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Regina Horta - História Dos Animais No Brasil Tradições Culturais Historiografia e Transformação

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História dos animais no Brasil: tradições culturais,

historiografia e transformação

Regina Horta Duarte 1

RESUMO
Este ensaio visa apresentar o estado da arte dos estudos sobre animais realizados pelos
historiadores no Brasil. Sérgio Buarque de Holanda identificou uma tradição cultural luso-
brasileira, na qual predominou uma relação de extrema imprevidência e antropocentrismo em
relação ao mundo natural e, consequentemente, aos animais, desde os primeiros anos de
colonização do território. Frente ao caráter inovador de algumas obras de Sérgio Buarque no
tratamento dos animais, e da reconhecida importância desse historiador, é surpreendente
que esse aspecto tenha sido obscurecido pela historiografia brasileira entre os anos 1960 e os
2000. Em anos recentes, os animais têm invadido o horizonte de interesse dos historiadores.
Não obstante, ainda não se pode falar num campo de estudos sobre animais realmente bem
estabelecido na historiografia brasileira. A conclusão discute as possíveis razões dessa lacuna.
Palavras-Chave: História dos animais; Historiografia brasileira; Sérgio Buarque de Holanda.

1
Doutorado em História pela Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, Brasil. Docente do Programa de Pós-
Graduação em História na Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, Brasil. reginahortaduarte@gmail.com

HALAC – Historia Ambiental, Latinoamericana y Caribeña • http://halacsolcha.org/index.php/halac


v.9, n.2 (2019) • p. 16-44. • ISSN 2237-2717
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História dos animais no Brasil: tradições culturais, historiografia e transformação
Regina Horta Duarte

PREGANDO AOS PEIXES

O padre jesuíta Antônio Vieira seguramente calculou com minúcia os


possíveis impactos dos seus argumentos e de sua retórica ao escrever o “Sermão de
Santo Antônio aos peixes” - ele que era consagrado por seu poder oratório. Proferido
em junho de 1654, em São Luís do Maranhão, o sermão ecoou num contexto de
conflitos entre jesuítas e colonos portugueses em torno das relações com os
indígenas. Se os colonos realizavam expedições para capturar nativos e escravizá-los
ilegalmente nas árduas lides nas plantações de tabaco e na coleta das chamadas
drogas do sertão, os jesuítas se esforçavam para manter seu estatuto de homens livres
garantido oficialmente pela Coroa Portuguesa. Nas lides como escravos, sucumbiriam
rapidamente, e suas almas seriam perdidas para o demônio. Mas uma vez reunidos nas
missões, seriam educados nos princípios cristãos, garantindo a salvação de suas
almas. Para Vieira, tratava-se também de salvar os colonos pois, atuando naquela
região desde janeiro de 1653, avaliava que também esses viviam na escuridão, sem
doutrina e sem sacramentos, tendo o Inferno como destino certo. Assim, além de
reforçar as denúncias que enviara nas cartas ao rei português D. João IV sobre a
situação de seus súditos no Estado do Maranhão e Grão Pará, Vieira conclamava
localmente os colonos à obediência aos princípios religiosos e às decisões da Coroa
sobre a liberdade dos indígenas. Diante das dificuldades que enfrentava em São Luís, o
padre decidiu ir a Portugal para conversar com D. João IV pessoalmente, mas apostou
na estratégia de semear a palavra antes de partir2.

Todo o sermão se estruturava a partir da alusão inicial à Santo Antônio de


Lisboa (1195-1231) que, cansado da indiferença dos hereges aos ensinamentos da fé,
voltou suas costas aos homens e decidiu pregar aos peixes. Para Vieira, nenhum ser
vivo era mais distante dos homens que os peixes. Teriam sido eles os primeiros

2
O Estado do Maranhão e do Grão Pará abarcava toda a região norte do Brasil, entre 1621 e 1772, com administração
própria e relações diretas com Lisboa. Sérgio Buarque de Holanda, A época colonial, do descobrimento à expansão.
História Geral da Civilização Brasileira, tomo I, vol. 1 (Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997). Sobre o Padre Vieira e sua
trajetória política e religiosa, ver: Alcir Pécora, Teatro do sacramento (Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra,
Campinas: Editora da Unicamp, 2016), Ronaldo Vainfas, Antonio Vieira: jesuíta do rei (São Paulo: Companhia das
Letras, 2011); Ernani Mügge e Daniel Conte, “Sermão de Santo Antônio aos peixes, ou a metáfora do imaginário
colonial português”, Navegações, v. 10, no 2 (2017):131-140. É importante destacar, com Pécora e Vainfas, que a
defesa dos jesuítas da liberdade dos indígenas não se originava em qualquer relativismo cultural, ou tampouco a
consideração da alteridade indígena. Antes, Vieira era um “colonizador de almas”. Vainfas, Antonio Vieira, 199.

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animais criados por Deus na face da terra, mas permaneciam como os mais
indomáveis, verdadeiramente indomesticáveis, não havendo “nenhum tão grande que
se fie do homem, nem tão pequeno que não fuja dele”. Nem mesmo nos sacrifícios
religiosos eram utilizados, já que era desejável que os animais chegassem vivos aos
altares, e isso era mais difícil em se tratando de peixes. Essa distância valeu-lhes
serem poupados da grande mortandade causada pelo dilúvio, pois Deus escolheu um
castigo que não os atingiu e, segundo explicara Santo Ambrósio, o Criador os isentara
pelo simples fato de viverem completamente alheios aos pecados humanos.

Inicialmente, Vieira elencava exemplos de como os peixes podiam ser


bons, chegando a comparar Santo Antônio com esses animais. No Antigo Testamento,
um peixe salvou o pai de Tobias de sua cegueira. No Novo Testamento, peixes
mataram a fome de Cristo e seus seguidores. Desde sempre, as sardinhas constituíam
o mais frugal alimento dos pobres. Recorrendo a exemplos da fauna local daquela
região do Brasil, Vieira elogiava qualidades como a persistência e a força de vontade,
tal como identificava nas rêmoras que se grudavam aos cascos dos navios para vencer
distâncias e desafios. Ressaltava a prudência e fé, evocando o exemplo dos peixes-4-
olhos, que vigiavam simultaneamente a superfície e as profundidades, como o cristão
zeloso que devia mirar as promessas do Céu e temer as armadilhas do Inferno
profundo3. O orador, entretanto, na sequência da argumentação, desenvolvia com
minúcia exemplos de outros animais aquáticos aos quais atribuía atitudes condenadas
pela Igreja e tipicamente humanas. Nos roncadores, identificava arrogância e orgulho;
nos pegadores, oportunismo; nos polvos, dissimulação e deslealdade, entre outros4.

3
Ver, respectivamente: Antigo Testamento, Tobias, cap. 6; Novo Testamento, Mateus 14: 15-21. Rêmoras são peixes
da família Echeneidae, cuja barbatana em forma de ventosa possibilita sua fixação em outros animais ou superficies, ao
que aumenta seu potencial migratório. Torpedos são peixes da família Torpedinidae que produzem corrente elétrica,
paralisando seus predadores. Os “4-olhos” pertencem à família Anablepidae, sendo duas espécies encontradas na
região onde Vieira então vivia, a Anableps anableps e a Anableps microlepis. Eles possuem apenas dois olhos, cada um
com uma dupla estrutura, aérea e aquática. Ver Valéria Oliveira, Nelson Fontoura e Luciano Muntag, “Reproductive
characteristics and the weight-length relationship in Anableps anableps (Linnaeus, 1758) (Cyprinodontiformes:
Anablepidae) from the Amazon Estuary”, Neotropical Ichthyology, v. 9, no 4 (2011): 757-766.
4
Roncadores integram, entre outros, a família Haemulidae, comum nas costas do Atlântico brasileiro, especialmente a
Anisotremus virginicus. O ruído do ronco é produzido pelo o atrito dos dentes. Entre os voadores, as espécies mais
comuns no Brasil são Cypselurus cyanopterus e Hirundichthys affinis. Ver Andrea de Araújo e Sathyabama Chellappa,
“Estratégia reprodutiva do peixe voador, Hirundichthys affinis Günther”, Revista Brasileira de Zoologia, v. 19, no 3
(2002): 691-703. Paradoxalmente, os peixes pegadores dificilmente podem ser distintos das rêmoras inicialmente
elogiadas, pois todos se fixam a outros peixes maiores com suas ventosas. Acredito que a distinção de Vieira em dois
momentos diferentes do discurso é apenas um recurso retórico.

