even­
tada segue em linhas gerais o excelente resumo en­ tos nunca é possível. Os documentos cobrem no m á­
contrad o na tese não publicada de m estrad o de ximo uma fração dos eventos (Beard, p. 323). Com base
William L. Craig (v. Craig). Há pelo menos dez argu­ apenas em documentos fragmentários não se pode ti­
mentos contra a objetividade da história a serem exa­ rar conclusões finais e totais de m aneira válida. Os
minados (v. Beard, p. 323-5). documentos não apresentam os eventos, mas apenas
Se esses argumentos forem válidos, isso impossi­ sua interpretação mediada pelos autores. No máximo,
bilitará a comprovação do cristianism o por meio de temos o registro fragmentado do que alguém pensou
um método histórico. Esses dez argumentos dividem- que aconteceu. Assim, “o que realmente aconteceu ain­
se em quatro categ orias m aiores: m etod ológica, da teria de ser reconstruído na mente do historiador”
epistemológica, axiológica e metafísica. (Carr,p.20). Pelo fato de os documentos serem tão frag­
Objeções epistemológicas. A epistemologia lida com mentados e os eventos tão distantes, a objetividade tor­
o método de obtenção do conhecimento, e o relativista na-se uma ilusão para o historiador. Pouquís-simas
histórico contende que as próprias condições pelas peças do quebra-cabeça permanecem,e os retratos par­
quais alguém chega a conhecer a história são tão sub­ ciais das poucas peças sobreviventes só sugerem a mente
jetivas que é impossível obter conhecimento objetivo de quem deixou as peças.
da história. Três objeções principais são dadas. Os historiadores são historicamente condicionados. Os
A não-observabilidade da história. Os subjetivistas relativistas históricos insistem em que o historiador é
históricos argumentam que a substância da história, ao produto de seu tempo e está sujeito à programação in­
contrário da estudada pela ciência empírica, não é dire­ consciente. É impossível afastar-se e observar a história
tamente observável. O historiador não lida com eventos objetivamente porque o observador é parte do processo
387 h i s t ó r i a , o b je ti v id a d e d a

histórico. A síntese histórica depende da personalidade Sem o historiador, os pontos não são numerados nem
do escritor bem como do meio social e religioso em que o organizados de forma óbvia. A im aginação oferece
autor vive (Pirenne, p. 97). Nesse sentido é necessário es­ continuidade.
tudar o historiador antes de poder entender a história do Além disso, o historiador não se contenta em con­
historiador. tar apenas o que aconteceu, mas se sente obrigado a
Uma vez que o historiador é parte do processo h is­ explicar por que aquilo aconteceu (Walsh, p. 32). Isso
tórico, a objetividade nunca pode ser atingida. A h is­ torna a história completamente coerente e inteligível.
tória de uma geração será rescrita pela próxima, e as­ A boa história apresenta tema e unidade, que são da­
sim por diante. Nenhum historiador pode transcen­ dos pelo historiador. Os fatos por si só não fazem a
der a relatividade histórica e observar o processo mun­ história, assim como pontos desconexos não fazem
dial pelo lado de fora (Collingwood, p. 248). Na m e­ uma figura. Aí está, segundo o subjetivista, a diferen­
lhor das hipóteses pode haver interpretações históri­ ça entre crónica e história. A primeira é apenas a m a­
cas sucessivas, menos que definitivas, cada uma ob­ téria-prima. Sem a estrutura oferecida pelo historia­
servando a história do ponto de vista da sua geração dor, a “substância ” da história seria insignificante.
de historiadores. Não existem historiadores neutros. 0 estudo da história é um estudo de causas. O his­
Objeções metodológicas. Objeções metodológicas toriador quer saber por quê, para tecer a rede unificada
referem-se ao procedimento pelo qual os historiadores de eventos interligados que forme o todo. Assim, a sub­
fazem seu trabalho. Três objeções metodológicas prin­ jetividade é inevitavelmente interposta. Mesmo que
cipais atacam o conceito de que a história é objetiva o haja alguma semelhança de objetividade na crônica,
suficiente para estabelecer a verdade do cristianismo. não há esperança de objetividade na história. A histó­
A natureza seletiva da pesquisa. Além do historia­ ria é, em princípio, não objetiva, pois o que a faz his­
dor não ter acesso aos eventos e ter de trabalhar com
tória (ao contrário da simples crônica) é a estrutura
interpretações fragm entárias, o que torna a objetivi­
interpretativa dada a ela a partir do ponto de vista sub­
dade mais improvável é que o historiador deve fazer
jetivo do historiador. Logo, conclui-se que a necessi­
escolhas entre esses relatórios fragmentados. Os his­
dade da estrutura inevitavelmente impossibilita a ob­
toriadores nem chegam a tocar em alguns volumes en­
jetividade.
contrados nos arquivos (Beard,p. 324). A seleção atu­
A necessidade de selecionar e organizar. O histo­
al entre os registros fragmentados é influenciada por
riador observa indiretam ente docum entos fragm en­
fatores subjetivos e relativos, inclusive preconceito pes­
tados por intermédio da interpretação da fonte ori­
soal, disponibilidade, conhecimento de línguas, cren­
ginal. No processo, a quantidade selecionada de m a­
ças pessoais e condições sociais. O historiador torna-
terial de arquivos disponíveis é colocada na estrutu­
se parte inseparável da história escrita. O que é inclu­
ra interpre-tativa pela utilização da linguagem car­
ído e o que é excluído na interpretação sempre será
regada de valores do próprio historiador dentro da
questão de escolha subjetiva. Não importa quão obje­
cosmovisão geral. Os eventos foram entendidos do
tivo seja o historiador, é praticamente impossível apre­
ponto de vista relativo da geração do historiador, e
sentar o que realmente aconteceu. Uma “história” não
até os tópicos estudados correspondem às preferên­
é m ais que a interpretação baseada na seleção subjeti­
cias su b jetiv a s do p esqu isad or. As c a rta s estão
va de interpretações fragm entárias de eventos passa­
marcadas contra a objetividade desde o início. Ao
dos e impossíveis de repetir.
escrever, o historiador, do ponto de vista pessoal,
Então, argumenta-se, os fatos da história não são
óbvios. “Os fatos falam apenas quando o historiador abrange eventos que não se repetem de registros frag­
os chama; é ele quem decide a quais tatos dar apoio, e mentados de segunda mão quando organiza subje­
em que ordem ou contexto” (Carr, p. 32). Na verdade, tivamente o material. (Collingwood, p. 2 8 5 -9 0 ).
quando os “fatos” falam, não são os eventos originais A seleção e a organização serão determinadas pe­
que são articulados, e sim opiniões fragmentadas pos­ los fatores pessoal e social. O produto escrito final evi­
teriores sobre esses eventos. Portanto, pela própria denciará preconceitos sobre o que foi incluído e o que
natureza do projeto, o historiador jam ais pode espe­ foi excluído. Carecerá de objetividade pela maneira em
rar objetividade. que os fatos foram organizados e enfatizados. A sele­
A necessidade de estruturar os fatos. O conhecimen­ ção será, conforme a estrutura adotada, estreita ou am ­
to parcial do passado torna necessário que o historia­ pla, clara ou confusa. Seja qual for sua natureza, a es­
dor “preencha” as lacunas com sua imaginação. Como trutura reflete a mente do historiador (Beard, p. 150-
uma criança desenha linhas entre os pontos de uma fi­ 1). Isso leva o leitor ainda mais longe do conhecim en­
gura, o historiador contrói as conexões entre os eventos. to objetivo do que realmente aconteceu.
h i s t ó r i a , o b je ti v id a d e d a 388

Os subjetivistas concluem que as esperanças de ob­ apenas no contexto geral da cosmovisão. Sem a es­
jetividade são esmagadas a cada passo do processo. trutura da cosmovisão, a “substância” da história não
Uma objeção axiológica (de valor). 0 historiador tem significado. Agostinho, por exemplo, via a histó­
não pode deixar de fazer julgamentos de valor (v. v e r ­ ria como uma grande teodicéia, m as W. F. G. Hegel a
d a de , n atureza da ). Isso, argumentam os relativistas his­ via como um desdobramento do divino. Não se trata
tóricos, torna a objetividade inatingível, pois na pró­ de uma descoberta arqueológica ou factual, mas ape­
pria seleção e organização de materiais são feitos jul­ nas das pressuposições religiosas ou filosóficas que
gamentos de valor. Títulos de capítulos e seções im ­ levaram cada pessoa a desenvolver uma posição. As
plicam valores do escritor. filosofias orientais da história são ainda m ais varia­
Como disse um historiador, o próprio material da das; envolvem um padrão cíclico em vez de um pa­
história está “carregado de valores” (Dray, p. 23). Os fa­ drão linear.
tos da história consistem em assassinatos, opressão e Uma vez que se admita a relatividade ou perspecti-
outros males que não podem ser descritos em palavras vidade de uma cosmovisão em vez de outra, os relativistas
moralmente neutras. Pelo uso da linguagem comum, o históricos insistem em que já se abriu mão de todos os
historiador é forçado a impor valores. Se, por exemplo, direitos para reivindicar objetividade. Se há maneiras di­
uma pessoa é chamada de “ditador” ou “governante be­ ferentes de interpretar os mesmos fatos, dependendo da
nevolente”, trata-se de um julgamento de valores. Como perspectiva geral, então não existe interpretação objetiva
se pode descrever Adolf Hitler sem fazer julgamento de única da história.
valores? E se alguém tentasse um tipo de descrição ci­
Milagres são supra-históricos. Mesmo supondo que
entificamente neutra dos eventos passados, sem qual­
a história secular pudesse ser conhecida objetivamen­
quer interpretação afirmada ou sugerida dos propósi­
te, ainda permanece o problema da subjetividade da
tos humanos, isso não seria história, mas mera crônica
história religiosa. Alguns escritores estabelecem uma
e sem significado histórico.
forte distinção entre Historie e Geschichte (Kahler, p.
Não há como o historiador ficar fora da história.
6 3 ; v. K ah l er , M artin). A primeira é empírica e objeti­
Perspectivas e preconceitos serão expressos na lingua­
vamente cognoscível até certo ponto; a segunda é es­
gem de valores pela qual e através da qual o mundo é
piritual e incognoscível de maneira histórica ou obje­
visto. Nesse sentido a objetividade é inatingível. Todo
tiva. Mas como espiritual ou supra-histórica, não há
escritor inevitavelmente avaliará as coisas de uma
como comprová-la de maneira objetiva. A história es­
perspectiva subjetiva e com palavras escolhidas.
piritual não tem conexão necessária com o contínuo
Objeções metafísicas. Três objeções metafísicas fo­
espaço-temporal dos eventos empíricos. É “mito” (v.
ram apontadas contra a crença na história objetiva. Cada
MILAGRES, ARGUMENTOS CONTRA; MILAGRES, MITO E; MITOLOGIA
uma delas é predicada, teórica ou prática, na premissa
e o Novo T estamento ). Oferece significado religioso sub­
de que a cosmovisão afeta o estudo da história.
jetivo ao seguidor, mas carece de fundamento objeti­
A inevitabilidade das visões de mundo. Cada histo­
vo. Como a história de George Washington e a cerejei­
riador interpreta o passado na estrutura geral de uma
ra, Geschichte é uma história feita de eventos que pro­
Weltanschauung (cosm ovisão). Cada historiador ope­
vavelmente jam ais aconteceram, mas que inspiram os
ra a partir de uma das três filosofias da história: 1) a
homens a algum bem moral ou religioso.
história é um emaranhado caótico de eventos sem sig­
Se essa distinção for aplicada ao n t , mesmo su­
nificado; 2) os eventos da história da humanidade se
pondo que a vida e os ensinam entos centrais de Je­
repetem numa espécie de ciclo; 3) os eventos levam a
história de forma linear a um ponto final (Beard, p. sus de Nazaré possam ser objetivam ente estabeleci­
151). Qual o historiador escolher será uma questão de dos, não há m aneira histórica de confirm ar a dim en­
fé ou de filosofia. Sem que uma visão ou outra seja são milagrosa do nt ( v . milagres na B í b l i a ). Milagres
pressuposta, nenhuma interpretação é possível. As não acontecem como parte da Historie e, portanto,
Weltanschauungen determinam se o historiador vê os não estão sujeitos à análise objetiva; são eventos do
eventos como um labirinto insignificante, uma série tipo Geschichte e, como tais, não podem ser analisa­
de repetições infinitas ou um avanço objetivo. Essas dos pela m etodologia histórica. Muitos teólogos con­
cosmovisões são necessárias e inevitavelmente orien­ tem porâneos aceitaram essa distinção. Paul T illich
tadas por valores. Sem uma c o sm o v isã o , o historiador afirm ou que é “uma distorção desastrosa do signifi­
não pode interpretar o passado; mas a cosmovisão cado da fé identificá-la com a crença na validade h is­
torna a objetividade impossível. tórica das histórias b íb licas” (Tillich, p. 87). M as,
Uma cosmovisão não é gerada pelos fatos. Os fatos com o Soren K i e r k e g a a r d , Tillich acreditava que o
não dispensam explicação. Os fatos ganham significado im portante é que ela evoque a resposta religiosa
389 h i s t ó r i a , o b j e ti v id a d e d a

adequada. Com isso R ud olf Blltm .anx e Shu bert de eventos no passado, os etêitos das causas que reconheci­
Ogden concordariam , bem com o grande parte do damente não têm analogia no mundo em que vivemos, e
pensam ento teológico contem porâneo. que conhecemos, ficamos sem nenhuma resposta além des­
Até os que, com o Karl Jaspers, opõem -se à visão ta, que [...] temos de construir uma casa sem alicerce [...] E
mais radical de desm itificação de Bultmann, aceitam como podemos tentar isso sem entrar em contradição?
a distinção entre dim ensões espirituais e em píricas (Bradley, 100).
de milagres (Jaspers, p. 16-7). Do lado mais conser­
vador dos que m antêm essa d istin ç ã o está Ian Uma resposta ao relativismo histórico. Apesar des­
Ramsey. De acordo com Ramsey, “não é suficiente sas fortes objeções à possibilidade da objetividade histó­
pensar sobre os fatos da Bíblia como ‘fatos h istóri­ rica, a questão não está de forma alguma encerrada. Há
cos brutos’ para os quais os evangelistas dão ‘inter­ falhas na posição dos relativistas históricos. As respostas
pretação’ distinta”.“Nenhuma tentativa de fazer a lin­ dadas estão na ordem das objeções acima.
guagem da Bíblia conform ar-se com a linguagem Oproblema do acesso indireto. Se por objetivo que­
pública, precisa e direta — seja essa linguagem c i­ remos dizer conhecimento absoluto, então nenhum
entífica, seja histórica — foi bem -sucedida.” A B í­ historiador humano pode ser objetivo. No entanto, se
blia fala sobre situações que os existencialistas de­ objetivo significa “uma apresentação ju sta mas passí­
nom inam “autênticas” ou “existen ciais-h istó ricas” vel de revisão que homens e mulheres racionais de­
(Ram sey, p. 118-9 , 122). Sem pre há “m ais” que o vem aceitar”, então a porta está aberta para a possibi­
em pírico em toda situação religiosa ou milagrosa. lidade de objetividade. Nesse último caso, a história é
Milagres são historicamente incognoscíveis. A par­ tão objetiva quanto algumas ciências (Block.p. 50). A
tir do princípio de analogia de Ernst T roeltsch , alguns paleontologia (geologia histórica) é considerada uma
historiadores passaram a se opor à possibilidade de das ciências mais objetivas. Ela lida com fatos físicos e
estabelecer o milagre com base no testemunho sobre processos do passado. Mas os eventos representados
o passado. Como discutido mais detalhadamente em pelas descobertas fósseis não são mais diretamente aces­
m il a g r e s , a r g u m en to s c o x t r a , Troeltsch equacionou o síveis aos cientistas ou mais repetíveis que eventos his­
problema desta maneira: tóricos para o historiador. Há algumas diferenças. O fós­
sil é uma impressão mecanicamente verdadeira do even­
Com base na analogia dos eventos conhecidos por nós, to original, e a testemunha ocular da história pode ser
buscam os por conjectura e entendimento empático explicar menos precisa. Entretanto, processos naturais também
e reconstruir o passado [...] já que discernim os o mesmo pro­ podem prejudicar a impressão fóssil. Pelo menos se a
cesso de fenôm enos em operação no passado e no presente, e p esso a puder d eterm in a r a in teg rid ad e e a
vemos, ali e aqui, os vários ciclos históricos da vida humana confiabilidade da testemunha ocular, não se pode eli­
influenciando e atravessando uns aos outros. minar a possibilidade da objetividade histórica nem da
objetividade geológica.
Sem uniformidade, não poderíamos saber nada 0 cientista pode afirm ar ser capaz de repetir os
sobre o passado, pois sem a analogia com o presente processos do passado pela experimentação, enquanto
seria impossível. De acordo com esse princípio, alguns o historiador não pode. Mas mesmo aqui as situações
argumentam que “nenhuma quantidade de testemu­ são sem elhantes. Nesse sentido a história tam bém
nho jam ais tem permissão de estabelecer como reali­ pode ser “repetida”. Padrões semelhantes de eventos,
dade passada algo que não pode ser encontrado numa pelos quais comparações podem ser feitas, reincidem
realidade presente” (Becker,Detachment, 12-3). Se não hoje como ocorreram no passado. Experimentos soci­
é possível identificar milagres no presente, não há ana­ ais limitados podem ser realizados para ver se a histó­
logia na qual basear o entendimento de supostos m i­ ria humana se “repete”. O historiador, assim como o
lagres no passado. 0 historiador, como o cientista, deve cientista, tem os instrumentos para determinar o que
adotar o ceticismo metodológico com relação a supos­ realmente aconteceu no passado. A falta de acesso di­
tos eventos para os quais não há paralelos contempo­ reto aos fatos ou eventos originais não prejudica mais
râneos. O presente é a base do conhecimento do pas­ a um que a outro (v. o r ig e n s , c iên c ia d a s ).
sado. Como F. H. Bradley disse: Da mesma forma, os fatos científicos não são mais
“óbvios” que os fatos históricos. Sefato significa “even­
Vimos que a história se baseia no último recurso sobre a to original”, então nem a geologia nem a história pos­
dedução de nossa experiência, julgamento baseado no nosso suem fato algum. Ofato deve ser considerado a infor­
estado atual [...]; quando nos pedem para afirmar a existência mação sobre o evento original e, nesse sentido, não
h i s t ó r i a , o b je ti v id a d e d a 390

existem apenas subjetivamente na mente do historia­ todas as mentes finitas devem aceitar como sismifi-
O

dor. O que a pessoa faz com os dados, o significado ou cado absoluto. Se essa é a cosmovisão correta (v. D e u s ,
a interpretação atribuídos a eles não eliminam de for­ e v id ê n c ia s I) k ; t e ís m o ), então h á um significado ob je­
ma alguma os dados. Permanece tanto para a ciência tivo em todos os fatos no mundo. Todos os fatos são
quanto para a história um núcleo de fatos objetivos. fatos teístas, e nenhuma m aneira não-teísta de in­
Assim, a porta está aberta para a objetividade. É pos­ terpretá-los é objetiva ou verdadeira. Logo, a objeti­
sível fazer uma distinção válida entre propaganda e vidade histórica é possível, já que a história teísta do
história. A propaganda carece de base suficiente no tato mundo seria a história de Deus. A objetividade, en­
objetivo, mas a história não. Sem fatos objetivos, ne­ tão, é possível numa cosmovisão.
nhum protesto pode ser feito contra má história ou A natureza fragmentária dos registros históricos. O
má propaganda. Se a história está registrada na m en­ fato de o registro fóssil ser fragmentado não destrói a
te de quem a contempla, não há razão para não deci­ objetividade da paleontologia. Os restos fósseis repre­
dir contemplá-la da maneira que desejar. sentam apenas uma porcentagem minúscula dos se­
Isso nos traz à questão crucial, que é se os “fatos são res viventes no passado. Isso não impede os cientistas
óbvios” porque são objetivos. Um argumento pode ser de tentarem reconstruir o retrato objetivo do que re­
proposto segundo o qual, de fato, são. É incoerente afir­ almente aconteceu na história geológica. Da mesma
mar que os fatos não têm significado, já que a afirma­ forma, a história humana é transmitida por registros
ção sobre o fato supostamente insignificante é uma afir­ parciais. Nem todo osso é necessário para fazer deter­
mação significante sobre o fato. Todos os fatos são minados julgamentos qualificados sobre o animal in­
significantes; não há os chamados fatos brutos. Mas esse teiro. A reconstrução da ciência e da história estão su­
argumento não prova realmente que os fatos são óbvi­ jeitas a revisão. Descobertas subseqüentes podem ofe­
os. Ele mostra que os fatos podem ter e têm significado.
recer novos fatos que exigem novas interpretações. Mas
Mas o que ele deve provar (e não prova) é que os fatos
pelo menos há uma base objetiva no fato para o signi­
só têm um significado e que o apresentam evidentemen­
ficado atribuído à descoberta. Interpretações não po­
te. A questão de nenhuma afirmação significante sobre
dem criar fatos nem ignorá-los, se buscar ser objeti­
fatos poder ser feita sem atribuir algum significado aos
va s. Podemos concluir então que a história não precisa
fatos não prova que o significado emane dos fatos. É
ser menos objetiva que a geologia simplesmente porque
possível que o significado tenha sido designado aos fa­
depende de registros fragmentados. O conhecimento ci­
tos por aquele que faz a afirmação significativa sobre
entífico também é parcial e depende de suposições e de
eles. Na verdade, apenas “significadores” (i.e., mentes)
uma estrutura geral que pode acabar sendo inadequada
podem atribuir significado.
com a descoberta de mais fatos (v. ciência e a B íb l ia ).
Não está claro em que sentido o fato objetivo pode
Seja qual for a dificuldade existente, de um ponto
significar algo por si. É um sujeito (e.g., uma mente)
de vista estritamente científico, para preencher as lacu­
que emite significado sobre objetos (ou sobre outros
nas entre os fatos, uma vez suposta uma postura filosó­
sujeitos), mas objetos em si não são sujeitos que em i­
fica com relação ao mundo, o problema de objetividade
tem significado. Isso acontece normalmente, a não ser
em geral é resolvido. Se há um Deus, o retrato geral já
que suponhamos que todos os fatos objetivos sejam
está feito; os fatos da história apenas preencherão os
realmente pequenas mentes transm itindo significado
detalhes de seu significado. Se o universo é teísta, o es­
ou transm issores pelos quais outras mentes ou uma
boço do artista iá é conhecido de antemão (v. t e ís m o ) ; o
Mente se comunica. Mas tal suposição seria o equiva­
detalhe e a pintura só virão à medida que todos os fatos
lente a invocar uma cosmovisão específica como su­
da história forem encaixados no esboço geral conside­
perior a outra para provar que “fatos são óbvios”. E
mesmo assim poderia ser argumentado que os fatos rado verdadeiro a partir da estrutura teísta. Nesse sen­
não são óbvios, mas transm item a Mente (Deus) que tido, a objetividade histórica certamente é mais plausí­
fala por meio deles. vel dentro de determinada estrutura, tal como uma
Parece melhor concluir, então, que fatos ob jeti­ cosmovisão teísta. A objetividade reside na visão que
vos não são óbvios. Mentes finitas podem oferecer in­ melhor encaixa os fatos coerentemente num sistema
terpretações diferentes para eles ou uma Mente infi­ teísta geral apoiado por boas evidências (v. D e u s , evi­
nita pode dar uma interpretação absoluta deles, mas dên cia s d e ).

não há uma interpretação objetiva que a mente finita Condicionamento histórico. É verdade que todo his­
possa lhes dar. É claro que, se há uma Mente absoluta toriador está limitado ao tempo. Cada pessoa ocupa um
de cujo ponto de vista os fatos recebem significado lugar relativo nos eventos mutáveis do mundo espaço-
absoluto, há uma interpretação objetiva dos fatos que temporal. Mas isso não significa que, pelo fato de o
391 h i s t ó r i a , o b je ti v id a d e d a

historiador ser o produto de determinada época, a pes­ A seleção de fatos pode ser objetiva ao ponto de os
quisa histórica da pessoa também seja um produto do fatos serem selecionados e reconstruídos no contexto
tempo. 0 fato de uma pessoa não poder evitar um lugar em que os eventos representados realmente ocorreram.
relativo na história não impossibilita a objetividade. A Já que é impossível para qualquer historiador reunir
crítica confunde o conteúdo do conhecimento e o pro­ numa narrativa tudo que está disponível sobre um
cesso de alcançá-lo (Mandelbaum,p.94). 0 lugar de onde assunto, é importante selecionar os pontos que repre­
se origina uma hipótese não está essencialmente relacio­ sentam o período (Collingwood, p. 100). A condensa­
nado à maneira pela qual sua verdade é estabelecida. ção não implica necessariamente distorção. Além dis­
Além disso, se a relatividade é inevitável, a posi­ so, a evidência em favor da historicidade do nt no qual
ção dos relativistas históricos é contraproducente: ou a apologética cristã se baseia é maior que a relativa à
sua posição é historicamente condicionada, e portan­ verdade de qualquer outro documento do mundo an­
to não objetiva, ou não é relativa, mas objetiva. Se for a tigo (v. Novo Testamento, manuscritos do; Novo T esta­
última, admite que é possível ser objetivo na observa­ mento, historicidade do). Se os eventos que subjazem a
ção da história. No entanto, se a posição do relativis- ele não podem ser conhecidos objetivamente, é impos­
mo histórico tam bém é relativa, então não pode ser sível saber qualquer coisa a respeito daquele período.
considerada objetivamente verdadeira. É simplesmen­ No entanto, permanece a questão: O contexto real
te uma opinião subjetiva que não tem base para afir­ e as conexões de eventos passados são conhecidos ou
mar ser objetivamente verdadeira sobre toda a histó­ cognoscíveis? A não ser que haja uma estrutura aceita
ria. Se é subjetiva, não pode eliminar a possibilidade para os fatos, não há maneira de reconstruir em m ini­
de a história ser objetivamente cognoscível, e se é um atura o que realmente aconteceu. O significado objeti­
fato objetivo sobre a história, é sinal de que fatos obje­
vo dos eventos históricos depende do conhecimento
tivos podem ser conhecidos sobre a história. No pri­
da conexão que os eventos realmente tiveram quando
meiro caso, a objetividade não é eliminada e, no se­
ocorreram. Os eventos, no entanto, estão sujeitos a vá­
gundo, a relatividade se contradiz. Em qualquer caso,
rias combinações, dependendo da estrutura dada a eles
a objetividade é possível.
pelo historiador, da im portância relativa que lhes é
A reedição constante da história é baseada na su­
atribuída e se eventos anteriores são considerados cau­
posição de que a objetividade é possível. Por que se
sais ou meramente antecedentes. Na verdade não há
esforçar pela precisão sem acreditar que a revisão é
m aneira de conhecer as conexões originais sem pres­
mais objetivamente verdadeira que a posição anteri­
supor uma hipótese ou cosmovisão pela qual os even­
or? Por que analisar criticamente se o progresso em
tos são interpretados. É claro que a objetividade dos
direção a uma posição mais precisa não é o suposto
fatos simples e da mera seqüência de fatos anteceden­
objetivo? A objetividade perfeita pode ser praticamente
tes e conseqüentes é cognoscível sem supor uma
inatingível com os recursos limitados do historiador.
cosmovisão. Mas a objetividade do significado desses
Mas a incapacidade de atingir 100% de objetividade
eventos não é possível sem uma estrutura significati­
está bem longe da total relatividade. Atingir um certo
va, tal como a fornecida por uma hipótese ou cosmovi­
grau de objetividade que esteja sujeita à crítica e à re­
são geral. Logo, o problema de encontrar significado
visão é a conclusão mais realista que os argumentos
objetivo na história, como o problema de significado
dos relativistas. Em resumo, não há razão para elim i­
objetivo na ciência, depende do Weltanschauung pes­
nar a possibilidade de um grau suficiente de objetivi­
soal. Significado objetivo depende de sistema. Só num
dade histórica.
dado sistema o significado objetivo dos eventos pode
A seletividade dos materiais. O fato de que o histo­
ser entendido. Uma vez conhecido esse sistema, é pos­
riador deve escolher dentre todos os materiais possí­
veis não torna de maneira automática a história pura­ sível pela seleção justa e representativa reconstruir o
mente subjetiva. Jurados fazem juramentos “acima de retrato objetivo do passado. Assim, numa estrutura
qualquer sombra de dúvida” sem ter toda a evidência. A teísta estabelecida, a objetividade é possível.
disponibilidade de evidência relevante e crucial é sufici­ Estruturando o material da história. Tudo que o his­
ente para obter objetividade. Não é preciso saber tudo toriador poderia saber sobre eventos sem pressupor a
para obter objetividade. Não é necessário saber tudo verdade de uma estrutura interpretativa em contraste
para saber algo. Nenhum cientista sabe todos os fatos, com qualquer outra é a pura factualidade e seqüência
mas todos alegam objetividade. Contanto que nenhum de eventos. Quando o historiador vai além dos fatos ób­
fato importante seja ignorado, não há razão para eli­ vios e da mera ordem de eventos e começa a falar de
minar a possibilidade da objetividade na história nem conexões causais e de importância relativa, uma estru­
na ciência. tura interpretativa é necessária para entender os fatos.
h i s t ó r i a , o b je ti v id a d e d a 392

Se será determinado ou não que os fatos tinham origi­ Uma vez que se admita, no entanto, que há ju stifi­
nalmente a suposta conexão causal e a importância atri­ cação para adotar uma cosmovisão, o significado ob­
buída dependerá da cosmovisão adotada estar correta jetivo da história torna-se possível (v. teísmo; Deus, evi­
ou não. Afirmar que fatos têm “ordem interna” é peti­ dências de). Num contexto teísta, cada fato da história
ção de princípio. A verdadeira questão é: Como conhe­ torna-se um fato teísta. Uma vez concedida a ordem
cer a ordem correta? Já que os fatos podem ser orde­ factual dos eventos e conhecida a conexão causal de
nados em pelo menos uma de três maneiras (caótica, eventos, o significado objetivo torna-se possível. As
cíclica e linear), simplesmente presumir que uma de­ estruturas caótica e cíclica são eliminadas em favor
las é a maneira em que os fatos realmente foram orde­ da linear. E, numa visão linear de eventos, conexões
nados é pressupor a resposta sem base real para isso. causais surgem como resultado do contexto num uni­
0 mesmo conjunto de pontos pode ter as linhas que verso teísta. O teísmo fornece o esboço a partir do qual
os ligam desenhadas de várias maneiras. O fato é que a história pinta um retrato completo. Os pigmentos do
as linhas não são colocad as sem uma estru tu ra fato puro assumem significado real à medida que são
interpretativa por meio da qual a pessoa as vê. Por­ misturados no esboço teísta. Objetividade significa
tanto, o problema do significado objetivo da história co n sistên cia siste m á tica . Isto é, a m aneira m ais
não pode ser resolv id o sem ap ela r p ara um a significante em que todos os fatos da história se m is­
cosmovisão. Uma vez conhecido o esboço estrutural, turam no esboço teísta completo é o que realmente
é possível saber a posição objetiva (significado) dos aconteceu. Dessa forma, o teísmo pode dar uma es­
fatos. Contudo, sem uma estrutura, a simples “subs­ trutura objetiva para os fatos históricos.
tância” não significa nada.
A seleção e organização de materiais. O historia­
Sem uma estrutura geral, não há como saber quais
dor pode reorganizar dados sobre o passado sem
eventos na história são mais signiticantes,logo, não há
distorcê-lo (Nagel, p. 208). ]á que a construção origi­
maneira de saber a verdadeira signiticância desses e de
nal dos eventos não está disponível nem para o histo­
outros eventos no seu contexto geral. 0 argumento de
riad or nem para o geólogo, o p assad o deve ser
que a importância é determinada pelos eventos que in­
reconstruído a partir das evidências disponíveis. Re­
fluenciam a maioria das pessoas é inadequado. É uma
construção, no entanto, não exige revisão. O historia­
forma de utilitarismo histórico sujeita às mesmas críti­
dor deve organizar o material. O importante é se este
cas que qualquer teste utilitarista para a verdade. A
está organizado ou reorganizado de acordo com os
maioria não determina o melhor; grande influência não
eventos tal como realmente ocorreram. Contanto que
significa grande importância ou valor. Mesmo depois
o historiador incorpore coerentemente todos os even­
que a maioria das pessoas foi influenciada, ainda é pos­
tos significantes de acordo com uma cosmovisão ge­
sível questionar a verdade ou valor do evento que as in­
ral e estabelecida, a objetividade está garantida. A ob­
fluenciou. É claro que, se a pessoa supõe como estrutu­
jetividade organiza os fatos de acordo com a maneira
ra que os eventos mais significativos são os que influ­
em que as coisas realmente eram. A distorção ocorre
enciam a maioria das pessoas em longo prazo, os ideais
quando fatos são negligenciados ou deturpados.
utilitaristas serão determinantes. Mas que direito ela tem
O historiador pode querer ser seletivo no âmbito
de supor uma estrutura utilitarista em vez de uma não-
do estudo, estudar apenas as dimensões políticas, eco­
utilitarista? Novamente, é uma questão de justificar a
nômicas ou religiosas de um período específico. Mas
própria estrutura geral ou cosmovisão.
tal especialização não exige subjetividade total. É pos­
O argumento oferecido por alguns objetivistas é
que eventos passados devem ser estruturados, pois de sível enfatizar sem perder o contexto geral. Uma coisa
outra forma são incognoscíveis e falhos. Tudo que esse é enfatizar detalhes num campo geral, outra bem di­
argumento prova é que é necessário entender os fatos ferente é ignorar ou distorcer o contexto geral no qual
por meio de alguma estrutura, caso contrário não faz o interesse intensificado está ocorrendo. Contanto que
sentido falar sobre eles. A questão de a estrutura estar o especialista fique em contato com a realidade em vez
correta ou não deve ser determinada sobre alguma de refletir pura subjetividade, um nível mensurável de
base além dos meros fatos. Se houvesse uma objetivi­ objetividade pode ser mantido.
dade de fatos puros, ela só forneceria o simples “o quê” Julgamentos de valores. Pode-se concordar com o
da história. Mas o significado objetivo lida com o por­ argumento de que a linguagem comum está carregada
quê desses eventos; isso é impossível sem um conjun­ de valores e que julgamentos de valores são inevitáveis.
to de significado-estrutura no qual fatos podem en­ Isso de forma alguma torna impossível a objetividade
contrar seu lugar de significância. Significado objeti­ histórica (Butterfield, p. 244 ). Objetividade significa dar
vo sem cosmovisão é impossível. tratamento justo aos fatos, apresentar o que aconteceu
393 h i s t ó r i a , o b je ti v id a d e d a

da maneira mais correta possível. Além disso, objetivi­ argumento da analogia de Troeltsch. Primeira, ele dá
dade significa que, quando a pessoa busca saber por que preferência à interpretação naturalista de todos os
esses eventos ocorreram, a linguagem do historiador eventos históricos. É uma exclusão metodológica da
deve atribuir a esses eventos o valor que tiveram no con­ possibilidade de aceitar o milagre na história. 0 teste­
texto original. Supondo, numa cosmovisão estabelecida, munho com base na regularidade não é de forma al­
que certas coisas têm determinado valor, um relato ob­ guma um testemunho contra um evento específico
jetivo da história deve reconstruir e reestruturar esses incomum. Os casos são diferentes e devem ser avalia­
eventos com o mesmo valor relativo. Assim, a objetivi­ dos da m esm a forma. As generalizações em píricas
dade exige julgamentos de valor em vez de evitá-los. A ( “Pessoas não ressuscitam numa circunstância nor­
questão não é se a linguagem de valor pode ser objetiva, mal”) não devem ser usadas como testemunho contra
mas se afirmações de valor retratam objetivamente os relatórios fidedignos de testemunhas oculares de que
eventos. Uma vez que a cosmovisão tenha sido deter­ num caso específico alguém de fato ressuscitou dos
minada, os julgamentos de valores não são indesejáveis mortos. A evidência de um evento histórico específico
ou meramente subjetivos; são essenciais. Se este é um deve ser avaliada pelos próprios méritos, independen­
mundo teísta, não seria objetivo dar qualquer coisa temente da generalização sobre outros eventos.
menos que um valor teísta aos fatos da história. A segunda objeção ao argumento da analogia de
A necessidade da cosmovisão. Quem argumenta Troeltsch é que ela procura demais pôr os fatos à pro­
contra a objetividade da história sem uma cosmovisão va. Como Richard W hately argumentou convincente­
geral está correto. 0 significado é dependente de um m ente, nessa pressuposição uniform ista não só os
sistema. Sem cosmovisão, não faz sentido falar sobre m ilagres seriam excluídos, mas tam bém qualquer
significado objetivo (Popper, p. 150s.). Sem um con­ evento incomum do passado. Seria necessário negar
texto, o significado não pode ser determinado, e o con­ que a carreira de Napoleão Bonaparte ocorreu (v.
texto é dado pela cosmovisão, não pelos fatos simples. Whately). Ninguém pode negar que a probabilidade
Mas supondo que este seja um universo teísta, con­ contra o êxito de Napoleão era grande. Seu exército
clui-se que a objetividade é possível. No universo teísta, prodigioso fora destruído na Rússia; todavia, depois
cada fato tem significado objetivo; cada fato é um fato de poucos meses ele liderou outro grande exército na
de Deus. Todos os eventos se encaixam no contexto ge­ atu al A lem anha, que ta m b ém foi a rru in a d o em
ral do propósito último. É possível determinar os fatos Leipzig. No entanto, os franceses o supriram com mais
e atribuir-lhes significado no contexto geral do univer­ um exército suficientemente forte para oferecer resis­
so teísta ao demonstrar que se encaixam mais coeren­ tência formidável na França. Isso se repetiu cinco ve­
temente com a interpretação que lhe foi dada. Então é zes até que finalmente ele foi exilado numa ilha. Não
possível reivindicar a descoberta da verdade objetiva so­ há dúvida de que os eventos específicos de sua carrei­
bre a história. ra foram altamente improváveis. Com base nisso, en­
Por exemplo, supondo que este seja um universo tretanto, não há razão para duvidar da historicidade
teísta e que o corpo de Jesus de Nazaré ressuscitou da das aventuras napoleônicas. A história, ao contrário
sepultura, o cristão pode argumentar que esse evento da hipótese científica, não depende do universal e
incomum é o milagre que confirma as reivindicações repetível. Firm a-se, isto sim, na suficiência do bom
associadas à verdade de Jesus ser o Messias. Sem essa testem unho a favor de eventos específicos e não-
estrutura teísta, não é nem sequer significativo fazer repetíveis. Se não fosse assim, nada poderia ser apren­
tal afirmação. Hipóteses abrangentes são necessárias dido com a história.
para determ inar o significado de eventos, e a hipótese É seguram ente um erro im portar os m étodos
teísta é essencial para afirm ar que qualquer evento uniformistas da experimentação científica para a pes­
histórico é milagre. quisa histórica. A reincidência e a generalidade são ne­
A incognoscibilidade histórica de milagres. Ao ser cessárias para estabelecer uma lei científica ou padrões
examinado, o princípio da analogia formulado por gerais (dos quais os milagres seriam exceções especí­
Ernst T roeltsch revela ser semelhante a objeção aos ficas). Mas esse método não funciona na história. O
milagres feita por David H o m e , que se baseava na uni­ que é necessário para estabelecer eventos históricos é
formidade da natureza. Nenhum testemunho sobre o testemunho digno de crédito de que esses eventos
supostos milagres deve ser aceito se contradisser o tes­ específicos realmente ocorreram (v. testemunhas, cri­
temunho uniforme da natureza. Troeltsch tam bém térios de Hume para). Esse é o mesmo caso dos m ila­
rejeitava qualquer evento específico do passado para gres. É um erro injustificável na metodologia históri­
o qual não houvesse análogo na experiência uniforme ca supor que nenhum evento incomum e específico
do presente. Há pelo menos duas razões para negar o pode ser aceito, não importa quão grande a evidência
h i s t ó r i a , o b je ti v id a d e d a 394

a seu favor. 0 princípio da analogia de Troeltsch des­ quanto a objetividade científica pode ser estabeleci­
truiria o pensamento histórico genuíno. O historiador da dentro da estrutura aceita de um mundo teísta.
honesto deve estar aberto para a possibilidade de even­ Em resumo, milagres podem ser mais que históri­
tos singulares e específicos, não importando se foram cos, mas não podem ser menos que históricos. So­
descritos como milagrosos. Não se deve excluir apriori mente se realmente tiverem dim ensões históricas os
a possibilidade de estabelecer eventos como a ressur­ milagres são objetivamente significativos e apologeti-
reição de Cristo sem examinar a evidência. É um erro camente valiosos.
supor que os mesmos princípios pelos quais a ciência O milagre ésignificativo em áreas diferentes. O m i­
empírica funciona podem ser usados na ciência foren­ lagre pode ser identificado no contexto empírico ou
se. Como a segunda lida com eventos não repetidos e histórico tanto direta quanto indiretam ente, tanto
não observados no passado, ela opera com base nos objetiva quanto subjetivamente. Tal evento é ao m es­
princípios da ciência das origens, não da ciência da mo tempo cientificam ente incom um e teológica e
operação. E esses princípios não eliminam, mas esta­ moralmente relevante. As dimensões científicas podem
belecem a possibilidade do conhecimento objetivo do ser entendidas de maneira diretamente empírica; a di­
passado — quer na ciência quer na história (v. ori­ mensão moral é cognoscível apenas indiretamente por
gens, ciência das). meio da experiência. É ao mesmo tempo “anorm al” e
A natureza supra-histórica dos milagres. Um mila­ “evocativa” de algo mais que seus dados empíricos. O
gre é sobrenatural. Certamente o apologista cristão não nascimento virginal é cientificamente anormal, mas no
argumenta que milagres são meros produtos do pro­ caso de Jesus é representado como “sinal” para cha­
cesso natural. Algo é milagre quando o processo natu­ mar a atenção para ele como algo “mais” que humano.
ral não é capaz de explicá-lo. Deve haver uma injeção As características teológicas e morais do milagre não
do reino sobrenatural no natural, senão não há milagre são empiricamente objetivas. Nesse caso, elas são ex­
(v. milagre). Esse é o caso especialmente dos milagres perimentadas subjetivamente. Mas isso não significa
do nt, nos quais processos pelos quais Deus realizava que não haja base objetiva para as dimensões morais
seus atos são desconhecidos. Esse também é o caso, até do milagre. Se nosso universo é teísta (v. teísmo), então
certo ponto, de um milagre secundário, no qual pode­ a moralidade está baseada objetivamente em Deus.
mos descrever por meios científicos como o milagre Logo, a natureza e a vontade de Deus são a base obje­
ocorreu, mas não por que ocorreu. Em ambos os casos, tiva pela qual se pode testar se o evento evoca subjeti­
parece melhor admitir que as dimensões milagrosas de vamente o que está objetivamente de acordo com a na­
um evento histórico estão no processo natural, porém tureza e a vontade de Deus. A mesma coisa se aplica às
não pertencem a ele. dimensões da veracidade do milagre. Elas evocam sub­
Milagres ocorrem na história. De acordo com a ob­ jetivamente resposta à alegação da verdade a ele asso­
jetividade da história, não há uma boa razão para o ciada. No entanto, a alegação da verdade deve estar de
cristão render-se aos teólogos existenciais radicais com acordo com o que já se conhece sobre Deus. Se sua
relação à questão das dimensões objetivas e históri­ mensagem não corresponde ao que sabemos ser ver­
cas dos milagres. Milagres podem não pertencer ao dadeiro sobre Deus, não devemos acreditar que o even­
processo natural histórico, mas realmente ocorrem to seja milagre. É axiomático que os atos do Deus teísta
dentro dele. Até Karl Barth fez essa distinção quando não devem ser usados para confirmar o que não é a
escreveu: “A ressurreição de Cristo, ou sua segunda verdade de Deus.
vinda, [...] não é um evento histórico; os historiadores Portanto, milagres acontecem na história, mas não
podem estar certos [...] de que nossa preocupação aqui pertencem completamente à história. Mesmo assim,
é com o evento que, apesar de ser o único aconteci­ são historicamente fundamentados. São mais que his­
mento real na história, não é um acontecimento real tóricos, mas não menos que históricos. São dimensões
da história” (Barth, p. 90, grifo do autor). empíricas e superempíricas de eventos sobrenaturais.
Ao contrário de muitos teólogos existencialistas, As d im en sõ e s e m p íric a s são o b je tiv a m e n te
tam bém devemos preservar o contexto histórico no cognoscíveis,e estas fazem um apelo subjetivo ao cren­
qual um milagre acontece, pois sem ele não há como te. Mas até aqui há base objetiva na verdade conheci­
verificar a objetividade do milagre. Os milagres na ver­ da a respeito de Deus e na sua bondade pela qual o
dade têm uma dimensão histórica sem a qual nenhu­ crente pode julgar se coisas empiricamente anormais
ma objetividade da história religiosa é possível. E, são realmente atos do Deus verdadeiro e bom.
como foi argumentado acima, a metodologia históri­ A relatividade com pleta da história. Além da
ca pode identificar essa objetividade tão certamente invalidade dos argumentos do relativismo histórico,
395 h i s t ó r i a , o b je ti v id a d e d a

há alguns bons argumentos contra suas conclusões. Dois subjetividade/objetividade: Em primeiro lugar, a ob­
desses argumentos são suficientes para demonstrar por jetividade absoluta é possível apenas para a Mente in­
que a possibilidade da objetividade na história não foi finita. Mentes finitas devem contentar-se com a con­
— e não pode ser — sistematicamente eliminada. sistência sistemática. Os seres humanos só podem fa­
0 c o n h ec im e n to o b jetiv o p o r fatos e co sm o v isã o . A zer tentativas passíveis de revisão de reconstruir o pas­
análise cuidadosa dos argumentos dos relativistas re­ sado baseadas na estrutura estabelecida de referência
vela que eles pressupõem algum conhecimento obje­ que incorpora de forma abrangente e coerente os fa­
tivo da história. Isso é visto pelo menos de duas m a­ tos num esboço geral. Nesse nível de objetividade, o
neiras. Primeira, eles falam da necessidade de selecio­ historiador pode ser tão preciso quanto o cientista.
nar e organizar os “fatos” da história. Mas se eles são Nem geólogos nem historiadores têm acesso direto a
realmente fatos, apresentam algum conhecimento ob­ eventos repetíveis, nem a dados completos sobre eles.
jetivo d e p e r si. Uma coisa é argumentar sobre a in ter­ Ambos devem usar julgamentos de valores para sele­
p r e t a ç ã o dos fatos, mas negar que há qualquer fato cionar e estruturar o material parcial disponível.
para interpretar é outra coisa bem diferente. £ com ­ Na realidade, nem o cientista nem o historiador
preensível que a estrutura da cosmovisão da pessoa podem alcançar significado sem uma cosmovisão para
afete o entendimento do fato de que Cristo morreu interpretar os fatos. Simples fatos não podem ser co­
numa cruz no início do século i. Mas isso é bem dife­ nhecidos sem alguma estrutura interpretativa. Logo,
rente de negar que esse é um fato histórico (v. Cristo, a necessidade de estrutura ou referencial para o signi­
M O R TE D E ). ficado é crucial para a questão da objetividade. Sem
Segunda, se os relativistas acreditam que a cos­ resolver a questão sobre este mundo ser ou não teísta
movisão da pessoa pode distorcer a m aneira em que independentemente dos simples fatos, não há m anei­
ela vê a história, então deve haver uma interpretação ra de determinar o significado objetivo da história. Se,
correta. Senão, seria insignificante dizer que algumas no entanto, há boas razões para acreditar que este é
visões estão distorcidas. um universo teísta, a objetividade na história é uma
A r e la tiv id a d e h is tó r ic a total é contraditória. Na possibilidade. Pois uma vez que o ponto de vista geral
verdade, a relatividade total (seja histórica, seja filo­ seja estabelecido, trata-se simplesmente de uma ques­
sófica, seja moral) é autocontraditória (v. primeiros prin­ tão de encontrar a visão da história mais coerente com
c íp i o s ). Como alguém poderia saber que a história é esse sistema geral. A consistência sistemática é o teste
completamente incognoscível sem saber algo sobre da objetividade tanto nas questão históricas, quanto
ela? É necessário conhecimento objetivo para saber nas científicas.
que todo conh ecim ento histórico é subjetivo. Os Resumo. 0 cristianism o faz alegações sobre even­
relativistas totais devem firm ar-se no seu próprio ab­ tos históricos, inclusive alegações de que Deus inter­
soluto para relativizar todas as outras coisas. Afirmar veio sobrenaturalmente na história. Mas alguns his­
que toda história é subjetiva acaba sendo uma afir­ toriadores se queixam de que não há m aneira objeti­
mação objetiva sobre a história. Assim, o relativismo va de determ inar o passado. E, mesmo que houvesse
histórico total se anula. uma base objetiva, os milagres não se encaixariam
É claro que alguns podem afirm ar que o conhe­ nela. O historiador tem material fragmentário de se­
cimento histórico não é totalm ente relativo, mas ape­ gunda mão para selecionar. Esses fragmentos não po­
nas parcialmente relativo. Então a história, ou pelo dem ser entendidos objetivamente, porque o historia­
menos parte da história, é objetivamente cognoscível. dor inevitavelmente impõe um valor interpretativo
As afirm ações históricas das verdades centrais do não-observável. A supra-história ou mito é útil para
cristianism o são mais amplamente apoiadas pela evi­ evocar a resposta religiosa subjetiva, mas não para
dência que as afirm ações de veracidade para quase descrever seguramente o passado.
todos os outros eventos no mundo antigo. Portanto, No entanto, essas objeções fracassam. A história
isso tam bém é uma admissão de que a relatividade pode ser tão objetiva quanto a ciência. O geólogo tam ­
parcial não elim ina a verificabilidade histórica do bém vê em segunda mão evidências fragmentadas e
cristianism o. Em resumo, o relativismo histórico to­ não repet idas de um ponto de vista pessoal. Apesar de
tal é contraditório, e o relativismo histórico parcial referenciais interpretativos serem necessários, nem
admite que argumentos históricos sejam justificados toda cosmovisão precisa ser relativa e subjetiva.
na defesa da fé cristã. Quanto à objeção de que a história dos milagres
A o b je tiv id a d e da h istoriog rafia. V árias con ­ não é obietivamente verificável, os milagres podem
clusões gerais podem ser tiradas do debate sobre ocorrer no processo histórico, como qualquer outro
h is tó r ic a , a p o lo g é tic a 396

evento. A única diferença é que o milagre não pode ser h i s t ó r i c a , a p o lo g é tic a . A ap o log ética h istó rica
explicado pelo decorrer dos eventos. Milagres cristãos enfatiza a evidência histórica como base para demons­
afirmam ser mais que empíricos, mas não são menos trar a verdade do cristianismo (v. apologética, tipos de).
que história. Historicamente, os milagres podem ser Nesse ponto coincide com a apologética clAssica. A di­
verificados. As dimensões morais e teológicas dos mi­ ferença crucial entre as duas é que a apologética his­
lagres não são totalmente subjetivas. Elas exigem uma tórica não acredita ser necessário estabelecer primei­
resposta subjetiva, mas há padrões objetivos de ver­ ro a existência de Deus. A apologética histórica acre­
dade e bondade (segundo o Deus teísta) pelos quais dita que a verdade do cristianismo, inclusive a exis­
podem ser estimadas. tência de Deus, pode ser provada com base apenas na
A porta para a objetividade da história, e, assim, para evidência histórica.
a historicidade objetiva dos milagres, está aberta. Ne­ Essa suposição coloca a apologética histórica na
nhum princípio forçado de analogia uniformista pode ampla classe da a p o lo g é tic a e v id e n c ia i , mas difere por
trancá-la a priori. A evidência que apóia a natureza ge­ enfatizar a importância, se não a necessidade de co­
ral da lei científica não pode eliminar boas evidências m eçar com a evidência histórica para a verdade do
históricas de eventos anormais, porém específicos da cristianismo. Geralmente, o apologista histórico vê a
história. Argumentos contrários aos milagres não são re ssu rre iç ã o de C risto com o a m ola m e stra da
apenas indiscutivelmente naturalistas em preconceitos, apologética. Nesse sentido, esta pode ser chamada
mas, se aplicados sistematicamente, eliminam a histó­ a p o lo g é tic a d a ressu rreição.
ria secular conhecida e aceita (v. m i l a g r e s , a r g u m e n t o s Defensores da apologética histórica. O cristianis­
contra). A única abordagem realmente honesta é exa­ mo é uma religião histórica, assim é compreensível que
minar cuidadosamente a evidência testemunhal de um tivesse uma ênfase histórica desde o princípio. Os pri­
suposto milagre para determinar sua autenticidade. meiros apologistas, inclusive Justino Mártir, T ertulia-
no, Clemente de Alexandria e OrIgenes defenderam a
Fontes historicidade do cristianism o. Da m esma form a, a
K. B a r t h , T h e w ord o f G o d a n d t h e w o r d o f m an. apologética clássica (v. apologética clássica), com Agos­
C. B eard, “That noble dream ”, em The v a r i e t i e s o f history. tinho, Anselmo e T omás de Aquino, considerava a
C. L. B , “D etachm ent and the writing o f history”, P. L.
e c k e r
apologética histórica parte importante da estratégia
org„ D e t a c h m e n t a n d the w r i t in g o f history.
S n y d e r ,
geral para defender a fé cristã.
___ ,“W hat are the historical facts?”, The philosophy o f history Contudo, o que distingue a apologética histórica
in our tim e . como disciplina é sua crença de que é possível defen­
M . B l o c k , The historians craft. der toda a fé cristã, inclusive a existência de Deus e o
F. H. B r a d l e y , The presupposition o f critical history. fato dos milagres, estritamente a partir da evidência
H. B u t t e r f ie l d , “Moral judgments in history”, H. M e y e r h o f f , histórica, sem a necessidade de qualquer apelo ante­
org., Philosophy. rior aos argumentos teístas (apesar de alguns usarem
E. H. C a r r , What is history? evidências teístas de forma suplementar). Essa ênfase
R. G. C o l l in g w o o d , The idea o f history. parece constituir em grande parte um fenômeno mo­
W. L. C r a ig , “The nature of history”,tese não publicada de derno. Os apologistas contemporâneos que pertencem
mestrado, Trinity Evangelical Divinity School. a essa categoria incluem John Warwick Montgomery
W. H . D r a y , o rg ., Philosophy o f history. e Gary Habermas (v. milagre, valor apologético dos; mi­
K. J a s p e r s , et al., Myth and Christianity. lagres na Bíblia).

M . M a n d e l b a l m , The problem o f historical knowledge. Contraste com outros sistem as. A apologética
E. N a g e l , “The l o g i c o f h is t o r ic a l a n a ly s is ” , H. M e y e r h o f f , o rg ,. histórica difere da apologética pressuposicional e da
Philosophy apologética clássica (v. apologética pressuposicional)
H. PiRF.NNF.,“ W h a t a r e h is to r ia n s t r y in g to d o ? ” , H. M e yer ho ff , quanto à natureza da evidência em si e à natureza da
org., Philosophy. evidência histórica especificamente.
K. P o p p e r , The poverty ofhistoricism. A apologética histórica, assim como a apologética
I. R a m s e y , Religious language. clássica, começam com a evidência para demonstrar
P. T il l ic h , Dynamics o f faith. a verdade do cristianismo. Os pressuposicionalistas,
E . T r o e l t s c h , “Histoiiography”,J. H a s t in g s , org., por outro lado, começam com as pressuposições do
Encyclopedia o f religion and ethics. incrédulo. O que está em questão é a validade da evi­
W . H. W a l s h , Philosophy o f history. dência para apoiar a verdade. Os pressuposicionalistas
R. W h a t e l y , Historical doubts relative to Napoleon Bonaparte. puros (rev elacio n ais) insistem em que nenhum a
397 h is tó r ic a , a p o lo g é tic a

evidência, histórica ou não, faz sentido, a não ser que milagrosos na vida de Jesus. A partir do argumento
seja interpretada pela lente da cosmovisão cristã geral da divindade de Cristo, muitas vezes afirm a-se que a
da pessoa. O apologista histórico acredita que os fatos Bíblia é a Palavra de Deus, já que Jesus (que é Deus)
históricos são evidentes no contexto histórico. Os fez tal afirm ação (v. Bíblia, evidência da; Bíblia, posi­
pressuposicionalistas puros, por outro lado, insistem ção de J esus em relação à ). Dessa m aneira, Deus, m i­
em que nenhum fato é evidente; todos os fatos são in­ lagres, a divindade de Cristo (v. Cristo, divindade de)
terpretados e exigem uma estrutura de cosmovisão cris­ e a inspiração da Bíblia são todos apoiados por um
tã para compreensão adequada. argumento histórico.
Apologética clássica versus histórica. A apolo­ Avaliação. As críticas da apologética histórica vêm
gética h is tó ric a tem m u ito em com um com a de dois gru p os, dos p ressu p o sicio n alistas e dos
apologética clássica. Ambas acreditam na validade da apologistas clássicos.
evidência histórica. Ambas consideram a evidência Fatos evidentes? Os pressuposicionalistas, e até al­
histórica crucial para a defesa do cristianismo. Entre­ guns a p o lo g ista s c lá s s ic o s , o p õ e m -se a que a
tanto, discordam totalmente quanto à necessidade de apologética histórica comece com a falsa suposição de
a ap o lo g é tica te ís ta ser lo g ica m en te a n te rio r à que os fatos históricos “são evidentes”. A abordagem
apologética histórica. A apologética clássica acredita histórica supõe erroneamente que há “fatos eviden­
que não faz sentido falar sobre a ressurreição como tes”. Qualquer pessoa inteligente pode vê-los e deles
ato de Deus a não ser que esteja estabelecido que exis­ pode tirar conclusões adequadas. Mas todos os “fatos”
te um Deus que pode agir primeiro. A apologética his­ g an h am sig n ifica d o a p a r tir do co n tex to da
tórica, no entanto, argumenta que é possível dem ons­ cosmovisão. A cosmovisão é como um par de óculos
trar que Deus existe ao demonstrar somente pela evi­ de lentes coloridas que tingem tudo que é visto atra­
dência histórica que um ato de Deus ocorreu, como vés delas. Todos os fatos são fatos interpretados. Os
na ressurreição de Jesus Cristo. supostos fatos evidentes são como pontos espalhados
A abordagem histórica. A abordagem básica da numa folha de papel. Não há nenhuma linha a ligá-
apologética h istórica é com eçar com a historicid a­ los, e os pontos são insignificantes a n,ão ser que a m en­
de dos docum entos do nt e depois usar os m ilagres te os conecte. De que forma as linhas são desenhadas
de Cristo, especificam ente a ressurreição, para de­ depende da perspectiva de cada um.
m onstrar que Cristo é o Filho de Deus (estabele­ Como acontece com as objeções à apologética clás­
cendo assim que existe um Deus teísta que pode sica, apenas um teísta entende a ressurreição de Jesus
fazer m ilagres). de Nazaré como um ato sobrenatural do Deus teísta e
A abordagem típica da apologética histórica co­ que esse ato demonstra que Jesus é o Filho único do
meça pela tentativa de demonstrar a historicidade dos Deus teísta (v. teísmo). O fato de apenas teístas, ou su­
documentos do n t . Isso geralmente inclui argumen­ postos teístas, chegarem a essas conclusões indica que
tos em favor da autenticidade dos documentos do nt a cosmovisão teísta é logicamente anterior até mesmo
(v. Novo Testamento, datação do; Novo Testamento, ma­ à identificação da ressurreição dos mortos como so­
nuscritos do) e da confiabilidade de suas testemunhas brenatural (v. ressurreição, evidências da). O evento não
(v. Novo Testamento , historicidade do ;N ovo Testamento, pode ser um ato especial de Deus, a não ser que haja
fontes não -cristãs do ). um Deus que possa fazer tais atos especiais (v. Deus,
0 segundo passo seria exam inar as afirm ações natureza de).
neotestamentárias de Cristo quanto a ser ele o Filho do Isso não quer dizer que psicologicamente um even­
Deus teísta que oferece provas milagrosas para suas afir­ to como esse não possa ativar a crença em Deus, se
mações. A mais importante dessas provas é que Cristo um cético ou agnóstico vier a crer que ele realmente
ressuscitou dos mortos (v. milagres, argumentos contra ). aconteceu. Significa apenas que só quem aceita pelo
Terceiro, a defesa dos milagres de Cristo, especial­ menos a possibilidade, se não a plausibilidade, da vi­
mente sua ressurreição, é apresentada. Às vezes isso é são teísta chegaria a essa conclusão. A grande maioria
apoiado pelos argumentos históricos externos ao nt, das pessoas que passam a acreditar no cristianism o
mas a confiabilidade dos documentos do n t é o enfoque por causa dos milagres de Cristo e dos apóstolos faz
comum (e essencial). isso apenas porque já adotou a cosmovisão teísta, ex­
Com base apenas nessas prem issas, conclui-se plícita ou implícita. Por exemplo, os membros de po­
que Jesus é o Filho do único e verdadeiro Deus teísta, vos pré-letrados geralmente se convertem ao cristia­
o único que pode ser responsável por esses eventos nismo depois que passam a acreditar nesses eventos
h u m a n ism o s e c u la r 398

milagrosos. Mas essas pessoas já possuíam um teísmo histórico, Jesus. V. C risto da ff cs. Jesus da história ; Je­
tácito que adorava um Deus superior ou Deus celes­ sus, Seminário .

tial (v. monoteísmo primitivo ). Até os deístas (v. deísmo )


acreditam que Deus fez o grande milagre de criar o humanismo secular. O humanismo enfatiza os valo­
mundo (v. criação e origens).Assim, a ressurreição dos res e interesses dos seres humanos. Há formas cristãs
mortos evocaria sua crença de que Deus também po­ (v. L euts, C. S .) e formas não-cristãs. O humanismo se­
deria fazer outros milagres. Mas, apesar disso, tanto cular é a forma dominante da segunda forma. Sua de­
na teoria quanto na prática, a crença no Deus que faz claração é que “O homem é o padrão de todas as coi­
milagres é logicamente anterior à crença de que de­ sas”. Em vez d e fo c a li z a r os seres humanos, sua filoso­
terminado evento é milagre, inclusive o evento de al­ fia é b a s e a d a n os valores humanos.
guém ser ressuscitado dos mortos. Os humanistas seculares formam um grupo vari­
Im p res sõ es d ig ita is d e q u e m ? Outras lacunas na ado. Incluem existencialistas ( v. Sartr e , J ean -P a u l ),
abordagem da apologética histórica só podem ser re­ marxistas ( v. M arx .K a r l ), pragmáticos (v .D ew ey , John ),
solvidas com uma cosmovisão teísta. Por exemplo, um egocentristas (v. R a x d ,A y n ) ecom portam entalistas (v.
passo crucial na apologética geral é ser capaz de iden­ B. F. Skinner, em determinismo ). Apesar de todos os
tificar um dado evento como milagre. Mas como sa­ humanistas acreditarem em alguma forma de evolu­
ber que o milagre tem a “impressão digital de Deus”, ção (v. evolução biológica; evolução q u ím ic a ), Julian
para confirm ar a reivindicação da verdade do profeta H u x le y cham ava sua p o siçã o de “re lig iã o do
de Deus, a não ser que já se saiba que Deus existe e humanismo evolutivo”. Corliss Lamont podia ser cha­
como são suas “impressões digitais”? Só quem sabe mado de “humanista cultural”. Apesar das diferenças,
como Deus é pode identificar atos divinos. A própria os humanistas não-cristãos têm uma base de crenças
identificação do ato incomum como milagre depende comuns. Elas foram resumidas em dois “manifestos
do conhecim ento anterior de tal Deus (v. milagres , hum anistas” e representam uma coalizão de vários
IDENTIFICABILIDADE DE). pontos de vista do humanismo secular.
Q ue tip o d e D e u s ? Se a pessoa não supuser a exis­ /M anifesto hum anista. Em 1933, um grupo de
tência de um Deus teísta (que é moralm ente perfeito 34 h u m an istas americanos enunciaram os princípios
e não nos enganaria), o argumento histórico não fun­ fu n d a m e n ta is da su a filo s o fia no / M a n if e s t o
ciona. Suponha que houvesse um Deus que não é m o­ h u m a n ista . Entre os sign atários estavam Dewey, o pai
ralm ente perfeito, mas que, mesmo assim , tivesse a da educação p ragm ática am erican a; Edw in A. Burtt,
capacidade de realizar milagres. Ele não poderia en­ filó sofo da relig ião , e R. L ester M o n d ale, m inistro
ganar as pessoas fazendo milagres para beneficiar u n itarista e irm ão de ÃValter M ondale, que viria a ser
um impostor? É crucial para o argumento histórico vice-p residente dos eua .
a prem issa de que D eu s n ã o p o d e r i a fa z e r um m ila ­ As a fir m a ç õ e s . X a introdução, os autores se identi­
g r e p o r m e io d e ou p a r a a lg u é m q u e e s te ja f a z e n d o ficam com o “h u m an istas relig iosos” e afirm am que
u m a a fi r m a ç ã o fr a u d u le n ta em seu n o m e (v. milagres “estabelecer tal religião é um a grande necessidade do
como confirmação da verd ade ). Sem a convicção pré­ presente” (Kurtz, H u m a n ist m a n ifesto s). 0 manifesto
via de que o Deus que faz tais milagres é um Ser es­ consiste em quinze afirm açõ es b ásicas que dizem em
sencialm ente perfeito (i.e., um Deus teísta) que não parte:
nos enganaria, não é possível ter certeza de que a “Prim eiro. Os hum anistas religiosos consideram o
evidência histórica para um milagre realmente apoie universo auto-existente e não criado.” Os signatários são
a afirm ação daquele por meio de quem ou para quem antiteístas (v. teísm o ) que negam a existência de um Cri­
o milagre é realizado. ador que tenha criado ou que sustente o universo.
“Segundo. 0 h u m an ism o acredita que o homem é
Fontes parte da natureza e que surgiu com o resultado de um
G. H. Clark,H i s t o r i o g r a p h y , s e c u l a r a n d r e lig io u s . p rocesso contínuo.” 0 n atu ralism o e a evolução natu­
N. L. G f.isler, C h r is t ia n a p o l o g e t i c s , caps. 5,15. ralista são afirm ados. O sobren atu ral é negado.
G. Haber.mas, T h e h i s t o r y o f J e s u s : a n c i e n t e v i d e n c e fo r t h e life “Terceiro. Por terem u m a visão orgânica da vida,
o f C h r is t. os h u m an istas acreditam que o dualism o tradicional
____ , T h e r e s u n e c t i o n o f J e s u s : a n a p o lo g e t ic . da m ente e do corpo deve ser rejeitado.” Os humanos
J. W. M ontgomerv, C h r is t ia n it y a n d h is to r y . não têm alm a ou aspecto im aterial na sua natureza.
____ , E v i d e n c e fo r fa ith . Tam pouco são im o rtais (v. i m o r t a l id a d e ). Nenhuma
____ , T h e s h a p e o f th e p a s t. existên cia se estende além da m orte.
399 h u m a n ism o s e c u la r

“Quarto. O humanismo reconhece que a cultura re­ promoverá bem -estar social ao desencorajar ansieda­
ligiosa e civilização do homem [...] são o produto de de e preocupação que se originem da ignorância.
um desenvolvimento gradual.” Além disso, “o indiví­ “Décimo segundo. Acreditando que a religião deve agir
duo nascido numa cultura específica é em grande par­ cada vez mais para produzir alegria e vida, os humanistas
te moldado por aquela cultura”. Isso implica evolução religiosos procuram promover o lado criativo do homem e
cultural e relatividade cultural. A evidência cultural encorajar realizações que acrescentem satisfação com a
significa que a sociedade gradualm ente tornou-se vida.”Essa ênfase dos valores humanistas de criatividade e
mais sofisticada e complexa; a relatividade cultural realização demonstra a influência de Dewey.
significa que os indivíduos são em grande parte m ol­ “Décimo terceiro. Qs humanistas religiosos afir­
dados pelas suas respectivas culturas. mam que todas as associações e instituições existem
“Quinto. O humanismo afirma que a natureza do para a satisfação da vida humana.” Os hum anistas
universo retratada pela ciência moderna torna inaceitá­ reconstituiriam rapidamente instituições religiosas,
vel qualquer garantia sobrenatural ou cósmica de valo­ rituais, organização eclesiástica e atividades com uni­
res humanos.” Não há valores dados por Deus a serem tárias em torno de sua cosmovisão.
descobertos; portanto, os valores são relativos e estão su­ “Décimo quarto. Os humanistas estão firm em en­
jeitos a mudanças (v. moralidade , natureza absoluta da ). te convictos de que a atual sociedade aquisitiva e m o­
“Sexto. Estamos convencidos de que o tempo já tivada pelo lucro demonstrou ser inadequada e que
passou para o teísmo, deísmo, modernismo e vários uma mudança radical nos métodos, controles e m oti­
tipos d e ‘pensamento novo’.” Os escritores do prim ei­ vações deve ser instituída.” No lugar do capitalismo,
ro manifesto eram ateus (v. a t e ís m o ) ou agnósticos (v.
os humanistas sugerem “uma ordem econôm ica soci­
AGNOSTicis.M o) no sentido tradicional dos termos. Até
alizada e cooperativa”.
crenças não-sobrenaturais são rejeitadas (v. m il a g r e s ,
“Décimo quinto e último. Afirmamos que o hu­
ARGUMENTOS CONTRa ).
manismo irá: a) afirm ar a vida, ao invés de negá-la; b)
“Sétimo. A religião consiste nas ações, propósitos
buscar evocar as possibilidades de vida, não fugir de­
e experiências que são humanamente significativas
las: e c) procurar estabelecer as condições de vida
[...jtudo que, no seu nível, expressa vida humana in­
satisfatórias para todos, não apenas para alguns.” A
teligentemente satisfatória.” A essência dessa afirm a­
tendência pró-socialista continua nessa afirmação re­
ção é definir religião em termos puramente hum anis­
sumida, que apresenta o humanism o religioso numa
tas. A religião é tudo que é significativo, interessante
estrutura de apoio à vida.
ou satisfatório para os seres humanos.
Os hum anistas que criaram o m anifesto afirm a­
“Oitavo. 0 humanismo religioso considera a reali­
ram que “a busca do b em -estar ainda é a principal
zação completa da personalidade humana como o ob­
tarefa da humanidade” e que cada pessoa “tem den­
jetivo da vida do homem e busca seu desenvolvimento
tro de si o poder para sua realização”. Eles eram oti­
e cumprimento aqui e agora.”A esperança do humanista
m istas com relação aos objetivos e perfeccionistas na
é limitada a este mundo. O “objetivo principal do ho­
sua crença de que a humanidade tinha a habilidade
mem” é terrestre, não celestial (v. materialismo).
de alcançá-los.
“Nono. No lugar das antigas atitudes envolvidas na
Avaliação do i Manifesto humanista. O i Manifesto
adoração e oração, o humanista encontra suas em o­
humanista pode ser resumido desta forma:
ções religiosas expressas no sentido elevado de vida
pessoal e no esforço cooperativo de promover o bem-
estar social.” A emoção religiosa está focalizada nas 1. ateísta (v. a t e í s m o ) em relação à existência de
esferas natural, pessoal e social, não nos âmbitos es­ Deus;
piritual e sobrenatural. 2. naturalista em relação à possibilidade de
“Décimo. Conclui-se que não haverá emoções e ati­ milagres ( v . m i l a g r e s , a r g u m e n t o s c o n t r a ) ;
tudes exclusivamente religiosas do tipo até aqui asso­ 3. evolucionista (v. e v o l u ç ã o ) em relação às ori­
ciado à crença no sobrenatural.” Este ponto consubs­ gens humanas;
tancia as implicações naturalistas das afirmações an­ 4. relativista em relação aos valores (v. morali
teriores. A experiência religiosa deve ser explicada em D A D E, N A TU REZA A BSO LU TA Da ) ;

termos puramente materialistas. 5. otimista em relação ao futuro;


“Décimo primeiro. O hom em aprenderá a enfren­ 6. socialista quanto política e economia;
tar as crises da vida com base em seu conhecimento 7. religioso quanto a atitude em relação à vida, e
da n a tu ra lid a d e e da p ro b a b ilid a d e d elas.” Os 8. humanista em relação aos métodos que suge­
hum anistas acreditam que a educação hum anista re aos que querem alcançar os objetivos dele.
h u m a n is m o s e c u la r 400

A afirmação não é apenas otimista; é excessivamente prestam um desserviço à espécie humana”. Além dis­
otimista em relação à possibilidade da perfeição huma­ so, não encontram evidência suficiente do sobrena­
na. Até os criadores do 11 Manifesto humanista (1973) tural. Como “não-teístas, com eçam os com os hum a­
reconheceram que “os eventos desde [ 1933] fazem essa nos, e não com Deus, com a natureza,e não com a
afirmação anterior parecer otimista demais”. divindade” . Não conseguiram descobrir nenhum a
O iManifesto evita propositadamente o uso das pa­ providência divina. Logo, “nenhum a divindade nos
lavras precisa e pode. Mas não evita irá (art. 15) e deve salvará; nós m esm os devemos nos salvar”.
(art. 3, 5, 12, 13, 14). As afirmações dos humanistas “Segundo. Promessas de salvação imortal ou medo
sobre valores que consideram importantes implicam de condenação eterna são ilusórias e prejudiciais.” Elas
que a pessoa “precisa” buscar esses valores. Logo, os distraem os homens da auto-realização e da preocu­
hum anistas seculares estão na verdade oferecendo pação com a injustiça. A ciência descrê da alma (v. imor­
um a prescrição moral que acreditam que os seres hu­ talidade). “Pelo contrário, a ciência afirma que a espé­
manos precisam seguir. cie humana é resultado de forças evolutivas naturais.”
Algumas prescrições m orais subentendem uma A ciência não encontrou evidência de que haja vida
força universal, pelas fortes palavras usadas: necessi­ após a morte. Os humanos devem preocupar-se com
dade (introdução), deve (art. 3 ,5 ,1 2 ,1 4 ) , insiste (art. o bem -estar nesta vida, não na próxima.
5), não ou nada (arts. 7 ,1 0 , conclusão) e até exige (art. “Terceiro. Afirmamos que valores morais são de­
14) juntamente com os valores defendidos. Na intro­ rivados da experiência humana. A ética é autônoma e
dução, uma obrigação universal é eufemisticamente situacional, e não depende de sanção teológica ou ide­
chamada de “valor dominante”. Da mesma forma os ológica.” Os humanistas baseiam seu sistema de valo­
valores de liberdade, criatividade e realização são cla­ res na experiência hum ana,“aqui e agora”. Os valores
não têm base ou objetivo supra-humano (v. moralidade,
ramente considerados universais e irrevogáveis.
NATUREZA ABSOLUTA Da ).
Merece atenção o tom religioso do primeiro m a­
“Quarto. A razão e a inteligência são os instrumen­
nifesto que é muito evidente. As palavras religião ou
tos mais eficazes que a humanidade possui.” Nem fé
religioso ocorrem 28 vezes. Os autores consideram-se
nem paixão as substituem. Os hum anistas sugerem
religiosos, querem preservar a experiência religiosa e
que “o uso controlado dos métodos científicos [...] deve
até se denominam “humanistas religiosos”. Sua reli­
ser estendido na busca da solução para os problemas
gião, no entanto, não tem um objeto pessoal supremo
humanos”. Uma combinação de inteligência crítica e
de experiência religiosa.
compaixão humana é a melhor esperança para resol­
ii Manifesto humanista. Em 1973, quarenta anos
ver problemas humanos.
depois da criação do /Manifesto humanista, os defenso­
“Quinto. A preciosidade e dignidade da pessoa
res do humanismo secular de vários países acharam que
como indivíduo é valor central do humanismo.” Os
era n e cessá ria um a atu alização. “O // Manifesto
humanistas permitem autonomia individual condi­
humanista” foi assinado por Isaac Asimov, A. J. Ayer,
zente com a responsabilidade social. Assim, a liberda­
Brand Blanshard, Joseph Fletcher, Antony Flew, Jacques
de in d ivid u al de esco lh a deve ser am pliad a (v.
Monod e B. F. Skinner.
determinismo ; livre -arbítrio ).
No prefácio, os autores negam que “estejam estabe­
“Sexto. Na área da sexualidade, cremos que atitudes
lecendo um credo comprometedor”, mas dizem que
intolerantes, geralmente cultivadas pelas religiões orto­
“hoje é nossa convicção”. Reconhecem continuidade dos
doxas e culturas puritanas, reprimem indevidamente a
humanistas anteriores ao afirmar que Deus, orações,
conduta sexual.” Os autores afirmam os direitos de con­
salvação e providência são parte da “fé não comprova­
trole de natalidade, aborto, divórcio e qualquer forma
da e desatualizada”. de comportamento sexual entre adultos de comum acor­
As afirmações. As dezessete afirmações básicas no // do. “Se não prejudicarem outras pessoas nem obrigá-
Manifesto humanista aparecem sob os títulos “religião” las a fazer o mesmo, os indivíduos devem ter permissão
(art. 1 e 2),“ética” (3 e 4 ),“o indivíduo” (5 e 6),“sociedade para expressar suas inclinações sexuais e seguir seus
democrática” (7 a 11) e “comunidade global” (12 a 17). estilos de vida como desejam.”
“Primeiro. No melhor sentido, a religião pode ins­ “Sétim o. Para realçar a liberdade e dignidade,o
pirar dedicação aos ideais éticos m ais elevados. O indivíduo deve experim entar grande variedade de
cultivo da devoção moral e da im aginação criativa é liberdades civis em todas as sociedades.” Isso in­
expressão de experiência e aspiração ‘espiritual’ ge­ clui liberdades de expressão e de im prensa, demo­
nuína.” Os autores rapidamente acrescentam “que as cra cia p o lítica , op osição a p o lítica s do governo,
religiões tradicionais dogm áticas ou autoritárias [...] processos judiciais, religião, associação, expressão
401 h u m a n ism o s e c u la r

artística e investigação científica. Devem ser prote­ Isso deve ser feito por meio de “uma autoridade inter­
gidos e estendidos aos indivíduos os d ireitos de nacional que garanta os direitos humanos.”
m orrer com dignidade e de usar eutanásia e suicí­ “Décimo sexto. A tecnologia é uma chave vital para
dio. Os hum anistas se opõem à invasão crescente o progresso e desenvolvimento humanos.” Este artigo
da privacidade individual. Essa lista detalhada é um fala contra a condenação indiscriminada da tecnolo­
catálogo dos valores hum anistas. gia e seu uso para controlar, manipular ou modificar
“Oitavo. Estamos comprometidos com uma socie­ seres humanos sem consentimento da humanidade.
dade aberta e democrática.” Todas as pessoas devem ter “Décimo sétimo. Devemos expandir a com unica­
participação no desenvolvimento de valores e estabele­ ção e o transporte entre fronteiras. As restrições de
cimento de metas.“As pessoas são mais importantes que viagem devem cessar.” Esse artigo termina com uma
decálogos, regras, proibições ou regulamentos.” Aqui se advertência: “Devemos aprender a viver abertamente
manifesta uma oposição à lei moral divina como a en­ juntos, ou pereceremos juntos”.
contrada nos Dez Mandamentos (Decálogo). A conclusão fala contra “terror” e “ódio”. Afirma os
“Nono. A separação entre igreja e Estado e a separa­ valores da razão e compaixão, assim como tolerância,
ção entre ideologia e Estado são im perativas.” Os entendimento e negociação pacífica. Exige “o mais alto
humanistas acreditam que o Estado “não deve favore­ compromisso [i.e.,a esses valores] de que somos capa­
cer nenhum grupo religioso específico pelo uso de di­ zes”, que “transcende [...] igreja,Estado,partido,classe
nheiro público, nem promover determinada ideologia”. ou raça”. Fica claro que os humanistas estão exigindo
“Décimo. [...] Precisamos democratizar a econo­ um compromisso supremo com valores morais trans­
mia e julgá-la pela sensibilidade às necessidades hu­ cendentes — um compromisso religioso.
m anas, testando resultados em term os do bem co­ Avaliação do n Manifesto humanista. O //Manifesto
mum.” Isso significa que o valor de qualquer sistema humanista é mais forte, mais detalhado e menos oti­
econômico deve ser julgado numa base utilitarista. mista que o /Manifesto humanista. É menos cuidadoso
“Décimo primeiro. O princípio da igualdade m o­ no uso de termos morais tais como deve e na exigência
ral deve ser promovido mediante a eliminação de toda de um compromisso supremo. É realmente uma convo­
discriminação baseada em raça, religião, sexo, idade cação forte, urgente, moral e religiosa. Como seu prede­
ou nacionalidade.” A eliminação total da discrim ina­ cessor, também é ateísta, naturalista, evolucionista, so­
ção resultará numa distribuição mais justa da rique­ cialista, relativista e ainda otimista quanto à possibili­
za. Haveria uma renda anual mínim a, previdência so­ dade de a humanidade salvar a si própria. A ênfase na
cial para todos que precisam e o direito à educação característica internacional é bem mais forte.
universitária. A “D eclaração hum anista secular”. A terceira voz
“Décimo segundo. Deploramos a divisão da hu­ de coalizão para o humanism o secular soou. Signatá­
manidade por nacionalidades. Chegamos a um m o­ rios da “Declaração humanista secular”, que apareceu
mento decisivo na história da humanidade em que a no periódico humanista secular Free Inquiry, incluí­
melhor opção é transcender os limites da soberania am Asimov, Fletcher, Skinner e alguns que não assina­
nacional e buscar a construção de uma comunidade ram o ti Manifesto, entre eles os filósofos Sidney Hook
g lo b al.” Isso envolveria um a e n tid a d e p o lític a e Kai Nielsen.
supranacional que perm itisse diversidade cultural. As afirmações. A declaração patrocina o “humanis­
“Décimo terceiro. Essa comunidade global deve re­ mo secular democrático”. É evidente pelos primeiros
nunciar o recurso da violência e da força como m éto­ parágrafos que os humanistas consideram a religião
do de resolver disputas internacionais.” Esse artigo estabelecida sua grande inimiga: “Infelizmente, hoje
considera a guerra, por mais localizada que seja, ab­ enfrentam o s um a variedade de ten d ên cias an ti-
soluta, e reivindica um “imperativo planetário” para secularistas: o ressurgimento das religiões dogmáticas
reduzir gastos militares. e autoritárias; o cristianism o fundamentalista, literal
“Décimo quarto. A comunidade global deve em ­ e doutrinante”. Além disso, o documento reclama do
pregar planejamento cooperativo com relação ao uso “clericalism o m uçulm ano rapidamente crescente e
de recursos rapidamente esgotáveis [...] e o crescim en­ intransigente no Oriente Médio e na Ásia, a reafirm a­
to populacional excessivo deve ser controlado por acor­ ção da autoridade ortodoxa da hierarquia papal do ca­
do internacional.” Para os humanistas, portanto, a con­ tolicismo romano, o judaísm o religioso e nacionalis­
servação é um valor moral. ta, e a volta a religiões obscurantistas na Ásia”. A pla­
“Décimo quinto. É obrigação moral das nações de­ taforma desses humanistas é:
senvolvidas dar [...] grande assistência técnica, agrí­ Livre Investigação. “O p rim eiro p rin cíp io do
cola, médica e econômica” a nação subdesenvolvidas. humanismo secular dem ocrático é seu compromisso
h u m a n is m o s e c u la r 402

com a livre investigação. Opomo-nos a qualquer tira­ C iência e tecnologia. “Cremos que o método científi­
nia sobre a mente do homem, qualquer esforço por co, apesar de imperfeito, ainda é a maneira mais confiável
parte de instituições eclesiásticas, políticas, ideológi­ de entender o mundo. Logo, procuramos as ciências na­
cas ou sociais de algemar o livre pensamento.” turais, biológicas, sociais e comportamentais para conhe­
S e p a r a ç ã o en tre ig reja e E stado. “Por causa de seu cimento do universo e do lugar do homem nele.”
compromisso com a liberdade, os humanistas secula­ E volu ção. Esse artigo lamenta o ataque dos funda-
res acreditam no princípio da separação entre igreja e mentalistas religiosos à evolução. Apesar de negar que
Estado.” Na sua opinião, “qualquer esforço para impor a evolução seja um “princípio infalível”, os humanistas
uma concepção exclusiva da Verdade [v. verdade , natu ­ seculares acreditam que ela “é apoiada tão fortemente
reza da ] , piedade, virtude ou justiça sobre toda a soci­ pelo peso da evidência que é difícil rejeitá-la”. Conse­
edade é uma violação da investigação livre”. quentemente,“deploramos os esforços dos fundamen-
O id e a l d e lib er d a d e. “Como secularistas dem ocrá­ talistas (especialmente nos Estados Unidos) de inva­
ticos, defendemos sistematicamente o ideal de liber­ dir as salas de aulas, exigindo que a teoria criacionista
dade.” O conceito de liberdade do humanismo secular seja ensinada aos alunos e exigindo que ela seja inclu­
inclui não só liberdade de consciência e crença em re­ ída nos livros didáticos de biologia” (v. origens, ciência
lação a poderes repressivos eclesiásticos, políticos e das). O s humanistas seculares consideram isso uma

econômicos, como também “liberdade política genuí­ ameaça tanto à liberdade acadêmica como à integri­
na, decisões dem ocráticas baseadas na opinião da dade educacional.
maioria e respeito pelos direitos das minorias e pelo E d u ca çã o . “Na nossa opinião, a educação deve ser
regime da lei”. o método essencial de construir sociedades humani­
É tica b a s e a d a n a in telig ên cia crítica. “O humanista tárias, livres e democráticas.” As metas de educação
secular reconhece o papel central da moralidade na incluem a transm issão de conhecimento, treinam en­
vida humana.” A conduta ética deve ser julgada pela to ocupacional, instrução de cidadania e incentivo ao
razão crítica, e seu objetivo é desenvolver “indivíduos crescimento moral. Os humanistas seculares também
autônomos e responsáveis, capazes de fazer suas es­ imaginam a tarefa mais ampla de embarcar num “pro­
colhas na vida baseados no entendimento do compor­ grama de longo prazo de educação pública e esclare­
tamento humano”. Apesar de os humanistas secula­ cimento com relação à relevância da perspectiva se­
res serem ostensivamente opostos à moralidade abso­ cular da condição humana”.
lutista, afirmam que “padrões objetivos surgem, e va­ A declaração conclui com o apelo: “O humanismo
lores e princípios éticos podem ser descobertos, no secular dem ocrático é muito importante para que a
decorrer da deliberação ética”. civilização humana o abandone”. Censura a religião
E d u c a ç ã o m oral. “Cremos que o desenvolvimento ortodoxa contem porânea com o sendo “anticiência,
moral deve ser cultivado nas crianças e jovens [...] logo, antiliberd ad e e an ti-h u m an a”, m ostrand o que “o
é dever da educação pública lidar com esses valores.” humanismo secular deposita confiança na inteligên­
Tais valores incluem “virtudes morais, inteligência e o cia humana e não na orientação divina”. Termina la­
desenvolvimento do caráter”. mentando “o crescimento dos credos sectários intole­
C eticism o religioso. “Como humanistas seculares, rantes que promovem o ódio”.
geralmente somos céticos em relação a afirmações so­ A v a lia çã o d a “D e cla r a çã o h u m a n ista s e c u la r ”. Pode
brenaturais.” Apesar de ser verdadeiro que “reconhece­ parecer surpreendente que essa declaração tenha apa­
m os a im p ortân cia da exp eriên cia religiosa, que recido logo após o ii M an ifesto h u m a n ista (apenas oito
redireciona e dá significado à vida dos seres humanos, anos), especialmente porque muitas pessoas assinaram
[negamos] que tais experiências estejam relacionadas os dois documentos. Grande parte do conteúdo é seme­
ao sobrenatural”. Acreditam que não há evidência sufi­ lhante a um ou aos demais manifestos. Como afirma­
ciente para afirmar que existe algum propósito divino ções humanistas anteriores, enfatiza o naturalismo, a
para o universo. “Homens e mulheres são livres e res­ evolução, a habilidade humana de auto-salvação, assim
ponsáveis pelo próprio destinos.” E não podem esperar como compromissos éticos humanistas comuns com a
salvação de um ser transcendente. liberdade, a tolerância e a inteligência crítica.
R a z ã o . “Vemos com preocupação o ataque atual No entanto, a D ecla r a çã o tem pontos distintos. Os
pelos não-secularistas à razão e à ciência.” Apesar de aspectos mais significativos são as áreas em que difere
os humanistas seculares negarem que a razão e a c i­ dos esforços anteriores. Primeiro, esses humanistas se­
ência podem resolver todos os problemas humanos, culares querem ser chamados “humanistas seculares d e ­
afirmam que não conhecem um substituto melhor que m o c rá tico s”. A ênfase na democracia é evidente em todo
a inteligência humana. o texto. Segundo, eles não declaram que são humanistas
403 H u m e , D a v id

religiosos, como os autores dos documentos anteriores. Nem tod os a c r e d ita m q u e a c iê n c ia e


Isso é estranho, já que os humanistas pedem reconhe­ a tecnologia são o m eio de salvar a humanida
cimento como grupo religioso, e a Suprema Corte dos de, mas todos acred itam que a razão humana
Estados Unidos o tenha definido assim em Torcasso vs. e a educação secu lar são a única esperança
W atkins, em 1961. Na verdade, a declaração poderia ser de continuidade para a raça humana.
caracterizada corretamente como anti-religiosa, pois
ataca especificamente a tendência recente de crenças re­ Conclusão. O humanismo secular é um movimen­
ligiosas conservadoras. A maior parte da declaração, na to que consiste em grande parte de ateus, agnósticos e
verdade, parece ser uma reação contra as tendências re­ deístas. Todos são antiteístas e anti-sobrenaturalistas.
centes contrárias ao humanismo secular. Finalmente, é Todos são firmemente naturalistas. Essas doutrinas es­
impossível deixar de notar uma incoerência estranha pecíficas são desafiadas em outros artigos, entre eles:
no fato de que a declaração afirma liberdade acadêmi­ Deus, supostas refutações de; Deus, evidências de; Deus,
ca, mas insiste em que o criacionismo científico seja O B JE Ç Õ E S À S P R O V A S D E ; E V O L U Ç Ã O ; E V O L U Ç Ã O B IO L Ó G IC A ; E V O ­
excluído das aulas de ciências.
LU ÇÃ O química; evolução cósmica; milagres e milagres, ar­
Elem entos comuns no hum anism o secular. Um
gumentos contra. M oralm ente os hu m anistas são
estudo dos manifestos e das declarações humanistas
relativistas (v. moralidade, natureza absoluta da). V ári­
e outras obras de humanistas seculares de destaque
os tipos de humanismo não-teísta são avaliados sob
revelam uma base comum de pelo menos cinco prin­
os nomes de seus principais proponentes.
cípios:

Fontes
1. O não-teísm o é comum a todas as formas de
D. E hrentf.lp , T h e a r m g a n c e o f h u m a n i s m .
humanismo secular. Muitos humanistas negam
X. L. G f.isi.er, I s m a n t h e m e a s u r e ?
completamente a existência de Deus, mas to­
J. H itchcock, U7i«f is s e c u l a r h u m a n is m ?
dos negam a necessidade de um Criador do
C. S. L evts, T h e A b o litio n o fM a n .
mundo. Portanto, os humanistas seculares se
P. K lrtz , org., H u m a n i s t m a n ife s t o I e II.
unem na oposição a toda religião teísta.
___ , org., “A secular hum anist declaration”, Free inquiry.
2. O natu ralism o é essencial ao hum anism o,
F. Sch i. o i r r, Whatever happened to the human race?
seguindo a negação do teísmo. Tudo no universo
R. W ebber , Secular humanism: threat and challenge.
deve ser explicável por meio de leis naturais.
3. A evolução é a maneira de o humanista secu­
h um anistas, m anifestos. V. humanismo secular.
lar explicar as origens. Ou o universo e as
coisas vivas surgiram por meio da interven
ção de um Criador sobrenatural, ou evoluí H um e, crité rio s p a ra testem u nh as confiáveis. V.
ram por m eios puram ente naturalistas. En T E S T E M U N H A S , C R IT É R IO S D E HüM E PA RA .

tão os não-teístas não têm escolha senão de­


fender a evolução. H um e,D avid. Filósofo e historiador, nasceu e cresceu
4. O relativismo ético une os humanistas secula em Edimburgo, Escócia (1711-1776), e freqüentou a
res, pois eles não gostam de absolutos (v. a b s o ­ Universidade de Edimburgo. Form ou-se em direito,
l u t o s m o r a i s ). Não há valores morais dados por mas logo depois decidiu não exercer a profissão. Em
Deus; a humanidade decide os próprios valo vez disso, durante o apogeu do iluminismo europeu,
res. Esses padrões estão sujeitos a mudanças e Hume dedicou-se ao estudo rigoroso da filosofia. Esse
são relativos em situações diferentes. Já que estudo o levou ao ceticism o (v. agnosticismo) e ao des­
não há base absoluta para valores em Deus, dém pelo milagroso (v. milagres, argumentos contra).
não há valores absolutos recebidos dele. Mas, ao contrário de Baruch Espinosã, um século an­
5. A auto-suficiência humana é o princípio cen tes, Hume atacou os m ilagres do ponto de vista
trai. Nem todos os humanistas seculares são empírico, não racionalista. De várias maneiras os dois
utópicos, mas todos acreditam que os seres pensadores se opõem. Espinosã era dogmático, Hume
humanos podem resolver seus problemas sem era cético . E sp in o sã era ra c io n a lista , Hume era
o auxílio divino. Nem todos acreditam que a em pírico. Apesar das diferenças, com partilhavam a
raça seja imortal, mas todos acreditam que a conclusão de que não é razoável acreditar em m ila­
sobrevivência da hum anidade depende do gres. Para Espinosã, milagres são na verdade im pos­
comportamento e da responsabilidade pessoal. síveis; para Hume, são apenas inacreditáveis.
H u m e , D a v id 404

Ceticismo em pírico de Hume. O cético acredita jam ais podemos observar alguma ligação entre eles.
em suspender o julgamento sobre questões m etafísi­ Parecem c o n ju n to s, mas nunca c o n e c t a d o s ” (ibid.,
cas. O ceticismo de Hume baseava-se na sua epistemo- 7 .2 .8 5 ). Eventos con ju n tos não provam que são
logia. Acreditava que todas as idéias são baseadas na conectados pela causalidade assim como não há co­
experiência sensorial. Já que não há experiências sen- nexão causal entre o galo cantando e o sol nascendo.
soriais de conceitos como D eu s, Hume os rejeitava Tudo que se pode fazer é extrapolar com base em ocor­
como insignificantes. rências muitas vezes repetidas.
D o is tip o s d e p r o p o s iç õ e s . Todos os objetos da A v a lia ç ã o d o e m p irism o c ético d e H um e. É in c o e ­
inquisição humana, escreveu Hume, são r e la ç õ e s d e rente. O ceticismo de Hume m ostra-se vulnerável a
id é ia s ou q u es tõ es d e fa t o . O primeiro tipo inclui afir­ sérias críticas. Talvez a mais séria seja a de que é inco­
mações e definições matem áticas; o segundo inclui erente. Segundo Hume, proposições significativas são
tudo que se conhece empiricamente — por meio de em p ír ic a s ou a n a lític a s . As empíricas têm conteúdo
um ou mais sentidos. Hume era tão enfático sobre essa mas não revelam nada sobre a realidade metafísica,
distinção que concluiu assim sua In v estig a çã o so b r e o tal como Deus. As a n a lític a s são vazias e sem conteú­
en ten d im en to h u m a n o : do. Como o princípio da verificabilidade empírica ba­
seia-se nos dois tipos de proposições de Hume, essa é
Quando pesquisamos nas bibliotecas, convencidos des­ uma proposição autodestrutiva (v. l ó g i c o , p o s i t i v i s m o ) ,
ses princípios, que estragos faremos? Se tomarmos em nos­ pois a afirmação de que “apenas proposições analíticas
sas mãos qualquer volume — de teologia ou metafísica ou empíricas são significantes” não é uma afirmação
escolástica, por exemplo — perguntemos: Ele contém algum analítica (verdadeira por definição) nem uma afirma­
raciocínio abstrato relativo a quantidade ou númerof Não. ção empírica. Logo, pelos próprios critérios, é insigni­
Contém algum raciocínio experimental relativo a fato e exis- fica n te . Se a d m itim o s que ta is a firm a ç õ e s são
tência?Não. Então queime-o, pois não pode conter nada além significantes, por que as afirmações metafísicas não
de sofisma e ilusão. (12.3.173). podem ser significantes?
O ATOMiSMO é c o n tr á r io à ex p e r iê n c ia . Outra obje­
C a u sa s c o n h e c id a s p e lo h á b ito . Para Hume “todo ção séria ao empirismo cético de Hume é que ele é
raciocínio relativo a assuntos de fato parece ser fun­ baseado no atomismo empírico injustificado. Hume
dado na relação de c a u s a e e fe ito . Som ente por meio acreditava que todas as sensações eram atom icam en­
dessa relação podemos ir além da evidência de nos­ te separadas.“Um evento segue o outro, mas nunca se
sa m em ória e dos sentidos” (ib id .,4 .1 .4 1 ). Por isso, a pode observar a ligação entre eles. Parecem co n ju n to s ,
mente jam ais poderá encontrar a causa de dado even­ mas nunca c o n e c ta d o s ” (ibid., 7.2.85). Mas não é as­
to. Só “depois da conjunção constante de dois ob je­ sim que os experim entam os. Nós os encontram os
tos, calor e fogo, por exemplo [...] estam os determ i­ como um fluxo contínuo. Não recebemos uma série
nados apenas pelo hábito de esperar um a partir da destacada de fotos instantâneas, antes vemos um fil­
presença de outro” (ibid., 5.1.57). Isto é, usam os a me contínuo do mundo externo. Somente quando a
causalidade, mas não há base em pírica para fazê-lo. pessoa su p õ e incorretamente que tudo é atomicamente
Em resumo, não se pode conhecer as c o n e x õ e s cau­ desconectado e separado é que surge o problema de
sais entre as coisas; só se pode acreditar nelas basea­ conectá-los.
do nas co n ju n ç õ e s habituais.“Todas as inferências da A c a u s a lid a d e p o d e s e r ex p e r im e n ta d a in tern a m en ­
experiência, portanto, são efeitos de hábito, não de te. Hume é amplamente mal compreendido. Ele não ne­
raciocínio” (ibid.). gou o princípio da causalidade. Negou a base em que
Segundo Hume, não podemos sequer ter certeza algumas pessoas tentam provar a causalidade (v. c a u s a ­
de que o sol surgirá amanhã. Acreditamos que ele sur­ lidade, princípio da). Hume rejeitava a intuição, descar­
girá porque isso já aconteceu costum eiram ente no tando conexões causais que experimentamos em nossa
passado. Algumas coisas acontecem tantas vezes em consciência e que não são baseadas em eventos exter­
conjunção com outras que é tolice não acreditar que nos. Sou a causa desta frase à medida que a digito, e
haverá conjunções no futuro. Hume até chamaria essa experimento esse fato. Todo mundo experimenta os pró­
experiência uniforme de “prova”, pela qual quer dizer prios pensamentos e ações. Nós os experimentamos
“argumentos de tal modo baseados na experiência que como fluxo contínuo de causa e efeito.
não deixam dúvida ou oposição” (ibid., 6.1.69). No H u m e n ã o p ô d e v iv er su a teo ria . Hume não era co­
entanto ,“todos os eventos parecem com pletam ente erente com seu ceticismo no âmbito prático nem no
soltos e separados. Um evento segue o outro, mas teórico. Na área prática, Hume admitiu que precisava
405 H u m e , D a v id

descansar de suas buscas céticas e deprimentes e jo ­ Na melhor das hipóteses o argumento da analogia nos
gar uma partida de gamão. Realmente, ninguém pode leva a um Deus finito e imperfeito para um mundo
viver um a vid a n eu tra em tod os os assu n to s finito e imperfeito. Se insistirm os em que Deus deva
metafísicos e morais. A vida exige certos compromis­ ser igual ao que criou, então seria Deus igual a um
sos nessas áreas. Nenhum cético se mantém neutro so­ repolho ou a um coelho, só porque os fez?
bre a questão da existência do direito moral de acredi­ Uma série infinita de causas é possível. Uma série
tar e expressar suas opiniões. E não existe dúvida so­ infinita de causas é possível. Logo, não há necessidade
bre tudo. (Hume não era cético em relação ao ceticis­ de chegar a Primeira Causa. Séries infinitas são possí­
mo.) Um cético total não poderia comer, andar ou fa­ veis na matemática.
lar ( v . A G N O S T I C I S M o ) . A necessidade não se aplica à existência, mas apenas a
Mais precisamente, Hume não era coerente com a conceitos. Um Ser Necessário, tal como o argumento
própria teoria. Quando argumentava que não conhe­ cosmológico conclui, é má aplicação do termo necessário.
cemos a conexão entre eventos, Hume insistia em que A razão é que a necessidade se aplica apenas a conceitos
não podemos se quer ter certeza de que o sol surgirá ou idéias, nunca à realidade objetiva. Afirmações neces­
amanhã. Mas quando argumentava contra os milagres sárias são analíticas e sem conteúdo. E afirmações sobre
insistia em que a experiência — uniforme até hoje — o mundo real não são necessárias.
de que todos os homens morrem e não ressuscitam Não há necessidade de um criador; o acaso pode
dos mortos prova que nenhuma ressurreição aconte­
explicar tudo (v. teleológico, argumento). Não há ne­
cerá amanhã (v. ressurreição, evidências da).
cessidade de supor uma causa inteligente (um cria­
Hume jam ais negou a causalidade. Além disso, o dor) do mundo; o acaso pode explicar a aparente cria­
próprio Hume jam ais negou que as coisas têm causa
ção no mundo. Dado o tempo suficiente, qualquer
para existir. Escreveu: “Eu nunca afirmei uma propo­
combinação afortunada pode surgir. O universo pode
sição tão absurda quanto essa de dizer que qualquer
ser um “acidente”.
coisa pode surgir sem uma causa” (Hume, Letters, v. 1,
É possível que nada jam ais tenha existido, inclusive
p. 187). Na verdade, na mesma fonte, Hume afirmou
Deus. É sempre possível imaginar que qualquer coisa,
que seria “absurdo” negar o princípio da causalidade.
inclusive Deus, não exista. Logo, nada existe necessa­
O que Hume negou foi a maneira pela qual alguns fi­
riamente. Já que Deus é considerado um Ser Necessá­
lósofos tentam provar o princípio da causalidade. Para
rio, nem mesmo ele deve existir necessariamente, por­
Hume, a conjunção habitual é a base para supor uma
tanto Deus sequer precisa existir.
conexão causal.
O que é logicamente necessário não existe necessa­
A rejeição d e Hume dos argum entos a fa v o r da
riam ente. Alguns a n tite ísta s argu m entam que é
existência d e Deus. O ceticism o de Hume com rela­
logicamente necessário um triângulo ter três lados,
ção à existência de Deus baseava-se no seu empirismo
mas não é necessário uma coisa de três lados existir.
e é manifesto em várias objeções que foram muito re­
Logo, mesmo se fosse logicamente necessário Deus
petidas desde sua época. São baseadas no seu famoso
existir, isso não quer dizer que ele realmente exista.
Dialogues concerning natural religion [Diálogos sobre
Se todas as coisas foram criadas, então Deus tam­
a religião natural].
bém foi. Se tudo precisa de uma causa, Deus também
Argumentos contra o Deus teísta. Hume argumentou
precisa. E se nem todas as coisas precisam de uma cau­
que todas as tentativas de provar a existência de Deus,
sa, o mundo também não precisa. Mas em nenhum dos
pelo menos do Deus teísta (v. t e í s m o ) , falham por um dos
casos precisamos de uma Primeira Causa.
seguintes motivos (v. D eu s , o b je ç õ e s à s p r o v a s d e ):
Esses argumentos são respondidos, e a lógica de
Seres finitos precisam apenas de causas finitas. Se­ Hume é criticada no artigo Deus, objeções aos argu-
gundo Hume, supor uma Causa infinita é um exagero M E N T O S RA R A A E X IS T Ê N C IA D E .
metafísico. Um universo finito só precisa de uma cau­ Conclusão. Hume foi uma das personagens mais
sa finita. influentes da filosofia moderna. Sua apresentação clara
O princípio da causalidade é improvável. Não há e poderosa do ceticismo e do anti-sobrenaturalismo
m aneira de provar o princípio da causalidade. Tudo foi um fator significativo na formação da mente secu­
que é baseado na experiência poderia existir de outra lar moderna. No entanto, a análise cuidadosa das po­
forma. E tudo que não é baseado na experiência é ape­ sições cruciais de Hume revela que são inconsistentes
nas tautologia, isto é, verdadeiro apenas por definição. e contrárias à experiência. Na realidade, a base de seu
Oprincípio da analogia prova um Deus não-teísta. ceticismo é contraditória, já que ele não suspende re­
Mesmo supondo que houvesse um tipo de causa do almente o julgamento de muitas posições dogmáticas
mundo, não seria um Deus infinitam ente perfeito. que assume sobre Deus e milagres.
H u x le y , Ju li a n 406

Fontes personalizadas das forças do destino, com sua uni­


J. C o l l in s , God and m odem philosophy. dade projetada neles pelo pensamento e imaginação
R. F l in t , Agnosticism. hum anos” (ibid .,p. 51).
N. L. G e is l e r , Philosophy ofreligion. Huxley acreditava que o entendimento científico
D. Hume, Investigação acerca do entendimento humano. moderno tornava o conceito de Deus obsoleto.
___ , Dialogues concerning natural religion.
___ , The letters ofDavid Hume. Deus não pode mais ser considerado o controlador do
universo sob forma alguma, exceto num sentido hipotético.
Huxley, Ju lian . Julian Sorell H u x l e y (1887-1975) foi A hipótese de um Deus não tem mais valor pragmático,
neto de Thom as Huxley, que ficou conhecido pelo
apoio a Charles D a r w i n . Julian recebeu seu diploma disse ele. Operacionalmente,
em zoologia da Universidade de Oxford e mais tarde
lecionou ali. Em 1912, foi designado catedrático do De­ Deus está começando a se assemelhar não a um rei,
partamento de Biologia da Universidade Rice. Tornou- mas ao último sorriso do gato que desaparece numa ver­
se professor de zoologia no Kings College, Londres, em são cósmica da história de Alice no País das Maravilhas
1925, e, em 1952, presidente da Associação Humanista (ibid.,p. 58-9).
Britânica. Foi signatário do u Manifesto humanista de
1973 (v. h u m a n i s m o s e c u l a r ) . Seus livros incluem Na verdade, Huxley acreditava que “logo será im­
Principies o f experimental embryology [Princípios de possível um homem ou mulher inteligentes e educados
em briologia experim ental] (1 9 3 4 ), Evolution, the acreditarem num Deus assim como agora é impossível
m odem synthesis [Evolução, a síntese moderna] e acreditar que a terra é plana” (ibid., p. 62).
Religion without revelation [Religião sem revelação] A descrença trouxe grande alívio para Huxley. “No
(1928, revisado em 1957). meu caso”, concluiu, “o senso de alívio espiritual que
Julian é reconhecido por seu humanismo evolutivo. vem da rejeição à idéia de Deus como ser sobrenatural
Essa posição tem sua expressão mais completa em é enorme.”Ele esperava ansiosamente que outros se jun­
Religion without revelation. Baseando-se na biologia tassem a ele na sua crença (e alívio). Então “a arrogân­
evolutiva de Darwin, na filosofia evolutiva de Herbert cia insuportável dos que afirmam ser os únicos a pos­
Spencer e na ética evolutiva de seu avô T. H. Huxley, suir a verdade religiosa felizmente desapareceria”. E as­
Julian desenvolveu um sistema completo de crenças sim também a intolerância, as guerras religiosas, a per­
que denominou “humanism o evolutivo”. Expressou seguição religiosa, os horrores da Inquisição, as tentati­
posições sobre uma variedade de assuntos, incluindo vas de reprimir o conhecimento e o aprendizado, pro­
Deus, origens humanas, religião, valores, ciência, arte duzindo rápida mudança social e moral (ibid., p. 33).
e suas esperanças quantos às possibilidades futuras A crença de Huxley na religião. Apesar da sua forte
da raça humana. descrença em Deus, Huxley considerava-se profunda­
Deus e religião. Como outros humanistas, Huxley mente religioso. “Creio”, disse Huxley, “que é necessá­
não acreditava no Deus teísta (v. t e í s m o ) . Acreditava rio acreditar em alguma coisa. O ceticismo completo
que a evolução explicava tudo (v. a t e í s m o ; e v o l u ç ã o b i o ­ não funciona” (ibid.,p. 13). No final,descobriu que crer
l ó g ic a ). no método científico supria parte de sua necessidade
A descrença em Deus no pensamento de Huxley. religiosa. Assim, Huxley acreditava que o método cien­
Huxley se opunha a Deus, mas era a favor da religião. tífico é “o único método que em longo prazo dará uma
Disse: “Acredito [...] que hoje certamente não conhece­ base satisfatória para a crença” (ibid., p. 13).
mos nada além deste mundo e da experiência natural”. Quando Huxley aplicou o método científico às ex­
Isto é,“um Deus pessoal, seja ele Jeová, ou Alá, ou Apoio, periências religiosas, inclusive à sua, concluiu que “a
ou Amen-Rá, ou sem nome, mas apenas Deus, eu nada religião surgiu de um sentimento do sagrado”. Huxley
conheço a respeito dele”. E não queria conhecer.“Não sou considerava a capacidade para esse sentimento fun­
apenas agnóstico sobre o assunto [...] Não creio num Deus damental para a humanidade, algo inerente à cons­
pessoal em qualquer sentido em que essa frase seja nor­ trução da mente humana normal e obtido por meio
malmente usada” (Huxley, p. 17-8). dela. Huxley falou honesta e vividamente sobre suas
A crença em Deus, segundo Huxley, era puram en­ experiências religiosas:
te psicológica. Deus Pai era uma personificação da
natureza; o Espírito Santo representava os ideais; o Lembro-me vividamente de outro incidente no mes­
Filho personificava a natureza hum ana ideal. Então mo ano. Fazíamos exercícios noturnos entre Aldershot e
“os deuses são criações do hom em , representações Fleet: a noite quente de junho estava perfumada pelas giestas:
407 H u x le y , J u li a n

a monotonia do exercício, o silêncio imposto e a escuridão, Um dia, enquanto pesquisava numa biblioteca em
combinados à beleza daquela hora, nos impeliam à medita­ Colorado Springs, Huxley encontrou alguns ensaios de
ção desordenada. Lord Morley nos quais encontrou estas palavras: “A
De repente, sem motivo específico, sem ligação apa­ próxima grande tarefa da ciência será criar uma reli­
rente com outros pensamentos, um problema e sua solu­ gião para a humanidade”. Huxley foi desafiado por essa
ção passaram pela minha mente. Eu havia entendido visão. Escreveu:
como duas opiniões ou procedimentos podem ser am­
bos sinceramente considerados bons, e também realmen­ Fui estimulado porque compartilhava sua convicção de
que a ciência necessariamente teria um papel essencial na
te ser bons — e quando os dois entrassem em contato,
criação de qualquer religião do futuro que fosse digna do
cada um poderia parecer e ser mau. Isso pode acontecer
nome (ibid.,82).
quando ambos apontam para a mesma direção, mas um
está se deslocando de tal modo mais devagar que se tor­
Uma religião p ara hum anistas. Huxley aceitou
na um peso para o outro. Idéias e fatos, exemplos especí­
o desafio de Morley de desenvolver uma religião cien­
ficos e seu significado geral, a tragédia do conflito amar­
tífica. Batizou-a de “hum anism o evolutivo”. Um de
go entre duas realidades superiores, duas honestidades
seus princípios básicos, como o nome demonstra, é a
sólidas se debateram na minha mente naquele momento teoria da evolução.
de introspeção, e eu dera um novo passo em direção àque­ Evolução humana e destino. A experiência mística
la base pacífica para a ação que é expressa pelo provér­ levou Huxley a rejeitar a interpretação puram ente
bio francês: “Tout comprendre, c’est tout pardonner” materialista do universo, tal como via no marxismo
[“Compreender tudo é perdoar tudo”]. ( v. .m a t e r u u s m o ) . Concluiu:
Também havia aquela qualidade definitiva de ser lan­
çado à consciência, implicada no termo revelação, que já foi Em minha opinião, a hipótese materialista, que nega a
descrito para descoberta puramente intelectual por muitos importância dos fatores mentais e espirituais no cosmo, ape­
matemáticos e homens da ciência, especialmente Poincaré, sar de mais sofisticada, é tão errônea quanto a noção ingê­
nos ensaios sobre o método científico. Foi um exagero da nua da hipótese mágica, que projeta forças espirituais para
sensação que vem quando alguém percebe repentinamente eventos materiais.
um ponto que havia escapado à compreensão, mas sem ne­
nhuma sensação de esforço. A mesma sensação geral na es­ Apesar de sua rejeição ao m aterialism o puro,
fera do sentimento se pode ter quando se é repentinamente Huxley era um naturalista absoluto. Insistia em que
transportado a uma satisfação completa por alguma visão descobertas da fisiologia, biologia e psicologia reque­
súbita de morros distantes depois da planície; ou por uma rem o naturalismo. Não havia mais espaço para o so­
brenatural. Forças materiais e “espirituais” no cosmos
qualidade súbita de luz — “a luz que nunca existiu no mar
são parte da natureza (ibid., p. 187).
ou na terra” e no entanto está ali subitamente, transforman­
A evolução é, sem dúvida, a única explicação na­
do uma paisagem familiar; ou por um poema ou retrato, ou
turalista da origem da vida. Huxley escreveu:
um rosto. Mas antes eu só tirera uma sensação completa de
recebimento externo numa experiência — a única ocasião
Eu pessoalmente acredito na uniformidade da nature­
em que tive uma visão (de um tipo não alucinatório, mas
za, em outras palavras, que a natureza é considerada orde­
incrivelmente real: essas, do tipo religioso, abundam nos
nada [...] e que não há duas realidades, uma natural e a ou­
registros dos místicos [v. misticismo] tal como santa Teresa
tra sobrenatural, de tempos em tempos invadindo e alteran­
d’Âvila) [ibid.,p.86 7]. do o decorrer dos eventos na realidade natural (ibid., 45).

Experiências religiosas tão vívidas deixaram Huxley Huxley acrescentou: “Creio também na unidade da
com crenças passionais “no valor supremo de certas idéi­ natureza”. Além disso:
as e atividades”, ele disse, “as quais, na linguagem teo­
lógica, são chamadas Fé” (ibid., p. 76). Na verdade, Creio na unidade pela continuidade. A matéria não apa­
Huxley confessou: rece ou desaparece, nem coisas vivas aparecem exceto a par­
tir de coisas existentes essencialmente em si mesmas (v. x a -
A vida teria sido intolerável sem [esses] relances do es­ TLRALISMO).
tado alternativo, momentos ocasionais de grande felicidade
e renovação espiritual, geralmente vindos por meio da poe­ Logo: “A matéria mais complexa que está viva deve
sia ou por meio de uma bela paisagem, ou por intermédio ter, no passado, se originado de matéria que não esta­
de pessoas (ibid., p. 77). va viva” ( ibid., p. 45).
H u x le y , Ju lia n 408

À medida que a evolução avançava, ela melhorava. experiência por meio da cultura e da troca de idéias
Pois cada novo tipo dominante possui organização ge­ (ibid., p. 193). O dever mais sagrado e a oportunidade
ral melhorada. Essa substituição progressiva de tipos e mais gloriosa é promover o cumprimento máximo do
grupos dominantes é demonstrada mais claramente nos processo evolutivo e realizar completamente as possi­
últimos vertebrados.“Então é perfeitamente adequado”, bilidades humanas latentes (ibid., p. 194).
disse Huxley,“usar termos como superior e inferior para Mas apesar do “desabrochar do indivíduo ser visto
descrever tipos diferentes de organismo, e progresso para como valor intrínseco, como um fim em si mesmo”, o
certos tipos de tendência” (ibid., p. 192). valor do indivíduo está limitado pela necessidade de
A culminação do processo biológico evolutivo é a manter e melhorar a sociedade (ibid., p. 194-5). O indi­
humanidade. Huxley acreditava que a maneira restante víduo tem deveres para desenvolver o potencial pessoal
de progredir era o aperfeiçoamento do cérebro e da men­ e ajudar outros individual e coletivamente a realizar seu
te. “É claro que o homem está apenas no início de seu potencial. Cada pessoa deve contribuir pelo menos um
período de domínio evolutivo e que as possibilidades vas­ pouco para promover a evolução do todo (ibid., p. 195).
tas e ainda inimagináveis de maior avanço ainda estão Segundo Huxley,
porvir”(ibid.,p. 193).A biologia revelou o destino huma­
no como a forma mais elevada produzida pela evolução, o postulado básico do humanismo evolutivo é que for­
o último tipo dominante e o único organismo capaz de ças mentais e espirituais [...] realmente têm efeito operativo
criar maiores avanços. O destino do homem é realizar e realmente são de importância decisiva na tarefa altamen­
novas possibilidades para o mundo e ser o instrumento te prática de alcançar o destino humano; e elas não são so­
da continuidade do processo evolutivo (ibid., p. 193). brenaturais, não estão fora do homem, mas dentro dele
A natureza dos seres humanos. Huxley não era (ibid.).
um otimista absoluto quanto à natureza do homem.
Ele reconhecia tendências e atividades malignas, tais Essas forças não operam apenas dentro de indi­
como cobiça, arrogância, fanatismo, sadismo e gula víduos, mas tam bém pelo processo social. Já que o
(ibid., p. 196-7). Ele acreditava, no entanto, que a hu­ ser humano é o único que tem controle consciente
manidade era capaz de se salvar desses males. dessas forças, as pessoas são individualmente res­
Além disso, Huxley não era um materialista rígi­ ponsáveis por realizar m ais progresso na v id a.“Isso
do (v. m a t e r i a l i s m o ) . Acreditava nos aspectos “espiritu­ se aplica”, disse Huxley, “tanto ao instinto de repro­
al” e “mental” da “matéria” do universo assim como dução quanto à ganância ou à sede de poder, tanto à
no aspecto “material” (ibid., p. 186-7). Rejeitava o m a­ arrogância e ao fanatism o, seja nacional seja religio­
terialismo marxista (v. M a r x , K a r l ) e defendia a expe- so, quanto ao sadismo indisfarçado ou à auto-indul­
riência“mística”. Mesmo assim, era um naturalista de­ gência” (ibid., p. 197).
dicado a explicar os fenômenos humanos. No humanismo evolutivo, o dever geral do indivíduo
Huxley era claramente otim ista quanto à habili­ é realizar o potencial pessoal. O tipo certo de desenvolvi­
dade da humanidade para alcançar um grande futu­ mento individual abre caminho permanentemente para
ro. O ser humano era a única esperança de evolução o crescimento. Três áreas de desenvolvimento pessoal são
futura. Juntamente com seu avô, Julian confessou: “M i­ possíveis: especialização, desenvolvimento de habilida­
nha fé está nas possibilidades do homem” (ibid., p. des pessoais em todas as áreas da vida e desenvolvimen­
2 1 2 ).Essa esperança era de que o Homo sapiens conti­ to de harmonia e paz interior (ibid., p. 199,200).
nuaria a tornar real o novo potencial mediante a evo­ Na verdade, o hum anism o evolutivo tem duplo
lução contínua. objetivo: satisfação pessoal imediata e progresso cós­
Evolução e ética. O progresso evolutivo do passado m ico em longo prazo. Esse segundo valor Huxley
fornece princípios diretivos para o futuro. Com base denomina“o evangelho do humanismo evolutivo”, que
nisso, a humanidade deve buscar as qualidades que é u m “valor transcendente” (ib id .,p .201).
foram bem-sucedidas. Esses princípios incluem efici­ A ciência e ofuturo. Apesar de Huxley não acreditar
ência e controle do meio ambiente, autocontrole e in­ na imortalidade individual (ibid.,p. 18),acreditavaquea
dependência, individuação e níveis de organização, har­ humanidade continuaria. Acreditava que a ciência era o
monia no trabalho, consciência e conhecimento cres­ melhor órgão para atingir esse alvo — não a ciência sem
centes, armazenamento de experiência e organização a religião, mas uma religião científica. Escreveu:
mental (ibid.,p. 193). Os seres humanos atingiriam seu
destino com mais sucesso explorando a razão, a im a­ O homem do século x.x sem dúvida precisa de um novo
ginação e o pensamento conceituai, bem como as ca­ órgão para lidar com o destino, um novo sistema de crenças
pacidades singulares de acumular, organizar e aplicar religiosas e atitudes adaptadas à nova situação na qual suas
H u x le y , J u li a n 409

sociedades agora devem existir. Acaracterística radicalmen­ (cf. n Manifesto humanista, 1973). Não há boa evidência
te nova da situação atual talvez possa ser afirmada desta ma­ observável para indicar a inevitabilidade da evolução de
neira: Religiões e credos antigos eram em grande parte adap­ uma religião humanista universal.
tações para lidar com a ignorância e os medos do homem, e A ética evolutiva envolve alguns problemas sérios.
acabaram lidando primariamente com a estabilidade da ati­ Como a sociedade preserva os direitos individuais dos
tude. Mas a necessidade hoje é de um sistema de crenças que estão impedindo a evolução social (v. m o r a l i d a d e , n a ­
adaptado para lidar com seu conhecimento e suas possibili­ t u r e z a a b s o l u t a d a ) ? Como um “dever” ético pode ser de­

dades criativas; e isso implica a capacidade de enfrentar, ins­ rivado de um “fato”biológico? Como pode o suposto fato
pirar e guiar mudanças (ibid., p. 188). da evolução ser a base do valor moral? Muitas coisas más
também evoluíram. Assim, deve haver algum padrão fora
A religião humanista de Huxley, então, é o órgão do do processo evolutivo para saber o que é bom ou mau.
destino. Mesmo assim, Huxley não tinha ilusões de gran­ A confissão feita por Huxley quanto a valores trans­
deza com relação às expectativas imediatas desse tipo de cendentes e supremos, experiências místicas e o des­
religião.“Como todas as outras novas religiões [...] a prin­ tino do mundo será bem recebida pelos que afirmam
cípio será expressa e difundida por uma pequena mino- que esses são indicadores verbais de um “Deus” subs­
ria.”No entanto,ele previu que,“quando chegar a hora cer­ tituto. Insistirão em que apenas mentes podem “desti­
ta, se tornará universal, não só potencialmente e na teoria, nar” e apenas pessoas podem ser o objeto de compro­

mas realmente e na prática’.A natureza psicológica huma­ missos religiosos. Argumentarão que Huxley evitou o
nome Deus, mas não sua realidade.
na torna isso inevitável.“0 homem não pode evitar o pro­
Com a deterioração dos fundamentos da evolução
cesso de convergência que caminha para a integração de
moderna (v. e v o l u ç ã o ) , a base do humanismo evolutivo
grupos humanos hostis ou divergentes numa única socie­
de Huxley tam bém está se deteriorando. Além disso, é
dade e na cultura mundial orgânica” (ibid., p. 208).
incoerente. Numa frase ele afirma que a primeira vida
Assim, um processo evolutivo inevitável resultará
surgiu da matéria sem vida (ibid., p. 4 5 ), porém na
numa religião humanista universal. Essa sociedade ateísta
seguinte ridiculariza a crença na geração espontânea
continuará o desenvolvimento evolutivo por maneiras in­
(ibid ., p. 6 2 ). Huxley erroneam ente usa a ciên cia
telectuais, psicológicas e sociais continuamente novas.
operacional para explicar as origens (v. o r i g e n s , c i ê n c i a
Huxley não sabia que form a sua nova religião te­
d a s ) . Tenta explicar eventos não repetidos do passado
ria, que rituais ou celebrações poderia praticar, se te­
por eventos repetíveis do presente. Huxley faz mau uso
ria um sacerdócio, prédios, ou se adotaria símbolos
do m étodo científico que promove com o base do
(ibid., p. 209). Fosse qual fosse a forma, deveria ser
humanismo evolutivo. Tal naturalismo também care­
“unificada e tolerante” (ibid.,p. 160). Ele tinha certe­
ce de justificação filosófica. Ele não ofereceu argumen­
za, no entanto, de que viria. Já que “o espírito cientí­ tos adequados para negar a possibilidade da interven­
fico e o método científico provaram ser os agentes ção sobrenatural (v. m il a g r e s , a rg u m en to s c o n t r a ).
mais eficazes para a compreensão e controle da na­ Finalmente, como outros não-teístas, a crítica de Deus
tureza física”, resta às gerações futuras aplicá-los feita por Huxley (v. D e u s , o b j e ç õ e s a o s a r g u m e n t o s d e ) é su­
para controlar o destino humano (ibid., p. 205). perficial e inadequada. Ele não interage com a evidência
Comparação e contraste. O humanismo evolutivo é substancial em favor da existência do Deus teísta (v. D e u s ,
bem mais amplo que a variedade proposta por Huxley. EVIDÊNCIA DE).
Praticamente todos os humanistas acreditam em algu­
ma forma de evolução. Discordam sobre qual mecanis­ Fontes
mo o desencadeou. Nem todos concordam com Huxley A. D iam o n d . Huxley: from devil’s disciple to evolutions high
que a seleção natural (sobrevivência do mais forte) é o priest.
meio pelo qual a evolução acontece. O que distingue ain­ N. L. G lister , Is man the measure?

da mais o tipo de humanismo proposto por Huxley é ]. H uxley, Religion without revelation.
que ele acreditava que deveria ser uma religião univer­ T. M . K itwood , What is humanism?

sal e a base da ética. Isto é, tudo que auxilia o processo E. L o , "Religionwithout revelation”, em J. W. M ontgomery ,
evolutivo é bom, e tudo que o prejudica é mau. org., Christianity for the tough mind.
Avaliação. Como religião, o sonho de Huxley não foi E. L. M amiall, The secularization o f Christianity.

rapidamente assimilado. Parece que muitos humanistas D. A. X oebel , Understanding the times.

seculares na verdade não querem que seja. Humanistas R. Seeger , “ J. Huxley, Atheistic religionist”, JASA 39.3

mais recentes admitiram que Huxley era otimista demais (D ec. 1987).
Il

Iluminismo. 0 período da história m oderna co ­ B í b l i a , e v i d ê n c i a s d a ) . A re lig iã o n a tu r a l foi


nhecido por Iluminismo começou no final do século enfatizad a. Suas form as m ais rad icais e n c o ra ja ­
XYii e dom inou os séculos xvm e grande parte do ram o A G N osn cisM o , o c e t i c i s m o e o a t e í s m o . Essa for­
século xix na Europa. Baseava-se no racionalism o m a rad icalizada sobrevive no hu m anism o secu ­
holandês e alemão, principalm ente na obra raciona- lar. Karl B a r t h descreveu o Ilu m inism o com o “o
lista e an ti-so b ren atu ralista de Baruch Espinosa, siste m a fund ado na o n ip o tên cia da cap acid ad e
Tractatus theologico-politicus, tractatus politicus hu m ana” (citad o em “ Ilu m in ism o” ).
U 670). Christian Wolf (1679-1754) tornou-se o pa­
drão do período quando seguiu o cam inho para a Fo ntes
verdade por m eio da “razão p u ra” . M ais tarde G . R . C k a ig , Reason and authority in the eighteenth century.
Immanuel Kaxt o definiu em A religião nos limites “Iluminismo”,em F.L.Cross,org„ The Oxford dictionaryof the
da simples pura (1793) como Christian church.
J. D.DolTiIas , Dictionary of the Christian church.
a elevação do homem de um estado auto-infligido de infe­ P.G The party ofhumanity.
a y ,

rioridade. Um inferior é alguém que é incapaz de usar seu co­


nhecimento sem a ajuda de outro [...] Ter a coragem de usar ilusão religiosa. V. Frfud, Sigmund.
seu conhecimento é então o lema do Iluminismo (Douglas, p.
345; v. ragoxai.ismo). ilusionismo. Ilusionismo é a crença de que o “m un­
do” só parece ser real. Nossos sentidos nos enganam.
Outros escritores que contribuíram para o Ilumi- A m ente ou o espírito é o guia para a verdadeira
nismo foram David Hume, especialmente com seu In­ realidade. O ilusionismo está associado ao m o n is m o e
vestigação sobre o entendimento humano (1748) e com ao p a n t e ís m o . O filósofo grego Parmênides é o exem ­
Diálogos sobre a religião natural (1779); Hermann S. plo do monista que acredita que tudo além do Ab­
Reimarus (1694-1768) e os deístas (v. deísmo) John solu to é ilu são (v . UM F. MUITOS, PROBLEMA DF.). O
Toland (1 6 7 0 -1 7 2 2 ), Matthew T ixdal (1 6 5 6 -1 7 3 3 ), hinduísmo shankarista é um exemplo de p a n t e ís m o
Thomas Paine (1737-1809) e François-Marie Voltaire ilusionista. A Ciência Cristã é panteísta e ilusionista.
(1694-1778). A obra de Gottfried Lessing, Nathan the O ilusionismo resolve o problema do mal (v. m a l ,
wise (Natã, o sábio, 1779) argumentou a favor da tole­ problema d o)negando sua existência. O ilusionismo
rância religiosa, já que a verdade não era exclusiva do afirm a Deus e nega o mal, ao passo que o ateísmo
cristianismo, mas encontrada em muitas religiões. afirma o mal e nega Deus. O t e í s m o afirma a realida­
O Ilu m in ism o enfatizava a razão e in d ep en ­ de de ambos, mas nega que haja uma contradição.
dência e prom ovia uma d esconfiança acentuada No ilusionismo hindu, a ilusão do mundo exter­
da autoridade. A verdade deve ser obtida por meio no é chamada maya, e a ilusão de diversidade é cha­
da razão, observação e experiência. O m ovim ento mada mithya. No século ix o pensador hindu, Sankara,
foi dom inado pelo a n ti-so b ren a tu ra lism o (v. mi­ argumentou que Brahman (o nome hindu do Abso­
lagres, argumentoscoxTRA). O pluralism o religioso luto) é a única realidade. O mundo externo só pare­
foi um dos resultados (v. pluralismo religioso). Des­ ce existir, assim como uma corda vista à distância
se contexto surgiram o deísm o, a crítica bíblica e parece ser uma serpente. Quando exam inam os o
a rejeição da revelação divina (v. B íblia, crítica da; mundo de perto, vemos que a única realidade por
im o rta lid a d e 412

trás da ilusão é Brahman. Brahm an “faz” o mundo O ilu sionista que afirm a que som os realidade
parecer diversificado e mau apenas no sentido em absoluta (Deus) e, não somos parte do mundo, usa
que a corda “faz” criar a aparência de serpente. um argumento forçado. Como sabemos que somos
O ilusionismo ocidental assumiu várias formas. Deus? Os ilusionistas admitem que nem sempre sou­
Os prim eiros proponentes do ilusionism o no Oci­ beram que eram Deus. Mas a afirm ação: “Descobri
d en te fo ram os gregos P a rm ê n id e s e Z enão. que sempre fui Deus" é em si uma afirm ação con­
Parmênides (n. 515 a.C.) foi um dos primeiro filóso­ traditória. Pois deus (Realidade Absoluta) não muda.
fos a centralizar sua atenção em problema metafísico Mudança só faz parte da ilusão. Logo, Deus sempre
de a realidade ser uma ou muitas. Ele argumentou soube que era Deus. E, como não sabíam os, conclui-
que não p od em os c o n fia r nos n o sso s sen tid o s se que não somos Deus.
(Parmênides, p. 2 66-7). Parmênides acreditava que Além disso, se o mal é uma ilusão, de onde veio a
as coisas podem parecer ser muitas e más, mas são ilusão? E por que todos a experimentam desde os pri­
absolutamente únicas e boas. Os sentidos são facil­ meiros momentos de consciência? Como a ilusão sur­
mente enganados, conseqüentem ente os humanos giu e como passou de geração a geração? A origem, per­
vêem o mundo falsamente como diversificado e mau. sistência e universalidade da suposta “ilusão” defende
Um dos discípulos de Parmênides, Zenão (n. 490 sua objetividade e realidade. Qual a diferença entre di­
a.C.), tentou provar esse argumento por meio da lógica. zer que todo mundo a tem o tempo todo e não conse­
Seu “argumento da pista de corrida” negava a existên­ gue se livrar dela e dizer que é objetivamente real?
cia do movimento. Um corredor que cobre determina­ Parece mais razoável afirm ar que o ilusionismo é
da distância atravessa um número sucessivo de meta­ ilu s ã o . Parecer não haver diferença prática entre con­
des de distância. Para se deslocar de a a b , é preciso s id e r a rdor ou mal ilusão e considerá-los realidade.Dor
passar pelo ponto médio (m l). Mas para passar de a a o u m a l s ã o parte da experiência humana e são enfren­

m l, é preciso passar pelo ponto médio dessa distância t a d o s p o r todos. Nesse caso, parece mais sensato con­

(m 2). E para passar pelo ponto médio m2, é preciso c l u i r que alguns estão se iludindo ao concluir que a

passar pelo ponto médio (m3). Logo, para nos deslo­ dor ou o mal não são reais. Citando Sigmund F r e u d ,
carmos em qualquer direção, parece que devemos atra­ pode-se perguntar: Por que desejamos tão desespera­
vessar um número infinito de pontos médios, o que damente que o mal não seja real quando é tão univer­
parece impossível. Isso significa, segundo Zenon, que o sal, persistente e inevitável? Será que não é nossa cren­
movimento é impossível e, portanto, uma ilusão. ça de que o mal não é real que é a grande ilusão?
Uma forma moderna de ilusionismo no Ociden­ Os que acreditam que tudo é uma ilusão não vi­
te é a Ciência Cristã. Segundo Mary Baker Eddy, o vem dessa maneira. Evitam a dor como todos os ou­
mal não é uma entidade real, e sim uma falsa per­ tros. Comem e bebem como os demais. Os que não o
cepção; é o “erro da mente mortal”. A Ciência Cristã fazem logo experimentam a ilusão da morte. Então, o
afirm a que Deus é verdade e que “não há dor na ilusionismo é literalmente um filosofia impossível de
verdade, e não há verdade na dor”. Pecado, doença e ser vivida. É negada na prática pelos que a defendem.
morte, portanto, são ilusões mortais que não exis­
tem na realidade (Eddy, p. 1 1 3 ,2 8 9 ,4 8 0 ). Fontes
Avaliação. Muitas das c r ític a s a o ilusionismo são M. B. E ddy . Ciência e Saúde com a chave
as mesmas discutidas n o a r tig o p a n t e ís m o . das Escrituras.
O ilusionismo é contraditório. Só se pode saber D. C l a r k , Thepanthcism otAlan Watts.
que tudo é ilusão se comparado à realidade. Ilusão ___ , et al. Apologetics in the Sew A ge.
significa irrealidade. Deve haver um padrão real pelo N. L. G l isler , The roots ot evil.
qual a ilusão é definida. P a r m ê n id es , O Poema, Os pensadores, v. i. p. 143-98
É claro que o ilusionista poderia afirm ar que
não está negando toda realidade, apenas a realida­ imortalidade. I m o r t a lid a d e é o termo geralmente usa­
de deste mundo. Brahm an é real. E sabe-se que o do para a crença de que seres humanos, pelo menos
mundo é irreal em com paração com essa Realida­ na sua dimensão espiritual, sobrevivem consciente­
de. Ainda que isso resolva o problem a lógico do mente à morte e vivem para sempre.
ilu sionism o, deixa um problem a epistem ológico. Conceito grego versus conceito cristão de imor­
Já que estam os neste mundo e supostam ente so­ talidade. Conceitos gregos e cristãos de imortalida­
m os parte da ilusão, com o podem os saber que o de diferem entre si (v. Ladd). Segundo um antigo
m undo inteiro é uma ilusão? conceito grego de imortalidade (p.ex., Platão), os seres
413 im o rta lid a d e

humanos são uma alma e apenas têm um corpo. A clara a identificação com a ressurreição física. Daniel
alma é para o corpo o que um cavaleiro é para um previu que “multidões que dormem no pó da terra
cavalo. A salvação é em parte libertação do corpo, acordarão: uns para a vida eterna, outros para a ver­
que é a prisão da alma. Há uma dualismo de alma e s" gonha, para o desprezo eterno” (Dn 12.2). A referên­
oma (corpo). cia ao “pó da terra” mais uma vez apóia a idéia de uma
A tradição judaico-cristã, apesar de reconhecer ressurreição física.
que alm a e corpo se separam na m orte, defende a Apesar de não fazer parte do a t ( v . a p ó c r i f o s d o
unidade da dimensão espiritual e física da natureza A e Novo T e s t a m e n t o s ) , a litera tu ra ju d a ica
n t ig o

humana. 0 ser hum ano é um corpo com alma. A intertestamental também menciona a ressurreição fí­
alma é para o corpo o que a forma é para a matéria, sica. O livro da Sabedoria promete que “no tempo da
ou a forma é para um vaso. Logo, a salvação não é sua visitação” as almas dos justos mortos serão res­
salvação do corpo, mas salvação no corpo (v. r e s s u r ­ tauradas e “julgarão as nações, dominarão os povos”
r e i ç ã o , n a t u r e z a f í s i c a d a ) . Na verdade, a palavra imor­ (3.7,8). O livro de 2 Macabeus fala do fiel e corajoso
talidade é usada para seres humanos no n t exclusi­ judeu que teve sua língua e mãos cortados, dizendo:
vamente no contexto do corpo ressurreto ( ICo 15.53; Outro (2 Esdras) prevê que “do céu recebi estes m em ­
2Tm 1.10). bros, e é por causa de suas leis que o desprezo, pois
Evidência bíblica d a im ortalidade. A doutrina espero dele recebê-los novamente” (7.11) depois da
da im ortalidade foi revelada progressivam ente na época do Messias: “A terra restaurará os que nela dor­
Bíblia, mais explicitam ente no x t .
mem, e assim também o pó daqueles que vivem no
Afirmação do at sobre a imortalidade. Ao contrá­ silêncio” (7 .3 2 ). A m orte é descrita aqui com o um
rio do pensamento grego, a esperança de vida do at
tempo em que “ficarem os em descanso até aquele
após a m orte era definitivamente corporal. As refe­ tempo em que tu [Deus] renovarás a criação” (7.75).
No livro apocalíptico 2 Baruque , perguntaram a
rências do at a um estado im ortal são em grande
Deus: “Sob que forma viverão os que viverem nos
parte passagens de ressurreição. Os judeus ansia­
teus dias?”. A resposta é uma afirmação inequívoca
vam pela ressurreição como a restauração do cadá­
de crença na ressurreição material: “Pois a terra cer­
ver que havia sido colocado no túmulo à vida na
tam ente restaurará os m ortos [que agora recebe a
terra. Os judeus não só acreditavam que o homem
fim de preservá-los]. Não lhes imporá qualquer m u­
fora criado “do pó” (Gn 2 .7) e voltaria ao pó (Ec
dança de forma, antes assim como os recebeu, assim
12.7), mas que na ressu rreição os m ortos seriam
os restaurará, e tal como lhos entreguei, assim tam ­
reconstituídos do pó. Esse poder de trazer os mortos
bém os levantará” (49.1; 50.2).
de volta à vida é expresso em várias passagens (v. Dt
Os fariseus d a época do x t acreditavam na ressur­
32.39; ISm. 2.6 ;Jó 19.25-27; SI 49.14,15).
reição física do cadáver do túmulo. Como os saduceus
Davi falou sobre a ressurreição (no salmo 16) ao
negavam a ressurreição (Mt 22.23), seus oponentes, os
afirmar que “o teu santo [não] sofra decomposição”
fariseus, acreditavam no corpo físico ressurreto (v. At
(v. 10). Segundo o x t (At 2.25-27; 13), Pedro disse sobre
23.8). Eles imaginavam o corpo da ressurreição tão físi­
a profecia de Davi que “prevendo isso, falou da res­ co que fazia sentido perguntar com qual de seus sete
surreição do Cristo, que não foi abandonado no se­ maridos a mulher estaria casada no céu (Mt 22.28).
pulcro e cujo corpo [sar.v] não sofreu d ecom posi­ Maria e Marta refletiam a crença judaica do n t
ção” (At 2.31). Tal ressurreição envolvia um corpo fí­ na ressurreição ao dar a entender que seu irm ão
sico de “carne” sarx (v. r e ss u r r e iç ã o , natureza física da ). Lázaro seria ressuscitado nos últimos dias, quando
Jesus cria no que o at ensinava essa doutrina e o seu corpo ainda estava no túmulo. Até Murray Harris,
citou para apoiar sua posição contra os saduceus que rejeita a posição judaica da ressurreição m ate­
que o rejeitavam. Declarou: “Vocês estão enganados rial, reconhece, no entanto, que
porque não conhecem as Escrituras nem o poder
de Deus” (Mt 22.29). Depois citou Êxodo 3.6,15: “Eu era im p o ssível, p or exem plo, os ju d eu s acred itarem que
sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Lázaro, qu e estava m orto havia qu atro d ias, p o d eria ser re s­
Jacó?” (Mt 22.32), acrescentando: “Ele não é Deus de su scitad o den tre o s m o rto s sem a rem o ção d a p ed ra q u e fe­
mortos, mas de vivos”. chava su a tum ba e seu surgim ento do túm ulo (v. Jo 11.38-44)”
Isaías falou sobre a ressurreição do corpo morto (H arris, p. 39).
quando escreveu: “Mas os teus m ortos viverão]...].
Vocês que voltaram ao pó, acordem e cantem de ale- Afirmação da imortalidade no n t . Apesar de o n t
gria” ( Is 26.19). O fato de corpos surgirem do pó deixa dar várias evidências da cren ça na im ortalidade
im o rta lid a d e 414

corporal após a ressurreição ( v . r e s s u r r e i ç ã o , e v i d ê n c i a s “além de”. Como eu poderia saber que não sou nada
d a ) , também afirma a existência consciente da alma além de meu cérebro sem que eu seja mais que ele?
entre morte e ressurreição. Não posso colocar meu cérebro num tubo de ensaio e
Jesus prom eteu ao ladrão arrependido na cruz analisá-lo a não ser que eu (minha mente) esteja fora
alegria consciente no m esm o dia de sua morte, di­ do tubo de ensaio.
zendo: “Eu lhe garanto: Hoje você estará comigo no Por outro lado, há razões para crer que a mente
paraíso” (Lc 23.43). Estêvão orou: “Senhor Jesus, re­ não pode ser reduzida à matéria: 1) Tudo que é m a­
cebe o meu espírito” (At 7.59). O apóstolo Paulo es­ terial é limitado ao espaço e ao tempo. Quando se
creveu: “Temos, pois confiança e preferim os estar move, m ove-se no espaço e no tempo. Mas a mente
ausentes do corpo e hab itar com o Sen h or” (2Co não é tão limitada. Ela percorre o universo sem sair
5 .8 ) . Contemplando a morte, Paulo acrescentou: “Es­ do lugar. 2) Mesmo o materialista fala sobre os pen­
tou pressionado dos dois lados: desejo partir e estar sam entos de sua mente. Mas se o m aterialismo rígi­
com Cristo, o que é muito melhor” (Fp 1.23). do estiver certo, não tenho pensamentos discerníveis.
As “alm as” dos que haviam sido recentem ente Meus pensamentos são um simples 3) fluxo de elé­
martirizados estavam conscientes no céu, pois “quan­ trons ou alguma outra partícula material. Os m ateri­
do ele abriu o quinto selo, vi debaixo do altar as alistas afirmam que sua doutrina é verdadeira e que­
almas daqueles que haviam sido m ortos por causa rem que outras pessoas concordem com suas con­
da palavra de Deus e do testemunho que deram” (Ap clusões. Mas isso implica que são livres para consi­
6 .9 ) . M esmo a besta e o falso profeta que foram lan­ derar seus argum entos e m udar sua opinião. Isso
çados vivos no lago de fogo (Ap 19.20) ainda esta­ não é possível se são apenas processos m ateriais e
vam conscientes mil anos depois (Ap 20.10). não seres livres.
Moisés e Elias, morreram muitos séculos antes, A dependência do cérebro. A mente depende do
conversaram conscientemente sobre a morte de Cris­ cérebro para funcionar. Sem o cérebro, ela não pode
to no monte da transfiguração (Mt 17.3). estar consciente. Mas na m orte o cérebro pára de
Objeções à im ortalidade. Os tipos grego e judai­ funcionar. Logo, a consciência também deve cessar
co-cristão de vida imortal têm sido atacados. Desta­ nesse m om ento. Esse m aterialism o m odificado é
cam -se quatro argumentos de caráter fisiológico: 1) conhecido como epifenomenalismo. A mente é idên­
o argumento da consciência e do cérebro; 2) o argu­ tica ao cérebro, mas é dependente do cérebro físico
mento da dependência da mente consciente do cé­ assim com o a som bra depende da árvore.
rebro; 3) o argumento semelhante de que só o cére­ Esse argumento supõe, mas não prova, a depen­
bro dá acesso ao mundo; 4) um argumento de per­ dência da mente do cérebro. Só porque certas fun­
sonalidade. ções mentais podem ser explicadas de maneira físi­
A natureza da autoconsciência. Para haver vida ca não significa que sejam absolutam ente depen­
imortal, a mente deve sobreviver conscientem ente à dentes dos processos físicos. Pode haver m aneiras
morte. Mas a mente não pode funcionar sem o cére­ de a mente pensar independentemente do cérebro.
bro. Portanto, quando o cérebro morre, a consciên­ Afinal, Deus não tem um corpo, e há boas razões
cia cessa. Esse argumento materialista (v. m a t e r ia l is ­ para crer que ele existe como Ser consciente (v. D eu s ,
m o ) faz várias suposições falsas. e v id ê n c ia s d e ). A ciência da neurobiologia é um estu­
Primeira, ele supõe que a consciência é uma função do em pírico. Mas isso não significa que tudo que
física, que a “mente” é uma função da matéria, um pro­ examina é puramente físico. Ela não pode explicar a
cesso dentro do cérebro. Não há provas para basear mente de maneira totalm ente física, assim como a
essa suposição. mente não pode ser confinada a um tubo de ensaio.
Segunda, o argumento supõe, equivocadamente, Sempre há o “eu” do lado de fora da experiência. Só
que o simples fato de mente e cérebro agirem juntos porque certas coisas podem ser quantificadas não
exige que sejam idênticos. Mas não é necessaria­ significa que não existam qualidades (tais como o
mente assim. Eles podem interagir sem ser iguais. am or) que não possam ser quantificadas. Da mesma
Terceira, o argumento supõe que a pessoa não é forma, o fato de podermos falar em termos materi­
nada sem o cérebro. Essa é uma falha redutiva. Coi­ ais sobre certas funções da mente não significa que
sas que se com binam não são necessariam ente a a mente seja material.
m esm a coisa, assim como minhas idéias expressas Argumento do acesso ao mundo. Também argu­
nessas palavras não são o mesmo que essas palavras. m enta-se que, m esm o se o m aterialism o for falso,
Quarta, o argumento m aterialista é incoerente. ainda pode não existir imortalidade. A mente (pes­
Afirmações do tipo “nada além” supõem conhecimento soa) tem acesso ao m undo por meio do cérebro.
415 im o rta lid a d e

Mas a m orte destrói o cérebro. Portanto, a m orte outras, esses são apenas meios de com unicação; não
destrói o meio de acesso da pessoa ao mundo. são características físicas identificadoras.
As falhas nesse argumento são logo detectadas. 0 Há detalhes sobre os espíritos (ou mentes) huma­
argumento afirma (sem provas) que o cérebro da pes­ nos individuais que os diferenciam de outros espíritos
soa é a única m aneira de acessar o mundo. A pessoa humanos. Cada um tem histórias e memórias diferen­
poderia perder seu corpo e receber outro corpo (tem ­ tes. Cada um tem personalidade ou caráter diferente, não
porário ou p erm anente) e ainda tenha acesso ao são diferenças físicas. A m úsica captada pela mente
mundo. Isso tam bém supõe sem provas que não há (não apenas sons no ar) não é física. Mas podemos
outros mundos para os quais se tem acesso. Talvez distinguir uma m úsica bonita da outra, mesmo na
existam outros m undos, físicos ou espirituais, ou nossa mente.
outras dim ensões aos quais se possa ter acesso. Finalm ente, não é necessário saber quais são as
Esse argumento ainda supõe que não há outra características identificadoras para saber que não
m aneira de estar consciente exceto por meio deste precisam ser físicas. Dizer que precisam ser físicas
mundo. Mas não é fornecido nenhum argumento que é um exagero.
demonstre que não é possível estar consciente sem al­ E vidência ex trabíblica d a im ortalidade. Os ar­
gum tipo de corpo. Deus se inclui nessa categoria, e gumentos de P l at ã o a favor da im ortalidade já fo­
temos boas evidências de que ele existe (v. D e u s , e v i ­ ram suplem entados por filósofos com outros tipos
dên cia s d e ). Seres espirituais são conscientes, mas não de evidência. Peter Kreeft forneceu 25 argumentos
têm corpos físicos como os conhecemos (Lc 24.39). a favor da im ortalid ad e ( H andbook , p. 2 3 5 s .). A
Argumento da natureza da personalidade. Al­ m aioria dos argum entos a favor da im ortalidade
guns in sistem em que o term o “p esso a” envolve enfrentou sérias objeções.
corp ori-zação. A ssim , nenhum a pessoa pode so ­ Argumentos fracos ou falhos da imortalidade. Mui­
breviver sem corpo. Logo, a m orte d estrói o que tos dos argumentos mais fracos a favor da imortalida­
significa ser uma pessoa. de pareciam fortes para algumas pessoas na época. A
Esse argumento é uma petição de princípio, pois maioria é rejeitada por grande parte dos estudiosos.
define “pessoa” de modo que torna impossível a so­ Argumento da crença universal. Outros argumen­
brevivência à morte. Se pessoa é definida como “pes­ tam com base na crença universal na imortalidade. Os
soa humana”, “pessoa finita” ou “ser pessoal”, não é seres humanos antecipam a imortalidade. A maioria
essa a conclusão. Pode haver outras maneiras ou ou­ dos povos antigos realizava rituais de sepultamento,
tros mundos nos quais uma pessoa possa estar cons­ mumificação e outras práticas. No entanto, os céticos
ciente sem o corpo. observam que essa crença não é realmente universal,
Além disso, a morte só separa uma dimensão de já que os ateus e agnósticos não a aceitam . Mesmo
consciência — a consciência deste mundo. Ainda po­ que fosse, uma crença universal não é necessaria­
deríamos estar autoconscientes, conscientes de Deus mente verdadeira. A grande maioria acreditava que
e/ou conscientes de outro mundo (por exemplo, um o Sol girava em torno da Terra.
mundo espiritual). Nenhum argumento pode ser ofe­ 0 argumento pode ser revisto para adequar-se pelo
recido para m ostrar que isso seria impossível. menos em parte à objeção. Kreeft observa que o objeto
Argumento da auto-identidade. 0 argumento da da crença da grande maioria provavelmente é verda­
auto-identidade contra a imortalidade tem a seguinte deiro. A maior parte das pessoas acredita na vida após
forma: se a vida após a morte precisa envolver im or­ a morte, então a vida após a morte provavelmente é ver­
talidade individual, então deve haver alguma maneira dadeira (ibid., p. 236). Mesmo nessa forma, a primeira
de identificar um espírito individual. Mas espíritos não premissa admite que a afirmação é apenas “provavel­
são distinguíveis, já que não têm um corpo pelo qual mente” verdadeira. Ainda assim isso é questionável, uma
possam ser reconhecidos. Portanto, não pode haver vez que há muitas coisas em que a maioria das pessoas
imortalidade individual. já acreditou.
A suposição aqui é que características físicas são O argumento poderia ser melhorado: “Aquilo em
a única maneira de identificar uma pessoa. Isso não que os sábios acreditam provavelmente é verdadei­
é verdade, com o sabem muito bem os deficientes ro. Os sábios acreditam na vida após a morte. Por­
visuais que se conhecem sem nunca terem se toca­ tanto, a vida após a morte provavelmente é verda­
do. E correspondentes que não têm fotos um do ou­ deira” (ibid.). Isso nos deixa a questão de quem seri­
tro. Mesmo que haja ondas de som ou caracteres em am os “sábios” e se os sábios também não estariam
braile para as pessoas se com unicarem umas com as errados sobre muitas coisas.
im o rta lid a d e 416

Argumento do conhecimento inato. Platão indica­ extracorpórea. Em algumas dessas experiências, a cons­
va a habilidade inata de saber coisas que nunca fo­ ciência supostamente sai do corpo e observa coisas
ram aprendidas com o prova de que a alma existia que não poderiam ser observadas a partir dele.
antes do nascim ento e, portanto, sobreviveria após Na melhor das hipóteses essas experiências só
o nascimento. No seu livro Meno, supunha-se que o poderiam indicar uma breve sobrevivência da alma,
menino escravo sabia geometria sem ter estudado. não a existência imortal da pessoa. Os céticos insis­
Os críticos, no entanto, insistem em que, embora tem em que essas experiências são alucinatórias ou
seja possível haver capacidades inatas, não existem imaginárias, cada pessoa projetando imagens pes­
idéias inatas (v. H u m e , David). Ainda que existissem, soais do pós-vida com o mecanism o de defesa quan­
isso não provaria que foram trazidas de um estado do confrontada com a possível morte.
preexistente, já que a pessoa poderia ter nascido com As experiências extracorpóreas denominadas “pe­
elas. É mais provável que o menino escravo de Sócra­ sadas” (quando a pessoa supostamente viu ou ouviu
tes tenha sido induzido por perguntas hábeis a usar coisas que seria impossível testem unhar) podem ser
sua habilidade natural para raciocinar e chegar àque­ explicadas do ponto de vista cristão como demonía­
las idéias. Já se comprovou que outras supostas “me­ cas. Muitas dessas experiências estão ligadas a ativi­
m órias” de vidas anteriores eram falsas. No famoso dades ocultista e heréticas (v. lTm . 4.1s.). De qual­
caso de Bridie Murphy, mais tarde foi demonstrado quer forma, não provam a imortalidade, já que exis­
que essa jovem não havia vivido séculos atrás na Ir­ tem outras explicações.
landa, mas que sua avó havia lido suas histórias da Há sérias dúvidas do ponto de vista cristão de que
Irlanda e falado gaélico com ela quando era pequena. a pessoa realmente esteve morta. A definição cristã de
Sob hipnose (o poder da sugestão), as experiências de morte (cf. Gn 35.18; 2Co 5.8; Tg 2.26) ocorre quando a
infância vieram à tona como “memórias” de uma vida alma deixa o corpo. Se não deixa o corpo, então a ex­
anterior (Geisler, p. 75). periência não evidencia a sobrevivência. Se tivesse
Argumento da alma como princípio de vida. Ou­ deixado, o retorno ao corpo seria uma ressurreição.
tro argumento em Fedas, era que, já que a alma é o Só Deus pode ressuscitar os m ortos (Dt 32.39; ISm
princípio da vida no corpo, ela não pode morrer. A 2.6; Jo 5.28,29; 11.25). Mas muitos incrédulos já tive­
vida jam ais pode admitir o seu oposto, que é a m or­ ram tais experiências, que confirm aram suas crenças
te. Logo, a alma não pode morrer. Mas essa tam bém anticristãs. Deus não opera milagres para confirmar
é uma argumentação exagerada, pois todos os ani­ o erro das pessoas (v. m i l a g r e s , v a l o r a p o l o g é t i c o d o s ) .
m ais e até plantas tam bém estão vivos. Com esse Além disso, deixar o corpo e voltar é contrário à Bí­
argum ento seria necessário acreditar na im ortali­ blia, que diz que só morremos uma vez (Hb 9.27). De
dade de cenouras e repolhos. acordo com as experiências, essas pessoas morreriam
Argumento da alma imaterial. Em Fedás Platão duas vezes.
sustentava a imortalidade da alma. Já que a alma não Argumento de visões místicas. Experiências m ís­
é material, argumentou, não é divisível nem destru­ ticas ( m i s t i c i s m o ) e visões do céu são freqüentem ente
tível. 0 que é indestrutível é imortal. No entanto, até relatadas em algumas igrejas e, se verdadeiras, cons­
seu maior discípulo, A r i s t ó t e l e s , invalidou esse ar­ tituiriam prova de uma existência após a vida. Paulo
gumento, negando a imortalidade das almas indivi­ relatou um evento desse tipo (2Co 12), apesar de
duais. Afinal, nem toda forma (que é imaterial) so­ ter o cuidado de não caracterizá-la com o visão ou
brevive à morte, como a forma de uma cadeira, vaso experiência extracorpórea.
ou até um animal demonstra. Se alguém apelar para uma revelação, deve ofere­
Do ponto de vista cristão, a alma não é indestrutível, cer prova da confiabilidade dessa revelação (v. B íb lia ,
já que tudo que Deus cria ele também pode destruir. e v id ê n c ia s d a ). N o caso de experiências místicas, não
Mas se o argumento de Platão estivesse correto, nem há prova racional. Se alguém ficar no corpo enquanto
Deus poderia aniquilar uma alma. Logo, se a alma tem uma visão, o cético argumenta que experiências
não é indestrutível, até uma entidade imaterial pode subjetivas internas não são nada mais que isso — sub­
ser destruída. jetivas — e não têm força evidenciai capaz de exigir a
Argumento das experiências de extracorpóreas. A l­ crença de mais ninguém. Se a pessoa realmente deixa
g u n s a r g u m e n ta r a m a favor d a imortalidade com base o corpo e volta, isso é contrário ao ensinamento da
e m e x p e riê n c ia s e x tra c ro p ó re a s. Até o humanista bri­ Bíblia de que só morremos uma vez. Qualquer afir­
tâ n ic o e p o s it iv is t a lógico A . J. A yer mudou de idéia mação de que Deus tenha ressuscitado uma pessoa
c o m re la ç ã o à imortalidade depois de uma experiência dentre os mortos cria o paradoxo de que Deus não
417 im o rta lid a d e

ressuscitaria alguém para que pudesse ensinar coisas pregando a ressurreição. Nada m ais pode explicar
contrárias à sua Palavra. A maioria dos que afirmam toda essa evidência exceto a ressurreição corporal e
ter passado uma experiência extracorpórea realmente literal de Cristo.
ensinam de maneira contrária às Escrituras (v. Abanes). Alternativas naturalistas à ressurreição já foram
Argumento da comunicação com os mortos. Outra propostas, mas nenhuma era plausível. Elas se dividem
afirmação completamente antibíblica é que a vida após em duas categorias. Uma nega que Jesus realmente
a m orte pode ser comprovada pela comunicação com m orreu, apesar da evidência de sua m orte real ser
os mortos por meio de médiuns ou transes. Isso é co­ mais que substancial (v. Cristo, morte de). O segundo
mum no meio do ocultismo e da nova era. Elizabeth grupo nega que ele ressuscitou, dando uma alternati­
Kübler-Ross, autora de Death and dying [A morte e o va naturalista. Essas alternativas são facilmente refu­
morrer ], afirma ter vivido tais experiências. Os céti­ tadas pela evidência (v. ressurreição, teorias alternati­
cos, no entanto, explicam tais experiências como alu­ vas da).
cinações ou manifestações do inconsciente de quem Argumento da existência de um Deus pessoal. Su­
as teve. Os cristãos mostram que a Bíblia condena o pondo que haja um Deus teísta, pode-se argumentar
contato com os mortos (Dt 18.11) e adverte sobre o que um ser hu m ano criad o com um a d im ensão
engano promovido pelos demônios ( U m 4.1; 1Jo 4.1). racional, moral e imaterial não seria criado para ser
Argumento do propósito da vida. Alguns indicaram destruído. O argumento é assim:
o significado, propósito ou objetivo da vida como prova
da imortalidade. 0 argumento era este: “A vida preci­ 1. Há boas evidências de que exista um Deus
sa ter um propósito digno. Se a vida termina em ani­ teísta pessoal.
quilação, não tem um propósito digno. Portanto, deve 2. Os seres humanos foram criados sem elhan­
haver vida após a morte” (Kreeft, Handbook , p. 248). tes a Deus, com o seres pessoais, racionais e morais.
A resposta dos críticos, é que a vida não precisa 3. O Deus teísta pessoal não aniquilaria o que é
ter um propósito digno (v. Camus,A lbert; existencialis­ semelhante a ele de m aneiras tão sem sentido.
mo; Sartre, J ean-P aul). Outros desafiariam a questão 4. Portanto, os seres humanos são imortais.
desse propósito digno ser ou não a promoção da so­
brevivência da espécie nesta vida. A evidência a favor das duas primeiras premissas
Argumentos plausíveis ou prováveis da imortalida­ é dada nos artigos argumento cosmológico; Deus, evi­
de. Aparentemente, a melhor maneira de preencher dências de; Deus, argumento moral de; k a l a m , argumento
essa lacuna consiste em apelar para evidências de­ cosmológico de. A terceira premissa é defendida no ar­
monstradas por outros argumentos. Há razões mais tigo sobre o antquilacionismo. Os críticos observam cor­
plausíveis para acreditar na im ortalidade; algumas retamente que esse é um argumento a priori. É basea­
parecem ser bem fortes. A mais forte de todas é o do no que esperaríamos que Deus fizesse, mas não há
argumento da ressurreição física de Cristo. necessidade de que ele o faça. Ainda que isso seja ver­
Argumento da ressurreição de Cristo. A im ortali­ dadeiro, não tira a força do argumento num sentido
dade é comprovada pelo fato de Cristo ter voltado dos existencial ou moral.
mortos (v. ressurreição, evidências da). Essa evidência O tipo de ser que os humanos são — pessoal, racio­
consiste nos seguintes fatos: nal e moral — evita a crítica de que até cristãos acredi­
0 nt (v. Novo T estamento, confiabilidade dos docu­ tam que se Deus aniquila as almas de animais, por que
mentos do; Novo T estamento, historicidade do) revela que não destruiria seres humanos? A resposta parece plau­
mais de quinhentas testem unhas viram a Cristo após sível: Os seres humanos foram feitos à imagem dele.
sua ressurreição (IC o 15.6) em doze ocasiões dife­ Argumento do amor de Deus. Um argumento se­
rentes, distribuídas num período de quarenta dias melhante surge do amor de Deus. O Deus teísta é bom
(At 1.3). Ele foi visto e ouvido em cada ocasião. Foi e amoroso (v. Deus, natureza de). Mas, se Deus é am o­
tocado pelo menos duas vezes (M t 28.9; Jo 20.17; v.b. roso, deseja o bem dos que ama. A imortalidade deve­
Lc. 24.39; Jo. 20.27). Comeu (Lc 24.30,42,43; Jo 21.12,13; ria resultar disto: um ser am oroso não aniquila ou­
At 1.4; v. 10.41). As feridas resultantes da crucifica­ tro; antes deseja a existência contínua do objeto de
ção eram visíveis (Lc 24.39; Jo 20.27). Os discípulos seu amor. Deus é absolutamente amoroso. Portanto,
viram seu túmulo vazio e os panos com que seu cor­ Deus deseja a existência contínua de todas as pes­
po fora envolvido. Essas experiências tran sform a­ soas (ibid.,p. 246).
ram os seguidores de Cristo de céticos medrosos e E sse arg u m ento não fo rça d em ais as co isa s,
dispersos na maior sociedade missionária do mundo, como alguns podem alegar. Não insiste em que Deus é
im o rta lid a d e 418

obrigado a d ese jar a ex istên cia de um a criatu ra Esses argumentos têm validade, mas não destroem
im ortal, nem desejar necessariam ente sua existên­ realm ente a persuasão racional da necessidade de
cia im ortal. Apenas afirm a que, dado o fato de que su p o rm o s a im o rta lid a d e com o e x p lic a ç ã o da
Deus decidiu que outras pessoas existissem , é ra­ moralidade. Essa razão suprema geralmente assume
zoável supor que seu am or pessoal por essas outras a forma do argumento da justiça absoluta.
pessoas leve-o a continuar desejando a existência Argumento do anseio pelo céu. C. S. Lewis (Cris­
delas. É claro que, dessa form a, o argum ento não tianismo puro e simples, Surpreendido pela alegria,
oferece uma prova com pleta da im ortalidade, mas The pilgrim ’s regress [O regresso do peregrino], O
apenas uma expectativa razoável. problema do sofrimento, Peso de glória) afirm ou o
Argumento da justiça absoluta. 0 Deus teísta tam ­ seguinte argum ento:
bém é absolutamente justo. 0 argumento com base na
justiça de Deus é formulado assim: 1. Todo desejo inato natural tem um objeto real
que pode satisfazê-lo.
1. Deus é o padrão absoluto de justiça. 2. Os seres humanos têm um desejo inato e na­
2. Não há justiça absoluta para muitas coisas tural pela imortalidade.
nesta vida. 3. Portanto, deve haver uma vida imortal após a
3. Portanto, deve haver outra vida em que a ju s ­ m orte.
tiça absoluta seja alcançada.
Em defesa da prim eira premissa, argum enta-se
Os ataques à primeira premissa ignoram o argu­ que, se há fome, há comida; se há sede, há bebida; se
mento da existência de Deus (v. moral de Deus, argu­ há eros, há satisfação sexual; se há curiosidade, há co­
mento) ou voltam-se contra quem os utiliza. Isso por­ nhecim ento; se há solidão, há sociedade (K reeft,
que insistir, como fazem os antiteístas, em que há in­ Handbook, p. 250). A segunda premissa é apoiada por
justiças absolutas neste mundo é supor um padrão um apelo a um anseio estranho e misterioso que dife­
absoluto de justiça pelo qual a injustiça é conhecida re de todos os outros anseios porque é indefinível e
(v. ateísmo; mal, problema do). inatingível nesta vida, e a m era presença desse desejo
Da m esm a form a, é extrem am en te d ifícil de­ é considerada mais preciosa e agradável que qualquer
m onstrar que há justiça absoluta nesta vida. É possí­ outra satisfação. Por mais erroneamente que expres­
vel apelar para a reencarnação, argumentando que a semos tal desejo, o que todos desejam é o paraíso, o
injustiça será vingada em outra encarnação. Mas isso Céu ou a eternidade (ibid.).
não ajuda, já que os reencarnacionistas acreditam Se essas prem issas forem verdadeiras, há algo
na sobrevivência da alma e/ ou imortalidade. E sem “além” desta vida. O fato de reclamarmos deste mun­
tal recurso pareceria ser necessário adm itir que há do, com sua dor e morte, revela um desejo profundo
injustiças não resolvidas nesta vida. À luz disso, é pela eternidade. Talvez jam ais a alcancemos, mas isso
difícil explicar por que um Deus absolutamente ju s ­ não refuta sua existência, assim com o permanecer
to não as retificaria em outra vida. Caso se lance solteiro a vida toda não prova que não haja satisfa­
mão do recurso do aniquilacionism o com o form a ção m atrim onial, e m orrer de fome não prova que
de castigo, então, supostamente, pelo menos alguns não exista comida em lugar algum (ibid.). Esse argu­
receberiam vida eterna. mento foi uma força moral positiva.
Argumento do dever moral. Immanuel Kaxt ofere­ O argumento da “aposta de Pascal”da imortalida­
ceu um argumento de ordem prática: O bem supremo de. Apesar de o argumento conhecido como a “apos­
para todas as pessoas é que tenham felicidade em har­ ta de Blaise Pascal” ser usado principalm ente a favor
monia com o dever. Mas as pessoas não são capazes da existência de Deus, ele tam bém pode ser aplicado
de alcançar o bem supremo nesta vida. Nem podem à imortalidade. Em resumo, se tem os tudo a ganhar
encontrar esse bem sem Deus. Portanto, devemos pos­ e nada a perder por acreditar na imortalidade, seria
tular um Deus e uma vida futura em que o bem su­ tolice não acreditar nela. Pode-se fazer uma crítica
premo possa ser alcançado. de que essa não é realmente uma prova da imortali­
Os críticos de Kant dizem que ele não provou dade, mas um argumento para acreditar nela com
realm ente a tese da im ortalidade. Apenas provou ou sem provas. Nesse aspecto, é sem elhante ao argu­
que a im ortalidade faz sentido. Também percebe­ mento de Hume contra os milagres. Na melhor das
mos que um dever moral faz sentido. Mas não temos hipóteses apenas dem onstra por que as pessoas de­
prova de que realm ente haja um dever moral real. vem acreditar que os milagres não acontecem. Pode
419 in d e te rm in a ç ã o , p rin c íp io de

ser que não haja imortalidade, apesar de ser tolice indeterminação, princípio de. Alguns supõem equi­
não acreditar nela. vocadam ente que o “p rincípio de incerteza” ou
Conclusão. Sejam quais forem os indícios, expec­ indeterminação, postulado por Werner Heisenberg,
tativas ou conclusões sobre o pós-vida inferidas da apóia um ataque ao princípio da causalidade (v. causa­
consciência e experiências humanas, a prova mais con­ lidade, princípio da; primeiros princípios) e, portanto, aos
vincente (At 1.3; 2Tm 1.10) da imortalidade vem da argumentos pela existência de Deus (cosmolõgico, a r g u ­
ressurreição de Cristo e dos que ele e outros profetas mento). Ele é usado para mostrar que nem todos os even­
e apóstolos ressuscitaram dos m ortos, conform e o tos têm causas, que algumas coisas acontecem espon­
registro das Escrituras. Outras supostas ressurreições tânea ou imprevisivelmente, principalmente no nível
não têm comprovação (v. r e ss u r r e iç ã o e m religiões n ão - subatômico. Logo, o princípio também é usado para
c r i s t ã s , reivindicações d e ) e geralmente acabam sendo apoiar a visão da liberdade humana conhecida como
afirm ações fraudulentas ou equivocadas (v. Kole). indeterminismo (v. livre- arbítrio; indeterminismo).
Outros argumentos plausíveis suplem entam a res­ Com preendendo o princípio. É um princípio da
surreição, mas não parecem ser definitivos sem ela. m ecânica quântica que afirm a que “a posição e a
No entanto, alguns deles têm mérito. No geral dão velocidade de uma partícula não podem ser sim ul­
alguma evidência a partir da revelação geral (v. r e v e ­ taneamente conhecidas com certeza absoluta. Se uma
lação g era l ), distinta das Escrituras, em favor da im or­ for conhecida com muita certeza, a outra se torna
talidade dos seres humanos. muito incerta” . Por exem plo, de acordo com essa
teoria, “é possível prever precisam ente qual fração
Fontes de [átom os de urânio] se desintegrará radioativa­
R. A b a n e s , Journey into the light,
m ente na próxim a hora, m as é im possível prever
W. L. C r a ig , Knowing the truth about the resurrection.
quais átomos desaparecerão” (Lightman, p. 560).
R. G e is , Life after death.
No entanto, esse princípio não apóia a teoria se­
gundo a qual eventos surgem sem causa ou que as
N. L. G e is l e r , The battle fo r the resurrection.
ações humanas são desprovidas de causa. O princípio
___ e J. Y. A m a n o , Reencarnação ou ressurreição.
de inderterm inação de Heisenberg não diz que não
M . (.H a r r is ,R a is e d im m o r ta l.
há causa dos eventos, m as só diz que não se pode
A. K o le , M i r a c l e a n d m a g ic .
prever o percurso de determinada partícula. Logo, não
P .K r e eft , H a n d b o o k o f C h r is t ia n a p o lo g e t ic s .
deve ser considerado um princípio de não-causalida­
___ , T h e h e a r t ’s d e e p e s t lo n g in g .
de , mas um princípio de imprevisibilidade. O princí­
G. L , “The Greek versus t h e H e b r e w
a d d v ie w o f m a n ” , e m The
pio da causalidade afirm a que há uma causa, m es­
p a t t e r n o f N e w T e s t a m e n t tr u th .
mo que não saibamos exatam ente qual seja. Se não
C. S. L e w is , C r i s t i a n i s m o p u r o e s im p l e s .
houvesse causa, não haveria efeito ou evento. Na ver­
___ , S u r p r e e n d i d o p e l a a l e g r ia .
dade, a ciência m oderna baseia-se no princípio de
___ , T h e p i l g r i m ’s r eg r e ss .
que as coisas não surgem sem uma causa (v. Origens,
___ , O p r o b l e m a d o s o f r i m e n t o .
CIÊNCIA DAS).
___ , P e s o d e g l ó r i a .
O princípio de Heisenberg nem m esm o nega a
J. P. M o reland e G. H aberm as , Im m o r t a li t y : The o t h e r s id e o f d e a t h .
previsibilidade em geral. Afirma apenas que “siste­
P la tã o , F éd o n .
m a s físicos devem ser descritos em termos de pro­
___ , A r e p ú b l i c a .
babilidades” (Lightman, p. 553). Ou seja, é possível
prever precisam ente qual fração de partículas rea­
inato. Inato significa “congênito; que pertence à natu­
girá de certa forma, mas não quais átomos reagirão
reza de um ser; que nasce com o indivíduo”. Idéias ina­
(ibid.). Apesar da posição de determinada partícula
tas são aquelas com as quais alguém nasce ou tem
n ã o poder ser prevista, o padrão geral pode ser pre­
antes de qualquer experiência sensorial. P latão acre­ v is to . I s s o implica uma conexão causal. A questão é
ditava em idéias inatas. A r is t ó t e l e s as rejeitava, afir­ q u e cientistas, com seus instrumentos e habilidades
mando que nascemos como uma tabula rasa-, todas observadoras limitados, não podem agora prever o
as idéias são derivadas de nossa experiência sensorial p e r c u r s o de partículas subatôm icas individuais.
(v. H u m e , D a vid ). A Mente infinita poderia prever o percurso e a
v e lo c id a d e . Se eu esvaziar u m saco de bolas de pin­
incerteza, princípio da. V. in de t e r m in aç ã o , princípio da . g u e - p o n g u e sobre vários recipientes abertos, não é
p o s s ív e l que eu preveja q u a l bola cairá em cada um
inclusivismo. V. p l u r a l ism o r e l i g io s o . d o s r e c ip ie n t e s . Na prática, não é possível saber e
in d e te rm in is m o 420

calcular apropriadamente todos os fatores físicos en­ ____e W in f r ie d C o r d u a n , Philosophy o f religion.


volvidos no ato de cair e ricochetear. Só podemos \V. H e is e n b e r g , Física e filosofia.
saber que aproximadamente duas vezes mais b oli­ S. J aki, Miracles and physics.
nhas entrem nos recipientes que são duas vezes mai­ A. L ig h t m a x , et al„ Origins.
ores. Isso não significa que, em princípio, seja impos­
sível saber quais bolas cairão em quais recipientes. indeterminismo. O indeterm inism o assevera que
O princípio de Heisenberg descreve o meio sub­ algumas ou todas as ações humanas não são causa­
atôm ico, que não é conhecido sem interferência do das. As ações são totalmente contingentes e espon­
investigador. Microscópios eletrônicos, pelos quais o tâneas (v. l i v r e - a r b í t r i o ) . Charles Pierce e William
J a m e s eram indeterministas. Alguns indeterministas
meio subatômico é observado, bombardeiam as par­
tículas subatôm icas para “vê-las”. Como M ortim er c o n te m p o râ n e o s ap elam p ara o p rin c íp io da
Adler observou: indeterminação de Werner Heisenberg (v. in d e t e r m i -
n a ç ã o , p r in c í p io d e ) para apoiar sua posição. Segundo

esse p rin cíp io , os eventos no m eio su b atô m ico


Ao m e sm o tem p o qu e os p rin cíp io s de in certeza de
(com o o percurso específico de uma determ inada
H eisen b erg eram estab elecid os, a física qu ân tica reconhecia
partícula) são imprevisíveis.
q u e a s m ed içõ es ex p erim en tais in tru siv as qu e forn ecem os
Os oponentes do ind eterm inism o respondem
d a d o s u sa d o s n as fó rm u las m atem áticas da teoria q u ân tica
com várias objeções, afirmando que:
con cediam ao s objetos e eventos su b atô m icos u m caráter in­
determ inado [...] Conclui-se, então, q u eain d eterm in ação n ão
• o princípio de Heisenberg é mal aplicado, já
p od e ser intrínseca à realidade su batô m ica (Adler, p. 96-100).
que não lida com causalidade, mas com previsi-
bilidade;
Logo, um comportamento imprevisível pode re­ • o indeterm inism o tornaria toda ciência im ­
sultar, em parte, da tentativa de observá-la. possível, já que tudo depende do princípio de cau­
Nem todos os físicos aceitam a física quântica e a salidade;
teoria da incerteza. Em resposta a isso, Albert E instein • o mundo se tornaria irracional, se as coisas
protestou: “Deus não joga dados com o universo”. acontecessem sem uma causa;
A m á ap licação d o princípio. É um erro de ca­ • o princípio de causalidade está bem estabe­
tegorias aplicar um princípio da física às esferas lecido e é inegável (v. causalidade, princípio da);
m etafísica e moral sem justificativa. Mesmo que haja • os seres humanos perdem a responsabilida­
indeterm inação na física, isso não significa que a de moral se não têm participação em suas ações;
indeterminação automaticamente invada o meio mo­ • pelo m enos no nível cósm ico, o indeterm i­
rai Por definição, a física lida com o que é (no meio n ism o nega o papel de Deus com O riginador e
físico) e a moralidade com o que deveria ser. Sustentador de todas as coisas (Gn 1; Cl 1.15,16;
Erros d e indeterm inação. Os princípios da física Hb 1.3).
também não se aplicam automaticamente à metafísica.
Etienne Gilson demonstrou o erro metodológico des­ C onclusão. O in d eterm in ism o afirm a que as
ações não estão ligadas às escolhas livres ou a qual­
se tipo de pensamento na história da filosofia ociden­
quer outra “causa”. Isso pode ser comparado às teo­
tal (v. Gilson). Há sérios erros em supor que o mundo
rias do determ inism o, que afirma que todas as ações
metafísico (real) opera sem causalidade.
são determinadas por forças fora do indivíduo, e do
Supor que não há causas para eventos torna a
autodeterm inism o, que afirm a que todas as ações
ciência impossível, já que as ciências da operação e
são autocausadas, sem fatores externos. Cada uma
das origens dependem do princípio da causalidade.
dessas teorias é baseada num fundam ento inade­
Supor que não há causas para eventos torna o m un­
quado. O indeterm inism o viola leis fundam entais
do irracional. É contrário à razão afirm ar que as coi­
do pensam ento e, se verdadeiro, elim inaria a res­
sas acontecem sem uma causa. Outros problem as ponsabilidade moral.
são observados no artigo.
indutivo, método. A lógica indutiva e a dedutiva
Fo ntes são bem diferentes. A lógica dedutiva surge a partir
M . J. A d ler , T ru th in r e lig io n . de idéias gerais em direção a instâncias específicas.
E. G il s o n , T h e u n ity o f p h ílo s o p h ic a l e x p e r ie n c e . Os seres hum anos são m ortais. Portanto, João, um
N. L. G e is l e r , O r ig in Science. ser humano, é mortal.
421 in d u tiv o , m é to d o

A lógica indutiva parte de instâncias específicas isso geralm ente não é possível saber com certeza.
em direção a conclusões gerais. Sócrates, Aristóteles, Para exemplificar, suponha que escolhemos pardais,
Moisés, Adão, Joaquim, Manuel e Antônio são todos gaivotas e beija-flores para a , b e c com o animais que
mortais. Isso é evidência de que todos os seres hu­ têm asas (p) e penas (q). Agora se d for a letra atri­
manos são mortais. buída a gansos selvagens, então conclui-se que é ver­
Enquanto a lógica indutiva observa a causa (ou dadeiro que também tem a qualidade r, a habilidade
condição) e determ ina seus efeitos/conseqüências, de voar. Para quase todos os pássaros, esse argumen­
a lógica indutiva observa os efeitos e tenta determ i­ to funciona. Mas e se d for um pingüim? Ele tem asas
nar as causas. e penas, mas não pode voar. Aqui vemos que nossa
A lógica dedutiva é raciocínio a priori e lógica conclusão deve perm anecer apenas provável, e ja ­
indutiva é raciocínio a posteriori. Esses termos lati­ mais poderem os afirm ar que é verdade absoluta.
nos significam que a lógica dedutiva tira suas con­ Quanto mais fortes, porém, forem as analogias que
clusões antes de exam inar a experiência. A lógica fazemos, mais prováveis serão as nossas conclusões.
indutiva tira as conclusões somente após examinar A natureza da probabilid ad e. Pelo fato de a
a experiência. É claro que a premissa ou o procedi­ indução basear-se na analogia, estendendo observa­
mento indutivos podem ser colocados na forma de­ ções de alguns para a toda classe, isso geralm ente
dutiva: Os seres hum anos que nascem certam ente envolve um salto indutivo. Precisa estender-se além
m orrem . M aria acabou de nascer. Portanto, Maria das observações específicas para fazer afirm ações
invariavelmente morrerá. A forma desse argumento amplas e gerais. Geralmente, conclusões indutivas
é dedutiva, mas a prem issa principal é baseada numa não podem ser universalm ente denom inadas ver­
dadeiras porque são generalizações, e exceções sem ­
observação indutiva.
pre são possíveis. Em vez de serem verdadeiras ou
Os cânones da lógica dedutiva foram estabeleci­
falsas, envolvem níveis de probabilidade. Às vezes
dos por Aristóteles no século iv a.C. As regras foram
esses níveis podem ser medidos quanto à porcenta­
determinadas pela primeira vez por Francis Bacon em
gem de precisão; outras vezes, a porcentagem pode
Novutn organum, em 1620, e mais tarde elaboradas
ser estimada. Conclusões indutivas devem ser avali­
por John Stuart M ill (1806-1873).
adas conform e se encaixem na seguinte escala:
A natureza d o raciocín io indutivo. Uma das
maiores diferenças entre lógica dedutiva e indutiva se
99% — Praticam ente certo: evidência esm aga­
acha nos tipos de conclusões alcançadas. Ao contrário
dora.
da certeza do raciocínio dedutivo,o raciocínio indutivo
Exemplo: a lei da gravidade.
fornece níveis de probabilidade.
90 % — A ltam ente provável: evidência m uito
Níveis de probabilidade. Na lógica dedutiva, se as
boa.
premissas forem verdadeiras, a conclusão deve ser ver­
Exemplo: Nenhum floco de neve tem estrutura
dadeira (v. c e r t e z a /c o x v ic ç ã o ) . A única indução corre­
idêntica a outro.
ta é a indução perfeita, tal como: “Todas as moedas na
70% — Provável: evidência suficiente. Exemplo:
minha mão direita são de dez centavos”. Se há apenas
A eficácia e segurança dos rem édios que já foram
três e podemos ver e contar todas as três, então temos
testados e aprovados.
a indução perfeita e a convicção. A razão pela qual
50% — Possível: nenhuma evidência ou evidên­
induções geralmente chegam apenas a conclusões pro­
cia equivalente contra e a favor. Exemplo: Nosso time
váveis é que geralmente são sustentadas por analogia
ganhará o “cara ou coroa”.
ou generalização. A analogia é a declaração de que, pelo 30% — Improvável: evidência insuficiente a seu
fato de haver uma semelhança entre duas coisas, elas favor. Nesse ponto, ninguém acredita exceto alguns
também serão semelhantes em outros aspectos. Se fi­ poucos para quem funcionou.
zéssemos um diagrama de tal argumento, ele ficaria 10% — Altamente improvável: evidência escassa a
assim: favor. A teoria de que Jesus passou seus primeiros anos
estudando com um guru hindu entra nessa categoria.
a,b,c e d têm todos as qualidades p e q . 1% — Praticam ente impossível: quase nenhu­
a,be c têm todos a qualidade r. ma evidência a favor. A evidência da existência de
Portanto, d também tem a qualidade r. unicórnios está nesse nível.

Isso parece razoável, contanto que haja alguma Às vezes existem núm eros reais para calcular
ligação entre as qualidades p e q e a qualidade r. Mas a probabilid ad e. Isso é p robabilidade estatística.
in d u tiv o , m é to d o 422

Quando não há núm eros, a evidência deve ser pe­ que os outros números. A mediana de 1 ,2 ,3 ,4 9 ,5 0 é 3.
sada pela probabilidade empírica. Essa pode não ser a melhor maneira de representar os
Probabilidade estatística. Ao calcular o nível de pro­ dados.
babilidade de um problema estatístico, existem regras Probabilidade empírica. Há quatro questões bási­
a ser seguidas: cas que devem ser form uladas a todo argum ento
Definir os termos claramente. Não se pode discutir indutivo no qual dados em píricos são apresentados.
significativamente se “todos os homens são criados
iguais” até que os termos todos os homens, criados e 1 .Quantos casos foram examinados? Quão abran­
iguais sejam esclarecidos. gente é a amostra?
Classes suficientes devem ser planejadas para abran­ l.Q uão representativa é a evidência? Como os
ger todos os dados. As classes católica, protestante e ju ­ escolhidos representam o espectro de idéias eco­
daica são insuficientes para abranger todos os dados da nôm icas, sociais, raciais e religiosas encontradas
religião americana. Essas categorias excluem muçulma­ nesse país? Quanto m ais diferenças existirem en ­
nos, hindus, budistas, humanistas seculares e uma va­ tre os casos, mais forte será a conclusão. Se os ca­
riedade de religiões menores. As categorias monista, sos estudados não refletem com o o mundo real é, a
politeísta, teísta e não-teísta provavelmente seriam sufi­ conclusão não será verdadeira.
cientes para abranger as religiões americanas. 3. Quão cuidadosa foi a avaliação da evidência?
Só um princípio de classificação pode ser usado. Como foram estudadas as sem elhanças? Quantas
Apenas uma questão deve ser levantada de cada vez. diferenças foram estudadas? Todas as explicações
Se a questão é: “Você é republicano ou democrata?”, possíveis foram consideradas? Os resultados exe­
então não é necessário perguntar como parte da m es­ cutados foram isolados de outras causas possíveis?
ma questão:“Você é conservador ou liberal?”. Isso con­ Toda a evidência foi apresentada? Quão crítica foi
funde as categorias. a avaliação da evidência?
Classes não podem sobrepor-se. Republicanos e de­ 4. Como a informação coletada se relaciona com o
m ocratas contêm conservadores e liberais. Se duas conhecimento já existente? Ela contradiz alguma cer­
respostas são possíveis para algumas pessoas, ambas teza? Ajuda a explicar melhor as coisas? Às vezes no­
serão recebidas de alguns, nenhuma de outros, e ain­ vas evidências podem abalar as estruturas de ques­
da outros responderão uma ou outra sem nos mos­ tões que considerávamos resolvidas, mas seu nível de
trar que há sobreposição. Tais estatísticas são inúteis, probabilidade e utilidade explanatória fazem delas
porque não há como saber quais respostas dão a in­ descobertas bem-vindas.
formação desejada.
0 método mais apropriado para relatar os resulta­ Tipos d e probabilidade. Além da indução perfei­
dos deve ser selecionado. Há três maneiras em que as ta, o raciocínio indutivo produz um dos dois tipos de
estatísticas podem ser afirmadas. A média, a moda probabilidade: a priori ou a posteriori.
(m ais freqüente) e a mediana (o número médio). A Probabilidade a priori. A probabilidade a priori
média é o valor que pode ser encontrado pela soma de ou probabilidade matemática diz respeito ao da pos­
todos os números e a divisão pelo número de algaris­ sibilidade e das possíveis combinações. Oferece uma
mos somados. (A média de 5 ,6 ,7 ,8 ,9 é 7 [5 + 6 + 7 + maneira matemática de avaliar a possibilidade de um
8 + 9 = 35 — 5 números = 7].) Pode ser usado para evento. Há várias fórmulas matemáticas para desco­
descobrir onde o grupo se encontra no todo, como para brir a probabilidade de vários tipos de eventos. Por
a nota média de uma prova. Se você quiser saber qual exemplo, alguns eventos são simples e exclusivos: Ou
a nota que a maioria das pessoas tirou numa prova, a acontece uma coisa ou outra. Quando se lança uma
moda é mais apropriada. É conhecida simplesmente moeda, você tem cara ou coroa. Outros eventos são
pela constatação do número que ocorre mais vezes. Se mais complexos, como descobrir quantas com bina­
as notas são 5 ,6 ,7 ,8 ,8 ,8 ,8 ,8 ,9 , então 8 é a moda. ções possíveis de aminoácidos existem que formari­
Às vezes é útil saber onde se localiza a metade para am as proteínas necessárias para a vida (v. acaso).
determinada pergunta. Essa é a mediana do grupo, que Probabilidade a priori para eventos exclusivos. Um
representa o ponto médio entre os números mais alto evento exclusivo não está com binado com outros
e mais baixo nos nossos dados. A mediana da nossa eventos nem é dependente deles. Uma moeda só tem
série 5 ,6 ,7 ,8 ,9 é 7, o mesmo que a média. Geralmente dois lados. Assim, quando ela é lançada, a probabili­
a mediana será próxima da média, mas não em casos dade é de uma em duas (ou uma de duas) de dar
em que haja um dado bem m aior ou bem m enor cara. Da m esm a form a, há seis faces num dado,
423 in d u tiv o , m é to d o

portanto a probabilidade de dar qualquer um dos cada número é usado apenas uma vez, os números
números é de uma em seis. A probabilidade de tirar podem ser repetidos num a perm utação com plexa.
o ás de espadas de um baralho é de um a em cin- Em vez de apenas teclar dez núm eros em determ i­
qüenta e duas. Isso não significa, é claro, que real­ nada ordem (um a perm utação sim ples), uma per­
mente serão gastas 52 tentativas para tirá-lo. Ele pode mutação complexa é mais parecida com a senha da
aparecer na primeira vez. Isso quer dizer apenas que trava de uma pasta que tem três m ostradores, cada
a probabilidade a priori de tirá-lo a princípio é de um dos quais com números de 1 a 10. Qualquer um
um a em 52. Isso significa que, se alguém tentasse desses números pode cair em qualquer posição na
tirá-lo um número infinito de vezes, tiraria o ás em série. Então o número total de com binações possí­
média a cada 52 vezes. veis é 10 x 10 x 10 = 1 000.
Probabilidade a priori para eventos independen­ Para calcular o número de combinações possíveis
tes. Isso lida com a probabilidade m atem ática ante­ para uma permutação complexa, é preciso tomar o nú­
cipada dos resultados de duas ou mais moedas ou mero de opções para cada posição e elevá-lo ao núme­
dados. Esses são eventos separados e independentes ro de posições. Por exemplo, num brinquedos de mon­
e, assim , a probabilidade deve ser multiplicada. Isso tar rostos que tem quatro opções de nariz, queixo, boca,
significa que a probabilidade de tirar duas caras ao par de olhos, cabelo e testa, há quatro opções para cada
lançar duas moedas é 1/2 x 1/2 = 1/4 ou uma em posição e seis posições no todo. Pegamos o número de
quatro. Da m esma forma, a probabilidade de tirar opções (4) e o multiplicamos por si mesmo o mesmo
um seis em dois dados é 1/6 x 1/6 = 1/36 ou uma em número de vezes que o número de posições (6). Então
36. Se uma moeda e um dado são usados, então a temos 4 x 4 x 4 x 4 x 4 x 4 (ou 46) = 4 096 rostos diferentes.
probabilidade é 1/2 x 1/6 ou uma em doze. Valor apologético das probabilidades a priorísticas.
Probabilidade a priori de eventos dependentes. Às Há muitas aplicações da probabilidade m atemática
vezes um evento é dependente do outro, nesse caso à apologética. Por exemplo, segundo Fred Hoyle (em
devemos saber quantas com binações diferentes ou Evolution from space [A evolução vinda do espaço]),
perm utações são possíveis. Para uma perm utação um ex-ateu, quando as com binações possíveis são
simples, em que queremos descobrir quantas com bi­ consideradas, as probabilidades de a primeira célu­
nações existem para determinado número de even­ la viva ter surgido sem um Criador são de 1/1040000.
tos conhecidos, multiplicamos esse número (n) por Com tais probabilidades, com o alguém pode negar
(n - 1 ) x (n - 2) x (n - 3) e assim por diante até chegar que o universo foi criado e ainda ser considerado
a 1. Em outras palavras, multiplicamos todos os nú­ razoável? Da mesma forma, o astrônomo Hugh Ross
m eros inteiros entre 1 e n para descobrir quantas calculou a probabilidade de a form a de vida mais
com binações existem . Por exemplo, para descobrir simples ter surgido por acaso. Ele diz que isso exigi­
quantas permutações existem para um grupo de três ria um mínimo de 239 moléculas de proteína. Cada
letras, multiplicamos 3 x 2 x 1 = 6. Por exemplo, as uma dessas m oléculas é com posta de (em m édia)
com binações possíveis são para as letras a , b e c . São: 445 aminoácidos unidos. Ora, cada um desses elos
deve ser feito por um dos 20 aminoácidos diferen­
ABC BAC ZCAB tes. Então a probabilidade de a forma mais simples
ACB BCA CBA de vida surgir dessa união por acaso é 1 em 20445x239
— 239 ou 1/10137915. É razoável acreditar que não só a
Se um mágico distribuir quatro cartas para qua­ forma mais simples de vida, mas todas as formas com ­
tro pessoas, são 24 com binações possíveis da ordem plexas de vida surgiram de um acidente da sorte?
em que essas cartas podem estar (4 x 3 x 2 x 1 = 24). O evolucionista Julian Huxley calculou que a pro­
Se um sistem a de segurança tem dez dígitos no te­ babilidade da evolução do cavalo era de 1 em 1 0 0 0 1
clado e cada um só pode ser usado uma vez, há 10 x o°o°m £ je admitiu que ninguém jam ais apostaria em
9 x 8 x 7 x 6 x 5 x 4 x 3 x 2 x 1 = 3 628 800 códigos algo tão improvável (Huxley, p. 4 5 ,6 ). É claro que
possíveis. Na música há 479 001 600 séries de doze muitos evolucionistas conhecem essas probabilida­
notas possíveis (um a seqüência de notas que usa des e dizem: “Bem , dado o tempo suficiente qual­
cada passo da escala crom ática uma vez). quer coisa pode acontecer”. Mas há tempo suficien­
Uma série em que várias possibilidades podem te? Vamos supor que todo o universo fosse feito de
encaixar-se em cada lugar é uma permutação com­ am inoácidos (o que está bem longe da verdade).
plexa. Em lugar de uma com binação simples em que H averia 1077 m oléculas d isponíveis. Se un irm os
inferno 424

todos esses aminoácidos ao acaso numa velocidade Na ciência das origens (v. origens , ciência das ) ela é
de 1 por segundo para a idade amplamente aceita do conhecida previamente por meio dos princípios de
universo (cerca de 15 bilhões de anos), então a pro­ causalidade (v. causalidade, princípio da ), da analogia
babilidade dessa forma simples de vida aparecer é ou da uniformidade.
reduzida a Í/IO14 999 999 905. Isso é uma probabilidade
em dez elevada a 15 bilhões. Vinte bilhões de anos Fontes
não é tempo suficiente m esm o se o universo esti­ F. B a con , Novum organum.
vesse abarrotado de partículas para produzir vida. N. L. Glisi.fr, Origin Science.
Para se defender desse ataque, o evolucionista ___ e R. M . Brooks, Come let us reason.
pode responder: “Mas isso só precisava acontecer F. H oyle, Evolution from space.
uma vez. Tirar uma mão perfeita de bridge também J. H uxley, Evolution in action.
é um evento altamente improvável, mas já aconte­ ). M cDowell, Evidência que exige um veredito.
ceu”. Isso é verdade. É possível; mas é provável? Qual J. S. M ii.u A lógica das ciências morais.
o nível de probabilidade de que a hipótese evolutiva H. Ross, The ftngerprint ofGod.
seja verdadeira? David H u m e disse: “Um homem sá­ B. R ussell, “On induction”, em Basic writings o f Bertrand
bio sempre baseia sua crença na evidência”. Toda Russell.
evidência diz que o universo é pequeno dem ais e P. VV. S tonhr , Science speaks.

jovem demais para permitir a união aleatória da vida,


mesmo numa forma simples. Seguindo a máxima de inferno. O inferno já foi cham ado de cruel, desu­
Hume, como pode um homem sábio acreditar que a mano e bárbaro. Bertrand Russell disse que quem
vida surgiu espontaneamente e pelo acaso quando a am eaça pessoas com o castigo eterno, com o Jesus
evidência diz que isso é praticam ente impossível? fez, é desum ano (Russell, p. 5 9 3 -4 ). Os incrédulos
Por outro lado, qual a probabilidade de o registro em geral têm questionado a existência e a ju stiça
da criação de M oisés ter aleatoriam ente colocado do inferno. Os cristãos ortodoxos, no entanto, c a ­
os eventos da criação na ordem certa? Suponha que tólicos e protestantes, têm defendido a realidade e
haja oito eventos sucessivos (criação do universo, eqüidade do inferno.
luz, água, atm osfera, m ares e terra, vida m arinha, A existência do inferno. A existência do inferno
animais terrestres e hom em ) que poderiam ter sido tem sido defendida por argumentos baseados nas Es­
colocados em qualquer ordem. Essa é uma permu­ crituras e na razão humana.
tação simples (8 x 7 x 6 x 5 x 4 x 3 x 2 x 1 = 40 320). Jesus ensinou a existência do inferno. As Escrituras
Então a probabilidade de Moisés registrar esses even­ afirm am enfaticamente a doutrina do inferno. Algu­
tos na ordem correta era apenas 1 em 40 320. mas das afirm ações mais fortes de que existe um in­
Além disso, calcula-se que há 191 profecias no a t ferno vêm de Jesus Cristo, a segunda pessoa da T r in ­
sobre o Messias. Elas incluem onde ele nasceria (Mq d a d e . Ele falou mais sobre o inferno que sobre o céu.

5.2), como ele morreria (Is 53), quando morreria (Dn Jesus advertiu: “Não tenham medo dos que m atam o
9), que ele ressuscitaria dos mortos (SI 16). A probabili­ corpo, mas não podem matar a alama. Antes, tenham
dade de que 48 dessas profecias se cumprissem em um medo daquele que pode destruir tanto a alma como o
homem é cerca de 1/10157. Isso é um 1 com 157 zeros corpo no inferno” (M t 10.28). Ele acrescentou sobre
atrás. Se um apostador conseguisse acertar em 48 ca­ aqueles que o rejeitam: “Assim como o joio é colhido e
valos ganhadores sem um único erro, seria razoável queimado no fogo, assim tam bém acontecerá no fim
suspeitar que ele dispunha de inform ações exclusi­ desta era” (M t 13.40).
vas. Da mesma forma, é altamente provável que os No sermão profético, proferido no monte da Oli­
profetas do a t tenham tido auxílio para saber tanto veiras, nosso Senhor disse que no juízo final Deus dirá
sobre eventos que aconteceriam centenas de anos após “aos que estiverem à sua esquerda: ‘Malditos, apar-
a morte deles. Certamente essa é a conclusão razoável. tem-se de mim para o fogo eterno, preparado para o
P robabilid ad e a p o ste rio ri. P ro b a b ilid a d e a Diabo e os seus anjos’” (Mt 25.s41). Sobre a seriedade
posteriori é probabilidade em pírica. Ao contrário do perigo do inferno, Jesus advertiu: “Se a sua mão o
da probabilidade a priori , não é probabilidade co­ fizer tropeçar, corte-a. É melhor entrar na vida muti­
nhecida antes de a possibilidade m atem ática de um lado do que, tendo as duas mãos, ir para o inferno,
evento ocorrer. Pelo contrário, é a probabilidade real onde o fogo nunca se apaga” (Mc 9.43). A realidade do
depois do fato de que um evento ocorreu. Tal proba­ inferno é óbvia segundo a história vívida contada por
bilidade é conhecida pelo uso do método científico. Jesus em Lucas 16. Essa história é diferente de uma
425 inferno

parábola, já que nela Jesus usa o nome real de uma O apóstolo Paulo falou da separação eterna de
pessoa (Lázaro). A história fala do destino de um rico Deus, dizendo:
e um mendigo, Lázaro, após a morte:
... quando o Senhor Jesus for revelado lá dos céus, com os
Havia um homem rico que se vestia de púrpura e de linho seus anjos poderosos, em meio a chamas flamejantes. Ele pu­
fino e vivia no luxo todos os dias. Diante do seu portão fora nirá os que não conhecem a Deus e os que não obedecem ao
deixado um mendigo chamado Lázaro, coberto de chagas; este evangelho de nosso Senhor Jesus. Eles sofrerão a pena de des­
ansiava comer o que caía da mesa do rico. Até os cães vinham truição eterna, a separação da presença do Senhor e da majes­
lamber suas feridas. tade do seu poder (2Ts \.7b-9).
Chegou o dia em que o mendigo morreu, e os anjos o leva­
ram para junto de Abraão. O rico também morreu e foi sepulta­ O autor de Hebreus acrescenta uma observação
do. No Hades, onde estava sendo atormentado, ele olhou para de finalidade: “... o homem aos homens está destina­
cima e viu Abraão de longe, com lázaro ao seu lado. Então, cha­ do a m orrer uma só vez e depois disso enfrentar o
mou-o: “Pai Abraão, tem misericórdia de mim e manda que juízo” (Hb 9.27).
Lázaro molhe a ponta do dedo na água e refresque a minha lín­ A justiça de Deus exige o inferno. Além de afirma­
gua, porque estou sofrendo muito neste fogo”. ções diretas, as Escrituras oferecem razões para a exis­
Mas Abraão respondeu: “Filho, lembre-se de que durante tência do inferno. Uma é que a justiça exige a existên­
durante a sua vida você recebeu coisas boas, enquanto que cia do inferno, e Deus é justo (Rm 2). Ele é tão puro e
Lázaro recebeu coisas más. Agora, porém, ele está sendo con­ imaculado que não pode sequer ver o pecado (Hc
solado aqui e você está em sofrimento. E além disso, entre 1.13). Deus trata a todos com igualdade: “Pois em Deus
vocês e nós há um grande abismo, de forma que os que de­ não há parcialidade” (Rm 2.11). Como Abraão decla­
sejam passar do nosso lado para o seu, ou do seu lado para o rou: “Não agirá com justiça o Juiz de toda a terra?”
nosso, não conseguem”. (Gn 18.25). O salmo 73 representa as passagens que
Ele respondeu: “Então eu te suplico, pai: manda Lázaro ir ensinam que nem toda justiça é feita nesta vida. Os
à casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos. Deixa que ele os perversos parecem prosperar (v. 3). Logo, a existência
avise, a fim de que eles não venham também para este lugar de de um lugar de castigo para os perversos após esta
tormento”. vida é necessária para manter a justiça de Deus. Cer­
Abraão respondeu:“Eles têm Moisés e os Profetas; que os tamente não haveria justiça real se não houvesse um
ouçam”. lugar de castigo para as almas dementes de Stalin e
“Não, pai Abraão”, disse ele, “mas se alguém dentre os Hitler, que iniciaram o m assacre impiedoso de m i­
mortos fosse até eles, eles se arrependeriam.” lhões. A justiça de Deus exige que haja um inferno.
Abraão respondeu: “Se não ouvem a Moisés e aos Profe­ Jonathan E dwards argumentou que m esm o um
tas, tampouco se deixarão convencer, ainda que ressuscite único pecado merece o inferno, já que o Deus eterno e
alguém dentre os mortos” (Lc 16.19-31). santo não pode tolerar nenhum pecado. Cada pessoa
com ete m uitíssim os pecados em pensam entos, pa­
A Bíblia ensina que o inferno existe. Outros escri­ lavras e ações. Tudo isso é intensificado pelo fato de
tos inspirados do nt afirmam a existência do infer­ que rejeitamos a imensa misericórdia de Deus. Acres­
no. Talvez o relato mais detalhado seja o de Apoca­ cente-se ainda a prontidão do homem em reclam ar da
lipse de João: ju stiça e m isericórdia de Deus, e tem os evidências
abundantes da necessidade do inferno. Se tivéssemos
Depois vi um grande trono branco e aquele que nele estava verdadeira consciência espiritual, não ficaríamos abis­
assentado. A terra e o céu fugiam da sua presença, e não se mados com a severidade do inferno, mas sim com nos­
encontrou lugar para eles. Vi também os mortos, grandes e sa própria depravação (Edwards, 1 p. 109).
pequenos, em pé diante do trono, e livros foram abertos. Outro Oamor de Deus exige o inferno. A Bíblia afirma que
livro foi aberto, o livro da vida. Os mortos foram julgados de “Deus é amor” ( ljo 4.16). Mas o amor não pode agir
acordo com o que tinham feito, segundo o que estava registra­ coercivamente, apenas persuasivamente. Um Deus de
do nos livros. O mar entregou os mortos que nele havia, e a amor não pode forçar as pessoas a amá-lo. Paulo fa­
morte e o Hades entregaram os mortos que neles havia; e cada lou que as coisas são feitas livremente, e não por obri­
um foi julgado de acordo com o que tinha feito. Então a morte gação (2Co 9.7). Amor forçado não é amor; é estupro.
e o Hades foram lançados no lago de fogo. 0 lago de fogo é a Um ser amoroso sempre dá “espaço” para outros. Não
segunda morte. Aqueles cujos nomes não foram encontrados se impõe contra a vontade dos outros. Como C. S.
no livro da vida foram lançados no lago de fogo (Ap 20.11 -15). L ewis escreveu:
inferno 426

0 Irresistível e o Irrefutável são as duas armas que a própria poderosa. Ele é descrito como um lugar de trevas (Mt
natureza do seu esquema o impede de usar. Anular o livre-arbí­ 8.12; 22.13),que estáutbra” [das portas da cidade celestial]
trio humano [...] seria inútil para ele. Ele não pode forçar. Só pode (Ap 22.14,15). O inferno fica fora da presença de Deus
atrair (Lewis, Cartas do inferno, cap. 8). (M t 25.41; 2Ts 1.7-9). É claro que esses são termos
relacionais, não necessariamente espaciais. Deus está
Logo, os que escolhem não am ar a Deus devem “acima”, e o inferno está “abaixo”. Deus está “dentro”, e
ter o direito de não am á-lo. Os que não desejam o inferno está “fora”. O interno está na direção contrá­
estar com ele devem ter perm issão para ficar sepa­ ria a Deus.
rados dele. 0 inferno permite a separação de Deus. A natureza do inferno é uma realidade horrível. É
A dignidade humana exige o inferno. Já que Deus com o ser deixado do lado de fora, no escuro, para
não força as pessoas a ir para o céu contra sua vonta­ sempre (M t 8.12). É como uma estrela errante (Jd 13),
de, o livre-arbítrio humano exige um inferno. Jesus uma nuvem sem água (Jd 12), um fogo inextinguível
exclamou: “Jerusalém, Jerusalém, você, que mata os (Mc 9.43-48), um abismo (Ap 20.1,3), uma prisão (1 Pe
profetas e apedreja os que lhe são enviados! Quantas 3.1 9 ) e um lugar de agonia e arrependim ento (Lc
vezes quis eu reunir os seus filhos, como a galinha re­ 16.28).
úne os seus pintinhos debaixo das suas asas, e vocês Emprestando o título do livro de Lewis, o inferno
não quiseram !” (Mt. 23.37). Como Lewis disse: é o “grande abismo” — uma separação eterna de Deus
(2Ts 1.7-9). Há, na linguagem bíblica,“um grande abis­
Há apenas dois tipos de pessoas no final das contas: aque­ mo” entre o inferno e o céu (Lc 16.26) de forma que
las que dizem a Deus: “Seja feita a tua vontade”, e aquelas a ninguém pode passar de um para o outro.
quem Deus diz, no final: “Seja feita a tua vontade” (Cartas do A Bíblia não diz em lugar nenhum que o inferno é
inferno, p. 69). “uma câmara de tortura” em que pessoas são forçadas
a entrar contra a vontade para serem torturadas. Essa
A soberania de Deus exige o inferno. A não ser que é uma caricatura criada por incrédulos para justificar
haja inferno não há vitória final sobre o mal (v. mal, pro­ sua reação de que o Deus que envia pessoas para o
blema do). Pois o que frustra o bem é o mal. 0 trigo e o inferno é cruel. Isso não quer dizer que o inferno não
joio não podem crescer juntos para sempre. Há uma seja um lugar de torm ento. Jesus disse que era (Lc
separação final, senão o bem não triunfará sobre o mal. 16.24). Mas, ao contrário da tortura que é infligida de
Como na sociedade, o castigo do mal é necessário para fora contra a vontade da pessoa, a tormenta é auto-
que o bem prevaleça. Da mesma forma, na eternidade o infligida.
bem deve triunfar sobre o mal. Se isso não acontecer, Até os ateus (v. S a r t r e ; a t e í s m o ) sugeriram que a
Deus não está no controle total. A soberania de Deus porta do inferno é trancada pelo lado de dentro.
exige o inferno, senão ele não seria o vencedor final so­ Som os condenados à liberdade de estar sem Deus.
bre o mal que a Bíblia declara que ele é (v. ICo 15.24- A presença divina do céu seria a tortura para quem o
28; Ap 20— 22). rejeitou irrecuperavelmente. O tormento é viver com
A cruz de Cristo implica a realidade do inferno. No as conseqüências de nossas más escolhas. É o choro e
centro do cristianism o e stá a c ru z (lC o 1.17,18; 15.3). ranger de dentes que resulta da consciência de que
Sem ela não há salvação (Rm 4.25; Hb 10.10-14). É a fracassamos e merecemos as conseqüências. Assim
razão pela qual Cristo veio ao mundo (Mc 10.45; Lc como um jogador de futebol bate no chão com força
19.10). Sem a cruz não há salvação (Jo 10.1,9,10; At depois de perder um gol que decidiría a Copa, as pes­
4.12). Apenas por meio da cruz podemos ser libertos soas no inferno sabem que a dor que sofrem é auto-
dos nossos pecados (Rm 3.21-26). Jesus sofreu gran­ infligida.
de agonia e até separação de Deus na cruz (Hb 2.10- O inferno também é descrito como um lugar de
18; 5.7-9). Antecipando a cruz, Jesus “orou ainda mais fogo eterno. Esse fogo é real, mas não necessariamente
intensamente; e o seu suor era como como gotas de físico (como o conhecemos), porque as pessoas terão
sangue que caíam no chão” (Lc 22.44). Mas por que a corpos físicos não perecíveis (Jo 5.28,29; Ap 20.13-15),
cruz e todo esse sofrim ento, a não ser que haja o então o fogo normal não os afetaria. Além disso, as
inferno? A morte de Cristo perde ou seu significado figuras de linguagem que descrevem o inferno são
eterno a não ser que haja uma separação de Deus da contraditórias, se consideradas num sentido físico.
qual as pessoas precisam ser salvas. Ele tem fogo, mas é trevas. É um lago e um abismo.
A natureza e localização do inferno. A Bíblia des­ Apesar de tudo na Bíblia ser literalmente verdadeiro,
creve a realidade do inferno com linguagem figurada nem tudo é verdadeiramente literal.
427 inferno

A du ração do inferno. Muitos incrédulos estari­ com o Deus am oroso elim inar os que não fazem o
am dispostos a aceitar um inferno temporal, mas a que ele deseja. Se Deus aniquilasse os seres hum a­
Bíblia fala dele como eterno. nos estaria atacando a si m esm o, pois som os feitos
0 inferno durará enquanto Deus existir. A Bíblia à sua imagem (Gn 1.27), e Deus é im ortal. O fato de
declara que Deus existe para sempre (SI 90.1,2). Na ta is p e sso a s e s ta re m s o fre n d o n ão ju s t if ic a
verdade, ele não tem princípio nem fim (Ap 1.8). Criou aniquilá-las, assim com o um pai não deve m atar o
todas as coisas (Jo 1.3; Cl 1.15,16) e permanecerá de­ filho que está sofrendo. Até alguns ateus insistiram
pois que este mundo for destruído (2Pe 3.10-12). Mas em que a aniquilação não deve ser desejada mais
Deus, por natureza, não pode tolerar o mal (Is 6; Hc que a liberdade consciente.
1.13). Logo, as pessoas más devem ficar separadas de O inferno é temporal, não eterno. O inferno não
Deus para sempre. Enquanto Deus for Deus e o mal pode ser apenas um aprisionamento longo. O inferno
for mal, um deve ficar separado do outro. deve existir enquanto existir um Deus justo, contra o
O inferno durará enquanto o céu durar. 0 céu é des­ qual todo o inferno se opõe.
crito como “eterno” na Bíblia. Mas a mesma palavra Apesar de as palavras para sempre poderem signi­
grega ( aiõnion ), usada no mesmo contexto, também ficar um longo período de tempo em alguns contex­
indica que o inferno é “eterno” (M t 25.41; cf. v. 46; 2Ts tos, nesse contexto são usadas para o céu assim como
1.9; Ap 20.10). Então, se o céu é eterno, o inferno o inferno (v. Mt 25). Às vezes a forma enfática “para
também é. Não há absolutamente nenhuma base bí­ todo o sempre” é usada. Essa frase é usada para des­
blica para supor que o inferno é temporal e o céu é crever o céu e o próprio Deus (Ap 14.11; 20.10). E Deus
eterno. não pode estar preso ao tempo; ele é eterno (Edwards,
Tampouco existe a possibilidade de alguém sair do 2, p.85-6).
inferno. Existe um grande abismo, de modo que nin­ A sugestão de que o sofrimento temporal levará
guém pode sair (Lc 16.26). O julgamento começa logo ao arrependimento final é irreal. As pessoas no infer­
após a morte (Jo 8.21; Hb 9.27). Isso não é diferente no estão rangendo os dentes, o que não indica uma
do fato de algumas decisões na vida serem irreversí­ disposição mais tem ente a Deus ou reformada, mas
veis. O suicídio é um caminho sem volta. uma rebelião firme e insistente. Assim, depois de as
As pessoas permanecem conscientes após a m or­ pessoas estarem no inferno por algum tempo, have­
te, quer estejam no céu (2Co 5.8; Fp 1.23; Ap 6.9), rá mais justificação para o castigo de Deus, não m e­
quer no inferno (Lc 16.23). A besta ainda estará cons­ nos. Se o inferno tivesse um efeito reformador sobre
ciente depois de mil anos no inferno (Ap 19.20; as pessoas, então Jesus não teria amaldiçoado os que
20.10). Não faz sentido ressuscitar os incrédulos para o rejeitam e são enviados para o inferno (M t 11.21-
o julgam ento eterno (Dn 12.2; Jo 5.28,29) antes do 24). Nenhum pecado seria im perdoável se as pes­
grande trono branco (Ap 2 0 .1 1 -1 5 ), a não ser que soas no in fe rn o p u d essem ser re fo rm a d a s (M t
estejam conscientes. 12.31,32). Da mesma forma, Jesus jam ais diria a Judas
O bjeções a o inferno. Os in créd u lo s têm feito que teria sido m elhor se não tivesse nascido.
m uitas objeções à d outrina do inferno (v. Lewis, Com o pode um lu g ar d e stitu íd o da g ra ça
Oproblema do sofrimento, cap. 8). restringente de Deus conseguir o que nenhum dos es­
O itiferno é aniquilação. A Bíblia afirm a clara­ forços de sua graça conseguiram na terra, ou seja,
mente que há sofrimento consciente no inferno que uma mudança do coração? Se o inferno pudesse re­
causará “choro e ranger de dentes” (Mt 8.12). Pessoas form ar pecadores perversos, eles seriam salvos sem
aniquiladas não estão conscientes de qualquer so­ Cristo, que é o único meio de salvação (Edwards, v. 2,
frimento. A besta e o falso profeta no inferno esta­ p. 520). O sofrimento não tende a suavizar o coração
rão conscientes após mil anos de sofrim ento (Ap duro; ele o endurece ainda mais (v. F araó , endureci­
19.20; 20.10; v. antq itlacion tsm o ). mento de). A reincidência e a criminalidade persis­
A aniquilação não seria um castigo, mas a liber­ tente nas prisões modernas confirm am o argum en­
tação de todo sofrimento. Jó parecia preferir a ani­ to de Edwards.
quilação ao sofrim ento (Jó 3). Mas Deus não reali­ A justiça de Deus exige o castigo eterno.“A atroci­
zou esse desejo. Jesus fala de níveis de castigo (Mt dade de qualquer crim e deve ser avaliada de acordo
5.22), mas não pode haver níveis de inexistência. com o valor ou a dignidade da pessoa contra a qual foi
A aniquilação dos ímpios é contrária à natureza de cometido” (Davidson, p. 50). Logo, o assassinato de um
Deus (v. D e u s , natureza de) e à natureza dos humanos presidente ou do papa é considerado mais atroz que
feitos à sua imagem (v. imortalidade). Não é coerente o de um terrorista ou chefão da m áfia. O pecado
inferno 428

contra o Deus infinito é um pecado infinito digno livre-arbítrio. Isso seria o “inferno”, já que eles não
de castigo infinito (Edwards, v. 2 p. 83). pertencem ao lugar onde todos amam e adoram a Pes­
Por que não reformar as pessoas? Por que o castigo soa que eles mais querem evitar. A alternativa de Deus
eterno? Por que Deus não tenta reformar os pecadores? seria aniquilar a própria imagem em suas criaturas.
A resposta é que Deus tenta reformar as pessoas; o pe­ Mas isso seria um ataque contra si mesmo.
ríodo de reforma é chamado vida. Pedro declarou: Além disso, sem separação eterna, não haveria céu.
0 mal é contagioso (1 Co 5.6) e deve ser isolado. Como
O Senhor não dem ora em cu m prir a su a p rom essa, com o uma praga m ortal, se não for contido continuará a
julgam alguns. Ao contrário, ele é paciente com vocês, não que­ contaminar e corromper. Se Deus não separasse o tri­
ren do qu e ninguém pereça, m as que tod os cheguem ao arre­ go do joio, o joio sufocaria o trigo. A única maneira de
p en d im en to (2Pe 3.9; v. 1 Tm 2.4). preservar um lugar eterno de bem é separar eterna­
mente dele todo mal. A única maneira de ter um céu
Mas depois do período de reforma vem o perío­ eterno é ter um inferno eterno.
do de prestação de contas (Hb 9 .2 7 ). 0 inferno é Finalmente, se o castigo temporal de Cristo é sufi­
apenas para os irreparáveis e im penitentes, os de­ ciente para nossos pecados eternamente, então não há
pravados (v. 2Pe 2.1-6), não para os reformáveis. Se razão para o sofrimento eterno não ser apropriado
fossem reformáveis, ainda estariam vivos. Pois Deus, para nossos pecados temporais. Não é a duração da
na sua sabedoria e bondade, não permitiria que fosse ação, mas o objeto que é importante. Cristo satisfez o
para o inferno quem ele sabia que iria para o céu se Deus eterno pelo seu sofrimento temporal, e os incré­
lhe fosse dada a oportunidade. Como C. S. L ewis ob­ dulos ofenderam ao Deus eterno pelos seus pecados
servou, a alma que deseja a alegria de maneira séria temporais. Logo, o sofrimento temporal de Cristo sa­
e constante não a perderá. Os que buscam , acham. tisfaz a Deus eternamente ( l jo 2.1), e nossos pecados
Para quem bate, a porta será aberta (Lewis, Ogrande temporais ofendem a Deus eternamente.
abismo). 0 inferno não tem valor redentor. À objeção de que
Deus não pode forçar criaturas livres a serem re­ não há valor redentor na condenação das almas ao in­
form adas. A reform a forçada é pior que castigo; é ferno, pode-se responder que o inferno satisfaz a ju s­
cruel e desum ana. Pelo menos o castigo respeita a tiça de Deus e a glorifica ao mostrar quão grande e te­
liberd ad e e a dignidade da pessoa. Como Lewis mível esse padrão é .“A justiça vindicativa de Deus pa­
observa com perspicácia: “ser curado’ contra sua recerá rígida, precisa, temível, e terrível, e portanto glo­
vontade [...] é ser colocado no m esm o nível dos riosa” (Edwards, v. 2, p.87). Quanto mais horrível e te­
que não têm vontade p ró p ria; é ser cla ssifica d o mível o julgamento, mais reluzente o brilho da espada
com bebês, im becis e anim ais dom ésticos” (Lewis, da justiça de Deus. O castigo terrível é compatível com a
God in the dock, 2 2 6 ). Os seres hum anos não são natureza de um Deus que inspira temor. Com uma de­
objetos m anipuláveis; são sujeitos respeitados por­ monstração majestosa de ira, Deus recebe de volta a ma­
que são feitos à im agem de Deus. Os seres hum a­ jestade que lhe foi recusada. Aqueles que não dão glória
nos devem ser punidos quando fazem o mal p o r­ a Deus de livre e espontânea vontade durante esta vida
que são livres e sabem o que é errado. São pessoas serão forçados a dar-lhe glória na próxima vida.
a serem castigadas, não pacientes a serem curados. Todas as pessoas, então, são ativa ou passivamen­
A condenação por pecados temporais é exagerada ? te úteis para Deus. No céu, os crentes louvarão ativa­
Castigar uma pessoa eternamente pelo que fez por um mente sua m isericórdia. No inferno, os incrédulos
curto período na terra parece a princípio um exagero. serão passivamente úteis ao trazer majestade à sua
No entanto, um exame mais profundo revela que isso justiça. Assim com o uma árvore estéril é útil apenas
não só é justo, mas necessário. Para começar, apenas o para lenha, os desobedientes serão apenas com bus­
castigo eterno será suficiente para pecados contra o tível para um fogo eterno (ibid. v. 2, p. 126). Já que os
Deus eterno (v. Deus, natureza de). Os pecados podem incrédulos preferem ficar distantes de Deus no tem ­
ser ter sido cometidos no tempo, mas são contra o Eter­ po, por que não deveríam os esperar que esse seja
no. Além disso, nenhum pecado pode ser tolerado en­ seu estado escolhido na eternidade?
quanto Deus existir, e ele é eterno. Logo, o castigo pelo O inferno é apenas uma ameaça, não uma reali­
pecado também deve ser eterno. dade. Alguns críticos acreditam que o inferno é ape­
Além disso, a única alternativa ao castigo eterno é nas uma ameaça que Deus não cumprirá. Mas é blas­
pior, ou seja, roubar dos seres humanos sua liberdade fêmia afirm ar que um Deus de verdade usa m enti­
e dignidade, levando-os à força para o céu contra seu ras deliberadas para governar os seres hum anos.
429 inferno

Adem ais, isso significa que “os que acham que o Por que Deus criou pessoas destinadas ao inferno?
inferno é uma fraude são mais astutos que o próprio Alguns críticos do inferno argumentam que, se Deus
Deus por descobrir isso” (D avidson, p. 5 3). Como sabia que suas criaturas o rejeitariam e acabariam
Edwards afirmou: num lugar tão horrível como o inferno, por que ele as
criou? Não teria sido melhor que jam ais tivessem exis­
Eles supõem que foram muito astutos porque descobri­ tido do que existirem e irem para o inferno?
ram que isso não é verdade; e assim Deus não escondeu seu É importante lembrar que a inexistência não pode
plano o suficiente para impedir que esses homens tão perspi­ ser considerada condição melhor que qualquer tipo
cazes conseguissem discernir a trapaça e derrotar o plano de existência, já que a inexistência é nada. E afirm ar
(Edwards, v.2,p.516). que o nada pode ser melhor que algo é um enorm e
erro categórico. Para com parar as duas coisas, elas
Os santos poderão ser felizes se uma pessoa queri­ precisam ter algo em comum. Mas não há nada em
da estiver no inferno? A pressuposição dessa ques­ com um entre ex istên cia e in ex istê n cia . Elas são
tão é que som os m ais m isericordiosos que Deus. diametralmente opostas.
Deus está perfeitamente feliz no céu, e ele sabe que Uma pessoa pode sentir vontade de que uma vida
nem todos estarão lá. Mas é infinitam ente mais m i­ de miséria seja simplesmente extinta, mas não pode
sericordioso que nós. Além disso, se não pudésse­ pensar consistentemente que a inexistência seja um
mos ser felizes no céu sabendo que alguém estava no estado melhor que a existência. É verdade que Jesus
inferno, nossa alegria não dependeria de nós, mas de disse que teria sido melhor se Judas não tivesse nasci­
outra pessoa. O inferno, todavia, não pode vetar o do (Mc 14.21). Mas essa é apenas uma expressão indi­
céu. Podemos ser felizes no céu da m esm a form a cando a gravidade de seu pecado, não uma afirm a­
que podem os ser felizes com endo e sabendo que ção sobre a superioridade da inexistência sobre a
outros estão m orrendo de fome, desde que tenha­ existência. Numa condenação paralela dos fariseus,
mos tentado alim entá-los, mas eles recusaram a co­ Jesus disse que Sodoma e Gomorra teriam se arre­
mida. Assim como podemos curar lem branças tris­ pendido se tivessem visto seus milagres (M t 11.20-
tes aqui na terra, Deus também “enxugará dos [nos­ 24; v. m ii a g r e ). Isso não significa que realmente teri­
sos] olhos toda lágrima” no céu (Ap 21.4). am se arrependido (ou Deus certam ente lhes teria
Edwards observou que supor que a misericórdia mostrado esses milagres — 2Pe 3.9 ). Trata-se ape­
de Deus não permite sofrimento no inferno é contrá­ nas de uma form a de linguagem expressiva, indi­
rio aos fatos. Deus permite bastante sofrimento neste cando que seu pecado foi tão grande que “haverá
mundo. É um fato empírico que Deus e a dor das cria­ menos rigor” (v. 2 4 ) no d ia do ju lg a m en to para
turas não são incompatíveis (Gerstner, p. 80). Se a m i­ Sodoma que para eles.
sericórdia de Deus não pode o suportar sofrimento E também, só porque alguns perderão no jogo da vida
eterno, então tam bém não pode suportá-lo em quan­ não significa que ele não deve ser jogado. Antes da final
tidades menores (Edwards, v. 2, p. 84). A m isericór­ da Copa do Mundo começar, ambos os times sabem que
dia de Deus não é uma paixão ou emoção que exce­ um deles perderá. Mas todos decidem jogar. Antes de cada
de sua ju stiça. A m isericórdia interpretada dessa motorista pegar a estrada cada dia, sabemos que pessoas
m aneira é um defeito em Deus. Ela o deixaria fraco serão mortas. Mas decidimos dirigir. Pais sabem que ter
e incoerente, incapaz de ser um Juiz. filhos pode acabar em grande tragédia, tanto para sua
As atitudes e os sentimentos dos santos no céu se­ prole quanto para eles mesmos. Mas o conhecimento pré­
rão transformados e corresponderão mais aos de Deus. vio do mal não impede nossa vontade de permitir a pos­
Logo, amaremos apenas o que Deus ama e odiaremos o sibilidade do bem. Por quê? Porque consideramos m e­
que ele odeia. Já que Deus não fica infeliz ao pensar ou lhor jogar, arriscando a oportunidade de ganhar, que não
ver o inferno, nós também não ficaremos — ainda tentar nada. É melhor perder na Copa do Mundo que não
que ali estiverem pessoas que am am os nesta vida. poder nem jogar nela. Do ponto de vista de Deus, é me­
Edwards dedicou um sermão a isso: “The end of the lhor amar o mundo todo (Jo 3.16) e perder alguns dos
wicked contemplated by the righteous” (“O fim dos seus habitantes que não am ar ninguém.
ímpios contemplado pelos justos” ]. Na condensação Mas as pessoas não conseguem evitar o pecado. A
que Gerstner fez desse sermão, “não parecerá nem um Bíblia diz que nascemos pecadores (SI 51.5) e somos
pouco cruel da parte de Deus infligir sofrimento tão “por natureza, merecedores da ira” (E f 2.3). Se os pe­
extrem o a tais criaturas extrem am ente perversas” cadores não podem evitar o pecado, é justo mandá-
(Gerstner, p. 90). los para o inferno por causa disso?
infinita, série 430

As pessoas vão para o inferno porque nascem inferno elimina a acusação de que ele é apenas uma
com uma tendência para pecar e decidem pecar. Nas­ ilusão. A questão se há um inferno deve ser determ i­
cem na estrada que leva ao inferno, mas tam bém nada com base na evidência, não no desejo. A evi­
ignoram as advertências pelo caminho para evitar a dência para a existência do inferno é forte.
destruição (Lc 13.3; 2 Pe 3.9). Se a evidência para o inferno é substancial, por
Apesar de os seres humanos pecarem porque são que tantas pessoas a rejeitam? Edwards descreveu
pecadores (por natureza), sua natureza pecaminosa duas razões principais para a indisposição de acei­
não os força a pecar. Como A gostinho disse correta­ tar o inferno: 1) ele é contrário à nossa preferência
mente: “Nascemos com a propensão ao pecado e a ne­ pessoal; 2) temos um conceito deficiente do mal e
cessidade de m orrer”. Note que ele não disse que nas­ de seu castigo merecido.
cemos com a necessidade de pecar. Apesar de o peca­ Na verdade, uma negação do inferno é uma indi­
do ser inevitável já que nascemos com uma tendência cação da depravação humana. Edwards chama a aten­
para ele, o pecado não é invencível. ção para nossa incoerência. Estamos todos cientes da
O último lugar para o qual os pecados estão desti­ natureza abominável de guerras e atos contra a hu­
nados pode ser evitado. Tudo que a pessoa precisa fazer manidade. Por que não ficamos igualmente chocados
é arrepender-se (Lc 13.3.; At 17.30; 2Pe 3.9). Todos são com nossa maneira de demonstrar regularmente nosso
responsáveis pela decisão de aceitar ou rejeitar a oferta desprezo pela majestade de Deus (Edwards, v. 2, p. 83)?
de salvação feita por Deus. E responsabilidade também Nossa rejeição do inferno e da misericórdia de Deus é
implica a capacidade de responder (se não por nossas indicação de nossa própria depravação — portanto,
próprias forças, pela graça de Deus). Todos que vão para merecemos o inferno. Edwards escreveu:
o inferno poderiam tê-lo evitado, se quisessem. Nenhum
pagão em lugar nenhum está sem a luz clara de Deus,
Parece-te incrível que D eus seia tão absolutam en te negli­
gente com o bem -estar do pecador, a ponto de m andá-lo para um
por isso é indesculpável (Rm 1.19-20; v. 2.12-15; v. “pa­
ab ism o ou sofrim ento infinito? Isso te choca? E não é chocante
gãos”,salvação dos). Como Deus mandou um missioná­
para ti que sejas tão absolutam en te negligente com o tens sido
rio a Cornélio (At 10.35), ele também proverá a men­
para com a honra e a glória do D eus infinito? ( ibid., v. 2,p.82).
sagem de salvação para todos que a buscam. Pois “sem
fé é impossível agradar a Deus, pois quem dele se apro­
Fo ntes
xima precisa crer que ele existe e que recompensa aque­
A gostinho, A cidade de Deus.
les que o buscam” (Hb 11.6).
W. Crockett, org ..Fo ur views on hell.
R azoabilid ad e do inferno. Apesar de muitos cre­
B. W. D avidson, “Reasonable dam nation: how Jonathan Ed
rem que o inferno não é razoável, segundo Jonathan
w ards argued for the rationality o f hell”, jfts 38.1
Edwards, um bom argumento pode ser estabelecido a
(M ar. 1995).
favor de sua racionalidade:
). E dwards, The works ot Jonathan Edwards.
L. Dixon, The other side ot the good news.
É m uito irracional supor que não deveria haver castigo
X . L .G eisifr , “Man’s destiny: free or forced”, csr, 9.2 (1 979).
futuro, supor que Deus, que fez o hom em com o criatura ra­
). G erstner Jonathan Edwards on heaven and hell
cional, capaz de entender seu dever e ciente de que m erece
C. S. L ewis, God in the dock.
castigo quando não o cum pre, deveria deixar o hom em so ­
___ , 0 grande abismo.
zinho, e deixá-lo viver com o quer, e jam ais castigá-lo por ___ , O problema do sofrimento , c a p . 8.
seus pecados, e não diferenciar o bem do mal [...] É muito ___ , Cartas do inferno.
irracional supor que aquele que fez o mundo deveria deixar D. M oore, The battle for hell.
as coisas em tal confusão, e não cuidar do governo das suas F. XI etzsche, Genealogia da moral: uma polémica.
criaturas, e que ele nunca julgará suas criaturas racionais R. A. P eterson, Hell on trial: the case for eternal punishment.
(Edwards, v. 2, p. 884). B. R c sseel , P orque não sou cristão.

). P. S artre, Sem saída.


R azões p a r a rejeitar o inferno. Como vários es­ W. G. T. S hedd, The doctrine ot endless punishment.
tudos dem onstram , as pessoas estão muito mais dis­ 1. L. W ai es, Hell: the logic ot damnation.
postas a acreditar no céu que no inferno. Nenhuma
pessoa boa quer que alguém vá para o inferno. Mas, infinita, série. Uma série infinita é uma série de
com o Sigm und F reud diria, é um a ilusão re je ita r eventos, pontos, entidades ou causas sem com eço
algo só porque desejamos não acreditar nele. Na ver­ ou sem fim (ou am bos). Ela geralm ente é usada com
dade, como até alguns ateus observaram, a crença no relação a uma série que não tem com eço, isto é, que
431 infinita, série

não tem com eço no passado. Nesse sentido é mais causando a existência do mundo. Entretanto, por de­
adequado falar de uma regressão infinita. finição, em toda série infinita de causas toda causa
Há dois tipos de séries infinitas: m atemática ou está sendo causada por uma causa anterior. Assim, a
metafísica (real). Infinidades matemáticas são abs­ causa que causa existência também causa a própria
tratas. A linha entre a e b pode ter um número infinito existência, já que toda causa na série, incluindo a si
de pontos ou interseções não-dimensionais de duas mesma, é causada. Mas é impossível causar a própria
linhas. Infinidades reais são concretas, e não é possí­ existência, pois a causa é ontologicam ente anterior
vel colocar um número infinito de entidades reais ao efeito, e algo não pode ser realmente anterior a si
entre a e b , não importa quão pequenas essas entida­ mesmo. Portanto, uma série infinita de causas de exis­
des sejam. tência é impossível.
Uma série (regressão) infinita real é impossível. Há duas maneiras de evitar esse dilema, ambas
Já que uma série infinita não tem começo e também estão nas mãos dos teístas. Primeira, a causalidade
uma série de momentos se sucede a outra, não im ­ poderia vir de fora da série para evitar a causa auto-
porta quão longa seja a série, sempre seria possível causada na série. Mas nesse caso temos ou outra causa
acrescentar mais uma. Mas não se pode acrescentar autocausada fora da série (o que é im possível) ou
mais um a um número infinito. Logo, é impossível uma Causa incausada (que é um conceito teísta),
atingir um número infinito. Só se pode acrescentar caso contrário teríamos outra série infinita por trás
mais um indefinidamente. A infinidade jam ais pode dessa causa (o que é impossível). Ou o ateu pode afir­
ser alcançada. Segundo, um número infinito de m o­ mar que nem toda causa na série está sendo causa­
mentos jam ais pode transcorrer. Mas o número de da. Mas nesse caso pelo menos uma causa na série é
m om entos antes de hoje transcorreu. Senão, hoje ja ­ uma Causa incausada (o que é um conceito teísta).
mais teria chegado. Logo, não há um número infini­ Não importa que rumo tome o ateu, ele depara ou
to de m om entos antes de hoje. O tempo com eçou. com uma im possibilidad e ou com um a P rim eira
Esse fato é usado para provar a existência de uma Causa não-causada (Deus).
Primeira Causa no argumento cosmológico de kalam Há outras ob jeções à im possibilidade de uma
para a existência de Deus. Resumidamente: tudo que série in fin ita de eventos ou cau sas. Duas pedem
teve princípio foi causado. O universo teve princí­ co m en tário s.
pio (já que não poderia haver um número infinito Alguns defensores da possibilidade de uma série
de m om entos antes de hoje). Portanto, o universo infinita afirmam que ela deve ser possível, já que o
teve uma causa. futuro é infinito, e Deus pode conhecer o futuro. Se
Uma série infinita de causas pode ser real ou não pode, então é lim itado e o teísm o está errado.
potencial. Uma série infinita real é completada. Uma Essa objeção confunde uma série infinita real no fu­
série infinita potencial é a que continua sem fim. turo, que não é possível, com uma série interminável
Uma série m atem ática infinita pode continuar ou potencialmente infinita, que é possível. Apesar de
ou voltar. Uma série de causas que recue até o infini­ ser sempre possível acrescentar um evento ou m o­
to não é possível porque é preciso existir uma causa mento ao futuro (uma série infinita potencial), não é
para com eçar a série de causas. Mas uma série po­ possível atingir um número completo de eventos no
tencial de causas ou eventos é possível em direção à futuro ao qual mais nenhum pode ser acrescentado
eternidade futura, já que não há razão pela qual não (i.e., uma série infinita real). Segundo, como foi de­
possa continuar a produzir uma série de efeitos sem monstrado, uma série infinita real de causas é impos­
fim para sempre. Porém, tal série não seria realm en­ sível. E Deus não pode conhecer o impossível. Só pode
te infinita, mas apenas potencialmente infinita. Isto conhecer o real e o possível. Logo, Deus não pode
é, jam ais seria completa, podendo sempre ter mais conhecer uma série infinita de causas.
uma causa acrescentada à sua série.
Uma série infinita de momentos ou eventos não Fo ntes
só é impossível, mas também é uma série infinita de A i .-Ghazali, Incoerência da filosofia [A ristóteles, Metafísica].
causas. Os ateus às vezes argumentam que, mesmo se B oavextura, 2 Setentiarium.
o mundo precisar de uma causa, não há razão para W. L. Craig, The existence of God and the beginningof the universe.
deixar de supor uma causa para essa causa, e assim ___ , The kalam cosmologicalargument.
por diante, infinitamente. Porém essa é uma má in­ J. D. S cotus, God and creatures: the quodlibetal questions.
terpretação do que significa ser a causa de existên­ C. S. L ewis , Milagres.
cia de algo. Pois em toda série infinita de causas de J. P. M orflaxd , Scaling the secular city.
existência pelo menos uma causa deve estar realmente T omas de A quixo , Suma teológica.
Ingersoll, Robert G. 432

informação, teoria d a . V. a n t r ó p ic o , p r in c ip io ; e v o l u ­ 739 e 681 a.C. No entanto, críticos negativos argu­


çã o q u ím ic a . mentam que “Proto-Isaías” abrange os capítulos de
1 a 39, ao passo que Deutero-Isaías escreveu os capí­
Ingersoll, Robert G. 0 agnóstico am ericano Robert tulos de 40 a 66 no século v a.C. Nesse caso, a incrível
G. Ingersoll (1833-1899) nasceu em Dresden, Nova profecia de Isaías que incluía a previsão de que um
York. Ingersoll popularizou a alta crítica da Bíblia (v. rei chamado Ciro (Is 45.1) seria levantado por Deus
B íblia , crítica da ),bem como o pensamento humanista para disciplinar Israel perde seu valor profético. Pois,
(v. humanismo secular ). Com pouca educação formal, se o próprio Isaías não escreveu isso cerca de 150
tornou-se advogado em 1854 e desfrutou de uma car­ anos antes de Ciro nascer, mas depois que ele viveu,
reira bem-sucedida. Foi um famoso orador nacional. não há nada de maravilhoso em saber seu nome.
Ingersoll considerava-se agnóstico (v. agnosticismo). Uma resposta à hipótese. A posição tradicional
Suas principais palestras públicas foram publicadas de que o livro de Isaías é uma única obra escrita pelo
com o Some mistakes o f Moses [Alguns erros de Moi­ profeta Isaías é apoiada por vários argumentos.
sés] (1 8 7 9 ) e Why I am an agnostic [ Por que sou A posição crítica que separa Isaías em dois ou
agnóstico] (1889). Sua obra com pleta é encontrada mais livros é baseada na suposição de que não existe
em The works o f Robert G. Ingersoll (12 v., 1902), edi­ profecia preditiva. Teólogos modernos afirm am que
tada por Clinton P. Farrell. as profecias nos capítulos 40 a 55 sobre Ciro devem
ter sido escritas depois que Ciro reinou na Pérsia.
irrefutabilidade,princípio da. V auto-reeutáveis,aeir- Essa posição é anti-sobrenatural e tenta explicar es­
MAÇÕES. sas seções de Isaías com o história. No entanto, já
que Deus distingue o fim desde o com eço (Is 46.10),
Isaías, Deutero-. Isaías inclui profecias surpreen­ não é necessário negar o elemento sobrenatural nas
dentem ente específicas que se realizaram séculos profecias de Isaías (v. milagres, argumentos contra).
mais tarde com precisão exata (v. prolecia como prova As diferenças entre as duas partes do livro po­
dem ser explicadas de outras maneiras além da abor­
da B íb l ia ). O valor apologético dessa profecia, no en­
dagem de dois autores. Os capítulos de 1 a 39 prepa­
tanto, foi dim inuído pela alegação dos críticos de
ram o leitor para as profecias contidas nos capítulo
que houve pelo menos dois Isaías. Eles afirmam que
de 40 a 66. Sem esses capítulos preparatórios, a últi­
o segundo Isaías, que viveu em data posterior, regis­
ma parte do livro não faria muito sentido. Os capí­
tra a h is tó ria em vez de e s ta b e le c e r p ro fe c ia s
tulos de 1 a 35 advertem sobre a ameaça assíria que
preditivas.
pairava sobre o povo de Deus. Os capítulos de 36 a 39
A posição tradicional quanto ao livro de Isaías é
form am uma transição da seção anterior para os
que ele foi escrito por Isaías, filho de Amoz, entre
capítulos de 40 a 66, antecipando a invasão de Sena-
queribe (cap. 36 e 37) e a decadência espiritual que
Frases semelhantes nas duas partes de Isaías
estava causando a queda de Jerusalém (cap. 38 e 39).
Capítulos de 1— 39 Capítulos de 40— 66 Esses quatro capítulos intermediários (3 6 — 39) não
1.15b— "As suas mãos 59.3 a — "Pois as suas estão em ordem cronológica porque o autor os usa
estão cheias de sangue." mãos estão manchadas de para preparar o leitor para o que se seguirá.
sangue..." A diferença nas palavras e no estilo de escrita en­
tre as duas seções do livro foi usada pelos eruditos
28.5 — "Naquele dia, 62.3 — "Será uma
críticos para substanciar sua afirmação de que há pelo
o Senhor dos Exércitos explêndida coroa na
menos dois livros diferentes. Essas diferenças, no en­
será uma coroa gloriosa, mão do Senhor ,
tanto, não são tão grandes quanto se afirma, e as que
um belo diadema para o um diadema real na mão
realmente existem podem ser explicadas como dife­
remanescente do seu do seu Deus."
povo." renças no assunto e ênfase. Nenhum autor escreve
exatamente no mesmo estilo usando precisamente o
mesmo vocabulário quando escreve sobre assuntos
35 .6 b — "Águas irrompe- 41.18 — "Abrirei rios
râo no ermo, e ribeiros, nas colinas estéreis e íon- diferentes. Todavia, várias frases encontradas em
no deserto." tes no vales. ambas as seções comprovam a unidade do livro. Por
Transformarei o deserto exemplo, o título “o Santo de Israel” é encontrado 12
num lago, e o chão resse­ vezes nos capítulos de 1 a 39 e 14 vezes em 40-66.
quido em manaciais." Em Lucas 4.17, Jesus levantou-se para ler na si­
nagoga e “foi-lhe entregue o livro do profeta Isaías”.
433 islamismo

0 povo na sinagoga e o próprio Jesus acreditavam S . R . D r iv er , e t. a l . , t r a d . , Thefifty-thirdchapteroflsaiah according


que esse livro era do profeta Isaías. Outros autores tojewish interpreters.
do nt aceitam Isaías com o autor do livro inteiro. N. L. G eisler e T. H owe, Manual popular de dúvidas, enigmas e
João 12.38 afirma que Isaías foi quem escreveu as “contradições”da Bíblia.
afirmações encontradas em Isaías 6 .Is. e 53.1. Ou­ R . K . H a rr iso n , Introduction to the Old Testament.

tros exemplos em que o nt atribui partes dos capítu­


los de 40 a 66 a Isaías incluem Mateus 3.3; M arcos Isaías, nascimento virginal em. V. v i r g in a l , n a s c i ­

1.2,3 e João 1.23 (Is 40.3); Mateus 12.17-21 (Is 42.1- m en to.

