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A Igreja - Adoração, Ministério e Autoridade - Angel Manuel Rodriguez

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Título original em inglês:

Worship, Ministry, and the Authority of the Church

Direitos de tradução e publicação


em língua portuguesa reservados à
Casa Publicadora Brasileira
Rodovia SP 127 – km 106
Caixa Postal 34 – 18270-970 – Tatuí, SP
Tel.: (15) 3205-8800 – Fax: (15) 3205-8900
Atendimento ao cliente: (15) 3205-8888
www.cpb.com.br

1ª edição neste formato


Versão 1.0
2021

Coordenação Editorial: Diogo Cavalcanti


Editoração: Glauber Araújo e Vinícius Mendes
Revisão: Luciana Gruber e Adriana Seratto
Projeto Gráfico e Capa: Milena Ribeiro
Imagem da Capa: sakkmesterke | Adobe Stock
Adaptação Digital: Bruna Ribeiro
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios,
sejam impressos, eletrônicos, fotográficos ou sonoros, entre outros, sem prévia autorização
por escrito da Editora.

19420 / 42642
ORGANIZADOR
Ángel Manuel Rodríguez

EQUIPE DO INSTITUTO DE PESQUISA BÍBLICA


Marlene Bacchus Gerhard Pfandl
Elias Brasil de Souza Ángel Manuel Rodríguez
Kwabena Donkor Artur A. Stele
Brenda Flemmer Marly L. Timm
Ekkehardt Mueller Clinton Wahlen

MEMBROS DO BRICOM 2010-2015


Niels-Erik Andreasen John K. McVay
Radisa Antic Jiří Moskala
Delbert Baker G. T. Ng
Daniel K. Bediako Brempong Owusu-Antwi
Merlin Burt Jon K. Paulien
Lael O. Caesar Leslie N. Pollard
Gordon E. Christo John Reeve
Gerard Damsteegt Teresa Reeve
Jo Ann Davidson Richard Rice
Richard M. Davidson Richard Sabuin
Ganoune Diop Benjamin D. Schoun
Denis Fortin Thomas R. Shepherd
Roy E. Gane Ella S. Simmons
Michael Hasel Reinaldo Siqueira
Elie Henry Michael Sokupa
Myron A. Iseminger David Tasker
Sung-Ik Kim Alberto Timm
Gregory A. King Efrain Velazquez
Miroslav M. Kiš Ted N. C. Wilson
Gerald Klingbeil Randall W. Younker
Bill Knott Eugene Zaitsev
Robert E. Lemon E. Edward Zinke
Barna Magyarosi
Prefácio

Igreja: Adoração, Ministério e Autoridade conclui a trilogia de

A livros sobre eclesiologia do Instituto de Pesquisa Bíblica (BRI, na


sigla em inglês). As duas publicações anteriores (Teologia do
Remanescente: Uma Perspectiva Eclesiológica Adventista e Message,
Mission, and Unity [Mensagem, Missão e Unidade da Igreja]) lançam o
alicerce teológico para esta obra, que aborda três aspectos cruciais, porém
bastante incompreendidos, da eclesiologia: adoração, ministério e autoridade
da igreja. Os sete primeiros capítulos tratam do tema da adoração. Devemos
manter em mente que a adoração é assunto controverso desde os tempos da
Reforma, tendo causado “guerras de adoração” penosas nas denominações
protestantes e evangélicas, bem como entre elas. Essas discordâncias são
profundas, sobretudo nas áreas de música e liturgia.
Os adventistas do sétimo dia também foram afetados por essas
preocupações. Por isso, essa obra busca trazer clareza e entendimento em
relação a esses temas. Em primeiro lugar, a fim de situar o assunto em uma
perspectiva mais ampla, Sergio E. Becerra apresenta dois estudos criteriosos
sobre adoração no contexto da Reforma: “A Adoração e os Reformadores
Magisteriais” e “A Adoração e os Reformadores Anabatistas do Século 16”.
Os capítulos que se seguem abordam o assunto pela perspectiva adventista.
Theodore N. Levterov traz uma visão geral sobre “Adoração nos Primórdios
do Adventismo”, e Denis Fortin debate a “Teologia de Adoração e Liturgia
de Ellen G. White”. O foco no conceito adventista de adoração continua com
o capítulo de Daniel Oscar Plenc, “Por uma Teologia Adventista de
Adoração”. Ángel Manuel Rodríguez delineia os “Elementos da Adoração
Adventista: Sua Relevância Teológica”, e Sung Ik Kim relaciona o tema da
adoração ao pós-modernismo no capítulo “A Adoração no Contexto Pós-
moderno”.
Os dez capítulos finais abordam o assunto crucial do ministério e a
autoridade da igreja. Um dos aspectos mais desafiadores de um estudo assim
é encontrar o equilíbrio entre a hiperênfase da eclesiologia do catolicismo
romano e a desvalorização da eclesiologia das denominações protestantes,
sobretudo no modelo congregacionalista. A esse respeito, o leitor logo
perceberá que os autores encontram um equilíbrio bíblico saudável ao tratar
de temas tão delicados. Norman Gulley apresenta uma excelente visão geral
em “Ordenanças da Igreja: Batismo, Lava-pés e Ceia do Senhor”. Frank
Hasel reflete sobre “A Apostolicidade da Igreja”. Ekkehardt Mueller debate
“O Sacerdócio de Todos os Crentes”. Jerry Moon, Jesse Tennison e Denis
Fortin tratam da “Natureza, Função e Autoridade do Ministro nos Escritos de
Ellen G. White”. Teresa Reeve contribui com duas pesquisas criteriosas:
“Autoridade da Igreja nos Evangelhos e em Atos” e “Autoridade da Igreja em
Paulo e nos Escritos Posteriores ao Novo Testamento”. O capítulo escrito por
Miroslav Kiš, in memorian, fala sobre “Autoridade e Disciplina Eclesiástica”.
Ángel Manuel Rodríguez explica o conceito de autoridade da igreja no
capítulo intitulado “Autoridade Eclesiástica: Origem, Natureza e Função”.
Eugene Zaitsev apresenta um vislumbre do pensamento eclesiológico de uma
ramificação proeminente do cristianismo em “Autoridade e Unidade da Igreja
na Teologia Ortodoxa”. Lowell C. Cooper desvenda as “Tendências e Fatores
que Afetam o Futuro da Organização Eclesiástica Adventista”. Por fim, três
anexos e um índice de referências bíblicas conferem ainda mais utilidade a
este volume.
Devemos prestar reconhecimento a diversas pessoas cujos esforços foram
fundamentais para a produção desta obra e das anteriores. Em primeiro lugar,
é preciso mencionar Ángel Manuel Rodríguez, que concebeu a ideia e tomou
sobre si a responsabilidade de supervisionar o projeto inteiro no papel de
organizador. Agradecemos aos autores, que a partir de perspectivas e
experiências diversas, contribuíram para que uma visão bíblica sobre a
eclesiologia adventista esteja disponível neste livro. Também agradecemos à
contribuição da Comissão do Instituto de Pesquisa Bíblica, que é composta
por um grupo de estudiosos da melhor qualidade. Eles avaliaram
minuciosamente os capítulos e ofereceram críticas e sugestões significativas.
Precisamos reconhecer a contribuição de Marlene Bacchus, editora e
revisora do BRI, que pacientemente dedicou inúmeras horas no preparo para
a publicação da obra; de Marly Timm, nossa auxiliar de pesquisa, que
conferiu meticulosamente as notas de fim de capítulo e referências
bibliográficas; e de Brenda Flemmer, nossa assistente administrativa, que
trabalhou nas permissões para as citações bíblicas.
Graças aos esforços incansáveis e à determinação incessante dessa equipe
multifacetada, o Instituto de Pesquisa Bíblica pode oferecer à igreja mundial
este marco no estudo da eclesiologia. Embora não tenhamos a pretensão de
dar a palavra final acerca de cada assunto debatido aqui, oramos para que esta
obra, assim como os volumes anteriores, cause um impacto positivo sobre a
eclesiologia adventista ao longo dos anos que virão.
Elias Brasil de Souza
Diretor do Instituto de Pesquisa Bíblica
Abreviaturas
CBASD – Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, 7 vols.
AR – Adventist Review
ANF – Ante-Nicene Fathers
ATR – Anglican Theological Review
AUSS – Andrews University Seminary Studies
BDAG – W. Bauer, et. al, A Greek-English Lexicon of the New Testament
and other Early Christian Literature
BLT – Brethren Life and Thought
BZ – Biblische Zeitschrift
CAR – Center for Adventist Research
CAS – A Companion to Anabaptism and Spiritualism, 1521-1700, org. John
D. Roth e James M. Stayer
CBQ – Catholic Biblical Quarterly
CH – Christian History
ChrT – Christianity Today
CS – Corpus Schwenckfeldianorum, ed. S. D. Hartran
DCW – Documents of Christian Worship: Descriptive and Interpretative
Sources
EC – Encyclopedia of Christianity, ed. Erwin Fahlbusch, Geoffrey William
Bromiley
EDNT – Exegetical Dictionary of the New Testament
EEC – Encyclopedia of Early Christianity, ed. Everett Ferguson
EncC – Encyclopedia of Christianity, org. John Bowden
GAMEO – Global Anabaptist Mennonite Encyclopedia Online
GOTR – Greek Orthodox Theological Review
GTJ – Grace Theological Journal
HRC – Heritage Research Center
IBMR – International Bulletin of Missionary Research
IDB – Interpreter’s Dictionary of the Bible
IJSCC – International Journal for the Study of the Christian Church
JATS – Journal of the Adventist Theological Society
JES – Journal of Ecumenical Studies
JETS – Journal of the Evangelical Theological Society
JTS – Journal of Theological Studies
LCC – Library of Christian Classics
LCR – Lutheran Church Review
LSJ – H. G. Liddell, R. Scott e H. S. Jones, Greek-English Lexicon, 1996
LW – Luther’s Works
LXX – Septuaginta
MPJ – Moscow Patriarchate Journal
MQR – Mennonite Quarterly Review
TM – Texto massorético
NPNF – Nicene and Post-Nicene Fathers of the Christian Church: Second
Series
NTS – New Testament Studies
ODCC – Oxford Dictionary of the Christian Church, org. F. L. Cross,
Elizabeth A. Livingstone
OHCW – The Oxford History of Christian Worship, org. G. Wainwright, K.
B. Westerfield Tucker
PRSt – Perspectives in Religious Studies
RH – Review and Herald
RR – Radical Reformation, org. Michael G. Baylor
SJTh – Southwestern Journal of Theology
ST – Signs of the Times
SVTQ – Saint Vladimir’s Theological Quarterly
TDNT – Theological Dictionary of the NT, 10 v.
TDOT – Theological Dictionary of the OT, 13 v.
VE – Vox Evangelica
WDCT – Westminster Dictionary of Christian Theology, org. Alan
Richardson, John Bowden
AplEGW – Arquivo do Patrimônio Literário de Ellen G. White
YI – Youth Instructor
ZPEB – Zondervan Pictorial Encyclopedia of the Bible
Introdução

tarefa de escrever uma eclesiologia adventista permanece

A inacabada. Na série “Estudos do Instituto de Pesquisa Bíblica Sobre


Eclesiologia Adventista”, oferecemos dois volumes, 1 sendo este o
terceiro. Nela analisamos aspectos da eclesiologia adventista sem formular
uma eclesiologia integrada propriamente dita. Esperamos que, no futuro,
aqueles que estudarem a igreja encontrem nestas obras orientação e
parâmetros bíblicos e teológicos dentro dos quais a eclesiologia adventista
possa ser formalmente desenvolvida.
Nos três volumes dedicados à eclesiologia, grande ênfase foi dada à
identidade, unidade, missão, mensagem, autoridade e vida da igreja como
comunidade de adoração. Indicamos que a eclesiologia adventista é, por
definição, uma eclesiologia do remanescente, desenvolvida no contexto do
grande conflito e na obra redentora de Cristo. Em Jesus e Seu trabalho
salvífico, a igreja surge, e o conflito cósmico é resolvido. A reunificação do
cosmos começou no mistério da encarnação do Senhor, em quem o divino e o
humano se uniram em uma pessoa. A igreja que Ele instituiu durante Seu
ministério é a comunidade daqueles que, sob a influência do Espírito,
entregaram a vida a Ele e O aceitaram como Salvador e Senhor. Encontraram
plenitude em Cristo e unidade na comunhão com Ele e uns com os outros, por
intermédio do Espírito Santo.
A unidade da igreja e a natureza de sua autoridade constituem dois dos
pontos mais complexos e causadores de divisão no campo da eclesiologia
cristã, e, até certo ponto, na eclesiologia adventista. Necessitam de atenção
constante, porque a divisão parece algo natural em um mundo de pecado, e a
autoridade dela pode ser facilmente mal empregada.
Ambos os aspectos devem ser firmemente alicerçados em uma eclesiologia
bíblica que revele a profundidade de um amor poderoso o suficiente para
preservar nossa unidade e usar a autoridade eclesiástica a fim de expressar
preocupação e amor para com as pessoas dentro e fora da igreja. A
preservação da unidade eclesiástica é tarefa de cada cristão motivado pelo
Espírito e cheio de Seu poder. Infelizmente, a história da igreja cristã
demonstra como a autoridade tem prevalecido como meio de preservação da
unidade eclesiástica. Mas o preço é alto.
Nossos estudos sobre eclesiologia examinaram a história cristã por diversos
motivos. Um deles é o fato de fazermos parte dessa história. Somos uma
comunidade de fé cristã, influenciada pelo que ocorreu durante a longa
história do cristianismo. Nossa identidade não pode e não deve ser
estabelecida em caráter isolado do restante dessa história. Em segundo lugar,
examinamos a história cristã porque precisamos aprender com ela. Assim
como toda história humana, ela contém uma mistura de elementos positivos e
negativos. Devemos conservar o que é bom, mas jamais esquecer ou repetir
os erros do passado. Afinal, o esquecimento provavelmente nos levaria à
repetição dos mesmos erros. Terceiro, a história cristã revela o fato de que
ensinamentos bíblicos fundamentais foram abandonados, modificados ou até
mesmo ignorados por líderes cristãos.
Essas verdades devem ser restauradas por aqueles que esperam com
paciência e alegria o retorno de Cristo. Isso faz parte da missão da Igreja
Adventista. Por fim, ao examinar essa história, somos capazes de identificar
as forças que, em momentos críticos, influenciaram a igreja para seguir
determinado rumo ou tomar decisões que podem não ter sido as melhores. A
maior parte dessas forças ainda se encontra em nosso meio e, a menos que
sejamos vigilantes, podemos acabar repetindo os erros do passado.
Neste volume, a ênfase se concentra em três aspectos complexos da
eclesiologia adventista: adoração, ministério e autoridade. Eles são, em
alguns lugares, motivo de debate e devem ser discutidos à luz das Escrituras à
medida que tentamos compreendê-los melhor. Apresentamos uma análise útil
que pode prover uma ferramenta à Igreja Adventista, enquanto luta com essas
questões.
Esses três pontos têm sido fonte de conflito ao longo da história da igreja
cristã, tendo inclusive contribuído com a fragmentação do cristianismo. A
maneira que nós, o remanescente de Deus do tempo do fim, abordamos esses
aspectos impactará de uma forma ou de outra a identidade e a unidade da
igreja.
Na atualidade, uma das tarefas mais importantes e prementes na agenda da
eclesiologia adventista é a formulação de uma compreensão da natureza e do
papel do ministério na igreja, baseada na Bíblia e livre de segundas intenções
causadoras de divisão. 2 Para a realização dessa tarefa, é necessário fazer a
distinção entre a mensagem bíblica que proclamamos e as preocupações
secundárias que podem desnecessariamente nos dividir.
Esta obra tem como objetivo aumentar nossa compreensão sobre os temas
abordados e contribuir para a edificação da igreja pela qual Cristo deu a vida
e à qual confiou a comissão evangélica (Mt 28:18-20). A eclesiologia
adventista deve ser colocada a serviço da missão da igreja. “O Espírito e a
noiva dizem: Vem! Aquele que ouve, diga: Vem!” (Ap 22:17).
Ángel Manuel Rodríguez
Organizador

1 Ángel Manuel Rodríguez, org., Teologia do Remanescente: Uma Perspectiva Eclesiológica


Adventista (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2012); Ángel Manuel Rodríguez, ed., Message,
Mission, and Unity of the Church (Silver Spring, MD: Biblical Research Institute, 2013).
2 Um bom primeiro passo foi dado pela emissão do documento reimpresso neste volume como Anexo
3.
1 A Adoração e os Reformadores
Magisteriais
Sergio E. Becerra

ste capítulo se propõe a investigar o conceito de adoração dos

E reformadores magisteriais e a crítica que fizeram à liturgia católica


romana no século 16. Para isso, apresentamos uma visão geral das
raízes cristãs litúrgicas comuns encontradas no Novo Testamento, sucedida
por uma breve síntese de alguns dos acontecimentos históricos até o fim da
Idade Média. Concluiremos esse estudo com um debate das possíveis
contribuições que as ideias dos reformadores sobre adoração podem ter
causado no conceito e na prática de adoração da Igreja Adventista do Sétimo
Dia.
Nos tempos modernos, os termos “adoração” e “liturgia” parecem ser
usados de maneira intercambiável. Contudo, a fim de cumprir nosso
propósito, usamos definições que diferenciam os dois, ao mesmo tempo em
que apontam para suas funções complementares na igreja cristã.

Liturgia é aquilo que os cristãos realizam em seus cultos públicos. Adoração é tanto
mais quanto menos que a liturgia, uma vez que inclui as práticas devocionais de
indivíduos e famílias, bem como o louvor coletivo e a oração em público. É menos
no sentido de que liturgia não é somente oração, mas também um ritual. O ritual diz
respeito não apenas ao que uma comunidade faz na presença de Deus, como também
ao que os membros de uma comunidade fazem na interação uns com os outros. 1
LITURGIA NA IGREJA CRISTÃ ATÉ A IDADE MÉDIA

Do 1o ao 3o século
Os eruditos em geral concordam que a adoração cristã do período pós-
apostólico provavelmente tenha se inspirado no culto da sinagoga judaica. 2
A adoração durante os três primeiros séculos não era pública ou totalmente
pública. O contexto para a vida e adoração em comum ocorria nos lares dos
cristãos ou em casas doadas para ser transformadas em local de adoração e
assembleia. 3 A perseguição e o status do cristianismo como religio illicita
(religião não autorizada) não permitiam a construção de templos. Isso
reforçava a diferença entre o cristianismo e o cultus pagão, que era público e
cheio de rituais. 4
O formato em si dos cultos de adoração da igreja cristã desse período não
está totalmente claro. O Novo Testamento e os primeiros documentos pós-
apostólicos dão poucas informações acerca das práticas litúrgicas daquela
época. No 2o e 3o século, encontramos o desenvolvimento de alguns
elementos importantes de ritual e adoração. Dentre eles, estão os seguintes:
1. Um culto de adoração que incluía cânticos, possível recitação da lei e
oração, uma refeição noturna (semelhante à que ocorria no culto da
sinagoga), a qual talvez incluísse a ceia do Senhor. 5 Documentos antigos
mostram que a oração da eucaristia surgiu em tempos bem remotos.
2. Além disso, há evidências de reunião aos sábados e domingos para
adoração. 6
3. A Páscoa logo se tornou a celebração da paixão de Cristo. 7
4. A iniciação por meio do batismo 8 e a disciplina pública para a
restauração daqueles que caíram tomou forma durante esse período. 9
5. A ordenação das pessoas separadas para o ministério por meio da
imposição de mãos é bem documentada. 10
Do 4o ao 6o século
O fim da perseguição do Império Romano e a nova condição concedida ao
cristianismo de religio licita (religião autorizada) mudou drasticamente a vida
da igreja. O tratamento preferencial dispensado por Constantino e outros
imperadores romanos logo concedeu aos líderes cristãos as honrarias de
magistrados civis. Foram então construídos grandes centros de reunião
(basílicas) para abrigar os cultos cristãos. 11
Essas mudanças causaram um impacto profundo sobre a liturgia da igreja.
As honrarias concedidas aos bispos por causa de sua nova posição social
foram importadas para a liturgia (por exemplo, saudação com reverência,
grupos de cantores saudando sua chegada, luzes e incenso os precedendo em
procissões). A logística da liturgia de celebração em grandes espaços
públicos exigiu um aumento nas cerimônias. 12 O interesse renovado na vida
de Jesus e nas terras bíblicas incentivava peregrinações à Palestina. Então os
bispos desenvolveram rituais em locais da peregrinação para reencenar a
história bíblica. Esses rituais eram repetidos na terra de origem dos
peregrinos. 13
A liturgia dos cultos exigia um teor mais teatral. A compreensão tipológica
dos rituais cristãos ajudou os cristãos a entender que sua adoração pública era
uma encenação dos atos salvíficos de Deus em Cristo, para benefício da
humanidade. 14 Além disso, a comunidade cristã transferiu os cultos de
adoração do contexto particular de igrejas nos lares para uma esfera pública,
em basílicas ou templos construídos pelo Estado, nos quais toda a
comunidade podia comparecer. 15
A adoração cristã também sofreu a influência de práticas pagãs que
sobreviveram por meio da interpretação “misteriológica” dos sacramentos,
observância de dia santos, veneração dos mártires e de práticas funerárias. 16
Essa foi a era da mistagogiae, ou seja, da explicação dos mistérios. Nessa
prática, fazia-se uma descrição das cerimônias e uma reflexão teológica sobre
elas. O ensino mistagógico sobre a natureza reverente e temível da
participação da eucaristia resultou em uma assembleia cristã que não mais
comungava. Assim tornou-se, em grande parte, apenas nominal. A explicação
alegórica da liturgia em si levava as pessoas a entendê-la como uma recriação
dramática da vida de Cristo. 17
Associada à crescente ênfase teológica na natureza sacrificial da eucaristia,
ocorreu uma ruptura entre a liturgia e a participação dos leigos na comunhão.
A extensão dessa separação transformou a eucaristia em uma prática quase
que exclusiva do clero. A participação dos leigos foi reduzida à contemplação
do significado das cerimônias e dos símbolos do rito.
Isso foi incentivado pelo aumento das orações anafóricas ou eucarísticas (a
repetição de uma palavra ou expressão no início de diversas frases em
orações) e da intercessão por uma variedade de categorias diferentes de
pessoas (vivas e mortas). Cada vez mais, a eucaristia era vista como uma
oferta por necessidades específicas, não como uma celebração coletiva da
comunidade dos fiéis. Essa tendência continuaria a se desenvolver, chegando
ao auge durante a Idade Média. 18
O que vemos durante esse período é a transformação do cristianismo, de
uma religião com liturgia espiritual e simples para uma religião oficial que se
adaptou às demandas da santificação cerimonial da vida (por exemplo, ritos
para os mortos e para casamentos), do tempo (observância dos dias santos) e
do espaço (construção e decoração de igrejas e lugares santos) para toda a
população. Nesse processo, a adoração se tornou material e extremamente
ritualizada.

Do 7o ao 11o século
A queda do Império Romano ocidental inaugurou um novo período para o
cristianismo latino, possibilitando a transição do fim da antiguidade para a
Idade Média. Durante esse período, emergiu uma nova cultura religiosa
franco-romana em decorrência do renascimento carolíngio e de anos de
evangelização dos reinos germânicos.
Em grande medida, o renascimento carolíngio foi de ordem litúrgica. Livros
de liturgia se tornaram necessários para a celebração do culto: livros de
oração, hinários e manuais. Os governantes queriam unificar o reino por meio
de um culto de adoração cristã mais unido e romanizado. Era preciso usar
tipos específicos de livros para esse propósito: sacramentários (livros de
celebrantes com textos para a celebração da eucaristia); a coleta (oração do
dia), que incluía oração pelas ofertas, o prefácio apropriado para a eucaristia e
a oração a ser feita após a comunhão; os lecionários (textos bíblicos para as
missas do ano eclesiástico); os antifonários (textos cantados para os corais) e
o ordinário (livreto com instruções para a realização de cerimônias). 19 Esses
materiais garantiram a existência de uma série de papéis litúrgicos ao longo
da Idade Média. Dentre eles, encontramos celebrantes, diáconos, cantores,
corais, coroinhas, sacristãos e porteiros. A missa católica romana foi definida
pela reforma litúrgica gregoriana. Carlos Magno a aplicou em seu império
como meio de alcançar unidade religiosa. 20 Além disso, ao longo desse
período, o ano-calendário religioso alcançou pleno desenvolvimento. 21
Outros desenvolvimentos litúrgicos importantes incluem:
1. Penitências particulares que surgiram durante esse período, no contexto
das comunidades monásticas (4o e 5o séculos), apresentaram oportunidades
regulares de confissão de pecados a um líder espiritual. A prática foi
introduzida no continente europeu por meio das atividades missionárias de
monges irlandeses e britânicos. 22 Esse tipo de penitência particular entrava
em conflito com a antiga penitência pública canônica. Ao contrário da
penitência pública, a particular podia ser realizada sempre que o indivíduo
quisesse, embora o perdão só fosse concedido após a conclusão da penitência.
A penitência particular superaria a penitência pública em decorrência de sua
praticidade. 23
2. Ao fim do 5o século, o batismo e a confirmação de bebês se tornou uma
prática mais comum por causa do decréscimo de batismos de adultos, após o
batismo em massa de pagãos que aconteceu quando o cristianismo se tornou
a religião oficial do império ao final do 4o século. 24 Uma nova onda de
batismos coletivos foi realizada durante a conversão das nações germânicas
para a ortodoxia católica. A prática da confirmação por um bispo logo após o
batismo foi, aos poucos, separada do batismo em si e se transformou em um
sacramento independente, feito por um bispo antes da primeira comunhão. 25
3. Os ritos realizados durante esse período ofereceram muitas oportunidades
para o desenvolvimento de hinos e cantos. Partes cantadas da missa
permitiam que o clero e a população participassem de apresentações
musicais. A Liturgia das Horas (orações diárias a serem recitadas pelo clero,
as ordens religiosas e os leigos) incluía versos, 26 salmos, hinos da liturgia e
cânticos. Essa quantidade de canto teve enormes consequências para o
desenvolvimento da música ocidental. 27

Alta Idade Média: séculos 12 a 15


A igreja no início da Idade Média deu continuidade a práticas da igreja
antiga, fazendo com que a liturgia e a espiritualidade fossem exercícios
públicos e coletivos. Durante esse período, houve sinais sugerindo que
mudanças estavam prestes a acontecer. Esses sinais ocorreram durante a Alta
Idade Média e Baixa Idade Média, com forte ênfase na piedade pessoal,
sobretudo em meio às novas ordens monásticas que emergiram das reformas
monásticas desse período (Cluny e os cistercienses).
Do 9o século em diante, a espiritualidade pessoal alterou aos poucos o
caráter coletivo da liturgia. Em vez de prover a base para a devoção pessoal, a
liturgia a substituiu. Grupos diferentes tinham o próprio tipo de devoção,
incluindo o clero, as comunidades monásticas e os leigos. Até mesmo ao
participar da adoração, o clero passou a ser dividido de acordo com a classe
social. Cada grupo tinha seu espaço de adoração: a nobreza, as associações
comerciais, os camponeses ou os moradores das cidades. A arquitetura das
grandes catedrais góticas reflete esse desenvolvimento litúrgico. Por fim, os
leigos foram excluídos da participação na liturgia da igreja e se tornaram
meros expectadores. Em consequência, voltaram-se para a devoção pessoal e
popular. Abordaremos alguns outros desenvolvimentos litúrgicos importantes
que contribuíram para a deterioração da liturgia medieval.

Orações particulares em celebrações públicas


Durante a era carolíngia, orações particulares eram recitadas pelo padre à
medida que ele se aproximava do altar durante o ofertório. Isso era feito
enquanto o coral cantava o Sanctus antes e depois do recebimento da
comunhão. Essa prática separava o padre do coral e das pessoas, que se
envolviam na própria devoção enquanto a missa acontecia. Esse
desenvolvimento enfraqueceu a noção de liturgia como uma atividade
pública. 28

Missa particular
Embora não fosse uma prática totalmente incomum no catolicismo, a missa
particular alcançou um novo nível de adesão do 9o ao 13o séculos, por causa
das missas votivas (missa oferecida por uma intenção especial, por exemplo,
pelos mortos). A forma mais extrema de missa particular que surgiu entre o
8o e o 9o séculos foi a missa solitária, na qual o padre realiza a missa sem a
presença de ninguém. As missas particulares exigiram a prática da leitura de
trechos que costumavam ser cantados. Esse costume foi posteriormente
importado para a missa coletiva e é atualmente conhecido como missa baixa.
Ela se tornou normal no catolicismo. Além disso, a arquitetura das igrejas e
catedrais foi modificada pela missa baixa. Um altar deixou de ser suficiente.
Então passaram a ser construídas capelas laterais, rodeando o santuário ou
altares em nichos nos corredores, para a celebração simultânea de missas
particulares. 29

Adoração eucarística fora da missa


Os fiéis não estavam mais recebendo a comunhão por causa das exigências
que a igreja impunha para sua participação, como o jejum prévio, abstinência,
confissão e absolvição. O Quarto Concílio de Latrão (1215) precisou decretar
que os leigos receberiam a comunhão pelo menos uma vez por ano na
Páscoa, após se confessarem. Essas circunstâncias podem ter ajudado a
introduzir diversas práticas alternativas de devoção eucarística fora da missa,
como visitas ao sacramento, procissões ou exposições nas quais o sacramento
era apresentado aos fiéis para que as bênçãos, assim como o pão da
eucaristia, fossem distribuídos ao povo. 30

O sacramento da penitência
Durante esse período, o surgimento da penitência particular se tornou a base
para o desenvolvimento do sacramento da penitência, levando praticamente
ao abandono da penitência pública. Aqueles que a favoreciam enfatizavam a
conversão com exame pessoal. Teólogos como Abelardo, Anselmo e Hugo
de São Vítor, do século 12, davam ênfase ao papel da consciência, da
intenção voluntária e da vergonha necessária. Os penitentes precisavam ter o
senso de responsabilidade por seus pecados. Para esses teólogos, a hora da
contrição era o momento do perdão.
Porém, uma reação a essa internalização da penitência estava acontecendo.
Havia o sentimento de que também existia necessidade de um ato exterior: a
confissão dos pecados. O centro da gravidade se deslocou do ato de contrição
para o de confissão. O Quarto Concílio de Latrão (1215) transformou a nova
tendência em prática necessária para todos os cristãos. Impôs aos fiéis a
obrigação anual de confessar ao padre da paróquia, especialmente antes de
receber a comunhão na Páscoa, para depois cumprir da melhor maneira
possível a penitência imposta. 31 O decreto teve o efeito de ampliar o poder
do padre, tornando-o a única pessoa autorizada a conceder absolvição. Isso
colocou o sacerdote em destaque no processo de penitência. 32

Surgimento dos missais e breviários


Tanto os missais quanto os breviários são livros litúrgicos que uniam em
uma só obra o material necessário para o padre celebrar a missa ou o ofício
divino. Reduzia a necessidade de diversos livros e ministros durante esses
cultos. Esses livros aplicavam os princípios da missa particular a todos os
tipos de missas, impedindo os leigos de participar. Conforme afirmado antes,
as pessoas se tornaram meras espectadoras de uma dramatização. 33

Devoções e liturgia populares


A Igreja Católica não excluiu por completo os fiéis da participação aberta
em devoções públicas. Embora a participação na liturgia fosse reservada ao
clero, meios alternativos de envolvimento foram providenciados por meio de
devoções e liturgias populares. Para os cristãos comuns, havia dramatizações
litúrgicas e procissões. Eles podiam participar de cerimônias em grandes
relicários e aprender as histórias da Bíblia e as lendas dos santos.
O desenvolvimento desse tipo de espiritualidade foi auxiliado pela
humanização de Jesus durante o século 12. Cristo passou a ser retratado em
crucifixos, e a pregação popular dos frades enfatizava Sua agonia,
convidando os fiéis a participar de Seus sofrimentos. Ao mesmo tempo, a
devoção à virgem Maria como mãe sofredora aumentou. A reza Ave Maria
surgiu no século 11 e foi incluída na devoção mais comum, a saber, o rosário.
Juntamente com a Via Sacra, o rosário se tornou a peregrinação dos pobres
em sua igreja local. Com isso, cada vez mais as pessoas comuns se uniam à
nobreza e aos ricos em locais tradicionais de peregrinação. No fim da Idade
Média, a veneração de santos, imagens e relíquias se expandiu e se
intensificou entre o clero e os leigos. 34

A missa
A desintegração litúrgica da Alta Idade Média garantiu que a missa não
fosse mais vista como uma celebração congregacional do sacerdote e dos
fiéis. Ela se tornou um ato teatral do clero, que as pessoas observavam de
forma passiva. 35
A despeito de séculos de desenvolvimento, o cerne da missa medieval
continuava a ser o ritual de recriação da última ceia, ou oração eucarística,
repetindo as palavras de consagração proferidas por Cristo: “Este é o Meu
corpo” e “Este é o cálice do Meu sangue”. Os teólogos da escola patrística
tinham a convicção de que Cristo estava milagrosamente presente nos
elementos da eucaristia – “a presença real” –, mas tomavam o cuidado de não
definir com precisão como essa presença acontecia. Era um mysterion, um
mistério sagrado. Por exemplo, Agostinho declarou: “Creia, para que você
possa comer do Corpo do Cristo.” 36 O desdobramento dessa fala é que a
presença de Jesus no pão da eucaristia só poderia ser alcançada por quem o
recebesse com fé.
No entanto, do 8o ao 14o séculos, teólogos europeus se esforçaram por
definir esse mistério. Ao longo do processo, descobriram as limitações da
língua latina e da metodologia teológica. Não entraremos nos detalhes dessa
longa controvérsia, mas ela é importante para ressaltar a relevância do
renascimento do século 12 que provocou o reavivamento do estudo da lei
canônica e a recuperação da lógica aristotélica, que reforçava o método
escolástico.
A maior contribuição para o debate foi um neologismo escolástico, a
“transubstanciação”. 37 Com isso, tentou-se explicar a transformação
milagrosa do pão no corpo de Cristo, muito embora o objeto material do pão
conservasse a mesma aparência e as mesmas qualidades físicas. O termo
ganhou popularidade imediata e passou a ser usado com regularidade por
teólogos e intérpretes litúrgicos, mesmo havendo opiniões distintas e, por
vezes, contraditórias quanto ao significado preciso do termo.
Quando a igreja latina produziu uma proclamação dogmática no Quarto
Concílio de Latrão (1215) acerca do que os católicos deveriam crer em
relação à presença de Cristo na eucaristia, fez uso desse neologismo. 38
Ainda assim, os teólogos continuaram a discordar, uma vez que os termos
“acidentes” e “substância”, associados à definição de transubstanciação,
permaneciam abertos à interpretação.
Tomás de Aquino fez uma contribuição significativa à discussão da
doutrina em sua Suma Teológica. Ele redefiniu o conceito, afirmando que
logo após as palavras de consagração serem proferidas, a substância do pão e
do vinho deixam de existir, sendo milagrosamente substituídas pela
substância do “corpo e sangue de Cristo”. Esse milagre seria imperceptível
aos sentidos físicos, uma vez que as pessoas sentiriam repugnância diante da
perspectiva de consumir carne e sangue de verdade. 39
A teologia escolástica ajudou a separar a eucaristia de suas raízes
patrísticas. De modo geral, os pais gregos e latinos haviam definido a
eucaristia como um ato tanto de ação de graças quanto de comunhão. No
entanto, ao fim da Idade Média, a eucaristia fora reduzida a um objeto, à
hóstia eucarística, consagrada pelas mãos de um padre. A prática de elevar a
hóstia surgiu na França, ao fim do século 12. A consequência disso foi
transformar a eucaristia em um objeto ou relíquia sagrada por excelência do
corpo de Cristo, para ser vista, reverenciada e adorada, mas não
necessariamente recebida. 40

A POSIÇÃO DOS REFORMADORES MAGISTERIAIS


SOBRE A ADORAÇÃO

Os reformadores do século 16 não foram os primeiros a apelar para que a


igreja passasse por uma reforma. A Idade Média contou com muitos
indivíduos e grupos, leigos ou pertencentes ao clero, que defenderam e
iniciaram reformas. Mas essas reformas acabaram falhando, pois
empreenderam mudanças superficiais, relativas à moral do clero, aos
excessos nas superstições e se concentravam nas modificações das estruturas
constitucionais da igreja.
Em contrapartida, os reformadores magisteriais foram mais longe, atacando
a estrutura doutrinária e sacramental da igreja. Essas reformas causaram
impacto profundo no debate sobre liturgia e favoreceram o estabelecimento
de novas percepções e ênfases na adoração.
A fim de nos atermos ao tema principal deste capítulo, falaremos somente
dos principais sacramentos e das cerimônias litúrgicas que foram
questionados, na ordem de importância atribuída a eles e na crítica e nas
reformas defendidas pelos reformadores magisteriais. A literatura produzida
sobre o tema permite que compreendamos os principais conceitos dos
reformadores acerca da adoração.

A Eucaristia

Martinho Lutero
A principal crítica de Martinho Lutero à missa romana é o fato de ter se
transformado em “opus bonum et sacrificium” (“boas obras e sacrifício”). 41
Era considerado um ato de boas obras porque se cria que a missa era
oferecida a Deus por seres humanos a fim de demonstrar piedade e obter Seu
favor. Para Lutero, essa abordagem carecia de fé e, portanto, não passava de
puro legalismo. Além disso, havia uma segunda ofensa: ela era oferecida a
Deus como sacrifício. Lutero destacou que o cânon da missa afirmava com
clareza que um sacrifício estava sendo oferecido: “haec dona, haec munera,
haec sacrificia” (“estes donativos, estes presentes, estes santos
sacrifícios”). 42 Lutero reprovava os católicos romanos por oferecer o
próprio Cristo a Deus Pai, como sacrifício. Sua declaração mais clara a esse
respeito aparece em Exortação ao Sacramento do Corpo e Sangue de Nosso
Senhor, de 1530. Nessa obra, ele afirmou: “A memória, esta sim, deve ser um
sacrifício de ação de graças. O próprio sacramento, porém, não deve ser um
sacrifício, mas uma dádiva de Deus, a nós concedida, a qual devemos aceitar
por gratidão e receber com gratidão.” 43
O fato de essa segunda ofensa também ser considerada uma boa obra revela
como eram inseparáveis as boas obras e os sacrifícios. Lutero admitia que, na
igreja antiga, era habitual os cristãos levarem ao culto religioso presentes de
ação de graças, os quais eram distribuídos depois entre os pobres. Mas
discordava em termos bem claros quanto à apropriação do sacrifício de Cristo
como uma oferta que os seres humanos podiam apresentar a Deus na
eucaristia. Ele entendia que isso era idolatria e o escândalo da missa.
Muitos eruditos consideram que Lutero foi fundamentalmente conservador
em suas propostas de reforma. 44 Ele ensinava a manutenção da maior parte
da estrutura da missa católica romana, mudando a ordem ou suprimindo
aquelas partes que eram contrárias à sua compreensão do evangelho da
salvação pela graça e pela fé somente. Ele insistia na “presença real” de
Cristo nos elementos da eucaristia, ao mesmo tempo em que negava a
doutrina da transubstanciação.
A principal proposta de Lutero para a reforma litúrgica é que ela fosse
sacramenta propter homines, ou seja, os sacramentos deveriam ser aplicados
para benefício dos seres humanos. Essa era sua principal razão para se opor à
missa particular. 45 Lutero tinha a firme crença de que a comunhão das
pessoas era uma das principais funções dessa celebração.
Uma proposta muito importante que emerge da discussão anterior é a ideia
de Lutero de que as pessoas deveriam participar da comunhão com maior
frequência. Embora os fiéis estivessem presentes sempre para a celebração da
missa, eles não participavam da comunhão por causa do grande número de
pré-requisitos espirituais que deveriam cumprir. De igual maneira, a missa
havia se tornado um assunto limitado ao clero. Os sacerdotes eram os únicos
a celebrar o sacramento e a comer e beber os emblemas. Logo, a missa se
tornou uma ocasião para contemplar a Cristo e um ritual para ser observado
de maneira passiva. A fim de incentivar a comunhão, a igreja legislou que os
fiéis participassem da eucaristia pelo menos uma vez por ano, na Páscoa.
Resumindo as propostas de reforma de Lutero: ele defendia a comunhão
frequente e a pregação da Palavra de Deus como meio de alcançar o
verdadeiro centro da adoração cristã. De acordo com Theisen, “a nova missa
é feita com a mentalidade de instruir os fiéis e estimular a fé. Trata-se de um
convite público à fé e ao cristianismo”. 46
Ulrico Zuínglio
Para Zuínglio, o principal propósito da ceia do Senhor era “recordar a
paixão e a morte de Cristo, aceitá-la com fé e participar dos simbolismos
como sinal de profissão”. 47 Em geral, presume-se que Lutero era
sacramentalista, apegando-se à doutrina da presença real de Cristo na
eucaristia, ao passo que Zuínglio é considerado simbolista, reduzindo os
sacramentos, em especial a missa, a um memorial do sacrifício de Cristo
pelos fiéis. James F. White argumentou que Lutero representava “a velha
aprendizagem e piedade”, ao passo que Zuínglio defendia “a nova
aprendizagem e piedade”. 48
As diferenças entre eles ganharam notoriedade na disputa de Marburgo, que
aconteceu em 1529. Nessa reunião, a expressão “Este é meu corpo” foi
vigorosamente debatida. Lutero se concentrava no significado literal das
palavras, já Zuínglio argumentava que o termo “é” tinha o sentido de
“significa”.
A pergunta de Lutero era: “O que acontece com os elementos?” Por sua
vez, o questionamento de Zuínglio era: “O que acontece com a comunidade
celebrante?” James F. White afirma: “Para Zuínglio, o centro das atenções
não era ‘este é’, mas ‘fazei isso’, que a comunidade faz na ceia do Senhor. O
que Lutero não apreciava era o fato de Zuínglio afirmar de uma maneira nova
a realidade da presença de Cristo como a transubstanciação da congregação,
em lugar dos elementos.” 49
A análise de White provê um contexto mais cheio de nuances para a
compreensão das declarações de Zuínglio acerca da eucaristia. Sem dúvida,
Zuínglio era absolutamente contrário a qualquer entendimento literal das
palavras de instituição que defendessem a doutrina da presença real de Cristo
nos elementos da eucaristia e na distribuição literal do corpo e do sangue de
Cristo. Por exemplo, em Commentary on the True and False Religion
[Comentário Sobre a Religião Verdadeira e Falsa], ele escreve: “A carne de
Cristo confere benefícios muito grandes e mesmo imensuráveis em todos os
aspectos, mas conforme eu disse, quando é sacrificada, não comida.
Sacrificada ela nos salvou da morte, mas consumida não apresenta benefício
nenhum.” 50
No entanto, em Attack on the Canon of the Mass [Ataque ao Cânon da
Missa], Zuínglio defende a comunhão espiritual com Cristo na eucaristia em
palavras bem semelhantes às de Lutero e Calvino, ao dizer: “O pão e o vinho
se tornam o corpo e o sangue de Cristo para aqueles que deles participam
com fé.” 51 Fica evidente que ele entendia que essa união com Cristo era
espiritual, em fé. Também acreditava que havia certo perigo na celebração
semanal da eucaristia. Isso poderia levar a uma dependência supersticiosa dos
objetos físicos do pão e do vinho como sinais que apontam para o divino. É
por isso que ele defendia que uma celebração trimestral era suficiente. 52
Zuínglio modificou a estrutura da missa para a nova celebração da ceia do
Senhor. O culto de domingo se transformou em uma reunião na qual a
pregação da Palavra assumiu o centro. É irônico notar que, embora Zuínglio
fosse exímio músico, ele aprovou a eliminação da música na igreja. Mas isso
não aconteceu somente por sua influência. Em Zurique, essas decisões eram
resultado de disputas, sucedidas por um veredito final. 53
Outra reforma litúrgica ocasionada por Zuínglio foi o abandono do
lecionário em favor da leitura de livros inteiros da Bíblia. Ele rejeitava a ideia
de que o mundo físico é capaz de transmitir ou revelar mensagens espirituais.
Por isso, rejeitava o simbolismo visual (somente a Palavra era considerada
salvífica). Retiraram das igrejas de Zurique as imagens, pinturas, velas, vestes
especiais, e as paredes foram pintadas de branco.
Por fim, ele enfatizava o papel da teologia na adoração. Até as orações
eram declarações teológicas precisas, em vez de simples pedidos devotos. O
ponto central estava no ensino e não na devoção.

João Calvino
A teologia e as reformas eucarísticas de Calvino são complexas.
Apresentaremos aqui somente as ideias principais. Assim como Lutero,
Calvino defendia que a eucaristia permitia aos cristãos uma participação no
corpo e no sangue de Cristo de forma verdadeira, real e eficaz. No tratado De
Vera Participatione Christi in Coena, ele escreveu:

Era adequado que Cristo cumprisse em realidade e eficácia tudo que a analogia entre
“signo” e “significado” exige. Logo, é-nos oferecido na ceia, em verdade, uma
comunhão com Seu corpo e sangue – ou (o que significa a mesma coisa) é colocada
diante de nós uma promessa, mediante o pão e o vinho, que nos torna participantes
do corpo e do sangue de Cristo. 54

Embora Calvino e Lutero pareçam concordar no que diz respeito à


participação real do corpo e sangue de Cristo durante a eucaristia, eles
chegaram a essa conclusão com base em pontos de partida diferentes. O
pensamento de Calvino provém de sua crença na soberania incondicional de
Deus, Sua liberdade e divindade absolutas, bem como em Seu poder de
eleição. 55 Ele entendia que os sacramentos eram reais e eficazes por
intermédio do poder do Espírito Santo, que une os fiéis a Cristo.
Contudo, via com suspeitas o conceito de que o Espírito é um dom
permanente na vida da igreja, uma vez que isso seria uma transigência com a
liberdade de Deus ou transformaria a igreja no centro da atuação e do poder
divinos. Tudo que fosse afirmado acerca da presença de Cristo na eucaristia
deveria ser submetido a certos limites. Em A Instituição da Religião Cristã,
ele disse:
Devemos, pois, estabelecer uma tal presença de Cristo na ceia que não O ate ao
elemento do pão nem O encerre dentro do pão; que não O circunscreva aqui em
baixo (coisas que, é claro, diminuem Sua glória celestial), nem tampouco O prive de
Seu limite, quer para pô-Lo em diversos lugares ao mesmo tempo, quer para impor a
Ele um tamanho infinito, que o espalhe por todo lugar, no Céu e na Terra. Tudo isto
claramente repugna à verdade de Sua natureza humana. Mas digo que não
suportaremos jamais que estas duas exceções nos sejam tiradas: não permitir que se
rebaixe em nada a glória celestial de nosso Senhor, o que se verifica quando O
atraímos a este mundo com a imaginação, ou O vinculamos às criaturas terrenas;
nem que se atribua a Seu corpo nada que repugne a Sua natureza humana, o que tem
lugar quando é proclamado infinito ou posto em diversos lugares. 56

Para Calvino, todos os sacramentos, inclusive a eucaristia, “não são outros


senão os da Palavra de Deus, que são: trazer-nos e apresentar-nos Cristo, e,
Nele, os tesouros da graça celestial”. 57 Essa oferta só é eficaz pela fé, a qual
consiste em um dom do Espírito, que nos torna participantes de Cristo nos
sacramentos e em todas as outras áreas da vida cristã. 58
Em outras palavras, a graça derramada pelo Espírito sobre o cristão, com fé,
na eucaristia, não se limita àquele momento e àquela celebração. Deve ser
uma experiência contínua. Calvino afirma, por exemplo, que o batismo deve
servir de “entrada na igreja e de profissão primeira da fé; e a ceia como de
alimento perpétuo, com o que Cristo espiritualmente mantém e sustenta os
fiéis”. 59
O que mais incomodava Calvino em relação à missa medieval era sua
desconsideração pela pregação da Palavra de Deus:

a verdadeira administração dos sacramentos não pode existir sem a Palavra. Pois
qualquer utilidade que nos advenha da ceia requer a Palavra; quer tenhamos de ser
confirmados na fé, quer exercitados na confissão, quer exortados ao dever cristão, a
pregação é necessária. Portanto, não se pode fazer nada mais perverso do que
transformar a ceia em um ato mudo. 60

Os quatro programas iniciais de Calvino para a reforma em Genebra, em


1537, incluíam dois que eram relacionados à adoração: (1) a santa ceia do
Senhor; (2) cânticos na adoração pública; (3) ensino religioso para as
crianças; e (4) casamento. 61 Além de assumir uma posição mediadora entre
Lutero e Zuínglio acerca da teologia da ceia do Senhor, Calvino achava que o
cântico congregacional de salmos deveria fazer parte do culto. Ele ficou
impressionado com o uso eficaz dos cânticos que viu durante os quatro anos
que passou em Estrasburgo. Isso o levou a solicitar que os Salmos fossem
transformados em versos e que músicos capacitados compusessem melodias
para eles. Seu hinário, o Saltério de Genebra, exerceu forte influência no
desenvolvimento do louvor congregacional. 62 Em A Instituição da Religião
Cristã, Calvino propôs uma ordem particular de adoração:
1. O culto deveria começar com orações públicas (faladas ou cantadas).
2. Depois disso, o sermão deveria ser proferido.
3. Em seguida, à medida que o pão e o vinho são colocados à mesa, o
ministro deve repetir as palavras de instituição da ceia.
4. Depois, ele deve recitar as promessas que foram deixadas. Deve
excomungar todos os que se desviaram. Deve orar para que o Senhor ensine e
prepare Seu povo para receber o alimento sagrado com fé e ações de graças,
tornando-o digno dessa festa. Nesse momento, os salmos devem ser cantados
ou então ser feita uma leitura e, de forma ordeira, os fiéis deverão participar
do mais sagrado dos banquetes, quando os ministros partem o pão e entregam
o cálice.
5. Ao fim da ceia, deve haver uma exortação à fé sincera e à confissão da
fé, ao amor e a uma conduta digna dos cristãos.
6. Por fim, deve-se dar graças e cantar louvores a Deus.
7. “Acabado tudo isso, que a congregação [seja] despedida em paz.” 63
Na reforma da igreja em Genebra, Calvino tentou instituir a ceia todos os
domingos, mas não obteve êxito, por causa do medo que as pessoas tinham
de comer e beber e sofrer condenação, sentimento que se estendeu por
séculos de prática medieval. O máximo que ele conseguiu alcançar foi a
celebração mensal da ceia.
De modo geral, sua abordagem à reforma foi mais radical que a de Lutero.
O reformador alemão permitia qualquer prática que não fosse condenada pela
Palavra de Deus, ao passo que Calvino não permitia nenhuma prática que não
fosse autorizada pelas Escrituras. Isso significou a rejeição de boa parte do
cerimonialismo da adoração medieval. Contudo, Calvino manteve a
dignidade e a ordem, insistindo em um padrão estruturado de adoração e
unidade, que faltava no início e no fim do esboço de culto proposto por
Zuínglio. 64

Batismo e confirmação
De acordo com Maxwell E. Johnson, a reforma de Lutero “foi um
movimento ‘conservador’, tanto na esfera teológica quanto litúrgica,
valorizando muito e conservando boa parte da tradição litúrgica latina
ocidental em suas reformas dos ritos sacramentais da igreja”. 65
Isso é verdade sobretudo no que diz respeito ao batismo, ao qual
inicialmente quase não fez mudanças. Chegou a dar graças a Deus em Do
Cativeiro Babilônico da Igreja porque Ele “conservou pelo menos esse único
sacramento [do batismo] em Sua igreja ilibado e incontaminado pelas
prescrições dos seres humanos. Fê-lo livre para todos os povos e todas as
classes de pessoas”. 66
Não quer dizer que ele não via necessidade de mudança na maneira que o
rito era praticado dentro do catolicismo. De acordo com John D. C. Fisher, os
reformadores protestantes do século 16 criticaram o rito medieval do batismo
por cinco motivos principais: (1) somente a água devia ser administrada em
nome da Trindade e nada mais era essencial (como a bênção da fonte, o uso
de óleo, velas, sal e saliva); (2) esses acréscimos davam lugar a superstições;
(3) o batismo de crianças em uma igreja vazia, a qualquer momento, diminuía
a honra devida ao sacramento e obscurecia o elemento eclesiástico do
batismo; (4) não se tomava cuidado suficiente na escolha de padrinhos
apropriados; (5) a cerimônia não era significativa, pois era feita em latim. 67
Essas críticas provinham principalmente daquilo que Lutero dissera em Do
Cativeiro Babilônico e foi repetido por todos os reformadores posteriores. No
entanto, quando ele publicou seu primeiro Taufbüchlein (Livreto Batismal),
em 1523, apresentando um ritual reformado para o batismo, além de traduzir
o rito católico romano do fim da Idade Média para o alemão, não fez
nenhuma mudança significativa na cerimônia. Ele revisou o material em
1526, levando em conta a preocupação de muitos cristãos reformados, os
quais não se sentiam à vontade com os elementos extrabíblicos da cerimônia,
muitos dos quais foram excluídos pelo reformador. 68
A despeito de enfatizar a fé, o acesso cognitivo e inteligibilidade dos rituais,
a maioria dos reformadores manteve e defendeu o batismo infantil. Mas por
que o batismo era necessário? Qual era o significado desse rito? Oferecia o
perdão dos pecados, em especial do “pecado original”? Ou era apenas uma
maneira de acrescentar pessoas ao rol de membros da igreja? De acordo com
Nathan Mitchell, embora os reformadores soubessem das controvérsias
ligadas ao conceito de peccatum Adae (pecado original), relutavam em
rejeitá-lo. 69
Calvino afirmou: “Por tal, vê-se que o pecado original seja uma depravação
e corrupção hereditária de nossa natureza espalhada em todas as partes da
alma, que primeiro nos torna réus pela ira de Deus e depois exibe em nós a
obra que a Escritura chama de obra da carne.” 70
Então o que o batismo significa e qual é seu propósito? Para Calvino, o
batismo é “um signo de iniciação pelo qual somos recebidos na sociedade da
igreja, para que, enxertados em Cristo, sejamos contados entre os filhos de
Deus”. Logo, o batismo é um dom divino, porém seu poder não provém do
elemento da água, mas da Palavra de Deus. A água não contém “em si a
virtude de purificar, regenerar e renovar [...]. Paulo une ao mesmo tempo a
Palavra da vida e o batismo da água”. O batismo é eficaz como “símbolo e
documento de nossa purificação; [...] um diploma autenticado, que nos
confirme que todos os nossos pecados de tal maneira nos são perdoados,
prescritos e esquecidos que nunca se apresentarão perante seu olhar, nem
serão recordados ou imputados”. 71
Os reformadores eram críticos ferrenhos do “sacramento de confirmação”,
instituído pela igreja no fim da era medieval. Lutero o chamou de
“affenspiel” (“macacada”), lügentand (“engano fantasioso”) e gaukelwerk
(“baboseira”). 72 Calvino foi ainda mais veemente: “Apresso-me a declarar
que, sem dúvida, não sou um daqueles que acha que a confirmação, conforme
ditada pelo papado romano, é uma cerimônia vazia, uma vez que a considero
uma das astúcias mais letais de Satanás.” 73
O mais irônico é que, embora os reformadores tenham apagado a
confirmação da lista de sacramentos da igreja, todas as principais tradições
que sucederam suas obras de reforma – luterana, reformada (incluindo o
zuinglianismo e o calvinismo) e anglicana – contam com um rito preliminar
que leva ao recebimento da primeira comunhão. 74

Oração diária
Na igreja medieval, a oração diária pública, conhecida como Liturgia das
Horas ou Ofício Divino, era celebrada apenas em casas religiosas ou em
catedrais. Essas orações públicas diárias haviam se transformado em
recitações particulares feitas pelo clero, com as quais os cristãos leigos
tinham pouca familiaridade, muito embora as Vésperas de domingo tenham
permanecido populares nas paróquias. Os reformadores luteranos mantiveram
e transformaram as orações diárias em cultos públicos de oração e adoração.
Esses cultos seguiam o molde antigo, combinando as diferentes partes para
incluir salmos, leitura bíblica (seguindo o ano litúrgico), hinos e oração. A
principal modificação introduzida pelo luteranismo foi o acréscimo de um
sermão: uma exposição ou síntese da lição apresentada. 75
O que vemos nessa síntese é que os ofícios da manhã e da tarde foram
mantidos na prática luterana e receberam certa revitalização com a oração
congregacional e o culto de adoração.
A tradição reformada, que inclui o zuinglianismo e o calvinismo, se
distanciou mais do costume da Liturgia das Horas, mas também manteve
parte dela, adaptando os seguintes tipos de oração usados na igreja medieval:
(1) A coleta era uma oração de uma ou duas frases que começava com uma
expressão que descrevia uma característica de Deus e então transformava essa
afirmação em um pedido. (2) A litania era uma série de pedidos curtos,
seguidos por uma resposta congregacional, que costumava ser repetida
diversas vezes. (3) A oração de súplica poderia ser espontânea ou um texto
lido, preparado com antecedência. O líder ou pastor convidava as pessoas a
orar por temas sugeridos, às vezes fazendo uma oração de abertura sobre o
assunto, sucedida por oração silenciosa, e concluindo com uma resposta do
grupo em uníssono. (4) Na oração livre, as pessoas expressavam
espontaneamente seus pedidos ou motivos de gratidão, concluindo com uma
sentença responsiva coletiva. (5) A oração pastoral, feita pelo pastor, de
forma espontânea ou escrita, apresentava uma perspectiva ampla das
preocupações da congregação. (6) A oração por iluminação ocorria antes da
leitura das Escrituras, rogando ao Espírito Santo que estivesse presente na
leitura da Palavra (nos tempos medievais, essa era a oração pela consagração
da hóstia). (7) Uma oração de ação de graças e dedicação era feita pelos
donativos financeiros levados ao altar (na igreja medieval essa era uma
oração de gratidão pelos elementos da missa). (8) Na igreja medieval, a
oração do Pai Nosso fazia parte da liturgia eucarística, mas na tradição
reformada os novos membros, após o batismo, recebiam permissão para
participar da ceia pela primeira vez e tinham a honra de aprender e proferir o
Pai Nosso. Essa oração podia ser usada em diferentes partes do culto. (9) A
meditação guiada era uma forma de oração na qual o líder – o único que
falava em voz alta – orientava as pessoas em um processo de meditação,
dando tempo para o silêncio, a fim de que cada um, a seu ritmo, pudesse
formar imagens mentais. 76
A principal contribuição dos reformadores para a tradição cristã da oração
pública diária foi a restauração do saltério como hinário congregacional.
Graças ao surgimento das traduções métricas dos Salmos para o francês, foi
possível transformá-los em música. Calvino foi fundamental no incentivo a
esses esforços, contratando músicos e poetas competentes a fim de realizar
essa obra. Depois, reuniu tudo em seu hinário (1542), que recebeu diversos
acréscimos aos 39 salmos originais, com cânticos e orações para uso
congregacional. 77

Outros ritos pastorais


Passamos agora a tecer alguns comentários acerca de outros ritos pastorais
da igreja e a reação dos reformadores.

Casamento
Os reformadores reconheciam que o casamento era, ao mesmo tempo, um
ato sacro e secular, criado por Deus, mas também consolidado como parte da
vida social, governada pelas leis civis. Em Order of Marriage: For Simple
Pastors [Ordem do casamento: para pastores simples], 1529, Lutero revisou
de forma bem conservadora o rito medieval, mantendo muitos elementos
familiares (como o anúncio público da iminência do casamento, o
consentimento, a troca de alianças, a união das mãos e a “bênção nupcial”).
Embora ele não chame o casamento de sacramento, a bênção final diz: “a
união sacramental de Teu querido Filho, o Senhor Jesus Cristo, com a igreja,
Sua noiva”. 78 Assim como Lutero, Calvino concordava que o casamento
não era um sacramento: “Pois, para que haja sacramento, não somente se
requer que seja obra de Deus, mas é necessário ainda que exista uma
cerimônia externa, ordenada por Deus, para confirmar a promessa.” 79
Calvino também rejeitava que o casamento recebesse status de sacramento
porque a cerimônia não é mencionada no Novo Testamento e pelo fato de
nem todos os cristãos receberem a ordem de casar. Além disso, ele cria que
as leis do matrimônio entravam na jurisdição das autoridades civis. Mesmo
assim, segundo ele, por obrigação moral, o Estado deveria prover leis em
estrita conformidade com os princípios cristãos. 80
Os reformadores também rejeitavam a noção de dois estados na vida:
solteiro ou celibatário e casamento. Insistiam que a união sexual foi algo
criado e abençoado por Deus e a condição mais elevada à qual o cristão pode
ser chamado. Como exemplo disso, ambos os reformadores se casaram.

Penitência
A opinião de Lutero em relação ao sacramento da penitência era ambígua. -
James F. White observa que Lutero afirmou que o significado original de
penitência fora esquecido pela igreja medieval. 81 Ele “finalmente se
convenceu de que, na falta de um sinal expressivo, ela não deve ser contada
entre os sacramentos instituídos pelo Senhor, muito embora João 20:22 a 23
contenha palavras de promessa”. 82
Lutero lamentava que, para muitos cristãos medievais, e confissão dos
pecados houvesse se tornado um fardo compulsório, em lugar de um
privilégio. 83 Embora tenha escrito Short Order of Confession Before the
Priest for the Commom Man [Ordem Curta de Confissão do Homem Comum
Perante o Sacerdote], ele não cria que uma confissão eficaz fosse uma
“questão clerical”. 84 Zuínglio foi bem além, insistindo que não havia
“necessidade de nenhum sacerdote” quando um cristão buscava o perdão de
Deus. 85
Fica clara a seriedade que eles atribuíam ao rito da penitência na eucaristia
(o Confiteor do rito medieval). Várias liturgias reformadas expandiram os
ritos de abertura da confissão e reconciliação. Em Form of Church Prayers
[Formas de Orações Eclesiásticas], Calvino começa com uma longa oração
de confissão proferida pelo ministro, o qual convida as pessoas a “seguir
minhas palavras no coração”. 86 O rito de Calvino também incluía a
recitação do Decálogo.

Ministério aos enfermos e moribundos


Muitos dos reformadores consideravam o ministério aos enfermos e
moribundos um ato de cuidado pastoral, e não uma oportunidade para
ministrar ritos. Embora valorizassem a oração por quem estava doente e à
beira da morte, davam pouco destaque ao sacramento medieval católico
romano da “extrema-unção”. 87

Ordenação
As questões do ministério e sacerdócio no século 16 não podiam ser
separadas da reflexão mais ampla sobre os sacramentos e o sacrifício
eucarístico. Lutero se distanciou do conceito e rito de ordenação da igreja
medieval tardia na obra Ordination of Ministers of the Word [Ordenação de
Ministros da Palavra], em 1539. Ele rejeita a maioria das cerimônias
medievais complexas de ordenação de religiosos (com litanias, reverências,
unções, oferta de cálice e vasilha, vestuário, etc.). Em seu lugar, propõe uma
liturgia relativamente breve, que mantinha a imposição de mãos, mas
substituía as longas orações medievais. 88
A cerimônia refletia a compreensão de Lutero acerca do batismo como o
“verdadeiro sacramento da ordenação”, que transforma todos os cristãos em
sacerdotes. 89 Calvino também tinha bastante consciência da relevância dada
pelos católicos às cerimônias de ordenação de presbíteros, embora se sentisse
inclinado a colocar a ordenação de presbítero “como a número três entre os
sacramentos”. Ele declinou dessa ideia porque reconhecia que, embora esse
rito não fosse “ordinário nem comum a todos os fiéis, era especial e tinha
uma função específica”. 90

Dia de adoração e descanso


A posição de Lutero em relação à validade do sábado era governada por seu
entendimento da função da lei na vida cristã. Ele rejeitava o Decálogo,
classificando-o como a lei de Moisés. Afirmou: “Moisés está morto”, “Nem
um jota de Moisés nos diz respeito” e “Deus não tirou os alemães do
Egito”. 91 Também disse: “Não lemos Moisés porque ele importa para nós
ou porque devemos lhe obedecer, mas porque ele está de acordo com a lei
natural e exprime melhor a lei do que qualquer pagão jamais seria capaz de o
fazer.” 92 Ao comentar o mandamento do sábado, acrescentou: “A lei
mosaica sobre imagens e o sábado, bem como acerca de qualquer tema que
não seja a lei natural, é nula, sem valor e foi dada exclusivamente para o povo
judeu.” 93 Os elementos morais no Decálogo seriam aqueles que se
encontram de acordo com a lei natural, ao passo que os cerimoniais são os
aspectos ligados à antiga dispensação. O posicionamento de Lutero em
relação à lei e ao sábado tinha muito a ver com seu conflito tanto com o
catolicismo romano, de um lado, quanto com os reformadores radicais, do
outro.
Por exemplo, Andreas Bodenstein von Karlstadt, ex-colega de Lutero em
Wittenberg, tinha uma opinião diferente sobre o assunto. Ele acreditava que
os mandamentos acerca da adoração de imagens e do sábado eram válidos
para os cristãos. A posição de Karlstadt sobre o sábado diferia um pouco da
opinião geral defendida pela geração seguinte de reformadores. Mas Lutero,
em nome da liberdade cristã, dizia que os cristãos não tinham obrigação de
obedecer ao mandamento do sábado nem mesmo ter um dia de adoração
como obrigação religiosa. 94
Isso não quer dizer que Lutero não valorizava o mandamento do sábado
nem que o desassociava por completo da guarda do domingo. Ele identificava
um valor espiritual no quarto mandamento 95 e acreditava que os cristãos
necessitavam descansar de sua vida cotidiana a fim de retomar as forças e ter
tempo livre para adorar e receber instrução religiosa. 96
A lei ocupa um lugar bem importante nos escritos de Calvino como guia da
vida cristã. Ao viver de acordo com a lei, os seres humanos podem refletir a
justiça divina. Essa lei era encontrada no Decálogo, cujo valor é permanente
para todas as pessoas. Calvino cria que somente os mandamentos da segunda
tábua de pedra estavam ligados a leis naturais. Afirmou: “Ora, visto que a Lei
de Deus, que nós definimos moral, não é senão um testemunho da lei natural
e da consciência que o Senhor imprimiu no coração dos homens.” 97 Em
relação aos mandamentos da primeira tábua, sua opinião é que o pecado
tolheu a habilidade humana natural de lhes obedecer e os conhecer fora da
revelação.
Acerca do mandamento do sábado, Calvino cria que a obrigação de se
abster do trabalho no sétimo dia era uma exigência cerimonial que não se
aplicava mais aos cristãos. Somente o valor espiritual do mandamento, a
mortificação da vida, seria válida para os crentes em Cristo. 98 Calvino
enxergava alguns outros valores adicionais para os cristãos. O primeiro era a
necessidade de separar um dia em sete para adoração. Em A Instituição da
Religião Cristã, ele declarou que Deus não deu aos cristãos a obrigação de
separar um dia a cada sete para adoração. 99 O domingo, dia de adoração
entre os cristãos, foi escolhido porque era necessário estabelecer uma ordem e
por sua conveniência. 100 Mas em seu Comentário de Gênesis, o reformador
se contradiz, dizendo que o mandamento para descansar um dia a cada sete
foi instituído na criação. Em outras palavras, trata-se de uma ordenança
divina. Calvino não se posiciona com clareza em relação a esse assunto. A
geração seguinte de reformadores, em especial os puritanos ingleses, foi bem
mais enérgica em sua convicção de que o mandamento do sábado exigia o
descanso no sétimo dia. Esses reformadores sentiam, que a obrigação de
descansar no sábado havia sido transferida para o primeiro dia da semana. 101

RELEVÂNCIA DA OPINIÃO DOS REFORMADORES


MAGISTERIAIS SOBRE A ADORAÇÃO E A IGREJA
ADVENTISTA

O estudo da história da adoração cristã, com ênfase na compreensão dos


reformadores magisteriais acerca da adoração e liturgia, tem relevância para a
Igreja Adventista do Sétimo Dia. É impossível deixar de notar a importância
da história da adoração e liturgia para a história da igreja. Ela nos ajuda a
entender os motivos por trás do processo de apostasia no cristianismo.
Também é possível perceber como as práticas de adoração modificaram aos
poucos a doutrina. A introdução de práticas de adoração não fundamentadas
nas Escrituras pode ser perigosa.
A Igreja Adventista deve tomar cuidado ao definir uma teologia e prática
bíblica de adoração. A sociedade contemporânea se caracteriza pelo desejo da
experiência e por valorizar os sentimentos, em detrimento da doutrina,
conforme se pode ver na adoração carismática. A adoção de novas formas de
adoração deve ser avaliada levando em conta a fidelidade às Escrituras.
A história da adoração é muito útil no processo de compreensão de nossas
raízes litúrgicas, doutrinárias e teológicas. Descobrimos características em
comum e também diferenças importantes em relação a outras tradições
cristãs. No que diz respeito à adoração, é possível perceber que, embora o
adventismo mantenha algumas semelhanças com os reformadores
magisteriais, tais como a centralidade da proclamação da Palavra de Deus e a
importância da participação dos leigos no culto, outros pontos estão em maior
proximidade com a teologia e espiritualidade anabatista. Essa outra tradição
reformada do século 16 merece ser analisada e comparada ao adventismo.
Abordaremos isso no próximo capítulo deste livro.
É surpreendente perceber que a história da adoração cristã se tornou a
história da liturgia cristã (do 4o século em diante), abandonando ou
diminuindo importantes características bíblicas, como a pregação da Palavra
e a participação dos leigos. Em contrapartida, os rituais se transformaram em
sacramentos, por meio da objetificação dos símbolos. A adoração simples e
espiritual do povo de Deus migrou para atos materiais e ritualistas do clero.
Os adventistas devem tomar cuidado antes de adotar rituais e práticas que
têm forte afinidade com outras tradições de adoração sem levar em conta a
fidelidade dessas práticas com a teologia adventista.
É digna de admiração a capacidade dos reformadores de criticar a própria
cultura religiosa e de mudá-la. Eles se esforçaram para ser fiéis à Palavra de
Deus e relevantes ao mesmo tempo. Em contrapartida, também é verdade que
os reformadores magisteriais, especialmente Lutero, eram bastante
conservadores da tradição.
Apesar de criticar a teologia católica romana medieval no que diz respeito à
liturgia, mantiveram boa parte dela, demonstrando como era difícil fazer uma
ruptura radical com suas raízes católicas. O anabatismo foi muito mais bem-
sucedido nesse aspecto. Esse movimento foi mais longe no objetivo de voltar
a um modelo bíblico de adoração do que os reformadores magisteriais.
No entanto, é vital destacar as contribuições mais importantes dos
reformadores magisteriais para a adoração cristã: o restabelecimento da
centralidade da Palavra e da pregação nos cultos públicos. Nesse aspecto, a
Igreja Adventista do Sétimo Dia tem raízes na Reforma e deve continuar fiel
a elas. O trabalho dos reformadores na área da liturgia se baseou na reação à
liturgia católica, graças a suas descobertas de verdades bíblicas. Os
adventistas enfrentam o desafio de consolidar sua teologia e práticas sobre o
fundamento dos ensinos bíblicos, não sobre costumes e tradições. Somente
essa conduta é capaz de fortalecer a adoração adventista.

