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A IMAGEM DO JUAZEIRO DO NORTE DENTRO DA HISTÓRIA DO BRASIL

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A IMAGEM DO NORDESTE DENTRO DA HISTÓRIA DO BRASIL

INTRODUÇÃO
Falar do Nordeste de modo geral, já se vem em mente de muitas pessoas, uma
região seca e a imagem de um sertanejo com uma enxada na mão e aquele sotaque
“matuto”. Mas na verdade, o nordeste é uma região cheia de belezas naturais e culturais
bastante diversificadas.

Ao passar na televisão um ator famoso representado um personagem nordestino,


logo ele é visto ou como faxineiro ou como malandro de rua, que se veste aos trapos e é
analfabeto.

O nordestino diante dessa representação se ver humilhado, tornando-se até


constrangedor. Porém não são apenas as pessoas de outras regiões que ridicularizam
nossa imagem. Os próprios nordestinos muitas vezes auto se ridicularizam, passando
essa imagem para outras pessoas que não entendem bem o contexto de nossa historia e
acabam por delimitar o nordeste em geral de uma forma cultural sertaneja.

Nordeste é uma coordenada cartográfica situada entre o norte e o leste. A


palavra Nordeste é a junção da palavra Norte com Leste. É a região brasileira que possui
o maior número de estados (nove no total): Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba,
Piauí, Pernambuco (incluindo o Distrito Estadual de Fernando de Noronha e o
Arquipélago de São Pedro e São Paulo), Rio Grande do Norte (incluindo a Reserva
Biológica Marinha do Atol das Rocas) e Sergipe.

O Nordeste é também conhecido, nacionalmente, pelos seus dialetos e sotaques


próprios. A característica mais conhecida é a do sotaque chamado, vulgarmente,
"arrastado", devido ao excessivo uso de exclamações durante o diálogo em algumas
áreas da região, além de expressões únicas.
OBJETIVOS GERAIS

OBJETIVOS ESPECIFICOS
ÍNDICE

1. Introdução*................................................................................................
2. Objetivo geral............................................................................................
3. Objetivos específicos..................................................................................
4. Contexto histórico do nordeste*...............................................................
5. Seca e pobreza: Marca registrada do
Nordeste*.....................................
6. A imagem real do santo nordestino*........................................................
7. O sertanejo modernizado..........................................................................
8. A construção da imagem do Nordestino dentro da constituição de
identidade nacional*............................................................................................
9. Anexo..........................................................................................................
10. Bibliografia*...............................................................................................
CONTEXTO HISTÓRICO DO NORDESTE

Na época do Brasil Colônia, a região Nordeste foi o berço da colonização


portuguesa no país, de 1500 até 1532, devido ao descobrimento por Pedro Álvares
Cabral com o objetivo de colonização exploratória, que neste caso consistia em extrair
pau-brasil, cuja tinta da madeira era utilizada para tingir as roupas da nobreza europeia.
Com a criação das capitanias hereditárias, deu-se o início da construção da primeira
capital do Brasil, Salvador, em 1549. Desde o início, foi criado o governo-geral no país
com a posse de Tomé de Sousa.
Em relação aos aspectos naturais, há as presenças dos climas equatorial
úmido, litorâneo úmido, tropical e tropical semiárido, sendo que o último é
predominante. A cobertura vegetal predominante é a Caatinga, mas também há faixas
importantes de Mata dos Cocais, Mata Atlântica e Cerrado. Existem diversos tipos de
plantas na caatinga, sendo uma delas o mandacaru, um tipo de cacto, que pode ser
considerado como um reservatório natural de água, mas em dimensões irrisórias para o
consumo do contigente da região.
Na região do sertão pode ser encontrada vários poços subterrâneos, porém sua
água é água salobra. A sua dessalinização ainda é um processo caro e que pode ser um
incômodo para os políticos que forem aversos ao desenvolvimento do local, já que
libertaria a população da Indústria da seca. Existem grandes açudes em algumas
cidades, mas que são mal utilizados. Uma solução para grandes períodos de estiagem é a
criação de cisternas. Esse fato constitui-se um dos principais problemas da gestão
integrada de recursos hídricos no Brasil.
Em áreas que estão afastadas do oceano e isoladas por regiões montanhosas
como o Planalto da Borborema ocorre a escassez de água causada pela estiagem,
principalmente em períodos em que o fenômeno El Niño se manifesta. Em um períodos
de longas secas, como nas décadas de 1950 a 1980,[3] vários nordestinos morrem de
sede, inanição ou de doenças e problemas de saúde causados pela seca, fazendo com
que muitos dos sobreviventes se mudassem para outras regiões. Entretanto, parte do
Maranhão não sofre com problemas de seca, por estar situado às margens do complexo
regional da Amazônia.
SECA E POBREZA: MARCA REGISTRADA DO NORDESTE

