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For the Family, for God, and for the End of Corruption: the use of religious speech in the Brazilian
political debate
Bianca Strücker*
Noli Bernardo Hahn**
Resumo: Pretende‐se, neste artigo, abordar aspectos teóricos e práticos que norteiam a
utilização da religião como ferramenta política no Brasil, além de refletir acerca do Estado Laico
frente a constantes referências a credos religiosos no âmbito legislativo e nas arenas públicas de
debate político. Como ponto de partida, o título faz referência a uma série de justificativas
utilizadas na votação do impeachment de Dilma Rousseff em 2016, sem adentrar no mérito da
legitimidade do processo, mas para verificar a relevância que a moral e discursos religiosos
ocupam no espaço público. Para abordar esta relevância do discurso moral e religioso, a
abordagem hermenêutica é a que se sobrepõe nesta pesquisa. Como resultado da investigação,
procura-se demonstrar que os representantes no cenário político têm reagido ao avanço da
institucionalidade democrática e dos direitos sociais, utilizando-se do discurso religioso para
justificar uma série de retrocessos em demandas que soam urgentes, no que tange ao direito de
família, da igualdade de gênero, dentre outros, em especial no contexto histórico brasileiro, em
que a corrupção aparece como grande desafio e desperta revolta dos cidadãos.
Abstract: The purpose of this article is to discuss theoretical and practical aspects that guide the
use of religion as a political tool in Brazil, as well as to reflect on the Lay State against constant
references to religious creeds in the legislative sphere and in the public arenas of political debate.
As a starting point, the title refers to a series of justifications used in Dilma Rousseff's
impeachment vote in 2016, without going into the merits of the legitimacy of the process, but to
verify the relevance that moral and religious discourses occupy in public space. To address this
relevance of moral and religious discourse, the hermeneutical approach is the one that overlaps in
this research. As a result of the research, it tries to demonstrate that the representatives in the
political scene have reacted to the advance of the democratic institutionality and the social rights,
using the religious discourse to justify a series of setbacks in demands that sound urgent, as far as
the right family, gender equality, among others, especially in the Brazilian historical context, where
corruption appears as a great challenge and awakens the citizens' revolt.
Considerações iniciais
A pesquisa tem por escopo desenvolver uma discussão acerca da utilização do discurso
religioso nas arenas políticas, que vem sendo cada vez mais utilizadas, embora o Estado seja
formalmente laico. Para debater a relevância do discurso moral e religioso, a abordagem
hermenêutica é a que se sobrepõe nesta pesquisa. Como resultado da investigação, procura-se
demonstrar que os representantes no cenário político têm reagido ao avanço da institucionalidade
democrática e dos direitos sociais, utilizando-se do discurso religioso para justificar uma série de
retrocessos em demandas que soam urgentes, no que tange ao direito de família, da igualdade de
gênero, dentre outros, em especial no contexto histórico brasileiro, em que a corrupção aparece
como grande desafio e desperta revolta dos cidadãos.
Laicidade e secularização
histórico e social, porém, a laicidade e a secularização são processos sociais distintos. Para
melhor compreende-los, é necessário traçar uma definição mais detalhada acerca dos conceitos,
afim de compreender como o Brasil se comporta na relação entre Estado e religião.
1 MARRAMAO, Giacomo. Céu e terra: genealogia da secularização. 1. ed. São Paulo: Unesp, 1995.
2 PIERUCCI, Antônio Flávio. Reencantamento e dessecularização: a propósito do autoengano em
sociologia da religião. São Paulo: Novos Estudos Cebrap, 1997, p. 99-117.
3 BERGER, Peter L. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo:
Paulinas, 1985.
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Por outro lado, a expressão laicidade deriva do termo laico, leigo. Etimologicamente, laico
se origina do grego primitivo laós, que significa povo ou gente do povo. De laós deriva a palavra
grega laikós de onde surgiu o termo latino laicus. Os termos laico, leigo exprimem uma oposição
ao religioso, àquilo que é clerical6. A laicidade é, sobretudo, um fenômeno político e não um
problema religioso, isto é, ela deriva do Estado e não da religião. É o Estado que se afirma e, em
alguns casos, impõe a laicidade7.