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O que se torna claro ao leitor atento é que o Sermão aos peixes não é
sobre animais ou sobre as relações dos seres humanos com eles, mas é tão somente
sobre os homens que Vieira queria arrancar da insensibilidade. Virar-lhes as costas
era um recurso radical para despertar sua atenção, contando fábulas que incitavam o
arrependimento e a obediência aos princípios cristãos e às leis portuguesas. Além do
conteúdo religioso mais estrito, o sermão de Vieira – como tantos que compôs – era
uma peça política, social e cultural no intrincado jogo da colonização da América
Portuguesa.

A defesa da liberdade indígena em nada contrariava o eurocentrismo de suas


palavras e ações – pois tratava-se de garantir a salvação de suas almas, devolvendo-
lhes sua suposta centelha divina e “verdadeira” natureza humana. Na mesma lógica, as
representações que ele tecia sobre os peixes expressavam o profundo
antropocentrismo característico da cultura lusa em relação ao mundo natural. Isso é
especialmente significativo à luz da importância de Vieira ao longo de todo o século
XVII da história do império português. Como afirma Pécora, além do uso
extraordinário da língua portuguesa, ele protagonizou ou participou de alguma forma,
ao longo de sua longeva existência entre 1608 e 1697, de inúmeros eventos históricos
cruciais: a União Ibérica e a Restauração Portuguesa (1580-1640), missões diversas da
Companhia de Jesus na América, a invasão holandesa no Brasil, o exercício da
diplomacia portuguesa em vários cantos do mundo, a Inquisição, a literatura, as
querelas da escravidão e da liberdade das populações indígenas. Vieira foi um
personagem chave para quem se debruça sobre história do Império Português
setecentista. É pertinente, pois, argumentar que seu antropocentrismo é expressivo
do lugar social do qual foi enunciado5.

O conhecimento de Vieira sobre o mundo natural –expresso no


conhecimento sobre os peixes utilizado no sermão citado– não era uma exceção
entre jesuítas. Alguns biólogos consideram alguns escritos jesuíticos como os
primeiros estudos de história natural no Brasil, não apenas pelas informações
morfológicas, mas também pelas notas sobre ecologia e comportamento animal,

5
Pécora, Teatro do sacramento. Sobre o conceito de lugar social, ver Michel de Certeau, A escrita da história (Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1982), 66.

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mesmo que muitas vezes misturadas a lendas e mitos. Em 1560, muito antes do
Sermão aos peixes, Padre Anchieta escreveu a Carta de São Vicente enquanto
trabalhava na catequese dos índios da capitania de mesmo nome, situada no sudeste
da colônia, numa área integrada ao denso maciço florestal posteriormente nomeado
de Mata Atlântica. Dirigida ao Padre Geral, narrava coisas dignas de admiração ou
desconhecidas daquela parte do mundo. Anchieta descreve peixes, mamíferos
aquáticos e terrestres, répteis, insetos, aves, descrevendo características variadas
sobre cada um. Uma das avaliações predominantes sobre os animais elencados
versava sobre sua utilidade como alimento. Assim, os papagaios eram “todos bons
para se comerem”; o mel era farto e produzido por “quase vinte espécies diversas de
abelhas”; formigas içás tostadas constituíam deleitável e saudável iguaria, as infinitas
multidões de macacos eram “todas mui próprias para se comer”; o boi marinho ou
iguarará era “excelente para comer-se” e sua gordura, uma vez levada ao fogo,
produzia um excelente molho comparável à manteiga; o tamanduá era
“saborosíssimo”, seu sabor semelhante “à carne de vaca, sendo todavia mais mole e
macia” e assim por diante6.

Distantes quase um século, os escritos de Anchieta e Vieira convergem na


mesma lógica antropocêntrica de falar dos animais tão somente em função dos seres
humanos, mesmo que a sofisticação do pensamento político-teológico de Vieira se
distancie do utilitarismo prosaico de Anchieta. O que se delineava nesses enunciados
integrava uma rede ampla em que outros escritos e crônicas de autores portugueses
construíam e ofereciam imagens sobre o novo mundo, disseminando ideias, criando
realidades.

ROMPENDO TRADIÇÕES

Em seu livro clássico Visão do paraíso, publicado em 1959, o historiador


brasileiro Sérgio Buarque de Holanda analisou comparativamente as concepções de
6
Cândido de Mello Leitão, “Os jesuítas e a biologia no Brasil – conferência na Academia Brasileira de Sciências, no IV
Centenário da Companhia de Jesus”, Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 10 nov. 1940. Clayton Ferreira Lino,
“Prefácio” in Padre José de Anchieta, Carta de São Vicente, 1560 (São Paulo: Secretaria de Meio Ambiente, Instituto
Florestal, Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, UNESCO, 1997), 7-8; Anchieta, Carta de São Vicente, 13-29.
Segundo nota de Mário Olivério à edição citada, o boi marinho citado é o Trichechus manatus Lin., 1758, por ser
peculiar à região do litoral Atlântico.

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mitos edênicos logo após os descobrimentos. Esse autor argumentou que a forma
mentis lusitana – tal como expressa desde a carta de Pero Vaz de Caminha a El-Rey,
escrita em maio de 1500, até meados do século XVII, ou um pouco mais – gerava
descrições da natureza dominadas pelos padrões conservadores e arcaicos do
pensamento medieval, pela resignação e fatalismo alheios à curiosidade universal tão
marcante no humanismo ascendente em outras partes da Europa7.

Holanda realizou um estudo comparativo, explorando as mentalidades,


confrontando visões edênicas dos conquistadores europeus ao se depararem com a
natureza tropical e seus povos nativos. Os anglo-saxões chegavam à América do Norte
com a expectativa de construir um paraíso, e cada fundação era como a semente de
um Éden reinaugurado na terra pelas mãos dos homens. Os espanhóis buscavam, nas
novas terras, retornar ao paraíso perdido. Diferentemente, os portugueses agiam
dominados por uma mentalidade arcaizante, decorrente de seu processo histórico
precoce de formação do Estado absolutista. Construíram uma nação alheia aos voos
do pensamento renascentista, presos a uma “resignação ao real e ao imediato, essa
cautelosa e pedestre razão lusitana”8. Tomaram os mitos edênicos
predominantemente em seus aspectos mais evidentes, numa visão quase
desencantada. A exploração da colônia se fez sem projeto, sem plano, sem método,
por práticas individualistas e aventureiras que visavam ganhos imediatos, numa lógica
de colher o fruto sem plantar a árvore, da recompensa sem o esforço, da exploração
desleixada da natureza ao sabor das conveniências, deixando um legado de
destruição, numa obra ultramarina “eminentemente tradicionalista”9.