Uma das características distintivas do Nordeste é a presença de vastas áreas


dominadas pelo clima semi-árido. Esse clima, cuja principal característica é a
irregularidade das chuvas, ocorre na sub-região do sertão, onde podem se alternar anos
com chuvas intensas com anos marcados por secas catastróficas.
Nas épocas de seca, a população brasileira acostumou-se a acompanhar, pela
mídia, o sofrimento de multidões de flagelados que se dirigem para cidades do próprio
Nordeste ou para centros urbanos do Sudeste. A repetição periódica dessas imagens
conduz à falsa conclusão de que os altos níveis de pobreza verificados na região são
resultados direto das condições adversas.
Mas uma questão importante é que toda vez que se fala em secas ou então
pobreza, logo se dar ênfase ao nordeste, especificamente ao sertão o que acaba
delimitando o conhecimento de muitas pessoas sobre essa região. É raro encontrar em
um livro de geografia ou dados do IBGE, o nordeste sem estar ligado diretamente a
seca.
Por mais que seja um fator real da região, não podemos dizer que é uma
característica que define o Nordeste em meios a tantos conteúdos. O fenômeno seca se
tornou um problema para ser resolvido por superiores, no inicio do século XX, o
governo federal criou a Inspetoria Federal de Obras contra a Seca (DNOCS). Esse órgão
definiu espacialmente a atuação do governo com a delimitação de uma área conhecida
como polígono das secas, que abrange todo o sertão, parte do meio-norte e porções
restritas do Agreste e mesmo da Zona da Mata.

A IMAGEM REAL DO SANTO NORDESTINO

Pouca gente sabe ou fez questão de ignorar que o maior ícone religioso do
Nordeste, o padre Cícero Romão Batista, o “padim ciço”, foi excomungado pelo Santo
Ofício em 1917 devido a suas atividades em total dissintonia com a religião e
desobediência freqüente aos seus superiores hierárquicos, o que numa organização
monocrática como a Igreja Católica é fatal. Justamente por isso, o fenômeno do “padim
ciço” é um dos exemplos mais eloqüentes do quanto anda distante a religiosidade
popular e a igreja oficial.
A nova biografia do religioso, Padre Cícero – Poder, fé e guerra no sertão,
escrita pelo jornalista Lira Neto, (Companhia das Letras) esclarece os vários e
conturbados episódios que envolveram a vida desse personagem controverso que se
relacionava com jagunços e cangaceiros, tendo inclusive “concedido” a patente de
capitão ao mais famoso bandoleiro nordestino, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.
Além disso, meteu-se nas lutas políticas do Ceará, “fez-se primeiro prefeito de Juazeiro
do Norte”, elegeu-se deputado federal e vice-presidente (governador) cearense,
acumulou grande fortuna.

Milagre em Juazeiro - Curiosamente, talvez o maior pecado de Padre Cícero,


acusado pela Igreja de “mistificador, aproveitador da boa-fé do povo” foi justamente a
atividade que transformou Juazeiro do Norte no destino de milhares de romeiros que
vão cultuar o “santo”.

Lira constata que o padre tornou-se onipresente no Nordeste, sendo difícil


encontrar um lar, principalmente no interior da região, sem uma imagem dele.

