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A Dislexia e Alfabetização Da Evidência Científica À Sala de Aula
A Dislexia e Alfabetização Da Evidência Científica À Sala de Aula
A Dislexia e Alfabetização Da Evidência Científica À Sala de Aula
A Dislexia e a Alfabetização:
Da Evidência Científica à Sala de Aula
Susana Araújo
Universidade de Lisboa
Resumo
Este capítulo apresenta uma visão científica atual da dislexia de desenvolvimento, uma das
perturbações do neurodesenvolvimento mais comuns e que se caracteriza por dificuldades específicas
e permanentes na aquisição e desenvolvimento da leitura/escrita. Numa primeira parte introduzo o
conceito de dislexia e traço as manifestações comportamentais típicas que lhe estão associadas, em
crianças e adultos, para de seguida aprofundar os défcits cognitivos centrais da perturbação e os seus
correlatos cerebrais. Por fim, refiro os ingredientes-chave dos programas de intervenção eficazes, que
podem ser usados como estratégias com alta probabilidade de eficácia na instrução de crianças com e
sem dificuldades de leitura. Forneço alguns exemplos de atividades focadas no sucesso da aprendizagem
da leitura que podem (e devem) ser implementadas em contexto de sala de aula.
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Susana Araújo
Ler e escrever são competências nucleares na esfera educativa e essenciais para uma participação
bem-sucedida em todos os aspectos da vida moderna. A falta de maestria destas competências coloca os
maus leitores em risco de insucesso escolar, veda-lhes o desenvolvimento de uma carreira profissional
plena e, em última instância, constitui uma importante limitação na sua vida social. A compreensão
detalhada dos processos cognitivos envolvidos na perturbação da leitura e da escrita, com o intuito de
delinear programas de intervenção eficazes e políticas educativas bem-sucedidas dirigidas à compensação
das dificuldades de leitura, representa, assim, um esforço científico com importantes consequências
sociais.
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em ortografias transparentes (nas quais a mesma letra é quase sempre pronunciada da mesma forma em
diferentes palavras, como no finlandês ou no italiano) do que em ortografias opacas (nas quais existe uma
grande irregularidade na correspondência letra-som, como é o caso do inglês e, em menor extensão, do
francês; Caravolas, Lervåg, Defior, Málková, & Hulme, 2013; Seymour, Aro, & Erskine, 2003). Em línguas
com ortografia transparente, a exatidão da leitura parece ser acessível mesmo às crianças disléxicas,
estando normalmente preservada; neste caso, os critérios para diagnóstico da dislexia remetem para uma
recodificação fonológica lenta, que se traduz numa leitura disfluente, e para problemas na escrita. Assim,
nestas ortografias transparentes, a dislexia é atribuída primariamente a um défcit de automatização nos
processos de identificação da palavra. Este padrão contrasta com o observado em crianças disléxicas
falantes de línguas com ortografia opaca (inglês), com um défcit muito marcado na decodificação da palavra
escrita (sobretudo na leitura de palavras menos frequentes e de pseudopalavras), que vai prejudicar
quer a exatidão quer a fluência da leitura (Landerl, Wimmer, & Frith, 1997; Wimmer, 1993; Ziegler, Perry,
Ma-Wyatt, Ladner, & Schulte-Körne, 2003). Note-se que a consistência ortográfica é também variável
conforme consideramos a leitura (no sentido da ortografia para a fonologia) ou a escrita (no sentido da
fonologia para a ortografia). Em ortografias menos consistentes no sentido da escrita, como é o caso do
português, do holandês e do alemão, as dificuldades ortográficas parecem assumir um papel ainda mais
preponderante na dislexia do que as dificuldades na leitura (ver e.g., Reis et al., 2020).
A par das dificuldades no processamento da palavra escrita, a investigação científica tem sido
profícua na identificação de uma panóplia de sintomas da dislexia, a maioria associados ao processamento
fonológico. Tal não é surpreendente se atendermos ao fato de que uma das demonstrações mais sólidas
da psicologia cognitiva e da psicolinguística nos últimos 40-50 anos é a do papel causal da fonologia na
aquisição e desenvolvimento da leitura e da escrita (Castles & Coltheart, 2004; Liberman, Shankweiler,
Fischer, & Carter, 1974; Melby-Lervåg, Lyster, & Hulme, 2012). A linguagem escrita constitui uma forma
de representação da linguagem oral, e o sistema alfabético de escrita baseia-se na representação gráfica
dos elementos da estrutura fonológica da língua, mais precisamente os fonemas (geralmente, os sistemas
alfabéticos são sistemas fonográficos). Assim, tanto as capacidades percetivas da fala como as de memória
fonológica (que permitem manter ativa a informação oral enquanto os processos mais básicos de (de)
codificação ocorrem) são suscetíveis de condicionar a aprendizagem da leitura e da escrita (Baddeley,
Gathercole, & Papagno, 1998; Melby-Lervåg et al., 2012; Wagner & Torgesen, 1987). Com base nessas
capacidades, e em parte sob a influência da exposição às letras e à forma escrita das palavras, a criança
aprende a identificar, discriminar e manipular as representações mentais dos fonemas da sua língua –
as chamadas consciência fonológica e fonêmica. Estas representações intervêm nos processos de
decodificação grafofônica e de codificação fonográfica, processos estes que são cruciais na aprendizagem
da leitura e da escrita, respectivamente (Liberman et al., 1974; Morais, Alegria, & Content, 1987; Morais,
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Dislexia: Da Evidência Científica à Sala de Aula
Figura 1
Exemplo do formato das tarefas de nomeação rápida em série. Pede-se ao sujeito que nomeie correta e o
mais rapidamente possível, na direção da leitura, a matriz de estímulos visuais que se repetem em
sequências aleatórias. A medida de interesse é sobretudo o tempo despendido para completar a prova.