Para Sérgio Buarque, as raízes ibéricas permaneciam na sociedade


brasileira, em muitos “eldorados”: do açúcar, das minas, do tabaco e de uma sucessão
de outros gêneros agrícolas extraídos da terra fértil até que ela se torne infértil, do
7
Sérgio Buarque de Holanda, Visão do Paraíso, 6a ed. (São Paulo: Brasiliense, 1994), 5. A primeira edição dessa obra
é de 1959.
8
Holanda, Visão do Paraíso, 106. O pioneirismo de Holanda na análise das mentalidades, para Lima, decorre da leitura
do alemão Ernst Robert Curtius. Para Reis, a grande influência é Weber e seu modelo teórico sociólogico. Luiz Costa
Lima, “Sérgio Buarque de Holanda: Visão do Paraíso”, Revista USP no 53 (2002): 42-53; José Carlos Reis, “Sérgio
Buarque de Holanda: a superação das raízes ibéricas” in As Identidades do Brasil (Rio de Janeiro: FGV Editora, 1999),
115-143.
9
Holanda, Visão do Paraíso, 316. Ver ainda: Renato Martins, Tradição, modernidade e a história das Américas em
Visão do Paraíso (PhD Dissertation, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2017),
55, 101, 312; André Furtado, Das fortunas críticas e apropriações ou Sérgio Buarque de Holanda, historiador desterrado
(PhD Dissertation, Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2018), 257.

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ouro que se extrai até o esgotamento, tudo isso sem permanência de benefícios que
não o do fortalecimento dos interesses das elites oligárquicas. Essa “procissão de
milagres” perdurou por todo o período colonial, não foi interrompida pela
Independência, nem sequer pela República10. Para o autor, tratava-se de superar as
raízes ibéricas, de construir novos valores e práticas para a sociedade brasileira, de
romper, enfim, com um passado que as elites incessantemente reinventam e
reinauguram no presente, sufocando outras possibilidades para o futuro.

Voltando ao antropocentrismo e o utilitarismo dos escritos de Anchieta e


Vieira ao se referirem aos animais das diferentes regiões da colônia onde atuaram em
suas missões catequizadoras, é possível situar sua relação com os animais no âmago
das referências culturais compartilhadas pela sociedade luso-brasileira. Colonizadores
e colonos moviam-se no projeto de domínio imperial que cobiçava territórios, almas e
corpos indígenas, assim como toda a riqueza existente nos rios e solos, incluindo
metais preciosos, plantas e animais. Para tanto, milhões de homens e mulheres
africanas foram compulsoriamente adicionadas à história da conquista colonial.

No caso específico dos animais não humanos – mencionados e descritos


nas estratégias de conversão das almas ao catolicismo ou em sua utilidade para os
colonos luso-portugueses – permaneceram sem agência nem sentido próprio na
tradição escrita dos séculos XVI e XVII. Numa hipertrofia da separação ocidental e
cristã entre homem e natureza, a tradição cultural portuguesa aprofundou o fosso
dualista que relegava os animais à condição inferior, objetos a serem manipulados e
usados em proveito humano, já que criados por Deus para seu usufruto e
subordinação11.

10
Holanda, Visão do Paraíso, 334. Se hoje estivesse vivo, Holanda se depararia com um Brasil da soja e do gado que
avança de forma impiedosa sobre o bioma cerrado, dos garimpos ilegais na Amazônia e da sede de exploração de
minérios nas reservas indígenas, da derrubada da floresta por madeireiros ilegais, das grandes explorações
siderúrgicas e seu rastro de destruição ambiental, como ocorreu na explosão das barragens de resíduos de minérios
nas cidades mineiras de Mariana (2016) e Brumadinho (2019).
11
No caso específico aqui tratado, o legado português e colonial teria aprofundado – na interpretação de Buarque de
Holanda - o que foi conceituado por Plumwood como “standpoint of mastery”, um dualismo racional no qual o mundo
natural aparece subordinado ao homem . Essa autora ressalta a marca do patriarcado, pois mulheres, indígenas e
animais acabam englobados na visão predominante construída sobre o mundo natural. Segundo ela, “the category of
nature is a filed of multiple exclusion and control, not only of non-humans, but of various groups of humans and aspects
of human life which are cast as nature.” Val Plumwood. Feminism and the Mastery of Nature (New York: Routledge,
1993), 4. Da mesma autora, ver também Environmental Culture: The Ecological Crisis of Reason (New York: Routledge,
2002), 12. No caso do Brasil, seria possível incluir os africanos e seus descendentes, transportados e comercializados
como objetos para trabalharem na empreitada colonial.

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Ao apontar o caráter retrógado da tradição lusa e sua permanência ao


longo da história brasileira, Sérgio Buarque construiu interpretações sobre o Brasil
que visavam deliberadamente romper com essa forma mentis. Se Visão do Paraíso
remetia especialmente aos séculos XVI e XVII, outros de seus livros exploraram
diferentes épocas. Em 1945, o autor publicou Monções, onde analisou a expansão
geográfica no Brasil do século XVIII. Em 1957 publicou Caminhos e Fronteiras,
discutindo a expansão dos bandeirantes nos séculos XVIII e início do XIX 12. Em todos
eles, o autor inaugurou uma linha original de pensamento sobre as relações entre a
sociedade e natureza quase nunca suficientemente reconhecida pelos seus analistas
posteriores, fundando uma tradição historiográfica extremamente comprometida
com a transformação, num claro exemplo de como a operação historiográfica é
simultaneamente um discurso e uma prática13. O enfoque que esse historiador
reservou aos animais é especialmente estimulante, em páginas de especial interesse
para a atual e emergente história dos animais.

SÉRGIO BUARQUE E OS ANIMAIS

Sérgio Buarque de Holanda narrou a expansão territorial e as expedições dos


bandeirantes por largas extensões de matas tropicais e cerrados no centro-oeste do
Brasil, abordando aspectos cruciais da natureza material da vida humana em suas
relações com a cultura, a movimentação humana sobre o território, as relações
sociais, os valores morais, as formas de produzir, comer e vestir. Esses temas guiam as
interpretações de Monções e Caminhos e Fronteiras, obras fundamentadas em ampla
documentação de arquivos, cronistas e relatórios de autoridades.

Avançando em estreitas canoas pelos “caminhos que andam” – os rios –


ou caminhando descalços como os indígenas, mas com grossas roupas de couro pela
mata, os sertanistas e bandeirantes tinham que aprender e dominar um “rústico
alfabeto” para leitura do meio natural, com todos os seus limites e possibilidades.
Beneficiaram-se amplamente dos saberes indígenas. A necessidade vital de

12
Sérgio Buarque de Holanda. Monções 3a ed. (São Paulo: Brasiliense, 2000); Caminhos e Fronteiras 3a ed. (São
Paulo: Companhia das Letras, 1994). Nas próximas citações: Holanda, Monções; Holanda, C&F.
13
Certeau, A escrita da história, 78-86.

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observação do entorno para sobreviver determinava que “os laços que unem o homem
ao mundo ambiente” se estreitassem, configurando uma “comunhão assídua com a
vida íntima da natureza”. A vegetação das matas e o curso acidentado e
encachoeirados dos rios determinavam os tipos das canoas possíveis de serem
construídas e utilizadas. No meio da mata, para vencer a sede, era preciso saber
identificar árvores e plantas que serviriam como fonte de água. Havia também
consequências sociais, pois dias a fio em embarcações no meio da mata fechada
estimulavam a contenção dos comportamentos e o estabelecimento de regras e
limites da convivência.

Na narrativa de Sérgio Buarque, o “mundo ambiente” não é só cenário para a


ação humana, nem os animais são meros instrumentos passivos sob o seu poder. A
complexa história da conquista das fronteiras envolve seres humanos, plantas, rios,
animais e artefatos, em processos que não eram apenas de dominação do mundo
natural, mas antes – como alerta Wegner – de adaptação, de aprendizado dos
sentidos, de escuta dos ritmos dos seres da selva. Tampouco implicou
necessariamente em práticas de conservação da natureza mas, como Sérgio Buarque
aposta, pavimentou um novo modelo de civilização e modernização, diverso do
individualismo e da imprevidência dos primeiros dois séculos de colonização 14.

Animais são analisados, por Sérgio Buarque, como agentes em seu meio. Eles
condicionam as ações humanas, impõem a observação, instigam o conhecimento,
demandam soluções. Muitas vezes, o colonizador fracassa. A umidade da mata
arruinava as armas de fogo que, simplesmente, paravam de funcionar, e deixavam os
invasores sem defesa possível frente ao ataque de uma onça.