Como isso tudo começou, provavelmente pouca gente sabe. Lira mostra que a
origem de tudo está na série quase interminável de “milagres” e atividades sobrenaturais
que teriam ocorrido em Juazeiro no final do século 19 sob os auspícios de Cícero.

Uma personagem se destacou entre as beatas que diziam falar com santos e
realizar viagens ao purgatório e ao céu: Maria de Araújo. Era uma protegida de Cícero
que produzia o milagre de “transformar a hóstia consagrada em sangue de Cristo”.

O impacto no imaginário popular de um evento dessa natureza pode ser


acompanhado pela narrativa de Lira Neto. Ele levantou todos os detalhes do caso que
chegou a ter duas comissões eclesiásticas nomeadas pelo bispo de Fortaleza para
comprovar ou desmascarar o “milagre”.

Os feitos de Maria de Araújo, replicados em outras beatas da região, levaram


multidões e riqueza a Juazeiro, alçando Padre Cícero a uma espécie de porta voz
celestial terreno na visão do povo. Acabou sendo sua desgraça religiosa, pois o caso se
desdobrou na investigação que determinou sua excomunhão.
O livro de Lira mostra como o fanatismo e a ignorância é capaz de anestesiar
multidões. É um fenômeno que repercute ainda hoje no Nordeste e pode se ampliar
ainda mais, pois o Vaticano estuda a reabilitação do padim ciço.

A excomunhão foi suspensa em 1921, mas Cícero permaneceu suspenso de suas


atividades religiosas para sempre. O movimento para a sua reabilitação se deve à
posição pragmática da Igreja nos últimos anos, devido ao crescimento das seitas
evangélicas que vêm conseguindo “roubar” milhares de ovelhas do rebanho católico.
Nesse cenário de crise como abrir mão de um ícone como Padre Cícero que, mesmo
expulso da Igreja, tem a imagem cultuada por católicos de todo o Brasil? Antes de se
eleger papa, o cardeal Josepht Raztzinger que comandava a organização sucessora da
Inquisição a “Congregação para a Doutrina da Fé” começou o processo que ainda
tramita no Vaticano.

O SERTANEJO MODERNIZADO
A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DO NORDESTINO DENTRO DA
CONSTITUIÇÃO DE IDENTIDADE NACIONAL