1 Frank C. Senn, Christian Worship: Catholic and Evangelical (Mineápolis, MN: Fortress, 1997), p.
3.
2 Senn, Christian Worship, p. 53.
3
Christopher Haas, “Where Did Christians Worship?”, Christian History 12 (1993), p. 1.
4 Earle E. Cairns, Cristianismo Através dos Séculos: Uma História da Igreja Cristã (São Paulo: Vida
Nova, 2008), p. 73, 74.
5 Conforme Plínio, o Jovem, testemunha em uma carta ao imperador romano Trajano no início do 2o
século. Cf. Plínio, “Epistle X”, 96, em A New Eusebius, trad. J. Stevenson (Londres: S.P.C.K., 1968), p.
14. Também em “First Apology of Justin Martyr”, 61-67, em Early Christian Fathers, Cyril C.
Richardson, ed., Library of Christian Classics (Louisville, KY: Westminster Press, 2006), v. 1, p. 282-
288.
6 As evidências são escassas, mas existem. Alguns especialistas, como W. Rordorf, Sunday: The
History of the Day of Rest and Worship in the Earliest Centuries of the Christian Church (Filadélfia,
PA: Westminster, 1968), cujos posicionamentos são seguidos por muitos, atribuem a instituição do
domingo aos tempos do Novo Testamento. Samuele Bacchiocchi, From Sabbath to Sunday: A
Historical Investigation of the Rise of Sunday Observance in Early Christianity (Roma: Pontifical
Gregorian University Press, 1977), p. 132-159, demonstrou que o cristianismo na Palestina não foi
responsável pela origem da observância do domingo. Além disso, há evidências de que os cristãos
gentios respeitavam e guardavam o sábado, conforme demonstra o uso da expressão judaica “dia da
preparação” para se referir à sexta-feira na Didaquê 8:1 e em O Martírio de Policarpo 7:1 e 8:1, no
qual se afirma que o julgamento de Policarpo ocorreu em um “sábado grande” (cf. Richardson ed.,
Early Christian Fathers, v. 1, p. 174, 151). A versão copta da Tradição Apostólica instruiu os escravos
a trabalhar somente cinco dias por semanas, a fim de poderem “se dedicar à igreja e se instruírem na
piedade” aos sábados e domingos. Isso também foi preservado nas “Constituições Apostólicas VIII, 33,
em Anti-Nicene Fathers, Alexander Roberts, James Donaldson e A. Cleveland Coxe, eds. (Grand
Rapids, MI: Eerdmans, 1995), v. 7, p. 495).
Outra evidência que apoia a continuação da observância do sábado se encontra no fato de que havia
polêmicas contra esse dia, conforme mostra o exemplo da carta aos Magnésios 8, 9:1, na qual os
cristãos são exortados a substituir a guarda do sábado pelo “dia do Senhor” (cf. Richardson (org.),
Early Christian Fathers, v. 1, p. 96). Além disso, a Epístola de Barnabé 15:9 condena a guarda do
sábado, chamando-a de inaceitável e exortando os leitores a “observar o oitavo dia com alegria”. Além
disso, nos lugares onde os cristãos guardavam o sábado, eles eram exortados a não seguir essa prática
como no judaísmo, isto é, em ociosidade, mas se dedicando ao estudo da Palavra. O cânon 16 do
Sínodo de Laodiceia (c. 363-364) especifica: “Os evangelhos devem ser lidos aos sábados, junto com
outras Escrituras” (Philip Schaff, org., Nicene and Post-Nicene Fathers [Grand Rapids, MI: Eerdmans,
1997], v. 14, p. 133). As Constituições Apostólicas (também conhecidas como Constituições dos Santos
Apóstolos) declaram que se deve jejuar aos sábados (Livro V, 14-20, especificamente 18:1; 20:19
[Alexander Roberts, org., Ante-Nicene Fathers (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1995), v. 7, p. 443-448];
VII, 23 [Roberts, ed., Ante-Nicene Fathers, v. 7, p. 469]), atitude amplamente expressa por uma série
de pais da igreja. Parece que o jejum aos sábados remonta à igreja de Roma e dela se espalhou para o
Ocidente. Sócrates, o historiador cristão do 5o século, afirmou, por exemplo, que’ “embora quase todas
as igrejas do mundo celebrem os sagrados mistérios aos sábados, todas as semanas, os cristãos de
Alexandria e Roma, por causa de alguma tradição antiga, deixaram de fazer isso” (“História
Eclesiástica” 5, 22, em Schaff, ed., Nicene and Post-Nicene Fathers, v. 2, p. 132).
7 Tertullian, “On Baptism”, XIX (c. 205), Roberts, ed., Ante-Nicene Fathers, v. 3, p. 678; “Didascalia
Apostolorum”, XXI (metade do 3o século), em Documents of Christian Worship: Descriptive and
Interpretative Sources, J. F. White, ed. (Louisville, KY: Westminster John Knox Press, 1992), p. 23.
8 Embora o batismo seja um rito de iniciação no Novo Testamento, a literatura cristã inicial revela o
desenvolvimento de uma cerimônia simples para algo mais sofisticado. Por exemplo, a Didaquê VII,
em Richardson, ed., Early Christian Fathers, v. 1, p. 174 (início do 2o século), registra a necessidade
de instruir os catecúmenos antes do batismo, jejuar de um a dois dias antes da cerimônia e derramar
água sobre a cabeça três vezes em nome da Trindade. No 4o século, autores como Cirilo, Crisóstomo,
Teodoro e Ambrósio incluíram na cerimônia um ato de renúncia e compromisso, seguido pela
condecoração, unção e o batismo em si. Por fim, o novo membro era ungido e vestia uma roupa branca.
Cf. Hugh M. Riley, Christian Initiation (Washington, DC: Catholic University of America Press,
1974), p. 21; e White, Documents of Christian Worship, p. 161.
9 Tertullian, “On Penance”, 203, em Roberts, ed., Ante-Nicene Fathers, v. 3, p. 659-665.
10 Inácio de Antioquia, “Carta aos Magnésios”, VI (c. 115), em Richardson, ed., Early Christian
Fathers, v. 1, p. 95. Hippolytus, “Apostolic Tradition”, II, VII-IX (c. 217), em White, Documents of
Christian Worship, p. 230, 231.
11 J. F. Baldovin, “The Empire Baptized”, em The Oxford History of Christian Worship, G.
Wainwright e K. B. Westerfield Tucker, ed., (Oxford: Oxford University Press, 2006), p. 77-84.
12 Senn, Christian Worship, p. 109-110.
13 Egeria, “Pilgrimage of Egeria”, XXIV-XXV, em Egeria’s Travels, trad. J. Wilkinson, (Londres:
SPCK, 1971), p. 123-126.
14 Senn, Christian Worship, p. 5-6, 109, 110. A interpretação alegórica desempenhará um papel
central durante o renascimento carolíngio da liturgia. Cf. M. Kunzler, The Church’s Liturgy (Nova
York: Continuum, 2001), p. 90, 91.
15 Baldovin, “The Empire Baptized”, p. 80-84.
16 Senn, Christian Worship, p. 110.
17 Os grandes pregadores mistagógicos do quarto século foram Cirilo de Jerusalém, João Crisóstomo
(Antioquia) e Teodoro de Mopsuéstia (Síria) no Oriente, bem como Ambrósio de Milão no ocidente.
James F. White apresenta trechos de sermões e descrições de sacramentos em Documents of Christian
Worship, p. 156-164.
18 Frank S. Senn, The People’s Work: A Social History of the Liturgy (Mineápolis, MN: Fortress,
2010), p. 173-178.
19 Senn, Christian Worship, p. 176-177. Para mais detalhes, ver Donald Bullough, “Roman Books
and Carolingian Renovatio”, em Renaissance and Renewal in Church History, Studies in Church
History, Derek Baker, ed. (Oxford: Blackwell, 1977).
20 M. S. Driscoll, “The Conversion of the Nations”, em Wainwright e Tucker, ed., The Oxford
History of Christian Worship, p. 185-194.
21 Senn, Christian Worship, p. 188-192.
22
Cf. Finnian of Clonard, The Penitential of Finnian, Medieval Handbooks of Penance (Nova York:
Columbia University Press, 1938).
23 Sobre a história do surgimento das penitências, ver C. Vogel, Le Pécheur et la Pénitence Dans
L’Eglise Ancienne (Paris: Le Cerf, 1966) e Le Pécheur et la Pénitence au Moyen Âge (Paris: Le Cerf,
1969).
24 Maxwell E. Johnson, The Rites of Christian Initiation: Their Evolution and Interpretation
(Collegeville, MN: Liturgical Press, 2007), p. 246, 247, 257-259.
25 Johnson, The Rites of Christian Initiation, p. 180-184, 247-257.
26 Verso ou frase curta (de um salmo, por exemplo) declamada ou cantada por um líder no culto
público, seguido por uma resposta dos congregantes.
27 Driscoll, “The Conversion of the Nations”, p. 188; Senn, Christian Worship, p. 206-210.
28 Senn, Christian Worship, p. 221.
29 Senn, Christian Worship, p. 222, 223.
30 Senn, Christian Worship, p. 223-226.
31 “Canon 21”, em Medieval Sourcebook: Twelfth Ecumenical Council: Lateran IV, 1215 -- The
Canons of the Fourth Lateran Council. Disponível em
<http://www.fordham.edu/halsall/basis/lateran4.asp>. Acesso em 23 de julho de 2019.
32 Senn, Christian Worship, p. 227-230.
33 Senn, Christian Worship, p. 230-235.
34 Senn, Christian Worship, p. 236-239.
35 T. Thibodeau, “Western Christendom”, em Wainwright e Tucker, ed., The Oxford History of
Christian Worship, p. 230.
36 Agostinho, Iohannis Evangelium Tractatus, 25.12; 26.1, e Corpus Christianorum Serie Latina
(Turnholti, Bélgica: Brepols, 1953-), v. 36, p. 260.
37 Sobre a história do termo, ver J. Goering, “The Invention of Transubstantiation”, Traditio 46
(1991), p. 147-170.
38 Sobre o texto completo do decreto, cf. Antonio García y García, ed., Constituiones Concilii Quarti
Lateranensis una cum Commentariis Glossatorum, Monumenta Luris Canonici, serie A (Città del
Vaticano: Biblioteca Apostolica Vaticana, 1981), v. 2, p. 42.
39 Tomás de Aquino, Suma Teológica (São Paulo: Loyola, 2016), III.75.1-77.7: 5518-5570.
40 Thibodeau, “Western Christendom”, p. 236.
41 Martinho Lutero, “The Babylonian Captivity of the Church”, em Luther’s Works, A. R. Wentz e H.
T. Lehmann, org. (Filadélfia, PA: Fortress, 1959), v. 36, p. 35.
42 Lutero, “The Babylonian Captivity of the Church”, p. 51.
43 Martinho Lutero, “Exortação ao Sacramento do Corpo e Sangue de Nosso Senhor”, Obras
Selecionadas, (São Leopoldo, RS: Editora Sinodal, 1988), v. 7, p. 242.
44
Nathan D. Mitchell, “Reforms, Protestant and Catholic”, em Wainwright e Tucker, ed., The Oxford
History of Christian Worship, p. 317.
45 Em The Private Mass and the Consecration of the Priest [A Missa Particular e a Consagração do
Sacerdote], ele diz: “Se a intenção de Cristo é (conforme dissemos) que o sacramento seja distribuído à
comunidade de Cristo para fortalecer a fé e louvar a Cristo em público, mas vocês a transformaram em
uma obra especial para si mesmos e a desempenham sem o auxílio de outros, vocês a dão aos outros e a
vendem por dinheiro, o que pode ser desmentido em relação a isso?” (Wentz e Lehmann, Luther’s
Works, v. 38, p. 152).
46 R. Theisen, Mass Liturgy and the Council of Trent (Collegeville, MN: St. John’s University Press,
1965), p. 7-8, citado por Mitchell, em Wainwright e Tucker, ed., The Oxford History of Christian
Worship, p. 320.
47 Theisen, Mass Liturgy and the Council of Trent, p. 10.
48 James F. White, Protestant Worship: Traditions in Transition (Louisville, KY: Westminster John
Knox, 1989), p. 58.
49 White, Protestant Worship, p. 59.
50 Ulrich Zwingli, Commentary on True and False Religion, ed. Samuel M. Jackson e Clarence N.
Heller (Durham, NC: Labyrinth, 1981), p. 209.
51 Ver Bard Thompson, Liturgies of the Western Church (Cleveland, OH: Meridian, 1961), p. 142.
52 Em 1525, Zuínglio publicou Action of Use of the Lord’s Supper [Ato de Uso da Ceia do Senhor],
no qual declara que ela deveria ser celebrada somente nas três grandes festas cristãs: no Natal, na
Páscoa, no Pentecostes e na festa dos santos padroeiros de Zurique, São Félix e Santa Régula (cf.
Howard L. Rice e James C. Huffstutler, Reformed Worship [Louisville, KY: Geneva, 2001], p. 30).
53 White, Protestant Worship, p. 62.
54
Citado por Mitchell em Wainwright e Tucker, ed., The Oxford History of Christian Worship, p.
320, 321.
55 Cf. Kilian McDonnell, John Calvin, the Church, and the Eucharist (Princeton, NY: Princeton
University Press, 1967), p. 160-169.
56 João Calvino, A Instituição da Religião Cristã (São Paulo: Editora Unesp, 2009), v. 2, p. 783.
57 Calvino, A Instituição da Religião Cristã, v. 2, p. 706.
58 Calvino, A Instituição da Religião Cristã, v. 2, p. 706.
59 Calvino, A Instituição da Religião Cristã, v. 2, p. 840.
60 Calvino, A Instituição da Religião Cristã, p. 813.
61Franklin M. Segler e R. Bradley, Christian Worship: Its Theology and Practice (Nashville, TN:
B&H Academic, 2006), p. 33, 34.
62 Segler e Bradley, Christian Worship: Its Theology and Practice, p. 34.
63 Calvino, A Instituição da Religião Cristã, v. 2, p. 818. Para mais sobre o esboço, cf. Rice e
Huffstutler, Reformed Worship, p. 34.
64
Segler e Bradley, Christian Worship: Its Theology and Practice, p. 35.
65 Johnson, The Rites of Christian Initiation p. 317.
66 Martinho Lutero, “Do Cativeiro Babilônico da Igreja”, Obras Selecionadas (São Leopoldo, RS:
Editora Sinodal, 1988), v. 2, p. 375.
67 J. D. C. Fisher, “Lutheran, Anglican, and Reformed Rites”, em The Study of Liturgy, Cheslyn
Jones, et. al., ed., (Nova York: Oxford University Press, 1992), p. 154.
68 Os dois livretos estão disponíveis em: J. D. C. Fisher, Christian Initiation: The Reformation Period
(Chicago, IL: Hillenbrand, 2007).
69 Mitchell, “Reforms Protestant and Catholic”, p. 327, 328.
70 Calvino, A Instituição da Religião Cristã, v. 1, p. 233.
71 Calvino, A Instituição da Religião Cristã, v. 2, p. 717, 718.
72 Arthur Repp, Confirmation in the Lutheran Church (Saint Louis, MO: Concordia Publishing
House, 1964), p. 15.
73 Fisher, Christian Initiation, p. 254.
74 Ver Paul Turner, Meaning and Practice of Confirmation: Perspectives from a Sixteenth Century
Controversy (Nova York: P. Lang, 1987).
75 Edward T. Horn, “The Lutheran Sources of the Common Service”, LCR, v. 10 (1891), p. 261-264.
76 Rice and Huffstutler, Reformed Worship, p. 113-118.
77 O nome do hinário é La Forme des Prières et Chants Ecclésiastiques [A Forma das Orações e dos
Cânticos Eclesiásticos] (cf. Mitchell, “Reforms Protestant and Catholic”, p. 329).
78 Wentz e Lehmann, Luther’s Works, v. 53, p. 115.
79 Calvino, A Instituição da Religião Cristã, v. 2, p. 871.
80 Calvino, A Instituição da Religião Cristã, v. 2, p. 872-874.
81 Wentz e Lehmann, Luther’s Works, v. 36, p. 18.
82 White, Protestant Worship, p. 39.
83 Wentz e Lehmann, Luther’s Works, v. 53, p. 116.
84 Wentz e Lehmann, Luther’s Works, v. 53, p. 117, 118.
85 James F. White, Brief History of Christian Worship (Nashville, TN: Abingdon, 1993), p. 129.
86 Thompson, Liturgies, p. 197, 198.
87 Cf. Calvino, A Instituição da Religião Cristã, v. 2, p. 857-861.
88 Wentz e Lehmann, Luther’s Works, v. 53, p. 125.
89 Wentz e Lehmann, Luther’s Works, v. 53, p. 122.
90 Calvino, A Instituição da Religião Cristã, v. 2, p. 867.
91 Cf. Heinrich Bornkamm, Luther and the Old Testament (Filadélfia, PA: Fortress, 1969), p. 124,
125.
92 Robert Cox, The Literature of the Sabbath Question (Edinburgh: MacLaughlan and Stewart, 1865),
v. 1, p. 384.
93 Wentz e Lehmann, Luther’s Works, v. 18, p. 77, 81.
94 Cf. Ernest G. Rupp, “Andrew Karlstadt and Reformation Puritanism”, Journal of the Theological
Society 10 (1959), p. 315-319; K. A. Strand, “Sabbath and Sunday in the Reformation Era”, em The
Sabbath in Scripture and History, Kenneth A. Strand, ed. (Washington, DC: Review and Herald, 1982),
p. 217; Marc Lienhard, Martin Luther: Un temps, une Vie, un Message (Genebra: Labor et Fides,
1991), p. 140, 141.
95 Wentz e Lehmann, Luther’s Works, v. 6, p. 243, 244.
96 Wentz e Lehmann, Luther’s Works, v. 18, p. 81.
97 Calvino, A Instituição da Religião Cristã, v. 2, p. 890.
98 João Calvino, Calvin’s Commentaries: The Epistle of Paul the Apostle to the Hebrews and the
First and Second Epistles of St. Peter (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1963), v. 12, p. 48, 49.
99 Calvino, A Instituição da Religião Cristã, v. 1, p. 376-380.
100 O Calvino, Calvin’s Commentaries: The Epistles of Paul the Apostle to the Galatians, Ephesians,
Philippians and Colossians, v. 11, p. 337.
101 Cf. Sergio Becerra, “Racine Puritaines de la Doctrine du Sabbat Adventiste du Septième Jour:
Étude Historique et Théologique” (Tese de doutorado, Université Marc Bloch, 2001), p. 43-98.
2 A Adoração e os Reformadores
Anabatistas do Século 16
Sergio E. Becerra

ste capítulo tem o propósito de descrever a teologia e prática de

E adoração dos reformadores anabatistas do século 16. Mencionará


algumas das dificuldades que enfrentamos no estudo desse tema e
apresentará uma descrição geral da adoração, examinando formas e
conteúdos específicos. Também oferecerá algumas reflexões sobre os
princípios de adoração dos anabatistas que podem ser úteis para a teologia e
prática adventista de adoração.
O anabatismo fez parte daquilo que George Huntston Williams denominou
“Reforma radical”. 1 Embora estivesse inserido na Reforma geral do século
16 na Europa, teve características próprias. Sua origem remonta, de modo
geral, a um grupo de pessoas que divergiram de Ulrico Zuínglio e sua
reforma da igreja em Zurique, na Suíça, em 1525. 2 Isso teve como base as
sérias diferenças que tiveram em relação ao conceito de igreja e do batismo
infantil. O anabatismo se espalhou com rapidez pela Alemanha, Áustria,
Morávia e Holanda. Além de defender o batismo dos que creem, os
anabatistas promoviam uma ética rígida, moldada segundo os padrões da
igreja do Novo Testamento.

DIFICULDADES PARA DEFINIR A ADORAÇÃO


ANABATISTA
A tentativa de entender como os anabatistas adoravam não é simples. Eles
não são a fonte primária que descreve sua forma de culto. De acordo com
Robert Friedmann, historiador dos anabatistas, essa falta de documentos
históricos se deve a diversos fatores. 3 Em primeiro lugar, a perseguição aos
anabatistas e outros grupos religiosos não autorizados se disseminou por toda
a Europa central. Era efetuada pelas autoridades civis tanto em territórios
católicos quanto protestantes. Muitos líderes anabatistas foram sentenciados à
morte por afogamento ou na fogueira. Esse contexto não favorecia o
desenvolvimento de uma vida congregacional bem organizada nem a
elaboração de documentos para descrevê-la e defini-la.
O segundo motivo era o ponto de vista anabatista da conexão entre o
sagrado e o secular. Alguns rotulariam essa postura como antissacramental,
negando que qualquer pessoa ou objeto fosse sacro para eles. Um historiador
menonita conta que, para os anabatistas, “não há palavras santas, [...] coisas
santas, [...] lugares santos, [...] pessoas santas [...] [e] nenhum tempo
santo”. 4 Esse seria seu protesto contra a religiosidade formal das igrejas
apoiadas pelo Estado. No entanto, uma interpretação mais precisa da
compreensão anabatista do sagrado é expressa por outro historiador
menonita:

Para o anabatista, as horas, os objetos ou os lugares sagrados não eram colocados


acima do restante da vida, porque toda a vida era considerada sagrada. Poucas vezes
na história da igreja um povo se aproximou tanto de cumprir a visão do profeta,
aquela que afirma que “nas campainhas dos cavalos” será inscrito “Santo ao SENHOR”
e todas as panelas que a dona de casa usa serão santas “como as bacias diante do
altar” (Zc 14:20, 21). 5

Em outras palavras, o anabatismo não negava o sagrado na vida, mas


considerava toda a vida uma parte significativa da experiência cristã e
adoração a Deus. Para eles, o Espírito estava presente na vida e nas atividades
cotidianas, em vez de se limitar a uma esfera religiosa especial. É por isso
que não sentiam necessidade de separar um tempo, dia ou local especial de
adoração, pelo menos no começo do século 16. Eles se reuniam em tempos e
lugares diferentes ao longo da semana, quando suas atividades permitiam e
quando sentiam que o Espírito os orientava a fazê-lo. Em consequência, isso
não favorecia a necessidade de desenvolver uma liturgia eclesiástica nem
livros litúrgicos.
O terceiro motivo sugerido por Friedmann diz respeito à visão que tinham
de adoração, que contrastava com a adoração católica e protestante. O
catolicismo entende que a adoração é uma celebração dos sacramentos,
sobretudo a missa, por meio da qual a graça é transmitida. Não haveria
substituto para a missa. Já para o protestantismo magisterial, “a fé vem por se
ouvir a mensagem” (Rm 10:17, NVI). Logo, existe a necessidade absoluta de
alcançar essa fé verbalizada por meio da escuta do sermão de domingo.
Contudo, “para o anabatista, a fé vinha por meio do renascimento espiritual e
da nova vida antes do batismo, cuja consequência era se unir a um grupo de
pessoas redimidas”. 6 Isso significa que, na perspectiva anabatista, o
discipulado era mais importante do que um tempo, espaço ou rito particular.
Nisso, diferiam das outras tradições cristãs. Mais uma vez, esse ponto de
vista diminuía o interesse no desenvolvimento de uma liturgia e o
consequente registro dela, contrariando a tendência que encontramos em
outras tradições protestantes.
O quarto motivo para a dificuldade de definir a adoração anabatista é que,
ao contrário do catolicismo e protestantismo, o anabatismo não diferenciava,
por exemplo, leitura da Bíblia, oração e pregação de outras atividades da
igreja consideradas mais burocráticas. A escolha de líderes, o debate e a
disciplina faziam parte da vida de adoração da comunidade tanto quanto os
atos citados anteriormente. 7 Em outras palavras, tratava-se de uma prática
litúrgica bem flexível e espontânea, envolvendo todas as atividades realizadas
na reunião da comunidade de fiéis, pelo menos ao longo do século 16.
Essas opiniões e práticas dos anabatistas do século 16 tornam difícil, mas
não impossível, definir sua vida de adoração. Embora limitados, os recursos
disponíveis apresentam uma prática geral de adoração bem uniforme.

DESCRIÇÃO GERAL DA ADORAÇÃO ANABATISTA

Reuniões anabatistas
De acordo com os recursos disponíveis, a adoração anabatista era bem
simples. Ela incluía – pelo menos no início do movimento – leitura da Bíblia,
oração, pregação e cânticos. Uma disciplina dos irmãos suíços, de
aproximadamente 1540, diz:

Os irmãos e irmãs devem se reunir pelo menos três ou quatro vezes por semana para
estudar os ensinos de Cristo e de Seus apóstolos, admoestando uns aos outros no
Senhor. Quando se encontrarem, devem ler algo que entendem que Deus colocou em
seu coração. Os outros devem permanecer em silêncio e ouvir para que não haja dois
ou três falando ao mesmo tempo, impedindo os demais de escutar. O saltério deve
ser lido diariamente por todos. [...] O alimento das refeições durante esses momentos
de reunião deve ser fornecido pelos irmãos em cuja casa o encontro é realizado. [...]
A ceia do Senhor deve ser observada sempre que os irmãos se reunirem. 8

Várias coisas podem ser extraídas dessa descrição da adoração pública. Em


primeiro lugar, havia um chamado para que fossem feitas reuniões frequentes
ao longo da semana. Não se menciona um dia específico de adoração.
Segundo, o objetivo desses encontros era o estudo da Palavra de Deus e a
admoestação uns dos outros. Terceiro, as reuniões também eram ocasiões de
socialização, uma vez que se esperava que houvesse a partilha de uma
refeição. Por fim, recomendava-se a celebração da ceia do Senhor em todas
as reuniões. É provável que essa não fosse a prática costumeira. Primeiro,
porque o documento vê a necessidade de destacar que esse é o objetivo
desejável. Segundo, os preparativos individuais e comunitários esperados
antes da santa ceia dificultavam que a ordenança fosse realizada a cada
encontro. Falaremos mais sobre isso quando chegarmos à descrição da
teologia anabatista da ceia do Senhor.
Outro relato das reuniões públicas dos anabatistas é atribuído a Peter
Riedemann, líder huterita da Morávia:

Quando nos reunimos para um encontro, desejamos que nosso coração seja animado
e despertado na graça de Deus, a fim de que possamos andar diante do Senhor com
maior fervor e zelo. Primeiro, as pessoas são encorajadas a refletir com seriedade no
motivo do ajuntamento e preparar o coração para orar, a fim de que sejam dignas
perante o Senhor de interceder pelas preocupações da igreja e de todos seus
membros. Depois disso, damos graças a Deus por todas as coisas boas que Ele nos
deu por intermédio de Cristo. Agradecemos porque nos aceitou em Sua graça e nos
revelou a verdade. Depois disso, fazemos uma oração fervorosa a Deus para que nos
mantenha fiéis e devotos até o fim, pedindo que supra todas as nossas necessidades.
Pedimos que abra nosso coração a fim de que nos beneficiemos de Sua Palavra ao
aceitá-la e guardá-la. Quando a oração termina, o servo da Palavra proclama a
mensagem do Senhor com fidelidade, de acordo com a graça que Deus lhe concedeu,
incentivando-nos a temer ao Senhor e permanecer fiéis a Ele. Depois disso, o servo
entrega a congregação a Deus e despede os presentes, cada um para seu lar. Quando
nos reunimos para celebrar a refeição da lembrança, ou ceia do Senhor, as pessoas
são encorajadas e instruídas com dois ou três dias de antecedência. Entendem com
clareza o significado da ceia do Senhor, como ela é celebrada e como cada um deve
se preparar a fim de ser digno de tomá-la. Cada dia deve incluir oração e ações de
graças. Quando isso acontece e a ceia do Senhor é observada, todos cantam um hino
de louvor a Deus. Então as pessoas são exortadas a viver de acordo com o que
acabaram de expressar. Então são recomendadas ao Senhor e despedidas. 9
A descrição feita por Riedemann de uma reunião huterita é bem semelhante
à dos cultos dos irmãos suíços. Primeiramente, ele mostra que o objetivo
principal das reuniões era encorajar e admoestar, com base na leitura e
pregação das Escrituras. Esperava-se que a comunidade dos santos
conhecesse seu dever cristão perante o Senhor. Isso não quer dizer que não
havia ensino. Na verdade, o básico do evangelho era ensinado de maneira
especial para os descrentes antes do batismo, não para a comunidade dos
salvos. Em segundo lugar, Riedemann explica o propósito das orações e o
verdadeiro espírito com o qual deveriam comparecer diante de Deus.
Terceiro, ele menciona o objetivo da ceia do Senhor como um memorial da
cruz. O preparo correto para essa ordenança é destacado como pré-requisito
para o indivíduo e a comunidade participarem. Quarto, as ações de graças e a
oração recebem destaque como objetivo de um encontro diário em comum,
em contraponto com a ceia do Senhor, que requer um preparo mais completo
e, por isso, não podia ser celebrada com tanta frequência. Por fim, o cântico
de hinos é mencionado como uma maneira adequada de louvar ao Senhor.
Para Friedmann, as duas formas de vida devocional entre os anabatistas em
sua primeira década de existência eram a reunião para celebrar a ceia do
Senhor e a hora diária de oração. 10 Com base no que vimos, isso pode ser
verdade, pelo menos nos períodos de perseguição mais amena ou em áreas
nas quais os anabatistas eram tolerados. Esse era o caso dos huteritas da
Morávia.
Claus-Peter Clasen, em contrapartida, fez um estudo sociológico dos
anabatistas e identificou dois tipos de reunião 11 que, aparentemente,
refletem um ajuste para situações de perseguição intensa. A primeira era uma
pequena convenção de três a dez pessoas. Esses encontros informais
despertavam menos suspeitas das autoridades, permitindo a leitura e o debate
das Escrituras, bem como a oração. Clasen relata uma reunião secreta de três
ou quatro fiéis em Augsburg, que “caminhavam pelos muros da cidade,
conversando [entre si] sobre a Palavra de Deus”, a fim de não serem
detectados pelas autoridades. 12
O segundo tipo de reunião era a assembleia geral. Trata-se de uma reunião
maior, com até centenas de participantes, que costumava acontecer na
floresta, durante a noite. Existem vários relatos dessas reuniões. Elias Schad,
pastor luterano, posteriormente, deixou um relatório escrito do que
testemunhou e o debate que se seguiu entre ele e os líderes anabatistas,
quando se infiltrou em uma reunião do grupo, em 4 de julho de 1576, perto
de Estrasburgo, Alsácia. 13 De acordo com Schad, havia cerca de 200
pessoas presentes, em sua maioria homens. Ele cria que vinham de lugares
distantes, como a Suíça, Breisgau, Westerich, Westerburg (isto é,
Württemberg), Alsácia e talvez até Morávia. Cinco anciãos ou líderes leram
as Escrituras e depois pregaram sobre o que leram, um após o outro. Cada
sermão durou cerca de 15 minutos. Os temas abordados foram a queda, os
sofrimentos de Cristo e Sua redenção. “Eles enfatizaram principalmente que
deviam agradecer a Deus por escolhê-los para sair do mundo, pois eles não
eram do mundo.” 14 Após os sermões, um dos líderes dirigiu os irmãos em
um momento de oração que durou quase meia hora. Essas orações
individuais, proferidas em voz baixa, eram acompanhadas por braços que
balançavam, mãos batendo no peito, suspiros e gemidos, como se viessem do
Espírito. Após as orações, eles cumprimentavam uns aos outros, enviando
saudações aos ausentes. Por fim, um ancião terminou dizendo: “Agora, caros
irmãos, vocês ouviram e entenderam a Palavra de Deus, além de orar com
fervor. Se houver alguém que não entendeu bem, aproxime-se, que nós o
instruiremos! Ou se o Espírito de Deus revelar algo para alguém edificar os
irmãos, venha aqui e o ouviremos de maneira amistosa.” 15
Schad se aproveitou desse costume e foi em frente para pregar. Quando,
mais tarde, perceberam que ele não fazia parte do grupo, debateram com ele,
em especial sobre o batismo infantil e a excomunhão. No momento em que
alguns se exaltaram com o debate e ameaçaram o intruso, o líder do grupo
incentivou a tranquilidade e apelou para o juízo final, que corrigiria quem
havia deixado a verdadeira fé e os que se encontravam em erro. Esse relatório
é típico dos registros escritos deixados por observadores.

Lugares de adoração
Os primeiros anabatistas não se opunham à adoração em templos, mas,
conforme vimos, essa não era uma opção para a maioria deles, por causa da
perseguição intensa. A obra Sabbata, de Johannes Kessler, uma crônica dos
acontecimentos entre 1523 e 1539, afirma que a maioria dos anabatistas em
São Galo, Suíça, apoiava a adoração em igrejas, pois “os apóstolos estavam
dispostos a pregar a Palavra no templo e nas sinagogas”. 16 Os dois
documentos já analisados mencionam sua reunião como grupo de crentes. O
documento suíço subentende a reunião nos lares dos membros, uma vez que
se esperava que o dono da casa oferecesse comida. A confissão de
Riedemann não indica onde os encontros eram realizados. Logo eles foram
proibidos de se reunir e se recusavam a frequentar as assembleias da igreja
instituída pelo Estado, mesmo quando convidados ou ordenados a
comparecer.
Heinrich Bullinger, reformador de Zurique, preserva, em um livro escrito
contra os anabatistas, uma tradução literal de um documento anabatista hoje
extinto, que apontava oito motivos pelos quais eles se recusavam a se reunir
na igreja reformada do Estado. 17 O documento afirma que a igreja
reformada do Estado não era verdadeira porque: (1) não permitia que
ninguém guiado pelo Espírito falasse no culto; (2) não pregava mais sobre a
liberdade de fé cristã; (3) usava a força em questões de fé; (4) defendia seus
ensinos com outros meios além da espada do Espírito; (5) não tinha uma
exclusão ou disciplina para separar os membros puros dos impuros; (6) não
era a igreja de Deus, separada, pura, o real corpo de Cristo, e os anabatistas
eram proibidos de participar da ceia do Senhor com eles; (7) não doutrinavam
antes do batismo, como Cristo ensinou; e (8) costumavam pregar sobre a vida
cristã piedosa, mas condenavam os anabatistas por proclamar a mesma
mensagem.
Dá para entender por que os anabatistas não se uniam aos reformadores
apoiados pelo Estado em sua adoração. Isso está bem relacionado à ideia que
tinham em relação ao que é igreja. Para eles, a igreja verdadeira de Deus é
uma entidade visível, composta por homens e mulheres totalmente
comprometidos com uma vida cristã santa. Não havia, em sua opinião, uma
igreja invisível. A igreja do Senhor é visível e se torna assim por meio da
vida transformada dos cristãos verdadeiros. Logo, não estavam dispostos a
transigir com sua fé, mesmo ao enfrentar perseguição e morte. Recusavam-se
a ocultar sua fé quando os espiritualistas sugeriam que o fizessem a fim de
evitar a perseguição. 18

Líderes de adoração
Os anabatistas demonstravam sua forte ênfase na comunidade tanto em sua
adoração quanto na liderança do movimento. Não queriam ter uma hierarquia
centralizada. Em vez disso, esperavam adorar como uma fraternidade de
peregrinos, liderados por alguém do meio deles.

De maneira semelhante, segundo a confissão de Riedemann, os ministros não


deveriam se colocar à frente, mas esperar que Deus os escolhesse. Caso a igreja
necessite de um ministro ou mais, os membros não devem escolher para agradar a si
mesmos, mas precisam esperar no Senhor, a fim de ver quem Ele irá escolher e
indicar. Os fiéis devem orar com fervor, pedindo a Deus que cuide deles, responda a
suas necessidades e lhes mostre quem escolheu para o ministério. Depois que os
membros prosseguem em oração fervorosa, os indivíduos reconhecidos por meio do
conselho divino como adequados para a tarefa são apresentados à igreja. Se forem
muitos, esperam para ver, pelo uso de sortes, a quem o Senhor escolheu. Caso,
porém, haja somente um ou apenas o número necessário, não é preciso lançar sortes,
pois Deus mostrou quem são os escolhidos. Portanto, aceitamo-los, no temor do
Senhor, como um presente Dele para nossa comunidade. A designação para o serviço
é finalmente confirmada na presença da igreja por meio da imposição das mãos dos
anciãos. 19

Esse documento dá ênfase ao chamado divino como o elemento de maior


importância para o papel de liderança na comunidade. Os primeiros líderes
anabatistas eram ex-padres, monges ou teólogos católicos. Contudo, depois
que essa geração de líderes foi levada pela perseguição e pelo martírio, outra
surgiu, formada por leigos da comunidade, de diferentes profissões, mas com
qualidades de liderança, conhecimento das Escrituras e espiritualidade
profunda.
Em relação aos deveres dos líderes da comunidade anabatista, o 5o artigo
dos Schleitheim Articles 20 explica detalhadamente quais eram:

Concordamos da seguinte maneira em relação aos pastores da comunidade de Deus


[isto é, ministros]. De acordo com a prescrição de Paulo [1Tm 3:7], o pastor na
comunidade do Senhor deve ser alguém com excelente reputação em meio a quem
não pertence à fé. Seus deveres 21 incluem ler, admoestar, ensinar, advertir e
disciplinar ou excluir da comunidade; conduzir todos os irmãos e irmãs em oração e
no partir do pão, além de garantir que, em todas as questões concernentes ao corpo
de Cristo, a comunidade seja edificada e aperfeiçoada. Ele deve fazer isso a fim de
que o nome de Deus seja louvado e honrado entre nós, detendo os lábios dos
blasfemadores.

Caso o pastor necessite, deve ser sustentado pela comunidade que o escolheu, para
que aquele que serve o evangelho também viva dele, conforme o Senhor ordenou
[1Co 9:14]. Entretanto, se o pastor fizer algo que necessita de disciplina, não deve
ser julgado, a não ser pelo testemunho de duas ou três pessoas. Caso pequem [por
falso testemunho], devem ser disciplinados na frente de todos, para que os outros
temam.

Caso um pastor seja excluído ou levado ao Senhor por meio da cruz [execução],
outro deve ser ordenado de imediato em seu lugar, para que o pequeno povo de Deus
não seja destruído, mas mantido e consolado por meio das admoestações. 22

Essa confissão destaca a importância da liderança espiritual para a


comunidade. Embora houvesse bastante espaço para a participação dos leigos
no culto anabatista, quando movidos pelo Espírito para fazê-lo, o documento
expressa a convicção de que a comunidade não pode sobreviver sem
liderança espiritual para guiá-la em todas as suas atividades de adoração. Ao
mesmo tempo, havia certa desconfiança de líderes eruditos. Uma confissão
formulada na Holanda por volta de 1660 adverte: “A igreja não deve procurar
os educados em universidades para ser seus líderes. Em vez disso, deve pedir
ao Pai que suscite homens [...] que Ele mesmo testou [...] e estabelecê-lo
como ancião e mestre por meio da imposição de mãos.” 23

CONTEÚDO ESPECÍFICO DA ADORAÇÃO


ANABATISTA

Passamos agora para os vários elementos da adoração anabatista na reunião


de sua comunidade de fé. Eram incluídos: leitura da Bíblia, pregação, oração,
cânticos, administração da comunidade, ceia do Senhor e batismo dos fiéis.

Leitura da Bíblia
Para Harold S. Bender, o componente mais importante da adoração
anabatista era o uso das Escrituras. “A autoridade elevada da Bíblia a
colocava, é claro, no centro do culto. Por isso, sua leitura, exposição ou
admoestação consistia no elemento mais importante.” 24 Uma vez que os
anabatistas eram restauracionistas, propondo um retorno às crenças e práticas
do Novo Testamento, é compreensível que reservassem bastante tempo para a
leitura da Bíblia em busca de orientação e força para sua experiência cristã. É
por isso que apoiavam a restauração de práticas como o batismo do converso,
separação do mundo, não resistência, o uso da remoção na disciplina
eclesiástica e a recusa em fazer juramentos. 25 De acordo com Clasen,
trechos longos da Bíblia eram lidos em voz alta. As seções preferidas eram o
Novo Testamento, os profetas e Salmos. 26 A leitura era feita pelo pastor,
que também pregava com base nas passagens. 27 Tudo indica que a leitura da
Bíblia era um elemento essencial das reuniões anabatistas.

Pregação
Em consequência da leitura das Escrituras, a pregação também era parte
importante da adoração anabatista. No entanto, para os anabatistas, a
pregação tinha um objetivo específico, bem diferente do conceito de pregação
difundido pelos reformadores magisteriais. De acordo com a confissão de
Riedemann, as reuniões e pregações anabatistas tinham como objetivo
“animar e despertar nosso coração na graça de Deus, a fim de que possamos
andar diante do Senhor com maior fervor e zelo”. 28 A confissão dos irmãos
suíços observa: “Os irmãos e irmãs devem se reunir pelo menos três ou
quatro vezes por semana para estudar os ensinos de Cristo e de Seus
apóstolos, admoestando uns aos outros no Senhor.” 29
O primeiro de uma lista de motivos para os anabatistas se recusarem a se
unir à adoração das igrejas estatais era que “os cristãos são chamados a
testemunhar na congregação, mas nenhuma exortação, admoestação, ou
ofício profético é possível onde tudo depende do discurso decorado de um
único homem”. 30 Um teólogo menonita conta que, no anabatismo, a
plenitude do sacerdócio de todos os crentes era asseverada “de maneira
desconhecida entre as igrejas instituídas. O cristão tem não só o direito, mas
também o dever de exortar, compartilhar e testar seu entendimento em meio à
congregação dos fiéis”. 31 Ele prossegue dizendo:

O sermão era o testemunho de um irmão perante os outros, acerca do que Deus havia
feito. Essas experiências confirmavam a veracidade do registro bíblico. No sermão
anabatista, a doutrina e a teologia eram firmemente subordinadas à admoestação.
Eles criam que a verdadeira fé precisava se manifestar em uma vida de devoção e
discipulado. Uma vez que não sabiam o que Deus requeria deles, o problema não era
a falta de conhecimento, mas a falta de obediência. Logo, a função do ministro era
apelar a seus ouvintes, instando-os a se arrepender, amar, demonstrar alegria e sentir
paz. 32

Isso significa que o sermão estava ligado à vida diária dos cristãos, que
precisavam viver à altura do ideal de obediência e santidade esperado da
comunidade dos fiéis. É por isso que o sermão anabatista era formado
principalmente por admoestação e exortação. Ao mesmo tempo, testificava
do que Deus estava fazendo na vida de cada um. Os cristãos se sentiam livres
para testemunhar do poder e da presença do Espírito Santo na vida deles. Isso
transformava a hora do culto em um momento muito prático de
encorajamento que, embora baseado na Palavra de Deus, se aplicava de
imediato à vida da comunidade.

Oração
De acordo com Riedemann, outro objetivo das reuniões anabatistas era a
prática da oração: “Primeiro, as pessoas são incentivadas a pensar com
seriedade no motivo da reunião e a preparar seus corações para a oração, a
fim de que sejam dignas perante o Senhor de interceder pelas preocupações
da igreja e por todos seus membros.” 33 A leitura da Bíblia e a exortação
funcionavam como um preparo espiritual para a oração. Eles faziam pedidos
não só por membros específicos, mas também pelas preocupações do grupo
como um todo.
O modo da oração praticada dependia do ramo particular do anabatismo. Os
holandeses pareciam preferir a oração silenciosa. Já se destacou que havia o
costume de “toda a congregação se ajoelhar quando o ministro chamava e
permanecia em devoção silenciosa até o ministro se levantar de novo. Isso era
feito duas vezes por culto – no início e no fim”. 34 As orações audíveis
foram introduzidas depois, com duas reações diferentes. Um dos oradores
emocionava tanto com suas orações que a congregação chorava. 35 Em
contrapartida, a tradição da oração silenciosa era tão enraizada que essa
mudança foi dolorosa para muitos. Em certo caso, a transição resultou em um
processo judicial. 36
Na Alemanha, parece que as congregações tinham o hábito de fazer orações
audíveis. O relato de um fazendeiro em Württemberg conta que, enquanto ele
caminhava pela floresta, descobriu um grupo de cem homens e mulheres
ajoelhados em oração, enquanto um “homem pregava e orava por eles em voz
alta”. 37 O relato mencionado anteriormente de uma reunião anabatista
realizada à noite perto de Estrasburgo, Alsácia, em 1576, descreve a oração
como um ato individual, que durava de 15 a 30 minutos. O relato conta que
“havia grande murmúrio audível, como se um enxame de vespas estivesse
passando. Eles balançavam os braços e batiam no peito. [...] Suspiravam,
gemiam e vergavam como um velho cavalo cansado puxando um carro ou
uma carroça”. 38 Embora esse testemunho seja, sem dúvida, parcial, é fácil
perceber que as orações desses cristãos eram sinceras, vinham do coração. De
acordo com Clasen, nem todas as orações eram espontâneas. Ele relata o uso
frequente do Pai Nosso e de orações lidas ou recitadas. 39

Hinário
É possível inferir que os anabatistas não incluíam cânticos em seu culto de
adoração. Existem provas de uma relutância inicial aos hinos. 40 Um dos
motivos pode ser que os irmãos suíços, a primeira comunidade de anabatistas,
passou por um curto período de influência zuingliana, que não incluía música
cantada ou instrumental nas reuniões religiosas. Conrad Grebel, um de seus
primeiros líderes, ensinava que no Novo Testamento não havia menção de
nenhuma ordem para cantar. 41 Mas existem evidências suficientes para
demonstrar que esse ponto de vista não foi seguido. O segundo motivo para
não incluir cânticos na adoração era de ordem prática. Temendo a
perseguição, os irmãos simplificaram a adoração e não incluíram a música,
apenas para evitar serem detectados enquanto viviam em circunstâncias
perigosas.
No entanto, os cânticos anabatistas se desenvolveram pouco depois e se
transformaram em uma forma de expressar a profundidade de suas
convicções e das emoções produzidas pela perseguição e pelo martírio.
Bender relata que, entre 1525 e 1560, cinco hinários diferentes foram
produzidos pelos anabatistas. Um era suíço, outro proveniente do baixo Reno
e três eram holandeses. 42 Existe um retrato bem abrangente de que os hinos
anabatistas do século 16 eram históricos e doutrinários. 43 Seus hinos
permaneceram quase que completamente desconhecidos das outras pessoas
da época. Eram escritos para uso interno e circulavam entre os grupos por
meio de transcrições. No fim do século, surgiram hinários impressos, mas a
maioria foi destruída pelas autoridades civis.
Os primeiros hinos anabatistas foram compostos entre os irmãos suíços. 44
Eles retratavam a experiência típica da vida cristã desse grupo, que estava
pronto para sofrer prisão e morte a qualquer momento. Eram, em sua maioria,
músicas de mártires que expressavam o sofrimento heroico de líderes como
Felix Manz, Georg Wagner e Michael Sattler. 45 Os hinos anabatistas
alemães eram bem semelhantes aos dos irmãos suíços. A maioria dos
cânticos huteritas também tinha como tema histórias de mártires, mas havia
um número considerável escrito em defesa de suas crenças em relação à ceia
do Senhor, ao batismo, à não resistência (ou dependência de Deus para
sobreviver) e à vida em comunidade. 46 Os hinos holandeses eram
totalmente diferentes. A maioria deles era do tipo klagelieder (lamento):
rompantes melancólicos, não de raiva, mas de protesto contra os crimes que
as autoridades cometiam. Mesmo nesses cânticos sombrios, conseguiam
transmitir a serenidade dos mártires, dispostos a morrer com uma oração
pelos perseguidores nos lábios, assim como seu Mestre. 47

Quando comparados com os escritos luteranos da mesma época, os hinos anabatistas


parecem inferiores. Colocados ao lado do conjunto magnífico de hinos alemães que
os religiosos luteranos produziram no mesmo período, as composições anabatistas
são claramente inferiores tanto na linguagem quanto no tratamento objetivo dos
temas. [...] O material literário disponível ao povo alemão ainda se encontrava em
fase de transição e foi a indiscutível genialidade linguística de Lutero que lançou as
bases para esse desenvolvimento posterior. 48

Entretanto, seria injusto avaliar os hinos anabatistas somente com base em


seu valor literário. Também se deve levar em consideração o quanto esses
hinos contribuíram para a vitalidade religiosa do anabatismo durante o
período da Reforma, no século 16. Eles revelam o quanto esses fiéis estavam
dispostos a viver seu cristianismo.
Até mesmo nos cânticos, os anabatistas desejavam se diferenciar do mundo.
Esperava-se que os cânticos em comunidade fossem entoados com o espírito
correto. Riedemann admoestou os irmãos, dizendo:
O cântico de hinos espirituais é bom e agradável a Deus, contanto que sejam
entoados da maneira correta, isto é, de forma genuína, no temor de Deus, ao serem
movidos pelo Espírito de Cristo. [...] Quando isso não acontece e a pessoa canta por
alegria sensual, pelo som agradável ou por algum motivo semelhante, é feito mau
uso do canto, que se torna carnal e mundano. 49

CUIDADO PELA COMUNIDADE E DISCIPLINA


ECLESIÁSTICA

Conforme já mencionado, os anabatistas, em seus encontros, faziam mais


do que aquilo que hoje consideramos como atividades de culto. Suas reuniões
também tratavam de questões práticas, que incluíam “a preocupação pelos
membros ausentes, administração da igreja e o marco da eclesiologia
anabatista, a disciplina eclesiástica”. 50 Clasen afirma que um momento da
reunião era reservado para falar das preocupações do grupo. Esse período
podia durar até uma hora. 51 De acordo com Schad, que descreveu uma
reunião secreta de anabatistas perto de Estrasburgo, em 1576:

Quando a oração terminou, eles se ajuntaram de novo, começaram a cumprimentar


uns aos outros e, de maneira especial, transmitir saudações por parte daqueles que
estavam ausentes. Por exemplo: “A irmã Peternelle, em N., Breisgau, me solicitou
que pedisse desculpas aos irmãos, pois está doente e quer que eu saúde os irmãos no
Senhor”, ao que todos respondiam: “Que ela também seja saudada no Senhor”, e
assim por diante. 52

Esses momentos de comunhão reforçavam o sentimento de que as


congregações individuais faziam parte de um movimento maior de crentes.
Fortalecia a confiança e a determinação de serem fiéis no compromisso com
Deus.
As reuniões também eram momentos para cuidar da administração da
igreja. Indivíduos eram nomeados para servir em funções especiais, incluindo
o ministério, conforme a necessidade. As decisões eram tomadas por
consenso, em vez de depender somente da liderança. 53
Essas práticas criavam uma forte sensação de união, chamado e
participação. Conforme Bender diz, as congregações não eram “‘plateias’
assentadas para ouvir um culto realizado por um religioso, em uma
construção pertencente ao Estado, que não era usada para nenhuma outra
finalidade. Eram uma irmandade genuína, que compartilhava do estudo da
Bíblia, da oração e da admoestação mútua”. 54
Um componente central da participação mútua era a prática da disciplina
eclesiástica. Quando a congregação se reunia, decidiam como resolver os
conflitos entre os membros e os padrões de conduta exigidos. Os anabatistas
seguiam à risca as instruções de Mateus 18:15 a 19. Friedmann descreve esse
procedimento, dividindo-o em três passos: “Primeiro, uma repreensão
particular; em seguida, uma admoestação pública pela igreja; por fim, ação
disciplinar: interdição menor ou maior com exclusão; e (principalmente na
Holanda) também evasão de contato.” 55
A disciplina era uma preocupação da congregação quando se reunia e
adquiria grande importância antes da celebração da ceia do Senhor. A
confissão de Schleitheim apoia essa ligação:

Essas pessoas deveriam ser advertidas duas vezes em particular e, da terceira vez,
disciplinadas ou removidas perante toda a comunidade, seguindo a ordem de Cristo,
em Mateus 18 [:15-18]. Essa remoção deve acontecer, de acordo com a ordenança do
Espírito (Mt 5:23), antes do partir do pão, a fim de que todos tenham a mesma mente
e, no mesmo amor, possam partir um só pão e comer, além de beber de um só
cálice. 56

A ceia do Senhor
Em um século no qual os debates em relação à eucaristia integravam as
controvérsias mais acaloradas, a ceia do Senhor se tornou um símbolo com
importância especial para os anabatistas. Isso aconteceu porque os cristãos
daquela era entendiam que o partir do pão significava comer e beber com
Jesus. Logo, tratava-se do ato primordial da comunidade de fé. Os anabatistas
sofreram forte influência de Zuínglio na compreensão do sentido da ceia do
Senhor. Criam que se tratava de um memorial do sacrifício supremo de Cristo
na cruz. Não viam a ceia do Senhor ou o batismo como “sacramentos”.
Negavam tanto a doutrina da transubstanciação, defendida pelo catolicismo,
quanto a união sacramental dos luteranos. Conforme um líder anabatista
holandês disse acerca da transubstanciação: “Afirmamos que é uma
blasfêmia, abominação e adultério muito espantoso, sim, um novo bezerro de
ouro [...] ainda assim é chamada por muitos de carne e sangue preciosos e
imperecíveis de Jesus, adorada e honrada com o verdadeiro Filho do Deus
vivo.” 57
Contudo, embora tenham adotado o ponto de vista geral de Zuínglio acerca
da ceia do Senhor, os anabatistas desenvolveram o próprio conceito. Por
causa da ênfase em uma vida de santidade e na disciplina eclesiástica, a
refeição se tornou símbolo de sua união interna com Cristo.

Comer e beber em comunhão fraternal lhes dava forças, coragem e certeza de


pertencer a um grupo de almas remidas, bem como de fazer parte do “verdadeiro
corpo de Cristo”. Nesse ponto, desenvolveu-se um simbolismo novo e rico, diferente
da interpretação zuingliana e além desta, acerca do qual se pode dizer com segurança
que remonta aos tempos apostólicos e até pré-apostólicos. 58

Essa interpretação de se reunir, comer e beber era ilustrada por meio de


uma parábola popular entre os anabatistas, cuja origem pode ser atribuída a
Martinho Lutero. 59 Ela explica essa fusão singular de pessoas com
mentalidade semelhante em um único corpo, prontas para seguir a orientação
do Espírito e sofrer em favor do evangelho. A parábola foi contada por Hans
Nadler, seguidor de Hans Hut, no depoimento que deu em seu julgamento,
em 1529.

Então celebramos a ceia do Senhor em Augsburg, em 1527, o pão e o vinho do


Senhor. O pão simboliza a união entre os irmãos. Onde há muitos grãos de trigo a
serem combinados em um pão, existe, primeiro, a necessidade de os moer e
transformar em farinha. [...] Isso só é alcançado por meio do sofrimento. Assim
como Cristo, nosso querido Senhor, foi à nossa frente, também desejamos segui-lo
de forma semelhante. O pão simboliza a união da fraternidade cristã. Um processo
semelhante acontece com o vinho: muitas uvas pequenas se unem para formar um
vinho. Isso aconteceu por meio da prensa, entendida aqui como o sofrimento. Logo,
o vinho também representa sofrimento. Assim, todo aquele que desejar estar em
união fraternal precisa beber do cálice do Senhor, e esse cálice simboliza o
sofrimento. 60

Dessa forma, os anabatistas não encontravam a presença de Cristo no pão


ou no vinho, mas nas pessoas reunidas em volta da mesa da ceia do Senhor.
Por meio dessa partilha espiritual, a irmandade experimentava intimidade e
união em Jesus. Isso exigia que somente cristãos batizados recebessem
permissão para participar. A ceia do Senhor era apenas para quem levava
uma vida arrependida, batizada e regenerada, após se preparar com toda
consciência para o momento. O significado da ceia do Senhor era tão
importante para eles que os emblemas não eram servidos separadamente para
os indivíduos, nem mesmo para os enfermos ou para quem estivesse no leito
de morte:

A ceia do Senhor é uma ordenança da igreja e sua observância apropriada é uma


expressão de comunhão. “Logo, ninguém deve recebê-la sozinho, [...] nem no leito
de morte ou outra situação especial. Tampouco o pão deve ser reservado, etc., para o
uso de um único indivíduo, uma vez que ninguém deve tomar sozinho para si o pão
daqueles que se encontram em unidade.” 61

A cerimônia da santa ceia era bem simples. Uma descrição relata o


procedimento dos irmãos suíços, embora não haja a certeza de que todos os
passos eram seguidos por todos os grupos anabatistas. Primeiro, eles usavam
pão e vinho comuns. Segundo, todos começavam, confessando os próprios
pecados, e o líder os dirigia em oração coletiva de confissão. Terceiro, o
padre 62 explicava as Escrituras acerca do sacrifício de Cristo. Quarto, abria-
se um espaço para perguntas daqueles que não entendiam o significado da
celebração. Quinto, o padre convidava todos a testar as próprias intenções.
Sexto, todos se comprometiam não apenas a se abster de pecar, mas também
a praticar boas ações na vida diária. Sétimo, havia um tempo comum em
silêncio para permitir que as pessoas se aproximassem da mesa de Deus e
meditassem nos sofrimentos de Cristo. Oitavo, o sacerdote explicava que o
pão e o vinho eram apenas símbolos. Os irmãos e irmãs que compartilhavam
a refeição eram convidados a fazer um compromisso de amor. Nono, o padre
orava pelo pão e vinho, em seguida todos comiam. Décimo, o sacerdote fazia
uma exortação final à unidade e vida santificada. 63
Existem evidências de que o lava-pés fazia parte da ceia do Senhor. No
entanto, embora fosse praticado pelos irmãos suíços e pelos huteritas na
Morávia, nunca foi considerado parte essencial da ceia do Senhor durante o
século 16. 64

Batismo daquele que crê


O batismo era oferecido às pessoas “que haviam aprendido a se arrepender,
endireitar a vida e ter fé, pela verdade de que seus pecados foram removidos
por Cristo. É para todos que andam na ressurreição de Jesus Cristo, a fim de
serem sepultados com Ele na morte e poderem ressuscitar com Ele
também”. 65
O primeiro batismo de adultos foi realizado em 21 de junho de 1525, perto
de Zurique, Suíça. Foram batizados Conrad Grebel, Felix Manz, George
Blaurock e outros ligados ao movimento de reforma de Ulrico Zuínglio. O
batismo do adulto crente era um ato de oposição, que diferenciava os
anabatistas de outros cristãos. Os anabatistas estavam fazendo um protesto
contra a prática eclesiástica do batismo infantil: “Em consequência, a prática
do batismo de bebês, a primeira e maior abominação do papa, foi
abandonada. Como base para isso, vocês têm o testemunho das Escrituras e o
costume dos apóstolos. [...] Desejamos manter essa posição sobre o batismo
com simplicidade, mas firmeza.” 66
Quando adultos huteritas eram batizados, eram questionados sobre diversas
de suas crenças:

Se acreditam em Deus Pai, Filho e Espírito Santo, [...] se rejeitam o mundo, o pecado
e o diabo. [...] Se desejam se render a Deus de todo o coração, a alma e o corpo, para,
a partir de então, não viverem mais para si, mas para Deus e Sua igreja, permitindo
que somente o Senhor governe e use todo seu corpo. [E] se têm o desejo de se
unirem a Deus e serem batizados.

Então acontecia a cerimônia. A pessoa se ajoelhava como ato de submissão.


Água pura era derramada sobre ela enquanto o ministro dizia: “Eu te batizo
em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. De acordo com tua fé, Deus
perdoou teus pecados e te atraiu para Seu reino. De agora em diante, não
peques mais, para que nada de pior te aconteça.” 67
A princípio, os batismos aconteciam onde os cristãos se encontravam: nos
lares das pessoas, nas nascentes das vilas, nas florestas. Às vezes ocorriam de
maneira bem espontânea. 68 À medida que congregações mais sólidas se
desenvolviam, o batismo passou a ser precedido por instrução. Em alguns
casos, era-se exigida uma declaração por parte do candidato acerca de sua
disposição de dar e receber conselhos na congregação, além de uma profissão
de fé em Cristo como Salvador e sua concordância com a doutrina da
Trindade. 69
Para os anabatistas, a real questão por trás do retorno à prática do batismo
daquele que crê foi a restituição de uma vida congregacional intensa, como
acontecera nos tempos apostólicos. O debate entre o batismo infantil e adulto
contribuiu para o desenvolvimento de uma teologia mais profunda sobre o
batismo.

O batismo dos anabatistas simbolizava todos os elementos básicos de seu conceito de


vida cristã. Seja olhando para a experiência de regeneração por intermédio do
Espírito Santo, seja para a natureza da igreja e o alicerce sobre o qual ela se firma,
seja o entendimento do tipo de vida que o cristão deve levar, a resposta era a mesma:
o “batismo”. 70

A fonte bíblica para essa aplicação ampla do significado do batismo vinha


de 1 João 5:6 a 8, que fala de três batismos: no Espírito, na água e no sangue.
O processo começava com o batismo do Espírito, que renovava o interior da
pessoa, dava salvação e purificava do pecado, dando poder para uma vida
cristã vitoriosa. Entretanto, esse batismo interior, o novo nascimento em
Cristo, precisava ser expresso por meio do batismo na água. Mediante esse
ato, os fiéis anunciavam para a igreja que haviam se tornado irmãos em
Cristo no Espírito. Assim, a igreja reconhecia que eram membros em comum,
em Cristo.
Desses dois batismos anteriores provinha o terceiro, o batismo no fogo ou
no sangue. Os anabatistas afirmavam que os discípulos de Cristo passariam
por sofrimentos e aflições. Podia ser o sofrimento interno da culpa ou do
desespero, ou de provas externas, incitadas por autoridades civis ou pelo
diabo. Logo, para eles, toda a vida cristã consistia em uma série de
“batismos”.

Dia de adoração e descanso


Os anabatistas, de modo geral, não tinham a tendência de argumentar em
favor de um dia específico de adoração e descanso. Isso significa que eles
não participaram ativamente desse debate, que envolveu tanto o catolicismo
romano quanto, posteriormente, o protestantismo, acerca da tendência de
conferir caráter sacro ao domingo. 71 Isso pode resultar da compreensão que
tinham da relevância do Antigo Testamento para sua ética, 72 da falta de
ênfase em cultos e cerimônias formais públicos, bem como do ponto de vista
de que a vida inteira era santa. Esse ponto de vista era reforçado pela
necessidade de se reunir durante períodos de perseguição, sempre que
possível. No entanto, quando desfrutavam de tolerância e liberdade, tinham a
propensão de se reunir aos domingos, aproveitando o fato de que já era dia de
folga nos países cristãos europeus. Algumas outras reuniões também
aconteciam durante a semana. 73
Há, porém, uma exceção a essa abordagem geral. Um grupo de anabatistas
guardadores do sábado era ativo na Silésia por volta de 1528, liderados por
Oswald Glait, Andreas Fischer e Hans Bünderlin. 74 É provável que esses
não conformistas fossem um grupo pequeno, mas eram conhecidos o
suficiente para que outros se opusessem a eles por escrito e os mencionassem
como grupo distinto em uma lista de seitas anabatistas. 75 O pouco que se
sabe acerca de suas crenças chega até nós por meio dos escritos de seus
adversários, uma vez que suas obras provavelmente tenham sido destruídas.
A fonte mais importante da doutrina sabatista de Glait provém de uma
resposta escrita por Caspar Schwenckfeld. 76 Parece que, para Glait, o
principal argumento a favor da observância do sábado era o mandamento do
decálogo. Schwenckfeld comenta: “Neste ponto, ele [Glait] quer deixar claro
que, ou o sábado também deve ser guardado, ou todos os outros nove
mandamentos precisam ser rejeitados em conjunto.” 77 Gerhard F. Hasel
resume a doutrina do sábado de Glait nos pontos a seguir:

(1) O sábado é um dos mandamentos do decálogo e ainda deve ser guardado pelos
cristãos; (2) o sábado é um memorial da criação e uma aliança eterna; (3) o sábado
foi guardado desde o início do mundo por Adão, Abraão e os filhos de Israel, mesmo
antes da entrega da lei no monte Sinai; (4) o sábado não foi mudado, anulado ou
quebrado por Cristo, mas Ele próprio o estabeleceu, confirmou e adornou; (5) o
sábado foi observado pelos apóstolos e por Paulo; (6) o sábado deve ser guardado no
sétimo dia da semana; (7) o sábado é um sinal do sábado eterno e deve ser guardado
de maneira literal enquanto houver mundo, até entrarmos no descanso eterno na
parousia; (8) a guarda do sábado é uma necessidade para o cristão que deseja entrar
no paraíso eterno; (9) aqueles que não guardam o sábado literal serão punidos por
Deus; (10) o papa inventou o domingo. 78

Essa defesa do sábado feita pelos anabatistas sabatistas é significativa por


antecipar uma defesa futura da observância do sétimo dia entre protestantes
usando apenas justificativas bíblicas. 79 Ao aplicar os princípios bíblicos da
sola Scriptura e uma interpretação literal da Bíblia, chegaram à conclusão de
que o mandamento do sábado é válido para os cristãos e existe a obrigação
moral de guardá-lo.