A interação com a vida animal constituía-se uma condição estratégica para a


sobrevivência. Nas matas, que pareciam negar ao homem dos meios de subsistir,
tornava-se essencial saber acompanhar o voo das abelhas e determinar “uma árvore
de colmeia entre centenares de troncos”, distinguir os rastros de animais diversos,
ouvir atentamente o menor ruído, proteger-se, caçar, pescar. Comiam-se içás

14
Robert Wegner, A conquista do Oeste, a fronteira na obra de Sérgio Buarque de Holanda (Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2000), 145-7, 211.

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(diversas espécies formigas cortadeiras do gênero Atta), e larvas diversas. Pesca e caça
também forneciam proteína e sabores.

Por outro lado, a ação dos animais também instaurava a ameaça de morte e de
doença, em situações em que a fonte de alimento era o ser humano, que passava da
condição de caçador à de presa. Piranhas arrancavam nacos de carne dos desavisados
que ousassem banhar-se em certos rios. Mosquitos diversos, carrapatos e bichos de
pé (Tunga penetrans) sugavam os caminhantes dia e noite, causando verdadeiros
tormentos e podendo mesmo levar à morte, fosse por malária, febre amarela, ou até
septicemia no caso de feridas que infeccionassem. Os invasores despertavam também
as estratégias de defesa de certos animais: serpentes numerosas aterrorizavam
mesmo os sertanistas mais atentos e experientes. Uma vez consumado, o ataque
mobilizava uma miríade de práticas de cura, superstições, rezas e benzeduras, numa
agonia humana resignada e estendida em vários dias. Jaguares se moviam pelas
“brenhas com rapidez e agilidade extrema”, avançando em silêncio e precisão,
atacando quando se sentiam ameaçados em seus territórios15. Nas áreas de ocupação
humana a presença de gafanhotos e grilos destruíam roçados, tornando os alimentos
disponíveis para os humanos mais escassos. Ratos, baratas e pulgas causavam
doenças, morcegos atacavam animais de criação.

À fauna nativa, os desbravadores acrescentaram espécies aclimatadas, como


porcos, galinhas, bois, cavalos, gatos, cães, mulas, muitos deles servindo de agentes de
dispersão de vários tipos de parasitas, ou transformando-se em vetores para insetos
transmissores de doenças. Todos eles tornaram-se competidores da fauna nativa por
espaço e comida. Toda uma farmacopeia se desenvolvia com utilização da fauna, mas
também as grossas vestimentas de couro, os instrumentos de utilidade diversa, as
redes os enfeites, os amuletos de chifres, dentes, unhas, cascos, ossos. Sérgio Buarque
demonstra a presença dos animais em tudo: estavam presentes, vivos ou mortos.16.

15
Holanda, Monções, 51, 101; Holanda, C&F, 36, 57, 95, 102-107. Walker, ao discutir as várias formas de intimidade e
proximidade entre seres humanos e outros animais, fala da “intimacy of violence”, quando o ser humano é alimento e se
transforma em energia para outro animal. Uma vez , puxado de volta ao metabolismo do reino natural, o ser humano é
“ripped from the safe confines of cultural dominium”. Brett L. Walker, “Animals and the Intimacy of History”, in The Oxford
Handbook of Environmental History, Andrew G. Isenberg ed, 52-75 (New York: Oxford University Press, 2014), 54. Ver
também Val Plumwook, “Being Prey”, Terra Nova 1, no. 3 (1996): 32-44.
16
Holanda, Monções, 27, 165-168. Holanda, C&F, 60, 79-81, 91, 95, 102.

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Em sua originalidade, Sérgio Buarque talvez tenha se inspirado na obra do


historiador Capistrano de Abreu. Em 1907, Capistrano explorou as relações entre
homens e animais na colonização, ao abordar a conquista dos sertões ao longo do vale
do Rio São Francisco. O grande ator da expansão territorial fora o gado vacum, no
contexto que o historiador denominou “civilização do couro”. De couro era o material
presente nas portas das cabanas, nas redes, na cama para partos, nas cordas, nos
alforjes, nas malas, mas bainhas de faca, na roupa para andar no mato, em tudo, enfim.
Os encarregados de cuidar dos animais viviam muito próximos aos animais, dormindo
muitas vezes com o gado, vigiando as vacas prenhes para que elas não parissem no
mato e se perdessem, matando onças, morcegos e cobras que molestassem os
animais. Nessas vastidões, havia muito mais gado que seres humanos, e a condução
das boiadas levava esses homens e animais a percorrerem, juntos, largas distâncias,
numa intimidade e convivência intensas17.

Três anos antes de Sérgio Buarque publicar Monções, em 1942, Caio Prado
Jr. lançou Formação do Brasil Contemporâneo, no qual argumentou que a pecuária era
um dos mais importantes capítulos da história brasileira. Não obstante ser um atento
leitor de fontes arquivísticas, o fascínio de Caio Prado Jr pela geografia tornou-o um
incansável observador de paisagens, e o trabalho de campo informou parte crucial de
suas interpretações. Caio Prado traçou as diferentes áreas da pecuária na colônia,
cada uma com condições naturais e técnicas de criação específicas, e na maioria delas
constatou, desolado, a permanência, no exato momento em que escrevia, da produção
extensiva e de baixa produtividade, com técnicas destrutivas de desmate e formação
de pastos, com o uso de largas faixas de território sem ganhos econômicos e sociais
efetivos18.

A despeito da relevância das análises de Capistrano e Prado Jr., apenas


Buarque de Sérgio Buarque apresenta uma visão em que animais ganham destaque em
si próprios, aparecendo como seres que conformam ações e reações humanas. Esse

17
João Capistrano de Abreu, Capítulos de História Colonial, 5a ed. (Brasília: Editora UnB, 1963),147-148.
18
Caio Prado Jr. Formação do Brasil Contemporâneo, 1942 (São Paulo: Companhia das Letras, 2011), 195-221. Ver
ainda: Paulo Henrique Martinez, A dinâmica de um pensamento critico: Caio Prado Jr. (São Paulo: Edusp, 2008). Sobre
os temas de história em natureza em Holanda e Prado Jr. ver ainda: Regina Horta Duarte, “Nature and Historiography in
Brazil”, Iberoamericana América Latina, España, Portugal 3 no 10 (2003): 23-36.

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legado instigante, como veremos a seguir, foi obscurecido pelas tendências


historiográficas no Brasil, por várias décadas que se seguiram, a despeito do
reconhecimento geral de Sérgio Buarque como um dos nossos maiores historiadores.

HISTÓRIAS SEM ANIMAIS

Os animais praticamente desapareceram na historiografia acadêmica


brasileira. Ao longo dos anos 1960 e 1970, historiadores brasileiros realizaram valiosos
estudos, enfrentando o contexto histórico de repressão e a supressão das liberdades
individuais e de pensamento. As contribuições foram profícuas em áreas diversas,
como teoria da historia e historiografia (com grande pesquisadores como José
Honório Rodrigues, Maria de Lourdes Janotti, Amaral Lapa, Carlos Guilherme Motta),
história da escravidão (Emília Viotti, Kátia Mattoso), história econômica (Alice
Canabrava, Fernando Novais, José Jobson Arruda), história agrária (Maria Yedda
Linhares), história política (Raimundo Faoro, Francisco Iglésias, Bóris Fausto, José
Murilo de Carvalho), história urbana (Eulália Lobo, Raquel Glezer, Maria Stella
Bresciani), além de uma vertente mais profundamente marxista (Jacob Gorender,
Nelson Werneck Sodré). Sérgio Buarque e Caio Prado permaneceram ativos, com
grandes obras sobre história sócio-política-cultural e como atores essenciais da
consolidação do campo historiográfico no país, mesmo em tempos sombrios 19.