Quando pensamos no papel da indústria cultural na formação da identidade,


principiamos por nos assustar com sua imensa presença concreta. O poema “Eu,
etiqueta” de Carlos Drummond de Andrade, já começa com o susto:
Em minha calça está grudado um nome
que não é meu de batismo ou de cartório,
um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
que jamais pus na boca, nesta vida.
Em minha camiseta, a marca de cigarro
que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produto
que nunca experimentei
mas são comunicados a meus pés.
O poema afirma que os objetos contêm “ordens de uso, abuso” e modifica o
“costume, hábito, premência”. Em outros artigos, tenho analisado como o artista
moderno procura reconstituir sua percepção do mundo de modo a recriá-lo e sair da
banalização burguesa do sagrado e do profano. O desencantamento burguês e positivista
esvazia a esfera do sagrado para melhor dominar e enfraquecer o sujeito na esfera do
profano, alienando-o de seu próprio trabalho (Marx) e apassivando sua recepção do
mundo no controle técnico do lazer.
Assim, o profano é neutralizado política, estética e socialmente. A estratégia do
artista moderno é, resgatando algo da mística tradicional, reencontrar o sagrado na
minúcia profana, revivificar a percepção no trabalho formal com o objeto estético. A
partir dele pretende-se formular uma ascese particular, uma estética da existência que
potencialize a experiência sublime, que desafia a estrutura subjetiva para a fortalecer,
contra a estetização da indústria cultural, que aniquila a experiência e enfraquece o
sujeito. Penso que desde Baudelaire até hoje abundam exemplos nesse sentido, mas
cada caso revela uma estratégia específica.
Aceitar a multiplicidade e a diversidade de vozes e presenças no Brasil nunca foi
fácil para a elite local. Os sentimentos ambivalentes de fascínio e repulsa, preconceito e
aceitação, envolvimento e distanciamento e a dificuldade de reconhecimento do outro
em si mesmo compõem a história da construção da identidade nacional.
Um exemplo claro da construção da imagem do nordestino pode-se encontrar na
obra clássica de Euclides da Cunha Os Sertões, em que o autor logo de início apresenta
dois grandes capítulos sobre a Terra e sobre o Homem para, a partir da descrição
detalhada das suas características, narrar e contextualizar a guerra de Canudos ocorrida
no sertão da Bahia.
A partir do paradigma naturalista, a importância do meio combinado às
características da raça justificava, categoricamente, os porquês do comportamento do
brasileiro. A exemplo disso via-se o negro do litoral sendo mais malevolente, o homem
do sertão mais sisudo e ríspido, a mulata sensual... E, assim foi-se criando um Brasil de
tipos (degenerados) e construindo no discurso sobre a identidade nacional o contorno de
alguns estereótipos.
Se o mestiço (indolente) é um dado concreto, o que é apontado como ideal para
o progresso do país é a possibilidade de um branqueamento da sociedade brasileira,
numa tentativa de processualmente ir minando as características negativas do nosso
povo, para finalmente construir um Estado Nacional. Neste sentido, a idéia de Nação
aparece muito mais como uma meta a ser alcançada do que como uma realidade.
Em resposta a esse aforismo o movimento regionalista do Norte/nordeste
ressurge de forma intensa, nos anos vinte, arregimentado principalmente por Gilberto
Freyre. Intelectuais, políticos e artistas da região se articulam e, de diversas formas (nas
artes, nas produções literárias, jornalísticas...), encontram um jeito de dizer quem são e
para que veio o movimento, institui-se, neste momento, o que hoje conhecemos como
Nordeste, até então chamado de região Norte.
Stuart Hall, em seu livro A identidade cultural na pós-modernidade, interroga a
possibilidade de uma identidade nacional representar um coletivo de forma
conciliadora, já que na situação colonial a conquista e a dominação entre diferentes
povos se dão a partir de um exercício constante de disputa de poder Cada conquista
subjugou povos conquistados e suas culturas, costumes, língua e tradições, e tentou
impor uma hegemonia cultural mais unificada. Nesta disputa de poder interna qual
dos Brasis seria eleito como o mais adequado representante da Nação?
O historiador Durval M. Albuquerque Jr sugere no subcapítulo Norte versus Sul,
do seu livro A invenção do Nordeste e outras artes, que o Sul seria eleito naturalmente o
fundamento da nação e explica que tal situação se deve ao fato de que, tanto o Sul
quanto o Norte, de formas diferentes, afirmavam o Norte enquanto espaço associado ao
rural. O primeiro evidentemente, de forma pejorativa, como o lugar de representação do
atraso, da violência, do barbarismo e da miséria, e o segundo como o lugar da
brasilidade mais pura, distante das influências estrangeiras, lugar do homem forte do
sertão, mas também (e por interesses da elite) como lugar onde, de fato, a seca era um
dos mais fortes elementos de constituição da região, alarmando a necessidade de
grandes investimentos para a superação da pobreza e do abandono. Além disso, ambos