O CONCEITO ANABATISTA DE ADORAÇÃO E A


IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA

Este capítulo sobre o conceito anabatista de adoração se baseia no anterior,


no qual apresentamos a ideia dos reformadores magisteriais sobre adoração e
liturgia. Os anabatistas também criticavam o cristianismo medieval. No
entanto, mais do que entusiastas de uma reforma, os anabatistas foram os
revolucionários que rejeitaram o modelo medieval em busca de uma
restauração ao padrão neotestamentário da adoração cristã. Em seu conceito
de adoração, encontramos diversos elementos que podem ser significativos
para a Igreja Adventista do Sétimo Dia atual.
Primeiro, é possível que o conceito anabatista de igreja seja a característica
mais importante do movimento, pois condiciona o discipulado, o testemunho,
a disciplina e a maneira como o batismo e a ceia do Senhor devem ser
celebrados. Eles foram os primeiros a verdadeiramente romper com o modelo
de união entre Igreja e Estado, a fim de formar uma sociedade voluntária de
cristãos desejosos por ser totalmente fiéis à vontade de Deus. A adoração era
significativa para eles, pois era tida como uma ocasião para se alimentar
espiritualmente e fortalecer a cada um no serviço do Senhor, tanto na esfera
individual quanto na comunitária. Entretetanto, esse modelo de igreja livre
tem pouco em comum com o espírito atual que busca uma comunidade
voluntária a fim de suprir as necessidades e expectativas centradas na pessoa,
não necessariamente na Palavra de Deus ou na comunidade da fé. Os
adventistas sempre devem se lembrar de que a adoração é inseparável da
eclesiologia bíblica.
Segundo, os anabatistas eram abertos à participação de leigos na adoração
por meio de músicas, orações e testemunho público. Eles tentavam edificar
tanto a comunidade quanto o indivíduo. A adoração adventista é aberta à
participação de leigos ao redor do mundo, mas provavelmente nem sempre de
maneira uniforme e significativa. Essa é uma área na qual pode haver
progresso. Com frequência, a participação dos leigos tende a ser limitada em
contextos institucionais ou em grandes igrejas administradas por um grupo de
pastores, sem contar o fato de que a pregação quase sempre é feita pelo pastor
titular.
Terceiro, o anabatismo era aberto à condução do Espírito na adoração
durante o século 16. Com o tempo, essa liturgia espontânea deu origem à
tradição e rotina. A maneira como a Reforma Magisterial procurava controlar
os “empolgados” em seu meio acabaria por sufocar a doutrina do Espírito. No
outro extremo, os espiritualistas do século 16 favoreciam manifestações
espirituais em lugar da Palavra escrita de Deus. O adventismo deve continuar
a aprender com essas experiências do passado, não para “apagar o Espírito”,
mas para “testar todas as coisas” relacionadas à adoração pela Palavra de
Deus.
Por fim, os anabatistas nos deram material para pensar com seu conceito de
santidade. Sem dúvida, o modelo deles estava mais perto da ideia bíblica de
viver cada momento e cada atividade como quem sabe que Deus está vendo.
Eles estavam certos ao reconhecer que cada ação de nossa vida tem valor
sagrado. Contudo, ao rejeitar o costume da igreja medieval de separar o
tempo secular do tempo santo, a maioria deles não conseguiu entender o
valor do sétimo dia, o sábado, como dia de descanso e adoração. Esse é um
aspecto que torna única a Igreja Adventista do Sétimo Dia, com muito a
oferecer ao mundo.

1 George H. Williams, The Radical Reformation (Filadélfia, PA: Westminster, 1962). Os outros
grupos foram os espiritualistas e os racionalistas.
2 C. Arnold Snyder, “Swiss Anabaptism, 1523-1525”, em A Companion to Anabaptism and
Spiritualism, 1521-1700, John D. Roth e James M. Stayer, org. (Leiden: Brill, 2011), p. 44, 48.
3 Robert Friedmann, “Hutterite Worship and Preaching”, Mennonite Quarterly Review 40 (1966), p.
5, 6.
4 Walter Klaassen, Anabaptism, p. 12-14, citado por Edward Poling, “Worship Life in Sixteenth-
Century Anabaptism”, Brethren Life and Thought 37 (1992), p. 121-123.
5 Paul M. Miller, “Worship Among the Early Anabaptists”, Mennonite Quarterly Review 30 (1956),
p. 245.
6 Poling, “Worship Life in Sixteenth-Century Anabaptism”, p. 122.
7 Encontrado em Harold S. Bender et al., “Worship, Public”, Global Anabaptist Mennonite
Encyclopedia Online. Disponível em <http://gameo.org/index.php?title=Worship,_Public>, acesso em
4 de setembro de 2019.
8 Bender et al., “Worship, Public”.
9 Peter Riedemann, “Peter Riedemann’s Hutterite Confession of Faith”, em Confession of Our
Religion, Teaching, and Faith by the Brothers Who Are Known as the Hutterites, John J. Friesen, ed.,
Classics of the Radical Reformation 9 (Scottdale, PA: Herald, 1998), p. 150, 151.
10 Friedmann, “Hutterite Worship and Preaching”, p. 6, 7.
11 Claus-Peter Clasen, Anabaptism: A Social History, 1525-1618, Switzerland, Austria, Moravia,
South and Central Germany (Ithaca, NY: Cornell University, 1972), p. 64-74, citado por Poling,
“Worship Life in Sixteenth-Century Anabaptism”, p. 123.
12 Clasen, Anabaptism, p. 90, 91, citado por Poling, “Worship Life in Sixteenth-Century
Anabaptism”, p. 123.
13 Magister Elias Schad, “True Account of an Anabaptist Meeting at Night in a Forest and a Debate
Held there with Them”, Mennonite Quarterly Review 58 (1984), p. 292-295.
14 Schad, “True Account of an Anabaptist Meeting at Night in a Forest and a Debate Held there with
Them”, p. 294.
15 Schad, “True Account of an Anabaptist Meeting at Night in a Forest and a Debate Held there with
Them”, p. 295.
16 Ernest Belfort Bax, Rise and Fall of the Anabaptists (Nova York: Macmillan, 1903), p. 54, citado
por Miller, “Worship Among the Early Anabaptists”, p. 238.
17 “Answer of Some Who Are Called (Ana) Baptist on Why They Do Not Attend the Churches: A
Swiss Brethren Tract”, Mennonite Quarterly Review 45 (1971), p. 5-32.
18 Cf. Dirk Philips, “Answer to the Two Letters of Sebastian Frank”, em The Writings of Dirk Philips,
Classics of the Radical Reformation 6 (Scottdale, PA: Herald, 1992), p. 455-466.
19 Riedemann, “Peter Riedemann’s Hutterite Confession of Faith”, p. 112.
20 Os Schleitheim Articles formam uma breve profissão de fé atribuída a Michael Sattler, escrita em
1527. Gustav Bossert, Jr. et al., “Sattler, Michael (m. 1527)”, Global Anabaptist Mennonite
Encyclopedia Online. Disponível em <https://gameo.org/index.php?title=Sattler,_Michael_(d._1527) >,
Michael (m. 1527), acesso em 4 de setembro de 2019.
21 “Ampt = Amt ofício. No original, o termo representa qualquer posição ordenada, com funções e
responsabilidades definidas.” Essa é a nota dos tradutores. Michael Sattler, “Schleitheim Articles”, em
Radical Reformation, G. Baylor, ed., Cambridge Texts in the History of Political Thought Michael
(Cambridge: Cambridge University Press, 1991), p. 176, nota 8.
22 Sattler, Schleitheim Articles, p. 176.
23 Paul Peachey, The Growth of the Mennonite Pattern of Church Organization and Administration,
citado por Miller, “Worship Among the Early Anabaptists”, p. 240.
24 Bender et al., “Worship, Public”.
25 Cf. Sattler, Schleitheim Articles, p. 174-179; Robert Friedmann, “The Oldest Church Discipline of
the Anabaptists”, Mennonite Quarterly Review 29 (1961), p. 155-161; Pilgram Marpeck, “Pilgram
Marpeck’s Confession of 1532”, em The Writings of Pilgram Marpeck, Classics of the Radical
Reformation 2, William Klassen e Walter Klassen, ed. (Eugene, OR: Wipf and Stock, 1978), p. 107-
157.
26 Clasen, Anabaptism, p. 355, citado por Poling, “Worship Life in Sixteenth-Century Anabaptism”,
p. 125.
27 Schad, “True Account of an Anabaptist Meeting at Night in a Forest and a Debate Held there with
Them”, p. 292-295.
28 Riedemann, “Peter Riedemann’s Hutterite Confession of Faith”, p. 150.
29 Cf. Bender et al., “Worship, Public”.
30 Philips, “Answer to the Two Letters of Sebastian Frank”, p. 10, 11.
31 C. J. Dyck, “Worship Patterns of Second Generation Dutch Anabaptists”, p. 2, 3, citado por Alvin
J. Beachy, “The Theology and Practice of Anabaptist Worship”, Mennonite Quarterly Review 40 (julho
de 1966), p. 165.
32 Dyck, “Worship Patterns of Second Generation Dutch Anabaptists”, p. 8, citado por Beachy, “The
Theology and Practice of Anabaptist Worship”, p. 169.
33 Riedemann, “Peter Riedemann’s Hutterite Confession of Faith”, p. 150, 151.
34 Miller, “Worship Among the Early Anabaptists”, p. 241.
35 Robert Friedmann, “Mennonite Prayer Books”, Mennonite Quarterly Review 17 (1945), p. 181.
36 Dyck, “Worship Patterns of Second Generation Dutch Anabaptists”, p. 11, citado por Beachy, “The
Theology and Practice of Anabaptist Worship”, p. 176.
37 Clasen, Anabaptism, p. 92.
38 Schad, “True Account of an Anabaptist Meeting at Night in a Forest and a Debate Held there with
Them”, p. 294.
39 Clasen, Anabaptism, p. 343.
40 Poling, “Worship Life in Sixteenth-Century Anabaptism”, p. 126.
41 Conrad Grebel, Letter to Thomas Müntzer, Zurich, 5 de setembro de 1524, em Klassen e Klassen,
org., The Writings of Pilgram Marpeck, p. 38, 39.
42 Harold S. Bender, “Hymnology of the Anabaptists”, Global Anabaptist Mennonite Encyclopedia
Online. Disponível em <http://www.gameo.org/encyclopedia/contents/H95ME.html>. Acesso em 4 de
setembro de 2019.
43 A. J. Ramaker, “Hymns and Hymn Writers among the Anabaptists of the Sixteenth-Century”,
Mennonite Quarterly Review 3 (abril de 1929), p. 93-131.
44 Cf. “‘Six Anabaptist Hymns’ (1526-1529) from the Ausbund”, em Early Anabaptist Spirituality:
Selected Writings, Daniel Leichty, ed., The Classics of Western Spirituality (Nova York: Paulist, 1994),
p. 41-60. Menno Simons, “Two Hymns by Menno Simons”, em The Complete Writings of Menno
Simons: c. 1496-1561, J. C. Wenger, ed. (Scottdale, PA: Herald, 1984), p. 1065-1068.
45 Ramaker, “Hymns and Hymn Writers among the Anabaptists of the Sixteenth-Century”, p. 106.
46 Ramaker, “Hymns and Hymn Writers among the Anabaptists of the Sixteenth-Century”, p. 107.
47 Ramaker, “Hymns and Hymn Writers among the Anabaptists of the Sixteenth-Century”, p. 107,
108.
48 Ramaker, “Hymns and Hymn Writers among the Anabaptists of the Sixteenth-Century”, p. 110.
49 Riedemann, “Peter Riedemann’s Hutterite Confession of Faith”, p. 146.
50 Poling, “Worship Life in Sixteenth-Century Anabaptism”, p. 128.
51 Poling, “Worship Life in Sixteenth-Century Anabaptism”, p. 128.
52 Schad, “True Account of an Anabaptist Meeting at Night in a Forest and a Debate Held there with
Them”, p. 295.
53 Poling, “Worship Life in Sixteenth-Century Anabaptism”, p. 128.
54 Bender et al., “Worship, Public”.
55 Robert Friedmann, The Theology of Anabaptism: An Interpretation, Studies in Anabaptist and
Mennonite History (Scottdale, PA: Herald, 1973), p. 145.
56 Sattler, “Schleitheim Articles”, p. 174, 175.
57 Simons, “Confession of the Distressed Christians: 1552”, em Simons, p. 516, 517.
58 Friedmann, The Theology of Anabaptism, p. 139.
59 Franklin H. Littell, “The Anabaptist Doctrine of the Restitution of the True Church”, Mennonite
Quarterly Review 24 (1950), p. 47.
60 Citado por Friedmann, The Theology of Anabaptism, p. 140, 141. De acordo com Friedmann, essa
parábola e sua explicação também foram usadas por Hans Hut, Pilgram Marpeck e Menno Simons.
61 Citado por William R. Estep, The Anabaptist Story (Nashville, TN: Broadman, 1963), p. 182, 183.
62 Os anabatistas não tiveram padres posteriormente, mas sem dúvida Hubmaier se refere aqui a uma
cerimônia de santa ceia dos primeiros anabatistas, pois ainda usa a expressão católica para designar o
líder espiritual.
63 Balthasar Hubmaier, “A Form for Christ’s Supper”, em Balthasar Hubmaier: Theologian of
Anabaptism, H. Wayne Pipkin e John H. Yoder, ed., Classics of the Radical Reformation 5 (Scottdale,
PA: Herald, 1989), p. 393-406.
64 Ver Harold S. Bender e William Klassen, “Feetwashing”, Global Anabaptist Mennonite
Encyclopedia Online. Disponível em <http://gameo.org/index.php?title=Feetwashing>, acesso em 4 de
setembro de 2019.
65 Sattler, “Schleitheim Articles”, p. 174.
66 Sattler, “Schleitheim Articles”, p. 174.
67 Riedemann, “Peter Riedemann’s Hutterite Confession of Faith”, p. 111.
68 Fritz Blanke, “The First Anabaptist Congregation: Zollikon, 1525”, Mennonite Quarterly Review
27 (1953), p. 17-33.
69 Ver “Balthasar Hubmaier’s Baptismal Order as Followed at Nicolsburg”, em Anabaptist Baptism:
A Representative Study, Rollin Stely Armour, ed., Studies in Anabaptist and Mennonite History 11
(Scottdale, PA: Herald, 1966), p. 143, 144. Veja também uma profissão de fé da época e do século 18
em John Rempel, “Mennonites”, em The Oxford History of Christian Worship, Geoffrey Wainwright e
Karen B. Westerfild Tucker eds. (Nova York: Oxford University Press, 2006), p. 553, 554.
70 Armour, ed., Studies in Anabaptist and Mennonite History 11, p. 140.
71 Daniel Augsburger, “The Sabbath and Lord’s Day During the Middle Ages”, em The Sabbath in
Scripture and History, Kenneth A. Strand, ed. (Washington, DC: Review and Herald, 1982), p. 204-
207.
72 Cf. William Klassen, “Old Testament”, Global Anabaptist Mennonite Encyclopedia Online.
Disponível em <http://gameo.org/index.php?title=Old_Testament&oldid=93180>, acesso em 4 de
setembro de 2019.
73 Bender et al., “Worship, Public”.
74 William Klassen, “Sabbatarian Anabaptists”, Global Anabaptist Mennonite Encyclopedia Online.
Disponível em <http://gameo.org/index.php?title=Sabbatarian_Anabaptists&oldid=77314>, acesso em
4 de setembro de 2019.
75 Cf. Gerhard F. Hasel, “Sabbatarian Anabaptists in the Sixteenth-Century”, Andrews University
Seminary Studies 5 (1967), p. 101-106.
76 Hasel, “Sabbatarian Anabaptists in the Sixteenth-Century”, p. 116, 117.
77 Caspar Schwenckfeld, em S. D. Hartran, ed., Corpus Schwenckfeldianorum (1907-1961), v. 4, p.
479.
78 Hasel, “Sabbatarian Anabaptists in the Sixteenth-Century”, p. 121.
79 Como aconteceu com uma minoria de puritanos ingleses, com os batistas do sétimo dia e
adventistas do sétimo dia, para mencionar os grupos mais importantes. Cf. Bryan W. Ball, The Seventh-
day Men: Sabbatarians and Sabbatarianism in England and Wales, 1600-1800 (Cambridge, UK: James
Clarke & Co., 2009).
3 Adoração nos Primórdios do
Adventismo
Theodore N. Levterov

adoração sempre desempenhou um papel significativo na Igreja

A Adventista do Sétimo Dia. No cerne da proclamação adventista das


três mensagens angélicas de Apocalipse 14:6 a 12, encontramos um
chamado para adorar a Deus. Isso faz parte de nossa missão ao mundo. No
entanto, é surpreendente notar que o adventismo do sétimo dia realizou
poucos estudos aprofundados sobre a adoração e suas conexões
eclesiológicas. 1 Além disso, não existe nenhuma grande pesquisa histórica
sobre as tradições de adoração dos primeiros sabatistas (que posteriormente
se tornaram os adventistas do sétimo dia). 2
Portanto, o principal propósito deste capítulo é apresentar um panorama
histórico das práticas de adoração dos pioneiros adventistas, desde o início do
movimento, em 1845, até os primeiros anos do século 20. 3 Assim, o estudo
será de natureza descritiva, não prescritiva. O capítulo trará, em primeiro
lugar, um breve relato do contexto histórico das tradições de adoração do
século 19 nos Estados Unidos que impactaram a adoração dos pioneiros
adventistas. Segundo, dará destaque a algumas das principais características
que definiram a adoração dos pioneiros adventistas, incluindo mudanças e
desenvolvimentos que ocor reram durante os anos iniciais do movimento. O
capítulo terminará com uma curta perspectiva e conclusão.
PRÁTICAS DE ADORAÇÃO NOS ESTADOS UNIDOS
DO SÉCULO 19

A adoração dos pioneiros não surgiu no vácuo. Foi influenciada pelo meio
religioso dos Estados Unidos, no século 19. É nesse contexto que se pode
entender melhor as práticas de adoração e experiências dos pioneiros
adventistas. Existem diversos fatores que impactaram e influenciaram a
adoração adventista.

O segundo grande reavivamento


Um dos principais fatores de influência sobre a adoração nos primórdios do
adventismo foi o segundo grande reavivamento. Esse fenômeno durou
aproximadamente dos anos 1790 até o início da década de 1840, tornando-se
“o reavivamento mais influente [...] da história dos Estados Unidos”. 4 Mais
do que qualquer outro fator, criou uma atmosfera religiosa que aceitava
diversas formas carismáticas de expressão religiosa, como choro, gritos,
gemidos, visões, revelações proféticas, dentre outras, as quais eram
consideradas partes importantes de um cristianismo verdadeiro e genuíno.
Charles Finney, por exemplo, um dos mais notáveis pregadores do segundo
grande reavivamento, desenvolveu novas técnicas para despertar as emoções
das pessoas e levá-las à decisão durante seus cultos de adoração. Finney
usava tendas ou grandes igrejas e auditórios para suas reuniões de
evangelismo em massa. Os cultos que realizava costumavam terminar com
muitas conversões e diferentes tipos de manifestações espirituais. 5
Conforme veremos posteriormente, um dos principais objetivos dos cultos
dos pioneiros adventistas era converter as pessoas à “verdade presente”, ou
seja, suas crenças distintivas.

Reuniões campais
O segundo fator que influenciou a adoração dos pioneiros adventistas foi o
estabelecimento de reuniões campais. Um dos marcos principais dessas
reuniões anuais, nas quais as pessoas ficavam acampadas por vários dias para
ouvir pregações poderosas, orar e cantar era um culto bastante carismático,
cheio de êxtase emocional. Aliás, muitos participantes mediam o sucesso de
uma reunião campal pela demonstração do poder de Deus. 6 Peter
Cartwright, pregador de campais, descreveu um dos cultos da seguinte
maneira:

Minha voz soava alta e clara, e a pregação consistiu mais de exortação e


encorajamento do que qualquer outra coisa. O texto bíblico que usei foi: “E as portas
do inferno não prevalecerão.” Em cerca de 30 minutos, o poder de Deus desceu
sobre a congregação de uma maneira que quase não se vê. As pessoas caíram em
todas as direções, para a esquerda e para a direita, para frente e para trás. Supõese
que não tenham sido menos do que 300 os que caíram como mortos em uma batalha
poderosa [...]. Nossa reunião durou a noite inteira, segunda-feira de dia e de noite. E,
quando encerramos na terça-feira, 200 haviam professado a religião;
aproximadamente esse número se uniu à igreja. 7

As campais também davam a oportunidade para que os convertidos dessem


testemunho público de sua experiência. “As mulheres, assim como as
crianças, tinham a chance de exortar, testemunhar e pregar publicamente
diante das pessoas nessas ocasiões.” 8 Os pioneiros adventistas começaram a
realizar reuniões campais semelhantes que, às vezes, eram extremamente
carismáticas.

Metodismo
O terceiro fator que contribuiu foi o metodismo, com suas práticas de
adoração no início do século 19. Embora a maior parte dos pastores
metodistas tivesse baixo nível de escolarização, eles eram conhecidos por sua
pregação poderosa, que levava a reações visíveis e audíveis por parte dos
ouvintes durante o culto. Assim, tornou-se comum interromper a pregação
com brados de “Aleluia!”, “Amém!”, ou “Glória!” “Glória!” “Glória!” Com o
tempo, conforme Winthrop S. Hudson observou, os metodistas dos Estados
Unidos se tornaram conhecidos como “metodistas gritalhões”. 9 A adoração
metodista também aceitava e incentivava encontros sobrenaturais com Deus
por meio de sonhos, visões, impressões sobrenaturais, curas, milagres e
outros sinais. 10
Além disso, o metodismo não contava com pastores fixos. Os chamados
ministros itinerantes visitavam as igrejas metodistas locais apenas
periodicamente, obrigando líderes leigos a administrar as congregações. As
mulheres também se envolviam ativamente na vida da igreja e eram bem-
vindas no púlpito para pregar ou apresentar testemunhos pessoais. Como a
maioria dos pregadores metodistas, elas, de modo geral, não eram cultas,
mas, às vezes, afirmavam que as mensagens lhes eram dadas por meio de
sonhos e visões. 11 A adoração dos pioneiros adventistas se assemelha, em
muitos aspectos, à tradição metodista de culto.

Conexão Cristã
O quarto fator que influenciou a adoração dos pioneiros adventistas foi o
movimento da Conexão Cristã. Seu objetivo era reformar as igrejas
existentes, retirando delas as tradições antibíblicas, a fim de que voltassem
para a pureza do cristianismo neotestamentário e suas práticas de adoração.
Além disso, enfatizavam a primazia e importância das Escrituras como fonte
única de autoridade teológica e exemplo de prática cristã. É interessante
perceber que, após o desapontamento de 1844, quando a maioria das outras
denominações se recusava a permitir que os adventistas sabatistas usassem
suas instalações, a Conexão Cristã permitia que eles adorassem em seus
templos. Uma série de cristãos dessa linha também se converteu e passou a
fazer parte do movimento guardador do sábado. 12 Ao passo que Ellen G.
White tinha origem metodista, Tiago White e José Bates, os outros dois
fundadores da Igreja Adventista do Sétimo Dia, vieram da Conexão Cristã e
foram influenciados pelas tradições de adoração dessa denominação.

O movimento milerita
O quinto elemento que desempenhou papel significativo no
desenvolvimento da adoração dos pioneiros adventistas foi o movimento
milerita em si. Embora uma característica importante de seu culto fosse o
estudo das profecias apocalípticas, a liderança milerita não exercia um firme
controle externo sobre o movimento. Afinal, Miller jamais quis fundar uma
nova denominação. Ele desejava apenas alertar os cristãos quanto ao retorno
iminente de Jesus. Por isso, o milerismo não impunha conformidade
doutrinária nem uniformidade na adoração. Contudo, a ênfase no estudo da
Bíblia e das profecias causou forte impacto sobre os guardadores do sábado e
seu estilo de adoração.
Embora seja influenciada por todas essas dinâmicas, a adoração dos
pioneiros adventistas se tornou única. Em certo sentido, equilibrava o lado
intelectual e emocional da experiência de adoração. Para os sabatistas, Deus
“não falava somente por meio do estudo das Escrituras, mas também por
meio do reconhecimento da presença pessoal do Espírito Santo e de Sua
atuação na vida do indivíduo”. Assim, a verdadeira adoração dos pioneiros
adventistas deveria ser um encontro holístico com o próprio Deus. 13

CARACTERÍSTICAS DA ADORAÇÃO DOS


PIONEIROS ADVENTISTAS

As referências às práticas de adoração adventistas durante os primeiros anos


do movimento eram esporádicas e não intencionais. Os líderes sabatistas se
comunicavam com os fiéis espalhados por diversos lugares principalmente
por meio das páginas da Review and Herald, a principal revista do
movimento. O periódico informava acerca do itinerário dos líderes e de seus
planos de viagem. Após cada reunião, a liderança costumava publicar um
curto relatório dos acontecimentos na Review and Herald. Embora seja difícil
definir com certeza absoluta como os adventistas adoravam nos primeiros
anos de existência do movimento, emergem algumas características gerais
para descrever suas práticas mais comuns de adoração.

Tipos gerais da adoração dos pioneiros adventistas


Os primeiros guardadores do sábado participavam de diversos tipos de
reuniões. Conforme Ellen G. White recorda, “a princípio reuníamo-nos para o
culto e apresentávamos a verdade àqueles que vinham para ouvir, em casas
particulares, em celeiros, bosques e edifícios escolares”. 14 Com o tempo,
eles passaram a ter as próprias “casas de oração” (igrejas). A primeira delas
foi construída em Battle Creek, Michigan, em 1855. 15
Além do culto principal de sábado de manhã, parece que os primeiros
adventistas realizavam vários outros tipos de reuniões. Uma delas era
chamada de “reunião social”, um culto espontâneo e informal no qual os fiéis
oravam juntos e compartilhavam testemunhos pessoais. Ellen G. White
entendia que o momento “social” tinha o potencial de se tornar uma das
experiências mais valiosas para todos. 16 Também não era incomum fazer
uma reunião social, em lugar de um culto regular de sábado, quando não
havia um pastor presente (conforme era o caso de muitos dos primeiros
grupos sabatistas).
Outro tipo de adoração realizada pelos pioneiros adventistas era o encontro
“trimestral”: uma série especial de eventos no fim de semana quando um
pastor (ou mais de um) visitava os fiéis de determinada região. Assim como
os metodistas, os primeiros guardadores do sábado não tinham ministros
fixos. Os pastores viajavam e visitavam os membros, em geral, uma vez a
cada trimestre. 17 As reuniões trimestrais eram anunciadas na Review and
Herald, e as pessoas eram incentivadas a cultuar juntas. 18 As principais
características da adoração incluíam a participação na santa ceia, uma reunião
administrativa e algumas atividades sociais. As famílias adventistas locais
hospedavam os membros que vinham de lugares mais distantes. Conforme
Luella B. Priddy recordou:

As pessoas eram hospitaleiras, e os lares dos que viviam na vila nunca pareciam
cheios demais de convidados, pois sempre estavam prontos para acomodar outra
grande caravana, se necessário [...]. Os lares adventistas costumavam ser chamados
de “hotéis adventistas”, porque muitas pessoas passavam a noite! Em geral, as casas
tinham muitas “camas extras”, que consistiam de um colchão de palha com uma
colcha de penas por cima. Caso houvesse mais pessoas do que camas, as colchas de
pena eram retiradas e espalhadas no chão, dobrando o número de lugares disponíveis
[...]. Todas as mulheres ajudavam com o serviço doméstico e não pareciam se
importar com as inconveniências. Havia coisas interessantes sobre as quais
conversar. Nessas ocasiões, os laços de amizade se fortaleciam, para nunca mais se
romper. 19

Em 1868, os adventistas do sétimo dia também começaram a realizar


reuniões campais, outro tipo de adoração adventista, semelhantes às
praticadas pelos metodistas da época. Foi feita uma recomendação à
Associação Geral em Battle Creek, Michigan:

Votado: esta Associação recomenda ao nosso povo realizar uma reunião campal
geral todo ano, na época da sessão de nossas reuniões administrativas.

Votado: que a comissão da Associação Geral terá autorização para executar esse
plano da maneira que achar melhor. 20

No entanto, dois meses depois, Tiago White argumentou contra a


organização de uma “reunião campal geral” simultânea à sessão
administrativa da Associação Geral. Ele explicou:

Em nossa reunião anual, normalmente realizada em Battle Creek, as sessões


administrativas da Associação Geral, da Associação de Michigan, da Casa
Publicadora e do Instituto de Saúde ocupam tanto tempo e reflexão de nossos
membros, sobretudo dos pastores, que diminui grandemente o interesse pelos cultos.
Não é um bom momento para a reunião de nossos irmãos e irmãs a fim de que
desfrutem uma festa espiritual. Sem entender isso, muitos vêm para nossas reuniões
anuais, passam uma semana e voltam para casa decepcionados. Eles não têm
interesse especial nas sessões administrativas, acham que elas ocupam tempo demais
e concluem que seus irmãos estão se tornando formais e apostatados. [...] Uma
convocação geral sem sessões administrativas, na qual pastores e leigos podem
dedicar tempo e energia aos interesses espirituais da igreja, atenderia perfeitamente
as necessidades da causa. 21

A sugestão foi aceita sem resistência e assim começou a tradição adventista


do sétimo dia das reuniões campais. A despeito de algumas variações, parece
que havia diversas características que marcavam todos os cultos de adoração
adventistas nos primeiros anos do movimento.

Estudo da Bíblia
No centro da adoração dos primeiros guardadores do sábado se encontrava
o estudo da Bíblia e das doutrinas. Uma vez que a maioria das igrejas carecia
da presença de um pastor regular, o estudo das Escrituras costumava
substituir a pregação tradicional. Também não era incomum que os fiéis
lessem a Review and Herald a fim de aprender conceitos bíblicos por meio
dessas páginas durante o culto. 22 Afinal, Tiago White reconheceu que, nos
primeiros anos, a Review and Herald era “a única pregadora regular dos
adventistas do sétimo dia, do Maine até Minnesota [...] e suas epístolas de
experiência e exortação eram as únicas reuniões sociais que os mais isolados
desfrutavam”. 23
Apesar disso, não é de se estranhar que o estudo da Bíblia tenha assumido
uma posição essencial na adoração dos pioneiros adventistas. Para começar,
os adventistas sofreram um grande desapontamento em 22 de outubro de
1844. Muitos ficaram confusos, desanimados ou frustrados. Poderiam
continuar confiando na Bíblia e em seus ensinos proféticos? Os adventistas
sabatistas recorreram às Escrituras em um esforço por encontrar respostas.
Ao colocar a Bíblia no centro da adoração, os adventistas agiram em
conformidade com a Reforma Protestante.
Em contrapartida, os primeiros cultos tentavam impedir que os cristãos se
envolvessem com os muitos ensinos fanáticos populares da época e
proporcionar unidade doutrinária entre os fiéis. 24 Aliás, parte do motivo
para os sabatistas terem sido forçados a organizar oficialmente uma
denominação em 1863 foi a necessidade de se diferenciar de pregadores
fanáticos com pontos de vista extremistas e impedir que eles influenciassem o
disperso grupo de sabatistas. Uma vez que não havia um sistema para
conferir a credibilidade de alguém na época, qualquer um poderia aparecer e
alegar ser pastor adventista. Além disso, no início da década de 1850, os
sabatistas precisaram lidar com as primeiras divisões: os movimentos “Grupo
dos Mensageiros” e “Era por vir”, que saíram do meio deles. Os
“Mensageiros” também começaram a publicar seu primeiro periódico,
Messenger of Truth [Mensageiro da Verdade], que falava contra os
guardadores do sábado e questionava alguns de seus principais ensinos e suas
crenças. 25
Dentre os primeiros exemplos de reuniões coletivas dos guardadores do
sábado estão as conferências sabáticas que aconteceram entre 1848 e 1850. A
maior parte dessas reuniões envolvia o estudo da Bíblia e debates sobre
questões doutrinárias. O relato feito por Tiago White da primeira conferência,
que aconteceu em Rocky Hill, Connecticut, por exemplo, ilustra parte da
dinâmica da adoração dos primeiros sabatistas. “Chegamos a este lugar por
volta das quatro da tarde”, conta. Tiago continua:

Tivemos um culto naquela noite [quinta-feira, 20 de abril de 1848], o primeiro de um


total de 15. Na sexta pela manhã, os irmãos chegaram até somarmos cerca de 50
pessoas. Nem todos criam plenamente na verdade. Naquele dia, nosso encontro foi
muito interessante. O irmão Bates apresentou os mandamentos em clara luz e sua
importância foi destacada por meio de testemunhos poderosos. A palavra tinha o
efeito de confirmar quem já estava na verdade e despertar os que ainda não haviam
chegado a uma decisão plena. 26

Na segunda conferência, em Volney, Nova York, em agosto de 1848, cerca


de 35 pessoas se reuniram no celeiro do irmão Arnold. Os irmãos divergiam
tanto em seu entendimento das doutrinas bíblicas que Ellen G. White
descreveu: “Era difícil encontrar dois que concordassem entre si. Cada um
defendia ferrenhamente seus pontos de vista, alegando que estavam em
acordo com a Bíblia. Todos estavam ansiosos por uma oportunidade de
expressar seus sentimentos ou pregar para nós.” 27 Um irmão, por exemplo,
argumentou que os mil anos de Apocalipse 20 já haviam passado. Ele
também cria que a santa ceia deveria ser celebrada somente uma vez por ano.
Houve um momento em que Ellen G White ficou tão incomodada que
chegou a desmaiar. Após fazerem diversas orações por ela, recobrou as forças
e recebeu uma visão na qual contemplou “alguns dos erros dos amigos
presentes”. Ela também observou que “essas opiniões contraditórias, que eles
alegavam estar em harmonia com as Escrituras, estavam apenas em
conformidade com a opinião deles com relação aos ensinos da Bíblia. Foi-me
mandado dizer-lhes que deveriam abandonar seus erros e aceitar as verdades
da mensagem do terceiro anjo”. Em decorrência da visão, a unidade final foi
alcançada. A “reunião se encerrou de forma triunfante” e “a verdade
venceu”. 28 Posteriormente, Ellen G. White refletiu acerca da importância
dessas primeiras reuniões e escreveu:

Reuníamo-nos sentindo angústia de alma, a fim de orar para que fôssemos um na fé e


doutrina; pois sabíamos que Cristo não está dividido. Cada vez tomávamos um ponto
para assunto de nossa investigação. Abriam-se as Escrituras com sentimento de
temor. Jejuávamos frequentemente, a fim de pôr-nos em melhor disposição para
compreender a verdade. Se depois de fervorosa oração, não compreendíamos algum
ponto, o discutíamos, e cada qual exprimia livremente sua opinião. De novo então
nos curvávamos em oração, e ardentes súplicas ascendiam ao Céu para que Deus nos
ajudasse a ver de uma mesma maneira, para que fôssemos um, como Cristo e o Pai
são um. [...] Algumas vezes passávamos a noite toda em solene investigação das
Escrituras, para compreender a verdade para o nosso tempo. 29

A importância do estudo da Bíblia e das doutrinas parecia ser o motivo


principal para os adventistas do sétimo dia estabelecerem aos poucos a Escola
Sabatina como parte de seu culto regular de adoração aos sábados. As
primeiras lições foram publicadas no periódico The Youth Instructor durante
a década de 1850. 30 Embora a intenção inicial fosse ensinar as crianças e
instrui-las nas principais crenças adventistas, com o tempo, a Escola Sabatina
se tornou um componente vital da adoração adventista regular. Por exemplo,
em 1864, I. C. Tompkins relatou para a Review and Herald que sua igreja em
Memphis, Michigan, tinha “Escola Sabatina e classe bíblica organizadas”, as
quais eram “frequentadas com muito interesse”. 31 C. O. Rathbun, secretário
da igreja de Lapeer, Michigan, também escreveu que eles tinham “uma classe
bíblica e Escola Sabatina bem frequentadas” aos sábados. 32 Relatos
semelhantes continuaram a ser publicados com regularidade na Review and
Herald. 33
No início da década de 1870, sob a liderança de Goodloe Harper Bell, o
programa da Escola Sabatina cresceu e se tornou mais organizado e
sistemático. Bell também foi o editor fundador da revista Sabbath-School
Worker, periódico singular, com o objetivo de ajudar os professores da
Escola Sabatina com materiais auxiliares e orientação para as lições. 34
Posteriormente, em 1878, a Associação Geral criou a “Associação da
Escola Sabatina” da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Depois de 1880, a
Escola Sabatina começou a ser realizada na Europa e na Austrália. Por esse
motivo, o nome da associação mudou para “Associação Internacional da
Escola Sabatina”. 35 Também surgiu o costume de recolher uma oferta
durante a Escola Sabatina a fim de custear projetos missionários ao redor do
mundo. 36
Mais tarde, em 1901, a Associação da Escola Sabatina se tornou o
“Departamento de Escola Sabatina” da Associação Geral (hoje, o
Departamento de Ministério Pessoal e Escola Sabatina). No entanto, seu
principal objetivo permaneceu o mesmo: estudo sistemático da Bíblia e apoio
à missão adventista ao redor do mundo. Hoje, a Escola Sabatina continua a
ser uma parte essencial da tradição adventista do sétimo dia e, em geral, os
adventistas se destacam por seu conhecimento da Bíblia.

Pregação da “verdade presente” e conversão


A pregação sempre fez parte da adoração dos pioneiros adventistas e era
praticada toda vez que havia um pastor presente no culto. Afinal, os
primeiros líderes sabatistas consideravam a pregação uma grande
responsabilidade e a levavam muito a sério. Tiago White escreveu: “É
impossível encontrar uma tarefa mais solene no Livro de Deus.” E
prosseguiu: “O apóstolo Paulo coloca Timóteo na presença de Deus e de
Cristo e, diante das solenidades do juízo final, apresentalhe a ordem solene:
‘Prega a palavra’ [2Tm 4:1, 2].” 37 Em 1875, ele escreveu mais uma vez
acerca da importância de pregações de qualidade: “Deus tem pena do mundo,
por ter tantos pregadores de feição pálida, molengas, de segunda e terceira
categorias. Podem até ser excelentes naquelas visitas ‘bem longas’ pela tarde
e ser eloquentes com o garfo e a faca à mesa de chá, mas na tribuna do
pregador [púlpito], como se costuma dizer, acabam se saindo pequenos.” 38
Embora, por vezes, as pregações carecessem de qualidade, os fiéis
normalmente tinham o desejo de receber a visita de um pastor adventista. 39
O objetivo principal da pregação durante o culto de adoração era converter
as pessoas para a verdade presente (as doutrinas distintivas). A fim de
alcançar essa finalidade, os pregadores sabatistas também começaram a fazer
uso de recursos visuais. Em janeiro de 1851, Tiago White mencionou na
Review and Herald que eles tinham preparado um “diagrama profético”
especial. “Cremos que os irmãos ficarão muito satisfeitos com ele”, escreveu,
“e será de grande auxílio na defesa de nossa posição presente”. 40 Parece que
o diagrama rapidamente cumpriu seu propósito. Por exemplo, em 1852, J. R.
Towle escreveu de Woodbury, Vermont:

Enquanto buscava o auxílio do Todo-Poderoso, um dos mensageiros de Deus, o


irmão Ingraham apareceu e, por meio do diagrama, me mostrou a posição de nosso
Sumo Sacerdote e dos sagrados mandamentos, sobretudo o quarto. “Lembra-te do
dia de sábado para o santificar.” O Senhor me deu luz, força e poder para superar o
passado e aceitar a verdade presente. Ela é clara para mim como o sol do meio-
dia. 41

Por causa de seu grande benefício, o diagrama foi publicado posteriormente em


papel mais barato, a fim de “se adequar ao estudo particular dos fiéis na verdade
presente” e como meio de “espalhar a luz e fazer o bem”. 42
Embora os pastores adventistas pregassem sobre assuntos diferentes, os
temas mais comuns eram os Dez Mandamentos, o sábado, o santuário e a
segunda vinda de Jesus, à luz das três mensagens angélicas, conforme
ilustram os exemplos a seguir. Ellen G. White, porém, exortava os pregadores
a proferir sermões cristocêntricos. Ela parecia estar à frente de seus
contemporâneos a esse respeito. 43
Em 1853, Tiago White relatou uma reunião que aconteceu em Sylvan,
Michigan, no celeiro de C. S. Glover, o “maior” e “melhor” ajuntamento que
tiveram em Michigan, com cerca de 400 participantes. Na manhã de sábado,
o sermão foi sobre “os mandamentos e a lei de Deus”. Pela tarde, a doutrina
do sábado foi examinada. No dia seguinte, Tiago White falou durante quase
quatro horas sobre as três mensagens angélicas de Apocalipse 14 e sentiu que
muitos se convenceram de que “estavam ouvindo a verdade”. 44 De maneira
semelhante, em 1859, José Bates realizou uma série de reuniões em
Blackman, Michigan, acerca da doutrina do sábado, com a expectativa de que
“um bom número” começaria a “guardar os mandamentos de Deus e a fé em
Jesus”. 45
A centralidade da pregação doutrinária continuou a ser a parte principal da
adoração adventista após a organização oficial da denominação em 1863. Por
exemplo, em 8 de março de 1864, T. M. Steward escreveu para a Review and
Herald relatando uma reunião em Dane, Wisconsin, na qual ele apresentou o
“tema da terceira mensagem angélica e [do] sábado”. Como resultado,
“alguns decidiram guardar os mandamentos de Deus e se preparar para Seu
reino vindouro.” 46
Um mês depois, John Byington, o primeiro presidente da Associação Geral
da Igreja Adventista do Sétimo Dia, contou sobre uma reunião em Fair Plain,
Michigan, na qual as pessoas ouviram duas pregações bíblicas realizadas por
John N. Andrews: uma sobre “os sinais dos tempos” e outra acerca do
sábado. Byington escreveu: “Quer seja obedecida, quer não, a mensagem foi
ouvida para jamais ser esquecida.” 47 Em 1870, Daniel T. Bourdeau
descreveu várias reuniões que realizou na Califórnia, nas quais falou “com
bastante liberdade sobre diversos temas práticos e doutrinários” para mais de
cem guardadores do sábado. 48 Relatos semelhantes continuaram a ser
publicados em quase todos os números da Review and Herald. A pregação
dos primeiros adventistas enfatizava as doutrinas bíblicas, com o objetivo de
converter as pessoas para a fé adventista.
Ao longo dos anos, a importância da pregação bíblica continuou a ser o
ponto central na tradição de adoração adventista. Conforme escreveu H. M. J.
Richards em seu livro sobre a ordem da igreja, em 1906, “a proclamação do
evangelho envolve a plena pregação da Palavra de Deus”. 49 A pregação da
“Palavra de Deus” continua sendo essencial em qualquer culto de adoração
adventista ao redor do mundo.

Carisma e emoção (apelo ao coração)


Outro importante elemento da adoração adventista era sua natureza
emocional e carismática. Ocorriam várias manifestações carismáticas,
sobretudo nos primeiros anos do movimento sabatista, entre as décadas de
1840 e 1870. De modo geral, a natureza carismática da adoração fazia parte
da experiência cristã genuína nos Estados Unidos durante o século 19.
Mesmo em meio aos mileritas, que, em suas reuniões, apelavam
primariamente à razão, havia diversas manifestações de êxtase. 50 Não é de
se espantar que práticas como bradar, bater palmas, falar em línguas, rir e
afirmar a manifestação de visões fossem associadas com frequência aos
primeiros cultos adventistas.
Em 1848, Ellen G. White e um grupo de guardadores do sábado estavam
em oração quando, conforme relatado, vivenciaram uma espécie de
manifestação carismática. Ellen G. White escreveu: “O irmão Ralph e sua
esposa caíram prostrados e permaneceram imobilizados por um tempo.” Ela
também afirmou ter sido “levada em visão” e teve “doce comunhão” com
Deus. 51
Outra vez, em uma conferência realizada em Topsham, Maine, “o poder de
Deus” veio sobre os presentes “como um poderoso e impetuoso vento”. Os
fiéis “se colocaram em pé” e “louvaram a Deus em alta voz”. De acordo com
o relato, “não dava para distinguir entre a voz de pranto, da de brados de
alegria. Foi um momento triunfante. Todos foram fortalecidos e
revigorados”. 52
Hiram Edson também contou sobre um culto de adoração em Port Gibson,
Nova York: “Na noite passada, no início do santo sábado, tivemos um
momento glorioso de refrigério especial na presença do Senhor. Foi uma hora
de vitória completa, perfeita e plena. ‘Aleluias’ livres e animados subiam a
Deus, que era glorificado em louvor, amor e adoração.” 53 Outro membro
sabatista também escreveu para a Review and Herald sobre um culto de
adoração no qual “o Espírito Santo caiu sobre nós e brados de vitória subiam
ao Céu, ao mesmo tempo em que lágrimas de alegria escorriam livremente de
muitos olhos”. 54
Em 1857, em Monterey, Michigan, durante um culto com muitos cânticos e
oração, Ellen G. White “se levantou e falou com bastante liberdade”. De
acordo com a recordação de Tiago White:

O lugar se encheu do Espírito do Senhor. Alguns se regozijavam, outros choravam.


Todos sentiam que Deus estava bem perto. Como era sagrado aquele lugar! Os
presentes jamais se esquecerão daquele encontro. Sentada, a Sra. W[hite] começou a
louvar ao Senhor, elevando cada vez mais a voz, em triunfo perfeito a Deus, até que
seu tom mudou para brados profundos e claros de “Glória! Aleluia!”, empolgando
cada coração. Ela estava em visão. 55
Dois anos depois, ele também contou acerca de uma reunião na qual “a casa
ecoou com os altos brados de louvor de muitos na congregação” enquanto
Ellen G. White falava. 56 Em 1866, Elias Goodwin relatou outro culto de
adoração adventista no qual “os altos louvores a Deus ascenderam da parte da
maioria, se não de todos, na casa. E continuou até depois de meia-noite”. 57
Os guardadores do sábado também relatavam momentos em que
experimentaram o dom da cura e de línguas durante a adoração. Por exemplo,
na primavera de 1845, um grupo de cristãos sabatistas estava reunido em
Topsham, Maine, na casa de Stockbridge Howland. Sua filha, Francis, sofria
com febre reumática. Quando os presentes começaram a orar pela menina
enferma, a “irmã Curtis” entrou no quarto onde a menina estava deitada, a
tomou pela mão e ordenou que “em nome do Senhor” a menina “se
levantasse e fosse curada”. Conforme o relato, “nova vida pulsou nas veias da
garota doente, uma nova fé tomou conta dela e, obedecendo por impulso, ela
se ergueu da cama, colocou-se em pé e caminhou pelo quarto, louvando a
Deus por sua recuperação”. 58
F. M. Shimper contou sobre um encontro de guardadores do sábado em
Vermont, no verão de 1851, no qual os participantes falaram em línguas. Em
uma carta para a Review and Herald, ela compartilhou o sucesso da obra
evangelística do irmão Holt naquela região. Então observou:

Depois de batizar seis em nosso meio, o querido irmão Morse foi separado por meio
da imposição de mãos para administrar as ordenanças da casa de Deus. O Espírito
Santo testemunhou por meio do dom de línguas e de manifestações solenes da
presença e do poder de Deus. O lugar ficou temível, mas, ao mesmo tempo, glorioso.
Verdadeiramente sentimos que “jamais vimos coisa assim!” [Mc 2:12]. Agora
reconhecemos que nossa comunhão está com o Pai, o Filho e uns com os outros e
que a fé, de fato, é a certeza de coisas que não se veem. 59

Contudo, o entusiasmo inicial que caracterizou a adoração dos primeiros


guardadores do sábado parece ter se dissipado a partir de 1870. Houve
ocasiões posteriores à década de 1870, na qual manifestações carismáticas
ocorreram, mas, de modo geral, a igreja estava se afastando de suas raízes
emocionalistas. 60 Diversos fatores, como a mudança de cultura do
cristianismo norte-americano, um rol de membros formado por pessoas mais
cultas e sofisticadas e “o abuso de alguns entusiastas” podem ter contribuído
para essa transição. 61 Ellen G. White, por sua vez, começou a fazer apelos
para que as expressões de êxtase fossem limitadas durante a adoração por
causa do excesso dos fanáticos. É interessante notar que, desde 1850, ela
advertiu contra depender somente do entusiasmo religioso na adoração.
Conforme escreveu para um grupo de guardadores do sábado, “havia o
grande perigo de deixar de lado a Palavra de Deus para se acomodar e confiar
em exercícios. Vi que Deus, por intermédio de Seu Espírito, havia movido
Seu grupo em alguns desses exercícios e sugestões; mas enxerguei perigo à
frente”. 62
Alguns anos depois, enquanto visitava os fiéis em Grand Rapids, Michigan,
Ellen G. White advertiu mais uma vez contra um homem chamado de irmão
Hungerford, que tinha “o hábito” de gritar durante os cultos de adoração.
Uma vez que sua conduta fora da igreja não era “cristã”, ela destacou que os
brados não eram “evidência nenhuma” de que ele fosse um cristão
verdadeiro. “Seus brados não são de nenhum valor para Deus. Na maior parte
do tempo, nem ele sabe o que está dizendo”, escreveu. 63
A tradição do “ósculo santo”, praticada durante a ceia, também começou a
sofrer abusos por parte de alguns. Um indivíduo conhecido como irmão
Pearsail, por exemplo, se tornou “indiscreto” e “não diferenciava o momento
e o lugar adequado” para praticar o ósculo santo de maneira apropriada. 64 O
fanatismo e opiniões extremistas quanto à santificação também foram
relacionados a manifestações de êxtase nas regiões de Wisconsin e
Mauston. 65
Ao entrar na década de 1870, devido a esse contexto, Ellen G. White
começou a desestimular as expressões mais dramáticas e carismáticas. Por
exemplo, em 1875, ela se posicionou favoravelmente a uma reunião campal
na qual os sentimentos religiosos dos fiéis foram demonstrados com mais
serenidade. 66 Em 1889, ela escreveu mais uma vez que o poder do Espírito
de Deus trabalhava “com mansidão e silêncio”. 67 Enquanto estava na
Austrália, durante a década em 1890, ela descreveu mais uma vez um
encontro adventista durante o qual “não houve nenhuma demonstração
excessiva”. Então explicou: “Jamais ouvimos falar dessas coisas na vida de
Cristo, como pular para cima e para baixo, gritar e bradar. Nada disso! A obra
de Deus apela aos sentidos e à razão de homens e mulheres.” 68 Aos poucos,
ela estava afastando a igreja do emocionalismo para uma adoração cujo
centro é Deus e Sua palavra.
O adventismo do sétimo dia se distanciou ainda mais das expressões
carismáticas e entusiasmadas depois que o fanatismo da “carne santa” se
manifestou na reunião campal de Indiana, em 1900. Diversos pastores,
inclusive o presidente da Associação de Indiana, alegaram que, quando Jesus
passara pela experiência do Getsêmani, obtivera carne santa, assim como a de
Adão antes da queda. Por isso, de acordo com eles, os verdadeiros seguidores
de Cristo experimentariam o mesmo estado de transformação física. A
reunião campal também foi repleta de empolgação excessiva, orações
entusiasmadas, músicas, brados de louvor e outras demonstrações físicas.
Quando S. N. Haskell e A. J. Breed, dois pastores adventistas do sétimo dia,
foram enviados para a campal, escreveram sobre a situação para Ellen G.
White, que se encontrava na Austrália. 69 A crise cresceu tanto que ela
precisou abordar o assunto na Assembleia da Associação Geral de 1901. Ela
destacou que o ensino da “carne santa” era “um erro”. Todos poderiam obter
agora um coração santo. E observou:

Mas não é correto afirmar que, nessa vida, teremos a carne santa. [...] Fui instruída a
dizer àqueles de Indiana que estão defendendo doutrinas estranhas: vocês estão
dando molde errado a tão preciosa e importante obra de Deus. Mantenham-se nos
limites da Bíblia. [...] Quando os seres humanos receberem carne santa, não
permanecerão na Terra, mas serão levados para o Céu. Embora os pecados sejam
perdoados nesta vida, suas consequências não são removidas por completo. É por
ocasião da segunda vinda que Cristo “transformará o nosso corpo de humilhação,
para ser igual ao corpo da Sua glória” [Fp 3:21]. 70

Após os acontecimentos em Indiana, a adoração adventista do sétimo dia


procurou enfatizar mais a mente do que as emoções. Essa mudança foi
positiva, porque deu ainda mais centralidade para proclamação da Palavra.
Porém, ainda é necessário que se desenvolva uma clareza de ideias sobre o
equilíbrio apropriado entre os lados cognitivo e emocional na adoração.

Participação
Outro elemento da adoração dos pioneiros adventistas do sétimo dia era sua
natureza participativa. Os fiéis não adoravam apenas ouvindo, mas
participavam da experiência. Conforme já observado, o envolvimento das
pessoas era tão valorizado que os adventistas criaram um culto especial para
o compartilhamento de testemunhos pessoais e oração: a “reunião social”.
Conforme mostram os relatos, os testemunhos precisavam ser curtos e todos
eram incentivados a participar. Em um caso, por exemplo, “foram dados 38
testemunhos em 20 minutos”. 71 Outro relato conta que foram apresentados
74 testemunhos em “cerca de 60 ou 70 minutos”. 72
Parece que as reuniões sociais também eram praticadas em diversas
circunstâncias. Ellen G. White, por exemplo, usou esse tipo de encontro com
regularidade em seu ministério. 73 Enquanto estava na Europa, ela introduziu
as “reuniões sociais” em várias congregações adventistas e as incentivou a
integrá-las regularmente à adoração. Ela acreditava que esses encontros
podiam capacitar melhor os fiéis a compartilhar sua fé pessoal com os outros.
Chegou a sugerir que os testemunhos pessoais fossem usados durante o culto
de sábado pela manhã quando não houvesse pastor presente. 74
Em 1897, uma reunião social causou um efeito poderoso sobre os delegados
presentes na Assembleia da Associação Geral em Lincoln, Nebraska.
“Grande liberdade se manifestou na reunião social, com a participação da
grande maioria dos 200 presentes”, observa o relato. Então Ellen G. White
cita alguns testemunhos dos “principais irmãos que compartilharam sua
experiência”. E conclui: “Ao passo que muitos testemunhos nasceram nesse
encontro, havia uma individualidade marcante em cada um, mostrando que
Deus estava concedendo a cada um de Seus servos uma experiência
individual. [...] Foi, como um todo, um dia abençoado para a Associação
Geral.” 75 As reuniões sociais também eram usadas com êxito nas
campanhas evangelísticas. Em uma delas, conta-se que muitos resolveram
“decidir-se pela obediência à Palavra de Deus” à medida que compartilhavam
o próprio testemunho. 76
Com o início do século 20, a adoração adventista se tornou mais estruturada
e litúrgica. É interessante notar que, já em 1906, em um dos primeiros livros
adventistas do sétimo dia sobre “ordem da igreja”, H. M. J. Richards
descreveu a “ordem costumeira” que os adventistas do sétimo dia deveriam
seguir em seus cultos de “pregação”. Parece que essa foi a primeira vez que
uma sugestão desse tipo foi apresentada, mas é provável que ela reflita a
prática tradicional da época. A sequência era a seguinte: (a) o ministro se
dirigia ao púlpito e se ajoelhava, fazendo uma oração silenciosa com a
congregação; (b) hino inicial; (c) oração pública; (d) segundo hino; (e)
sermão; (f) hino final e (g) bênção. Às vezes, havia uma música especial ou
uma curta leitura da Bíblia. Tudo indica que o elemento mais importante do
culto de adoração era a pregação da Palavra. Os anúncios eram feitos antes ou
depois do culto. No entanto, Richards não especifica como os adventistas do
sétimo dia deveriam realizar outros programas como a Escola Sabatina, a
reunião social (ou de oração), os encontros dos jovens, etc. Contudo, parece
que esses programas também seguiam a ordem específica de “outras
denominações protestantes”. 77
O primeiro Manual da Igreja, publicado em 1932, se tornou ainda mais
específico nas recomendações para os cultos de adoração adventistas. Trouxe,
por exemplo, dois “formatos sugestivos” para a realização do culto de
sábado: uma versão mais longa e outra mais curta. Além disso, o manual
também sugeriu uma ordem específica para outras reuniões adventistas de
adoração: a Escola Sabatina, o culto de oração, a santa ceia, entre outros. 78
Assim, com o passar do tempo, o adventismo do sétimo dia desenvolveu um
formato bem mais padronizado e unificado de adoração.

Cânticos
Bem ligada à participação na adoração se encontra outra característica dos
cultos dos pioneiros adventistas, a saber, os cânticos, sobre os quais Ellen G.
White teria muito a dizer. 79 Afinal, os primeiros adventistas sabatistas
consideravam o canto “um ato de adoração tanto quanto a oração”. 80 Tiago
White, que vinha de uma família com rica herança musical, desempenhou um
papel crucial na inserção e no desenvolvimento da música como parte da
tradição adventista de adoração. Antes mesmo do grande desapontamento, ele
frequentemente usava cânticos em suas reuniões. Seu hino preferido se
chamava “You Will See Your Lord Coming” [Você verá Seu Senhor Voltar]
e o cantava com frequência antes de pregar. 81 Em determinado culto, logo
antes de celebrarem a santa ceia, ele se uniu à irmã em canto. A cada coro, o
irmão Clark se levantava, “movia as mãos sobre a cabeça, bradava ‘Glória!’ e
se assentava em seguida”. Tiago White recordou que “a influência da
melodia, acompanhada pela aparência solene e os doces brados do irmão
Clark, parecia eletrizante. Muitos ficaram em lágrimas, enquanto reações de
‘Amém’ e ‘Louvado seja o Senhor’ eram ouvidas da parte de quase todos que
amavam a esperança do advento”. 82
William Spicer também relembrou de quando era menino e via Tiago White
batendo as mãos na Bíblia e cantando à medida que se aproximava do púlpito
da igreja para pregar. “Ao terminar a primeira estrofe e o coro”, relembra
Spicer, “a congregação era envolvida no espírito da canção e unia suas
vozes”. 83
Tiago White também foi o principal responsável pela compilação dos
primeiros hinários dos guardadores do sábado. Em 1849, ele compilou e
publicou o primeiro hinário sabatista: Hymns for God’s Peculiar People That
Keep the Commandments of God and the Faith of Jesus [Hinos Para o Povo
Peculiar de Deus, que Guarda os Mandamentos de Deus e a fé de Jesus]. 84
Totalizava 48 páginas e continha 53 hinos. Os cânticos enfatizavam as duas
doutrinas mais distintivas do grupo de sabatistas: a segunda vinda e o sétimo
dia. Também é interessante perceber que o primeiro hinário foi impresso
antes que os sabatistas tivessem a própria casa publicadora ou qualquer
documento expressando seus pontos de vista doutrinários.
Em 1854, Anna White, irmã de Tiago White, publicou o primeiro hinário
para jovens e crianças sabatistas. Os hinos eram “adaptados para músicas
agradáveis”, livres “dos erros [teológicos] populares e predominantes da
época”. 85 Um ano depois, Tiago White publicou o primeiro hinário com
partitura em um novo título: Hymns for Those Who Keep the Commandments
of God and the Faith of Jesus [Hinos Para Aqueles que Guardam os
Mandamentos de Deus e a Fé de Jesus]. 86 A inclusão de partituras parece
significativa. Primeiro, servia para “promover amplamente a uniformidade e
a correção no canto entre as igrejas espalhadas”. 87 Segundo, foi um passo
rumo ao uso de instrumentos musicais na adoração adventista.
Com base em um artigo escrito por Tiago White anos depois, é possível ter
certeza de que havia argumentos favoráveis e contrários ao uso de
instrumentos musicais na adoração. O mais interessante é que ambos os
grupos citavam as Escrituras e defendiam impetuosamente sua opinião como
o posicionamento bíblico. 88 “A maioria das mãos experientes, que foram as
colunas da igreja”, observou, “se opunha à música instrumental. Eram
contrários até mesmo ao toque puro e solene do órgão para acompanhar a
música cantada na casa de Deus”. Em contrapartida, os jovens entendiam “as
coisas de maneira diferente do que seus pais e avós. Não tinham reservas
religiosas quanto à introdução do órgão, e muitos exultam em ver violinos de
todos os tamanhos e todo tipo de som produzido por instrumentos de cordas e
sopro na casa de Deus”. 89 Embora Tiago White respeitasse a consciência da
geração mais antiga, cria que eles eram “desnecessariamente sensíveis no que
diz respeito à introdução do órgão nos cultos de adoração dentro da
igreja.” 90 Posteriormente, Ellen G. White também incentivou o uso de
instrumentos na adoração. Conforme explicou, “a música deve ter beleza,
suavidade e poder. Ergam-se as vozes em hinos de louvor e devoção.
Utilizem em seu auxílio, se possível, a música instrumental, e deixem
ascender a Deus a gloriosa harmonia, em oferta aceitável”. 91 Assim, aos
poucos, os adventistas começaram a usar instrumentos musicais em seus
cultos de adoração.
Em abril de 1863, Tiago White produziu a última de suas compilações
musicais, um novo suplemento chamado The Sabbath Lute [Alaúde
Sabático]. 92 Após a organização formal da Igreja Adventista do Sétimo Dia,
em 1863, a responsabilidade pela compilação e publicação de novas edições
dos hinários adventistas foi repassada a uma comissão especial de música. O
primeiro hinário oficial da denominação foi impresso em 1869. 93
A qualidade do canto congregacional durante os cultos de adoração também
preocupava alguns. Joseph Clarke, por exemplo, participou de uma
conferência dos guardadores do sábado em 1859 e relatou:

Alegrei-me muito por saudar aqueles que compartilham da mesma fé preciosa; mas
ai! Quando cantávamos, um prolongava uma semínima até ela consumir o tempo de
uma semibreve, além do volume ser demasiadamente alto. Alguns ainda estavam
cantando um verso enquanto outros já haviam passado para parte do verso seguinte.
E a palavra final de cada verso ecoava vez após vez, pois cada um entendia de
maneira diferente qual era a versão apropriada, de acordo com a maneira que cada
localidade cantava, todos com a ideia evidente de que a própria forma era a correta.
Seria demais esperar que vozes diferentes, de lugares distintos, com estilos
diferenciados de canto se unissem em perfeita harmonia. Mas, sem dúvida, há muito
que pode ser melhorado. 94

Dois anos e meio depois, Clarke, mais uma vez, com certo toque de humor,
escreveu que “vozes e ouvidos não cultivados e aqueles que sofrem de surdez
devem ficar atentos, sempre observando a voz para que não se desvie do
acorde correto ou desafine, como costuma acontecer quando bons pulmões e
ouvidos pouco desenvolvidos trabalham juntos”. 95
Embora o conselho de Clarke possa ter algum mérito, e pioneiros
adventistas reconhecessem que o canto congregacional carecia de “elegância
musical”, ainda assim acreditavam que os cânticos “envolvem com eficácia o
coração da congregação” no culto de adoração. 96 E embora estivesse na
moda convidar cantores profissionais para se apresentar nas igrejas, os
primeiros adventistas não mantinham esse tipo de prática, mas encorajavam o
canto realizado por toda a congregação. Em um artigo da Review and Herald
desse período, lemos:
É dever e privilégio da igreja cantar; um dever que ela não pode realizar por
procuração, assim como não pode orar, se arrepender, crer ou ter esperança por
procuração. Nenhum grupo de cristãos, sentindo que tem algo a dizer para Deus na
casa de oração, consentirá em se assentar em silêncio e empregar algumas pessoas
irrefletidas e levianas para se apresentar em nome deles. [...] Não tenho dúvida de
que, há muitos anos, essas performances exclusivas de música sacra dentro da igreja
por poucos cantores profissionais selecionados era, ao mesmo tempo, uma
destituição de um privilégio da igreja e um insulto ao Todo-Poderoso. 97

William C. Cage também escreveu contra a participação de cantores


profissionais nos cultos de adoração. “Em nome de tudo que é sagrado,
perguntamos: isso é adoração?”, indagou. “O louvor a Deus proferido por
esses lábios, nessas circunstâncias, poderia subir ao Céu como incenso de
gratidão perante o Senhor? Não seria, em vez disso, uma zombaria
solene?” 98 Expressando uma opinião semelhante, Ellen G. White escreveu
para o pastor Franke, ministro adventista do sétimo dia, que gastava muito
dinheiro para que músicos seculares cantassem em suas reuniões
evangelísticas:

Como Deus pode ser glorificado se você depende de um coral mundano que canta
para ganhar dinheiro? Meu irmão, quando você enxergar as coisas da maneira
correta, terá em suas reuniões somente canto doce e simples, pedindo a toda a
congregação que se una em louvor. [...] Quando o canto é feito de maneira que os
anjos possam se unir aos cantores, causa-se uma impressão sobre a mente que o
canto de lábios não santificados é incapaz de efetuar. 99

A participação da congregação era a motivação principal para os


adventistas usarem as novas “músicas evangélicas” simples que haviam se
tornado populares durante o segundo grande reavivamento do início do
século 19. 100 A mesma motivação se encontrava por trás do uso de algumas
canções seculares (conhecidas das pessoas) como melodia para os hinos
religiosos. 101 Por exemplo, Uriah Smith escreveu uma letra religiosa para
uma das melodias mais populares da década de 1850, “Old Folks at Home”
[Velhos Pais em Casa], de Stephen Foster. Sua irmã, Annie Smith, também
usou seu talento poético e escreveu letra para diversas outras melodias
seculares, a fim de serem cantadas na adoração. 102 No entanto, a prática de
pegar melodias populares e colocar uma mensagem religiosa não continuou
além desses primeiros anos. Isso “atendeu a um propósito na época, mas, à
medida que o conhecimento musical se ampliou [entre os adventistas], deixou
de ser necessário o uso de melodias populares”. 103 Embora, aos poucos, as
apresentações musicais tenham se tornado parte dos cultos de adoração
adventistas, o canto congregacional continua sendo parte vital da tradição de
culto adventista, tanto hoje quanto o foi no início do movimento.

CONCLUSÃO

É possível chegar a várias perspectivas conclusivas em relação à adoração


dos pioneiros adventistas. Em primeiro lugar, os adventistas não tinham uma
teologia de adoração propriamente dita. Eles simplesmente adoravam. Em
certo sentido, “pegaram emprestados” diversos elementos de adoração de
outros grupos cristãos e os colocaram em prática em seus encontros. Logo, de
um lado, a adoração adventista não era única e se assemelhava às tradições de
adoração do cristianismo norte-americano do século 19. Em contrapartida,
pelo menos nos primeiros anos do movimento, os adventistas tentavam
equilibrar os componentes emocional e cognitivo-intelectual da adoração.
Eles a viam como um encontro espiritual holístico com Deus, atribuindo
papel principal à proclamação das Escrituras.
Em segundo lugar, a adoração adventista era bastante participativa. As
primeiras reuniões não tinham uma ordem rígida, uma vez que os adoradores
esperavam ver a atuação do Espírito Santo em seu meio.
Terceiro, o cerne da adoração adventista era evangelístico. O objetivo de
qualquer reunião, com suas diversas características, como o estudo da Bíblia,
a pregação e os cânticos, era apresentar a mensagem adventista, mostrar sua
relevância no mundo cristão e levar as pessoas à conversão. Conforme vimos,
até os hinos adventistas eram usados para apresentar crenças distintivas. O
adventismo tinha um senso de identidade e uma motivação para sua
existência e missão que se revelavam também na adoração.
Quarto, a adoração dos pioneiros adventistas não era “estática”, mas variada
e mudava de acordo com as circunstâncias e necessidades. Uma vez que não
havia uma “maneira certa” de adorar, os adventistas tentavam tornar seus
cultos significativos e relevantes. Quando extremismos carismáticos
começaram a se tornar parte da adoração no início do século 20, por exemplo,
os adventistas, inclusive Ellen G. White, começaram a fazer um apelo por
mais reserva nas demonstrações emocionais durante a adoração e para que os
extremos fossem evitados. O canto, o uso do órgão e de outros instrumentos
musicais são exemplos vívidos da mudança de práticas na adoração
adventista. Mesmo posteriormente, quando estilos mais “consolidados” de
adoração foram reconhecidos, tudo aconteceu em forma de “sugestões”, não
de “prescrições”.
A análise histórica das tradições de adoração dos pioneiros adventistas pode
lançar luz ao adventismo do sétimo dia atual, que continua a lidar com a
questão da “maneira certa” de adorar. A adoração como experiência holística,
sua ênfase participativa e evangelística, bem como a disposição dos
adventistas de examinar e modificar constantemente seus costumes de
adoração podem ser boas lições para a comunidade adventista
contemporânea, em seu esforço para tornar a adoração relevante e
significativa no século 21. Ao nos envolver nessa tarefa, não podemos nos
esquecer de que o Deus criador e redentor deve estar no centro da adoração.