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Também a investigação das bases neurobiológicas da dislexia apoia bem a hipótese do défcit
fonológico, ao identificar problemas nos circuitos cerebrais que suportam a linguagem falada nos
leitores com dislexia (para duas meta-análises ver: Maisog, Einbinder, Flowers, Turkeltaub, & Eden, 2008;
Richlan, Kronbichler, & Wimmer, 2011). Hoje está bem descrito que a leitura é suportada por uma rede
neural altamente especializada mas distribuída que inclui três regiões corticais: uma anterior, implicada
na articulação das palavras (giro frontal inferior), e duas regiões corticais posteriores, implicadas no
processamento fonológico (junção temporoparietal) e no reconhecimento da forma visual da palavra
escrita (córtex occipitotemporal ventral; Dehaene, 2010; Dehaene, Cohen, Morais, & Kolinsky, 2015;
McCandliss, Cohen, & Dehaene, 2003; Murphy, Jogia, & Talcott, 2019). Um conjunto de estudos tem
verificado de forma sistemática em diferentes ortografias que o cérebro disléxico tende a mostrar uma
subativação das regiões posteriores durante a realização de tarefas de leitura e de tarefas que requerem
processamento fonológico, e simultaneamente uma sobreativação da região anterior que, possivelmente,
reflete o uso de estratégias compensatórias nestes leitores (Paulesu et al., 2001; Shaywitz et al., 1998).
Note-se que, apesar da vasta investigação nos défcits fonológicos, outras teorias explicativas
têm sido avançadas para a compreensão da dislexia (para uma revisão critica ver e.g. Ramus, 2003;
Ramus et al., 2003; White et al., 2006), embora não neguem necessariamente a plausibilidade do défcit
fonológico. Estas teorias geralmente enquadram-se em duas categorias. Na primeira, são apresentados
défcits alternativos, possivelmente de domínio geral, para explicar os problemas de diferentes tipos que
podem surgir na leitura de palavras. Aqui se incluem, por exemplo, diversas teorias ligadas à atenção, e
que sugerem disfunções na atenção visuo-espacial (Vidyasagar & Pammer, 2010), amplitudes de atenção
visual mais curtas (Bosse, Tainturier, & Valdois, 2007; Zoubrinetzky, Bielle, & Valdois, 2014), e dificuldades
na orientação do foco da atenção (Facoetti, Lorusso, Paganoni, Umilta, & Mascetti, 2003) como défcits
centrais subjacentes às dificuldades na leitura; as teorias visuais da dislexia, que refletem um conjunto
de problemas descritos na focagem, estabilidade e movimentos sacádicos (resultantes possivelmente
de alterações no sistema magnocelular; Stein, 2001; Stein & Walsh, 1997); e a proposta de um défcit
nas capacidades de automatização (Nicolson & Fawcett, 1990; Nicolson, Fawcett, & Dean, 2001).
Na segunda categoria, enquadram-se as teorias que advogam que o défcit fonológico na dislexia assenta
etiologicamente numa disfunção básica, sendo a mais popular a teoria do processamento auditivo
(Tallal, 1980, 1984) que preconiza um défcit auditivo primário que afeta a capacidade de percepcionar e
processar transições rápidas e sutis nos sons da fala.
No seu conjunto, poder-se-á dizer que a investigação empírica tem tornado evidente que à
dislexia se associam múltiplos défcits cognitivos, e subpopulações de disléxicos podem apresentar
défcits diferentes. Neste sentido, as causas neurocognitivas da dislexia são provavelmente multifatoriais
(Saksida et al., 2016), onde intervêm e interagem fatores protetores e fatores de risco, quer genéticos
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quer ambientais. Não obstante, é hoje inequívoco que uma das causas principais das dificuldades na
leitura reside em um défcit fonológico, embora outras áreas possam também contribuir para a dislexia
mas sem papel causal. O estudo de Ramus e colaboradores (2003) apoia bem esta afirmação. Numa
amostra de 16 disléxicos adultos testados quanto à presença de défcits fonológicos, auditivos, visuais, e
motores, verificaram que todos apresentavam um défcit fonológico e para alguns disléxicos esse défcit
era mesmo característica única.
