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Climatologia Epidemias e Endemias Do Ceara 1997

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CLIMATOLOGIA

EPIDEMIAS
E ENDEMIAS
DO CEARA Apoiar produções no campo da pesqui-
sa e da documentação tem sido, em anos re-
centes, uma atividade constante da FUNDAÇÃO
Dr. Barão de Studart WALDEMAR ALCÂNTARA que, desse modo, ofere-
ce uma pequena parcela de colaboração para
o resgate de registros marcantes do processo
de formação da sociedade brasileira.
A Biblioteca Básica Cearense é uma co-
leção de obras raras de autores que no pas-
sado se debruçaram sobre o contexto sócio-
cultural do Ceará de seu tempo e, com isto,
nos forneceram o principal instrumento de
que dispomos para uma correta compreen-
são da realidade atual.
Com o apoio do Ministério da Ciência e
Tecnologia, através do CNPq, a FUNDAÇÃO WAL-
DEMAR ALCANTARA reedita estas obras após rea-
lizar um rigoroso trabalho de pesquisa e sele-
ção, no qual foram convocadas a participar
destacadas personalidades do nosso universo
intelectual.
É a expressiva participação nestas ini-
ciativas de segmentos comprometidos com
o nosso desenvolvimento cultural que nos
tem permitido cumprir, no quadro das limi-
tações próprias de uma organização não-go-
vernamental, este que é um dos principais
objetivos da fundação - o de contribuir para
a preservação da memória bibliográfica do
Ceará, indispensável na evolução dos estu-
BIBLIOTECA BÁSICA CEARENSE dos da nossa realidade e da análise do nosso
FUNDAÇÃO WALDEMAR ALCÂNTARA desenvolvimento.
APRESENTAÇÃO
José Borges de Sales
(Da Academia Cearense de Medicina
e do Instituto do Ceará)
Rs cons como historiador, as publicações do Barão de Studart
são consultadas e referidas com renovada frequência. Permane-
em, no entanto, seus escritos de ordem médica olvidados e desco-
nhecidos dos profissionais da mesma categoria.
Não existia periódico especializado em Fortaleza e seus trabalhos
eram publicados em páginas da Revista da Academia Cearense, que cir-
culava, na épcca, de maneira limitada ou em folhetos editados pela tipo-
grafia Minerva, que permanecem esquecidos e afastados de análises e
perquirições de médicos voltados para esses temas de antanho..
Relembrou Raimundo Girão em publicação do Instituto do Ceará
(1956) sua contribuição à literatura médica através de muitos e acurados
trabalhos publicados. Em Bibliografia Médica do Ceará (1978) indexamos
essas obras e nutrimos o plano de reeditar algumas dessas Memórias na
secção “Subsídios para a História da Medicina do Ceará”, dos Anais da
Academia Cearense de Medicina.
Volta-se, nesse ensejo, o Senador Lúcio Alcântara, fundador da
Fundação Waldemar Alcântara para o projeto denominado de “Biblio-
teca Básica Cearense”, tendo incluído nesse programa de publicações as
memórias médicas de autoria do Barão de Studart.
Apresentou o Barão ao 4º Congresso Médico Latino-Americano,
reunido no Rio de Janeiro, trabalho intitulado Climatologia, Epidemias
e Endemias do Ceará. Constitui essa Memória Histórica o 1º volume
desse programa de “Reedições de Obras Raras”.
Inícia seu minucioso estudo, precisando a posição geográfica do
Ceará no Nordeste Brasileiro, sua superfície e população. Estima e consi-
dera o clima como seco e salubre, proporcionando assim, condições de
melhorias para pacientes acometidos de tuberculose e de beribéricos em
sua forma paralítica.
Ocorrem, no Ceará, segundo ele, duas estações: a chuvosa e o
verão, e afirmou que, se o inverno fosse regular, nenhum outro Estado
competiria com o nosso em crescimento econômico. De quando em quan-
do, no entanto, acontecem períodos de seca. Lembrou o fato histórico
ocorrido no início da conquista da terra com o desbravador Pero Coelho
de Sousa, em retirada em companhia da família e de gente de sua
desfalcada bandeira, a pé, enfrentando fome, sede e açoitado por um sol
escaldante. Nessa travessia, perde seu primogênito e é finalmente socor-
rido por gente de Natal.
O complexo problema das longas estiagens, motivo de discutidas
polêmicas, era no conceito do Barão um fenômeno natural, derivado da
situação geográfica do Nordeste em relação às correntes aéreas.
Oferece um quadro com dias de chuva e os milímetros caídos por
anos de 1840 a 1908. Acompanha com pormenores o quadro negro das
secas ocorridas de 1721 a 1725, de 1790 a 1793 e de 1877 a 1879.
A varíola acompanhava o cortejo dantesco dessas grandes estiagens.
O estado sanitário de Fortaleza, quando se declarou a seca de 1877, era
satisfatório. Ocorriam casos de febres, sem diagnósticos precisos e os de
varíola eram recolhidos ao lazareto da Lagoa Funda. Registrou o pluviô-
metro, no decorrer dos meses chuvosos, 469 milímetros. Foram sepultados
no cemitério da cidade, no decorrer do ano, 2.666 cadáveres e as causas
maiores de óbitos registrados foram febres biliosas e disenterias.
Titulado em dezembro de 1877, recebeu Guilherme Studart o grau
de doutor em Medicina; regressou para Fortaleza e, indicado, passou a
atender no acampamento do Alto do Pimenta, que abrigava 20.496 retiran-
tes. Averiguou em inspeção realizada que 5.691 pessoas se encontravam
acometidas de varíola. Atendeu, nessa oportunidade, em Maranguape, muitos
retirantes com hemeralopia. Era desconhecida a carência de vitamina A.
Nesses casos de cegueira noturna, assinalou em sua memória, a melhora
dos pacientes com o emprego de medicação tonificante.
Abrigava o acantonamento de Fortaleza 135.000 deslocados pela
seca. Dessa população albergada, o número dos não vacinados era muito
elevado e a varíola foi impiedosa em sua ceifa. Registra o barão que o
obituário em 1878 atingiu a cifra de 57.780, e desse total, 24.884 foram
vítimas de mortífera virose. Assinala o 8 de dezembro como dia lúgubre,
em que faleceram de varíola 1.008 desses retirantes.
Aniquilou essa seca a pecuária existente, dizimou a economia par-
ticular e os prejuízos foram orçados em 175 mil contos de reis. Passou a
varíola à modalidade endêmica, com os casos surgindo entre os menos
favorecidos. A vacinação era permanente. Aplicada pelo poder público e
principalmente por Rodolfo Teófilo, o grande benemérito dessa campa-
nha saneadora, que mantinha um Vacinogênio e inoculava sua linfa
vacínica nos bairros mais afastados.
Em 1790 o estado sanitário era favorável. Não se falava em impa-
ludismo, quando ocorreram os primeiros casos em Acaraú, Camocim e
até na Ibiapaba. O número cresceu e alcançou intensidade epidêmica.
Solicitada pelo governo da Província, veio de Recife uma Comis-
são chefiada pelo cirurgião Cardoso de Almeida que, em Relatório de
1791, afirmou serem as terçãs perniciosas resultados dos ventos sudestes
transportadores de miasmas endêmicos que provocavam na atmosfera
maiores fermentações.
A Comissão visitou Sobral. Realizou observações e forneceu ins-
truções, para serem ministradas, caso ocorresse recrudescência da epi-
demia palustre, e regressou a Recife, via Fortaleza.
Reinava na época dessa Comissão a teoria miasmática das doen-
ças. Em sua Memória o Barão se ocupa do papel dos Anofelinos como o
transmissor dos Plasmódios, agentes causadores da malária. Sabe-se nos
dias atuais que as condições de temperatura e salinidade nas regiões
costeiras facilitam criadores do A. tarsimaculatus, o maior transmissor
da malária no litoral brasileiro, e do A. darlingi o transmissor nas mar-
gens cearenses do Poti.
Refere nessa Memória o Barão de Studart as epidemias importadas
e estuda a de febre amarela, ocorrida em 1851, e a de cólera, em 1862.
Febre amarela
Um passageiro desembarcado, vindo de São Luís pelo navio “São
Sebastião”, desencadeou essa mortífera epidemia. A população de Forta-
leza era de 15.000 habitantes. Ocorreram 8.000 casos e o obituário foi de
351 doentes. Sobral, Aracati e Baturité foram as cidades mais atacadas
pela epidemia.
Cólera
Disseminada em Icó por paciente vindo do Rio do Peixe, na Paraíba,
a cólera alcançou dias depois Aracati, Russas e Fortaleza. Estendeu-se tam-
bém para o Cariri. Determinou esse surto em toda a província 11.000 óbitos.
Disserta o Barão nessa célebre Memória sobre a epidemia de
disenteria, ocorrida em 1905, em Fortaleza, sobre o surto de peste bubô-
nica, ocorrida no início do século XX e sobre o Tracoma existente na
região caririense.
Decorridos 90 anos, o quadro nosológico do Ceará apresenta-se
bem diferente. A varíola foi erradicada. Casos de malária ocorrem em
pacientes vindos da Amazônia ou em recidivas de casos crônicos. Trata-
dos, em tempo, não formam focos. Os últimos casos de febre amarela
foram diagnosticados em 1934. Erradicado o Aedes (Stegomya) aegypti,
voltou a proliferar em nosso meio. É o transmissor da Dengue, que cons-
tituí preocupações aos serviços de Saúde. Não há notícias de novos casos
de Cólera no Estado. A Peste Bubônica e o Tracoma encontram-se sobre
controle.
Foram estes os comentários que achamos por bem traçar ao apre-
sentar esta admirável Memória do Barão de Studart, exibida no 4º Con-
gresso Médico Latino-Americano do Rio de Janeiro, em 1908.
CLIMATOLOGIA
EPIDEMIAS
E ENDEMIAS
DO CEARÁ
Dr. Barão de Studart

BIBLIOTECA BÁSICA CEARENSE


FUNDAÇÃO WALDEMAR ALCÂNTARA

FORTALEZA
1997
CATALOGAÇÃO NA FONTE:
BiBLiOTECÁRIA TELMA SOUSA

Studart, Guilherme Barão de


Climatologia epidemias e endemias do Ceará /
Guilherme Barão de Studart. - ed. fac-sim -
Fortaleza: Fundação Waldemar Alcântara, 1997.
Pir.:il. (Coleção Biblioteca Básica Cearense)
Fac-símile da edição publicada em 1909.
1. Epidemia- Ceará I.Título Il. Fundação Waldemar
Alcântara TII. Série
CDD 614.48131
CDU 616-036.22 (813.1)
CLIMATOLOGIA. EPIDEMIAS E ENDEMIAS DO CEARA
PENSNASANLANALANSAS ANA AAA A AAA. mem ana nNanaanasas

MEMORIA
APRESENTADA AO

4º Congresso Medico Lati


- Americano
no
DO

RIO DE JANEIRO
PELO

Dm. BARÃO DE SEYBARE


PRESIDENTE DO ComiTÉ DO CEARÁ

Medico do Hospital de Caridade de Fortaleza, membro da British


Medical Association de Londres, da Sociedade da Sciencias
Medicas de Lisboa, da Sociedade de Medicina e Cirurgia
do Rio de Janeiro, membro de mais trinta e quatro
Sociedades Scientificas e Litorarias do
Paiz e do Extrangeiro.

Uta
PRA
CEARA'— FORTALEZA
Tyr. Mineeva—Rua M, Facundo, 55, 57

1909
CLIMATOLOGIA, EPIDEMIAS E ENDEMIAS DO CEARA

MEMORIA

APRESENTADA AO

4º CONGRESSO MEDICO LATINO-AMERICANO DO RIO DE JANEIRO


PELO

Br. Barão es Srugare


Presidente do Comité do ('eará.

O Estado do Ceará, um dos 20 da Confederação


Brasileira, está situado entre 2º 45' e 7º 11º Lat. Meri-
dional e 1º 55” e 6º 25' Long. Oriental pelo Meridiano
do Rio de Janeiro (1); extende-se pela costa desde o rio
Timonha ao- Norte até o rio Mossoró ao Sul e dilata-se
para o interior até a Serra Grande ou Ibiapaba, que na
lingua dos naturaes significa terra talhada; tem assim.a
forma de um triangulo, de lados desiguaes, cujo vertice é
a cidade de Jardim ao Sul.
O recenseamento de 1872 attribuiu-lhe 721686 ha-
bitantes (365847 homens e 355839 mulheres), o de 1890
deu-lhe 805087 (394909 homens e 410778 mulheres) e
o de 1900, 849127 (419279 homens e 429848 mulheres,

(1! Os calculos dados neste trabalho referem-se ao Me-


ridiano do Rio de Javeiro. '
4
629172 solteiros, 184699 casados, 34430 iuvos e 826
divorciados).
Essas cifras não representam a verdade para .:enhum
dos annos citados. Todos sabem como no Brasil se fa-
zem os arrolamentos da população.
Para proval-o basta considerar aquelles 184699 casa-
dos (n.º impar), que regista o arrolamento de 1900. Ou-
tras suas informações tambem dignas de reparo são as re-
ferentes aos divorciados ditos em n.º de 826 quando não
attingem à decima parte segundo os cartorios que con-
sultei, e aos acatholicos avaliados em 24724 (!) como exis-
tindo no Ceará, onde o numero delles mal alcança a 1000.
Em todo caso é o que ha, vindo de fonte official.
Os calculos da população cearense em epochas di-
versas consignam as seguintes cifras, iniciando-se elles por
um erro de Varnhagen, que suppoz população total da
Capitania o n.º achado para os individuos capazes de
desobriga e isso mesmo em epocha que não a por “elle
citada.
Varnhagen. . cc 1775 34.000
Azevedo de Mantaury. + V783 100.000
Visitador Saldanha Marinho (faltando a
população de Sobral) . . . .. 1793 53.616
Barba Alardo. Cc. 1808 125.878
Robert Southey. . . .. .. . 1808 150.000
Mssc. da Bibl. Publica da Bahia. . 1808 160.000
Mappa da minha Collecção ( Oferta
do Duque de Palmela) . - . 1808 130.396
Varnhagen. . 1808 130.390
Monsenhor Pizarro. . ..... 181% 130.396
Sylva Feijó . . 1812 150.000
anoel Ignacio de Sampaio. . . 1813 149.285
Doc. da Bibl. Nac. do Rio de Janeiro
(Secc. Mssc. Lata 1. Doc. n.º 3) . 1815 154.434
Warden (Historia do Brazil) . . . 1819 150.000
Dezembargador Velloso de Oliveira
(Igreja do Brazil) . . . 1819 201.170
Computo para o Congresso Português. 1821 150.000
5
Computo para a Constituinte. . 1823 200.000
Manuscripto da Bibl. da Bahia. 1823 200.000
Presidênte Nunes Berford. 1828 105.303
Presidente Alencar. 1835 223.554
Presidente Miranda. .. 1839 208.078
Dezembargador Tristão Arafipe. 1850 350.000
Viliers de [Ille Adam. 1850 400.000
Arrolamento da Policia . 1858 487.000
Senador Th. Pompeu (Estatistica). 1860 503.700
Presidente José Bento. . 1862 508.000
Noticia para a Exposição. . 1867 540.000
Senador Pompeu (Geographia). 1868 560.000
Informações parciaes . .. 1870 641.850
Recenseamento de . 1872 721.686
Senador Pompeu (Clima do Ceará) 1876 900.000
Presidente Leão Velloso. . 1881 750.000
Dr.. José Pompeu (Diario Official) 1885 780.000
Dr. Thomaz Pompeu (Industria do
Ceará). cc 1886 915.000
Secção de Estatistica (Côrte). . 1886 1.204.000
Dr. José Pompeu (Chorographia) 1888 860.000
Recenseamento de . RE 1890 805.687
Recenseamento de . 1900 849.127
Dr. Toledo Pisa. 1900 1.000.000
Dr. Pereira da Silva . 1906 1.000.000
Barão Homem de Mello . . . 1907 1.000.000
Wileman (The Brazilian year book) 1907 973.266
População actual Ca 1909 900.000
Sendo como é de 160.000 kilometros quadrados a
superficie do Ceará, é de 5,6 o n.º de habitantes por
kil. quad.
* secco o clima do Ceará, maxime nas regiões do
sertão, dahi a salubridade que desfructa e que a tanta
gente attrahe e convida. Essa sua fama tem trazido até
inconvenientes a algumas localidades, Quixadá (4º 51" 5"
Lat. S., 4º 4' 41" Long. E.) por exemplo. Para ahi, como
para Quixeramobim, outro ponto preferido, affluem tu-
berculosos em numero consideravel; vem do Sul e do
6

Norte, maxime do Norte; a affluencia foi tamanha cem


alguns annos em Quixadá que se pode affirmar que 113
das casas abrigava tuberculosos, donde a propagação do
mal a filhos da localidade, a familias até então immunes.
Facto identico se deu com Icó no tempo de sua impor-
tancia politica e commercial e cujas consequencias ainda
sofre a população actual. Resultados da nenhuma: pro-
phylaxia, do descaso da hygiene tratando-se de uma en-
fermidade que si não é hereditaria e cura-se muitas ve-
zes, é sem duvida alguma eminentemente contagiosa e
transmissivel. Hoje a tuberculose é molestia frequente nas
nossas cidades.
Grande corrente immigratoria para o Ceará era tam-
bem a constituida pelos atacados de beriberi e outras
polynevrites, sendo então as serras, a de Baturité princi-
palmente, os pontos melhor reputados para cura; de
doentes de beriberi, porem, são hoje raros os que vem
tratar-se no Ceará; de ha muito que a corrente se deslo-
cou em favor de Madeira, Barbados, Trindade, etc. At-
tribuo o facto à barateza da vida maior alli que no Ceará.
Em 70º dos doentes vindos, o beriberi revestia a
forma paralytica.
Reporto o primeiro caso de beriberi num cearense
ao anno de 1866; a molestia foi então desconhecida de
todos os medicos de Fortaleza; tratava-se de beriberi
tambem de forma paralytica e a elle succumbiu a doente
em nova reproducção do mal em 1867. O apparecimento
do beriberi no Ceará coincide, portanto, com os primeiros
estudos e .publicações de Silva Lima chamando a atten-
ção da classe medica para a desconhecida molestia, que
estava a fazer victimas na Bahia. .
De trabalhos medicos sobre Beriberi entre nós co-
nheço apenas artigos do Dr. Antonio M. de Medeiros
na Gazeta Medica da Bahia em 1872, e um opusculo pu-
blicado em 1874 pelo Dr. Borges da Silva, afóra umas
despretenciosas notas a que conjunctamente com outras
dei o titulo de Sciencia Medica, artigos de propaganda pu-
blicados em jornaes e que tem a data de 1889. Nessas
notas produzi varias considerações a que.se prestava a
a
historia de 36 beribericos, 2; homens e 13 mulheres,
vindos do Pará e Maranhão, os quaes estiveram entre-
gues a meus cuidados em 1888.
112 beribericos, sendo 104 homens e 8 mulheres,
estas, portanto, em numero muito redusido si comparadas
com as da minha clinica civil acima dita, procuraram o
Hospital da Santa Casa de Fortaleza naquelle anno (1888)
e nos tres annos anteriores, o que dá uma media an-
nual de 28.
Com relação ao clima se poderá dividir o Ceará em
tres zonas: a do littoral, que comprehende a orla mari-
tima até 30 kilometros para o interior, fresca e humida,
caracterisando-se por ventanias, que a açoutam de conti-
nuo, sendo o vento dominante o Sueste, seguindo-se-lhe
o Susueste e o Essueste; a do sertão, quente e secca;
a das serras, fresca e temperada.
Em Fortaleza (30 43' 36” Lat. S.e 4º 39' 11” Long.
E.) a media da temperatura annual é 26º,7, a das maximas
30,4 e das minimas 23º,1, a media da pressão barome-
trica 762,4, da chuva 998":m, da humidade relativa 72,6,
da tensão do vapor d'agua 20,3; em Quixeramobim
(5º 16º 0" Lat. S.e 3º 55º o” Long. E.) onde os ventos
são quasi constantes nos quadrantes N. NE. e S. SE, a
media das maximas é 350,58 e a das minimas 249,85
ea media da pressão 743,15; em Icó (6º 23' 0” Lat. S.
e 4º 7 0” Long. E.) a media das maximas é 3502 e a
das minimas 2606; em Crato (7o 14º 2" Lat. S. e 4º2' 0”
Long. E.) a media das maximas é 32º,36 e a das mini-
mas 23º51; nas Serras, onde o calor desce um grão cen-
tigrado por cada 100 a 130 metros de elevação, o ther-
mometro sobe a 26º em Novembro e Dezembro, epocha
do maior calor, e desce até a 14º em Maio, Junho e
Julho.
Belem, Natal e Recife dão as medias de 26º21,
26º5 e 26º; respectivamente, mas nenhuma dessas Ca-
pitaes tem como Fortaleza o calor amenizado pela con-
stante viração.
Rigorosamente falando, poder-se-á dizer que só ha
duas estações no Ceará, inverno e verão, o 1.º indo de
8