tratavam o cangaço e o messianismo pejorativamente como fenômenos causados pela
natureza.
É neste cenário de organização de imagens opostas do nordeste e do nordestino
que a célebre obra de Euclides da Cunha Os Sertões, publicada em 1902, pôde servir
como uma das fundamentações para ambos os argumentos, completamente díspares
entre si. O seu discurso ambíguo e contrastante oferece substrato suficiente para
produzir tanto uma estereotipia negativa em que se inferioriza o sertão/nordeste, quanto
uma estereotipia positiva em que se enaltece esta região e o seu povo.
Apesar de suas fortes convicções naturalistas, próprias de uma geração de
intelectuais influenciados pelas teorias evolucionistas, deterministas e racistas, Euclides
da Cunha se depara com a vida no sertão e a partir do que assiste durante a guerra de
Canudos é tomado por profundos conflitos epistemológicos visivelmente presentes na
sua obra. As imagens que constrói daquele lugar e do homem que o habita são
totalmente ambíguas e por vezes contraditórias. Assim, a paisagem desoladora e
desértica é a mesma paradisíaca, uma terra que vai Da extrema aridez à exuberância
extrema (p.231), e o seu habitante, o sertanejo, apesar de ser o homem
permanentemente fatigado, cambaleante e sem prumo, de um só assalto pode se
transformar em um titã acobreado e potente ágil e forte. Enfim, entre os saberes de sua
época e a vontade de exaltar a memória dos canudenses, Euclides acaba por levantar
uma grande questão para o Brasil, quem será esse povo desconhecido: vencido ou
vencedor?
Desta forma, são estas e outras afirmações de Euclides da Cunha, aliada as
demais obras também de cunho naturalista que, por volta do início do século XX, dão
vazão aos divergentes discursos construídos pelos intelectuais do Sul e do Norte sobre a
nova região do país chamada Nordeste. É neste contexto que pretendo perceber de que
forma foi construído o estereótipo do povo que habita esta região o nordestino/sertanejo.
O historiador Durval Muniz Albuquerque Jr. inicia o seu livro A Invenção do
Nordeste e outras artes, convidando-nos a olhar o Nordeste na mídia: novelas,
documentários, reportagens jornalísticas e, principalmente, programas de humor. O que
geralmente aparece em cena é um lugar bem distante (de quem?), com pessoas
engraçadas, que fala errado, se veste com roupas emendadas, usam maquiagem
exagerada, dão tiro e peixeradas para todo lado... O que se encontra de comum em todas
estas imagens pitorescas e risíveis é um discurso concreto que produz um incômodo nos
moradores da região e, que pode gerar ao mesmo tempo uma intrigante aceitação do
lugar de marginal frente a uma cruel estratégia de estereotipização.
Assim como propõe Homi Bhabha em seu ensaio A Outra Questão: o
Estereótipo, a Discriminação e o Discurso do Colonialismo, no qual discute a questão
da alteridade a partir da construção do estereótipo no discurso colonial, Albuquerque Jr
nos provoca a fazer um deslocamento dos lugares fixos de opressor/oprimido,
inventor/inventado, sugerindo ao leitor uma compreensão histórica de como essas
imagens foram produzidas e quem as produziu. Ao trazer à cena os próprios nordestinos
como atores desta trama e não apenas como vítimas, afirma, logo de imediato, que a
composição deste lugar e da representação dos seus habitantes se deu a partir de
diferentes vozes, vindas de fora e de dentro da região. A produção destes discursos
conferiu ao Nordeste e aos nordestinos determinadas características e estigmas morais,
culturais, simbólicos e sexualizantes, fruto do jogo das relações de poder e saber, de
conflitos e de acordos entre o Sul/Sudeste e o Norte/Nordeste. Neste sentido,
Albuquerque Jr. apresenta o Nordeste em termos de representação.
Além de perceber a produção da região Nordeste gostaria de focalizar a
discussão na construção da imagem do seu habitante o nordestino. Quem é essa figura
que se encontra tão presente no imaginário dos próprios moradores da região, mas
também, e muito fortemente, nos outros brasileiros, representado (principalmente a
partir dos anos 30) na literatura, na música, na poesia e no cinema, enfim, nas artes e
nas letras que compõem este Brasil... De onde, como e quando nasce este
emblemático homem?
Mais uma vez Albuquerque Jr, em seu mais recente livro Nordestino, uma
invenção do falo, procura responder a questões como estas traçando uma triangulação
de tipos para explicitar as influências epistemológicas, utilizadas tanto pelos intelectuais
do Sul/Sudeste quanto do Norte/Nordeste. Desta forma, ele chamou de homem eugênico
a imagem referente à raça, de homem telúrico a imagem referente à cultura, e de homem
rústico a imagem referente ao meio.
No discurso das elites regionais do Norte, principalmente ligadas a Pernambuco
(inventores da idéia de Nordeste), o tipo regional vai se configurando a partir dos anos
vinte e sendo disseminado e popularizado no final dos anos trinta 4. A primeira questão
que o autor chama a atenção é que, não por acaso, este sujeito é representado pela figura
masculina. Assim,