4); Atos 8.32,33 (Is 53.7,8); e Romanos 10.16 (Is 53.1).


Os rolos do m ar Morto incluem a cópia com ple­ islamismo Islã significa “submissão”. O seguidor des­
ta mais antiga do livro de Isaías, e não há espaço no sa religião é chamado muçulmano (submisso). Maomé,
rolo entre os capítulos 39 e 40. Isso indica que a o fundador da fé islâmica, era um comerciante árabe
comunidade de Qumran aceitava a profecia de Isaías de Meca que nasceu por volta de 570 e morreu em 632.
como um livro com pleto no século n a.C. A versão Assim como os cristãos medem a história a partir do
grega da Bíblia hebraica, que data do século n a.C., nascimento de Cristo, os muçulmanos elegem como
trata o livro de Isaías com o um único livro escrito marco da história a data de 622, o ano em que Maomé
por um único autor, Isaías, o profeta. fugiu de Meca para Medina. Essa hégira (hijra signifi­
Ainda que a c rítica p u desse d em o n stra r que ca “fuga”, em árabe) marcou o momento decisivo de
parte ou todo o livro Isaías foi escrito no século v Maomé em sua submissão a Deus e sua proclamação
ou m ais tard e, isso não refu taria a natu reza so ­
de uma nova revelação de Deus. Os muçulmanos acre­
b ren atu ral das previsões sob re C risto. E stas fo ­
ditam que Maomé foi o último profeta de Deus, so­
ram cu m p rid a s sécu lo s d ep o is da ú ltim a d ata
brepujando Cristo, o profeta anterior.
possível para sua aparição. Isaías previu o nasci­
Os muçulmanos acreditam em submeter-se ao
mento virginal do M essias (Is 7 .1 4 ), seu m in istério
único Deus, Alá. Opõem-se categoricamente à fé cris­
tã na Trindade divina (v. T r in d a d e ) . Crer que h á mais
(Is 11; 61) e sua morte pelos nossos pecados (Is 53; v.
que uma pessoa em Deus é uma idolatria e blasfê­
Cristo, morte de). Isaías 53 é tão específico e tão messiâ­
mia denominada shirk.
nico que até a interpretação rabínica desse capítulo
Crenças. A Palavra de Deus. Apesar de os muçul­
antes da época de Cristo o considerava uma previ­
manos acreditarem que Deus se revelou na lei judai­
são sobre o futuro Messias (v. Driver). Na realidade,
ca ( tawrat ), nos Salmos (zabur) e nos Evangelhos
mesmo que à autoria fosse datada do final do século
(injil), afirmam que a Bíblia cristã de hoje está cor­
v a.C., é uma previsão sobrenatural clara e específica
rompida, ou tahrif. Afirmam que o Alcorão é a Pala­
dada centenas de anos antes. Se Isaías teve uma fon­
vra final de Deus (v. A l c o r ã o , s u p o s t a o r ig e m d iv in a d o ) .
te sobrenatural para essa profecia, então não há ra­
Ele é dividido em 114 capítulos ou suratas e tem
zão para acreditar que não teve a m esma fonte so­
aproximadamente o tamanho do n t .
brenatural para suas previsões sobre Ciro.
Doutrinas. Há cinco doutrinas islâmicas básicas:
Conclusão. A tentativa dos críticos da Bíblia de
p o stu lar um segu nd o Isa ía s p o ste rio r ao exílio
1. Há somente um Deus.
babilónico não nega a natureza sobrenatural de suas
2. Houve muitos profetas, inclusive Noé, Abraão,
previsões específicas. Eles nem conseguem provar Moisés, Jesus e Maomé.
que houve um outro Isaías que escreveu os capítu­ 3. Deus criou os anjos (jinn ), alguns dos quais
los 40 de 66. Logo, as predições de Isaías que m enci­ são bons e outros maus.
onam Ciro pelo nome mais de 150 anos antes de ele 4. O Alcorão é a revelação total e final de Deus.
nascer ainda prevalecem . M esm o que Isaías rece­ 5. O dia final de julgamento está vindo, seguido
besse data m ais tardia em parte ou por inteiro, o pelo céu para os fiéis e pelo inferno para os
livro está cheio de previsões específicas, principal­ perdidos.
mente aquelas cum pridas literalm ente por Cristo,
que foram feitas com séculos de antecedência. Além dessas cinco crenças centrais, há cinco prá­
ticas básicas do islamismo:
Fontes
O. T. A llis , The Old Testament: its claims and its critics. 1. Tudo que é necessário para se tornar um muçul­
___ , The unity oflsaiah mano é confessar o shahadah: “Não há Deus
G. L. A r ch e r , Jr., Merece confiança o Antigo Testamento? além de Alá; Maomé é o mensageiro de Alá”.
islamismo 434

2. É preciso orar ( salat), cinco vezes ao dia. A unidade de Deus é um aspecto tão fundamental
3. É preciso fazer um jejum anual ( sawm ) d u­ do islamismo que, como disse um autor muçulmano:
rante o nono mês lunar ( Ramadã). “0 islamismo, como outras religiões antes dele na sua
4. É preciso dar esmolas (zaqat) aos pobres, a clareza e pureza original, não é nada além da declara­
quadragésima parte do salário. ção da unidade de Deus, e sua mensagem é uma con­
5. Todo muçulmano capaz deve peregrinar para vocação para testemunhar sobre essa unidade”(Mahmud,
M eca uma vez na vida (H ajj). p. 20). Outro autor muçulmano acrescenta: “A unidade
de Alá é a característica distintiva do islamismo. Essa é a
Os m uçulmanos tam bém acreditam na jihad ou forma mais pura de monoteísmo, isto é, a adoração de
guerra santa, que alguns grupos radicais têm exalta­ Alá, que não tbi gerado nem gerou nem teve qualquer
do ao nível de uma doutrina fundamental. Embora associado a ele na sua divindade. 0 islamismo ensina
isso possa envolver a morte dos infiéis por causa de isso nos termos mais inequívocos” (Ajijola, p. 55).
sua fé, para os muçulmanos mais moderados Jihad é É por causa dessa ênfase intransigente na unidade
esforço sagrado com a palavra, não necessariam en­ absoluta de Deus que o maior pecado no islamismo é o
te com a espada. shirk — associar parceiros a Deus. 0 Alcorão declara
Muitas doutrinas são compartilhadas com o cris­ firmemente que “Allah jam ais perdoará quem lhe atri­
tianism o, tais como a criação (v. c r ia ç ã o , t e o r ia s d a ), buir parceiros, conquanto perdoe outros pecados a
anjos, céu, in f e r n o e a r e ss u r r e iç ã o de todas as pesso­ quem lhe apraz. Quem atribuir parceiros a Allah des-
as. Quanto ao Cristo, afirm am sua posição de profe­ viar-se-á profundamente” (p. 116)
ta, n a sc im e n t o v ir g in a l , ascensão física, segunda vin­ Deus como rei absoluto. Nas palavras do Alcorão:
da, ausência de pecado (v. C r is t o , sin g u l a r id a d e d e ),
m il a g r e s e messianidade. A llah! Não h á divindade além d’Ele, Vivente, Auto-
Os muçulmanos negam a base da mensagem cristã, Subsistente, a quem jam ais alcança a inatividade ou o sono;
ou seja, que Cristo morreu na cruz pelos nossos peca­ d’Ele é tudo quanto existe nos céus e na terra. Quem poderá
dos (v. C r isto , m orte d e ; C risto , objeções m o ra is à m orte de ; interceder junto a Ele, sem o Seu consentim ento? Ele conhece
C r ist o , lenda su bstitu ta da m o r te ) e que ele ressuscitou da tanto o passado com o o futuro, e eles (hum anos) nada conhe­
morte fisicamente três dias depois (v. r essu rreiç ã o , e v i ­ cem da Sua ciência; senão o que Ele permite. O Seu trono abrange
dências da ; r essu r r eiç ã o , natureza física da ). os céus e a terra, cuja preservação não O abate, porque é o In ­
Deus como Ser Absoluto. Alá é descrito pelos mu­ gente, o Altíssim o (2.255).
çulmanos em termos de vários atributos básicos. Fun­
damental a todos é o atributo da unidade absoluta. De Deus é auto-suficiente e não precisa de nada, mas
todos os atributos do Deus islâmico, o mais importante tudo precisa dele. Esse atributo é conhecido com o
é sua unidade indivisível. Negar isso é blasfêmia. aseidade, ou auto-existência. Deus é o Poderoso e o
0 D eus islâ m ic o é sua u n id ad e a b so lu ta e Todo-Poderoso. É o Criador de todas as coisas exis­
indivisível. Na surata 112, Maomé define Deus com tentes e das coisas que existirão; e nada acontece sem
essas palavras: “Dize: Ele é Allah, o Único! Allah, o sua vontade. Ele é o Conhecedor de tudo que pode ser
Eterno e Absoluto! Jam ais gerou ou foi gerado! E conhecido. Sua sabedoria com preende todo o uni­
ninguém é comparável a Ele!”. Acredita-se que essa verso que criou e sustenta sozinho. Deus é completa­
surata vale um terço de todo o Alcorão. Os sete céus mente soberano sobre toda sua criação.
e as sete terras são fundados nela. A tradição islâmica Muitos dos 99 nomes islâmicos de Deus falam da
afirma que confessar esse versículo retira os peca­ sua soberania. Ele é:
dos “com o um hom em arran ca as folhas de uma
árvore no outono” (Cragg, p. 39). Al-‘A dl, o Justo, cujas palavras são perfeitas na
Duas palavras são usadas no Alcorão para des­ justiça e na verdade (6.115);
crever a unidade de Deus: ’a h ad e wahid. ’A had é Al- ‘Ali, o Altíssimo, que é poderoso (2.225,6);
usado para negar que Deus tenha qualquer parceiro Al-‘Aziz, o Precioso, poderoso na sua soberania
ou com panheiro. No árabe, isso significa a negação sublime (59.23);
de qualquer outro núm ero. A palavra wahid pode Al-Badi\ o Idealizador, que arquitetou toda a arte
significar o m esm o que a primeira palavra ou tam ­ da criação (2.117);
bém pode significar “O único e o mesmo Deus para Al-hakim, o Sábio, que julga os seus servos (40.
todos”. Isso quer dizer que há apenas um Deus para os 48-51);
muçulmanos, e que ele é o mesmo Deus para todos os Al-hasib, o Suficiente, que é suficiente como aquele
povos. Deus é uma unidade e uma singularidade. a quem se presta contas (4.6,7);
435 islamismo

Al-Jabbar, o Inacessível, cujo poder e força são vontade pode ser identificada por seus efeitos, mas
absolutos (59.23); sua vontade é inescrutável. Isso explica a antítese em
Al-Jalil, o Majestoso, poderoso e majestoso ele é; alguns dos nomes de Deus (v. a seguir). Por exemplo,
Al-Jami‘, o Reunificador, que congrega todos os Deus é “Aquele que induz ao erro” e também “Aquele
homens no dia determinado (3.9); que guia”.
Al-Malik, o Rei, que é Rei dos reis (59.23); Deus como ser absolutamente incognosdvel. Já que
Al-MuHzz, o Honorificiente, que honra ou rebai­ tudo é baseado na vontade de Deus e já que seus efei­
xa a quem deseja (3.26); tos às vezes são contraditórios e não refletem nenhu­
Al-Muntaqim, o Vingador, que se vinga dos peca­ ma essência absoluta, a natureza de Deus é totalmente
dores e socorre os fiéis (30.47); incognosdvel. Na verdade,
Al-Muqsit, o Justo, que estabelecerá as balanças
com justiça (21.47,8); a vontade divina é um absoluto além do qual nem razão
Al-Mutaali, o Altíssimo, que se estabeleceu aci­ nem revelação se estendem. Na Unidade da vontade única, no
ma de todos (13.9,10); entanto, essas descrições coexistem com aquelas que se rela­
Al-Qadir, o Poderoso, que tem o poder de fazer o cionam à misericórdia, compaixão e glória (Cragg, p. 64).
que lhe agrada (17.99-101);
Al-Quddus, o Santíssim o, a quem todos no céu e Deus é nomeado a partir de seus efeitos, mas não
na terra atribuem santidade (62.1); deve ser identificado com nenhum deles. A relação
Al-wahid, o Único na sua soberania (1 3 .1 6 ); o entre a Causa Absoluta (D eus) e suas criaturas é
extrínseca, não intrínseca. Isto é, Deus é considerado
Único que criou (74.11);
bom porque causa o bem , mas a bondade não faz
Al-Wakil, o A dm inistrador, que controla tudo
parte de sua essência.
( 6. 102);
Malik aí-Mulk, o Detentor da realeza, que dá so­ Avaliação. O monoteísmo islâmico é passível de
muitas críticas, especialmente do ponto de vista cris­
berania a quem lhe agrada (3.26).
tão. Sua idéia rígida de unidade absoluta é crucial.
O problema da unidade absoluta. O monoteísmo
Deus como justiça absoluta. Vários nomes de Deus
islâmico é rígido e inflexível. Sua visão da unidade de
revelam sua justiça absoluta: o M ajestoso, o Reunifi­
Deus é tão forte que não permite nenhuma pluralidade
cador, o Suficiente, o Juiz, o Justo, o Santíssimo, aquele
em Deus. Logo, não vê nada entre m onoteísm o e
a quem todos no céu e na terra atribuem santidade,
triteísmo (três deuses), e os cristãos são colocados
o Observador da Justiça e o Vingador.
nessa segunda categoria. Há várias razões para essa
Deus como amor absoluto. Ao contrário do que se
má interpretação. Para começar, parece haver um a
acredita, Alá é um Deus de amor. Na verdade, alguns
má interpretação do texto bíblico relacionado a Deus
dos nomes de Deus retratam essa mesma caracterís­
( M aom é , supo stas p r e v isõ e s bíblic a s so b r e ). O s muçulma­
tica. Por exemplo, Deus é Ar-Rahman, o Clemente, o
nos tam b ém têm um a visão g ro sse ira m en te
mais misericordioso dentre os que demonstram m i­
antropomórfica do significado de Cristo como o “Fi­
sericórdia (1.3; 12.64), e Al-Wadud, o Amoroso, com­
lho” de Deus. Geralmente isso parece exigir algum tipo
passivo e amoroso com seus servos (11.90, 92). Ele
de geração sexual, segundo o pensamento deles. Mas
impôs a lei de misericórdia a si mesmo (6.12). Ele diz:
os termos “Pai” e “Filho” não exigem geração física,
“Minha clemência abrange tudo” (7.156). Maomé dis­
assim como o termo alma mater não implica que a
se no Alcorão: “Se verdadeiramente amais a Allah, se­ escola onde nos formamos foi nosso ventre físico. A
gui-me; Allah vos amará e perdoará as vossas faltas,
paternidade pode ser interpretada em outro sentido
porque Allah é Indulgente, Misericordioso” (3.31). além do biológico.
Deus como vontade absoluta. Há certo mistério Há um problema filosófico mais profundo e b á ­
com relação aos nom es de D eus. O h isto ria d o r sico. Em última análise, Deus não tem essência ou
Kenneth Cragg afirma que esses nomes “devem ser natureza (cognoscível) da qual se possa distinguir
interpretados como características de sua vontade três pessoas ou centros de consciência (v. T r in d a d e ).
divina, e não leis de sua natureza. A ação, que surge Essa posição é conhecida como n o m in a l ism o . Deus é
de tais descrições, pode ser esperada, mas não é uma vontade absoluta, e vontade absoluta deve ser abso­
questão de necessidade”. O que dá unidade às ações lutamente única. A pluralidade de vontades (pesso­
de Deus é quem as determina. Como Determinador, as) tornaria impossível qualquer unidade absoluta.
ele pode ser reconhecido pelas descrições dadas a E os m uçulm anos acreditam que Deus é absoluta­
ele, mas não se conforma a nenhuma. A ação de sua mente único (pela revelação e pela razão). A razão
islamismo 436

in fo rm o u a M aom é que a unidade é a n te rio r à cristãos afirmam para a Trindade? Portanto, parece
pluralidade. Como Plotino dissera vários séculos que a visão islâm ica da unidade absoluta de Deus
antes (205-270), toda pluralidade é com posta de uni­ não seria, por sua própria distinção, incompatível
dades. Logo, a unidade é a condição absoluta de tudo. com o trinitarism o cristão. A lógica básica islâmica
Aceitar essa maneira neoplatônica de pensar impli­ do m onoteísm o ou do politeísm o é inválida. Eles
ca logicamente a negação da possibilidade de qual­ mesmos admitem que algo pode ser uma expressão
quer pluralidade de pessoas em Deus. Logo, pela pró­ eterna de Deus sem ser num ericam ente idêntico a
pria natureza do com prom isso filosófico do tipo de ele. Então, usando sua ilustração, por que Cristo não
neoplatonism o dom inante na Idade Média, o pen­ pode ser a eterna “expressão da Vontade Divina” sem
samento islâmico sobre Deus foi solidificado numa ser a mesma pessoa que essa Vontade Divina?
singularidade intratável que não permite nenhuma O problema do voluntarismo. Na própria base da
form a de trinitarism o. visão islâm ica de Deus estão um voluntarism o (v.
Esse m onoteísm o rígido não é com pletam ente e s s e x c i a l i s m o ) e um nom inalism o radicais. Para o

coerente com algum as das d istinções do próprio islamismo tradicional, Deus não tem essência, pelo
islamismo. Os teólogos islâmicos, em coerência com menos uma essência cognoscível (v. D e u s , n a t u r e z a d e ).
certos ensinam entos do Alcorão, fizeram distinções Mas ele é Vontade. É verdade que Deus é considerado
dentro da unidade de Deus. Por exemplo, eles acre­ justo e amoroso, mas não é essencialmente justo ou
ditam que o Alcorão seja a Palavra eterna de Deus. A amoroso. E ele é misericordioso só porque “Ele im­
surata 85.21,22 declara: “Sim, este é um Alcorão Glo­ pôs a Si mesmo a clemência” (surata 6.12). Contudo,
rioso, inscrito em uma Tábua preservada [no céu]”. como Deus é Vontade Absoluta, se escolhesse não ser
E na surata 43.3,4, lemos: “Nós o fizemos um Alcorão misericordioso, não seria. Não há natureza ou essên­
árabe, a fim de que o com preendêsseis. E, em verda­ cia em Deus segundo a qual deva agir.
de, encontra-se na mão dos Livros, em nossa Pre­ Há dois problem as básicos com esse nom ina­
sença, e é altíssimo (em dignidade), repleto de sabe­ lismo radical: um metafísico e um moral.
doria” (v. 13.39). O problema metafísico. A posição islâmica orto­
Esse original eterno é o modelo do livro terreno doxa sobre Deus afirma, como já vimos, que Deus é
que conhecemos por Alcorão. um Ser absolutam ente necessário. É auto-existente,
Os m uçulm anos insistem em que o verdadeiro e não pode não existir. Mas, se Deus é por natureza
Alcorão no céu não é criado e expressa perfeitamen­ um tipo necessário de ser, então é de sua natureza
te a mente de Deus. Mas reconhecem que o Alcorão existir. Ele deve ter uma natureza. O islamismo orto­
não é idêntico à essência de Deus. Alguns teólogos doxo acredita que haja outros atributos essenciais
m uçulm anos até com param o Alcorão à visão do de Deus, tais como ser auto-existente, incriado e eter­
Logos divino de Cristo, defendida pelos cristãos or­ no. Mas se essas são características essenciais de
todoxos (v. C r i s t o , d iv in d a d e d e ) . Como o professor Deus, então Deus deve ter uma essência, senão os
Yusuf K. Ibish afirmou sobre o Alcorão: atributos não podem ser essenciais. É precisamente
assim que a essência é definida, a saber, com o os
Ele não é um livro no sentido comum, nem é comparável à atributos ou características essenciais de um ser.
Bíblia, nem ao Antigo e Novo Testamento. É uma expressão da Oproblema moral. O voluntarismo islâmico supõe
Vontade Divina. Se você quiser compará-lo a algo no cristia­ um problema moral sério. Se Deus é apenas vontade,
nismo, deve compará-lo ao próprio Cristo. sem uma essência, então ele não pode fazer as coisas
porque são certas; antes elas são certas porque ele as
E acrescenta: “Cristo foi a expressão do Divino faz. Deus é arbitrário quanto ao que é certo e errado.
entre os hom ens, a revelação da Vontade Divina. É Não tem de fazer o bem. Não tem de ser amoroso com
isso o que o Alcorão é” (Waddy, p. 14). todos; poderia odiar, se quisesse. Na verdade, na surata
O islam ism o ortodoxo descreve a relação entre 3.31 lemos: “Allah vos amará [...] Allah é indulgente,
Deus e o Alcorão ao observar que a fala é um atribu­ M isericordioso”, mas o versículo 32 diz que “Allah
to eterno de Deus, que com o tal não tem com eço não aprecia os incrédulos”. Deus poderia decidir não
nem interrup ção, exatam ente com o seu con h eci­ ser amoroso. É por isso que os teólogos muçulmanos
m ento, seu poder e outras características de seu ser têm tanta dificuldade com a questão da predestinação.
infinito (v. Golziher, p. 9 7 ). Mas se a fala é um atributo Os problemas do a g m s t i c i s m o . Já que Deus não tem
eterno de Deus que não é idêntico a Deus, mas é de essência, pelo m enos não um a que os nom es (ou
alguma form a distinta dele, então isso não perm iti­ atribu tos) de Deus realm ente descrevam , a visão
ria o m esm o tipo de pluralidade na unidade que os islâmica de Deus envolve uma forma de agnosticismo.
437 islamismo

Na realidade, a base do islamismo não é conhecer a causa. “Não se pode dar o que não se tem.” Logo, se
Deus, mas obedecê-lo. Não é meditar sobre sua essên­ Deus causa bondade, ele precisa ser bom. Se causou
cia, mas submeter-se à sua vontade. Como Pfander existên cia, ele precisa p ossu í-la (G eisler, Thomas
observou corretam ente sobre os m uçulm anos: “Se Aquinas, cap. 9).
pelo menos pensarem profundamente, descobrirão Objeções a essa posição geralmente confundem a
que são incapazes de conhecer a Deus [...] Portanto causa material ou instrumental com a causa eficiente.
o islamismo leva ao agnosticismo” (Pfander, p. 187). A causa eficiente de algo é aquela por meio da qual ele
O agnosticism o islâm ico surge porque os m u­ surge. A causa instrumental é meio pelo qual ele surge,
çulmanos acreditam que Deus causou o mundo pela e a causa material é constituição. As causas material e
causalidade extrínseca. Na verdade, “a vontade Divi­ instrumental não se assemelham necessariamente a
na é um absoluto, além da razão e da revelação. Na seus efeitos, mas as causas eficientes sim. A pintura
unidade da Vontade única, no entanto, essas descri­ não se assemelha ao pincel do artista, mas assemelha-
ções coexistem com as que se relacionam com a se à mente do artista. O pincel é a causa instrumental,
m isericórdia, com paixão e glória” (Cragg, p. 4 2 -3 ). ao passo que o artista é a causa eficiente.
Deus é nomeado por seus efeitos, mas não deve ser Outro erro é confundir causalidade material com
identificado com nenhum deles. A relação entre a eficiente. Água quente é mole, mas pode fazer um ovo
Causa Absoluta (Deus) e suas criaturas é extrínseca, endurecer, por causa das propriedades do ovo. A mes­
não intrínseca. Isto é , Deus é considerado bom por­ ma água quente amolece a cera. A diferença é o mate­
que faz o bem, mas não porque a bondade faça parte rial que recebe a causalidade. Assim, um Deus infini­
de sua essência. to pode causar e causa um mundo finito. Portanto
Entre as fraquezas significativas inerentes nesse Deus não é finito porque causou um cosmos finito.
agnosticism o, um problema moral, um filosófico e Nem é contingente porque ele, como Ser Necessário,
um religioso se destacam imediatamente. causou um universo contingente. A finitude e a con­
Primeiro, se Deus não é essencialmente bom, mas tingência são parte do próprio m aterial de um ser
apenas considerado bom porque faz o bem, por que criado. Deus é diferente da criação nesses modos de
não considerá-lo mau também, já que causa o mal? (v. ser. No entanto, tudo que existe possui existência, e
m a l , p r o b l e m a d o ) Por que não chamá-lo “pecador” e Deus é Existência. Deve haver uma semelhança entre
“infiel”, já que faz as pessoas não crerem? Seria coe­ Existência e existência (v. a n a lo g ia , p r in c íp io d a ) . Deus é
rente fazer isso, já que Deus é nomeado de acordo a realidade pura, sem nenhuma potencialidade. Tudo
com suas ações. Se os muçulmanos respondem que mais que existe tem o potencial de não existir. Então
algo em Deus é a base para cham á-lo “bom ”, mas todas as coisas criadas têm realidade, já que realmen­
nada nele é a base para chamá-lo “mau”, então admi­ te existem, e potencialidade, já que poderiam não exis­
tem que os nomes de Deus realmente nos dizem algo tir. Deus é como as criaturas quanto à realidade, mas
sobre sua essência. Na verdade, eles admitem uma diferente quanto à potencialidade. É por isso que,
relação intrínseca entre a causa (Criador) e o efeito quando nomeamos Deus a partir de seus efeitos, de­
(criação). Isso leva a um problema metafísico na vi­ vemos negar tudo que implica finitude e limitação ou
são islâmica de Deus. imperfeição e atribuir a ele apenas o atributo puro ou
Segundo, na base das visões medievais de Deus, a perfeição. Essa é a razão pela qual o mal não pode ser
um neoplatonismo entrincheirado surge de Plotino. atribuído a Deus, mas o bem sim. 0 mal implica im­
A teoria de P l o t in o de que o Supremo [Deus] era de perfeição ou privação de alguma característica boa. O
forma absoluta um Ser indivisível influenciou gran­ bem em si não implica limitação nem imperfeição (v.
de-mente o monoteísmo islâmico. Além disso, Plotino m a l , p r o b l e m a d o ) . Então Deus é bom pela própria na­

afirmava que o Ser é tão absolutamente transcenden­ tureza, mas não pode ser mau ou fazer o mal.
te (acima e além de tudo) que não pode ser conheci­ Terceiro, a e x p e riên cia relig iosa no contexto
do, exceto pela experiência mística. Isso influenciou monoteísta envolve a relação entre duas pessoas, o
o agnosticismo muçulmano e o misticismo sufita. A adorador e Deus. É, com o M artin Buber observou
razão fundamental pela qual não pode haver sem e­ corretamente, uma relação “eu-tu”. Mas como pode
lhança entre o Ser [ Deus] e o que flui do universo é uma pessoa adorar alguém sobre quem não pode
que Deus está além da existência, e não há semelhan­ saber nada? Mesmo no islamismo, é preciso amar a
ça entre existência e o que está além dela. Deus. Mas como podemos amar alguém sobre quem
T o m á s d l A q it n o d e u a r e s p o s t a d e f i n i t i v a a o não sabemos nada? Como o ateu Ludwig Feuerbach
a g n o s tic is m o e m is tic is m o p lo tin ia n o . A q u in o a r ­ disse: “0 homem realmente religioso não pode ado­
gumentou q u e u m e f e i t o d e v e a s s e m e l h a r - s e à s u a rar um ser totalmente negativo [...] Somente quando
islamismo 438

um homem perde o gosto pela religião é que a exis­ contradição; elim ina a responsabilidade humana;
tência de Deus se torna uma existência sem qualida­ faz de Deus o autor do mal e dá lugar ao panteísm o.
de, um Deus incognoscível” (Feuerbach, p. 15). 0 problema lógico com o determinismo islâmico
Alguns críticos sugeriram que a posição islâmica é que mesmo comentaristas muçulmanos são força­
extrem am ente transcendente de Deus já levou algu­ dos a reconhecer que Deus realiza ações contraditó­
mas seitas muçulmanas a divinizar Maomé. Já que a rias (v. p r im e ir o s p r in c í p io s ). 0 estudioso do Islã Ignaz
relação com o Deus transcendente é vista como dis­ Golziher resume a situação: “Provavelmente não há
tante, é apenas por meio de Maomé que alguém se outro ponto de doutrina sobre o qual ensinamentos
atreve a se aproximar do trono de Deus. No Qawwalis igualmente contraditórios possam ser derivados do
(um evento da cultura popular), Maomé é louvado Alcorão como este” (Golziher, p. 78). Um teólogo mu­
em versos. Isso g eralm en te assum e a form a de çulmano observa: “A doutrina alcoránica da predesti­
divinização: “Se Maomé não tivesse existido, o pró­ nação é bem explícita, apesar de não ser muito lógi­
prio Deus não teria existido!”. Essa é uma alusão à ca” (Stanton, p. 5 4-5). Por exemplo: Deus é “Aquele
relação próxim a que M aom é supostam ente tinha que induz ao erro”, e também “Aquele que guia”. Ele
com Deus. Maomé geralmente recebe títulos como é “Aquele que causa danos”, e Satanás também é. Ele
“Salvador do m undo” e “Senhor do universo” . A é “o Destruidor”, “o Constrangedor” ou “Tirano,” e “o
divinização popular de Maomé, que se opôs tão vio­ Insolente”. Quando pessoas são descritas, todos es­
lentam ente a toda idolatria desse tipo, apenas de­ ses conceitos têm um sentido maligno.
m onstra a falência teológica da visão islâm ica de Teólogos muçulmanos às vezes tentam conciliar isso
um Deus tão distante e tão incognoscível que o de­ dizendo que essas contradições não estão na natureza
voto precisa m anter contato com algo que consiga de Deus (já que ele realmente não tem uma natureza),
entender, mesmo a ponto de divinizar o profeta que mas estão no âmbito de sua vontade. Elas não estão na
condenou a idolatria. sua essência, mas nas suas ações. No entanto, essa é uma
Os problemas do determinismo extremado. Já que explicação inadequada. Deus tem uma natureza ou es­
no islamismo o relacionamento entre Deus e os seres sência cognoscível. Logo, os teólogos muçulmanos não
humanos é o de Mestre e escravo, Deus é o Monarca podem evitar a contradição de que Deus tem caracte­
abdoluto e os seres humanos devem submeter-se (v. rísticas opostas ao colocá-las fora da sua essência e
d e t e r m in is m o ; l iv r e - a r b í t r io ) . Esse retrato irresistível de dentro do mistério de sua vontade. Além disso, ações
Deus no Alcorão criou uma tensão na teologia muçul­ fluem da natureza e a representam, então deve haver
mana com relação à soberania absoluta de Deus e o algo na natureza que corresponda à ação. Água salgada
livre-arbítrio humano. Apesar de protestos em con­ não flui de um rio de água doce.
trário, o islamismo ortodoxo ensina a predestinação Outros tentam dim inuir os extrem os severos do
absoluta do bem e do mal; todos os nossos pensamen­ determ inism o m uçulm ano ao criar uma distinção,
tos, palavras e ações, quer bons quer maus, foram pre­ não encontrada no Alcorão, entre o que Deus fa z e o
vistos, pré-ordenados, determinados e decretados des­ que ele permite que suas criaturas façam pelo livre-
de a eternidade, e tudo que acontece, acontece segun­ arbítrio. Isso resolve o problema, mas somente por
do o que foi escrito. A surata 6.18 diz que “Ele é o meio da rejeição de afirmações claras do Alcorão, da
Soberano absoluto dos Seus Servos”. Comentando so­ tradição e dos credos.
bre esses tipos de afirmações do Alcorão, Cragg de­ Essas afirmações podem ser vistas juntamente com
monstra que Deus é o Qadar, (determinação) de to­ o problema moral do determinismo islâmico. Ao mes­
das as coisas e sua taqdir, (sujeição), abrange todas as mo tempo que teólogos muçulmanos preservam a res­
pessoas e toda história. A natureza, quer animada quer ponsabilidade humana, eles só podem conseguir isso
inanimada, está sujeita a seu comando, e tudo que é com sucesso ao modificar aquilo que o Alcorão real­
criado — uma flor de verão ou a ação de um assassi­ mente diz. A surata 9.51 declara: “Dize: nada nos ocor­
no, um recém-nascido ou a incredulidade de um pe­ rerá além do que Allah nos tiver predestinado!...”. A
cador — vem dele e é dele”. Na verdade, se “Deus surata 7.178-9 acrescenta: “Quem Allah encaminhar
quisesse, não precisaria existir criação, não precisa­ estará bem encaminhado; aqueles que desencaminhar
ria existir idolatria, não precisaria existir inferno, não serão desventurados. Temos criado para o Inferno
precisaria existir um m eio de escapar do inferno” numerosos gênios e humanos...”. A surata 36.7-10 diz:
(Cragg, p. 44-5).
Há quatro problem as básicos com essa form a A afirmação sobre a maioria deles prova ser verdadeira pois
extrem a de pré-d eterm inação: lógico, m oral, te o ­ que são incrédulos. Nós sobrecarregamos os seus pescoços
lógico e m etafísico. Pela ordem , ela envolve uma com correntes até ao queLxo, para que andem com as cabeças
439 islamismo

erguidas (sem poderem ver). E lhes colocaremos uma barreira Suma contra os gentios para ajudar os m issionários a
pela frente e uma barreira por trás, e lhes ofuscaremos os olhos, lidar com o islamismo na Espanha.
para que não possam ver. Tanto se lhes dá que os admoestes ou Esse predeterm inismo radical é expresso nas afir­
não: jamais crerão. mações dos credos islâmicos. Lê-se:

O Alcorão francam ente admite que Deus pode­ Deus Altíssimo é o Criador de todas as ações de suas cria­
ria salvar a todos, mas não quis fazer isso. A surata turas, quer de incredulidade quer de credulidade, quer de obedi­
32.13 declara: “E se quiséssemos, teríamos ilumina­ ência quer de rebelião: todas elas são pela vontade de Deus e sua
do todos os seres; porém , a Minha sentença foi pro­ sentença e sua conclusão e seu decreto” (Cragg, p. 60-1).
nunciada; sabei que encherei o Inferno com gênios
e hum anos, todos ju n to s”. É extrem am ente difícil Outro confessa:
entender com o, afirmando essa posição, alguém pode
coerentem ente sustentar qualquer tipo de respon­ Uma possível qualidade de Deus é seu poder de criar o
sabilidade humana. bem ou o mal a qualquer hora que quiser: esse é seu decreto
Há também um problema teológico com essa vi­ [...] Coisas boas e más são o resultado do decreto de Deus.
são severa da determ inação soberana de Alá sobre Éo dever de todo muçulmano crer nisso [...] É ele quem
todos os eventos: ela faz de Deus o autor do mal. No causa mal e bem. Então as boas obras de alguns e o mal de
hadith, Maomé declara: “No decreto necessariamente outros são sinais de que Deus deseja castigar alguns e re­
determina tudo que é bom e tudo que é doce e tudo compensar outros. Se Deus deseja atrair alguém para si,
que é amargo, e essa é minha decisão entre vós”. De então ele lhe dará a graça que fará aquela pessoa fazer boas
acordo com uma tradição, Maomé bateu no ombro obras. Se deseja rejeitar alguém e humilhar outra pessoa,
de Abu Bakr e disse: “Ó Abu Bakr, se Alá, o Altíssimo,
então criará pecado nela. Deus cria todas as coisas, boas e
não quisesse que houvesse desobediência, não teria
más. Deus cria pessoas e também suas ações: Ele te criou e
criado o Diabo”. N a verdade, um dos teólogos mais
também o que fazes (Alcorão 37.96 [Rippin & Knappert, p.
respeitados d e todos os tempos, Al-Ghazzali, franca­
133; grifo do autor]).
mente re c o n h e c e q u e “ele [Deus] também fez a incre­
d u lid a d e d o in c ré d u lo e a irre lig iã o d o s ím p io s , e, sem
C onclusão. A atitude do controle absoluto de
essa v o n t a d e , n ã o h a v e r ia nem in c r e d u lid a d e n e m
A lá sobre todo aspecto de sua criação influencia pro­
irreligião. T u d o q u e fazemos, fa z e m o s p o r s u a v o n ta ­
fundamente a teologia e a cultura islâmicas. O poeta
de: o q u e ele n ã o q u er, não ac o n te c e ” . S e a lg u é m p e r ­
persa Ornar Khayyam refletiu a tendência fatalista
gunta p o r q u e D e u s não deseja q u e o s h o m e n s c re ia m ,
da teologia islâm ica quando escreveu:
A l-G h azzali r e s p o n d e :

Tudo é um tabuleiro de noites e dias


N ão te m o s o d ireito de p e rg u n ta r s o b re o q u e D eu s d e seja
Onde o destino joga com homens como peças;
ou n ão . Ele é p e rfe ita m e n te liv re p a ra d e s e ja r e fazer o q u e lh e
Aqui e ali move e une e mata,
agrada. Ao cria r in créd u lo s, ao d e seja r qu e p e rm a n e ç a m n esse
E um por um os coloca de volta no armário.
estado; [...] ao d e sejar, e m su m a , o qu e é m au , D eu s te m fins
sábios e m v ista qu e n ão n o s é n ecessá rio s a b e r ( H aq q , p. 152).
Artigos relacionados ao islamismo e à apologé­
N o p r o b le m a m e ta físic o c o m o d e te r m in ism o tica islâmica: A lfa r a bi ; A vicena ; A v e r r ó i s ; B í b l ia , v i ­
são islâ m ic a da ; M ai .m ô m d e s ; Novo T estamento , suposta
is lâ m ic o , e s s a p o s iç ã o e x t r e m a le v o u a lg u n s t e ó lo ­
c o r r u p ç ã o d o ; M a o m é , supostas p r e v is õ e s bíblicas d e ;
gos m u ç u lm a n o s à c o n c lu s ã o ló g ic a d e q u e n a v e r ­
d a d e s ó e x is t e u m a g e n te n o u n iv e r s o — A lá . U m M a o m é , su p o s t o chamado divino d e ; M ao mé , caráter m o ­
t e ó lo g o m u ç u lm a n o e s c r e v e u : ra l d e ; A lcorão , origem divina do , A l c o r ã o , supo stos m i ­
l ag r es n o .

Além de [A lá] p o d er fazer q u a lq u e r co isa , ele re a lm e n te é


o Ú n ico qu e po d e fazer algo. Q u an do u m h o m e m escrev e, é Alá Fontes
quem crio u na su a m en te a v on tad e de escrever. A lá ao m esm o K. C ragg, T h e c a l l o f t h e M in a r e t .

tempo dá p o d er p a ra escrev er, d ep o is realiza o m o v im e n to da L. Fti erbach , .4 e s s ê n c i a d o c r is tia n is m o .

mão e da ca n e ta e a a p a rên cia n o p ap el. Todas as o u tras co isas AÃ L. Geislir , T h o m a s A q u i n a s : a n e v a n g e lic a l a p p r a is a l.

são p a ssiv a s, só A lá é ativ o ( N eh ls, p. 2 1 ). ___ e A. Saleeb, A n s w e r i n g I s l a m .


I. G olziher, I n t r o d u c t i o n t o I s l a m i c t h e o lo g y .

E s s e p a n t e ís m o e s t á n a b a s e d e g r a n d e p a r t e d o T omás de A q l ino, S u m a c o n t r a o s g e n tio s .

p e n s a m e n t o m e d ie v a l . T o m á s d e A q u in o e s c r e v e u S. Z wemer , T h e M o s l e m d o c t r i n e o f G o d .
Jj
Jam es, W illiam .W illiam James (1842-1910) foi deísta ideais humanos. Tal poder “deve ser diferente e maior
finito (v. f in it o , d e ís m o ) quanto à sua cosm ovisão e que nossos seres conscientes” ( Varieties o f religious
pragmático (v. p r a g m a t ism o ) em sua teoria da verda­ experience [Variedades da experiência religiosa],p. 396).
de e da ética (v. m o r a l id a d e , n atu reza a bsoluta da ; v e r ­ M esm o afirm ar esse pouco sobre Deus parecia
dade , n a tu r ez a d a ).
Ele abordava o mundo e Deus de para James uma crença exagerada. Tudo que James
um ponto de vista experimental. Seu teste da verda­ sabia com certeza era que existe algo “m ais” no além
de para uma cosm ovisão era sim plesm ente: “Que com o qual os seres humanos se sentem ligados com o
diferença concreta essa cosmovisão fará na vida real “continuação subconsciente da vida consciente”. Des­
da pessoa?”. A verdade, portanto, não está inerente considerando as crenças exageradas e confinando-nos
na idéia. “A verdade acontece numa idéia. Ela se tor­ ao que é comum e genérico, há uma experiência de
na verdadeira, é feita verdadeira, pelos eventos.” A salvação que vem como conteúdo positivo da experi­
co sm o v isã o que fu n c io n a m e lh o r é v erd a d eira ência religiosa. Isso pelo menos, James confessou, é
(Essays in pragmatism [Ensaios sobre pragmatismo ], literal e objetivamente verdadeiro (ibid., p. 3 8 6 ,3 8 8 ).
p. 160-1; todas as citações neste artigo são das obras Jam es especulou muito pouco sobre suas cren­
de James). ças exagerad as. Ele co n clu iu assim seu clá ssico
Visão d e Deus. Para Jam es, a cosm ovisão que Varieties o f religious experience : “Quem sabe a fideli­
funcionava melhor era uma forma de deísmo finito. dade dos indivíduos aqui embaixo às próprias cren­
Tal Deus evitava “o Deus sagrado irreal da teologia ças exageradas possa ser útil para que Deus, por sua
escolástica [teísmo] ou o monstro panteísta ininteligível” vez, seja mais eficientem ente fiel às suas tarefas mais
(Pluralistic universe [Universo pluralista], p. 316). O nobres?” (p. 391).
Deus panteísta engole todos os indivíduos na unidade A pesar das d iferen ças e sp ecífica s que várias
absoluta de sua consciência (v. monismo; panteísmo). O cosmovisões expressam sobre Deus, Jam es tinha cer­
Deus teísta é tão transcendentem ente distinto de suas teza de que a única coisa que toda a experiência
criaturas que nada tem em comum com elas (ibid., p. 26; religiosa tinha em com um era que “todas concor­
v. teísmo). dam que algo mais’ existe; apesar de algumas afir­
À luz desses extrem os, Jam es acreditava que a marem qúe ele existe na forma de um deus pessoal
linha de menor resistência era aceitar uma “consciên­ ou deuses pessoais, apesar de outros estarem satis­
cia sobre-humana” que não fosse totalmente ab ran ­ feitos em imaginá-lo com o um rio de tendência ideal
gente, que fosse finita em poder e/ou sabedoria (ibid., cravado na estrutura eterna do mundo”. James tam ­
p. 311). “Toda evidência que tem os, na m inha opi­ bém encontrou semelhanças genéricas entre religiões
nião, parece arrastar-n os com m uita força para a no íàto de que o(s) deus(es) age(m), e que é benéfico
crença num a form a de vida sobre-hum ana com a dar sua vida a ele(s). As diferenças surgem, acres­
qual, sem saber, partilhar a autoconsciência” (ibid., centou, quando as religiões explicam o que querem
p. 309). Tal Deus não precisa ser infinito; na verdade dizer com a união com o divino, que vem com a
poderia haver mais de um Deus. James prontamente experiência religiosa (ibid., p. 38 5 ). Qualquer coisa
entendeu o politeísmo com o a cosm ovisão possível além d isso era, para Jam es, cren ça exagerada e
para o pragmático. O importante era supor um poder especulativa. O teísmo cristão, por exemplo, definiria o
maior que fosse amigável para com a humanidade e os mais como o Deus lavé, e a união como a imputação
James, William 442

da justiça de Cristo a nós. Tais crenças são mera es­ A p esar do tom n a tu ra lis ta (v. n a t u r a l is m o ) ,
peculação. Essa é apenas uma maneira de conceituar Jam es acreditava no sobrenatural. Na verdade, ele
Deus (v. p lu r a lism o r e l ig io so ), e James não a conside­ acreditava que o cristianism o se rendeu com ex­
rava a m aneira mais prática. cessiva facilidade ao natu ralism o, assum ind o os
A natureza do universo. James declarou-se oposto preceitos das ciências físicas sem questionar. Como
simultaneamente às idéias panteístas e materialistas / Im m anuel K a x t , Jam es acreditava que o sobrenatu-
ateístas do mundo (v. a t e ís m o ), mas as distinções en­ ralism o teísta confina-se d esnecessariam ente aos
tre seu pensamento e o do panteísta em geral eram sen tim entos sobre a vida com o um todo, vida que
pequenas. 0 mundo não é redutível à matéria, nem é o te ísm o c o n s id e ra com o tim is m o e x a g e ra d o .
puro espírito ou mente. Ao contrário do monismo, N essa m aneira su p ero tim ista e u n iv ersalista de
Jam es afirm ava a visão pluralista do universo — ver o m u n d o id e a l, a p ra tic id a d e se ev a p o ra
que existem várias coisas diferentes. Ainda assim, (ibid .). Jam es rejeita esse sobrenaturalism o mais
tal universo não é realm ente diferente de Deus. “A “g ro sseiro ” . Seu so b ren atu ralism o m ais “re fin a ­
idéia teísta, retratando Deus e sua criação como en­ do” adm ite “orientações providenciais e não en ­
tidades distintas uma da outra, ainda deixa o sujei­ contra dificuldade intelectual na m istura do m u n­
to humano fora da realidade mais profunda no uni­ do ideal e do m undo real, interpolando influênci­
verso” (Pluralistic universe, p. 25). As teorias distintas as da relig ião id eal e n tre as fo rça s que ca u sa -
de James o identificam como próximo, em teoria, do tiv a m e n te d e te rm in a m os d e ta lh e s do m undo
que mais tarde seria chamado pa n en teísm o . real” (ibid ., p. 39 2 ).
Seja qual for o nome dado, Jam es professava uma
O Deus dos teístas é muito distinto (transcendente) visão mais ampla da realidade que a aceita pela ci­
do que ele criou. ência. Ele estava disposto a usar o termo sobrenatu­
Os teístas também estão errados em supor que ral, mas não no sentido teísta. Ele não aceitaria, por
Deus é completo e auto-suficiente. exemplo, a idéia de “curas milagrosas”, que era co­
A criação foi o ato livre de Deus, e ele a fez como mum no final do século xix. Ele se opunha a qualquer
uma substância estranha a si mesmo, e a humanidade interrupção sobrenatural de um processo natural.
é feita de uma terceira substância, que é diferente de Isso deve ser descartado pelo cientista com o cria­
Deus e da criação. ções da im aginação. Com uma consciência quase
profética a respeito do século seguinte, Jam es acres­
Na visão panenteísta, semelhante a algumas for­ centou: “Ninguém pode prever até que ponto essa
mas de panteísmo, Deus anima o mundo assim como legitimação dos fenôm enos ocultistas sob títulos ci­
a alma anima o corpo. Isso é diferente do naturalis­ entíficos inéditos pode prosseguir — até m esm o
mo “o frio e a escuridão cortantes e a ausência de ‘profecia’ e ‘levitação’ podem entrar nesse esquema”
todo significado permanente”. 0 naturalismo coloca (ibid., p. 378).
a humanidade “numa posição semelhante à de um Mas outro tipo de m ilagre cotidiano era rece­
grupo de pessoas vivendo num lago congelado, cerca­ bido mais abertam ente — as influências sutis, até
do por penhascos dos quais não há saída” (ibid., p. 122). sublim inares de Deus sobre nós por m eio do m un­
Milagres. Como tal Deus se relaciona com o m un­ do natural. Se “houver um mundo m ais amplo de
do é um pouco difícil de entender até que Jam es existência que o de nossa consciência norm al, se
classifica o Deus m iraculoso cristão como “grotes­ nele houver forças cu jos efeitos sobre nós sejam
co” por conformar a natureza às vontades humanas in te rm iten tes, se um a cond ição fa cilíta d o ra dos
(v. m il a g r e ) . “O Deus que a ciência reconhece deve efeitos for a abertura da porta ‘sublim inar’, tere­
ser um Deus exclusivamente de leis universais, um mos os elem entos de uma teoria à qual os fenôm e­
Deus que opera no atacado, não no varejo” ( Varieties, nos da vida religiosa proporcionam plausibilidade”.
p. 372-4). 0 Deus de James está mais ligado organi­ Jam es estava tão im pressionado com a im portân­
cam ente ao mundo: “0 divino não pode significar cia dessas “energias transcósm icas” que ele acredi­
uma única qualidade, deve significar um grupo de tava que elas influenciavam o mundo natural (ibid.,
qualidades, em torno das quais, alternativam ente, p. 394).
todos os homens podem encontrar missões dignas. Essa negação do milagroso, exceto dentro de nor­
Se cada atitude for uma sílaba na mensagem total da mas naturalistas restritas, resultou na negação de
natureza humana, todos nós somos necessários para uma experiência transformadora de conversão. James
fornecer o sentido completo” (ibid., p. 368). afirmava ceticam ente que “hom ens convertidos —
443 James, William

como uma classe — são indistinguíveis dos homens im ortalidade (v. e v o l u ç ã o b io l ó g ic a ). Nesse ponto,
naturais; alguns hom ens naturais até excedem al­ Jam es assum e a su p o sição n a tu ra lista de que a
guns homens convertidos quanto a seus frutos”. Logo, m ente não pode sobreviver à m orte porque é ape­
“os que acreditam no caráter não-natural da con­ nas uma função do cérebro. M esm o que o pensa­
versão súbita têm de praticam ente admitir que não m ento seja uma função do cérebro, isso não nos
há nenhum a característica óbvia que diferencie a leva a negar a im ortalidade, pois o aspecto esp iri­
classe de todos os verdadeiros convertidos das ou­ tual é inegável. “O fato de esta vida natural depen­
tras classes” (ibid., p. 192). der do cérebro não to rn a ria de form a algum a a
O bem e o mal. James acreditava que a “santida­ vida m ortal impossível — ela pode ser bem com ­
de” fluía da experiência religiosa. Ele rejeitava a teo­ patível com a vida sobrenatural ocu lta no além ”
ria de Friedrich Nietzsche de que o santo é um indi­ (Human immortality [Imortalidade humana ], p. 24,
víduo fraco. Jam es indicou personagens fortes como 38-9). A ciência pode provar apenas a concomitância
Joana D’Arc e Oliver Cromwell como exemplos dis­ no funcionam ento da mente e do cérebro; a depen­
so. Jam es louvava a vida santa, dizendo que ela dava dência que a m ente tem do cérebro ainda não foi
à religião seu “lugar de destaque na história” mesmo provada (ibid., p. 42-3).
quando outros aspectos da fé não faziam frente ao A história e seu objetivo. Jam es se opunha às
bom senso prático e ao teste empírico. “Sejam os san­ teorias otimistas e pessimistas do destino humano.
tos, então, se pudermos, tenham os ou não sucesso Ele não poderia concordar com os que acreditavam
de forma visível e temporária” ( Varieties, p. 290). que o m undo não poderia ser salvo. O otim ism o
Mas não há padrão absoluto para a vida santa de considera a salvação do mundo inevitável. No meio
bem, pois James era relativista (v. m o r a l id a d e , n a t u r e ­ do cam in h o en tre os dois, estava a d ou trin a do
za a bso l u t a d a ) que acreditava que “não existe uma meliorismo, que julga que a salvação não é necessária
filosofia ética feita dogmaticamente com antecedên­ nem impossível. Pragm ático, Jam es se sentia obri­
cia” ( Essays, p. 65). Cada um deve encontrar o que gado a aceitar a m elhoria do m undo com o sendo
funciona melhor para si mesm o. Jam es oferece ape­ provável, mas não inevitável. “O pragm atism o deve
nas a norm a geral de que devemos evitar o “natura­ adiar uma resposta dogmática, pois ainda não sabe­
lism o ” puro por um lad o, p o r sua in é p c ia , e o mos com certeza que tipo de religião funcionará
“salvacionismo puro” por outro, por sua tendência à m elh o r no fin a l” (Pragm atism an d other essays
alienação ( Varieties, p. 140). Entre esses dois extre­ [Pragmatismo e outros textos], p. 12 5 ,1 3 2 ).
mos devemos encontrar o cam inho m ais conveni­ O realismo de Jam es levou-o a rejeitar a crença
ente. A raça hum ana com o um todo ajuda no pro­ do u n iv e r s a l is m o de que todos devem ser salvos.
cesso de determ inar o conteúdo da filosofia ética à “Quando o cálice for derramado, os resíduos ficarão
medida que contribuím os para a vida moral da raça. para trás para sem pre, mas a possibilidade do que
Apesar de sua m oralidade relativa e da tendên­ for derram ado é doce o suficiente para ser aceita”
cia ao panteísm o, Jam es discordava radicalm ente (ibid., p. 130). Para ju stificar sua conclusão, Jam es
da m aioria dos p an teístas, pois acred itava que o ofereceu este exemplo:
mal é real, não uma ilusão. Ele acusava o panteísm o
e o teísm o de fazer um a separação m uito radical Suponha que o autor do mundo lhe explicasse os fatos
dos co n ceito s de m oralid ade ab so lu ta e relativa. antes da criação, dizendo:“Vou fazer um mundo que não terá
Na verdade, ele tentou d ar fo rça ap aren tem en te garantia de salvação, um mundo cuja perfeição será apenas
absoluta a um grupo de norm as m orais aceitas uni­ condicional, sendo a condição que cada um faça o melhor que
versalm ente, apesar de não poderem ser cham adas puder. Eu lhe ofereço a chance de fazer parte de tal mundo. A
“absolutos”. Apesar de o sistem a parecer a m a rra ­ segurança dele, como você vé, não é garantida. É uma verdadei­
do p o r fio s tê n u e s , o m a te ria l c o n e c tiv o é o ra aventura, com perigo real, mas pode ser bem-sucedida. É um
pragm atism o: “‘O verdadeiro’, em resum o, é ape­ esquema social de trabalho cooperativo a ser realizado genu­
nas o conveniente na nossa opinião, assim com o o inamente. Você está disposto a participar? Vai confiar em si
correto’ é apenas o conveniente no nosso com por­ mesmo e confiar nos outros agentes o suficiente para correr o
tam ento” ( Essays, p. 170). risco?” (ibid., p. 127).
S eres h u m a n o s. Os seres h u m an os têm um a
dim ensão espiritual e tam bém um a dim ensão m a­ Diante de tal proposta, James acreditava que a mai­
terial. Por m eio da evolução a partir de form as infe­ oria das pessoas iria preferir o risco de tal aventura à
riores de vida, a humanidade atingiu um ponto de inexistência. Esse, acredita ele, é o mundo que temos.
Jefferson, Thomas 444

Avaliação. William James foi um filósofo fasci­ Sua teoria sobre o mal é insuficiente. Apesar de
nante que não se encaixava em nenhum molde. Suas Jam es reconhecer a realidade do mal, seu deísmo
teorias apresentam uma variedade de característi­ finito o deixava sem garantia de uma vitória final
cas positivas e negativas para os teístas. sobre o mal. Um deus finito não tem os recursos
Positivas. Do ponto de vista cristão, James geral­ infinitos necessários para assegurar a vitória final
mente parece tentar cam inhar na direção da fé o r­ sobre o mal. Nisso, Jam es oferece inadvertidamente
todoxa, embora a partir de uma grande distância. uma solução para seu problema. Ele admitiu que “o
0 materialismo é rejeitado. Os teístas concordam mundo fica mais rico por ter um Diabo nele, contanto
com a rejeição de Jam es ao materialismo. A hum a­ que possamos dominá-lo” (ibid., p. 55). É exatamen­
nidade é mais que matéria. Sobre essa imortalidade, te isso que um deus finito não pode fazer. Um deus
Jam es estava absolutam ente correto. limitado poderia perder ou, na melhor das hipóte­
0 mal é real. James não tinha ilusões sobre o mal ses, empatar. Somente o Deus infinitam ente bom e
(v. il u sio n ism o ). Ele aceitava sua realidade. Rejeitava poderoso do teísm o pode garantir o final da luta
um panteísm o que afirmava Deus e negava o mal. contra o mal (v. m a l , pr o bl e m a d o ).
Ao mesmo tempo, evitava a tentação do ateísmo de O pragm atism o é infundado. A crítica interna
afirm ar o mal e negar a Deus. mais séria contra o pragmatismo é que, pragm atica­
O princípio do divino é a firmado. Ao mesmo tem ­ mente, ele não funciona. Precisaríam os de conheci­
po que James não era um teísta, ele acreditava num mento infinito de todas as conseqüências para cada
tipo de deus e aceitava a mão desse deus na criação. ação ou filosofia alternativa. Jam ais poderemos ter
Ele via o valor prático dessas crenças na vida de uma certeza dos resultados das coisas. Apenas um Deus
pessoa. teísta poderia ser um pragmático eficaz, e ele não é.
A vida santa é valorizada. Jam es estava disposto Um dos colegas de Jam es em Harvard, Josiah
a admitir o papel significativo que as crenças religi­ Royce, chegou ao âmago da questão dessa visão prag­
osas tinham na sua vida. Ele louvava a santidade e mática da verdade quando perguntou a Jam es se ele
sua contribuição ao valor da religião. testem unharia no tribunal e ju raria “dizer o conve­
0 universalismo é rejeitado. Ao contrário de ou­ niente, todo o conveniente, e nada além do conveni­
tros pensadores liberais, James negava o otim ism o ente, com a ajuda da experiência futura”.
ilusório universalista. Estava disposto a admitir que 0 relativismo é incoerente. Jam es negava todos os
nem todos podem ser salvos e que algum tipo de absolutos morais (v . a bso lu to s m o r a is ) . Para ele o cor­
inferno existe. Isso é honestidade revigorante para reto era o conveniente no m odo de viver, com o a
alguém que rejeitava a autoridade divina da Bíblia. verdade era conveniente no modo de saber. Mas é
Negativas. 0 deísmo finito é inadequado. 0 deus impossível negar todos os absolutos morais sem su­
finito de Jam es era bastante limitado. Para uma dis­ gerir um absoluto moral.
cussão sobre os problemas com essa cosmovisão, v.
PANENTEÍSMO e WHITEHEAD, A l FRED N o RTH. Fontes
0 anti-sobrenaturalismo é infundado. A rejeição J. C a r n e l l , An introduction to Christian apologetics,
do sobrenatural por Jam es era ilógica (v. m i l a g r e s , c a p s .1 6 ,17.
a r g u m e n t o s c o n t r a ) . Sua afirmação de que a religião \T. L G eisler , Theroots ofevil.
sobrenatural mina o ímpeto humano de progredir é ___ and \V. W atkins, worlds apart, cap. 6.
contrária à sua própria análise. Ele dava à religião W. Jam e s , A pluralistic universe.
“lugar de destaque” na história humana pela virtude ___ , Essays inpragmatism.
do am or altruísta dos sobrenaturalistas cristãos. Ele ___ , Human immortality: two supposed
concluiu que “o conjunto de qualidades pertinentes objections to the doctrine.
à santidade é indispensável para o b em -esta r do ___ , Pragmatismo e outros textos.
mundo” ( Varieties, p. 29 0 ). Ele admirava os teístas ___ , Variedades da experiência religiosa.
cujas crenças causaram grande impacto, entre eles
Cristo, Cromwell e Stonewall Jackson. Ele ainda ad­ Je ffe rso n , T h o m as. Thomas Jefferson (1743-1826),
m itiu que grandes instituições acadêm icas e soci­ o autor da Declaração de Independência (1776) e o.
ais, inclusive universidades, hospitais, a Cruz Ver­ terceiro presidente dos Estados Unidos da América
melha, o m ovim ento de abolição da escravatura e era deísta (v. d e ís m o ). Algumas de suas primeiras obras
missões de resgate, foram iniciadas por pessoas que garantiram-lhe um lugar no coração dos historiado­
acreditavam no sobrenatural. res como “o m aior autor da Revolução Am ericana"
445 Jefferson, Thomas

(Ketcham, 4:259). Suas posições filosóficas e religio­ p. 49). Ele também cortou a ressurreição de sua “Bí­
sas influenciam suas obras, mas geralmente não fi­ blia” expurgada do sobrenatural, term inando-a as­
cam explícitas, exceto em suas cartas. É principal­ sim: “Então tomaram o corpo de Jesus, e o envolve­
m ente a partir dessas cartas que seu deísmo pode ram em lençóis de linho com aromas, com o é o cos­
ser claram ente descoberto. tume de sepultamento dos judeus. Mas no lugar onde
As posições religiosas de Jefferson refletem -se ele foi crucificado, havia um jardim ; e no jardim um
no seu resumo dos Evangelhos, The life and morais o f sepulcro novo, onde nenhum hom em havia jazido.
Jesus o f Nazareth [A vida e a ética de Jesus de Nazaré] Ali eles sepultaram Jesus, e rolaram uma grande pe­
(1803). Numa referência de 1816 ao livro, ele o cha­ dra para a entrada do túmulo, e partiram” ( Life and
mou de “paradigma de suas doutrinas, feito ao re­ morais, p. 132).
cortar textos do livro e colocá-los nas páginas de um Bíblia. Obviamente Jefferson considerava os Evan­
livro em branco, numa determinada ordem de tem ­ gelhos distorções sempre que sugeriam a ação sobre­
po ou assunto [...] O m ais belo fragm ento de ética natural de Deus. Ele acusou os autores de “muitas ve­
que jam ais vi”. 0 57.° Congresso evidentemente con­ zes esquecer, ou não entender, o que viera dele, dando
cordou, ordenando uma edição publicada em 1904. a interpretação errônea deles a suas máxim as e ex­
A cosmovisão de Jefferson. Deus e o Mundo. pressando sem inteligibilidade para os outros o que
Jefferson acreditava que há um D eus, o Criador, eles mesmos não haviam entendido” (ibid., vii). Os
Sustentador e Administrador do universo. Ele afir­ ensinamentos de Jesus foram expressos de forma “mu­
mava que esse Deus é infinitam ente sábio, bom, ju s ­ tilada, incorreta, e muitas vezes incom preensível”
to e p o d e ro so . In flu e n cia d o p o r Isa a c N ew ton, (ibid., p. 49) por um bando de “simplórios e imposto­
Jefferson via o mundo com o harm onioso, sob o con­ res” que corromperam os verdadeiros ensinamentos
trole das leis naturais e aberto à investigação hum a­ morais. O pior nesse bando era o apóstolo Paulo, “o
na. Deus o criou dessa maneira. A verdade disso fica grande corifeu e primeiro corruptor das doutrinas de
clara pela estrutura do universo: Jesus” (v. B íblia, crítica da ).
Jefferson literalm en te cortou os m ilagres dos
Eu acredito (sem revelação) que, quando observamos o evangelhos e reteve apenas os ensinam entos morais
universo em suas partes, gerais ou específicas, é impossível de Jesus. Suas posições não eram tão radicalmente
para a mente humana não perceber nem sentir uma convicção deístas quanto as de Thomas P a in e . Elas se assem e­
de criação, de uma perícia consumada e de poder indefinido lhavam mais ao deísmo de Matthew Tindal no seu
em cada átomo de sua composição. Os movimentos dos cor­ Christianity as old as creation; or, The Gospel: a
pos celestes, mantidos exatamente no seu curso pelo equilí­ republication o f the religion o f nature [O cristianismo
brio das forças centrífuga e centrípeta; a estrutura da terra, com tão antigo quanto a criação; ou O Evangelho: a
sua distribuição de terras, águas e atmosfera; corpos animais republicação da religião da natureza] e às posições
e vegetais, examinados nos menores detalhes; insetos, meros do unitarista Joseph Priestley. Jefferson rejeitava os
átomos de vida, mas tão perfeitamente organizados quanto o principais ensinam entos teológicos do cristianism o,
homem ou o mamute; as substâncias minerais, sua geração e com o a divindade de Cristo, o pecado original, a
seus usos; é impossível, eu digo, que a mente humana não creia salvação pela graça som ente por meio da fé e a m or­
que há em tudo, nessa criação, causa e efeito que levam à causa te expiatória de Cristo. Ele acreditava que Jesus foi o
suprema, um Criador de todas as coisas desde matéria e movi­ m aior reformador e m oralista da história.
mento, seu Preservador e Regulador (Foote, p. 10). Dependia dos que entendiam a verdade, tal como
Jefferson, purificar a verdade dos erros que haviam
Milagres. Jefferson tam bém acreditava que Deus sido im postos a ela. Ele se em penhou em reunir a
jam ais interveio na história por meio de m ilagres verdade editada de várias partes dos quatro evange­
sobrenaturais ou revelação (v . m il a g r e ; r e v e l a ç ã o lhos, organizados na ordem que lhe parecia m ais
especial ). Registros que sugeriam o contrário eram natural (Fesperman, p. 8 1 ,8 3 -4 ).
invenções, superstição ou fanatism o (Fesperm an, Seres humanos. Como afirm ado na Declaração
P-81). de Independência, Jefferson considerava “evidente
Jefferson rejeitava enfaticam ente o nascim ento que todos os hom ens foram criados iguais; que são
virginal de Cristo. “O dia virá”, disse ele, “em que o d o ta d o s p o r seu C ria d o r de c e rto s d ire ito s
registro do nascim ento de Cristo aceito nas igrejas inalienáveis; que entre eles estão vida, liberdade e a
trin itá r ia s será cla ss ific a d o com o a fá b u la de busca da felicidade” . E sses “direitos inalienáveis”
Minerva emergindo do cérebro de Júpiter” (Foote, estão baseados na natureza, que é em si imutável.
Jefferson, Thomas 446

Já que esses direitos são naturais, eles são universais estaduais quando ratificaram essa emenda. Foi por
(v. l ei n atu r a l ; m o r a lid a d e a bso l u t a , n atu reza d a ). Ou­ ressentim ento sobre o que a Associação Batista de
tros direitos naturais, na opinião de Jefferson, eram Danbury, Connecticut, dissera sobre suas posições
o direito de associação, o direito de autogoverno e o que Jefferson escreveu sobre o “muro de separação
direito de liberdade com relação à religião (Padover, entre a igreja e o Estado”. Ele jam ais usou a frase fora
p. 89-91,1 4 3 ,1 4 8 ,1 5 5 -6 ). do contexto de sua carta particular, e outras afirma­
A criação divina de todas as pessoas como seres ções indicam que esse “muro” de Jefferson deveria
iguais teve conseqüências lógicas. Uma foi que a es­ proteger o governo estadual da interferência federal
cravidão com o prática aceita nos Estados Unidos com relação à religião.
teve de ser abolida. Jefferson tentou realizar esse ob­ Jefferson deixou muitas evidências de suas posi­
jetivo ao tentar passar um plano que ele projetou, o ções sobre igreja e cooperação estadual. Ele criou
“R elató rio do G overno p ara o T erritó rio O este” um departam ento de religião na Universidade da
(1784). Isso possibilitaria a abolição da escravatura Virgínia. Até propôs que os alunos fossem obriga­
em todos os estados depois de 1800 (ibid., p. 92-3). dos a ir à igreja e fossem proibidos de praguejar.
Sua legislação foi derrotada por um voto. Dois anos Num tratado com os índios kaskaskias, Jefferson e o
mais tarde ele escreveu sobre essa decisão. “A voz de Congresso pagaram por serviços de um missionário
um único indivíduo [...] teria impedido esse crim e e um templo com dinheiro de impostos. O Congres­
abom inável de espalhar-se por todo o país. Logo, so fez isso mais de uma vez, sendo cuidadoso em
vemos que o destino de milhões de futuros escravos não favorecer um grupo religioso m ais que outro.
depende da voz de um único hom em , e o céu ficou A filosofia central nesse caso era que nenhuma
em silêncio naquele terrível momento! Mas espera- posição ou grupo religioso deveria receber sanção
se que não fique em silêncio para sempre, e que os legal à custa de outra posição ou grupo. Ele disse:
amigos dos direitos da natureza humana prevalece­ “Eu sou a favor da liberdade de religião e contra
rão no final” (Foote, p. 18). todas as m anobras para criar uma ascendência legal
O ser h u m an o é um “a n im a l ra c io n a l” (v. de um grupo sobre outro” (Padover, p. 119). Além de
A r is t ó t e l e s ) que foi dotado “de um senso inato de afirm ar que tal ação violaria o direito da lei natural
justiça”. A razão e o senso humano de moralidade de religião livre, Jefferson acreditava que isso seria
poderiam errar, pois nem “sabedoria” nem “virtude” desvantajoso para a religião, já que cada grupo serve
são hereditárias. No entanto, a verdade prevalecerá, como um controle para os outros.
e os seres humanos podem “ser restringidos do que Cristo e religião. A religião havia sido a causa do
é errado e protegidos no que é correto, pelos pode­ grande mal na opinião de Jefferson, e era importan­
res moderadores, confiados a pessoas da própria es­ te que um a opinião fosse equilibrada por opiniões
colha” (Padover, p. 1 4 3 ,1 3 1 -5 ,1 7 8 ,9 1 ). opostas. Milhares haviam sido queimados, tortura­
Deus e governo. Fica claro com base na D eclara­ dos, m ultados e aprisionad os, “porém ainda não
ção que Jefferson não contem plava a separação de avançamos nem uma polegada em direção à unifor­
Deus do governo. Na verdade, ele acreditava que os midade”. A coerção passada havia tornado metade
governos deviam lealdade a Deus. Inscrita no m ár­ do mundo tola, e a outra metade, hipócrita.
more do seu memorial em Washington, D. C., está a Apesar de Jefferson identificar-se com o cristão,
afirmação: “Deus, que nos deu vida, nos deu liberda­ m uitos concordavam com os batistas de Danbury
de. Podem as liberdades de uma nação permanecer que ele não era ortodoxo. Ele considerava sua “Bí­
asseguradas quando tiverm os removido a convic­ blia” editada uma prova “de que sou um verdadeiro
ção de que essas liberdades são um dom de Deus?”. cristão, ou seja, um discípulo das doutrinas de Jesus’
Apesar de Jefferson estar na França como em ­ (Life and morais, vm ). Jefferson admitiu que não era
baixador quando o Congresso ratificou a Primeira um cristão que aceitava os ensinam entos históricos
Em enda (1 7 8 9 ), ele certam ente concordava que “o da Bíblia e da igreja. “Sou um cristão no sentido
Congresso não fará nenhuma lei relativa ao estabe­ único em que acredito que Jesus gostaria que qual­
lecimento da religião; nem proibindo seu livre exer­ quer um fosse, sinceram ente ligado às suas doutri­
cício”. Esse não é o “muro de sep aração” que ele nas acima de todas as outras; dedicando a ele toda a
supostamente apoiara. A intenção da Primeira Em en­ excelência humana e crendo que ele jam ais afirmou
da é claram ente que o governo federal não deveria o contrário” (Foote, p. 4).
estabelecer uma religião nacional, como os ingleses. Mal. As pessoas têm sim ultaneamente qualida­
É interessante que cinco colônias tinham religiões des boas e más. Na verdade, “a experiência comprova
447 Jesus, fontes não-cristãs referentes a

que as qualidades morais e físicas do hom em , quer Dois serafins me esperam com o manto da morte;
boas, quer más, são transmissíveis até certo ponto”. Darei a eles teu amor quando der meu último suspiro
Uma função primária do governo é proteger as pes­ (Foote, p. 68).
soas de fazer mal umas às outras e estar atento às
necessidades e desejos das m assas. Quando um go­ Jefferson falou sobre o Juiz de toda hum anida­
verno deixa de realizar essa função, seus oficiais “tor­ de na Declaração, m as não definiu o que quis dizer
nam -se lobos”. Essa não é uma ocorrência incomum. com o term o. Ele não om itiu as referências de Je­
A tendência das pessoas de exercer poder abusivo sus sobre recom pensas no céu para os ju stos e cas­
sobre outras “parece ser a lei de nossa natureza geral, tigo no inferno para os incrédulos em sua Bíblia
apesar de exceções individuais; e a experiência de­ resum ida. O que ele acreditava literalm ente sobre
clara que o hom em é apenas um animal que devora isso é outra questão.
a própria espécie”. 0 tipo de governo que tende a Avaliação. Por Jefferson ser um deísta, suas po­
promover esse mal é o dirigido por reis, nobres ou sições sofrem as mesmas críticas. Isso inclui a nega­
sacerdotes. “Quase todos os males conhecidos [na ção de milagres (v. milagres, argumentos contra), as­
Europa] podem ser relacionados ao seu rei como sim como a rejeição à im anência de Deus (v. te(smo).
fonte” (Padover, p. 1 6 4 ,9 7 ,1 0 3 ). Quando os governos Suas posições sobre a Bíblia tam bém eram infunda­
se tornam tirân icos, é obrigação dos governados das ( V.Bíblia, supostos erros na; Bíblia, crítica da; Bíblia,
derrubá-los. EVIDÊNCIAS DA).
Ética. Seguindo a tradição da lei natural de John
L ocke , Jefferson afirmou que a lei moral natural se Fontes
aplica às nações e aos indivíduos: “É estranhamente J. B utler, The analogy o f religion natural and
absurdo supor que um m ilhão de seres hum anos revealed to the constitution and course o f nature.
reunidos não estejam sob as mesmas leis morais que F. I. F esperman, “Jefferson’s Bible”, em Ohio Journal
os obrigam individualmente” (Foote, p. 42). A fonte o f Religious Studies, 4:2 (Oct. 1976).
da moralidade humana é o “am or aos outros”, que R. F lint, Anti-theistic theories.
foi “implantado” pela natureza. É esse “instinto m o­ H. W. F oote , Thomas Jefferson: champion o f religious
ral [...] que nos leva irresistivelm ente a sentir e a freedom, advocate o f Christian morals.
so co rre r” os aflitos. Ações m orais são relativas. N. L Geisi.fr, Miracles and the modern mind.
Ações julgadas virtuosas num país são consideradas ____ e W. W a tkins , Worlds apart.
corruptas em outro. Isso acontece porque a “nature­ I. K a n t , Religion within the limits o f reason alone.
za estabeleceu a utilidade para o hom em [com o] R. K et c h a m , “Jefferson, Thomas”, em The
padrão [...] de virtude” (Padover, p. 150-1). encyclopedia o f philosophy,4:259.
Jefferson considerava Epicuro e Jesus os maiores J. L e L a x d , A view o f the principal deistic writers...
mestres morais. Considerava-se seguidor de ambos, R. N ash, Christian faith and historical
apesar de se identificar mais com Epicuro. A respeito understanding.
disso, escreveu: “Sou [...] um epicurista. Acredito que J. O r r , English deism.
as doutrinas genuínas (não as imputadas) de Epicuro S. K. P a d o v e r , Thomas Jefferson and the foundations
contêm tudo que é racional na filosofia moral que o f American freedom.
Grécia e Roma nos deixaram” (Padover, p. 175).
D estino hum ano. A alma humana sobrevive à
morte. No seu leito de morte Jefferson escreveu es­ jepd, teoria das fontes. V. pentateuco, autoria mosaica do .
tas palavras de despedida para sua filha:
Jesus, fontes não-cristãs referentes a. Os críticos
As visões da vida desaparecem, seus sonhos não da Bíblia alegam ou sugerem que os documentos do
existem mais; M não são confiáveis, pois foram escritos pelos dis­
Amigos queridos do meu peito, por que estão co­ cípulos de Jesus ou por cristãos posteriores. Eles
bertos de lágrimas? observam que não há confirm ação de Jesus em ne­
Vou para os meus pais, saúdo aquela praia nhuma fonte não-cristã. Vários fatores minam a va­
Que coroa todas as minhas esperanças e que en­ lidade dessa crítica (v. B íblia , critica da ).
terra todas as minhas inquietações. A evidência. Há evidências muito convincentes
Adeus, minha querida, minha filha amada, adeus! de que o st é um registro confiável com posto por
A última agonia da vida é separar-me de ti. contemporâneos e testemunhas oculares dos eventos
Jesus, fontes não-cristãs referentes a 448

(v. B íb l ia , h isto r ic id a d e da ; N ovo T e st a m e n t o , datação d o ; desse testemunho. Josh McDowell, em Evidência que
Novo T e st a m e n t o , h ist o r ic id a d e d o ; N ono T e st a m e n t o , exige um veredito, dedica um capítulo à evidência
m a n u sc r it o s d o ). O Novo Testamento detém, mais que não-cristã. E F. B ru ce escreveu uma análise de nível
qualquer outro documento escrito da história antiga, popular da evidência em Merece confiança o Novo
o maior número de manuscritos de antiguidade bem Testamento? E em Jesus and Christian origins outside
atestada, com cópias bem feitas, escritas por pessoas the New Testament [Jesus e as origens cristãs fora do
que cronologicamente se encontravam mais próximas Novo Testamento], que é um estudo mais profundo e
dos eventos registrados. A arqueologia continuamen­ completamente documentado. Uma análise recente
te confirma detalhes de suas obras (v. a rqueologia do sobre o assunto é de Gary Habermas em um capítulo
Novo T esta m en to ). Se o registro do nt não é confiável, de The historical Jesus [O Jesus histórico].
não tem os esp eran ça de nenhum con h ecim en to Historiadores antigos. Uma quantidade surpre­
confiável dos acontecimentos antigos. endente de informação sobre Jesus pode ser extraí­
A objeção de que os escritos do n t são sectários da dos historiadores que foram contem porâneos dele
envolve uma implicação significativa, mas falsa, de ou viveram logo depois. Estes incluem:
que as pessoas que estiveram envolvidas nos fatos Tácito. Um romano do século i chamado Tácito
ou com as pessoas sobre os quais prestam depoi­ é considerado um dos historiadores mais precisos
mento não constituem testem unhas confiáveis. Isso do mundo antigo. Ele nos oferece o registro do gran­
é claramente falso. Os sobreviventes do Holocausto de incêndio de Roma, pelo qual alguns culparam o
estavam próximos dos eventos que descreveram para im perador Nero:
o mundo. Esse mesmo fato os coloca na melhor po­
M as nem todo o socorro que u m a p essoa poderia ter pres­
sição para saber o que aconteceu. Eles estavam lá, e
tado, n em to d as as reco m p en sas que u m príncipe p od eria ter
aconteceu com eles. O m esm o se aplica ao testem u­
d ad o , n em to d o s o s sac rifício s q u e p u d e ram se r feito s ao s
nho judicial de alguém que sobreviveu a um ataque.
d eu ses, p erm itiram que N ero se visse livre d a in fâm ia d a su s­
Isso se a p lica aos so b rev iv en tes da in v asão da
peita de ter orden ado o gran d e incêndio, o incêndio de R om a.
Normandia durante a Segunda Guerra Mundial ou à
De m odo que, para acabar com o s rum ores, acu sou falsam ente
Ofensiva de Tet durante a Guerra do Vietnã. As teste­
as p e sso a s com u m en te ch am ad as cristãs, q u e eram o d iad as
munhas do n t não deveriam ser desqualificadas por­
p o r su a s atro cid ad es, e as pu n iu com a s m ais tem íveis tortu ­
que estavam próximas dos eventos que relatam.
ras. Christus, o que deu origem ao nom e cristão, foi condenado
Relacionado à acusação de que Jesus carece de
à m orte p or Pôncio Pilatos, durante o reinado de Tibério; m as,
testemunho de incrédulos está o fato de que há forte
reprim ida por algum tem po, a supertição pern iciosa irrom peu
evidência favorável a ele, mas falta de evidência fraca.
novam ente, não ap en as em toda a Judéia.onde o problem a teve
Suponha que quatro pessoas tenham sido teste­
início, m as tam bém em tod a a cid ad e de R om a.
munhas oculares de um assassinato. Também havia
uma testem unha que chegou no local depois do as­
Essa passagem contém referências aos cristãos,
sassinato e apenas viu o corpo da vítima. Outra pes­
cham ados assim por causa de Christus ( Cristo em
soa ouviu um relato de segunda mão do assassinato.
latim ), que sofreu a “penalidade extrema” sob Pôncio
No julgamento, o advogado da defesa argumenta: “A
Pilatos durante o reinado de Tibério. A “supersti­
não ser pelas quatro testem unhas oculares, esse é
ção” que com eçou na Judéia e chegou a Roma foi
um caso difícil de resolver, e as acusações devem ser
muito provavelmente a ressurreição de Jesus.
retiradas por falta de evidências”. Outras pessoas po­ Suetônio. Suetônio foi o secretário principal do
dem pensar que o advogado estava tentando mudar im perador Adriano (reinado 117-1 3 8 ). Duas refe­
de assunto com uma pista falsa. A atenção do juiz e o rências são importantes:
jú ri estaria sendo desviada da evidência mais forte
para a mais fraca, e o raciocínio estaria claramente C om o o s ju d eu s, p or in stigação de Cherstus, estivessem
errado. Já que as testem unhas do n t foram as únicas con stan tem en te p ro v o can d o d istú rb io s, ele o s e x p u lso u de
testem unhas oculares e ofereceram testem unhos R om a (Vida de Claúdio, 25.4).
contem porâneos de Jesus, é uma falha desviar a aten­
ção para as fontes seculares não-cristãs. No entanto, N ero infligiu castigo ao s cristãos, u m g ru p o s de p e sso as
é educativo m ostrar que evidências a favor de Jesus dadas a um a superstição nova e m aléfica ( Vida dos Césares, 26.2)
podem ser compiladas fora do n t .
As fon tes. Algumas fontes excelentes foram co­ Essas breves referências estabelecem algumas
locadas à disposição para dar m elhores descrições coisas. Havia um hom em cham ado Chrestus (ou
449 Jesus, fontes não-cristãs referentes a

Cristo) que viveu durante o século i. Alguns judeus seus discípulos. Pilatos condenou-o à crucificação e à morte.
cau saram tu m ultos relacionad os a esse hom em . E aqueles que haviam sido seus discípulos não deixaram de
Suetônio, ao escrever muitos anos m ais tarde, não segui-lo. Eles relataram que ele lhes havia aparecido três dias
estava na posição de saber se os tumultos eram pro­ depois da crucificaçãoe que ele estava vivo [...] talvez ele fosse
vocados por Chrestus ou pelos judeus contra seus o Messias, sobre o qual os profetas relatavam maravilhas.
seguidores. De qualquer forma, Cláudio ficou abor­
recido o suficiente para expulsar todos os judeus da M esm o sem as partes que são provavelm ente
cidade (inclusive os com panheiros de Paulo, Áqüila interpolações cristãs, esse texto é um testem unho
e Priscila) em 49. Além disso, os cristãos foram per­ extraordinário da vida, m orte e influência de Jesus.
seguidos depois do incêndio de Roma, e haviam pro­ Ele diz que Jesus foi conhecido com o um hom em
fessado uma nova crença religiosa. sábio e virtuoso que tinha discípulos judeus e genti­
J osefo. Flávio Josefo (37/ 38-97) foi um revolucio­ os. Pilatos o condenou a ser crucificado. Os discípu­
nário judeu que, na época da revolta judaica, passou los relataram que ele ressuscitou dos m ortos ao ter­
a ser leal aos romanos para salvar sua vida. Tornou- ceiro dia. A idéia estava ligada à sua proclam ação de
se um historiador, trabalhando sob o patrocínio do ser o Messias.
imperador Vespasiano. Seu Antiguidades dos judeus Talo. Talo escreveu por volta de 52 d.C. Nenhuma
data do início da década de 90 e contém duas passa­ de suas obras sobreviveu, mas algumas citações frag­
gens de interesse. A primeira refere-se a “Tiago, ir­ mentadas são preservadas por outros autores. Um
mão de Jesus chamado Cristo” (20.9). Isso confirma desses autores é Júlio Africano, que, por volta de 221,
os fatos do Novo Testamento de que havia um h o ­ cita Talo numa discussão sobre a escuridão que se­
mem chamado Jesus, que era conhecido como “Cris­ guiu a crucificação de Cristo:
to” e teve um irmão chamado Tiago. A segunda refe­
rência é bem mais explícita e controversa: No mundo inteiro caiu uma escuridão tenebrosa; as ro­
chas foram partidas por um terremoto, e muitos lugares na
Por essa época surgiu Jesus, um homem sábio, se é que é Judéia e outros distritos foram derrubados. Essa escuridão,
correto chamá-lo de homem, pois operava obras maravilho­ Talo, no terceiro dos livros que escreveu sobre a história, ex­
sas [...] tornou a aparecer-lhe vivo ao terceiro dia, tal como os plica essa escuridão como um eclipse do Sol — o que me pa­
profetas de Deus haviam predito essas e mais dez mil outras rece ilógico.
coisas a seu respeito (A n tig u id a d es 28.33).
Africano identifica a escuridão que Talo consi­
A genuinidade dessa passagem tem sido questi­ derou um eclipse solar com o a escuridão na crucifi­
onada por especialistas de todas as crenças porque cação descrita em Lucas 23.44,45.
parece duvidoso que um judeu que viveu e traba­ Oficiais do governo. Outras fontes não-cristãs fo­
lhou fora do contexto cristão tenha dito tais coisas ram os antigos oficiais do governo, cuja profissão os
sobre Jesus. Até o apologista e teólogo Orígenes (c. 185- colocava num a posição singular para obter in for­
c. 254) disse que Josefo não acreditava que Jesus era o m ação oficial não disponível ao público.
Messias ( Contra Celso 1.47). Apesar desses problemas, Plínio, o Jovem. Plínio foi um autor e adm inistra­
há razões a favor da genuinidade da m aior parte do dor romano. Numa carta ao imperador Trajano, por
texto. Primeira, há boa evidência textual para a menção volta de 112, Plínio descreve as práticas de adoração
de Jesus e nenhuma evidência textual do contrário. Se­ dos prim eiros cristãos:
gunda, o texto está escrito no estilo de Josefo. Tercei­
ra, algumas das palavras provavelmente não vieram [Eles tinham] o costume de se reunir antes do amanhecer
de um cristão. Quarta, a passagem se encaixa no seu num certodia, quando entãocantavamresponsivamenteos ver­
contexto gramatical e historicam ente. Quinta, a re­ sos de um hino a Cristo, tratando-o como Deus, e prometiam
ferência a Jesus em Antiguidades 20 parece pressu­ solenemente uns aos outros a não cometer maldade alguma, não
por uma menção anterior. Finalmente, uma versão defraudar, não roubar, não adulterar, nunca mentir,e a não negar
árabe do texto contém elem entos b ásicos sem as a fé quando fossem instados a fazê-lo; depois disso tinham o
partes questionáveis: costume de separar-se e se reunir novamente para compartilhar
a comida — comida do tipo comum e inocente (Epístolas 10.96).
Nessa época havia um homem sábio chamado Jesus. Seu
comportamento era bom, e sabe- se que era uma pessoa de virtu­ Essa passagem confirm a várias referências do
des. Muitos dentre os judeus e de outras nações tornaram-se Novo Testamento. A mais notável é que os primeiros
Jesus, fontes não-cristãs referentes a 450

cristãos adoravam Jesus com o Deus. Suas práticas apedrejado“por prática de magia e por enganar Israel e fazê-lo
tam bém revelam uma ética forte, provavelmente a desviar-se. Quem quer que saiba algo em sua defesa venha e
de Jesus. Também há uma referência à festa do amor interceda por ele". Mas ninguém veio em sua defesa e eles o
e à Santa Ceia. Depois, na mesma carta, Plínio chama penduraram na véspera da Páscoa (Talmude babilónico,
o ensinam ento de Jesus e seus seguidores de “su­ Sanhedrin.43u).
perstição excessiva” e “superstição contagiosa”, que
pode referir-se à crença e à proclam ação cristã da Essa passagem confirma a crucificação, a época
ressurreição de Jesus. do evento na véspera da Páscoa e a acusação de fei­
Imperador Trajano. Em resposta à carta de Plínio, tiçaria e apostasia. Esse texto tam bém nos informa
o imperador Trajano dá as seguintes instruções para sobre a proclamação que foi enviada antes da morte
punir os cristãos: de Jesus (v. Jo 8.58,59; 10.31-33,39). Outra referência
nessa seção m enciona cinco discípulos de Jesus. A
Nenhuma busca para encontrar essas pessoas deve ser m aioria das outras referências a Jesus e ao cristia­
feita; quando eles forem denunciados e condenados, de­ nism o no Talmude são bem posteriores e de valor
vem ser punidos; mas com a restrição de que, quando a histórico questionável.
pessoa negar ser um cristão, e provar que não é (ou seja, Toldot Yeshu. Uma testem unha bem posterior
adorando nossos deuses), ela será perdoada por arrepen­
é Toldot Yeshu, um docum ento anticristão com pi­
dimento, apesar de ter incorrido em suspeita anteriormen­
lado no sécu lo v. E sse d ocum ento explica que o
te (ibid., 10.97).
corp o de Jesu s foi secreta m en te rem ovido para
um a segunda sepultura porque os d iscípulos pre­
Isso esclarece com o o antigo governo rom ano
ten d iam ro u b a r o corp o. Q uando os d iscíp u los
via o cristianism o. Eles deveriam ser punidos por
chegaram à sepultura, o corpo de Jesus havia su­
não adorar os deuses rom anos, mas a perseguição
m ido, então eles conclu íram que ele havia ressus­
não era irrestrita.
c ita d o . E n q u a n to isso as a u to rid a d e s ju d a ic a s
Adriano. 0 historiador cristão Eusébio (c. 265-
eram inform adas sobre o verdadeiro local do cor­
339) registra uma carta do imperador Adriano para
po de Jesus. Apesar de ser bem posterior, esse do­
M íncio Fundano, procônsul asiático. Semelhante à
cu m en to p rovav elm ente reflete a p rim eira opi­
carta de Trajano a Plínio, Adriano dá alguma instru­
nião com um (v. Mt 2 8 .1 1 -1 5 ).
ção sobre como lidar com os cristãos:
Outras fontes de entre os gentios. Houve fontes
dos gentios sobre a vida de Cristo além das romanas.
Efetivamente, não me apraz deixar a questão sem investi­
gação, não suceda que sejam molestados os inocentes e aos Elas incluem:
delatores que se dê apoio para exercerem a maldade. Se, pois, Luciano. Luciano de Samosata foi um autor gre­
os provincianos podem manifestadamente manter essa peti­ go do século ii cujas obras contém críticas sarcásti­
ção contra os cristãos, pleiteando-a perante o tribunal, em­ cas ao cristianism o:
preguem apenas este trâmite, e não petições nem somente
gritos. É preferível, se alguém quer incriminar, que tu mesmo Os cristãos, como sabes, adoram um homem até hoje— o
tomes conhecimentos da causa. personagem distinto que introduziu seus rituais insólitos, e
foi crucificado por isso [...] Essas criaturas mal-orientadas
A passagem confirma que cristãos muitas vezes começam com a convicção geral de que são imortais, o que
eram acusados de infringir as leis e eram punidos, explica o desdém pela morte e a devoção voluntária que são
mas que a moderação era incentivada. tão comuns entre eles; e ainda foi incutido neles pelo seu legis­
Outras fontes judaicas. Além dos autores judeus lador original que são todos irmãos, desde o momento em que
do Novo Testamento e Josefo, outras testem unhas se convertem, e negam os deuses da Grécia, e adoram o sábio
judaicas referem -se à vida de Jesus. crucificado, e vicem segundo suas leis. Tudo isso adotam como
Talmude. As obras talmúdicas mais valiosas com fé, e como resultado desprezam todos os bens mundanos,
relação ao Jesus histórico são aquelas com piladas considerando-os simplesmente como propriedade comum
entre 70 e 200 durante o denominado Período Tanaíta. (Death ofpelegríne, 11-3).
O texto mais significativo é o tratado da Mishná.
Seguindo H aberm as, várias coisas podem ser
Na véspera da Páscoa eles penduraram Yeshu e antes dis­ verificadas a partir desse texto. Jesus era adorado
so, durante quarenta dias o arauto proclamou que [ele] seria pelos cristãos. Ele introduziu novos ensinam ento s e
451 Jesus, fontes não-cristãs referentes a

foi crucificado por seus ensinam entos. Seus ensina­ Em outra passagem lemos que:
mentos incluíam a irmandade dos crentes, a im por­
tância da conversão e a importância de negar outros Je su s era p acien te em aceitar o sofrim en to [...] p o is ele
deuses. Os cristãos viviam segundo as leis de Jesus. sab ia que essa m orte é vida p ara m uitos [...] foi pregado num a
Além disso, os seguidores de Jesus consideravam-se árvore; p u b licou o d ecreto do Pai n a cruz [...] E n tregou -se à
imortais e eram caracterizados por seu desprezo pela m orte atrav és d a v id a [... ] D ep ois de lib ertar-se d o s trap o s
morte, devoção voluntária e renúncia a bens m ate­ perecíveis, vestiu o im perecível, que nin guém ja m a is p od erá
riais. Apesar de ser um dos críticos mais declarados lhe arran car (2 0 .1 1 -1 4 ,2 5 -3 4 ).
da igreja, Luciano fornece um dos registros m ais
inform ativos de Jesus e do cristianism o primitivo Essas citações afirmam que Jesus era o Filho de
fora do x t . Deus e o Verbo, que se tornou homem e assumiu um
Mara Bar-Serapion. Um sírio, Mara Bar-Serapion, corpo carnal. Ensinou seus seguidores sobre o Pai.
escreveu para seu filho Serapion entre o século 1 e o Jesus sofreu e foi crucificado. Sua m orte traz vida
início do século m aproximadamente. A carta con­ para muitos. Jesus foi ressuscitado dos mortos num
tém uma aparente referência a Jesus: corpo im perecível.
O apócrifo de João foi uma obra gnóstica do sé­
Que v a n ta g e m os a te n ie n se s a b tiv e ra m em c o n d e n a r culo n que se inicia com um suposto registro histó­
S ó c ra te s à m o rte? F o m e e p e ste lh es so b re v iv e ra m co m o rico de um encontro entre A rim ânio, o Fariseu, e
castig o pelo crim e qu e co m eteram . Que v an tagem o s h a b i­ João, filho de Zebedeu, o discípulo. João suposta­
tan tes de S a m o s ob tiveram ao p ô r fogo em P itág o ras? Logo
mente disse que Jesus “foi para o lugar de onde veio”
d e p o is su a te rra fico u c o b e rta d e a re ia . Q ue v a n ta g e m os
(1.5-17). Essa era uma aparente referência à ascen­
ju d e u s ob tiveram com a execu ção de seu sáb io rei? Foi logo
são. Arim ânio respondeu que João fora enganado
a p ó s e s se a c o n te c im e n to q u e o rein o d o s ju d e u s foi a n i­
por Jesus. Não há evidência além de O apócrifo de
q u ilad o. Com ju stiç a D eus vin gou a m o rte d e sse s três s á b i­
que esse evento tenha ocorrido.
o s: o s a te n ie n se s m o rr e ra m d e fo m e ; o s h a b ita n te s d e
O E vax gelho d e T omé (c. 140-200) é uma coleção
S a m o s fo ram su rp re e n d id o s p elo m a r; o s ju d e u s a rru in a ­
de alguns eventos espúrios e outros reais, além de
d o s e e x p u l s o s d e s u a t e r r a , v iv e m c o m p le t a m e n t e
citações de Jesus. Ele nos diz várias coisas sobre a
d isp e rso s. M a s S ó c rate s n ão e stá m o rto ; ele so b rev iv e a o s
id entid ad e de Je su s. Jesu s se id e n tifica com o o
e n sin o s d e P latão. P itág o ra s n ão e stá m o rto ; ele so b rev iv e
Ressurreto, o Filho do Homem, o Filho de seu Pai e o
n a e stá tu a d e H era. N em o sá b io rei e stá m o rto ; ele so b r e ­
Todo do Universo. Como na Bíblia, os discípulos não
vive n o s e n sin o s q u e d e ix o u (M a n u sc rito siría c o , a d d 14,
reconhecem a verdadeira identidade de Jesus. O Evan­
6 5 8 ; c ita d o em H a b e rm as, p. 2 00).
gelho de Tomé refere-se à morte e exaltação de Jesus.
É um documento com pletamente gnóstico e por isso,
Essa passagem confirm a quatro ensinam entos
e tam bém pela data posterior, tem valor histórico
específicos do x t : 1) Jesus era considerado um ho­
lim itado.
mem sábio e virtuoso; 2) Jesus foi considerado por
muitos o rei de Israel; 3) os judeus executaram Je­
O tratado sobre a ressurreição é uma obra gnóstica
do final do século n. Apesar da filosofia gnóstica car­
sus; 4) Jesus continuou vivo nos ensinam entos de
regada, o Tratado afirma vários ensinamentos: Jesus
seus seguidores.
realmente era divino. Apesar disso, Jesus, o Filho de
Fontes gnósticas. Logo depois da época de Cristo,
vários grupos n ão-cristãos cresceram paralelos à Deus, assumiu a forma carnal. Jesus morreu, ressus­
ig reja . Um dos m ais b e m -su c e d id o s foi o dos citou e derrotou a morte para os que crêem nele. O
gnósticos (v. GXOSTICISMO). valor dessa obra com o fonte histórica tam bém é
O Evangelho da verdade. Esse livro do século ii lim itado.
provavelmente foi escrito por Valentino (1 3 5 -1 6 0 ). Outras fontes perdidas. Além dessas fontes não-
Ele confirma que Jesus foi uma personagem históri­ cristãs da vida de Cristo, alguns documentos são su­
ca em várias passagens: geridos, mas não foram encontrados.
Os Atos de Pôncio Pilatos. Apesar de um docu­
Pois quando o viram e ouviram , ele perm itiu que o provas­ mento supostamente oficial — Atos de Pôncio Pilatos
sem e ch eirassem e to cassem o Filho am ad o. Q uando ele a p a ­ — n ã o ter sobrevivido, ele é m encionado por J u st in o
receu instruindo-os sobre o Pai [...] Pois veio por m eio de a p a ­ M á r t ir por volta do ano de 150 e por T e r t u l ia n o por
rência carn al (30.27-33; 31.4-6). volta do ano 200. Justino escreve:
Jesus, Seminário 452

“ T ranspassaram as m inhas m ão s e o s m eus pés” significa­ Fontes


va o s c rav o s q u e na cruz tra n sp a ssa ra m se u s p é s e m ã o s. E J. X . D. A ndermin, The witness o f history.
d e p o is d e crucificá-lo, aq u eles qu e o cru cificaram lan çaram F. F. B rice, Merece confiança o Sovo Testamento'
sorte so b re a s su a s ro u p as e a s rep artiram entre si. Que tudo ___ , lesas and Christian origins outside the
isso aconteceu assim , podeis com prová-lo pelas atas redigidas Sew Testament.
no tem p o de P ôncio P ilatos (i Apologia, p. 35). E u seb io , História eclesiástica.
F lávio Joseeo, Antiguidades dos judeus.
Justino também afirma que os milagres de Jesus G. H a b e r m a s , The historical Jesus, cap. 9 .
podem ser confirmados nesse documento (ibid., p. 48). L ucian o de S amosata , The works o f Lucian oj
Flegon. Flegon (n. c. 80) foi escravo liberto do Samosata.
imperador Adriano. Nenhuma das obras de Flegon J. Mc Dowell, Evidência que exige um veredito, cap. 5
sobreviveu, mas ele é m encionado várias vezes por O rígenes , Contra Celso.
autores posteriores. Falou sobre a m orte e ressur­ P l ín io , o J o v e m , Cartas.
reição de Cristo em Crônicas, obra que não sobrevi­ A. R oberts e J. D o na ld son , orgs. The ante-Xicene
veu, dizendo: “Jesus, enquanto vivo, não se preser­ fathers.
vou, mas ressuscitou depois da m orte e exibiu as SuETôsio, Life o f Claudius.
m arcas de seu castigo, e mostrou como suas mãos ___ , Life o f Nero.
foram tra sp a ssa d a s p elos c ra v o s” (c ita d o em T á cito , A nais.

Orígenes, 4.455; v. Habermas, 210; Anderson, p. 19).


Flegon tam bém mencionou “o eclipse na época de Je su s, S e m in á rio . O Seminário Jesus é uma socie­
Tibério César, em cujo reino Jesus parece ter sido dade de teólogos do n t , dirigida por Robert W. Funk,
crucificado, e o grande terrem oto que aconteceu na que foi organizada em 1985 com o patrocínio do
época” (Orígenes, p. 14). Júlio Africano confirma as Instituto Estar, de Santa Rosa, Califórnia. Mais de
mesmas citações (Júlio Africano, p. 18). setenta teólogos se reúnem duas vezes por ano para
Habermas resume, com base nas referências de fazer declarações sobre a autenticidade das palavras
Flegon, que Jesus previu o futuro, que houve um eclip­ e ações de Cristo. O Seminário é com posto por cató­
se na época da crucificação, e que isso ocorreu du­ licos liberais e protestantes, judeus e ateus . A maio­
rante o reinado de Tibério. Após sua ressurreição, ria é de professores do sexo masculino, mas o grupo
Jesus apareceu e mostrou suas feridas, principalm en­ inclui um pastor, um cineasta e três mulheres. Cerca
te as marcas dos cravos da crucificação (Habermas, de metade deles form aram -se nas faculdades de te­
P-211). ologia de Harvard, Claremont ou Vanderbilt.
Resum o. As fontes prim árias da vida de Cristo Obras. Uma das intenções da organização é pu­
são os q u atro evan g elh o s (v. Novo T e s t a m e n t o , blicar livros de crítica textual para uma grande va­
h is t o r ic id a d e d o ) . No entanto, há relatos considerá­ riedade de pessoas que normalm ente lêem tais estu­
veis de fontes n ã o -cristã s que com p lem en tam e dos. Assim, o grupo tem um núm ero crescente de
confirm am os registros evangélicos. Estes vêm em publicações. Entre as obras até agora publicadas en-
grande parte de fontes gregas, rom anas, judaicas e co n tra m -se : M arcus B org, Jesus in contemporary
sam aritanas do século i. Em resum o, elas nos infor­ scholarship [Jesus na erudição contem porânea] e
mam que Jesus: 1) era de Nazaré; 2) viveu de modo Meeting Jesus again for the first time [Encontrando-
sábio e virtuoso; 3) foi crucificado na Palestina sob se de novo com Jesus pela primeira vez]; John Dominic
Pôncio Pilatos durante o reinado de Tibério César Crossan, In fragments: the aphorisms o f Jesus [Em
na época da Páscoa, sendo considerado o rei judeu; fragmentos: os aforismos de Jesus[, Jesus: a revolu­
4) segundo seus discípulos, ele ressuscitou dos m or­ tionary biography [Jesus: uma biografia revolucio­
tos depois de três dias; 5) seus inim igos reconhe­ nária], The historical Jesus: the life o f a mediterranean
ceram que ele realizou feitos incom u ns d en om i­ peasant [0 Jesus histórico; a vida de um camponês
nados por outros “feitiçaria”; 6) seu pequeno gru­ mediterrâneo] e The other four Gospels: shadows on
po de discípulos se m ultiplicou rapidam ente, es- the contours o f canon [Os outros quatro evangelhos:
palhando-se até Rom a; 7) seus discípulos negavam som bras nos contornos do cânon]; Funk, The fiv e
o p o liteísm o , viviam de acord o com p rin cíp io s Gospels [Os cinco evangelhos] e The parables o f Jesus
m orais e adoravam a Cristo com o divino. Essa des­ [As parábolas de Jesus]; e Burton M ack , Jesus: A new
crição con firm a a im agem do Jesus apresentad a vision [Jesus: uma nova v/sdo], The myth o f innocence:
nos evangelhos do n t . M ark and Christian origins [O mito da inocência:
453 Jesus, Seminário

Marcos e as origens cristãs], The lost Gospel: the book ca palavras que provavelmente podem ser atribuí­
o f q and christian origins [O evangelho perdido: o das a Jesus. Cinza representa palavras que provável,
livro de q e origens cristãs] e Who wrote the New mas não certam ente, vieram de fontes posteriores.
Testament: the making o f the christian myth [ Quem Preto indica palavras que Jesus quase certam ente
escreveu o Novo Testamento: a criação do mito cris­ não disse.
tão], O m aior esforço do grupo foi a tradução dos O voto baseou-se numa variedade de obras cris­
evangelhos editados por Robert J. Miller, The comple­ tãs além dos quatro evangelhos canônicos, incluindo
te Gospels: annotated scholars version [Os evange­ o fragm entado Evangelho de Pedro, o suposto, mas
lhos completos: versão anotada por eruditos]. não existente, documento qou Quelle (“fonte”), o E v a n ­
g e l h o d e T o m é do século n, e no documento chamado
Objetivos do trabalho do Seminário. Apesar de os
m em bros do sem inário produzirem obras de críti­ Marcos secreto, que não sobreviveu. Tomé geralmen­
ca, desde sua concepção o Sem inário Jesus buscou te é tratado como o quinto evangelho, tão im portan­
colocar suas conclusões à disposição do público em te quanto os quatro livros canônicos.
geral, em vez de lim itá-las à comunidade acadêm i­ Resultados da votação. O resultado desse traba­
ca: “Vamos tentar realizar nosso trabalho para o pú­ lho é a conclusão de que apenas 15 citações (2% )
podem ser consid erad as absolu tam ente palavras
blico ver; não só honrarem os a liberdade de infor­
autênticas de Jesus. Cerca de 82% do que os evange­
mação, mas tam bém insistirem os na divulgação pú­
lhos canônicos atribuem a Jesus não é autêntico.
blica de nosso trabalho” (Funk, Forum, 1.1). Para esse
Outros 16% das palavras são de origem duvidosa. A
fim o Seminário buscou publicidade de todas as fon­
seguinte tabela divide as proporções de cada Evan­
tes possíveis. Uma conferência na tv, muitos artigos,
gelho por categoria e a porcentagem de citações “au­
entrevistas, cassetes e possivelm ente um filme são
tênticas” de Cristo. Note-se que Tomé teve maior por­
parte dessa cam panha de inform ação ao público
centagem de votos “v erm elhos”, a u tên tico s, que
sobre a teologia anti-sobrenatural. Funk confessou
M arcos e João.
a natureza radical do trabalho quando disse: “Estamos
C onclusões d o S em in ário, V árias conclusões
investigando o que é mais sagrado para milhares de
radicais emergem do trabalho do Sem inário Jesus
pessoas; portanto, estarem os constantem ente nos
que afetam seriamente o cristianism o ortodoxo his­
aproximando da blasfêmia” (ibid., p. 8). Essa é uma
tórico, pois elas são levadas a sério pelo público:
revelação honesta e precisa do que tem acontecido.
Procedimentos do Seminário. O grupo vale-se de
1. 0 “antigo” Jesus e o “cristianism o antigo” não
bolinhas coloridas para votar sobre a precisão do
são mais relevantes.
que Jesus falou. A cor vermelha indica palavras que
2. Não há consenso sobre quem Jesus foi (cínico,
Jesus provavelmente pronunciou. Cor-de-rosa indi­
sábio, reformador judeu, fe-minista, profeta mes
tre, profeta social radical ou profeta escatológico?).
C it a ç õ e s V e rm e ­ Rosa c in z a P re to A u tê n ­ 3. Jesus não ressuscitou dos mortos. Um dos mem­
dos lh o t ic o bros, Crossan, teoriza que o cadáver de Jesus foi
E v a n g e lh o s
enterrado numa vala rasa, desenterrado e co­
mido por cães.
M ate u s 11 61 ; 114 235 2 ,6 %
4. Os evangelhos canônicos são recentes e não
420
m erecem credibilidade.
M arco s 5. As palavras autênticas de Jesus podem ser
177 1 18 66 92 0 ,6 %
reconstruídas com base no denominado “do­
cumento q”, o Evangelho de Tomé, Marcos se­
Lucas creto e o Evangelho de Pedro.
392 14 65 128 185 3 ,6 %
Como Funk disse claramente, o Seminário con­
cluiu que “os contextos narrativos em que as palavras
jo ã o 0 1 5 134 0 de Jesus são preservadas nos evangelhos são invenção
140
dos evangelistas. São fictícias e secundárias” ( “The
emerging Jesus”, p. 11).
Avaliação. Para uma avaliação mais extensa do
Tom é 3 40 67 92 1,5 0 o
202
Evangelho de Tomé e do documento q, v. esses artigos.
A maioria das questões levantadas pelo Seminário é
Jesus, Seminário 454

a n a l i s a d a em B íblia , evidências da ; B íblia , crítica da; ressurreição de Cristo. Até teólogos críticos datam 1
CRISTO, MORTE DE; MILAGRES, ARGUMENTOS CONTRA; NOVO TES- Coríntios de cerca de 55-56 d.C. Isso o coloca dentro
TAMENTO, HISTORICIDADE DO e RESSURREIÇÃO, EVIDÊNCIAS DA. de um período 25 anos após a morte de Jesus em 33.
Outras afirm ações podem ser acrescentadas: Alguns estudiosos importantes admitem datas an­
A ala radical da teologia. O Seminário Jesus repre­ teriores para os evangelhos básicos. O falecido bispo J.
senta a ala radical da teologia do n t , que infelizmente A. T. Robinson argumentou que eles foram escritos
inclui grande número de teólogos e pastores de desta­ entre 40 e 60. Isso dataria os primeiros registros em
que. O fato de algumas de suas posições serem adotadas apenas sete anos após os eventos relatados.
por vários teólogos contemporâneos não é o proble­ Mesmo as datas posteriores das décadas de 60 a
ma, pois a verdade não é determinada por voto m ajo­ 80 não dão margem a distorções mitológicas. Já foi
ritário. A maioria das provas que oferecem, além do dem onstrad o que m esm o duas gerações é pouco
procedimento de votação, não são convincentes e ge­ tempo para perm itir que tendências lendárias eli­
ralmente inexistem, com exceção de citações de um m inem o fato histórico puro (v. m it o l o g ia f o N ovo
ou outro teólogo liberal como fontes incontestáveis. T e st a m e n t o ).
Apesar de os teólogos radicais chamarem bastante a Aceitação acrítica do documento q . O método pelo
atenção no final do século xx, no quadro mais amplo qual o Seminário Jesus conseguiu chegar às suas con­
da história cristã eles são minoria. clusões radicais com grande atividade académica foi
Anti-sobrenaturalismo injustificado. As conclusões simples. Ele rebaixaram os registros do século i e das
radicais do grupo são baseadas em pressuposições testemunhas oculares contemporâneas da vida de Je­
radicais, uma das quais é uma rejeição injustificada
sus (os quatro evangelhos) a obras de mitologia e os
de qualquer intervenção milagrosa na história por
substituíram por obras das quais não sobreviveram
parte de Deus (v. milagres, argumentos contra). Um dos
quaisquer traços documentais, tais como ç>, e obras
principais motivos para rejeitar a autenticidade dos
claramente apócrifas como o Evangelho de Tomé. Mas
evangelhos canônicos é a suposição de nenhuma re­
q é um documento puramente hipotético. Não há ma­
ferência a milagres ser confiável. Essa pressuposição
nuscritos. Ninguém jam ais citou tal livro ou referiu-
infiltrou-se na teologia por meio de David Hume e
se à sua existência. É uma reconstrução literária pura­
David Strauss. 0 anti-sobrenaturalismo de David Hume
m en te h ip o té tica b asead a em p ressu p o siçõ es
é infundado.
injustificadas. Isso contraria a própria evidência.
Aceitação infundada de datas posteriores. Da su­
O uso de Tomé é questionável por várias razões.
posição do anti-sobrenaturalism o vem a tendência
É claram ente um a obra do século n, bem fora da
de presum ir datas mais tardias para a autoria dos
época dos contem porâneos dos eventos. Contém he­
evangelhos (no mínimo, 70 a 100, e alguns sustentam
resias, pois seu en sin am en to é g n ó stico (v. Nag
mais tarde). Ao fazer isso, podem criar tempo sufi­
H a m m a d i , eva ngelh os d e ). A afirmação de ter sido es­
ciente entre os eventos e o registro para as testem u­
crito por um apóstolo o coloca na categoria de len­
nhas oculares morrerem e desenvolver-se certa “aura”
da. É interessante que seu uso para desacreditar a
m itológica em torno do fundador do cristianism o.
ressurreição ignora o fato de que a obra se apresen­
Assim, podem dizer que 84% das palavras de Jesus
ta como palavras do Cristo ressurreto.
foram inventadas mais tarde. Mas há problemas com
Os teólogos do Sem inário Jesus tam bém usam
essas datas posteriores e, à medida que a arqueolo­
gia am plia o entendim ento das fontes do século i, Marcos secreto e o Evangelho de Pedro. Pedro é uma
essa posição torna-se insustentável. Entre os proble­ obra apócrifa do século n ou iu. Ninguém, na história
mas estão: recente, jam ais viu Pedro ou a cópia da carta de Cle­
A evidência de m anuscritos do início do século m ente que supostam ente o continha. Então como
ii indica firmemente uma origem asiática no século pode seu conteúdo ser usado para julgamento aca­
i. Os evangelhos são citados em outras obras do sé­ dêmico da autenticidade dos evangelhos?
culo i (v. Bíblia, evidências da). Paralogismo. O processo de raciocínio do Sem i­
O evangelho de Lucas foi escrito antes de Atos, nário Jesus é uma forma sofisticada de erro de lógi­
que tem forte evidência de uma data no m áxim o ca conhecido por petitio princippi , ou petição de
entre 60-62 d.C. (v. Atos, historicidade de). Isso está princípio. Seu raciocínio circular com eça com vi­
dentro do período de tempo de vida dos contem po­ são não-sobrenaturalizada de uma personagem re­
râneos de Jesus. ligiosa do século i e termina no mesmo ponto.
Os escritos de Paulo falam da historicidade dos Conclusão. Apesar do desejo de chamar a aten­
eventos m ais cru ciais nos evangelhos, a m orte e ção do grande público e de suas tentativas de alcançar
455 Jesus histórico, busca do

tal objetivo, nada é novo nas conclusões radicais do h i s t ó r i a permanece dogma central de grande parte
Seminário Jesus. Ele só oferece outro exemplo de crí­ d a p e s q u i s a moderna do n t ( v . J e s u s , se m in á r io ) . Ela
tica negativa e infundada da Bíblia. Suas conclusões está b a s e a d a no anti-sobrenaturalism o de Baruch
são contrárias à evidência esm agadora favorável à E sp i n o s a , no d e ís m o inglês e na dicotomia de fato/ va­
historicidade do nt e à confiabilidade das testem u­ l o r d e Immanuel K a n t .
nhas do n t . Elas baseiam -se em preconceito anti- Em 1835, David S t r a u ss publicou sua obra despi­
sobrenaturalista infundado. da do sobrenatural The life ofJesus critically examined
[A vida de Jesus examinada criticamente}. Sob a in­
Fontes flu ê n c ia de David H ume, S tra u ss d e s c a rto u a
C. B lombf.ru, T h e h i s t o r i c a l r e l i a b i l i t y o f t h e G o s p e ls . confiabilidade dos elementos históricos e sobrena­
____. “ The seventy-four scholars’: who does turais nos evangelhos, considerando-os “ultrajes” e
the Jesus Seminar really speak for?” , em crj “m ito s” . Isso levou a te n ta tiv a s p o sterio re s de
(Fall 1994). desmitificar os registros evangélicos (v. m it o l o g ia f. o
G. B oyd, J e s u s t in d e r s s ie g e . Novo T e st a m e n t o ).
D. A. Carson, “Five Gospels, no Christ”, C h r is t ia n it y Albert Schweitzer encerrou esse período em 1906
Today (25 Apr. 1994). com seu The quest o f tlxe historical Jesus [A busca do
E. Ferguson, B a c k g r o u n d s o f t h e e a r l i e s t C h r is t ia n it y . Jesus histórico}. Ele argumentou que a mensagem de
G. H aberm as , T h e h is to r ic a l Jesu s. Jesus era de natureza escatológica e que a pesquisa
C. J. H e.m e r , T h e b o o k o f A c ts in t h e s e t t i n g o f H e ll e n ic supostam ente objetiva sobre o hom em Jesus havia
h is t o r y . produzido uma personagem moldada nos próprios
I. H. M arshall, I b e l i e v e in t h e h i s t o r i c a l J e s u s . preconceitos dos pesquisadores. “Não há nada mais
J. W. M ontgomery, H i s t o r y a n d C h r is tia n ity . negativo que o resultado do estudo crítico da vida
A. X. Sherwtn-U' hite, R o m a n s o c i e t y a n d R o m a n la w de Jesus”, escreveu Schweitzer. “Ele é uma persona­
in t h e X e w T e s ta m e n t. gem criada pelo racionalism o, dotado de vida pelo
M. J. W ilkins , et al. Jesus u n d e r fire . liberalism o e vestido de trajes históricos pela teolo­
gia moderna” (Schweitzer, p. 396).
O p eríodo sem buscas. Schweitzer prejudicou se­
Jesus, singularidade de. V. Cristo, divindade de; Cris­ veramente a confiança da busca pelo histórico e inau­
to, SINGULARIDADE DEJ RELIGIÕES MUNDIAIS E CRISTIANISMO. gurou um período durante o qual tal pesquisa ficou
desacreditada. Rudolph B ultm ann considerava tal obra
Jesus da história. V. Cristo da fé contra Jesus d a histó­ metodologicamente impossível e teologicamente ile­
ria; Jesus histórico, busca do; Jesus, Seminário. gítima. Em Jesus e a Palavra (1958), ele escreveu:

Jesus histórico, busca do. Há mais de cem anos Realmente acredito que não podemos saber quase nada
que acontece uma busca para identificar o Jesus his­ com relação à vida e à personalidade de Jesus, já que as primei­
tórico e diferenciar essa pessoa do Cristo da Fé (v. ras fontes cristãs não demonstram interesse em nenhuma das
Cristo da fé contra Jesus da história). Na verdade, vári­ duas, além de serem fragmentárias e muitas vezes lendárias; e
as buscas já foram feitas. Todas, exceto a última, re­ outras fontes sobre Jesus não existem (Bultmann, p. 8).
jeitaram totalm ente a historicidade do nt e m ina­
ram o cristianism o ortodoxo e a apologética cristã. Bultmann indicou a mudança da procura histórica
As buscas pelo Jesus real podem ser divididas para o encontro existencial. Valendo-se do pensamento
em quatro períodos: 1) a prim eira busca ou busca de Strauss, Bultmann começou a desmitificar os evan­
“antiga”, 1778-1906; 2) o período “sem busca”, 1906- gelhos e a reinterpretá-los de forma existencial.
1953; 3) a “nova” busca, 1953-1970; e 4) a terceira A nova busca. Um aluno de Bultm ann, Ernst
busca, de 1970 (v. Holden, cap. 2). Kasemann, começou a “nova busca” numa palestra
Operíod o da prim eira busca. A busca pelo Jesus de 1953. Ele rejeitou o método de Bultmann como
histórico partiu da publicação póstuma por Gotthold docético (v. d o c e t ism o ), porque Bultmann desconside­
Lessing do livro [Fragmentos], de Hermann Reimarus. rava a humanidade de Jesus. Apesar de manter gran­
No fragmento “Sobre a intenção de Jesus e seus discí­ de parte das pressuposições da busca anterior, os ob­
pulos”, Reimarus separou o que os apóstolos disse­ jetivos de Kasemann eram diferentes. A antiga busca
ram sobre Jesus do que Jesus realmente disse sobre objetivava a descontinuidade entre o Cristo da fé e o
si. Essa dicotomia entre o Cristo da fé e o Jesus da Jesus da história em meio à suposta continuidade.
João, evangelho de 456

A nova busca preocupava-se com a pessoa de Cristo Mas sua historicidade foi consolidada mais que a de
com o a palavra pregada de Deus e sua relação com a outros livros (v. N ovo T estamento, confiabilidade dos do­
história. A obra principal da nova busca é jesus o f cumentos do; N ovo T estamento, historicidade do;N ovo T es­
Nazareth [Jesus de Nazaré], de Gunther Bornkam m tamento , FONTES NÃO-CRISTÃS DO).
(1960). Má interpretação de “mito”. A maioria das buscas
A terceira busca. A pesquisa mais recente sobre não entendeu a natureza do “m ito”. Só porque um
o Jesus histórico é em grande parte a reação à “nova evento é mais que empírico não significa que é m e­
busca”. Ela é multifacetada, incluindo alguns da tra­ nos que histórico. O milagre da ressu rreição, por
dição radical, uma nova tradição da perspectiva e exemplo, é mais que a ressurreição do corpo de Je ­
conservadores. Na categoria “conservadora” estão I. sus — mas não é menos que isso. Como C. S. L ewts
Howard Marshall, D. F. D. Moule e G. R. Beasley-Murray. observou, os que equiparam o nt à m itologia não
Eles rejeitam a idéia de que a descrição do Jesus do estudaram bem o n t ; tampouco não estudaram bem
n t foi de alguma forma criada por seitas helénicas os mitos (v. mitologia e o N ovo T estamento ).
de salvação (v. m itra ísm o ; apo teo se ). Falsas suposições sobre documentos extrabíblicos.
O grupo da nova perspectiva coloca Jesus no con­ Na busca radical m ais recente há um esforço mal
texto do século i. Esse grupo inclui E. P. Sanders, Ben F. direcionado para adiar a datação do nt e acrescen­
Meyer, Geza V erm es, Bruce Chilton e Jam es H. tar os documentos extrabíblicos o e o Evangelho de
Charlesworth. A tradição radical é exemplificada pelo Tomé. Mas está bem estabelecido que há registros do
Seminário Jesus e seu interesse no E vangelho de Tomé nt anteriores a 70 d.C, enquanto contem porâneos e
e no documento q. Mais informações sobre esse grupo testem unhas oculares ainda estavam vivos. Além
podem ser encontradas no artigo S em inário J esu s . O
disso, não há prova de q ter existido com o docu­
Seminário Jesus usa muitos dos métodos de Strauss e
mento escrito. Não há m anuscritos ou citações dele.
Bultmann, mas, ao contrário do primeiro, o grupo é
O Evangelho de Tomé é uma obra de meados do sécu­
otimista sobre a recuperação do indivíduo histórico.
lo ii, muito recente para ter figurado entre os escri­
Os resultados até hoje, no entanto, renderam teorias
tos dos evangelhos.
bem diferentes, baseadas num pequeno fragmento dos
ensinamentos do n t que consideram autêntico.
Fontes
Avaliação. Suposições falsas sobre método e pre­
C. B lomberg , The historical reliabílity o f the Gospels.
missas. Com a exceção da retomada acadêmica con­
G. B ornkamm , Jesus o f Nazareth.
servadora, todas as buscas basearam -se em prem is­
G. BoYD,/g5us undersiege.
sas falsas e procederam com base em métodos fa­
R. F unk , Thefive Gospels.
lhos ou questionáveis. A m aioria desses m étodos
G. H abermas , The historical Jesus.
são exam inados detalhadam ente nos artigos cita ­
C. J .H emer , Thebook ofActs in the settingofHellenic
dos. As premissas falsas incluem:
history.
A nti-sobrenaturalism o. R elatos de m ilagres e
J. H oldf.n , An examination o f the Jesus seminar.
qualquer referência ao sobrenatural são rejeitados
I. H . M arshall , Ibelieve in the historical Jesus.
imediatamente. Isso é injustificado (v. m il a g r e ; m il a ­
D. S trauss , The life ofJesus critically examined.
g r e s , ARGUMENTOS CONTRA; NATURALISMO).
A. S chwf.it 7.er , The quest o f the historical Jesus.
Dicotomia de fato/ valor. A suposição de K a n t de
H. R eimarus , Fragments, org. G. L essing.
que é possível separar fato de valor é claram ente
falsa, o que fica evidente na impossibilidade de se­
parar o fato da morte de Cristo de seu valor. Não há Jo ã o , evangelho de. O evangelho de João é um elo
significado espiritual no nascim ento virginal se ele im portante no argumento a favor da divindade de
não for um fato biológico. E não se pode separar e Cristo e da veracidade do cristianism o. Supondo que
fato da vida de seu valor; um assassino inevitavel­ a verdade é cognoscível (v. v e r d a d e , n a tu r ez a d a ) , o
mente ataca o valor do indivíduo como ser humano argumento geral pode ser afirmado (v. a p o l o g é t ic a ,
ao tirar a vida da pessoa. a r g u m en to geral da ) da seguinte forma:

Falsa separação. As buscas não podem substanciar


a disjunção entre o Cristo da fé e o Jesus do fato. Elas I. O Deus do teísmo existe.
supõem, sem provas, que os Evangelhos não são histó­ 2. No universo teísta, milagres são possíveis (v.
ricos e que não apresentam a pessoa histórica de Jesus. m ila g r e ).

Negação da historicidade. No centro das buscas 3. Milagres ligados a reivindicações da verdade


está uma negação da natureza histórica dos evangelhos. são atos de Deus que confirm am a verdade
457 João, evangelho de

proclamada por seu mensageiro (v. m il a g r e s , Argumentos contra a historicidade. Vários ar­
VALOR A PO LO G ÉTIC O D O S ) . gumentos são usados contra a autenticidade do re­
4. Os d ocu m en tos do nt são h isto rica m en te gistro de João:
confiáveis. João foi escrito no século n, então não p od eria ser
5. No nt , Jesus afirmou ser Deus. escrito p or uma testemunha ocular. Supostamente, o
6. Jesus provou ser Deus mediante a conver­ autor coloca na boca de Jesus e seus discípulos afir­
gência inédita de milagres. mações que lhe atribuem divindade.
7. Portanto, Jesus era Deus em carne humana. Se João tivesse sido escrito durante o século n,
isso em si não o tornaria falso. É com um o fato de
O evangelho de João comprova a quinta prem is­ outros registros da Antiguidade — que os críticos
sa, registrando as afirmações explícitas de divinda­ aceitam — terem sido escritos séculos após os even­
de por parte de Jesus: tos sobre os quais falam. A prim eira biografia de
Alexandre, o Grande, foi escrita 200 anos depois de
Além disso, o Pai a ninguém julga, mas confiou todo julga­ sua morte, mas é usada por historiadores como fon­
mento ao Filho, para que todos honrem o Filho como honram te confiável de informação. Mas não há evidência de
o Pai. Aquele que não honra o Filho, também não honra o Pai que João tenha escrito tanto tempo depois. Nenhu­
que o enviou (5.22,23). ma evidência testem unhal ou d ocum entária co n ­
Eu lhes afirmo que antes de Abraão nascer,Eu sou! (8.58). tradiz suas afirm ações explícitas de ter sido teste­
Eu e o Pai somos um (10.30). munha ocular do que Jesus disse e fez. João registra:
E agora, Pai, glorifica-me junto a ti, com a glória que eu ti­ “Este é o discípulo que dá testem unho dessas coisas
nha contigo antes que o mundo existisse (17.5). e que as registrou. Sabemos que o seu testem unho é
verdadeiro” (Jo 2 1 .2 4 ). No contexto, a afirm ação
Outras afirm ações sobre as reivind icações de
identifica claram ente o autor como o apóstolo João.
d ivindade feitas por C risto não são reg istrad as
Não há evidência do contrário, logo a evidência pri­
nos sin ó tico s com o são em João (p .ex. 9 .3 5 -3 8 ;
ma facie para um evangelho autêntico é forte.
13.13-15 e 18.6). A firm ações claras de um ap ó sto­
Essa evidência é fortalecida pelo frescor e viva­
lo co n tem p o râ n e o so b re a d iv ind ad e de C risto
cidade do livro, que não contém registros antigos de
vêm de João:
muitos anos após os eventos que relatam. Explica­
ções de contexto histórico, detalhes pessoais e con­
No princípio era aquele que é a Palavra. Ele estava com
versas particulares cuidadosam ente relacionad as
D eus,eera Deus (1.1).
(p.ex., Jo 3 , 4 , 8 — 10,13— 17) revelam a obra de uma
Ninguém jamais viu a Deus, mas o Deus Unigénito, que
testemunha ocular (v. Jo 2.6; 4.6; 6.10; 12.3, 5). Por
está junto do Pai, o tornou conhecido (1.18)
exem plo, João (5 .2 ) m enciona cinco pavilhões no
Isaías disse isso porque viu a glória de Jesus e falou so­
tanque de Betesda. Escavações entre 1914 e 1938 des­
bre ele (12.41).
cobriram esse tanque e confirm aram que ele era
Senhor meu e Deus meu! [A confissão de Tomé sobre o
exatam ente com o João descreveu. Como esse tan­
Cristo ressurreto, 20.28].
que não existia no século n, é pouco provável que
Pelo fato de tais afirmações não terem passagens qualquer fraude do século n tivesse acesso a tal deta­
análogas em outros evangelhos, os críticos negati­ lhe sobre pessoas, lugares, geografia e topografia.
vos descartaram sua autenticidade. Os apologistas Outra alegação dos críticos é que João é muito
freqüentem ente evitam a questão lim itand o-se às diferente, em eventos e em linguagem, para estar tra­
a firm a çõ e s de Je su s so b re sua d iv in d ad e nos tando do mesmo homem e eventos que os evangelhos
sinóticos (p.ex. Mt 16.16,17; Mc 2.5-10; 14.61-65) e sinóticos. As questões de linguagem serão discutidas
nas ocasiões em que ele aceitou adoração (p.ex., Mt a seguir. O fato de os eventos serem diferentes é uma
28.9; Mc 5.6; 15.19). prova favorável. Se João tivesse sido escrito até um
Não podemos, no entanto, evitar João com pleta­ século depois dos sinóticos para promover compro­
mente. Se, como alguns críticos afirmam, João criou missos teológicos, a tendência seria referir-se a algu­
essas citações ou não as relata com precisão, os re­ mas das mesmas ocorrências, apenas acrescentando
gistros do evangelho estão minados, assim como os algo a elas. Isso não acontece. Mas há sobreposições
ricos ensinam entos teológicos encontrados em João nos momentos óbvios (a crucificação e ressurreição)
(v. Novo T estam ento , datação do ; N ovo T estam ento , e em outras ocorrências marcantes — Jesus andando
C O NFIA BILID A D E DOS D O C U M E N T O S D O ) . sobre a água, a multiplicação dos pães, sua entrada
João, evangelho de 458

triunfal em Jerusalém e especialmente a última ceia. cf. Mt 18.12-14; Lc 15.3-7). Discipulado significa ser­
Não há diferença substancial entre esses registros. viço (13.4,5,12-17; cf. Lc 22.24-27). João introduz “se­
A hipótese do século n levou um duro golpe com m ear” versus “ceifar” (4.37); o filho aprendiz (5.19-
a descoberta no Egito do “Fragmento John Rylands” 20a); “escravidão” versus “filiação” (8.35); “trabalhar”
do evangelho, que pode ser datado por volta de 114 e “andar na luz” (9.4; 11.9-10); o “ladrão”, o “porteiro”
d.C. João foi escrito na Ásia Menor. Se cópias esta­ e o “aprisco das ovelhas” (10.1 -3cz); o “germinar do
vam circulando numa pequena vila do outro lado do grão de trigo” (12.24); a “vinha” e o “agricultor” (15.1-
M editerrâneo já em 114, o original certam ente era 6); e a “dor de parto” (16.21; Blomberg, 158). Em vez
uma obra do século i. de m ostrar que o relatório de João não é autêntico,
Tradicionalm ente João é considerado o último tais expressões parabólicas estabelecem o elo entre
evangelho a ser escrito, durante a década de 90. Mas o Jesus de João e o Jesus dos sinóticos.
pesquisas recentes dos r o l o s d o m a r M o r t o levaram O livro abrange épocas e lugares diferentes. João
alguns teólogos a datar João antes de 70, por sua afi­ relata conversas mais particulares, ao passo que Jesus
nidade com Qumran (Guthrie, p. 2 6 1 -2 ). A m aior se expressava por meio de parábolas com a multidão
evidência observada é a simplicidade da linguagem incrédula (Mt 13.13-15). Os eventos registrados não
e o tema de luz e trevas, tão comum no pensamento são encontrados nos sinóticos. João lida com os mi­
de Qumran (Jo 1.4-9; v. 8.12). Até mesmo teólogos nistérios inicial e final de Cristo, enquanto os sinóticos
liberais, tais como John A. T. Robinson, datam João lidam, em grande parte, com os ministérios central e
entre 40-65 (Robinson, p. 352), o que o colocaria ape­ da Galiléia. É compreensível que Jesus tenha dito coi­
nas uma década após os próprios eventos. Essa data sas de modo um pouco diferente em horas e locais
pode ser recente demais, mas reflete o que se apren­ diferentes, como qualquer pregador itinerante.
deu sobre o con h ecim en to em p rim eira m ão do
Joã o estava atingindo um novo público. A ausên­
autor com relação aos eventos relatados.
cia de parábolas narrativas sugere que o público
A origem de João no século i, enquanto as teste­
desse pregador não era um grupo de língua semita.
munhas oculares ainda estavam vivas, parece ser
João usa termos com um apelo quase universal para
in q u e s tio n á v e l. Is s o su g ere d e fin itiv a m e n te a
m inim izar as barreiras de comunicação (Carson, p.
historicidade de João.
46). Isso corresponde à data posterior a 70 d.C. quan­
Jo ã o não usa parábolas. O evangelho de João é
do os rom anos conquistaram Jerusalém e o evange­
diferente porque não contém parábolas, tão carac­
lho alcançava um público mais variado e não-judeu.
terísticas dos evangelhos sinóticos. Isso é conside­
As palavras têm estilo diferente. Supõe-se que qual­
rado por alguns críticos evidência de que João é um
quer diferença de estilo prove que João preocupou-se
registro menos confiável. Mas, dadas as outras se­
em criar em vez de relatar as palavras de Jesus. Toda­
melhanças entre eventos essenciais e ensinam entos,
via, essa não é a conclusão lógica. Há pelo menos ou­
é difícil entender como a ausência de parábolas pro­
tras três explicações possíveis para as diferenças:
varia que o relato de João não é confiável. No entan­
to, quatro questões são levantadas:
1. Os sinóticos pode ser mais precisos que João;
Esse é um argumento baseado no silêncio. O silên­
2. João pode ser mais preciso que os sinóticos.
cio nesse ponto não prova nada logicamente, exceto
3. A m bos podem rela ta r eventos d iferen tes
que João decidiu lim itar sua obra a outros assuntos.
com precisão e alguns dos m esm os eventos
Ele pode ter feito isso de propósito, especialm ente
de m aneiras diferentes. A evidência apoia a
se seu evangelho foi o último a ser escrito. Não have­
ria razão para João ter de repetir o material já dispo­ última alternativa.
nível. Com outros três evangelhos em circulação
durante vinte ou trinta anos, o propósito de João As palavras são em grande p arte as mesmas. Se
pode ter sido com plementar os relatos. Ele foi seleti­ João é recente ou im preciso, por que ele às vezes
vo, indicando que aconteceu muito mais do que po­ relata as afirmações de Jesus com as mesmas pala­
deria ser dito (20.30,31; 21.24,25). vras que os sinóticos? João e M arcos relatam q u e
Jesus usa linguagem p arab ólica em João. Craig Jesus disse ao paralítico: “ Pegue a sua maca e vá para
Blom berg observa que, apesar de João não conter casa” (Mc 2.11; Jo 5.8). As palavras de Jesus aos discí­
parábolas narrativas, o livro m ostra que Jesus gosta­ pulos que o viram andando sobre a água são: “Sou
va de metáforas e linguagem figurada ou proverbial eu! Não tenham m edo!” (M c 6.50; Jo 6.20). Quando
(Blomberg, p. 158). Jesus se identifica como o bom Jesus apareceu aos discípulos, disse: “Paz seja com
pastor que tenta resgatar a ovelha perdida (10.1-16; vocês!” (Lc 24.36; Jo 20.19).
459 João, evangelho de

No entanto, não é necessário para um relatório O Bom Pastor resgata seu rebanho (1 0 .1 -1 6 ; v.
confiável usar exatam en te as m esm as palavras, Mt. 18.12-14; Lc. 15.3-7).
contanto que o mesmo significado seja transmitido. O Pai revela o Filho; ninguém conhece o Pai se­
Em vários pontos o teor do que Jesus disse é o m es­ não o Filho (10.14,15; 13.3; 17.2,25; v. Mt. 11.25-27).
mo em João e na passagem sinótica equivalente. Ao Jesus foi tentado a abandonar o cam inho da cruz
alimentar a multidão de 5 mil pessoas, Jesus disse: (12.27; v. Mc 14.35,36).
“Mandem o povo assentar-se” (v. Jo 6.10) e Marcos Crer em Jesus significa crer no Pai (12.44,45; cf.
diz que Jesus “ordenou que fizessem todo o povo Mt 10.40; Mc 9.37; Lc 10.16).
assentar-se” (6.39). Em João, Jesus defendeu a mu­ O verdadeiro discipulado significa serviço vo­
lher que o ungiu dizendo: “Deixe-a em paz; que o luntário (13.4,5,12-17; v. Lc 22.24-27).
guarde para o dia do meu sepultamento” (12.7). Mar­ O discípulo não é maior que seu mestre (13.16; v.
cos escreve: “D erram ou o perfum e em meu corpo Mt 10.24; Lc 6.40).
antecipadamente, preparando-o para o sepultamen- O Espírito Santo dará aos discípulos sua m ensa­
to” (14.8). Sobre a traição de Judas, Jesus disse em gem diante das autoridades (1 4 .2 6 ; 15.26; v. M t.
João: “Digo-lhes que certam ente um de vocês me 10.19,20; Mc 13.11).
trairá” (13.21). Marcos escreve: “Digo-lhes que cer­ Os discípulos serão expulsos das sinagogas (16.1-
tamente um de vocês me trairá, alguém que está co­ 4; cf. Mt. 10.17,18; Mc 13.9).
mendo comigo” (14.18). Em João 13.38, Jesus disse a Os d iscíp u lo s serão esp alh ad os pelo m undo
Pedro: “Você dará a vida por mim? Asseguro-lhe que, (16.32; v. Mc 14.27).
antes que o gelo cante, você me negará três vezes!”. Os cristãos têm autoridade para reter ou perdo­
Em Lucas, ele diz: “Eu lhe digo, Pedro, que antes que ar pecados (20.23; v. Mt. 18.18; Blomberg, p. 157-8).
o galo cante hoje, três vezes você negará que me co­ H á passagen s “jo a n in a s ” nos sinóticos. Mateus
n h ece” (L c 2 2 .3 4 ). Aqui João concord a com um 11.25-27 registra uma típica passagem joanina que
apresenta Jesus usando o m esm o discurso direto,
sinótico e M arcos diverge, m encionando duas, ao
sem parábolas, que João atribui a ele. Na verdade, o
invés de três vezes (Mc 14.30). Em João 18.11, Jesus
texto parece tão joanino que, se alguém não soubes­
disse a Pedro: “Guarde a espada!”. Em Mateus 26.52,
se que era de Mateus, concluiria que veio de João.
disse: “Guarde a espada!”.
Lucas 10.21,22 também tem estilo joanino. Então, o
João registra ensinam entos específicos que se
suposto estilo joanino das palavras de Jesus não é
assemelham muito aos evangelhos sinóticos:
exclusivo do evangelho de João. Pelo contrário, po­
Jesus é o “Filho do homem” (1.51; 5.27; 8.28; v. Alt
deria representar o estilo real de falar que Jesus usa­
9.6; 16.13; 20.18; Mc 2.10; 8.31; 10.45; Lc 12.40; 19.10;
va freqüentem ente.
24.7, ao todo 80 ocorrências).
As declarações “Eu sou” de Jesus são diferentes do
Jesus ensinou com autoridade (2.18; 5.27; 10.18;
que Jesus disse nos sinóticos. Já que as sete afirm a­
v. Mt 7.29; 9.6; 28.18; Mc. 1.22,27; Lc. 4.32; 5.24).
ções “Eu Sou” (4.26; 6.35; 8.12,58; 10.9,11; 11.25; 14.6)
É preciso nascer de novo para entrar no Reino
são exclusivas de João, alguns afirmam que é pouco
de Deus (3.3; v. Mc 10.15).
provável que Jesus tenha dito isso, pelo menos dessa
A seara abundante espera os ceifeiros (4.35; v.
maneira.
Mt. 9.37,38).
Na verdade, esse argumento é uma faca de dois
O profeta não tem honra em sua pátria (4.44; v.
gumes. F possível argumentar igualmente que as pala­
Mc 6.4).
vras dos sinóticos não são confiáveis porque diferem
Jesus corrigiu a tradição judaica, principalm en­
das afirmações joaninas. Mas não é correto dizer que
te quanto ao sábado (5.90-16; 7.22,23; v. Mt 12.1-13;
os sinóticos não têm afirmações de Jesus usando essa
Mc 2 .2 3 -3 :5 ; Lc 13.10-17). identificação implícita com vhwh do xr. “Eu sou” (do
Os incrédulos serão julgados segundo suas obras grego egõeimi) é baseado na proclamação de Iavé de
(5.29; v.Mt. 25.46). ser Deus no a i (v. Dt 5.6; 32.39; SI 46.11; Is.40— 45,passim).
Jesus é o Filho Unigénito de Deus, tendo o direi­ Em Mateus 11.25-27 e Lucas 10.21,22,ossinóticos usam
to de cham á-lo ' ABBU Pai (5.37; 17.11; v. Mt 3.17; um estilo semelhante de expressão. A mais explícita é a
18.10; Mc 14.36; Lc 3.22; 9.35; 23.46). afirmação de Jesus para o sumo sacerdote em Marcos
Jesus é a luz do mundo (8.12; v. Mt 5.14). 14.62: “S om egõeimi [o Cristo]”. Numa demonstração
Jesus ensinou, em parte, para endurecer os cora­ de poder semelhante a uma epifania, Jesus disse aos
ções dos que se opunham a ele (9.39; v. 12.39,40; Mc discípulos: “Coragem! Sou eu\ Não tenham m edo!”
4.12; 8.17). (Mc 6.50; grifo do autor).
João, evangelho de 460

Além disso, onde João ou os outros autores teri­ João apoiou o tema de Jesus (v. 20.30,31). Ambos fo­
am conseguido essa forma notável? Antigos autores ram escolhidos para serem incluídos no evangelho
apócrifos tentaram conform ar seu estilo ao formato como evidências. Acontece que não há equivalência
que era aceito como genuíno. Nenhum outro líder entre as “afirmações” de João e as dos sinóticos. Por
religioso do século 1 usou afirmações como essas. A que deveria haver se ele está co n scie n tem en te
sem elhança mais próxima vem da fonte judaica cha­ complementando os sinóticos já disponíveis com base
m ad a D ocu m en to de D a m a s c o , e n c o n tra d a em na riqueza de informações que “nem mesmo no mun­
Qumran. Nele está escrito: “Buscas o Deus dos deu­ do inteiro haveria espaço suficiente” (Jo 21.25)?
ses? Eu sou”, seguido no capítulo seguinte por “Eu Há equivalência entre João e os sinóticos em al­
sou, não temais, porque antes dos dias existirem Eu gumas passagens, principalmente as que tratam dos
sou” (cit. em Stauffer, p. 179; observe como Deus faz sinais ou milagres que Jesus fez. Jesus andando so­
afirmações semelhantes em SI 46.2 e Is 43.1). bre a água e a multiplicação dos pães em João 6 e sua
O conteúdo das afirm ações “Eu sou” de João é ressurreição em João 20 aparecem nos sinóticos sem
sugerido nos sinóticos. Craig Blom berg observou variação significativa no registro de João. Se o livro
que os quatro evangelhos descrevem um hom em não mostra adições inautênticas ou exageros na nar­
cujas palavras durariam para sempre, que perdoou ração dos sinais de Jesus, não há razão para duvidar
pecados, que relacionou o destino da humanidade de que João esteja relatando o que Jesus disse.
consigo m esm o, que exigiu lealdade absoluta, que Finalm ente, foi João quem escreveu que Jesus
ofereceu descanso aos cansados e salvação aos per­ prometeu a ativação divina da m em ória dos após­
didos, e que garantiu que Deus responderia às ora­ tolos sobre “tudo o que [Jesus] lhes disse” (Jo 14.26;
ções feitas em seu nome (p. 166). O uso dessa expres­ 16.13). Se as m em órias foram sobrenaturalm ente
são por parte de Jesus nos sinóticos e em João revela ativadas pelo Espírito Santo, não há nenhum proble­
sua reivindicação da divindade. Como Stauffer ar­
ma em entender com o os autores dos evangelhos
gumentou: “‘Eu sou — significava: onde estou, ali
conseguiram reproduzir tão de perto o que Jesus
está Deus, ali Deus vive e fala” ( Stauffer, p. 194-5).
disse décadas depois.
Argum entos a favor da autenticidade geral de
A concisão das afirm ações de Jesus demonstra que
João se aplicam às passagens “Eu Sou”. Não há uma
são palavras de João. Outra alegação relativa ao esti­
boa razão para suspeitar que João e os sinóticos nâo
lo do discurso de Jesus é que a concisão demonstra
sejam independentem ente autênticos. Essas passa­
a obra de um autor e de um redator. Isso ignora o
gens conferem em todas as áreas principais de se­
fato de que nem todos os registros de João sobre as
melhança, muitas vezes até nos detalhes. João tam­
afirmações de Jesus são concisos (v. Jo 3.3-21; 5.19-
bém usa afirmações na terceira pessoa, como é co­
47; 6 .2 6 -5 8 ; 10.1-18). O serm ão do “Cenáculo” tem
mum aos sinóticos. Em João 10.1-7 ele obviamente
três capítulos (Jo 14— 16), competindo com o Ser­
volta para a prim eira pessoa porque seus ouvintes
mão do M onte de Mateus 5 — 7 em extensão. João 17
não entendem o significado de sua ilustração na ter­
relata a oração mais longa de Jesus.
ceira pessoa.
Já os sinóticos registram afirm ações breves de
Cristo. Mateus fornece o vigoroso “Dêem a César o
“Eu lhes asseguro que aquele que não entra no aprisco das
que é de César e a Deus o que é de Deus” (22.21).
ovelhas pela porta, mas sobe por outro lugar, é ladrão e assal­
M arcos registra: “Tudo é possível àquele que crê”
tante” [...] Jesus usou essa com p ara çã o, m a se le s nã o co m p re­
(9 .2 3 ), e Lucas: “Nem só de pão viverá o homem”
e n d e r a m o q u e lhes estava fa land o. E n tã o Jesu s a firm o u de
no vo: D igo-lhes a v erdade: “E u sou a p o rta das ov elhas”. (Jo (4.4). Observe declarações com o as de Lucas 18.27;
10.1,6,7; grifo do autor). 23.34,43,46.
Por que a concisão seria sinal de inautenticidade?
Jesus pode ter usado o estilo mais curto e sim ­ O m esm o argum ento poderia ser usado para con­
ples citado por João em várias ocasiões para dar cluir que Abraham Lincoln não fez o discurso de
ênfase ou quando os ouvintes não entendiam. Gettysburg. Sem dúvida houve ocasiões em que Je­
Já que João enfatiza o antagonismo entre os líde­ sus falou extensam ente e ocasiões em que suas pala­
res judeus e Jesus (v. Jo 5.16,18; 7.1; 10.31 e tc.),éco m - vras foram claras e sucintas.
preensível que afirm ações como “Eu Sou” ocorram João m ostra atenção cuidadosa com a precisão
em João. das palavras de Jesus. Ele separa o que Jesus falou
Não há provas de que João tenha criado os sete (que os discípulos geralm ente não entendiam ) do
“Eu Sou” ou os sete “sinais” (milagres) com os quais que os discípulos só entenderam mais tarde. Jesus
461 João, evangelho de

disse: “D estruam este templo, e eu o levantarei em Melhor ainda, não há razão pela qual Jesus não pu­
três dias”. João acrescenta: “Depois que ressuscitou desse ter dito amên, amên nessas ocasiões, assim
dos mortos, os seus discípulos lem braram -se do que como João registra. Não há passagens equivalentes
ele tinha dito. Então creram na Escritura e na pala­ nos sinóticos que contradigam isso.
vra que Jesus dissera” (Jo 2.19,22; v. 20.9). O que Jesus Há diferenças de vocabulário em João. Aproxima­
realmente disse, no entender de João, é separado do damente 150 palavras de Jesus em João não são en­
que os ou tros d iscíp u los ach aram que ele disse contradas nos outros evangelhos (Carson, p. 45). Mui­
(21.22,23). Outros evangelhos fazem a m esma dis­ tas delas são tão gerais que Jesus deveria ter dito essas
tinção (v. Mc 3.30). Então, a concisão das afirmações palavras como parte do seu discurso normal, se é que
registradas em João não é sinal de que Jesus não as usou. Isso é oferecido como evidência de que João
disse essas coisas. criou, não relatou, o que Jesus disse.
A fra se “Digo a verdade ” [gr.,amên, amên] são ex­ Tal argum ento ignora o fato de que qualquer
clusiva de João. Mais uma vez os críticos supõem que com unicador respeitado usa palavras de acordo com
o uso exclusivo de João: “Digo a verdade”, nas afirma­ a ocasião. E já que em geral se aceita que Jesus falava
ções de Jesus indica que Jesus jam ais usou essa forma aramaico, há espaço para alternativas de palavras no
de ênfase (Jo 1.51; 3.3,5,11; 5.19,24,25; 6.26,32,47,53; grego pelo autor como tradutor. Tudo isso levanta a
8.34,51,58; 10.1,7; 12.24; 13.16,20,21,38; 14.12; 16.20,23; questão que se aplica a vários argumentos sobre as
afirmações de Jesus nos evangelhos. Um discurso ou
21.18). Essa expressão não é usada nos sinóticos, mas
diálogo pode ser relatado literalmente ou numa ver­
“Asseguro-lhe que...” [amên, amên/ego soi] (Jol3.38) é
são condensada ( YVestcott, cxv-cxix). O estilo e o pro­
semelhante a Asseguro-lhe que...” [atnên , am ên/ ego soi]
pósito do relato podem variar. Carson escreve:
(Mt 26.34 e Mc 14.30). O uso duplo pode indicar ên­
fase (v. Blomberg, p. 159).
Em alguns casos reter o estilo de um discurso pela inclu­
Não há razão para supor que Jesus não tenha
são de uma variedade de frases e gracejos literais pode ser im ­
falado dessa forma na ocasião. Os discursos de Jesus
portante; em outros, pode ser bem mais estratégico enfatizar
em João geralm ente são de épocas diferentes (c o ­
o a rgumento essencial e esboçá-lo, ainda que a linguagem usada
meço e final do m inistério) e de lugares diferentes
seja bem diferente da linguagem do discurso original (p. 46).
(Judéia, em vez da Galiléia), e até para pessoas dife­
rentes (p.ex., a mulher samaritana, que não tinha as
Logo, muitos teólogos conservadores estão dis­
mesmas expectativas políticas falsas acerca do Mes­
postos a aceitar que nem todas as afirm ações de
sias que os judeus — 4.25,26 (v. Carson, p. 58). João
Jesus devem estar preservadas ipsissima verba (nas
a p resen ta m ais con v ersas p a rtic u la re s que os
palavras exatas), mas apenas ipsissima vox (com o
sinóticos. João registra a conversa particular de Je­
m esm o significado).
sus com Nicodemos (cap. 3), com a mulher no poço
O tempo e outras características gramaticais tam ­
(cap. 4), com a mulher adúltera (cap. 8) e para os
bém influenciam a escolha de palavras, como Carson
discípulos (caps. 13— 16). Durante seu m inistério
observa. Se o “presente histórico” é bastante usado na
Jesus evitava fazer afirm ações públicas explícitas
narrativa, mas com pouca freqüência nos discursos,
quanto ao fato de ser o Messias. Mas ele não hesitou
demonstra que o padrão não apóia teorias de fontes
em fazê-lo em particular (4.25,26) e perante o sumo
contem porâneas qué tentam dar a essas passagens
sacerdote (M c 14.61-65). Jesus usava a linguagem
redatores diferentes (Carson, p. 45).
adequada à ocasião. O argumento contra a autenticidade dessas afir­
Alguns teólogos evangélicos sugerem que João mações é uma forma de petição de princípio. O proble­
fez uso duplo de em verdade ( am ên ) por motivos ma só existe porque esses modos diferentes de expres­
homiléticos. Por trás dessa teoria está a alegação de são encontrados em João não são considerados na fixa­
que o evangelho de João foi com posto com o um ção do que constituiu o estilo de Jesus. Mas isso é um
sermão (v. 20.30,31). D. A. Carson argumenta assim paralogismo porque presume que as expressões de João
(p. 46). Conseqüentemente, Jesus pode ter realmente não são parte da maneira autêntica de Jesus falar.
dito amên, mas João duplicou o termo como recurso O registro e a ordem dos eventos diferem. Outro
retórico. Embora isso seja possível, parece melhor argum ento contra a confiabilidade do registro de
concluir que qualquer duplicação resultou do dese­ João é que a ordem dos eventos às vezes é diferente.
jo do autor de expressar para o leitor uma ênfase A maior parte de João 1— 17 e 21 não aparece em
que apenas uma testem unha auricular poderia ter nenhum dos outros evangelhos, então a seqüência
detectado no tom de voz de Jesus quando ele falou. relativa não é problema.
João, evangelho de 462

João descreve a purificação do templo durante o O Espírito unge Jesus como João testemunhou (Jo 1.32;
início do m inistério de Jesus (2 .1 3 -2 2 ), mas ela é Mc 1.10).
colocada no final pelos sinóticos (v. Mc 11.15-19). A multidão de 5 mil é alimentada (Jo 6.1-15; Mc 6.32,33).
Jesus estava cum prindo profecias quando conde­ Jesus anda sobre a água (Jo 6.16-21; Mc 6.45-52).
nou o com ércio no templo. Ele chamava a atenção
quanto à expansão do Reino para o mundo gentílico. Gerhard Maier acrescenta algumas semelhanças
Então é bem provável que Jesus tenha feito isso duas entre João e Mateus (cit. em Blomberg, p. 159). Isso é
vezes, no início de seu ministério e depois que che­ bem interessante, pois Mateus geralmente é conside­
gou à cidade para luta final. Isso é apoiado pelas rado pelos críticos um dos menos semelhantes a João.
diferenças nos relatos. João não fala da hostilidade
aberta da liderança do templo, com o M arcos, que Ambos usam citações do at e anunciam seu cum ­
sugere que essa purificação final reforçou sua in­ prim ento.
tenção de matá-lo, “pois o temiam, visto que toda a Ambos registram a freqüència, extensão, locali­
multidão estava maravilhada com o seu ensino” (Mc zação e natureza instrutiva de sermões extensos de
11.18). Esse antagonismo das autoridades caracteri­ Jesus.
zou o final do m inistério de Jesus. 0 fato de Jesus Ambos apresentam discursos de despedida ela­
usar o m esm o texto do a t para repreendê-los não borados (o Cenáculo e o discurso no Monte das Oli-
deve causar surpresa, já que os confrontava pelos -veiras).
mesmos pecados (v. Mt 4.4,7,10). Ambos enfatizam a instrução particular dos dis­
Nenhum dos evangelhos afirm a ter sido escrito cípulos.
em ordem cronológica. O tem a, não a seqüência, dita Ambos citam um propósito evangelístico, com
a ordem do texto. Na cro n o lo g ia g eral, se um a o evangelho sendo oferecido “primeiro ao judeus e
perícope do m esm o evento é colocada num lugar depois a todos os gentios”.
diferente, ela pode servir a um propósito literário João tem uma cristologia recente. Uma razão mui­
ligeiramente diferente. Mateus e Lucas colocam os tas vezes afirmada para rejeitar a precisão de João
três eventos da tentação numa ordem diferente (v. no re la to das a firm a ç õ e s de Je su s é a su p o sta
Mt 4 e Lc 4). O argum ento de que a seqüência de cristologia “posterior” e “altam ente desenvolvida”,
João dem onstra ser um registro posterior e pouco que enfatiza a divindade plena de Jesus (p.ex.: Jo 1.1;
confiável está errado. Poderia ser material comple­ 8.58; 10.30; 20.29). Essa objeção baseia-se numa vi­
m entar ou escrito com temas diferentes em mente. são dialética infundada do desenvolvimento doutri­
A despeito da seqüência, os eventos que João têm nário. Críticos, seguindo F. C. Baur, atribuem a visão
em com um com os sin óticos dem onstram sem e­ desenvolvimentista hegeliana (v. Hrcr.i., G. W. F.) ao
lhança considerável até nos detalhes, conforme de­ registro evangélico (Corduan, p. 9 0 -2 ). Eles com e­
monstrado por Blomberg (p. 156-7): çam com a teoria de que João deve ter sido posteri­
or, já que suas visões eram uma síntese do conflito
Em ambos, Jesus dá visão ao cego, ressuscita os mortos e anterior entre a tese de Pedro e a antítese de Paulo.
cura o filho de um oficial à distância (Jo 4.46ê-54; Lc 7.1-10) Mas essa teoria de tese-antítese é indefensável.
Em ambos, Jesus desafia as interpretações da lei sobre o M arcos (considerado pela maioria desses mes­
sábado (Jo 9.6-7; Mc 8.23-25). mos críticos o prim eiro evangelho) faz afirmações
Ambos mencionam Jesus recusando-se a fazer milagres de divindade por e sobre Cristo. Por exemplo, quan­
simplesmente para satisfazer seus inimigos (Jo 6.30-34; Mc do Jesus afirm ou perdoar os pecados, os fariseus
8.11-13). viram isso como afirmação de divindade e respon­
Ambos relatam tentativas de prender Jesus que falharam deram: “Por que esse homem fala assim? Está blasfe­
(Jo 8.59; 10.39; Lc. 4.29,30). mando! Quem pode perdoar pecados, a não ser so­
Ambos descrevem sua amizade com Maria e Marta ( Jo mente Deus?” (M c 2 .7 ). E quando perguntaram a
11.20; 12.2,3; Lc 10.38-42). Jesus sob ju ram ento se ele era o M essias (que se­
Em ambos, ele é acusado de estar possuído (Jo 10.19-21; gundo o a t seria Deus — SI 45.8; Is 9.6; Zc 1 2 .1 0 ),ele
Mc 3.22). respondeu claramente: “Sou. [...] E vereis o Filho do
Em ambos, João Batista é a voz do que clama no deserto de homem assentado à direita do Poderoso vindo com
Isaías 40.3 e o predecessor do Messias (Jo 1.23; Mc 1.2,3). as nuvens do céu” (Mc 14.62). A resposta reconhece
O batismo de João com água é comparado ao futuro batis­ claramente sua afirmação de ser Deus, e o Sinédrio
mo do Messias com o Espírito (Jo 1.26,27,33; Mc 1.7,8). usou isso para con d en ar Jesus por “b la sfê m ia ”
463 João, evangelho de

(v. 64). Fora dos evangelhos, a epístola de Paulo aos equivalentes a Lucas, e Lucas discute seu próprio
romanos (e. 56), que é considerada por muitos como método historiográfico e precisão (v. A t o s , h i s t o r i ­
anterior aos evangelhos, tem uma descrição forte da c id a d e d e ):

divindade de Cristo, proclam ando-o “Deus acim a


de todos” (Rm 9.5). Muitos já se dedicaram a elaborar um relato dos fatos que
Muitas das afirmações mais fortes da divindade se cumpriram entre nós, conforme nos foram transmitidos por
de Jesus aparecem no contexto em que ele é desafi­ aqueles que desde o início foram testemunhas oculares e ser­
ado ou confrontado pela multidão. Embora isso se vos da palavra. Eu mesmo investiguei tudo cuidadosamente,
aplique a João e aos evangelhos sinóticos (v. Mc 2.7- desde o começo, e decidi escrever-te um relato ordenado, ó
10; 14.61,62; Jo 10.24,30-33), João enfatiza o antago­ excelentíssimo Teófilo, para que tenhas a certeza das coisas
nismo dos “judeus” (v. Jo 5.16,18; 7.1; 10.31). É com ­ que te foram ensinadas (Lc 1.1-4).
preensível que ele desse atenção especial às afirm a­
ções claras de divindade. Se Mateus e Marcos contam substancialmente a
O p ro p ó sito p rin cip a l dos sin ó tico s não era mesma história que Lucas, então, são tão confiáveis
enfatizar a divindade de Cristo. A ênfase judaica de historicamente quanto Lucas. E se o material equi­
M ateu s foi dada ao esp erad o M e ssia s. M arcos valente de João não diverge em su b stâ n cia dos
enfatizou Jesus como Servo (Mc 10.45). Lucas desta­ sinóticos, o ônus da prova está com os críticos para
cou a hum anidade de Jesus. O propósito claro de m ostrar razões sólidas pelas quais o testemunho do
João era m ostrar Jesus, o Deus encarnado (1.1,14; apóstolo não deva ser considerado historicam ente
20.31). Não é surpresa que haja mais afirmações de confiável (v. Novo T e s t a m e n t o , h i s t o r i c i d a d e d o ) .
divindade nesse evangelho. No auge dele, João relata A s diferenças no uso da linguagem entre João e os
que Tomé declarou a divindade de Cristo, procla­ sinóticos podem ser explicadas em grande parte pela
mando-o “Senhor meu e Deus meu” (20.28). Se isso localização ( Judéia), data (início e fim do ministério)
não for exato, então João interpreta mal o ponto cen­ e natu reza (m u itas conversas particulares). As afir­
tral de seu livro, que os milagres de Jesus levaram os m ações “Eu Sou” podem ser interpretadas como afir­
discípulos a reconhecer a verdadeira identidade dele mações mais curtas e simples que Jesus fez para os
como Deus (v. 20.28-31). que não o entenderam a princípio. Na verdade, o fato
Conclusão. Os argum entos contra a autentici­ de o registro de João ser tão íntimo, vivo e detalhado
dade das afirmações de Jesus no evangelho de João defende firmemente sua autenticidade.
parecem baseados mais em suposições filosóficas a O elo de João no argum ento apologético é um
priori que na evidência histórica e textual. Há expli­ dos mais fortes da corrente. Na verdade, é o único
cações razoáveis para as diferenças com base em evangelho que afirma ser escrito por um apóstolo e
onde, quando, para quem e sob quais circunstâncias testemunha ocular (Jo 21.24,25). Carson conclui:
Jesus falou. A maioria delas é explicada pela prem is­
sa razoável de que João escreveu um evangelho pos­ É totalmente plausível que Jesus às vezes tenha falado no
terior e conscientem ente suplementar. Ele delibera- estilo que denominamos “joanino”, e que o estilo de João te­
dam ente evita repetir o que os outros evangelhos nha sido até certo ponto influenciado pelo próprio Jesus. Quan­
disseram a não ser que fosse realmente importante do toda evidência é reunida, não é difícil acreditar que, quando
para o tema. Como foi visto nas áreas de sobreposição, ouvimos a voz do evangelista na sua descrição do que Jesus
as passagens equivalentes entre João e os evangelhos disse, estamos ouvindo a voz do próprio Jesus (Carson, p. 48).
sinóticos são substanciais.
Não há evidência real de que João tenha criado, Fontes
em vez de relatado, o que Jesus disse. Pelo contrário, C. Blov.serü, The historical reliability of the Gospels.
o registro de João é tão intenso, vivo, particular, de­ F. F. Brite. Merece confiança o Sovo Testamento?
talhado e pessoal que apresenta o testem unho ínti­ D. F Carson, The Gospel according to John.
mo, de prim eira mão, por parte do autor. Há razão W. Corluan, “Transcendentalism: Hegel”, em
para crer que João preservou as palavras originais Biblicalerrancy: itsphilosophical roots, N. L.
de Jesus ou o mesmo significado, até m esm o as pa­ G Eü LER .O rg.

lavras exatas. R. T. Frante, The evidence for Jesus.


As razões para aceitar a autenticidade do evan­ N. L. GEHLER.Oinsfwi! apologetics.
gelho de João são tão boas ou melhores que as que D. G c t h r ie , .Yen' Testament introduction: the Gospels
apoiam os sin óticos. Tudo pode ser aceito em sã andActs.
consciência como histórico. Mateus e M arcos são I. H. M ar s h all , I believe in the historical Jesus.
Justino Mártir 464

). A.T. Robixson, Redating theNew Testament. eles pela investigação e intuição, contbrme a parte do Verbo
E. S taitff.r, Jesus and his story. que lhes coube. Todavia, como eles não conheceram o Verbo
R. L. T homas, A harmony ofthe Gospels. inteiro, que é Cristo, eles freqüentemente se contradisseram...
B. F. W fs ico i t , The Gospel according to St. John, v. I . (Segunda apologia, 10.3).

Os ensinamentos cristãos “ [são] superiores a toda


Josefo. V. F la v io J o s e f o . filosofia humana” (ibid., 15.3). Justino afirmou que
ninguém confiava em Sócrates o su ficien te para
Josué, dia longo de. V. ciência e a b íb l ia . m orrer por ele, como muitos morreram pelos ensi­
namentos e presença de Cristo (ibid., 10.7).
judaísmo. V. B íblia , evidências da; C risto, divindade de; Como m uitos outros pais da igreja prim itiva,
C risto, milagres de ; T rindade ; profecia como prova da Justino acreditava que a verdade existente na filoso­
B íblia . fia grega era emprestada da revelação divina das Es­
crituras hebraicas ( P r i m e i r a apologia 60.1 -10). Na me­
Justino Mártir. Um dos apologistas cristãos (v. clás­ lhor das hipóteses, a filosofia grega continha apenas
sica, apologética ) do início do século n (100[?]-164). verdades parciais e obscuras, mas o cristianism o
Era filho de pais pagãos de Samaria. Converteu-se ao continha a verdade de forma completa e clara. Logo,
cristianism o em 130. Depois lecionou em Éfeso, onde “tudo o que de bom foi dito por eles, pertence a nós
se envolveu num debate e escreveu Diálogo com Trifão cristãos” ( Segunda apologia, 13.4).
(c. 130). Posteriormente, abriu uma escola cristã em Visão d a ressurreição. Como Justino estava tão
Roma. Ali escreveu sua Primeira apologia (c. 155). A próximo cronologicamente dos apóstolos, e com o a
Segunda apologia (c. 161) foi voltada para o senado ressurreição é tão crucial para o cristianism o, sua
romano. Sua ênfase na filosofia grega e na razão le­ visão da ressurreição é bastante interessante (v. res­
varam algumas pessoas a concluir equivocadamen­ surreição , evidências da ).

te que ele era racionalista. Como outros pais da igre­ A ressurreição épossível. Contra os que negavam
ja primitiva, Justino acreditava na inspiração e auto­ a ressurreição, Justino confrontou os que se diziam
ridade divina das Escrituras. crentes, mas consideravam impossível que Deus res­
Suposto racion alism o. Citada com o evidência suscitasse os mortos. Deus, disse ele, havia dem ons­
de seu suposto racionalismo é a afirmação de Justino trado seu poder ao criar o primeiro hom em , “pois
de que até os gregos que “viviam uma vida razoável ele foi feito do pó por Deus [...] agora estam os de­
e honesta” conheciam Cristo, o Logos (2.8). Ele che­ monstrando que a ressurreição da carne é possível”
gou ao ponto de dizer que Cristo “é o Verbo, do qual (.Ante-Nicene fathers, 1.294-9). Justino declara:
todo o gênero humano participou. Portanto, aqueles
que viveram conforme o Verbo são cristãos, quando Que os incrédulos se calem, apesar de eles mesmos não
foram considerados ateus...” ( P rim eira ap olog ia, crerem. Mas, em verdade, ele chamou a carne à ressurreição, e
46.2,3). promete a ela vida eterna. Pois, quando ele promete salvar o
O p a p el da razão. Apesar dessas citações, é in­ homem, faz a promessa para a carne ( Justino, cap. 8).
fundado concluir que Justino acreditava que os pa­
gãos poderiam entrar no Reino por meio da filoso­ A ressurreição física (v . r e s s u r r e iç ã o , n a tu reza f ís i­

fia. Seus críticos interpretam mal sua visão sutil de ca Justino admitiu que havia pessoas que afir­
d a ).

FÉ E RAZÃO. mavam que Jesus apareceu apenas com o espírito,


Justino afirmou enfaticamente que sua fé estava somente com aparência de carne. Tais pessoas rou­
em Cristo, não em Sócrates: estava no cristianismo, bavam uma grande promessa feitas aos cristãos:
não na filosofia. Escreveu: “E a Razão correta [Cris­
to], quando veio, provou que nem todas as opiniões Se a ressurreição fosse apenas espiritual, seria necessário
nem todas as doutrinas são boas, mas que algumas que ele, ao ressuscitar dos mortos, mostrasse o corpo separa­
são más, enquanto outras são boas” (ibid., 2.9). Justino do de si, e a alma vivendo separada dele. Porém ele não fez isso,
acreditava que o cristianism o era superior à filoso­ mas ressuscitou o corpo, confirmando nele a promessa de vida
fia grega, declarando: (ibid., cap. 2)

Portanto, a nossa religião mostra-se mais sublime do que Caso contrário, por que Cristo ressu scitou no
todo o ensinamento humano [...] tudo o que os filósofos e le­ corpo em que havia sido crucificado e deixou os
gisladores disseram e encontraram de bom, foi elaborado por discípulos tocarem seu corpo quando duvidaram?
465 Justino Mártir

E eles foram convencidos por todo tipo de prova que era e necessidade da revelação divina. No entanto, não há
ele mesmo, e no corpo, pediram que comesse com eles, para dúvida de que Justino, como os apologistas clássicos
que comprovassem com mais precisão que ele realmente depois dele, usaram a razão para explicar e defender a
havia ressuscitado corporalmente (ibid., cap. 9). fé cristã (v. c l á s s i c a , a p o l o g é t i c a ) .

Justino Mártir observou que Jesus também provou Fontes


a possibilidade de a carne subir ao céu, mostrando que H. Chadwick,“Justin Martyr’s defense of Christianity” , b/rl 47
o lar do corpo físico da ressurreição dos cristãos está (1965).
no céu: “A ressurreição é uma ressurreição da carne F. L. C ross , The Oxford dictionary o f the Christian church.
que morreu. Pois o espírito não morre; a alma está no J ustino M á rt ir , “Apologia”, em A. R oberts e J. D o na ld so n ,
corpo, e sem a alma não pode viver” (ibid., cap. 10). org., The ante-Nicene fathers, v. 1.
C on clu são. Os p rim eiro s a p o lo g istas, com o ___ , Diálogo com Trifdo
Justino, não eram tão sistemáticos quanto os apolo­ ___ , Primeira Apologia.
gistas posteriores como T omás de A quino . No entanto, _ _ _ .“Fragments of the lost work of Justin on the resurrection”,
Justino estava longe de ser racionalista quanto ao uso em A. R oberts e J. D onaldson , org., The ante-Nicene fathers, v. 1.
da razão. Ele acreditava firmemente na superioridade ___ , Segunda Apologia.
Kk
K abir. Mestre e reformador religioso indiano que Karim. O politeísm o é um a ilusão ( maya ). Ao con­
viveu no século xv no norte da índia. Rebelou-se con­ trário do hinduísmo e do islam ism o, ele acreditava
tra o sistema de castas do hinduísm o (v. h in d u ís m o que a salvação era pela fé, não por obras. Na busca de
v e d a x t a ) e gerou várias seitas, a últimas das quais foi o Deus, um guia é necessário. No entanto, tal mestre
s iq it s m o . Seus discípulos eram chamados kabirpanthis
não deve ser aceito cegam ente sem ser testado. Já
e procediam do hinduísmo e islamismo. que todos devemos nossa existência ao m esm o Deus,
É claro que Kabir era odiado por hindus e por
devemos dem onstrar ternura a todos que vivem.
muçulmanos. Brâmanes o censuravam por ser sócio
Um ensinam ento im portante de Kabir é a dou­
de uma mulher de má fama. Foi denunciado pelo rei
trina do Sabda, ou o Verbo. Qualquer pessoa que quei­
de Déli por supostamente afirmar sua divindade. Ele
ra conhecer a verdade deve abandonar os vários ver­
morreu em Maghar, perto de Gorakhpur. Seus segui­
bos e seguir o Verbo. O Verbo é a porta para a verda­
dores acreditam que ele era a encarnação da divin­
de. Ele disse: “Eu conheço o Verbo, que me mostrou
dade que sua mãe encontrou flutuando sobre uma
flor de lótus ( v . a p o t e o s e ; d i v i n o s , h i s t ó r i a s d e n a s c i m e n ­ o [Deus] invisível” (Burn, p. 633).
t o s ) . Também h á lendas sobre sua mãe ter sido uma
A suposta ressurreição de Kabir. Depois de sua
virgem, ou que ele nasceu da mão de sua mãe quan­ morte em 1518, seus seguidores muçulmanos e hindus
do ela era viúva. dividiram-se quanto à cremação de seu corpo, práti­
Kabir não deixou obras literárias, mas inspirou ca que os hindus favorecem e os muçulmanos conde­
parelhas de versos, hinos, poemas e odes (encontra­ nam. Acredita-se que o próprio Kabir apareceu para
dos no Khas Grantha). Cerca de cinqüenta anos após resolver a controvérsia. Quando ordenou que tiras­
sua morte, muitos ditados de Kabir foram compila­ sem o pano colocado sobre seu corpo, descobriram
dos por Bhago Das. Vários deles estão incluídos no apenas flores. Seus seguidores hindus queim aram
texto sagrado sique Adí Granth. Provavelmente foi metade das flores e os muçulmanos enterraram a ou­
discípulo de Ram anand, da escola de pensam ento tra metade. Há problemas significativos com a tenta­
Viasnava. Seu ensinam ento foi uma das principais
tiva de com provar tais afirm ações. E as diferenças
fontes inspiradoras de Nanak Shah, o fundador do
entre elas e a ressurreição de Cristo são decisivas (v.
siquismo. Foi um dos primeiros pensadores a tentar
R E S S U R R E I Ç Ã O , E V I D Ê N C I A S DA; R E S S U R R E I Ç Ã O E M R E L I G I Õ E S N Ã O -
influenciar o hinduísmo e o islamismo. Tinha algum
C RIST À S, A FIRM A ÇÕ ES de ).
conhecim ento de sufismo, seita m ística do islã (v.
isl a m ism o ; m ist ic ism o ).
Fontes
Não se sabe ao certo se ele acreditava num céu
ou i n f e r n o distintos. Acreditava, no entanto, na reen- R. B crn, “Kabir, Kabirpanthis”, em ere.

carnação. Seus seguidores acreditam que as almas ___ , “Sikhs, Siks, Sikhism ”, em The new
vão ou para o céu ou para inferno entre as encarna­ Schaff-Herzog encydopedia.
ções (Burn, p. 633). Kabir era anti-ritualista. Rejeita­ G. H . . , “Resurrection claims in non-Christian
m f r m a s

va os sím bolos externos e práticas do hinduísm o. religions”, rs 25 (1989).


Ele também era teísta, crendo no ser supremo cha­ ___ , “Did Jesus perform m iracles?”, em M.
mado Ram. Seu Deus tinha vários nomes: Ram, Ali e W ilk in s , o rg „Jesus underfire
Kahler, Martin 468

K ah ler,M artin . Martin Kahler (1835-1912) estudou nas Escrituras. Ele simplesmente insistiu em que nem
teologia em Heidelberg, Tübingen e Hãlle e foi pro­ as fontes evangélicas nem os métodos naturalistas do
fessor na Universidade de Hãlle. Referiu-se certa vez historiador são adequados para produzir uma biogra­
a seus estudos com F. C. Baur em Tübingen como fia verdadeira do Jesus real ( ibid., p. 93). Não negou que
um “banho frio crítico” (v. Strimple, p. 90). Suas prin­ os evangelhos apresentam “um retrato confiável do Sal­
cipais obras em teologia foram Die Wissenschaft der vador para os crentes” (ibid., p. 94).
christlichen Lehre [A sabedoria da doutrina cristã], Kahler enfatizou que o uso dos princípios de ana­
1883 e Geschichte der protestantischen Dogmatik im logia de Ernst T r o llsc h não podem revelar o Jesus real.
19. Jahrhundert [História da dogmática protestante Isso exige analogias no presente por meio das quais
no século xix](pub. 1962). Sua obra mais influente, O se pode entender o passado (v . a n a lo g ia , p r in c íp io da ;
denominado Jesus histórico e o Cristo histórico e bíbli­ h is t ó r ia , o b je t iv id a d e d a ) . “A distinção entre Jesus Cristo

co (1892) foi traduzida para o inglês em 1964. e nós mesmos não é de grau, mas de gênero” (ibid.).
Kahler é considerado o ímpeto para a “segunda Logo, os cânones da história naturalista jam ais
busca” pelo Jesus histórico (v . C r is t o da fé r s . J e s u s da podem descobrir o Filho encarnado de Deus.
h is t ó r ia ; b u s c a do J e s u s h is t ó r ic o ) . Kahler atacou a ten­ “ Kahler tentou livrar o cristão da tirania do es­
tativa do século xix de reconstruir o Jesus da história pecialista, do papado, do erudito”, escreve Strimple
com o exercício de especulação. Ele afirm ou que o (ibid., p. 95). Ele perguntou:
“Cristo real” era o Cristo da fé, não o Jesus que é o
resultado da suposta pesquisa histórica (v . B í b l ia , c r í ­ Nós [crentes] devemos esperar depender da autoridade
t ic a d a ) . O Cristo real é o Cristo do kerygma (procla­ dos homens estudados quando o assunto se refere à fonte da
m ação) cristão, que está disponível a todos. qual eles devem tirar a verdade para suas vidas? Não posso
As teorias de Kahler deram ímpeto a conserva­ confiar nas probabilidades ou na massa volú vel de detalhes,
dores e liberais. Os liberais e neo-ortodoxos aceitam cuja confiabilidade muda constantemente (Kahler, p.
sua conclusão de que a fé não pode depender da 109,111).
pesquisa histórica (v. f i d e ís m o ) . O s conservadores re­
gozijaram-se por seu repúdio às tentativas de sepa­ Isso lem bra Gotthold Lessing e sua “vala feia”,
rar o Jesus da história do Cristo da fé. bem como a questão posterior de Soren K ie r k e c a a r d :
M á in terp retação d e K ahler, Kahler é o pai da “Como algo de natureza histórica pode ser decisivo
d is tin ç ã o a le m ã e n tre o Je s u s “h i s t ó r ic o ” para a felicidade eterna?” (Kierkegaard, p. 86). Mas
( historisch ) e o C risto “h istó rico ” (g e s c h ic h t lic h ). Kahler jam ais com preendeu sua teoria no sentido
No entanto, é duvidoso que ele quisesse que essa em que B l l t m a n n e críticos posteriores interpreta­
d istinção fosse usada com o tem sido usada pelos ram o Cristo da fé contra o Jesus da história.
crítico s do n t . Quando Kahler referiu -se ao “de­ Confiável, m as n ão infalível. Kahler rejeitava a
nom inado” Jesus h istórico, tinha em m ente o Je­ inspiração verbal e infalibilidade das Escrituras (v.
sus recon stru íd o que resultou da crítica liberal, B í b l i a , e v id ê n c ia s d a ) , que denomiou “fé autoritária”
não o Jesu s do sécu lo i. Como R ob ert S trim p le (Kahler, p. 72). Ridicularizou a idéia de que apenas a
d isse: infalibilidade das Escrituras com relação a todo as­
sunto incidente poderia garantir sua confiabilidade
O tratado de Kahler e seu título são mal empregados sobre o ponto central. Acreditava que devemos “abor­
quando usados para apoiar a distinção do século x.\entre “o dar a Bíblia sem teorias detalhadas sobre sua natu­
Jesus da História” e “o Cristo da fé”. reza e origem”. A tradição do evangelho era “ineren­
tem ente falível” e a B íblia com o livro “contém ” a
Cari E. Braaten disse na sua “Introdução” à tra­ revelação de Deus (Kahler, p. 9 1 ,1 0 6 ,1 1 2 -4 ).
dução inglesa de O denominado Jesu s h istó rico : Afirmava no entanto que a Bíblia é o único meio
suficiente para chegar ao “porto seguro” da fé no
O “Jesus histórico” não é o Jesus terreno como tal, mas Cristo vivo. Pois “quanto mais convivência a pessoa
sim o Jesus que pode ser feito objeto da pesquisa histórico- tem com a Bíblia, mais ela descobre que o poder de
crítica. O termo tem referência primária ao problema do co­ atração do Salvador converge com a autoridade da
nhecimento histórico e não pretende negar ou desvalorizar a Bíblia” (ibid., p. 76). Acrescentou: “Fomos precipita­
historicidade da revelação (Strimple, p. 92). dos em seguir o conselho de Lessing de ler a Bíblia
como lemos outros livros” (ibid., p. 123).
Kahler jam ais negou a confiabilidade histórica do Segundo Kahler, a Bíblia apresenta um retrato ge­
nt . Não rejeitou a descrição geral de Cristo apresentada ralmente confiável do Cristo histórico.
469 kalam, argumento cosmológico

0 retrato bíblico de Cristo, tão real e único além da imagina­ de separar fatos e fé é tratada em artigos como f id e ís m o ;
ção, não é uma idealização poética originada na mente humana. e K a n t , I m m a n u e l . A tentativa de construir
f é e ra zã o

A realidade do próprio Cristo deixou sua marca indelével sobre um muro entre a fé e a história é discutida nos artigos
seu retrato (ibid.,p. 79-90,95). C r is t o da f é v s . J e s u s da h is t ó r ia e J e s u s , S e m in á r io .

Apesar de ser verdade que a fé no final das con ­


Essa impressão de Cristo é encontrada novamen­ tas não é baseada no histórico, mas no Deus que a
te no “retrato panorâmico” da Bíblia, não no retrato evoca, isso não significa que a fé cristã não seja
m inucioso: enfatizada e apoiada pelo histórico (v. E s p i r i t o S a n ­
t o na a p o l o g é t ic a , p a p e l d o ) . Isso tam bém não signi­

Nos evangelhos, não detectamos nenhuma tentativa ri­ fica que a revelação de Deus que evoca a fé verda­
gorosa de precisão da observação ou de preservação de deta­ deira não seja m ediada pelo h istó rico . Deus é a
lhes [...] No entanto, a partir dessas tradições fragmentadas, causa prim ária e rem ota, m as os dados históricos
lembranças parcialmente compreendidas, essas descrições sobre Cristo são a causa secundária e intermediária
coloridas pelas personalidades individuais dos autores, con­ que evocam a fé.
fissões profundamente sentidas, sermões que o proclamam
Salvador, sentimos o olhar fixo da imagem viva e coerente de Fontes
um Homem, uma imagem que jamais deixamos de reconhe­ G. B lomberg , ThehistoricalreliabilityoftheGospels.
cer. Em suas ações e vida incomparáveis (inclusive suas apa­ M . (. B o r c , Jesus iit contemporary scholarship.
rições após a ressurreição), esse Homem gravou sua imagem C . E. B r a a t e x , “ M a r t in K a h le r o n th e h is t o r ie ,

na mente e memória de seus seguidores com traços tão pro­ b ib lic a l C h r is t ” , e m R . A . H a r r is v il l e , The
nunciados e profundos que não poderia ser apagada nem histórica! Jesu s a n d th e kery g m a tic Christ.
distorcida (ibid., p. 141-2). G . H a b u r m a s , T h eh isto rica l Jesus.
M . K a h l e r , T h eso -c a lled históricaI Jesus a n d the
Essaé historie, b ib lical Christ.
S. K ie r r e c a a r d , C oncluding u n scientificpostscripts.
uma vida humana tangível, retratada de maneira rica e con­ ]. P. M eyer , . 4 m argin aljew .

creta e ao mesmo tempo breve e concisa. Quando conseguimos R . N . S o u l e n , Handbook o f bib lic a l criticism , 2 ed.

deixar para trás a exigência de um registro bíblico infalível, pode­ R. S t r ip l l , Modem search for the real Jesus.
mos apreciar até a confiabilidade das lendas, dentro dos limites
do que é imaginável” (ibid.). k a la m , argumento cosmológico. O argum ento
cosm ológico é o argumento a partir da criação ao
Essa não é a visão conservadora das Escrituras, Criador, a p o sterio ri, do efeito à causa, e é baseado no
mas está longe da visão liberal radical que-nega a princípio da causalidade (v. causalidade, princípio da;
historicidade básica dos evangelhos. primeiros princípios). Afirma que todo evento tem uma
Apesar de Kahler afirmar a confiabilidade geral causa, ou que tudo que começa tem uma causa.
das Escrituras, não depositou sua fé no aspecto histó­ O argumento k a l a m (do árabe, “eterno” ) é uma
rico. A fé é gerada no coração por Deus. Ele escreveu: forma horizontal (linear) de argumento cosmológico.
0 universo não é eterno, então deve ter tido uma Cau­
Queremos deixar absolutamente claro que cremos em Cris­ sa. Essa Causa deve ser considerada Deus. Esse argu­
to não por causa de qualquer autoridade, mas porque ele mes­ mento tem uma história longa e venerável entre filó­
mo evoca tal fé em nós (ibid., p. 87). sofos islâmicos como A lfarabi, A l Ghazli e A vicena.
Alguns filósofos acadêmicos também o usaram, es­
A f é independente do x t atuante na mente de Kahler pecialmente Boaventure. Mas ele não foi aceito por
foi expressa pelos samaritanos em João 4.42: “Já agora Tomás de Aquino, que acreditava ser filosoficamente
não é pelo que disseste que nós cremos; mas porque possível (apesar de biblicamente falso) que Deus pu­
nós mesmos temos ouvido e sabemos que este é ver­ desse ter causado o universo desde a eternidade.
dadeiramente o Salvador do mundo” (ibid., p. 76-7). Essência do argum ento. O esquema básico do
Avaliação. A questão da historicidade e inspira­ argumento k a l a m é :
ção das Escrituras é tratada detalhadamente em ar­
tigos como A t o s , h i s t o r i c i d a d e d e ; B í b l i a , c r i t i c a d a ; B í ­ 1. Tudo o que teve princípio teve uma causa.
b l ia , ev id ên c ia s da; L u c a s, su po st o s e r r o s e m ; m il a g r e s , 2. O universo teve princípio.
m it o e e Novo T estam ento , h isto r ic id a d e d o . A tentativa 3. Logo, o universo teve causa.
k a la m , argumento cosmológico 470

Linhas de evidência científica e filosófica geral­ universo estivesse se expandindo e se contraindo, ain­
m ente são fornecidas para apoiar a segunda p re­ da estaria se desgastando, então acabaria em colapso
m issa crucial. A evidência científica é baseada em de qualquer forma. Lógica e matematicamente, a evi­
grande parte na Segunda Lei da Termodinâmica (v. dência do big-bang sugere que originariamente não
, l e i s d a ) , que afirma que a energia útil
t e r m o d in â m ic a havia espaço, nem tempo, nem matéria. Logo, ainda
do universo está se esgotando e, portanto, não pode que o universo estivesse de alguma forma passando
ser eterna. Outra evidência de apoio é tirad a da por expansão e contração a partir desse momento, no
cosm ologia do big-bang, inclusive o universo em princípio ele surgiu do nada. Isso ainda exigiria um
expansão e o eco expresso de radiação da explosão Criador inicial.
original — tudo isso usado para apoiar a idéia de Teoria do estado estável. Fred Hoyle elaborou a te­
um princípio do universo. oria do estado estável para evitar a necessidade de
O argum ento filosófico favorável ao princípio supor uma primeira causa. De acordo com essa hipó­
pode ser resumido assim: tese, átomos de hidrogênio surgem espontaneamente
para impedir o desgaste do universo. Nesse caso, não
1. Se um número infinito de momentos tivesse seria necessário um princípio, já que sua energia útil
ocorrido antes de hoje, então hoje jam ais te­ não está se desgastando. No entanto, há dois proble­
ria chegado, já que é impossível atravessar mas sérios com essa especulação. Prim eiro, não há
um número infinito de momentos. evidência científica de que átomos de hidrogênio s u r-'
2. Mas hoje chegou. jam espontaneamente. Isso nunca foi observado em
3. Logo, houve um número finito de momentos lugar algum. Segundo, a crença em átomos de hidro­
antes de hoje; o universo teve um princípio. gênio surgindo do nada é criação ex nihilo (v. c r i a ç ã o ,
v i s õ e s d a ) . Isso não explica o que (ou quem) as cria. Na

Críticas. Críticas foram feitas contra o argum en­ verdade, tal crença é contrária ao princípio funda­
to kalam. As mais importantes estão incluídas aqui, mental da ciência (e do pensamento racional) que diz
com respostas pelos proponentes do argumento (v.tb. que tudo que surge teve uma causa.
big-bang, t e o r i a d o ) . Não há necessidade de uma causa. Alguns a teu s

Universo eterno imemorável. Alguns sugerem que argum entam que não há nada incoerente em algo
o big-bang apenas indica a primeira erupção do uni­ que surge do nada. Eles insistem que o universo po­
verso previamente eterno. Isto é, o universo era eter­ deria surgir “pelo nada e do nada” (Kenny, 6 6). Os
nam ente inativo antes desse primeiro evento. A sin­ proponentes do argumento kalam oferecem várias
gularidade do big-bang apenas indica a transição da explicações em resposta. Prim eiro, isso é contrário
m atéria física primitiva. Logo, não há necessidade ao princípio estabelecido da causalidade. É contrá­
de um Criador para fazer algo do nada. rio à iniciativa científica, que busca uma explicação
Nenhuma das leis naturais conhecidas pode ex­ causal. É contra-intu itivo acred itar que as coisas
plicar essa erupção violenta a partir de inatividade simplesmente surgem do nada. Muitos argumentam
eterna. Alguns teístas afirmam que o universo eter­ que a id éia de que o nad a pode c a u sa r algo é
nam ente inativo é fisicamente impossível, já que te­ logicam ente incoerente, já que o “nada” não tem
ria de existir a zero grau, o que é impossível. A m até­ poder para fazer nada — ele nem mesmo existe.
ria no princípio era tudo, menos fria, sendo amalga­ Série infinita. Alguns pensadores acreditam que um
mada numa bola de fogo com temperaturas acima número infinito de momentos é possível, já que na ma­
de bilhões de graus Kelvin. Na porção de m atéria temática séries infinitas são possíveis. Por exemplo, um
congelada a zero grau, nenhum evento poderia ocor­ número infinito de pontos existe entre os extremos de
rer. Finalmente, supor matéria primitiva eterna não uma régua (v. D e u s , objeções às provas d e ). Em resposta a
explica a incrível ordem que se segue ao momento essa objeção, os proponentes do argumento kalam in­
do big-bang (v. a n t r õ p i c o , p r i n c i p i o ) . Apenas um Cria­ sistem em que há uma diferença entre uma série infi­
dor inteligente pode ser responsável por isso. nita matemática e uma série infinita real. Séries mate­
Universo em repercussão. Alguns cientistas sugeri­ máticas são abstratas, mas séries reais são concretas.
ram que o big-bang pode ser apenas o evento mais Numa série concreta é impossível ter um número infi­
recente no processo eterno de expansão e contratação. nito, pois não importa quão longa ela seja sempre é
Há vários problemas com essa hipótese. Não há evi­ possível acrescentar mais um. Mas assim ela seria mais
dência científica real para essa especulação. Isso con ­ que infinitamente longa, seria impossível. Além disso, o
tradiz a Segunda Lei, que exige que, mesmo que o fato de se ter um número infinito de pontos abstratos
471 kalam, argumento cosmológico

(sem dimensão) entre os extremos de um livro na mi­ 2. Segundo o p r i n c í p i o a x t r ú p i c o , o universo foi


nha mesa não significa que se possa colocar um núme­ “adaptado” ou “pré-moldado” desde o momen­
ro infinito de livros (nem mesmo folhas de papel) entre to de sua origem no big-bang para o eventual
eles, não importa quão finos sejam. surgimento da vida humana. Qualquer mudan­
Outros se opõem dizendo que, se Deus conhece ça das condições, por menor que fosse, tornaria
o futuro, que é infinito, então ele conhece uma série a vida como a conhecemos impossível.
infinita de eventos. E, se ele a conhece, então ela deve 3. Logo, a P rim eira Causa deve ter sido uma
ser possível, não importa quão contrária seja às nos­ causa inteligente.
sas intuições. Mas os defensores dem onstram que o
futuro não é uma série infinita real, mas apenas p o ­ 0 argumento da natureza das causas naturais afir­
tencial, sempre havendo a possibilidade de mais um ma que causas naturais têm certas características
evento. Além disso, se a série infinita real é im possí­ que não estavam presentes antes do m om ento da
vel, Deus não pode conhecê-la, já que Deus não pode criação do universo. 0 argumento pode ser afirm a­
conhecer o impossível, apenas o real e o possível. do desta maneira:
Não há Deus pessoal. Alguns se opõem ao argu­
mento kalam porque ele não prova que Deus é pes­ 1. Causas naturais têm condições predetermina­
soal ou inteligente. Logo, não é útil para o teísm o das.
cristão que acredita num Criador inteligente. Em 2. Mas não havia condições predeterm inadas
resposta, alguns teístas argumentam que apenas um antes do m om ento da origem big-bang do
ser com livre-arbítrio poderia criar algo do nada. E universo de tempo e espaço.
alguns te ís ta s a cre d ita m que o a rg u m en to 3. Logo, a Causa não foi uma causa natural; ela
cosmológico sozinho prova um Deus teísta. Ele deve
deve ter sido uma causa não-natural sem con­
ser unido ao argumento teleológico e/ ou ao argu­
dições predeterm inadas.
mento moral para dem onstrar que Deus tam bém é
4. A única causa conhecida que tem essas ca ­
inteligente e moral. Em segundo lugar, alguns propo­
racterísticas é uma causa livre.
nentes do argumento kalam oferecem argumentos
5. Logo, a Prim eira Causa foi uma causa livre.
para a personalidade da Prim eira Causa, indepen­
dentem ente dos argum entos teleológico ou moral.
Lim ites d o argum ento. O argumento e a existên­
Três foram sugeridos.
cia contínua de Deus. Três objeções têm mais valor
O argum ento para a P rim eira Causa pode ser
que outras. Elas não invalidam o que o argumento
afirmado desta forma:
kalam dem onstra, mas mostram suas severas lim i­
tações. Esse argumento não pode provar que algum
1. O universo teve uma Primeira Causa.
Deus existe agora. Logo, não pode refutar o d e ís m o .
2. O ato da Primeira Causa de criar foi determi­
Além disso, suas suposições não são aceitáveis para
nado, ou indeterminado, ou autodeterminado.
o P A N T E í s T A , então é inútil contra o panteísmo.
3. Mas não pode ser determ inado, já que não
O argumento kalam como tal não prova que al­
havia nada antes da Prim eira Causa.
gum Deus existe agora ou existe necessariamente. É
4. E não pode ser indeterminado, já que isso é
um argumento sobre com o o universo se originou,
contrário ao princípio da causalidade.
não como é sustentado. Demonstra que uma Primeira
5. Logo, o ato de criar deve ter sido auto deter­
Causa era necessária para explicar como o universo
minado.
6. Mas atos autodeterm inados são atos livres, surgiu. Isso não significa que não haja uma maneira
pois é isso que se entende por ato livre (v. de retificar esse inconveniente. Pode-se argumentar
l iv r e -a r b ít r io ).
que essa Primeira Causa deve existir agora, já que o
7. Logo, o ato pelo qual a Prim eira Causa criou único tipo de ser que pode causar um ser contingente
o m undo deve ser um ato livre de um ser (i.e., que pode surgir) é um Ser Necessário. Um Ser
inteligente e pessoal. Necessário não pode surgir nem deixar de existir. No
entanto, isso toma emprestado o raciocínio do argu­
O argum ento da natureza das causas pode ser mento cosmológico vertical para com pensar a falta
afirmado desta maneira:1 no argumento cosmológico horizontal. Pode ser mais
fácil começar com a forma vertical.
1. Uma causa inteligente é caracterizada por efei­ Kala>n e o deísmo. Já que o argum ento de kalam
tos que têm efeitos ordenados e regulares. com o tal não prova que Deus é n ecessário para
Kant, Immanuel 472

su stentar a existên cia atual do universo, ele tem A religião dentro dos limites da simples razão (1793);
tons deístas ( v . d e í s m o ) . Isso não significa que esse Metafísica dos costumes (1797).
argum ento negue a possibilidade de m ilagres, mas A gnosticismofilosófico deK ant Antes de Kant, as duas
nega a base ontológica para a im anência de Deus. correntes de pensamento européias dominantes eram o
Um Deus que não é , com o o a r g u m e n t o c o s m o e ó g i c o r a c i o n a l i s m o e o e m p i r i s m o . Os racionalistas incluíam René

horizontal d em onstra ser a causa da própria exis­ D e s c a r t e s (1596-1650), Baruch E s p i n o s a (1632-1677) e

tência do universo, d eisticam en te rem oto. O a r­ Gottfned L e i b n i z (1646-1716). Os empiristas eram liderados
gum ento m ostra que Deus era necessário para dar por John L o c k e (1632-1704), George B e r k e l e y (1685-1753)
in ício ao u n iv erso , que é e x a ta m en te o que os e David Hume (1711-1776).Os racionalistas enfatizavam o a
d eístas acred itam que a con teceu . N ovam ente, o priori e os empiristas o a posteriori. Os racionalistas acredita­
problem a não é retificável, a não ser que se b u s­ vam em idéias inatas, ao passo que os empiristas insistiam
q u e a ju d a n a fo rm a v e r tic a l do a rg u m e n to em que nascemos como uma tabula rasa. Kant foi treinado
cosm o ló gico , m ostrand o com o um Ser N ecessá­ na tradição racionalista, mas, suas palavras, foi “acordado
rio é necessário o tem po todo para sustentar to ­ do seu sono dogmático”pelo cético escocês Hume.
dos os seres con tin g en tes a todos os m om en tos O gênio de Kant revelou-se na síntese dessas duas
da sua existên cia. epistem ologias divergentes (v. E p i s t e m o l o g i a ) . Os
O argumento e o panteísmo. O kalam não refuta o empiristas, conclui, estão certos no sentido em que
panteísmo. Na verdade, comete uma petição de prin­ nascem os como páginas em branco, sem idéias ina­
cípio ao assum ir a realidade do mundo finito. Ne­ tas. O conteúdo de todo conhecim ento vem por meio,
nhum panteísta adm itiria as prem issas de que um da experiência. Já os racionalistas enfatizam corre­
mundo finito de espaço e tempo realmente existe e tam ente que há um a dim ensão apriorística do co­
está realm ente se desgastando, ou que o tem po é nhecim ento. Em bora o conteúdo de todo conheci­
m ento venha por interm édio dos sentidos, a form a
real, envolvendo unidades reais discretas que pas­
ou estrutura é dada pelas form as prévias (a priori)
sam sucessivamente. Logo, o kalam não é eficaz no
da sensação e das categorias da m ente (Crítica da
com bate ao panteísmo. Que valor tem para o teísmo
razão pura, p. 1 7 3 -5 ,2 5 7 -7 5 ).
esse argumento, que não elimina nem o deísmo nem
O preço da síntese kantiana foi alto: nesse modelo
o panteísmo? Parece não haver solução que não en­
de processo de conhecimento perdeu-se a capacida­
volva um apelo para a forma vertical do argumento,
de de conhecer a realidade. Se Kant estava certo, sabe­
c o sm o ló g ico . A fo rm a v e rtic a l do a rg u m en to
mos como sabemos, mas já não sabemos de fato. Pois
cosmológico parece necessária para sustentar o ar­
se todo conhecimento é formado ou estruturado por
gumento kalam.
categorias apriorísticas, só podemos conhecer as coi­
sas como elas aparentam ser, não como elas são. Pode­
Fontes
mos conhecer fenômenos, mas não o número. Logo, o
T.al -F . A l -G hazali, ln co h eren ce o ft h e ph ilosop h ers,
ganho epistem ológico líquido significou a perda
trad. S.A. K amali.
ontológica total. A realidade ou a coisa-em-si, inclu­
A I-K indi, On firs t philosophy.
indo-se Deus, está eternamente além de nós. O que
B onaventure , 2 sen ten tiariu m I.I.I.2.I-6.
nos resta é a coisa-para-mim, que é a aparência, mas
W. C raig, T he existen ce ofiG od a n d the beginning o f
não a realidade. Logo, a teoria de Kant culmina no
the universe.
agnosticism o filosófico.
__ , T he k a la m cosm olog ical argum ent.
K ant o fereceu um a segu nd a razão para seu
A. Kenny,Fíve ways.
agnosticismo, as antinomias da razão (v. a n t i n o m i a ) .
J. P. MoRELAND,“The cosmological argument”, em
Quando categorias de conhecim ento são aplicadas
Scaling the secu lar city.
à realidade, resultam em antinom ias. Duas servem
para ilustrar a questão. A antinom ia sobre o tempo
Kant, Immanuel. Immanuel Kant (1724-1804) nasceu afirma:
em Königsberg, Prússia Oriental. Ele estudou e mais tarde Tese: O mundo deve ter tido princípio, senão um
lecionou na Universidade de Kônigsberg.Não se casou e número infinito de m om entos teria se passado até
levou uma vida altamente regrada. As principais obras de agora. Mas isso é im possível, já que não se pode
Kant foram História geral da natureza e teoria dos céus transpor o infinito.
(1755), que propõe a hipótese nebular; Crítica da razão Antítese: Mas o mundo não poderia com eçar no
pura (1781); Progressos da metafísica (1783); Crítica da tem po, senão teria havido tem po antes do tempo
razão prática (1790); Crítica dafaculdade dojuízo (1790); começar, o que é impossível.
473 Kant, Immanuel

Na antinom ia da causalidade: A n ti-sobren atu ralism o de Kant. Kant não só


Tese: Nem toda causa tem uma causa, senão a sintetizou o racionalism o e o em pirism o, mas deu
série jam ais teria com eçado; todavia com eçou. En­ ímpeto ao agnosticism o moderno e ao deísmo. Seu
tão, deve haver uma primeira causa. impacto na história da filosofia foi sentido especial­
Antítese: Mas a série não pode ter um início, já m ente na epistem ologia e na m etafísica. De certa
que tudo tem uma causa. Então, não pode haver uma forma, a posição de Kant com relação aos milagres é
prim eira causa. mais útil ao naturalismo que a de Hume. 0 ataque de
Já que a razão, quando aplicada à realidade, term i­ Hume ao sobrenaturalismo é frontal, ao passo que o
na em contradições, é preciso que nos contentemos de Kant é subterrâneo (v. m il a g r e s , a r g u m en to c o n ­

em aplicar a razão apenas ao mundo fenom enal, o t r a ). Para Kant, milagres não são essenciais à verda­
mundo para mim, e não ao mundo numênico, o m un­ deira religião.
do em si. Moralidade e a verdadeira religião. Como Espinosa,
Teoria d e Kant sobre Deus. Kant acreditava em Kant acreditava que a m oralidade é o coração da
Deus, mas insistia em que a existência de Deus não verdadeira religião, apesar de as ju stificativ as de
pode ser provada (v. D e u s , o b je ç õ e s à s pro v a s d e ). To­ ambos para essa conclusão serem diferentes uma da
das as provas a favor da existên cia de Deus são outra. Segundo Kant, a razão teórica jam ais pode
inválidas. 0 argumento cosmológico e o argum en­ alcançar a Deus (v. Crítica da razão pura). Deus só
to teleológico são baseados no argum ento ontoló­ pode ser conhecido pela razão prática (v. Crítica da
gico, que é inválido. Cada um depende do conceito razão prática). À luz do fato de que não podemos
de um Ser Necessário. Mas afirm ações sobre a exis­ saber se há um Deus, mas devemos cum prir a or­
tência não são necessárias. Um Ser N ecessário não dem moral, devemos viver supondo que há um Deus.
é um co n ceito que dispensa explicação. O que é Prenunciando Friedrich S c h l e ie r m a c h e r (1 7 6 8 -
logicam ente necessário não é realm ente n ecessá­ 1834), Kant afirmou que a razão prática ou moral
rio. Além disso, regressão infinita é possível. E a deve determ inar o que é essencial à religião. Essa
causa numênica (real) não pode ser derivada do razão moral deve ser um guia para a interpretação
efeito fenom enal (aparente). da Bíblia (v. B íb l ia , c r ít ic a d a ). Ele até admitiu que
0 argumento ontológico deixa a experiência (ao “freqüente-m ente essa interpretação pode, à luz do
falar da maior causa possível) e se eleva ao âmbito texto (da revelação), parecer forçada — geralmente
das idéias puras. Além disso, a existência não é um pode até ser forçada; mas se o texto pode de alguma
predicado (atributo), mas apenas uma ocorrência de form a apoiá-la, deve ser preferida à interpretação
algo. Por exemplo, o dinheiro na minha mente tem literal” (A religião dentro dos limites da simples ra­
os mesmos atributos que o dinheiro na minha car­ zão). O ensinam ento m oral da B íblia “certam ente
teira. A única diferença é que um existe e o outro nos convence da sua natureza divina” (ibid., p. 104).
não. Com a moralidade com o regra para a verdade,
Kant não acreditava que a existência de Deus os milagres tornam -se um introdução adequada ao
pudesse ser provada pela razão teórica, mas acredi­ cristianism o, mas não estritam ente necessários para
tava que ela era um postulado necessário da razão ele. A religião moral deve “no final, tornar supérflua
prática (v . m o r a l p a r a a e x is t ê n c ia d e D e u s , a r g u m en to ). a crença em milagres em geral”. Acreditar que m ila­
Eis um resumo de seu raciocínio na Crítica da ra­ gres podem ser úteis para a moralidade é uma “pre­
zão prática: sunção absurda” (ibid.).
Kant afirmou que a vida de Cristo pode ser “nada
1. 0 m aior bem para todas as pessoas é que elas mais que milagres”, mas advertiu que, no uso desses
tenham felicidade em harmonia com o dever. relatos, “não os transform em os num dogma da reli­
2. Todas as pessoas devem esforçar-se em bus­ gião que o conhecer, crer em e professar os milagres
ca do bem maior. em si sejam o meio pelo qual agradem os a Deus”
3. 0 que as pessoas devem fazer, podem fazer. (ibid., p. 7 9 -8 0 ). Com isso ele dá a entender que a
4. Mas as pessoas não são capazes de realizar o crença em milagres não é essencial à fé cristã.
bem m aior nesta vida a não ser que exista Crítica bíblica naturalista. A própria natureza do
um Deus. milagre é desconhecida: “Não podemos saber nada
5. Logo, devemos postular um Deus e uma vida sobre auxílio sobrenatural”, Kant escreveu (ibid., p.
futura em que o bem maior possa ser alcançado. 179). Uma coisa da qual podemos ter certeza é que,
Kant, Immanuel 474

se um milagre contradiz claram ente a moralidade, interpretação de Kant da lei moral exige isso. Segun­
ele não pode ser de Deus. Que pai mataria um filho do Kant, a verdade histórica é determinada a priori
que é, até onde ele sabe, perfeitam ente inocente pela lei moral, não a posteriori a partir dos fatos.
(ibid., p. 82)? Então a lei moral desqualifica a histó­ Numa hermenêutica moral, o que aconteceu é inter­
ria da disposição de Abraão de sacrificar Isaque em pretado por meio do que deveria ter acontecido.
Gênesis 22. Kant levou esse argumento moral à con­ Se o argumento é válido, devemos v iv e r c o m o se
clusão de que milagres nunca acontecem. Numa pas­ m ilagres não acontecessem — ainda q u e tenham
sagem reveladora, argumentou: acontecido. Devemos ordenar nossas v id a s p e l a ra­

zão (prática), mesmo se isso for c o n tr á r io ao s fatos.