Março a Junho ou para melhor dizer começando com o


Solstício de Marto. O sertanejo aguarda ancioso o dia de
S. José (19 de Março) e si as chuvas não vem copiosas
crê declarada a secca, isto é, uma nova epocha de sacri-
ficios e martyrios para elle. Em Setembro cahem peque-
nas chuvas, neblinas; são as chuvas que o povo chama
de cajú. Em Dezembro cahem tambem pequenas chuvas
nos annos ordinarios. De Maio a Julho a temperatura
se faz deliciosa, cobrindo-se os campos de vegetação
luxuriante.
E' um phenomeno que a todos espanta o viço com
que os vegetaes brotam do solo cearense logo após as
primeiras aguas; é um encanto; tudo se transforma como
sob a acção de algum feiticeiro.
Lembro-me bem da admiração de que se tomou um
representante do governo Inglês vindo aqui logo depois
da terribilissima secca de 1877—79 e meu companheiro
numa excursão pela Estrada de Ferro de Baturité; aos
nossos olhos a natureza pompeava; e não havia muito
em relatorio official ao mesmo cavalheiro eu descrevera
em traços veridicos o aspecto de anniquilamento de toda
a vida vegetal.
O Barão de Capanema, que duas vezes nos visitou,
sendo a primeira com a Commissão Scientifica (Fevereiro
de 1859) da qual foi um dos chefes, commissão que,
apezar da illustração e preparo de seus membros, pou-
cos fructos produziu, o Barão de Capanema descreve n'4
Secca do Norte a transformação da paysagem Cearense
transfor-
immediatamente após ds primeiros aguaceiros,
prodigios a que si não houvesse presencia do, são
mação
não reputaria verdadeira. .
palávras suas,
to-
Das impressões desse illustre scientista partilham
dos os que tem percorrido o sertão Cearense.
Como resultados da Commissão Scientifica conheço
da
umas notas sob o titulo Clima e molestias endemicasende-
serra da Ibiapaba, uma Noticia sobre as molestias
Instituto
micas do Crato e um Relatorio apresentado ao Freire Al-
Historico Brazileiro, trabalhos todos dos dois
de Gonçalves
lemão; conheço tambem a Correspondencia
9
Dias existente no Archivo Publico Nacional, Rio de Ja-
neiro, em que figura entre outros papeis uma Memoria
sobre a Instrucção Publica no Ceará.
A «Noticia sobre as molestias endemicas do Crato»
encontra-se publicada no 1.º vol. do Progresso Medico
pag. 163. E” della o seguinte trecho:
« No sertão, secco e quente, as molestias revestem
o caracter inflammatorio; assim o rheumatismo articular,
a pneumonia franca, o pleuriz são ahi muito communs
no fim do inverno e no decurso do verão. No inverno,
ao contrario, reinam grippes, anginas e catarrhos pul-
monares. »
E o que se nota com os vegetaes se verifica igual-
mente no reino animal após a secca; a criação augmenta
desmesuradamente; como que a natureza esteve em hi-
bernação e, ora desperta e em trabalho, quer resarcir as
perdas havidas e ostenta então maxima pujança. O mesmo
que acontece depois das guerras
Fôra o Ceará uma região de chuvas regulares e bem
distribuidas e no Brasil nenhum Estado competiria com
elle; corta-lhe, porem, o voo para incomparaveis destinos
a secca que o persegue.
A periodicidade desse phenomeno, tempo de sua
duração e periodo intermediario chuvoso ficam consigna-
dos na synopse abaixo:
: PERIODO
ANNO DURAÇÃO NTERMEDIO
1614 | anno
1692 | anno
I7h 1 anno 20 annos
I721—1725 4 annos IO»
1736— 1737 2 annos Ivo»
1745—1746 2 annos 8 >
1754 1 anno 8 >»
17771778 2 annos 23. »
1790— 1793 4 annos 12.
1804 1 anno mo»
1809 | anno 5.»
ANNO DURAÇÃO; A PERIODO
TERMEDIO

1816—1817 2 annos 6 annos


1824-—1825 2 annos 7»
1830 1 anno 5.»
1844— 1845 2 annos go»
1877—1879 3 annos 32.»
1888— 1889 2 annos 9 o
1898 + anno 9»
1900 1 anno 2»
1903 1 anno 7»
1907 1 anno 4»

No total dellas é verificada apenas uma vez a as-


serção de Ayres do Cazal de que o flagelio se repete
de dez em dez annos.
Outras seccas, não tenho duvida, sofreu o Ceará,
faltam-nos, porem, fontes onde pesquisar a respeito de seu
apparecimento e de suas particularidades. Quem ignorap- -
por exemplo, que a historia do Ceará começa com Pero
Coelho de Souza e por sua vez tambem quem ignora o
fim desastroso a que chegou o infeliz cunhado de Fru-
ctuoso Barbosa?
Abandonado por Simão Nunes e pelos soldados da
expedição, sem mais esperanças do soccorro que lhe pro-
mettera o governador Diogo Botelho, tratou Pero Coelho
de voltar a Parahyba. A travessia da pobre caravana de
ue faziam parte a esposa, D. Thomasia, e os cinco fi-
lhos do capitão-mór, dos quaes o primogenito contava
apenas 18 annos, todos a morrerem de fome e sêde, sob
os açoites de um sol escaldante, é um poema de soffri-
mentos em o qual se destaca D. Thomasia, de animo
varonil e heroico. Depois de perderem varios compa-
nheiros, entre os quaes O filho mais velho do capitão-mór,
chegaram os expedicionarios esqueleticos, loucos de fome,
sendo acolhidos pelo Vigario do Rio Grande.
Eis ahi a secca a cercar o berço do Ceará na 1.2
phase de sua vida historica; porque então não incluir
1605 entre os nossos annos fatidicos?
Escrevi que tão somente a carencia dos antigos do-
cumentos explicava não avultar ainda mais o numero já
registado dos anncs em que o Ceará tem estado sob os
golpes de uma secca de duração mais ou menos prolon-
gada, e vou addusir a prova.
Ao Senador Thomaz Pompeu deve-se a organisação
de um quadro synoptico das seccas a contar de 1711
e esse fructo de seu espirito investigador foi sendo re-
produsido pelos amantes da estatistica que do assumpto
se tem occupado; no quadro de Pompeu, todavia, e em
todos os trabalhos posteriores não figura a secca de 1804;
della não encontrara: noticia o illustre geographo; tive,
porem, a felicidade de achar nos ricos archivos da Bi-
bliotheca de Lisboa, que consultei em successivas via-
gens á Europa, as provas documentaes de que naquelle
anno a Capitania padecera tambem os rigores de uma
secca e ficou assim a lista accrescentada infelizmente de
mais uma data funeraria.
E o flagello em 1804 foi tal que o governador João
Carlos confessava a 28 de Dezembro que sem as provi-
dencias tomadas para virem generos de Pernambuco e
sem o auxilio do Capitão-general Caetano Pinto de Mi-
randa o povc teria certamente perecido de fome, não
tendo produzido a Capitania naquele calamitoso tempo
com que se sustentasse a centesima parte de sua po-
pulação.
A lembrança da calamidade fazia-o escrever ainda
em 9 de Abril de 1806 ao Visconde de Anadia:
« À plantação da mandioca q” he aqui o genero da
primeira necessidade tambem se acha m.tº favorecida, e
espero não tornar a ser testemunha da fome q' a falta
della produziu no anno em que aqui cheguei. »
Essa secca já vinha de tres annos com enorme mor-
tandade do gado e perda quasi total das plantações do
algodão, e a farinha de mandioca depois de subir ao mais
elevado preço faltara de todo, sendo preciso, como disse,
12

que o governador recorresse ás capitanias visinhas para


haver alguma para o sustento do povo assim como da
tropa.
Accrescera para a escassez da farinha a rigorosa
execução dada por Bernardo de Vasconcellos a uma Or-
dem Regia prohibitiva da abertura de roçados nas mat-
tas, preferidas pelos lavradores ás terras cançadas das
caapoeiras, Ordem cuja desnecessidade e injustiça João
Carlos provou com optimos argumentos num seu Officio
de 19 de Maio de 1804 ao Ministro Visconde de Anadia.
João Carlos, que foi posteriormente senador pelo
Ceará e teve o titulo de Marquez do Aracaty, revelou-se
um administrador adiantado. Entre seus muitos actos no-
taveis alguns se referem à introducção da vaccina no
Ceará, assumpto que lhe mereceu todo interesse, como se
vê dos seguintes documentos, que folgo de ora divulgar:
« Tendo o Principe Regente Nosso Senhor ordenado
aos Governadores e Capitães Generaes dos seus Domi-
nios Ultramarinos por Ávizo de 4 de Outubro de 1802
que procurassem introduzir nas suas respectivas Capita-
nias o uzo da inoculação das bexigas, e dessem conta
dos effeitos que produzisse; Participou em consequencia
desta Ordem o actual Governador e Capitão General de
Mossambique que naquella Capital e districtos adjacentes
ha tanto conhecimento da inoculação e da sua utilidade
que esta pratica he muito uzual, e que estão os seus ha-
bitantes tão familiarizados com ella que huns a outros se
inoculão, depois de que principião a sentir as bexigas,
mesmo trabalhando, sem experimentarem mão effeito,
pois que de cem inoculados apenas morre kum, e q” ulti-
mamente se observou que o Capitão'de hum Navio Fran-
cez inoculou com a vaccina duzentos e cincoenta e seis
negros de que constava a carregação e q' so lhe morrera
hum, e que finalmente todos os carregadores ali inoculão
suas escravaturas, de que tem tirado muita vantagem. A
vista deste exemplo, de q V. Sa se pode servir para
inculcar aos habitantes dessa Capitania a utilidade da
inoculação, espera S. A. R. q' V. S2 os persuada a ado-
— o.
ptarem este preservativo de hum dos maiores flagellos
da humanidade. Ds Ge a V. Sa Palacio de Queluz em
26 de Abril de 1804. —Visconde de Anadia —Snr. João
Carlos Augusto de Oeynhausen. »
« lim. Exm. Snr—Tenho successivamente recebido
as cartas de Officio, que em data de 26 de Abril, 7e11
de Maio do prezente anno V. Exc. me tem dirigido.
Recommendando-me na primeira o importante objecto de
outra, que em 4 de Outubro de 1802 tinha sido dirigida
a este Governo sobre a introducção da inoculação das
bexigas que S. A. R. desejava ver effectuar nesta Capi-
tania, me dá V. Exc. conhecimento do progresso que a
introdução deste util prezervativo tem feito na Capitania
de Moçambique, e o conhecimento que desta materia fico
tendo, fazendo nascer em mim o maior dezejo de pre-
zentear esta Capitania com hum igual beneficio me deixa
estudando o modo de o propagar, para cujo effeito tenho
convocado o Cirurgião hor que nella rezide, e o tenho
encarregado de vigiar o instante mais propicio de dar
hum exemplo que anime os seus habitantes a fazerem da
inoculação o mesmo uso que nessa e em outras Capita-
nias da Europa se tem feito.
Tem-se observado que neste ardente clima ainda
mais do que as escravaturas padecem os Indios naturaes
do pais, para os quaes a infermidade das bexigas he sem-
pre quaze geralmente mortal, e por isso he tal a aversão
que elles tem a este flagello destruidor e tão proporcio-
nado ao estrago e mortandade que entre elles cauza que
será a introdução deste salutifero prezervativo o maior
beneficio que elles possão receber, a vista do que. conti-
nuando V. Exc. a fazer-me a honra de reconhecer o zelo
com que sirvoa S. A. R. e me'emprego e fomefitar a
prosperidade dos seus Vassallos, não poderá V. Exc. du-
vidar da actividade com que eu procurarei cumprir o que
por V. Exc. me fica recommendado sobre esta importante
materia... Villa da Fortaleza de N. S. d'Assumpção do
Seará Grande 30 de Julho de 1804. —João Carlos Augusto
d'Oeynhausen. »
14
« Não tendo perdido de vista o q V. Exc. com tanta
instancia -me recommendou da parte de S. A. Real nos
dois Officios de... de 1803, e de 26 de Abril de 1804
sobre a introducção da vaecina nesta Capitania, e dese-
jando mostrar-me tão exacto no cumprim.'º de huma tão
sabia Ordem, dictada pelo Paternal Afecto de S. A. R,,
como tem sido os demais Governadores e Capitães Gen.
das Colonias Portuguezas, nesta e nas outras partes do
Mundo, tenho finalmente conseguido introduzir este util e
enefico prezervativo nesta Capitania, e desde a sua intro-
ducção já se contão nesta V.a da minha rezidencia mais
de duzentas pessoas, q” se tem vaccinado alem de muitas
outras q” tem adoptado o mesmo methodo em outras pt
desta Capitania, dos quaes nenhum tem perigado nem tido
outros simptomas senão aquelles q" apontão as instru-
cçoens dadas sobre esta materia nos folhetos que tratão
della.
He de esperar q” debaixo das vistas e protecção do
meu successor se espalhe este methodo de inoculação p.”
toda esta Capitania, donde rezultará o maior proveito aos
seus habitantes. Deus G.º a V. Exc. ms a Villa da Fort.
do Ceará 31 de Dezembro de 1806. lllm. e Exm. Snr. Vis-
conde d'Anadia.— João Carlos Augusto d'Oeynhausen. »

De João Carlos ha uma ordem em 1806 fazendo se-


uir para Aracaty o professor João Lourenço Marques,
incumbido do tratamento dos variolosos e propagação
da vaccina.
Muitos papeis, repito, dormem sob o pó dos archivos
guardando o segredo dos sofírimentos por que passaram
os habitantes do Ceará em priscas eras, soffrimentos que
desvendarão, amanhã quem sabe?, pesquizadores mais
afortunados ou mais diligentes
Das chuvas cahidas na cidade de Fortaleza dá uma
idéa nitida o seguinte quadro, graças ao qual se aquila-
tará da intensidade com que as seccas se hão manifestado
para ella dentro do perivdo de 60 annos, que tantos são
os do quadro.
15
ANNOS DIAS DE CHUVA CHUVA EM MILLMS
1849 Lt2 1.907
1850 76 1.022
1851 103 L.414
1852 102 L5I4
1853 64 1.005
854 100 1.568
1855 66 1.076
1856 Ho 1.760
1857 78 1.746
1858 87 1.305
1859 toi 1.337
1860 137 1.753
1861 na 1.408
1862 114 1.466
1863 131 1.430
1864 82 1.077
1865 LIO 1.233
1866 117 2.453
1867 84 853
1868 139 1.390
1869 118 1.534
1870 Ha 1.614
1871 106 1.440
1872 167 2.290
1873 124 2.042
1874 78 1.153
1875 121 1.614
1876 UI4 1.637
1877 74 469
1878 40 500
1879 71 596
1880 133 1.530
1881 110 L.412
1882 Ha 1.250
1883 83 1.433
1884 99 1.157
1885 91 1.215
16

ANNOS DIAS DE CHUVA CHUVA EM MILLMS.

1886 87 1.39
r887 8o 1320
1888 54 74!
1889 67 7772
1890 104 1.530,3
1891 81 869,9
1892 91 1.271,4
1893 122 1.564,8
1894 164 2.719
1895 185 2.408,1
1896 146 1.909
1897 Ho 1.922,1
1898 84 546,6
1899 147 2.768,4
1900 82 534
1901! 121 1.545,2
1902 94 857.9
1903 a 812
1904 94 1.128
1905 97 1.133,8
1906 104 1.568
1907 95 734
1908 '82 1.018

Em Quixeramobim ha desde 1896 um pequeno Ob-


está
servatorio mantido pelo Governo Federal e de queahi ve-
encarregado o compe tente Snr. Oswal d Weber ;
uma me-
rifica-se, segundo as observações por elle feitas, do
À Commi ssão do Açude
dia decennal de 569,mm.
organisado tambem estatisticas e observa-
Quixadá tem rios da-
ções que estão aproveitadas nos preciosos relato
Engen heiro Piquet Carnei ro.
dos a publicidade pelo
De umas € outras se vê como as chuvas variam de
um para outro anno e no mesmo anno de uma para
im
outra localidade; é assim que cahindo em Quixeramob em
7 e-—8, cahira m
890,6"m, 1oz2m" e 4337" ,5, em 1896—
ctivamente.
Quixadá 863, Mm6, 1275,mm66 e 3 tamm respe
“BIJSSUIDS 5] OU SONÍBALONGO WBIOZI] O8 ÓEN (e)

ço
pluviometri cas somente do
e Quixadá comparadas para os ultimos 15 annos. Total

cidades do Estado começa-


Dessa variaç ão dará melhor testemunho o- seguinte
Quixeramobim

*BIBIUIOS 5'Z OU SOQÓBAIOS)O MEJOZI OS OEN (1)

anno passado para cá , tendo sido confiado esse servi


g't+s toif z'889 gro L689
1'gs+
“— -ppeximD
g'Lof 1º16€ 9'gtZ t'tgf "WIgOWEIIXINO
gtoi +tL g9$1 g'ftfir gueii * * tezIjeuoA
go61 £o6! 9061 $061 boó!
quadro das quedas d “agua em Fortaleza,

aos agentes das Estações Telegraphicas.