O Nordeste, que um dia foi o Brasil, o Brasil da


Casa Grande e da Senzala, o Brasil da nobreza e da
quase nobreza portuguesa, o Brasil das capitanias
hereditárias e das sesmarias, dos engenhos de
açúcar e das roças, do gado e do algodão, tornou-se
periferia desse mesmo Brasil, mas que já não é
mais o mesmo... (Favero e Santos, 2000, p. 27)

Sentindo-se abandonado no porão da Casa Grande, como insistente lugar do


atraso, em contraponto a um Brasil moderno, do café e da indústria que nascia no Sul,
seria necessária à emergência de um Homem com H maiúsculo, forte, capaz de
recuperar a potência e o poderio deste saudoso lugar. Desta forma, o homem que melhor
representaria o Nordeste, segundo o movimento regionalista, seria o sertanejo, aquele
homem rude, embrutecido pela natureza, descrito tão bem por Euclides da Cunha como
um herói, guerreiro, e resistente, capaz de enfrentar todo tipo de dificuldade e de
sobreviver a elas. Segundo Albuquerque Jr.
O tipo nordestino vai se definindo como um
tipo tradicional, voltado para a preservação de um
passado regional que estaria desaparecendo se situa
na contramão do mundo moderno, rejeita as suas
superficialidades, sua vida delicada e histérica. Um
homem de costumes conservadores, rústicos,
ásperos, masculinos; um macho capaz de resgatar
aquele patriarcalismo em crise; um ser viril, capaz
de retirar a sua região da situação de passividade e
subserviência em que se encontrava. (2003, p. 162)