Como referido, está hoje bem estabelecido que a presença de dificuldades no processamento
fonológico é uma característica definidora da dislexia, tanto em crianças como em adultos, desempenhando
um papel causal na sua origem. As provas científicas mais convincentes sobre os défcits cognitivos
nucleares na dislexia são aquelas que derivam da convergência de estudos empíricos que genericamente
se alinham em três grandes tipos de desenhos metodológicos:
• Estudos comparativos entre grupos extremos (comparação de grupos oriundos de populações
leitoras normais e de populações com problemas graves de leitura), permitindo assinalar diferenças
nas capacidades relacionadas com a leitura;
• Estudos longitudinais, ao permitirem identificar fatores cognitivos preditores do futuro
desempenho na leitura e na escrita;
• Estudos de intervenção com treino, ao fornecerem uma indicação mais direta de efeitos causais
(se o treino de uma determinada capacidade resultar em um progresso maior na aprendizagem
da leitura, comparativamente a um grupo controle que não recebeu esse treino, isso fornece
evidência da influência causal dessa capacidade na aquisição da leitura).
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acústico-fonética para reconhecerem palavras faladas (e.g., nas tarefas de gating, que consistem na
apresentação progressiva de segmentos acústicos-fonéticos parciais de um estímulo auditivo; Dietrich &
Brady, 2001).
A consciência fonológica – a capacidade para manipular a estrutura fonológica das palavras faladas
e refletir sobre ela – tem recebido particular atenção, pelas evidências acumuladas desde os anos 80 de
que é uma capacidade basilar para se começar a ler em um sistema alfabético (Hulme, Snowling, Caravolas,
& Caroll, 2005; Melby-Lervåg et al., 2012). Diversas tarefas podem ser usadas para avaliar a consciência
fonológica e envolvem desde operações simples, como as que avaliam a fluência fonêmica (e.g., nomear
o maior número de palavras iniciadas pelo som /p/) e a sensibilidade a unidades linguísticas maiores
(e.g., identificação de rimas em canções e lengalengas; segmentação da palavra em sílabas), a operações
mais complexas e que requerem omissão, segmentação ou manipulação dos fonemas (e.g., os testes de
eliminação de fonemas requerem repetir uma palavra sem um determinado som: diz dólar sem o som
re [r] – resposta “dóla”; os testes de spoonerismos requerem trocar os fonemas inicias entre duas palavras:
cão sal – resposta “são cal”). Duas meta-análises recentes comparando leitores hábeis com leitores com
dislexia (Melby-Lervåg et al., 2012) e em adultos (Reis et al., 2020) apoiam inequivocamente um défcit
na consciência fonológica, verificando-se um défcit de grande magnitude nestes leitores com dislexia
(comparativamente aos controlos da mesma idade) para todas as medidas de consciência fonológica
consideradas. Este resultado não deixa de ser surpreendente na população adulta, majoritariamente
estudantes universitários, que já teve muitos anos de exposição à leitura.
Além disso, a investigação dos preditores longitudinais da leitura mostra que melhores
competências de consciência fonológica em crianças pré-escolares/leitores incipientes se associam ao
sucesso na aprendizagem da leitura nos primeiros anos de escolaridade (Lervåg, Bråten, & Hulme, 2009;
Muter, Hulme, Snowling, & Stevenson, 2004); resultado que dá crédito a uma relação causal entre estas
duas variáveis. Já em 1980, em um estudo de Lundberg, Olofson e Wall em que participaram 143 crianças
que foram seguidas desde o pré-escolar até à entrada na escola, se verificou que a capacidade de
segmentar a palavra em fonemas era o melhor preditor do sucesso na aquisição da leitura. No total, os
dados recolhidos na pré-escola sobre o desempenho em tarefas de consciência fonológica conseguiram
prever o desempenho escolar na leitura em 70% das crianças. O grau de consciência fonológica constitui
assim um marcador de diagnóstico precoce de défcits de leitura, na medida em que um desempenho
deficitário nestas provas numa fase precoce prediz de modo fiável dificuldades futuras na leitura. Por
exemplo, um trabalho de Torgesen, Wagner e Rashotte (1994) revelou que as crianças que chegavam ao
1º ano com défcits na consciência fonológica eram piores do que os seus pares na leitura de palavras
isoladas, e as dificuldades de leitura perduravam ao longo de todo o ensino básico. Sabe-se ainda que
a consciência fonológica parece influenciar sobretudo a exatidão na identificação de palavras, e mais
especificamente na leitura de palavras pouco familiares e de pseudopalavras para a qual a capacidade de
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segmentação dos fonemas é fundamental (e.g., Griffiths & Snowling, 2002). A leitura de pseudopalavras
(decodificação) é apontada precisamente como um dos fatores que mais claramente diferencia os maus
leitores dos bons leitores (Rack, Snowling, & Olson, 1992).
Os estudos com intervenção confirmam que treinar consciência fonológica na pré-escola ou
numa etapa inicial da aquisição da leitura é eficaz para a melhoria das capacidades de leitura e de
escrita nos primeiros anos escolares, sobretudo se combinado com treino no conhecimento letra-som
(Bentin & Leshem, 1993; Bus & van IJzendoorn, 1999; Byrne & Fielding-Barnsley, 1995; Hatcher, Hulme, &
Snowling, 2004; para uma revisão ver: Ehri et al., 2001). Ora, como já referido, o conhecimento de letras
é outro dos alicerces cognitivos para aprender a ler nas línguas alfabéticas, sendo um dos preditores
mais importantes numa fase inicial de aquisição de competências de leitura e que surge comprometido
em crianças com problemas graves de leitura (para uma revisão ver: Lyytinen et al., 2008; Lyytinen et al.,
2006). Note-se que conhecer a correspondência entre letras e sons não é necessariamente equivalente
ao uso eficiente deste conhecimento durante a leitura (Froyen, Bonte, van Atteveldt, & Blomert, 2009;
Froyen, Van Atteveldt, Bonte, & Blomert, 2008). Na última década, estudos de imagem cerebral vieram
mostrar uma ativação anormal em áreas cerebrais associadas ao processamento letra-som em crianças
(Blau et al., 2010) e em adultos (Blau, Van Atteveldt, Ekkebus, Goebel, & Blomert, 2009) com dislexia, não
obstante o fato de saberem que letra correspondia a cada som. Parece, assim, que a eficácia da integração
letra-som pode demorar anos até se tornar totalmente automática, particularmente em leitores com
dificuldades (Blomert, 2011).