1 Exemplos incluem: Norval F. Pease, And Worship Him, (Nashville, TN: Southern Publishing
Association, 1967); C. Raymond Holmes, Sing a New Song! Worship Renewal for Adventists Today
(Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 1984); Viviane Haenni, “The Colton Celebration
Congregations: A Case Study in American Adventist Worship Renewal, 1986-1991” (tese de
doutorado, Universidade Andrews, 1996).
2 Existem alguns artigos e ensaios acadêmicos, mas todos têm escopo limitado e examinam apenas
um ângulo específico da adoração adventista. Cf. Harold Camacho, “Early Seventh-day Adventist
Religious Meetings” (artigo não publicado, Center for Adventist Research, Universidade Andrews,
1972); James L. Stevens, “Worship among the Pioneers: A Study of the Religious Meetings of the
Early Seventh-day Adventists” (artigo não publicado, Center for Adventist Research, Universidade
Andrews, 1977); Ronald D. Graybill, “Enthusiasm in Early Adventist Worship”, Ministry, outubro de
1991, p. 10-12; James Michael Wilson, “Enthusiasm and Charismatic Manifestations in Sabbatarian
Adventism with Applications for the Seventh-day Adventist Church of the Late Twentieth Century”
(tese de doutorado, Universidade Andrews, 1995).
3 Estou empregando o termo “adventista(s)” em referência geral aos sabatistas (que posteriormente se
tornaram os adventistas do sétimo dia).
4 Mark A. Noll, A History of Christianity in the United States and Canada (Grand Rapids, MI:
Eerdmans, 1992), p. 166.
5 William Gerald McLoughlin, Revivals, Awakenings, and Reform (Chicago: Universidade de
Chicago Press, 1978), p. 12, 127.
6 Dickson D. Bruce, Jr., And They All Sang Hallelujah: Plain-Folk Camp-Meeting Religion, 1800-
1845 (Knoxville, TN: Universidade do Tennessee Press, 1974), p. 54, 74.
7 Peter Cartwright e W. P. Strickland, Autobiography of Peter Cartwright, the Backwoods Preacher
(Nova York: Carlton and Porter, 1857), p. 92, 93.
8
Bruce, Jr., And They All Sang Hallelujah p. 76.
9 Winthrop S. Hudson, “Shouting Methodists”, Encounter 29 (inverno de 1968), p. 73-84.
10 Lester Ruth, Early Methodist Life and Spirituality: A Reader (Nashville, TN: Kingswood Books,
2005), p. 161.
11 Catherine A. Brekus, Strangers and Pilgrims: Female Preaching in America, 1740-1845 (Chapel
Hill, NC: University of North Carolina Press, 1998), p. 145; Elizabeth Elkin Grammer, Some Wild
Visions: Autobiographies by Female Itinerant Evangelists in 19th-Century America (Oxford: Oxford
University Press, 2003).
12 Bert Haloviak, “A Heritage of Freedom: Christian Connection Roots to Seventh-day Adventism”
(artigo não publicado, General Conference Archives, Silver Spring, MD, 1995), p. 1-4.
13 Gerald Wheeler, James White: Innovator and Overcomer (Hagerstown, MD: Review and Herald,
2003), p. 51.
14 Ellen G. White, Testemunhos Para Ministros e Obreiros Evangélicos (Tatuí, SP: Casa Publicadora
Brasileira, 2014), p. 26.
15 Ver uma breve descrição dos primeiros templos adventistas construídos no verbete “Church
Buildings”, em Seventh-day Adventist Encyclopedia, Don F. Neufeld ed. (Washington, DC: Review
and Herald, 1996), p. 362.
16 Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja, 9 v. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), v.
2, p. 579.
17 Tiago White, “The Ministry. Nº: 4”, Review and Herald, 8 de agosto de 1865, p. 76.
18 Ver, por exemplo, os três anúncios na seção “Appointments”, Review and Herald, 17 de janeiro de
1865, p. 64.
19
Luella B. Priddy, “Stories of a Pioneer Church,” Youth Instructor, 19 de janeiro de 1926, p. 10.
20 John N. Andrews e Uriah Smith, “Business Proceedings of the Sixth Annual Session of the General
Conference of Seventh-day Adventists”, Review and Herald, 26 de maio de 1868, p. 356.
21 Tiago White, “Convocations”, Review and Herald, 14 de julho de 1868, p. 56.
22 Cf. S. Jackson, “From Bro. Jackson”, Review and Herald, 20 de março de 1855, p. 199; A. O.
Thompson, “[Letters]”, Review and Herald, 11 de junho de 1861, p. 23; William Johnston, “From Bro.
Johnston”, Review and Herald, 7 de fevereiro de 1865, p. 87.
23 Tiago White, “Duties of the Editor”, Review and Herald, 23 de julho de 1861, p. 60.
24 Ver uma excelente visão geral dos diversos grupos extremistas da época em: George R. Knight,
Millennial Fever and the End of the World: A Study of Millerite Adventism (Boise, ID: Pacific Press,
1993), p. 245-266.
25 Theodore N. Levterov, “The Development of the Seventh-day Adventist Understanding of Ellen G.
White’s Prophetic Gift, 1844-1889” (tese de doutorado, Universidade Andrews, 2011), p. 81-83.
26 Citado por: Ellen G. White, Spiritual Gifts: My Christian Experience, Views and Labors in
Connection with the Rise and Progress of the Third Angel’s Message (Battle Creek, MI: James White,
1860), v. 2, p. 93.
27 White, Spiritual Gifts, p. 97, 98.
28 Ellen G. White, Vida e Ensinos (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 119.
29 White, Testemunhos Para Ministros e Obreiros Evangélicos, p. 24, 25.
30 Ver [Tiago White], “Sabbath School Lessons”, Youth Instructor, agosto de 1852, p. 2-6.
31 I. C. Tompkins, “From the Church in Memphis”, Review and Herald, 31 de maio de 1864, p. 2.
32 C. O. Rathbun, “From the Church in Lapeer”, Review and Herald, 31 de maio de 1864, p. 2.
33 Alguns exemplos são: D. M. Canright, “Encouraging”, Review and Herald, 6 de novembro de
1866, p. 184; J. B. Ingalls, “[From Bro. J. B. Ingalls]”, RH, 23 de fevereiro de 1869, p. 71; D. M.
Canright, “From Monroe, Iowa”, RH, 14 de dezembro de 1869, p. 198.
34 Allan G. Lindsay, “Goodloe Harper Bell: Pioneer Seventh-day Adventist Christian Educator” (tese
de doutorado em educação, Universidade Andrews, 1982), p. 99, 159.
35 “Sabbath School Department”, em Don F. Neufeld, ed., Seventh-day Adventist Encyclopedia,
(Washington, DC: Review and Herald, 1996), p. 510, 511.
36 “Sabbath School Offering”, Neufeld, ed., Seventh-day Adventist Encyclopedia, p. 1259.
37 Tiago White, Preach the Word (Battle Creek, MI: Seventh-day Adventist Publishing, s.d.), p. 1. Cf.
James R. Nix, A Collection of Twelve Early Adventist Sermons that Illustrate Advent Preaching (Silver
Spring, MD: North American Division Office of Education, 1989).
38 Tiago White, “Reflections by the Way”, Review and Herald, 7 de outubro de 1875, p. 108.
39 Cf. L. M. Guilford, “From Sister Guilford”, Review and Herald, 20 de novembro de 1860, p. 7; C.
Ruiter, “[Extracts from Letters]”, Review and Herald, 5 de julho de 1864, p. 47.
40 Ver [Tiago White], “The Chart”, Review and Herald, janeiro de 1851, p. 31. Sobre a arte e o
propósito do diagrama, cf. [Tiago White], “The Design of the Chart”, Review and Herald, fevereiro de
1851, p. 46.
41 Cf. J. R. Towle, “[Letter]”, Review and Herald, 10 de junho de 1852, p. 24 (itálico acrescentado).
42 [Tiago White], “[Note]”, Review and Herald, 22 de julho de 1858, p. 80.
43 Sobre a perspectiva de Ellen G. White acerca da adoração e da centralidade da proclamação da
Palavra, ver capítulo de Denis Fortin, “Teologia de Adoração e Liturgia de Ellen G. White”, nesta obra,
p.98-116.
44 Tiago White, “Western Tour”, Review and Herald, 7 de julho de 1853, p. 28, 29.
45 Joseph Bates, “Report from Bro. Bates”, Review and Herald, 12 de maio de 1859, p. 197.
46 T. M. Steward, “Meetings in Dane, Wis[consin]”, Review and Herald, 6 de setembro de 1864, p.
119.
47 J. Byington, em: “[Report from Bro. Andrews]”, Review and Herald, 21 de junho de 1864, p. 30.
48 Daniel T. Bourdeau, “The Second California State Meeting of Seventh-day Adventists”, Review
and Herald, 3 de maio de 1870, p. 157.
49 H. M. J. Richards, Church Order and Its Divine Origin and Importance (Denver, CO: The
Colorado Tract Society, 1906), p. 9.
50 Ver lista parcial de exemplos em Levterov, “The Development of the Seventh-day Adventist
Understanding of Ellen G. White’s Prophetic Gift, 1844-1889”, p. 25-44.
51 “Ellen G. White to Brother and Sister Hastings”, 29 de maio de 1849, Carta H-1, em: The Ellen G.
White, Letters & Manuscripts with Annotations, 1845-1859 (Hagerstown, MD: Review and Herald,
2014), p. 172.
52 “Ellen G. White to the Church in Brother. Leonard W. Hastings House”, [27] de novembro de
1850, Carta H-28, em The Ellen G. White, Letters & Manuscripts with Annotations, p. 253.
53 Hiram Edson, “[Note]”, Review and Herald, fevereiro de 1851, p. 48.
54 George W. Holt, “Dear Brother White”, Review and Herald, 2 de setembro de 1851, p. 24.
55 Tiago White, “Report of Meetings!”, Review and Herald, 22 de outubro de 1857, p. 196.
56 Tiago White, “Easter Tour”, Review and Herald, 1º de dezembro de 1859, p. 13.
57 Elias Goodwin, “Monthly Meetings in N.Y.”, Review and Herald, 6 de março de 1866, p. 110.
58 Ellen G. White, Life Sketches of Ellen G. White, Being a Narrative of Her Experience to 1881 as
Written by Herself; With a Sketch of Her subsequent Labors and of Her Last Sickness (Mountain View,
CA: Pacific Press, 1915), p. 74.
59 F. M. Shimper, “From Sister Shimper”, Review and Herald, 19 de agosto de 185, p. 15 (itálico
acrescentado). Ver mais exemplos de manifestações carismáticas durante os primeiros anos da história
adventista do sétimo dia em Arthur L. White, Charismatic Experiences in Early Seventh-day Adventist
History (Washington, DC: Review and Herald, s.d.).
60 “Ellen G. White to My Dear Brethren”, abril 1889, Carta 85. Disponível em
<https://egwwritings.org/?ref=en_Lt85-1889&para=4631.1>, acesso em 4 de setembro de 2019.
61 Graybill, “Enthusiasm in Early Adventist Worship”, p. 12.
62 Ellen G. White, “[Visions at Paris, Maine]”, Manuscript 11, 25 de dezembro de 1850, em Letters &
Manuscripts, p. 271.
63 “Ellen G. White to Brethren and Sisters at Bedford”, julho 1854, Carta B-8, em: Letters &
Manuscripts, p. 439.
64 “Ellen G. White to Brother and Sister Pearsall”, julho 12, 1854, Carta P-3, em: Letters &
Manuscripts, p. 432, 433. O “ósculo santo” também era praticado em cerimônias de ordenação.
65 Cf. Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), v.
1, p. 311-323; T. M. Steward, “A Delusion Confessed”, Review and Herald, 22 de janeiro de 1861, p.
77, 78.
66 “Ellen G. White to G. I. Butler”, junho 6, 1875, Letter 16. Disponível em
<https://egwwritings.org/?ref=en_Lt16-1875&para=3598.1>, acesso em 4 de setembro de 2019.
67 “Ellen G. White to My Dear Brethren”, abril 1889, Carta B-85. Disponível em
<https://egwwritings.org/?ref=en_Lt85-1889&para=4631.1>, acesso em 4 de setembro de 2019.
68
Ellen G. White, “Sermon at Ashfield, Australia, Camp Meeting”, Manuscript. 49, 1894. Disponível
em <https://egwwritings.org/?ref=en_Ms49-1894&para=6715.1>, acesso em 4 de setembro de 2019.
69 Ella Robinson, S. N. Haskell, Man of Action (Washington, DC: Review and Herald, 1967), p. 168-
176; “S. N. Haskell to Ellen G. White”, 25 de setembro de 1900, WDF-190. Disponível em
<https://egwwritings.org/?ref=en_5BIO.102.2&para=675.680>, acesso em 4 de setembro de 2019;
Norman Bassett, “The Holy Flesh Movement in Indiana, 1900-1901” (artigo não publicado, WDF-190,
Heritage Research Center, Universidade de Loma Linda).
70 Ellen G. White, “Regarding the Late Movement in Indiana”, General Conference Bulletin, 23 de
abril de 1901, p. 419-422.
71 Daniel T. Bourdeau e A. C. Bourdeau, “The Cause in Vt.”, Review and Herald, 9 de fevereiro de
1864, p. 85.
72 C. J. Pearce, “[Extracts from Letters]”, Review and Herald, 17 de janeiro de 1865, p. 63.
73 D. A. Delafield, Ellen White in Europe, 1885-1887: Prepared from Ellen G. White Papers and
European Historical Sources (Washington, DC: Review and Herald, 1975), p. 61, 62.
74 Ellen G. White, “Meeting at Seven Hills”, Manuscript 32, 1894. Disponível em
<https://egwwritings.org/?ref=en_ Ms32-1894.1&para=6134.6>, acesso em 4 de setembro de 2019.
75 “Sabbath Services”, General Conference Daily Bulletin, 22 de fevereiro de 1897, p. 110-112.
76 Ellen G. White, Evangelismo (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 283, 284.
77 Richards, Church Order and Its Divine Origin and Importance, p. 64-66.
78 Church Manual ([Takoma Park, MD]: General Conference of Seventh-day Adventists, 1932), p.
151-169.
79 Cf. Fortin, “Teologia de Adoração e Liturgia de Ellen G. White”, nesta obra, p. 98-116.
80 Ellen G. White, Educação (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2016), p. 168.
81 Tiago White, Life Incidents, in Connection with the Great Advent Movement, as Illustrated by the
Three Angels of Revelation XIV (Battle Creek, MI: Steam Press, 1868), v. 1, p. 94.
82 White, Life Incidents, p. 107.
83 William A. Spicer, Pioneer Days of the Advent Movement: With Notes on Pioneer Workers and
Early Experiences (Washington, DC: Review and Herald, 1941), p. 147.
84 [Tiago White], Hymns for God’s Peculiar People at Keep the Commandments of God and the
Faith of Jesus (Oswego, NY: Richard Oliphant, 1849).
85 Ver o prefácio em Anna White, Hymns for Youth and Children (Rochester, NY: Advent Review
Office, 1854).
86 Tiago White, Hymns for Those Who Keep the Commandments of God, and the Faith of Jesus
(Rochester, NY: Advent Review Office, 1855).
87 White, Hymns, p. ii.
88 Tiago White, “Music”, Review and Herald, 17 de junho de 1880, p. 392.
89 White Hymns, p. ii.
90 White, Hymns, p. ii.
91 Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja, v. 4, p. 71.
92 [Tiago White], “[Note]”, Review and Herald, 7 de abril de 1863, p. 152. Tiago White havia
compilado e publicado quatro hinários e diversos suplementos antes de 1863.
93 Hymns and Tunes: for Those Who Keep the Commandments (Battle Creek: MI: Steam Press,
1869).
94 Joseph Clarke, “Music”, Review and Herald, 10 de novembro de 1859, p. 200.
95 Joseph Clarke, “Congregational Singing”, Review and Herald, 24 de junho de 1862, p. 29.
96 “Worship in Singing”, Review and Herald, 2 de fevereiro de 1860, p. 83.
97 “Congregational Singing”, Review and Herald, 30 de agosto de 1864, p. 107.
98 William C. Gage, “Music”, Review and Herald, 7 de fevereiro de 1865, p. 86.
99 “Ellen G. White to E. E. Franke”, 11 de dezembro de 1902, Carta F-190. Disponível em
<https://egwwritings.org/?ref=en_Lt190-1902.3&para=9448.10>, acesso em 9 de maio de 2016.
100 Paul Hamel, Ellen White and Music: Background and Principles (Washington, DC: Review and
Herald, 1976), p. 29-39; Ronald D. Graybill, “Singing and Society: The Hymns of the Saturday-
Keeping Adventists, 1849-1863” (artigo não publicado, s.d., Center for Adventist Research,
Universidade Andrews), p. 17.
101 Havia alguns, como I. N. VanGorder, professor de música, que eram contrários a esse tipo de
prática, mas a maioria das pessoas não objetava ao uso de melodias seculares. Cf. I. N. VanGorder,
“[Letter]”, Review and Herald, 21 de julho de 1859, p. 71. Mais informações sobre o assunto podem ser
obtidas em Steve Blotzke, “Early Advent Hymnody and Secular Tunes” (artigo não publicado, s.d.,
Center for Adventist Research, Universidade Andrews).
102 Ronald D. Graybill, “Uriah Smith on the Swanee River”, Insight, 24 de abril de 1979, p. 9-13;
Wayne Hooper e Edward E. White, Companion to the Seventh-day Adventist Hymnal (Washington,
DC: Review and Herald, 1988), p. 19, 20.
103 Graybill, “Uriah Smith on the Swanee River”, p. 10.
4 Teologia da Adoração e Liturgia em
Ellen G. White
Denis Fortin

tema da adoração e liturgia tem sido alvo de debate na igreja cristã.

O Afirma-se que, “ao longo da história do cristianismo, a adoração


pública sempre atraiu atenção, estimulou o debate e até provocou
contendas”. 1 Essa avaliação parece correta. No Novo Testamento, o
apóstolo Paulo enfrentou problemas ligados à adoração na igreja de Corinto
porque cristãos judeus e gentios precisavam cultuar juntos. Durante a Idade
Média, o cristianismo oriental e ocidental se dividiu sobre o tema do uso de
imagens na adoração. Embora os reformadores concordassem, em geral,
quanto às questões de fé e salvação, as divisões amargas existentes entre eles
concernentes às formas e aos elementos da adoração impediram que
alcançassem a unidade e um testemunho comum. Protestantes reformados e
católicos perseguiram os anabatistas por causa de sua teologia e prática do
batismo. Lutero zombava da compreensão de Zuínglio sobre a ceia do
Senhor. Os puritanos se separaram dos anglicanos por causa da prioridade
atribuída à pregação da Palavra de Deus. Embora hoje não matemos mais as
pessoas por discordarem do formato de adoração, pouco mudou a respeito
das questões que dividiram o cristianismo ao longo dos séculos. Muitos
artigos continuam a ser escritos sobre o assunto em periódicos cristãos
populares. 2
CONTROVÉRSIAS NA ADORAÇÃO ADVENTISTA

As formas de adoração adventista também se tornaram um grande ponto de


disputa. Por décadas, adoramos a Deus seguindo o formato de adoração
protestante tradicional, baseado em hinos e tendo o sermão como elemento
dominante. Atualmente, embora o sermão ainda costume constituir a parte
central do culto, existe a tendência do afastamento do sermão expositivo
tradicional, que é substituído por uma narrativa de fé e experiência pessoal.
Além disso, o canto baseado em hinos está sendo substituído por músicas
mais contemporâneas. Para completar, uma variedade de instrumentos
musicais, além do piano e do órgão, acompanha a congregação, o andamento
do culto de adoração é mais espontâneo e menos previsível, e a reação dos
adoradores à música e às palavras faladas deixa de ser apenas um passivo
“amém”. Enquanto algumas congregações têm incorporado elementos e
músicas contemporâneos ao formato tradicional; outras congregações
substituíram por completo o formato adventista por um modelo atual.
Em certas igrejas, quando o número de membros é grande o suficiente para
justificar a realização de dois cultos no sábado pela manhã, tem ocorrido de
um ser mais tradicional e o outro mais contemporâneo. Os cultos de adoração
dos jovens na América do Norte e em outros países ocidentais costumam ser
contemporâneos, envolvendo a resposta e a participação do público. Em
geral, os sermões são mais narrativos e existencialistas, em substituição à
exposição do texto bíblico.
Considerando que os membros experientes continuam a preferir um estilo
de adoração mais tradicional e, em reação ao modelo contemporâneo de
adoração, algumas congregações têm adotado formatos litúrgicos mais
formais, incluindo leituras responsivas, orações impressas e uma ordem bem
delimitada de adoração. Porém, esse modelo nunca foi plenamente bem
recebido entre os adventistas, de forma geral. Para o bem ou para o mal, essas
mudanças litúrgicas parecem ter chegado para ficar. Em algumas
congregações, a adoração adventista jamais voltará ao simples formato
baseado em hinos. A atmosfera de controvérsia e disputa em relação às
formas de adoração é percebida com facilidade ao se examinar os numerosos
artigos de revistas ou livros publicados sobre o assunto ao longo dos últimos
anos. 3
Nesse momento de nossa história, considerando o desenvolvimento de
estilos de adoração que ocorreu em nossas congregações, a análise dos
princípios bíblicos de adoração e os ensinos de Ellen G. White sobre o tema
podem ajudar a esclarecer o significado e a prática da adoração adventista. O
povo de Deus deve procurar entender e seguir como o Senhor deseja ser
adorado. Ellen G. White defendeu: “A menos que aos crentes sejam
inculcadas ideias precisas acerca do culto verdadeiro e da verdadeira
reverência para com Deus, prevalecerá entre eles a tendência para nivelar o
sagrado ao comum”, ofendendo assim ao Senhor e causando desgraça para a
religião. Ela também cria que o povo de Deus na Terra deve estar preparado
para apreciar a adoração nas cortes celestiais, “onde cada criatura é dominada
de profunda reverência para com Deus e Sua santidade.” 4
Em um testemunho sobre adoração, escrito em 1899, Ellen White protestou:
“Houve uma grande mudança, não para melhor, mas para pior, nos hábitos e
costumes do povo com relação ao culto religioso. As coisas sagradas e
preciosas, destinadas a ligar-nos a Deus, estão quase perdendo sua influência
sobre nossa mente e coração, sendo rebaixadas ao nível das coisas comuns.” 5
A fim de reverter essa tendência, ela acreditava que “os cristãos deviam
aprender como considerar o lugar onde o Senhor deseja encontrar-Se com
Seu povo”, por meio do estudo das instruções de Deus a Israel em relação à
santidade da adoração nas cerimônias do santuário terrestre. De acordo com
Ellen G. White, essas instruções não se limitavam ao comportamento no
ambiente de adoração, mas também incluíam diretrizes relativas ao
significado, à ordem e às formas de adoração. 6
Entretanto, existe um grande impedimento ao estudo dos princípios de
Ellen G. White sobre adoração, como também dos princípios bíblicos. Nos
últimos anos, a hermenêutica pós-moderna das preferências pessoais e
culturais tem dominado os debates sobre adoração. Com frequência, por trás
da pretensão de descobrir a única verdade e princípios válidos de adoração,
muitos estudos sofrem com a parcialidade de preferências culturais e
pessoais. Por isso, a maioria dos adventistas da atualidade tende a se resignar,
aceitando que as noções de adoração são, em primeira instância, uma questão
pessoal, que nenhum formato único serve para todos, nenhum conceito de
adoração deve ser imposto para todas as pessoas e que o estilo de adoração é
uma questão de escolhas e preferências culturais e congregacionais.
Esperamos que as ideias, os princípios e conceitos apresentados neste
capítulo ajudem a esclarecer como devemos entender e praticar a adoração
adventista, a despeito do tempo ou da cultura.

PRINCÍPIOS BÍBLICOS DE ADORAÇÃO


ENFATIZADOS POR ELLEN G. WHITE

Ao falar sobre a adolescência e início da idade adulta de Jesus, em O


Desejado de Todas as Nações, Ellen G. White declarou que parte da missão
de Cristo era ensinar “o significado da adoração ao Senhor”. 7 Rejeitando as
“regras rígidas” e os “inúmeros regulamentos” que guiavam a adoração na
época, Jesus buscou exemplificar uma forma simples de adoração baseada na
Palavra de Deus. A simplicidade bíblica marcava Sua adoração ao Pai. “Não
podia aprovar a mistura de exigências humanas com os preceitos divinos.
Não atacava os ensinos ou práticas dos sábios mestres, mas, quando O
reprovavam por Seus hábitos simples, apresentava a Palavra de Deus como
razão de Sua conduta.” 8 Para White, a verdadeira adoração hoje também
deve ser marcada pela mesma simplicidade. Ela mesma procurou seguir
alguns princípios bíblicos básicos quando escreveu sobre adoração.

Adoração a Deus
Um princípio bíblico que ela destacou é que somente Deus deve ser o alvo
da adoração. 9 Em um mundo no qual não são apenas os ídolos de pedra e
madeira que recebem adoração, mas também as realizações humanas, o
orgulho e o dinheiro, somos lembrados de que devemos adorar e servir “ao
Senhor Deus, e a Ele tão somente. [...] Qualquer coisa que se torne objeto de
indevidos pensamentos e admiração, absorvendo a mente, é um deus posto
diante do Senhor”. 10 “Não é o homem que devemos exaltar e adorar; é a
Deus, o único verdadeiro Deus, o Deus vivo, a quem são devidos nosso culto
e reverência.” 11 “O dever de adorar a Deus se baseia no fato de que Ele é o
Criador e que a Ele todos os outros seres devem a existência.” 12 A adoração
ao Deus Criador se manifesta em reverência, alegria e ações de graças. 13
A adoração ao Deus Criador também se fundamenta na observância do
sábado como dia de descanso e adoração. A compreensão de Ellen White
acerca da importância do sábado também apoia os princípios bíblicos e
teológicos que subjazem à sua teologia de adoração (cf. Gn 2:1-3; Êx 20:8-
11; Lv 23:2). Ela correlacionava os conceitos de adoração e escatologia. Cria
que o quarto mandamento do Decálogo convida toda a humanidade a adorar
o Deus Criador e que as profecias do livro de Apocalipse renovam esse
chamado universal para adoração do Deus verdadeiro. Aliás, boa parte do
conflito entre Cristo e Satanás está ligado a quem será adorado pela
humanidade e em qual dia da semana isso deve ocorrer. Ela afirmou: “A
importância do sábado como memória da criação consiste em manter sempre
presente o verdadeiro motivo de se render culto a Deus” – porque Ele é o
Criador, e nós as Suas criaturas. Citando John N. Andrews, concordou que

O sábado, portanto, está no próprio fundamento do culto divino, pois ensina essa
grande verdade da maneira mais impressionante, e nenhuma outra instituição faz
isso. O verdadeiro fundamento para o culto a Deus, não meramente o daquele que se
realiza no sétimo dia, mas de todo culto, está na distinção entre o Criador e Suas
criaturas. Esse importante fato jamais poderá se tornar obsoleto e jamais deverá ser
esquecido. 14

Adoração e espiritualidade interior


O segundo princípio bíblico no entendimento de Ellen G. White acerca da
verdadeira adoração diz respeito à inutilidade das formas exteriores de
adoração destituídas de base e significado bíblicos (cf. Êx 20:4-6, 23). Ao
comentar acerca das circunstâncias que levaram Israel ao cativeiro
babilônico, disse:

A religião deles centralizava-se nas cerimônias do sistema sacrifical. Haviam feito da


forma exterior algo da máxima importância enquanto tinham perdido o espírito do
verdadeiro culto. Seu culto estava corrompido com tradições e práticas do
paganismo, e na realização dos ritos sacrificais não olhavam além da sombra da
substância. Não discerniam a Cristo, a Verdadeira Oferta pelos pecados dos
homens. 15

Essa situação não se limita, de maneira nenhuma, à época do cativeiro de


Israel. Em relação ao período da Reforma, Ellen G. White entendia que “a
religião fora transformada em uma série de cerimônias, muitas delas
emprestadas do paganismo”, as quais afastavam a mente das pessoas do
Senhor e da verdade. “Superstições desprovidas de sentido e exigências
rigorosas haviam tomado o lugar da verdadeira adoração a Deus.” 16 Hoje,
as mesmas preocupações continuam a existir e muitos são tentados a ir em
busca de “formas externas” e cerimônias, como se fossem indicativos
suficientes da verdadeira adoração. 17 No entanto, para Ellen G. White, essas
coisas “não podem substituir a espiritualidade interior e a conformidade do
próprio querer com a vontade de Cristo”. 18

Adoração e renovação espiritual


Terceiro, em contraste com as formas externas, a verdadeira adoração é,
acima de tudo, espiritual. 19 Para a mulher samaritana, Jesus declarou

que havia chegado o tempo quando os verdadeiros adoradores não precisariam mais
ir em busca de um monte santo ou de um templo sagrado, mas que poderiam adorar o
Pai em espírito e em verdade. A religião não deveria se limitar a formas e cerimônias
externas, mas ser entronizada no coração, purificando a vida e sendo demonstrada
em boas obras. 20

Cristo explicou para Nicodemos que a renovação espiritual ocasionada pela


experiência do novo nascimento é essencial à verdadeira adoração. “Não é
por procurar um monte santo ou um templo sagrado que as pessoas são
colocadas em comunhão com o Céu. Religião não é limitar-se a ritos e
cerimônias exteriores. [...] Para O servirmos devidamente, é necessário
nascermos do Espírito divino.” 21 Logo, verdadeira adoração é fruto da
atuação do Espírito Santo na vida da pessoa; é resultado de conversão. Mas a
adoração autêntica também é inspirada pelo “verdadeiro conhecimento de
Jesus Cristo”. 22

Adoração e obediência à vontade de Deus


O quarto princípio bíblico destaca a íntima relação entre adoração e
obediência à vontade de Deus. A adoração genuína não pode ser separada de
uma vida cristã genuína.
A verdadeira adoração consiste em trabalhar junto com Cristo. Orações, exortação e
conversa são frutos baratos que, com frequência, são enxertados. Entretanto, os
frutos produzidos mediante boas obras, no cuidado aos carentes, órfãos e viúvas, são
genuínos e crescem com naturalidade na boa árvore. 23

Os princípios bíblicos destacados acima embasam os conselhos de Ellen


White sobre a experiência pessoal de adoração e sobre como diversos
elementos do culto devem ser realizados.

A EXPERIÊNCIA DE ADORAÇÃO

Reverência
Em seus escritos, Ellen G. White destacou a necessidade de o adorador
apresentar uma atitude apropriada de reverência quando se aproxima de Deus
em adoração. Conforme mostraremos, ela também advertiu que sentimentos
de euforia no culto podem ser indicativos enganosos da espiritualidade
genuína. Uma vez que a verdadeira adoração a Deus é, em primeiro lugar,
uma atividade espiritual, Ellen G. White destacou repetidas vezes que a
reverência a Deus e às coisas sagradas devem ser uma marca do culto cristão.
“Outra preciosa virtude que cuidadosamente se deve cultivar é a reverência.
A verdadeira reverência para com Deus é inspirada por uma intuição de Sua
infinita grandeza e consciência de Sua presença.” 24 Conforme já
mencionado, o Senhor requer reverência e adoração devido ao fato de Ele ser
o Criador. 25
Os cristãos devem demonstrar essa atitude interior de reverência, no sentido
de respeito, em seu relacionamento com o sagrado. 26 Em reação ao pecado
de Nadabe e Abiú, que ofereceram fogo estranho a Deus no santuário terreno,
em desconsideração total pelas instruções divinas de adoração, “o propósito
de Deus era ensinar ao povo que eles deviam se aproximar Dele com
reverência e temor”. 27 Deve-se mostrar reverência pelas coisas sagradas e
pelo “nome sagrado de Cristo”, 28 bem como pelos mandamentos de Deus,
particularmente pelo sábado. 29 Demonstra-se reverência quando a
congregação se prostra ou se ajoelha na presença de Deus, em oração,
durante o culto. 30
É possível que o conselho de Ellen G. White acerca da reverência na casa
de adoração seja a explicação mais explícita de seu conceito de
reverência. 31 Um senso de temor e respeito devem caracterizar os
adoradores ao entrar na presença de Deus durante o culto.

Para a alma crente e humilde, a casa de Deus na Terra é como que a porta do Céu. Os
cânticos de louvor, a oração, a palavra ministrada pelos embaixadores do Senhor são
os meios que Deus proveu para preparar um povo para a assembleia lá do alto, para
aquela reunião sublime à qual coisa nenhuma que contamine poderá ser admitida. Da
santidade atribuída ao santuário terrestre, os cristãos devem aprender como
considerar o lugar onde o Senhor deseja encontrar-Se com Seu povo. 32

Crendo que a adoração terrena é um preparo para a adoração celestial, Ellen


G. White argumentava que era importante vigiar atentamente a atitude
própria na igreja. Ao entrar no local de culto, as pessoas devem se portar com
decoro e ir em silêncio para seu assento. 33 “Conversas vulgares, cochichos e
risos não devem ser permitidos na igreja, nem antes nem depois das
reuniões.” 34 Antes do início do culto, meditação e oração silenciosa devem
ocupar os adoradores. Quando o pastor entra, deve ter postura digna.
Enquanto a Palavra é falada, as pessoas devem ouvir com atenção,
considerando estar diante da voz de Deus. Após o fim do culto, “os arredores
imediatos da igreja devem caracterizar-se por uma sagrada reverência” e
conversas casuais devem acontecer fora da igreja. 35
Embora muitos possam argumentar que a descrição de Ellen G. White do
decoro apropriado dentro da igreja fosse um reflexo da era vitoriana na qual
ela vivia e, por esse motivo, seria praticamente irrelevante para os costumes
sociais atuais, devemos no mínimo admitir que ela baseava seu conceito de
reverência na crença de que, na adoração, Deus Se reúne com Seu povo. Ela
identificava um importante paralelo tipológico entre a adoração nas
cerimônias do santuário no Antigo Testamento e a adoração nos tempos
modernos, em preparo para a eternidade. 36 Para ela, o amor, a santidade e o
poder de Deus requerem temor e reverência. No entanto, esse respeito inclui
expressões de ações de graças, 37 alegria, 38 boa disposição, 39 louvor
agradecido 40 e júbilo, 41 mas exclui uma atitude irreverente. 42 Logo, o
respeito e a reverência a Deus devem impactar a atitude e a conduta durante a
adoração.

Equilíbrio emocional
Em contraste com a reverência, Ellen G. White advertiu as pessoas a não
interpretar sentimentos de euforia como um indicativo válido da
espiritualidade genuína. Em um episódio de fanatismo religioso que
aconteceu em Indiana, por volta de 1900, o qual veio a ser denominado de
“movimento da carne santa”, ela advertiu as pessoas de que “o entusiasmo é
uma ilusão perigosa”. 43 Relatos feitos por testemunhas das reuniões
realizadas nesse estado descrevem o uso de instrumentos musicais estranhos
e barulhentos durante os cultos, bem como de orações longas e pregação
exaltada e histérica. 44 As pessoas eram levadas a buscar uma experiência de
demonstração física, caindo inconscientes no chão. Diziam que esses
indivíduos haviam passado pela experiência do jardim do Getsêmani e
estavam prontos para a trasladação. 45 Ellen G. White condenou esse
fanatismo e os ensinos que levaram a isso. “Meros ruídos e gritos não são
evidências de santificação, nem da descida do Espírito Santo. Suas
manifestações descontroladas só fazem criar repulsa na mente dos
incrédulos.” 46

O Espírito Santo nunca Se revela por esses métodos, em tal balbúrdia de ruído. [...]
A verdade para este tempo não necessita nada dessa espécie em sua obra de
converter almas. Uma balbúrdia de barulho choca os sentidos e perverte aquilo que,
se devidamente dirigido, seria uma bênção. As forças das instrumentalidades
satânicas misturam-se com o alarido e barulho, para ter um carnaval, e isto é
chamado de operação do Espírito Santo. 47

ELEMENTOS DA ADORAÇÃO

Embora Ellen G. White nunca tenha usado a palavra “liturgia” em suas


publicações, deu alguns conselhos específicos acerca da necessidade de
ordem na adoração e em suas diversas partes. Ela defendia o modelo litúrgico
com o qual estava familiarizada: a mesma adoração protestante tradicional,
baseada em hinos e favorecida por diversas igrejas cristãs do século 19. Esse
culto dava proeminência à pregação da Palavra de Deus e incluía orações
espontâneas “do coração”, canto congregacional de hinos, música e, às vezes,
testemunhos pessoais. Em geral, os cultos eram descritos como informais e
mais “guiados pelo Espírito”, pois excluíam elementos encontrados nas
liturgias mais formais das principais denominações. Os pontos rejeitados
pelos adventistas incluíam: sermões formalistas, orações de livros litúrgicos e
até mesmo a recitação semanal do Pai Nosso, leituras responsivas e respostas
mecânicas por parte da congregação.

Ordem
Com base na tipologia entre os cultos de adoração do Antigo Testamento e
da igreja cristã, Ellen G. White enxergava uma relação íntima entre a
necessidade de reverência e de ordem. Em 1889, em um testemunho
intitulado “O Comportamento na Casa de Deus”, ela escreveu: “É um fato
deplorável que a reverência pela casa de Deus esteja quase extinta. As coisas
e lugares sagrados quase já não são mais discernidos; o que é santo e elevado
não é apreciado.” Ela se perguntava se a causa dessa tendência era a “falta de
legítima piedade nas famílias” ou porque “a elevada norma da religião esteja
abatida até ao pó”. Continuou: “Deus deu a Seu povo na antiguidade
procedimentos precisos e exatos.”

Seu caráter foi mudado? Não é mais o Altíssimo e Todo-Poderoso que domina sobre
o Universo? Não conviria lermos com frequência as instruções que Deus mesmo Se
dignou dar aos antigos hebreus para que nós, que temos a verdade gloriosa
irradiando sobre nós, os imitemos em sua reverência para com a casa de Deus?
Temos motivos de sobra para alimentar espírito de fervor e devoção na adoração a
Deus. Temos até motivos para ser mais ponderados e reverentes em nosso culto do
que os judeus. Mas um inimigo tem estado a trabalhar, a fim de destruir nossa fé na
santidade da adoração cristã. 48

Ainda no mesmo testemunho, ela enfatizou que deveria haver regras em


relação ao tempo, lugar e modo de adoração. “Nada do que é sagrado, nada
do que está ligado à adoração a Deus deve ser tratado com negligência ou
indiferença. Para que os homens possam verdadeiramente glorificar a Deus,
importa que em suas relações pessoais façam distinção entre o que é sagrado
e o que é profano. 49
Embora esse testemunho e outros de tom semelhante possam transmitir a
impressão de que ela favorecia um culto de adoração tão formal quanto os
encontrados nas principais denominações da época, Ellen G. White permitia a
variedade de culto. Houve ocasiões nas quais recomendou que as
congregações não precisavam ter nem esperar um sermão por semana, e que
era possível fazer cultos de testemunhos. 50 Ela mesma gostava de participar
desse tipo de encontro. 51
Todavia, suas declarações indicam que ela entendia que o culto deveria ser
ordeiro e bem preparado. Conforme já mencionado, Ellen G. White não
incentivava uma abordagem na adoração com ênfase nas emoções e no
entusiasmo religioso, com música ou barulho altos, ou mesmo gritos. 52
Aliás, ela aconselhou os pastores a conhecer “o valor da obra interior do
Espírito Santo sobre o coração humano” e acrescentou que os ministros de
verdade

satisfazem-se com a simplicidade nos serviços religiosos. Em vez de dar valor ao


canto popular, volvem sua atenção principalmente para o estudo da Palavra, e dão de
coração louvor a Deus. Acima do adorno exterior, consideram o interior, o
ornamento de um espírito manso e quieto. 53

Sem dúvida, White não via a adoração como uma forma de entretenimento.

Sermão
Para Ellen G. White, a parte mais importante do culto era o sermão. “Ao ser
apresentada a palavra da vida, vocês devem se lembrar de que estão ouvindo
a voz de Deus através de Seu servo escolhido.” 54 Embora boa parte dos
conselhos que ela deu sobre a importância do sermão tenha sido escrita no
contexto das mensagens apresentadas em reuniões evangelísticas, os
princípios gerais ainda se aplicam ao sermão pregado durante o culto de
adoração aos sábados. Ela defendia enfaticamente sermões cristocêntricos, 55
simples, curtos, espirituais e elevados, em vez de longos; 56 sermões que
influenciem as pessoas a obedecer à verdade, 57 que expliquem a Palavra de
Deus para as pessoas 58 sem “criar excitação”. 59 O mais importante não é
entreter os ouvintes, mas a forma como as pessoas são levadas à presença de
Deus. Por isso, ela repudiava os sermões que chamava de “teatrais”, quando
os pastores assumiam “atitudes e expressões calculadas a causar efeito”. 60
O momento crucial do culto é quando a Palavra do Senhor é explicada.
O coração de muitos no mundo, da mesma maneira que o de muitos membros da
igreja, está faminto do pão da vida e sedento das águas da salvação. Acham-se
interessados no serviço de canto, mas não estão anelando isso, nem mesmo a oração.
Querem conhecer as Escrituras. Que me diz a Palavra de Deus? O Espírito Santo está
operando na mente e no coração, atraindo-os ao Pão da vida. Veem tudo se mudando
em torno deles. Os sentimentos humanos, as ideias do que constitui a religião, tudo
muda. Eles vão para ouvir a Palavra tal como é. 61

Oração
Os conselhos de Ellen G. White acerca da oração durante os cultos de
adoração são paralelos a seus pensamentos acerca dos outros elementos já
mencionados.

A verdadeira reverência para com Deus é inspirada por um sentimento de Sua


infinita grandeza, e de Sua presença. Com esse sentimento do Invisível, todo coração
deve ser profundamente impressionado. A hora e o lugar da oração são sagrados,
porque Deus Se encontra ali, e, ao manifestar-se reverência em atitude e maneiras, o
sentimento que inspira essa reverência se tornará mais profundo. “Santo e tremendo
é o Seu nome” (Sl 111:9), declara o salmista. Ao proferirem esse nome, os anjos
velam o rosto. Com que reverência, pois, devemos nós, caídos e pecadores, tomá-lo
nos lábios! 62

A atitude de reverência na oração deve se manifestar, evitando-se preces


“longas”, “fastidiosas”, “mecânicas” e “enfadonhas”. 63 “Expressões
descuidosas e irreverentes” devem ser substituídas por “simplicidade” e
“sinceridade”; 64 as “orações secas em forma de sermão” darão lugar à
oração fervorosa, genuína. 65

Há duas espécies de oração – a oração da forma e a da fé. A repetição de frases feitas


e rotineiras, quando o coração necessita de Deus, é oração formal. [...] Devemos ser
extremamente cuidadosos em todas as nossas orações para proferirmos os desejos do
coração e dizer somente o que pretendemos. Todas as palavras de retórica de que
dispomos não equivalem a um único desejo santo. As orações mais eloquentes não
passarão de repetições vãs, se não expressarem os verdadeiros sentimentos do
coração. Mas a oração que parte de um coração sincero, quando são expressos os
desejos simples do coração, tal como pediríamos um favor a um amigo terrestre,
esperando sermos atendidos, essa é a oração da fé. 66

O conselho de Ellen G. White acerca da importância de se ajoelhar para


orar também deve ser entendido no contexto de demonstrar reverência para
com Deus. Ela aconselhou: “Tanto no culto público, como no particular,
temos o privilégio de curvar os joelhos perante o Senhor ao fazer-Lhe nossas
petições.” 67 Ao se ajoelhar diante de Deus em adoração, o cristão demonstra
“dependência de Deus”, reverência e temor piedoso. 68
Certa ocasião, enquanto participava de um culto no qual iria falar, Ellen G.
White repreendeu um ministro jovem quando percebeu que ele estava prestes
a orar em pé. “Quando o vi pôr-se em pé enquanto os lábios se iam abrir em
oração a Deus, minha alma foi levada no íntimo a dar-lhe uma repreensão
pública. Chamando-o por nome, disse-lhe: ‘Prostre-se de joelhos!’ Esta é
sempre a posição apropriada.” 69 Muitas pessoas já usaram esse conselho
cheio de fervor para defender que só se deve orar de joelhos. Embora existam
diversas declarações de Ellen G. White enfatizando a necessidade de se orar
de joelhos, 70 fica claro, por suas palavras e por seu exemplo, que ela não
tinha a intenção de ensinar que devemos nos ajoelhar em todas as ocasiões.
Para ela, não havia tempo nem lugar nos quais uma oração silenciosa era
inapropriada. Poderia ocorrer nas ruas agitadas da cidade ou mesmo em uma
reunião de trabalho. 71 Sua família testemunhou que, à mesa para as
refeições, na casa dos White, a oração era feita com as pessoas sentadas e de
cabeça baixa; ninguém precisava ajoelhar. Ellen G. White não era conhecida
por se ajoelhar durante a bênção ao fim dos cultos de que participava. Em seu
ministério público e durante reuniões evangelísticas, houve momentos em
que ela se levantou para orar e convidou a congregação para ficar em pé
também. Nos últimos anos de sua vida, por causa da idade e da artrite, ela
não se ajoelhava para orar durante os cultos de adoração. 72 Portanto, sua
declaração sobre a necessidade de se ajoelhar parece se aplicar
principalmente aos cultos dentro da igreja e à devoção pessoal dentro de casa.
Ellen G. White desejava ensinar a importância de demonstrar respeito, honra
e reverência a Deus; e a posição ajoelhada é a maneira mais óbvia de fazer
isso. 73

Música
A música e o canto também formavam parte importante do culto de
adoração no tempo de Ellen G. White. Uma vez que “a música faz parte da
adoração a Deus nas cortes do Céu”, ela afirmou: “em nossos cânticos de
louvor devemos tentar nos aproximar o máximo possível da harmonia do
coro celestial. [...] Cantar como parte do culto religioso é um ato de adoração
tanto quanto a prece”. 74 O princípio teológico que guiava seus pensamentos
sobre música e canto é semelhante ao que vimos em relação a outros
elementos da adoração. A ordem e a harmonia encontradas no Céu e nos ritos
do santuário do Antigo Testamento são diretrizes fiéis e confiáveis para o
culto de adoração cristão. 75 Assim, o louvor deve ser bem dirigido e o
cântico congregacional deve ser “suave e simples”. 76 “Não é o cantar forte
que é necessário, mas a entonação clara, a pronúncia correta, e a expressão
vocal distinta.” 77 “Aqueles que incluem o canto no culto de adoração devem
escolher hinos com melodia apropriada para a ocasião, não notas fúnebres,
mas tons alegres e, ao mesmo tempo, solenes.” 78
Ellen G. White também enfatizou o papel especial da música no culto de
adoração. “A música [serve] a um santo propósito, elevando os pensamentos
para aquilo que é puro, nobre e edificante, e despertando na alma devoção e
gratidão a Deus.” 79 Nesse contexto, ela não se opunha ao uso de
instrumentos musicais para acompanhar os cânticos nem para encher o culto
de “beleza” e “suavidade”, a fim de elevar os pensamentos ao Céu. 80

Ordenanças da igreja
As ordenanças da igreja formam outro elemento importante de adoração.
Ellen G. White entendia que Jesus havia instituído três ordenanças para a
igreja: o batismo, a ceia do Senhor e o serviço de lava-pés. Cada um deles
deve ser realizado “de modo a exercer uma influência solene e sagrada”. 81
Por não ser um elemento regular do culto, o batismo pode ocorrer em
qualquer dia da semana. O lava-pés e a santa ceia, por sua vez, costumam
acontecer durante o culto de adoração aos sábados.
Ellen G. White entendia que existe uma ligação bíblica e teológica entre a
Páscoa e a ordenança da ceia do Senhor:

A páscoa apontava de volta ao livramento dos filhos de Israel e também era


tipológica, apontando futuramente para Cristo, o Cordeiro de Deus, morto para a
redenção da humanidade caída. O sangue aspergido nos umbrais das portas
prefigurava o sangue expiador de Cristo e também a dependência contínua que o ser
humano pecador tem dos méritos desse sangue, para se ver seguro em relação ao
poder de Satanás e para a redenção final. Cristo comeu a ceia da Páscoa com Seus
discípulos pouco antes da crucifixão e, na mesma noite, instituiu a ordenança da ceia
do Senhor para ser observada em memória de Sua morte. A Páscoa até então era
observada a fim de comemorar o livramento dos filhos de Israel do Egito. Era tanto
comemorativa quanto tipológica. O tipo alcançou o antítipo quando Cristo, o
imaculado Cordeiro de Deus, morreu na cruz. Ele deixou uma ordenança para
celebrar os acontecimentos de Sua crucifixão. 82

Além disso, no mesmo sentido que a Páscoa apontava futuramente para o


primeiro advento de Cristo, “a ceia do Senhor foi dada aos discípulos para ser
celebrada até Jesus vir outra vez com poder e grande glória”. Esse aspecto
escatológico da ceia do Senhor “é o meio pelo qual Ele [Cristo] planeja
manter vivo em nossa mente o grande livramento operado por nós, graças a
Seu sacrifício.” 83
De acordo com Ellen G. White, a ceia do Senhor foi instituída para todos os
momentos e lugares 84 e não deve ser observada “vez por outra ou
anualmente, mas com mais frequência do que a Páscoa anual”. 85 Também
entendia que os elementos usados durante a cerimônia “representam o corpo
quebrado e o sangue derramado do Filho de Deus”. Por isso, acreditava que
os únicos símbolos adequados da ceia do Senhor não deviam conter “nada
fermentado”, “somente o fruto puro da vide e o pão sem fermento”. 86
Instituído, em primeiro lugar, “para proveito dos discípulos de Cristo”, a
ordenança do lava-pés também foi dada para o “benefício de todo aquele que
crê em Cristo” e para reconciliação uns com os outros. 87 “Quando quer que
celebrada, Cristo está presente por meio de Seu Santo Espírito.” 88
Precedendo a ceia do Senhor, o lava-pés não é mera formalidade, 89 mas
uma cerimônia na qual “os filhos de Deus são levados a uma santa relação
uns para com os outros, para se ajudar e beneficiar mutuamente”. 90
Também chamado de cerimônia da humildade, 91 “essa ordenança serve para
incentivar a humildade” na igreja ao seguir o exemplo de Jesus; “tem o
objetivo de abrandar nosso coração uns para com os outros” e testar nossa
humildade e fidelidade. 92 Além disso, essa cerimônia tem a intenção de
“manter viva na memória a lembrança de que a redenção de Seu povo foi
comprada sob a condição de humildade e obediência contínuas”. 93 Assim
como nas outras ordenanças, a lavagem dos pés não limpa ninguém do
pecado, mas tem o propósito de servir de prova da purificação do coração.
“Se o coração estava limpo, esse ato [lava-pés] era tudo que se fazia
necessário para revelar o fato”. 94
Embora Ellen G. White tenha usado a palavra “sacramento” para se referir
à ceia do Senhor e ao lava-pés, é importante observar com cuidado que o uso
da palavra não é feito no contexto de uma teologia sacramental. 95 Existem
três pontos de vista relativos ao papel dos ritos da igreja para transmitir
salvação. O primeiro afirma que a salvação é transmitida e recebida por meio
dos sacramentos da igreja. Talvez a expressão mais clara e completa desse
ponto de vista seja o da Igreja Católica Romana, para a qual os ritos
eclesiásticos são necessários para a justificação e salvação do pecador. Esses
ritos seriam, na verdade, condutos de transmissão da graça salvadora de Deus
ao pecador. A segunda perspectiva afirma que os sacramentos são sinais do
cumprimento da nova aliança, assim como a circuncisão e a Páscoa no
Antigo Testamento. Essa abordagem, defendida por muitos cristãos de
tradição reformada, declara que os sacramentos são necessários a fim de que
o cristão faça parte da família de Deus. O terceiro ponto de vista defende que
a salvação é transmitida e recebida pela Palavra de Deus. Essa perspectiva é
adotada pela maioria dos cristãos evangélicos e afirma que os ritos da igreja
são apenas representações visíveis ou símbolos da graça divina, mas não
transmitem a graça em si. A graça só é transmitida pela Palavra de Deus,
recebida mediante a fé. Esse ponto de vista descreve os ritos da igreja como
ordenanças.
O entendimento de Ellen G. White acerca dessas cerimônias está
claramente alinhado com esse terceiro ponto de vista, tradicionalmente
chamado de perspectiva zuingliana. Ela compreendia que as três ordenanças
eram ilustrações ou memoriais de eventos da história da salvação. Sendo
assim, essas cerimônias não transmitiam graça justificadora ou santificadora
para os participantes. A justificação e a santificação só são realizadas por
meio da graça divina, aceita pelo crente mediante a fé. É a graça de Deus,
mediante a fé na Palavra de Deus, que salva as pessoas, não a participação em
uma cerimônia. Os emblemas da ceia do Senhor (o pão e o suco da uva) são
símbolos da morte de Cristo na cruz e provas da salvação; não consistem no
corpo e sangue reais de Jesus. A presença de Cristo se faz sentir por
intermédio do Espírito Santo durante a cerimônia; ela não é recebida por
meio dos emblemas. Os dois exemplos a seguir ilustram o uso do termo
“sacramento” por Ellen G. White como sinônimo de ordenança. Fica claro
que sua ênfase repousava sobre o caráter simbólico da cerimônia.

A administração do sacramento da ceia do Senhor tem o propósito de fazer uma


ilustração vívida do sacrifício infinito por um mundo pecador e por nós de maneira
individual, como parte daquele grande todo da humanidade caída, perante cujos
olhos Cristo foi exposto crucificado. 96

Os símbolos da casa do Senhor são simples e entendidos com clareza. As verdades


representadas por eles têm o mais profundo significado para nós. Ao instituir o
serviço sacramental para substituir a Páscoa, Cristo deixou para Sua igreja um
memorial de Seu grande sacrifício pela humanidade. “Fazei isto” – disse Ele – “em
memória de Mim”. Esse foi o momento de transição entre os dois sistemas e suas
duas grandes festas. Um se encerrou para sempre e o outro, que Ele havia acabado de
estabelecer, deveria tomar seu lugar e prosseguir por todas as eras como memorial de
Sua morte. 97

Uma última questão importante a ser mencionada acerca da ceia do Senhor


é a ênfase de Ellen G. White na comunhão aberta. “O exemplo de Cristo [de
servir pão e vinho para Judas] proíbe o exclusivismo na ceia do Senhor”, ela
afirmou categoricamente. “É verdade que o pecado aberto exclui o culpado.
Isso o Espírito Santo ensina claramente (1Co 5:11). Mas, além disso,
ninguém deve julgar. Deus não deixou aos seres humanos a tarefa de decidir
quem se apresentará nessas ocasiões. Quem pode ler o coração? Quem é
capaz de distinguir o joio do trigo?” 98 “Podem chegar a relacionar-se
convosco pessoas que não estejam de coração unidas à verdade e à santidade,
mas queiram participar desses ritos. Não as impeçais.” 99

CONCLUSÃO

O conselho de Ellen G. White acerca da adoração e liturgia se baseia em


alguns princípios básicos que ela extraiu das cerimônias do santuário do
Antigo Testamento e de cenas celestiais de adoração que contemplou em
visões. Com base nesses princípios, emerge uma teologia de adoração
centrada em três conceitoschaves. O primeiro é: a doração é voltada para
Deus, o Criador e Redentor. O conhecimento de Deus é, portanto, crucial
para uma adoração genuína. Segundo, Deus também é adorado dentro do
coração. A adoração é, antes de mais nada, um relacionamento espiritual
entre Deus e o cristão. Expressa tanto em público com em particular, a
adoração se transforma na expressão externa desse relacionamento interno.
Assim, todos os aspectos da vida pessoal do indivíduo devem refletir seu
relacionamento com Deus.
A reverência a Deus e ao sagrado é o terceiro conceito-chave. Como Deus é
nosso Criador e Redentor, Ellen G. White argumenta que os cristãos devem
abordar a adoração com senso de reverência, respeito e honra. Em seu ponto
de vista, atitudes irreverentes, superficiais e insaciáveis em relação à
adoração mostram desrespeito pelo Criador. Alegria, gratidão e louvor são
qualidades maravilhosas a ser incentivadas. O que fazemos e como nos
comportamos durante a adoração na casa de Deus são parte do crescimento
na graça e podem necessitar de polimento das arestas brutas de nosso caráter
no processo de santificação.
Outro conceito importante é a ordem. De acordo com Ellen G. White, as
diversas partes da adoração cristã devem se caracterizar pela ordem,
organização e preparo adequados. Em oposição ao caos e à bagunça, a
adoração deve ser marcada por decoro e respeito. Embora seja recomendável
se afastar do formalismo, a adoração deve ser cuidadosamente organizada.
Tudo isso brota do conceito de que o Senhor é um Deus de ordem, e os seres
humanos que se aproximam Dele em adoração devem fazê-lo da maneira
apropriada.
Os conselhos de White devem ser usados para avaliar aquilo que fazemos e
experimentamos durante o culto de adoração. A falta de reverência pelo local
de adoração, inquietação e leviandade são atitudes que requerem reflexão
cuidadosa, bem como o uso de música alta simplesmente com a finalidade de
fazer “sons de alegria”, além da abordagem de entretenimento para uma
adoração mais centrada nas necessidades humanas do que na presença
espiritual de Deus.
Se os conselhos de Ellen G. White acerca desses conceitos-chaves forem
entendidos, eles poderão prestar uma contribuição imensa para os debates em
andamento no adventismo e no cristianismo. Parece que a maior preocupação
que ela tinha, a qual moldou seus conselhos e sua teologia, era ajudar os
cristãos a estar prontos para “apreciar um Céu puro e santo, e estar
preparados para se associarem aos adoradores de Deus nas cortes celestiais,
onde tudo é pureza e perfeição, e onde toda criatura demonstra absoluta
reverência a Deus e a Sua santidade”. 100