Pode haver liberdade, pluralismo e tolerância religiosa sem que haja laicidade, como já
ocorreu no Brasil com a Constituição Imperial de 18248, que garantia o direito à liberdade religiosa
a outras religiões além do catolicismo, independentemente da união entre Estado e Igreja
Católica, que era a religião oficial do império. A laicização e a secularização não ocorrem de forma
idêntica e única nos mais diversos países. Em cada local, existe um conjunto de características
sociais e culturais que possibilitam formas variadas de laicidade e secularização.
Conforme Blancarte9, o termo laicidade foi utilizado pela primeira vez no século XIX, em
um voto que o conselho geral de Seine na França, que deliberou favoravelmente ao ensino laico,
não confessional e sem instrução religiosa. Para o autor, a laicidade pode ser definida: “Como un
régimen social de convivencia, cuyas instituciones políticas estan legitimadas principalmente por
la soberania popular, y no por elementos religiosos. Por eso, el Estado laico surge realmente
cuando el origem de esta soberania ya no es sagrada sino popular.”10
Tradicionalmente, não nos referimos ao Brasil como Estado laico, entretanto, desde
189011, o Brasil assim é classificado. Pode parecer inusitado que depois de mais de cem anos,
haja a necessidade de lembrar que o Brasil é laico, e de haver a necessidade de se pleitear por
um Estado que verdadeiramente promova debates no âmbito público, sem pautar-se em
determinados credos.
Um Estado laico confere garantias não apenas para as pessoas que não têm religião,
mas, principalmente, para aquelas que têm religião, que no Brasil, são cada vez mais
diversificadas. A diversidade religiosa por dogmas, crenças, tradições, entidades religiosas
(santos, santas, anjos, demônios, divindades, deuses e deusas) só é verdadeiramente respeitada
se o Estado for laico, pois neste caso não há uma imposição de Estado em uma área que diz
respeito ao íntimo de cada indivíduo.
O caráter laico do Estado tem estado presente nas discussões nacionais desde o início
do regime republicano no Brasil. Ainda que nem sempre de forma evidente, a relevância da
laicidade do Estado vem ganhando maior visibilidade, sobretudo nas últimas décadas, figurando,
por vezes, o centro do debate político. Exemplo são as discussões acerca do ensino religioso nas
escolas públicas12, a descriminalização do aborto, dentre outros direitos reprodutivos, questões de
gênero, temas que têm mobilizado e dividido a opinião pública e diferentes setores do Estado.
Durante toda a história posterior, a Igreja discutirá o pensamento laico, ora maçom, ora
liberal, ora positivista, sobre a manutenção pública da fé como símbolo de poder. A existência de
9 BLANCARTE, Roberto. Popular Religion, Catholicism and Socioreligious Dissent. International Sociology.
Latin America: Facing the Modernity Paradigm, vol. 15, no. 4, 2000.
10 BLANCARTE, 2000, p. 6.
11 O Brasil torna-se laico com o advento do Decreto nº 119-A, de 17 de janeiro de 1890, que além de
extinguir o padroado de todas as instituições, recursos e prerrogativas, instituindo um Estado laico,
garante a liberdade religiosa de culto, porém liberdade igualitária para todos os credos. BRASIL. Decreto
nº 119-A, de 17 de janeiro de 1890.
12 Em setembro de 2017 o Supremo Tribunal Federal julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)
4439, na qual a Procuradoria-Geral da República (PGR) questionava o modelo de ensino religioso nas
escolas da rede pública de ensino do país. Por maioria dos votos (6 x 5), os ministros entenderam que o
ensino religioso nas escolas públicas brasileiras pode ter natureza confessional, ou seja, vinculado às
diversas religiões.