De fato, uma meta-análise revelou que as intervenções que combinam treino fonológico com treino
nas correspondências letra-som e na capacidade de decodificação são as mais eficazes para melhorar a
leitura em crianças mais velhas com problemas no domínio da literacia (Galuschka, Ise, Krick, & Schulte-
Körne, 2014). Com base nestes dados, o grupo de trabalho de Thomas Lachmann (Center for Cognitive
Science, University of Kaiserslautern) desenvolveu recentemente o programa de treino Lautarium para
crianças com dificuldades na leitura e/ou na escrita, e que combina treino na percepção de fonemas
(e.g., discriminação e identificação de consoantes oclusivas, tais como /b/ vs. /p/, /b/ vs. /d/);
treino na consciência fonológica (e.g., exercícios que requerem emparelhar palavras com base no som
inicial ou final); treino nas correspondências grafema-fonema; e leitura de palavras e escrita. Num dos
estudos de validação deste programa, comparou-se um grupo de crianças com dislexia do 3º ano de
escolaridade que recebeu o programa de treino durante 8 semanas (5x por semana, em sessões de
20-30 minutos) com um grupo que não recebeu o treino; ambos a frequentar aulas especiais para
a dislexia. Os resultados indicaram um desempenho melhor em testes independentes de leitura de
palavras e de pseudopalavras no grupo que recebeu intervenção, e que foi sobretudo evidente no
follow up dois meses após o término do treino. A melhoria evidenciou-se também na diminuição do
número de erros na escrita, e na melhoria no desempenho em provas de consciência fonológica. A
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Dislexia: Da Evidência Científica à Sala de Aula
eficácia do Lautarium foi ainda demonstrada em leitores principiantes em risco para dificuldades na
leitura (Klatte, Bergström, Steinbrink, Konerding, & Lachmann, 2018).
A nomeação rápida em série (RAN) é outro dos constructos cognitivos que mais fortemente se
associa ao (in)sucesso na leitura (Araújo & Faísca, 2019; Araújo, Reis, et al., 2015; Norton & Wolf, 2012)
e, a par da consciência fonológica, tem sido um dos mais investigados na dislexia. As capacidades de
RAN no pré-escolar e no início do primeiro ano escolar predizem as capacidades na leitura em anos
futuros (Lervåg et al., 2009; Verhagen, Aarnoutse, & van Leeuwe, 2008), e as crianças com dislexia são
consistentemente mais lentas a nomear comparativamente a leitores hábeis com a mesma idade ou com
outras perturbações de aprendizagem (e.g., Denckla & Rudel, 1976;Wolf & Bowers, 1999). O desempenho
em provas de RAN associa-se em especial ao desempenho de fluência de leitura. Nos adultos disléxicos,
e mesmo entre aqueles “com alto funcionamento” (estudantes universitários), o défcit na RAN pode
mesmo ser mais marcado que os défcits observados em outros domínios do processamento fonológico,
como a consciência fonológica e a memória fonológica (Fernandes, Araújo, Sucena, Reis, & Castro, 2017;
Reis et al., 2020; Swanson & Hsieh, 2009). Na medida em que o desempenho dos disléxicos é deficitário
tanto em provas com estímulos alfanuméricos (nomear letras, dígitos) como em provas com estímulos
não-alfanuméricos (nomear objetos, cores), pode afirmar-se que este défcit não resulta meramente de
uma baixa automaticidade no processamento de letras nestes leitores (Araújo & Faísca, 2019).
As provas de RAN são também diagnósticas da dislexia (Landerl et al., 2013; Moura, Moreno,
Pereira, & Simões, 2015). Num estudo de grande dimensão no qual participaram cerca de 1000 crianças
com dislexia e 1000 crianças controle, oriundas de países com diferentes ortografias (finlandês, húngaro,
alemão, holandês, francês e inglês), verificou-se que tanto a RAN como a eliminação de fonemas são um
forte preditor concorrente do diagnóstico de dislexia. Especificamente, uma criança cujo desempenho
em provas de eliminação de fonemas e em provas de RAN se situe abaixo da média das crianças da sua
idade (mais precisamente, um desvio-padrão abaixo da média) vai ter um risco sete vezes maior de ser
diagnosticada com dislexia do que crianças com desempenho médio nessas provas. Também a memória
de curto prazo verbal/memória de trabalho (avaliada com uma tarefa clássica de repetição de sequências
de dígitos em sentido direto e inverso) teve um papel significativo para o risco de dislexia, contudo
comparativamente menor (Landerl et al., 2013).