1 Paul F. M. Zahl et al., Exploring the Worship Spectrum: Six Views (Grand Rapids, MI: Zondervan,
2004), p. 11. Sobre a adoração entre os reformadores, ver os dois capítulos de Sergio Becerra nesta
obra (“A Adoração e os Reformadores Magisteriais” e “A Adoração e os Reformadores Anabatistas do
Século 16”).
2 Uma amostra de livros e artigos publicados sobre adoração inclui: Thomas F. Best, Worship Today:
Understanding Practice, Ecumenical Implications (Genebra: World Council of Churches Publications,
2004); Cornelius Plantiga and Sue A. Rozeboom, Discerning the Spirits: A Guide to Thinking about
Christian Worship Today (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2003); John D. Witvliet, Worship Seeking
Understanding: Windows into Christian Practice (Grand Rapids, MI: Baker Academic, 2003); Philip
Yancey, “A Bow and a Kiss: Authentic Worship Reveals Both the Friendship and Fear of God”,
Christianity Today, maio de 2005, p. 80; Gary A. Parrett, “9.5 Theses on Worship: A Disputation on
the Role of Music”, Christianity Today, fevereiro de 2005, p. 38-42; Thomas G. Long, “Salvos in the
Worship Wars”, Living Pulpit, janeiro-março de 2004, p. 34, 35; Christine A. Scheller, “Missing the
Rupture: How Two Groups Address the Real Issues Behind Church Splits”, Christianity Today, maio
de 2003, p. 42, 43; Andy Crouch, “Amplified Versions: Worship Wars Come Down to Music and a
Power Plug”, Christianity Today, 22 de abril de 2002, p. 86; Donald N. Bastian, “The Silenced Word:
Why Aren’t Evangelicals Reading the Bible in Worship Anymore?”, Christianity Today, 5 de março de
2001, p. 92; Donald G. Bloesch, “Whatever Happened to God?”, Christianity Today, 5 de fevereiro de
2001, p. 54, 55.
3 Uma amostra de livros e artigos publicados recentemente sobre a adoração adventista indica que o
tema é amplamente debatido: Cynthia J. Brown, Experiencing Worship: God Focused, Christ Centered,
Spirit Filled: A Complete Worship Planning Guide for Pastors, Elders, Worship Leaders and Worship
Teams (Lincoln, NE: AdventSource, 2003); Harold B. Hannum, “Worship: Sacred and Secular”,
Elder’s Digest, outubro-dezembro de 2007, p. 18-20; Dan Day, “Inspiring, Intentional Worship”,
Adventist World, edição da NAD, janeiro de 2007, p. 31-33; Audley C. Chambers, “Cyberspace
Worship”, Adventist Review, 11 de janeiro de 2007, p. 12-14; Stephen W. Case, “Bored at Church”,
Insight, 16 de abril de 2005, p. 12; Kate Simmons, “Shaking Hands with God”, Outlook, Mid janeiro de
2005, p. 19; Larissa Stanphill e Angela Shafer, “Worship: When it Counts”, Outlook, Union janeiro de
2005, p. 12-14; Tracy Darlington, “Raise Your Praise”, Insight, 13 de novembro de 2004, p. 4-6;
Thomas J. Mostert, Jr., “Have We Lost Something?”, Pacific Union Recorder, agosto de 2005, p. 3; Ed
Gallagher, “Joy in the House of Prayer”, Outlook, abril de 2005, p. 5; Henry Feyerabend, “The House
of Prayer”, Canadian Adventist Messenger, maio de 2005, p. 10-13; Lilianne Doukhan, “How Shall We
Worship?”, College and University Dialogue 15, nº 3 (2003), p. 17-19; Claudia Hirle, “The Worship
Recognized by Heaven”, Elder’s Digest, outubro-dezembro de 2003, p. 16-17; Roy E. Branson, “The
Drama of Adventist Worship”, Spectrum, outono de 2001, p. 43-45; Ben Protasio, “Corporate Worship
can Speak of God’s Power”, Southwestern Union Record, fevereiro de 2000, p. 6, 7; Ron Thomsen,
“Worship: What is Right? What is Wrong?”, Southwestern Union Record, fevereiro de 2000, p. 7.
4 Ellen G. White, Minha Consagração Hoje (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1989), p. 267.
5 Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja, 9 v. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), v.
5, p. 491. Esse testemunho, intitulado “O Comportamento na Causa de Deus” se concentra nos muitos
princípios de adoração que Ellen G. White destacou ao longo de seu ministério.
6 White, Testemunhos Para a Igreja, v. 5, p. 491.
7 Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2019), p.
84.
8 White, O Desejado de Todas as Nações, p. 84, 85; cf. p. 261.
9 Ellen G. White, Spiritual Gifts (Washington, DC: Review and Herald, 1945), v. 3, p. 269; cf. Êxodo
20:3-5, 23.
10 Ellen G. White, Filhos e Filhas de Deus (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2004), p. 56.
11 Ellen G. White, Evangelismo (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2016), p. 133.
12 Ellen G. White, O Grande Conflito (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), p. 436.
13 White, O Grande Conflito, p. 436; Ellen G. White, A Fé Pela Qual Eu Vivo (Santo André, SP: Casa
Publicadora Brasileira, 1959), p. 287; Ellen G. White, Caminho a Cristo (Tatuí, SP: Casa Publicadora
Brasileira, 2015), p. 104.
14 White, O Grande Conflito, p. 437, 438. Cf. Ellen G. White, Patriarcas e Profetas (Tatuí, SP: Casa
Publicadora Brasileira, 2015), p. 336; Ellen G. White, A Fé Pela qual Eu Vivo, p. 287. “Foi para
conservar sempre na mente das pessoas essa verdade que Deus instituiu o sábado no Éden; e, enquanto
o fato de que Ele é o nosso Criador continuar sendo o motivo pelo qual devemos adorá-Lo, o sábado
permanecerá como sinal e memória disso. Se o sábado tivesse sido universalmente guardado, os
pensamentos e afeições dos seres humanos teriam sido dirigidos ao Criador como objeto de reverência
e culto, e jamais haveria idólatras, ateus ou incrédulos. A guarda do sábado é um sinal de lealdade para
com o verdadeiro Deus, ‘Aquele que fez o céu, e a Terra, e o mar, e as fontes das águas’ (Ap 14:7).
Portanto conclui-se que a mensagem que ordena aos seres humanos adorar a Deus e guardar Seus
mandamentos [Ap 14:6-12] apelará especialmente para que observemos o quarto mandamento” (White,
O Grande Conflito, p. 438).
15 Ellen G. White, Olhando Para o Alto (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1983), p. 170. Cf.
Ellen G. White, “The Right Use of God’s Gifts”, Review and Herald, 24 de novembro de 1896, p. 741.
16 Ellen G. White, “Martin Luther – His Character and Early Life”, Signs of the Times, 31 de maio
de 1883, p. 241.
17 Ellen G. White, E Recebereis Poder (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1999), p. 48; Ellen
G. White, Serviço Cristão (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), p. 217.
18 Ellen G. White, “The Character Acceptable to God”, Bible Echo, 1o de junho 1887, p. 81.
19 Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja, 9 v. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), v.
9, p. 143; Ellen G. White, Profetas e Reis (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1996), p. 565.
20 Ellen G. White, Spirit of Prophecy, 4 v. (Washington, DC: Review and Herald, 1969), v. 2, p. 144;
cf. João 4:21-24.
21 White, O Desejado de Todas as Nações, p. 189; cf. João 3:5-8.
22
Ellen G. White, Medicina e Salvação (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), p. 112; cf.
João 17:3.
23 Ellen G. White, “Doing for Christ”, Review and Herald, 16 de agosto de 1881, p. 113. Cf. Ellen G.
White, Testemunhos Para a Igreja (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001), v. 2, p. 24; Ellen G.
White, Testemunhos Para a Igreja, (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2006), v. 9, p. 156; cf.
Mateus 25:34-40; Tiago 1:27.
24 Ellen G. White, Educação (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2016), p. 242.
25 White, O Grande Conflito, p. 436, 437.
26 White, Testemunhos Para a Igreja, v. 9, p. 91; v. 6, p. 97.
27 White, Patriarcas e Profetas, p. 360; cf. Lv 10:1-11.
28 Ellen G. White, “Bible Religion”, Signs of the Times, 24 de fevereiro de 1890, p. 114.
29 Ellen G. White, “The Rejection of Light”, The Watchman, 23 de junho de 1908, p. 387, 388.
30 Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, 3 v. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2008), v. 2, p.
312. Cf. Ellen G. White, Spirit of Prophecy (Washington, DC: Review and Herald, 2009), v. 1, p. 28; v.
2, p. 142.
31 Ellen. G. White, “Irreverence in the Youth”, The Youth’s Instructor Articles, 8 de outubro de 1896,
p. 322.
32 White, Testemunhos Para a Igreja, v. 5, p. 491.
33 Enquanto esteve na Europa, entre 1885 e 1887, Ellen G. White visitou uma série de igrejas
escandinavas. Após uma dessas visitas em Estocolmo, na Suécia, ela observou que “quase todos os
adoradores europeus manifestam muito mais reverência do que se vê em meio aos norte-americanos.
Assim que adentram o local de adoração, curvam a cabeça e fazem uma oração silenciosa” (Historical
Sketches of the Foreign Missions of the Seventh-day Adventists, George R. Knight, ed. [Berrien
Springs, MI: Andrews University Press, 2005], p. 188).
34 White, Testemunhos Para a Igreja, v. 5, p. 492.
35 White, Testemunhos Para a Igreja, v. 5, p. 492-494; Ellen G. White, Mensagens aos Jovens (Tatuí,
SP: Casa Publicadora Brasileira, 2016), p. 265.
36 White, Testemunhos Para a Igreja, v. 5, p. 491.
37 Ellen G. White, A Maravilhosa Graça de Deus (Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira,
1974), p. 75; Ellen G. White, Exaltai-O (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1992), p. 254.
38 White, Medicina e Salvação, p. 213.
39 White, Filhos e Filhas de Deus, p. 179.
40 White, O Grande Conflito, p. 148.
41 White, O Grande Conflito, p. 524; Ellen G. White, Parábolas de Jesus (Tatuí, SP: Casa
Publicadora Brasileira, 2015), p. 298; White, O Desejado de Todas as Nações, p. 769, 770.
42 White, Testemunhos Para a Igreja, v. 5, p. 491.
43 Arthur L. White, Ellen G. White, The Early Elmshaven Years, 1900-1905 (Washington, DC:
Review and Herald, 1981), v. 5, p. 105.
44 Em uma carta endereçada a Ellen G. White, Stephen Haskell conta o que viu em Indiana: “Há
grande poder que acompanha o movimento que ocorre aqui. Quase que engloba qualquer um dentro de
seu escopo, caso tenham escrúpulos e se assentem para ouvir com uma atitude favorável em qualquer
medida, por causa da música que é tocada na cerimônia. Eles têm um órgão, um baixo acústico, três
violinos, duas flautas, três tamborins, três trombetas, um grande bumbo e quem sabe outros
instrumentos que eu não tenha mencionado. Eles são tão treinados em seu estilo musical quanto
qualquer coral do Exército da Salvação que você já tenha ouvido. Aliás, seu método de reavivamento é
simplesmente uma cópia completa do método do exército da salvação e, quando alcançam uma nota
aguda, é impossível escutar uma palavra do canto da congregação ou ouvir coisa alguma, a não ser os
gritos dos que estão meio insanos. Não acho que estou exagerando em nada” (S. N. Haskell a Ellen G.
White, 25 de setembro 1900, em A. White, Ellen G. White, v. 5, p. 102).
45 White, Ellen G. White, v. 5, p. 100-102; White, Mensagens Escolhidas, v. 2, p. 31.
46 White, Ellen G. White, p. 105, 106.
47 White, Mensagens Escolhidas, v. 2, p. 36; cf. p. 31-39.
48 White, Testemunhos Para a Igreja, v. 5, p. 495, 496.
49 White, Testemunhos Para a Igreja, v. 5, p. 491; cf. Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja, 9
v. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), v. 1, p. 145, 146; Ellen G. White, Maranata – o
Senhor Vem! (Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1977), p. 234.
50 Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja, 9 v. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), v.
6, p. 361; White, Evangelismo, p. 348.
51 D. A. Delafield, Ellen G. White in Europe, 1885-1887 (Washington, DC: Review and Herald,
1975), p. 61.
52 White, Evangelismo, p. 505; White, Maranata, p. 234.
53 White, Evangelismo, p. 502.
54 White, Mensagens aos Jovens, p. 266. Cf. White, Testemunhos Para a Igreja, v. 5, p. 493.
55 Ellen G. White, Obreiros Evangélicos (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 153-160.
56 Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, 3 v. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1985), v. 1, p.
167, 168; Ellen G. White, Testemunhos Para Ministros (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2017),
p. 311, 337, 338; White, Evangelismo, p. 348, 640.
57 Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, 3 v. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2007), v. 3, p.
375.
58 White, Evangelismo, p. 153; Ellen G. White, A Revival and a Reformation (Concluded)”, Review
and Herald, 27 de fevereiro de 1908, p. 8.
59 White, Mensagens Escolhidas, v. 2, p. 16, 17.
60 White, Evangelismo, p. 640.
61 White, Evangelismo, p. 501.
62 White, Obreiros Evangélicos, p. 178.
63 Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja, 9 v. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), v.
4, p. 70, 71; White, Testemunhos Para a Igreja, v. 6, p. 64; cf. Ellen G. White, Testemunhos Para a
Igreja (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1988), v. 2, p. 583; White, Obreiros Evangélicos, p.
176.
64 White, Obreiros Evangélicos, p. 177, 178.
65 White, Testemunhos Para a Igreja, v. 2, p. 581; White, Obreiros Evangélicos, p. 177.
66 White, Minha Consagração Hoje, p. 19.
67 White, Obreiros Evangélicos, p. 178; White, Profetas e Reis, p. 48.
68 White, Mensagens Escolhidas, v. 2, p. 312.
69 White, Mensagens Escolhidas, v. 2, p. 311.
70 Ver a compilação de algumas de suas declarações a esse respeito em White, Mensagens
Escolhidas, v. 2, p. 312-316.
71 White, Caminho a Cristo, p. 99, 100; Obreiros Evangélicos, p. 258; Ellen G. White, A Ciência do
Bom Viver (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2016), p. 510, 511.
72 Cf. Ellen G. White, Mensagens Escolhidas (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1987), v. 3, p.
266, 270.
73 White, Mensagens Escolhidas, v. 2, p. 314, 315.
74 White, Patriarcas e Profetas, p. 594. Cf. White, Educação, p. 168.
75 Cf. White, Testemunhos Para a Igreja, v. 1, p. 145, 146.
76 White, Evangelismo, p. 505, 509.
77 White, Testemunhos Para a Igreja, v. 9, p. 144.
78 Ellen G. White, “The Schools of the Prophets”, Signs of the Times, 22 de junho de 1882, p. 277,
278; Ellen G. White, Evangelismo, p. 508.
79 White, Patriarcas e Profetas, p. 594.
80 White, Testemunhos Para a Igreja, v. 4, p. 71; White, Evangelismo, p. 150. Cf. White,
Testemunhos Para a Igreja, v. 6, p. 62; White, Testemunhos Para a Igreja, v. 9, p. 144; White,
Evangelismo, p. 503, 504.
81 White, Testemunhos Para a Igreja, v. 6, p. 97. Embora tradicionalmente as igrejas protestantes
aceitem somente o batismo e a ceia do Senhor como ordenanças ou sacramentos, os adventistas do
sétimo dia entendem que o serviço do lava-pés, que precede a ceia do Senhor, é uma terceira
ordenança. Ao falar sobre esse ato em O Desejado de Todas as Nações, p. 650, Ellen G. White se refere
à lavagem dos pés como uma ordenança. “Depois, havendo lavado os pés dos discípulos, Ele disse: ‘Eu
vos dei o exemplo, para que, como Eu vos fiz, façais vós também’ (Jo 13:15). Nessas palavras, Cristo
não estava somente ordenando a prática da hospitalidade. Queria significar mais do que a lavagem dos
pés dos hóspedes para tirar-lhes a poeira da estrada. Com isso, Jesus estava instituindo um ritual
religioso. Pelo ato de nosso Senhor, essa cerimônia humilhante se tornou uma ordenança consagrada.
Devia ser observada pelos discípulos, a fim de poderem manter sempre em mente Suas lições de
humildade e serviço” (itálico acrescentado; cf. White, Evangelismo, p. 275, 276; leia também a série de
seis artigos de sua autoria, “The Lord’s Supper and the Ordinance of Feet-Washing – n. 6”, Review and
Herald, 31 de maio a 5 de julho de 1898, p. 1).
82 White, Spirit of Prophecy, v. 1, p. 201. Cf. White, Patriarcas e Profetas, p. 539; White,
Evangelismo, p. 273.
83 Ellen G. White, “If Ye Know These Things, Happy Are Ye If Ye Do Them”, Review and Herald, 4
de novembro de 1902, p. 8. Cf. White, O Desejado de Todas as Nações, p. 652, 653.
84 White, Evangelismo, p. 275, 276.
85 White, A Fé Pela Qual Eu Vivo, p. 301.
86 Ellen G. White, “The Lord’s Supper and the Ordinance of Feet-Washing – n. 2”, Review and
Herald, 7 de junho de 1898, p. 357.
87 White, Evangelismo, p. 275; Spirit of Prophecy, v. 1, p. 202.
88 White, Evangelismo, p. 275.
89 White, Evangelismo, p. 274.
90 White, O Desejado de Todas as Nações, p. 651.
91 White, Evangelismo, p. 278.
92 Ellen G. White, “The Lord’s Supper and the Ordinance of Feet-Washing – n. 1”, Review and
Herald, 31 de maio de 1898, p. 1; Ellen G. White, Evangelismo, p. 275; White, Spirit of Prophecy, v. 1,
p. 202.
93 White, Spirit of Prophecy, v. 1, p. 202.
94 Francis D. Nichol, Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, 7 v. (Tatuí, SP: Casa
Publicadora Brasileira, 2015), v. 5, p. 1272. Em seus escritos publicados, Ellen White não estabelece
uma conexão teológica entre a ordenança do lava-pés e o batismo, nem subentende que a lavagem dos
pés consiste em uma renovação dos votos batismais.
95 Cf. White, O Desejado de Todas as Nações, p. 650-660.
96 Ellen G. White, “The Lord’s Supper and the Ordinance of Feet-Washing – n. 5”, Review and
Herald, 28 de junho de 1898, p. 405, itálico acrescentado.
97 Ellen G. White, “The Ordinances”, Review and Herald, 22 de junho de 1897, p. 385, itálico
acrescentado; White, Evangelismo, p. 273, 274.
98 White, O Desejado de Todas as Nações, p. 656.
99 White, Evangelismo, p. 277.
100 White, Testemunhos Para a Igreja, v. 5, p. 500.
5 Por uma Teologia Adventista de
Adoração
Daniel Oscar Plenc

om frequência, a busca litúrgica atual por uma experiência de

C adoração significativa causa tensões e controvérsias, demonstrando a


necessidade de uma teologia e prática de adoração baseadas na
Bíblia. 1 As Escrituras não apresentam definições teóricas de adoração ou
legislações litúrgicas específicas para a igreja. Na Palavra de Deus,
encontramos o relato de casos que revelam a experiência dinâmica da
adoração e a terminologia usada. 2 Em Salmos, também somos apresentados
a adoradores se prostrando diante do Senhor para louvá-Lo. Com base nesses
casos e nos cânticos de Israel, podemos concluir, conforme pretendemos
demonstrar, que a adoração precisa ser entendida como uma combinação da
consciência do indivíduo quanto à presença divina cheia de graça,
acompanhada por uma reação humana apropriada. 3 Esse é o caso típico das
teofanias que são sucedidas por um ato de adoração.
Analisar passagens bíblicas e extrair delas princípios capazes de guiar a
formulação teológica e a prática da adoração contemporânea é a maneira
mais adequada de se fazer uma teologia da adoração. Neste estudo,
trabalharemos com o pressuposto de que “a tarefa do teólogo é refletir sobre a
narrativa e os ensinos, e então sistematizar esses materiais em um todo
coerente”. 4 A partir disso, (1) examinaremos alguns dos textos bíblicos mais
importantes para o estudo da adoração; (2) estudaremos o conteúdo teológico
dos textos escolhidos; (3) resumiremos alguns dos conceitos mais
importantes ligados à adoração no livro de Salmos e (4) extrairemos deles os
elementos teológicos e litúrgicos que podem ser usados na adoração
eclesiástica.

PASSAGENS ESCOLHIDAS SOBRE ADORAÇÃO

Dentre os muitos textos bíblicos que discutem o tema da adoração, nos


limitaremos aos seguintes: (1) algumas teofanias patriarcais (Gn 22:1-19;
28:10-22); (2) Deus e o Sinai (Êx 3:1-22; 14, 15; 19:1–20:17; 33:1–34:10); 5
(3) algumas experiências pessoais e coletivas (1Sm 1:26-28; 2:1-10; 1Cr 28,
29; Ne 8, 9); (4) visões do trono de Deus em Isaías e Apocalipse (Is 6:1-8; Ap
4, 5; 14:6-12) e (5) alguns casos encontrados nos evangelhos (Mt 14:22-33;
Jo 4:20-24). Esses textos foram selecionados em virtude de seu rico potencial
para contribuir com o tema.

Teofanias patriarcais
Em algumas ocasiões, os patriarcas receberam instruções de Deus por meio
de teofanias. É nesse contexto específico que o tema da adoração vem à tona
nas narrativas. 6 Examinaremos quatro dessas narrativas e seus
desdobramentos para o estudo da adoração.

Gênesis 22:1 a 19
O texto de Gênesis 22:1 a 19 contém o primeiro uso teológico do verbo
“adorar”, do hebraico hāwah, “havendo adorado” (v. 5). 7 A forma verbal
usada aqui (hitpael, um reflexivo futuro), 8 designa tanto uma postura física
quanto uma atitude interior, e significa “prostrar-se, prestar homenagem”. 9
O conceito de temor reverente também se encontra presente na história (Gn
22:12); yāre’, “temer, reverenciar”). Anteriormente, Abraão já havia
construído altares e oferecido sacrifícios de animais (por exemplo, Gn 12:7,
8; 13:4, 18; 22:9; 26:25; Tg 2:21), mas, dessa vez, o sacrifício seria seu filho
Isaque. Podemos derivar pelo menos três princípios que podem ser úteis para
uma teologia da adoração.
Correlação entre revelação e reação
Na adoração, Deus fala, e os seres humanos reagem. Deus já havia falado
com Abraão em sete ocasiões anteriores, e a resposta dele sempre fora
positiva (Gn 12:2, 3; 13:14-17; 15:1-6; 17:1-4; 18:1-15; 21:12; At 7:2-4).
Dessa vez, o diálogo entre Deus e Abraão subentende uma revelação do
Senhor (Gn 22:1, 2) seguida por uma reação positiva de Abraão (22:3). 10
Considerando que a iniciativa é divina, podemos sugerir que a ordem
temporal é importante no diálogo. Deus começa a conversa, mas um ser
humano é Seu parceiro nesse diálogo. Isso subentende que os termos
“revelação” e “resposta” são a chave para a compreensão da adoração
cristã. 11 Robert E. Webber relembra que, na adoração, “Deus fala e age em
meio a Seu povo, o qual deve responder com palavras e atos. Em
consequência, a estrutura da adoração é dialógica, baseada na proclamação e
na reação”. 12
Dinâmica de pedido e submissão
Deus fez um pedido supremo, e Abraão estava disposto a fazer a entrega
suprema. Ele reconhecia que o Senhor tinha o direito de pedir o que já havia
lhe dado: o filho. O livramento do patriarca exigia fé na ressurreição (Hb
11:17-19). Quando Abraão falou: “Eu e o rapaz iremos até lá e, havendo
adorado, voltaremos para junto de vós” (Gn 22:5), não estava entendendo a
adoração como um mero gesto corpóreo de se ajoelhar ou prostrar, mas como
um reconhecimento da superioridade e dignidade divina, bem como da
necessidade humana de reconhecer isso. O Senhor lhe disse: “Agora sei que
temes a Deus” (Gn 22.12), testemunhando assim do fato de que o patriarca
sempre fora submisso à vontade divina. 13
Presença de um sacrifício vicário
O próprio Deus forneceu o sacrifício que pediu para Abraão. O patriarca
disse a Isaque: “Deus proverá para Si, meu filho, o cordeiro para o
holocausto” (Gn 22:8) e, quando o Senhor providenciou, “tomou Abraão o
carneiro e o ofereceu em holocausto, em lugar de seu filho” (Gn 22:13).
Abraão o ofereceu como sacrifício substituto, por meio do qual seu filho seria
livrado. Sua experiência aponta tipologicamente para o sacrifício vicário de
Cristo. 14 A Bíblia identifica o monte Moriá como o local em que o templo
seria construído, tornando-se o centro do sistema sacrifical em Israel (2Cr
3:1). As Escrituras deixam claro que o ato de adoração presume a oferta de
um sacrifício que viabiliza o diálogo com Deus.

Gênesis 28:10 a 22
Esse texto descreve a teofania mais importante da vida de Jacó. 15 O
encontro de Deus com o fugitivo Jacó em Betel contém alguns dos elementos
estruturais da adoração. Já foi dito que “a adoração cristã precisa ser baseada
de forma sólida em verdades objetivas, mas também deve incluir uma
experiência subjetiva”. 16 A reação de Jacó a uma manifestação de Deus é
uma boa demonstração desse conceito.
Estrutura dialógica
Poderíamos dizer que “na experiência em Betel (“casa de Deus”),
encontramos os três elementos principais de toda adoração: ‘Deus Se revela’
[...] e por fim a resposta humana, completando, assim, o ‘grande diálogo’”. 17
Assim como no caso de Abraão, a experiência de Jacó mostra que a
adoração é, em essência, uma resposta positiva à iniciativa divina. Pode-se
dizer que “adoração é uma conversa entre Deus e os seres humanos, um
diálogo que deveria continuar ininterruptamente na vida do cristão”. 18 Fica
claro que não se trata de um diálogo entre iguais. Em vez disso, nessa
revelação, a onipotência e a transcendência de Deus são reveladas. 19 Logo,
“ao passo que o Senhor é a causa da adoração, a resposta humana consiste na
condição necessária de sua existência”. 20
Resposta de fé à presença redentora de Deus
A escada mística conectava Deus, nas alturas, ao patriarca deitado no chão
(Gn 28:12, 13). A presença divina é mediada a Jacó por meio de uma escada
que seria usada posteriormente a fim de ilustrar o papel mediador e salvador
de Cristo (Jo 1:52). A presença redentora de Deus é comunicada a Jacó por
meio da declaração: “Eis que Eu estou contigo” (Gn 28:15). Talvez possamos
sugerir que a adoração é uma resposta de fé à oferta celestial de redenção. A
adoração em si não tem mérito nenhum. Pelo contrário, trata-se de uma
resposta à salvação. Como disse Pease: “A adoração é a resposta do remido a
Seu Redentor.” 21
Resposta reverente à presença divina
O patriarca afirmou: “Na verdade, o SENHOR está neste lugar, e eu não o
sabia. E, temendo, disse: Quão temível é este lugar! É a casa de Deus,
a porta dos Céus” (Gn 28:16, 17). A resposta de adoração expressa por Jacó
se caracterizou por um temor manifesto em reverência e submissão. Ellen G.
White comentou: “A verdadeira reverência a Deus é inspirada pela percepção
de Sua infinita grandeza e de Sua presença.” 22 Isso está relacionado com a
“proximidade e a distância de Deus: imanência e transcendência”. 23 Já se
destacou que, no conceito de adoração de Ellen White:

Existem dois focos teológicos básicos. [...] O primeiro é a transcendência e a


soberania de Deus, conforme registrado em Testemunhos Para a Igreja, v. 5, p. 491
a 505. O reconhecimento da transcendência divina resulta em um tipo específico de
comportamento na casa de Deus: uma conduta caracterizada pelo caráter sacro, pela
solenidade, dignidade, quietude e pelo espírito de devoção. A ênfase se encontra nos
aspectos formais da adoração. O segundo foco do conceito de adoração exposto por
Ellen G. White é a imanência de Deus, descrita em Caminho a Cristo, p. 101 a 104.
A consciência da imanência divina encoraja uma conduta de adoração marcada pela
comunhão com o Senhor e com os outros cristãos, pelo encorajamento mútuo, pela
naturalidade, alegria e uma consciência profunda do amor e cuidado de Deus. A
ênfase recai sobre os aspectos informais da adoração. O planejamento da adoração
adventista do sétimo dia deve manter esses dois focos em equilíbrio, abrindo espaço
para ambos. 24

Portanto, o temor reverente é uma reação humana que acompanha as


teofanias no relato bíblico.
Adoração como compromisso com Deus
Por causa das promessas de Deus, Jacó estava pronto para fazer um
compromisso com Ele. O patriarca fez um pedido, um voto e uma promessa
condicional. 25 Escolheu o Deus de seus pais como seu Deus e prometeu
devolver a décima parte daquilo que o Senhor lhe desse. A verdadeira
adoração consiste em uma resposta de gratidão à fidelidade de Deus,
personificada no compromisso com Ele. É praticamente impossível adorar ao
Senhor de forma genuína a menos que O reconheçamos como nosso Deus e
nos comprometamos em servi-Lo. “Ao longo da Bíblia, a adoração aceitável
significa se aproximar de Deus ou se engajar com Ele nos termos que Ele
propõe e da maneira que Ele permite.” 26

Adoração e o Sinai

Êxodo 3:1 a 22
O relato da experiência de Moisés em Horebe, o monte de Deus, revela
elementos semelhantes aos que encontramos nas teofanias patriarcais. Em
Êxodo 3, encontramos uma combinação entre teofania e um chamado divino
para uma missão específica. 27 Os elementos a seguir podem ser extraídos da
leitura desse relato.
Manifestação e chamado divino
Dessa vez, o anjo do SENHOR, que depois é identificado como o próprio
SENHOR (Êx 3:2, 4), aparece para Moisés. Isso é sucedido por um breve
diálogo entre Deus e Moisés (Êx 3:4). Nesse caso, a natureza dialógica do
encontro se tornou um chamado para Moisés realizar uma missão específica
em prol do povo de Deus. A adoração pode se transformar em uma ocasião
na qual o coração se abre para perceber a intenção divina para a vida de
alguém. Adoração e missão não devem ser separadas uma da outra.
Adoração, santidade e reverência
Nesse caso, a santidade de Deus recebe ênfase especial e encontra
expressão visível no símbolo de um fogo que também purifica. 28 Com
frequência, a santidade é associada a uma experiência pessoal de adoração.
No Antigo Testamento, a santidade “subentende pureza, separação e
transcendência”. 29 A presença de Deus no fogo transformou o solo ao redor
em “lugar santo”, levando Moisés a demonstrar respeito ou reverência,
mantendo distância, tirando os sapatos e cobrindo o rosto. Tudo isso foi
acompanhado por uma forte sensação de medo (Êx 3:5, 6). Ele demonstrou
reverência ou respeito a Deus de maneiras que lhe eram familiares.
No Oriente Médio, havia o costume de tirar os sapatos para demonstrar
respeito “antes de entrar num templo, palácio ou mesmo em casas
particulares”. 30 Moisés e Josué receberam a ordem de tirar a sandália na
presença do Senhor (Js 5:15). Esse foi, de fato, um sinal de temor reverente
porque “a presença de Yahweh santifica o solo”. 31 Moisés, Elias e os anjos
cobriram a face diante do Senhor (1Rs 19:13; Is 6:2), reconhecendo assim
que Deus de fato é grandioso e único. Talvez possamos dizer que “a
compreensão básica da verdadeira adoração é que somente Deus é santo”. 32
Redenção, liberdade e adoração
Em decorrência da teofania, Moisés se tornou instrumento de Deus para a
libertação de Israel, o que levaria à adoração (Êx 3:10). As pessoas sairiam
do Egito a fim de servir “a Deus neste monte” (Êx 3:12) ou “para prestar-Me
culto” (4:23, NVI). A relação íntima entre redenção, serviço e adoração
ocorre repetidas vezes no livro de Êxodo (por exemplo, 7:16; 8:1, 20; 9:1, 13;
10:3, 7, 8, 11, 24, 26; 12:27, 31). A verdadeira adoração está associada à
liberdade redentora, sem a qual Deus, o único e verdadeiro alvo de adoração,
seria ignorado.

Êxodo 14 e 15
As narrativas do êxodo e do Sinai contêm elementos que podem enriquecer
nossa teologia de adoração.
Deus era glorificado
O êxodo do Egito foi um ato divino de salvação, por meio do qual Deus foi
glorificado. Os próprios egípcios deveriam reconhecer o Senhor: “E serei
glorificado em Faraó e em todo o seu exército; e saberão os egípcios que Eu
sou o SENHOR” (Êx 14:4, 17, 18). A travessia do Mar Vermelho também foi
um ato divino de salvação, o qual mostrou com clareza que Deus lutava em
prol dos israelitas, contra os egípcios (Êx 14:13, 14, 25, 30). O êxodo foi um
juízo contra o Egito e um ato de libertação para Israel. Esse evento glorioso
foi considerado “a prova conclusiva do amor de Deus e uma base justa para a
reivindicação divina de Sua devoção”. 33 Em consequência, a canção de
Êxodo 15 pode ser considerada um cântico dos remidos. “Os propósitos de
Deus não incluem somente a libertação de Seu povo, mas também o
estabelecimento de residência em seu meio (v. 13), a fim de se tornar tanto o
alvo de sua adoração (v. 17) quanto uma fonte de bênçãos (v. 13)”. 34
Atuação divina e resposta do povo
A manifestação de Deus durante o êxodo revelou qualidades e operações
divinas dignas de reconhecimento em adoração. Moisés e Israel cantaram ao
Senhor dizendo: “Cantarei ao SENHOR, porque triunfou gloriosamente” (Êx
15:1; cf. v. 21) e “Ele me foi por salvação” (v. 2). “Com a Tua beneficência
guiaste o povo que salvaste; com a Tua força o levaste à habitação da Tua
santidade” (v. 13). O cântico dá ênfase ao poder, à ira, santidade,
misericórdia, grandeza, soberania e eternidade de Deus (v. 6, 7, 11, 13).
Destaca os atos divinos em favor de Seu povo: “Guiaste o povo que salvaste”
(v. 13) e o “adquiriste” (v. 16). Esses atributos e ações levaram Israel a
responder com temor e fé: “O povo temeu ao SENHOR e confiou no SENHOR e
em Moisés, Seu servo” (14:31). Em resposta à bondade do Senhor, Moisés
disse: “Eu O louvarei” (15:2). Miriã e as mulheres saíram com tamborins,
exortando o povo enquanto diziam: “Cantai ao SENHOR” (15:21). Êxodo 15
“nada mais é do que a celebração em forma de culto do evento que fundou a
religião de Israel”. 35 Definiu a nação como uma comunidade de adoração,
em resposta aos atos de salvação do Senhor.

Êxodo 19 e 20
A experiência de Israel no monte Sinai apresenta os fundamentos bíblicos
mais importantes para a adoração. De acordo com Webber, contém os
elementos estruturais básicos da adoração pública: (1) a reunião foi
convocada por Deus; (2) houve uma reação participativa do povo; (3) foi
caracterizada pela proclamação da Palavra; (4) o povo fez o compromisso de
ouvir e obedecer à Palavra; e (5) o encontro foi ratificado por um sacrifício
que apontava para o sacrifício definitivo de Cristo. 36 Foi uma assembleia
convocada por Deus, estabelecida pela Palavra de Deus dada a Seu povo; a
Palavra de Deus foi recebida pelas pessoas reunidas, as quais ofereceram um
sacrifício pela aliança. 37 Outras assembleias emblemáticas de Israel incluem
Siquém (Js 24), a dedicação do templo (1Rs 8), a Páscoa na época de
Ezequias (2Cr 29, 30) e a Páscoa após o exílio (Ne 8, 9). 38 Alguns
elementos teológicos e cerimoniais emergem com naturalidade do texto.
Lembrança e adoração
O Senhor chamou Moisés para descer do monte e lhe pediu que lembrasse
os israelitas: “Como vos levei sobre asas de águia e vos cheguei a Mim” (Êx
19:4). A adoração consiste na reunião do povo de Deus, convocada por Ele, a
fim de celebrar a salvação já efetuada pelo Senhor. Para o cristão, essa
experiência diz respeito, de maneira específica, à lembrança do que Deus
realizou por nós mediante o mistério da morte e ressurreição de Jesus
Cristo. 39
Compromisso presente
A redenção do passado, lembrada na adoração, leva o povo do presente a
ouvir a voz de Deus e ser leal a Sua aliança (Êx 19:5). O prólogo do
Decálogo, em si, se baseia na ideia de uma libertação realizada (Êx 20:1, 2).
Deus Se revelou como o Criador do céu e da terra, forte, zeloso e cheio de
misericórdia. Em seguida, desafiou Israel a temer ao Senhor “a fim de que
não pequeis” (v. 20). 40 Os quatro primeiros mandamentos são respostas de
adoração a Deus. De acordo com John Stott, o primeiro mandamento é o
objeto de adoração que demanda, dos seres humanos, adoração exclusiva a
Deus; o segundo expõe a maneira que Ele deve ser adorado; o terceiro faz um
apelo para que Seu nome seja reverenciado, e o quarto explica o tempo
apropriado para adorá-Lo. 41 Durham sugere que o primeiro mandamento
proíbe associar Deus a outros deuses, e os outros três especificam como Ele
deve ser adorado. 42 Adoração sem compromisso é uma concha vazia.
Adoração e proclamação da Palavra de Deus
Moisés informou o povo acerca de tudo que o Senhor havia ordenado, e
eles ouviram enquanto o líder falava (Êx 19:7, 8). Houve dois diálogos. O
primeiro foi entre Moisés e o Senhor (v. 19), e o segundo entre Moisés (como
mensageiro) e o povo (Êx 20:22). Em reverência, o povo permaneceu a
distância a fim de ouvir as instruções de Deus por intermédio de Moisés. A
proclamação e a aclamação são importantes no ato da adoração. Ouvimos a
proclamação da Palavra e louvamos o Senhor em reverência e disposição de
Lhe obedecer. 43

Êxodo 33:1 a 34:10


Em Êxodo 33 e 34 enfatiza-se o ato de adoração: “Todo o povo se
levantava, e cada um, à porta da sua tenda, adorava ao SENHOR” (Êx 33:10).
Essa narrativa contém diversos elementos encontrados em passagens
anteriores, subentendendo que são partes importantes do ato de adoração.
Mais uma vez, a adoração consiste em uma resposta à manifestação da
presença de Deus. O Senhor Se manifestava em uma coluna de nuvens à
porta do tabernáculo (v. 10). Moisés entrou ali diversas vezes a fim de
dialogar com o Senhor (v. 3, 14, 15; 34:9). A conversa acabou sendo
concluída com uma teofania única, seguida da resposta de Moisés a ela (Êx
34:5-9). Como nos outros casos, em adoração, reagimos a essa garantia da
presença divina. Isso é significativo sobretudo na adoração
congregacional. 44 Há dois outros aspectos da adoração, nessa narrativa, que
necessitamos enfatizar. Nós os encontramos em outras passagens, mas vale a
penas citá-los mais uma vez:
Adoração e a bondade de Deus (Êx 34:5-8)
Nessa narrativa, existe uma ênfase específica na natureza do Deus a quem
adoramos (Êx 34:5, 6). Moisés pediu ao Senhor que lhe permitisse ver Sua
glória (Êx 33:18), e Deus Se revelou a ele como um Deus de misericórdia,
graça e compaixão (Êx 34:6, 7). De fato, é a bondade do Senhor que nos leva
a nos prostrar diante Dele para adoráLo. Adoramos a um Deus amoroso cuja
misericórdia é derramada a cada dia sobre nossa vida.
Exclusividade de Deus como alvo de nossa adoração
O Senhor deixou bem claro: “Não adorarás outro deus” (Êx 34:14). O
princípio é expresso com toda ênfase: Deus é o alvo único e exclusivo de
adoração. Isso estabelece um contraste marcante com as religiões do antigo
Oriente Médio. O princípio é tão importante que se localiza bem no início do
Decálogo (20:3). Só existe um Deus verdadeiro e apenas Ele é digno de
adoração. A adoração bíblica pressupõe uma fé monoteísta.

Experiências pessoais e coletivas


As narrativas que examinaremos a seguir não envolvem necessariamente
uma teofania, mas, sem dúvida, testificam dos atos divinos em favor de Seus
filhos. Nesses casos, assim como nos anteriores, a adoração é uma reação
humana à ação de Deus.

1 Samuel 1:26 a 28; 2:1 a 10


Em meio ao sofrimento, Ana orou clamando por um filho, com a promessa
de dedicá-lo ao Senhor. Deus lhe concedeu o filho e, em resposta, ela voltou
ao santuário para cumprir sua promessa (1Sm 1:26-28). Então prostrou-se e
adorou com um cântico de louvor a Deus (1Sm 2:1-10).
Adoração e dom
Ana recebeu o filho como um dom divino em resposta a suas orações (1Sm
1:27). A dedicação do menino aconteceu no contexto da adoração. “Pelo que
também o trago como devolvido ao SENHOR, por todos os dias que viver; pois
do SENHOR o pedi. E eles adoraram ali o SENHOR” (v. 28). Esse
reconhecimento dinâmico dos dons de Deus e a dedicação da vida e dos bens
a Ele são partes essenciais da adoração bíblica.
Reconhecimento da bondade de Deus
Em seu cântico, Ana falou sobre os atos salvíficos de Deus (1Sm 2:1). Sua
santidade e Sua característica de refúgio receberam destaque (v. 2). Ela
também mencionou a sabedoria divina (v. 3), o poder de dar e tirar a vida (v.
7), agraciar com riquezas e removê-las (v. 7), abençoar os pobres, prover para
os necessitados (v. 8), proteger (v. 9) e julgar. Deus e a bondade que Ele
revela para quem necessita encontram-se no âmago desse ato de adoração.
Era uma adoração teocêntrica firmemente enraizada no caráter amoroso do
Senhor.
Experiência humana na adoração
A resposta de adoração de Ana se caracterizou por alegria, júbilo, exaltação
e felicidade (1Sm 2:1), não por orgulho ou arrogância (v. 3). Foi uma reação
positiva, repleta de gratidão e alegria, mas que também incluiu levar o
sofrimento e a solidão diante do Senhor (1Sm 1:10). Deus aceita tanto a
alegria quanto as queixas de Seus servos quando se levantam ou se prostram
em Sua presença para adorá-Lo.

1 Crônicas 28 e 29
Para celebrar a entronização de Salomão como seu sucessor, Davi
convocou o povo de Israel para se reunir (1Cr 29:1). Em 1 Crônicas 28 e 29,
apresentam-se: (1) o testemunho de Davi; (2) os planos para o templo e as
doações; (3) a dívida de gratidão de Davi para com Deus; e (4) a entronização
de Salomão. A dinâmica da adoração é encontrada nesse contexto, contendo
componentes teológicos e práticas de adoração importantes, que, em sua
maioria, estiveram presentes em outras narrativas. Eles incluem se lembrar
das bênçãos de Deus (a eleição divina [1Cr 28:4], o dom de ter muitos filhos
[v. 5] e, em particular, de ter Salomão [v. 5]). “Lembrar-se” significa “trazer
à memória e declarar os grandes atos de Deus realizados ao longo de nossa
vida”. 45 A adoração também inclui ofertas voluntárias a Deus, oferecidas
espontaneamente e alegremente pelo povo para a construção do templo (1Cr
29:9). Esse alegre serviço a Deus é o que se destaca. Tudo indica que a
doação de recursos materiais como ofertas sempre fez parte da adoração
bíblica (por exemplo, 1Cr 16:29; Sl 96:8; Pv 3:9).
Deus Se revela nessa narrativa como Aquele que abençoa Seu povo. Davi
resume o motivo que o moveu a louvar a Deus: gratidão (1Cr 29:13-14)
porque todas as coisas provêm do Senhor (v. 11, 16). Ao fim do encontro, as
pessoas foram exortadas a louvar a Deus, prostrar-se e prestar tributo a Ele
(v. 20). De fato, essa narrativa contém “uma das melhores orações do Antigo
Testamento”, 46 demonstrando as qualidades do louvor teocêntrico. 47

Neemias 8 e 9
Neemias relata uma experiência memorável para aqueles que regressaram
do cativeiro babilônico. O povo pediu ao escriba e sacerdote Esdras que lesse
“o Livro da Lei de Moisés” (Ne 8:1). Em consequência, houve uma reação
semelhante à vivenciada pelas pessoas da época de Josias (2Rs 22:8-13). No
ato de adoração, alguns princípios já presentes em outras narrativas são
mencionados e outros novos são introduzidos ou ficam explícitos.
Leitura das Escrituras
A congregação era composta “tanto de homens como de mulheres e de
todos os que eram capazes de entender o que ouviam” (Ne 8:2, 3). Esdras se
posicionou em um ponto mais alto que o restante do povo, em um pedestal de
madeira, para ser visto e ouvido com mais facilidade (Ne 8:4). 48 A clareza
da leitura e a compreensão do povo são mencionadas de maneira específica
(Ne 8:8, 9, 12, 13). Talvez a leitura fosse “uma paráfrase, provavelmente em
aramaico” 49 (Ne 8:8). 50 Havia uma leitura diária do livro da lei (v. 18;
9:3). É impossível exagerar a importância da leitura e proclamação das
Escrituras na adoração contemporânea, acompanhada de estratégias e
recursos necessários para tornar empolgante e compreensível sua relevância.
É na leitura da Bíblia que, sob a guia do Espírito, ouvimos a voz do Senhor
instruindo Seu povo.
Adoração como reação à Palavra
“Esdras bendisse ao SENHOR, o grande Deus; e todo o povo respondeu:
Amém! Amém! E, levantando as mãos; inclinaram-se e adoraram o SENHOR,
com o rosto em terra” (Ne 8:6).
A resposta é caracterizada como uma reação (1) audível (Ne 9:5) 51 que
envolveu o corpo em adoração à medida que as pessoas ergueram as mãos e
se prostraram no chão (3) em atitude de adoração. Também houve (4)
expressões sentimentais fortes, como pranto (8:9-11), júbilo e felicidade (v.
12, 17). Já se disse o seguinte acerca desse tipo de adoração: “Toda adoração
autêntica é instrução. [...] O contrário também é verdade: toda instrução cristã
autêntica é adoração.” 52 O envolvimento do corpo humano na adoração é
tão importante que, sem ele, “é absolutamente impossível” 53 adorar.
Adoração e confissão de pecados
O texto afirma de maneira explícita que “fizeram confissão [de seus
pecados] e adoraram o SENHOR, seu Deus” (Ne 9:3) e prometeram Lhe
obedecer (v. 38). A confissão foi feita no contexto de referências a alguns
aspectos do caráter de Deus que dão motivos teológicos para adorá-Lo: a
grandeza do Senhor (Ne 8:6; 9:5), bem como Seu poder criador e mantenedor
(Ne 9:6). A memória é ativada por meio de referências àquilo que o Senhor
fez por Israel: Ele escolheu Abraão (v. 7), olhou para a aflição de Israel,
realizou sinais e prodígios (v. 9, 10), entre outros. São apresentados também
outros motivos de adoração: Deus é justo (v. 8, 33), perdoador e
misericordioso (v. 17, 32). É a esse Deus maravilhoso que as pessoas
confessaram seus pecados e pediram perdão.

Visões do trono de Deus

Isaías 6:1 a 8
A visão do trono de Deus, registrada em Isaías 6, é valiosa para a teologia
de adoração. Já se afirmou que “Isaías 6 é o locus classicus para o estudo da
adoração”. 54 Alguns encontram os seguintes elementos nessa passagem: (1)
revelação de Deus, (2) reconhecimento da condição pecaminosa do ser
humano, (3) perdão e reconciliação, (4) chamado de Deus, (5) resposta
humana afirmativa e (6) comissão. 55 Isaías 6 é um dos melhores exemplos
de adoração significativa. Olhando para esse capítulo, poderíamos dizer:

Sem dúvida, a adoração pressupõe que Deus existe, mas também subentende que Ele
tem determinadas qualidades ou características. [...] Perante Ele, sentimos o contraste
de nossa finitude; a fragilidade, o caráter tênue e a dependência de nossa existência.
Em alguns casos, os adoradores sentem o peso avassalador da majestade divina.
Percebem como são vazios e insignificantes em comparação com o que estão
vivenciando. 56

A passagem resume alguns dos elementos mais importantes da adoração


encontrados em outros textos bíblicos. É válido mencioná-los mais uma vez.
Revelação e adoração
O profeta disse: “Vi o Senhor” (Is 6:1). Ele contemplou a soberania e a
transcendência de Deus. No texto, Deus é o “Senhor” que está “assentado
sobre um alto e sublime trono” (v. 1) como “Rei” (v. 5). Isaías testemunhou a
santidade de Deus expressa no louvor angelical “Santo, santo, santo” (v. 3).
A onipresença divina alcança o céu e a terra, “e as abas de suas vestes
enchiam o templo” (v. 1); “toda a terra está cheia da Sua glória” (v. 3). É o
mesmo Deus que era adorado nos Céus e que deveria ser adorado por Seu
povo na Terra. Podemos afirmar que “a qualidade da adoração em cada
religião é determinada pelo conceito dos adoradores acerca da natureza de
sua divindade”. 57
Reação dos anjos e dos seres humanos
O mesmo texto reflete algumas das qualidades de adoração: (1) os serafins,
em resposta reverente, se cobriram com suas asas (Is 6:2); (2) a adoração não
era silenciosa, mas expressa por meio de uma antífona cantada pelos serafins
(v. 3); (3) de acordo com o profeta, havia o humilde reconhecimento da
fragilidade e condição pecaminosa dos seres humanos (v. 5). Somente a
grandeza de Deus gera essa resposta humilde.
Perdão e vocação
Deus fala ao profeta durante a adoração. A brasa incandescente tocou os
lábios do profeta, tirando sua culpa e purificando-o do pecado (Is 6:6, 7). É
por meio da purificação divina que somos capazes de louvar. Isso somente é
possível mediante à graça perdoadora de Deus. Acontece um chamado e uma
resposta: “Eis-me aqui, envia-me a mim” (v. 8). 58 Fica evidente que a
verdadeira adoração prepara e capacita as pessoas para a missão.

Apocalipse 4 e 5
Todo o livro de Apocalipse, sobretudo seus cânticos, é importante para o
estudo da adoração. 59 Já foi mencionado que “o Apocalipse é um livro
centrado na adoração. O grande objetivo – ‘Adorem a Deus!’ – é o tema
central de toda a obra. As profecias do tempo do fim, de maneira especial,
requerem que se faça a distinção entre adoração verdadeira e idolatria (Ap
14:6-12)”. 60
É razoável pensar que as cenas de louvores celestiais consistem em uma
contribuição para a teologia da adoração. “O Apocalipse apresenta o Céu
como uma grande assembleia litúrgica.” 61 Nesta seção, analisaremos
Apocalipse 4 e 5 e 14:6 a 12. Em Apocalipse 4, encontramos: (1) uma visão
do trono celestial (v. 1-3); (2) a descrição dos anciãos e dos seres viventes
que rodeiam o trono (v. 4-8); e (3) um hino de louvor e adoração ao Deus
Criador (v. 9-11). 62 A fim de expressar adoração, o verbo piptō é usado para
descrever o que os seres viventes fazem. Esse verbo é comumente traduzido
por “cair”, “prostrar-se” e, às vezes, designa o gesto de se ajoelhar (Ap 4:10;
5:8, 14).
Visão de Deus, o Criador e Mantenedor
Na visão, Deus está assentado no trono (Ap 4:2, 9, 10; 5:1, 13). Também
encontramos uma referência à Trindade: o Pai está no trono, o Espírito Se
encontra em frente ao trono, representado pelas sete tochas de fogo (Ap 4:5),
e o Filho está no meio do trono, como um Cordeiro (Ap 5:6). A verdadeira
adoração cristã é trinitariana. 63 No contexto da adoração, alguns dos
atributos divinos são mencionados: santidade, onipotência e eternidade (Ap
4:8, 9; cf. v. 10; 5:14). A doxologia dos anciãos considera que Deus é digno
de receber louvor por ser o Senhor Criador, tudo existe por causa Dele (4:11).
Resposta dos seres humanos e celestiais
A resposta dos seres inteligentes na adoração revela diversas coisas. (1) A
adoração é teocêntrica: os 24 anciãos e os quatro seres viventes se encontram
“ao redor do trono” (Ap 4:4-6). Em outras palavras, o centro espiritual e
físico é Deus e o Cordeiro. (2) A adoração é constante e audível: “não têm
descanso, nem de dia nem de noite, proclamando” (v. 8). (3) Também
encontramos diversas expressões de adoração: “glória, honra e ações de
graças” (v. 9), “a glória, a honra e o poder” (v. 11). Aqui há uma ênfase
muito importante para a Divindade: a soberania, o domínio e a eternidade de
Deus. (4) Os 24 anciãos se prostram e adoram (v. 10). À medida que lemos
sobre esse ato sublime de adoração, “a impressão que fica é de muita
atividade e participação”. 64 A adoração no Céu, em Apocalipse 4 e 5, inclui
lembrança, gratidão, devoção e dedicação. 65 Depor as coroas é sinal de
submissão. (5) A adoração também é proléptica: “ela prediz o que acontecerá
no futuro.” 66 “O cântico dos querubins subentende que a certeza do triunfo
futuro de Deus se encontra enraizado em Sua natureza.” 67
Louvores cristocêntricos
Apocalipse 4 se concentra no Deus Criador; o capítulo 5, no Redentor. Em
Apocalipse 5, encontramos: (1) a visão do rolo selado; (2) a busca por
alguém que pudesse abrir o livro (v. 2-5); (3) a visão do Cordeiro que pega o
livro (v. 6, 7); e (4) o cântico de redenção (v. 8-14). 68 Os seguintes
elementos contribuem para uma teologia de adoração: (1) O capítulo contém
a revelação de Cristo como Redentor. Ele é o vitorioso (Ap 5:5) que foi
sacrificado (v. 6, 9, 12). (2) Os quatro seres viventes e os 24 anciãos
participam da adoração cristocêntrica. Eles se prostram perante o Cordeiro (v.
8) e usam harpas para louvá-Lo (v. 12). 69 Finalmente, toda a criação louva o
Pai e o Cordeiro (v. 13), enquanto os seres viventes dizem “amém” e os
anciãos se prostram e adoram (v. 14). Esse é o aspecto distintivo da adoração
no Novo Testamento. Embora os elementos básicos de adoração permaneçam
iguais, “a orientação cristológica é nova”. 70 Deus e Seu Filho “são o centro
e o foco da adoração” e isso acontece “ao redor do trono de Deus”. 71

Apocalipse 14:6 a 12
Essa passagem se encontra no centro do Apocalipse e descreve a
proclamação final do evangelho ao mundo. Os adventistas “entendem que
Apocalipse 14:6 e 7 é um texto fundamental sobre adoração”. 72 Essa
passagem diz respeito à adoração no contexto da crise escatológica, com dois
focos principais: a proclamação (pregação) e aclamação (louvor). 73 Isso
sugere que as características fundamentais da adoração adventista autêntica
são: (1) teocentricidade, (2) centralidade da proclamação, (3) aclamação
contextualizada e (4) fuga dos extremos (emocionalismo ou formalismo
frio). 74 A seguir, encontram-se alguns desdobramentos de uma teologia da
adoração baseados em Apocalipse 14:6 a 12.
Proclamação final do evangelho e da verdadeira adoração
A frase “Temei a Deus e dai-Lhe glória [...] adorai” (Ap 14:7), na
mensagem do primeiro anjo, inclui alguns verbos encontrados em outras
passagens. Por exemplo, “temer” (gr. fobeō), no contexto do juízo divino,
significa “se achegar a Ele com reverência e respeito. Comunica a ideia de
lealdade absoluta ao Senhor, de rendição total a Sua vontade”. 75 “Dar
glória” (gr. doxa) se refere à “honra”, “louvor” ou “homenagem”. 76 O
motivo dado para “adorar” a Deus (gr. proskuneō, “prestar homenagem”,
“adorar”) é que Ele é o Criador de todas as coisas. “A adoração a Deus
contrasta com a adoração à besta (Ap 13:8, 12) e à sua imagem (v. 15). Na
crise final, os habitantes da Terra serão chamados a fazer uma escolha,
semelhante à dos três hebreus em Babilônia, entre a adoração ao Deus
verdadeiro ou a falsos deuses.” 77
O desdobramento é que “o Criador do Universo é o único digno de
adoração”. 78 A teologia adventista encontra aqui um chamado para restaurar
a adoração no sábado. “A mensagem do primeiro anjo, portanto, chama as
pessoas para a restauração da verdadeira adoração, ao apresentar Cristo
perante o mundo, o Criador e Senhor do sábado bíblico.” 79 Isso
provavelmente tem consequências litúrgicas, “logo, é importante que as três
doutrinas distintivas da Igreja Adventista do Sétimo Dia – o sábado, o
ministério celestial e o segundo advento de Cristo – sejam liturgicamente
ilustradas nesses cultos de adoração”. 80
Advertência contra a falsa adoração no tempo do fim
O livro do Apocalipse faz um forte contraste entre a verdadeira e falsa
adoração dos tempos escatológicos. Na segunda mensagem angélica,
Babilônia representa um sistema de falsa adoração e uma mensagem de
infidelidade. “O segundo anjo adverte contra todas as formas de adoração
originadas em mecanismos humanos.” 81 Em contraste, no fim, a mensagem
do terceiro anjo descreve os santos que são obedientes e fiéis.

A terceira mensagem dirige a atenção do mundo para as consequências de se recusar


a aceitação do eterno evangelho e das mensagens divinas que convidam à
restauração da verdadeira adoração. Descreve vividamente os resultados finais das
decisões das pessoas no tocante à adoração. 82

Narrativas nos evangelhos

Mateus 14:22 a 33
Essa passagem contém um dos vários incidentes em que Jesus foi adorado
por Seus discípulos. 83 O termo grego usado aqui, proskuneō (“adorar”,
“prostrar-se”, “ajoelhar”) é o verbo usado com maior frequência para a
adoração no Novo Testamento. A narrativa apresenta para nós alguns
princípios sobre adoração. Primeiro, a adoração é precedida pela presença e o
poder de Jesus. Na hora da crise, Cristo andou sobre as águas e, por meio de
Sua presença e Seu poder, acalmou a tempestade. Ele Se apresentou aos
discípulos dizendo: “Tende bom ânimo! Sou Eu. Não temais!” (Mt 14:27).
Houve uma revelação do poder salvador de Cristo que preparou o caminho
para uma resposta de adoração.
Em segundo lugar, assim como em muitas outras partes da Bíblia, a
adoração sempre é uma resposta. Ao fim do episódio, “os que
estavam no barco [os discípulos] O adoraram” (Mt 14:33). A resposta
humana positiva mencionada no Antigo Testamento para as aparições de
Deus – a adoração – é atribuída a Jesus no Novo Testamento. Mateus
menciona experiências semelhantes em outras passagens e mostra que Jesus
não Se opunha à adoração a Si (Mt 2:2, 8, 11; 8:2; 9:18; 15:25; 28:9, 17).
Embora o ato de se prostrar não indique necessariamente adoração, a verdade
é que os discípulos adoraram a Jesus depois de reconhecer Sua filiação
divina. “Verdadeiramente és Filho de Deus!” (14:33). A história conclui com
essa confissão cristológica.

João 4:20 a 24
O diálogo entre Jesus e a mulher samaritana lida, de maneira ampla, com o
tema da adoração. Já se afirmou que “João 4:20 a 24 é a passagem mais
significativa do Novo Testamento sobre adoração”, 84 e é possível que isso
seja verdade. É interessante observar que “a palavra ‘adoração’ ocorre oito
vezes nessa passagem”. 85
O lugar de adoração
Na Bíblia e em todo o Oriente Médio, “a adoração estava intimamente
relacionada a um lugar sagrado”. 86 No caso de judeus e samaritanos, a
pergunta era sobre o lugar correto de adoração: se em Gerizim ou Jerusalém.
A mulher aludiu ao local de adoração de “nossos pais”, pensando talvez que
sua posição tinha o apoio de uma tradição antiga (Jo 4:20). Porém, para
Jesus, nem Gerizim, o monte dos samaritanos, nem Jerusalém, a capital dos
judeus, eram ideais. O novo “lugar” de adoração na Terra não correspondia a
um prédio, mas ao próprio Jesus, o templo verdadeiro. Nele, o objeto e o
local de adoração se unem porque Deus não pode ser reduzido a uma imagem
nem confinado a um lugar. Logo, o questionamento mais fundamental “não
diz respeito ao local de adoração, mas a quem é adorado”. 87 O que
realmente parece importar é “a atitude do coração e da mente, a obediência à
Palavra de Deus, assim como o propósito e método de adoração. Não é o
‘onde’ que importa, mas o ‘como’ e o ‘por quê’”. 88 A adoração se dá no
contexto de um coração que acolhe a verdade. O formalismo na adoração é
eliminado por completo.
Qualidade da adoração
Mais especificamente, o objeto de adoração é o “Pai” (Jo 4:21). É
importante observar que a adoração é uma busca divina: “São estes que o Pai
procura para Seus adoradores” (Jo 4:23). Adorar “em espírito e em verdade”
não é natural para o coração humano (Jo 4:23). A expressão “em espírito”
provavelmente se refira ao Espírito Santo e significa “habilitado pelo
Espírito”. 89 É adoração em verdade porque ela é determinada pela
autorrevelação divina. Essa revelação se manifestou na pessoa de Jesus, que é
identificado como a verdade (cf. Jo 14:6).
Adoração, conhecimento e salvação
Jesus disse à mulher: “Nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação
vem dos judeus” (Jo 4:22). Deus Se revelou de maneira singular aos
israelitas, e essa revelação foi preservada no Antigo Testamento. Os
samaritanos só reconheciam o Pentateuco como instrução divina. 90 Jesus
falou sobre uma nova adoração, movida pelo Espírito Santo, baseada na plena
revelação de Deus. 91 “Essa adoração [...] também será voltada para o Deus
verdadeiro que as Escrituras apresentam e que Se revelou na obra da
redenção.” 92 Jesus conectou a verdadeira adoração ao conhecimento, e o
conhecimento com a salvação. Novamente, enfatiza-se a ideia de que
adoração é a resposta daqueles que foram salvos por seu Redentor.

ADORAÇÃO NOS SALMOS

Por causa da limitação de espaço, só poderemos pincelar alguns dos


princípios mais importantes de adoração encontrados no livro de Salmos. De
fato, é um livro de adoração que contém os cânticos entoados pelos israelitas
em seus lares, durante as colheitas e enquanto viajavam para o templo.

Lugar de adoração
A adoração requer não só um momento de adoração, mas também um local
específico. Com muita frequência, os salmos presumem que existe um lugar
centralizado de adoração – o templo –, que permite a adoração coletiva e
pessoal. O salmista anseia estar lá: “Quão amáveis são os Teus tabernáculos,
SENHOR dos Exércitos! A minha alma suspira e desfalece pelos átrios do
Senhor; o meu coração e a minha carne exultam pelo Deus vivo!” (Sl 84:1,
2). Um lugar comum de adoração contribui para a união e identidade do povo
de Deus, protegendo as pessoas da idolatria. Deus Se torna disponível para
Seu povo a fim de ser adorado em um lugar específico.

Deus como alvo de adoração


Para o salmista, o desejo intenso de ir ao templo adorar se baseia na firme
convicção de que Deus habita ali. Esse lugar específico é único porque se
trata da morada do Senhor na Terra: Seu tabernáculo ou palácio. É claro que
isso não significa que Deus não estava disponível para os israelitas em outros
lugares. Mas talvez essa realidade tivesse o propósito de ensinar que, por
habitar no templo, Ele podia ser acessado por qualquer um, em qualquer
outro lugar. Essa ideia é expressa com clareza no Salmo 11:4: “O SENHOR está
no Seu santo templo; nos Céus tem o SENHOR Seu trono; os Seus olhos estão
atentos, as Suas pálpebras sondam os filhos dos homens.” A adoração se
fundamenta na firme convicção de que existimos e passamos a vida na
presença de Deus (Sl 139:7-12).

O Deus a ser adorado


Esse Deus é único porque é “o nosso Criador” (Sl 95:6, NVI). Nos Salmos,
um dos motivos mais comuns para adorar a Deus é o fato de Ele ser o
Criador. No entanto, a ênfase aqui está em que Ele criou de maneira única:
“Louvem o nome do Senhor, pois mandou Ele, e [os anjos, as estrelas, o sol,
a luz e as águas, Sl 95:2-4] foram criados” (Sl 148:5). Ele criou o cosmos por
decreto; por meio de Sua palavra ou ordem, sem esforço. Para o salmista, não
existe deus semelhante ao Senhor. Ele é a própria fonte e essência da vida.
Quando os israelitas O adoravam, entravam em contato com Aquele que os
havia criado. O livro dos Salmos termina com um convite universal: “Todo
ser que respira louve ao Senhor. Aleluia!” (Sl 150:6). Deus é o único centro
de adoração, pois Ele é vida em Si mesmo e pode nos fazer reviver (Sl 85:6).
Ele é o centro de adoração no templo ou em qualquer outro lugar, pois
sempre está presente na vida diária de Seu povo. A adoração não diz respeito
a nós, mas ao Senhor. E, no centro do livro dos Salmos, encontramos esse
Deus glorioso, Criador e Restaurador da vida.

Adoração como resposta


A adoração é nossa resposta à graça de Deus e Seus atos de amor. O Deus
do salmista é amoroso e cheio de misericórdia. Seus atos de livramento
jamais devem ser esquecidos. Eles são preservados em nossa memória por
meio do louvor:

Bendize, ó minha alma, ao SENHOR,

E não te esqueças de nem um só de Seus benefícios.

Ele é quem perdoa todas as tuas iniquidades;

Quem sara todas as tuas enfermidades;

Quem da cova redime a tua vida

E te coroa de graça e misericórdia;


Quem farta de bens a tua velhice,

De sorte que a tua mocidade se renova como a da águia (Sl 103:2-5).

A adoração é um ato de lembrança. Nossa memória é muito frágil e a forma


de mantê-la aguçada é louvando o Senhor. Em outras palavras, a atuação
divina em nosso favor precede o ato de adoração, sendo preservada viva em
nossa consciência por meio do louvor a Ele. Isso é tão importante que
existem salmos inteiros louvando a história de Israel, do êxodo até a entrada
na terra de Canaã (cf. Sl 106). Os israelitas não queriam esquecer a bondade
do Senhor ao conduzi-los, perdoar seus pecados e prover para suas
necessidades. Em consequência, eles O adoravam. A indisposição em adorar
o Senhor é uma afirmação de autossuficiência e de idolatria. A adoração
encontra suas raízes no Deus que criou todas as coisas e cuida delas
constantemente.

Alegria e adoração
No livro dos Salmos, comparecer à presença do Senhor é uma ocasião de
alegria:

Vinde, cantemos ao SENHOR, com júbilo,

Celebremos o Rochedo da nossa salvação.

Saiamos ao Seu encontro, com ações de graças,

Vitoriemo-Lo com salmos.

Porque o SENHOR é o Deus supremo

E o grande Rei acima de todos os deuses (Sl 95:1-3).

Se durante a adoração nos lembramos de Sua bondade, então nos


alegraremos em Sua presença. Se olharmos com cuidado para nossa vida,
sobretudo nossas experiências passadas com o Senhor, sempre encontraremos
razões para nos alegrar, agradecer e prestar louvores a Deus e Sua constante
bondade para conosco.
No entanto, o adorador às vezes chega à presença do Senhor cheio de
sofrimento, sentindo-se oprimido ou abandonado por Ele. Às vezes, reclama
perante Deus:

Até quando, SENHOR? Esquecer-Te-ás de mim para sempre?

Até quando ocultarás de mim o rosto?

Até quando estarei eu relutando dentro de minha alma,

Com tristeza no coração cada dia?

Até quando se erguerá contra mim o meu inimigo? (Sl 13:1, 2).

Durante o ato de adorar ao Senhor, os israelitas sempre estavam prontos


para apresentar a Ele suas tristezas, sua solidão e seus sofrimentos. O Senhor
Se interessava em ouvi-los, porque, ao levar a Ele suas preocupações,
reconheciam e testemunhavam, de maneira específica, que Ele era o único
capaz de livrá-los. Note que o adorador não se demora em sua condição de
desespero. A queixa encontrada no Salmo 13:1 e 2 é seguida imediatamente
por um pedido específico ao Senhor, uma oração:

Atenta para mim, responde-me, SENHOR, Deus meu!

Ilumina-me os olhos, para que eu não durma o sono da morte;

Para que não diga o meu inimigo: Prevaleci contra ele;

E não se regozijem os meus adversários, vindo eu a vacilar (Sl 13:3, 4).


Mais uma vez, ouvimos a voz do salmista introduzindo um pedido
específico. Aqueles que oravam por meio dos salmos sabiam que o Senhor
ouvia suas orações e que podiam esperar uma resposta ao pedido por
livramento. Os salmistas queriam renovação espiritual e física. Caso
contrário, o inimigo teria vitória sobre eles. Segundo os autores dos salmos,
todos estamos envolvidos em uma guerra cósmica e, às vezes, enfrentamos
ataques dos poderes do mal. O clamor revela que os salmistas vinham
enfrentando essa condição difícil por algum tempo, mas não desistiam. Eles
confiavam verdadeiramente no Senhor e compareciam em Sua presença a fim
de Lhe apresentar seus pedidos.
O mais surpreendente é que, em meio a uma situação desesperadora, em
uma oração clamando por libertação, o salmo inclui um traço de alegria:

No tocante a mim, confio na Tua graça;

Regozije-se o meu coração na Tua salvação.

Cantarei ao SENHOR,

Porquanto me tem feito muito bem (Sl 13:5, 6).

O salmo termina com a certeza de que Deus agirá em favor daqueles que
sofrem e os livrará de suas aflições. É nessa expectativa de livramento futuro
que o salmo encerra com uma confissão de alegria. Chegará o tempo, diz o
salmo, quando nos alegraremos na salvação divina e cantaremos ao Senhor.
A expectativa futura, alicerçada na esperança e confiança no Senhor, é forte o
suficiente para nos sustentar em meio às experiências sombrias do mundo.
Por isso, confessamos nossa confiança na benignidade do Senhor e nossa
alegria em Sua presença.

Adoração, fidelidade à aliança e pecado


O Deus do salmista é o Senhor da aliança que redimiu o povo de Israel,
tirando-o do Egito para entrar em um relacionamento amoroso de aliança.
Logo, nos Salmos, a adoração é inseparável da fidelidade à aliança ou da
lealdade a um compromisso com Deus. De acordo com o Salmo 24,
esperava-se que aqueles que chegassem para adorar confessassem fidelidade
à aliança e paz com Deus:

Quem subirá ao monte do Senhor?

Quem há de permanecer no Seu santo lugar?

O que é limpo de mãos e puro de coração,

Que não entrega a sua alma à falsidade,

Nem jura dolosamente.

Este obterá do Senhor a bênção

E a justiça do Deus da sua salvação.

Tal é a geração dos que O buscam,

Dos que buscam a face do Deus de Jacó (Sl 24:3-6).

A bênção do Senhor vinha sobre um povo fiel à aliança. A aliança é o


contexto no qual a bênção de Deus está ativa de maneira bem especial.
Entretanto, existe outro lado para esse aspecto da adoração. Os transgressores
da aliança não eram simplesmente excluídos da adoração ao Senhor. Todo o
sistema sacrificial mostra que Deus sempre esteve disposto a conceder perdão
para os pecadores arrependidos. Nesses casos, os adoradores compareciam
buscando o perdão divino e o recebiam no templo por meio do sistema de
sacrifícios:
Bem-aventurado aquele cuja iniquidade é perdoada, cujo pecado é coberto [...].

Confessei-Te o meu pecado

E a minha iniquidade não mais ocultei.

Disse: confessarei ao SENHOR as minhas transgressões;

E Tu perdoaste a iniquidade do meu pecado [...].

Mas o que confia no SENHOR, a misericórdia o assistirá [...].

Alegrai-vos no SENHOR e regozijai-vos, ó justos;

Exultai, vós todos que sois retos de coração (Sl 32:1, 5, 10b, 11).

O perdão dos pecados é uma das bênçãos que os participantes da aliança


recebem do Senhor. O último verso indica que o pecador arrependido obteve
justiça divina e deixa o ato de adoração justificado e purificado do pecado (cf.
Lc 18:14).

Adoração e harmonia cósmica


Para o salmista, a adoração é tão importante que se torna o instrumento
divino para unir ao cosmos e o conciliar com Ele. Ao fim do livro dos
Salmos, a adoração assume dimensões escatológicas. O Salmo 148 ordena
que os habitantes do Céu louvem ao Senhor (v. 1-4) e aqueles que estão na
Terra façam o mesmo. O salmista chega a ordenar que os fenômenos
meteorológicos, as montanhas, os peixes e os animais louvem ao Senhor (v.
1-10). Ele termina convidando todos os seres humanos – ricos ou pobres,
poderosos ou não, jovens e velhos, homens e mulheres –, inclusive o povo de
Deus, para louvar ao Senhor (v. 11-14). O Salmo é um hino de harmonia
cósmica que será possível quando todas as criaturas do Universo fizerem de
Deus seu centro único e exclusivo de adoração. Isso nos remete à declaração
de Paulo em Filipenses: “Para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos
céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é
Senhor, para glória de Deus Pai” (Fp 2:10, 11). A adoração se encontra
inquestionavelmente no centro do conflito cósmico.

CONCLUSÃO

O tema da adoração na igreja tem se tornado preeminente e problemático,


dando sinais claros da necessidade de uma teologia específica. Sugerimos que
o estudo de algumas narrativas bíblicas relacionadas à adoração, alguns
textos que analisamos e um breve estudo do livro dos Salmos podem ser úteis
no desenvolvimento de uma teologia bíblica de adoração, fornecendo uma
série de conceitos e princípios que podem ajudar a definir o conceito da
prática da adoração.

Elementos para uma teologia da adoração


1. A teologia da adoração deve ser baseada na estrutura da revelação
objetiva de uma resposta subjetiva e positiva. Deus toma a iniciativa e Se
revela; já os seres humanos reagem a essa iniciativa com fé e obediência. A
adoração se encontra diretamente relacionada à natureza do Deus que Se
revelou. Os materiais bíblicos que estudamos se referem, com frequência, a
Sua eternidade, onipresença, onipotência, onisciência, sabedoria, bondade ou
misericórdia, soberania, santidade, a Seu amor, justiça, verdade e graça. Sua
ira e Seu zelo também são mencionados. Por meio da referência a esses
atributos, a grandeza, majestade e bondade do Deus a quem adoramos são
indicadas. A teologia da adoração requer um equilíbrio apropriado entre a
transcendência e a imanência divina. O Deus que é santo também está, ao
mesmo tempo, presente em nosso meio. Considerando que Sua presença é
real, o espaço e o tempo podem ser santificados por Ele para propiciar uma
experiência real de adoração. Aliás, é por ser quem Ele é que a resposta
humana é de adoração.
2. A adoração também se fundamenta no fato de Deus ter criado todas as
coisas e continuar a preservá-las. Seu cuidado providencial e, sobretudo, Seus
atos redentores são fundamentais para levar o coração humano a adorá-Lo
com gratidão e ação de graças. É claro que, na Bíblia, a adoração tem um
forte elemento soteriológico. A graça e a salvação divinas sempre precedem o
ato de adoração e obediência.
3. A resposta humana à presença de Deus na adoração deve ser
caracterizada por fé, aceitação, entrega, lealdade, compromisso, obediência,
gratidão, celebração e reverência. Essa reação à consciência da presença
divina em nossa vida também deve incluir o exercício apropriado da
mordomia cristã.
4. Embora a adoração possua uma dimensão pessoal profunda, ela não se
limita à espiritualidade pessoal particular. A adoração envolve a família e a
comunidade da fé quando estas respondem coletivamente à graça divina.
Como resposta humana, nossa maneira de adorar tende a ser influenciada
pelos costumes e pelas tradições da cultura. Essas influências devem ser
avaliadas à luz de princípios bíblicos.
5. A adoração nos impulsiona para perto de Deus e, ao mesmo tempo, nos
aproxima de outras pessoas. Inclui tanto um componente devocional quanto
um elemento missiológico. A adoração de um Deus glorioso, misericordioso
e cuidadoso não só enche o coração de gratidão, como também nos leva, em
gratidão, a apresentar o Senhor e Salvador para os outros.
6. A adoração é uma experiência alegre caracterizada por cânticos e música.
Neles é manifesta a atitude de um coração transbordante de alegria por aquilo
que Deus fez e fará por nós. Até o corpo exprime alegria em gestos ou
movimentos. À medida que ouvimos a Palavra do Senhor, a adoração se
torna uma atividade do ser completo, envolvendo o corpo, a mente e as
emoções. Em outras palavras, a adoração contém elementos intelectuais e
cognitivos, bem como componentes emocionais genuínos.
7. A adoração inclui a lembrança dos atos salvíficos de Deus, o
compromisso atual e a antecipação de um futuro com Ele e uns com os
outros. É histórica, contemporânea e profética. Nessa experiência, acontece
um diálogo com Deus. Isso pode acontecer por meio da leitura, do ensino, da
pregação das Escrituras e da oração. A resposta humana na forma de
adoração deve ser caracterizada por humildade, reconhecimento da própria
condição de pecado e dependência da graça de Deus para perdão e
restauração. Somente os humildes adoram ao Senhor.
8. No conflito cósmico entre o bem e o mal, o verdadeiro centro de
adoração está em disputa. Esse problema está no cerne do conflito, que se
aproxima da resolução definitiva. A verdadeira adoração cristã se dirige à
Trindade. Concentra-se em Deus, é liturgicamente centrada em Cristo e
ocorre mediante o poder concedido pelo Espírito. A adoração no sétimo dia,
o sábado, em obediência à vontade de Deus, adquirirá importância decisiva
no fim do conflito, ajudando as pessoas a distinguir a verdadeira da falsa
adoração.