Na década de 1980, uma grande renovação historiografia ocorreu, com a


relativização da ortodoxia estruturalista e marxista e, especialmente, com a
emergência de novos atores na cena política. A anistia e o retorno de importantes
intelectuais às academias brasileiras após anos de estudos nas universidades
europeias e norte americanas, a ascensão dos movimentos sociais no Brasil, com
destaque para as greves operárias de 1979, a fundação do Partido dos Trabalhadores
(1980) e do Partido Verde (1986), o movimento das Diretas-Já (1984), a proximidade do
centenário da abolição da escravidão (1988) provocando uma série de reflexões sobre
a situação dos afrodescendentes na sociedade brasileira, enfim, uma série de eventos,

19
Essas vertentes historiográficas estão fora do interesse imediato do presente ensaio, não obstante sua importância
inegável. Por isso, esta autora preferiu omitir os dados de edição das obras seminais de cada um desses historiadores.

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processos, lutas e novidades demandaram os historiadores novas respostas, pesquisas


e reflexões. Os intelectuais foram tomados de grande otimismo na capacidade criativa
e transformadora da sociedade brasileira20.

Seria difícil citar aqui todas os temas explorados desde então, mas o grande
impulso inicial ocorreu em duas frentes principais. A história do movimento operário
voltou-se para as condições de vida e trabalho e as estratégias cotidianas de luta
contra a exploração. A história da escravidão renovou-se, catapultando os
escravizados e seus descendentes ao papel de protagonistas da história, tocando
numa pedra de toque do racismo arraigado na sociedade brasileira. As interpretações
históricas conferiram nova complexidade às relações entre dominantes e dominados,
privilegiando diversos atores como agentes políticos e sociais decisivos. Tratava-se de
recuperar as falas e ações dos sujeitos históricos. Na sequência dos trabalhadores
livres e escravizados, e especialmente a partir da década de 1990, os historiadores
brasileiros voltaram-se também para os trabalhadores rurais (fossem lavradores,
seringueiros, ou ainda os participantes dos vários movimentos milenaristas no Brasil,
como Canudos ou Contestado), artesãos, indígenas, caricaturistas, artistas
mambembes, ciganos, mulheres, homossexuais, “loucos”, cantores de rádio, crianças,
estudantes, boêmios, sambistas, quilombolas. Uma pluralidade de vozes povoou a
história do Brasil.

Atores não humanos demorariam, entretanto, a merecer a atenção dos


historiadores. A história ambiental passou a ser feita no Brasil neste milênio com
surpreendente desenvolvimento, especialmente se compararmos o que existia em
2008 (ano da realização da IV Simpósio da SOLCHA, em Belo Horizonte, na
Universidade Federal de Minas Gerais), com a atual comunidade acadêmica brasileira
envolvida e com uma produção científica dinâmica, em 2019 (ano da realização do 3rd
World Congress of Environmental History, em Florianópolis, na Universidade Federal
de Santa Catarina).

20
Maria Celia Paoli, “Os trabalhadores urbanos na fala dos outros: tempo, espaço e classe na história operaria
brasileira‟, in Anais do Encontro da Associação Brasileira de Antropologia (Rio de Janeiro: Museu Nacional, UFRJ,
1982), 16-65; Eliana Dutra & Yonne Grossi, “Historiografia e movimento operario: o novo em questão”, Revista Brasileira
de Estudos Políticos 65 (1988): 77-108; Angela de Castro Gomes, “Questão social e historiografia no Brasil pós-80:
notas para um debate”, Estudos Históricos 34 (2004): 157-186.

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Não obstante o rico contexto historiográfico da história ambiental no Brasil, a


história dos animais ainda permanece um tema timidamente explorado no conjunto
das pesquisas aqui realizadas.

ANIMAIS NÃO HUMANOS

O primeiro trabalho específico sobre história dos animais escrito por um


historiador brasileiro parece ter sido o de Aprobato Filho, sobre os animais na cidade
de São Paulo, nas primeiras décadas da República. Expressão da riqueza do ambiente
historiográfico brasileiro contemporâneo, tão propício quanto receptivo à emergência
de novas temáticas, o trabalho foi defendido como tese de doutorado em História
Social, na Universidade de São Paulo, em 2007, e é quase desconhecido pelos
historiadores ambientais propriamente ditos. Após um trabalho de mestrado sobre as
sonoridades urbanas, esse historiador mostrou-se capaz de ouvir a historicidade dos
sons dos animais não humanos, numa perspectiva que os ressalta como agentes nos
contextos históricos. A tese foca animais nas suas relações com os poderes
municipais, as instituições científicas, as novas tecnologias que mudaram as paisagens
urbanas, e as práticas humanas diversas de sensibilidade e convivência. A história da
capital paulista integrou um processo de ocultamento das relações entre a sociedade
e a natureza pela ação modernizante das elites econômicas e com a mediação das
tecnologias que, desde o final do século XIX, mudavam radicalmente o ambiente
urbano. Com forte inspiração benjaminiana, a tese é um trabalho pioneiro,
fundamentada em exaustiva pesquisa documental e em amplo e sofisticado diálogo
com a literatura internacional sobre o tema21.

Outra historiadora que se dedica atualmente à história dos animais como


foco principal de suas pesquisas é a autora do presente artigo. Após incursões mais
experimentais sobre a história da relação entre o circo e seus animais, a sociedade
21
Nelson Aprobato Filho, “O couro e o aço: sob a mira do moderno, a „aventura‟ dos animais pelos „jardins‟ da Paulicéia,
final do século XIX, início do XX”(PhD dissertation, Universidade de São Paulo, Brasil, 2007).
doi:10.11606/T.8.2007.tde-16072007-113730
O autor demonstra como a obra do filósofo alemão é repleta de importantes notas sobre animais não humanos,
especialmente Walter Benjamin, Rua de mão única (São Paulo: Brasiliense, 1993). Mais recentemente, o autor realizou
um pós-doutorado no MIT sob a supervisão da professora Harriet Ritvo. Uma de suas últimas publicações é Aprobato
Filho, “Colecionadores da beleza: a singularidade natural das borboletas em perspectiva histórica e multidisciplinar”,
História, Ciências Saúde – Manguinhos 25 no. 2 (2018): 598-600.

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brasileira e os pássaros, assim como o caráter provocativo da zoogeografia, passei a


me dedicar exclusivamente ao tema na investigação em andamento sobre a história
dos zoológicos na América Latina, abraçando a perspectiva da história dos animais, da
história ambiental urbana, assim como da história política22.

Cabral, pesquisador da história das florestas, publicou importante artigo


sobre as formigas na América Portuguesa, explorando um viés não antropocêntrico.
Nos encontros entre os vários atores que se movimentavam nesse território, Cabral
apresenta as formigas como sujeitos a serem ouvidos, e demonstra como as
interações entre elas, as populações indígenas e os colonos neoeuropeus
exemplificam atitudes diversas de negociações ou de intransigência dos seres
humanos. Cabral atualmente desenvolve pesquisas em que os animais emergem como
ativos elementos não humanos dos processos históricos no mundo colonial
português, entre 1549 e 169423.

Kury reuniu historiadores e um antropólogo em torno de uma obra


cuidadosamente ilustrada, disposta a compreender melhor as práticas humanas em
suas associações com os demais seres vivos. Nesses textos, o leitor se encontra com
os animais que viveram nas aldeias indígenas do território que veio a ser o Brasil, nas
representações da cultura europeia sobre a fauna nacional, em manuscritos antigos,
nas coleções zoológicas brasileiras de museus europeus e norte-americanos, nos sons
dos animais descritos pelos viajantes dos séculos XVIII e XIX, mas representações
imaginárias da Panthera onca24.