OINNANÔNINO of
t

gor 825 ogo (zvohr (i)iil epexino)


b'tié 6tht R'Stg E'sEF S'gtoi "WIgoueIaxINd)
TIg bs 998 g9/z " * eZajeoA
17

8s8

a ser feitas observa ções


Com rela ção ás demais
to61 zo61 1061 0061 6691
OINNINÔNINO) ot
zit Sg'sLzi 9'tog So'zbii QrIgil “gpexino)
"UNgouWeJaxno)
tt tb Ito! 9'069
118 IZ6! 6061 I'gobz 6itz EZ9JLLO
Lógi 96gi s6g1 bógi $909077

mjm:
g6gI

ram
OINNINÔNINO 011

em
18

A treação de Estações pluviometricas nas principaes


localidades constitue uma medida de alto alcance scien-
tifico, entrará como um elemento indispensavel para o
estudo das seccas, tremendas crises climatericas, obede-
cendo a leis até agora desconhecidas e cuja historia, pode-
se dizer, é a historia do Ceará. De ha muito eu e como
eu todos os que se interessam pela solução do grave
problema temos estado a reclamar a attenção dos gover-
nantes para a adopção de taes centros de observação e
estudo, tão pouco dispendiosos. Em boa hora, reconhecida
sua necessidade imprescindível, foram, como levo dito,
de ultimo encarregadas desse serviço as principaes Es-
tações telegraphicas do Estado. Decorridos mais alguns
annos, se haverá colhido amplo e precioso cabedal para
as precisas conclusões.
Assim tambem mandasse o Governo profissionaes
competentes procederem a estudos geologicos no Nor-
deste Brasileiro para de acôrdo com os dados colhidos
dotat-o dos melhoramentos conducentes a sé obviarem ou
restringirem os desastres das seccas; -isso seria mais ra-
cional e de proveito maior que estar a despender largas
sommas com luxuosas commissões destinadas a abrir po-
ços, como ainda ha pouco aconteceu, sem que se hou-
e
vesse de antemão estudado a natureza dos terrenos
sua disposição, sem que se conhecesse sua segura ada-
ptação à tão magnifico recurso.
A secca é um phenomeno natural, consequencia obri-
gada da nossa situação geographica em relação ás cor-
os ef-
rentes aerias; compete. ao Governo diminuir-lhe se
feitos desastrosos, mas a boa vontade do Governo
exercerá improficuamente si a campanha não for dadapre-e
dirigida como na guerra, isto é, fazendo-se o estudo de
vio e completo da natureza do terreno ou campo
operações.
As nuvens, inclementes, recusam ac Ceará e Estados
visinhos o liquido salvador ou deixam-no cahir de modo
da terra,
irregular, vamos então procural.o nas entranhas a cer
mas procuremol.o onde está, e não ás tontas, e
só a proporcionaá o estudo geolo-
teza de encontralo
19
gico, estudo preparatorio, inicial para ulteriores com-
mettimentos.
Vê-se do quadro ás paginas 15 e 16, sendo aliás o
littoral a parte mais beneficiada, que chuva não falta ao
Ceará, o que falta é a sua regular successão, é sua re-
gular distribuição; do quadro à pag. 17 vê-se a irregu-
laridade dessa distribuição.
A carencia de chuva não explica nossos males, pois
que regiões ha no globo onde chove muito menos, as
terras aridas da America do Norte, por exemplo, hoje
transformadas pela engenharia, o Punjab e o Sind, onde
a media annual vae de 250" a 4oorm apenas, mas alli
a previdencia do homem contrabalança a pobreza ou a
ingratidão da natureza, alli se fazem as barragens dos
rios, replantam-se as mattas dizimadas pelo machado es-
tupido e inconsciente, por toda parte abundam as cister-
nas e os poços ao passo que entre nós olha-se com pena,
mas de braços cruzados, milhões e milhões de litros da-
gua correrem desaproveitados para o Oceano em marcha
precipite que a isso os obriga a disposição dos terrenos,
todos em declive, sendo o Ceará um como amphitheatro,
que da costa vae subindo gradativamente até a Ibiapaba,
cujo clima suave e puro tem merecido os encomios de
todos que por lá têm andado, a começar pelo celebre
Jesuita Antonio Vieira, e cuja altitude attinge a 1020
metros.
O cearense ao ver chover no mar diz «cahe chuva
no roçado do diabo », mas sua incuria faz-se um bom
auxiliar para a riqueza do tal roçado em desproveito dos
proprios; em quanto elle se arrepela e se maldiz, as aguas,
descendo para o immenso reservatorio commum, vão acar-
retando o pouco humus que ainda resta sobre o solo,
desnudando cada vez mais o granito de que se compõem
as serras e impossibilitando assim todo genero de cul-
tura em futuro proximo.
Os outros pontos mais elevados do Estado são as
Serras de Maranguape, cujo cimo, a Rajada, é povoado
de vegetação baixa e cerrada, copiosos mangues, uma
verdadeira turfeira, com 920” acima do nivel do mar,
20

Baturité, outrora orgulhosa de seus cafesaes, com 853,


Meruoca, um vasto celleiro, com 850" e Aratanha, notavel
por suas fructas, com- 780"; seguem-se a estas O serrote
do Juá com 620", serrote do Cauhipe com 380", Morro
do Cascavel com 180 é Morro de Juricuacoara com r10m.
Da irregular successão das chuvas e pois das suas de-
sastrosas consequencias em região como a nossa, cuja rede
hydrographica é embrionaria. no dizer de Pierre Denis,
temos um exemplo mesmo no annc corrente; comparados
os registos de 1909 com os correspondentes em 1908 vê-se
para Fortaleza que os mezes de Janeiro e Fevereiro fo-
ram chuvosos (1227 e 296mm), diminuiram as chuvas em
Março (179”") para reapparecerem torrenciaes em Abril
(4147") e desapparecerem em Maio (97,5) e Junho (2mm),
ao passo que em 1908 Janeiro registou 6 dias de chuva
com 6omm,s, Fevereiro 12 dias com 108m», Março 15
com 226,mms, Abril 17 com 210"", Maio 15 com -83mm
e Junho 10 com 145,2"5 num total de 933º"m,

*
:

No quadro negro das seccas, como das pags. 9 e 10,


avultam tres por sua prolongada duração e terribilissimos
effeitos, as de 1721-1725, 1790-1793 e 1877-1878.
Da primeira, que exerceu os maiores rigores nos ser-
tões da Bahia e Pernambuco, abrangeu Piauhy e fez no
Ceará grande mortandade entre as tribus indigenas, mui-
tas das quaes tiveram, para escapar, de refugiar-se nas
serras, ha pobreza de documentos escriptos e pois nada
poderei consignar sob o ponto de vista das molestias, que
acompanham as seccas como irmans.
Pompeu diz que morreu muita gente, tanto em 1772
no Ceará como no triennio seguinte, nos sertões de Per-
nambuco e Bahia.
Accioly, que della tratou nas suas Memorias Histori-
cas da Bahia, poz de parte esse particular, mas não tenho
duvida que a bexiga a que os indios eram e são tão sujel-
tos, como ainda hoje se verifica com os indios civilisados do
21

Amazonas, não deixou de fazer devastação entre elles,


e disso me capacito tanto mais quando na mesma epo-
cha (1724), como mais tarde em 1748 e 1756, ella pro-
dusiu no Pará estragos consideraveis.
Acerca da epidemia de 1756 guarda minha colle-
cção de documentos uma carta do Bispo a Mendonça
Furtado, da qual por curiosos destaco os seguintes to-
picos:
« Ainda não estava totalmente extincta esta universal
molestia (refere-se a uma epidemia de catarros, que appa-
recera em Junho, Julho e Agosto) quando se principiou
a fallar em contagio de bexigas, e como esta epidemia
he a mais formidavel para os Indios e filhos da terra,
querendo prevenir qualquer infelis successo recommendei
ao cirurgião do Regimento Manoel da Costa, que se in-
formasse das bexigas que havia na cidade, porque no
caso de se augmentar a epidemia daria a providencia,
que he mandar curar todos estes enfermos em lugar se-
parado de toda a communicação. O mesmo foy passar
esta ordem que principiarem todos estes moradores a
occultar as pessoas que adoecião deste mal de sorte que
por não ouvir fallar nesta materia assentei que Deos S.'
Nosso se tinha compadecido desta cidade. A tempo que
eu tinha deposto todo o susto desta parte quiz o mesmo
S.: dar-meo desengano evidente de que continuava o
mesmo castigo, entrando o contagio em minha casa na
qual se achão enfermos do mal alguns meninos do Semi-
nario e quatro Indios. Não posso explicar a V. Exc. a
grande consternação a que me vejo rednsido, porque por
huma parte devera mandar pôr em separação a todos es-
tes enfermos para que o contagio não tomasse mais corpo,
por outra parte tenho a infalivel certeza de que feita esta
separação ou outra qualquer demonstração publica todos
os moradores desamparão a cidade e os Indios o serviço
d'El-Rey e finalmente aqui acabaremos todos de fome
porq” não haverá huma só pessoa que se anime a con-
dusir mantimentos para a cidade. Ainda que V. Exc. com-
prehende melhor do que eu o quanto pode ser nocivo
para todo esse sertão o contagio das bexigas, sempre
22

uero lembrar a V. Exc. que me parecia justo que V.


xc. mandasse pôr todas possiveis cautellas para que
nenhum Índio dos que vão da cidade desembarcasse em
terra sem primeiro se examinar se algum delles vem con-
tagiado. »
Das devastações, que a variola produzia entre os
Indios nos primordios da vida historica do Ceará e do
terror, que entre elles causava, dá justa medida uma carta
de 18 de Fevereiro de 1642 escripta pelo Supremo Con-
selho aos Directores da Companhia Hollandeza:
«O mal que sofreram as outras capitanias com a
mortandade dos negros, sobreveio a esta capitania do
Rio Grande bem como da Parahyba e de Itamaracá
com a morte dos indios, pois a enfermidade das bexigas,
a mesma que nos tem levado os negros, grassou tão
violentamente entre elles que aldeias inteiras quasi se
extinguiram de todo, retirando-se os sobreviventes para
os matos por não ouzarem permanecer por mais tempo
em suas habitações. O seguinte facto patentea quanto esse
mai se tem generalizado na America: ao passo que a
Bahia não está livre delle, a galeota Amsterdam indo do
Maranhão a Cammuci (aldea que fica no meio do ca-
minho entre o Ceará e o Maranhão) para de passagem e
segundo suas instrucções tomar carga de pao malhado
não enconttou ahi um so homem são e forçoso foi que
partisse sem nada ter feito. Essa enfermidade tambem
deu cauza a que os tres navios, de que tratamos na
nossa carta anterior não pudessem haver sal em Ipanema,
pois os indios, que foram para ali mandados afim de
seccar o sal e pollo a bordo dos navios fugiram com
“medo da doença. »
Já em carta de 3 de Dezembro de 1641 os che-
fes Lichthart, Bas e Koin diziam para o Maranhão:
« Na tarde de 5 de Novembro a galeota Amsterdam
veio do Ceará ter comnosco, trazendo Gedeon Morris
commandeur dos indios. Chegando à fala disseram que
havia muito tinhamos passado o Ceará e que estavamos
seguramente a 30 leguas a oeste deste logar. Morris vindo
so
a bordo, declarou, depois de algumas considerações, que
não podia fornecer o numero determinado de indios tanto
por causa das bexigas que os assolavão, como porque
as suas salinas, então bonitas segundo sua expressão, ti-
nhão necessidade de muitos indios, até de 150, e não os
podiam dispensar sem prejuiso da Companhia. »
Sobre a falta de informações quanto á salubridade
da Capitania, não se dá a mesma cousa em se tratando-
do periodo que vae de 1790 à 1793, e eu mesmo colligi
diversas e bem importantes as quaes se encontram en-
feixadas no livro Notas para a Historia do Ceará, pp.
414-460.
Foi realmente tremenda a secca conhecida na tra-
dição popular por secca grande. Nunca vista, disse della
o governaddr Feo e Torres, inaudita cnamou-lhe Bernardo
de Vasconcellos, a que deixou mais tradições tristes disse
Pompeu, a mais extensa e fatal affirmou Araripe, a maior
das seccas escreveu Abreu e Lima.
Extensa, profundamente devastadora foi em verdade
a secca de 1790 a 1793; o gado ficou dizimado, per-
deram-se completamente as lavouras de mandioca e al-
godão, as fazendas fecharam-se e, o que é doloroso de
registar, muitos infelizes encontraram a morte á mingua
de alimento. Entretanto, como acontecera na seécca de
1777, que foi precedida dos copiosos invernos de 1775
e 1776, chovera regularmente em 1789 e até o Jagua-
ribe dera cheia.
Foi nesse tempo que o rico proprietario de Recife e
arrematante de dizimos Francisco Nobre de Almeida, ten-
do vindo ao sertão a ver si com sua presença podia sal-
var alguma cousa do que possuia, succumbiu entre as
torturas da fome. Ha da viuva do infeliz estancieiro um
Memorial a El-Rei em que se pintam os destroços e a
ruina produzidos pela calamidade, que affectou igualmente
Piauhy e Maranhão ao Norte, Pernambuco, Sergipe e
Bahia ao Sul.
Ayres do Cazal na sua Chorographia escreveu: « Em
setecentos noventa e dois começou uma secca que: du-
rou athé noventa e seis e fez perecer todos os animaes
24
domesticos, e muita gente a mingua, o mel foi por largo
tempo o unico alimento; e tambem a cauza de varias
epidemias que varreram muitas mil pessoas por toda a
provincia. Os Povos de sete Parochias dezertaram sem
ficar uma só alma. »
A citação que faz Ayres do Cazal da abundancia
do mel de abelhas, e que reproduziu Ferdinand Denis no
seu livro Brazit, atribuindo-lhe um e outro o apparecimen-
to de epidemias assaz mortiferas, o que é pouco acceitavel,
traz-me a lembrança que tambem em 1825 os joaseiros
tinham as folhas cobertas de mel e em tal profusão em
alguns logares, que por exemplo o Capitão Antonio Du-
arte de Queiroz alimentava os escravos e os pobres, que
a elle se soccorriam, com o mel que fazia apanhar na
sua fazenda S. Francisco, a legua e meia de Quixadá.
A natureza tem dessas providencias:—em 1792 e
1825 o mel das abelhas, em 1845 os preás, em 1878 os
celebres pombaes.
Antonio Duarte era irmão de Miguel Francisco de
Queiroz, o proprietario do Junco, que hoje é uma Esta-
ão da Est. de Ferro de Baturité, e o constructor de
California, de que foi 1.º capellão o P.º Jeronymo Fer-
reira de Menezes.
E' muito interessante tambem a leitura de uma Me-
moria deixada pelo vereador Esteves de Almeida, que diz
que subindo a 18000 o preço da farinha «se comião bi
xos e taes que nunca fora mantimento humano, como
seja corvos, carcarás, cobras, ratos, couros de boi, rai-
zes de ervas, como fossem o chique-chique, mandacarús,
mandioca brava, etc. »
A citada memoria regista tambem o apparecimento
de uma epidemia de variola: « E alem desses males so-
breveio outro maior, porque laborando as necessidades e
a fome, no anno de 1793 foi tal a epidemia das bexigas
ue quasi consome todos estes povos de sorte que houve
dia que se enterravão 8 e 9 pessoas. »
Esteves de Almeida refere-se a Aracaty, onde a mor-
tandade attingiu a cerca de 600 pessoas.
25

Si a variola assolava o Sul da Capitania, outra epi-


demia, a de febres palustres, fazia devastações pela Ri-
beira do Acaracu e villa de Sobral.
Para combatel-a conseguiu Feo e Torres que viesse
de Pernambuco uma commissão chefiada pelo cirurgião
João Lopes Cardoso Mackado, o autor do Diccionario
medico-pratico para o uso dos que tratão da saude publica
onde não ha professores de medicina. Fazia parte della
tambem os Licenciados Joaquim José Henriques e Theo-
tonio Ferreira dos Reis, boticario João Pio Caetano de
Carvalho e dous sangradores, os quaes com o chefe apor-
taram em Acaracu e 14 de Outubro de 1791 e ahi es-
tiveram a soccorrer os atacados das febres, que duravam
já desde Junho e haviam feito varias victimas.
Das communicações officiaes deprehende-se que não
lhes foi das mais agradaveis a estada no logar e isso
por falta absoluta de viveres.
Do Acaracu partiu a commissão para Sobral onde
chegou a 3 de Novembro. Ahi a epidemia assumiu gran-
des proporções, mas apezar do crescido numero de ata-
cados, entre os quaes o Vigario P. Basilio dos Santos,
a mortalidade foi de 457 pessoas.
Pouco tendo já a fazer, porquanto em Sobral ap-
pareciam apenas casos de sezões e o Capitão-mor de
Granja avisava a não existencia alli das maiignas, Car-
doso Machado deu por finda sua missão e, aproveitando-
se de cavalgaduras que lhe foram fornecidas pelo sargento-
mor Rodrigues da Cruz até Uruburetama, onde se resta-
beleceu do paludismo, que tambem o atacara em Sobral,
e tomando novas cavalgaduras se transportou a Fortaleza,
dahi a Aracaty e finalmente ao Recife. Foi de 8 dias a
viagem de Sobral a Fortaleza.
Convindo, todavia, não abandonar a si as popula-
ções pobres e ignorantes, que seriam provavelmente acom-
mettidas do mal nos invernos seguintes, convindo tam-
bem não perder o fructo dos esforços empregados e as
sommas despendidas no valor de 3:426$077, deixou a
José Gomes Coelho, cirurgião approvado e camarista,
umas instrucções, pelas quaes devia se reger caso sur-
26