As pessoas cujo julgamento nessas questões é tão par­ Devemos “raciocinar” na prática q u e o q u e é verda­
cial que elas mesmas se consideram indefesas sem mila­ deiro é falso.
gres, acreditam que amenizam o golpe que dão na razão Avaliação. Esse é um u so ir r a c io n a l da razão, e
ao afirmar que eles acontecem raramente. Quão raramen­ seus efeitos devastaram a e p is te m o lo g ia ocidental.
te? Uma vez a cada cem anos? Aqui não podemos deter­ Conseqüências filosóficas. F ilo so fica m en te, o
minar nada com base no conhecimento do objeto [...] mundo pós-kantiano não pode conhecer a Deus nem
mas apenas com base nas máximas que são necessárias discernir a realidade. A filosofia de Kant contradiz
para o uso da nossa razão. Logo, milagres devem ser con­ principalm ente Paulo, quando este afirm a que o
siderados acontecimentos diários (apesar de estar disfar­ poder de Deus e a natureza divina são claram ente
çados de eventos naturais), senão nunca devem ser consi­ vistos por meio da natureza (Rm 1.20). Nem mesmo
derados [...] Já que a primeira alternativa (que milagres as Escrituras podem dizer como Deus realm ente é.
acontecem diariamente) não é nem um pouco compatí­ As Escrituras não nos inform am sobre com o Deus
vel com a razão, nada resta exceto adotar a segunda máxi­ realmente é por si, mas apenas a maneira que ele é
ma — pois esse princípio continua sendo uma máxima para nós. A Bíblia diz como Deus quer que pensemos
para julgamentos, e não uma afirmação teórica. (Por exem­ sobre ele. Ela apenas apresenta discussão teológica
plo, com relação à) preservação admirável das espécies que não fala realmente sobre Deus.
nos reinos vegetal e animal [...] ninguém, na verdade, pode Consequência teológica. A teologia kantiana se­
afirmar que sabe se a influência direta do Criador é neces­ guiu essa disjunção racional entre o que aparenta
sária ou não em cada situação. Para nós não são [...] nada ser e o que é. Aceitando o abismo entre a aparência
além de efeitos naturais e jamais devem ser considerados e a realidade, Soren K ier k eg a a r d (1813-1855) procla­
algo diferente (ibid., p. 83-4). mou existencialmente que Deus era “completamen­
te diferente” e insistiu em que a razão humana não
Quem vive pela razão moral, então, “não incor­ tomasse parte na defesa do evangelho. Kierkegaard
pora a crença em milagres às suas m áxim as (de ra­ escreveu:
zão teórica ou prática), apesar de, na verdade, não
impugnar sua possibilidade ou realidade” (ibid., p. Se Deus não existe, seria, é claro, impossível prová-lo; e se
83). Portanto, milagres devem ser possíveis, mas nun­ ele existe, seria tolice tentar. Pois desde o início, ao começar
ca é racional acreditar neles, já que a razão sempre é minha investigação, pressupus isso [...] senão sequer teria co-
baseada em leis universais. 'meçado, entendendo prontamente que o todo seria impossí­
À luz desse naturalismo moral, não é de surpre­ vel se ele não existisse (Fragmentos filosóficos, p. 31-5).
ender que Kant rejeite a ressurreição de Cristo (v.
r e s s u r r e iç ã o , e v id ê n c ia s d a ). Ele escreveu: “Os registros Três das teorias de Kant, se verdadeiras, destrui­
mais secretos, acrescentados como seqüência, da sua riam a fé cristã. Prim eira, Kant é um agnóstico filo­
ressurreição e ascensão [...] não podem ser usados a sófico (v. A G N O S T i c i S M o ) . Segunda, ele afirmou que ne­
favor da religião dentro dos lim ites exclusivos da nhum argum ento a favor da existência de Deus é
razão sem violar seu valor histórico” (ibid., p. 119). válido ( v . c o s M O L ó G ic o , a r g u m en to ). Terceira, ele negou
Em vez de olhar para a evidência histórica a fa­ o direito de acreditar em milagres.
vor das Escrituras, ele sim plesm ente a descartava Os argumentos de Kant a favor do agnosticismo
com o inautêntica porque era m oralm ente dispen­ são inválidos. Suas antinomias erram pelo fato de te­
sável. Mais uma vez a hermenêutica moral forçada é rem uma premissa falsa. Não há necessidade de existir
melhor que a interpretação “literal”. Por quê? Não tempo antes do tempo; poderia haver eternidade. O
porque os fatos históricos o apoiem, e sim porque a teísmo não afirma a criação no tempo, mas a criação
475 Kant, Immanuel

do tempo com o mundo. Nem tudo precisa de uma esse agnosticism o. Prim eiram ente, Kant foi incon­
causa, apenas seres contingentes (finitos, temporais). siste n te , já que às vezes passava para o m undo
Logo, um Ser Necessário, primeiro e eterno, não pre­ numênico (real) para fazer afirm ações sobre ele. Ao
cisa de uma causa ( v . c a u s a l i d a d e , p r i n c í p i o d a ) . fazer isso, deixava implícito que o mundo numênico
0 argum ento de que não podemos conhecer o é cognoscível. Em segundo lugar, não se pode separar
mundo real é incoerente. A própria afirm ação: “Não congruentemente os dois reinos sem ter algum co­
podem os conhecer a realidade” é um a afirm ação nhecimento de ambos. Uma linha não pode ser de­
que pressupõe o conhecim ento sobre a realidade. A senhada, a não ser que se possa ver além dela. Dizer:
tentativa de minar as provas teístas tam bém falha, “Eu sei que a realidade é incognoscível” é afirm ar
co m o discutido no artigo D e u s , o b ie ç õ e s à s provas d e . saber algo sobre a realidade. O agnosticism o com ­
Kant sugere, sem entrar em pormenores, numa pleto é incoerente.
premissa crucial (prem issa 3 a seguir), no seu argu­ Como outros naturalistas, Kant com ete uma peti­
mento contra milagres, que a razão opera de acordo ção de princípio ao estabelecer uma regra de unifor­
com as leis universais. A partir de suas obras, pode- midade, uma estrutura interpretativa pela qual o na­
se reconstruir o argumento: turalista exige conhecim ento uniform e do mundo.
Para E sp in o sa, a regra é racion al; para Hume, é
1. Não podem os co n h ecer o m u nd o real (o empírica; para Anthony F lew é metodológica; para
mundo em si) pela razão teórica. Kant, é moral. Kant regula toda a vida pela lei moral
2. Tudo em nossa experiência (o mundo para universal (razão prática). Já que ele não permite exce­
nós) deve ser determinado pela razão prática. ções a uma lei, não há exceções à regra: “Viva como se
3. A razão prática opera segundo as leis universais. não existissem milagres”.
4. M ilagres devem o co rrer d iariam ente, rara Mas isso é um a petição de princípio. Por que
mente ou nunca ocorrem. alguém deve supor que não há exceções a nenhuma
5. Mas o que ocorre diariamente não é milagre; lei? E por que devemos supor que tudo está sob uma
ocorre segundo as leis naturais. lei? Talvez existam peculiaridades, tais com o a ori­
6. 0 que ocorre raram ente não é determ inado gem do mundo ou a história da terra, que desafiam
por nenhuma lei. a classificação (v. orig en s , ciência das ). O próprio Kant
7. Mas tudo deve ser determ inado pela razão criou a hipótese nebular com base na singularidade
prática que opera nas leis universais. científica no início de nosso sistema solar.
8. Logo, milagres não acontecem. A ciência agora sabe mais, e o modelo mudou. A
lei natural agora é considerada geral e estatística,
Para apoiar a terceira prem issa cru cial, Kant mas não necessariam ente universal e sem exceções
escreveu: (v . lei n a tu r a l ). Kant acreditava, como outros de sua
época, que a lei da gravidade de Newton era univer­
Nas questões da vida, portanto, é impossível para nós salm ente verdadeira, sem exceções. Se Kant estava
depender de milagres ou sequer levá-los em consideração errado em sua posição sobre a lei científica — in­
quanto ao uso da razão (e a razão deve ser usada em todo inci­ sistindo em que todo evento fosse classificado sob
dente da vida) (Religião dentro dos limites). alguma lei natural, então sua objeção moral aos m i­
lagres fracassou.
M ilagres são teoricam ente possíveis, mas prati­ C onsequências herm enêuticas. Segund o o
camente impossíveis. Se vivermos como se eles ocor­ fideísmo pós-kantiano, a Bíblia não é uma adapta­
ressem , derrubam os a razão prática e a lei moral, ção à finitude humana; é uma acom odação ao erro
que são a essência da religião verdadeira. Portanto, humano. Ela não contém antropom orfism os, e sim
admitir que milagres ocorrem e viver à sua luz é, na mitos. A tarefa da hermenêutica não é “trazer para
realidade, prejudicial à religião. Mesmo que existam fora a verdade” (exegese) do texto, mas extrair a ver­
atos sobrenaturais, devemos viver (e pensar) como dade do texto do erro que o envolve. De qualquer
se não existissem. forma, a verdade objetiva está fora de alcance; então
Kant fez uma disjunção radical entre o mundo quem estuda a Bíblia procura pela “verdade” subje­
incognoscível das coisas que existem (os númenos) tiva. Logo, a herm enêutica pós-kantiana está impe­
e o mundo da nossa experiência (os fenôtnenos). No dida de obter conhecim ento real de Deus a partir
entanto, os filósofos observaram duas coisas sobre das Escrituras ou de qualquer outra fonte.
Kierkegaard, Soren 476

Conseqüências apologéticas. Nesse contexto, a Fontes


apologética só pode ser fideísta ou pressuposicional. J.C o l l in s , G od a n d m o d e m philosophy.
Não é por acaso que não havia pressuposicionistas W. C raig, The kalam cosm ological argum ent.
(v. p r e s s u p o s i c i o n a l , a p o l o g é t i c a ) antes de Kant e me­ R. Flist, Agnosticism.
nos não-pressuposicionistas depois dele (v. c l á s s i c a , N. L. G eisi.fr , C hristian apologetics (cap. I ).
a p o l o g é t i c a ) . Aqueles que aceitam as conclusões de __ ,É tica cristã.
Kant são forçados a renegar a razão a favor da mera __ ,M ira d es a n d m o d e m thought.
fé (v. f é é r a z ã o ) . Não podem mais cumprir o impe­ ___ e Wis CoRDLAN, P hilosophy o f religion

rativo bíblico de dar “razão da esperança”. A neo- (cap. 7-9).


ortodoxia de Karl B a r t h negou até a afirmação limi­ S. H a ck e tt , The resurrection o fth eism .
tada de Emíl B r l w e r de que existe a capacidade de I. K a n t , Crítica d a fa cu ld a d e do juízo.

receber a revelação de Deus. Barth proibiu a t e o l o ­ __ ,Crítica d a ra z ã o p rática.


g i a n a t u r a l e não permitia nem uma a n a l o g i a de Deus __ , Crítica d a ra z ã o pu ra.
na criação. Em Kierkegaard e Barth, nasceu o mo­ __ ,Progressos d a m etafísica.
derno fideísmo cristão, que consiste em proclam a­ __ ,A religião d en ter dos lim ites d a sim ples ra z ã o
ção sem verificação de reivindicações da verdade. C. S. L e w is , M ilagres.
Conseqüências evangelísticas. Quando o cristia­
nismo é reduzido a declaração sem defesa, sua m is­ Kierkegaard, Soren. Nasceu em Copenhague (1813-
são é seriamente prejudicada. Entre as várias teorias 1855), filho de Michael Pederson, dinamarquês po­
do mercado intelectual, é necessário declarar Cristo bre da península da Jutlândia que acumulou fortuna
e defender a declaração. Deus, que criou a razão hu­ vendendo cortinas e depois vendeu seu negócio em
mana à sua imagem e que nos convida a raciocinar 1786 para estudar teologia. Kierkegaard disse que
com ele (Is 1.18), exige o sacrifício do pecado, não foi criado com severidade e devoção por um velho
da razão, com o condição para entrar no reino. Ao melancólico. Sua mãe e cinco de seus seis irmãos
con trário do agnosticism o k antiano, do e x isten ­ morreram quando ele era pequeno, resultado, dizia-
cialismo de Kierkegaard ou do m i s t i c i s m o panteísta, se, de uma maldição sobre a família. Ele se referiu às
o cristianism o não é um “salto no escuro”. Pelo con­ mortes no título de seu primeiro livro, From papers
trário, convida todos a olhar antes de pular. A g o s t i ­ o f one still living [Dos papéis de um dos sobrevi-
nho observou corretamente que “realmente ninguém venfesJ.Era muito inteligente, mas preguiçoso, e
acredita em algo a não ser que tenha primeiro che­ amava o teatro e a música, principalmente Mozart.
gado à conclusão que deve acreditar naquilo”. Logo, Um defeito na espinha pode ter afetado sua ma­
“é necessário que tudo em que se acredita seja acei­ neira de ver a vida. Hans Christian Andersen re­
to d ep ois que a razão levou à co n c lu sã o ” (Da tratou o jovem Kierkegaard freqüentemente bê­
predestinação , 5). bado, como personagem principal de seu roman­
Conclusão. O ataque de Kant aos milagres é fun­ ce Shoes o f fortune [Os sapatos da fortu n a ]. Con­
dam ental. Ele considera os m ilagres fundam ental­ vertido ao cristianismo e reconciliado com seu
mente desnecessários à verdadeira religião. Para ele, pai em 1838, estudou de 1831 a 1841, antes de re­
a religião verdadeira é viver segundo a lei universal ceber o diploma de mestre em filosofia. Ficou
da razão prática. No entanto, o agnosticism o de Kant noivo de Regina Olsen depois da formatura, mas
é contraditório, com ete petição de princípio ao su­ decidiu não se casar.
por uma uniformidade moral e presume que a natu­ Obras. A extensa produção literária de Kierkegaard
reza de uma “lei” científica é um sine qua non uni­ começou quando ele tinha 21 anos em 1834 e conti­
versal, em vez da generalização estatística. Para evi­ nuou até 1855. Suas obras podem ser assim classifi­
tar o milagroso, Kant teve de elim inar os registros cadas:
de milagres dos docum entos básicos do cristianis­ Começando com Papéis, o autor produziu mui­
mo, sem qualquer razão histórica para isso. tos ensaios e livros estéticos e filosóficos. Essas obras
0 cristianism o histórico afirma que milagres são incluem os discursos “A expectativa da fé”, “Toda
parte verdadeira e essencial do sistem a de crença dádiva é perfeita e definitiva”, “O amor cobre uma
religioso (Rm 10.9; ICo 1 5.12-32). O cristianism o multidão de pecados”, “Fortalecido no homem inte­
sem milagres é um cristianism o sem Cristo, cuja vida rior”, “O Senhor deu e o Senhor tirou”, “Adquirir sua
foi (e ainda é ) caracterizada por milagres ( v . m i l a ­ alma com paciência”, “Preservar sua alma com paci­
g r e s , a r g u m en to s c o n t r a ). ência”, “Paciência na espera”, “O espinho na carne”.
477 Kierkegaard, Soren

“Contra a covardia”, “0 hom em ju sto persevera na A fase estética A fase ética A fase religiosa
oração com Deus e vence — nisso Deus vence”, “Um
culto confessional”, “Na ocasião de um casamento” S e n t im e n t o D e c is ã o E x is t ê n c ia

e “Ao lado de um túmulo”. V o lt a d o p a ra si V o lt a d o p a r a V o lt a d o p a r a


Seus livros sobre estética incluem Post-scriptum m esm o a le i Deus

definitivo e não científico, Temor e tremor, Johannes R o t in a s R e g ra s d a R e v e la ç ã o d a


climacus o r d e omníbus dubitandum est, Fragmentos d a v id a V id a v id a

filosóficos, Prefácios, repetição, Etapas no caminho V o lt a d o p a r a o V o lt a d o p a r a V o lt a d o p a ra a


da vida, 0 conceito do temor e 0 conceito de ironia. p re se n te a v id a / t e m p o e t e r n id a d e

As obras explicitamente religiosas de Kierkegaard In d iv íd u o é I n d iv íd u o é R e s p e it o a o


incluem Neutralidade armada, Ataque contra a “cris­ e sp e c ta d o r p a r t ic ip a n t e le g is la d o r

tandade”, Julgai por vós mesmos, De autoridade e reve­ V iv e r p e lo s V iv e r p e la s


c a p r ic h o s n o rm a s
lação: o livro de Adler, Da diferença entre um gênio e um O in d iv id u a l
p e s s o a is u n iv e r s a is
apóstolo, Pureza de coração é querer uma só coisa, Res­
posta a Theophilus Nicolaus (Fé e paradoxo), A crise e V id a d e V id a d e
v o n ta d e P e sso a d e D e u s
d e l ib e r a ç ã o
uma crise na vida de uma atriz, A dialética da comuni­
cação ética e ético-religiosa, 0 evangelho do sofrimento, V id a d e P re o cu p a çõ e s V e rd a d e
in t e le c t o fu tu ra s s u b je t iv a
0 sumo sacerdote — 0 p u blicam — A mulher pecado­
In t e r e s s e s R e s p e it o à le i ; Â m b it o
ra, 0 indivíduo, Os lírios do campo, 0 ponto de vista, A
im e d ia t o s m o ra l e x is t e n c ia l
presente era, A doença para a morte, 0 Deus imutável,
O u n iv e r s a l
Treinamento no cristianismo, Qual é o julgamento de
P r o p o s iç õ e s
Cristo quanto à cristandade oficia e Obras de amor.
s o b re D e u s
Outras obras que não podem ser classificadas
V e rd a d e
incluem: Meditações de Kierkegaard, Artigos de jo r ­
o b je t iv a
nal, Os diários de K ierkeg aard e As orações de
 m b it o
Kierkegaard. e s s e n c ia l
Convicções básicas. Teologicamente Kierkegaard
era ortodoxo. Escreveu que não estava tentando m u­ Kierkegaard descreve o conflito entre as esferas
dar as doutrinas ensinadas na igreja, e sim insistin­ estética e ética na sua obra Isso ou aquilo (1843), um
do em que algo fosse feito com elas (Journals and ataque ao pensam ento dialético de G. W. F. Hegel
Papers, 6:362). Ele acreditava na inspiração das Es­ (1770-1831). Kierkegaard acreditava que a paixão é
crituras (v. B íb l ia , evidências da ), no nascimento v ir g i ­ o ápice da existên cia. Não há valor real nem no
nal , em milagres, na expiação, na ressurreição cor­ acúmulo objetivo de conhecimento nem na sua in­
poral e no julgamento final (v. in fern o ). Em “Pensa­ tuição alegre e mística. A vida não é encontrada em
mentos que ferem pelas costas”, ele se m ostra hor­ fatos neutros nem em discernim entos alegres, mas
rorizado porque o cristianism o substituiu a ressur­ em escolhas responsáveis.
reição pela imortalidade platônica. O volume 1 é uma apresentação dramática da vida
Três fases da vida, uma eterna. As convicções ge­ estética por um homem sofisticado que vê o pathos
rais de Kierkegaard são expressas em três fases de inevitável do prazer. Nesse hedonismo, a própria ex­
vida: a estética, a ética e a religiosa. Seu propósito é periência reflexiva é o objeto do prazer. O esteta refi­
levar a pessoa da vida estética de prazer para a vida nado é moralmente indiferente, em vez de rebelde. A
religiosa de compromisso por meio da vida moral do experiência estética é uma experiência de possibili­
dever. Em Meu ponto de vista para minha obra como dades infinitas, nunca de realidade presente. 0 autor
autor, ele escreveu: “Eu sou e fui um autor religioso, e tem medo de tornar-se o eu verdadeiro e apenas brin­
todo meu trabalho como autor está relacionado ao ca com o ambiente. Ele escolhe, não entre o bem e o
cristianismo, ao problema de alguém se tornar cris­ mal, mas entre escolher e não escolher. 0 máxim o
tão, à polêmica direta e indireta contra a ilusão de que para a vida estética é o compromisso com o desespe­
num país como o nosso todos são cristãos de algum ro. O esteta tem interesses imediatos, mas não preo­
tipo” (ibid., p. 5-6). cupações futuras.
Alguns contrastes são úteis para resum ir esses O volume 2 apresenta o outro pólo — a responsa­
três níveis: bilidade moral. A vida significativa é impossível sem
Kierkegaard, Soren 478

o esforço moral. Ser ético significa ser governado pelo com ação de graças. Toda tragédia pessoal é de al­
eterno; ser estético é ser governado pelo temporal. guma form a redim ida pela soberania de Deus. O
Ética e estética são qualitativamente distintas, mas sofrim ento é benéfico para d estruir a autod eter­
estão naturalmente relacionadas pelo fato de a pri­ m inação rebelde.
meira ser a condição anterior à segunda. Agir etica­ Religião vs. ética. Em Temor e tremor, Kierkegaard
mente significa aceitar responsabilidades sob a sobe­ revela com o a ética é tran scend id a pela religião.
rania de Deus. Logo, a realização pessoal não está na Abraão é devotado à lei de Deus, que proíbe matar.
simples criação pessoal, mas na integração do eterno No entanto, Deus manda oferecer Isaque como sa­
com o temporal. crifício. Incapaz de explicar ou justificar sua ação,
Nesse Edesiastes kierkegaardiano, a escolha bá­ Abraão suspendeu a ética e deu um “salto de fé”. Ao
sica do estilo de vida estético é no final das contas fazê-lo, destronou a ética sem destruí-la.
fundir o bem e o mal, ao passo que o estilo de vida K ierkegaard acreditava que a fé religiosa era
ético inevitavelmente escolherá o bem. Isso lembra pessoal, algo que somos. Devemos vivê-la, não ape­
a m áxim a de Agostinho: “Ama a Deus e faze o que nas conhecê-la. A verdade espiritual não pode ser
q ueres”. K ierkegaard está preocupado p rin cip a l­ apenas reconhecid a; deve se apropriar dela pelo
m ente com a m aneira em que a pessoa vive (pai­ co m p ro m isso .
xão), em vez de o que ela faz (conteúdo). Mas a pes­ Em Pós-escritos não-científicos finais, outra dis­
soa ética também acaba no desespero de encontrar tinção é estabelecida dentro da fase religiosa. A reli­
significado. Isso leva o leitor à terceira fase, a religi­ gião x é religião natural, e a religião v é sobrenatural.
osa. A vida ética leva ao fracasso em atingir os pró­ A primeira é religiosidade; a segunda é o cristianis­
prios ideais. Isso leva ao arrependimento, a precon- mo. A religião x é racional, mas a religião y é parado­
dição da fé. xal. A primeira enfatiza apenas uma necessidade ge­
Kierkegaard introduz Deus com o o Legislador ral; a segunda é criada por uma necessidade especial
M oral. O arrependim ento ético term ina em triste­ de Cristo.
za causada pelo próprio fracasso. Isso em si não Em Fragmentos filosóficos, Kierkegaard relaci­
leva à redenção. A ética leva à lei com seu fracasso, ona fé e razão. O livro é filo sófico e ob jetiv o. O
não ao Legislador. cristianism o é estudado quanto a seu conteúdo (o
Essa obra im portante prepara para a fase reli­ que), ao contrário dos Pós-escritos, que enfatiza o
giosa sem entrar nela. A lei term ina em autocon­ c r is tia n is m o co m o m od o e x is te n c ia l de vida
fiança, mas não traz confiança em Deus. 0 indiví­ (com o). Esse ataque à filosofia centrada no homem
duo no final acaba com duas escolhas — a religião in flu en cio u Karl B arth profun dam ente. Os seres
ou o desespero. h u m a n o s v êem D eus co m o um D e sc o n h e c id o
Kierkegaard esperava que suas obras estéticas desconcertante. Deus deve iniciar a com unicação.
levassem as pessoas a querer escolher a religião como Duas questões são levantadas. Prim eira, é possível
m aneira de encontrar o significado eterno. Ele es­ basear a felicidade eterna no conhecim ento histó­
creveu vários “discursos edificantes” para dar a res­ rico? Isso rem onta a Gotthold Lessing (172 9 -1 7 8 1 )
posta ao desespero das fases estética e ética. Infeliz- e sua “vala”. Segunda, como pode o Deus transcen­
mente, descobriu que as pessoas preferiam diversão dente com u n icar-se conosco?
a edificação. Em “A expectativa da fé”, uma resposta K ierkegaard usa a parábola de um rei que se
à fase estética, afirmou que o conforto só é encon­ to rn a m endigo para co n q u ista r o am or de uma
trado no eterno. É uma estrela guia para um m ari­ d onzela po bre a fim de arg u m en tar que não se
nheiro que enfrenta a repetição m onótona das on­ pode con seg u ir o etern o a p a rtir do puram ente
das. 0 tédio do temporal é vencido apenas pela tran- h istórico, nem o espiritual a partir do racional. O
qüilidade do transcendental. A fé é uma paixão pelo pecado original é o fato hum ano fundam ental (v.
eterno e uma resposta a ele. Até a dúvida pode ser O conceito do temor). A humanidade não pode conhe­
um instrum ento para despertar o Deus eterno. ce r nem e n co n tra r a verdade sem que Deus lhe
Em “Toda dádiva boa e perfeita”, uma resposta à o fereça o co n h ecim e n to e o e n co n tro por m eio
vida de dever ético, Kierkegaard dem onstra como da revelação. Essa revelação m ilagrosa e au tênti­
Deus usa a depressão moral para o nosso bem. Mes­ ca não faz parte do sistem a racional.
mo a oração negada não é injusta. A pessoa que ora R azão e revelação. K ierk eg a a rd co m p aro u
está melhorando, ainda que a resposta não seja para Sócrates a Cristo para chegar à diferença entre reve­
o bem. Até tragédias podem ser vitórias se recebidas lação e razão:
479 Kierkegaard, Soren

Sabedoria de Sócrates Revelação de Cristo é supra-racional, o que transcende a racionalidade


L e m b ra n ç a s p assad as E x p e c t a t iv a f u tu r a finita. O verdadeiro absurdo na situação humana é
V e rd a d e d e sp e rta d a V e r d a d e r e c e b id a d e que as pessoas devem agir como se tivessem certeza,
d e d e n tro fo ra apesar de não terem motivo para ter certeza.
V e r d a d e im a m e n t e V e rd a d e tra n sc e n d e n te Fé e o irracional. O livro Post-Scriptum definiti­
V e r d a d e r a c io n a l V e rd a d e p a ra d o x al vo e não científico acrescenta que a razão objetiva
V e rd a d e ve m do V e rd a d e ve m d o D e u s- jam ais pode encontrar a verdade existencial. P ro­
h o m e m s á b io Hom em vas não podem com provar nem derrubar o cristi­
anism o. Tentar provar Deus é um insulto tão ver­
gonhoso quanto ignorá-lo. Reduzir o cristianism o
As verdades cristãs não são analíticas (auto-evi­
à probabilidade objetiva seria fazer dele um tesou­
dentes) nem sintéticas, porque ainda que factual­
ro que se pode possuir negligentem ente, com o di­
mente corretas, não são aceitas, pois o conhecim en­
nheiro no banco.
to hum ano carece da certeza contida nas afirm a­
A fé em fatos religiosos, tais com o a encarnação
ções cristãs. As afirmações cristãs são paradoxais e
ou autoridade das Escrituras, não é fé verdadeira.
só podem ser aceitas pela fé. Há um Deus real e trans­
Fé verd ad eira é dom de Deus e in atin g ív el pelo
cendente, que só pode ser escolhido na sua auto-reve­
lação. Esse Deus é signiticante e real, mas paradoxal. esforço. A encarnação (v. C r is t o , d iv in d a d e d e ) e a

Ele é o lim ite desconhecido do conhecer; ele atrai Bíblia são pontos de referência objetivos, mas não
magneticamente a razão e causa uma colisão passional são razões. A fé verdadeira é o salto em direção à
com a humanidade dentro do paradoxo. A razão não revelação de Deus que não se baseia em evidência
pode penetrar Deus, nem pode evitá-lo. 0 próprio ob jetivam ente racional ou em pírica. A razão, no
zelo dos positivistas em eliminar Deus demonstra sua entanto, tem o papel negativo de nos ajudar a dis­
preocupação com ele. 0 paradoxo supremo de todo tinguir o absurdo do paradoxo. O cristão é im pedi­
pensamento é a tentativa de descobrir algo que o pen­ do pela razão de crer em absurdos ( Post-scriptum ,
samento não pode conceber. 50 4 ). Ele conta a parábola de um louco que quer
Provas e indicações. Deus é desconhecido para provar que é são. Ele bate uma bola no chão, dizen­
nós, m esm o em Cristo. Deus indica sua presença do: “Bum, a terra é redonda”. Ele m ostra que o que
apenas por “sinais” (indicações). A revelação para­ o louco disse era verdade, mas m esm o assim isso
doxal do desconhecido não é cognoscível pela razão. não prova que ele é são. A m aneira pela qual ele diz
A reação humana deve ser um salto de fé, que é con­ isso m ostra que ele não está relacionado correta­
cedido por Deus, mas não imposto a nós; podemos mente com a verdade (ibid., p. 174).
a ce ita r a fé ou d ecid ir viver ra c io n a lm e n te (v. Conhecimento volitívo e racional de Deus. O peca­
f id e ís m ü ). A fé em Deus não pode ser racional ou do, não nossa inabilidade mental, faz Deus parecer
em piricam ente fundada. Racionalm ente não pode­ um paradoxo absoluto. Esse paradoxo absoluto tor­
mos sequer imaginar como Deus é ou não é. 0 m á­ na-se absurdo na cruz, a ofensa oferecida pelo evan­
ximo que podemos fazer é projetar em direção ao gelho. A tarefa humana, portanto, não é com preen­
transcendente qualidades fam iliares que jam ais o der a Deus intelectualmente, mas subm eter-se a ele
alcançam. Não podemos argumentar com base nas existencialm ente em am or sacrificial. O paradoxo
obras da natureza de Deus, pois ou elas pressupõem não é teórico, mas volitivo. Não é m etafísico, mas
Deus ou conduzem à dúvida. axiológico. Deus é loucura para nossa mente e ofen­
Os que pedem provas da existência de Deus ig­ sa ao nosso coração. O paradoxo objetivo de Deus
noram a Deus (v. D eus, evidencias de ), pois já possuem em Cristo deve receber uma resposta paradoxal de
o que im ag in am (v. “Por o c a siã o de um culto fé e amor.
confessional”, em Thoughts on crucial situations in Escrituras. Kierkegaard acreditava que a Bíblia
human life [Pensamentos sobre situações cruciais na era a Palavra inspirada de Deus (v. revelação especi­

vida humana]). Ainda que se pudéssemos provar a a l ). Escreveu;


existência de Deus, ela seria irrelevante para nós. É
sua relação conosco que tem importância religiosa. Estar sozinho com as Sagradas Escrituras! Não me atre­
0 evangelho é apresentado apenas como escolha exis­ vo! Quando abro numa passagem, seja qual for — ela me pren­
tencial, não para reflexão racional (Pós-escritos , p. de instantaneam ente, me pergunta (é como se o próprio Deus
485; Obras de amor, p. 74). Deus não é irracional. Deus me perguntasse: “Fizeste o que leste aqui?”).
Kierkegaard, Seren 480

Ele até a chama “Palavra de Deus”, acrescentan­ sucesso além das expectativas, poderá com todo seu
do: “Meu ouvinte, com que intensidade estim as a trabalho não garantir nada relativo à fé”. Para o críti­
Palavra de Deus?” (Auto-exame , p. 51). Kierkegaard co, ele adverte: “Quem ataca a Bíblia também deve ter
até acreditava que o cânon estava fechado e que Deus buscado uma compreensão clara da possibilidade de,
não dá novas revelações. Criticava duramente qual­ se o ataque for bem-sucedido acima de toda expecta­
quer pessoa que afirm asse ter recebido uma nova tiva, nada haver que acompanhe o resultado filológico”.
revelação (v. B í b l i a , c a n o n i c i d a d e d a ). Se os defensores da Bíblia alcançam seus maiores so­
No entanto, Kierkegaard não acreditava ser ne­ nhos ao demonstrar que livros pertencem ao cânon,
cessário ou importante defender a infalibilidade das sua autenticidade, confiabilidade e inspiração, de que
Escrituras. Isso fica evidente em suas posições so­ adianta? Será que alguém que antes não tinha fé deu
bre o eterno e o tem poral, bem com o em seus co­ um passo em direção a ela? A fé não resulta simples­
m entários sobre c rítica bíblica. mente da investigação científica; na verdade, não vem
O eterno e o temporal. Como pode a salvação eter­ de forma direta. Pelo contrário, “em sua objetividade
na depender de documentos históricos (e portanto a pessoa tende a perder o interesse pessoal infinito na
incertos)? Como pode o histórico oferecer conheci­ paixão, que é a condição da fé” (Post-scritum definiti­
mento não-histórico? (v. C risto da fé rs. J esus da histó ­ vos). Mas e se os oponentes da Bíblia comprovarem
ria ). A resposta de Kierkegaard é que, à medida que a tudo que alegam sobre ela, isso elimina o cristianis­
Bíblia oferece inform ação em pírica, constitui base mo? De form a alguma. Se o crente “acreditasse por
insuficiente para a fé religiosa. Somente a fé inspirada causa de alguma prova, estaria prestes a abrir mão de
pelo Espírito encontra o Deus eterno no Cristo tem ­ sua fé”. A fé não precisa de provas, disse ele. A fé, na
poral (v. E spírito S anto na apologética , papel do ). O s au­ verdade, considera a prova sua inimiga (ibid., p. 31).
to res b íb lico s não c e rtific a m p rim a ria m e n te a Em outro trecho Kierkegaard afirm a que, para
historicidade da divindade de Cristo (v. C risto , divin ­ dar lugar à fé, homens e mulheres devem ser libertos
dade de ), mas testificam a favor da divindade de Cristo dos grilhões da necessidade histórica. A história não
na história. Logo, a crítica bíblica é irrelevante. O im ­ é uma necessidade que se revela, com o Hegel disse,
portante não é a historicid ad e de Cristo, e sim a mas uma resposta livre ao desafio e à confrontação.
contemporaneidade de sua pessoa que confronta hoje A liberdade escapa da rede da explicação científica. ,
pessoas pela fé na ofensa do evangelho. O Jesus his­ Rejeição à teologia natural. A religião natural é
tórico é uma pressuposição necessária, mas a histó­ boa, mas não é cristã, porque carece de revelação
ria não prova que ele é o Messias. A única prova disso transcendente. Ela suplementa o cristianism o, po­
é o fato de sermos seus discípulos. rém é patética sem o cristianism o para completá-la.
Historicidade e contemporaneidade. Se o eterno Surge da colisão da razão com o desconhecido (um
vem como evento na história, como pode estar igual­ conceito desenvolvido no Numinous, de Rudolph
mente disponível a todas as gerações? A resposta é Otto), que jam ais vai além da colisão. O ser humano
que a fé não depende do acaso ou de um encontro é um criador de deuses que deifica tudo que é esm a­
fortuito com Jesus na rua. Isso seria contemporaneidade. gador. Mas no fundo do coração da devoção natural
A fé é centrada num evento histórico, mas não se esconde-se um capricho que sabe que produziu a
baseia nele. Nenhuma contem poraneidade superfi­ divindade e que a divindade é uma fantasia. Logo, a
cial pode gerar fé; apenas a contemporaneidade es­ religião natural desvia-se ou para o politeísmo, que
piritual pode fazê-lo. coleta todas as fantasias, ou para o panteísmo, que
as funde de modo incongruente. Assim, Kierkegaard
Pois se a geração contemporânea não deixasse após sua conclui que, por mais que a razão nos aproxime de
passagem senão estas palavras: “Cremos que nesse determi­ Deus, essa ainda será a maior distância que ele esta­
nado ano Deus apareceu entre nós na forma humilde de servo, rá de nós.
que ele viveu e ensinou na nossa comunidade, e finalmente Kierkegaard acrescenta uma observação interes­
morreu, isso seria mais que suficiente (ibid., p. 130). sante sobre a religião comparativa. O budismo, diz,
procura o eterno fora do tempo — pela meditação.
Assim, o tempo é irrelevante para a fé. Não existe Sócrates buscou o eterno antes do tem po — pela
discipulado de segunda mão. memória. Mas o cristianism o busca o eterno no tem ­
Crítica da Bíblia. Quanto ao apologista da Bíblia, po — pela revelação.
Kierkegaard o exorta: “Quem defende a Bíblia para o Avaliação. Apesar de Kierkegaard poder ser con­
benefício da fé deve ter certeza de que, no caso de ter siderado um evidendalista moderado com relação às
481 Kierkegaard, Soren

verdades objetivas e históricas, com relação à ver­ Está correto em notar que, mesmo se alguém tivesse
dade religiosa ele é quase um exemplo clássico de registros históricos perfeitos, essa inform ação por
fideísta. Ele e Karl B arth , são os fundadores do ata­ si só não levaria a pessoa ao contato com Deus.
que cristão à abordagem racional e evidenciai do Dificuldades. F ideísmo . Como outros fid eístas,
cristianism o no mundo m oderno. No entanto, há K ierk eg aard o fere ce razões in c o e re n te s para o
vários valores no pensamento kierkegaardiano, até fideísmo, que afirm a que não se pode oferecer ra­
mesmo para a apologética cristã. zões para as questões da fé. 0 restante dessa questão
Contribuições positivas. Kierkegaard pode ser lou­ é discutida n o artigo fid eísm o .
vado por sua crença nos fundamentos da fé cristã. Separando fato e valor. Seguindo Immanuel Kant,
Ele enfatizou o encontro pessoal com o cristianism o Kierkegaard separa radicalmente fato e valor, o que
autêntico, a im portância do livre-arbítrio em opo­ é e o que deve ser. Isso deu ímpeto à separação do
sição ao determ inismo com portamental e o retorno Jesus da história do Cristo da Fé (v. C risto da fé vs . J esus
à fé do n t . Enfatizou a imutabilidade, a transcendência, da história ; J esu s , S em in Ario ; milagres , mito e ). Apesar de
e a graça de Deus e a depravação humana. Ofereceu o histórico não possibilitar o contato com o eterno, o
explicações criativas sobre muitas passagens bíblicas. eterno tam bém não pode ser separado da história
Uma repreensão ao racionalismo. Alguns racio- real. Apesar de Kierkegaard não negar a realidade his­
nalistas, com o René D e sc a r t e s , G ottfried L e ib n iz e tórica dos milagres, reduz a im portância dessa di­
Christian Wolff, enfatizaram uma abordagem extre­ mensão. Os milagres podem ser mais que históricos,
ma de Deus. Desvalorizaram o papel da fé e do encon­ mas não são menos. Ao negar a importância do his­
tro pessoal no relacionam ento genuíno com Deus. tórico, ele mina a autenticidade do nt e, com ele, o
Exageraram seus argumentos a favor da existência de cristianism o do n t . A m udança de ênfase de fato
Deus (v. D eu s , evidências d e ), afirmando que eram m a­ para valor leva à negação do fato e de seu apoio à fé.
tem aticam ente absolutos. O ataque de Kierkegaard Apoio evidenciai para a fé. Apesar de Kierkegaard
ao racionalismo e sua ênfase sobre o encontro pesso­ estar correto sobre a fé ser baseada não em fatos,
al com o Deus vivo é um a rep reen sã o útil ao mas em Deus, ele está errado ao supor que não há
racionalismo puro. apoio racional e evidenciai para a fé. É claro que
A distinção clássica entre a razão e as verdades Deus é a base da fé em Deus, todavia isso não signi­
da fé (v. fé e razão ) às vezes é esquecida na apologética fica que não tem os qualquer outro apoio racional
racional moderna. Há verdades que, apesar de irem ou evidenciai para a fé. Kierkegaard exagera quando
co n tra a razão, vão além da razão (v. m i s t é r i o ). afirm a: “O milagre não pode provar nada; pois, se
Kierkegaard via isso claramente. você não acredita que ele [Deus] é o que diz ser, você
A verdadeira base para a fé. Alguns apologistas nega o milagre. Um milagre pode cham ar a atenção”
clássico s (v . c l á s s ic a , a p o l o g é t ic a ) e a p o lo g ista s (Training in Christianity [Treinamento no cristia­
evidenciais (v. apolo gética , tipo s d e ) tendem a esque­ nismo], p. 99).
cer que a fé não se baseia na evidência ou razão Fé em e fé que. Não há evidência para fé em Deus.
sob re D eus, m as no p róp rio Deus. K ierk eg aard Isso é estritam ente uma questão de fé. No entanto,
enfatizou esse ponto em demasia. há evidência para se ter fé que exista um Deus.
Pré-evangelismo útil. Poucos descreveram o de­ Kierkegaard não enfatiza a importância de ter a evi­
sesp ero da vida e stética tão cla ra m en te q u anto dência de que Deus existe. Nenhuma pessoa racio­
Kierkegaard. Either/ Or [Isso ou Aquilo} dá uma vi­ nal depositaria sua fé num elevador para ir ao nono
são inédita da futilidade da vida sem Deus. Isso pode andar sem evidência de que o elevador pudesse fa­
ser formulado como um argumento implícito a par­ zer isso. Da mesma forma, nenhuma pessoa racional
tir da necessidade religiosa (v. D eu s , necessidade d e ). deveria confiar em Deus sem que fosse razoável acre­
O histórico e o eterno. Kierkegaard está correto ditar que existe um Deus confiável.
ao observar que o milagre é mais que mera dim en­ O papel dos argumentos teístas. Kierkegaard não
são histórica, e o histórico é insuficiente para possi­ oferece refutações aos argumentos a favor de Deus
bilitar o contato com o Deus vivo (v. m ila g res , mito e ). como Kant (v. D eu s , objeções às provas d e ). Ele oferece
A ênfase exagerada por parte dos apologistas histó­ apenas um tipo de reclamação existencial contra ar­
ricos pode ser m al-interpretad a e dar a entender gumentos teístas, que são uma ofensa a Deus. Mas
que é possível chegar a Deus mediante a evidência por que o Deus da razão ficaria ofendido por usar­
histórica apenas. Kierkegaard faz advertências agu­ mos a razão? A razão é parte do que nos faz sem e­
das quanto ao abismo entre o histórico e o eterno. lhantes a ele (Gn 1.27).
Kushner, Harold 482

Um Deus completamente diferente. 0 conceito de não ressuscitou, inútil é a fé que vocês têm, e ainda
Deus como “completamente diferente” é uma forma estão em seus pecados” (TCo 15.17; v. Rm 10.9).
de AGNosTiciSMO. Como o reino numênico de Kant (a Revelação pessoal e proposicional. Apesar de crer
coisa-em -si), Deus jam ais pode ser conhecido. Pode­ na inspiração das Escrituras, a ênfase de Kierkegaard
mos conhecer apenas que ele existe, mas não o que ele na natureza pessoal da verdade religiosa e na ne­
é. Precisamos conhecer algo sobre o que algo é ou não cessidade do encontro existencial com Deus dese­
podemos saber que existe. Mesmo um objeto estra­ quilibrou a balança axiológica contra a revelação
nho que nunca vim os antes não é “completamente proposicional. Ela não só foi diminuída, mas tam ­
diferente”. Podemos não conhecer seu propósito, mas bém separada do que é realmente im portante, a re­
podemos conhecer seu peso, forma e cor. A própria velação pessoal. Isso levou à neo-ortodoxia de Karl
afirm ação de que não sabem os nada sobre Deus é B arth e Emil B run n er , que negou a posição histórica
uma declaração de que se sabe algo sobre ele; logo, é e ortodoxa de que a revelação é proposicional.

incoerente. Conhecim ento puram ente negativo so­ Os termos salto, absurdo e paradoxo. Kierkegaard
não era irracionalista, como alguns afirmaram, mas o
bre algo é impossível. A afirmação de que Deus não é
uso que faz dos termos nos dá essa impressão. Absur­
“isso” sugere que conhecemos o “isso”. Assim, consi­
do e paradoxo geralm ente têm sido reservados, de
derar a linguagem religiosa mera indicação de Deus,
Zenão a Kant, para significar contradição lógica (v.
incapaz de descrevê-lo, na verdade nos deixa em ig­
prim eiro s princípios ; lógica ). São, na melhor das hipóte­
norância total e em situação de derrota.
ses, uma escolha infeliz de termos e geralmente são
Suspensão da ética. Em sua suspensão do ético
mal-interpretados. Kierkegaard foi muito mal-inter-
pelo religioso, Kierkegaard abriu o caminho para a
pretado, em parte por tê-los usado. Da mesma forma,
ética de situação. Apesar de crer firmemente nas leis
falar de um “salto” de fé parece irracional, como até
morais de Deus, no mais alto nível do dever — sua
K ierkegaard pareceu recon h ecer m ais tarde (v.
relação com Deus — , não há como distinguir o certo
Journals, p. 581). Tais palavras extremas para descrever
do errado. 0 encontro existencial com Deus coloca a
o mistério do que não vai contra a razão, mas apenas
pessoa além dos reinos racional e ético. Apesar do
está além dela, só podem levar à má interpretação.
contexto racional e ético em que começa, a suspensão
do ético pelo religioso deixa a pessoa sem qualquer
Fontes
guia real no nível mais elevado de certo e errado. G. E. A rbaugh, Kierkegaard’s authourship.
Subjetividade da verdade. Kierkegaard não afir­ S. E vans, Kierkegaard’s “Fragments’’and “Postscript
mou que a verdade era subjetiva. Ele disse: “A ver­ ___ , Subjectivity and religious belief.
dade é subjetividade”. E, apesar de não negar a ver­ F. C A R M i N C A L , “ T h e unknown and unread Soren
dade objetiva (v. v er d a d e , natureza da ) na ciência ou Kierkegaard”, em Stadia et apologia.
na história, negava que a verdade religiosa fosse J. Carnell, The burden o f Soren Kierkegaard.
objetiva ou testável. Isso não só nos deixa com um P. S. M inear, et al., Kierkegaard and the Bible.
m ero teste su b jetivo da verdade relig iosa com o H. N ygeren, “Existentialism: Kierkegaard”, em N. L.
tam bém confunde a natureza objetiva da verdade GEisLER,org.,M)/ifii/ inerrancy: its
religiosa com a cond ição subjetiva de recebê-la. philosophical roots.
Certam ente deve-se aplicar as verdades do cristia­ V tb. as várias obras de Kierkegaard citadas acima.
nism o à vida subjetivam ente, mas isso não signifi­
ca que tais verdades devam ser definidas com o sub­ K rishna. V. hixduísm o vedaxta ; ressurreição xas religiões
jetividade. Toda essas verdades correspondem ob­ não - cr istã s , reivindica ções d e ; relig iõ es m u n d ia is , c r ist i ­
jetivam ente à situação descrita. anismo E.
Minimizando o historicamente necessário. Quan­
do Kierkegaard falou sobre a mera fé num homem Kushner, H arold. Rabino americano do final do sé­
cham ado Jesus, em quem as pessoas acreditavam culo xx cuja versão popular de deísmo finito é ex­
que Deus habitava, como os fatos históricos m íni­ pressada em seus best-sellers Quando tudo não é o
mos necessários para a fé cristã, ele abriu caminho bastante e Quando coisas ruins acontecem às pessoas
para a demitologização radical de B u ltm a xx . I sso ataca boas. Kushner desafia o cristianism o em vários pon­
a afirmação do x t de que o fato da ressurreição cor­ tos importantes, principalmente na sua rejeição aos
poral é absolutamente necessário para o cristianis­ milagres e nos argumentos a favor de um Deus finito
mo. Como o apóstolo Paulo declarou: “E, se Cristo (v. m ila g res , argumentos co ntra ).
483 Kushner, Harold

Um Deus limitado. Segundo Kushner, existe um não é o bastante, p. 77). Cada indivíduo é feito “à
Deus que é limitado em poder e perfeição. Mas, imagem de Deus”. Isso se manifesta principalmente
em sua habilidade de escolher entre o bem e o mal.
quando falamos de um Deus, estam os fazendo algo mais Os seres humanos também são seres racionais.
que um censo de quantos seres divinos existem? Será que
estam os dizendo que Deus “está no controle...”? (Quando tudo Quando as prim eiras páginas da Bíblia descrevem Adão
não éo bastante, p. 133). dando nom es aos anim ais, é feita uma homenagem à sua ha­
bilidade singular de raciocín io, de classificar as coisas em
Além disso, “pelo fato de ser Um, ele está comple­ categorias. O hom em sozinho pode usar sua mente para fazer
tamente sozinho a não ser e até que haja outras pesso­ ferram entas, [... ] assim com o para escrever livros e sinfonias
as para amá-lo” (ibid., p. 56). Esse Deus “não pode (ib id .,p . 103-4).
monopolizar todo Poder e não deixar nenhum para
nós” (ibid.). Além de Deus ser limitado por nossa cau­ Os seres humanos não só têm mente e vontade, mas
sa, ele também é limitado por causa de sua natureza. também têm corpos físicos que sentem dor (ibid., p.
Nas palavras de Kushner: 78). No entanto, o corpo humano é bom. Para Kushner,
“ver o corpo humano e todo o mundo natural com
Reconheço suas limitações. Ele é limitado no que pode fazer nojo ou desconfiança é uma heresia, assim como vê-lo
pelas leis da natureza e pela evolução da natureza humana e da sem a devida reverência” (ibid., p. 83). Deus é bom , e
liberdade moral humana (Quando coisas ruins acontecem àspes­ também fez a humanidade boa. Quando a Bíblia des­
soas b o a s , p. 134). creve Adão e Eva comendo o fruto da árvore do conhe­
cimento do bem e do mal, eles não caíram; eles “subi­
ram”. Foi um momento de progresso para a raça hu­
Devemos entender “que até Deus tem dificuldade
mana, não uma catástrofe. Foi um salto no processo
para controlar o caos e limitar a destruição que o mal
evolutivo.
pode causar” (ibid., p. 43).
Kushner refere-se à mente humana como “a pro­
Kushner vê a finitude de Deus como uma vanta­
va m ais irrefutável da m ão de Deus no processo
gem para nossa vida, não um risco. Pois, “se pode­
evolutivo” (ibid., p. 110). Em outro trecho escreve so­
m os reconhecer que existem algum as coisas que
bre “o que Deus tinha em mente quando preparou os
Deus não controla, muitas coisas boas se tornam
seres humanos para evoluírem” (ibid., p. 135). Portan­
possíveis” (ibid., p. 45). Na verdade, “Deus, que não
to, a evolução é o meio pelo qual Deus expressa sua
causa nem previne tragédias, ajuda ao inspirar pes­
criatividade (v. ev o lu ç ã o b io l ó g ic a ) . O ser humano é o
soas a ajudar” (ibid., p. 141). Deus não pode contro­
produto mais elevado desse processo — a criatura
lar o mundo e os seres humanos, mas ele “é o poder
mais parecida com Deus.
divino que os incentiva a crescer, avançar e desafi­
Um m undo caótico. Embora o mundo esteja num
ar” (ibid., p. 132).
processo de mudança, existem coisas sobre o m un­
Deus, para Kushner, é um Deus de amor, não de
do que até Deus não pode mudar. Deus não pode
poder ( Quando tudo não é o bastante, p. 55). Ele é
fazer condições fatais serem menos fatais ou curar
mais bondoso que capaz (ibid., p. 5 8 ).“Deus é a força
uma doença (Quando coisas ruins acontecem às pes­
que nos leva a deixar o egoísmo e ajudar nosso pró­
soas boas, p. 110). “As leis da natureza não fazem ex­
ximo, e ao mesmo tempo o inspira a transcender o
ceções para pessoas boas. Uma bala não tem consci­
egoísmo e nos ajudar” (ibid., p. 183). Quanto às nos­ ência; nem um tum or m aligno ou um autom óvel
sas circunstâncias trágicas: “Deus não pode impedir desgovernado” (ibid., p. 58).
a calam idade, mas nos dá a força e perseverança As mãos de Deus estão atadas pelas leis insensí­
para superá-la” ( Quando coisas ruins acontecem às veis da natureza. Logo, não podemos pedir um m il a ­
pessoas boas, p. 141). Deus não pode evitar nossas g r e para Deus. Quando coisas muito anormais acon­
desgraças, mas tam bém não as envia. “Nossas des­ tecem , “devemos curvar nossas cabeças para agra­
graças não têm nada que ver com ele, e então pode­ decer pela presença de um milagre, e não pensar que
mos pedir ajuda a ele” (ibid., p. 44). Mesmo durante o nossas orações, contribuições ou abstinências fize­
holocausto, Deus “estava com as vítimas, e não com ram isso” (ibid.). A oração não nos dá contato com
os assassinos, mas [...] ele não controla a escolha do o Deus sobrenatural. Na verdade a oração “nos dá
homem entre o bem e o mal” (ibid., p. 84). contato com outras p essoas, pessoas que têm os
Seres hu m an os bons. A humanidade é um re­ m esm os tem ores, valores, sonhos e dores que nós”
sultado evoluído da “criação de Deus” ( Quando tudo (ibid., p. 119).
Kushner, Harold 484

Esse mundo tam bém é irracional ( Quando tudo Tal religião era adequada para a civilização im a­
não é o bastante, p. 111). Não há significado final em tura, mas obediência cega gera crianças perpétuas
nada que acontece (Quando coisas ruins acontecem (Quando tudo não é o bastante, p. 127-8).
às pessoas boas, p. 136). Não há razão para algumas Um nível mais elevado de maturidade ética é al­
pessoas sofrerem e não outras. cançado por aqueles “que entendem que as regras
não vêm ‘do alto’. As regras são feitas por pessoas
Esses eventos não refletem a escolha de Deus. Elas aconte­ como elas, e podem ser mudadas por pessoas como
elas”.
cem por acaso, e o acaso é outro nome para caos, naqueles can­
tos do universo onde a luz criativa de Deus ainda não penetrou
Nesse ponto ser“bom” não significa mais apenas obede­
(ibid.,p. 53).
cer às regras. Agora significa compartilhar a responsabilidade
de avaliar e fazer regras que serão justas, para que possamos
P erd oar Deus p elo mal. O mal é real ( Quando
desfrutar a vida numa sociedade justa (ibid., p. 123).
tudo não é o bastante, p. 89). “Estar vivo é sentir dor,
e esconder-se da dor é estar menos vivo” (ibid.). O
Esperança em relação ao futuro. Quanto à vida
mundo é injusto, e devemos ajustar-nos a ele. Em
após a morte, o rabino Kushner é incerto. A imortali­
vez de culpar Deus, precisamos perdoá-lo. Numa pas­ dade pessoal é apenas uma esperança. “Nem eu nem
sagem comovente, o rabino pergunta: qualquer pessoa viva pode conhecer a realidade dessa
esperança” ( Quando coisas ruins acontecem às pesso­
Você é capaz de perdoar e amar a Deus mesmo quando as boas, p. 28). Ele “acredita que a parte de nós que não
descobriu que ele não é perfeito, mesmo quando ele o decep­ é física, a parte que chamamos de alma ou personali­
cionou ao permitir azar e doença e crueldade no seu mundo, e dade, não morre e não pode morrer”. Mas logo acres­
permitiu que algumas dessas coisas acontecessem com você? centa: “Não sou capaz de imaginar uma alma sem um
Você pode aprender a amá-lo e perdoá-lo apesar das suas limi­ corpo. Será que seremos capazes de reconhecer almas
tações [...] assim como aprendeu a perdoar e amar seus pais sem corpos como sendo as pessoas que conhecemos
apesar de não serem tão sábios, fortes ou perfeitos quanto e amamos?” (ibid.).
você precisava que fossem? ( Quando coisas ruins acontecem Kushner admite que a crença no mundo futuro
às pessoas boas, p. 148). pode ajudar as pessoas a suportar a injustiça deste
mundo. Mas pode permitir a aceitação da injustiça,
A solução para o problema do mal (v. m a l , pro ­ em vez de se fazer algo a respeito (ibid., p. 29). Deve­
blem a d o ) é “perdoar Deus por não ter feito um mun­ mos viver para o presente, um m om ento de cada
do melhor, estender a mão para as pessoas à nossa vez. “Jamais resolvemos o problema de viver de uma
volta e continuar vivendo apesar de tudo” (ibid., p. vez por todas” (Quando tudo não é o bastante, p. 143).
O importante é viver o agora. Aqueles que vivem no
147).
presente com integridade não têm medo de morrer
M atu ridade na ética. A teoria de Kushner do
(ibid., p. 155). “Não tenho medo da m orte porque
certo e errado tem raízes na tradição judaica, mas
sinto que vivi. Amei e fui amado” (ibid., p. 161). A
floresce à luz da psicologia contemporânea. As ve­
maioria das pessoas não tem medo de morrer, mas de
zes ele fala sobre Deus com o Legislador. “Ele nos
viver. Temem a vinda da morte sem jam ais ter vivido
com anda. Ele impõe a nós um senso de obrigação
(ibid., p. 156).
moral” ( Quando tudo não é o bastante, p. 180). Deus
Não d evem os b u sc a r re c o m p e n sa s fu tu ras.
“nos com anda. É por isso que estam os na terra,
“Quando se aprende a viver, a própria vida é a re­
para servir a Deus, para fazer sua vontade” ( Quando
compensa” (ibid., p. 152). O rabino Kushner cita com
coisas ruins acontecem às pessoas boas, p. 86). A obe­ aprovação o Talmude, que diz: “Uma hora neste mun­
diência às leis de Deus, no entanto, é uma atividade do é melhor que toda eternidade do Mundo Futuro”
ética inferior. Seguindo o psicólogo Jean Piaget, (ibid., p. 151). Quando falamos de Deus no céu como
Kushner acredita que a obediência não é necessari­ nossa esperança, “banalizamos a religião e impedi­
amente a maior virtude. Na verdade, mos que pessoas bem -intencionadas a levem a sério
e encontrem ajuda ali” (ibid., p. 179). Nossa imorta­
uma religião que define moralidade como obediência aos lidade real é ter filhos e plantar coisas de que outros
seus mandamentos é adequada para crianças e pessoas ima­ possam desfrutar depois que partirmos (ibid.,p. 173).
turas, e pode ter sido adequada para a humanidade como um O céu e o inferno estão na terra. O céu “é ter apren­
todo quando a civilização era imatura. dido a fazer as coisas e desfrutar das coisas que nos
485 Kushner, Harold

tornam humanos, as coisas que apenas seres hum a­ Reconhecimento do problema da intervenção di­
nos podem fazer”. Em comparação, vina. Ele tam bém indica um problem a que alguns
teístas tendem a ignorar. Dada a realidade da condi­
o pior tipo de inferno que posso imaginar não é de fogo ção humana, Deus não pode fazer tudo. Existem li­
e enxofre (...) 0 pior inferno é perceber que você poderia ter m ites operacionais à intervenção divina. Deus não
sido um ser humano de verdade [...] e agora é tarde demais pode violar a liberdade hum ana que concedeu aos
(ibid., p. 157). seres feitos à sua imagem. Assim, fazer um milagre
co n trário à liberd ad e m oral é op eracion alm en te
Deus não intervirá no futuro para recompensar e impossível para Deus. Intervir continuam ente seria
castigar os corruptos. A verdadeira recompensa é “que contrário às próprias leis que tornam possível a vida
ele fez a alma humana de tal maneira que apenas uma física e moral.
vida de bondade e honestidade nos faz sentir espiri­ Pontos fracos e objeções. A maioria dos aspectos
tualmente saudáveis e humanos” (ibid., p. 183). questionáveis do pensamento de Kushner são criti­
Avaliação. Contribuições positivas. Apesar de seu cados em outros artigos. Eles serão citados aqui com
deísm o finito ser falso, sua articulação da posição con­ referências.
tém verdades: Primeiro, o deísmo finito é infundado (v. fin ito ,
Reconhecimento do problema do mal. Kushner ba­ d eísm o ).
seou seu pensamento numa área crucial — o pro­ Segundo, o conceito do mal de Kushner é inade­
blema do mal. Com respeito ao tema, ele reconhece quado (v. m a l , problema do ).
a realidade do mal, em vez de optar pelo panteísmo, Terceiro, a negação do sobrenatural de Kushner
que o nega. Ele tem razão ao afirm ar que furacões é infundada (v. m ila g re ).
não têm consciência; atingem pessoas boas e más. Quarto, sua negação da imortalidade é contrária
Atingem igrejas e casas de prostituição. Qualquer à evidência (v. im ortalidade ). Sem essa negação sua
solução adequada ao problema do mal natural deve defesa desm orona, já que depende da prem issa de
lidar com essa realidade (v. m a l , problem a d o ). Kushner que erros cometidos nesta vida não serão retificados
tenta encontrar essa solução. Ele não a relega ao âm ­ na próxima vida (v. Geisler, The roots o f evil [As raízes
bito do absolutamente inexplicável. Apesar de teístas do mal], apêndice 3).
não concordarem com a solução encontrada (v. a Apesar de sua popularidade, a forma de deísmo
seguir), de qualquer forma louvamos suas tentativas finito de Kushner, principalm ente com relação ao
de encontrá-la. mal, não resiste à prova. Ela tem mais apelo em ocio­
Discernimento do problema do sofrimento. Por ter nal que justificação racional.
sofrido fisicam ente, Kushner não é um observador
im parcial; ele é sensível ao im pacto existencial do Fontes
sofrimento. Sua perspectiva é a diferença entre C. S. H. K u sh n e r , Quando tudo não é o bastante.
Lewis no seu livro 0 problema do sofrimento, quando ___ , Quando coisas ruins acontecem às pessoas boas.
não está sofrendo pessoalmente, e suas reflexões pos­ N. L. G eisi er , The roots of evil, ed. rev.
teriores em A g rief observed [ Uma dor observada ], ___ e H. K ushner , transcrição, debate
depois que sua esposa morreu de câncer. televisionado, “The John Ankerberg show”, 1984.
LI
Lapide, Pinchas. Rabino e teólogo do final do sécu­ Fontes
lo xx que, sem se converter ao cristianism o, defende P. L apide , The resurrection o f Jesus.
a crença cristã de que Jesus de Nazaré ressuscitou ___ , Time (4 June 1979).
corporalmente da sepultura. Sua conclusão apóia um
elo crucial na apologética cristã — o da ressurreição lei, natureza e tipos de. A lei moral é uma medida
de Cristo. de conduta. É o primeiro princípio (v. prim eiro s prin ­
No seu livro The resurrection o f Jesus [A ressur­ c ípio s ) da ação humana. Depois de proclamada, uma
reição de Jesus], o rabino Lapide concluiu: lei é obrigatória. Os teonom istas afirm am que a única
lei legítima é a lei divina, insistindo em que gover­
Com relação à futura ressurreição dos mortos, sou e con­ nos hu m anos devem ser basead os na lei b íb lica
tinuo sendo um fariseu. Com relação à ressurreição de Jesus (Bahnsen). Os eticistas situacionais insistem em que
no domingo de Páscoa, fui durante décadas um saduceu. Não não há absolutos m orais e que toda lei é redutível à
sou mais um saduceu, já que a seguinte deliberação me levou lei humana. Os moralistas refletem sobre a relação
a refletir melhor sobre isso (125). entre a lei divina e a lei humana. Um dos tratamentos
mais abrangentes e influentes do assunto é o de T omás
Ele acrescenta: de A q it x o . Teólogos seculares,protestantes e católicos,
in clu in d o -se João C a i .v in o , John L o c k e , T h o m as
Se o poder de Deus que estava ativo em Eliseu é grande o J e f f e r s o x e até o teórico legal W illiam Blackstone,
suficiente para ressuscitar até uma pessoa morta que foi joga­ basearam -se em sua análise.
da no túmulo do profeta (2Rs 13.20,21), então a ressurreição A natureza da lei. A lei é uma medida ou regra
corporal de um judeu crucificado também não seria impossí­ pela qual somos levados a agir ou somos impedidos
vel (p. 131). de agir. A lei é o primeiro princípio de ação. É a regra
básica ou o princípio pelo qual as ações das pessoas
Já que milagre é ato de Deus que confirma a ver­ são direcionadas. A regra ou medida da atividade
dade de um p ro feta de Deus (v. m il a g r e s , valor humana é a razão, cuja função é direcionar meios a
apologético d o s ), é difícil evitar a conclusão de que fins (Aquino, Suma teológica , la2ae. 9 0 ,1 ). A lei civil
Jesus é o Messias (v. C r isto , divindade d e ). Como disse é uma ordem da razão para o bem com um , feita
certo autor: pelos representantes que coordenam a com unida­
de. Ela é promulgada por eles (ibid., Ia2ae, 9 0 ,4 ).
Não entendo a lógica de Pinchas Lapide. Ele acredita que A lei como primeiro princípio. Cada área da ativida­
é possível que Jesus tenha sido ressuscitado por Deus. Ao de humana tem prim eiro s princípios . Existem primeiros
mesmo tempo, ele não aceita que Jesus seja o Messias. Mas princípios do raciocínio humano, tais como a lei da não-
Jesus disse que era o Messias. Por que Deus ressuscitaria um contradição. Da mesma forma, existem primeiros prin­
mentiroso? (Time, 4 de junho de 1979). cípios da existência, tais como o princípio: “A existência
existe”. E há primeiros princípios da ação humana, tais
Na verdade, outro rabino disse a Jesus: “Mestre, com o: “Faça o bem , evite o m al” . A últim a lei é a
sabem os que ensinas da parte de Deus, pois n in ­ natural. Os preceitos da lei natural são para a razão
guém pode realizar os sinais m iraculosos que estás prática o mesmo que os primeiros princípios do pen­
fazendo, de Deus não estiver com ele” (Jo 3.2). samento são para o raciocínio filosófico. O primeiro
lei, natureza e tipos de 488

princípio da razão prática é nosso fim último ou feli­ humana, mas a medida suprema é a lei eterna (ibid.,
cidade última. A lei preocupa-se principalmente com Ia2ae. 7 1 ,6 ). Quando a ação humana é consumada em
o planejamento para esse fim. Em resumo, a lei é a harmonia com a ordem da razão e da lei etema, a ação
regra direcionada para o bem com um (felicidade) é correta; quando se afasta do que é correto, é errada
(ibid., Ia2ae. 90,2). (ibid., Ia2ae. 2 1 ,1 ). A razão humana é a base para a lei
Proclamação da lei. Para ser efetiva, a lei deve ser natural no sentido em que participa da razão eterna de
proclamada. Ninguém é obrigado a obedecer a um pre­ Deus. Nesse sentido, violar a ordem da razão resulta na
ceito sem ser primeiro informado razoavelmente so­ violação da lei de Deus (ibid., Ia2ae. 19, 5).
bre ele (Aquino, Disputas). Isso resulta logicam ente Lei humana. A lei humana , também chamada lei
da natureza da lei com o dever de ação para o bem civil ou positiva, é a tentativa da razão humana de
comum. Logo, para estabelecer a obrigação, a lei deve fazer leis práticas baseadas na lei natural. A lei hu­
ser aplicada às pessoas para ser regulada e deve ser m ana resulta quando a razão prática procura pro­
levada ao conhecim ento pela prom ulgação (Suma mulgar leis concretas para a sociedade a partir de
teológica , la2ae. 9 0 ,4 ). Não conhecer a lei é desculpa preceitos da lei natural (ibid., Ia2ae. 91, 3). É uma
legítima para não obedecê-la, a não ser que seja ig­ particularização dos princípios gerais da lei natural.
norância culpável. As leis humanas podem ser inferidas da lei natu­
Diferentes tipos d e lei. Quatro tipos de lei foram ral. Alguns preceitos são inferidos da lei natural como
diferenciados: eterna, natural, humana e divina. Cada conclusão. Por exemplo, “Não matarás” vem de “Não
uma é a medida ou regra num âmbito diferente. farás o mal”. Outros preceitos são incorporações es­
Lei eterna. Lei eterna é a idéia na mente de Deus, o pecíficas da lei natural. A lei natural dita que crimino­
princípio do universo que está por trás do governo de to­ sos devem ser punidos, mas não (nem sempre) esta­
das as coisas (ibid., Ia2ae. 91,1). É a fonte e o modelo de belece o caráter dessa punição (ibid., Ia2ae. 95, 2). A
todas as outras leis. Pois todas as leis derivam-se da lei lei humana deve ser derivada da lei natural, quer como
conclusão, quer como aplicação específica (ibid.). A
eterna à medida que partilhem da razão correta. É eterna
primeira é como ciência demonstrativa, e a segunda,
porque, estando na mente de Deus, é o plano das coisas
como arte. Logo, as leis declaradas como conclusões
que foram estabelecidas desde a eternidade (ibid.). Por­
recebem sua força da lei natural e do governo que as
tanto, lei eterna é a razão divina pela qual o universo é
promulga. As leis aplicadas recebem sua força somente
governado. Todas as coisas sujeitas à providência divina
do governo.
são governadas e medidas pela lei eterna; logo, comparti­
Nem tudo o que é proibido pela lei hum ana é
lham a lei eterna (ibid., Ia2ae. 91,2). É a mente eterna de
essencialm ente mau. Algumas coisas são ordenadas
Deus que concebeu e determinou tudo que existiria e
como boas ou proibidas como más. Outras são boas
como funcionaria. Dela fluem outros tipos de leis.
porque são ordenadas ou negativas porque são proi­
L e i N a t u r a l A comunicação da lei eterna às criaturas
bidas (ibid., 2a2ae. 5 7 ,2 ). Uma ação maldosa, proibi­
racionais é chamada lei natural. A lei natural é a participa­
da por um preceito negativo, nunca deve ser com e­
ção humana na lei eterna por meio da razão. Está contida
tida. Entretanto, muitos fatores devem conspirar para
na lei etema primariamente e secundariamente na facul­
fazer que uma ação ordenada de virtude seja corre­
dade judicial natural da razão humana (ibid., Ia2ae. 71,6). A
ta. Uma ação virtuosa não precisa ser cumprida em
lei natural é a luz da razão pela qual discernimos o que é
todo caso, “mas apenas quando condições devidas
certo e errado (ibid., Ia2ae. 91,2). É a lei escrita nos cora­
de pessoa, tempo, lugar e situação exigem sua obe­
ções humanos (Rm 2.15).
diência” (v. Gilby, p. 361).
A lei natural nos ensina a fazer o bem e evitar o mal.
A lei humana é imposta a pessoas imperfeitas. “Por­
O bem e o mal devem ser estabelecidos no contexto do
tanto, ela não proíbe todos os males, dos quais os virtu­
que é adequado para os seres humanos como huma­ osos se abstêm, mas apenas os mais graves, que a mai­
nos, sua vida racional e moral ( Disputas, 2). Assim, uma oria pode evitar, e principalmente os que são prejudici­
boa ação está de acordo com a natureza humana moral ais a outros e de cuja prevenção depende a estabilidade
e racional. Uma má ação é contrária à natureza huma­ social” (Suma teológica , la2ae. 96,2). Isto é,
na. Infelizmente, a maioria das pessoas erra nesse pon­
to porque age de acordo com os sentidos, em vez de a lei humana não pode perdoar a todos e a tudo o que é
agir com a razão (Suma teológica, la. 49 ,3 ). contra a virtude; ela é suficiente para proibir ações contra a
No entanto, viver segundo a natureza humana não vida comunitária; o restante ela tolera quase como se fosse
significa que a natureza humana é a medida suprema. lícito, não porque é aprovado, mas porque não é punido (ibid.,
Na atividade voluntária, a medida aproximada é a razão 2a2ae. 77,1).
489 lei, natureza e tipos de

“Nem toda ação de virtude é ordenada pela lei hu­ lei nem amor; é a lei do amor. Leva a humanidade a
mana, mas apenas as que são impostas para o bem públi­ Deus. Pois “o am or é nossa união m ais forte com
co” (íbid., 2a2ae. 96,3). Pois “o fim imediato da lei humana Deus, e isso acim a de tudo é o propósito da lei divina”.
é a própria utilidade dos homens” (ibid., Ia2ae. 95,3). Deus é amor, e o m aior dever é am á-lo ( Suma contra
É claro que nem toda lei humana é legítima. Uma os gentios, p. 111-6).
lei tem a força de lei apenas quando beneficia a co­ Reprimir o mal. Nem todos obedecerão à lei de
munidade (ibid., 2ae. 90, 2). Leis contrárias ao bem Deus, logo sanções são necessárias, ou para reformar
comum (o que é exigido pela lei natural) não têm a o pecador ou para proteger a sociedade por meio da
força de lei. Da mesma forma, leis não promulgadas, punição ao infrator ( Suma teológica, 2a2ae. 68, 1).
ainda que direcionadas ao bem comum, não geram Esse tam bém é o caso da lei divina e natural. O pro­
compromisso (Disputas, p. 177). pósito principal é o nosso bem , m as o propósito
Lei divina. A lei divina tem um propósito dife­ secundário é castigar os que desobedecem.
rente da lei natural. Sua intenção é levar as pessoas a Bem comum. As leis humanas tam bém têm o pro­
Deus. Isto é, “o p ro p ósito do leg islad o r é que o pósito de alcançar o bem comum. Aquino reconheceu
hom em possa amar a Deus” (Aquino, Suma contra que “é impossível fazer um a regra adaptar-se a todos
os gentios, p. 111-6). A lei divina, portanto, não é dada os casos”. Logo, “os legisladores devem considerar o
aos incrédulos, mas aos crentes. A lei natural é para que ocorre na maioria dos casos e devem estruturar
os incrédulos. A lei divina é obrigatória na igreja, suas leis de acordo”. Por exemplo, a lei ordena que as
mas a lei natural é obrigatória em toda sociedade. A coisas emprestadas sejam devolvidas. E se uma arma
lei natural é direcionada ao bem temporal, mas a lei foi em prestada e, após devolvida, for usada para a
divina é direcionada ao bem eterno. Visto que a lei violência (ibid., 2a2ae. 1 20,1)? Então o que produz o
natural reflete o próprio caráter de Deus, ela não bem com um nem sempre é correto num caso espe­
pode mudar. A lei divina, contudo, é baseada na von­ cífico. Já que o legislador não pode levar toda exce­
tade de Deus e, portanto, muda. Logo, “tanto na lei ção específica em consideração, a lei deve ser base­
divina quanto na humana, algumas coisas são orde­ ada no que g e ra lm en te a co n tece (A qu in o,
nadas porque são boas [...] Outras, por sua vez, são Comentário, 5 Ética, serm. 16).
boas porque são ordenadas...” ( Suma teológica, 2a2ae. Leis divergentes. Às vezes há conflito entre tipos de
57, 2). Isso se reflete na mudança efetuada por Deus lei. Em tais casos, há uma hierarquia de prioridades.
na lei divina do at para o n t . A lei natural continua Prioridade da lei natural. Há exceções até para
sendo a mesma de geração a geração e de pessoa a leis humanas justas. As leis hum anas são apenas ge­
pessoa. rais, não universais. Às vezes a lei natural as anula.
Propósito d a lei. Em geral, o propósito de Deus Em bora a lei de direitos de propriedade exija que
para a lei é regular a atividade humana. Cada tipo de devolvamos o que tom am os emprestado quando nos
lei, é claro, tem seu regulamento em mente. Pela lei eter­ for pedido, não devemos devolver uma arm a para
na Deus regulamenta todo o universo, pela lei divina alguém que pretender com eter um assassinato. Nesse
regulamenta a igreja e pela lei natural regulamenta caso, “obedecer à lei seria errado; deixá-la de lado e
todas as criaturas racionais. Além dessas esferas, seguir o que é exigido pela ju stiça e benefício co ­
Aquino descreve várias dimensões específicas do pro­ mum será correto” (Aquino, Suma teológica , 2a2ae.
pósito de Deus em dar a lei. 1 2 0 ,1 ). A virtude da ju stiça ou eqüidade exige isso. A
Amizade. Um propósito da lei é promover a amizade. lei m oral tem preferência sobre a lei hum ana em
casos especiais, ainda que a lei hum ana seja justa.
Como o propósito principal dalei hum ana é possibilitar a Leis baseadas na natureza de Deus. As leis divina e
am izade dos hom ens entre si, a lei divina tem o propósito humana, sendo baseadas na vontade de Deus, podem
principal de proporcionar am izade entre o hom em e Deus ser mudadas (v. essencialism o ). A lei natural, no entan­
(ib id .,2a2ae.99,2). to, é baseada na natureza de Deus e não pode ser mu­
dada ( Suma teológica, 2a2ae. 57,2; v. D eus , natureza de ).
Para ser civilizado, o comportamento deve ser re­ Logo, conclui-se que, sempre que há um conflito en­
gulamentado. Sem leis, a amizade não pode funcionar, tre a lei imutável e a lei mutável, a primeira tem prefe­
já que é a medida dos relacionamentos corretos. rência. Quando os discípulos colheram grãos no sá­
Am ora Deus. Jesus resumiu todas as leis em duas: bado, foram isentos de culpa pela necessidade da fome.
am ar a Deus e aos outros. Aquino chama o am or a E Davi não transgrediu a lei ao tomar os pães que não
Deus “propósito total do legislador”. Logo, não é nem devia comer (ibid., 3a. 9 0 ,4 ).
Leibniz, Gottfried 490

Forma vs. conteúdo. Pensadores cristãos observa­ vida, que considerava de igual im portância: o amor
ram que de Deus, a p rom oção do b em -esta r hum ano e a
perfeição da razão. O método de Leibniz era m ate­
o julgamento segundo o qual a forma da lei nào deve ser m ático, m as em p iricam en te fu nd am entad o. Ele
seguida em determinadas circunstâncias não é uma crítica à com eçou analisando descobertas cien tíficas (não
lei, mas uma apreciação de uma situação específica que apenas idéias, como René D e s c a r t e s ) . Ele acredita­
surgiu (ibid.,2a2ae. 120,1). va que tudo com eçava nos sentidos, exceto a m en­
te. Um fundamento puramente lógico para a ciên­
Se alguém não faz isso, a severidade tem prefe­ cia não é possível. Mas a razão é necessária para
rência sobre a eqüidade. Pois “o cuidado legal deve com pletar o con h ecim en to. Não há um a coleção
ser direcionado pela eqüidade, que fornece uma re­ universal de dados sen so riais, e os sen tid os não
gra superior para a atividade humana” (ibid., 2a2ae. podem organizar e relacionar todos os dados.
1 2 0 ,2 ). Há uma lei superior e leis inferiores. Quando O conhecimento metafísico (universal) é possível
elas divergem, o indivíduo é obrigado a obedecer à apenas porque Deus fez todas as coisas em harmonia.
superior. Todas as idéias são inatas, geradas pela mente a partir
de informação sensorial.
Fontes Primeiros princípios. Algumas idéias são necessa­
G. B ahnsen, Theonomy m Christian ethics. riamente verdadeiras. Esses primeiros princípios são
N. L. G eisler, .Ética cristã. a condição de todo conhecimento. Como primeiros
___ , Thomas Aquinas: an evangelical princípios, os predicados em cada afirm ação podem
appraisal. ser deduzidos do sujeito. Eles incluem:
T. Gilby , TextsofAquinas. O princípio da razão suficiente. “Há uma razão su­
T omas d e A quino, On the cardinal virtues. ficiente para tudo, ou em outro ou em si mesmo.” Esse
___ , Comentário, vÉtica. princípio é a base de todas as proposições e inteligibilidade.
___ , Compendium theologiae. O princípio da não-contradição. “Uma coisa não
___ , Disputas. pode ser verdadeira e falsa ao m esm o tem po e no
___ , Da perfeição das criaturas espirituais. mesmo sentido.”
___ , Suma contra os gentios. Oprincípio da identidade. “Uma coisa é idêntica a
___ , Surnrna theologica. si mesma.” Eu sou eu; a é a .
___ , Da verdade. O princípio da razão suficiente regulamenta toda
a verdade. Os princípios da não-contradição e da iden­
lei natural. V. l e i , natureza e tipo s de ; revelação g era l ; tidade estabelecem todas as verdades necessárias.
M O R A L ID A D E , N A T U R E Z A A B S O L U T A DA. Oprincípio da identidade dos indiscerníveis. “Onde
não há diferença discernível, as coisas são idênticas.”
Leibniz, Gottfried. Um gênio nascido na Alemanha Nenhuma substância separada (ou mônada) é igual a
(1646-1716) que aprendeu grego e filosofia escolástica outra. O mundo está cheio de coisas qualitativamente
tão cedo que lhe negaram um mestrado em Direito diferentes, hierarquicamente graduadas. Se duas coi­
na Universidade de Leipzig por ser jovem demais. In­ sas são iguais, não há razão suficiente para Deus es­
ventou o cálculo em parceria com Isaac Newton, em colher am bas para existirem num mundo bom ao
1676. Escreveu uma tese de doutorado sobre as solu­ máxim o (v. m a l , p r o b l e m a d o ) .
ções simbólicas aos problemas filosóficos. Foi muito O princípio da continuidade. “O mundo está cheio;
influenciado pelo racionalista contemporâneo Baruch não há brechas na hierarquia dos seres no melhor dos
E spinosa, apesar de Espinosa ser panteísta ( v. panteísmo ), mundos.” A natureza nunca age em saltos.
e Leibniz, teísta (v. teísmo). O princípio da contingência. “Toda coisa contingente
As obras mais influente d e L e ib n iz fo ra m Dis­ tem uma causa.” A possibilidade não explica a realidade.
curso sobre metafísica, Monadologia e Teodicéia. Sua A questão básica: Por que algo existe, em vez de nada?
influência sobre o pensam ento m o d e r n o fo i c o n ­ Oprincípio da perfeição. “O bem tende a maximizar”
siderável. Im m anuel K ant e ra r a c io n a lis ta le ib n i- Como no princípio escolástico da finalidade (agentes
ziano antes de ser acordado d e se u “so n o d o g m á ­ agem para um bom fim), o bem produz o bem no grau
tico” ao ler David H u m e . máximo possível.
T eo ria d o c o n h e c im e n t o : r a c io n a lis m o . O resultado: é melhor existir que não existir. Es­
Leibniz afirm ou três objetivos de seu tra b a lh o n a sências têm tendência ( conatus) à existência.
491 L eib n iz, G o ttfried

Provas de Leibniz para a existência de Deus. natureza, um ser absolutamente perfeito não
Leibniz ofereceu vários argumentos para a existência pode carecer de nada. b) Mas, se não existisse,
de Deus: careceria de algo. c) Logo, um ser absolutamente
Argumento da perfeição ou da harmonia. Seu ar­ perfeito não pode carecer de existência.
gumento da perfeição ou da harmonia pode ser afir­ 2. É possível (n ão -con trad itó rio) que um ser
mado assim: absolutam ente perfeito exista, a) Uma per­
feição é uma qualidade simples (= mônada),
1. Essências puras são possibilidades eternas. já que cada uma difere em tipo. b) Mas tudo
2. É melhor existir que não existir. que é simples não diverge de outra coisa sim ­
3. Todas as coisas têm uma tendência à existên­ ples. c) Logo, é possível que um ser (Deus)
cia ( conatus ). a) Algumas são incompatíveis tenha todas as perfeições.
com outras, b) Nem tudo pode existir em de­ 3. Portanto, é necessário que um ser absoluta­
terminado momento, c) Mas todas se em pe­ mente perfeito exista.
nham para existir.
4. Ainda assim, há harm onia no universo. Metafísica (monadologia). Leibniz desenvolveu sua
5. Logo, deve haver um Deus que ordena todas as própria teoria da substância para ligar o mundo físico às
coisas, mantendo-as em harm onia umas com realidades metafísicas. Sua doutrina gira em torno das
as outras. mônadas. Ele acreditava que mônadas existem como“par-
tículas” imateriais mais elementares que o átomo, pois os
Argumento cosmológico. O argumento cosmológico átomos físicos podem ser divididos, mas as mônadas
formulado por Leibniz tinha a seguinte forma: metafísicas não podem. As mônadas diferem umas das
outras em forma, tamanho, espaço e qualidade. São cria­
1. Todo o mundo observado está mudando. das, podem ser destruídas, mas não podem mudar. Cada
2. Tudo o que muda carece de razão para a pró­ mônada percebe e age diferentemente, em seu nível hie­
pria existência. rárquico, conforme estabelecido por Deus. Juntas, agem
3. Mas há uma razão suficiente para tudo. em harmonia total umas com as outras de acordo com o
4. Logo, deve haver uma causa além do mundo plano de Deus e têm tendência inata à perfeição que está
para a existência. incorporada à sua essência. Como corpo e alma são subs­
5. Essa causa é ou a própria razão suficiente ou tâncias separadas, suas mônadas separadas funcionam
existe outra além dela. juntas em harmonia exata como ordenado por Deus.
6. Mas não pode haver regressão infinita de ra­ Na hierarquia da mônadas, as mais altas são as
zões suficientes, pois a incapacidade de atin­ que pertencem ao âmbito espiritual. As mônadas da
gir uma explicação não é explicação. Deve ha­ alma são de ordem superior às do corpo. A Mônada
ver uma explicação. suprema e não-criada é Deus. Deus criou todas as
7. Logo, deve haver uma Primeira Causa do mun­ outras mônadas e maximiza o bem entre elas e por
do que não tem razão além de si, mas é a pró­ meio delas.
pria razão suficiente. O p rob lem a do mal. Segundo Leibniz, Deus
preordena todas as coisas pela presciência, sem coagir
Esse argumento difere do de Aquino pelo uso do o livre-arbítrio. A liberdade é a espontaneidade de
princípio da razão suficiente. T om á s d e A quino recorreu um ser intelectual. Deus tem uma vontade antece­
apenas ao princípio da causalidade e, assim, evitou as dente, que só faz o bem. Ele também tem uma vontade
acusações de racionalismo que foram corretamente conseqüente para realizar o melhor mundo possível,
dirigidas contra Leibniz. O princípio da razão sufici­ dada a existência do mal. Por ser o melhor de todos
ente levou ateus (v. S a r t r e , J ean - P aul ; N ietzc h e , F r ie d r ic h ) os seres possíveis, Deus ordena o melhor de todos os
a concluir que o argumento cosmológico resultava no mundos possíveis. Já que o mundo é ordenado por
conceito incoerente de Deus como ser autocausado. Deus, ele deve ser o m elhor mundo possível ou o
menos deficiente dos mundos.
A r g u m e x t o o x t o l ó g ic o . Leibniz também contribuiu Existem três tipos de mal: metafísico (finitude),
para o debate do argumento ontológico:1 moral (pecado) e físico (sofrim ento). A finitude é a
b ase do pecad o e do so frim e n to . 0 pecad o é o
1. Se é possível que um ser absolutamente perfeito resultado da ignorância, um estado confuso e impuro.
exista, então é necessário que ele exista, a) Por 0 mal faz parte da im agem total do bem , dando
L e s s in g , G o tth o ld E p h r a im 492

sombra para que a luz se destaque no contraste (v. Ao contrário do primeiro princípio da causalidade
MAL, PROBLEMA D o). de Aquino, o princípio da razão suficiente não se
Deus age para aperfeiçoar o universo, o que só pode baseia na realidade (v. r e a l is m o ), mas apenas no âm ­
ser feito pelo aperfeiçoamento das pessoas. Deus pro­ b ito das id é ia s. F in a lm e n te , o p rin c íp io não é
cura aperfeiçoar a alma imortal por interm édio da irrefutável, já que se pode dizer que uma coisa não
igreja. Essa posição sobre a igreja universal baseia- tem razão (causa) sem usar uma afirmação contra­
se na Cidade de Deus, de Agostinho. ditória. Na verdade, o Deus não-criado é a suprema
Avaliação. Algumas das idéias de Leibniz são fa­ Causa incausada.
lhas, mas suas contribuições positivas devem ser re­ O argumento ontológico. A forma do argumento
conhecidas: ontológico de Leibniz é baseada numa premissa mui­
Contribuições positivas. Por meio de seu trabalho to rejeitada: a existência é uma perfeição (v. K a n t ,
no desenvolvimento do cálculo, Leibniz contribuiu Immanuel). Além disso, sua tentativa de provar que o
im ensam ente para a matemática e a ciência moder­ conceito é logicamente possível não atinge o objetivo.
na, contribuindo tam bém para a epistem ologia, a Ela está sujeita à mesma crítica direcionada a outros
m etafísica, a teologia e a teodicéia. pluralismos baseados na visão unívoca da existência
Epistemologia. Leibniz foi fu n d acio n alista (v. (v. a n a lo g ia , p r in c íp io da ) . É impossível evitar o monismo.
fundacionalismo), e enfatizou corretamente que o co­ Nem mesmo a forma do argumento cosmológico
nhecim ento é impossível sem primeiros princípios. de Leibniz sugere o ponto de partida certo por ser ba­
Apesar de muitos discordarem de sua crença em idéi­ seada apenas na observação [aparência] de mudança.
as inatas, até Kant no seu agnosticismo reconheceu a Visão do mal. Essa visão do livre-arbítrio tende a
necessidade da dimensão inata do conhecimento. ser reduzida a uma forma de determinismo. Pois se é
Metafísica. Como teísta (v. teísmo), Leibniz acredi­ Deus quem dá o ímpeto ou desejo pelas livres escolhas,
tava na criação ex nihilo. Ele deu forma moderna a como elas podem ser realmente livres (v. livre-arbítrio)?
conceitos teístas, com os quais lutou, da tradição de Semelhantemente, sua teodicéia implica que o
Agostinho, Anselmo e Tomás de Aquino. Seu argumento melhor que Deus pode fazer ainda envolve o mal.
cosmológico influenciou teístas. Isso foi poderosamente satirizado no Candide, de
Teodicéia. A solução de Leibniz para o problema Voltaire. Embora Deus deva fazer o melhor de que é
do mal era clássica (v. m a l , p r o blem a d o ). Ela lutava com capaz, o mundo presente não é o melhor. Este não é
a origem, natureza e persistência do mal de forma a o melhor mundo possível, apesar de provavelmente
tentar preservar a perfeição absoluta de Deus e a li­ ser a melhor maneira possível de chegar ao melhor
berdade humana. Além disso, apesar das críticas in­ mundo possível (v. m a l , p r o blem a d o ).
fundadas, seu conceito de um “mundo melhor possí­
vel” é um elemento essencial na teodicéia. Fontes
Fraquezas. Apesar dos valores centrais, Leibniz J. C o l l in s , God and m odem p h il o s o p h y .
é vulnerável a certas críticas: N. L. G e is l e r e W. C o r d u a n , P h i l o s o p h y o f r e lig io n .

Epistemologia radonalista. Como Hume demons­ }. E. G ü r r , The principie o f s u f f i c i e n t r e a s o n in some


trou, o conceito de idéias inatas é contrário à experi­ scholastic Systems, 1750-1900.
ência. Não há evidência de que nascemos com um de­ D. H u m e , Investigação acerca do entendimento
pósito de idéias, apenas aguardando serem ativadas. humano.
A dimensão a priori do conhecimento parece estar na I. K ant, Crítica da razão pura
área da capacidade, não do conteúdo. Isto é, nascemos G. L eibniz , Discurso sobre metafísica.
com a capacidade de conhecer a verdade, mas não com ___ , Monadologia.
a mente cheia delas. ___ , Teodicéia.
D u a l i s m o . O dualismo (mente e corpo) de Leibniz leva

às posições improváveis do paralelismo, ocasionalismo


e harmonia estabelecida entre mente e corpo. Não há L e s s in g , G o tth o ld E p h r a im . Filho de um pastor
interação ou unidade reais entre os dois. alemão erudito que se tornou dramaturgo e crítico
O princípio da razão suficiente. Apesar da valida­ (1 7 2 9 -1 7 8 1 ). Estudou teologia na Universidade de
de de muitos dos primeiros princípios de Leibniz, o Leipzig, onde assim ilou o racionalism o do ilumi-
princípio da razão suficiente leva logicamente a um nism o, cujo principal representante era Christian
Ser contraditório, autocausado. Pois se a causa da exis­ W o l f f , seguidor de G ottfried L e ib n i z . Lessing foi
tência de Deus está nele mesmo, Deus é autocausado. in flu e n cia d o pelos d eísta s in g leses (v. deísmo).
493 L e s s in g , G o tth o ld E p h r a im

Como crítico teatral, foi influenciado pelo deísta diferenciar o Jesus da história do Cristo da fé, ele fez um
Hermann Reim arus, de cu jo livro, An apology fo r estudo crítico das fontes dos evangelhos sinóticos em
rational worshippers o f God [ Uma ap olog ia dos New hypothèses concerning the evangelists regarded as
adoradores racionais de Deus], ele publicou trechos merely human historians [Novas hipóteses sobre os
em 1774, em 1777 e 1778 (v. d eísm o ). Lessing final­ evangelistas considerados simples historiadores huma-
m ente chegou a ser dom inado pelo panteísm o de nos[ (1784). As visões de Lessing foram expressas
Baruch E spin o sa . numa peça de teatro, “Natã, o sábio”, que defendia o
A influência de Lessing sobre outros pensadores é amor e a tolerância, em vez da concordância com um
imensa. Isso pode ser visto no liberalismo de Friedrich credo. A visão de Lessing foi a essência do iluminismo
S c h le ier m a c h er e Sam uel Coleridge, bem com o no cristão, a teoria segundo a qual, por trás dos acrésci­
existencialismo de Soren Kierkegaard, no historicismo mos religiosos, o cristianismo é um código moral de
de G. W. F. H egel e no positivismo de Auguste Comte. irmandade universal.
Visões d e Deus. L essing veio de um a fam ília A “vala” de Lessing. O legado de Lessing foi uma
trinitária (v. T rindade ), mas gradualmente adotou idéias “vala” aberta entre as verdades contingentes da h is­
deístas e finalmente tornou-se pasnteísta. Como tal, sua tória e as verdades necessárias da fé. Ele separou a
vida prenunciou grande parte da história dos dois sé­ revelação de verdades eternas das verdades contin­
culos seguintes. Em 1753, Lessing já indicava em The gentes e lim itadas ao tem po da h istó ria .'F o i com
Christianity o f reason [0 cristianismo da razão] que esse grande abism o que K ie r k e g a a r d lutou e do qual
estava tendendo ao panteísmo , ao misturar Espinosa e tirou seu “salto de fé” (v. Temor e tremor).
L eibniz e negar que Deus é um superobjeto além ou por Lessing afirmou que as “verdades acidentais da his­
trás do mundo (v. Chadwick, p. 445). Sua obra de 1763, tória jamais podem tornar-se a prova das verdades ne­
On the reality o f things outside God [Da realidade das cessárias da razão” (Chadwick, p. 445). Não há ligação
coisas além de Deus], publicada postumamente em 1795, lógica entre as realidades históricas e a fé. Verdades da
negava o teísmo tradicional. Ele negou a existência de fé são matemáticas e a priori, independentes da experi­
um mundo criado separadamente de Deus. ência. As anteriores são verdades contingentes, a
Friedrich Jacobi, em Letters to Moses Mendelssohn posteriori da experiência. Portanto, a narrativa históri­
on Spinoza’s doctrine [Cartas a Moisés Mendelssohn ca jamais transmite conhecimento de Deus.
sobre a doutrina de Espinosa] (1785), relatou como, Relativismo. Lessing foi m ais relativista que céti­
sete meses antes da morte de Lessing, o crítico lhe co. Imortalizou sua visão no aforismo: “Se Deus se­
falara sobre sua rejeição à metafísica transcendente gurasse em sua mão direita toda a verdade e em sua
do deísmo. Ele adotou a visão imanentista de Espinosa. mão esquerda unicamente o eterno esforço em bus­
Isso foi confirmado por trechos encontrados entre os ca da verdade, tal que me fizesse sempre e eterna­
papéis de Lessing (ibid., p. 446). mente estar errado, e me dissesse: ‘Escolh e!’, com
Além de Lessing acreditar que nada existe fora da humildade eu me precipitaria à sua esquerda e pe­
mente divina, ele também acreditava existir uma con­ diria: ‘Pai, dá-me esta, a verdade absoluta é reserva­
tingência fora de Deus, já que as idéias de coisas con­ da somente para ti”’(Chadwick, p. 445).
tingentes são necessárias. Isso prenunciava as idéias Avaliação. Deixando de lado a autopropalada hu­
dos pensadores mais recentes da teologia do proces­ mildade de Lessing, é evidente que o resultado líqui­
so (v. p a n teísm o ), tais como Alfred North W h it e h ea d . do de suas visões é a forma contraditória de agnostictsmo ,
H istória e os evangelhos. Em 1754, Lessing pu­ relativismo (v. v e r d a d e , natureza da ) e uma dicotomia
blicou uma série de “V indicações”, na qual defen­ de fato e valor e de história e fé (v. a po lo g étic a , a r g u ­
deu várias personagens históricas que, segundo ele, m en to da ; N ovo T esta m en to , m a n u sc r ito s d o ; N ovo T e sta ­
haviam sido tratadas injustam ente pela igreja. Ao m en to , co n fia bilid a d e do s d o c u m en to s d o ). Uma opinião
expressar sim patia pela ética cristã nesses líderes, perspicaz é que “Lessing passou sua vida esperando
demonstrou antipatia pelas doutrinas cristãs. que o cristianismo fosse verdadeiro e argumentando
Cristo versus Jesus. 0 ponto decisivo para Lessing que não era” (Chadwick, p. 445).
ocorreu em 1769. Como bibliotecário do duque de
Brunswick, começou a publicar trechos de um m a­ F o n te s
nuscrito do deísta Reimarus (1766-1769). 0 último H . C h a d w ic k , Lessing’s theological writings.
trecho precipitou uma controvérsia com o pastor E. H. G o m b r ic h , “Lessing”, em Proceedings o f the
Johann Goeze, de Hamburgo, e lançou a busca pelo BritishAcademy,vA3 (1957).
Jesus histórico (v. C r ist o da fé rs . J e su s da h istó r ia ; J esu s P. H a z a r d , European thought in the eighteenth
h is t ó r ic o , busca d o ; J e s u s , S e m in á r io ). Além de Lessing century.
L ew is, C. S. 494

F. C. A. K oelln , The philosophy o f the enlightenment. the dock [Deus no banco dos réus],p. 138). Ele expli­
G. L essing, Lessing’s gesammelte werke, org. P. R illa. cou que a matéria não é coeterna com Deus:

A entropia nos assegura que, apesar da regra universal na


“L essing, vala de”. V. L e ssin g , G o t t h o l d E p h r a im . Natureza que conhecemos, ela não pode ser absolutamente
universal. Se um homem diz:“0 gato não morreu”,você sabe na
Lew is, C. S. Clive Staples Lewis (1898-1963) é com hora que essa não é a história completa. A parte que você ouviu
razão o teísta e apologista cristão mais influente do implica um capítulo posterior em que o gato berrou, e um ca­
século xx pelo fato de a maior parte de seu trabalho pítulo anterior em que alguém atirou um pau nele. A natureza
ter sido feito na mídia popular, inclusive em tran s­ que está se“desgastando” não pode ser a história completa. 0
missões de rádio e por meio de histórias infantis, (v. relógio não pode parar a não ser que alguém tenha dado corda
a po lo g étic a , n ecessid ad e da ).
Como professor da Univer­ nele (Milagres p. 157).
sidade de Oxford, esse ex-ateu expressou verdades
profundas em linguagem tão simples que atingiu o A matéria é o produto de uma Mente cósmica (v.
coração de milhões de pessoas. Lewis negou ser filó­ esse tipo de mente cósmica é
dua lism o ). “Mas admitir
sofo ou teólogo, mas seu discernimento dos pontos admitir um Deus fora da Natureza, um Deus trans­
essenciais do t eísm o fez dele um apologista e com uni­ cendente e sobrenatural” (ibid., p. 30). O universo é
cador importante. matéria. A matéria não pode produzir uma mente;
A natureza e existência d e Deus. Lewis aceita­ apenas uma mente pode produzir matéria (v. m a teri ­
va a posição de Agostinho-Anselm o-Aquino sobre a l ism o ). A criação do mundo não foi a partir de ma­
o Deus eterno, necessário, transcendente, m oralm en­ téria preexistente. O mundo foi criado do nada. Deus
te perfeito e pessoal (v. Deus, n atu reza d e ). Deus trans­ criou este mundo livremente:
cende espaço e tempo:
A liberdade de Deus consiste em que nenhuma causa
Sem dúvida Deus está no tempo. Sua vida não consiste de além dele mesmo produz seus atos e nenhum obstáculo ex­
momentos que se sucedem uns aos outros [...] Dez e trinta, e terno os impede — em que sua própria bondade é a raiz da
todos os outros momentos desde o começo do mundo, são qual todos eles crescem e sua própria onipotência, o ar em
sempre o presente para Deus. que florescem (O problema do sofrimento, p. 23).

Em outras palavras: Deus não criou o mundo porque era obrigado;


criou porque quis. A existência do universo é total­
Deus tem toda a eternidade para ouvir a oração proferida mente contingente da boa vontade do Criador.
numa fração de segundo por um piloto cujo avião se despeda­ Oa r g u m e n t o m o r a l Lewis começa Cristianismo puro
ça em chamas (Cristianismopuro e simples, p. 95-6) e simples com a premissa de que uma lei moral e ob­
jetiva, como até mesmo divergências comuns pressu­
Deus é, no entanto, imanente (presente e operante) põem, implica um Legislador Moral.
na criação. Lewis escreveu:
Há alguma coisa que dirige o universo e que se revela era
Procurar Deus — ou o Céu — pela exploração espacial é mim na forma de uma lei insistindo para que eu faça o que é
como ler ou assistir a todas as peças de Shakespeare na espe­ certo. Penso que devemos admitir que essa Alguma Coisa mais
rança de encontrar Shakespeare numa das personagens ou se parece com uma mente do que com qualquer outra coisa
Stratford num dos lugares. Shakespeare está de certa forma que conhecemos; e isso porque, afinal de contas, tudo o mais
presente em todos os momentos de cada peça. Mas nunca está que conhecemos é matéria, e não poderiamos imaginar ura
presente da mesma maneira que Falstaffou LadyMacbeth. Nem pouco de matéria que fosse capaz de dar instruções (Cristia­
está difuso numa peça como um gás (Christian reflections [Re­ nismo puro e simples, p. 14).
flexões cristãs}, p. 167-8).
O argumento de Lewis pode ser assim resumido:
O argumento co sM O Ló G ico . Apesar de aceitar uma
forma teísta de evolução (v. a seguir), Lewis acredi­ 1. Deve haver uma lei universal moral e objeti­
tava na criação a partir do nada (v. criação , pontos de va, senão nenhum julgam ento ético faz senti­
vista so bre a ). Pois “o que Deus cria não é Deus; assim do (v. m o r a l id a d e , n atureza a bsoluta da ) . Nada
com o o que o hom em cria não é hom em ” (God in poderia ser considerado mau ou errado, e
495 L ew is, C. S.

não haveria razão para cum prir prom essas p. 34). “A cabeça governa o ventre por meio do peito
ou acordos (God in the dock, cap. 1). — o centro [...] das emoções que o hábito treinado
2. E ssa lei m oral não se orig in a em nós. Na organiza em sentimentos estáveis.” Sem esse elem en­
verdade, estamos obrigados a ela. to médio “o hom em é vão: pois por seu intelecto ele
3. A fonte dessa lei é mais semelhante a uma mente é m ero espírito, e pelo seu apetite, m ero anim al”
que semelhante à matéria, e não pode fazer parte (ibid., 34). Além da natureza moral resta um ideal
do universo assim como um arquiteto não faz moral atingível. Lewis concordaria com a afirmação
parte do prédio que constrói. de que o valor prim ário da educação é a educação
4. Logo, existe um Legislador Moral que é a fonte nos valores prim ários. A educação cumpre seu de­
e o padrão absolutos de tudo que é certo e vido propósito quando cultiva julgam entos de valor
errado (ibid., cap. 7). para ajudar a aperfeiçoar a natureza m oral. Sem
emoções treinadas, o intelecto é impotente contra o
Para uma discussão mais detalhada do argumen­ animal (ibid., p. 3 3-4). Logo, Lewis observa, é melhor
to da lei moral de Lewis e sua defesa, v. sua seção no jogar cartas com um cético que é um cavalheiro do
artigO MORAL, ARGUMENTO PARA A EXISTÊNCIA DE Ü E U S . que com um filósofo moral que foi criado entre tra­
A n atu reza dos seres hum anos. Não im porta paceiros (ibid., p. 34). Só pelo fato de estar sob a lei
como a ciência mostre que o corpo humano surgiu, de Deus é que podem os falar sobre ter poder de
o processo foi divinam ente iniciado e consum ado autocontrole (ibid., p. 86).
por Deus na criação da alma hum ana racional. 0 humanismo secular, num tipo de simplicidade
Seres humanos são racionais. Lewis não se im ­ horrorosa, remove o órgão moral e ao m esm o tem ­
portaria com o título de “racionalista”. Várias vezes po exige a função moral. “Criamos homens sem pei­
ele exalta a racionalidade humana. Escreve: to e esperam os deles virtude e iniciativa. Rimos da
honra e ficam os chocados ao encontrar traidores
Não conseguiria entender o universo sem poder confiar em nosso meio” (ibid., p. 35).
na minha razão. Se não pudéssemos confiar na inferência não Seres humanos são criativos. Caracteristicam en-
poderíamos saber nada sobre nossa própria existência (God te, Lewis tam bém afirmou a natureza estética den­
in the dock, p. 277). tro do ideal da criatividade humana. Dorothy Sayers,
no seu livro Toward a Christian aesthetic [Em busca
“0 coração nunca substitui a cabeça, mas pode e da estética cristã ], considera a idéia de arte com o
deve obedecê-la” ( The abolition o f man [A abolição do criação a contribuição mais im portante do cristia­
homem], p. 30). nism o à estética (6 ). O artista ou escritor não é o
Tam bém deve haver um a razão ou explicação Criador, mas um subcriador. A expressão criativa
suprema. “Não se pode continuar fingindo dar ex­ revela a imagem dos sentim entos interiores de um
plicações para sempre: você descobrirá que invali­ artista assim como o Deus invisível foi visivelmente
dou a própria explicação com explicações.” Além expresso na encarnação de seu Filho. Ele e outros
disso, “não se pode continuar percebendo através das cristãos de seu grupo da Universidade de Oxford,
coisas para sempre”. Conseqüentem ente, “não adi­ cham ado Inklings [Vagas id é ia s], produziu um a
anta tentar perceber através de prim eiros princípi­ quantidade im ensa de obras literárias. 0 próprio
os. Se você percebe através de qualquer coisa, então Lewis escreveu:
tudo é transparente”. Mas “perceber através de todas Sete livros de ficção das Crônicas de Nárnia: 0
as coisas é o mesmo que não perceber” (ibid., p. 91). leão, a feiticeira e o guarda-roupa; O príncipe na ilha
Lewis acreditava que o pensamento racional é ine­ mágica; A viagem do peregrino da alvorada; O sobri­
gável. Ele insiste em que “todos os argumentos [contra] nho do feiticeiro; O cavalo e seu menino; A cadeira de
a validade do pensamento criam uma exceção suben­ prata; A última batalha.
tendida e ilegítima a favor do pensamento que se faz no Uma “trilogia espacial”, que explorou a natureza
momento”. Logo, “a validade do pensamento é básica: da batalha de Deus contra o mal pessoal e social no
todas as outras coisas devem se encaixar nela da m e­ contexto de uma série de três histórias de ficção cien­
lhor maneira possível” (Lewis, Milagres,p. 23). tífica: Longe do planeta silencioso, Perelandra e That
Seres humanos são morais. A ênfase na natureza hideous strength [Aquela força hedionda].
racional não nega as emoções humanas. Os que colo­ Cartas do Diabo ao seu aprendiz e O grande abis­
cam o pensam ento acim a do sentim ento são para mo, histórias de ficção leves refletindo a dinâm ica
Lewis “homens sem peito” (Lewis, Abolition o f man, da tentação e da rebelião contra Deus.
L ew is, C. S. 496

Uma série de programas da rádio bbc transfor­ d ig n id a d e h u m a n a . H á u m a b a s e fir m e p a r a e s s a vir­


mada em um clássico apologético, Cristianismo puro tu d e n a n a tu r e z a h u m a n a im o r ta l e s e m e lh a n te a Deus:
e simples, assim com o obras m ais profundas de a p e s s o a t e m h a b i l i d a d e s r a c i o n a i s , m o r a i s e volitivas.

apologética e filosofia, incluindo God iti the dock É p o r is s o q u e a p u n iç ã o p e lo e r r o é a p r o p r ia d a . A

[Deus no banco dos réus], Studies in medieval and p e s s o a s a b e o q u e n ã o d e v e fa z e r e m e r e c e se r p e n a li­

renaissance literature [Estudos em literatura medieval z a d a p e la a ç ã o ilíc ita (God in the dock, p. 2 9 2 ) . 0 c a stig o

e renascentista], The abolition ofm an [A abolição do é o c o m p le m e n to à d ig n id a d e h u m a n a .

hom em ] e 0 problema do sofrimento. Citando Martin B e b e r , Lewis exorta a ciência a não


Sua autobiografia intelectual e espiritual, Surpre­ tratar a pessoa como objeto — “isso” — mas a reco­
endido pela alegria. nhecer o ser humano — “tu” (Lewis, The abolition o f
A história comovente de sua crise de fé com a mor­ man, 90). Jamais devemos submeter um ser humano à
te da esposa, A grief observed [ Uma dor observada ]. ciência como mero objeto a ser controlado. Isso, diz
Muitas correspondências pessoais, das quais uma Lewis, é “o ‘acordo do mágico’ [...] no qual o homem
am ostra foi publicada em Letters to an american lady entrega objeto após objeto, e finalmente a si mesmo,
[Cartas a uma senhora am ericana ]. para a Natureza, em troca de poder” (ibid., p. 8 7 ) . Quan­
Seres humanos são imortais. Lewis também afir­ do a ciência consegue assumir o controle, ela tem o
mou o valor eterno da humanidade (v. im o rta lid a d e ). mesmo objetivo que a mágica, apesar de seus meios
Essa afirmação surge da crença de que cada pessoa é serem diferentes (ibid., p. 89). Ele nos lembra que até o
feita à im agem de Deus. Afirmar humanidade en­ pai da ciência m odêrna, Francis Bacon, condenou
quanto se nega o valor moral supremo não assegura aqueles que fazem do conhecim ento científico um
qualquer valor humano real. Humanistas seculares, se­ fim, e não um meio (ibid., p. 88). Lewis exortou a ciên­
gundo Lewis, elim inam a hum anidade, em vez de cia ao arrependimento: “A ciência regenerada que te­
afirmá-la (v. The abolition o f man [A abolição do ho­ nho em mente não faria nem com minerais e vegetais
mem] e uma versão alegórica dessa mensagem, That o que a ciência moderna ameaça fazer com o próprio
homem” (ibid., p. 8 9 ,9 0 ).
hideous strength [Aquela força hedionda]). Ao negar
Lewis repreende os secularistas por se gabarem
ao ser humano a natureza imortal, moral e semelhan­
da ciência:
te a Deus, eles negam a personalidade e eliminam a
base para o tratam ento do indivíduo com respeito
Com relação aos poderes manifestos no avião ou no rádio,
supremo (The abolition o f man, p. 76-7).
o homem é tanto o paciente ou sujeito quanto o possuidor,já
A ironia, então, é que, à medida que humanistas
que é o alvo das bombas e da propaganda (ibid., p. 68).
seculares elevam a humanidade à divindade, ele lan­
çam fora toda humanidade, com seu direito inerente
O que cham am os poder sobre a natureza acaba
ao respeito. Em comparação, o cristianismo, ao afir­
com o o poder de algumas pessoas sobre outras (ibid.,
m ar que a base do valor supremo vem de um Deus
p. 6 9). “Cada novo poder conquistado pelo homem
transcendente, preserva a base da dignidade humana
tam bém é um poder sobre o homem. Cada avanço o
suprema.
deixa m ais fraco e ao m esm o tem po m ais forte”
Assim, o humanism o secular desumaniza o que
(ibid., p. 71).
procura deificar. Apenas a visão cristã retém a verda­
A não ser que as pessoas no controle do poder
deira humanidade. Pois Lewis afirm a que “ou somos
estejam obrigadas por uma lei moral objetiva, o po­
espírito racional, obrigados a obedecer para sempre
der conquistado será usado apenas para escravizar,
aos valores absolutos do Tao [lei m oral], ou somos
e não para beneficiar a raça humana. Lewis diz:
mera natureza a ser amassada e cortada em novas
formas” (ibid., p. 84). A única garantia contra a tirania
Duvido que a história nos mostre um exemplo de um
e a escravidão é afirm ar o valor humano imortal no
homem que, depois de ter saído da moralidade tradicional e
contexto da lei moral absoluta. Pois “o processo que,
adquirido poder, tenha usado esse poder de maneira benevo­
sem controle, abolirá o hom em , prossegue acelera­ lente (ibid., p. 75).
damente entre com unistas e dem ocratas assim como
entre os fascistas” (ibid., p. 85). Somente na lei moral A ironia final é que, quando a humanidade sai da
absoluta é que existe a realidade concreta na qual se lei moral, que Lewis chama tao, a palavra chinesa
pode ser verdadeiramente humano (ibid., p. 86). para “caminho”, ela não é mais humana, mas objeto.
Seres hum anos têm dignidade. Seguind o-se à “A conquista final do homem provou ser a abolição
racionalid ad e e à resp on sab ilid ad e m oral está a do homem” (ibid., p. 77).
497 L ew is, C. S.

Os humanistas seculares de sua época eram tão (o que é). Na verdade, por trás da natureza, existe
preconceituosos com relação à visão penal que Lewis uma M ente moral absoluta que fornece a lei moral.
tinha da justiça que nenhuma das publicações acadê­ Mal. Segundo Lewis, o mal não é eterno, como
micas publicou seus escritos sobre o tema. Sua afir­ afirma o dualismo.
mação definitiva foi publicada pela primeira vez numa
revista australiana e mais tarde incorporada a God in Os dois Poderes,o bem e o mal, não se explicam.Nenhum
the dock. Nesse artigo, Lewis ataca a visão reformatória dosdois [...] pode afirmar ser o Absoluto. Mais absoluto que
da justiça do humanismo secular. Ele argumenta que ambos é o fato inexplicável de sua existência conjunta. Ne­
é tirania sujeitar o ser humano à cura compulsória e nhum deles escolheu esse tête-à-tête. Cada um, portanto, está
indesejada. A visão reformatória é “humanitarismo ilu­ condicionado — encontra-se a contragosto numa situação;
sório”, que disfarça a crueldade com a falsa premissa e ou essa situação em si, ou alguma força desconhecida que
de que o crime é patológico, não moral. Na verdade, a produziu essa situação, é o Absoluto real. O dualismo ainda
visão reformatória desumaniza o indivíduo, tratan­ não atingiu o fundamento da existência. Não se pode aceitar
do-o como paciente ou caso, em vez de pessoa. Lewis
dois seres condicionados e mutuamente independentes
insiste em que ser “curado” contra a própria vontade
como o Absoluto autofundado e auto-abrangente (God in
coloca o homem ou mulher na categoria dos que não
the dock, p. 22).
conseguem pensar por si mesmos e não conseguirão.
Mesmo o castigo severo de alguém como ser humano
O mal surgiu do livre-arbítrio (v. l i v r e - a r b í t r i o ) .
racional trata a pessoa como um portador da imagem
Isso não significa que ser livre seja mau. Na liber­
de Deus (God in the dock, p. 292).
dade é que m ais nos assem elham os a Deus e parti­
Lewis estava intensam ente ciente do perigo da
cipam os da realidade eterna (ibid., p. 129). 0 cristi­
substituição da lei moral objetiva de Deus por leis
anism o concorda com os dualistas em que o uni­
políticas objetivas (v. l e i , n a t u r e z a e t i p o s d e ) . A histó­
verso está em guerra. Mas o cristão não acha que
ria m ostra que ditadores que se afastam da lei moral
essa é um a guerra entre poderes independentes. É,
são invariavelmente malevolentes. 0 potencial para
na verdade, uma rebelião civil, e estam os vivendo
o mal quando muito poder está ao alcance político
no territó rio ocupado pelo rebelde (Cristianismo
de uma pessoa é horrendo. Essa mensagem também
entra no com entário social da obra alegórica That
puro e simples, p. 25). Essa rebelião não foi a princí­
hideous strength. pio uma transform ação em maldade. “A maldade,
Milagres. O naturalismo afirma que a natureza é quando exam inada, acaba sendo a busca de um bem
“o que há”. Portanto, se o naturalismo é verdadeiro, da m aneira errada” (ibid., p. 24).C om o A g o s t in h o e
todo evento na natureza deve ser explicável sob a T om ás de A q u in o , C. S. Lewis acreditava que o mal
ótica do sistem a to tal da natu reza. M as a razão não existe por si m esm o, m as com o a corrupção
(indutiva) humana, que até m esm o os naturalistas do bem (v. m a l , pr o blem a d o ). “A bondade é o que é; a
pressupõem e exercitam , não pode ser explicada es­ maldade é apenas a bondade corrompida. E deve ter
tritam ente em termos de causas naturais não-racio­ havido algo bom antes de se corromper” (ibid., p.24).
nais. Além disso, Até o Diabo é um anjo caído. Assim, “o mal é um
parasita, não um a coisa original” (ibid ., 50).
o naturalista não pode condenar os pensamentos de ou­ Deus não perm ite o mal sem um propósito bom.
tras pessoas porque têm causas irracionais e continuar a Até o mal físico tem um impacto moral. Pois Deus
acreditar nos seus próprios pensamentos, que têm (se o na­
turalismo for verdadeiro) causas igualmente irracionais sussurra para nós nos nossos prazeres, fala na nossa cons­
(Milagres, p. 22). ciência, mas grita na nossa dor: ela é seu megafone para des­
pertar um mundo surdo (Oproblema do sofrimento, p. 81).
E tam bém , argum enta Lewis, se o naturalism o
está correto, não há razão para os pensamentos do Seres hum anos. Assim , os seres hum anos são
lunático ou drogado não serem levados em conta seres racionais e m orais livres, com uma alma im or­
pelo naturalista tanto quanto os próprios pensam en­ tal. Mas cada um está num corpo num mundo m ate­
tos. Essa é a contradição do naturalismo. rial com outros corpos. Lewis escreveu:
Existe mais que a natureza; existe a mente, que não
pode ser reduzida à matéria. E existe o valor (o que Uma criatura sem ambiente não teria escolhas para fazer:
deveria ser), que não pode ser reduzido à natureza então essa liberdade, como a autoconsciência (se na verdade
L ew is, C. S. 498

não forem a mesma coisa), exige novamente a presença diante a vontade deles, ou com ela?”. Se digo: “Sem sua vontade”,
doeudealgoalém doeu(ibid.,p. 17). logo percebo uma contradição; com o o ato voluntário su­
premo de auto-entrega pode ser involuntário? Se digo:“Com
0 ambiente humano é chamado natureza. Mas a sua vontade”, minha razão responde: “Como se dará isso, se
humanidade é mais que processos naturais. Os seres não vão se entregar V’(0problema do sofrimento, p. 106-7).
humanos pensam racionalmente, e “nenhum pensa­
mento é válido se puder ser totalmente explicado como No final da vida e da história, Lewis encontra
resultado de causas irracionais”. Toda visão de m un­ dois tipos de pessoa — “aquelas que dizem para
do que faz da mente humana o resultado de causas Deus: ‘Seja feita a Tua vontade’, e aquelas a quem
irracionais é inadmissível. Tal visão “seria a prova de Deus diz, no final: ‘Seja feita a tua vontade’. Todos
que não há provas, o que é absurdo” (Milagres, p. 21). que estiverem no inferno terão escolhido isso”. Lewis
O ser humano é um ser racional e moral. Sem a acreditava que “sem essa escolha pessoal não haveria
natureza moral não haveria humanidade verdadeira, inferno. Nenhuma alma que séria e constantem ente
então os que abolissem a lei moral aboliriam a hum a­ deseje a felicidade abriria mão dela. Quem busca,
nidade no processo (The abolition ofm an p. 77): acha. A quem bate, abrir-se-á” (O grande abismo, p.
69). Logo, as portas do inferno estão trancadas por
Ou somos espíritos racionais, obrigados eternamente a dentro. Até os que desejassem sair do inferno não
obedecer aos valores absolutos do tao, ou somos mera natu­ fariam isso às custas da autonegação, que é o único
reza a ser amassada e cortada em novas formas para o prazer de meio pelo qual a alma pode atingir o bem (O grande
senhores que, supostamente, não devem ter nenhum motivo abismo, p. 127).
além dos próprios impulsos “naturais”. Apenas o tao dá uma A valiação. Apesar do valor surpreendente de
lei de ação humana e comum que pode subjugar reis e súbitos. Lewis para a apologética cristã, nem tudo nas suas
Uma crença dogmática no valor objetivo é necessária para a posições é compatível com o cristianism o evangéli­
própria idéia de um governo que não é tirania ou uma obediên­ co. Lewis escreveu uma de suas melhores críticas ao
cia que não é escravidão (ibid., p. 84-5). naturalism o já publicada (Milagres), na qual defen­
deu os milagres literais do nt , inclusive a ressurrei­
Ética. A criatura moral humana é obrigada a viver de ção de Cristo. No entanto, Lewis negava, incoerente­
acordo com a lei moral absoluta (v. m oralidade , n a t u r e z a mente, a natureza literal de muitos milagres do a t ( v .
a b s o l u t a d a ) , que transcende a lei humana. Foi isso que m il a g r e s n a B íb l ia ):

os autores da Declaração de Independência americana


tinham em mente quando escreveram sobre as “Leis Os hebreus, como outros povos, tinham mitologia: mas,
da Natureza e do Deus da Natureza” e de “certos direitos como eram o povo escolhido, sua mitologia era a mitologia
inalienáveis”de que todos são“dotados pelo seu Criador”. escolhida— a mitologia escolhida por Deus para ser o veícu­
Como seres morais, criados à imagem de Deus, temos lo das primeiras verdades sagradas, o primeiro passo no pro­
certas obrigações absolutas para com os outros. cesso que termina no nt , onde a verdade se tornou completa­
Essa lei moral objetiva é prescritiva, não descritiva. mente histórica. Se podemos dizer com certeza onde, nesse
Ela estabelece os princípios pelos quais devemos viver, processo de cristalização, qualquer história específica do nt
não apenas expressa a maneira em que vivemos. Não é cai, é outra questão. Eu acredito que as memórias da corte de
convenção social,pois às vezes ela condena a sociedade. Davi estão num extremo e são um pouco menos históricas que
E não é instinto de massa, pois às vezes agimos de acor­ Marcos ou Atos; e que o Livro de Jonas é o outro extremo
do com um senso de dever contra nosso instinto de pre­ (Milagres, p. 139).
servação (Cristianismo puro e simples, p. 22). Podemos
progredir em nosso entendimento, mas a lei moral não Lewis aceitava a divindade de Cristo. Mas não
muda ( The abolition ofm an, p. 58-9). a c re d ita v a num C risto que co m p ro v o u a
A história e o objetivo. A vida é o campo de provas historicidade e autenticidade de alguns dos próprios
para a eternidade. Durante a vida, cada criatura racio­ eventos do n t que Lewis rejeitava. Jesus comprovou
nal faz uma decisão de vida. Todos participam do jogo a verdade literal de Jonas (Mt 12.40), da criação não-
e,“se um jogo é jogado, deve ser possível perder”. É cla­ evolutiva de Adão e Eva (M t 19.4), do Dilúvio (Mt.
ro que, acrescenta Lewis, 24.38,39) e de outros eventos milagrosos (v. Geisler,
Inerrancy [Inerrância], p. 3 -3 5 ). Lewis parece atri­
eu pagaria qualquer preço para poder dizer verdadeira- buir ao a t um desenvolvimento não-cristão de m i­
mente:“Todos serão salvos”.Mas a minha razão retruca:“Sem tos (v. m i l a g r e s , m i t o e ) . I s s o é bastante surpreendente
499 lim ita ç a o de C ris to , te o r ia d a

à luz de sua crítica aos teólogos do xt que fazem a A pesar de m ais tard e ter algum as dúvidas
m esm a coisa. Lewis os repreende: (Ferngreen), seu próprio contexto educacional apa­
rentemente levou Lewis a supor uma visão evolutiva
Uma teologia que nega a historicidade de quase tudo nos (v. evolução bio ló g ic a ) da origem do universo (v. Cristi­
evangelhos, aos quais a vida e as afeições e o pensam ento anismo puro e simples, p. 5 2 ,6 5 ). O fato de até mesmo
cristãos se fixaram por quase dois milênios — que ou nega um apologista intelectual tão piedoso e corajoso quan­
totalmente o milagroso ou, por incrível que pareça, depois to Lew is ter sido envolvido pelas su p osições
de engolir o cam elo da Ressurreição se incom oda com o humanistas e da alta crítica demonstra que cada crente
mosquito da multiplicação dos pães — se oferecida a um deve avaliar continuam ente a verdade do que está
homem simples pode produzir apenas um ou outro de dois aprendendo num ambiente secular pagão.
efeitos. Ou ele se tornará um católico rom ano ou um ateu
Fontes
(Christian reflections, p. 153).
G. L. A rcher , Jr„ Merece confiança o Antigo Testa­
mento?
Lew is reco n h ece que pode estar errado com re ­
G. B. F erngreen , et a l.,“C. S. Lewis on creation and
lação aos m ilagres do at. Ele adm ite que sua posição
evolution
é exp erim en tal e está su jeita a erros, e que o assu n to
N. L. G eisler , Is man the measure?
está além do seu co n h ecim en to :
___ , org. lnerrancy.
C. S. L ew is , Christian reflections.
A consideração dos milagres do at está além da intenção ___ , God in the dock, esp .“The
deste livro e exigiria muitos tipos de conhecimento que não hum anitarian theory o f pun ish m en t”.
possuo. Minha posição atual— que é experimental e está sujeita ___ , Cristianismo puro e simples.
a toda espécie de correção — seria que, assim como, no lado ___ , Milagres.
factual, uma longa preparação culmina na encarnação de Deus ___ , The abolition ofman.
como Homem, no lado documentário a verdade aparece primei­ ___ , Oproblema do sofrimento.
ro na forma mítica e então, mediante um longo processo de ___ , Reflections on the Psalms.
condensação ou focalização, finalmente se torna encarnada ___ , Cartas do Diabo ao seu aprendiz.
como História {Milagres, p. 139). ___ , Studies in medieval and Renaissance
literature.
Lewis também aceitava outras idéias da alta críti­ R. P i RTiLL, C S. Lewis’casefor the Christian faith.
ca sobre o a t ( v . B í b l i a , c r í t i c a d a ) . Ele questionou a D. S \YERS,“Toward a Christian aesthetics”, em The
historicidade de Jó, “porque o livro começa com um whimsical Christian.
homem bem desligado da história ou mesmo da lenda, J. R. R. T , O Senhor dos Anels
o l k ie n

sem genealogia, vivendo num país do qual a Bíblia


não diz quase nada” ( Cristianismo puro e simples, 110). lim ita ç ã o de C risto , te o r ia da. Os críticos da B í­
Lewis acreditava nisso apesar da referência a Jó como blia ofereceram duas teorias que minam o argumen­
sendo um personagem histórico tanto no a t (E z 14.14, to apologético a favor da divindade de Cristo (v. C r i s ­
t o , d i v i n d a d e d e ) e da autoridade das Escrituras (v.
20) quanto no x t (Tg 5 .1 1 ). Uz é m encionada em
B í b l i a , e v i d ê n c i a s d a ) . O elo crucial no argumento ge­
Jeremias 25.20 e Lamentações 4.21. Costumes e for­
ral para am bas é que Jesus ensinou ser o Filho de
mas de nomes próprios ligados a Jó também foram
Deus e que a Bíblia é a Palavra de Deus (v. a p o l o g é t i c a ,
comprovados (Archer, p. 438-48).
a r g u m e n t o d a ) . Essas proposições são baseadas na
Lewis tinha uma posição bastante negativa com
premissa de que os evangelhos nos dizem exatamente
relação a vários salm o s, chegand o ao p o n to de
o que Jesus ensinou. Se Jesus acom odou intencio­
considerá-los “diabólicos” ( Reflections on the Psalms
nalmente suas palavras ao que seus ouvintes criam,
[Reflexões sobre Salmos ], p. 2 5 ). Rejeitou a autoria
mas não revelou o que realmente acreditava, a con­
davídica de todos os salmos exceto o salmo 18 (ibid., clusão não se sustenta (v. a c o m o d a ç ã o , t e o r i a d a ).
114). Isso é surpreendente, dada sua grande consi­ Da mesma forma, se Jesus era tão limitado em seu
deração por Cristo e os evangelhos. Jesus com pro­ conhecimento humano a ponto de ele não se esten­
vou que Davi escreveu o salmo 110 (M t 2 2.41-46). der a assuntos como a autoridade e autenticidade do
Jesus tam bém afirmou a autoridade divina de todo a t , não estava realmente afirmando nada sobre essas

o a t (Mt 5.17,18; Jo 10.35) e principalmente dos Sal­ questões. Antes, seu ministério limitava-se a questões
mos (v. Lc 24.44), um dos livros que ele citou com espirituais e morais, e ele não afirm ou nada sobre
mais freqüéncia. questões históricas e críticas.
lim ita ç ã o d e C ris to , te o r ia s d a 500

Os argum entos a fa v o r d e um Cristo lim itado. artigo C r i s t o , d i v i n d a d e d e . Um erro ou pecado teria


Duas colunas de sustentação do argumento da limi­ sido atribuído à segunda pessoa da Trindade.
tação são a humanidade de Cristo e a teoria da kenosis. Já que a doutrina ortodoxa de Cristo reconhece que
Conhecimento humanamente limitado. A Bíblia ele era completamente humano, não há problema com
deixa claro que Jesus era humano (v. C r i s t o , d i v i n d a d e a afirmação de que Jesus não sabia muitas coisas. Ele
d e ) . Mas se Jesus era realmente humano em todos os tinha duas naturezas, uma infinita ou ilimitada em
sentidos, por que não poderia cometer um erro hu­ conhecimento, a outra finita ou limitada em conheci­
mano? Por que Jesus não poderia estar errado sobre mento. Será possível que Jesus não tenha “errado” a
muitas das coisas em que acreditava, contanto que não respeito do que ensinou acerca do a t , mas simples­
prejudicassem sua missão redentora geral? mente era tão limitado que seu conhecim ento e au­
Esvaziamento na encarnação. A Bíblia tam bém toridade humanos não se estendiam a essas áreas? A
ensina que Jesus “se esvaziou” de sua onisciência na evidência dos registros do \ t exige a resposta nega­
encarnação. O fato de tal esvaziamento ter limitado tiva enfática a essa pergunta.
severamente seu conhecim ento quando ensinava é Jesus tinha conhecimento supranormal. Até em seu
denominado teoria da kenosis, da palavra grega kenoõ, estado humano, Cristo possuía conhecimento supra-
“esvaziar”. Ele não sabia quando seria sua segunda humano. Ele viu Natanael sob a figueira (Jo 1.48). Je­
vinda, pois disse: “Quanto ao dia e à hora ninguém sus conhecia a vida particular da mulher samaritana
sabe, nem os anjos no céu, nem o Filho, senão so­ (Jo 4.18,19). Sabia quem o trairia (Jo 6.64) e tudo o
mente o Pai” (M c 13.32). Ele não sabia se havia figos que aconteceria em Jerusalém (Mc 8.31; 9.31; Jo 18.4).
na árvore em Marcos 11.13. Quando criança ele “ia Sabia da morte de Lázaro antes de lhe contarem (Jo
crescendo em sabedoria”, como outras crianças (Lc 11.14). Apesar de suas limitações, o conhecimento de
2.52). Ele precisou fazer perguntas (M c 5.9, 30; 6.38; Jesus era com pletam ente adequado à sua m issão e
Jo 14.9). Talvez Jesus tam bém não conhecesse a ori­ ensino doutrinário.
gem do AT e da verdade histórica de seu registro. Jesus possuía autoridade absoluta. Cristo afirmou,
Resposta à teoria da limitação. A “teoria da limita­ com autoridade absoluta, que tudo que ensinou veio
ção” é mais plausível e potencialmente mais prejudi­ de Deus. “Os céus e a terra passarão, mas as minhas
cial que a teoria da acomodação. Mas ambos os argu­ palavras jam ais passarão” (Mt 24.35). Jesus proclamou:
mentos a favor da limitação do conhecimento de Cris­ “Todas as coisas me foram entregues por meu Pai”
to ignoram pontos cruciais sobre quem Jesus era. (Mt 11.27). Ele mandou seus discípulos ensinarem
Deus pode errar ou pecar?Em Jesus, uma e a mes­ outros “a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei”(Mt
ma pessoa era Deus e homem ao mesmo tempo. Se a 28.20). Jesus afirmou que o próprio destino das pes­
pessoa hum ana tivesse pecado ou errado, Deus teria soas dependia de suas palavras (Mt 7.24-26) e que
pecado ou errado. É por isso que a Bíblia tem cuida­ suas palavras seriam a base para o julgam ento (Jo
do ao dizer: “Passou por todo tipo de tentação, po­ 12.48). A expressão “Digo-lhes a verdade” enfático é
rém, sem pecado” (Hb 4.15). Ele era humano o bas­ usado para introduzir seus ensinam entos 25 vezes,
tante para sentir cansaço e tentação, mas não para somente em João. Em Mateus ele declarou que nem
pecar (v. 2Co 5.21; IPe 3.18; 1Jo 3.3). Se o pecado um til passaria da lei que ele não cumprisse. E, em
atribuído a Cristo tam bém deve ser atribuído a Deus, todo o restante de Mateus 5, Jesus igualou as própri­
que não pode pecar (Hc 1.13; Hb 6.18), o erro atribu­ as palavras a essa lei. Ele afirmou que suas palavras
ído a Cristo teria sido o erro cometido por Deus (v. trazem vida e te rn a (Jo 5 .2 4 ) e ju ro u que seu
T r i n d a d e ). ensinam ento vinha do Pai (Jo 8.26-28). Embora fosse
A teoria de que Jesus se esvaziou da divindade um ser humano na terra, Cristo aceitou ser reconhe­
quando se tornou humano é infundada. Certamente cido como Deus (p.ex., Mt 28.18; Jo. 9.38).
não é o que diz Filipenses 2. Os versículos 5 e 6 dizem Conclusão. A conclusão mais razoável é que os
que ele se esvaziou de sua natureza divina ao hum i­ ensinamentos de Jesus possuíam autoridade divina.
lhar-se e tornar-se ser humano. Quando ele se esva­ Apesar das limitações necessárias envolvidas na en­
ziou, ainda tinha a forma ou essência de Deus. Se a carnação, não há erro nem má interpretação no que
mesma palavra, forma, aplicada para servo significa Cristo ensinou. Ainda que haja possíveis limitações na
que ele era servo, então aplicada a Deus significa extensão do conhecimento de Jesus, não havia lim i­
que ele é Deus. É isso que João 1.1 declara. O Jesus tações na veracidade de seus ensinam entos. Assim
hum ano afirm ou ser Deus. Como ele dem onstrou com o Jesus era com pletam ente hum ano, mas seu
que isso era verdade é discutido detalhadamente no caráter moral era perfeito (Hb 4.15), ele era finito no
501 l i v r e -a r b ít r io

conhecim ento humano, mas sem erro factual no que que Deus é a única causa eficiente. O determinista
ensinou (Jo 8.40,46). Tudo que Jesus ensinou veio de moderado acredita que Deus como Causa Primária é
Deus e continha autoridade divina. compatível com o livre-arbítrio humano como Cau­
sa Secundária.
Fontes Indeterm inism o. Segundo o indeterminista, pou­
N . L G kisler , Christian apologetics, cap . 18. cas ações humanas (se de fato alguma é) são causa­
J. W exh a m , Christ and the liible, cap . 2 . das. Eventos e ações são contingentes e espontâneos.
Charles Pierce e William J a m e s eram indeterministas.
linguagem religiosa. V. a n a l o g ia , p r in c íp io d a ; l ó g ic o , Argumentos a favor do indeterminismo. Os argu­
p o s it iv is m o ; W it t g e n s t e in , L u d w ig . mentos a favor do indeterminismo seguem a nature­
za das ações livres. Já que estas não seguem nenhum
livre-arbítrio. As idéias sobre a natureza do livre- padrão determinado, conclui-se que são indetermina­
arb ítrio hum ano d iv id em -se em três categ orias; das. Alguns indeterministas contemporâneos recor­
determinismo, indeterminismo ( v . i n d e t e r m i n a ç à o , p r i n ­ rem ao p rin cíp io de in d e te rm in a çã o de W erner
e autodeterminismo. O determinista leva em
c íp io d a ) Heisenberg (v. i n d e t e r m i n a ç ã o , p r i n c í p i o d e ) para apoiar
conta as ações causadas por outro, o indeterminista sua posição (v. p r i m e i r o s p r i n c í p i o s ) . Segundo esse
as ações não-causadas e o autodeterminista as ações princípio, eventos no âmbito subatômico (como a tra­
autocausadas. jetória específica determinada partícula) são comple­
Determinismo. Para uma discussão completa e os argu­ tamente imprevisíveis.
mentos a favor e contra essa posição, v. determinismo. Há Conforme o argumento da imprevisibilidade das
dois tipos básicos de determinismo: naturalista e teísta. O ações livres, uma ação deve ser previsível para ser de­
determinismo naturalista é mais prontamente associ­ terminada. Mas ações livres não são previsíveis. Logo,
ado ao psicólogo comportamental B. F. Skinner. Skinner são indeterminadas.
acreditava que todo comportamento humano é deter­ Crítica do indeterminismo. Todas as form as de
minado por fatores genéticos e comportamentais. Os indeterminismo naufragam no princípio da causali­
seres humanos só agem conforme sua programação. dade, que afirma que todos os eventos têm causa (v.
Todos os que aceitam as formas rígidas da teologia ca usalid ad e , pr in c íp io
d a ) . Mas o indeterminismo afir­

calvinista acreditam em algum nível de determinismo ma que escolhas livres são eventos não-causados.
teísta. Jonathan Edwards relacionava todas as ações a Deus O indeterminismo torna o mundo irracional e a
como Primeira Causa. “Livre-arbítrio” para Edwards é ciência impossível. É contrário à razão afirm ar que as
fazer o que se quer, e Deus é o Autor dos desejos do coisas acontecem aleatoriam ente, sem uma causa.
coração. Deus é soberano, está no controle de tudo e, em Logo, a indeterminação é reduzida ao irracionalismo.
última análise, é a causa de tudo. A humanidade pecado­ As ciências de operação e das origens dependem do
ra está totalmente cativa às suas inclinações, então pode princípio da causalidade. Só porque uma ação livre não
fazer tudo o que quiser, mas o que quiser estará sempre é causada por outra não significa que é não-causada.
sob o controle de seu coração corrupto e mundano. A Poderia ser autocausada.
graça de Deus controla ações como Deus controla dese­ O uso do princípio de Heisenberg é mal aplicado,
jos e pensamentos, bem como ações correspondentes. já que não lida com a causalidade de um evento, mas
Resposta ao determinismo. Os indeterministas res­ com a imprevisibilidade.
pondem que a ação autocausada não é impossível e que O indeterminismo rouba a responsabilidade m o­
não é necessário atribuir todas as ações à Primeira Cau­ ral dos seres humanos, já que não são a causa dessas
sa (Deus). Algumas ações podem ser causadas por se­ ações. Se não são, por que deveriam ser culpados por
res humanos aos quais Deus deu liberdade moral. O li­ ações malignas? O indeterm inism o, pelo menos na
vre-arbítrio não é, como Edwards afirma, fazer o que escala cósmica, é inaceitável do ponto de vista bíblico,
deseja (com Deus dando os desejos).É fazer o que deci­ já que Deus está relacionado causalmente ao mundo
de, o que nem sempre é a mesma coisa. Não é necessá­ como Criador (Gn 1) e Sustentador de todas as coi­
rio rejeitar o controle soberano de Deus para negar o sas (Cl 1.15,16 ).
determinismo. Deus pode controlar pela onisciência Autodeterminismo. De acordo com essa teoria, as
tanto quanto pelo poder causal. ações morais de uma pessoa não são causadas por
Duas formas de determ inism o podem ser dife­ outro nem são não-causadas, mas são causadas pela
renciadas: rígida e moderada. O determinista rígido própria pessoa. É im portante saber desde o início
acredita que todas as ações são causadas por Deus, exatam ente o que significa autod eterm inism o ou
l i v r e -a r b ít r io 502

livre-arbítrio. Negativamente, significa que a ação poder soberanamente dado para fazer escolhas morais.
moral não é não-causada nem é causada por outro. Só a liberdade absoluta seria contrária à soberania ab­
Não é nem indeterminada nem determinada por ou­ soluta de Deus. Mas a liberdade humana é uma liberda­
tro. Positivamente, é moralmente autodeterminada, de limitada. Os seres humanos não estão livres para se
uma ação livremente escolhida, sem compulsão, em tornar Deus. Um ser contingente não pode tornar-se
que seria possível fazer o contrário. Vários argum en­ um Ser Necessário. Pois um Ser Necessário não pode
tos apoiam essa posição. ser criado. Deve ser sempre o que é.
Argumentos a fav or do autodeterminismo. Ou as O livre-arbítrio é contrário à graça. Alega-se que
ações morais são não-causadas, ou são causadas por ou as ações livres e boas vêm da graça de Deus ou de
outro, ou são causadas pela própria pessoa. Mas ne­ nossa iniciativa. Mas no caso da última, elas não são
nhuma ação pode ser desprovida de causa, já que isso resultado da graça de Deus (E f 2.8,9). Todavia, essa
viola o princípio racional fundamental segundo o qual não é uma conclusão lógica. O livre-arbítrio é um
todo evento tem uma causa. E as ações de uma pessoa dom gracioso. Além disso, a graça especial não é im ­
não podem ser causadas por outros, pois nesse caso posta coercivamente à pessoa. A graça, pelo contrário,
não seriam ações pessoais. Além disso, se as ações da age persuasivamente. A posição rígida do determinista
pessoa são causadas por outro, como responsabilizá- confunde a natureza da fé. A capacidade da pessoa
la por elas? Tanto Agostinho (em Do livre-arbítrio e Da receber o dom gracioso da salvação de Deus não é a
graça e do livre-arbítrio) quanto Tomás de Aquino eram mesma coisa que trabalhar por ele. Pensar assim é dar
autodeterministas, e também o são os calvinistas mode­ crédito ao receptor do dom, e não ao Doador.
rados e arminianos contemporâneos. A ação autocausada é logicamente impossível. Ale­
A negação de que algumas ações podem ser li­ ga-se que o autodeterm inism o significa causar a si
vres é contraditória. O determ inista com pleto in ­ mesmo, o que é impossível. Uma pessoa não pode ser
siste em que ta n to d e te rm in ista s q u anto in d e- an terior a si m esm a, que é a im plicação da ação
term inistas estão d eterm inados a acred itar no que autocausada. Essa objeção interpreta mal o determ i­
acred itam . Mas os d eterm in istas acred itam que nismo, que não significa que a pessoa causa a si mes­
os autodeterministas estão errados e devem mudar ma, mas sim causa o acontecimento de outra coisa.
sua posição. Mas “dever m udar” im plica liberdade Uma ação autodeterminada é determinada pela pró­
para mudar, o que é contrário ao determinismo. Se pria pessoa, não por outra.
Deus é a causa de todas as ações humanas, então os O autodeterminismo é contrário à causalidade. Se
seres humanos não são moralm ente responsáveis. E todas as ações precisam de causa, da mesma forma
não faz sentido louvar os seres humanos por faze­ acontece com as ações da vontade, que não são cau­
rem o bem nem culpá-los por fazerem o mal. sadas pela pessoa, mas por outra coisa. Se tudo precisa
Uma dimensão dessa controvérsia está relaciona­ de uma causa, as pessoas que executam as ações tam ­
da com o conceito de “eu”. 0 autodeterminista acre­ bém precisam ( v . c a u s a l i d a d e , p r i n c í p i o d a ) .
dita que haja um “eu” (sujeito) que é mais que o obje­ Não há violação do princípio da causalidade real
to. Isto é, minha subjetividade transcende minha ob­ no exercício das ações livres. O princípio não afirma
jetividade. Não posso colocar tudo que sou sob a lente que todas as coisas (seres) precisam de uma causa.
de um microscópio para analisar, como um objeto. Eu Coisas finitas precisam de uma causa. Deus é não-
sou mais que minha objetividade. Esse “eu” que trans­ causado (v. Deus, natureza d e ). A pessoa que realiza as
cende a objetificação é livre. O cientista que tenta es­ ações livres é causada por Deus. O poder da liberdade
tudar o eu sempre transcende a experiência. O cien­ é causado por Deus, mas o exercício da liberdade é
tista está sempre do lado de fora olhando para dentro. causado pela pessoa. O eu é a primeira causa das ações
Na verdade, “eu” sou livre para “me” rejeitar. Isso não é pessoais. O princípio da causalidade não é violado
determinado pela objetividade, nem está sujeito a fi­ pelo fato de todo ser finito e toda ação ter uma causa.
car preso à análise científica. Como tal, o “eu” é livre. O autodeterminismo é contrário à predestinação.
Objeções ao autodeterminismo. OIhre-arbítrio elimina a Outros alegam que o autodeterminismo é contrário à
soberania. Se os seres humanos são livres, estão fora da sobe­ predestinação de Deus. Mas os autodeterministas res­
rania de Deus? Ou Deus determina tudo, ou não é soberano. E pondem que Deus pode predeterminar de várias ma­
se ele determina tudo, então não há ações autodeterminadas. neiras. Pode determinar 1) contrariamente ao livre-ar­
É suficiente observar que Deus soberanam ente bítrio (forçando a pessoa a fazer o que ela não escolhe
delegou livre-arbítrio a algumas de suas criaturas. Não fazer); 2) baseado nas livres escolhas já feitas (esperan­
havia necessidade de fazê-lo. Então o livre-arbítrio é um do para ver o que a pessoa vai fazer); 3) sabendo de
503 L o c k e , Jo h n

modo onisciente o que a pessoa fará “de acordo com sobre a tolerância influenciou bastante a Revolução
pré-conhecimento de Deus Pai” (lP e 1.2). “Pois aque­ Americana — principalm ente Thomas J e f f e r s o n .
les que de antemão conheceu, também os predestinou A s principais obras de Locke foram A carta sobre
para serem conformes à imagem de seu Filho” (Rm a tolerância, 1667), Ensaio acerca do entendimento hu­
8 .2 9 ). Ou a p o sição 2 ou a 3 é co e re n te com o mano (1690) e The reasonableness o f Christianity [A
autodeterminismo. Ambas insistem em que Deus pode razoabilidade do cristianismo] (1695).
determinar o futuro pelo livre-arbítrio, já que ele sabe A epistem ologia em pírica de Locke. Locke era
oniscientemente com certeza como as pessoas agirão empirista, seguindo a o b r a de A ristó teles (v .) . N o seu
em liberdade. Então, o futuro é determinado do ponto Ensaio acerca do entendimento humano, ele chamou
de vista do conhecimento infalível de Deus, mas livre s u a epistemologia “método histórico simples”, isto
do ponto de vista da escolha humana. é, tratar as idéias tal com o elas surgem nas nossas
Ligado ao argum ento do determ inism o rígido mentes. Seu objetivo era descobrir a origem, extensão
está o fato de que, apesar de Adão ter livre-arbítrio e grau de certeza ao nosso conhecimento.
(R m 5 .1 2 ) , os seres h u m a n o s p e ca d o re s estão As duas fontes de idéias. Locke acreditava que ha­
escravizados pelo pecado e não estão livres para via duas fontes de idéias (ou objetos de pensamento):
atend er a Deus. M as essa posição é con trária ao 1) sensação — experiência de um objeto externo (que
cham ado constan te de Deus a que os hom ens se atua sobre o corpo e produz uma idéia na m ente) —
arrependam (Lc 13.3; At 2.38) e creiam (p.ex., Jo 3.16; e 2) reflexão — experiência de operações internas
3.36; At 16.31), e às afirmações diretas de que até os da m ente. Como prova, ele ofereceu quatro argu­
incrédulos têm a habilidade de reagir à graça de Deus m entos. Prim eiro, os bebês nascem com o tabulas
(M t 23.37; Jo 7.17; Rm 7.18; ICo 9.17; Fm 14; IPe 5.2). rasas, sem um depósito de idéias. Segundo, onde há
Esse argumento prossegue afirmando que, se os experiências diferentes, há idéias diferentes.
humanos têm a capacidade de atender, então a salva­ Terceiro, onde não há experiência, não há idéia
ção não é pela graça (E f 2.8,9), mas pelo esforço hu­ correspondente. Por exemplo, pessoas nascidas cegas
mano. No entanto, isso é um engano com relação à não têm idéia de visão, e surdos-mudos não têm idéia
natureza da fé. A habilidade de uma pessoa receber o de som. Quarto, temos apenas idéias detectadas pelos
dom gracioso da salvação de Deus não é o mesmo que cinco sentidos (ou combinações deles).
trabalhar por ele. Pensar assim é dar crédito a quem A natureza do conhecimento. Para Locke, todo
recebe o dom, e não ao Doador, que o dá graciosa­ conhecim ento é concordância ou discordância.
mente. Intuição é concordância entre duas idéias percebi­
das imediatamente (p.ex., “Eu” e “existo” = Eu exis­
Fontes to). Esse é o conhecimento mais correto.
A gostinho , O livre-arbítrio. Demonstração é concordância entre duas idéias
I. E dwards, Thefreedom o f the will. por meio de uma terceira idéia (p.ex.,“Deus existe”).
J. F letch er ,John Fletcher’s checks toAntinomianism, Isso é menos certo para nós somente porque a cadeia
condensado p or P. W iseman . de argumentos causa isso.
R. T. F oster, et al„ God’s strategy in human history. Sensação é concordância entre a idéia e o objeto
N. L. G eisler, “M an’s destiny: free or forced”, csr, externo (p.ex., “O mundo existe”). Isso é menos certo.
9.2 (1979). A prova de Locke do mundo externo era assim: 1)
D. H om e , The letters o f David Hume. Deve haver uma fonte das nossas idéias. Nem todas
C .S. L ewis , Milagres. elas poderiam ser criadas por nós. 2) Algumas idéias
M . L l t e r o , On grace and free will. são mais ativas que outras, dem onstrando que são
___ , The bondage o f the will. (originais, e não criadas por nós. 3) Temos o testemu­
B. F. Sk in n er , Beyond behaviorism. nho combinado de vários sentidos de que essas idéi­
___ , Omito da liberdade. as ativas vêm do mundo externo. 4) Prazer e/ ou dor
T omas de A quino , Suma teológica. ocorrem repetidamente com o contato com ele, m es­
mo quando não querem os. Logo, deve haver um
mundo externo que é a fonte dessas idéias ativas
Locke, John. Vida e obras d e L ocke. Nasceu em sobre as quais não temos controle.
Somersetshire, Inglaterra, em 1632, e morreu em 1704. Argumento d e L ocke a fa v o r d a existência de
Não gostava da educação escolástica, mas leu e gos­ Deus. O argumento de Locke para a existência de Deus
tou de René D e s c a r t e s e Francis Bacon. Sua obra segue a linha do argumento cosmológico tradicional
ló g ic a 504

(v.). 1) Algo existe. Por exemplo, eu existo (o que se Essa m esm a posição foi expressa por Thom as
sabe pela intuição). Além disso, o mundo existe (o que Jefferson na Declaração da independência (1776), na
se sabe pela sensação). 2) Esse algo que existe vem ou qual escreveu: “Afirm am os serem evidentes as se­
a) de si mesm o, b) do nada ou c) de outro. Mas 3) guintes verdades, que todos os hom ens são iguais,
som ente algo pode causar algo. Algo não pode ser que são dotados por seu Criador de certos direitos
causado pelo nada. 4) Não pode existir uma s é r i e inalienáveis, entre os quais estão a vida, a liberdade
i n f i n i t a de causas da existência do mundo. Se existisse, e a busca da felicidade”.
o mundo inteiro seria fundado no nada. Mas isso é
impossível, pois nesse caso (já que o nada não pode Fontes
causar algo) o mundo jam ais teria surgido. Logo, 5) J. G. C l a p p , Locke, John, em The encyclopedia o f
deve haver uma primeira causa da minha existência philosophy.vA.
e do mundo. 6) Esse ser eterno deve ser onipotente e J. C o l l in s , A history o f modern European philosophy.
onisciente. Deve ser onipotente porque é a fonte de ). L o c k e , An essay concerning toleration.
todo o p o d er e deve ser o n is c ie n te p o rq u e o ___ , An essay concerning human
cognoscível não pode surgir do incognoscível. Locke understanding.
acreditava que era ridículo dizer que tudo tem uma ___ , The reasonableness o f Christianity.
causa exceto o universo.
A d efesa do cristianism o. Tendo por base seu ló g ica . A lógica lida com os métodos de pensamento
racional, Locke argum entou na tradição da
t e ís m o válido. Revela como tirar conclusões adequadas de
apologética clássica (v. a pologética c l á s s i c a ) . No seu The premissas e é um pré-requisito de todo pensam en­
reasonableness o f Christianity ele defendeu a existência to. Na verdade, ela se baseia em leis fundamentais da
de milagres. Nos seus dois Vindications [Vindicações], realidade e da verdade, os princípios que tornam pos­
(1695,1697),defendeuoque dissera em The reasonableness sível o pensamento racional (v. p r i m e i r o s p r i n c í p i o s ) . A
o f Christianity. lógica é um instrumento tão indispensável e inevitável para
A defesa do sobrenatural. Locke não era nem deísta todo pensamento que até os que a evitam ainda usam
(v. d e í s m o ) nem sociniano (que negava a ressurreição) formas lógicas para argumentar sua rejeição (v. f id e ís m o ).
[v. r e s s u r r e i ç ã o , e v i d ê n c i a s d a ] . Defendeu os milagres e As três leis fundam entais de todo pensam ento
a Bíblia como Palavra de Deus (v. B í b l i a , e v i d ê n c i a s d a ) . racional são:
Ele acreditava que a Bíblia poderia ser defendida pela
razão, mas que continha m istérios da fé cristã que vão 1. a lei da não-contradição ( a não é não-A);
além da razão. 2. a lei da identidade ( a é a ) ;
A divindade de Cristo. Ele tam bém defendeu a di­ 3. a lei do terceiro excluído (ou a ou n ã o -A ) .
vindade de Cristo (v. C r is t o , d iv in d a d e d e ), afirmando:
“Vemos que o povo justificou sua fé nele, i.e., sua fé Cada uma tem uma função importante. Sem a lei
nele como Messias, por causa dos milagres que fez” da não-contradição poderíamos dizer que Deus é Deus
(The reasonableness o f Christianity [58] 1). Acres­ e que Deus é o Diabo. Se a lei da identidade não for
centou sobre Jesus: “Ele foi enviado por Deus: seus obrigatória, não pode haver unidade nem identidade.
m ilagres dem onstraram isso” (ibid., 2 4 2 ). Há uma Sem ela não há diferença em dizer: “Eu sou eu” ou “eu
ausência evidente da d iscussão sobre a Trindade. sou uma cadeira”. Se a lei do term o médio excluído
M as a a u s ê n cia não s ig n ific a n e c e s s a ria m e n te não valesse, os opostos poderiam ser verdadeiros.
negação. A pesar de Locke ad m itir num a ca rta a Além desses princípios básicos, há princípios de
Lim borch que disse algumas coisas para agradar aos inferência válida. Essas inferências tradicionalmente
d e ísta s (v. d e ís m o ), ele e x p lic ita m e n te negou o foram classificadas como lógica dedutiva ou indutiva
arianism o. (v. i n d u t i v o , m é t o d o ) , ou argumentos transcendentais.
P osição d e L ocke sobre ética e governo. Locke Mas todas elas usam alguma forma dessas três leis
acreditava que a “lei da natureza” (v. n a t u r a l , l e i) nos básicas.
ensina que, A lógica e Deus. Se a lógica é a base de todo pen­
sam ento, é a base de todo pensamento sobre Deus
sendotodos iguais e independentes, nenhuma pessoa deve (teologia). Alguns se opõem, dizendo que isso deixa
prejudicar outra em sua vida, saúde, liberdade ou posse; pois Deus sujeito à lógica. Mas Deus é soberano e não
os homens são todos criação de um Deus onipotente e está sujeito a nada além de si mesmo. Então com o o
infinitamente sábio (Carta sobre a tolerância, 2.6). pensamento sobre Deus pode estar sujeito à lógica?
505 ló g ic a

Por um lado Deus não está sujeito à lógica; na Deus é racional, e os seres humanos foram feitos à
verdade, nossas afirmações sobre Deus estão sujei­ sua imagem. Assim, usar a lógica não é opor-se à
tas à lógica. Todas as afirm ações racionais devem revelação; é parte dela.
ser lógicas. Já que a teologia procura fazer afirm a­ Terceiro, nem mesmo a revelação especial (v. re ­
ções racionais, afirm ações teológicas estão sujeitas velação e s p e c ia l ) pode ser conhecida ou com unicada
às regras do pensamento racional, assim como qual­ sem a lógica. Não seríam os capazes de distinguir a
quer outra afirmação. revelação de Deus da revelação do Diabo sem que
Mas Deus realmente está sujeito à lógica, mas não a lei da não-contradição fosse válida. Além disso,
porque haja algo mais absoluto que ele. Como a lógica quando a B íblia revela que “Deus tanto am ou o
representa princípios de pensamento racional e como mundo”, não poderíam os saber que o am or não é
Deus é um Ser racional, Deus está sujeito à própria ódio sem que a lei da não-contradição fosse válida.
natureza racional. À medida que a lógica manifesta Portanto a lógica é essencial para a revelação espe­
razão, ela flui da própria natureza de Deus, e Deus está cial (v. revelação e s p e c ia l ) e para a revelação geral
sujeito à sua natureza. Na realidade, ele não pode agir (v. revelação geral ).
de forma contrária a ela, ética ou logicam ente. Por Finalmente, há uma diferença entre usar a razão
exemplo:“É impossível que Deus minta” (Hb 6.18). Da e ser racionalista. O racionalista tenta determinar
mesma forma, é impossível para Deus contradizer a si toda a verdade pela razão humana. O cristão sensato
mesmo. Ambas as situações violam sua natureza bá­ apenas usa a razão para descobrira verdade que Deus
sica (v. Deus, n a t u r e z a d e ) . revelou, pela revelação geral ou pela revelação espe­
Deus não está sujeito apenas à própria con sis­
cial na Bíblia (v. B íb l ia , e v id ê n c ia s d a ).
tên cia racional; ele tam b ém está su jeito à lógica
A lógica e Aristóteles. Alguns críticos da lógica
que é derivada dela. Pois não poderíam os nem co ­
tradicional afirmam que A r is t ó t e l e s inventou a lógi­
m eçar a pensar ou falar sobre Deus sem a lei da
ca, e não há razão para aceitar sua form a ocidental
não-contradição. Nesse caso, a lógica é anterior a
de lógica, em vez do tipo “oriental”, que não usa a lei
Deus porque p recisa m o s u sar a lógica an tes de
da não-contradição. Mas Aristóteles não inventou a
poder sequer pensar nele racionalm ente. A lógica é
lógica; ele a descobriu. As leis do pensamento racional
anterior a Deus na ordem do conhecimento, mas Deus
estavam em operação eternamente em Deus e desde
é anterior à lógica na ordem da existência. A lógica
o princípio nas criaturas racionais. Aristóteles ape­
é anterior a Deus epistemologicamente, mas Deus é
nas as articulou.
anterior à lógica ontologicamente.
Essa crítica também subentende que o pensamento
Argumentar que isso sujeita Deus à nossa lógi­
“oriental” pode evitar o uso da lógica. Mas, como vi­
ca é estabelecer uma dicotom ia falsa. Lógica é ló­
mos, as leis básicas de pensamento são inescapáveis
gica; não é “nossa” lógica no lugar da lógica “dele”.
para todos os seres racionais, seja qual for a sua cultu­
A nossa é baseada na dele. A natureza racional de
ra e visão de mundo. Nenhum filósofo “oriental” (v.
Deus é a base de nossa natureza racional. Ele fez assim
zen - b u d is m o ) pode sequer pensar ou falar sem usar a
para que pudéssemos entender algo sobre ele. A lei da
lei da não-contradição. A própria negação dessa lei
não-contradição aplica-se aos pensamentos de Deus
e também aos nossos. As pessoas não a inventaram ; em prega a lei na sua negação. Ela é literalm ente
só a descobriram. irrefutável (v. i r r e f u t a b i l i d a d e , p r i n c í p i o d a ).

Racionalidade vs r a g o n a l is m o . Outros protestam Muitos tipos de lógica. Outros afirm am que há


que sujeitar as verdades sobre Deus à razão humana é vários tipos de lógica. Por que escolher apenas uma
uma forma de racionalismo (v. e p i s t e m o l o g i a ; E s p i n o s a , e estabelecê-la como norma para todos os tipos? Em
B a r u c h ) . N o entanto, essa objeção ignora várias coisas resposta a isso, basta observar que, apesar de haver
importantes. Primeiro, Deus não está sendo subm eti­ muitos tipos de lógica (dedutiva, indutiva, sim bóli­
do à nossa razão. Deus é o autor da razão e nos criou à ca etc.), todas as form as de lógica dependem dos
sua imagem. Portanto, os princípios básicos da razão princípios racionais básicos de pensamento afirm a­
não são arbitrariamente impostos a Deus; na verdade, dos anteriormente. Por exemplo, nenhuma forma vá­
eles vêm de Deus (v. f é e razão ). lida de lógica pode operar sem o princípio da não-
Segundo, as leis básicas da razão não se opõem à contradição. Se coisas contraditórias podem ser ver­
revelação de Deus; são parte essencial da revelação dadeiras, então o pensamento é impossível. Mas não
geral de Deus. A racionalidade hum ana, com suas podemos negar o pensamento sem pensar. Logo, ne­
leis básicas, é manifestação da racionalidade de Deus. gar as leis do pensamento é literalmente impensável.
ló g ic a 506

A lógica e a onipotência. A Bíblia diz que “para Além disso, Deus não criou as leis da lógica. Elas
Deus todas as coisas são possíveis” (Mt 19.26). Ele é manifestam sua natureza não-criada. Deus é racio­
onipotente, e um Ser onipotente pode fazer qual­ nal, e há certos princípios básicos de racionalidade
quer coisa. Portanto, parece que Deus poderia violar que não podem mudar, assim como Deus não pode
a lei da não-contradição, se quisesse. Mas isso se mudar sua natureza essencial. As leis da física não
baseia em má interpretação. Quando a Bíblia decla­ são assim . Supostam ente, Deus poderia ter criado
ra que Deus pode fazer o impossível, não se refere ao outros tipos de mundos, com outros tipos de leis. A
que é realmente impossível, mas ao que é humana- lei da gravidade, por exemplo, aplica-se ao universo
mente impossível. material. Não se aplica a anjos sem corpos físicos.
Além disso, onipotência não significa que Deus A lógica e os mistérios da fé. Alguns apresentam a
possa fazer o que é contraditório. Se fosse assim , objeção de que os grandes m istérios cristãos, tais
Deus deixaria de ser Deus. Mas é impossível ao Ser como a T r i n d a d e , a Encarnação (v. C r i s t o , d i v i n d a d e
não-criado decidir que quer ser criado. É impossível de) e a predestinação (v. d e t e r m in is m o ; l iv r e - a r b ít r io ),
para o Ser Necessário (que não pode deixar de exis­ violam as leis da razão humana. Há uma diferença
tir) decidir que não quer existir. Deus não pode con­ entre proposições que vão além da razão, tais como
tradizer a própria natureza. Portanto, onipotência não mistérios da fé, e aquelas que vão contra a razão. As
significa que Deus possa fazer literalmente qualquer que vão além da razão não vão contra a razão. O
coisa. A Bíblia diz que “é impossível que Deus minta” entendim ento humano sem o auxílio da revelação
(Hb 6.18; v. 2Tm 2.13). E assim como Deus não pode especial não pode alcançá-las. Tais verdades só po­
contradizer sua natureza moral, ele não pode contra­ dem ser conhecidas por meio da revelação especial.
dizer sua natureza racional. Na verdade, a onipotên­ Quando conhecidas, suas prem issas não contradi­
cia só significa que Deus pode fazer qualquer coisa zem outras verdades reveladas.
que não seja contraditória ou impossível. Por exem­ A lógica e a Trindade. A doutrina da Trindade
plo, Deus não pode fazer um círculo quadrado. E não afirma três pessoas numa Essência. Não afirma que
pode criar uma pedra tão pesada que não consiga há três pessoas numa Pessoa ou três essências em
levantá-la. Pois, se fizesse, não poderia m ovê-la. E uma Essência. Essas seriam contradições lógicas.
não precisa “movê-la”. Só precisa destruí-la e recriá- Lógica e a Encarnação. A Encarnação não afir­
la no lugar onde deseja colocá-la. m a que Deus se to rn ou hu m ano. O In fin ito não
A lógica e os milagres. Deus criou leis naturais, mas pode se tornar finito, ou o N ecessário, contingente.
pode transcendê-las por meio de milagres (v. m ila g r e ). Antes ela afirm a que a segunda pessoa da Trindade
Deus planejou a lei da gravidade e a viscosidade dos to rn o u -se hom em . Jesus assum iu um a natureza
líquidos, mas Jesus andou sobre a água. Por que as leis hum ana sem deixar de lado sua divindade. Portan­
da lógica não podem ser violadas como as leis da física? to, a Encarnação não foi a subtração da divindade,
Primeiro, essa é uma analogia inválida. As leis da m as a adição de sua hum anidade. Duas naturezas
natureza são descritivas , enquanto as leis lógicas, num a pessoa não é uma contrad ição. Duas natu­
como as leis éticas, são prescritivas. Isto é, as leis da rezas numa natureza ou duas pessoas numa Pessoa
lógica nos dizem com o devem os racio cin ar para seriam , mas não duas naturezas juntas numa Pessoa.
co n fo rm a r n o sso p e n sa m e n to à re a lid a d e . Trata-se de um m istério, não de uma contradição.
Sem elhantem ente, as leis m orais, são prescrições A lógica e a predestinação. A predestinação e o
universais (v. m o r a l id a d e , n a t u r e z a abso lu ta d a ). Todo liv re-a rb ítrio tam bém não são um a con trad ição
mundo deve raciocinar que, se todos os triângulos ló g ic a . N ão é c o n tra d itó rio a firm a r q ue Deus
têm três lados e essa figura é um triângulo, então ela predeterm inou quem será salvo, desde que tenha
tem três lados. Não há exceções; todos devem che­ predeterm inado que isso aconteceria por meio do
gar a essa conclusão. As leis da física são generaliza­ livre-arbítrio. O que seria contrad itório é afirm ar
ções descritivas. Elas apenas nos inform am sobre que Deus forçou pessoas a aceitá-lo livremente, já que
com o as coisas são; não nos exortam sobre com o liberdade forçada é logicam ente incom patível. Mas
algo deve ser. Como descrições do modo em que as a firm a r que Deus d eterm in o u co n scie n tem en te
coisas geralmente ocorrem , elas admitem exceções. com o efetuaria a salvação pela sua graça e por meio
O milagre é a exceção. Assim, ele não contradiz a lei do nosso livre-arbítrio não é uma contradição lógi­
geral. A com paração entre as leis físicas e as leis do ca. É um m istério, mas não uma contradição lógica
pensamento é inválida. (v. d e t e r m in is m o ; l iv r e - a r b it r io ).
507 lo g o s , te o r ia d o

Fontes Fontes
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A. Fi nv, et al„ AVir essays in philosophical theology.
lógico, positivismo. O positivismo lógico é uma esco­ N. L. G eisler, Philosophy ofreligion ícap. 12)
la de pensamento que operou durante a década de 1920 D. H ume, Investigação sobre o entendimento humano.
entre um grupo de filósofos de Viena que incluía Alfred
J. Ayer, Rudolf Carnap, Herbert Feigl e Moritz Schlick. logos, te o ria do. A palavra grega logos vem de lego
Eles tomaram uma posição antimetafísica e desenvol­ (“Eu fa lo ” ). Logos significa “palavra, fala, explicação,
veram um princípio de verificação empírica pelo qual princípio o u razão”. Na filosofia grega, o conceito de
tudo (exceto tautologias e afirmações empíricas) é con­ logos tinha significados diferentes. Heráclito a conside­
siderado sem sentido. rava a lei racional que governava o universo. Anaxágoras
Essa posição continha im plicações devastado­ a via c o m o o princípio da inteligência no universo,
ras para o cristianism o, já que nem a existência nem apesar de chamá-la nous (“mente”), assim como P latão .
os atributos de Deus poderiam ser significativamen- Para os estóicos, o logos era o p rincíp io de toda
te declarados. Todo o debate sobre Deus foi consi­ racionalidade no universo. Mas logo antes de o nt ser
derado absurdo lite ra l (v. a n a l o g i a , p r i n c í p i o d a ;
escrito, o filósofo judeu F ílon (30 a.C-45 d.C.) des­
W it t g e n s t e in , L u d v t g ). Esse ponto de vista às vezes é
creveu o logos como a imagem de Deus que era dis­
chamado a c o g x o st ic ism o ou a t e í s m o semântico.
tinta de Deus e um interm ediário entre Deus e o
As raízes do p rin c íp io da v e rific a b ilid a d e
mundo (Edwards, “Logos”). Mais tarde, no século ui,
em pírica são encontrados no ceticism o em pírico
P lo tixo declarou que o logos ou nous era a emanação
de David Hume. No último parágrafo de Investigação
inferior do único Ser (Deus).
sobre o entendimento humano, Elume escreveu:
No entanto, não há razão para supor que ]oão
esteja retratando algo inferior a Deus no logos. João
Q u an d o p e s q u is a m o s bibliotecas, persuadidos desses
diz clara e enfaticamente que “o logos era Deus” (Jo
p rin c íp io s, q u e d a n o s fazem o s? Se pegamos qualquer volume
1.1; v. tb. 8.58; 10.30; 20.28). O conceito que João tem do
na m ão — de teolo gia ou da escola da metafísica, por exemplo,
logos é de um ser pessoal (Cristo), enquanto os gregos
d e v em o s perguntar: Ele contém algum raciocínio abstrato re­
o consideravam um princípio racional impessoal. O
lativo a qualidade ou número?Não. Contém algum raciocínio
logos é mencionado com pronom es pessoais, como
experimental relativo ao triviale à existência?Não. Então lan­
ele (1.2) e nele (1.4). Esse não era o caso do logos grego.
ce-o ao fogo, pois não pode conter nada além de sofismas e
Segundo João, o logos“se fez carne” (1.14). Combi­
ilusão (Hume,p. 173).
nar logos (razão) ou nous (mente) e carne era contrário
ao pensamento grego. A carne era ou maligna, como no
Se Hume estava certo, há dois tipos de afirmações
GxosTicis.MO, ou quase maligna, no pensamento platôni­
significativas: 1) as verdadeiras por definição (analíti­
co ou plotiniano (v . P l o t ix o ) . Apenas na tradição
cas) e 2) as consideradas verdadeiras por meio dos
sentidos (sintéticas). Apenas afirmações definitivas e judaico-cristã a matéria ou carne era considerada res­
sensoriais são significativas. Todo o resto é literalmente peitável de alguma forma. Os cristãos a viam como boa
absurdo. o suficiente para ser digna de vestir a Deus na encarnação.
No mundo anglófono, Ayer foi um defensor ze­ O AT, não as idéias gregas, é a raiz das idéias do nt.
loso dessa posição. Ele formulou a conclusão de Hume João,como todos os autores do xt (talvez exceto Lucas),
para o princípio da verificabilidade em pírica, que eram judeus. A raiz de seu pensam ento estava no
afirmava em sua forma original que há apenas dois judaísmo. Eles citam o at centenas de vezes. Logo, é
tipos de proposições significativas. contrário ao fundamento judaico e ao pensamento
O positivismo lógico morreu pela própria espada dos autores do nt usar fontes gregas para suas idéias
(v. Feigl).0 princípio da verificabilidade empírica não teológicas.
é empiricamente verificável. Toda tentativa nesse sen­ O x t é um livro teísta (v. t e í s m o ) , enquanto o pen­
tido destrói sua eficácia. O positivismo não pode ser samento grego era politeísta e panteísta (v. p a n t e í s m o ).
usado para excluir afirmações metafísicas (v. m e t a f í s i c a ). Não e sp era ría m o s que Jo ã o se b a se a sse em tal
L u c a s , s u p o s to s e r r o s em 508

cosmovisão para expressar suas idéias. O falava a i censo entre 10 e 5 a.C. Registros periódicos aconte­
do futuro Messias que era Deus (SI 110.1; Is 9.6; 45.6; ciam a cada catorze anos. Por causa desse padrão
Zc 12.10), que viria em carne, sofreria e ressuscitaria regular de recenseamento, qualquer ação era consi­
fisicam ente dos m ortos (v. Is 5 3). Nem a religião derada uma política geral de Augusto, apesar de o
nem a filosofia grega ensinam essa doutrina. Afir­ censo local possivelmente ter sido instigado por um
m ações segundo as quais o cristianism o baseou-se governador. Portanto, Lucas reconhece o censo como
em idéias ou deuses pagãos são infun dad as (v. vindo do decreto de Augusto.
MITR AfSM O ; RESSURREIÇÃO EM RELIGIÕES NÃO-CRISTÃS, REIVIN­ Já que o povo de um país subjugado era obrigado a
DICAÇÕES D E ) . jurar lealdade ao imperador, não era incomum o impe­
rador requerer um censo imperial como expressão des­
Fontes sa lealdade e como meio de alistar homens para o ser­
G. H. Ci a r k , S e l e c t i o n s f r o m H e ll e n is t ic p h il o s o p h y . viço militar, ou, como provavelmente aconteceu nesse
P. E dw ards , “Logos”, e m n>.
caso, como preparação para arrecadar impostos. Por
F íl o , D e v it a c o n t e m p l a t i v a . causa das relações tensas entre Herodes e Augusto nos
W. R. I n g e , “Logos”, em e r f .
últimos anos do reinado de Herodes, como o historia­
J. G. M achen , T h e o r ig i n o f P a u l ’s r e lig io n . dor judeu Josefo relata, é compreensível que Augusto
R. N as h , C h r is t ia n it y a n d t h e H e l l e n i s t i c w o r ld . começasse a tratar o domínio de Herodes como um
F. E . W alton , D e v e l o p m e n t o f t h e lo g o s d o c t r i n e in
país subjugado e conseqüentemente impusesse tal cen­
G r e e k a n d H e b r e w th o u g h t.
so para manter o controle sobre Herodes e o povo.
Terceiro, um censo era um projeto enorm e que
provavelmente levaria vários anos para ser finaliza­
L u cas, su p o sto s e rro s em . Lucas foi acusado pe­
do. Tal censo com o propósito de impostos com eça­
los críticos de conter im precisões históricas signi­
do na Gália entre 10-9 a.C. levara quarenta anos para
ficativas na narrativa do nascim ento de Cristo, no
ser completado. É provável que o decreto para co­
capítulo 2.
m eçar o censo, em 8 ou 7 a.C., só tenha com eçado na
O censo mundial. Lucas 2.1-3 refere-se a um cen­
Palestina algum tempo depois. Problemas de orga­
so mundial sob César Augusto quando Quirino era
nização e preparação podem ter adiado o censo ini­
governador da Síria. Mas, segundo os registros da his­
cial para 5 a.C. ou até mais tarde.
tória antiga, esse censo não aconteceu. Na verdade,
Quarto, não era uma exigência incomum que as
Quirino só se tornou governador da Síria no ano 6
pessoas voltassem ao lugar de origem ou para o lu­
d.C. Os críticos geralmente acreditam que Lucas errou
gar onde possuíam propriedade. Um decreto de C.
ao afirmar um censo sob César Augusto e que o censo
Vibius Maximus em 104 d.C. exigia que todos os au­
realmente aconteceu no ano 6 ou 7 d.C. (este mencio­
sentes de sua terra natal voltassem para o censo. Os
nado por Lucas no discurso de Gamaliel, em At 5.37).
judeus estavam bem acostum ados às viagens, por
Uma possível retradução. F. F. B r u c e oferece outra
fazerem a peregrinação anual a Jerusalém.
possibilidade. O grego de Lucas 2.2 pode ser traduzido:
Não há nenhum a razão para suspeitar da afir­
“Este, o primeiro recenseamento (censo), foi feito antes
mação de Lucas com relação ao censo. O registro de
daquele quando Quirino era governador da Síria”. Nes­
Lucas ajusta-se ao padrão normal de recenseam en­
se caso,a palavra grega traduzida por“primeiro”(protos)
to, e sua data não seria improvável. Esse pode ter
é traduzida como um comparativo, “antes”. Devido à sido apenas um censo local feito como resultado da
construção da frase, essa não é uma tradução imprová­
política geral de Augusto. Lucas apenas oferece um
vel. Nesse caso não há problema, já que o censo do ano registro histórico confiável de um evento não regis­
6 d.C. é bem conhecido pelos historiadores. trado em outra fonte. Lucas provou ser um historia­
Evidência arqueológica recente. A falta de qual­ dor surpreendentemente confiável (v. A t o s , h i s t o r i c i ­
quer evidência extrabíblica levou alguns a considerar d a d e d e ; v. Ramsay, St. Paul the traveler and Roman
isso um erro. Mas, com os estudos recentes, agora Citizen). Não há razão para duvidar dele aqui.
aceita-se amplamente que de fato houve um censo A á rea gov ern ad a p o r Quirino Dada a afirm a­
anterior, como Lucas registra. ção de Lucas de que o censo decretado por Augusto
William Ramsay descobriu várias inscrições que foi o p rim eiram en te feito en qu an to Q uirino era
indicavam que Quirino foi governador da Síria em governador da Síria, o fato de Q uirino tornar-se
duas ocasiões, a primeira vários anos antes de 6 d.C. governador da Síria muito tem po depois da morte
Segundo os próprios documentos que registraram os de Herodes, por volta do ano 6 d.C., parece um erro
censos (cf. Ramsay, Was Christ?), realmente houve um no evangelho.
509 L u te r o , M a rtin h o

Como foi observado, há uma maneira alternati­ pesquisando a área sobre a qual Lucas escreveu. Sua
va de traduzir esse versículo que resolve o problema. conclusão foi que, nas referências a 32 países, 54 ci­
Além disso, hoje há evidência de que Quirino foi dades e nove ilhas, Lucas não cometeu nenhum erro!
governador da Síria numa ocasião anterior, que co­ Esse é um registro que deve ser invejado por histori­
incide com a época do nascimento de Cristo. adores de todas as eras.
Quintílio Varo foi governador da Síria do ano 7
ao ano 4 a.C. aproxim adam ente. Varo não era um Fontes
líder confiável, fato demonstrado em 9 d.C., quando G. L. ARciir R, ]l ,E n c i c l o p é d i a d e tem a s

perdeu três leg iõ es de sold ad o s na flo re sta de b íb lic o s .

Teutoburger, na Alemanha. Quirino, por outro lado, F. F Brece, ÁítTea’ c o n f i a n ç a o Novo Testamento?
era um líder m ilitar reconhecido que esm agou a N. L. G eisler e I . H owf, M a n u a l popular de dúvidas,
rebelião dos homonadenses, na Ásia Menor. Quando e n i g m a s e " c o n t r a d iç ã o " da Bíblia.

chegou a época de com eçar o censo, por volta de 8 G. H abermys, T h e v e rd ic t ofhistory.


ou 7 a.C., Augusto confiou a Quirino o problem a W. R amsay, St. P a u l t h e traveler and Roman C itiz e n
delicado na área instável da Palestina, efetivamente ____ , II 'as C h r is t bom in Bethlehem?
substituindo Varo ao apontar Quirino para a posição
de autoridade especial nessa questão. L u tero , M a rtin h o . Martinho Lutero (1483-1546), o
Quirino provavelmente foi governador da Síria em grande reform ador alem ão que não foi conhecido
duas ocasiões diferentes, uma vez durante a ação com o apologista, tinha com o preocupação m aior
militar de perseguição aos hom onadenses entre 12 e restaurar a igreja. No entanto, não disse nada que
2 a.C. e mais tarde, com eçando por volta do ano 6 negue o uso sistem ático da razão pelos a p o l o g i s t a s
d.C. Uma inscrição latina d escoberta em 1764 foi na defesa da fé.
c l á s s ic o s

interpretad a de form a a declarar que Quirino foi A razão é condenada. L u t e r o declarou que a razão
governador da Síria em duas ocasiões. é a faculdade dada por Deus pela qual os seres humanos
Gary Habermas resume bem a situação: são distinguidos anim ais inscionais (disputatio de
homine). Lutero, assim como outros grandes mestres
1) Ocenso de impostos eraprocedimento bemcomum no da igreja, estava interessado em que a razão humana
Império Romano e realmente ocorreu na Judeia, particular­ não substituísse o evangelho. A Confissão de Augsburgo
mente. 2) As pessoas eram obrigadas a voltar à cidade natal (Art. 2) condena a crença de que alguém possa ser jus­
para cumprir as exigências do processo. 3) Esses procedimen­ tificado “pela própria força e razão”. Martin Chemnitz
tos foram empregados aparentemente durante o reinado de acrescentou: “A razão por si mesma e a partir de even­
Augusto (37 a.C.-14 d.C.), colocando-o dentro do período de tos não pode estabelecer nada relativo ao am or de
tempo do nascimento de Jesus. 4) Adata da coleta de impos­ Deus por nós” (Chemnitz, p. 609). Essas afirmações
tos mencionada por Lucas possivelmente ocorreu em6-5 a.C., desaprovadoras sobre a razão humana devem ser vis­
o que também seria útil para tentar encontrar uma data mais tas no contexto adequado (v. f f e r a z à o ).
exata para o nasci mento de Jesus (The verdict ofhistory, p. 153). Prim eiramente, elas foram feitas no contexto de
alguém tentando alcançar a salvação pelas próprias
Conclusão. Há três razões para crer que Lucas é forças, não por meio do m érito de Cristo e da graça
preciso em seu registro do nascim ento de Jesus. Pri­ pela fé. A razão humana não pode alcançar a salva­
meiro, existe a regra geral de “inocente até que pro­ ção. Apenas o evangelho traz salvação. Mas isso não
vem o contrário”. Um docum ento da Antiguidade quer dizer que a razão não possa ser usada para de­
sob custódia adequada que alega oferecer um regis­ fender o evangelho. Em segundo o lugar, Lutero acre­
tro preciso (v. Lc 1.1-4) deve ser aceito como autên­ ditava que o am or redentor de Deus não pode ser
tico até que provem o contrário. Isso é conhecido estabelecido pela razão. Isso não quer dizer que a exis­
como regra do documento antigo. Essa regra é usada tência de Deus não possa ser estabelecida pela razão
nos tribunais para estabelecer a autenticidade dos (v. cosMOi.óGico, a r g u m e n t o ) . Na verdade, entre os
docum entos amigos. apologistas clássicos estava A g o s t i n h o , o mentor filo­
Segundo, existem , como se observou, explicações sófico e teológico de Lutero.
plausíveis que harm onizam o registro com a evi­ Razão na teologia luterana. Apesar de o próprio
dência histórica (v. tb. Aros, h i s t o r i c i d a d e d e ). Lutero, tão preocupado com a salvação, não ter desen­
Terceiro, Lucas provou ser um historiador confiável volvido uma apologia ou uma teologia sistem ática,
até nos detalhes. William Ramsay passou vinte anos seu colega, Filipe M elâncton, desenvolveu am bas.
L u te r o , M a rtin h o 510

Melâncton e outros reformadores luteranos usaram a Um exem plo m oderno da trad ição luterana é
apologética clássica para desenvolver provas da existên­ John Warwick Montgomery em suas obras de defe­
cia de Deus. Chemnitz fala da validade dos ensinamentos sa da fé. Veja essas obras citad as entre as fontes
derivados das Escrituras “pelo raciocínio bom, certo, fir­ deste artigo.
me e claro” (ibid., p. 249). As próprias polémicas de Lutero
são firmemente construídas a partir de argumentos Fontes
irrefutavelmente racionais. M. C hemnitz, Examination o f the Council o f Trent, v. 1.
A razão, é claro, pode ser o “instrumento do Di­ L. S. K eyserM system o f Christian evidence.
abo” quando usada em oposição a Deus. Mas a posi­ M . L uther, Luther’s works. v.3 4 ,J .P fi iKAN.org.
ção assumida pelos reformadores luteranos e teólo­ J. W. M ontgomery, Christianity and history.
gos luteranos modernos quanto às Escrituras revela ___ , Christianity for the tough-minded.
uma tradição de teologia e apologética racional. ___ , Evidence for faith.
Mm
M achen, J. G resham . Nasceu em Baltimore (1881- Machen deixasse a Junta. Ele se recusou e foi julgado
1937) e formou-se em literatura clássica na Universi­ por violar seus votos de ordenação. Sem ter a oportu­
dade Johns H opkins. No Sem in ário Teológico de nidade de defender suas ações, foi suspenso do m i­
Princeton, foi aluno de B. B. W a r f i e l d e R. D. Wilson. n istério pelo P resb itério de New B ru n sw ick em
Também estudou na Universidade de Princeton e Trenton, Nova Jersey. Ele e outros foram expulsos da
como bolsista na Alemanha, em Marburgo e Gõttingen. Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos ( p c u s a ) em
Em Marburgo foi aluno de Adolf Jülicher e Wilhelm 1936. Imediatamente uma nova organização foi for­
Herrmann, que foi discípulo de Albrecht Ritschl. Em mada, a Igreja Presbiteriana da América. Poucos me­
Gõttingen foi aluno de E. Schürer e W. Bouset. Em ses depois, Machen morreu repentinamente, enquan­
1906, Machen tornou-se professor de n t no Seminário to viajava pregando para apoiar a nova denominação.
de Princeton. Sem sua liderança firme, a nova igreja foi dividida
Em 1912, fez uma preleção: “Cristianismo e cul­ pelos interesses individuais de seus líderes. Duas de­
tura”, que estabeleceria o tema de sua carreira. Iden­ nominações surgiram, a Igreja Presbiteriana Ortodo­
tificou o problem a na igreja cristã com o a relação xa e a Igreja Presbiteriana Bíblica.
entre conhecim ento e piedade. Há três abordagens Apesar de rejeitar o título “conservador” e algu­
desse relacionam ento, disse ele. Os protestantes li­ mas das ênfases teológicas tradicionalmente adotadas
berais subordinaram o evangelho à ciência e igno­ pelo movimento conservador, Machen foi o líder in­
raram o sobrenatural. Os conservadores preserva­ telectual desse movimento durante a década de 1920.
ram o sobrenatural, mas rejeitaram a ciência. A so­ Sua erudição e trabalho pessoal eram respeitados até
lução de Machen foi com binar a busca do conheci­ por seus oponentes. Uma de suas contribuições mais
mento com a religião. ú teis para as g erações de e stu d a n tes foi o New
Em 1914, M achen já era p ro fesso r de nt em Testament Greekfor beginners [Grego neo-testamentá-
Princeton. Depois da Primeira Guerra Mundial, a Igreja rio para principiantes, (1924)]. Sua defesa clássica, The
Presbiteriana do Norte e o Seminário de Princeton v i R C i s B iR T H ot C h r i s t [ O nascimento virginal de Cristo] ,

passaram por uma mudança fundamental na teolo­ (1930), foi de grande importância teológica. Essa co­
gia, do cristianismo histórico e do calvinismo tradi­ leção de palestras dadas no Sem in ário Teológico
cional para o liberalismo ou modernismo, seguindo Columbia argumentava que o nascimento virginal não
as tendências teológicas alemãs. Na batalha resultante, foi uma adição posterior do cristianismo. Outras de­
a denominação e o seminário se dividiram. Em 1929, fesas significativas da fé intelectualmente forte foram
Machen, Oswald T. Aliis, Cornelius V a n Til, Robert Dick The origin o f PanTs religion [A origem da religião de
Wilson e mais vinte alunos deixaram o seminário. Sob Paulo] (1921), Christianity and liberalism [Cristianis­
a liderança de Machen, esses homens estabeleceram o mo e liberalismo ], (1923), What isfaith? [O que é a fé]
Seminário Westminster em Filadélfa. 1927, The christian faith in the modem world [A fé
Em 1933, para se opor ao liberalismo crescente na cristã no mundo moderno], ( 1938) e The Christian view
Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos, Machen fun­ ofm an [A visão cristã do homem], (1937).
dou a Junta Independente para Missões Presbiterianas Apologética ferv orosa e séria. A apologética de
Internacionais. Essa junta testava e comissionava m is­ Machen está bem próxima da obra de Charles Hodge,
sionários ortodoxos, dando às igrejas conservadoras B. B. Warfield, A. A. Hodge, Caspar W istar Hodge e
uma alternativa além dos liberais enviados pela pró­ Geerhardus Vos. Como a obra desses homens, a filo­
pria denom inação. A Assem bléia Geral exigiu que sofia de Machen baseava-se em Thom as Reid e no
M a c h e n , J. G re sh a m 512

r e a l i s m o escocês. Ele acreditava que a razão, que lida­ julgada pelos mesmos padrões que a poesia. As Es­
va com fatos e dependia deles, era essencial para a fé. crituras são infalivelmente a verdade de Deus e são
Seguia o padrão clássico de notitia (conhecim ento inerrantes, mas não foram mecanicamente ditadas (v.
cognitivo) e assensus (a sse n tim en to ), que leva à B í b l i a , e v i d ê n c i a s d a ). “Em todas as suas partes”, disse

fiducia (fé). Machen demonstrou que a razão não prova Machen, as Escrituras são “a própria Palavra de Deus,
a fé. Esse era o erro fundamental do liberalismo (Lewis completamente verdadeiras no que dizem com rela­
e Demarest, p. 374). Machen era cauteloso em colocar ção a questões de fato e completamente autoritárias
a experiência cristã no seu devido contexto: em seus mandamentos” ( Christian faith in the modern
world, p. 2 ,3 7 ). Ele afirmou: “Apenas os autógrafos dos
A experiência cristã é corretamente usada quando ajuda a livros bíblicos — em outras palavras, os livros como
nos convencer de que os eventos narrados no Novo Testamen­ vieram da pena dos autores sagrados, e nenhuma das
to realmente aconteceram; mas ela nunca pode nos capacitar cópias que agora possuímos desses autógrafos — fo­
a sermos cristãos, quer os eventos tenham ocorrido quer não ram produzidos sob o impulso e pela liderança sobre­
(Cristianismo e liberalismo, p. 78). natural do Espírito Santo, o que chamamos inspira­
ção” (ibid., p. 39).
0 ponto de partida de Machen para a apologética D efesa d o cristianism o. A apologia de Machen
foi a consciência hum ana, que dependia da análise da ortodoxia era em grande parte evidenciai. Come­
lógica e do bom senso. Não entrou em detalhes de çou por apelar aos fatos, principalm ente bíblicos e
provas teístas; no entanto, dependia dos argum en­ históricos, que exigem uma explicação adequada. A
defesa da ortodoxia de Machen baseava-se em dois
tos tradicionais. M achen chegou ao ponto de adiar
milagres importantes, o nascimento virginal e a res­
sua ordenação até responder satisfatoriam ente às
surreição corporal de Jesus Cristo. Machen geralmen­
objeções de K a n t . Afirmou:
te apelava, como Paulo, ao fato de que, se Cristo não
nasceu de uma virgem na história e não ressuscitou
A própria base da religião de Jesus era uma crença triun­
corporalmente três dias após sua morte, nossa fé é vã.
fante na existência real de um Deus pessoal.
Machen defendeu os milagres nas Escrituras (v. m i ­
E sem essa crença, nenhum tipo de religião pode encon­
l a g r e s , a r g u m e n t o s c o n t r a ) , especialmente os de Cristo,
trar sua referência, corretamente, em Jesus, nos dias de hoje.
ao definir um evento sobrenatural como o que “acon­
Jesus foi um teísta, e o teísmo nacional está na base do cris­
tece pelo poder imediato, de Deus” ( Cristianismo e libe­
tianismo. Jesus, de fato, não sustentou seu teísmo através de
ralismo, p. 104). Isso, pressupõe a existência de um Deus
argumentos; ele não proveu antecipadamente respostas ao
pessoal e de uma ordem real da natureza. Logo, os mila-
ataque de Kant às provas teístas. Mas isso não significa que
' gres estão sobrenatural e dependentemente unidos ao
ele fosse indiferente à crença que é o resultado lógico dessas
teísmo.
provas. Significa que a crença existia tão firme para ele quan­
Em defesa dos milagres do n t ( v . m i l a g r e s n a B í ­
to para seus ouvintes e que no seu ensino ela é sempre pres­
b l i a ) , Machen ressaltou o erro de isolar os milagres
suposta. Assim, hoje, não é necessário que todos os cristãos
do restante do n t . É um erro discutir a ressurreição
analisem a base lógica de sua crença em Deus; a mente hu­
de Jesus como se o que foi provado fosse apenas a
mana tem uma faculdade maravilhosa para a condenação dos
ressurreição de um hom em do século i na Palestina
argumentos perfeitamente válidos, e o que parece uma cren­
(ibid., p. 106). Na verdade, a ressurreição é apoiada
ça instintiva pode vir a ser o resultado de muitos passos ló­
pela singularidade histórica da pessoa de Cristo e de
gicos. Ou, preferivelmente, pode ser que a crença em um Deus suas afirm ações e pela “ocasião adequada” ou pro­
pessoal seja o resultado de uma revelação primitiva e que as pósito para o milagre conforme detectados (ibid., p.
provas teístas sejam apenas a confirmação lógica do que foi 106). A fé dem onstrada pela igreja prim itiva foi o
originalmente recebido por diferentes meios. De qualquer argum ento m ais convincente para a ressu rreição
modo, a confirmação lógica da crença em Deus é uma preo­ (What is Christianity?, p. 6 ,9 9 ). Machen ainda apóia
cupação vital para o cristão (ibid, p. 64). milagres bíblicos ao ressaltar as tendências naturalis­
tas ilegítimas da igreja liberal, que os rejeita.
In falív el e inerrante. Seguindo a antiga tradi­ Avaliação. Machen defendeu a fé protestante or­
ção de Princeton, Machen acreditava que a Bíblia no todoxa no momento crucial da primeira metade do
original (autógrafos) era plenamente inspirada, sen­ sécu lo xx. E sta b e le ce u um pad rão elevado de
do que a Palavra de Deus foi mediada pela vida, pela escolástica numa época em que poucos, liberais ou
personalidade dos autores e pelo estilo literário em conservadores, produziam estudos acadêmicos vali­
que escreveram. Assim, a narrativa histórica não é osos. Muitas dessas obras ainda são muito usadas.
513 M a im ô n id e s

A apologética geral de Machen é resumida por C. confusos porque acreditavam que os princípios da
Allyn Russell: “A tese de Machen era que o cristianis­ filosofia grega contradiziam sua fé. O livro foi escri­
mo e o liberalismo eram essencialmente duas religi­ to para os que hesitavam entre as afirm ações con­
ões distintas e mutuamente excludentes, não duas va­ trad itórias da filosofia e da religião. M aim ônides
riedades da m esm a fé”. Segundo Russel, cristãos e acreditava ser possível conh ecer a filosofia grega
liberais usavam a mesma linguagem, mas procediam com pletam ente sem abrir mão da observância dos
de raízes completamente diferentes: mandamentos. Infelizmente, a conciliação geralm en­
te era a favor de uma interpretação alegórica, à custa
Ao atacar o liberalismo como religião não-cristã, Machen do entendimento literal das Escrituras.
declarou que as tentativas liberais de conciliar o cristianismo Além da fé judaica, enfatizando principalm ente
com a ciência moderna haviam abandonado tudo o que é carac­ a unidade e a inefabilidade de Deus, Maimônides foi
terístico do cristianismo (Russell, p. 50). grandemente influenciado por Alfarabi, Aristóteles,
Averróis, F ílon, P latão e P lotino. O resultado foi a
Fontes própria síntese desses filósofos, com preferência para
W.E lwell, E n ciclop éd ia h istórico-teo ló g ica d a Igreja Platão em vez de A ristóteles e forte influência de
Cristã. Plotino. M aimônides influenciou Tomás de Aquino e
__ ,H a n d b o o k o f ev a n g elical theologians. outros filósofos escolásticos, e tam bém o racionalista
G. L ewis e B. D em arest , C hallenges to in erran cy: a moderno Baruch Espinosa.
th eo lo g ica l response. F ilosofia. Seguindo seu trein am en to ju d aico ,
D. G. H art , “ T h e P rin ce to n m in d in th e m o d e r n Maimônides acreditava que Deus era um. Também
w orld a n d th e c o m m o n s e n s e o f ). G re sh a m acreditava que a existência de Deus era demonstrável,
M ac h e n ” , wti 46 .1 (S p r in g 1 9 8 4 ): 1-25. mas que sua essência era incognoscível. Ofereceu
J. G. M ach en , Christian faith in the m od ern world. provas para a existência de Deus que foram usadas
___ , Cristianismo e Liberalismo. por escolásticos posteriores, tais com o Deus como
___ , The Christian view o f man. Prim eira Causa, Prim eiro M otor e Ser N ecessário
___ , The origin o f Paul’s religion. (três dos cinco argumentos a favor da existência de
___ , The virgin birth o f Christ. Deus propostos por Aquino). Ao contrário dos gre­
___ , What is Christianity? gos, acreditava que Deus era a Causa eficiente, e tam ­
bém o formal e a final, do mundo.
___ , What isfaith?
Os filósofos gregos argumentaram a favor da eter­
G. M . M a r sh es , “ j. G re sh a m M ac h e n , h isto r y a n d
nidade do mundo, porém M aimônides concluiu que
tru th ” , wti 42 (F a ll 1 9 7 9 ): 1 57-75.
esses argumentos não eram decisivos porque igno­
C. A. R ussell , “ J. G re sh a m M ac h e n , sc h o larly
ravam a onipotência de Deus, que pode criar livre­
f u n d a m e n t a lis t ” , jph 51 (1 9 7 3 ): 4 0 -6 6 .
mente um universo da duração que quisesse. Aquino
N. B. S tonehouse ,/ . Gresham Machen: a biographical
seguiu essa linha de raciocínio.
memoire.
Seguindo P lotino, M aim ônides acreditava que
C. I. K. S torv, “ J. G re sh a m M ac h e n : apologist a n d
todo o conhecim ento de Deus é negativo. Qualquer
exegete” ,PSB 2 (1 9 7 9 ): 9 1 -1 0 3 .
coisa positiva refere-se apenas às ações de Deus, não
à sua natureza, que é essencialmente incognoscível.
M adalena, m an u scritos de. V. Novo T esta m en to , m a ­
A Bíblia revela um nom e divino e positivo, y h w h .
n u s c r it o s DO.
O tetragram a significa “existência absoluta”. Deus é
a Existência pura e necessária. Todas as criaturas são
M aim ônides. Moisés, filho de Maimôn (1135-1204),
contingentes. Sua existência é apenas um “acidente”
latinizou seu nom e para M aim ônides. Deixou sua
acrescentado à sua essência.
cidade natal, Córdoba, Espanha, durante a invasão
Avaliação. Há muitas contribuições positivas nas
muçulmana, foi para o Norte da África e finalmente
p o siçõ es de M aim ô n id es. Do p o n to de vista do
para o Egito, tendo morrido no Cairo. Apesar de ser
te ísm o e da a p o lo g é tica c lá ss ic o s (v. c l á s s i c a ,
conhecido por sua doutrina legal, o “rabino Moisés”, a p o l o g é t i c a ) , sua ênfase à natureza de Deus e à cria­
como os escolásticos o chamavam, tornou-se o mais ção e seus argum entos em favor da existên cia de
célebre filósofo judeu da Idade Média. Deus são louváveis.
Em seu Guia dos perplexos, escreveu sobre os O que deve preocupar os cristãos é a teologia
pensadores judeus sem i-intelectu ais que estavam negativa de M aimônides, que não permite analogias
m a n u s c r it o s d o A n tig o T e s ta m e n to 514

positivas (v. a n a l o g i a ) . E sua tendência de alegorizar sinais gráficos que auxiliam na pronúncia do texto
partes das Escrituras que não podem ser conciliadas consonantal recebido dos soferim, com base na Massorá
com a filosofia platónica então dominante era des­ (“tradição”) que haviam recebido. Os mas-soretas eram
necessária e inaceitável. escribas que codificaram e escreveram as críticas e
comentários orais do texto hebraico. Havia duas esco­
Fontes las ou centros principais de atividade massorética, cada
S . B aro , o r g ., Essays on Maimonides. uma bastante independente da outra, a babilónica e a
M aimonides , Guia dos perplexos. palestinense. Os massoretas mais famosos foram os
A . M a u r e r , Medieval philosophy.c a p . 8. estudiosos judaicos que viveram em Tiberíades, na
S .P iN ts, “ M a im o n id e s” , e m kp. Galiléia, Moisés ben Asher (com seu filho Aarão) e
H. A . W olfson , “ M a im o n id e s o n n eg ativ e Moisés ben Naftali, no final dos séculos l\ e x. O texto de
a t tr ib u te s” , e m A. M arx , o rg ., Louis Ginzberg Ben Asher é o texto-padrão da Bíblia hebraica atual,
Jubilee volume. conforme melhor representado pelo Códice Leningra-
do b 1 9 a ( l ) e o Códice Alepo.
m aniqueísm o. V. d u a l is m o .

Atualmente discute-se o texto hebraico “massoré-


m an u scritos do Antigo Testamento. Os manuscri­ tico” padrão — usado na tradução da Bíblia. Frederic
tos do a t não são tão cruciais à apologética cristã quan­ Kenyon colocou a questão essencial quando pergun­
to os manuscritos do n t ( v . N o v o T e s t a m e x t o , h i s t o r i c i d a d e tou se o texto massorético representa o texto hebraico
d o ; Novo T e s t a m e n t o , m a n u s c r i t o s d o ). N o entanto, sua
escrito originalmente pelos autores. A edição-padrão
confiabilidade geral é importante, pois os manuscri­ do texto massorético foi publicada pela primeira vez
tos desempenham um papel crucial no estabelecimen­ sob a editoração de um cristão de origem ju d aica,
to da confiabilidade do a t . Eles também ajudam a es­
Jacó ben Chayim (c. 1525). Foi essencialmente uma
tabelecer a data das profecias do a t ( v . p r o f e c i a c o m o
recensão do texto do massoreta Ben Asher (c. 920) (v.
p r o v a da B í b l i a ) , o que desempenha um papel de apoio
Introdução bíblica , cap. 25). A resposta à pergunta de
na defesa do cristianism o (v. a p o l o g é t i c a , a r g u m e n t o
Kenyon surge de uma investigação cuidadosa do nú­
d a ). Como no caso do n t , os m anuscritos originais
mero e da natureza dos manuscritos hebraicos.
( autógrafos) do at não estão disponíveis, mas o texto
O número de manuscritos. A primeira coleção de
hebraico é amplamente representado por manuscri­
manuscritos hebraicos, feita por Benjamin Kennicott
tos pré- e pós-crístãos (v. Geisler, “Bible manuscripts”,
(1776-1780) e publicada em Oxford, alistava 615 ma­
1.248-52). Como resultado, a confiabilidade do texto
nuscritos do a t . Mais tarde Giovanni de Rossi (1784-
hebraico pode ser determ inada pela evidência dos
1788) publicou uma lista de 731 manuscritos. As desco­
m anuscritos disponíveis. Mas, durante os dois mil
bertas mais importantes de manuscritos na era mo­
anos em que passaram copiando o texto (500 a.C. a
derna são as da guenizá do Cairo (década de 1890) e os
1500 d .C ) , os e stu d io so s ju d e u s p re serv a ra m
manuscritos do mar Morto (1947 e anos seguintes). Só
inacreditavelmente suas tradições textuais.
na guenizá (depósito para manuscritos do sótão da si­
H istória do texto do No judaísm o, uma su­ at.
nagoga) do Cairo foram encontrados 200 mil manus­
cessão de estudiosos foi encarregada da padroniza­
critos e fragmentos (Kahle, p. 13, e Würthwein, p. 25)
ção e preservação do texto bíblico:
dos quais 10 mil são bíblicos (Goshen-Gottstein, p. 35).

• Os soferim [escribas ] foram estudiosos e guar­ Segundo J. T. Milik, fragmentos de cerca de 600 manus­
diães do texto entre os séculos v e m a.C. critos são conhecidos a partir dos m a n u s c r it o s do m a r
M o r t o , nem todos bíblicos. Moshe Goshen-Gottstein
• Os zugot [“pares” de estudiosos textuais] foram
designados para essa tarefa nos séculos n e i a.C. estima que o número total de fragmentos de manuscri­
• Os tanaitas [repetidores ou m estres] estive­ tos hebraicos do at em todo o mundo chega às dezenas
ram em atividade até 200 d.C. A obra dos tanaitas de milhares (ibid., cap.31).
pode ser encontrada no Midraxe [“interpretação tex­ Coleções principais. Cerca de metade dos frag­
tual”], Toseftá [“adição” ] e Talmude [instru ção], a m entos de m anuscritos da guenizá do Cairo estão
últim a das quais é dividida em Mixmí repetição e guardados na Universidade de Cambridge. O resto
Gemara o assunto a ser aprendido. O Talmude foi está espalhado pelo mundo. O papirologista Paul
escrito gradativamente entre 100 e 500 d.C. Kahle, especializado na guenizá do Cairo, identifi­
•Entre 500 e 950 d.C os massoretas acrescentaram cou mais de 120 manuscritos raros preparados pelo
a vocalização (um sistema de pontos e traços) e os “grupo babilónico” dos escribas massoretas.
515 m a n u s c r it o s d o A n tig o T e s ta m e n to

A maior coleção de manuscritos do at hebraico no muda do hebraico para o aram aico), tam bém vem
mundo é a Segunda Coleção Firkowitch em Leningra- dessa caverna. Fragm entos de com entários de Sal­
do. Ela contém 1 582 itens da Bíblia e da Massorá em m os, M iquéias e Sofonias tam bém foram e n co n ­
pergaminho (725 em papel), mais 1 200 outros frag­ trados na Caverna 1.
mentos de manuscritos hebraicos na Coleção Antonin Caverna 2. A Caverna 2 foi inicialmente descober­
(Würthwein, p. 23). Kahle afirma também que esses ta e saqueada por beduínos. Foi escavada em 1952.
manuscritos e fragmentos da Coleção Antonin são to­ Fragmentos de cerca de 100 m anuscritos, inclusive
dos provenientes da guenizá do Cairo (Kahle, p.7). Na dois de Êxodo, um de Levítico, quatro de Números,
Coleção Firkowitch são encontrados 14 manuscritos dois ou três de Deuteronômio, um de Jerem ias, Jó,
do período de 929 a 1121 d.C que se originaram na Salmos, e dois de Rute, foram encontrados.
guenizá do Cairo. Caverna 3. A Caverna 3 foi encontrada por ar­
Manuscritos da guenizá do Cairo estão espalha­ queólogos e investigada no dia 14 de março de 1952.
dos por todo o mundo. Alguns dos m elhores nos Ela revelou duas metades de um rolo de cobre com
Estados Unidos estão na Coleção Memorial Enelow indicações de 60 ou 64 locais contendo tesouros es­
no S e m in ário T eológico Ju d aico, em Nova York condidos. Esses locais estavam quase todos dentro e
(Goshen-Gottstein, p. 44ss.). ao redor da área de Jerusalém , indo do norte de
0 catálogo do Museu Britânico alista 161 manus­ Jerico ao Vale de Acor. Até agora, a busca pelos te­
critos do a t hebraico. Na Universidade de Oxford, o souro não deu resultados. V árias teorias surgiram
catálogo da Biblioteca Bodleian alista 146 manuscri­ para explicar esse rolo. Foi sugerido que é obra de
tos do a t , cada um contendo um grande número de um excêntrico, ou parte do folclore do povo, ou tal­
fragmentos (Kahle, p. 5). Goshen-Gottstein estima que vez um registro dos depósitos do dinheiro do dízimo
apenas nos Estados Unidos há dezenas de milhares de e dos vasos sagrados dedicados ao culto no templo
fragmentos de manuscritos semitas, cerca de 5% dos (v. Allegro).
quais são b íb lico s — m ais de 5 0 0 m a n u scrito s Caverna 4. A Caverna da Perdiz ou Caverna 4,
(Goshen-Gottstein, p. 30). depois de ser saqueada por bed uínos, foi investi­
M anuscritos h ebraicos. Os m ais im portantes gada em setem bro de 1952, e provou ser a m ais
manuscritos do a t hebraico datam do período entre produtiva. L iteralm ente m ilhares de fragm entos
o século ui a.C. e o século xiv d.C. Desses, os m anus­ foram recu p erad os, quer com p rad os dos bed uí­
critos mais surpreendentes são os m anuscritos do n o s, q u er d e s c o b e rto s q u an d o os a rq u e ó lo g o s
m ar Morto, que datam do século m a.C. ao século i peneiraram a areia no chão da caverna. Esses pe­
d.C. Incluem um livro (Isaías) e m ilhares de frag­ daços representam centenas de m anu scritos, sen ­
m entos que, juntos, representam todos os livros do do que quase 4 0 0 deles foram id en tificad o s. In ­
a t exceto Ester. cluem 100 cópias de livros da B íblia, todos do a t ,
Descobertas dos manuscritos do mar Morto. A Ca­ exceto Ester.
verna 1 foi descoberta por um jovem pastor árabe. Um fragmento de Samuel da Caverna 4 (4Qsamb)
Dela ele tirou sete rolos quase completos e alguns frag­ é considerado a peça mais antiga que se conhece do
mentos: hebraico bíblico. Data do século ui a.C. Também fo­
Isaías a (I qIs j ). O rolo de Isaías do M osteiro de ram encontrados alguns fragmentos de comentários
São M arcos é uma cópia popular com várias corre­ de Salmos, Isaías e Naum. Acredita-se que toda a cole­
ções acim a da linha ou na margem. É a cópia mais ção da Caverna 4 representa a abrangência da biblio­
antiga que se conhece de qualquer livro com pleto teca de Qumran e, dado o número relativo de livros
da Bíblia. en co n tra d o s, seus liv ros fav o rito s p arecem ser
Isaías b (I.ilsh). O Isaías da Universidade Hebraica Deuteronômio, Isaías, Salmos, os Profetas Menores e
está incompleto, mas seu texto é mais parecido com Jeremias, nessa ordem. Num fragmento contendo par­
o texto m assorético que Isaías a . te de Daniel 7 .2 8 ,8 .1 , a língua passa do aramaico para
Outros fragm entos da Caverna 1. Essa caverna o hebraico.
tam bém revelou fragm entos de Gênesis, Levítico, Cavernas 5 e 6. As cavernas 5 e 6 foram escavadas
Deuteronômio, Juízes, Samuel, Isaías, Ezequiel, Sal­ em setem bro de 1952. Fragm entos de Tobias e de
mos e algumas obras não bíblicas, inclusive Enoque, alguns livros bíblicos, todos em estágio avançado de
Ditos de Moisés (previam ente d esco n h ecid o), Li­ d eterio ração , foram en con trad o s na Caverna 5.
vro do Jubileu, Livro de Noé, Testamento de Levi, A Caverna 6 apresentou em grande parte papiros,
Tobias e Sabedoria de Salomão. Um fragm ento inte­ em vez de fragmentos de couro. Pedaços de papiro
ressan te de D aniel, contend o 2 .4 (onde a língua de Daniel, IReis e 2Reis estavam entre as descobertas.
m a n u s c r it o s d o A n tig o T e sta m e n to 516

Caverna 7 até 10. As Cavernas 7 até 10, exam ina­ reavivada no século n a.C., durante a revolta dos
das em 1955, não apresentaram manuscritos im por­ macabeus contra os gregos. O crítico textual Frank
tantes do AT. Mas a Caverna 7 revelou alguns f r a g ­ M. Cross Jr. acredita que o Pentateuco samaritano
mentos de manuscritos contestados que foram iden­ provavelmente vem do período macabeu.
tificados por José 0 ’Callahan como partes do x i. Se Uma forma do texto do Pentateuco samaritano pa­
isso for verdadeiro, seriam os manuscritos mais an­ rece ter sido conhecida pelos pais da igreja Eusébio de
tigos do n t , datando apenas de 50 ou 60 d.C. Cesaréia (c. 265-339) e Jerônimo (c. 345-c. 419). Ele só
Caverna 11. A Caverna 11 foi escavada no início foi disponibilizado para os estudiosos modernos oci­
de 1956. Ela proporcionou ao mundo uma cópia bem dentais em 1616, quando Pietro delia Valle o descobriu
preservada de 36 salmos, mais o salmo 151, apócrifo, em Damasco. Uma grande agitação surgiu entre os teó­
que antes só havia sido encontrado em textos gre­ logos. O texto era considerado superior ao texto
gos. Um rolo bem preservado de parte de Levítico, massorético ( t m ), até que Wilhelm G e sen k tem 1815,o
partes significativas de um Apocalipse da Nova Je ­ julgou praticamente inútil para crítica textual. Mais re­
rusalém e um targum [paráfrase] de Jó em aramaíco centemente o valor do Pentateuco samaritano tbi rea­
firmado por estudiosos como A. Geiger, Kahle e Kenyon.
foram descobertos.
Nenhum m anu scrito existente do Pentateuco
Vários estudos recentes dos manuscritos do mar
samaritano foi datado de antes do século xi. A comuni­
Morto oferecem descrições e inventários detalhados.
dade samaritana afirma que um rolo foi escrito por
Gleason L. Archer, Jr. tem um bom resumo no apêndi­
Abisai, bisneto de Moisés, no décimo terceiro ano após
ce do seu Merece confiança o Antigo Testamento?.
a conquista de Canaã, mas a autoridade é tão espúria
Descobertas de Murabba’at. Estimulados pelas des­
que a afirmação pode ser descartada com segurança. O
cobertas lucrativas em Qumran, os beduínos procu­
códice mais antigo do Pentateuco samaritano tem uma
raram e encontraram cavernas ao sudeste de Belém
nota sobre sua venda em 1149-1150, mas o manuscrito
que revelaram manuscritos contendo datas e docu­ em si é bem mais antigo. Um manuscrito foi copiado
mentos da Segunda Revolta Judaica (132-135). A ex­ em 1204. Outro datado de 1211-1212 agora está na Bi­
ploração e escavação sistemática dessas cavernas co­ blioteca John Rylands, em Manchester. Outro, que data
meçou em janeiro de 1952. Os manuscritos mais anti­ de c. 1232, está na Biblioteca Pública de Nova York.
gos e com datas ajudaram a estabelecer a antigüidade A edição-padrão impressa do Pentateuco samari­
dos manuscritos do mar Morto. Dessas cavernas veio tano contém cinco volumes, editados por A. von Gall,
outro rolo dos Profetas Menores, a segunda metade de Der Hebräische Pentateuch der Samaritaner. [O
Joel a Ageu, que se assem elha b a sta n te ao texto Pentateuco hebraico dos samaritanos] (1914-1918). Ela
m assorético. O papiro sem ítico mais antigo que se fornece um texto eclético baseado em 80 manuscritos e
conhece (um palimpsesto), inscrito pela segunda vez fragmentos do final da era medieval. Apesar do texto de
em escrita hebraica antiga (datando dos séculos vii von Gall estar em letras hebraicas, os samaritanos es­
ou viu a .C ), foi encontrado ali (v. Barthelemy). creviam num alfabeto bem diferente do hebraico qua­
Outro sítio, conhecido por Khirbet Mird, reve­ drado. No entanto, sua escrita, como o hebraico, des­
lou materiais m anuscritos. No dia 3 de abril de 1960, cendia de antigos caracteres paleo-hebraicos.
um fragmento de pergaminho (século i d.C.) do sal­ E xistem cerca de 6 0 0 0 d iv erg ências en tre o
mo 15 e parte do salm o 16 foram encontrados no
Pentateuco samaritano e o texto massorético, a maioria
triviais. Em cerca de 1 900 casos o texto samaritano
uádi M urabbaat (v. Cass, p. 164).
co n co rd a com a Sep tu ag inta e não com o texto
Pentateuco samaritano. Os sam aritanos prova­
m a sso ré tic o . A lgum as das d iv erg ên cias foram
velmente se separaram dos judeus durante o século
introduzidas propositadam ente pelos sam aritanos
v ou iv a.C., depois de um longo e duro conflito reli­
para preservar suas tradições religiosas e dialéticas. O
gioso e cultural. Na época do cisma, suspeita-se que
texto massorético perpetua o dialeto e as tradições da
os sam aritanos levaram consigo as E scrituras tal Judéia antiga.
como existiam e prepararam seu próprio texto revi­ No início da era cristã uma tradução do Pentateuco
sado do Pentateuco. O Pentateuco samaritano não é sam aritano foi feita para o dialeto aram aico dos
uma versão no sentido estrito, e sim uma porção samaritanos. Esse targum samaritano também foi tra­
m anuscrita do texto hebraico. Contém os cinco li­ duzido para o grego, chamado Samarítikon , que oca­
vros de Moisés e é escrito num estilo antigo de es­ sionalmente era citado por Orígenes. Depois do sécu­
crita hebraica. Alguns dos manuscritos bíblicos mais lo xi, várias traduções do Pentateuco samaritano fo­
antigos de Qumran usam essa escrita, já que ela foi ram feitas em árabe (Kahle, p. 51-7).
517 m a n u s c r it o s d o A n tig o T e s ta m e n to

Outras descobertas importantes. Papiros Nash. En­ Códice Leningrado dos Profetas (Kenyon, p. 85) ou o
tre os manuscritos hebraicos mais antigos do at , so­ Códice [s.] Petersburgo (W ürthwein, p. 26). Contém
brevivem uma cópia danificada do Shem ‘ (Dt 6.4-9) Isaías, Jeremias e os Doze. Data de 916, mas sua m ai­
e dois fragmentos do Decálogo (Êx 20.2-17; Dt 5.6- or im portância é que, por m eio dele, a pontuação
21). Os papiros Nash datam do período entre o sécu­ acrescentada pelos escribas da escola babilónica dos
lo n a.C. e o século i d.C. m assoretas foi redescoberta. É sim bolizado por v
Orientales 4445. Orientales 4445, um manuscrito (a r)p na Biblia Hebraica Stuttgartensia.
do Museu Britânico, é datado por Christian D. Ginsburg Códice Reuchlin dos profetas. Datado de 1105, o
do período entre 820 e 850 d.C, com anotações acres­ Códice Reuchlin agora está em Karlsruhe. Como o
centadas um século depois. Mas Paul E. Kahle (v. m anuscrito do Museu Britânico (c. 1150), contém
W ürthw ein, p. 18) arg u m enta que os textos uma recensão do texto de Ben Naftali, um massoreta
consonantais hebraicos e a pontuação (os pontos ou
de Tiberíades. Estes têm sido de grande valor no
marcas de vogais acrescentados) são do século x. Pelo
estabelecimento da fidelidade do texto de Ben Asher
fato de o alfabeto hebraico consistir apenas em con­
(Kenyon, 36).
soantes, a escrita hebraica normalmente só apresenta
Códices de Erfurt. Os Códices de Erfurt ( f.1, e 2 , e 3 )
essas letras, com umas poucas letras usadas para re­
estão listad os na B ib lioteca da U niversidade em
presentar alguns dos sons vocálicos. Marcas ou “pon­
Tübingen. Eles representam mais ou menos (mais em
tos” vocálicos foram desenvolvimento medieval. Esse
E3) o texto e a pontuação da tradição de Ben Naftali.
manuscrito contém Gênesis 39.20 até Deuteronômio
E l é um manuscrito do século xiv. e 2 provavelmente é
1.33, exceto Números 7.47-73 e 9.12— 10.18.
Códice cairense. Um códice é um manuscrito em do século xiii. e3, o mais antigo, data de antes de 1100
forma de livro com páginas. Segundo o colofão, ou (Würthwein, p. 26).
inscrição no final do livro, o Códice cairense foi es­ Códices perdidos. Há uma quantidade significativa,
crito e pontuado com vogais em 895 por Moisés ben mas agora perdida, de códices cujas leituras peculiares
Asher em Tiberíades, na Palestina (ibid., p. 25). Con­ são preservadas e mencionadas na Biblia hebraica
tém os Primeiros Profetas (Josué, Juízes, 1 e 2Samuel, stuttgartensia. O Códice Severi é uma lista medieval de
1 e 2Reis) e os Profetas Posteriores (Isaías, Jeremias, 32 variantes do Pentateuco, supostamente baseada num
Ezequiel e os Profetas M enores). É simbolizado por manuscrito trazido a Roma em 70 d.C que mais tarde o
um c na Biblia Hebraica Stuttgartensia e é conside­ Imperador Severo (222-235) deu a uma sinagoga que
rado o texto hebraico de m aior autoridade baseado construiu. O Códice Hillel foi supostamente escrito em
na tradição do texto m assorético. c. 600 pelo rabino Hillel ben Moisés ben Hillel. Acredita-
Códice Alepo. O Códice Alepo foi e scrito por se que era procurado e que foi usado para revisar ou­
Shelomo ben Baya’a (Kenyon, p. 84), mas, segundo a tros manuscritos. Leituras desse manuscrito são cita­
anotação do colofão, foi pontuado por M oisés ben das por massoretas medievais e estão anotadas na Biblia
Asher (c. 930). É um códice-modelo, apesar de, por hebraica sttutgartensia (ibid., p. 27).
muito tempo, não ter sido permitido copiá-lo, e acre­ Natureza dos m anuscritos. Tipos de erros nos
ditava-se até que havia sido destruído (W ürthwein,
manuscritos. Apesar de o texto oficial do a t ser trans­
p. 25). Ele foi contrabandeado da Síria para Israel.
mitido com muito cuidado, era inevitável que cer­
Agora já foi fotografado e é a base da Nova Bíblia
tos erros de cópia aparecessem nos textos durante
hebraica p u b licad a pela U niversidad e H ebraica
as centenas de anos de transm issão para milhares de
(Goshen-Gottstein, p. 13). Oferece autoridade autên­
m anuscritos. Há vários tipos de erros de cópia que
tica para o texto de ben Asher.
produzem variantes textuais (Archer, p. 55-7).
Códice Leningrado. Segundo um a anotação de
cólofon, o Códice le n in g ra d o ( l ) foi copiado no
• Haplografia é escrever uma palavra, letra ou
Cairo Antigo por Samuel ben Jacó em 1008, a partir
de um m anuscrito (agora perdido) escrito por Aarão sílaba apenas uma vez quando deveriam ser escritos
ben Moisés ben Asher c. 1000 (Kahle, p. 110). Repre­ mais de uma vez.
senta um dos m anuscritos m ais antigos da Bíblia • Ditografia é escrever duas vezes o que deveria
hebraica completa. Kittel o adotou por base para a ter sido escrito apenas uma.
terceira edição da sua Biblia Hebraica e continua a • Fissão é dividir uma palavra em duas palavras.
ser usado assim na Biblia Hebraica Stuttgartensia. • Homofonia é a substituição de uma palavra por
Códice Babilónico dos Profetas Posteriores. O outra que é produzida como ela (e.g., “censo” e “senso”)
Códice babilónico (V (a r)p) às vezes é chamado de ou a leitura incorreta de letras de formas semelhantes.
m a n u s c r it o s d o A n tig o T e s ta m e n to 518

• Homoteleuto é a omissão de uma passagem in­ produto. Foi a reverência quase supersticiosa pela
term ediária porque o olho do escriba pulou de uma Bíblia. Segundo o Talmude, havia especificações não
linha para outra palavra semelhante em outra linha. só para o tipo de peles a serem usadas e o tamanho
• Omissões acidentais ocorrem onde nenhum a das colunas, mas também havia até um ritual religi­
repetição está envolvida (e.g., “Tinha Saul [ . . . ] anos” oso que o escriba devia realizar antes de escrever o
[cf. ISm 13.1], ou quando vogais são confundidas nome de Deus. Regras normatizavam o tipo de tinta
com consoantes. usada, ditavam o espaçamento das palavras e proi­
biam a escrita de qualquer coisa com base apenas
Regras para crítica textual. Os estudiosos desen­ na memória. As linhas, e até as letras, eram contadas
volveram certos critérios para determ inar qual lei­ metodicamente. Se um único erro fosse encontrado
tura é correta ou original. Sete regras podem ser num m anuscrito, ele seria descartado e destruído.
sugeridas (ibid., p. 59-61). Esse form alism o foi responsável, pelo m enos em
parte, pelo cuidado extrem o exercido na cópia das
1. A leitura mais antiga deve ter preferência, Escrituras. Também foi a razão de haver apenas al­
porque está mais próxima do original. guns m anuscritos (porque as regras exigiam a des­
2. A leitura mais com plexa deve ter preferên­ truição de cópias defeituosas).
cia, porque os escribas são mais aptos a sim­ Comparação de passagens duplicadas. Outra li­
plificar leituras complexas. nha de evidência a favor da qualidade dos manus­
3. A leitura mais sucinta deve ter preferência, critos do AT é encontrada na comparação das passa­
porque copistas estavam mais aptos a inserir gens duplicadas do próprio texto m assorético. Al­
novo material que om itir parte do texto sa­ guns trechos dos salmos aparecem duas vezes (e.g.,
grado. 14 e 53); grande parte de fsaías 36-39 também é en­
4. A leitura que explica melhor as outras varian­ contrada em 2Reis 18-20; fsaías 2.2-4 é quase exata­
tes deve ter preferência. mente idêntico a Miquéias 4.1-3; Jerem ias 52 é uma
5. A leitura com maior evidência geográfica deve repetição de 2Reis 25; e grandes porções de Crôni­
ter preferência, porque é menos provável que cas são encontradas em Samuel e Reis. Uma análise
tais manuscritos ou versões tenham-se influ­ dessas passagens dem onstra não só uma forte con­
enciado mutuamente. cordância textual, mas, em alguns casos, quase iden­
6. A leitura que é mais parecida com o estilo tidade entre os textos. Pode-se concluir, portanto,
normal do autor deve ter preferência. que os textos do at não sofreram revisões radicais,
7. A leitura que não reflete um preconceito doutri­ mesmo supondo-se que essas passagens sem elhan­
nário deve ter preferência (Würthwein, p. 80-1). tes tiveram fontes idênticas.
Evidência da arqueologia. Uma prova substanci­
Qualidade dos manuscritos. Várias razões foram al a favor da precisão do texto do a t vem da arqueo­
sugeridas para a relativa escassez de m anuscritos logia. V árias descobertas confirm aram a precisão
hebraicos antigos. A primeira e mais óbvia é a combi­ histórica dos documentos bíblicos, até o uso ocasi­
nação de antigüidade e destrutibilidade; dois a três mil onal de nomes obsoletos de reis estrangeiros. Essas
anos é muito tempo para esperar que documentos an­ confirm ações arqueológicas da precisão das E scri­
tigos durem. No entanto, várias linhas de evidência apoi­ turas foram registradas em vários livros (v. a r q u e o ­
am a conclusão de que sua qualidade é muito boa. l o g i a d o Novo T e s t a m e n t o ; a r q u e o l o g i a d o A n t i g o T e s ­

Leituras variantes. Há poucas variantes nos textos t a m e n t o ). 0 arqueólogo Nelson Glueck afirma: “Pode-

disponíveis porque os m assoretas destruíam siste­ se dizer categoricam ente que nenhuma descoberta
m aticam ente os m anuscritos antigos depois de se­ arqueológica jam ais contestou uma referência b í­
rem cuidadosamente copiados. Kenyon ilustra a es­ blica. Várias descobertas arqueológicas foram feitas
cassez de variações no texto massorético pela compa­ que confirm am em geral ou especificam ente afir­
ração entre o Códice de Leningrado dos Profetas, da mações históricas na Bíblia” (Glueck, p. 31).
trad ição b a b iló n ica ou o rie n ta l, com o texto A Septuaginta e o texto massorético. A Septuaginta
palestinense padrão (ocidental) de Ezequiel. No texto foi a Bíblia de Jesus e dos apóstolos. A maioria das
ocidental o texto massorético às vezes está corrompi­ citações do n t são tiradas dela diretam ente, mesmo
do. Mas há apenas dezesseis conflitos reais entre os quando seu texto difere do texto m assorético. No
dois textos (Kenyon, p. 4 5 ,7 0 -2 ). geral, a Septuaginta se assem elha m uito ao texto
Reverência dos judeus pelas Escrituras. Não foi m assorético e é uma confirm ação da fidelidade do
apenas a precisão dos escrib as que garantiu seu texto hebraico do século x.
519 m a n u s c r it o s d o A n tig o T e s ta m e n to

Se nenhum a outra evidência estivesse disponí­ questão de ortografia; 4, de mudanças de estilo, e


vel, o argu m ento a favor da fidelidade do texto as outras 3 com põem a palavra que significa “luz”
massorético poderia ser aceito confiantem ente com (acrescentada no v. 11), que não afeta muito o sig­
base nas com parações textuais e com preensão do nificado (H arris, p. 124). Além disso, essa palavra
extraordinário sistema dos escribas. Mas, com a des­ ta m b ém é e n c o n tra d a no m esm o v e rsíc u lo na
coberta dos m an uscritos do m a r M orto , começando em Septuaginta e no rolo de Isaías a.
1947, há demonstração quase esmagadora do texto Conclusão. Os milhares de manuscritos hebraicos,
hebraico recebido dos massoretas. Críticos do texto com sua confirmação pela Septuaginta e pelo Pentateuco
massorético alegaram que os manuscritos são poucos samaritano, e as várias outras comparações de fora e
e recentes. Por meio dos manuscritos do mar Morto, de dentro do texto dão apoio su rp reend ente à
fragmentos de manuscritos antigos confirmam quase confiabilidade do texto do at . Logo, é apropriado con­
todo o AT. Essas confirmações datam de quase mil anos cluir com a afirmação de Kenyon: “O cristão pode pe­
antes dos grandes manuscritos massoréticos do século gar a Bíblia toda na mão e dizer sem medo nem hesita­
x. Antes das descobertas na guenizá do Cairo e das ca­ ção que segura a verdadeira palavra de Deus, passada
vernas do mar Morto, o papiro Nash (um fragmento sem perda essencial de geração a geração ao longo dos
dos Dez Mandamentos e Sk’m a‘, Dt 6.4-9), datado entre séculos”.
150 e 100 a.C , era o único fragmento conhecido do Como o texto do at relaciona-se de maneira fun­
texto hebraico a era cristã. damentalmente com a apologética cristã, sua confia­
Concordância com o P entateu co sam aritano. bilidade apóia a fé. Isso é verdadeiro não só no esta­
A p esar das m u itas v a ria n te s p eq u en as e n tre o belecimento das datas em que previsões sobrenatu­
Pentateuco sam aritano e o texto h ebraico do at,
rais foram feitas sobre o Messias, como também na
há concord ância substancial entre eles. As 6 000 confirm ação da historicidade do at que Jesus e os
v a ria n te s do tex to m a s s o ré tic o são em grand e autores do \t afirmaram (v . B íb l ia , e v id ê n c ia s d a ; B íb l ia ,
parte diferenças de ortografia e variação cultural
v is ã o d e Je su s so bre a ).
de palavras. D essas, 1 900 variações concord am
com a Septuaginta (p. ex., nas idades dadas aos
Fontes
p atriarcas em Gn 5 e 11). Algum as variantes do
]. M. A llegro, The treasure o f the copper scroll, 2aed.
Pentateuco sam aritano são sectárias, tais com o o
rev.
m a n d a m e n to de c o n s tr u ir o tem p lo no m o n te
G. L. A rcher, ]r., Merece confiança o Antigo Testa-
Gerizim, não em Jerusalém (e.g., após Êx 2 0 .1 7 ).
mentor, Apêndice 4.
No entanto, deve-se observar que a m aioria dos
D. B a r t h e l e m y e J. T. M ilik, Tenyears o f discovery in
m anuscritos do Pentateuco sam aritano são recen­
the judean wilderness.
tes (sé cu lo s xni e xiv) e nenhu m é de an tes do
T. S. C ass, Secrets from the caves.
sé cu lo x (A rch er, p. 4 2 - 3 ) . M as o P en tateu co
K. E lliger e W. R u d o lp h , orgs., Bihlia hebraica
sam aritano ainda confirm a o texto geral do qual
stuttgartensia.
divergiu centenas de anos antes.
X. L. G eisler, “Bible m anuscripts”, em Wycliffe Bible
Comparação com os manuscritos do mar Morto.
Encyclopedia
Com a descoberta dos m anuscritos do m ar Morto,
___ e W. E. Nix, Introdução bíblica.
os estudiosos têm m anuscritos hebraicos mil anos
X. G lueck, Rivers in the desert: a history o f the Negev.
mais antigos que os grandes m anuscritos do texto
m assorético, capacitando-os a conferir a fidelida­ M. G oshex-G ootsteix, “Biblical m anuscripts in the

de do texto hebraico. Eles são idênticos em mais United States”, Textus 3 (1962).
de 95% dos casos, e a variação de 5% consiste em R. L. H a r r is , Inspiration and canonicity.
grande parte de caligrafia e ortografia (ibid ., p. 24). P. E. K ami.f, The Cairogeniza.

O rolo de Isaías ( lQ I s 1) de Qumran levou os tradu­ F. G. K exyox , Our Bible and the ancient manuscripts.

tores da versão am ericana Revised standard version R. K ittel e P. K a h l e , orgs., Bíblia hebraica, 71 ed.
a op tar por fazer apenas 13 m u danças do texto M . M axsoor, The Dead Sea scrolls
m assorético; 8 delas eram conhecidas com base j. C. TREVER,“The discovery of the scrolls”, Biblical
em versões antigas, e poucas delas foram significa­ Archaeologist 11 (Sep. 1948)
tivas (Burroxvs,p. 305ss.). Das 166 palavras hebraicas G. V ermes, trad., The Dead Sea scrolls in english.
em Isaías 53, apenas 17 letras hebraicas no rolo E. U't'RTHWEix, The text o f the Old Testament: an
Isaías b diferem do texto m assoreta. Dez letras são introduction to the Biblia Hebraica.
M a o m é , c a r á t e r de 520

M ao m é, c a r á te r de. A m aioria dos estudiosos do relacionam entos de M aom é com suas esposas são
islam ism o reconhece que M aom é era geralm ente um argumento contra a poligamia. As esposas che­
um a pessoa de boa conduta moral. Muitos m uçul­ garam ao ponto de conspirar contra ele. Isso é com ­
manos insistem em que ele estava acima do pecado preensível, pois Maomé geralm ente ignorava algu­
e que foi o perfeito exemplo m oral. Afirmam que mas de suas esposas e evitava outras em várias oca­
Maomé “é, na história, o melhor modelo de piedade siões (ibid., p. 436). Ele acrescenta:
e perfeição para o hom em . É a prova viva do que o
hom em pode ser e do que pode realizar no âmbito Realmente, o favoritismo por algumas de suas esposas
da excelência e virtude” (Abdalati, p. 8). Isso, dizem, criou tamanha controvérsia e antagonismo entre as “Mães dos
é uma prova importante de que Maomé é o profeta Crentes”que Maomé pensou em se divorciar de algumas delas
singular de Deus (Pfander, p. 225-6). (ibid., p. 437).
Um clássico popular islâmico de Kamal ud-Din
ad-Dam iri assim descreve do profeta Maomé: Tudo isso fica aquém da situação m oral exem ­
plar em princípio e prática.
Maomé é o mais favorecido dos homens, o mais honrado de Mesmo que a poligamia, como ensinada no Al­
todos os apóstolos, o profeta da misericórdia [...] É o melhor corão, for considerada moralm ente correta, perma­
dos profetas, e sua nação é a melhor das nações; [...] perfeito em nece outro problema sério. Maomé recebeu uma re­
intelecto, e foi de origem nobre. Tinha uma forma absolutamen­ velação de Deus de que o hom em não deveria ter
te graciosa, generosidade completa, bravura perfeita, humildade m ais que quatro esposas ao m esm o tem po, entre­
excessiva, conhecimento útil [...] perfeito temor a Deus e pieda­ tanto ele tinha muitas outras. Um defensor m uçul­
de sublime. Foi o mais eloqüente e o mais perfeito dos homens mano de M aomé, ao escrever em Theprophet oflslam
em toda variedade de perfeição (Gudel, p. 72).
as the ideal husband [O profeta do Islã como o mari­
do ideal], admitiu que ele teve quinze esposas. Mas
Avaliação do caráter d e M aomé. Poligamia. Exis­
dizia aos outros que só podiam ter quatro. Como
tem áreas, contudo, em que surgem questões sobre a
alguém pode ser o exem plo m oral perfeito e não
perfeição moral de Maomé. A primeira é a questão
viver segundo uma das leis básicas que estabeleceu
da poligamia. Segundo o Alcorão, um homem pode
para os outros como proveniente de Deus?
ter quatro esposas (Surata 4.3). Isso levanta duas ques­
A resposta islâm ica não é convincente. Maomé
tões: A poligamia é correta do ponto de vista moral?
recebeu uma “revelação” de que Deus lhe havia con­
Maomé seguiu a própria lei?
cedido uma exceção, mas para mais ninguém. Ele
Na tradição judaico-cristã, a poligamia é consi­
cita Deus dizendo: “Ó Profeta, em verdade, torna­
derada m oralm ente errada. Apesar de Deus tê-la
mos lícitas, para ti as esposas que tenhas dotado,
pem itido, assim como outras fraquezas e pecados
assim com o as que a tua mão direita possui [...] bem
humanos, jam ais a aprovou (v. poligamia). O Alcorão,
com o toda a mulher crente que se oferecer ao pro­
no entanto, claramente aprova a poligamia, perm i­
feta, por g osto , e um a vez que o P rofeta queira
tindo que o homem tenha até quatro esposas, se for
desposá-la; este é um privilégio exclusivo teu, vedado
capaz de cuidar delas. A Surata 4.3 declara: “Podereis
aos demais crentes” (Surata 33.50).
desposar duas, três ou quatro das que vos aprouve ”.
Além disso, os muçulmanos acreditam (basea­
Sem pressupor a verdade da revelação cristã, há
dos na Surata 4.3 b e outros ensinam entos) que po­
argumentos contra a poligamia do ponto de vista mo­
dem ter um número ilimitado de concubinas, prin­
ral comum a muçulmanos e cristãos. A monogamia
deve ser reconhecida por precedente, já que Deus deu ao cipalmente entre as que conquistam durante a guer­
primeiro homem apenas uma esposa (Eva). Ela é su­ ra. Isso era, sem dúvida, uma m otivação poderosa
bentendida por proporção, já que o número de homens para o sucesso no campo de batalha.
e mulheres que Deus traz ao mundo é mais ou menos Maomé também reivindicou uma isenção divina
equivalente. E a monogamia é sugerida pela paridade. para outra lei que dá a cada esposa seus justos direitos
Se os homens podem casar-se com várias mulheres, conjugais. Os maridos deveriam seguir uma alternância
parece justo que a mulher possa ter vários maridos. fixa entre suas esposas. Maomé insiste em que Deus
Até o biógrafo Muhammad Husayn Haykal reco­ lhe disse que ele poderia ter quem quisesse quando
nheceu implicitamente a superioridade da monogamia quisesse: “Podes prescindir (quando da vez) delas, as
quando afirmou que “a felicidade da família e da co­ que desejares e tomar as que te agradarem; e se dese­
munidade pode ser mais bem servida pelas lim ita­ jares tomar de novo a qualquer delas que tiveres pres­
ção que a monogamia impõe” (p. 29 4 ). Os próprios cindido (quando da vez dela), não terás culpa alguma”
521 M aom é, c a rá te r de

(33.51) . Aparentemente até Deus teve de frear o amor pertence a ela — uma realização da qual apenas Maomé já foi
de Maomé pelas mulheres. Pois ele finalmente rece­ capaz (Haykal, p. 298).
beu uma revelação que dizia: “Além dessas não te será
permitido casares com outras, nem trocá-las por ou­ Outro autor m uçulm ano afirm a: “O islam ism o
tras mulheres, ainda que suas belezas te encantem...” deu à mulher direitos e privilégios que ela jam ais
(33.52) . Uma observação dos fatos da luxúria e incoe­ teve em outras religiões ou sistem as con stitu cio­
rência de Maomé cria dúvidas quanto à sua condição nais” (Abdalati, p. 184).
de exemplo moral perfeito e marido ideal. Imperfeição moral de Maomé. Maomé estava lon­
O tratamento das mulheres. O Alcorão e o liadith ge de ser perfeito. Até o Alcorão fala de sua necessi­
concedem uma condição inferior às mulheres. 0 nível dade de. pedir perdão a Deus. Na Surata 40.55, Deus
superior dos homens é baseado diretamente em man­ lhe disse: “Persevera, pois, porque a prom essa de
damentos do Alcorão. Como foi observado, os homens Allah é infalível; implora o perdão da tuas faltas...”.
podem casar-se com quatro esposas (poligamia), mas Claramente o perdão devia ser pedido pelos própri­
as mulheres não podem ter vários maridos. A Surata os pecados, não pelos de outros (v. tb. 48.2).
2.228 dá explicitamente aos homens o direito de se di­ Sobre uma dessas ocasiões, Haykal disse incisiva­
vorciar de suas esposas, porém não dá o direito igual às mente: “Maomé realmente errou quando rejeitou o
mulheres, afirmando que “ [têm] um grau a mais sobre [mendigo cego] Ibn Umm Maktum e o expulsou [...]
elas”(2.228). nesse caso ele [Maomé] foi tão falível quanto qual­
Maomé sancionou o espancamento de uma serva quer pessoa” (p. 134). Dessa forma, fica difícil acredi­
para que ela dissesse a verdade. “A serva foi chamada tar que Maomé possa ser tão louvado. Por melhor que
e Ali imediatamente a agarrou e espancou dolorosa e a moral de Maomé tenha sido em comparação à de
repetidamente enquanto mandava que dissesse a ver­ outros de sua época, ele não conseguiu ser o exemplo
dade para o Profeta de Deus” (Haykal, p. 336). Segundo perfeito para todos os povos de todas as eras que mui­
o Alcorão, os homens podem bater em suas mulhe­ tos muçulmanos afirm am que foi. Ao contrário do
res. A Surata 4.34 declara: “Os homens são proteto­ Jesus dos evangelhos, ele certamente não tentaria de­
res das mulheres, porque Allah dotou uns com mais safiar seus inimigos com a pergunta: “Qual de vocês
(força) do que as outras [...] Quanto àquelas de quem pode me acusar de algum pecado?” (Jo 8.46).
constatais rebeldia, admoestai-as (na primeira vez), Guerras santas. Maomé acreditava na “guerra san­
abandonai os seus leitos (na segunda vez) e castigai- ta” (ou jihad). Por revelação divina, ele ordenou aos
as [batei nelas] (na terceira vez)”. Yusuf Ali tenta seus seguidores: “Com batei pela causa de Allah”
amenizar esse versículo acrescentando “suavemen­ (2.244). Acrescentou: “Matai os idólatras onde quer
te”, palavra não encontrada no árabe. que os acheis” (9.5). E: “E quando vos enfrentardes
As mulheres muçulmanas devem usar um véu, an­ com os incrédulos (em batalha), golpeai-lhes os pes­
dar atrás dos maridos e ajoelhar-se atrás deles em ora­ coços” (47.4). Em geral, os muçulmanos deviam com­
ção. Duas mulheres devem testemunhar em contratos bater “os que não crêem nem em Allah é no Dia do
civis no lugar de um homem (Abdalati, p. 189-91). Juízo Final” (9.29). Na realidade, o Paraíso é prometi­
Em um hadith encontrado no Sahih Al-Bukhari, do para os do Juízo Final que lutam por Deus. A Surata
existe a seguinte narrativa, que descreve a condição 3.195 declara: “Quanto àqueles que foram expulsos
inferior das mulheres: dos seus lares e migraram , e sofreram pela Minha
causa, com bateram e foram mortos, absolvê-los-ei
Narrado [por] IbnAbbas: 0 Profetadisse:“Foi-me mos­ dos seus pecados e os introduzirei em Jardins [...]
trado o inferno e que a maioria de seus habitantes eram mu­ como recompensa de Allah. Sabei que Allah possui a
lheres ingratas”. Perguntaram: “Elas não crêem em Alá?” melhor das recompensas” (v. tb. 2.244 e 4.95). Essas
(ou são ingratas a Alá?) Ele respondeu: “Elas são ingratas a “guerras santas” foram realizadas “pela causa de Allah”
seus maridos e são ingratas pelos favores e pelo bem (ações (v. Sura 2.244) contra “descrentes”.
caridosas) feitos a elas” (Bukhari, 1.29). A Surata 5.33 declara que “o castigo, para aqueles
que lutam contra Allah e contra o Seu Mensageiro, e
À luz dessas afirm ações, parece incrível ouvir semeiam a corrupção na terra, é que sejam mortos, ou
apologistas muçulmanos dizer em: crucificados, ou lhes seja decepada a mão e o pé de
lados opostos, ou banidos”. Reconhecendo que esse
Evidentemente, Maomé não só honrava a mulher mais que castigo é adequado, dependendo das “circunstâncias”,
qualquer outro homem, mas elevou-a ao status que realmente Ali oferece pouco consolo quando escreve que as
M a o m é , c a r a t é r de 522

formas mais cruéis de tratamento árabe aos inimigos, Vingança. Em pelo menos duas ocasiões, Maomé
tais como “furar os olhos e deixar a vítima infeliz ex­ ordenou o assassinato de pessoas que escreveram po­
posta ao sol tropical”, foram abolidas! ( Ali.p. 252.738). emas que zombavam dele. Essa reação exagerada ex­
Tal guerra e perseguição por parte de inimigos por trem am ente sensível à zom baria é defendida por
motivos religiosos — não importando os meios — é Haykal:
vista pela maioria dos críticos como intolerância re­
ligiosa. À luz dessas ordens claras de usar a espada Para um homem como Maomé. cuio sucesso dependia em
agressivamente para difundir o islamismo e a prática grande parte da estima que conseguisse conquistar, uma com­
islâm ica durante séculos, afirm ações de que “essa posição satírica e maliciosa poderia ser mais perigosa que uma
guerra é travada apenas para a liberdade de convocar batalha perdida (Gudel. p. 74).
os homens para se achegarem a Deus e sua religião”
soam falsas (v. Haykal, p. 212). Mas essa é uma ética pragmática do tipo “o fim
Conveniência moral. Maomé sancionou o saquea- justifica os m eios”.
mento das caravanas com erciais de M eca por seus Apesar de os “muçulmanos sempre se oporem à
seguidores (Haykal, p. 357s.). O próprio profeta lide­ morte de mulheres e crianças”, Haykal diz que “uma
rou três ataques. Sem dúvida o propósito desses ata­ mulher judia foi executada porque matou um muçul­
ques não era apenas obter recom pensa financeira, mano ao derrubar uma mó sobre sua cabeça” (p. 314).
mas também m ostrar ao povo de Meca o poder cres­ Em outra ocasião, duas escravas que supostamente ha­
cente da força muçulmana, üs críticos do islamismo viam cantado contra Maomé foram executadas com
questionam essa pirataria. 'lais ações obscurecem a seu mestre (p. 410). Quando uma mulher, Abu ’Alk, foi
suposta perfeição moral de Maomé. acusada de insultar Maomé (por meio de um poema),
Em outra ocasião, Maomé aprovou a mentira de um dos seguidores de Maomé
um seguidor a um inim igo cham ado Khalid para
matá-lo. Então, na presença das esposas do homem, a atacou durante a noite enquanto estava cercada por seus
“o atacou com sua espada e o matou. As esposas de filhos, um dos quais ela amamentava [...] Depois de tirar acri-
Khalid foram as únicas testemunhas e com eçaram a ança de sua vítima, ele a matou (Haykal, p. 243).
chorar e se lamentar por ele” (Haykal, p. 273).
Em outras ocasiões, Maomé não teve aversão a O zelo com que os seguidores de Maomé mata­
assassinatos politicamente convenientes. Quando um vam por ele era infame. Haykal registra as palavras de
judeu importante, Ka’b Ibn Al-Ashraf, criou uma dis­ um devoto que teria matado sua filha se Maomé or­
córdia contra Maomé e compôs um poema satírico denasse. Umar ibn al Khattab declarou fanaticamen­
sobre ele, o profeta perguntou: “Quem me livrará de te: “Por Deus, se [Maomé] pedisse para cortar a ca­
Ka’b?”. Imediatamente quatro voluntários se dispu­ beça dela, eu o faria sem hesitar” ( Haykal, p. 439).
seram e logo voltaram para Maomé com a cabeça de Crueldade. Maomé atacou a última tribo judaica
Ka’b nas mãos (Gudel, p. 74). Haykal reconhece mui­ de Medina por suspeitar de que haviam conspirado
tos assassinatos desse tipo no seu livro The lífe o f com os inim igos de Meca contra os muçulmanos.
Muhammad [A vida de Maomé}. Sobre um deles, es­ Ao contrário das duas tribos judaicas anteriores que
creveu: “O Profeta ordenou a execução de Uqbahibn foram apenas expulsas da cidade, dessa vez todos os
Abu Muyat. Quando Uqbah implorou: ‘Quem cuida­ homens da tribo foram mortos, e as mulheres e cri­
rá dos meus filhos, ó Maomé?’, Maomé respondeu: anças, vendidas como escravas. Alguém tentou ju s­
‘O fogo”’ (p. 234; v. 2 36,237, 243). tificar isso, dizendo que
0 próprio Alcorão nos informa que Maomé não
era imune a mentiras quando as considerava vanta­ é preciso examinar a crueldade de Maomé contra os ju­
josas. Ele até teve uma “revelação” para desfazer uma deus à luz de que seu desprezo e rejeição em relação a ele foram
promessa antiga de evitar m atar durante o mês sa­ a maior decepção da vida do profeta, e por um tempo ameaça­
grado de p eregrinação: “Perguntam -te se é lícito ram destruir completamente sua autoridade profética (Andrae,
combater no mês sagrado. Dize-lhes: A luta durante p. 155-6).
este mês é um grave pecado’” (2.217).
Novamente: “Allah ordenou a todos vós a disso­ Seja como for, isso justificaria matar os homens
lução dos vossos juram entos (em alguns casos)...” e vender as mulheres e crianças? E esse tipo de ativi­
(66.2). Em vez de coerência, a vida moral de Maomé dade é exemplar para uma pessoa que supostamen­
às vezes era caracterizada por conveniência. te tem um caráter moral perfeito?
523 M aom é, su p ostas p red ições bíblicas

Apesar d e s s a e v id ê n c ia c o n t r a M a o m é , u m d e ­ 1. o AT e o x t contêm profecias claras sobre ele;


fensor d o is la m is m o r e s p o n d e q u e , m e s m o s e “ s u a s 2. o cham ado de M aom é para ser profeta foi
alegações f o s s e m v e r d a d e ir a s , a in d a a s s i m a s r e f u ­ milagroso (v.M a o m é , s t i>osro c h a m a d o d i v i n o d e ) ;
taríamos c ora o s im p le s a r g u m e n t o d e que o s g r a n ­ 3. a linguagem e o ensinamento do A lcorão são in­
des estão a c im a d a le i” (H a y k a l, p. 2 9 8 )! comparáveis {\\Au s l P O ST A O R IG E M D IV IN A D o ) ;

Conclusão. O s m u ç u lm a n o s fa z e m a fir m a ç õ e s e x ­ 4. os milagres de Maomé são um selo de suas


traordinárias s o b r e o c a r á te r d e Maomé, c h e g a n d o reivindicações (v. M a o m é , s u p o s t o s m i l a g r e s d e ) ;
a té a a trib u ir p e rfe iç ã o m o r a l a ele. N o entanto, o re­ 5. s u a v id a e c a r á te r p r o v a m q u e e le fo i o ú ltim o

gistro de M a o m é , m e s m o n o Alcorão e na tradição e o m a i o r d o s p r o f e t a s (v . M a o m é , ca r At e r d e ).

muçulmana ( Hadith ), e s tá aquém dessas afirmações.


