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Caso Henrique Reis TG Fernanda Manule Nuno Eduardo

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Ética e Deontologia

Trabalho de Grupo

Docente: Dra. Rita Veloso


Alunos: Fernanda Silva, Nuno Félix, Manuel Júnior e Eduardo Carqueja

Caso Henrique Reis

Henrique Reis, 26 anos, médico, seguido em Consulta de Oncologia no contexto de


osteossarcoma de alto grau da tíbia direita, diagnosticado em 2009 por biopsia.

Na data do diagnóstico (aos 18 anos), após reunião multidisciplinar, fez quimioterapia


neoadjuvante (cisplatina, antraciclina e metotrexato de alta dose), seguida de cirurgia (necrose
inferior a 20%) e, posteriormente, quimioterapia adjuvante com ifosfamida.

Recidiva pulmonar em Novembro de 2010, pelo que fez remoção do nódulo pulmonar seguida de
quimioterapia com ifosfamida de alta dose, etoposido. Fez ainda radioterapia pulmonar bilateral
(15Gy).

Em Novembro de 2012, por nova recidiva pulmonar, fez remoção de 2 nódulos pulmonares e ficou
em vigilância.

Em Dezembro de 2012 fez nova exérese de nódulo pulmonar único, também compatível com
metástase de osteossarcoma. Refere ter efetuado ciclo com ciclofosfamida com topotecano.

Em Agosto de 2013 fez exerese de 2 micronodulos à direita e 1 nodulo subpleural. Nesta altura
fez terapêutica sistémica com gencitabina e docetaxel.

Em Dezembro de 2014 deteção de 1 nódulo à esquerda e 3 à direita, pelo que foi operado em
28/1/2015.

Por nova recidiva em 2016, fez ressecção de 4 nódulos pulmonares (27/5/2016) compatíveis com
metástases de osteossarcoma.

Por recidiva em 2 meses com várias lesões pulmonares, na ausência de alternativas terapêuticas
aprovadas, ponderou-se iniciar pazopanib 800mg dia como uso off-label (fora de indicação) desta
medicação.

Foram ponderados os seguintes aspetos:


a) Havia um risco acrescido de toxicidade com evidência clínica reduzida (ver anexo 1) logo,
havia implicações acrescidas de segurança para o doente
b) A medicação tinha um preço elevado (2950 euros/caixa, sendo que cada embalagem
contém 28 comprimidos).

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c) A responsabilidade legal era inteiramente do médico prescritor dado que era uma
terapêutica fora de indicação.

A situação do doente foi discutida em várias reuniões multidisciplinares e a decisão não foi
consensual. No entanto, decidiu-se discutir com o doente a situação clínica explicando os riscos
acrescidos para a segurança do próprio.

Após discussão da situação clínica com o doente, este demonstrou que:


a) Tinha vontade de fazer medicação oncológica e considerava que, mesmo que a evidência
científica fosse fruste, era importante tentar e não desistir da vida.
b) Percebia que podia haver um risco e que a evidência clínica era limitada.
c) Disponibilizou-se para assinar o consentimento informado requerido nestas circunstâncias
pelo hospital.

Após ponderar os fatores contra e a favor e dado o excelente estado geral do doente, foi
submetido o pedido à comissão de farmácia e à comissão de ética do hospital o pedido com o
consentimento informado do doente e referências encontradas na literatura. Foi autorizada a
prescrição pelo hospital após parecer positivo das duas comissões referidas.

No primeiro mês de início de pazopanib foram ressecados 3 nódulos subcutâneos compatíveis


com metastização. Colocou-se a questão sobre manter ou esperar alguma eficácia terapêutica
eventual embora se considerasse que o mais provável era a doença estar a progredir
rapidamente. Decidiu-se fazer uma reavaliação após 3 meses de tratamento.

Aos 3 meses de pazopanib, o doente foi internado por pneumotórax. Ficou com insuficiência
respiratória global e a fazer oxigenioterapia no domicílio. O doente estava muito debilitado nesta
fase, mas queria manter tratamentos e questionava o serviço de oncologia sobre quando poderia
reiniciar tratamento oncológico. Além disso, os tratamentos a fazer seriam sempre fora de
indicação, sem evidência de sobrevivência acrescida.

1. Este caso levanta questões relacionadas com a qualidade dos serviços de saúde
nomeadamente, no referente à segurança do doente. Que questões considera mais
relevantes para a segurança do doente neste caso?