gisse nova epidemia e tambem uma botica provida dos


medicamentos mais necessarios.
Da natureza das febres da Ribeira do Acaracu e suas
causas disse Cardoso Machado: « Nestes dias, que te-
mos estado aqui, eu e os dois cirurgiões temos visto e
receitado alguns enfermcs, e ouvido a outros que pade-
cerão a Epidemia: ella principiou por hua febre podre
que nos que não fallecerão passavão a intermitentes, ou
quotidianas, ou terçans ou quarrans; e alguns ainda se
conservão com ellas desde Junho que foi quando prin-
cipiou a Epidemia. Entre os que forão atacados de febre
podre, apparecerão huns de terçans perniciozas, outros
de intermitentes regulares de sorte que o caracter que
dominava e se manifestava mais como essencial foi sem-
pre o de febres de accessos. Na Ribeira sempre houve-
ram sezões nos fins das cheias que vem nos mezes de
Março e Abril, porem por serem poucas e de bom ca-
racter passavam por cousa insignificante e era reputado
este Pais por saudavel; porem depois de grandes cheias
que assolaram hua grande parte desta America, entra-
ram aqui as sezões a atacar maior numero de pessoas
e com symptomas mais graves até que este anno em
Junho subirão de ponto e fizerão grande mortalidade. O
grande numero de animaes mortos arrastados pelas gran-
des cheias, expostos depois ao intenso calor no forte
verão, que aqui faz, exalarão huns effluvios podres, que
alteraram a qualidade da atmosphera; no seguinte anno
ausentou-se esta causa, até que neste vindo as chuvas
com vento de terra, que aqui ha de Sudueste e contra
o costume do Paiz, no qual o terral só sopra de noite,
padeceo a athmosphera hua fermentação tal que produ-
zio hua quasi peste, entregue inteiramente 20s unicos
esforços da natureza desamparada até do auxilio de hua
conveniente dieta. »
O tratamento empregado pela Commissão consistia
em «limpar as primeiras vias com dous vomitorios, al-
gum purgante de maná, ruibarbo, polpa de tamarindos,
e sal carthartico e depois passar aos febrifugos corres-
pondentes ao temperamento do sujeito, alguas vezes con-
Rs
vem sangrar nas pessoas phlethoricas e sanguineas, e
apparecendo madornas e delírios uzar das sarjas nos desta
qualidade, e nos outros, causticos e epispaticos. »
O tratamento está largamente desenvolvido nas In-
strucções deixadas por Machado ao Licenciado Gomes
Coelho e quem desejar aprecial-o nas minudencias con-
sulte meu citado livro Notas para a Historia dv Ceará
PP. 443446.
As Instrucções iniciam-se com os seguintes conselhos:
« Pelo que consta do meu Diario, se vê a facilidade e
promptidão com que tem sido curadas estas Febres In-
termitentes: deve ser seguido o mesmo methodo em quan-
to não mudarem de especie, elle consiste em limpar as
primeiras vias por meio dos vomitorios, dezobstruir com
cozimentos e remedios aperientes solutivos e não haver
demora na aplicação da quina para que os accessos não
produzão tantas dezordens, ao mesmo tempo se pratica
o uzo da fomentação dezobstruente, que produzio tão
bons efleitos, a qual consta do unguento althea, unguento
de fumos, emplastro de Zacharias, partes iguaes. Apenas
entrarem as primeiras chuvas, serão repartidas pelo povo
porções de alcatrão para o queimarem em suas cazas.
Ao mesmo tempo se mandarão fazer fogos por diversas
partes com polvora, e paos aromaticos regulando esta
acção de modo que ella dure até o mez de Julho. Em
todas as cazas deverá haver hua vazilha em que se con-
serve hua infuzão feita de junça, rosmaninhos, calamo
aromatico, arruda, cascas de limão, em vinagre e hua
pequena porção de esponja para ensoparem nesta infu-
zão e cheirarem a miudo. Recomende-se a todos que te.
nhão suas cazas sempre varridas e limpas de imundicies;
Que não enxuguem no corpo a roupa molhada, ou seja
pela chuva ou pelo suor; Que não durmão ao ar livre
da noite; Que a agoa que beberem seja cozida, ferrada,
cuada; Finalmente, que fassão um bom uzo das seis coi-
zas não naturaes, »
O uso dos tiros de polvora e o dos cheiros aroma-
ticos não podiam faltar nas instrucções; era idéa domi-
nante, idéa da epocha. No Pará, mesmo em 1793, em fins
28

de Junho, irrompendo uma epidemia de variola o go-


vernador Francisco de Sousa Coutinho recommendava
que as pessoas ricas puzessem nas ruas os vapores de
alcatrão, de vinagre, prefumes convenientes para corrigir
o ar, e se disparassem tiros de canhão como um meio
saneador. Curiosa medicina contra a variola a do fumo
da polvora. Cinco annos mais tarde revelava Jenner ao
mundo sua admiravei descoberta.
Aliás o emprego dos tiros conformava com as theo-
rias em voga; pois que o mal estava no ar, os tiros des-
locariam os taes effluvios pestilenciaes e produziriam uma
desinfecção por acção toda mechanica.
Com relação à queima dos pãos aromaticos, a scien-
cia moderna justifica essa usança nas antigas epidemias,
embora então fossem ignorados os fundamentos, que a
aconselhavam, e é que de tal queima provem o aldehyde
formico, microbicida valioso. Tambem as esponjas ensopa-
das em infusões cheirosas e applicadas á pelle teriam
como resultado contribuir para o afugentamento dos mos-
quitos, vehiculos, como se sabe hoje, do agente ma-
larico.
Trillat, chefe de laboratorio no Instituto Pasteur de
Paris, em recente artigo publicado na Revue Seientifique
sobre os meios de defesa usados contra a peste na an-
tiguidade, examinando o valor dos processos de desin-
fecção postos em voga e consistentes na generalização do
emprego dos fogos e das fumaças, por meio da combus-
tão de certas substancias, mais ou menos justifica o me-
thodo de fumigações adoptado pelos velhos medicos, os
quaes faziam, sem conhecimento positivo, prophylaxia
moderna.
O numero de obitos pelas febres em Sobral foi de
457, sendo 228 adultos e 229 parvulos, a contar de 1
de Janeiro a 30 de Nevembro de 1791; na freguezia
da Granja attingiu a 250 no mesmo periodo, segundo
um computo do Capitão-mór Bento Vianna.
Havendo D. Thomaz José de Mello indagado em
data de 1 de Outubro de 1791 qual o procedimento da
Commissão, respondeu-lhe Feo e Torres a 3 de Janeiro
29
e 9 de Março do anno seguinte remettendo-lhe os pa-
receres de Francisco Rodrigues da Cruz, Antonio Fur-
tado dos Santos e Camara de Sobral em termos os mais
elogiosos. A 25 de Maio D. Thomaz fez tambem ao Mi-
nistro D. Rodrigo uma exposição de tudo que tinha re-
ferencia á epidemia e à Commissão vinda ao Ceará.
Si o procedimento da Commissão e maxime de seu
chefe, grande talento e perito professor, diz um papel
da epocha, foi merecedor de encomios, compete à his-
toria louvar egualmente a promptidão e energia das me-
didas tomadas naquella emergencia pelo Capitão-General
de Pernambuco, a cuja jurisdicção pertencia a Capitania.
Sobre o total das perdas que acarretou ao Ceará a
secca de 1790-1793 poder-se-á chegar a uma conclusão
mais ou menos approximada, comparando a população
obtida no recenseamento feito em 1783 pelo governador
Montaury e que deu 100000 almas para a Capitania com
a do mappa do Visitador Saldanha Marinho que com-
putou a população em 53616 em 1793. Como o com-
puto do visitador não comprehendeu a freguezia de So-
bral e se conhecem documentos firmados pelo respectivo
Vigario João Ribeiro Pessoa dando-lhe 21000 pessoas de
desobriga, ajuntando esta a aquella cifra obtem-se para
1793 o total de 73613. Donde se poderá concluir, le-
vando-se em conta o natural crescimento da população
durante o decennio decorrido (1783— 1793) que a secca
roubou á Capitania, pela morte ou expatriação, nunca
menos de 35000 habitantes, o que confirma os dizeres de
Ayres do Cazal e dá razão aos qualificativos com que
os diversos autores trataram a secca grande.
Não mais se ouvira falar em epidemia de febres
palustres no norte da Provincia, quando ellas irrompe-
ram depois do grande inverno de 1866 na Ribeira
Acaracu, fazendo muitas victimas, e em 1870 no alto do
ryahu até o sopé noroeste 'da Ibiapaba e na parte Cu-su-
perior do valle do dito rio Acaracu, extendendo-se no
anno seguinte pela zona comprehendida entre a Ibiapaba,
Carnotim, Rosario, Meruoca € as terras elevadas do alto
sertão. Concluida a estação pluviosa, a epidemia como
30

que dormitou para explodir mais terrivel em 1872 €


1873.
Descreveu-a o Dr. F. de Paula Pessoa Filho no tra-
balho, que intitulou A febre intermitiente ao Norte da pro-
vincia do Ceará, à cuja pag. 16 se lê que «sahindo das
margens do rio Poty, as sezões reinaram a principio na
comarca do Principe Imperial, do Piauhy. De lá propaga-
ram-se à comarca limitrophe do Ipú. D'alli a epidemia
fez caminho progressivamente, valle abaixo do rio Aca-
rahu vindo actualmente fazer grande erupção nesta ci-
dade (Sobral) e seu municipio. Outro facto de summo
valor para o estudo da cauza deste fiagello foi a mudança
das correntes dos ventos. As chuvas nos vinham em nu-
vens tangidas pelo vento nordeste e este. Em 1870, 1871
e 1872 as nuvens pluviosas quasi sempre seguiram a di-
recção do oceidente a oriente e de sudoeste a nordeste.
A epidemia seguiu caminho nas mesmas epochas e na
mesma directriz. »
Tambem Cardoso Machado dizia das febres de 1791
nas Instrucções deixadas ao Licenciado Gomes Coelho
ue « pelas informações e observação dos enfermos na
Barra do Acaracu e Villa de Sobral se conhece que o
caracter da Epidemia he hua constituição bilioza; ella
produzindo sezões de todas as especies passou o anno
passado a Febres podres e Terçans perniciozas pelo vento
sudoeste que reinou, conduzindo do Piauhy miasmas epi-
demicos, que excitarão nesta athmosphera hua maior
fermentação. »
Essas considerações são por elle desenvolvidas nos
seguintes topicos do Relatorio que apresentou ao Capitão-
General de Pernambuco:
« Os muitos corpos de animaes mortos arrastados
por aquelas cheias, o nimio calor, que se seguio nesse
verão e no inverno e verão de 1790, alterarão conside-
ravelmente a athmosphera e produzirão hua febre inter-
mitente epidemica, mas regular e ordinaria; chegado po-
rem o inverno de 1791 acompanhado de hum vento de
Sudoeste, nunca sentido naquele Paiz e que vem da sua
parte do Piauhi, onde todos os annos ha enfermidades
St
epidemicas mortaes, conduzidos de lá os miasmas epide-
micos e achando-se o ar não só disposto mas tambem
já afectado da sobredita qualidade, encontrando ao mes-
mo tempo hua temperatura de Paiz quente e humida,
huns habitantes que desprezando ou não podendo ter
o uso dos vegetaes se sustentão de animaes e bebem
agoas estagnadas, e que fazem hum continuado exercicio
no campo ao intenso calor do sol e a todo tempo de
chuva; todas estas causas excitarão húa fermentação mais
maligna e húa facil e prompta impreção sobre os cor-
os, principalmente aqueles que vivião aos costumes do
aiz; de sorte que, se não viesse aquele vento, os po-
vos padecerião o encomodo daquellas Febres Intermiten-
tes, mas não verião enfermidades tão perigosas. Confirma
este discurso a observação. Principiarão aquellas enfer-
midades apenas entrou a reinar aquele vento, e acabarão
pouco depois que elle tão bem faltou: No mez de Outu-
bro, estando eu na Barra do Acaracú, e em Novembro
achando-me no Sobral apareceo o mesmo vento duas ve-
zes, e não durou mais de duas horas pouco mais ou me-
nos de cada vez, observei que desde então se entrarão a
atear mais as mesmas Intermitentes, e passaria a mais se
elle tão bem durasse mais tempo. Os povos do Piauhi
ficarão esse ánno izentos da sua acostumada epidemia.
Ha aqui tres fenomenos, que provão bem que aquele
vento foi a causa mediata do excesso daquela epidemia.
Comunicarem-se as mesmas Pestes por meio dos ventos
he verdade tão antiga, que já no tempo de Hipocrates,
sendo este consultado pelos Gregos sobre a Peste, que
padecião, o remedio que ensinou foi a resposta de que
tapasem as bocas de huns montes vizinhos, por onde se
communicavão os ventos da parte dos Ilirios, onde todos
os annos havia a Peste. Passarem as Epidemias e ainda
as Pestes de hum lugar para outro ficando o primeiro
livre do contágio he facto observado muitas vezes, como
tem mostradó a experiencia, e afirmão os A. À., € entre
todos o grande Boerhaave, e seu Illustre Expozitor o Ba-
rão de Van-Swieten. A constituição do clima, o calor
das Estações, o modo de vida dos habitantes, a obser-
32

vação feita nos enfermos de que tratei, tudo me conduz


a persuadir-me de que o effeito produzido por semelhan-
tes causas he hua constituição bilioza; a colera, que en-
tre todos os humores he o mais susceptivel de alteração,
não só vicia os humores das primeiras vias, mas ainda
o mesmo sangue até chegar a disolvelo, e corrompelo;
ella he a que está produzindo as diversas especies de Fe-
bres Intermitentes, que ainda grassão naquelle Paiz, e
que podem parar ás mesmas, e mais funestas enfermi-
dades para o futuro, se repetir o mesmo vento, ou se
excitarem outras cauzas, que fasso do estado epidemico
daquelas Villas. » .
Aos ventos ditos pestiferos do Piauhy, ás nuvens plu-
viosas vindas do occidente e do sudoeste não coube a
responsabilidade dessas febres; sabe-o bem quem está a
par do papel das Anophelina na transmissão da malaria
do homem, molestia das mais espalhadas na superficie
do globo. A malaria, que é o espantalho das plagas
Amazonicas, que na India ataca ainda hoje centenas
de milhares de pessoas annualmente, que em 1904 fez
18000 victimas entre 240000 casos na Algeria, e con-
tra a qual o governo Italiano tem emprehendido lucta
systematica com effeito surprehendente despendendo em
1905, 1906 € 1907 a bella somma de 18712, 20723 €
24350 kilogrammos de quinino e obtendo que o numero
de obitos que fôra de 7838 em 190506 baixasse a
4886 em 190607 e a 4160 em 190708, a malaria
renasce, vive e se propaga por parasitas de mais de uma
especie, protosoarios da ordem dos Hasmosporidia, Hemo-
cytozoa e Hamameba. A' conquista dessa verdade para
a sciencia estão ligados para sempre os nomes de La-
veran gplasmodium malaria), cujos estudos vem de 1880,
e de Grassi e Feletti (plasmodium vivax).
Infelizmente não encerra estatisticas o escripto dó
Dr. Paula Pessoa, que em rigor é, a demais das noções
communs e conhecidas no seu tempo sobre o assumpto,
a historia dos enfermos sob seus cuidados e do tratamento
por elle empregado, que, não preciso ajuntar, foi o es-
pecifico do anophelismo—a quina e seus alcaloides.
3

A secca de 1824— 1825 deixou na antiga Provincia


tambem as mais tristes recordações, não tanto pela falta
de chuvas, que essas embora escassas não faltaram de
todo, mas pela crise politica e guerra civil que atraves-
sou a Provincia e pelas epidemias que a assolaram.
A epocha foi das mais perigosas agitações, pois oc-
correram nella o levante republicano, prisões, comba-
tes, commissões militares, em uma palavra, as tremen-
das reacções dos periodos revolucionarios. A todas essas
causas .de desolação e morte, secca e fome que redusi-
ram a verdadeiros desertos varias localidades, matando
o gado e obrigando a população a deslocar-se e a emi-
grar (para o Maranhão sahiu muita gente), vieram ajun-
tar-se differentes molestias, nomeadamente a variola.
" Como de sempre, os pobres, que poderam escapar à
fome e aos ladrões que concluiram: a obra dos elementos
adversos roubando as fazendas e as habitações a seu ta-
lante, correram a refugiar-se em Fortaleza, Sobral e portos
maritimos, para cahirem sob os golpes da variola. Essa epi-
demia foi terrivel, mas o computo das suas victimas é im-
possivel dizer, não havendo a respeito informações officiaes.
Diz o Senador Pompeu que a variola, que se seguiu ou
acompanhou a fome de 1826, acabou de aniquilar a popu-
lação mendigante, que correra à Capital e que em algumas
ribeiras houve pasto escapando pelo menos a decima parte
do gado.
Como si fossem poucas tantas calamidades, lembrou-
se o Governo de executar com rigor a lei do recrutamento.
A responsabilidade dessa selvageria deve ser levada á conta
do commandante de armas Conrado J. de Niemeyer, por
cujas ordens foram arrancados ao Ceará para ser remet-
tidos para a Córte 2150 recrutas, dos quaes falleceram
no decurso da viagem 412, baixaram ao hospital 314 e
-extraviaram-se 58. Só o transporte George Frederico, sa-
hido de Fortaleza a 23-de Março de 1826, condusiu 591
dos quaes succumbiram 274 na viagem de 45 dias. O
despotismo e a variola consorciaram-se para tão enorme
sacrificio de vidas. Igual mortandade viu-se a bordo dos
brigues Imperador e Boa União, peijados tambem de re-
34
crutas, aos quaes Conrado de Niemeyer negara o preven-
tivo da vaccina, segundo o testemunho do presidente
Berford.
E' do mesmo commandante de armas a seguinte
carta ao Ministro Estevam Ribeiro de Resende em data
de 23 de Novembro de 1825:
« À secca continua a fazer horriveis estragos, e hoje
soffremos, alem da fome, a peste; molestias desconheci-
das, talvez Procedidas de comidas agrestes e impuridade
das aguas, fazem estragos horriveis, e por outro lado as
bexigas não fazem menos.
« Em que tristes circumstancias se acha o Ceará!
Tendo sido perseguido de guerra civil, é hoje de fome e
peste! Nós sem meios alguns! O mal tornando-se geral
e mais grave! O governo sem energia e sem conceito! A
intriga lavrando! Meu Deus, que triste futuro vae apre-
sentar este infeliz Ceará se o vosso poderoso e omnipo-
tente braço não vier em nosso auxilio!
« E' à verdade sem exageração, que apresento a V.
Exc. para ser presente a S. M., declarando mais a V.
Exc. que se até fins de Janeiro (de 1826) não chuver,
este paiz ficará reduzido a um horroroso ermo.
« E' unicamente para sustar os effeitos da anarchia
pelo respeito que se me conserva pelo temor que ha da
exemplar disciplina da tropa que eu dirijo todos os es-
forços; ao menos os desgraçados morrem obedientes, é a
não ser este obstaculo que horrorosas scenas se não re-
presentariam? »
São de um realismo desesperador aquellas palavras
de Conrado «ao menos os desgraçados morrem obe-
dientes ». '
Já em Offício de 1 de Setembro do dito anno o pre-
sidente José Felix dizia ao Ministro do Imperio que à
Provincia estava assolada por uma secca sem igual na
memoria dos antigos, e Salles Berford ao assumir a ad-
ministração implorava do Rio soccorros urgentes para
que não ficasse de todo aniquilada. Nesse seu officio, que
é de 8 de Fevereiro de 1826, escrevia Berford: «A ci-
dade capital do Ceará apresenta um quadro tocante e
2».
desconsolador; as ruas estão apinhadas de um sem nu-
mero de mendigos, o palacio do governo e casas dos
particulares abastados constantemente cercadas desses mi-
seraveis apresentando o expectaculo de esqueletos mir-
rados de fome, só cobertos de pelle, representando outras
tantas imagens da morte. À miseria, a pobreza e a con-
sternação aparecem em todos os pontos da provincia e
o n.º dos que tem succumbido é incalculavel. »
Não obstante os clamores de toda parte, o governo
do Rio de Janeiro fez-se surdo à desgraça do Ceará;
documento de sua compaixão conheço apenas um,—o
Offício de 7 de Outubro de 1825 ao vice-presidente do
Maranhão Patricio José de Almeida e Silva—avisando que
se expedira ordem ao Thesouro Publico para se abonar
pela respectiva Junta da Fazenda as despezas da remessa
de 12 mil alqueires de farinha destinados aos famintos
do Ceará, mas essa mesma farinha não veio ou muito se
demorou em chegar pois que em carta de 4 de Dezembro
José Felix declarava ao ministro Visconde de Maricá que
até aquella data nenhum soccorro chegara do Maranhão.
Como si a fome e a peste permittissem delongas!
Tão atroz e prolongada demora em minorar os ma-
tes alheios verificou-se tambem em 1827 quando se espe-
rava que a crise se prolongasse. Foi o facto que havendo
o ministro avisado a 17 de Julho de 1827 a expedição de
soccorros da Bahia e Pernambuco, grande parte desses
soccorros não havia ainda chegado ao Ceará em Março
de 1828, como se verifica da correspondencia do presi-
dente Berford.
Si o Governo Central pouco cogitou em minorar os
soffrimentos do Ceará na secca de 1824-—25, empenhado
tão somente como estava em sufocar as ultimas vozes dos
adeptos da Confederação do Equador e em abarrotar os
porões dos navios com os miseros recrutas, foi mais hu-
mano seu procedimento na secca seguinte, a de 1845. À
caridade publica então tambem se manifestou em varias
provincias, affluindo para o Ceará donativos em generos
e dinheiro. Entre os que tomaram parte nessa campa-
nha de bencficencia salientaram-se o vencrando Arcebispo
36