Apesar de se r u m a p e s s o a g e r a lm e n te de boa conduta P rofecias bíblicas. No livro islâm ico popular,
moral em s e u s a fa z e r e s diários, Maomé ensinou, apro­ M u h a m m a d in th e B ib le [M a o m é n a B íb lia ], Abdu-
vou e p a r t ic ip o u d e a tiv id a d e s moralmente imperfei­ Ahad Dawud argum enta que a Bíblia prevê a vinda
tas. N ã o h á e v id ê n c ia d e q u e tenha sido moralmente do profeta Maomé. Ele afirm a que “Maomé é o ob­
superior a o s e r h u m a n o comum. Na verdade, há evi­ jeto real da Aliança, e som ente nele são cum pridas
dência d o c o n trá rio . E m comparação, a vida de Cristo real e literalm ente todas as profecias no a t ” ( 1 1 ) .
foi im p e c á v e l (v. Cristo, sin g u l a r id a d e d e ) . Ele exam ina o x t , considerando M aomé, não Cris­
to, o profeta anu nciad o. Os textos que Dawud e
F on tes outros m uçulm anos usam para apoiar essas a fir­
H. A bdai.a ii , I s l a m in to c u s . m ações incluem :
S. A l -Bukhari, T h e tr a n s la tio n o f t h e m e a n i n g s o f D e u ter o n ô m io 18.15-18. Deus prometeu a Moisés:
S a h ih A l-B u k h a r i. “Levantarei [a Israel] do meio dos seus irm ãos um
Y. Ai i, T h e h o ly Q u ra n . profeta como você; porei minhas palavras na sua boca,
T. A xdraf , M o h a i n m e d : th e m a n a n d h is f a i t h . e ele lhes dirá tudo o que eu lhe ordenar” (v. 18).
A. D.uvni, M u h a m m a d in th e B ib le . Os m uçulm anos acreditam que essa profecia é
N. L. G eisler e A. S aleeb, A n s w e r in g ls la m . cumprida em M aomé, assim como o A lc o r ã o afirma
]. P. G l d e l , To every imtslim a n answer. quando se refere ao “Profeta iletrado, o qual encon­
M. H. H a y k a l , T h e life o f M u h a m m a d . tram m encionado em sua Torá e seu Evangelho...”
C. G. P faxder, T h e m i z a m t l h a q q [ T h e b a la n c e o f (Surata 7.157).
truth], M as essa profecia não poderia ser uma refe­
.
M A. R alt, I s l a m : c r e e d a n d w orsh ip . rência a M aomé. Prim eiro, é evidente que o term o
D. J. S ahas, T h e G r e e k o r t h o d o x th e o lo g ic a l r e v ie w , “irm ãos” significa com patriotas israelitas. Foi dito
2 7 .2 ,3 . aos levitas judeus na mesma passagem que eles “não
A. Schimmel e A. F ai.atlri, orgs., W e b e lie v e in o n e G o d . terão herança alguma entre os seus com patriotas”
(v. 2 ). Já que o term o “irm ãos” refere-se a Israel,
Maomé, supostas predições bíblicas a respeito não a seus adversários árabes, por que Deus levan­
de. M aom é ( 5 7 0 - 6 3 2 ) afirm ou ser o últim o dos pro­ taria para Israel um profeta dentre seus inimigos?
fetas de Deus, o a u g e das palavras p ro féticas de Em outra passagem de D euteronôm io, o term o ir ­
Deus à hum anidade, o selo dos profetas (Su rata m ã o s tam bém significa com patriotas israelitas, não
3 3 .4 0 ) . Num hadith (tradição oral muçulmana) mui­ estrangeiros. Deus mandou os judeus escolherem
to conhecido, Maomé afirm a sua singularidade des­ um rei “dentre os seus próprios irm ãos”, não um
ta form a: “Recebi p e r m i s s ã o para interced er; fui estrangeiro (Dt 17.15). Israel jam ais escolheu para
enviado para toda a humanidade; e os profetas fo­ si um rei não-judeu, apesar de os reis herodianos,
ram selados com igo” (Schim m el, p. 6 2 ). O que ele que eram estrangeiros, terem sido im postos a Is­
disse foi mais tarde e s c r it o no Alcorão, que é consi­ rael por Roma.
derado pelos m u ç u l m a n o s a Palavra verbalm ente Assim, Maomé veio de Ismael, como os m uçul­
inspirada e inerrante d e D e u s. Como último profeta, manos admitem , e herdeiros ao trono judaico vie­
Maomé foi superior a Abraão, M o is é s , J e s u s e outros ram de Isaque. Segundo a Torá, quando Abraão orou:
como o profeta de D e u s. “Perm ite que Ism ael seja o m eu herd eiro!”, Deus
A a p o lo g é t ic a is lâ m ic a s e g u e v á r ia s lin h a s d e r a ­ respondeu enfaticam ente: “A m inha aliança, eu a
c io c ín io p a r a p r o v a r a s u p e r io r id a d e d e M a o m é s o ­ estabelecerei com Isaque” (Gn 17.18,21). Mais tarde,
b r e o s p r o fe t a s a n t e r io r e s . A s p r in c ip a is p r o v a s são: Deus repetiu: “Será por m eio de Isaque que a sua
M aom é, su p o stas p red ições bíblicas 524

descendência há de ser considerada” (Gn 21.12). O de Israel, ela dificilm ente teria sido uma bênção
próprio Alcorão afirma que a linhagem profética veio para Israel. Na verdade, o capítulo mais tarde apre­
por Isaque, não por Ismael: “E o agraciam os com senta uma bênção a cada tribo de Israel dada por
Isaac e Jacó; e designamos, para a sua prole, a profe­ Deus, que expulsará “o inimigo” (v. 27).
cia e o livro...” (Surata 29.27). 0 teólogo muçulmano Deuteronômio 34.10. Esse versículo afirma que
Yusuf Ali acrescenta a palavra Abraão e muda o sig­ “Em Israel nunca mais se levantou profeta como
nificado da seguinte m aneira: “Demos a Abraão, Moisés”. Os muçulmanos argumentam que isso prova
Isaque e Jacó, e depositamos na sua descendência o que o profeta previsto não poderia ser um israelita,
dom da profecia e revelação”. Ao acrescentar Abraão, mas teria sido Maomé.
o pai de Ismael, ele pode incluir Maomé, um descen­ No entanto, o “nunca mais” significa desde a mor­
dente de Ismael, na linhagem profética! Mas o nome te de M o isés até o tem p o em que esse últim o
de Abraão não se encontra no texto árabe do Alco­ versículo foi escrito, provavelmente por Josué. Mes­
rão, que os muçulmanos consideram estar perfeita­ mo que Deuteronômio tivesse sido escrito bem de­
pois, como alguns críticos acreditam, teria sido com­
mente preservado.
posto muitos séculos antes da época de Cristo e não
Jesus, não Maomé, cumpriu completamente esse
o elim inaria como cum prim ento dessa profecia.
versículo. Ele veio de seus irmãos judeus (v. G1 4.4).
Como observado acima, Jesus foi o cumprimento
Cumpriu Deuteronômio 18.18, pois “ele lhes dirá tudo
perfeito dessa predição sobre o futuro profeta. Uma
o que eu lhe ordenar”. Jesus disse: “Nada faço de mim
razão por que o texto nào poderia se referir a Maomé
mesmo, mas falo exatamente o que o Pai me ensinou”
é que o futuro profeta seria semelhante a Moisés “e
( Jo 8.28). E: “Pois não falei por mim mesmo, mas o Pai
que fez todos aqueles sinais e maravilhas que o Se­
que me enviou me ordenou o que dizer e o que falar”
nhor o tinha enviado para fazer” (Dt 34.11). O pró­
(Jo 12.49). Ele se denominou “profeta” (Lc 13.33), e o
prio Maomé confessou que não fez milagres e prodí­
povo o considerava profeta (Mt 21.11; Lc 7.16; 24.19;
gios, como Moisés e Jesus (v. Surata 2.118; 3.183). Fi­
Jo 4.19; 6.14; 7.40; 9.17). Como Filho de Deus, Jesus foi
nalmente, o futuro profeta seria com o M oisés, que
profeta (falando aos homens por Deus), sacerdote (Hb
falou com Deus “tace a face” (Dt 34.10). Maomé afir­
7— 10, falando a Deus pelos homens) e rei (reinando
mou receber suas revelações por meio de um anjo (v.
sobre os homens por Deus, Ap 19 e 20).
Sura 25.32; 17.105). Jesus, como .Moisés, foi um medi­
Outras características do “Profeta” por vir só se ador direto ( U m 2.5; Hb 9.15), que se comunicou di­
aplicam a Jesus. Entre elas estão falar com Deus “face retamente com Deus (v. Jo 1.18; 12.49; 17). Assim, a
a face” e fazer “sinais e prodígios”, que Maomé ad­ predição não poderia se referir a Maomé, como mui­
mitiu que não fez (v. adiante). tos muçulmanos afirmam.
Deuteronômio 33.2. Muitos teólogos islâm icos Habacuque 3.3. O texto declara que “Deus veio
acreditam que esse versículo prevê três visitações de Temã, o Santo veio do monte Parã. Sua glória co­
de Deus — uma no “Sinai” para M oisés, outra em briu os céus e seu louvor encheu a terra”. Alguns teó­
“Seir” por meio de Jesus, e uma terceira em “Parã” logos muçulmanos acreditam que a passagem se re­
(Arábia), por intermédio de Maomé, que veio a Meca fere ao profeta Maomé vindo de Parã (Arábia), e a
com um exército de dez mil soldados (“miríades”). usam ju n ta m e n te com um texto sem elhante em
Essa alegação pode ser respondida facilm ente Deuteronômio 33.2.
pelo exame de um mapa da área. Parã e Seir ficam Como já foi com entado (sobre Dt 33.2), Parã fica
perto do Egito, na península do Sinai (v. Gn 14.6; Nm a centenas de quilôm etros de Meca, para onde foi
10.12; 12.16— 13.3; Dt 1.1), não na Palestina, onde Maomé. Além disso, o versículo está falando de Deus,
Jesus m inistrou. Parã fica no nordeste do Sinai, a não de Maomé, que negou ser Deus. Finalmente, o
centenas de quilômetros de Meca. “louvor” não poderia se referir a Maomé (cujo nome
Mais significativo ainda, esse versículo está fa­ significa “louvado” ), já que o sujeito de “louvor” e
lando da vinda do “Sf.xhor”, não de Maomé. E ele está “glória” é Deus, e os muçulmanos seriam os primei­
vindo com “m iríades de santos ”, não com 10 mil ros a reconhecer que Maomé não é Deus e não deve
soldados, como Maomé. ser louvado como tal.
Essa profecia é considerada “bênção com a qual Salmos 45.3-5. Como essa passagem fala de alguém
Moisés, homem de Deus, abençoou os israelitas an­ que vem com a “espada” para dominar seus inimigos,
tes da sua morte” (v. 1). Se fosse uma previsão sobre os muçulmanos às vezes o citam como predição do
o islam ism o, que tem sido um inim igo constante profeta Maomé, que era conhecido como “o profeta
525 M aom é, su p o stas p red ições bíblicas

da espada”. Eles insistem em que o texto não poderia que o hom em que João proclamou deixaria Jerusa­
se referir a Jesus, já que ele não veio com uma espada, lém e seu templo mais gloriosos ( v. Ag 2.8,9; Ml 3 . 1),
como ele mesmo admitiu (em Mt 26.52). não poderia tratar-se de Cristo; caso contrário, seria
Mas o versículo seguinte (v. 6) indica que a pes­ o mesmo que “confessar o fracasso absoluto de todo
soa mencionada é “Deus”, que, segundo o m , Jesus o empreendimento” (Dawud, p. 158-60).
afirmou ser (Jo 8.58; 10.30); mas Maomé negou re­ O ministério público de Jesus só teve início “de­
petidas vezes ser algo além de um profeta humano pois” do de João, exatamente como João previra. Jesus
(v . C r i s t o , d iv in d a d e i> t). só o com eçou depois de seu batismo por João (Mt
Além disso, apesar de Jesus não ter vindo na pri­ 3.16,17) e da tentação (Mt 4.1-11). Segundo, João sub­
meira vez com uma espada, a Bíblia declara que ele meteu-se a Jesus, dizendo que não era digno de levar
assim virá outra vez, quando “os exércitos do céu” o suas sandálias (Mt 3.11). Na verdade, o texto diz que
seguirão (Ap 19.11-16). Na primeira vez ele veio para João tentou impedi-lo, dizendo; “Eu preciso ser ba­
morrer (Mc 10.45; Jo 10.10,11). Na segunda vez ele tizado por ti, e tu vens a mim?” (M t 3.14). Terceiro,
virá “em meio a chamas tlamejantes [...] punirá os Jesus afirmou sua razão para o batism o, isto é, que
que não conhecem a Deus” (2Ts 1 .7 ,8 ). Portanto, não ele era n e cessá rio para “cu m p rir toda a ju s tiç a ”
há justificativa para considerar o texto uma predi­ (M t 3 .1 5 ). Já que ele não viera para “abolir a Lei
ção sobre Maomé. Na realidade, Hebreus 1.8,9 expli­ ou os Profetas” , e sim “cu m prir” (M t 5 .1 7 ), tinha
citam ente identifica Cristo nessa passagem. de se identificar com suas exigências. Senão, não
Isaías 21.7. Isaías vê numa visão carruagens com poderia ser, com o era, perfeitam ente ju sto (v. Rm
tropas de cavalos, jumentos e camelos. Os com enta­ 8 .1 -4 ). Quarto, João claram ente sabia quem C ris­
ristas muçulmanos acreditam que a tropa de “jum en­ to era quando o batizou, porque o anunciou com o
tos” é Jesus, e a tropa de “cam elos” é M aomé, que, “o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do m u n­
segundo eles, substituiu Jesus como profeta. Mas isso d o!” (Jo 1.29). E ele,co m a m ultidão, viu ©“E sp íri­
é especulação sem nenhuma base no texto ou no con­ to de Deus” vindo sobre Jesus e a “voz dos céus”
texto. Até uma observação rápida da passagem revela proclam ar: “Este é o meu Filho amado, em quem
que Isaías está falando sobre a queda da Babilônia, vá­ me agrado” (M t 3 .1 6 ,1 7 ). A pesar de João ter ex ­
rios séculos antes da época de Cristo. O versículo 9 pressado algumas dúvidas mais tarde, elas foram
declara; “Caiu! A Babilônia caiu!”. Não há nada no tex­ rapidam ente respondidas por Cristo, que co n fir­
to sobre Cristo nem Maomé. Além disso, a referência a mou com seus milagres (M t 11.3-5) que era o M es­
cavalos, jumentos e camelos está falando sobre os vári­ sias profetizado por Isaías (3 5 .5 ,6 ; 40.3).
os meios pelos quais a notícia da queda da Babilônia se Finalm ente, nem todas as profecias do a t s o ­
espalharia. Mais uma vez, absolutamente nada se refere bre o M essias (C risto) foram cum pridas durante
a Maomé. sua prim eira vinda; algum as aguardam seu re to r­
Mateus 3.11. Segundo Dawud, essa predição so­ no (v. p r o f e c i a c o m o p r o v a d a B í b i . i a ) . Jesus afirm ou
bre João B atista não poderia se referir a Cristo e que não estabeleceria seu Reino até a co n su m a­
deve referir-se a Maomé (p. 157). João disse; “Mas ção do século (M t 2 4 .3 ), quando “verão o Filho do
depois de mim vem alguém mais poderoso do que hom em vindo nas nuvens do céu com poder e
eu, tanto que não sou digno nem de levar as suas grande glória” (M t 2 4 .3 0 ). Som ente então irá “o
sandálias. Ele os batizará com o Espírito Santo e com Filho do hom em se assentar ein seu trono g lorio­
fogo”. Dawud argum enta que “o próprio advérbio so, vocês que me seguiram [os Doze] tam bém se
‘depois’ claramente exclui Jesus de ser o Profeta pre­ assentarão e em doze tronos, para ju lgar as doze
visto”, já que “ambos eram contemporâneos e nas­ tribos de Isra el” (M t 19.28).
ceram no mesmo ano”. Além disso, “João não pode­ As testemunhas oculares, contemporâneas de Je­
ria estar falando de Jesus, porque, se esse fosse o sus, e seus discípulos o reconheceram como aquele
caso, ele teria seguido a Jesus e se submetido a ele profetizado no a t , j á que é exatamente assim que apli­
como discípulo e subordinado”. E ainda mais; “Se cam as profecias de Malaquias (3.1) e Isaías (40.3) às
Jesus fosse realmente a pessoa que o Batista previu, suas obras (v. Mt 3.1-3; Mc 1.1-3; Lc 3.4-6).
[...] não seria necessário nem faria sentido ele ser foão 14.16. Os teólogos m uçulm anos vêem na
batizado pelo seu inferior no rio com o um judeu referência de Jesus ao “Conselheiro” prometido (gr.
penitente com um !”. Na realidade, João “não reconhe­ paraklêtos) uma predição sobre Maomé. Eles baseiam
ceu o dom de profecia de Jesus até que ouviu falar tal interpretação na referência do Alcorão (Surata 61.6) a
— na prisão — sobre seus milagres”. Finalmente, já Maomé como “’Ahmad” (p e r i k l y t o s ), que consideram
M a o m é , s u p o s to c h a m a d o d iv in o de 526

ser a tradução correta da palavra grega parakletos, O uso islâm ico das Escrituras geralm ente é ar­
nesse caso. bitrário e sem justificativa textual. Em bora os teó­
Dos mais de cinco mil manuscritos gregos do vr logos islâm icos sejam rápidos em apontar que as
(Geisler e Nix, cap. 22), não há absolutamente nenhu­ Escrituras foram corrompidas (v. N ovo T estamento,
ma autoridade textual para colocar a palavra periklytos m a n u s c r i t o s d o ) , no entanto, quando encontram um

(“louvado”) no original, como os muçulmanos afir­ texto que acham que pode dar crédito à sua teoria,
mam que deveria ser. Em todos os casos está escrito não têm problem a nenhum em aceitar sua autenti­
parakletos (“consolador” ). Xessa passagem Jesus iden­ cidade. Sua determ inação de quais textos bíblicos
tifica claram ente o “Conselheiro” como “o Espírito são autênticos é arbitrária e egoísta.
Santo, que o Pai enviará em meu nome” ( Jo 14.26). Conclusão. A Bíblia não prediz em lugar nenhum
0 Conselheiro foi dado por Jesus aos apóstolos a vinda de M aom é. As ten tativas de apologistas
(v. 16), isto é, àqueles que dariam testemunho dele islâmicos de reivindicar tal coisa são interpretações
porque estavam com ele “desde o princípio” ( Jo 15.27; forçadas, contrárias ao contexto da passagem. Já os
v. Lc 1.1,2; At 1.22). Mas Maomé não foi um dos apósto­ profetas do a t profetizaram com detalhes a vinda de
los de Jesus, então não poderia ter sido aquele a quem Cristo. Cristo, não M aomé, é apresentado com o o
Jesus se referiu como “Conselheiro” (parakletos). M ensageiro de Deus (v. m i l a g r e s , v a l o r a p o i o c f t i c o
d o s ; C r i s t o , d i v i n d a d e d e ) . Xa realidade, as Escrituras
O Conselheiro que Jesus prometeu habitaria com
eles “para sempre” (v. 16), mas Maomé está morto há comprovam que Cristo é o Filho de Deus.

treze séculos.
Fo ntes
Jesus disse aos discípulos: “Vocês o conhecem”
Y. Ali, The holy Qur’an.
(v. 17), mas os apóstolos não conheceram Maomé. Ele
A.Dxweo,Muhammad and the Bible.
só nasceria seis séculos depois. Além disso, Jesus disse
N. L. G fisitr e W. E. Ni\, I n t r o d u ç ã o b íb l i c a .
aos seus apóstolos que o Conselheiro estará “em vocês”
___ e A. Sa le eb , Answering Islam: the
(v. 17). Maomé não poderia estar nos apóstolos de
Crescent in the light of the cross.
Jesus de forma espiritual ou doutrinariamente com ­
A. S c h i .m .m k i , And Muhammad is his messenger.
patível.
Jesus afirm ou que o Conselheiro seria enviado
Maomé, suposto chamado divino de. Maomé afir­
“em meu nome” (Jo 14.26). Mas nenhum muçulma­
mou ter sido chamado por Deus para ser profeta. Na
no acredita que Maomé foi enviado por Jesus no
verdade, ele afirm ou ser o último dos profetas de
nome de Jesus.
Deus na terra, “o derradeiro dos Profetas” (Surata
O Conselheiro que Jesus estava prestes a enviar
33.40). A suposta natureza m iraculosa de seu cha­
não “falará de si mesmo” ( Jo 16.13). Mas Maomé cons­
mado é usada pelos m uçulm anos com o prova de
tantem ente testifica por si mesmo (por exemplo, na
que o islamismo é a religião verdadeira.
Surata 3 3 .4 0 ). O Conselheiro glorificaria Jesus (Jo
Uma investigação dos fatos, mesmo a partir de
16.14), mas o islamismo declara que Maomé substi­
fontes islâmicas, revela que a visão que o Islã tem de
tuiu a Jesus. Ele não glorificaria a Jesus, a quem con­
Maomé sofre de um problema agudo de presunção.
siderava um profeta anterior e, por isso, inferior.
Não é possível encontrar, por exemplo, provas da
Einalmente, Jesus afirmou que o Conselheiro vi­
reivind icação de que ele foi cham ado para dar a
ria “dentro de poucos dias” (At 1.5), não centenas de
revelação com pleta e final de Deus nas circunstân­
anos depois. O Espírito Santo veio cinquenta dias
cias que envolvem seu chamado.
depois, no Dia de Pentecostes (Atos 1 e 2).
Elementos do cham ado. S u fo c a d o p o r u m a n jo .
Uso islâmico das Escrituras. A observação cu i­ Durante seu cham ado, Maomé disse que foi sufo­
dadosa de todos esses textos no seu pano de fundo cado pelo anjo — três vezes. Maomé disse sobre o
literário d em onstra que eles são arrancados vio­ anjo: “Ele me sufocou com o pano até eu achar que
lentam ente de seu contexto pelos apologistas m u­ iria morrer. Então me soltou e disse: ‘Recite!’ (I q r a ) .
çulm anos ansiosos por encontrar na E scritura ju ­ Quando hesitou, recebeu “m ais duas vezes o m al­
d aico-cristã algo que comprove a superioridade do trato” (Andrae, p. 4 3 -4 ). Essa parece ser uma forma
islam ism o (v. C risto, s i n g u i a r i d a d e d e ). Os teólogos anorm al de aprendizado coagido, não característi­
islâm icos reclam am quando os cristãos tentam in ­ co do Deus gracioso e m isericordioso que os m u­
terpretar o Alcorão para dem onstrar a vantagem çulm anos afirm am que Alá é, assim com o contrá­
do cristianism o. Mas são culpados da m esm a coisa rio ao livre-arbítrio que acreditam que ele deu às
de que acusam os cristãos. suas criaturas.
527 M a o m é , s u p o s t o c h a m a d o d iv in o d e

Enganado p or um demônio? 0 próprio Maomé ‘Eles me ouvem assim como vocês, mas não podem
questionou a origem divina da experiência. A prin­ me responder” ’ (ibid ., p. 2 3 1 ). Em outra ocasião
cípio pensou que estava sendo enganado por um Maomé foi encontrado “orando pelos mortos enter­
jinn (espírito maligno). Na verdade, Maomé a prin­ rados naquele cem itério” (ibid., p. 495). Haykal até
cípio ficou com m uito medo da fonte dessa nova admite francam ente que
re v e la çã o , m as foi e n c o ra ja d o por sua esp osa
Khadijah e o primo dela, Waraqah, a acreditar que a não há razão para negar o evento da visita do Profeta ao
revelação era a m esm a que M oisés recebera e que cemitério de Baqi por ser inadequado, levando-se em conside­
ele também seria um profeta de sua nação. Um dos ração o p o d er espiritual epsíquico de M aom é de com unicação
biógrafos muçulmanos modernos mais respeitados, com os diversos cam pos da realidade e sua percepção da rea ­
Muhaminad Husayn Haykal, fala vividamente sobre lidade espiritual qu e excede a dos hom ens com uns ( ibid., p.
o medo atormentador de Maomé de estar possuído 496; grifo do autor).
por um demônio:
Silêncio e depressão. Outra coisa que obscurece a
Entrando em pânico, Maomé selevantou eperguntou asi suposta origem divina de sua mensagem é o fato de
mesmo: “0 que vi? Será que fiquei possuído como temia?". que, depois disso, houve um longo período de silên­
Maomé olhou para asua direita esua esquerda, mas não disse cio que, segundo alguns registros, durou três anos,
nada. Ficou ali por umtempo tremendo de medo eestupefato. durante os quais Maomé entrou em desespero, sen­
Temia que acaverna pudesse estar mal-assombrada eque ele tindo-se abandonado por Deus e chegando a consi­
acabasse fugindo, ainda incapaz de explicar o que viu (p. 74; derar o suicídio. Essas circunstâncias não parecem
grifo do autor). ser características de um chamado divino.
A “revelação"satânica. Em outra ocasião, Maomé
Haykal observa que Maomé antes temia a posses­
anunciou uma revelação que achava ser de Deus,
são demoníaca, mas sua esposa Khadijah o conven­
mas depois a mudou, afirmando que Satanás havia
ceu do contrário. Pois, “como fez em ocasiões anteri­
colocado os versos no texto. Deus teria dito ao pro­
ores quando Maomé temeu estar possuído pelo demô­
feta: “la is (divindades) não são mais do que nomes,
nio, agora também permaneceu leal a seu marido e
com que as denom inastes, vós e vossos antepassa­
desprovida de qualquer dúvida”. Assim, “respeitosa­
dos, acerca do que Allah não vos conferiu autorida­
mente, até reverentemente, ela lhe disse: ‘Regozije-se
de alguma” (53.23 v.22.51). Mas infelizmente a m en­
meu primo! Seja firme. Por aquele que domina a alma
tira hum ana sem pre é uma possibilidade. Os pró­
de Khadijah, eu oro e espero que seja o Profeta desta
prios muçulmanos acreditam que todos os que rei­
nação. Por Deus, não abandonarei’” (ibid., p. 75).
vindicam ter revelações que se opõem ao Alcorão
Na verdade, a descrição de Haykal sobre a experi­
são mentirosos. À luz disso, é razoável perguntar se os
ência da “revelação” recebida por Maomé é sem e­
muçulmanos consideraram a possibilidade de a pri­
lhante a de outros médiuns. Haykal escreveu sobre a
meira impressão de Maomé, de que estava sendo en­
revelação para remover a suspeita de culpa sobre uma
ganado por um demônio, ser correta. Eles reconhe­
das mulheres de Maomé:
cem que Satanás é real e que é um grande mentiroso.
Então por que descartam a possibilidade de o próprio
Maomé não havia se movido de seu lugar quando a re-.
Maomé ter sido enganado, como pensou a princípio?
velação veio a ele acompanhada das convulsões costumei­
ras. Ele ficou estendido nas suas roupas, eum travesseiro Fontes humanas para o Alcorão. Finalmente, al­
foi colocado sob sua cabeça. Aishah [sua esposa] mais tar­ guns críticos não vêem nada de sobrenatural na ori­
de relatou: “Temendo que algo ameaçador estivesse pres­ gem das idéias de Maomé, observando que a grande
tes a acontecer, todos na sala estavam com medo, exceto maioria das idéias no Alcorão têm fontes judaicas,
eu, pois não temia nada, porque sabia que eu era inocen­ cristãs ou pagãs conhecidas (v. A lcoràu, suposta ori­
te...”,Maomé recuperou-se, sentou-se e começou a enxu­ gem divina do). Até Haykal inadvertidamente indica
gar a testa onde gotas de suor sejuntaram (ibid., p. 337). uma possível fonte das “revelações” de Maomé. Ele
escreveu:
Outra característica geralmente associada a “re­
velações” ocultas é o contato com os mortos (cf. Dt A imaginação do árabe é forte por natureza. Por viver sob
1 8 .9 -1 4 ). Haykal, relata um a ocasião em que “os a abobada do céu e deslocar-se constantemente à procura de
muçulmanos que o ouviram [Maomé] perguntaram: pastos ou comércio, e por ser constantemente forçado a extre­
‘Está invocando os mortos?’, e o Profeta respondeu: mos, exageros e até mentiras que a vida comercial geralmente
M a o m é , s u p o s to s m ila g re s d e 528

a c a r r e ta , o á r a b e é d a d o a o e x e r c íc io d e s u a im a g in a ç ã o e a 5. feito da forma exata em que foi anunciado;


cu ltiv a c o n tin u a m e n te p a ra o b e m o u p a ra o m a l, p a ra a paz 6. feito apenas pelas mãos do profeta;
o u p a ra a g u e rra (ib id ., 3 1 9 ). 7. a comprovação de sua reivindicação profética,
não sua refutação;
C o n c l u s ã o . A reivindicação de que M aomé foi 8. acompanhado pelo desafio de reproduzi-lo;
chamado por Deus não pode ser apoiada pela evi­ 9. irreproduzível por qualquer pessoa presente.
d ência. Na realidade, a com provação, m esm o em
fontes islâmicas, é justam ente a oposta. Além disso, Os m uçulm anos acreditam que M oisés, Elias e
não há confirmação sobrenatural desse chamado (v. Jesus fizeram milagres que cumpriram esses critéri­
M a o m é , s u p o s t o s m i l a g r e s o f ) tal como existe no caso os (v.“Mudjiza” ). A questão é: A eloqüência do A lco­
de Jesus (v . C r i s t o , d iv in d a d e d e ; p r o f e c ia c o m o pr o v a da rã o preenche essas características para ser um mila­
B í b l i a ; r e s s u r r e i ç ã o , e v id ê n c ia d a ). gre? A resposta subjetiva é não, nem na forma nem
Finalm ente, o caráter de Maomé deixa muito a no conteúdo.
desejar em relação à sua reivindicação (v. M a o m é , M i l a g r e s n o A l c o r ã o . Reivindicações de mila­
c a r á t e r d e ) . Comparado ao caráter impecável de Cris­ gres sobre Maomé dividem-se em três categorias; rei­
to, Maomé torna-se insignificante (v. C r i s t o , s i n g u l a ­ vindicações e previsões sobrenaturais de Maomé
r id a d e d e ) . registradas no Alcorão; reivindicações de milagres
no H a d ith ou tradição islâmica (Bukhari, iii-vi).
Fontes A Surata 6.35 é usada por muitos muçulmanos
A. Y Ai i, The meaning o f the glorious Qur’an. para m ostrar que Maomé podia fazer milagres:
T. A xdrae, Muhammad: the man and hisfaith.
N. L. G fismir e A. S ailer , Answering Islam. Uma vez que o desdém dos incrédulos te penaliza, vê:
M. H. H aykai , The life o f Muhammad. mesmo que pudesses penetrar por um túnel, na terra, ou as­
cender até ao céu para apresentar-lhes um sinal, ainda assim
não farias com que cressem.
Maomé, supostos milagres de. O islam ism o afir­
ma ser a única religião verdadeira. Para apoiar essa
Uma investigação cuidadosa do texto revela que
afirm ação, oferece o A lc o rã o com o principal m ila­
ele não afirma que Maomé era capaz de tâzer mila­
gre. Mas muitos apologistas islâmicos tam bém afir­
gres. Antes de mais nada, isso é hipotético “M esm o
mam que Maomé fez outros milagres para sustentar
q u e p u d esse...”. Não diz que ele fez. Em segundo lugar, a
suas reivindicações de ser profeta de Deus, apesar
passagem até implica que ele não podia fazer mila­
do fato de que, quando lhe pediram m ilagres para
gres. Senão, por que estaria penalizado por não fazê-
apoiar suas reivindicações, Maomé tenha se recusa­
los? Se pudesse fazer milagres, poderia ter eliminado
do a fazê-los (Surata 3.181-4).
facilmente o desdém que lhe era tão “angustiante”.
D e f i n i ç ã o is lâ m ic a d e m i l a g r e . Para os m uçul­
A supo sta div isã o d a L ua. Pela interpretação de
manos, o milagre é sempre um ato de Deus (v. m i l a ­
muitos muçulmanos, a Surata 54.1,2 diz que, confor­
g r e ; m i l a g r e s n a B í b l i a ) . A natureza é a m aneira pela
me a ordem de Maomé perante os descrentes, a Lua
qual Deus age geral e repetidamente, e milagre é con­
foi dividida. Pois está escrito: “A Hora (do Juízo) se
siderado khawarik, “o violador do costum e” . E xis­
aproxima, e a lua se fendeu. Porém, se presenciam
tem muitas palavras para milagre em árabe, mas a
algum sinal, afastam-se dizendo: É magia transitória!”.
única usada no Alcorão é ayah, “sinal” (v. 2 .1 1 8 ,1 5 1 ,
Novamente há problemas com a interpretação do
253; 3.108; 28.86-7). O termo técnico usado pelos te­
texto. Maomé não é mencionado na passagem. O Alco­
ólogos muçulmanos para designar o milagre que con­
rão não chama esse episódio de milagre, ainda que a
firm a o cham ado profético de alguém é mudjiza.
palavra sinal {ayah) seja usada. Se é milagre, contradiz
Para qualificar-se, o evento precisa ser:
outras passagens que afirmam que Maomé não fez pro­
ezas relacionadas à natureza, como essa (v. 3.181-4).
1. Um ato de Deus que não pode ser executado Além disso, a passagem é anterior àquelas em
por qualquer criatura; que descrentes pedem um sinal. Se Maomé conse­
2. contrário ao curso habitual das coisas; guisse realizá-lo, o sinal teria sido universalmente
3. direcionado à com provação da autenticida­ observado e m encionado com surpresa em todo o
de do profeta; m undo. Mas não há evidência de que tenha sido
4. p reced id o pela a n u n cia çã o de um futuro (Pfander, p. 311-2). Até teólogos islâmicos dizem que
milagre; isso se refere à ressurreição dos últimos dias, não a
529 M a o m é , s u p o s to s m ila g re s d e

um milagre durante a época de Maomé. Eles acredi­ Segundo a tradição islâmica, vários milagres su­
tam que a expressão “a Hora (do juízo)” refere-se ao postamente ocorreram aqui, sendo o mais proem i­
final dos tempos. 0 tem po verbal é considerado a nente aquele em que Deus enviou três mil anjos para
maneira comum de língua árabe expressar um even­ ajudar na batalha (supostam ente identificáveis pe­
to profético futuro. los tu rb a n te s que u sa v a m ), além do re sg a te
A jorn ada noturna. Uma ocorrência milagrosa miraculoso de Maomé logo antes de um hom em de
registrada no Alcorão é o Isra de Maomé ou “jo r­ Meca tentar matá-lo com uma espada. Uma tradição
nada noturna”. Muitos m uçulm anos acreditam que diz que Maomé jogou um punhado de terra contra o
M aom é, depois de ser tran sp ortad o para Jeru sa ­ exército de Meca para cegá-los e fazer com que ba­
lém , ascendeu ao céu no lom bo de uma mula. A tessem em retirada.
Surata 17.1 declara: É questionável se todas essas passagens refe­
rem -se ao mesmo evento. Até mesmo teólogos m u­
Glorificado seja Aquele que, durante a noite, trans­ çulm anos acreditam que a Surata 8 m enciona ou­
portou o Seu servo, tirando-o da Sagrada Mesquita (em tro evento e deve ser interpretada sim bolicam ente,
Makka) e levando-o à Mesquita de Alacsa (em Jerusalém), com o Deus lançando medo no coração do inimigo
cujo recinto bendizemos, para mostrar a ele alguns dos de M aom é, Ubai ibn K h alaf (P fand er, p. 3 1 4 ). A
nossos sinais. Surata 5 é interp retad a com o referên cia a outro
evento, possivelm ente a tentativa de assassinato de
Mais tarde, a tradição muçulmana complementou Maomé em Usfan.

esse versículo, falando da escolta de Gabriel por vári­ Apenas a Surata 3 menciona Badr, e não diz nada
sobre um milagre. No máxim o revela apenas cuida­
os níveis do céu. Ele é cumprimentado por pessoas
do providencial de Deus por M aomé, não um evento
importantes (Adão, João, Jesus, José, Enoque, Arão,
sobrenatural. Certamente não fala de um milagre que
Moisés e Abraão). Enquanto está lá negocia com Deus
confirme as credenciais proféticas de Maomé, já que
para que a ordem de orar cinqüenta vezes seja reduzi­
não há evidência de que preencha os nove critérios.
da para cinco vezes ao dia.
Se a vitória de Badr é o sinal de confirmação divi­
Não há razão para co n sid erar essa passagem
na, então por que a derrota subseqüente em Uhud não
como referência a uma viagem literal ao céu. Muitos
foi sinal de reprovação? A derrota foi tão humilhante
teólogos muçulmanos não a interpretam dessa m a­
que “tiraram duas argolas de corrente da ferida de
neira. 0 famoso tradutor do Alcorão, Abdullah Yusuf
Maomé, e dois de seus dentes frontais caíram”. Além
Ali, ao comentar essa passagem, afirma que “ela co­
disso, os muçulmanos m ortos foram mutilados no
m eça com a Visão m ística da Ascensão do Santo
campo de batalha pelo inimigo. Um inimigo de Maomé
Profeta; ele é transportado da Mesquita Sagrada (de
“cortou vários narizes e orelhas para fazer um colar
Meca) para a Mesquita Distante (de Jerusalém) numa
com eles”. Até Muhammad Husayn Haykal reconhe­
noite e vê alguns Sinais de Deus” ( “Introdução à
ceu que “os muçulmanos foram derrotados” aqui, ob­
Surata xvn”, p. 691). Mesmo segundo uma das pri­ servando que o inimigo ficou “ intoxicado com a vi­
m eiras trad ições islâm icas, a esposa de M aom é, tória” (Haykal, p. 266-7). Mas ele não considerou isso
Aisha, relatou que “o corpo do apóstolo ficou como sinal sobrenatural de desfavor divino. Na verdade,
estava, mas Deus removeu seu espírito à noite” (Ishaq, depois da batalha de Badr, o Alcorão se gaba de que
p. 183). Mesmo se isso fosse considerado milagre, os seguidores de Maomé podiam derrotar um exér­
não há evidência apresentada para testar sua auten­ cito com a ajuda de Deus estando em número dez
ticidade. Pela própria definição do islamismo de si­ vezes menor que o inimigo (Surata 8.65). Mas aqui
nal confirmador, esse milagre não teria nenhum va­ estavam em número apenas três vezes menor, assim
lo r a p o lo g é tico ( “ M udjiza” ; v. m il a g r e s , va lo r como na vitória em Badr, e no entanto sofreram gran­
APOLOGÉTICO D O S). de derrota.
A vitória em Badr. Outra reivindicação de m ila­ Maomé não é o primeiro líder militar com me­
gre geralm ente atribuída a M aom é é a vitória em nor número de guerreiros na história a ter uma gran­
Badr (v. 3.123; 8.17). A Surata 5.11 diz: “Ó crentes, de vitória. A Guerra dos Seis Dias de Israel, em 1967,
recordai-vos das mercês de Allah para convosco, pois foi uma das batalhas m ais rápidas e decisivas na
quando um povo intentou agredir-vos, Ele o conte­ história das guerras modernas. Mas nenhum m uçul­
ve. Temei a Allah, porquanto a Allah se encom en­ mano a consideraria sinal milagroso da aprovação
dam os crentes”. divina da vitória de Israel sobre uma nação árabe.
M a o m é , s u p o s to s m ila g re s d e 530

A divisão do peito de Maomé. Segundo a tradi­ 622, e a vitória só se completou em 625. Isso seria
ção islâm ica, no nascim en to de M aom é (ou logo pelo menos dez ou onze anos, não “alguns anos”, como
antes da sua ascensão), Gabriel supostam ente abriu M aomé disse.
o peito de M aom é, removeu e purificou seu cora­ A edição Uthman do Alcorão não tem vogais, que
ção, depois o encheu com sabedoria e o colocou de só foram acrescentadas bem mais tarde (Spencer, p.
volta. Isso se baseia em parte na surata 94.1, 2, 8, 21). Logo, a palavra sayaghlihuna, “vencerão”, pode­
que diz: “Acaso, não expandim os o teu peito, E ali­ ria ser traduzida, com a mudança de duas vogais,
viamos o teu fardo, [...] E volta para o teu Senhor sayughlabuna, por “serão vencidos” (Tisdall, p. 137).
Ainda que essa ambigüidade fosse removida, a pro­
(toda) a atenção”.
fecia não é nem em longo prazo nem anormal. Era
A m aioria dos teólogos m uçulmanos conserva­
previsível que os romanos derrotados contra-ataca­
dores interpretam esta passagem com o linguagem
riam. Só era necessário um pouco de conhecimento
figurativa que descreve a grande ansiedade que
das tendências da época para prever tal evento. Na
Maomé sofreu nos seus primeiros anos em Meca. O
m elhor das hipóteses, poderia ter sido uma boa esti­
grande comentarista Ali disse: “O peito é simbolica­
mativa. De qualquer forma, parece não haver prova
mente o berço da sabedoria e do sentim ento mais
suficiente de que seja sobrenatural.
elevado de amor e afeição” ( The meaning oftheglorious
A única outra suposta profecia digna de menção
Qur’an [O significado do glorioso Alcorão}, 2.1755). é encontrada na Surata 89.2, em que a frase “e pelas
Profecias no A lcorão. Os muçulmanos oferecem dez noites” é interpretada por alguns como uma pre­
as profecias do Alcorão como prova de que Maomé dição dos dez anos de perseguição que os primeiros
podia fazer milagres. Mas a evidência não é convin­ muçulmanos sofreram (Ahmad, p. 347s.). Mas sem
cente. As suratas geralmente citadas são aquelas em dúvida essa é uma interpretação rebuscada, porque
que Maomé promete vitória a suas tropas. até o tradutor do Alcorão, Ali, admitiu que pelas dez
Que líder militar religioso não diz às suas tropas: noites geralmente é interpretado como as primeiras
“Deus está do nosso lado; vamos ganhar. Continuem dez noites de Zul-Hajj, o período sagrado de peregri­
lutando!”? Além disso, tendo em mente que Maomé nação (Ali, 1731, n. 6109). Certamente não há nenhu­
é conhecido como “o profeta da espada”, com seu ma predição clara.
grande núm ero de conversões obtidas depois que A evidência de que Maomé possuía o dom da
renunciou a meios pacíficos, mas relativamente ine­ profecia é fraca. Suas profecias eram vagas e contes­
ficazes para difundir sua mensagem, não é surpresa táveis. Foi m uito m ais fácil dar significado a elas
que tenha previsto a vitória. depois do evento que entender o significado antes.
Levando-se em conta o zelo das forças muçulma­ Se Maomé possuísse a habilidade de prever m i­
nas, que receberam a promessa do Paraíso por seus lagrosamente o futuro, certamente a teria usado para
esforços (v. 22.58-9; 3.157-8; 3.170-1), não é de surpre­ esmagar seus oponentes. Mas não o fez. Pelo contrá­
ender que tenham sido muitas vezes vitoriosos. Final­ rio, admitiu que não fez milagres, com o os profetas
mente, não é de admirar o fato de que tantos se “sub­ antes dele fizeram, e sim plesm ente ofereceu como
meteram”, levando-se em conta a ordem de Maomé: seu sinal o Alcorão.
“O castigo para aqueles que lutam contra Allah e con­ Finalmente, Maomé jam ais apresentou uma pro­
tra o Seu Mensageiro, e semeiam a corrupção na terra, fecia como prova de seu dom (v. M a o m é , su po st o c h a ­
é que sejam mortos ou crucificados, ou lhes seja dece­ m a d o d iv in o d e ) . Não há m enção a nenhuma. Jesus
pada a mão e o pé de lados opostos, ou banidos” (5.33). ofereceu milagres repetidamente como prova de que
A única predição substancial foi a respeito da vi­ era o Messias, o Filho de Deus. Quando estava pres­
tória romana (bizantina) sobre o exército persa em tes a curar o paralítico, disse aos judeus incrédulos:
Issus. A Surata 30.2-4 diz: “Os bizantinos foram derro­ “Mas, para que vocês saibam que o Filho do homem
tados, em uma terra muito próxima; porém, depois tem na terra autoridade para perdoar pecados”, algo
de sua derrota, vencerão dentro de alguns anos”. que os judeus afirm avam que só Deus podia fazer
Essa predição é pouco impressionante (v. Gudel, (Mc 2.7), “eu lhe digo: Levante-se, pegue a sua maca
p. 54). Segundo Ali, “alguns anos” significa de três a e vá para casa” (v. 10,11) A luz desse forte contraste
nove anos, mas a vitória real só veio treze ou quatorze quanto à confirm ação m iraculosa das respectivas
anos depois da profecia. A derrota dos romanos pe­ afirm ações, qualquer pessoa racional teria sérias dú­
los persas na captura de Jerusalém aconteceu por vidas quanto a existência de evidências suficientes
volta de 614 ou 615. O contra-ataque só começou em para apoiar as reivindicações de Maomé.
531 M a o m é , s u p o s to s m ila g re s de

M ilagres no hadith. A m aioria das reivindica­ Elas são apócrifas. Esses supostos m ilagres da
ções de milagres feitos por M aom é não ocorreram tradição islâmica seguem o mesmo padrão narrati­
no Alcorão, o único livro do islamismo, para o qual a vo que os contos apócrifos de Cristo escritos um ou
inspiração divina é reivindicada (v. M a o m é , su po st o s dois séculos após sua morte. São adições lendárias
m il a g r e s de; A lc o r à o , A grande
s u p o s i a o r ig e m d iv in a d o ) . feitas por pessoas que viveram muitos anos depois
maioria dos supostos milagres é relatada no hadith dos eventos originais, e não o registro de testem u­
[Tradição], que, segundo os m uçulm anos, contém nhas oculares contemporâneas ( v . m i l a g r e s , m it o e ) .
muitas tradições autênticas. Há centenas de histórias A maioria das pessoas que reuniram histórias de
de milagres no h a d i t h ( v . h a d i t h , s u p o s t o s m i l a g r e s x o ). milagres viveram de cem a duzentos anos depois. De­
Al Bukhari conta com o M aom é curou a perna penderam de histórias passadas oralmente durante
quebrada de um amigo, Abdullaha ibn Atig, que se gerações com vários acréscimos. Nem mesmo as his-
feriu enquanto tentava assassinar um dos inimigos tórias consideradas autênticas pelos m uçulm anos,
do Profeta. como determinado pelo isnad (ou cadeia de conta­
Várias fontes relatam a história de que Maomé dores de histórias), têm credibilidade suficiente. Es­
m ilagrosam ente deu água para 10 m il soldados na sas histórias não são baseadas em testemunhas ocula­
batalha de Hudaibiyah. Ele supostamente colocou a res, mas em gerações de contadores de histórias. Joseph
mão numa garrafa vazia e deixou a água fluir de seus Horowitz questionou a confiabilidade do isnad:
dedos. Há várias histórias de provisão milagrosa de
água. Numa, a água é transformada em leite. A questão sobre quem divulgou inicialmente esses con­
Existem várias histórias de árvores que falam com tos de milagres deveria ser facilmente respondida se ainda
M aomé, que o saúdam ou saem da frente para ele pudéssemos olhar para o isnad, ou cadeia de testemunhas, com
passar. Certa vez, quando Maomé não conseguia en­ a mesma confiança que aparentemente esperam de nós. É muito
contrar um lugar isolado para fazer as necessidades, atraente quando o mesmo relatório aparece em várias versões
duas árvores supostamente se uniram para escondê- essencialmente semelhantes [... ] Em geral a técnica do isnad
lo e depois voltaram para o seu lugar quando ele ter­ não impossibilita decidir onde se apossar do registro oral e
m inou. Bukhari afirm a que um a árvore na qual onde é o caso de copiar os livros de preleções dos mestres
Maomé se encostou ficou com saudades quando ele (Horowitz, p. 49-58).
partiu. Há muitas histórias de lobos e até montanhas
que saudaram Maomé. São há consenso sobre elas. Entre os muçulmanos
Algumas histórias narram Maomé alimentando não há uma lista geralmente aceita de milagres autênti­
m ilagrosam ente grandes grupos com pouca com i­ cos do hadith. Na verdade, a maior parte das histórias
da. Anas conta que M aom é alim entou oitenta ou do hadith é rejeitada pela maioria dos teólogos muçul­
noventa homens com alguns pães de cevada. Ibn Sa’d manos. Grupos diferentes aceitam coleções diferentes.
relata a história de uma mulher que convidou Maomé Isso cria dúvidas quanto à sua autenticidade.
para uma refeição. Ele levou mil hom ens com ele e Bukhari, considerado o colecionador mais confiá­
multiplicou a pequena refeição da mulher para ali­ vel, admitiu que, das 300 mil hadith que reuniu, consi­
m entar a todos. derava apenas 100 mil possivelmente verdadeiras. E
O hadith geralm ente relata histórias dos feitos entre as últimas ele selecionou 7 275. Isso significa
m ilagrosos de M aomé contra seus inim igos. Uma que ele admitiu que mais de 290 000 delas não são
vez Maomé amaldiçoou um de seus inimigos, cujo confiáveis.
cavalo afundou até a altura do estôm ago no chão Senhum cânon é aceito por todos. Nenhum cânon
duro. Sa’d disse que Maomé transformou o galho de de hadith é aceito por todos os muçulmanos. A m ai­
uma árvore numa espada de aço. oria dos m uçulm anos divide sua credibilidade em
A autenticidade dessas histórias é questionável ordem descendente da seguinte maneira: o Sahih de
por várias razões: Al Bukhari (m . 256 a.H. [“após a H égira’, fuga de
Elas são contrárias ao Alcorão. Para os muçulma­ Maomé em 622 d.C]), o Sahih de Muslim (m. 261
nos, apenas o Alcorão é divinamente inspirado. Mas a.H.), o Sunan de Abu Du’ad (morto em 275 a.H.), o
nenhum dos milagres de Maomé está registrado no Jam i de A l-Tirm idhi (m. 279 a.H .), o Suand de Al
Alcorão. Na verdade, eles são contrários a todo o espí­ Nasa (m. 303 a.H.), e o Sunan de Ibn Madja (m. 283
rito do Maomé do Alcorão, que repetidamente recu­ a.H.). Com esses hadith, os biógrafos relacionaram
sou-se a fazer esse tipo de coisas diante dos incrédu­ histórias de milagres. As mais importantes são Ibn
los que o desafiaram (v. surata 3.181-4; 4.153; 6.8,9). Sa’d (m . 123 a.H .), Ibn Ishaq (m .151 a.H .) e Ibn
M a o m é , s u p o s to s m ila g re s d e

Hisham (m. 218 a.H.). As categorias acima são rejei­ M aom é tam bém aceita o fato de que Jesus fez
tadas pelo islamismo xiita, embora os xiitas, iunta- milagres para provar a origem divina de sua m ensa­
mente com outros muçulmanos, aceitem o Alcorão. gem, tais como curar e ressuscitar pessoas dentre os
Sua origem é suspeita. A origem das reivindicações mortos (v. surata 5.113). Mas, se Jesus podia realizar
de milagres do islamismo é suspeita. Sabe-se que o feitos m iraculosos ligados à natureza para confir­
islamismo tomou por empréstimo de outras religiões mar sua com issão divina e Maomé se recusou a fa­
muitas de suas crenças e práticas (Dashti, p. 55). Isso é zer o mesmo, a superioridade de Maomé sobre Cris­
freqüentemente documentado. Não é de admirar que to como profeta é questionável.
as reivindicações islâmicas de milagres tivessem sur­ A resposta de Maomé ao desafio de fazer m ila­
gido, dessa forma, quando apologistas cristãos demons­ gres (v. surata 6.8,9; 17.90-2) é esclarecedora: "Quem
traram a superioridade de Jesus sobre Maomé pelos sou eu senão um m ortal, um M ensageiro?”. Não é
milagres de Jesus (v. m i l a g r e s na B íu l ia ; Novo T e s t a m e n t o , possível imaginar M oisés, Elias ou Jesus dando tal
h is t o r ic id a d e d o ) . Histórias de milagres islâmicos come­ resposta. M aom é adm itiu que, quando M oisés foi
çaram a aparecer depois que dois bispos cristãos, Abu desafiado pelo faraó, respondeu com m ilagres (v.
Qurra, de Edessa, e Arethas, de Cesaréia, indicaram a surata 7 .1 0 6 -8 ,1 1 8 ). Sabendo que essa era a maneira
ausência de milagres autenticadores em Maomé. Sahas de Deus confirm ar seu profeta, Maomé se recusou a
observou: fazer milagres semelhantes.
Os muçulmanos não oferecem uma boa explica­
A implicação [do desafio do bispo] é bem clara: o ção para a ausência de milagres de Maomé. O argu­
ensinamento de Maomé pode até ter mérito; mas não é su­
m ento islâmico mais comum é que
ficiente para qualificá-lo como profeta, sem sinais sobre­
naturais. Se tais sinais fossem demonstrados, seria possí­
uma das maneiras estabelecidas de Deus é que ele dá aos
vel aceitá-lo como profeta (p. 312).
profetas o tipo de milagres que concordam com o espírito da
época para que o mundo possa ver que ele está além do poder
Portanto, se os muçulmanos pudessem inventar
humano e que opoder de Deus se manifesta nesses milagres.
milagres, conseguiriam responder ao desafio cristão.
Sahas observa que várias histórias de milagres se
Logo,
assemelham muito aos milagres de Jesus encontra­
dos nos Evangelhos (ibid., p. 314). Por exemplo, Maomé
durante a época de Moisés a arte da feitiçaria havia se de­
subiu ao céu, transformou água em leite e alimentou
senvolvido mais. Portanto, Moisés recebeu milagres que sur­
milagrosamente grande número de pessoas.
preenderam
r
os maços,
C"
e, ao ver esses milaçres,
O 1
os maços
C
acei-
Falta de valor apologético. Elas não preenchem os
taram a liderança e autoridade de Moisés.
critérios islâmicos. Nenhuma das histórias de m ila­
gres preenche as nove categorias aceitas pelos m u­
Semelhantemente,
çulm anos para um milagre capaz de c onfirm ar a
reivindicação do profeta (mudjiza). Logo, pelos pró­
durante a época do Profeta do islamismo, a arte da elo-
prios padrões islâm icos, nenhuma dessas histórias
qüéncia havia progredido bastante. Então, o Profeta do
dem onstra a verdade do islamismo.
islamismo recebeu o milagre do A l c o r ã o , cuja eloquência emu­
Elas não vêm do Alcorão (que é consid erad o
deceu os maiores poetas de sua época (Gudel, p. 38-9).
inspirado), logo não têm autoridade divina pelos cri­
térios islâmicos. A ausência desses eventos no Alco­
Mas não há evidência de que essa seja “uma das
rão, onde Maomé é constantem ente desafiado a apoi­
ar suas afirmações milagrosam ente, é um forte ar­ maneiras estabelecidas de Deus”. Pelo contrário, se­
gumento de que não são autênticos (v. A l c o r ã o , s u ­ gundo a admissão do próprio Alcorão de que Deus
p o s t a o r i g e m d iv in a d o ) . Certamente se Maomé pudes­
repetidamente operou milagres relativos à natureza
se silenciar seus críticos confirm ando sobrenatu­ por meio de Moisés e de outros profetas, incluindo-
ralmente sua mensagem, ele teria feito isso. se Jesus, a maneira estabelecida por Deus para con­
Maomé aceita o fato de que Deus confirm ou os firm ar seus profetas é por meio de milagres. Além
profetas antes dele com milagres. Ele se refere à con­ disso, não há nada sobrenatural na eloqüência.
firmação de Deus às credenciais proféticas de Moisés R esum o. O fato de Maomé não querer (ou apa­
(v. 7 .1 0 6 -8,116-9; 23.45). O Alcorão também se refere ren tem en te não poder) fazer m ilagres ligados à
a m anifestações do poder miraculoso de Deus por natureza, m esm o sabendo que os profetas antes
meio dos profetas (v. 4.63-5; 6.84-6). dele podiam e fizeram, parece uma escapatória para
533 m a l, p ro b le m a d o

não-m uçulm anos reflexivos. Eles perguntarão: “Se I. R. A. F a rio i , Islam.


Deus confirm ou outros profetas por m eio de tais N. LGi.iM.KRe Aum i Sm u s , Answering Islam: the
coisas, por que não fez o m esm o com M aom é para Crescent in the light o f the cross.
rem over toda dúvida?”. Nas palavras do próprio ). Gt dll, To cn ry imislim an answer.
M aom é (do A lcorão): “E dizem do M ensageiro: M. H aykal, The life o f Muhammad.
‘Por que Deus não lhe enviou algum sin al?” ’, iá ). Horowitz, “T he growth o f the M oham m ed
que até M aom é adm itiu que “Deus é capaz de en ­ legend”, em The Moslem world 1 0 (1 9 2 0 ).
viar um sin al” (Sura 6 .3 7 ). I. Ishaq, ,Sbrat rasul Allah [trad, por The life o f
Maomé simplesmente ofereceu seu próprio sinal Muhammad}.
(o Alcorão) e disse que o rejeitaram por incredulida­ C. Nrm s, Christians ask Muslims.
de, não pela sua incapacidade de fazer milagres. Nas C. G. P i-andkr, The balance o f truth.
poucas ocasiões em que eventos sobrenaturais estão M. A. R ack, Islam: creed and worship.
ligados à vida de Maomé, eles podem ser explicados [). J. Sah as, “The form ation o f later Islam ic doctrines
por meios naturais. Por exemplo, os muçulmanos con­ as a response to Byzantine polem ics: the
sideram a grande vitória na batalha de Badr em 624 m iracles o f M uham m ad”, em own, 1982.
indicação sobrenatural da aprovação divina em seu A. Si iii.mmu , “T he prophet M uham m ad as a centre
favor. Mas exatam ente um ano depois as forças de o f Muslim life and thought”, We believe in one
Maomé sofreram uma derrota humilhante. No entan­ Cod.
to, isso não é considerado sinal de reprovação divina. A. A. S horkohJ s/iíw revealed: a Christian Arab’s view
Ao contrário do Alcorão, a tradição islâm ica (o o f Islam.
hadith) está cheia de afirm ações de milagres, mas H. S renclr, Islam and the gospel of God.
elas carecem de autenticidade: contradizem a afir­ \V. S. C T isuall, The source o f Islam.
m ação de M aom é no Alcorão. São registradas um
século ou mais após M aomé. A maioria é rejeitada mal, problema do. Se Deus é absolutamente bom,
por teólogos muçulmanos. Demonstram evidências então por que o mal existe (v. D e u s, n atureza d e)? O
de acréscim os. Não preenchem os critérios estabe­ problem a do m al é um sério d esafio à defesa do
lecidos por teólogos muçulmanos para a confirm a­ cristianismo. Na verdade, há muitos problemas rela­
ção sobrenatural das afirmações de Maomé, de que cionados ao mal, por exemplo, os problemas sobre
era profeta de Deus. sua origem, natureza e propósito e sobre com o evitá-
Em comparação, Jesus fez vários milagres. A maio­ lo. Os problemas originados pelo mal podem ser di­
ria deles, se não todos, relacionava-se com sua reivin­ vididos em moral, metafísico (v. m e t a f í s i c a ) e físico.
dicação de ser Deus em carne humana (v. C r i s t o , d i v i n ­ Cosmovisões e o m a l Apesar de toda cosmovisão
Os relatos desses milagres são de
d a d e d e ; m il a g r e ). ter de lidar com a questão do mal, o problema é especi­
testem unhas oculares e contem porâneas de Jesus. almente relevante para o teísmo. Das três cosmovisões
Dessa maneira crucial, há uma diferença significativa principais, o a t e í s m o afirma a realidade do mal e nega a
entre a confirmação sobrenatural de Cristo como o realidade de Deus. O p a n t e ís m o afirma a realidade de
Filho de Deus e a falta de uma confirmação confiável Deus, mas nega a realidade do m a l . O teísmo afirma a
de que Maomé fosse ao menos profeta de Deus. realidade de Deus e do mal. Associado a isso está o
problema: como o Ser absolutamente bom (Deus) pode
Fontes ser compatível com o mal, o oposto do bem?
H. A rdai.ati, Islam in focus. Comparado com outras cosm ovisões que afir­
H. M. A hmad , Introduction to the study o f the holy mam Deus e o mal, o teísmo parece estar na posição
Quran. menos vantajosa. O t e í s m o finito, por exemplo, afirma
I. R. Ai. F akvqi, Islam. que Deus deseja destruir o mal, mas é incapaz porque
A. Y. A n ,“Introduction to sura xvn”,em The tem poder limitado. O d e Is m o clássico, da mesma for­
meaning o f the glorious Qur’an. ma, pode distanciar Deus do mal ao enfatizar que Deus
___ , “M udiiza”, em The encyclopedia o f Islam. não é imanente no mundo, pelo menos não sobrena­
M. I. B ukhari, The translation of the meanings of turalmente. Estamos sozinhos. E, para o p a n e n t e ís m o , o
Saltih Al-Bukhari, M . M . K han, trad. mal é uma parte necessária do progresso contínuo de
A. D.ashti, Twenty-three years: a study o f the interação de Deus e do mundo (seu corpo).
prophetic career o f Mohammad. O problema p a r a o teísmo é que ele não só acre­
A. D a v l 'p , Muhammad in the Bible. dita que Deus é Todo-Poderoso e poderia destruir o
m a l, p ro b le m a d o 534

mal, mas tam bém é am oroso e deveria destruí-lo. Os teístas diferenciam a Causa Primária da ação
Além disso, o Deus teísta é onisciente e criou o m un­ livre (Deus) e a causa secundária (o ser hum ano).
do com pletam ente cônscio do que aconteceria. E, Deus deu o poder de escolha. Mas Deus não é respon­
ainda por cima, criou o mundo livremente (v. c r i a ­ sável pelo exercício do livre-arbítrio para fazer o mal.
, v i s õ e s d a ) , de modo que o mundo poderia ter
ç ã o Deus não realiza a ação livre por nós. O livre-arbítrio
sido diferente. humano não é mera causa instrumental por meio da
É no contexto desse tipo de Deus teísta que abor­ qual Deus age. Os seres humanos são a causa eficien­
damos os problemas do mal. te, embora secundária, das próprias ações livres. Deus
A origem do mal. De onde veio o mal? O Deus produz ofa to do livre-arbítrio, mas cada ser humano
absolutamente bom não pode criar o mal. E, aparen­ realiza o ato do livre-arbítrio. Então Deus é responsá­
tem ente, uma criatura perfeita nem pode dar ori­ vel pela possibilidade do mal, mas devemos assumir a
gem à im perfeição. Então de onde vem o mal? 0 responsabilidade pela realidade dele. Deus não deseja
problema pode ser assim resumido: que o mal seja feito nem deseja que não seja feito. Ele
deseja permitir que o mal seja feito, e isso é bom.
1. Deus é absolutamente perfeito. Mas se Deus não pode desejar o mal, então qual é
2. Deus não pode criar nada imperfeito. sua causa? Nenhuma ação pode ocorrer sem ser cau­
3. Mas criaturas perfeitas não podem fazer o mal. sada, já que isso viola o primeiro princípio da cau­
4. Portanto, nem Deus nem suas criaturas per­ salidade (v. c a u s a l i d a d e , P R ixcíP io d a ) , que exige que
feitas podem produzir o mal. todo evento tenha causa.
Para responder a essa pergunta, é necessário des­
Todavia, no universo teísta essas são as únicas fon­ crever a natureza do livre-arbítrio. Há très visões bá­
tes possíveis do mal moral. Portanto, parece não haver sicas da natureza do livre-arbítrio. No determinismo,
solução para a origem do mal no universo teísta. uma ação livre é causada por outra pesso p a; no
Os elem entos básicos na resposta teísta a esse indeterminism o, é não-causada, e no autodeterm i-
problema são encontrados em A g o st in h o e T o m á s de nismo é causada pela própria pessoa. O d e t e r m in is m o

A q u ix o . O s teístas desde então seguiram as linhas de eliminaria a responsabilidade humana, já que outro
seu pensamento. Ambos concordaram na resposta, causou a ação, não nós mesmos. O i n d e t e r m i n i s m o é
que pode ser declarada da seguinte forma: irracional, já que uma regra fundamental da razão é
que toda ação tem causa. Conclui-se então que toda
1. Deus é absolutamente perfeito. livre escolha deve ser causada pela própria pessoa.
2. Deus criou apenas criaturas perfeitas. É claro que a pessoa usa o poder do livre-arbítrio
3. Uma das perfeições que Deus concedeu a al­ para fazer livres escolhas. Mas a pessoa não é o livre-
gumas dessas criaturas foi o poder do livre- arbítrio. Ela apenas tem livre-arbítrio. É errado dizer
arbítrio. que sou livre-arbítrio; apenas tenho livre-arbítrio. En­
4. Algumas dessas criaturas escolheram livre­ tão, sou a causa eficiente de minhas ações, mas o poder
mente fazer o mal. do livre-arbítrio é o meio pelo qual ajo livremente.
5. Portanto, uma criatura perfeita causou o mal. A natureza do mal. Há outra dimensão dessa di­
ficuldade. Qual é a natureza do mal? Isto é, qual é a
Deus é bom , e criou criaturas boas com uma essência ou identidade do mal? Esse também é um
qualidade boa chamada livre-arbítrio. Infelizmente, problema especificamente desagradável para o teísta
elas usaram esse poder bom para trazer o mal ao clássico (v. c l á s s i c a , a p o l o g é t i c a ) . Só Deus é eterno, e
universo ao se rebelar contra o Criador. Então o mal tudo o que criou era bom. Então, o que é o mal?
surgiu do bem, não direta, mas indiretamente, pelo Os teístas rejeitam o d u a l ism o . O mal não é um
mau uso do poder bom chamado liberdade. A liber­ princípio co-eterno separado de Deus. Pois nem to­
dade em si não é má. É bom ser livre. Mas com a dos os opostos como o bem e o mal são primeiros
liberdade vem a possibilidade do mal. Então Deus é princípios. Isso supõe equivocadamente que só por­
responsável por tornar o mal passível, mas as criatu­ que algo pode ser essencialmente bom (Deus), algo
ras livres são responsáveis por torná-lo real. pode ser essencialm ente mau. M as, ao rejeitar o
É claro que outras questões se associam a essa dualismo, é extremamente difícil explicar a realida­
solução do liv re-a rb ítrio para a origem do mal. de do mal. Se o mal não é algo separado de Deus, e
Um a é: 0 que provocou a e sco lh a do mal pela não pode proceder do interior de Deus, então o que
p rim eira criatura? é? 0 problema pode ser resumido desta maneira:
535 m a l, p ro b le m a do

1. Deus é o Autor de tudo que existe. O relacionam ento de amor é bom; o de ódio é mau.
2. 0 mal é algo que existe. Da m esm a forma, quando a criatura adora o Cria­
3. Portanto, Deus é o Autor do mal. dor, se relaciona bem ; quando blasfema contra o Cri­
ador, é um relacionamento mau.
Rejeitar a primeira premissa leva ao dualismo. Da Desse ponto de vista, conclui-se que não há nada
mesma forma, negar a segunda leva ao ilusionismo que seja totalmente mau. Se fosse totalmente privado
que nega a realidade do mal (v. p a n t e í s m o ) . Nenhuma de todo bem , não seria nada. Um carro totalmente
das duas é aceitável ao teísta. Então qual é a solução? enferrujado não é um carro. E uma roupa totalmente
Concordar que Deus não criou todas as coisas é negar comida por traças é apenas um cabide num armário.
sua soberania. Dizer que o mal não é nada nega a 0 mal, como a ferida, só pode existir em outra coisa.
realidade. Mas admitir que Deus causou todas as coi­ Um braço totalm ente ferido significa que a pessoa
sas e que o mal é alguma coisa é reconhecer que Deus está mutilada.
causou o mal — uma conclusão rejeitada por Aquino. Em vista disso, algo não pode ser totalm ente
E ssa co n clu são , no e n ta n to , p arece resu lta r privado, pelo menos não no sentido m etafísico. Um
logicamente dessas premissas. A não ser que se rejeite ser totalm ente corrom pido nem existiria. E a von­
a verdade de uma dessas premissas, é preciso aceitar tade to talm en te debilitad a não poderia execu tar
a verdade da conclusão. nenhum a ação m oral. É preciso ter cuidado para
0 teísta responde que o mal não é uma coisa ou não levar a depravação hum ana tão longe a ponto
substância. É uma falta ou privação de algo bom que de destruir a habilidade de pecar. Não pode haver
Deus fez. O mal é a privação de algum bem específico. o mal suprem o, pois, apesar de o m al reduzir o
A essência dessa posição pode ser assim resumida: bem , ele jam ais poderá destruí-lo com pletam ente.
Nada pode ser completa e ilim itadam ente mau. Pois
1. Deus criou toda substância.
se o bem fosse com pletam ente destruído — e isso
2. O mal não é uma substância (mas uma priva­
seria necessário para o mal ser com pleto — , ó pró­
ção numa substância).
prio mal desapareceria, já que seu sujeito, isto é, o
3. Logo, Deus não criou o mal.
bem , não existiria mais.
0 fato de o mal não poder ser total em sentido
0 mal não é uma substância, mas a corrupção
m etafísico não im plica que não possa ser total no
das substâncias boas que Deus fez. 0 mal é como a
sentido moral. Um ser pode ser totalmente (ou radi
ferrugem no carro ou a podridão na árvore. É a falta
calmente) depravado do ponto de vista m oral, no
de coisas boas, mas não é algo por si só. O mal é
sentido de o mal ter invadido todas as partes de seu
como a ferida no braço ou furos de traça na roupa.
ser. Mas a depravação moral total só pode ser exten­
Só existe em outra coisa, não sozinho.
siva, não intensiva. Pode estender-se a todas as par­
É importante lembrar que privação não é o m es­
tes do ser de uma pessoa, mas não pode destruí-la.
mo que simples ausência. A visão está ausente na
Se destruísse a pessoa, não haveria alguém para fa­
pedra assim como no cego. Mas a ausência de visão
zer o mal. O mal total, nesse sentido, destruiria a
na pedra não é privação. A privação é a ausência de
habilidade de a pessoa fazer o mal.
algo que deveria estar ali. Já que a pedra por nature­
Os teístas clássicos analisam o problema do mal
za não deveria ver, ela não está privada de visão, como
a partir de quatro causas: 1) eficiente, 2) final, 3)
o cego. 0 mal, então, é a privação de algum bem que
formal e 4) material. Para o ser hum ano, Deus é a
deveria estar ali. Não é a simples negação.
Dizer que o mal não é algo, mas uma falta nas causa eficiente ; a glória de Deus e o bem delas é a
coisas, não é afirm ar que ele não é real. 0 mal é a causa final, a alma é a causa formal, e o corpo é a
falta real nas coisas boas, como o cego sabe muito causa material. Mas, já que o mal não é substância, ele
bem. 0 mal não é uma substância real, mas é a priva­ não tem causa formal, e sua causa material é a subs­
ção real nas substâncias boas. Não é entidade real, tância boa.
mas a corrupção real numa entidade real.
0 mal como privação surge de várias formas. Há Causa eficiente — Livre-arbítrio
privações físicas, como mutilações, e há privações mo­ Causa final — Nenhuma. O mal é a falta de
rais, como na perversão sexual. A privação pode estar ordem .
na substância (o que algo é) ou em relacionam entos Causa formal — Nenhuma. O mal é a privação
(como se relaciona com outros). Há não só coisas da forma.
más como também há relações más entre as coisas. Causa material — A substância boa.
m a l, p ro b le m a do 536

A causa eficiente do mal moral é o livre-arbítrio, bem. Liberdade forçada é uma contradição. Portan­
não direta, mas indiretam ente. X ão há propósito to, Deus não pode destruir literalmente todo o mal
(causa final) no mal. Ele é falta de ordem apropriada sem aniquilar o livre-arbítrio. A única maneira de
para um fim bom. 0 mal não tem causa formal pró­ destruir o mal é destruir o bem do livre-arbítrio.
pria. Antes é a destruição da form a em outra coisa. Mas quando não há livre-arbítrio moral, não há pos­
Sua causa material é o bem, mas não o próprio. Só sibilidade de bem moral. A não ser que o ódio seja
existe numa coisa boa, corrom pendo-a. possível, o amor não é possível. Onde nenhuma cri­
A persistência do mal. Há outro aspecto do proble­ atura pode blasfemar, nenhuma criatura pode ado­
ma do mal. Por que Deus o permite? Mesmo que não o rar. Portanto, se Deus destruísse todo o mal, teria de
tenha produzido, permitiu que acontecesse. Contudo, destruir todo o bem.
ele é onipotente e poderia destruí-lo. Então por que Mas o teísm o afirm a que, apesar de Deus não
não o faz? destruir (aniquilar) todo o mal sem destruir todo o
A m aneira clássica de afirm ar o problem a da bem , ele pode derrotar e derrotará (vencerá) todo o
persistência do mal é a seguinte: mal sem destruir o livre-arbítrio. 0 argumento pode
ser resumido da seguinte forma:
1. Se Deus fosse totalmente bom, destruiria o mal.
2. Se Deus fosse onipotente, destruiria o mal. 1. Deus é absolutamente bom e deseja derrotar
3. Mas o mal não é destruído. o mal.
4. Logo, não há Deus. 2. Deus é onipotente e é capaz de derrotar o mal.
3. O mal ainda não foi derrotado.
Expresso dessa forma, o argumento abre a possi­ 4. Portanto, um dia será derrotado.
bilidade de um Deus finito, mas os teístas rejeitam
tal conceito. Pois todo ser finito e limitado tem uma 0 poder e perfeição infinitos de Deus garantem
causa (v. c o s m o l ó g i c o , a r g u m e n t o ) . Então um Deus a derrota final do mal. 0 fato de não ter acontecido
finito é apenas uma criatura que precisa de um Cri­ ainda não diminui de forma alguma a certeza de que
ador infinito. E já que Deus é poderoso, então deve o mal será derrotado. Ainda que o mal não possa ser
ser infinitam ente poderoso. Da mesma forma, já que destruído sem destruir o livre-arbítrio, ele pode ser
ele é bom, deve ser infinitamente bom. Portanto, um derrotado.
Deus finito não é uma opção para o teísta. Deus tem O Deus onipotente poderia, por exemplo, sepa­
o desejo e a habilidade necessários para tornar qual­ rar as pessoas boas das más conform e sua livre es­
quer coisa possível. colha. As que am am a Deus ficarão separadas das
É possível destruir o mal? 0 teísta responde des­ que não o amam. As que desejam o bem, mas são
ta forma: prejudicadas pelo mal, deixarão de ter seus bons pro­
pósitos frustrados. E as que fazem o mal e são inco­
1. Deus não pode fazer o que é realm ente im ­ modadas por influências boas não serão mais impe­
possível. didas pelas instigações do bem. Cada um, no c é u ou
2. É realm ente impossível destruir o mal sem no inferno, viverá segundo seu livre-arbítrio. Dessa
destruir o livre-arbítrio. forma, a vitória de Deus sobre o mal não violaria o
3. Mas o livre-arbítrio é necessário no universo livre-arbítrio.
moral. 0 Deus teísta pode derrotar o mal, e fa rá isso.
4. Logo, Deus não pode destruir o mal sem des­ Sabem os disso porque ele é absolutam ente bom e
truir esse universo moral e bom. gostaria de derrotar o mal. E, por ser onipotente, ele
é capaz de derrotar o mal. Portanto, ele o fará. A
É impossível a Deus fazer o que é contraditório. garantia de que o mal será derrotado é a natureza do
Ele não pode fazer uma afirmação ser verdadeira e Deus teísta.
falsa ao m esm o tem po. Não pode fazer nada que O propósito do mal. Nenhum mal é bom, mas
envolva tal impossibilidade, como fazer um círculo um pouco de mal tem um bom propósito. Dores de
quadrado ou uma pedra tão pesada que ele não con­ advertência, por exemplo, são doloridas, mas nesse
siga levantar. caso a dor tem um bom propósito. É claro que nem
Mesmo um ser onipotente não é capaz de fazer qual­ todo o mal parece ser desse tipo. E o mal que parece
quer coisa. Só pode fazer o que é possível. Mas não é não ter um propósito bom? 0 problem a pode ser
possível forçar as pessoas a escolherem livremente o resumido da seguinte maneira:
537 m a l, p ro b le m a d o

1. 0 Deus onipotente tem um bom propósito boa parte do mal, sem dúvida a mente infinita pode
para tudo. conhecer o bom propósito para o resto.
2. Não há um bom propósito para alguns sofri­ 0 mal às vezes é subproduto do bom propósito. Nem
m entos. todo mal específico precisa de um bom propósito.
3. Logo, não pode haver Deus onipotente. Alguns males podem simplesmente ser o subproduto
necessário do bom propósito. 0 passarinho que acor­
P arece evidente que há so frim en to in ú til no da cedo com e a m inhoca. A contrapartida é que a
mundo. Algumas pessoas m elhoram com o sofri­ m inhoca que acorda cedo é com ida! 0 que é vida
mento, mas outras ficam amarguradas. Ossos que­ para formas superiores é morte para formas inferio­
brados são mais fortes quando se recuperam , mas res. Plantas e anim ais m orrem para que o hom em
alguns jam ais se recuperam . Muitas pessoas m or­ possa ter comida para viver. Então o mal resulta indi­
rem. 0 que dizer de todo o mal inútil no mundo? retam ente do bem porque é a conseqüência de um
A resposta teísta ao mal aparentemente sem pro­ propósito bom. Portanto, a resposta pode ser expressa
pósito é dividida em quatro. Primeiro, Deus tem um da seguinte maneira:
bom propósito para tudo. Segundo, conhecemos um
bom propósito para a maior parte do mal. Terceiro, 1. Deus tem um bom propósito para tudo que
parte do mal é produto do bem. Quarto, Deus é capaz faz.
de tirar coisas boas do mal. 2. Alguns bons p rop ósitos têm subprodu tos
Deus tem um bom propósito para tudo. 0 antiteísta maus.
ignora uma diferença importante: Deus conhece um 3. Logo, alguns males são subprodutos de um
propósito bom para todo o mal, mesmo que nós não bom propósito.
o conheçamos. Só porque mentes finitas não conse­
guem imaginar um bom propósito para um mal não Nem todo evento específico no mundo precisa ter
significa que ele não exista. Já que Deus é onisciente, um bom propósito. Apenas o propósito geral precisa
ele sabe tudo. E já que é completamente bom, tem um ser bom. 0 ferreiro tem um bom propósito para mar­
bom propósito para tudo. Então, Deus realmente co­ telar o ferro derretido e fazer a ferradura. Mas toda
nhece um bom propósito para todo o mal, apesar de faísca que sai tem um propósito para seu destino.
não o conhecermos: A lgum as fa ísca s podem ca u sa r in cên d io s invo­
luntários. Da m esm a form a, Deus tinha um bom
1. 0 Deus com pletam ente bom tem um bom propósito para criar a água (su stentar a vida), mas
propósito para tudo. afogamentos são um dos subprodutos malignos. As­
2. Existem certos m ales para os quais não ve­ sim , nem todo afogam ento esp ecífico p recisa ter
mos um bom propósito. um bom propósito, apesar de a criação da água em
3. Logo, há um bom propósito para todo mal, que ele ocorreu ter tido. Muitas coisas boas seriam
apesar de não o vermos. perdidas se Deus não tivesse perm itido que o mal
existisse. 0 fogo não queim a a não ser que o ar seja
0 fato de seres finitos não verem o propósito consum ido. A retribuição ju sta não é infligida nem
de certos m ales não significa que este não exista. a paciência é alcançada sem o mal da provação.
A in cap acid ad e de ver o p ro p ó sito do m al não Isso não significa que este m undo atual seja o
refuta a benevolência de Deus; apenas revela n o s­ m elhor m undo possível. Significa que Deus o fez
sa ignorância. com o a m elh or m a n eira de a tin g ir seu o b jetiv o
0 propósito de boa parte do mal é conhecido por suprem o do bem maior. Talvez Deus nem sem pre
nós. Apesar de não saberm os tudo, sabemos algo. E o tire algo bom de todo subproduto m au no m undo
que sabemos é que há um bom propósito para esse decadente. Isso poderia ser verdade no âmbito físico
mal. Dores de advertência têm um bom propósito. Na e moral. Como o lixo radioativo, alguns subprodutos
verdade, a habilidade de sentir dor tem um bom pro­ malignos podem resistir ao reprocessamento. Na ver­
pósito. Pois, se não tivéssemos o sistema nervoso, po­ dade, conform e a segunda lei da term odinâm ica,
deríamos destruir-nos sem sequer sentir dor. E a dor o m undo físico está apodrecendo. Mas Deus tem
física pode ser a advertência que nos salva do desastre o poder de recriá-lo (v. 2Pe 3 .1 3 ). A m orte do ser
moral. Como C. S. Lewis mostrou, a dor é o megafone hum ano pode ser d errotad a pela ressu rreição (v.
de Deus para advertir o mundo moralmente surdo. E Rm 8 ; IC o 1 5 ). Nada d isso é p ro b lem a p a ra o
se nós, seres finitos, conhecemos o bom propósito de Deus o n ip o ten te.
m a l, p ro b le m a do 538

0 p r o b le m a d o m a l físico. A solução anterior para o 3. Alguns males físicos que afligem outros po­
problema do mal não parece resolver o problema dos dem resultar do nosso livre-arbítrio, como no
desastres naturais. Por que existem tornados, furacões caso de maus tratos ao cônjuge ou aos filhos.
e terremotos? Não é suficiente dizer que o livre-arbí­ 4. Outros sofrem indiretam ente por causa do
trio das criaturas causou todos eles. Além disso, m ui­ nosso livre-arbítrio. 0 alcoolismo pode levar
tas pessoas inocentes morrem por causa deles. Como à pobreza dos filhos do alcoólatra.
explicar então o mal natural? Na forma lógica: 5. Alguns males físicos podem ser o subproduto
necessário de um bom processo. Chuva, ar
1. 0 mal moral é explicado pelo livre-arbítrio. quente e ar frio são todos necessários para
2. Mas alguns males naturais não resultam do livre- alimentação e para a vida, mas um subpro­
arbítrio. duto dessas forças é o tornado.
3. 0 mal natural não pode ser explicado pelo 6. Alguns males físicos podem ser a condição
livre-arbítrio das criaturas. necessária para alcançar o bem moral maior.
4. Logo, Deus deve ser responsável pelo mal Deus usa a dor para cham ar nossa atenção.
natural. Muitos chegaram a Deus por m eio do so ­
5. Mas os males naturais causam sofrimento e frim ento.
m orte de inocentes. 7. Alguns sofrim entos físicos podem ser a con­
6. Logo, Deus é responsável pelo sofrim ento e dição n ecessária de um bem m oral maior.
morte dos inocentes. A ssim com o d iam antes são form ados sob
pressão, o mesmo acontece com o caráter.
Os teístas questionam várias premissas desse ar­ 8. Alguns males físicos são o acompanhamento
necessário do mundo físico m oralm ente bom.
gumento. Uma resposta à premissa 5, por exemplo, é
Por exemplo, é bom ter água para nadar e
que neste mundo decadente ninguém é inocente. Pe­
passear de barco, mas uma concom itância
camos em Adão (Rm 5.12) e como consequência m e­
necessária é que tam bém podem os afogar-
recemos a morte (Rm 6.23). 0 desastre natural é re­
nos nela. É bom ter relações sexuais para
sultado direto da maldição sobre a criação por causa
procriação e prazer, apesar de isso possibi­
do pecado da humanidade (Gn 3; Rm 8). Ela não será
lita r o estupro. É bom ter alim en to para
removida até Cristo voltar (Ap 2 1 ,2 2 ).
comer, m as isso tam bém possibilita a mor­
Da mesma forma, a proposição 6 está errada, já
te por envenenam ento.
que implica que Deus é moralmente culpável por ti­
rar a vida de uma criatura. Esse é um erro claro, pois
A essa altura, o crítico pode perguntar por que o
supõe que, já que é errado uma criatura tirar um a
mundo físico é necessário. Por que Deus não criou
vida inocente, também é errado o Criador tirá-la. Mas
espíritos, que não poderiam m achucar seus corpos
Deus deu a vida e só ele tem o direito de tirá-la (cf. Dt
nem morrer? A resposta é: Deus criou; eles se cha­
32.39; Jó 1.21). Nós não demos a vida, e não temos o
mam anjos. 0 problema é que, apesar de nenhum anjo
direito de tirá-la.
poder m orrer por envenenamento, ele tam bém não
A premissa 3 é definitivamente falsa, pois o teísmo
pode se deliciar com um churrasco. Apesar de nenhum
pode explicar todo mal natural pela referência ao
anjo jamais ter-se afogado, nenhum anjo jamais foi na­
livre-arbítrio. Na linguagem bíblica, o livre-arbítrio
dar ou esquiar na água. Nenhum anjo jam ais foi estu­
de Adão e Eva trouxe o desastre natural a este m un­
prado, mas tam bém nunca desfrutou do sexo ou da
do. Além disso, o livre-arbítrio de anjos maus expli­
bênção de ter filhos (Mt 22.30). Neste mundo físico,
ca o resto do sofrimento humano. No entanto, m es­
simplesmente temos de aceitar o mal concomitante
mo ignorando essa possibilidade, que por si mesma
com o bem.
explicaria todo mal natural, o sofrimento físico pode
Finalmente, é claro, os teístas cristãos acreditam
ser explicado em relação ao livre-arbítrio humano.
que Deus nos redimirá de todo mal físico também,
dando-nos corpos imortais e incorruptíveis. Mas, se
1. Alguns sofrimentos são causados diretamente
os recebêssemos antes de estarmos moralm ente pre­
pelo livre-arbítrio. A escolha de abusar de meu
parados para eles, não faríam os o progresso moral
corpo pode causar doença.
necessário para sermos adequados a eles.
2. Alguns sofrim entos são causados ind ireta­
A p o ssib ilid a d e de evitar o m a l Se Deus sabia
m ente pelo livre-arbítrio. A escolha de ser
que o mal aconteceria, por que criou este mundo?
preguiçoso pode resultar em pobreza.
Deus tinha a liberdade de criar ou não criar. Por
539 m a l, p ro b le m a d o

que decidiu criar um m undo que sab ia que iria melhor que o mundo moral. Já que o mundo amoral
cair? Os teístas acreditam que Deus é onisciente, não é o mundo moral, não há base moral para com pa­
com pletam ente bom e livre. Por ser onisciente, pre­ ração. Isso também é um erro de categorias.
viu o mal. Por ser livre, poderia ter evitado a cria ­ Um mundo livre onde ninguém peca ou mesmo
ção do mundo. Mas isso entra em conflito com o um mundo livre onde todos pecam e depois são sal­
Deus com pletam ente bom , pois tal Deus deve ter vos é concebível, mas não atingível. Enquanto todos
tido um bom motivo para criar o m undo, sabendo forem realmente livres, sempre será possível que al­
que haveria o pecado. Então por que o criou? guém se recuse a fazer o bem. É claro que Deus pode­
Havia outras alternativas melhores à disposição ria forçar todos a fazer o bem, mas então não seriam
de Deus. Ele poderia não ter criado nada. Poderia ter livres. Liberdade forçada não é liberdade. Já que Deus
criado um mundo amoral, onde nenhum pecado po­ é amor, ele não pode impor-se contra a vontade de
deria acontecer. Poderia ter criado um mundo livre, ninguém. Amor forçado não é amor; é estupro. E Deus
onde ninguém teria escolhido pecar. Poderia ter cri­ não é um estuprador divino. O amor deve agir persu­
ado um mundo onde o pecado acontecesse, mas to­ asivamente, mas não coercivamente. Portanto, em todo
dos fossem finalmente salvos. Qualquer desses m un­ mundo livre concebível alguém escolheria fazer o mal,
dos teria sido melhor que o mundo concebido pelo então um mundo sem mal e perfeito pode não ser
teísta cristão ortodoxo, no qual o m al acontece e possível.
nem to d o s serão salvos no fin a l (v. i n f e r n o ; Um mundo onde o pecado jam ais se materializa é
; u xivE R S A LiS M o ). 0 problem a assume
a n i q u i i .a c i o n i s m o concebível, mas pode não ser o mais desejável moral­
esta forma: mente. Se o mal não é permitido, então não pode ser
combatido. Semelhante aos carros, o mundo testado
1. Deus poderia ter escolhido uma alternativa é melhor que o mundo não testado. Em outras pala­
melhor ao: (a) não criar nada; (b) não criar vras, nenhum lutador de boxe pode derrotar um opo­
um mundo livre; (c) criar um mundo livre nente sem entrar no ringue. Deus pode ter perm iti­
que não pecasse; (d) criar um mundo que do o mal com o propósito de derrotá-lo. Se o mal
pecasse, mas em que todos fossem salvos. não é permitido, então as virtudes mais elevadas não
2. Mas Deus não escolheu nenhuma dessas al­ podem ser atingidas. Sem dor não há aperfeiçoa­
ternativas. mento. A tribulação produz a perseverança. Não há
3. Logo, Deus não fez o melhor. como experimentar a alegria do perdão sem perm i­
4. Mas fazer menos que o melhor é um mal para Deus. tir a queda no pecado. Então, o mundo onde o mal
5. Logo, não existe um Deus absolutamente per­ não é derrotado e os bens maiores são atingidos não
feito. seria o melhor mundo atingível. Portanto, apesar de
um mundo onde o pecado não acontece ser teologi­
Alguns teístas desafiam a quarta premissa, argu­ camente concebível, ele seria moralmente inferior.
mentando que Deus não precisa fazer o melhor; ele Conclusão. Ninguém jam ais dem onstrou que
apenas precisa fazer o que é bom. E o que ele fez ao qualquer mundo alternativo é m oralm ente melhor
criar este mundo foi bom, mesmo que pretensamente que o mundo que temos. Logo, nenhum antiteísta
pudesse ter sido algo melhor. Mas supondo, por amor pode dem onstrar que Deus não criou o melhor m un­
ao argumento, que Deus precise fazer o melhor, será do, mesmo com a privação do bem. Isso, é claro, não
que outra alternativa realm ente seria m elhor que significa que o teísta esteja com prom etido com a
este mundo? Os teístas respondem: “N ão!”. crença de que o mundo atual é o melhor mundo que
A ausência de mundo não é melhor que o m un­ poderia ser alcançado. Deus ainda não terminou sua
do. Nada não é melhor que algo. Esse é um erro clás­ obra, e as Escrituras prometem que algo melhor será
sico de categorias. Algo e nada não têm nada em alcançado. A suposição do teísta é que este mundo é
com um, então não podem ser com parados. Não é o melhor caminho para o melhor mundo atingível.
nem como com parar maçãs e laranjas, já que ambas
são frutas. É como com parar maçãs e a ausência de Fontes
maçãs, insistindo que a ausência é mais saborosa. 0 problema metafísico do mal
0 mundo sem liberdade não é moralmente m e­ A gostinho, C o n t r a a e p í s t o l a d o s , m a n i q u e u s .

lhor que o mundo livre. O mundo sem liberdade é ____, .4 c i d a d e d e D e u s.

amoral, já o livre-arbítrio é necessário para a m ora­ ____, S o b r e a n a t u r e z a d e D e u s.

lidade. O mundo amoral não pode ser moralmente ____, D a v e r d a d e i r a r e l ig iã o .


m a r M o rto , m a n u s c rito s do 540

T omás de A qitno, Compendium theologica. testado, esse processo é usado m oderadamente. M e­


___ , Suma teológica, tade de um pedaço de em brulho de linho de 50
gramas de um rolo da caverna 1 foi testado pelo Dr.
0 problema moral do mal W. F. Libby, da Universidade de Chicago, em 1950,
N. L. G e i s i .h r , Philosophy ofreligion. para dar uma idéia geral da idade da coleção. Os
___ , The roots ofevil. resultados indicaram a idade de 1 917 anos com a
G.W.L eibniz, Theodicy. variante de 200 anos (1 0 % ), que deixou a data entre
C. S. L ewis, 0 grande abismo. 168 a.C. e 233 d.C.
Tomás de A qitno, On evil. Datação paleográfica e ortográfica. A paleografia
0 problema físico do mal (estudo de formas antigas de escrita) e a ortografia
A g o s t in h o , Cidade de Deus. são mais úteis, indicando que alguns m anuscritos
A. C am u s , A peste. foram compostos antes de 100 a.C. Albright estudou
___ , The roots ofevil. fotografias do rolo completo de Isaías e determinou
sua data por volta de 100 a.C. “Que descoberta incrí­
C .S. L ewis, Oproblema do sofrimento.
vel!”, escreveu. “E felizmente não há a menor dúvida
A. P i.antinga, God, Freedom, and evil.
no mundo quanto à genuinidade do m anuscrito”
F. M. V o l t a ir e , Cândido,ou O otimista.
(ibid.,p. 55).
Datação arqueológica. Evidências corroborativas
m ar Morto, manuscritos do. A descoberta dos m a­
de uma data antiga vieram da arqueologia. Os vasos
nuscritos do mar Morto ( m m m ) em Qumran, a partir
contendo os manuscritos eram do fim da era helénica
de 1949, teve im plicações apologéticas significati­
(c. 150-63 a.C.) e começo da romana (c. 63 a.C.-100
vas. Esses textos antigos, escondidos dentro de vasos
d.C.). Moedas encontradas nas ruínas do mosteiro
em cavernas nas m ontanhas por uma comunidade
provaram, pelas inscrições, que foram cunhadas en­
religiosa m onástica, confirmam a confiabilidade do
tre 135 a.C. e 135 d.C. A trama e o padrão do tecido
texto do AT. Eles oferecem porções importantes dos
apoiavam uma data antiga. Evidências também vie­
livros do AT — até livros inteiros — que foram copi­
ram das descobertas de Murabbaat ao sul de Belém,
ados e estudados pelos essênios. Esses manuscritos
onde manuscritos datados foram descobertos em 1952.
são datados a partir do século ni a.C. e , assim, nos
Com datas de 132-135 d.C., elas provaram ser paleo-
oferecem o primeiro vislumbre conhecido até ago­
graficam ente mais jovens que os m m m (Zeitlin). No
ra dos textos dos livros do at e suas profecias. Os
final, não havia sombra de dúvida de que os manus­
textos de Qumran tornaram -se testem unho im por­
critos de Qumran vieram do século i a.C. e do século i
tante da origem divina da Bíblia (v. p r o f e c ia c o .m o
d.C. Assim, eles são mil anos mais velhos que os ma­
prova da B í b l ia ) . Dão maior evidência contra a críti­
nuscritos massoréticos do século x. Antes de 1947, o
ca b íb lica negativa (v. B í b l i a , c r ít ic a d a ) de livros
texto hebraico era baseado em três manuscritos par­
cruciais como Daniel e Isaías (v. D a n ie l , datação d e ;
ciais e um completo que datavam de cerca de 1000
A n t ig o T e s t a m e n t o , m a n u s c r it o s d o ; r e d a ç ã o do A n t ig o
d.C. Agora, milhares de fragmentos estão disponíveis,
T e s t a m e n t o , c r ít ic a d a ).
assim como livros completos, contendo grandes par­
Os mmm datam desde o século ui a.C. até o século i tes do a t de um milênio antes do tempo dos manus­
da era cristã. Contêm um livro completo do at, Isaías critos massoréticos.
(v. I s a ía s , D e u t e r o ) e milhares de fragmentos, que ju n ­ A poio p a ra o texto m assorético. A natureza e o
tos representam todos os livros do at , exceto Ester. número dessas descobertas são de valor crítico para
William F. A l b r ig h t denominou essa “a m aior desco­ o estabelecimento do texto verdadeiro (v. A n t i g o Tes­
b erta de m an u scritos dos tem pos m odernos” (v. ta m en to , m a n u s c r it o s d o ). Com fragmentos incontáveis
Trever, p. 55). do a t inteiro, h á amostras abundantes com que com­
D atação dos m anuscritos d o m ar M orto. As da­ parar o texto massorético. A evidência indica as se­
t a s s ã o i m p o r t a n t e s , mas não cruciais, para o valor guintes conclusões gerais.
a p o lo g é tic o d o s mmm . A datação usou várias linhas Confirmação do texto hebraico. Os m anuscritos
d e e v id ê n c ia . confirm am de form a surpreend ente a fidelidade
Datação com carbono 14. A datação com carbono com que o texto hebraico foi copiado no decorrer
14 é u m a f o r m a científica confiável de datação quando dos séculos. Até as cópias m assoréticas do século i ,
aplicada a m a t e r i a l não contaminado de até vários m i­ poucos erros surgiram. Millar Burro ws, em TheDead
lhares d e a n o s de idade. Já que destrói parte do material Sea scrolhy escreve:
541 m a r M o rto , m a n u s c rito s do

É de admirar que durante mil anos o texto tenha sofrido Jeremias. 0 fragmento de Jerem ias apóia es­
pouquíssimas alterações. Como disse no meu primeiro artigo sas omissões.
sobre o rolo |de Isaías): “Aqui está a maior importância, o apoio 6. Na caverna 11, uma cópia do Salmo 151, que
àfidelidadeda tradição massorética”(Burrows,p.304). era desconhecida até então no texto hebraico,
foi encontrada, apesar de aparecer na l x x .
R. Laird Harris mostra que “evidentemente a dife­ Alguns livros apócrifos, que antes só eram
rença entre o textos-padrão de 900 d.C. e o texto de conhecidos na l x x , tam bém foram encontra­
100 a.C. não é tão grande quanto a diferença entre os dos entre os m anuscritos hebraicos nas ca­
textos Neutro e Ocidental no estudo do n t ” (Harris, p. vernas de Qumran (Vermes, p. 296).
99). Gleason Archer observa que as duas cópias de
Isaías descobertas na caverna 1 em Qumran “prova­ Esse quadro não deve de forma alguma ser visto
ram ser palavra por palavra idênticos à nossa Bíblia uniformemente, já que não há tantas diferenças entre
hebraica em mais de 95% do texto. Os 5% de variação os mmm e o texto m assorético. Em alguns casos, as
consistiam principalm ente em distrações óbvias do variações não concordam coerentemente com a l x x ;
escriba e variações de ortografia” (Archer, p. 19). Vol­ em outros, nem concordam. Mas até Orlinsky, que é
tando à questão original e “mais importante” levanta­ um dos maiores defensores do texto massorético con­
da pelo erudito do a t Frederic Kenyon (1863-1952) tra emendas propostas baseadas nos mmm , admite:
uma geração atrás, pode-se afirmar agora com mais
confiança que nunca que o texto hebraico moderno Aversão ixx, tanto quanto o texto massorético, ganhoumui-
representa fielmente o texto hebraico escrito origi­ to respeito, com o resultado das descobertas de Qumran em
nalmente pelos autores do Antigo Testamento. As des­ certos círculos onde havia muito tempo tal respeito era neces­
cobertas do mar Morto nos capacitaram a responder sário (citado em Wright, 121).
a essa questão com muito mais segurança do que era
possível antes de 1948 (Bruce,p. 61-9). Esclarecimento do n t . Alguns fragmentos dos mmm
Apoio à Septuaginta. Já que o Novo Testamento foram identificados com o os pedaços mais antigos
cita muitas vezes a versão grega do a t , a Septuaginta do n t que se conhecem. Além disso, as expectativas
( l x x ) , a confiabilidade desse texto é importante, e s ­ m essiânicas revelam que a visão do n t de um Deus-
pecialmente onde é citada no n t . Os m m m dão apoio Messias pessoal que ressurgiria dos m ortos está de
à l x x e respondem a perguntas sobre variações entre acordo com o pensamento judaico do século i.
o hebraico e a l x x grega: Os fragmentos do n t ? José 0 ’ C a l i .a h a n , paleógrafo
jesuíta espanhol, foi manchete em todo o mundo em
1. Um fragmento contendo Deuteronômio 32.8 1972, quando anunciou que havia traduzido um pe­
diz: “segundo o número dos filhos de Deus”, daço do evangelho de M arcos num fragm ento dos
term o que é traduzido “anjos de Deus” pela m m m . Essa seria a mais antiga porção do evangelho

l x x , como em Gênesis 6.4 (m argem ); Jó 1.6; de M arcos já descoberta. Fragmentos da caverna 7


2.1; e 3 8 .7 .0 texto massorético diz: “segundo haviam sido datados entre 50 a.C. e 50 d.C.; eram
o número dos filhos de Israel”. consid erad os “não id en tifica d o s” e cla ssifica d o s
2. O texto m assorético de Êxodo 1.5 diz “seten­ com o “textos bíblicos”. 0 ’Callahan posteriorm ente
ta” pessoas. Um fragmento dos m m m d e Êxodo identificou nove fragm entos. A coluna central na
1.5 diz “setenta e cinco” pessoas, de acordo tabela seguinte usa o sistem a num érico estabeleci­
com a l x x . do para os manuscritos. Por exemplo, “7 q5 ” significa
3. Hebreus 1.6fr. “E todos os anjos de Deus o fragmento 5 da caverna 7 de Qumran.
adorem ” é um a citação da l x x de Deutero­
nôm io 32.43. Essa citação não concorda com
Marcos 4.28 7 q 6? 50 d.C.
o texto massorético, mas os fragmentos dos
Marcos 6.48 7q 1 5 d.C.?
m m m que contêm essa passagem tendem a
Marcos 6.52,53 7q5 50 d.C.
confirm ar a l x x .
Marcos 12.17 7q 7 50 d.C.
4. Isa ía s 9 .6 diz: “ela o c h a m a rá ” no texto
Atos 27.38 7 q 6? 60 d.C.
m assorético, mas a l x x e agora o grande rolo
Romanos 5.11,12 7q9 + 70 d.C.
de Isaías diz: “o seu nome será”, por causa de
1Timóteo 3.16; 4.1-3 7q4 + 70 d.C.
uma consoante a menos do alfabeto hebraico.
2Pedro 1.15 7q 10 + 70 d.C.
5. A versão grega de Jeremias tem 60 versículos
Tiago 1.23,24 7q 8 + 70 d.C.
a menos (um oitavo) que o texto hebraico de
m a r M o rto , m a n u s c rito s do 542

Sim patizantes e críticos reconheceram desde o no xt descrevem precisam ente a expectativa judaica
princípio que, se válidas, as conclusões de 0 ’Callahan de um M essias individual e pessoal que morreria e
revolucionariam as teorias atuais sobre o x t . 0 Xew ressuscitaria dos m ortos. Um fragm ento chamado
York Times relatou: “Se a teoria do padre 0 ’Callahan “Florilégio de Gênesis” (4q252) reflete a crença num
for aceita, isso provará que pelo menos um dos evan­ M essias individual que seria descendente de Davi.
gelhos — o de são Marcos — foi escrito apenas al­ “Coluna 5 (1) (o) Governo não passará da tribo de
guns anos após a m orte de Jesus”. A United Press Judá. Durante o domínio de Israel, (2) um descen­
International ( lpi ) observou que as conclusões do dente davídico no trono [não] cessará [...] até que
je su íta significavam que “as pessoas m ais p ró xi­ venha o M essias da Justiça, a Raiz de (4) Davi” (v.
mas dos eventos — os seguidores originais de Je ­ Eisenm an,p. 89).
sus — consideravam o registro de M arcos preciso Até a divindade do M essias é confirm ada pelo
e confiável, não um mito, mas verdadeira história” fragmento conhecido por “O Filho de Deus” (4q246),
(ibid., p. 137). A revista Time citou um teólogo que Placa 4, colunas 1 e 2: “A opressão estará sobre a terra
afirm ou que, se ele estiver correto, “podem fazer [...] [até] o Rei do povo de Deus surgir, [...] e se
uma fogueira com as 70 toneladas de indigesta eru­ tornará [gra]nde sobre a terra. ]...]Todos [f]arão as
dição alem ã” (Estrada, p. 136). [pazes,] e todos [o] servirão. Ele será chamado [fi­
É claro que os críticos de 0 ’Callahan se opuse­ lho do [Gr]ande [Deus;] pelo Seu nome será desig­
ram à sua identificação e tentaram descobrir outras nado [...] Ele será chamado filho de Deus; eles o cha­
marão filho do Altíssimo”(ibid., p. 70).
possibilidades. Por causa da natureza fragm entária
O fra g m en to “O M essias do céu e da te rra ”
dos m anuscritos, é difícil ser dogmático quanto às
identificações. No entanto, 0 ’Callahan oferece um a
(4 q521) m en cion a até a ressu reição do M essias:
“(1 2 ) então ele curará os enferm os, ressuscitará os
possibilidade plausível, apesar de revolucionária. Se
m ortos, e aos hum ildes anunciará boas novas de
a identificação de um único desses fragmentos com o
alegria” (ibid., 23; v. 6 3 ,9 5 ).
p a rte nt é v álid a , e n tã o as im p lic a ç õ e s p ara a
Os MMM tam bém confirm am que Qum ran não
apologética cristã são enorm es. Estaria com prova­
foi a fonte do cristianism o primitivo. Há diferenças
do que o evangelho de M arcos foi escrito durante a
importantes entre seu conceito do “Mestre de Justi­
vida dos apóstolos, contem porâneos dos eventos.
ça” , a p a re n te m e n te um a e sp e ra n ç a m e ssiâ n ic a
A data anterior a 50 d.C. não permite acréscim os
essênia, e o Jesus revelado nas E scrituras e no cris­
e modificações mitológicos aos registros. Eles teri­
tianism o prim itivo. As diferenças são suficientes
am de ser aceitos como históricos. Também seria
para m o stra r que o cristia n ism o p rim itiv o não
d em on strad o que M arcos foi um dos p rim eiro s
era apenas uma ram ificação dos essên ios, como
evangelhos. Além disso, já que esses m anuscritos não
se im aginou (v. B illin g to n , p. 8 -1 0 ). Os essênios
são originais, mas cópias, isso revelaria que o Novo
enfatizavam o ódio aos inim igos; Jesus enfatizou
Testamento foi “publicado” — copiado e d issem i­
o amor. Os essênios eram exclusivistas com rela­
nado — ainda durante a vida dos autores. Isso tam ­
ção às m ulheres, pecadores e estrangeiros; Jesus
bém revelaria a existência do cânon do x t durante
o aceitava. Os essênios eram sabatistas legalistas;
esse período inicial, com trechos representando cada Jesus não era. Os essênios enfatizavam as leis de purifi­
parte principal do n t : os evangelhos, Atos e epístolas cação judaicas; Jesus atacou-as. Os essênios acredita­
paulinas e gerais. vam que dois messias viriam; os cristãos acreditavam
0 fragmento de 2 Pedro argumentaria a favor da que Jesus era o único Messias (v. Charlesworth).
autenticidade dessa controvertida epístola. A ausên­ C on clu são. Os m m m dão um a c o n trib u iç ã o
cia de fragm entos das obras de João pode indicar apologética im portante para o estabelecim ento da
que foram escritas mais tarde (80-90 d.C.), em con­ confiabilidade geral do texto do a t hebraico, pois
cordância com as datas tradicionais. Com todas es­ contêm as cópias mais antigas dos livros do a t e até
sas conclusões revolucionárias não é de admirar que livros inteiros. Isso é im portante para dem onstrar
sua autenticidade esteja sendo desafiada. que as profecias do at realm ente foram proferidas
Expectativas judaicas sobre o Messias no século i. séculos antes de se cumprirem. Além disso, é quase
Os MMM também revelaram textos que, apesar de não certo que os m m m dão apoio ao x t . Eles podem con­
se referirem ao Cristo do x t , têm alguns paralelos in ­ ter os primeiros fragmentos conhecidos do n t e de­
teressantes, além algumas diferenças significativas. As fin itiv a m e n te co n têm re fe rê n c ia s a cre n ça s
sem elhanças que confirm am o quadro encontrado m essiânicas semelhantes às ensinadas no x t .
543 M a ria , a p a riç õ e s d e

Fontes Muitas das aparições têm explicação científica ou


W. F. A lbright, Archaeology o f Palestine. são uma espiritualização de fenômenos naturais (por
G. L. A rcher, Jr., Merece confiança o Antigo Testamento< exemplo, a formação de uma nuvem ou o reflexo de
C. B ii i iNGTON,“T he D ead Sea scrolls in early luz num a ja n e la ). Algum as ap resen tam todas as
C hristianity”, rat, Jan.-M ar. 1996. caracteríscas de alucinaçãos. Do pequeno número de
E. M. B l a ik l o c k , et al., The new international eventos que fogem a explicações puramente naturais,
dictionary o f biblical archaeology. alguns podem ser explicados como ilusões demonía­
F. F. B ri ce, Second thoughts on the Dead Sea scrolls. cas. As poucas aparições com base objetiva na reali­
M. B urrows, The Dead Sea scrolls. dade apresentam sinais de ilusão satânica caracterís­
J.CHARLESHORTH.et al., Jesus and the Dead Sea scrolls. ticos de falsos milagres (v. m i l a g r e s f a l s o s ) . A s apari­
ções não têm características específicas de milagre
E. M . C o o k , SoWingthe mystery oftheDeadSea
verdadeiro, como descrito nos artigos m i l a g r e e m i l a ­
scrolls.
g r e s , v a l o r a p o l o g é t i c o d o s . Tendem a ser associadas à
R. E is e n m a x , et al., A descoberta dos manuscritos do
adoração de uma estátua, crucifixo ou ícone, o que é
mar Morto
uma forma idólatra de adoração (v. Êx 20.4). Algumas
R . L. H arris, Inspiration and canonicity o f the Bible.
envolvem comunicação com os mortos (v. Dt 18.11) e
J. C. T rever,“T he discovery o f the scrolls”, ba 11
falsos ensinamentos (v. lTm 4 ), tais como a veneração
(Sept. 1948)
a Maria ou a relíquias (v. Geisler e MacKenzie, cap. 15).
J. V a n d e r K a m , O s manuscritos do mar Morto hoje.
Também há ocorrências semelhantes em outras
G. V e r m e s , The Dead Sea scrolls in English.
religiões; portanto, quaisquer reivindicações confli­
___ , The essene writings o f Qumran.
tantes com a verdade são nulas, já que duas reivindi­
D. E. W hite e W. W h ite , Jr., Thefirst New Testament.
cações opostas à verdade não podem ser apoiadas
G. E. W , org., The Bible and the ancient Near
r ig h t
se a evidência é do mesmo tipo. Budistas (v. b u d i s m o )
East.
têm visões de Buda, hindus ( v . h i n d l t s m o ) , de Krishna,
S. Z eitlix , s.4, Dec. 1963.
e muitos adeptos de seitas têm visões de formas não-
___ , The Dead Sea scrolls and modern
bíblicas de Jesus Cristo. A Igreja de Jesus Cristo dos
scholarship.
Santos dos Últimos Dias (mórmon) é em grande parte
fundamentada em aparições angélicas a Joseph Smith
M aria, ap arições de. Muitos afirmam a legitim ida­ e sustentada por visões experimentadas pelos “apósto­
de de aparições da Virgem Maria ou outros santos. los” da igreja, só que o “Cristo” mórmon é irmão de
Essas aparições são às vezes usadas como prova para Lúcifer e resultado da união sexual entre Deus (que
alguma doutrina ou reivindicação de verdade ligada à tem um corpo físico) e Maria.
Igreja Católica Rom ana. São milagres verdadeiros? Há muitas visões e aparições contraditórias e in­
Têm algum valor apologético no estabelecimento da coerentes, mas nenhum visionário devoto foi capaz
verdade? de substanciar suas afirmações, como Jesus fez (v. C r is ­
O valor apologético das aparições. As aparições t o , s i n g u l a r i d a d e d e ) , realizando milagres inéditos e ob­

de Maria não estão realmente ligadas a qualquer rei­ jetivamente comprováveis (v. m i l a g r e s n a B í b l i a ; r e s ­
vindicação específica da verdade (v. m il a g r e s , v a lor s u r r e iç ã o , e v id ê n c ia s d a ).
apologético do s ). Maria jam ais declarou que era Deus Conclusão. Seja qual for a posição que as apari­
em carne, tampouco passou a provar isso com m ila­ ções de Maria possam ter como eventos incomuns,
gres. As reivindicações de veracidade geralmente são elas não subsistem com o verdadeiros m ilagres (v.
feitas pelos que viram a aparição. Geralmente não m i l a g r e ; m i l a g r e s , m A g i c a e ) . Ao contrário, sua associ­

fica claro qual seria a afirmação específica. ação a práticas ocultas e falsos ensinam entos de­
M esm o quando afirm ações específicas são a s­ m onstra que não são atos sobrenaturais de Deus.
sociadas ao evento, a suposta natureza milagrosa do Como não estão ligadas a afirmações claras da ver­
evento é refutável. As principais autoridades católi­ dade e não são eventos singulares, pois têm para­
cas romanas rejeitam a autoridade das supostas apa­ lelo em outras religiões, não têm valor apologético
rições de Maria. A m aior parte dessas aparições é no no estabelecimento da verdade (v. m i l a g r e s , v a l o r
de natureza experimental básica, e isso levanta ques­ a p o l o g é t ic o d o s ).

tões sobre a validade do restante das afirmações. Na


melhor das hipóteses, as aparições acrescentam um Fontes

toque de confusão ao debate d outrinário, e Deus N. L. G eisler,Miracles and the modem mind.
não é Deus de confusão. ___ , Signs and wonders.
M a r tin , M ic h a e l 544

______ & R . E . M a c k e n z ie , Roman catholics and John A. T. Robinson datam os evangelhos entre 40 e 65
evangelicals: agreeinents and differences. d.C. (v. Robinson, 352).
A. Koii,M iracIeand magic. V ários argum entos a favor de uma data anteri­
E .M iL L E R e K . S A M P L E S , T h ecu lto f the Virgin:catholic or a 70 d.C. podem ser fornecidos. A m aioria dos
mariology and the apparitions ofMary. teólogos data M arcos entre 6 0 -7 0 , ou, mais preci­
G. P e t e r , Indonésia revival sam ente, 65 -7 0 . M artin afirm a erroneam ente que
“A m a z i n g ” R A N D Y , Thehealers. M arcos não foi m encionado até a m etade do sécu­
B. B. W a r f ie l d , Counterfeit miracles. lo ii. Papias refere-se a M arcos durante o prim eiro
quarto do século u. M artin tam bém erra ao afirm ar
Martin, Michael. Michael Martin, crítico bíblico do que Lucas não era conhecido por Clemente, Inácio
final de século xx, escreveu The case against Christia- ou Policarpo. Os três evangelhos sinóticos são cita­
nity [0 argumento contra o cristianismo] para argu­ dos por eles, incluindo-se o texto da ressurreição
m entar que Jesus não é uma personagem histórica. de Lucas 24. M artin afirm a que Clemente não deixa
Ele afirma que a primeira camada dos quatro evange­ claro se os discípulos receberam instruções de Je ­
lhos não é histórica, que Paulo não estava interessado sus na terra. Mas Clemente escreveu: “Os apóstolos
no Jesus histórico e que Jesus, se é que existiu, não receberam do senhor Jesus Cristo o Evangelho que
ressuscitou dos mortos. nos pregaram : Jesus Cristo foi enviado por Deus”
Avaliação. Uma crítica às teorias de M artin co­ (1 Clemente 4 2). O argum ento de M artin contra as
meça com o que o próprio Martin aceita com relação datas anteriores é derrubado. E quando os evange­
às primeiras epístolas de Paulo (v. N ovo T estam ento , lhos são colocados na m esma geração que as teste­
datação do ; N ovo T estamento , historicidade do ; N ovo T e s ­ m unhas oculares e contem p orâneas dos eventos
tamento , manuscritos d o ). Martin aceita a autenticidade (como acontece com as datas anteriores ao ano 70),
de algumas das primeiras epístolas, inclusive 1 e 2 há boa evidência para a historicidade de Jesus (v. Novo
Coríntios e Gálatas. Nessas cartas, Paulo afirmou que T estamento , historicidade do ).
Jesus morreu e ressuscitou (IC o 15), que os apósto­ O teólogo radical John A. T. Robinson passou a
los estavam em Jerusalém quando Jesus morreu (G1 acreditar que uma data posterior é insustentável. Ele
1.17), onde os visitou duas vezes, uma vez após sua situa os evangelhos entre 40 e 6 0 .0 estudioso inglês de
conversão (Gl 1.18,19) e catorze anos depois (2.1- história romana Colin Hemer demonstrou que Lucas
10), tendo tam bém se encontrado com Pedro em escreveu Atos entre 60 e 62. E Lucas diz ali que seu
Antioquia (Gl 2.11-14). Paulo não só foi contem po­ evangelho já estava pronto (v.At 1.1; cf. Lc l.l).A m a i-
râneo dos apóstolos com o estava no m esm o nível oria dos críticos acredita que M arcos e/ ou Mateus
que eles (IC o 9 .1 ). Ao contrário de M artin, Paulo foram escritos antes de Lucas. Isso colocaria os três
conheceu Tiago, o “irm ão do Senhor” (IC o 9 .5 ; Gl no período dos contemporâneos de Jesus e das teste­
1.18,19). Esse é o sentido natural dessas passagens. munhas oculares (v. N oto T estamento , datação do ).
Além disso, Josefo chamou Tiago de “irm ão de Uso de fon tes extrabíblicas. O uso de fontes
Jesu s”, não de um a facção de Jeru salém (Jo sefo , extrabíblicas por M artin é inconsistente. Ele rejeita
20.9.1). Na verdade, os quatro evangelhos falam dos de modo errôneo a referência de Josefo a Jesus. Até
irm ãos de Jesus no contexto de sua família terrena cita incorretam ente duas autoridades com o favorá­
(M t 12.46,47; Mc 3.31,32; Lc 8.19,20; Jo 7.5). Não há veis à sua teoria, F. F. B ruce e John Drane. Como a
evidência antiga do contrário. m aioria dos teólogos, Bruce é cético com relação à
Paulo menciona outros detalhes sobre a vida de interpretação de um texto de Josefo, segundo o qual
Jesus (2Co 5.16, 21). Assim, não é verdade que não ele parece acreditar na ressurreição de Cristo. Mas
existe evidência da historicidade de Jesus. Até m es­ Bruce aceita claramente a autenticidade da referên­
m o a primeira camada de material aceita por M artin cia de J o sefo a Cristo com o figura histórica. Drane
revela detalhes básicos sobre a m orte e ressurreição declarou: “A maioria dos teólogos não têm dúvida da
de Cristo. autenticidade” da maior parte dessa citação. Portanto,
Datação posterior dos evangelhos. Também há boas as m esm as pessoas que Martin usa para derrubar as
razões para rejeitarmos as datas posteriores sugeridas citações de Josefo afirmam que essas citações demons­
por Martin, entre 70 e 135, para os evangelhos. Uma tram que Jesus foi uma personagem histórica do co­
vez provada a falsidade dessa premissa, qualquer de meço do século i.
seus argumentos contra a historicidade de Jesus pode Crítica à ressurreição. M artin acred ita que as
ser derrubado. Até m esm o teólogos radicais com o d iscre p â n cia s e n tre evang elhos d esa cre d ita m a
545 M a rx , K arl

ressurreição. A questão sobre quem eram as mulhe­ folie a deus. Tiveram ilusões divinas. Mas sua alegação
res que estavam no túmulo e quando estiverem lá é é puramente circunstancial. Além disso, os discípulos
um exemplo disso. Mateus diz que as mulheres eram não demonstram sintomas de perturbação mental. Na
Maria Madalena e a outra Maria. M arcos acrescenta realidade estavam tão convencidos e foram tão con­
Salomé às duas M arias. Lucas acrescenta Joana às vincentes que se mostraram dispostos a morrer por
duas Marias. João refere-se apenas a Maria Madalena. seu testemunho, o mesmo acontecendo com seus des­
A resposta a esse problema não é difícil. Espera-se cendentes espirituais. Psicoses do tipo folie a deus não
diferenças entre registros independentes. Se não hou­ apresentam nesse caso nenhuma evidência a favor e
vesse diferenças de perspectiva, os registros seriam muita evidência contra.
altamente suspeitos. Para uma discussão mais deta­ C onclusão. M artin não pode apoiar sua a fir­
lhada das mulheres na ressurreição, v. ressurreição de m ação de que Jesus não é sequer personagem his­
C risto , evidências da. A discrepâncias são conciliáveis
s
tórica. M esmo partindo de suas prem issas, é possí­
(v. B íblia , supostos erros ; ressurreição , ordem dos eventos vel dem onstrar a historicidade de Jesus. Além dis­
da ). No caso das mulheres no túmulo, Marcos e Lucas so, há forte razão para rejeitar as datas posteriores
indicam que outras mulheres faziam parte do grupo de M artin para os evangelhos. Uma vez que as datas
(Mc 15.40,41; Lc 23.55; 24.10). João cita Maria usando anteriores são reconhecidas, a historicidade de Je ­
a expressão “não sabemos” (20.2), demonstrando que sus é óbvia; apenas os detalhes são deixados para o
ela não estava sozinha e que esse não era um relatório debate.
exaustivo sobre as visitantes da sepultura.
Martin também aplica mal sua analogia da evi­
Fontes
dência sobre Cristo a ser apresentada num tribunal. Os
K . A l a s d e B. A l a x d , The text o) the New Testament.
críticos são mais ansiosos para alistar incoerências que
B i .o m b e r g , T h eh isto ric a lrelia b ü ity o fth eG o sp els.
para dar ao texto uma leitura justa. O padrão para
F. F. B r l -a . M erece con fian ça o Novo Testamento?
evidência atual é diferente daquele usado por teste­
C l e m e n t e p t A l e x a n d r ia , Strom ata.
munhas do século i. Comparados a outras histórias, os
F l á v io Jo s i .f o , H istória d os hebreus.
evangelhos são excepcionalmente bem atestados. O
R . T. F r a x c e , The e v id en ce fo r Jesus.
propósito dos evangelhos, no entanto, não era apre­
G . H a b e r m a s , The verdict ofhistory.
sentar depoimentos ou testemunhos do banco de tes­
F H . M a r s h a l l , I b elieve in the h istorical Jesus.
temunhas, pois de fato são narrações independentes
M . M a r t i n , The ca se against Christianity.
com a perspectiva da fé. A ressurreição pode ser com ­
B. M e t z g e r , The text o fth e New Testament.
provada independentem ente da historicidade dos
|.\V .M o x k ;o m e r v , C hristianity a n d historv.
evangelhos a partir de fatos aceitos por quase todos
______, The sh ap e o fth e past.
os críticos (v„ p. ex., Habermas, cap. 5).
). A . T . R o b in s o n , R edatin g the New Testament.
0 testemunho de Paulo a fav or da ressurreição.
A . X . S iie r w t x - W h it e , R onian s o c ie ty a n d R om an law
Martin e muitos outros críticos aceitam a autentici­
in the New Testament.
dade de 1Corindos 15 e de sua datação (cerca de 55-
G . A . W e l l s , D id Jesu s cxist?
56 d.C). Esse capítulo sozinho é letal para o argu­
mento de Martin. Paulo registrou relatórios de tes­
Mártir, Justino. V. J ustino M á r t ir .
temunhas oculares pelo m enos cinco anos após os
eventos e no máximo 25 anos depois, além de seu
próprio registro de testemunha ocular de uma apa­
Marx, Karl. Um dos ateus modernos (1 8 1 8 -1 8 8 3 )
rição após a ressurreição de Cristo. Temos outros mais influentes (v. a teísm o ). Seus pais eram alemães
dados para confirm ar o testem unho de Paulo. Por de origem judaica que se converteram ao luteranismo
exemplo, o material doutrinário de Paulo é um dado quando ele tinha seis anos. Fortem ente influenciado
favorável. Apesar da negação de Martin, os evange­ pelo idealismo de G. W. E H egel (1770-1831), de quem
lhos foram escritos cedo o suficiente para co n fir­ foi a lu n o , ad oto u o a te ís m o do co leg a Ludw ig
mar os eventos. E sermões em Atos confirmam isso F euerbach (1804-1872). Depois de alguma atividade
(At 2 , 1 0 , 1 3 ; v. A t o s historicidade d e ). Nesses sermões, política radical, que levou à sua expulsão da França
são fornecidos detalhes históricos (Jesus comendo (1845), uniu-se a Friedrich Engels para produzir o
com os discípulos). Na verdade, o tema comum dos Manifesto com unista (1 8 4 8 ). Com o apoio econô­
sermões é a ressurreição. mico do com ércio têxtil próspero de Engels, Marx
Lista de “ilusões”de Martin. Martin afirmou que os passou vários anos pesquisando no Museu Britâni­
discípulos eram vítim as de uma psicose chamada co para produzir O capital (1867).
M a rx , K arl 546

Deus e religião. Quando universitário, Marx ia serviço que deve ser prestado a Deus é fazer do
era um ateu militante que acreditava que a "critica ateísm o um artigo com pulsório de te e p roibir a
da religião é a base de toda crítica”. Para essa critica, religião com pletam ente (ibid., 143). Marx jeita até
Marx baseou-se grandemente num hegeliano jovem o a g x o s t ic is m ü :
e radical chamado Feuerbach.
Engels talou da "influência que Feuerbach, mais Oque, na realidade, é o agnosticismo além de. para usar um
que qualquer outro filósofo pós-hegeliano, teve so­ termo expressivo de Lancashire, materialismo “envergonha­
bre nós” (Marx and Engels on religion [A/ur.v e Engels do”?A concepção agnóstica da natureza é completamente ma­
sobre religião], p. 214). Ele comentou entusiasmado a terialista (ibid., p. 295).
obra A essência do cristianismo, de Feuerbach, que
“com um golpe [...] pulverizou |a religião] [...] pois
Marx estava convencido de que a religião morreria
sem evasivas colocou o materialism o no trono no­
imediatamente quando o socialismo fosse adotado.
vamente” (ibid., p. 224). Marx extraiu estes três prin­
Como a religião é reflexo do mundo real, não desapare­
cípios de Feuerbach:
cerá até “as relações práticas do cotidiano oferece­
Prim eiro, “o homem é a essência mais elevada
rem ao hom em nada menos que relações perfeita­
para o homem” (ibid., p. 50). Isso significa que há o
mente inteligíveis e razoáveis em relação a seus se­
imperativo categórico de derrubar tudo — princi­
melhantes e à natureza” (ibid., p. 136).
palmente a religião — que rebaixe a humanidade.
Segundo, “o homem faz a religião; a religião não faz o A utopia comunista deveria ser realizada antes do
homem” (ibid., p. 41). Religião é a autoconsciência do fim da religião.
ser humano que se sente perdido e sem identificação Seres humanos. O marxismo defende a visão ma­
com um “Deus”. Terceiro, a religião é “a reflexão fan­ terialista da origem humana e da natureza (v. m a t e r ia ­

tástica na mente humana sobre as forças externas que l is m o ). Isso, é claro, implicou a evolução naturalista. O
controlam seu cotidiano, a reflexão na qual as torças capital veio oito anos depois de A origem das espécies,
terrestres assumem a forma de forças sobrenaturais” de Charles D a r w in , ser publicado em 1859. A evolução
(ibid., p. 147). Deus é projeção da imaginação huma­ foi uma adição útil à estrutura materialista de Marx.
na. Deus não fez o ser humano a sua imagem; o ser “A mente é produto da matéria.” Isto é, a mente evo­
humano fez um Deus à sua imagem (v. Sigmunh Fkf.it>). luiu da matéria. A matéria sem vida sempre existiu (v.
O a t e í s m o de Marx, no entanto, foi bem além de e v o l u ç ã o c ó s m ic a ). A matéria sem vida produziu a vida
Feuerbach. Marx concordava com os materialistas em (v. e v o l u ç ã o q u ím ic a ) e, finalmente, a matéria sem inte­
que “a matéria não é produto da mente, mas a mente ligência produziu a inteligência (v. evo lução b io l ó g ic a ).
é o produto mais elevado da matéria” (ibid., p. 231). M arx escreveu sua tese de doutorado na Uni­
Marx fazia objeção a Feuerbach porque este não se­ versidade de Jena (1 841) sobre as filosofias m ate­
guia as implicações de suas idéias no âmbito social,
rialistas dos filósofos gregos Epicuro e Dem ócrito.
pois “ele não pretende ab olir a relig ião; quer
Acrescentando o apoio da evolução danviniana, ele
aperfeiçoá-la” (ibid., p. 237). “Feuerbach", raciocinou
poderia explicar, sem Deus, a origem da vida hu­
Marx, “não vê que o ‘sentimento religioso’ é um pro­
m ana com o produto dos processos evolutivos no
duto social” (ibid, p. 71). Assim,“ele não se apodera do
m undo m aterial.
significado de ‘revolucionário’, da atividade ‘prático-
Marx descartou a filosofia pura como especula­
crítica”’(ibid., p. 69). Nas palavras do slogan do mar­
ção, com parada à tarefa vital de mudar o mundo
xismo, “a religião é o ópio do povo” (ibid., p. 35). As
(M arx, Selected writings in sociology and social
pessoas tomam a droga da religião
philosophy [Escritos selecionados sobre sociologia e fi­
porque este mundo não é adequado para assegurar ao ho­ losofia social], p. 82). Logo, não estava muito interes­
mem sua realização completa e seu desenvolvimento integrado, sado no materialismo filosófico. Conto materialista,
[então] ele compensa isso com a imagem de um mundo diferen­ não negou completamente a mente. Acreditava que
te, perfeito (ibid., p. 36). tudo sobre o homem, inclusive a mente, era deter­
minado pelas condições materiais:
Na concepção marxista d o surgimento evolutivo
do universo, não há espaço para um Criador ou Go­ Para nós, a mente é um modo de energia, uma função do
vernador (v. e v o l u ç ã o biológica ). O ser supremo do cérebro; tudo que sabemos é que o mundo material é gover­
d e í s m o , que está isolado d e todo o mundo existen ­ nado por leis imutáveis, e assim por diante (Marx, Marx and
te, é uma contrad ição. M arx concluiu que o único Engels on religion p. 298).
547 M a rx , K arl

Essa teoria se ajusta ao que os filósofos chamam A natureza da dialética da história m oderna é
epifenomenalismo, que defende que a consciência é que a tese do capitalismo é confrontada pela antíte­
imaterial, mas dependente de coisas m ateriais para se do socialismo, que abrirá caminho para a síntese
sua existência. Certamente a vida após a morte era suprema do comunismo. A história é predetermina­
ilusão (v. i m o r t a l i d a d e ) . da como o curso das estrelas, mas as leis que gover­
Karl Marx estava mais interessado no ser social nam a história não são mecânicas, e sim econômicas
concreto. Ele acreditava que “a natureza real do ho­ (v. d e t e r m i n i s m o ) . A humanidade é econom icam ente
mem é o total da natureza sociaF (ibid.,p. 83). Além de determ inada. Isto é, “o modo de produção da vida
fatos biológicos óbvios como a necessidade de com i­ m aterial d eterm ina o caráter geral dos processos
da, Marx não dava muita im portância à existência social, político e espiritual da vida” (ibid., p. 6 7 ,7 0 ,9 0 ,
individual. Ele acreditava que o que era verdadeiro 111 s .). Também há outros fatores, mas o aspecto eco­
acerca de uma pessoa em determinado tempo e em nôm ico é o fator prim ário da determ inação social.
determinada sociedade era verdadeiro para todos, em Engels proclam ou enfaticam ente:
todos os tempos e em todos os lugares (ibid., p. 91,92).
A consciência determ ina o ser hum ano, mas o ser Nem eu nem Marx afirmamos mais que isso. Logo, se al­
social determina a consciência (ibid., p. 67). A socio­ guém distorce nossas palavras dizendo, por exemplo, que o ele­
logia não pode ser reduzida à psicologia. Uma genera­ mento econômico é o único determinante, transforma essa pro­
lização básica era que o ser humano é socialm ente posição numa frase insignificante, abstrata e insensata (Marx
ativo, distinto de outros animais, porque pessoas as
and Engels on religion, p. 274).
produzem seu meio de subsistência (ibid., p. 69). Elas
trabalham para se sustentar. Logo, Marx conclui,é certo
O futuro. B asead o em seu co n h ecim e n to da
trabalhar, ter uma vida de atividade produtiva.
dialética da história e do determ inismo econômico,
Os que não encontram satisfação no trabalho in­
Marx estava certo de que o capitalismo se tornaria
dustrial sofrem alienação. Essa alienação será elimina­
cada vez mais instável e que a luta de classes entre a
da quando a propriedade privada for eliminada (ibid.,
burguesia (classe governante) e o proletariado (classe
p. 250). A propriedade privada, no entanto, não é a cau­
trabalhadora) se intensificaria. Então os pobres fica­
sa, mas a conseqüência da alienação (ibid., p. 176). A
riam mais numerosos e pobres até que, por meio de
alienação consiste no fato de que o trabalhador é força­
uma enorm e revolução social, tomariam o poder e
do a satisfazer outra pessoa, em vez de buscar satisfação
instituiriam a nova fase comunista da história (ibid.,
pessoal. Até os objetos produzidos pertencem a outro.
p. 7 9 ,8 0 ,147ss., 236).
A cura para esse mal é a futura sociedade comunista, na
O fato de que essas previsões não se realizaram
qual o indivíduo pode satisfazer-se ao trabalhar para o
foi uma vergonha para a teoria marxista. O fato de o
bem do todo (ibid., p. 177,253).
oposto quase ter acontecido por pouco não extin­
M undo e história. A visão geral do mundo de
guiu o marxismo.
Marx é materialista e dialética. Marx usou o termo
A utopia comunista. Segundo Marx, o capitalismo
materialismo histórico para designar
tem suas contradições internas. Pois à medida que as
massas se tornassem mais numerosas e os capitalistas
a visão do curso da história que busca a causa suprema e
menos num erosos, eles controlariam grandes con­
o grande poder motor de todos os eventos importantes no de­
centrações do equipamento produtivo, que usariam
senvolvimento econômico da sociedade (Marx andEngels on
religion, p. 298). para o próprio lucro. As massas eliminariam os capi­
talistas por serem impedimento à produção e tom a­
Quando isso é aplicado especificamente à histó­ riam a economia industrial. Na sociedade progressiva
ria, Marx é materialista dialético que procura tese, an­ emergente, não haveria salário, nem dinheiro, nem
títese e síntese. A história acontece de acordo com a classes sociais e por fim não haveria Estado. Essa uto­
lei dialética universal que pode ser prevista assim pia comunista simplesmente seria a associação livre
como o astrônomo prevê eclipses. No prefácio de O de produtores sob o próprio controle consciente. A
capital, Marx comparou seu método ao de um físico e sociedade finalmente passaria “de cada um segundo a
disse: “O objetivo final desta obra é expor a lei econó­ habilidade para cada um segundo a necessidade” (ibid.,
mica do movimento da sociedade moderna”, e tam ­ p. p. 263). Haveria, no entanto, um período intermedi­
bém falou de leis naturais de produção capitalista ário de “ditadura do proletariado” (ibid., p. 261). Mas
como “trabalhar com determ inação obstinada em no estágio mais elevado o Estado desapareceria, e a
direção a resultados inevitáveis”. verdadeira liberdade com eçaria.
M a rx , K arl 548

Ética. Há várias dim ensões características da éti­ ser louvada. As condições de trabalho melhoraram
ca do m arxism o. Três delas relativ ism o (v.
são o drasticam ente hoje em com paração com as de um
MORALIDADE, NATUREZA ABSOLUTA 1)A), O U tilitarism o e O século atrás, quando Marx escreveu suas idéias. Da
coletivism o. mesma forma, Marx é justo ao atacar a posição de que
Relativismo. O marxismo é uma forma de ateísmo os trabalhadores são o meio para o fim do lucro capi­
e, como Nietzsche observou, quando Deus morre, todo talista. As pessoas não deveriam ser usadas como fim
valor absoluto morre com ele, é compreensível que a para as coisas, mesmo coisas desejadas por outras
ética marxista seja relativista. Não há absolutos morais. pessoas. Logo, o marxismo deu uma contribuição sig­
Existem duas razões para isso. Primeira, não há âmbito nificativa para o ethos social que coloca o ser acima
externo e eterno. O único absoluto é o processo mundi­ do dinheiro.
al dialético que se desenrola. Engels escreveu: 0 m arxism o foi o corretivo do capitalism o ili­
mitado e descontrolado. Qualquer sistema que per­
Rejeitamos, portanto, toda tentativa de impor a nós mes­ mite que os ricos se enriqueçam mais e os pobres se
mos qualquer dogma moral como lei eterna, suprema e imutá­ tornem cada vez mais pobres, sem limites morais, é
vel sob o pretexto de que o mundo moral tem seus princípios abusivo. Na antiga economia judaica, essa possibili­
permanentes, que transcendem a história (v. Hunt, p. 87-8). dade era controlada pelo ano do Jubileu (um ano a
cada meio século), quando propriedades eram de­
Segunda, não existe natureza ou essência funda­ volvidas aos donos originais.
m ental que sirvam de princípios gerais à conduta As aspirações utópicas do marxismo são nobres.
humana. Idéias de bem e mal são determinadas pela O marxismo é tanto uma filosofia da história quan­
estrutura socioeconôm ica. A luta entre classes gera to o intento de derrotar maldades reconhecidas no
a própria ética. mundo. Essa visão ganhou a imaginação e a dedica­
Utilitarismo. O padrão de moralidade é sua con­ ção de muitos pensadores idealistas.
tribuição para a criação de uma sociedade comunis­ Elementos negativos. Infelizm ente, os aspectos
ta. Tudo que promove a causa suprema do comunis­ prejudiciais do marxismo são significativos. No cen­
mo é bom, e o que a prejudica é mau. As ações podem tro está o ateísmo militante e dogmático. É contra­
ser justificadas pelos objetivos. Certa vez, Lenin defi­ ditório insistir que Deus não é nada além de uma
niu moralidade como o que serve para destruir a so­ projeção da imaginação humana. Afirmações do tipo
ciedade capitalista exploradora e unir trabalhadores “nada além” supõem um conhecim ento “além de”.
na criação da nova sociedade comunista (ibid., p. 89). Não se pode saber se “Deus” está limitado apenas à
Assim, o fim justifica os meios. Alguns neo-marxistas im aginação sem que o conhecim ento sobre Deus
rejeitam esse ponto, insistindo em que os meios estão ultrapasse a mera imaginação.
sujeitos aos mesmos princípios morais que o fim. Mas A visão determinista da história por parte de Marx
eles já deixaram o marxismo ortodoxo. Esse é o equi­ é contrária aos fatos. As coisas não acabaram como
valente comunista ao “bem maior para o maior nú­ Marx previu. A teoria histórica marxista tam bém é
mero no final” do utilitarismo. um erro categórico, supondo que influências eco­
Coletivismo. Na ética marxista, o universal transcen­ nôm icas agem como leis físicas.
de o individual. Isso é herança de Hegel, que acreditava O materialism o, como visão da humanidade, ig­
que a vida perfeita é possível somente quando o indiví­ nora os ricos aspectos espirituais e religiosos da na­
duo é organicamente integrado à totalidade ética. Para tureza humana, sem falar da evidência da im ateriali­
Marx, no entanto, a totalidade ética maior não é o Esta­ dade e da imortalidade humana. Acrescente-se a isso
do, como era para Hegel, mas a “liberdade universal da a teoria da origem humana baseada no ponto de
vontade”. Todavia, essa “liberdade” (v. livre- arbítrio) não vista falho da evolução naturalista. Foi demonstrado
é individual, mas coletiva e universal. A diferença em que essa teoria é uma explicação inadequada para
relação a Hegel é que o ápice passa do Estado para a as origens humanas. A m etafísica de Marx é geral­
sociedade, da política para o público. mente anti-sobrenatural, eliminando a possibilida­
Na sociedade perfeita, a moral privada é eliminada de de milagres. Mas essa teoria tem falhas filosóficas
e os ideais éticos da comunidade são alcançados. Isso é cruciais, como se observa no artigo milagres, argu­
determinado pela produção material. A produção ma­ mentos contra.
terial determina a religião, a metafísica e a moralidade. O relativismo ético é autodestrutivo em sua for­
Avaliação. Contribuições positivas. A preocupa­ ma mais forte. A negação absoluta dos absolutos corta
ção de Marx com a condição dos trabalhadores deve a própria garganta, substituindo um absoluto por
549 m a te ria lis m o

outro. A sociedade socialista não evitou o absolutis­ D. l.YON, Karl Marx: a Christimi assessment ofhis life e thought.
mo. E as falácias da ética de “o fim justifica os meios” K. M arx, Ocapital.
são infames. ___ , Marx and Engels on religion.
O marxismo apresenta um idealismo admirável ___ , Selected writings in sociologv and so­
de objetivos (utopia), mas dem onstra um registro cial phihsopln:
m iserável de realizações. A realidade nos países
marxistas levou milhões mais para perto do inferno m aterialism o. O materialismo acredita que tudo é m a­
que do paraíso. Embora o objetivo da comunidade téria ou redutível a ela. O panteísmo , por outro lado,
perfeita seja desejável, o meio revolucionário de atin­ afirma que tudo é mente. Os teístas (v. teísmo) afirmam
gi-lo resultou numa destruição em massa inédita na que a Mente produziu a matéria, e os materialistas de­
história humana. Do ponto de vista cristão, o meio claram que a matéria produziu a mente (v. ateísmo). N o
de transform ar a humanidade não é a revolução, mas materialismo rígido, a “mente” não existe, apenas a ma­
a regeneração. A liberdade não é pelo nascimento de téria. Segundo o m aterialism o m oderado ou o
um novo governo, mas pelo nascimento de uma nova epifenomenalismo, a mente existe, mas é dependente
pessoa interior — isto é, o novo nascimento. A visão da da matéria assim como a sombra depende da árvore.
religião de Marx era superficial. Aos dezessete anos de Thomas Hobbes definiu matéria:
idade, ele deveria ter ouvido a exortação de seu pai: “Fé
[em Deus] é uma [exigência] real do homem mais cedo O mundo (quero dizer não só a terra, que denomina os seus
ou mais tarde, e há momentos na vida em que até o amantes“homens mundanos”, mas o universo,isto é,amassa
ateu é involuntariamente levado a adorar o Todo-Po- de todas as coisas que existem) é corpóreo, ou seja, corpo; e
deroso” (“Carta de Trier”, 18 de novembro de 1835). tem dimensões de magnitude, a saber,comprimento,largura e
Marx tam bém poderia ter aplicado os próprios profundidade: e toda parte do corpo também é corpo e tem
pensamentos quando disse: dimensões semelhantes; consequentemente, todas as partes
do universo são corpo, e o que não é corpo não é parte do uni­
A u nião com Cristo d á exaltação interior, con solo no s o ­ verso: e já que o universo é tudo, o que não faz parte dele não é
frim en to , se g u ra n ç a tran q ü ila e u m c o ração ab erto p a ra o nada, e conseqüentem ente não está em lugar nenhum (p. 269).
am or da hum anidade, p ara tudo que é nobre, grande, não por
am bição, pelo d esejo da fam a, m as ap en as p or cau sa de C ris­ Princípios básicos. Os materialistas afirmam vá­
to” (e scrito por M arx q u an d o ad o lescen te, entre 10 e 16 de rios princípios básicos com uns (tais com o: tudo é
a g o sto de 1835). feito de matéria [energia]). A maioria dos materialis­
tas compartilha outros princípios, tais como o de que
O pai de Marx temia que o desejo pela fama ti­ os humanos não são imortais ( v . i m o r t a l i d e d e ) .
vesse transformado a consciência cristã de Marx num Só existe matéria. Como Cari S a g a n disse, o Cos­
desejo demoníaco. Em março de 1837, ele adm oes­ mo é tudo que existiu, existe e existirá. Tudo é maté­
tou o filho am bicioso: ria ou redutível a ela e dependente dela. Se a matéria
deixasse de existir, nada restaria.
Às vezes não consigo m e libertar de idéias que despertam A matéria éeterna. A maioria dos materialistas acre­
em m im m au s pressentim entos e tem or quando sou atingido, dita que a matéria sempre existiu. Ou, como disse um
com o que por um raio, pelo pen sam en to: Seu coração está de ateu (v. a t e í s m o ) , se a matéria surgiu, surgiu do nada e
acord o com su a m ente, seu s talentos? Será qu e ele dá lu gar a p o r meio do nada (Kenny, p. 6 6 ; v . c r i a ç ã o , v i s õ e s d a ) . O

sentim en tos terrenos, porém m ais delicad os, que, neste vale universo material é auto-sustentado e autocriado. É pro­
de tristeza, são tão essencialm ente reconfortantes para um ho­ vavelmente eterno, mas, se surgiu, então surgiu sozinho,
m em de senti m entos? E já que esse coração é obviamente ani­ sem ajuda externa. Isaac Asimov especulou que a pro­
mado egovernado por um demônio não concedido a todos os babilidade de que nada tenha surgido do nada e de que
homens, esse demônio será celestial ou faustiano? (Selected algo tenha surgido do nada é a mesma. Por acaso, algo
writings', grifo do autor). surgiu (Asimov, p. 148). Portanto, a matéria é eterna, ou
então surgiu do nada espontaneamente.
Fontes Os m aterialistas tradicionais acreditavam que
K.. Buxkvithl , T h e c h a l l e n g e o f m a r x i s m . existiam inúm eros corpúsculos de realidade ch a­
X. L. Gusi i R, Is m a n th e m e a s u r e r (cap. 5). mados átomos (v. a t o m i s m o ) . Com a divisão do átomo
R. N. C. Hunt, T h e th e o r y a n d p r a c tic e o f e a emergência da equação e = m c 2 de E i n s t e i n (ener­

c o m m u n is m . gia = massa vezes a velocidade da luz ao quadrado),


m a te ria lis m o 550

os m ate rialistas p assaram a falar sob re energia apenas um processo dentro do cérebro. Não há prova
in d e s tru tív e l. A pelam para a p rim e ira lei da para tal suposição.
term odinâm ica, afirmando que “a energia não pode Também infundada é a suposição de que, uma vez
ser criada nem destruída”. A energia não deixa de que a mente e o cérebro funcionam juntos, devem ser
existir; apenas assum e novas torm as. M esm o na idênticos. Uma suposição daí derivada é que não sou
m o rte , to d o s os e le m e n to s do n o sso ser são nada exceto meu cérebro. Isso é erro reducionista. O
reabsorvidos pelo am biente e reutilizados. O pro­ que funciona junto não é necessariamente a mesma
cesso continua eternamente (v. t e r m o d i n â m i c a , l e i s d a ) . coisa, assim como as idéias expressas por estas pala­
Não há criador. Outra premissa do materialismo vras não são o mesmo que as palavras em si. A mente
rígido é o ateísmo ou não-teísm o. Isto é, não há nem e o cérebro interagem sem serem a mesma coisa.
Deus nem necessidade de um Deus. Como o /; Mani­ Dependência da consciência. Numa forma m odi­
festo humanista declara: "Como não-teístas, com e­ ficada de m aterialismo, o epifenomenalismo, a m en­
çam os com seres hum anos, não com Deus, com a te não é idêntica ao cérebro, mas é dependente do
natureza, não com a divindade” ( Kurtz, 16). Segundo cérebro físico, assim com o a som bra depende da
a posição não-teísta da criação a partir da matéria, árvore. Mais uma vez isso supõe, mas não prova, que
nenhum a causa é necessária para fazer a m atéria a mente depende do cérebro. Certas funções m en­
surgir ou formar a matéria já existente. Não há nem tais podem ser explicadas no nível físico, mas isso
Criador nem Formador do mundo. O mundo expli­ não quer dizer que sejam dependentes de processos
ca a si mesmo. físicos. Se há uma dimensão espiritual, além da física,
Os seres humanos são mortais. Outra im p lica­ da realidade, a mente demonstra todos os sinais de
ção dessa posição é que não há “alma” im ortal nem ser capaz de funcionar em ambas. A neurobiologia é
aspecto espiritual nos seres hum anos (v. imortali­ uma ciência em pírica, mas os cientistas adm item
d a d e ) . Como o i Manifesto humanista observou, “o abertamente que ainda não chegaram nem perto de
d u a l i s m o tradicional de mente e corpo deve ser re­ isolar o “eu”. Podem quantificar interações entre mente
jeitado”. O m aterialista acredita que a ciência m o­ e cérebro, mas não tiveram sucesso em aprender as
derna desautoriza qualquer dim ensão espiritual ou qualidades das reações emocionais ou pessoais.
alma (Kurtz, p. 8, 16-7). Não há mente, apenas rea­ Acesso ao mundo. Os m aterialistas insistem em
ção quím ica no cérebro. M aterialistas menos rígi­ que a mente ou ego tem acesso ao mundo por meio
dos adm item a existência da alma, mas negam que do cérebro. A morte destrói o cérebro, de forma que
ela possa existir sem a m atéria. Para eles, a alma é a m orte fecha essa porta. O cérebro é certam ente
para o corpo o que a im agem do espelho é para uma via de acesso, mas não podemos saber se é a
quem a vê. Quando o corpo m orre, a alma tam bém única via de acesso para o mundo. Talvez sim, talvez
m orre. Quando a m atéria se desintegra, a m ente não. Um fato m ais objetivo é que pode haver um
tam bém é destruída. outro mundo, ou até dim ensões múltiplas, com ti­
Os seres humanos não são singulares. Os m ateri­ pos de acesso totalm ente diferentes. E pode haver
alistas divergem quanto à natureza dos seres hum a­ m a n e ira s de alguém e sta r c o n s c ie n te além da
nos. A maioria atribui um status especial aos hum a­ interação com o mundo físico. Se existem seres es­
nos como ponto mais alto do processo evolutivo (v. pirituais, Deus e anjos, e a evidência é de que exis­
e v o l u ç ã o b i o l ó g i c a ) . Isso não permite uma diferença tem ( v . D e u s , e v i d ê n c i a s d e ) , eles certamente estão cons­
qualitativa dos animais. Os humanos diferem ape­ cientes, em bora sem o acesso de um corpo físico
nas em grau, não em tipo, das tormas inferiores de para o mundo. A possibilidade dessa dimensão es­
vida. Os seres hum anos são a form a anim al mais piritual, é claro, é o que o m aterialista quer evitar
elevada e recente na escada evolutiva, com habilida­ admitir, mas não há razão para isso.
des m ais desenvolvidas que seus com panheiros A necessidade de corporitifação. Os m aterialis­
primatas (v. h u m a n i s m o s e c u l a r ) . tas raciocinam que nenhum a pessoa pode sobre­
Argumento a fa v o r do materialismo. A natureza viver sem corpo, e a m orte o d estrói. A ssim , ela
da autoconsciência. Para haver mais que matéria, a destrói a pessoa. É uma petição de princípio defi­
mente deve sobreviver conscientemente à morte. Mas nir “pessoa” de form a arbitrária, algo infundado à
a mente não funciona sem o cérebro. Portanto, quando luz de nosso conhecim ento. Não sabem os se a m or­
o cérebro morre, a consciência cessa ao mesmo tempo. te destrói a pessoa pelas razões já afirm adas. No
Esse argumento pressupõe que a consciência é função m áxim o podem os dizer que a m orte rom pe uma
física, que a “mente” é função da matéria. A mente é d im en sã o de c o n s c iê n c ia — c o n s c iê n c ia d este
j j I m a te ria lis m o

mundo. Ainda podemos estar autoconsdentes, cons­ porém negam que a mente possa existir independente­
cientes de Deus e conscientes de outro mundo. mente da matéria. Insistem em que a mente é mais que
A valiação. Como os m aterialistas têm muitos matéria, assim como o todo é mais que a soma de suas
princípios em com um com outros ateus e agnósticos, partes. Mas o todo deixa de existir quando as partes
esses princípios são discutidos nos respectivos arti­ somem. Por exemplo, um motor inteiro de automóvel
gos. Seu anti-sobrenaturalismo (v. milagre) é filoso­ tem algo mais que suas partes individuais espalhadas
ficam ente infundado. Da mesma forma, a aceitação no chão de uma garagem. No entanto, quando as partes
da evolução (v. e v o l u ç ã o ; e v o l u ç ã o b i o l ó g i c a ; e v o l u ç ã o são destruídas, o motor “inteiro” também é destruído.
c ó s m i c a ) é cientilicam ente infundada. Da mesma forma, a mente é mais que matéria, mas é
Os argumentos materialistas são contraditórios. dependente da matéria e deixa de existir quando as
Afirmações do tipo “nada além de” supõem um co­ partes materiais do homem se dissolvem.
nhecimento “além de”. Como eu poderia saber que Embora aparentemente esse argumento m ateri­
não sou nada além de meu cérebro sem ser mais que alista seia menos incoerente que o primeiro, conti­
ele? Não posso analisar meu cérebro num tubo de nua errado. Ele afirm a que a m ente é, em última
ensaio sem estar fora dele. análise, dependente da matéria. Mas a afirmação “a
No centro do materialismo está a rejeição à exis­ mente é dependente da matéria” não afirma sua de­
tência da mente ou do espírito como entidade sepa­ pendência da matéria. Isto é, afirma ser a verdade
rada que sobrevive à dissolução da matéria. A mente, sobre toda a mente e a matéria. Contudo, nenhuma
na verdade, é matéria, ou pelo menos dependente da verdade sobre toda a matéria pode ser dependente
matéria. da matéria para ser verdade. Não é possível colocar-
0 materialismo rígido é incoerente. A posição ma­ se fora da matéria para fazer uma afirmação sobre
terialista pura é claramente incoerente (v. Lewis, cap. toda matéria, declarando ao mesmo tempo estar nela,
3). Pois sem dúvida a teoria materialista não é feita de dependendo dela. Se minha mente é completamente
matéria. Isto é, a teoria sobre a matéria não contém dependente da m atéria, ela não pode fazer afirm a­
matéria. A idéia de que tudo é feito de moléculas não ções de um ponto de vista além dela. E se suas afir­
consiste em si de moléculas. Pois o próprio pensa­ mações não são de um ponto de vista independente
mento sobre a m atéria deve estar além e acim a da da matéria, não são realmente afirmações de toda a
matéria. Se o pensamento sobre a matéria faz parte da m atéria. Pois é preciso ir além de algo para ver o
matéria, não pode ser um pensamento sobre toda a todo. O todo não pode ser visto de dentro. Isso signi­
matéria, já que, sendo parte da matéria, não pode trans­ fica reivindicar conhecim ento transcendente tendo
cender a si mesmo para fazer uma afirmação sobre apenas uma base imanente de operação.
toda a matéria. A mente transcende a matéria. Embora os m ateri­
A mente (ou seu pensamento) só pode transcen­ alistas tentem reduzir tudo à matéria, parece que num
der a m atéria se for m ais que ela. Se é m ais que sentido epistemológico, pelo menos, o oposto é ver­
matéria, então não existe apenas matéria. Tudo que dadeiro. Para cada análise que faço da matéria, sem­
é material é limitado a uma região de espaço e tem ­ pre há o “eu” que está fora do objeto de minha análise.
po. Quando se move, se move no espaço e no tempo. Realmente, até quando analiso a mim mesmo, há um
Mas a mente não é tão limitada. Ela percorre o uni­ “eu” que transcende a “mim”. Jamais posso alcançar
verso sem sair do lugar. Até o materialista fala sobre meu eu (ego) transcendental. Só posso vê-lo, por assim
pensamentos pessoais. No entanto, se o materialista dizer, de relance. Mesmo que tente colocar meu “eu”
rígido estivesse certo, não poderia haver pensam en­ num tubo de ensaio de análise, ele se torna um “eu” para
tos individuais. Haveria uma sim ples corrente de o qual o fugidio eu está olhando. Sempre há mais que
elétrons ou de alguma outra partícula material. Ape­ um eu; há o eu, que não é apenas o eu. Ao contrário do
nas um ser autoconsciente pode realmente produzir materialismo, então, tudo é redutível ao (i.e., em última
pensamentos. Os materialistas querem que as pes­ análise dependente do) eu.
soas concordem com sua doutrina e aceitem suas A mente é anterior e independente da matéria.
teorias. Mas isso não é possível, caso as teorias este­ A matéria não é eterna. Há forte evidência para o
jam corretas. Se a consciência é apenas o resultado que os cientistas denominam teoria rio-baxg da ori­
de corrente da elétrons, as pessoas são processos gem do universo, demonstrando que a matéria teve
materiais, não seres humanos livres. princípio. 0 argumento cosmológico kalam dem ons­
0 materialismo modificado éincoerente. Alguns ma­ tra que o universo material tem uma causa. Mas a
terialistas admitem que a mente é mais que matéria, causa de toda matéria não pode em si ser m atéria;
m e n tira s n a s E s c ritu ra s 552

logo, algo mais que matéria deve existir. Como Karl não. Algumas são aprovadas por Deus, outras não.
M a r x disse, ou a matéria produziu a mente ou a mente Mas em nenhum caso a Bíblia dá aprovação divina à
produziu a m atéria. Já que a matéria foi produzida, m entira.
uma Mente deve tê-la produzido. Mentiras relatadas sem aprovação. Mentiras evi­
0 legislador era imaterial. Outramaneiradedemonstrar dentes são registradas na Bíblia, mas nem por isso são
que nemtudo é matéria é conhecida por a r g u m e n t o m ora i. aprovadas. A Bíblia relata muitos pecados sobre os
rara Deus. Elepode ser assimformulado: quais não coloca aprovação. Por exemplo, algumas
das mentiras de Satanás são registradas nas Escritu­
1. Existe uma lei moral objetiva (v. m o r a l id a d e , ras. Satanás disse a Eva: “Certamente não morrerão”
NATUREZA ABSOLUTA Da ). (Gn 3 .4 ), quando Deus dissera enfaticam ente que
2. A lei moral é prescritiva, não descritiva. morreriam (Gn 2.17). Esse é um caso claro de uma men­
3. O que é prescritivo não é parte do mundo tira que Deus não aprova. Muitos teólogos colocam a
material descritivo. mentira de Raabe nessa categoria (v. a seguir). Nesse
4. Logo, existe uma realidade objetiva imaterial. caso, ela foi abençoada apesar de sua mentira, e não
Algo além da matéria existe (Lewis, Cristianis­ por causa dela.
mo puro e simples, 17-9). Verdades parciais que não são mentiras. Nem to­
das as verdades parciais são mentiras. Em pelo m e­
Conclusões. Todos os argumentos a favor do m a­ nos um caso, o próprio Deus mandou Samuel contar
terialism o são essencialm ente contraditórios. Qual­ apenas parte da verdade para Saul (IS m 16.1-5).
quer tentativa de negar que há uma realidade além Como Samuel temia pela própria vida nas mãos do
do material implica que uma realidade não-m ateri­
rei Saul quando Deus mandou o profeta ungir um
al, tal como a mente, existe. O materialism o é uma
novo rei, Deus o instruiu a dizer a Saul que viera
posição insustentável.
oferecer um sacrifício, o que era verdadeiro, mas
tam bém um subterfúgio.
Fontes
Mentiras aprovadas à luz de uma lei superior.
I.A m .m o v , The heginning and the end.
Alguns teólogos conservadores e estudiosos da ética
N . L. G eisi.hr, When skeptics ask.
cristã acreditam que, apesar de a mentira ser essen­
T.Homr.s,Leviatã.
cialm ente errada, m entir para salvar a vida não é.
A. K i nny, Thefive h,íí; ,s: st. Thomas Aquinasproofs
Isso, eles argumentam, é baseado numa hierarquia
oj God’s existence.
ou gradação de valores na qual a m isericórdia (ao
P. K urtz, org., Secular humanist Manifestos i and u.
salvar uma vida) precede a verdade que resulta em
C. S. L ewis, Cristianismo puro e simples.
assassinato. As parteiras hebréias em Êxodo 1 pare­
___ , Milagres.
cem entrar nessa categoria, e talvez Raabe, que m en­
}. P. M orelaM), et al., Immortality.
tiu para salvar a vida dos espias hebreus.
C. S agan, Cosmos.
Passagens envolvendo mentiras aparentes. Vá­
rias passagens importantes envolvendo supostas men­
mentiras nas Escrituras. As Escrituras ensinam
tiras com aprovação divina devem ser examinadas.
que Deus é a verdade (Dt 32.4) e que é impossível
Entre elas está o caso da “meia-verdade” de Abraão
que ele minta (Hb 6.18). Deus ordena que não m in­
sobre sua esposa Sara, que também era sua meia-irmã.
tamos (Êx 20.16) e adverte que punirá os mentirosos
severamente (Ap 21.8). Mas há muitas ocasiões em
Gênesis 12.10-20. Temendo que o rei do Egito o
matasse e tomasse sua esposa (mas sem ameaça di­
que Deus parece abençoar a mentira. Os críticos da
reta), Abraão instruiu Sara: “Diga que é minha irmã,
Bíblia ressaltam essa aparente contradição.
É digno de nota que esse problema não existe para para que me tratem bem por amor a você e minha
os voluntaristas divinos, que acreditam que uma ação é vida seja poupada por sua causa” (Gn 12.13). Sara era
boa ou má apenas porque Deus deseja que seja assim. m eia-irm ã de Abraão. No entanto, o que Abraão ins­
Porém, segundo o essencialismo (v. e s s e n c i a i .i s .m o d i v i n o ) , truiu Sara a fazer foi mentir.
Deus é essencialmente bom e não pode fazer ou querer Nenhuma aprovação divina à ação de Abraão é
o mal (v. D e u s , n a t u r e z a d e ) . Nesse contexto, o problema demonstrada; o oposto é sugerido. O aumento da ri­
da mentira divinamente aprovada é grave. queza de Abraão não deve ser visto como recompen­
Categorias de suposta mentira. As “passagens sa divina por sua mentira. Os presentes do faraó são
sobre mentiras” na Bíblia não estão todas na mesma compreensíveis. O faraó pode ter se sentido obrigado
categoria. Algumas são mentiras verdadeiras, outras a recom pensar o constrangim ento terrível que sua
553 m e n tira s n a s E s c ritu ra s

sociedade corrupta exercia sobre os que visitavam desobediência civil é ju sta quando o governo tenta
sua terra, e também por levar inadvertidamente a es­ impor a injustiça (Êx 5; Dn 3, 6; Ap 13). O caso das
posa de Abraão para seu palácio. 0 adultério era es­ parteiras hebréias (Êx 1), que m entiram para salvar
tritamente proibido pela religião egípcia. a vida dos meninos, talvez seja o exemplo mais claro.
Os anos de dificuldade que se seguiram podem 1 Samuel 16.1-5. Vimos que Abraão foi julgado
ter sido resultado direto da falta de fé de Abraão no por dizer a meia verdade de que Sara era sua irmã,
poder protetor de Deus. Apesar de algumas pessoas m as em 1 Sam u el 16 Deus re a lm en te in cen tiv a
serem retratadas com o homens de Deus, elas ainda Samuel a dizer que viera a Belém para oferecer um
são falíveis e responsáveis por seus pecados, como sacrifício , quando tam bém viera para ungir Davi
Davi no seu adultério com Bate-Seba e no assassina­ como rei. Deus não encorajou uma mentira? Por que
to do marido dela (2Sm 12). Deus abençoou tais lí­ Deus condenou Abraão por fazer o mesmo que or­
deres apesar de, não por causa de seus pecados. denou a Samuel?
Gênesis 31. Génesis 31.35 registra a aparente men- É importante observar que as duas situações não
tira de Raquel acerca dos ídolos que havia roubado. são as mesmas. A “meia verdade” de Abraão era uma
Mas Deus parece abençoar Raquel, pois ninguém mentira absoluta, pois a pergunta sugerida era: “Sara
descobriu nada e Deus concedeu prosperidade a ela é sua esposa?”. E sua resposta na verdade foi: “Não, ela
e a seu m arido Jacó. No entanto, um exam e mais é minha irmã”. Com essa resposta Abraão intencio­
detalhado do texto revela que Deus não abençoou nalmente distorceu os fatos, o que é uma mentira.
Raquel por roubar os ídolos e m entir sobre sua ação. Perguntaram a Samuel: “Vens em paz?” Sua res­
Só porque Labão não descobriu que ela era a ladra posta foi: “Vim sacrificar ao S e n h o r ” (IS m 16.5). Isso
não significa que Deus a tenha abençoado. É razoá­ correspondia aos fatos, ou seja, foi por isso que ele foi
vel supor que Deus não expôs o roubo de Raquel e foi isso o que fez. 0 fato de ter outro propósito não
para proteger a vida de )acó (v. 3 1 .3 1 ). 0 registro está diretamente relacionado à pergunta que lhe fize­
bíblico revela que Deus deixou Raquel em segundo ram e à resposta que deu. É claro que se perguntas­
plano até sua morte dolorosa (Gn 35.16-20). sem: “Tens outro propósito para vir?”, então teria de
Josué 2.4,5. Quando os espiões hebreus chega­ esclarecer tudo. “Não” seria uma mentira.
ram a Jerico, procuraram refúgio na casa de Raabe. Ocultamento e m entira não são necessariam en­
Quando o rei de Jerico ordenou que Raabe tro u ­ te a m esm a coisa. Certam ente Samuel ocultou um
xesse os hom ens, ela disse que eles já haviam p arti­ dos propósitos de sua m issão para salvar a própria
do e que não sabia onde estavam . Quando Israel vida ( ISm 16.2). Não é sempre necessário (nem m es­
destruiu Jerico, Raabe e toda a sua fam ília foram mo possível) dizer tudo para dizer a verdade. O fato
salvos, sendo deixados vivos com o recom pensa por de que Deus mandou Samuel ocultar um dos propó­
sua proteção. Como Deus podería abençoar Raabe sitos de sua visita para evitar a ira assassina de Saul
por m entir? não significa que ele fosse culpado de mentira. Não
Os defensores do texto bíblico dividem-se em dois dizer parte da verdade e dizer uma mentira não são
grupos nessa questão. Alguns argumentam que não n e c e s s a ria m e n te a m esm a co isa . E seg red o e
fica claro que Deus tenha abençoado Raabe por men­ ocultamento não são a mesma coisa que duplicidade
tir. Ele a abençoou por sua “fé” (Hb 11.31), não pela e falsidade.
mentira. Deus abençoou Raabe apesar de sua menti­ 2 Reis 6.19. Quando Eliseu saiu para encontrar
ra, não por causa dela. Os defensores dessa teoria in­ seus inim igos, disse a eles: “Este não é o cam inho
sistem em que Deus salvou e abençoou Raabe por ela nem esta é a cidade que procuram. Sigam-me, e eu
haver protegido os espiões e ajudado na derrota de os levarei ao homem que vocês estão procurando”
Jerico. Eles reiteram que a Bíblia não diz em parte (2Rs 6.19). Como podería um homem de Deus m en­
alguma que Deus abençoou Raabe por mentir. tir para as tropas sírias?
Outros teólogos insistem em que Raabe enfren­ Simplesmente o que Eliseu lhes disse não era uma
tou um verdadeiro dilema moral. Seria impossível sal­ completa mentira. As tropas sírias foram enviadas a
var os espiões e dizer a verdade aos soldados do rei. Dotã para capturar Eliseu. 0 Senhor os cegou, e Eliseu
Assim, Deus não responsabilizaria Raabe (v. Geisler, saiu da cidade para encontrá-los. 0 que Eliseu disse a
cap. 7). Certamente unia pessoa não pode ser respon­ eles foi: “Não é este o caminho nem esta a cidade”.
sabilizada por desobedecer a uma lei inferior para Quando Eliseu saiu da cidade, não estava mais em Dotã.
cumprir uma obrigação superior. A Bíblia ordena obe­ Conseqüentemente, entrar em Dotã não era mais a ma­
diência ao governo (Rm 13.1; Tt 3.1; IPe 2.13), mas a neira de capturar Eliseu nem era mais a cidade. Eliseu
m e n tira s n a s E s c ritu ra s 554

também os instruiu: Sigam-me, e eu os levarei ao ho­ por meio de ações. Alguns críticos acreditam que é isso
mem que vocês estão procurando”. Isso também era que Jesus fez nessa ocasião.
verdadeiro. Eliseu foi adiante deles para Samaria e, quan­ Chamar isso de m entira é um exagero. O texto
do chegaram, o Senhor lhes abriu os olhos, e viram continua dizendo: “Mas eles insistiram muito com
Eliseu e constataram que estavam em Samaria. ele: ‘Fique conosco, pois a noite já vem; o dia já está
2 Crônicas 18.18-22. Nessa passagem, Micaías, o quase findando’. Então, ele entrou para ficar com
profeta, retrata Deus alistando espíritos mentirosos eles” (v. 2 9 ). Em outras palavras, Jesus estava par­
para provocar o mau rei Acabe a selar a própria des­ tindo até que o persuadiram a ficar com eles. Em
truição. 0 texto diz: “O S f.xhor pôs um espírito menti­ vez de im por sua vontade aos discípulos, esperou
roso na boca destes seus profetas” (v. 22). Mas como que eles to m assem a in iciativ a, o que por certo
pode o Deus de toda verdade proferir mentira? aconteceu im ed iatam ente. Ao m o strar que pode­
Os defensores afirmam que Deus não está pro­ ria seguir seu cam inho, convidou esses amigos en­
movendo o mal nesse caso, mas sim plesmente con­ tristecidos a se aproximar.
trolando o mal em favor do bem. Vários fatores aju­ Êxodo 1.15. A maioria das acusações de mentiras
dam a entender essa situação. Prim eiro, essa é uma divinamente aprovadas acabam ou não sendo men­
visão, um retrato dramático da autoridade soberana tiras ou não sendo aprovadas por Deus. Há pelo me­
de Deus descrita num imaginário régio. nos um caso, no entanto, que parece descartar ambas
Segundo, essa visão dram ática representa a au­ as situações.
toridade absoluta de Deus, até sobre espíritos m a­ O faraó (rei) do Egito ordenou diretamente que
lignos. 0 Deus da Bíblia, ao contrário de algumas as p arteiras h ebréias assassin assem os m eninos
religiões pagãs, está no controle soberano de tudo, hebreus. “Todavia, as parteiras temeram a Deus e não
até m esm o do mal, que ele usa para realizar seus obedeceram às ordens do rei do Egito; deixaram vi­
bons propósitos v. Jó 1— 3). ver os meninos” (Êx 1.17). Além de as parteiras deso­
Terceiro, a Bíblia às vezes fala de Deus “endure­ bedecerem ao faraó, quando este as questionou sobre
cendo” os corações das pessoas (v. Rm. 9.17,18) ou suas ações, elas m entiram , dizendo: ‘As mulheres
até enviando a elas fortes ilusões (2Ts 2.11). Mas, por hebréias não são como as egípcias. São cheias de vi­
m eio de um exam e mais detalhado, descobrim os gor e dão à luz antes de chegarem as parteiras” (Êx
que Deus fez isso aos que endureceram seus cora­ 1.19). “Deus foi bondoso com as parteiras”, segundo
ções (Êx 8.15) e que “não creram na verdade” (2Ts 1.20,21. “Visto que as parteiras temeram a Deus, ele
2.12). Deus usa até a depravação deles para realizar concedeu-lhes que tivessem suas próprias famílias”.
seus propósitos. Deus permite mentiras com o julga­ Praticam ente não há dúvida de que as partei­
mento do mal. ras d esobedeceram a um a ordem do governo ao
Deus, para seus propósitos de justiça, permitiu não assa ssin a r os m eninos re cém -n a scid o s e ao
que Acabe fosse enganado pelos espíritos malignos m entir para disfarçar. O dilem a m oral no qual as
para cumprir sua vontade soberana e boa. p a rte ira s se encontraram era inevitável. Ou elas
João 7.3-10. Os críticos da Bíblia às vezes apelam obedeciam à lei de Deus de não matar ou obedeci­
para esse texto a fim de m ostrar que jesus mentiu. am à obrigação menor do faraó. Ao invés de com e­
Essa é uma acusação grave, iá que, além de tratar-se de ter infanticídio deliberado contra os filhos de seu
uma mentira divinamente aprovada, teria sido conta­ próprio povo, as parteiras desobedeceram ao rei.
da pelo próprio Deus na pessoa de seu Filho. Os ir­ Deus manda obedecer aos poderes governamentais,
mãos incrédulos de Jesus o desafiaram a ir a Jerusa­ mas também manda não matar (Êx 20.13).
lém e apresentar-se abertam ente com o o Messias A salvação de vidas inocentes é uma obrigação
(7.3,4). jesus recusou-se, dizendo: “Eu ainda não su­ m aior que a obediência ao governo. Quando o go­
birei a esta festa, porque para mim ainda não che­ verno ordena um ato contra Deus, não devemos obe­
gou o tempo apropriado” (v. 8). Mais tarde, porém, decer. Deus teria responsabilizado as parteiras se ti­
Jesus subiu (v. 10). Jesus não foi abertamente, como os vessem cumprido seu dever em relação ao governo.
irmãos sugeriram, nem logo quando sugeriram. Além No caso das parteiras, a lei maior era a preservação
disso, João 7.8 relata que Jesus disse que ele não iria da vida dos meninos recém-nascidos (v. At 4; Ap 13).
“ainda”. Ele “permaneceu na Galiléia” antes de subir. Além disso, a mentira e o ato de enorme desobedi­
Lucas 24.28. Quando Jesus terminou seu discurso ência aconteceram no contexto do com prom isso de
para os dois discípulos na estrada para Emaús,“fez como fé das parteiras para com Deus. Elas tiveram de fazer
quem ia mais adiante” (Lc 24,28 b). Apesar de não se uma escolha de lealdade e obediência, escolha que
tratar nesse caso de uma mentira verbal, é possível mentir exigiu coragem e sabedoria espiritual. Uma situação
555 m ila g re

semelhante pode envolver obediência à autoridade relacioná-los aos processos naturais e o que nos reve­
dos pais. A submissão faz parte da autoridade moral. lam sobre Deus. Por causa da im portância desse as­
Mas se um pai manda um filho matar ou adorar um sunto, os milagres são discutidos sob várias cate­
ídolo, o filho deve submeter-se à autoridade maior e gorias relacionad as à natureza dos m ilagres em
recusar-se a fazê-lo. Jesus ressaltou a necessidade geral, registros nas Escrituras e ataques à possibili­
de seguir a lei m oral m aior quando disse: “Quem dade de intervenções milagrosas de Deus. As ocor­
ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é rê n c ia s que os c re n te s c o n s id e ra m fa lsa s ou
digno de mim” (Mt 10.37a). ocultistas serão distinguidas dos atos genuínos de
As parteiras tem iam a Deus, e isso levou-as a DeUS (v. MILAGRES FALSOS).
fazer o que era necessário para salvar vidas. Sua afir­ Definição. Milagre é o ato especial de Deus que
mação falsa ao faraó era parte essencial de seu es­ interrompe o curso natural dos eventos. A idéia cristã
forço para salvar vidas. do milagroso depende diretamente da existência do
Conclusão. Textos narrativos nos quais uma pes­ Deus teísta (v. cosmológico, argumento; moral para D eus,
soa mente se encaixam numa das seguintes categorias: argumento; teleológico, argumento). Se o Deus teísta
Primeiro, em alguns casos não havia mentiras, mas ape­ existe, milagres são possíveis. Se há um Deus que
nas afirmações legítimas de parte da verdade. Segundo, pode agir, então seus atos são possíveis. A única m a­
na maioria dos casos de mentiras óbvias não há indica­ neira de dem onstrar que milagres são impossíveis é
ção de que Deus as tenha aprovado. Pelo contrário, ge­ refutar a existência de Deus.
ralmente houve algum tipo de julgamento. Nos casos A afirmação acima exige imediatamente uma ex­
que podem ser legitimamente chamados de falsifica­ plicação: Que “atos especiais” de Deus? Como se sabe
ção divinamente aprovada, tais como o das parteiras
quando eles ocorrem? Deve haver características dis­
em Êxodo 1, há um conflito inevitável com a lei moral
tintas esp ecíficas de m ilagres antes de poderm os
maior. Somente quando há um conflito raro, inevitável
analisar eventos que possuem essas características.
com umas das leis morais maiores de Deus, é que ele
Dizer apenas que um milagre é uma singularidade é
suspende nosso dever para com a verdade.
insuficiente. Singularidades ocorrem na natureza
sem intervenção divina óbvia.
Fontes
Os teístas (v. teísmo) definem milagres em senti­
A gostinho , A g a in s t ly in g .
do fraco ou forte. Segundo Agostinho, a definição
__ , O n ly in g .
mais fraca descreve um milagre como “um sinal [que]
V L G eislek , É t ic a c r i s t ã , cap. 7.
não é contrário à natureza, mas contrário ao nosso
J. Mi rras , P r in c ip i e s o f c o n d u c t .
conhecimento da natureza” (Agostinho, 21.8).
Outros, seguindo T omás pe Aqltno, definem mila­
metafísica. A metafísica (lit. além do físico) é o estudo
gre no sentido forte de um evento que está fora do
da existência ou realidade. É usada alternadamente com
poder da natureza, algo feito apenas por meio de po­
a ontologia (gr. ontos, “ser”, e logos, “palavra sobre” ).
der sobrenatural. Esse sentido mais forte é importan­
A m etafísica é a d isciplina filosófica que re s­
te para os apologistas. O milagre é intervenção divina,
ponde a perguntas como: O que é real? (v. realismo);
uma exceção sobrenatural do curso regular do mun­
A realidade é uma ou muitas? (v. um e muitos, proble­
do natural. O ateu (v. ateísmo) Antony F i em disse bem:
ma de); Ela é natural (v. naturalismo) ou sobrenatural?
“Um milagre é algo que jamais teria acontecido se a
(v. milagres, argumentos contra). Outro problem a
natureza tivesse de, por assim dizer, usar os próprios
metafísico importante é se a existência é unívoca ou
analógica (v. analogia, principio da). recursos” (Flew, p. 346). Leis naturais descrevem regu­
Na tradição aristotélico-tom ista, a m etafísica é laridades naturalmente causadas; um milagre é uma
definida como o estudo do ser enquanto existente. singularidade sobrenaturalmente causada.
A física é o estudo do ser enquanto físico. A matemáti­ Para elaborar essa definição, precisam os de al­
ca é o estudo do ser enquanto quantificável. gum con h ecim en to do que se quer dizer por lei
natural. Xo sentido amplo, a lei natural é a descri­
milagre. Diante de uma cultura materialista e natu­ ção geral da maneira com um e ordenada em que o
ralista, os crentes acreditam que Deus criou e governa mundo opera. Conclui-se, então, que o milagre é a
o universo, e que são desafiados a defender sua fé. Um m aneira ineomum , irregular e específica pela qual
tema da filosofia e da apologética cristã é entender e Deus age no mundo.
explicar por que os registros bíblicos de milagres de­ P robabilid ad e de milagres. Se podemos saber
vem ser aceitos, o que os milagres são e não são, como se m ilagres realm ente a con teceram depende da
m ila g re s 556

resposta a três perguntas: 1) “M ilagres são possíveis?“ ; antes de observar a h istória h u m an a, é possível sa­
2) “Os documentos do st são confiáveis?”; 3) “As tes­ ber que ev en tos m ilagroso s não são ap en as possí­
temunhas oculares do st eram confiáveis?”. veis, m as reais. O próprio a r g u m e n t o c o s .m o u k . ic o , pelo
Um argumento freqüentemente ignorado é o da qual sab em o s que Deus ex iste, tam b ém prova que
probabilidade dos milagres. É verdade que a filosofia um evento sobrenatu ral ocorreu. Pois, se o universo
(i.e., argumentos pela existência de Deus) demonstra teve um início e, portanto, um Iniciador (v. big - hasg ,
que milagres são possíveis, mas apenas a história revela TEORIA no; K A M I, ARGUMENTO COS.MOLÓGICO), DeilS CrÍOU
que são reais. Mas também é verdadeiro que, dada a exis­ o universo do nada (v. ckiacào, visões da). Mas criação
tência de um Deus teísta, os milagres são prováveis. ex nihilo, a partir do nada, é o maior evento sobrena­
Um Deus teísta tem a capacidade de realizar m i­ tural já ocorrido. Se o tato de Jesus ter transformado
lagres, já que é todo-poderoso ou onipotente. Ele tam ­ um pouco de pão em muito pão é milagre, quanto
bém tem o desejo de fazer milagres porque sabe to­ mais a criação de tudo a partir do nada? Transfor­
das as coisas, é onisciente e é totalm ente bom ou m ar água em vinho não é nada em com paração à
onibenevolente. Quem examina a história para ver se criação das primeiras moléculas de água. Portanto, a
Deus fez milagres já pode saber que Deus é o tipo de conclusão surpreendente é que, se o Criador existe,
Deus que faria, se pudesse, e pode. então o milagroso não é apenas possível, mas tam ­
Por que Deus faria milagres, se pudesse? Por natu­ bém real. De forma que a história do cosm o revela
reza e vontade, ele é o tipo de Deus que deseja com u­ que o milagroso ocorreu por Deus fazer algo do nada;
nicar-se com suas criaturas e fazer o bem a elas. E um fazer vida da não-vida; fazer o racional (m ente) do
m ilagre, por definição, é um evento que faz exata­ não-racional (v. e v o l u ç ã o e artigos relacionados). Que
mente isso. Milagres curam, restauram, trazem de vol­ m ilagres m aiores ocorreriam na história hum ana
ta à vida, com unicam a vontade de Deus, vindicam que já não sabem os terem acontecido na história
seus atributos e muitas outras coisas que estão de cósm ica?
acordo com sua natureza. Tais coisas são adequadas à 0 milagroso na história humana. Ao contrário do
natureza daquele que as faz (o Criador ou Redentor) e que se acredita, se Deus existe, devemos abordar a
a necessidade de quem o recebeu (a criatura). Por história com a expectativa do milagroso, não com um
analogia, que bom pai terreno capaz de resgatar o preconceito naturalista contra ele. Pois, como já vi­
filho que está se afogando não faria tudo em seu po­ mos, se o Criador existe, milagres não são apenas pos­
der para realizá-lo? E se ele tivesse todo poder, então síveis e prováveis, mas o milagroso já ocorreu na his­
saberíamos de antemão que sua bondade o levaria a tória cósmica. Deus já interferiu sobrenaturalmente
fazê-lo. Quanto mais nosso Pai celestial? Portanto, sa­ na história do cosmo e na vida que conduz à história
bemos antes mesmo de examinar a evidência da rea­ humana. A luz disso, a expectativa mais razoável não é
lidade dos milagres que, se Deus existe, eles não são perguntar se, mas perguntar onde ele interferiu na his­
apenas possíveis, mas também prováveis. tória humana.
Além disso, se o milagre é ato de Deus para con­ A realidade dos milagres na história hum ana é
firm ar sua palavra por meio de um mensageiro(v. baseada na confiabilidade dos documentos do xr (v.
m il a g r e s , v a lo r a p o l o g é t ic o d o s ) , é razoável que Deus Novo T estamento, manuscritos no) e na confiabilidade
queira fazer milagres. Por meio dos milagres, Deus das testemunhas do nt ( v . Novo T estamento, h isto r ic id a d e
confirma seus profetas (Hb 2.3,4). Essa foi a maneira d o ; N ovo T estamento, fontes não- criséãs). Pois uma vez

pela qual Deus confirmou Moisés (Êx 4) e Elias (lR s aceita a confiab ilid ad e desses dois testem unhos
18). E essa é a maneira pela qual confirmou Jesus (Jo combinados, fica acima de qualquer dúvida que o nt

3.2; At 2.22). De que melhor maneira Deus poderia registra vários eventos milagrosos.
nos confirm ar seus porta-vozes? E é provável que um D im ensões dos milagres. No padrão da Bíblia,
Criador inteligente, pessoal e moral queira comunicar- um milagre tem várias dimensões.
se da maneira mais eficaz com suas criaturas. Prim eiro, milagres têm caráter inconunn. 0 m i­
R ealidade dos milagres. Ainda que a filosofia tor­ lagre é um evento fora do com um em com paração
ne possíveis os eventos sobrenaturais e a natureza do com o padrão regular de eventos no mundo natu­
Deus teísta demonstre que são prováveis, somente a ral. Como uma “maravilha” , atrai a aten ção p or sua
história revela se são reais. Mas a “história” aqui inclui sin gu larid ad e. U m a sarça ardente que não é consu­
a história do cosm o e a história da raça hum ana, m ida, fogo do céu e um a pessoa passeando sobre a
Realidade do milagroso na história cósmica. Um fato água não são o co rrên cia s n o rm ais. Logo, atraem a
raram ente apreciado por co m p leto é q u e, m esm o aten ção dos o b servad o res.
557 m ila g re s , a rg u m e n to s c o n tr a

Segundo, milagres têm uma dimensão teológica. Fontes


Milagre é um ato de Deus que pressupõe um Deus A gostinho, A c i d a d e d e D eu s.

que age. 0 ponto de vista de que um Deus além do C. B rown, “ Milagre, prodígio, sinal” , em N o v o d i c i o n á r i o in t e r

universo o criou, o controla e pode interferir nele é n a c i o n a l d e t e o l o g i a d o N o v o T e s ta m e n to .

denominado thísmo. A. Fi .i:w, “Mirades” , em T h e e n c y c lo p ed ia o f

Terceiro, milagres têm dimensão moral. Eles tra­ p h ilo s o p h y .

zem glória a Deus ao manifestar seu caráter moral. X. 1.. G eisutí, M i r a d e s a n d t h e m o d e m m in d .

Milagres são atos visíveis que refletem a natureza D. G riv m e G. H abermas,./« d e fe n s c o f m ira d es .

invisível de Deus. Assim, nenhum milagre verdadei­ C. S. L b vis , M ila g r e s .


ro é mau, porque Deus é bom. Milagres, por nature­ R. S winburne, M i r a d e s .
za, procuram produzir e/ ou promover o bem. F. R. T knnant, M ir a c le a n d its p h i l o s o p h i c a l

Quarto, milagres têm dimensão doutrinária. Os p r e s u p p o s itio n s .

milagres na Bíblia estão ligados direta ou indireta­


mente a “reivindicações da verdade” (v. milagres \ a m ilagres, argu m en tos co n tra. A maioria dos p en ­
Bíblia). São maneiras de distinguir o profeta verda­ sadores modernos que rejeitam milagres seguem os
deiro do falso profeta (Dt 18.22). Eles confirmam a argumentos do cético escocês (v. agnosticlsmo) David
verdade de Deus por meio do servo de Deus (Hb H ume (1711-1776). Hume proporcionou o que mui­
2.3,4). Mensagem e milagre andam juntos. tos acreditam ser o mais formidável de todos os de­
Quinto, m ilagres têm dimensão teleológica. Ao safios à perspectiva sobrenaturalista: Milagres são
contrário da mágica (v. milagres, mágica e ), eles ja­ inacreditáveis.
m ais são realizados para diversão (v. Lc 2 3 .8 ). Os Hume estabeleceu três argumentos contra os mi­
milagres têm o propósito específico de glorificar ao lagres: filosófico, histórico e religioso. O primeiro ar­
Criador e dar evidência ao povo para crer, ao confir­ gum ento é o arg u m ento teórico , basead o na
mar a mensagem de Deus por meio de seu profeta. incredibili-dade de afirmar que leis naturais jam ais
Contexto teísta d e um milagre. A característica sejam subvertidas. O segundo é o argumento prático ,
essencial dos milagres bíblicos é seu contexto teísta que desafia o fato de milagres terem testemunhas dig­
(v. teísmo). Apenas na cosmovisão teísta o milagre pode nas de crédito (v. Novo T estamento, historicidade do). O
ser identificado. Quando Moisés encontrou a sarça último é baseado na natureza contraditória de reivin­
ardente (Êx 3.1-6), começou a investigá-la por sua na­ dicações sem elhantes de milagres que sobejam em
tureza incomum. A palavra que veio de Deus disse a todas as religiões.
Moisés que aquele evento não era apenas incomum, A incredibilidade dos milagres. Baseando-se na
mas era um milagre. Se Moisés relatasse a ateus con­ epistemologia empírica, Hume lançou seu ataque aos
victos (v. ateísmo) o que havia acontecido com a sarça milagres com o comentário:
ardente, eles teriam direito de duvidar da história. Xo
universo ateísta, não faz sentido falar sobre atos de Estou orgulhoso de ter descoberto um argum ento [...] que,
Deus. Para o não-teísta, a sarça ardente e a voz não se ju sto , será, entre os sábios e eruditos, o em pecilho eterno para
pareceriam mais milagrosos que a voz do céu para todos os tipos de ilusão supersticiosa, e consequentem ente será
aqueles que acharam que ela era um trovão (Jo 12.29). útil enquanto o m un do d u rar (H u m e ,I n v e s t i g a ç ã o s o b re o e n ­
Mas, considerando-se que Deus existe e levando em t e n d im e n t o h u m a n o , 1 0 .1 .1 8 ).
conta sua natureza racional e moral, essas caracte­
rísticas dão aos milagres seu poder apologético. O raciocínio de Hume é o seguinte ( Investigação,
Conclusão. Devemos saber o que estamos pro­ 10.1.18,120-3):
curando antes de reconhecer o m ilagre. P rim eira­
mente, milagres contrastam com a natureza, que é a 1. A pessoa sábia m antém sua crença propor­
maneira regular e naturalm ente previsível de Deus cional à evidência.
agir no mundo. Os milagres são a maneira incomum 2. O evento que pode ser fundado na experiên­
e humanamente imprevisível pela qual Deus ás ve­ cia infalível pode, com toda certeza, ocorrer
zes intervém nos eventos do mundo. O milagre pode de novo no futuro.
parecer-se com qualquer ocorrência incomum, mas 3. A confiabilidade da evidência derivada de
tem uma causa sobrenatural. É realizado com poder testem unhas e do depoim ento hum ano es­
divino, segundo a vontade divina, para um propósi­ tabelece provas ou probabilidades, à m edi­
to divino, a fim de autenticar a mensagem ou o pro­ da que é confirm ada por outros relatórios
pósito divino. e evidências.
m ila g re s , a rg u m e n to s c o n tr a 558

4. Todas as circunstancias devem ser cosidera- 1. Os milagres, por definição, violam as leis natu­
consideradas no julgamento da probabilida­ rais.
de, e o padrão absoluto é como os relatórios 2. As leis naturais são inalteravelmente unifor­
concordam com a experiência e a observa­ mes.
ção pessoal. 3. Logo, milagres não podem acontecer.
5. Quando a experiência pessoal não é a m es­
ma, a pessoa deve manter um julgamento con­ Mas, embora o argumento de Hume às vezes dê
trário e sujeitar a questão a argumento m e­ essa impressão, não é isso necessariamente o que ele
ticuloso. tinha em mente. Se esse é seu argumento, então trata-
6. Quaisquer contradições entre testem unhas se claramente de uma petição de princípio que define
devem ser consideradas suspeitas. A suspeita milagres como impossíveis. Pois, se milagres são uma
tam bém deve surgir se as testem unhas são “violação” do que não pode ser “alterado”, então mila­
poucas, de “caráter duvidoso”, têm interesses gres são impossíveis ipso facto. Os sobrenaturalistas
velados sobre o que afirmam, hesitam no tes­ poderiam facilmente evitar esse dilema. Poderiam re­
temunho ou afirmam com vigor extremo. cusar-se a definir milagres como “violações” da lei
7. “Mas quando o fato testemunhado é tal que fixa e sim plesmente cham á-los “exceções” da regra
raram ente seja observado, há o confronto geral. Ambas as premissas podem ser negadas. A lei
entre duas experiências opostas, no qual uma natural é o padrão regular (normal) de eventos. Não é
destrói a outra com toda a força, e a superior o padrão universal ou inalterável.
só pode operar na mente pela força que resta.” Essa seria a maneira fácil de evitar o problema. Na
verdade, a posição de Hume contém um argumento
8. 0 milagre viola as leis da natureza, que foram
que é bem mais difícil de responder, um argumento
estabelecidas pela “experiência firm e e inal­
que se refere a uma posição “moderada” da lei natural.
terável”.
Não é um argumento a favor da impossibilidade dos
9. Logo, “a prova contra o milagre, com base na
milagres, mas de sua incredibilidade: e
própria natureza do fato, é argum ento tão
completo quanto qualquer argumento de ex­
1. O milagre é por definição a ocorrência rara.
periência que possa ser imaginado”.
2. A lei natural é por definição a descrição da
10. A experiência é prova direta e completa con­
oco rrên cia regular.
tra a existência de qualquer milagre.
3. A evidência para o regular é sem pre m aior
que para o raro.
O argumento de Hume pode ser assim abreviado:
4. Indivíduos sábios sem pre baseiam a crença
na m aior evidência.
1. O milagre é a violação das leis da natureza.
5. L ogo, in d iv íd u o s sá b io s ja m a is devem
2. A experiência firme e inalterável estabeleceu
acredtar em milagres.
essas leis da natureza.
3. A pessoa sábia proporciona a crença à evi­
Xote que essa forma “moderada” do argumento
dência.
não elim ina os milagres; eles são considerados in­
4. Logo, a prova contra os milagres é esm aga­
críveis pela natureza da evidência. O sábio não afir­
dora.
ma que milagres não podem acontecer; ele sim ples­
m ente nunca acredita que aconteçam . A evidência
Hume escreveu:
suficiente nunca existe para a crença.
Nessa interpretação “moderada” do argumento,
Logo, deve haver uma experiência uniforme contra todo
os milagres ainda são eliminados, já que pela própria
evento milagroso, caso contrário o evento não mereceria esse
natureza do caso nenhuma pessoa sábia deve acredi­
título [...). Nada é considerado milagre se aconteceu no trans­
tar que um milagre já tenha acontecido. Nesse caso,
curso comum da natureza (10.1.122-3). Hume aparentemente evitou a petição de princípio e
ao mesmo tempo eliminou com sucesso a possibili­
Alternativas no argumento de Hume. Há duas m a­ dade da crença racional em milagres. Variações des­
neiras básicas de entender o argumento de Hume ses argumentos ainda são consideradas válidas por
contra os milagres. Nós as cham arem os de interpre­ alguns respeitados filósofos contemporâneos.
tações “rígidas” e “moderadas”. Segundo a interpre­ Avaliação do argumento de Hume. Como a forma
tação “rígida”, Hume estaria dizendo: “rígida” do argumento de Hume é claramente uma
559 m ila g re s , a rg u m e n to s c o n tr a

petição de princípio e é facilmente respondida pela algumas ressurreições tenham realmente acontecido,
redefinição dos term os, vamos concentrar-nos na segundo os princípios de Hume não se deve acreditar
forma “moderada”. A chave para desvendar esse ata­ nelas. No entanto, a verdade não é determinada pela
que está na alegação feita por Hume quanto à expe­ maioria de votos. Hume comete um tipo de consensus
riência uniforme. gentium que é uma falha lógica informal argumen­
A experiência “uniforme” de Hume é uma peti­ tar que algo é verdadeiro porque é aceito pela m ai­
ção de princípio ou é uma alegação especial. É uma oria das pessoas.
petição de princípio se Hume supõe saber que a ex­ Esse argumento na verdade iguala “evidência” e
periência é uniforme antes da evidência. Como al­ “probabilidade”. Ele diz, na realidade, que a pessoa
guém pode saber que toda experiência possível con­ deve sempre acreditar no que é mais provável, no que
firmará o naturalismo, sem ter acesso a todas as ex­ tem as maiores chances. Portanto, não se deve acredi­
periências possíveis, passadas, presentes e futuras? tar que nos dados lançados saíram três seis no pri­
Se, no entento, Hume só quer dizer por experiência meiro lançamento. As chances de isso acontecer, afi­
“uniform e” as experiências específicas de algumas nal, são de 216 para uma. Ou uma pessoa não deve
pessoas (que não depararam com o m ilagre), isso é acreditar que recebeu um jogo perfeito de bridge (o
uma alegação especial. Outros afirmam ter testem u­ que já aconteceu), já que a probabilidade de isso acon­
nhado milagres. Como Stanley Jaki observa: tecer é de uma em 1 635 013 559 600! Hume ignora o
fato de pessoas sábias basearem crenças em fatos, não
Pelo fato de ser um filósofo sensorialista ou empirista, em probabilidades. Às vezes a probabilidade contra
Hume deveria dar credibilidade igual para o reconhecimento um evento é alta (baseada na observação anterior de
de qualquer fato, comum ou incomum (Jaki, p. 23). eventos semelhantes), mas a evidência a favor do even­
to é boa (baseada na observação corrente ou teste­
Como C .S. L e w i s observou: munho desse evento).
A idéia de Hume de “somar” evidências elimina
a crença em qualquer tipo de evento incomum ou
Ora, é claro que devemos concordar com Hume que, se
singular. Richard W hatei.y satirizou a tese de Hume
existe a experiência absolutamente “uniforme”contra mila­
no panfleto Historical doubts concerning the existence
gres, se em outras palavras eles jamais aconteceram, de fato
o f Sapoleon Bonaparte [Dúvidas históricas quanto
nunca aconteceram. Infelizmente sabemos que a experiên­
à existência de Napoleão Bonaparte j. Já que as con­
cia contra eles é uniforme apenas se sabemos que todos os
quistas de Napoleão são tão fantásticas, tão extraor­
relatórios sobre eles são falsos. E só podemos saber que to­
dinárias, tão inéditas, nenhuma pessoa inteligente
dos os relatórios são falsos se já soubermos que milagres
deve acred itar que tais eventos aconteceram . De­
nunca ocorreram. Xa verdade, estamos argumentando em cír­
pois de relatar os feitos militares maravilhosos e in­
culos (Lewis, p. 105).
com paráveis de Napoleão, Whately escreveu: “Al­
guém acredita em tudo isso e ainda se recusa a acre­
A única alternativa para esse argumento circular
ditar num milagre? Ou melhor, o que é isso a não ser
é estar aberto para a possibilidade de os milagres
um milagre? Isso não é um a violação das leis da
terem ocorrido.
natu reza?”. Se o cético não nega a e xistên cia de
Além disso, Hume não avalia a evidência objeti­
N apoleão, “deve pelo m enos recon h ecer que não
vamente; ele soma a evidência contra os milagres. A
aplica a essa pergunta o mesmo raciocínio que usa
morte acontece vez após vez; a ressurreição aconte­
com outras” (Whately, p. 2 7 4 ,2 9 0 ).
ce raramente. Portanto, devemos rejeitar a segunda. Finalmente, o argumento de Hume leva a conclu­
Nas palavras do próprio Hume: sões forçadas. Tenta demonstrar que uma pessoa não
deve acreditar num milagre mesmo que ele aconteça !
Xão é milagre um homem aparentemente saudável mor­ Isso porque argumenta não que milagres não aconte­
rer repentinamente só porque tal tipo demorte raramente é ceram, mas que não devemos acreditar que ocorre­
observado. Mas é milagre que um homem morto volte a viver, ram por ser a evidência do com um sem pre m aior
porque isso nunca foi observado em nenhuma era ou país. que a do raro. Com essa lógica, se um milagre real­
mente acontecesse — por m ais raro que seja — ,
Logo,“é mais provável que todos os homens de­ mesmo assim a pessoa não deveria acreditar nele. Há
vam m orrer” {Investigação, 10.1.122). algo claramente absurdo nessa afirmação de que um
Há outros problemas com o conceito de Hume de evento deve ser desacreditado, mesmo que a pessoa
somar eventos para determinar a verdade. Mesmo que saiba que aconteceu.
m ila g re s , a rg u m e n to s c o n tr a 560

Negação uniforme dos milagres. Alguém pode eli­ senso, educação e erudição inquestionáveis para nos pro­
m inar a crença em eventos atuais baseado na evi­ teger contra toda ilusão a seu respeito.
dência de eventos passados? Parece que Hume quer
que cada pessoa sábia creia de antem ão que m ila­ E não há testemunhas suficientes de “integridade
gres nunca aconteceram , não acontecem e nunca tão certa, que as coloque acima de suspeita de qual­
acontecerão. Antes de examinar a evidência, a pes­ quer conspiração para enganar outros”. E elas não são
soa deve revestir-se do testem unho padronizado e “de crédito e reputação suficientes aos olhos da hu­
“inalterável” do uniformismo. Som ente abordando manidade para terem muito a perder caso seja detec­
o mundo com um preconceito invencível contra qual­ tada nelas alguma falsidade”. Finalmente, os supostos
quer coisa que não tenha sido pessoalmente conhe­ milagres também não foram “realizados de maneira
cid a no p assad o é que to d as as a firm a ç õ e s do tão pública e numa parte tão celebrada do mundo de
m iraculoso podem ser descartadas. modo a tornar o seu reconhecimento inevitável” ( Re­
Hume reconheceu a falha de seu raciocínio quan­ sumo do tratado da natureza humana, p. 124).
do argumentou que, com base na conformidade pas­ “A forte propensão da humanidade ao extraordi­
sada, nada pode ser considerado verdadeiro com nário e maravilhoso [...] deve despertar razoável sus­
relação ao futuro. Não podemos sequer saber se o peita contra todas as relações desse tipo.” E “se o espí­
sol nascerá amanhã (Resumo do tratado da natureza rito da religião se unir ao amor pelo extraordinário,
humana, p. 14-16). Logo, o fato de Hume negar mila­ chega-se ao fim do bom senso”, escreveu Hume (ibid.,
gres futuros baseado na experiência passada é inco­ p. 125-6).
erente com seus princípios e uma violação do pró­
Os milagres e os ignorantes. Hume acredita que o
prio sistem a.
argumento favorável aos milagres está prejudicado
Se fosse verdadeiro que nenhuma exceção atual pu­
porque “eles foram observados principalmente entre
desse anular “leis” baseadas na experiência uniforme
nações ignorantes e bárbaras”. Os que encontram quem
do passado, não haveria progresso no conhecimento
neles acredite em países civilizados, ele acrescentou,
científico do mundo. Pois exceções estabelecidas ou
em geral os encontram originalm ente entre os que
repetidas de padrões passados são exatamente o que
têm “ancestrais ignorantes e bárbaros”. Além disso,
força a mudança na crença científica. Quando a exce­
“as vantagens são tão grandes de causar uma impos­
ção observada de uma “lei” passada é estabelecida,
tura entre pessoas ignorantes que [...] se tem assim a
essa “lei” é revista, se possível, para explicar a exceção.
probabilidade muito maior de sucesso em países re­
Uma nova “lei” a substitui. Foi exatamente isso que
motos do que se a primeira cena tivesse acontecido
aconteceu quando certas “exceções” espaciais, mas
numa cidade reconhecida pelas artes e erudição”
repetidas, da lei da gravidade de Newton foram en­
(ibid.,p. 126-8).
contradas, e a teoria da relatividade de Einstein foi
“No todo, então, parece que nenhum testemunho
considerada mais ampla e adequada. As exceções
de nenhum tipo de milagre jam ais resultou em pro­
das “leis” têm um valor heurístico (de descoberta);
babilidade, muito menos prova.” Além disso, “mesmo
são estímulos ao progresso de nosso conhecimento
supondo que resultasse em prova, seria confrontado
acerca do universo. Assim, o que é verdadeiro com
por outra prova derivada da própria natureza do fato
relação a exceções repetidas que exigem uma expli­
que se esforçasse para estabelecer” (ibid., p. 137).
cação natural tam bém é verdadeiro com relação a
exceções não-repetidas, que indicam uma explica­
Avaliação. Apesar de Hume sugerir que estava aberto
para a evidência real do milagre caso ela alcançasse
ção sobrenatural.
Falta de testemunhas confiáveis. Hume também seus padrões de pureza, logo se suspeita que as regras
argumentou contra o testemunho a favor de milagres, de evidência foram adulteradas de forma a eliminar as
na prática. Já dem onstram os que tentativas a priori reivindicações de credibilidade de qualquer milagre.
de eliminar milagres falham, assim só restam argu­ Hume chega a admitir sinceramente que nenhum
mentos a posteriori. Hume alega que não há evidência número de testemunhas o convenceria de um mila­
suficiente para confirmar os milagres do xr. Ele enu­ gre. Ao falar do que considerava serem milagres alta­
mera vários argumentos que, se verdadeiros, excluiri­ mente comprovados entre os jansenistas de sua épo­
am a credibilidade das testemunhas do xr. ca, Hume escreveu: “E o que temos para opor a ta­
Hume diz: manha multidão de testem unhas além da absoluta
impossibilidade da natureza m ilagrosa dos eventos
Não se encontra, em toda a história, nenhum milagre que relatam?”. Tal impossibilidade, acrescenta, deve
confirmado por um número suficiente de homens de bom ser su ficien te “aos olhos de p esso a s ra c io n a is”
561 m ila g re s , a rg u m e n to s c o n tr a

(ibid., p. 133; grifo do autor). Não importa quantas As testemunhas não se contradizem. Centenas de
testemunhas forem dadas para esses eventos “abso­ supostas contradições nos evangelhos foram avalia­
lutamente impossíveis”, nenhuma “pessoa racional” das e consideradas falhas por teólogos, inclusive
acreditará nelas. Se for esse o caso, Hume ainda está Gleason Archer, John Haley, William Arndt e outros
abordando todo evento m ilagroso, por m ais bem (v. algumas dessas defesas na lista de fontes deste
comprovado que seja, com um preconceito natura­ artigo). O erro não está no evangelho, mas no proce­
lista a priori incurável. Todo discurso de verificação dimento usado pelo crítico. Para um estudo de exem­
da cre d ib ilid a d e das te ste m u n h a s é a n ti- plos de acusações, v. B íblia, supostos erros na. O s depo­
sobrenaturalism o pobrem ente disfarçado. imentos das testemunhas do nt nunca são contradi­
Esse preconceito demonstra que o argumento de tórios (v. B íblia, supostos erros na ). Cada um conta uma
Hume divide-se em duas direções. 0 conhecimento parte crucial e complementar da história inteira.
da natureza humana também revela preconceitos con­ É verdade que existem pequenas discrepâncias.
tra a aceitação de milagres. Um relato (Mt 28.2-5) diz que havia um anjo no túmulo
A posição de Hume tam bém é incoerente. Ele na manhã da ressurreição de Jesus; João diz que eram
não perm itiu o testem unho a favor dos m ilagres, dois anjos (Jo 20.12). Deve-se notar sobre esses tipos
mas permitiu o testem unho dos que viram água con­ de discrepâncias que elas são conflitantes, mas não
gelada, rejeitando o testemunho dos que não tinham contradições irreconciliáveis. Mateus não diz que ha­
visto. Mas por que permitir o testem unho para um via apenas um anjo ali; isso seria uma contradição.
Provavelmente numa hora havia um, e depois havia
evento e não para outro? Ele não pode responder
um segundo anjo no local. Conflito em detalhes é o
que é porque os outros viram água congelada, pois
que se deve esperar de testemunhas autênticas e in­
isso é uma petição de princípio. 0 problema é que
dependentes. Qualquer juiz perceptivo que ouviu vá­
uma tribo tropical nunca a viu, então por que devem
rias testemunhas darem testemunhos idênticos sus­
aceitar o testemunho de um estrangeiro que diz tê-
peitaria de fraude (v. evangelhos, historicidade dos).
la visto, não importando quantas vezes a viu? Mila­
O número de testemunhas ésuficiente. Os 27 livros
gres aconteceram mais de uma vez. Além disso, se­
do m foram escritos por testem unhas oculares ou
gundo os próprios princípios de Hume, mesmo que
contem porâneas dos eventos que registraram . Seis
alguém tenha visto água congelar apenas uma vez e
desses livros são cruciais para a verdade dos m ila­
andou e escorregou nela, isso seria suficiente para
gres do x t : M ateus, M arcos, Lucas, João, Atos e 1
saber que aconteceu. Todavia, o mesmo se aplica ao
Coríntios. Todos esses livros testem unham o m ila­
milagre. Apenas o preconceito anti-sobrenaturalista
gre da ressurreição. Até mesmo teólogos críticos re­
impediria a pessoa de considerar honestam ente o
conhecem agora que esses livros são docum entos
testem unho confiável sobre sua ocorrência.
do século i, a m aioria escrita antes de 70 d.C, en ­
Hume aparentem ente não está ciente da forte
quanto os contem porâneos de Cristo ainda viviam.
evidência histórica a favor da confiabilidade dos do­
Praticam ente todos os teólogos reconhecem que 1
cumentos bíblicos e das testemunhas (v. B íblia , e v i ­
Coríntios foi escrita pelo apóstolo Paulo por volta
dências da ; Novo T estamento , historicidade d o ). Pelo
de 55 ou 56 d.C., pouco mais de duas décadas após a
menos, ele a ignora. No entanto, os milagres bíblicos
morte de Cristo. Esse é um testemunho poderoso a
não podem ser descartados sem uma investigação
favor da realidade do milagre da ressurreição. É um
detalhada. Por isso ninguém deve descartar a possi­ documento bem antigo. Foi escrito por uma teste­
bilidade desses m ilagres antes de exam inar a evi­ munha ocular do Cristo ressurreto (15.8; At 9.3-8).
dência a favor deles. Faz referência a mais de quinhentas testem unhas
Testemunhas do x t e o s critérios d e Hume, Hume oculares da ressurreição (1 5 .6 ), enfatizando que a
descreveu os critérios básicos que considerava ne­ maioria delas ainda estava viva (v. 6). Qualquer lei­
cessários para testar a credibilidade das testem u­ tor im ediato de 1 Coríntios poderia com provar a
nhas (ibid., p. 120). Eles são discutidos no artigo t e s ­ confiabilidade da evidência da ressurreição.
temunhas , critérios de H cme para . Podem ser resumi­ As testemunhas eram honestas. Poucos questio­
dos em quatro perguntas: nam o fato de que o nt oferece um grande padrão
de m oralidade baseado no am or (M t 2 2 .3 6 ,3 7 ) e
1. As testem unhas se contradizem? piedade interior (M ateus 5 — 7). Os apóstolos de
2. Há número suficiente de testemunhas? Jesus repetiram esse ensinam ento nas suas obras
3. As testemunhas foram honestas? (p.eXjRm 13.1; ICo 13; Gl 5 ) .Suas vidas exem plifica­
4. Elas eram tendenciosas? ram seu en sin am en to m oral. A m aioria m orreu
m ila g re s , a rg u m e n to s c o n tr a 562

pelo que acreditava (2Tm 4.6 -8 ; 2Pe 1.14), sinal in­ As testemunhas da ressurreição não lucraram pes­
confundível de sua sinceridade. soalmente por seu testemunho acerca da ressurrei­
Além do ensinam ento de que a verdade é um ção. Elas foram perseguidas e ameaçadas (v. At 4 ,5 e
imperativo divino (E f 4.15,25), é evidente que os au­ 8). A maioria dos apóstolos foi martirizada. Mas, mes­
tores do nt eram escrupulosos ao registrá-lo. Pedro mo diante da morte, proclam aram e defenderam a
declarou: “De fato, não seguimos fábulas engenho- ressurreição. E as testemunhas não devem ser descar­
saniente inventadas, quando lhes falamos a respeito tadas só porque têm interesse no que aconteceu. Caso
do poder e da vinda de nosso Senhor Cristo” (2Pe contrário, não deveríamos aceitar o testemunho de
1.16). O apóstolo Paulo insistiu: “Xão mintam uns sobreviventes do Holocausto, e aceitamos. A questão
aos outros” (Cl 3.9). é se há evidência de que estavam falando a verdade.
Onde quer que as afirmações dos autores do nt A firm ações incoerentes. Hume afirma que “Todo
coincidam com as descobertas de historiadores e ar­ m ilagre, p ortanto, que se pretende ter sido feito
queólogos, provam ser precisas ( v. arqufoi.ogia do Novo em qualquer uma dessas religiões (e todas elas fa­
T estamento ). 0 arqueólogo Nelson Glueck conclui: lam em m ilagres) [...] tem a m esm a força, apesar
de m ais indiretam ente, para derrubar todos os ou­
Pode-se afirmar categoricamente que nenhuma desco­ tros sistem as”.
berta arqueológica jamais contestou uma referencia bíbli­ Todavia, segundo Hume, esses milagres não atin­
ca. Inúm eras descobertas arqueológicas foram feitas que gem sua meta. Antes, “ao destruir um sistema rival,
confirm am em geral ou em detalhe exato as afirm ações da ele [o milagre] também destrói o crédito dos mila­
Bíblia (p. 31). gres sobre os quais esse sistem a foi estabelecido”
(Hume, p. 129-30). Já que todas as religiões têm os
Millar Burrows observa que “vários arqueólogos mesmos tipos de milagres, nenhum deles estabelece
viram seu respeito pela Bíblia aumentar por causa da a veracidade de suas doutrinas. Eles se cancelam
experiência de escavações na Palestina” (Burrows, p. com o testem unhos da verdade.
1). Não há sinal de que os autores do nt tenham Há, no entanto, vários problemas significativos
falsificado os fatos relativos à questão. Seu testem u­ com o argumento de Hume baseado na natureza in­
nho seria considerado válido por qualquer jú ri sem coerente das reivindicações de milagres.
preconceito. Como concluiu o grande especialista Todas as reivindicações de milagres são iguais ?
de Harvard, Simon G r e f n e e a f , seu testem unho não Hume supõe equivocadamente que todos os milagres
demonstra nenhum sinal de perjúrio. são iguais. Isso é contrário aos fatos. Alguns obvia­
As testemunhas não eram tendenciosas. Há razão m ente referem -se a anom alias naturais ou curas
para crer que as testemunhas dos milagres de Cristo, psicossom áticas. Principalm ente nas religiões ori­
principalmente o de sua ressurreição, não estavam entais e da Nova Era, ocorrências sobrenaturais ge­
predispostas a acreditar nos eventos sobre os quais ralmente são truques (v. m i l a g r e s , magi c a e ). N o caso
deram testemunho. Os próprios apóstolos não acre­ das profecias, sua precisão é muito baixa para ser
ditaram quando as mulheres relataram o que acon­ levada a sério. Há uma grande diferença entre andar
tecera (Lc 24.11). Mesmo alguns discípulos que vi­ sobre brasas e andar sobre a água, como Jesus fez (Jo
ram a Cristo demoram a crer (Lc 24.25). Na verdade, 6). Há uma diferença entre curar alguém de enxa­
quando Jesus apareceu para dez apóstolos e m os­ queca e curar um cego de nascença, como Jesus fez
trou suas feridas da crucificação, “não creram ainda, (Jo 9). Curandeiros de todas as religiões levantam
tão cheios estavam de alegria e de espanto...” (Lc doentes, mas Jesus levantou os mortos (Jo 11).
24.41). E, mesmo depois de ficarem convencidos ao Todas as testemunhas são igualmente confiáveis?
ver Jesus comendo, seu companheiro ausente, Tomé, O raciocínio de Hume supõe que a credibilidade das
protestou que não acreditaria se não pusesse o dedo testemunhas para as reivindicações de milagres em
nas feridas das mãos e do lado de Jesus (Jo 20.25). todas as religiões seia a mesma. Os milagres do nt são
Jesus também apareceu para incrédulos, especi­ comprovados por testemunhas oculares contem po­
ficamente para seu m eio-irmão cético, Tiago (Jo 7.5; râneas. As histórias islâmicas de milagres aparecem
ICo 15.7) e para um judeu fariseu chamado Saulo de gerações mais tarde (v. m aom é , supostos milagres de ).
Tarso (At 9). Se Jesus tivesse aparecido para os que Alguns apresentam testem unhas dignas de crédito,
acreditam ou tendessem a acreditar, poderia haver outros não. A credibilidade de cada testem unha de
legitimidade na acusação de que as testemunhas es­ um milagre deve ser avaliada por seus méritos. Deci­
tavam predispostas a crer. Mas aconteceu o oposto. didamente não são iguais.
563 m ila g re s , a rg u m e n to s c o n tr a

Avaliação. Ao invés de refutar os milagres do n t, o com o os m ila g res q ue aleg am ter o c o rrid o no
terceiro argumento de Hume de que as histórias de passado, con clu i-se que o m étodo h istórico ad e­
m ilagres de todas as religiões são igualm ente quado elim ina o m iracu loso.
(não)confiáveis apóia a autenticidade dos milagres bí­ Troeltsch usou o “princípio da analogia”, e Antony
blicos. Pois a superioridade das testemunhas cristãs é Flew um princípio sem elhante da “história crítica”
um argumento válido contra as reivindicações não- contra os milagres. Essas teorias são examinadas ex­
cristãs de milagres. Podemos reafirmar o argumento tensamente no artigo T roeltsch, E rnst, portanto serão
dessa maneira: comentadas apenas em termos gerais aqui.
O “princípio da analogia” de Troeltsch. Esse princí­
1. Todas as religiões não-cristãs (que reivindi­ pio, segundo Troeltsch, afirma que,“sem uniformidade
cam m ilagres) são apoiadas por reivindica­ no presente, não podemos saber nada sobre o passado”
ções semelhantes de “milagres” (tanto na sua (Historicism and its problems [O historicismo e seus pro­
natureza quanto nas suas testem unhas). blemas]). Com base nesse princípio, Troeltsch e outros
2. Mas nenhum desses “milagres” tem um teste­ insistiram em que nenhuma evidência ou testemunha
munho forte o suficiente para sustentar valor é adequada para estabelecer milagres (Becker, p. 12-3).
evidenciai, portanto eles se auto-anulam. Esse argumento não declara que nenhum desses
3. Logo, nenhuma religião não-cristã é apoiada milagres relatados na Bíblia ocorreu. A afirm ação,
por milagres. na verd ad e, é que eles não são h is to ric a m e n te
Nesse caso, podemos argumentar que apenas o cris­ cognoscíveis, quer tenham ocorrido, quer não. A
tianismo é divinamente confirmado como verdadeiro. maioria concordaria em que nenhum desses m ila­
gres, como um nascim ento virginal, andar sobre a
1. Apenas o cristian ism o tem reivind icações água ou ressuscitar os m ortos, ocorre hoje; assim,
singulares de milagres confirmadas por tes­ pela analogia de Troeltsch, não é possível saber se
tem unho suficiente. tais eventos ocorreram .
2. 0 que tem confirm ação milagrosa singular “História crítica" de Flew. A “história crítica” de
das suas re iv in d ica çõ es é v erd ad eiro (ao Flew é semelhante. Flew afirma que os restos do pas­
contrário das posições opostas). sado não podem ser interpretados com o evidência
3. Logo, o cristianism o é verdadeiro (ao con ­ histórica, a não ser que suponhamos que as mesmas
trário das posições opostas). regularidades básicas existentes naquela época se­
jam verificadas hoje. O historiador deve ju lg ar a
Os milagres de Jesus foram instantâneos, sempre evidência do passado pelo conhecim ento pessoal do
bem-sucedidos e singulares. Os supostos operadores que é provável ou possível (p. 350).
de milagres que afirmam sucesso parcial só realizam Flew concluiu que o historiador crítico descarta
curas psicossomáticas, empregam truques, fazem si­ sum ariam ente histórias de milagres, classificando-
nais satânicos ou promovem outros eventos natural­ as como impossíveis e absurdas (ibid., p. 352). A im ­
mente explicáveis. Nenhum curandeiro contemporâ­ possibilidade, acrescenta Flew, não é lógica, mas fí­
neo sequer afirma curar todas as doenças (inclusive as sica. Milagres são possíveis na teoria, mas na prática
“incuráveis”) instantaneamente, com 100% de sucesso. transgridem as leis naturais que simplesmente nun­
Jesus e seus apóstolos o fizeram. Isso é único e posiciona ca são transgredidas.
esses milagres contra todas as reivindicações opostas Avaliação do argumento histórico. Troeltsch e Flew
de outras religiões. Se os milagres bíblicos são singula­ tentam eliminar a cognoscibilidade por meio do que
res, confirmam as reivindicações de verdade ligadas a Flew chama “história crítica”. Além disso, o argumento
eles (Êx 4 .Is.; lRs 18.1s.; Jo 3.2; At 2.22; 14.3; Hb 2.3,4). (como Flew admite) segue a forma básica do anti-
Todos os outros supostos milagres são, como o argu­ sobrenaturalismo de Hume, criticado anteriormente.
mento de Hume demonstra, incoerentes. Todos esses argumentos supõem que, para ser crítico
A rg u m en to s a p a r t i r d a a n a lo g ia . E rn st e histórico, é preciso ser anti-sobrenatural. Segundo
T r o el t sc h (1 8 6 5 -1 9 2 3 ) estabeleceu a regra da an a­ essa posição, a mente fechada é pré-requisito para
logia: A única m aneira de conh ecer o passado é fazer um estudo histórico “crítico”.
pela analogia no presente. Isto é, o desconhecido O princípio de que o presente é a chave do pas­
do passado só é revelado pelo que se conhece no sado ou de que o passado é conhecido pela analogia
presente. Com base nisso, alguns argum entam que, com o presente é válido, porque as pessoas vivas no
já que nenhum m ilagre ocorre no p resen te, tais presente não têm acesso direto ao passado. Deve-se
m ila g re s , a rg u m e n to s c o n tra 564

presum ir que os tipos de causas que reconhecida­ em detrimento dos eventos específicos em questão.
mente produzem certos tipos de efeitos no presente Essa não é uma regra normal de evidência. Além dis­
tam bém produziram tipos sem elhantes de efeitos so, alega que nenhum milagre ocorreu, pode ocorrer e
no passado. jam ais ocorrerá no mundo atual. Flew e Troeltsch sim ­
Mas esse princípio não elimina a crença confiável plesmente não são oniscientes para saber se sua su­
em milagres no passado, mesmo que nenhum des­ posição é verdadeira.
ses milagres exista no presente. Há falácias envolvi­ Petição de principio. Flew também comete, na prá­
das no argumento histórico. tica, uma petição de princípio quando afirma que os
Uniforme ou unifonnista? Troeltsch e Flew con ­ milagres são‘ absolutamente impossíveis” e que o pen­
fundiram os princípios da uniformidade (analogia) sador crítico os descarta ''sum ariam ente” . Mas por
e do uniformismo. Eles supuseram que todos os even­ que um pensador crítico seria tão preconceituo con­
tos passados apresentam -se uniform em ente hoie. tra a realidade histórica do milagre? Por que se deve
Isso não só é uma suposição, com o tam bém não com eçar a metodologia armada contra certos even­
confere com o que os cientistas naturalistas acredi­ tos passados, antes de analisar as evidências?
tam sobre as origens. Todos os cientistas acreditam Prejudicando o progresso científico. P osições
que a origem do universo e a origem da vida são uniformistas têm prejudicado o progresso da ciência.
eventos singulares e não-repetíveis (v. oRicr.NS, ciência A teoria do big-bnng é um exem plo. 0 astrofísico
das). Mas se o passado pode ser conhecido apenas Arthur Eddington referiu-se a esse princípio especial
em termos de processos ativos agora, então não há e explosivo do universo com as palavras “repugnan­
base científica para conh ecê-los. Outro problem a te”, “absurdo” e “inacreditável" ( [astrow, p. 112). Albert
com o un iform ism o é que os p rocessos m udam . Einstein cometeu um erro matemático por ter certe­
Uniform istas geológicos não explicam catástrofes, za de que o big-bang era “tolice’ ( ibid., p. 28).
mudanças clim áticas, deslocamentos da crosta ter­ A evidência é tão convincente que muitos cien­
restre e outros fatores que possam ter alterado for­ tistas agora acreditam que os átomos básicos de hi­
ças geológicas. drogênio do universo foram criados em milésim os
0 u n ifo rm ism o supõe ilo g icam en te que não de segundo. A maioria dos astrônom os hoje aceita a
houve singularidades passadas. Embora o conheci­ realidade de uma grande explosão inicial. Aqui está
mento do passado seja baseado em analogias do pre­ uma singularidade que pela própria natureza não
sente (uniform idade), o objeto de tal conhecimento pode ser repetida. Mas é uma teoria viável das ori­
pode ser uma singularidade. Arqueólogos podem sa­ gens e um objeto adequado da ciência, em bora os
ber com base na analogia que apenas seres inteli­ cientistas tivessem de ser arrastados até ela, já que
gentes podem fazer pontas de projéteis. Mas a m a­ de fato tem implicações teístas definitivas.
nufatura de uma única ponta de lança por determ i­ Apelando para o geral a fim de eliminar o específi­
nado artesão em determ inada tribo tam bém pode co. Um tipo estranho de lógica age no argumento his­
ser estudada em si. 0 que se pode aprender sobre tórico. É preciso julgar todos os eventos específicos
esse evento passado singular pode tornar-se conhe­ (especiais) do passado com base nos eventos gerais
cim ento atual — uma base para analogia quando (regulares) do presente. Por que não usar eventos es­
outras pontas de lança forem descobertas. Pela ana­ peciais do presente como analogia para eventos espe­
logia, cientistas aprenderam que certos níveis de ciais do passado? Existem “anomalias” únicas e espe­
com plexidade esp ecífica orig in am -se apenas em cíficas. Do ponto de vista estritam ente científico, o
seres inteligentes. milagre é como a anomalia. Aqui o argumento histó­
A analogia devidamente interpretada considera rico usa uma alegação especial. Nem Troeltsch nem
confiável a possibilidade de alguns eventos no pas­ Flew permitem que a evidência explique eventos es­
sado terem uma causa sobrenatural inteligente. M es­ pecíficos, em lugar da evidência de categorias gerais
mo sem analogia com o presente, há boa evidência de eventos. Existem muitos mais eventos regulares e
de que o universo teve um princípio (v. big - baxg ) e repetidos que eventos não-repetidos. Não há evidên­
uma causa sobrenatural inteligente. cia para o não-repetido. É com o recusar-se a acre­
Alegação especial. O argumento histórico contra ditar que alguém ganhou na loteria porque m ilha­
os milagres alega especialm ente que a evidência de res perderam. Com esse m esm o raciocínio, o filó­
eventos individuais não pode ser permitida, a não ser sofo contem porâneo Douglas K. Erlandson argumen­
que os eventos sejam repetidos. Isso favorece a evi­ ta que a lei científica, como tal, lida com classes gerais
dência para todos os eventos que ocorram regularmente, de eventos, enquanto o sobrenaturalista lida com
565 m ila g re s , a rg u m e n to s c o n tr a

eventos que não se encaixam nas classes gerais. A Patrick Nowell-Smith. A afirm ação do sobrena-
crença em algo não prejudica a crença em outra coisa turalista de que um evento é um milagre porque não
(Erlandson,p.417-28). pode ser explicado em term os de leis científicas in­
Forçando a argumentação. Os argumentos histó­ comoda Patrick Nowell-Smith.
ricos provam que a maior parte do que os naturalistas
acreditam sobre o passado não pode ser verdadeiro. Podem os acreditar nele [no sobrenaturalista] qu an do diz
Como Richard W hately demonstrou em sua famosa que nenhum m étodo científico con hecido exp licará o evento
sátira do ceticismo naturalista de Hume (Whately, p. [...] M as d izer qu e é inexplicável co m o resu ltad o de agen tes
224,290), se é preciso rejeitar os eventos singulares no n a tu ra is já está além d e su a co m p etên cia c o m o cien tista, e
passado porque não há analogia com o presente, en­ d izer qu e deve ser atrib u íd o a agen tes so b re n atu rais é dizer
tão a incrível história de Napoleão deve ser rejeitada. algo q u e n in gu ém p o d eria ter o d ireito d e afirm a r b a se a d o
Não é crítica o suficiente. Na verdade, a “história so m en te na evid ên cia (N ow ell-Sm ith , 245-6).
crítica” não é crítica o suficiente. Ela não critica a
aceitação irrazoável das pressuposições que elim i­ Por mais estranho que um evento seja, argumenta,
nam conhecim ento histórico válido. Longe de ser não deve ser atribuído ao sobrenatural, porque futu­
aberto para evidências, seu naturalismo elimina com ros cientistas poderão explicá-lo. No passado, o vôo
antecedência qualquer interpretação miraculosa dos do zangão não podia ser explicado pela lei natural. No
eventos no passado. Ela legisla sobre o significado, em entanto, os princípios dessa ocorrência muito natural
vez de procurá-lo. foram revelados na descoberta de reservas de energia
Argumentos da ciência. Desde a origem da ciên­ nas células da abelha cham adas mitocôndrias , que
cia moderna, é comum afirmar que os milagres não possibilitam o vôo pelo movimento rápido das asas.
são científicos. Alguns críticos opõem-se a milagres
O argumento pode ser assim descrito:
porque são considerados contrários à própria natu­
reza do procedimento científico de lidar com eventos
1. O que não tem explicação científica não é ne­
irregulares ou excepcionais. Eles insistem em que,
cessariam ente cientificam ente inexplicável.
quando os cientistas se deparam com um evento ir­
2. Milagres não têm explicação científica.
regular ou anômalo, não supõem um milagre. Ampli­
3. Milagres não são cientetificamente inexplicáveis.
am seu conhecimento acerca dos processos naturais
de modo a incluir esse evento. Fazer o contrário seria
Uma explicação é considerada científica, segun­
abandonar o método científico. Alguns argumentos
do Nowell-Smith, se uma hipótese da qual previsões
incluem:
podem ser feitas pode ser comprovada mais tarde
Nirtian Smart. Ninian Smart declara que nada na
(ibid., p. 249). Além disso, a explicação deve descre­
natureza pode estar fora dos limites da exploração,
ver com o o evento acontece.
caso contrário invalidaria a pesquisa científica. Mas
Nessa definição, milagres “legítimos” devem ser
a crença de que certos eventos são milagrosos cria
explicáveis por leis que podem ser declaradas. Caso
uma barreira para a ciência. Logo, aceitar milagres
contrário, o evento pode ser explicado.
viola o campo de ação da ciência (Sm art, cap. 2). 0
argumento pode ser assim resumido:
Se podem os detectar qualquer ordem nas intervenções de
Deus, d eve ser possível extrapolar da m aneira com um e prever
1. O milagre é a exceção da lei natural.
2. Na ciência, exceções são estímulos para en­
quando ou com o um m ilagre ocorrerá (ibid., 251).
contrar uma explicação melhor, não uma in­
dicação para parar a pesquisa. N ow ell-Sm ith d esafia os so b re n a tu ra lista s a
3. Logo, aceitar milagres impede o progresso considerar se a idéia de explicação não inclui n e­
científico. cessariam ente hipótese, previsão e pensam ento so­
bre a possibilidade de o “sobrenatural” fazer parte
Portanto, o milagre jamais pode ser identificado dela (ibid., p. 253).
como evento irregular ou anomalia. Pelo contrário, Se alegarem que ele está apenas redefinindo o “na­
pede mais pesquisa. Quando a lei natural não expli­ tural” para incluir milagres, Nowell-Smith responde:
ca a exceção, os cientistas não abandonam o barco;
examinam novam ente, com mais profundidade. A Concederei o seu sobren atu ral, se isso é tudo que significa.
exceção para uma descrição científica ( l 1) pode es­ Pois o sobrenatural não será nada além de um novo cam po para
tar incluída na descrição mais ampla (: 2). a p esquisa científica, um cam po tão diferente da física quanto a
m ila g re s , a rg u m e n to s c o n tr a 566

física é da psicologia, mas não diferente em princípio nem exi­ uma questão de capricho: o investigador iria ou não invocar o
gindo qualquer método não-científico (ibid.). conceito de milagre (Diamond, p. 317).