Sobre história ambiental com foco em insetos, mesmo que em análises


mais próximas da história da agricultura do que da história dos animais, há o trabalho
de Oliveira, que explora os aspectos agronômicos e simbólicos envolvidos no combate

22
Regina Horta Duarte, “Cavalinhos, leões e outros bichos: o circo e os animais”, Varia História 26 n.26 (2002): 97-106;
Duarte, “Pássaros e cientistas no Brasil: em busca de proteção”, Latin American Research Review 41 no 1 (2006): 3-26;
Duarte, “Zoogeografia do Brasil: Fronteiras nacionais, percursos pan-americanos”, Latin American Research Review 49
no. 1 (2014): 68-83; Duarte, “Zoos in Latin America”, in: William Beezley.ed. The Oxford Research Encyclopedia of Latin
American History. New York: Oxford University Press, 2017.
https://oxfordre.com/latinamericanhistory/view/10.1093/acrefore/9780199366439.001.0001/acrefore-9780199366439-e-
439 Duarte, “El zoológico del porvenir: narrativas y memorias de nación sobre el Zoológico de Chapultepec, Ciudad de
México, siglo XX”, Historia Critica 21 no 72 (2019): 93-113.
23
Diogo de Carvalho Cabral, “O Brasil é um grande formigueiro: território, ecologia e a história ambiental da América
Portuguesa”, parte I, HALAC 3 no.2 (2014): 467-489; parte 2, HALAC 4 no.1 (2015): 87-113.
24
Lorelay Kuri (org.), Representações da fauna do Brasil, séculos XVI-XX (Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson Estúdio,
2014).

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às saúvas, flagelos da agricultura nacional, durante o período republicano25. A pesquisa


ainda em andamento de Fernandes sobre pragas de gafanhotos na Argentina, Brasil e
Uruguai, com primeiros resultados já publicados, explora as trocas científicas e ações
conjuntas de combate aos insetos pelos países citados. Extrapolando a perspectiva
ambiental agrícola, suas análises abrem a possibilidade de diálogo com a história dos
animais, ao apontar como os gafanhotos impunham-se como força biológica,
ignorando fronteiras e movimentando-se de forma a desafiar as ações humanas de
controle26.

Na interface da história agrícola e ambiental, Carvalho e Oliveira


exploram a modernização da suinocultura no Paraná, nas décadas de 1960-1970,
esboçando o debate sobre as relações entre humanos e suínos 27. Hickie, Oliveira e
Quinteiro, em seu estudo sobre a criação de mulas no sudeste brasileiro nos séculos
XVIII e XIX, descortinam um horizonte promissor de estudos sobre um importante
tema historiográfico, a história das tropas e do abastecimento. Demonstrando a
importância da mula na economia, no transporte e na simbologia cultural da cultura
das “tropas”, os autores colocam o animal no centro dessa história28.

No campo da história ambiental urbana, Rocha investigou a historicidade das


práticas de abate animal para o consumo humano de carne, no Paraná, em fins do
século XIX e, mais recentemente, no doutorado em andamento sobre os matadouros

25
Valéria Mara de Oliveira, “Nascidas do Sol e da Chuva: Minas Gerais e o combate às saúvas”, Dissertação de
Mestrado, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil, 2007.
http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/handle/1843/BUBD-9EFM7M Ver ainda, da mesma autora: Oliveira, “O Brasil
contra a saúva: considerações sobre a Campanha Nacional de 1935”, Cadernos de Pesquisa do CDHIS-UFU 23
(2010): 563-580; Oliveira, “De insetos e outros bichos no papel”, Revista do Arquivo Publico Mineiro 51 (2015): 154-
161.
26
Valéria Dorneles Fernandes, “Pragas de gafanhotos: relações entre natureza e sociedade, Argentina, Brasil e
Uruguai, 1890-1950. Da autora, ver: Fernandes, “Combate à praga de gafanhotos na América do Sul: diferentes
técnicas apresentadas pelo Almanaque do Ministério de Agricultura de la Nación (Argentina, 1925-52)”, Estudios
Rurales 8 no. 15 (2018): 232-256.
27
Miguel Mundstock Xavier de Carvalho e Odair Oliveira, “Memórias de criadores de suínos: a modernização da
suinocultura vista a partir da experiência dos criadores, Paraná”, Revista de História Regional 23 no. 1 (2018): 134-150.
Há importantes trabalhos de brasilianistas sobre frente de expansão pastoril no Brasil. A história do gado na região sul
foi pioneiramente estudada por Stephen Bell, Campanha Gaúcha: a Brazilian Ranching System, 1850-1920 (Stanford:
Stanford University Press, 1998). No estado do Mato Grosso, obra mais recente privilegia aspectos econômicos, sociais
e políticos do ranching, focando, além do gado, jaguares, moscas e outros animais do cerrado e pantanal. Robert W.
Wilcox, Cattle in the Backlands: Mato Grosso and the Evolution of Ranching in the Brazilian Tropics (Austin: University
of Texas Press, 2017).
28
Mark Hickie, Rogerio Oliveira e Mariana Quinteiro, “The Ecological, Economic, and Cultural Legacies of the Mule in
Southeast Brazil”, Society & Animals 26 (2018): 1-20.

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no Rio de Janeiro, abrindo diálogo mais específico com a história dos animais29.
Fonseca também partiu da questão do consumo de carne, mas seu trabalho se
desenvolve entre a história do tempo presente e a história dos animais, analisando a
mudança de sensibilidades desde os anos 1970, no Brasil30. Com consistente
sofisticação teórica, os trabalhos de Ostos sobre a história das sociedades protetoras
dos animais têm assumido relevância na configuração desse campo do conhecimento
no Brasil, e a apresentam como uma das historiadoras atualmente dedicadas
exclusivamente a esse tema31.

O foco neste ensaio tem se concentrado, até agora, na produção


historiográfica sobre animais, especialmente produzidas no crivo da história
ambiental. É preciso ressaltar, entretanto, que outras áreas de estudo na academia
brasileira têm apresentado produções relevantes. A maior contribuição vem
provavelmente da antropologia, e a existência de dossiês dedicados ao tema dos
animais em importantes publicações brasileiras da área de antropologia mostra como
o interesse e as pesquisas aí se encontram bastante consolidados 32. A antropologia no
Brasil, talvez por ser uma disciplina fundamentalmente situada no desdobramento de
si e na abertura ao outro, tem refletido em duas frentes que não se opõem, antes se
enriquecem em diálogo constante. A questão da agencia animal “toma os animais
como sujeitos, seres co-constitutivos, em suas relações, das coletividades humanas e
copartícipes da vida social onde quer que ela se manifeste”. Numa segunda frente, os
animais são tomados como signos ou símbolos, “objetos de um tipo muito particular
por meio dos quais as sociedades humanos elaboram ideias, valores, discursos e

29
Lucas Vinicius Erichsen Rocha, “Passagens e novas fronteiras dos abates: o Matadouro Municipal de Ponta Grossa e
a historicidade dos espaços de matança animal centralizada” (Dissertação de mestrado, Universidade Estadual de
Ponta Grossa, Paraná, 2015) http://tede2.uepg.br/jspui/handle/prefix/368
30
Maira Kaminski da Fonseca, “Da crueldade à libertação: análise dos níveis de sensibilidade em relação aos animais
no Brasil pós década de 1970” (Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Santa Catarina, 2018).
https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/189165
31
Natascha Stefania de Carvalho Ostos, “Por que devemos ser bons para com os animais? A formação prática e moral
dos brasileiros por meio dos discursos de proteção aos animais (1930-1939)”, Historia Critica 21 no. 71 (2019):49-68;
Ostos, “União Internacional Protetora dos Animais de São Paulo: práticas, discursos e representações de uma entidade
nas primeiras décadas do século XX”, Revista Brasileira de História 37 no. 1 (2017):1-22.
32
Os dossiês sobre animais em revistas de antropologia no Brasil estão em: “Dossiê Relações humanos e animais”,
Anuário Antropológico, 37 no. 12 (2012); “Dossiê Animais e humanos”, AntHropológicas 24 no. 1 (2013); Cadernos
Eletrônicos de Ciências Sociais (CADECS) 3 no.1(2015); “Dossiê Animalidades plurais”, R@u – Revista de Antropologia
da UFSCar 7 no.1 (2015); “Dossiê Humanos e não humanos”, Revista de Estudos e Investigações Antropológicas 3 no.
1 (2016); “Dossiê Animais em contextos rurais e indígenas”, Teoria & Cultura 11 no. 2 (2016); “Dossiê Antropologia das
relações humano-animal: paisagens simbólico-práticas de coexistência”, Iluminuras 17 no. 42 (2016); “Dossier Animals
in Anthropology”, Vibrant – Virtual Brazilian Anthropology 13 no. 2 (2016).