Ao nível da segurança do doente entendemos ser relevantes decisões prudentes que não
coloquem em causa a sua vida. Naturalmente que perante a postura e a vontade do doente, a
equipa assistencial terá sempre o respaldo “o doente pediu e quis fazer mais quimioterapia e
sabia dos riscos”. Este respaldo pode ser uma falsa segurança, pois uma das dificuldades
associadas à situação de fim de vida está na aceitação do facto concreto da morte. A negação
é um mecanismo de defesa muito primário, não consciente, por isso não voluntário, que é
utilizado pelos doentes quando não encontram outro mais efetivo. Possibilita ao doente
distanciar-se, pelo menos temporariamente, da ameaça e assim poder diminuir o impacto da
realidade. É uma reação psicológica de autoproteção que, normalmente faz parte de um
processo de adaptação à situação, mas que utilizado de forma desadaptativa pode impedir ou
prejudicar a melhor decisão terapêutica, promovendo, muitas vezes a distanásia. Neste caso,
os procedimentos de segurança foram tidos em conta, embora não na sua totalidade, pois
faltou terem envolvido a equipa de cuidados paliativos no processo assistencial e
consequentemente com incremento da segurança do doente. No entanto, é devidamente

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acautelada a questão da medicação de uso off-label, quando é discutida em equipa e com o
doente a sua utilização e posteriormente é submetido o pedido à comissão de farmácia e à
comissão de ética do hospital o pedido com o consentimento informado do doente e
referências encontradas na literatura, tendo sido autorizada a prescrição pelo hospital após
parecer positivo das duas comissões referidas.

2. Até que ponto continuar tratamentos oncológicos com degradação do estado geral e/ou
sem grandes expectativas de aumento de sobrevivência não é obstinação terapêutica?
Qual a importância da autodeterminação do doente neste caso? Em que fase da doença
considera adequado parar o tratamento?

Ainda que não exista uma definição absoluta para a distanásia, ela caracteriza-se pela prática
de medidas terapêuticas excessivas, desnecessárias, que não se direcionam para a cura, mas
para um prolongamento da vida a todo o custo. Configura tratamento desumano e degradante,
por permitir o prolongamento da vida exclusivamente em termos quantitativos. A distanásia gera
sofrimento ao doente, pois não há perspetiva nem de cura nem de melhoras. A distanásia leva
ao tratamento desumano, degradante, fútil e desrespeitoso. No entanto, nem sempre é tarefa
simples estabelecer na prática os limites entre a ortotanásia e a distanásia, também conhecida
como obstinação terapêutica. Sendo que a distanásia prolonga artificialmente o processo de
morrer da pessoa, prolongando, consequentemente, também o seu sofrimento, e muitas vezes
potenciando a ilusão da cura, ao invés de auxiliar ou permitir uma morte natural, acaba
prolongando a agonia. Neste caso em concreto, é evidente que estamos perante um caso de
distanásia, sendo que a autodeterminação baseada no modelo principialista de Beauchamp e
Childress pode ser insuficiente nesta área dos cuidados de saúde, para justificar as decisões
que o doente queira ver concretizadas. Embora desde a sua autonomia, a pessoa doente deva
intervir no processo, para em conjunto com o profissional de saúde, decidir o que é benéfico
para ela, não é lícito que especificamente nas decisões clínicas possa prevalecer a vontade do
doente em função do conhecimento científico e da legis artis. Embora nos pareça que quando é
ponderado iniciar-se pazopanib 800mg dia como uso off-label, fosse já uma medida terapêutica
excessiva, podemos entendê-la num quadro assistencial sem a presença indispensável de
cuidados paliativos, como minimamente adequada. Perante o quadro clínico atual do doente
será inequivocamente este o momento de adequado de parar o tratamento.

3. O doente sempre esteve muito consciente e informado sobre a doença. Além disso
sempre quis ter participação ativa nas decisões terapêuticas. Até que ponto esta
participação do doente teve implicações para o custo global do tratamento?

Efetivamente a postura do doente, as suas expectativas e participação nas decisões clínicas,


fizeram com que o processo terapêutico tivesse um incremento no custo global do tratamento.
Contudo, uma vez mais reforçamos a premissa que envolver o doente nos processos
terapêuticos não deve permitir que seja o doente a eleger e a “prescrever” esse mesmo
tratamento. A decisão clínica deve estar incrementada do melhor conhecimento científico e da
real resposta que a doença vai dando em cada doente em concreto.

4. Considera que o preço da medicação pode ter influência nas decisões clínicas?

Sendo os recursos afetos à saúde limitados e tendo presente o princípio da justiça distributiva,
naturalmente que o preço da medicação tem influência nas decisões terapêuticas não deixando
de se colocar em primeiro lugar o princípio da beneficência e o conhecimento científico ao

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momento. É fundamental que os doentes recebam a medicação adequada às suas
necessidades clínicas, nas doses correspondentes com base nos seus requisitos individuais,
durante um período adequado e ao menor custo possível para eles e para a comunidade.

Anexo 1

As referências sobre pazopanib nos osteossarcomas existem mas são limitadas:

1. Heymann, Dominique, and Françoise Rédini. “Targeted therapies for bone sarcomas.”
BoneKEy reports 2 (2013).
“Pazopanib appeared active in paediatric in vivo tumour models, used as single agent in
Ewing’s sarcoma or combined with metronomic topotecan in osteosarcoma. A phase II study
of pazopanib in bone sarcoma is ready to begin in Europe.”

2. Safwat, Akmal, et al. “Pazopanib in metastatic osteosarcoma: significant clinical response in


three consecutive patients.” Acta Oncologica 53.10 (2014): 1451-1454.

3. Kumar, Rakesh, and Sylvain Baruchel. “Pharmaceutical combination of pazopanib and


topotecan to treat neuroblastoma, osteosarcoma, and rhabdomyosarcoma in a human.” U.S.
Patent No. 8,709,420. 29 Apr. 2014.

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