No que refere à intervenção, os estudos têm sido limitados, e ainda mais quando se procura
avaliar efeitos de transferência para a leitura (em que medida melhorar a RAN influência por sua vez o
desempenho na leitura). Os poucos estudos que se focaram especificamente em treinar a capacidade
de RAN forneceram resultados mistos e inconclusivos: desde efeitos nulos do treino em RAN, a efeitos
positivos após o treino na velocidade de nomeação mas cujo impacto na leitura foi restrito (por exemplo,
melhorias pequenas na fluência de leitura e que desaparecem a longo prazo; ver para uma revisão: Kirby,
Georgiou, Martinussen, & Parrila, 2010). Mais recentemente, Vander Stappen e Van Reybroeck (2018)
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conduziram um estudo com crianças no final do segundo ano de escolaridade em que se comparou a
eficácia de um treino que visava melhorar a consciência fonológica com a eficácia de um treino que visava
melhorar a velocidade de nomeação (durante 8 semanas, 2x por semana). Especificamente, no treino
RAN as crianças realizavam exercícios de nomeação de figuras de objetos numa matriz, progredindo o
grau de dificuldade ao longo das sessões (em termos do comprimento e complexidade silábica do nome
dos objetos a nomear e da repetição ou não dos itens), sendo explicitamente encorajadas para que em
cada sessão melhorassem o tempo de nomeação da sessão anterior. Os resultados mostraram que a
velocidade de nomeação foi significativamente melhorada pelo treino, e também que o treino específico
da RAN melhorou a velocidade na leitura das crianças, benefício que se manteve seis meses após o
treino.
No entanto, carece-se ainda de estudos experimentais rigorosos que avaliem o efeito do treino
da RAN em crianças com dislexia. Além disso, ainda é alvo de controvérsia considerável aquilo que se
considera estar exatamente a medir com as provas de RAN. Parece que uma nomeação mais lenta pelos
disléxicos não resulta de mais tempo requerido para articular o nome, mas antes de uma falha durante o
tempo de processamento do estímulo que precede a sua produção (Araújo et al., 2011;Wimmer, Mayringer,
& Landerl, 1998). Uma interpretação influente é a de que a RAN é um subdomínio do processamento
fonológico, e o desempenho nestas provas refletirá a (in)eficiência no acesso ou recuperação do código
fonológico dos estímulos a nomear e que se encontra armazenado na memória de longo prazo (Clarke,
Hulme, & Snowling, 2005; Torgesen et al., 1994; Wagner & Torgesen, 1987). Esta interpretação é aliás
compatível com a observação de que os disléxicos frequentemente têm uma perturbação fonológica.
Outros autores advogam que a RAN constitui um segundo défcit central na dislexia que pode existir
juntamente ou independentemente do défcit fonológico (perspectiva popularizada como a Hipótese do
Duplo Défice; Norton & Wolf, 2012; Wolf & Bowers, 1999). De resto, a natureza multi-componentes das
provas RAN exige movimentos oculares e processamento simultâneo de múltiplos itens, e isto parece
ser um fator que exacerba as dificuldades nos leitores disléxicos (Jones, Branigan, & Kelly, 2009; Yan, Pan,
Laubrock, Kliegl, & Shu, 2013).
Em suma, a investigação empírica sobre a dislexia tem dado provas que a consciência fonológica,
o conhecimento letra-som, e a nomeação rápida em série são preditores importantes do sucesso
na leitura e da sua perturbação, e constituem por isso um campo fértil no qual os profissionais
(educadores, terapeutas) podem atuar para facilitar o desenvolvimento da literacia. O papel basilar
destas capacidades na leitura é de resto bem reconhecido na utilização de testes psicológicos que as
avaliam quando se pretende asseverar um diagnóstico de dislexia: e.g., na Dyslexia Differential Diagnosis
Maastricht Battery-3DM, desenvolvida para a avaliação da Dislexia em crianças e adaptada para diversas
línguas (Blomert & Vaessen, 2009); Bateria de Avaliação Neuropsicológica de Coimbra (BANC; Simões et
al., 2016) e na Bateria Fonológica da Universidade do Porto (BFUP; Alves et al., 2007, 2018), desenvolvidas
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Dislexia: Da Evidência Científica à Sala de Aula
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para acessar à compreensão do texto. Assim, para que o ensino seja eficaz, o aluno deve ter
oportunidades suficientes para praticar até automatizar as competências aprendidas e, através de
atividades ativas e estruturadas, aplicá-las para ler e escrever.