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opiniões a respeito de variados tópicos: gênero, nação, raça, parentesco, moralidade,


hierarquia, escatologia”. Dentro da antropologia surgem ainda instigantes críticas à
noção de não-humano – que definiria tudo além do humano pela falta dessa condição
de “humano” – e à ênfase excessiva no animal como sujeito. Essa abordagem traz o
risco de incorrer no individualismo já tão criticado pelas ciências humanas. O
conceito de relações/interações propiciaria análises muito mais significativas do que
aquelas que tomam apenas os indivíduos33.

O pioneirismo da antropologia feita no Brasil na sua abordagem dos animais


talvez possa ser explicado pelas características primordiais de um conhecimento
construído em experiências etnográficas decorrentes de trabalho de campo junto às
diversas e numerosas comunidades indígenas e tradicionais por todo o território.
Nesses encontros com cosmologias que oferecem uma leitura diversa do mundo em
que habitamos, os antropólogos acessam leituras relacionais e multinaturalistas, que
lhes possibilitam repensar seus próprios valores culturais e, mais especificamente,
afastar-se da tradição de antropocentrismo luso-brasileiro analisada por Sérgio
Buarque em sua interpretação do Brasil.

Eduardo Viveiros de Castro, em seu livro magistral sobre os Araweté, povo de


língua tupi-guarani da Amazônia oriental, no submédio Xingu, no Pará, discute como
os ameríndios imaginam uma continuidade metafísica e uma descontinuidade física
entre os seres do cosmos, numa ontologia integralmente relacional 34. Velden, em
estudos recentes e realmente estimulantes, partilha resultados de sua convivência
com os Karitiana, em Rondônia, analisando a relação entre povos indígenas e os xe-r-
mimbawa – termo que remete aos animais de criação ou animais familiares35. Também
entre os antropólogos brasileiros tem sido intensa a leitura de autores que unem
antropologia e ontologia, em debates que exigem uma perspectiva além do humano,
como propõe Haraway, seja no conceito de “espécies companheiras”, seja ao lançar a

33
Felipe Vander Velden, “Apresentação ao dossiê „animalidades plurais‟”, R@u 7 no.11 (2015): 7-16.
34
Eduardo Viveiros de Castro, Araweté: os deuses canibais (Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor/Anpocs, 1986), p. 221-
228. Ver ainda Viveiros de Castro, Perspectivismo e multinaturalismo na América Indígena”, in: A inconstância da alma
selvagem (São Paulo: Cosac & Naify, 2002), p. 345-400.
35
Felipe Vander Velden, Inquietas companias: sobre os animais de criação entre os Karitiana (São Paulo: Alameda,
2012). Ver também seu livro mais recente, Velden, Jóias da floresta: antropologia do tráfico de animais (São Carlos:
EdUFscar, 2018).

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questão da nossa relacionalidade com o que não é humano como a “quarta ferida ao
narcisismo primário”. Kohn também tem sido atentamente discutido pelos
antropólogos brasileiros, na sua redefinição de noções de pensamento e
representação, por sua experiência com os povos amazônicos Runa (Ecuador), num
enredamento radical entre humanos e os outros seres vivos36.

Voltando à análise da produção historiográfica brasileira sobre os animais, é


possível constatar os primeiros sinais de sua existência, mas ainda impressiona sua
incipiência. Não se pode falar de uma área de estudos estabelecida sobre história dos
animais no Brasil. A alentada literatura internacional sobre esse tema vem
desenvolvendo substantivas especificidades teóricas e metodológicas. Parte dos
historiadores no Brasil tem abordado o tema dos animais, sem que necessariamente
dialoguem de forma mais sistemática com o arcabouço reflexivo já disponível, e que
estabelece conceitos, debates, cuidados e grandes desafios, num campo de pesquisa
rigoroso e estimulante37.

Essa ausência é ainda mais angustiante por três aspectos. Em primeiro lugar,
pelo fato de o Brasil ter uma fauna nativa e aclimatada incrivelmente diversa, além de
uma história calcada na participação de animais nas mais diversas atividades
econômicas e nas variegadas práticas culturais, religiosas e artísticas de nossas
populações, ao longo do tempo, e nos diferentes espaços do território. Em segundo
lugar, pelo fato de Sérgio Buarque, um dos mais respeitados historiadores brasileiros,
ter explorado magistralmente a temática das relações entre homens e animais numa
de suas obras mais magistrais e impactantes, Visão do Paraíso, em 1956, e que tem
várias e comemoradas reedições. Se a contribuição de Sérgio é sempre lembrada e
discutida em variados aspectos – destaque para o conceito de “homem cordial” e sua
interpretação das “raízes do Brasil” – o foco privilegiado nos animais foi
36
Donna Haraway, The Companion Species Manifesto (Chicago: Prickly Paradigm Press, 2003), Haraway, When
Species Meet (Minneapolis: University of Minnesota Press, 2008). As três primeiras feridas do narcisismo primário,
elencadas por Jacques Derrida, seriam a copernicana, a darwiniana e a freudiana. Eduardo Eduardo Kohn, How Forests
Think: Toward an Anthropology Beyond the Human (Berkeley: University of California Press, 2013). Sobre o impacto
significativo dessa abordagem entre antropólogos brasileiros – cujas obras permanecem sem tradução para o português
– ver, por exemplo, Iara Maria de Almeida Souza, “Review”, Horizontes Antropológicos 21 no. 43 (2015): 411-416.
37
Ver: Erica Fudge, “A Left-Handed Blow: Writing the History of Animals”, in Representing Animals, Nigel Rothfels ed.
(Bloomington: Indiana University Press, 2002): 3-18; Harriet Ritvo, “On the Animal turn”, Daedalus 136 no.4 (2007): 118-
121; David G. Shaw, “A Way with Animals”, History and Theory 52 (2013): 1-12; Susan Nance, “Introduction”, in The
Historical Animal (Syracuse: Syracuse University Press, 2015), p.1-18; Zeb Tortorici and Martha Few, “Writing Animal
Histories” in Centering Animals in Latin America (Durham: Duke University Press, 2013), p.1-27.

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surpreendentemente relegado ao esquecimento. Em terceiro lugar, a historiografia


brasileira nas últimas décadas sempre esteve afinada às dinâmicas da pesquisa
histórica em todo o mundo, seja pelo crescimento vigoroso das pós-graduações, seja
pela ativa circulação de nossos profissionais pelos meios acadêmicos estrangeiros,
seja em congressos, pós-doutorados ou estágios no exterior. Por que os historiadores
brasileiros ainda permanecem pouco estimulados por esse tema? Qual a explicação
dos animais seguirem quase invisíveis na história do Brasil?

RESULTADOS E DISCUSSÕES

CULTURAS DA NATUREZA – À GUISA DE CONCLUSÃO

Em sua obra clássica de apologia à história e reflexão sobre o metier do


historiador, Marc Bloch definiu a história como a “ciência dos dos homens no tempo”.
Estaríamos a ponto de romper com essa definição, ao propor uma história dos
animais? Eu diria simultaneamente que sim e que não, por dois motivos.