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uma palavra, de um gesto, de uma imagem posta em lugar visível (como a figura do crucificado
nos tribunais) representava para ela a certeza de que ainda não tinha sido reduzida à
particularidade, exigida pelo discurso leigo e racionalista13.
Por outro lado, constituiria uma laicidade agressiva, se o Estado proibisse o culto, credo,
ou existência de religiões, mesmo que fora do âmbito estatal. Um exemplo foi o comunismo
conforme assevera o sociólogo espanhol Millán Arroyo:
13 ROMANO, Roberto. Brasil: Igreja contra Estado. Crítica ao populismo católico. 1. ed. São Paulo: Kairós,
1979.
14 Em 2007, O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) indeferiu o pedido de retirar os símbolos religiosos das
dependências do Judiciário, concluindo o julgamento de quatro pedidos de providência (1344, 1345,
1346 e 1362) que questionavam a presença de crucifixos em dependências de órgãos do Judiciário.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2013.
15 ARROYO, Millán. La fuerza de la religión y la secularización en Europa. Inglesia Viva, no. 224, p. 99-106,
oct./dic. 2005, Disponível em: <http://eprints.ucm.es/5864/1/224-32-ANALISIS.pdf>. Acesso em: 24 set.
2017.
16 ONU, Organização das Nações Unidas. Universal Declaration of Human Rights. Versão original em
inglês. Promulgada em 10 dez. 1948. Disponível em <www.un.org/Overview/rights.html>. Aceso em: 14
set. 2017.
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O Estado laico mostra-se indispensável para evitar que articulações políticas impeçam a
plena liberdade de pensamento, de consciência e de religião, como proclamado no artigo 18 da
DUDH, que é fundamental à discussão acerca da liberdade religiosa, o qual profere:
Cada indivíduo deve conservar a possibilidade de decisão em esferas íntimas, para que
possa livremente decidir sobre temas que guardem relação exclusivamente com sua esfera de
responsabilidade, em nada dizendo respeito a outrem. Contudo, esse mesmo direito à liberdade
de manifestação no espaço público, individual ou coletivamente, a ninguém autoriza impor sua
própria crença aos demais. Nenhuma crença, assim, pode definir e determinar a esfera pública,
nem pode tornar obrigatórios os seus valores e determinações para a vida em sociedade.
Nenhum grupo pode tornar seus dogmas parte integrante das leis civis, válidas para
todos — indispensável para um Estado laico. É que a imposição de um grupo representaria, em si,
restrição às demais crenças e pessoas, configurando a tirania de uns sobre outros, ainda que se
apresentasse argumentos para tentar justificar semelhante dominação, pois esse argumento já
viria imbuído das motivações, conceitos e valores daquele dado grupo, desconsiderando os
demais. Daí a relevância do caráter laico do Estado. Ao tratar do tema do Estado laico, Celso
Lafer identifica preliminarmente a existência de um "espírito laico" que caracteriza a modernidade:
[…] é um modo de pensar que confia o destino da esfera secular dos homens à
razão crítica e ao debate e não aos impulsos da fé e às asserções de verdades
reveladas. Isto não significa desconsiderar o valor e a relevância de uma fé
autêntica, mas atribui à livre consciência do indivíduo a adesão, ou não, a uma
religião.21
O século XX foi marcado por fatos que já alertavam sobre a necessidade de tolerância e
laicidade estatal, onde sua negação trouxe desastrosas consequências. As experiências
17 ONU, 1948.
18 ONU, 1948.
19 ONU, 1948.
20 ONU, 1948.
21 LAFER, Celso. Estado laico. In: O Estado de S. Paulo, 20 mai. 2007, p. 1-2.
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Cada vez mais, igrejas têm se unido com o objetivo de preencher cadeiras no legislativo,
pois se percebeu que embora o Estado seja laico, não há um efetivo controle desta laicidade,
sobretudo dentro do Congresso Nacional. Frequentemente, em meio a votações das mais
variadas matérias, deputados utilizam-se de argumentos religiosos, fazem orações, e expressam
claramente suas motivações religiosas. Assim, as religiões utilizam-se dos mecanismos legais
para garantir ideais que são exclusivamente de cunho sacro, no ambiente público.