Isso pode ser assim resumido: Diamond vê dois problem as com o sobrenatu-
ralism o. Prim eiro, exceções não devem interrom ­
1. Som ente o que tem capacidades preditivas per a pesquisa científica. Elas são, na verdade, estí­
pode ser considerado a explicação de um even­ mulos para m aior estudo. Segundo, exceções não
to. devem ser necessariam ente cham adas milagres. 0
2. A explicação m iraculosa não pode fazer pre­ que é estranho prova que Deus existe? Se não prova,
visões comprováveis. com o distinguir o incomum do sobrenatural?
3. Logo, a explicação m iraculosa não pode ser Segundo Diamond,
considerada explicação do evento.
permitir a possibilidade de explicações sobrenaturais para
As im plicações desse raciocínio são que expli­ ocorrências naturalmente observáveis é algo que, na verdade,
cações m iraculosas devem tornar-se científicas ou levaria cientistas ativos a abandonar a iniciativa científica [... ]
d eixar de ser e xp lica çõ es. A ssim , um m ilagre é Esses cientistas não poderiam investigar [o milagre]. Como
m etodologicam ente não-cien tífico. Isso é co n trá ­ cientistas, não seriam capazes de determinar se a exceção era
rio à m aneira cien tífica de explicar eventos, m a­ sobrenatural (ibid., p. 320).
neira que sem pre envolve a habilidade de prever
eventos sem elh an tes. Além d isso, N ow ell-Sm ith Os cientistas devem operar com autonomia. De­
nega que a racionalidade seja necessária para ex­ vem estabelecer as próprias regras e arbitrar seus pró­
plicar qualquer anom alia na natureza. No final, tudo prios jogos. Logo, apesar de nada impedir logicamente
o que acontece deve ser explicado com o resultado um cientista de aceitar uma interpretação sobrenatu­
da lei natural. ral para um evento totalmente extraordinário, os ci­
Alistair McKinnon. Outro oponente dos milagres, entistas estariam liquidando a ciência.
Alistair McKinnon (v. outro argumento de McKinnon Diamond conclui:
no artigo m i i .a g re ) apresenta o argumento da lei ci­
entífica da seguinte maneira: A resposta que darei a favor da interpretação naturalista é
pragmática. Ela recomenda confiança nas explicações científi­
1. Uma lei científica é uma generalização base­ cas sem fingir ser uma refutação conclusiva do sobrenaturalismo
ada na observação passada. (ibid.).
2. Qualquer exceção a uma lei científica anula
essa lei com o tal e exige uma revisão dela. O esboço desse argumento é pragmático, basea­
3. Um milagre é uma exceção a uma lei científica. do na autonom ia do método científico:
4. Logo, qualquer dito “m ilagre” exigiria uma
revisão da atual lei científica. 1. Os cientistas, por serem cientistas, não po­
dem deixar de buscar explicações naturalis­
Para M cKinnon, um milagre deve ser considera­ tas para todo evento.
do um evento natural sob uma nova lei, que o incor­ 2. Admitir um único milagre é deixar de buscar
pora à sua explicação natural. Leis são como mapas, uma explicação natural.
e mapas nunca são violados; são revistos quando se 3. Logo, adm itir m ilagres é deixar de ser um
descobre que estão errados. cientista.
Malcolm Diamond. Outros tentaram argum en­
tar que m ilagres se opõem à metodologia científi­ Avaliação. Ao contrário de outros argumentos
ca. Por exemplo, M alcolm D iam ond, professor de contra os milagres, a objeção científica não tenta pro­
filosofia na Universidade de Princeton, insiste em var que eles são impossíveis ou mesmo inacreditáveis.
que é desastroso aceitar exceções m ilagrosas a leis Se bem -sucedida, ela dem onstraria que milagres não
cien tíficas. Se aceitarem algum as exceções com o são identificáveis pelo método científico. Isso abre
sendo sobrenaturais, a possibilidade de haver outras maneiras de identi­
ficar um milagre. Se por definição o método cientí­
o fico lida apenas com determinada classe de eventos
desenvolvimento científico será impedido ou irá tornar-
se algo completamente volúvel, porque seria necessariamente (os repetíveis), então eventos singulares com o os
567 m ila g re s , a rg u m e n to s c o n tr a

milagres não podem ser identificados pelo método Confusão de categorias. Até alguns naturalistas
científico. Mas o que tal argumento não prova é que adm itiram que esse é um argumento a priori que
milagres não acontecem ou que não há outra m a­ pode ser refutado pela observação de que uma exce­
neira de identificá-los. E tam bém não dem onstra ção a uma lei científica sobrenaturalmente causada
que não há outra maneira de identificar um método não a anula. Leis científicas expressam regularida­
científico pelo qual um milagre possa ser identifica­ des. Um milagre é exceção especial e não-repetível
do, pelo menos em parte. (Diamond, p. 316-7). Uma exceção não-repetível não
Anomalias e o método científico. Mesmo o proce­ exige a revisão de uma lei natural. Mais provavel­
dimento científico que lida com eventos repetíveis mente deveria ser atribuída à observação talha. Do
e regulares perm ite eventos excepcionais que não ponto de vista estritam ente científico, uma exceção
exigem a explicação de outra lei natural. Um cientis­ não-repetível é apenas isso — uma exceção a leis
ta que depara com uma anomalia não revisa auto­ científicas conhecidas. Se, sob condições específi­
m aticam en te as leis antigas. Se a exceção não é cas, a anom alia ocorrer de novo, o cientista tem o
repetível, não há direito de usá-la como base para direito de cham á-lo evento natural. Nesse caso, as
uma nova lei. É inadequado exigir que todos os even­ anom alias devem ser indicadores para o desenvol­
tos excepcionais sejam naturalmente causados, mas vimento de uma lei natural mais geral.
apenas que eventos repetíveis sejam explicáveis. Por­ Os milagres, no entanto, não são resultado de leis
tanto, no milagre não-repetível não há violação do naturais. São causados por ações intencionais de agen­
direito de um cientista praticar a ciência. tes racionais, Deus e seus representantes. A ação da
A ciência normalm ente lida com regularidades, vontade é o que não pode ser repetido e, portanto,
não com singularidades. Não se pode esperar que um coloca milagres fora do âmbito da observação cientí­
método equipado para lidar com regularidades eli­
fica. Um milagre acontece porque Deus quer. Não é
mine a viabilidade científica de um milagre.
possível programar Deus para “querer isso” novamen­
Uma abordagem científica do mundo não é li­
te, a fim de que os cientistas possam acompanhar. Os
mitada a eventos. Existem abordagens científicas le­
milagres não mudam nosso conceito sobre as leis ci­
gítimas que lidam com eventos singulares, que até
entíficas, apenas acontecem fora delas.
sobrenaturalistas apoiam.
Já que os milagres são exceções não-repetíveis de
M esm o o m étodo cien tífico ad m ite exceções
leis conhecidas, eles deixam as leis naturais intactas e,
ou anom alias, e nenhum cientista reexamina as leis
portanto, não são não-científicos. Sm art escreveu:
naturais tomando por base uma única exceção. A
“Milagres não são experimentais, repetíveis. São even­
não ser que o cientista possa dem onstrar que está
tos específicos, peculiares [...] Não são leis menores.
lidando com uma parte regular e repetível da natu­
Conseqüentemente, não destroem leis maiores”.
reza, ele não tem base para criar uma nova lei natu­
Petição de princípio. Se objeções científicas têm
ral. Não há razão pela qual um milagre não possa
como alvo eliminar a aceitação de milagres por uma
encaixar-se na categoria ampla do anôm alo, m es­
pessoa racional, não são bem-sucedidas. Elas clara­
mo no sentido geral do m étodo científico.
mente usam uma petição de princípio ao insistir em
É claro que um milagre com preende mais que
que todo evento na natureza deve ser considerado um
mera anom alia. Existem indícios da atuação “divi­
evento natural. Pois se de tudo que acontece — por
na”. Entretanto, mesmo a partir da abordagem estri­
mais não-repetível que seja — nada deve ser consi­
tamente científica, que lida com regularidades, não
é possível elim inar legitim am ente a possibilidade derado milagre, milagres são antecipadamente elimi­
de se identificar um milagre. Argumentar que toda nados por definição. Mesmo que a ressurreição dos
exceção a uma lei natural exige outra explicação mortos ocorresse, não seria considerada milagre.
natural é sim plesm ente uma petição de princípio. xúpesar de afirm ar que o problema deve ser ata­
Tal argumento vai além da ciência e revela um pre­ cado com a mente aberta (ibid., p. 243), Nowell-Smith
conceito naturalista (v. m a t e r ia l ism o ; n a t u r a l ism o ). demonstra um preconceito inabalável a favor do na­
Como insistem os teístas, se há um Deus, ele não turalismo. Seus padrões exigem que todo e qualquer
pode ser mantido fora de sua criação. Se ele tem a evento seja considerado evento natural. Na verdade,
habilidade de criar o universo, tem o poder de pro­ ele está aberto apenas a interpretações naturalistas,
duzir atos excepcionais ocasionais, mas naturalm en­ não para o sobrenatural. Isso é uma clara petição de
te não-repetíveis no seu mundo. A única m aneira princípio. Ele define “explicação” de m aneira tão
eficaz de refutar milagres é refutar a Deus (v. D e u s , intolerante que elim ina a possibilidade de uma ex­
SUPOSTAS REFUTAÇÕES DE). plicação sobrenatural. Insiste arbitrariam ente que
m ila g re s , a rg u m e n to s c o n tr a 568

todas as explicações devem ser naturalistas para se­ as mentes produzem. Da mesma forma, a origem de
rem consideradas. um m ilagre não são as leis físicas e quím icas do
0 sobrenaturalista não defende que "qualquer universo, apesar de o evento resultante operar de
evento, não importa quão estranho seja, deve ser atri­ acordo com a lei natural. Apesar de leis naturais re­
buído a um agente sobrenatural”. Parece provável gularem a operação das coisas, elas não são respon­
que a m aioria dos eventos estranhos são naturais. sáveis pela origem de todas as coisas.
M as o sob ren atu ralista tam bém se opõe quando Naturalismo metodológico. Argumentos científi­
N ow ell-Sm ith diz que a agência sobrenatural não cos contra os milagres são uma forma de naturalismo
pode ser parte do relato de um evento estranho. 0 metodológico rígido. 0 próprio método escolhido não
sobrenaturalista diz que é necessário examinar a evi­ admite a possibilidade de um evento vir a ser consi­
dência por seus méritos. derado milagre. Explicações que abrangem eventos
Nowell-Smith sim plesmente supõe que no final regulares não se aplicam necessariamente a singula­
todos os fenômenos admitem uma explicação natu­ ridades. Pedras redondas num rio são produzidas por
ral (ibid., p. 247). Ele não pode saber isso como cien­ forças naturais descritíveis. Mas nenhuma lei natural
tista. Não há prova empírica. Essa suposição é sim ­ pode explicar as faces dos p resid en tes no m onte
plesmente uma questão naturalista de fé. Mesmo que Rushmore. Aqui uma causa não-natural e inteligente
apresentassem a ele evidência empírica de um m i­ é invocada (v. evolução q u ím ic a ; t eleo ló g ic o , a rg u m en to ).
lagre, ele deixa claro que jam ais adm itiría que se Quando não se sabe se uma singularidade deve
trata de algo sobrenatural. Enquanto aguarda a des­ ser atribuída a causas naturais, dem onstrando si­
coberta de uma explicação naturalista, persistirá em nais de intervenção divina, há razões positivas para
acreditar que ela será encontrada.
aceitá-la com o m ilagre. As seguintes proposições
E não é necessário que todas as explicações ver­
sobre milagres são discutidas com mais detalhes no
dadeiras tenham valor previsível. Há eventos que ele
artigo milagre ;
chamaria naturais e que ninguém pode prever. Se o
n a tu ra lista resp ond e que não pode prever um a
1. Têm caráter incomum com o eventos irregu­
ocorrência na prática, mas pode fazê-lo na teoria, o
lares.
sobrenaturalista também pode alcançar esse nível de
2. Apresentam uma dimensão teológica com o
previsão. Na teoria, sabemos que um milagre aconte­
atos divinos.
cerá quando Deus julgar necessário. Se conhecêsse­
3. Apresentam uma dimensão moral, já que Deus
mos todos os fatos, inclusive a mente de Deus, poderí­
é um Ser moral absolutamente perfeito. Um
amos prever precisamente quando o milagre aconte­
sinal moral de um milagre é que ele traz gló­
ceria. Além disso, milagres bíblicos são singularida­
ria a Deus.
des passadas. Como a origem do universo, não estão
4. Apresentam uma dimensão teleológica. São
se repetindo atualmente. Mas nenhuma previsão pode
ocorrências propositais.
ser feita a partir de uma singularidade; previsões só
5. Apresentam uma dimensão doutrinária. Mi­
podem ser feitas a partir de padrões. O passado não é
lagres estão ligados, direta ou indiretamente, a
conhecido pela ciência em pírica, mas pela ciência
reivindicações da verdade (Hb 2.3,4; v. m il a ­
legista. É errado exigir previsões. Na verdade, a pessoa
g r e s , valor a po lo g étic o p o s ).
tenta fazer “retrovisões”.
O sobrenaturalista pode concordar com Nowell-
Quando um evento incomum e não-repetível, que
Smith quando este diz que “o colapso de todas as ex­
não se saiba ter sido produzido por causas naturais, é
plicações em termos da ciência atual não [...] nos for­
ça imediatamente para fora do âmbito do ‘natural’” acom panhado por outros sinais de intervenção, há
(ibid., p. 248). Os dois se separam quando Nowell- razão para identificá-lo com o um ato de um Deus
Smith exige causas naturais para milagres. Tal posição teísta (v. D e u s , ev id ên c ia em eavor da existên c ia d e ).
vai além do que é sustentado pela evidência. O natu­ Uma definição muito restritiva da ciência. Os ar­
ralista demonstra um com promisso de fé que com ­ gum entos da ciência contra os milagres são basea­
pete com a dedicação religiosa dos crentes que mais dos numa definição muito restritiva da ciência, que
acreditam em milagres. lida apenas com eventos repetíveis. A ciência tam ­
Um problema por trás desse tipo de naturalismo bém lida com singularidades. É verdade que o m éto­
científico é a confusão da origem naturalista e da do c ie n tífic o ap en a s te sta e v en to s reg u la res e
função natural. Motores funcionam de acordo com repetíveis. Mas os cientistas também reconhecem a
leis físicas, mas leis físicas não produzem motores; ciência das origens, que é em grande parte um estudo
569 m ila g re s , a rg u m e n to s c o n tr a

de singularidades. 0 b ig - b a n g que gerou o universo é Quarto, quando o argumento contra milagres é


uma singularidade radical. A história do nosso pla­ reduzido a suas premissas básicas, fica assim:
neta é uma singularidade, contudo é objeto de pes­
quisa. Acharíamos estranho e insensato que um pro­ 1. Tudo o que realm ente acontece no m undo
fessor de biologia excluísse tudo, exceto uma causa são eventos naturais.
natural para as faces esculpidas no monte Rushmore. 2. Alguns supostos “milagres” aconteceram.
Pareceria estranho que um arqueólogo estar lim ita­ 3. Logo, esses milagres são realm ente eventos
do a causas naturais em relação a pontas de flecha e naturais.
cerâm ica. Afirmar que quem não insiste em causas
n a tu ra is não pode ser c ie n tífic o é re s trin g ir Essa disposição revela o raciocínio circular do ar­
indevidamente a ciência. gumento do naturalista. Tudo que acontece no mun­
Milagres e a integridade da ciência. Agora estamos do natural é, ipso facto, um evento natural. Tudo que
numa posição de avaliar a acusação de que a crença ocorre na natureza foi causado pela natureza. Até mes­
em m ilagres não é cien tífica. Os com en tário s de mo Michael Polanyi aparentemente caiu nessa arm a­
Diamond deixam evidente sua crença na autonomia dilha quando escreveu:
absoluta do método científico. Ele supõe como ques­
tão de fé, somente com justificação pragmática, que o Se a con versão da águ a em vinho ou a ressu rreição d o s
método científico é o método para determinar toda a m ortos pu d esse ser verificada experim entalm ente, isso refuta­
verdade. Na realidade, não é exatam ente o método ria totalm ente sua natureza m iraculosa. N a verdade, à m ed id a
científico, mas um aspecto da abordagem científica qu e cad a evento p od e ser estabelecido em term o s de ciência
— a busca de causas naturais — que é considerada a natural, ele pertence à ordem natural d as co isas (Jaki, p. 78).
ún ica abord agem à verdade. Os arg u m en tos de
Diamond são vulneráveis a várias críticas. Isso, é claro, pressupõe o que se pretende provar,
Primeiro, é errado pressupor que o método cien­ que nenhum Ser sobrenatural pode agir na natureza.
tífico necessariamente implica naturalismo. Os cien­ Só porque um evento acontece no mundo, não signi­
tistas, não precisam ser tão intolerantes a ponto de fica que ele tenha sido causado pelo mundo. Pode ter
acreditar que nada pode ser considerado milagre. sido especialmente causado por um Deus que trans­
Tudo que um cientista precisa defender é a premissa cende o mundo.
de que todo evento tem uma causa e de que o univer­ A preservação do método científico. Se milagres
so observável opera de maneira ordenada. são admitidos, com o alguém pode reter a integrida­
Segundo, é errado supor que leis naturais têm de do método científico? Se alguns eventos são co­
domínio sobre todo e qualquer evento, em lugar de locados fora dos limites de ação dos cientistas, será
todo evento regular. Supor que todo evento irregular que o sobrenaturalista fechou a porta para a investi­
e não-repetível tem uma explicação natural não é gação racional de alguns eventos? Supor uma causa
ciência, e sim metafísica. Leis naturais não são res­ sobrenatural para a origem de alguns eventos raros
ponsáveis pela origem de todos os eventos, assim não afeta de form a alguma o dom ínio da ciência,
como as leis da física em si mesmas não são respon­ adm itindo-se que a ciência é baseada num padrão
sáveis pela origem de um automóvel. Leis naturais regular de eventos. A ciência da operação é natura­
são responsáveis pela operação dessas coisas. lis ta e tem tod o d ire ito de e x ig ir o c o n tro le
Terceiro, não é científico rejeitar explicações ra­ explanatório sobre todos os eventos regulares. Mas a
cionais. Se um Deus criou o universo e cuida dele, ciência, como tal, não tem o direito de afirm ar que
não é irracional esperar que ele opere algumas ativi­ só ela pode explicar singularidades.
dades regulares e também alguns eventos especiais. A ciência tem autoridade ilim itada na classifi­
A única maneira de refutar efetivamente essa possi­ cação de eventos regulares. O cientista tem o direito,
bilidade é refutar a existência de tal Deus, o que a até a obrigação de examinar todos os eventos, inclu­
maioria dos ateus concorda que é impossível fazer indo anomalias. Porém o evento singular e não repe­
(Geisler, Miracles and the modern mind [Milagres e a tido que não é parte de um padrão regular deve ser
mente moderna\, cap. 12). A pessoa realmente cientí­ classificado entre os “eventos ainda não considera­
fica e de mente aberta não descartará com antece­ dos naturais”. Nessa classe estão eventos que podem
dência, lógica e metodologicamente, a possibilidade ter uma causa sobrenatural. Supor que todos os even­
de identificar alguns eventos miraculosos em defesa tos ainda não explicados são naturalmente explicá­
da autonom ia científica. veis vai além da ciência e entra no domínio da crença
m ila g re s , a rg u m e n to s c o n tr a 570

filosófica no naturalismo. Xa verdade, tal suposição de Troeltsch, usado para rejeitar milagres, é um exem­
elimina a possibilidade de haver um Deus sobrena­ plo de uniformismo histórico. É uma forma de natu­
tural capaz de intervir no mundo que criou. Mas isso ralismo histórico, que supõe que todos os eventos na
é contrário à evidência (v. De i s , e v i d e n c i e s a f a v o r p a história são naturalmente explicáveis. Esse precon­
EXISTÊNCIA DE) . ceito, no entanto, é contrário ao pensamento racional
Resumo. Hume ofereceu um argumento vigoroso em geral e ao pensamento científico em particular.
contra milagres. Todavia, por mais forte que possa Várias tentativas foram feitas para provar que a
parecer, a avaliação indica que Hume foi otimista de­ crença em milagres é contrária às explicações cien­
mais ao crer que esse argumento poderia ser “um tíficas ou aos métodos científicos. Alguns argumen­
obstáculo duradouro” e “útil enquanto o mundo du­ tam que milagres, por serem contrários às leis natu­
rar” para refutar qualquer reivindicação digna de cré­ rais, são imprevisíveis; outros alegam que milagres
dito a favor do miraculoso. Xa verdade, o argumento não são repetíveis ou que sacrificariam a autono­
de Hume não é bem-sucedido. Xa forma “rígida” ele mia da ciência. Tais argumentos cometem uma pe­
comete uma petição de princípio ao supor que mila­ tição de princípio a favor do naturalismo. Supõem
gres são .p or definição, impossíveis. Xa forma “mode­ que o m étodo cien tífico deve ser definido de tal
rada” do argumento, Hume ignora a evidência contrá­ m aneira que exclua a aceitação de milagres. A pre­
ria, incorre uma petição de princípio, força a argu­ missa central, apesar de oculta, é que todo evento no
mentação (por exemplo, Xapoleão não teria existido), mundo deve ter uma causa natural. Se não se tem
é incoerente com a própria epistemologia e torna o uma explicação agora, deve-se acreditar que m es­
progresso científico impossível. Em resumo, eliminar mo assim ela existe. O sobrena-turalista indica que
milagres antes de examiná-los parece prejudicial. A não é preciso ser incorrigivelmente naturalista para
ser científico. Adequadamente falando, o dom ínio
pessoa sábia não legisla com antecedência, determ i­
da lei científica é o âm bito dos eventos regulares,
nando que não se pode acreditar que milagres acon­
não de todos os eventos.
teçam; na verdade, ela examina a evidência para ver
Os milagres não destroem a integridade do m é­
se realmente aconteceram. Então, para a mente racio­
todo científico. A ciência é possível enquanto os
nal, os esforços de Hume para eliminar milagres de­
teístas acreditarem que o mundo é ordenado, regu­
vem ser considerados fracassados.
lar e opera de acordo com a lei da causalidade. Se a
Hume estava certo em exigir que testemunhas pre­
origem do mundo pode ter uma Causa sobrenatural
encham os critérios de credibilidade. Na realidade,
sem violar as leis pelas quais ele opera, tal Deus tam ­
os tribunais dependem de tais critérios para deter­
bém pode causar outros eventos sem violar a opera­
minar questões devida ou morte. Mas, sem que Hume
ção natural regular. Já que a ciência em pírica lida
soubesse, seus testes de credibilidade de testem u­
com a maneira em que as coisas operam, não como
nhas, que ele acreditava suficiente para elim inar a
elas se originam, a origem de um evento por uma
credibilidade dos milagres, na verdade comprovam
causa sobrenatural não viola de forma alguma a lei
a confiabilidade das testem unhas do st , principal­
natural. Como o físico George Stokes observou, um
mente o milagre da ressurreição.
novo efeito pode ser introduzido no mundo natural
O argumento das testem unhas que se contradi­
sem su sp end er a op eração ord in ária do m undo
zem, levantado por Hume, fracassa porque é basea­
(Stokes, p. 1063).
do em pressuposições falsas que, quando corrigidas,
voltam -se contra ele com o prova da singularidade
Fontes
do cristianism o. Seu argumento é baseado na pre­
G. L. A r c h e r , Jr., Enciclopédia de temas
missa de que todos os supostos milagres são iguais. bíblicos.
Mas isso não é verdadeiro, nem com relação à natu­ W. E A , Bible difticidties.
r n t it

reza do m ilagre nem com relação ao nú m ero e ___ , Does the Bible contmdict itseltè
credibilidade das testem unhas. I. B a r b o u r , Issues in Science and religion.
Ao avaliar o argumento histórico contra milagres, C. BECKER,“Detachment and the u ritingof historv”,
deve-se observar que há uma diferença crucial entre o emP.LSxYPFR,org..Dt,Mi7mie/!f and the
princípio da u n ifo r m id a d e (ou analogia), no qual toda writing o f historv.
pesquisa válida é baseada, e o princípio do uniformismo. F. H. B radi n , The presuppositions o f criticai historv.
O segundo é um dogma naturalista que elimina de an­ M. B urrows, What mean thesestonesé
tem ão, pelo próprio p rincíp io m etod ológico, a M. L. D iamond , "M irades”. Religious studies 9 (Sept.
credibilidade do milagroso. O princípio da analogia 1 9 7 3 ).
571 m ila g re s , c e s s a ç a o d o s d o n s d e

1). K. E ri anpeon , “A n ew lo o k ”, e m Religious studies verdade que os acom panham devem ser aceitas em
(D e c . 1 9 7 7 ). pé de igualdade com as das Escrituras? A revelação
A. F lew ,“ M iracles” , em The encyclopedia o f divina cessou?
philosophy, org., P. E dwards. Os indivíduos selecionados por Jesus e que ficaram
N. L. G eislfr , Answering Islam. conhecidos por apóstolos receberam certos sinais in­
_ _ _ Christian apologetics. confundíveis de seu ofício (2Co 12.12). Esses dons de
_ _ _ , Miracles and the modern mind. sinais incluíam a habilidade de ressuscitar os mortos
_ _ _ , When critics ask. com uma ordem (Alt 10.8; At 20.9,10), curar imediata­
D. G eivett e G. H aberm as , In defense o f miracles. mente doenças que eram naturalmente incuráveis (Mt
N. G liec k , Rivers in the desert: a history o f the S'egev. 10.8; Jo 9.1-7), exorcizar instantaneamente espíritos
S. G reenleaf , The testimony o f the evangelists. m aus(M t 10.8; At 16.16-18),falar mensagens em línguas
J.W . H aley , A n examination o f the alleged conhecidas que nunca estudaram pessoalmente (At 2.1-
discrepancies ofthe Bible. 8, cf. 10.44-46) e passar adiante dons sobrenaturais a
S. H awking, Uma breve história do tempo. outros para ajudá-los na missão apostólica (At 6.6, v.
D. H cm e , Resumo de um tratado da natureza hu­ 8.5,6; 2Tm 1.6). Em certa ocasião (At 5.1-11), os apósto­
mana. los transm itiram uma sentença de morte para duas
_ _ _ , Investigação acerca do entendimento pessoas que mentiram “ao Espírito Santo”.
humano. D efesa d e m ilagres contínuos. Os advogados
_ _ _ , Treatise on human nature. da p ro p osição de que dons m ilag rosos existem
S. J aki, Miracles and physics. na igreja hoje defendem suas afirm ações com vá­
rios argum entos:
R. J astrow , God and the astronomers.
C. S. L ewis , Milagres.
Deus fez milagres na história redentora. Eles são
registrados de Génesis a Apocalipse (v. milagres na
P. N ow ell -S m ith , “Miracles”, em A. F lf.w , et al., orgs,.
B íblia). Parece que não há razão para crer que te ­
New essays in philosophical theology.
nham cessado arbitrariam ente com os apóstolos.
N. S mart, “Miracles and David Hume”, em
Deus não m udou (M l 3 .6 ). “Jesus C risto é o
Philosophers and religious truth.
m esm o, ontem , hoje e para sem pre”(Hb 13.8). Se
G. S tokes, International standard Bible
o Deus m ilagroso não m udou, então por que os
encyclopedia.
m ilagres cessariam ?
R. S winburne , The concept o f miracle.
Jesus falou que os milagres continuariam. Ele disse:
T, .Tminsai,Hi$toricism and its problems.
“ Digo-lhes a verdade: Aquele que crê em mim fará
_ _ _ , “Historiography”, em ere.
também as obras que tenho realizado. Fará coisas ain­
R. W hately, “Historical doubts concerning the
da maiores do que estas, porque eu estou indo para o
existence of Napoleon Bonaparte”, em H.
Pai” (Jo 14.12). Em sua comissão registrada em Mar­
M orley, o rg ., Famous pamphlets, 2 a ed .
cos, Jesus disse que milagres acompanhariam o evan­
A. N. W hitehead, The concept o f a miracle.
gelho à medida que se expandisse (16.17,18).
C. W ilson, Rocks, relics, and biblical reliability.
Milagres manifestam a grandeza (Êx 7.17) e gló­
H . P. Y ockey, “Self-organization, origin o f life
ria (Jo 11.40) de Deus, para livrar seus filhos necessi­
scenarios, and information theory”, its (1981).
tados (Êx 14.21; Dt 4.34; At 12.1-19) e comunicar as
mensagens ao povo (Êx 4.8; Hb 2.3,4).
m ila g res, c e ss a çã o d os d o n s de. As pessoas que Essas necessidades continuam hoje.
aceitam milagres bíblicos debatem entre si se o dom Há exemplos de manifestações miraculosas rea­
especial de realizar milagres, usado para confirmar lizadas por meio dos apóstolos, inclusive os dons de
a revelação de Deus (v. milagres , valor apologético línguas, curas esp eciais e até m ortos sendo res-
dos) cessou desde a época dos apóstolos. A questão
sucitados (v.Wimber, Power evangelism [Evangelismo
tem importância para a apologética. Prim eiro, a exis­ de poder], p .44).
tência hoje de milagres do tipo realizado pelos após­ A posição de que m ilagres cessaram . Argumen­
tolos, milagres que serviam de sinais, levanta a ques­ tos positivos e negativos são dados para a posição
tão se os milagres do nt confirm am peculiarmente de que o dom especial de milagres term inou com a
as reivindicações da verdade de Cristo e dos apósto­ época apostóica.
los, conform e registrado nas Escrituras. Segundo, se Provando milagres atuais a partir do passado.
milagres que confirm am reivindicações da verdade L og icam en te não há lig ação e n tre o c o rrê n c ia s
divina existem hoje, será que as reivindicações da miraculosas passadas e presentes. Mesmo durante os
m ila g re s , c e s s a ç ã o d o s d o n s d e

milhares de anos da história bíblica, os milagres se Desejo não prova cumprimento. Há um desejo pe­
agruparam em três períodos bem limitados: 1) o pe­ los milagres contínuos, mas nem todas as necessida­
ríodo mosaico: do Êxodo à conquista da Terra Pro­ des sentidas são necessidades reais. Jó não recebeu
m etida (com algumas ocorrências no período dos uma cura milagrosa. Nem Epafrodito. Nem o apósto­
juízes); 2) o período profético: do final do reino de lo Paulo, que desejava ardentemente ser curado (2Cor
Israel e Judá durante os ministérios de Elias e Eliseu, 12). O testemunho comovente de Joni Earickson Tada
até, com menor intensidade, Isaías; 3) o período apos­ fala de sua busca por uma cura milagrosa antes de
tólico: a partir do ministério de Cristo e dos apóstolos aceitar a maneira em que Deus havia decidido usá-la
no século i. Ocorrências de milagres não foram nem como tetraplégica.
contínuas nem sem propósito. Teologicamente, os três Quando com param os os períodos que o casio­
grandes períodos de milagres têm certas coisas em naram milagres nos tempos bíblicos, não há nenhu­
comum: Moisés precisava de milagres para livrar Is­ ma necessidade real de milagres hoje. Milagres con­
rael e sustentar o grande número de pessoas no deser­ firm aram nova revelação (Êx 4.6; Jo 3.2; At 2.22). Mas
to (Ê x 4 .8 ). Elias e Eliseu fizeram milagres para livrar a Bíblia é muito m ais do que aquilo que os santos do
Israel da idolatria (v. lR s 18). Jesus e os apóstolos rea­ NT possuíam, e é completa e suficiente para fé e prá­
lizaram milagres para confirm ar o estabelecimento tica. O Pentecoste não precisa ser repetido, como o
da nova aliança e o livram ento do pecado que ela Calvário e o túmulo vazio.
trazia (Hb 2.3,4). e fato de milagres terem ocorrido Em bora os milagres possam m anifestar a gran­
em épocas diferentes para propósitos especiais não deza, a glória e o livramento de Deus, ele os expressa
significa que aconteçam quando essas condições não também de outras maneiras. Os céus proclamam sua
prevalecem mais. glória e grandeza (SI 19; Is 40). O livramento espiri­
Atributos imutáveis; atos mutáveis. Deus nunca tual é conquistado no poder do evangelho (Rm 1.16).
muda, mas seu programa na terra muda. Há estágios Deus age por meio da providência geral e especial
diferentes de seu plano redentor, e o que é verdadei­ sem suspender leis naturais (v. milagres, mágica e).
ro num estágio não é verdadeiro em outro. Não so­ M esmo quando existe uma aparente necessida­
mos mais obrigados a evitar com er certos frutos de de intervenção divina, há situações em que Deus
proibidos (Gn 2.16,17). Não precisam os oferecer um jam ais intervém com milagres. Ele não adia a hora
cordeiro como sacrifício pelos pecados (Êx 12). Não da m orte (Rm 5.12; Hb 9.27). Isso não significa que
somos mais liderados pelos doze apóstolos e Paulo, Deus nunca intervirá sobrenaturalmente para resol­
antes temos a revelação final de Deus nas Escrituras. ver o problema da morte. A hora estabelecida para
Observe que 2 Coríntios 12.12 chama milagres “as isso acontecer será na ressurreição (IC o 15). En­
credenciais do apostolado”. quanto isso, esperam os a redenção corporal (Rm
Promessas aos apóstolos. Jesus realmente prome­ 8.23) — o milagre da ressurreição.
teu que os milagres continuariam depois que par­ O p roblem a do dons de sinais. A afirmação de
tisse, mas não disse que durariam até a sua volta. Foi que dons de sinais apostólicos ainda existem não
especificamente para os apóstolos que ele fez a afir­ distingue o fato dos milagres do dom de milagres:
mação de João 14.12. O antecedente vos nessa pro­
Dom de milagres Fato dos milagres
messa é limitado aos onze que estavam com ele. A
L im itad o ao s tem p os Ocorre a q u alqu er hora
promessa do batism o com o Espírito Santo, com o
bíblicos
qual veio o dom de línguas, foi dada apenas aos após­
Tem porário Perm anente
tolos (At 1.1,2). Somente os apóstolos receberam o
Feito p o r m eio de seres Feito sem seres h u m an os
cumprimento dessa promessa no Pentecoste (At 1.26;
h um an os
v. 2.1,7,14). Casos não-apostólicos de línguas testemu­ C on firm a nova revelação N ão confirm a revelação
nham a salvação dos primeiros samaritanos e gentios
e daqueles sobre quem os apóstolos impunham as Valor ap ologético Sem valor apologético
mãos (v. At 8.17,18; 2Tm 1.6) ou acompanham a pro­
clamação de um apóstolo (At 10.44; v. 11.15). A refe­ A posição de que milagres cessaram com os após­
rência às “credenciais do apostolado” (2Co. 12.12) tolos não pressupõe que Deus não tenha feito mila­
não fariam sentido se esses dons tossem possuídos gres desde o século i. Ela argumenta que o dom espe­
por qualquer pessoa além dos apóstolos ou daqueles cial de feitos milagrosos possuído pelos apóstolos ces­
a quem Cristo e os apóstolos concederam o dom. sou quando a origem divina de sua m ensagem foi
573 m ila g re s , c e s s a ç ã o d o s d o n s de

confirmada. Em Hebreus 2.3,4, o autor referiu-se aos extraordinários, tais com o os apóstolos exerciam ,
dons especiais concedidos aos apóstolos como algo não foram possuídos por ninguém desde sua época.
já pertencente ao passado por volta de 69 d.C„ quando Ainda que o dom especial de milagres tenha cessa­
mencionou a mensagem “primeiramente anunciada do, o fato dos milagres não desapareceu necessaria­
pelo Senhor”. “Deus tam bém deu testem unho dela mente. Não há evidência, no entanto, de grupos ou
por meio de sinais, maravilhas, diversos milagres e pessoas que possuam dons especiais. Dada a incli­
dons do Espírito Santo distribuídos de acordo com nação da mídia pelo sensacionalismo, se alguém ti­
a sua vontade”, judas, que escreveu mais tarde (de­ vesse tais poderes isso seria um fato muito divulga­
pois de 70), fala da fé que “uma vez por todas [foi] do. Os milagres apostólicos tinham pelo menos três
confiada aos santos” (v. 3). Judas exortou seus ouvin­ características ausentes nos atos realizados por to­
tes a lembrar “do que foi predito pelos apóstolos de dos os supostos operadores de milagres modernos.
nosso Senhor Jesus Cristo” (v. 17). Aqui também a men­ A í características dos milagres do nt. Inicial­
sagem apostólica confirm ada m ilagrosam ente foi mente, milagres do n t eram instantâneos. Quando
...mencionada como tendo ocorrido no passado, já em Jesus ou os apóstolos faziam um milagre, os resulta­
70 d.C. Apesar da profusão de milagres apostólicos (v. dos eram sem pre im ediatos. O hom em com uma
At 28.1-10) até o final de Atos, cerca de 60-61 d.C, não enfermidade de nascença recebeu uma ordem: “En­
há registro de m ilagres apostólicos nas epístolas tão Jesus lhe disse: ‘Levante-se! Pegue a sua m aca e
paulinas após essa época. ande’. Im ediatam ente o hom em ficou curado, pe­
O argumento com base na ausência repentina de gou a maca e com eçou a and ar” (Jo 5 .8 ,9 ). Pedro
milagres depois de sua abundância anterior não deve tomou a mão do mendigo e “imediatamente os pés
ser confundido com o “argumento do silêncio”, que e os tornozelos do homem ficaram firmes” (At 3.7).
é falho. A Bíblia não é silenciosa com relação à natu­ Mesmo o milagre de duas fases de M arcos 8.22-25
reza, propósito e função desses milagres apostólicos levou apenas alguns momentos, e cada fase teve os
especiais (v. p.ex., 2Co 12.12; Hb. 2.3,4). Essa função resultados desejados im ediatam ente. Não há cura
de confirmar revelação apostólica coincide com sua gradual durante dias ou semanas. As curas eram to­
cessação, já que os dons não eram necessários após das imediatas.
a revelação ser confirmada. Em segundo lugar, o milagre do n t nunca falhava.
Deve-se notar que Paulo aparentemente não pôde Milagre é ato especial de Deus, e Deus não pode fa­
curar alguns de seus auxiliares de confiança (Fp 2.26; lhar. Além disso, não há registro de alguém que te­
2Tm 4.20), pedindo oração ou recom endando que nha recebido o milagre e voltado à condição antiga.
tom assem rem édio (H m 5 .2 3 ). M esmo enquanto Se houvesse recaídas, os inimigos da mensagem do
Paulo operava milagres, foi incapaz de curar a pró­ evangelho teriam rapidamente usado isso para de­
pria enfermidade física (Gl 4.13). Na verdade, não há sacreditar Cristo ou os apóstolos.
nenhum sinal nas Escrituras de alguém fazendo um É claro que os que foram ressuscitados dentre os
milagre para benefício próprio. Essa doença pode mortos morreram novamente. Só Jesus recebeu um
ter resultado da cegueira infligida a ele por Deus ou corpo ressurreto permanente e imortal (IC o 15.20).
foi uma enfermidade causada para torná-lo hum il­ Lázaro m orreu novam ente, quando sua hora che­
de. De qualquer forma, Paulo a via com o algo que gou. O milagre da ressurreição final e eterna será na
aum entava seu valor com o servo por meio de sua segunda vinda de Cristo (IC o 15.52,53).
fraqueza. Milagres deviam ser feitos segundo a von­ Em terceiro lugar, os dons de sinais do n t , exerci­
tade de Deus. tados por Jesus e pelos apóstolos foram bem-sucedi­
Os sinais especiais dados aos apóstolos estabele­ dos em todos os tipos de condições — até com doen­
ciam sua autoridade como representantes de Cristo ças incuráveis e pessoas mortas. Eles curaram pes­
na fundação da igreja. Jesus prometeu “poder” especi­ soas que nasceram cegas (Jo 9) e até m ortos, um já
al a eles como suas testemunhas (At 1.8).Em 2 Coríntios em decomposição (Jo 11). Além disso, eles curaram
12.12, Paulo apresentou seus milagres como confir­ todos os tipos de doenças, não apenas as mais fáceis
mações de sua autoridade. Hebreus 2.3,4 fala dos m i­ (Mt 10.8). As vezes, curavam todas as pessoas trazidas
lagres apostólicos especiais como confirm ação das a eles em uma região (At 28.9). É fato verificável que
testemunhas de Cristo. O padrão de Deus, de Moisés atualm ente ninguém possui os poderes especiais
em diante, foi dar essa confirmação especial a seus de Jesus e dos apóstolos de curar instantaneam en­
principais servos (Ê x 4 ; lRs 18; ljo 3.2; At 2.22). te todas as doenças e até ressuscitar os m ortos com
A posição cessacio n ista conclu i, basead a nas uma ordem (At 9 .4 0 ). Essas m arcas especiais do
E scritu ra s e na h is tó ria , que os dons de sin a is apóstolo (2Co 12.12), juntam ente com a capacidade
m ila g re s , fa lso s 574

de comunicar às pessoas o Espírito Santo (At 8.18) e revelação, mas a revelação cessou com os apóstolos.
dons especiais (2Tm 1.6), além de de punir crentes Isso é com provado pelo fato de ninguém desde a
mentirosos com a morte (At 5), cessaram. época deles ter realm ente possuído seu poder sin ­
Em quarto lugar, ao contrário dos milagres dos gular de curar e até ressuscitar os m ortos instanta­
tempos apostólicos, os milagres modernos não con­ neamente. Isso não quer dizer que Deus não possa
firmam nova revelação, nem estabelecem as creden­ fazer milagres agora. Mas tais milagres não estão li­
ciais dos mensageiros de Deus. Agora a fidelidade da gados a nenhum a reivindicação da verdade e não
pessoa em obedecer e proclamar as Escrituras esta­ são um dom possuído por um indivíduo. Seja qual
belece a mensagem. Tentativas de enfatizar o m iracu­ for o evento realmente miraculoso que possa ocor­
loso ou reivindicar dons sobrenaturais nos dias de rer, ele não tem valor apologético.
hoje se tornaram uma marca desqualiftcadora, ao in­
vés de qualificadora. Esse é o caso principalm ente Fontes
entre os que dizem prever o futuro. Para os que fazem T.E , M iraculous gifts: are t h e y fo r today?
d g a r

tais reivindicações, o padrão bíblico de precisão é N . L. G , M iracles a n d the m odern mind.


e is l e r

absolutamente nenhuma previsão falsa (Dt 18.22). Já __ ,Signs a n d w onders.


que a nova revelação cessou com os apóstolos, reivin­ W . G r u d e m , Are m iraculous g ifts f o r today?.
dicações proféticas e miraculosas devem ser encara­ J. J i v id e n , M iracles:fro tn G od o r m an?
das com sérias suspeitas. B. B. W a r f ie l d , C ou m erfeit m iracles.
Jesus, a revelaçãofinal. Jesus foi a revelação com ­ J. W im b e r , Pow er evangelista.
pleta e final de Deus. “Há muito tempo Deus falou __ ,P ow er healing.
muitas vezes e de várias maneiras aos nossos ante­
passados por meio dos profetas, mas nestes últimos
m ila g re s, fa ls o s . Distinguir o milagre verdadeiro
dias falou-nos por meio do Filho, a quem constitui
do falso é importante para a defesa da fé cristã. Pois
herdeiro de todas as coisas e por meio de quem fez
milagres são a maneira singular de Deus confirm ar
o universo” (Hb 1.1,2). Jesus informou aos apóstolos
que uma reivindicação da verdade provém dele (v.
que sua revelação continuaria com o Espírito Santo,
MILAGRES, VALOR APOLOGÉTICO DOSJ MILAGRES NA BÍBLI a ). M a s
que “lhes ensinará todas as coisas e lhes fará lembrar
o falso não pode ser detectado sem que se conhe­
de tudo o que eu lhes disse”(Jo 14.26). Usando as Es­
çam as características do milagre genuíno.
crituras, o Espírito Santo cumpre o papel assumido
O m ilagre verdadeiro tem precondições: é um
anteriormente pelos profetas: “Mas quando o Espíri­
ato especial de Deus, e não pode haver atos de Deus
to da verdade vier, ele os guiará a toda a verdade. Não
sem que haja um Deus para realizar esses atos espe­
falará de si mesmo; falará apenas o que ouvir, e lhes
ciais. Milagres podem ocorrer apenas no contexto
anunciará o que está por vir” (Jo 16.13). É claro que os
de uma cosm ovisão teísta (v. t e ís m o ) . O milagre é
apóstolos eram os agentes divinamente autorizados por
intervenção divina no mundo. Deus não pode “in­
meio dos quais o Espírito Santo proclamou a revelação
tervir”, a não ser que seja, de forma real, transcen­
final de Jesus Cristo.
Na verdade, os apóstolos reivindicaram esse po­ dente sobre ele. Transcendência tam bém deve sig­
der revelador (Jo 20.31; ICo 2.13; U s 4.2; 2Ts 2.2; 1Jo nificar que Deus tem poder sobrenatural. Um Deus
2.19; 4.6), afirmando que a igreja foi edificada “sobre que criou o mundo do nada, ex nihilo (v. c r ia ç ã o ,
o fundamento dos apóstolos e dos profetas” (Ef 2.20). v is õ e s da ) , tem o poder de in te r v ir .
A igreja primitiva reconheceu sua autoridade e “se Os ateus observam o mesmo evento que o teísta, a
dedicavam ao ensino dos apóstolos” )At 2.42). Os após­ ressurreição de Cristo, por exemplo, a partir de sua
tolos foram as testemunhas oculares de Cristo (At cosmovisão, e não reconhecem nenhum milagre (v.
1.22), incluindo-se Paulo (1 Co 9.1; 15.5-9). Já que esses a teísm o ; r e ssu r r e iç ã o , evid ên cia da ). Para eles, o que acon­

canais divinam ente autorizados de “toda verdade” teceu deve ser uma anomalia; algo íncomum, talvez,
morreram no século i, conclui-se que a revelação di­ mas que um dia será explicado por meio de proces­
vina cessou com eles. Se a revelação cessou, não há sos naturais (v. n a t u r a lism o ). Se confrontados com a
mais necessidade de sinais miraculosos de uma nova ressurreição, os panteístas não admitem que a inter­
revelação. venção divina tenha ocorrido, pois não acreditam que
Conclusão. Argumentos a favor da continuação dos Deus criou todas as coisas (v. pa n t e ísm o ). O s panteístas
dons de milagres erram o alvo. Apesar de Deus não afirmam que Deus é todas as coisas. Logo, a ressurrei­
mudar, suas ações são diferentes em épocas diferentes. ção só poderia ser um evento incomum no mundo,
O propósito dos sinais e prodígios era confirmar a nova não um evento sobrenatural, causado de fora dele.
D/0 m ila g re , fa lso s

Descrição do m ilagre verdadeiro. As três palavras fenômenos naturais eram considerados milagres no
que as Escrituras usam para descrever um milagre passado, mas não são. Meteoros cruzam nosso cam i­
ajudam a delinear esse significado com mais preci­ nho pouco freqüentemente, mas são puramente na­
são. Cada uma das três palavras para eventos sobrena­ turais e previsíveis. Eclipses são naturais e previsíveis.
turais (sinal, prodígio, poder) delineia um aspecto do Terremotos são relativamente imprevisíveis, mas, à
milagre (para uma discussão completa desses elemen­ medida que os cientistas aprendem mais sobre eles,
tos, v. o artigo m il a g r es na B íb l ia ) . Do ponto de vista sabem onde ocorrerão, mesmo se não souberem pre­
humano, o milagre é um evento incomum (“prodí­ cisamente quando. 0 fato de não serem milagres não
gio” ) que tran sm ite e co n firm a um a m ensagem significa que não pertencem à providência especial
incomum (“sinal”) por meio de poder incomum (“po­ de Deus. Ele os usa e controla. Podemos ter certeza de
der”). Do ponto de vista divino, milagre é ato de Deus que às vezes ele intervém de forma dramática. Um
(“poder”) que atrai a atenção do povo de Deus (“pro­ nevoeiro na Normandia foi de grande ajuda na inva­
dígio”) para sua Palavra (por meio de um “sinal”). são da Europa pelas Forças Aliadas no Dia d e na der­
Segundo a Bíblia, o milagre tem cinco dimensões rota da Alemanha nazista. O nevoeiro tem causas na­
que, juntas, diferenciam o milagre verdadeiro do fal­ turais, mas a hora desse nevoeiro foi demonstração
so. Primeiro, milagre verdadeiro tem dimensão não- da providência de Deus. Mas não foi um milagre. Se as
natural. Uma sarça ardente que não é consumida, fogo balas tivessem se desviado dos soldados aliados, teria
do céu e andar sobre a água não são ocorrências nor­ acontecido um milagre.
mais. Seu caráter incomum exige atenção. Segundo, o O milagre verdadeiro também produz resultados
milagre verdadeiro tem dimensão teológica. Pressu­ imediatos (v. cu ra s psic o sso m á tic a s ). Em Mateus 8.3, Je­
põe o Deus teísta que pode realizar esses atos especi­ sus tocou um homem e imediatamente este foi cura­
ais. Terceiro, o milagre verdadeiro tem dimensão mo­ do de lepra. Todas as curas milagrosas de Jesus e dos
ral. Manifesta o caráter moral de Deus (v. D e u s , n atu re ­ apóstolos tiveram essa rapidez. Nenhum milagre le­
za d e ). Não há milagres malignos, porque Deus é bom. vou meses, nem horas. Apenas um levou alguns m i­
O milagre que castiga ou julga estabelece a natureza nutos, porque foi um milagre em duas fases — na
justa de Deus. verdade dois atos instantâneos, interligados, de Deus
Quarto, o milagre tem dimensão teleológica. Ao (Mc 8.23-25). Em comparação, eventos naturais le­
contrário da mágica (v. m il a g r e s , m ág ica e), os m ila­ vam tempo e dão trabalho. Leva toda uma estação
gres nunca servem de entretenim ento (v. Lc 23.8). para plantar, colher, moer e misturar trigo para fazer
Seu propósito geral é glorificar o Criador. Apesar de pão, mas Jesus o fez instantaneamente (Jo 6). São ne­
não-naturais, são adequados à criação e à natureza cessários dezoito anos ou mais para criar um ser hu­
do Criador. 0 nascimento virginal, por exemplo, foi mano adulto, mas Deus criou Adão instantaneamente
sobrenatural em sua operação, não-natural nas suas (Gn 1.27; 2.7).
propriedades, mas objetivo no seu produto. Foi não- Uma característica do milagre verdadeiro é que
natural, mas não antinatural. A concepção virginal ele sempre traz glória a Deus. A “mágica” oculta traz
de M aria resultou num a gravidez norm al de nove glória ao mágico, e “curas” psicossom áticas ao que
meses e num nascimento (v. d iv in o s , h is t ó r ia s df n a sc i ­ as faz. Ilusões satânicas (v. 2Ts 2.9; Ap 16.14) são men­
m e n t o s ). Quinto, milagres, na Bíblia, principalmente tiras (2Ts 2 .9) que não glorificam o Deus que não
os dons de milagres, têm dimensão doutrinária. Com­ pode m entir (Tt 1.2; Hb 6.18).
provam direta ou indiretam ente reivindicações da Apesar de milagres não serem eventos naturais,
verdade. D em onstram que o profeta é realm ente beneficiam o mundo natural. A ressurreição é o exem ­
enviado por Deus (Dt 18.22). Confirmam a verdade plo máxim o. Ela reverte a m orte e restaura o bem da
de Deus por meio do servo de Deus (At 2.22; 2Co vida (v. Rm 8). A cura faz o corpo voltar à maneira
12.12; Hb 2.3,4). Mensagem e milagre andam juntos. em que Deus o fez, quando ele era “bom” (Gn 1.27-
M arcas distintivas d o m ilagre. Além de suas di­ 31). Até milagres “negativos” são bons porque aju ­
mensões, o milagre verdadeiro tem marcas distinti­ dam a justiça de Deus a derrotar o pecado.
vas. A mais básica é que o milagre verdadeiro é exce­ Milagres verdadeiros nunca falham. Eles são atos
ção à lei natural. Leis naturais são eventos regulares de Deus, para quem “todas as coisas são possíveis”
e previsíveis, mas milagres são eventos especiais e (Mt 19.26). Como Deus não pode falhar, seus milagres
imprevisíveis. É claro que existem alguns eventos na­ também não podem. Isso não significa que qualquer
turais incomuns ou anomalias que às vezes são con­ servo de Deus possa fazer um milagre a qualquer hora.
fundidos com milagres. Meteoros, eclipses e outros Milagres ocorrem apenas de acordo com a vontade
m ila g re , fa ls o s 576

de Deus (Hb 2.3,4; ICo 12.11). Além disso, verdadeiros Anomalias da natureza. Como foi observado, os
milagres não têm recaída. Se uma pessoa é milagrosa­ milagres não devem ser confundidos com anom ali­
mente curada, essa cura é permanente. Pseudomilagres, as n atu rais, com o o eclipse lunar. Este últim o é
principalmente do tipo psicossomático, geralmente incomum, mas não é contrário à natureza. Milagres
fracassam. Não funcionam em pessoas que não têm não são naturalmente repetíveis. Anomalias são pre­
fé, e às vezes não funcionam em pessoas que têm fé. visíveis. O vôo do zangão foi uma anomalia durante
Quando funcionam, seu efeito geralmente é apenas muitos anos, mas, com o ocorria regularmente, era
parcial e/ ou temporário. previsível antes mesmo de ser explicável. Anomalias
Tipos de fa lso s milagres. Como observado ante­ não têm as dimensões teológica, moral e teleológica.
riorm ente, muitos eventos incom uns que não são Providência especial. Alguns eventos são causados
m ilagres verdadeiros são atribuídos a Deus. Deus por Deus indiretamente, não diretamente. Isto é, Deus
age por meio de processos naturais. Outros eventos usa leis naturais para realizá-los. Eles podem ser bas­
incomuns são atos de seres humanos (e/ ou espíri­ tante surpreendentes e podem estimular a fé, mas não
tos enganadores, chamados dem ônios). Esses tam ­ são sobrenaturais. George Müller reuniu seus órfãos
bém não são milagres reais. Satanás pode enganar, ingleses em volta da mesa de jantar e agradeceu pela
mas ele não pode agir transcendentalm ente sobre a comida que não tinham no momento. Naquele instante
natureza de maneira real — e nunca para a glória de uma carroça carregada de pão quebrou na frente do
Deus intencionalm ente. orfanato, e tudo foi doado a Müller. Esse foi um ato de
Truques mágicos. O milagre verdadeiro é distin­ providência maravilhosa, mas não foi um milagre.
guível da m ágica (v. m il a g r e s , m á g ic a e ). A m aioria
Sinais satânicos. Uma das dimensões mais polê­
micas do assunto de falsos milagres é a dos “sinais”
dos mágicos35 modernos não tingem que as ilusões
satânicos. A Bíblia usa a m esm a palavra para m ila­
que criam são algo além de diversão que “engana” o
gre ( “sin al”) ao descrever algum as m anifestações
público. A intenção é que os espectadores saiam im ­
incomuns de Satanás. Muitos teólogos chamam es­
pressionados pela m aneira com o que o mágico fez
ses eventos de “milagres”. Descobrir se Satanás pode
aquilo, mas certos de que o mágico e seus assisten­
fazer milagres fica difícil por causa do uso indistin­
tes o fizeram. Isso é diferente dos atos ocultistas, a
to da palavra “m ilagre”. Todavia, para preservar o
não ser que um ato de ilusionism o seja feito por
valor apologético dos milagres, deve haver alguma
razões ocultistas. Truques mágicos envolvem enga­
maneira de distinguir o milagre divino do satânico.
nos inocentes, mas milagres não envolvem engano.
A m aioria dos teólogos concorda com alguns fatos
A m ágica tem uma explicação puram ente natural;
fundamentais: Satanás é um ser criado (Cl 1.15,16);
milagres, não. O milagre está sob o controle de Deus,
não é onipotente (Ap 20.10), não pode criar vida (Gn
enquanto a mágica está sob controle humano. Como
1.21; Dt 32.39), não pode levantar os mortos (Gn 1.21).
todas as ações hum anas, a mágica pode ser usada
Ele é o mestre do engano (Jo 8.44).
para o bem ou o mal. Não é má em si.
Dados esses fatos, não há razão para supor que
Curas psicossomáticas. Interações entre mente e
Satanás possa realizar eventos realmente sobrenatu­
corpo, doenças psicossom áticas e curas geralmente
rais. Como m estre da mágica e supercientista, ele
não envolvem doenças falsas ou neuróticas e curan­
pode enganar quase todo o mundo (v. Mt 24.24). Na
deiros charlatães. Esse assunto complexo e m al-en­
realidade, “o mundo todo está sob o poder do Malig­
tendido é com entado com mais detalhes no artigo no” (1 Jo 5.19), que é “o príncipe do poder do ar” (Ef
curas psicossomáticas. Neste artigo, é suficiente dizer 2.2). E “o deus desta era cegou o entendimento dos
que curas pelo poder da mente sobre o corpo, daí o descrentes” (2Co 4.4). Pois “o próprio Satanás se dis­
nom e psicossom áticas, não são m ilagrosas. Curas farça de anjo de luz” (2Co 11.14).
mentais exigem fé. Milagres, não. Seja usando o efeito Os poderes de Satanás, apesar de grandes, são
placebo, tocando a televisão como “ponto de contato” finitos, e os de Deus são infinitos. Logo, parece me­
com um “curandeiro” ou m ais diretam ente instru­ lhor distinguir o milagre verdadeiro do sinal satânico
mentos terapêuticos como acupuntura e biofeedback, tanto em nome quanto em capacidade. Deus faz mila­
as curas psicossomáticas podem fazer bem ou mal. gres verdadeiros; Satanás faz sinais falsos. Deus faz
Elas usam a incrível estrutura do corpo, planejada por milagres genuínos; Satanás faz milagres falsificados. É
Deus, para curar. Mas nunca devem ser m al-inter- ex a ta m en te assim que a B íblia os cham a em
pretadas, como intervenções diretas ou verdadeiros 2 Tessalonicenses 2.9, quando fala que “a vinda desse
m ilagres. São fenôm enos hu m an os, com uns em perverso é segundo a ação de Satanás, com todo o
muitas religiões. poder, com sinais e com maravilhas enganadoras”.
o/ / m ila g re s , fa lso s

Assim como há marcas de milagres, existem si­ Sinais satânicos estão associados ao mal moral.
nais da obra de Satanás, que são dem onstradas na Milagres falsos tendem a acompanhar rebelião moral
tabela seguinte. e ira contra Deus (1. Sm 15.23), imoralidade sexual
(Judas 7), ascetismo (ICo 7.5; Um 4.3), legalidade (Cl
M ila g r e d iv in o S in a l s a t â n ic o 2.16,17), orgulho em supostas visões (Cl 2.18), menti­
ra e fraude (1. Tin, 4.2; Jo 8.44), e outras obras da carne
Ato realmente sobrenatural Apenas um ato suprn- (Cf.Gl 5.19).
normal Sinais satânicos estão associados ao ocultismo.
Sob o controle de Criador Sob o controle da criatura Práticas ocultistas que podem acom panhar sinais
N unca associado ao Associado ao ocultismo satânicos incluem: contatos com espíritos ( Dt 18.11);
ocutismo uso de médiuns ou hipnose (Dt 18.11); perda de con­
Frequentemente ligado trole das próprias faculdades m entais (ICo 14.32);
Ligado ao Deus a deuses pantéistas conduta desordenada (ICo 14.40); uso de cristais,
ou politeístas
pedras, varas e outros m eios de adivinhação (Dt
Associado à \erdade 18.11; Êx 21.2 1); meditação oriental de esvaziamen­
Associado ao erro
to da mente, rezas ou uso de frases repetitivas (Mt
Associado ao bem Associado ao mal 6.7); autodeificação (Gn 3.5; 2Ts 2.9); astrologia (Dt
4.19; Is 4 7 .1 3 -1 5 ); idolatria ou uso de imagens na
Envolve profecias da Envolve profecias adoração (Êx 203,4); experiências com aparições de
verdade mentirosas pessoas mortas (Dt 1 8 .1 1 ; 1 Co 1 0.1821; 2Co 11.14).
Sinais satânicos são limitados em poder. Satanás
Glorifica o Criador Glorifica a criatura pode imitar os milagres de Deus, mas não reproduzi-
los exatamente. Mais uma vez os milagres de Moisés
e Elias em suas disputas com os magos egípcios e
Sinais satânicos não são sobrenaturais. Sinais fal­
profetas de Baal. dem onstram essa superioridade.
sos são incomuns. Podem ser supranormais e extra­
Algumas pessoas acreditaram equivocadamente que
ordinários. Mas não são miraculosos. Podem ser con­
Satanás pode criar vida e ressuscitar os mortos. Isso
siderados falsos sinais se não forem bem-sucedidos,
*é claram ente contrário às Escrituras. SÓ Deus é o
não são imediatos ou instantâneos, não são perma­
criador das criaturas vivas (Gn 1.21; cf. Dt 3 2.3 9; 1 S
nentes. Como nos casos que envolveram Moisés e os
m 2.2,6; J 'o 1. 1). O próprio S atanás é um ser criado
magos do Egito ou Elias e os profetas de Baal (Êx 8-12;
(Cl 1.15,16), e criaturas por natureza não criam vida.
IRs 18), os sinais de Satanás perdem numa competi­
O s servos de Satanás adm itiram que não podiam
ção com Deus.
nem criar piolhos em Êxodo 8.18,19.
Sinais satânicos estão associados ao erro. Sinais e
Ressuscitar os mortos era um sinal especial de
ensinamentos falsos andam juntos. “Ora, o Espírito
um apóstolo (Mt 10.8; 2Co 12.12). Se Satanás pudesse
afirma expressamente que, nos últimos tempos, al­
fazé-lo, não seria um sinal distintivo do apóstolo de
guns apostatarão da fé, por obedecerem a espíritos
Deus. E se Satanás pudesse ressuscitar os m ortos,
enganadores e a ensinos de demônios”(ITm 4.1). Há
poderia copiar a ressurreição - a prova máxima da
“o espírito da verdade e o espírito do erro” (IJo 4.6).
capacidade de ressuscitar os mortos. Nenhum caso
Então falsos ensinamentos não serão confirmados por
de ressurreição real foi comprovado por evidência
um milagre verdadeiro. Sinais falsos estarão ligados a sequer próxim a daquela em favor da ressurreição
ensinamentos falsos. Um profeta verdadeiro não faz de Cristo. A maioria é claramente falsa.
profecias falsas. Se os sinais previstos não acontece­ Alguns são simples truques fraudulentos. Esse é
rem, foi um sinal falso. Alguns dos ensinamentos fal­ o caso de um feiticeiro africano que reivindicou ter
sos ligados a sinais falsos seriam : Existem deuses sacrificado um hom em para apaziguar os deuses e
além do único e verdadeiro Deus teísta (Dt 6.4; depois tê-lo restaurado à vida. O ilusionista Andre
13.1-3). Adoração pode usar imagens e ídolos (Ex Kole, que havia dem onstrado a natureza falsa de
203,4). Jesus não é Deus (Cl 2.9). Jesus não veio em muitos truques do ocultism o, descobriu que o fei­
carne humana (IJo 4.1,2). Devemos entrar em con­ ticeiro havia cavado um túnel pelo qual o homem, que
tato com espíritos de mortos (Dt 18.11). Podemos ele supostamente havia matado, escapou, retomando
prever o futuro Dt 18.21-22). Revelações verdadei­ depois (v. Geisler, 118).
ras falíveis ou parciais podem vir de Deus (Hb 6.18). Algum as supostas ressu rreiçõ es são “co m as”
Cristo não precisa estar no centro da vida (Ap 19. 10). misticam ente induzidos. Alguns gurus indianos são
m ila g re , m á g ic a e 578

capazes de desacelerar seus processos corporais ao não tem o poder de executar um ato realmente so­
alterar seu estado de consciência. Isso os capacita a brenatural. Seus sinais são sempre ilusões e geral­
passar horas num túmulo com pouco oxigénio. Pelo mente falsidades óbvias a qualquer um que conheça
m enos um ilusionista moderno conseguiu escapar sinais. Ele é o mestre da mágica e um supercientista.
de um caixão enterrado debaixo de tres m etros de Mas apenas Deus pode criar vida e levantar os mor­
terra em uma hora e meia. Ele não afirmou ter res­ tos. Apenas Deus pode prever o futuro infalivelmen­
suscitado. Sim plesm ente aprendeu a conservar o te. Apenas Deus pode curar instantaneam ente o que
oxigênio do seu grande caixão enquanto cavava pelo é “incurável”. 0 poder de Deus é infinito e bom , e
solo fofo até a superfície. seus atos sobrenaturais comprovam isso.
Alguns casos são apenas ressuscitarnentos m é­
dicos. A ciência médica regularmente faz ressusci- Fontes
tamentos em pessoas que apresentam morte clínica, AGOSTINHO, C i d a d e d e D eu s.

mas não estão realmente mortas. Uma ressurreição C. I3ROWN, -Milagre, prodígio, sinal",
real ocorre quando alguém estava fisicamente m or­ em N o v o d ic io n á r io in t e r n a c io n a l d e t e o lo g ia d o

to. Em com paração, Jesus ressuscitou Lázaro após Novo Testamento.


este ficar enterrad o por quatro dias e seu corpo N. L. GEISLER, M i m c l e s a n d t h e m o d e m m in d .

estar-se decompondo (Jo 11.39). ____ ,Signs and vonders.


Algumas supostas ressurreições são apenas ca­ A. KOLE, M i r a c l e a n d m a g ic .

sos em que indivíduos desmaiaram ou entraram em C. S. LEWIS, M ila g r e s .


com a. 0 evangelista e m ilagreiro Oral Robert afir­ G. PETERS, I n d o n é s ia r e v iv a l

mou ter ressuscitado pessoas dos m ortos. Quando “Amazing” RAND1, T h e h e a le r s .

constrangido a dar nomes e endereços, recusou-se a M. TARÍ, A m i g h t y \vind.

dá-los. Finalm ente, m encionou uma m enina que 13.13. WARFIELD, C o u n t e r je i t m i m c le s .

havia desmaiado no seu culto. Quando perguntaram


como ele sabia que ela estava morta, disse que seu milagres, mágica e. Crucial ao uso apologético de
corpo estava frio ao toque e que ele e a mãe da me­ milagres é a capacidade de distinguir milagres ver­
nina acharam que ela estava morta. dadeiros dos falsos. Muitas religiões afirmam ser “au­
Ressurreições foram relatadas nos reavivamentos tenticadas” por atos milagrosos. Enquanto o judaís­
indonésios (v. Geisler, 7 1 -2 ). Quando George Peters mo afirma que a vara de Moisés tornou-se uma ser­
pesquisou a questão pessoalm ente, não encontrou pente e o cristianism o proclam a que Jesus andou
evidência de ressurreições físicas reais. Em vez disso, sobre a *água, os islamitas dizem que Maorné m o­
descobriu que a palavra “morte” na língua local tam­ veu uma m ontanha, e gurus hindus declaram ter o
bém pode referir-se a estados de inconsciência, tais poder de levitar.
como desmaios e comas (Peters, 88). O profeta da Nova Era, Benjamin Creme, oferece
A legações de re s su rre iç ã o aind a são fe ita s, um espírito de poder e adivinhação superior ao de
m as nenhum a foi com provada com o uma ressu r­ Jesus e que está disponível agora para os seguidores
reição física real dos m ortos (v. ressurreição, n a tu ­ do “Cristo”; “E isso que os capacitou a fazer o que na
r e z a f ís ic a d a ). Quem realm ente possuísse esse po­ época era chamado de milagre, mas que hoje é cha­
der atrairia m ultidões. Jesus teve de pedir às pes­ mado de cura espiritual ou esotérica. Diariamente,
soas para não divulgarem seus m ilagres (M t 8.4; no mundo todo, milagres de cura são feitos.
17.9). Ele era tão assediado por m ultidões atrás de Se um milagre é realmente um ato de Deus que
m ilagres que muitas vezes não tinha tem po para suspende leis naturais com o propósito de confirmar
co m er (M c 6.3 1; Jo 6 .2 4 ). M as não se conh ece Deus como a fonte de alguma verdade, o que devemos
ninguém desde o tem po dos apóstolos que tives­ fazer a respeito dessas “ofertas de ocasião”. Podemos
se esse tipo de poder. saber a diferença entre o que é realmente miraculoso e
Deus podia ressuscitar os mortos. Ele ressuscita­ o que não é de Deus e pode sei' demoníaco? E possível
rá todos os mortos no futuro (Jo 5.28-30: Ap 20.4,5). definir um milagre de tal forma a excluir reivindica­
Até essa ocasião ele provavelmente não fará isso. ções falsas e outros tipos de eventos incomuns?
C onclu são. Milagres verdadeiros são realmente O problema de definição. Segundo o teísm o, um
sobrenaturais; falsos milagres são, na melhor das milagre é uma intervenção sobrenatural de um Deus
hipóteses, apenas supranormais. Sinais satânicos são transcendente no mundo natural. Mas o panteísmo,
associados ao mal e <í falsidade. Atos sobrenaturais como o ateísmo, diz que não há Deus além do univer­
são distinguidos pelo bem e pela verdade. E Satanás so. Logo, todos os eventos têm causas naturais. Eles
579 m ila g re , m á g ic a e

discordam apenas se o “natural” é limitado ao físico Os “m ilagres” panteístas não preenchem essa
ou se pode in clu ir o esp iritu a l. Como o “Je su s” definição porque seu poder não é de Deus. O autor
panteísta do Evangelho aquariano de Jesus Cristo diz: da Nova Era, David Spangler, identificou a fonte de
“Todas as coisas resultam da lei natural”. Até a Ciên­ milagres para os panteístas quando escreveu:
cia Cristã diz que um milagre é “aquilo que é divina­ “Cristo é a mesma força que Lúcifer, mas apa­
mente natural, mas deve ser aprendido hum anam en­ rentem ente está -se m ovendo na d ireção oposta.
te; um fenômeno da Ciência”. Em vez de dizer que Lúcifer se move para criar a luz in te rio r... Cristo se
não há milagres, os panteístas redefinem milagres move para liberar essa luz”. Então o poder para even­
como urna manipulação da lei natural. Numa visão tos supranormais no panteísmo vem de Lúcifer, ou
clássica do panteísmo, os filmes de Guerra nas estre­ Satanás, apesar de ser chamado de Cristo quando sai
las, Luke Skywalker aprendeu a usar “a força” (lei do indivíduo.
natural) num podequase espiritual que o capacitava Do ponto de vista bíblico, Lúcifer, também cha­
a executar atos incríveis. Os panteístas tentaram in­ mado de Diabo e Satanás.) não é o mesmo que Deus
co rp o ra r a fís ic a avan çad a em e x p lic a ç õ e s do nem mesmo igual a Deus. No princípio, Deus criou
supranormal. 0 livro de F rijo f Capra O tao da física tudo que era bom: a terra (Gn 1 .1 ,3 1), a humanidade
é uma versão atualizada da doutrina panteísta de (Gn 1.27,28) e os anjos (Cl 1.15,16). Um anjo se cha­
que toda matéria é, no fundo, mística: m ava L ú cifer (Is 1 4 .1 2 ). Ele, era b elo , m as se
ensoberbeceu (1 Tm 3.6) e rebelou-se contra Deus,
A unidade básica do universo não é apenas a característica dizendo: “subirei acima das mais altas nuvens e serei
central da experiência mística, mas também é uma das revela­ semelhante ao Altíssimo” (Is 14.14). Um terço de to­
ções mais importantes da física moderna. Isso se torna evidente dos os anjos deixou seu lar com Deus para segui-lo
no nível atômico e se manifesta mais e mais à medida que vemos (Ap 12.4). Esses seres são agora conhecidos como Sa­
a questão mais a fundo, até o âmbito das partículas subatômicas. tanás e seus demônios (Ap 12.7 e Mt 25.41). Eles têm
poderes incomuns, no sentido de que todos os anjos
Assim, a fonte dos “m ilagres” panteístas não é têm poderes sobrenaturais com o parte do mundo
um Deus pessoal onipotente que está além do uni­ espiritual. São descritos atuando “nos filhos da deso­
verso. É uma Força impessoal no universo. Logo, es­ bediência” (Ef 2.2). Satanás “se transforma em anjo de
ses eventos incomuns não são realmente sobrenatu­ luz” (2Co 11.14) até mesmo para parecer estar do lado
rais; são apenas supranormais. de Deus, mas isso é apenas um disfarce.
Sobrenatural versus supranormal. O cristian is­ Milagres versus mágica. De um a perspectiva
mo não nega que eventos supranormais acontecem, bíblica há testes para distinguir m ilagres da Nova
mas nega que sejam realmente singulares ou tenham Era ou influências ocultistas que podem ser cham a­
qualquer valor apologético na confirm ação de rei­ das de “mágica”. Milagres são intervenções sobrena­
vindicações de verdade religiosa. A definição de um turais ordenadas por Deus. A mágica é manipulação
milagre verdadeiro tem três elementos básicos a s­ supranorm al de forças naturais. A tabela seguinte
sociados a milagres na Bíblia: poder, sinal e prodígio resume essas diferenças.
(para mais inform ações sobre esses elem entos, v.
Mii . AGKi s \.\ Bím i a ). Milagre Mágica
O poder dos milagres vem de um Deus que está Sob o controle de Deus. Sob controle humano.
além do universo. A natureza dos milagres é que eles Não está disponível a Está disponível a
são prodígios, que inspiram tem or porque transcen­ qualquer hora. qualquer hora.
dem as leis naturais. A palavra sinal revela o propó­ Poder sobrenatural. Poder supranormal.
sito dos milagres: eles confirm am a mensagem e o Associado ao bem. Associada ao mal.
m ensageiro de Deus. A dim ensão teológica dessa Associado apenas à Associada também
definição é que milagres implicam um Deus fora do verdade. ao erro.
universo que intervém nele. M oralm ente, porque Pode subjugar o mal. Não pode subjugar o
bem.
Deus é bom, milagres produzem e/ou promovem o
Afirma que Jesus é Nega que ]esus é Deus
bem. Na sua dim ensão doutrinária, milagres reve­
Deus em carne. em carne.
lam quais profetas são verdadeiros e quais são fal­
Profecias sempre Profecias às vezes
sos. Teleologicamente (i.e., em termos de objetivo),
verdadeiras. falsas.
milagres nunca são feitos para proporcionar entre­
Nunca associado a Geralmente associada
tenimento. Eles têm o propósito de glorificar a Deus práticas ocultistas. a práticas ocultistas.
e direcionar as pessoas a ele.
m ila g re , m á g ic a e 580

A mágica usa meios ocultistas para realizar seus Estados Unidos e a R ússia co n tin u a ria m sendo
atos. São práticas que afirmam evocar poderes do potências importantes e não haveria guerras m un­
âm bito espiritual. F.m muitos casos, é exatam ente diais. É evidente que não é necessário ter poderes
isso que fazem; mas se trata de poder demoníaco. so b re n a tu ra is para ch eg ar a e sses resu lta d o s
Algumas práticas ligadas diretam ente ao poder de­ subnorm ais.
moníaco na Bíblia são: 0 índice de precisão de aproxim adam ente 8%
poderia ser atribuído ao acaso e conhecim ento ge­
Magia (Dt I 8.10 ral das circunstâncias. Mas pode haver outras coisas
Adivinhação (Dt 18.10 envolvidas. M ontgomery nos diz que Dixon usava
Consulta aos espíritos i D t 18. 1 1 ! uma bola de cristal, astrologia e telepatia, e que seu
Mediunidade Dt 18.1 1 dom de profecia foi dado a ela por uma vidente ci­
Adivinhação f Dt 18.10' gana quando era menina.
Astrologia (Dt 4.1 9: Is 4". 18-15) A suposta previsão sobre Kennedy. Até a profecia
Heresia f1Tm 4.1; 1Jo 4.1-3) altamente reconhecida de Jean Dixon sobre a morte
Imoralidade 'Ef2.2.81 de John E Kennedy e vaga e está errada em alguns
Autodeiricação iCn 8.5; Is 14.12) aspectos (ela diz que a eleição de 1960 seria dom ina­
Mentira do 8.441 da pelos trabalhistas, o que não aconteceu). Chegou
Idolatria 1 1Co 10.19-20) a dizer que Richard Nixon ganharia, o que não acon­
Legalismo e teceu, previsão que contradisse em outra ocasião.
outoprivaçào (Cl 2.16-28; 1Tm 4.1-4) Sua profecia do assassinato não especifica o nome
de Kennedy. Em comparação, Isaías deu o nome do
M uitos que p ra tic a m e e n sin a m “m ila g re s” Rei “Ciro” e disse o que ele faria um século e meio
panteístas admitem que usam práticas ocultistas e antes de ele nascer (v. Is 45.1). Segundo, Dixon não
as recomendam. Os testes a seguir dem onstram cla­ dá detalhes de como, onde ou quando Kennedy seria
ram ente que tais reivindicações de poderes sobre­ morto. Compare isso com a especificidade das pro­
naturais não são milagres. fecias do ai com relação ao nascimento e morte de
Análise de caso:}ean Dixon. Jean Dixon foi uma Cristo (v. Is 5 3 1. Terceiro, sua previsão era geral. Tudo
das médiuns mais famosas do século xx. Ela supos­ o que adivinhou foi que um presidente dem ocrata
tamente fez muitas previsões supranorm ais, mas seu morreria durante seu mandato. Em 1960 havia uma
trabalho não atinge de forma alguma os padrões do probabilidade de 50°« de que um dem ocrata tosse
m iraculoso. eleito e, dados dois mandatos de quatro anos, uma
Profecias falsas. Até sua biógrafa, Ruth Montgomery, boa chance de que houvesse pelo menos um atenta­
admite que Dixon fez muitas profecias falsas. do. Além disso, o início da década de 1960 se encaixa
num ciclo centenário em que a cada vinte anos um
Ela previu que a China comunista provocaria uma guerra presidente morreu durante o mandato. O presidente
por causa de Quemoy e Matsu em outubro de 1958; achava de 1980, Ronald Reagan quase foi assassinado.
que o líder trabalhista Walter Reuther se candidataria a presi­ A Bíblia não permite tais coisas. Todas as formas
dente em 1964. de adivinhação são proibidas. Nenhum erro é per­
mitido ao profeta de Deus. Deuteronômio 18.22 diz
No dia 19 de outubro de 1968, ela nos garantiu que que um profeta deve ser 100% preciso: “Se o que o
Jacqueline Kennedy não estava pensando em se casar; profeta proclamar em nome do Senhor não aconte­
no dia seguinte, a sra. Kennedy casou-se com Aristóteles cer nem se cum prir, essa m ensagem não vem do
Onassis! Ele também disse que a Terceira Guerra Mun­ S enhor . Aquele profeta falou com presunção. Não te­
dial começaria em 1954, a guerra do Vietnã terminaria nham medo dele”.
em 1966 e Castro seria banido de Cuba em 1970. A última frase significa que é adequado apedre­
0 Almanaque do Povo (1976) fez um estudo so­ ja r tal profeta. Se Deus falou, acontecerá. Não há ne­
bre as previsões dos 25 maiores médiuns, inclusive cessidade para a segunda chance.
Dixon. 0 s resultados: “Do total de 72 previsões, 66 Foi provado que algumas reivindicações de po­
(ou 92% ) estavam completamente erradas” (Kole, p. deres supranormais não eram nada além de ilusionis­
69). Das que estavam parcialm ente corretas, duas mo e truques mágicos. Dann}' Korem, mágico profis­
eram vagas e duas pouco surpreend entes — os sional que escreveu um livro expondo tais fraudes,
581 m ila g re , m á g ic a e

diz: “dadas as devidas circunstâncias, qualquer pessoa Milagres bíblicos singulares. Milagres bíblicos são
pode ser enganada e pensar que testemunhou algo superiores e singulares. Os magos do Egito tentaram
que jamais aconteceu”. reproduzir os atos de Moisés por meio de ilusionismo
Um exemplo disso é o “médium” Uri Geller, que com algum sucesso (Êx 7.19s.; 8.6s.), mas, quando Deus
afirma ter o poder de entortar objetos de metal sem trouxe os piolhos do pó da terra, os magos fracassa­
tocá-los, bem como ser capaz de praticar telepatia e ram e exclamaram: “Isso é o dedo de Deus” (Êx 8.19).
clarividência. Ele até recebeu apoio num relatório do Elias silenciou todas as reivindicações dos profetas
Instituto de Pesquisa de Stanford, publicado numa de Baal quando trouxe fogo do céu sem que eles con­
revista popular de ciência. Mas os editores da revista seguissem fazer o mesmo (IR s 18). A autoridade de
notaram que os homens que julgaram os testes acha­ Moisés foi vindicada quando Corá e seus seguidores
ram que foram engolidos pela terra (Nm 16). Foi demonstrado
que Arão era o sacerdote escolhido por Deus quando
houve pouca con sideração pela m etodologia estabelecida seu cajado floresceu (Nm 17).
da psicologia experim ental [...] D ois ju ízes tam bém ach aram No \t , Jesus curou os doentes (Mt 8.14-17), fez os
q u e os au tores não haviam con sid erad o as lições ap ren d id as cegos verem (M c 8.22-26), purificou os leprosos (Lc
no passad o por parapsicólogos que pesqu isavam essa área trai­ 8.49-56). Esse padrão continuou com os apóstolos,
çoeira e com plicada. quando Pedro curou o mendigo no portão do tem ­
plo (At 3.1-11) e ressuscitou Dorcas dos mortos (At
Seu ceticism o foi com provado. A revista Acir
9.36-41). Hebreus 2.4 nos diz o propósito desses m i­
Science registrou que “pelo menos cinco pessoas afir­
lagres: “Deus também deu testemunho dela por meio
mam ter visto Geller realmente trapacear”. Uma mu­
de sinais, maravilhas, diversos milagres e dons do
lher que o viu num estúdio de televisão disse que “viu
E spírito Santo distribuíd os de acordo com a sua
Geller entortar — com a mão, não com poderes psí­
vontade”. Com relação à objetividade, bondade e
quicos — a colher grande”. Outro truque de Geller é
confirmação da mensagem de Deus, não há com pa­
tirar sua fo to com uma máquina fotográfica sem tirar
ração entre esses milagres e entortar colheres.
a capa da lente. Mas isso tam bém foi feito p o r um
Profecia bíblica singular. A profecia b íb lica
fotógrafo usando urna lente grande angular e com a
tam bém é singular, pois, enquanto a m aioria das
capa quase fechada. 0 sucesso de Geller também pa­
previsões é vaga e geralm ente falha, as Escrituras
rece diminuir dramaticamente quando os c o n t r o l e s
são incrivelm ente precisas (v . P R o i-to u c o m o prova
são maiores. Em programas de televisão, e le gostava
ha B í b l i a ). Deus previu não apenas a destruição de
de tirar um objeto d e uma entre dez latas d e filme.
No programa d e Merv Grifíin na us t v , Geller fez o Jerusalém ( Is 22.1-25), mas tam bém o nome de Ciro,

truque com sucesso, mas algumas pessoas p e n s a r a m o rei persa que iria repatriar os judeus (Is 44.28; 45.1).
ter visto Geller sacudindo a m esa para q u e as latas Isso foi predito 150 anos antes de tudo acontecer.
chacoalhassem e e le pudesse distinguir a m ais pe­ Até o lugar onde Jesus nasceu é citado por volta de
sada. Então, no program a de Johnny Carson, no 700 a.C. ( Mq 5.2). A hora de sua entrada triunfal em
dia 1." de agosto de 1973, p recau ções esp eciais Jerusalém foi prevista precisam ente por Daniel em
foram tom adas e Geller não pôde chegar perto o 538 a.C. (Dn 9 .2 4 -2 6 ). Nenhum adivinho pode ga­
suficiente da mesa para sacudi-la ou tocar as la ­ bar-se de precisão ou consistência igual.
tas. Fracassou. Cristo previu a própria morte (M c 8.31), o tipo
H difícil evitar a conclusão de um crítico que de morte ( M 1 16.24), a traição que sofreria (Mt 26.21)
disse que “o relatório de Stanford simplesmente não e sua ressurreição dos m ortos no terceiro dia (Mt
resiste a massa de evidência circunstancial de que 12.39,40). Não há nada igual em nenhuma profecia
Uri Geller é apenas um bom mágico”. O mágico Andre ou milagre ocu ltista. A ressu rreição de Jesus em
Kole esclarece: cumprimento à sua predição se destaca como o úni­
co evento singular e não-repetível da história.
0 que a m aioria d as p e sso a s não entende sobre Uri Geller
— que ele tentou su p rim ir na su a p u b licid ad e — e qu e ele Fontes
estudou e praticou m ágica qu an d o jovem em Israel. M as logo H ( f i.l'K \ . ( ) td O i h l lis t e d .

en tendeu que atraía m ais segu id o res ao reiv in d icarp o d e res L IV ,v ,! i\ , „ 'lhe íi.jiidridii g o sp el o f Jesus Christ.
p aran orm ais que com o m ágico. X a verdade, a m aior parte do XL [..G i n I r.. Signs a n d w onders.
que faz seria um tanto insignificante vindo de um m ágico. A . K ,,; I .M iriieledu din cigie.
m ila g re s , m ito e 582

D. K o r b i , T h e p o w e r s . “0 mito fala do poder ou dos poderes que o ho­


“Am azing” Raxpy. F lim F i a i ”,. mem supõe que experimenta como base e limite do
B. B. W arfifi.d, C o w ite rfeh m iracle seu mundo e de sua própria atividade e sofrimento.”
Em outras palavras, o mito fala de um poder trans­
m ilagres, m ito e. Sob o ataque implacável do natu­ cendente que controla o mundo. É essa esperança que a
ralism o moderno, muitos pensadores religiosos se religião compartilha quando se elimina seu material
entrincheiraram na teoria de que milagres não são periférico cronologicamente limitado (ibid., p. 10-11).
eventos do mundo cronológico-espacial (v. m il a g r e s ). B uitm ann conclui, confiante: “O bviam ente [a
Em vez disso, milagres seriam mitos ou eventos num ressurreição] não é um evento da história passada
mundo espiritual, além do tempo e espaço. Como [...] Um fato histórico que envolve a ressurreição
resultado, os registros bíblicos devem ser “desm i- dos m ortos é totalmente inconcebível” (ibid., p. 38-
tificados” ou despidos da “casca” mitológica para che­ 9). Ele oferece várias razões para essa conclusão anti-
gar ao “cerne” existencial da verdade. Rudolf B u it m a n n sobrenatural. Primeiro, há “a incredibilidade de um
(1884-1976) estava à frente dessa teoria dos “m ila­ evento mítico como a ressurreição de um cadáver”.
gres”. Ele adaptou à exegese do \ r o conceito de aná­ Segundo, “há a dificuldade de estabelecer a historici­
lise existencial do filósofo fenom enologista M artin dade objetiva da ressurreição, não importa quantas
Heidegger (1889-1976). Usando os métodos de Hei- testemunhas sejam citadas”. Terceiro, “a ressu rrei­
degger, ele tentou separar da cosmovisão do século i ção é um artigo de fé que, com o tal, não pode
a mensagem essencial do evangelho. constitu ir uma prova m iraculosa”. F in alm en te,“tal
Naturalismo desm itificado. Buitmann acredita­ m ilagre não é desconhecid o no âm bito da m ito­
va que as Escrituras baseavam -se num universo de logia” (ibid ., p. 39, 4 0).
três andares, com a terra no centro, o céu acima com Então, o que é a ressurreição (v. k essu k r eic á o , e v i ­
Deus e os anjos e o submundo abaixo. 0 mundo dên cia s da )? Para Buitmann, é um evento da história
subjetiva, um evento da fé no coração dos primeiros
é o cenário da atividade sobrenatural de Deus e seus an jos
discípulos. Como tal, não está sujeita à verificação ou
de um lado, e Satanás e seus demônios do outro. Essas forças
falsificação histórica, pois não é um evento no mun­
sobrenaturais intervêm no curso da natureza e em tudo que
do de espaço e tempo. Cristo não ressurgiu do túmulo
pensamos e desejamos e fazemos (Buitmann, p. 1).
de José; ressuscitou pela te no coração dos discípulos.
É difícil form ular precisam ente o raciocínio que
Os docum entos do m precisavam ser pu rifica­
Buitm ann usou para apoiar sua tese. Parece algo
dos dessa estrutura mitológica. A linguagem da m i­
tologia é inacreditável para as pessoas m odernas, assim :
para as quais a visão mitológica do mundo está o b ­
soleta. “Todo o nosso pensamento atual é formado, bem 1. M itos são por natureza mais que verdades
ou mal, pela ciência moderna”, então “uma aceitação objetivas; são verdades transcendentes da fé.
cega do nt [...) significaria aceitar em nossa fé e re­ 2. Mas o que não é objetivo não pode ser parte
ligião a comosvisão que elevamos negar no cotidia­ do mundo verificável de espaço e tempo.
no” (ibid., 3 ,4 ). 3. Logo, milagres (m itos) não são parte do mun­
E xcessiv am en te c o n fia n te, B u itm an n seq u er do objetivo de espaço e tempo.
abriu espaço para considerar a pressuposição de que
a descrição bíblica de milagres é impossível. Tal teo­ Fraquezas do naturalismo desmitificador. Mila­
ria não podia mais ser levada a sério. A única m a ­ gres não são menos que históricos. Não se deve con­
neira honesta de recitar os credos era despir a ver­ cluir que, pelo fato de um evento ser mais que históri­
dade da estrutura mitológica que a circunda. co, ele deva ser menos que histórico. Os milagres do
Propósito do mito. Se o retrato bíblico é mitológi­ evangelho têm, com certeza, uma dimensão transcen­
co, como devemos interpretá-lo? Para Buitmann “o pro­ dente. São mais que eventos históricos. Por exemplo,
pósito real do mito não é apresentar o retrato objetivo o n a sc im en to v ir g ix a l envolve tanto a natureza divina
do mundo como ele é, mas expressazzr o entendimento de Cristo (v. C r ist o , divin da de d e ) e o propósito espiri­
do homem sobre si mesmo no mundo em que vive”. tual de sua missão quanto à biologia. É apresentado
Logo, “o mito deve ser interpretado não cosmolo- como “sinal” (Is 7.14). A r e ssu r r eiç ã o é mais que a res­
gicamente, mas antropologicamente, ou, melhor ain­ surreição de um cadáver. Sua dimensão divina impli­
da, existencialmente”. ca verdades espirituais (Rm 4.25; 2Tm 1.10).
583 m ila g re s , m i t o e

Isso não significa de forma alguma que esses m i­ Antony F lew perguntou: “0 que teria que acon­
lagres não sejam eventos puramente objetivos e re­ tecer ou ter acontecido de modo a constituir para
ais. Até Bultmann admite que os autores do nt acre­ você uma refutação do am or de Deus, ou da sua
ditavam que os eventos que descreveram eram his­ existência?” (Flew, p. 98).
tóricos: “Não se nega que a ressurreição de Jesus Fazendo as perguntas de Flew para Bultm ann:
seja m uitas vezes usada no nt com o uma prova “Se o cadáver de Jesus de Nazaré tivesse sido desco­
miraculosa [...] Tanto a lenda do túmulo vazio quan­ berto depois da primeira Páscoa, isso tornaria falsa
to as aparições insistem na realidade física do corpo sua crença na ressurreição?”.
ressurreto do Senhor”. Claramente isso não aconteceria para Bultmann.
Todavia, “elas certamente foram acrescentadas à A resposta do apóstolo Paulo a essa pergunta, dada
tradição primitiva” (ibid., p. 39). Nenhuma razão só­ em 1 Coríntios 15, é um enfático “sim”. Pois,“se Cris­
lida foi dada para concluir que esses eventos não to não ressuscitou, inútil é a fé que vocês têm, e ain­
poderiam ser eventos na história do espaço e do da estão em seus pecados" ( ICo 15.17).
tempo (v. milagres na B íhlia ). Se milagres não são eventos históricos, não têm
Milagres no mundo, mas não do mundo. Bultmann valor evidenciai (v. i m i n u o ) . Não provam nada, já
supõe equivocadam ente que qualquer evento no que têm valor apenas para os que querem acreditar
mundo deve ser do mundo. O milagre pode originar- neles. No entanto, os autores do vr atribuem valor
se no mundo sobrenatural (sua fonte), mas ocorrer evidenciai aos milagres. Consideram-nos “provas in­
no mundo natural (sua esfera). Dessa maneira, o even­
discutíveis" (At 1.3) e não “tabulas engenhosamente
to pode ser objetivo e verificável sem ser redutível a
inventadas" (2 Pe 1.16). Paulo declarou que Deus “deu
dimensões puramente factuais. É possível verificar
prova disso a todos, ressuscitando-o dentre os m or­
diretamente por meios históricos se o cadáver de Je­
tos” (At 17.31).
sus de Nazaré foi ressurreto e observado em pirica­
C onclusão. A abordagem d esm itificad o ra de
mente (as dimensões objetivas do milagre), sem re­
Bultmann aos milagres e documentos do nt em geral
duzir os aspectos espirituais do evento a meros dados
é injustificada. Antes de mais nada, é contrária à evi­
científicos. Porém, ao afirmar que tais milagres não
dência esmagadora da autenticidade dos documen­
podem o co rre r na h istó ria do esp aço e tem po,
tos do n! e a confiabilidade das testemunhas (v. Novo
Bultmann está apenas revelando um preconceito na­
T e-t amín m, :• ' íi :í('( ti>\i>j no). Em segundo lugar,é con­
turalista injustificado e antiintelectual.
trária à afirmação do n t (2Pe 1.16; v. )o 1.1-3; 21.24).
A base do anti-sobrenaturalismo de Bultmann não
Finalmente, o nt não é o estilo literário da mitologia
é evidenciai nem está aberta a discussão. É algo que
ív . MiToi.ooiA e o Novo T e st a m e n t o ). C. S. L e w is , como
ele defende “não importa quantas testemunhas sejam
autor de mitos (fábulas), observou com perspicácia
citadas” (ibid.). 0 dogmatismo de sua linguagem é
que “o dr. Bultmann nunca escreveu um evangelho”.
revelador. Milagres são “inacreditáveis”, “irracionais”,
Então pergunta: “Será que a experiência da sua vida
“realmente impossíveis”, “sem sentido”, “totalm ente
inconcebíveis”, “sim plesm ente im possíveis” e “in ­ culta |. . . | realmente deu-lhe algum poder de ler as
toleráveis”. Logo, a “única alternativa honesta” para mentes de pessoas mortas há muito tempo?”. Como
as pessoas m odernas é afirm ar que m ilagres são escritor de mitos, Lewis geralmente considerava os
e sp iritu a is e que o m undo físico está im une à críticos errados quando tentavam ler sua mente em
interferên cia sobrenatural. vez de suas palavras. No entanto, acrescenta:
Se milagres não são eventos históricos objetivos,
então são inverificáveis e infalsificáveis. Não há m a­ Os “resultados garantidos dos estudos modernos”,
neira factual de determ inar se são verdade. Foram quanto à maneira em que um livro antigo foi escrito, são “ga­
colocados além do âm bito da verdade objetiva e rantidos”, podemos concluir, apenas porque os homens que
devem ser tratados como puramente subjetivos. A conheciam os fatos estão mortos e não podem expor as falá­
crítica de Antony Flew (v. verificação , tipos d e ) foi cias dos intérpretes.
direta quando ele fez o desafio: “Muitas vezes, pesso­
as que não são religiosas têm a im pressão de que As críticas de Bultmann são irrefutáveis porque,
não houve nenhum evento ou série de eventos con­ como Lewis ironicamente afirma: “São Marcos está
cebível cuja ocorrência seria admitida por pessoas morto. Quando encontrarem são Pedro haverá ques­
religiosas sofisticadas como razão suficiente para tões mais importantes a serem discutidas” (Christian
reconhecer: ‘Nunca houve um Deus’”. retlections, p. 161-3).
m ila g re s , v a lo r a p o lo g é tic o d o s 584

Fontes seria defin ido com o 'o evento que envolve a suspensão do cu rso
R .liii l y w s . K e r . g w a a n d m y t iv a t h e o lo g ie n ld e ­ real d os eventos” .
b ate, org. M.W. B vri ». h, trad. R. H. P. l: ln.
A. F í i u ,"T h eolo g v and fa lsifica tio if, em AVie c>>íí ; v Logo, “quem insistisse em descrever um evento
in p l i i l o s o p i u c a l t h e o lo g y . como milagre estaria na posição um tanto estranha
N. I.. Gr.isi! l y M i r a c l e s a i h t themodeni m in d . de afirm ar que sua ocorrência era contrária ao cur­
('. S. I.i-.uis, Christiuii refleetiom. so real dos eventos” (ibid., p. 50). O argumento de
_ _ _ , Milagres. McKinnon pode ser resumido da seguinte maneira:

milagres, suposta impossibilidade dos. V. natu­ 1. Leis n atu rais d escrevem o cu rso real dos
ralismo; MILAGRFS, ARGUMENTOS CONTRA; EsiTNOSA, BaRUCH. eventos.
2. Um milagre é uma violação a uma lei natural.
milagres, valor apologético dos. As p rincip ais 3. M as é im possível violar o cu rso real dos
reivindicações do cristian ism o dependem do va­ eventos (o que é, é; o que acontece, acontece).
lor apologético dos m ilagres (v. apologética, argu­ 4. Logo, milagres são impossíveis.
mento oa; milagre ). Se m ila g res não têm v alor
evidenciai, não há evidência objetiva, histórica, para Argumento de McKinnon. Ha vários problemas
apoiar as reivindicações do cristianism o histórico com esse argumento. Três em especial são dignos de nota:
e ortodoxo. Petição de princípio. Se McKinnon está certo, os m i­
Alguns naturalistas contemporâneos argumentam lagres não podem ser identificados no mundo natural,
que, não importa quão incomum um evento seja, ele já que tudo que acontece não será milagre; se tudo que
não pode ser considerado milagre. Se isso for verda­ acontece é um evento natural ipso facto , é claro que
de, pode ter sérias implicações para os que acreditam milagres nunca acontecem. Mas isso é apenas uma pe­
em milagres. Nenhum evento incomum que reivindi­ tição de princípio; sua definição de lei natural vai con­
que origem divina poderia ser considerado milagre. tra os milagres. Não importa o que aconteça no mundo
Além disso, religiões teístas como o judaísmo e o cris­ natural, automaticamente será chamado “evento natu­
tianismo, nas quais reivindicações milagrosas são usa­ ral”. Isso eliminaria de antemão a possibilidade de qual­
das apologeticamente, não poderiam realmente iden­ quer evento no mundo ser milagre. Mas isso não reco­
tificar nenhum de seus eventos incomuns como con­ nhece sequer a possibilidade de nem todo evento no
firmação milagrosa de suas verdades, não importa mundo ser do mundo. Pois um milagre pode ser um
quanta evidência pudessem produzir para a autenti­ efeito na natureza de uma causa que está além da natu­
cidade desses eventos. reza. Pois a mente de um computador está além do
Id en tid ad e dos m ilagres. Há dois aspectos no computador, mas o computador está no mundo.
caso da identidade dos milagres. Primeiro, milagres Má definição. O problema é que McKinnon defi­
devem ser identificáveis antes de um milagre espe­ niu mal as leis naturais. Leis naturais não devem ser
cífico poder ser identificado. Segundo, é preciso re­ definidas com o o que realmente acon tece, e sim
conhecer determ inadas características para identi­ como o que regularmente acontece. Como Richard
ficar um evento específico com o m ilagre. O foco Swinburne demonstra: “leis da natureza não descre­
aqui será na identidade dos milagres. vem apenas o que acontece [,..| Descrevem o que
Segundo alguns, milagres não podem ser identi­ acontece de form a regular e previsível”. Portanto,
ficados porque o conceito de milagre não é coeren­ “quando o que acontece é completamente irregular e
te. Alistair M cKinnon, por exemplo, afirm a que “a imprevisível, sua ocorrência não é algo descritível por
idéia de suspensão da lei natural é autocontraditória. leis naturais” (ibid., p. 78). Assim, milagres podem ser
Resulta do significado do termo” (Swinburne, p. 49). identificados como eventos na natureza que entram
Pois se leis naturais são descritivas, apenas nos in­ na categoria do irregular e imprevisível. Um milagre é
formam sobre o curso real dos eventos. Mas nada, mais que um evento irregular e imprevisível no mun­
diz McKinnon, pode violar o curso real dos eventos. do natural, mas não é menos que isso. De qualquer
Ele escreve: forma, eles não podem ser descartados pela simples
definição de uma lei natural como o que realmente
Essa contrad ição pode d estacar-se m ais se em lugar de lei acontece. Apesar de ocorrerem no mundo natural,
natural usarm os a expressão curso real dos eventos. O m ilagre milagres são diferentes de ocorrências naturais.
583 m ila g re s , v a lo r a p o lo g é tic o d o s

Tipos confusos de eventos. Como leis naturais li* credulidade na Antigüidade variava inversamente à
dam com regularidades e milagres com singularida­ saúde da ciência e diretamente ao vigor da religião”
des, os milagres não podem ser violações de leis natu­ (ibid.). David Strauss, crítico bíblico do século xix,
rais. Não são nem da mesma categoria de eventos. Um era ainda mais cético, Escreveu:
milagre não é uma “minilei” natural; é um evento úni­ Podemos rejeitar sumariamente todos os milagres, profe­
co com características próprias. Portanto, afirmar que cias, narrativas de anios e demónios e semelhantes, por serem
milagres não acontecem (ou não se deve acreditar simplesmente impossíveis e inconciliáveis com as leis conhe­
que aconteceram) porque não estão na mesma cate­ cidas e universais que governam o curso dos acontecimentos
goria que os eventos naturais é erro de categoria. Pela (v. ibid., p. 347).
mesma lógica, também podemos dizer que nenhum
livro tem uma causa inteligente porque sua origem Segundo Flew, tal ceticismo é justificado por uma
não pode ser explicada por leis operacionais da física base metodológica.
e química. Identificabílidade. Flew afirma estar disposto a
perm itir na teoria a possibilidade de milagres. Na
Argumento de Flew. Um ataque mais poderoso ao
prática, argum enta que o problem a de identificar
valor apologético dos milagres é dado por Antony Fi rw.
um milagre é sério, até mesmo insuperável.
A objeção básica aos milagres por parte dos naturalistas
0 argum ento contra m ilagres a partir da não-
contemporâneos não é ontológica, mas epistemológica.
identidade pode ser resumido:
Isto é, os milagres não são rejeitados porque sabemos
que não ocorrem. Na verdade, não sabemos e não pode­
1. Um milagre deve ser identificado (distingui­
mos saber que ocorreram. A objeção de Flew entra nessa
do) antes de ser possível saber que ocorreu.
categoria. Se bem-sucedido, o argumento de Flew de­
2. Um milagre pode ser distinguido de uma en­
monstra que milagres não têm valor apologético. tre duas maneiras: em termos de natureza ou
Milagres são parasitas da natureza. Flew define em termos do sobrenatural.
amplamente o milagre como algo que “jam ais teria 3. Identificá-lo pela relação com o sobrenatu
acontecido se a natureza tivesse de, por assim dizer, ral como ato de Deus é uma petição de prin
usar os próprios recursos” (Flew, p. 346). Ele observa cípio.
que T omas df Aquno dem onstrou que milagres não 4. Identificá-lo em relação ao evento natural tira
são necessariamente a violação da lei natural. Aqui no sua qualidade sobrenatural.
escreveu que “o artesão não é contra o princípio do 5. Logo, não é possível saber se milagres ocor
artesanato [...] se causa uma mudança no seu pro­ reram, já que não há como identificá-los.
duto, m esm o depois de ter dado a primeira forma
ao objeto” (Aquino, 3.100). Além desse poder ser ine­ Flew insiste, contra Agostinho (v. Agostinho, 21.8),
rente à idéia de artesanato, a mente do artesão tam ­ que, se o milagre é apenas “o portento jque| não é con­
bém é. O milagre leva a marca inconfundível do po­ trário à natureza, mas contrário ao nosso conhecimento
der e da m ente divinos. O m ilagre, então, é “uma da natureza" ( Flew, p. 348), ele não tem nenhum valor
interposição surpreendente do poder divino pela apologético real. Pois, argumenta Flew, se o evento é ape­
qual as operações do curso normal da natureza são nas milagre em relação a nós no presente, não prova

anuladas, suspensas ou modificadas” (v. Flew, p. 346). que a revelação que pretende apoiar esteja realmente
alem do poder da natureza. Apesar da idéia de Agos­
Aceitando essa definição teísta, Flew insiste em
tinho de que o milagre asseguraria que a criação de­
que “exceções são a lógica dependendo das regras.
pende de Deus, ela acaba su b v erten d o o valor
Som ente se puder ser demonstrado que há uma or­
apologético do milagre (ibid.). Pois, se o milagre é
dem é que se torna possível dem onstrar que a o r­
apenas contrário ao nosso conhecimento da natureza,
dem é ocasionalm ente anulada” (ibid., p. 347). Fm
ele não é nada além de um evento natural. De qual­
resumo, os milagres, para Flew, são logicamente pa­
quer forma, não poderíamos saber que o milagre real-
rasitas da lei natural. Logo, uma posição firme sobre
mentc ocorreu, só que parece a nós que ocorreu.
milagres é possível sem uma posição firme sobre a A idéia de Flew pode ser afirmada de outra m a­
regularidade da natureza. neira. Para identificar um milagre na natureza, a iden­
A im probabilidade dos milagres. Flew argu m en­ tificação desse milagre deve ser em termos do que é
ta que m ilagres são im prováveis prim a faeie. c i­ independ ente da natureza. Mas não há m aneira
tando o historiador R. M. Grant, segundo o qual “a de identificar um m ilagre com o independente do
m ila g re s , v a lo r a p o lo g é tic o d os 586

natural exceto apelando para o reino sobrenatural, o (D eus) é pressupor que Deus existe. Portanto, m i­
que é petição de princípio. Isso significaria afirmar, lagres não podem ser usados com o evidência da
na verdade: “Sei que isto é um evento milagroso no existência de Deus. 0 sobrenaturalista argum enta
mundo natural, porque sei (a partir de alguma base em círculos.
independente) que há uma causa sobrenatural além P r e s s u p o s iç ã o d a e x is t ê n c ia d e D eu s. Uma
do mundo natural”. m aneira de responder a Flew é afirm ar que argu­
No entanto, não há maneira natural de identificar m entar em círculos não é característica exclusiva
um milagre. Pois a não ser que já se saiba (em base dos sobrenatura-listas. Os naturalistas fazem a m es­
independente) que o evento é m ilagroso, ele deve ma coisa. Argumentos anti-sobrenaturalistas pres­
ser considerado apenas mais um evento natural. Do supõem o naturalismo. Logo, é necessário argumen­
ponto de vista cien tífico , é apenas “estran h o” ou tar em círculo, porque toda razão é circular (Van Til,
incoerente com eventos previamente conhecidos. Tal p. 118). No final das contas, todo pensamento é fun­
evento deve ocasionar pesquisa de uma lei científi­ dado na fé (v. Ff. e razão ; fideísmo).

ca mais ampla, não adoração. Se o sobrenaturalista decide seguir esse cam i­


Com base nisso, conclui-se que nenhum evento nho, a base (ou falta de base) é tão boa quanto a do
supostam ente milagroso pode ser usado para pro­ anti-sobrenaturalista. Certamente os naturalistas que
var que um sistema religioso é verdadeiro. Ou seja, descartam milagres a partir do com prom isso de fé
milagres não podem ter nenhum valor apologético. no naturalism o não estão na posição de proibir os
Não podemos argumentar que Deus existe devido a teístas de simplesmente acreditar que Deus existe e,

um evento ser ato de Deus, pois a não ser que saiba­ logo, que milagres são possíveis e identificáveis. Uma
vez que os naturalistas aceitam o privilégio da mera
mos que há um Deus que pode agir, não podemos
base de fé para o naturalismo, para o qual não têm
saber que uma ocorrência é ato seu. O segundo ele­
prova ra cio n a l ou c ie n tífic a , eles devem dar às
mento não pode provar o primeiro (ibid., p. 348-9).
cosmovisões alternativas a mesma oportunidade.
Se milagres não são identificáveis, porque não
E v id ên cia d a ex istên cia d e Deus. Mas há ou­
há maneira de defini-los sem uma petição de prin­
tro cam inho. Os teístas podem oferecer prim eiro
cípio, o raciocínio continua:
uma ju stificativa racional para crer em Deus por
m eio dos argum entos cosm ológico e teleológico.
1. O milagre deve ser identificável antes de po­
Se bem -sucedidos, podem ter o direito de definir
der ser identificado.
(m ostrar a identidade de) os m ilagres em term os
2. O milagre é identificado em apenas uma de
do reino sobrenatural em cuja existência têm ra­
duas m aneiras — ou com o um evento
zão para crer. Desde que se possa fornecer um ar­
in com u m na n atu reza, ou com o exceção
gumento racional para a existência de Deus, não é
à natureza.
difícil evitar a crítica de Flew de que milagres não
3. Mas um evento incomum na natureza é ape­
têm valor apologético identificável.
nas um evento natural, não um milagre. Milagres com o con firm ação da verdade. A apolo­
4. Uma exceção à natureza não pode ser consi­ gética cristã é baseada em milagres. Se milagres não
derada (i.e., identificada) apenas de dentro são possíveis (v. teísmo ) e reais (v. Novo T estamento,
da natureza. historicidade do; mílagres na B íblia ), não há maneira
5. Logo, um milagre não é identificável. de verificar as reivindicações da verdade do cristi­
anism o. Isso levanta a questão da relação entre o
E, é claro, o que não é identificável não tem valor milagre e a reivindicação da verdade. Será que os
evidenciai. Não pode ser usado para provar a verda­ milagres são a confirmação apropriada e válida das
de do cristianism o. reivindicações da verdade do cristianism o?
R esposta a o arg u m en to d e Flew. A primeira pre­ A afirm ação de David Hume (1 7 1 1 -1 7 7 6 ) de que
missa de Flew é sólida. Devemos saber o que estamos todas as reivind icações da verdade religiosa são
procurando antes de saber que o encontram os. Se contraditórias falha, porque a credibilidade de to ­
não podemos defini-lo, então não podemos ter cer­ dos os supostos “milagres” não é igual. No entanto,
teza de que o descobrimos. Mas, se podemos definir perm anece a dúvida quanto a um m ilagre poder
um evento em termos da natureza, os milagres po­ confirm ar a verdade.
dem ser reduzidos a eventos naturais. Entretanto, No contexto do at e do x t , as pessoas não demons­
defini-los em term os de uma causa sobrenatural traram aceitação ingênua de toda suposta palavra ou
587 m ila g re s , v a lo r a p o lo g é tic o d o s

ação de Deus. Como hoje, queriam provas. Os mila­ para o outro? Se o S enhor é Deus, sigam -no; mas se
gres deveriam confirmar a mensagem do porta-voz Baal é Deus, sigam-no” (lR s 18.21). Para provar que
de Deus. era profeta do Deus verdadeiro, Iavé, Elias propôs
Milagres confirmaram a reivindicação profética. um confronto no qual invocariam uma confirm a­
Quando Deus pediu que Moisés liderasse Israel para ção sobrenatural. Depois de os profetas de Baal não
fora do Egito, ele respondeu: terem conseguido fazer fogo descer do céu sobre
seu sacrifício, Elias mandou encharcar o altar a lavé
“E se eles nào acred itarem em m im n em qu izerem m e e orou: “Ó Senhor, Deus de Abraão, de Isaque e de
ou vir e d isse re m :‘0 Sen h or não lhe ap areceu ,?” E ntão o S e ­ Israel, que hoje fique conhecido que tu és Deus em
nh or lhe pergu n tou : “ Que é isso em su a m ã o ?” “ U m a v ara” , Israel e que sou o teu servo e que fiz todas estas
resp o n d eu ele. D isse o Senhor: “ Jo g u e -a ao ch ão” . M oisés coisas por ordem tua” (lR s 18.36).
jogou-a, e ela se transform ou num a serpente. M oisés fugiu dela, O texto acrescenta: “Então o fogo do Senhor caiu e
m as o Senhor lhe disse: “ Estenda a m ão e pegue-a pela cauda” . queimou com pletam ente o holocausto, a lenha, as
M oisés esten d eu a m ão, pegou a serpen te e esta se tran sfo r­ pedras e o chão, e também secou totalm ente a água
m ou num a vara em sua m ão. E d isse o Senhor: “isso èpara que na valeta. Quando o povo viu isso, todos caíram
eles acreditem que o Deus dos seus antepassados, o Deus de prostados e gritaram : £G Senhor é Deus! O SENHor é
Abraão, o Deus de Isaque, o Deus de Jacô, apareceu a você” (Êx Deus!’” (IR s 1 8 .3 8 ,3 9 ).

4.1-5; grifo do au tor). Milagres confirmados na reivindicação messiânica.


0 ministério de Jesus foi caracterizado por sinais so­
brenaturais que confirmaram sua identidade de profe­
Está claro que os milagres deveríam confirmar a
ta, e mais que profeta. Mas o evangelho de Mateus regis­
mensagem que Deus lhe dera. Deus, na verdade, fez
tra que alguns fariseus e escribas ainda exigiam um
vários milagres. Porque “se eles não acreditarem em
sinal de confirmação: “Mestre, queremos ver um sinal
ainda assim não acreditarem nestes dois sinais nem
miraculoso feito por ti”. Jesus recusou-se a concedê-lo
lhes derem ouvidos, tire um pouco de água do Nilo e
nesse dia, não porque milagres não constituíssem um
derrame-a em terra seca. Quando você derramar essa
sinal de sua identidade, mas porque o pedido foi feito
água em terra seca ela se transformará em sangue”
com desprezo e incredulidade. Em vez disso, Jesus anun-
(Êx 4.8,9).
ciou que logo teriam o m aior de todos os sinais
confirmatórios: “Uma geração perversa e adúltera pede
Mais tarde, quando Moisés foi desafiado por Corá,
um sinal miraculoso! Mas nenhum sinal lhe será dado,
um milagre foi novamente a vindicação de Deus.
exceto o sinal do profeta Jonas” (Mt 12.38,39). Assim
como Jonas ficou no ventre do peixe durante três dias,
D epois d isse [M o isés] a Corá e a to d o s os seu s se g u id o ­
Jesus ficou na sepultura e voltou à vida. Ele ofereceu o
res: “ Pela m an h ã o Senhor m o strará q u em lhe pertence e fará
sinal miraculoso de sua ressurreição como prova de
ap ro x im ar-se dele aqu ele que é san to , o h o m em a qu em ele
que era o Messias.
escolh er” [...] E d isse M o isé s:“A ssim vocês sab erão que o Se­
João enviou mensageiros para perguntar a Jesus
nhor m e enviou p ara fazer to d as e ssa s co isa s e qu e isso não
se ele era o Messias.
partiu de m im . Se estes hom ens tiverem m orte natural e expe­
rim en tarem som en te aquilo que norm alm en te acontece aos
X aqueie m om ento Jesus curou m uitos que tinham m ales,
hom ens, então o Senhor não enviou. M as, se o Senhor fizer acon­ d oen ças graves e espíritos m align os, e concedeu visão a m u i­
tecer algo totalm ente novo, e a terra abrir a su a boca e os en go­ tos que eram cegos. Então ele resp o n d eu ao s m en sag eiro s:
lir, junto com tudo o que é deles, e eles descerem vivos ao Sheol, “ Voltem e an un ciem a João o que vocês v iram e o u viram : os
então vocês saberão que estes hom ens desprezaram o Senhor” cegos vêem , os aleijad os an d am , os lep roso s são pu rificados,
[...] D esceram vivos à sepultura, com tudo o que p o ssu íam ; a os su rd o s ouvem , os m ortos são re ssu sc ita d o s e as b o as n o­
terra fechou-se sobre eles e pereceram , desaparecendo do m eio vas são p reg ad as aos p o b res” (Lc 7.21,22).
da a ssem b léia (X m 16.5,28-30,33).
Eram exatamente esses os tipos de milagres que
Poucos questionaram a autoridade divina de os profetas previram que confirm ariam a presença
Moisés a partir de então. do Messias de Israel. A resposta estava clara: os m i­
Quando confrontado pela crença em divindades lagres de Jesus confirmavam suas mensagens.
pagãs, Elias, o profeta de Israel, desafiou o povo de Xicodem os, membro do Sinédrio, disse a Jesus:
Israel: “Até quando vocês vão oscilar para um lado e “Mestre, sabemos que ensinas da parte de Deus, pois
m ila g re s , v a lo r a p o lo g é tic o d os 588

n i n g u é m p o d e r e a liz a r o s s i n a i s m i r a c u l o s o s q u e s e m e lh a n te s e n tre r e lig iõ e s o p o s t a s se a n u la r ia m . E le


e s t á s fa z e n d o , se D e u s n ã o e stiv e r c o m e le " (Jo 3 .2 ). a fir m o u a p e n a s q u e "t o d o m ila g r e , p o r ta n to , q u e p a ­
N o se u g r a n d e s e r m ã o n o P en teco ste, P ed ro d is s e r e c ia te r s id o r e a liz a d o e m q u a lq u e r u m a d e s s a s r e ­
à m u ltid ã o q u e Je su s foi " a p r o v a d o p o r D e u s d ia n te lig iõ e s (e t o d a s e la s s o b e ja m e m m ila g r e s ) [...] te m
d e v o c ê s p o r m e io d e m ila g r e s , m a r a v ilh a s e s in a is a m e s m a fo r ç a , a p e s a r d e m a is in d ir e ta m e n te , p a r a
q u e D e u s fez e n tre v o c ê s p o r in te r m é d io d e le , c o m o d e r r u b a r to d o s o s o u tr o s s is t e m a s ” e “ a o d e s t r u ir o
v o c ê s m e s m o s s a b e m ” (A t 2 .2 2 ). s is t e m a riv a l, d e s tr ó i t a m b é m o c r é d ito d e s s e s m ila ­
Milagres confirmaram a reivindicação apostólica. g r e s s o b r e o s q u a is e s s e s is t e m a foi e s ta b e le c id o ” . J á
H e b r e u s 2 .3 ,4 a fir m a q u e D e u s t e s t e m u n h o u s o b r e q u e “o o b je tiv o [u m m ila g r e ] é e s ta b e le c e r o s is t e m a
s u a 'g r a n d e s a l v a ç ã o ” n o e v a n g e lh o “ p o r m e io d e e s p e c ífic o a o q u a l é a tr ib u íd o , ele te m a m e s m a fo r ­
s in a is , m a r a v ilh a s , d iv e r s o s m ila g r e s e d o n s d o E s ­ ç a [...] p a r a d e r r u b a r t o d o s o s o u tr o s s is t e m a s ” . I s s o
p ír it o S a n t o d i s t r i b u í d o s d e a c o r d o c o m a s u a v o n ­ in d ic a a p o s s ib il id a d e d e q u e u m a re lig iã o q u e a p r e ­
t a d e ” (H b 2 .3 ,4 ) . M ila g r e s f o r a m u s a d o s p a r a c o n ­ s e n t e c o n f ir m a ç ã o m ir a c u l o s a s in g u la r s e ja v e r d a ­
f ir m a r a m e n s a g e m a p o s t ó l i c a . E le s e r a m o s in a l d e ir a , e t o d a s a s a f ir m a ç õ e s o p o s t a s , f a ls a s .
s o b r e n a t u r a l p a r a se u s e r m ã o , a c o n fir m a ç ã o d iv in a O a g n ó s t i c o (v. agnosticismo ) B e r t r a n d R ussell
d e s u a r e v e la ç ã o . (1 8 7 2 - 1 9 7 0 ) a d m itiu q u e m ila g r e s c o n fir m a r ia m
P a r a d e fe n d e r s e u a p o s t o l a d o e m C o r in to , P a u lo u m a r e iv in d ic a ç ã o d a v e r d a d e . E m r e s p o s t a à p e r ­
e s c re v e u : "A s m a r c a s d e u m a p ó s t o lo — s in a is , m a ­ g u n t a “ Q u e t ip o d e e v id ê n c ia o c o n v e n c e r ia d e q u e
r a v ilh a s e m ila g r e s — f o r a m d e m o n s t r a d o s e n tr e D e u s e x is t e ? ” , R u s se ll d is s e :
v o c ê s , c o m g r a n d e p e r s e r v e r a n ç a ” (2 C o 1 2 .1 2 ). E s s e
p o d e r a p o s t ó l ic o e s p e c ia l e m ir a c u lo s o fo i o f e r e c i­ Creio que, se eu ouvisse uma voz do céu prevendo tudo
d o c o m o p r o v a d a v e r d a d e q u e lh e s fa la v a . que iria acontecer comigo nas próximas 24 horas, inclusive
A lcorão e m ilagres com p robatórios. O j u d a í s ­ eventos que pareceriam altamente improváveis, e se todos
m o e o c r is t ia n is m o n ã o sã o a s ú n ic a s r e lig iõ e s esses eventos acontecessem, então talvez eu me convencesse
q u e r e c o n h e c e m a v a lid a d e d o s m ila g r e s co m o pelo menos da existência de alguma inteligência super-huma-
m e io d e c o n fir m a r u m a m e n s a g e m d e D e u s. O na. Posso imaginar outra evidência do mesmo tipo que possa
is l a m i s m o t a m b é m (v. maomé, supostos milagres de ). me convencer, mas, pelo que sei, essa evidencia não existe.
M a o m é r e c o n h e c e u q u e p r o f e t a s a n t e s d e le ( in c lu ­
s iv e J e s u s ) fo r a m c o n f ir m a d o s p o r p o d e r e s C o n firm a çã o lóg ica dos m ilagres. A l ó g i c a
m ir a c u l o s o s . “ E s e d e s m e n t e m , (r e c o r d a - t e d e q u e ) s u b ja c e n te à id é ia d e q u e u m m ila g r e s e ja u s a d o p a r a
ta m b é m fo ra m d e s m e n tid o s o s m e n sa g e ir o s q u e c o n fir m a r u m a r e iv in d ic a ç ã o r e lig io s a d a v e r d a d e é
a n t e s d e ti, a p r e s e n t a r a m a s e v id ê n c ia s , o s S a lm o s a s e g u in te :
e o L iv ro lu m in o s o ” ( S u r a t a 3 .1 8 4 ) .
0 Alcorão r e g i s t r a u m a d e c l a r a ç ã o d e M o i s é s 1. S e o D e u s te ísta e x iste , m ila g r e s s ã o p o s s ív e is.
s o b r e s e u s m ila g r e s : “ T u b e m s a b e s q u e n in g u é m , 2. O m ila g r e é a to e s p e c ia l d e D e u s.
se n ã o o S e n h o r d o s c é u s e a te r r a , re v e lo u e s tá s 3. D e u s é a fo n te e o p a d r ã o d e t o d a v e r d a d e ;
e v i d ê n c i a s e, p o r c e r t o , ó F a r a ó , c r e io q u e e s t á s ele n ã o p o d e e rrar.
c o n d e n a d o à p e r d i ç ã o ” ( 1 7 .1 0 2 ) . A lá d iz : “ E n t ã o 4. E o D e u s t e ís ta t a m b é m n ã o c o n fir m a r ia a lg o
e n v ia m o s M o is é s e s e u ir m ã o c o m o s n o s s o s s in a is q u e fo s s e fa lso .
e u m a e v id e n te a u t o r i d a d e ” ( 2 3 .4 5 ) . E n tã o , n a p r á ­ 5. L o gc ? o , m ila go r e s v e r d a d e i r o s ligo a d o s à m e n -
t ic a , t o d a s a s g r a n d e s r e lig iõ e s m o n o t e í s t a s c o n ­ s a g e m c o n fir m a m q u e a m e n s a g e m é d e D e u s:
c o r d a m em q u e a re iv in d ic a ç ã o d a v e r d a d e p o d e a ) O m ila g r e c o n fir m a a m e n s a g e m .
s e r c o m p r o v a d a p o r m ila g r e s . b ) O s in a l c o n fir m a o s e r m ã o .
Incrédulos e m ilagres com p robatórios. M e s m o c) O a to d e D e u s c o n fir m a a P a la v r a .
m u it o s d o s q u e r e je i t a m m ila g r e s c o n c o r d a m q u e d) N ova revelação p re c isa d e n o v a co n firm ação .
m ila g r e s s in g u la r e s p o d e r ia m s e r u s a d o s p a r a a p o i ­
a r a s r e iv in d ic a ç õ e s d a v e r a c id a d e d a r e lig iã o q u e Se h á u m D e u s o n ip o te n te , o n ib e n e v o le n te e o n is ­
o s p o s s u i. A té H u m e s u g e r iu q u e m ila g r e s re a lm e n te c ien te, c o n c lu i- se q u e ele n ã o fa ria u m a to m ila g r o s o
s in g u la r e s c o n f ir m a r ia m a s r e iv in d ic a ç õ e s d a v e r ­ p a r a c o n fir m a r u m a m e n tir a . Já q u e m ila g r e s s ã o p o r
d a d e d e u m a re lig iã o . E le a r g u m e n t o u q u e m ila g r e s n a t u r e z a a t o s e s p e c ia is d e D e u s , D e u s n ã o p o d e ir
589 m ila g re s , v a lo r a p o lo g é tic o d o s

c o n tr a a p r ó p r ia n a tu r e z a . 0 D e u s d e t o d a v e r d a d e tip o d e s u p o s t o m ila g r e . M ila g r e s s e m e lh a n t e s d e


n ã o c o n f ir m a r ia m ir a c u l o s a m e n t e u m e r r o . L o g o , fo n te s o p o s t a s s e a n u la m . L o g ic a m e n te , d o p o n to d e
q u a n d o u m a re iv in d ic a ç ã o d a v e r d a d e é c o n fir m a d a v is t a t e ís t a , é im p o s s í v e l q u e m ila g r e s v e r d a d e ir o s
v á r ia s v ezes p o r m ila g r e s , c o m o o s d o s p ro fe ta s d o ai , c o n fir m e m r e iv in d ic a ç õ e s o p o s t a s , já q u e o m ila g r e
d e J e s u s e d o s a p ó s to lo s d o n t , a v e r d a d e s e m o s t r a e é a to d e D e u s , q u e n ã o p o d e c o n f ir m a r a m e n t ir a
t o d a s a s p o s iç õ e s o p o s t a s re v e la m - s e fa lsa s . (H b 6 .1 8 ; v. T t 1 .2 ).
Critérios para confirmação. V á r io s c r it é r io s p o ­ Múltiplos. C o m o d iz D e u t e r o n ô m io 1 7 .6 : u P elo
d e m s e r e s t a b e le c id o s , c o m b a s e n o s p r in c íp io s d i s ­ d e p o im e n t o d e d u a s o u tr ê s t e s t e m u n h a s tal p e s s o a
c u t id o s a c im a , p a r a r e c o n h e c e r m ila g r e s c o m o c o n ­ p o d e r á s e r m o r t a ” . T e s te m u n h a s m ú lt ip la s s ã o m e ­
f ir m a ç ã o d a r e iv in d ic a ç ã o d a v e r d a d e . E s s e s s ã o c r i­ lh o re s q u e a p e n a s u m a . N a v e r d a d e , e m a s s u n t o s le ­
t é r io s p a r a m ila g r e s a p o lo g e t ic a m e n t e v a lio s o s . T o ­ g a is d e v id a o u m o r te , o t e s t e m u n h o m ú ltip lo g e r a l­
d o s s u p õ e m q u e m i l a g r e s s ã o p o s s í v e i s . M ila g r e s m e n te é o b r ig a t ó r io . O m ila g r e n ã o e lim in a a d ú v id a .
c o n fir m a t ó r io s d e v e m s e r: L o g o , a p o lo g e t ic a m e n t e , m ila g r e s , r e le v a n te s d e v e m
s e r m ú lt ip lo s .
L i g a d o s a u m a r e iv in d ic a ç ã o d a v e r d a d e Preditivos. O u tra c a r a c t e r ís t ic a g e r a lm e n t e l i g a ­
V e r d a d e ir a m e n t e s o b r e n a t u r a is d a a o m ila g r e c o n fir m a tó r io é s e r g e r a lm e n te p r o f e ­
S in g u la r e s t iz a d o . E m b o r a is s o n ã o s e ja e s s e n c ia l, é ú til, p o is
M ú lt ip lo s e lim in a a a c u s a ç ã o d e q u e o e v e n to m i la g r o s o n ã o
P r e d it iv o s e s t e ja lig a d o à r e i v in d ic a ç ã o d a v e r d a d e . D e o u t r a
fo r m a , p o d e r ia s e r v is to c o m o r e s u lt a d o d o a c a s o .
Ligados a uma reivindicação da verdade. N e m t o ­ P or e x e m p lo , se u m fa lso m e s t r e e s tiv e s s e e n s in a n d o
d o s o s e v e n to s e s tã o lig a d o s a r e iv in d ic a ç õ e s d a v e r ­ à s m a r g e n s d o m a r d a G a lilé ia e n q u a n to J e s u s a n d a ­
d a d e . N ã o h o u v e n e n h u m a re iv in d ic a ç ã o d a v e r d a d e v a s o b r e a s á g u a s , o a n d a r d e J e s u s n ã o t e r ia s id o
d a q u a l o s a to s d a c ria ç ã o s ã o e v id ê n c ia . E n e n h u m a c o n fir m a ç ã o d a s p o s iç õ e s d o fa ls o m e s t r e .
liç ã o fo i e n s in a d a p e lo t r a s la d a ç ã o d e E n o q u e a o céu E m v á ria s o c a s iõ e s n a B íb lia, Je su s e o u tro s p ro fe ta s
(G n 5 ), p e la s p r a g a s s o b r e o rei q u e t o m o u a e s p o s a d e p r e d is s e r a m e fiz e ra m m ila g re s q u e c o n fir m a r a m s u a s
A b r a ã o (G n 12), p e lo m a n á d o c é u (Ê x 16), p e lo s fe ito s re iv in d ic a ç õ e s. Je su s p ro fe tiz o u su a re ssu r re iç ã o d e s d e
s o b r e n a tu r a is d e S a n s ã o (Jz 1 4 — 16) o u p e la r e s s u r ­ o c o m e ç o d e se u m in isté rio (M t 12.40; 1 7 .2 2 ,2 3 ; 2 0 .1 8 ,1 9 ;
re iç ã o d o h o m e m q u e to c o u o s o s s o s d e E lise u (2 R s Jo 2 .1 9 -2 2 ). Ele p ro fe tiz o u e x p lic itam e n te a re ssu r re iç ã o
1 3 ). A m a io r ia d o s m ila g r e s e s tá lig a d a a u m a p e s s o a c o m o “ s i n a l ” ( m il a g r e ) d e s u a s r e iv in d ic a ç õ e s (M t
q u e , c o m is s o , é c o n fir m a d a c o m o p r o fe t a d e D e u s. 1 2 .3 9 ,4 0 ). U m a vez Je su s p rev iu e n fa tic a m e n te q u e u m
M a s e s s e s a to s n ã o tê m v a lo r a p o lo g é t ic o d ir e to s e m m ila g r e s e r ia e v id ê n c ia d e s u a r e iv in d ic a ç ã o d e s e r
a r e iv in d ic a ç ã o e s p e c íf ic a d o c a r á t e r p r o f é t ic o d o o M e s s ia s : “ ‘M a s, p a r a q u e v o c ê s s a ib a m q u e o F ilh o
m e n s a g e ir o e d a m e n s a g e m d a p a r t e d e D e u s . d o h o m e m te m n a t e r r a a u t o r i d a d e p a r a p e r d o a r
Verdadeiramente sobrenaturais. U m m i l a g r e é p e c a d o s 1 — d is s e a o p a r a lític o — eu lh e d ig o : le v a n -
v e r d a d e ir a m e n t e s o b r e n a t u r a l, e n ã o a n o m a l ia , m á ­ te -se , p e g u e a s u a m a c a e v á p a r a c a s a 1” (M c 2 .1 0 ,1 1 ).
g ic a (v. milagres , magica E ),c u r a p s i c o s s o m á t i c a (v. N o a i , o s m ila g r e s g e r a lm e n te e r a m a n u n c ia d o s
cura psicossomática ), n e m m e s m o u m a to e s p e c ia l c o m a n t e c e d ê n c ia . E lia s p r o f e t iz o u q u e o fo g o d o
d e p r o v id ê n c ia . N e n h u m d e le s e n v o lv e in t e r v e n ­ cé u c o n s u m ir ia o s a c r ifíc io (T R s 1 8 .2 2 s .). M o is é s p r o ­
ç ã o r e a lm e n t e s o b r e n a t u r a l. T o d o s p o d e m s e r e x ­ m e t e u ju l g a m e n t o s s o b r e n a t u r a i s d e D e u s s o b r e o
p lic a d o s p o r m e io s n a tu r a is, a in d a q u e à s v e z e s E g ito (Ê x 4 .2 1 - 2 3 ) . M o is é s a n u n c io u q u e o c a ja d o
b e m in c o m u n s e u s a d o s p o r D e u s . U m a c a r a c t e r ís ­ flo r e s c e r ia (N m 1 7 .5 ) e q u e o r e b e ld e C o rá s e r ia ju l ­
tic a d e u m e v e n to s o b r e n a tu r a l é q u e ele é im e d ia to , g a d o (N m 1 6 .2 8 - 3 0 ).
n ã o g r a d u a l. É u m e v e n to ir r e g u la r e n a t u r a lm e n te Conclusão. O p r ó p r io F lew n ã o a fir m o u q u e s e u
n ã o - r e p e tív e l. É s e m p r e b e m - s u c e d id o q u a n d o r e a ­ a r g u m e n t o e lim in a a p o s s i b i l i d a d e d e m ila g r e s . N a
liz a d o p o r D e u s o u u m a p e s s o a q u e ele c a p a c it a . v e r d a d e , ele a c r e d it a q u e s u a s c o n c lu s õ e s d e b ilit a m
Singular. H u m e a r g u m e n t o u q u e u m e v e n to s u ­ s e r ia m e n te a a p o lo g é t ic a c r is t ã (v. c l ás sic a , a p o l o g é t ic a ;
p o s t a m e n t e s o b r e n a t u r a l n ã o p o d e a p o ia r u m a r e i­ h i s t ó r i c a , a p o l o g é t i c a ). S e o s m ila g r e s n ã o p o d e m s e r

v in d ic a ç ã o r e lig io s a se u m a r e iv in d ic a ç ã o c o n t r a ­ id e n t ific a d o s c o m o e v e n to s s o b r e n a t u r a is , n ã o tê m
d it ó r ia é fe ita p o r o u tr o q u e p o d e fa z e r o m e s m o d e v a l o r a p o l o g é t i c o r e a l. U m e v e n t o s i m p l e s m e n t e
m ila g re s n a B íb lia 590

in c o m u m n a n a t u r e z a n ã o p o d e p r o v a r n a d a a lé m foi-nos confirmada pelos que aouviram. Deus também deu


d a n a tu r e z a . T o d a v ia , a a p o lo g é t ic a c r is t ã p o d e e v i­ testemunho dela por meio de sinais, maravilhas, diversos mi­
t a r e s s e p r o b le m a , q u e r p r e s s u p o n d o a e x is t ê n c ia lagres edons do Espírito Santo distribuídos de acordo com
d e D e u s q u e r o f e r e c e n d o e v id ê n c ia in d e p e n d e n t e a sua vontade.
d e m ila g r e s p a r a a e x is t ê n c ia d e le . E n q u a n to h o u v e r
u m D e u s c a p a z d e ag ir, a to s e s p e c ia is d e D e u s ( m il a ­ Os milagres são a maneira de Deus dar crédito a
g r e s ) s ã o p o s s ív e i s e id e n tific á v e is . A ú n ic a m a n e ir a seus mensageiros. O milagre é ato de Deus que con­
d e r e fu ta r e s s a p o s s ib il id a d e é r e fu ta r a p o s s i b i l i d a ­ firm a que a m ensagem é verdadeira, substancia o
d e d a e x is t ê n c ia d e D e u s . M a s ta is t e n t a t iv a s s ã o n o ­ sermão e comprova a Palavra de Deus (v. milagres,
t o r ia m e n te m a l- s u c e d id a s e in c o e re n te s (v. D e u s , s u ­ VALOR APOLOGÉTICO DOS).
postas REFUTAÇÕES DE). Quando Corá desafiou a autoridade divina de
A lé m d e o s m ila g r e s p o d e r e m c o n fir m a r u m a r e i­ Moisés, Deus confirmou Moisés ao abrir a terra para
v in d ic a ç ã o d a v e rd a d e , o s m ila g r e s b íb lic o s (v. m i l a ­ engolir Corá (Nm 16). Quando Israel hesitou entre o
g r e s na B í b l i a ) c u m p r e m t o d o s o s c r it é r io s q u e o s deus Baal e lavé, Deus confirmou Elias em lugar dos
t o r n a m a p o lo g e t ic a m e n t e v a lio s o s . C o m o d e m o n s ­ profetas de Baal ao mandar fogo do céu para consumir
t r a d o a n t e r io r m e n t e , n e n h u m a o u t r a r e lig iã o n e m os sacrifícios. Elias havia orado: “Que hoje fique co­
q u a lq u e r r e in v in d ic a ç ã o d a v e r d a d e o p o s t a s a o c r i s ­ nhecido que tu és Deus em Israel e que sou o teu
t ia n is m o d e r a m e x e m p lo s c o m p r o v a d o s d e e v e n to s servo e que fiz todas estas coisas por ordem tua”
r e a lm e n te s o b r e n a tu r a is (v. C r i s t o , divin d a d e d e ). P o ­ (lR s 18.36).
d e m o s c o n c lu ir q u e o s m ila g r e s b íb lic o s , e s o m e n te Em milagres Jesus foi, ao mesmo tempo, confir­
e le s, a p o ia m a s r e iv in d ic a ç õ e s d a v e r d a d e d e C risto mado e revelado. O líder religioso Nicodemos disse a
e d o s p r o f e t a s b íb lic o s . S o m e n t e o c r is t ia n is m o é a Jesus: “Sabemos que ensinas da parte de Deus, pois
r e lig iã o s o b r e n a tu r a lm e n t e c o m p r o v a d a (v. r e l i g iõ e s ninguém pode realizar os sinais m iraculosos que
MUNDIAIS E CRISTIANISM O). estás fazendo, se Deus não estiver com ele” (Jo 3.2).
Muitas pessoas o seguiam porque viam os sinais que
Fontes ele fazia com os doentes (Jo 6.2). João disse sobre o
A gostinho, A cidade de Deus (21.8). primeiro milagre registrado de Jesus: “Revelou assim
A. FLE\v,“Miracles”, e p . a sua glória, e os seus discípulos creram nele” (Jo 2.11).
N. L. Geisler, Christian apologetics. João disse que escreveu sobre os milagres de Jesus
___ Miracles and the rnodern mind. “para que vocês creiam que Jesus é o Cristo, o Filho de
C. S. L ewis, Milagres. Deus” (Jo 20.31). Os apóstolos tinham confiança ao
J. L ocke, Reasombleness o f Christianity. proclamar que “Jesus de Nazaré foi aprovado por Deus
B. RussELL,“What is an agnostic?”, L o o k , 1953. diante de vocês por meio de milagres, maravilhas e
R. Swinburne, M i r a c l e s . sinais que Deus fez entre vocês por intermédio dele,
T omás de A quino, S u m a c o n tr a os g e n tio s , L iv ro 3. como vocês mesmos sabem”.
C. V an T il , D e f e n s e o f t h e fa it h . Os milagres eram as credenciais apostólicas na
B. B. W arfield, C o u n t e r fe i t m ir a c le s . igreja primitiva. Paulo afirmou que os sinais do ver­
dadeiro apóstolo foram manifestos entre os coríntios
milagres de Jesus. V. m il a g r e s na B íblia . (2Co 12.12). Ele e Barnabé relataram aos apóstolos
“todos os sinais e maravilhas que, por meio deles,
milagres na Bíblia. N o s e n tid o a m p lo d o te rm o mi­ Deus fizera entre os gentios” (At 15.12).
lagre, to d o e v e n to c a u s a d o s o b r e n a t u r a lm e n t e d e s ­ Sinais, p r o d íg io s e p o d e r A Bíblia usa três pa­
c rito n a s E s c r it u r a s é m ir a c u lo so . M a s a s E s c r it u r a s lavras básicas para descrever um milagre: sinal, p ro ­
t a m b é m u s a m o c o n c e ito n u m s e n t id o m a is lim i t a ­ dígio e poder. Cada um a das palavras tem uma
d o e té c n ic o . E m e v e n to s s o b r e n a t u r a is d o p a s s a d o conotação que revela a idéia com pleta dos m ila­
(e e v e n to s p r e v is t o s p a r a o fu tu r o ), u m s in a l a n o r ­ gres bíblicos (v. milagre ).
m a l e x te rn o c o n fir m a u m a m e n s a g e m d e D e u s. “Sinal”. Apesar de a palavra hebraica para sinal
T a lv e z o te x to d e f in it iv o d o x t s o b r e m i l a g r e s (’ôt) às vezes ser usada para referir-se a coisas natu­
s e ja H e b r e u s 2 .3 ,4 : rais tais como estrelas (Gn 1.14) ou o sábado (Êx 31.13),
ela geralmente tem um significado sobrenatural, algo
Como escaparemos, se negligenciarmos tão grande sal­ determinado por Deus com uma mensagem especial
vação? Esta salvação, primeiramente anunciada pelo Senhor, designada a ela (v. milagres, valor apologético dos).
591 m ila g re s n a B íb lia

A prim eira ocorrência do conceito aparece na (Jz 6 .1 7 ). Deus respondeu com fogo milagroso que
predição divina dada a Moisés de que Israel seria consumiu a oferta (v. 21). Deus confirmou a si mesmo
liberto do Egito para servir a Deus em Horebe. Deus a Eli por previsões milagrosas sobre a morte de seus
disse: “Eu estarei com você. Esta é a prova de que filhos (ISm 2.34). Sinais proféticos confirmaram a de­
sou eu que o envia” (Êx 3.12). Quando Moisés disse signação do rei Saul por Deus (ISm 10.7, 9). Isaías fez
a Deus: “E se eles não acreditarem em m im nem previsões como sinais de sua mensagem divina (Is 7.14;
quiserem me ouvir?” (Êx 4 .1 ), o Senhor providen­ 38.22). Vitórias sobre inimigos foram chamadas “sinais”
ciou dois “sinais”: seu cajado se transform ou numa (ISm 14.10). Sinais confirmaram curas (Is 38.7,22) e
serpente (Êx 4.3) e sua mão se tornou leprosa (Êx acompanharam julgamento (Jr 44.29).
4 .6 ). “Isso é para que eles acreditem que o Deus No nt, sinal (semeion) é usado 77 vezes (48 vezes
dos seus antepassados, o Deus de Abraão, o Deus nos evangelhos). É ocasionalmente usado para even­
de Isaque, o Deus de Jacó, apareceu a você” (4.5). tos comuns, tais como a circuncisão (Rm 4.11), e para
M oisés fez os sinais, e o povo creu (4 .3 0 ,3 1 ). Deus um bebê envolvido em faixas (Lc 2.12). Esses sinais
deu outros sinais, — as pragas, com o testem unho têm significado divino especial. Geralmente a palavra
aos egípcios: “E os egípcios saberão que eu sou o é reservada para o que chamaríamos milagre. É usada
S en h or , quando eu estender a m inha mão contra o quando Jesus curou (Jo 6.2; 9.16), transformou água
Egito e tirar de lá relação aos milagres de Cristo (Mt em vinho (Jo 2.11) e ressuscitou os mortos Qo 11.47).
13.58), ao nascimento virginal de Cristo (Lc 1.35), ao Da mesma forma, os apóstolos fizeram milagres de
derramamento do Espírito Santo em Pentecostes (At cura (At 4 .1 6 ,3 0 ),“grandes sinais e milagres que eram
1.8), ao “poder” do evangelho para salvar pecadores realizados” (At. 8.13) e “sinais e maravilhas” (At 14.3;
(Rm 1.16), ao dom especial de milagres (IC o 12.10) e 15.12); pois “muitos maravilhas e sinais eram feitos
ao poder de ressuscitar os mortos (Fp 3.10). A ênfase pelas dos apóstolos” (At 2.43). Até as autoridades ju ­
da palavra está no aspecto da energização divina do daicas disseram: “Que faremos com esses homens?
evento milagroso. Todos os que moram em Jerusalém sabem que eles
Repetidamente o propósito da ocorrência sobre­ realizaram um milagre notório que não podem os
natural é dado como um “sinal” duplo: “Nisto você negar” (At 4.16).
saberá que eu sou o S enhor ” ( Ê x 7.17; cf. 9.29-30; 10.1,2) A palavra “sinal” também é usada para o milagre
e que esse era “meu povo” (Êx 3.10; cf. 5.1; 6.7; 11.7). mais importante no nt , a ressurreição de Jesus Cristo
Várias afirmações sobre sinais aparecem no con­ dos mortos. Jesus disse que sua geração incrédula ve­
texto do livramento de Deus em favor do seu povo, ria o sinal “do profeta Jonas”. Como Jonas havia fica­
tirando-o do Egito. Deus reclamou para Moisés no do no ventre do peixe durante três dias e três noites,
deserto, dizendo: “Até quando este povo me tratará “o Filho do Homem ficará três dias e três noites no
com pouco caso? Até quando se recusará a crer em coração da terra” (Mt 12.39,40). Jesus repetiu essa pre­
mim, apesar de todos os sinais que realizei entre eles?” dição da sua ressurreição quando lhe pediram um
(Nm 14.11; cf. v. 22). Moisés desafiou Israel: “Pergun­ sinal em Mateus 16.1,4. Além de a ressurreição ser um
tem, agora, aos tempos antigos [...] ou que um deus milagre, ela tam bém transm itia uma mensagem de
decidiu tirar uma nação do meio de outra para lhe Deus (Jo 2.19).
pertencer, com provas, sinais, maravilhas e lutas” (Dt “Prodígio” Muitas vezes as palavras sinais e pro­
4.32,34). Moisés lembrou o povo: “O Senhor realizou, dígios são usadas juntas no at para os mesmos even­
diante dos nossos olhos, sinais e maravilhas grandio­ tos (Êx 7.3; cf. Dt 4.34; 7.19; 13.1,2; 26.8; 28.46; 29.3;
sas e terríveis contra o Egito e contra o faraó e toda a 34.11; Ne 9.10; SI 135.9; Jr 32.20,21). Outras vezes a
sua família” (Dt 6.22). “Por isso o Senhor nos tirou do Bíblia descreve como “prodígios” eventos que são
Egito com mão poderosa e braço forte, com feitos descritos em outras passagens como “sinais” (Êx 4.21;
temíveis e com sinais e maravilhas” (Dt 26.8; cf. 29.2,3; 11.9,10; SI 78.43; 105.27; Jl 2.30). Às vezes a palavra é
Js 24.17; Ne 9.10; SI 105.27; Jr 32.20,21). usada para um “sinal” natural (Ez 24.24) ou um coisa
Em todo o AT Deus realiza “sinais” miraculosos. singular que um profeta fez para deixar clara a sua
Sinais confirmam profeta como porta-voz de Deus. mensagem (Is 20.3). A palavra prodígio (môfét) ge­
Como foi observado, M oisés recebeu credenciais ralmente tem significado sobrenatural (divino).
miraculosas (Êxodo 3 e 4). Gideão pediu a Deus: “dá- A palavra grega teras significa “um sinal m ira ­
me um sinal de que és tu que está falando comigo” culoso, prodígio, portento, presságio, m aravilha”
m i l a g r e s n a B íb lia 592

(Brown, 2.633). Ela carrega consigo a idéia daquilo povo de Deus ( “prodígio” ) para a Palavra de Deus
que é maravilhoso ou surpreendente (ibid., 623-5). (por meio de um "sinal” ).
Em 16 das 17 ocorrências no \t , a palavra "prodígios” Os propósitos do milagre são:
é usada juntamente com a palavra "sinal”. Ela des­
creve os milagres de Jesus ( Jo 4.48; At 2.22), os m ila­ 1. Glorificar a natureza de Deus (Jo 2.11; 11.40);
gres dos apóstolos (At 2.43; 14.3; 15.12; Rm 15.19; Hb 2. confirmar certas pessoas como mensageiras
2.3,4), os milagres de Estevão (At 6.8) e os milagres de Deus (At 2.22; Hb 2.3,4); e
de Moisés no Egito (At 7.36). Ela conota eventos so­ 3. dar evidência para a cren ça em Deus (Jo
b re n a tu ra is an tes da segu nd a vind a de C risto 6.2,14; 20.30,31).
(Mt 24.24; Mc 13.22; At 2.19).
“Poder” “Poder” (Kôah) às vezes é usado para po­ Nem todas as testemunhas do milagre crêem nele.
der humano no at (Gn 3 1 .6; Dt 8.17; Na 2 . 1). Mas geral­ Nesse caso, o milagre é um testemunho contra os que
mente é usado para poder divino, inclusive o poder rejeitam essa evidência. João lamentou: “Mesmo de­
criador de Deus: Eoi Deus quem fez a terra com o seu pois que Jesus fez todos aqueles sinais miraculosos,
poder” (Jr 10.12; 27.5; 32.17; 51.15). O “poder” de Deus não creram nele” (Jo 12.37). O próprio Jesus disse so­
vence seus inimigos (Êx 1 5 .6 ,7 ), livra seu povo do Egi­ bre algumas pessoas: “Tampouco se deixarão conven­
to (Nm 14.17; cf.v. 13), governa o universo (1 Cr 29.12), cer, ainda que ressuscite alguém dentre os m ortos”
dá a Israel sua terra (SI 111.6) e inspira os profetas (Lc 16.31). Um resultado, mas não o propósito, dos
(Mq 3.8). De modo geral, o poder está diretamente milagres é a condenação do incrédulo (v. Jo 12.31,37).
ligado a eventos chamados “sinais” ou “prodígios”, ou
a ambos (Êx 9 . 16; 3 2 . 11; Dt 4 .3 7 ; 2 Rs 1 7.36; Xe 1.10). Às R eferên cia s b íb lica s a m ilag res . Cerca de 250
vezes palavras hebraicas que denotam poder são usa­ o co rrê n cia s nas E scritu ra s p reenchem a d e fin i­
das no mesmo versículo com “sinais e prodígios”. ção restrita de sinal, prodígio e poder. Como m ui­
Moisés fala do livramento de Israel “com provas, si­ tas p a ssa g en s re fe re m -s e a ato s so b re n a tu ra is
nais, maravilhas e lutas, com mão poderosa e braço m últiplos, o num ero de eventos m iracu losos re ­
forte” (Dt. 4.34; cf. 7.19; 26.8; 34.12). ais é m aior que o núm ero de referências relacio­
“Poder” ( dynamis) às vezes é usado no xt para nadas. Além disso, a Bíblia geralm ente refere-se a
referir-se a poder humano (2Co 1.8), a capacidades eventos singulares que com binam vários m ilagres.
humanas (Mt 25.15) ou a poderes demoníacos (Lc. Dez leprosos foram curados (Lc 17.12-14), assim
10.19; Rm. 8.38). Como seu equivalente no at, o termo como todos ou a maioria dos doentes numa cidade
do n t geralm ente é traduzido com o “m ila g res” . (M t 9.35).
Dunamis é usado em combinação com “sinais e m a­
ravilhas” (Hb 2.4), com relação aos milagres de Cristo Gênesis
(Mt 13.58), ao nascimento virginal de Cristo (Lc 1.35), 1 Criação de todas as coisas.
ao derramamento do Espírito Santo em Pentecostes
(At 1.8), ao “poder” do evangelho de salvar pecadores 5 19 .2 4 Trasladação de Enoque para
estar com Deus.
(Rm 1.16), ao dom especial de milagres (IC o 12.10) e
ao poder de ressuscitar os mortos (Fp 3.10). A ênfase 7.9-12,17-24 Dilúvio.
da palavra está no aspecto da energização divina do
11.1,5-9 julgamento na Torre de Babel.
evento milagroso.
Natureza bíblica do milagre. As três palavras que as 12.10- 20; 17.15-19; Pragas sobre faraó por tomar
Escrituras usam para descrever milagre ajudam a deli­ 18.10- 14 a esposa de Abraão.
near o significado dos milagres mais precisamente. Cada
19 9-11 Sodomitas acometidos de
uma das três palavras para eventos sobrenaturais
cegueira.
{sinal, prodígio, poder) descreve um aspecto do mila­
gre. Do ponto de vista humano, o milagre é um evento 19.15-29 Sodoma e Gomorra destruídas.
incomum (“prodígio”) que transmite e confirma uma
m ensagem incom um ( “sinal” ) por m eio de poder 19.24-26 Esposa de ló transformada em sal.
incomum (“poder”). Do ponto de vista divino, o m i­
21.24-26 Sara concebe Isaque.
lagre é ato de Deus (“poder”) que atrai a atenção do
593 m i l a g r e s n a B íb lia

Êxodo 17.8 O cajado de Arão floresce.


3.1-15 A sarça ardente. 20.7-11 Moisés fere a rocha para obter
O cajado de Moisés é transformado água.
4.1-5
em serpente e restaurado. A cura por meio da serpente de
21.6-9
bronze.
Mão de Moisés se torna leprosa
4.6,7
é restaurada. 22.21-35 A jumenta de Balaão fala.
O cajado de Arão é transformado Josué
7.10-12 em serpente, que engole as serpen­ 3.14-17 As águas do Jordão são divididas.
tes dos magos. O encontro de Josué com o ser
5.13-15
7.19-24 Agua transformada em sangue. angelical.
8.5-7; 12, 13 A praga dos sapos no Egito. 6 A queda de Jerico.
8.16-18 A praga dos piolhos no Egito. 10.12-14 O sol de detém em Gibeão.
8.20-24 A praga das moscas no Egito. Juízes
9.1-7 O gado egípcio morre de doença.
2.1-5 O Anjo do Senhor aparece a
9.8-11 Úlceras nos egípcios e seus Israel.
animais. Espírito do Senhor vem sobre
3.8-11
9.22-26 Tempestade de trovão, granizo Otoniel.
e fogo. Sangar mata seicentos com uma
3.31
10.3-19 A praga de gafanhotos no Egito. aguilhada de bois.
6.11-24 O Anjo do Senhor aparece a
10.21-23 A praga de trevas cobre os
Gideão.
egípcios.
6.36-40 O sinal da lã de Gideão.
12.29,30 Os primogênitos humanos e de 7.15-25 Deus entrega Midiã nas mãos de
animais do Egito são mortos. Gideão.
13.21,22 A coluna de fogo guia Israel. 13.3-21 O Anjo do Senhor aparece a
Manoá.
14.19,20 O Anjo protege Israel dos
14.5,6 Sansão mata o leão.
egípcios.
15.14-17 Sansão mata mil filisteus com uma
14.21-29 O mar é aberto para Israel poder
queixada de jumento.
passar.
16.3 Sansão carrega o portão de
15.23-25 As águas amargas de Mara tornam- uma cidade.
se doces. 16.27-31 Sansão causa a queda do
16.12,13 Codornas cobrem o acampamento templo de Dagom
de Israel.
É providenciado maná para 1 Samuel
16.1 4,1 5 Israel comer. 3.2-10 A voz de Deus chama Samuel.
17.5,6 Água é tirada da rocha. 5.1-5 O deus Dagom é derrubado.
17.8-16 A vitória sobre Amaleque. Asdode é ferida com tumores.
5.6-12
19.16-18 Fogo e fumaça cobrem o 6.19 Deus fere homens de Bete-Semes.
monte Sinai.
19.19-25 Deus fala com Moisés no Sinai. 2 Samuel
20.1-17 Deus dá a lei 6.6,7 Uzá morre depois de tocar na arca.
Levítico 1 Reis
9.23,24 Fogo consome o holocausto. Deus dá a Salomão grande sabedoria,
3.3-28
10.1-7 Julgamento de Nadabe e Abiú.
Números 17.1 A seca de três anos julga Israel.
11.1,2 Fogo consome os israelitas 17.2-6 Corvos alimentam Elias.
murmuradores 17.8-16 Uma viúva recebe farinha e óleo.
12.10-15 Miriã fica leprosa e é curada. 17.17-24 Elias ressuscita o filho da viúva.
16.28-33 Julgamento de Corá e dos rebeldes.
18.17-38 Fogo consome o sacrifício de Elias
16.35 Fogo consome os rebeldes que
no monte Carmelo.
ofereceram incenso.
16.46-48 Praga impedida pela oferta
18.41-46 Elias ora e Deus manda chuva.
de incenso.
m i l a g r e s n a B íb lia 594

19.5- 8 Elias é alimentado pelo anjo do 5.5, A escrita na parede.


S enhor. 6.16-23 Daniel é salvo dos leões.
7.1 — 8.1 4 As visões de Daniel.
2R e is
9.20-27 Visões de Daniel das setenta
1.9- 15 Fogo do céu consome soldados.
semanas.
2.7,8 Elias abre as águas do Jordão.
1 0 .1 — 1 2 .1 3 Outras visões de Daniel.
2.11 Elias é levado ao céu em carruagem
de fogo.
Jonas
2.13,14 Eliseu abre as águas do Jordão.
2.19-22 Eliseu abre as águas em Jericó. A tempestade divina
2.24 Os jovens mortos por ursas. impede a fuga de Jonas.
3.15-20 As covas ficam cheias de água. 1.17 O grande peixe enviado por
4.1- 7 As vasilhas da viúva ficam cheias de Deus engole Jonas.
óleo. 4.6 A planta cresce para fazer
4.8-17 Mulher sunamita dá à luz um filho. sombra para Jonas.
4.32-37 Eliseu ressuscita um morto. 4.7 O verme destrói a planta.
4.8 Deus envia vento oriental.
Eliseu torna comestível a comida
4.38-41
venenosa.
Uma centena é alimentada com
4.42-44 Lucas Descrição
pães e grãos, Mateus Marcos João

5.1- 14 Naamã é curado da lepra.


2.1-11 Água transforma­
5.27 Geazi é julgado com lepra.
da em vinho.
6.5- 7 O machado de ferro flutua na água.
A visão de cavalos e carruagens de 4.46 O filho do nobre
6.16,17 fogo. é curado.
O exército sírio é atingido por
6.18 Jesus escapa da
cegueira. 4.30
multidão.
6.19,20 Deus abre os olhos dos sírios. 5.6 Pescaria farta.
1.23 4.33 O espírito
Um homem morto ressuscita pelo
13.20,21 imundo é
contato com os ossos de Eliseu.
expulso.
20.9- 11 O relógio de sol de Acaz retrocede.
8.14 1.30 4.38 Sogra de Pedro
Jó é curada.
Deus fala do meio de um
38— 42.6 8.16 1.32 4.40 Doentes são
redemoinho
curados
Isaías
8.2 1.40 5.12 Um leproso é
Visão de Isaías com relação a
1.1
Jerusalém. curado.
9.2 2.3 5.18 Um coxo é
6 Visão do S e n h o r por Isáias.
curado.
Ezequiel 5.9 Um homem
1 Ezequiel tem uma visão da enfermo é
glória de Deus. curado.
A mão seca é
Daniel 12.9 3.1 6.6
restaurada.
2.26-45 Daniel relata e interpreta o sonho
12.15 3.10 Doentes são
de Nabucodofornalha.
curados.
3.14-30 O livramento da fornalha

4 O juízo e a restauração de
Nabucodonosor.
595 m i l a g r e s n a B íb lia

7.11 O filho da viúva A moeda na


17.24
é ressuscitado. boca do peixe.

8.5 7.1 O servo do cen-


turião é curado. 9.1 A cego de nas­
cença é curado.
7.11 O Filho da viúva
é ressuscitado. 11.14 Um surdo-mudo
endemoninhado
O demônio é é curado.
12.22
expulso do cego
13.11 A mulher enfer­
mundo
ma é curada.

8.23 4.35 8.22 A tempestade é 14.1-4 O homem hidró-


cessada. pico é curado.

11.43 Lázaro é ressus­


8.28 5.1 8.26 Demônios
citado.
expulsos entram
nos porcos. 17.11 Dez leprosos
são purificados.
9-18- 5.22-35 8.40-49 A filha de 20.30 10.46 18.35 Dois cegos são
23 um líder curados.
é ressuscitada. 21.18 11.12 A figueira seca.
22.51 Orelha do servo
9.20 5.25 8.43 A mulher com
é restaurada.
hemorragia é
28 16.1-8 24 20 Jesus ressuscita
curada.
dos mortos.
Cegos são
9.27 Um anjo rola a
curados. 28.1-7
pedra e
Demônio é
9.32 anuncia a
expulso do
ressurreição.
surdo-mudo.
14.13 6.30 9.10 6.1 Cinco mil são 28.5-8 16.5-7 24.4-8 Um anjo apa­
alimentados. rece no túmulo.
14.25 6.48 6.19 Jesus anda 20.11-13 Anjos aparecem
sobre a água. a Maria.

14.36 6.56 Doentes são Jesus aparece a


16.9 20.14-17
curados em MariaMadalena.
Genesaré.
28.9,10 Jesus aparece
15.21 7.24 Filha de um para mulheres.
gentio é curada.
16.12 24.13­ Jesus aparece
7.31 Um surdo-mudo 35 no caminho
é curado. para Emaús.

15.32 8.1 Quatro mil são 20.19-23 Jesus aparece


alimentados. para dez.

16.14- 24.36­ 20.26­ Jesus aparece


8.22 Um cego e para­
18 48 31 para os onze.
lítico é curado.
Jesus aparece
21.1-25
17.1-8 9.2-8 9.28-36 Transfiguração para sete.
de Jesus.
21.6 Pesca milagrosa.
Menino
17.14 9.17 9.38
e p lé p tico 28.16- 16.15- Jesus aparece
é curado. 20 18 aos apóstolos
m i l a g r e s n a B íb lia 596

Atos 6.13 As estrelas caem do céu.


1.3-5 Jesus aparece e fala com os apóstolos 6.14 As montanhas são movidas de seu
(Lc 24.49-51,). lugar.
1.6-9 Jesus ascende ao céu. Saraiva, togo e sangue caem na
8.7
1.10,11 Anjos aparecem para os apóstolos.
terra.
2.1-4 O Espírito Santo enche os apóstolos.
8.8 Uma montanha é lançada no mar. Um
2.4-13 Os apóstolos talam em outras línguas.
Pedro cura o coxo no templo. terço do mar se transforma em sangue.
3.1-11
5.5-10 Ananias e Safira morrem. 8.9 Um terço das criaturas do mar morre.
5.12 Sinais e prodígios dos apóstolos. 8.9 Um terço dos nav ios é destruído.
5.18-20 Os apóstolos são libertos da prisão. 8.10,11 Uma estrela cai e um terço dos rios
7.55,56 Estêvão vê Jesus com Deus. e fontes fica amargo.
8.7 Espíritos impuros expulsos. 8.12 Um terço do sol escurece.
8.13 Filipe faz milagres e sinais. Um terço da lua escurece.
8.12
8.14-17 Os samaritanos recebem o Espírito
8.12 Um terço das estrelas escurece.
Santo.
9.1 Uma estrela cai do céu.
8.39,40 Filipe é arrebatado pelo Espírito Santo.
Jesus aparece para Saulo (v. 1Co 15.8). 9.2 O Sol é escurecido por fumaça do
9.3-7
Jesus aparece para Ananias. abismo.
9.10-16
9.17-19 A visão de Saulo é restaurada. 9.3-11 Praga de gafanhotos.
9.32-34 Pedro cura Enéas. 9.18 Um terço da humanidade morre.
9.36-42 Dorcas é ressuscitada dos mortos. 11.5 As duas testemunhas destroem ini­
10.1-8 Cornélio recebe uma visão. migos com fogo de suas bocas.
10.9-16 Pedro recebe uma visão três vezes. As duas testemunhas impedem a
11.6
10.44-48 Uma família gentílica recebe o Espírito
chuva.
Santo.
11.6 As duas testemunhas transformam
12.7-10 Um anjo liberta Pedro da prisão.
água em sangue.
12.23 Um anjo mata Herodes.
Elimas, o mágico, fica cego. 11.6 As duas testemunhas invocam pragas.
13.8-11
14.8-10 Paulo cura o aleijado de Listra. 11.11 As duas testemunhas ressuscitam.
16.16-18 Paulo expulsa o demônio de uma jovem. 11.12 As duas testemunhas ascendem ao
16.25,26 Um terremoto abre as portas da prisão. céu.
18.9,10 Paulo recebe uma visão. 11.13 Um terremoto destrói um décimo
19.6 Crentes efésios recebem o Espírito da cidade.
Santo.
11.19 Relâmpagos, vozes, trovão,
19.11,12 Paulo faz sinais incomuns.
terremoto e granizo.
20.9-12 Eutico é restaurado à vida.
16.2 Ulceras naqueles que adoram a besta.
23.11 Paulo recebe visão.
Paulo protegido da mordida de 16.3 O mar se transforma em sangue, e
28.3-6
uma víbora. tudo nele morre.
28.7,8 Paulo cura o pai de Públio. 16.4 Os rios e as fontes de água se transfor­
mam em sangue.
ICoríntios
16.8 O sol queima as pessoas.
15.6 Jesus aparece a quinhentas pessoas.
16.10 As trevas cobrem o reino da besta.
15.7 Jesus aparece para Tiago.
16.12 O rio Eufrates seca.
2Coríntios
16.18 Vozes, trovão e terremoto.
12.1-6 Visão do céu concedida a Paulo.
16.20 Ilhas e montanhas são destruídos.
Apocalipse
16.21 Pedras caem sobre as pessoas.
1.1— 3.22 Visão de Jesus concedida a João.
18.1-24 A Babilônia é derrubada.
4.1— 22.21 Visão do futuro concedida a João.
19.11-16 Jesus Cristo retorna.
6.12 O grande terremoto.
O sol escurece. 21.1 O novo céu e a nova terra aparecem.
6.12
6.12 A lua fica como sangue. 21.10 A nova Jerusalém desce.
597 milagres na Bíblia

Milagres do a t . Críticos negativos da Bíblia negam a É baseada numa visão equivocada de mito. A re­
autenticidade de todos os milagres na Bíblia. Essa con­ jeição de Lewis aos milagres do a t ó baseada numa
clusão não é baseada numa abordagem histórica, mas visão infundada de mito (v. m i l a g r e s , m i t o e ) . Segundo
numa abordagem filosófica baseada em pressuposi­ Lewis, a verdade aparece primeiro como mito e de­
ções anti-sobrenaturais. Há bons fundamentos para pois como história. Na verdade, o inverso é o verda­
aceitar a autenticidade dos milagres do n t . N o entanto, deiro, principalmente com relação a histórias pagãs
até alguns defensores dos milagres do n t têm questio­ em que deuses aparecem na terra, morrem e depois
nado a autenticidade de alguns relatos do a t . reaparecem em forma corporal. Foi demonstrado que
Num livro muito popular em defesa da possibili­ esses mitos pagãos provavelmente copiaram a morte
dade de milagres em geral e dos milagres do n t par­ e ressurreição de Cristo, em vez do contrário (v. divi ­
ticularmente, o próprio apologista C. S. L ewis relega nos,HISTÓRIAS DE NASCIMENTOS; FRASER, JAMES; RESSURREIÇÃO
muitos milagres do at ao âmbito do mito. Em Mila­ EM RELIGIÕES NÃO-CRISTÃS, REIVINDICAÇÕES DE). Além d ÍS S O ,
gres, escreveu: não há indicação na Bíblia de que Deus opera de tal
forma. Pelo contrário, a Bíblia condena os mitos (v.
M in h a a tu al p o siç ã o [...] s e ria q u e, a s s im c o m o , do lad o H m 1.3,4; 4.7; 2Tm 4.4). Todo conceito de mito que se
factu al, u m a lon ga p rep aração cu lm in a n a e n carn ação de D eus torna história é emprestado de uma posição crítica
n o H o m em , do lado d o cu m en tário a v erd ad e ap arece p rim eiro anti-sobrenatural, que o próprio Lewis condena (v.,
n a fo rm a m ític a e d e p o is, p o r u m lo n g o p r o c e s s o d e ê n fa se , por exemplo, God in the dock , cap. 16).
fin a lm e n te se e n c a rn a n a H istó ria . Os h e b re u s , co m o o u tro s É contrária ao monoteísmo do a t . Os milagres do at
p o v o s, tin h a m m ito lo g ia ; m a s, c o m o era m o p o v o e sco lh id o , se encaixam no conceito m onoteísta de Deus que
permeia todo o registro bíblico. O Deus teísta (v. teísmo)
su a m ito lo g ia era a m ito lo g ia esc o lh id a . A cred ito q u e as m e ­
é o Deus além do mundo que criou o mundo. Como
m ó ria s da co rte de D avi estão n u m ex trem o da escala e são u m
esse Deus teísta ama o que fez, é compreensível que
p o u co m en o s h is tó ric o s q u e são M a rco s ou A tos, e qu e o livro
interviesse a favor de criaturas necessitadas. O fato de
d e Jo n a s e stá n o o u tro e x tre m o (p . 1 3 9 ).
o a t registrar milagres se encaixa perfeitamente em
sua mensagem central (v. milagres na B íblia ).
Não há mais razão para rejeitar a autenticidade
É incoerente com o registro histórico. As histórias
de milagres no at que para rejeitar milagres no nt. A
de milagres do at são parte do mesmo registro his­
evidência é do mesmo tipo: documentos confiáveis
tórico que os eventos considerados história crono­
escritos por contem porâneos dos eventos. Na ver­
lógico-espacial. Não há nenhum a evidência de que
dade, o próprio n t fala de eventos miraculosos do a t
quaisquer m anuscritos desses textos jam ais tenham
com o históricos.
existido sem os registros dos milagres. Estão pre­
Evidência geral Demonstramos, em artigos rela­
sentes sem modificação nos textos mais antigos que
cionados, porque milagres são filosoficamente pos­
possuímos. Além disso, os milagres integram a his­
síveis (v. C0SM0LÓGIC0. argumento ; milagre ; moral em
tória e a mensagem que o at transm ite. Se remover­
FAVOR DA EXISTÊNCIA DE ÜEUS, ARGUMENTO; TELEOLÓGICO, A R ­
mos os eventos milagrosos de Gênesis 1 e 2, a m en­
GUMENTO). 0 Deus pessoal onipotente e bom que criou
sagem sobre o Criador desaparecerá. A história de
o mundo de criaturas pessoais à sua imagem pode
Noé e sua fidelidade numa época de incredulidade
fazer milagres. Ele fará isso se quiser com unicar-se
não faz sentido sem a intervenção de Deus para salvá-
com suas criaturas finitas, pois milagres são parte
lo e destruir o mundo com o Dilúvio. O chamado de
crucial de tal comunicação. Começando com a cria­
Israel e o livram ento do Egito são insignificantes
ção, que é o maior de todos os milagres, as Escritu­ sem a intervenção sobrenatural de Deus para reali­
ras revelam exatamente esse Deus (v. evolução cósmi­ zar essas coisas. Os milagres de Elias, Eliseu e Jonas
ca ;k a l a m , a r g u m e n t o cosMOLóGico). Evidências histó-
são inseparáveis do teor da história que registram.
ricas dem onstram persuasivam ente que m ilagres É contrária ao uso do a t no at. As referências do
ocorreram no nt (v . milagres , argumentos c o n t r a ). n t aos milagres do at pressupõem sua natureza his­
Como Deus e o plano redentor do at e nt são os tórica. A criação do mundo não é apenas citada re­
mesmos, há toda razão para esperar que os milagres petidamente no nt , mas os eventos e pessoas envol­
registrados no at sejam autênticos. vidas tam bém são considerados históricos. Adão e
Evidência específica. A rejeição de Lewis de alguns Eva são mencionados como figuras históricas mui­
milagres do at é incoerente, fundada em pressuposi­ tas vezes noNT(Mt 19.4; ICo 11.8,9; lT m 2 .1 3 ,1 4 ).E m
ções falhas, contrárias à evidência histórica, e que não Romanos 5.12 a inferência é inconfundível: por um
estão de acordo com o uso do a t no n t . só hom em entrou o pecado no mundo. Em Lucas
Mül, John Stuart 598

3 .3 8 , A dão é in clu íd o na g e n e alo g ia de Jesu s. D a m e s ­ ____ , Miracles and the modem mind, A pên dice b

m a fo rm a , A d ão é c h a m a d o o “p r im e ir o h o m e m ” C. S. Lewis, God in the dock.


em c o m p a ra ç ã o d ire ta co m C risto , q u e é o “ ú ltim o ____ , Milagres.
A dão” (1 Co 15.45). H. Lockyer, AUthe miracles in the Bible.
E v en to s s o b re n a tu ra is no at sã o a b a s e p a ra o
e n s in a m e n to do n t . Je s u s c o m p a r o u a v e rd a d e d e M ill, J o h n S tu a r t (1 8 0 6 - 1 8 7 3 ) . A d epto d a co sm o v isã o
su a r e s s u r r e iç ã o c o m a p r e s e r v a ç ã o m ila g r o s a d e de u m deu s fin ito (v. f in it o , d e (s m o ) , co m u m p o sitiv ism o
Jo n a s n o v en tre de g ra n d e p e ix e, d izen d o : “ P ois as­ ló g ico q u e a ssu m iu u m a fo rte p o siçã o a n tim e ta física
sim com o Jo n a s estev e trê s d ias e trê s n o ite s n o v e n ­ (v. A yer , A. J.). Ele é co n h ecid o p o r se r o p io n eiro no
tre do u m g ra n d e p e ix e , a ssim o F ilh o d o h o m e m p e n sa m e n to c ie n tífico m o d e rn o . C riou regras p ara o
fica rá trê s d ias e trê s n o ites n o c o ra ç ã o d a te rra ” (M t r a c io c ín io c ie n tífic o in d u tiv o (v. in d u t iv o , m é t o d o ) e
1 2 .4 0 ). D ad o o c o n te x to , é in c o n c e b ív e l q u e Je s u s foi u m a das fo n tes do u tilita rism o ético . M ill e lab o ro u
q u is e s s e d iz e r: “A ssim c o m o v o c ê s c rê e m n a q u e le o s c â n o n e s do p e n s a m e n to c ie n tífic o in d u tiv o a fir­
m ito so b re Jo n a s, q u e ro fa la r so b re o q u e re a lm e n te m a d o s p ela p rim e ira vez p o r F ra n c is B a c o n ( 1 5 6 1 -
a co n te ce rá n a m in h a m o rte ” . Jesu s faz u m a c o m p a ­ 1 6 2 6 ) em Novum organum (1 6 2 0 ).
ra çã o se m e lh a n te e n tre su a v o lta e o D ilú v io (h is tó ­ Um Deus pequeno. M ill r e je ito u o a r g u m e n t o
ric o ), d izen d o : “Assim a co n te c e rá n a v in d a do F ilh o t e l e o l ó g ic o tra d ic io n a l ex p o sto p o r W illia m P a l e y . R a ­

do h o m e m ” (M t 2 4 .3 9 ). c io c in o u q u e o a rg u m e n to d e P a le y é b a s e a d o n a
Je su s re fe riu -se a v á rio s e v e n to s m ira c u lo so s do a n a lo g ia se g u n d o a q u a l se m e lh a n ç a em e fe ito im ­
at co m o h is tó ric o s , in c lu in d o -s e a c ria ç ã o (M t 1 9 .4 ; p lic a s e m e lh a n ç a e m c a u sa . E s se tip o d e a n a lo g ia
2 4 .2 1 ), os m ila g res de E lia s (L c 4 .2 6 ) e as p ro fe c ia s d e e n fra q u e c e à m e d id a q u e as d ife re n ç a s a u m e n ta m .
D a n ie l (M t 2 4 .1 5 ) . À lu z d o u so q u e Je s u s faz d o s R e ló g io s im p lic a m re lo jo e iro s s o m e n te p o rq u e , p ela
m ila g res do a t , n ão h á co m o d e sa fia r su a a u te n tici­ e x p e riê n c ia p ré v ia , s a b e m o s q u e re lo jo e ir o s faz em
d a d e se m im p u g n a r su a in te g rid a d e . A c e ita r o n t re ló g io s. N ão h á n ad a in trín se c o no reló g io q u e e x ija
c o m o a u tê n tico e ao m e sm o te m p o re je ita r os m ila ­ a h a b ilid a d e de u m a rte sã o . D a m e sm a fo rm a , p e g a ­
gres do at é in co e re n te. d as im p lic a m se re s h u m a n o s e e stru m e im p lica a n i­
Resumo. A d e sc riç ã o b íb lic a d e m ila g re s u sa trê s m a is p o rq u e a e x p e riê n c ia p ré v ia n o s in fo rm a q u e
p a lav ra s p rin c ip a is: poder, prodígio e sinal. E s sa s p a ­ e ssa c o n e x ã o é a p ro p ria d a . N ão se tra ta de h a v e r u m
la v ra s d e sig n a m a fo n te (p o d e r d e D e u s) a n a tu re z a p ro je to in trín s e c o n o s v e stíg io s. P o rta n to , co n c lu iu
(m a ra v ilh o sa , in c o m u m ), e o p ro p ó sito (re v e la r algo M ill, o a rg u m e n to de P aley é fra co .
a lém de s i). M ila g re é o sin a l p a ra c o n fir m a r o s e r ­ M ill o fe re c e u e n tã o o q u e c o n sid e ra v a se r a e x ­
m ã o ; m a ra v ilh a p a ra c o n fir m a r as p a la v ra s d o p ro ­ p re ssão m a is fo rte do a rg u m e n to teleo ló g ico , b a s e a ­
fe ta; m ila g re p a ra a ju d a r a e sta b e le c e r a m e n sa g e m do n u m “m éto d o de co n co rd ân cia ” indutivo. E sse a r­
(V. MILAGRES, VALOR APOLOGÉTICO DOS). g u m en to fo i o m a is fraco d os m é to d o s in d u tiv o s de
E x is te m c e n te n a s de re g is tro s de m ila g r e s n a s M ill, m a s ele co n sid e ra v a o a rg u m e n to tele o ló g ico a
E s c r itu r a s . O s do n t c h a m a m m a is n o s s a a te n ç ã o fo rm a fo rte d esse tip o de in d u ção . M ill c o m eço u co m
p o rq u e sã o b e m c o m p ro v a d o s e re v e la m Je su s C ris­ o a sp e cto o rg â n ico em vez de c o m o a sp e cto m e c â n i­
to n o seu p o d e r so b re S a ta n á s, as d o e n ç a s e a m o rte . co d a n atu reza:
O nt d e m o n stra q u e o p o d e r c o n tín u o de C risto e s ­
tav a p re se n te n a jo v e m ig reja . N o e n ta n to , n ã o são I. H á u m a in c rív e l c o n c o r d â n c ia de p r o p ó s i­
m a is in crív e is ou in a c re d itá v e is q u e os m ila g re s do to e n tr e o s d iv e rs o s e le m e n to s n o o lh o h u ­
a t . Na re a lid a d e , d ad a a e x is tê n c ia d o D e u s te ís ta , m ano.
to d o s os m ilag res to rn a m -s e p o ssív e is. C o m o o p ró ­ 2. N ã o é p ro v á v e l q u e u m a s e le ç ã o a le a tó r ia
p rio L e w is o b se rv o u : “S e a cre d ita m o s e m D eu s d e ­ te n h a u n id o e sse s e le m e n to s.
v em o s a cre d ita r em m ilag res? S e m d ú v id a, sim ” ( Mi­ 3. O m é to d o do a c o rd o a rg u m e n ta a fa v o r d e
lagres , p. 1 0 9 ). O m a io r m ilag re de to d o s — a re ssu r­ u m a ca u sa c o m u m do o lh o .
re içã o de C risto — o c o rre no n t . Se isso é h istó ric o , 4. A c a u sa foi u m a c a u sa fin al (p ro p o s ita l), n ão
e n tã o n ã o h á ra zã o p ara re je ita r os m ila g res m e n o ­ u m a ca u sa e fic ie n te (p ro d u tiv a ).
res de M o isé s, E lias ou E liseu .
M ill d is s e q u e a e v o lu ç ã o b io ló g ic a , se v e r d a ­
Fontes d e ira , d im in u i a fo rç a a té m e s m o d e ss a fo rm a m a is
G. L. A rcher, Jr., Merece confiança o Antigo Testamento? fo rte d o a rg u m e n to te le o ló g ic o , p o is g ra n d e p a rte
N.L.Gí.islir, Miracles. d o q u e p a r e c e s e r c r ia ç ã o é a tr ib u íd o à s e le ç ã o
599 Mill, John Stuart

n a tu ra l da ev o lu ção (v. G eisler, Philosophy o f religion, u n iu n a s fo rm a s em q u e a p a re c e m a g o ra . N ão fica


p. 1 7 7 -8 4 ). cla ro q u e ele te n h a p o d e r p a ra a lte ra r q u a lq u e r p ro ­
O ra cio cín io de M ill o levou a su p or u m D eus finito: p ried a d e d a m a té ria . M a té ria e e n e rg ia sã o , p o rta n ­
to, e te rn a s. D elas D eu s c o n stru iu u m m u n d o u san d o
Um Ser de grande poder, mas poder limitado, como ou pelo os m a te ria is e p ro p rie d a d e s d isp o n ív e is (p. 1 7 8 ).
que limitado não podemos nem supor; de grande, e talvez ili­ Ao su p o r o D eu s fin ito e a m a té ria e te r n a , M ill
mitada, inteligência, mas talvez, tam bém , m ais estritam ente seg u iu P l a t Ao n u m d u a l ism o te ísta . A c ria ç ã o n ã o é ex
limitada que seu poder; que deseja e se preocupa, de certa for­ nihilo (d o n a d a ) n e m ex deo (d e D e u s). É ex m atéria
ma, com a felicidade das criaturas, mas que parece ter outras (d e m a té ria p re e x iste n te ; v. c r ia ç ã o , v i s õ e s d a ) .
motivações de ação com as quais se preocupa m ais, e que mal M ill acred itav a n o u n iv erso m a terial que ch a m o u
se pode supor tenha criado o universo som ente para esse pro­ “Natureza” . “Natureza é todo o sistem a de m aterial, com
pósito ( “Nature”, em Three essays on religion [Três ensaios todas as suas propriedades” (p. 6 4 ). É “todos os fatos, reais
sobre religião], p. 194; exceto onde anotado, as citações sub- e possíveis” ou “o m od o [...] no qual todas as coisas aco n ­
seqüentes serão desse ensaio). tecem ” (p. 5 -6 ). Já que todas as coisas acontecem de m a ­
n eira uniform e, p odem os falar de leis da natureza:
Tal d e s c r iç ã o lim ita D eu s e m p o d e r e b o n d a d e .
P o d em o s in fe rir a p a rtir d a n atu re z a q u e D eu s tem Todos os fenôm enos que foram suficientem ente exam i­
s e n tim e n to s b e n e v o le n te s p a ra c o m su as c ria tu ra s , nados são vistos acontecendo com regularidade, tendo até
certas condições fixas, positivas e negativas, na presença das
mas passar disso para a inferência de que seus únicos ou quais invariavelmente acontecem (ibid.).
principais propósitos são os de benevolência e que o único fim
e objetivo da criação tenha sido a felicidade de suas criaturas não É tarefa da ciência d esco b rir essas cond ições.
é apenas injustificado por qualquer evidência, mas tam bém é
Milagres. M ill acred ita v a q u e o d eu s fin ito é o a u ­
uma conclusão em oposição à evidência que temos” (p. 192).
to r d as leis da N atureza e p o d eria in te rv ir n os a ssu n ­
to s da h u m a n id a d e , a p e s a r d e n ã o h a v e r e v id ê n cia
A d iv in d a d e de M ill n ã o p o d e p re v e r o fu tu ro ou
d isso. M ill co n co rd a co m D avid H ume q u e “o te ste m u ­
o q u e se rá de se u s a to s , p o is n ã o é o n ip o te n te . A
n h o d a e x p e r iê n c ia c o n tr a m ila g r e s é in e v itá v e l e
ev id ên cia d e m o n stra u m a in te lig ê n c ia su p e rio r à de
in d u bitáv el” (p. 2 2 1 ). M ill to m a o u tra rota p ara ch eg ar
q u a lq u e r se r h u m a n o , m a s o fa to de q u e D eu s u sa
à c o n clu sã o a n ti-s o b re n a tu r a l (v. m il a g r e ; n a t u r a l is ­
m e io s p a ra a tin g ir fin s d e m o n stra q u e ele é lim ita ­
m o ) . E le a c re d ita v a q u e u m a o c o r r ê n c ia in c o m u m ,
do. “Q u em a p elaria a m e io s se p a ra a tin g ir seu fim se
m e sm o q u e co n tra ria sse u m a lei b e m estab e le cid a , é
su a p a lav ra fo sse su ficie n te ?” (p. 1 7 7 ).
a p en as a d e sco b erta de o u tra lei, p re v iam e n te d e sc o ­
A p e sa r de a cre d ita r q u e p o d e ria m e x is tir v á rio s
c ria d o r e s , ele p re fe riu a id é ia de q u e h a v ia a p e n a s n h ecid a (p. 2 2 1 ).
u m (ib id ., p. 1 3 3 ). A lém d os p rin c íp io s g e ra is da c r i­ E n tão q u a isq u e r fe n ô m e n o s n ov os q u e se ja m d e s­
a çã o d a n a tu re z a , h á p o u c o s m o tiv o s p a ra c r e r n o co b e rto s a in d a d ep en d em da lei e são se m p re re p ro ­
C ria d o r b e n e v o le n te . A n a tu re z a n ão é d ire c io n a d a du zidos e x a ta m en te q u a n d o as circu n stâ n c ia s são re ­
p a ra u m fim m o ra l e sp e c ífic o , se é q u e te m u m o b ­ p etid as (p. 2 2 2 ). O m ilagre alega so b rep u jar leis n a tu ­
jetiv o (p. 1 8 9 ). rais, n ão a p en as c a n ce la r u m a lei n atu ral co m o u tra.
As lim ita ç õ e s de D e u s e s tã o n e le m e s m o , n ão Tal v iolação da lei n ão p od e se r aceita. C om o M ill tem
sã o a p e n a s c a u sa d a s p e lo m u n d o o u o u tro s se re s. ta n ta certeza de que há u m a e xp licaçã o n atu ral para
E le n ão p o d e c o n tro la r as q u a lid a d es e fo rç a s d a e s ­ to d o s os eventos? Ele o b té m p ro vas a p a rtir da a u sê n ­
tru tu ra do u n iv e rso . Os m a te r ia is do u n iv erso n ão cia de u m a cau sa so b re n a tu ra l p ara to d a ex p e riên cia
p e r m ite m q u e D e u s c u m p ra c o m p le ta m e n te se u s e da exp e riên cia fre q ü e n te das cau sa s n atu rais:
p ro p ó sito s, ou ele n ã o so u b e c o m o fa z ê -lo (p. 1 8 6 ).
Criação. O u n iv erso n ão fo i cria d o d o n ad a, s e ­ Os princípios mais com uns do juízo lógico nos proíbem
g u n d o M ill. “A in d ic a ç ã o d a d a p ela e v id ê n c ia e x is ­ supor qualquer efeito com o causa do juízo de que não tem os
te n te in d ica a c ria ç ã o , n ão d o u n iv e rso , m a s de su a nenhuma experiência, a não ser que todas as causas daquilo de
o rd e m p re se n te p o r u m a M e n te in te lig e n te , c u jo p o ­ que temos experiência sejam comprovadas como estando au­
d er so b re os m a te ria is n ão era ab so lu to ” (p. 2 4 3 ). sentes. Mas há poucas coisas das quais temos experiência mais
Na verd ad e, a n atu reza n ã o d á ra zã o p a ra su p or freqüente do que de fatos físicos que nosso conhecim ento não
q u e a m a té ria ou a fo rça fo ra m fe ita s p elo S e r q u e as nos deixa explicar (p. 229-30).
M ill, J o h n S t u a r t 600

Nada há, portanto, que exclua a suposição de que o maior número. Não há absolutos éticos. Pode haver
todo “milagre” tem uma causa natural e, uma vez que situações em que uma mentira cause mais bem que a
essa suposição é possível, “nenhum homem de juízo verdade. Nosso melhor guia é a experiência, por meio
ordinário e prático suporia uma causa que não tives­ da qual podem os desenvolver parâm etros gerais
se razão para supor ser real, exceto a necessidade de ( Utilitarianism [Utilitarismo], cap. 2).
explicar algo que é suficientem ente explicado sem D estin o h u m an o. O ser humano é mente e alma
ela” (p. 231). e também corpo material. Não há evidência, então,
Milagres não podem ser considerados im possí­ de que a alma não possa ser imortal. Mas também
veis se há um Deus. Mill acreditava que, “se tivésse­ não há evidência a favor da alma imortal (v. im o r t a l i ­
mos o testemunho direto dos nossos sentidos de um d a d e ) . Mill acreditava ser correto que almas não se

fato sobrenatural, ele seria tão completamente auten­ tornam “fantasm as” que se intrometem em assuntos
ticado e certificado quanto qualquer fato natural. hum anos. Além disso só havia uma esperança (p.
Dependendo desse contato pessoal, os milagres 201, 208-10). De uma coisa tinha certeza:
não têm comprovação histórica e são inválidos como
evidência da revelação (p. 2 3 9 )”. Se h á vida após a m o rte, n ad a po d e ser m ais o p o sto a q u al­
M al e ética. Uma das evidências mais convincen­ q u er e stim a tiv a q u e p o ss a m o s fo rm a r a ce rca da p ro b a b ilid a ­
tes da finitude de Deus é a presença do mal no mundo de do q u e a idéia co m u m d e qu e a vida fu tu ra seja u m estad o de
(V. MAL, PROBLEMA DO; FINITO, DEÍSMO; KUSHNER, H a ROLD). re co m p en sas e castig o s [ v. interno] em q u alq u er ou tro sen tid o
Mill concluiu que, “se o criador do mundo pode [fa­ a lém do fato de q u e as c o n s e q ü ê n c ia s d e n o s s a s a çõ e s s o b re
zer] tudo que quer, ele quer a miséria, e não há como n o sso p ró p rio ca rá te r e su sce p tib ilid a d es n o s seg u irão n o fu ­
escapar da conclusão” (p. 37). Os homens são enforca­ tu ro , c o m o fiz era m n o p a ssa d o e n o p re s e n te (p . 2 1 0 -1 ).
dos por fazer o que a Natureza faz ao matar todo ser
que vive. Na maioria das vezes, essa morte acontece Qualquer vida futura sim plesm ente dará conti­
com tortura. A Natureza tem uma desconsideração nuidade à vida agora. Supor que a m orte traga a
total pela misericórdia e justiça, tratando as pessoas separação radical na m udança do modo de nossa
mais nobres e as piores da mesma forma. Tais males existência é contrário a todas as analogias tiradas
são absolutamente incoerentes com um ser todo-po- desta vida. Devemos supor que as m esm as leis da
deroso e todo-bondoso. O m elhor que ele poderia natureza existirão.
esperar era uma divindade parcialmente boa com po­ Apesar da falta de evidência para a imortalidade,
der limitado (p. 29-30). À luz do mal terrível da Natu­ a vida aqui e agora vale a pena, assim como o esfor­
reza, seria irracional e imoral usar a lei natural como ço para cultivar a melhoria do caráter (p. 250). Tam­
modelo para ação. O dever humano não é im itar a bém há fundamento para o otim ism o com relação à
natureza, mas corrigi-la. Alguns aspectos da nature­ raça humana:
za podem ser bons, porém “nunca foi estabelecido
por nenhum a doutrina digna de crédito quais de­ A s co n d içõ es da ex istê n cia h u m a n a são a lta m en te fav orá­
partam entos específicos da ordem da natureza de­ v eis ao c r e s c im e n to de tal s e n tim e n to , v isto q u e u m a b a ta lh a
vem ser considerados com o projetados para nossa é c o n s ta n te m e n te tra v a d a , n a q u a l a c r ia tu ra h u m a n a m a is
instrução e orientação m oral” (p. 42). De qualquer h u m ild e n ã o é in cap az de p a rticip a r, en tre os p o d eres do b e m
forma, é impossível decidir o que expressa o caráter e d o m a l, e n a qu al até a m e n o r aju d a p ara o lad o ce rto tem seu
de Deus na natureza. v a lo r n a p ro m o ç ã o d o p ro g re sso , m u ito le n to e m u ita s v ezes
Já que a ética não pode ser baseada na revelação im p e rce p tív e l, p e lo q u a l o b e m e s tá g ra d u a lm e n te c o n q u is ­
nem no sobrenatural, obviamente não existem m á­ ta n d o esp a ç o do m a l, m a s co n q u ista n d o tão v isiv e lm en te em
xim as absolutas de m oralidade (p. 99). Depois de in terv alos co n sid eráv eis qu e g aran te a v itória final do b e m , que
rejeitar absolutos morais (v. m o r a l i d a d e , n a t u r e z a a b ­ ain d a é b e m d ista n te , m a s n ão é in c e rta (p . 2 5 6 ).
so lu t a d a ) , Mill criou o cálculo utilitário pelo qual a
pessoa é obrigada a fazer o que pode para trazer o Além de Mill expressar otim ism o em relação à
maior bem para o maior número de seres no côm ­ vitória final do bem sobre o mal, também acreditava
puto geral das coisas. que os esforços humanos nessa direção certamente
Mill respeitava muito o exemplo moral de Jesus se transformariam numa nova religião. Pois
(p. 253-4). Mas com relação à explicação do preceito
áureo cristão, Mill acreditava que o utilitarismo era a fazer algo d u ran te a vida, p o r m en o s qu e seja, se n ad a m ais
resposta. Devemos agir para trazer o bem maior para for possível, p ara trazer essa co n su m ação u m p ou co m ais perto,
601 M ill, J o h n S t u a r t

é o p e n s a m e n to m a is a n im a d o r e re v ig o ra n te q u e p o d e in s ­ Deus infinitamente poderoso e perfeito para eliminá-lo.


p ir a r a c r ia tu r a h u m a n a (p . 2 5 7 ) . Não se pode sequer saber se há injustiças absolutas sem
conhecer algum Ser absolutamente justo além do mun­
Avaliação. Visão in ad equ ad a de Deus. Filoso­ do. Apenas um Deus infinitamente poderoso e perfeito
ficamente, um deus finito não é auto-explicativo. Tal pode derrotar o mal. Somente um Deus onipotente pode
deus é contrário ao princípio da c a u s a l id a d e que afir­ derrotar o mal; somente um Deus completamente bom
ma uma causa para todo ser finito. Um deus finito é deseja essa derrota. Um deus finito não será suficiente
apenas uma criatura grande, que precisa de um Cri­ (V. MAL, PROBLEMA DO).
ador. Um ser finito é um ser contingente, não-neces­ Mill com ete um erro categórico ao argumentar
sário. Um ser contingente é o que pode não existir. que Deus não é perfeito porque mata de maneira que
Tudo que pode não existir depende, para sua exis­
seria considerada assassinato para os humanos. Deus
tência, de um Ser Necessário, que não pode não existir
é o Criador da vida e tem o direito de tirar o que dá
(V. C0SM 0LÓ GIC0, ARGUMENTO).
(Dt 32.39; Jó 1.21). Nós não criamos a vida; não temos
Além disso, um deus que não é absolutam ente
o direito de tirá-la. O jardineiro que é soberano sobre
perfeito não é Deus no sentido absoluto. Só é possí­
as flores e arbustos no seu jardim não tem o direito de
vel medir sua imperfeição por um padrão absoluto
cortar os que pertencem ao vizinho. Eles pertencem a
de perfeição. Mas a perfeição absoluta é, por defini­
quem os controla. Toda a vida pertence a Deus. Ele
ção, Deus. Assim, se houvesse um deus finito im per­
pode tirá-la, se quiser, sem desobedecer a qualquer lei
feito, ele seria menos que o Deus absoluto. Já que o
moral.
Deus de Mill pratica o mal, pode-se dizer que seu
argumento prova melhor a existência do Diabo. De
Visão inadequada dos milagres. A rejeição de Mill
qualquer forma, alguém incompletamente bom não aos milagres, bem como a de Hume, é uma petição
é digno de adoração. Por que alguém atribuiria dig­ de princípio. Mill baseia a crença em métodos que
nidade absoluta ao que não é absolutamente digno? pressupõem o naturalismo (v. m il a g r e ; m il a g r e s , a r ­

Todo ser finito é criatura, e adorar a criatura é idola­ g u m en to s c o n tr a ). Ele pressupõe que toda exceção à
tria. Ou, nas palavras de Paul T i l l i c h , não se deve lei natural terá autom aticam ente uma explicação na­
estabelecer compromisso absoluto com algo inferior tural. Se alguém sabe com antecedência que todo
ao Absoluto. Uma criatura parcialm ente boa não é evento, por mais incomum, tem uma explicação na­
Absoluta. tural, os milagres são eliminados de antemão. A abor­
Alguns deístas finitos tentam evitar essa crítica dagem de Mill quanto à imortalidade humana igno­
ao supor um Deus limitado em poder, mas não em ra fortes evidências de sua existência.
perfeição. Isso parece arbitrário e ilusório. Como Visão in adequ ada da ética. O utilitarism o tam ­
Deus pode ser infinitam ente bom quando é apenas bém é inadequado. Como forma de relativismo, está
um ser finito? Como alguém pode ser mais do que sujeito às críticas contra os relativistas (v. m o r a l i d a d e ,
tem capacidade de ser? Como os atributos de Deus n a tu reza a bso lu ta d a ). Como se pode saber que nada é
podem ser estendidos além do que sua natureza per­ absoluto sem um padrão absoluto pelo qual medi-
m ite?
lo? Além disso, para funcionar adequadam ente, o
Por fim, um deus finito não dá garantia de que o
utilitarismo exige que criaturas finitas saibam o que
mal será derrotado. Já que com prom isso religioso é
trará o bem maior para o m aior número de pessoas
absoluto, estam os absolutam ente com prom etidos
no final. Raram ente tem os certeza do que trará o
com a causa do bem , que pode não vencer no final.
bem maior, mesmo em curto prazo. Apenas o Deus
Um deus finito que não pode garantir vitória real­
infinitam ente sábio e bom poderia ser utilitarista. E
mente inspiraria o com prom isso absoluto? Quantas
Mill não conhece tal Deus.
pessoas realmente farão um com prom isso absoluto
para trabalhar em prol de causa sem certeza de vitó­
Fontes
ria? Uma pessoa pode ser inspirada a confessar co­
rajosam ente: “Prefiro perder uma batalha lutando X. L. G eisler,Ética cristã.
pelo exército que vencerá no final, a ganhar uma ___ , Filosofia da religião.
batalha lutando pelo exército que perderá no final”. P latão, Timaeus.
Um deus finito não dá segurança para produzir tal J. S. M ill, A lógica das ciências morais.
m otivação. ___ , Three essays on religion: nature, utility
Visão in adequ ad a do m a l O problem a do mal ofreligion , and theism.
não elimina Deus ou sua bondade. O mal exige um ___ , Utilitarianism.
misticismo 602

m istério. O apóstolo Paulo escreveu: “Não ha dúvida acredita que o conhecim ento intuitivo e imediato
de que é grande o m istério da piedade: Deus foi da realidade ultima e possível.
manisfestado em corpo, justificado no Espírito, vis­ Tipos de misticismo. O m isticism o pode ser clas­
to pelos anjos, pregado entre as nações, crido no sificado de várias maneiras, Em termos de c o s m o v i s ã o ,
mundo, recebido na glória” (H m 3.16). ele pode ser dividido em cristão e não-cristão ou
\ en carn ação é um m i s t é r i o (v . C r is t o , d iv in d a d e teísta e não-teísta. Ha também formas de m isticis­
di ). A T r in d a d e tam b ém e. mo na maioria das religiões mundiais. Algumas, tais
O m is té rio não deve ser co n fu n d id o com a como o ZEN-BUDiSMO, são m ísticas em si. O objetivo
antinomia ou o paradoxo, que envolve uma contra­ aqui é se o misticismo tem algum valor apologético.
dição lógica (v. l ó g ic a ). O mistério vai além da razão , Isto é, a experiência m ística ajuda a estabelecer a
mas não contra a razão. Não ha contradição, em bo­ verdade do sistema de crença da pessoa que a vive?
ra não tenhamos com preensão total. A natureza da experiência mística. Experiências
Além disso, o mistério não é algo que possa ser religiosas são n o toriam en te d ifíceis de definir.
alcançado pela razão humana sem ajuda (v. f é e r a ­ Friedrich S< h l e ie r m a c h e r disse que a religião é o senti­
z ã o ). O m istério é conhecido apenas pela revelação mento de dependência absoluta d o Todo. Paul T il l ic h
divina especial (v. r e v e l a ç ã o e s p e c i a l ) . I.ogo, m istéri­ definiu religião como o compromisso absoluto. Nos­
os não são o sujeito da t e o l o g ia n a t u r a l , mas apenas sa análise concluiu que é a percepção de alguma for­
da teologia revelada. ma de Outro transcendente tv. Geisler, Philosophy o f
Outra característica do mistério é que, apesar de religion {Filosofia da religião]).
sabermos que ambos os elementos que compõem o Uma experiência religiosa particular. Experiên­
m istério são verdadeiros e com patíveis, não sabe­ cias religiosas são de dois tipos básicos: gerais e es­
mos como são com patíveis. Por exemplo, sabemos pecíficas. A primeira está disponível a todas as pes­
que Cristo é Deus e hum ano, mas é um m istério soas, e a segunda, apenas para algumas pessoas. A
como essas duas naturezas se unem numa pessoa. primeira e pública e a segunda é particular. Experi­
Finalmente, o mistério é distinto do problema. 0 ências m ísticas são particulares por natureza. Isso
problema tem solução-, o mistério é objeto de medita­ não significa que os outros não possam ter experi­
ção. O problema exige conhecimento extensivo; o mis­ ências semelhantes. So significa que a experiência é
tério, concentração intensiva. Como os quadradinhos singular para quem a teve. E o publico não tem tais
em branco nas palavras cruzadas, o problema pode experiências a qualquer hora.
ser resolvido com mais conhecimento; o mistério não. Uma experiência religiosa focalizada. Algumas for­
Se pudesse, não seria mistério. Mistérios não exigem mas de percepção são gerais e outras, específicas. Por
respostas , mas sim discernimento. exemplo, a percepção de estar casado é uma experi­
ência geral que a pessoa tem o tempo todo. Mas a
Fontes percepção de se casar é uma experiência especial que
N . I.. G tisi f.r e R. R rooks, W h e n s k e p t i c s a s k . a pessoa so tem durante a cerimônia. A experiência
(i. M arcei., T h e r n y s t e r ) ' o f b e i n g , mística é mais que isso. É a percepção focalizada e
T omas nr Auvisn, S u m a c o n tr a os g e n tio s intensificada do Supremo, ao passo que a experiência
religiosa geral e como a percepção contínua e geral de
m isté rio , re lig iõ e s de. V. a p ó c r if o s do Novo T esta ­ Schleiermacher de ser dependente do Supremo.
m ento ; GNOSTIGS.MO; MILAGRE, MITO E; MITRAÍSMO; MITOLO­ Uma experiência intuitiva. Experiências m ísti­
GIA e o Novo T e s t a m e n t o ; r e s s u r r e i ç ã o e m r e l i g iõ e s n à o - cas de Deus não são cognitivas. Não são mediadas
CRISTÃS, REIVINDICAÇÕES DE. por conceitos ou idéias. Pelo contrário, sao imedia­
tas e intuitivas. São contatos diretos com Deus. Como
m isticism o . Fundo histórico. A palavra misticismo tal, não são discursivas. Não envolvem processos de
é derivada da palavra grega mustikos , que significa raciocínio.
alguém iniciado nos m istérios. Posteriorm ente, foi Uma experiência inefável. Apesar de muitos m ís­
usada em círculos cristãos como a parte da teologia ticos tentarem descrever sua experiência, a maioria
que acredita na comunhão direta da alma com Deus. logo diz que palavras são inadequadas para expressá-
No contexto panteísta (v. p a n t e í s m o ), geralm ente o la. Muitos admitem que só podem dizer o que ela
indivíduo m ístico é alguém que busca por meio de não é. Todas as tentativas positivas são puramente
contemplação e entrega ser absorvido pelo Supremo; m etafóricas, alegóricas ou sim bólicas. Ela pode ser
na filosofia, refere-se com feqüência a alguém que mas não descrita (v . P l o t i n o ).
v iv id a ,
603 misticismo

O valor apologético das experiências místicas. O Experiências místicas podem ser mal-interpretadas.
m isticism o tem valor. Como W illiam James obser­ Não há aqui nenhuma tentativa de negar que algumas
vou, indica um estado além do puramente empírico pessoas têm experiências m ísticas. E não negamos
e racional. Na realidade, formas cristãs de m isticis­ que elas possam achar que tais experiências são au­
mo, tais como a de M eister Eckhart, foram aceitas tênticas. Nem desafiam os o fato de que possa lhes
por muitos cristãos ortodoxos. parecer que elas têm sua explicação.
No entanto, nossa preocupação aqui é com a rei­ Apenas argumenta-se que não há evidência dis­
vindicação dos m ísticos quanto à veracidade in e­ so. E x p e riê n c ia s se m e lh a n te s de p esso a s de
rente de suas experiências m ísticas. Eles insistem cosmovisões diferentes (v. c o s m o v is à o ) parecem vin­
em que elas são tão básicas quanto percepções sen- dicar as próprias cosm ovisões ou sistem as religio­
soriais, sendo um tipo de percepção espiritual. Ou­ sos. Todavia, esse fato demonstra que não há auten­
tros desafiam essa argumentação e oferecem várias ticação, já que opostos não podem ser verdadeiros.
razões para rejeitar qualquer valor que tenham tais Em resum o, tais experiências não se auto-identifi-
experiências. cam e, p o rta n to , podem ser e rro n e a m e n te
Experiências místicas n ão autenticam a si m es­ identificadas por aqueles que as têm.
mas. Embora não seja necessário negar que há esta­ O m i s t i c i s m o l e v a a o agnosticism o . Como a m ai­
dos m entais transcognitivos, geralm ente os m ísti­ oria dos m ísticos adm ite, eles só têm o co n h eci­
cos afirm am que tais experiências autenticam a si m ento negativo. Isto é , sabem apenas o que Deus
próprias. Isso parece ser uma confusão de duas coi­ não é. Mas não têm conhecim ento positivo do que
sas. As experiências podem ser autenticadoras para Deus é , certamente não num sentido cognitivo. Em
a pessoa que as tem, mas não autenticam a si m es­ resumo, são agnósticos religiosos, ou acognósticos
mas. Só autentica a si m esm o, com o nos prim eiros (v. a c o g x o s t i c i s m o ). Podem crer em Deus e senti-lo,
p r in c íp io s auto-evidentes, o que pode ser conhecido mas não têm conhecim ento positivo do que acredi­
pela investigação dos term os da proposição. Por tam ou do que sentem. Reconhecem um reino m ís­
exemplo: “Todos os triângulos são figuras de três tico, mas, como Ludwig W ittgf .n st f .i n , não devem fa­
lados” é auto-evidente porque o predicado diz exa­ lar sobre ele. Há pelo menos dois problemas sérios
tam ente o que o sujeito diz. Mas não há tal sem e­ com essa posição.
lhança numa experiência m ística com Deus. Primeiro, o conhecimento puramente negativo é
A experiência mística não é objetiva. Os próprios impossível. Não se pode conhecer o que Não É sem
m ísticos admitem que as experiências que têm não conhecer o que É. Da mesma forma, não se pode saber
são públicas, mas particulares. Então, são subjetivas, com o Deus não é sem saber com o ele é. Segundo,
e não objetivas. Experiências subjetivas, no entanto, desde que a religião, pelo menos no sentido teísta,
têm validade apenas para o sujeito que as vive. Como envolve uma relação pessoal com Deus, é difícil en­
W illiam Jam es m encionou em sua obra clássica tender como a pessoa pode tê-la se não conhece ne­
Varieties o f religious experience [Variedades de expe­ nhuma das qualidades do Amado. Nesse sentido, o
riência religiosa], experiências místicas não têm au­ com entário do ateu Ludwig F e u e r b a c h é adequado:
toridade sobre as pessoas que não as vivem. “Somente quando o homem perde o gosto pela reli­
Experiências místicas não são verificáveis. Já que gião, e a religião em si torna-se assim existência insí­
experiências m ísticas não têm uma base objetiva, pida, é que a existência de Deus se torna uma existên­
tam bém não podem ser testadas. Sendo subjetivas c ia insíp id a — um a existên cia sem qualid ad es”
por natureza, não há teste objetivo para elas. Logo, (Feuerbach, p. 15).
estão totalmente relacionadas aos indivíduos que as
têm. Por isso, não há maneira de aplicar validamente Fontes
a outros o que o sujeito experimenta. D. K. C lark , T h e p a n t h e i s m o f A l a n W atts.
Experiências místicas se anulam. Quando uma ex­ D. C lark eX. L G eisler ,A p o l o g e t i c s in t h e N e w Age.
periência mística é usada para apoiar a reivindicação W. C ordlan, “A hairs breadth from pantheism:
da verdade do sistema de crença de quem a viveu, isso meister Eckharfs God-centerd spirituality”,
não tem valor pela simples razão de que pessoas com na 37 (1994)
sistemas de crença diferentes têm experiências m ís­ M. E ckhart, Meister E c k h a r t , trad. Raymond B.
ticas. Mas se o mesmo tipo de evidência é usado para Blakney.
apoiar crenças opostas, ela anula a si mesma. A evi­ L. F ehfrbach, T h e e s s e n c e o f C h r is tia n ity .
dência deve ser singular para uma pessoa em contras­ X. L. G eisi.hr, C h r is t ia n a p o l o g e t i c s (cap. 6).
te com outra, de modo a validar uma, e não a outra. N. L. G eisi.hr e W. C orduan, P h i l o s o p h y o f r e l i g i o n
m ito lo g ia e o N ovo T estam en to 604

(Parte Um). como prova milagrosa. Finalmente, eventos semelhan­


S. H Oriental philosophy.
a c k f .t t , tes são conhecidos por mitologia (ibid., p. 39,40).
G. \V. F. Hf.gr., Penotiicitologi.il do espirito. Já que a ressurreição não é evento da história no
D. I.. J o h n s o n , A reasoned look at Asian rcHgicts. tempo e no espaço, é evento da história subjetiva. É o
R . O t t o , Mysticism: cast and iccst. evento da fé no coração dos prim eiros discípulos.
P i .o t i .n o , E nneads. Como tal, não esta sujeita à verificação histórica obje­
L). T. S u z u k i , Introdução
ao zcn-buJisino. tiva ou à falsificação. Cristo ressuscitou do túmulo de
F. SciiAFFFFR, The God who is tiicrc. José apenas na fé do coração dos discípulos.
0 a rg u m e n to de B u ltm a n n pode ser assim
m ito, m itologia. V. a p ó c r if o s ; J e s u s , s e m i n á r i o ; m i i .a -
re su m id o :
c r f .s , m i t o e ; m i t r a i s m o ; N ac , H . a .m m a o i ; q , E v a x õ e l i i o d e ;

RESSURREIÇÃO F.M RELIGIÕES NÃO-CRiSTÃS, REIVINDICAÇÕES DE.


1. Mitos são, por natureza, mais que verdades
objetivas; são verdades transcendentes da fé.
m itologia e o Novo T estam ento. A base da argu­
2. Mas o que não e objetivo não pode ser parte
m entação da alta crítica é a teoria de que grande
de um mundo verificável de espaço e tempo.
parte da descrição de Jesus e de seus ensinam entos
3. Logo, milagres (m itos) não são parte do mun­
no n t evoluiu com o passar do tempo no contexto
do objetivo de espaço e tempo.
social e nos meandros teológicos da igreja prim iti­
va. Jesus, o homem, perdeu-se na lenda e no mito,
A valiação. Várias objeções foram oferecidas ao
enterrado sob reivindicações sobrenaturais como o
nascimento virginal, milagres e a ressurreição (v. r e s ­ naturalismo mitológico de Bultmann.
s u r r e i ç ã o , e v i d ê n c i a s d a ). Por trás desses eventos esta­
Basicamente, a desmitificação é baseada em pe­
vam os padrões dos deuses gregos e rom anos. Além los menos duas suposições não comprovadas. Pri­
dos ateus e céticos, alguns teólogos do n t têm feito meiro, milaares não são históricos. Segundo, mila-
tais acusações. Rudolf B u e t m a n n esteve à frente desse gres podem acontecer no mundo sem ser do mun­
ponto de vista sobre o n t . Ele insistiu em que os do. A teoria de Bultmann é dogmática e inverificável.
registros religiosos deviam ser “desmitificados”, ou Ele não tem base evidenciai para suas afirm ações.
despojados da sua “casca” mitológica para chegar ao Ainda assim , contraria a evidência avassaladora a
“cerne” existencial da verdade. favor da autenticidade dos documentos do nt e da
N a tu ralism o d e s m itific a d o d e B u ltm an n . Na confiabilidade das testemunhas (v. Novo T e s t a m e n t o ,
base do pensamento de Bultmann está sua teoria de h is to r ic id a d e n o ) . Na verdade, sua posição é direta­
que o cristianism o surgiu da cosmovisão pré-cien- mente contrária à afirmação de Pedro, um dos auto­
tífica de um universo de três níveis: a terra está no res do nt, de que não estava pregando “fábulas enge­
centro dessa cosm ovisão, com Deus e os anjos no nhosamente inventadas” (2Pe 1.16). Na realidade, ele
céu acima, e o submundo abaixo. 0 mundo material e os outros apóstolos eram testem unhas oculares.
sofria ação de forças sobrenaturais de cim a e de João disse o m esm o no com eço e no final de seu
baixo, que intervinham nos pensam entos e ações evangelho (1 .1 -3 :2 1 .2 4 ).
dos homens (Bult-mann, p. 1). Os documentos do n t
O nt não pertence ao gênero literário da mitolo­
deviam ser despojados de sua estrutura mitológica,
gia. C. S. Lt.wis, autor de contos, observou que “o dr.
pois a ciência tornara a cosmovisão sobrenaturalista
Bultmann jamais escreveu um evangelho”. Lewis per­
obsoleta. A aceitação cega do n t sacrificaria o inte­
gunta: “A experiência de sua culta [...] vida realmen­
lecto para assumir na religião a cosmovisão que ne­
te lhe deu algum poder de ler as mentes das pessoas
gamos no cotidiano (ibid., p. 3, 4). A única maneira
(que escreveram os evangelhosJ mortas há muito tem­
honesta de recitar os credos é elim inar a estrutura
po?”. Como autor vivo, Lewis em geral considerava
mitológica da verdade neles contida.
seus críticos errados quando tentavam ler sua mente.
Bultmann proclamou com ousadia que a ressur­
reição não é um evento da história passada, “pois o Acrescenta:
fato histórico que envolve a ressurreição dos m or­
tos é totalmente inconcebível” (Bultm ann, p. 38-9). Os“resultados garantidos da erudição moderna”,quanto à
Ressuscitar um cadáver não é possível. A historicidade maneira em que um livroantigotõi escrito, são“garantidos”,pode-
objetiva da ressurreição não pode ser verificada, não se concluir, apenas porque os homens que conheciam os fatos
importa quantas testemunhas sejam citadas. A res­ estão mortos e não podem expor as falácias dos intérpretes (Lewis,
surreição é questão de fé. Isso em si a desqualifica Oirístian refleetions [Reflexões cristãs], p. 161 -3 ).
605 m ito lo g ia e o N ovo T esta m e n to

E vidên cia a fa v o r d o N ovo Testam ento. Outros observar que foi nos dias de “César Augusto” (Lc 2.1)
artigos dem onstram que o n t foi escrito por co n ­ que Jesus nasceu e mais tarde batizou-se “no décimo
temporâneos e testemunhas oculares dos eventos (v. quinto ano do reinado de Tibério César, quando Pôncio
Lc 1.1-4). Xão resultou de desenvolvimento posteri­ Pilatos era governador da Judéia; Herodes, tetrarca da
or de lenda (v. B íb l i a , c r ít ic a d e ; m it o l o g ia e o N o v o Galiléia [...] Anás e Caifás exerciam o sumo sacerdó­
T e s t a m e n t o ; N o v o T e s t a m e n t o , datação d o ; Novo T e st a ­ cio” (Lc 3.1,2).
m e n t o , MANUSCRITOS DO). O artigO MILAGRES, MEIO E apre- Sexto, nenhum m ito grego ou rom ano fala da
senta as análises a seguir em maiores detalhes. encarnação literal de um Deus m onoteísta em for­
Alguns livros do nt surgiram durante a vida das ma humana (v. Jo 1.1-3, 14) por meio de um n a s c i -
testem unhas oculares e de contem porâneos. Lucas MLN io v ir g in a l literal (Mt 1.18-25), seguido pela m or­
foi escrito por volta de 60, apenas 27 anos após a te e ressurreição física. Os gregos acreditavam na
morte de Jesus, antes de Atos, em 60-62 d.C (v. Hemer, r l e n t ARNAÇÁO num corpo m ortal diferente; os cris­

todo o livro). Prim eira aos Coríntios foi escrita por tãos do n t acreditavam na ressurreição do mesmo
volta de 55-56, apenas 22 ou 23 anos após a morte de corpo físico im ortalizado (v. Lc 2 4 .3 7 ). Os gregos
Jesus (v. ICo 15.6-8). Até o teólogo radical do n t , John eram politeístas (v. p o l i t e í s m o ) , não monoteístas,como
A. T. Robinson, data registros básicos dos evange­ eram os cristãos do n t .
lhos entre 40 e 60 (v. Robinson). Histórias de deuses gregos tornando-se hum a­
Dado o fato de que partes dos evangelho e outros nos por meio de eventos milagrosos com o um nas­
livros cruciais do n t foram escritos antes de 70 d.C, cimento virginal não foram anteriores, e sim poste­
não há tempo ou maneira de uma lenda se desenvol­ riores â época de Cristo (Yamauchi). Logo, se existe
ver enquanto testemunhas oculares ainda estejam vi­
alguma influência de uma coisa sobre a outra é a
vas para refutar a história. Uma lenda leva tempo e/ou
influência do evento histórico do nt sobre a m itolo­
distância para se desenvolver, e nenhum dos dois es­
gia, não o inverso.
tava disponível. 0 historiador A. N. Sherwin-W hite
Conclusão. Os registros do nt não dem onstram
chama a teoria mitológica do nt de “inacreditável”
nenhum sinal de desenvolvim ento m itológico. Na
(Sherwin-White, p. 189). Outros observaram que as
verdade, os eventos milagrosos são cercados por re­
obras de Heródoto nos capacitam a determ inar a
ferências históricas de pessoas, lugares e épocas re­
velocidade em que lendas se desenvolvem. Duas ge­
ais. Os documentos do n t são antigos demais, num e­
rações é muito pouco tempo para tendências lendá­
rosos demais e precisos dem ais para serem acusa­
rias eliminarem o fato histórico (Craig, p. 101). Julius
dos de apresentar m itos. Apenas um preconceito
Müller (1805-1898) desafiou teólogos de sua época a
anti-sobrenatural injustificado poderia ser a base
produzir um exemplo sequer de que em uma gera­
de qualquer conclusão ao contrário (v. m i l a g r e s , a r ­
ção um mito tenha se desenvolvido num contexto
g u m e n t o s c o n t r a ).
em que os elementos mais proeminentes são mitos
(Müller, p. 29). Nenhum foi encontrado.
Fontes
As h i s t ó r i a s do nt não dem onstram sinais de
R. B ultuaxx, K e r y g m a a m i m y t h : a t h e o l o g i c a l d e b a t e .
serem m i t o l ó g i c a s . Lewis com enta que os registros
W . C raic, T h e s o n r is e s .
são d i r e t o s e sim ples, escritos de forma histórica, e
X. I..G um i r ,.M ir a c l e s a n d t h e m o d e r n m i n d , c a p . 6 .
não a r t í s t i c a , por judeus rigorosos e sem atrativos,
R. G ram m ki, T h e v ir g in b i r t h : d o c t r i n e o f d e it y .
q u e n ã o c o n h e c i a m a riqueza m itológica do m un­
C. J. H: w, r. T h e b o o k o l A c ts in t h e s e t t i n g o f H e ll e n ic
do p a g ã o à s u a volta (Lewis, Milagres, p. 2 3 6 ).“Tudo
h is to r y
que sou na vida privada é um crítico literá rio e
historiador, esse é meu trabalho”, disse Lewis. “E es­ iV' i in' ' M \r : ; r. D i a l o g u e with T r v p h o , cap. 84.
tou preparado para dizer com base nisso que, se al­ G. S. L em a , C h r is t ia n r e f le c t io n s .
guém pensa que os evangelhos são lendas ou ro ­ ___ , C r i s t i a n i s m o p u r o e s im p l e s .
mances, essa pessoa está apenas demonstrando sua ___ , M ila g r e s .
incom petência com o crítico literário. Já li muitos |. G. M.v .mi n. T h e v ir g in b i r t h o f C h r is t.
romances e conheço muito bem as lendas que sur­ I. M i : h-;. T h e t h e o r y o t m y t h s , in its a p p l i c a t i o n to

giram entre povos antigos, e sei muito bem que os t h e G o s p e l h i s t o r y e x a m i n e d a n d c o n fu t e d .

evangelhos não são esse tipo de coisa” (Christian R. N ame C h r is t ia n it y a n d t h e H e ll e n is t ic w o r ld .


reflections [Reflexões cristãsJ, p. 209). \. A. T. 1C ■iüXMjx, R e d a t i n g t h e N e w T e s ta m e n t.

Pessoas, lugares e eventos que cercam as histórias A. X. S n r m x -W hite , R o m a n s o c i e t y a n d r o m a n la w

do evangelho são históricos. Lucas se esforça para in th e N ew Testament.


mitraísmo 606

E. YA.\;.M'c-::.“Easter — Myth, halludnation. or “A lei e os Profetas profetizaram até João. Desse


history?” ,cr(15 Mar. 1974; 29 .Mar. 19741 tempo em diante estão sendo pregadas as boas no­
vas do Reino de Deus, e todos tentam forçar sua
m itra ísm o . Alguns críticos contem porâneos do cris­ entrada nele. É mas fácil os céus e a terra desapare­
tianismo argumentam que essa religião não é base­ cerem do que cair da Lei o menor traço” (Lc 16.16,17).
ada na revelação divina, mas foi emprestada das re­ O cristianism o de Paulo e de Jesus é bom conhe­
ligiões de m istério, tais como o m itraísmo. O autor cedor do judaísm o e está com pletam ente alheio às
m uçulm ano Yousuf Saleem Chishti atribui doutri­ seitas de mistério. Paulo escreveu aos romanos: “Por­
nas com o a d ivind ad e de C risto e a exp iação a que o fim da lei é Cristo, para a justificação de todo
ensinam entos pagãos do apóstolo Paulo e a doutri­ o que crê” (Rm 10.4). Ele acrescentou aos colossenses:
na da T rindade a i n v e n ç õ e s pagãs d o s pais da igreja. “Ninguém os julgue pelo que vocês com em ou b e­
Teoria da fo n te pagã. Chishti tenta demonstrar bem, ou com relação a alguma festividade religiosa
a vasta influência das religiões de m istério sobre o ou à celebração das luas novas ou dos dias de sába­
cristianism o: do. Estas coisas são sombras do que haveria de vir; a
realidade,porém, encontra-se em Cristo” (Cl 2.16,17).
A doutrina cristã da expiação foi altamente influenciada O cristianismo ensinou que os seres humanos são
pelas religiões de mistério, principalmente o mitraísmo, que pecadores. Tanto Paulo quanto Jesus ensinaram que
tinha seu filho de Deus e Mãe virgem, crucificação e ressurrei­ os seres humanos são pecadores. Jesus declarou: “Eu
ção após a expiação dos pecados da humanidade e, finalmente, lhes asseguro que todos os pecados e blasfêmias dos
homens lhes serão perdoados” (Mc 3.28). Ele acres­
sua ascensão ao sétimo céu.
centou em João: “Eu lhes disse que vocês morrerão
em seus pecados. Se vocês não crerem que Eu Sou
Ele acrescenta:
[aquele que afirmo ser], de fato morrerão em seus
pecados” (Jo 8,24).
Quem estudar os ensinamentos do mitraísmo juntamen­
Paulo declarou que todos os seres humanos são
te com os do cristianismo, certamente se surpreenderá com a
pecadores, insistindo em que “todos pecaram e estão
afinidade que é visível entre eles, tanto que muitos críticos são
destituídos da glória de Deus” (Rm 3.23). Ele acres­
obrigados a concluir que o cristianismo é o fac-símile ou a se­
centou em Efésios: “Vocês estavam m ortos em suas
gunda edição do mitraísmo (Chishti, p. 87).
transgressões e pecados” (E f 2.1). Na verdade, parte
da própria definição do evangelho era que “Cristo
Chishti descreve algum as sem elh an ças en tre
morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras”
Cristo e Mitra: Mitra foi considerado o filho de Deus,
(IC o 15.3).
foi um salvador e nasceu de uma virgem, teve doze
O cristianistno ensinou que a expiação de sangue
discípulos, foi crucificado, ressuscitou dos m ortos
era necessária. Tanto Jesus quanto Paulo insistiram
no terceiro dia, expiou os pecados da humanidade e
em que o sangue derramado de Cristo era necessá­
voltou para seu pai no céu (ibid., p. 87-8).
rio como expiação pelos nossos pecados (v. C risto ,
Avaliação. Um leitura honesta dos dados do nt
morte de ). Jesus proclamou: “Pois nem mesmo o Fi­
demonstra que Paulo não ensinou uma nova religião
lho do hom em veio para ser servido, mas para servir
nem baseou-se em mitologia existente. As pedras fun­
e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mc 10.45).
damentais do cristianismo são tiradas claramente do Ele acrescentou na Última Ceia: “Isto é o meu san­
do judaísmo em geral e da vida de uma persona­
a i,
gue da aliança, que é derramado em favor de muitos,
gem histórica chamada Jesus. para perdão de pecados” (M t 26.28).
Jesus e a origem da religião de Paulo. Um estudo Paulo também é enfático. Afirmou que em Cris­
cuidadoso das epístolas e dos evangelhos revela que to “temos a redenção por meio de seu sangue, o per­
a fonte dos ensinam entos de Paulo sobre a salvação dão dos pecados, de acordo com as riquezas da gra­
era o at e os ensinamentos de Jesus. Uma compara­ ça de Deus” (E f 1.7). Em Romanos, acrescentou: “Mas
ção simples dos ensinam entos de Jesus e Paulo de­ Deus dem onstra seu am or por nós: Cristo morreu
monstrará isso. em nosso favor quando ainda éram os pecadores”
Ambos ensinaram que o cristianismo cumpria o ju­ (5.8). Referindo-se à Páscoa do at , ele disse: “Cristo,
daísmo. Paulo, como Jesus, ensinou que o cristianismo nosso Cordeiro pascal, foi sacrificado” (IC o 5.7).
era um cumprimento do judaísmo. Jesus declarou: “Não O cristianismo enfatizou a ressurreição de Cristo.
pensem que vim abolir a Lei ou os Profetas; não vim Jesus e Paulo tam bém ensinaram que a m orte e o
abolir, mas cumprir” (Mt 5.17). Jesus acrescentou: sepultamento de Jesus foram com pletados por sua
607 m itra ís m o

ressurreição corporal (v. r e ssu r r e iç ã o , e v id ê n c ia s d a ; Origem d a T r i n d a d e . A doutrina cristã da Trinda­


r e ssurreição , natureza física da ). Jesus disse: “Está es­ de não tem origem pagã. As religiões pagãs eram
crito que o Cristo haveria de sofrer e ressuscitar dos p o l i t e í s t a s e p a n t e í s t a s , m as os tr in itá r io s são
mortos no terceiro dia” (Lc 24.46). Jesus fez um de­ monoteístas ( v . t e í s m o ). Os trinitários não são triteístas
safio; “Destruam este templo, e eu o levanterei e m que acreditam em três deuses separados; eles são
três dias [...] Mas o t e m p l o do qual ele falava era o monoteístas que acreditam num Deus manifesto em
seu corpo” (Jo 2.19,21). três pessoas distintas.
Depois de ter ressuscitado dos mortos, seus dis­ Embora o termo T r i n d a d e o u sua fórmula espe­
cípulos lem braram -se do que ele disse. Então cre­ cífica não apareçam na Bíblia, ele expressa fielm en­
ram nas Escrituras e nas palavras que Jesus havia te todos os dados bíblicos. Uma compreensão preci­
dito (Jo 2.22; cf. 20.25-29). sa do desenvolvimento histórico e teológico dessa
O apóstolo Paulo também enfatizou a necessida­ doutrina ilustra de forma ampla que foi exatamente
de da ressurreição para a salvação. Aos romanos es­ por causa dos perigos do paganismo que o Concílio
creveu: “Ele [Jesus] foi entregue à morte por nossos de Nicéia formulou a doutrina ortodoxa da Trinda­
pecados e ressuscitado para nossa justificação” (Rm de. Para um tratamento breve da história dessa dou­
4.25). Na verdade, Paulo insistiu em que a crença na trina, v. E. Calvin Beisner, God in three persons [Deus
ressurreição era essencial para a salvação, ao escre­ em três pessoas] . Dois clássicos nessa área são G. L.
ver: “Se você confessar com a sua boca que Jesus é Prestige, God in patristic thought \Deus no p en sa­
Senhor e crer em seu coração que Deus o ressusci­ mento patrístico ] e J. N. D. Kelly, Doutrinas centrais
tou dentre os mortos, será salvo”(Rm 10.9). da f é cristã.
O cristianismo ensinou que a salvação é p e la gra­ M itraísm o e cristianism o. Com base nisso é evi­
ça m ediante a fé. Jesus afirmou que todas as pessoas dente que o cristianism o se originou do judaísm o e
precisam da graça de Deus. Os discípulos de Jesus dos ensinam entos de Jesus. É igualmente evidente
lhe disseram : ‘“Neste caso, quem pode ser salvo?”. que ele não se originou do m itraísmo. As descrições
Jesus olhou para eles e respondeu: ‘Para o homem é de Chishti dessa religião são infundadas. Na verdade
impossível, mas para Deus todas as coisas são possí­ ele não dá referência para as sem elhanças que alega.
veis’” (Mt 19.25,26). Em todo o evangelho de João Ao contrário do cristianismo (v. Novo T e s t a m e n t o ,
Jesus apresentou apenas uma m aneira de obter a h isto ric ida de ),
o mitraísmo ébaseado em mitos. Ronald
salvação graciosa de Deus: “Quem crê no Filho tem a Nash, autor de Christianity an d the Hellenistic world
vida eterna” (3.36; v. 3.16; 5.24; Mc 1.15). [O cristianismo e o mundo Helênistico], escreve:
Paulo ensinou a salvação pela graça m ediante
a fé, afirm ando: “Pois vocês são salvos pela graça, O que sabemos com certeza é que o mitraísmo, tal como
por m eio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de seus competidores entre as religiões de mistérios, tinha um
Deus; não por obras para que ninguém se glorie” mito básico. Mitra supostamente nasceu quando emergiu
(E f 2.8 ,9 ; v. Tt 3 .5 -7 ). Ele acrescentou aos rom a­ de uma rocha; estava carregando uma faca e uma tocha e
nos: “Todavia, àquele que não trabalha, m as con ­ usando um chapéu frígio. Lutou primeiro contra o Sol e
fia em Deus, que justifica o ímpio, sua fé lhe é cre­ depois contra um touro primevo, considerado o primeiro
ditada como justiça” (4 .5 ). ato da criação. Mitra matou o touro, que então se tornou a
Uma comparação dos ensinamentos de Jesus e Pau­ base da vida para a raça humana (Nash, p. 144).
lo sobre salvação revela claramente que não há base
para especular sobre qualquer fonte dos ensinam entos O cristianism o afirma a morte física e ressurrei­
de Paulo além dos de Jesus. O cristianismo baseou-se ção corporal de Cristo. O m itraísm o, com o outras
no judaísmo, não no mitraísmo. Na realidade, a men­ religiões pagãs, não tem ressurreição corporal. O au­
sagem de Paulo acerca do evangelho foi examinada e tor grego Esquilo resume a visão grega: “Quando a
aprovada pelos apóstolos originais (G11 e 2), demons­ terra tiver bebido o sangue de um hom em , depois
trando o reconhecimento oficial de que sua m ensa­ de m orto, não há ressurreição”. Ele usa a m esm a
gem não se opunha à de Jesus (v. Habermas, p. 67-72). palavra grega para “ressu rreição”, an astasis, que
A acusação de que Paulo corrom peu a mensagem Paulo usa em 1 Coríntios 15 (Esquilo, Eumenides, p.
original de Jesus foi respondida há muito tempo por J. 647). Nash observa:
Gresham M a u h e n na sua obra clássica The origin o f
Pauis religwn [A origem da religião de Paulo] e por F. Alegações da dependência cristã primitivado mitraísmo fo­
F. B ruce em Paul and Jesus [Paulo e Jesus]. ram rejeitadas por várias razões. Omitraísmo não tem conceito
molinismo 608

da morte eressurreição de seu deus nemlugar para qualquer co-eternas na T rin d ad e (v. trindade ). O s m o d a lis t a s afir­
conceito de renascimento — pelo menos durante seus pri­ mam que Deus a p e n a s se m a n ife s t a d e tre s m o d o s ou
meiros estágios [...] Durante os primeiros estágios da seita, a formas em o c a s iõ e s d ife r e n te s . I n fe liz m e n te , algu­
idéia de renascimento seria estranha à sua visão básica [...] m a s ilustrações u s a d a s p o r t r i n i t á r i o s t e n d e m ao
Além disso, omitraísmo era basicamente uma seita militar. co n c eito m o d a l i s t a d e D e u s . P o r e x e m p l o , os
Portanto, épreciso ser cético com relação asugestões de que modalistas a f ir m a m q u e D e u s é c o m o a á g u a , que
tenha atraído civis como primeiros cristãos (ibid.). pode se m a n ife s t a r n u m d o s tr ê s e s t a d o s diferentes
em ocasiões d ife r e n te s : líq u id o , g a s o s o o u sólido.
O m i t r a ís m o f lo r e s c e u d e p o is d o cristianism o, H á i l u s t r a ç õ e s m a is a p r o p r i a d a s p a r a o tr in i-
n ã o antes, lo g o o c r is t ia n is m o n ã o poderia ter copi­ t a r is m o . E la s d e m o n s t r a m q u e D e u s é s im u lt a n e a ­
ado o m it r a ís m o . A c r o n o lo g ia e s tá totalmente erra­ m e n te u m a p lu r a lid a d e n a u n id a d e , já q u e s ã o trê s
d a , e p o r is s o n ã o h á c o m o o m itraísm o possa ter p e s s o a s d i s t in t a s e m u m a n a t u r e z a e t e r n a . D e u s é
influenciado o d e s e n v o lv im e n to do cristianism o no c o m o u m tr iâ n g u lo ( s u a n a t u r e z a ), q u e te m trê s â n ­
século i (ibid., 1 4 7 ; v. mitologia f. o N ovo T esta m en to ). g u lo s ( s u a s p e s s o a s ) . N e s s a ilu s tr a ç ã o o trê s e o u m
Conclusão. T o d a s a s alegações de dependência s ã o s im u lt â n e o s , n ã o s u c e s s iv o s . S e m trê s la d o s n ã o
cristã para com re lig iõ e s gnósticas (v. gnosticismo ) e h á t r iâ n g u lo . A lé m d is s o , c a d a â n g u lo d ife re d o s o u ­
de m istério (v. N ag H a m m a d i , evangelhos d e ) foram
t r o s , m a s t o d o s c o m p a r t ilh a m a n a t u r e z a d o t r iâ n ­
g u lo . O u a in d a D e u s é c o m o D ( l ' x 1 x 1 = 1). Aqui
rejeitadas pelos especialistas em estudos bíblicos e
t a m b é m h á trê s e u m a o m e s m o te m p o . N ã o é u m
clássicos (ibid., p. 119). O caráter histórico do cristi­
m a n i fe s t o e m t r ê s o c a s i õ e s d if e r e n t e s d e t r ê s m a ­
anismo e a data antiga dos docum entos do nt não
n e ir a s d ife r e n te s .
oferecem tempo suficiente para desenvolvimentos
No m o d a lis m o , h á u m a p e s s o a n a d iv in d a d e . Nesse
m itológicos. E há uma falta absoluta de evidência
c a so , o m o d a lis m o é c o m o o m o n o te ís m o tradicional
antiga para apoiar tais idéias. O teólogo britânico
do is la m ism o , e n ã o c o m o o te ísm o trin itário . Na Trin­
Norman Anderson explica:
d a d e , três p e s s o a s d istin ta s se u n e m em uma natureza
eterna.
A diferença básica entre o cristianismo eas religiões de
Tanto o trinitarism o quanto o m odalism o dife­
mistério éabase histórica de um eo caráter mitológico das
rem do triteísm o, que afirma existirem três deuses
outras. As divindades das religiões de mistério eramapenas
( 1 + 1 + 1 = 3 ). Essa é uma forma de poi ite t sm o . Como
“figuras nebulosas de um passado imaginário”,enquanto o
o trinitarismo, apresenta três pessoas diferentes, mas,
Cristo que o k e r y g m a apostólico proclamou viveu e morreu
ao contrário do trinitarism o, acredita que cada um
poucos anos antes dos primeiros documentos do nt serem dos três seres separados é um deus, com natureza
escritos. Mesmo quando o apóstolo Paulo escreveu sua pri­ individual. Os trinitários ortodoxos acreditam que
meira carta aos coríntios, a maioria das cerca de quinhentas Deus tem uma única natureza, mas que três pessoas
testemunhas da ressurreição ainda estavaviva (Anderson, p. d istin tas, co -etern as e iguais com partilham essa
52-3). mesma natureza (v. bibliografia do artigo T r in d a d e ).