Em primeiro lugar, a história dos seres humanos é também uma história dos
animais. Não há retorno da segunda ruptura narcísica, desde que Darwin escandalizou
a sociedade vitoriana ao evidenciar a condição do Homo sapiens. Integramos a vida
animal no planeta. Falar do humano implica recuperar nossa condição biológica e as
dimensões materiais de nossa existência. Podemos criar miríades de práticas
socioculturais e tecnológicas em torno do sexo, do nascimento, da doença, da
alimentação, da morte. Mas não há como escapar do fato irredutível de que nascemos,
nos alimentamos, nos reproduzimos, e morremos. Nem mesmo nosso corpo individual
é uma unidade “fechada”, como mostra Donna Haraway:

“os genomas humanos podem ser encontrados em apenas cerca de 10% da


totalidade das células que ocupam o espaço mundano que chamo de meu
corpo; e os outros 90% das células são recheadas com genomas de bactérias,
fungos, protistas, e similares, alguns orquestrando uma sinfonia absolutamente
necessária ao meu ser vivo, alguns pegando carona sem fazer dano ao resto de
mim, de nós. (...) Ser um é sempre vir a ser com muitos”38.

38
Haraway, When Species Meet, 3-4. Livre tradução pela autora deste artigo.

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Em segundo lugar, uma história que não inclui os animais omite um ponto
crucial da trajetória das sociedades humanas no planeta Terra. E isso também vale,
claro, para o Brasil, porque os animais sempre compuseram a vida dos seus
habitantes. Muito antes da chegada dos portugueses, populações nativas
relacionavam-se com a fauna na construção de visões de universo, na caça, aliança e
convívio afetivo. Eram, por vezes, presas, por vezes, caçadores. Os europeus
trouxeram seus animais, fascinaram-se com os que encontraram, mas também tantas
vezes os desprezaram e os julgaram unicamente pela utilidade, a exemplo de Anchieta
e Vieira. O gado pisoteou a terra rumo ao sertão, conquistando o território, e seu
couro tornou-se matéria prima dos mais variados objetos de uso diário. Bois
acompanharam o dia a dia dos engenhos de cana de açúcar e, junto com mulas e
jumentos, cruzaram as montanhas e vales da região centro sul, transportando
galinhas, ovos, leite, queijos, torresmos, banha. Animais integravam os inventários
post-mortem preservados nos arquivos, assim como a Historia Naturalis Brasiliae,
publicada em 1648 por Willem Piso e George MarcGraf e as obras de viajantes como
Jean-Baptiste Debret. Cavalos encheram as ruas das cidades no despertar da
urbanização de capitais como o Rio de Janeiro, Recife e São Paulo, logo no início da
República. Cães perambulavam pelas ruas, famintos e alquebrados, sensibilizando
habitantes burgueses de São Paulo e do Rio de Janeiro, fundadores das primeiras
Sociedades Protetoras. Pássaros enfeitaram os chapéus das mulheres elegantes.
Couros de animais silvestres compuseram exportações legais e ilegais. Animais
diversos povoaram os picadeiros dos circos que percorriam as pequeninas vilas do
interior, mas também as coleções zoológicas do Museu Nacional e no Museu Paraense
Emilio Goeldi. Invadiram as páginas literárias de autores como Machado de Assis,
Guimarães Rosa, Clarice Lispector. Compuseram as imagens do cinema de Humberto
Mauro e de Nelson Pereira dos Santos, saltaram dos traços do pincéis de Alberto
Guignard e Tarsila do Amaral, dos versos dos poemas de Carlos Drummond de
Andrade, da música popular brasileira. Foram inimigos da Nação, causadores da
malária que dizimou milhares de homens durante a construção da Ferrovia Madeira-
Mamoré, na Amazônia, assim como da febre amarela que avassalou o Rio de Janeiro
entre fins do século XIX e início do século XX. Formigas ameaçaram acabar com o

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Brasil, caso o Brasil não fosse capaz de dar cabo delas. Corpos de animais circularam
nas mesas de vivissecção, nos matadouros instalados nas cidades, nas bancas das
vendas e mercados, nas receitas de sopa de tartaruga e pastel de passarinho 39.

Tais exemplos poderiam se estender quase indefinidamente, mas o que


interessa é argumentar que nunca estivemos sozinhos. A despeito de os documentos
históricos serem uma produção humana, os rastros dos animais poderão ali ser
encontrados por quem se exercite em identificá-los. O que mais impressionará o
pesquisador, provavelmente, será a constatação de que eles sempre estiveram ali,
num ponto até então cego de sua mirada.

***

A tarefa de escrever ensaios historiográficos é sempre temerária e cercada de


possibilidades de fracasso. Ao longo do desafio desta escrita, perseguiu-me a suspeita
de que nossa relação com os animais permanece ligada à tradição luso-brasileira
particularmente antropocêntrica, tributária silenciosa de heranças culturais
individualistas e imediatistas, que julgávamos ter ultrapassado há tempos.

Atualmente nos deparamos com um governo eleito por 57,7 milhões de


brasileiros que faz o elogio da destruição da natureza em prol do lucro imediato,
adota a omissão como estratégia frente ao extermínio de populações indígenas e à
destruição dos diversos habitats de vida silvestre por grileiros e madeireiros ilegais,
lança o projeto de transformar áreas preciosas de conservação ambiental em
“Cancuns” brasileiras, defende o garimpo como caminho para o “progresso”, decreta a
liberação do plantio de cana de açúcar em áreas preciosas como o Pantanal
Matogrossense e Amazônia.

Guillermo Castro ressalta a importância de cultivar uma “cultura da


natureza”, que explore “la formación de lo ambiental como objeto de conocimiento
autónomo, que emerge de la valoración crítica del impacto de las interacciones entre
los sistemas sociales y naturales, y de sus consecuencias para nuestras sociedades y

39
R.C.M. O cozinheiro imperial (Rio de Janeiro: Laemmert & Cia, 1840), 13,173,

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nuestro entorno natural”40. Além da postura de “quem vier depois que se arranje”,41
quais práticas diferentes dessa integraram a história da sociedade brasileira ao longo
dos séculos? Quais outras podemos sonhar construir no presente e fazer prosperar no
futuro?

Em seu Sermão de Santo Antônio, Vieira lançou mão de um recurso retórico ao


dirigir-se aos peixes, fingindo adotar uma atitude que julgava no limite do absurdo.
Mas voltar-se para os animais como estratégia para falar aos seres humanos talvez
não seja algo tão delirante assim. É mais do que tempo para que os historiadores
brasileiros abram seu campo de observação e escuta para os animais, e rompam de
vez o injustificável silêncio que ainda predomina sobre eles.

AGRADECIMENTOS

A autora agradece aos organizadores do dossier, aos pareceristas anônimos,


ao CNPq e FAPEMIG. Natascha Ostos e Tom leram os originais, e contribuíram com
importantes sugestões.

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41
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Animal History in Brazil: cultural traditions, historiography and


transformation

ABSTRACT
This essay aims to present the state of the art of animal studies conducted by historians in
Brazil. Sérgio Buarque de Holanda identified a Luso-Brazilian cultural tradition, in which a
relationship of extreme unpredictability and anthropocentrism prevailed in relation to the
natural world and, consequently, to animals, since the first years of the territory’s
colonization. Given the innovative character of some of Sérgio Buarque's approach to animals,
and the acknowledged importance of this historian, it is surprising that this aspect was
obscured by Brazilian historiography between the 1960s and 2000s. In recent years, animals
have invaded the horizon of interest to historians. However, one cannot yet speak of really
well established field of animal studies in Brazilian historiography. The conclusion discusses
the possible reasons for this gap.
Keywords: Animal history, Brazilian historiography, Sérgio Buarque de Holanda.

Recebido: 30/05/2019
Aprovado: 10/11/2019

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