da Bahia, que já em 1825 tomara no Parlamento a de-


feza dos interesses do Ceará, o 2.º Tenente da Armada
Azevedo Coitinho, a Assembléa Provincial e Praça do
Commercio do Rio de Janeiro, os povos de Pelotas e
S. José do Norte na Provincia do Rio Grande do Sul, os
povos da Bahia, Recife e Belem do Pará, sendo que esta
foi a primeira cidade a nos fazer donativos. O total dos
soccorros enviados pelo Governo e pelas diversas Provin-
cias attingiu a 527 contos.
Sobre o estado sanitario então aqui deixo consigna-
dos uns conceitos e informações prestadas pelo medico
da pobreza Dr. Liberato de Castro Carreira ao presi-
dente da Provincia em Abril de 1846:
« E' sem duvida uma alteração atmospherica a cau-
sa das febres que ora sofiremos: os symptomas, a mar-
cha, indicão a existencia das febres gastro-biliosas que
por algum tempo flagellarão Lausanne e Bicêtre, Admira
porem que a natureza dessas febres, atacando muitos in-
dividuos ao- mesmo tempo, não tenha o caracter conta-
gioso, sendo a causa mais determinante destas febres a
habitação em um clima quente e humido, logares pan-
tanosos, a passagem rapida de uma estação á outra, 'a
ingestão de substancias irritantes, etc., não nos devemos
admirar. do apparecimento, pois que a nossa cidade hoje
offerece todas estas condições.
« O vento que quotidianamente banha esta cidade,
sendo de L. L. N. L. S., trazodas bordas do mar, co-
bertas perennemente por um foco de emanações “delete
rias, pelos seus constantes pantanos, o germen da mo-
lestia que ora sofremos; o que, sendo perenne, nem
sempre apparece, pela falta de outras condições que, da-
das ellas, como actualmente, o mal tem logar.
« Escusado achamos dizer quaes são estas outras
condições; pois que ninguem ignora o que em nós eziste
de extráordinario: o sol abrasador, a temperatura ele-
vada, e o calor excessivo que sentimos ha muito, nos
faz receiar desenvolvimento de molestias epidemicas; fe-
lizmente, a salubridade do nosso clima em parte afasta
o terrivel mal. Porem as chuvas, banhando a terra, con-
37
stituem ao redor da cidade pantanos, estes pela sua eva-
poração, maxime à noite, derramão na atmosphera hu-
midade, e de má natureza; pois que é paludosa. Apenas
a chuva cessa, um sol abrasador parece querer tudo in-
cendiar; o nosso terreno arenoso produz uma reverbe-
ração tal, que fica toda a atmosphera incandescida. Ac-
crescente-se ao calor atmospherica o uso quotidiano de
substancias irritantes, a carne vacum e a farinha mucu-
nam e a croatá, etc., as bebidas frias estando o corpo
em transpiração, as affecções tristes, e finalmente a ocio-
sidade, são as causas que merecem a attenção dos cli-
nicos e das authoridades, como productoras do flagello
que nos assola presentemente. »
Disse o Senador Pompeu que o povo, com as recor-
dações das grandes seccas de 1792 e 1825, emigrara
afífuindo ás praias e ás cidades e principalmente á Capi-
tal, onde a população adventicia attingiu a mais de 30000
pessoas. Acho naturalissimo que a immigração para For-
taleza fôra então enorme, mas não tanta como affirma
aquelle Senador e pelo simples facto do obituario da
cidade ter sido apenas de 294 pessoas em 1845, de 286
em 1846 e 170 em 1847.
Como um abrigo ao grande numero de doentes, que
ainda appareciam em consequencia do flagello da secca,
o presidente Ignacio Correa de Vasconcellos fez estabe-
lecer em Fortaleza uma Enfermaria a que chamou En-
fermaria da Caridade e inaugurou a 12 de Maio de 1846.
Dessa data a 31 de Maio de 1847 entraram para ella 344
doentes, dos quaes sairam. restabelecidos 277, morreram
4 e ficaram em tratamento 22. Em 1848 já não existia a
nfermaria.
Foi esse presidente, Ignacio Correia de Vasconcellos,
que lançou egualmente os alicerces do Hospital da Miseri-
cordia, vasto edifício com uma extensão de 315 palmos de
frente e 22 janellas, sito ao lado Norte do então Largo
do Paiol, o qual augmentado e enriquecido em varias
outras administrações foi instalado por Antonio Marcel-
lino e é hoje um dos Estabelecimentos publicos de que
justamente se orgulha Fortaleza.
Bo
Estamos agora em 1877. Havia too annos precisa-
mente que a antiga Capitania passara por uma de suas
terriveis seccas.
Descançava a provincia na esperança de continua-
rem a se escoar os annos na relativa e constante pros-
peridade de que gozava desde a calamidade de 1845,
uando se accentuaram os symptomas de uma nova crise.
ó inverno de 1876 fora copioso, 16377» para Fortaleza,
si bem que irregularmente distribuido, mas grande foi a
escassez das chuvas de Janeiro a Março de 1877, e 0
povo começou a entregar-se aos receios da imminente
calamidade. Em breve surgiam de varios municipios cla-
mores por soccorro e pela intervenção do Governo a
favor das classes necessitadas.
A Imprensa logo em Abril deu o grito de alarma.
Era chegada a 1.2 leva de retirados, os quaes foram abar-
racar-se no Morro do Croatá.
No seu Relatorio de 2 de Julho o presidente Cae-
tano Estellita depois de referir as medidas por elle to-
madas declara quê «sertões, outrora verdejantes e ricos,
pela fertilidade de seu solo e abundancia de seu com-
mercio, estão reduzidos a desertos, despovoados pela tor-
rente da emigração que se tem estabelecido para a Ca-
pital e o littoral da Provincia, para as suas serras e os
vales abençoados do Cariry», regista com o merecido
applauso os soccorros vindos de outras Provincias e lem-
bra medidas adequadas a prevenir o recrudescimento do
flagello.
O estado sanitario, embora na ausencia de qualquer
epidemia, accusava o apparecimento de febres intermit-
tentes e biliosas em Fortaleza, Mecejana, S. Bento d'A-
montada, Acaracu, Sant'Anna, Viçosa, Trahiry, Acarape
e Granja; nas duas ultimas localidades com pronunciada
intensidade. Em Fortaleza appareciam tambem casos de
varíola, sendo os atacados (24) recolhidos ao lazareto da
Lagoa Funda. O mal ficou limitado aos 24.
O Relatorio de 23 de Novembro do citado presi-
dente consigna que, havendo apparecido alguns casos de
variola em Fortaleza, os medicos vaccinaram cerca de
39
10000 pessoas e que em varios pontos da Provincia se
tem desenvolvido e feito victimas uma molestia da major
gravidade, cujos symptomas são mui semelhantes aos do
beriberi; começando por inchação dos pés em uns, pre-
cedida em outros de dormencia e dores, vae o mal se
extendendo por todo o corpo e terminando fatalmente
pela asphyxia.
Accentuando-se de dia a dia os effeitos da secca e
com elles o soffrer cruciante da multidão desvalida, em
Dezembro a população adventicia em Fortaleza já era
superior a 80000, isto é, mais do quadruplo da sua po-
pulação normal (19000); em Aracaty montava a 30000;
grandes agglomerações envenenavam o ambiente de Batu-
rité, Pacatuba e Granja; população deslocada 160000;
na fuga precipitada muitos deixavam a carcassa pelas
estradas e caminhos; por toda parte actos de desespero,
scenas de desolação.
Em todo o anno o pluviometro recolhera em Forta-
leza 469"m e o cemiterio tragara 2665 cadaveres, assim
distribuidos: Janeiro 63; Fevereiro 75; Março 77; Abril
93; Maio 92; Junho 86; Julho 75; Agosto 118; Setem-
bro tgt; Outubro 307; Novembro 480 e Dezembro 1008.
Tinham contribuido para a cifra inaudita principal.
mente as febres biliosas, a dysenteria e a anazarca, ultima
expressão da anemia e discrasia do sangue e tambem
resultado da ingestão da mucunã e de outros vegetaes
venenosos a que a fome forçava os desventurados, ex-
gottados os recursos de toda especie.
Durante 1877 despendera o Governo 2426 contos e
a caridade particular 287; serviram para alguma cousa—
prolongar os soffrimentos aos que a morte ia poupando.
Entrou o anno de 1878 e com elle entraram a cres-
cer ao infinito as angustias do infeliz povo cearense. Mor:
ria-se de fome, puramente de fome nas ruas das cidades,
pelas estradas: «Depois de alimentar-se de raizes silves-
tres (especialmente da mucunã), de algumas especie de
cactus (chique-chique, mandacaru) e bromelias (coroatá,
macambira), do palmito da carnauba e de outras palmei-
ras, das amendoas e entrecasca dos cocos, o faminto pas-
40

sara à comer as carnes mais repugnantes, como a dos


cães, a dos abutres e corvos, e a dos reptis. Si bém que
raros deram-se casos de antropophagia; e por cumulo de
horror, ainda houve não sei si diga um perverso, si um
infeliz que procurou no municipio de Lavras vender, ou
trocar por farinha, um resto de carne humana de que se
alimentava. Alguns cadaveres foram encontrados que con-
servavam nos membros semi-devorados os signaes do ex-
tremo desespero das victimas da fome» (Relatorio do
presidente José Julio).
Dizer o que foram esses 12 longos e terribilissimos
mezes doe fundo e repugna à penna mais indiferente.
Eu fui testemunha de mil quadros de dôr e angustia
sobrehumanas de uma população inteira a braços com o
maior flagello que regista a historia moderna, e ainda hoje,
tantos annos já passados, se me confrange a alma ao
recordal-os, e toquei tanto mais de perto essas dores e
soffrimentos pois que fui o medico dos retirantes: que
affluiram para Maranguape, coube-me a pesada e triste
commissão de prestar soccorros medicos aos abarraca-
mentos de Tijubana e do Alto da Pimenta, o celebre
abarracamento do Alto da Pimenta, e de ser posterior-
mente o Fiscal por parte do Governo no Hospital de
Misericordia.
Enviado para o Alto da Pimenta, encontrei nelle
20470 retirados, dos quaes 5681 atacados de variola ou
sofirendo de suas consequencias! E eu era o unico me-
dico para toda essa multidão!
Ôuando em Maranguape, tive occasião de verificar
alem das molestias communs á quadra diversos casos de
hemeralopia, tão impressionadores daquella pobre gente,
mormente das creanças. Outros casos observei ainda no
abarracamento de Pacatuba e sobre uns e outros, em nu-
mero de 60, escrevi uma Memoria, que apresentei ao Go-
verno. A ella se refere o presidente José Julio em seu
Relatorio de 1 de Novembro de 1878. .
Um tratamento energicamente tonificante fazia des-
apparecer a singular affecção visual; a medicação popu-
lar empregada contra ella, e que surtia effeito, era a in-
41

stillação nos olhos da salmoura do figado do boi ou car-


neiro levado 30 fogo.
Gubler nos seus Commentarios ao Codex cita o em-
prego do fel do boi contra a hemeralopia.
Em Acarahu tambem foram observados casos da ce-
gueira nocturna.
Poder-se-á julgar ao certo o que era o Ceará de 1878
sob o ponto de vista da hygiene, das molestias e da morta-
lidade ? Impossivel. Onde a hygiene com a pavorosa agglo-
meração dos que a desgraça feria? Onde a hygiene, si
300000 emigrados se agrupavam nas cidades e villas do
litoral, apinhados sob as arvores, em choças miserrimas ou
em immundos abarracamentos? Que resistencia poderiam
offerecer ás enfermidades organismos extenuados pela
fome e sede, e por todas as dores moraes? Febres de dif.
ferentes typos, o beriberi, a anazarça ceifavam os pobres
retirantes; os abarracamentos se convertiam aos poucos
em hospitaes; Fortaleza, o derradeiro marco na via dolo-
rosa, era como uma necropole, e sobre ella, e sobre to-
dos, miseraveis e mal remediados, porquanto já não ha-
via ricos e sim irmãos e socios de infortunio, vinha afi-
nal extender seu manto de horrora variola, a inesqueci-
vel epidemia de variola. o
Era o remate á obra da febre biliosa, que, cançada
de laborar entre os retirados, roubava ao Ceara homens
como Antonio Mendes, Antonio Mamede e Symphronio
de Souza, do beriberi que tantas vidas ceifou em For-
taleza, e entre ellas Rocha Lima, em Aracaty e Sobral
onde matava em poucos dias, da anazarca, da dysenteria,
do oceano de males, numa palavra, em que se afogava
a população.
Estava a variola em Parahyba e Rio Grande.
Avisado da-eminencia do perigo, o presidente José
Julio recommendou instantemente a vaccinação e revacci-
nação e tomou as medidas, que a urgencia das circumstan-
cias requeria. .
Era um labor insano pois que os indigentes abar-
racados em Fortaleza montavam à 125000, dos quaes
90 º/, não vaccinados, mas seria a salvação ou ao menos
42

valiosissimo empecilho ao desenvolvimento de uma epi-


demia e os medicos, que durante o decurso da secca esti-
veram na altura de sua nobre e espinhosa missão, puze-
ram-se em campo.
A Inspectoria de Saude em seu Relatorio de Outubro
de 1868, tratando do apparecimento de uma pequena
epidemia de variola, attribuiu-a à falta de vaccinação e
á má qualidade da vaccina remettida do Rio de Janeiro
e ajuntou que em ninguem ella dera resultado; da ruim
qualidade e inefficacia da Iympha falam tambem muitos
outros Relatorios anteriores e posteriores 2 aquelle; não
foi, porem, esse o obice unico que tiveram de enfrentar
os medicos em 1878, tenaz e invencivel obstaculo foi a
repugnancia do povo em àcceitar o preservativo. Debalde
pregavam os padres sobre suas vantagens, debalde apre-
goavam os medicos sua necessidade; ia-se até aos meios
de coacção, ás medidas de rigor; tudo improficuo; não: que-
riam introduzir a peste no corpo e nisto ficavam. Para
demonstrar o limitado numero dos que se submetteram
à operação tão simples e tão salvadora basta citar entre
muitos o seguinte facto: no mez de Novembro entraram
para o Lazareto de S. Sebastião 875 variolosos e desses
eram vaccinados apenas 32. E nenhum dos vaccinados
succumbiu.
A tantos combustiveis para o incêndio, que se pre-
parava, vinha ajuntar-se mais esse, parto infeliz da igno-
rancia e da superstição, e era um de capital importancia.
Campo vasto estava preparado para a seára da morte.
A variola penetrou no Ceará e foi o Aracaty o primeiro
ponto invadido. Contagiaram-no fugitivos de Mossoró,
onde, como em outros logares do Rio Grande, reinava
a variola; do Aracaty vieram bandos, e foram contami-
nados de chofre os abarracamentos de“Fortaleza, a co-
meçar pelo do Alto da Pimenta. Foi isso em Setembro.
Em breve todas as formas da variola, desde a hemor-
rhagica muito frequente, e á qual raros escaparam, desde
a terrivelmente confluente até a discreta, todas as varie-
dades, conhecidas entre o povo por pele de lixa, olho de
polvo, tabardia, canudo, fogo, cahiram sobre a população
4
em sua obra de exterminio. Não havia casa sem prantos,
até no palacio da Presidencia fazia pasto a peste impla-
cavel. Ninguem confiava no dia de amanhã. Só a vaccina
mostrava-se sobranceira, victoriosa em meio do naufragio
de todas as medicações empregadas.
Em Setembro a mortalidade pela variola era de 62
pessoas e em Outubro já attingia à 592. Mas o que são
essas cifras ante os 9844 mortos em Novembro € OS 14491
em Dezembro? Parece phantastico tudo isso, e todavia
foi uma realidade, tremenda realidade.
No dia $ de Dezembro, lembro-me bem da terrivel
data, falleceram 1008 pessoas de variola em Fortaleza:
falleceram, digo mal, chegaram ao Cemiterio da Lagoa
Funda 1008 cadaveres, alguns ficando por enterrar pelo
cançaço dos coveiros! E o numero dos mortos devia ter
sido muito maior porque em torno da cidade, pelos mattos
e nos vallados inhumavam-se cadaveres ou se os deixava
apodrecer insepultos! Pode-se affirmar sem medo de erro
que foi de 500 a media dos obitos por dia em Fortaleza
no mez de Dezembro. E no Rio de Janeiro subiu ao
auge o clamor porque em todo o anno de 1904 se ti-
nham registado 3566 obitos pela variola!
A noticia do nosso miserando estado echoou e im-
pressionou o mundo inteiro. O New-York Herald enviou
um representante a estudar de visu o theatro de tantos
horrores, e o Governo Inglez pediu-me um Relatorio so-
bre a peste negra, que devorava o Ceará.
Fique aqui registado como tremenda lição e aviso
aos Governos e aos povos o obituario em Fortaleza em
1878:

Janeiro... 1641 Julho. 0. 3655


Fevereiro. . . . 2110 Agosto +... 2275
Março. . 3291 Setembro. . . . 1358
Abril... . 3889 Outubro. 1757
Maio . 5895 Novembro . . . 11065
Junho. . . .. 5409 Dezembro . . . 15435
22235 35545
A
Total 57.780. E desse total 24884 à conta da va-
riola.
Comparem-se agora esses algarismos com os que for-
neceu o obituario de Fortaleza no decênnio anterior para
todas as motestias e veja-se a differença:
1867—493; 1868-596; 1869-527; 1870-651;
1871—624; 1872-683; 1873878: 1874-666; 1875—
725; 1876-803.
O Ceará em 1878 perdia 174000 de seus filhos, sendo
mortos i 19000 e expatriados 55000.
Findara 1878, de angustiosa recordação. Que nos
reservaria o novo anno? O mez de Janeiro registou ainda
a enorme cifra de 2134 obitos por variola em Fortaleza,
mas em Fevereiro descia o n.º a 176 e em Março a 107.
Saciara-se o minotauro.
Arrolada a população existente nos to abarracamen-
tos, a 10 de Fevereiro achou-se ser ella ainda de 80000,
“sendo que no do Alto da Pimenta havia 5788 familias
com 22967 pessoas.
Como Fortaleza, todas as demais localidades da Pro-
vincia ofereciam o mais desolador estado em que as dei-
xara o monstro implacavel.
Em varios logares onde o povo se agglomerara egual-
mente a mortalidade subiu de ponto, em Maranguape por
exemplo; nas minhas Datas e Factos para a historia do
Ceará, vol. 2.º, estão consignados os seguintes dados com
relação a essa localidade:
Annos CASAMENTOS BAPTISADOS ÓBiTOS

1877 52 883 495


1878 41 703 3896
1879 97 483 1193
1880 15 624 232
1881 203 765 250
1882 259 908 198

O inverno de 1880 veio afinal pôr um termo aos


soffrimentos do Ceará.
— 4
Que fez o Governo Geral em bem da extincção da
variola? A 25 de Janeiro aportava à Fortaleza uma com-
missão de 5 medicos e 2 pharmaceuticos. Entre as in-
strucções que trazia resava a 9.º assim: telegraphar para
a Córte informando sobre a natureza da molestia. Veja-se.
o Jornal Official. Na Capifal do, Imperio ainda em Ja-
neiro de 1879 ignorava-se a natureza do morbus, que
anniquilara o Ceará !!
« Essa Commissão, diz o Relatorio do Ministro Leon-
cio de Carvalho, consta ter prestado consideraveis servi-
ços à saude publica. » O Ceará os ignora por completo.
Que custou aq Governo a secca de 1877—79?
Trinta mil contos de réis, incluindo-se nelles as cres-'
cidas despezas com obras geraes, provinciaes e munici-
paes, a alimentação dos operarios das Estradas de Ferro
de Sobral e Baturité e do Telegrapho, o sustento dos
presos, a Commissão para Estudos da Secca e outras
muitas verbas arroladas sob a rubrica Secca do Ceará
para avolumal-as à nossa conta e nos serem atiradas á
face, trinta mil contos que o Ceará indemnisou só com
a renda da Alfandega de Fortaleza nos 13 annos seguin-
tes à catastrophe.
,

Sendo, como era, a população do Ceará de 900000


pessoas e distribuida por ella a grande quantia, a cada
cearense durante os 3 annos coube a diaria de menos
de trinta réis. Mas a campanha contra a febre amarella
no Rio de Janeiro tem custado ao Erario publico 8000
contos, e nós cearenses temos somente palavras de lou-
vor para o Governo que se mostra humano e na altura
de seu dever procurando zelar os nossos creditos de na-
ão civilizada, mas com o Theatro Municipal do Rio de
aneiro despenderam-se 12000 contos.
E ao Ceará o que custou a secca de 1877—79?
O desapparecimento total da industria creadora, que
é a principal riqueza cearense;
A ruina de toda fortuna particular;
180000 mortos, cabendo à Fortaleza 67267;
46

125000 expatriados, ou a perda equivalente a 375


mil contos.
Foi assim a secca de 1877, 1878 e 1879, longa e '
pavorosa caminhada de um povo heroico atravez dos mais
crueis soffrimentos, victima da inclemencia da natureza,
. victima da propria imprevidencia, victima das desorienta-
ções e erros dos administradores, victima das depredações
e ganancia de desalmados às dezenas, não Cearenses,
que nenhum sé apresentou rico depois da calamidade,
como aprouve á imprensa de certas Provincias apregoar é
se ouviu de Senadores, um deltes Cearense infelizmente,
em pleno Parlamento, mas Brasileiros que especularam
com as nossas desgraças e se fizeram millionarios rece-
bendo dos cofres publicos os valores de carregamentos
de generos, que nunca chegaram ao Ceará, ou enviando
aos famintos farinha derrancada e carne secca pôdre.
-; E porque nas crises, como essa; ao lado dos torne-
cedores e commissarios, que os houve tambem indignos
e pouco éscrupulosos, surgem vultos a attrahir respeito e
admiração, ficaram e ficarão para sempre gravados na
alma cearense os nomes de tantos benemeritos, de tantos
filhos de outras Provincias que nos deram a esmola de
seus favores e sua compaixão, do inclyto Pedro II cujos
labios proferiram esta phrase, que eu quizera ver inscripta
na base da estatua que a gratidão vae erguer-lhe: «ven-
dam-se as joias da coroa mas não morra de fome um
cearense», desse venerando bispo D. Luiz Antonio dos
Santos, novo Mathias de Figueredo ou Thomaz da En-
carnação, a cujo exemplo admiravel multiplicaram-se os
Leorne, os Prat, os Gurgel e os Ananias, de José Julio
de Albuquerque. Barros, cuja. alma surprehendi em ancias
de toda especie, de toda Corporação Medica, afóra os in-
numeros anonymos cuja cooperação e serviços preciosos
só elles proprios e Deus conheceram.
Dez annos depois dos horrores de 77-—79, nova
secca salteoi a Provincia e com ella sua companheira a
variola, mas a população de Fortaleza, embora accrescida
de 20 a 25 mil adventicios, estava como immunizada;
A
servira-lhe ao menos para isso a epidemia anterior. Nesse
tempo, de Setembro de 1888 a Julho de 1889, perdeu o
Ceará pela expatriação 34259 de seus filhos. E nunca
mais se estancou a emigração Cearense, sobretudo para
o matadouro da Amazonia. o
Dahi em diante a variola tornou-se endemica, fazendo
victimas de vez em quando nas classes inferiores. Em
Agosto de 1900 grassou epidemicamente. Hoje Fortaleza
expungiu essa entidade do seu quadro nosologico e faz-se
um exemplo ás demais capitaes do paiz—os habitantes
de Fortaleza não mais se arreceam da varíola. Expulsou-a
de seu recinto a vaccina, a nunca assaz louvada vaccina,
convenientemente applicada e diffundida pelos agentes do
poder publico e principalmente por esse brasileiro be-
nemerito, que se chama Rodolpho Marcos Theophilo.
Honra lhe seja.

VARIOLA NO CEARÁ NO SECULO ig


ANNOS LOCALIDADES ATACADÁS
1804 . . . « Fortaleza, Aracaty.
1814 . . . . Fortaleza, cuja população era de 3000
almas, segundo Barba Alardo.
1818 . - . Fortaleza.
1825 +. . . . Logares de agglomeração das vittimas
da secca.
1826--28. . . Comarcas do Crato e Jardim, nas quaés
segundo o testemunho do Coronel
José Victoriano Maciel succumbiram
trese mil pessoas nos tres-annos.
1845 . . . . Logares de agglomeração das victimas
da secca. . .
1849 . . . « Sul da Provincia, Aracaty, Fortaleza,
1854. . 0... Aracaty.
1855 . . . . Aracaty, Granja, Sobral.
1857 e 1858. . Fortaleza, Maranguape, Cauhipe, Siu-
pé, Aracaty, Sobral.
8
ANNOS LOCALIDADES ATACADAS
1859 . . . . Fortaleza, Jubaia, Pacatuba, Acarape,
Tabatinga.
1860 . . . . Icó, Lavras.
1878 e 1879. Todo o Ceará.
1Bgo . . .. Fortaleza.
Bor »o

*
+ ok

Fóra das epochas de secca o Ceará tem sido tam-


bem accommettido de-serias epidemias, como aconteceu
em 1851 com a Febre Amarella, em 1862 com o Cholera
e ultimamente com a Dysenteria e a Peste Bubonica.
Febre Amarella. Em 1849 na Provincia da Bahia ir-
rompeu a febre amarella. Viera de Nova Orleans no bri-
gue americano «Brazil», que chegou-alli a 30 de Setem-
bro, havendo fallecido a bordo durante a travessia varios
individuos.
Apezar de estar grassando a febre amarella no porto
da procedencia e em Havana onde se demorara, apezar
de se terem dado obitos a bordo, teve o «Brazil» livre
entrada na Bahia, irregularidade de que se veio a ter
conhecimento só a 2 de Outubro por um artigo inserto
no Correio Mercantil.
Foram suas primeiras victimas o caixeiro da botica
onde o capitão comprou medicamentos, o Consul Ameri-
cano Thomaz Turner e G. S. Sanville, subdito Inglês, em
cuja casa se hospedara o capitão.
Do «Brazil» passou-se o mal a um navio Sueco, re-
centemente chegado de Lisboa, que lhe ficava perto e que
perdeu quasi toda marinhagem, e desse a todo o ancora-
douro, ás freguezias contiguas, ás do centro, aos subur-
bios, ao littoral e a povoações distantes do littoral 10 e
12 leguas. o
Da Bahia estendeu-se a febre amareila, levada a
bordo do navio Navarre, ao Rio de Janeiro, onde appare-
A
ceram os primeiros casos em fins de Dezembroe conti-
nuaram té tins de Agosto, do anno seguinte, sendo muito
mortifera a epidemia, e a Pernambuco. Pode-se ácompa-
nhar seus passos em Pernambuco dizendo que a 28 de
Dezembro entrou accommettido para o hospital da Boa
Vista um marinheiro
do brigue francês Alcyon, ha pouco.
vindo tambem da Bahia, logo depois um enfermo do hos-.
pital era atacado e vinha 'a fallecer, a 1 de iJaneiro de
1850, seguindo-se a este o pharmaceutico dc Estabeleci-
mento, que succumbiu' a 4. D'ahi accommetteu 0 bairro
da Boa Vista e se espraiou por toda a cidade.
Em seguida foram visitadas as provincias do Pará,
Maranhão, Parahyba, Alagoas, Sergipe e S. Paulo.
Do Maranhão, onde appareceu em Fevereiro de 1851,
foi que veioimportada para o, Ceará.
Por mal entendido ou antes criminoso receio de
aterrar a população calaram os medicos Maranhenses o
verdadeiro caracter da febre alli dorninante, e assim, des-
percebidas as auctoridades, fazia ella entrada em Forta:
leza a 4 de Junho; sendo seu portador um, passageiro
do vapor S. Sebastião. Ro
Foi o Dr. José Lourenço de Castro Silva quem de-
nuncioú pela imprensa a existencia de tão fatal hospede
(Jornal Cearense de'27 de Junho). o
A esse illustre medico, a seus collegas Almeida Rego
(presidente da Provincia), Castro Carreira e Marcos José
Pheophilo, pharmaceuticos Antonio Mamede, a cujo cen-
tenario Fortaleza acaba de assistir com justo regosijo,
Antonio Theodorico e Ferreira e cidadão Candido Pam-
plona deveu a cidade então serviços muito relevantes.
O Dr. Marcos Theophilo e o cirurgião militar José
Joaquim Machado rebellaram-se a principio contra o dia-
gnostico de febre amarella e capitularam de febres gastri-
cas e intermittentes os casos a seus cuidados, mas a 11
de Julho assignavam com seus collegas o Parecer da
Commissão Medica reunida na sala das Conferencias do
Palacio do Governo.
Os primeiros casos de febre amarella: occorreram em
habitações sitas na Praça de Palacio, actual General Ti-
50

burcio, e alargando a zona da devastação ella atacou o


Oiteiro, Pajehu, Garrote, Jacarecanga e mais suburbios.
Agosto foi o mez de sua recrudescencia, apparecendo
ao mesmo tempo casos de sarampo e variola, que se dis-
siparam com o isolamento dos afectados; em Setembro
declinou sensivelmente, para recrudescer logo depois e
prolongar-se até Abril" de 1852. Raros extrangeiros na
cidade deixaram de ser accommettidos com mais ou me-
nos violencia, o mesmo se deu com os sertanejos, mas
as tripolações dos navios, quer nacionaes quer extrangei-
ros, não registaram um só caso no decurso do mal. As
theorias modernas explicam o facto: estabelecida por el-
las completa sequestração ou quarentena com a terra,
não houve occasião das stegomiias fasciata exercitarem
seu papel de agentes de elaboração e transmissão do
perigoso morbus à gente do mar.
Numa população de 15000 pessoas, que era, en-
tão a de Fortaleza, calcula-se que foram atacados 8000,
dando-se apenas 261 obitos, sendo 151 homens e rio
mulheres, o que indica a benignidade da epidemia.
O quadro adiante marca a invasão e terminação, n.º
de atacados e fallecidos nas outras localidades da Pro-
vincia :
populosa, a e Pt-

visinhos sofire-
pessoas de
oteW + + + Tesgos
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52

ram egualmente, com excepção do de Canoa Quebrada,


habitado por pescadores, que ficaram immunes por se
haverem retirado de qualquer communicação com os pon-
tos atacados. Um morador de Aracaty transportando-se
a S. Bernardo de Russas foi o transmissor da mal para
essa villa, que lhe fica a 10 legoas de distancia, como um
soldado vindo já doente de S. Bernardo foi quem o levou
para Icó. Em Aracaty entrou elle por via maritima. Em
Sobral houve dia de serem accommettidas 200 pessoas,
sendo Julho o mez dos maiores estragos. Nessa cidade
devidô ao mau cheiro exhalado das sepulturas cessaram
de ser celebrados os Úfficios Divinos em algumas Egrejas,
e sobre os tectos dellas esvoaçavam bandos de urubus.
Sobre essa Epidemia ha um trabalho devido á penna
do Dr. Castro Carreira, que foi mais tarde representante
do Ceará no Senado do Imperio; intitula-se Descripção da
Epidemia da febre amarella que grassou na Provincia do
eará em 1851 e 1852, Rio de Janeiro, Typ. de N. L.
Viana Junior, 1853.
Em 1853 manifestou-se de novo a febre amarella
em Sobral e Icó; em Setembro de 1854 em Granja, sen-
do atacadas 1346 pessoas e 30 fallecidas; em Março de
1855 em Sobral, com 17 pessoas atacadas e 1 fallecida;
em, 1856 em Aracaty, contando-se entre as victimas o
medico Inglês Dr. Matlet, no districto de Mutamba, onde
fez 25 victimas, em S. Bernardo, Sobral e Imperatriz;
em 1858 em Canindé, Cascavel, Baturité e Acarape; em
1861 em Baturité, em 1862 em Sobral e 1876 de novo
em Sobral.
Em Fortaleza de vez em quando, com interregnos
mais ou menos longos, apparecem casos isolados ce fe-
bre em extrangeiros ou nacionaes chegados do interior,
mormente os das serras, mas esses casos não auctorizam
a affirmar-lhe um caracter endemico, no rigor scientifico
da palavra.
Dous casos occorridos não ha muito em Quixadá fo-
ram de molde a impressionar o povo pelas pessoas ac-
commettidas: o notavel Benedictino D. Mauricio Prichzy
fallecido a 13 de Janeiro, e o Engenheiro Milton Under-
DO
down vindo por mandado do Governo Federal estudar a
applicação da cultura secca no Ceará e fallecido a 13 de
Agosto de 1907. D. Mauricio havia 8 annos que era resi-
dente no Brasil e inda em 1899 fôra enfermeiro de varios
amarellentos em Recife. Precederam ao seu fallecimento
naquela localidade os de tres Italianos, da familia Pa-
racampos, recem-chegados da Europa via Pará e Mara-
nhão, onde se estavam dando casos de febre.
Cholera-Morbus. Em Março de 1856 a população de
Fortaleza e consecutivamente de toda Provincia era ater-
rorisada com as communicações feitas ao presidente Paes
Barreto pelas auctoridades de Acaracu e Sobral de ter
alli apparecido o cholera; affirmava-se que chegado à
1.2 daquellas localidades um hiate procedente de Per-
nambuco, haviam adoecido immediatamente dois passa-
geiros com symptomas do mal. O presidente tomou as
medidas que as circumstancias requeriam, mandou bus-
car medicos no Rio, Bahia e Alagoas, entre os quaes
contavam-se os Drs. José Lourenço de Magalhães, João
Antonio Saraiva e Thomaz Hall, remetteu medicos e am-
bulancias para os pontos suspeitos, fez construir em For-
taleza a Enfermaria do Oiteiro e augmentar o cemiterio
dando-lhe mais 120 palmos de frente e 300 de fundo,
o que o tornou 3 vezes maior.
A Paes Barreto se deve tambem o Lazareto da La-
goa Funda. Ordenada a construcção do Lazareto por
deliberação de 5 de Novembro de 1855 foi elle feito
pelo contractante Fernando Hitskhy em terrenos do Bri-
gadeiró Francisco Xavier Torres e a este comprados por
3:5008000, segundo consta da Ordem do Thesouro Na-
cional n.º 63 de 20 de Dezembro de 1865. O edificio,
em que se despendeu a quantia de 3:975$800, ficou con-
cluido a 7 de Março de 1856.
O Ceará, porem, desta vez passou incolume do ter-
rivel mal que perseguia a outras Provincias, e veio a
conhecel-o só seis annos depois.
A epidemia do cholera manifestou-se na Provincia,
e pela 1.2 vez, pela cidade do Icó. Foi isso a 5 de Abril
54
de 1862. Trouxe-a um forasteiro, chegado do Rio do
Peixe. Chamava-se José Leandro Tavares a 1.2 victima.
No Icó tomou ella proporções aterradoras, pois houve
dia de 40 obitos numa população de 4000 habitantes.
Dahi propagou-se aos diversos pontos, verificando-se sem-
re sua transmissão . pelos boiadeiros ou por fugitivos de
ogares já accommettidos. Não escaparam ao contagio Ara-
caty, S. Bernardo de Russas (Taboleiro de Areia), Tauhá
(20 de Abril), Sucatinga, Pacatuba (21 de Maio), Quixe-
ramobim (24 de Maio), Lavras (29 de Maio), Baturité,
Crato, Acarape (12 de Junho), Maranguape, Milagres, Var-
zea-Alegre, etc. A essa ultima localidade veio trazida
por um individuo, que servira de coveiro em Icó e cuja
familia (6 pessoas) foi logo accommettida.
Em Fortaleza começou a reinar no dia 13 de Maio
e fez 362 victimas assim distribuidas: Maio 47, Junho
138, Julho 124, Agosto 34, Setembro 6, Outubro 5, No-
vembro 3 e Dezembro 5. A 1.2 pessoa fallecida (14 de
Maio) foi João Pinto, casado, de 50 annos de edade.
esse tempo de provações para Fortaleza o Dr.
José Lourenço prestou, como em 1851, assignalados ser-
viços. Ajudavam-o na Commissão do Oiteiro os cidadãos
Marcos Apolonio da Silva, José Florentino de Andrade
e José Teixeira Pinto, o mesmo que em 1877 foi um
dos meus auxiliares em Maranguape na epidemia de fe-
bres biliosas.
A cifra mortuaria em Fortaleza (362) foi mui dimi-
nuta comparativamente á registada em Maranguape. Foi
essa localidade a que mais padeceu na Provincia. Fa-
milias inteiras desappareceram. Começou o n.º das vi-
ctimas por 1 a 16 de Junho e no dia seguinte já attingia
a 6 e no dia 27 a 28; no dia 1 de Julho contavam-se
36 victimas, a 4 eram 61 e à 6 eram 64 (foi o dia de
maior mortalidade) e assim ora mais ora menos até 19
de Julho quando começou a declinar (14 obitos).
A população já se suppunha livre do flagelo quando
elle irrompeu de novo furioso. Deu azo a isso a aber-
tura da casa, situada no centro da villa, que tinha ser-
vido para hospital dos cholericos e que havia dois mezes
55