Neste sentido, há uma disputa legislativa no que tange a família, visto que até hoje não
há legislação que contemple o casamento civil de homossexuais. Para garantir tal direito, o CNJ,
através da resolução 17523, determina que Cartórios de Registro Civil, dentre outras autoridades,
não possam negar-se a habilitar, e posteriormente casar pessoas do mesmo sexo. Note-se que o
mecanismo legal que regulamenta o casamento civil LGBTI não é Lei, mas uma resolução, de
maneira que ainda hoje o Brasil não tem lei que permita o casamento civil de pessoas do mesmo
sexo.
22 ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. 3. reimpr. Tradução de Roberto Raposo. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998.
23 Publicada em maio de 2013, a resolução prevê que “Art. 1º É vedada às autoridades competentes a
recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento
entre pessoas de mesmo sexo.”
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24 BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei PL 6583/2013. Dispõe sobre o Estatuto da Família e dá
outras providências. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1159761>. Acesso em: 29
set. 2017. (grifo do autor)
25 Em reportagem do jornal O Globo, o Deputado Anderson Ferreira, autor do PL que cria o Estatuto da
Família, afirmou que “Não pode um único movimento querer prevalecer. Uma coisa é lutar por direitos
outra é buscar privilégios. O movimento LGBT não diferencia direito de privilégio. Não pode alterar o que
está na Constituição. Não pode uma minoria ditar regra para a maioria e nem querer privilégios.” O
GLOBO, 2015.
26 TIRADENTES, Andrielly Francine Rocha. Direito, religião e orientação sexual: os paradoxos ao
reconhecimento da família homoafetiva. [Dissertação de Mestrado]. Pouso Alegre: Faculdade de Direito
do Sul de Minas, 2016. Disponível em:
<https://www.fdsm.edu.br/mestrado/arquivos/dissertacoes/2016/18.pdf>. Acesso em: 13 jul. 2017.
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Vinculação
Deputado Palavras-chave
religiosa
das relações, e consequentemente, para a aceitação de um único tipo de núcleo familiar, aquele
formado através da união entre homem e mulher29.
Antônio Bulhões (PRB) Igreja Universal do Reino de Deus (bispo). Membro da Frente
Igreja Metodista (membro). Parlamentar Evangélica.
Bacelar (PTN) -
Missionário José Olímpio Igreja Mundial do Poder de Deus (membro). Membro da Frente
(DEM) Parlamentar Evangélica.
29 TIRADENTES, 2016.
30 TIRADENTES, 2016.
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Jô Moraes (PC do B) -
orientação sexual seja condicionante de direitos civis, principalmente quanto essa negativa parte
de pressupostos subjetivos, como são os da esfera religiosa. O rompimento efetivo entre Estado e
religião mostra-se como uma medida benéfica e pertinente; principalmente, quando estão em jogo
direitos de minorias.
32 ABRAMO, Claudio Weber. Percepções pantanosas: a dificuldade de medir a corrupção. Novos estud. –
CEBRAP. [online]. No. 73, p .33-37, 2005. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002005000300003>. Acesso em: 20
out. 2018.
33 CONGRESSO EM FOCO. Deputados citaram “Deus” 59 vezes na votação do impeachment. Agencia
Brasil. 19 abr. 2016. Disponível em: <https://congressoemfoco.uol.com.br/especial/noticias/deputados-
citaram-%E2%80%9Cdeus%E2%80%9D-59-vezes-na-votacao-do-impeachment/>. Acesso em: 15 set.
2018.