Princípios para a prática litúrgica


1. Os fundamentos da liturgia devem ser, em primeiro lugar, a leitura e
pregação da Palavra de Deus e, em segundo, o louvor e enaltecimento do
Senhor. A natureza dialógica da adoração busca um equilíbrio apropriado
entre o teocentrismo e a oportunidade de dar uma resposta humana em
palavras, atos e, sobretudo, na proclamação (pregação) e aclamação (louvor).
2. A adoração teocêntrica busca, de maneira deliberada, o conhecimento do
caráter (atributos), das ações e providências de Deus. Ela deveria nos
conduzir à reverência e admiração. O culto deve ser caracterizado por
reverência, ordem e solenidade, em equilíbrio com a comunhão,
espontaneidade e alegria. Deve haver momentos de cântico, música
instrumental e expressões artísticas. Os elementos do culto devem estar
alinhados ao plano da salvação e da graça de Deus. A liturgia pode conter
atos de dedicação e consagração ao Senhor (por exemplo, filhos, recursos,
etc.), em reconhecimento da bondade divina. Deve incluir a expressão da
gratidão a Deus na forma de ofertas e devolução dos dízimos. A igreja deve
instruir os membros no que concerne à adoração pessoal, familiar e coletiva.
É fundamental evitar o individualismo ou isolamento religioso.
3. Embora Jesus seja o “lugar” da adoração, no sentido de ser Aquele em
quem e por meio de quem adoramos, há lugares e momentos sagrados nos
quais a congregação se une para adorar. Isso é importante para a vida da
comunidade, pois alimenta a comunhão dos crentes e fortalece sua unidade.
Esse é o caso, sobretudo, durante a celebração da santa ceia.
4. A adoração necessita de contextualização intencional a fim de manter a
relevância de sua mensagem para a mente contemporânea. Em uma igreja
mundial, a adoração é transcultural, contracultural, intercultural e
multicultural. Os critérios essenciais de avaliação de sua expressão cultural
apropriada devem ser os princípios bíblicos de adoração.
5. A adoração deve incluir tanto um convite para as pessoas se
aproximarem de Deus quanto um chamado para a missão e o serviço. Ela
necessita ser participativa e dar oportunidades para o exercício do sacerdócio
de todos os crentes.
6. Durante o culto de adoração aos sábados, é apropriado dar ênfase às
doutrinas de relevância especial para o povo de Deus no tempo do fim, como
a mediação de Cristo no santuário, a segunda vinda e as bênçãos do sábado.
A adoração deve acontecer em um contexto que reconhece a Trindade,
destacando Sua significância teocêntrica e cristocêntrica, bem como o papel
essencial do Espírito na proclamação da Palavra e em sua aplicação diária. É
também o momento quando a igreja se une para aprender sobre os requisitos
éticos, morais e os desdobramentos da adoração.
7. A adoração deve ser inteligível para todos os participantes. A fim de
facilitar o sentido da leitura da Bíblia, devem ser usadas versões das
Escrituras com vocabulário claro e desprovidas de controvérsias teológicas.
O uso de linguagem simples na pregação e adoração é indispensável a fim de
tornar a mensagem significativa para todos. A liturgia pode lançar mão de
recursos audiovisuais e de outros elementos que contribuam para facilitar a
recepção da mensagem.
A verdadeira adoração é imbuída por um senso profundo de valor e
relevância espiritual na vida presente do indivíduo e da comunidade de fé.
Contudo, também se projeta no futuro, quando povos de todas as nações,
tribos e línguas comparecerão perante o trono de Deus a fim de O adorar por
tê-los salvado por meio do sangue do Cordeiro. Em certo sentido, todo ato de
adoração é uma antecipação dessa gloriosa expectativa escatológica.

1 Fernando Canale, “Principles of Worship and Liturgy”, Journal of Adventist Theological Society
20.1-2 (2009), p. 89-112, comenta: “Muitos estudantes e membros da igreja ficam espantados pela
multiplicidade de estilos cristãos de adoração.” O autor extrai da Bíblia e sobretudo de Ellen G. White
os seguintes princípios:
1. Princípios gerais de adoração
a) Princípio de origem (Deus, o Criador)
b) Princípio de existência (discipulado como condição necessária)
c) Princípio de natureza (espírito e verdade)
d) Princípio de apreço (encontro com um amigo)
2. Princípios para a adoração congregacional
a) Princípio de existência (presença divina)
b) Princípio de atração (Cristo ressurreto)
3. Princípios de liturgia
a) Princípio de criatividade (obediência a Cristo)
b) Princípio de conteúdo (distinção entre o sagrado e o comum)
c) Princípio de desconfiança (Sola Scriptura)
d) Princípio de efeito espiritual.
2 Os verbos são hištahawāh (“adorar, prostrar”) e ‘ābad (“servir”), duas das expressões linguísticas
mais comuns para designar adoração na Bíblia hebraica, subentendem uma ação dinâmica. Cf.
Raymond Bailey, “Worship in the New Testament”, Mercer Dictionary of the Bible, Watson E. Mills,
ed. (Macon, GA: Mercer University Press, 1990), p. 970. Os verbos a seguir ocorrem com frequência
nas narrativas bíblicas: “temer” (heb. yârê’ e gr. phobeomai), “dar glória” (heb. kābad e gr. doxazō),
“louvar” (heb. hālal e gr. aineō) e “bendizer” (heb. bârak e gr. eulogueō).
3 A sequência de revelação e reação aparece com consistência como a chave interpretativa para o
senso de adoração. Ver, por exemplo, Alfred Küen, En Culto en la Biblia y en la Historia (Barcelona:
Clie, 1994), p. 35; Donald P. Hustad, Jubilate II: Church Music in Worship and Renewal (Carol
Stream, IL: Hope Publishing, 1993), p. 123-124, 137, 142; James F. White, Introduction to Christian
Worship (Nashville, TN: Abingdon, 1980), p. 17.
4 Robert E. Webber, Worship, Old & New: A Biblical, Historical, and Practical Introduction (Grand
Rapids, MI: Zondervan, 1994), p. 65.
5 David Peterson, Engaging with God: A Biblical Theology of Worship (Grand Rapids, MI:
Eerdmans, 1993), p. 48, resume bem essas ideias: “Algo decisivo para a compreensão do conceito de
adoração no Antigo Testamento é a ideia de que o Deus do Céu e da Terra tomou a iniciativa de Se
fazer conhecer, primeiro para os patriarcas de Israel e, depois, por meio dos acontecimentos do êxodo
do Egito até o encontro no monte Sinai, à nação como um todo. O livro de Êxodo proclama que Deus
resgatou Seu povo da escravidão no Egito para que este O servisse ou adorasse com exclusividade.”
6 William H. Gentz, ed., Dictionary of the Bible and Religion, (Nashville, TN: Abingdon, 1986), p.
1122.
7 Alfred P. Gibbs, Worship: The Christian’s Highest Occupation (Dubuque, IA: ECS Ministries,
2012), p. 18, ao comentar sobre o primeiro uso do verbo “adorar”, em Gênesis 22:5, afirma:
“Aprendemos primeiro que a adoração se baseia na revelação divina. [...] A fé sempre pressupõe uma
revelação anterior [...]. Em segundo lugar, descobrimos que a adoração é condicionada pela fé, em
obediência a essa revelação divina.”
8 Tradicionalmente, a forma verbal hištahawāi derivava da raiz verbal šāhah, mas esse não é mais o
caso (embora alguns ainda argumentem em favor desse ponto de vista). Os estudos linguísticos ligados
ao idioma cananeu ugarítico demonstram que a raiz verbal é hawāa. Cf. G. del Olmo Lete e J.
Sanmartín, A Dictionary of the Ugaritic Language in the Alphabetic Tradition (Leiden, Boston: Brill,
2003), v. 1, p. 186.

9 Cf. D. Preuss, “ khwh”, Theological Dictionary of the Old Testament (Grand Rapids, MI:
Eerdmans, 2003), v. 4, p. 250.
10 Pablo Argárate, La Iglesia Celebra a Jesucristo: Introducción a la Celebración Litúrgica (Buenos
Aires: San Pablo, 1994), p. 7, diz que existe um encontro teândrico, ou divino-humano, na liturgia.
11 Cf. Paul W. Hoon, The Integrity of Worship (Nashville, TN: Abingdon, 1971).
12 Robert E. Webber, Worship is a Verb: Eight Principles for a Highly Participary Worship
(Nashville, TN: Abbott Martyn, 1993), p. 17.
13 Em Gênesis 22:5, “adoração” pode significar simplesmente “se prostrar” (cf. Gn 18:2; 19:1).
Gordon J. Wenham, Genesis 16–50 (Dallas, TX: Word, 1994), v. 2, p. 107.
14 Meredith G. Kline, “Genesis”, em Donald Guthrie e J. A. Motyer, org., The New Bible
Commentary (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1970), p. 99.
15 Lawrence Boadt, “Genesis”, em William R. Farmer, org., The International Bible Commentary: A
Catholic and Ecumenical Commentary for the Twenty-First Century (Collegeville, MN: The Liturgical
Press, 1998), p. 381.
16 Warren W. Wiersbe, Real Worship: It Will Transform Your Life (Nashville, TN: Oliver-Nelson,
1986), p. 27.
17 Küen, En Culto en la Biblia y en la Historia, p. 85.
18 Hustad, Jubilate II, p. 105.
19 Alberto Colunga e Maximiliano García Cordero, “Pentateuco”, em Biblia Comentada (Madrid:
Biblioteca de Autores Cristianos, 1960), v. 1, p. 266, 267.
20 Canale, “Principles of Worship and Liturgy”, p. 98.
21 Norval F. Pease, “Worship – A Bible Doctrine”, Adult Sabbath School Lessons, outubro-dezembro
de 1976, p. 55. Cf. Norval F. Pease, “And Worship Him” (Nashville, TN: Southern Publishing, 1967).
22 Ellen G. White, Profetas e Reis (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2019), p. 48.
23 Millard J. Erickson, Teologia Sistemática (São Paulo: Vida Nova, 2015), p. 295-314.
24 C. Raymond Holmes, Sing a New Song!: Worship Renewal for Adventists Today (Berrien Springs,
MI: Andrews University Press, 1984), p. 163-164. Sobre os conceitos de transcendência e imanência,
ver Wolfgang Hans Martin Stefani, “The Concept of God and Sacred Music Style: An Intercultural
Exploration of Divine Transcendence/Immanence as a Stylistic Determinant for Worship Music with
Paradigmatic Implications for the Contemporary Christian Context” (tese de doutorado, Faculdade de
Educação da Universidade Andrews, Berrien Springs, MI, 1993).
25 Colunga e Cordero, “Pentateuco”, v. 1, p. 266, 267.
26 Peterson, Engaging with God, p. 283.
27 John I. Durham, Exodus (Dallas: Word, 1987), p. 41.
28 Colunga e Cordero, “Pentateuco”, v. 1, p. 401.
29 Colunga e Cordero, “Pentateuco”, v. 1, p. 401.
30 Francis D. Nichol, Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, 7 v. (Tatuí, SP: Casa Publicadora
Brasileira, 2011), v. 1, p. 541.
31 John F. Craghan, “Exodus”, em Farmer, ed., The International Bible Commentary, p. 413; cf.
Nichol, Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, v. 1, p. 541.
32 John MacArthur Jr., True Worship (Chicago: Moody, 1982), p. 60.
33 Hywel R. Jones, “Exodus”, em Guthrie e Motyer, The New Bible Commentary, p. 128.
34 Jones, “Exodus”, p. 128.
35 Craghan, “Exodus”, em Farmer, ed., The International Bible Commentary, p. 425.
36 Webber, Old & New, p. 20, 21.
37 Webber, Old & New.
38 Webber, Old & New, p. 74.
39 Argárate, La Iglesia Celebra a Jesucristo, p. 11.
40
Sobre adoração e a primeira tábua da lei, cf. Francisco Lacueva, Ética Cristiana (Barcelona: Clie,
1975), p. 62-64.
41 John R. W. Stott, Cristianismo Básico (Viçosa, MG: Ultimato, 2007), p. 84-91.
42 Durham, Exodus, v. 3, p. 285-290.
43 C. Raymond Holmes, “Authentic Adventist Worship”, Ministry, outubro de 1991, p. 6, 7.
44 Canale, “Principles of Worship and Liturgy”, p. 102.
45 Argárate, La Iglesia Celebra a Jesucristo, p. 137.
46 H. L. Ellison, “1 and 2 Chronicles”, em Guthrie e Motyer, The New Bible Commentary, p. 383.
47 Luca Mazzinghi, “1 Chronicles”, em Farmer, ed., The International Bible Commentary, p. 663.
48 Adam Clarke, The Holy Bible Containing the Old and New Testaments: With a Commentary and
Critical Notes (Nova York e Nashville: Abingdon-Cokesbury, 1947), v. 2, p. 780.
49 Luis Arnaldich, “Libros históricos del Antiguo Testamento”, Biblia Comentada, v. 2, p. 751.
50 A. E. Cundall, “Nehemiah”, em Guthrie e Motyer, The New Bible Commentary, p. 408.
51 O hebraico ‘amen significa “firme”, “consolidado” e é usado para exprimir aprovação, como em 1
Crônicas 16:36; Neemias 5:13; 8:6. Ver Francis D. Nichol, Comentário Bíblico Adventista do Sétimo
Dia, v. 6, p. 868.
52 Miroslav Volf, “Worship as Adoration and Action: Reflections on a Christian Way of Being-in-the
World”, em: Worship: Adoration and Action, Donald A. Carson, ed. (Grand Rapids, MI: Baker, 1993),
p. 210.
53 Theodor Filthaut, La formación litúrgica (Barcelona: Herder, 1965), p. 119.
54 Wiersbe, Real Worship, p. 77. Ele também sugere Gênesis 28, Êxodo 34 e Apocalipse 1, 4, 5.
55 Hustad, Jubilate II, p. 102, 103.
56 Richard Rice, The Reign of God: An Introduction to Christian Theology from a Seventh-day
Adventist Perspective (Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 1985), p. 289.
57 Horton Davies, Worship and Theology in England: The Ecumenical Century 1900-1965
(Princeton, NJ: Princeton University Press, 1965), p. 121.
58 Russel P. Shedd, Adoração Bíblica (São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1987),
afirma que os elementos em Isaías 6:1 a 8 são: (1) contemplação e comunhão (v. 1-4); (2) convicção,
confissão e purificação (v. 5-7) e (3) comunhão (v. 8, 9).
59 Cf. Daniel Oscar Plenc, “Aproximación al significado teológico y litúrgico de los himnos del
Apocalipsis”, Theologika 20.1 (2005), p. 92-113; Anthony Robert Nusca, “Heavenly Worship,
Ecclesial Worship: A ‘Liturgical Approach’ to the Hyms of the Apocalypse of St. John” (tese de
doutorado, Pontifícia Universidade Gregoriana, 1997); C. Raymond Holmes, “Worship in the Book of
Revelation”, Journal of Adventist Theological Society 8.1-2 (1997), p. 1-18; R. Dean Davis, “The
Heavenly Court Scene of Revelation 4–5” (tese de doutorado, Andrews University, 1987); Steven
Grabiner, Revelation’s Hymns: Commentary on the Cosmic Principle (Nova York: Bloomsbury T &
Clark, 2015).
60
Hans K. LaRondelle, How to Understand the End-Time Prophecies of the Bible: The Biblical-
Contextual Approach (Sarasota, FL: First Impressions, 1997), p. 288.
61 Argárate, La Iglesia Celebra a Jesucristo, p. 76.
62 Matthew Henry, Commentary on the Holy Bible; Matthew-Revelation (Nashville, TN: Thomas
Nelson, 1979), p. 459-479.
63 MacArthur Jr., True Worship, p. 73-77. Cf. Henry B. Greene, “The Doctrine of the Trinity and the
Worship of the Church” (tese de doutorado, Fuller Theological Seminary, 1996).
64 C. Raymond Holmes, “Toward an Adventist Theology of Worship”, Ministry, abril de 1983, p. 4.
65 Holmes, Sing a New Song!, p. 21.
66 J. Massyngberde Ford, Revelation (Garden City, NY: Doubleday, 1975), v. 38, p. 95.
67 G. R. Beasley-Murray, “Revelation”, em Guthrie e Motyer, The New Bible Commentary, p. 1288.
68 Beasley-Murray, “Revelation”, p. 1288.
69 A expressão grega eulogia é usada em Apocalipse 5:12, 13 e 7:12.
70 G. W. Bromiley, “Adoração”, em Enciclopédia da Bíblia, Merrill C. Tenney, ed. (São Paulo:
Cultura Cristã, 2008), v. 1, p. 127.
71 Holmes, “Theology of Worship”, p. 4; Holmes, Sing a New Song!, p. 20.
72 C. Raymond Holmes, “Authentic Adventist Worship”, Ministry, outubro de 1991, p. 13.
73 Holmes, “Authentic Adventist Worship”, p. 13, 14.
74 Holmes, “Authentic Adventist Worship”, p. 15, 16.
75 Francis D. Nichol, Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, 7 v. (Tatuí, SP: Casa Publicadora
Brasileira, 2015), v. 7, p. 915.
76 Nichol, Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, v. 7, p. 915.
77 Nichol, Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, v. 7, p. 916.
78 Nichol, Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, v. 7, p. 916.
79 Nisto Cremos: As 28 Crenças Fundamentais da Igreja Adventista do Sétimo Dia (Tatuí, SP: Casa
Publicadora Brasileira, 2019), p. 219.
80 Holmes, Sing a New Song!, p. 89.
81 Nisto Cremos, p. 222.
82 Nisto Cremos, p. 222, 223.
83 Para um estudo aprofundado sobre a adoração a Jesus na igreja cristã, ver Larry W. Hurtado, Lord
Jesus Christ: Devotion to Jesus in Earliest Christianity (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2003). A fim de
analisar os materiais encontrados, ver p. 259-426.
84 MacArthur Jr., True Worship, p. 7.
85 MacArthur Jr., True Worship, p. 8.
86 Donald Guthrie, “John”, em Guthrie e Motyer, The New Bible Commentary, p. 938.
87 MacArthur Jr., True Worship, p. 51, 52.
88 MacArthur Jr., True Worship, p. 54.
89 Craig S. Keener, The Gospel of John: A Commentary (Peabody, MA: Hendrickson, 2003), v. 1, p.
615.
90 Armando J. Levoratti, ed., Comentario Bíblico Latinoamericano: Nuevo Testamento (Estella,
Navarra: Verbo Divino, 2007), v. 2, p. 623.
91 Guthrie, “John”, em Guthrie e Motyer, The New Bible Commentary, p. 938.
92 Manuel de Tuya, “Evangelios”, Biblia Comentada (Madrid: Editorial Católica, 1964), v. 5, p. 364.
6 Elementos da Adoração Adventista: Sua
Relevância Teológica
Ángel Manuel Rodríguez

a Bíblia, o chamado do Criador à adoração exclusiva costuma ser

N feito no contexto de vozes em concorrência no conflito cósmico.


Uma resposta positiva é considerada uma expressão de lealdade a
Deus e um reconhecimento de Seu amor e preocupação por Suas criaturas. A
ênfase bíblica na adoração a Ele faz parte do cerne da missão e mensagem na
Igreja Adventista, conforme resume Apocalipse 14:6 a 12. Nessa passagem,
encontramos um chamado muito especial para a humanidade adorar “Aquele
que fez o céu, e a terra, e o mar, e as fontes das águas”.
É inquestionável que uma das questões mais importantes no conflito
cósmico está diretamente interligada ao verdadeiro objeto de adoração. O
livro do Apocalipse identifica os alvos que competem pela adoração, como o
dragão, a besta do mar e o falso profeta, uma trindade falsa e maligna (Ap
13:4, 15). 1 Contra essas forças do mal, Deus e o Cordeiro são identificados
como o único alvo exclusivo de adoração (Ap 5:11-14; 14:7). 2 As profecias
do Apocalipse apontam para o confronto final entre Cristo e o anticristo,
perto da segunda vinda, que colocará o tema do verdadeiro alvo de adoração
no centro do debate (cf. 2Ts 2:3, 4).
Os adventistas proclamam a adoração exclusiva de Deus como Criador em
oposição ao neodarwinismo, o qual atribui a forças aleatórias da natureza o
poder impessoal que trouxe tudo que há no cosmo à existência. Isso contraria
a revelação bíblica de que Deus, por intermédio de Cristo, criou todas as
coisas “nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis [...]. Tudo foi
criado por meio Dele e para Ele” (Cl 1:16). É também no contexto da rejeição
do Deus bíblico como Criador que a proclamação do descanso e da adoração
no sétimo dia, o sábado, como memorial da criação e redenção deve ser
ouvida. Ao apontar para a criação e redenção por intermédio do Filho de
Deus, o sábado provê um alicerce sólido e propósito unificador para o
chamado de adorar ao Senhor.

ADORAÇÃO A DEUS

A existência humana tem necessidade constante de um centro para se


orientar e encontrar sentido na vida. A identificação adequada do único alvo
exclusivo de adoração fornece o melhor centro em torno do qual a vida se
torna significativa e produtiva de verdade, para nós e para os outros.
Falaremos sobre como Deus é o centro da adoração, a relevância disso e a
tentação de deslocá-Lo de Sua legítima posição de receber adoração com
exclusividade.

O centro da adoração
Sugerimos que a adoração se baseia na consciência da presença ativa de
Deus na vida pessoal e coletiva de Seu povo. 3 Fundamenta-se no
reconhecimento, por parte dos cristãos, de que Deus é exclusivamente digno
de honra e glória supremas e que nada nem ninguém podem ocupar Seu lugar
e receber adoração (Êx 20:2-3; Lc 24:53). Isso se baseia no fato de que Ele é
o Criador de todas as coisas existentes no Universo e, com Seu poder,
sustenta e mantém continuamente Sua criação (Gn 1:1; Ne 9:6; Cl 2:15-17).
Uma vez que todas as outras coisas do Universo pertencem à categoria de
criaturas, é repreensível, até mesmo abominável, substituir Deus no centro da
adoração por qualquer outro ser (cf. Ap 4:11; 5:12). Embora os seres
humanos tenham perdido a vida original em decorrência da rebelião contra o
Criador, Deus decidiu preservar a raça humana por meio da morte de Seu
Filho. A restauração da comunhão com o Senhor por meio do sacrifício
infinito de Seu Filho reafirma que Deus deve ser o alvo exclusivo de
adoração dos seres humanos.
A singularidade de Deus O identifica como o verdadeiro centro da
adoração. Quando os israelitas foram tentados a adorar ídolos, o Senhor lhes
perguntou: “A quem Me comparareis para que Eu lhe seja igual? E que coisa
semelhante confrontareis Comigo?” (Is 46:5). Ele parece estar dizendo ao
povo: “Vão! Explorem o Universo tentando encontrar alguém como Eu. Se
acharem alguém exatamente como Eu, podem adorá-lo.” Mas Deus já tinha
uma resposta: “Eu sou Deus, e não há outro, Eu sou Deus, e não há outro
semelhante a Mim” (Is 46:9). Os poderes do mal que competem com Ele no
palco cósmico pertencem à esfera da criação, ao passo que o Senhor
permanece o único Ser autoexistente: “A Minha glória, não a dou a outrem.
[...] Eu sou o mesmo, sou o primeiro e também o último” (Is 48:11, 12). É
somente perante Ele que os seres humanos podem se prostrar e adorar. Essa
realidade deve ser usada na avaliação sobre a adequação de qualquer aspecto
do culto.

Natureza da adoração
Talvez possamos falar sobre adoração como o reconhecimento de que nossa
vida encontra sua fonte em Deus, de que Ele a restaurou por intermédio de
Seu Filho e constantemente a preserva mediante Seus atos providenciais.
Logo, a adoração sempre é a resposta do ser completo em relação à
majestade, ao mistério e a singularidade de Deus, revelada em Sua obra de
criação, redenção e providência. Confrontados com Ele, os seres humanos
encontram seu lugar de origem e são preenchidos de alegria, ações de graças
e temor reverente que somente a presença de Deus é capaz de inspirar. Os
adoradores chegam à Sua presença com o coração cheio de júbilo a fim de
Lhe agradecer pelas muitas bênçãos que derrama, bem como por Sua
bondade e misericórdia. Também se aproximam com suas preocupações,
provações e fraquezas a fim de apresentá-las diante Dele, regozijando-se e
dando graças diante da expectativa do momento em que Deus os livrará das
tragédias da vida. Em consequência, pode-se sugerir que, no sentido mais
amplo, adoração é um estilo de vida, não apenas aquilo que é feito quando
nos reunimos como família de Deus a fim de O adorar em um lugar
específico. Uma vez que vivemos em Sua constante presença, cada momento
de nossa vida é, em princípio, um ato de adoração que deve evocar gratidão e
ações de graças.
Adoração também é o que fazemos em obediência Àquele que nos trouxe à
vida (Êx 20:3-6). Sua vontade tem importância suprema quando nos
prostramos em Sua presença. O que fazemos em adoração deve refletir nossa
compreensão da instrução bíblica para aqueles que se aproximam de Deus.
Falaremos mais sobre isso ao debater os elementos da adoração e seu
significado. Por ora, nos concentraremos em um elemento. A adoração
acontece não só em um lugar específico, mas também em um momento
particular. A Bíblia ensina com clareza que a comunidade da fé se reúne para
adorar em um momento específico, a saber, no sétimo dia, o sábado. É claro
que também podemos adorar em qualquer outro momento, mas o sábado é
único por ter sido o dia escolhido, santificado e abençoado por Deus. Ao
longo desse dia, cessam as atividades humanas a fim de comparecermos à
presença do Senhor para adorá-Lo. Fazemos isso em obediência Àquele que
selecionou o sétimo dia para ser um lembrete de Sua obra como Criador e
Redentor (Êx 20:8-11; Dt 5:12-15). O sábado é um memorial que mantém
vivas em nossa mente as razões pelas quais Deus deve ser adorado.
Uma vez que a autoridade, santidade e bênção do sábado são determinadas
pelo fato de que Deus o instituiu durante a semana da criação e que Seu Filho
guardou esse dia, os benefícios recebidos de sua guarda não podem ser
transferidos para outro dia. Nenhum ser humano foi autorizado por Deus para
mudar o dia de descanso e guardar o domingo 4 nem para espiritualizar o
mandamento e tratá-lo como se apontasse somente para o descanso espiritual
em Cristo. 5 Instituir outro dia de adoração especial desrespeita a lei de
Deus. É por adorar ao Senhor no sábado, em obediência à vontade divina,
que também somos capazes de adorá-Lo em qualquer outro momento.

A ameaça da falsa adoração


O risco de substituir a Deus como o único centro de adoração por outra
coisa é uma tentação sempre presente. Isso requer vigilância constante.
Seguem-se alguns exemplos que mostram, quem sabe de maneira não
intencional por parte de alguns, a ação humana de deslocar Deus do centro da
adoração. O primeiro exemplo ocorre quando tradições cristãs colocam os
sacramentos no centro da adoração. Nessas tradições, os sacramentos são
definidos como o meio de transmissão da graça, da parte de Deus, usando um
mediador humano. Assim, seria possível alegar que Deus continua no centro
da adoração. Entretanto, parece que a atuação do mediador humano tende a se
tornar o elemento central no ato de adoração, pois, mediante sua palavra e seu
poder, ele seria capaz de transformar os símbolos do sacramento no
verdadeiro sangue e corpo de Cristo. Nesse processo, o sacrifício de Cristo é
reconstituído. Também seria possível afirmar que, nesse caso, o centro é
Cristo, mas a verdade é que o sacrifício de Jesus na cruz jamais se repetirá,
foi um evento único e definitivo. Além disso, a compreensão peculiar do
sacramento, bem como do papel dos seres humanos como mediadores no ato
de adoração tende a obscurecer a singularidade da morte de Cristo na cruz. A
graça só chega a nós por um único mediador entre Deus e os seres humanos,
“Cristo Jesus, homem, o qual a Si mesmo Se deu em resgate por todos” (1Tm
2:5, 6).
O segundo exemplo vem de comunidades religiosas que dão forte ênfase à
experiência emocional do fiel durante a adoração. O indivíduo vai ao culto
principalmente para vivenciar uma manifestação de poder extraordinário,
para ter uma experiência emocional com o Senhor. Em alguns casos, a
experiência pode consistir no recebimento do suposto dom de línguas, ou por
meio de danças sagradas. Parece que, nesse tipo de contexto, o papel do
ministro é criar um ambiente que facilite a manifestação dessas experiências,
usando, por exemplo, música alta, determinados instrumentos e cânticos que
repetem o mesmo pensamento diversas vezes. Nesse caso específico, o centro
da alteração se desloca levemente de Deus para a experiência humana. A
principal preocupação do adorador não é necessariamente louvar o Senhor e
Lhe dar graças, mas ter uma experiência com Ele em um transe emocional. É
isso que os antigos chamavam de “entusiasmo” (do grego en, “em” e theos,
“deus”), isto é, ter e vivenciar o divino dentro de si por meio de uma
experiência sobrenatural. Isso pode ser caracterizado como busca por uma
experiência mística com o divino, não como um ato de adoração racional
(Rm 12:1).
Aliás, quando Deus é deslocado do centro da adoração, as atividades dos
seres humanos passam a ocupar esse centro. Uma vez que, conforme
mencionamos, não existe ninguém como Deus no Universo, o Senhor proíbe
a adoração de qualquer imagem Dele (Êx 20:4, 5). Ele fez uma imagem de Si
mesmo quando criou os seres humanos à própria imagem (Gn 1:26, 27).
Logo, no que diz respeito à adoração, temos apenas duas opções, a saber,
Deus ou nós mesmos. Contudo, é o próprio Senhor quem proíbe a adoração
de qualquer imagem, uma vez que a adoração de imagens equivale à
autoadoração. Essa adoração descentraliza os seres humanos e alimenta o
egoísmo.

ELEMENTOS DA ADORAÇÃO ADVENTISTA

Para os adventistas, o ato mais importante da adoração coletiva, além da


Ceia do Senhor, acontece durante o culto de sábado. Por que nos reunimos
para adorar ao Senhor? Fazemos isso em humilde obediência a nosso
Salvador e Senhor a fim de Lhe prestar a honra e a dignidade que Lhe são
devidas. 6 Essa é nossa reação à Sua misericórdia, bondade e ao Seu cuidado
amoroso para conosco. Logo, todas as partes de nosso culto de adoração
devem girar em torno de Deus, Sua bondade e nossa gratidão para com Ele. É
possível sugerir que cada aspecto da adoração deve facilitar, fortalecer e
nutrir o ato de adoração perante o Senhor. Nossa participação em cada uma
das atividades de adoração consiste em uma expressão de nossa compreensão
holística da adoração, pois são envolvidas diferentes dimensões da natureza
humana (mente, corpo e espírito). Examinaremos a seguir alguns dos
aspectos mais importantes do culto de adoração adventista para descobrir seu
significado.

Louvor congregacional
Os cânticos fazem parte da experiência coletiva de adoração dos cristãos do
mundo inteiro. 7 Por meio do louvor, as pessoas partilham com Deus seus
sentimentos de alegria e expressam fé, esperança, gratidão, além de
comunicar suas necessidades. Na Bíblia, o povo de Deus muitas vezes é
exortado (Sl 95:1; 98:1; 149:1) ou ordenado (Sl 9:11; 47:6) a cantar louvores
para o Senhor. O convite é persistente porque é a vida espiritual do fiel que
está em jogo. Isso é tão importante que a Terra inteira é convidada a cantar ao
Senhor (Sl 66:4; 67:4; 68:32), inclusive o mundo natural (Sl 65:13). Essa
ênfase é comum nos salmos e parece chegar ao clímax no 148, no qual o
salmista convoca o cosmo inteiro, incluindo os seres humanos para louvar ao
Senhor. O salmo retrata o momento em que todo o Universo será restaurado à
unidade, cantando o mesmo hino de louvor ao único Deus verdadeiro. 8 O
louvor congregacional consiste em uma expressão profunda de compromisso
coletivo do povo de Deus para com Ele e de sua união em verdade, amor e
alegria.
Em consequência, podemos definir o louvor congregacional como um ato
ritual por meio do qual a união da igreja é expressa de maneira coletiva, à
medida que os membros, em uníssono, erguem a voz em louvor a Deus em
um só espírito, uma só fé e um só propósito. Em outras palavras, a unidade da
igreja e sua união com o Senhor ressurreto são expressas de maneira
particular por meio dos cânticos congregacionais. 9 Os cristãos se unem ao
expressar sentimentos religiosos em comum, emoções e a fé que molda sua
identidade e missão como povo de Deus. A voz, os lábios, a mente e o
espírito são envolvidos de maneira única no louvor congregacional,
enfatizando o fato de que todo o ser, em união com o restante da comunidade
de crentes, se une em adoração ao Senhor. Nesse ato tão significativo, os
cristãos vivenciam verdadeira comunhão uns com os outros e com o Senhor.
Essa sensação de união, expressa por meio do louvor congregacional, só é
superada quando os fiéis se reúnem para participar da Ceia do Senhor. Nessa
cerimônia, eles não só cantam juntos, mas também partilham do mesmo pão e
vinho, representando a obra redentora de Cristo. Cantar em adoração antecipa
o momento em que o cosmo inteiro louvará ao Senhor em uma só voz. No
presente, não cantamos sozinhos, pois a família celestial também nos
acompanha em louvor. Ellen G. White comenta:
Nas asas do louvor, o coração pode se elevar para mais perto do Céu. Deus é adorado
com cânticos e música nas cortes celestiais. Ao expressarmos nossa gratidão,
estamos nos aproximando do culto das hostes celestiais. “O que Me oferece
sacrifício de ações de graças, esse Me glorificará” (Sl 50:23). Cheguemos, pois, com
reverente alegria perante nosso Criador, com “ações de graças e som de música” (Is
51:3). 10

Fazia-se com que a música servisse a um santo propósito, elevando os pensamentos


para aquilo que é puro, nobre e edificante, e despertando na alma devoção e gratidão
a Deus. [...] A música faz da adoração a Deus nas cortes do Céu, e em nossos
cânticos de louvor devemos tentar nos aproximar o máximo possível da harmonia do
coro celestial. O devido cultivo da voz é um aspecto importante da educação e não
deve ser negligenciado. Cantar como parte do culto religioso é um ato de adoração
tanto quanto a prece. 11

O cântico na adoração não pode ser separado do uso de instrumentos


musicais. Isso não só é apropriado como também desejável (Sl 150). Uma
pergunta feita com grande frequência é: Que instrumentos musicais são
adequados para a adoração? Na seleção desses instrumentos, devemos manter
em mente no mínimo dois princípios importantes. Em primeiro lugar, os
instrumentos musicais não são entidades morais; em vez disso, os seres
morais são as pessoas que os tocam. Logo, a maneira que o instrumento é
usado durante a adoração é algo de extrema importância. Sem dúvida, há algo
de errado com músicas tão altas que causam dano à audição ou que
impossibilitam escutar e entender a mensagem cristã do hino. Tampouco a
música em si, ou o músico ou cantor, podem ser colocados no centro da
adoração. Em vez disso, eles devem apontar para Aquele que recebe o louvor
e concede o dom da música. Durante a adoração, a música deve preparar a
mente e o espírito dos adoradores para louvar a Deus com amor e
entendimento a fim de que os outros escutem a proclamação das Escrituras
com o coração aberto.
Em segundo lugar, também devemos lembrar que alguns instrumentos
musicais costumam ser associados a determinados tipos de música e lugar
que os cristãos não apoiariam. A presença desses instrumentos na igreja pode
distrair o adorador ao despertar lembranças do passado, de uma época
anterior à entrega da vida ao Senhor. O despertamento dessa memória pode
interferir no ato de adoração. Em algumas partes do mundo, existem
instrumentos musicais associados a formas de paganismo ou a um estilo de
vida imoral. Não há necessidade de usar esse tipo de instrumento durante o
culto. Devemos analisar essas questões com seriedade ao planejar o louvor
congregacional do sábado a fim de que ele seja significativo para a
congregação. 12

Dízimos e ofertas
A gratidão a Deus, em resposta às muitas bênçãos que Dele recebemos, se
encontra bem no cerne da adoração bíblica (Sl 95:2; 147:7). A melhor
maneira de expressá-la é Lhe devolvendo parte daquilo que nos concedeu,
entregando-Lhe mais uma vez a vida e renovando nosso compromisso
durante a adoração. Aliás, tudo o que fazemos na adoração é uma expressão
de gratidão a Deus, mas isso se torna mais visível e alcança um patamar
único durante a coleta dos dízimos e das ofertas. 13 Nesse momento, nós
literalmente pegamos uma parte daquilo que o Senhor nos deu e devolvemos
a Ele. Rendemos algo, de forma literal e visível, como símbolo de uma vida
entregue ao Senhor. Levar dízimos e ofertas ao Senhor exprime nosso
relacionamento de aliança com Ele e a disposição em continuar a reconhecê-
Lo como o Senhor da aliança, que entrou em um relacionamento formal
conosco depois de nos remir. Vamos adorar porque o Senhor da aliança nos
abençoou ao longo da semana (cf. 1Cr 29:14; Gn 28:22). O dízimo pertence a
Deus, por isso, de maneira voluntária e amorosa, o devolvemos a Ele para
que a igreja, o corpo de Cristo, cumpra a missão que recebeu do Senhor
ressurreto por meio da proclamação do evangelho da salvação (Lv 27:30; Ml
3:10). O Senhor é dono de tudo o que temos, mas decidiu ficar somente com
o dízimo. Ele deixa o restante conosco para ofertas, para o sustento próprio e
para beneficiar os outros. Logo, devolver o dízimo é um dever, por meio do
qual reconhecemos que Deus é nosso Senhor e dono de tudo que temos.
As ofertas são uma expressão fundamental de gratidão porque o montante
doado é determinado por nós, não pelo Senhor. Por meio desse ato de
adoração, a intensidade de nosso amor a Ele flui de um coração agradecido.
Aliás, pode-se dizer que nossas ofertas consistem em uma personificação
física ou concretização da gratidão ao Senhor. Considerando que a gratidão
assume a forma concreta de uma oferta, Deus pode usá-la a fim de abençoar
ou beneficiar Seu povo em outras partes do mundo. Aquilo que os outros
recebem do Senhor é uma parte de nossa gratidão a Ele em forma de oferta.
Em todos esses gestos, Deus deve permanecer no centro da adoração. Precisa
ficar claro que os dízimos e as ofertas não são uma tentativa de obter a
simpatia ou aceitação divina durante a hora de adoração. São uma expressão
de gratidão e alegria porque Ele já nos aceitou e nos abençoou por intermédio
de Seu Filho.

Proclamação da Palavra
A proclamação da Palavra de Deus durante o culto de adoração é parte da
herança protestante na Igreja Adventista. 14 Na disposição dos móveis em
cada congregação, o púlpito está localizado bem no centro da plataforma.
Isso não é por acaso. É do púlpito que a Palavra é proclamada sábado após
sábado. Essa prática define a adoração, baseada na autorrevelação de Deus
nas Escrituras. Ouvimos o Senhor ao Ele nos falar por meio da Palavra
escrita. A pregação transforma nossa adoração em um ato racional de
adoração, porque a fala divina é inteligível (Rm 12:1). No ato da exposição e
proclamação do texto bíblico, a fé é alimentada (At 4:4; Rm 10:14, 17). Na
adoração, aprendemos da Palavra, somos encorajados por ela, instruídos no
serviço cristão, disciplinados e nos alegramos nas boas-novas da salvação em
Cristo (2Tm 3:16-17).
No púlpito, o poder salvador de Cristo por meio de Sua morte é
proclamado, Sua mediação em nosso favor no santuário celestial é ensinada,
e Seu poder em nossa vida cotidiana, divulgado (1Co 1:23; Rm 8:33-34; 2Tm
2:8). Cada sermão deve se concentrar em Cristo. Proclamamos o que Ele fez
por nós; não o que fazemos por nós mesmos. Proclamamos a mensagem que
o Senhor confiou à Sua igreja para os últimos dias; não nossas opiniões
teológicas pessoais. Isso coloca uma responsabilidade pesada sobre quem
prega e também sobre quem ouve a mensagem. O propósito do sermão não é
criar confusão ou controvérsias teológicas, mas permitir que a congregação
ouça a voz de Deus por meio das Escrituras. Nesse momento, nos
aproximamos de Deus com humildade, coração aberto e firme disposição de
seguir Suas instruções. Nossa mente e nossos ouvidos adoram ao Senhor à
medida que ouvimos coletivamente Sua Palavra.

Oração
A oração é uma expressão de nossa necessidade de comungar com nosso
Salvador e Senhor, bem como de interceder uns pelos outros. Ela também
revela a natureza holística da adoração, ao envolver a mente, o espírito e o
corpo. Nas Escrituras, o povo ora a Deus em diferentes circunstâncias,
assumindo posturas físicas diferentes. Às vezes, membros da igreja exprimem
preocupação em relação à postura adequada durante a oração. Alguns
questionam se devemos orar somente de joelhos na igreja ou se também é
aceitável orar assentados ou em pé. Essas inquietações demonstram que, para
muitos membros da igreja, a oração é bastante significativa e querem ter a
certeza de que estão seguindo as instruções divinas em sua prática.
Abordaremos algumas das posturas bíblicas diferentes durante a oração a fim
de explorar seu significado e incentivar a unidade quando nos unimos para
adorar.

De joelhos
Existem muitos exemplos de pessoas que oravam ao Senhor ajoelhados.
Isso sugere que essa era uma prática bem comum. Por exemplo, Daniel orava
nessa posição três vezes ao dia (Dn 6:10). Estêvão se ajoelhou e elevou uma
prece ao Senhor antes de morrer como mártir (At 7:60). Pedro também se
ajoelhou diante do cadáver de Tabita, orando para que ela voltasse à vida (At
9:40; cf. 20:36; Ef 3:14). Às vezes, a pessoa colocava a cabeça sobre os
joelhos enquanto orava (1Rs 1:13). Ajoelhar-se na presença de alguém
exprime ideias diferentes, mas, quando isso ocorre na presença do Senhor,
transforma-se em uma expressão ritualizada da disposição do adorador de
entregar a vida a Deus.
Na Bíblia, ajoelhar significa, às vezes, que a pessoa está disposta ou prestes
a morrer. Por exemplo, durante a batalha, o soldado ferido ajoelha e morre (Jz
5:27; 2Rs 9:24; Sl 20:8; 78:31). Também pode ser um ato por meio do qual a
pessoa entrega voluntariamente a vida a fim de poupá-la. Por exemplo, o rei
Acazias enviou dois capitães de 50 soldados a fim de prender Elias, mas fogo
desceu do céu e os destruiu. O terceiro capitão chegou e ajoelhou perante o
profeta, pedindo-lhe que poupasse sua vida e a de seus soldados, e foi isso
que aconteceu (2Rs 1:13-14). A Bíblia anuncia que, no fim do conflito
cósmico, marcado pela indisposição de criaturas rebeldes em adorar ao
Senhor, todos os seres humanos irão, por fim, ajoelhar diante de Deus e O
reconhecerão como Senhor. Por meio desse ato, declararão que merecem o
julgamento divino contra si mesmos. Isaías anuncia que o Senhor destinou
todos os rebeldes “à espada, e todos vos encurvareis à matança” (Is 65:12). O
salmista acrescenta: “Todos os que descem ao pó se prostrarão perante Ele”
(Sl 22:29). Isso significa que eles renderão a vida ao morrer. Essa será a
experiência escatológica dos ímpios (Fp 2:10-11; cf. Is 45:23).
O salmista diz: “Vinde, adoremos e prostremo-nos; ajoelhemos diante do
SENHOR, que nos criou” (Sl 95:6). Em contraste com os ímpios, quando os
fiéis ajoelham durante a adoração, exprimem a convicção de que Deus é seu
criador e redentor. Com o coração cheio de profunda alegria e gratidão,
rendem voluntariamente a vida a Ele em um ato de adoração. Ao se ajoelhar,
os adoradores literalmente voltam ao pó da terra, a partir do qual foram
criados, entregando a vida ao Senhor em oração por vontade própria. Em
outras palavras, quando a congregação se ajoelha de maneira coletiva, entrega
e reconsagra a vida a Ele de modo corporativo. Nesse sentido, isso é uma
lembrança e reafirmação do primeiro momento de nossa vida, quando, após
ouvir a mensagem bíblica de salvação, decidimos entregar a vida ao
Senhor. 15 Quando nos levantamos da oração, o Senhor fortalece nossa vida
espiritual e espera que nos dediquemos mais uma vez a Seu serviço.

Em pé
Ficar em pé na presença do Senhor em oração também era uma prática
comum nos tempos bíblicos, talvez até mais comum do que permanecer
ajoelhado. Um dos casos mais impressionantes se encontra em 2 Crônicas 20,
que narra um ato coletivo de oração. Quando o reino de Judá estava prestes a
ser invadido pelas forças militares combinadas de Moabe e Amom, Josafá
conclamou o povo a orar ao Senhor. Ele ficou em pé em um dos átrios da
casa de Deus e clamou por libertação, enquanto o povo “estava em pé diante
do SENHOR” (2Cr 20:5, 13). Ana apresentou sua súplica a Deus enquanto
estava em pé e o Senhor lhe respondeu (1Sm 1:26). Jó também tinha o
costume de orar em pé (Jó 30:20).
Alguns dos judeus oravam em pé nas sinagogas e nas esquinas das ruas
para exibir sua espiritualidade. Jesus condenou o orgulho, mas não a prática
de orar em pé (Mt 6:5). Pelo contrário, Ele a endossou quando disse aos
discípulos: “E, quando estiverdes orando, se tendes alguma coisa contra
alguém, perdoai, para que vosso Pai celestial vos perdoe as vossas ofensas”
(Mc 11:25). Permanecer em pé durante a oração enfatiza o privilégio que
temos de nos aproximar de Deus, ter uma audiência com Ele, apresentar
nossas necessidades e preocupações, cientes de que Ele é capaz de nos
atender. Aqueles que recebiam permissão para ter uma audiência com um rei
se prostravam diante dele a fim de demonstrar honra e respeito, mas depois
ficavam em pé em sua presença e lhe apresentavam sua petição (cf. Et 5:2).
Ficar em pé na oração significa que Deus nos concedeu uma audiência e que
estamos dispostos a reconhecê-Lo como rei do Universo. Quer dizer que
consideramos um privilégio nos aproximar Dele a fim de nos beneficiar com
Sua sabedoria, solicitando guia, bênçãos e favores (2Cr 9:7), para o louvar
(Ap 7:9) e orar pelos outros (Jr 15:1). Ficar em pé diante Dele quer dizer que
somos comissionados a representá-Lo aos outros (cf. Zc 6:5). Deixamos Sua
presença com a fé fortalecida, prontos para servi-Lo.

Assentados
A prática de orar ao Senhor assentado é rara na Bíblia, mas não totalmente
ausente. Um bom exemplo é o rei Davi que “entrou no tabernáculo, assentou-
se diante do SENHOR, e orou” (2Sm 7:18, NVI). Essa é a postura assumida por
um indivíduo ou uma comunidade de fiéis que, assim como um aluno,
reconhece durante o ato de adoração a necessidade de guia e instrução,
assentando-se na presença do divino Instrutor a fim de aprender Dele e Lhe
agradecer por Sua bondade (cf. 2Rs 4:38; Ez 8:1; 33:31). Essas pessoas estão
prontas para servi-Lo e fazer Sua vontade.

Prostrados
Quando prostradas, as pessoas colocam o corpo inteiro na posição
horizontal, com o rosto no chão e, em geral, braços estendidos,
provavelmente apresentando uma oferta. Um dos joelhos permanece dobrado
para facilitar o momento de se levantar do solo. Na Bíblia, a prostração
raramente é associada à oração (cf. 1Rs 1:47; Mc 14:35). Trata-se, em
essência, de uma expressão de homenagem e submissão diante de um
superior humano. A pessoa que buscava a ajuda do rei se prostrava diante
dele em dependência e submissão (2Sm 14:4). A posição também era adotada
para cumprimentar um superior (2Sm 14:22) ou em um ato de homenagem
(1Sm 28:14). Em contextos religiosos, essa era uma das posturas durante a
adoração (cf. 2Cr 20:18). Intensificava a convicção de que Deus era a fonte
da vida humana e o único capaz de preservá-la (cf. Nm 16:45; Js 7:6; 2Sm
7:16). Às vezes, os adoradores compareciam à presença do Senhor e se
prostravam perante Ele em atitude de homenagem, assumindo depois a
postura ajoelhada, provavelmente para orar (Sl 95:6). Prostrar-se diante dos
deuses era uma prática bastante comum em todo o antigo Oriente Médio. Era
a expressão de homenagem, submissão, adoração e dependência. Contudo, na
igreja cristã, essa prática não foi incorporada nos momentos de adoração,
possivelmente porque Deus não Se manifestou mais como habitando em um
lugar específico na Terra (por exemplo, um templo), em direção ao qual a
pessoa se prostrava – Ele Se encontra acessível em todos os lugares por
intermédio de Seu Filho (cf. Jo 4:21-24).
Essa breve revisão das posturas durante a oração na Bíblia indica que não
havia uma posição específica exigida dos adoradores quando falavam com o
Senhor ou Lhe apresentavam seus pedidos. 16 As posturas são importantes
no sentido de que consistem em uma expressão externa de reverência,
sentimento interior, humildade e compromisso com o Senhor. No entanto,
uma posição apenas não é ampla o suficiente para abarcar todas essas
experiências. Por isso, encontramos nas Escrituras uma diversidade de opções
e possibilidades. Durante o culto na Igreja Adventista, oramos assentados, em
pé e ajoelhados. Os olhos ficam fechados porque também participam da
adoração e não queremos que a mente seja distraída pelo comum quando
entramos em comunhão com o Senhor. Mais uma vez, a natureza holística da
adoração vem à tona no fato de que o corpo – olhos, mãos, joelhos e pernas –
sempre se envolve, de uma maneira ou de outra, no ato de adoração. Uma vez
que a adoração deve ser caracterizada pela ordem, é importante que, quando a
comunidade de fiéis se reúne para buscar o Senhor, todos sigam os elementos
litúrgicos comuns aceitos nos cultos de adoração. Aqueles que se ajoelham
para orar enquanto o restante da congregação está orando em pé podem
acabar demonstrando piedade de maneira questionável, mesmo sem ter essa
intenção.

O PAPEL DAS EMOÇÕES E DO CORPO

Até aqui mostramos que a adoração bíblica é holística, ou seja, não é


apenas uma atividade espiritual, mas também um ato intelectual e físico. A
definição do papel apropriado das expressões emocionais e gestos corporais
durante a adoração – e até que ponto eles devem ser usados – é uma tarefa
complexa. No entanto, precisamos pelo menos tentar aumentar a consciência
sobre o assunto em questão e prover orientação sobre o tema.

As emoções
Somos seres emocionais. Assim, é simplesmente impossível separar nossas
emoções do ato de adoração. Conforme já indicado, durante esse ato sagrado,
louvamos e damos graças a Deus (Sl 118:28), expressamos alegria e gratidão
por meio de ofertas (1Cr 16:29) e cânticos (Sl 147:1). Também clamamos por
livramento, perdão e orientação (139:23, 24; 142), em resposta à Sua
presença em nossa vida. Às vezes, podemos ser tentados a usar a adoração
como um caminho psicossocial para nos “sentir bem”. Sentir-se bem não é
necessariamente errado se for resultante da atitude de adorar a Deus e
conservá-Lo no centro de nossa vida e adoração. Contudo, conforme já
afirmamos, se a adoração for definida principalmente como uma busca
humana por excesso de estímulo emocional, nesse caso, o lado humano da
adoração assume o palco central no culto. Quando isso ocorre, talvez não
intencionalmente, deslocamos o centro e o foco da adoração para longe do
Criador e Redentor, o verdadeiro centro da adoração. Ao trazermos isso para
nós mesmos, caímos no campo da idolatria. Devemos levar a Deus nossa
gratidão, nossas necessidades, preocupações e nossos temores a fim de louvá-
Lo por aquilo que fez e fará por nós. Tudo que fazemos durante a adoração
como seres emocionais sempre deve ser para a glória de Deus, em gratidão
por Sua bondade. Devemos colocar nossas emoções a serviço desse objetivo
mais importante.

O corpo
É impossível separar a manifestação de nossas emoções dos gestos físicos.
Na adoração, comparecemos à presença do Senhor como criaturas
emocionais e corpóreas. O ato de adoração envolve o corpo como um veículo
de nossas emoções. Na Bíblia, os adoradores levantavam as mãos ao Senhor
para apresentar suas súplicas (Sl 141:2; 1Tm 2:8) ou, conforme já
mencionado, ficavam em pé (Mc 11:25), ajoelhavam (1Rs 8:54) ou se
prostravam com o rosto em terra para adorar (Ne 8:6). Usavam a boca e os
lábios para cantar ao Senhor (Cl 3:16) e os ouvidos para captar o belo som
dos instrumentos musicais (Sl 150:3-5) e escutar a leitura das Escrituras
(1Tm 4:13). Havia procissões que iam até o templo louvando ao Senhor (Sl
68:24-25).
O grau de uso do corpo para expressar emoções varia de uma cultura para a
outra. O que é aceitável em um contexto cultural pode ser ofensivo em outro.
Por isso, é importante que os organizadores do culto de adoração mantenham
em mente que o propósito do culto não é superestimular o uso do corpo
durante a adoração. Mais uma vez, isso tenderia a tirar Deus do centro
exclusivo da adoração. O envolvimento do corpo em danças religiosas sem
dúvida tiraria a mente de muitos da adoração ao Senhor para pensamentos de
autogratificação ou que poderiam ativar lembranças do passado mundano,
nada disso contribuiria para uma atmosfera espiritual adequada durante a
adoração. Ao tentar determinar o que é apropriado ou não no culto, devemos
nos indagar: Isso mantém Deus no centro de nossa adoração? Aliás, essa
pergunta deve ser usada constantemente para avaliar tudo o que fazemos
durante o culto de adoração.

CONCLUSÃO

Vamos à igreja para adorar a Deus, louvar, adorar e Lhe agradecer por
todas as bênçãos, ser instruídos por meio de Sua Palavra, celebrar a Ceia do
Senhor, ser capacitados a proclamar o evangelho e para a comunhão dos
cristãos. A adoração não é uma forma de entretenimento que precisa ser
ajustada conforme o gosto dos indivíduos, usando práticas publicitárias do
campo dos negócios. Nós nos unimos para adorar ao Senhor em obediência a
Ele e para buscarmos, com humildade, instruções das Escrituras acerca de
como fazer isso. A música que apresentamos, os cânticos que entoamos e as
orações que fazemos são nossas frágeis tentativas de louvar ao Senhor e
expressar amor e gratidão Àquele que tanto fez por nós por intermédio de
Cristo.

1 Em geral, reconhece-se que a adoração é o tema teológico chave em Apocalipse, ou que “o tema
central do Apocalipse [...] é a adoração apropriada a Deus” (D. L. Barr, “The Apocalypse of John as
Oral Enactment”, Interpretation 40/2 [1986], p. 56; cf. Richard Buckham, The Climax of Prophecy:
Studies on the Book of Revelation [Edinburgh: T & T Clark, 1993], p. 135. Ele escreve: “Em certo
sentido, o tema de sua profecia [de João] é a distinção entre adoração verdadeira e idolatria.” Já se
afirmou que “a palavra crucial em toda essa seção do livro [Ap 13–14]” é “adoração” (Jon Paulien,
What the Bible Says about the End-Time [Hagerstown, MD: Review and Herald, 1994], p. 122). A
centralidade da adoração no livro é resumida na pergunta: “Quem é digno de receber adoração? A
escolha, em última instância, é entre a adoração a Deus e o Cordeiro, ou a Satanás e seus
intermediários” (Steven Grabiner, Revelation Hymns: Commentary on the Cosmic Conflict [Nova
York: Bloomsbury, 2015], p. 110).
2 Aliás, em Apocalipse, “a adoração da aliança satânica, enfatizada repetidas vezes em toda a visão,
está diretamente ligada ao tema do trono e é contrastada com o chamado universal para adorar a Deus
em 14:7” (Laszlo Gallusz, The Throne Motif in the Book of Revelation [Nova York: Bloomsbury,
2014], p. 216). É surpreendente que toda a Terra adore “o dragão, embora os hinos das visões de João
tenham deixado claro que a adoração adequada só pertence a Deus e a Cristo” (Brian K. Blount,
Revelation: A Commentary [Louisville, KY: Westminster/John Knox, 2009], p. 249).
3 Ver o capítulo 5 desta obra, “Por uma Teologia Adventista de Adoração”, de Daniel O. Plenc.
4 Sobre esse ponto de vista, ver Joseph A. Pipa, “The Christian Sabbath”, em Christopher John
Donato, ed., Perspectives on the Sabbath: Four Views (Nashville, TN: B&H, 2011), p. 119-171.
5 Cf. Craig L. Blomberg, “The Sabbath as Fulfilled in Christ”, em Donato, ed., Perspectives on the
Sabbath, p. 305-358. Esse posicionamento é promovido no livro Do Shabat Para o Dia do Senhor, D.
A. Carson, ed. (São Paulo: Cultura Cristã, 2006).
6 Cf. Anexo I: “Diretrizes Para o Engajamento na Missão Global: Formas de Adoração,
Contextualização e Sincretismo.”
7 Sobre a história do louvor congregacional, ver J. Gelineau “Music and Singing in the Liturgy”, em
Cheslyn Jones et al., ed., The Study of Liturgy (Nova York: Oxford University Press, 1992), p. 493-507;
Alan Dunstan, “Hymnody in Christian Worship”, em Jones et al., ed., The Study of Liturgy, p. 507-519;
e os capítulos 1 e 2 desta obra, escritos por Sergio Becerra.
8 Ver o capítulo 5 desta obra, “Por uma Teologia Adventista de Adoração”, de Daniel O. Plenc.
9 Gelineau, “Music and Singing in the Liturgy”, p. 495, escreveu: “Muitas vozes individuais, porém,
podem ser unidas para que, quando se fundem e seguem o mesmo ritmo, só se escute uma única voz: a
do grupo. Isso proporciona um sentimento muito forte de unidade e pertencimento. Chega a tocar o
mistério essencial da igreja, conhecido como koinonia.”
10 Ellen G. White, Caminho a Cristo (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), p. 102.
11 Ellen G. White, Patriarcas e Profetas (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2019), p. 594.
12 Cf. Anexo II: “Uma Filosofia Adventista do Sétimo Dia Sobre a Música.”
13 Sobre a teologia dos dízimos e das ofertas, ver Ángel Manuel Rodríguez, Stewardship Roots:
Toward a Theology of Stewardship, Tithe, and Offerings (Silver Spring, MD: Stewardship Ministries
Department, 1994).
14 Confira o capítulo 1 desta obra, “A Adoração e os Reformadores Magisteriais”, de Sergio Becerra.
15 Sobre a teologia da oração, ver Ángel Manuel Rodríguez, “Prayer: A Theological Reflection”,
Ministry, dezembro de 2006, p. 5-7.
16 Ellen G. White enfatizava a oração de joelhos e nos incentiva a orar assim. Em Obreiros
Evangélicos (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 178, ela escreveu: “Tanto no culto
público, como no particular, temos o privilégio de curvar os joelhos perante o Senhor ao fazer-Lhe
nossas petições.” Jamais devemos considerar que nos ajoelhar é um fardo; é um privilégio. Mais uma
vez, ela comenta: “Tanto no culto público como no particular é nosso dever prostrar-nos de joelhos
diante de Deus quando Lhe dirigimos nossas petições. Esse procedimento mostra nossa dependência de
Deus” (Ellen G. White, Mensagens Escolhidas [Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1993], v. 2, p.
312). Ajoelhar não é só um privilégio, mas também um dever cristão. Declarações como essas não
devem ser usadas para argumentar que a única posição apropriada para a oração pública é de joelhos.
Ela deixa claro que não é sempre necessário ajoelhar para orar (Ellen G. White, A Ciência do Bom
Viver [Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2016], p. 510, 511). Enquanto participava da adoração
pública, Ellen G. White às vezes pedia à congregação que ficasse em pé para uma oração de
consagração (Mensagens Escolhidas, v. 3, p. 268, 269), ou permanecesse assentada (Mensagens
Escolhidas, v. 3, p. 267, 268) ou ainda que se ajoelhasse (Mensagens Escolhidas, v. 1, p. 148, 149). É
necessário mencionar que, de acordo com ela, a oração de joelhos não é a única postura adequada
durante a adoração na igreja. Em sua vida particular, ela até orava assentada em sua cama (Ellen G.
White, “The Work in Oakland and San Francisco – nº 3”, Review and Herald, 13 de dezembro de 1906,
p. 9, 10). Fica evidente que não é necessário manter uma postura específica para a oração, como se
unicamente ela fosse a correta durante a adoração.
7 Adoração no Contexto Pós-
moderno
Sung Ik Kim

pós-modernismo impactou todas as áreas de pesquisa e tem levado

O alguns a dizer que o cristianismo – até mesmo o adventismo – já é


pós-moderno. 1 Essa perceptível mudança mundial na atmosfera
intelectual, sobretudo nas sociedades ocidentais, tem despertado medo e
desafios relacionados à adoração na igreja. Alguns sentem que o pós-
modernismo ameaça os fundamentos da adoração eclesiástica tradicional, ao
passo que outros estão em busca de uma renovação da adoração que seja
relevante para os adoradores pós-modernos.
O problema é que a igreja parece estar falhando em apelar para os pós-
modernos, sobretudo à geração mais jovem. Talvez isso se deva ao fato de
que a igreja continua imersa na modernidade e não tenha reconhecido o fato
de que o indivíduo pós-moderno está em busca de “alguma fonte de
significado e valor que transcenda os pressupostos da modernidade”. 2 O
propósito deste capítulo é examinar o impacto do pós-modernismo sobre a
adoração e propor alguns pontos a serem analisados em conexão com o
processo de renovação na adoração da igreja adventista.

COMPREENDENDO O MODERNISMO

A ascensão do modernismo
O modernismo pode ser considerado como uma das consequências do
Renascimento e da Reforma Protestante. O Renascimento voltou a atenção
para o mundo físico e o papel dos seres humanos. O Iluminismo, em especial,
provocou uma mudança decisiva no modo pré-moderno de pensar, servindo
como trampolim para a mentalidade moderna. O Iluminismo procurou usar as
capacidades humanas de razão e observação para chegar à verdade, em lugar
da dependência tradicional da religião e superstição. 3 O indivíduo moderno
cria que a razão era o único meio de obter conhecimento confiável. A ciência
era vista em alta conta, como o melhor método para se chegar à verdade. 4

O colapso da era moderna


Os aspectos mais significativos da cosmovisão moderna, segundo a análise
de Gonçalves, 5 são: racionalismo objetivo, dualismo sujeito/objeto,
determinismo não teleológico, individualismo autônomo, objetividade
científica e progressismo otimista. Essa cosmovisão moderna impactou o
mundo ao longo de vários séculos, em quase todas as áreas da vida. No
entanto, ao final do século 20, esses elementos começaram a vacilar, abrindo
caminho para uma nova forma de entender a realidade. É útil debater a falha
dessa cosmovisão moderna no que diz respeito a seus vários aspectos.

Racionalismo objetivo
O modernismo, que promoveu a supremacia da razão, presumia que a
mente humana é capaz de obter conhecimento absoluto e que, por meio de
sua bondade intrínseca, desenvolveria a sociedade. 6 Em sua análise sobre
esse aspecto do modernismo, Gonçalves chama atenção para a síntese feita
por Robert Webber da influência do racionalismo objetivo sobre cristãos
liberais e conservadores.
Os liberais passaram a enxergar o cristianismo como um mito que não
poderia se conformar ao rigor da ciência moderna. Os conservadores, por sua
vez, olhavam para as mesmas ferramentas da ciência com o objetivo de
provar a validade de sua fé. 7 O mundo do racionalismo, ordenado com
objetividade, despiu a vida de boa parte de seu significado, roubando-lhe
também a liberdade. 8 Um exemplo notável disso é o comunismo, cujo
colapso pode ser visto como um dos marcos simbólicos da queda do
modernismo.

Dualismo sujeito/objeto
Outro aspecto do modernismo descrito por Gonçalves é a distinção aguda
entre sujeito e objeto. Os seres humanos são considerados distintos dos
objetos que examinam. Essa forma dualista de pensar deu origem a distinções
entre a vida humana e a natureza, entre os mundos público e privado e até
mesmo entre o natural e o sobrenatural, o que levou a uma separação entre
religião e ciência. Esse dualismo é percebido por trás da distinção feita entre
o evangelismo da igreja e seus projetos sociais. 9

Individualismo autônomo
Esse aspecto da cosmovisão moderna surgiu a partir da perspectiva
racionalista. O crítico social Os Guinness destaca o impacto de valorização
do particular, o fenômeno moderno de traçar uma linha distintiva entre as
questões públicas e particulares, considerando “a esfera particular uma arena
especial para a expansão da liberdade e realização individual”. 10 À medida
que a atenção se volta para o eu, acontece uma diminuição correspondente da
dependência de outros seres humanos e de Deus. 11 Por isso, muito embora a
esfera particular do eu seja vista como o lugar apropriado da religião, a
dependência do eu tende a tornar Deus desnecessário.
Os desdobramentos dessa tendência causaram um impacto tanto sobre o
ambiente quanto sobre as relações interpessoais. Gonçalves também observa
que a alienação e a solidão foram consequências da onda de crescimento do
individualismo. 12

Objetividade científica
É surpreendente notar que um dos aspectos mais evidentes do modernismo,
a objetividade científica, também sofreu abalos em tempos recentes. As
descobertas feitas ao longo do último século lançam dúvida sobre os
absolutos que o modernismo propôs. A teoria da relatividade, de Einstein, é
um exemplo bem conhecido disso. 13

Progressismo otimista
A ideia de que o progresso é um processo inevitável e contínuo também foi
questionada por problemas ambientais e sociais crescentes, bem como pela
tragédia de duas guerras mundiais. 14 A cosmovisão pós-moderna não conta
com a tendência otimista que caracterizou as gerações anteriores.

COMPREENDENDO O PÓS-MODERNISMO

Definição
O pós-modernismo é uma forma de pensar do final do século 20 que
consiste em um afastamento radical do modernismo. 15 Enquanto o
modernismo buscava na ciência e na razão a verdade definitiva, o pós-
modernismo rejeita “uma verdade de aplicação universal, valorizando a
tolerância como uma virtude soberana”. 16 As raízes filosóficas do pós-
modernismo se encontram na França, com pensadores como Jacques Derrida,
Michel Foucault e Jean-François Lyotard. Também podemos acrescentar o
italiano Umberto Eco e o norte-americano Richard Rorty. Não se trata,
porém, de algo inventado por eruditos. Em seus primórdios, a maior parte da
filosofia pós-moderna se confinava a círculos intelectuais. No entanto, a
infiltração do ethos pós-moderno no pensamento público mais amplo ocorreu
na forma de expressões populares de cultura, como programas de televisão,
filmes, música, arte, ficção, moda, etc. Assim, em essência, acarretou uma
mudança global de cosmovisão. Transformou-se em um fenômeno
observável no mundo inteiro.