A investigação científica tem mostrado que, enquanto grupo, as crianças com e sem dificuldades
de leitura respondem melhor a uma instrução sistemática e explícita dirigida à consciência fonêmica,
à aquisição do princípio alfabético e das correspondências grafema-fonema (treino fônico), à fluência
de leitura e à aquisição do vocabulário e da compreensão da leitura (National Reading Panel, 2000;
Shaywitz, 2005; Slavin, Lake, Davis, & Madden, 2011). Os programas de intervenção com eficácia objetiva
comprovada (chamados programas de intervenção baseados em evidência) partilham ainda mais duas
características que podem ser usados como estratégias com alta probabilidade de eficácia da leitura:
treino de elevada intensidade (sessões curtas de 20 a 40 minutos, ocorrendo entre três a cinco dias por
semana, e durante pelo menos 12 semanas) e realizado em grupos pequenos (idealmente em grupos
com um máximo de cinco crianças). Em alguns países, de que se destacam os Estados Unidos da América
e o Reino Unido, existem já programas estruturados que visam o treino específico da leitura com
eficácia objetivamente comprovada, transferindo assim a evidência científica para a sala de aula (ver, por
exemplo, em Shaywitz, 2005). Também programas de treino com recurso a computador e que tenham
eficácia demonstrada podem fornecer uma ferramenta adicional, e motivadora, de prática para ajudar
crianças do ensino básico em situação de risco ou com dificuldades na leitura e na escrita – o Lautarium
(desenvolvido para a população alemã), referido atrás, é um desses exemplos. Note-se que qualquer
avaliação da consolidação de conhecimentos (e.g., aprendizagem da associação letra-som) deve ser feita
com materiais diferentes (palavras, frases, textos) dos usados durante o treino de instrução.
Como referido atrás, um corpo amplo de estudos com intervenção tem demonstrado que treinar
a consciência fonêmica facilita o crescimento das capacidades de literacia nos leitores principiantes,
parecendo ter um efeito ainda maior nos leitores com dificuldades.
Exemplos de atividades/exercícios:
(a) Reconhecimento de sons em palavras
• Identificar o som inicial ou final da palavra, e.g., “Diz-me qual o primeiro som em pato.” (/p/)
• Identificar o som comum em palavras diferentes, e.g., “Diz-me o som que é igual em fogo, fita,
foca” (/f/)
• Identificar a palavra “intrusa” que começa com um som diferente, e.g., “Que palavra não pertence
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As atividades a realizar devem ser de curta duração e agradáveis para a criança: podem usar-se
cantilenas, jogos, cartões com imagens, rimas engraçadas e aliterações para tornar os sons mais salientes
para a criança.
Ilustram-se duas atividades que podem ser realizadas em contexto de sala de aula:
De um conjunto de quatro imagens, pintar apenas aquelas que representam objetos que começam com
o mesmo som (e.g., conjuntos fáceis: “boca, bolo, lápis, cama”; conjuntos mais difíceis: “pato, dado,
cato, pena”).
Num jogo de fantoches, a bruxa desdentada diz as palavras sem o primeiro som
(e.g., foca -> oca; chuva -> uva; cama -> ama).
Dar alguns exemplos e depois pedir à criança que, pegando no fantoche, “finja” ser a bruxa desdentada.
Assim, o professor dirá a palavra que a criança deve dizer sem o primeiro som.
O National Reading Panel (2000) apontou também para duas características que se associam a uma
maior eficácia do treino na consciência fonêmica:
• Focar o ensino da consciência fonêmica em uma ou duas capacidades (e.g., segmentação e combinação
de sons em palavras) é mais eficaz do que focar em múltiplas capacidades ao mesmo tempo. Sugere-se
ensinar uma capacidade de cada vez até que esta seja dominada antes de passar para a próxima.
• O treino na consciência fonêmica é mais benéfico se combinado com o conhecimento de letras
(e.g., pedir à criança para segmentar a palavra em fonemas e representar cada um com o grafema
correspondente) do que o treino sem letras, limitado à manipulação de fonemas na fala.
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O leitor aprendiz tem também de aprender a usar diferentes sons e combinações de letras para
pronunciar e decodificar palavras e escrever, frequentemente apelidado de método fônico. Esta capacidade
tem de ser ensinada, treinada e automatizada, sendo particularmente difícil para a criança disléxica. Sempre
que uma nova correspondência grafema–fonema é introduzida, deve ser treinada várias vezes, mas as
correspondências anteriormente adquiridas devem também continuar a ser treinadas. Não se devem deixar
os dígrafos para o fim: NH ou CH correspondem sempre a um único som e permitem à criança compreender
que não é correto assumir que cada letra corresponde a um som; um conjunto de letras (e não apenas uma)
pode corresponder a um único som.
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Dislexia: Da Evidência Científica à Sala de Aula
A criança tem de aprender a converter as letras nos seus sons correspondentes e depois a juntar
esses sons para ler uma palavra; aprender como diferentes padrões de letras representam diferentes sons;
aprender as regras, e depois aprender exceções a essas regras.Todas estas capacidades têm de ser integradas
através do ensino e da prática sistemática de atividades de leitura e de escrita, com vários momentos para a
criança praticar ativamente, com feedback e correção. O treino deve iniciar-se com palavras curtas (duas a
três sílabas) e progredir até à leitura de frases e textos
Exemplo de atividades/exercícios:
(a) Leitura em voz alta pela criança (e.g., interpretação de um diálogo onde cada criança pode ler o trecho
relativo a um personagem);
(b) Leitura em silêncio de um parágrafo pela criança, que depois deverá explicar oralmente pelas suas
palavras o que leu.
Embora se reconheça que alcançar a fluência na leitura é um indicador da leitura hábil, o treino
desta competência é tipicamente negligenciado na instrução escolar. A literatura científica, nomeadamente a
meta-análise realizada pelo Painel Nacional de Leitura norte-americano (National Reading Panel, 2000), refere
que é importante que o método fônico inclua o treino sistemático da fluência de leitura, e que alcançar a
fluência permite libertar recursos atencionais, favorecendo a compreensão da leitura. Uma forma informal de
aferir a rapidez na leitura é pedindo à criança para ler o mais correta e rapidamente possível um conjunto
de palavras/texto em um curto intervalo de tempo (por exemplo, em um minuto) e contabilizar o número
de palavras lidas corretamente.