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disse que as citações distorcem o sentido das religiões. ‘Não concordamos com
essa relação complexa e complicada entre religião e política representativa’,
afirmou. Segundo Romi, uma das preocupações dos cristãos é com o uso da
religião para justificar posicionamento em questões controversas. A fé,
esclareceu, pode contribuir, com uma cultura de paz, com a promoção do
diálogo e com o fortalecimento das diversidades. Porém, advertiu, ‘Tem uma
faceta de perpetuar violência’, quando descontextualizada. ‘Infelizmente,
vimos que os parlamentares que se pronunciaram em nome de Deus, ao longo do
mandato, se manifestam contra mulheres, defendem a agenda do agronegócio e
assim por diante. Nos preocupa bastante o fato de Deus ser invocado na defesa
de pautas conservadoras – é ruim adjetivar, mas é a primeira palavra que me
ocorre – e de serem colocadas citações bíblicas descontextualizadas. Não
aceitamos isso e eu acho que é urgente refletir sobre o papel da religião na
sociedade.’34
Conforme Leonardo Boff, o comportamento dos parlamentares foi “um espetáculo indigno
de pessoas decentes, de quem se esperaria um mínimo de seriedade.” Onde, “a grande maioria
se concentrou na corrupção e nos efeitos negativos da crise. Apostrofaram hipocritamente o
governo de corrupto, quando sabemos que um grande número de deputados está indiciado em
crimes de corrupção.”35
Importa notar que, em conjunto, emergiu novamente a velha campanha que reforçou o
golpe militar de 1964: as marchas da religião, da família, de Deus e contra a corrupção. Dezenas
de parlamentares da bancada evangélica têm claramente feito discursos de tom religioso,
invocando o nome de Deus, o respeito a uma chamada família tradicional, e para alcançar as
massas, o combate à corrupção.
O debate religioso pode e deve ser utilizado a fim de promover emancipação e educação
para os direitos humanos. Porém, o discurso religioso que majoritariamente tem ocupado o
cenário político é excludente, sexista, classista, racista, além de não respeitar os princípios
democráticos do Estado, como a laicidade. Ademais, percebe-se uma incoerência com os próprios
textos eclesiásticos, que diferentemente, defendem a defesa do pobre, da viúva, do estrangeiro e
do necessitado37.
Considerações finais
Conclui-se que os discursos religiosos nas arenas políticas sequer têm sido utilizados em
caráter confessional, com a busca de evangelização e conversão de novos fiéis – embora o
Estado seja laico, formalmente. Tais discursos vêm sendo utilizados com propósito de dominação
de massas, ocultando seu verdadeiro escopo, que são interesses de poder, comerciais,
agropecuaristas, impedimento ao progresso de pautas pelos direitos de minorias etc.
O discurso religioso nas arenas políticas brasileiras se serve da baixa carga cultural e
educacional da população, na busca de criar falas que aproximem da crença das massas – cristã,
monogâmica, heterossexual, para ocultar todos os demais critérios de apoio a legislações que não
tem ligação com tais populações – em geral pobres, marginalizadas.
38 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. 28. reimpr. São Paulo: Companhia das Letras,
2007.
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pela Constituição Federal de 1988 acirrou disputas político-ideológicas entre aqueles adeptos de
práticas progressistas e conservadoras, herdeiros das tradicionais elites que dominam o espaço
público, se aproveitando da democracia representativa nacional para alcançar o poder com
discursos eloquentes que comovem massas, e se perpetuar no poder.
Referências
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Companhia das Letras, 1998.
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Paulo: Paulinas, 1985.
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boff/o-golpe-da-volta-da-religi%C3%A3o-da-fam%C3%ADlia-e-de-deus-contra-a-
corrup%C3%A7%C3%A3o-1.1283889>. Acesso em: 16 set. 2018.
BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei PL 6583/2013. Dispõe sobre o Estatuto da Família e
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CATROGA, Fernando. Entre deuses e césares: secularização, laicidade e religião civil. 1. ed.
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