Fontes m o lin ism o . O molinismo é uma doutrina da relação


N. A nderson , Christianity and world religions. entre a graça de Deus e o livre-arbítrio humano, ori­
E. C .B eesner, God in three persons. ginada pelo jesuíta espanhol Luís de Molina (1535-
F. F. B rcce , Paul and Jesus. 1600). Molina afirmou que Deus tem um tipo espe­
Y. S.C hishti, What is Christianity É cial de presciência dos atos humanos livres, que ser­
G. H abermas, The verdict o f history. ve como base do gracioso dom divino da salvação. O
]. N. D. K elly, Doutrinas centrais da fé cristã. molinismo foi amplamente adotado pelos jesuítas e
J. G. Machex, The origin o f Paul's religion. confrontado pelos dom inicanos. Após o exame de
R. N ash , Christianity and the Hellenistic world. uma congregação especial em Roma (1 5 9 8 -1 6 0 7 ),
G. L. P restige , God in patristic thought. am bas as doutrinas foram perm itidas nas escolas
H. R idderbos , Paul and Jesus. católicas.
E x p osição d o m olin ism o. Segundo o molinismo,
m od alism o. O modalismo é uma doutrina não-orto- Deus tem três tipos de conhecimento: natural, m é­
doxa ou herética acerca de Deus, que nega a doutrina dio e livre (Craig, The only ir ise God [O único e sábio
trinitária ortodoxa de que há três pessoas distintas e Deus], p. 131).
609 molinismo

Conhecimento natural é o conhecim ento de Deus Evitando o fatalismo. Um quarto argumento é que
de todos os mundos possíveis. Esse conhecim ento é o conhecim ento médio é a única maneira de evitar
essencial para Deus. Preocupa-se com o necessário o fatalismo. O fatalismo teológico afirm a que todas
e o possível. as coisas são necessariam ente predeterm inadas, in­
Conhecimento livre é o conhecim ento que Deus clusive o que chamam os “atos livres”. No entanto, se
tem deste mundo real. Após um ato livre de sua von­ somos realm ente livres, algumas coisas não aconte­
tade, Deus sabe essas coisas de form a absoluta, mas cem necessariam ente, mas contingentem ente, con­
tal conhecim ento não é essencial a Deus. forme escolhas livres. Porém, se alguns eventos são
Conhecimento médio ou scientia media é carac­ contingentes, o conhecim ento de Deus sobre eles
terístico do molinismo. Deus não pode saber os fu­ não pode ser necessário. Deus deve saber o que se
turos atos livres assim como sabe outras coisas. Deus decidirá livrem ente que ocorrerá.
sabe algumas coisas absolutamente, mas atos livres Além disso, os molinistas vêem grandes benefíci­
futuros são conhecidos apenas contingentem ente os na sua doutrina para a explicação da predestinação,
“Deus, a partir de uma com preensão muito profun­ providência de Deus, dos problemas do mal (v. mal,
da e inescrutável de toda vontade livre na sua essên­ p r o b l e m a d o ) e até do i n f e r n o . “No m omento lógico
cia, intuiu o que cada um, segundo sua liberdade an terior à criação, Deus não tinha idéia de com o
inata, faria se colocado nessa ou naquela condição” muitos seriam salvos e muitos perdidos”, segundo um
(Garrigou-Lagrange, The one God [O Deus único], p. defensor do molinismo (Craig, ibid., p. 145-6). Com
460; v. l i v r e - a r b í t r i o ).
relação à predestinação,
Ao contrário do conhecimento natural, esse co­
nhecim ento médio ou intermediário é de certa for­
o próprio ato de selecionar um mundo para ser criado é um
ma dependente do que criaturas livres decidem fa­
tipo de predestinação. A pessoa neste mundo que Deus sabia
zer. A onisciência de Deus “espera” para ver o que
que responderia certamente responderá e será salva [...] Éclaro
uma criatura livre faz “antes” de selecionar aqueles
que, se rejeitássemos sua graça, o conhecimento médio de Deus
que serão salvos. Como Deus é eterno, a seqüência é
seria diferente [...] Quantoaos incrédulos, a única razão por que
apenas lógica, não cronológica.
não foram predestinados é que rejeitaram livremente a graça de
Argumentos a favor do conhecimento médio. Argu­
Deus (ibid., p. 136).
mento das três circunstâncias. Um argumento a favor
da scientia media é que há três tipos de conhecimen­
O custo de ter determinado número de eleitos é
to em Deus, porque há três circunstâncias possíveis.
ter um número determ inado que se perderá. Deus
Entre o meramente possível e o necessário existe o
ordenou as coisas providencialmente para que aque­
contingente (livre). Como Deus conhece todas as cir­
les que estão perdidos de qualquer forma não esco­
cunstâncias futuras, conclui-se que deve conhecê-las
lhessem a Cristo (ibid., p. 148,150).
na forma em que existem (3). Futuros atos livres são
Argumentos bíblicos a favor do molinismo. Argu­
contingentes. Deus deve conhecer futuros atos livres
mentos bíblicos a favor do m olinismo são baseados
por meio de um conhecim ento interm ediário que
em passagens tais como 1 Samuel 23.6-13 e Mateus
não é nem necessário nem meramente possível, mas
11.20-24. Deus sabia que, se Davi permanecesse na
é contingente, segundo a maneira que as criaturas
livres escolherão. cidade, Saul viria para m atá-lo. Assim, se as respos­

Argumento da ordem do conhecimento. Logicamente, tas de Deus por meio da estola sacerdotal forem con­
um evento deve ocorrer antes de poder ser verdadeiro. sideradas simples presciência, seu conhecimento terá
Ele deve ser verdadeiro antes de Deus poder saber que sido falso. O que foi previsto não aconteceu. Apenas
é verdadeiro. Deus não pode considerá-lo verdadeiro seriam verdadeiras as respostas que fossem consi­
antes que seja verdadeiro. Logo, Deus deve esperar (do deradas algo certo de acontecer sob circunstâncias
ponto de vista lógico) a ocorrência dos atos livres antes livremente escolhidas. Isso indicaria que Deus tem
de poder saber que são verdadeiros. conhecim ento contingente sobre elas. Em Mateus
Argumento da natureza da verdade. A verdade 11, Jesus afirma que as cidades antigas que m encio­
corresponde à realidade. Deus não pode considerar na teriam se arrependido se tivessem visto os m ila­
nada verdadeiro, a não ser que já tenha ocorrido. gres de Jesus. Mas isso faz sentido apenas se o co­
Como luturos atos livres ainda não ocorreram , o nhecim ento de Deus fosse contingente em relação
conhecim ento de Deus sobre eles depende de sua ao que elas teriam feito.
ocorrência. Como sua ocorrência é contingente, o Resumo. O molinismo supõe que Deus deve “es­
conhecimento de Deus sobre elas é contingente. perar” para saber que as coisas são verdadeiras. Mas
molinismo 610

Deus é eterno, e uma perspectiva eterna conhece as O fato de Deus saber o que as pessoas teriam
coisas “antes” de ocorrerem no tempo. Deus conhe­ feito sob condições diferentes não é incoerente com
ce as coisas na eternidade, não no tempo. Todas as o fato de seu conhecimento ser necessário. Ele ape­
coisas preexistem na Causa suprema (Deus). Então nas sabia necessariam ente o que teria acontecido se
Deus sabe coisas nele m esm o desde a eternidade. as pessoas tivessem feito escolhas diferentes.
Ele não precisa “esperar” para saber. A valiação. Tomistas e calvinistas têm -se oposto
A verdade é correspondente à realidade. Mas a rea­ firmemente ao molinismo, jugando-o uma negação
lidade à qual o conhecimento de Deus corresponde é da independência e da graça de Deus.
sua própria natureza, pela qual ele conhece eterna e Segundo o tom ism o, Deus é Realidade Pura; nele
n ecessariam en te todas as coisas da form a que não h á potencial passivo (v. a n a l o g i a , p r i n c i p i o d a ;
preexistem nele. O conhecimento de Deus não é de­ Aristóteles; Deus,natureza d e ; Tomás de A q i t x o ). Se
pendente da espera para que o efeito ocorra no tempo. Deus tivesse potencial, ele precisaria de uma causa.
O efeito preexiste eminentemente na causa, logo Deus Como é a Causa suprema de todas as coisas, Deus
sabe todas as coisas que acontecerão perfeitamente nele não tem p o te n c ia l (v. D eus, n a t u r e z a d e ) . Se o
mesmo “antes” que elas aconteçam no tempo. molinismo estiver correto, Deus é o recipiente pas­
O conhecimento de Deus não é contingente. O co­ sivo do conhecim ento dos atos livres. O “conh eci­
nhecim ento de Deus não é dependente das cond i­ mento médio” de Deus é dependente de eventos que
ções do objeto conhecido. Se o que Deus sabe é con­ realm ente ocorrem . O grande “Eu Sou” to rn a-se o
tingente, então ele deve sabê-lo contingentem ente. “Eu Posso Ser” . Isso implica uma passividade que
Mas como Deus é um Ser Necessário, ele deve saber
Deus com o Realidade Pura não pode ter. Logo, o
tudo de acordo com sua natureza, necessariam ente.
molinismo é contrário à natureza de Deus.
Como Deus é eterno, todo seu conhecim ento é in­
Deus se torna um efeito. Outra afirmação da difi­
tuitivo, eterno e necessário. Como sua existência é
culdade é que ou o conhecim ento de Deus é com ­
independente e ele deve saber tudo de acordo com
pletamente causal, determinando todos os eventos,
sua natureza independente, conclui-se que o conhe­
ou é determ inado por esses eventos. Não há outra
cimento de Deus não é dependente de nada.
alternativa. Os molinistas dizem que o conhecim en­
Ofatalism o não é necessário. O molinismo não é
to de Deus é determ inado por futuros atos livres.
a única alternativa ao fatalism o. Deus pode ter co­
Isso sacrifica Deus com o Causa suprema. Ele é de­
nhecim ento necessário de atos contingentes. Ele pode
terminado pelos eventos, não o Determinador. Isso
saber com certeza o que acontecerá livrem ente. Só
é contrário à natureza de Deus, pois ele se tornaria
porque ele tem certeza sobre um evento não signifi­
espectador epistemológico (ibid., p. 107).
ca que este não acontecerá livrem ente. O m esm o
A graça eficaz e negada. Outra objeção é que o
evento pode ser necessário do ponto de vista do co­
molinismo nega a graça eficaz de Deus na salvação.
nhecim ento de Deus e livre do ponto de vista da
Tudo que Deus quer acontece sem que nossa liberda­
escolha humana (v. determinismo , i.iyre - arbítrio ). Se
de seja transgredida. “Ele deseja com eficácia nosso
Deus é onisciente, então ele sabe tudo, inclusive o
consentimento livre, e realmente consentimos, de li­
fato de que Judas trairia a Cristo. Se Judas não tivesse
vre vontade” ( ibid., p. 401). Somente dessa maneira a
traído a Cristo, Deus estaria errado sobre o que sa­
graça de Deus pode ser eficaz. Deus é o Autor ativo
bia. Mas isso não significa que Judas foi coagido.
da salvação (ibid., p. 398). Como Aquino diz; “Se a
Pois Deus sabia certamente que Judas trairia a Cris­
intenção de Deus é que esse hom em , cujo coração
to livremente. Assim com o notícias pré-gravadas de
televisão referem -se a eventos que não podem ser ele está m o v en d o , venha a re c e b e r graça
mudados, mas foram livrem ente escolhidos, Deus santificadora, então esse homem receberá graça in­
na sua onisciência vê o futuro com a mesma certeza falivelmente”.
com que vê o passado. A intenção de Deus não pode falhar, e os salvos
É possível usar a mesma solução para mistérios são infalivelmente salvos (certissime, diz Agostinho;
teológicos sem ser molinista. O conhecimento de Deus ibid., 111).
sobre o futuro pode ser necessário sem que nenhum Ao mesmo tempo que concordam com a nature­
evento seja forçado. Os mistérios da predestinação e za eficaz da g raça, os to m ista s se sep aram dos
da providência são mais bem explicados pela nega­ calvinistas extremados nessa questão. Para os tomistas,
ção de qualquer contingência no conhecim ento de as criaturas livres retem o poder de decidir não seguir
Deus a respeito deles, já que o fatalismo não resulta da a Deus quando Deus graciosa e eficazmente os leva a
negação do molinismo (v. d e t e r m i n i s m o ; l iv r e - a r b í t r i o ). esco lh er segundo sua vontad e p red eterm inad a.
611 monismo

Os calvinistas extrem os ensinam que esse m ovim en­ se re m d ife re n te s, d e v e m se r d ife re n te s e m e x is tê n ­


to do Espírito Santo no coração da pessoa que esco­ cia ou in e x is tê n c ia . E x is tê n c ia é o q u e a s to rn a id ê n ­
lhe é irresistível. Se é a vontade de Deus, essa pessoa tic a s, e n tã o n ã o p o d e m s e r d ife re n te s n is s o . E n ão
responderá porque o Espírito estimula o coração. Os p o d e m s e r d i f e r e n t e s p e la i n e x i s t ê n c i a , p o is
tomistas insistem em que, “ao invés de forçar o ato, in e x is tê n c ia é n a d a , e se r d ife re n te e m n a d a é n ão
ao invés de destruir [...] a liberdade, o impulso divi­ se r d ife re n te . E n tã o n ã o p o d e h a v e r u m a p lu ra lid ad e
no tornou real [...] a liberdade. Quando a graça efi­ d e e x istê n c ia s. H á a p e n a s u m ú n ic o se r in d iv isív e l.
caz toca o livre-arbítrio, esse toque é virginal, ele A lternativas a o m onism o. B a sic a m e n te , h á q u a ­
não violenta, apenas enriquece” (ibid., p. 110). tro a ltern a tiv a s ao m o n ism o . A risto telism o , to m ism o ,
Mas isso não é essencial para a posição antimoli- atomismo e platonismo, as d u a s ú ltim a s a firm a n d o
nista. O conhecim ento de Deus poderia ser determ i­ q u e o s v á r io s s e r e s d ife r e m p e la in e x is t ê n c ia . O
nante do ato livre sem causá-lo. Essa doutrina foi de­ a risto te lism o e o to m ism o a firm a m q u e o s v á rio s se ­
fendida por Agostinho e por calvinistas moderados res d iferem p ela e x istê n cia .
(v. Geisler). A s coisas diferem pela inexistência absoluta. C om
a g e ra çã o de filó so fo s q u e se g u ira m P a rm ê n id e s v i­
Fontes e ra m o s a to m is ta s , ta is c o m o L e u cip o e D e m ó c rito ,
C raig , The only wise God. q u e a firm a v a m q u e o p rin c íp io q u e s e p a ra u m se r
___ , Divine foreknowledge and future ( á t o m o ) d e o u t r o é a b s o lu t a m e n t e n a d a ( i . e .,
contingency from Aristotle to Suarez. in e x is tê n c ia ). E les o c h a m a ra m vazio. A e x istê n c ia é
R. G arrigog -L agrange, God: his existence and his c o m p le ta , e a in e x is tê n c ia é v a zio . O s á to m o s n ã o
nature. d ife re m na e s s ê n c ia , m a s e stã o se p a ra d o s p o r e s p a ­
___ , Predestínatíon. ço s d ife re n te s. E ssa d ife re n ç a , n o e n ta n to , é a p en a s
___ , Reality: a synthesis ofthomistic e x trín se c a . N ão h á d ife re n ç a in trín se c a n o s á to m o s
thought. (s e re s ). E ssa re sp o sta e ra p o u co a d e q u a d a . S e r d ife ­
___ , The one God. re n te em a b s o lu ta m e n te n a d a é n ã o te r a b s o lu ta ­
N . L. G hisi.hr e m BA SiN G ER ,/W ft;rím iqi0 e livre- m e n te n e n h u m a d ife r e n ç a . S e a fa lta d e d ife r e n ç a
arbítrio. e stá n u m lo ca l o u em o u tro n ão faz d ife re n ç a . N ão
I.. D k M oi.ina, On divineforeknowledge. te r a b so lu ta m e n te n e n h u m a d ife re n ç a é se r a b s o lu ­
T omas de A q u n o , Suma contra os gentios. ta m e n te igu al. O m o n ism o d e rru b a o a to m ism o .
____ , Suma teológica. A s coisas diferem pela inexistência relativa. P latã o
a cre d ita v a q u e a s c o isa s d ife re m p o rq u e fo rm a s d i­
m on ism o. 0 estudo da realidade é a m etafísica. A fe re n te s o u a rq u é tip o s e stã o p o r trá s d ela s. E s sa s id é i­
maneira de ver a realidade é uma cosmovisão. Algo as o u fo rm a s sã o a realid ad e. T od as a s co isa s n e ste
fundamental para a cosmovisão de uma pessoa é se m u n d o da n o ssa e x p e riê n c ia são a p e n a s s o m b ra s do
ela vê o “um ou m u itos” . Essa d iferen ça sep ara m u n d o re a l. E las tê m sig n ific a d o p o rq u e p a rtic ip a m
monistas de pluralistas e está tão arraigada nos pa­ d a s fo rm a s v e rd a d e ira s. P o r e x e m p lo , c a d a se r h u ­
drões de pensamento da pessoa que ela raram ente m a n o in d iv id u a l p a rtic ip a da fo rm a u n iv e rsa l d a h u ­
está ciente de que tal diferença de ponto de vista m a n id a d e n o m u n d o d as id éias.
realm ente existe. O m onism o vê tudo com o “um”. P la tã o viu a fra q u e z a d e su a p o s iç ã o e te n to u
Deus e o universo são uma só coisa. O cristianism o e sc a p a r ao m o d ific á -la p ara a e x p lic a ç ã o d e q u e as
está com prom etido com o “muitos” do pluralismo, fo rm a s o u id é ia s n ã o sã o in d iv isiv e lm e n te s e p a ra ­
afirmando que Deus difere da criação (v. teísmo). d as p ela in e x is tê n c ia a b s o lu ta ; e m vez d isso , e stã o
Os argumentos afavor do monismo. O monismo, re la c io n a d a s p ela in e x is tê n c ia relativa.
ao contrário de todas as formas de pluralismo, insiste E s sa in e x is tê n c ia re la tiv a ta m b é m fo i c h a m a d a
em que toda realidade é uma só. Parmênides de Eléia d e “o u tro ” (P la tã o , Sofista, 2 5 5 d ). P la tã o a cred ita v a
(n. c. 515 a.C.) inicialmente propôs, ou identificou, a q u e p o d ia te r m u ita s fo rm a s (s e re s ) d ife re n te s e e v i­
questão, e muitos filósofos desde então lutaram com ta r a ssim o m o n ism o . C ad a fo rm a d iferia d as o u tra s
seu dilema. Quatro respostas foram propostas, mas fo rm a s p o rq u e n ão era a o u tra fo rm a .
apenas uma resolve o problema com sucesso. T od a d e te r m in a ç ã o é p e la n e g a ç ã o . O e s c u lto r
Parm ênides argum entou que não pode haver d e te rm in a o q u e a e stá tu a é e m re la ç ã o à p ed ra ao
mais de uma coisa ( monismo absoluto). Se houvesse e lim in a r c o m o cin z e l a q u ilo q u e n ão é d e se ja d o . A
duas coisas, elas teriam de ser diferentes. Mas, para fo rm a fin al é d ife re n te d o q u e a e s c u ltu ra p o d e ria
monismo 612

ser se pedaços de pedra diferentes estivessem aos são diferentes na própria existência porque pode ha­
pés do escultor. Da m esma m aneira, cada forma e ver tipos diferentes de seres (Aquino, la .4, 1, ad 3).
diferenciada de todas as outras formas pelo que não Deus, por exemplo, é um tipo infinito de ser. Todas as
existe. A cadeira é diferente de todas as outras coisas criaturas são tipos finitos de seres. Deus é Realidade
na sala porque não é a mesa. S ão é o chão ou a parede Pura; todas as criaturas são compostas de realidade e
etc. A cadeira não é absolutamente nada. Ela tem ca­ potencialidade. Logo, seres finitos diferem de Deus
racterísticas de cadeira. Mas não é nada em relação às porque têm potencialidade limitadora; ele não tem.
outras coisas, porque não é essas outras coisas. Coisas finitas podem ser diferentes umas das outras
Parm ênides não teria se im pressionado com a pelo fato de sua potencialidade ser com pletamente
tentativa de Platão. Ele teria perguntado se havia al­ realizada (como nos anjos) ou progressivamente rea­
gum a diferença nos próprios seres. Não havendo, lizada (como nos seres humanos). Mas em todas as
então ele teria afirmado que todos esses seres (for­ criaturas sua essência é realmente diferente da exis­
m as) devem ser idênticos. Não há muitos seres, mas tência. A essência e a existência de Deus são idênticas.
apenas um. Aquino não foi o primeiro a fazer essa distinção, mas
As coisas diferem com o seres simples. Tanto o foi o primeiro a fazer uso tão extenso dela.
atomista quanto o platonista lutaram com o dilema Aquino argumenta no seu livro Do ser e da essên­
de Parmênides. Tentaram diferenciar as coisas pela cia que a existência é algo diferente da essência exceto
inexistência. A r is t ó t e l e s e T om á s de A quin o tentaram em Deus, cuja essência é sua existência. Tal ser ne­
encontrar a diferença nas coisas. Ambos afirmaram cessariamente será único e singular, já que a multi­
que os seres são essencialmente diferentes. Aristóteles plicação de algo só é possível quando há uma dife­
afirmou que esses seres são metafisicamente simples rença. Mas em Deus não há diferença. Conclui-se
(Aristóteles, ix, 5, 1017a 35b-a). Tomás de Aquino os n ecessariam en te que em todas as ou tras coisas,
considerava metafisicam ente compostos. exceto nessa existência única, a existência deve ser
Veja o artigo A r is t ó t e l e s para o argumento com ­ uma coisa, e a essência, outra.
pleto de que há uma pluralidade de 47 ou 55 motores Isso respondeu ao dilema proposto pelo monismo.
imóveis que são separados uns dos outros pela pró­ As coisas diferem quanto à existência porque são tipos
pria existência. Essa pluralidade de seres causa todo diferentes de seres. Parmênides estava errado porque
movimento no mundo, cada um do seu próprio do­ supôs que “ser” sempre é compreendido univocamente
mínio cósmico. Cada um é forma pura sem matéria. (da mesma maneira). Aquino considerava esse ser aná­
A m atéria diferencia as coisas neste mundo. Essa logo (v. analogia , princípio da ). Isso significa que cada ser
pluralidade de form as substanciais totalm ente se­ pode ser compreendido de maneiras semelhantes, mas
paradas não tem existência em comum. Os motores diferentes. Todos os seres que existem são iguais pelo
são com pletam ente diferentes uns dos outros. Não fato de serem todos reais. Seres finitos diferem do
podem ser relacionados (v. Eslick, p. 152-3). único Ser infinito porque têm potencialidades dife­
Parmênides perguntaria a Aristóteles com o se­ rentes para se tornar outras coisas ou para deixar de
res simples podem ser diferentes quanto à própria existir. E têm atualizações diferentes desses potenci­
existência. Coisas compostas de forma e matéria po­ ais individuais.
dem ser diferentes porque a matéria específica di­ Superioridade da posição tomista. A posição de
fere de todas as outras matérias, apesar de terem a Aquino tem valor pela própria racionalidade e pela
m esm a forma. Mas com o as form as (seres) puras implausibilidade das posições alternativas. A posi­
diferem? Aqui não há princípio de diferenciação. Se ção de P a rm ê n id e s viola n ossa e x p e riê n c ia da
não há diferença na existência, sua existência é idên­ multiplicidade diferenciada mas inter-relacionada
tica. A solução de Aristóteles não evita o monismo. de seres.
Tomismo: as coisas diferem como seres comple­ A p osição tomista sobre pluralidad e é que a
xos. A quarta alternativa pluralista ao m onism o é multiplicidade é possível porque cada coisa tem seu
rep resen tad a por Tom ás de A quino, que, com o próprio modo de existência. A essência, o princípio
A ristóteles, buscou a diferença nas próprias co i­ de diferenciação, é real. Isso não significa que a es­
sas. M as, ao contrário de Aristóteles, que com eçou sência seja independente da existência. A essência é
com seres simples, Aquino acreditava que todos os real porque existe. A distinção real no ser entre essên­
seres finitos são com postos. Apenas Deus é um Ser cia ( essentia ) e existência (esse) parece ser a única
ab so lu tam en te sim ples, e só pode haver um Ser resp osta s a tisfa tó ria ao p ro blem a de unidade e
(D eus) assim . No entanto, pode haver outros tipos pluralidade. Sem a analogia da existência, não há ma­
de existên cia, ou seja, seres com postos. Os seres neira de explicar a multiplicidade.
613 monoteísmo primitivo

Parm ênides não via multiplicidade porque via primitivo. Jó, o único outro livro bíblico situado num
toda existência univocam ente. As coisas são total­ período antigo pré-mosaico, claramente tem uma vi­
m ente diferentes ou totalm ente idênticas. Não há são monoteísta de Deus (v„ por exemplo, Jó 1.1,6,21).
intermediários. Se toda existência é unívoca, então Romanos 1.19-25 ensina que o m onoteísm o prece­
toda existência é idêntica. Não há espaço para dis­ deu o animismo e o politeísmo e que essas formas de
tin ção ; tudo é um a E xistên cia. É por isso que a religião surgiram à medida que as pessoas trocaram a
cosmovisão m onista não suporta a distinção entre glória de Deus pela imagens feitas segundo a sem e­
Criador e criatura. É por isso que a esperança supre­ lhança do hom em m ortal, bem com o de pássaros,
ma das religiões m onistas é unir-se a “deus”. Tudo quadrúpedes e répteis.
mais é inexistência. A única maneira de evitar a con­ Monoteísmo, antigo ou recente? O monoteísmo
clusão m onista que resulta da visão equívoca ou da recente proposto por Frazer. Desde que James F razf . r
visão u n ívoca das e x is tê n c ia s é ter um a visão publicou O ramo de ouro (1912), acredita-se que as
analógica. A única maneira em que a existência pode religiões evoluíram a partir do anim ism o, passando
ser analógica é se há na existên cia o princípio da pelo p o l i t e í s m o , pelo HEXOTEíSMo, chegando finalmente
unificação e o princípio da diferenciação. Como se­ ao monoteísmo. Mesmo antes disso, Charles D a rw in
res finitos têm potencialidades diferentes (essênci­ preparou o cam inho para tal esquem a evolutivo.
as), esses seres finitos podem ser diferenciados na Frazer alegou que o cristianism o copiou m itos pa­
realidade quando essas potencialidades são realiza­ gãos. Apesar do seu uso seletivo de dados anedóticos,
das ou criadas em tipos diferentes de existência. que se tornaram obsoletos com pesquisas posterio­
Conclusão. O ser é o que existe. Quantos seres res, o livro ainda tem muita influência, e suas idéias
existem? 0 ser pode ser simples (realidade pura) ou são consideradas verdadeiras. A tese evolutiva de
com plexo (realidade e potencialidade). Não pode Frazer sobre a religião realmente é infundada, como
haver dois seres absolutamente simples, já que não observado no artigo sobre sua obra.
há nada num ser com pletamente simples pelo qual Argumentos a favor do monoteísmo primitivo. Exis­
poderia ser diferenciado do outro. Mas um ser sim ­ tem evidências substanciais para apoiar a obra de
ples deve ser diferente dos seres complexos, já que Schmidt (v. Schmidt), segundo a qual o monoteísmo é
não tem potencialidade e eles têm. Essa é a distinção a crença primitiva sobre Deus. Argumentos a favor
entre Criador e criatura. É por isso que só pode ha­ do monoteísmo primitivo vêm dos registros e tradi­
ver um Deus puro e simples, mas muitos seres cria­ ções mais antigos que sobreviveram. Eles incluem não
dos que co m b in em re a lid a d e e p o tê n c ia ou só a Bíblia, mas tam bém as tábuinhas de Ebla e o
potencialidade. Apenas um é Existência; tudo ornais estudo de tribos pré-letradas. Gênesis representa os
tem existência. Essa parece ser a única resposta ade­ registros mais antigos da raça humana, retornando ao
quada ao monismo. primeiro homem e mulher. O arqueólogo William F.
A l b r í g h t dem onstrou que o registro patriarcal de
Fontes Gênesis é histórico.
A r m o i i lls, Metafísica.
L .J. E sí.k K,‘T h e real d istinction ”,Modern Graças à pesquisa moderna“agora reconhecemos sua [das
schoolman 38 (Jan. 1961) Escrituras] historicidade substancial. As narrativas sobre os
P.'i Rm lm d l ', Pvoem. patriarcas, Moisés e o Êxodo, a conquista de Canaã, os juízes, a
Pi.aiao, P a r m e n id e s . monarquia, o exílio e a restauração, foram todas confirmadas e
___ , Soilsta. ilustradas de uma forma que eu considerava impossível há qua­
R. J. T i sri , “Plato's later dialectic”, Modern renta anos (From theStone.Age to Christiwúty [Da idade dapedra
schoolman 38 (Mar. 1961). ao cristianismo], p. 1).
T o m a s i )f A q u n o , Doser e da essência.
___ , Suma teólogica. Gênesis é uma obra literária e genealógica, uni­
da por uma lista de d escend entes (Gn 5, 10) e a
m onoteísm o. V. t e í s m o ; is l a m is m o ; m on o teísm o p r im i t i v o . fórmula literária; “Esta é a história da...”. A frase é
usada em todo o Génesis (2.4; 5.1; 6.9; 10.1; 11.10,27;
m o n o te ís m o p r im itiv o . A B íb lia en sin a que o 25.12, 19; 36.1,9; 32.2). Além disso, eventos d écad a
monoteísmo foi o primeiro conceito de Deus. O pri­ um dos onze p rim eiro s cap ítu lo s d iscu tid o s de
meiro versículo de Gênesis é monoteísta: “No princí­ Génesis são m encionados por Jesus e pelos autores
pio Deus criou os céus e a terra” (Gn 1.1). Os patriar­ do nt com o históricos. Isso inclui a existência de
cas Abraão, Isaque e Jacó refletem esse monoteísmo Adão e Eva (v. Mt 19.4,5), a tentação (U m 2.14) e a
m o r a l D eu s, a r g u m e n to 614

Queda (Rm 5.12), os sacrifícios de Caim e Abel (Hb do m onoteísm o primitivo. Albright reconhece que
11.4), o assassinato de Abel por Caim (1 Jo 3.12), o “deuses supremos podem ser onipotentes e podem
n a scim en to de Sete (Lc 3 .3 8 ), a tra sla d a çã o de levar crédito pela criação do mundo; em geral são
Enoque ao céu (Hb 11.5), os casam entos antes do divindades cósm icas que com freqüência residem
Dilúvio, o Dilúvio e destruição da humanidade (Mt no céu” (From the stone age, p. 170).
24.39), a preservação de Xoé e sua fam ília ( 2 Pe 2 . 5 ) , Isso claramente se opõe aos conceitos animistas
a genealogia de Sem (Lc 3.35,36) e o nascim ento de e politeístas.
Abraão (Lc 3.34). Conclusão. Xão há razão real para negar o regis­
Há forte evidência da historicidade de Adão e tro bíblico do m onoteísm o primitivo. Pelo contrá­
Eva especificam ente. Mas esse registro revela que rio, há evidência suficiente de que o m onoteísm o
essas primeiras pessoas eram monoteístas (G n l.1,27; tenha sido a primeira religião, da qual outras se des­
2.16,17; 4.26; 38.6,7). viaram, assim como Romanos 1.19-25 declara. Isso
Depois de Gênesis, Jó é o livro bíblico mais anti­ se ajusta melhor á evidência da existência do Deus
go e tam bém revela uma visão monoteísta. Deus é o monoteísta (v. D e u s , e v i d e n c i a d e ) e à tendência com ­
Criador (4.17; 9.8,9; 26.7; 38.6,7) pessoal (Jó 1.6,21), provada dos seres humanos de distorcer a verdade
moral (1.1; 8.3,4), porém soberano (42.1,2) e onipo­ que Deus lhes revela (v. n o ê t i c o s d o p e c a d o , e f e i t o s ).
tente (5.17; 6.14; 8.3; 13.3).
Além da Bíblia, os registros relevantes mais antigos F o n te s

vêm de Ebla, na Síria. Eles revelam um monoteísmo W. K A: ?■-.! : í : t . F m n t h e S t o n e A g e to C h r is t ia n it y

claro, ao declarar: “Senhor do céu e da terra, a terra não G. VC. B p.-.-v.t i :, U n d e r s t a n d in g w o r l d r e lig io n s .

existia, tu a criaste, a luz do dia não existia, tu a criaste, a A. Cintava , i ne doorwav papers.
luz da manhã ainda não havias criado” (Pettinato, The I. G. F e \7-n. O r a m o d e o u r o .
archives ofEbla [Os arquivos de Ebla], p. 259). E. 0 , J .e :t s "Frazer, Jam es George”. em NTCERK.
Religiões prim itivas da África revelam un ani­ E. M e:s :s :: :, "Ebla and biblical historical in erran ív ".
memente um monoteísmo explícito. John Mbiti es­ em Bibiiotheea Sacra (O ct.-D ec. 1983)
tudou trezentas religiões tradicionais. “Em todas es­ ]. M b :::, A fr ic a n r e lig io n s .

sas sociedades, com uma única exceção, as pessoas |. S. M s:::, A f r i c a n r e h g i o n s a n d p h il o s o p h y .

têm a noção de Deus como Ser Supremo” (v. African ___ . C o n e e p t s o / G o d ia A f i i e a .


religions and philosophy [Religiões e filosofia africa­ B. Píttin.vã . The archives ofEbla.
nas]). Isso é verdadeiro com relação a religiões primiti­ W. S lh v ;: ", H i g h g o d s in S o r th A m e r i c a .
vas em todo o mundo. Até nas sociedades politeístas, um ___ . T i t e o r i g i n a n d g r o w t h o f r e lig io n s .
deus maior ou celestial reflete o monoteísmo latente. ___ , Primitive reveiation.
A idéia do m onoteísm o recente e evoluído é, ela
m esm a, recente, tendo ganhado popularidade so ­ m o ra l D eus, arg u m en to. A maioria dos argumen­
mente na esteira de Charles Danvin e sua teoria da tos a favor da existência de Deus, tais como o a r g u ­
evolução biológica (v. ,4 origem das espécies, 1859). A COS.MOLÓGICO e o a r g u m e n t o t e l e o l ó g i c o , são do
m ento

idéia foi afirmada pelo próprio Danvin em The descent mundo antigo. O a r g u m e n t o o n t o l ó g i c o vem da era
o f man [A descendência do homem] (1871). A idéia medieval. Mas o argumento moral tem origem m o­
evolutiva de Frazer na religião é baseada em várias su­ derna, emanando das obras de Immanuel Kant.
posições infundadas, entre elas a pressuposição de que Postulado m oral de Kant. Kant rejeitou firm e­
a evolução biológica é verdadeira, apesar de carecer de m ente os argumentos tradicionais a favor da exis­
provas (v. evolução biológica ). Ainda que a evolução bio­ tência de Deus ( v. Deus, o r i e c o e s à s p r o v a s d e ). No en­
lógica fosse verdadeira, não há razão para crer que a tanto, não rejeitou a crença em Deus. Pelo contrário,
evolução seria verdadeira no caso da religião. acreditava que a existência de Deus é um postulado
A tese da evolução do m onoteísm o de Frazer praticam ente (m oralm ente) necessário, apesar de
tam bém é b asead a em evidência frag m en tária e não podermos provar isso.
anedótica, não na pesquisa histórica e cronológica O argumento de Kant a favor da existência de Deus
séria das origens do m onoteísm o. Encaixa a evi­ com base na razão prática, extraído do seu Crítica da
dência no modelo evolutivo. A evidência pode ser razão prática, pode ser esboçado da seguinte maneira:
tão bem explicada, se não melhor, para defender a
tese de que o politeísm o seria uma degeneração do 1. A felicidade é o que todos os seres humanos
m onoteísm o original. 0 paganism o é um desvio desejam.
615 moral Deus, argumento

2. A moralidade (ou s e ja , o imperativo categó­ 1. O id e a l m o r a l absolutam ente perfeito existe


rico) é o dever d e todos os seres humanos (o ( p e l o m e n o s p sicolo g icam en te em n ossas
que devem fa z e r ). m e n te s).
3. A unidade da felicidade e do dever é o bem 2. A lei moral absolutamente perfeita só pode exis­
maior (o sitmmum bonum ). tir se h o u v e r u m a Mente moral absolutamente
4. 0 summum bonum deve ser buscado ( já que é p e rfe ita : a ) I d é ia s só podem existir se houver
o bem m aior). m e n te s (pensamentos dependem de pensado­
5. Mas a unidade do desejo e do dever (que é o re s). b ) E id é ia s absolutas dependem da Mente
bem maior) não é possível para seres hum a­ a b s o lu t a (não de mentes individuais [finitas]
nos finitos no tempo limitado.
c o m o as nossas).
3. L o g o , é racionalm ente necessário postular
6. E a necessidade moral de fazer algo implica a
Mente absoluta como base para a idéia m o­
possibilidade de fazê-lo (dever implica poder).
ral absolutam ente perfeita.
7. Logo, é moralm ente (i.e., praticam ente) ne­
cessário postular: a) uma Divindade para to r­
Para apoiar a objetividade da idéia moral abso­
nar essa unidade possível (i.e., um poder de
luta, Rashdall oferece este raciocínio:
uni-los) e b) im ortalidade para tornar essa
unidade atingível.
1. A moralidade geralm ente é considerada ob-
ietivam ente obrigatória.
Uma forma mais simples é esta:
2. M entes m aduras vêem a m oralidade com o
algo objetivam ente obrigatório (i.e., que obri­
1. O bem m a io r d e t o d a s as pessoas é que elas ga todos, não apenas alguns).
te n h a m fe lic id a d e em harmonia com o dever. 3. A objetividade moral é um postulado racio-
2. T o d a s a s p e s s o a s d e v e m lutar pelo bem maior. nalmente necessário (porque algo não pode
3. 0 q u e a s p e s s o a s devem fazer, podem fazer. ser considerado melhor ou pior a não ser que
4. M a s a s p e s s o a s não são capazes de atingir o haja um padrão objetivo de com paração).
bem maior nesta vida sem Deus. 4. É p raticam ente n ecessário postular idéias
5. Logo, d evem os p o stu la r um Deus e uma objetivas morais.
vida futura em que o bem m aior possa ser
alcançad o. Se a lei moral objetiva existe independentemente
de mentes individuais, então deve vir de uma Mente
Kant não ofereceu seu postulado com o prova que existe independentemente de mentes finitas. Do
teórica sobre Deus. Ele não acreditava que tal prova ponto de vista racional, é necessário postular tal Men­
fosse possível. Mas via a existência de Deus como te para explicar a existência objetiva dessa lei moral.
pressuposição moralm ente necessária, não o resul­ As maneiras mais comuns de desafiar esse argu­
tado do argumento racionalm ente necessário. mento são: questionar a existência da lei moral obje­
tiva; negar que o ideal moral absoluto precisaria da
As p re m issas de K ant fo ram d esa fia d a s. Os
Mente moral absoluta. Porque uma mente finita não
existencialistas (v. e x i s t e n c i a l i s m o ) , inclusive Jean-
pode evocar a idéia de perfeição moral sem que esta
Paul S a k t r t e Albert Camus, e ateus como Friedrich
exista no mundo real. Afinal, não podemos pensar
N if t z s c h e desafiaram a pressuposição de que o bem
sobre triângulos perfeitos sem que estes existam?
m aior é atingível. M artinho L ejtero e João Calc ino,
Argumento m oral d e Sorley. O argumento m o­
bem com o outros reform adores protestantes, ape­
ral é dependente da objetividade da lei moral. Logo,
sar de terem vivido antes de Kant, negaram que
é necessário oferecer uma defesa dessa premissa. É
dever im plica poder. Ainda outros, de A r is t ó t e l e s
exatamente isso que W. R. Sorley faz na sua versão do
em diante, acreditavam que o bem m aior é atingí­
argumento moral a favor da existência de Deus. Já
vel nesta vida. que existe o ideal moral anterior a, superior a e in­
Argumento m oral d e Rashdall. Hastings Rashdall dependente de todas as mentes finitas, deve haver
fez o que Kant não tentou quando ofereceu um argu­ uma Mente moral suprema da qual esse ideal moral
mento racional para a existência de Deus com base na é derivado:
lei moral. Começando com a objetividade da lei m o­
ral, ele raciocinou para chegar à Mente moral absolu­ 1. Exite uma lei moral objetiva que é indepen­
tamente perfeita (v. Hick, p. 144-52). dente da consciência que os hom ens fazem
moral Deus, argumento 616

dela e que existe apesar da falta de concordân­ ponto de vista moral; c) nenhum julgamento
cia humana com ela: a) as pessoas estão cien­ moral estaria errado, sendo todos subjetiva­
tes de tal lei entre si; b) as pessoas admitem m ente corretos; d) nenhum a questão ética
que sua validade é anterior ao seu reconheci­ jam ais poderia ser discutida, pois não have­
mento dela; c) as pessoas reconhecem que a ria significado obietivo para qualquer termo
lei moral tem autoridade sobre elas, apesar de ético ; e) posições co n tra d itó ria s estariam
não se renderem a ela; d ) nenhuma mente finita todas corretas, iá que os opostos estariam
compreende completamente sua significância; igualmente corretos.
e) todas as mentes finitas juntas não atingiram 2. Essa lei moral está além dos indivíduos e além
a concordância completa sobre seu significa­ da humanidade como um todo a) está além
do nem conformidade com seu ideal. das pessoas individuais, já que estas geralmente
2. Mas as idéias existem apenas nas mentes. entram em conflito com ela; b) está além da
3. Logo, deve haver a Mente suprema (acim a de humanidade como um todo, pois os seres hu­
tod as as m entes fin ita s ) na qual essa lei manos carecem coletivamente dela e até me­
moral objetiva existe. dem o progresso de toda raça por ela.
3. Essa lei m oral deve vir de um Legislador
Sorley chama a atenção para a diferença im por­ moral porque a) uma lei não tem significado,
tante entre a lei natural e essa lei moral. A prim eira é a não ser que venha de uma mente — apenas
d e s c ritiv a do u n iv erso , e n q u a n to a seg u n d a é mentes em item significado; b) deslealdade
prescritiva do com portam ento humano. Assim, a lei não faz sentido, a não ser que se reporte a
m oral não pode ser parte do mundo natural. É a m a­ uma pessoa, mas as pessoas morrem por le­
neira em que os humanos devem agir. Está além do aldade ao que é moralmente correto; c) a ver­
mundo natural e é o modo pelo qual devemos nos dade é insignificante se não for a união das
com portar no mundo. mentes, mas as pessoas morrem pela verda­
Os que criticam a forma que Sorley deu ao argu­ de; d) logo, o descobrimento da lei moral e o
mento moral afirmam que o simples fato de as pesso­ dever em relação a ela só fazem sentido se há
as acreditarem que há uma lei moral além delas e in­ uma Mente ou Pessoa por trás dela.
dependente delas não significa que ela realmente exis­ 4. Portanto, deve haver uma Mente moral e pes­
ta. Juntamente com F huerbacm , eles acreditam que tal soal por trás dessa lei moral.
lei é apenas a projeção da imaginação humana. É um
ideal coletivo da consciência humana (ou inconsci­ É digno de nota que a form a do argum ento m o­
ência), que evoca o melhor da natureza humana como ral de Trueblood dem onstra sua validade em ter­
ideal pelo qual devemos viver. Os críticos tam bém m os de racionalidade. Em essência, rejeita r a lei
apontam as diferenças de com preensão da moral moral é irracional ou sem sentido. Isto é, a não ser
como indicação de que não há uma lei moral univer­ que se presum a que o universo é irracional, deve
sal, mas apenas uma coleção de vários ideais huma­ haver uma lei m oral objetiva e, portanto, um Legis­
nos que se sobrepõem e são, portanto, confundidos lador Moral objetivo.
com a lei moral. Finalmente, os críticos desafiam a Além das coisas ditas contra as outras formas de
prem issa de que apenas a Mente suprema e extra- argumento moral, alguns críticos, principalmente os
humana pode ser a base para esse ideal moral univer­ existencialistas e niilistas, sim plesmente indicam o
sal. Idéias perfeitas podem ser criadas por mentes absurdo do universo. Sim plesm ente se recusam a
imperfeitas, dizem eles. admitir, com Trueblood, que o universo é racional.
A rgu m en to m o ra l d e T ru eblood. O filósofo Admitem que pode ser absurdo supor que não há lei
evangélico Elton T r u e b l o o d acrescenta algo signifi­ m oral, mas logo acrescentam que é assim que as
cativo aos argumentos morais propostos por Rashdall coisas são — sem sentido. É claro que o defensor do
e Sorley na sua forma do argumento: argum ento moral poderia d em onstrar a natureza
contraditória da afirm ação de que “nada faz senti­
1. Deve haver uma lei moral objetiva; senão a) do”, já que a própria declaração é considerada algo
não haveria concord ância tão grande com que faz sentido.
re la çã o a seu s ig n ific a d o ; b ) n enhu m a A rgum ento m oral de Lewis. A forma moderna
discordância moral real jam ais teria aconte­ mais popular do argum ento moral provém de C. S.
cido, estando cada pessoa certa do próprio L k w i s em Cristianismo puro e simples. Ele não só
617 moral Deus, argumento

fornece a form a mais com pleta do argum ento da prescritivas (o que deve ser), como são as leis morais.
m aneira m ais persuasiva com o tam bém responde Situações factualmente convenientes (como as coisas
às principais objeções. 0 argumento moral de Lewis são) podem ser moralmente erradas. Alguém que tenta
pode ser resumido da seguinte forma: me derrubar e fracassa está errado, mas quem me der­
ruba acidentalmente não está.
1. Deve haver uma lei moral universal, senão a) A lei m oral não é imaginação humana. E a lei
d iscord ân cias m orais não fariam sentid o, moral não pode ser apenas a imaginação humana,
como todos supomos que fazem; b) todas as porque não podemos nos livrar dela, mesmo quan­
críticas m orais seriam desprovidas de senti­ do queremos. Nós não a criam os; ela foi gravada em
do (p.ex. “Os nazistas estavam errados”); c) é nós de fora para dentro. Se fosse imaginação, então
desnecessário cumprir promessas ou tratados, todo valor dos julgam entos seria insignificante, in­
como todos supomos que é; d) não nos ex­ clusive afirm ações com o “Odiar é errado” e “O ra­
plicaríamos quando violássemos a lei moral, cism o é errado”. M as, se a lei moral não é apenas
com o fazemos. descrição ou prescrição humana, então deve ser uma
2. Mas uma lei moral universal exige um Legis­ prescrição moral de um Prescribente Moral além de
lador Moral, já que a Fonte dela a) dá ordens nós. Como Lewis observa, esse Legislador Moral se
morais (como os legisladores fazem ); b) está assem elha mais a uma Mente que à natureza. Ele não
interessada em nosso com portam ento (como pode ser parte da natureza, assim com o um arquite­
as pessoas morais estão). to não é idêntico ao prédio que cria.
3. Além disso, esse Legislador Moral universal A injustiça não refuta o Legislador Moral. A obje­
deve ser absolutam ente bom a) senão todo ção principal ao Legislador absolutamente perfeito é
o argumento baseado no mal ou na injustiça no mun­
esforço moral seria fútil, no final das contas,
do. Nenhuma pessoa séria pode deixar de reconhecer
já que estaríam os sacrificando nossas vidas
que todo assassinato, estupro, ódio e crueldade no
pelo que não é absolutam ente correto; b) a
mundo o tornam imperfeito. Mas se o mundo é im ­
fonte de todo bem deve ser absolutam ente
perfeito, com o pode haver um Deus absolutamente
boa, já que o padrão de todo bem deve ser
perfeito? A resposta de Lewis é simples: “A única ma­
com pletam ente bom.
neira de o mundo ser imperfeito é se existe um pa­
4. Logo, deve haver um Legislador Moral abso­
drão absolutamente perfeito pelo qual pode ser con­
lutamente bom.
siderado imperfeito” (v. m o r a l id a d e , natureza absoluta
da ). Pois a injustiça só faz sentido se há um padrão de
A lei moral não é instinto coletivo. Lewis antecipa
justiça pelo qual algo é considerado injusto. E a in­
e responde persuasivam ente a objeções im portan­
justiça absoluta só é possível se há um padrão abso­
tes ao argumento moral. Essencialm ente, suas res­
luto de ju stiça. Lewis recorda os pensam entos que
postas são: 0 que chamam os lei moral não pode ser
tinha quando ateu:
o resultado do instinto coletivo, senão o im pulso
mais forte sempre ganharia, mas isso não acontece.
Como eu tive esse idéia dejusto e injusto? Um homem não
Sempre agiríamos por instinto ao invés de altruisti-
considera uma linha torta sem que tenha alguma noção de uma
cam ente para ajudar alguém, com o às vezes faze­
linha reta. Com que eu estava comparando esse universo quan­
mos. Se a lei moral fosse apenas instinto coletivo, os
do o chamei de injusto [... ] É claro que eu poderia ter abandona­
instintos estariam sempre corretos, mas não estão.
do minha idéia dejustiça ao dizer que não era nada além de uma
Até amor e patriotismo às vezes estão errados.
idéia particular minha. Mas, se fizesse isso, meu argumento con­
A lei moral não é convenção social. A lei moral tam­ tra Deus também ruiria — pois o argumento dependia de dizer
bém não pode ser mera convenção, porque nem tudo que o mundo era realmente injusto, não apenas que não agrada­
aprendido por meio da sociedade é baseado na conven­ va a meus caprichos individuais. Logo, no próprio ato de tentar
ção social. Por exemplo, matemática e lógica não são. As provar que Deus não existia — em outras palavras, que o todo
mesmas leis morais básicas podem ser encontradas em da realidade não fazia sentido — me vi forçado a admitir que
quase todas as sociedades, passadas e presentes. Além uma parte da realidade— isto é, minha idéia dejustiça— fazia
disso, os julgamentos sobre o progresso social não seri­ total sentido (Cristianismopuro esimples, p. 45,46).
am possíveis se a sociedade fosse a base dos julgamentos.
A lei moral difere das leis da natureza. A lei m o­ Em vez de refutar o Ser m oralm ente perfeito, o
ral não deve ser identificada com as leis da natureza. mal no m undo pressupõe um padrão perfeito. É
As leis da natureza são descritivas (o que é), não possível questionar a onipotência desse Legislador
m o ra lid a d e , n a tu re z a a b s o lu ta d a 618

Supremo, mas não sua perfeição absoluta. Pois se al­ A m e d iç ã o é im possível sem absolutos. Até os rela-
guém insiste em que há imperfeição real no mundo, tivistas morais fazem afirm ações como: “0 mundo
deve haver um padrão perfeito para que se saiba isso. está melhorando (ou piorando)”. Mas não é possível
saber que ele está “melhorando”, a não ser que saiba­
Fontes mos o que é “m elhor”. Algo menos que perfeito só
N . L. G f.isler e \V. C o r d c a x , Philosophy ofreligion. pode ser medido em comparação a algo perfeito. Logo,
J. H ick, The existence ofGod. todos os julgam entos m orais objetivos implicam o
I. K ant, Crítica da razão prática. padrão moral absoluto pelo qual podem ser medidos.
C. S. L e v is , Cristianismo puro e simples. D is c o r d â n c ia s m o r a is e x ig e m p a d r õ e s o b jetiv o s.
H. R ash d a ll, The theory ofgood and evil. Discordâncias morais reais não são possíveis sem o
W.R. Sorley, Moral value and the idea ofGod. padrão moral absoluto pelo qual os lados podem ser
E. T ru eblo o d , Philosophy ofreligion. medidos. De outra forma, ambos os lados de qualquer
disputa moral estarão certos. Mas os opostos não po­
moralidade, natureza absoluta da. O cristian is­ dem estar ambos corretos. Por exemplo, as afirmações
mo ortodoxo sempre defendeu os absolutos morais. “Hitler foi um homem mau” versus “Hitler não foi um
No entanto, a m aioria dos éticos defende alguma homem mau” não podem estar ambas corretas no mes­
forma de relativismo. Logo, é necessário defender a mo sentido (v. pr im eir o s pr in c ípio s ). Sem o padrão moral
crença em absolutos morais. objetivo pelo qual as ações de Hitler possam ser medi­
Absolutos morais. Antes de a natureza absoluta das, não podemos saber se ele era mau.
da m oralidade poder ser entendida, a m oralidade A b so lu to s m o r a is s ã o in e v itá v e is . O relativism o
deve ser definida. Uma obrigação moral compreen­ moral total reduz-se a afirmações como: “Você nun­
de várias coisas. Prim eiro, o dever moral é bom em ca deve dizer nunca”, “Você deve sempre evitar usar
si m esm o (um f i m ) , não apenas bom com o meio. a palavra sempre” ou “Você absolutamente não deve
Além disso, é algo que devemos buscar, um dever. A acred itar em absolutos m orais”. A firm ações com
moralidade é p r e s c r it i v a ( “dever”), não apenas des­ “deve” são afirm açõ es m orais, e afirm açõ es com
critiva ( “ser”). A moralidade lida com o que é corre­ “nunca deve” são afirmações morais absolutas. Por­
to, em contraste com o que é errado. É uma obriga­ tanto, não há m aneira de evitar absolutos m orais
ção, pela qual a pessoa é responsável. sem afirm ar um absoluto moral. O relativismo m o­
Uma obrigação moral absoluta é: ral total é contraditório.
Distinções em absolutos m orais. Se há base ab­
Um dever m oral objetivo (n ã o -s u b je tiv o ) — soluta para a moralidade, então por que tantos acre­
dever para com todas as pessoas. ditam que toda moralidade é relativa? As razões para
Uma obrigação eterna (n ão -tem p o ral) — de­ isso são em grande parte baseadas na incapacidade
ver o tempo todo. de fazer distinções adequadas.
Uma obrigação universal (n ão -local) — dever A d ife r e n ç a e n tr e fa ro (é ) e v a lo r (d e v e ser). Os
em todos os lugares. relativistas confundem fato e valor, o que é e o que
Um dever absoluto é o que compromete todas as deve ser. 0 que as pessoas fa z e m está sujeito a mudan­
pessoas o tempo todo em todos os lugares. ça, mas o que elas d e v e m fazer não está. Há uma dife­
rença entre sociologia e moralidade. A sociologia é
Defesa dos absolutos. Absolutos m orais podem d es critiv a ; a moralidade é p rescritiv a . Os relativistas
ser d efend id o s ao d e m o n stra r a d e fic iê n c ia do confundem a situação factual mutável com o dever
relativismo moral. Pois ou existe um absoluto moral, moral imutável.
ou tudo m ais é m o ralm en te relativo. Logo, se o D iferen ça en tre valor e ex em p lo d e valor. Também
relativismo está errado, então deve haver uma base há confusão entre o valor moral absoluto e atitudes
absoluta para a moralidade. mutáveis com relação ao fato de determ inada ação
Tudo é relativo para o absoluto. Simplesmente per­ violar ou não esse valor. No passado,bruxas eram con­
guntando: “Relativo a quê?”, é fácil ver que o relativismo denadas como assassinas, mas agora não são. O que
total é inadequado. Não pode haver relativo ao rela­ mudou não foi o princípio moral de que assassinato é
tivo. Nesse caso, não poderia tratar-se de relativo, ad errado. Antes, nossa compreensão sobre o tato de as
infinitum , já que não haveria nada a que ser relativo, bruxas realmente matarem pessoas por meio de suas
etc. Albert E íx s t e ix não acreditava que tudo fosse re­ maldições é que mudou. A compreensão factual da
lativo no universo físico. Ele acreditava que a veloci­ pessoa sobre a situação moral é relativa, mas os valo­
dade da luz é absoluta. res morais envolvidos na situação não são.
619 M u llin s , E d g a r Y o u n g

A d ife r e n ç a en tre v alores e co m p reen s ã o . Uma má C. S. L ew is , The abolition o f man.


interpretação sem elhante acontece com a diferença ____ , Cristianismo puro e simples.
entre o v a lo r imutável e a c o m p r e e n s ã o mutável des­ E. L u tzer , The necessity o f ethical absolutes.
se valor. Um casal profundam ente apaixonado en ­
tende melhor seu amor após vinte anos. O am or não muçulmano. V A lfarabi; A vicexa ; A verrõ is ; B íb lia , v i ­
mudou. Sua compreensão sobre ele mudou. são islâmica da ; C risto , objeções morais A morte de ; C risto ,
A d ife r e n ç a e n tre f i m ( v a lo r ) e m eio s. Geralmente L E N D A D A S U B S T I T U I Ç Ã O X â M O R T E D E J NOVOTESTAMENTO, SUPOS­

os relativistas morais confundem o f i m (o valor) com T A corrupção do ; M aomé , supostas previsõ es bíblica s de ;

o m e io para atingir esse valor. A m aioria das dispu­ M ao m é , suposto chamado divixo de ; M aomé , milagres de ;
tas políticas é desse tipo. Políticos liberais e conser­ M aomé , caráter de ; A lcorão , suposta origem divina do .
vadores concordam em que a ju stiça deve ser feita
(o fim ); apenas discordam sobre qual programa é o Mullins, Edgar Young. Nasceu no dia 5 de janeiro de
m elhor meio para atingir a justiça. Militaristas e pa­ 1860, em Franklin, Mississippi. Estudou na Faculdade
cifistas desejam a paz (o fim ); apenas discordam de Mississippi e na Universidade a & m do Texas, onde
quanto ao fato de um exército forte ser o m elhor se formou em 1879. Depois de ouvir um ex-advogado,
meio para atingir essa paz. o m ajor William Evander Penn, falar na Primeira Igre­
A d ife r e n ç a e n tr e m a n d a m e n t o e cu ltu ra . Outra ja Batista de Dallas, Mullins se converteu. Penn fora
diferença im portante, geralm ente ignorada pelos descrito como um homem que usava “razão e persu­
relativistas morais, é entre o m andamento moral ab­ asão sem denúncia” (Nettles, p. 54). Sentindo o cha­
mado para o ministério, foi para o Seminário Teoló­
soluto e a m aneira relativa em que uma cultura pode
gico Batista do Sul em 1881, onde se formou em 1885,
manifestá-lo. Todas as culturas têm algum conceito
depois de estudar teologia e filosofia. Em 1886, casou-
de modéstia e decoro para saudações e cum prim en­
se com Isla May Hawley. Depois de pastorear em
tos. Em algumas um beijo é adequado, mas em ou­
Kentucky e Maryland, foi designado presidente do
tras tal intimidade chocaria. O q u e deve ser feito é
Seminário do Sul em 1889, onde permaneceu até sua
comum, mas como deve ser feito difere. A incapaci­
morte em 1928.
dade de fazer essa distinção leva muitos a acreditar
M u llin s foi teólogo e apologista. Sua principal obra
que, pelo fato de o valor ser diferentemente expres­
a p o l o g é t i c a é intitulada Why is Christianity true ?
so entre as culturas, o valor em si (o q u e ) difere.
[Por que o cristianismo é verdadeiro?] (1 9 0 5 ). Seu
A d ifere n ç a en tre a p lic a ç õ e s. Uma discussão legí­
ú ltim o liv ro , Christianity at the crossroads [O cristi­
tima para decidir q u a l valor se aplica a uma situa­
anismo na encruzilhada] (1924), é muito polêmico.
ção não é igual à discussão se há um valor absoluto.
S u a s o u t r a s obras também têm nuanças apologéticas:
Por exemplo, erramos se pensamos que quem acre­
The axioms o f religion [Os axiomas da religião] (1908),
dita que uma mulher grávida tem o direito ao abor­
The Christian religion in its doctrinal expression [A
to não dá valor à vida hum ana. Ele sim plesm ente
religião cristã em sua expressão doutrinária] (1917)
não acredita que o feto é realmente um ser humano. e Freedom and authority in religion [Liberdade e au­
Esse debate é muito importante, mas não deve co­ toridade em religião] (1913).
municar erradamente a idéia de que o bem absoluto R elação entre as ciência e as Escrituras. Mullins
de proteger a vida é a questão. A questão é se o feto foi m u ito influenciado pelo m é t o d o in d u tiv o da ciên­
é uma pessoa humana (v. Geisler, cap. 8). cia m o d e r n a . Ele também reverenciou o pragmático
C o n c lu s ã o . Absolutos morais são inevitáveis. Até W illia m J a m e s . Sem descartar a apologética tradicio­
aqueles que os negam usam-nos. As razões para rejeitá- n a l, a c r e d it a v a que o im portante era “estabelecer a
los geralmente são baseadas na má compreensão ou p o s iç ã o c r is t ã por meio de princípios de investiga­
má aplicação do absoluto moral, não na rejeição real a ç ã o empregados pelos seus opositores, contanto que
ele. Isto é, valores morais são absolutos, mesmo que a e s s e s princípios sejam válidos” (Mullins [p. l j , p. 4).
compreensão que tenhamos deles ou das circunstân­ A p e s a r de Mullins não ter denunciado a evolução ,
cias em que devem ser aplicados não seja. firmemente a criação direta dos seres hu­
d e fe n d e u

m an os. Estava disposto a admitir que“Deus fez o mun­


Fontes d o gradualmente durante longos períodos de tempo,

M. A pler , S i.x y r c a t id e a s . Pt. 1 q u e há progresso e crescimento no universo” (Mullins,

A. B i.oom, 0 d e c l í n i o d a c u lt u r a o c i d e n t a l . [4], p. 67). Mas sua afirmação sobre ciência e religião


N. L. G eisler, É t i c a c r is tã . atacou cientistas que fazem “de supostas descobertas
M u llin s , E d g a r Y o u n g 620

na natureza física uma arm a conveniente de ataque vida sem pecado (v. C r ist o , sin gula rid ad e d e ), morreu a
contra os fatos da religião”. Da mesma forma, opós-se m orte expiatória e ressuscitou corporalm ente dos
ao “ensinamento de meras hipóteses como se fossem mortos (v. r e ssu r r e iç ã o , evid ên c ia s d a ).
fatos”. Apesar de reconhecer que a “evolução há mui­ Defesa da inspiração das Escrituras. A aborda­
to já é uma hipótese prática da ciência”, sempre afir­ gem de Mullins às Escrituras foi indutiva, seguindo a
mava que “seus melhores expositores admitem livre­ de James O r r , Marcus Dodds e William Sanday. Re­
m ente que as causas da origem das espécies ainda jeitou o que considerava a abordagem “escolástica”,
não foram descobertas. E nenhuma prova apareceu que fazia dos autores bíblicos “meros instrumentos
de que o homem não é criação direta de Deus, como sem inteligência ou penas usadas pelo Espírito San­
registrado em Gênesis” (Mullins [5], p. 64). to” (Mullins [3], p. 379). Mas confessou de boa vonta­
Defesa do sobrenaturalismo. Mullins declarou de sua crença de que a Bíblia é revelação de Deus (v.
que “o m aior debate hoje é entre o naturalismo e o Bíblia, e v id ên c ia s da ). Nela, disse ele, temos “a Escritu­
sobrenaturalism o” (v. milagres, argumentos contra). ra autorizada por Deus que a experiência cristã não
“Defendem os inalteravelm ente o sobrenatural no transcende nem pode tran scend er” (ibid.,p. 3 8 2 ).
cristianism o” (Mullins [5], p. 64). Falou firmemente Menciona os escritores bíblicos transm itindo “a ver­
contra seu alicerce no naturalism o, chamando este dade isenta de erro” (ibid., [2], 144). Seguindo James
último de “ultraje contra a natureza humana [...] a Orr, afirma que a Bíblia “interpretada e julgada im ­
m ilhões de m ilhas de distância da grande luta no parcialmente está livre de erro demonstrável em suas
coração do mundo” (Mullins [4], p. 148). afirmações e é harmoniosa nos seus ensinamentos”
Defesa do teísmo. Apesar de Mullins ter enfati­ (Mullins [3 ] ,p .381).
zado a experiência cristã, ele não negligenciou total­ Ênfase à experiência cristã. Sem negligenciar as
mente o valor dos argumentos teístas a favor da exis­ dimensões objetivas e racionais da fé, Mullins deu mui­
tência de Deus (v. Deus, evidências de). Em Why is ta ênfase aos elementos experimentais da fé cristã. O
cristianismo, segundo ele,“tem que ver com dois gran­
Christianity true?, falou firm em ente contra as prin­
des grupos de fatos: os fatos da experiência e os fatos
cipais cosmovisões alternativas (v. cosmovtsào), como
da revelação histórica de Deus por meio de Cristo”
o p a n t e ís m o , idealism o, materialismo, agnosticismo e
(Mullins [2], p. 18). Registrou testemunhos de cristãos
evolucionismo naturalista. Favoreceu, no entanto, a
reconhecidos da história da igreja assim como con­
verificação pragmática do cristianism o. Apesar dis­
temporâneos. Acreditava que havia conseguido “evi­
so, tentou libertar-se das acusações de subjetivismo
dência irrefutável da existência objetiva da Pessoa
ao enfatizar a base factual e histórica do cristianis­
[Deus] que assim me move” (Mullins, p. 284). Combi­
mo, assim como sua natureza racional. Opunha-se à
n a n d o to d o testemunho experiencial de uma linha­
redução do cristianism o a uma filosofia. Escreveu:
gem in in t e r r u p t a d e c r is t ã o s que remontava ao n t ,
“O cristianism o não é uma filosofia do universo. É
c o n c lu iu : “ M in h a c e rte z a se to rn a absoluta” (ibid.).
uma religião [...] O cristianism o é uma religião his­
tórica, e uma religião de experiência. Está fundada
Fontes
em fatos. A cosm ovisão cristã baseia-se nesses fa­
William E. A. Eu 15, .4 m an o f books an d a m an o f
tos” (Mullins [ 4 ] ,p. 163).
th e p e o p le .
Defesa da historicidade dos evangelhos. A astú­ F ishf.r H um phreysAE. Y..Mullins”, e m B a p tis t
cia apologética de Mullins é retratada num tributo
Timothy George e David Dockery orgs.
t h e o lo g ia n s .
feito por Thorton Whaling, professor de apologética e
E . Y . M ullins (1), W h y is C h r is t ia n it y t r u e ?
teologia no Sem inário Teológico Presbiteriano em E.Y. M ullins (2), The Christian religion in its
Louisville, que observou que “Mullins está bem fami­ doctrinal expression.
liarizado com os ataques históricos contra a fé cristã E. Y. M ullins (3), Freedom and authority in religion.
e tam bém é um m estre das respostas h istó rica s” E.Y. M ullins (4), Christianity at the crossroads.
(Nettles, p. 56). Até sua obra doutrinária, The Christian E. Y. M uhins ( 3 ) , “Science and religion”, em Review
religion in its doctrinal expression [A religião cristã em a n d E x p o s it o r . 22.1 (Jan. 1925).
sua expressão doutrinária], contém uma forte defesa E .Y M uli in-- (6), The axioms o f religion.
dos fatos do Jesus histórico. Baseado na integridade T o m N u n ts,“Edgar Young Mullins”, em Handbook
das testemunhas do n t ( v. N ono T esta m en to , h isto ricida de o f evangelical theologians.
d o ), Mullins reconstruiu a partir dos registros históri­ B ill C lark T homas , Edgar Young Mullins: a baptist
cos o Jesus sobrenatural que teve n a sc im en to v ir g in a l , ex p on en t o f theological restatement.
Nn
não-contradição, princípio da. V. primeiros princípios. apologético no argumento a favor da confiabilidade
do m aterial histórico usado para estabelecer a di­
Nag Hammadi, evangelhos de. Alguns críticos radi­ vindade de Cristo.
cais do nt (v. B íblia, crítica da) afirmam que os evange­ 0 nt revela um a coleção de livros no século i.
lhos gnósticos são iguais aos do nt e que não apoiam a Pedro fala que dispõe das epístolas de Paulo (2Pe
ressurreição de Cristo (v. milagre; ressurreição, evidências 3.15,16), igualando-as às Escrituras do at. Paulo teve
da ). O Seminário J esus coloca o E v a n g e l h o d e T o m é na sua acesso ao evangelho de Lucas, citando-o (10.7) em
Bíblia, que é tão severamente truncada. Ambas as con­ ITim óteo 5.18.
clusões são um desafio sério à fé cristã histórica. Além do nt, listas canônicas apoiam a existência
Os evangelhos gnósticos (v. gnosticismo ) foram de um cânon do nt ( v. Geisler e Nix, 294). Na realidade,
descobertos em Nag Hammadi, Egito, perto do Cai­ todos os evangelhos e epístolas básicas de Paulo são
ro, em 1945, e traduzidos para o inglês em 1977. 0 representados nessas listas.
Evangelho de Tomé (140-170) contém 114 pronunci­ Até o cânon herético de Marcião (c. 140) aceitou
amentos secretos de Jesus. o evangelho de Lucas e dez das epístolas de Paulo (v.
Credibilidade dos evangelhos gnósticos. A melhor Bíblia, canontcidade da).
maneira de avaliar a credibilidade desses evangelhos é Apoio dos pais da igreja. Um conjunto comum de
pela comparação com os evangelhos do nt , que os mes­ livros foi citado pelos pais no século n. Isso inclui os seis
m os críticos têm sérias dúvidas em aceitar (v. livros cruciais para a historicidade de Cristo e sua res­
gnosticismo;N oto Testamento,historicidade do; Novo Testa­ surreição, os evangelhos, Atos e 1 Coríntios. Clemente
mento , manuscritos do ). Perto dos evangelhos canônicos, de Roma citou os evangelhos no ano 95 (Aos coríntios,
os evangelhos gnósticos são bem inferiores. 1 3 ,4 2 ,4 6 ). Inácio (c. 110-115) citou Lucas 24.39 (Aos
Obras recentes. As datas atestadas para os evan­ esmirneus, 3). Policarpo (c. 115) cita todos os Evange­
gelhos canônicos são no máxim o de 60-100 (v. Novo lhos sinóticos (Aos filipenses, 2 ,7 ). O Didaquê (início do
T estamento , datação do). Os evangelhos gnósticos apa­ século ii) cita os evangelhos sinóticos( 1 ,3 ,8 ,9 ,1 5 ,1 6 ). A
receram quase um século depois. O. C. Edwards afir­ Epístola de Barnabé (c. 135) cita Mateus 22.14. Papias
ma: “Como reconstruções históricas, não há m anei­ (Oráculos, c. 125-140) menciona Mateus, Marcos (nar­
ra de os dois tipos de evangelho reivindicarem cre­ rando Pedro) e João (último) que escreveram os evan­
denciais idênticas” (Edwards, p. 27). gelhos. Ele diz três vezes que Marcos não cometeu erros.
Valor histórico. Os primeiros cristãos preservaram Os pais consideravam os evangelhos e as epístolas de
meticulosamente as palavras e ações de Jesus. Os autores Paulo equivalentes ao at inspirado (v. Aos coríntios, de
dos evangelhos eram próximos das testemunhas ocula­ Clemente [47], Aos efésios [10] e A Policarpo [1, 5], de
res e pesquisaram os fatos (v. Lc 1.1-4). Há evidência de Inácio, e Aos filipenses, de Policarpo [1 ,3 ,4 ,6 ,1 2 ]).
que os autores dos evangelhos eram honestos como nar­ Os pais testem unharam a favor da precisão dos
radores. Eles também apresentam a mesma descrição evangelhos canônicos no início do século ii. Isso é
geral de Jesus (v. B íblia, supostos erros na; ressurreição, e\t- bem antes de os evangelhos gnósticos serem escri­
dênuiasdã). tos, no final do século n.
Cânon do n t . Contrariando os críticos, o cânon do Registros gnósticos da ressurreição. Não há evidência
nt com os evangelhos e a maioria das epístolas de real de que o suposto documento q ( Quelle, fonte) pro­
Paulo foi formado antes do fim do século i. Os únicos posto pelos críticos tenha existido (v. Linneman; v. q ,
livros disputados, os antilegomena, não têm valor documento). Trata-se de uma reconstrução imaginária,
n a tu r a l, te o lo g ia 622

portanto a alegação de que ele não tem nada sobre a n a t u r a l é e s t a b e le c id a e m c o m p a r a ç ã o c o m a t e o lo ­


ressurreição é inútil. g ia s o b r e n a t u r a l, q u e d e p e n d e d a r e v e la ç ã o s o b r e ­
0 Evangelho de Tomé existe, apesar de pertencer n a t u r a l (v. revelação especial ) d e D e u s , t a l c o m o a
ao final do século n. No entanto, contrariando os B íb lia .
críticos que apoiam essa com posição, reconhece a A te o lo g ia n a tu ra l d e p e n d e d o s a r g u m e n t o s r a c i­
ressurreição de Jesus. Na verdade, é o Cristo vivo, o n a is a fa v o r d a e x is t ê n c ia d e D e u s (v. cosmológico,
pós-m orte (34.25-27; 45.1 -16) que supostamente fala argumento ;moral a favor de D eus,argumento ;teleológico,
nele. É verdade que não enfatiza a ressurreição, mas argumento ) e d a n a tu re z a (v. D eus, natureza de ). A m a i­
isso é esperado, já que é basicam ente uma fonte de o ria d o s te ó lo g o s n a tu r a is, se g u in d o T o m á s d e A q u in o ,
“pronunciam entos” e não uma narrativa histórica. a c r e d ita q u e é p o s s ív e l c o n h e c e r a e x istê n c ia , u n id a ­
Além disso, o preconceito teológico dos gnósticos d e e n a tu re z a g e ra l d e D e u s a p a r tir d a r e v e la ç ã o n a t u ­
contra a matéria ignoraria a ressurreição física. ra l. N o e n ta n to , a t r in d a d e d e D e u s (v. trindade ), a
Os c r e d o s d o s p r im e ir o s cristãos. Como os críticos e n c a r n a ç ã o de C risto (v. C risto, divindade de ) e a r e d e n ­
reconhecem a autenticidade de 1 Coríntios 15, que ç ã o (v. “ pagãos” , salvação dos) só p o d e m se r c o n h e c id a s
data de mais ou menos 55-56 d.C, é impossível negar p e la re v e la ç ã o s o b r e n a tu r a l. E s s e s ite n s s ã o c o n h e c i­
a historicidade da ressurreição. Isso foi apenas 22 d o s p o r m is té r io s d a F é (v. mistério).
ou 23 anos após a morte de Jesus (IC o 15.6). Além
disso, 1 Coríntios 15.1 refere-se a um possível credo naturalismo. O naturalismo filo s ó fic o o u m e t a fís ic o
que confessa a morte e a ressurreição de Cristo que r e f e r e - s e à t e o r ia d e q u e a n a t u r e z a é t u d o o q u e
seria ainda m ais p ró xim a dos even tos. M esm o e x is te . N ã o h á u m r e in o s o b r e n a t u r a l e / o u in te r v e n ­
supondo a idade m ínima de dez a doze anos do credo, ç ã o n o m u n d o (v. materialismo ; milagres , argumentos
ele teria surgido apenas dez a doze anos após os contra ). N o s e n t id o r e s tr ito , t o d a s a s fo r m a s d e n ã o -

eventos. Poucos eventos antigos têm essa verificação t e ís m o s ã o n a t u r a lis ta s , in c lu siv e o ateísmo, o panteísmo,
contem porânea im ediata. O D EÍSM O e O AGN O STIC ISM O .
Conclusão . A evidência a favor da autenticidade N o e n tan to , a lg u n s te ísta s (v. teísmo),p rin c ip a lm e n te
dos evangelhos gnósticos não se compara à do nt. 0 nt o s c ie n t is t a s , d e fe n d e m u m a fo r m a d e naturalismo
é um livro do século i. 0 E van gelho d e T om é é um livro metodológico. Isto é, a o m e s m o te m p o q u e re c o n h e ­
da metade do século i. O nt é comprovado por várias c e m a e x is t ê n c ia d e D e u s e a p o s s ib il id a d e d e m ila ­
linhas de evidência, inclusive outras referências no nt, g r e s, e m p r e g a m u m m é to d o d e a b o r d a g e m d o m u n ­
listas canônicas antigas, milhares de citações pelos d o n a tu ra l q u e n ã o a d m ite m ila g r e s (v. ciência das ori­
pais primitivos e as datas antigas comprovadas dos gens). E s s e é o c a s o d e m u ito s e v o lu c io n ista s t e ís ta s (v.

evangelhos. evolução; evolução biológica), ta is c o m o D o u g la s Y ou n g

(v. Y o u n g) e D o n a ld M a c K a y (v. M a c K a y ). E le s in s is ­
Fontes te m e m q u e a d m it ir m ila g r e s n a n a tu r e z a p a r a e x p li­
0. C. E , N e w r e v i e w o f b o o k a n d r e lig io n
dw ards c a r o s i n g u l a r o u a n ô m a l o é in v o c a r “ o D e u s d o s
(M ay 1980). i n t e r v a lo s ” . N e s s e s e n t id o c o o p e r a m c o m o s a n ti-
C. A. E , N a g H a m m a d i te x t s a n d t h e B ib le .
vans s o b r e n a t u r a lis t a s , q u e n e g a m m ila g r e s p o r s e r e m e s ­
J.F it z m y e r ,A m e ric a (16 Feb. 1980). te s c o n t r á r io s a o m é t o d o c ie n tífic o .
A. F r e d e r ic k , et al., T h e g n o s t i c g o s p e ls . Form as de naturalism o m etafísico . O s n a t u r a lis ­
N. L. G e is l e r e W. Nix, I n t r o d u ç ã o b íb l i c a . t a s m e t a fís ic o s s ã o d e d o is t ip o s b á s ic o s : m a t e r ia lis ­
R. M. G r a n t , G n o s t ic is m a n d e a r l y C h r is t ia n it y t a s e p a n t e ís t a s . O m a t e r ia lis ta re d u z tu d o à m a té r ia
E. L in n e m a n , Is there a synoptic problem? (v. materialismo ) e o p a n te ísta re d u z tu d o à m e n te o u
J. P. M o r ela x d , org. Jesus underfire. e s p ír ito . A m b o s n e g a m q u e o re in o s o b r e n a tu r a l in ­
J. M. R o b in s o n , T h e N a g H a m m a d i li b r a r y in E n g lis h . te rv é m n o m u n d o n a tu ra l. E le s se d ife r e n c ia m p r in c i­
F. S e i g ert , e t a l., N a g - H a m m a d i- r e s is t e r . p a lm e n te c o m re la ç ã o ao m u n d o n a tu r a l se r o u n ã o
C. M. Iv c K m , N a g H a m m a d i a n d th eg osp el c o m p o s t o p o r m a t é r ia o u m e n te ( e s p ír it o ) . O s q u e
tr a d itio n . s u s t e n t a m a ú lt im a p o s iç ã o g e r a lm e n te a d m it e m a
p o s s ib ilid a d e d e e v e n to s supranormais d e r iv a d o s d e s ­
natural, teologia. T eologia é o estudo (log os) de Deus s a F o rç a e sp ir itu a l in v isív el (v. milagre ; milagres, mági­
( th e o s ). T eologia n a tu ra l (v . lei , natureza e tipos de ) é o ca e ). E s s e s e v e n to s, n o e n ta n to , n ã o s ã o s o b r e n a tu r a is

estudo de Deus que se baseia no que se pode conhecer n o s e n tid o te ís ta d e u m se r sobrenatural q u e in te rv é m


por meio da natureza (v. revelação geral ). A teologia n o m u n d o n a tu ra l q u e crio u .
623 n a tu ra lis m o

B a ses p a r a o n a tu r a lis m o . O s n a tu ra lista s que todo evento no universo pode ser explicado a
m etafísicos rejeitam com pletam os milagres. Vari­ partir do universo inteiro (o sistem a in teiro ). Os
am apen as na base da crítica ao sobrenatural. Baruch naturalistas acreditam que não há necessidade de
E sp ix o s a acreditava que milagres são impossíveis p or­ apelar para algo (ou alguém) fora do universo para
que são irracionais. David H u m e afirmou que m ila­ explicar qualquer evento no universo nem explicar
gres são inacreditáveis. Rudolph B u l t m a n n conside­ o universo inteiro em si.
rava q u e milagres não são históricos, são mitos (v. Porém os naturalistas mais científicos, que insis­
MILAGRES, MITO E; MITOLOGIA E O NOVO TESTAM ENTO). Base- tem em explicar tudo em termos de leis físicas e quí­
ado na im p o ssib ilid a d e de re p e tir o m ilag roso, micas não podem explicar as próprias teorias ou leis
A ntony F l e w argum entou que m ilagres não são por meio de meros processos físicos e químicos. Pois
identificáveis. Im m anuel K a n t declarou que m ila­ a “teoria” ou “lei” sobre processos físicos obviamente
gres não são essenciais à religião. Todas essas alega­ não é em si um processo químico. É uma teoria não-
ções foram cuidadosam ente analisadas e conside­ física sobre coisas físicas. Perguntaram certa vez a um
radas infundadas nos artigos m i l a g r e e m i l a g r e s , a r ­ professor de física: “Se tudo é matéria, então o que é
gum ento s contra. uma teoria científica sobre a matéria?”. Sua resposta
A valiação. Incoerência teísta do naturalismo. foi: “É mágica!”. Quando lhe perguntaram sua base
Teorias naturalistas admitem que um tipo deísta de para crer nisso, ele respondeu: “Fé”. É interessante
Deus existe ou negam ou duvidam da existência de observar a incoerência de a cosmovisão puramente
um Ser divino. Mas supostas refutações de Deus s ã o materialista recorrer à fé na “mágica” como base para
notoriamente mal-sucedidas (v. D e u s , s u p o s t a s r e f u t a ­ crenças materialistas.
çõ es d e ). A evidência de que Deus existe é forte (v . Outro argum ento que revela a in coerência do
c o sM O L ó G ic o , a rgu m en to ; m oral de D eu s, argum ento ; naturalismo puro foi dado por C. S. L ewis. Citando
t e l e o l ó g i c o , a r g u m e n t o ) . Quanto a teorias que admi­ Haldane, Lewis escreveu:
tem a existência de um Deus sobrenatural, porém
negam milagres (tais como o deísmo), muitos críticos Se meus processos mentais são determinados completa­
demonstraram sua incoerência fundamental. Pois, se mente pelo movimentos dos átomos no meu cérebro, não te­
Deus pode e fez o maior ato sobrenatural de todos — nho razão para supor que minhas crenças são verdadeiras [...]
a criação do mundo a partir do nada (v. c r i a ç ã o , v i s õ e s e portanto não tenho razão para supor que meu cérebro écom-
d a ) , não há razão para negar a possibilidade de eventos posto de átomos (Lewis, p. 22).
sobrenaturais interiores (i.e., milagres). Pois fazer água
do nada (como Deus fez em Gn 1 ) é um evento sobre­ Se o naturalism o afirm a ser verdadeiro, então
natural maior que transformar água em vinho (como deve haver algo mais que meros processos naturais;
Jesus fez em Jo 2). deve haver a “razão”, que não é sim plesm ente um
Insuficiência científica. A ciência moderna demons­ processo físico natural.
trou o milagre — a origem do universo material do Outra maneira de afirmar a incoerência do natura­
nada. A evidência da origem instantânea ( big-bang ) lismo é demonstrar que uma premissa básica da ciên­
do universo é forte. Essa evidência inclui a segunda lei cia, que até os naturalistas defendem, é contrária à con­
da termodinâmica (v. t e r m o d i n â m i c a s , l e i s d a ) , o uni­ clusão de que qualquer evento no universo pode ser
verso em expansão, o eco da radiação e a descoberta explicado a partir do universo inteiro. Essa premissa
da grande massa de energia prevista pela teoria do de que “todo evento tem uma causa” é a base filosófi­
big-bang (v. k a l a m , a r g u m e n t o c o s m o l ó g i c o ) . Assim, a ca da pesquisa científica (v. c a u s a l i d a d e , p r i n c íp i o d a ).
matéria nem é eterna nem é tudo o que existe. E, se há Assim, os cientistas — certamente os naturalistas —
um Criador de todo o universo a partir do nada, o tentam encontrar a explicação ou causa natural de
maior milagre já aconteceu. todos os eventos. Mas se todo evento tem uma causa,
Insuficiência filosófica. Duas premissas comuns a conclui-se que o universo inteiro tem uma causa. Pois
todas as formas de humanism o secular (v. h u m a n i s m o o universo concebido pela ciência moderna é a soma
s e c u l a r ) são o não-teísm o e o naturalismo. Elas po­ total de todos os eventos num determinado momento.
dem ser tratadas juntas, uma vez que, se não há ser Porém, se cada evento é causado, então todo evento é
sobrenatural (Criador ) além do universo natural, en­ causado. E se o universo é a soma total de todos os
tão a natureza é tudo que existe. Geralmente o natu­ eventos, então o universo inteiro é causado. Por exem­
ralism o significa que tudo pode ser explicado por plo, se cada lajota do piso é marrom, então o piso intei­
processos quím icos e físicos. No m ínim o significa ro é marrom. E se cada parte da mesa é de madeira,
n e o p a g a n is m o 624

então a mesa inteira é de madeira. Da mesma forma, h o m e m — e tem m u ito q u e v er co m n o ssa saú d e esp iritu a l e
se todo evento no universo é um efeito, então, ao acres­ n o s s o c r e s c im e n to e s p iritu a l ( S a tin , p. 1 1 3 -4 ).
centar todos os eventos (efeitos), não se tem uma cau­
sa. Pelo contrário, a soma total de todos os eventos Raízes do neopaganism o. O neopaganismo não
causados precisa de uma causa para expiicála (v. é um movimento m onolítico. Ele surge do solo do
C O S M O I .Ó G I C O , A R G U M E N T O ) . paganismo, h in d u ísm o , wicca e, indiretamente, do a teís ­
Não é suficiente para o naturalista dizer que há algo mo e de outros sistemas. O ateísmo moderno fertili­
“mais” no universo que a soma de todos os eventos ou zou o solo em que o neopaganismo contemporâneo
“partes”, pois ele não estaria explicando tudo em ter­ cresceu. David Miller descreve-o surgindo das cinzas
mos de “partes” ou eventos físicos, mas em termos de da “morte de Deus” proclamada por Thomas A ltizer e
algo além deles. No entanto, é perfeitamente coerente outros nas décadas de 1960 e 1970.‘A morte de Deus
para o não-naturalista insistir em que os eventos do abre o cam inho para o renascim ento dos deuses”,
u n iv erso não podem ser e x p lica d o s apen as em segundo Miller. Quando Deus morreu na cultura m o­
termos do universo físico dos eventos. Mas o natura­ derna, os deuses antigos surgiram novam ente. O
lismo não é capaz de explicar nem a si mesmo nem ao m onoteísm o estava impedindo o paganismo.
universo com uma premissa puramente naturalista. Politeísmo antigo. É claro que a raiz principal do
neopaganismo é o politeísmo grego e romano antigo.
Fontes Miller observou que o p o l it e ísm o antigo permaneceu
N. L. G e is l e r , Is m a n th e m easu rer, cap. 5. no submundo ou na tradição da contracultura do Oci­
___ , M i r a c l e s a n d th e m o d e m m in d , cap. 8 . dente em todo o reinado de 2 mil anos do pensamento
T.H obbfs, L e m í ã . monoteísta. Essa tradição pode estar por trás do re­
C. S. L ewis, M i la g r e s . cente interesse em coisas com o ocultism o, magia,
D. M K , C lo c k w o r k
ac ay im a g e . vida extraterrestre, sociedade e religiões orientais,
D. A. Y o c n g , C h r is t ia n it y a n d th e a g e o f th e e arth . comunidades, novas formas de vida familiar múltipla
e outros sistem as de estilo de vida alternativo que
neopaganism o. É o reavivamento do paganismo anti­ parecem tão estranhos (ibid., p. 11). Ele acrescenta
go (v. m it r a Is m o ). É uma forma de p o l it e ís m o que surgiu na que, para tradições racial-culturais, os europeus oci­
esteira do movimento da “morte de Deus” (v . A l t i z e r , dentais ainda se baseiam em deuses e deusas da
T h o m a s ; N ie t z s c h e , F r ie d r ic h ). 0 neopaganismo também é Grécia antiga (ibid., p. 6,7,60,81).
manifesto em feitiçaria (wicca), ocultismo e outras reli­ Hinduísmo. Nem todo paganismo moderno vem
giões ligadas ao movimento da Nova Era (v. Geisler). da Grécia. O reavivamento do b u d ism o e principalm en­
M ark Satin com parou o novo paganism o com te do hinduísmo, com seus milhões de deuses, tam ­
fo rm as p rim itiv as de re lig iã o . C itand o A ndréa bém apoia a religião da Nova Era e o neopaganismo. O
Dworkin, observou que a “religião antiga”: hinduísmo já se infiltrou em quase todos os níveis da
cultura ocidental, feito sob medida para o humanismo
• Celebrava a sexualidade, a fertilidade, a nature­ ocidental ao ensinar que cada um de nós é um peque­
za e o lugar da mulher nela. no deus.
• Adorava uma divindade cabeluda e alegre que Feitiçaria ('wicca) e feminismo radical Outra cor­
amava a música, a dança e boa comida. rente é a religião wicca. Esse movimento, conhecido
• Era centrada na natureza e na mulher, com sa­ popularmente como feitiçaria, tem uma superposição
cerdotisas, sábias, parteiras, deusas e feiticeiras. forte com o movimento feminista. Os partidários da
• Não tinha dogmas. Cada sacerdotisa interpre­ bruxaria abominam o monoteísmo (v. t e ís m o ). A bru­
tava a religião à sua maneira. xa feminista Margot Adler expressa essa posição. Adler
refere-se ao monoteísmo como uma das posições po­
Nem tudo isso poderia ser restabelecido na socie­ líticas e religiosas totalitárias que dominam a socie­
dade da Nova Era, escreve Satin, mas os neopagãos dade (Adler).
poderiam adaptar a centralização na natureza e na Ocultismo e Guerra nas estrelas. A “religião de Jedi”
mulher a novas prioridades. de Guerra nas estrelas, de George Lucas, baseia-se no
feiticeiro mexicano Don Juan. O biógrafo de Lucas,
A centralização n a n atu reza te m u m eq u iv alen te óbvio na Dale Pollock, menciona que “o conceito da Força nos
n o ssa preocupação cresce n te c o m a q u alid ad e de n o ssa ligação filmes de Lucas foi muito influenciado por Tales o f
com o m eio a m b ie n te — ta n to o n a tu ra l q u a n to o criado pelo power [Contos de poder], de Carlos Castaneda. Esse é
625 n e o p a g a n is m o

um registro de um suposto feiticeiro indígena m e­ as bruxas feministas geralmente serem monoteístas,


xicano, Don Juan, que usa a expressão ‘força vital”’ adorando a deusa como o único deus (ibid., p. 35,112).
(Pollock, p. 10). O diretor do filme de Lucas O impé­ Os neopagãos às vezes se descrevem como politeístas
rio contra-ataca, Irvin Kershner, é um zen-budista monoteístas. Morgan McFarland, uma bruxa de Dallas,
(v. z en - b u d is m o ). Ele admitiu sobre o filme: declarou:

Quero apresentar um pouco de zen aqui porque não quero E u m e con sidero m on oteísta p o r crer na D eusa, Creatrix,
o s joven s ach ando que tudo se resu m e em m ocinh o m atan do o Prin cíp io F em in in o, m a s ao m e sm o tem p o recon h eço qu e
b an dido, m as que tam bém há u m pou co p ara p en sar sobre si ou tros d eu ses e d e u sas existem através dela com o m an ifesta­
m esm o s e seu am biente (K ershner,p. 37). ções dela, facetas do todo (ib id ., p . 36).

Seja qual for a fonte da Força de Guerra nas estre­ Pela própria definição, o uso do vocábulo mono­
las, é claramente semelhante à Força em que as bruxas teísta aqui é enganoso. Ela e outros pagãos acredi­
neopagãs acreditam. O próprio Lucas referiu-se à for­ tam numa m anifestação m ultifacetada (politeísta)
ça como uma religião no primeiro filme de sua trilogia do panteísmo. Cada manifestação, é claro, é finita (v.
de Guerra nas estrelas (Lucas, p. 37,121,145). A perso­ p o l it e ísm o ).
nagem Luke Skywalker, praticava magia branca quando A conexão feminista radical O neopaganismo está
entrou em contato com o “lado luminoso da Força”, a fortemente ligado ao feminismo radical. Nem todos
Força era “Deus”. Lucas afirmou numa entrevista para os neopagãos são feministas, nem todas as feministas
Time (v. Fontes) que “o mundo funciona melhor se são neopagãs. Adler descreve a dinâm ica dessa forma:
você estiver do lado bom” dessa Força oculta. A feiti­
çaria de Lucas é ainda mais evidente no herói de seu M uitas assem b léias de b ru xaria fem inista têm [...] atraído
filme subseqüente, Willow, cujo objetivo de vida era m ulh eres de tod os os estilos d e vida. M as, até aqu i, a m aioria
ser feiticeiro. d e ssas m ulh eres já foi fortalecida pelo m ovim en to fem in ista,
Características do neopaganism o. Têm por base ou p o r g ru p o s d e c o n sc ie n tiz aç ão , o u p o r e x p e riê n c ias
politeísmo, o oculto, o relativismo e o pluralismo. im p o rtan tes co m o d ivórcio, se p a ra ç ã o ou u m a exp eriên cia
Politeísmo. Os neopagãos são livres para adorar qual­ h om ossexu al (ibid., 37).
quer deus ou deusa, antigo ou moderno, do oriente ou
do ocidente. Alguns adoram Apoio e Diana. O autor-fi- Uma feminista neopagã diz:
lósofo Theodore Roszak ( Where the wasteland ends
[Onde acaba o ermo] ) é animista. Acredita que “a estátua D escobrim os qu e m ulh eres q u e trabalh am ju n tas são ca­
e o bosque sagrado eram janelas transparentes [...] p azes de evocar seu p a ssa d o e d e sp e rtar se u s an ce strais [...]
pelas quais a testemunha era levada para solo sagrado Isso n ão p arece aco n tece r q u a n d o h o m en s estão p resen tes
do além e participava do divino” (v. Adler, 2 7 ). A [...] p arece q u e em a sse m b lé ia s m ista s, n ão im p o rta q u ão
maioria dos neopagãos reaviva uma das formas ociden­ “fem in istas” as m ulheres sejam , um tipo de com petição com e­
tais de politeísmo. Os nomes dos deuses podem variar, ça a acontecer. Entre m ulheres apen as, nada d isso ocorre,e um a
mas a maioria é celta, grega ou latina. gran d e reciprocidade se desenvolve, ao con trário de tudo que
Alguns neopagãos discutem sobre o estado ontológico já v im o s (ibid., p. 124).
de seus “deuses”, dando-lhes um papel idealista ou estético.
Mas, como foi dito: “Todas essas coisas estão dentro Algumas eram feiticeiras antes de ser fem inis­
do âmbito da possibilidade. Está em nossa natureza tas. Uma neopagã de Los Angeles disse que sua jo r­
cham á-las em ‘deuses’”. Deus é um ser eterno; e nós nada espiritual com eçou quando viu sua mãe falan­
também. Então, de certa forma, nós tam bém somos do com os mortos.
deus. Adler m enciona que há duas divindades da
maioria dos grupos de wicca: O deus é o senhor dos Eu a vi en trar em tran se e sentir presen ças à su a volta. Ele
anim ais e da m orte e do além ; e a deusa tem três é u m a a r tis ta , e su a a rte g e ra lm e n te reflete in flu ê n cia
aspectos: Donzela, Mãe e Anciã. Cada um de seus su m erian as [...] E la faz p rev isões e pode fazer c e ssar o vento.
asp e cto s é sim b o lizad o p o r um a fa se da lua. A
Donzela é a lua crescente, a Mãe é a lua cheia e a Mas a filha, como a mãe, tinha um papel tradicio­
m inguante é com o a m ulher que já não pode ter nal de esposa e mãe e sentiu-se limitada e escravizada.
filhos. Adler sugere que os neopagãos podem ser con­ Ao tentar o suicídio, ela teve uma visão que confir­
siderados adoradores de duas divindades, apesar de mou suas crenças ocultas. Sua conscientização como
n e o p a g a n is m o 626

feiticeira e o ponto de vista feminista se uniram na caso, então os opostos poderiam ser ambos verda­
tentativa de liberar sua feminilidade da opressão que deiros. Isso viola as leis fundamentais de pensam en­
sentia (ibid., p. 76-7). to (v. primeiros princípios ). A pessoa que afirm a que
Uma vantagem da feitiçaria para as mulheres é que opostos podem ser ambos verdadeiros não acredita
nesse contexto seu sexo tem s ta tu s igual, e geral­ realmente que o oposto daquela afirmação também
mente superior. Já na década de 1890, um observa­ seja verdadeiro.
dor social chamado Leland escreveu que, em tem ­ Relativismo. Os neopagãos são relativistas. Porém
pos de rebelião intelectual contra o conservadorismo nenhuma verdade pode ser relativa. A própria afir­
e a hierarquia, há uma luta feminista por superiori­ mação é apresentada como uma reivindicação não-
dade. Ele observou que na feitiçaria a mulher é o relativa. Xão pode haver um Deus único (monoteísmo)
princípio prim itivo: e mais que um deus (politeísmo) ao mesmo tempo e
no mesmo sentido (v. p l u r a l ism o ).
A percepção dessa tirania levou grande número de des­ Pluralismo. O deseio pluralista de englobar todas
contentes à rebelião e, como não podiam prevalecer por meio as formas de religião enfrenta o mesmo problema.
da batalha aberta, canalizaram seu ódio numa forma de anar­ Não pode ser todas verdadeiras, in clu in d o -se as
quia secreta, que estava, no entanto, intimamente mesclada opostas. Isso viola a lei da não-contradição (v. l ó g i ­
com superstição e fragmentos da tradição antiga (ibid., 59). ca ; p r im e ir o s p r in c íp io s ). O u o politeísmo é verdadeiro
ou o monoteísmo é verdadeiro. Ambos não podem
Ocultismo. Quase inevitavelmente os neopagãos es­ ser verdadeiros. Os neopagãos não podem usar afir­
tão envolvidos com o ocultismo. Acreditam numa for­ mações do tipo “ou um ou outro” para afirm ar pen­
sam en tos do tipo “ta n to um q u anto o u tro ” . Os
ça, energia ou poder impessoal, do qual podem receber
politeístas têm de negar o pluralismo para afirmá-
a capacidade para fazer coisas supranorm ais. Luke
lo, pois não acreditam que o oposto do pluralismo
Skywalker, de Guerra nas estrelas, é o modelo clássico
seja verdadeiro. Mas se os opostos não são verdadei­
dessa crença. Tentativas de maldição são outro exemplo.
ros, o pluralismo é falso.
Pluralismo e relativismo. Os neopagãos são forte­
Imiusivismo. A afirmação de que devemos ser in­
mente pluralistas. Por natureza, o politeísm o cede
clusivos, considerando todas as religiões verdadeiras,
espaço a vários deuses e deusas. Toda forma de ado­
também é contraditória. É uma afirmação não-inclu­
ração de qualquer deus escolhido é legítima. Tal cren­
siva (i.e ., ex clu siv ista ) a firm a r que apenas o
ça r e je ita a verd ad e a b so lu ta , d and o lu g ar ao
inclusivismo é verdadeiro e todo exclusivismo é falso.
irracionalism o no qual opostos podem ser verda­
Ao mesmo tempo que afirm a perm itir diversidade
deiros. iVliller nega que qualquer sistema opere “se­
total de expressão, a prática neopagã é bem restritiva.
gundo conceitos e categorias fixos” e que tudo seja
A própria existência de comunidades secretas revela
controlado por categorias lógicas exclusivas. Rejeita
a natureza exclusivista do grupo. Alguns referem-se à
a idéia de que algo tenha de ser verdadeiro ou falso,
wicca como a religião. Até seus defensores acreditam
belo ou feio, bom ou mau (ibid., p, 7).
num elemento universal no neopaganismo, insistin­
Coerentemente, muitos neopagãos rejeitam total­
do na universalidade do conteúdo, mas não da forma
mente a idéia de A Bíblia das bruxas, principalmente
(ibid., p. 116,145). A existência de um ritual de inicia­
o artigo definido A. Os pagãos modernos continuam
ção é uma característica do exclusivismo. As bruxas
sendo antiautoritários, gabando-se de ser “a religião
afirmam que seu ritual é a maneira de proteger a ins­
mais flexível e adaptável, [...] perfeitamente disposta
tituição de pessoas desonestas, más ou que difamari­
a eliminar os dogmas” (Adler, ix, p. 1 2 6 ,1 3 5 ).Um “cre­
am o grupo (ibid., p. 98). Contudo, se precisam prote­
do” neopagão, portanto, é uma contradição. Por defi­ ger sua instituição do mal ou de pessoas desonestas,
nição, eles não têm credos. deve haver uma forma genuína de preservação. Adler
A valiação, Muitas críticas da religião neopagã, afirma que a feitiçaria já foi a religião universal, que
politeísta e relativista (v. v e r d a d e , n a t u r e z a a bsoluta da ) foi forçada para o submundo (ibid., p. 66). Essa é uma
são tratadas em outros artigos. Y. d u a l ism o ; f in it o ,
reivindicação im plícita de universalidade exclu si­
d e ísm o ; g x o st ic ism o ; D e u s , n atureza de : h in d u ísm o veda n ta ;
vismo de ser a religião.
m o .m s .m o ; N o stra dam u s ; r a x t e ís .m o ; p l u r a l ism o r e l ig io so ; Uma controvérsia em que adeptos da wicca con­
v e r d a d e , n atureza da ; z e .n - b u d ism o .
Algumas questões denaram um casal que cobrava dinheiro para dar au­
centrais podem ser discutidas brevemente aqui: las de feitiçaria também mostra exclusividade. As pes­
Irracionalismo. Os neopagãos afirmam que devem soas que declararam sua reprovação insistiram em
descartar a razão como norma da vida. Mas, nesse que “isso viola a Lei da Feitiçaria”, mostrando que há
627 n e o p a g a n is m o

uma lei universal de feitiçaria que define o certo e o Ele acrescenta que seus deuses têm característi­
errado. Se não define, a feitiçaria pode ser da forma cas humanas. São imperfeitos e muito mais acessíveis
que se desejar. Até os “Princípios da crença wicca”, (Forth Wbrth Star-Telcgrain, 16 Dec.1985, 2a ). Na lin­
adotados pelo Conselho de Feiticeiras Am ericanas guagem bíblica essa é uma confissão clara do fato de
em 11 e 14 de abril de 1974, apresenta uma forte decla­ que os pagãos “suprimem a verdade pela injustiça [...]
ração excluindo a crença no cristianism o com o “o e trocaram a glória do Deus imortal por imagens fei­
único caminho”. Elas reconheceram isso francam en­ tas segundo a semelhança do homem mortal” (Rm
te como parte de “nossa animosidade contra o cristi­ 1.18,23).
anismo” (ibid., p. 103). Caráter anticonfessional. Apesar de seu protesto, o
Grupos inclusivos não percebem que toda reivin­ neopaganismo tem seus credos e dogmas. Adler admi­
dicação de verdade é exclusiva. Se o cristianism o é te: “Já vi muitas pessoas no grupo se preocupando com
verdadeiro, então necessariamente todas as crenças detalhes de ritual e mito. Algumas pessoas aceitam es­
não-cristãs são falsas. Se a feitiçaria é verdadeira, to­ ses detalhes como dogma”. Embora proteste contra
das as outras crenças são falsas. O neopaganismo é tão dogmas, Adler estabelece um conjunto de “crenças bá­
exclusivista quanto qualquer outra religião que afir­ sicas” que, segundo ela, “a maioria das pessoas nesse
ma ter descoberto a verdade sobre a realidade. livro compartilha” (Adler, p. 88, ix). Ela parece não per­
Os neopagãos admitem que o “politeísmo sempre ceber que dessa forma está definindo um credo.
inclui o m onoteísm o. 0 inverso não é verdadeiro” O credo que ela confessa é informativo:
(ibid., viii). Inclui não é a palavra adequada aqui. O
politeísmo está disposto a absorver ou engolir crenças O m u n d o é san to . A n atu reza é san ta. O co rp o é san to . A se­
monoteís-tas, mas deve ser extremamente exclusivista x u alid ad e é san ta. A m e n te é san ta. A im a g in a çã o é sa n ta . Sois
em relação a tod as as fo rm as ortod oxas de san to s [...] Tu és D eu sa. Tu és D eu s. A d iv in d ad e é im an en te em
monoteísmo. Essas cosmovisões não podem compar­ to d a N atu reza. E stá ta n to d e n tro q u a n to fora ( ibid .).
tilhar o mesmo sistema de crença. Sob o manto da
linguagem inclusiva, o neopaganismo acredita que o Há várias doutrinas regulares do neopaganismo
caminho único é negar que haja um único caminho. nesse credo, inclu ind o-se panteísm o, politeísm o,
Incapacidade de explicar origens. Algumas reli­ animismo, autodeificação e, implicitamente, livre ex­
giões pagãs falam sobre as origens, mas poucas fa­ pressão sexual. No credo que chamaram “Princípio da
zem perguntam legítimas sobre elas (v. c o sm o ló g ic o , crença wicca", o Conselho das Feiticeiras Am erica­
a r g u m e n t o ). Existem deuses atuando, mas como nos nas descreveu treze princípios básicos. Esses princí­
levaram a esse ponto? O que causou tudo? C. S. L e w is pios incluem adoração à Lua, harm onia com a natu­
afirmou que o estabelecim ento de uma relação en­ reza, o poder criativo no universo m anifestado em
tre Deus e a natureza também os separa. Aquilo que polaridades m asculinas e fem ininas e sexo com o
faz e aquilo que é feito são duas coisas, não uma. prazer. Por incrível que pareça, rejeitaram a adora­
“Logo, a doutrina da criação de certa forma elimina ção ao Diabo e a crença de que o cristianism o é “o
a divindade na natureza” (Lewis, p. 7 9 ,8 0 ). Isso des­ único caminho” (ibid., p. 101-3).
trói o paganismo. Missão. Os neopagãos afirmam que não procuram
Incapacidade de explicar a unidade. Se o pagão novos convertidos. “Você não se torna pagão”, eles in­
percebesse que a natureza e Deus são distintos, que sistem, “você é pagão”. Eles afirmam que ninguém se
um fez o outro, um governou e o outro obedeceu, os converte à wicca. Mas aceitam pessoas atraídas pelo
deuses não seriam adorados, e sim o Deus criador. C. paganismo por “ouvir falar, uma conversa entre amigos,
S. Lewis observou: “A diferença entre crer em Deus e uma palestra, um livro ou um artigo”. Independente-
em vários deuses não é aritm ética [...] Deus não tem mente de seu propósito, o que são esses recursos além
plural” (Lewis, p. 78, 82). Com isso é revelada a de­ de meios de proselitismo? Afirmar que essas pessoas
pravação do politeísm o, pois os politeístas prefe­ sempre foram pagãs e que apenas “se encontraram”
rem adorar um deus que fazem, em vez de ao Deus (ibid., x, p. 14,121) é como missionários cristãos nega­
que os fez. Um neopagão concluiu: rem que evangelizam, já que os que crêem apenas “vol­
tam para Deus”. Como qualquer outra pessoa que acre­
P e rceb i q u e n ã o e ra tã o u ltra ja n te , e q u e p o d ía m o s e s c o ­ dita que en con trou a verdade ou a realidade, os
lh e r q u e d iv in d a d e s se g u ir... [ p o is] o e le m e n to do c r is tia n is - neopagãos não conseguem resistir à tentação de pro­
m o q u e [m e] in co m o d a v a [...] era su a ex ig ê n cia d e su b m issã o pagar sua fé. Por que outro motivo a experiência do
àd iv in d ad e. esclarecimento levaria novos wiccanos a proclamar com
n e o te ís m o 628

o zelo de um novo convertido: “Entrei em contato com a em que utilizaremos nossa liberdade, apesar de po­
Deusa. Era a religião” (ibid., p. 116)? der às vezes prever com grande precisão as escolhas
que taremos livremente” (Pinnock, p. 76-7).
Fontes O neoteísm o pode ser descrito da m elhor m a­
A im e r , M a r i .o t , Drawing down the moon. neira observando-se o que ele tem em comum com
_ _ _ , “Neo-paganism and feminism’', em o teísmo tradicional ou clássico e tam bém as dife­
Christian Research Journal. renças entre eles.
N .L.G hsler e J.A manv. The infiltration o f the Sew P rin cípios cm co m u m com o teísm o. De acordo com
Age. o teis.v.w clássico, os neoteístas acreditam que Deus é
I. K ershsfr , Entrevista em R o l lin g S t o n e (24 July um Ser pessoal, transcendente, onipotente, que criou
1980). o mundo t’.v nihilo,do nada ( v . c r i a ç ã o , v i s õ e s d a ) , e que
C. S. Lewis, R e f l e c t i o n s o n t h e P s a lm s . pode fazer e tem feito atos sobrenaturais nele. Deus
G. L ucas , Star wars. está no comando do universo, mas deu aos seres hu­
___ , Entrevista em T i m e I l l s M a x 1983), 68. manos o poder de fazer livres escolhas.
D. M ili.fr , T h e n e w p o l y t h e i s m . P r in c íp io s d ife r e n te s d o teísm o. Ao contrário do

D. P om ock , S k y w a l k i n g : t h e l i f e a n d films o f George teísmo tradicional, o neoteísmo afirma que Deus não
L u cas.
tem conhecimento infalível dos atos livres futuros. Além
M. Sans, ,\Vit' Age politics. disso, ele pode mudar e muda sua opinião de acordo
com nossas orações. Além disso, Deus não é absoluta­
mente simples nem é atemporal ou eterno. Logo, ele
neoteísm o. Significado do termo. Os defensores dessa
não é capaz de controlar completamente ou prever de
posição dizem defender a teoria da “abertura de Deus”
forma exata como as coisas se desenvolverão.
ou “teísmo do livre-arbítrio”, e com isso querem di­
Uma avaliação do neoteísmo. C aracterísticas p o ­
zer que Deus aceita mudanças e que os seres huma­
sitivas. Há muitas dimensões positivas no neoteísmo.
nos têm l iv r e - a r b ít r io , em oposição a qualquer prévio
Elas incluem todas as coisas que seus adeptos têm em
d e t er m in ism o divino do futuro. Mas o “neoteísmo” pa­
comum com os teístas clássicos.
rece ser um termo mais adequado, simples e descriti­
C ria ç ã o ex nihilo. Uma das crenças característi­
vo. Eles mesmos confessam que são teístas, mas ado­
cas do teísmo clássico, em com paração com outras
taram alguns dos princípios do pa x en teísm o ou teolo­
cosmovisões (v. c o sm o v isã o ), é que Deus criou o uni­
gia de processo (v. W h it e h ea d , A. N.J.
verso do nada. Isso o distingue claramente a posição
Alguns defensores do neoteísmo. Defensores do
do panenteísm o e coloca seus adeptos no cam po
neoteísmo incluem Clark Pinnock, Richard Rice, John
m aior do teísm o.
Sanders, William Hasker e David Basinger (v. Pinnock
A fir m a ç ã o d e m ilagres. Ao contrário dos panen-
et al., The openness o f God [A abertura de Deus]). Ou­
teístas e de acordo com os teístas, os neoteístas afir­
tros que escreveram em defesa da posição: Greg Boyd,
mam a realidade dos m il a g r e s . Isso os coloca ao lado
Stephen T. David, Peter Geach, Peter Lang, J. R. Lucas,
do teísmo tradicional e em oposição ao n a tu r a lism o
Thomas V Morris, Ronald Nash, A. N. Prior, Richard
e teísm o neoclássico atual, conhecido por teologia
Purtill, Richard Swinburne e Linda Zagzebski.
do processo.
Alguns p rin cíp ios básicos do n eoteísm o. Em Ê n fa s e à r e l a ç ã o d e D e u s c o m a c r i a ç ã o . Os
suas palavras, os neoteístas acreditam que “ 1. Deus
neoteístas se preocupam bastante, o que é correto,
não só criou este mundo ex nihilo. mas pode intervir em preservar a relação de Deus com o mundo. Um
e às vezes intervém unilateralmente nos assuntos ter­ Deus que não pode ouvir e responder a orações é
re n o s. 2. Deus escolheu criar-nos com liberdade menos que pessoa e não é o Deus descrito na Bíblia.
incompatibilista (libertária) — liberdade sobre a qual Ê n fa se a o liv re-a rb ítrio . Junto com os teístas clás­
ele não pode exercer controle total. 3. Deus também valo­ sicos, os neoteístas desejam defender o livre-arbí­
riza a tal ponto a liberdade — a integridade moral das trio das formas de determinismo que eliminariam o
criaturas livres e um mundo no qual tal integridade é livre-arbítrio genuíno. Isso é louvável.
possível — que normalmente não anula tal liberda­ Além disso, deve ser mencionado que os neotéistas
de, mesmo se acha que está produzindo resultados estão corretos em enfatizar que há algumas coisas
indesejáveis. 4. Deus sempre deseja nosso bem maior, que são impossíveis para Deus, já que ele decidiu fa­
tanto individual quanto coletivamente, portanto é afe­ zer criaturas livres. Ele não pode, por exemplo, forçá-
tado pelo que acontece em nossas vidas. 5. Deus não las a escolher algo livremente. Liberdade forçada é
possui conhecim ento exaustivo da m aneira exata uma contradição (v. l iv r e - a r b ít r io ; m a l , pr o blem a d o ).
629 N ew m an , Jo h n P au l

Crítica negativa. Os neoteístas devem ser criti­ Isto é, algumas delas podem estar erradas. Além dis­
cados em parte por criar Deus à sua im agem (v. so, não temos como saber quais delas estão erradas.
Geisler, toda a obra). Na verdade eles absorveram Então, o neoteísmo mina a infalibilidade de todas as
demais o panenteísmo e estão sujeitos a muitas das previsões bíblicas (v. proffcia como prova da B íblia).
m esm as críticas. O neoteísmo destrói o teste bíblico acerca dos fa l­
0 neoteísmo não é bíblico. Já que neoteístas cris­ sos profetas. A Bíblia declara (em Dt 19.22) que a
tãos afirmam aceitar a autoridade da Bíblia, podem profecia falsa é o teste do falso profeta. Mas, como
ser julgados por seus padrões (Geisler, cap. 4 ). E a foi m encionado, segundo o neoteísm o pode haver
Bíblia, comparada ao neoteísm o, afirma claramente previsões falsas na Bíblia. Nesse caso, a falsa predi­
que Deus não muda. 0 Eu Sou auto-existente (Êx ção não pode ser o teste do falso profeta, já que até
3.14) das Escrituras diz: “De fato eu, o S f.x h o r , não Deus poderia fazer uma predição falsa.
mudo” (Ml 3.6; Hb 1.12; Tg 1.17), e que conhece “des­ O neoteísmo mina a confiança em promessas in­
de tempos remotos, o que ainda virá” (Is 46.10). “É condicionais. Se o neoteísmo está correto, até as pro­
impossível medir o seu entendimento” (SI 147.5) e, messas incondicionais não são dignas de confiança,
portanto,“predestinou” os eleitos (Rm 8.29; 2Pe 1.2). incluindo-se a resposta a orações (v. Geisler, cap. 5 ,6 ).
Ele “não é homem para se arrepender” (IS m 15.29). Por mais bem-intencionado que Deus possa ser ao fa­
Quando a Bíblia menciona que Deus “se arrepen­
zer a promessa, se o cumprimento de alguma maneira
de”, isso é apenas do nosso ponto de vista, como quan­
depende de escolhas humanas livres (o que geralmente
do há arrependimento por parte de um homem (Jn
ocorre), Deus pode não ser capaz de cumprir sua pro­
3). Por exemplo, quando alguém muda de direção de­
messa.
pois de pedalar sua bicicleta contra o vento, não foi o
vento que mudou. Mesmo os neoteístas admitem que
Fontes
há antropomorfismos na Bíblia.
De a u t o r e s n e o te ís ta s
O neoteísmo é incoerente. Por exemplo, neoteístas
G. Bov:>, Trinity and process.
acreditam que Deus criou o m undo tem poral do
S. T. D Lógica c a natureza de Deus.
nada. Então, ele deve ser anterior ao tempo, e não
(.. P insock, e t a l .. The openness o f Cod.
tem poral em si m esm o. Mas os neoteístas negam
W. H \'KhK>, God, time, and knowledge.
que Deus seja um Ser atemporal. Isso é incoerente,
N. XxMi. The concept o f God.
pois, se Deus criou o tempo, ele não pode ser tem po­
R. Ru::-, God’s foreknowledge and man’s free will.
ral, assim como Deus não pode ser uma criatura se
R . Sv.iNsiRM,, T h e coherence o f T h m m
criou todas as criaturas (v. Geisler, cap. 6).
Da m esm a form a, os neoteístas adm item que
Deus é um Ser Necessário, embora neguem que seja C o n t r a n e ote ísta s

Realidade Pura. Mas aqui novamente não podem ter A uosiinho . 4 cidade deDeus.
as duas escolhas. Pois um Ser Necessário não tem a A nselmu , Proslogio.

potencialidade de inexistência. Se tivesse, não seria T omas he A quino, Suma teológica.


um Ser Necessário. Porém, se não tem potencialidade ). C aivino , A s Instituías.
de não existir, sua existência deve ser Realidade Pura S. CiiAKNOCK, Discourse upon the existence and
(sem potencialidade). attributes o f God.
Finalm ente, se Deus é um Ser Necessário, não R. G uírk ,(h;- L a(, range , God: his existence and
pode mudar sua Existência. Pois o Ser Necessário nature.
deve ser necessariamente o que é; não pode ser ou­ X . L. G i isi .er , Creating God in man’s image.
tra coisa. No entanto, os neoteístas afirmam que Deus R. G rit .ni .er , The inexhaustible God.
pode mudar, isto é, ele não é imutável. Mas essas E. M ascai .e , He who is.
duas coisas afirmadas pelos neoteístas não podem H. P. Owen, Concepts o f deity.
ser verdadeiras.
0 neoteísmo mina a infalibilidade. Apesar de mui­ N ew m an, Jo h n P au l. Nasceu em Londres (1 801-
tos neoteístas afirmarem crer que a Bíblia é a Pala­ 1890) e foi ordenado pela igreja da Inglaterra em
vra infalível de Deus, isso é incoerente com seus prin­ 1825. Foi o mais famoso inglês convertido ao cato­
cípios básicos. Se Deus não pode saber o tuturo in­ licismo romano e um dos maiores apologistas cató­
falivelmente, as previsões bíblicas que envolvem atos licos da era moderna. Converteu-se quando era ado­
livres (que são a maioria) não podem ser infalíveis. lescente e cresceu no segm ento mais calvinista do
N e w m a n , Jo h n P au l 630

anglicanismo. Estudou em Oxford e continuou como e x istên cia do L eg islad or Sup rem o. No e n ta n to ,
preletor no Oriel College. Repelido pelo liberalismo Newman reconheceu que a ausência de Deus indica­
teológico que viu surgir em sua igreia. lançou o Mo­ va a alienação devida ao pecado e exigia uma maneira
vim ento de Oxford ou M ovim ento dos Panfletos. divinamente estabelecida de salvação. Essa maneira
Quando percebeu que a Igreia Anglicana como um deve ser acompanhada de uma autoridade de ensino
todo não o apoiaria, refugiou-se no catolicismo ro­ suficiente para resistir à obstinação arbitrária dos se­
mano (1845), que ele acreditava oferecer a melhor res humanos pecadores. A religião natural (v. natural,
esperança de vencer o ataque liberal. Ele chegou à teo lo gia ) antecipa essa religião revelada. Mas ele acre­
posição eclesiástica de cardeal. ditava que só há uma religião no mundo que supre as
N ew m an produ ziu v árias o b ra s com tem as aspirações, necessidades e predisposições da fé natu­
apologéticos. Quando era anglicano, escreveu Essays ral e da devoção (ibid., p. 187).
on miracles [Ensaios sobre milagres] e The arians o f Em An essay in aid o f a grammar o f assent (cap. 10,
the fourth century [Os arianos do século /v]. Em seu parte 2), Newman estabeleceu um argumento históri­
University sermons [Sermões da universidade], pre­ co impressionante baseado na convergência de pro­
gados entre 1826 e 1843, desenvolveu suas posições babilidades. Concluiu que o cristianismo é mais pro­
sobre fé e razão. Em Essay on the development o f vável que outras religiões pela convergência de pro­
Christian doctrine [Ensaio sobre o desenvolvimento babilidades que dão origem à certeza moral (v. certe­
da doutrina cristã] (1845), explicou suas razões para z a ; c o n v í c c à o ). Primeiro, a história dos judeus mostra
crer que a Igreja Católica Romana era a verdadeira o exemplo de monoteísmo extraordinariamente for­
sucessora da igreja prim itiva. Seu livro Idea o f a te diante da idolatria persistente. O cristianismo é o
university \A idéia de uma universidade] foi escrito cumprimento das expectativas messiânicas de Israel
em 1852. Em 1864, em resposta aos ataques de Charles e concorda com a previsão de Jesus de que ele enche­
Kingsley, compôs sua autobriografía, Apologia pro ria a terra e a dominaria.
vita sua. Sua última obra importante foi An essay in Newman argumenta com mais detalhes em Apo­
aid o f a grammar o f assent [Um ensaio em auxílio a logia pro vita sua a favor da dim ensão católica de
uma gramática do assentimento], 1870. sua apologética. Ele insiste em que, se a revelação
Posições apologéticas d e Newman. Em Essay on divina fosse entregue ao domínio da razão humana,
the development o f Christian doctrine, Newman ar­ inevitavelmente se deterioraria e dissolveria em caos
gum entou, contra objeções de liberais a toda reli­ e confusão (ibid., p. 188). Na opinião dele apenas
gião dogmática, que o assentimento religioso é real. uma autoridade viva e infalível poderia interrom ­
Não é uma idéia passageira. A teologia especulativa, per esse processo de declínio. No seu Essay on the
praticada pelos liberais, lidava com lógica e abstra­ development o f Christian doctrine, tentou m ostrar
ções, mas o crente se apega de todo o coração ao como a Igreia Católica seguiu uma linha de desen­
Deus vivo (Dulles, p. 185). volvimento que m anifesta sua continuidade com a
Depois Newman comentou o problema do nível revelação original dada na Bíblia.
de convicção exigido pela fé e a quantidade de certeza Avaliação. A apologética de Newman é valiosa para
na qual se baseia (v. L e s s i n g , G o t t h o l d ). Newman não católicos e protestantes. Algumas características po­
acreditava na possibilidade de acumular um conjun­ sitivas incluem o apelo à evidência objetiva e históri­
to de argumentos filosóficos ou históricos que de­ ca (v. a p o l o g é t i c a h i s t ó r i c a ), a disposição de discutir a
monstraria que o cristianismo está acima de todos os dimensão subjetiva e moral e a ênfase na certeza m o­
argumentos possíveis. Acreditava que argumentos pu­ ral que resulta de probabilidades convergentes.
ramente objetivos não trariam verdadeira convicção Do lado negativo, Newman não formula uma defe­
religiosa. Devido ao elemento subjetivo em toda in­ sa convincente a favor da singularidade do catolicismo
vestigação religiosa, Newman preferiu o que se cha­ como uma barreira ao liberalismo. O protestantismo
ma “dialética existencial da consciência" (ibid., 186). conservador, mesmo sem o suposto magistério infalí­
Nisso ele seguiu Joseph B i ilh ; no estudo de analogias vel, teve muito mais sucesso na defesa de suas posições
e probabilidades (v. p r o b a b i l i d a d e ). (v. Geisler, cap. 11). Além disso, a tese de Newman sobre
Newman só considerava duas alternativas coeren­ o desenvolvimento histórico da doutrina não tem base
tes com relação à crença em Deus: aceísvoj e catolicis­ nas Escrituras nem nos pais da Igreja e é contrária aos
mo romano. Rejeitava o ateísmo por causa do teste­ pronunciamentos supostamente infalíveis do Concílio
munho da consciência, que segundo ele implicava a de Trento (v. Geisler, cap. 10).
631 N ie tz s c h e , F rie d r ic h

Fontes de guerra contra a vida, contra a natureza [...] a


A. D i L LE S, A history oiapologetics. deificação do nada, a vontade do nada considerado
N . L. G n sL E R e R . MAcKísai.Romancatholicsand santo” (ibid., p. 92-4).
evangelicals: agreemenis and differences. H istória e destino. A história humana, como o
H. N
f. , An essay in aid o fa grammar o f assent.
e k m a x destino humano, é cíclica. Nietzsche rejeitou qual­
___ . Apologia pro vita sua. quer noção cristã da história dotada de objetivo ou
___ , Essay on the development ofChristian de um eschaton a favor da recorrên cia cíclica de
doctrine estilo oriental. A história não cam inha a lugar al­
G. S almon , The infallibility o f the church. gum. Não há objetivos finais para alcançar, nenhum
paraíso a reconquistar. Há apenas a vida individual
N ietzsche, F ried rich . Um dos ateus mais vívidos e para viver pela coragem e criatividade. A hum ani­
convincentes (v. a teísm o ) de todos os tempos (1814- dade cria seu destino aqui, e não há pós-vida —
1900). Sua rejeição a Deus foi instintiva e incisiva (v. exceto a eterna recorrência da m esma situação. Os
D e u s , su po sta s r efu t a ç õ e s d e ). Com a negação de Deus, super-homens são os gênios que formam o destino.
Nietzsche negou todo valor objetivo baseado nele. “Eles dizem: Assim será!' Determinam o ‘se’ e o ‘para
Logo, sua visão é uma forma de n iil ism o . Apesar de que fim’ da humanidade [...] Seu saber é seu criar”
ter sid o criad o no la r de um p a s to r lu te ra n o , (Além do bem e do mal,p. 18-9).
Nietzsche reagiu violentam ente contra seu treina­ Ética. A percepção chocante da morte de Deus levou
mento religioso. Sua mãe, tia e irmãs o criaram des­ Nietzsche à conclusão de que todos os valores e absolutos
de criança, após a morte de seu pai. baseados em Deus também estavam mortos (v. moralidade ,
Deus e o m ito d e Deus. Nietzsche baseou sua natureza absoluta da ).Logo, Nietzsche rejeitava todos os
crença de que Deus jam ais existiu em vários pontos valores judaico-cristãos tradicionais de maneira quase vio­
fundamentais (Além do bem e do mal, p. 23). Ele argu­ lenta. Nietzsche questionou até princípios gerais, tais
mentou que o Deus do teísta deveria ser autocausado, como “não ferir outro hom em ” (Além do bem e do
o que é impossível (v. D e u s , o b j e ç õ e s a p r o v a s d e ) . O mal, p. 186-7). Ridicularizou o princípio cristão de
mal no mundo eliminaria ainda mais o Criador b e­ a m o r : “ P o r q u e , s e u s idiotas [...] ‘Que tal louvar aquele
nevolente (v. m a l , p r o blem a d o ) . Nietzsche julgou que q u e s a c r ific a a si mesmo?”’ (ibid., p. 2 2 0 ) . Na verdade,
a b ase para a cre n ç a em D eus era p u ram en te o c r i s t i a n i s m o “é a m aior de todas as corrupções
psicológica (v. F r e u d , S i g .m u n d ) . Nietzsche exortou: im a g in á v e is [...] e u o denomino m ancha imortal da
“Rogo-vos, meus irmãos, permanecei fiéis à terra, e h u m a n id a d e .” (O anticristo, p. 2 3 0 ).
não creiais naqueles que vos falam de esperanças de N o lu g a r d o s v a lo r e s cristãos tradicionais, propôs
outros m undos!”. Acrescentou: q u e a s p e s s o a s modernas fossem “além do bem e do
m a l” . S u g e riu a transavaliação que rejeitaria as virtu­
No p assad o o pecado contra Deus era o m aior pecado; m as d e s “ s u a v e s ” e femininas do amor e da humildade e se
D eus m orreu , e e sse s p ecad o re s m o rreram com ele. A gora a p o d e r a r ia das virtudes “duras” e masculinas da se­
p ecar con tra a terra é a co isa m ais terrível (Assim falava veridade e da desconfiança ( Além do bem e do mal,
Zaratustra.p. 125). toda a obra).
Seres humanos. Não há pós-vida, então tudo o que
Nietzsche acreditava que o mito “Deus” já havia a pessoa puder fazer para superar os limites da m or­
sido im portante. Foi o modelo pelo qual a Europa talidade pessoal é desejar a recorrência eterna da m es­
medieval e da Reform a baseou sua vida. Essa cultu­ ma situação (v. im o r t a l id a d e ). Isto é , deve desejar vol­
ra, no entanto, estava em decadência. A modernidade tar e viver a m esm a vida vez após vez. Já que não há
havia alcançado a humanidade da presente época, Deus e não há valores objetivos para descobrir, a raça
que não podia mais acreditar em Deus. “Deus está humana deve criar os próprios valores. A falta de sen­
m orto!”, clamou Nietzsche. A humanidade m oder­ tido e conteúdo da vida deve ser superada. Os que a
na precisa enterrar Deus e continuar. superam são “super-homens”.
O mundo. Já que Deus não existe, só existe o mun­ Avaliação. Todos os ateus compartilham os elemen­
do. A matéria está em movimento, e a vida se move tos básicos da posição de Nietzsche. Sua alegação de
em ciclos (v. m a t e r ia l is m o ; n a t u r a l ism o ). O mundo é que nenhum Deus existe é refutada por forte evidên­
real, e Deus é ilusão. Não há Deus ao qual devamos ser cia da existência de Deus (v. co sm o ló g ic o , a r g u m en t o ;
fiéis. Logo, cada pessoa é exortada a “permanecer fiel m ural a favor de D ela , a rg u m en to ; teeeo lú g ic o , a r g u m en ­
à terra”. Pois Nietzsche via Deus “como a declaração t o ). As objeções a esses argumento são respondidas
n iilis m o 632

em outro artigo (v. D e u s , o b j e ç õ e s a s p r o v a s d e ) . Como evidenciai (v . a p o l o g é t i c a , t i p o s d e ), alegando que o


acontece com o ponto de vista de F r e u d , a posição de pecado corrompeu t a n t o a mente humana que não é
Nietzsche de que Deus é uma ilusão é infundada. Seu possível que a humanidade caída entenda a revelação
relativismo moral não pode resistir à força lógica do de Deus adequadamente nem raciocine corretamen­
absolutismo moral. Tanto a visão materialista (v. m a t e ­ te. Essas objeções estão baseadas numa compreensão
r ia l is m o ) do universo (v. n a t u r a l i s m o ) quanto sua eter­ específica da teologia reformada e são expressas por
nidade são contrárias a bons argumentos científicos teólog os c o m o Soren K ierk eg aard (1 8 1 3 -1 8 5 5 ),
(v. B ig-baxg) e filo só fico s (v. v a i a m , a r g u m e n t o Herman Dooyeweerd (1894-1977) e Cornelius Van Til
COSMOLÓGICO). (1895-1987). Outros cristãos reformados e apologistas
clá ssico s ( v . c l á s s i c a , A p o l o g é t i c a ) rejeita m essa
Fontes dicotomia, afirmando que, apesar de o pecado des­
J. Collins,A h is to ry o f m o d e r n E u r o p e a n p lu lo s o p h y , truir a imagem de Deus na humanidade e a revelação
cap. 18. geral, ele não as apaga.
N. L. G eisler e W. VVatkine, E thics: o p tio n s a n d issu es, P ecado e a mente. J o ã o Calvino. Reformadores
cap. 2.
protestantes enfatizam os efeitos noéticos do peca­
___ , W orlds a p a r t: a h a n d b o o k on w o rld do. João C a l v i n o (1509-1564) foi rápido em dem ons­
v iew s, cap. 2.
trar que a depravação da vontade humana obscure­
R. G. H ollindai e, N ie tz sc h e : th e m a n a n d h is
ce a capacidade de entender e responder à revelação
natural de Deus. Escreveu:
p h ilo s o p h y .
K. Jaspers, N ie tz sc h e un s d a s ch r isten tu m , E. B.
A id é ia da n a tu re z a d e le [de Deus] não é dara a não ser
A shton, trad.
que o re c o n h e ç a como origem e fundação de toda bondade.
W. K aufmann, T he p o r t a b l e N ietzsch e.
Logo, surgiria a confiança nele e o desejo que apegar-se a ele,
F. N ie t z s c h e , O a n tic risto .
se a depravação da mente humana não a afastasse do curso
___, A lé m d o b e m e d o m a l.
adequado de investigação ( Institutos, 1.11.2).
___ , G e n e a lo g ia d a m o r a l.
___ , The Will to Power
Calvino acreditava que a Certeza completa (v. c e r -
___ , Assim falava Zaratustra.
tf .za /con \tc ç ã o ) s ó
vem pelo Espírito Santo (v. E sp ir it o
S anto na a po lo g étic a , papel d o ) agindo por meio dessa
niilismo. Niilismo vem do latim ttihil, que significa
evidência objetiva para confirmar no coração da pes­
“nada”, e expressa a negação de toda existência ou valor
soa que a Bíblia é a Palavra de Deus. Ele escreveu:
(v. N ietzsche , F riedrich ). A o rejeitar valores, o niilismo é
antinômico ou contraditório. No entanto, mesmo a
Nossa fé na doutrina só é estabelecida quanto temos a con­
maioria dos relativistas (v.moralidade , natureza absoluta
vicção perfeita de que Deus é seu Autor. Logo, a maior prova da
da ) ou situacionistas não nega todo e qualquer valor,
Escritura é uniformemente tirada do caráter daquele a quem
apenas todos os valores absolutos. Niilistas menos
palavra perten ce (v. B íblia , evi dências da ).
rígidos negam apenas que qualquer valor supremo
ou absoluto exista. O único valor que existe é o que
Nossa convicção da verdade das Escrituras deve ser deri­
nós criamos. Não há valor objetivo a ser descoberto. vada de uma fonte maior que conjecturas, julgamentos ou ra­
A negação de toda existência é contraditória, já que zões humanas; a saber, o testemunho secreto do Espírito”
é preciso existir para negar toda existência. Quem não (ibid., 1.7.1, v. 1.8.1).
existe não nega nada.
Da mesma forma, a negação de todo valor é incoe­ É im portante lem brar, no entanto, com o R. C.
rente, já que a própria negação envolve a crença de que Sproul demonstra, que “o testimonium não é colocado
há valor nessa negação. Os niilistas valorizam sua li­ co n tra a razão com o fo rm a de m istic ism o ou
berdade de ser niilistas. Logo, não podem escapar à subjetivismo. Mas vai além e transcende a razão”.
afirmação implícita de valor, mesmo quando o negam Nas palavras de Calvino:
explicitamente.
Mas respondo que o testemunho do Espírito é superior à
Noé, arca de. V. d i l ú v i o d e Noé. razão. Pois somente Deus pode testemunhar adequadamente
a favor de suas palavras, de modo que essas palavras não obte­
noéticos do pecado, efeitos. Alguns teólogos se rão crédito total no coração dos homens até que sejam seladas
opõem a qualquer forma de apologética racional ou pelo testemunho interior do Espírito (citado por Sproul, ibid.).
633 n o é t i c o s d o p e c a d o , e f e ito s

É Deus agindo por m eio da evidência objetiva depravação “detém”, ou “suprime”, essa verdade pela
que nos dá certeza subjetiva de que a Bíblia é a Pala­ injustiça (Rm 1.18).
vra de Deus (v. B íb l ia , e v id ê n c ia s d a ). S em fé ... “Sem fé é impossível agradar a Deus” (Hb
C orn eliu s V a m T i l . Uma das expressões modernas 11.6) parece argumentar contra a necessidade da ra­
mais fortes da destruição da mente pela depravação zão. Na verdade, parece que pedir razões, em vez de
está na obra de Van Til. Ele disse que o incrédulo tem simplesmente acreditar, desagrada a Deus. Mas Deus
dentro de si o conhecimento de Deus por causa da cri­ nos chama a usar a razão (1 Pe 3.15; v. a po lo g étic a , n e c e s ­
ação à imagem de Deus. E, diz no parágrafo seguinte: sidade da ). Na verdade, ele deu “claramente” (Rm 1.20)
“Mas essa idéia de Deus é suprimida pelo seu falso “provas indiscutíveis” (At 1.3). O texto de Hebreus
princípio, o princípio da autonomia” (In d e fe n s e o f t h e não exclui “evidência”, mas na verdade a subentende.
fa i t h [Em d efesa d a fé ], p. 170). É esse princípio que Pois a fé é a “certeza” das coisas que não vemos
constitui a analogia do “visão distorcida” de Van Til, (Hb 11.1). Assim como a certeza de que alguém é uma
pelo qual todo conhecimento do incrédulo é distorcido testem u n h a confiável ju s tific a m inha cren ça no
e falso. A doutrina da depravação radical implica na testemunho dela, nossa fé em “coisas que não vemos”
crença de que toda atividade interpretativa incrédula (Hb. 11.1) é justificada pela evidência que temos de
resulta em conclusões falsas. que Deus existe, que é vista claramente, sendo perce­
Argumentos nas Escrituras. A posição de que o bida “por meio das coisas criadas” (Rm 1.20).
pecado corrompe a capacidade humana de entender a A q u ele q u e n ã o p o d e en ten der. Paulo insistiu em
revelação de Deus ou receber sua graça redentora ge­ que “Quem não tem o Espírito não aceita as coisas
ralmente busca o apoio de certas passagens bíblicas. que vêm do Espírito de Deus” (lC o 2.14). Então, para
M ortos n o p ec a d o . Paulo usa a linguagem figurada que serve a apologética? Eles nem podem conhecer
de que os incrédulos estão “mortos” nos seus pecados a Deus! Mas Paulo não diz que o homem natural não
(E f 2.1). Com isso se conclui que os mortos não ouvem pode perceber a verdade sobre Deus. O ápostolo diz
nem vêem a revelação geral de Deus. Não a conhecem que ele não o recebem (gr. d e c h o m a i, “dar as boas-
até que são regenerados pelo Espírito Santo. Geralmen­ vindas” ). Paulo declarou enfaticam ente que as ver­
te Paulo é citado ao dizer: “Quem não tem o Espírito dades b á sic a s sob re D eus “têm sido v ista s
não aceita as coisas que vêm do Espírito de Deus, pois claram ente” (Rm 1.20). O problem a não é que os
lhe são loucura; e não é capaz de entendê-las, porque incrédulos não estejam cientes da existência de Deus,
elas são discernidas espiritualmente” (1 Co 2.14). mas que não querem a c e it á - lo por causa das conse-
S a b e d o r ia d o m u n d o n ã o a lc a n ça a Deus. Paulo es­ q ü è n c ia s m o ra is que isso te ria em sua vida
creveu que o mundo, pela sua sabedoria, não conheceu pecam inosa. Eles não “conhecem” (gr. g in o s k õ , que
a D eusflCo 1.21). Isso não pode significar que não freqüentem ente significa “saber por experiência”).
haja evidência da existência de Deus, já que Paulo Eles c o n h e c e m a Deus na mente (Rm 1.19,20), mas
declarou em Romanos 1.19,20 que a evidência da exis­ não o aceitaram no coração (Rm 1.18). “Diz o tolo
tên cia de Deus é tão clara que os pagãos são em seu coração: Deus não existe” (SI 14.1).
“indesculpáveis”. O contexto de 1 Corindos não é a Resposta. O próprio Van Til percebeu a tensão em
existência de Deus, mas seu plano de salvação na cruz. sua posição. Ele fala disso como uma “questão difícil”,
Isso não pode ser conhecido pela mera razão, mas à qual “não podemos dar uma explicação totalmente
apenas pela revelação divina. É “loucura” para a mente satisfatória” (In tro d u ctio n to sy stem a tic th e o lo g y [In ­
humana depravada. Finalmente, ainda em 1 Corindos, tro d u çã o à teo lo g ia sis te m á tic a ], p. 15). Na verdade, se
Paulo dá sua maior evidência apologética para a fé seres humanos pecadores realmente vissem tudo com
cristã — o testem unho ocular da ressurreição de a “visão distorcida”, de modo que não pudessem en­
C risto, que seu com p an h eiro Lucas d en om in ou tender a verdade da revelação geral ou do evangelho,
“muitas provas indiscutíveis” (At 1.3). Portanto, sua não seriam moralmente responsáveis.
referência ao mundo que pela sabedoria não conhece Calvino jam ais acreditou nos efeitos noéticos do
a Deus não é uma referência à incapacidade dos seres pecado, a ponto de afirm ar que nenhum a pessoa
humanos para conhecer a Deus por meio da evidên­ incrédula poderia entender a revelação de Deus. Na
cia que ele revelou na criação (Rm 1.19,20) e na cons­ realidade, Calvino insistiu em que “existe na mente
ciência (Rm. 2.12-15). Antes trata-se de uma referên­ humana, e na verdade por instinto natural, um senso
cia à rejeição humana, insensata e depravada da m en­ de divindade” (In stitu ías. 1.3.1). Ele argumentou que
sagem da cruz. Apesar de cada pessoa saber clara­ “não há nação tão bárbara, nem raça tão bruta, que
mente por meio da razão humana que Deus existe, a não esteja impregnada com a convicção de que há
n o é t i c o s d o p e c a d o , e f e ito s 634

um Deus” (ibid .)■ Esse “senso de divindade está tão na direção de sua vida. Isso tam bém não significa
naturalmente gravado no coração humano que ate os que a própria negação da verdade pelo incrédulo
depravados são forçados a reconhecé-lo” í In stitu tos, seja, de certa forma, a afirmação dela (Frame, p. 207).
2.4.4). Calvino foi além, afirm ando que a essência Frame acrescenta que e simplista afirm ar que os
invisível e incom preensível de Deus toi m anifesta efeitos n o étic o s d o p e c a d o resultam numa falsifica­
nas obras de Deus, junto com provas da im o rtalid ade ção preposicional de toda afirm ação do incrédulo
da alma ( In stitu ía s , 1.5.1-2). Pois (ibid., 211).
O próprio Van Til oferece afirmações que não se
em cada uma das suas obras sua glória está gravada em ajustam à antítese. Ele argumenta
letras tão brilhantes, tão distintas e tão ilustres, que ninguém,
por mais obtuso e ignorante, pode alegar ignorância como q u e a p re s e n ta m o s a m e n sa g e m e a e v id e n cia da p o siç ã o
desculpa (ibid.). c r istã da m a n e ira m a is d a r a p o ssív el, sa b e n d o q u e, p elo fato
d e o h o m e m s e r o q u e o c r e n te diz q u e ele e, o in cré d u lo será
Ao com entar Romanos 1.20,21, Calvino conclui c a p a z d e e n t e n d e r n o s e n tid o in te le c tu a l a s q u e s tõ e s
que Paulo ensina que Deus en v olvid as ( “M y c r e d o " ).

apresentou à mente de todos a maneira de conhecê-lo, ten­ Mas como o incrédulo pode entender as questões,
do se manifestado por meio de suas obras, de forma que elas m esm o no sentido intelectual, se não há nada em
devem necessariamente ver aquilo que elas mesmas não procu­ com um, nem conhecim ento de qualquer tipo — se
ram saber — que há um Deus {New Testamentcommentaries: ele vé tudo com a visão distorcida?
Epistles ofPaul to the R om ans an d Thessalonians). As Escrituras declaram claramente que os seres não-
regenerados são “indesculpáveis” (Rm 1.19,20; 2.12-15).
Para Calvino, esse conhecim ento inato de Deus Adão e Eva estavam “mortos em [ ... ] transgressões e
inclui o conhecimento de sua lei justa. Ele acreditava pecados” (v. Ef 2.1) no mesmo instante que comeram
que, já que “os gentios têm a justiça da lei naturalmen­ o fruto proibido (Gn 3.6; Rm 5.12). Mas ouviram e
te gravada em sua mente, não podemos dizer que são entenderam Deus falando com eles iGn 3.9-19).
totalmente cegos à regra da vida” ( In stitu ías , 1.2.22). Um erro com um do pressuposicionalism o re­
Ele chama essa consciência moral “ lki natu ra l ” , que é formado é a má interpretação da linguagem figurada
suficiente para a condenação, mas não para a salva­ de “m ortos” como o equivalente de espiritualmente
ção (ibid.). Por meio dessa lei natural, “o julgamento “aniquilados”, erro que, felizmente, não com etem
da consciência” é capaz de distinguir entre o que é quando falam da segunda morte (Ap 20.14). A morte
justo e injusto {N ew T estam ent co m m en ta ries: Epistles nas Escrituras é m ais bem entendida em termos de
o f P au l to the R o m a n s a n d T h essalon ian s, p. 48). Por separação, não de aniquilação (v. a x iq l t i a c io m s m o ). O
causa das letras brilhantes da glória de Deus, a maio­ profeta disse: “Mas as suas maldades separam vocês
ria das pessoas tem as mesmas idéias básicas sobre o do seu Deus” (Is 5 9 .2 ).“Mortos” não é a única lingua­
que é certo e o que é proibido. É evidente que Deus gem figurada usada na Bíblia para descrever a hu­
deixou “provas” de si mesmo para todos, tanto na cri­ manidade pecam inosa. Doença, cegueira, poluição
ação quanto na consciência (ibid, p. 48). e defeito tam bém são usados. Mas nenhuma delas
P o siç ã o ex trem a d e V.-ly T il Até os discípulos de implica uma pessoa totalmente incapaz de entender
Van Til tinham sérias reservas quanto à sua posição a revelação de Deus.
sobre a destruição total da razão pelo pecado. John Outros teólogos reformados não-pressuposicionais,
Frame responde que “negar a restrição [da graça co­ tais com o Jonathan Edwards, B. B. V a r f i e i d , John
mum], como Van Til parece fazer no contexto atual, é Gerstner e R. C. Sproul também acreditam firmemente
negar a própria graça comum” (Fram e, p. 194). Ele na depravação total sem aceitar essa posição distorcida
acrescenta que a antítese de Van Til da mente com e dos efeitos noéticos do pecado. A depravação total pode
sem Cristo exige qualificação considerável. Tal antí­ ser compreendida como a incapacidade de iniciar ou
tese pareceria sugerir que o incrédulo erra a cada obter a salvação sem a graça de Deus.
afirmação feita. A depravação não funciona neces­ Nessa m esm a conexão, os pressuposicionalistas
sariam ente dessa maneira. A form ulação tam bém (v. a p o l o g é t ic a p r e s s u p o s ic io n a l ) reform ados geral­
sugere que a d eficiência esp ecificam ente in te le c­ m ente interpretam mal 1 Coríntios 2.14, dizendo
tual da depravação humana aparecerá de forma ine­ que o texto significa que incrédu los não podem
vitável no que o incrédulo diz, táz ou cria, antes que sequer entender a verdade de Deus antes de serem
635 n o é t i c o s d o p e c a d o , e f e ito s

regenerados. Além da dificuldade óbvia de que os em entender o divino está no fato de que filósofos não
incrédulos teriam de ser salvos antes de crer — o podem entender assuntos humanos sem erro. Portan­
oposto do que as Escrituras dizem em João 3.16,36; to, era necessário que Deus transm itisse verdades di­
Atos 16.31 e Romanos 5.1 — , essa é uma má inter­ vinas por meio da fé, entregues aos seres humanos pelo
pretação da passagem. E não adianta afirmar que eles Deus que não pode mentir (ibid., 2a2ae. 2 ,4 ).
são regenerados antes de ser salvos (justificados), já A graça, portanto, é necessária para transpor os
que a pessoa é colocada no Reino de Deus pela rege­ efeitos noéticos do pecado. Aquino concluiu que Deus
neração (Jo 3.3; Tt 5.5). Como Fred Elowe observou, a precisa ajudar o homem com a graça reabilitadora. Não
palavra grega para “receber”, dechomai, significa “dar podemos amar a Deus nem ao próximo sem a graça.
as boas-vindas”. Isso não significa que não entendam. Não podemos nem mesmo crer. Mas com a graça te­
Eles claramente entendem (Rm 1.19,20), mas não es­ mos esse poder. Como Agostinho diz, todos os que re­
tão dispostos a receber as verdades de Deus (Howe, p. cebem esse auxílio de Deus o recebem pela m isericór­
71-2). Conseqüentemente, não as conhecem por ex­ dia; todos que não o recebem não o recebem pela ju s­
periência. Eles as conhecem apenas na mente, não no tiça, por causa do pecado original e pessoal (ibid.,
coração. A incom pre-ensão dessas verdades leva à 2a2ae. 2,6 ad 1). No entanto, Aquino não acreditava que
má interpretação dos efeitos do pecado. o pecado houvesse destruído completamente a habili­
L im ites d a razão. Seguindo o filósofo judeu dade racional humana. Antes “o pecado não pode des­
M oisés M a im ô n id e s (1 1 3 5 -1 2 0 4 ), T o m á s d e A q u in o truir a racionalidade do homem completamente, senão
(1224-1274) estabeleceu cinco razões pelas quais de­ ele não seria mais capaz de pecar” (ibid., Ia2ae. 85 ,2 ).
vemos passar a crer e mais tarde talvez possam os Efeitos proporcionais do pecado. Segundo Emil
dar boa evidência. Devemos crer porque B r in x e r (1889-1966), os efeitos noéticos do pecado
são manifestos na mente em proporção direta à dis­
1. essas verd ad es são p ro fu n d a s e su tis e tância de uma disciplina de natureza religiosa. Os efei­
separadas de nossos sentidos; tos do pecado original são mais evidentes, por exem­
2. a mente é fraca para entender coisas novas; plo, na filosofia que na economia. Já que a disciplina
3. vários fatos precisam ser reunidos para que da teologia é a mais religiosa, há maior área de discor­
provas conclusivas se desenvolvam; dância com os incrédulos. Brunner via a cosmovisão
4. alguns não p o ssu em o te m p e ra m e n to religiosa como progressivamente menos importante
científico para estudar conceitos filosóficos; na ética, na psicologia/ sociologia, na física e ainda
5. tem os m ais que fazer na vida que apenas menos importante na matemática. Isto é, na matem á­
pensar. tica os cristãos e não-cristãos têm a menor discor­
dância e na ética, a maior discordância.
Fica claro que, se fosse preciso total com preen­ Conclusão. O pecado afeta toda a pessoa — m en­
são para chegar a Deus, poucos poderiam organizar te, emoções e vontade. Os seres humanos são radical­
os passos necessários ao conhecim ento, e só depois mente depravados em sua existência. Outra m aneira
de muito tempo. De modo que a fé, que dá acesso à de dizer isso é que são extensivamente afetados pelo
salvação a qualquer momento, é um grande benefício pecado. Mas os seres humanos não são totalmente
(Aquino, Da verdade, 14.10, resposta). Portanto, para depravados no sentido intensivo, já que o pecado não
a convicção de coisas divinas, a fé é necessária. destrói a imagem de Deus (v. Gn 9.6; Tg 3.9). A im a­
Aquino afirmou: gem de Deus é obscurecida, mas não apagada.
Assim, a revelação pode ser percebida, mesmo
A mente do homem é muito limitada com relação às coi­ que não seja recebida de bom grado por criaturas
sas de Deus. Olhe para os filósofos; mesmo enquanto analisa­ depravadas, sem a obra do Espírito. Não há conheci­
vam questões sobre o homem, erraram em vários pontos e mento certo e salvífico de Deus sem a sua revelação
defenderam posições contraditórias. Portanto, para que o co­ especial nas Escrituras e sem a graça especial do
nhecimento de Deus, certo e seguro, pudesse estar presente Espírito Santo aplicando as Escrituras e convencen­
entre os homens, era necessário que as coisas divinas fossem do a pessoa do pecado, da necessidade e da verdade
ensinadas por meio da fé, tal como disse a Palavra de Deus. na revelação geral e especial. A revelação geral sozi­
que não pode mentir (Aqui no, Sumo teológica ,2a2ae. 2,4,6). n h a ( v . r ev ela ç ã o g e r a l ) , no entanto, é suficiente para

revelar a Deus, se alguém realm ente quiser vê-lo;


A mente investigadora não entenderá as coisas de portanto os perdidos são justam ente condenados por
Deus, disse Aquino. Um sinal da deficiência humana não receberem o que viram claram ente (Rm 1.20).
n o m in a lis m o 636

Fontes O n o m in a lism o leva a o ceticism o. Se não há base na


E. B r u n n er , Revelation and reason. realidade para nossas idéias gerais, palavras não nos
J. C a l v in o , Instituías da religião cristã. dizem nada sobre a realidade. Devemos permanecer
___ , New Testament commentaries: Epistles céticos sobre o mundo real. Mas o ceticismo comple­
o f Paul to the Romans and Thessalonians. to (v. a g n o st ic ism o ) é incoerente. Se suspendesse o jul­
J. F r a m e , Cornelius Van Til: an analysis ofhis thought. gam ento sobre a própria afirm ação central, com o
F. H o w e , Challenge and response. exige que façamos com tudo mais, o cético teria de
K. K an tz er John Calvins theory ofthe knowledge o f ser cético com relação ao ceticismo. Isso destruiria a
Godand the Word ofGod. base do ceticismo.
T o más de A q u in o , Da verdade. O n o m in a lis m o lev a a o re la tiv ism o m o ra l. Se con­
___ , Suma contra os gentios. ceitos universais não têm base no mundo real, não
___ , Suma teológica. pode haver nenhum valor moral universal. Tudo se­
V an T il , C o r n e liu s , In defense ofthe faith. ria simplesmente individual ou situacionista. Não ha­
___ , Introduction to systematic theology. veria nada que se devesse fazer em cada circunstância
(tal como ser amoroso ou justo). Mas a negação de
nom inalism o. N om in alism o é a teoria segundo a qual todos os absolutos é incoerente (v. m o ra lid a d e , n a tu re ­
nem conceitos universais nem essências são reais (v. za absoluta da ),
pois a afirmação de que a pessoa n ã o
r e a l is m o ), isto é , não têm existência além da mente.
d e v e acreditar em absolutos morais é em si um abso­
Tudo é individual. Um conceito universal é um con­ luto moral.
ceito geral ou de classe que inclui todos os indivíduos. O n o m in a lis m o leva à h eresia . Todos os cristãos
A classe é um conceito abstrato que existe apenas na
ortodoxos acreditam que Deus tem uma essência ou
mente (v. epist e m o l o g ia ; p r im e ir o s p r in c íp io s ).
natureza e que Cristo tem duas naturezas (v. T r in d a ­
Humanidade é o conceito geral que inclui todos
d e ). No entanto, se os nominalistas estiverem corre­
os seres humanos individuais. Mas os nominalistas
tos, Deus não tem natureza. Da mesma forma, Cristo
insistem em que a humanidade não existe; apenas
não poderia ter uma natureza humana e outra divi­
indivíduos existem. O triângulo é um conceito uni­
na, como os credos afirmam (v C r is t o , d iv in d a d e d e ).
versal, mas também existe apenas na mente. Na rea­
Logo, o nom inalism o é uma negação do cristianis­
lidade apenas coisas individuais com form ato tri­
mo histórico e ortodoxo dos credos.
angular existem.
O n o m in a lism o reag e ex cessiv a m en te a o p la to n ism o .
Natureza do nominalismo. O nominalismo pode
P latão (428-348 a.C.) acreditava que tudo o que existe
ser mais bem visto em comparação com idéias opos­
é parte da essência ou forma eterna. Os nominalistas
tas. Seguindo P la tã o , o teólogo medieval Gilbert de
negam tais essências imutáveis, afirmando que tudo é
Porree afirm ou que conceitos universais são c o is a s
específico ou individual. Eles não reconhecem, no en­
reais. Do outro lado do espectro, o pensador medieval
tanto, que essas não são as únicas opções. Aquino de­
Roscellinus (1050-1125) afirmou que conceitos uni­
monstrou que, apesar de conceitos universais existi­
versais são u m m e r o s in a l , “um eco da voz”. Pedro
rem na mente como abstrações individuais, eles estão
Abelardo (1079-1142) afirmou que conceitos univer­
arraigados na realidade. Não há entidade como a na­
sais são su bstan tiv os formados por uma confusão de
tureza humana. Contudo, cada ser humano comparti­
idéias individuais. G u il h e r m e de O cch am (1280-1349)
lha características essenciais (= natureza ou essên­
foi um verdadeiro nominalista. Para ele, conceito uni­
versal é um m ero co n ceito ab stra to n a m en te. John Duns cia). Portanto, a abstração referente ao que cham a­
S c o tu s (1266-1308) acreditava que conceitos univer­ mos “humanidade” não é apenas o nome; é referência
sais são vín cu los ou n a tu rez a s co m u n s que em si mes­ à relação que existe verdadeiramente na realidade.
mos não são nem universais nem individuais. A natu­
Fontes
reza com o tal é neutra; pode ser generalizada pela
m ente ou concretizada com a “isto-ice”. T o m á s d e E. G il s o n , T h e h is t o r y o f C h r is t ia n p h i l o s o p h y in t h e

M id d le A g es.
A quino (1224-1274) mantinha uma posição realista (v.
r e a l is m o ), declarando que um conceito universal é ex is­ J. F. H a r r is , A g a u is t r e l a t iv i s m .

tên cia m en tal. É uma forma existente na mente, mas J. R M o r ela n d , U n iv e r s a is , q i i a l i t i e s , a n d q u a lit y -

arraigada na realidade. in s t a n c e s .

Problemas com o nominalismo. Do ponto de vista G u il h e r m e de O q jh ^m , O c k h a n i : p h i l o s o p h i c a l w ritin g s.

realista, o nominalismo tem problemas, alguns com con- W. V. Q u in e , F ro m a lo g ic a lp o in t o fv ie w .

seqüências sérias para as doutrinas cristãs importantes. T o m ás de A q u in o , S u m a te ó lo g ic a .


637 N o stra d a m u s

N ostrad am u s. 0 francês Michel de Notredame ou parte baixa do Danúbio é conhecida como “Ister” ou
Nostredame (1503-1566) era conhecido pelo nome “Hister” (Randi, p. 213), que parece ser próximo o
latino Nostradamus. Formou-se na Universidade de suficiente de Hitler para os propósitos deles.
Montpellier, na França, e foi físico e astrólogo. Publi­ No entanto, a inversão do “t” e do “s” ( Hitser) e
cou um livro de profecias rimadas intitulado Centúrias a substituição do “s” pelo “1” ( Hitler) em Hister são
(1555). Alega-se que ele previu precisamente a morte to talm en te a rb itrá ria s. Em outra quadra (4 -6 8 ),
de Henrique ii da França e muitas outras coisas. N ostrad am us m e n cio n a o b aixo D anúbio ju n to
Segundo Andre Lam ont, Nostradamus sees all com o Reno (De Ryn). M as, se Hister refere-se a
[Nostradamus vê tudo\ (“Prefácio”, 2 .a e d .) ,“ele en­ Hitler, a que De Ryn se refere? Os seguidores de
tendia das artes da astronomia, cabala, astrologia, al­ N ostrad am us são in c o e re n te s, tra ta n d o um rio
quimia, mágica, matemática e medicina”. com o anagram a e o outro rio literalm ente. A ex ­
As previsões d e Nostradamus. Alguns críticos do pressão latina de Gennain deveria ser interpretada
cristianismo exaltam Nostradamus como exemplo de al­ por “irmão” ou “parente próxim o”, não “Alemanha”
guém que fez previsões do nível das profecias da Bíblia, (Randi, p. 21 4 ). Ainda que essas interpretações al­
cancelando assim a reivindicação de singularidade so­ tam en te q u estio n áveis sejam a ce ita s, a p ro fecia
brenatural atribuída à profecia bíblica (v. p r o f e c i a c o m o perm anece am bígua. O que querem dizer “bestas”
p r o v a d a B í b l i a ) . Todavia, quando investigadas, não fa­ e a “jaula de ferro”? Dizer que Adolf Hitler (“o g ran­
zem jus a essa afirmação. As previsões de Nostradamus de” ) será “arrastado numa jaula de ferro” enquanto
demonstram sinais de uma fonte ocultista e podem ser a Alemanha “não observará nada” é tão am bíguo e
explicadas por processos puramente naturais. confuso que torna toda a profecia sem sentido.
Ogrande terremoto na Califórnia. Nostradamus su­ A quadra 4068 tam bém refere-se supostamente
postamente previu um grande terremoto na Califórnia a Hitler:
no dia 10 de maio de 1981. Isso foi relatado no dia 6 de
maio de 1981, no jornal lsa Today. Mas esse terremoto No ano muito próximo, perto de Vénus,
não ocorreu. Na verdade, Nostradamus não mencionou Os dois maiores da Ásia e África do Reno edo baixo Danúbio,
nenhum país, cidade ou ano. Ele escreveu apenas de um que se dirá terem chegado,
“terremoto” numa “nova cidade”e sobre um “grande ter­ Choro, lágrimas em Maltae na costa da Ligúria.
remoto” no dia 10 de maio [sem ano],
A ascensão de Hitler. Lamont afirma que Nostradamus Como no exemplo anterior, “baixo Danúbio” é inter­
profetizou “a vinda de Hitler e do nazismo num mundo pretado como “Hitler”. “Os dois maiores da Ásia e África”
dividido” (Lamont, p. 252). Entretanto, Hitler não é são interpretados como Japão e Mussolini, respectiva­
mencionado, e a previsão não fornece datas e é vaga: mente. Assim, a segunda e a terceira linha referem-se à
“Seguidores de seitas, grandes infortúnios aguardam Aliança Tripartite entre Japão, Itália e Alemanha. O quarto
o Mensageiro. Uma besta no teatro prepara a peça é interpretado como referência ao bombardeio de Malta
cênica. O inventor desse feito maligno será famoso. e ao bombardeio de Gênova (Randi, p. 215).
Pelas seitas o mundo será confundido e dividido” Além das razões dadas acima, essa profecia afir­
(ibid.). Nesse contexto há uma referência a “Hister” ma que tais eventos aconteceriam num “ano muito
(n ão H itle r) por N o strad am u s ( c:4 q6 8 ), que é próximo”, mas a Aliança Tripartite (1941) aconteceu
obviamente um lugar, não uma pessoa. A tentativa quase quatrocentos anos depois da previsão. Não fica
de rem ontar esses dados ao seu nome e cidade natal claro como a Ásia poderia referir-se ao Japão, e muito
é exagerada. Além disso, Hitler cresceu em Linz, Áus­ menos como a África poderia referir-se a Mussolini
tria, não num lugar chamado Hister. ou à Itália. Novamente os seguidores de Nostradamus
A quadra 2-24 apresenta: são incoerentes, pois interpretam Ásia, África e o baixo
Danúbio figurativamente, sem dar a interpretação cor­
B estas lou cas de fom e n ad arão através de rios. respondente para o Reno. Finalmente, essa profecia é
G rande parte do exército estará contra o haixo D anúbio ambígua. Poderia ser interpretada de várias maneiras
[Hister sera}. para cumprir diversos eventos diferentes.
O gran d e será arrastad o num a jaula de ferro en quan to o A Segunda Guerra Mundial. Segundo Lam ont,
irm ão m ais novo [de Gennain] não observará nada. Nostradamus previu que, depois da Primeira Guerra
Mundial, a Guerra Civil espanhola e outras guerras, uma
Isso é supostamente uma profecia relativa a Adolf mais terrível ocorreria — a Segunda Guerra Mundial,
Hitler. Conforme os seguidores de Nostradamus, a com seu conflito aéreo e sofrim ento. Mas nenhum
N o stra d a m u s 638

desses detalhes é fornecido. A profecia é tipicamente Previsões após o fato. O próprio Nostradamus re­
vaga, e o evento a que ela supostamente se refere pode­ conheceu que suas previsões foram escritas de tal for­
ria ser facilmente previsto sem qualquer poder sobre­ ma que “jam ais poderiam ser entendidas até que fos­
natural. A passagem diz simplesmente: sem interpretadas após o evento e pelo evento” ( Randi,
p. 31). Não há nada milagroso em dar a uma profecia
Após uma grande exaustão humana, outra maior está sen­ um cumprimento que não podia ser claramente visto
do preparada. A medida que o grande motor renova os séculos, nela antes. Jamais foi comprovado que uma previsão
uma chuva de sangue, leite, fome, ferro e peste ivirá,. Xo céu de Nostradamus era genuína. Isso significa que ele é
será visto fogo com grandes faíscas (Lamont, p. 168 >. um falso profeta ou não estava afirmando seriamente
que fazia previsões reais. Talvez ele fosse um impos­
Avaliação. As previsões de Nostradamus são ge­ tor ou um trapaceiro literário.
rais, vagas e explicáveis de maneira puramente natural. Profecias com ard e troça?Seus prognósticos eram
Além disso, Nostradamus demonstra sinais claros de tão vagos e improdutivos que até a enciclopédia Man,
influência demoníaca e ocultista (v. m ila g res , mágica e ). myth and magic [Homem, mito e mágica] sugere que
Falsas profecias. Um sinal evidente do falso pro­ “Nostradamus as compôs com ar de troça, porque es­
feta é a falsa profecia (v. Dt 18). Se as previsões de tava bem ciente de que há um mercado duradouro
Nostradamus forem consideradas literalmente, mui­ para profecias, principalmente para as dissimuladas”
tas são falsas. Se não são, então podem preencher (Cavendish, p. 2017). Como James Randi disse:
muitos “cumprimentos”. Como John Ankerberg disse,
“é fato inegável que Nostradamus fez várias profeci­ As incríveis profecias de Michel de Nostredame, sob in­
as falsas” (Ankerberg, p. 340). Ericka Cheetham, a vestigação, revelam ser uma coleção entediante de versos vagos,
reconhecida estudiosa de Nostradamus, disse dire­ cheiosde trocadilhos, e aparentemente mal escritos [...] De
ta m e n te so b re seu s p ro g n ó s tic o s em seus uma distancia de mais de quatrocento anos, imagino ouvir um
Almanaques: “Muitas dessas previsões estão erradas” francês barbudo rindo da ingenuidade dos simplórios do sé­
(E rick a , p. 2 0 ). A lgum as in te rp re ta çõ e s são tão culo xx que ele enganou (p. 36).
diversas que, ao m esm o tem po que um a pessoa
aponta para uma referência à “Genebra calvinista”, A confissão de fonte demoníaca. Nostradamus ad­
outra acredita que a referência seja a “poder atômico” mitiu a inspiração demoníaca quando escreveu:
( The prophecies o f Nostradamus [As profecias de
NostradamusJ, p. 81). Odécimo das calendas de abril foi despertado porpessoas
Previsões vagas. A verdade é que a grande m aio­ malignas; a luz se extinguiu; assembléia demoníaca procuran­
ria dos prognósticos de Nostradamus são tão am bí­ do os ossos do diabo ( d am an t — “demônio”) segundo Psellos
guos e vagos que poderiam preencher uma variedade (Lamont, p. 71).
de eventos. Considere este:
Ao comentar isso, Lamont observou que
Foice ao lado do Lago, junto com Sagitário no ponto do
seu ascendente — doença, fome, morte por tropas — o século/ a utilização de demónios ou anjos negros é recomendada
era se aproxima da sua renovação (Centúrias 1.6). por antigos autores de magia. Eles afirmam deter o conhecimento
de assuntos temporais e, quando controlados, darão muita in­
As linhas podem ser interpretadas para preencher formação ao operador.
vários eventos no futuro. Quando algo é considerado
um cumprimento, Nostradamus parecerá sobrenatu­ Ele acrescenta que “Nostradamus não poderia ter
ral. Astrólogos e adivinhos usam descrições vagas e evitado tal tentação” (ibid.).
simbolismo o tempo todo. Nostradamus era um mes­ Várias form as de práticas oaãtistas. Nostradamus
tre nessa arte. foi associado a várias atividades ocultistas. Lamont
Interpretações contraditórias. Não há unanim ida­ observa que “Magia — Astrologia — Simbolismo —
de entre os intérpretes de Nostradamus sobre o signi­ Anagramas — [são uma] Chave para Nostradamus”
ficado de suas previsões. Essa falta de concordância é (ibid., p. 69). Nas Centúrias, a Quadra 2 é traduzida da
outra prova de sua ambigüidade e falta de autoridade. seguinte forma:
Em The prophecies o f Nostradamus os editores indi­
cam interpretações contraditórias (v. s, 16; i, 51; n, 41; A vara de condão na mão assentada em meio aos Galhos,
ii, 43; ii, 89; ui, 97 etc.). Ele (o protêta) molha na água a bainha (do seu traje) e o pé.
639 N o v o T e s ta m e n to , d a t a ç ã o d o

Um tem or, e u m a voz estrem ece pelo s b raç o s; esplen dor literárias pelo máximo de tempo possível. Por essa ra­
divino, 0 D ivino está sentado, próxim o (ibid., p. 70). zão, estudiosos radicais defendem datas do final do sé­
culo i e, se possível, do século n, para os autógrafos (v.
Lamont com enta que aqui J e s u s , S e m i n á r i o ) . Com essas, datas argumentam que os

documentos do x t , principalmente os evangelhos, con­


N ostrad am u s seguiu os rituais de m ágicos de acordo com têm mitologia (v. m i t o l o g i a e o N o v o T e s t a m e n t o ) . O s au­
Iâm blico. É noite — ele está sen tad o no b an co ou tripé profé­ tores criaram os eventos contidos, em vez de relatá-los.
tico — um a pequena cham a surge. Ele tem a vara de condão na Argumentos a favor das datas antigas. Lucas e
su a m ão ( ibid., p. 70-1). Atos. O evangelho de Lucas foi escrito pelo mesmo
autor de Atos dos Apóstolos, que se refere ao evan­
Além do uso da varinha de condão do ocultismo, gelho de Lucas com o o relato de “tudo o que Jesus
Nostradam us era muito conhecido por seu conhe­ começou a fazer e a ensinar” (At 1.1). O destinatário
cimento astrológico — outra prática ocultista con­ ( “Teófilo” ), estilo e vocabulário dos dois livros de­
denada pela Bíblia (Dt 18). Mas seja qual for a sua m onstram um autor com um. O especialista em his­
fonte, essas previsões não com petem de forma algu­ tória de Roma Colin Hemer ofereceu evidência po­
ma com as previsões claras, específicas e altamente derosa de que Atos foi escrito entre 60 e 62 d.C (v.
precisas das Escrituras. A t o s , h i s t o r i c i d a d e d e ) . Essa evidência inclui as se­

Conclusão. Não há comparação real entre as pre­ guintes observações:


visões de Nostradamus e as profecias da Bíblia. As
dele são vagas, falíveis e ocultas. As da Bíblia são cla­ 1. Não há menção em Atos do evento crucial da
ras, infalíveis e divinas (v. Bíblia, evidências da). A Bíblia queda de Jerusalém no ano 70 d.C.
fez várias previsões claras e distintas centenas de anos 2. Não há indicação da rebelião da Guerra Judai­
antes. Nostradamus não o fez. Não há evidência de ca de 66 d.C ou da séria deterioração das rela­
que Nostradamus sequer tenha sido profeta; certa­ ções entre os rom anos e judeus antes dessa
mente ele n ã o e r a como os profetas da Bíblia. A pro­ época.
fecia bíblica é s in g u la r n a s u a afirmação de ser sobre­ 3. Não há indicação da deterioração das rela­
n a tu r a l (v. PROFECIA COMO PROVA DA BÍBLIA). ções cristãs com Roma durante a perseguição
de Nero na segunda metade final da década de
Fontes 60 d.C.
). A nkekberg, et al., C u ltw a tch . 4. Não há indicação da morte de Tiago às mãos
M. C avenmsii, “Nostradamus”, em M an , m yth, a n d do Sinédrio em c. 62, registrada por Josefo
m a g i c , nova eti, v. 15. em Antiguidades judaicas (20.9.1.200).
E. C iieetihm , T he f i n a l p r o p h e c i e s o f N o stra d a m u s . 5. A im portância do julgam ento de Gálio em
A. K ole, M ir a c le a n d m a g ic. Atos 18.14-17 pode ser vista como o estabele­
A. L amont, N o s t r a d a m u s s e e s all. cim ento de um precedente para legitimar o
M. Xosi r a d a m u s , C en tú rias. ensinam ento cristão sob a proteção da tole­
J. R axri , “Nostradamus: The Prophet for All Seasons”, rância estendida ao judaísmo.
T h e S k e p t i c a l Enquirer (Fali 1882). 6. A proem inência e autoridade dos saduceus
T h e p r o p h e c i e s o fN o s tr a d a m u s . em Atos reflete uma data anterior a 70, antes
do colapso de sua cooperação política com
nova era, religiões da. V. p a n e n t e ís m o ; pa n t e ísm o ; Roma.
H IX D ITSM O ; Z E X -B U D ISM O ; NEOPAGANISMO; PO LIT EÍSM O . 7. A atitude relativam ente am istosa em Atos
para com os fariseus (ao contrário do que se
Novo Testamento, datação do. A d a ta e m q u e o \ t foi encontra no evangelho de Lucas) não coinci­
e sc rito é u m a q u e s tã o im p o rta n te q u a n d o se p re p a ra o de com o período de reavivamento farisaico
a rg u m e n to ap o lo g é tic o g eral a fav o r d o c ristia n ism o (v. que levou ao concílio de Jâmnia. Nessa época
apologética , argum ento da ). A c o n fian ç a n a p re c isã o h is ­ teve início uma nova fase de conflito com o
tó ric a d e s se s d o c u m e n to s d e p e n d e p a rc ia lm e n te d e te ­ cristianism o.
re m s id o e sc rito s o u n ã o p o r t e ste m u n h a s o c u la r e s e 8. Atos parece antedatar a chegada de Pedro a
p o r c o n te m p o râ n e o s d o s e v e n to s d e sc rito s, a s s im c o m o Roma, o que implica que Pedro e João esta­
a B íb lia a f ir m a . E s t u d io s o s q u e o p t a m p e la c r ític a vam vivos na época em que o livro foi escrito.
n e g a tiv a (v. B íb l ia , c r ític a d a ) fo r t a le c e m s u a s t e o r ia s 9. A proeminência de “piedosos” nas sinagogas
à m e d id a q u e s e p a r a m o s e v e n t o s r e a is d a s o b r a s pode indicar uma data anterior a 70, após a
N ovo T e s ta m e n to , d a ta ç ã o do 640

qual havia poucos interessados e prosélitos de século depois da crucificação em 33. Além disso,
gentios do judaísmo. Paulo fala de mais de quinhentas testem unhas da
10. Lucas dá detalhes insignificantes da cultura ressurreição que ainda estavam vivas quando ele
do início do período júlio-claudiano. escreveu (15.6). São especificam ente m encionados
11. As áreas de controvérsia descritas pressupõem os doze apostolos e Tiago, o irmão de Jesus. A evi­
que o templo ainda existia. dência interna para essa data antiga é forte:
12. Adolf H arnack afirm ou que a profecia de
Paulo em 20.25 (cf. 20.38) teria entrado em 1. O livro afirma repetidamente ter sido escrito
contradição cora eventos posteriores. Nesse por Paulo (1.1,12-17; 3.4,6,22; 16.21).
caso, o livro deve ter aparecido antes desses 2. Há equivalências com o livro de Atos.
eventos. 3. Há um tom de autenticidade no livro do prin­
13. A term inologia cristã usada em Atos reflete cípio ao fim.
um período anterior. Harnack indica o uso de 4. Paulo menciona quinhentas pessoas que vi­
Iesou s e h o K urios, enquanto h o Q u isto s sem­ ram a Cristo, a maioria das quais ainda esta­
pre designa “o Messias”, e não o nome próprio va viva.
de Jesus. 5. O conteúdo está em harmonia com o que se
14. O tom confiante de Atos parece improvável sabe sobre Corinto durante aquela época.
durante a perseguição de Nero aos cristãos e
a Guerra Judaica com Roma durante o final Também há evidência externa:
da década de 60.
15. A ação term ina no início da década de 60, 1. Clem ente de Rom a refere-se a ele em sua
mas a descrição em Atos 27 e 28 é feita com E p isto la a o s co rín tio s (cap. 47).
uma proximidade vívida. Também é um lu­ 2. .4 E p istola d e B a r n a b é faz alusão a ele (cap. 4).
gar estranho para term inar o livro, se muitos 3. O p a s t o r de Hermas o menciona (cap. 4).
anos tivessem desde que os eventos anterior 4. Há quase seiscentas citações de 1 Coríntios só
a 62 ocorreram. em Ireneu, Clemente de Alexandria e Tertuliano
(Thiessen, p. 201). É um dos livros mais bem
Para provas adicionais da precisão e data an ti­ atestados de todos do mundo antigo.
ga de Atos, v. o artigo A t o s , h i s t o r i c i d a d e d e . Se Atos
foi escrito em 62 d.C ou antes, e Lucas foi escrito Junto com 1 Coríntios, 2 Coríntios e Gálatas são
antes de Atos (60, por exem plo), então Lucas foi bem atestados e antigos. Todos os três revelam um
escrito m enos de 30 anos após a m orte de Jesus. interesse histórico nos eventos da vida de Jesus e for­
Isso é contem porâneo à geração das testem unhas necem fatos que concordam com os evangelhos. Pau­
dos eventos da vida, m orte e ressurreição de Jesus. lo fala do nascimento virginal de Jesus (G14.4), de sua
É exatam ente isso que Lucas afirm a na introdução vida sem pecado (2Co 5.21), morte na cruz (IC o 15.3;
do seu evangelho: G13.13), ressurreição no terceiro dia (IC o 15.4) e apa­
rições pós-ressurreição ( ICo 15.5-8). Ele menciona as
Muitos já se dedicaram a elaborar um relato dos fatos que centenas de testem unhas oculares que poderiam
se cumpriram entre nós, conforme nos foram transmitidos por comprovar a ressurreição (IC o 15.6). Paulo baseia a
aqueles que desde o início foram testemunhas oculares e ser­ verdade do cristianismo na historicidade da ressur­
vos da palavra. Eu mesmo investiguei tudo cuidadosamente, reição (IC o 15.12-19). Paulo também dá detalhes his­
desde o começo, e decidi escrever-te um relato ordenado. 6 tóricos sobre os contemporâneos de Jesus, os apósto­
excelentíssimo Teófilo, para que tenhas a certeza das coisas los (IC o 15.5-8), incluindo seus encontros particula­
que te foram ensinadas. res com Pedro e os apóstolos (G1 1.18-2.14). Pessoas,
lugares e eventos do nascimento de Cristo eram todos
Lucas a p resen ta a m esm a in fo rm a çã o sob re históricos. Lucas se esforça muito para m ostrar que
quem Jesus é, o que ele ensinou, sua m orte e ressur­ Jesus nasceu durante os dias de César Augusto (Lc
reição, como fizeram os outros evangelhos. Portan­ 2.1) e foi batizado no décimo quinto ano de Tibério.
to, também não há razão para rejeitar sua precisão Póncio Pilatos era o governador da Judéia, e Herodes
histórica. era tetrarca da Galiléia. Anás e Caifás eram os sumos
Primeira aos Coríntios. Em geral teólogos críti­ sacerdotes (Lc 3.1,2).
cos e conserv ad ores aceitam que 1 C oríntios foi A ceitação de datas recuadas. Há uma aceitação
escrita até 55 ou 56 d.C. Isso é menos que um quarto c re s c e n te d e d a ta s re c u a d a s p a ra o n t , m e sm o entre
641 N o v o T e s ta m e n to , d a t a ç ã o d o

alguns estudiosos críticos. Dois ilustram essa ques­ Policarpo citou os quatro evangelhos, Atos e a m aio­
tão, o ex-liberal William F. A i .brtgh t e o crítico radi­ ria das epístolas paulinas. O pastor de Hermas (115-
cal John A. T. R o b in so n . 140) cita Mateus, Marcos, Atos, 1 Coríntios e outros
William F. Albright. Albright escreveu: “Já pode­ livros. O Didaquê (120-150) refere-se a Mateus, Lucas, 1
mos dizer enfaticamente que não há mais base sóli­ Coríntios e outros livros. Papias, com panheiro de
da para datar qualquer livro do nt depois do ano 80 Policarpo, que foi discípulo do apóstolo João, citou
aproxim adam ente, duas gerações inteiras antes da João. Isso argumenta fortem ente que os evangelhos
data entre 130 e 150 dada pelos críticos mais radi­ existiam antes do final do século i, enquanto algu­
cais do n t da atualidade” (Recent discoveries in Bible m as testem unhas oculares (inclusive João) ainda
lands [Descobertas recentes em terras bíblicas], 136). estavam vivas.
Em outra parte, Albright disse: “Na m inha opinião, Antigos manuscritos gregos. Sem dúvida o m a­
todo o nt foi escrito por judeus batizados entre os nuscrito mais antigo de um livro do nt é um papiro
anos 40 e 80 do século i (provavelmente entre 50 e 75 da Biblioteca John Rylands (p5-), que data de 117 a
d .C .)” ( “Towards a more conservative view” [“Em 138 d.C. Esse fragmento do evangelho de João sobre­
busca de uma visão mais conservadora”], p. 3). vive desde uma data a apenas uma geração de dis­
Esse estudioso chegou ao ponto de afirmar que a tância da com posição original. Já que o livro foi com ­
evidência da comunidade de Qumran demonstra que posto na Ásia M enor e esse fragmento foi encontra­
os conceitos, terminologia e mentalidade do evangelho do no Egito, certo tempo de circulação é necessário,
de João provavelm ente são do século i ( “R ecen t sem dúvida datando a com posição de João no sécu­
discoveries in Palestine” [ “Descobertas recentes na Pa­ lo i. Livros inteiros (Papiros Bodmer) estão disponí­
lestina”]). “Graças às descobertas de Qumran, o nt pro­ veis a partir do ano 200. A m aior parte do nt, incluin­
do todos os evangelhos, está disponível nos m anus­
va ser realmente o que se acredita ser: o ensinamento
critos dos Papiros Chester Beatty, copiados a partir
de Cristo e seus seguidores imediatos entre c. 25 e c. 80
de 150 anos após o nt ter sido term inado (c. 250).
d.C.” ( Frorn stone age to Christianity [Da idade da p e­
Nenhum outro livro do mundo antigo tem um espa­
dra ao cristianismo], p. 23).
ço de tem po tão pequeno entre a com posição e as
John A. T. Robinson. Conhecido por seu papel no
cópias manuscritas mais antigas como o nt ( v. Novo
lan çam en to do m ovim ento da “M orte de D eus”,
Testamento, manuscritos do).
Robinson escreveu um livro revolucionário intitulado
José 0 ’Callahan, um paleógrafo jesuíta espanhol,
Redating the New Testament [Redatando o Novo Testa­
esteve nas m anchetes em todo o mundo no dia 18 de
mento], no qual propôs novas datas para os livros do
m arço de 1972, quando identificou um fragm ento
nt que os recuam além do que a maioria dos teólogos
m anuscrito de Qumran (v. Mar morto, rolos do) como
conservadores ja m a is havia feito. R obinson data
um pedaço do evangelho de M arcos. O pedaço era
Mateus do ano 40 até depois do ano 60, Marcos por
da Caverna 7. Fragmentos dessa caverna haviam sido
volta de 45 a 60 Lucas de antes de 57 a após 60 e João de
datados entre 50 a.C. e 50 d.C., dentro do espaço de
antes de 40 a depois de 65. Isso significaria que um ou
tempo estabelecido para as obras do nt. Usando os
dois evangelhos poderiam ter sido escritos apenas
m éto d o s a c e ito s de p a p iro lo g ia e p a le o g ra fia ,
sete anos após a crucificação. No máximo foram to­
0 ’Callahan comparou seqüências de letras com do­
dos compostos durante a vida dos contemporâneos e
cum entos existentes e posteriorm ente identificou
das testemunhas oculares dos eventos. Supondo a in­
nove fragmentos pertencentes a um evangelho, Atos
tegridade básica e a precisão razoável dos autores,
; algumas epístolas. Alguns deles foram datados de
isso colocaria a credibilidade dos documentos do n t
acima de qualquer dúvida.
Texto fragmento data
Outras evidências. Citações antigas. Só dos qua­
aproximada
tro evangelhos há 19 368 citações pelos pais da igreja
Marcos 4.28 7q 6 50 d.C
do final do século i em diante. Isso inclui 268 por
Marcos 6.48 7q 15 ?d.C.
Justino M á r tir (100-165 d.C), 1 038 por Ireneu (ativo
Marcos 6.52,53 7q 5 50 d.C
no final do século n ), 1 017 por Clemente de A lexa n dria
Marcos 12.17 7q 7 50 d.C
(c. 155-c. 2 2 0 ),9 2 3 1 porO rígenes(c. 185-c. 254), 3 822
Atos 27.38 7q 6 +60 d.C
por Tertuliano (c. 160-c. 220), 734 por Hipólito (m. c.
Romanos 55.11,1 2 7q 9 +70 d.C
236) e 3 258 por Eusébio (c. 265-c. 339; Geisler, p. 31).
1Timóteo 3.1 6; 4.1-3 7q4 +70 d.C
Antes disso Clemente de Roma citou Mateus, João e
2Pedro 1.15 7 q 10 +70 d.C
1 Coríntios em 95 a 97 d.C. Inácio referiu-se a seis
Tiago 1.23,24 7q 8 +70 d.C
epístolas paulinas por volta de 110, e entre 1 1 0 e 150
N ovo T e s ta m e n to , h is to r ic id a d e de 642

pouco depois do ano 50, mas ainda assim extrem a­ from before A.D. 50?". Biblical Apostolate 6
m ente cedo. (1972 c
Conclusão. Os amigos e críticos reconhecem que, W .X .P xsxcet . T l:e identification o f the Sew
se válidas, as conclusões de O’Callahan revoluciona­ T e s t a m e ’;: tex t.

rão as teorias do xt . Se apenas alguns desses fragmen­ W. W h ite, lr.. “O'Callahans identification:
tos forem do xt , as implicações para a apologética confirmation and its consequences",
cristã são enormes. Marcos e/ou Atos devem ter sido W e s t m in s t e r J o u r n a l 55 (1972).
escritos durante a vida dos apóstolos e contemporâ­ J. A. T. R osin'On, R e d a t i n g t h e S e w T e s ta m e n t.
neos dos eventos. Não haveria tempo para adições A. N. S her’,1 :n- W h:te . R o m a n , s o c i e t y a n d R o m a n la w
mitológicas aos registros (v. m i t o l o g i a e N o v o T e s t a ­ in t h e S e w T e s ta m e n t.
m en to ). Eles devem ser aceitos como históricos. M ar­ H. C. T HIESSEN. Introduction to t h e S e w T e s ta m e n t.
cos poderia ser considerado um evangelho antigo. J. W exha:,:, R e d a t i n g M a tt h e w . M a r k , a m i L u k e : a
Quase não haveria tempo para uma série anterior de fr e s h a s s a u lt o n th e s y n o p tic p r o b le m .
manuscritos q ( v . q, d o c u m e n t o ) . E como esses m anus­ E. Y a.v .v. vh :. "Easter — myth, hallucination, or
critos não são originais, mas cópias, seria possível historv", C h r is t ia n it y T oday (1? Mar, 1974; 29
provar que partes do x t foram copiadas e dissem i­ Mar. 1974).
nadas durante a vida dos autores. Nenhum a data
do século i p erm ite tem po para m itos ou lendas Novo Testamento, fontes não-cristãs do. V J ests,
entrarem nas histórias sobre Jesus. O desenvolvi­ F O N T E S N Ã O -C R IS T Ã S P E .
m ento de lendas leva pelo m enos duas gerações
inteiras, segundo A. N. Sherw in-W hite (v. Sherwin- Novo Testamento, historicidade do. T h om as P a in e ,
W hite, p. 189). A distância física dos eventos reais um dos fundadores dos Estados Unidos da América
tam bém é útil. Nenhum a das duas características e au tor de Common sense [Bom senso] e The age o f
está disponível aqui. A idéia é totalm ente ridícula reason [A idade da razão], disse sobre Jesus Cristo:
diante de um evangelho de M arcos datado do ano “Não há história escrita na época que Jesus Cristo
50 ou de epoca anterior. M esm o deixando de lado supostam ente viveu que fale da existên cia de tal
as afirm ações controvertidas de O’Callahan, a evi­ pessoa, de tal homem” (Paine, p. 234). No ensaio Por
dência cumulativa coloca o xt no século i, durante que não sou cristão, Bertrand R u sse i i escreveu: “His­
a vida das testem unhas oculares. to rica m en te é m uito duvidoso que C risto tenha
sequer existido, e se existiu não sabemos nada a seu
Fontes respeito” (Russell, p. 16). Um livro recente de G. A.
W. F A lbright, Archaelogy and the religion of Israel. Wells conclui que, m esm o que houvesse um Jesus
_ _ _ , From stone age to Christianity. histórico, não seria o Cristo do x t .
___ , Recent discoveries in Bible lands. Mas o cristianism o depende com pletamente da
___ , “Recent discoveries in Palestine and pessoa histórica de Jesus Cristo (v. ICo 15). Já que o
the G ospel o f St. John” , em \V. D. D ame? e D avid nt é a fonte primária de informação sobre as palavras
DAUBE,o rg s., The background of the Sew e obras de Cristo, se ele não for exato, não possuímos a
Testament and its eschatology. apresentação em primeira mão das afirm ações, ca­
___ , “W illiam Albright: toward a more ráter e credenciais de Jesus. A integridade histórica
conservative view”, Christianity Today ( IS Jan. do n t é crucial para a apologética cristã.
1963). A evidência a favor da historicidade dos documen­
R. B ultmann, Kerygtna and myth: a theological debate. tos do x t pressupõe a possibilidade do conhecimento
D. E strada e W. W hi i l, Jr., The first Sew Testament. da história em geral e a credibilidade da história de
E. F isher, “New Testament documents among the milagres, especificamente. Há pessoas que acreditam
Dead Sea scrolls?’', The Bible Today 61 (1973). que nenhuma história pode ser conhecida objetiva-
P. GARSti/'O’Callahan’s fragm ents: our earliest New mente. Sua posição é respondida no artigo h i s t ó r i a ,
Testam ent texts?". Evangelical Quarterly 45 o b j e t i v i d a d e DA . Tal ceticismo radical elimina a possi­

(1972). bilidade de saber qualquer coisa so b re o passado.


N .L.G eisllr .Introdução bíblica. Im ediatam ente, a h istó ria nas universidades e de­
C.J.H emer, The book o f Acts in the setting ol p artam en to s clássico s é eliminada. Nenhuma fonte
Hellenistic history sobre eventos p assad o s poderia ser fidedigna. Por
B. O rchard, “A fragment of St. Mark’s Gospel dating an alogia, tal ceticism o elim inaria todas as ciências
643 N ovo T e s ta m e n to , m a n u s c r ito s d o

históricas, tais com o geologia histórica (paleonto- I. H. M a r s h a ll , I believe in the historical Jesus.
(logia), arqueologia e ciência legal (v. origens, ciência M . M a r lin , The case against Christianity.
d a s ) . Elas tam bém dependem da investigação e in ­ B. M etzg er , The text o f the New Testament.
terpretação de evidência do passado. J. \ V . M on tg o m ery , History and Christianity.
Já que tudo que não ocorre agora é história, tal ___ , The shape o f the past.
posição elim inaria todo d epoim ento de testem u ­ T. P aine, Kxamination.
nhas oculares. Até mesmo as testem unhas vivas só B. R u ssell, Porque não sou cristão.
poderiam testem unhar sobre o que viram em deter­ A. X . S h erw in -W h it e , Roman society and Roman law
m inado m om ento da realidade. Por outro lado, se in the New Testament.
seu testemunho pode ser aceito enquanto vivem, os E. T r o e i .s c h , “H istoriography”, em J. H a s t in g s , org.,
registros válidos que deixam para trás são igualmente Encyclopedia of religion and ethics.
fidedignos. R. W h a t e le y , Historical doubts concerning the
Alguns críticos se opõem apenas à história de m i­ existence of Napoleon Bonaparte.
lagres. Isso é discutido em detalhes no artigo m il a ­
g r es , a rg u m en to s c o n tra . Essa posição claram ente co­ Novo T e sta m e n to , m a n u s c rito s do. A fidelidade
m ete um a petição de princípio ao supor que n e ­ d o t e x t o d o nt é um elo im portante na apologética
nhuma história de milagres é confiável antes m es­ d o c r i s t i a n i s m o (v . a p o l o g é t ic a , a r g u m e n t o d a ; Novo
mo de exam inar a evidência. Ninguém que procu­
T esta m en to , h istoricidade d o s d o c u m e n t o s d o ) , e há evi­
re a verdade objetiva deve supor que o relato de
d ê n c i a s e s m a g a d o r a s para apoiar a confiabilidade
um evento anorm al não deve ser digno de crédito d o te x to d o n t.
antes m esm o de considerada a questão. Tanto na
A história dos manuscritos. O testemunho a fa­
ciência (v. big - baxg ; evolução q u ím ic a ; evolução c ó sm i ­
v o r d a f id e lid a d e d o texto do n t vem principalm ente
ca) quanto na história a evidência dem onstrou que
d e t r ê s f o n t e s : m anuscritos gregos, traduções antigas
singularidades radicais ocorreram (v. r e ssu r r e iç ã o ,
e c i t a ç õ e s das Escrituras por autores cristãos.
EVIDÊNCIAS d a ; NASCIMENTO VIRGINAL).
Os manuscritos gregos são os mais importantes e
O primeiro passo ao estabelecer a historicidade
são encontrados em quatro classes: papiros, unciais
do nt é demonstrar que os documentos do n t foram
[e s c rito s com letra s m a iú scu la s], m inúsculos e
transmitidos com precisão desde a época da compo­
leciondrios. Essas designações podem ser difíceis de
sição original. Isso é demonstrado no artigo Novo T es­
seguir, pois papiro refere-se ao material ou tecido no
tamento , manuscritos do .
qual a escrita era feita. Uncial e minúscula referem-se
O s e g u n d o passo é dem onstrar que foram escri­
à maneira em que as letras eram formadas no estilo
tos p o r contem porâneos ou testem unhas oculares
de escrita do m anuscrito, e leciondrios são coleções
confiáveis d o s eventos (v . n t , datação d o ). Contrarian­
de textos bíblicos encadernados para uso no culto de
do o s c r í t i c o s , há mais evidência da historicidade da
adoração. O que é confuso é que m anu scritos em
vida, m o r t e e ressurreição de Cristo que de qualquer
papiros são escrito s com as letras arredondadas,
outro evento do mundo antigo (v. Novo T e st a m e n t o ,
cu rsivas e m aiúscu las da escrita uncial. M ais de
FONTES NÂO-CRISTÀS).
duzentos lecionários foram escritos em letras unciais.
Rejeitar a historicidade do Novo Testamento é re­
jeitar toda a história. Mas não podemos rejeitar toda a M esm o assim , estu d io sos ten tam catalog ar suas
história sem empregar um pouco de nossa história. A d escobertas de acordo com a ca ra cterística m ais
afirmação: “O passado não é objetivamente cognos- distintiva de cada um. Cada papiro vem de uma era
cível” é em si uma afirmação objetiva a respeito do ou região específica. Os manuscritos gregos tendem a
passado. Logo, a posição contra a cognoscibili-dade ser comparados uns com os outros e usados extensi­
da história se anula ( v . h i s t ó r i a , o b j e t i v i d a d e d a ) . vamente na comparação do grego usado no texto. Esses
manuscritos colocados nas categorias de escrita uncial
Fontes e minúscula são diferenciados pelo estilo de escrita e
K. Ai and e B. A land, The text ofthe New Testament. por serem escritos em velino ou pergaminho. Então,
C. Bi iiMBFRG, The historical reliabilityofthe Gospels. por exemplo, um m anuscrito uncial em papiro está
F. F. B rllh, Merece confiança o Novo Testamento' na categoria papiro; um manuscrito uncial em velino
R.T. F rangf, The evidence for Jesus. é chamado uncial. A escrita minúscula é pequena, sim ­
X . L. G eisllr , Christian apologctics. ples, cursiva e só se desenvolveu na Idade M édia.
G. H abfrv.an The historical Jesus: ancient evidence Assim, há bem mais m anuscritos m inúsculos, mas
for the lífe ofChrist. são posteriores, entre os séculos ix e x v .
N ovo T e s ta m e n to , m a n u s c r ito s do 644

Outro term o freqüentemente usado em referen­ Um fragmento, o papiro de John Ryland ( pí ; ), data de
cia a m an u scrito s antigos e m edievais é Códice. 117-138 d.C. (v. Novo T estamento, datação no).
Enquanto o culto judaico tradicionalm ente preferia Muitos críticos rejeitam a identificação, argumen­
Escrituras em forma de rolos, os cristãos na cultura tando que tais porções são fragmentárias demais para
grega usavam mais a form a de livro encadernado, identificação precisa. Mas 0 ’Callahan é um paleógrafo
que passou a ter mais aceitação a partir do século i. respeitado e defende seu trabalho por ser condizente
Portanto, a maioria dos manuscritos, mesmo os mais com o método pelo qual outros fragmentos antigos
antigos, são Códices encadernados. são identificados. Os críticos não conseguiram, sem
Mais manuscritos. Textos gregos catalogados in­ mudar os procedimentos normais, inventar obras al­
cluem 88 m anuscritos em papiro, 274 m anuscritos ternativas viáveis das quais os fragmentos poderiam
unciais e 245 lecionários unciais. Os m anuscritos ter vindo. Caso sejam fragmentos do x t , essas datas
unciais antigos são extremamente valiosos para esta­ antigas revolucionarão o estudo crítico do x t .
belecer o texto original do x t . Os outros 2 795 manus­ Manuscritos mais precisos. Os muçulmanos afir­
critos e 1 964 lecionários são minúsculos. mam que o Alcorão foi conservado com precisão (v.
Trata-se de um número e de uma variedade sur­ A lcorão , suposta origem divixa d o ). Mas, embora o Al­
preend entes. N orm alm ente os clássicos da A n ti­ corão seja um livro medieval do século v ii , o x t é o
guidade sobrevivem em apenas algumas cópias m a­ livro mais precisam ente copiado do mundo antigo.
nuscritas. Segundo F. F. B r u ce , sobreviveram nove ou É claro que o fator importante não é a precisão exata
dez cópias das Guerras gálicas de Júlio César, vinte nas cópias, mas se o original é a Palavra de Deus (v.
cópias da História romana de Lívio, duas cópias dos
B íb l ia , evidências da ).
Há um mal-entendido muito difundido entre os
Anais de Tácito e oito m anuscritos da História de
críticos sobre os “erros” nos manuscritos bíblicos. Al­
Tucídides (Bruce, p. 16). A obra secular antiga mais
guns estimaram que há cerca de 200 mil erros. Antes
docum entada é a Ilíada de Homero, sobrevivendo
de mais nada, esses não são “erros”, mas leituras vari­
em 643 cópias m anuscritas. Contando apenas as có ­
antes, e a maioria deles é estritamente gramatical. Se­
pias gregas, o texto do x t é preservado em aproxima­
gundo, essas leituras estão espalhadas em mais de 5
damente 5 686 porções m anuscritas parciais e com ­
300 manuscritos, de forma que a ortografia variante
pletas que foram copiadas à mão a partir do século n
de uma letra de uma palavra de um versículo em 2 mil
(possivelmente i) até o século xv (v. Geisler, cap. 26).
m anuscritos é considerada 2 mil “erros” . Os estu ­
Além dos manuscritos gregos, há várias traduções
d io so s te x tu a is W estcott e Hort e stim a ra m que
do grego, sem mencionar citações do x t . Contando as
apenas um a em 60 d essas variantes tem im p or­
principais traduções antigas em aramaico, copta, ára­
tân cia. Isso resulta num texto 9 8 ,3 3 % puro. Philip
be, latim e outras línguas, há 9 mil cópias do x t . Isso dá
S ch aff calculou que, das 150 m il variantes conhe­
um total de mais de 14 mil cópias do x t . Além disso, se
cidas em sua época, apenas 4 0 0 mudavam o sig ni­
compilarmos as 36 289 citações dos pais da igreja pri­
ficado da passagem , apenas 50 eram de real im ­
mitiva dos séculos Ma iv, podemos reconstruir todo o
p ortância e nenhuma afetava
nt com exceção de onze versículos.
Manuscritos mais antigos. Uma característica de u m artigo de fé ou u m preceito de dever que não seja abun­
um bom m anuscrito é sua idade. Geralmente, quan­
d a n tem en te su stentad o p or o utras p assag ens incontestáveis
to m ais antiga a cópia, m ais próxim a da com posi­
ou pelo teo r geral do ensin am ento bíb lico ( Schaff, p. 177).
ção original ela está e menos erros de copistas apre­
senta. A m aioria dos livros antigos sobrevivem em A m aioria dos outros livros antigos não é tão
m anuscritos que foram copiados cerca de mil anos bem autenticada. O teólogo do x t Bruce Metzger es­
depois de serem compostos. É raro ter, como a Odis­ timou que o M ahabharata do h in p u ís m o tem apenas
séia, uma cópia feita apenas quinhentos anos após o cerca de 90% de precisão e a Ilíada de Homero tem
original. A maior parte do x t é preservada em manus­ cerca 95% . Em com paração, estimou que o x t é apro­
critos feitos menos de duzentos anos após o original xim adam ente 99,5% preciso (ibid.).
( ptó, p46) p47^ senc)0 alguns livros do x t de pouco menos Estudiosos islâm icos reconhecem o estudioso
que cem anos após sua composição (p"ri, e um frag­ textual Frederic Kenyon como autoridade sobre ma­
mento (p52) data de apenas uma geração após o século nuscritos antigos. Mas Kenyon concluiu:
i. O x t , em comparação, sobrevive em livros com ple­
tos de pouco mais de cem anos após ser concluído. O n ú m ero de m a n u sc rito s do x t , de tra d u çõ es antigas
Fragmentos estão disponíveis apenas décadas depois. d ele e de c ita ç õ e s d ele n o s a u to res m ais a n tig o s da igrejaé
645 N ovo T e s ta m e n to , m a n u s c r it o s d o

tão grande que é praticamente garantido que a leitura correta papiro de um Códice, é a cópia incontestável mais
de toda passagem duvidosa é preservada em uma ou outra antiga de um trecho do n t . Ele data da primeira meta­
dessas autoridades antigas. Não se pode dizer isso sobre ne­ de do século ii, provavelmente 117-138 d.C. Adolf
nhum outro livro antigo no mundo (p. 55). Deissmann argumenta que pode até ser mais antigo
(Metzger, Text o f the New Testament [O texto do n t ], p.
O testem unho dos manuscritos. Manuscritos em 39). O pedaço de papiro, escrito dos dois lados, con­
papiros. A data dos supostos manuscritos mais anti­ tém partes de cinco versículos do evangelho de João
gos do n t é contestada. Um fragm ento conhecido (18.31-33, 37,38). Pelo fato de ter sido encontrado no
como fragm ento de “Madalena” contém uma refe­ Egito, longe da Ásia Menor, onde, segundo a tradição,
rência a Maria Madalena (em Mt 26). Esse pedaço de João foi escrito, essa porção tende a confirmar que o
papiro está na biblioteca da Universidade de Oxford. Evangelho foi escrito antes do final do século i. O frag­
0 especialista em papiros Carsten Thiede, da Ale­ m ento p erten ce à B ib lio teca John R ylands, em
manha, argumentou que esse poderia ser o registro Manchester, Inglaterra.
de uma testemunha ocular de Jesus. Outros especia­ Papiros Bodmer. A descoberta mais im portante
listas o datam do século n ou mais tarde (v. Stranton, dos papiros do \ t desde os m anu scritos C hester
Gospel truth?). Beatty foi a aquisição da coleção de Bodm er pela
Outros fragmentos do evangelho datam de 50 d.C., Biblioteca de Literatura Mundial em Culagny, per­
e foram encontrados originalmente entre os rolos do to de Genebra, na Suíça. Ela tam bém tem três par­
mar Morto. José 0 ’Callahan, paleógrafo jesuíta espa­ tes, designadas p66, p: : , p75. Datando de aproximada­
nhol, identificou um fragm ento de m anuscrito de m ente 200 d.C ou antes, p66 contém 104 folhas de
Qumran (v. m a r m o r t o , r o l o s d o ) como sendo o pedaço João 1 .1 — 6 .1 1 ; 6.35b — 14.26; e fragm entos de
do evangelho de Marcos mais antigo que se conhece.
quarenta outras páginas de João 14— 21 (Metzger,
Fragmentos da Caverna 7 haviam sido datados previ­
Text o f the New Testament, p. 4 0 ). P72 é a cópia mais
amente entre 50 a.C. e 50 d.C., relacionados como “não
antiga conhecida de Judas, 1 Pedro e 2 Pedro. Tam­
identificados” e classificados como “textos bíblicos?”.
bém incluía o fragm ento de um hino, salm o 33 e
Os nove fragmentos de Qumran são relacionados da
Salmo 34,1 Pedro e 2 Pedro, e vários livros apócrifos:
seguinte forma:
A natividade de Maria, Correspondência de Paulo
aos coríntios, D écima prim eira ode de Salom ão,
Marcos 4.28 7q 6 50 d.C .
Flomilia sobre a Páscoa, de M elito, e A apologia de
Marcos 6.48 7 q 15 ? d .C
Filéias. Esse papiro do século m aparentem ente era
Marcos 6.52,53 7q 5 50 d.C.
um códice particular medindo 18 x 15 centím etros,
Marcos 12.17 7q 7 50 d .C
preparado por aproxim adam ente quatro escrib as
Atos 27.38 7 q 6? 60 d .C
(M etzger, Text o f the New Testament, p. 4 0 -1 ). O
Romanos 55.11, 12 7q 9 + 70 d.C .
m anuscrito p75 é um códice de 102 páginas (origi-
1Timóteo 3.1 6; 4.1-3 7q 4 + 70 d.C .
nariam ente 144), medindo 30 x 16 centím etros. Con­
2 Pedro 1.15 7 q 10 + 70 d.C .
tém a m aior parte de Lucas e João em unciais cla­
Tiago 1.15 7q 8 + 70 d.C .
ras e cuidadosam ente escritas, e data de 175 a 225
d.C. É a cópia m ais antiga que se conhece de Lucas
Os críticos de 0 ’Callahan se opõem à identifica­
(Metzger, Text o f the New Testament, p. 42).
ção e deram outras fontes possíveis para eles. A na­
tureza fragmentária do manuscrito dificulta a certe­
Papiros Chester Beatty. Esses papiros datam de
250 d.C. aproximadamente. Trinta das folhas perten­
za com relação à sua verdadeira identificação (v.
0 ’C a lla h a x , J o sé ).
cem à Universidade de Michigan. Uma coleção im ­
Oitenta e oito m anuscritos de papiro inquestio­ portante dos papiros do n t ( p 4 5 , p 4 6 , p 4 7 ) agora está no
náveis já foram encontrados, dos quais os m encio­ Museu Beatty, perto de Dublin. Os papiros de Chester
nados a seguir são os representantes mais im por­ Beatty consistem em três códices, contendo grande
tantes. O testemunho dos papiros para o texto é ines­ parte do n t . p 4 5 é feito de pedaços de trinta folhas de
timável, porque vem dos prim eiros duzentos anos um códice de papiro: dois de Mateus, seis de M ar­
após o nt ser escrito. Manuscritos ou fragmentos de cos, sete de Lucas, dois de João e treze de Atos. O
papiro são identificados com um “ p” , seguido por códice original consistia em umas 220 folhas, m e­
um número sobrescrito de 1 a 88. dindo 30 x 24 centímetros cada. Vários outros desses
Fragmento John Rylands. O fragm ento John fragmentos pequenos de Mateus apareceram numa
Rylands (p52), um fragmento de 6 x 9 centímetros de coleção em Viena (Metzger, Text o f the New Testament,
N ovo T e sta m e n to , m a n u s c r ito s do 646

p. 37). 0 manuscrito p4" consiste em 86 folhas mutila­ im p o rtan te do texto por sua antiguidade, precisão e
das (33 x 18 cm ) de um original que continha 104 au sên cia de o m issõ es.
páginas das epístolas de Paulo, incluindo Romanos, O relato da descoberta e um dos mais fascinantes
Hebreus, 1 Coríntios, 2 Coríntios, Efésios, Gálatas, da história textual. Ele foi encontrado no Mosteiro de
Filipenses, Colossenses, 1 Tessalonicenses e 2 Tessalo- Santa Catarina, no m onte Sinai, pelo conde Lobegott
nicenses. Partes de Romanos e 1 Tessalonicenses e Friedrich C onstantine von Tischendorf (1815-1874).
2Tessalonicenses com pleta não se encontram nos Em sua prim eira visita (1844), descobriu 43 folhas de
m anuscritos, que foram organizados em ordem de­ velino, contendo 1 Crónicas, Jeremias, Xeemias e Es­
crescente de tamanho. Como p45, p4' data de 250 apro­ ter, num cesto de retalh os que os monges estavam
xim adam ente. O m anuscrito p 4" contém dez folhas usando para acender o fogo. Ele guardou esse texto da
mutiladas do livro de Apocalipse, medindo 27 x 15 Septuaginta e o levou para a Biblioteca da Universi­
centím etro. Das 32 folhas originais, apenas a parte dade de Teipzig, na A lem anha, onde permanece e é
do meio, 9 .1 0 -1 7 .2 , permanece. conhecido por Códice Frederico-Augustano. A segun­
Unciais em velino e pergaminho. Os manuscritos da visita de Tischendorf, em 1853, não deu resultados,
considerados mais importantes do nt geralmente são m as, em 1859, quando estava prestes a voltar para casa
os Códices unciais que datam do século iv em dian­ de m ãos vazias, o dirigente do mosteiro mostrou-lhe
te. A p areceram logo d ep ois da conv ersão de um a cóp ia quase completa das Escrituras e alguns
Constantino e da autorização do Concílio de Nicéia outros livros.
(325) para copiar livremente a Bíblia.
E sse m an u scrito contém m ais da m etade da
Há 362 manuscritos unciais de partes do n t , dos
Septuaginta e todo o n t , exceto Marcos 16.9-20 e João
quais alguns dos mais importantes são dados a se­
7.53— 8.11. Os apócrifos, iuntamente com a Epístola
guir, e 245 são lecionários unciais. Os m anuscritos
de B arn abé e uma grand e parte do O p astor de
unciais m ais im portantes são a , b , c e (A lef), que
H erm as, também estão incluídos.
estavam disponíveis aos tradutores da Versão Auto­
Esse Códice foi escrito em unciais gregas grandes
rizada Inglesa. O único bom manuscrito uncial gre­
e claras em 364 páginas (mais as 43 em Leipzig), me­
go disponível em 1611 era o d , e foi pouco usado na
dindo 39 x 42 centím etros. Em 1933, o governo britâ­
preparação da Versão Autorizada. Só esse fato indi­
nico o comprou para o Museu Britânico. Em 1938, foi
cava a necessidade da Versão Revisada, baseada em
publicado um volume intitulado Scribes and correctors
m anuscritos melhores e mais antigos.
of Codex Sinaiticus [Escribas e revisores do Códice
Códice Vaticano. Talvez seja o uncial mais antigo
Sinaítico] (Metzger, TextoftheXew Testament, p. 42-5).
em pergaminho ou velino (c. 325-350) e uma das tes­
Códice Alexandrino. O Códice Alexandrino ( a ) é
temunhas mais importantes do texto do n t . Provavel­
um manuscrito bem preservado que ocupa o segun­
mente foi escrito até a metade do século iv, mas não
do lugar depois do Sinaítico como representante do
era conhecido pelos estudiosos textuais até 1475, quan­
texto do n t . Apesar de alguns datarem esse manus­
do foi catalogado na Biblioteca do Vaticano. Nos qua­
crito do final de século :v (Kenyon, p. 129), provavel­
trocentos anos seguintes, os eruditos não puderam
mente é obra dos escribas do século v de Alexandria.
estudá-lo. Um fac-símile fotográfico completo foi fei­
Em 1621, foi levado para Constantinopla pelo patri­
to em 1889-1890, e outro do nt em 1904.
arca Cirilo Lucar. Lucar Thom as Roe, em baixador
Ele inclui grande parte da Septuaginta, a versão
grega do a t , e o n t em grego. Faltam 1Tim óteo a inglês à Turquia em 1624, para presentear o Rei James
Filemom, Hebreus 9.14 até o final do nt e as Epístolas I. Jam es morreu antes de o manuscrito chegar à In­
Gerais. Os apócrifos são incluídos com as exceções de glaterra, e o manuscrito foi dado a Charles i em 1627,
IMacabeus, 2Macabeus e a Oração de Manasses. Tam­ tarde dem ais para ser usado na Versão Autorizada
bém faltam Gênesis 1.1-46.28, 2Reis 2.5-7 e 10-13, e de 1611. Em 1757, George n o apresentou à Biblioteca
Salmos 106.27-138.6. Marcos 16.9-20 e João 7.53-8.11 Nacional do Museu Britânico.
foram propositadamente omitidos do texto. Contém todo o at , exceto várias mutilações em
Esse códice foi escrito em unciais pequenas e de­ Gênesis 14— 16, ISamuel 12— 14 e Salmos 49.19—
licadas em velino fino. Ele contém 759 folhas de 30 x 79.10. Apenas Mateus 1.1 — 25.6, João 6.50— 8.52 e 2
30 cm — 617 no at e 142 no n t . O Códice Vaticano C o rín tio s 4 .1 3 — 12.6 estão fa lta n d o no nt. O
pertence à Igreja Católica Romana, e é guardado na manuscrito também contém 1 e 2 Clemente e os Sal­
Biblioteca do Vaticano, na Cidade do Vaticano. mos de Salomão, com algumas partes faltando.
Códice Sinaítico. Um m anu scrito do século iv, O m a n u scrito co n tém 773 fo lh as de 30 x 36
g e ra lm e n te é c o n s id e ra d o a te s te m u n h a m ais centímetro, 639 do a t e 134 do n t . As unciais grandes
647 N ovo T e sta m e n to , m a n u s c r ito s do

e quadradas foram escritas em velino bem fino. 0 Universidade de Cambridge. É surpreendente por cau­
Códice Alexandrino pertence à Biblioteca Nacional sa de algumas variações distintas do texto normal do
do Museu B ritânico. 0 texto varia em qualidade x t (Metzger, Text o f the New Testament, p. 50).
(Metzger, Text ofthe New Testament, p. 47 ,4 9 ). Códice Claromontano. O Codex Claromontano é
Códice Ephraemi Rescriptus. O Códice Ephraemi um texto datado de 550 aproximadamente, designado
Rescriptus (c) provavelmente originou-se em Alexan­ D" ou d1’2. A segunda form a significa Dpaul° porque
dria, Egito, por volta de 345. Foi levado para a Itália suplementa d (Códice Bezae) com a s Epístolas Paulinas.
por Giovanni Lascaris por volta de 1500 e mais tarde Contém grande parte do n t que falta no Códice Bezae.
foi comprado por Pietro Strozzi. Catarina de Mediei, Como d, rr é um manuscrito bilíngüe e contém 533
a manipuladora do poder na política italiana e espo­ páginas, de 21 x 18 centím etros. O manuscrito d 2 pa­
sa e mãe de reis franceses, adquiriu-o por volta de rece ser originário da Itália ou da Sardenha (Kenyon,
1533. Quando morreu, o manuscrito foi colocado na Our Bible and the ancient manuscripts [Nossa Bíblia e
Bibliothèque Nationale de Paris, onde permanece. os manuscritos antigos], p. 207-8; Souter, 28).
Nesse códice, a maior parte do at está faltando, Recebeu o nome de Claromontano por causa do
exceto partes de Jó, Provérbios, Eclesiastes, Cântico mosteiro em Clermont, França, onde foi encontrado
dos Cânticos de Salomão e dois livros apócrifos, Sa­ por Beza. Após a morte de Beza, o códice pertenceu a
bedoria de Salomão e Eclesiástico. No nt faltam 2 vários particulares. Finalmente, Luis xiv o comprou
T essalonicenses, 2 João e partes de outros livros para a Bibliothèque Nationale, em Paris, em 1656.
(Scrivener, 1.121). O manuscrito é um palimpsesto. Tischendorf editou-o completamente em 1852.
Pelo fato de o papel ser tão valioso, manuscritos an­ Contém todas as epístolas de Paulo e a epístola
tigos geralmente eram apagados e reutilizados. Com aos Hebreus, apesar de versículos de Romanos 1 e 1
cuidado, estudiosos às vezes podem discernir tanto Coríntios 14 estarem faltando no grego e versículos
o texto original quanto o rescriptus, ou texto reescri­ de 1 Coríntios 14 e Hebreus 13 estarem faltando no
to. Assim, um palimpsesto pode ter valor adicional. latim. Foi artisticam ente escrito numa única coluna
Essas f o l h a s o r i g i n a l m e n t e continham o Anti­ de 21 linhas em velino fino de alta qualidade. O gre­
go e o x t , mas foram apagadas por Ephraem , que go é bom , mas o latim é gram aticalm ente inferior
escreveu seus serm ões nas folhas. Pela reativação em alguns tre c h o s. O m a n u scrito agora e stá na
quím ica, Tisch end orf conseguiu d ecifrar a escrita Bibliothèque Nationale, em Paris.
quase invisível (Lyon, p. 2 6 6 -7 2 ). Apenas 209 folhas Outros códices. Códice Basilense ( e ) é um manus­
sobreviveram: 64 do at e 145 (das 238 originais) do crito dos evangelhos em 318 folhas, do século viu. Está
nt. As páginas têm 27 x 36 centím etros, com uma na biblioteca da Universidade de Basiléia, Suíça.
coluna larga de 40 a 46 linhas (geralm ente 4 1 ). O Códice Laudianos ( e : ou Ea) data do final do século
m anuscrito C mistura todos os principais tipos tex­ vi ou do com eço do sécu lo vn. Foi editado por
tuais, concordando freqüentem ente com a fam ília Tischendorf em 1870. O m anuscrito e 2 contém Atos
bizantina inferior. em grego e latim, organizado em linhas muito curtas de
Códice Bezae. Escrito entre 450 e 550, o Códice Bezae uma a três palavras. É o manuscrito mais antigo conhe­
(tam bém chamado Codex Cantabrigiensis ou d) é o cido que contém Atos 8.37.
manuscrito bilíngüe mais antigo que se conhece do x t . Códice Sangermanense ( e 3 o u e p) é uma cópia de
Foi escrito em grego e latim e pode ser originário do sul d: em grego e latim, datada do século ix, logo não tem
da Gália (França) ou do norte da Itália. Foi encontrado valor independente para a crítica textual.
em 1562 por Teodoro de Beza, o teólogo francês, no Códice Boreliano ( f ) contém os quatro evange­
Mosteiro Santo Ireneu, Lyons, França. Em 1581, Beza o lhos, data do século ix e encontra-se em Utrecht.
entregou à Universidade de Cambridge. Códice Augiense ( f 2 o u f p) é um manuscrito do
Esse códice contém os quatro evangelhos, Atos e 3 século ix das epístolas de Paulo em grego e latim (com
João 11-15, com variações dos outros manuscritos in­ grandes omissões), mas Hebreus está apenas no latim.
dicados. Do texto grego faltam partes de Mateus 1, Agora está na Faculdade Trinity, em Cambridge.
6— 9,27; João 1— 3; Atos 8— 1 0 ,21,22— 28. Em latim, Também cham ado Códice H arleiano, o códice
faltam partes de Mateus 1 ,6 -8 ,2 6 ,2 7 ; Atos 8 — 10,20, Wolfii a ( g ) data do século x . Contém os quatro evan­
2 1 ,2 2 — 28; 1 João 1— 3. As 406 folhas medem 24 x 30 gelhos, com muitas omissões.
centímetros, com uma coluna de 33 linhas em cada Datando do século ix , o Códice Boerneriano ( g 3
página. O manuscrito está localizado na Biblioteca da ou g p) contém as epístolas de Paulo em grego com
N o v o T e s ta m e n to , m a n u s c r it o s d o 648

uma tradução literal interlinear em latim. Evidente­ O Códice Porfiriano r í: ou é um dos poucos
m ente inclu ía um cóp ia da epístola apócrifa aos manuscritos unciais que contém o livro de Apocalipse.
laodicenses. Possivelmente é de origem irlandesa. Contém ainda Atos e as epístolas gerais e paulinas, com
0 Códice Wolfii b ( h ) contém os quatro evangelhos, omissões. Encontra-se atualmente em São Petersbur-
mas com muitas omissões. Data do século ix ou x e go, Rússia.
agora se encontra na Biblioteca Pública de Hamburgo. Agora no Museu B ritânico, o Códice N itriense
Códice Mutinense ( h : o u h j ) é uma cópia de Atos ( r ) é um palimpsesto de Lucas, datado do século vi,

(faltam sete capítulos), datada do século ix; acha-se sobre o qual foi escrito um tratado do século vm ou
agora na Biblioteca Grã-Ducal em Módena, Itália. O ix de a u to ria de Severo de A n tio q u ia . Tam bém
texto é bizantino. contém 4 mil linhas da Ilíada de Homero. O texto é
0 Códice Coisliniano (n~ ou tC) é um códice im ­ ocidental.
portante das epístolas de Paulo, que data do século O Códice Vaticano 354 (s) é um dos manuscritos
vi. As 43 folhas existentes hoje estão divididas entre autodatados mais antigos dos evangelhos e foi pre­
as bibliotecas em Paris, Leningrado, Moscou, Kiev, parad o em 9 4 9 . E n c o n tra -s e na B ib lio te c a do
Turim e Monte Atos. Vaticano.
0 Códice Washingtoniano n (i) é um manuscrito O Códice Borgiano ( i) é um fragm ento valioso
das epístolas paulinas da Coleção Freer no Instituto do século v que contém Lucas 22 e 23 e João 6 — 8. O
Smithsoniano, Washington, d . c . Há 84 folhas restantes texto se assemelha muito ao do Códice Vaticano.
das 210 originais. Ele data do século v ou vi e contém Agora em M oscou, o Códice M osquense (v) é
partes de Hebreus e todas as cartas de Paulo, exceto uma cópia quase com pleta dos quatro evangelhos,
Rom anos. datada do século vm ou ix. O m anuscrito está em
O Códice Cyprius ( k ) é uma cópia completa dos unciais até João 8.39, onde muda para as minúsculas
quatro evangelhos datada do século ix ou x. típicas do século xiu.
0 Códice M osquense ( k’ ou Kap) é um códice de Códice Washingtoniano i (w) data do século iv ou
Atos, das epístolas gerais e epístolas paulinas com início do século v. O professor H. A. Sanders, da Uni­
Hebreus, datado do século ix ou x. versidade de Michigan, editou-o entre 1910 e 1918. O
O Códice Régio ( l ) é um códice dos evangelhos m anuscrito contém Deuteronômio, Josué e Salmos,
datado do século vm. Sua característica singular é a os evangelhos, Hebreus e partes das epístolas paulinas,
presença de dois finais do evangelho de M arcos. O exceto Romanos. Alguns salmos estão faltando, assim
prim eiro é o final curto, que diz o seguinte: “Mas como o texto de Deuteronômio 5e 6, Josué 3 e 4, Mar­
elas [as mulheres] relataram brevemente a Pedro e cos 15, João 14— 16 e algumas epístolas. O manuscrito
aos que estavam com ele tudo o que haviam ouvido. dos evangelhos tem 187 folhas, 374 páginas de bom
Depois disso, o próprio Jesus enviou por meio deles, velino. Cada página tem 17 x 24 centímetros e uma
do ocid ente ao oriente, a proclam ação sagrada e coluna de trinta linhas, consistindo em unciais incli­
imperecível da salvação eterna” (Mc 16.8, Revised nadas pequenas, mas nitidamente escritas. Os evan­
Standard Versiori). O segundo final são os versículos gelhos incluem Mateus, João, Lucas e Marcos, nessa
9-20 tradicionais. ordem. O final longo de Marcos (16.9-20) é anexado,
O Códice Angélico ( t : ou iM ) é u m a cópia con­ com uma inserção muito digna de nota depois de
tendo Atos, as epístolas gerais e a s epístolas paulinas 16.14: “E eles se desculparam, dizendo: ‘Esta era de
datada do século ix. injustiça e incredulidade está sob Satanás, que não
O Códice Pampiano ( m ) contém o s quatro evan­ perm ite que a verdade e o poder de Deus prevale­
gelhos. Data do século ix. çam sobre as coisas impuras dos espíritos. Portanto
O Códice Purpúreo Petropolitano (x), escrito no revelai vossa justiça agora’ — assim falaram a Cris­
século vi com letras prateadas e m velino púrpura, é to. E Cristo lhes respondeu: ‘O termo de anos para o
um pergaminho de luxo dos evangelhos. Das 462 fo­ poder de Satanás se cumpriu, mas outras coisas ter­
lhas originais, cerca de 230 estão espalhadas e m todo ríveis se aproximam. E por aqueles que pecaram fui
o mundo. e n tre g u e à m o rte , para que re to rn em à glória
O Códice Sinopense (o) é outra edição de luxo incorruptível da justiça que está no céu’” (Metzger,
dos evangelhos datada do século v i, escrito com tinta Text o f the New Testament, 54; A textual commentary
d ou rad a em velin o p ú rp u ra. A gora está na on the greek New Testament [ Um comentário textual
Bibliothèque Nationale, em Paris. Contém 43 folhas sobre o Novo Testamento grego, p. 122-8). O manuscrito
de Mateus 13-24. de Deuteronômio e Josué tem 102 folhas (30 x 36 cm),
649 N ovo T e s ta m e n to , m a n u s c r it o s d o

com duas colunas em cada página de velino grosso. 0 A família alexandrina é representada pelo manus­
manuscrito mutilado de Salmos tem porções de 107 crito 33, que data do século ix ou possivelm ente x.
folhas que originariamente mediam 33 x 42 centíme­ Contém todo o n t exceto Apocalipse e agora pertence
tros, escritos numa coluna. Esse Códice é misteriosa­ à Bibliothèque Nationale. Apesar de ter tipo de texto
mente misturado, como se fosse compilado de m a­ predominantemente alexandrino, dem onstra traços
nuscritos que representavam várias tradições ou fa­ de bizantino em Atos e nas epístolas paulinas.
mílias textuais. Alguns estudiosos reconhecem um tipo textual da
O Códice Dubliense (z [Zêta]) é um palimpsesto família cesariense em alguns manuscritos dos evan­
de 299 versículos de Mateus. Data do século v ou vi. gelhos. Ele remonta ao texto cesariense usado nos sé­
O Códice Sangallense A (Delta) é um manuscrito culos ui e iv. Uma subfamüia italiana do cesariense é
greco-latino interlinear dos quatro evangelhos (fal­ representada por aproxim adam ente uma dúzia de
tando Jo 19.17-35). Data do século ix. manuscritos conhecidos por família 13. Esses manus­
O Códice Koridethi Q(Thèta) é uma cópia dos critos foram copiados entre os séculos xi e xv. Uma de
evangelhos do século ix. O texto de João difere em suas características interessantes é que contêm o tre­
tradição do de M ateus, M arcos e Lucas. Parece-se cho sobre a mulher adúltera (Jo 7.53— 8.11) depois
com o texto do século m ou iv usado por Orígenes e de Lucas 21.38, em vez de depois de João 7.52.
Eusébio de Cesaréia. Alguns m inúsculos individuais incluem os m a­
O Códice Tischendorf ui A ( Lam bda ) contém o nuscritos a seguir.
texto de Lucas e João. O manuscrito do século ix está O manuscrito 61 consiste em todo o nt, datando
localizado na Universidade de Oxford. do final do século xv ou início do xvi. Foi o primeiro
O Códice Zacynthius Z (Xi) é um palim psesto m anuscrito encontrado contendo 1 João 5.7, a única
do século xii ou xni que preserva grande parte de razão pela qual Erasmo foi compelido a inserir essa
Lucas 1.1— 11.33. É o manuscrito mais antigo do nt passagem duvidosa no seu nt grego em 1516.
que tem com entários na margem. O manuscrito 69 contém todo o nt e data do século
O Códice Petropolitano TI (Pi) é uma cópia qua­ xv. É um membro importante da família 13.
se completa dos evangelhos, datada do século ix. O manuscrito 81 foi escrito em 1044 e é um dos
O Códice Rossanense X (Sigma) é uma cópia de mais importantes de todos os minúsculos. Seu texto
Mateus e Marcos datada do século vi. É o manuscrito em Atos concorda freqüentem ente com o tipo de
bíblico mais antigo enriquecido com ilustrações texto alexandrino.
O Códice Beratino <j) (Phi) é uma edição de luxo O manuscrito 157 é um códice dos evangelhos da­
do século vi contendo Mateus e Marcos, com gran­ tado do século xn que segue o tipo cesariano. Uma
des lacunas. inscrição editorial ou colofão, encontrada nesse e em
O Códice Athous Laurae lF (Psi) é um m anuscri­ vários outros manuscritos, afirma que foram copia­
to do século viu ou ix que contém os evangelhos, de dos e corrigidos “a partir de antigos manuscritos em
Marcos 9 em diante, Atos, as epístolas gerais, epísto­ Jerusalém”. (Para mais informações sobre o “cólofon
las paulinas e Hebreus. Apresenta o mesmo final di­ de Jerusalém ”,v.Journal ofTheologicalStudies 14 [1913]:
ferente de M arcos que o Códice Régio. 78ss.,242ss.,359ss.)
O Códice Athous Dionysiou £2 (õmega) data do O manuscrito 565 é uma dos mais belos de todos
século viu ou ix e é uma cópia praticamente completa os manuscritos conhecidos. Contém todos os evan­
dos quatro evangelhos. É um dos exemplares mais gelhos em velino púrpura com letras douradas.
antigos da trad ição textu al con h ecid a por texto O manuscrito 614 é uma cópia de Atos e das epísto­
bizantino. las datado do século xni, com muitas leituras pré-
Manuscritos minúsculos. Como as datas do sé­ bizantinas.
culo ix ao xv indicam , a m aioria dos m anu scritos O manuscrito 700 é um códice do século xi ou xn
m in ú scu lo s não p o ssu em a a lta q u alid ad e dos que impressiona por suas leituras divergentes. Con­
unciais m ais antigos. No en ta n to , não é sem pre tém 2 724 divergências do Textus Receptus e 270 que
assim . Alguns m inúsculos são cópias recentes de não são encontradas em nenhum outro manuscrito.
bons textos antigos. Sua m aior im p ortância está O manuscrito 892 é um códice dos evangelhos do
na co m p a ra çã o que o ferecem e n tre as fa m ília s século ix ou x com leituras surpreendentes de um
textuais. Há 2 795 m anu scritos m inúsculos do m e tipo antigo (alexandrino).
1 9 2 4 lecio n ário s m in ú scu lo s. São recon h ecid o s O manuscrito 1739 é um códice muito im portan­
pelo núm ero do m anu scrito. te do século x baseado diretam ente em um tipo de
N o v o T e s ta m e n to , p r e o c u p a ç õ e s a p o l o g é t i c a s d o 6 5 0

manuscrito alexandrino do século iv. Contém nas mar­ G. S tan : : n. G c s p e ír m h f


gens anotações das obras de Ireneu, C lem en te , O rígenes , B. H . S t r e e t ? . " C o d i c e s 1 5 7 . 1 0 7 1 a n d t h e
Eusébio e Basílio. C a e sa re a n T ext” , e m Quantuiacumque: studies
O manuscrito 2053 é uma cópia de Apocalipse do presenteú to Ktrscpv Lake i 1 9 3 7 1.
século xiii. É uma das melhores fontes do texto de
Apocalipse. Novo Testamento, preocupações apologéticas do.
Conclusão. Embora haia muitas leituras vari­ A historicidade do n t é baseada na evidência de que
antes nos manuscritos do n t , há uma multidão de a história pode ser conhecida, na confiabilidade de
manuscritos disponíveis para comparação e cor­ seus m anuscritos e na credibilidade de suas teste­
relação dessas leituras para chegar à leitura corre­ munhas (Novo T estam ento , h ist o r ic id a d e d o ). As teste­
ta. Por meio do estudo comparativo intensivo das munhas incluem os autores do n t que foram teste­
leituras em 5 686 manuscritos gregos, os teólogos munhas oculares e/ ou contem porâneas dos even­
eliminaram cuidadosamente erros e adições de tos, bem como outras fontes seculares antigas.
copistas “bem-intencionados” e discerniram quais E ssas q u e stõ e s são p arte do elo c ru c ia l na
manuscritos antigos são mais precisos. Questões apologética cristã geral (v. a p o l o g é t i c a , a r g u m e n t o d a ) .
textuais permanecem, mas o leitor atual da Bíblia, Sem o n t confiável, não tem os m aneira objetiva e
e principalmente os que lêem o nt grego recente­ h istó rica de saber o que Jesus disse ou fez. Não
mente editado pela United Bible Societies, podem podemos estabelecer se ele era Deus, o que ensinou
ter certeza de que o texto está extremamente pró­ ou o que seus seguidores fizeram e ensinaram . Há
ximo dos autógrafos. d ois p a sso s b á sic o s no arg u m e n to a favor da
cred ib ilid a d e dos d ocu m en tos do n t . P rim eiro ,
Fontes devemos m ostrar que os m anuscritos foram escri­
F. F. B ruce , Merece confiança o Novo Testamento? tos cedo o suficiente e com atenção suficiente a de­
P. C o m for t , The complete text o f the earliest New talhes para serem registros fidedignos. Uma questão
Testament manuscripts. paralela, tam bém im portante, é se os livros do nt
A. D eissmann, Lightfrom the ancient east. foram transm itidos precisam ente, para podermos
D. E strada e W. W hite, Jr., The first New Testament. saber com certeza o que foi escrito nas cópias origi­
G. F ee , The textual criticism o f the New Testament. nais ou autógrafos. Segundo, devemos saber se as
N. L. G eisler e W. E. Nix, Introdução bíblica. fontes ou testem unhas usadas pelos autores eram
F. K enyon, The Bible and archaeology. confiáveis.
___ , Our Bible and the ancient manuscripts. Pode ser surpreendente para quem não está fa­
R. L yo n , Reexamination o f Codex E hp... m iliarizado com os fatos que haja m ais evidência
B. M etzger, Chapters in the history o f New Testament documentária para a confiabilidade do n t que para
textual criticism. qualquer outro livro do mundo antigo. A evidência será
___ , Manuscripts ot the Greek Bible. analisada em três artigos.
___ , Text o f the New Testament. Novo T e s t a m e n t o , d a t a ç ã o d o discute em geral o
___, A textual commentary on the Greek que se sabe e o que não se sabe sobre quando os
New Testament. evangelhos, as epístolas, Atos, Hebreus e Apocalipse
A. T. R o bertso n , An introduction to the textual de João foram escritos. Outras inform ações sobre
criticism o f the New Testament. d atação estão d isp o n ív eis nos a rtig o s A to s ,
G. I.. R , Where did we get our Bible'
o b in s o n H I S T O R I C I D A D E D E ; B í B I . I A , E V I D E N C I A S DAJ J E S U S , S E M I N Á R I O ; Q,
P. Schaff, Companion to the Greek Testament and D O C U M E N T eE

E n g lis h version . Os artigos Novo T , h i s t o r i c i d a d e d o ; N ovo


estam ento

F. H. A. S crivener, Plain introduction to the criticism T estam ento , e Novo T e s t a m e n t o , f o n t e s


m a n u sc r it o s do

o f the New Testament. n ã o - c r i s t ã s d o ab ran g em p reo cu p açõ es m ais gerais

A. S ofter , The text and canon ot the .You- Testament. da tran sm issão exata dos d ocu m en tos.
Oo
objetivismo. V. Rand,Ayx. foram datadas por 0 ’Callahan, mas por outros estudi­
osos, antes que ele as identificasse; as datas jam ais fo­
0 ’Callahan, José. Jo sé 0 ’C allahan (n . 1 9 2 2 ), ram questionadas seriamente e se encaixam nas da­
paleógrafo jesuíta espanhol, que fez a surpreendente tas determinadas para outros manuscritos encontra­
identificação de nove fragmentos entre os m anuscri­ dos na mesma área de Qumran. Os arqueólogos que
tos do mar Morto, de Qumran, como sendo de vários descobriram a Caverna 7 comprovaram que ela não
livros do n i . demonstra sinais de ter sido aberta desde que foi sela­
Os frag m en tos. Começando com sua prim eira da em 70 d.C. e que seu conteúdo data de antes disso.
d eclaração, em 1972, 0 ’Callahan posteriorm ente O estilo de escrita (em unciais gregos) foi identificado
identificou nove fragmentos da Caverna 7 como Mar­ como proveniente do início do século i (v. Novo T e s t a ­
cos 4.28; 6.48; 6.52,53; 12.17; Atos 27.38; Romanos m ento , m a n u sc r it o s d o ).
5.11,12; 1 Timóteo 3.16; 4.1-3; 2 Pedro 1.15; e Tiago 0 ’Callahan é um paleógrafo reconhecido que fez
1.23,24. Os fragm entos da Caverna 7 haviam sido da­ muitas identificações bem-sucedidas de textos anti­
tados previamente do período entre 50 a.C. e 50 d.C. gos. Suas identificações desses textos são idênticas às
para a discussão mais extensa sobre esses fragm en­ passagens. Nenhuma alternativa viável foi encontra­
tos, v. m ar M orto , rolos d o ; N ovo T estam ento , m an us ­ da. Na verdade, dois estudiosos calcularam que a pro­
c r it o s d o ; Novo T estam en to , datação d o , e Novo T esta ­ babilidade de essas seqüências de letras representa­
m ento , H ISTO RIC ID A DE D O ). rem algum outro texto é de 1 em 2,25 x 1065.
Im plicações da identificação. Se verdadeiras, as Não é de admirar que objeções à identificação de
conclusões de 0 ’Callahan invalidam totalmente mui­ 0 ’Callahan tenham sido levantadas. Alguns alegaram
tas teorias sobre o n t . O New York Times relatou: que 0 ’Callahan jam ais trabalhara com os m anuscri­
tos originais. Isso é falso. Outros alegam que os pe­
Se a teoria do padre 0 ’Callahan fosse aceita, provaria que daços são fragmentos pequenos. No entanto, outros
pelo menos um dos evangelhos — o de são Marcos — foi textos antigos foram identificados com evidência
escrito poucos anos após a morte de Jesus. igual ou menor. Alguns alegaram que o m anuscrito
de Marcos 5 é muito vago ou indistinto para ser real­
United Press International observou que suas con­ mente legível. Mas agora fotografias mais nítidas es­
clusões indicavam que tão disponíveis.
A identificação de certas letras foi questionada.
as pessoas mais próximas dos eventos — os seguidores Se identificações forem revistas, a identidade do m a­
originais de Jesus — consideraram o relato de Marcos pre­ nu scrito poderá mudar. M as, de um modo geral,
ciso e confiável, não um mito, mas história verdadeira (Es­ 0 ’Callahan usou as letras propostas pelos editores
trada, p. 137). originais. Onde não as usou, os editores concorda­
ram em que sua identificação poderia estar correta.
A Time citou um estudioso que afirmou que, se cor­ Do texto crucial de Marcos 5 ele usou todas as nove
retas, “elas poderiam fazer uma fogueira com 70 tone­ letras completas e seis das dez letras parciais. Onde
ladas de indigesta erudição alemã” (ibid., p. 136). ele variou em relação aos editores originais, seu ju l­
Datando a evidência. As datas antigas (dadas acima) gam ento era uma possível alternativa baseada no
são apoiadas pela evidência de que essas peças não próprio m anuscrito.
O c c a m , N a v a lh a d e 652

Alguns críticos ofereceram alternativas possíveis Occam, ou Ockham (1285-1349). Também é chamado
que não provinham do nt. Para que estas fossem bem- princípio da frugalidade. Na forma popular, afirma que
sucedidas, eles tiveram de mudar o número de letras a explicação mais simples é a melhor explicação. Isso
de uma linha de texto antigo de 20 para 60 em alguns geralmente é interpretado como “quanto menos, mais
casos. Tal quantidade de letras por linha seria altamen­ verdadeiro” e, pela extensão lógica “o menor é o verda­
te incomum. Uma evidência confirmadora da tese de deiro”. Mas não era isso que Occam tinha em mente.
O’Callahan é que ninguém descobriu outro texto que Na fórmula original de Occam, o princípio apenas
não fosse do n t para esses manuscritos. Usando regras afirma que “causas não devem ser multiplicadas sem
normais, O’Callahan deu identificações prováveis do n t . necessidade”. Isto é, não se deve supor mais causas ou
R elev ân cia ap olog ética. Se a identificação de razões que o necessário para explicar os dados. A ver­
apenas alguns desses fragmentos for válida, as im ­ dadeira explicação poderia envolver muitas causas, e
plicações para a apologética cristã são enorm es. O ter menos causas seria incorreto. Mas complicar des­
evangelho de Marcos foi escrito durante a vida dos necessariamente o problema também torna o raciocí­
apóstolos e contem porâneos dos eventos (v. Novo nio incorreto.
T estam ento , datação do;N ovo T estam en to , h is t o r ic id a d e

d o ) . Essa data antiga (antes de 50 d.C) não dá espaço


onipotência de Deus, suposta contradição da. Al­
para acréscim os m itológicos dos registros (v. m i t o ­ guns críticos alegam que a visão teísta (v. t e ís m o ) de
l o g i a e o Novo T estamento). Eles devem ser conside­
Deus é incoerente, já que afirma que Deus é onipoten­
rados históricos. Marcos é um dos primeiros evan­ te ou todo-poderoso (v. D e u s , n a t u r e z a d e ) . Eles argu­
gelhos. A probabilidade de haver uma fonte q ou sé­ mentam:
rie de m anuscritos do evangelho do tipo de q é mais
remota (v. q, D o c u m e n t o ) . Já que esses m anuscritos
1. Um Ser onipotente pode fazer qualquer coisa.
não são originais, mas cópias, o n t foi copiado e dis­
2. Um Ser onipotente pode fazer uma pedra tão
seminado rapidamente. A existência de um cânon do
pesada que não consiga movê-la.
n t desde o princípio é sugerido por essa coleção de
3. Logo, um Ser onipotente não pode fazer tudo.
livros, representando os evangelhos, Atos, epístolas
4. Mas as premissas 1 e 3 são contraditórias.
paulinas e gerais — todas as principais partes do n t .
5. Logo, é contraditório afirmar que Deus é oni­
Finalmente, o fragmento de 2 Pedro indicaria a au­
potente.
tenticidade dessa epístola bastante contestada. A au­
sência de fragmentos das obras de João poderia in ­
Nenhum teísta sofisticado realmente acredita na
dicar que foram escritas mais tarde (8 0 -9 0 d.C), de
premissa 1 de forma não qualificada. O que os teístas
acordo com as datas tradicionais.
informados acreditam é que:

Fontes
1. Deus pode fazer tudo o que é possível.
D. E strada eW. W hite, Jr., The f i r s t New Testament.
2. Não é possível fazer uma pedra tão pesada que
E. F isher, “New Testament documents among the
não possa ser movida.
Dead sea scrolls?”, The Bible Today 61 (1972).
3. Portanto, não é possível Deus fazer uma pedra
P. Garnet, “O’Callahan’s fragments: our earliest New
tão pesada que não possa movê-la.
Testament Texts?”,emEvangelical Quarterly 45
(1972).
Deus não pode fazer literalmente qualquer coisa
B. Orchard, “A fragment of St. Mark’s Gospel dating
from before 50 A.D.?”,emBiblical Apostolate 1 que possamos imaginar. Ele não pode contradizer a
(1972). própria natureza. Hebreus 6.18 declara: “É impossível
W. N. P ickering, The identification o f the New que Deus minta”. Deus não pode fazer o que é logica­
Testament text. mente impossível, por exemplo, um círculo quadrado.
W. W hite, Jr.,“O’Callahan’s identifications: Não pode fazer duas montanhas sem um vale entre
confirmation and its consequences”, elas. Não pode negar a lei da não-contradição (v. p r i­

Westminster Journal 35 (1972). m e ir o s p r in c íp io s ).

Além disso, Deus não pode fazer o que é realmen­


Occam, Guilherme. V. Guilherme de Occam. te impossível. Por exemplo, ele não pode querer não
criar um mundo que quis criar. Mas, depois de ter de­
Occam, Navalha de. Navalha de Occam é o nome po­ sejado criar, era impossível não criar. Deus também
pular do princípio estabelecido por Guilherme de não pode forçar criaturas livres (v. l i v r e - a r b í t r i o ) a crer
653 o n to ló g i c o , a r g u m e n t o

em coisas contra a vontade delas. Forçar alguém a fa­ 1. Deus é, por definição, o maior Ser que pode ser
zer algo livremente é uma contradição (v.inferno). Pois, concebido.
se a vontade é livre, não é forçada. E se é forçada, então 2. Existir na realidade é maior que existir apenas
não é livre. na mente.
É realmente impossível fazer uma pedra tão pe­ 3. Portanto, Deus deve existir na realidade. Se não
sada que não possa ser movida. 0 que um Ser oni­ existisse, não seria o maior ser possível.
potente pode fazer, ele pode mover. A criatura finita
não pode ser mais poderosa em sua resistência que A segunda forma do argumento vem da idéia de
o Criador infinito é em seu poder de não sofrer re­ um Ser Necessário:
sistência. Se Deus a criou, ele pode fazer com que
deixe de existir. Depois, ele a recriaria em outro lu­ 1. Deus é, por definição, um Ser Necessário.
gar. Portanto, não há contradição em acreditar que 2. É logicamente necessário afirmar o que é ne­
Deus é onipotente e que pode fazer qualquer coisa cessário ao conceito de um Ser Necessário.
que seja possível fazer. 0 crítico estabeleceu um ar­ 3. A existência é logicamente necessária ao con­
gumento baseado numa caricatura e não dem ons­ ceito de um Ser Necessário.
trou qualquer incoerência no atributo da onipotên­ 4. Portanto, um Ser Necessário (~ Deus) neces­
cia de Deus. sariamente existe.

ontologia. Ontologia é o estudo ( logos) da existência Objeções . Debate de Anselmo com Gaunilo. As ob­
(ontos). É o estudo da realidade. Ela responde à pergun­ jeções do monge Gaunilo e as respostas de Anselmo
ta “0 que é real7”, como a ética responde à pergunta “0
ajudam a explicar o argumento.
que é correto7”, a estética responde à pergunta “0
Objeção 1: Existência necessária. Gaunilo afirmou
que é belo7”e a epistemologia responde à pergunta “0 que
que o argumento é baseado na falsa premissa de que
é verdadeiro7”.
tudo que existe na mente também deve existir na rea­
A ontologia e a metafísica são usadas alternadamen­
lidade fora da mente. Anselmo respondeu que isso não
te. Ambas estudam o ser como ser ou o real como real.
é verdadeiro. Apenas no caso de um ser absolutamen­
São as disciplinas que lidam com a realidade absoluta.X
te perfeito, que teria de ser um Ser Necessário, é ver­
dadeiro que, se é concebível, então ele deve existir fora
ontológico, argum ento. 0 argumento ontológico a fa­
da mente também. Todos os seres contingentes pode­
vor da existência ou ser (gr. ontos) de Deus procede da
riam não existir. Apenas um Ser Necessário não po­
simples idéia que Deus é um Ser absolutamente per­
deria não existir.
feito ou necessário. 0 argumento ontológico foi for­
Objeção 2: Conceber e duvidar. Gaunilo também
mulado inicialmente por Anselmo (1033-1109), ape­
insistiu em que, se a inexistência de Deus fosse real­
sar de este não lhe haver dado tal nome. Ele tem sido
mente inconcebível, ninguém poderia duvidar. Mas as
submetido a muita crítica, tanto de defensores de ar­
pessoas duvidam dela ou a negam; há céticos e ateus.
gumentos teístas (v. Tomás de Aquino) quanto de opo­
Porém Anselmo respondeu que, embora as pessoas
nentes do teísmo tradicional (v. Hume, David; K ant,
possam negar a existência de Deus, elas não podem
Immanuel). Immanuel Kant (1724-1804) foi o prim ei­
ro a chamá-lo argumento ontológico porque acredita­
conceber a in ex istên cia de um Ser N ecessário. A
inexistência de Deus é afirmável, mas não concebível.
va que fazia uma transição ilícita do pensar para o ser
(ontos). Objeção 3: Limitações mentais. Gaunilo afirmou
F orm as d e A nselm o . O argum ento ontológico que não podemos se quer formar o conceito do Ser
pode ser chamado mais precisamente “a prova da ora­ mais perfeito possível. É apenas uma série de palavras,
ção”, já que chegou a Anselmo quando ele meditava sem referência empírica ou significado. No entanto,
sobre a natureza de Deus. Em geral acredita-se que Anselmo negou isso, fornecendo seis razões para sua
Anselm o desenvolveu duas form as de argum ento resposta: 1) Deus é uma palavra comum e familiar.
ontológico. A segunda surgiu no seu debate com um 2) A fé e a consdência dão conteúdo a essa palavra.
outro monge, chamado Gaunilo. 3) Nem todas as idéias são imagens sensíveis, já
A primeira forma do argumento ontológico é b a ­ que conceitos abstratos são possíveis. 4) Deus pode
seada na idéia de Deus como Ser absolutamente per­ ser compreendido indiretamente, assim como o Sol é
feito. Não se pode conceber um ser maior (v. Plantinga, compreendido a partir dos seus raios. 5) Podemos for­
Ontological argument, p. 3 -27). Na forma lógica, se mar o conceito do ser mais perfeito partindo do m e­
apresenta assim: nos que perfeito em direção ao mais perfeito possível
o n to ló g i c o , a r g u m e n t o 654

6) Mesmo os que negam a Deus devem ter alguma como “o maior o que pode ser concebido”. Segunda,
idéia do que estão negando. mesmo que Deus seja compreendido dessa maneira,
Objeção 4: Pensamento e realidade. Gaunilo afir­ isso não prova que ele realmente exista, mas apenas
mou que a mera idéia de uma ilha perfeita não garan­ que a idéia existe mentalmente. Isso chega ao cerne da
te sua existência, e assim é com a idéia de um Ser per­ objeção comum ao argumento ontológico. Terceira, a
feito. Mas Anselmo insistiu em que há uma diferença proposição, “Deus, um Ser Necessário, existe”, é auto-
importante: a idéia de uma ilha perfeita pode carecer evidente em si, porém não é evidente para nós. Pois
de existência, mas não a idéia de um Ser perfeito. É não podemos conhecer a essência de Deus diretam en­
possível uma ilha — mesmo uma ilha perfeita — não te, mas apenas mediante seus efeitos, a posteriori. Não
existir. Mas não é possível um Ser (Necessário) per­ podemos conhecê-la a priori. Apenas Deus conhece a
feito não existir. própria essência intuitivamente. Isso também é mais
Objeção 5: Conceber inexistência. Gaunilo afirmou próximo do ponto central da crítica.
que a inexistência de Deus não é mais inconcebível que Forma do argumento de Descartes. Pouco se avan­
a nossa inexistência. É possível, no entanto, imaginar çou no diálogo sobre o argumento ontológico durante
inexistência pessoal. Anselmo se apressou a demons­ séculos. Então o racionalista do século xvn René Des­
trar, todavia, que a inexistência de qualquer coisa, exceto cartes (1596-1650) desencadeou uma série de críticas
de um Ser Necessário, é imaginável. Pois se é possível ao reformular e defender o argumento. Sua afirmação
um Ser Necessário existir, então é necessário que ele seguia a segunda forma de Anselmo:
exista. Sua inexistência, e somente ela, é inconcebível.
Objeção 6: Prova de existência. A existência de Deus 1. É logicam ente necessário afirm ar sobre um
deve ser provada antes que possamos discutir sua es­ conceito o que é essencial à sua natureza (p. ex.,
Um triângulo deve ter três lados).
sência (p. ex., que ele é um tipo perfeito de Ser). Logo,
2. Mas a existência é logicamente necessária à na­
não podemos usar sua essência (como um Ser abso­
tureza de um Existente (i.e., Ser) necessário.
lu tam en te p e rfe ito ) p ara provar sua e x istên cia .
3. Portanto, é logicamente necessário afirmar que
Anselmo respondeu que podemos comparar caracte­
um Existente necessário existe.
rísticas ideais antes de sabermos se algo é real. Pode­
mos defini-lo (p, ex., o poderoso cavalo alado, Pégaso)
Diálogo com Caterus. Como Anselmo, Descartes teve
e depois questionar sua existência.
seus antagonistas. Caterus, um padre, insistiu em que o
F in alm en te, A nselm o acu sou G aunilo de não
argumento só prova a existência conceituai de Deus. Pois
en ten d er bem seu argu m ento e, p o rta n to , ata ca r
o conjunto de palavras “leão existente” é conceitual-
um a c a ric a tu r a . Ele in s is tiu em que D eus não
mente necessário, mas não prova que um leão exista.
deve ser d efinid o com o “o m aior de todos os s e ­
Apenas a experiência pode fazer isso. Logo, o conjunto
res” (co m o G aunilo p e n so u ), m as com o “o m aior
“Ser Necessário” não prova que Deus existe.
Ser p o ssív eF . A pesar de G aunilo propor algum as
Descartes respondeu que Caterus havia refutado
q u estões p e rtin e n tes, nenhu m a delas realm ente
outro argumento, não o seu. Sua primeira reafirmação
refu ta o argu m ento de A nselm o, p rin cip a lm en te
do argumento é baseada no seu conceito de verdade
em sua segu nd a form a.
como o que é claramente percebido:
Objeção de Aquino. O argumento ontológico não
convenceu T omás d e A q u in o . Sua objeção ao argumento
1. Tudo o que percebemos clara e distintamente
de Anselmo pode ser vista na sua reformulação do
é verdadeiro.
argumento:
2. Percebemos clara e distintamente que a exis­
tência deve pertencer a um Existente necessário.
1. Deus é, por definição, o maior Ser que pode 3. Então, é verdadeiro que um Existente necessá­
ser concebido. rio existe.
2. O que existe mental e realmente é maior que o
que existe apenas mentalmente. A segunda reafirmação de Descartes ao seu argu­
3. Logo, Deus deve existir realmente, pois uma vez mento assume outra forma:
que a frase “Deus existe” seja compreendida, é
considerada uma proposição auto-evidente. 1. Tudo o que é da essência de algo deve ser afir­
mado sobre ele.
Aquino oferece três objeções a esse argumento: 2. Existência é da essência de um Existente neces­
Primeira, nem todo mundo entende o termo “Deus” sário (= Deus).
655 o n to ló g i c o , a r g u m e n t o

3. Logo, a existência deve ser afirmada com res­ que a existência é uma perfeição e, como tal, é uma
peito a Deus. qualidade simples e irredutível que não pode entrar
em conflito com outras. Logo, Deus pode ter todas as
A terceira reafirmação do argumento ontológico perfeições, inclusive existência.
assume esta forma: Outras reações às provas de Descartes. Em outra
visão negativa do argumento ontológico de Descartes,
1. A existência de Deus não pode ser concebida sua visão foi reafirmada:
apenas como possível, mas não real, pois nes­
se caso ele não seria um Existente necessário. 1. Se não é contraditório que Deus exista, então é
2. Podemos conceber a existência de Deus. Isso certo que ele existe.
não é contraditório. 2. Não é contraditório que Deus existe.
3. Logo, a existência de Deus deve ser concebida 3. Então, é certo que Deus existe.
como mais que possível (ou seja, como real).
À luz dessa nova forma do argumento, os críticos
Debate com Gassendl A objeção de Pierre Gassendi ofereceram duas objeções que, se verdadeiras, invali­
aos argumentos de Descartes assumiu a seguinte forma: dariam a conclusão de Descartes. A primeira é que a
prem issa m enor pode ser questionada ou negada.
1. A existência de Deus é tão desnecessária quan­ Logo, o argumento resulta necessariamente. Segunda,
to a de um triângulo. A essência de ambos pode Descartes admitiu que sua idéia de Deus era inade­
ser imaginada sem sua existência. quada. Mas, se é inadequada, então não é clara. E, se
2. Assim como no caso dos triângulos, a existên­ não é clara, então, pela própria definição de verdade
cia não é propriedade necessária de Deus. como idéias “claras e distintas”, não é verdadeira.
3. É uma petição de princípio incluir existência Descartes respondeu que a existência de Deus é
não-contraditória em qualquer dos dois sentidos em
como parte da essência de Deus.
que a consideremos. Se não-contraditória significa o
4. Essência e existência não são idênticas, caso
que não discorda do pensamento humano , é claramente
contrário tanto Platão quanto Deus existiriam
não-contraditória. Pois não atribuímos a Deus nada
necessariamente. Se não são idênticas, nenhu­
além do que o pensamento humano necessita que atri­
ma delas existe necessariamente.
buamos a ele. Se não-contraditório significa o que não
5. Somos tão livres para imaginar que Deus não exis­
pode ser conhecido pela mente humana , então não se
te quanto para imaginar um Pégas o inexistente.
pode conhecer nada, muito m enos a existência de
6. Devemos provar que triângulos têm três lados
Deus. Tal definição eliminaria todo pensamento hu­
(não apenas supor). Da mesma forma, devemos
mano, o que é impossível. Mesmo que nosso conceito
provar que Deus existe (não apenas supor).
de Deus fosse inadequado, não se conclui que seja con­
7. Descartes não provou realmente que a existên­
traditório, já que toda contradição surge da falta de
cia de Deus não é logicamente impossível. Logo,
clareza, e vemos claramente que Deus deve ser um Ser
ele não provou que é logicamente necessária.
Necessário. Descartes sugeriu ainda que o que não
vemos claramente não destrói o que vemos claramen­
A resposta de Descartes assumiu a seguinte forma:
te. Já que vemos claramente que não há contradição
no conceito de um Ser Necessário, o argumento surge
1. Existência é uma propriedade no sentido de
em resultado. Pois isso é tudo o que é necessário para
que é atribuível a uma coisa.
apoiar a discutida premissa menor do argumento.
2. Apenas Deus tem existência necessária; nem
Objeções de Hume e Kant. Crítica de Hume ao ar­
Pégaso nem qualquer outra coisa a possui.
gumento ontológico. David Hume (1711-1776) estabele­
3. Não é petição de princípio incluir a existência ceu o que se tornou objeção-padrão ao argumento
entre os atributos de um Existente necessário. ontológico, assim como a outras “provas” da existência
Na verdade, é necessário fazê-lo. de Deus. Ela foi seguida pela crítica referencial de Kant
4. Existência e essência não podem ser separa à premissa central da primeira forma do argumento.
das num Ser que é um Existente necessário. A crítica de Hume do argumento ontológico tem
Logo, Deus deve existir. esta forma lógica básica:

Descartes não respondeu à objeção 7. Gottfried 1. Nada é racionalmente demonstrável a não ser
Leibxiz (1646-1716) tentou fazer isso ao argumentar que o contrário im plique contradição, pois,
o n to ló g i c o , a r g u m e n t o 656

se deixa aberta qualquer outra possibilidade, 1. 0 que não acrescenta nada à idéia da essência
então essa posição não é necessariam ente não é parte dessa essência.
verdadeira. 2. A existência não acrescenta nada à idéia da es­
2. Nada que é distintamente concebível implica sência. Nenhuma característica é acrescenta­
contradição. Se fosse contraditório, não seria da à essência pela suposição de que ela é real e
distintamente concebível; se é impossível, não não imaginária. Um dólar real não tem nenhu­
pode ser possível. ma característica que um dólar imaginário não
3. Tudo o que imaginamos que existe também po­ tenha.
demos imaginar como inexistente. A existência 3. Logo, a existência não é parte da essência. Não
ou inexistência das coisas não pode ser descar­ é um atributo que possa ser afirmado sobre
tada conceitualmente. algo.
4. Não há ser, portanto, cuja inexistência implique
contradição. Se a terceira premissa de Kant for sólida, invalida
5. Conseqüentemente, não há ser cuja existência pelo menos a primeira forma do argumento ontológico
seja racionalmente demonstrável. dado por Anselmo. À luz de Kant, o argumento de
Anselmo ficaria desta forma:
Na verdade, Hume afirma que nenhum argumento
a favor de Deus é racionalmente inescapável, porque 1. Todos os atributos possíveis devem ser afirm a­
sempre contém premissas que logicamente podem ser dos sobre um Ser absolutamente perfeito.
negadas. As conclusões sempre carecem de necessida­ 2. Existência é um atributo possível que pode ser
de lógica, porque as premissas sempre admitem outras afirmado sobre um Ser absolutamente perfeito.
possibilidades lógicas. Por isso, o argumento ontológico 3. Logo, existência deve ser afirmada sobre um
não é uma demonstração racional no sentido restrito. Ser absolutamente perfeito.
A crítica de Kant. Foi Kant quem nomeou o argu­
mento ontológico, já que achava que este fazia uma Avaliação da crítica de Kant. Segundo a crítica de
transição ilícita do âmbito do pensamento puro para Kant, a premissa menor está errada. Existência não é
o da realidade (de eidos a ontos). Kant tinha várias ob­ um atributo que possa ser predicado a algo. A essên­
jeções ao argumento, as quais considerava fatais para cia dá a definição, e a existência dá um exemplo do
toda a causa teísta (ibid., p. 57-64). Primeira, ele le­ que foi definido. A essência é dada na conceitualização
vantava a objeção de que não temos um conceito po­ da coisa; e x istên cia não a crescen ta nada a essa
sitivo de um Ser Necessário. Deus é definido apenas conceitualização, mas apenas a torna concreta. Logo, a
como o que não pode não ser. Além disso, a necessi­ existência não acrescenta nada ao conceito de um Ser
dade não se aplica à existência, mas apenas a proposi­ absolutamente perfeito nem o deprecia. Esta se tornou
ções. N ecessidade é um qu alificad or lógico, não uma objeção-padrão ao argumento ontológico desde
ontológico. Não existem proposições existencialm en­ Kant. Ela pode ser redigida da seguinte maneira:
te necessárias. Tudo o que se sabe pela experiência (que
é a única maneira em que questões existenciais são 1. O argumento de Anselmo depende da premis­
cognoscíveis) poderia ser desconhecido. Segunda, o que sa de que a existência é predicado — atributo
é logicamente possível não é necessariamente possível ou perfeição.
ontologicamente. Pode não haver nenhuma contradi­ 2. M as a e x is tê n c ia não é um p red icad o.
ção lógica na existência necessária, mas ela ainda pode a) Anselmo segue o conceito platônico de exis
ser realmente impossível. Assim, não há contradição tência.
envolvida na rejeição tanto à idéia quanto à existência b) A existência não é um atributo, mas apenas
de um Ser Necessário. Da mesma forma, não há contra­ exemplo de um atributo.
dição na rejeição do triângulo e de sua trilateralidade. 3. Logo, o argumento de Anselmo não é válido.
Contradição resulta em rejeitar um sem o outro.
Finalmente, existência não é um predicado, como Uma moeda que eu imagine à minha mente tem
se fosse um atributo ou propriedade que pudesse ser os mesmos atributos da moeda que tenho em meu
afirmada sobre um sujeito ou coisa. Existência não é bolso. A única diferença é que, com a que está na m i­
um atributo de uma essência, mas uma suposição des­ nha carteira, tenho um exemplo de uma moeda. Mas
se atributo. Kant utilizou o seguinte argumento para um exemplo concreto de um atributo não acrescenta
apoiar essa idéia: nada ao atributo em si.
657 o n to ló g i c o , a r g u m e n t o

Os proponentes m o d ern o s do argu m ento de que o simples num sistema conceituai pode ser com ­
A nselm o, tais com o N orm an M alcolm e Charles plexo em outro. Uma terceira objeção pode ser acres­
Hartshorne, respondem que a crítica de Kant só se centada. Leibniz faz um movimento injustificado do
aplica ao primeiro argumento de Anselmo. A segunda conceituai para o real.
forma não depende da premissa de que a existência é Prova ontológica de Espinosa. Como Descartes, seu
um atributo. contemporâneo Baruch Espinosa (1632-1677) afirmou
A fo rm u la çã o de Leibniz. Apesar de Gottfried que a existên cia de Deus era m atem aticam ente
Leibniz ser mais conhecido pelo argumento cosmoló- demonstrável. Ele escreveu: “Não podemos ter maior cer­
gico, também estabeleceu uma forma de argumento teza da existência de algo que da existência de um ser
ontológico. Ao sentir que o argumento ontológico bási­ absolutamente infinito ou perfeito — isto é, Deus”. E,
co era válido, mas que era necessário demonstrar que o como Descartes, Espinosa acreditava que essa certeza era
conceito de Deus não era con tra d itó rio , Leibniz derivada da prova ontológica (ibid., p. 50-3). A formula­
reformulou o argumento desta maneira (ibid., p. 54-6). ção de Espinosa para o argumento ontológico é:

1. Se é possível um Ser absolutamente perfeito 1. Deve haver uma causa para tudo, ou para sua
existir, então é necessário que exista, pois: existência ou para sua inexistência.
a) por definição um Ser absolutamente perfei­ 2. Um Ser Necessário (Deus) existe necessaria­
to não pode carecer de nada. b) Mas, se não mente, a não ser que haja uma causa adequa­
existe, carece de existência, c) Logo, um Ser da para explicar por que ele não existe.
absolutamente perfeito não pode carecer de exis­ 3. Não há causa adequada para explicar por que
tência. um Ser Necessário não existe, a) pois essa cau­
2. É possível (não-contraditório) que um Ser ab­ sa teria de estar ou dentro da natureza de Deus
solutamente perfeito exista. ou fora dela. b) Mas nenhuma causa fora de
3. Logo, é necessário que um Ser absolutamente um E xistente n ecessário poderia anulá-lo.
perfeito exista. c) E nada dentro de um Existente necessário
poderia anulá-lo, pois nada dentro de um Ser
Para apoiar a premissa menor crucial, Leibniz ofe­ Necessário pode negar que é um Ser Necessá­
receu o seguinte argumento: rio. d) Logo, não há causa adequada para ex­
plicar por que um Ser Necessário não existe.
1. Um atributo é uma qualidade simples e irredu­ 4. Logo, um Ser Necessário existe necessariamente.
tível, sem qualquer limite essencial.
2. Tudo que é simples não pode entrar em confli­ Poderia ser apontada para a prova de Espinosa a
to com outras qualidades simples, já que dife­ objeção comum de que ele faz a existência realmente
rem em tipo. necessária, quando é apenas necessária como concei­
3. E tudo que difere em tipo de outro não pode to. Há pelo menos uma outra objeção. A primeira pre­
entrar em conflito com ele, já que não há área missa afirma que “deve haver uma causa para o nada”.
de semelhança na qual se sobreponham ou di­ Além dessa premissa não ser comprovada, ela é con­
virjam. traditória. A lei da causalidade só exige que “deve ha­
4. Logo, é possível um Ser (Deus) possuir todos ver uma causa para algo”. É injustificado insistir numa
os atributos possíveis. causa para o nada. A defesa da premissa de Espinosa é
que “a potencialidade da inexistência é a negação de
Nem mesmo os defensores do argumento ontológico poder”. Mas inexistência já é uma negativa, e a nega­
acreditam que Leibniz realmente tenha provado a com­ ção de inexistência seria uma afirmação de existên­
patibilidade de todos os atributos possíveis de Deus cia. No entanto, isso deixaria a base tradicional para o
(ibid.,p. 156s.). Malcolm viu dois problemas com o ar­ argumento ontológico e com eçaria a argum entar a
gumento. Primeiro, ele supõe que algumas qualida­ partir da existência. É exatamente isso que Espinosa
des são essencialmente “positivas” e outras “negativas”, faz na sua segunda forma do argumento:
mas isso pode não ser verdadeiro. Algumas qualida­
des podem ser positivas num contexto e negativas em 1. Algo existe necessariamente. Para negar isso a
outro. Segundo, Leibniz supõe equivocadamente que pessoa teria de afirmar que pelo menos uma
algumas qualidades são intrinsecamente simples, ao coisa existe, a saber, ela mesma.
contrário de Ludwig Wittgenstein, que demonstrou 2. Essa Existência necessária é finita ou infinita.
o n to ló g i c o , a r g u m e n t o 658

3. É possível que essa existência necessária seja 3. Logo, Deus não pode existir (pois a única m a­
infinita. neira em que poderia existir é a mesma em que
4. Deve haver uma causa para que não seja uma não pode existir).
existência infinita.
5. Nenhuma existência finita pode impedir que Mais adequadamente, no entanto, o argumento
exista uma Existência infinita e dizer que uma deveria ser formulado desta maneira:
Existência infinita impede sua própria existên­
cia infinita é contraditório. 1. A única maneira em que um Ser Necessário
6. Logo, deve haver uma Existência infinita (Deus). poderia existir é existir necessariamente.
2. A proposição “Deus existe necessariamente” é
Duas coisas importantes devem ser observadas so­ uma proposição existencialmente necessária.
bre os argumentos de Espinosa. Primeiro, ele empresta 3. Nenhuma proposição existencialmente neces­
do argumento cosmológico a premissa “Algo existe”. Isso sária pode ser verdadeira.
deixa uma prova estritamente a prioru como ele mes­ 4. Logo, a proposição “Deus existe necessaria­
mo admite. Segundo, a conclusão do argumento de mente” não pode ser verdadeira.
Espinosa não é o Deus teísta de Descartes e Leibniz, mas
um Deus panteísta. Não há reconhecimento do Ser Ne­ Na segunda forma, as falhas do argumento ficam
cessário e seres contingentes. Essa Existência infinita é evidentes. Vamos ignorar a objeção à premissa 1 do
absolutamente uma; não há, além dela, substâncias ou ponto de vista do deísmo finito (que Deus não precisa
criaturas finitas. O que os teístas (v. teísmo) denominam ser concebido como existindo necessariamente), já que
criaturas, Espinosa vê apenas como modos ou momen­ o assunto aqui é se a concepção teísta tradicional de
tos na única Substância infinita — Deus. um Ser absolutamente perfeito é ou não correta. O
R efutação ontológica de Findlay. O argumento teísta desafiaria as premissas 2 e 3.
ontológico teve uma mudança radical com a tentativa Supondo que não existam proposições existenci­
de alguns* ateus de transformá-lo numa refutação da almente necessárias, o teísta poderia mudar a propo­
existência de Deus (v. Deus, supostas refutações de). O sição “Deus existe necessariamente” para “Deus exis­
argumento ontológico é muito rejeitado atualmente. te”. Então o teísta poderia afirmar que a proposição
Alguns até inverteram as posições, fazendo dele um tipo “Deus existe” é uma proposição logicamente necessá­
de refutação ontológica de Deus. Essa foi a intenção de ria (v. Hughes, p. 59). Dessa maneira, a necessidade se
J. N. Findlay, que argumentou (ibid., p. 111-22): aplica apenas à proposição, e não à existência, invali­
dando assim a crítica.
1. Deus deve ser considerado um Ser Necessário Mas o teísta não precisa supor que não há propo­
(i.e., como existindo necessariam ente), pois sições existencialmente necessárias. Na verdade, al­
qualquer coisa inferior a esse tipo de ser não guns teístas deram exemplos do que eles consideram
seria digna de adoração. ser afirm ações existencialm ente necessárias. Ian T.
2. Mas proposições existencialmente necessárias Ramsey sugere que “Eu sou eu” é um exemplo. Malcolm
não podem ser verdadeiras (como Kant de­ oferece “Há um número infinito de números primos”
monstrou), pois necessidade é apenas uma ca­ como exemplo. Alguns acreditam que “círculos qua­
racterística lógica das proposições, não da re­ drados não existem”. Seria existencialmente necessá­
alidade. rio, apesar de ser negativo para forma. Se há exemplos
3. Logo, Deus não existe. negativos, por que não exemplos positivos? Negativos
pressupõem positivos.
O argumento de Findlay pode ser expresso desta Ainda outros teístas, interpretando Anselmo e Des­
maneira mais simples: cartes literalmente, insistem em que “Deus existe ne­
cessariamente” é um caso especial. É a única proposi­
1. A única maneira em que Deus poderia existir ção existencialmente necessária, e não é apenas desne­
é se ele existisse necessariam ente (qualquer cessário, mas também impossível dar qualquer outro
tipo de existência menos que a necessária o exemplo de proposições existencialmente necessárias.
faria menos que Deus). No entanto, parece que a maneira mais eficaz de
2. Mas nada pode existir necessariamente (pois eliminar a refutação ontológica de Findlay é demons­
necessidade não se aplica à existência, mas ape­ trar que sua premissa é incoerente. A afirmação “Não
nas a proposições). há proposições existencialmente necessárias” é em si
659 o n to ló g i c o , a r g u m e n t o

uma proposição existencialmente necessária. E se é, contraditório no conceito de um ser que não


então há proposições existencialmente necessárias. pode não existir, b) A única maneira de rejeitar
Pelo menos existe essa — e por que não outras? Se isso é alegar um significado especial para o
não é uma afirmação necessária sobre existência, en­ possível No sentido lógico normal da palavra
tão não elimina realmente a possibilidade de que po­ possível não há contradição no conceito de um
deria haver um Existente existencialmente necessário. Ser Necessário.
Assim, ou ela não realiza sua intenção de eliminar a 3. Com um Ser N ecessário, a existência “pelo
possibilidade de proposições existencialmente neces­ menos possível” é indistinguível de uma exis­
sárias ou derrota a si mesma ao oferecer uma propo­ tência “possível e real”. Um Ser Necessário não
sição existencialmente necessária para provar que não pode ter existência “meramente possível” (se
há proposições existencialmente necessárias. um Ser Necessário pode existir, então ele deve
A reform ulação de Hartshorne. Depois de uma existir), pois a) Deus por definição é uma exis­
história tão variada, esse venerável argumento para o tência independente e, portanto, não pode ser
teísmo sobreviveu e alcançou dias melhores. Um dos produzido por outro, como seres “meramente
defensores mais ardentes do argumento ontológico é possíveis” podem ser. c) Deus é eterno e, assim,
o panenteísta Charles Hartshorne. Sua afirm ação e não pode ter surgido como seres “meramente
defesa do argumento diante de todas as críticas tradi­ possíveis” podem surgir.
cio n a is é in stru tiv a (v. P la n tin g a , p. 1 2 3 -3 5 ). 4. Logo, um Ser Necessário necessariamente tem
Hartshorne formula assim o argumento: existência possível e real.