Exemplos de Atividades/Exercícios:
(a) Leitura em voz alta pela criança, considerando a fluência, com feedback e orientação do professor – a
repetição (reler o mesmo excerto) vai permitir ao leitor criar representações mentais das palavras escritas
que encontra, podendo depois acessar a elas sempre que se deparar com palavras que já conhece. A ativação
automática da representação de uma palavra escrita permite ao leitor acessar ao significado e à pronúncia
dessa palavra diretamente a partir da sua forma visual, sem que tenha de recorrer ao processo mais lento de
decodificação grafema-fonema.
488
Susana Araújo
Recomendações Úteis:
• Deve privilegiar-se a prática da leitura em contexto significativo (e.g., pequenos textos) ao invés da
leitura de palavras isoladas;
• A criança deve praticar com material que já consegue decodificar com sucesso (escolhe-se um texto
curto que a criança já é capaz de ler com elevada precisão);
• Reler o mesmo texto várias vezes (não necessariamente na mesma sessão). Quando as palavras já são
lidas fluentemente, passa-se para um novo texto, permitindo assim aumentar o vocabulário na leitura.
Especialmente em alunos com dislexia é boa prática que o treino de fluência seja diário, requerendo,
contudo, apenas alguns minutos por dia. Nos leitores disléxicos, alcançar a fluência na leitura em voz alta parece
ser uma das dificuldades mais resistentes à intervenção (Wolf & Katzir-Cohen, 2001).Assim, é importante que
o treino seja sistemático e continuado no tempo. É importante motivar a criança para continuar a treinar!
Promover o prazer na leitura e o sentimento de controle pela criança (e.g., usar textos escolhidos pela
criança; leitura de letras de canções, de poesia ou ficção) e por em evidência o progresso alcançado (e.g.,
cronometrar a velocidade de leitura e representar graficamente os resultados de modo a salientar o ganho
em cada semana).
Referiu-se na seção anterior que, com base em evidências recentes (Vander Stappen & Van Reybroeck,
2018), o treino da nomeação rápida em série melhora esta capacidade e que este benefício se transfere para
a fluência de leitura (isto é, após o treino as crianças também melhoraram na sua velocidade de leitura).
Estes resultados abrem novas possibilidades à prevenção e intervenção – o uso da nomeação em série de
objetos tem especial interesse por se poder usar facilmente com leitores principiantes –, mas ressalve-se que
a sua eficácia com outros grupos de leitores carece ainda de validação.
Por fim, note-se que até que ocorra a automatização na leitura, a criança disléxica compreenderá
tanto melhor um texto quanto mais tempo lhe for permitido para a sua leitura. Cabe ao professor garantir-
lhe esse direito, concedendo tempo adicional para completar trabalhos e exames.
Treino da Escrita
A escrita não é a versão espelho da leitura. Para se escrever corretamente, a forma ortográfica das
palavras tem de ser conhecida (e.g., a palavra “chuva” poderia ser pronunciada corretamente se escrita como
<xuva> mas esta não é a forma escrita correta). Embora atividades independentes, leitura e escrita devem
ser treinadas em conjunto, uma vez que o treino simultâneo tem efeitos positivos na aprendizagem. Note-se
que as dificuldades dos disléxicos na escrita são, não raras vezes, negligenciadas na avaliação e intervenção da
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Dislexia: Da Evidência Científica à Sala de Aula
dislexia (Berninger, Nielsen, Abbott, Wijsman, & Raskind, 2008), muito embora sejam uma manifestação forte
da perturbação.
Exemplos de atividades/exercícios:
(a) De três imagens, pintar aquela cujo som inicial se escreve de forma diferente (e.g., xaile; chave; chupeta);
(b) Face a um desenho, selecionar a forma escrita correta (e.g., imagem de um chocolate com os estímulos
escritos <chocolate>; <xuculate>; <chucolate>);
(c) Ditado de palavras e/ou textos, seguido da identificação e participação ativa da criança na correção
dos erros cometidos – Incluir casos em que a ligação entre a expressão falada e a escrita não é linear, e
casos em que não existe uma verdadeira regra, sendo preciso conhecer a forma escrita exata das palavras
para que as possamos ler e escrever.
(d) Escrever uma lista das palavras em que a criança cometeu erros, escrevendo corretamente e assinalando
com outra cor as letras que tinha errado. Pronunciar e soletrar cada palavra, em voz alta, segmentando-a
em sílabas e fonemas.
Com base na sua experiência da prática clínica com crianças com dislexia, alguns autores sugerem
que também a caligrafia deve ser trabalhada juntamente com a escrita, pois uma caligrafia incorreta, de difícil
decodificação, dificulta a identificação e contribui para a persistência dos erros ortográficos (Teles, 2018).
Considerações Gerais
O reconhecimento atempado de sinais de alerta (ver Quadro 1), que permitam identificar crianças em
risco de dificuldades futuras na aquisição da leitura e da escrita, é fundamental para uma intervenção precoce,
e merece por isso toda a atenção por parte dos educadores/professores.