A partir daí podemos perceber que o processo de estereotipia do nordestino


associado ao sertanejo, ao homem da roça, não nasce apenas de uma disputa do Sul
contra o Norte. É claro notar que o estereótipo associado aos atributos negativos do
rural, e a criação de estigmas como: tabaréu, violento, fanático, messiânico, incapaz,
miserável... Nasce da necessidade do Sul se afirmar como: educado, moderno, capaz,
rico, produtivo, racional... Pela diferença. O fundamento que associa as representações
do nordestino ligadas ao rural, mesmo no sentido de valorizá-lo, é decorrência de uma
inconseqüente e voraz postura da elite do Norte que, em nome da manutenção de uma
ordem econômica e política (patriarcal) e de uma sede de poder, utiliza a seca como o
seu mote principal na mobilização de recursos para investimentos na região.
É assim que o Brasil de cima se apresenta, forte, viril, duro e ríspido,
influenciado pelo meio ao desenvolver uma capacidade de enfrentar tudo e a todos para
sobreviver, sobreviver aqui no sentido de resistir, tanto a seca, que assola grande parte
da região, quanto no sentido de manter a pureza da brasilidade, se resguardando, pela
distância, das destruidoras influências modernizantes/estrangeiras, a que o Sudeste
estava sujeito. O abandono em que jazeram os rudes patrícios dos sertões do Norte teve
função benéfica. Libertou-os da adaptação penosíssima a um estágio social superior, e,
simultaneamente, evitou que descambassem para as aberrações e vícios dos meios
adiantados.
É, portanto, no discurso ambivalente das elites rejeitadas do nordeste que, ao
mesmo tempo, em que se exaltam, se deixam apresentar como pedintes, excluídos,
marginais e miseráveis, vítimas da seca e da hostilidade da natureza. É neste sentido,
que os estudos de Albuquerque Jr, se apresentam como uma importante denúncia,
propondo, aos sujeitos aí traduzidos, superar este comportamento masoquista através da
destruição do que foi estabelecido historicamente como verdade, se o Nordeste foi
inventado para ser este lugar de barragem da mudança, da modernidade, é preciso
destruí-lo para poder dar lugar a novas espacialidades de poder e de saber.
Esta forma de dizibilidade abriu brechas para se deixar ser apresentado
pejorativamente pelo outro , que, por sua vez, se aproveita da ambigüidade e fragilidade
desse discurso para evidenciar excessiva e repetidamente alguns traços da diferença e
produzi-la enquanto estigma e verdade.
É principalmente pela imprensa que o Brasil de Baixo (o Sul) vai falar do Brasil
de cima (o Norte). Aí mais uma vez podemos considerar como um dos grandes marcos
na construção desse outro discurso o livro de Euclides da Cunha, Os Sertões, ao
enfatizar a superioridade do Sul em relação ao Norte, tanto pela influência do clima E
volvendo ao Sul, no território que do norte de Minas para o sudoeste progride até o Rio
Grande, deparam-se condições incomparavelmente superiores... atingindo no inverno, a
impressão de um clima europeu... (p. 248), como pela influência da raça Ao passo que
no Sul se debuxavam novas tendências, uma subdivisão maior nas atividades, maior
vigor mais heterogêneo, mais vivaz, mais prático e aventureiro, um largo movimento
progressista, em suma. Em contraposição estava o Norte capitanias esparsas e
incoerentes, jungidas a mesma rotina, amorfas e imóveis... lugar onde a história não
tocava, o local do atraso, onde as transformações urbanas e industriais, surgidas no
centro-sul do país, jamais ocorreriam, sendo esta região povoada por uma sub-raça.
O que chamaria a atenção do resto do país, tanto através da obra de Euclides
quanto pelo advento da imprensa citadina que divulga fotos e reportagens sobre a
grande seca ocorrida em 1877 no Norte, são, justamente, os comportamentos e
fenômenos bizarros desta região, pois aliado a guerra de Canudos o cangaço, começava
também a aparecer na imprensa sulista. A partir daí, surgem inúmeras reportagens
principalmente de jornais do Rio e de São Paulo sobre o Norte/sertão, algumas como
notas de viagens. Segundo Albuquerque Jr, O Estado de São Paulo promove uma série
de reportagens intituladas Impressões do Nordeste e Impressões de São Paulo , com a
clara estratégia de demonstrar a superioridade paulista, a exemplo deste texto escrito em
1920:
...Incontestavelmente o Sul do Brasil, a região
que vai da Bahia até o Rio Grande, apresenta um
tal aspecto de progresso em sua vida material, que
forma um contraste doloroso com o abandono em
que se encontra o Norte, com seus desertos, sua
ignorância, sua falta de higiene, sua pobreza, seu
servilismo.

Fazendo perdurar até os nossos dias o estereótipo do nordestino/sertanejo na


região Sul e Sudeste, reduzido à imagem da seca, da migração, do tabaréu, ignorante,
cruelmente associado ao risível.
E a Bahia? Citada acima como Sul, onde estava no momento de construção da
Identidade do Nordeste, o que pensava e como se dizia este estado integrado à região
Nordeste posteriormente? É sobre estas e outras questões que pretendo discutir a seguir.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIA

ALBUQUERQUE Jr., Durval Muniz de. A Invenção do Nordeste e outras artes. São
Paulo: Cortez. 2001.
ALBUQUERQUE Jr., Durval Muniz de. Nordestino, uma invenção do falo, uma
história do gênero masculino (Nordeste 1920 1940). Maceió: Catavento. 2003.
FREYRE Gilberto. Interpretação do Brasil: aspectos da formação social brasileira
como processo de amalgamento de raças e culturas. São Paulo: Companhia das Letras,
2001.
NETO Lira. Padre Cícero – Poder, fé e guerra no sertão, Companhia das Letras
CERICATO Lauri, Apostila de Geografia, UNO – Sistema de Ensino

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