1. A existência de um Ser Necessário é a) impos­ Hartshorne responde às objeções ao seu argumen­


sível, e não há exemplo dela; ou b) possível, mas to ontológico:
não há exem plo dela; ou c) possível, e há
exemplo dela. Não é possível que a inexistência de Deus fosse sempre
2. Mas a premissa b é sem sentido, como dizer logicamente possível, apesar de ele realmente sempre ter exis­
que existe um quadrado redondo, pois um Ser tido. Primeiro, isso é uma alegação especial do significado da
Necessário não pode ser apenas um ser possível. palavra possível Em todos os outros casos,possível refere-se a
3. E a premissa a não é eliminada pelo argumen­ seres cuja inexistência é lógica e realmente possível. Por que
to ontológico como tal, mas a significância do fazer de Deus uma exceção ao dizer que sua inexistência é
termo Ser Necessário é uma suposição ju sti­ realmente impossível, mas logicamente possível? Além disso,
ficável que pode ser defendida por outros meios. nem é logicamente possível Deus ser concebido como algo
que surgiu. Na verdade, a própria concepção de sua natureza
Depois de identificar o que considerava ser a lógi­ sequer pode ser logicamente concebida como tendo surgido.
ca básica do argumento ontológico, Hartshorne conti­ Pois é contraditório até pensar em Deus como sendo produ­
nuou chegando à elaboração completa: zido. Por definição, Deus é um Ser Necessário, e um ser defi­
nido dessa forma não pode ser meramente possível.
1. Todo pensamento deve referir-se a algo além de
si que é, pelo menos, possível: a) Onde há sig­ Não se pode comprovar um ilha perfeita ou um
nificado, há algo que se quis comunicar, b) Ape­ Diabo perfeito com as mesmas premissas do argumen­
nas pensamentos contraditórios são impossí­ to ontológico. A ilha perfeita não é indestrutível, como
veis. c) 0 significado deve referir-se a algo além Deus é. Se é, a fizerem indestrutível, ela se torna idên­
do próprio conteúdo e consistência interior, ou tica ao cosm o com o corpo de Deus. (A visão que
será desprovido de sentido, d) A passagem do Hartshorne tem de Deus é panenteísta — o universo
pensamento para a realidade é baseada numa material é visto como o “corpo” de Deus [v. panenteísmo],
passagem anterior inversa da realidade para o mas há um pólo transcendente de Deus que é mais
pensamento, e) A ilusão total é impossível; ilu­ que seu “corpo” cósmico.) Um demônio perfeito é ab­
são pressupõe um pano de fundo de realidade; surdo inequívoco, pois seria infmitamente responsá­
f ) É possível haver confusão com relação à rea­ vel e infmitamente adverso a tudo que existe e ao m es­
lidade específica, mas não com relação à reali­ mo tempo, infinitam ente am oroso e infinitam ente
dade em geral. odioso com relação a tudo que existe; estaria intim a­
2. A existência necessária de um Ser Necessário mente unido e ferozmente oposto a tudo que existe.
é “pelo m enos p o ssív el” , a) Não há nada Mas tais atitudes contraditórias são impossíveis.
o n to ló g i c o , a r g u m e n t o 660

0 argumento ontológico prova mais que a mera 1. Todos os pensamentos são experiências do que
autoconsistência da idéia de um Ser Necessário. Pois é, no mínimo, possível.
todo significado tem um referente externo que é ou 2. Temos pensamentos sobre um Ser que deve exis­
possível ou real. E Deus, por definição, não pode ser tir (um Ser Necessário).
meramente um ser possível. Portanto, 3. Mas um Ser Necessário não pode ser meramen­
te um ser possível.
1. Todo significado implicitamente afirma Deus 4. Portanto, um Ser Necessário deve ser mais que
em referência a: a) o que ele fez (chamado na­ meramente possível; deve ser real.
tureza conseqüente — imanência de Deus) ou
b) o que ele pode fazer (chamado natureza pri­ Como Hartshorne disse: “Só temos de excluir im ­
possibilidade ou insignificância para estabelecer reali­
mordial — transcendência de Deus).
dade”. Ou seja: “Ou Deus é um termo sem sentido ou
2. Sem Deus como a base universal de significa­
existe um ser divino”. Ou, para reafirmar o argumento:
do, não haveria nenhum significado para uni­
versais. Nada pode ter significado objetivo, a
1. Ou a existência de um Ser N ecessário é a)
não ser que haja um reino que é objetivamente
menos que uma idéia (i.e., contraditória e im ­
significante.
possível),b) ou meramente uma idéia mas não
3. Podemos ficar confusos quanto à existência de
uma realidade, ou c) mais que mera idéia —
coisas específicas, mas não quanto à existência
uma realidade.
de Deus — que é o conteú d o da p ró p ria
2. Não é menos que uma idéia, pois é um concei­
existência.
to não-contraditório.
4. A única m aneira de se opor ao argum ento 3. Não é apenas uma idéia, pois é contraditório
ontológico é fazer uma disjunção absoluta en­ falar de um Ser N ecessário com o apenas
tre significado e realidade. Mas essa disjunção possível. Se um Ser Necessário existe, deve exis­
é insignificante. Significado e realidade devem tir necessariamente. Não há outra maneira em
se encontrar em algum ponto; a esse ponto cha­ que possa existir.
mamos Deus. 4. Logo, a existência de um Ser Necessário é mais
que uma mera idéia; é uma realidade.
Se existência não é predicado, então pelo menos
o modo de existência é sugerido em todo predicado. O argumento ontológico não é meramente hipoté­
Isto é, quando uma qualidade é predicada sobre algo, tico; ele não supõe existência. O argumento ontológico
é sugerido que algo existe contingente ou necessari­ não diz:
am en te. E um Ser N ecessário (D eu s) não pode
existir contingentemente. 1. Se existe um Ser Necessário, ele existe necessa­
O argumento ontológico não faz de Deus uma exce­ riamente.
ção aos princípios filosóficos gerais. Essa essência im ­ 2. Existe um Ser Necessário (o que caracteriza uma
plica que existência em Deus não é uma exceção aos petição de princípio).
princípios filosóficos, mas o resultado da aplicação con­ 3. Logo, um Ser Necessário existe necessariamente.

sistente dos princípios filosóficos a vários tipos de exis­


Essa crítica contém a suposição contraditória de
tências. A natureza de Deus implica existência como
que “se um Ser Necessário existe como um mero fato
nenhuma outra natureza, porque somente em Deus não
contingente, ele não existe como fato contingente, mas
há distinção entre o possível e o real (Deus é a realiza­
como verdade necessária”. Esse não é o significado da
ção de tudo que lhe é possível tornar real). “Dizer que
premissa principal. O argumento, pelo contrário, não
uma coisa pode não existir não é dizer que deve haver
é contraditório e deveria ser afirmado desta maneira:
algo sem existência. É dizer que pode haver existência
sem essa coisa.” Existência deve existir necessariamen­
1. Se a expressão Ser Necessário tem algum signi­
te; essa ou aquela existência não precisa existir. ficado, o que significa deve realmente existir
O mero pensamento não produz realidade, mas o (fora da mente).
pensam ento n ecessário produz. Não pode haver 2. A expressão Ser Necessário tem um significado
disjunção absoluta entre pensamento e realidade. Pen­ (não é contraditória).
sar é uma experiência real, e pensamos que Deus é 3. Logo, um Ser N ecessário realm ente existe
possível. Hartshorne conclui: (fora da mente).
66 1 o n to ló g i c o , a r g u m e n t o

Se não implica a possibilidade de inexistência (pois 1. A existência de um Ser Necessário deve ser
uma existência necessária não pode não existir). Se a) uma existência necessária, b) uma existên­
significa a possibilidade da ausência de sentido. E até cia impossível ou c) uma existência possível.
a possibilidade de ausência de sentido desaparece, pois, 2. Mas a existência de um Ser Necessário não é
a não ser que haja uma base para o significado (Deus), uma existência impossível, a) Ninguém jam ais
não pode haver significado. demonstrou que o conceito de um Ser Neces­
Hartshorne baseia sua teoria firmemente na identi­ sário é contraditório, b) Há uma base na expe­
ficação final do lógico com o ontológico, uma premissa riência humana para “algo maior que tudo mais
discutida por outros. Segundo, ele não exclui realmente
que possa ser concebido” (p. ex., o sentimento
a possibilidade de outros poderem demonstrar que o
de culpa ou a experiência da graça), c) A tenta­
termo Deus é desprovido de sentido. Pode ser que al­
tiva de Leibniz de provar que não há contra­
guém ainda venha a demonstrar uma contradição no
dição falha, pois pode haver uma. Não pode­
próprio conceito de um Ser Necessário. Se alguém fizer
mos dem onstrar que não pode haver uma.
isso, os argumentos ontológicos fracassam.
Apenas sabem os que ninguém dem onstrou
Além disso, o argumento baseia-se na suposição
que há uma contradição. E a prova permanece
de que deve haver uma base objetiva para significado
de sorte que haja qualquer significado. É exatamente até que alguém d em o n stre que há um a
isso que existencialistas como Jean-Paul Sartre e Albert contradição no próprio conceito de um Ser
Camus negavam. Eles acreditavam numa base subje­ Necessário.
tiva para o significado, mas não negavam todo signi­ 3. E a existência de um Ser Necessário não pode
ficado. Seu argumento é que não há significado no ser meramente uma existência possível, pois
universo “em si” exceto o significado subjetivo que a uma existência meramente possível mas não
pessoa estabelece. 0 absurdo objetivo ainda seria uma necessária de um Ser Necessário a) é contrária
opção, a não ser que se considere que Hartshorne re­ à própria natureza de um Ser N ecessário.
futou o absurdo objetivo. Um Ser Necessário não pode ser um ser possí­
Finalmente, há uma premissa sugerida em todos vel. b) Um ser possível seria um ser dependen­
os argumentos ontológicos que, se verdadeira, prova­ te, e isso é contrário a um Ser Necessário, que é
velmente vindicaria o argumento diante de sua críti­ um Ser independente por natureza.
ca-padrão (a de que ele faz uma transição ilícita do 4. Logo, um Ser Necessário necessariamente existe.
lógico para o ontológico, do pensamento para a reali­
dade). A premissa é esta: 0 racionalmente inevitável é 0 argumento de Malcolm também pode ser colo­
o real Se defensável (v. Geisler e Corduan, p. 289-96), cado na forma hipotética:
isso provaria que o absurdo objetivo está errado. Na
verdade, se o racionalmente inevitável é o real, e é ra­
1. Se é possível um Ser Necessário existir, então é
cionalmente inevitável pensar em Deus existindo ne­
necessário que ele exista, pois a única maneira
cessariamente, parece que a conclusão é que é real­
em que um Ser Necessário pode existir é exis­
mente verdade que Deus existe necessariamente. No
tir necessariamente.
e n tan to , antes de su p o rm o s que o arg u m ento
2. É possível que um Ser Necessário possa exis­
ontológico venceu, devemos examinar outra afirm a­
tir. Não há nada contraditório sobre afirmar a
ção sobre ele e uma última crítica.
existência de um Ser Necessário.
Reformulação de Malcolm. Norman Malcolm ge­
3. Logo, um Ser Necessário necessariamente exis­
ralmente recebe crédito pelo reavivamento do argu­
te.
mento ontológico na forma mais viável, apesar do tra­
balho de Hartshorne ter dito a mesma coisa vinte anos
antes. Malcolm ocasionou um reavivamento popular Ou reafirmar o cerne do argumento na forma ca­
do interesse pelo argumento, pelo menos na área da tegórica:
filosofia analítica. Malcolm considerava a primeira for­
ma do argumento de Anselmo invalidada pela crítica, 1. Um Ser Necessário por definição é um ser que
formulada por Kant, de que existência não é um atri­ não pode não existir.
buto; a segunda forma do argumento de Malcolm se 2. 0 que não pode não existir deve existir, pois
considerava imune a essa (ou qualquer outra) crítica esse é o complemento lógico.
(v. Plantinga, p. 137-59). Malcolm reformula assim o 3. Logo, um Ser N ecessário deve n e c e ssa ria ­
segundo argumento de Anselmo: mente existir.
o n to ló g i c o , a r g u m e n to 662

Parece que a premissa crítica no argumento é a que ser logicamente contingente sem ser ontologicamente
afirma que a mera possibilidade de um Ser Necessá­ contingente. Ou, por outras palavras, Malcolm presume
rio é contraditória. Vamos afirmar novamente o argu­ que, pelo fato de não ser ontologicam ente possí­
mento com a defesa mais completa de Malcolm para vel que Deus seja contingente, não é logicamente
essa premissa: possível que Deus seja contingente. Malcolm ignora
o fato de que é logicam ente possível que Deus seja
1. A existência de um Ser Necessário deve ser: a) um Ser Necessário, mas não logicam ente necessário.
uma existência necessária, b) mera existência No entanto, Plantinga estará certo apenas se a pre­
possível ou c) uma existência impossível. missa sugerida no argumento ontológico estiver erra­
2. Mas ela não pode ser uma existência impossí­ da: “O racionalmente inevitável é o real”. Se o que é
vel. Não há contradição. racionalm ente inevitável deve ser ontologicam ente
3. Não pode ser mera existência possível, pois tal inevitável, então Hartshorne e Malcolm aparentemente
existência seria: a) Uma existência dependen­ criam um bom argumento contra essa crítica. Eles ar­
te. Uma existência dependente não pode, ao gumentam que é logicamente necessário considerar
mesmo tempo, ser uma existência independen­ Deus real, já que é logicamente contraditório conce­
te, tal como uma existência necessária.b) Uma ber um Ser Necessário que não tenha necessariam en­
existência fortuita. Se Deus simplesmente exis­ te existência.
tisse, ele não seria um Ser Necessário, c) Uma Avaliação. Isso não significa que o argumento
existência temporal. Se Deus tivesse surgido, ele ontológico seja válido. Há uma crítica final e possivel­
seria dependente, o que é contrário à sua Exis­ m ente fatal. P lan tin g a o b serv a que tam b ém é
tência independente ou necessária. logicamente “possível” que Deus jamais tenha existi­
4. Logo, a existência de um Ser Necessário é uma do. Na verdade, é logicamente possível que nada ja ­
existência necessária; isto é, um Ser Necessário mais tenha existido, incluindo-se Deus. Mas essa pode
existe necessariamente. ser apenas uma om issão aparente no argum ento
ontológico. Talvez a razão pela qual essa possibilidade
Malcolm admite que pode haver uma contradição lógica não se apresente como evidente aos proponen­
no conceito de um Ser Necessário e que ele não pode tes do argumento ontológico é que eles estão presu­
provar que não há contradição. Essa admissão significa mindo uma premissa cosmológica. Pois parece de ime­
que sua “prova” não é garantida. É logicamente possível diato evidente a qualquer pessoa que existe que algo
que esteja errada. Logo, a conclusão não é racionalmente realmente existe. E, se algo existe, não é verdadeiro que
inevitável. Logo, mesmo dada a validade do restante do nada existe. E, se algo existe, isso invalida a afirmação
argumento, não se trata de uma prova no sentido mais de que nada existe. Mas, se algo realmente existe, não
restrito da palavra. é verdadeiro afirmar que nada existe. Logo, fracassa a
Crítica de Plantinga. Plantinga avalia o argumen­ crítica de Plantinga, segundo a qual o argumento
to ontológico de Malcolm em termos de esquema ló­ ontológico é mal-sucedido simplesmente porque ig­
gico (ibid.,p. 160-71): nora a possível verdade de que nada existe.
Todos os defensores do argumento ontológico só
1. Se Deus não existe, sua existência é logicamente precisam invalidar a crítica de Plantinga para demons­
impossível. trar que algo existe. Isso é realizado facilmente ao in­
2. Se Deus existe, sua existência é logicamente ne sistir em que ninguém pode negar existência sem exis­
cessária. tir para fazer a negação. Pois é realmente impossível
3. Logo, ou a existência de Deus é logicamente im­ afirmar que nada existe, já que deve haver alguém em
possível ou é logicamente necessária. existência para fazer essa afirmação. Em resumo, os
4. Se a existência de Deus é logicamente impos­ argum entos ontológicos baseados m eram ente na
sível, o conceito de Deus é contraditório. previsibilidade e inconceptibilidade são inválidos,
5. O conceito de Deus não é contraditório. mas um terceiro argumento baseado na inegabili-
6. Logo, a existência de Deus é logicamente neces­ dade parece evitar essas falhas. Isso parece ser ver­
sária. dadeiro pela simples razão de que a única maneira
aparente de invalidar a segunda forma do argum en­
Plantinga não concorda com a segunda premissa. to ontológico é pela conceptibilidade (i.e., possibili­
Deus poderia existir sem que sua existência fosse dade lógica) da verdade que nada existe, mas essa ver­
logicamente necessária. A existência de Deus poderia dade não é afirmável porque algo realmente existe.
663 o n to ló g i c o , a r g u m e n t o

Logo, é inegável que algo existe e, portanto, Deus deve o m elhor”. Ele estrutura esse argumento de
necessariamente existir. Assim, parece que uma ter­ maneira que o ser cuja existência pretende de­
ceira forma de argumento ontológico pode se defen­ m onstrar acabará sendo Deus.
der com sucesso da crítica de Plantinga. 3. Grandeza máxima épossivelmente exemplificada.
Nessa forma revista, o que se tem não é realmente Não há nada contraditório ou logicamente er­
um argu m ento on tológ ico, m as um argum ento rado em supor que num mundo possível pode­
cosmológico. Pois há uma diferença, como Anselmo re­ mos encontrar essa qualidade. Essa exemplifi­
conheceu na sua resposta a Gaunilo, entre a possibili­ cação é elaborada na premissa 4, que supõe um
dade lógica de que nada, incluindo Deus, jam ais tenha mundo m, uma essência e e a propriedade de
existido e a realidade da afirmação por alguém que exis­ grandeza máxima.
te: “Nada, incluindo Deus, jam ais existiu”. É claro que é 4. Há um mundo (m) no qual a essência ( e) é tal
inegavelmente verdadeiro que algo existe, mas não por­ que e é exemplificado em m e e implica grandeza
que é inconcebível ou logicamente impossível que não máxima em m. Nesse mundo hipotético, essa
exista nada. Não é logicamente contraditório supor que essência hipotética tem a propriedade de gran­
nada poderia ter existido. Inexistência é uma possibili­ deza máxim a. Devemos lem brar a afirm ação
dade lógica. A única maneira de poder invalidar a pos­ da prem issa 1 .0 que é verdadeiro sobre uma
sibilidade lógica de que “nada jam ais existiu, inclusive essência seria verdadeiro sobre um objeto que
Deus” é afirmar: “Algo existiu ou existe”. Mas, uma vez tem essa essência.
que a pessoa afirme a premissa“Algo existe”e argumente 5. Para qualquer objeto (x), se x exemplifica e, en­
a partir disso que “Deus existe”, ela deixou o argumen­ tão x exemplifica excelência máxima em todos
to ontológico e passou para o cosmológico. Deixou o âm ­ os mundos possíveis.
bito a priori da razão pura e entrou no âm bito a 6. E implica a propriedade de excelência máxima
posteriori da existência. O chamado terceiro argumento em todos os mundos possíveis. Plantinga argu­
da impossibilidade de negar existência não é um argu­ menta que a mesma relação que é necessaria­
mento ontológico, mas um argumento cosmológico. E mente verdadeira em m seria necessariam en­
precisa de mais elaboração e defesa. te verdadeira em qualquer mundo possível.
O argum ento d e Plantinga. Após anos de estudo Portanto, ele pode fazer tal afirmação geral com
e crítica do argumento ontológico, Plantinga propôs relação a essa essência e à propriedade que im ­
sua versão, que considera válida. Ele oferece várias for­ plicaria qualquer mundo possível.
mulações, uma das quais pode ser resumida em dez 7. Se m fosse real, teria sido impossível que e não
passos (Plantinga, The nature o f necessity,p. 214-5): pudesse ser exemplificado. Essa afirmação é um
com ponente simples da lógica modal. Se algo
1. Algo tem a propriedade de grandeza máxima é válido para qualquer mundo possível, cer­
se tem a propriedade de excelência máxima em tam ente seria válido se esse mundo fosse o
todos os mundos possíveis. A maior coisa deve mundo real. Assim, se o mundo possível em
ser a melhor coisa, não apenas no mundo que consideração fosse real, essa essência com ex­
existe, mas em todos os mundos possíveis. Um celência m áxim a em todos os mundos possí­
mundo possível é qualquer mundo logicamente veis teria de ser real. Na verdade, dadas as pre­
concebível. Sempre que fechamos nossos olhos missas precedentes, a negação dessa realidade
e imaginamos que nosso mundo real é diferen­ seria impossível.
te de alguma forma racional,estamos imaginan­ 8. 0 que é impossível não varia de mundo para
do um mundo logicamente possível. Obviamen­ mundo. Diferenças entre mundos possíveis são
te o mundo real é um mundo possível. factuais. Não envolvem absurdos lógicos. Não
Mas há muitos outros mundos possíveis. há nenhum mundo logicamente possível no
Eles “existem” no sentido de que são possibili­ qual círculos sejam quadrados ou deduções
dades lógicas, não que sejam reais. Se algo lógicas não advenham. Relações lógicas são
não é o mais excelente em todos os mundos constantes em todos os mundos possíveis.
possíveis, não é realmente o maior, pois é pos Logo, necessidade ou impossibilidade lógica-
sível imaginar algo maior. são as mesmas em todos os mundos. De forma
2. Excelência máxima implica onisciência, onipo­ que o que Plantinga disse sobre e em m teria de
tência e perfeição moral. Com essa premissa se aplicar a r e m todos os mundos possíveis.
Plantinga define o que quer dizer com “algo é Também seria impossível e não se exemplificado.
O r íg e n e s 664

9. Existe um ser que tem excelência máxima em Parece que nenhuma prova ontológica válida foi
todos os mundos. Portanto, conclui-se que dada até agora que torne racionalmente inevitável con­
10. Oser que tem excelência máxima existe no mun­ cluir que há um Ser Necessário. No entanto, ninguém
do real. Logo, usando a lógica modal, Plantinga teve sucesso em fazer uma refutação ontológica de
demonstrou que Deus (o Ser com onisciência, Deus, tornando logicamente impossível que haja um
onipotência e perfeição moral) existe. Deus. Necessária ao argumento teísta válido é a pre­
missa de que “algo existe ou existiu”. Quem argumen­
Avaliação. Esse argumento rigoroso evita muitas ta que “algo existe, logo Deus existe” deixou a aborda­
críticas tradicionalm ente levantadas contra o argu­ gem do argumento ontológico a priori e passou para
mento ontológico. Mas deixa clara a crítica que pro­ uma abordagem cosmológica a posteriori.
pusemos contra o argumento nesse contexto. Essa Se alguém pudesse validar um argumento teísta
abordagem baseada na lógica modal estipula desde o ao importar a premissa inegável de que “algo existe” e
princípio que algo existe. 0 conceito de mundos possí­ argumentar com base nela que “algo existe necessari­
veis só faz sentido se comparado com um mundo real. amente”, isso ainda seria muito distante do Ser sim ­
Apenas se, pelo menos por amor ao argumento, per­ ples e absolutamente perfeito do teísmo cristão. É in­
m itirm os que haja uma realidade é que o argumento teressante observar que três visões de Deus resulta­
se desenvolve. Além disso, definir um ser m axim amen­ ram do mesmo tipo de argumento ontológico, e ou­
te perfeito em termos teístas é gratuito (premissa 2). tros acreditam que mais um pode ser suposto. Des­
Por que a perfeição não poderia ser vista em termos cartes e Leibniz chegaram a um Deus teísta. Espinosa
não-m orais e não-inteligentes? argumentou a favor de um Deus panteísta. Hartshorne
Mas finalmente, e mais diretamente, o argumento
acabou chegando a um Deus panenteísta (v. panenteísmo).
na premissa 4 estipula a realidade de e como uma es­
Também sugere-se que, além de importar algum tipo
sência. Na filosofia de Plantinga, essências não são
de premissa platônica, o argumento ontológico pro­
apenas conceitos ou palavras mentais, mas existem de
duz deuses politeístas (v. p o l it e ís m o ) . Até m esm o mui­
certa forma como sendo reais. Logo, o argumento está
tos ateus estão dispostos a reconhecer que o universo
começando a se parecer com o argumento de Descar­
é de alguma forma necessário, mas não o identificam
tes, no qual ele estipula a idéia de um Ser Supremo e
de forma alguma com Deus. Já que as posições são
depois tenta dar uma explicação (Descartes,p. 23-34).
mutuamente excludentes, conclui-se que não podem
Porém esse argum ento tam bém foi d enom inado
ser verdadeiras.
cosmológico. E o mesmo pode acontecer com o argu­
Para defender o teísmo, aparentemente é preciso
mento de Plantinga. Talvez seja válido porque deixou
ir além do argumento ontológico. Pois o argumento
o âmbito dos argumentos puramente ontológicos.
ontológico apenas, ao que parece, não designa que tipo
Conclusão. O argumento ontológico assumiu mui­
de Deus (ou deuses) é encontrado na conclusão.
tas formas. Todavia, nenhuma parece não ser válida.
A única maneira exeqüível de torná-lo válido (se é que
Fontes
pode ser validado) é supor ou afirmar que algo existe. E
R. D escartes , Meditations on first philosophy.
uma vez que a pessoa argumente: “Algo existe, logo Deus
N. L. GtisLF.R,“The missing premise in the
existe”, ela realmente argumentou cosmologicamente.
ontological argument”, em rs (Sep. 1973).
O argumento ontológico em si, sem emprestar a pre­
___ e W. C orduan, Philosophy o f religion.
missa “Algo existe”, simplesmente não pode provar a
G. E. H ughes , “Can God's existence be disproved?”,
existência de Deus. Pois é sempre logicamente possível
que nada jam ais tenha existido, de forma que não é ne­ em A. F lew , et al., orgs., Philosophical theology.

cessário logicamente afirmar que Deus existe. A. P lantinga , The nature o f necessity.

Alguns sugeriram que nossa conclusão é inválida ___ , The ontological argument: from
porque o próprio conceito de “nada” é negativo, pressu­ Anselm to contemporary philosophers.
pondo assim que algo existe. Se isso é correto, argumen­ B. S pinoza , Ética.
tam, nossa contenção de que“é logicamente possível que
nada jam ais tenha existido” é errada. No entanto, essa O rígenes. Um dos pais da igreja primitiva e defensor
objeção confunde o conceito de inexistência (que não do cristianism o (1 8 5 -2 5 4 ). Foi muito influenciado
pressupõe o conceito de existência) e um estado de pelo pensam ento platônico (v. P l a t ã o ; P l o t i n o ) e
inexistência que não pressupõe um estado de existên­ gnóstico (v . g x o s t i g s m o ) . Como conseqüência, sua de­
cia. É uma referência à possibilidade lógica do estado fesa da fé tendia a sacrificar ensinamentos importan­
de inexistência, não ao conceito de inexistência. tes. Negou a historicid ad e de partes cru ciais das
665 O r íg e n e s

Escrituras; ensinou a preexistência da alma e o univer­ inúmeros exemplos de tipo semelhante registrados como ten­
salismo (a crença de que todos finalmente serão salvos; v. do ocorrido, mas quais não aconteceram literalmente? Os pró­
“ pagãos” , salvação d o s ) e negou que Jesus tivesse ressus­ prios evangelhos estão cheios do mesmo tipo de narrativas;
citado dos mortos num corpo físico (v. r e s s u r r e i ç ã o , na­ por exemplo, o diabo levando Jesus até uma montanha alta,
t u r e z a físic a d a ). Essas posições foram condenadas por para mostrar-lhe dali os reinos de todo o mundo e a glória
serem heréticas pelos concílios posteriores da igreja. deles (ibid., 4.1.16).
Orígenes foi um autor cristão do início do século n
em Alexandria, Egito. Estudou onze anos com o neo- Preexistência d a alm a. O argumento de Orígenes
platonista Amónio Sacca, em cuja escola foi colega de para a preexistência e eternidade da alma depende
Plotino (205-270). Orígenes liderou uma escola cate- grandemente do platonismo. Ele argumenta que Deus
quética em Alexandria (211 -232) e mais tarde fundou havia feito outros mundos antes desse, e faria mais no
uma escola em Cesaréia. futuro (ibid., 2.5.3). Na criação,
Suas várias obras incluem a Hexapla , uma compa­
ração de seis colunas de diversas traduções gregas e devemos supor que Deus criou um número tão grande
hebraicas do at . Infelizmente, nenhuma cópia dessa de criaturas racionais ou intelectuais (ou seja qual for o nome
grande obra sobreviveu. Ele também escreveu Contra que recebem), que anteriormente denominamos entendi­
Celso, uma obra apologética respondendo ao filósofo mentos, quanto ele previu que seria suficiente (ibid., 2.9.1).
Celso, e De principiis, um importante tratado teológico.
A Bíblia. Apesar de Orígenes afirmar que a Bíblia Negar a eternidade da alma era como negar a oni­
era divinamente inspirada, ele não aceitava a histori­ p o tên cia de D eus, segundo ele. A alm a deve ser
cidade completa das Escrituras nem interpretava tudo preexistente e eterna porque,
literalmente. Como outros na escola alexandrina de in­
terpretação, ele geralmente alegorizava partes cruciais como ninguém pode ser um pai sem ter um filho, nem
das Escrituras. um mestre sem possuir um servo, Deus também não pode
A Bíblia apenasparcidmente histórica. Orígenes insistiu: ser onipotente a não ser que existam aqueles sobre os quais
ele possa exercer seu poder; e, portanto, para que Deus seja
Portanto, temos de afirmar em resposta, já que somos considerado onipotente, é necessário que todas as coisas
manifestadamente dessa opinião, que a verdade da história existam.
pode e deve ser preservada na maioria das instâncias (De
principiis, 4.19). Ele ficou mais poderoso enquanto criava mais pes­
soas? Na verdade,“ele sempre teve aqueles sobre quem
Infelizmente, isso não incluía partes cruciais da Bí­ exercia poder, e que foram governados por ele como
blia. Ele afirmou que o leitor atento encontraria várias rei ou príncipe” (ibid., 1.2.10).
passagens nos evangelhos nas quais inserções de even­ Finalmente, Orígenes argumenta que,
tos não-históricos foram feitas. “E se analisamos a le­
gislação de M oisés, m uitas das leis m anifestam a se a alma de um homem, que é certamente inferior en­
irracionalidade, e outras a impossibilidade da sua ob­ quanto continua sendo a alma de um homem, não foi for­
servação literal” (ibid., 4.1.16,17). mada junto com seu corpo, mas é comprovada mente im­
Interpretação alegórica. A precisão não era muito plantada estritamente de fora, tanto mais será o caso da­
importante se a mensagem estivesse mergulhada em queles seres vivos que são denominados celestiais. Ademais,
alegoria. Orígenes buscava “descobrir em toda expres­ [...] como poderiam sua alma e as imagens nela presentes
são o esplendor oculto das doutrinas encobertas pela terem sido formadas com o corpo, de quem, antes de ser cri­
fraseologia comum e sem atrativos” (ibid., 4.1.7). ado no ventre, foi conhecido por Deus, e foi santificado por
A história de Adão e Eva devia ser interpretada sim­ ele antes do seu nascimento? (ibid., 1.7.4).
bolicamente. Porque
Universalismo. Orígenes acreditava que no final
ninguém, creio eu, pode duvidar que a afirmação de que todos seriam salvos. Essa posição é explicitam ente
Deus andava à tarde no paraíso e que Adão se escondeu atrás universalista:
de uma árvore está relatada simbolicamente nas Escrituras, e
que algum significado místico pode ser indicado por isso. E Portanto, quando o fim for restaurado ao princípio, e o tér­
os que não são completamente cegos podem encontrar mino das coisas comparado ao seu começo, será restabelecida
O r íg e n e s 666

a condição das coisas na qual a natureza racional foi colocada, vingança de Deus é útil para a purgação das almas.
quando não precisava comer da árvore do conhecimento do Acredita-se que também o castigo, que dizem ser aplicado
bem e do mal; então, quando todo sentimento de impiedade pelo fogo, é aplicado com o objetivo de cura (ibid., 2.10.6).
for removido, e o indivíduo for purificado e limpo. Aquele que
é o único Deus bom se torna para si “tudo”, e isso não se dará Acrescentou:
apenas no caso de poucos indivíduos, ou de um numero con­
siderável, mas ele mesmo é“tudo em todos”. E quando a mor­ Os que foram removidos do seu estado primitivo de
te não mais existir em parte alguma, nem o aguilhão da mor­ bênção ainda não foram removidos irrecuperavelmente,
te, nem qualquer mal sequer, então Deus será "tudo em to­ mas foram colocados sob a regra das ordens santas e aben­
dos” (Orígenes, De principiis, 3.6.3). çoadas que descrevemos; e ao tirar proveito da ajuda de­
las, e sendo moldados pelos princípios e disciplina saluta­
Segundo Orígenes, esse conhecimento salvador viria res, podem recuperar-se, e ser restaurados à sua condição
de felicidade (ibid., 1.6.2).
lenta e gradativamente, vendo que o processo de recu­
peração e correção acontecerá imperceptivelmente em ins­ A sabedoria de Deus. Orígenes insistiu em que
tantes individuais durante o decorrer de eras inúmeras e
imensuráveis, umas derrubando as outras, e chegando por Deus, pela habilidade inefável de sua sabedoria, trans­
um curso mais rápido à perfeição, enquanto outras seguem formando e restaurando todas as coisas, das formas mais
de perto, e algumas à distância. diversas, para algum obietivo útil.e para a vantagem comum

Portanto, por meio de ordens numerosas e incontadas de todas, chamava de volta as próprias criaturas que diferi­
am tanto umas das outras na conformação mental à con­
de seres progressivos que estão sendo reconciliados com
cordância de obra e propósito; de forma que, apesar de esta­
Deus de um estado de inimizade, o último inimigo final­
rem sob a influencia de motivações diferentes, elas comple­
mente é alcançado, que se chama morte, para que também
tam a plenitude e perfeição de um mundo, e a própria vari­
possa ser destruído, e não mais ser um inimigo. Quando,
edade das mentes tende a um fim de perfeição.
então, todas as almas racionais forem restauradas a essa con­
Pois é o mesmo poder que segura e une toda a diversi­
dição, a natureza deste nosso corpo se transformará na gló­
dade do mundo, e lidera os diversos movimentos a uma obra,
ria de um corpo espiritual (ibid., 3.6.6).
a fim de que uma obra tão imensa como o mundo não se
dissolva pelas dissensões das almas.
Os textos bíblicos. Alguns dos argumentos de Orí­
E por isso cremos que Deus, o Pai de todas as coisas,
genes para o universalismo estão baseados em textos
para assegurar a salvação de todas as suas criaturas por meio
bíblicos e outros em especulação filosófica.
do plano inefável de sua palavra e sabedoria, ordenou cada
No contexto do amor de Deus em Cristo, Orígenes
umas delas, para que todo espírito, quer alma quer existên­
baseou-se em passagens que falavam de Deus conquis­
cia racional, seia qual for o nome, não seja compelido à for­
tando e subjugando seus inimigos. Baseou-se nas pas­
ça, contra a liberdade da própria vontade, a qualquer outro
sagens que citavam Salmos 110.1, principalmente 1
caminho além do que os motivos da própria mente o levem
Corindos 15.25: “ O S enhor disse ao meu senhor:‘Sen­
(para que ao fazer isso o poder de exercitar o livre-arbítrio
ta-te à minha direita até que eu faça dos teus inimigos seja tirado, o que certamente produziria uma mudança na
um estrado para os teus pés [...] Pois é necessário que natureza do próprio ser) (ibid., 2.1.2).
ele reine até que todos os seus inimigos sejam postos
debaixo de pés” (De principiis, 1.6.1). Onipotência de Deus. “Porque nada é impossível
O fim como o princípio. Orígenes raciocinou a para o Onipotente, e nada é incapaz de ser restau­
p a rtir da prem issa neoplatôn ica de que “o fim é rado a seu Criador” (ibid ., 3 .6 .5 ). Isso, é claro, im ­
sempre como o princípio e, portanto, assim como plica que Deus d eseja, por sua bond ade, fazê-lo
há um fim de todas as coisas, surgem de um p rin ­ (U m 2.1; 2Pe 3.9 ). M as, se Deus quer salvar a to­
cípio muitas diferenças e variedade, que novam en­ dos, e ele pode salvar a todos (i.e., ele é onipoten­
te, por interm édio da bondade de Deus, e pela su­ te), então para Orígenes parecia resultar que ele
je ição a Cristo, e interm édio da unidade do E sp íri­ salvaria a todos.
to Santo, são cham adas de volta a um fim , que é Espiritualismo. Orígenes também negou a nature­
como o princípio” (ibid., 1.6.2). za física permanente da ressurreição, pelo que foi con­
Justiça reformatória. Orígenes rejeitou a visão pe­ denado pelos bispos do Quinto Concílio Ecumênico da
nal da justiça (v. i n f e r n o ) , argumentando que a fúria da igreja, quando escreveram:
667 O ríg e n e s

Se alguém disser que após a ressurreição o corpo do Se­ Segundo Orígenes, apesar de Cristo ser eterno, sua
nhor era etéreo [... ] e que assim serão os corpos de todos após divindade é derivada do Pai:
a ressurreição; e que depois de o próprio Senhor ter rejeitado
seu verdadeiro corpo e após outros que ressuscitarem rejeita­ Porque sempre afirmamos que Deus é Pai de seu Filho
rem os seus, a natureza dos seus corpos será aniquilada: que unigénito, que nasceu dele, e deriva dele o que ele é, mas
seja anátema (Cânon 10 citado por Schaff, 14.314-9). sem qualquer começo (Deprincipiis 1.2.2).

Da mesma forma, Numa lógica platônica distorcida, Orígenes até ar­


gumentou que de alguma forma a existência do Filho
se alguém disser que o julgamento futuro significa a des­ depende do Pai:
truição do corpo e que o final da história será uma natureza
[phusis] imaterial e que dali em diante não haverá mais ma­ Pois se o Filho faz,semelhantemente, todas as coisas que
téria, mas apenas espírito [nous]: que seja anátema (ibid., o Pai faz, então, devido ao Filho fazer todas as coisas como o
Cânon 11). Pai, é a imagem do Pai formada no Filho, que nasceu dele,
como um ato da sua vontade, procedendo da mente. E por
Por volta de 400, o Concílio de Toledo declarou en­ isso acredito que a vontade do Pai apenas deve ser suficiente
faticamente: “Cremos verdadeiramente que haverá a para a existência do que ele deseja que exista. Pois no exercí­
ressurreição da carne da humanidade” (Parker, p. 24,26). cio da sua vontade ele emprega apenas o que é manifesto
E o Quarto Concílio de Toledo (663) acrescentou; pelo conselho da sua vontade. E então a existência do Filho
também c gerada por ele (Deprincipiis 1.2.6, grifo do autor).
Por intermédio de sua morte e sangue somos purifica­
dos e obtemos perdão (dos nossos pecados) e seremos res­
Avaliação. Na melhor das hipóteses, Orígenes foi
suscitados novamente por ele no último dia na mesma car­
uma bênção parcial para a apologética cristã. Defen­
ne em que agora vivemos, (e) da maneira em que o (nosso)
deu a inspiração básica e historicidade da Bíblia.
mesmo Senhor ressuscitou (ibid., 26).
Enfatizou o uso da razão para defender o cristianis­
mo primitivo contra os ataques do paganismo e ou­
Cristo inferior ao Pai. Apesar de não negar a di­
tros falsos ensinamentos. Foi um estudioso textual.
vindade de Cristo, Orígenes acreditava que Jesus tinha
No entanto, os pontos fracos de Orígenes parecem
uma posição subordinada ao Pai a ponto de perder sua
exceder os pontos fortes. Negou a inerrância da Bíblia,
divindade aqui na terra. Orígenes escreveu;
pelo menos na prática (v. B í b l i a , s u p o s t o s e r r o s n a ) . Ensi­
nou o u n i v e r s a l i s m o , contrário às Escrituras e aos credos
O Filho de Deus, despojando-se da sua igualdade com o
ortodoxos. Ensinou a preexistência da alma, em vez do
Pai, e mostrando a nós o caminho do conhecimento dele,
ensinamento ortodoxo da criação. Fez interpretações al­
torna-se a imagem clara da sua pessoa (Deprincipiis, 1.2.8).
tamente alegóricas das Escrituras, minando verdades li­
terais importantes. Afirmou uma posição aberrante so­
Até a bondade de Cristo é derivada do Pai:
bre a natureza de Cristo, que deu origem à heresia ariana
posterior (v. C r i s t o , d i v i n d a d e d e ) . Negou a natureza tangí­
Se isso é completamente entendido, demonstra claramen­
vel e física do corpo ressurreto (v. r e s s u r r e i ç ã o , e v id ê n o a
te que a existência do Filho é derivada do Pai, mas não no
tempo, nem de qualquer outro princípio, exceto, como iá dis­ da; r e s s u r r e iç ã o , ao contrário do
n a t u r e z a f ís ic a d a ),

semos, do próprio Pai (Deprincipiis 1.2.11). ensinamento claro das Escrituras (Lc 24.39; At 2.31; ljo
4.2) e dos credos (v. Geisler, The battle for the resurrection
Orígenes falou claramente sobre a posição inferi­ [A batalha pela ressurreição], cap. 5, e In defense o f the
or ao Pai quando disse: resurrection [Em defesa da ressurreição],cap. 9).

Supondo que pode haver alguns indivíduos entre as mul­ Fontes


tidões de crentes que não concordam plenamente conosco, C. B iggs, T h e C h r is t ia n p l a t o n i s t s o f A l e x a n d r i a .

e que imprudentemente afirmam que o Salvador é o Deus J. D axielou, O r ig e n .

Altíssimo; no entanto, não pensamos como eles, mas acre­ \V. F airweather, O r ig e n a n d G r e e k p a t r i s t i c t h e o lo g y .

ditamos nele quando diz: “O Pai que me enviou é maior que X . L. G eisler, In d e f e n s e o f t h e r e s u r r e c t io n .

eu”. Portanto, não faríamos — como Celso nos acusa de fa­ ___ , T h e b a t t l e fo r t h e r e s u r r e c t io n .

zer — a quem chamamos Pai inferior ao Filho de Deus O rígenes, C o n t r a C elso .

(Contra Celso 8.14). ___ , D e p r i n c i p i i s .


o rig e n s , c iê n c ia d as 668

T. P arkpr, org., The deanies ofHenry Bulíinger. no principio. F. difícil saber sequer que fatores existi­
P. SaiAi:i:,o rg .,P select libmry oCSicene and po<!-\iccne am para interagir uns com os outros. Um exemplo sim ­
F ath ers ofthe Christian clmrch. ples e óbvio é que as leis que operam durante o funcio­
J. W . T rigg, Origen: the Bible andphiloíophy in the namento de um moinho de vento não são suficientes
ihini-centwy chureh. para produzir aquele moinho. Um moinho de vento fun­
____, The Fifth Fiwuenieal Cowicil oí ciona por leis puramente naturais da física — pressão,
Coiiíhmtinople ( 55? d.C). movimento e inércia. Inércia, no entanto, não pode cri­
ar estrutura, soldar o metal, montar o gerador movido
o rigen s, ciên cia das. A crença de que o universo e to­ a vento ou ajustar as lâminas da hélice. Alguém teve de
das as formas de vida foram criados por Deus não é vir de fora do sistema do moinho, trazer o conhecimen­
considerada ciência verdadeira por alguns porque a to, plantas e manipulação de materiais necessários. Leis
ciência lida com teorias que podem ser comprovadas naturais explicam adequadamente por que a eletrici­
por testes. Não há como testar a criação, já que foi uma dade é gerada por um moinho de forma contínua; elas
singularidade passada única. Essa objeção é baseada são insuficientes para explicar o início do sistema.
em má interpretação de dois tipos de ciência: empírica Somente o fato de as coisas operarem de forma re­
e forense. A ciência operacional lida com o mundo que gular torna possível as observações e previsões base­
existe agora, e a ciência das origens lida com o passado adas nelas. Por isso, uma abordagem diferente e obje­
(Geisler, Origin Science [Ciência das origens], caps. tivos diferentes agem numa c iâ icia forense. Normal­
1,6,7). A ciência operacional é uma ciência empírica mente se ouve falar da ciência forense em investiga­
que lida com regularidades atuais, mas a ciência das ções policiais, nas quais cientistas tentam reconstruir
origens é uma ciência forense que considera singula­ o que aconteceu para criar a cena de uma morte não -
ridades passadas — a origem do universo e das for­ observada, por exemplo. Alguns elementos podem ser
mas de vida. repetíveis, mas não a série essencial de eventos, já que
Já que não há uma forma direta de testar uma teoria a pessoa envolvida nos eventos está morta. Mas a falta
ou um modelo da ciência das origens, ela deve ser consi­ de princípios da ciência empírica não frustra total­
derada plausível ou implausível, com base na consistên­ mente a análise científica da morte. A ciência forense
cia e abrangência com que reconstrói o passado não ob­ tem suas regras e princípios. Usando as evidências que
servado conform e a evidência disponível. A ciência restaram (tais como arm as, padrões de ferimentos,
operacional é baseada em princípios de observação e re­ gotas de sangue e impressões digitais), o cientista fo­
petição. As leis da física e química, por exemplo, são base­ rense pode fazer uma reconstrução plausível do even­
adas na observação de padrões repetitivos de eventos. Tais to original. De forma semelhante, o cientista das ori­
observações podem ser feitas a olho nu ou com o auxílio gens tenta reconstruir a origem do universo e a ori­
de instrumentos sensíveis, mas algum tipo de observa­ gem da vida.
ção é crucial. Igualmente, deve haver alguma repetição Princípios da ciência das origens. Além dos dois
ou padrão repetitivo. Pois nenhuma análise científica pode princípios óbvios segundo os quais toda teoria ou
ser feita com base num evento singular. A ciência modelo deve ser consistente e abrangente, os princí­
operacional baseia-se na repetição de padrões semelhan­ pios cruciais da ciência das origens são causalidade
tes de eventos. Porque a ciência operacional não envolve e uniformidade (analogia) (Geisler, Origin Science,p.
apenas regularidades atuais, mas também futuras, que 131-2).
podem ser previstas. Porém nenhuma previsão científica Causalidade. Como o cientista forense, o cientista
pode ser feita a partir de um evento singular. das origens acredita que todo evento tem uma causa
A operação do cosmos é estudada pela ciência adequada (v . v .v c sA L in .m F , pr in c ípio da; p r im e ir o s pr in c í­

operacional da cosmologia. Mas a origem do cosmos é o Esse é o caso tanto para eventos não observados
pio s ).

campo da ciência da cosmogonia. A ciência operacional como para eventos observados. Esse princípio tem
da biologia não lida propriamente com o início da vida, uma aceitação tão universal que praticam ente não
mas com seu funcionamento contínuo. 0 começo da precisa de justificação. É suficiente m encionar que
vida é o campo de estudo da biogenia. A ristóteles disse: “O hom em sábio busca causas”.
Ao distinguir essas duas áreas de investigação, é Francis Bacon acreditava que a verdadeira sabedoria
importante observar diferenças substanciais, mesmo é o “conhecimento das causas” (Bacon, 2.2.121). Até o
nas leis naturais nos processos que observam. Leis cético David H o m e concordou com isso (Letters o f
pelas quais algo opera hoje podem funcionar de for­ David Hume [Cartas de David Hunte], 1.187). É evi­
ma bem diferente da maneira em que funcionavam dente para a maioria dos seres racionais que tudo que
669 o rig e n s, c iê n c ia d a s

surge tem uma causa. Se isso não fosse verdade, as coi­ lança, cerâmica, retratos e sinfonias. Estamos tão con­
sas surgiriam e desapareceriam ao acaso, mas isso não vencidos pela prévia experiência repetida de que ape­
acontece. Na verdade, sem o princípio da causalidade, nas a inteligência produz esses tipos de efeitos que,
nenhuma ciência seria possível. quando vemos um único evento que se assemelhe a um
É importante observar que o princípio da causali­ desses tipos de efeitos, invariavelmente supomos uma
dade não afirma que tudo tem uma causa. Concorda­ causa inteligível para ele. Quando esbarramos na frase
mos com o ateu (v. a t e í s m o ) que, s e a matéria (energia) "João ama Maria” escritas na areia,jamais supomos que
é eterna e indestrutível, não precisa de uma causa. as ondas a fizeram. A questão é se a origem do primeiro
Apenas tudo o que começa — ou é contingente — tem organismo vivo (que não observamos) se deveu a uma
uma causa. Se um Ser é eterno e independente (quer causa secundária (natural) ou a uma causa inteligente
seja o universo quer seja Deus), não precisa de uma primária. A única maneira científica de determinar isso
causa. Causalidade aplica-se a coisas que surgem ; tudo é pela analogia com nossa experiência de qual tipo de
o que simplesmente existe é não-causado. causa regularmente produz esse tipo de efeito.
Uniformidade (analogia). Em term os gerais, o O princípio da uniformidade é um argumento ba­
princípio científico da uniformidade afirm a que “o seado na analogia. É uma tentativa de chegar ao des­
presente é a chave do passado”. Aplicado mais especi­ conhecido (passado) por meio do conhecido (presen­
ficamente à questão de causas passadas não-observa- te). Já que não temos acesso direto ao passado, pode­
das, o princípio da uniformidade (analogia) afirma mos “conhecê-lo” apenas poranalogias.com o presen­
que a causa de certos tipos de eventos agora teria pro­ te. É assim que a história hum ana,a história da terra e
duzido efeitos semelhantes no passado. Eventos pas­ a história da vida são reconstruídas. A geologia histó­
sados têm causas semelhantes às causas dos eventos rica, por exemplo, é totalmente dependente, como ci­
atuais. ência, do princípio da uniformidade. A não ser que
0 princípio da uniformidade deriva seu nome da possamos observar atualmente na natureza ou em la­
experiência uniforme na qual é baseado. Observação boratório certos tipos de causas produzindo certos ti­
repetida revela que certos tipos de causas regularmente pos de eventos, não podemos reconstruir validamente
produzem certos tipos de eventos. Por exemplo, água a história geológica. Mas já que podemos observar
fluindo sobre pequenas pedras gradativamente desgasta causas naturais produzindo esses tipos de efeitos hoje,
a superfície da pedra, tornando-a lisa e arredondada. podemos postular que causas naturais semelhantes
Vento na água produz ondas. Chuva forte na terra re­ produziram efeitos semelhantes no registro geológico
sulta em erosão, e assim por diante. Essas são causas r do passado. A arqueologia como ciência é possível ape­
naturais e secundárias. Seus efeitos são produzidos por nas porque supomos o princípio da uniformidade.
forças naturais cujos processos são parte observável da Certos tipos de instrum entos, arte ou escrita forne­
operação contínua do universo físico. cem consistentemente informações sobre os seres in­
Entretanto, o princípio da uniformidade não deve teligentes que os produziram. Até simples pontas de
ser confundido com uniformitarianismo. Este é a pres­ lança nos levam a afirm ar quais índios as produziram
suposição naturalista (v. n a t u r a l is m o ) equivocada de e quando. Elas podem ser diferenciadas de pedaços de
que todas as causas de eventos no mundo devem ser pedra moldados pelo vento ou pela água. Quando os
naturais. Isso é uma petição de princípio e é contrário restos do passado contêm escrita, arte, poesia ou m ú­
à melhor evidência da origem do universo (v. b k ; - b a x o ; sica, imediatamente insistimos em que vieram de se­
e v o l u ç ã o c ó s m i c a ; t e r m o d i n â m i c a , l e i s d a ) . Não h á razão res inteligentes.
para aceitar a premissa de que tudo que acontece na Portanto, se a evidência exige uma causa secundária
natureza foi causado pela natureza (v. n a t u r a l i s m o ; m i ­ ou primária, o princípio da uniformidade é a base. A não
l a g r e ) . Afinal, o mundo natural não causou a si m es­ ser que tenhamos tido uma conjunção constante de um
m o (v. COSMOLÓGICO, A R G U M E N T O ; /( A L A M , A R G U M E N T O certo tipo de causa com um certo tipo de efeito no pre­
cosMOLúGico).Até mentes finitas podem intervir o tem ­ sente, não temos base na qual aplicar o princípio a even­
po todo no mundo natural. Nada impede que uma tos passados conhecidos apenas por meio de restos.
Mente infinita faça o mesmo. 0 princípio da consistência. Todas as teorias devem
Além de causas secundárias, há causas prim ári­ ser consistentes. Qualquer que seja o modelo científi­
as. A inteligência é uma causa prim ária. E o princí­ co construído do passado, deve ser coerente ou não-
pio de uniformidade (baseado na conjunção cons­ contraditório com todos os outros elementos da posi­
tante) nos inform a que certos tipos de efeitos vêm ção científica da pessoa. Posições contraditórias de­
apenas de causas inteligentes; linguagem, pontas de vem ser rejeitadas. Não se pode afirmar que o universo
o rig e n s, c iê n c ia d a s
670

teve um princípio e não começou. E não se pode afir­ quando estes oferecem uma explicação natural para o
mar coerentemente que o cosmo foi criado e não foi primeiro ser vivo.
criado. A lei da não-contradição aplica-se a todos os Igualmente, a visão criacionista da origem do cos­
pontos de vista (v. l ó g i c a ; p r i m e i r o s p r i n c í p i o s ). mo é tão científica quanto a posição dos evolucionistas.
O princípio da abrangência. Além disso, explica­ Ambas usam a evidência científica no presente. E
ções científicas devem ser abrangentes. Um bom m o­ ambas usam o princípio da causalidade. O criacionista
delo explica abrangentem ente os fatos conhecidos. indica a evidência da segunda lei da termodinâmica
Anomalias persistirão, mas nenhum dado indiscutí­ ( v . t e r m o d i n â m i c a , l e i s d a ) que o universo está se des­
vel pode ser negligenciado na construção da teoria. gastando como evidência de que teve princípio, junto
Logo, sendo iguais todas as outras coisas, a posição com a outra evidência a favor da teoria do b i c - b a x g .
mais abrangente é considerada a melhor. Isso, associado ao princípio da causalidade, resulta na
Áreas diversas da ciência das origens. Agora que conclusão de que:
os princípios básicos da ciência das origens foram es­
tabelecidos, eles podem ser aplicados às três áreas 1. O cosmo teve princípio.
principais da origem: o princípio do universo, o sur­ 2. Tudo que começa tem uma causa.
gimento da primeira vida e o aparecimento de seres 3. Logo, o cosmos teve uma causa (v. kala m , ar ­
humanos (racionais). Em cada caso isso admite uma gum ento CO SM O LÓ G IC O ).
distinção entre ciência das origens e ciência operacio­
nal. Já existem nomes para distingui-las. Objeções à ciência das origens. Duas objeções
Ciência das básicas surgem repetidamente. A primeira diz respeito
Ciência
origens ao método científico; e a segunda à origem do modelo
operacional
Universo Cosm ogonia
_pientífico.
Cosm ogonia
Vida Biogenia
Naturalismo na abordagem científica. A essa altu­
Biologia
Seres humanos Antropogenia
ra, os evolucionistas freqüentemente objetam que a
Antropologia
abordagem criacionista não é científica porque apela
A evidência científica é apresentada em outro artigo para a causa sobrenatural. Os evolucionistas apenas
a favor da posição criacionista da cosmogonia (v. e v o l u ­ supõem causas naturais. Logo, a visão dos criacionistas
ção c ó sm ic a ) , biogenia ( v . e v o l u ç ã o e an tropogenia
q u ím ic a ) é desqualificada, mesmo como ciência das origens. Tal
(v. e v o l u ç ã o b i o l ó g i c a ) . Logo, s ó falta perguntar se a cria­ objeção é um caso clássico de petição de princípio.
ção é uma ciência. Quem disse que a ciência só pode permitir causas na­
Ciência da criação. A visão criacionista das origens turais para fenómenos no mundo natural? Essa m o­
pode ser tão científica quanto a visão evolucionista. A ção é inválida, pois elimina a criação por definição. É
crença de que existe um Criador inteligente do univer­ possível, pela mesma moção, exigir que haja apenas
so, da primeira vida e de novas formas de vida é tão causas sobrenaturais para todos os eventos e eliminar
científica quanto as visões naturalistas da teoria da todas as causas naturais por definição (v. m i l a g r e s , a r ­
macroevolução. Ambas são ciência das origens, não ci­ g u m e n t o s c o n t r a ) . É um a fo rm a de n a t u r a l i s m o

ência operacional. Ambas lidam com singularidades metodológico. Apesar de poder admitir a existência de
passadas. Ambas usam a abordagem forense ao recons­ uma esfera sobrenatural, insiste em que o método ci­
truir um cenário plausível do evento passado e não entífico deve permitir apenas causas naturais. Embo­
observado à luz da evidência que permanece no pre­ ra isso seja verd ad eiro com relação à c iê n c ia
sente. Ambas usam os princípios da causalidade e da operacional, não é o caso da ciência das origens.
analogia. Ambas buscam uma explicação dos dados. Eliminar a causa inteligente do mundo e da vida
Ambas, às vezes, apelam para uma causa primária (in­ como explicação científica é contrário à origem e à
teligente) a fim de explicar os dados. A arqueologia história primitiva da ciência. A maioria dos fundado­
supõe uma causa inteligente para a cerâmica. Os an­ res da ciência moderna eram criacionistas que acre­
tropólogos fazem o mesmo com instrumentos anti­ ditavam que a evidência científica indicava um Cria­
gos. Da mesma forma, quando os criacionistas vêem dor sobrenatural e inteligente do universo e da vida.
o mesmo tipo de complexidade específica num ani­ Redefinir a ciência de modo a eliminar a possibilida­
mal simples constituído de uma única célula, tal como de da causa inteligente é contrário ao início e caráter
o primeiro suposto ser vivo, eles também admitem próprios da ciência moderna.
uma causa inteligente para isso. Sua visão é tão espe­ A abordagem científica deve seguir a evidência,
cífica no procedimento quanto a dos evolucionistas mesmo que ela a leve a uma causa sobrenatural. Como
671 o rig e n s , c iê n c ia d as

seria científica uma abordagem que se recusa a con­ de ciência operacional, não das origens, já que a for­
cluir que existe o tipo de causa para a qual a evidência ma da terra está sujeita à verificação e à observação.
aponta? Será que um arqueólogo deve se recusar a acei­ A form a contínua da terra não está relacionada com
tar qualquer coisa que não seja uma causa natural para a questão da sua origem. Não há necessidade de per­
a arte que desenterra? m itir que a teoria da terra plana seja ensinada como
A única causa adequada para a origem da vida e do ciência, já que foi refutada cientificam ente. Isso pode
universo é a causa sobrenatural. Afinal, se — como toda ser aplicado a algumas teorias, mas a teoria da “ter­
evidência indica — todo o mundo natural teve um prin­ ra quadrada” é realm ente falsa. E não há razão para
cípio, a Causa deve estar além da natureza (v . k a l a m , a r ­ p erm itir que algo que foi refutado seja ensinado
g u m e n t o c o s m o l ó g i c o ) . Isso, por definição, é o sobrena­ como teoria científica legítim a.
tural. Baseada em que lógica a pessoa deixa de tirar uma Esse não é o caso da criação, já que ninguém refu­
conclusão lógica simplesmente porque quer supor uma tou realmente que uma causa inteligente do universo
definição estipuladora da “ciência” de forma a excluir e da vida é possível (v. D e u s , s u p o s t a s r e f u t a ç õ e s d e ) . Na
esse tipo de causa do âmbito científico? verdade, há mais evidência plausível para um Criador
M esmo que a pessoa in sista obstinadam ente, (v. c o s m o l ó g ic o , a r g u m e n t o ) e Arquiteto (v. t e l e o l ó g ic o ,
seja qual for a razão, em excluir todas as causas não- a r g u m e n t o ; a x t r ó p ic o , p r in c í p io ) do cosmo que para a

naturais da palavra ciência, isso não invalida as cau­ evolução naturalista (v . e v o l u ç ã o b io l ó g ic a ) .


sas sobrenaturais ou o estudo delas. Elas sim ples­ Criação e outras visões religiosas. Acredita-se que, se
m ente passam para outra área da busca in telectu ­ for permitida a entrada da visão bíblica da criação na
al, seja a “filosofia”, seja outra ciência qualquer. A ciência, as visões religiosas islâmica, budista, hindu e
ciência é sim plesm ente em pobrecida no cam inho outras também devem ser permitidas. Mas o criacio-
da própria busca pela verdade. Não há razão válida nismo científico não é um ponto de vista religioso; é uma
para excluir as explicações sobrenaturais do esfor­ visão científica que apela apenas para a evidência cien­
ço acadêm ico interessado em descobrir e ensinar a tífica a fim de apoiar suas conclusões. Só porque a idéia
verdade sobre nosso mundo. de uma visão científica vem de um livro religioso não
A origem de um modelo científico. Alguns adversári­ significa que a visão seja religiosa. Como mencionado
os da ciência das origens insistem em que o modelo da acima, a fonte de muitas teorias científicas foi religiosa,
criação é tirado de um documento religioso, a Bíblia, e mas a natureza da teoria não era. A implicação de que
a religião não tem lugar na ciência. Embora a pessoa permitir que a criação seja ensinada junto com a evolu­
possa alegar que ensinar a Bíblia numa aula de ciêfrcias ção daria margem a um número infinito de outras teo­
seja exercício religioso, essa alegação ignora uma dis­ rias da origem não procede. Basicamente, há duas ex­
tinção muito importante. A fonte de uma teoria cientí­ plicações dos eventos da origem: ou o universo teve uma
fica não tem nenhuma relação com sua validade. Algu­ causa inteligente ou uma causa não-inteligente. Ou a
mas descobertas científicas amplamente aceitas tiveram causa é natural ou sobrenatural. Todas as visões da ori­
fontes religiosas. Nikola Tesla (1856-1943) teve a idéia gem — budista, hindu, islâmica (v. b u d is m o ; h in d u ís m o ;

do motor de corrente alternada a partir de uma visão ou judeu-cristã — classificam-se numa des­
is l a m is .m o )

que teve ao ler o poeta panteísta Goethe. O modelo para sas duas categorias. Se a Causa do Universo é “Deus”, se
a molécula de benzeno foi concebido por Kekule após deve ser adorada ou como deve ser adorada são ques­
ter uma visão de uma cobra mordendo a própria cau­ tões religiosas e não estão incluídas na esfera de ação
da. Nenhum cientista rejeitaria essas descobertas cien­ da ciência das origens.
tíficas simplesmente por causa de sua fonte religiosa. A r is t ó t e l e s supôs um Motor Imóvel (uma Causa
Da mesma forma, ninguém deve rejeitar a idéia de um não observada), mas jam ais o considerou objeto de
Criador inteligente do universo e da vida simplesmente devoção religiosa. Era simplesmente uma explicação
porque a fonte é religiosa. A questão não é de onde a racional para o que ele observara no mundo.
idéia veio, mas se ela explica adequadamente os fatos. E
um Criador inteligente explica adequadamente a ori­ Fontes
gem do universo e da vida. F. B acon, N o v u m o r g a n w n .

Uma teoria de “terra plana”. Muitos que se opõem a P. D avis, e t a l . , O f p a n d a s a n d p e o p l e .

chamar a criação de visão científica insistem em que N . L . CtiSLLR, K n o w i n g t h e tr u th a b o u t c r e a t io n .

fazê-lo é abrir a porta para o ensinamento da “terra pla­ ____ , e t a l . , O r ig in S c ien c e ,

na” como ciência também. Mas claramente esse não é o D. H c m f , I n v e s t i g a ç ã o a c e r c a d o e n t e n d i m e n t o h u m a n o .

caso. Se a terra é quadrada ou esférica é uma questão ____ , T h e le t t e r s o f D a v i d H u m e .


O rr, Ja m e s 672

P. J o h n s o n , Reason in the balance. obra God's image [,4 imagem de Deus] (1905) enfatizou
J. P. M oreland, org., The creation hypothesis. a necessidade de reconhecer a criação sobrenatural da
___ , Creation and the nature o f science. alma humana. Em God’s image in man [A imagem de
C. T hoxton, The mystery o f life’s origin (Epílogo). Deus no homem] (1910), argumentou que a evolução
___ , The soul o f science. moral minava a seriedade da depravação humana.
A abordagem apologética de Orr era peculiar. Em
Orr, Jam es. Teólogo e apologista escocês (1844-1913). The progress ofdogtna [Oprogresso do dogma] (1901),
Estudou na Universidade de Glasgow e ministrou na opôs-se a Adolf Harnack (1851-1930) e seu ataque à
Igreja Presbiteriana Unida em Hawick (1874-1891). história do dogma, ao dem onstrar a lógica interna do
Lecionou na Faculdade Teológica Presbiteriana (1891-
desenvolvimento da ortodoxia. The virgin birth o f
1901) e daí em diante na Faculdade da Igreja Unida
Christ [O nascimento virginal de Cristo] (1907) (v. v i r ­
Livre em Glasgow. As obras de Orr foram muito lidas
C r i s t o , n a s c i m e n t o ) e Revelation and inspiration
g in a l d e
na Europa e América do Norte, Seu grande conheci­
[Revelação e inspiração] (1910) foram contribuições
mento, escrita prolífera e análise profunda o fizeram
significativas. Outra obra duradoura foi seu trabalho
estimado por evangélicos militantes durante a ascen­
de editar na International standard Bible encyclopedia
são do liberalism o clássico.
[Enciclopédia bíblica internacional padrão] (1 9 1 5 ).Orr
As primeiras obras sobre apologética de Orr fo­
também escreveu artigos para The fundamentais [Os
ram as mais duradouras. Christian view o f God and
fundamentos] (1910-1915), obra em doze volumes que
the world [A visão cristã de Deus e do mundo ] (1893)
defendia a teologia conservadora.
foi uma obra de referência universal até a década de
1950. Orr foi um dos primeiros críticos britânicos do
teólogo liberal Albrecht Ritschl (1822-1889) no seu The
Ritschlian theology and the evangelical faith [A teolo­ Fontes

gia de Ritschl e a fé evangélica] (1897). Defendeu a G. G. ScoRGit.A call for continuity: the theological
autoria mosaica essencial do Pentateuco (v. p e n t a t e u c o , contribution o f James Orr.
a u t o r i a m o s a i c a d o ) co n tra os ataq u es de Julius ___ , “Orr, Ja m e s’, em S. B. F e r g u s o n , et al.,
Wellhausen. Apesar de estar disposto a aceitar algu­ orgs., Sew dictionary of theology.
mas facetas da evolução biológica (v . e v o l u ç ã o ) , sua P. T o o n , The development o f doctrine in the church.
Pp
“pagãos”, salv ação dos. 0 destino dos que nunca Atos 10.35. Pedro falou sobre Deus a Cornélio, o
ouviram o evangelho, tradicionalm ente chamados gentio que nunca ouvira o evangelho, dizendo que
pagãos por missiólogos e apologistas, constitui um “de todas as nações aceita todo aquele que o teme e
problem a para a benevolência de Deus. Se Deus é faz o que é ju sto ” (At 1 0 .3 5 ). O texto indica que
completamente bom, então como pode enviar para Cornélio era “temente a Deus” (v. 2) e foi aceito por
o inferno pessoas que nunca ouviram sobre Jesus e ele, apesar de ainda não ter ouvido a mensagem cristã.
sobre como serem salvas? Alguns estim am que no Atos 19.2-6. Esse texto menciona crentes que fo­
final do século xx cerca de m etade dos m ais de 6 ram salvos muitos anos depois da época de Cristo,
bilhões de pessoas nunca ouviram o evangelho. Mui­ apesar de não terem recebido o Espírito Santo. Pau­
tos m ais “ouviram ”, por assim dizer, o evangelho, lo perguntou-lhes: “Vocês receberam o Espírito Santo
mas jam ais receberam qualquer instrução signifi­ quando creram ?” Eles responderam : Não, nem se­
cativa sobre Cristo. quer ouvim os que existe o Espírito Santo”. Então
Duas respostas a esse problema são oferecidas. Paulo declarou a verdade a eles, e “ouvindo isso, eles
Alguns acreditam que os pagãos podem ser salvos
foram batizados no nome do Senhor Jesus” (At 19.5).
sem o evangelho se responderem à luz da revelação
Mas foram cham ados “d iscípulos” (crentes) antes
geral. Outros acreditam que Deus dá a verdade do
de Paulo pregar para eles (v. 1).
evangelho por revelação especial aos que realmente
Romanos 2.6,7. Paulo declarou que Deus “retri­
o buscam.
buirá a cada um conforme o seu procedimento”. Ele
Salvação na revelação g e r a l Os que acreditam
dará vida eterna aos que, persistindo em fazer o bem,
que o pecador pode ser salvo sem ouvir que Jesus
buscam glória, honra e imortalidade (Rm 2.6,7). Isso
morreu pelos seus pecados e ressuscitou dos m or­
está no contexto de “os gentios, que não têm a lei”
tos (IC o 15.1-5) raciocinam da seguinte maneira:
(2.14), isto é, pagãos. Mas isso significaria que os
O amor e a justiça de Deus. A Bíblia afirma que
pagãos podem receber a “vida eterna” sem a revela­
Deus é justo (SI 33.5). Ele não faz acepção de pessoas.
Pois “em Deus não há parcialidade” (Rm 2.11). Abraão ção especial por meio da lei de Deus.

declarou: “Não agirá com ju stiça o Juiz de toda a Gálatas 3.8. Segundo Paulo, “Prevendo a Escritu­
terra?” (Gn 18.25). Além disso, Deus é benevolente. ra que Deus justificaria os gentios pela fé, anunciou
Ele ama o mundo inteiro e enviou seu único Filho primeiro as boas novas a Abraão: ‘Por meio de você
para morrer por ele (Jo 3.16). Pois: todas as nações serão abençoadas’” (G1 3.8). Mas o
“evangelho” que Abraão ouviu não tinha o conteúdo
0 Senhor não demora em cumprir a sua promessa, como explícito de que Cristo, o Filho de Deus, m orreu e
julgam alguns. Ao contrário ele é paciente com vocês, não que­ ressuscitou dos mortos. Pois quando Abraão creu, o
rendo que ninguém pereça, mas que todos cheguem ao arre­ texto simplesmente diz: “Levando-o para fora da ten­
pendimento (2Pe 3.9). da disse-lhe: ‘Olhe para o céu e conte as estrelas, se é
que pode contá-las? E prosseguiu: ‘A ssim será a sua
Argumentando com base nos atributos do amor descendência” (Gn 15.5).
e justiça, alguns apologistas cristãos insistem que tal Hebreus 11.6. Segundo esse versículo, “quem dele
Deus não condenaria os que nunca ouviram o evan­ se aproxima precisa crer que ele existe e que recom ­
gelho de Cristo. Eles oferecem algumas passagens pensa aqueles que o buscam” (Hb 11.6). Isso parece
para apoiar sua posição: incluir os que nunca ouviram o evangelho.
“p a g ã o s ” , s a l v a ç ã o d o s 674

Apocalipse 14.6. João, o apóstolo, disse: “Então vi ou quem lhe deu os sapatos. Logo, todos os versículos
outro anjo, que voava pelo céu e tinha na mão o que indicam que a morte e a ressurreição de Cristo
evangelho eterno para proclam ar aos que habitam foram necessárias para salvação são considerados
na terra, a toda nação, tribo, língua e povo” (Ap 14.6). referências ao fato da morte de Cristo, não ao conhe­
Se o evangelho pelo qual foram salvos é eterno, en­ cimento explícito desse fato.
tão foi o mesmo proclamado no a t . 0 texto seguinte Salvação p o r m eio de Cristo. A posição ortodo­
indica que esse texto não tinha o mesmo conteúdo xa tradicional de Martinho Lutero e João Calvino e
que o evangelho do n t (IC o 15.1-5). Porém as pesso­ seus discípulos era que a salvação não é possível
as foram salvas por crerem nas boas novas de que sem a crença na morte e ressurreição de Cristo, pelo
Deus é o Deus da graça. menos desde a época de Cristo.
Jonas 3.1-5. O at relata uma história explícita de Salvação pelo conhecimento de Cristo. A posição
com o pagãos foram salvos — pelo menos da des­ ortodoxa tradicional de que a salvação só se dá por
truição física. O profeta judeu Jonas recebeu ordem meio do conhecimento de Cristo cria um problema
de ir a Nínive (Assíria) e proclam ar: Daqui a qua­ ainda mais sério quanto à justiça e benevolência de
renta dias Nínive será destruída”. Então,“os ninivitas Deus com relação ao destino dos que nunca ouvi­
creram em Deus. Proclam aram um jeju m , e todos ram. No entanto, há muitas passagens nas Escrituras
eles, do m aior ao m enor, vestiram -se de pano de que indicam isso.
saco”(Jn 3.4,5). E “Tendo em vista o que eles fizeram Atos 4.12. Os apóstolos declararam que “não há
e como abandonaram os seus maus caminhos, Deus salvação em nenhum outro, pois, debaixo não há ne­
se arrependeu e não os destruiu” (Jn 3.10). Mais tar­ nhum outro nome dado aos homens, pelo devamos
de Jonas disse sobre sua conversão: “Eu sabia que tu ser salvos”. Já que há referência explícita ao “nome” de
és Deus m isericordioso e com passivo, muitff paci­ Cristo, é difícil acreditar que o conhecimento explíci­
ente, cheio de am or e que prom etes castigar mas to de Cristo não seja exigido como condição de salva­
depois te arrependes” (Jn 4.2). ção. Não é apenas o fato de Cristo, mas o nome de
Não há indicação de que o conteúdo da m ensa­ Cristo que é necessário para salvação.
gem fosse mais que a crença num Deus gracioso que Romanos 10.9. Paulo insiste que,“Se você confes­
perdoa os que abandonam seus pecados e voltam -se sar com a sua boca que Jesus é Senhor e crer em seu
para ele pela fé. coração que Deus o ressuscitou dentre os m ortos,
Salmos 19.1-4. O próprio céu proclam a o evange­ será salvo”. Romanos 10.9 parece exigir que a con­
lho, de acordo com o salmo 19: fissão do próprio nome de “Jesus” seja necessária
para a salvação.
Os céus declaram a glória de Deus; o firmamento procla­ Romanos 10.13-14.0 apóstolo continua, acrescen­
ma a obra das suas mãos. Um dia fala disso a outro dia; uma tando: “Todo aquele que invocar o nome do Senhor
noite o revela a outra noite. Sem discurso nem palavras, não se será salvo”. Como, pois, invocarão aquele em quem
Ouve a sua voz. Mas a sua voz ressoa por toda a terra, e as suas não creram ? E com o crerão naquele de quem não
palavras, até os confins do mundo. ouviram falar? E com o ouvirão, se não houver que
pregue? A ênfase do fato de o incrédulo ter de “invo­
Essa passagem parece ensinar que todos, em todo car” Cristo e de precisar “ouvir” o evangelho de al­
o lugar, já ouviram o “evangelho” da criação pelo guém que “pregue” para ele parece eliminar a possibi­
qual podem ser salvos. Por incrível que pareça, essa é lidade de alguém ser salvo hoje sem ouvir o evangelho
a m esm a passagem m encionada por Paulo quando de Cristo.
diz que ninguém pode ouvir sem um pregador (Rm João 3.18. O próprio Jesus disse enfaticamente:
10.14,18). “Quem nele crê não é condenado, mas quem não cré
Uma distinção importante. Todos os evangélicos já está condenado, por não crer no nome do Filho
acreditam que era necessário que Cristo m orresse e U nigénito de D eus” . A fé exp lícita “no nom e do
ressuscitasse para que qualquer pessoa seja salva. Os unigénito Filho de Deus” é colocada como a condi­
que acreditam que a salvação pode ser obtida por ção da salvação.
m eio da revelação geral insistem , no entanto, em João 3.36. Esta passagem é dara: “Quem crê no
que não é necessário conhecer esse fato. Eles m os­ Filho tem a vida eterna; já quem rejeita o Filho não
tram que uma pessoa poderia receber um par de verá a vida, mas a ira de Deus permanece sobre ele’
sapatos novos de presente de um benfeitor anôni­ Isso parece indicar claram ente o conhecim ento do
mo sem saber qual animal morreu para dar o couro “Filho” (Cristo) necessário à salvação.
675 “p a g ã o s ” , s a lv a ç ã o d o s

João 10.9,11,14. Jesus declarou: recom pensa aqueles que o buscam ”. Apesar de a
referência ser ao conhecim ento de Deus, não de Cris­
Eu sou a porta; quem entra por mim será salvo. Entrará e to, um inclui o outro. Já que o contexto menciona os
sairá,e encontrará pastagem [...] Eu sou o bom pastor. 0 bom santos do a t , não os crentes do n t , é compreensível
pastor da a sua vida pelas ovelhas [...] Eu sou o bom pastor; que a afirmação mais ampla sobre o conhecim ento
conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem. explícito de Cristo não tenha sido incluída. É uma
afirm ação da exigência m ínim a para ser salvo em
0 fato de as ovelhas (crentes) precisarem “co­ qualquer época. Não exclui a crença em Cristo como
nhecer” a Cristo e “entrar” pela porta indica que um exigência explícita para a salvação.
conhecim ento explícito de Cristo é necessário para Gaiatas 3.8. Os proponentes da revelação especi­
salvação. al respondem de duas m aneiras a essa passagem .
1 João 5.10-13. João repete a m esm a verdade: Alguns acreditam que mesmo na época do a t o s san­
tos tinham algum conhecim ento da vinda de Cristo.
Quem não crê em Deus o faz mentiroso, por que não crê no Paulo disse que o “descendente” de Abraão era Cris­
testemunho que Deus dá acerca de seu Filho. E este é o testemu­ to (G1 3.16). Jesus disse aos judeus: “Abraão, pai de
nho: Deus m s deu a vida eterna, e essa vida está em seu Filho. vocês, regozijou-se por que veria o meu dia; ele o viu
Quem tem o Filho, tem a vida; quem não tem o filho de Deus, e alegrou-se” (Jo 8.56). Isso pode indicar que Abraão
não tem a vida. Escrevi-lhes estas coisas, a vocês que crêem no conhecia a Cristo pessoalm ente (talvez como o Anjo
nome do Filho de Deus, para que vocês saibam que têm a vida do S e n h o r ) . Outros proponentes sim plesmente acre­
eterna. ditam que Gálatas 3.8 descreve o conteúdo mínimo
(separad o do conh ecim ento explícito da m orte e
As palavras destacadas deixam claro que João ressurreição de Cristo) necessário para salvação no
está ensinando que o conhecim ento explícito de Cris­ a t . O conteúdo do que Abraão acreditava foi clara­

to é necessário para a salvação. m ente descrito no a t (Gn 15.5,6) e não dizia nada
Uma resposta aos revelacionistas gerais. Os de­ sobre a m orte e a ressurreição de Cristo, apenas que
fensores da s a l v a ç ã o a p e n a s m e d i a n t e a revelação a descendência de Abraão seria tão numerosa quanto
e s p e c ia l e s t ã o bem cientes dos textos usados com o as estrelas do céu.
c o m p r o v a ç ã o pelos que acreditam que a salvação Apocalipse 14.6. A referência de João ao evange­
dos p a g ã o s é somente por meio da revelação g e r a l . lho eterno, sem levar em consideração o que a ex­
Atos 10.35. Duas coisas geralmente são m encio­ pressão queira dizer, não apóia a posição de que a
nadas sobre o caso de Cornélio. Prim eiro, Cornélio é salvação dos “pagãos” é baseada apenas na revelação
prova de que os que buscam a Deus em vista da luz geral. Essa mensagem veio a eles por meio da revela­
que têm, receberão a revelação especial pela qual ção especial. Deus enviou um anjo para pregá-la.
podem conhecer a Cristo. Afinal, o objetivo da his­ Além disso, o conteúdo desse evangelho era sobre
tória é m ostrar que Deus enviou Pedro com a revela­ os que creram no “Cordeiro” e “foram com prados”
ção especial e que Cornélio só se tornou cristão de­ por seu sangue (Ap 1 4 .1 ,4 ). O fato de o evangelho ser
pois de ouvir e crer nessa revelação especial. Alguns eterno não deve significar nada além de que Cristo
indicam que o livro de Atos cobre o período de tran­ era o “Cordeiro que foi m orto desde a criação do
sição entre o a t e o n t , durante o qual os que eram mundo” (Ap 13.8). Certamente não há indicação de
salvos recebiam a luz de Cristo pela qual podiam que João esteja falando sobre um “evangelho eterno”
tornar-se cristãos. Cornélio pode encaixar-se nessa conhecido apenas pela revelação geral.
categoria. Jonas 3.1-5. Os santos do a t não tinham necessa­
Atos 19.2-6. Essa passagem é sobre os discípulos riamente o mesmo conhecim ento exigido para a sal­
de João Batista que ainda não tinham ouvido falar vação que os do n t . A doutrina da r e v e l a ç ã o p r o g r e s ­
sobre a vinda do Espírito Santo. Isso não está relaci­ siv a indica que Deus desvendou progressivam ente
onado a nunca terem ouvido o evangelho. 0 episó­ seu plano na terra ao dar mais e mais revelação até a
dio ilustra a natureza transitória da época, durante a revelação total e final, em Cristo (Hb 1.1,2).
qual os que ainda não tinham escutado a mensagem Salmos 19.1,2. 0 salmista não está falando da re­
cristã (ou a mensagem com pleta) eram salvos com velação especial de Deus, mas das revelações gerais
base na revelação especial que haviam recebido. feitas por meio dos “céus”, que são “obras das suas
Hebreus 11.6. De acordo com este texto: “Quem mãos [criadoras]”. Ele não está falando da cruz, que
dele se aproxima precisa crer que ele existe e que é a obra do amor redentor de Deus (Rm 10.14, 18).
“p a g ã o s ” , s a lv a ç ã o d o s 676

De acordo com Romanos, a revelação geral nos infor­ Deus e os homens: o homem Cristo Jesus ( lTm 2.5).
ma sobre “o seu [de Deus] eterno poder e sua nature­ Além disso, o autor de Hebreus concordou com essa
za divina” (Rm 1.20). isso é suficiente para condena­ posição, afirmando que, “Mas agora que ele [Cristo]
ção, já que torna todos os homens “indesculpáveis” apareceu uma vez por todas no fim dos tempos, para
(ibid.), mas não para a salvação. aniquilar o pecado mediante o sacrifício de si m es­
Romanos 2.6,7. Esse texto não afirma que os pa­ mo” (Hb 9.26).
gãos são salvos pela revelação geral, mas apenas os
que “buscam [...] im ortalidade”. Mais tarde Paulo Mas quando este sacerdote [Cristo] acabou de oferecer,
disse que não somente Cristo “tornou inoperante a para sempre, um único sacrifício pelos pecados, assentou-se à
m orte e trouxe à luz a vida e a im ortalidade por direita de Deus [... ] Por que, por meio de um único sacrifício,
meio do evangelho” (2Tm 1.10). A revelação geral e ele aperfeiçoou para sempre os que estão sendo santificados
outros meios são parte da “bondade de Deus [que] (Hb 10.12,14).
leva ao arrependimento” (v. 4). Os que respondem à
luz da revelação geral recebem revelação especial Literalm ente, “não há salvação em nenhum ou­
pela qual podem ser salvos. tro, pois debaixo do céu não há nenhum outro nome
Uma defesa da ju stiça de Deus. Mas é justo Deus dado aos hom ens pelo qual devamos ser salvos” (At
m andar para o inferno pessoas que nunca ouviram 4.12).
o único evangelho pelo qual poderiam ser salvas? Na É justo condenar aqueles que não ouviram? Sim, é
verdade essa questão abrange várias perguntas numa ju sto condenar os que não receberam a revelação
só. Elas serão divididas e analisadas uma a uma. especial de Deus. Inicialmente, por meio da revela­
Os pagãos estão perdidos? A resposta bíblica a ção geral eles conhecem “seu eterno poder e sua na­
essa pergunta é clara: Todos os seres humanos nas­ tureza divina” (Rm 1.20). Estão cientes de que ele
cem em pecado (SI 51.5) e são “por natureza mere­ “fez o céu, a terra, o mar e tudo o que neles há” (At
cedores da ira” (E f 2.3). Pois 14.15). Estão cientes de que Deus “não ficou sem
testemunho: mostrou sua bondade, dando-lhes chu­
... da mesma forma como o pecado entrou no mundo por va do céu e colheita no tempo certo” (At 14.17). Ape­
um homem, e pelo pecado a morte, assim também a morte veio sar de não terem a Lei de Moisés,
a todos os homens, porque todos pecaram (Rm 5.12).
Todo aquele que pecar sem a lei, sem a também percerá
Referindo-se explicitam ente aos pagãos que só [... ] De fato, quando os gentios, que não tèm a lei, praticam
têm a revelação geral, o apóstolo Paulo declarou: naturalmente o que ela ordena, tornam-se lei para si mesmos,
embora não possuam a lei [de Moisés]; pois mostram que as
Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de exigências da lei estão gravadas e seu coração (Rm 2.12-15).
Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos
claramente, sendo compreendidos por meio das coisas cria­ Apesar de Deus ter-se revelado aos pagãos por
das, de forma que tais homens são indesculpáveis (Rm 1.20). m eio da criação e da con sciên cia, a hum anidade
pecadora rejeitou universalmente essa luz. Logo, Deus
Da m esma forma, acrescenta: “Todo aquele que não é obrigado a dar-lhes mais luz, já que rejeitaram
pecar sem a lei, sem a lei tam bém perecerá, e todo a luz que tèm. Na verdade, apesar de terem a luz, “a
aquele que pecar sob a lei, pela lei será julgado” (Rm. ira de Deus se revela dos céus contra toda impieda­
2.12). Assim, resumindo sua conclusão da passagem de e injustiça dos hom ens que suprimem a verdade
inteira, Paulo declara que “não há distinção, pois to­ pela injustiça” (Rm 1.18). Uma pessoa perdida no
dos pecaram e estão destituídos da glória de Deus” escuro de uma floresta densa que procura um pou­
(Rm 3.22,23). Sim, rebeldes pecadores contra Deus co de luz deve ir em direção a ela. Se essa pessoa se
perm anecem perdidos e separados do conhecim ento afasta da pouca luz e fica eternam ente perdida nas
de Cristo. trevas, ela só pode culpar a si mesma. As Escrituras
Há salvação sem Cristo? Todos os cristãos orto­ dizem: “Este é o julgam ento: a luz veio ao mundo,
doxos concordam que não há salvação sem a obra mas os hom ens amaram as trevas, e não a luz, por­
redentora de Cristo. Jesus disse: “Eu sou o caminho, que as suas obras eram más” (Jo 3.19).
a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, a não ser Se o incrédulo realm ente buscasse a Deus por
por m im ” (Jo 14.6). O apóstolo Paulo acrescentou: meio da revelação geral, Deus providenciaria a re­
“Porquanto há um só Deus e um só mediador entre velação esp ecial su ficien te para a salvação dele.
677 “p a g ã o s ” , s a lv a ç ã o d o s

Depois que Deus levou Pedro ao gentio Cornélio, o povos e línguas, em pé, diante do trono e do Cordei­
apóstolo declarou: “Agora percebo verdadeiram en­ ro” (Ap. 7.9 a ). Na verdade, apesar da porcentagem
te que Deus não trata as pessoas com parcialidade, variar, pareceria estranho se não houvesse ninguém
mas de todas a nações aceita todo aquele que o teme de um país que desejasse ser salvo (assim como se­
e faz o que é justo” (At 10.34,35). O autor de Hebreus ria estranho que todas as pessoas de outro país qui­
nos diz que aqueles que procuram encontram. “Deus sessem ser salvas). As pessoas têm livre-arbítrio, e o
[...] recompensa aqueles que o buscam” (Hb 11.6). livre-arbítrio é exercitado livremente. Alguns acre­
Deus tem vários caminhos à sua disposição por ditarão, outros não.
meio dos quais pode levar a verdade do evangelho Existe a segunda chance? Alguns apologistas cris­
às almas perdidas. O meio mais comum são os pre­ tãos e muitas seitas acreditam que Deus dará uma
gadores do evangelho (Rm 10.14,15), seja pessoal­ segunda chance depois da m orte para os que nunca
mente, seja pelo rádio, tv ou alguma gravação. Numa ouviram o evangelho. Os cristãos ortodoxos re je i­
determinada ocasião Deus usará um anjo para pre­ tam isso. A Bíblia declara: “Da mesma forma, como
gar o evangelho “a toda nação, tribo, língua, e povo” o homem está destinado a m orrer uma só vez e de­
(Ap 14.6). Muitas pessoas já receberam uma Bíblia, pois disso enfrentar o juizo” (Hb 9.2 7 ). A urgência
leram -na e foram salvas. Outras foram salvas medi­ com que as Escrituras instam sobre tom ar uma de­
ante literatu ra evangélica. Não podem os saber se cisão agora nesta vida (Pv 29.1; Jo 8.24; Hb 3.7-13). O
Deus transm itiu revelação especial por meio de vi­ texto de 2 Pedro 3.9 é forte evidência de que não há
sões, sonhos ou outras maneiras milagrosas. A ver­ segunda chance. 0 fato de as pessoas irem im ediata­
dade é que Deus está mais interessado em que que m ente para o céu ou para o inferno (Lc 16.19-31;
2Co 5.8; Ap 19.20) indica que a decisão deve ser to­
todos sejam salvos do que nós estamos. Pois “O Se­
mada nesta vida. Já que Deus tem tantas maneiras de
nhor não demora em cumprir a sua promessa, como
se revelar aos incrédulos antes da morte, é desneces­
julgam alguns. Ao contrário, ele é paciente com vocês,
sário que o faça depois que m orrem . A crença na
não querendo que ninguém pereça, mas que todos
segunda chance solapa a ordem de fazer m issões.
cheguem ao arrependimento” (2Pe 3.9). A justiça de
Para que haver a Grande Comissão (M t 28.1 8 -2 0 ), se
Deus exige que ele condene todos os pecadores, mas
as pessoas podem ser salvas sem receber a Cristo
seu amor o compele a salvar a todos os que, por sua
nesta vida?
graça, crêem . Porque “todo aquele que invocar o
Interpretações das Escrituras usadas para apoiar
nome do Senhor será salvo” (Rm 10.13).
a segunda chance de salvação são, na melhor das hi­
É importante lembrar uma coisa. Enviar pessoas
póteses, muito polêmicas (e.g. IPe 3 .1 8 ,1 9 ).Textos cla­
que nunca ouviram para o inferno não é inju sto.
ros ensinam que o inferno aguarda os incrédulos. Não
Pensar assim é o mesmo que afirm ar que não é certo
há evidência real de que Deus dará segunda chance
um indivíduo m orrer de uma doença para a qual há
para alguém ser salvo após a morte. Jesus disse: “Eu
uma cura que ele não conhece. A questão crucial é
lhes disse que vocês m orrerão em seus pecados. Se
como a pessoa contraiu a doença, não se ela ouviu
vocês não crerem que Eu Sou [quem afirmo ser] de
falar da cura. Além disso, se a pessoa não deseja saber
fato morrerão em seus pecados” (Jo 8.24).
se há uma cura nem fazer o que é necessário para ser
curada, com certeza será considerada culpada.
Fontes
Pessoas de todas as nações serão salvas? Os que M . B ronson, Destiny o f the heathen.
rejeitam a posição de que a revelação especial seja
J. H. G e r s t n e r , “ H eath en ” , e m Baker's dictionary o f
necessária para a salvação geralm ente indicam os
theology.
países não-cristãos. E a China, a índia, a África e M . L utero e D. E rasmo, Free will and salvation.
muitos países que eram comunistas? Certamente não E. D. O s b u r n , “ T h o se w h o h av e n ev er h e ard : h av e
é justo ter no céu tantos dos países ocidentais e tão th ey n o h o p e ? ” , iets .
poucos das terras orientais. S. P fu r t n e r, L uther and Aquinas on sal ration.
Não há razão para a porcentagem de pessoas sal­ F. P i e p e r , Salvation only by faith in Christ.
vas ser a mesma em todos os países. A quantidade de C. P i n n o c k M wideness in God’s mercy.
salvos dependerá de quem crê, e isso varia de lugar I. R am sey, “ H isto ry a n d t h e G o sp e ls: so m e
para lugar. Assim como na agricultura e na pesca, al­ p h ilo so p h ic a l r e fle c tio n s” , SE.
gumas áreas são mais férteis que outras. As E scritu ­ J. O . S a n d e r s , Mo w lost are the heathen ?
ras garantem que haverá “grand e m u ltid ão que J. S a n d e r s , N o o t h e r n a m e .
ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, R. Wolff, Thefinal destiny o f heathen.
P a in e , T h o m a s 678

P a in e , T h o m a s . Entre os deístas ( v . d e í s m o ) m ais rejeitava todas as afirmações de revelação verbal ou


m ilita n te s do p rin cíp io da h istó ria dos Estados escrita de Deus. Todas essas crenças eram “inven­
Unidos da A m érica (1 7 3 7 -1 8 0 9 ). Suas obras p o lí­ ções humanas, estabelecidas para am edrontar e es­
tica s, tais com o Comnwn sense [Senso com um ] cravizar a humanidade, e monopolizar o poder e o
1776) e T h e rights o f man [Direitos do hom em ] lucro” (ibid., p. 6). A “religião revelada” pela qual ti­
(1 7 9 1 -1 7 9 2 ), foram m uito influenciadas por suas nha o m aior desprezo era o cristianism o. Ele resu­
crenças deístas. O p ensam ento de Paine influen­ miu seus sentimentos:
ciou as revoluções am ericana e francesa. Mas sua
im p o rtân cia não term in a aí. Na obra The age o f De todos os sistemas de religião que foram inventados,
reason [O século da razão] (1 7 9 4 -1 7 9 5 ), Paine es­ não há nenhum mais depreciativo para o Todo-Poderoso, mais
tabeleceu sua defesa do deísm o de form a que fo s­ destnitivo para o homem, mais repugnante para a razão, e mais
se inteligível para todas as pessoas. Por acreditar contraditório em si, que essa coisa chamada cristianismo.
que o rep u blicanism o e o igualitarism o estavam Absurdo demais para acreditar, impossível demais para con­
am eaçad os pelos líderes e cle siá stico s, P aine e s­ vencer, e inconsistente demais para praticar; torna o coração
creveu The age o f reason para d estru ir tod as as insensível, ou produz apenas ateus e fanáticos. Como máqui­
afirmações de revelação sobrenatural e, assim, desa­ na de poder, serve ao propósito do despotismo; e.como meio
creditar o clero (Morias, p. 120-2). de enriquecimento, à avareza dos sacerdotes; mas até agora,
Visão d e Deus. “Acredito em um Deus, e em ne­ com relação ao bem do homem em geral, não leva a nada aqui
nhum outro”, escreveu Paine. Como os teístas (v. nem no além (ibid.,p. 150).
t e í s m o ) , Paine acreditava que o Deus único era oni­

potente, onisciente, bondoso, infinito, m isericordi­ “A única religião”, acrescentou Paine, “que não
oso, justo e inapreensível ( Complete works o f Thomas foi inventada, e que tem em si toda evidência de
Paine [As obras completas de Thomas Paine] p. 5, 26, originalidade divina, é o deísmo puro e simples”. Na
27, 201). Mas, ao contrário dos teístas, Paine acredi­ verdade, o deísmo “deve ter sido a prim eira, e pro­
tava que a única m aneira de d escobrir tal Deus é vavelm ente será a últim a [religião] na qual o ho­
“pelo exercício da razão”. Ele rejeitava todas as for­ mem crerá” (ibid.).
mas de revelação sobrenatural, acreditando que eram Criação. Paine acreditava que o universo foi cri­
incognoscíveis. Afirmou que “revelação aplicada à ado por Deus e é sustentado por ele. Deus criou “m i­
religião significa algo com unicado im ediatam ente lhões de mundos” e são todos habitados por criatu­
por Deus ao hom em”. Conseqüentemente, rejeitava ras inteligentes que “desfrutam das mesmas oportu­
até que revelações a outras pessoas tivessem autori­ nidades de conhecim ento que nós” . Uma razão de
dade prescritiva. O que foi revelado a alguém foi Deus ter criado todos esses mundos era para que a
revelado àquela pessoa apenas. Era um rumor para “gratidão devocional” e a “admiração” das suas cria­
qualquer outra pessoa, e, conseqüentem ente, ela não turas tosse evocada em sua contem plação desses
era obrigada a acreditar nele (ibid., p. 26, 7). Logo, mundos (ibid., p. 46-7).
apesar da afirmação de que “nenhum homem nega­ “ a p a l a v r a d e d e u s é a c r ia ç ã o q u e v e m o s : E é nessa
rá ou desafiará o poder do Todo-Poderoso de fazer palavra , que nenhuma invenção humana pode falsi­
tal com unicação, se ele desejar”, tal revelação só po­ ficar ou alterar, que Deus fala universalmente ao ho­
deria ser cognoscível à pessoa que a recebeu direta­ mem.” (v. r e v e l a ç ã o g e r a l ) . O universo revela tudo o
mente de Deus (ibid.). que é necessário saber sobre Deus. Por m eio dele
Paine tam bém argumentou que a revelação so­ podemos saber que Deus existe, como ele é e o que
brenatural (v. r e v e l a ç ã o e s p e c i a l ) era impossível, dada espera (ibid., p. 2 4 ,2 6 ,3 0 9 ; grifo de Paine).
a inadequação da linguagem humana para transm i­ O universo revela a existên cia de Deus. É evi­
ti-la. A revelação de Deus deve ser absolutam ente d en te que as co isa s que co n stitu em o universo
“imutável e universal” (ibid., p. 25). A linguagem hu­ não poderiam ter-se criado (v. c o s .m o l ó g i c o , a r g u ­
mana não poderia ser o meio para essa com unica­ m e n t o ) . Deve haver “a prim eira causa eternam en­
ção. As mudanças no significado das palavras, a ne­ te existen te, de natureza totalm ente d iferente de
cessidade de tradução para outras línguas, os erros qualqu er existên cia m aterial que con h ecem o s, e
de tradutores, copistas e impressores, e a possibili­ pelo poder da qual todas as coisas existem ; e essa
dade de alteração proposital, todos dem onstram que prim eira causa, o hom em cham a de Deus” (ibid.,
nenhuma linguagem humana pode ser o veículo da p. 26; cf. 28). Paine tam bém argum entou com base
Palavra de Deus (ibid., p. 19; cf. 55-6). Assim, Paine no m o v im e n to . Com o o u n iv erso c o n s is te em
679 P a in e , T h o m a s

m atéria que não pode se mover, a origem da ro ta­ P aine acred itav a que as p essoas m o ralm en te
ção dos planetas é im possível a não ser que exista boas seriam felizes no pós-vida e as pessoas moral­
um a p rim eira cau sa e xtern a que os coloco u em mente perversas seriam punidas. As que não fossem
m ovim en to. E ssa P rim eira Causa deve ser Deus particularm ente boas ou ím pias, mas m oralm ente
(A lb rid ge, 6 .1 7 ). Ele tam b ém arg u m en to u com indiferentes, seriam “com pletam ente aniquiladas”
base na estrutura (v. t e l e o l ó g i c o , a r g u m e n t o ) . Como (Complete works, p. 5 ,5 6 ).
a “obra das m ãos do hom em é prova da existência Mal. Paine não tenta em m om ento algum conci­
do hom em ”, e com o o relógio é “evidência p o siti­ liar a presença do m al com o conceito de Deus (v.
va da existên cia de um relojoeiro”, então “da m es­ m a l , p r o b l e m a d o ) . Na verdade, o único m al, ele até

m a form a a criação é evidência para a n ossa ra ­ parecia notar, era o mal causado pela injustiça social
zão e nossos sen tid os da e xistên cia de um C ria­ e o mal causado pela “religião revelada”. O primeiro
dor” ( Complete works, p. 3 1 0 ). O m undo tam bém podia ser tratado em grande parte no nível político.
revela com o Deus é: O segundo, que compunha a maior espécie de mal,
podia ser mais bem prevenido pela inadm issão “de
Queremos contemplar Seu poder? Nós o vemos na qualquer outra revelação além da manifesta no livro
imensidão da sua criação. Queremos contemplar sua sabedo­ da criação” e pela consideração de qualquer outra
ria? Nós a vemos na ordem imutável pela qual o todo incom­ suposta “palavra de Deus” com o “fábula e im posi­
preensível é governado. Queremos contemplar sua prodigali­ ção” (ibid., p. 37).
dade? Nós a vemos na abundância com que enche a terra. Que­ Ética. Paine resumiu o coração das suas convic­
remos contemplar Sua misericórdia? Nós a vemos no fato de ções éticas da seguinte maneira:
ele não reter essa abundância nem dos ingratos. Queremos con­
templar sua vontade com relação ao homem? A bondade que ... a bondade moral e beneficência de Deus manifestas na
demonstra a todos é uma lição para nossa conduta uns para criação para com todas as suas criaturas; que, vendo, como
com os outros (ibid., p. 201). vemos diariamente, a bondade de Deus a todos os homens, é
um exemplo que chama todos os homens a praticar o mesmo
Tudo o que a pessoa precisa saber está disponí­ uns para com os outros; e, conseqüentemente, que qualquer
vel à hum anidade pela consulta da “escritu ra ch a­ perseguição, e vingança entre homem e homem, e toda cruel­
mada Criação” (ibid.). dade aos animais é uma violação do dever moral (ibid., p. 56).
Seres humanos. Segundo Paine, o ser humano é
um ser racional, pessoal e livre. Ele acreditava na “igual­ Se cada p esso a estiv esse “im p ressionad a tão
dade do hom em ” e nos deveres religiosos de cada completa e firmemente quanto deveria estar com a
pessoa de “praticar a justiça, am ar a m isericórdia e crença de um Deus, sua vida moral seria regulada
promover a felicidade de seus semelhantes” (ibid., p. pela força dessa crença”. A humanidade “tem eria a
5 ,4 1 , 309). Paine negava implacavelmente que a raça Deus, e a si mesma, e não faria o que não poderia
humana havia se rebelado contra Deus e precisava de ficar oculto do outro”. Por outro lado,
salvação. Como afirmou, a humanidade
foi ao esquecer-se de Deus nas suas obras e seguir livros
está na mesma condição relativa com seu Criador [que] de suposta revelação que o homem se distanciou do caminho
sempre esteve, desde a criação do homem, e [...] é seu maior reto do dever e da felicidade, e se tornou sucessivamente a
consolo saber isso (ibid., p. 24). vítima da dúvida e do engano (ibid., p. 150,309).

Quanto à i m o r t a l id a d e , Paine só podia dizer: “Es­ A B íblia e m ilagres. Paine não escreveu qual­
pero felicidade além desta vida” {Age ofreason, 1.3). quer obra que expressasse sua opinião sobre a his­
Acrescentou: tória ou o destino. Mas tinha certeza de que a Bíblia
era historicamente questionável (v . Novo T e s t a m e n t o ,
Não me preocupo com o modo da existência futura. Eu me h is t o r ic id a d e d o ) e cheia de erros (v. B í b l i a , s u p o s t o s

contento em acreditar, até mesmo com convicção positiva, que e r r o s n a ) . Ridicularizava e considerava mítica qual­

o Poder que me deu existência é capaz de continuá-la, de qual­ quer história b íb lica relacionada ao sobrenatural
quer forma ou maneira que quiser, com ou sem este corpo [... ] (v . m it o l o g ia e o Novo T e s t a m e n t o ) . Alegou que as a tri­
Parece mais provável para mim que continuarei a existir na vida buições trad icio n ais de autoria a quase todos os
futura do que eu tenha existido, como existo agora, antes de a livros na B íblia estavam erradas e que a m aioria
existência começar (ibid., p. 58). foi escrita bem m ais tarde do que se acred itava
P a le y , W il l i a m 680

tradicionalm ente. Argumentou que todo o x t foi es­ Paley, W illiam . William Paley (1743-1805), apologista
crito (v. Novo T e s t a m e n t o , d a t a ç ã o d o ) “mais de trezen­ inglês, foi para Cambridge (1759) estudar m atem á­
tos anos após a época em que Cristo supostamente tica. Depois de ser ordenado ao pastorado (1 767),
viveu” (ibid., p. 9 -1 2 ,1 5 ,1 9 -2 1 ,5 3 ,6 1 -1 3 1 ,1 3 3 ). lecionou em Cambridge durante nove anos. Chegou
Paine não acreditava que atos sobrenaturais de a ser arquidiácono de Carlisle. Escreveu três obras
Deus tivessem ocorrido na história (v. m i l a g r e s , a r ­ im portantes, The principiei o f moral and poli tical
Aceitando as leis da natureza como
g u m en to s c o n tr a ). philosophy [0< princípios da filosofia moral e políti­
prescrições de como a natureza “deve agir”, definiu ca |(1785), A view ofthe evidences o f christianity [ Um
m ilagre com o “algo contrário à operação e efeito exame das evidências do cristianismo j (1794) e Na­
dessas leis”. Mas acrescentou que, “a não ser que sai­ tural theology; or. Evidences o f the e.xistence and
bamos toda a extensão dessas leis, e [...] os poderes attributes o f the deity (Teologia natural, ou evidênci­
da natureza, não somos capazes de julgar se algo que as a fa v o r da existência e atributos da divindade]
nos parece m aravilhoso ou m ilagroso está dentro (1802). Mais tarde, em 1831, enquanto estudava para
do, ou além do, ou é contrário ao seu poder natural seus exames de bacharelado em Cambridge, Charles
de ação”. Logo, nosso conhecimento limitado da na­ D a r u tx estudou e foi profundam ente influenciado
tureza nos deixa sem “nenhum critério positivo para pelo Evidences de Paley.
determ inar o que um milagre é, e a humanidade, ao A pologética d e Paley. Paley foi um apologista
dar crédito a aparições sob a suposição de que são clássico (v. c l á s s i c a , a p o l o g é t i c a ). Seus dois livros na
milagres, está sujeita a ser continuam ente explora­ área cobrem as duas áreas centrais da apologética
da”. Como conseqüência dessas considerações, “nada tradicional, a existência de Deus ( Natural theology)
pode ser mais inconsistente que supor que o Todo- e a verdade do cristianism o ( Evidences).
Poderoso usaria meios tais como os que se chamam Argumento a favor da existência de Deus. Paley
m ilagres”. É bem m ais provável ( “um em um m i­ ofereceu o que se tornou a fórmula clássica do argu­
lhão”) que quem relata um evento minta que a natu­ mento teleológico (v. t e l e o l ó g i c o , a r g u m e n t o ) . Ela tem
reza mude. “Jamais vimos, na nossa época, a nature­ por base a analogia do relógio: Se alguém encontras­
za sair do seu curso, mas temos boa razão para crer se um relógio num campo vazio, concluiria correta­
que milhões de mentiras foram ditas no m esm o pe­ mente que ele teve um criador devido a sua estrutu­
ríodo” (ibid., p. 51-3). ra óbvia. Da m esma forma, quando se olha para a
Avaliação. Os elementos básicos das teorias de estrutura ainda mais com plexa do mundo em que
Paine são avaliados em outros artigos. V. B í b l i a , s u ­ vivemos, não se pode deixar de concluir que há um
p o s t o s erros n a ; B íb l ia , e v id ê n c ia s d a ; d e ís m o ; in f e r n o ; grande Criador por trás dele.
M IL A G R E S, A RG U M EN TO S C O N TR A , e N O V O T E ST A M E N T O , Nas palavras de Paley, “ao atravessar um pântano,
h is t o r ic id a d e d o . suponha que eu chutasse uma pedra e perguntas­
sem com o a pedra chegou até ali; eu poderia res­
Fontes ponder que ela sempre estivera ali...” Mas “suponha
A . O. A ldridge , “Paine, Thom as”, em ep . que eu encontrasse um relógio no chão, e tivesse de
R. F lint , Anti-theistic theories. explicar com o o relógio apareceu ali; dificilm ente
N. L. Gkisler, Christian apologetics. pensaria em responder que o relógio sempre esteve
__ , s W .W atkins , Worlds apart: a handbook ali”. Ele pergunta: “Por que tal conclusão é inadmis­
on world views. sível no segundo caso e não no primeiro? Por essa
I. K ant , Religion within the Ihnits ot reason alone. razão, e não por qualquer outra, a saber, que, quando
j. L eland , A view o f the principal deistic writers. inspecionam os o relógio, percebemos — o que não
C. S. L ewis, Christian reflections. pudemos descobrir na pedra — que suas várias partes
__ , Milagres. são estruturadas e montadas para um propósito...”
J. G. M achkn , The virgin birth o f Christ. (Paley, p. 3). Paley dem onstra que as estruturas na
H . M . M o ra is , Deism in eighteenth century America. natureza são mais incríveis que as de um relógio. Ele
J. O r r , English deism: its wots and its fruits. é cuidadoso ao basear seu argum ento na observa-
T. P a in e , Common sense. ção, dizendo repetidamente: “Observamos...”, “Essas
__ , Complete works o f Thomas Paine. observações. ..”e “Xosso observador...” (Paley, Evidences,
__ , The age o f reason. Partes 1 e l p. 1 0 -1 ,1 6 -7 ,2 0 ,2 9 ).
__ , The rights o f man. O raciocínio é assim: Um relógio demonstra que
M . T ix d a l , Christianity as old as the creation... foi m ontado para um propósito inteligente (para
681 P a le y , W il lia m

m arcar horas). Tem um a mola para lhe dar m ovi­ têm traços extrem am ente definidos e com plexos.
mento. Uma série de rodas, feitas de bronze para não A experiência nos leva a concluir que tais formas só
enferrujar, transmite esse movimento. A mola é feita podem o co rrer quando feitas por artesãos in teli­
de aço resistente. A cobertura frontal é de vidro para gentes (v. Geisler, Origin Science, p. 159).
que se possa ver através dela. Tudo isso é evidência Evidências a favor da verdade. Paley estava ciente
de estrutura inteligente. de que milagres (v. m i l a g r e s ) eram essenciais para a
Mas o mundo demonstra m aior evidência de es­ certificação da revelação cristã (v. m i l a g r e s , v a l o r
trutura que um relógio. É uma obra de arte superior a p o l o g é t i c o d o s ) . Ele aceitou a tese de David H u m e de

ao relógio. Tem uma variedade in fin ita de m eios que a cred ib ilid ad e dos m ilag res depende da
adaptados aos fins. Só o olho humano seria suficien­ confiabilidade das testemunhas. As testemunhas do
te para dem onstrar estrutura inteligente na nature­ cristianismo, alegou, são consideradas confiáveis por­
za. Paley saqueou o Anatomia de Kiell para obter que persistiram no seu relatório até sob o risco de
ilustrações de adaptações de meios aos fins na natu­ perseguição e ameaças de morte. Ele rejeitava outros
reza, incluindo ossos e músculos de seres humanos e prodígios que pudessem ser reduzidos a falsas per­
seus equivalentes no mundo animal. cepções, exageros, ou que fossem importantes para o
Paley argumentou que deve haver apenas um Cri­ interesse próprio de quem os reivindicava.
ador, já que na natureza se manifesta a uniformida­ Paley rejeitava a tese de Hume de que a experi­
de de propósito divino em todas as partes do m un­ ência universal testifica con tra os m ilagres. Isso,
do. Esse Criador inteligente (pessoal) também é bom, segundo ele, era uma petição de princípio, já que
com o evidenciado pelo fato de que a m aioria das os m ila g res por d efin içã o devem ser e xceçã o à
estruturas são benéficas e pelo fato de que o prazer é ocorrência universal. A questão real é se há teste­
dado como sensação animal. m unhas confiáveis.
Paley acrescentou que um regresso infinito de Avaliação. Paley é um dos grandes apologistas
causas não é plausível (v. i n f i n i t a , s é r i e ) . Pois “a cadeia do final do século xvm e início do século xix. Na ver­
composta de um número infinito de elos não pode dade, sua influência continua. Paley usou os argu­
sustentar-se mais que a cadeia composta de um nú­ mentos centrais. Enfatizou a evidência para estabe­
mero finito de elos”. Isso acontece “porque, ao au­ lecer os argumentos clássicos. Dois discípulos, F. R.
mentar o número de elos, de dez, por exemplo, para Tennant e A. E. Taylor (v. t e l e o l ó g i c o , a r g u m e n t o ) , de­
cem, de cem para mil etc., não chegamos sequer a ram c o n tin u id a d e a su a v ersã o do a rg u m en to
nos aproximar; não observamos a menor tendência teleológico. R ecentem ente o pensam ento de Paley
de sustento próprio” (Paley, p. 9 ,1 0 ). ganhou interesse renovado por meio do desenvolvi­
Uma versão modernizada do argumento de Paley m ento do princípio antrópico.
pode ser esta: Ao atravessar um vale, suponha que eu Crítica de Hume. Em geral acredita-se que H ume
encontre uma pedra estratificada arredondada e ti­ respondeu ao argumento teleológico de Paley de an­
vesse de explicar com o ela ficou assim . Posso res­ temão. A prim eira objeção de Hume supõe estrutu­
ponder plausivelmente que, no passado, foi deposi­ ra no universo, mas argumenta por analogia que cri­
tada pela água em camadas, que mais tarde se solidi­ adores hum anos finitos cooperam para construir
ficaram pela ação química. Um dia um pedaço m ai­ grandes obras, usando tentativa e erro ou um longo
or da pedra se quebrou e foi subsequentemente ar­ período de tempo (v. Hume). Paley referiu-se expli­
redondado pelos processos de erosão natu ral da citam ente a esse ponto no seu argumento de que o
água. Certo dia eu deparo com o monte Rushmore m undo inteiro revela um plano unificado — um
com suas formas de granito de quatro faces hum a­ fato indicativo de uma Inteligência singular.
nas. Aqui estão sinais óbvios de produção inteligen­ O segundo argumento de Hume mudou de base
te, não o resultado de processos naturais. Mas por ao argumentar que a estrutura é apenas aparente. A
que uma causa natural serve para a pedra e não para adaptação dos meios aos fins pode resultar do aca­
as faces? Quando exam inam os as faces na m onta­ so. Ele insiste em que, se supusermos que o universo
nha, percebem os o que não poderíam os descobrir de m atéria em m ovim ento é eterno, então, numa
na pedra — que elas m anifestam estrutura inteli­ infinidade de operações casuais, todas as com bina­
gente. Elas transm item informação especificamente ções se realizarão. Logo, não há necessidade de su­
complexa. A pedra, por outro lado, tem padrões ou por uma causa inteligente (ibid.).
estratos redundantes facilm ente explicáveis pelo Paley não só respondeu a essa objeção, mas usou
processo observado de sedimentação. Mas os rostos o princípio da uniformidade de Hume para refutar a
p a n e n te ís m o 682

te se dele d e q u e é razo áv el p o stu la r u m a ca u sa n a tu ­ p anenteísm o. O p a n e n t e í s m o n ão deve se r c o n fu n ­


ral p a ra as e stru tu ra s da n a tu re za . Pois P aley a rg u ­ d id o c o m o p a n t e í s m o . P a n te ís m o sig n ific a lite r a l­
m e n to u , seg u in d o H u m e, q u e a “e x p e riê n c ia u n ifo r­ m e n te q u e tu d o ( “p a n ” ) é D e u s ( “ tè ís m o ” ), m a s
m e ” rev ela q u e a p e n a s u m a ca u sa in te lig e n te p o d e p a n e n te ís m o sig n ific a “tu d o e m D e u s” . T a m b é m é
p ro d u z ir o s tip o s de e feito s q u e v e m o s n a n atu re za . c h a m a d o t e o l o g i a d o p r o c e s s o (já q u e vê D eu s co m o
P ale y e scre v e u : u m ser m u tá v e l), t e ís m o b i p o l a r (já q u e a cre d ita q u e
“ S e m p re q u e v e m o s as m a rc a s de e stru tu ra , so ­ D eu s te m d o is p ó lo s ), o r g a n i c i s m o (já q u e vê tu d o
m o s le v a d o s p o r su a c a u sa ao a u to r inteligente. E q u e e x iste c o m o u m o rg a n ism o g ig a n te sc o ) e t e ís m o
e ssa tra n s iç ã o d o e n te n d im e n to é fu n d a d a n a expe­ n e o c l á s s i c o (p o rq u e a cre d ita q u e D eu s é fin ito e te m ­

riência uniform e” In te lig ê n c ia , d isse Paley, p o d e ser p o ra l, ao c o n trá rio do te ísm o c lá ssic o ).
d is tin g u id a p o r c e r ta s p r o p r ie d a d e s , ta is c o m o o As d ife r e n ç a s e n tr e te ís m o e p a n e n te ís m o p o ­
p ro p ó sito , re la c io n a m e n to ín tim o d as p a rte s u m a s d em ser a ssim re su m id a s:
c o m a s o u tra s e c o o p e r a ç ã o c o m p le x a d a s p a rte s
Teísmo Panenteísmo
p a r a s e r v ir a u m p r o p ó s i t o c o m u m . ( N a tu ral
Deus é o Criador. Deus é o diretor.
theology, p. 3 7 ). E x p e riê n c ia s u n ifo rm e s (q u e H u m e
Criação é e x nihilo. Criação é ex matéria
estav a a té d isp o sto a c h a m a r “p rova” ) a rg u m e n ta m
Deus é soberano Deus está trabalhando
c o n tr a q u a lq u e r c a u sa n a tu ra l d o s tip o s d e e fe ito s
sobre o mundo. com o mundo.
q u e v em o s e m to d a a n atu reza . N a v erd ad e, o ú n ico
Deus é independente Deus é dependente do
tip o d e c a u sa c o n h e c id a p ela e x p e riê n c ia re p e tid a e
do mundo. mundo.
u n ifo rm e (q u e é a b a s e de H u m e p a ra c o n h e c e r u m a
Deus é imutável. Deus é mutável.
co n e x ã o c a u sa l) é a c a u sa in te lig e n te .
Deus é absoluta­ Deus está se
L o go , o a rg u m e n to de H u m e c o n tra a e stru tu ra
mente perfeito. aperfeiçoando.
se v o lta c o n tr a ele c o m o a rg u m e n to a fa v o r de u m
Deus é monopolar. Deus é bipolar.
C ria d o r (v. t e l e o l ó g i c o , a r g u m e n t o ).
Deus é realmente Deus é realmente
Conclusão. Os a rg u m e n to s d e P a le y e m fa v o r de
infinito. finito.
D e u s e e m fa v o r d o c r is tia n is m o a in d a fo rm a m a
e sp in h a d o rs a l p a ra g ra n d e p a rte d a a p o lo g é tica c o n ­
te m p o râ n e a . A ú n ic a g ra n d e d ife re n ç a é q u e a g o ra E m lu g a r d o D eu s C ria d o r, in fin ito , im u tá v e l e
te m o s m u ito m a is “c a r n e ” p a ra c o lo c a r n o e sq u e le ­ so b e ra n o , o s p a n e n te ísta s vêem D eu s c o m o um d i­
to . C o m a d e s c o b e r ta d a e v id ê n c ia d a o r ig e m d o re to r fin ito e m u tá v e l d a s q u e s tõ e s m u n d ia is, q u e
u n iv erso (v. b ig - b a n g ) , o te m p o in fin ito d e H u m e foi tra b a lh a e m c o o p e ra ç ã o co m o m u n d o p a ra a tin g ir
c ie n tif ic a m e n te e lim in a d o . C o m a d e s c o b e r ta d o m a io r p e rfe iç ã o em su a n a tu re z a .
p rin c íp io a n tró p ic o , é e v id en te q u e h á a p e n a s u m a 0 t e í s m o vé a re la ç ã o de D eu s c o m o m u n d o c o m o
M e n te s o b r e n a tu r a l p o r tr á s d o u n iv e r s o d e sd e o a de u m p in to r e su a o b ra . O p in to r e x iste in d e p e n ­
m o m e n to d o se u c o m e ç o . A m ic r o b io lo g ia , c o m a d e n te m e n te da p in tu ra ; ele tro u x e a p in tu ra à e x is­
c o m p le x id a d e in crív el d a m o lé c u la d e d n a (v. e v o l u ­ tê n c ia , e a in d a su a m e n te é e x p re s sa p ela p in tu ra .
ç ã o q u í m i c a ) , a c r e s c e n ta ao a rg u m e n to d e P ale y d i­ E m c o m p a r a ç ã o , o p a n e n te ísta vê a re la ç ã o d e D eu s
m e n s õ e s d e c o m p le x id a d e e sp e c ífic a e e stru tu ra in ­ c o m o m u n d o d a m a n e ira q u e ao m e n te e stá re la c i­
te lig e n te q u e ele ja m a is p o d e ria im a g in ar. o n a d a ao c o rp o . Na v e rd a d e, e le s a c r e d ita m q u e o
m u n d o é o “co rp o ” de D eu s é u m p ó lo , e a “m en te” é
Fontes o u tro p ó lo . No e n ta n to , c o m o a lg u n s m a te ria lista s
M. L C larke, Paley: evidence for the man. m o d e rn o s q u e a cre d ita m q u e a m e n te é d e p e n d e n te
N. L. G lisler, et al., Origin science. d o c é r e b r o , o s p a n e n te ís ta s a c r e d ita m q u e D e u s é
___ , Philosoph)' of religion. d e p e n d e n te d o m u n d o . M a s h á u m a d e p e n d ê n c ia
___ , When skeptics ask. r e c íp r o c a , u m se n tid o e m q u e o m u n d o é d e p e n ­
D. H lme , Dialogues concerning natural religion. d e n te d e D eu s.
D. L. L eM ahiel , The inind o f William Paley. V ariações d o p an en teísm o. Todos os p a n en teísta s
G. W. M eadley, Meinoirs o f William Paley. c o n co rd a m q u e D eu s tem d o is p ó lo s, u m p ó lo re a l (o
W. Paley,A W<?m’ ot the evidence o f christianity. m u n d o ) e u m p ó lo p o te n cia l (a lé m d o m u n d o ). To­
___ , Natural theology; or, Evidences ofthe d o s c o n c o rd a m q u e D eu s é m u táv el, fin ito e te m p o ­
existence and attributes ofthe deity. ra l e m seu p ó lo re a l. E to d o s c o n c o r d a m q u e seu
F. R. Tr.NNAST, Philosophkal theology p ólo p o te n c ia l é im u táv el e e te rn o .
683 p a n e n te ís m o

A p rin c ip a l d ife re n ç a e m c o m o v ê e m D eu s é se C renças b á sica s d o p anenteísm o. A p e sa r d e h a ­


D eu s n o se u p ólo re a l é u m a e n tid a d e (e v e n to ) real v e r d ife r e n ç a s in te r n a s e n tr e o s p a n e n te ís ta s , su a
o u u m a so cie d a d e de e n tid a d e s a tu a is. A lfred N o rth c o s m o v is ã o b á s ic a te m o s m e s m o s e le m e n to s e s ­
W hitehead ( 1 8 6 1 - 1 9 4 7 ) a cre d ita n a p rim e ira v isã o , e se n c ia is . O s e le m e n to s in c lu íd o s sã o :
C h arles H a rtsh o rn e n a seg u n d a . A natureza de Deus. T od os o s p a n e n te ísta s c o n ­
A m a io ria d as o u tra s d ife re n ç a s sã o b a s ic a m e n ­ co rd a m q u e D eu s te m d o is p ó lo s. O p ólo c o n se q ü e n te
te m e to d o ló g ic a s. A a b o rd a g e m d e W h ite h e a d é m a is ou c o n c re to — n a re alid ad e . É D eu s c o m o ele re a l­
e m p íric a , e n q u a n to a de H a rtsh o rn e é m a is ra c io n a l. m e n te é na su a e x istê n c ia d e m o m e n to a m o m e n to .
L o g o , W h it e h e a d te m u m t ip o d e a r g u m e n t o É D eu s n o s p o rm e n o re s re a is d e su a tra n s fo r m a ç ã o .
te le o ló g ic o p a ra D e u s, e n q u a n to H a rts h o rn e é f a ­ N esse p ó lo D eu s é fin ito , re la tiv o , d e p e n d e n te , c o n ­
m o s o p o r s e u a r g u m e n t o o n t o ló g ic o . A lg u n s tin g e n te e e m p ro c e s s o . O o u tro p ó lo d e D eu s é o
p a n e n t e í s t a s , ta is c o m o J o h n C o b b , r e je i t a m a p rim o rd ia l o u a b s tr a to . Is so é D eu s e m a b s tr a ç ã o , o
d isju n ç ã o e n tre o s d o is p ó lo s e m D e u s. E le a firm a q u e é c o m u m e c o n s ta n te n o c a r á te r d e D eu s n ã o
qu e D eu s age c o m o u n id a d e, n ã o a p e n a s n u m p ó lo im p o rta c o m o o m u n d o e x ista . O p ó lo a b stra to d iv i­
o u n o o u tro . M a s to d o s c o n c o rd a m q u e D e u s te m n o fo rn e c e u m m e ro e s b o ç o d a e x is tê n c ia d e D eu s
d o is p ó lo s, q u e p o d e m se r d ia g ra m a d o s: se m p re e n c h ê -lo c o m c o n te ú d o c o n c r e to o u e s p e ­
c ífic o . N e sse p ó lo D eu s é in fin ito , a b s o lu to , in d e ­
Natureza primordial Natureza conseqüente
p e n d e n te , n e c e ssá rio e im u táv el.
Pólo potencial Pólo real
O s p a n e n te ísta s c o n c o rd a m q u e o p ó lo a b stra to
Eterno Temporal
d e D eu s e stá in clu íd o n o seu p ó lo c o n c re to . Su a tr a n s ­
Absoluto Relativo
fo rm a ç ã o o u se u p ro c e s s o c a r a c te riz a to d a a r e a li­
Imutável Mutável
d a d e. M as e ssa re alid ad e d e D eu s n ão d ev e se r c o n ­
Imperecível Perecível
sid e ra d a e x is tê n c ia , q u e é e stá tic a e n ã o c ria tiv a . A
Ilimitado Limitado
c r ia tiv id a d e p e r m e ia tu d o o q u e e x is te . E D e u s é
Conceituai Físico
e x tr e m a m e n te c ria tiv o .
Abstrato Concreto
D eu s ta m b é m é c o n sid e ra d o p e sso a l. H á d is c o r­
Necessário Contingente
d â n c ia s o b r e o fa to d e e le s e r u m a e n tid a d e re a l
Objetos eternos Entidades atuais
(c o m o e m W h ite h e a d ) o u u m a s é r ie o rd e n a d a d e
Impulso inconsciente Realização consciente
e n tid a d e s a tu a is (c o m o e m H a rts h o rn e ). M a s q u a se
R e p r e s e n ta n t e s d o p a n e n te ís m o . H á v á r io s to d o s o s p a n e n te ísta s a c r e d ita m q u e D eu s é p e sso a l.
p r e c u r s o r e s d a v is ã o d o processo d e D e u s . 0 Natureza do universo. O u n iv e rso é c a r a c te riz a ­
D em iu rg o de Platão (428-348 a .C .) lu tav a e te r n a m e n ­ d o p o r p ro c e s s o , m u d a n ç a o u tr a n s fo r m a ç ã o . Is so
te c o m o c a o s p a ra tr a n s fo r m á -lo no c o s m o s . Is s o a c o n te c e p o rq u e e le é c o n s titu íd o p o r u m a m u lti­
fo rn e c e u a b a s e d u a lista (v. dualismo ) p a ra o s d o is d ão d e c ria tu ra s c ria tiv a s q u e e stã o c o n s ta n te m e n te
“p ó lo s” de D eu s. M esm o a n te s (c. 500 a .C .), a filo so fia in tro d u z in d o m u d a n ç a s e n o v id a d e s ao u n iv e r so .
do flu x o de H e rá c lito a firm o u q u e o m u n d o é u m A lé m d isso , o u n iv e rso é e te r n o . Is s o n ã o s ig n ific a
p ro c e sso c o n s ta n te m e n te m u tá v e l. n e c e s s a r ia m e n te q u e o u n iv e r s o a tu a l s e ja e te r n o .
No m u n d o m o d e rn o , G. W. F. Hegel (1770-1831) Pelo c o n trá rio , p o d e sig n ific a r q u e h o u v e m u ito s u n i­
p ro p ô s a re v e la ção p ro g re ssiv a d e D eu s n o p ro c e sso v e rs o s n o p a ssa d o in fin ito . A lg u m m u n d o s e m p r e
do m u n d o , d a n d o u m p a sso sig n ific a tiv o e m d ir e ­ e x istiu d e a lg u m a fo rm a e a lg u m m u n d o d e a lg u m a
ção ao p a n e n te ísm o . No e v o lu c io n ism o c ó s m ic o de fo rm a se m p re e x istirá n o fu tu ro in fin ito . F in a lm e n ­
H erb ert S p e n ce r ( 1 8 2 0 -1 9 0 3 ), o u n iv erso é v isto co m o te , to d o s o s p a n e n te ísta s re je ita m a id éia te ís ta tr a ­
p ro c e s s o p ro g r e s s iv o . H e n ri B e r g s o n (1851-1941) d icio n a l d a c ria ç ã o d o n ad a, isto é, ex nihilo (v. cria ­
p ro p ô s a e v o lu çã o c ria tiv a (1907) d e u m a fo rç a vital ção , visões da ). A lg u n s, in c lu in d o O g d en , a c e ita m a

(e lã v ita l) q u e im p u ls io n a a e v o lu ç ã o e m “s a lto s .” e x p re s sã o ex nihilo, m a s re in te rp re ta m a c ria ç ã o de


M ais ta rd e ele id e n tifico u e ssa fo rç a c o m D eu s (1935). m o d o q u e ela sig n ifiq u e a p e n a s q u e o m u n d o a tu al
M e sm o a n te s d isso , Space, time an d deity [Espaço, o u o e sta d o a tu a l d o m u n d o n em se m p re e x istiu e
tempo e divindade} , de S a m u e l A le x a n d e r (1920), la n ­ fo i c r ia d o a p a r tir d e u m m u n d o a n te rio r. O u tro s
ça ra u m a v isão p ro c e ssu a l da re la ç ã o d e D eu s c o m o (c o m o W h ite h e a d e H a rtsh o rn e ) re je ita m a té a id éia
u n iv erso te m p o ra l. A p rin cip a l fo n te do p a n e n te ísm o , d e c ria ç ã o ex nihilo e a firm a m a c ria ç ã o ex m atéria
n o e n ta n to , é W h ite h e a d . Sua in flu ê n c ia é p e rc e p tí­ (a p a r tir d e m a te r ia l p r e e x is te n te ). É c la ro q u e , já
vel em H a rtsh o rn e , S c h u b e rt O gd en , C o b b e o u tro s. q u e o m a te ria l é n a v e rd ad e o p ó lo físic o d e D eu s, a
p a n e n te ísm o 684

c r ia ç ã o ta m b é m é ex deo. N a v e rd a d e , o u n iv e rso Ética. M u itos p a n e n te ísta s a cred ita m qu e n ão h á


a tu a l é c o -c r ia d o p o r D eu s e p elo h o m e m a p a rtir de valores abso lu to s (v. moralidade, natureza absoluta da).
m a té ria p re e x iste n te . D eu s, é claro , é o T ra n sfo rm a ­ Já q u e D eu s e o m u n d o estão e m g ra n d e flu xo , n ão
d o r o u F o rm a d o r p rim á rio d e cad a m u n d o e de cad a p o d e h a v e r n e n h u m p a d rã o im u táv el e a b so lu to de
e sta d o de m u n d o . valor. P or o u tro lad o, p a n e n te ísta s co m o H a rtsh o rn e
R elação de Deus com o universo. Na co sm o v isã o a leg am q u e h á u m a b a se u n iv ersal de é tica, ou se ja ,
p a n e n te ísta , o p ólo c o n se q ü e n te de D eu s é o m u n d o . b elez a, h a rm o n ia e in te n sid a d e . Q u alq u er c o isa q u e
Is so n ão q u e r d izer q u e D eu s e o m u n d o s e ja m id ê n ­ p ro m o v a , ou se b a se ie em , o u a ja a p a rtir d essa b a se , é
tic o s , p o is D eu s é m a is q u e o m u n d o , e os in d iv íd u o s b o a ; q u a lq u er co isa q u e n ão o faça é m á . E n tre ta n to ,
q u e c o m p õ e m o m u n d o são d istin to s de D eu s. Isso m e sm o su p on d o e sse fu n d a m e n to e sté tico u n iv ersal,
sig n ific a , n o e n ta n to , q u e o m u n d o é o co rp o c ó s m i­ o rd e n s ou regras é tica s e sp e cíficas n ão são u n iv ersais.
co d e D e u s e q u e e s s a s c r ia tu r a s q u e c o m p õ e m o A in da q u e o in d ivíd u o deva, em geral, p ro m o v e r b ele ­
m u n d o sã o c o m o c é lu la s n o se u c o rp o . É p o r is so za e n ão feiú ra, c o m o e x a ta m en te isso deve se r feito é
q u e D eu s n ã o p o d e e x is tir se m a lg u m tip o d e u n i­ rela tiv o . P o rta n to , a p e s a r d a p o ssib ilid a d e d e h av er
v e rso físic o . E le n ão p re c is a d e sse m u n d o , m a s te m u m a b a se o u fu n d a m e n to su p re m o p a ra a é tic a , o s
d e c o e x istir e m algum m u n d o . S e m e lh a n te m e n te , o v alo res em si n ão são a b so lu to s, m a s relativo s.
m u n d o n ã o p o d e e x istir se m D e u s. L o g o , o m u n d o e Destino humano. 0 d e stin o da h u m a n id a d e n ão
D eu s são m u tu a m e n te d e p e n d e n te s. A lém d isso , as d ev e se r p ro c u ra d o n o céu , in fe rn o o u p ó s-v id a c o n s ­
c ria tu ra s n o u n iv e rso a trib u e m v a lo r p a ra a vid a de cie n te (v. i m o r t a l i d a d e ) . M as o s se re s h u m a n o s, c o m o
D eu s. 0 o b je tiv o a b ra n g e n te d e to d a s a s c ria tu ra s é to d a s a s o u tra s c ria tu ra s d e D eu s, v iv erão p a ra s e m ­
e n r iq u e c e r a fe lic id a d e d e D e u s e a ju d á -lo a s s im a p re a p en a s n a m e m ó ria c ó sm ic a d e D eu s. U m a p e s­
c o m p le m e n ta r o q u e lh e falta. so a q u e c o n tr ib u a r ic a m e n te p a ra a v id a d e D eu s
Milagres. U m a im p lica çã o d o p a n e n te ísm o é q u e te rá a sa tisfa ç ã o de sa b e r q u e D eu s se le m b ra rá c a r i­
a to s s o b re n a tu ra is sã o im p o s sív e is (v. milagres , a r ­ n h o s a m e n te d ela p a ra s e m p r e . O s q u e v iv em se m
gumentos contra ). Já q u e o m u n d o é o c o rp o d e D eu s, a trib u ir m u ito v a lo r a D eu s, o s q u e , e m o u tra s p a la ­
n ão h á n ad a fo ra de D eu s q u e p o ssa se r in te rro m p i­ v ra s, v iv em in fie lm e n te , n ã o se rã o le m b ra d o s c o m
d o o u n o q u al ele p o ssa irro m p er. N a re a lid a d e , D eu s ta n to c a rin h o p o r D eu s.
é e m g ra n d e p a rte u m re c ip ie n te p a ssiv o d a a tiv id a ­ N o p a n e n te ís m o , o p r o c e s s o e v o lu tiv o c o n t í ­
d e de su as c ria tu ra s e n ão u m a fo rç a a tiv a n o m u n ­ n u o a ju d a a im p u ls io n a r o s e v e n to s e te r n a m e n te .
do. D eu s é u m S o lid á rio c ó sm ic o e n ão u m A tiv ista D e u s e a h u m a n id a d e ta m b é m sã o c o n s id e r a d o s
c ó sm ic o (v. finito , deísmo; K ushner , H arold ). C o n se - c o - c r ia d o r e s d a h is t ó r ia . M a s , a o c o n t r á r i o d o
q ü e n te m e n te a in te rv e n ç ã o m ila g ro s a n o m u n d o n ão te ís m o , n ã o h á u m fin a l d a h is tó r ia . S e m p re h a v e rá
é c a r a c te r ís tic a d a n a tu re z a d o D e u s p a n e n te ís ta . a d iv in d a d e in s u p e r á v e l q u e e s tá c o n s ta n te m e n te
M u ito s p a n e n te ís ta s re je ita m o s m ila g re s p o rq u e a c r e s c e n d o e m p e r fe iç ã o . E s e m p r e h a v e r á a lg u m
v isão c ie n tífic a c o n te m p o râ n e a do m u n d o o s e lim i­ m u n d o c h e io d e c r ia tu r a s c r ia tiv a s c u jo o b je tiv o
n a . O gd en to m a e ssa p o siç ã o . É p o r isso q u e ele a d o ­ a b r a n g e n te é e n r iq u e c e r a e x p e r iê n c ia d e D e u s. A
ta o p ro g ra m a de R u d olp h B u ltm a n n de d e sm itific a r h is tó r ia n ã o te m c o m e ç o e n ã o te m fim . N ã o h á
a s h is tó r ia s d e m ila g r e s n a B íb lia (v. mitologia e o d e s tin o fin a l, u to p ia o u fim . A h is tó r ia , c o m o to d a s
Novo T estamento ). a s o u tr a s c o is a s , s e m p r e e x is tiu , e x is te e s e m p r e
Seres humanos. O s p a n e n te ísta s c o n c o rd a m qu e e x is tirá e m p ro c e s s o . A h is tó r ia n ã o ch e g a a lu g ar
a h u m a n id a d e é p e sso a l e livre. Na v erd ad e, a h u m a ­ a lg u m , e s tá a p e n a s p ro ss e g u in d o .
n id a d e c o m o u m to d o é c o -c r ia d o ra c o m D eu s e de A v a lia ç ã o . C ontribu ições do pan en teísm o. Os
D eu s. Ela n ão só a ju d a a d e cid ir o cu rso d o s e v e n to s p a n e n te ísta s p ro c u ra m u m a v isã o a b ra n g e n te da re ­
h u m a n o s e m u n d ia is, m a s ta m b é m d o s e v e n to s re ­ a lid a d e . R e c o n h e c e m q u e o c o n h e c im e n to p a rc ia l
la tiv o s a D eu s. A id en tid a d e h u m a n a n ão se e n c o n ­ d as c o isa s é in ad eq u ad o . E n tã o p ro c u ra m d esen v o l­
tra n o “Eu” d u ra d o u ro . M as, co m o o resto d o m u n ­ v e r u m a v isão c o e re n te e ra zo á v el de tu d o q u e e x is ­
d o , a id e n tid a d e é e n c o n tra d a a p e n a s n o s e v e n to s ou te , u m a c o sm o v isã o co m p le ta .
o c a s iõ e s re a is da h is tó ria n o s q u a is a h u m a n id a d e O p a n e n te ísm o c o n se g u e p ro p o r u m a re la ç ã o ín ­
se tra n s fo r m a . O se r h u m a n o e stá p a rc ia lm e n te c r i­ tim a e n tre D eu s e o m u n d o se m d e stru ir e ssa re la ­
a n d o a si m e s m o e m to d a d e c is ã o e a ç ã o , a c a d a ç ã o , c o m o o p a n te ísm o . D eu s e stá no m u n d o , m a s
m o m e n to . 0 o b je tiv o é se rv ir a D eu s ao a trib u ir v a ­ n ã o é id ê n tic o a ele. A p re se n ç a de D eu s n o u n iv erso
lo r à su a e x p e riê n c ia c o n s ta n te m e n te c re sc e n te . n ã o d e stró i a m u ltip lic id a d e q u e o s se re s h u m a n o s
685 p a n e n te ís m o

e x p e rim e n ta m , m a s a p re se rv a e a té lh e d á p ro p ó s i­ c r ia r a si m e sm o p a ra ex istir. A ch ar q u e isso p o d e ria


to e sig n ific a d o . D ad a a e x is tê n c ia d o S e r su p re m o , o c o r r e r é a c r e d ita r q u e a to s p o te n c ia is p o d e m r e ­
o s p a n e n te ísta s d e m o n stra m q u e o m u n d o d ev e d e ­ a liz a r -s e . C o p o s p o d e ria m se e n c h e r c o m c a fé e o
p e n d e r d e D eu s p a ra su a o rig e m e c o n tin u id a d e . S e m a ço p o d e ria se tra n s fo r m a r n u m a rra n h a -c é u . C o m o
a e x is tê n c ia d e D e u s, o m u n d o n ã o c o n tin u a r ia a u m s e r p o d e ria e x is tir a n te s d e si m e s m o p a ra se
ex istir. E les in siste m em q u e d eve h av e r u m a ca u sa cria r? É is so q u e u m se r a u to c a u s a d o te ria d e faz e r
a d e q u ad a p a ra e x p lic a r o m u n d o . p a ra e x istir. O p a n e n te ísta p o d e re sp o n d e r q u e D eu s
O s p a n e n t e í s t a s r e la c io n a m s e r ia m e n t e s u a n ã o c rio u a si m e sm o ; se m p re e x istiu . P elo c o n tr á ­
c o s m o v is ã o a te o r ia s c o n te m p o r â n e a s d a c iê n c ia . rio , a v e rsã o p a n e n te ís ta d o D eu s a u to c a u s a d o c ria
S e ja q u a l fo r a c o sm o v isã o d a p e sso a , a c iê n c ia n ão su a tra n s fo r m a ç ã o . Is to é, D e u s p ro d u z m u d a n ç a s
p o d e se r ig n o ra d a . D e sc o b e rta s h u m a n a s v á lid a s em e m si m e sm o . D eu s realiz a se u s p ró p rio s p o te n c ia is
q u a lq u e r á rea o u d is c ip lin a d e v e m s e r in c o r p o r a ­ e fe tu a n d o se u p ró p r io c re s c im e n to .
d as à c o sm o v isã o in d iv id u a l. S e a re a lid a d e é re a l­ M a s is so lev a a o u tro p ro b le m a . S e D e u s ca u sa
m e n te ra z o á v e l e n ã o c o n tr a d itó r ia , to d o c o n h e c i­ su a tra n s fo r m a ç ã o e n ã o su a e x is tê n c ia , e n tã o o q u e
m e n to p o d e se r c o e r e n te m e n te sis te m a tiz a d o , n ã o o u q u e m s u s te n ta a e x is tê n c ia d e D eu s? C o m o um
im p o rta q u e m o d e sc u b ra o u o n d e s e ja d e sc o b e rto . se r p o d e m u d a r se m q u e e x ista u m se r im u tá v el p a ra
Os p a n e n te ísta s le v a m isso a sé rio . su s te n ta r a e x istê n c ia d o se r m u táv el? É im p o ssív el
Críticas a o pan en teísm o. A lg u m a s d a s c r ític a s q u e tu d o e ste ja e m flu xo. Tudo o q u e m u d a p a ssa d a
m a is im p o r ta n te s se rã o m e n c io n a d a s a q u i. p o te n c ia lid a d e p a ra a re a lid a d e , d o q u e n ã o e x is te
A id éia d o D eu s q u e é in fin ito e fin ito , n e c e s s á ­ p a ra o q u e e x iste . Tal m u d a n ç a n ã o p o d e ria re a liz a r-
rio e c o n tin g e n te , a b so lu to e re la tiv o é c o n tr a d itó ­ se o u se r a u to c a u s a d a , p o is p o te n c ia is a in d a n ã o sã o
ria . A c o n tr a d iç ã o su rg e q u a n d o o p o s to s sã o a fir ­ o q u e tê m o p o te n c ia l d e ser.
m a d o s so b re a m e s m a c o isa ao m e sm o te m p o e da O n a d a n ã o p o d e p ro d u z ir alg o . E ta is m u d a n ç a s
m e s m a m a n e ir a o u fo rm a . P o r e x e m p lo , d iz e r q u e n ã o p o d e ria m s e r in c a u sa d a s , p o is d ev e h a v e r u m a
um b a ld e e stá ch e io de ág u a e vazio ao m e sm o te m ­ ca u sa p a ra to d o e feito o u ev en to (v. c a u s a l id a d e , p r in ­
c íp io d a ) . P are ce , e n tã o , q u e o u n iv erso d e m u d a n ça ,
p o e d a m e s m a fo rm a é c o n tr a d itó rio . Is s o ja m a is
q u e é o p ó lo c o n c re to d e D eu s, d ev e s e r ca u sa d o p o r
p o d e ria a co n te c e r, p o is é lo g ic a m e n te im p o ssív e l.
a lg o q u e n ã o m u d a . A lgo fo ra d a o rd e m m u ta n te
H a rts h o rn e re sp o n d e u à a c u s a ç ã o d e c o n tr a d i­
deve su ste n ta r to d a a o rd e m e x iste n te . P or isso , deve
ção ao d e m o n s tra r q u e o p o sto s m e ta físic o s n ão são
h a v e r u m s e r a lé m d o q u e o filó s o fo d e p r o c e s s o
a trib u íd o s ao m e sm o p ó lo d iv in o . M a s o s a trib u to s
c o n sid e ra “ D eu s” q u e su ste n ta su a e x istê n c ia . S e is so
q u e e stã o re la c io n a d o s, ta is c o m o fin itu d e e c o n tin ­
é v e rd a d e iro , o D eu s p a n e n te ís ta n ã o é r e a lm e n te
g ê n c ia , são a p lica d o s a u m p ó lo d ife re n te . In fin id a ­
D eu s, m a s o se r q u e o su ste n ta é re a lm e n te D eu s. Tal
de e fin itu d e , n e c e ssid a d e e c o n tin g ê n c ia , a p e s a r de
D eu s n ã o é u m se r im u tá v e l-m u tá v e l, c o m o a d iv in ­
a p lica d a s à m e sm a c o isa ao m e sm o te m p o , sã o a p li­
d a d e r e s u lta n te d o p r o c e s s o é , m a s te r ia d e s e r
cad as ao s p ó lo s a p ro p ria d o s e m D eu s (H a rtsh o rn e ,
sim p le s m e n te im u tá v el.
Man 's vision o f God [A visão hum ana de Deus), p.
O u tro a sp e cto d esse p ro b le m a é q u e o p a n e n te ísta
2 2 -4 ). 0 te ísta c ristã o H. P. O w en resp o n d eu q u e p a ­
sa b e q u e tu d o , in clu siv e D eu s, é re la tiv o e m u táv el.
re c e n ã o h a v e r d is tin ç ã o re a l e n tr e o s d o is p ó lo s C o m o a lg u é m p o d e s a b e r q u e a lg o e s tá m u d a n d o
d iv in o s. C o m o o p ó lo a b s tr a to n ã o te m e x is tê n c ia q u a n d o n ã o h á u m p o n to d e re fe rê n c ia estáv el p elo
c o n c re ta o u real, ele d eve se r u m a m e ra id éia , te n d o q u a l m e d ir a m u d a n ça ? O te ísta te m D eu s e se u c a rá ­
realid ad e m e n ta l, m a s n ã o e x istê n c ia (O w en , p. 1 0 5 ). te r e v o n ta d e a b s o lu to s e im u tá v e is. O p a n e n te ís ta
P o rta n to , D eu s n ão d eve se r re a lm e n te in fin ito e n e ­ n ã o te m tal p a d rã o . O p a n e n te ísta p o d eria re sp o n d e r
c e s s á rio , p o is e sse s a trib u to s e stã o n o p ó lo p o te n c i­ q u e seu p a d rã o im u táv el é a n atu re za p rim o rd ial im u ­
al q u e n ão e x iste n a re a lid a d e . D eu s n a re a lid a d e é tá v el d e D eu s. M as isso n ão p a rece ad equ ad o. Pois o
a p e n a s fin ito e c o n tin g e n te . O u D eu s d ev e se r a m ­ p ólo p rim o rd ial d e D eu s é a p en as u m a a b stra çã o —
b o s o s la d o s d o s o p o sto s m e ta fís ic o s ao m e sm o te m ­ n ão te m realidade. P od e ser u m p ad rão conceitu ai, m as
p o e n o m e sm o p ó lo . A p rim e ira o p ç ã o to rn a se m n ão real. A lém d isso , u m p a n en teísta q u e diz q u e D eus
se n tid o a d o u trin a d e D eu s d o p a n e n te ísm o , e a s e ­ é im u táv el q u e r dizer q u e D eus é im u tav elm en te m utável
g u n d a a to rn a c o n tr a d itó ria . D e q u a lq u e r fo rm a , o — n ão p o d e d eix a r d e m u d a r sem p re e m elh o rar se m ­
c o n c e ito b ip o la r d e D eu s é in c o e re n te . pre (H artsh o rn e, Natural theology [Teologia natural], p.
A id éia d e D eu s c o m o s e r a u to c a u sa d o é c o n tr a ­ 1 1 0 ,2 7 6 ). A ssim , parece q u e voltam os ao co m eço , co m
d itó r ia . É d ifíc il e n te n d e r c o m o q u a lq u e r se r p o d e tudo m u dand o e n ad a q u e esteja sendo m udado.
p a n e n te ísm o 686

0 c o n c e ito p a n e n te ísta d e p e rso n a lid a d e p a re ce Se a p ro p o siçã o “N ada e x iste ” é lo g ic a m e n te p o s ­


e n tr a r e m c o n flito c o m n o ss a e x p e riê n c ia . N ós pelo sív el, a e x istê n c ia d o D eu s d e H a rtsh o rn e e O gd en é
m e n o s a c r e d ita m o s q u e s o m o s se re s p e sso a is q u e , tê n u e . Tal D eu s d eve m a n te r o u n iv e rso e m a n d a ­
a té c e rto p o n to , s u p o r ta m o s m u d a n ç a s. A m a io ria m e n to e m u d a r u n iv erso s ra p id a m e n te , o u ele so m e
d e n ó s n ã o a cre d ita q u e n o s to rn a m o s n o v a s p e sso ­ de ce n a . E le e stá a m a rra d o c o m o q u e p o r u m c o rd ã o
a s a ca d a m o m e n to q u e e x istim o s. Na v erd ad e, d izer: u m b ilic a l a alg u m m u n d o . M a s, se é lo g ic a m e n te p o s ­
“ E u m e to r n o u m a n o v a p e s s o a a c a d a m o m e n to sível q u e a fra se “a lg u m m u n d o e x iste ” n e m sem p re
q u e e x is to ” su p õ e q u e h á algo q u e p e rd u ra , o “eu ” te n h a sid o v e rd a d eira , é lo g ic a m e n te p o ssív el q u e a
q u e so fre as m u d a n ç a s. S e n ã o , o q u e m u d a? S e n ad a a firm a ç ã o “ D eu s e x iste ” te n h a sid o , e m a lg u m m o ­
p e rd u ra d e m o m e n to a m o m e n to , é p o ssív e l d iz e r m e n to , falsa. M a s, seg u n d o H a rtsh o rn e e O gd en , se
q u e q u a lq u e r c o isa m u d e? Se n ã o h á se n tid o e m q u e D eu s n ão é lo g ic a m e n te n e c e ssá rio , u m se r n e c e s s á ­
a p e sso a é u m a id e n tid a d e c o n tín u a , p a re c e q u e só rio q u e d eve se m p re te r e x istid o a d e sp e ito d e q u a l­
p o d e m o s fa la r de u m a sé rie de o c a siõ e s d istin ta s de q u e r o u tr a c o is a , a e x is t ê n c ia d e D e u s d e v e s e r
“eu s” a tu a is (ib id ., p. 5 8 ). E a ú n ic a c o isa q u e se p o d e lo g ic a m e n te im p o s sív e l. P o r e ssa re g ra , o D eu s de
d izer q u e m u d a n e ss a sé rie d e “eu s” é a sé rie em si, H a rtsh o rn e e O gd en é n e c e s s a ria m e n te falso.
n ã o c a d a “eu ” in d iv id u a l n a sé rie . Is s o p a re c e d e s ­ A teo lo g ia d o p ro c e sso e n fre n ta um sé rio d ilem a
tru ir a a u to -id e n tid a d e e c o n tr a d iz e r a e x p e riê n c ia (G ru en ler, p. 7 5 -9 ). D eu s co m p re e n d e to d o o u n iv er­
h u m a n a . E s se p ro b le m a é e sp e c ific a m e n te fo rte p ara so ao m e sm o te m p o , m a s D eu s é lim ita d o ao e sp a ço
H a rtsh o rn e . D e a co rd o c o m su a te o r ia , a p e sso a d e i­ e te m p o . M a s q u a lq u e r c o isa lim ita d a ao e sp a ç o e
x a d e e x istir to d a vez q u e h á u m m o m e n to se m u m te m p o n ão p o d e p e n s a r m a is rá p id o q u e a v e lo cid a ­
“eu ” c o n s c ie n te . Is so in c lu iria p e río d o s d e so n o ou d e da luz, q u e leva b ilh õ e s d e a n o s p a ra a tra v e s sa r o
so b a n e s te s ia o u o u tro s m o m e n to s d e in c o n s c iê n ­
u n iv erso a c e rc a de 3 0 0 m il q u iló m e tro s p o r se g u n ­
cia . U m p ai d e sp e rta n d o u m filh o d o so n o o e sta ria
d o . No e n ta n to , p a re ce n ão h a v e r m a n e ira d e a m e n ­
ch a m a n d o de v o lta à e x istê n c ia .
te q u e leva to d o e sse te m p o p a ra p e n s a r e m to d o o
D izer c o m o p a n e n te ís ta q u e se m p re e x istiu a l­
u n iv erso p o d e r c o m p re e n d e r e d ire c io n a r sim u lta ­
g u m tip o d e m u n d o é u m a p e tiç ã o d e p rin c íp io . É
n e a m e n te to d o o u n iv erso. P or o u tro lad o, se a m e n ­
cla ro q u e é im p o ssív e l q u e o n ad a to ta l te n h a e x is ti­
te de D eu s tra n s c e n d e o u n iv erso de e sp a ço e tem p o ,
d o , p o is n in g u é m e x istiria p a ra e x p e rim e n tá -lo . N es­
e in sta n tâ n e a e s im u lta n e a m e n te a b ra n g e o to d o , essa
se ca so n ão h a v e ria o n ad a total. M a s isso p re ssu p õ e
n ão é u m a v isão p a n e n te ísta d e D eu s, m a s sim te ísta .
q u e a p en a s o q u e p o d e se r e x p e rim e n ta d o p o d e ser
verd ad eiro . P or q u e e sse c rité rio da verd ad e d everia
Fontes
se r a ceito ? H a rtsh o rn e dá a e n te n d e r q u e isso d e v e ­
X. L. Geisler, " T e o lo g ia d o p r o c e s s o 1', em T e n s io n s
ria se r a c e ito p o rq u e n ã o p o d e h a v e r se n tid o se m
in c o n t e m p o r a r y t h e o lo g y .
e x p e riê n c ia (ib id .). P o rta n to , u m c o n c e ito q u e n ã o
____ e W. W atkins . W o r ld s a p a r t : a h a n d b o o k
p o d e se r e x p e rim e n ta d o n ão deve te r se n tid o . M as,
o n w o r l d v ie w s .
se is s o é v e rd a d e iro , H a rts h o rn e e s ta b e le c e u su a
R. G. Gruenler, T h e in e x h a u s t i b l e G o d : b i b l i c a l fa it h
te s e p o r m e ra d e fin iç ã o , p o is, se n ã o p o d e e x is tir
a n d t h e c h a l l e n g e o f p r o c e s s t h e is m .
se n tid o se m e x p e riê n c ia , e n tã o a to ta l in e x is tê n c ia ,
C. H artshorne,.A n a t u r a l t h e o l o g y f o r o u r tim e .
q u e n ã o p o d e se r e x p e rim e n ta d a , n ão faz se n tid o .
___ , M a n '$ v is io n o f G o d .
H a rtsh o rn e e sta b e le c e u su a tese d e fin in d o o se n tid o
d e ta l m a n e ir a q u e to rn a a in e x is tê n c ia to ta l n u m ___ , T h e lo g i c o t p e r f e c t i o n .
c o n c e ito d e sp ro v id o d e se n tid o . E le n ão p ro v o u a S. M. Ogden, T h e r e a lit y o f G o d .
a u sê n cia de se n tid o da fra se “n ad a e x iste ” , m a s a p e ­ ___ , T h e o l o g y in c r is is : a c o l l o q u i u m o n t h e

c r e d i b i l i t y o t “G o d ”.
n as a su p ô s, o q u e é p e tiçã o de p rin cíp io .
M esm o qu e H a rtsh o rn e p o ssa p ro v ar que o nad a ____ . “ Toward a new theism” , em P r o c e s s

to tal n ão é p o ssível, a visão p a n e n te ísta n ão se c o m ­ p h ilo s o p h y a n d Christian thought.


p rova a u to m a tic a m e n te . Pois isso se ria a p en as u m a H. P. Owen, T h e Christian k n o w l e d g e o f G od.

m a n e ira de d izer q u e n em tud o pode ser co n tin g en te. W. E. Stokfs, “A Whiteheadian reflection on God's
M as isso leva n a tu ra lm e n te a u m a p o siçã o te ísta (v. relation to th e world”, em P r o c e s s T h e o lo g y .

teísmo), na q u al deve h av er um S er N ecessário além do T omas pe A quino, S u m a t e o ló g ic a .

m u n d o co n tin g e n te . N ão é n ece ssá rio c o n clu ir qu e o A. X. W hitehead, A d v e n t u r e s o f id e a s .

p a n e n te ís m o é v e rd a d eiro só p o rq u e u m e stad o de ___ , M o d e s o t t h o u g h t ,


to tal in e x istên cia n ão é possível. ___ , P r o c e s s a n d r ea lity .
687 p a n te ís m o

p a n te ís m o . Panteísmo q u e r d iz e r q u e tu d o ( “p a n ” ) Natureza d e Deus. D eu s e a re a lid a d e sã o im p e s ­


é D eu s ( “te ís m o ” ). É a c o s m o v is ã o d a m a io ria d o s so a is. P erso n a lid a d e, c o n s c iê n c ia e in te le cto sã o c a ­
h in d u s (v. HiNDUís.Mo), m u ito s b u d ista s (v. b u d is m o ) e r a c te r ís tic a s d e m a n ife s ta ç õ e s in fe r io r e s d e D e u s,
o u tra s re lig iõ es d a N ova E ra . T a m b é m é a co sm o v isã o m a s n ã o d e v e m s e r c o n fu n d id a s c o m ele. E m D eu s
d a C iê n c ia C ristã , U n id ad e C ristã e C ie n to lo g ia . h á a sim p licid a d e a b so lu ta d e u m ser. N ão h á p a rte s.
S e g u n d o o p a n te ísm o , D e u s “é tu d o e m to d o s” . A m u ltip lic id a d e p o d e flu ir d ele, m a s ele, p o r si só , é
D eu s p e rm e ia , a b ran g e e se e n c o n tra e m to d as as c o i­ sim p le s, n ã o m ú ltip lo .
sas. N ada ex iste fo ra de D eu s, e to d a s a s co isa s estão de Natureza do universo. O s p a n te ísta s q u e su p õ em
a lg u m a fo rm a id e n tific a d a s c o m D eu s. O m u n d o é alg u m tip o de realid ad e p a ra o u n iv erso c o n c o rd a m
D eu s, e D eu s é o m u n d o . M ais p re c isa m e n te , n o e n ­ q u e ele foi cria d o ex deo, “de D eu s”, n ã o ex nihilo, “do
ta n to , n o p a n te ísm o tu d o é D eu s, e D eu s é tu d o . nad a”, co m o o te ísm o a firm a (v. c r ia ç ã o , v i s õ e s d a ) . Há
0 p a n te ís m o te m u m a lo n g a h is tó r ia ta n to n o ap en as u m “S e r” o u E x isten te n o u n iv erso; o s d em a is
o rie n te q u a n to n o o c id e n te . D o m is tic is m o o r ie n ­ são u m a e m a n a çã o o u m a n ife sta çã o dele (v. u n id a d e e
ta l d o s s á b io s e v id e n te s h in d u s a o r a c io n a lis m o d iv e r s id a d e , p r o b l e m a d e ) . É claro qu e o s p a n te ístas a b ­

d e filó s o fo s o c id e n ta is c o m o P a r m ê n id e s , B a ru c h so lu to s a firm a m q u e o u n iv erso n ão é n e m u m a m a ­


E s p in o s a e G. W. F. H e g e l , o p a n te ís m o se m p re teve n ifesta çã o . S o m o s to d o s a p en a s p a rte d e u m a ilu são
se u s d e fe n s o r e s . elab o ra d a . A c ria ç ã o sim p le sm e n te n ão e x iste . D eu s
Tipos d e p a n te ís m o . H á tip o s d iferen te s d e p a n ­ existe. N ada m ais.
te ís m o . O p a n te ís m o absoluto é re p re s e n ta d o p e lo Deus em relação ao universo. A o c o n tr á r io d o s
p e n s a m e n to d e P a rm ê n id e s, filó so fo g re g o d o sé c u ­ te ís ta s , q u e v ê e m D eu s a lém e se p a ra d o d o u n iv e rso ,
lo v a .C ., e d a e s c o la v e d a n ta d o h in d u ís m o (v. o s p a n te ís ta s a c re d ita m q u e D eu s e o u n iv e rso sã o
H in d u ís m o V e d a n t a ) . 0 p a n te ísm o a b so lu to e n sin a q u e u m . O te ís ta c o n c e d e a lg u m a re a lid a d e a o u n iv erso
h á a p e n a s u m se r n o m u n d o , D e u s, e q u e a s d e m a is d e m u ltip lic id a d e , m a s o p a n te ísta n ão c o n c e d e . O s
c o isa s q u e p a re c e m e x is tir n ã o e x is te m re a lm e n te . q u e n e g a m a e x istê n c ia d o u n iv e rso , é cla ro , n ão v êem
O u tro tip o de p a n te ísm o , o em anantista , fo i e s ta b e ­ n e n h u m a re la ç ã o e n tre D eu s e o u n iv e rso . M a s to ­
lecid o p elo filó so fo do sé cu lo m d e n o ssa era P l o t in o . d o s o s p a n te ísta s c o n c o rd a m q u e to d a re a lid a d e q u e
S e g u n d o e ssa te o r ia , tu d o flu i de D eu s d a m e sm a e x iste é D eu s.
m a n e ir a q u e u m a flo r c re s c e a p a r tir d a s e m e n te . Milagres. U m a im p lic a ç ã o d o p a n te ís m o é q u e
T am b ém h á o p a n te ísm o desenvolvimentista de H egel m ila g res são im p o ssív e is. P o is, se tu d o é D eu s, e D eu s
( 1 7 7 0 -1 8 3 1 ). H egel via o s e v e n to s da h istó ria co m o é tu d o , n a d a e x is te fo r a d e D e u s q u e p o d e r ia s e r
m a n ife s ta ç õ e s re v e la d o ra s do E s p írito A b so lu to . O in te rro m p id o ou p e n e tra d o , o q u e a n a tu re z a d e um
p a n te ís m o m odal d o ra c io n a lis m o d e E s p i n o s a , do m ila g re exige. P ara m a is co m e n tá rio s so b re is so , v. o
sé cu lo xvn a firm a v a q u e h á a p e n a s u m a su b s tâ n c ia a rtig o so b re E s p i n o s a . Já q u e o s p a n te ís ta s c o n c o r ­
a b s o lu ta , n a q u a l to d a s a s c o isa s fin ita s sã o a p e n a s d a m qu e D eu s é sim p le s (n ã o te m p a rte s) e é tu d o o
m o d o s o u m o m e n to s . O p an teísm o múltiplo é e n c o n ­ q u e e x iste , D eu s n ão p o d e ria faz e r n e n h u m m ila g re,
trado em algum as fo rm a s do h in d u ísm o , esp ecialm en ­ p o is o m ila g re im p lic a q u e D eu s e stá de c e rta fo rm a
te em R a d h ak rish n a n . E ssa p o siçã o a firm a v ário s n í­ “fo ra” do m u n d o n o q u a l “in te rv é m ” . O ú n ico s e n ti­
veis de m an ifestação de D eus, send o o nível m ais alto do em qu e D eu s “in te rv é m ” n o m u n d o é p ela p e n e ­
da m an ifestação de D eus o Ser A bsoluto, ao passo que tra ç ã o re g u lar n ele d e a co rd o c o m re p e tid a s le is e s ­
os níveis in ferio res o revelam em m u ltiplicid ad e cre s­ p ir itu a is s u p e r io re s , ta is c o m o a le i d o Carm a (v.
cente. O p a n teísm o penetrante é a visão popularizada r e e x c a r n a ç ã o ) , L o g o , a c o sm o v isã o p a n te ísta e lim in a

pelos film es Guerra nas estrelas, de G eorge Lu cas, nos o s m ilag res (v. m i l a g r e s , a r g u m e n t o s c o n t r a ) .
quais a F o rça (T ão ) p erm eia todas as coisas. E ssa cre n ­ Seres humanos. Os p a n te ísta s a cred ita m q u e o ser
ça é en co n trad a no zen -bu d ism o . h u m a n o c o m o se r d is tin to é a b s o lu ta m e n te ir r e a l
C ren ças b á sica s. E x is te m o u tr o s tip o s d e p a n ­ (p a n te ís m o a b so lu to ) o u q u e a h u m a n id a d e é real,
te ís m o , m a s e s te s e s ta b e le c e m a s c a r a c te r ís tic a s m a s b e m m e n o s re a l q u e D eu s. O e n sin a m e n to b á s i­
c o m u n s d a c o s m o v is ã o . C ad a u m d e ss e s tip o s id e n ­ co d o p a n te ís m o a b so lu to é q u e o s se re s h u m a n o s
tific a D eu s c o m o m u n d o , m a s v a ria m n a id é ia d e ssa d e v e m s u p e r a r su a ig n o râ n c ia e p e r c e b e r q u e são
id e n tid a d e . T od os os p a n te ís ta s a c r e d ita m q u e D eu s D eu s. O s q u e c o lo c a m u m a d istâ n c ia e n tre D eu s e a
e o m u n d o re a l sã o u m , m a s d ife re m q u a n to à m a ­ h u m a n id a d e e n sin a m u m a v isão d u a lista da p e sso a
n e ir a e m q u e D e u s e o m u n d o e s tã o u n id o s . As — co rp o e a a lm a . O c o rp o in c a p a c ita o se r h u m a n o ,
c re n ç a s b á s ic a s da c o s m o v is ã o p a n te ís ta sã o a p re ­ im p e d in d o - o d e u n ir - s e a D e u s . P o r ta n to , c a d a
se n ta d a s a segu ir. u m deve p u rific a r-s e do seu co rp o p a ra q u e a a lm a
p a n te ís m o 688

p o ssa se r lib e rta p a ra a tin g ir a u n id a d e c o m o S e r Q u an to ao d e stin o h u m a n o in d iv id u al, a m a io ria


A b so lu to . P a ra to d o s o s p a n te ísta s , o o b je tiv o p rin ­ d o s p a n te ís ta s , p rin c ip a lm e n te d o s tip o s o rie n ta is ,
cip a l o u fim ú ltim o da h u m a n id a d e é u n ir -s e a D eu s. acred ita na re e n ca rn a çã o . D ep o is q u e a alm a d eix a o
Ética. Os p a n te ísta s g e ra lm e n te se e sfo rç a m p a ra c o rp o , ela e n tra em o u tro co rp o m o rta l p ara realizar
v iv er m o ra lm e n te c o rre to s e in c e n tiv a r o u tro s a fa ­ seu Carma. E v en tu alm en te o o b jetiv o é d eix a r o co rp o
z er o m e sm o . M u ita s v ezes su a s o b ra s e stã o c h e ia s e, n o caso da m a io ria dos p a n te ísta s, u n ir-se a D eu s.
d e e x o r ta ç õ e s ao u so d o b o m s e n s o , à d e v o ç ã o à Is so é c h a m a d o d e X irvana e s ig n ific a a p e rd a da
v e rd ad e e ao a m o r a ltru ís ta p e lo s o u tro s. in d iv id u alid ad e. A salv ação fin al n esse tip o de siste ­
M a s e s s a s e x o r ta ç õ e s g e r a lm e n te se a p lic a m a m a p a n teísta é da in d iv id u alid ad e da p e sso a , n ão nela,
u m n ív e l in fe r io r d e o b te n ç ã o e s p ir itu a l. Q u a n d o co m o os cristã o s a cred ita m (v. ).
im o r t a l id a d e

u m a p e s s o a a tin g iu a u n iã o c o m D e u s, e la n ã o se A valiação. Contribuições do panteísmo. O p a n te ­


p re o c u p a m a is c o m le is m o r a is . D e s lig a m e n to o u ísm o te n ta e x p lic a r to d a re a lid a d e , e m vez de p a rte s
d e sp re o c u p a ç ã o to ta l c o m a s a ç õ e s e se u s re s u lta ­ d e la . S e s o m o s p a r te d e u m u n i-v e r s o , q u a lq u e r
c o sm o v isã o d eve p ro c u ra r a b r a ç a r e ssa u n id a d e. O
d o s g e ra lm e n te sã o e n s in a d o s c o m o p r é -r e q u is ito
p a n te ísm o tem u m a v isão h o lís tic a d a s c o isa s. Q u al­
p a ra a tin g ir a u n iã o c o m D eu s. C o m o D eu s e stá a lém
q u e r v isã o a b r a n g e n te d e D e u s d ev e in c lu ir a su a
d o b e m e d o m a l, a p e sso a d ev e tra n s c e n d ê -lo s p a ra
p re s e n ç a e a tiv id a d e im a n e n te n o m u n d o . O D eu s
a lc a n ç a r a D eu s. A m o ra lid a d e é e n fa tiz a d a a p e n a s
q u e n ã o se re la c io n a e q u e n ã o p o d e se r e la c io n a r
c o m o p re o c u p a ç ã o te m p o ra l, e p o r trá s d isso n ã o h á
c o m a h u m a n id a d e n ã o re c e b e rá a d o ra ç ã o d e m u i­
b a se a b so lu ta p a ra c e rto o u e rra d o (v. a b s o l u t o s m o ­
to s, e m u ito s se q u e r p e n s a rã o q u e ele a m e re ç a . O
r a is ) . P ra b h a v a n a n d a e C h risto p h e r U sh erw o o d a d ­
p a n te ísm o e n fa tiz a c o rre ta m e n te q u e D eu s e stá n o
m ite m isso q u a n d o d ize m : m u n d o e está in tim a m e n te re la c io n a d o a ele. D eu s
n ão é tra n s c e n d e n ta lm e n te re m o to e to ta lm e n te re ­
Toda ação, sob certas circunstâncias e para certas pesso­ m o v id o d o u n iv e rso .
as, pode ser um m eio para o crescim ento espiritual — se for F in a lm e n te , a ê n fa se q u e o p a n te ísm o dá a n ão
feita com espírito de desligamento. Todo bem e todo m al é re­ a trib u ir lim ita ç õ e s a D eu s n a n o ssa lin g u a g e m so b re
lativo para o ponto individual de crescim en to... M as, no sen­ ele é a d e q u a d a . Se D eu s é ilim ita d o e tra n s c e n d e n te ,
tido m ais elevado, não pode h aver nem bem nem m al to d a s a s lim ita ç õ e s d e v e m se r e lim in a d a s d o s te r ­
(Bhagavad-Gita,ç>. 140). m o s q u e lh e são a p lica d o s. S e m is so , su rg e a id o la ­
tria v e rb a l. O In fin ito n ão p o d e se r c o m p re e n d id o
A ssim , p ara o p a n te ísta , a co n d u ta é tica é u m m eio , p o r n o ss a s id éias fin ita s.
n ão o fim em si m e sm o . É u sad a a p en as p a ra a ju d a r a Críticas. O p a n te ís m o a b s o lu to é c o n t r a d it ó ­
p esso a a a tin g ir o nív el m a is elevad o d e esp iritu alid ad e. rio. O p a n teísm o absolu to a firm a : “ Eu sou D eu s” . M as
No fin al, a realid ad e n ã o é n em b o a n em m á . C om o D eu s é o A b so lu to im u táv el. A h u m a n id ad e, todavia,
P rab h av a n a n d a diz: “S e d isse rm o s: ‘Sou b o m ” ou ‘Sou so fre o p ro c e sso d e m u d a n ç a c h a m a d o ilu m in a çã o
ru im ’, e sta m o s a p en as u san d o a lin g u ag em d e maya e m c o n s e q ü ê n c ia d e s s a p e r c e p ç ã o . E n tã o c o m o
[o m u n d o d a ilu são] ( v . il u sio \ is .m o ) . ‘S o u B ra h m a n ’ é a a s p e s s o a s p o d e ria m s e r D e u s se a s p e s s o a s m u ­
ú n ica a firm a çã o a n o sso resp eito q u e p o d e m o s fazer” d am e D eus n ão m uda?
(Spiritual heritage [H era n ça e sp iritu a l], p. 2 0 3 ). O s p a n te ísta s te n ta m e sc a p a r a e ssa c rític a p e r­
m itin d o a lg u m a re a lid a d e à h u m a n id a d e , s e ja ela
H istória e d estin o h u m an os. O s p a n te ísta s d ifi­
e m a n a c io n a l, m o d a l ou m a n ife sta c io n a l. M a s, se re­
c ilm e n te fa la m so b re h istó ria , e x c e to em fo rm a s m o ­
a lm e n te so m o s a p e n a s m o d o s d e D eu s, p o r q u e não
d ific a d a s d e p a n te ís m o g e r a lm e n te in flu e n c ia d a s
sa b e m o s d isso ? H. P. O w en d escrev e isso c o m o “a m ­
p e lo te ís m o o c id e n ta l (c o m o e m H e g e l). E les n ão
n ésia m e ta físic a ” q u e p e rm e ia to d a s as n o ssa s vid as.
e stã o p re o c u p a d o s c o m e la, p o is ela n ão e x iste , ou é
S e e sta m o s se n d o e n g a n a d o s so b re a c o n s c iê n c ia de
v is ta c o m o u m a s p e c to d o m u n d o d a s a p a rê n c ia s ,
n o s s a e x is tê n c ia in d iv id u a l, c o m o s a b e m o s q u e o
a lg o a se r tra n s c e n d id o . A h istó ria n ã o tem o b je tiv o p a n te ís ta n ão e s tá se n d o e n g a n a d o a o a fir m a r te r
o u fim su p re m o . S e m p re q u e re c e b e alg u m tip o de c o n s c iê n c ia da re a lid a d e a b so lu ta ?
re alid ad e , é se m p re (c o m e x c e ç ã o d o p a n te ísm o de N a v e rd a d e , se o m u n d o é re a lm e n te ilu s ó rio ,
H eg el) c o n sid e ra d a c íc lic a . C o m o a ro d a d e sam sara , c o m o p o d e m o s d is tin g u ir e n tr e re a lid a d e e fa n ta ­
a h istó ria se re p e te e te rn a m e n te . N ão h á e v e n to s s in ­ sia? L a o T se e x p re ssa b e m a p e rg u n ta : “S e , q u an d o
g u la re s n e m e v e n to s fin a is d a h istó ria . N ão há m ilê ­ e s ta v a d o r m in d o , e u e r a u m h o m e m s o n h a n d o
n io , u to p ia o u eschaton. q u e e r a u m a b o r b o le t a , c o m o s e i q u e q u a n d o
689 p a n te ís m o

e sto u a c o rd a d o n ã o so u u m a b o r b o le ta so n h a n d o A cate g o ria 4 é a m a is a ce ita p elo s p a n te ísta s. M a s


q u e é u m h o m e m ? ” (G u in e ss, p. 1 4 ). S e o q u e c o n s i­ se o m al é a p en a s ilu sã o , n o fin al n ão h á p e n sa m e n to s
d e ra m o s c o n tin u a m e n te re a l n ã o é, c o m o p o d e ría ­ e a çõ e s b o a s e m á s. L o g o , q u e d iferen ça fa ria se lo u v a ­
m o s d is tin g u ir e n tr e r e a lid a d e e fa n ta s ia ? T alvez, m o s o u a m a ld iç o a m o s, a co n se lh a m o s o u e stu p ra m o s,
q u a n d o a tra v e s sa m o s u m a a v en id a c o m trê s p ista s a m a m o s o u a ssa s sin a m o s algu ém ? S e , n o fin al, n ã o h á
de trâ n s ito v in d o e m n o ss a d ire ç ã o , n ã o p re c is e m o s d iferen ça m o ra l e n tre essa s a çõ e s, a s re sp o n sa b ilid a ­
n o s p re o cu p a r, p o is é tu d o u m a ilu sã o . S e rá q u e d e ­ d es m o ra is a b so lu ta s n ã o e x iste m . N o fin al d as c o n ta s
v e m o s se q u e r o lh a r p a ra a tra v e s s a r a ru a , se n ó s, o cru eld a d e e n ã o -cru e ld a d e são ig u ais. U m c rític o re­
tr â n s ito e a ru a n ã o e x is tim o s d e v e rd a d e ? S e o s su m iu a q u e stã o c o m a se g u in te ilu stra çã o :
p a n te ísta s v iv esse m se u c o e r e n te m e n te p a n te ís m o ,
n ão so b ra ria n e n h u m p a n te ísta . U m d ia e u e s ta v a f a la n d o p a r a u m g r u p o d e p e s s o a s n o s
N atu reza in co eren te d o panteísmo. 0 p a n te ís ­ a p o s e n to s d e u m jo v e m s u l-a fr ic a n o e m C a m b rid g e . E n tr e ela s,
m o é in c o e re n te (v. p a n t e ís m o ) , e ta m b é m to d a s a s esta v a p re s e n te u m jo v e m in d ia n o q u e e r a d e fo r m a ç ã o s iq u e (v.
fo rm a s de p e n s a m e n to q u e a fir m a m q u e a in d iv i­ siQuiSMo),mas d a re lig iã o h in d u ( v. h in d u ís m o ). E le c o m e ç o u a fa la r
d u alid a d e é u m a ilu sã o c a u sa d a p e la m e n te . D e a c o r ­ fir m e m e n te c o n tr a o c r is tia n is m o , m a s n ã o e n te n d ia re a lm e n te
do c o m o p a n te ís m o , m e n te s sã o a sp e cto s d a ilu sã o o s p ro b le m a s d e s u a s c r e n ç a s . E n tã o e u d is s e : “N ã o e s to u c o r r e ­
e n ão p o d e m d e ssa fo rm a d a r n e n h u m a b a s e p a ra to e m d iz e r q u e , c o m b a s e n o s e u s is te m a , c ru e ld a d e e n ã o - c r u ­
e x p lic á -la . Se a m e n te é p a rte d a ilu sã o , e la n ã o p o d e e ld a d e s ã o ig u a is , q u e n ã o h á d if e r e n ç a in t r ín s e c a e n tr e e la s ? ” .
se r a b a s e p a ra e x p lic a r a ilu sã o . L o g o , se o p a n te ís ­ E le c o n c o r d o u [...] O a lu n o e m c u jo q u a r t o n o s r e u n i m o s ,q u e
m o é v e rd a d eiro ao a firm a r q u e m in h a in d iv id u a li­ e n te n d e r a c la r a m e n te a s im p lic a ç õ e s d o q u e o s iq u e a d m itir a ,
d ad e é u m a ilu sã o , o p a n te ísm o é fa lso , já q u e n ã o h á p e g o u s u a c h a le ir a c o m á g u a fe rv e n d o c o m a q u a l e s ta v a p re s te s
b a se p a ra e x p lica r a ilu sã o (v. D. K . C lark , c a p ítu lo 7 ). a fa z e r c h á e a p o s ic io n o u a c im a d a c a b e ç a d o in d ia n o . O h o m e m
0 p a n te ís m o ta m b é m n ã o c o n s e g u e r e s o lv e r o
o lh o u p a r a c im a , p e r g u n to u o q u e e le e s ta v a fa z e n d o e e le d is s e ,
p ro b lem a do m a l d e m a n e ira sa tisfa tó ria (v. m a l , p r o ­
c o m u m a o b je tiv id a d e fr ia , m a s g e n til:“N ã o h á d if e r e n ç a e n tr e
b l e m a d o ) . D eclarar q u e o m a l é ilu são (v. il u sio n ism o )
c ru e ld a d e e n ã o c ru e ld a d e ” . D e p o is d is s o o h in d u p a r tiu n a n o i­
o u m e n o s q u e real n ã o é a p e n a s fru s tra n te e v azio
te . [ S c h a e ffe r , TheGodwho is there, p. 101 ] .
p a ra o s qu e so fre m c o m o m al, m a s p a re ce filo so fica ­
m e n te in ad eq u ad o . Se o m al n ão é real, q u al é a o ri­
S e o s p a n te ísta s e stã o c o rre to s e m a firm a r q u e a
g em d a ilu sã o ? P o r q u e as p e sso a s tê m so frid o p o r
re a lid a d e n ã o é m o ra l, q u e o b e m e o m a l, c e rto e
ta n to tem p o e p o r q u e o m a l p a re ce tã o real? A p esar
e rra d o sã o in a p licá v e is p a ra o q u e e x iste , e n tã o e s ta r
da a firm a çã o co n trá ria do p a n te ísta , ele ta m b é m so ­
c o r r e to é tã o in s ig n if ic a n t e q u a n to e s t a r e r r a d o
fre dor, a n g ú stia , e p o ste rio rm e n te m o rre rá . A té os
(S c h a e ffe r, He is there an d h e is not silent). A b a s e
p a n te ísta s se p ro stra m d e d o r q u a n d o fica m c o m a p en ­
p a ra a m o ra lid a d e é d e stru íd a . 0 p a n te ísm o n ã o leva
d icite. S a e m d o c a m in h o q u a n d o u m ca m in h ã o vem
o p ro b le m a d o m a l a sé rio . C o m o C. S. L ew is d isse :
n a d ireção d eles p a ra n ão se m a ch u ca re m .
Se D eu s é tu d o , e tu d o é D eu s, c o m o o s p a n te ísta s
“ S e v o c ê n ã o le v a r a s d is t in ç õ e s e n tr e o b e m o m a l a s é r io ,
a firm a m , e n tã o o m a l é u m a ilu sã o e n o fin a l n ão h á
é fá c il d iz e r q u e q u a lq u e r c o is a q u e e n c o n t r a r n e s te m u n d o é
c e rto e e rra d o . P o is h á q u a tro p o s s ib ilid a d e s co m
u m a p a r te d e D e u s . M a s , s e m d ú v id a , s e v o c ê p e n s a r q u e a lg u ­
re la ç ã o ao b e m e o m a l:
m a s co is a s sã o re a lm e n te m á s , e D e u s re a lm e n te b o m , n ã o p o d e

fa la r a s s im "(Cristianismopuro esimples,p. 3 0 ) .
1. Se D eu s é to ta lm e n te b o m , o m a l d eve e x istir
à p a rte de D eu s. M a s is so é im p o ssív e l, já q u e
D eu s é tu d o — n a d a p o d e e x istir se m ele. D e ssa e de o u tra s m a n e ira s, o c o n c e ito p a n te ísta
2. Se D eu s é to ta lm e n te m a u , o b e m d eve e x istir de D eu s é in c o e re n te . D izer q u e D eu s é in fin ito , m a s
se p a ra d a m e n te d e D eu s. Is so ta m b é m n ão é de c e rta fo rm a c o m p a rtilh a su a e x is tê n c ia (ex D eo )
p o ssív e l, já q u e D eu s é tu d o . c o m a c ria ç ã o , é le v a n ta r a q u e stã o d e c o m o o fin ito
3. D eu s é to ta lm e n te b o m e to ta lm e n te m a u . Isso p o d e se r in fin ito — o q u e o s p a n te ís ta s a b so lu to s
n ã o p o d e se r, p o is é c o n tr a d itó r io a fir m a r a firm a m . S e n ã o , é p re c iso c o n sid e ra r o m u n d o fin ito
q u e a m e s m a c o isa é to ta lm e n te b o a e m á a m e n o s q u e real, a p e sa r d e e x istir. V im o s o s p ro b le ­
m e s m o te m p o . A lé m d is s o , a m a io r ia d o s m a s d a p rim e ira o p ç ã o a b so lu ta . M a s a se g u n d a o p ­
p a n te ísta s m a l. ção to rn a D eu s in fin ito e fin ito , p o is su p o s ta m e n te
4. 0 b e m e o m a l sã o ilu só rio s. N ão são c a te g o ­ c o m p a r tilh a su a e x is tê n c ia c o m c r ia tu r a s , o q u e
ria s re ais. im p lic a u m s e r in f in ito to r n a n d o - s e m e n o s q u e
P a s c a l , B la is e 690

in fin ito . M a s c o m o o In fin ito p o d e ser fin ito , o a b ­ P rafi: v.an.'..n T h e s p i r i t u a i h e r i t a g e o t l i n h a .


so lu to se r re la tiv o e o im u táv el ser m u táv el? ___ , Os u r a n i s h a d s : s o p r o v i t a l d o e t e r n o .
O D eu s do p a n te ísm o ta m b é m é in c o g n o sc ív e l. S. R aph \KF.!fHN w , T h e h in d u v i e w o f l i f e .
A p ró p ria a firm a ç ã o “D eu s é in c o g n o sc ív e l de m a ­ J. M. R o?: n>i 'N,.4/i i n t r o d u a i o n to e a r l y G r e e k

n e ira in te le c tu a l” p a re c e d e sp ro v id a de se n tid o ou p h ilo s o p h y


in c o e re n te . P ois, se a a firm a ç ã o em si n ão p o d e ser F. Schaffffr , H e is t h e r e a n d h e is n o t s i l e n t .
e n te n d id a de m a n e ira in te le ctu a l, é in co e re n te. P o r­ ___ , T h e G o d w h o is th e r e .
q u e a a firm a ç ã o é q u e n ad a p o d e ser e n te n d id o s o ­ H. S mith. T h e r e l ig io n s o f m a n .
b re D eu s de m a n e ira in te le ctu a l. M a s o p a n te ísta e s ­ D. T. Si7i'Ki, l n t r o d u c t i o n a o z e n - h u d d h i s m .
p e ra q u e a p re e n d a m o s in te le ctu a lm e n te e ssa v e rd a ­
de — de q u e D eu s n ão p o d e se r e n te n d id o de m a ­ Pascal, ap osta de. V. P ascal, B l a ise .
n e ira in te le ctu a l. Is to é, o p a n te ísta p a re ce e sta r fa ­
z en d o u m a a firm a ç ã o so b re D eu s q u e g a ra n te q u e P ascal, Blaise. M a te m á tic o , c ie n tista e filó so fo fra n ­
ta is a firm a ç õ e s so b re ele n ão p o d em ser fe ita s. M as cês ( 1 6 2 3 - 1 6 6 2 ) . Q u an d o c o n ta v a 16 a n o s, c o m p le ­
co m o p o d e alg u ém q u e a firm a q u e só se p o d e fazer to u u m tra ta d o o rig in a l so b re se ç õ e s c ô n ic a s. C o n ­
a firm a ç õ e s n eg a tiv a s so b re D eu s, faz er u m a a firm a ­ trib u iu p a ra o d e se n v o lv im en to do c á lcu lo d ife re n ­
ção p o sitiv a so b re D eu s? P lo tin o a d m itiu q u e o c o ­ cial e o rig in o u a te o ria m a te m á tic a da p ro b a b ilid a ­
n h e c im e n to n eg a tiv o p re ss u p õ e a lg u m a p e rc e p ç ã o de. V á ria s p ro p o sta s e d e m o n stra ç õ e s m a te m á tic a s
p o sitiv a. S e n ã o , n ão se sa b e ria o q u e negar. re c e b e ra m seu n o m e : triâ n g u lo a ritm é tic o d e P a sca l,
O s c r ít ic o s a in d a a fir m a m q u e a n e g a ç ã o de lei de P a sca l e h e x a g ra m a m ís tic o d e P a sca l.
m u ito s p a n te ís ta s da a p lic a b ilid a d e da ló g ic a à r e ­
A ê n fa se de P asca l n a fé o levou a e n tra r em c o n ta ­
a lid a d e é in c o e re n te . P o is, p a ra n e g a r q u e a ló g ic a
to co m os jan se n ista s, u m gru po cató lico sectário , o p o s­
se a p lic a à re a lid a d e , p a re c e q u e s e ria p re c is o faz er
to aos je su íta s. E n tre os ja n se n ista s ele teve sua “p ri­
u m a a firm a ç ã o ló g ic a so b re a re a lid a d e q u e g a r a n ­
m e ira conversão” (1 6 4 6 ). M ais tard e teve sua “conver­
te q u e n e n h u m a a fir m a ç ã o ló g ic a p o d e s e r fe ita .
são d efin itiva”, q u an d o d esco b riu o “D eu s de A braão,
P or e x e m p lo , q u a n d o o z e n -b u d is ta D. T. S u z u k i diz
D eus d e Isaq u e, D eus de Jacó , n ão d o s filóso fo s e e ru ­
q u e p a ra c o m p re e n d e r a v id a d e v e m o s a b a n d o n a r
d itos” (P a sca l, p. 3 1 1 ).
a ló g ic a (S u z u k i, p. 5 8 ) , e le u sa a ló g ic a n e ss a a fir ­
D ep o is da c o n d e n a ç ã o do a p o lo g ista ja n s e n is ta
m a ç ã o e a a p lic a à re a lid a d e . N a v e rd a d e , a lei da
A n to in e A rn u ald (e m 1 6 5 5 ), P asca l e sc re v e u su a s 18
n ã o - c o n tr a d iç ã o ( a n ã o p o d e s e r a e n ã o -A ) n ã o
Lettrespro i inciales ( C artas p ro v in c ia n a s,! 1 6 5 6 -1 6 5 7 ),
p o d e se r n e g a d a se m q u e a u s e m o s n a p ró p ria n e ­
g a ç ã o (v. p r im e ir o s p r in c íp io s ) . P o rta n to , p a ra n e g a r q u e a ta c a v a m a t e o r ia je s u í t i c a d e g r a ç a e
q u e a ló g ic a se a p lic a à re a lid a d e , é p r e c is o fa z e r m o ra lid a d e . Sua o b ra m a is fa m o s a é Pensamentos,
u m a a firm a ç ã o ló g ic a so b re a re a lid a d e . M a s e n tã o p u b lic a d a a p ó s su a m o r te a p a r tir d e a n o ta ç õ e s
c o m o a p o s iç ã o s e rá d e fe n d id a ? c o m e ç a d a s a n te rio rm e n te . Pensamentos v in d ic o u o
c ris tia n is m o p o r m e io de fa to s, c u m p rim e n to p ro ­
Fontes fético e p o r um ap elo ao c o ra ç ã o (C ro ss, p. 1 0 3 6 ).
B hagalad-G ita. P r a b h a v a n a n d a . tr a d ., c o m C.
F é e R azão. A p esar da o p o siçã o de P asca l a R en é
U s h e r w o o d ; v. e s p . A p é n d . 2: “ T h e G i t a a n d W a r ” .
D e sc a rte s e a p e s a r do seu ra c io n a lis m o c a r te s ia n o
D. K . C l a r k , Thepantheiim ofAlan Watts. d a r-lh e o títu lo im erecid o de fid eísta (v. h d e ís m o ), n a
D. K. C lark, Apologetics in the .Ytnr.-lçt’. verd ad e P ascal o fereceu m u itas e v id ên cia p a ra a p o i­
G. H. C lark , Thales to Dewey. a r a fé cristã . Segu n d o a tra d ição de A g o stin h o , n a qual
W . C o R D U A N ,“ T r a n s c e n d e n t a l i s m : H e g e l ” e m X . L . foi ed u cad o , P ascal acred ita v a q u e a p en as a fé podia
G k is lk r , o rg ., Biblical inerrancy: an analysis o f lib e rta r d o p ecad o e c o lo c a r o h o m e m n u m re la c io ­
its philosophical roots. n am e n to p esso al co m D eus. S em p re h á u m p o u co de
B. HsPINOsA.fílOl. risco na fé, m a s é um risco q u e v ale a p e n a co rrer. Ele
R. F l in t , Anti-theistic theories. co n fe sso u q u e o “co ra ç ã o te m ra zõ e s q u e a p ró p ria
0. G l in e s s , The dustofdeath. razão d e sco n h e ce ” . X o e n ta n to , isso n ão exclu i o uso
S. H v k f t t , Orientalphilosophy da razão p a ra a p o ia r as v e rd ad es da fé c ristã .
G . W . F. H ec .fi , Thephenomenology ot tnitid. A pologética. A a p o lo g ética ra cio n a l de P ascal p ara
C. S. I. f u t s , Cristianismo puro e simples. o c ristia n ism o p ode se r divid id a em trê s p artes. P ri­
H . P. O v e s , Concepts ofdeity m e ira , seu uso da e v id ên cia; segu n d a, o ap elo às p ro ­
Plotino, Enéadas. fecias cu m p rid a s; e terceira , su a fa m o sa “ap osta” .
691 P a s c a l , B la is e

0 uso da evidência. P asca l acred ita v a q u e “ é um Tens duas coisas a perder: o verdadeiro e o bom ; e duas coisas
sin a l d e fra q u ez a p ro v a r a e x istê n c ia d e D eu s a p a r ­ a apostar: tua razão e tua vontade, teu conhecim ento e tua
tir d a n atu reza ” (P a sc a l, n .° 4 6 6 ). E le a cre sc e n ta : “ É felicidade; e tua natureza tem duas coisas a evitar: erro e des­
u m fato su rp re e n d e n te q u e n e n h u m a u to r c a n ô n ico graça [...] Examinem os o ganho e a perda envolvidos em apos­
ja m a is te n h a u sad o a n a tu re z a p a ra p ro v a r a e x is tê n ­ tar “cara”, que Deus existe. Estimemos os dois casos: se ganha­
cia de D eu s” (ib id ., n .° 4 6 3 ). No e n ta n to , ele d e sc re ­ res, ganharás tudo, se perderes não perderás nada. Então não
veu doze “p ro v a s” do c ris tia n is m o : hesita; aposta que ele existe...
Confesso, adm ito isso, m as na verdade será que não há
1. ... relig ião c ristã , p elo fato de se r e sta b e le c id a m aneira de ver quais são as cartas? Sim. As Escrituras e o resto
tã o firm e e g e n tilm e n te , a p e sa r de tã o c o n tr á ­ etc. Sim, m as m inhas m ãos estão am arradas e m eus lábios,
ria à n atu re za ;
selados; estou sendo forçado a apostar e não sou livre; estou
2. a sa n tid a d e , su b lim id a d e e h u m ild a d e de u m a
preso e por natureza não posso crer. O que queres de m im en­
a lm a c ristã ;
tão? Isso é verdadeiro, mas pelo m enos entende que, se és in­
3. os m ila g res d as sa n ta s E s c ritu ra s ;
capaz de crer, é por causa das tuas paixões, já que a razão te
4. Je su s C risto e sp e c ific a m e n te ;
impele a crer e no entanto não consegues. Concentra-te então
5. os a p ó s to lo s e sp e c ific a m e n te ;
em não te convenceres por provas numerosas da existência de
6. M o isé s e o s p ro fe ta s e s p e c ific a m e n te ;
Deus, mas pela redução das tuas paixões. Queres encontrar a fé
7. o p o v o ju d eu ;
e não conheces o cam inho. Queres ser curado da descrença e
8. p ro fe c ia s ;
9. p e rp e tu id a d e : n e n h u m a re lig ião d e sfru ta de pedes pelo remédio: aprende com os que foram presos com o
p e rp e tu id a d e ; tu e que agora apostam tudo que têm . Estas são as pessoas que
10. d o u trin a , e x p lica n d o tu d o ; conhecem o cam inho que queres seguir, que foram curadas da
11. a sa n tid a d e d e ssa lei, e aflição da qual com eçaram . C om portaram -se com o se cres­
12. a o rd e m d o m u n d o (ib id ., n .° 4 8 2 ). sem, tomando água benta, encomendando missas, e assim por
diante. Isso te fará crer naturalmente, e te tornará dócil. M as é
A lgu m as d e ssas ev id ên cia s P asca l d iscu te e x te n ­ disso que tenho m edo. Mas por quê? O que tens a perder? No
sa m en te. A prova b ase a d a n a p ro fecia a b ran g e Pensa­ entanto, para te m ostrar que esse é o cam inho, a verdade é que
mentos n .° 4 8 3 -5 1 1 . E le o b serv a a n atu re za so b re n a tu ­ isso dim inui as paixões que são teus m aiores obstáculos...”
ral d as p ro fecias, já q u e “e screv era m e ssa s co isa s m u i­ Digo que ganharás m esm o nesta vida, e que a cada passo
to an tes de a co n tece re m ” (ib id ., n .° 4 8 4 ). In d ic a su a que tom ares nesse cam inho verás que teu ganho é tão certo e
e sp ecificid ad e, cita n d o a p rev isão feita p o r D an iel so ­ teu risco tão insignificante que no final perceberás que apos­
b re em q u e an o o M e ssia s m o rre ria (ib id ., n .° 4 8 5 ). taste em algo certo e infinito pelo qual não pagaste nada.
C om re la ção à p ro fe cia m e ssiâ n ic a , ele d escrev e v á ri­
as p rev isõ es d eta lh ad a s, ta is c o m o o p re c u rso r d e C ris­ S e g u n d o a a p o s ta d e P a sc a l, n in g u é m p e rd e ao
to (M l 3 ), seu n a sc im e n to (Is 9 ; M q 5 ) e su a o b ra em a p o s ta r q u e D eu s e a im o rta lid a d e e x iste m . M e s m o
Je ru sa lé m p a ra ce g ar o s sá b io s e estu d io so s, Isa ía s 6 ,8 , q u e n ão se p o ssa p ro v a r a e x istê n c ia d e D eu s o u d o
2 9 (ib id ., n.° 4 8 7 ) (v. profecia como pro\a da B íblia). p ó s-v id a , é u m a b o a a p o s ta a c re d ita r n e le s. N ão te ­
Aposta de Pascal. E m Pensam entos, o fe r e c e u a m o s n a d a a p e rd er. S e D e u s n ã o e x is te , a v id a d o
Aposta. S u p o n d o , c o m o P a s c a l, q u e n ã o p o d e m o s c re n te é u m a v id a m a ra v ilh o sa d e q u a lq u e r fo rm a .
sa b e r c o m c e rte z a so m e n te p e la ra zã o se D eu s e x iste Se e le e x iste , m u ito m a is a in d a . A lém d e ssa v id a se r
o u o q u e e stá a lé m d e sta v id a , c o m o d e v e m o s viver
m a ra v ilh o s a , a p ró x im a s e rá a in d a m e lh o r. E n tã o ,
n e sta vida? Q ual a p ro b a b ilid a d e d e h a v e r u m D eu s
c r e r e m D e u s e n a v id a fu tu ra é u m a b o a a p o s ta ,
e u m a p ó s-v id a ? P a sc a l e scre v e u :
ta n to p a ra e sta vid a q u a n to p a ra a fu tu ra .
A a p o sta n ã o p o d e se r e v ita d a . D e v e m o s c r e r e m
Ou Deus existe ou nâo existe. M as para que lado nos incli­
D eu s o u n ã o c re r n ele. Já q u e n ã o p o d e m o s d e ix a r de
naremos? A razão não pode decidir essa questão. O caos infini­
a p o sta r, a p ro b a b ilid a d e e stá su rp re e n d e n te m e n te a
to nos separa. Na extremidade dessa distância infinita um a
moeda é lançada que dará cara ou coroa. Qual será tua aposta? fa v o r d e D eu s.
A razão não pode fazer-te escolher nenhuma delas, arazão não O jo g o d a v id a d ev e se r jo g a d o . M e s m o o s q u e
pode provar que qualquer uma das duas esteja errada... d ão fim à p ró p ria vid a d e v e m jo g a r ; ele s a p e n a s e n ­
Sim, m as deves apostar. X ão há escolha, já estás compro­ c u r ta m a d u ra ç ã o d o jo g o . M a s s u p o r q u e n ã o h á
metido. Qual escolherás então? Vejamos: já que uma escolha D eu s a lém da se p u ltu ra é u m a a p o s ta a rris c a d a —
deve ser feita, vejamos qual te oferece o menor interesse. q u e n ão v ale a p en a fazer. P o rém su p o r q u e h á u m
P a s c a l , B la is e 69 2

D e u s é u m a a p o s ta q u e n ã o v a le a p e n a d e ix a r d e ta m b é m n ã o é u m a c r ític a d a A p o sta . N o m á x im o
faz er. P o is c r e r q u e h á u m D eu s tra z re c o m p e n sa s e x c lu iria a p e n a s o s q u e a cre d ita m e m D eu s p o r c a u ­
n e sta vid a c o m c e rte z a e p o ssiv e lm e n te na p ró x im a . sa d ela . A lém d is s o , o a rg u m e n to é b a s e a d o n u m a
M a s su p o r q u e n ã o h á D eu s tra z in fe lic id a d e n e sta v isão fa lh a d o c a r á te r de D eu s. N e n h u m D eu s m o ­
vid a e a p o ssib ilid a d e d e m a is in fe licid a d e n o fu tu ­ ra lm e n te d ig n o , se m fa la r d o D eu s ra c io n a l, c a s tig a ­
ro. N as p a lav ra s do p ró p rio P asca l: ria a lg u é m q u e u sa a s a b e d o r ia p a ra p e n s a r so b re
se u d e stin o fin al.
Isso não deixa escolha; onde houver infmitude, e não hou­ O a teu G eorg e H . S m ith a rg u m e n ta q u e se p e rd e
ver uma infinidade de probabilidades de perder ao invés de m u ito ao fazer ta l a p o sta :
ganhar, não há espaço para hesitação, deves dar tudo.
O que tem os a perder? Integridade intelectual, auto-esti-
A valiação. Sua abordagem é fideísta (v. fid eísm o ). ma e uma vida passional e satisfatória, antes de mais nada. Em
P a sc a l, a p e s a r de e n fa tiz a r o c o ra ç ã o e a fé, n ã o é u m resum o, tudo que torna a vida agradável. Longe de ser um a
fid eísta . E m Pensamentos n .° 149, ele co lo ca n a b o c a aposta segura, a aposta de Pascal exige a aposta da vida e feli­
de Je su s e sta s p a lav ra s: cidade da pessoa (Sm ith, p. 184).

Não quero que creias em m im subm issam ente e sem ra­ M a s n ã o e stá tã o c la ro q u e s e ja e s s e o c a s o . 0
zão; não pretendo subjugar-te pela tirania. Nem afirm o expli­ p ró p rio P asca l foi u m h o m e m d e g ra n d e in te le cto e
car tudo [...] Quero m ostrar-te, por meio de provas claras e con­ g ra n d e in te g rid a d e , c o m o a m a io ria d e se u s in im i­
vincentes, as marcas da divindade em m im que te convencerão gos está d isp o sta a a d m itir. E c e rta m e n te é falso a fir­
do que sou, e estabelecer m inha autoridade pelos m ilagres e m a r q u e P a s c a l e o u tr o s c r is tã o s in te lig e n te s n ã o
provas que não podes rejeitar, de form a que crerás nas coisas tê m u m a “vida sa tisfa tó ria ” . N a v erd ad e, is so é p a rte
que ensino, não encontrando razão para rejeitá-las exceto tua
da a p o sta de P a sca l, o u s e ja , q u e n ã o te m o s n a d a a
própria incapacidade de reconhecer se são verdadeiras ou não.
perd er, já q u e só e ssa vid a d e fé — m e sm o q u e D eu s
Isso obviam ente não é fideísmo.
n ão e x ista — é e m in e n te m e n te s a tis fa tó r ia . F in a l­
m e n te , S m ith ig n o ra o p o n to p rin cip a l d e P a sca l: o
Seu argum ento com base na profecia é fa lh o. A
cre n te ta m b é m a g u ard a a re co m p e n sa e te rn a . “ Tudo
v isã o d e P a sc a l fo i su b m e tid a a s é ria s c r ític a s n o
a g a n h a r e n ad a a p e rd e r” ; a in cre d u lid a d e tem d ifi­
sé cu lo xvin. 0 d e ísta F ra n ç o is -M a rie V oltaire (1 6 9 4 -
cu ld a d e s p a ra re fu ta r P a sca l.
1 7 7 8 ) é típ ic o . C o m re la ç ã o a o s m ila g r e s , V o lta ire
É p o ssív e l d e sa fia r a p re m issa d e q u e o s c re n te s
e screv eu : “N en h u m a d as p ro fe cia s qu e P a sca l m e n ­
n ão tê m n ad a a perd er. Se n ã o h á D eu s, o s c ristã o s se
c io n o u p o d e se r a p lic a d a h o n e s ta m e n te a C risto ; e
s u b m e te m a u m a v id a d e s a c rifíc io p o r n ad a (2C o
su a d isc u ssã o so b re m ila g res era ab su rd a ” (T orrey, p.
1 1 .2 2 -2 8 ; 2T m 3 .1 2 ). E les p e rd era m u m a b o a d o se de
2 6 4 ). No e n ta n to , c o m o v e m o s n o a rtig o profecia como
a leg ria p o r ser c re n te s . M a s, lev a n d o em c o n ta q u e o
prova da B íb l ia , as p e rg u n ta s dos d e ísta s p o d e m se r
c re n te te m v e rd a d eira a leg ria e paz, p e rd ão e esp e ­
re sp o n d id a s e o a rg u m e n to d e P a sca l p o d e se r v in ­
d ic a d o c o m o d e fe sa d o c ris tia n is m o . ra n ç a , m e s m o e m m e io ao so frim e n to (R m 5 , T g 1),
Suas posições não eram iluminadas. V o ltaire, n a e ssa n ã o é u m a a leg a çã o co n v in ce n te.
v ig ésim a q u in ta ca rta filo só fica , d ecla ro u q u e a p o si­ N o e n ta n to , a a p o s ta n ã o é p ro v a da e x istê n c ia de
ção d e P a sc a l so b re a q u ed a, re d e n çã o , p ro v id ê n cia D e u s, m a s u m c a m in h o d e p ru d ê n c ia . E la a p e n a s
d ivin a, p red estin a çã o e gra ça n ão era n em ilu m in a d a m o s tra q u e é to lic e n ã o a c r e d ita r em D eu s. R e sta a
n e m h u m a n itá ria e q u e ele in cen tiv av a o fan a tism o . q u e stã o se o c a m in h o “sá b io ” leva à v erd ad e.
Q u an to à “A p o sta” de P a sc a l, V o ltaire fico u c h o ­
c a d o q u e ele re c o rre re s s e a ta l m e io p a ra p ro v a r a Fontes
e x istê n c ia de D eu s. S e “o s cé u s p ro c la m a m a g ló ria D. A damsos, Blaise Pascal: mathematician, physidst,
de D eu s” , p o r q u e P asca l re b a ix a ria a e v id ê n cia e te r­ and thinker about God.
n a d e D eu s n a n atu reza (v. D e u s , e v i d ê n c i a s d e ) ? W. K aufm.asx, Critique o f religion an dphilosophy.
C erta vez, W a lter K a u fm a n n , p ro fe sso r d a U n i­ P. K rf.f.ft, Christianity for modem pagans: Pascais
v e rsid a d e d e H a rv ard , a firm o u e m to m d e z o m b a ria pensées.
q u e talv ez o D eu s d e P a sca l “u ltra p a ss a ss e L u tero ” . B . P ascal, Pensées.