estava fechada; tinha-se de fazer nella alguns reparos e


estava sendo excavado o solo; as pessoas a quem se en-
carregara o serviço foram logo atacadas, o official de jus-
tiça Manoel Martins, que abriu as portas, esse no dia
seguinte estava enterrado.
O total dos obitos em Maranguape attingiu a 1960,
sendo só em Junho 251 e em Julho 834. O n.º provavel
das pessoas accommettidas não foi inferior a 5000. Re-
leva consignar os serviços prestados ahi nessa epocha omi-
nosa pelo Bacharel J. A. de Almeida Castro, P.e Galindo
Cavalcante e Coronel J. J. de Sousa Sombra, este princi-
palmente. O Coronel Sombra, inda hoje felizmente exis-
tente, foi sempre um benemerito de Maranguape; possuo
no meu archivo documentos pelos quaes se prova que
por elle, um simples curioso, foram tratados e medicados
gratuitamente de 1866 a 1867 enfermos em n.º de 8591!
O panico produzido em Maranguape pelã epidemia
tocou ao seu auge; muitas pessoas foram sepultadas vi-
vas; o serviço dos enterramentos era feito por presos a
quem se havia promettido o perdão das penas, que es-
tavam cumprindo.
O facto de enterramentos de vivos occorreu tambem
em Fortaleza, sei de um capitania, de nome Raymundo,
que ao voltar do mar não mais encontrou: a mãe que
fôra levada a sepultar; elle corre entre prantos ao ce-
miterio, dava-lhe azas o amor filial, atira-se á valla, e
retira a pobre mulher que estava ainda viva, mas que
logo depois exhalava o ultimo suspiro entre seus braços.
De horrores taes já Lucrecio nos fala nas paginas do
seu De rerum natura quando trata da peste de Athenas.
Outra localidade a pagar largo tributo foi Baturité.
Inda hoje narram os velhos a impressão causada pelas
- enormes fogueiras ateiadas com o alcatrão, que o Go-
verno enviara para alli e que posto em grandes buracos
pelas ruas era queimado como desinfectante; assemelha-
vam-se a cirios colossaes a illuminar o esquife da cidade.
Mas nada tão impressionador como as procissões de
penitencia : na frente uma grande cruz cingida com uma
toalha branca, uma matraca a soar, o padre de alva e
estola preta a entoar em voz cavernosa e soturna o Pas
nitet e após a multidão dos fieis, uns com grandes .pe-
dras sobre a cabeça, outros com barricas ou pesados ma-
deiros, descalços, todos a percutirem o peito a clamar
misericordia ou a verter o sangue a mercé dos azorra-
gues; as casas de portas e janellas fechadas, ninguem
ousando olhar os penitentes porque então sobrecarrega-
ria a censciencia com os peccados delles; ao chegar ao
templo, mai allumiado, ao clarão dubio de poucas velas,
muitos se atiravam ao chão para que a multidão lhes
passasse por cima, outros permaneciam immoveis de bra-
ços abertos, e a cada canto gemidos e o tilintar das dis-
ciplinas a cortarem as carnes sem piedade, As disciplinas
eram laminas de ferro, dentadas, de 10 centimetros mais
ou menos, presas a cordões.
Scenas eguaes presenciou Fortaleza, embora a be-
nignidade do mal.
Entre as victimas perdeu o Ceará varios zelosos sa-
cerdotes: Leoncio Candido do Carmo Chaves, coadjuctor
de Russas (3 de Maio), João Felippe Pereira, vigario de
Tauhá, Manoel Antonio de Lemos Braga, vigario de S
Matheus (14 de Maio), Joaquim Virissimo Baptista e Vi-
cente de Lima Wanderley, residentes em Icó, Tito José
de Castro Silva Menezes, coadjuctor de Aracaty (22 de
Maio), Pontes, residente em Varzea Alegre, Conego An-
tonio de Castro Silva, residente em Arronches (13 de
Julho), João Marrocos Telles, do Crato, e Angelo Cus-
todio de Oliveira, capellão de Acarape. Succumbiram
egualmente os medicos Dr. Joaquim Barbosa Cordeiro em
Baturité e em Maranguape Dr. Pedro Cesar, natural de
Pernambuco. O cadaver deste foi transportado ao cemi-
terio pelo seu collega' Dr. Rufino de Alencar e Coronel
Tristão de Alencar, recusando-se o povo por atemorisado
a praticar esse acto de caridade christã. A energia dos
dous irmãos Alencares serviu para levantar o espirito pu-
blico do abatimento em que jazia.
Em fins de Agosto do anno seguinte estava extincta
a epidemia em toda Provincia, tendo-lhe custado a perda
57

de 11000 habs. approximadamente, como se vê da se-


guinte relação:

OBITUARIO PELO CHOLERA EM 1862


Termo de Jardim . .... 500
» de Milagres. . . . . 204
» de Crato. . . .. . 1100
» de Barbalha. . . .. 200
» de Cachoeira . ...- 70
» de Quixeramobim. . . 120
» de Cascavel, . ... 360
» de Aquiraz . . . .. 250
» de Baturité. . . .. 350
» de Maranguape. . . . Ig6o
Freguézia de Missão Velha . . 48
Comarca de Icó . . . . . . 1400
» de Aracaty ++ + 000
» - de Inhamuns. . .. 280
> Saboeiro .. 460
Municipio de Russas inclusive Mo-
rada Nova . . 500
Arronches, Soure é Mucuripe . 200
Tucunduba. . ... RO 6.
Baixa-Verde . cc, 26
Fortaleza . cc... 362

Sobre a Epidemia do Cholera-morhus no Ceará em


1862 ha publicado um Relatorio apresentado ao Presi-
dente Dr. José Bento pelo Dr. Antonio Mancel de Me-
deiros (*). Os primeiros casos observados por esse distin-
cto profissional na sua commissão ao interior foram os

(*) Relatorio apresentado ao Illm. Exm, 8r. Dr. José Ben-


to da Cunha Figueiredo Junior, presidente da Provincia do Ceará
“pelo Dr. Antonio Manoel de Medeiros, 1.º Cirurgião do Corpo
de Saude do Exercito. em commissão nas comarcas do Crato
e Jardim, durante a epidemia do Cholera-morbus em 1862,
Ceará, Imp. na Typ. Brazileira, 1863, ia 3º de 22 pp.
SB
de quatro indios dos aldeiados em 1860 por Manoel José
de Sousa no sitio Cachorra-morta, termo de Milagres.
Eram esses indios os Chocós e descendiam da Missão
da Baixa Verde (Pajeú de Flores), fundada no principio
do seculo passado pelo Missionario Frei Angelo, mui elo-
giado de Ferdinand Denis.
Com a morte do fundador os selvicolas dispersaram-
se, emigraram, sendo massacrados muitos delles por serta-
nejos Cearenses e Piauhienses. Aos que vagavam pela co-
marca do Jardim conseguira reunil-os Manoel José de Sou-
sa, mas em numero redusidissimo, não mais de 30. Desses
mesmos o cholera arrebatou grande parte e com elles
seu dedicado e solicito director.
Sobre a epidemia escreveu tambem um dos medicos
para aqui contractados, o Dr. Januario Manoel da Silva,
Bahiano, um opusculo com o titulo Breves Noções sobre
0 apparecimento da epidemia do cholera-morbus no Brasil,
seus diversos tratamentos, etc., Bahia, Typ. de Antonio
Olavo da França Guerra, 1863.
Alem deste vieram ao Ceará varios outros medicos
contractados. Do Relatorio do Presidente José Bento vê-se
que nos diferentes pontos estiveram em commissão 31
facultativos a convite do governo. Ou esse n.º ou o dos
medicos que teve o Ceará em 1878.
Outro folheto andou espalhado no Ceará Prescri-
pções Hygienicas e Therapeuticas acerca do cholera-morbus
fundadas na experiencia e organisadas pela Commissão de
Hygiene Publica de Pernambuco. Reimprimiu-o a Typ. Cea-
rense em 1856. Como se colhe da data, tinha tão somente
intuitos de prevenção, lavrando em todos os animos o
receio de que a provincia fosse assaltada, o que felizmente
se não realizou, não acontecendo o mesmo corn Fernam-
buco, e com o Pará onde penetrou em Maio de 1855
levada pelo Defensor, navio português e onde fez verda-
deiras hecatombes, como por exemplo em Cametã.
Na eminencia de um assalto do viajante gangetico
em 1886, pois algunias Republicas visinhas extorciam-se
então sob seu açoite, publiquei, por obedecer aos mes-
59

mos intuitos, um trabalho, que constitue a Parte II da


Sciencia Medica, Artigos de propaganda a que já me referi.
Em 1864, e pela ultima vez, reappareceu o terrivel
morbus no Ceará.
Como fizera na epidemia de 1862, o Dr. Antonio
Manoel de Medeiros apresentou au Governo um Relatorio
da commissão medica de que foi encarregado em 1864 nas
comarcas do Icó, Crato e Jardim. E' desse Relatorio o
seguinte quadro:
<a g
FREGUEZIAS INVASÃO TERMINAÇÃO É 9 E
< s
Lavras . . . 28deFev.o 29deJulho 1363 290
Crato . . . 25deMarço 15deJunho 1252 204
Missão Velha . 2 deAbril 20de » 667 95
lcó cc. sde 30 de Maio 541º 45
Barbalha ... asde » 26 de Junho 2268 48
Boa Vista . . 29de » mr de » 39 14
Milagres. . . 6deJunho 18de » 431 87
Jardim (Lama). q de Julho 4 de Agosto 38 3.
Total 6599 886
Na epidemia do cholera no Ceará a medicação em-
pregada visava, e não podia deixar de ser assim, com-
bater os symptomas à medida que iam apparecendo. Em
varios doentes foi experimentado, e sempre com proveito,
o succo do limão, verdade confirmada, como para outros
acidos, em ulteriores estudos de notaveis medicos entre
os quaes o Prof. Koch, a quem se deve o descubrimento
em 1883 do bacillus virgula.
O povo, entre os muitos remedios de sua therapeu-
tica de cascas e hervas, usava as infusões da pimenta ma-
lagueta, os cosimentos de ipecacuanha preta e trazia: como |
medicina preventiva enxofre.em pó nas meias ou pendente
ao pescoço até a região epigastrica um cordão em que
estava enfiada uma moeda de cobre que chamavam xem-.
xem; alguns traziam-a atada ás coixas.
bo

Muito posteriormente Burcq, à maneira de Raspail,


tão criticado pela Academia de Medicina de Paris, acon-
selhou placas de cobre sobre o estomago como prophy-
lactico do cholera; é o seu tratamento metalo-therapico
preventivo. E digam que o povo não tem a intuição da
medicina.
Dysenteria. Enfermidade propria dos climas quentes
e que leva todos os annos uma contribuição, embora pe-
quena, ao obituario de Fortaleza e de outras localidades
o Estado, a dysenteria atacou sob forma epidemica a
cidade de Fortaleza em i905.
As crianças foram as que pagaram mais largo tributo.
Como aqui, foram assoladas Maranguape e Pacatuba. Em
1907 e 1908 voltou a apparecer de novo epidemicamente
em Fortaleza, atemorisando a população inda lembrada
dos sustos por que passara em 1905 e conhecedora dos
factos de que havia 2 annos fôra theatro Recife donde se
irradiou o mal á Parahyba e ao Piauhy.
Chamou o povo ligeira a epidemia reinante; chama-
va-lhe tambem pernambuco, pelo facto de ter vindo do
Estado desse nome.
Para a explicação do mal, que reinou, penso ter
cabido a responsabilidadé principal ao uso de aguas in-
ficionadas. À meu ver a dysenteria é de origem hydrica
na maioria dos casos. Estava muito pejado de impurezas
o solo da cidade, cuja população cresce de dia a dia;
as chuvas abundantes que então cahiram (60mm,5 em Ja-
neiro de 1908, 108mm em Fevereiro, 226"; em Março,
210"m em Abril, 18;mm em Maio), filtrando-se e acarre-
tando temiveis elementos morbigenos contaminaram al-
gumas das fontes ou depositos de agua de que se abas-
tece a população; por outro lado as aguas de chuva
são polluidas, bem podem selo, pelas poeiras atmos-
phericas e pelas que estão depositadas nos telhados: dahi
o apparecimento dos casos, que, a principio isolados, es-
poradicos, chegaram a revestir.o caracter epidemico, cres-
cendo com o numero dos accommettidos a virulencia do
quid especifico a ponto de se registarem as formas as
61

mais graves, gangrenas do intestino, sobresaltos dos ten-


dões, estados typhicos.
Observei na epidemia de 1905 que se registaram va-
rios casos, e alguns delles fataes, nas habitações por cu-
jos quintaes corre o regato Pajehu.
Em 1905 falleceram por dysenteria em Fortaleza 8
pessoas em Fevereiro, 78 em Março e 142 em Abril,
avendo no dito periodo de 3 mezes mais 141 obitos
por enterite, gastro-enterite e entero-colite, o maior nu-
mero em crianças já se vê.
A epidemia de 1908 si bem que extensa foi muito
menos mortifera, registaram-se apenas 39 obitos. Em 1907
foram 30 os casos fataes.
Confirma-se assim o dizer de Patrick Manson: «Si
bem que certas epidemias de dysenteria affectem uma
malignidade que, felizmente, não é commum, a mortali-
dade directa e immediata dessa molestia não é muito ele-
vada graças aos nossos methodos therapeuticos modernos.
Peste bubonica. Essa nova entidade morbida conhe-
ceu-a o Ceará em 1900. Trouxeram-a partidas de farinha
importada do Maranhão e Pernambuco. Como sempre e
é de observação, foi precedida de grande mortandade de
ratos, Os primeiros a serem accommettidos.
Abatido o espirito publico com os casos de adenites,
enfartes glandulares que iam apparecendo aqui e alli,
com o fallecimento de muitos dos atacados, o presidente
Dr. Pedro Borges poz-se em communicação com o go-
vernador do Pará Dr. Paes de Carvalho e alcançou que
viessem ao Estado em missão especial o Dr. Francisco
da Silva Miranda e Giuseppe Martina, os quaes aporta-
ram á Fortaleza a 4 de Setembro, . E
Instalado o laboratorio de analyses numa das salas
do Paço Municipal, os exames procedidos no sangue e
serosidades extrahidas de tres doentes não revelaram o
bacillo de Kitasato-Yersin na opinião daquelles profissio-
naes, que chegaram à conclusão de que a molestia reinante,
longe de ser importada, tinha origem no proprio meio.
Posta de parte a idéa do mal levantino, a Commissão
foi buscar a origem da doença reinante nas aguas de For-
62

taleza e declarou haver encontrado nellas varios baciltos,


entre os quaes o typhico, o coli-communis, o putridus,
o violaceo, corpusculus esphericos de Laveran. Tratava-se
de uma epidemia de lymphadenite malarica (*).
Estava o Ceará liberto do fechamento de seus por-
tos ao commercio interestadual e estrangeiro, o que seria
o ultimo golpe para elle a braços com a secca daquelle
anno, que lhe roubou 28134 pessoas, forçadas á expa-
triação deante da criminosa indifferença do governo da
União. Devemos esse favor ao Parecer da Commissão
Silva Miranda.
Hoje, como então, não tenho a menor duvida que
o que andou por aqui foi o mal levantino, que ainda pos-
teriormente tem feito suas investidas não só à Fortaleza
como a Maranguape, Soure, Pacatuba, não se extendendo,
todavia, pela nossas proprias condições climatericas, a
alta temperatura em primeiro logar. Os focos em For-
taleza tem sido quasi sempre as mercearias ou casa con-
tigua a mercearias em que se vendem cereaes.
O mal é conhecido entre o povo cearense por fe-
bre de caroço.
*
4% *

Cada localidade do Ceará tem seus males, males que


attrahem a attenção: Fortaleza — as enfermidades que
acompanham o começar eo findar da estação pluviosa, isto
é, as bronchites, broncho-pneumonias, catarrhões, influ-
enzas, febres de fundo palustre, maxime no Oiteiro; vi-
sinhanças dos paúes do Cocó, pelos cursos do riacho Pa-
jehu e Jacarecanga, febres gastricas, a que as creanças
de preferencia succumbem e sempre por desvios da re-