A ascensão do pós-modernismo
O termo “pós-modernismo” surgiu no fim do século 19 e início do 20, mas
só se tornou popular na última parte do século 20. 17 Embora tenha diversas
aplicações e significados correspondentes, refere-se, de modo geral, “a uma
disposição intelectual, um conjunto de expressões culturais contemporâneas
que desafiam as principais crenças, valores e princípios da cosmovisão
moderna”, representando “o fim de uma cosmovisão única, universal e todo-
abrangente”. 18 Não deve ser considerado principalmente uma reação ao
modernismo, mas “uma transição entre o que era e o que ainda está por se
tornar”, uma vez que “a mudança de paradigma da era moderna para a pós-
moderna ainda está ocorrendo”. 19 No mesmo período, modernidade e pós-
modernidade podem coexistir.

Principais conceitos do pós-modernismo

Relativismo epistemológico
A compreensão pós-moderna da verdade é relativista. Isso se deve, em
grande medida, ao fato de que as fontes anteriores de verdade perderam boa
parte de seu valor como determinantes da realidade. O pós-modernismo
prefere incluir a subjetividade na mistura de caminhos para o conhecimento.
De acordo com esse ponto de vista, “o Universo não é mais visto como uma
realidade mecânica, mas é percebido em termos relacionais e pessoais”. 20
Os pragmáticos pós-modernos não têm como meta de sua filosofia descobrir
a verdade, mas estimular o debate. 21 Segundo o pós-modernismo, é “difícil
separar o verdadeiro do falso, o significativo do insignificante, o importante
do trivial”. 22 Não existe um método universal por meio do qual as pessoas
possam “sentenciar racionalmente ou avaliar, sem espaço para erros,
declarações conflitantes de paradigmas alternativos”. 23 Isso se dá porque
“todos os paradigmas, ou cosmovisões, são iguais, uma vez que cada um
deles tem a própria lógica”. 24

Diálogo participativo
De acordo com Walter T. Anderson, o surgimento da neocrítica foi o
primeiro sinal do fim da era moderna. 25 Essa hermenêutica ensina que
existem muitas maneiras de interpretar um texto. Em vez de entender que o
sentido surge do texto em si, propõe que é o “diálogo participativo” entre o
leitor e o texto que leva ao significado. 26 Os pós-modernos insistem que
isso torna a vida contemporânea significativa e, com o tempo, confere um
sentido de unidade cultural. 27 A redução final da importância do autor
permite ao leitor dedicar menos energia na tentativa de determinar o que “o
autor realmente quis dizer”. 28

Rejeição das metanarrativas


Essa abordagem assume a postura de que “a verdade só atende aos
propósitos de uma comunidade específica.” 29 Conforme observa Gonçalves,
“no lugar da verdade objetiva, crenças locais aprendidas por uma
determinada comunidade são aceitas como verdade. Assim, a verdade é agora
vista apenas como questão de interpretação, e não se é real ou
verdadeira”. 30 Os pós-modernos demonstram “incredulidade em relação às
metanarrativas”, ou seja, as histórias por trás de todas as outras, que atribuem
sentido a tudo o mais. 31 Os pós-modernos olham com suspeita para a
maioria das religiões, uma vez que elas oferecem explicações abrangentes
para todos os fenômenos da vida. 32
O motivo para esse deslocamento filosófico foi o fato de a experiência
moderna não conseguir satisfazer emocionalmente ou lidar de maneira
adequada com questões sérias, como a origem da vida, o sentido da
existência e a dimensão espiritual da realidade. O pós-modernismo não tenta
responder a todas as perguntas e considera a verdade como algo
extremamente complexo, impossível de ser expresso em sua plenitude na
linguagem humana. Não existe mais “a busca de um conjunto de crenças que
possam unir os seres humanos em um só povo”. 33

Rejeição das autoridades


A rejeição a autoridades é uma grande característica do relativismo, pois, de
fato, ninguém é capaz de declarar a verdade absoluta na ausência de Deus. 34
A verdade religiosa é vista como “um tipo especial de verdade, não como a
representação eterna e perfeita da realidade cósmica”. 35 Em consequência,
afirma-se, nos círculos acadêmicos, que “é heresia sugerir a superioridade de
algum valor, é fantasia crer em argumentos morais e é escravidão se submeter
a um julgamento mais sensato do que o próprio”. 36 De acordo com esse
ponto de vista, o cristianismo é naturalmente visto como arrogante por uma
maioria crescente, “não porque está sendo contestado por fatos científicos ou
investigação histórica, mas simplesmente por causa do pedido para se tornar
a verdade objetiva universal”. 37
Pluralismo sem orientação eclesiástica
O pluralismo existe desde o fim do período moderno. Esse foi o processo
que levou as escolhas na esfera particular da sociedade moderna a se
multiplicarem com rapidez em todos os níveis, sobretudo no que diz respeito
à visão de mundo, fé e ideologia. Para os pós-modernos, “as próprias
conclusões e perspectivas pessoais são mais importantes do que as de
religiões organizadas”. 38 Trata-se de mais que um mero aumento no número
de opções de fé. É uma “nova consciência” de que “todas as convicções sobre
valores têm igual validade, o que significa, na prática, que nenhuma
convicção sobre valores tem validade qualquer”. 39 Segundo Gonçalves, os
pós-modernos “tentam satisfazer suas necessidades espirituais através de
qualquer tipo de religião”. 40 Tendem a preferir religiões não
institucionalizadas, em contraponto com religiões organizadas e
tradicionais. 41
Além disso, o paradigma pós-moderno também revela que a maioria das
pessoas “possui crenças, em lugar de serem crentes”. 42 Insistem que podem
“ser” sem pertencer. O “sheilismo” é um sintoma espiritual típico da
sociedade individualista. Trata-se de um sistema de crenças religiosas
estabelecido pelo indivíduo. Nessa visão, as crenças são escolhidas entre as
diversas religiões com base em uma voz interior, sem que muito esforço seja
feito em análise teológica. 43
Mesmo dentro de círculos cristãos, os pós-modernos pensam que “a pessoa
não precisa ir à igreja para ser um bom cristão”. 44 Seguindo apenas
preferências individuais, não respondem a pedidos de lealdade ou
compromisso de longo prazo. 45 Por fora, parece haver abertura, tolerância e
generosidade em relação a todas as crenças, mas o resultado é uma
“secularização pós-moderna da religião, na qual o sagrado e o secular
coexistem em relação dialógica, recíproca e cooperativa”. 46 Em
consequência, o cristianismo se torna simplesmente uma opção entre várias
possibilidades de cosmovisões.

Descontinuidade histórica
O pós-moderno argumenta em favor da “impossibilidade de encontrar-se
uma interpretação todo-inclusiva da história que é autêntica ao todo da
história”. 47 Embora creia na descontinuidade da história e enfatize o
presente ao separá-lo do passado, o pós-moderno retorna “seletivamente a
textos históricos e [para], a partir deles, recriar novos contextos a fim de
produzir novos significados”. 48

Redescoberta dos significados


Uma perda significativa de significado acompanhou a mudança de
paradigma. Quando o pós-modernismo entrou em cena, deixou de ser
possível encontrar respostas fáceis para as grandes questões relativas ao
sentido da vida. Assim, os pósmodernos tendem a desejar um caminho para
encontrar sentido, muito embora permaneçam céticos em relação às respostas
fáceis oferecidas pelo modernismo. 49

Foco na experiência
Em consequência da rejeição da razão, o pós-modernismo demonstra um
apetite para experiências sensoriais como em expressões artísticas e
simbólicas. Além disso, a sociedade atual é atraída ao misterioso, o que se
revela no desejo por “pseudoencantamentos”, “contos de fada e fantasiosos,
dinossauros, óvnis e o oculto”. 50 Ao que tudo indica, a sociedade pós-
moderna prefere o hemisfério direito do cérebro, que processa as emoções,
em detrimento do hemisfério esquerdo, que se dedica mais aos raciocínio. 51
Ênfase na comunidade
Ao passo que o modernismo se concentrava no individual, o pós-
modernismo encontra significado e valor na comunidade. Embora as
verdades conhecidas dessa maneira sejam específicas para a comunidade, em
vez de universais, elas são aceitas com maior facilidade nesse contexto.
Esse foco na comunidade local tende a descartar qualquer explicação
unificante de metanarrativa como “histórias de abrangência total. Elas são
substituídas pelo respeito às diferenças e celebração do local e particular, em
detrimento do universal”. 52
A mudança de paradigma para o pós-modernismo envolveu uma alteração
da visão de mundo. Por isso, seguiu-se uma transformação nos valores
culturais mais valorizados. Essas mudanças são raras, mas duradouras.

A IGREJA CRISTÃ EM TRANSIÇÃO

A igreja sob a influência da modernidade


A maior parte do cristianismo sofreu fortes influências do modernismo. A
ênfase moderna no racionalismo e empirismo atribuiu valor e importância à
apologética cristã. Esses esforços tentaram convencer usando argumentos
racionais. A igreja chegou até a tentar provar a validade da salvação ao usar a
expressão “ciência da salvação”. Isso motivou proclamadores do evangelho a
se concentrarem principalmente em aspectos racionais e empíricos.
Também houve ênfase em outros valores dessa era racional, como o valor
do indivíduo e a crença na melhora contínua da sociedade. 53 É irônico
perceber que, após a igreja ajudar o modernismo em sua ascensão, os valores
do modernismo acabaram por apressar a queda do prestígio da igreja na
sociedade. 54
A igreja perdeu poder, e a crença em Deus deixou de ser validada pela
sociedade. 55 O resultado foi o secularismo, processo no qual “setores da
sociedade e da cultura são subtraídos à dominação das instituições e símbolos
religiosos”. 56 Como resultado, a religião perdeu sua influência formatadora
da vida e do pensamento na ordem social mais ampla, e a sociedade passou a
crer, em lugar disso, que a ciência detém todas as respostas para os problemas
humanos. 57
Em consequência do crescimento do secularismo, a religião parece menos
genuína. 58 Em contextos sociais seculares, a religião, sobretudo o
cristianismo, deixou de ser um tema apropriado de conversa. Alguns aspectos
da fé cristã até podem ser considerados assuntos adequados para a igreja, mas
não para o “mundo real”. 59

A igreja durante o pós-modernismo


Ao longo da era moderna, a igreja foi atacada por um individualismo que
deixou de lado normas e valores resguardados havia séculos, em busca da
verdade com base racional e empírica. No entanto, durante o pós-
modernismo, o individualismo passou a se manifestar nas escolhas e crenças
conforme os sentimentos individuais, em lugar dos pensamentos.
Além disso, não existe um senso de lealdade a instituições do passado,
incluindo o casamento e os cultos eclesiásticos tradicionais. 60 A fim de
cumprir a missão divina nesse contexto pós-moderno, a igreja precisa possuir
“sensibilidade necessária para não comprar acriticamente a ética pós-moderna
nem continuar a ser capturada na armadilha moderna”. 61 Caso não se use a
abordagem apropriada, a igreja poderá cair na armadilha do sincretismo ou
será rejeitada pelos pós-modernos. 62
A fim de cumprir sua missão aos pós-modernos, é necessário fazer uma
série de ajustes. Uma vez que muitos membros da igreja são mais modernos
que pós-modernos, a igreja precisa ser capaz de falar para ambos os
paradigmas. Entretanto, a menos que aprenda a interagir de maneira
construtiva, sua perspectiva de sobrevivência não será boa. 63

Adoração cristã em transição


Ao longo das últimas décadas, muitas igrejas invejaram o sucesso das
megaigrejas. Alguns tentam imitar seu estilo de adoração, 64 que valoriza a
cultura popular e o pragmatismo. De acordo com Doran e Troeger, “as raízes
históricas, o raciocínio teológico e o caráter coletivo da adoração foram muito
diminuídos na consciência dos membros da igreja”. 65 Isso parece estar se
tornando aos poucos um fenômeno global. Por essa razão, é importante
examinar como os estilos de adoração das megaigrejas mudaram sob o
impacto da cultura pós-moderna.
Muitos eruditos insistem no fato de que, nos Estados Unidos, o período
moderno terminou na década de 1950. 66 Os estilos tradicionais de adoração
cristã eram iguais na América do Norte até os anos de 1950: um sermão
como elemento central, associado a formas tradicionais de música. 67
Influenciado pelo racionalismo iluminista, o culto tradicional, com foco em
um estilo cognitivo e intelectual de adoração, era “centralizado no sermão e
tinha o objetivo principal de proporcionar crescimento em conhecimento
bíblico e na vida diária, fundamentando-os nos princípios das Escrituras”. 68
Nos Estados Unidos, o estilo tradicional de adoração representa a cultura da
Geração Silenciosa: pessoas que nasceram antes do fim da Segunda Guerra
Mundial. 69 A geração seguinte, a dos baby boomers, nascidos entre 1946 e
1964, costuma ser considerada a última sob a influência da modernidade. 70
Eles se voltaram para as novas megaigrejas de bairros residenciais, as quais
haviam sido afetadas pela ascensão do movimento de adoração
contemporânea nas décadas de 1960, 1970 e 1980.
Buscando uma adoração sensível às pessoas interessadas na igreja, o
modelo dessas megaigrejas continuou a girar em torno do sermão, mas
introduziu instrumentos contemporâneos, canto de refrões, equipes de louvor
e uma atmosfera de intimidade, em lugar de hinos e corais tradicionais. 71
Além disso, quando construíram igrejas para os “baby boomers, o
consumidor suburbano de religião como um conquistador corporativo na vida
vocacional”, muitas megaigrejas removeram os símbolos, as imagens e os
rituais religiosos. 72
No final do século 20, alguns líderes de megaigrejas começaram a admitir
suas dificuldades em atrair e conservar os jovens adultos, os filhos dos baby
boomers, conhecidos como a geração X. Por isso, algumas megaigrejas
tentaram desenvolver novos estilos de adoração focados nos membros da
geração X, mas não conseguiram cativar a atenção deles. Robert Webber
destaca um problema teológico: inseridas na cultura de entretenimento,
“muitas igrejas locais passaram a ter uma adoração performática a fim de
atrair as massas. [...] Em vez de relembrar os atos salvíficos de Deus no
mundo e para o mundo, a adoração passou a ser feita para levar as pessoas a
se sentirem confortáveis, felizes e seguras”. 73
No entanto, a facilidade de acesso à tecnologia levou os pós-modernos a
perderem interesse no estilo de adoração contemporânea, que adota as
novidades culturais do momento. 74 Ao passo que a adoração centralizada no
eu das megaigrejas chamou a atenção dos baby boomers, “uma geração que
se sentia oprimida pela religião que a havia criado”, 75 a retirada de símbolos
religiosos, imagens e rituais não fez sentido algum para os membros da
Geração X. 76
Isso aconteceu porque eles cresceram sem religião em uma sociedade
dominada pelo secular. Ficou difícil para a Geração X enxergar qualquer
diferença entre uma adoração marcada pelo entretenimento e por
apresentações da cultura secularizada, pois eles já haviam nascido em uma
cultura saturada por apresentações seculares na televisão e em outros meios
de comunicação.
Então, chegou-se à conclusão de que a igreja moderna dos baby boomers
não conseguiu satisfazer “os anseios das pessoas com menos de quarenta 40
anos”, os membros da Geração X, que passaram a participar de igrejas que
fazem uso de rituais e dos cinco sentidos. 77
Gibbs e Bolger resumem da seguinte maneira as características dos cultos
das igrejas voltadas para a Geração X: “música alta e cheia de paixão,
dirigida a Deus e ao cristão (não ao interessado); gracejos irreverentes, estilo
talk show; pregação visceral e narrativa; relacionamento como os do seriado
Friends e, posteriormente, velas e expressões artísticas”. 78 Tudo no culto é
igual ao das megaigrejas, só mudam as práticas externas.
O problema mais grave é que o principal motivo para muitos jovens se
voltarem para a adoração da Geração X, em vez de aderir ao tipo de culto
principal de seus pais é que não gostam do controle tradicionalmente
exercido pelo pastor titular sobre o culto 79 nem do estilo tradicional de
adoração. Esses cultos estão fadados ao fracasso, pois as denominações
planejam alcançar a Geração X mantendo-a dentro da vida de uma igreja-mãe
moderna, com uma mudança meramente superficial e tecnológica. 80
Inseridos nesse contexto, os líderes das igrejas da Geração X se
concentraram em uma análise de gerações. Infelizmente, foi comprovado que
a análise dos baby boomers, da Geração X e dos millenials não é capaz de
fornecer informações suficientes para resolver os problemas. Conforme
Gibbs e Bolger mencionaram, “as questões gerais se encontram imbuídas em
uma alteração cultural e filosófica muito mais profunda, da modernidade para
a pós-modernidade”. 81 J. Richard Middleton e Brian Walsh estimularam
muitos líderes da Geração X a voltar seus pensamentos para a pós-
modernidade. 82 O livro desses dois autores foi publicado em um momento
crítico para muitos jovens pastores que sentiam que os cristãos estavam em
apuros, pois a igreja não conseguia dar respostas boas o suficiente diante das
dúvidas levantadas pela era pós-moderna.
Foi nesse contexto que surgiu um movimento comumente chamado de
“igreja emergente”. A reclamação do movimento emergente é que o
modernismo é irrelevante e enganoso. Os emergentes retratam a era moderna
“embolsando a verdade, o absolutismo, o pensamento linear, o racionalismo,
a certeza e o cognitivo, em oposição ao afetivo. Isso, por sua vez, gera
arrogância, inflexibilidade, a ganância por estar certo e o desejo de
controlar”. 83
Os emergentes aderem ao pós-modernismo, abandonando a cosmovisão
moderna. É difícil definir a igreja emergente por causa de sua variedade e
diversidade. Rick Richardson subdivide o fenômeno emergente entre os
“relevantes”, “reconstrucionistas” e “revisionistas”. Sua explicação se
encontra sintetizada a seguir: 84

PRINCIPAIS
DEFINIÇÃO
DEFENSORES
Teologia conservadora, mas Dan Kimball, Mark
Relevantes inovadores na cultura. Driscoll 85
Darrel Guder e George
Hunsberger: 86
direcionamento
Buscam redefinir não só a
anabatista.
estratégia, mas também a
Michael Frost, Alan
eclesiologia, frequentemente
dando ênfase à igreja como uma Hirsch: 87 mistura de
comunidade alternativa, de ideias missionais
Reconstrucionistas direcionamento mais anabatista, “encarnacionais” com
ou como uma comunidade a ser conceitos de
restaurada a suas raízes bíblicas, crescimento e
conforme ilustrado em Atos dos multiplicação de
Apóstolos. igrejas, com ênfase na
restauração da igreja a
suas raízes, conforme
retratado em Atos.
Repensam a teologia básica e a
ética da igreja, usando
epistemologias mais pós- Brian Mclaren, Tony
Revisionistas modernas, socioconstrutivistas, Jones e Nadia Bolz-
atuando com maior consciência Weber 88
em relação às questões de
localização e poder social.

Dentre esses três, são os revisionistas que mais sofrem críticas dos grupos
conservadores cristãos, inclusive da Igreja Adventista do Sétimo Dia, por se
afastarem do conceito protestante principal de expiação, da cruz e da
autoridade das Escrituras. 89 As igrejas emergentes contêm diversas
tendências de estilos de adoração. Embora não exista um modelo prescrito na
rede dispersa de igrejas emergentes, existem tendências comuns, que incluem
uma mistura criativa de práticas cristãs históricas, o uso de estilos musicais
contemporâneos, hábitos devocionais ou espirituais, e uma ênfase no ensino
informal, testemunho e diálogo em uma atmosfera não coercitiva. 90
De modo geral, o movimento emergente também adere à maioria dos
“aparatos da espiritualidade: velas, imagens, incenso, orações de joelho e
canto monástico, com telas, guitarras eletrônicas e televisões projetando
imagens em looping”. 91 Os elementos sensoriais e sinestésicos da adoração,
rejeitados pelos reformadores com justificativas teológicas e pelas
megaigrejas por questões pragmáticas, são usados nas igrejas emergentes. 92
Em reação ao gosto por elementos sensoriais e sinestésicos na adoração,
Patrick Malloy rotula esses estilos como imbuídos de um impulso
católico. 93 O revisionista Brian McLaren também reconhece que, em muitos
aspectos, ele tem mais em comum com os católicos do que com os
protestantes. 94 Gibbs e Bolger também destacam essa tendência: “De fato,
quando se adere a muitas formas não modernas do cristianismo, é possível
acabar se sentindo mais católico do que protestante.” 95
Conforme já mencionado, também é verdade que a igreja emergente é “um
guarda-chuva que abrange muitos movimentos diversos”. 96 Ainda está em
processo de formação. 97 Assim, fica evidente que isso não passa de “uma
forma de expressar nossa necessidade de encontrar novas formas de ser
igreja; formas que estejam conectadas com a cultura emergente”. 98 Trata-se
de uma “expressão recém-criada” que sugere “uma sensação de enraizamento
em uma tradição, mas com a consciência de que algo novo e cheio de vida
está acontecendo ali dentro”. 99
Todos esses processos de transição na adoração afetaram os estilos de
adoração na Igreja Adventista. Na mesma igreja local, diferentes grupos se
reúnem para adorar: a Geração Silenciosa, nascida entre 1925 e 1945, que se
sente atraída a um estilo de adoração mais tradicional; os baby boomers, que
se sentem atraídos a um estilo de adoração contemporâneo; e a Geração X e
posterior, que participa do estilo de adoração emergente. Esses grupos
representam duas culturas diferentes: a moderna e a pós-moderna. Tornam-se
o ponto central de um conflito intenso em muitas igrejas. Algumas igrejas
oferecem dois estilos diferentes de adoração em lugares separados, para
gerações diferentes. Contudo, nesse processo de guerra de estilo de culto,
parece que a maioria das igrejas continua a se concentrar apenas em como
reagir às diferenças entre gerações, em vez de aplicar os princípios
fundamentais de adoração e refletir uma perspectiva bíblica sobre adoração
nessa era de transição cultural e filosófica.

DESDOBRAMENTOS PARA A ADORAÇÃO


ADVENTISTA EM UM CONTEXTO PÓS-MODERNO

As igrejas tradicionais imersas na modernidade têm lutado para desenvolver


um relacionamento significativo com o pós-modernismo. A igreja se encontra
envolvida em batalhas com membros tradicionais no esforço de atrair
adoradores de uma nova era pós-moderna. É difícil negar que a adoração
cristã esteja sendo impactada pelo pós-modernismo. No entanto, antes de
debater alguns desdobramentos, é importante conhecermos o indivíduo pós-
moderno comum. Costuma-se destacar que o pós-modernismo consiste em
uma negação da verdade suprema, relativizando tudo.
Todavia, isso ocorre, de maneira específica, no ambiente acadêmico. As
pessoas comuns na rua não são nem de perto tão filosóficas! Muito embora
tenham absorvido os conceitos pós-modernos básicos, algumas delas refletem
sobre as questões profundas da vida.
Se o padrão pós-moderno for levado a expressar como enxerga a vida,
provavelmente dirá que a verdade existe, sem negá-la nem a realidade
objetiva. Ele questiona a capacidade de distinguir a verdade da mentira e
acredita que é necessário muito mais do que a razão para explicar o mundo.
Para o pós-moderno, razão e ciência, emoção, tradição, intuição e
comunidade são igualmente úteis para entender o mundo.
Ainda que o pós-moderno não creia na verdade absoluta, existe uma
tendência maior de buscar verdades locais que, embora não expliquem tudo,
dão sentido à vida. Por causa desse sistema de tolerância seletiva, os pós-
modernos são propensos a demonstrar abertura para avaliar o evangelho, caso
ele seja expresso de maneira contextualizada.
Levando isso em conta, a próxima seção trará sugestões de como renovar a
adoração adventista, para que ela tome forma na era pós-moderna.

Como apresentar a verdade


Embora a abordagem pós-moderna seja cética quanto à capacidade da razão
para determinar o que é verdade, deve-se notar que “essa mudança
epistemológica não indica que o pós-modernismo é irracional”. 100 Embora
os métodos e as ferramentas sejam diferentes, continua a existir uma tentativa
de validar a experiência. O pósmoderno pode não usar experimentação e
testes científicos, mas continua tentando validar a experiência por meio do
conhecimento individual. 101 Qualquer esforço para conquistar a atenção dos
pós-modernos “deve levar em consideração a relação dinâmica entre as
dimensões intelectual e experiencial da vida humana”. 102 A Igreja
Adventista precisa se lembrar de que os pós-modernos jamais aceitarão o que
a igreja tem a oferecer se não puderem experimentá-la. Em contrapartida, a
igreja também necessita manter em mente a ruptura do dualismo moderno
entre pensamento e emoção, uma vez que os pós-modernos creem que
nenhum deles “contam toda a história por si só”. 103 Nesse contexto, a igreja
precisa descobrir como apresentar a Palavra de forma criativa.

Métodos de proclamação
Existem dois métodos de proclamação pública em um contexto de
adoração: pregação dedutiva e indutiva. A pregação dedutiva é o método por
meio do qual o orador tenta provar o que é tido por verdadeiro usando
métodos racionais. No sermão dedutivo, a premissa principal é apresentada
primeiro e então o restante do sermão apoia a premissa. Para que esse tipo de
raciocínio seja apropriado, os ouvintes devem concordar com o orador e
aceitar a autoridade da Bíblia, da igreja e do pregador. 104
Contudo, para os pós-modernos não é fácil aceitar a autoridade do orador,
pois, para eles, a verdade é relativa e preferem chegar à conclusão por si
mesmos. Outro obstáculo de uma mensagem lógica para os pós-modernos é a
ausência de diálogo. Os ouvintes não contribuem com a proclamação da
Palavra nem participam dela. 105 Os públicos pós-modernos preferem um
diálogo participativo tanto com o texto bíblico quanto com o sermão. Há,
porém, uma exceção: toca-lhes mais quando são usadas histórias para apoiar
um ponto de doutrina do que uma abordagem exclusivamente dedutiva. 106
O sermão indutivo começa com exemplos específicos e se move para
conceitos, conclusões e princípios mais gerais. Rick Gosnell afirma que, “em
vez de começar com verdades para então prová-las”, o sermão “apresenta a
evidência e os exemplos [por meio de detalhes de experiências de vida],
adiando a conclusão até que os ouvintes tenham recebido a oportunidade de
pesar as evidências, refletir nos desdobramentos, para então chegar à
conclusão junto com o pregador ao fim do sermão”. 107
Em outras palavras, a pregação indutiva “convida os leitores a fazer uma
série de pequenas descobertas sobre o texto bíblico, até chegar ao mais
amplo: ‘Então é isso que esta passagem está nos dizendo!’” 108 O pregador
indutivo ajuda os ouvintes a enxergar a verdade de tal maneira que se sentem
“prontos para aceitar, concordar e reagir a essa verdade ao fim do
sermão”. 109 Conforme evidenciado pelo fato de que “as pessoas se
preocupam mais com a morte de alguém muito próximo do que com a
natureza teológica da mortalidade”, a proclamação na adoração deve se
esforçar para que a verdade se torne parte da experiência dos ouvintes, em
vez de uma tentativa de provar a verdade. 110
Por meio desse processo, o sermão se torna parte da experiência dos
ouvintes. 111 O método indutivo permite que os pós-modernos não só
“envolvam suas emoções, seus sentimentos, sua introspecção, intuição e
contemplação a fim de tornar o sermão relevante para si”, como também “os
leva a convencer a si mesmos, em vez de ser convencidos por outros”. 112

Uso de histórias
Os pós-modernos apreciam histórias porque “a história é a linguagem
primária da experiência”. 113 Uma vez que os pós-modernos adotam, em
geral, uma abordagem holística em relação à vida, as histórias os capacitam a
superar a dicotomia entre pensamento e sentimento. São capazes de focar na
experiência de maneira mais eficaz do que qualquer outra forma de
comunicação. 114
Os pós-modernos perderam a própria história. Aceitam como verdade o fato
de que a vida é “uma questão de contar a nós mesmos histórias sobre a vida, e
essa construção da história não é apenas sobre a vida humana, mas é a
própria vida em si”. 115 Ao contar histórias, os pós-modernos conferem a si
mesmos uma identidade. 116
As narrativas continuam válidas no mundo pós-moderno, mas os pós-
modernos não acreditam em metanarrativas nem em histórias abrangentes
que explicam todos os aspectos da vida. Contudo, conforme já mencionado,
eles aceitam narrativas locais. Muito embora não seja possível sacrificar as
metanarrativas bíblicas, podemos começar a comunicar como as
metanarrativas bíblicas afetam nossa vida, dão fé e confiança, além de nos
ajudar a encontrar nossa verdadeira identidade e o propósito da vida. Bruce
Salmon explica como tornar contemporânea a mensagem do evangelho por
meio de histórias:

Logo, quando falamos em tornar algo contemporâneo, estamos nos referindo a


restaurar o evangelho. Declarações proposicionais podem ser necessárias para a
teologia e exegese, mas não são adequadas para a pregação. Dizer: “Você está
perdoado” ou “Deus ama você” separadamente da história bíblica é praticamente
sem sentido. De maneira semelhante, apenas repetir relatos bíblicos sem fazer pontos
de contato com nossa história não basta. Mas, quando conectamos os acontecimentos
bíblicos com as situações pequeninas de nossa vida, ah, que bela ocasião para a
manifestação da graça! 117
Em um sermão, as histórias podem ser usadas de forma dedutiva, como
exemplos de demonstração de uma verdade, ou de maneira indutiva. 118 No
entanto, a pregação deve incluir tanto histórias quanto explicações, pois o
evangelho levanta dúvidas que não podem ser respondidas de modo
adequado somente com mais histórias. No contexto pós-moderno, embora “as
histórias sejam capazes de ensinar, consolar e persuadir com maior eficácia
do que qualquer outra forma de comunicação”, 119 o pregador necessita
explicar a verdade com um retrato da realidade.
Dentre as histórias, o testemunho pessoal também pode ser um meio
poderoso e eficaz de apresentar o evangelho a um pós-moderno. O
testemunho pessoal, como experiência religiosa de primeira mão, consiste em
“uma tentativa de interpretar, de forma narrativa, uma experiência religiosa
profunda na história de vida de alguém”. 120 Rick Gosnell argumenta a favor
do testemunho para alcançar os pós-modernos:

Os pós-modernos se mostram dispostos a ouvir a história de outras pessoas, pois elas


dão propósito e molde à existência social. [...] Os indivíduos pós-modernos não se
opõem à religião, mas à igreja. Logo, podem ter abertura para entrar em contato com
autobiografias espirituais e testemunhos pessoais. Cada uma dessas ferramentas pode
fornecer um ponto de contato ou uma identificação com a vida da pessoa não
discipulada. 121

Contudo, é essencial notar que, sem a construção de relacionamentos


significativos, as histórias não funcionam bem. Gosnell destaca a importância
disso: “As histórias sobre as boas-novas do amor de Cristo são mais
significativas quando contadas de uma pessoa para outra no contexto de um
relacionamento pessoal.” 122 Portanto, para ser um pregador eficaz, o orador
necessita não só estudar o público a fim de preparar testemunhos adequados
que levem as pessoas a se identificar com a experiência de quem fala, mas
também usar, com frequência, certas terminologias que ajudem os ouvintes a
sentir um “espírito de comunidade” (identificação) enquanto prega.

Busca por comunidade


O esfacelamento da sociedade, uma característica do pós-modernismo, vem
causando uma sensação cada vez maior de isolamento. Existe um paradoxo
na era da informação, na qual ferramentas tecnológicas extremamente
desenvolvidas reduzem a comunicação íntima nos níveis pessoal e religioso,
resultando na privatização das experiências. 123 As unidades sociais
tradicionais, como a família, a igreja e a comunidade não validam mais as
experiências particulares, e o resultado é uma sociedade impessoal. 124
O mais irônico é que essa sociedade impessoal criou nos pós-modernos
uma ânsia por comunidades significativas, concretizada, muitas vezes, de
maneiras bem impessoais, como por meio de relacionamentos virtuais.
Mesmo assim, na maioria dos casos, a participação nesse tipo de
relacionamento pode ser superficial ou desprovido de significado. A transição
para uma era pós-moderna requer que a Igreja Adventista renove sua
identidade de comunidade.

Construindo uma comunidade significativa


Embora pareça paradoxal, os pós-modernos demonstram a necessidade de
ter liberdade individual, mas no contexto de uma comunidade
significativa. 125 Eles podem ser caracterizados como aqueles que se
encontram na jornada de busca de uma comunidade na qual se possa achar
alguma sensação de identidade pessoal ou significado. 126 Esse desejo de ter
uma comunidade pode abrir a oportunidade de apresentar a Igreja Adventista
como uma comunidade significativa. 127 Isso é possível porque a igreja é,
por definição e potencial, uma verdadeira comunidade, ainda que possa às
vezes perder sua identidade por meio de ataques da contracultura. 128 Esse
anseio pode gerar interesse pela eclesiologia, se a abordarmos de maneira
contextualizada.
Como a igreja pode construir uma comunidade significativa? Em primeiro
lugar, os membros precisam se entregar a Cristo a fim de “restaurar a noção
de que um relacionamento com Cristo demanda obediência radical”. 129
Embora essa expectativa possa ser alcançada por meio da participação em
classes da Escola Sabatina ou em cerimônias de boas-vindas, os dirigentes da
adoração também precisam enfatizar a importância de praticar os
mandamentos bíblicos e incentivar os membros a colocar a Palavra de Deus
em prática na vida. 130 Isso significa que a adoração pública deve educar ou
instruir os membros sobre como podem transformar sua vida cotidiana em
adoração.
Em segundo lugar, a igreja precisa ter um senso claro de propósito e
identidade. 131 Os adoradores necessitam entender com clareza sua
identidade como adventistas e o motivo para seu envolvimento nessa
comunidade espiritual. Isso pode ser alcançado por meio da pregação,
doutrinas da igreja, declarações de visão e “participação em atividades
dirigidas por essa visão”. 132
Além disso, recomenda-se que os dirigentes da adoração usem com
frequência termos que descrevam a identidade dos membros, como “Somos
os missionários remanescentes de Deus” ou “Vamos agora nos despedir para
servir ao Senhor no mundo”.
Em terceiro lugar, a igreja deve se tornar autêntica em todos os aspectos. A
autenticidade é indispensável para os pós-modernos. A pergunta que o pós-
moderno faz não é: “ É verdade?”; mas “É real?” 133 Esse grupo se esforça
para encontrar “comunidades autênticas que incentivam as pessoas a serem
reais consigo mesmas, com Deus e com os outros”. 134 Preferem uma igreja
autêntica, a uma igreja perfeita. 135 Isso é alcançado pela construção de
confiança mútua por meio da presença e do relacionamento, em lugar de
estratégias evangelísticas mais agressivas. 136
Os dirigentes do culto necessitam estudar e meditar sobre o verdadeiro
sentido da Palavra a fim de serem capazes de mostrar como ela é significativa
quando aplicada à vida diária. Além disso, a igreja precisa ensinar seus
membros como meditar na Palavra e os desafiar a praticá-la na vida diária.
Por meio desse processo, as Escrituras podem ser apresentadas como um
recurso espiritual autêntico, capaz de impactar a vida. Na era pós-moderna, se
não conseguirmos demonstrar como acreditamos que a Palavra de Deus é
verdadeira e cheia de autoridade, praticando aquilo que ela diz, será muito
difícil convencer os pós-modernos de que ela consiste no recurso absoluto
para a verdade. Isso significa que necessitamos ter uma experiência de
adoração em nossa vida diária (Rm 12:1).
Além disso, os dirigentes do culto também necessitam revelar, nos
diferentes programas de adoração, que estão imersos na Palavra. Ellen G.
White tem uma mensagem de advertência a esse respeito:

Os mensageiros de Deus não devem seguir os métodos do mundo, em seus esforços


para atrair o povo. Nas reuniões que realizam, não devem depender de cantores do
mundo e exibições teatrais para despertar o interesse. Como esperar daqueles que
não têm interesse na Palavra de Deus, que nunca leram Sua Palavra com o sincero
desejo de compreender as verdades, que cantem com espírito e entendimento? Como
pode seu coração achar-se em harmonia com as palavras do sagrado hino? Como
pode o coro celestial tomar parte numa música apenas formal? 137

Durante os cultos de adoração, os dirigentes do culto, em especial, devem


incentivar uma atitude reverente às Escrituras e revelar autenticidade
religiosa. Deneault faz algumas sugestões: (1) pedir à congregação que se
levante para a leitura da Bíblia; (2) desafiar a igreja a obedecer por completo
o que ouvem na Palavra; (3) incentivar a meditação na Palavra; (4) apresentar
ensinos claros, com absolutos; (5) indagar como as práticas e músicas atuais
de adoração se relacionam com as crenças bíblicas. 138 Esse processo deve
contribuir com a reafirmação da autenticidade no ato de adoração por parte da
comunidade eclesiástica.

Participação na adoração
Embora a geração mais jovem esteja na igreja, seus integrantes confessam
que é muito difícil para eles ter um senso de pertencimento por causa da
distância cultural que sentem em relação ao estilo de adoração de seus pais.
Pensando nessa geração mais jovem que não é diferente em suas perspectivas
culturais daqueles que apreciam shows de rock e os diversos canais da TV a
cabo, 139 os dirigentes de culto muitas vezes buscam sermões curtos e
objetivos, por crerem que “um sermão longo não será bem aceito”. 140
Optam por um estilo de adoração que copia a MTV, caracterizado pelo
entretenimento. No entanto, é crucial perceber a existência de um aspecto
crítico além da lacuna cultural entre as diferentes gerações. A geração pós-
moderna mais jovem está ávida por participar da adoração, em vez de ser
mera espectadora do culto. Estão ansiosos por se envolver com tudo o que
está acontecendo. A interação oferecida pela internet é um ótimo exemplo
disso.
O testemunho pessoal durante o culto é um meio poderoso de cativar a
congregação na adoração. Isso também ajuda os não cristãos pós-modernos a
testemunhar sobre Cristo. 141 A pregação indutiva também leva a audiência
a participar da jornada rumo à conclusão. Uma vez que o público pós-
moderno prefere um “diálogo participativo” entre o texto e o orador, o
sermão não deve ser um objeto para ser observado a distância.
Em vez disso, os ouvintes precisam ter liberdade para refletir por meio de
um diálogo participativo e transformar essa pregação em parte de sua
experiência. 142 Os pioneiros adventistas vivenciavam essa participação por
meio da “reunião social”, mesmo no contexto de culto. Se houver permissão
para que testemunhos pessoais façam parte do culto, a adoração será mais
atraente para os pós-modernos.
A Igreja Adventista também precisa proporcionar aos pós-modernos a
oportunidade de servir sua comunidade e ao mundo. 143 Os pós-modernos
desejam muito encontrar um cristão que siga de verdade a vida compassiva
de Cristo. 144 A igreja necessita não só mostrar que Deus e Sua igreja Se
importam com os problemas reais do mundo, mas também ensinar como
sermos agentes de mudança no mundo. Além disso, esse espírito de
compaixão precisa ser expresso diversas vezes enquanto se ora e prega no
culto. Esses adoradores estão em busca de um lugar acolhedor e seguro no
qual possam expandir sua identidade na comunidade, 145 além de
experimentar uma sensação de pertencimento por meio da participação
significativa, sobretudo no contexto da adoração.
A fim de nos beneficiarmos do desejo pós-moderno de se envolver em uma
comunidade significativa, precisamos desenvolver uma teologia holística de
adoração sob a orientação do Espírito Santo. Ellen G. White afirma:
“Religião não é limitar-se a ritos e cerimônias exteriores. [...] Para O
servirmos devidamente, é necessário nascermos do Espírito divino [...].
Também nos comunicará obediência voluntária a todas as Suas ordens. Esse
é o verdadeiro culto”. 146 Isso significa que os dirigentes do culto devem
fazer o maior esforço para chamar “aqueles que professam a fé a fim de se
comprometerem de maneira radical com a família de Cristo, capacitando
membros com ferramentas e contextos com os quais podem se identificar, a
fim de trabalharem juntos”. 147
Necessitamos convidar os pós-modernos a experimentar a autenticidade de
nosso culto por meio de sua participação na prática do evangelho, mediante o
ato de adoração. Essa prática criará e suprirá uma comunidade de adoração
significativa para os pós-modernos.

Foco na experiência
Embora os pós-modernos estejam sedentos por uma experiência espiritual,
essa necessidade “tem mais relação com o sentimento pessoal do que com o
interesse em verdades espirituais”. 148 Essa orientação emocional pode
provocar o efeito negativo de levar os adoradores a depender somente da
experiência humana como fonte de verdade.
Essa tendência pós-moderna enfraquece a autoridade da Palavra, uma vez
que a emoção espiritual “pode prover evidências da verdade, mas não a
verdade; pode revelar sua fonte, mas não é a fonte”. 149 Em muitos casos,
leva os adoradores a ir em busca de um fervor religioso sem qualquer
fundamento para discernir se a emoção provém da verdade.
Por outro lado, tem como efeito positivo a possibilidade de tratar a
adoração de maneira holística. A adoração se transforma em uma abordagem
integradora, na qual “a pregação é subordinada à adoração”. 150 Conforme já
mencionado, para levar o público a participar, sentir e aceitar o evangelho,
necessitamos de uma abordagem conversacional que consiste em uma
narrativa indutiva e orgânica. 151 A experiência emocional na adoração é
importante porque “é possível ser emocional sem ser espiritual, mas não dá
para ser espiritual sem ser emocional”. 152 Sem o aspecto emocional na
adoração, é impossível formular uma adoração holística.

A experiência como meio de mudança de cosmovisão


O motivo pelo qual a igreja necessita compreender a importância da
experiência no culto é que a experiência está ligada a uma mudança de
cosmovisão. A conversão dos pós-modernos requer uma alteração de sua
visão de mundo. Isso pode acontecer de duas maneiras. 153 A primeira é
quando uma nova explicação da realidade cria tensão dentro da cosmovisão
existente. Nesse caso, as pessoas podem se mostrar dispostas a ajustar sua
cosmovisão à nova realidade.
Isso costuma ser eficaz para quem recebeu uma educação cristã. A segunda
é quando uma nova experiência desafia a cosmovisão do indivíduo,
provocando modificações em sua compreensão da realidade. Alguns
exemplos desse tipo de experiência, extraídos do ministério de Jesus e da
igreja apostólica, são as curas e a libertação de pessoas do maligno, que
ajudaram o povo a vivenciar o cuidado de Deus de modo pessoal. O livro de
Atos conta casos de conversões que ocorreram por meio de novas
experiências ligadas à obra do Espírito Santo. Sem experiência é difícil fazer
os pós-modernos aceitarem doutrinas cristãs abstratas. Bruce Bauer destaca a
necessidade de começar com a experiência:

A igreja e o testemunho cristão precisam começar com uma experiência de algum


tipo, que chame a atenção daqueles que estão predispostos a crer. Mas eles também
necessitam chegar ao ponto no qual a nova explicação da realidade em Jesus Cristo
pode ser partilhada com eles, antes de poderem se tornar cristãos
comprometidos. 154

Uma vez que os pós-modernos são bastante abertos a mudanças de


cosmovisão por meio de novas experiências, 155 ao usar nossa abordagem
contextualizada, podemos esperar que mudem de cosmovisão.

Experiência da presença de Deus


A melhor experiência religiosa que existe é vivenciar a presença de Deus na
adoração. Partilhar experiências de um encontro pessoal com o Senhor pode
ser mais eficaz do que tentar convencer as pessoas. 156 Além disso, também
é notável que “a adoração é delimitada pelo reconhecimento pessoal e
coletivo por parte dos cristãos de que Deus é exclusivamente digno de honra
suprema”. 157 Isso significa que a atitude dos adoradores é importante. Ellen
G. White afirma: “A humildade e a reverência devem caracterizar o
comportamento de todos os que vão à presença de Deus.” E também
acrescenta: “[Eles] estão sob o olhar Daquele a quem serafins adoram e
perante quem os anjos velam o rosto.” 158 A consciência que os adoradores
têm da presença de Deus durante a adoração não pode ser opcional, mas
obrigatória.
A atitude dos adoradores que demonstram reverência e respeito durante a
adoração leva os participantes pós-modernos do culto a experimentarem a
presença do Senhor. Para alcançar isso, os dirigentes da adoração necessitam
não só se preparar com orações solenes, mas também enfatizar
frequentemente a presença divina durante o culto de adoração. 159
Os membros da igreja precisam entender que estão adorando um Deus que
Se faz presente entre eles. “Ao ser a reverência manifestada em atitude e
comportamento, o sentimento que a inspira será aprofundado.” 160 Em
resposta à presença divina em nossa adoração, podemos experimentar
diferentes tipos de sentimento, como louvor a Deus (Sl 118:28), alegria e
gratidão (1Cr 16:29), expressando-os por meio de cânticos de adoração (Sl
147:1) e clamando por livramento, perdão e orientação (Sl 139:23, 24; 142).
“O culto alcançará com mais eficácia tanto os cristãos quanto a cultura a
nossa volta se Deus sempre for o tema.” 161
Em outras palavras, o culto precisa ser inspirador. Um culto inspirador
acontece por meio de um encontro pessoal e coletivo com o Deus vivo. A
adoração pessoal e a coletiva necessitam ser cercadas pela presença divina.
Essa realidade resulta em momentos de alegre exultação e instantes de
reverência silenciosa. “O culto inspirador não é movido por um estilo
particular ou grupo focal de ministério, mas pela experiência compartilhada
da presença majestosa de Deus.” 162

Estética
Enquanto os principais processos de comunicação na sociedade moderna
eram baseados na palavra, no contexto pós-moderno, eles são fundamentados
no visual. 163 Logo, no contexto pós-moderno, a estética se tornou a nova
“linguagem do poder”. 164 Na perspectiva pós-moderna, a adoração com
ênfase estética é atrativa. Dawn aprecia os méritos da adoração estética:

Uma adoração bonita promove em nosso caráter humildade genuína no


reconhecimento da feiura de nosso pecado, sensação de deslumbramento e
reverência diante da beleza do perdão, bem como gratidão profunda, pois Deus nos
convida a partilhar da beleza celestial, da qual podemos obter vislumbres enquanto
estamos aqui na Terra. 165

A fim de alcançar esse propósito estético, os dirigentes do culto com estilo


pós-moderno usam “a linguagem do coração”. 166 Isso acontece porque os
pós-modernos enxergam a adoração como “uma questão do coração, não da
cabeça”. 167 Isso também requer que os dirigentes sejam mais criativos ao
planejar uma adoração ao Criador que concede dons artísticos. 168 Essa
criatividade significa “ser receptivo e responsivo àquilo que ‘o Espírito diz às
igrejas’ (Ap 2:17) no contexto pós-moderno”. 169
Outra tentativa de reintroduzir pensamentos e práticas antigas do
cristianismo no contexto pós-moderno emergente é chamada de “fé antiga-
futura” na América do Norte e “adoração alternativa” na Nova Zelândia.
Formas simbólicas de adoração se tornaram um aspecto essencial para a
forma pós-moderna de pensar. A busca de sentido e significado da vida abriu
as portas para a redescoberta do cristianismo antigo. 170 De igual maneira, a
Reforma Protestante procurou retomar o que se perdera em relação à
adoração cristã primitiva. No entanto, houve uma rejeição dos elementos
sensoriais do culto medieval. São exatamente esses elementos que chamam a
atenção do pós-moderno. Embora haja oposição ao “formalismo e linguagem
incompreensível do tradicionalismo da igreja”, 171 existe um desejo de
reconquistar a espiritualidade perdida da igreja primitiva. 172
Também será inevitável adaptar algumas mídias da cultura popular para
aumentar a beleza da adoração. É, porém, necessário se lembrar a todo tempo
que a mídia é apenas uma portadora da mensagem. 173 Somente um processo
cuidadoso de planejamento e avaliação impedirá que nosso culto “resulte em
distração de Deus e perda da identidade da comunidade”. 174 Se usarmos o
culto somente como instrumento psicossocial, correremos o risco de mudar,
sem perceber, o centro e o foco da adoração, afastando-o do Criador e
Redentor, e redirecionando para nós. 175

Adoração equilibrada
No contexto pós-moderno de culto, é necessária uma abordagem
equilibrada. A submissão ao ethos pós-moderno é destrutiva à pregação do
evangelho. 176 Mesmo que a experiência seja necessária, é crucial dar
atenção cuidadosa à transmissão de conhecimento; a interpretação dele, por
sua vez, não pode ser negligenciada. 177 Necessitamos tanto de uma
adoração razoável quanto do componente da emoção. Embora se concentrar
no elemento racional não ajude os pós-modernos, focar por completo na
orientação emocional não os leva a uma fé fundamentada nas Escrituras. 178

CONCLUSÃO

A mudança na adoração é a mais óbvia e causadora de divisão no mundo


ocidental. Em geral, os conflitos surgem mais por causa do estilo de adoração
do que por questões doutrinárias ou teológicas. 179 De acordo com uma
pesquisa feita com adventistas da Divisão Norte-Americana, a maioria das
igrejas locais mostra diversidade no estilo de adoração, mas quase todas as
congregações apreciam o próprio estilo de culto no sábado. Isso significa que
“não existe consenso claro entre as igrejas locais acerca das mudanças no
estilo de adoração”. 180 Já foi sugerido que “cada igreja local deve tomar as
próprias decisões, usando as Escrituras, a herança adventista e a praxe
denominacional. Além disso, uma análise cuidadosa das necessidades e da
missão local deve ser feita”. 181 Na maioria dos casos, porém, as igrejas
adventistas ainda parecem abordar os pós-modernos usando o modo moderno
tradicional, insistindo no uso da persuasão intelectual. Sem ser uma igreja
“encarnacional”, as congregações não conseguem cumprir a missão por meio
da adoração.
A missão da Igreja Adventista do Sétimo Dia é convidar o mundo para
adorar o Criador (Ap 14:7). Temos a responsabilidade de trabalhar de forma
criativa a fim de descobrir como cumprir essa missão no contexto de um
mundo pós-moderno caracterizado por um conjunto diferente de valores.
Precisamos desenvolver uma adoração contextualizada, que atraia os pós-
modernos sem perder nossa identidade. Isso requer a avaliação contínua de
nossos elementos de adoração, como liturgia, tradições, práticas, músicas,
aspectos doutrinários, comunhão e uso de recursos técnicos. 182
No entanto, é importante lembrar que só podemos alcançar essa missão por
meio da orientação do Espírito Santo, a fonte de sabedoria e poder para
mudar o coração. Ao mesmo tempo, a fim de cumprir a missão com sucesso,
nosso culto deve servir como “veículo de proclamação, uma vez que ilustra
aquilo em que a congregação acredita” e deve incluir “atos vivos das
pessoas”. 183
Por ser uma verdadeira comunidade de adoração, os adventistas do sétimo
dia devem buscar adoração autêntica e serem “sacrifício vivo” no contexto de
sua vida pessoal e na adoração coletiva.

1 David J. B. Trim, “‘Watchmen’ over the Flux of Thought: Michel Foucault and the Historical
Development of Postmodernist Philosophy”, em Bruce L. Bauer e Kleber O. Gonçalves, ed., Revisiting
Postmodernism: An Old Debate on a New Era (Berrien Springs, MI: Department of World Mission of
Andrews University, 2013), p. 4. Em 1979, Thomas Oden já havia escrito sobre o colapso do
modernismo e a ascensão do pós-modernismo (After Modernity – What? Agenda for Theology [Nova
York: Harper & Row 1979], p. 49).
2 Oden, After Modernity, p. 60. De acordo com David L. Bosch, a mudança de paradigma de uma era
moderna para a pós-moderna “está emergindo e ainda não ficou claro qual é o formato que acabará por
adotar” (Transforming Mission: Paradigm Shifts in Theology of Mission [Maryknoll, NY: Orbis, 1991],
p. 349).
3 Kleber O. Gonçalves, Igreja Relevante: Missão Urbana Para a Pós-modernidade (Engenheiro
Coelho, SP: Unaspress, 2017), p. 24, 25.
4 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 31.
5 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 31.
6 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 45.
7 Robert E. Webber, Ancient-Future Faith: Rethinking Evangelicalism for a Postmodern World
(Grand Rapids, MI: Baker Books, 1999), p. 15, citado por Gonçalves, Igreja Relevante, p. 38.
8 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 45, 46.
9 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 34, 47, 48.
10 Os Guinness, The Last Christian on Earth: Uncover the Enemy’s Plot to Undermine the Church
(Ventura, CA: Regal, 2010), p. 73, 74.
11 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 37, 38, 129, 130.
12 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 49, 50, 58.
13 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 50, 52.
14 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 52-57. Ver mais sobre o progressismo em N. T. Wright,
Surpreendido Pela Esperança (Viçosa, MG: Ultimato, 2009).
15 O pós-modernismo também deve ser distinguido do “secular”, “pluralista” e “contemporâneo”. De
acordo com Miroslav Pujic, a pessoa secular não encontra lugar para Deus nas questões da vida diária,
o pluralista crê em caminhos múltiplos para a verdade, e o contemporâneo denota simplesmente a
situação atual. Os pós-modernos não são seculares per se, mas costumam ser desprovidos do modo
tradicional de se relacionar com Deus (“Re-imaging Evangelism in a Postmodern Culture”, em
Reaching Postmodern Urbanities, ed. John Haeng Kwon [Seoul: Office of Adventist Mission of NSD,
2014], p. 66).
16 Pujic, “Re-imaging Evangelism in a Postmodern Culture”, p. 66, 67.
17 Lawrence E. Cahoone, From Modernism to Postmodernism: An Anthology (Malden, MA:
Blackwell, 2003), p. 2. Cf. Ihab Hassan, The Postmodern Turn: Essays in Postmodern Theory and
Culture [Columbus, OH: University Press, 1987], p. 12.
18 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 61, 62.
19 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 64. Embora às vezes já se ouça o termo “pós-pós-modernismo”, ele
ainda não recebeu ampla aceitação.
20 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 72.
21 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 70-73.
22 Douglas Groothuis, Truth Decay: Defending Christianity Against the Challenges of Post-
modernism (Downers Grove, IL: InterVarsity, 2000), p. 54, 57.
23 Richard J. Bernstein, Beyond Objectivism and Relativism: Science, Hermeneutics, and Praxis
(Oxford: Blackwell, 1983), p. 8.
24 Pauline Marie Rosenau, Post-Modernism and the Social Sciences: Insights, Inroads, and Intrusions
(Princeton, NJ: Princeton University Press, 1992), p. 128.
25 Walter T. Anderson, Reality Isn’t What It Used to Be: Theatrical Politics, Ready-to-Wear Religion,
Global Myths, Primitive Chic, and Other Wonders of the Postmodern World (San Francisco: Harper-
Collins, 1990), p. 80.
26 Rich Gosnell, “Proclamation and the Postmodernist”, em The Challenge of Postmodernism: An
Evangelical Engagement, David S. Dockery, ed. (Grand Rapids, MI: Baker Books, 1995), p. 376.
27 Gosnell, “Proclamation and the Postmodernist”, p. 388.
28 Rosenau, Post-Modernism and the Social Sciences, p. 32.
29 Rosenau, Post-Modernism and the Social Sciences, p. 5.
30 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 128.
31
Jean-François Lyotard, The Postmodern Condition: A Report on Knowledge (Mineápolis, MN:
University of Minnesota Press, 1984), p. xxiv.
32 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 75, 76.
33 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 77.
34 Wayne Deneault, “Worship in a Postmodern Context”, p. 4-5. Disponível em
<http://www.ccws.ca/contemp_pmod/papers/Worship%20in%20a%20Pn%20Context.PDF>, acesso em
20 de outubro de 2014.
35 Anderson, Reality Isn’t What It Used to Be, p. 44.
36 Anderson, Reality Isn’t What It Used to Be, p. 44.
37 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 127, 129.
38 Gosnell, “Proclamation and the Postmodernist”, p. 377.
39 Harold O. J. Brown, “Evangelicals and Social Ethics”, em Evangelical Armations, Kenneth S.
Kantzer e Carl F. H. Henry, ed. (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1990), p. 279.
40 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 130.
41 Gosnell, “Proclamation and the Postmodernist”, p. 377.
42 Anderson, Reality Isn’t What It Used to Be, p. 9.
43 O termo deriva de Sheila Larson no livro de Robert Bellah et.al., Habits of the Heart:
Individualism and Commitment in American Life (San Francisco: Harper and Row, 1985), p. 221.
44 Gosnell, “Proclamation and the Postmodernist”, p. 377.
45 Gosnell, “Proclamation and the Postmodernist”, p. 377.
46 Conrad E. Ostwalt, Secular Steeples: Popular Culture and the Religious Imagination (Harrisburg,
PA: Trinity, 2003), p. 203.
47 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 78.
48 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 78.
49 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 79, 80.
50 Farely Edward, Deep Symbols: Their Postmodern Effacement and Reclamation (Valley Forge, PA:
Trinity Press International, 1996), p. 27.
51 Cf. Webber E. Robert, ed., Twenty Centuries of Christian Worship (Nashville, TN: Star Song,
1994), p. 372.
52 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 81-83.
53 Uma análise eclesiológica do impacto da era moderna sobre a igreja ocidental em Jonathan S.
Campbell, “The Translatability of Christian Community: An Ecclesiology for Postmodern Cultures and
Beyond” (tese de doutorado, Fuller Theological Seminary, 1999), p. 20-51.
54 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 119, 120.
55 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 24, 25.
56 Peter Berger, O Dossel Sagrado: Elementos para uma Teoria Sociológica da Religião (São Paulo:
Paulus, 2017), p. 144.
57 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 40, 41.
58 James Emery White, “Evangelism in a Postmodern World”, em The Challenge of Postmodernism:
An Evangelical Engagement, David S. Dockery, (Grand Rapids, MI: Baker Books, 1995), p. 360.
59 White, “Evangelism in a Postmodern World”, p. 360.
60 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 93, 94.
61 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 120, 121.
62 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 120, 121.
63 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 120, 121.
64 Patrick Malloy, “Rick Warren Meets Gregory Dix: The Liturgical Movement Comes Knocking at
the Megachurch Door”, Anglican Theological Review 92/ (2010), p. 443.
65 Carol Doran e Thomas H. Troeger, “Reclaiming the Corporate Self: The Meaning and Ministry of
Worship in a Privatistic Culture”, Worship 60 (1986), p. 200.
66 Eddie Gibbs e Ryan K. Bolger, Emerging Churches: Creating Christian Community in Postmodern
Cultures (Grand Rapids, MI: Baker Academic, 2005), p. 21.
67 Robert E. Webber, “The Crisis of Evangelical Worship: Authentic Worship in a Changing World”,
em Worship at the Next Level: Insight from Contemporary Voices, Tim Dearborn e Scout Coil, ed.
(Grand Rapids, MI: Baker Books, 2004), p. 89.
68 Webber, “The Crisis of Evangelical Worship”, p. 92.
69 Webber, “The Crisis of Evangelical Worship”, p. 80.
70 Gibbs e Bolger, Emerging Churches, p. 21.
71 Webber, “The Crisis of Evangelical Worship”, p. 89.
72 Gibbs e Bolger, Emerging Churches, p. 21.
73 Webber, Ancient-Future Worship, p. 151.
74 Dan Kimball, The Emerging Church: Vintage Christianity for New Generations (Grand Rapids,
MI: Zondervan, 2003), p. 32, 33.
75 Malloy, “Rick Warren Meets Gregory Dix”, p. 445.
76 Gibbs e Bolger, Emerging Churches, p. 21.
77 Gibbs e Bolger, Emerging Churches, p. 21.
78 Gibbs e Bolger, Emerging Churches, p. 30. Informações mais detalhadas sobre as igrejas voltadas
para a Geração X nas p. 30-34.
79 Gibbs e Bolger, Emerging Churches , p. 40.
80 Gibbs e Bolger, Emerging Churches, p. 40.
81 Gibbs e Bolger, Emerging Churches, p. 22.
82 J. Richard Middleton e Brian Walsh, Truth is Stranger than It Used to Be (Downers Grove, IL:
InterVarsity, 1995).
83 D. A. Carson, Becoming Conversant with Emerging Church: Understanding a Movement and Its
Implications (Grand Rapids, MI: Zondervan, 2005), p. 27.
84 Rick Richardson, “Emerging Missional Movements: An Overview and Assessment of Some
Implications for Mission(s)”, International Bulletin of Missionary Research 37 (2013), p. 132.
85 Cf. Mark Driscoll, Confessions of a Reformission: Hard Lessons from an Emerging Missional
Church (Grand Rapids, MI: Zondervan, 2006).
86 Cf. Guder Darrell, ed., Missional Church: A Theological Vision for the Sending of the Church in
North America (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1998); George R. Hunsberger, ed., The Church Between
Gospel and Culture (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1996).
87 Michael Frost e Alan Hirsch, The Shaping of Things to Come: Innovation and Mission for the 21st
Century Church (Peabody, MA: Hendrickson, 2003).
88 Cf. Brian McLaren, A New Kind of Christian: A Tale of Two Friends on a Spiritual Journey (San
Francisco: Jossey-Bass, 2001); Tony Jones, Postmodern Youth Ministry: Exploring Cultural Shift,
Cultivating Authentic Community, Creating Holistic Connections (Grand Rapids, MI: Zondervan,
2001); Nadia Bolz-Weber, Salvation on the Small Screen? 24 Hours of Christian Television (Nova
York: Seabury Books, 2008).
89 Cf. Kevin Deyoung e Ted Kluck, Why We’re Not Emergent: By Two Guys Who Should Be
(Chicago, IL: Moody, 2008); Kwabena Donkor, The Emerging Church and Adventist Ecclesiology,
Biblical Research Release, v. 8 (Silver Springs, MD: Biblical Research Institute, 2011).
90 Thomas H. Schattauer, “God’s Mission and the Christian Assembly: The Search for an Alternative
Practice of Worship”, Dialog: A Journal of Theology 50 (2011), p. 149.
91 Scott Bader-Saye, “Improving Church: An Introduction to the Emerging Church Conversation”,
International Journal for the Study of the Christian Church 6 (2006), p. 12-23.
92 Malloy, “Rick Warren Meets Gregory Dix: The Liturgical Movement Comes Knocking at the
Megachurch Door”, p. 447.
93 Malloy, “Rick Warren Meets Gregory Dix: The Liturgical Movement Comes Knocking at the
Megachurch Door”, p. 447.
94 Gibbs; Bolger, Emerging Churches, p. 38. Brian McLaren também confessa: “Sou muito mais duro
com os cristãos protestantes conservadores que partilham dessa herança do que com quaisquer outros.
Desculpem-me. Sou, o tempo inteiro, muito simpático aos católicos romanos, ortodoxos orientais e até
mesmo aos temidos liberais, ao passo que estou sempre dando cotoveladas nas costelas de meus irmãos
conservadores, da forma mais incômoda – e alguns poderiam até acrescentar ‘nada generosa’” (A
Generous Orthodoxy [Grand Rapids, MI: Zondervan, 2004], p. 35).
95 Gibbs; Bolger, Emerging Churches, p. 38.
96 Gibbs; Bolger, Emerging Churches, p. 41.
97 Gibbs; Bolger, Emerging Churches, p. 42.
98 Gibbs; Bolger, Emerging Churches, p. 41.
99 Gibbs; Bolger, Emerging Churches, p. 41, 42.
100 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 140, 141.
101 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 141.
102 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 142.
103 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 142.
104 Gosnell, “Proclamation and the Postmodernist”, p. 382.
105 Gosnell, “Proclamation and the Postmodernist”, p. 382.
106 Gosnell, “Proclamation and the Postmodernist”, p. 384.
107 Gosnell, “Proclamation and the Postmodernist”, p. 383.
108 Thomas G. Long, The Witness of Preaching (Louisville, KY: Westminster/John Knox, 1989), p.
82.
109 Ralph L. Lewis e Gregg Lewis, Inductive Preaching: Helping People Listen (Westchester, IL:
Crossway, 1983), p. 81.
110 Gosnell, “Proclamation and the Postmodernist”, p. 382, 383.
111 Gosnell, “Proclamation and the Postmodernist”, p. 382, 383.
112 Gosnell, “Proclamation and the Postmodernist”, p. 384.
113 Thomas E. Boomershine, Story Journey: An Invitation to the Gospel as Storytelling (Nashville,
TN: Abingdon, 195), p. 18.
114 Boomershine, Story Journey, p. 18.
115 Anderson, Reality Isn’t What It Used to Be, p. 102.
116 Gary B. Madison, The Hermeneutics of Postmodernity: Figures and Themes (Bloomington, IN:
Indiana University Press, 1990), p. 95, 96.
117 Bruce C. Salmon, Storytelling in Preaching: A Guide to the Theory and Practice (Nashville, TN:
Broadman, 1988), p. 33, 4.
118 Gosnell, “Proclamation and the Postmodernist”, p. 386.
119 Salmon, Storytelling in Preaching, p. 32.
120 Gosnell, “Proclamation and the Postmodernist”, p. 380.
121 Gosnell, “Proclamation and the Postmodernist”, p. 381, 382.
122 Gosnell, “Proclamation and the Postmodernist”, p. 381.
123 Larry W. Poland, “Christ and Culture: The Christian and Media”, em God & Culture, D. A.
Carson e John D. Woodbridge, ed. (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1993), p. 264, 265.
124 David F. Wells, No Place for Truth: Or Whatever Happened to Evangelical Theology? (Grand
Rapids, MI: Eerdmans, 1993), p. 203.
125 Kleber O. Gonçalves, “Witnessing to Christ in Secular, Post-Christian, Postmodern Contexts”, em
Reaching Postmodern Urbanites, John Haeng Kwon, (Seoul: Office of Adventist Mission of NSD,
2014), p. 27.
126 Craig Van Gelder, “Postmodernism and Evangelicals: A Unique Missiological Challenge at the
Beginning of the Twenty-First Century”, Missiology 30-34 (2002), p. 4.
127 Robert Phillips, “Changes in Technology”, Southwestern Journal of Theology 42 (2000), p. 64.
128 Webber, Ancient-Future Worship, p. 165.
129 Webber, Ancient-Future Worship, p. 150.
130 Deneault, “Worship in a Postmodern Context”, p. 11.
131 Deneault, “Worship in a Postmodern Context”, p. 11.
132 Deneault, “Worship in a Postmodern Context”, p. 11.
133 Ed Stetzer, Planting New Churches in a Postmodern Age (Nashville, TN: Broadman & Holman,
2003), p. 140.
134 Jim L. Wilson, Future Church: Ministry in a Post-Seeker Age (Littleton, CO: Serendipity, 2002),
p. 113, 114.
135 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 163.
136 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 163.
137 Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja, 9 v. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), v.
9, p. 143.
138 Deneault, “Worship in a Postmodern Context”, p. 13.
139 Farely Edward, Deep Symbols: Their Postmodern Effacement and Reclamation (Valley Forge,
PA: Trinity Press, 1996), p. 27.
140 Hugh Litchfield, “Changes in Preaching”, Southwestern Journal of Theology 42 (2000), p. 27.
141 Gosnell, “Proclamation and the Postmodernist”, p. 381.
142 Gosnell, “Proclamation and the Postmodernist”, p. 383.
143 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 153, 154, 163.
144 Chuck Smith, Jr., The End of the World, as We Know It: Clear Direction for Bold and Innovative
Ministry in a Postmodern World (Colorado Springs, CO: WaterBrook, 2001), p. 196.
145 Rich Richardson, Evangelism Outside the Box: New Ways to Help People Experience the Good
News (Downers Grove, IL: InterVarsity, 2000), p. 99, 100.
146 Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2019),
p. 189.
147 Deneault, “Worship in a Postmodern Context”, p. 14.
148 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 154.
149Thomas Hohstadt, I Felt God... I Think: Authentic Passion in the 21st Century (Odessa, TX:
Damah Media, 2001), p. 169.
150 Litchfield, “Changes in Preaching”, p. 23-25.
151 Deneault, “Worship in a Postmodern Context”, p. 8.
152 Deneault, “Worship in a Postmodern Context”, p. 9.
153 Charles H. Kraft, Anthropology for Christian Witness (Maryknoll, NY: Orbis, 1996), p. 56, 57.
154 Bruce L. Bauer, “Conversion and Worldview Transformation Among Postmoderns”, em Bauer e
Gonçalves, eds., Revisiting Postmodernism, p. 93, 94.
155 Bauer e Gonçalves, ed., Revisiting Postmodernism, p. 94.
156 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 154.
157 Ver Ángel Manuel Rodríguez, “Elementos da Adoração Adventista: Sua Relevância Teológica”,
nesta obra. Ellen G. White diz, “A verdadeira reverência a Deus é inspirada pelo senso de Sua infinita
grandeza e a noção de Sua presença” (Profetas e Reis [Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014], p.
48).
158 Ellen G. White, Patriarcas e Profetas (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), p. 252. Ver
recomendações detalhadas sobre “O comportamento na Casa de Deus” em Ellen G. White,
Testemunhos Para a Igreja (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), v. 5, p. 491-500. As
recomendações principais são: (1) dirigir-se em silêncio para seu lugar com decoro; (2) manter um
espírito de verdadeira devoção por meio da meditação silenciosa e mantendo o coração elevado a Deus
em oração, lembrando-se de que os mensageiros celestiais estão no ambiente; (3) escutar com atenção a
Palavra anunciada, como quem está ouvindo a voz de Deus por intermédio do servo que Ele designou;
(4) ensinar as crianças a adorar com reverência; (5) ensinar os adoradores a serem organizados, limpos
e ordeiros com o vestuário, sem condescender com adornos exteriores que seriam completamente
inapropriados para o santuário; (6) ajoelhar-se para orar, etc.
159 Ellen White diz: “O momento e o lugar de oração são sagrados, porque Deus está ali” (Profetas e
Reis [Tatuí, SP; Casa Publicadora Brasileira, 2014], p. 48, 49).
160 White, Profetas e Reis, p. 49.
161 Marva J. Dawn, Reaching Out Without Dumbing Down: A Theology of Worship for the Turn-of-
the-Century Culture (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1995), p. 225.
162 Leslie H. Brickman, Natural Church Development and Cell Church (Maitland, FL: Xulon Press,
2005), p. 15.
163 Leonard Sweet, Postmodern Pilgrims: First Century Passion for the 21st Century World
(Nashville, TN: Broadman & Holman, 2000), p. 86.
164 Sweet, Postmodern Pilgrims, p. 93.
165 Dawn, Reaching Out Without Dumbing Down, p. 249.
166 Deneault, “Worship in a Postmodern Context”, p. 13. Ver também Alain Coralie, “Nike Culture
and the Church: An Investigation of Postmodern Consumerist Culture and Its Implications for Church
Life”, em Bauer e Gonçalves, ed., Revisiting Postmodernism, p. 232. Ele também afirma: “O medo se
levanta quando confundimos as tradições da igreja com o evangelho” (Bauer e Gonçalves, ed.,
Revisiting Postmodernism, p. 232).
167
Jill M. Hudson, When Better Isn’t Enough: Evaluation Tools for the 21st-Century Church
(Herndon, VA: Alban, 2004), p. 66.
168 Ellen White enfatiza que “nossas reuniões devem ser intensivamente interessantes. Deve imperar
ali a própria atmosfera do Céu. As orações e discursos não devem ser longos e enfadonhos, apenas para
encher o tempo. Todos devem espontaneamente e com pontualidade contribuir com sua parte e,
esgotada a hora, a reunião deve ser pontualmente encerrada. Desse modo será conservado vivo o
interesse. Nisso está o culto agradável a Deus. Seu culto deve ser interessante e atraente, não se
permitindo que degenere em formalidade insípida” (Testemunhos Para a Igreja, 9 v. [Tatuí, SP: Casa
Publicadora Brasileira, 2015], v. 5, p. 609).
169 Alain Coralie, “Nike Culture and the Church: An Investigation of Postmodern Consumerist
Culture and Its Implications for Church Life”, em Brucel L. Bawer e Cleber O. Gonçalves, Revisiting
Postmodernism: An Old Debate on a New Era (Berring Springs, MI: Departament of World Mission of
Andrews University, 2013), p. 232.
170 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 159.
171 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 159.
172 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 158, 159.
173 Deneault, “Worship in a Postmodern Context”, p. 13.
174 Deneault, “Worship in a Postmodern Context”, p. 13.
175 Ellen G. White também sugere alguns fundamentos teológicos básicos da adoração: (1) Criador
(“‘A importância do sábado como memorial da criação consiste em manter sempre presente o
verdadeiro motivo de se render culto a Deus’ – porque Ele é o Criador, e nós as Suas criaturas. ‘O
sábado, portanto, está no próprio fundamento do culto divino, pois ensina esta grande verdade da
maneira mais impressionante, e nenhuma outra instituição faz isso. O verdadeiro fundamento para o
culto a Deus, não meramente o daquele que se realiza no sétimo dia, mas de todo culto, está na
distinção entre o Criador e Suas criaturas’” [O Grande Conflito, p. 437]); (2) Redentor (“A cruz de
Cristo será a ciência e cântico dos remidos por toda a eternidade” [Testemunhos Para a Igreja, v. 5, p.
381]).
176 Coralie, “Nike Culture and the Church: An Investigation of Postmodern Consumerist Culture and
Its Implications for Church Life”, p. 232.
177 Gonçalves, Igreja Relevante, p. 155.
178 Dawn, Reaching Out Without Dumbing Down, p. 72.
179 William Easun, Dancing with Dinosaurs: Ministry in a Hostile and Hurting World (Nashville,
TN: Abingdon, 1993), p. 81.
180 Monte Sahlin, Adventist Congregations Today: New Evidence for Equipping Healthy Churches
(Washington, DC: Creative Ministry of NAD, 2003), p. 14.
181 Sahlin, Adventist Congregations Today, p. 14.
182 Deneault, “Worship in a Postmodern Context”, p. 14.
183 C. Raymond Holmes, Making Worship Meaningful (Washington, DC: Associação Ministerial da
Associação Geral, [s.d.]), p. 3.
8 Ordenanças da Igreja: Batismo, Lava-
pés e Ceia do Senhor
Norman Gulley

risto passou pelas experiências do batismo, lava-pés e santa ceia,

C estabelecendo-as como ordenanças da igreja. Seu significado diz


respeito à vida, morte, ressurreição, ao ministério sacerdotal e breve
retorno de Cristo. São funções eclesiásticas que remontam à obra concluída
de Cristo, a Sua obra contínua, e apontam para o futuro em Seu reino
vindouro. Encontram-se enraizadas na aliança de Deus com Seu povo e no
chamado que Ele faz a uma união profunda com Cristo e uns com os outros.
Participamos das ordenanças no contexto do conflito cósmico, no qual as
forças do mal tentam distorcer seu real sentido. Analisaremos a partir de uma
perspectiva bíblica, histórica e teológica. 1

O RITO DO BATISMO

Entramos na igreja, o corpo de Cristo, por meio do rito do batismo. A igreja


cristã tem a tradição de praticar o batismo tanto de adultos quanto de bebês.
O batismo de adultos se concentra na resposta humana de fé e
arrependimento à obra de Deus, ao passo que o batismo infantil parte do
pressuposto de uma suposta obra divina na criança, independentemente de
uma reação de fé. Muitos cristãos aceitam ambas as formas de batismo,
considerando normal o batismo de adultos, no caso da evangelização de
quem não é cristão; e o batismo infantil, como prática comum para filhos de
pais cristãos.