Is to é , “ D eu s p o d e ria ca s tig a r a q u ele s c u ja fé é in sp i­ “Pascal, Blaise”, em F. L. C ross, et al., orgs., The


ra d a p ela p ru d ê n c ia ” (K a u fm a n n , p. 1 7 7 ). M a s isso Oxford dictionary ofthe christian church, 2a ed.
693 P á s c o a , co n s p ira ç ã o d a

R. H. P opkin , “Pascal”, em P. Edwards, org., A natureza d a profecia sobrenatural. Ao c o n trá rio


Encyclopedia o f philosophy. d a “co n sp ira çã o d a P ásco a ” , a p ro fecia m e ssiâ n ica é
G. H. S m ith , Atheism: the case against God. sobrenatural (v. profecia como prova da B íblia). E, n o caso
H. F. S teward , Pascal's apology for religion. de C risto, h á m u itas razões pelas quais ele n ão poderia
N. T orrey, “Voltaire, François-M arie Arouet De”, em te r m anip u lad o eventos p a ra d ar a en ten d er q u e cu m ­
P. E dwards, ed., Encyclopedia o f philosophy. p rira to d as as previsões sobre o M essias do at.
C. C. J. W ebb , Pascal’s philosophy o f religion. A n te s d e m a is n a d a , is s o e ra c o n tr á r io a o se u
c a r á te r h o n e sto , c o m o m e n c io n a d o a cim a . P re su m e
Páscoa, conspiração da. A hipótese da conspiração q u e ele e ra u m d o s m a io re s e n g a n a d o re s d e to d o s o s
da Páscoa. The Passover plot [A conspiração da Pás­ te m p o s. P re ssu p õ e q u e ele n ã o e ra n e m m e sm o u m a
coa] é u m liv r o d o te ó lo g o r a d i c a l d o n t H . J. p e sso a b o a , m u ito m e n o s o h o m e m p e rfe ito q u e o s
S c h o n fie ld , q u e p ro p ô s q u e Je su s fo i u m c o n s p ir a ­ e v an g elh o s a firm a m ser. H á v á ria s lin h a s d e e v id ê n ­
d o r m e ssiâ n ic o in o c e n te q u e a rm o u u m “e sq u e m a ” c ia q u e se u n e m p a ra d e m o n s tr a r q u e e s s a é u m a
p a ra “c u m p r ir ” p ro fe c ia s e s u b s ta n c ia r su a s a le g a ­ te se c o m p le ta m e n te im p la u sív e l.
çõ es (S c h o n fie ld , p. 3 5 - 8 ) . D e a co rd o co m a c o n sp i­ S e g u n d o , n ã o e x iste a p o ssib ilid a d e d e Je su s te r
r a ç ã o , Je s u s s e c r e ta m e n te “tr a m o u e m f é ” ( ib id ., c o n tro la d o ta n to s e v e n to s n e c e s s á rio s p a ra o c u m ­
p .1 7 3 ), m a q u in o u co m u m jo v e m , L á za ro , e Jo sé de p rim e n to d a s p ro fe c ia s d o At so b re o M e s sia s. P o r
A rim a té ia , p a ra fin g ir a m o r te n a c ru z , s e r r e a n i­ e x e m p lo , ele n ão tin h a c o n tro le so b re o n d e n a s c e ria
m a d o n o tú m u lo e d e m o n s tra r a o s se u s d isc íp u lo s (M q 5 .2 ) , s o b r e c o m o n a s c e r ia ( I s 7 .1 4 ) , q u a n d o
(q u e n ã o s a b ia m d a c o n s p ir a ç ã o ) q u e e le e r a o m o rre ria (D n 9 .2 5 ) , d e q u al trib o (G n 4 9 .1 0 ) e lin h a ­
M e s s ia s . N o e n ta n to , o p la n o d eu e rra d o q u a n d o o s g em se ria (2 S m 7 .1 2 ), e v á ria s o u tra s c o isa s.
so ld a d o s r o m a n o s p e rfu ra r a m o la d o d e Je s u s e ele T e rc e iro , s o m e n te d e fo r m a s o b r e n a tu r a l Je su s
m o r r e u . O s d is c íp u lo s , to d a v ia , c o n fu n d ir a m o u ­ p o d e ria te r m a n ip u la d o o s e v e n to s e a s p e s s o a s n a
tra s p e sso a s c o m C risto a lg u n s d ia s d e p o is e a c r e ­ su a v id a a fim d e q u e r e a g is s e m e x a ta m e n te d a
d ita r a m q u e e le h a v ia r e s s u s c it a d o d o s m o r to s m a n e ir a n e c e s s á r ia p a ra fa z e r p a r e c e r q u e e le e s ­
(S c h o n fie ld , p. 1 7 0 -2 ). ta v a c u m p rin d o to d a s e s s a s p ro fe c ia s , in c lu in d o a
Um desafio à conspiração da Páscoa. Se v erd a ­ p r o c la m a ç ã o d e J o ã o ( M t 3 ) , a s r e a ç õ e s d e s e u s
d e ira , a “c o n sp ira ç ã o d a P á sc o a ” re fu ta ria o c r is tia ­ a c u s a d o re s (M t 2 7 .1 2 ) , c o m o o s s o ld a d o s la n ç a ra m
n ism o o rto d o x o , q u e to m a p o r b a s e a c re n ç a d e q u e s o r te p a ra le v a r s u a s v e s te s (Jo 1 9 .2 3 ,2 4 ) e c o m o
Jesu s realm en te era o M essia s q u e cu m p riu so b re n a ­ tr a s p a s s a r ia m s e u la d o c o m u m a la n ç a (Jo 1 9 .3 4 ) .
tu ra lm e n te as p ro fe cias do a t m o rreu n a c ru z e re s­ N a re a lid a d e , a té S c h o n fie ld a d m ite q u e a c o n s p i­
su scito u d o s m o rto s trê s d ias d ep o is (IC o 1 5 .1 -5 ). Sem ra ç ã o fa lh o u q u a n d o o s r o m a n o s p e rfu ra r a m C ris ­
essa s v erd ad es b á sica s, n ão h á c ristia n ism o h istó rico to . O fa to é q u e q u a lq u e r p e s s o a c o m to d o e s s e
(IC o 1 5 .1 2 -1 8 ). L ogo, é o b rig a çã o d o ap o lo g ista e v an ­ p o d e r m a n ip u la d o r te r ia d e s e r d iv in a — e x a ta ­
g élico refu ta r a h ip ó tese d a c o n sp ira çã o da P ásco a. m e n te o q u e a h ip ó te s e d a P á s c o a te n ta e v ita r. E m
Pelo m e n o s trê s d im e n sõ e s b á sic a s d a a p o lo g é tica re s u m o , é p re c is o u m m ila g r e m a io r p a ra c r e r n a
tra d ic io n a l são q u e stio n a d a s p o r e ssa su p o sta c o n s ­ c o n s p ira ç ã o d a P á s c o a q u e p a ra a c e ita r q u e a s p r o ­
p ira ç ã o : o c a rá te r de C risto , a n a tu re z a s o b re n a tu ra l fe c ia s sã o s o b r e n a tu r a is .
d as p re d iç õ e s m e ssiâ n ic a s e a re ssu rre iç ã o d e C ris­ A ressurreição d e Cristo.“A c o n s p ira ç ã o d a P á s ­
to . E las se rã o a v aliad as n e ssa o rd e m . coa” o ferece u m c e n á rio im p lau sív el c o m o a lte rn a ti­
O caráter de Cristo. Se a su p o sta c o n sp ira ç ã o fo r va p a ra a ressu rre içã o d e C risto. Isso se d á p o r v árias
v erd ad eira, Jesu s n ão era n e m u m p o u co “in o ce n te ” . razõ es. P rim e ira , é c o n trá ria a o s reg istro s d o s ev an g e­
E ra u m c o n sp ira d o r m e s s iâ n ic o , d issim u la d o e e n ­ lh o s, q u e sã o co m p ro v a d a m e n te c o n fiá v e is (v. Novo
ganad or. P re ten d ia en g a n a r seu s d iscíp u lo s m a is p ró ­ T estamento, historicidade do), te n d o sid o e sc rito s p o r
x im o s fa z e n d o -o s c re r q u e era o M e ssia s, q u a n d o n a te s te m u n h a s o c u la re s e c o n te m p o râ n e o s d o s e v e n ­
v erd ad e n ão era. M as e ssa tese é c o n trá ria a o c a rá te r to s. S e g u n d a , ig n o ra to ta lm e n te o te ste m u n h o p o d e ­
de C risto c o n h e c id o p elo s re g istro s d o s ev an g e lh o s, ro so d a re s s u rre iç ã o d e C ris to (v. ressurreição, evi­
q u e sã o co m p ro v a d a m e n te c o n fiá v e is (v. Novo T e s ­ dências da ), in c lu in d o : 1) u m tú m u lo p e r m a n e n te ­

Novo T e sta m en to , h isto r ic id a d e


ta m en to , m a n u sc r ito s d o ; m e n te v a z io ; 2 ) m a is d e q u in h e n ta s te s te m u n h a s
do; N ovo T est a m e n t o , datação d o ). O Jesu s dos e v an g e ­ o c u la r e s ( I C o 1 5 :5 - 7 ) ; 3 ) c e r c a d e d o z e a p a riç õ e s
lh o s é o e x e m p lo p e rfe ito de h o n e stid a d e e in te g ri­ fís ic a s d e C ris to n o m e s m o c o rp o m a rc a d o p e lo s
d ad e (v. C r is t o , sin g u la r id a d e d e ). cra v o s (Jo 2 0 .2 7 ) , 4 ) d istrib u íd a s d u ra n te o p e río d o
P e n ta te u c o , a u to r ia m o s a ic a do 694

de q u a re n ta d ia s (A t 1 .3 ), 5 ) d u ra n te os q u a is Jesu s D an iel 9 .1 1 e M ala q u ia s 4 .4 . Je su s cito u o P en tateu co ,


c o m e u c o m eles p elo m e n o s q u a tro v ezes e o s e n s i­ a trib u in d o a fo n te a M o isé s e m M a rco s 7 .1 0 e L u cas
n o u so b re o R e in o d e D eu s; 6 ) a tra n s fo r m a ç ã o , da 2 0 .3 7 . A m a io ria d o s c rític o s m o d e rn o s n eg a a a u to ­
n o ite p a ra o d ia , d e d is c íp u lo s m e d r o s o s , c é tic o s , ria m o sa ic a e a trib u i as o b ra s a u m g ru p o c o m p le x o ,
d iv id id o s , n a m a io r s o c ie d a d e m is s io n á r ia q u e o m u ito p o ste rio r, d e e s c rib a s e e d ito re s sa c e rd o ta is.
m u n d o ja m a is c o n h e c e u ! O o b je tiv o e ra e v ita r o s r e g is tr o s d o s liv ro s so b re
Conclusão. “A co n sp ira ção da P ásco a ” é na verd a­ o c o r r ê n c ia s s o b r e n a tu r a is e a u to rid a d e d iv in a (v.
d e u m c e n á rio im p lau sív el, b a se a d o em p re ssu p o si­ Bíblica, critica; edição do Antigo Testamento, critica de;
çõ es in ju stifica d a s e c o n trá rio a m u ito s fato s c o n h e ­ W ellhausen.J ulius).
c id o s . P o r e x e m p lo , e la s u p õ e : 1) d a ta s r e c e n te s Já n o s é c u lo xvn, B a r u c h E spinosa n e g o u q u e
in ju stificad as p a ra os evan gelh os (v. Novo T e s t a m e n t o , M o is é s e sc re v e ra o P e n ta te u c o . M u ito s e s tu d io s o s
d a t a ç ã o d o ) ; 2 ) u m p re co n ce ito a n ti-s o b re n a tu ra lista
c r í t i c o s u n ir a m - s e a e le n o s é c u lo xix. Ju liu s
(v. m i l a g r e ) ; 3 ) u m c a rá te r falh o de C risto (v. C r i s t o ,
W e llh a u se n a firm o u q u e o s c in c o p rim e iro s liv ro s
s i n g u l a r i d a d e d e ) ; 4 ) a in g en u id a d e in crív el d o s seu s
fo ram escrito s p o r várias pesso as, e n o m eo u as partes:
d iscíp u lo s; 5 ) ca so s n u m e ro so s d e id en tifica ção e rra ­
ja v ista (i), elo ista (e ), sa cerd o tal (p) e d e u tero n o m ista
da ap ó s su a m o rte (v. r e s s u r r e i ç ã o , e v i d ê n c i a s d a ; r e s s u r ­
( d). C a r a c te r ís tic a s lite r á r ia s su p o s ta m e n te d is tin ­
r e i ç ã o , t e o r i a s a l t e r n a t i v a s d a ) ; 6 ) u m a tra n sfo rm a çã o
g u ia m esse s a u to res.
m ilag ro sa b a se a d a n u m e rro to tal.
E n tre o s a rg u m e n to s o fe r e c id o s p a ra d e m o n s ­
D e u m a p e rsp e c tiv a p o sitiv a , a su p o s ta c o n s p i­
ra ç ã o é c o n trá ria : 1) às d a ta s a n tig a s d o s e v a n g e lh o s; tra r q u e M o isé s n ã o p o d e ria te r e sc rito o s p rim e iro s
2 ) à m u ltip lic id a d e d o s re g is tro s d a s te s te m u n h a s liv ro s, sete fo ra m m u ito u sad o s:
o c u la re s: 3 ) à v e rific a ç ã o d a h is tó ria e d a a rq u e o lo ­
g ia (v. a r q u e o l o g i a d o Novo T e s t a m e n t o ) ; 4 ) ao c a rá te r 1. M o isé s n ã o p o d e ria te r e s c rito o re g is tro da
c o n h e c id o d o s d iscíp u lo s d e Je su s; 5 ) ao tú m u lo p e r­ su a m o rte e m D e u te ro n ô m io 3 4 .
m a n e n te m e n te v a z io ; 6 ) à n a tu re z a d a s a p a riç õ e s 2. C erta s p a rte s são p a re n té tic a s , p o rta n to d e ­
a p ó s a re ssu rre iç ã o ; e 7 ) ao n ú m e ro in crív e l d e te s ­ v em te r sid o a cre sc e n ta d a s (p . e x ., D t 2 .1 0 -1 2 ;
te m u n h a s o c u la re s d o C risto re ssu rre to — m a is de 2 .2 0 2 3 ).
q u in h e n ta s. E m re su m o , a te se de A conspiração da 3. M o isé s a in d a n ão e stav a viv o q u a n d o o s e v e n ­
Páscoa é a p e n a s m a is u m a b ela te o ria a rru in a d a p o r to s de G ê n e sis fo ra m re g istra d o s.
u m c o n ju n to b ru ta l de fato s. 4. N o m e s d ife r e n te s d e D e u s s ã o u s a d o s e m
p a rte s d ife re n te s, re fle tin d o um a u to re s d ife ­
Fontes re n te s.
C. B lomberg , T he h is tó r ic a ! r e lia b ility o f th e G ospels.
5. O s n o m e s d e a lg u n s lu g a re s n ã o sã o o s q u e
G. H abermas, T h e h is tó r ic a ! Jesus. te ria m sid o u sa d o s n a é p o ca d e M o isé s, m a s
H. J. ScHONRiELD, T he P a s s o v e r p lo t. b e m m a is ta rd e .
E. Y amauchi, “Passover p lo t o r E a ste r trium ph”, em 6. Há re fe rê n cia a Isra el n a te rra p ro m e tid a, m a s
Jo h n W . M o ntg o m ery, Christianity for the toughminded. M o isés m o rreu a n te s d e o p ovo e n tra r (D t 3 4 ).
C. W ilson , The Passover plot exposed.
Resposta aos argumentos. O s te ó lo g o s c o n s e r ­
P au lo, supostas co n trad içõ es en tre Jesus e a re ­ v a d o re s re sp o n d e ra m q u e n e n h u m d e ss e s a rg u m e n ­
ligião de. V B í b l i a , s u p o s t o s e r r o s n a ; m i t r a i s m o . to s é fo rte o su fic ie n te p a ra ju s tific a r as a firm a ç õ e s
e te o ria s e x tra o rd in á ria s q u e su rg ira m d ela s n o s e s ­
p ecad o, efeitos n oético s do. V. n o é t ic o s do pecado , tu d o s d o At. H á ra z õ e s m a is fo rte s p a ra a trib u ir o
e f e it o s ; c e t ic is m o ; V. a g n o s t i c l s m o ; a p o l o g é t ic a , n e c e s s id a ­ P en ta te u co a M o isé s.
d e d a ; a p o l o g é t ic a , o b jeç õ es à ; B íb l ia , c r it ic a d a ; c e r t e z a / O registro da morte de Moisés. C o m o M o isé s era
c o n v ic ç ã o ; f é e r a /. ã o ; D e u s , o b jeç õ es à s pr o va s d e ; H u m e, u m p ro fe ta (D t 1 8 .1 5 ; A t 3 .2 2 ) q u e p o ssu ía d o n s e
D a v id ; K an t, Im m a n u e l ; m il a g r e s , v a l o r a p o l o g é t ic o d o s . h ab ilid a d e s m ila g ro so s (v., p. e x ., Ê x 4 ), n ã o h á ra zã o
p a ra e le n ã o p o d e r e sc re v e r o re g istro d a su a m o rte
P en tateu co, au to ria m o sa ica do. A B íb lia a trib u i de a n te m ã o (v. milagres, valor apologético dos).
o s p rim e iro s c in c o liv ro s d a B íb lia , G ê n e sis, Ê x o d o , No e n ta n to , c o m o n ão h á sin a is n o p ró p rio te x to
L e v ítico , N ú m ero s e D e u te ro n ô m io , o P en tate u co , a d e q u e se ja u m a p ro fe c ia , p o d e te r sid o e sc rito p o r
M o is é s e m Ê x o d o 2 4 .4 ; Jo s u é 1 .7 ,8 ; E s d r a s 6 .1 8 ; se u s u c e ss o r. T e ó lo g o s c o m o R . D. W ils o n , M e r rill
695 P e n ta te u c o , a u to r ia m o s a ic a d o

U n ger, D o u g la s Y o u n g, R . L a ird H a rris , G le a s o n L. a n e x a d a a ela a fra se “E sta é a h istó ria da ...” o u “ E ste
A rcher, Jr. e R. K. H a rriso n fa c ilm e n te a ce ita m q u e o é o R e g istro d [e ] a s g e ra çõ e s d o s...”. E s s a s fra se s o c o r­
c a p ítu lo fin a l d e D e u te r o n ô m io p ro v a v e lm e n te fo i re m e m to d o o liv ro d e G ê n e sis (2 .4 ; 5 .1 ; 6 .9 ; 1 0 .1 ,3 2 ;
a c r e s c e n ta d o p o r Jo su é o u o u tra p e sso a p ró x im a a 1 1 .1 0 ,2 7 ; 2 5 .1 2 ,1 9 ; 3 6 .1 ; 3 7 .2 ), lig an d o -o c o m o u m a
M o isé s. Is so , n a v e rd ad e, a p o ia a te o r ia d e c o n tin u i­ sé rie d e re g istro s fam ilia re s e g en ealog ias. À s vezes o s
d a d e d o s p ro fe ta s e s c rito re s , (u m a te o ria se g u n d o a re g is tro s sã o a té c h a m a d o s liv ro [h e b .= s e / e r](5 .1 ).
q u al cad a p ro fe ta s u c e ss o r) e sc re v e o ú ltim o c a p ítu ­ C om o líd er do p o v o ju d e u , M o isés te ria a ce sso a esses
lo d o livro d e seu p red ecesso r. A a d içã o d e u m c a p í­ re g istro s fa m ilia re s da h istó ria p a ssa d a e p o d eria tê-
tu lo so b re o fu n e ra l d e M o isé s e sc rito p o r o u tro p r o ­ lo s co m p ilad o d a fo rm a q u e c o n h ece m o s pelo G ênesis.
feta, se g u n d o o c o stu m e d a é p o ca , n ã o a lte ra d e fo r­ Nomes diferentes para Deus. Os c rític o s a rg u m e n ­
m a a lg u m a a c r e n ç a d e q u e M o is é s fo i o a u to r de ta m q u e n o m e s d ife r e n te s d e D e u s e m p a s s a g e n s
tu d o a té o c a p ítu lo fin a l. Is s o c e r ta m e n te n ã o se d i f e r e n t e s in d ic a m a u to r e s d if e r e n t e s . I n d ic a m
a ju sta ao c e n á rio jedp. G ê n e sis 1, o n d e o su p o sto a u to r e lo ísta ( e ) u sa e x c lu ­
Seções parentéticas. A s s e ç õ e s p a r e n té tic a s e m s iv a m e n te ’elohim p a ra D e u s. M a s e m G ê n e sis 2 a
D e u te ro n ô m io 2 n ã o p re c is a m s e r re d a ç õ e s p o s te ­ fra se Yahweh ’e lohim (S enhor D e u s) é u sad a. O u so d e
rio re s. O s a u to re s g e ra lm e n te u s a m m a te r ia l e d ito ­ Yahweh (o u Jav é) é c o n sid e ra d o in d íc io d a m ã o do
ria l (e .g ., p a re n té tic o ) n a s su as o b ra s. Tal a d içã o foi a u to r ja v is ta (j).
fe ita à fra se a n te rio r n e ss e p a rá g ra fo . N e n h u m m a ­ M as e sse a rg u m e n to é fa lh o . O m e sm o tip o de
n u sc rito a n te rio r a s o m ite . P o rta n to , n ã o h á e v id ên ­ c o isa o c o rre n o Alcorão, q u e é a trib u íd o a u m a fo n ­
cia c o n v in ce n te q u e su g ira q u e fo ra m a cre sc e n ta d a s te , M a o m é . O n o m e A lá é u sad o p a ra D eu s n a s su ra ta s
p o r u m re d a to r p o ste rio r. 4 , 9 , 2 4 , e 3 3 , m a s Rab é u sad o n a s su ra ta s 1 8 ,2 3 , e 2 5
M e s m o q u e c o m e n tá r io s p a r e n té tic o s fo s s e m (H a rriso n , pi 5 1 7 ). No Alcorão o s n o m e s sã o u sad o s
a cre s c e n ta d o s ao te x to , isso n ão m u d a ria n a d a q u e e m ca p ítu lo s d ife re n te s. E m G ê n e sis ele s e stã o e s p a ­
M o isé s escre v e u n o re sta n te do te x to , n e m d e p re c i­ lh ad o s n o m e sm o c a p ítu lo o u se ç ã o , le v a n d o a a lg u ­
a ria su a a firm a ç ã o d e a u to ria d o te x to in sp ira d o . m a s e p a r a ç õ e s in c r ív e is d o te x to . A té o s e ru d ito s
M u itos teó lo g o s ev an g élico s e stã o d isp o sto s a a d m i­ fa v o rá v e is à te o r ia iedp n ã o c o n s e g u e m c o n c o r d a r
tir q u e c o m e n tá rio s c o m o e sse s p o d e ria m te r sid o so b re as se p a ra ç õ e s.
feito s p o r e sc rib a s p o ste rio re s p a ra e sc la re c e r o sig ­ A e x p lic a ç ã o m a is n a tu ra l é q u e o s n o m e s d ife ­
n ifica d o do te x to . Se são a d içõ e s, n ão são m u d a n ça s re n tes de D eu s são u sad o s, d e p e n d e n d o d o a ssu n to e
in sp ira d a s q u e e stã o su je ita s ao m e sm o d e b a te qu e do a sp e cto de D eu s q u e e stá se n d o d iscu tid o . O n o m e
M a rco s 1 9 .9 -2 0 e Jo ã o 8 .1 -1 1 . É p o ssív el a rg u m e n ta r m a je s to s o elohim é u m a p a la v ra a d e q u a d a ao fa la r
c o m b a se n a ev id ên cia in te rn a e e x te rn a se elas d e ­ da c r ia ç ã o , c o m o e m G ê n e sis 1. Yahweh, o q u e faz
v e m se r c o n sid e ra d a s p a rte d o te x to in sp ira d o d as a lia n ç a s, é m a is ad eq u ad o q u a n d o D eu s se re la cio n a
E s c ritu ra s . E , c o m o a c o n te c e c o m o te x to de 1 Jo ã o co m p e sso a s, co m o em G ê n e sis 2, 3.
5 .7 so b re a T rin d ad e, se n ão h á b o a e v id ên cia , o texto Estilo literário. Os c rític o s d e fe n so re s de jedp d i­
d eve se r re je ita d o . S e m e sse tip o de e v id ên cia p a ra a zem qu e o Pentateuco reflete u m estilo literário de um
p a ssa g e m , p a re c e m e lh o r c o n s id e rá -la u m c o m e n ­ p erío d o b e m posterior. P or exem plo, o d eu teron o m ista
tá rio e d ito ria l do p ró p rio M o isé s. E m n e n h u m caso ( d ) u sa e stilo e e stru tu ra do sécu lo vn a .c. M as e ssa
a a u to ria m o sa ic a do te x to in sp irad o do P en tateu co a le g a ç ã o ta m b é m n ã o p o d e s e r b a s e a d a e m fa to s .
é q u e stio n a d a . D e sc o b e rta s a rq u e o ló g ica s m o stra m q u e a fo rm a li­
M oisés e G ênesis. Q u a n to à c o m p o s iç ã o d e te rá ria u sad a e m D e u te ro n ô m io é, n a realid ad e, u m a
G ê n e sis, D eu s p o d e ria te r rev elad o a h istó ria d as o r i­ fo rm a a n tig a d e to d o o O rien te M éd io . M o isé s segu e
g e n s a M o isé s, c o m o fez c o m o u tra s re v e la çõ e s s o ­ c o m o e sq u e m a lite rá rio o s tra ta d o s de su se ra n ia fe i­
b re n a tu ra is (e .g ., Ê x 2 0 ). M o isé s fico u n o m o n te d u ­ tos en tre reis e seu s sú d ito s (v. K lin e ).
ra n te q u a re n ta d ia s, e D eu s p o d e ria te r re v ela d o a O a rg u m e n to faz u m a su p o siç ã o q u e n ão é v e r­
ele a h istó ria até a su a ép o ca . d a d eira n a h istó ria lite rá ria . Os c rític o s su p õ e m qu e
Já q u e n ã o h á in d ic a ç ã o c la ra n o te x to q u e fo i M o isé s n ã o p o d e ria te r e sc rito em m a is d e u m e s ti­
isso qu e a co n te c e u , talvez h a ja m a io r razão p a ra cre r lo. C om o e g íp cio cu lto , ele fo i e x p o sto a tra ta d o s de
q u e M o isé s c o m p ilo u , e n ã o c o m p ô s, o re g istro de s u s e r a n ia e a to d a s as o u tra s fo rm a s n a r r a tiv a s e
G ên esis. H á in d ic a ç ã o de q u e G ên esis foi u m a c o m ­ a rtís tic a s d is p o n ív e is n a é p o ca . B o n s a u to re s m o ­
p ila çã o de d o c u m e n to s fa m ilia re s e h istó ria o ral q u e d e rn o s m u d a m d e e stilo e fo rm a c o n fo rm e d e s e n ­
fo ra m cu id a d o sa m e n te tra n s m itid o s. C ada seção tem v o lv em su a a rte e ta m b é m p a ra c ria r e feito . À s vezes
P la tã o 696

eles podem usar formas diferentes num única obra. im p ro v á v e l p a ra q u a lq u e r p e s s o a a lé m d e M o isé s,


Um exemplo notável é C. S. Lewts. Os críticos da Bí­ q u e p a sso u q u a re n ta a n o s co m o p asto r, e m a is q u a ­
blia ficariam loucos se fossem confrontados com o re n ta a n o s c o m o líd e r n a c io n a l, n a re g iã o . O m e sm o
nome de um mesmo autor em histórias infantis, crí­ a rg u m e n to p o d e s e r u sa d o p a ra a s re fle x õ e s d e ta ­
ticas literárias profundas, análises escolásticas, sáti­ lh a d a s d o s c o stu m e s e p rá tic a s d e u m a v a ried ad e de
ras alegóricas, ficção científica, narrativa biográfica, p o v o s d e s c r ito s e m to d o o P en tate u co .
disputas e tratados lógicos. A a firm a ç ã o in te rn a d o liv ro é q u e “M o isé s, e n ­
Nomes posteriores de lugares. N o m es p o ste rio re s tã o , escrev eu tu d o o qu e o Senhor d isse ra ” (Ê x 2 4 .4 ).
d e lu g a r e s s ã o fa c ilm e n te e x p lic a d o s c o m o in s e r ­ S e n ã o e scre v e u , é u m a fra u d e. O su c e ss o r d e M o isé s,
ç õ e s p o s te rio re s . P o r e x e m p lo , a c id a d e n a ta l d e ste Jo su é, a firm o u q u e M o isés escrev eu a Lei. Na v erd a­
a u to r e ra c h a m a d a V an D y ke, M ic h ig a n , m a s h o je é d e , q u a n d o Jo s u é a ssu m iu a lid e ra n ç a , re la to u q u e
e n c o n tra d a n o m a p a co m o n o m e de W a rren . fora e x o rta d o p o r D eu s: “N ão d eix e d e falar a s p a la ­
C o p ista s p o s te r io r e s p o d e m te r a tu a liz a d o o s n o ­ v ra s d e ste liv ro d a L e i” (Js 1 .8 ); fo i-lh e o rd e n a d o q u e
m e s de a lg u n s lu g a re s p a ra a s p e sso a s e n te n d e re m tiv e s s e “o c u id a d o d e o b e d e c e r a to d a a le i q u e o
m elh or, jo s u é 1 4 .1 5 é q u a se c e rta m e n te o c a so , já q u e m e u s e r v o M o is é s lh e o r d e n o u ” ( 1 .7 ) . D e p o is d e
e n tro u n o te x to u m a a n o ta ç ã o p a re n té tic a , q u e diz: Jo su é , u m a lo n g a su c e ss ã o d e p e rso n a g e n s d o At a tri­
“ H e b ro m era c h a m a d a Q u iria te -A rb a , e m h o m e n a ­ b u iu o s liv ro s d a le i a M o isé s, e n tre eles Jo sia s (2 C r
g e m a tib a , o m a io r h o m e m e n tre o s a n a q u in s )” . 3 4 .1 4 ), E sd ra s (E d 6 .1 8 ) , D a n ie l (9 .1 1 ) e M a la q u ia s
Possessão da terra. D e u te ro n ô m io 2 .1 2 re fe re -se ( 4 .4 ) . Je su s e o s a u to re s d o Nt ta m b é m a trib u íra m
a Isra el n a “te rra d a su a p o sse ssã o ”, o q u e só a co n te ­ p a lav ra s a M o isé s. A s E s c ritu ra s em o u tro s c o n te x ­
ce u d ep o is d a m o rte d e M o isé s. L o g o , a rg u m e n ta -se to s re fe re m -s e ao P e n ta te u c o c o m o o s liv ro s o u le i
q u e M o isé s n ã o p o d e ria te r e sc rito e ssa s p a lav ra s. d e M o isé s.
C o m o o s c o m e n ta r is ta s d o At K e i e D e litz s c h C ita n d o Ê x o d o 2 0 .1 2 , Je s u s u so u a in tro d u ç ã o :
c o n c lu íra m , e ssa r e fe rê n c ia é à te r r a a le s te d o rio “P ois M o isés d isse ” (M c 7 .1 0 ; cf. L c 2 0 .3 7 ). O a p ó s to ­
Jo rd ã o (G ilea d e e B a s ã ), te rritó r io s q u e fo ra m c o n ­ lo P aulo d ecla ro u q u e “M o isé s d escrev e d e sta fo rm a
q u ista d o s p e lo s is ra e lita s so b a lid e ra n ç a d e M o isé s a ju s tific a tiv a q u e v em d a L e i: ‘O h o m e m q u e fiz er
e d iv id id as e n tre as d u as trib o s e m e ia , e q u e é d e s ­ e sta s c o isa s v iv erá p o r m e io d e la s ” ’, q u a n d o c ito u
c rita n o cap . ih .2 0 c o m o a ‘p o sse ssã o ’ q u e Jeo v á d era Ê xo d o 2 0 .1 1 (R m 1 0 .5 ). P o rtan to , h á c o n firm a ç ã o da
a e ssa s trib o s (K ie l e D e litzsch , ...1 .2 9 3 ). a u to ria m o sa ic a p o r Je su s, q u e p o r m e io de m ila g res
E, se n d o u m a r e fe rê n c ia p a re n té tic a , 2 .1 2 p o d e co
­ m p ro v o u se r o C risto , o F ilh o de D eu s (v. Cristo,
r ia te r s id o u m a in s e r ç ã o n ã o - m o s a ic a p o s te r io r DIVINDADE DE; MILAGRES, VALOR APOLOGÉTICO DOS). E h á aU-
ao te x to o rig in a l. S e ja q u a l fo r a e v id ê n c ia q u e is so to rid a d e a p o s tó lic a , q u e ta m b é m foi c o n firm a d a (v.
fo r n e c e d e e d iç ã o p o s te r io r , n ã o a p ó ia a a u to r ia MILAGRES NA BÍBLIA).
je d p n e m n eg a a a u to ria m o sa ic a d o te x to in sp ira d o
o rig in a l. Fontes
Autoria mosaica do Êxodo. H á fo rte e v id ê n c ia G. L. A rcher, Jr., Merece confiança o Antigo Testa­
d e q u e M o is é s te n h a e s c r ito Ê x o d o . In ic ia lm e n te , mento?
n e n h u m a o u tra p e sso a c o n h e c id a d a q u e le p e río d o F lávio J osefo , Antiguidades dos judeus.

tin h a o te m p o , in te re sse e h a b ilid a d e de c o m p o r tal ___ , Contra Ápion.


re g istro . S e g u n d a , M o isé s fo i u m a te ste m u n h a o c u ­ N. L. Geisler e W. E. Nix, Introdução bíblica.
la r d o s e v e n to s d o Ê x o d o a té D e u te ro n ô m io e, a s ­ R. K. H arrison, Introduction to the Old Testament.
s im , e ra s in g u la r m e n te q u a lific a d o . N a v e rd a d e , o C. F. K eil e F. D elitzsch , Commentary on the Old
re g istro é u m re la to vívid o de u m a te ste m u n h a o c u ­ Testament, v. 1
la r d e e v e n to s e s p e ta c u la r e s , ta is c o m o a tra v e ssia M. K line , Treaty o f thegreat king.
d o m a r V erm elh o , o re c e b im e n to dos m a n d a m e n to s M. U nger, Introductory guide to the Old Testament.
e as p e re g rin a çõ e s.
T erceira, p elo s reg istro s ra b ín ico s co n h ecid o s m a is P i e a B íb lia . V. Bíblia, supostos erros na.
an tig o s, esse s livros fo ram u n a n im em e n te atrib u íd o s
a M o isés. E sse é o caso d o Talmude, a ssim co m o d as P la tã o . V ida e o b ra s d e P la tã o . P la tã o n a sc e u em
o b ras de au to res ju d a ico s co m o F ílon e J o sefo . 4 2 8 a .C ., an o da m o rte de P éricle s. T o rn o u -se d isc í­
Q u arta, o a u to r reflete o co n h e c im e n to d etalh ad o p u lo de S ó cra te s ao s d e z esseis a n o s. P latã o tin h a 29
d a geog rafia do d eserto ( v ., p. ex., Ê x 14). Isso é m u ito a n o s q u a n d o seu m e n to r m o rre u .
697 P la tã o

Su a c a rre ira lite rá ria é d iv id id a em q u a tro p e rí­ c o m p a rtilh a m u m a F o rm a o u E s s ê n c ia d e h u m a n i­


o d o s. N o p rim e iro p e río d o ele e sc re v e u Apologia de d a d e. E h u m a n id a d e e x iste c o m o a F o rm a p u ra n o
Sócrates, Crito, Protágoras e República (L iv ro 1). No m u n d o re a l, o m u n d o e sp iritu a l p o r trá s d o m u n d o
se g u n d o p e río d o c o m p ô s Crátilo, Górgias e Lísís, E n ­ m a te ria l. E c a d a u m a d e ss a s F o rm a s p u ra s v ê m da
tre o se g u n d o e te rc e iro p e río d o s, fu n d o u su a A c a ­ F o rm a q u e c o n té m to d a s as F o rm a s e m su a n a tu re ­
d e m ia. N o te rc e iro p e río d o p ro d u z iu Mênon, Fédon, za a b so lu ta m e n te p e rfe ita .
Fedro, Simpósio e o re s ta n te de República. A n tes do V isã o p la t ô n ic a d e D eus. P a ra P la tã o , D eu s n ão
seu ú ltim o p e río d o lite rá rio , n a sc e u seu fa m o so p u ­ era a F o rm a a b so lu ta (agathos), m a s o F o rm a d o r (o
p ilo , A r is t ó t e l e s , q u a n d o P latã o tin h a 4 3 a n o s. No seu Demiurgo). S eu a rg u m e n to p a ra o D e m iu rg o ( F o r ­
q u a rto e ú ltim o p e río d o d e c o m p o s iç ã o lite r á r ia , m a d o r d o m u n d o ) a ssu m iu a se g u in te fo rm a : 1) O
P latã o escrev eu Parmênides, Tecteto, 0 sofista, O esta­ c o sm o se ria o c a o s se m fo rm a s. A m a té r ia p u ra se m
dista, Filebo, Timeu, Crítias e Leis. e stru tu ra é d isfo rm e . 2 ) O c a o s (s e m fo rm a ) é m a lig ­
A lexan dre, o G rande, n asceu qu and o P latão tin h a 72 n o , e o c o sm o (fo rm a ) é b o m . 3 ) T od as a s fo rm a s do
a n o s (em 3 4 7 a .C ). A penas q u atorze a n o s m ais tard e b e m n o m u n d o v ê m de u m F o rm a d o r B o m a lé m do
(e m 3 33 a.C .) A lexandre co m eço u a co n q u ista r o m u n ­ m u n d o (o ca o s n ão p o d e se tra n s fo r m a r n o c o s m o ).
do e esp alh ar co m isso a lin gu agem e a cu ltu ra grega 4 ) O F o rm a d o r n ã o p o d e faz e r fo rm a s b o a s se m u m a
que d o m in a m grand e p arte da filosofia desd e então. F o rm a do B e m c o m o p a d rã o . 5 ) A F o rm a se g u n d o a
E p is t e m o lo g ia d e Platão. P la tã o a cre d ita v a e m q u a l fo rm a s m u tá v e is sã o fo rm a d a s d ev e s e r u m a
id éias in ata s. Na verd ad e, c ria q u e essa s e ra m as id éias F o rm a im u tá v el. A p en a s o im u tá v e l p o d e se r a b a s e
q u e a m e n te co n te m p la ra n o m u n d o d as F o rm a s p u ­ p a ra o m u tá v e l. A p en a s o In te lig ív e l (Id e a l) p o d e se r
ras an tes do n a scim en to . As id éias e ra m irre d u tiv e l- a b a s e p a ra as Id é ia s. 6 ) P o rta n to , h á u m F o rm a d o r
m e n te sim p les, fo rm a s etern a s (eidos) q u e flu ía m da (Demiurgo) e a F o rm a (B e m ) se g u n d o a q u a l to d a s
ú n ic a F o rm a a b so lu ta , o B e m ( agathos ). C o m o elas as c o isa s são fo rm a d a s.
fo ram co n te m p la d a s p ela a lm a n o e stad o p ré -e n c a r- P a ra c o m p le ta r su a tría d e d e a b s o lu to s , P la tã o
n ad o, só era n e c e ssá rio re co rd á -la s. Isso era realizad o o fe r e c e u u m a r g u m e n to a fa v o r d e u m P r im e ir o
p o r m e io de um d iálo g o d o m é to d o d ia lético ilu stra ­ M o to r (o u A lm a u n iv e rsa l). A ssim c o m o a F o rm a é
d o e m Mênon, q u a n d o a té u m m e n in o e sc ra v o fo i n e c e ssá ria p a ra e x p lic a r a fo n te d a s F o rm a s p u ra s , e
cap az de fazer g e o m etria e u clid ia n a sim p le sm e n te p o r o F o rm a d o r é n e c e s s á rio p a ra e x p lic a r a e x is tê n c ia
lh e fazerem as p erg u n ta s ce rtas. É cla ro q u e, se algu ém d as c o isa s fo rm a d a s, o P rim e ir o M o to r é n e c e s s á rio
n ão a ce rta n esta vida, h á o u tra e n ca rn a çã o . p a ra e x p lic a r a e x is tê n c ia d e m o v im e n to n o m u n d o .
Q u an d o a lg u é m ra c io c in a v a d e v o lta ao fu n d a ­ 0 r a c io c ín io d e P la tã o a s s u m e e sta fo rm a : 1) A s c o i­
m e n to d o p e n s a m e n to , e n c o n tr a v a o s p r im e ir o s p r in - sa s se m o v e m . Is s o se s a b e p e la o b s e rv a ç ã o . 2 ) M a s o
cfpios a b s o lu to s d e c o n h e c im e n to q u e s e rv ia m c o m o q u e m o v e é m o v id o p o r o u t r o o u s e m o v e . 3 )
f u n d a m e n to d e to d o c o n h e c i m e n t o . C e tic is m o , A u to m o to r e s ( a l m a s ) s ã o a n t e r io r e s a o s n ã o -
a g n o s t ic is m o e r e la t iv is m o (v. v e r d a d e , n a t u r e z a a u to m o to res. P ois o q u e n ã o se m o v e é m o v id o p elo
a b s o l u t a d a ) sã o c o n tr a d itó r io s (v. c o n t r a d it ó r ia s , q u e se m ove. 4 ) A u to m o to res sã o e te r n o s ; se n ã o n ã o
a f ir m a ç õ e s ) . h a v e ria m o v im e n to , já q u e algo in e r te n ã o p o d e se
M e t a fís ic a d e Platão. P la tã o a c r e d ita v a q u e o m o v e r. P la tã o a c r e s c e n ta q u e : 5 ) d ev e h a v e r d o is
u n iv e rso é e te rn o , o p ro c e sso e te rn o p elo q u a l o C ri­ a u to m o to re s n o u n iv e rso , u m re sp o n sá v e l p elo m o ­
a d o r ( Demiurgo ) c o n te m p la v a o B e m (o agathos) e v im e n to re g u la r (b o m ) e o u tro p elo m o v im e n to ir ­
tra n s b o rd a v a de F o rm a s (eidos) q u e in fo rm a v a m o reg u lar (m a u ). 6 ) O re sp o n sá v el p elo m o v im e n to b o m
m u n d o m a te ria l (chãos) p a ra se m p re , fo rm a n d o -o é o m elh o r, p o rq u e é o M o to r S u p rem o , q u e ele c h a ­
n o c o sm o . A c ria ç ã o , e n tã o , é u m p ro c e sso e te rn o de m a d e A lm a u n iv ersa l. 7 ) L o g o , h á u m M o to r S u p re ­
c ria ç ã o ex m atéria (v. c r ia ç ã o , v is õ e s d a ). L o g o , a re a li­ m o (a lm a ).
d ad e é u m du a lism o b á sic o de F o rm a e m a té ria , a m b a s A in flu ê n c ia d e P l a t ã o s o b r e o p e n s a m e n t o
c o -e te r n a s . p o s te r io r . A lfred N o rth W h it e h e a d d isse q u e a filo so ­
C o m o P latã o e sta b e le c e u n a fa m o sa a n a lo g ia da fia o c id e n ta l é u m a sé rie de n o ta s d e ro d a p é so b re
ca v e rn a n a República, o m u n d o físic o é u m m u n d o P latã o . Is so é e m g ra n d e p a rte v e rd a d e iro . In flu ê n c i­
de so m b ra s. O m u n d o real é o m u n d o e sp iritu a l d as as e sp e c ífic a s são m a n ife sta s e m P lo tin o , A g o st in h o ,
F o rm a s p u ra s. C ada c o isa físic a é e stru tu ra d a ou fo r­ n o g n o s tic is m o , n o a s c e t ic is m o , n o m is t ic is m o , n o
m a d a p o r e ssa s F o rm a s o u u n iv e rsa is, ao c o n trá rio in a t ism o , n o d u a l ism o , n a a l e g o r ia e n o p a n e n t e ísm o .
d o n o m in a l ism o , q u e n eg a a re alid ad e d o s u n iv e rsa is e C o m o P la tã o d e fe n d ia u m a fo rm a d e d e I sm o f in it o ,
e s s ê n c ia s . P o r e x e m p lo , to d o s o s s e r e s h u m a n o s Jo h n S te w a rt M il l , W illia m J a m e s , B r ig h tm a n , P ete r
Platão 698

B e r to c c i, W h ite h e a d e C h a rles H artshorne ta m b é m q u al as p e sso a s c e rta m e n te vão a p ó s a m o rte . P latã o


fo ra m in flu e n c ia d o s p o r P la tã o . D a m e s m a fo rm a , p ro p ô s a e x istê n c ia de um céu e de u m in f e r n o .
F rie d ric h Scheeiermacher , A dolp h H a rn a c k e o u t r o s C a p a c id a d e in telectu a l in ata. A m a io r ia d o s
lib e ra is e h u m a n ista s (v. humanismo secular ) q u e a cre ­ a p o lo g ista s c ris tã o s a cre d ita q u e h á u m a c a p a c id a ­
d ita m n a p e rfe e tib ilid a d e in e re n te do h o m e m o r i - d e in a ta , d ad a p o r D eu s, na m e n te h u m a n a . N ão n a s ­
g in a m -s e de P la tã o , qu e a cre d ita v a q u e c o n h e c e r o c e m o s a b so lu ta m e n te v azios, m a s c o m c e rta s c a p a ­
b e m é faz er o b em . A sa lv a ção v em p ela e d u ca çã o . c id a d e s e h a b ilid a d e s ra c io n a is d a d a s p o r D eu s. Isso
Uma a v a lia ç ã o d as visões d e P la tã o . As v is õ e s d e se m a n ife sta n a u n iv ersa lid a d e d e p rim e iro s p r in c í­
P latão têm m u ito s valores d u rad o u ros. U m a l is t a i n ­ p io s, ta is co m o a l ei da x â o - c o n t r a p ic à o .
co m p leta in clu iria pelo m e n o s os fatores a s e g u ir . Dimensões negativas. A d e sp e ito d as m u ita s c a ­
Dimensões positivas. Há vários valores positivos n o pen­ r a c te r ís tic a s p o sitiv a s d o siste m a p la tô n ic o , m u ita s
sam ento de Platão, m uitos dos quais foram úteis para ex­ d as id éias de P latão são u m a fru stra çã o co n tín u a p ara
pressar e defender a té cristã. Entre eles estão os seguintes: o cristia n ism o . A lgu m as d elas são d ig n as d e n o ta .
F uxdacioxausmo. A defesa que Platão fez d o s p r im e i­ Dualismo metafísico. Ao c o n tr á rio d o c r is tia n is ­
r o s p r in c íp io s tem s id o m u ito útil para o s a p o lo g is ta s m o , q u e a firm a a c ria ç ã o m o n á rq u ic a ex nihilo (d o
c r i s t ã o s n o a r g u m e n to c o n tr a o a g n o s t ic is m o e o n a d a ) , P la tã o a fir m o u u m d u a l ism o d e c r ia ç ã o ex
C0XVF.XCJ0NALIS.W0. m atéria, a p a rtir de m a té ria p re e x iste n te (v. c r ia ç ã o ,
Verdade com o correspondência. C om o o u tro s f i­ v is õ e s d a ). L o g o , p a ra P la tã o o u n iv e rso m a te r ia l é
ló so fo s c lá ssic o s, P latã o d e fin iu v e rd ad e a c o m o c o r ­ e te r n o , n ã o te m p o ra l c o m o a c r e d ita m o s c r is tã o s ,
re sp o n d ê n c ia , d a n d o a ssim ap o io à c o n v icçã o c ris tã a p re se n ta n d o b o a ev id ên cia p a ra a p o ia r su a tese (v.
de q u e a v e rd ad e m e ta fís ic a é o q u e c o rre sp o n d e à KALAM, ARGUMENTO COSMOLÓGICO; BIO-BAXG, TEORIA D o).
re a lid a d e . A v e rd a d e é o b je tiv a e n ã o m e r a m e n te
Deísmo finito. Ao c o n trá rio do D eu s te ísta do c r is ­
su b je tiv a (v. v e r d a d e , n a tu reza da ).
tia n ism o q u e é in fin ito em p o d e r e p e rfe iç ã o , o D eu s
Absolutismo epistemológico. A lém de a verd ad e ser
d e P latã o era fin ito . M as h á b o a e v id ê n cia p a ra d e ­
o b je tiv a p a ra P latã o , ta m b é m e ra a b so lu ta. Os a rg u ­
m o n s tra r q u e D eu s é in fin ito .
m e n to s de P latã o a in d a são u sa d o s p o r a p o lo g ista s
Dualismo antropológico. U m dos legados m a is d u ­
cristã o s p a ra d efen d er su a fé n a verd ad e a b so lu ta.
ra d o u ro s e p e rtu rb a d o res de P latão en tre o s cristã o s é
Absolutismo moral. P latã o ta m b é m a cred ita v a em
su a visão d u alista d o s seres h u m a n o s. S eg u n d o P latão,
v a lo re s a b s o lu to s . Is s o ig u a lm e n te e stá d e a c o rd o
o h o m e m é u m a a lm a e só tem co rp o . Na verdade, p ara
co m a ta re fa da a p o lo g é tic a c ristã d e d e fe n d e r a b s o ­
ele o s se re s h u m a n o s e stã o p re so s em se u s c o rp o s.
lu tos m o ra is (v. a bso lu to s m o r a is ).
D isso re su lta m o a sc e tic ism o (n eg a çã o d o c o rp o ) e a
E sshxcialismo ético. A lém de a c re d ita r e m a b s o lu ­
a lie n a ç ã o , e o c ris tia n is m o n ão a p ó ia n e n h u m a d as
to s m o ra is, P latã o a firm o u q u e eles e stã o a n c o ra d o s
d u as p o siçõ e s.
n a n a tu re z a im u tá v el da F o rm a (o B e m ).
Alegorismo. Pelo fato de a cre d ita r q u e a m a té ria
Universais. Ao c o n tr á r io d o n o m in a l ism o , P la tã o
e ra m e n o s r e a l e p io r q u e o e sp írito , P latão d ep recio u
a rg u m e n to u , co m o fazem os c ristã o s o rto d o x o s, que
h á u n iv ersais e e ssê n c ia s. Na realid ad e, é p a rte da fé a in te rp re ta çã o literal d as co isa s. No ca m p o d a in te r­
c ris tã q u e D eu s te m u m a e s s ê n c ia e trê s p e sso a s e p re ta ção is s o leva a p ro c u ra r o sig n ificad o esp iritu al
q u e C risto te m d u as e ssê n c ia s o u n a tu re z a s u n id a s ou m ístico m ais p ro fu n d o do texto . Isso d eu o rig em
n u m a p e sso a (v. C r is t o , d iv in d a d e de ). ao n eo p la to n ism o (v. P lo tin o ) e à aleg oria m ed iev al (v.
Argumentos a fa v o r da existência de Deus. A s p ro ­ O r íg e n e s ), p ro b le m a q u e aind a a s s e d ia a ig reja cristã.
v a s q u e P la tã o o fe r e c e u p a ra a e x is tê n c ia de D eu s Inatismo. A p esa r de P latã o in d ic a r c o rre ta m e n te
f o r a m p re d e c e sso ra s d as fo rm a s c ristã s p o ste rio re s u m a d im e n sã o in a ta da m e n te h u m a n a , m u ito s c r is ­
d o a r g u m en t o cosM OLóGico o u do a rg u m e n to da p e r ­ tã o s, se g u in d o T o m ás de A q u in o , re je ita m a c re n ç a
f e i ç ã o (v. D e u s , e v id ê n c ia s d e ) u sa d a s p o r A g o st in h o , de P latã o n a s id éias in a ta s. A lgu n s g ra n d e s p e n s a d o ­
A n selm o e T o m a s de A q u in o . res c ris tã o s , c o m o A g o stin h o , c h e g a ra m ao p o n to de
Im ortalidade. P latã o d e fe n d eu o q u e to d o s os c r is ­ a firm a r a id éia c o n c o m ita n te de P latã o da re c o rd a ­
tã o s o rto d o x o s a c re d ita m , ou se ja , q u e o s seres h u ­ ção d e ssa s id éias de u m a e x is tê n c ia p ré v ia , e m a is
m a n o s tê m u m a d im e n sã o e sp iritu a l em su a c o m ­ ta rd e tiv e ra m de a b a n d o n á -la .
p o siç ã o , q u e é im o rta l (v. imortalidade). Reencarnação. O c o n c e ito p la tô n ico de re e n c a r-
A vida além desta. O u tra d im e n s ã o d o p e n s a ­ n a ç ã o , c o m o os c o n c e ito s o rie n ta is , fo i c o n d e n a d o
m e n to de P la tã o q u e é a ce itá v e l p a ra os c r is tã o s é p e la ig re ja c ris tã e é re fu ta d o p o r b o a s e v id ê n c ia s,
su a c re n ç a n o m u n d o e sp iritu a l a lém d e ste , p a ra o b íb l i c a s e ra cio n a is (v. reen ca rn a ção ).
699 Plotino

Otimismo humanista. D e c e rta fo rm a P latã o é o O U n o é a b so lu ta m e n te sim p le s, isto é, n ã o tem


p ai do h u m a n ism o o cid e n ta l (v. h u m a n ism o se c u l a r ). p a rtes; e é a b so lu ta m en te n ece ssá rio , isto é, deve e x is­
Su a c re n ça de q u e os seres h u m a n o s são a p erfeiço á v eis tir. O U no n ão “su rgiu” sim p lesm en te, m a s existe p o r
p ela ed u ca ção é c o n trá ria ao e n sin a m e n to das E s c r i­ n ecessid ad e. E ssa U n id ad e abso lu ta deve existir, p o r­
tu ras e à ex p e riên cia h u m a n a u n iv ersal. q u e a m u ltip licid ad e p ressu p õ e u m a un id ad e a n te ri­
Dilema pluralista. C o m o o u tro s filó so fo s q u e s e ­ or. Só p o d em o s sa b e r o q u e é m u itos se co n h ece rm o s
g u em P a rm ê n id e s, P latã o ja m a is re so lv e u o p ro b le ­ o U n o. “... deve p re c e d e r R e alid a d e e se r seu a u to r”
m a d a u n id ad e e da d iv ersid ad e (v. m o n ism o ). Ele a c a ­ (E néadas , 6 .6 .1 3 ; to d a s as o u tra s c ita ç õ e s são d essa
b o u c o m v á ria s F o rm a s ir r e s o lu v e lm e n te s im p le s fo n te ). A ssim , ele é a fo n te a b so lu ta de e x istê n cia . E stá
q u e n ão p o d ia m d ife rir u m as d as o u tra s de m a n e ira além da e x istê n cia e é a n te rio r a ela.
real (v. p l u r a l ism o m e t a físic o ). O indescritível e incognoscível. P lo tin o a rg u m e n ta
q u e o U n o tra n s c e n d e tu d o d e q u e é a fo n te , q u e é
Impropriedade teológica. A lguns cristão s vêem m ais
tud o n a realid ad e: “C erta m e n te e sse A b so lu to n ã o é
verd ad e c ristã e m P latão do q u e re a lm e n te existe. A
n a d a d a s c o is a s q u e se p o d e a fir m a r so b re e le —
tríad e de Platão, F o rm a , F o rm a d o r e A lm a do m u n d o,
n ão te m e x is tê n c ia , n e m e s s ê n c ia , n e m v id a — já
n ão é de fo rm a algu m a a T rindade cristã, co m o alguns
q u e é o qu e tra n s c e n d e a to d a s e ssa s c o isa s” . A té seu
a firm aram . Para com eçar, duas delas (a F o rm a e a A lm a
p ró p rio n o m e , ele tra n s c e n d e : “E e sse n o m e c o n té m
do m u n d o ) seq u er são p esso as n o sentid o sign ifican te
n a v erd ad e n ad a m a is q u e a n e g a çã o da p lu ra lid a d e
do term o . A lém d isso, os elem en to s da tríad e n ão c o m ­ [...] Se fô sse m o s le v a d o s a p e n s a r p o sitiv a m e n te s o ­
p artilh am u m a ú n ica natureza. b re ele, n o m e e c o isa , h a v e ria m a is v e rd ad e n o s ilê n ­
A lém d isso , P latão e os o u tro s filó so fo s grego s j a ­ cio ” (3 .8 .1 0 1 ).
m ais u n ira m seu D eu s e seu p rin cíp io m e ta físico m a is Se o U no é v erd ad eiram en te in d escritív el, p o r que
elevado, co m o o s cristã o s (v. G ilso n ). E m P latão , p o r P lo tin o ten ta d escrev ê-lo ? Sua d e scriçã o , diz ele, é um
exem p lo , o B e m é o m a io r p rin cíp io m e ta físic o , m a s ch a m a d o à v isão , qu e im p ele em d ireção ao Uno.
o B e m n ão é id en tificad o co m D eus. Pelo co n trário , o P o d em o s sa b e r algo so b re o U n o p o r m e io d e su a
D em iu rg o , q u e é in ferio r ao B e m , é D eu s n o siste m a d e sc e n d ê n c ia , existência ( 6 .9 .5 ) . A p e sa r d e n ã o p o ­
de P latão. d e rm o s fa la r d ele o u c o n h e c ê -lo , p o d e m o s fa la r o u
sa b e r algo sobre ele e m te rm o s d o q u e v eio a partir
Fontes d ele. D ev em o s le m b ra r, n o e n ta n to , q u e n o ss a s p a la ­
E. G ilson , G odandphilosophy(ap. 1) v ras e p e n s a m e n to s sã o a p e n a s in d ic a d o re s, n ã o re ­
J. Ow i \s, A history o f ancient western philosophy. a lm e n te d e sc ritiv o s, m a s a p e n a s e v o ca tiv o s.
Platão, República Níveis d e realidade. Nous. O p r im e ir o n ív e l de
___ , Apologia de Sócrates. realid ad e é Nous ( “M en te” ). Nous é a M en te D iv in a; é
___ , Timeu. D e u s, m a s n ã o o D e u s m a is e le v a d o . É E x is tê n c ia
___ , Leis. p u ra. D as e m a n a ç õ e s d ele, Nous é a p rim e ira (5 .1 .4 ,
A. E. T aylor, Plato: the man and his works.
8 ). Q u an d o o U n o e m a n a , e e sse e m a n a n te se volta
p a ra a fo n te , su rg e a d u alid a d e sim p le s d o C o n h e c e ­
d o r e d o C o n h ecid o ( 6 .7 .3 7 ) . E s sa d u a lid a d e sim p le s
platônica de Deus, visão. V. c o s m o l ó g i c o , a r g u m e n t o .
é Nous. Nous, p o r su a vez, o rig in a o u tra s e m a n a ç õ e s
ao v o lta r-se p a ra si m e s m o . P ro d u z in te le c to s o u fo r ­
Plotino. N asceu n o E g ito (c . 2 0 5 -2 7 0 ) e a n te s d o s 3 0
m a s e sp e c ífic a s q u e se v o lta m p a ra fo ra , p ro d u z in d o
a n o s c o m e ç o u a e stu d a r filo so fia e m A le x a n d ria . P o s­
a a lm a m u n d ial, q u e p o r su a vez p ro d u z as esp é cie s
te r io r m e n te e s tu d o u c o m A m ó n io S a c c a s , m e s tr e
d as a lm as in d ivid u ais (6 .2 .2 2 ; 6 .7 .1 5 ). O U no, Nous, e a
d e O r í c e n e s , d u ra n te o n z e a n o s. P lo tin o só c o m e ç o u A lm a m u n d ia l fo rm a m n ã o u m a trin d ad e, m a s u m a
a e sc re v e r d e p o is d e e n s in a r filo so fia e m R o m a d u ­ tría d e e m a n a c io n a l. D este D eu s d e trê s n ív eis flu em
ra n te d ez a n o s. Su a o b ra tev e e x tre m a in flu ê n c ia n o to d a s as o u tra s co isa s. A c ria ç ã o é ex deo, e m a n a cio n a l
p e n s a m e n t o f il o s ó f ic o e r e li g io s o . E le s e g u ia a e n ece ssa ria m e n te (v. c r i a ç à o , v i s õ e s d a ).
c o s m o v is ã o d o p a n te ís m o e m a n a c io n a l. Alm a universal. O se g u n d o n ív el d a re a lid a d e , a
D eu s e o m u n d o . A o c o n t r á r i o d o p a n t e ís m o Alma universal, é u m a p o siç ã o m é d ia e n tre Nous e o
v ed a n ta (v. h in d u ísm o y ed a n ta ) , P lo tin o a cred ita v a q u e m u n d o c o r p ó r e o . R e f le te o Nous e o r g a n iz a o
a e x is tê n c ia o u re a lid a d e é m ú ltip la , o u h á m u ita s c o rp ó re o . A Alm a universal é a té m a is m ú ltip la q u e
re a lid a d e s. C o n to u trê s n ív eis o u p la n o s d e e x is tê n ­ Nous, p o is e s tá m a is d is ta n te d a U n id a d e a b so lu ta
cia . M as a n te s e a lé m d a e x istê n c ia e stá o U no. do Ú n ico . E la e m a n a q u a n d o o Nous reflete so b re si
P lo tin o 700

m e sm o ( 6 .2 .2 2 ). A Alma universal a n im a o u n iv erso Destino. O p r im e ir o p a sso em d ir e ç ã o à s a lv a ­


e m to d a su a m u ltip licid a d e, d a n d o -lh e u m a u n id a ­ ç ã o c o m e ç a n o â m b ito d o s e n tid o , o n d e a lg u m a
de o u to ta lid a d e (3 .1 .4 ,5 ). u n id a d e fo i im p o s t a p e lo S e r A b s o lu t o a c im a
Matéria. O te rc e iro n ív el d e re a lid a d e é a m até­ ( 1 .6 .2 - 3 ) . Ao o lh a r p a ra a s “b e le z a s do â m b ito do
ria. C o m o to d o o p ro c e s s o e m a n a n te é u m d e s e n ­ se n tid o , im a g e n s e s o m b ra s fu g itiv a s q u e e n tra ra m
v o lv im e n to n e c e ssá rio da u n id ad e à m u ltip licid a d e, n a m a té r ia ” , a p e sso a p e rc e b e qu e “h á b e le z a s m a is
é p re c iso q u e o ú ltim o estág io e ste ja a um p a sso da a n tig a s e su b lim e s q u e e s s a s ” ( 1 .6 .3 , 4 ). E s se s o b je ­
in e x is tê n c ia c o m p le ta . P lo tin o d e sc re v e a m a té r ia to s d o s e n tid o n o s in d ic a m a fo n te ( 6 .9 .1 1 ) . N ão
c o m o n ã o -e x is tê n c ia , m a s a c r e s c e n ta q u e isso n ão d e v e m o s p a r a r c o m e le s , m a s a s c e n d e r a lé m d e ­
d eve se r e n te n d id o c o m o in e x is tê n c ia . A n tes, a m a ­ le s . A s s im , o p r im e ir o p a sso é d o m u n d o se n s ív e l
té ria é u m a im a g e m de e x istê n c ia , ou algo m a is d is­ p a ra o m u n d o in te le c tu a l de Nous.
ta n te a in d a q u e u m a im a g e m . Q u an to m a is d ista n te C om o o p rim e iro p a sso envolvia o m o v im en to a
algo está da F o n te de e x istê n c ia , o U no, m e n o s u n i­ p a r tir do e x te rn o , o se g u n d o p a sso c o n tin u a a a s ­
d a d e e e x is tê n c ia te m ( 6 .9 .1 ) . C o m o a m a té r ia é a ce n sã o do in tern o , a a lm a, p a ra o e tern o , Nous. E sse
m a is m ú ltip la d as fo rm a s de realid ad e, ela “n ã o tem m o v im e n to é d a a lm a in fe r io r à a lm a s u p e r io r, e
v estíg io de b e m e m si” (1 .8 .7 ). Já q u e a U n id ad e a b ­ d ep o is p ara Nous, qu e está a cim a da a lm a. A m e n te
so lu ta é a b so lu ta m e n te b o a , cad a n ív el m a is d ista n te h u m a n a deve id e n tifica r-se co m a M en te. C o n h e c e ­
d e m u ltip licid a d e é p io r e cap az de m a io r m a l (1 .8 .5 ). d o r e c o n h e c id o d e v e m to r n a r -s e u m . Is so é fe ito
A m a té r ia n ão te m n e n h u m b e m e m si, m a s te m a p o r m eio da m e d ita çã o . M esm o a g o ra, n o e n ta n to , a
ca p a cid a d e p a ra o b e m . A m a té ria n ão é o m a l p u ro . U n id ad e su p rem a a in d a n ão foi a tin g id a .
É a p en a s p riv a d a de to d o b e m ( 1 .8 .3 ), re sta n d o -lh e O te rce iro e ú ltim o p asso leva à u n ião m a is eleva­
a p en a s a m e ra ca p a cid a d e p a ra o b e m . da possível — un id ad e co m o Uno. Isso só p o d e ser
O q u e e stá a lém e é a n te rio r à e x istê n c ia , o U no, atingid o pela u n ião m ística (v. m istic ism o ) q u e elim in a
e te r n a e n e c e s s a ria m e n te se d esen v o lv e c o m o u m a to d a m u ltip licid ad e, até in telecto e razão. D iz P lo tin o :
se m e n te se tra n s fo rm a n u m a flor. Isso p rod u z Nous, “Q u em q u er co n tem p lar o q u e tra n scen d e o in telecto
o u o q u e P lo tin o c h a m a de “ U m -M u ito s” . Nous é o co n seg u e fazê-lo q u an d o se d esp o ja de tud o q u e é do
S e r to r n a n d o -s e a u to c o n s c ie n te , is to é, d e s c o b r in ­ in te le cto ” . O c a m in h o p a ssa a lé m d o co n h e c im e n to ,
d o -se . M a s q u a n d o Nous reflete so b re si m e sm o , ele m e sm o o s o b je to s m a is e lev ad o s d o c o n h e c im e n to ,
p ro d u z a a lm a u n iv e rsa l, o u o q u e P lo tin o c h a m a ch eg an d o ao in tu itivo e m ístico . N esse ú ltim o estágio,
“U m -M u ito s” . D a A lm a u n iv ersal tu d o m a is flui, in ­ tu d o é un id ad e ab so lu ta n o v am e n te . O q u e e m an o u ,
clu siv e m a té r ia o u o s “m u ito s” . reto rn ou . Tudo que fluiu de D eus voltou e deve voltar
O s e r flu i d a u n id a d e p a ra a m u ltip lic id a d e . E (5 .5 .6 ; 6 .9 .4 ).
p a ra P lo tin o ta m b é m h á u m flu xo de v o lta à u n id a ­ A v aliação. A p e sa r d as c a r a c te r ís tic a s p o sitiv a s
de. A ssim c o m o h á u m a n e c e ssid a d e d e o s m u ito s n o seu siste m a (ta l co m o a tra n s c e n d ê n cia de D eu s e
e m a n a re m d o U no, h á u m a n ece ssid a d e de o s M u i­ a im o rta lid a d e h u m a n a ), as te o ria s de P lo tin o estão
to s re to rn a re m ao U no. O p ro c e s s o é c o m o e s tic a r s u je ita s às m e s m a s c r ític a s q u e o u tra s fo rm a s de
u m e lá s tic o g ig a n te. E le p o d e se r e stic a d o até c e rto p a n te ísm o . A lgu m as de su as p re m issa s p re c isa m de
p o n to a n te s de v o lta r à o rig em . u m a a v a lia çã o e sp e cial.
S eres h u m a n o s. P lo tin o a c r e d ita q u e o s s e re s
O Uno e a não-existência. P ara P lotino, o S er Supre­
h u m a n o s são a lm a s q u e tê m c o rp o . O v e rd a d eiro ser
m o (U n o) está além da existên cia. M as o ser deve estar
é a a lm a e te rn a (v. im o r t a l id a d e ), qu e é te m p o ra ria ­
n o â m b ito da e x istê n c ia o u da in e x is tê n c ia . N ão h á
m e n te lig ad a a u m a c a s c a m a teria l. P or essa lig açã o
n a d a e n tre algo e o n ad a. Já q u e o S e r n ão e stá n o
c o m a m a té ria , a a lm a fica c o n ta m in a d a (1 .2 .4 ). Se
â m b ito da e x istê n c ia , deve se r in e x is te n te ou n ad a.
u m a p e sso a n ã o se e sfo rç a p a ra a lc a n ç a r o b e m e a
M as P lo tin o a firm a q u e o Ser p ro d u z iu to d a e x is tê n ­
u n id ad e ab so lu to s, e ao in vés d isso se p re o cu p a a p e ­
cia . Isso é o m a io r a b su rd o m e ta físic o .
n as c o m a m a té ria , seu se r se to rn a rá a b so lu ta m e n te
m a lig n o ( 1 .8 .1 3 ). P ara ser salva e o b te r p e rfe içã o su ­ E feito e causa. N o s is te m a p lo tin ia n o o e fe ito
p re m a , a p e sso a d eve a b a n d o n a r a m a té ria e b u sc a r rev ela se r m a io r q u e a ca u sa . P ois o U no p ro d u z iu
o U n o. A s a lv a ç ã o c o n s is te e m v e n c e r o d u a lism o e x is tê n c ia , m a s n ão te m e x is tê n c ia . A m e n te e m e r ­
e n tre co rp o e a lm a. Isso n o rm a lm e n te exige m u ito s ge d ele, m a s ele n ão te m m e n te . E n tre ta n to , a águ a
c ic lo s de re e n c a rn a ç ã o . P ara e sc a p a r do ciclo , a p e s ­ n ã o p o d e s u b ir a lé m da su a fo n te . U m e fe ito n ão
so a d ev e v o lta r-se p a ra o in te rio r p elo a sc e tic ism o e p o d e se r m a io r q u e su a ca u sa (v. c a u sa l id a d e , p r in c i ­
p ela m e d ita ç ã o . pio da ; a n a lo g ia , p r in c íp io d a ).
701 p lu ra lis m o re lig io s o

S eg u in d o o p rin c íp io da cau sa lid a d e e stá o p rin ­ O p a n te ísm o é u m a fo rm a de m o n ism o , e o te ís m o é


cíp io da a n a lo g ia. Já q u e a ca u sa n ão p o d e p ro d u zir u m a fo rm a de p lu ra lism o . Os m o n ista s tê m u m a n o ­
o q u e n ão p o ssu i, o e feito deve a sse m e lh a r-se à c a u ­ ç ã o u n ív o c a o u e q u ív o c a da e x is tê n c ia (v. P l o t in o ).
sa. É cla ro q u e n ã o p o d e se r id ê n tic o , já q u e u m é o Os te ísta s e sp o sa m a a n a ló g ica da e x istê n c ia (v. ana ­
p ro d u to r e o u tro o p rod u zid o. U m é su p erio r. M as, já lo g ia , p r in c íp io d a ).
q u e a p e n a s e x is tê n c ia p ro d u z e x is tê n c ia , d eve e x is ­
tir a lg u m a s e m e lh a n ç a re a l e n tr e c a u s a e e fe ito . A p lu ra lis m o re lig io s o . P a r a e n t e n d e r m e lh o r o
C au sa in fin ita e in c a u sa d a d e to d a o u tra e x istê n c ia é p lu ra lis m o re lig io s o , v á rio s te rm o s r e la c io n a d o s a
E x is tê n c ia , a p e s a r d e n ã o se r fin ita n e m se r ca u sa d a . r e lig iã o p r e c is a m s e r d is t in g u id o s : p lu ra lism o ,
P a ra P lo tin o o S e r n ã o c o m p a rtilh a n e n h u m a c a r a c ­ relativismo, inclusivismo e exclusivismo :
te r ís tic a c o m su a d e s c e n d ê n c ia . É to ta lm e n te “o u ­
tro ” . Isso v io la o p rin c íp io d a a n a lo g ia (v. a n a l o g i a , • O pluralism o religioso é a c r e n ç a d e q u e to d a
p r in c íp io d a ; p r im e ir o s p r in c íp io s ) . re lig iã o é v e r d a d e ir a . C a d a u m a p r o p o r c io n a u m
Conhecim ento do supremo. P lo tin o n ã o p o d e ria e n c o n tr o g e n u ín o c o m o S u p re m o . U m a p o d e s e r
g a ra n tir q u a lq u e r c o n h e c im e n to d o Ú n ic o . E le está m e lh o r q u e as o u tra s, m a s to d a s sã o a d e q u a d a s.
a lé m d a e x istê n c ia e a lé m d a d e sc riç ã o . T od as a s a fir­ • O relativismo (v. v e r d a d e a b so l u t a ) a firm a q u e
m a ç õ e s so b re e le s ã o n e g a tiv a s o u e q u ív o c a s . P o ­ n ã o há c rité rio s p e lo s q u a is se p o ssa sa b e r q u a l re li­
ré m , a té P lo tin o a d m itiu q u e n ã o p o d e m o s s a b e r o g iã o é v erd ad eira o u m elh or. N ão h á verd ad e o b je ti­
“q u ê ” a c o isa n ão é se m sa b e rm o s o “qu e” é. C o n h e­ va n a re lig ião , e c a d a re lig ião é v e rd a d eira p a ra q u e m
c im e n to n e g a tiv o p re s s u p õ e c o n h e c im e n to p o s iti­ a c re d ita n ela.
v o (6 .7 .2 9 ; 6 .9 .4 ). • O inclusivismo a firm a q u e u m a re lig ião é e x p li­
R esum o. O p a n te ísm o e m a n a n te d e P lo tin o c o ­ c ita m e n te v e rd a d eira , e n q u a n to to d a s a s o u tra s sã o
m e ç a n a u n id a d e , q u e d á o rig e m à m u ltip lic id a d e im p lic ita m e n te v e rd a d e ira s .
c re s c e n te a té q u a se a tin g ir o p o n to d e in e x is tê n c ia . • O exclusivismo é a c re n ç a d e q u e a p e n a s u m a
E n tã o tu d o volta c re s c e n te m e n te a u m a u n id ad e m a i­ re lig ião é v e rd ad eira, e a s o u tra s q u e se o p õ e m a ela
or, até q u e a u n id ad e m a io r é a lc a n ç a d a n a u n id ad e sã o falsas.
a b so lu ta co m o U no. A qui a p e sso a se u n e ao U n o e
ao Todo. O c ris tia n is m o é e x c lu siv ista ; a firm a se r a ú n ica
Se p a lav ra s n ão p o d em e x p ressa r o Ser, o p ró p rio re lig iã o v e rd ad eira (v . C r is t o , sin g u l a r id a d e d e ) . Isso
P lo tin o e sc re v e u c e n te n a s d e p á g in a s d e sc re v e n d o c o lo c a o s c ris tã o s e m c o n fro n to c o m o s m o v im e n ­
su a te o r ia d o a b s o lu to . A p e n a s o s ilê n c io v e rb a l e to s m o d e rn o s d e e stu d a r relig ião c o m p a ra tiv a e b u s ­
m e n ta l a b so lu to é co e re n te p a ra o m ístic o (v. m is t i ­ c a r c o m u n h ã o e n tre c r e n ç a s . A liste r M c G ra th p e r­
c is m o ). M e sm o lin g u a g e m e v o ca tiv a ou m e ro s in d i­ g u n ta : “C om o p o d e m as a firm a ç õ e s do c ristia n is m o
ca d o re s n ã o sã o su fic ie n te s. A n ã o se r q u e in d iq u em se r lev ad as a sé rio se h á ta n ta s a lte rn a tiv a s riv ais e se
alg o q u e p o s s a m o s e n te n d e r, a in d a n ã o te m o s n e ­ a ‘v erd ad e’ e m si se to rn o u u m a o p ç ã o d e sv a lo riz a ­
n h u m c o n h e c im e n to . da? N in g u ém p o d e re iv in d ic a r a p o s s e s s ã o d a v e r ­
d ad e. É tu d o u m a q u e stã o d e p e rsp e c tiv a . T od as as
Fontes r e iv in d ic a ç õ e s d a v e rd a d e sã o ig u a lm e n te v á lid a s.
A. A. A rmstronü , Thearchitectureoftheintelligible N ão h á p o n to de v ista u n iv ersa l o u p riv ileg iad o qu e
universe. p e r m ita d e c id ir o q u e é c e r to e o q u e é e r r a d o ”
E. B rehier , The philosophy o f Plotinus. (Challenge ofPluralism [O desafio do pluralismo], p. 3 6 5 ).
D. C lark e N. L. Gnsi.r.v., Apologetics in the new age, I g u a ld a d e e n t r e a s r e l ig iõ e s m u n d ia is . O
cap. 4. p lu ra lista Jo h n H ick a rg u m e n ta: “N ão co n sid ero que
G. C lark , From Thales to Dewey. as p e sso a s d as o u tra s re lig iõ es m u n d ia is e ste ja m , em
N. L. G eisi.fr e W. W atkins, Worlds apart: a handbook g eral, n u m n ív el m o ra l e e sp iritu a l d ife re n te d o s c r is ­
on worldviews, cap. 3. tã o s” . P ois “O id ea l b á sic o de a m o r e cu id a d o p elo s
P lotino , Enéadas. o u tro s e d e tra tá -lo s c o m o g o sta ria d e se r tra ta d o é,
n a v erd ad e, e n sin a d o p o r to d a s as g ra n d e s tra d içõ e s
pluralism o m etafísico. O p lu ra lism o a firm a q u e a re lig io sa s” (H ick , A Pluralisú View, p. 3 9 ). H ick o fe ­
re alid ad e é e n c o n tra d a n a d iv e rsid ad e , em vez de na r e c e c o m o p ro v a o fa to d e q u e a fir m a ç õ e s s e m e ­
u n id ad e (v. u n idade e d iv e r sid a d e , pr o blem a d e ). Ele se lh a n te s à “R e g ra Á u rea” do c ris tia n is m o p o d e m ser
op õ e ao m o n ism o , q u e a firm a qu e a realid ad e é ún ica. e n c o n tra d a s em o u tra s re lig iõ es (ib id ., p. 3 9 , 4 0 ).
p lu ra lis m o re lig io s o 702

É q u e stio n á v e l se o s p ra tic a n te s d as re lig iõ es n ão - p ro d u to im p o rta d o d o c ris tia n is m o , p o r in flu ê n c ia


c ris tã s re a lm e n te p o d e m d e m o n s tra r o q u e G álatas d e p e s s o a s c o m o G a n d i, q u e f o r a m to c a d a s p o r
5 .2 2 ,2 3 c h a m a d e “o fru to d o E sp írito ” : am o r, a leg ria , p rin c íp io s c r is tã o s . M e s m o a s s im , ele n ã o a tin g iu a
p a z , p a c iê n c ia , a m a b ilid a d e , b o n d a d e , fid e lid a d e , c o m p a ix ã o c r is tã to ta l d e m a d re T eresa.
m a n sid ã o , d o m ín io p ró p rio . C e rta m e n te os n ã o -c ris- E n c o n tr a r u m p rin c íp io m o ra l p ró x im o d o P re ­
tã o s fazem c o isa s b o a s e se n te m a e m o çã o d o afeto c e ito Á u re o (c f. M t 7 .1 2 ) n ã o é o s u fic ie n te p a ra
q u e c h a m a m o s am o r. E o u tro s sã o g e n tis, b o n s, g e ­ m o s tra r ig u ald ad e m o ra l. E s sa é u m a m a n ife sta ç ã o
n e ro so s e c o n tro la d o s. M a s eles sã o cap az es de m a ­ da re v e la ção g era l, a lei e sc rita p o r D eu s n o s c o ra ­
n ife s ta r a m o r ágape ? É p o ssív e l le v a r u m a v id a fi­ ç õ e s d e to d o s (R m 2 .1 2 - 1 5 ) . Q u an d o fo i viv id a em
la n tró p ic a e a té m o rre r p o r co n v icçõ e s p e sso a is, m a s m o m e n to s de e sp iritu a lid a d e n a c io n a l, a m o ra lid a d e
n ã o m o s tr a r o v e rd a d e iro a m o r h o lís tic o b a se a d o c ris tã p ro d u z iu c o m p a ix ã o so c ia l d in â m ic a , e n q u a n ­
e m D eu s (v. IC o 1 3 .3 ). O s c ristã o s devem te r um tip o to re lig iõ e s o rie n ta is p ro d u z ira m so c ie d a d e s e s ta g ­
d e a m o r q u a lita tiv a m e n te d ife r e n te u n s p e lo s o u ­ n a d a s e o is la m ism o p ro d u z iu so cie d a d e s in to le ra n ­
tro s e so b re tu d o p o r D eu s. E m b o ra a g ra ça co m u m te s (P in n o c k , e m O k h la m , p. 6 1 ).
d e D eu s c a p a c ite p e sso a s m á s a fa z e r o b e m (v. M t A a n á lis e d e H ic k é u m a p e tiç ã o d e p r in c íp io .
7 .1 1 ) , a p e n a s o a m o r s o b r e n a tu r a l d e D e u s p o d e A p en a s ao su p o r q u e o d e n o m in a d o r c o m u m m o ra l
m o tiv a r u m a p e s s o a a e x p r e s s a r agapê v e rd a d e iro a to d a s as re lig iõ es é o p a d rã o p elo q u a l elas d ev em
(cf. Jo 1 5 .1 3 ; R m 5 .6 -8 ; 1Jo 4 .7 ). se r ju lg a d a s é q u e ele ch e g a à c o n c lu sã o p o u co s u r­
A ntes q u e se co n clu a ap ressad am en te q u e W illiam p re e n d e n te d e q u e elas são to d a s ig u ais. M a s é p re c i­
Ja m e s d e m o n stro u a igu ald ad e d e to d a s a s fo rm a s de so n e g a r o s a s p e c to s su p e r io re s d a m o ra lid a d e o u
san tid ad e em Varieties o f religious experiences [ Varie­ e n sin a m e n to c ristã o s p a ra m o stra r q u e o c ris tia n is ­
dades de experiências religiosas], o liv ro A treatise on m o n ã o é su p erio r. H ick p a re c e re c o n h e c e r is so ta ­
religious affections [Tratado de sentimentos religiosos], c ita m e n te a o a d m itir q u e “a a c e ita ç ã o d e a lg u m a
d e Jo n a th a n E d w a rd s, d e v e s e r lid o c o m a te n ç ã o . fo rm a d e v isã o p lu ra lis ta lev a c a d a re lig iã o a n ã o
Ed w ard s a rg u m e n ta co n v in ce n tem e n te q u e m a n ife s­ e n fa tiz a r e e v e n tu a lm e n te d e ix a r d e lad o a q u ele a s ­
ta çõ e s de p ied ad e cristã são ú n ica s, d iferen ça situ ad a p e c to d a su a a u to c o m p r e e n s ã o q u e im p lic a u m a
n o nível m a is elevad o d a p ied ad e c ristã e n ã o -c ristã . re iv in d ic a çã o d a su p erio rid a d e sin g u la r e n tre a s re ­
M e s m o q u e a lg u é m p u d e s s e d e m o n s tr a r u m lig iõ es d o m u n d o ” (ib id ., p. 5 1 ).
tip o d e ig u a ld a d e m o ra l n a p rá tic a e n tr e a m a io ria A lém d is s o , a m a n ife s ta ç ã o m o ra l d a c re n ç a n ão
d o s a d e p to s d as g ra n d e s re lig iõ e s , só is so n ã o p ro ­ re so lv e a q u e s tã o d a v e rd a d e . P o r e x e m p lo , o fato
v a ria ig u a ld a d e m o ra l e n tr e a s re lig iõ e s . A p e sso a d e q u e e x is te m m ó r m o n s e x te r n a m e n te c o m b o a
q u e p r a tic a p e r fe ita m e n te u m c ó d ig o m o ra l in f e ­ c o n d u ta m o ra l n ã o p ro v a q u e Jo se p h S m ith fo i um
r io r p o d e p a r e c e r m a is m o r a lm e n te c o r r e ta q u e a v e rd a d e iro p ro fe ta . N a v e rd a d e , h á fo rte e v id ê n c ia
p e s s o a q u e v iv e im p e r f e ita m e n te d e a c o r d o c o m d e q u e e le n ã o fo i u m v e rd a d eiro p ro fe ta (v. T a n n e r).
u m p a d rã o é tic o su p e rio r. P ara fa z e r u m a c o m p a ­ E n tre a s e v id ê n c ia s d o c o n tr á r io e stã o su a s p ro fe ­
r a ç ã o ju s t a , é p r e c is o c o m p a r a r o s e n s in a m e n to s c ia s e v id e n te m e n te fa lsa s (v. m il a g r e ; p r o fe c ia co m o
m o r a is m a is e le v a d o s d a s v á r ia s r e lig iõ e s . A lé m prova da B íb l ia ). H á e v id ê n c ia p a ra m o s tra r se alg o é
d is s o , é p r e c is o c o m p a r a r o s m e lh o r e s e x e m p lo s v e rd a d e iro a lé m d o e stilo d e vid a d o s se u s a d e p to s.
d o s a d e p to s d e c a d a u m a . A co m p a ra çã o d etalh ad a A v erd ad e é o q u e c o rre sp o n d e à re a lid a d e (v . v e r ­
d as atitu d es, o b je tiv o s e m o tiv a çõ es, a ssim co m o a çõ es d a d e , n a t u r e z a d a ) , lo g o , u m a re lig iã o é v e rd a d e ira
de m ad re Teresa e M o h a n d a s G an d i d e m o n s tra ria a se se u s p r in c íp io s c e n tr a is c o rre s p o n d e m ao m u n ­
s u p e r io r id a d e d a c o m p a ix ã o c r is tã p e lo s n e c e s s i­ d o re a l, n ã o a p e n a s se se u s s e g u id o re s v iv e m c o r ­
ta d o s. D o la d o d a re lig iã o m o d e rn a , ta m b é m é p re ­ re ta m e n te o u a té m e s m o m e lh o r q u e o s a d e p to s d e
c is o e s ta b e le c e r o q u e é in e re n te ao s is te m a m o ra l o u tr a re lig iã o .
d e o u tra re lig iã o e o q u e fo i in c o r p o ra d o a ela c o m o E m q u in to lugar, a su p erio rid a d e m o ra l d o c r is ­
r e s u lt a d o d a a t iv id a d e m i s s i o n á r i a c r i s t ã . O tia n ism o n ã o está e m n o ssa im p e rfe içã o c o m o c ris ­
h in d u ís m o c o m o s is te m a n ã o g e ro u c o m p a ix ã o so ­ tã o s, m a s n a p e rfe iç ã o sin g u la r d e C risto c o m o n o s ­
c ia l e m G a n d i. G a n d i fo i u m a lu n o d o c r is tia n is m o so e x e m p lo . N ão se b a se ia n o n o ss o c a r á te r m o ra l
q u e c o n s id e r o u s e r ia m e n te a c o n v e rs ã o . E le p ro ­ falív el, m a s n o c a r á te r im p ecá v e l d ele (Jo 8 .4 6 ; 2C o
c la m o u su a a d m ir a ç ã o p e lo s e n s in a m e n to s d e J e ­ 5 .2 1 ; H b 4 .1 5 ; 1 Jo 3 .3 ). N esse c o n te x to , há c la ra m e n te
s u s n o S e rm ã o d o M o n te . A c o m p a ix ã o so c ia l e n ­ u m a su p e rio rid a d e m o ra l d o c ris tia n is m o so b re to ­
c o n tra d a e m a lg u m a s fo rm a s a tu a is d o h in d u ísm o é d as a s o u tra s relig iõ es.
703 p lu ra lis m o re lig io s o

Ig u a ld a d e red en tiv a d a s religiões. Q u an to à r e i­ Is s o sig n ifica q u e n ã o im p o rta se a p e sso a é n az ista ,


v in d ic a ç ã o c ris tã d o m o d o su p e rio r d e sa lv a çã o , H ick s a ta n is ta o u m e m b ro d a S o cie d a d e d a T erra P la n a .
a c r e d ita q u e ta l a firm a ç ã o c o m e te u m a p e tiç ã o de Q u alq u e r v isã o se ria v e rd ad eira. C la ra m e n te , p o ré m ,
p rin c íp io o u n ão é v e rd a d e n a p rá tic a . a sin ce rid a d e n ã o é u m te ste d a v erd ad e. M u ita s p e s ­
so a s já e stiv e ra m sin c e ra m e n te e rra d a s so b re m u i­
Se definirmos salvação como ser perdoado e aceito por Deus ta s c o isa s.
por causa da m orte de Jesus na cruz, torna-se uma tautologia F in a lm e n te , is so im p lic a q u e to d a s a s re iv in d i­
afirmar que apenas o cristianismo conhece e é capaz de pregar a c a ç õ e s d a verd ad e são u m a q u e stã o d e “ta n to -q u a n -
fonte da salvação. [...] Se definirmos salvação como a mudança to” , em vez d e “o u -o u ” . C om e sse ra c io c ín io p o d e ri­
humana real, a transformação gradual do egoísmo natural (com a m e x is tir c írc u lo s q u a d ra d o s, to lo s sá b io s e a n a lfa ­
todos os males humanos que fluem disso) para uma orientação b e to s cu lto s. P ro p o siçõ es m u tu a m en te exclu siv as n ão
radicalmente nova, centrada em Deus e manifestada no‘fruto do p o d em se r a m b a s v erd ad eiras. R eiv in d icaçõ es d e v e r­
Espírito’, parece claro que a salvação está acontecendo em todas d ad es o p o sta s d e relig iõ es d iferen te s n ão p o d em ser
as religiões mundiais — e acontecendo, até onde podemos ver, a m b a s verd ad eiras (v. lógica; primeiros princípios). Por
quase na m esma medida (ibid., p. 43).
e x e m p lo , o p a n te ísm o h in d u e o te ísm o c ristã o a fir­
m a m co sm o v isõ e s m u tu a m e n te e x clu d e n tes. O isla -
A lém d o m a is, o q u e é c o m u m a to d as as religiões
m is m o n ega, e o c ristia n is m o p ro c la m a , a m o rte de
m u n d iais é u m a re sp o sta ad eq u ad a p ara o Su p rem o .
Je su s n a cru z e su a re ssu rre iç ã o d o s m o rto s trê s d ias
“M as elas p a re c e m co n stitu ir, m a is o u m e n o s ig u a l­
d e p o is. Um d o s d o is d eve e s ta r erra d o .
m en te, a a u tê n tica p ercep ção h u m a n a d o S u p rem o e
A s in g u la r id a d e d e C risto. Q u a n to a o d o g m a
u m a resp o sta a E le, o R eal, a b a se fin al e fonte de tudo”
c ristã o so b re a sin g u larid a d e d e C risto (v. C risto, sin­
(ib id ., p. 4 5 ). H á, é c la ro ,“u m a plu ralid ad e d e trad ições
gularidade de ) se r D eu s e n c a rn a d o co m o verd ad eiro
re lig io sa s q u e c o n s titu e m re s p o s ta s h u m a n a s d ife ­
h o m e m , H ick a firm a q u e h á d o is p ro b le m a s p rin c i­
re n tes, m a s ao q u e p a rece m a is o u m e n o s igu alm en te
p a is: P rim e iro , o p ró p rio Je s u s n ã o e n sin o u e ssa s in ­
salvad o ras, ao S u p rem o . E sta s são as g ra n d es religiões
g u larid a d e. S e g u n d o , o c o n c e ito d e q u e Je su s e ra D eu s
m u n d iais” (ib id ., p. 4 7 ).
e h u m a n o n ã o é c o e re n te .
A a n á lise d e H ic k d a s c r e n ç a s so b re sa lv a ç ã o é
H ick re je ita a p a re n te s a firm a ç õ e s so b re a sin g u ­
b a se a d a n a su p o siçã o de q u e to d a s a s re lig iõ es tê m
la rid a d e d e C risto n o s e v a n g e lh o s p o rq u e vê te ó lo ­
u m a re la ç ã o a d e q u a d a c o m o q u e é re a lm e n te S u ­
p rem o . Isso é u m a p e tiç ã o de p rin cíp io . Talvez a lg u ­ g o s d o n t faz en d o o m e sm o .
m a s n ã o e ste ja m se q u e r lig ad as ao q u e re a lm e n te é
S u p re m o (i.e ., o v e rd a d eiro D e u s). O u talvez n ão e s ­ Entre o s principais teólogos do n t atualmente há um con­
te ja m a d e q u a d a m e n te re la c io n a d a s ao q u e re a lm e n te senso geral de que essas não são afirm ações do Jesus históri­
é S u p re m o (D e u s). co, mas palavras atribuídas a ele 60 ou 70 anos m ais tarde por
H ick su p õe e q u iv o cad am e n te q u e to d as as relig i­ um escritor cristão, que expressava a teologia desenvolvida na
õ es são ap en as a resp o sta h u m a n a ao Su p rem o . M as sua parte da igreja em expansão (ibid., p. 52,53).
isso p re ssu p õ e a v isão a n ti-s o b re n a tu ra l da religião.
Na verd ad e, p ressu p õ e a p a n te ísta o rien tal do Su p re­ H ick c ita u m a lis ta d e a u to re s b íb lic o s q u e s u ­
m o c o m o o q u e tra n s c e n d e to d a s as m a n ife sta ç õ e s p o s ta m e n te c o n c o rd a ra m q u e “Je su s n ã o re iv in d i­
cu ltu ra is esp e cífica s n as v á ria s relig iõ es m u n d iais. co u d iv in d a d e p a ra s i” (ib id .).
E ssa n eg ação da verd ad e de q u a lq u er religião e s­ H ick está m a l in fo rm a d o so b re a m b a s as q u e s ­
p ecífica é em si u m a fo rm a de exclu siv ism o . Isso fa ­ tõ es. A tu a lm en te a co n fia b ilid a d e h istó ric a d o s e v a n ­
v o re c e a v isã o e s p e c ífic a c o n h e c id a p o r p a n te ísm o g e lh o s e s tá a lé m d a c o n t e s t a ç ã o s é r ia (v. A t o s ,
p ara n eg a r a e sp ecificid ad e d o te ísm o cristã o . Su p o r HISTORICIDADE DE; NOVO TESTAMENTO, DATAÇÃO DO; NOVO T tS-
esse tip o de p o siçã o p a n te ísta co m o b ase p ara a a n á ­ t a m e n t o , h isto r ic id a d e d o ). R e iv in d ica r q u e as a firm a ­

lise de to d as as religiõ es, in clu in d o as n ã o -p an te ístas, ç õ e s de Je s u s fo ra m e d ita d a s m u ito s a n o s d e p o is


é sim p le sm e n te p e tiçã o de p rin cíp io . Ou, em o u tras p a ra se a ju s ta re m a u m p ro g ra m a re lig io so s im p le s ­
p alav ras, o p lu ra lista q u e n ega q u e q u a lq u er religião m e n te n ão se e n q u a d ra c o m o s fato s. Os e v an g elh o s
e sp ecífica é m a is verd ad eira q u e as o u tra s está faz en ­ e s ta v a m d is p o n ív e is n a s fo rm a s q u e c o n h e c e m o s
d o u m a re iv in d ica çã o e sp e cífica da v erd ad e. a g o ra já d u ra n te a vida d as te ste m u n h a s o c u la re s e
A v isão p lu ra lista ch eg a ao p o n to de a firm a r que d o s co n te m p o râ n e o s dos ev en to s. E v id ê n cia s re c e n ­
tu d o em q u e se a cre d ita s in c e ra m e n te é v e rd a d eiro ; te s p a re c e m a d ia n ta r as d a ta s. Jo ã o , c o n sid e ra d o o
p lu ra lis m o re lig io s o 704

ú ltim o e v a n g e lh o a s e r e s c rito , é d e a u to ria d e u m a p lic a a o u tr o s a tr ib u to s d e J e s u s . C o m o D e u s, e le


p a rticip a n te d o s ev en to s (Jo 2 1 .2 4 ). L u cas foi e scrito era o n ip o te n te . C om o se r h u m a n o , n ão e ra
p o r u m d isc íp u lo c o n te m p o râ n e o q u e c o n h e c ia as (v . C r is t o , d iv in d a d e d e ).
te ste m u n h a s o c u la re s (L c 1 .1 -4 ). O s e v a n g e lh o s c o ­ A leg ações d e in to lerâ n cia. O u tra a cu sa çã o é q u e
n h e c id o s re la ta m , n ã o c ria m , as p a lav ras e a çõ e s de o e x c lu siv ism o é in to le ra n te , a ta q u e d irig id o à p o si­
Jesu s. H á fo rte evid ên cia d as a firm açõ es singu lares que ç ã o e x clu siv ista d e q u e u m a v isão relig io sa é v e rd a ­
ele fez de se r D eus en carn ad o (v. C risto , divindade de ). d e ira e a s o p o sta s sã o falsas. Is so , p a ra o s p lu ra lista s,
A se g u n d a a le g a ç ã o d e H ick é q u e “n ã o se p ro ­ p a re ce in tra n s ig ê n c ia . Por q u e a p en a s u m a v isão tem
v o u s e r p o ssív e l, a p ó s q u in ze sé c u lo s d e e sfo rç o in ­ o p riv ilég io da v erd ad e?
te rm ite n te , d a r u m sig n ific a d o c la ro à id éia d e q u e C om e s s e ra c io c ín io , o s p lu ra lista s ta m b é m sã o
Je su s tin h a d u a s n a tu re z a s c o m p le ta s , u m a h u m a n a “in to le ra n te s” . A a firm a m q u e su as o p in iõ es são ver­
e o u tra d iv in a” (ib id ., p. 5 5 ). H ick p erg u n ta : “ É re a l­ d a d e ir a s , e x c lu in d o v is õ e s o p o s ta s ( in c lu in d o o
m e n te p o ssív e l q u e o c o n h e c im e n to in fin ito re sid a e x c lu siv ism o ). E ele s c e rta m e n te n ão to le ra m a p o ­
n u m c é re b r o h u m a n o fin ito ? ” (ib id ., p. 5 5 ) . N o v a­ siçã o d e q u e v isõ e s p lu ra lista s e n ã o -p lu ra lista s são
m e n te : “N ó s n a v e rd ad e p re te n d e m o s a fir m a r q u e v e rd a d e ira s .
Je su s e ra lite ra lm e n te o n ip o te n te m a s fin g ia n ã o ser, S e a a c u sa ç ã o de in to le râ n c ia é feita p e lo m o d o
c o m o e m M a rc o s 6 .5 ? ” . c o m o a lg u n s e x clu siv ista s e x p re s sa m su a s p o siç õ e s,
o s n ã o -p lu ra lista s n ã o tê m o m o n o p ó lio d a g ro ss e ­
E apesar de ser bom , am oroso, sábio, justo e misericordi­ ria , in tim id a ç ã o e a firm a ç õ e s m al fo rm u la d a s. C o m o
oso, há um problem a óbvio quanto à m aneira em que um ser fo i d e m o n s tr a d o p e lo m o v im e n to “p o litic a m e n te
hum ano finito poderia ter essas qualidades num grau infinito co rre to ” n a s u n iv ersid a d es, o s p lu ra lista s p o d e m se r
[...] Um ser finito não pode ter atributos infinitos (ibid., p.56). tã o in to le ra n te s q u a n to q u a isq u e r o u tro s. N a v erd a ­
d e , d eve h a v e r m a is e x c lu siv ista s q u e p lu ra lista s q u e
H ick ch eg a b e m p e rto d e a firm a r q u e a e n ca rn a çã o a g em c o m re sp e ito e m o d e ra ç ã o . N o e n ta n to , d ev e-
en v olv e u m a e v id en te c o n tr a d iç ã o ló g ic a e su a lin ­ s e o b s e r v a r q u e o p r ó p r io c o n c e ito d e to le r â n c ia
gu agem p a re ce su g erir isso. Se n ão fo r u m a c o n tra d i­ im p lic a u m a d is c o r d â n c ia re a l. N in g u é m to le r a o
ção ló gica, n ão h á in co e rê n cia d e m o n stra d a n e ssa p o ­ q u e a firm a to le r â n c ia p re s s u p õ e u m a v is ã o c o n f i­
siç ã o . N a re a lid a d e , o p ró p r io H ic k a d m ite q u e “ é a n te d a v erd ad e.
lo g ic a m e n te p e rm íssív e l a c re d ita r e m q u a lq u e r c o i­ Intransigência. A q u e stã o da to le râ n c ia e stá re la ­
sa q u e n ão se c o n tra d iz ” ( M etaphor o f God incarnate c io n a d a à a leg ação fa v o rita d o s p lu ra lista s: a d e q u e
[A m etáfora do Deus en carn ado ], p. 1 0 4 ). Q u an to à o s n ã o -p lu ra lista s são in tra n s ig e n te s, já q u e a firm a m
a fir m a ç ã o d e q u e é d ifíc il d e m o n s tr a r c o m o is s o q u e su a p o s iç ã o é v e rd a d e ira , e tu d o o m a is e s tá
a c o n te c e , p e lo m e s m o m o tiv o s e ria n e c e s s á rio n e ­ e rra d o . Is so p a re c e p re su n ç o so . P or q u e a p e n a s o s
g a r ta n to g ra n d e p a rte de n o ss a e x p e riê n c ia c o m u m e x c lu siv ista s p o d e m p o ssu ir a v erd ad e?
c o m o a c iê n c ia m o d e rn a (q u e te m d ificu ld a d e p a ra A resp o sta é q u e os p lu ralistas (p) e o s exclu siv istas
e x p lic a r c o m o a lu z p o d e se r o n d a s e p a rtíc u la s ao ( e ) fazem u m a a firm a ç ã o igual q u a n to à verd ad e e ao
m e s m o te m p o ). erro . A m b o s a firm a m q u e sua p o siçã o é v erd ad eira e
S e g u n d o , H ic k p a r e c e e s ta r m a l in fo r m a d o s o ­ tu d o o q u e se o p õ e a ela é falso. P or exem p lo, se £ é
b re a v is ã o o rto d o x a d a s d u as n a tu re z a s d e C risto . v erd ad eiro , tod o não-E é falso. D a m e sm a fo rm a , se p é
S u a s o b je ç õ e s p r e s s u p õ e m a h e r e s ia m o n o fis is ta , v erd ad eiro , tod o não-p é falso. A m b as as p o siçõ es são
q u e c o n f u n d e a s d u a s n a tu r e z a s d e C r is to . S u a in tr a n s ig e n te s . T o d a v e rd a d e é in tr a n s ig e n te .
q u e s tã o : “ É r e a lm e n te p o ssív e l q u e o c o n h e c im e n ­ A fin a l, 2 + 3 só p o d e te r u m a r e s p o s ta v e rd a d e ira
to in f in it o r e s id a n u m c é r e b r o h u m a n o f in it o ? ” — 5. A v erd ad e é a ssim .
(ib id ., p. 5 5 ) re v e la e s s a c o n fu s ã o . A v is ã o o r to d o ­ Im perialism o intelectual. O u tra a c u s a ç ã o é q u e
x a n ã o a f ir m a q u e h a v ia c o n h e c im e n t o in f in ito o s e x c lu siv ista s são cu lp ad o s de im p e ria lism o in te ­
n o c é r e b r o fin ito d e C ris to . A n te s , a fir m a q u e h a ­ le ctu a l. Os e x c lu siv ista s são to ta litá rio s c o m rela ção
v ia d u a s n a tu re z a s d is tin ta s e m C ris to , u m a in f i­ à v e rd ad e. D ev iam se r m a is a b e rto s às id éias de v á ­
n ita e o u tr a fin ita . A p e s s o a d e C ris to n ã o d e tin h a ria s fo n te s , n ão a p e n a s d e u m a. A lg u n s p lu ra lista s
c o n h e c im e n to in fin ito . E le p o s s ú a c o n h e c im e n to p ó s -m o d e rn o s c h e g a m ao p o n to de a firm a r q u e as
in f in it o a p e n a s e m s u a n a tu r e z a in f in it a . C o m o p ró p ria s id éia s de v e rd a d e e sig n ific a d o c h e ir a m a
D e u s , s a b ia to d a s a s c o is a s . C o m o s e r h u m a n o , f a s c is m o ( c it a d o e m M c G r a th , “ C h a lle n g e o f
Je s u s c r e s c e u e m s a b e d o r ia (L c 2 .5 2 ) . O m e s m o se P lu ralism ” [O desafio do pluralismo], p. 3 6 4 ).
705 p lu ra lis m o re lig io s o

E ssa a leg ação te m c e rto im p a c to , p rin c ip a lm e n ­ O mundo é “religiosamente am bíguo”. H ick a c r e ­


te p a ra o s de m e n ta lid a d e p o lític a e sp e c ífic a , m a s é d ita q u e “o u n iv e rso , c o m o a tu a lm e n te a c e s s ív e l a
in ú til p a ra d e te rm in a r o q u e é v e rd a d eiro . A m a n e ira n ó s, p o d e se r in te rp re ta d o in te le ctu a l e e x p e rim e n ­
e m q u e e ssa a leg a çã o g e ra lm e n te é feita é c o m o u m a ta lm e n te ta n to de m a n e ira re lig io sa q u a n to n a tu ra ­
fo r m a d e fa lá c ia ló g ic a c o n h e c id a p o r a rg u m e n to lista ” (Interpretation o f religion [Interpretação da re­
ad hom inem, qu e a ta ca a p e sso a , e n ão a p o siçã o . ligião], p. 129 ; v. G eivett, p. 7 7 ). N ão p o d e m o s c o n h e ­
E s s a o b je ç ã o ta m b é m fa z u m a p r e s s u p o s iç ã o c e r a v e rd ad e so b re D eu s; o q u e é real n ão p o d e ser
in ju stific a d a de q u e a v erd ad e d eve se r m a is d e m o ­ d ife re n c ia d o d o q u e é falso .
c rá tic a . M as a v erd ad e n ão é d ecid id a p ela m a io ria . É u m a a fir m a ç ã o c o n tr a d itó r ia s a b e r q u e n ã o
A verd ad e é o q u e co rre sp o n d e à realid ad e (v. v e r d a ­ se p o d e s a b e r o q u e é re a l. Só p o rq u e a re a lid a d e
d e , n a t u r e z a d a ) , q u e r a m a io ria a cred ite q u e r n ão. Os
n ã o é c o m p le ta m e n te c o n h e c id a , n ã o sig n ific a q u e
p lu ra lista s re a lm e n te a cre d ita m q u e to d a s as v isõ es é im p o s sív e l c o n h e c ê -la re a lm e n te (v. a g n o s t ic is m o ;
sã o ig u a lm e n te v e rd a d e ira s e b o a s e d e v e m se r r e ­ r e a l i s m o ) . C o m o G eiv ett o b s e rv a , “a té o n d e D eu s é
so lv id a s p e la m a io ria ? O fa s c is m o o u o m a rx is m o c o n h e c id o , e le é c o n h e c id o r e a lm e n te ” . A p ró p r ia
sã o b o n s c o m o a d e m o c ra c ia ? O n a z is m o fo i b o m id é ia d o R e a l in d istin g u ív e l é im p la u sív e l, a té m e s ­
c o m o q u a lq u e r o u tro g o v e rn o ? D e v e ría m o s te r t o ­ m o c o n t r a d it ó r ia . A a fir m a ç ã o d e H ic k d e q u e o
le ra d o a q u e im a d as viú vas n o s fu n e ra is h in d u s de R eal p o d e se r sim b o liz a d o p elo c o n c e ito d o sunyata
se u s m a rid o s? do b u d ism o é u m d e sses c a s o s . P ois se o R eal é tã o
P ressu posições d o p lu ralism o . Há critérios m o­ in d istin g u ív e l, c o m o u m sím b o lo p o d e re p re s e n tá -
rais transreligiosos. P ara fazer o a rg u m en to d a igu al­ lo? E o R eal n ão p o d e se m a n ife s ta r e m v á ria s tra d i­
d ad e m o ra l fu n cio n a r, é p re ciso su p o r u m a sé rie de çõ e s, c o m o H ick a firm a . P a ra a lg o s e r m a n ife sto , p elo
critério s m o ra is qu e n ão são e sp e cífico s de n en h u m a m e n o s a lg u m a s d e s u a s c a r a c te r ís tic a s d e v e m s e r
re lig ião p elo s q u a is to d o s p o ssa m se r a v aliad o s. Os re v e la d a s. M a s o R e a l, se to ta lm e n te in d istin g u ív e l,
p lu ralistas g era lm en te n eg am qu e exista q u a lq u er lei n ã o te m c a r a c t e r ís t ic a s id e n tif ic á v e is . L o g o , n ã o
m o ra l u n iv e rsa lm e n te o b rig a tó ria . Se h o u v e sse ta is p o d e se m a n ife s ta r n a n o s s a e x p e r iê n c ia d e m a ­
leis m o ra is a b so lu tas, h averia n ecessid a d e de u m L e ­ n e ir a s ig n ific a tiv a . H á u m tip o d e e p is te m o lo g ia
g islad o r M o ra l a b so lu to . M as a p en as as re lig iõ es d o m ís tic a p re ss u p o sta n e ss a a b o rd a g e m d e q u e “ D eu s
tipo teísta a ce ita m esse critério , e alg u m a s d elas re je i­ é in c o g n o s c ív e l” (v. m is t ic is m o ) . N a v e rd a d e e la d e ­
ta m a n atu reza p erfeita e a b so lu ta de D eu s (p o r e x e m ­ c r e ta im p e r a tiv a m e n te c o m o D e u s p o d e e n ã o p o d e
p lo , te ís ta s fin ito s ). Se h á u m a le i m o ra l c o m u m a se re v e la r (G e iv e tt, p. 7 7 ).
to d as as religiõ es, ela n ão é e sp e cífica, e n e n h u m a re ­ O d iálo g o é a ú n ica m a n e ir a d e c o n h e c e r a v e r­
ligião p o d e ser ju lg a d a in ferio r p o r n ã o p o ssu í-la. d ad e. O u tra p re ss u p o siç ã o s e ria m e n te falh a é a p o ­
F in a lm e n te , se n ão h á ta is le is m o ra is u n iv ersa is, siçã o d e q u e o d iá lo g o in te r-re lig io s o p lu ra lista é a
n ã o h á c o m o ju lg a r m o ra lm e n te to d a s a s re lig iõ e s ú n ic a m a n e ir a v á lid a d e d e s c o b r ir a v e rd a d e . N e ­
p o r q u a lq u er p a d rã o a lém d e la s. E n ã o é ju s to to m a r
n h u m d iálo g o re lig io so g e n u ín o é p o ssív e l se a p e s ­
p a d rõ e s d e u m a re lig iã o e a p lic á -lo s a o u tra , a fir ­
so a p re su m e q u e su a re lig ião é v e rd a d eira a n te s d o
m a n d o q u e e sta é in ferio r.
d iálog o . E s sa é a p rova d e q u e ela n ã o e stá “a b e rta ”
Fenômenos podem ser explicados. P o r trá s d o a ta ­ p a ra a v e rd a d e . O d iá lo g o v e rd a d e iro su p õ e q u e a
q u e p lu ra lista ao e x c lu siv ism o e s tá a p ressu p o siçã o p e sso a s e ja to le ra n te , a b e rta , h u m ild e , e s te ja d isp o s­
n atu ralista. Todos o s fen ô m en o s religio so s p o d em ser ta a o u v ir e ap ren d er, a p a rtic ip a r d a b u sc a c o n ju n ta
ex p licad o s n a tu ra listic a m e n te . N e n h u m a e x p lica çã o da verd ad e e d o a m o r a ltru ís ta (ib id ., p. 2 3 9 ).
so b re n a tu ra l é p e rm itid a . M as e sse n a tu ra lism o p re ­ N o e n ta n to , o d iálogo v erd ad eiro é p o ssível sem
su n ço so é in ju stifica d o . M ilag res n ão p o d e m se r eli­ q u e se a d o te a p o siçã o p lu ra lista da v erd ad e. É p o ssí­
m in a d o s a priori (v. m il a g r e s , a r g u m en to s c o n t r a ). E, vel te r u m a a titu d e d e h u m ild a d e, a ce ita çã o e to le râ n ­
com o David H um e afirm ou, o s m ilagres n ão são in crí­ cia se m sa crifica r co n v icçõ es so b re a verdade. O p ró ­
veis. E n ão falta evid ência p ara os m ilagres. Na verdade, prio p lu ralista n ão e stá d isp o sto a a b rir m ã o d o c o m ­
h á evid ên cia su bstan cial p ara o m a io r “m ilagre” de to ­ p ro m isso c o m o p lu ra lism o c o m o c o n d iç ã o p a ra tal
dos, a criação ex nihilo do m u nd o a p a rtir do nad a (v. d iálogo . Isso viola o im p erativ o b á sico d o p lu ralista.
B iG -B A X G e À14L4.U, argumento cosMOLóGico). T am b ém exis- Na realid ad e, o co n vite ao diálogo g era lm en te é a te n ­
te evid ên cia a b u n d an te d e q u e a ressu rre içã o d e C ris­ ta tiv a p o u co e n g e n h o sa d e e v a n g e lism o e m p ro l da
to o correu (v. r e ssu r r e iç ã o , ev id ên c ia s da ). c o sm o v isã o d o q u e co n v id a ao d iálogo .
p lu ra lis m o re lig io s o 704

ú ltim o e v a n g e lh o a s e r e s c rito , é d e a u to ria d e um a p lic a a o u tr o s a tr ib u to s d e Je s u s . C o m o D e u s, e le


p a rticip a n te d o s ev en to s (Jo 2 1 .2 4 ). L u cas fo i e scrito e ra o n ip o te n te . C o m o se r h u m a n o , n ão era
p o r u m d isc íp u lo c o n te m p o râ n e o q u e c o n h e c ia as (v . C r is t o , d iv in d a d e d e ).
te s te m u n h a s o c u la re s (L c 1 .1 -4 ). O s e v a n g e lh o s c o ­ A leg ações d e in to lerâ n cia. O u tra a cu sa çã o é q u e
n h e c id o s re la ta m , n ão c ria m , a s p a lav ras e a çõ e s de o e x c lu siv ism o é in to le ra n te , a ta q u e d irig id o à p o s i­
Jesu s. H á fo rte evid ên cia d as a firm açõ es singu lares que ç ã o e x clu siv ista d e q u e u m a v isão re lig io sa é v e rd a ­
ele fez de se r D eus en carn ad o (v. C risto , divindade d e ). d e ira e a s o p o sta s são falsas. Is so , p a ra o s p lu ra lista s,
A se g u n d a a le g a ç ã o d e H ick é q u e “n ã o se p ro ­ p a re ce in tra n sig ê n c ia . P or q u e a p en as u m a v isão tem
v o u se r p o ssív e l, a p ó s q u in ze sé c u lo s d e e sfo rç o in ­ o p riv ilég io da v erd ad e?
te rm ite n te , d a r u m sig n ific a d o c la ro à id é ia d e q u e C om e sse ra c io c ín io , o s p lu ra lista s ta m b é m sã o
Je s u s tin h a d u as n a tu re z a s c o m p le ta s , u m a h u m a n a “in to le ra n te s” . A a firm a m q u e su as o p in iõ es sã o ver­
e o u tra d ivin a” (ib id ., p. 5 5 ). H ick p erg u n ta : “É re a l­ d a d e ir a s , e x c lu in d o v is õ e s o p o s ta s ( in c lu in d o o
m e n te p o ssív e l q u e o c o n h e c im e n to in fin ito re sid a e x c lu siv ism o ). E eles c e rta m e n te n ão to le ra m a p o ­
n u m c é re b r o h u m a n o fin ito ? ” (ib id ., p. 5 5 ) . N o v a ­ siçã o d e q u e v isõ e s p lu ra lista s e n ã o -p lu ra lista s são
m e n te : “N ó s n a v erd ad e p re te n d e m o s a fir m a r q u e v e rd a d e ira s .
Je su s era lite ra lm e n te o n ip o te n te m a s fin g ia n ã o ser, Se a a cu sa çã o d e in to le râ n c ia é fe ita p elo m o d o
c o m o e m M a rco s 6 .5 ? ” . c o m o a lg u n s e x clu siv ista s e x p re s sa m su a s p o siç õ e s,
o s n ã o -p lu ra lista s n ã o tê m o m o n o p ó lio d a g ro s s e ­
E apesar de ser bom , amoroso, sábio, justo e m isericordi­ ria , in tim id a ç ã o e a firm a ç õ e s m a l fo rm u la d a s. C om o
oso, há um problem a óbvio quanto à m aneira em que um ser fo i d e m o n s tr a d o p e lo m o v im e n to “ p o litic a m e n te
hum ano finito poderia ter essas qualidades num grau infinito co rre to ” n as u n iv ersid a d es, o s p lu ra lista s p o d em se r
[...] Um ser finito não pode ter atributos infinitos (ibid., p.56). tã o in to le ra n te s q u a n to q u a isq u e r o u tro s. Na v erd a ­
d e, d eve h a v e r m a is e x c lu siv ista s q u e p lu ra lista s q u e
H ick ch eg a b e m p e rto d e a firm a r q u e a e n ca rn a çã o ag em c o m re sp e ito e m o d e ra ç ã o . N o e n ta n to , d ev e-
env olv e u m a e v id e n te c o n tr a d iç ã o ló g ic a e su a lin ­ se o b s e r v a r q u e o p r ó p r io c o n c e ito d e to le r â n c ia
gu agem p a rece su g erir isso. Se n ão fo r u m a c o n tra d i­ im p lic a u m a d is c o r d â n c ia re a l. N in g u é m to le r a o
ção ló g ica, n ão h á in c o e rê n c ia d e m o n stra d a n essa p o ­ q u e a firm a to le r â n c ia p re s s u p õ e u m a v isã o c o n f i­
siçã o . Na re a lid a d e , o p ró p r io H ic k a d m ite q u e “ é a n te d a v erd ad e.
lo g ic a m e n te p e rm issív e l a c re d ita r e m q u a lq u e r c o i­ Intransigência. A q u e stã o da to le râ n c ia e stá re la ­
sa q u e n ã o se c o n tra d iz ” ( M etaphor o fG o d incarnate cio n a d a à a leg a çã o fav o rita d o s p lu ra lista s: a d e q u e
[A m etáfora do Deus en carn ado ], p. 1 0 4 ). Q u an to à o s n ã o -p lu ra lista s sã o in tra n s ig e n te s, já q u e a firm a m
a fir m a ç ã o d e q u e é d ifíc il d e m o n s tr a r c o m o is s o q u e su a p o s iç ã o é v e r d a d e ir a , e tu d o o m a is e s tá
a c o n te c e , p e lo m e s m o m o tiv o s e ria n e c e s s á r io n e ­ e rra d o . Is so p a re c e p re su n ç o so . P o r q u e a p e n a s o s
g a r ta n to g ra n d e p a rte de n o ssa e x p e riê n c ia c o m u m e x c lu siv ista s p o d e m p o ssu ir a v erd ad e?
c o m o a c iê n c ia m o d e rn a (q u e te m d ificu ld a d e p a ra A re sp o sta é q u e os p lu ralistas (p) e os exclu siv istas
e x p lic a r c o m o a luz p o d e se r o n d a s e p a rtíc u la s ao ( e ) fazem u m a a firm a ç ã o igual q u a n to à verd ad e e ao
m e s m o te m p o ). erro . A m b o s a firm a m qu e sua p o siçã o é verd ad eira e
S e g u n d o , H ic k p a r e c e e s ta r m a l in fo r m a d o s o ­ tu d o o q u e se op õ e a ela é falso . P or exem p lo, se e é
b re a v is ã o o rto d o x a d a s d u a s n a tu re z a s d e C risto . v erd ad eiro , tod o não-E é falso. D a m e sm a fo rm a , se p é
S u a s o b je ç õ e s p r e s s u p õ e m a h e r e s ia m o n o fis is ta , v erd ad eiro , tod o não-p é falso. A m b as as p o siçõ es são
q u e c o n f u n d e a s d u a s n a tu r e z a s d e C r is to . S u a in tr a n s ig e n te s . T o d a v e rd a d e é in tr a n s ig e n te .
q u e s tã o : “ É r e a lm e n te p o ssív e l q u e o c o n h e c im e n ­ A fin a l, 2 + 3 só p o d e te r u m a r e s p o s ta v e rd a d e ira
to in f in it o r e s id a n u m c é r e b r o h u m a n o f in ito ? ” — 5. A v erd ad e é a ssim .
(ib id ., p. 5 5 ) re v e la e s s a c o n fu s ã o . A v is ã o o r to d o ­ Im perialism o intelectual. O u tra a c u s a ç ã o é q u e
x a n ã o a fir m a q u e h a v ia c o n h e c im e n t o in f in ito o s e x c lu siv ista s são cu lp ad o s de im p e ria lism o in te ­
n o c é r e b r o fin ito d e C ris to . A n te s , a fir m a q u e h a ­ le ctu a l. Os e x clu siv ista s são to ta litá rio s co m rela ção
v ia d u a s n a tu r e z a s d is tin ta s e m C ris to , u m a in f i­ à v erd ad e. D ev iam se r m a is a b e rto s às id éias de v á ­
n ita e o u tr a fin ita . A p e s s o a d e C ris to n ã o d e tin h a ria s fo n te s , n ã o a p e n a s de u m a. A lg u n s p lu ra lista s
c o n h e c im e n to in fin ito . E le p o s s u a c o n h e c im e n to p ó s -m o d e rn o s ch e g a m ao p o n to de a firm a r q u e as
in f in it o a p e n a s e m s u a n a tu r e z a in f in it a . C o m o p ró p ria s id éia s de v e rd a d e e sig n ific a d o c h e ir a m a
D e u s , s a b ia to d a s a s c o is a s . C o m o s e r h u m a n o , f a s c is m o ( c it a d o e m M c G r a th , “ C h a lle n g e o f
Je s u s c r e s c e u e m s a b e d o r ia (L c 2 .5 2 ) . 0 m e s m o se P lu ralism ” [ 0 desafio do pluralismo ], p. 3 6 4 ).
705 p lu ra lis m o re lig io s o

E ssa a leg ação te m c e rto im p a c to , p rin c ip a lm e n ­ O mundo é “religiosamente am bíguo”. H ick a c r e ­


te p a ra o s de m e n ta lid a d e p o lític a e sp e c ífic a , m a s é d ita q u e “o u n iv e rso , c o m o a tu a lm e n te a c e s s ív e l a
in ú til p a ra d e te rm in a r o q u e é v e rd ad eiro . A m a n e ira n ó s, p o d e se r in te rp re ta d o in te le ctu a l e e x p e rim e n ­
e m q u e e ssa a leg ação g e ra lm e n te é feita é c o m o u m a ta lm e n te ta n to de m a n e ira re lig io sa q u a n to n a tu ra ­
fo r m a d e fa lá c ia ló g ic a c o n h e c id a p o r a rg u m e n to lista ” ( Interpretation o f religion [Interpretação d a re­
ad hom inem, q u e a ta ca a p e sso a , e n ão a p o siçã o . ligião], p. 129 ; v. G eivett, p. 7 7 ). N ão p o d e m o s c o n h e ­
E s s a o b je ç ã o ta m b é m fa z u m a p r e s s u p o s iç ã o c e r a v e rd ad e so b re D eu s; o q u e é re a l n ã o p o d e se r
in ju stific a d a de q u e a v erd ad e d eve se r m a is d e m o ­ d ife re n c ia d o d o q u e é falso .
c rá tic a . M as a v erd ad e n ão é d ecid id a p e la m a io ria . É u m a a fir m a ç ã o c o n tr a d itó r ia s a b e r q u e n ã o
A verd ad e é o q u e co rre sp o n d e à realid ad e (v. v e r d a ­ se p o d e s a b e r o q u e é re a l. S ó p o rq u e a re a lid a d e
d e , n atu reza da ), q u e r a m a io ria a cred ite q u e r n ão. Os n ã o é c o m p le ta m e n te c o n h e c id a , n ã o s ig n ific a q u e
p lu ra lista s re a lm e n te a cre d ita m q u e to d a s as v isões é im p o s sív e l c o n h e c ê -la re a lm e n te (v. agnosticismo ;
sã o ig u a lm e n te v e rd a d e ira s e b o a s e d ev em se r r e ­ r e a l i s m o ) . C o m o G eiv ett o b s e rv a , “a té o n d e D eu s é
so lv id a s p e la m a io ria ? O fa s c is m o o u o m a rx is m o c o n h e c id o , e le é c o n h e c id o r e a lm e n te ” . A p r ó p r ia
sã o b o n s c o m o a d e m o c ra c ia ? O n a z is m o fo i b o m id é ia d o R e a l in d istin g u ív e l é im p la u sív e l, a té m e s ­
c o m o q u a lq u e r o u tro g o v e rn o ? D e v e ría m o s te r t o ­ m o c o n t r a d it ó r ia . A a fir m a ç ã o d e H ic k d e q u e o
le ra d o a q u e im a d as viú vas n o s fu n e ra is h in d u s de R eal p o d e se r sim b o liz a d o p e lo c o n c e ito d o sunyata
se u s m a rid o s? do b u d ism o é u m d e sse s c a s o s . P ois se o R e a l é tã o
P ressu posições d o p lu ralism o . H á critérios m o­ in d istin g u ív e l, c o m o u m s ím b o lo p o d e re p re s e n tá -
rais transreligiosos. P ara fazer o a rg u m e n to da ig u al­ lo? E o R e a l n ã o p o d e se m a n ife s ta r e m v á ria s tra d i­
dad e m o ra l fu n cio n a r, é p re ciso su p o r u m a sé rie de ç õ e s, c o m o H ick a firm a . P a ra algo s e r m a n ife sto , p elo
critério s m o ra is q u e n ão são e sp e cífico s de n en h u m a m e n o s a lg u m a s d e s u a s c a r a c te r ís tic a s d e v e m s e r
re lig ião p elo s q u a is to d o s p o ssa m se r a v aliad o s. O s re v e la d a s. M a s o R e a l, se to ta lm e n te in d istin g u ív e l,
p lu ralistas g era lm en te n eg am q u e exista q u a lq u er lei n ã o te m c a r a c t e r ís t ic a s id e n tif ic á v e is . L o g o , n ã o
m o ra l u n iv e rsa lm e n te o b rig a tó ria . Se h o u v e sse ta is p o d e se m a n ife s ta r n a n o s s a e x p e r iê n c ia d e m a ­
leis m o ra is a b so lu tas, h av eria n ecessid a d e d e um L e ­ n e ir a s ig n ific a tiv a . H á u m tip o d e e p is te m o lo g ia
g islad o r M o ral a b so lu to . M as a p e n a s a s re lig iõ es d o m ís tic a p re ssu p o sta n e ss a a b o rd a g e m d e q u e “ D eu s
tip o te ísta a ce ita m esse critério , e alg u m as d elas re je i­ é in c o g n o s c ív e l” (v. misticism o ). N a v e rd a d e e la d e ­
ta m a n atu reza p erfeita e a b so lu ta d e D eu s (p o r e x e m ­ c re ta im p e r a tiv a m e n te c o m o D eu s p o d e e n ã o p o d e
p lo , te ís ta s fin ito s ). S e h á u m a le i m o ra l c o m u m a se re v e la r (G e iv e tt, p. 7 7 ) .
to d as as religiõ es, ela n ão é e sp e cífica, e n en h u m a re ­ O d iá lo g o é a ú n ic a m a n e ira d e c o n h e c e r a v e r­
ligião p o d e se r ju lg a d a in ferio r p o r n ão p o ssu í-la. d ad e. O u tra p re ss u p o siç ã o se ria m e n te falh a é a p o ­
F in a lm e n te , se n ã o h á ta is leis m o ra is u n iv ersa is, siçã o d e q u e o d iá lo g o in te r-re lig io s o p lu ra lista é a
n ã o h á c o m o ju lg a r m o ra lm e n te to d a s a s re lig iõ e s ú n ic a m a n e ir a v á lid a d e d e s c o b r ir a v e rd a d e . N e ­
p o r q u a lq u e r p a d rã o a lém d ela s. E n ão é ju s to to m a r n h u m d iálo g o re lig io so g e n u ín o é p o ssív e l se a p e s ­
p a d rõ e s d e u m a re lig iã o e a p lic á -lo s a o u tra , a fir ­
so a p re su m e q u e su a re lig ião é v e rd a d eira a n te s d o
m a n d o q u e e sta é in ferio r.
d iálog o . E s sa é a p rova d e q u e ela n ã o e stá “a b e rta ”
Fenômenos podem ser explicados. P or trá s d o a ta ­ p a ra a v e rd a d e . O d iá lo g o v e rd a d e iro su p õ e q u e a
q u e p lu ra lista ao e x c lu siv ism o e stá a p ressu p o siçã o p e sso a s e ja to le ra n te , a b e rta , h u m ild e , e ste ja d isp o s­
n atu ralista. Todos o s fen ô m en o s religiosos p o d em ser ta a o u v ir e ap ren d er, a p a rtic ip a r d a b u s c a c o n ju n ta
ex p lica d o s n a tu ra listic a m e n te . N e n h u m a e x p lica çã o da verd ad e e d o a m o r a ltru ís ta (ib id ., p. 2 3 9 ).
so b re n a tu ra l é p erm itid a . M a s e sse n a tu ra lism o p re ­ N o e n ta n to , o d iálogo v erd ad eiro é p o ssív el se m
su n ç o so é in ju stific a d o . M ilag res n ão p o d em se r eli­ q u e se ad o te a p o siçã o p lu ra lista d a v erd ad e. É p o ssí­
m in a d o s a priori (v. m il a g r e s , a r g u m en to s c o n t r a ). E, vel te r u m a a titu d e de h u m ild ad e, a ce ita çã o e to le râ n ­
co m o David H um e afirm ou , os m ilagres n ão são in crí­ c ia se m sa crifica r co n v icçõ es so b re a verdade. O p ró ­
veis. E n ão falta evid ência para o s m ilagres. Na verdade, p rio p lu ralista n ão e stá d isp o sto a a b rir m ã o d o c o m ­
h á evid ência su bstan cial p ara o m aio r “m ilagre” de to ­ p ro m isso c o m o p lu ra lism o c o m o c o n d iç ã o p a ra tal
dos, a criação ex nihilo do m u nd o a p a rtir do nad a (v. d iálogo . Isso viola o im p erativ o b á sic o d o p lu ralista.
BiG-BAXG e kalam, ARGUMENTO cosMOLôGico). T am b ém exis- Na realid ad e, o co n vite ao d iálogo g era lm en te é a te n ­
te evid ên cia a b u n d an te d e q u e a re ssu rre içã o de C ris­ ta tiv a p o u co e n g e n h o sa d e e v a n g e lism o e m p ro l da
to o correu (v. r essu r r e iç ã o , evid ên c ia s da ). c o sm o v isã o d o q u e co n v id a ao d iálogo .
p o lig a m ia 706

A visão de Hick é religiosamente neutra. H ick fin ­ c o n tra o c a s a m e n to co m v á ria s e sp o sa s (D t 1 7 .1 7 ) e


ge n e u tra lid a d e re lig io s a , m a s is so n ã o e x iste . S eu a v io la ç ã o d o p r in c íp io d a m o n o g a m ia — um h o ­
su p o s to p lu ra lis m o é p a d ro n iz a d o se g u n d o a id éia m e m p a ra uma e sp o sa (c f. IC o 7 .2 ; U m 2 .2 ) . P ara
h in d u ísta d o T ra n sce n d e n te . E é a n ta g ô n ico a o s p rin ­ m u ito s c rític o s , is so p a re ce u m a c o n tra d iç ã o (v. B í ­
c íp io s c e n tr a is d o c ris tia n is m o . N ão in c e n tiv a re a l­ b l ia , SUPOSTOS ERROS Na ).
m e n te o d iálo g o g e n u ín o e n tre as tra d iç õ e s. N a v er­ O p ro b lem a d a p olig am ia. A m o n o g a m ia é o p a ­
d a d e , to rn a q u a se v azio o c o n c e ito d e e s ta r “n u m a d rão id eal d e D eu s p a ra a ra ça h u m a n a . A p o lig am ia
d e te rm in a d a tra d iç ã o re lig io sa ” . A fin al, se g u n d o o s n u n ca foi o rd en ad a p o r D eu s; fo i a p en as to lerad a.
p lu ra lista s, to d a tra d iç ã o é e sse n c ia lm e n te igu al. E n ­ D esd e o p rin c íp io , D eu s e sta b e le c e u o p a d rã o ao
tã o , a c e ita r o p lu r a lis m o é r e je ita r su a tr a d iç ã o e c ria r o c a s a m e n to m o n o g â m ic o e n tre u m h o m e m e
a c e ita r a tra d iç ã o p lu ra lista . u m a m u lh e r, A d ão e E va (G n 1 .2 7 ). É e v id e n te n a
A visão relativista da verdade é correta. P o r trá s a firm a ç ã o su b s e q ü e n te q u e “P o r e ssa R a z ã o , o h o ­
d a a firm a ç ã o p lu ra lista d e q u e to d a s as re lig iõ es p rin ­ m em d e ix a rá pai e m ã e e se u n irá á su a m u lh er, e eles
cip a is tê m u m a re iv in d ic a çã o igu al da v e rd ad e está se to rn a rã o u m a só c a r n e ” (G n 2 .2 4 ) . A p o lig a m ia
a v isão re la tiv ista d a verd ad e (v. verdade, natureza da). ja m a is foi e sta b e le c id a p o r D eu s p a ra n e n h u m p o v o
M as a n eg a çã o da v e rd a d e a b so lu ta é co n tra d itó ria . e m n e n h u m a c ir c u n s tâ n c ia .
E la a firm a q u e o re la tiv ism o é v e rd a d e iro p a ra to ­ C o m o re su lta d o d e sse e x e m p lo e sta b e le c id o p o r
d o s, em to d a p a rte e se m p re . M a s o q u e é v e rd ad eiro D eu s, e ssa era a p rá tic a g era l (G n 4 .1 ) a té se r in te r­
p a ra to d o s, e m to d a p a rte e se m p re é a v e rd ad e a b ­ ro m p id a p e lo p e c a d o . O p rim e iro p o líg a m o r e g is ­
so lu ta. P o rtan to , o re la tiv ista a firm a q u e o rela tiv ism o tra d o , L a m e q u e, fo i u m h o m e m p e rv e rso (G n 4 .2 3 ).
é a b s o lu ta m e n te v e rd a d e iro . C risto re a firm o u a in te n ç ã o o rig in a l d e D eu s em
M a te u s 1 9 .4 , o b s e r v a n d o q u e D eu s c rio u u m “h o ­
Fontes m e m e [u m a] m u lh e r” e o s u n iu em m a trim ô n io .
M. A dler, Truth in religion. A L ei de M o isé s p ro íb e a p o lig a m ia , o rd e n a n d o :
A. D. C larke e B. H unter , orgs., One God, one Lord: “E le n ão d everá to m a r p ara si m u itas m u lh eres” (D t
Christianity in a world o f religious pluralism. 1 7 .1 7 ). A a d v e rtê n cia co n tra c a s a m e n to s c o m in c ré ­
D. C lark e N. L. G eislf.r , Apologetics in the New Age. d u lo s fo i re p e tid a n a p r ó p r ia p a s s a g e m q u e d á o
W. V. C rockett e J. G. S igountos, orgs., Through no n ú m e ro d as esp o sa s de S a lo m ã o ( l R s 1 1 .2 ). P or im ­
fault o f their own? The fate o f those who have p lic a ç ã o , a p o lig a m ia p o d e s e r v is ta n e s s a a fir m a ­
never heard. ção . P or ca u sa do g ra n d e n ú m e ro e de su a id o latria,
K. G nanakan, The pluralistic predicament. a s e sp o sa s d e S a lo m ã o ca u sa ra m d a n o s irre p a rá v e is
J. H ick , An interpretation o f religion. à ca sa de D avi e a Isra el.
___ , The metaphor o f God incarnate: O s t en fa tiz a q u e “cad a u m deve te r su a esp o sa , e
christology in a pluralistic age. cad a m u lh e r o seu p ró p rio m a rid o ” ( IC o 7 .2 ). Isso
A. M cG rath, “The challenge o f pluralism for the e x clu i e n fa tic a m e n te a p o lig a m ia . P au lo in sistiu em
contem porary Christian church”, iets (Sep. q u e u m líd e r e c le s iá s tic o d eve se r “m a rid o de u m a
1992) só m u lh e r” ( U m 3 .2 ,1 2 ). A lém d e o u tro s s ig n ific a ­
R. N ash , Is Jesus the only savior? d o s, isso c e rta m e n te im p lica a re la ç ã o m o n o g â m ic a .
H. N etland , Dissonant voices: religious pluralism O c a s a m e n to m o n o g â m ic o re p re se n ta a re la çã o
and the question o f truth. e n tr e C r is to e su a “ n o iv a ” ( s i n g u l a r ) , a ig r e ja
D. Okholm, et al., More than one way: four nViw on ( E f 5 .3 1 ,3 2 ).
salvation in a pluralistic world, v. contribuições O ju lg a m e n to d e D eu s so b re a p o lig a m ia é e v i­
especiais de D. G eivett , et a l.,). H ick e C. P ixnock. d e n te p o r e x e m p lo e im p lic a ç ã o :
J. S anders, No other name: an investigation o f the 1. A p o lig a m ia é m e n c io n a d a p ela p rim e ira vez
destiny o f the unevangelized. n o c o n te x to d e u m a so c ie d a d e re b e ld e c o n ­
G. T anner e S. T anner, The changing world o f tr a D e u s, n a q u a l o a s s a s s in o “ L a m e q u e to ­
mormonism. m o u [p a ra si] d u as m u lh eres” (G n 4 .1 9 ,2 3 ) .
2. D e u s a d v e rtiu re p e tid a m e n te o s p o líg a m o s
p o lig a m ia . O v ersícu lo 3 d e 1 R e is 11 diz q u e S alo m ão d a s c o n se q ü ê n c ia s de su as a çõ e s “S e o fizer,
tev e 7 0 0 e sp o sa s e 3 0 0 c o n c u b in a s. O u tro s h o m e n s d e sv iará o seu c o ra çã o ” de D eu s (D t 1 7 .1 7 ; cf.
d e D e u s m u ito lo u v a d o s n a B íb lia tiv e ra m v á ria s lR s 1 1 .2 ).
e sp o sa s (e/ou c o n c u b in a s ), in clu siv e A b ra ão e D avi. 3. D eu s ja m a is o rd e n o u a p o lig a m ia — a ssim
P o r é m a s E s c r it u r a s a d v e r te m r e p e t id a s v e z e s c o m o o d iv ó rcio , ele a p e n a s o s p e rm itiu p o r
707 p o lite ís m o

ca u sa da d u reza d o c o ra ç ã o d o s h o m e n s (D t d e clín io d as p o siç õ e s ju d e u -c r is tã s n a cu ltu ra g eral.


2 4 .1 ; M tl9 .8 ) . Isso fo i a co m p a n h a d o pelo c re sc im e n to da feitiça ria ,
4. T o d o p o líg a m o n a B íb lia , in c lu in d o D av i e q u e ta m b é m se g u e o p o lite ísm o . O liv ro d e M a rg o
S a lo m ã o (1 C r 1 4 .3 ), p a g o u u m a lto p re ç o seu A dler, Drawing down the moon ] Trazendo a lua para
p ecad o. baixo], n a rra e sse m o v im en to .
5. D eu s o d e ia a p o lig a m ia , a s s im c o m o o d e ia o D a v id L. M ille r , a u to r d e The new polytheism :
d iv ó rc io , já q u e d e stró i seu id eal p a ra a fa m í­ rebirth o f the gods an d goddesses [O novo politeísm o:
lia (c f. M l 2 .1 6 ). o renascimento de deuses e deusas], a rg u m e n ta q u e o
p o lite ísm o e stá e m p le n a a tiv id a d e n a so c ie d a d e c o n ­
C onclusão. E m b o ra a B íb lia re g is tre c a s o s de p o ­ te m p o râ n e a . In c e n tiv a as p e sso a s n a so c ie d a d e o c i­
lig a m ia , is so n ã o sig n ific a q u e D eu s a a p ro v a v a . A d e n ta l a e n tr a r e m s in to n ia c o m o s d e u se s p a ra se
m o n o g a m ia é e n sin a d a n a B íb lia p o r p re c e d e n te , já lib e r a r e s e r o tip o d e p e s s o a s q u e re a lm e n te sã o .
q u e D eu s d eu ao p rim e iro h o m e m a p e n a s u m a e s ­ T od as as c ita ç õ e s n e ste a rtig o sã o d o livro d e M iller.
p o s a ; p o r p r o p o r ç ã o ig u al d e h o m e n s e m u lh e re s C renças básicas. R ejeição do m onoteísmo. O e s ta ­
q u e tra z ao m u n d o ; p o r p re c e ito d o s m a n d a m e n to s b e le c im e n to d o p o lite ís m o e x ig e a d e m o liç ã o d o
d o A t e N t ; p o r p u n iç ã o , já q u e D eu s p u n iu o s q u e m o n o te ís m o . D e u s d e v e s e r r e je ita d o a n te s d e o s
v io la ra m se u p a d rã o ( l R s 1 1 .2 ); e p e la r e p re s e n ta ­ d e u ses se re m a ce ito s.
ç ã o d e C risto e su a n o iv a p u ra, a ig re ja ( E f 5 .3 1 ,3 2 ). O m o n o te ísm o é a c re n ç a n u m D eu s a cim a e a lém
do m u n d o . O p e n sa m e n to m o n o te ísta re ú n e to d o s o s
Fontes “siste m a s de exp licaçã o , se ja m eles teo ló g ico s, so c io ­
N. L. G eisler e T. Hou e, Manual popular de dúvidas, ló g ico s, p o lítico s, h istó ric o s, filo só fico s o u p sico ló g i­
enigmas e “contradições’da Bíblia. co s” so b u m siste m a ab ran g en te. E sse siste m a o p era
S. G renz, Sexual ethics: a biblicalperspective. “d e a co rd o co m co n ce ito s e cate g o rias fixos” q u e são
R. M c Q uilkix , An introduction to biblical ethics, cap 7. co n tro lad o s p o r u m tip o d e ló g ica “ou/ou” . A lgo é “ou
“Polygam y”, em R. K. H arrison , org., Encyclopedia v erd ad eiro o u falso , o u isso o u a q u ilo , o u b e lo o u feio ,
of biblical and christian ethics. ou b o m ou m au” . M as e sse tip o d e p e n sa m e n to , diz
H. T hiei.icke, The ethics ofsex. M iller, “d e sa p o n ta o povo n u m a é p o c a e m q u e a e x ­
p e riê n c ia se to rn a c o n s c ie n te m e n te p lu ra lista , ra d i­
p o lit e ís m o . É a c o sm o v isã o q u e a firm a a e x istê n c ia ca lm e n te tan to / qu an to ” . A so cie d a d e o cid e n ta l é a s ­
d e m u ito s d eu ses fin ito s n o m u n d o . E x is te m v e rsõ e s sim h o je — ra d ica lm e n te p lu ra lista (v. p l u r a l i s m o r e ­
d ife re n te s de p o lite ísm o . E m a lg u m a s fo rm a s, to d o s l ig io so ). 0 o c id e n ta l c o n te m p o râ n e o vive n u m m u n ­
o s d e u ses são m a is o u m e n o s ig u ais. C ad a u m tem do o n d e verd ad e e m o ra lid a d e sã o relativ as. “A vid a
u m a e sfe ra o u d o m ín io p e sso a l. E m o u tra s, o s d e u ­ g e ra lm e n te é a n á rq u ic a : se m h o riz o n te s , c e rc a s , li­
ses fo rm a m u m a h ie ra rq u ia . O h e n o te ísm o te m um m ite s, e se m c e n tro p a ra m o stra r q u e a p e sso a e stá
D eu s p rin c ip a l, ta l c o m o Z eu s. E m a lg u m a s fo rm a s, se g u ra em ca sa ” (p. 7, 9 ). A situ a ç ã o co n te m p o râ n e a
ta is c o m o o p a n te ã o g r e c o -r o m a n o , o n ú m e ro de é tã o p lu ra lista qu e se u s in té rp re te s m o d e rn o s “tiv e­
d e u ses é lim ita d o . O m o rm o n is m o a p ó ia u m n ú m e ­ ra m de d ep en d er de u m a sé rie e stra n h a de p a lav ra s”
ro in d e f in id o d e d e u s e s . A lg u m a s f o r m a s d e n a te n ta tiv a d e e x p lic á -la . C h a rle s B a u d o in fala de
p o lite ísm o e stã o se p a ra d a s de to d a s as c o sm o v isõ e s. significado polifônico e e x is tê n c ia . Ao m e n c io n a r a
M a s n o h in d u ís m o , o p o lite ísm o e o p a n te ís m o se n atu re za do p e n sa m e n to n e c e ssá rio p a ra o e n te n d i­
u n e m , p ro p o n d o a e x is tê n c ia d e u m B ra h m a n im ­ m e n to c o n te m p o r â n e o , P h ilip W h e e lw rig h t in d ic a
p e s s o a l e m a is d e 3 3 0 m ilh õ e s d e m a n ife s ta ç õ e s o conhecim ento plurissignificativo e a c o m u n ic a ç ã o .
p e sso a is da R e alid a d e su p re m a im p e sso a l. N o rm a n 0 . B ro w n fa la so b re realid ad e p olim orfa
A ascen são d o politeísm o. A so rte d o p o liteísm o , c o m o ch a v e p a ra n o ss a h istó ria , e R ay H a rt d e screv e
pelo m e n o s no o cid en te, está in v ersam en te rela cio n a ­ o a sp e cto m a is p ro fu n d o d e n o ss a s a rtic u la ç õ e s lite ­
d a à s a ú d e d o te ís m o (c r e n ç a n o ú n ic o D e u s ). O rá ria s da re alid ad e c o m a e x p re s sã o funcionam ento
p o lite ísm o grego e n tro u em d eclín io co m a a scen sã o polissém ico do discurso imaginário. S e te n ta rm o s e n ­
d o te ís m o f ilo s ó f ic o d e P la tã o e A r is t ó t e le s . O te n d e r n o ssa so c ie d a d e , M ich a e l N o v a k su g ere q u e é
p o lite ísm o ro m a n o p ra tic a m e n te m o rre u co m a a s ­ ú til p e n s a r n a A m é r ic a c o m o u m a c o m u n id a d e
ce n sã o d o c ristia n ism o n o o cid e n te. A cidade de Deus, p lu ra lista d e e tn ia s ra d ica lm e n te im isc ív e is. C o m r e ­
d e A g o stin h o , n a rra a re sp o sta c ris tã ao p o lite ísm o la ç ã o ao g o v e rn o e à c iê n c ia p o lític a , R o b e r t D a h l
ro m a n o . O p o lite ísm o teve um re a v iv a m e n to c o m o fala de “p o lia rq u ia ” (p . 3 ).
p o lite ís m o 708

E s s e tip o d e p e n s a m e n to “p o li” t r a i o fa to d e c o la p s o , o p o lite ís m o m o rr e u e fo i su b s titu íd o p e lo


q u e “s o fr e m o s a m o r te d e D e u s ” (v. t e í s m o ) . N ão m o n o te ís m o . E m b o r a o p o lite ís m o te n h a p e r m a ­
h á m a is “ u m ú n ic o c e n tr o u n in d o a s c o is a s ” . D eu s n e c id o “n o s u b m u n d o o u tr a d iç ã o c o n tr a c u ltu r a l
e s tá m o r t o , c o m o F r ie d r ic h N ie tz s c h e d e c la r o u d o o c id e n te ” e m to d o o re in a d o d e 2 m il a n o s d o
a u d a c io s a m e n te . A c iv iliz a ç ã o o c id e n ta l e n te r r o u p e n s a m e n to m o n o te ís ta , e le n ã o te v e u m e fe ito s ig ­
o m o d o m o n o te ís ta d e p e n s a r e fa la r s o b re D e u s, n ific a tiv o . C o m a m o r te d o m o n o te ís m o , d iz M iller,
e x is tê n c ia e re a lid a d e (p . 3 7 ) . L ib e ra d a s d o “im p e ­ o p o lite ís m o p ô d e s e r r e s ta u r a d o a o s e u d e v id o
r ia lis m o tir â n ic o d o m o n o te ís m o ” , a s p e s s o a s p o ­ lu g a r (p . 1 1 ).
d e m d e s c o b r ir n o v a s d im e n s õ e s e d iv e rsid a d e . H á M ille r a cre d ita q u e o s se re s h u m a n o s sã o n a tu ­
u m n o v o p o te n c ia l p a ra e s p e ra n ç a s e d e s e jo s , le is e r a lm e n t e p o l i t e í s t a s n a c o n s c i ê n c i a , d a n d o a o
p ra z e re s c ria tiv o s (p . 4 ). p o lite ís m o “v a n ta g e n s” so b re o m o n o te ís m o . “A p e­
P o r ra z õ e s o b v ia s M ille r e v ita fa z e r r e f e r ê n c i­ n a s u m a c o n s c iê n c ia p o lite ísta e x p lic a rá re a lis tic a ­
a s à d iv in d a d e a o d e f in ir o q u e q u e r d iz e r c o m m e n te a n o ss a v id a ” (p . 1). A s p e sso a s sã o lib e rta s da
politeísm o. O p o lite ís m o é “a s itu a ç ã o r e lig io s a e s ­ id é ia d e q u e d e v e m “e n d ir e it a r su a v id a ” ; o
p e c í f i c a [ . . . ] c a r a c t e r i z a d a p o r p lu r a lid a d e , e p o lite ísm o p e rm ite o irra c io n a lism o n o q u a l se p o d e
p lu ra lid a d e q u e s e m a n ife s ta s o b v á r ia s f o r m a s ” . e v it a r u m a v is ã o t o t a l m e n t e e s t r u t u r a d a . O
S o c ia lm e n te fa la n d o , é u m a “s itu a ç ã o ” n a q u a l o p o lite ísm o c o lo c a a s p e sso a s e m s in to n ia c o m a ri­
p lu r a lis m o m is tu r a v á r io s v a lo r e s , p a d rõ e s s o c i­ q u eza e a d iv e rsid a d e da v id a. O m o n o te ís m o in c e n ­
a is e p r in c íp io s m o r a is . À s v e z e s e s s e s v a lo r e s e tiv a o p e n s a m e n to so b re o q u e e stá p o r trá s d a vida,
p a d r õ e s tr a b a lh a m ju n t o s , m a s g e r a lm e n te s ã o in ­ e m vez d o p e n sa m e n to n a v id a e m si (p . 2 7 ,2 8 ) .
c o m p a t ív e is , e c a d a c o s m o v is ã o p r o c u r a d o m i­ O m undo M iller su g ere q u e o n o v o p o lite ísm o dá
n a r a “o rd e m s o c ia l n o r m a l” (p . 4 ). “u m a nov a fu n ç ã o a o s a n tig o s d e u ses e d e u sa s” (p.
F ilo s o fic a m e n te , o p o lite ís m o é v iv id o q u a n d o 8 1 ) em trê s a sp e cto s. P rim e iro , o novo p o lite ísm o “é
n ã o e x iste a “v erd ad e” ú n ic a q u e g u ia a s p e sso a s a u m a se n sa te z (se n sib ilid a d e ? v. or. p. 6 0 4 ) m o d e rn a ” .
“u m a ú n ic a g ra m á tic a , u m a ú n ic a ló g ica o u um ú n i­ N ão se tr a ta a p e n a s d e q u e “n o s s a so c ie d a d e c o n ­
c o s i s t e m a d e s í m b o lo s ” ( i b i d .) . O p o lit e ís m o te m p o râ n e a se ja p lu ra lista , n e m q u e n o ss o s p a p éis
in te rm e d ia a g u e rra de c o sm o v isõ e s ao in tro d u z ir: s e ja m d iv e r s o s , n e m q u e n o s s a m o r a lid a d e s e ja
re la tiv ista , n em m e sm o q u e n o ssa id eo lo g ia p o lític a
re la tiv ism o , in d e te r m in is m o , s is te m a s ló g ic o s p lu ra is ,
s e ja fra g m e n ta d a ” . E ssa s sã o m a n ife sta ç õ e s d e algo
n ú m e ro s irr a c io n a is ; s u b s tâ n c ia s q u e n ã o tê m s u b s tâ n c ia s ,
m a is fu n d a m e n ta l. “O se n tim e n to m a is b á sic o é q u e
ta is c o m o qu arks ; e x p lic a ç õ e s d u p la s p a ra a lu z; e b u ra c o s
o s d e u se s e d e u sa s e s tã o r e e m e rg in d o n a s n o s s a s
n eg ro s no m e io d e re alid ad es v erd a d e ira s (p . 5 ).
v id a s” (p. 6 4 ).
S e g u n d o , o n ov o p o lite ísm o a p re se n ta v elh as m a ­
P o r tr á s d e ss e p a p e l d e p a c ific a d o r, to d a v ia , o
n e ira s re lig io sa s e c o n c e itu a is d e p e n s a m e n to . O p e n ­
p o lite ísm o age te n ta n d o a b so rv er o u tra s id éias relig i­
s a m e n to o c id e n ta l b a s e ia -s e n o s p rim e iro s g re g o s,
o sas. C o n tin u a sen d o a a d o raçã o d e v á rio s d eu ses e
q u e e ra m e m g ra n d e p a rte p o lite ís ta s , p o rta n to as
d eu sas. Na sua in te re ssa n te fo rm a popular, e ssa s d i­
id éia s, os c o n c e ito s e as c a te g o ria s n o fu n d o d a p s i­
v in d ad es n ã o são a d o ra d a s to d a s as m e sm o te m p o ,
q u e o c id e n ta l se a ju s ta m ao p e n s a m e n to o u ló g ic a
m a s a p en as u m deu s o u d eu sa de cad a vez p o d e ser
d as fáb u las m ític a s (p. 4 0 ).
ad o rad o . N isso , o p o lite ísm o ap ro v a o m o n o te ísm o , a
a d o raçã o de u m D eus. T erceiro , o n ovo p o lite ísm o a ju d a as p e sso a s c o n ­
fu sa s a o rg a n iz a r as “v á ria s p o tê n c ia s, e stru tu ra s de
A re lig ião p o liteísta n a v erd ad e é u m a te o lo g ia p o liteísta , sig n ific a d o e e x istê n c ia , to d a s d ad as a n ó s n a re a li­
u m s is te m a d e sim b o liz a r a re a lid a d e de m a n e ira p lu ral p ara d ad e do n o sso co tid ia n o ” (p. 6 4 , 6 5 ).
e x p lic a r to d a e x p e riê n c ia , s e n d o n o e n ta n to a p rá tic a re lig i­ D ad a a m o rte d o m o n o te ísm o e o re n a sc im e n to
o s a c o m p o s ta d e m o n o te ís m o s c o n s e c u tiv o s . [E is s o ] im ­ d o p o lite ís m o — a té m e s m o u m n o v o p o lite ís m o
p lica q u e n o s s a e x p e riê n c ia d o s m u n d o s s o c ia l, in te le ctu a l e — q u e m o u o q u ê sã o o s d e u s e s e d e u s a s d e s s e
p sico ló g ico é re lig io sa — isto é, é tã o p ro fu n d a e e x te n s a qu e p o lite ísm o ? M iller a firm a q u e o s d e u ses são p o d eres
a p e n a s u m a e x p la n a ç ã o te o ló g ica p o d e e x p lic á -la c o m p le ta ­ o u fo rç a s . E s sa s fo rç a s tra n s c e n d e m o p e sso a l, o h is ­
m e n te (p . 6 ). tó r ic o e o so c ia l. N ão sã o a fe ta d a s p o r e v e n to s o u
d e se jo s. M as são im a n e n te s n o m u n d o c o m o p o tê n ­
A n tig a m e n te o p o lite ís m o re in a v a n a c u ltu ra cia s e m in d iv íd u o s, em so cie d a d e s e n a n atu reza (p.
o c id e n ta l. M a s q u a n d o a c u ltu ra g re g a e n tr o u em 6 , 6 0 ). M ille r a c re d ita q u e e sse s p o d e re s c o n fe re m
709 p o lite ís m o

u m a e stru tu ra d e re a lid a d e q u e in fo rm a o c o m p o r­ A te rra e ra co n sid erad a “u m a esfera im óvel n o cen tro


t a m e n t o h u m a n o s o c i a l , i n t e le c t u a l e p e s s o a l, d o u n iv erso , e m v o lta d a q u al g ira v a m n o v e esfe ra s
(p . 6 , 7 ). E s se s p o d e re s sã o “o s D eu ses e D e u sa s d a c o n c ê n tric a s” . L ogo, tu d o q u e e x istia era “organizad o
G ré cia a n tig a — n ã o d o E g ito , n e m d o O rien te M é ­ ao red o r d e u m ú n ico cen tro ”, a te rra , im a g in an d o -se
d io , n em d a ín d ia h in d u , n e m d a C h in a a n tig a o u d o q u e o fim d o u n iv erso e ra “fixo e segu ro” . E ssa v isão
Ja p ã o . A G ré c ia é o lo c a l d o n o s s o p o lite ís m o s im ­ m o n o te ís ta d o m u n d o c a iu c o m C o p é rn ic o (e c ie n ­
p le sm e n te p o rq u e , q u e ira m o s o u n ã o , so m o s h o m e n s tis ta s su b s e q ü e n te s). A g o ra o u n iv erso n ã o te m n e ­
e m u lh e re s o c id e n ta is” (p . 8 0 ,8 1 ) . n h u m c e n tr o c o n h e c id o e se u s h o r iz o n te s n ã o sã o
E s s e s v á r io s d e u s e s a g e m h a r m o n io s a m e n te ? n em fixos n em segu ros. Pelo co n trário , ele é v isto co m o
M iller d iz q u e n ão . E les g e ra lm e n te a g em e m “co n fli­ um “u n iv erso e x p a n d in d o -se in fin ita m en te c u jo c e n ­
to” . A v id a p o d e se r c a ra c te riz a d a co m o “u m a g u e r­ tro é [...] d esco n h ecid o ” (p . 9 ).
ra e n tre o s P o d eres” . A humanidade. H o m ens e m u lh eres são “o p arq u e
de d iversões” d o s d eu ses (p . 5 5 ). O s d eu ses p a sse ia m
O h o m e m — seu ser, su a so cied ad e e seu am b ie n te n atu ral “p elo s n o sso s p e n sam e n to s se m n o sso co n tro le e até
— é a a re n a d e u m a e te r n a G u erra d e T ró ia . N o ssa s d is p o s i­ m e sm o co n tra n o ssa vontade” . N ão p o ssu ím o s o s d eu ­
çõ e s , em o ç õ e s , c o m p o rta m e n to s a n o rm a is, so n h o s e fa n ta s i­ se s, m a s e le s n o s p o ssu e m (p . 3 4 ). E le s “v iv em p o r
as in d ic a m o s m o m e n to s d ifíce is q u a n d o a g u e rra n ã o é m a is in te rm é d io de n o ssa s estru tu ra s p síq u ica s” e “se m a ­
u m a g u erra ff ia o u u m a d esav en ça fro n teiriça, m a s u m co n flito n ife s ta m se m p re n o s n o ss o s c o m p o rta m e n to s” . N ão
to ta l d e g u e rrilh a . E sse s in d ica d o re s ta m b é m n o s d iz e m , p o r a g a rra m o s o s d e u ses, m a s o s “d eu ses n o s a g a rra m , e
s e n tim e n to e in tu içã o , q u a n d o u m D eu s s e a u s e n to u e o u tro
n ó s a tu am o s n as su as h istó ria s” (p. 5 9 ).
ain d a n ão co rreu p a ra p re e n c h e r o v á cu o . C o n h e ce m o s b e m a
P sico lo g ica m en te , o p o lite ísm o é vivid o e m “p e r­
g u e rra (p. 6 0 ).
so n a lid a d es” sep a rad as d a p e sso a . C ada p e rso n alid a ­
d e te m a u to n o m ia , vid a p ró p ria q u e v ai e v e m se m
Se as p e sso a s m o d e rn a s re c o n h e c e re m e sse s d e u ­
co n sid erar a vontad e (p. 5 ). N in gu ém p o d e se r to m a ­
se s, n ov a vid a será in fu n d id a n as v elh as m a n e ira s d e
d o p o r m a is d e u m d e u s a o m e s m o te m p o . N e sse
ver e p e n sa r. H averá u m a n o v a e s tr u tu r a filo s ó fic a
s e n tid o M ille r e o s p o lit e ís t a s m o d e r n o s s ã o
p a ra fa la r e p e n s a r so b re n o s s a “e x p e r iê n c ia m a is
m o n o te ísta s , o u h e n o te ísta s. C ad a p e sso a a d o ra u m
p ro fu n d a” (p. 6 2 ).
d eu s de cad a vez, o q u e co n tro la a p e sso a , d e n tre u m
M iller su g ere co m o e ssa fu n çã o d o s d e u se s e d e u ­
g ra n d e p a n te ã o d e d e u ses. P o rém , a h is tó ria d e um
sa s p o d e ria fu n cio n a r. 0 tre m e n d o c re sc im e n to e m
deu s q u e e stá n o d o m ín io te m p o rá rio p o d e envolver
te c n o lo g ia p o d e se r c o n sid e ra d o e in fo rm a d o p elas
c a s a m e n to s c o m o u tro s d e u ses, p a re n te sc o c o m o u ­
h istó ria s de P ro m e te u , H e fa ísto e A sclé p io .
tro s ta n to s, filh o s e d eu sas virg en s. A ssim , e m ú ltim a
a n á lis e , a c o n c e p ç ã o é se m p re p o lite ísta . P e n sa r d e
P ro m e te u ro u b a o fog o e a c a b a p re s o n u m a ro c h a , a to r ­
m en ta d o pelo p o d er q u e ele m e s m o su p lan to u p o r seu co n h e ­
o u tro m o d o é p a rticip a r d o e n g a n o q u e fo i p e rp e tra ­
cim e n to . H efaísto é o ferreiro divin o, o su p rem o tecn ólo g o , qu e do p elo p e n sam e n to m o n o te ísta (p. 3 0 , cf. 2 8 ).
é o b a sta rd o de su a m ãe e d e sp ro v id o d e sen su a lid a d e e s e n ti­ O p ro p ó sito d a h u m a n id a d e é e n c a rn a r o s d eu ses,
m e n to [...] A s c lé p io é o te c n ó lo g o d o s s e n tim e n to s ; é o to r n a r -s e c ô n s c ia d e su a p re s e n ç a , r e c o n h e c ê -lo s e
p sico te ra p e u ta q u e a te cn o lo g ia e su a civ iliz a çã o tr a n s fo rm a ­ ce le b rá -lo s (p . 5 5 ). Isso só p o d e o c o rre r q u a n d o c o ­
rã o n o su m o s a c e rd o te d a c u ltu ra d a sa ú d e m e n ta l (p . 6 6 ). m e ç a m o s a v er n o sso m u n d o c o m le n tes p o liteísta s e
m ito ló g ica s (p. 6 3 ,8 3 ) .
A h is tó ria d a d eu sa H era, q u e “te n to u so c ia liz a r Valores. Todos o s v alores sã o relativos (v. m ora lida de ,
o m o n te O lim p o ” , é reav iv ad a q u a n d o “c o m p u ta d o ­ natureza absoluta da ) . Verdade e falsid ad e, vid a e m o rte ,

res e p ro c e d im e n to s e s ta tístic o s v ê m a se r a d o ra d o s beleza e feiú ra, b e m e m a l, to d o s estão m istu ra d o s (p.


c o m o s a b e d o r ia v e rd a d e ira ” e “c o n s u lto re s e e s p e ­ 2 9 ). O p e n sa m e n to m o n o te ísta se p a ra v a lo re s em c o n ­
c ia lis ta s d e v e m a c o m p a n h a r c a d a d e c is ã o n o s n e ­ c e ito s e c a te g o ria s d o tip o “ou/ou” (p . 7 ). M a s e sse
g ó cio s e n o go v ern o ” (p . 6 7 ). O tra b a lh o d o “u b íq u o m o d o d e p e n s a r n ã o e x p lic a a d e q u a d a m e n te o s v á ­
d eu s P ã ( “ Tudo” ) é v isto n o irra c io n a l q u e e stá se m ­ rio s la d o s d a e x p e riê n c ia h u m a n a . O q u e o s e x p lic a é
p re lo g o a b a ix o d a su p e rfíc ie d a e x p e riê n c ia h u m a ­ o p e n s a m e n to p o lite ís ta d o tip o “ta n to / q u a n to ” ,
n a , e x p lo d in d o c o m v io lê n c ia e m is tic is m o ” (p . 6 8 ). q u e re c o n h e c e a re la tiv id a d e d e to d o s o s v a lo re s.
N o p assad o a visão do m u n d o era estru tu rad a nas A valiação. A lguns valores po sitivo s d o p o liteísm o .
id éias do século u d o a strô n o m o alexand rin o P to lo m e u . O p o lite ísm o é u m le m b re te d as realid ad es se p a rad as,
710 p o lite ís m o

a p e s a r de n ã o d e c ifr á -la s c o rre ta m e n te . H á o re c o ­ Se o s e le m e n to s n a tu ra is , c o m o p o r e x e m p lo o


n h e c im e n to b a s ta n te d ifu n d id o e c re s c e n te d e q u e a cé u e a te rra , tiv e ss e m g era d o o s d e u se s, o s d e u ses
h u m a n id a d e n ã o e stá so z in h a n o u n iv e rso . R e la to s n ã o s e ria m se re s su p re m o s. Tud o o q u e é d eriv a d o
d e c o n ta to s c o m o v n i s o u se re s e x tr a te rr e s tr e s p e r­ d e o u tra c o is a é d e p e n d e n te d e la , p e lo m e n o s e m
siste m . A té v á rio s c ie n tista s a cre d ita m q u e h á seres su a o rig e m . C o m o u m se r q u e re c e b e u su a e x is tê n ­
in te lig e n te s n o e s p a ç o . E m e s m o m u ita s re lig iõ e s c ia de o u tro p o d e e s ta r a cim a d e se u criad o r? S eria
n ã o -p o lite ís ta s re c o n h e c e m a e x istê n c ia d e se re s su - c o m o se u m p ão a firm a sse se r m a io r q u e se u p a d e i­
p ra -h u m a n o s , ta is c o m o a n jo s e d e m ô n io s. Se h á a ro , o u u m c o m p u ta d o r se d e c la ra sse su p e rio r ao seu
re alid ad e d iv in a , c o n c lu i-s e q u e d e v e m o s te n ta r d e s­ criad o r. D a m e sm a fo rm a , se a n atu re za crio u o s d e u ­
c o b r ir n o ss o s re la c io n a m e n to s c o m e ssa re a lid a d e e se s, a n a tu re z a é su p rem a. M a s se, c o m o P au l T illich
p e n s o u , a a d o ra ç ã o en v olv e o c o m p ro m is so su p re ­
c o m o d e v e m o s re a g ir a ela. A ê n fa se q u e o s p o lite ísta s
m o c o m o su p re m o , a n a tu re z a , n ã o o s d e u se s, d eve
d ã o ao c o n ta to d o s se re s h u m a n o s c o m a re alid ad e
se r a d o ra d a . Is so se ria v e rd a d e iro co m re la ç ã o a tu d o
d iv in a e ao a ju s te do seu c o m p o rta m e n to d e a co rd o
q u e s u p o s ta m e n te tiv e s s e g e ra d o o u p re c e d id o o s
c o m e la é lo u v áv el.
d e u ses. Se o s d e u ses sã o se re s d e riv a d o s, ele s n ã o são
O s p o lite ísta s g e ra lm e n te são e lo g ia d o s p o r a p re ­
d ig n o s d e c o m p ro m is s o su p re m o . P o r q u e a d o ra r
s e n ta r u m a a n a lo g ia e n tre o h o m e m e o s d e u ses. Se
algo q u e n ão te m v a lo r su p rem o ?
se re s d iv in o s e x iste m , e se tê m a lg u m a re la ç ã o c o m
A lé m d is s o , c o m o P lo t in o o b s e r v o u , to d a
a c ria ç ã o d a h u m a n id a d e , é p ro v á v el q u e a n a tu re z a
p lu ra lid a d e p re ssu p õ e u m a u n id a d e a n te rio r. M u i­
h u m a n a re flita d e a lg u m a fo rm a a d iv in d a d e . U m a
to s sã o a p e n a s a im ita ç ã o m ú ltip la d o U n o. L o go ,
c a u s a n ã o p o d e d a r c a r a c te r ís tic a s a o s o u tro s q u e
m u ito s d e u se s n ã o sã o a u to -e v id e n te s . Q ual é su a
ela m e sm a n ã o p o ssu i. C o m o u m a p in tu ra re p re s e n ­ b a s e d e u n id a d e? E q u e m su p e rv is io n a o c o n flito
ta a lg u m a s v e rd ad es so b re se u p in to r (e .g ., o n ív el de e n tre eles? X ã o e x istim o s n u m po/íverso, m a s n u m
té c n ic a , a a m p litu d e d a im a g in a ç ã o , o u o cu id a d o un iv erso. Se n o fin al d as c o n ta s h á u m P o d er p e sso al
to m a d o ), o s se re s h u m a n o s d ev em a p re se n ta r a lg u ­ p o r trá s d o u n iv e rso , ele d ev e se r u m a u n id ad e.
m a v e rd ad e so b re s e u (s ) c r ia d o r (e s ). L o g o , se u m a O p rin c íp io a n tró p ic o rev ela q u e to d o o u n iv er­
p e sso a é a c ria ç ã o de a lg u m a re a lid a d e d iv in a , a lg u ­ so era um — c o m um p ro p ó sito e um P ro p o s ita d o r
m a s c a r a c te rís tic a s h u m a n a s d e v e m a ss e m e lh a r-s e — d e sd e o p rin c íp io . D esd e o m o m e n to d o big-bang,
a o (s ) C r ia d o r(e s ). A ssim , p a re c e ra z o á v e l c o n c lu ir to d o o u n iv erso estav a c a lib ra d o p a ra o su rg im e n to
q u e h á u m a a n a lo g ia e n tre a h u m a n id a d e e o s d e u ­ da vida h u m a n a . Isso im p lica um C ria d o r in te lig e n ­
ses (v. ANALOGIA, PRINCIPIO D.\). te . A id é ia d o u n iv e r s o e t e r n o s u p o s t a p e lo
Os p o lite ísta s re co n h e ce m qu e h á várias fo rça s no p o lite ísm o te m o u tra s o b je ç õ e s filo só fic a s e c ie n tí­
m u n d o, alg u m as in con troláveis. M uitos estu d io so s h oje fica s s é ria s . U m a rg u m e n to filo só fic o su rge d a im ­
co n clu íra m q u e, p o r trá s da m a io ria dos m ito s, se ja m p o s s ib ilid a d e de u m a sé rie in fin ita de e v e n to s n o
eles relig io so s ou n ão , estão h istó ria s v e rd ad eiras de te m p o . O u n iv e rso e te rn o se ria u m a sé rie se m c o ­
e n c o n tr o s h u m a n o s co m fo rç a s q u e e x e rc e m in flu ­ m e ço de e v e n to s n o te m p o . M as co m o tal sé rie p o ­
ê n cia . E ssas p o d em ser fo rça s da n atu reza (e.g ., ven to, d e ria e x istir? P ara ilu stra r, im a g in e u m a b ib lio te c a
chu va, te rre m o to s, to rn ad o s ou e n c h e n te s), fo rças p re ­ c o m u m n ú m e ro in fin ito de liv ro s em su as p ra te le i­
d o m in a n te s n a cu ltu ra (e.g., gan ân cia, esp era n ça , a m o r ra s. Im a g in e q u e cad a livro e ste ja n u m e ra d o . C om o
o u d e se jo de p o d e r) ou fo rça s q u e estão p o r trás do h á u m n ú m e ro in fin ito de liv ro s, ca d a liv ro é n u m e ­
u n iv erso (e.g ., d eu ses, a n jo s, d e m ô n io s). Os p o liteístas, ra d o e to d o n ú m e ro p o ssív e l deve ser im p re sso n o s
p o r m eio de v árias fo rm a s de h istó ria s, co n seg u ira m liv ro s da b ib lio te c a . D isso c o n c lu i-s e q u e n e n h u m
re la cio n a r v iv id am en te o e n co n tro h u m a n o co m tais liv ro n ov o p o d e ria ser a cre s c e n ta d o à b ib lio te c a , p o is
fo rças (v. satanás, realidade de). n ão h a v e ria n e n h u m n ú m e ro re sta n te p a ra a trib u ir-
lhe. T odos os n ú m e ro s te ria m sid o u sad o s. M as isso
Críticas ao politeísmo. A p esar de os p o liteístas te ­ p a re ce a b su rd o , p o is to d o s o s o b je to s n a re alid ad e
re m algu m d isce rn im e n to so b re a n atu reza da re a li­ p o d em se r n u m e ra d o s. A lém d isso , se ria fá cil fazer
d a d e, su a c o sm o v isã o é falsa. A re alid ad e su p re m a a c ré s c im o s à b ib lio te c a , já q u e a lg u ém p o d e ria c ria r
n ão c o n siste e m m u ito s d eu ses fin ito s. H á b o a e v i­ u m n ov o liv ro co m fo lh a s tira d a s d o s p rim e iro s 50
d ê n cia de que existe ap en as um D eu s, n ão m u ito s (v. liv ro s, e n c a d e rn a d a s e c o lo ca d a s n a p ra te le ira . L ogo,
cosmológico, argumento; D eus, evidências de; D eus, natu­ a id é ia de u m a s é rie in fin ita re a l de liv ro s p a re c e
reza de; teísmo). E sse D eus é o cria d o r de tud o m ais. im p o ssív el. P o rtan to , a cre n ça p o lite ísta n o u n iv erso
L ogo, n ão h á m u ito s seres d ivin os. e te rn o p a re ce im p o ssív el (v, C raig, p a ssim ).
711 p ra g m a tis m o

U m a rg u m en to c ie n tífico c o n tra a id éia dos u n i­ Fontes


v e rso e tern o p o d e ser d eriv ad o da id éia m o d e rn a de M. A dler,Drawing down the moon.
q u e o u n iv e r s o e s tá se e x p a n d in d o . O a s tr ô n o m o A gostinho, A cidade de Deus.
E d w in H u b b le c o n c lu iu q u e o u n iv e rso e stá se e x ­ F. B eckwith , The mormon concept ofGod.

p a n d in d o em to d a s as d ire çõ e s. Se isso fo r v erd ad e, W. C raig , The kalam cosmological argument.


p o d e -se c o n c lu ir q u e em alg u m p o n to n o p a ssa d o o N. L. G eisler e W. D. W atkins, Worlds apart: a
handbook on world views, cap. 8.
u n iv erso era a p en a s u m ú n ico p o n to a p a rtir do q u al
H esíodo, Teogonia.
ele se exp an d e. E sse ú n ico p o n to se ria de “d en sid ad e
D. M iller , The new polytheism.
in fin ita ” . P o rém n e n h u m o b je to p o d e ria se r in fin i­
J. S m it h , Pérola de grande valor.
ta m e n te d e n so , p o is, se co n tiv e sse q u a lq u e r q u a n ti­
dad e de m a ssa , n ão se ria in fm ita m e n te d e n so , m a s
p o n tu a d o s , e q u ilí b r io s . V. evolução biológica ; elos
fm ita m e n te d e n so . L o go , o u n iv erso to ta lm e n te e n ­
PERDIDOS.
co lh id o o u c o n tra íd o n ão é se q u e r u m u n iv e rso de
v erd ad e. O c o n c e ito do u n iv erso e m e x p a n sã o exige
p o s itiv is m o . V. C o m t e , A uguste; lógico, positivismo.
u m p o n to n o q u al o u n iv erso n ão e x istia . N esse ca so ,
o u n iv erso deve te r sid o c ria d o d o n ad a (v. criação ,
p ó s -m o d e rn is m o . V. D errida , Jacques.
VISÕES DA).
D eu ses p o lite ísta s estão n e sse u n iv erso , n ão fo ra
p ó s-v id a , e x p e riê n c ia s de. V. imortalidade .
d e le . C o n tu d o a e v id ê n c ia é d e q u e o u n iv e rso fo i
cria d o . Se o u n iv e rso n ão fo sse e te rn o , m a s tiv esse p ra g m a tism o . O p ra g m a tism o é u m a filo so fia a m e ­
sid o c ria d o do n a d a (v. criação e x n ih il o ) , o s d eu ses r ic a n a , c ria d a p o r W illia m Ja m e s ( 1 8 4 2 - 1 9 1 0 ) , q u e
su p o s to s p elo p o lite ísm o n ã o s e ria m e te r n o s ; te r i­ e n fa tiz a o s re su lta d o s p rá tic o s d e u m a te o ria . Jo h n
am de se r c ria d o s. M a s, se fo ra m c ria d o s , n ã o são D ew ey ( 1 8 5 9 - 1 9 5 2 ) é c h a m a d o d e p ra g m á tic o , m a s
d eu ses, e sim c ria tu ra s fe ita s p o r u m a C au sa e tern a su a p o s iç ã o p o d e s e r c h a m a d a m a is te c n ic a m e n te
(D e u s). T od avia, se o s d eu ses d o p o lite ísm o d eriv am in s tru m e n ta lis m o .
su a e x is tê n c ia d e o u tro , e s s e o u tro é r e a lm e n te o P a ra u m p r a g m á tic o , u m a id é ia é c o n s id e ra d a
D eu s su p re m o d o m o n o te ís m o . L o g o , o p o lite ísm o v e rd a d eira se fu n c io n a . U m a s é rie d e m e d id a s e stá
d e sa b a n o m o n o te ísm o . P o rtan to , se o s d eu ses e x is ­ c o rre ta se tro u x e r o s re su lta d o s d e se ja d o s.
te m , eles são to ta lm e n te d e p e n d e n te s d e u m a C au sa A s ra íz e s d o p ra g m a tis m o sã o e n c o n tr a d a s n a s
a cim a d eles e a lém do u n iv erso . M a s e ssa c o n clu sã o id éias d e C h a rles S a n d e rs P ie rc e , q u e u s o u o m é to d o
c o in c id e c o m a s r e iv in d ic a ç õ e s d o te ís m o , n ã o do p r a g m á tic o p a ra e s c la r e c e r (m a s n ã o c o m p r o v a r )
p o lite ís m o . id éias. T am b é m h á se m e lh a n ç a s e n tre o p ra g m a tism o
A a n a lo g ia p o lite ís ta e n tr e a h u m a n id a d e e o s e o u tilita r is m o , q u e a fir m a q u e o c u r s o d e a ç ã o
d e u ses fo i c ritic a d a p o r se r a n tro p o m ó rfic a d e m a is co rre to é o q u e tra z o m a io r b e n e fíc io . Dew ey, co m o
(in te rp re ta n d o o q u e n ã o é h u m a n o c o m b a s e n as in s tr u m e n ta lis ta , e n fa tiz o u re s u lta d o s p r á tic o s d e
c a ra c te rístic a s h u m a n a s). C e rta m e n te a c ria tu ra d eve id éia s, e sp e c ia lm e n te n a e d u ca ç ã o .
te r a lg u m a s e m e lh a n ç a co m o C riad o r. M a s a p lic a r A v isã o p r a g m á tic a fo i s e v e r a m e n te c r itic a d a ,
im p e rfe içõ e s h u m a n a s à d iv in d a d e to rn a a re a lid a ­ p o rq u e algo n ã o é v e rd a d eiro s im p le sm e n te p o rq u e
de d iv in a in d ig n a d e re sp e ito e a d o ra çã o . O s d eu ses d á c e rto . M e n tir p o d e e v ita r u m re su lta d o n eg a tiv o
d o p o lite ís m o p a r e c e m fe ito s à im a g e m h u m a n a , o u a lc a n ç a r u m o b je tiv o d e se ja d o à c u s ta d e o u tra
e m lu g ar de n ó s se rm o s fe ito s à im a g e m d e le s, o q u e p e sso a , p o ré m isso n ão to rn a as m e n tira s v e rd a d ei­
p a re ce a v alizar o p o n to de v ista d e q u e o p o lite ísm o ra s. A lgo p o d e se r c o n sid e ra d o c o n tr á rio a o s fa to s,
é u m a in v e n çã o o u su p e rstiç ã o h u m a n a e m vez da m a s a in d a a ssim se r seg u id o , p o rq u e p a re c e a m e d i­
re p re s e n ta ç ã o d a re a lid a d e . da m a is p rá tic a n a s c irc u n s tâ n c ia s . E algo n ão é c o r ­
reto p o rq u e d á ce rto . T ra p a ce a r “fu n c io n e ”, m a s n ão
Conclusão. C o m o c o sm o v isã o , o p o lite ísm o c a ­ é c o rre to .
re ce d e a p o io ra c io n a l e e v id e n c ia i. O s v á rio s se re s A filo s o fia é tic a ta m b é m c o n fu n d e c a u s a c o m
e sp iritu a is q u e e x iste m são lim ita d o s e im p e rfe ito s. efeito. U m a id éia n ã o é v erd ad eira p o rq u e fu n cio n a ;
L o g o , im p lic a m u m C ria d o r ilim ita d o e p e rfe ito . O fu n cio n a p o rq u e é v e rd a d eira . E c o m o alg u ém ju lg a
p o lite ísm o n ã o e x p lic a a c a u sa lid a d e su p re m a n e m o q u e “d eu c e rto ” ? A p e n a s o c o n h e c im e n to p rá tic o
a u n id ad e su p re m a , q u e sã o n e c e ssá ria s p a ra e x p li­ é c o n sid e ra d o c o n h e c im e n to v e rd a d eiro . A p e rsp e c ­
c a r u m u n iv erso d iv erso e m u táv el. tiva e te rn a n ã o e n tra n a d isc u s sã o . O s p ra g m á tic o s
p re s s u p o s ic io n a l, a p o lo g é tic a 712

reconhecem apenas os métodos da ciência para tes­ evidência para dem onstrar a verdade do cristianis­
tar a verdade. Isso torna absoluto o método científi­ mo. 0 pressuposicionalista, por outro lado, insiste
co. Entretanto, no que tange a preocupações éticas que é preciso com eçar com pressuposições ou cos­
não existe critério objetivo, com o há na ciência. O m o- visões. 0 apologista histórico acredita que os
sucesso do resultado só pode ser determ inado por fatos históricos são óbvios. São auto-evidentes em
uma perspectiva subjetiva, pessoal e míope. seu contexto histórico. 0 pressuposicionalista puro,
A visão pragmática da verdade também mina a ao contrário, reitera que nenhum fato é auto-evi­
confiança. Que ju iz perm itiria que alguém fizesse dente, que todos os fatos são interpretados e podem
um juram ento para dizer, como um filósofo grace­ ser entendidos adequadamente apenas no contexto
jou: “o que for conveniente, todo o conveniente, nada da cosmovisão geral.
mais que o conveniente” (v. verdade , natureza da )? Vários tipos de pressuposicionalismo. Dependen­
do de como é definido, há três ou quatro tipos básicos
F o n te s de pressuposicionalism o: 1) pressuposicionalismo
J. 0. Busweil, Jr„ The philosophies ofF. R. Tennant revelacional ( v .V anT il , C ornelius ) pressuposicionalismo
and John Dewey. racional (v. C lark , G ordon ); 3 ) consistência sistemática
N. L. Geisler e P. F einberg, Introdução à filosofia, (v . C a r n e l l , E d v a r d J o h n ) . Alguns co n sid era m a
caps. 7,16. apologética de Francis Schaeffer o exemplo de uma
_____e W. D. Watkins, Worlds apart, a hansd- quarta variação que pode ser chamada de pressupo-
book on world-views. sicionalismo prático. Cada abordagem difere na m a­
W. J ames, Pragmatismo. neira em que uma cosmovisão é avaliada com res­
H. S. T hayer, Meaning and action: a criticai history peito à verdade.
ofpragmatism. Pressuposicionalismo revelacional. De acordo
com o pressuposicionalismo revelacional, é preciso
prático, pressuposicionalismo. V. pressu po sicio n a l , com eçar qualquer com preensão racional da verda­
apologética ; S ch a effer , F rangis . de pela pressuposição da verdade da fé cristã. É pre­
ciso supor que o Deus trino (v. T rindade ) revelou-se
predestinação. V. d eter m in ism o ; l iv r e - a r b ít r io . nas Sagradas Escrituras, a Palavra divinamente au­
torizada de Deus. Sem essa pressuposição não é pos­
pressuposicional, apologética. A a p o lo g é tica sível entender o universo, a vida, a linguagem, a his­
pressuposicional é o sistema que defende o cristia­ tória ou qualquer outra coisa. Esse tipo de argumen­
nismo tendo como ponto de partida certas pressu­ to às vezes é denominado argumento transcendental,
posições básicas. 0 apologista pressupõe a verdade isto é, o argum ento que com eça estabelecendo as
do cristian ism o e depois raciocina a partir desse condições necessárias sob as quais todos os outros
ponto. Uma pressuposição básica é que o não-cris- tipos de conhecim ento são possíveis. Essas condi­
tão tam bém tem pressuposições que afetam tudo ções necessárias supõem que o Deus trino se reve­
que ele ouve sobre Deus. Outra é que de certa forma lou nas Sagradas Escrituras.
a pessoa abordada está, como Agostinho disse, “li­ Pressuposicionalismo racional. Esse é o sistema
dando” com Deus e, como Romanos 1 diz de m anei­ apologético do falecido Gordon Clark e seu distinto
ra tão condenadora, suprim indo o conhecim ento discípulo Cari F. H. Henry. Como outros pressuposi-
da verdade. 0 papel do apologista é apresentar a ver­ cionalistas, o pressuposicionalista racional com eça
dade do cristia n ism o e a falsid ad e de q u alqu er pela Trindade revelada na Palavra escrita de Deus.
cosmovisão oposta a Cristo (v. pluralism o relig io so ). Mas o teste para saber se isso é verdadeiro é sim ­
D iferen ças d e ou tros m étodos. A apologética plesmente a lei da não-contradição (v. prim eiro s prin ­
p ressu p o sicion al é op osta ao evidencialism o e à cípio s ). Isto é, sabe-se que o cristianismo é verdadei­
ap o lo g é tica c lá ssica (v. a p o l o g é t ic a c l á s s ic a ). A ro e todos os sistem as opostos são falsos porque
apologética pressuposicional difere da clássica por­ todos eles têm contradições internas e apenas o cris­
que rejeita a validade das provas tradicionais da exis­ tianismo é internamente coerente. Logo, um princí­
tência de Deus (v. D eu s , evidências d e ). Além disso, a pio racional, a lei da não-contradição, é usado como
apologética pressuposicional difere da clássica e da teste da verdade.
histórica no uso da evidência histórica. 0 apologista Consistência sistemática. John Carnell e seu dis­
histórico, assim como o apologista clássico, argumenta cípulo, Gordon Lewis, desenvolveram um pressupo­
a favor do uso da razão como ponto de partida e a sicionalism o que tem dois (ou três) testes para a
713 p r im e iro s p rin c íp io s

verdade da pressuposição cristã. Como os pressupo- Tudo que sabem os sobre a realidade é conhecido
sicionalistas racionais, eles acreditam que um siste­ por m eio deles. Doze prim eiros princípios básicos
ma deve ser racionalmente coerente. M as, além dis­ podem ser estabelecidos.
so, afirm am que o sistem a deve inclu ir de form a
abrangente todos os fatos. Mais tarde Carnell acres­ 1. A existência existe ( t existe) = O princípio
centou um terceiro teste — relevância existencial. da existência..
0 sistem a deve suprir as necessidades b ásicas da 2. A existência é existência ( e é e ) = O princípio
vida. 0 único sistem a, segundo eles, que passa nos da identidade.
três testes é o cristianismo. Portanto, o cristianism o 3. Existir é não inexistir ( e não é i) = Oprincípio
é verdadeiro e todos os ou tros sistem as opostos da não-contradição.
são falsos. 4. Ou existir ou inexistir (Ou e ou i ) = 0 princí­
P ressuposicion alism o p rático. A a b o rd a g em pio do terceiro excluído.
apologética de Francis Schaeffer tam bém foi d es­ 5. Inexistência não pode causar existência (i >
crita por muitos com o pressuposicional. Nesse caso, b) = O princípio da causalidade.
trata-se de um pressuposicionalismo prático. Uma e 6. Um ser contingente não pode causar um ser
suas características principais é que todos os siste­ contingente (sc > sc) = O princípio da contin­
mas não-cristãos não podem ser vividos. Apenas a gência (ou dependência).
verdade cristã é vivenciável. Nesse sentido, usa-se a 7. Apenas um ser necessário pode causar um
capacidade de vivência com o teste da verdade do ser contingente (sn -> sc) = O princípio da
cristianism o. necessidade.
Conclusão. A apologética pressuposicional foi 8. Um ser necessário não pode causar um ser
necessário (sn > sn) = 0 princípio negativo da
criticada de vários ângulos. A apologética clássica
modalidade.
(v. apologética clássica ) desafiou sua rejeição das pro­
9. Todo ser contingente é causado por um ser
vas tradicionais da existência de Deus (v. D e u s , e v i ­
necessário (sn -> sc) = O princípio da causali­
dências d e ). A apologética histórica (v. apologética h is ­
dade existencial.
tó ric a ) defendeu a natureza neutra dos fatos históri­
10. O ser necessário existe = O princípio da neces­
cos. O utros m encionaram a natureza fid eísta do
sidade existencial (sn existe).
pressuposicionalismo revelacional e o rejeitaram por
1 1 . O ser contingente existe = Oprincípio da con­
essa razão (v. fid eísm o ). Já que cada sistema é critica­
tingência existencial (sc existe).
do sob o artigo do seu principal defensor, recom en­
12. O ser necessário é sem elhante ao(s) ser(es)
da-se atentar para os artigos sobre Cornelius Van Til,
contingente(s) sem elhantes que causa = O
Gordon Clark e John Carnell.
princípio da Analogia (s" — semelhante -> sc).

F o n te s
Para o realista, existir é a base do conhecer. O
J. C a r n e ll , Introduction to christian apologetics.
racionalista René Descartes disse: “Penso, logo exis­
G. H. C lark , Religion, reason, and revelation.
to”. Mas para um realista com o T omás de A quino:
G. L euts , Testing christianity 's truth claims.
“Existo, logo penso”. Pois não é possível pensar sem
F. S c h a effer , ODeus que intervém.
existir. A existência é fundamental para tudo. A exis­
C. V an T il, The defense ofthefaith.
tência é a base de tudo. Tudo é (ou, tem) existência.
Logo, não há disjunção entre o racional e o real. O
p rim e iro s p rin cíp io s. Os primeiros princípios são pensamento não pode ser separado das coisas nem
a base do conhecim ento. Sem eles nada poderia ser o conhecer do existir.
conhecido ( v . f u x d a m e n t a l i s m o ) . Até o coerentism o Incontestabilidade. Os prim eiros princípios são
usa o prim eiro princípio da não-contradição para incontestáveis ou redutíveis à incontestabilidade. São
testar a coerência do seu sistema. O r e a l i s m o afirma evidentes ou redutíveis à evidência. E princípios evi­
que primeiros princípios se aplicam ao mundo real. dentes são verdadeiros pela própria natureza ou in­
Os primeiros princípios inegavelmente se aplicam à contestáveis porque o predicado é redutível ao su­
realidade. A própria negação de que os prim eiros jeito. O fato de o predicado ser redutível ao sujeito
p rin cíp io s se aplicam à realid ade usa p rim eiros significa que não se pode negar o princípio sem usá-
princípios na negação. lo. Por exemplo, o princípio da não-contradição não
Princípios d e realidade. Sem os primeiros prin­ pode ser negado sem ser usado na própria negação. A
cípios básicos da realidade, nada pode ser conhecido. afirmação: “Os opostos não podem ser verdadeiros”
p r im e iro s p rin c íp io s 714

supõe que o oposto dessa afirm ação não pode ser A m anobra da m etaafirm ação não evita a arm a­
verdadeiro. dilha da autodestruição. Pois afirmações sobre afir­
Nem todos os céticos e agnósticos (v. a g n o s t ic is m o ) mações que afirmam algo sobre a realidade são in­
estão dispostos a admitir q u e o princípio da causali­ diretamente afirmações sobre a realidade. Por exem­
dade, que é crucial em todos os argumentos cosmo- plo, se a pessoa diz: “Não estou fazendo uma afirm a­
lógicos para Deus, é um primeiro princípio incon­ ção sobre a realidade quando digo que afirm ações
testável. Na verdade, nem todo cético está disposto a não podem ser feitas sobre a realidade” está fazendo
admitir que algo existe (o princípio da existência). Logo, uma afirm ação sobre a realidade. É o tipo de afir­
é necessário com entar sobre sua incontestabilidade. mação mais radical que pode ser feita sobre a reali­
dade, já que proíbe todas as outras afirmações sobre
1. 0 princípio da existência. Algo existe. Por a realidade. Logo, a afirmação “algo existe” não pode
exemplo, eu existo. Isso é incontestável, pois ser negada sem afirm ar im plicitam ente que algo
eu teria de existir para negar m inha existên existe (e.g., o criador dessa afirmação).
cia. Na própria tentativa de negar explicita
mente minha existência eu a afirmo im plici­ 3. 0 princípio da não-contradição. A existência
tam ente. não pode ser inexistência, pois são opostos
diretos. E opostos não podem ser iguais. Pois

2 0 princípio da identidade. Uma coisa deve quem afirm a que “ os opostos podem ambos
ser verdadeiros” não acredita que o oposto
ser idêntica a si mesma. Se não fosse, então
dessa afirm ação é verdadeiro.
não seria ela mesma.

Com esses e outros princípios, é importante ob­


4 0 princípio do terceiro excluído. Já que a
existência e a inexistência são opostos (i.e.,
servar a diferença entre indizível e incontestável. Pos­
contraditórios), e os opostos não podem ser
so dizer ou escrever as palavras: “Eu não existo”. Mas,
iguais, nada pode esconder-se nas “fendas”
quando digo isso, afirmo im plicitamente que existo.
entre a existência a inexistência. As únicas
A afirmação de que eu não existo na verdade é in­
escolhas são existência e inexistência.
sustentável. Preciso existir realm ente para dizer gra­
m aticalm ente que não existo.
Qualquer tentativa de negar que todas as afirm a­
Alguns n o m in a lista s c o n tem p o râ n e o s su g e­
ções significativas devem ser não-contraditórias, por
rem que isso é um a sutileza da linguagem . In sis­
sua natureza com o afirmação significativa, deve ser
tem em que afirm ações com o “Não sei falar uma
não-contraditória. Da mesma forma, qualquer ten­
palavra em p o rtu g u ês” são b a sica m en te c o n tra ­
tativa de negar que a lei da não-contradição se apli­
ditórias, porque a pessoa está falando em p o rtu ­
ca à realidade é em si uma afirmação não-contradi­
guês. Ela poderia usar o francês e evitar a d ificu l­
tória sobre a realidade — o que é contrad itório.
dade. Eles acrescentam que a pessoa pode, até na
Então, como os outros primeiros princípios, a lei da
m esm a língua, fazer uma m etaafirm ação que evi­
não-contradição é incontestável.
taria essa dificuldade. Isto é, eles pressupõem uma Dois desafios a essa conclusão são oferecidos,
cla sse de afirm açõ es sob re a firm a çõ es (c h a m a ­ um filosófico e um científico. A objeção filosófica
das m etaafirm ações) que eles sustentam não se ­ acusa esse argumento de petição de princípio, usan­
rem a fir m a ç õ e s s o b re o m u n d o re a l. E s sa s do a lei da não-contradição para provar a lei da não-
m e ta a firm a çõ es estão su p o sta m en te isen ta s de contradição. Na verdade ela diz que é contraditório
co n trad ição . Logo, a p esso a que diz: “N enhum a negar o princípio da não-contradição. Mas a lei da
afirm ação sobre Deus é descritiva” supostam ente não-contradição não é usada por base do argumen­
não está fazendo uma afirm ação descritiva sobre to. É apenas usada no processo fornecer um argu­
D eus, m as sim sob re as a firm a çõ es que podem m ento indireto para a validade da lei da não-con-
ser feitas sobre Deus. tradição. Assim como a afirmação “Eu sei falar uma
É verdade que uma afirm ação em francês que palavra em português” usa o português no processo de
diz que a pessoa não sabe falar uma palavra em por­ demonstração de que sei falar uma palavra em portu­
tuguês não é contraditória. Mas uma afirmação em guês, ainda assim a lei da não-contradição é usada no
francês que declare que a pessoa não sabe dizer uma processo de demonstração da validade da lei da não-
palavra em francês é contraditória. contradição. Mas não é a base do argumento.
715 p rim e iro s p rin c íp io s

A base direta para a lei da não-contradição é sua Outra maneira de entender porque a inexistência
natureza evidente, pela qual o predicado é redutível não pode causar existência é ao observar que tudo o
ao sujeito. E a prova indireta é dem onstrada pelo que “surge” deve ter uma causa. Se surgiu não é um
fato de que qualquer tentativa de negá-la im plica Ser Necessário, que por natureza deve sempre exis­
sua existência. Isto é, trata-se da condição necessá­ tir. Então o que surge é, por definição, um ser con­
ria para todo pensamento racional. tingente, um ser que é capaz de existir ou inexistir.
A segunda objeção à lei da não-contradição vem Para toda coisa contingente que surge deve haver a
da ciência. 0 princípio de complementaridade de Niels mesma ação causadora que a faz passar do estado de
Bohr é usado para provar que a realidade subatômica potencialidade (potência) para o estado de realida­
é contraditória. Pois segundo esse princípio há m a­ de (ato). Pois, observou Aquino, nenhuma potência
neiras contraditórias de descrever a mesma realida­ de existência pode realizar-se e, antes de ser realiza­
de, tal como “a luz é partículas e ondas”. Mas essa é da, deve estar num estado de potencialidade. Mas
uma má interpretação do princípio de com plem en­ não pode ser ambos ao mesmo tempo (uma viola­
taridade. Como Werner Heisenberg observou, essas ção do princípio da não-contradição). Logo, não se
são “duas descrições complementares da mesma rea­ pode negar o princípio da causalidade sem violar o
lidade [...] Deve haver limitações no uso do conceito princípio da não-contradição.
de partícula assim como do conceito de onda, ou se­
ria impossível evitar contradições”. Logo, “se forem 6. 0 princípio da contingência (ou dependên
levadas em consideração essas limitações que podem cia). Se alguma coisa não pode ser causada
ser expressas por relações de incerteza, as contradi­ pelo nada (5), então nada pode ser causado
ções desaparecem” (Heisenberg, p. 43). pelo que poderia ser nada, a saber, um ser con
A objeção de que o princípio da incerteza ou tingente. Pois o que poderia ser nada não é
imprevisibilidade de Heisenberg é contrário ao prin­ responsável pela própria existência. E o que
cípio da causalidade é infundada. Na melhor das hi­ não é responsável pela própria existência não
póteses, não demonstra que eventos não têm causa, pode ser responsável pela existência de ou
m as ap en as que são im p re v isív e is segu nd o a tro. Já que é contingente ou dependente para
tecnologia disponível no presente. Para a discussão a própria existência, não pode ser o que de
completa, v. i n d e t e r m i n a ç ã o , p r i n c í p i o d e . alguma coisa depende para existiu. Logo, o
ser contingente não pode causar outro ser
5. 0 princípio da causalidade. Só a existência contingente.
pode causar existência. O nada não existe, e 7. O princípio positivo da modalidade. O nada
só o que existe pode causar existência, já que absoluto não pode causar algo (5). E um tipo
o próprio conceito de “causar” im plica algo (modo) contingente de existência não pode
existente que tem o poder de causar outra causar outro ser contingente (6 ). Então, se
coisa. Do nada absoluto não procede nada. algo surge, deve ser causado por um Ser Ne­
cessário.
A afirm ação “A inexistência não pode produzir 8. O princípio negativo da modalidade. Um Ser
existência” é incontestável. O próprio conceito de Necessário é por definição um modo (tipo)
“produzir” ou “causar” implica que algo existe para de ser que não pode não existir. Isto é, pelo
causar ou produzir o ser produzido. Negar o relaci­ próprio modo (m odalidade), precisa existir.
onamento de causa e efeito é dizer “Nada é algo” e Não pode surgir ou deixar de existir. Mas ser
“Inexistência é existência”, o que é absurdo. causado significa surgir. Logo, um Ser Neces­
Isso deve ser diferenciado do conceito de David sário não pode ser causado. Pois o que surge
H u m e segundo o qual não é absurdo o nada ser segui­ não é necessário.
do de algo. O próprio Hume concorda que uma coisa 9. 0 princípio da causalidade existencial. Todos
é sem pre causada por algo. E os teístas aceitam o os seres contingentes precisam de uma causa.
conceito de Hume pelo qual, como questão de se- Pois um ser contingente é algo que existe,
qüência, não havia mundo e depois havia um m un­ mas podederia não existir. Porém, já que tem
do, que é nada seguido de algo. Não há contradição a possibililidade de não existir, então não é
inerente em dizer que nada pode ser seguido de algo. responsável pela própria existência. Isto é, em
Isso não muda o fato de que o nada não pode causar si m esm o não há base que explique porque
absolutamente nada. existe ao invés de não existir. Literalm ente
p r im e iro s p rin c íp io s 716

não tem nada(inexistência) por base. Mas a utilizável está acabando e não pode ser eterna [v.
inexistência não pode ser base ou causa por , l e i s d a ], mas isso não vem ao caso
t e r m o d in â m ic a

nada (5). Apenas uma coisa pode produzir algo. aqui.) Esse “eu” ou centro de unificação da consci­
10. O Ser Necessário existe = Princípio da Neces­ ência em torno do qual essas partes elem entares de
sidade Existencial (Sn existe). m atéria vêm e vão, não é eterno. Isso é claro por
várias razões.
O princípio da necessidade existencial parte de Prim eiro, m inha consciência muda. Até os que
dois outros princípios: o princípio da existência (n.° afirm am ser etern os e n ecessário s (ou seja, que
1) e o princípio da causalidade (5). são um Ser N ecessário, D eus) nem sem pre tive­
Já que algo sem dúvida existe (1), ou é a) todo ram a consciência de ser Deus. Em algum ponto
contingente ou b) todo necessário ou c) em parte mudam do estado de não estar conscientes de ser
necessário e, em parte, contingente. Mas b) e c) re­ Deus para o estado de co n sciê n cia de ser Deus.
conhecem um Ser N ecessário, e a) é logicam ente M as um Ser N ecessário não pode mudar. Logo,
im possível, sendo contrário ao princípio evidente não sou um Ser Necessário. Portanto, sou um ser
do núm ero 5. Pois se tod o(s) o (s) ser(es) é (são) contigente. Então, pelo m enos um ser conting en­
con tin gen te(s), então é possível que to d o (s) o(s) te existe. Tudo é não-n ecessário.
ser(es) não exista(m ). Mas algo sem dúvida existe Além disso, há outras maneiras de saber que sou
agora (e.g„ eu existo), como foi demonstrado na pre­ contingente. O fato de raciocinarm os para chegar a
missa número 1. E o nada não pode causar algo (5). conclusões revela que nosso conhecimento não é eter­
Portanto, não é possível (i.e., é impossível) que haja no e necessário. Aprendemos (i.e., mudança do esta­
o estado do nada absoluto. Mas se é impossível que do de não saber para o estado de saber). Mas nenhum
nada exista (já que algo existe), então algo necessari­ ser necessário pode aprender algo. Ou sabe tudo eter­
amente existe (i.e., um Ser Necessário existe). na e necessariamente, ou não sabe nada. Se é um tipo
Em outras palavras, se algo existe e se o nada não de ser que sabe, então necessariamente sabe, já que é
pode causar algo, então conclui-se que algo deve exis­ um tipo necessário de ser. E um ser só pode saber de
tir necessariamente. Pois se algo não existisse neces­ acordo com o tipo de ser que é. Um ser contingente
sariamente, o nada teria causado a coisa que existe. ou finito deve saber contingentemente, e um Ser Ne­
Já que é impossível que o nada cause algo, então é cessário deve saber necessariamente. Mas não sei tudo
necessário que algo sempre tenha existido. o que posso saber eterna e necessariamente. Portanto,
sou um tipo contingente de ser.
11. O ser contingente existe = Princípio da contin­
gência existencial (s,: existe). 12. O princípio da analogia. Já que a inexistência
não pode produzir existência (5 ), apenas a
Nem tudo o que existe é necessário. Pois a m u­ existência pode produzir existência. Mas um
dança é real, isto é, pelo m enos algu m (ns) ser(es) ser contingente não pode produzir outro ser
re a lm en te m u d a (m ). E um Ser N e cessá rio não contingente (6). E um ser necessário não pode
pode m udar em sua essência. (Isso não significa prod u zir ou tro ser n e cessá rio (8 ). Então
que não p ossa haver m udança em relações exter­ apenas um Ser N ecessário pode cau sar ou
nas com outro ser. Apenas significa que não pode produzir um ser contigente. Pois “causar” ou
haver m udança interna na essência. Quando uma “produzir” significa criar algo. Algo que é
pessoa m uda em relação a um a coluna, a coluna criado tem existên cia. A causa não pode
não m uda.) Pois sua existên cia é n ecessária, e o levar a inexistência à existência, já que exis
que é necessário em essência não pode ser d ife­ tência não é inexistência (4). O fato de o Ser
ren te (o u tro ) do que é em sua e ssê n cia . E toda produzir algo im plica que há uma analogia
m udança de e ssên cia envolve to rn a r-se algo e s­ (sem elhança) entre a causa do ser e o ser que
sen cialm en te d iferente. ela causa (8 ) Mas um ser contingente é se
Mas é evidente que eu mudo em minha existên­ melhante e diferente de um Ser Necessário. É ;
cia. Mudo de inexistente para existente. Por “eu” quero sem elhante porque ambos têm existência. £
dizer o ser individual autoconsciente que me deno­ diferente porque um é necessário e o outra
mino. (Isso não quer dizer que todas as partes ou é contingente. Mas tudo o que é semelhante
elementos do meu ser sejam não-eternos. Há boas e diferente é análogo. Logo, há uma analogia
razões para crer que eles não são porque a energia entre o Ser Necessário e o ser que ele produr.
717 P rin c e to n , E s c o la d e a p o lo g é tic a d e

Então, duas coisas estão envolvidas no princípio 12. Tal Ser é chamado adequadamente de “Deus”
de que o Ser N ecessário causa o ser: P rim eiro, o no sentido teísta, porque possui todas as ca­
efeito deve assem elhar-se à causa, já que ambos são racterísticas essenciais do Deus teísta.
seres. A causa da existência não pode produzir o que 13. Logo, o Deus teísta existe.
não possui. Segundo, além do efeito ter de se asse­
melhar à causa quanto à existência (i.e., sua realida­ Conclusão. Os prim eiros princípios são indis­
d e), ta m b é m deve ser d ife re n te d ela q u a n to à pensáveis a todo co n h ecim en to . E os p rim eiros
potencialidade. Pois a causa (um Ser N ecessário), princípios da existência são o pré-requisito neces­
pela própria natureza, não tem potencial de não exis­ sário para todo conhecim ento sobre existência. Es­
tir. Mas o efeito (um ser contingente) por sua natu­ ses p rim e iro s p rin c íp io s são in c o n te stá v e is ou
reza tem o potencial de não existir. Logo, o ser con­ redutíveis ao incontestável. Pois a própria tentativa
tingente deve ser diferente de sua Causa. Já que a de negá-los os afirma. Por eles a realidade é conheci­
Causa dos seres contingentes deve ser sem elhante e da, e a existência de Deus pode ser demonstrada.
diferente do seu efeito, é apenas análoga. Logo, há
uma semelhança analógica entre a Causa de um ser Fontes
contingente e o ser contingente que cria. Aristóteles, D a in te r p r e ta ç ã o .
D em onstração d a existência d e Deus. Dados es­ __ ,M e ta fís ic a .
ses princípios de existência, pode-se saber muitas W. Heisenberg,F ís ic a e filo s o fia .
coisas sobre a realidade; eles relacionam pensamen­ L. M. Regis,E p is tem o lo g y .
to e coisa. 0 saber está baseado no existir. Por esses Tomás de Aquino, C o m e n tá r io s o b r e a m e t a fís ic a d e
princípios, pode-se provar a existência de Deus (v. A r is tó te les
Deus, e v i d ê n c i a s d e ) da seguinte forma: __ , D a in te r p r e t a ç ã o .
F. D. Wilhelmsen, Man’s knowledge of reality.
1. Algo existe (e.g., eu existo) (1).
2. Sou um ser contingente (11). Princeton, Escola de apologética de. A Escola de
3. O nada não pode causar uma coisa (5). A pologética de P rin ceto n refere-se à abordagem
4. Apenas um Ser Necessário pode causar um a p o lo g ética to m ad a pelos e stu d io so s da “Velha
ser contingente (7). Princeton” que floresceram na virada do século xx.
5. Portanto, sou criado por um Ser Necessário Em geral, entrava na categoria da apologética clássi­
(conclui-se com base de 1-4). ca (v. apologética clássica), que acredita na validade
6. Mas sou um tipo de ser pessoal, racional e da revelação geral, dos argumentos clássicos a favor
moral (já que realizo esses tipos de atividade). da existência de Deus (v. Deus, evidências de) e dos
7. Logo, esse Ser N ecessário deve ser um tipo milagres como confirm ação da verdade (v. milagre).
de ser pessoal, racional e moral, pois sou se­ As raízes filosóficas da apologética de Princeton
melhante a ele pelo Princípio da Analogia ( 12). são encontradas no realism o em pírico da Filosofia
8. Mas um Ser Necessário não pode ser contin Escocesa do Bom Senso, nos escritos de Thom as Reid
gente (i.e., não-necessário) na sua existência, (1710-1796) e no em pirismo racional de John Locke
o que seria uma contradição (3). (1 6 3 2 -1 7 0 4 ). Suas teorias são exem plificadas nas
9. Logo, esse Ser Necessário é pessoal, racional obras de J. Gresham M achen (1 8 8 1 -1 9 3 7 ), Charles
e moral de maneira necessária, não contingente. Hodge (1797-1878) e B. B. Warfield (1851-1921). Mais
10. Esse Ser Necessário também é eterno, inacau- tarde houve uma quebra radical na tradição, quan­
sado, imutável, ilimitado e único, já que um do o Seminário de W estminster foi fundado por pro­
Ser Necessário não pode surgir, ser causado fessores e alunos que discordavam da direção m o­
por outro, sofrer mudanças, ser limitado por dernista de teologia que o Sem inário de Princeton
qualquer possibilidade do que poderia ser estava tomando. Cornelius Van Til (1895-1987), dis­
(um Ser Necessário não tem a possibilidade cípulo de Herman Dooyeweerd (1894-1977), condu­
de ser outra coisa além do que é), ou ser mais ziu P rin ceto n à ap olog ética p ressu p o sicional (v.
que um Ser (já que não pode haver dois se­ A P O L O G É T IC A P R E S S U P O S IC IO N a L).

res infinitos). O espírito, se nem sempre a letra, da velha escola


11. Logo, um Ser Necessário, eterno, não-causa de P rin ceto n continuou com Kenneth H am ilton,
do, ilimitado (= infinito), racional, pessoal e Kenneth Kantzer, John Gerstner e R. C. Sproul. Sua
Moral existe. epistemologia e apologética geral é dependente até
p r o f e c i a c o m o p r o v a d a B íb lia 718

certo ponto do fundamento estabelecido pelo anti­ a e x is tê n c ia de D eus, m as m o stra que even tos
gos teólogos de Princeton. incomuns previstos em seu nome se cumprem como
evidência da sua atividade especial.
Fontes Profecia preditiva. Se existe um Deus onisciente
]. G erstxer, R e a s o n s f o r f a i l h . que conhece o futuro, a profecia preditiva é possível
C. H odge, Systematic theology, v . 1. (v. teísmo; Deus, natureza de). E se a Bíblia contém tais
J. L ocke, The reasonableness o f christianity. predições, elas são sinal da origem divina da Bíblia.
T. R h d , An inquiry into the human mind on the Nem tudo que se cham a “profecia” na B íb lia é
principies ofcom m on sense. preditivo. Os profetas transmitiram a Palavra de Deus
R. C. S pro ul, Classical apologetics. e predisseram o futuro. Há várias indicações de uma
predição sobrenatural, pelo menos uma com valor
princípio da frugalidade (“navalha de Occam”). apologético. Primeira, ela é mais que simples adivi­
V. WlLLIAM OF OCKHAM. nhação ou suposição vaga (v. Ramm, p. 82). Não pode
ser uma m era leitura das tendências. Segunda, lida
princípio da razão suficiente. V. suficiente, princípio com contingências humanas que norm alm ente são
DA R A Z Ã O . imprevisíveis. Predições científicas não são da m es­
ma ordem, já que lidam com projeções baseadas na
probabilidade. V. chance; segurança/certeza(?); méto­ regularidade da natureza, por exemplo, a previsão de
do indutivo; lógica. um eclipse. Terceira, é um evento altamente imprová­
vel, não normalmente esperado. As vezes a natureza
processo, teologia do. V. panenteísmo; Whitehead, milagrosa da profecia é pela quantidade de tempo de
Alfred North. antecedência com que a predição é feita, de forma a
reduzir a probabilidade da adivinhação. Outras vezes
profecia como prova da Bíblia. Uma das evidênci­ é revelada no próprio cumprimento singular.
as mais fortes de que a Bíblia é inspirada por Deus
Predições bíblicas. Predições messiânicas. Há duas
(v. Bíblia, evidências da) é sua profecia. Ao contrário
categorias amplas de profecia bíblica: m essiânica e
de qualquer outro livro, a Bíblia oferece várias pre­
não-messiânica. Payne (ibid., p. 665-70) descreve 191
dições específicas — centenas de anos antes — que
profecias relacionadas ao esperado Messias e Salva­
foram cumpridas literalmente ou indicam um tem ­
dor judeu. Cada uma foi cumprida literalm ente na
po futuro definido em que acontecerão. No seu ca­
vida, morte, ressurreição e ascensão de Jesus de Nazaré
tálogo abrangente das p rofecias, Encyclopedia o f
(v. Novo Testamento, historicidade do; Cristo, divindade
biblical prophecies [Enciclopédia de profecia bíbli­
de). Uma amostra dessas profecias inclui:
ca], J. Barton Payne descreve 1817 predições na B í­
blia, 1239 no AT e 578 no nt (p. 674-5).
O nascimento do Messias. Deus disse a Satanás
0 argumento da profecia é o argumento basea­
depois que ele tentou Adão e Eva a pecarem: “Porei
do na onisciência. Os seres humanos limitados só
inim izade entre você e a mulher, entre a sua des­
conhecem o futuro se lhes for contado por um Ser
onisciente (Ramm , p. 81). É importante observar que cendência e o descendente dela; Este lhe ferirá a
esse não é um argumento para provar a onisciência. cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gn 3.1 5 ). O Nt
Às vezes argum enta-se equivocadamente que uma revela que Jesus realm ente nasceu de uma mulher
predição de eventos incomuns é prova de que existe para esmagar o poder de Satanás. Pois “quando che­
um Ser onisciente (v. Deus, natureza de). Não é neces­ gou a plenitude do tem po, Deus enviou seu Filho,
sariamente assim, pois o que é incomum não prova a nascido de mulher, nascido debaixo da lei” (G1 4.4;
existência de Deus (v. milagres, argumentos contra). Não cf. Mateus 1; Lucas 2).
importa qual a improbabilidade, um evento incomum Isa ía s 7 .1 4 previu que um hom em cham ado
(por exemplo, uma seqüência perfeita num jogo de Emanuel (“Deus conosco”) nasceria de uma virgem
bridge, algo extremamente improvável) pode aconte­ (v. nascimento virginal de Cristo): “ Por isso, o Senhor
cer e, às vezes, acontece. Mas, quando se acredita que mesmo lhes dará um sinal: ficará grávida a virgem
um Ser onisciente existe (v. Deus, evidências de), e pre­ c o n c e b e rá e d ará à luz um filh o e o cham ará
dições altamente improváveis são feitas em seu nome Emanuel”. Essa predição foi feita com mais de 700
e todas se cumprem, é razoável supor que foram divi­ anos de antecedência (v. Isaías, Deutero). O Nt afir­
namente inspiradas. A profecia cumprida não prova ma que C risto cu m priu essa p red ição , dizendo:
719 p r o f e c i a c o m o p r o v a d a B íb lia

Tudo isso aconteceu para que se cumprisse o que o se pensava, filho de José, filho de E li[...] filho de
Senhor dissera pelo profeta: “A virgem ficará grávi­ Juda, filho de Jacó, filho de Isaque, filho de abraão
da e dará à luz um filho, e lhe chamarão Emanuel”, (Lc 3 .2 3 ,3 3 ,3 4 ; cf. Mt 1 .1-3). Hebreus acrescenta:
que significa “Deus conosco”(M t 1.22,23). A alega­ “Pois é bem conhecido que o nosso Senhor d es­
ção de que essa não é realm ente uma predição do cende de Judá” (Hb 7.14).
nascim ento de Cristo é respondida no artigo n a s c i ­ Os livros de Samuel registram a predição de que
m en to V IR G IN A L D E C R I S T O . o Messias seria da casa de Davi. Deus disse a Davi:
M iquéias profetizou precisam ente:
Quando a sua vida chegar ao fim e você descansar com os
Mas tu, Belém-Efrata, embora pequena entre os clãs de seus antepassados, escolherei um de seus filhos para sucedê-
Judá, de ti virá para mim aquele que será o governante sobre lo, um fruto do seu próprio corpo, e eu estabelecerei o Reino
Israel. Suas origens estão no passado distante, em tempos dele. Será ele quem construirá um templo em honra ao meu, e
antigos (Mq 5.2). eu firmarei o trono dele para sempre. Eu serei seu pai, e ele será
meu filho (2Sm 7.12-14).
Até os céticos escribas judeus identificaram o
texto com o predição referente ao M essias e en ca­ O Nt afirma repetidas vezes que Jesus era “filho
m inharam os magos para Belém (M t 2.1-6): de Davi” (M t 1.1). O próprio Jesus deu a entender
que era o “filho de Davi” (Mt 22.42-45). No chamado
Depois que Jesus nasceu em Belém da Judéia, nos dias do Domingo de Ramos a m ultidão aclam ou a Cristo
Rei Herodes, magos vindos do Oriente chegaram a Jerusalém e como “Filho de Davi” (M t 21.9).
perguntaram: “Onde está o Recém-nascido Rei dos Judeus? O arauto da vinda do Messias. Isaías previu que
Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo”. Quando o o M essias seria anunciado por um m ensageiro do
Rei Herodes ouviu isso, ficou pertubado, e com ela toda Jeru­ Senhor que seria uma “Uma voz clama: ‘ No deserto
salém. Tendo reunido todos os chefes dos sacerdotes do povo prepararem o caminho para o S enhor; façam no de­
e os mestres da lei, perguntou-lhes onde deveria nascer o Cris­ serto um cam inho reto para o nosso Deus”’(40.3).
to. E eles responderam: “ Em Belém da Judéia; pois assim es­ Malaquias (3.1) acrescentou:
creveu o profeta: ‘Mas tu, Belém, da terra de Judá, de forma
alguma és a menor entre as principais cidades de Judá; pois de Vejam, eu enviarei a meu mensageiro, que preparará o ca­
ti virá o líder que, como pastor, conduzirá Israel, o meu povo’”.
minho diante de mim. Então, de repente, O Senhorque vocês
buscam vira para o seu templo; o mensageiro da aliança, aque­
A g en ealogia do Messias. Deus d ecla ro u em
le que vocês desejam virá, diz o Senhor dos Exércitos.
Gênesis 12.1-3 que a bênção messiânica para todo o
mundo viria da linhagem de Abraão: “Farei de você
Essas predições foram cum pridas literalm ente
um grande povo, e o abençoarei. Tornarei famoso o
no m inistério de João Batista. Mateus registra:
seu nome, e você será uma bênção. Abençoarei os
que o a b e n ço a re m e a m a ld iç o a re i os que o
Naqueles dias, surgiu Jõao Batista, pregando no deserto
amaldioçoarem; e por meio de você todos os povos
da Judéia. Ele dizia: Arrependam-se, pois o Reino dos céus está
da terra serão abençoados” (Gn 12.2,3; cf. 22.18). Je­
próximo; Este é aquele que foi anunciado pelo profeta Isaías:
sus realm ente era descendente de Abraão. Mateus
Voz do que clama no deserto: Preparem o caminho para o Se­
começa pelo “Registro da genealogia de Jesus Cristo,
nhor,façam veredas retas para ele (Mt 3.1-3).
filho de Davi, filho de Abraão” (Mt 1.1). Paulo acres­
centa: Assim tam bém as prom essas foram feitas a
Isaías 11.2 previu que o Messias seria ungido pelo
Abraão e ao seu descendente. A escritura não diz: “E
Espírito Santo para o seu ministério: O Espírito do
aos seus descendente”, como se falando de muitos,
S e n h o r repousara sobre ele, O Espírito que dá sabe­
mas: “Ao seu descendente” dando a entender que se
doria e entendimento, O Espírito que traz conselho
trata de um só, isto é, Cristo (G1 3.16).
e poder, O Espírito que dá conhecinento e temor do
O Redentor viria por m eio da tribo de Judá: “O
S e n h o r . I sso aconteceu literalmente com Jesus no seu
cetro não se apartadará de Judá, nem o bastão de
com an d o de seus d esce n d en tes, até que venha batismo. Mateus 3.16,17 diz:
aquele a quem ele pertence, e a ele as nações obe­
decerão” (Gn 4 9 .1 0 ). De acordo com as genealogias Assim que Jesus foi batizado, saiu da àgua. Naquele mo­
do Nt essa era a linhagem de Jesus. Lucas d ecla ­ mento o ceú se abriu, e ele viu o Espírito de Deus descendo
ra : Je s u s tin h a c e rc a de tr in ta an o s de idad e como pomba e pousando sobre ele. Então uma voz do ceú dis­
quando co m eço u seu m in isté rio . Ele era com o se: “Este é o meu filho amado, em quem me agrado.
p r o f e c i a c o m o p r o v a d a B íb lia 720

Isaías 61 diz que o Messias pregaria o evangelho escrito:‘A minha casa será chamada casa de oração’; mas vocês
aos pobres e oprim idos. Jesus indicou que estava estão fazendo dela um ‘covil de ladrões’”.
cum prindo esse m inistério na sinagoga de Nazaré
(Lc 4.16-19): Entre os vários salmos aplicáveis ao m inistério
de Jesus está o 118.22, que prevê a rejeição do M essi­
Ele foi a Nazaré, onde havia sido criado, e no dia de sábado as pelo seu povo: “A pedra que os construtores rejei­
entrou na sinagoga, como era seu costume. E levantou-se para taram to rn o u -se a pedra an g u lar” . Esse m esm o
ler. Foi lhe entregue o livro do profeta Isaías. Abriu-se encon­ versículo é citado repetidas vezes no Nt. Por exem­
trou o lugar onde está escrito: uO Espírito do Senhor está so­ plo, Pedro escreveu: Portanto, para vocês, os que crê-
bre mim, porque ele me ungiu para pregar boas novas aos po­ em, esta pedra é preciosa; mas para os que não crê-
bres. Ele me enviou para proclamarliberdadeaos pobresere- em, “a pedra que os construtores rejeitaram tornou-
cuperaçâo da vista aos cegos, para libertar os oprimidos e pro­ se a pedra angular”( 1Pe 2.7; cf. Mt 21.42; Mc 12.10; Lc
clamar o ano da graça do Senhor. 20.17; At 4.11).
Sofrimento e morte de Cristo. Uma das predições
Jesus parou sua leitura cuidadosamente no meio mais incríveis sobre Cristo em todas as Escrituras é
de um parágrafo, deixando de acrescentar a conti­ a de Isaías 53.2-12. Essa descrição precisa dos sofri­
nuação da frase: “e o dia da vingança do nosso Deus”. mentos de Jesus e da morte de Cristo foi completa­
Isso se refere à sua segunda vinda; não estava se mente cumprida (v. Mt 26,27; Mc 15,16; Lc 22,23; Jo
cumprindo naquele dia na reunião da sinagoga, como 18,19). Isaías prediz doze aspectos da paixão do Mes­
o restante da profecia. sias, todos cumpridos. Jesus...
Isaías 35.5,6 declarou que o Messias faria m ila­
gres para confirmar seu m inistério, afirmando: “En­ 1. foi rejeitado;
tão, se abrirão os olhos dos cegos e se destaparão os 2. foi hom em de dores;
ouvidos dos surdos” . 0 evangelho está repleto de 3. teve uma vida de sofrimento;
milagres de Jesus. Jesus ia passando por todas as ci­ 4. foi desprezado pelos outros;
dades e povoados, ensinando nas sinagogas, pregan­ 5. carregou nossas dores;
do as boas novas do Reino e curando todas as enfer­ 6. foi ferido e oprimido por Deus;
midades e doenças (Mt 9.35). Jesus até citou essas 7. foi traspassado pelas nossas transgressões;
m esm as coisas para João Batista com o credencial 8. foi moído pelas nossas iniqüidades;
m essiânica. 9. sofreu como uma ovelha;
10. morreu com transgressores;
Jesus respondeu: “Voltem e anunciem a João o que vocês 11. não tinha pecado; e
estão ouvindo e vendo: Os cegos veêm os mancos andam, os 12. intercedeu pelos outros.
leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são res­
suscitados, e as boas novas são pregadas aos pobres (Mt Outra confirmação da natureza profética de Isaías
11.4,5). 53 é que era com um para os intérpretes judaicos
antes da época de Cristo ensinarem que Isaías falava
A obra do Messias. Malaquias 3.1 predisse a au­ aqui sobre o Messias judaico (v. Driver). Som ente
toridade sobre a adoração do templo que Jesus de­ depois que os primeiros cristãos com eçaram a usar
m onstrou ao expulsar os cambistas — no com eço e o texto apologeticam ente foi que ele se tornou, no
no final do seu ministério: ensino rabínico, uma expressão do sofrim ento da
nação judaica. Essa visão é implausível no contexto
“Vejam, eu enviarei o meu mensageiro, que preparará o das referências normais de Isaías ao povo judeu na
caminho diante de mim. E então, de repente, o Senhorque vocês primeira pessoa do plural (“nosso” ou “nós”), ao passo
buscam virá para o seu templo; o mensageiro da aliança, aque­ que ele sempre se refere ao Messias na terceira pessoa
le que vocês desejam, vira”, diz o Senhor dos Exércitos. do singular, como em Isaías 53 (“ele” e “seu” e “si”).
Entre as outras predições da morte de Cristo estão:
Mateus 21.12,13 relata:
13. seus pés e mãos traspassados (SI 22.16; cf. Lc
Jesus entrou no templo e expulsou todos os que ali esta­ 23.33);
vam comprando e vendendo. Derrubou as mesas dos cambis­ 14. seu lado traspassado (Zc 12.10; cf. Jo 19.34); e
tas e as cadeiras dos que vendia, pombas, e lhes disse: “Está 15. sua túnica sorteada (SI 22.18; cf. Jo 19.23,24).
721 p r o f e c ia c o m o p r o v a d a B íb lia

Apesar de só ser reconhecido depois do fato, uma Ambas essas passagens são citadas no Nt como
das predições mais precisas nas Escrituras dá o ano predições da ressurreição de Cristo. Pedro disse ex­
em que Cristo morreria. Daniel falava tanto do exí­ plicitamente sobre a profecia de Davi no salmo 16:
lio de Israel quanto da expiação do pecado quando
registrou uma oração de confissão de pecados do Mas ele era profeta e sabia que Deus lhe prometera sob
seu povo (9.4-19) e uma resposta em form a de visão, juramento que colocaria um dos seus descendentes em seu
na qual o anjo Gabriel deu a Daniel a seguinte predi­ trono. Prevendo isso, falou da ressureição do Cristo, que não
ção (9.24-26): foi abandonado no sepulcro e cujo corpo não sofreu decom­
posição (At 2.30,31; cf. 13.35).
Setenta semanas estão decretadas para o seu povo e sua
santa cidade a fim de acabar com a transgressão, dar fim ao O salmo 2 é citado com o predição da ressurrei­
pecado, expiar as culpas, trazer justiça eterna, cumprir a visão ção em Atos 13.33,34 (cf. Hb 1.5). Na realidade, usan­
e a profecia, e ungir o santíssimo. Saiba e entenda que, a partir do essas passagens, Segundo o seu costume, Paulo
da promulgação do decreto que manda restaurar e reconstruir foi à sinagoga e por três sábados discutiu com eles
Jeruslém até que ungido, o líder, venha, haverá sete semanas, e com base nas Escrituras, explicando e provando que
sesenta eduas semanas [...] Depois das sessenta e duas sema­ o Cristo deveria sofrer e ressuscitar dentre os m or­
nas o ungido será morto, e já não haverá lugar para ele. tos. E dizia: “Este Jesus que lhes proclamo é o Cristo”
(At 17.2,3). Isso dificilmente seria possível a não ser
0 contexto indica que Daniel sabia que falava que seus céticos espectadores judeus não reconhe­
sobre anos, já que estava meditando sobre o “núme­ cessem a natureza profética de passagens com o os
ro de anos” que Deus havia revelado a Jeremias em
salmos 2 e 16.
que Jerusalém ficaria desolada, ou seja, “setenta anos”
A Ascensão de Cristo. Em Salmos 110.1, Davi pre­
(v. 2). Então Deus disse a Daniel que seria 7 x 70
disse até a Ascensão de Cristo, escrevendo: “O S e­
(anos) antes de o Messias vir e morrer.
nhor disse ao meu Senhor: “Senta-te à minha direita
Artaxerxes mandou Neemias para “restaurar e
até que eu faça dos teus inimigos um estrado para os
reconstruir Jerusalém” (Dn 9.25; cf. Ne 2) em 445 /
teus pés” (cf. Sl 2.4-6; 68.6; usado em E f 4.8). Jesus
444 a.C. A partir desse ano, em vez da data anterior
aplicou essa passagem a si m esm o (M t 2 2 .4 3 ,4 4 ).
em que Ciro aprovou apenas a reconstrução do tem ­
Pedro usou-a como predição da Ascensão de Cristo:
plo (Esdras 1.3), Daniel previu que haveria 483 anos
Pois Davi não subiu aos céus, mas ele mesmo decla­
até a época da morte de Cristo. Levando em conta a
rou: “O Senhor disse ao meu Senhor: ‘Senta-te à m i­
data amplamente aceita de 33 para a crucificação (v.
nha direita até que eu ponha os teus inimigos como
Hoehner), seria exatamente 483 anos:
estrado para os teus pês” (At 2.34,35).
Sete setes mais sessenta e dois setes é 69 x 7 = 483
As profecias e o Messias. É im portante observar
444 + 33 = 477
certas coisas singulares das profecias bíblicas. Ao
Acrescente seis anos para compensar os cinco dias de um
ano solar que não estão no ano lunar seguido por Israel contrário de predições mediúnicas, muitas delas são

(5 x 477 = 2385 dias ou 6+ anos). bem específicas, dando, por exemplo, o nome da tri­
477 + 6 = 483 anos bo, cidade e época da vinda de Cristo. Ao contrário
de predições encontradas em horóscopos de jornal,
Isso supõe que os 490 de Daniel (70 x 7) não são nenhuma dessas predições falhou.
um número arredondado, o que é possível. A Bíblia Já que essas profecias foram escritas centenas
freqüentemente arredonda seus números (v. Bíblia, de anos antes de Cristo nascer, os profetas não p o­
S U P O S T O S E R R O S N A ; C R O N O L O G IA DA B í B L I A , P R O B L E M A S N a ) . deriam avaliar as tend ências da época ou ad ivi­
De qualquer forma, a predição de Daniel nos leva à nhando. Muitas predições estavam além da habili­
época de Cristo. dade hum ana de m anipular um cum prim ento. Se
Salmos 16.10: A ressurreição de Cristo. O A t tam ­ fosse um sim ples ser hum ano, Cristo não teria con ­
bém previu a ressu rreição do M essias dentre os trole sobre quando (Dn 9 .2 4 -2 7 ), onde (M q 5.2) ou
m ortos. Salmos 2.7 declara: “Proclamarei o decreto como nasceria (Is 7.1 4 ), com o m orreria (Sl 22; Is
do Senhor: Ele me disse: Tu és meu Filho, eu, hoje, te 53), nem faria milagres (Is 35 .5 ,6 ), nem ressuscita­
gerei”. Em Salmos 16.10, Davi acrescenta: “Porque tu ria dos m ortos (Sl 2, 16).
não me abandonarás no sepulcro, nem perm itirás É improvável que todos esses eventos convergis­
que o teu santo sofra decomposição”. sem na vida de um homem. Os matemáticos (Stoner,
p r o f e c i a c o m o p r o v a d a B íb lia 722

p. 108) calcularam que a probabilidade de 16 predi­ JerusalémASeja reconstruída”, e do templo:“Sejam lançados


ções serem cumpridas num homem (e.g., Jesus) é de os seus alicerces” [...].“Assim diz o Senhor ao seu ungido: a
1 em 1045. Que 48 predições convergissem numa pes­ Ciro, Cuja mão direita eu seguro com firmeza para subjugar as
soa, a probabilidade é de 1 em 10i?’. É quase im pos­ nações diante dele e arrancar a armadura de seus reis, para abrir
sível conceber um número tão grande. portas diante dele, de modo que as portas não estejam
Mas não é apenas uma im probabilidade lógica trancadas” (Is 44.24,28-45.1).
que elimina a teoria de que Jesus manipulou os cum ­
primentos de profecias a seu respeito; é moralmente E ssa pred ição foi feita uns 150 anos antes de
implausível que o Deus onipotente e onisciente (v. Ciro n a scer (v. I saías, Deutero). Com o Isa ía s v i­
Deus, natureza de) permitisse que seus planos de cum ­ veu entre 740 e 6 9 0 a.C. aproxim ad am ente (2R s
prim ento profético fossem arruinados por alguém 2 5 .2 1 ) e Ciro só fez sua proclam ação para Israel
que por acaso estava no lugar certo na hora certa. voltar do exílio por volta de 536 (Ed 1), não h a ­
Deus não pode mentir (Tt 1.2) e não pode deixar de via m an eira hu m ana de saber com o Ciro se ch a ­
cum prir uma promessa (Hb 6 .1 8 ). Portanto, deve­ m aria ou o que faria. A ten tativa dos crítico s de
mos concluir que ele não perm itiu que suas p ro ­ dividir Isaías e p ó s-d a ta r a profecia é infundada
messas proféticas fossem frustradas pelo acaso. Toda (v. I saías, Deutero) e é um a rejeição do detalhe e
evidência indica Jesus como o cum prim ento divi­ p re cisã o da p red içã o .
namente determinado das profecias messiânicas. Ele O retorno de Israel à terra. Dado seu longo exílio
era o hom em de Deus, confirmado pelos sinais de de cerca de dezenove séculos e a hostilidade dos
Deus (At 2.22). ocupantes da Palestina contra eles, qualquer predi­
P red ições n ão-m essiân icas. Outras profecias ção sobre retorno, restauração e reconstrução da
bíblicas são específicas e preditivas. A seguir temos nação de Israel era extrem am ente improvável. To­
exemplos: davia, predições feitas com alguns séculos e mais de
Daniel 2.37-42: A sucessão de grandes reinos mun­ dois milênios e meio de antecedência sobre as duas
diais. Uma predição incrível na Bíblia é a sucessão restaurações dos judeus à sua terra natal e sua res­
dos impérios mundiais da Babilônia, M edo-Pérsia, tauração com o nação foram literalm ente cum pri­
Grécia e Roma por Daniel. Interpretando o sonho das. Com relação à restauração de Israel de 1948,
do Rei Nabucodonosor da Babilônia sobre uma im a­ Isaías previu:
gem humana feita de diferentes metais, ele disse a
Nabucodonosor: Naquele dia, o Senhor estenderá o braço pela segunda vez
para reivindicar o remanescente do seu povo que for deixado
“Tu, ó rei, rei de reis [...] tu és a cabeça de ouro. Depois de na Assíria, no Egito, em Patros, na Etiópia, em Sinear, em
ti surgirá um outro reino, interior ao teu. Em seguida surgirá Hananteenas ilhas do mar (Is 11.11).
um terceiro Reino, Reino de bronze, que governará toda a terra.
Finalmente haverá um quarto reino, forte como ferro, pois o O prim eiro retorno foi sob Esdras e N eem ias
ferro quebra e destrói tudo; e assim como o ferro despedaça no século vi a.C. Mas Israel foi mandado novam en­
tudo, também ele destruirá e quebrará todos os outros” te para o exílio em 70 d.C., quando os exércitos
(Dn 2.37-40). ro m an os d estru íram Jeru salém e d erru b aram o
templo. Durante quase dois mil anos o povo judeu
Essa profecia é tão precisa que mesmo críticos perm aneceu no exílio e a nação não existia. Então,
extrem am ente negativos concordam que Daniel fa­ assim com o a Bíblia predissera, eles foram resta­
lou em ordem sobre a B abilônia, a M edo-Pérsia, belecid os após a Segunda Guerra M undial e um
Grécia e Roma. Os críticos tentam evitar a natureza conflito terrível com os palestinos árabes. Milhões
sobrenatural da profecia ao afirmar que essas pala­ retornaram e reconstruíram seu país e, na Guerra
vras foram escritas depois do fato, por volta de 165 dos Seis Dias, em 1967, Jerusalém tornou-se nova­
a.C. Mas não há prova real para essa afirmação. m ente uma cidade judaica unida. Nenhuma outra
Ciro, rei da Pérsia. Uma das predições mais espe­ nação na h istória conseguiu m anter intacta com
cíficas do AT identifica Ciro da Pérsia antes de ele tanto sucesso uma cultura, identidade e língua du­
nascer: rante centenas de anos, muito menos contra o ódio
genocida enfrentado repetidas vezes pelos judeus.
Eu sou o S e n h o r [...] que diz acerca de Ciro: “Ele é meu Essa predição bíblica é evidência incrível da ori­
pastor, e realizará tudo o que me agrada”, ele dirá acerca de gem sobrenatural das Escrituras.
723 p r o f e c i a c o m o p r o v a d a B íb lia

Ofechamento da Porta Dourada. A Porta Doura­ recebeu nenhuma promessa de restauração, apenas
da é a porta oriental de Jerusalém, através da qual “desolação perpétua”. Jeremias escreveu em 49.16,17:
Cristo fez sua entrada triunfal no Domingo de R a­
mos antes de sua crucificação (Mt 21). Ezequiel 44.2 “0 pavor que você inspira e o orgulho do seu coração o
previu que um dia ela seria fechada e só reabriria enganaram, a você, que vive nas lendas das rochas, que ocupa
quando o M essias retornasse: O S en h o r me disse: os altos das colunas. Ainda que você, como a águia, faça seu
Esta porta deve perm anecer trancada. Não deverá ninho nas alturas, delá eu oderrubarei”,declara o SENH0R.“Edom
ser aberta; ninguém poderá entrar por ela. Deve per­ se tornará objeto de terror; todos os que or ali passarem fica­
manecer trancada porque o S enhor , o Deus de Israel, rão chocados e zombarão por causa de todas as suas feridas”
entrou por ela.
Em 1543 o sultão Solim ão, o M agnífico, fechou Dada a natureza praticam ente inexpugnável da
a porta e a murou com o Ezequiel havia previsto. antiga cidade esculpida na rocha e protegida por
Ele não im aginav a que estava cu m p rin d o um a uma passagem estreita, essa era uma predição incrí­
profecia. Sim plesm ente a selou porque a estrada vel. Porém, em 636 d .C , ela foi conquistada pelos
que levava a ela não era m ais usada para o tráfego. muçulmanos e, com exceção de turistas e viajantes,
Ela continu a selada até hoje exatam ente com o a está deserta.
B íblia previu, aguardando ser reaberta quando o A prosperidade do deserto na Palestina. Durante
Rei retornar. séculos a Palestina ficou abandonada e desolada. Es­
A destruição de Tiro. Tiro, um porto importante sas condições se estenderam por toda a terra. Mas
do Mediterrâneo oriental, foi uma das grandes cida­ Ezequiel 36.33-35 previu:
des do m u nd o a n tig o . F oi um a cid a d e m u ito
fortificada e próspera. Mas Ezequiel 26.3-14 previu “Assim diz o Soberano, o Senhor: Nodia em que eu os pu­
sua destruição e dem olição total centenas de anos rificar de todos os seus pecados, restabelecerei as suas cidades
antes, ao declarar: eas ruínas serão reconstruídas”. Aterraarrasadaserá cultivada;
nãopermanecerá arrasada àvistadetodos os que passarempor
Assim diz o Soberano, O S e n h o r : “Estou contra você, Ó ela. Estes dirão: ‘Esta terra que estavaarrasada tornou-se como
Tiro e trarei muitas nações contra você; virão como o mar ojardim do Éden; as cidades quejaziamemruínas, arrasadas e
quando eleva as suas ondas. Elas destruirão os muros de destruídas, agora estão fortificadas e habitadas”’.
Tiro e derrubarão suas torres; eu espalharei o seu entulho
e farei dela uma rocha nua. Fora, no mar, ela se tornará um Hoje estradas foram construídas, a terra está sen­
lugar propício para estender redes de pesca [...] Despoja­ do cultivada e a agricultura de Israel está prosperan­
rão sua riqueza e saquearão seus suprimentos; derrubarão do. Essa renovação começou antes da virada do sécu­
seus muros, demolirão suas lindas casas e lançarão ao mar lo xx e continua um século depois. Safras agrícolas,
as suas pedras, seu madeiramento e todo o entulho. Porei inclusive uma grande colheita de laranjas, são parte
fim a seus cânticos barulhentos, e não se ouvirá mais a da restauração — assim como Ezequiel predisse.
música de suas harpas. Farei de você uma rocha nua, e você 0 aumento do conhecimento e da comunicação.
se tornará um local propício para estender redes de pesca. Outra profecia bíblica que está sendo cumprida de­
Você jamais será reconstruída, pois eu, o Senhor, falei”. pois de milhares de anos é a da predição de Daniel
Palavra do Soberano, o S e n h o r . do aum ento do conh ecim ento e da com unicação
nos últim os dias (1 2 .4 ): Deus d isse: “M as você,
Essa predição foi parcialm ente cum prida quan­ Daniel, feche com um selo as palavras do livro até o
do N abucodonosor d estruiu a cidade e a deixou tempo do fim. Muitos irão por todo lado em busca
em ruínas. Mas as pedras, o pó e as m adeiras não de m aior conhecim ento”
foram lançadas ao mar. Então Alexandre, o G ran­ Nunca na h istó ria do mundo houve tam anha
de, atacou a aparentem ente inexpugnável ilha de explosão nas áreas do conhecim ento, transporte e
Tiro, tirando as pedras, o pó e a m adeira da cid a­ com unicação com o no final do século xx. A p ro ­
de arru in a d a do c o n tin e n te e c o n stru in d o um pulsão a jato na aviação e o m icrocircuito na com ­
cam inho elevado até a ilha. Além da cidade ja ­ putação causaram uma explosão nos transportes e
m ais ter sido reconstruíd a, hoje ela literalm ente é na inform ação.
usada com o “local propício” . Uma conclusão importante. Um fato geralmente
A destruição de Edorn (Petra). Ao contrário de ignorado pelos críticos é que apenas um caso real de
muitas predições de destruição do At, Edom não profecia cumprida estabeleceria a origem sobrenatural
p r o f e c i a c o m o p r o v a d a B íb lia 724

das Escrituras (cf. Ramm, p.86). Mesmo se a maioria MTlvaine acrescenta:


das predições bíblicas pudesse ser explicada natu­
ra lm e n te , uma ú n ica o c o rrê n c ia cla ra fu n d a ­ Ahistória das nações pagãs realmenteé rica em histórias de
menta o restante e confirma o evento profético. As­ augúrios e oráculos e predições desconexas [...] Mas uma dis­
sim, se o crítico quer refutar as profecias, todas as tância incalculável separa todos os supostos oráculos do paga­
instâncias devem ser naturalmente explicáveis. nismo da dignidade das profecias da Bíblia (MTlvaine, p. 246-7).
O bjeções à p ro fecia preditiva. Várias objeções
foram levantados para negar o argumento a favor da Depois de exam inar cuidadosam ente os profe­
origem sobrenatural da profecia bíblica. As mais im ­ tas hebreus e pagãos, Calvin Stow concluiu que não
portantes senão consideradas resumidamente. havia nenhuma profecia crível em outras obras, mas
A linguagem da profecia é vaga. Os críticos insistem que cada uma “é apenas o que se esperaria de h o­
em que a linguagem da profecia é tão indefinida que não mens deste mundo, que não têm fé em outro” (cita­
é difícil encontrar um tipo de cumprimento. Predições do em Newman, p. 17-8).
vagas são esclarecidas pelo seu cumprimento. Médiuns fizeram predições como as da Bíblia. Crí­
Nem toda profecia bíblica é clara. Algumas são ticos contem porâneos da profecia bíblica apresen­
vagas e esclarecidas pelo cumprimento. Mas o crítico tam predições m ediúnicas com o iguais às das Es­
deve demonstrar que todas as profecias são dessa na­ crituras. No entanto, há outro salto quântico entre
tureza. No entanto, como foi demonstrado nos exem­ todos os médiuns e os profetas infalíveis das Escri­
plos acima, algumas profecias são bem específicas. As turas (v. m ilag res , MÁGiG.A e). Na realidade, um dos tes­
predições de quando Cristo morreria (Dn 9.24s.), em tes dos profetas era se eles proclamavam predições
que cidade ele nasceria (Mq 5.2) e como ele sofreria e que não aconteciam (Dt 18.22). Aqueles cujas profe­
morreria (Is 53) não são nem um pouco vagas. cias falhavam eram apedrejados (18.20) — uma prá­
Outros livros religiosos têm profecias. Também ale- tica que sem dúvida detinha qualquer pessoa que
ga-se que as profecias não são exclusivas da Bíblia, não tivesse certeza absoluta de que suas mensagens
m as são encontradas em ou tros livros sagrados. eram de Deus. Entre centenas de profecias, os profe­
Logo, não têm valor para provar a verdade do cristi­ tas bíblicos jam ais erraram. Um estudo das profeci­
anismo sobre outras religiões. Esse argumento é se­ as feitas por médiuns em 1975 e observadas até 1981
melhante ao argumento de David Hume segundo o demonstrou que, das 72 predições, apenas 6 se cum ­
qual eventos milagrosos semelhantes são afirmados priram de alguma forma. Duas delas eram vagas e
por todas as religiões. Portanto, supostos milagres duas outras eram pouco surpreendentes — os Esta­
não podem ser usados para estabelecer a verdade de dos Unidos e a Rússia continuariam sendo superpo­
uma religião sobre outra. tências e não haveria guerras mundiais. The People's
Essa objeção está sujeita à m esma crítica que a Almanac (1976) fez uma pesquisa das predições de
de Hume (v. milagres, argumentos contra). Primeiro, 24 dos maiores médiuns. Os resultados: Do total de
não é verdade que outras religiões apresentam o 72 predições, 66 (92% ) estavam totalmente erradas
cu m prim ento esp ecífico, repetido e infalível das (Kole, p. 6 9). A m édia de precisão de 8% poderia
predições feitas muitos anos antes dos eventos con­ facilmente ser explicada pelo acaso e conhecimento
tingentes sobre os quais o profeta não tinha contro­ geral das circunstâncias. Em 1993 os médiuns erra­
le. Esse tipo de predições é exclusivo da Bíblia. Uma ram todas as principais notícias inesperadas, inclu­
discussão de profecias feita por Maomé no Alcorão, sive a aposentadoria de Michael Jordan, as enchen­
o rival mais próximo da Bíblia, é encontrado no ar­ tes nos Estados Unidos e o tratado de paz entre Israel
tigo M aomé, supostos milagres de, e d em on stra a e a OLP. Entre as profecias falsas havia uma de que a
disparidade entre os dois livros. Rainha da Inglaterra se tornaria freira e de que Kathy
R. S. Foster diz sobre outros livros sagrados e obras Lee Gifford substituiria Jay Leno com o apresenta­
de religiões pagãs: dora do programa de tv americano The Tonight Show
(Charlotte Observer, 30/12/93).
Nenhuma profecia comprovada é encontrada em qualquer Da m esm a fo rm a, as “p red içõ es” altam ente
outro livro ou tradição oral atualmente existente ou que ja­ renomadas de Nostradamus não eram tão incríveis
mais tenha existido no mundo. Os oráculos do paganismo não assim. Ao contrário do que se pensa, ele jam ais previu
devem ser classificados como exceções. Não há nenhum entre o lugar ou o ano do grande terremoto da Califórnia. A
eles que passe no teste exigido para provar agencia sobre na­ m aioria das suas “fam osas” predições, tais como a
tural, que toda profecia bíblica evidencia” (Foster, p. 111). ascensão de Hitler, eram vagas. Como outros médiuns,
725 p ro fe cia como p r o v a d a B íb lia

estava freqüentem ente errado, o que configura um Jesus manipulou os eventos para cumprir as pro­
falso profeta pelos padrões b íb lico s. M ais sobre fecias. Outro argumento usado pelos críticos foi po­
Nostradamus é relatado no artigo Nostradamus. pularizado pelo livro The Passover plot [A conspira­
Quando as profecias bíblicas foram feitas? Segun­ ção da Páscoa](x. Páscoa, conspiração da),de Hugh
do essa ob jeção , todas as profecias b íb licas com Schonfield. Ele argum entou que Jesus m anipulou
especificidade suficiente para serem inexplicáveis fo­ pessoas e eventos para dar a impressão de que era o
ram feitas após os eventos. As incríveis afirmações de M essias p ro fetizad o. E ssa te o ria in te re ssa n te é
Daniel seriam bem recentes, e as predições de Isaías destruída pelos fatos. Prim eiro, vários milagres (v.
sobre Ciro teriam sido acrescentadas depois que o rei milagres na Bíblia) confirm aram que Jesus era o M es­
persa apareceu. Eles estavam registrando a história, sias. Deus não permitiria que um impostor pareces­
não profetizando Para debates sobre a datação desses se ser seu Filho (v. milagres, valor apologético dos).
dois livros, v. daniel,datação de,e Isaías,Deutero.Nenhu­ Segundo, não há evidência de que Jesus tenha sido
ma dessas nem outras acusações de profecias pós- um enganador. Pelo contrário, seu caráter é impecá­
datadas têm qualquer fundamento em fatos. E muitos vel (v. Cristo, singularidade de). Terceiro, Jesus não
cumprimentos ocorreram muito depois das supostas poderia cumprir predições sobre as quais não tinha
datas em que tais obras surgiram. controle, tais como sua linhagem (Gn 12.3; 49.10; 2Sm
Os supostos cumprimentos interpretam mal os tex­ 7 . 12-16), seu lugar de nascimento (Mq 5.2), a hora da
tos. Os críticos argumentam que os supostos cumpri­ sua morte (Dn 9.24-27) e as condições da sua morte
mentos das predições do At são, freqüentemente, más (Is 53). Em quarto lugar, para m anipular todas as
interpretações do texto do At. Por exemplo, Mateus pessoas (incluindo seus inim igos) e até seus discí­
diz repetidas vezes “para que se cumprisse” (c f 1.22;
pulos para dar a im pressão de que era o M essias
2.15,17). Mas quando a passagem do At é examinada
prometido, Jesus precisaria de poderes sobrenatu­
no contexto, descobre-se que essa não era uma predi­
rais. Mas, se teve tais poderes, deveria ser o Messias.
ção real do evento ao qual Mateus a aplicou.
Apenas as profecias bem-sucedidas são registradas.
Um exemplo é Mateus 2 .1 5 :“ E assim se cumpriu
Essa objeção afirma que os profetas do Antigo Tes­
o que o Senhor tinha dito pelo profeta: “Do Egito
tam ento eram tão falíveis quanto qualquer outro
cham ei o meu filho”. Quando a passagem do At ,
profeta. A certaram algum as previsões e erraram
Oséias 11.1, é examinada, descobre-se que essa não é
outras. Entretanto, apenas as bem -sucedidas foram
uma profecia preditiva sobre Jesus saindo do Egito
colocadas na Bíblia. Assim, não há nada sobrena­
quando era criança, mas uma afirm ação sobre os
tural em relação a elas. Afinal, se apenas as predi­
filhos de Israel saindo do Egito no Êxodo.
ções bem -sucedidas de Jean Dixon fossem reuni­
A d m ite-se que m uitas “p ro fecia s” não são
das num volume muito tem po depois da sua m or­
preditivas e que o Nt aplicou certas passagens do At a
te, ela tam bém pareceria tão sobrenatural quanto
Cristo que não eram diretamente preditivas sobre ele.
os profetas bíblicos.
Muitos teólogos dizem que esses textos do At foram
Essa objeção é baseada em prem issas falhas. An­
“cumpridos tipologicamente” em Cristo, sem ser di­
tes de mais nada, apresenta a falha do “argumento
retamente preditivos. Isto é, alguma verdade na pas­
da ig n orân cia” . Não apresen ta evid ência de que
sagem é aplicada adequadamente a Cristo, apesar de
havia ou tras p ro fecias falsas. A penas supõe que
não ser diretamente uma predição sobre ele.
havia. O ônus da prova é m ostrar a existência das
Outros falam do significado genérico na passa­
profecias que falharam . Segunda, o que adm ite é
gem do At que se aplica tanto a sua referência do At
(e.g., Israel) como à referência do Nr (e.g., Cristo), já suficiente para destruir sua tese. Se todas as profe­
que ambos, Israel e Cristo, são “filhos” de Deus. Al­ cias na Bíblia são boas, tem os bastante evidência
guns teólogos descrevem isso com o a visão de dupla positiva de que a Bíblia é infalível em seu poder
referência da profecia. Seja qual for o caso, esses profético — um sinal garantido de sua origem di­
tipos de passagens proféticas não são diretam ente vina e de estar bem acim a dos melhores m édiuns
preditivos e não têm valor apologético. Existem pas­ em seus m elhores dias. Terceira, o argumento é uma
sagens do At que não são apenas tipológicas, mas analogia falsa, já que no caso dos médiuns tem os
claram ente preditivas, com o foi dem onstrado aci­ vários exem plos conhecidos de quando erraram .
ma. Por exemplo, a época e o lugar do nascimento e No caso da Bíblia, não tem os nenhum . Isso supõe
da morte de Cristo foram previstos. 0 que o crítico que os contem porâneos do profeta teriam aprova­
não pode dem onstrar é que todas as “profecias” do do os erros e recebido os acertos com o sendo divi­
At são apenas tipológicas e não-preditivas. nos. Todavia, não era assim que funcionava.
p r o f e c i a c o m o p r o v a d a B íb lia 726

Algumas predições bíblicas não se cumpriram. a sua interpretação. Por exemplo, Jesus não disse que
Vários críticos argumentaram que nem todas as pre­ voltaria à terra durante a vida dos discípulos (em Mt
dições da Bíblia se cumpriram. A predição feita por 24.34). Ele jam ais disse “Voltarei durante a vida de
Jonas de que Nínive seria destruída em quarenta vocês” . 0 que disse foi: “Eu lhes asseguro que não
dias não se cumpriu (Jn 3.4). Cristo não voltou den­ passará esta geração até que todas estas coisas acon­
tro de uma geração, como disse que faria. Na reali­ teçam”. Essa frase pode significar várias coisas dife­
dade, Cristo não voltou para estabelecer um Reino rentes. Para defender sua teoria, os críticos devem
literal como prometeu (Mt 24, 25). E Deus não des­ supor que ela só pode significar uma coisa.
truiu o mundo com fogo (2Pe 3.10-13) nem estabe­
Além disso, “geração” em grego (genea ) pode sig­
leceu um Paraíso perfeito (Apocalipse 21, 22).
nificar “raça”. Uma interpretação da afirm ação de
As supostas profecias não cumpridas dividem-
Jesus é que a raça judaica não passaria até que tudo
se nas seguintes categorias (v. Payne):
isso se cumprisse. Há muitas promessas para Israel,
Algum as são co n d icio n a is. A ad vertência de
incluindo a herança eterna da terra da Palestina (Gn
Jonas a Nínive estava condicionada a sua rebelião
12, 14, 15, 17) e o Reino davídico (2 Sm 7), mas a
contínua. Quando se arrependeram (3 .5 -9 ), Deus
nação estava prestes a ser destruída pelos romanos.
retirou a maldição im inente. Como Jesus disse aos
Jesus podia estar prometendo a preservação da na­
seus contem porâneos: “Mas se não se arrepende­
rem, todos vocês tam bém perecerão” (Lc 13.3). Da ção de Israel para cumprir suas promessas a ela. Pau­
mesma forma, há um “se não se arrependerem” im ­ lo fala do futuro da nação de Isra el, quando os
plicado em todo profeta que adverte sobre o julga­ israelitas serão restabelecidos nas promessas de Deus
mento de Deus. Como Pedro disse, “o Senhor ... é (Rm 11.11-27). E a resposta de Jesus à última per­
pacien te com vocês, não querendo que ninguém gunta dos seus discípulos implicava que ainda have­
pereça, mas que todos cheguem ao arrependim en­ ria um reino futuro para Israel, quando pergunta­
to” (2Pe 3.9). O mesmo acontece em Deuteronômio ram: “Senhor, é neste tempo que vai restaurar o rei­
11.25, onde Deus diz a Israel: “Ninguém conseguirá no a Israel?”. Em vez de repreendê-los por sua igno­
resisti-los. O Senhor, o seu Deus, conforme lhes pro­ rância, respondeu: “Não lhes compete saber os tem­
meteu, trará pavor e medo de vocês a todos os povos pos ou as datas que o Pai estabeleceu pela sua pró­
daquela terra, aonde quer que vocês forem”. Contu­ pria autoridade” (At 1.6,7).
do, eles sofreram derrotas, por exemplo, em Ai (Js 7). Além disso, “geração” tam bém poderia referir-
Mas quando essa prom essa é exam inada, é clara­ se a uma geração no sentido com um das pessoas
mente condicional — “Se vocês obedecerem a to ­ que estarão vivas no tem po indicado. Nesse caso,
dos os mandamentos que lhes mando cum prir” (Dt “geração” estaria se referindo ao grupo de pessoas
11.22). Quando Israel obedecia a Deus, eles eram que estarão vivas quando essas coisas acontecerem
invencíveis, mesmo em desvantagem (cf. Js 6 ,8 -1 1 ). no futuro. A geração que estiver viva quando essas
Algumas sim plesm ente não se cum priram ain­
coisas (oabom inável da desolação [M t2 4 .1 5 ],a g ra n -
da. A maioria delas está relacionada à segunda vinda
de tribulação [v. 21] e o sinal do Filho do Homem no
de Jesus, que ainda não aconteceu. É simplesmente
céu [v. 30]) começarem a acontecer ainda estará viva
errado afirm ar que a Bíblia tem falsas profecias por­
quando esses julgam entos se com pletarem . Crê-se
que ainda não se cumpriram. Como Pedro advertiu
normalmente que a tribulação é um período de cerca
(2Pe 3 3 ,4 ,8 ,9 ):
de sete anos (Dn 9.27; cf. Ap. 11.2) no final dos tempos,
Jesus estaria dizendo que “essa geração” viva no iní­
Antes de tudo saibam que, nos últimos dias, surgirão
cio da tribulação ainda estaria viva no final dela.
escarnecedores zombando e seguindo suas próprias paixões.
De qualquer forma, não há razão para supor que
Eles dirão: O que houve com a promessa da sua vinda? Desde
que os antepassados morreram, tudo continua como desde o Jesus fez a afirmação claramente falsa de que o mun­
princípio da criação[...] Não se esqueçam disto, amados: para do acabaria durante a vida dos seus contemporâneos.
o Senhor um dia é como mil anos, e mil anos como um dia. O R esu m o. A B íb lia e stá re p leta de p ro fe cia s
Senhor nãodemoraemcumprir suapromessa, comojulgamal­ preditivas específicas que se cumpriram literalmen­
guns. Aocontrário, eleé paciente comvocês, não querendo que te. A Encyclopeâia o f biblical prophecies [Enciclopé­
ninguémpereça, mas que todos cheguem ao arrependimento. dia de profecias bíblicas] calculou que 27% de toda a
Bíblia contêm profecias preditivas (Payne, p. 675).
As outras profecias supostamente não cumpridas Isso não acontece em nenhum outro livro no mun­
não são erros na Bíblia, mas erros dos críticos quanto do. É um sinal claro da sua origem divina.
727 p ro g re ssiv a , re v e la çã o

Fontes natureza imutável (Ml 3.6; 2Tm 2.13; Tt 1.2; Hb 6.18).


A. Y. Au, The glorious Qur’an. Deus pode mudar fatores não-morais sem qualquer
G. T. B. Davis, Fulfilled p rop h ecies that p ro v e the razão aparente ou afirmada (v. essencialism o d iv in o ).
Bible. O m andam ento dado aos seres hum anos de serem
S. R. D river, et al., trad., Thefifty-third chapter o f h e rb ív o ro s, m u dad o para serem o n ív o ro s (Gn
Isaiah according to Jewish interpreters. 1.29,30; 9.2,3), é um exemplo; mudanças nas leis ce­
R. S. F o st e r , The supernatural book. rimoniais são outro exemplo. São mandamentos di­
N. L Geisler e A. Saleeb, Answering Islam. ferentes, de épocas diferentes, que Deus tinha razões
H. H oehner, Chronological aspects o f the life o f diferentes para decretar, m esm o sem nosso conhe­
Christ. cimento completo (Dt 29.29).
W . K a ise r , The uses o f the Old Testament in the New. Às vezes Deus ordena mudanças por causa das
A. K ole, Miracle and magic. condições da humanidade. Tal é o caso da perm is­
E . P. M ’I lvaine , The evidences o f Christianity. são para o divórcio “por qualquer motivo” no At e
R. N ewman , ed„ The evidence o f prophecy. uma proibição forte no Nt (Mt 19.3). Jesus disse que
J. B. P ayne , Encyclopedia o f biblical prophecy. a lei original era “por causa da dureza de coração de
B. R a m m , Protestant Christian evidences. vocês” (19.8). Às vezes Deus tolera certas coisas por
H. S c h o n f iel d , The Passover plot: new light on the causa de tempos de ignorância (At 17.30); mais tar­
history o f Jesus. de, porém, não as tolera.
H. S pe n c e r , Islam and the Gospel o f God. Uma razão importante para mudança é que Deus
P. W . S t o n e r , Science speaks.
está revelando um plano. Esse plano tem estágios
nos quais algumas coisas são necessárias e estágios
progressiva, revelação. Às vezes os críticos das Es­ em que outras coisas são necessárias. Quando um
crituras chegam à conclusão precipitada de que a Bí­
“tipo” de profecia se cumpre (o sangue do cordei­
blia contém erros (v. B íb lia , supostos erros na B íb l ia )
ro), quando se torna realidade, o tipo não é mais
porque Deus ordena algo diferente de um período
necessário. Quando o fundamento da igreja foi esta­
para outro. O exemplo clássico é a ordem de Deus
belecido sobre os apóstolos (E f 2.20), eles não foram
sobre os sacrifícios de sangue para expiar o pecado
mais necessários.
sob a Lei de Moisés. Estes não são mais válidos por­
À luz do princípio de revelação progressiva, as
que Cristo se ofereceu como o sacrifício expiatório
revelações posteriores não são contraditórias, mas
definitivo que os sacrifícios animais prenunciavam
complementares. Elas não erram, m as revelam mais
(v. Hebreus 7-10). Da m esma forma, Deus ordenou
verdade. Revelações posteriores não negam as ante­
que Adão comesse apenas plantas (Gn 1.29,30). No
riores; apenas as substituem. Já que não foram da­
entanto, depois do dilúvio, mandou Noé comer carne.
das a todos, mas apenas para um período específico,
A Lei mosaica proibia comer certos animais por se­
não se contradizem quando mudam. Não há m an­
rem impuros (Lv 11). Porém Jesus anunciou que esses
d am entos con trad itó rio s para o m esm o povo ao
animais eram puros, e podiam ser comidos (Mc 7.19;
m esm o tempo.
At 10.14,15; U m 4.4). Essas não são contradições, mas
Um exemplo de revelação progressiva pode ser
exemplos de revelação progressiva.
visto em toda família que tem filhos em fase de cres­
O princípio da revelação progressiva significa
cimento. Quando são bem pequenos, os pais deixam
que Deus não revela tudo ao m esm o tem po nem
sempre estabelece as mesmas condições para todos os filhos com er com as m ãos. Mais tarde, os pais
os períodos. Revelações posteriores apresentam coi­ insistem no uso da colher. Finalmente, à medida que
sas que suplantam as anteriores. Logo, o At revelava a criança progride, o pai manda usar o garfo. Essas
apenas sinais da Trindade ensinada no Nt (p. ex., Mt ordens são tem porárias, progressivas e adequadas
3.16,17; 28.18-20). O Nt declara explicitamente o que para a situação.
estava apenas implícito no At (v. T rindade ).
D eus p o d e m u d a r q u a lq u e r c o is a que não pseudepigráficos. V. a p ó c r if o s , A n t ig o e Novo
envolva uma contradição ou que não vá contra sua T estam entos .
Qq
q, d ocu m en to. Coleção hipotética de ditos ou en ­ A verdade é que foi Friedrich Schleiermacher (1768-
sinos de Jesus que supostam ente antedata os qua­ 1834), o pai do liberalismo moderno, quem deu ímpe­
tro evangelhos. A hipótese q vem da palavra alemã to à idéia quando reinterpretou um a afirm ação de
Quelle, que significa “fonte”, q foi bastante usado Papias (c. 110) sobre Mateus ter compilado “os orácu­
pelo Seminário Jesus para chegar às suas conclusões los” de Jesus (gr. ta logia). Esse, decidiu Schleiermacher,
radicais. Como q supostam ente contém ditos, não era um documento que consistia apenas nas “afirm a­
obras ou milagres de Jesus, é usado com o base para ções” de Jesus, em lugar de “o que o Senhor disse ou
negar a ressurreição. Como q, supostam ente o do­ fez” (v. Linnemann, Is there a synoptic problem? [Existe
cum ento mais antigo, não continha nenhum a refe­ mesmo o problem a sinótico7.], p. 2 0 ). M ais tard e,
rência à divindade de Jesus, tal conceito tam bém é Christian Hermann Weisse (1801-1866) afirmou que
considerado um a invenção m itológ ica posterior. essa fonte de pronunciamentos foi usada por Lucas
Se verdadeira, essa hipótese m inaria a apologética para compilar seu evangelho, dando assim origem ao
histórica do cristianism o (v. apologética histórica; conceito de q. Outros acrescentaram que Marcos foi
Novo T estamento, historicidade do). usado por Mateus e Lucas. Então q supostamente ex­
Supostos estágios e datas d e q. Segundo o defen­ plica o material usado por Mateus e Lucas que não é
sor de q Burton Mack, houve realmente quatro estági­ encontrado em Marcos, a fonte comum.
os sucessivos de q: proto-ql, q1, proto-Q2 e q2. 0 (s ) No entanto, apesar de sua popularidade, q foi re­
jeitado por vários teólogos desde a época em que foi
evangelho(s) de q supostam ente se desenvolveram
proposto. B. F. Westcott (1825-1901), Theodore Zahn
entre 30 e 65, antes de qualquer evangelho canônico
(1838-1933) e Adolf Schlatter (1852-1938) são exem ­
aparecer. Então, q supostamente oferece, junto com o
plos de teólogos m ais antigos. Eta Linnemann, John
E vangelho de T omé ( v.Nag Hammadi, E vangelhos de),
Wenham e W illiam Farm er são exemplos de teólo­
a visão mais antiga dos seguidores de Jesus.
gos contem porâneos.
Alguns estudiosos distinguem q 1 ( c . 50 d.c.), con­
Suposta b a se d e q. Segundo seus defensores, “a
sistindo em frases curtas de Jesus, e q2 (5 0 -6 0 ), que
hipótese q, ju n to com a prioridade de M arcos, é a
pode ter sido com posto contra o grupo original de
m aneira m ais eficaz de explicar a miríade de deta­
Jesus com o sugerido p

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