(*) Relatorio apresentado ao Exm. Snr, Dr. José Paes de


Carvalho Governador do Estado do Pará pelo Dr. Prancisco da
Silva Miranda, em missão especial no Estado do Ceará, Belem,
'Typ. do Diario Official, 1900.
+
gular alimentação; Baturité e Acarape-—suas ulceras bou-
baticas, tão graves às vezes que reclamam a amputação,
transmissiveis pelo mosquito e pela mosca, nimiamente
contagiosas, que não são as boubas syphiliticas, ora ul-
cera atoucinhada lardacea desde o começo, .ora precedida
do cravo ou verruga que se transforma depois na ul-
cera; Aracaty—a syphilis; Lavras—as molestias cardiacas;
Icó—a tuberculose pulmonar; a região do Cariry—o tra-
choma e mais padecimentos occulares.
O presidente Silva Bitancourt em Relatorio de 1844
incitava os competentes ao estudo das endemias de ophthal-
mias que se desenvolvem pelo verão em Fortaleza, e o
Relatorio do medico Alves Ribeiro (Junho de 1859) de-
nuncia o numero consideravel de ophthalmicos; parece
que não temos melhorado nesse sentido, as affecções oc-
culares são tão frequentes em Fortaleza como outrora, e
devidas em grande parte à poeira.e á intensidade da luz.
Peior se poderá dizer das serras onde os mosquitos as
vão transmittindo de umas pessoas às outras, e da região
do Cariry, Crato, por exemplo, onde, segundo um especia-
lista, o Dr. Meton de Alencar (Do Trachoma no Estado
do Ceará) é rara a pessoa que não a tenha ou já não a
tivesse tido, parecendo a cidade antes um grande hospi-
tal de isolamento.
A granulação, como o povo lhe chama, é muito fre-
quente tambem: em Barbalha e Jardim, fazendo ahi cres-
cido n.º de cegos. Diz o Dr. Silva Mariz que 2/3 dos
cegos do Cariry são devidos a esse flagello e como prova
de sua frequencia adduz a terrivel informação de ter en-
contrado entre as 36 meninas de uma escola de Bar-
balha 26 trachomatosas.
Já Southey (1808) dizia que sendo o Crato a mais
abundante e deliciosa região do Ceará eram, comtudo,
endemicas ahi certas molestias dos olhos e das pernas.
Eminentemente contagioso como é o trachoma, cabe
ao Estadoa obrigação de oppor-lhe embaraços á marcha
e jugulal-o. O modo dilo a sciencia. Como se consegue
tem-se um exemplo no Estado de S. Paulo.
64
Em obra recentissima, La prevention de la cecité en
France, Trousseau demonstra como muitos outros paizes
Europeus vão adiantados nesse particular, a Hollanda,
por exemplo, para não citar outros, onde a proporção dos
cegos é de 4,46 para 10000 habitantes contra 8 para o
mesmo algarismo em França. Trousseau conclue do estudo
das estatisticas que 43 º/o dos casos de cegueira poderiam
ser evitados e mostra como graças a applicação rigorosa
das medidas prophylacticas desappareceriam por completo
a ophthalmia purulenta e a conjunctivite granulosa. Truc
avalia em 34% e Golesceano em 39% 0 n.º das ce-
gueiras evitaveis. A que grau de adiantamento tem at-
tingido a moderna sciencia! E quanto tambem nós, cea-
renses, somos alheios á noticia desse adiantamento ou
nos fazemos a elle indifferentes!,
À tuberculose é outra molestia que impressiona assás
no obituario de Fortaleza— 186 casos em 1906, 226
em. 1907 e 193 em 1908 afora as cifras elevadas com
a rubrica de molestias do apparelho respiratorio (95 em
1906, 67 em 1907 € 76 em 1908).
Em todos os annos verifica-se maior mortalidade por
tuberculose nas mulheres, nos individuos de 20 a 50 an-
nos, nos solteiros e nos alcoolicos.
Comparando Fortaleza com o Rio de Janeiro tem-se
paraa 12 a taxa percentual de 15,43 sobre a mortali-
dade geral para 1906 e de 18,51 para 1907 ao passo
que para a 2.2 (Rio) a percentagem é de 19,6 para 1905
e 18,7 para 1906. . .
Comparando Fortaleza com S. Paulo tem-se a taxa
percentual de 15,43 para 1906 € 18,51 para 1907 ao pas-
so queS. Paulo dá 6,59/ e 7,3% respectivamente. Em
tgo8 a percentagem para Fortaleza baixou a 14,63.
A' conta de factores multiplos, disse eu em trabalho
ja publicado, e ora repito, deve-se attribuir os muitos
casos de tuberculose, em Fortaleza: 1.º o grande numero
de individuos vindos de outros Estados e que succum-
bem aqui, e delles é a maior contribuição à cifra mor-
tuaria, devendo-se, pois, ter bem em vista essa conside-
5
ração, 2.º o augmento da densidade da população, veri-
ficando-se mais uma vez o acerto do principio de Farr,
3.º as molestias chronicas, cachexias, todos os generos de
viciamento e enfraquecimento organicos, miseria physio-
logica, emfim, que nos vão legando as seccas mais ou
menos rigorosas e nos atirando de retorno os pantanaes
na Amasonia, 4.º a syphilis e o alcool, outras duas le-
pras que corroem a cidade, 5.º a crença, infelizmente di-
vulgada, da não contagiosidade.
Sobre este ultimo factor poderia me extender, não
o faço, porem, visando a curteza destas Notas, em todo
caso sempre direi que ainda ha bem pouco arrancavam-
seno Ceará até as fechaduras e as dobradiças das portas
da casa em que um tysico morria e se destelhava a casa
para submettel-a à acção viva e directa do sol; e hoje
raras são as simples desinfecções dos domicilios infecta-
dos, podendo-se affirmar que em Fortaleza ha verdadeiras
casas de tuberculose pela falta absoluta de prophylaxia...
Ao contagio immediato se deve attribuir egualmente
o augmento da morphea em Fortaleza. Não ha anno em
ue ella não figure, mui poucos casos é verdade, ra lista
do obituario. A descrença dos cearenses quanto á contagio-
sidade da lepra é ainda maior que com relação a tu-
berculose. E isso mesmo nas altas camadas sociaes. A
descrença, porem, vae custando caro a algumas familias..
Em 1898 a proposito da Conferencia Internacional.
de Berlin realizada em Outubro do anno anterior publi-
quei na Revista da Academia Cearense um estudo sobre
32 casos de morphea de que tinha conhecimento; em
quasi todos elles vim a verificar a maneira como se ope-
rara a contaminação. Fortaleza não possue hospital de
isolamento.
Chamam tambem a attenção por sua frequencia em
Fortaleza as affecções do apparelho circulatorio (239 obi-
tos em 1908) e de modo todo especial os aneurysmas.

Como complemento aq meu despretencioso trabalho


aqui ajunto os seguintes quadros:
66

NUPCIALIDADE EM FORTALEZA
ToraL DOS CASAMENTOS

Annos Registo Civil Camara Ecclesiastica


tgot 78 216
1902 H2 176
1903 118 292
1904 n2 191
1905 173 311
1906 187 421
1907 174 383
1908 105 434
Como se vê do quadro supra os algarismos obtidos
no Cartorio do Registo Civil divergem muito dos da Ca-
mara Ecclesiastica, os unicos verdadeiros.
A Egreja recommenda aos nubentes o registo perante
o representante do governo, o povo foge, porem, de pre-
encher essa formalidade garantidora dos interesses ma-
teriaes da familia; attribuem todos o facto ás grandes des-
pezas a que os obriga o contracto civil.

FORTALEZA COMPARADA COM OUTRAS CIDADES DO BRASIL


QUANTO Á NUPCIALIDADE

Cidades Annos População Coei. po ,


Fortateza. 1908 60000 72,03
Capital Federal. . 1907 824000 8.27
S. Paulo . 1907 300000 06,34
Bahia. ... 1907 265000 1,89
Recife. . 1904 186000 2,80
Belem. . s. 1906 177000 6,81
Porto Alegre. .. 1907 100000 4,06
Curityba . 1908 58600 8,58
Manãos . .... 1907 52000 4,20
67

Cidades Annos População Coef por


Santos. +... 1907 50000 7,36
Nicteroi . ... 1907 45000 9,08
Bello Horisonte. . 1904 18000 8,60
Aracajú ..... 1906 17000 4,56
Natal... 1904 16000 3,23
Florianopolis . . 1907 13474 8,16
FORTALEZA COMPARADA COM CIDADES DO EXTRANGEIRO
QUANTO À NUPCIALIDADE
. a Coef. por
Cidades Annos População 1000 hãos.

Fortaleza. 1908 60000 7,08


Londres .-. . 1907 4758218 8,50
Paris +... 1907 2735165 L1,07
Berlin. +... 1907 2093318 11,15
Vienna. +... 1907 | 1979000 9,33
S. Petersburgo . . 1907 1506000 6,90
Roma . ... 1907 545000 6,72
Lisboa. . 1904 300000- 6,04
New-York. ... 1907 4286000 11,90
Buenos Aires. . 1907 1130000 8,36
Montevideo . . 1907 310000 6,98
NATALIDADE EM FORTALEZA
ToraL DOS NASCIMENTOS
Annos Registo Civil Camara Ecclesiastica
1901 326 1448
1902 372 1607
1903 370 1562
1904 334 1722
1905 368 1702
1906 395 1705
1907 424 1884
1908 393 2035
68

A observação por mim feita sobre a divergencia ex-


istente entre os dois registos —civil e ecclesiastico—quanto
aos casamentos tem agui muito maior applicação; ao
pobre pouco se lhe dá de scientificar ao Official do Go-
verno o nascimento dos filhos, não se dispensa, porem, do
baptismo delles na Egreja. Tambem si fossem verdadeiros
os dados do Registo Civil, comparados os que se referem
á natalidade aos da mortalidade, estava o Ceará, terra re-
conhecidamente prolifica, em vesperas de um terramoto
demographico, estava em peiores e mais lastimaveis con-
dições que a França, cujo desapparecimento gradual con-
stitue o mais grave problema para seus economistas e
homens politicos. O Ceará seria a córte do rei Malthus.
A extraordinaria discordancia se observa nas outras
cidades e villas do Estado; em Aracaty, por exemplo, ao
passo que o registo ecclesiastico em 5908 teve 438 bapti-
sados, sendo 234 do sexo masculino e: 204 do feminino,
364 legitimos e 74 illegitimos, e 59 casamentos, o registo
civil teve 160 nascimentos, sendo 92 do sexo masculino
e 68 do feminino, 91 legitimos e 69 illegitimos, e 41 casa-
mentos.
Os obitos registados foram. 141 no dito anno.
Sobre legitimidade e ilegitimidade dos filhos é a se-
guinte a estatistica para Fortaleza no ultimo quinquennio:

Recisto CiviL CAMARA EccLESà

Annos Legitimos Hlegitimos Legitimos Hlegitimos

1904 295 39 1481 241


1905 330 38 1459 243
1906 364 31 1493 212
1907 338 36 1603 281
1908 366 27 1743 292
69
FORTALEZA COMPARADA COM OUTRAS CIDADES DO BRASIL
QUANTO Á NATALIDADE

Cidades População Anno Coej. h h | “4

Fortaleza. 60006 1908 33,80


Capital Federal. . 824000 1907 25,33
S. Paulo. .... 300000 1907 35,60
Bahia. . 265000 1907 10,50
Recife. . 186000 1904 16,89
Belem. . .... 177000 1906 15,89
Porto Alegre. .. 100000 1907 33,75
Curityba . .. 58600 1908 31,40
Manaos . .... 52000 1907 15,81
Santos. . ... 50000 1907 46,52
Bello Horisonte. . 18000 1904 33,40
Aracaju . 17000 1904 34,36
Natal... 16000 1904 7,66
Florianopolis . 13474 1907 33,54

FORTALEZA COMPARADA COM CIDADES DO EXTRANGEIRO


QUANTO Á NATALIDADE

Cidades População Anno Coeff.


Fortaleza. 60000 1908 33,8
Londres . ... 4758218 1907 25,6
Paris... 2735165 1907 18,6
Berlin. ... 2093318 1907 24,3
Vienna .... 1979000 1907 24,8
S. Petersburgo . . 1506000 1907 30,4
Roma. ..... 545000 1907 23,5
Haya . c. 252000 1907 29,2
Christiania .... 230800 1907 25,3
New-York .... 4286000 1907 28,2
Buenos Aires -. . 1130000 1907 34,5
Montevideo. .. 310000 1907 26,9
O

MORTALIDADE EM FORTALEZA

NOS ULTIMOS 43 ANNOS

Annos Obitos Annos Obitos


1866 527 1887 921
1867 493 1888 1483
1868 596 1889 2502
1869 527 1890 1332
1870 651 1891 1385
1871 624 1892 1874
1872 683 1893 Is
1873 878 1894 1466
1874 666 1895 1540
1875 725 1896 1531
1876 803 1897 1743
1877 2665 1898 1458
1878 57780 1899 1937
1879 6822 1900 2016
1880 1793 1901 1348
1881 1065 1902 954.
1882 917 1903 1045
1883 975 1904 191
1884 1030 1905 1665
1885 to3o 1906 1206
1886 942 1907 12210
1908 Big
71

MORTALIDADE EM FORTALEZA QUANTO AO SEXO E À


EDADE

Annos Homens Mulheres Adultos Parvulos Total

1891 706 679 669 716 1385


1892 IO1O 864 832 1042 1874
1893 710 605 525 790 1315
1894 821 645 750 716 1466
1895 746 794 820 720 1540
1896 830 701 733 598 1531
1897 883 - B60 763 98o 1743
1898 778 680 710 748 1458
1899 1059 878 885 1052 1937
1900 1021 995 954 1062 2016
1901 677 671 773 575 1348
1902 . 467 487 553 401 954
1903 427 618 595 450 1045
1904 628 563 738 453 n9i
1905. 848 817 772 893 1665
1906 614 592 702 504 1206
1907 628 593 712 509 1221
1908 659 660 673 646 1319

Excesso Dos NASCIMENTOS SOBRE OS ÓBITOS EM FoR-


TALEZA NOS ULTIMOS OITO ANNOS

AÂnnos Nascimentos ÓÔbitos Excesso


1901 1448 1348 100
1902 1607 954 653
1903 1562 1045 517
1904 1722 HOI 531
1905 1702 1665 37
1906 1705 1206 499
190 1884 1221 663
190 2035 1319 716
61t1 1zzi gozi 4291 1611 Stor +46 ghti gioz L£6l “uol
1 o y z £ o l 1 € £ 001 E so dng
91 9 01

Aa
91 o 4 + 9 n o! e 16 92d
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RARA
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Ser bri cfi 671 gr Col 69 +ti chi gf o4 virag
gti lx tor dhi zor gti Lzr 691 giz £61 ot evitag
72

ARA
fer cfr gil Pri +ir ger for ofi 607 gi of vizad
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ths toh ox 649 orb Izt £6t Los Ltol 6% “souur o1 vo aq
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aHTVLA] MOIVH HOD OINNHDHA OWILTN ON VZITYLHO,] Ad JAVAITYLHOH
73
FORTALEZA COMPARADA COM OUTRAS CIDADES DO BRASIL
QUANTO Á MORTALIDADE

Cidades População Anno Coeffi. por


1000 habs.
Fortaleza. 60000 1908 21,9
Capital Federal. 824000 1907 19,47
S. Paulo. 300000 1907 19,20
Bahia . 265000 1907 18,50
Recife. 186000 1907 40,12
Belem. 177000 1906 20,29
Porto Alegre. 100000 1907 28,55
Curityba. 58600 1908 14,14
Santos. 50000 1907 29,62
Manaos 52000 1907 27,45
Florianopolis 35000 1907 24,06
Bello Horizonte. 18000 1907 23,50
Aracaju 17000 1905 23,60
Natal. 16000 1904 77,10

FORTALEZA COMPARADA COM CIDADES DO EXTRANGEIRO


QUANTO Á MORTALIDADE
Coeffi. por
Cidades População Anno
1000 habs.
Fortaleza. 60000 1908 221,€)
Bombaim. 977822 1907 39,0
Calcutá 848000 37,0
Cairo . 677000 » 37,7
Madrasta : 542000 »
49,5
Alexandria 376000 » 3541
Londres . 4758000 18,5
New-York. 4286000 » 18,5
Paris . 2735165 » 17,6
Buenos Aires 1130000 » 16,4
Montevideo . 310006 » 16,1
Bruxellas. 623000 13,7
Trieste 201000 » 26,3
6916 tzbo Lols oi£o gtog gigs Lios - * “songo
bio? sitg Orig Lhgo ghos fg6s stgs * - sojuameseo
teLbf zs00t itgst htrtt ixort Lroht Iozzt sojuaturoseN
8061 to61 9061 So61 +o6! fo6t ob!
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74

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SOSHIAI SONNY Ha
vavao) 0d OAVIST ON JAVANNVLHON à davarnvivN “aavaNvIDANN
STUDART( Guilherme, BARÃO DE). Filho do inglês John
William Studart e de Leonísia de Castro Studart, cearense. Nasceu
em Fortaleza, no dia 5 de janeiro de 1856. Fez o curso de prepa-
ratórios, inicialmente no Ateneu Cearense, de Fortaleza, e, por
fim, no reputado Ginásio Baiano, do Prof. Abílio César Borges,
com a conquista da medalha de Ouro como aluno excepcional.
Doutorou-se aos 21 anos de idade, em Medicina, na Bahia. Tur-
ma de 1877, alcançando a sua tese as notas distintas. De volta à
sua Província e com a morte do pai, ocorrida mal ele chegara, foi
nomeado Vice-Cônsul da Inglaterra no Ceará. Exercia as funções
consulares e clinicava, ao mesmo passo que se inclinava para as
investigações da história, especialmente a do Ceará. Espírito sem-
pre animoso e objetivo, concorreu para a fundação de diversas
instituições. Ele próprio é o responsável maior pela criação do
Centro Abolicionista (1884), do Instituto do Ceará (1887), da Aca-
demia Cearense de Letras (1894), da Associação Médico-Farma-
cêutica do Ceará(1894), do Centro Médico Cearense (1913), do
Círculo Católico de Fortaleza (1913), do Círculo de Operários Ca-
tólicos de Fortaleza (1915), do Instituto Pasteur (1918). No campo
das pesquisas do passado, tal foi sua dedicação, a sua obstinação,
a sua proficuidade no juntar documentos, informações e achegas
para documentar a evolução cearense, que se sagrou o Mestre
Excelso da matéria, acatado e consultado. Quase esgotou essa
documentação, organizando coleções riquíssimas e publicando
obras que são o mais imprescindível VADE-MECUM de todos os
que se entregam aos estudos e à interpretação da História do
Ceará. Por altos serviços prestados à Igreja, conferiulhe a Santa
Sé o título de Barão (1900). Faleceu em 25 de setembro de 1938.
A sua bibliografia é enorme, mas podem ser destacadas como
obras principais: NOTAS PARA A HISTÓRIA DO CEARÁ - SEGUN-
DA METADE DO SÉCULO XVIII, 1892; DATAS E FATOS PARA A
HISTÓRIA DO CEARÁ( 3 volumes); DICIONÁRIO BIO-BIBLIO-
GRÁFICO CEARENSE (3 volumes); PARA A HISTÓRIA DO JOR-
NALISMO CEARENSE, 1924; GEOGRAFIA DO CEARÁ, 1924. Do
Instituto do Ceará foi Presidente Perpétuo e Sócio Grande-Bene-
mérito. É o Patrono da Cadeira nº 11, da Academia Cearense de
Letras, ocupada por José Valdivino de Carvalho.(*)

(*) GIRÃO, Raimundo; SOUZA, Maria da Conceição,


Dicionário
da Literatura Cearense. Fortaleza, IOCE, 1987. p. 219.

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