490
Susana Araújo
Quadro 1.
Sinais de alerta de dificuldades de leitura em crianças
Sinais de alerta da presença de dificuldades de leitura em idade escolar
Dificuldade no reconhecimento de palavras (e.g., perante o desenho de um automóvel com a legenda escrita
<automóvel>, a criança diz “carro”);
Dificuldade em ler de forma fluída (e.g., omissão de palavras em frases, ritmo irregular de leitura, e
velocidade de leitura com precisão abaixo do esperado para a idade);
Dificuldades na escrita (erros de transcrição fonológica, por exemplo, colher torna-se “culher” quando escrito;
troca de letras; trocas lexicais);
Recurso a estratégias para evitar a leitura (e.g., distração fácil em momentos de leitura);
Capacidades de leitura inferiores à capacidade cognitiva geral (apesar das dificuldades de leitura mostra
capacidades normativas ou acima da média noutras áreas);
Não raras vezes, a criança com dislexia apresenta dificuldades na atenção, o que por si mesmo pode
ter um papel determinante para o insucesso na aquisição da leitura e da escrita. Indicam-se algumas
estratégias informais que podem ser úteis em contexto de sala de aula:
• Sentar a criança na primeira mesa, e evitar fontes de estimulação alheias à aprendizagem (sentar longe
das janelas e dos locais onde a criança se possa distrair; evitar objetos desnecessários na mesa onde
trabalha);
• Supervisionar frequentemente o seu trabalho e ajudar a prosseguir nas tarefas;
• Permitir tempo extra para a conclusão dos trabalhos;
• Reduzir as tarefas ou os períodos de trabalho, ajustando-os à capacidade de realização da criança;
• Dividir trabalhos longos em partes menores para que a criança possa perspetivar o fim do trabalho;
• Atribuir uma tarefa de cada vez;
• Dar instruções claras e concisas, e associar instruções verbais a instruções escritas.
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Dislexia: Da Evidência Científica à Sala de Aula
Conclusões
Uma percentagem muito significativa de crianças tem dificuldades no domínio da leitura e da escrita, e
em parte dessas crianças tais dificuldades refletem uma perturbação específica de desenvolvimento da leitura
(dislexia). Hoje sabemos que a dislexia se define para além daquela que é a sua característica mais proeminente,
o défcit de leitura, manifestando-se em várias outras dificuldades que se expressam antes e durante a aquisição
da leitura (incluindo dificuldades no uso, armazenamento e recuperação de códigos fonológicos na memória).
O conhecimento científico atual sobre essas dificuldades proporciona uma oportunidade para a prevenção e
intervenção precoce, e os professores, sendo muitas vezes os primeiros a confrontarem-se com a perturbação,
desempenham um papel crucial.Vimos que a dislexia é uma perturbação neurobiológica de desenvolvimento,
com natureza genética, mas importa enfatizar que as causas não operam em um modo tudo ou nada (ter ou
não ter a perturbação). Fatores protetores e fatores de risco, quer genéticos quer ambientais, e entre eles
se destaca a qualidade da instrução, aumentam ou diminuem a probabilidade de o aluno ter baixos níveis de
desempenho na leitura e na escrita.
Mas sendo a dislexia uma perturbação de origem neurobiológica, é ou não possível melhorar as
competências leitoras nesta população? A investigação científica mostra que sim, mas constata também que
as crianças que apresentam dificuldades no início da aprendizagem da leitura e escrita dificilmente recuperam
se não tiverem uma intervenção precoce e especializada. Também um artigo recente (Huettig, Lachmann,
Reis, & Petersson, 2018) contém uma forte argumentação em favor da ideia de que a fraca ou má experiência
de leitura é, ela mesma, uma parte importante da explicação da dislexia. Dito de outra forma, ler menos
ou ler com pouca qualidade vai impedir o desenvolvimento de competências de leitura e outras com elas
relacionadas. Assim, se o aluno dá sinais de possíveis dificuldades, “esperar para ver” nunca é uma boa opção!
A melhor intervenção é a prevenção ou reeducação numa fase prévia ou inicial da aprendizagem da leitura.
Felizmente hoje compreendemos melhor os precursores do sucesso ou falha na leitura. Sabemos também
quais são os ingredientes-chave para uma receita de sucesso no ensino da leitura: a aquisição da consciência
fonêmica, favorecida por um treino fônico explícito e sistemático do princípio alfabético e das correspondências
grafema-fonema; o treino da fluência de leitura; o treino da compreensão oral e do vocabulário. E sabemos
também como estes devem ser cozinhados: atividades ativas e estruturadas de leitura, elevada intensidade
do treino de instrução, e realizadas em pequenos grupos. Detemos, portanto, o conhecimento científico
necessário para desenhar formas de instrução e de acompanhamento que permitam a todos os aprendizes
da literacia a melhor experiência de alfabetização possível. Temos de ser nós, que acreditamos ser possível a
prevenção das dificuldades de leitura ou a sua reeducação atempada e eficiente, a pôr em ação essas formas
de instrução baseadas em evidência científica.
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Susana Araújo
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Dislexia: Da Evidência Científica à Sala de Aula
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