Batismo de adultos
O verbo “batizar” vem do grego baptizō, que significa “imergir, mergulhar”
e foi usado por Jesus quando Ele instituiu a prática do batismo cristão:

Jesus, aproximando-Se, falou-lhes, dizendo: Toda a autoridade Me foi dada no céu e


na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do
Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos
tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século
(Mt 28:18-20).

A comissão de Cristo consiste de uma ordem – “fazei discípulos” – seguida


por “três particípios sintaticamente subordinados que assumem força
imperativa”. 2 O primeiro particípio é “ide”, o segundo é “batizando” e o
terceiro, “ensinando” [embora em português “ide” esteja no imperativo;
“batizando” e “ensinando”, no gerúndio]. O escopo da comissão é global:
“todas as nações”. O indivíduo é batizado em nome da Trindade (Pai, Filho e
Espírito Santo). O modelo do batismo cristão é o batismo do próprio Cristo
(Mt 3:14-17), que foi um batismo adulto. João Batista hesitou em batizar
Jesus, dizendo que necessitava ser batizado por Ele, “mas Jesus lhe
respondeu: Deixa por enquanto, porque, assim, nos convém cumprir toda a
justiça” (Mt 3:15). O batismo de Cristo, juntamente com o dom do Espírito,
transcendeu o batismo de João e anunciou uma nova era na história da
salvação. Inaugurou o ministério público de salvação cujo clímax seria, por
fim, a morte e ressurreição de Jesus.
“Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com poder, o qual
andou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do
diabo, porque Deus era com Ele” (At 10:38). Aquele que é batizado nas
águas também recebe o batismo do Espírito Santo, assim como revelou João
Batista quando falou acerca de Cristo: “Esse é o que batiza com o Espírito
Santo” (Jo 1:33). Por isso, no Pentecostes, Pedro pôde dizer: “Arrependei-
vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo
para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo” (At
2:38).
O Espírito Santo levou Filipe a batizar um gentio. Ordenou que o
evangelista fosse encontrar o eunuco etíope que estava lendo Isaías 53:7 e 8,
e Filipe lhe explicou a passagem, partilhando com ele as boas-novas sobre
Jesus. Então batizou-o por imersão (At 8:29-38; cf. Jo 3:23). Pedro falou
sobre Jesus a um grupo de gentios, e o Espírito Santo desceu sobre eles, para
que fossem batizados (At 10:34-48). O apóstolo disse: “Então, me lembrei da
palavra do Senhor, quando disse: João, na verdade, batizou com
água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo” (At 11:16).
Na igreja apostólica, o batismo de judeus e gentios era feito em nome de
Jesus porque Ele era o tema das mensagens apresentadas; o batismo era uma
resposta a Ele (At 2:38; 8:12, 16; 10:48; 19:5; Rm 6:3). O batismo representa
a união com Cristo (Rm 6:3-11), e o sepultamento com Ele em Sua morte
(Rm 6:4): “foi crucificado com Ele o nosso velho homem, para que o corpo
do pecado seja destruído” (Rm 6:6). A união com Cristo em Sua morte é
sucedida pela união com Ele em Sua ressurreição (Rm 6:5, 8). Existem dois
batismos nessa passagem: o de Cristo e o dos cristãos. Mas eles são
diferenciados. Paulo explica que o batismo de Cristo ao morrer e ressuscitar
pela humanidade foi sucedido pela incorporação dos cristãos em Seu batismo.
O foco se encontra no batismo individual, como entrada pessoal na vida e
ressurreição de Jesus. Isso acontece quando aquele que crê em Cristo morre
para a velha vida e se levanta das águas batismais para uma nova realidade.
Paulo conclui: “Pois, quanto a ter morrido, de uma vez para sempre morreu
para o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus. Assim também vós
considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus”
(Rm 6:10, 11). Assim como Cristo escolheu morrer, o candidato ao batismo
toma a decisão de segui-Lo. Da mesma forma que Jesus foi sepultado por
nossos pecados, descemos às águas a fim de morrer para o pecado e
ressuscitar para uma nova vida com Cristo. Isso requer o batismo adulto e por
imersão. As informações bíblicas mostram que o batismo consiste em um
compromisso com Deus que só um adulto é capaz de fazer.
O batismo de bebês não é ensinado nas Escrituras, muito embora a Bíblia
apresente a circuncisão de recém-nascidos. Em Romanos 4, Paulo apresenta
um comentário divino sobre circuncisão como sinal ou selo. Quando a
circuncisão se torna sinal da aliança? As palavras-chave nesse capítulo são
“fé” (usada oito vezes) e “crer” (usada cinco vezes), em oposição a “obras”
humanas (mencionadas quatro vezes) para obter justiça. Deus prometeu a
Abraão que ele se tornaria o “herdeiro do mundo” (Rm 4:13), o “pai de
muitas nações” (Rm 4:18), não por meio de suas obras, mas mediante a
crença na obra divina de ter um filho pelo ventre, até então estéril, de Sara
(Rm 4:18-22). Quando, então, a circuncisão se tornou um sinal da aliança?
Quando Abraão foi circuncidado (obras) ou quando acreditou (fé)? Paulo
responde: “E recebeu o sinal da circuncisão como selo da justiça da fé que
teve quando ainda incircunciso; para vir a ser o pai de todos os que creem,
embora não circuncidados, a fim de que lhes fosse imputada a justiça” (Rm
4:11). 3
Paulo está falando sobre justiça imputada com base na fé, não separado da
fé, processo que não seria necessário caso o batismo de bebês removesse
pecados. Da mesma maneira que Deus imputou justiça a Abraão com base na
fé, não na circuncisão, o mesmo acontece com aqueles que hoje creem em
Cristo. Esse ato de fé só é possível para o adulto ou jovem capaz de
compreender a obra salvadora de Jesus.

Rebatismo 4
Só há uma passagem no Novo Testamento para apoiar a prática de
rebatismo (At 19:1-7). Trata-se, inquestionavelmente, de um caso único.
Paulo encontrou em Éfeso 12 homens que haviam sido batizados por João
Batista e os rebatizou em nome de Jesus. É propável que essa não fosse uma
prática comum, pois João também havia batizado Apolo, e não há menção do
rebatismo dele (At 18:26). A Bíblia diz que ele era “eloquente e poderoso nas
Escrituras”, “instruído no caminho do Senhor”, “falava e ensinava com
precisão a respeito de Jesus” (At 18:24, 25) e que só precisava de instruções
“com mais exatidão” sobre “o caminho de Deus” (v. 26).
O batismo somente pela água (João) não exigia o rebatismo pela água e
pelo Espírito (batismo em Cristo). Aliás, o Cristo ressurreto disse aos
discípulos que eles receberiam o batismo do Espírito Santo (At 1:4, 5) e, no
Pentecostes, todos ficariam cheios do Espírito Santo (At 2:4). A palavra
“todos” incluía bem mais que os discípulos, pois Pedro cita a promessa de
João 2:28 a 32: “derramarei do Meu Espírito sobre toda a carne” (At 2:16,
17a). Qual era a diferença entre os 12 homens de Éfeso e todos os outros que
receberam o batismo de João e o Espírito Santo? Esse batismo não incluía o
compromisso com Jesus como o Cordeiro de Deus anunciado por João
Batista. 5 Eles não haviam sido “adequadamente batizados”. 6
O rebatismo não pode ser defendido com base no termo “batismos” (plural),
encontrado em Hebreus 6:2. Há uma dúvida se esse verso se refere ao
batismo cristão, 7 pois o termo costumeiro para o batismo cristão (grego
baptisma) não é usado. O autor usa baptismos, empregado apenas uma vez
para se referir ao batismo cristão (Cl 2:12), 8 mas usado para descrever as
lavagens cerimoniais judaicas (Hb 9:10; Mc 7:4). O plural faz menção a essas
lavagens cerimoniais, não ao batismo cristão. Quem tem um batismo válido e
conhece a verdade acerca de Cristo e do significado do batismo não necessita
ser rebatizado. Os pecados cometidos após o batismo não requerem um
rebatismo, mas arrependimento, que é expresso de forma pública por meio da
ordenança do lava-pés. No entanto, os adventistas creem que o retorno à
igreja de alguém que tenha apostatado requer conversão e rebatismo.
Os novos conversos, que já tenham passado pela experiência do batismo
por imersão em outra denominação cristã, podem escolher ser rebatizados a
fim de expressar seu compromisso com a nova luz que receberam com base
no estudo da Bíblia. Isso não desqualifica seu primeiro batismo por imersão,
mas lhes dá a oportunidade de expressar compromisso com a nova verdade.
Porém, se desejarem, eles podem também entrar para a Igreja Adventista do
Sétimo Dia por profissão de fé. 9

O batismo na história
Nesta seção histórica, apresentaremos brevemente alguns insights sobre o
debate acerca da ordenança do batismo na teologia e tradição cristã.
Começamos com Tertuliano (c. 145-220), o fundador do cristianismo latino,
que se referiu ao batismo como o “sacramento da água”. Ele cria que essa
cerimônia era um veículo da operação divina. 10 Tertuliano argumentou que,
antes da criação, o Espírito pairava sobre a face das águas como símbolo de
Sua presença sobre as águas batismais. Após a invocação de Deus, essa água
alcança “o poder sacramental da santificação”. 11 Tertuliano citou o tanque
de Betesda como exemplo. 12 Segundo ele, o batismo é para quem crê, não
para bebês. 13
Cipriano (c. 200-258) foi o bispo de Cartago que liderou o Concílio de
Cartago (253), no qual ficou decidido que o batismo poderia ser realizado em
bebês com dois, três ou oito dias de vida. 14 No sétimo Concílio de Cartago
(c. 257), Cipriano concordou com Tertuliano, passando a defender que
somente o batismo da igreja é um “batismo salvador”. 15 Agostinho (354-
430), em oposição a Cipriano e Tertuliano, argumentou que a validade do
batismo não era determinada pela condição espiritual e moral de quem o
administrava, mas por Cristo. 16 Também comentou que a lavagem da
regeneração curava os bebês da culpa do pecado original. 17 Esse é seu
pressuposto teológico por trás do batismo infantil, independentemente de
quem o realizasse. Para Agostinho, o batismo em si era tão importante que
poderia ser ministrado até por não membros da igreja. Ele cria que, por ser
um sacramento, o batismo podia comunicar graça ao bebê e removia o
pecado original. O batismo transmitiria regeneração capaz de salvar quem o
recebesse e concederia o dom da vida eterna, mudando, assim,
instantaneamente o destino do recém-nascido. Qualquer bebê que morresse
sem receber o batismo iria para o limbo, sem poder alcançar o Céu. A retirada
do pecado original por meio do batismo infantil adquiriu extrema
importância. Nesse cenário, não há espaço para a fé do batizado.
Tomás de Aquino (1225-1274) acreditava, com base parcial em Ezequiel
36:25, que o batismo podia ser realizado por aspersão, mas reconhecia que “é
mais seguro batizar por imersão, por ser a maneira mais tradicional”. 18 Ele
acrescenta que “o sepultamento de Cristo é representado com maior clareza
por imersão. Esse modo de batismo é usado com mais frequência e é mais
recomendável”. 19 Aquino reconhecia que o ensino deveria preceder o
batismo, mas declarou também que alguém poderia responder em lugar do
bebê ao professar a fé cristã. 20
De acordo com Martinho Lutero (1483-1546), o batismo salva, mas não
sem fé, 21 pois “tudo depende da fé”. 22 O poder do batismo depende “da fé
[...] de quem o recebe”. 23 No entanto, ele argumentava que os bebês deviam
ser imersos, muito embora a aspersão fosse o método costumeiro em sua
época. Entretanto, como os bebês podem exercer a fé? Lutero cria que “os
bebês são auxiliados pela fé de outros, a saber, dos que os levam para ser
batizados”, a fim de que “o bebê seja transformado, purificado e renovado
pela fé inculcada”. 24 Uma vez que a criança não pode exercer fé pessoal,
detectamos uma inconsistência na teologia de batismo de Lutero. Precisamos
perguntar: A “fé derramada” do reformador seria melhor do que a “graça
imputada” pelo papa, que ele rejeitava?
Para João Calvino (1509-1564), a imagem de Deus nos seres humanos não
foi apenas danificada, mas totalmente destruída na queda. Em consequência,
a única esperança se encontra em Cristo, o qual, por meio de Sua graça
irresistível, elege alguns para ser salvos. Em outras palavras, o processo de
salvação é obra de Deus do início ao fim. O batismo é fruto da eleição divina
e não uma boa obra dos eleitos em resposta à graça. Isso explica por que o
batismo de bebês é aceitável para Calvino. O Senhor escolhe os filhos dos
cristãos, e Sua escolha faz do batismo um sacramento. Afinal, Deus separa os
eleitos na eternidade sem a participação deles. Assim, é lógico que Ele renove
Sua escolha no batismo infantil sem a participação da fé no momento da
cerimônia. Calvino destaca que “as crianças são batizadas na penitência e na
fé futuras; mesmo que não estejam ainda formadas nelas, a semente de uma
[ou] de outra fica, no entanto, plantada nelas por uma operação oculta do
Espírito”. 25
Os reformadores rejeitaram o ponto de vista católico do batismo. Por sua
vez, o Concílio de Trento (1545-1563) rejeitou o argumento protestante, ao
afirmar, no cânon 3: “Se alguém disser que, na Igreja Romana, mãe e
professora de todas as igrejas, não há doutrina verdadeira em relação ao
sacramento do batismo, que seja anátema.” 26 No cânon 6, Trento rejeita a
ideia de que o indivíduo que peca após o batismo pode retornar, pela fé, às
promessas feitas por meio do sacramento. Em vez disso, obras humanas de
penitência assumem o lugar das promessas de Deus. 27
O ponto de vista católico do batismo foi apoiado pelo Concílio Vaticano II
(1963-1965). O concílio autorizou que leigos oficiassem o batismo se
nenhum padre ou diácono estivesse presente para realizar a cerimônia em
favor de alguém que estivesse à beira da morte. 28 O batismo é a porta de
entrada para a Igreja Católica e, sem isso, não há salvação. 29 O Catecismo
da Igreja Católica oferece evidências bíblicas e afirma que a imersão
simboliza o sepultamento do catecúmeno na morte de Cristo, seguida pelo
erguimento da água como símbolo da ressurreição de Jesus. 30 O batismo é
chamado de “sacramento da fé”. 31 No entanto, em forte contraste com a fé e
a imersão, o batismo de bebês continua a ser praticado porque “a gratuidade
pura da graça da salvação é particularmente manifesta” dessa maneira porque
“todos os pecados são perdoados: o pecado original e todos os pecados
pessoais, bem como todas penas do pecado”. 32

Significado teológico do batismo


A fim de explorar um pouco o significado teológico do batismo, 33
necessitamos examiná-lo com base em diversas perspectivas. Em primeiro
lugar, o batismo deve ser inserido no contexto do conflito cósmico, no qual
Deus dá liberdade de escolha às criaturas inteligentes. É o uso correto desse
dom que, sob a influência do Espírito, permite que seres humanos recebam o
dom da salvação, e que, no fim dos tempos, levará cada indivíduo a
reconhecer que Deus é amor e justiça (Is 45:23b-24; Rm 14:10b-13; Fp 2:10-
11; Ap 5:12-13; 15:3). 34 Embora a maioria das pessoas possa rejeitar a
Cristo, Deus respeita a liberdade de escolha. Mesmo assim, Ele insiste em
lhes oferecer a opção de se unir a Ele no conflito cósmico por meio do
batismo.
O pressuposto básico por trás do batismo de bebês em muitas igrejas
protestantes é que a soberania de Deus permanece intocada pela liberdade
humana. A eleição das pessoas e seu destino não estão em nada relacionadas
às escolhas que fazem na história, mas têm tudo a ver com a escolha eterna de
Deus. O bebê seria um receptor passivo da bondade e atuação divina. A
conclusão óbvia, nesse caso, é que o batismo não estaria ligado ao conceito
bíblico do conflito cósmico. Para os católicos, o pressuposto básico por trás
dessa forma de pensar é que o poder salvador de Deus é comunicado à igreja.
O catolicismo considera a igreja como a continuação da encarnação de Cristo
ao longo da história. Isso significa que a igreja seria depositária da graça, a
qual é distribuída pelo clero por meio dos sacramentos. Nessa visão, a igreja
assume um lugar que é exclusivo de Cristo.
Em segundo lugar, o batismo precisa ser entendido no contexto da visão
bíblica sobre Deus. Na revelação, aquilo que Deus é em Cristo, Ele já era
antes e eternamente em Seu ser trino. A Trindade Se encontra em um
relacionamento eterno de amor recíproco. Todos os atos e atributos divinos
revelam esse amor. O Senhor requer um relacionamento na igreja que espelhe
o relacionamento dentro da Trindade. O amor recíproco deve espelhar, em
grau finito, o amor infinito dentro da Trindade. O batismo é a ocasião na qual
adultos experimentam o amor de Deus e demonstram seu amor a Deus. A
igreja é a comunidade daqueles que atenderam ao convite divino de encontrar
em Cristo Seu instrumento de salvação. O convite “Vinde a Mim” (Mt 11:28)
requer uma resposta.
A única coisa que os bebês recebem de maneira passiva ao nascer é a
natureza pecaminosa (Rm 5:17-19). Jesus ensinou que é preciso nascer de
novo (Jo 3:3-8) em resposta ao convite divino de ir a Ele e aceitar Sua vida
(Mt 11:28; Jo 4:13-14). Deus aceita essa resposta e Se alegra no desejo do
candidato de morrer para a velha natureza e se erguer para uma nova vida
com Ele (Lc 15). Ele envia o Espírito Santo para encher o candidato e tornar
a nova vida uma realidade. Toda a Divindade Se envolve no processo de
salvação.
Terceiro, devemos examinar o batismo da perspectiva da aliança. Batismo é
entrar em um relacionamento com Cristo. Como uma experiência de aliança,
Deus e o candidato são ativos no processo. O Senhor responde ao
arrependimento e à fé do candidato. Não existe soberania divina que passe
por cima do livre-arbítrio, como se a resposta humana de amor fosse
irrelevante. Existe um intercâmbio entre Deus e o candidato, o que revela o
relacionamento de aliança entre Deus e as pessoas. Na Bíblia, as bênçãos da
aliança são condicionais à obediência (Êx 19:5, 6). Com base no
relacionamento de aliança, o batismo de bebês carece do único requisito
necessário: uma resposta inteligente, voluntária e amorosa a Cristo, graças à
obra do Espírito no coração humano.
Quarto, a diversidade de pontos de vista acerca da prática e do significado
do batismo se devem, em grande medida, aos diferentes pressupostos que
guiam a interpretação das Escrituras. O ponto de vista bíblico das alianças
apresenta um relacionamento entre Deus e os seres humanos baseado em uma
resposta humana de fé, crença e obediência. Mas, se alguém impõe ao texto
bíblico a ideia de pecado original (Agostinho) ou de depravação total após a
queda (Calvino), então a salvação por meio do batismo de bebês é necessária.
Se, na eternidade, Deus, o Senhor soberano, elege alguns para a salvação e
outros para a perdição, então não haveria motivo para impedir o batismo
infantil. Qualquer escolha divina que deixe de fora a decisão humana apoia a
acusação de injustiça na controvérsia e é contrária ao amor recíproco no
relacionamento de aliança entre Deus e os seres humanos.

LAVA-PÉS 35

Fornecer água para lavar os pés era uma cortesia cultural na terra poeirenta
de Israel (Gn 18:4; 19:2; 24:32; 43:24; Jz 19:21; Lc 7:44). Parece que a água
era dada para que as pessoas lavassem os próprios pés. No Antigo
Testamento, há uma referência específica a lavar os pés (Ct 5:3), e há outra
que alude aos vitoriosos lavando os pés no sangue dos derrotados (Sl 58:10).
Somente no caso de Abigail encontramos sua disposição de lavar os pés dos
servos de Davi (1Sm 25:41).

A ordenança do lava-pés
A única referência bíblica ao lava-pés como ordenança é a ocasião em que -
Cristo lavou os pés dos discípulos (Jo 13:1-20; 1Tm 5:10). Não há menção à
lavagem dos pés nos evangelhos sinóticos. De acordo com Lucas, Cristo
disse aos discípulos: “Tenho desejado ansiosamente comer convosco esta
Páscoa, antes do Meu sofrimento” (Lc 22:15). A Páscoa foi um prelúdio ao
sacrifício de Jesus, contudo os discípulos discutiam entre si sobre quem
dentre eles era o maior (Lc 22:24; cf. Mt 18:1-5; 20:20-28; Mc 9:33-37;
10:41-45; Lc 9:46-48). Eles enxergavam Cristo como um governante, não
como o redentor, pensando na própria posição e não na paixão de Jesus. Eles
se preocupavam em receber honrarias no reino e não com a expiação que
seria o único caminho para que chegassem lá.
A refeição pascoal estava sendo servida (Jo 13:2), e Cristo “levantou-Se da
ceia, tirou a vestimenta de cima e, tomando uma toalha, cingiu-Se com ela”.
Então começou a lavar e secar os pés dos discípulos (Jo 13:4, 5). Em seguida,
disse: “Ora, se Eu, sendo o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós
deveis lavar os pés uns dos outros. Porque Eu vos dei o exemplo, para que,
como Eu vos fiz, façais vós também. [...] Ora, se sabeis estas coisas, bem-
aventurados sois se as praticardes” (Jo 13:14, 15, 17). Essa é uma ordem de
Cristo, igualmente válida como um mandamento Seu para comer na Ceia do
Senhor (Lc 22:17-19).
Cristo, que é Deus (Jo 1:1, 14), abaixou-Se para servir os discípulos,
lavando-lhes os pés. Aqui encontramos uma ilustração vívida do propósito de
Sua vinda, descendo do Pai “não [...] para ser servido, mas para servir e dar a
Sua vida em resgate por muitos” (Mt 20:28). A grande descida de Cristo é
resumida em Filipenses 2:5 a 8:

Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois Ele,
subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes,
a Si mesmo Se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-Se em semelhança
de homens; e, reconhecido em figura humana, a Si mesmo Se humilhou, tornando-Se
obediente até à morte e morte de cruz.

A vida de Cristo e Seu sacrifício supremo foram marcados pelo serviço.


Tanto um quanto o outro são indispensáveis para a salvação humana. O ato
de lavar os pés dos discípulos manifestou Sua disposição de servir e foi o
preâmbulo de Sua entrega na cruz.
É estranho notar que o lava-pés se encontra ausente na maior parte das
celebrações da santa ceia cristã. 36 No entanto, ao se prostrar para lavar os
pés dos outros, Cristo representa Sua descida para servir os seres humanos.
Esse ato simboliza a vida de serviço de Jesus. Foram necessárias tanto a vida
quanto a morte de Cristo para salvar os pecadores. O Calvário foi o clímax de
Seu serviço aos outros. Ali Ele foi derramado “como água” (Sl 22:14-17).
Cristo queria que Seus seguidores comemorassem tanto Sua vida de serviço
quanto Sua morte por eles.
Quando Jesus Se aproximou de Pedro, o discípulo não queria que Cristo
lavasse seus pés: “Nunca me lavarás os pés” (Jo 13:8) foi sua resposta
emfática e específica. Ao que tudo indica, ele sentia que não era certo o
Mestre servir de maneira tão humilde (Jo 13:6). Afinal, nem mesmo escravos
judeus realizavam essa tarefa. 37 Cristo Se colocou no nível de um escravo
gentio. Mas Pedro não percebeu (13:7) que Cristo não estava realizando uma
mera purificação exterior. Seu batismo de morte, no dia seguinte, seria, para
Pedro e todos aqueles que o aceitassem, Sua purificação espiritual. Ao
morrer, Ele desceu ao nível mais baixo, tornando-Se culpado e morrendo
pelos pecados de todos os seres humanos (Gl 3:13).
Não é de se espantar que Cristo tenha respondido: “Se Eu não te lavar, não
tens parte Comigo” (Jo 13:8). Pedro não queria se separar de Cristo.
Seguindo sua natureza explosiva, ele foi para o outro extremo: oferecer que
lavasse não só os pés, mas as mãos e a cabeça também (Jo 13:9). Jesus
respondeu que, após um banho completo, só era necessário lavar os pés. O
lava-pés seria uma purificação repetível para os pecados após o batismo?
Todos os discípulos haviam recebido o batismo de João Batista, seguindo o
exemplo do Mestre, mas eles tinham pecado naquela noite. Seu orgulho foi
confrontado pela humildade de Cristo e pela submissão à lavagem dos pés.
Cristo declarou que todos estavam limpos, com exceção de Judas (Jo 13:10).
Assim, o lava-pés celebra não só a vida de serviço de Cristo, mas também foi
ordenado por Jesus como meio de renovação espiritual. 38 Não é de se
espantar que Cristo tenha dito que eles estavam limpos, ordenado a prática da
lavagem dos pés e explicado que, por meio dela, Seus seguidores seriam
abençoados (Jo 13:17).

Significado teológico do lava-pés 39


O lava-pés celebra a grande condescendência de Cristo quando foi ao
encontro dos seres humanos em sua necessidade. Descer para lavar os pés
empoeirados dos discípulos cheios de orgulho é um símbolo tão poderoso da
salvação quanto o pão e o vinho. 40 Assim como o pão e o vinho
representam a morte de Cristo, o lava-pés representa a vida de serviço de
Jesus. A Ceia do Senhor não é apenas uma celebração do sacrifício final de
Cristo, mas celebra Seu sacrifício inteiro, desde a encarnação até a crucifixão.
É por isso que é vital que a lavagem dos pés aconteça antes da partilha do pão
e do vinho. As duas partes da cerimônia celebram o plano de Cristo de
salvação em ordem cronológica.
Omitir o lava-pés, por qualquer razão que seja, é ignorar o fato de que a
lavagem dos pés consiste em uma ordem de Cristo, igual à prescrição de
partilhar do pão e do vinho. Celebramos a vida de Cristo ao nos
concentrarmos em Sua humildade. Ele trocou a alegria do Céu pela labuta da
vida na Terra. Em Sua vinda ao território de Satanás, Ele correu “por nós o
risco da derrota e eterna perdição”. 41 Durante o rito, todos os participantes
se concentram no significado da vida de Cristo para eles. Dessa maneira, o
lava-pés é uma forma de representar, em parte, a sagrada memória da imensa
condescendência de Cristo.
O lava-pés também está relacionado à Ceia do Senhor. No cenáculo, a
lavagem dos pés realizada por Cristo abrandou o coração dos discípulos
orgulhosos e os preparou para participar da Ceia do Senhor. Ellen G. White
declarou: “Foi porque os discípulos estavam cheios de erros e transgressões
que Ele lavou seus pés, e todos, com exceção de um dos Doze, foram assim
levados ao arrependimento.” 42 O ideal é que quaisquer diferenças que
existam entre membros da igreja sejam resolvidas antes da Ceia do Senhor.
Lavar os pés de alguém que foi prejudicado é uma excelente maneira de selar
um novo relacionamento. A lavagem dos pés é um momento de ter um
relacionamento significativo entre os membros da igreja: comunhão
horizontal. A Ceia do Senhor é tempo de ter um relacionamento significativo
com Cristo: comunhão vertical. Nessas duas cerimônias, somos levados a
refletir na dimensão dual da comunhão cristã: amor a Deus e ao próximo.
Essa experiência espelha, em pequeno patamar, o relacionamento de amor na
Trindade.

A CEIA DO SENHOR 43
Assim como a Páscoa remontava ao livramento do povo de Israel do Egito
e apontava para a frente, para a libertação do povo de Deus no Calvário, a
Ceia do Senhor aponta tanto para o passado, para a libertação no Calvário,
quando para o futuro, a segunda vinda de Cristo e a redenção final de Seu
povo. 44 Assim como a Páscoa foi superada pela Ceia do Senhor, a Ceia do
Senhor será superada pela “ceia das bodas do Cordeiro” (Ap 19:9). Essas três
refeições têm uma coisa em comum: elas celebram o livramento que Cristo
efetuou, libertando Seu povo do Egito, no Calvário e na segunda vinda. Essas
três refeições se concentram no Calvário. A morte de Jesus era tipificada no
sangue derramado para proteger o primogênito na Páscoa. O livramento
proporcionado por Sua morte se desdobrará no livramento final do retorno de
Cristo em glória. A libertação na Páscoa e no segundo advento aponta para o
passado e o futuro, remontando, em ambos os casos, à libertação fundamental
no Calvário.

O testemunho dos evangelhos sinóticos


Os relatos de Mateus (Mt 26:17-35) e Marcos (Mc 14:12-31) são
semelhantes. Cristo faz a refeição pascoal com os discípulos e anuncia que
um deles O trairia (Mt 26:21-25; Mc 14:18-21). As palavras finais de Cristo
na Ceia se referem ao cálice que representa “o sangue da [nova] aliança,
derramado em favor de muitos” (Mt 26:28). Ele acrescenta que não beberia
do fruto da vide até que Seus discípulos estivessem com Ele no reino de Seu
Pai (Mt 26:28-29; Mc 14:24-25).
Em contraste, Lucas começa onde Mateus e Marcos terminam, pois ele se
refere à avidez de Jesus em celebrar a Páscoa com Seus discípulos, algo que
Ele só fará de novo quando vier em Seu reino (Lc 22:7-38). Em seguida,
Jesus entrega o pão e o cálice e fala do traidor. Eles discutem sobre quem é o
maior, e Cristo explica que “aquele que dirige” deveria ser “como o que
serve” (Lc 22:26), explicando que estava entre eles “como quem serve” (Lc
22:27). Ele faz uma promessa maravilhosa: uma vez que os discípulos
haviam permanecido ao lado Dele em Suas provas, comeriam e beberiam
com Ele à mesa no reino, além de se assentarem “em tronos para julgar as
doze tribos de Israel” (Lc 22:28-30). Cristo conclui dizendo que Ele seria
“contado com os malfeitores” (Lc 22:37), uma referência a Isaías 53:12. O
relato de Lucas dá mais informações que os outros dois, mas nenhum
evangelho sinótico inclui a lavagem dos pés, que é exclusiva em João e é
tudo o que ele registra sobre o episódio (Jo 13:2-17).
O contexto da Ceia do Senhor ajuda na interpretação do evento e no sentido
do pão e do cálice. Isso é crucial, sobretudo por causa dos diferentes pontos
de vista apresentados ao longo dos séculos. O pano de fundo é a aliança entre
Deus e os seres humanos. Cristo Se refere a Seu sangue derramado em favor
de muitos como “o sangue da [nova] aliança” (Mt 26:28; Mc 14:24) ou “a
nova aliança no Meu sangue” (Lc 22:20, NVI). O Senhor é um Deus de
aliança.
A aliança é um relacionamento de amor entre o Deus Criador e Seu povo.
Não se trata de um acordo entre iguais, mas de um compromisso mútuo entre
Deus e indivíduos. Por ser um relacionamento de amor, a aliança inclui o que
tanto Deus quanto as pessoas levam para esse relacionamento. O Senhor
garante as bênçãos da aliança. A principal bênção, que traz consigo todo o
resto, é a presença divina na vida das pessoas. Em resposta amorosa a Deus e
Suas bênçãos, elas se deleitam em fazer Sua vontade (Jo 14:15). O
relacionamento significa tudo para Deus e os seres humanos. O Senhor diz:
“Tomar-vos-ei por Meu povo e serei vosso Deus” (Êx 6:7; ver também v. 6).
O Senhor chama a aliança de “Minha aliança” (Gn 6:18; 9:9, 11; 17:2-3, 7,
9, 13-14, 21; Êx 6:4; 19:5; Lv 26:44), feita “no Meu sangue” (Lc 22:20).
Todos os outros dons – e são muitos (cf. Dt 28) – provêm da dádiva
fundamental que é a morte de Cristo. A aliança é feita entre o Redentor e
aqueles que necessitam de redenção. É expressa da melhor maneira no dom
divino de Jesus ao mundo, para que todo aquele que crê em Sua redenção
possa ser salvo (Jo 3:16); Ele morreu “em favor de todos” (Hb 2:9b, NVI).
Por isso, é “Salvador de todos os homens” (1Tm 4:10) pois “Ele é
a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos
próprios, mas ainda pelos do mundo inteiro” (1Jo 2:2). Isso significa que
Deus entrou em uma aliança com indivíduos como Abraão, Noé e a nação de
Israel a fim de salvar o mundo, trabalhando por meio da resposta voluntária
dessas pessoas e desse grupo (Gn 22:2, 18; cf. 26:4b-5; 28:14b).
Fundamentada no sacrifício de Cristo, a aliança transcendeu indivíduos e
nações e, ao mesmo tempo, os incluiu, ampliando-se para salvar o mundo.
Somente por meio da missão global de salvação efetuada por Cristo é que se
torna possível entender plenamente os emblemas de Sua morte.
Durante e antes da Ceia do Senhor, os discípulos estavam discutindo sobre
quem era o maior (Lc 22:24). Cristo lavou os pés dos discípulos, e esse ato
levou todos ao arrependimento, com exceção de Judas, que O traiu. Ainda
assim, Pedro negou a Cristo (Lc 22:54-62), e os outros O abandonaram (Mt
26:31). O orgulho levou ao abandono de Cristo, ao passo que a humildade de
Jesus O moveu a salvar os discípulos. Eles quebraram o relacionamento de
aliança; Cristo o manteve. A quem nada lhe deu, Ele concedeu o pão e o
cálice. Assim como a lavagem dos pés, o pão e o cálice foram atos da graça a
fim de despertar os discípulos para a necessidade de cada um deles, para
restabelecê-los no relacionamento com Cristo e lhes conferir graça.

1 Coríntios
Escrito antes dos evangelhos, 1 Coríntios é o registro mais antigo da Ceia
do Senhor. É útil compará-lo com a inauguração da Ceia do Senhor conforme
registrado nos evangelhos sinóticos. A igreja de Corinto celebrou a Ceia do
Senhor após outra festa (1Co 11:20-26), assim como a primeira Ceia do
Senhor foi celebrada depois da festa da Páscoa (Lc 22:15-20). Qual foi a festa
ágape partilhada pelos coríntios (cf. 2Pe 2:13; Jd 12)? Os coríntios eram
conversos do paganismo. Eles participavam de banquetes para ídolos antes e
depois da conversão. A festa ágape seguia o formato dos banquetes judaicos e
gregos. Era um junta-panelas, no qual pessoas ricas levavam bastante comida,
e os pobres levavam o alimento que tinham. Por ser uma suposta festa do
amor, deveria haver uma partilha de todos os alimentos, a fim de que todos,
tanto os ricos quanto os pobres, comessem da mesma mesa e se fartassem.
Contudo, para que isso acontecesse, a refeição precisaria iniciar no mesmo
horário para todos. Contudo, os ricos começavam a comer quando chegavam,
e os pobres, que precisavam trabalhar, chegavam mais tarde, muitas vezes
depois que a comida já havia acabado 45 (cf. 1Co 11:19-22). Os ricos nem
sequer se assentavam com eles. 46 Era com essa atitude que participavam da
Ceia do Senhor, uma cerimônia que deveria lhes lembrar da necessidade de
salvação de todos os seres humanos e do fato de que Cristo Se tornou pobre e
deu a vida por eles.

Evangelho de João
O sexto capítulo de João apresenta vislumbres importantes da Ceia do
Senhor. Aludindo ao maná que caiu do céu durante a experiência de Israel no
deserto, Jesus afirmou:

Em verdade, em verdade vos digo: não foi Moisés quem vos deu o pão do céu; o
verdadeiro pão do céu é Meu Pai quem vos dá. Porque o pão de Deus é o que desce
do Céu e dá vida ao mundo. [...] Declarou-lhes, pois, Jesus: Eu sou o pão da vida; o
que vem a Mim jamais terá fome (Jo 6:32, 33, 35).

Como o cristão recebe esse pão? Jesus responde: “Em verdade, em verdade
vos digo: quem crê em Mim tem a vida eterna. Eu sou o pão da vida” (Jo
6:47, 48). Crer em Jesus é uma maneira de O receber como o pão que
concede vida eterna.
Cristo identifica outra maneira de comer esse pão a fim de receber Sua
vida:

Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e


não beberdes o Seu sangue, não tendes vida em vós mesmos. Quem comer a Minha
carne e beber o Meu sangue tem a vida eterna, e Eu o ressuscitarei no último
dia. Pois a Minha carne é verdadeira comida, e o Meu sangue é verdadeira bebida.
Quem comer a Minha carne e beber o Meu sangue permanece em Mim, e Eu, nele.
Assim como o Pai, que vive, Me enviou, e igualmente Eu vivo pelo Pai, também
quem de Mim se alimenta por Mim viverá. Este é o pão que desceu do Céu, em nada
semelhante àquele que os vossos pais comeram e, contudo, morreram; quem comer
este pão viverá eternamente (Jo 6:53-58).

Os católicos costumam pegar esses versos para afirmar que o pão realmente
se transforma no corpo verdadeiro de Cristo, e o sacramento do vinho se
torna o sangue real de Jesus.
Em contrapartida, Cristo está falando em termos espirituais. É o
relacionamento de aliança que torna possível Cristo habitar em quem recebe
os emblemas. Jesus falou sobre isso um pouco mais tarde, quando disse: “Eu
sou a videira, vós, os ramos. Quem permanece em Mim, e Eu, nele, esse dá
muito fruto; porque sem Mim nada podeis fazer” (Jo 15:5). As metáforas do
pão e do vinho ensinam a mesma verdade espiritual de um relacionamento
vivo entre Cristo e o cristão. Ellen G. White comenta as duas ideias
encontradas nessas palavras de João, dizendo acerca da primeira:

Até esta vida terrestre devemos à morte de Cristo. O pão que comemos é o preço de
Seu corpo quebrantado. A água que bebemos é comprada com Seu derramado
sangue. Nunca alguém, seja santo ou pecador, toma seu alimento diário sem ser
nutrido pelo corpo e o sangue de Cristo. A cruz do Calvário está estampada em cada
pão. Reflete-se em toda fonte de água. Tudo isso Cristo ensinou ao indicar os
emblemas de Seu grande sacrifício. A luz irradiada daquele serviço de comunhão no
cenáculo torna sagradas as provisões de nossa vida diária. A mesa familiar se torna
como a mesa do Senhor, e cada refeição, algo sagrado. 47

A segunda ideia diz respeito à cerimônia da Santa Ceia:

Esse texto bíblico se aplica, em sentido especial, à Santa Ceia. Quando a fé


contempla o grande sacrifício de nosso Senhor, o coração assimila a vida espiritual
de Cristo. Essa pessoa receberá vigor espiritual de cada ceia. O ritual forma uma viva
conexão pela qual o cristão é ligado a Cristo, e assim ao Pai. Isso gera, de modo
especial, uma união entre os dependentes seres humanos e Deus. 48

Ao tomar os emblemas do pão e suco da uva, comunicamos o recebimento


espiritual de Cristo como o único capaz de transmitir vida eterna aos
participantes por meio de Seu sacrifício no Calvário. “Porventura,
o cálice da bênção que abençoamos não é a comunhão do sangue de Cristo?
O pão que partimos não é a comunhão do corpo de Cristo? Porque nós,
embora muitos, somos unicamente um pão, um só corpo; porque todos
participamos do único pão” (1Co 10:16, 17). Todos participam em Cristo.
Logo, todos se encontram em união uns com os outros.
Cristo é nosso “Cordeiro pascoal” (1Co 5:7). De acordo com Ellen G.
White, comer da carne e beber do sangue de Cristo significa aceitá-Lo como
nossa vida eterna, no sentido de: (1) crer Nele; (2) aceitar Cristo
espiritualmente; (3) reconhecer o dom do Calvário a cada refeição; (4)
assimilar a vida espiritual de Cristo e (5) receber nutrição espiritual por meio
de Sua Palavra. 49 Além disso, a participação em Cristo também proporciona
comunhão horizontal.
Resumo histórico da Ceia do Senhor

Precursores das igrejas católica e ortodoxa


Nos escritos de Ireneu (c. 120-202), não há debate sobre a
transubstanciação: crença segundo a qual a substância do pão e do vinho se
transformam na substância do corpo e do sangue de Cristo (conforme postula
a teologia católica posterior). De acordo com ele, ocorre uma mutação ou
conversão, uma vez que a eucaristia consiste de duas realidades, uma terrena
e outra celestial. “Da mesma maneira, nosso corpo, ao receber a eucaristia,
deixa de ser corruptível, tendo a esperança da ressurreição para a
eternidade.” 50 Trata-se de uma transferência, não de transubstanciação,
pois os benefícios de Cristo são transferidos para o participante sem o pão e o
vinho deixarem de ser o que são.
Os debates acerca da conversão dos elementos aconteceram no início da era
escolástica, na época de Pedro Lombardo (c. 1100-1160). As discussões eram
acaloradas, mas, finalmente, durante o quarto Concílio de Latrão (c. 1200), o
papa Inocente III determinou que a transubstanciação seria a doutrina católica
oficial. 51 Isso aconteceu mais de um milênio depois dos apóstolos. No
entanto, Ireneu entendia a eucaristia como um sacrifício a ser oferecido a
Deus, “que a Igreja, tendo recebido dos apóstolos, oferece a Deus no mundo
inteiro”. 52 Esse ponto de vista já estava presente em Diálogo com Trifão, 53
de Justino Mártir (114-165), uma opinião central para as igrejas católica e
ortodoxa oriental, muito embora não esteja presente na revelação bíblica
apostólica.
Agostinho (354-430), teólogo fundamental para a futura Igreja Católica
Romana (instituída cerca de 200 anos depois), escreveu sobre Cristo ter
consagrado os emblemas da Ceia do Senhor, e os comungantes haverem
comido a “ceia pela fé”. Os participantes são “alimentados no coração”, pois
não é “aquilo que se vê, mas o que se crê que nos alimenta”. 54 A virtude do
sacramento não está no que é visto e mastigado pelos dentes, mas no que é
invisível, consumido pelo coração. Agostinho afirma que comer Cristo é
aceitá-Lo como a vida eterna, 55 ou habitar Nele e Ele no comungante. 56 O
teólogo elogiou os cristãos de Cartago por chamarem o batismo de
sacramento da salvação e a eucaristia de sacramento da vida. 57

Igreja Católica
Em Tomás de Aquino (1225-1274), encontramos a teologia católica mais
completa. Ele recebeu forte influência da filosofia aristotélica 58 e dedicou
muito tempo debatendo detalhes tediosos acerca da relação entre substância e
acidentes, espécies próprias e espécies sacramentais, 59 na tentativa de
explicar a transformação do pão e do vinho no corpo e no sangue de Cristo.
Aquino defendia que o corpo de Cristo continua no sacramento enquanto a
espécie sacramental permanece. 60 Ele também afirmava que o sacramento
concede graça para obtenção da vida eterna. 61 Ele não via problema com os
sacerdotes que ofereciam Cristo como sacrifício aos altares católicos. Ele
afirma: “O sacerdote pede que esse sacrifício [a eucaristia] seja aceito por
Deus por meio da devoção dos ofertantes, assim como os antigos sacrifícios
[do Antigo Testamento] eram aceitos por Ele.” 62 Nesse caso, a repetição
dos sacrifícios nos altares católicos é semelhante aos sacrifícios repetitivos no
altar no tabernáculo/templo.
O Concílio de Trento (1545-1563) afirmou que a Igreja Católica,

instruída por Jesus Cristo nosso Senhor e por Seus santos apóstolos, bem como
ensinada pelo Espírito Santo [...] proíbe que todos aqueles que creem em Cristo
ousem acreditar, ensinar ou pregar de outra maneira em relação à sagrada eucaristia
do que a explicada e definida no presente decreto. 63
Aquele que negar a presença do “Cristo inteiro” (divindade e humanidade)
no sacramento, crendo que se trata somente de um “signo, figura ou poder,
que seja considerado anátema”. 64
A transubstanciação é a suposta conversão da substância inteira do pão na
substância do corpo de Cristo e da substância inteira do vinho na substância
de Seu sangue. O Cristo inteiro Se encontraria substancialmente presente em
ambos os elementos. O Concílio de Trento decretou que o Cristo eucarístico
deve ser “adorado” e “carregado com reverência e honra nas procissões pelas
ruas e pelos espaços públicos”. 65 Essa adoração (latim, latria) se deve
somente a Deus, em comparação com a adoração (latim, dulia) dos santos e a
adoração (latim, hyperdulia) da virgem Maria. 66 Podemos simplesmente
afirmar que Cristo não orientou Seus discípulos a adorar os emblemas.
Conforme já explicamos, o ato da eucaristia tem sido interpretado como um
sacrifício. Quando isso é feito, a singularidade do Calvário é, no mínimo,
reduzida. Os sacerdotes assumem o controle e, por meio de sua palavra
sacramental, transformam os elementos no corpo e sangue de Cristo,
oferecendo-Lhe como sacrifício. Em certo sentido, os sacerdotes e a igreja
substituíram Cristo como o único Mediador entre Deus e os seres humanos
(1Tm 2:5).
O Concílio Vaticano II (1962-1965) afirma que Cristo “continua Sua obra
sacerdotal por meio da atuação de Sua igreja”. 67 Assim, os cristãos
“habitam em Cristo [...] por intermédio da igreja” e são unidos a Cristo
“mediante os sacramentos”. 68 A igreja, os bispos, os padres e a eucaristia
são exaltados como a esperança para os seres humanos. O olhar se esquiva de
Cristo para se concentrar em Seus seguidores. Assim, “os bispos canalizam a
plenitude de Cristo de muitas maneiras e em profusão”, 69 a fim de que, em
“certo sentido”, os fiéis “extraiam e derivem sua vida em Cristo” a partir do
bispo. 70 Por meio do ato eucarístico, “a igreja vive e cresce
constantemente”, 71 pois “contém toda a riqueza espiritual da igreja”. 72
Conclui-se que “o ato eucarístico mostra, em si mesmo, ser a fonte e o ápice
de toda a obra de pregação do evangelho”. 73 Nessa linha de raciocínio, “os
sacerdotes cumprem seu principal dever no mistério do sacrifício eucarístico.
Por meio dele, a obra de nossa redenção continua a ser realizada”, 74 de tal
maneira que a igreja pode até ser chamada de “sacramento universal da
salvação”, 75 e “todos os clérigos cooperam com a realização do plano
salvífico de Deus”. 76 A missa parece ser centrada no sacerdote. A adoração
que pertence a Cristo é dada à hóstia, “para levá-la em procissão com grande
pompa, e a exibem como um espetáculo solene, para ser vista, cultuada,
invocada”. 77 De diferentes maneiras, ideias humanas da igreja substituem a
obra de Cristo e do Espírito Santo. O Concílio Vaticano II introduziu dois
avanços ao ritual eucarístico: permitiu que seja conduzido na língua materna
da congregação, em lugar do latim; e autorizou a leitura da Bíblia. 78 Essas
mudanças são periféricas, pois a essência da missa permanece.
O Catecismo da Igreja Católica afirma que é na “liturgia, pela qual,
principalmente no divino sacrifício da eucaristia, ‘se exerce a obra de nossa
redenção’”. 79 Observe que a Ceia do Senhor (eucaristia) ainda é chamada
de “sacrifício” que realiza a redenção humana. Declara ainda: “O sacrifício
de Cristo e o sacrifício da eucaristia são um único sacrifício.” 80 A crítica
mais grave contra a missa católica é que ela tende a negar a cruz. A missa
falha em fazer justiça à obra de Cristo no Calvário (Hb 1:3; 7:27-28; 9:11-12,
24-28; 10:12-14; Jo 19:30). Já se afirmou que “em nenhuma parte da doutrina
católica romana – com exceção talvez na mariologia – se lança uma sombra
tão clara sobre a obra definitiva de Cristo como na doutrina da oferta
eucarística”. 81

Reformadores: Martinho Lutero (1483-1546)


Lutero rejeitou a transubstanciação católica e optou pela consubstanciação.
Em ambos os casos, Cristo está corporalmente presente na comunhão. Na
missa, o pão e o vinho são transformados no corpo e no sangue de Cristo.
Lutero defendeu, por sua vez, que o corpo e o sangue de Jesus estão presentes
sob o pão e o vinho. 82 Assim todas as quatro entidades estão presentes,
significando que o corpo e o sangue estão “sob seus acidentes”. 83 A mistura
de símbolos com seu significado foi ilustrada graficamente por Lutero, ao ele
usar a imagem de um ferro quente no qual se misturam duas substâncias, o
fogo e o ferro, servindo como tipo das duas naturezas de Cristo. A definição
de consubstanciação é a presença corpórea de Cristo com, em e sob o pão e o
vinho. Para o reformador, a “obra distintiva” da ceia é a alimentação da
fé. 84 O principal aspecto da Ceia, a palavra que produz fé, é a promessa de
Cristo: “Isto é o Meu corpo.” Essa expressão e a questão da fé eram centrais
no debate de Lutero com Zuínglio.

Reformadores: João Calvino (1509-1564)


Calvino rejeitou tanto a transubstanciação quanto a consubstanciação.
Embora ele se refira ao pão e ao vinho como “alimento sagrado”, 85
“fármaco” 86 e “alimento da vida eterna”, 87 o reformador chama a Ceia do
Senhor de “banquete espiritual”, 88 no qual a “substância de Sua carne [de
Cristo] [...] não entre em nós”. 89 Calvino vai além da Ceia e chega à
encarnação, na qual Cristo participou de nossa natureza, a fim de que, Nele,
nossa humanidade possa participar de Sua “imortalidade divina”. 90 Então
ele se concentra nos dois resultados da encarnação: (1) a união de Cristo entre
divino e humano na encarnação trouxe bênçãos à natureza humana, e (2)
Cristo Se localizou em um corpo humano na Terra (natureza humana),
enquanto permaneceu onipresente em Sua divindade. Se a humanidade de
Jesus estivesse localizada em Seu corpo humano enquanto esteve na Terra,
então esse corpo humano teria sido confinado à destra do Pai desde Sua
ascensão. Calvino argumenta contra uma interpretação literal das palavras da
comunhão: “Isto é o Meu corpo.” Se fossem literais, então Cristo estaria
presente em corpo em milhões de lugares da Terra – em cada Ceia do Senhor
– o que não é possível, pois Seu corpo humano está no Céu. Para Calvino, a
divindade onipresente de Jesus está presente na Ceia, mas não Sua
humanidade. Ele se recusa a destruir a “diferença entre as naturezas” de Jesus
Cristo. 91
A presença de Cristo é espiritual, não corpórea, e Ele é recebido por
intermédio do Espírito e da fé. 92 Calvino rejeita a transubstanciação, pois o
pão e o vinho não mudam, assim como a água do batismo. 93 Uma vez que
Cristo diz: “Este é o cálice da nova aliança no Meu sangue” (Lc 22:20), então
tanto o cálice quanto o vinho seriam transformados no sangue de Cristo se o
ponto de vista católico estivesse correto. 94 Adorar o pão é adorar mais o
dom que o Doador. 95 Por causa dessas preocupações, Calvino chega ao
ponto de dizer que “Satanás jamais inventou um engenho mais poderoso para
combater e abater o reino de Cristo”. 96

Reformadores: Ulrico Zuínglio (1484-1531)


Zuínglio argumentava que “a missa não é um sacrifício, mas uma
rememoração do sacrifício e a certeza da redenção que Cristo manifestou
para nós”. 97 Dois anos depois, a missa foi abolida em Zurique. 98 Lutero
acreditava que o pão era o corpo de Cristo, 99 e, para combater esse ponto de
vista, Zuínglio disparava argumentos. O debate inteiro se inflamou em volta
da expressão “Isto é o Meu corpo”. 100 Lutero entedia as palavras de
maneira literal; Zuínglio, de forma figurada. Seguem-se algumas das
justificativas de Zuínglio:
1. “No cenáculo, Pedro foi contrário quando Cristo tentou lavar seus pés.
Imagine qual seria a reação dos discípulos se Jesus tivesse a intenção de lhes
ensinar que o pão era Seu corpo e o vinho era Seu sangue! Pedro não teria
dito novamente ‘Afasta-Te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador!’
(Lc 5:8, NVI)?” 101 A perfeita calma dos discípulos no cenáculo não sugere
a presença corpórea nos emblemas.
2. Zuínglio afirma que “nenhum dos apóstolos ensinou de maneira
específica que, nesse sacramento, o pão se transforma no corpo e o vinho no
sangue de Cristo. [...] E mesmo depois de haver apresentado um relato
completo da instituição, Paulo continua a chamar os elementos de pão e
vinho, assim como Cristo o fez ”. 102
3. Zuínglio reconhece o que parece ser uma contradição lógica à posição de
Lutero. Se “Isto é o Meu corpo” significa que o pão se torna (é) o corpo,
como então o pão pode permanecer ainda? 103
4. Lutero defende que Cristo permanece fisicamente presente na Ceia, uma
vez que Sua humanidade é onipresente. Zuínglio cita as palavras do anjo após
a ressurreição de Cristo: “Ele não está aqui” (Mt 28:6). 104
5. Em referência a Mateus 24:23 a 26, Zuínglio chama atenção para a
advertência de Cristo de que Ele não deveria ser procurado em lugar algum
da Terra, concluindo: “Não devemos buscá-Lo em corpo.” 105 Isso inclui o
pão e o vinho.
6. Zuínglio leva a sério o texto que diz que Cristo ascendeu em corpo e
“assentou-Se à direita da Majestade, nas alturas” (cf. Hb 1:3). Logo, defende
que “até o último dia, Cristo não poderá estar em lugar algum, com exceção
da destra de Deus Pai. No Salmo 110 está escrito: ‘Assenta-Te à Minha
direita, até que Eu ponha os Teus inimigos debaixo dos Teus pés’ (v. 1).
Paulo alude a esse texto em 1 Coríntios 15, ao ensinar que Cristo Se assentará
à destra do Pai até o último dia”. 106 Zuínglio conclui: “Se Ele estivesse
presente no pão ou se o pão fosse o corpo de Cristo, então o último dia já
teria chegado, Ele já estaria presente.” 107
7. A fim de demonstrar que o pão e o vinho são meros símbolos do
Salvador, Zuínglio lançou mão de outras imagens bíblicas de Cristo, como a
“videira”, 108 o “cordeiro”, a “porta”, a “pedra fundamental”, 109 “qualquer
que fizer a vontade de Meu Pai celeste, esse é Meu irmão, irmã e mãe” (Mt
12:50), 110 “Cordeiro de Deus” e “pão da vida”. 111
8. Logo, para Zuínglio,

comer a carne e crer em Jesus são a mesma coisa, caso contrário existem dois
caminhos para a salvação: um por meio de comer e beber a carne e o sangue de
Cristo, e outro mediante a crença Nele. E se for esse o caso, então a crucifixão não
seria necessária, pois os discípulos teriam se tornado filhos da vida eterna no instante
em que participaram da carne e do sangue na última Ceia. 112

Significado teológico da Ceia do Senhor


À medida que analisamos com mais cuidado o sentido da Ceia do Senhor,
diversas ideias teológicas fundamentais se tornam evidentes. 113

Lembrança da morte de Cristo


A Ceia do Senhor é uma celebração da morte de Cristo. O Filho de Deus Se
tornou humano a fim de viver e morrer como os seres humanos (Hb 10:5-7;
Rm 8:3). Na encarnação, Deus e a humanidade se uniram no Deus-Homem
Jesus Cristo. Essa união é permanente. O kenosis, ou esvaziamento do eu (Fp
2:6, 7), não significou que Deus deixou Sua divindade no Céu e foi somente
humano na Terra, de modo que Sua divindade fosse onipresente e Sua
humanidade, localizada. Jesus Cristo era plenamente Deus e plenamente
homem, dentro dos limites de um corpo humano (Jo 1:1, 14).
A natureza humana não possui a onipresença do divino, e essa realidade
teve impacto na presença de Cristo durante a Ceia do Senhor. Ellen G. White
explicou: “Limitado pela humanidade, Cristo não poderia estar pessoalmente
em toda parte. Portanto, era do interesse deles que fosse para o Pai e enviasse
o Espírito como Seu sucessor na Terra.” 114 Ele não pode estar presente em
corpo na Terra, pois está corporalmente presente à direita do Pai (Sl 110:1;
Mc 16:19; Hb 8:1-2). Ele está espiritualmente presente com Seus seguidores
por intermédio do Espírito Santo. Boa parte do debate acerca da presença de
Cristo na Ceia do Senhor negligencia as limitações da natureza humana de
Cristo e a presença do Espírito Santo entre nós.
Durante o período posterior à ascensão de Cristo, a onipresença do Espírito
Santo traz para nós a presença localizada de Jesus Cristo no Céu. Então, o
que Cristo quis dizer ao declarar “Isto é o Meu corpo, que é dado por vós;
fazei isto em memória de Mim” (1Co 11:24)? Durante a primeira Ceia, Jesus
disse: “Tomai, comei; isto é o Meu corpo” (Mt 26:26b; Mc 14:22b; Lc
22:19b). Caso fosse Seu corpo literal, então haveria dois Cristos no cenáculo:
Aquele que falava, e o pão entregue aos discípulos. Isso não faz sentido. Da
mesma maneira, quando Jesus disse no cenáculo: “Isto é o Meu sangue,
o sangue da [nova] aliança, derramado em favor de muitos, para remissão de
pecados” (Mt 26:28; Mc 14:23-24; Lc 22:20; 1Co 11:25), não poderia ser
literal, pois Ele só derramou Seu sangue no dia seguinte. Portanto, a palavra-
chave é “memória”, pois Cristo instituiu a Santa Ceia antes de Sua morte a
fim de que os cristãos se lembrassem de Seu sacrifício durante os anos entre
o Calvário e Seu retorno. Logo, a Ceia do Senhor significa lembrança da
morte de Cristo, em lugar de receber Seu corpo e sangue literalmente. Paulo
diz, cheio de discernimento: “Porque, todas as vezes que comerdes este pão e
beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha” (1Co
11:26). No entanto, isso não nega o recebimento dos benefícios da presença
espiritual de Cristo (por intermédio do Espírito), que comunica vida eterna a
quem a recebe, conforme indica o evangelho de João.
Os emblemas como símbolos
Muitas igrejas consideram que o pão e o vinho são sacramentos, em lugar
de símbolos. Afirmam que os sacramentos comunicam a realidade de tal
modo que os signos (o pão e o vinho) se tornam aquilo que significam (o
corpo e o sangue de Cristo), transmitindo graça salvadora. Se o pão e o
conteúdo do cálice se tornaram sacramentos na noite em que Jesus os
entregou aos discípulos, então Ele lhes deu graça por meio de objetos
materiais enquanto Ele, a fonte e realidade de toda graça, estava no meio
deles. Se isso for verdade, desvia a atenção Daquele que é a graça, passando-
a para os objetos materiais que supostamente foram escolhidos por Cristo a
fim de comunicar graça. O fato de Cristo afirmar com toda clareza que Se
tornaria presente por intermédio do Espírito Santo nega o ponto de vista de
que Ele Se faz presente por meio dos emblemas. Quando o pão e o vinho são
considerados o corpo e o sangue literais de Cristo, eles se tornam oponto
central, em vez da presença real de Jesus mediante o Espírito Santo. Nesse
caso, acabam tomando o lugar de Cristo. O pão e o vinho ficam tão
deslocados quanto os cordeiros após o Calvário.
Cristo Se fez presente em corpo com Seus discípulos na primeira Ceia e
participou dos emblemas. Segurando o pão (Mc 14:22), Ele disse: “Jamais
beberei do fruto da videira, até àquele dia em que o hei de beber, novo, no
reino de Deus” (Mc 14:24, 25), quando os discípulos comerão e beberão à
Sua mesa (Lc 22:30). Nessa ocasião, Cristo afirmou que beberia de “novo,
convosco” (Mt 26:29). Se os emblemas de fato fossem sacramentos, então
Cristo teria comido o próprio corpo e bebido o próprio sangue.

O período entre a ascensão de Cristo e Seu retorno


Entre Sua ascensão e Seu retorno, Cristo tem trabalhado em prol de Seu
povo (Jo 14:1-4). Jesus esclareceu que Seu segundo advento será a ocasião
em que voltará corporalmente para encontrar Seus seguidores no ar (1Ts
4:16-18). Não existe palavra alguma nas Escrituras sobre um retorno anterior.
A Ceia do Senhor não só nos lembra da morte de Cristo, mas também
anuncia Seu retorno no futuro. “Porque, todas as vezes que comerdes
este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha”
(1Co 11:26). O tempo de proclamação é o presente, mas a mensagem se
refere ao futuro. Em certo sentido, existe uma proclamação dupla: (1) Cristo
proclama que só beberá do fruto da vide depois que voltar e os remidos
estiverem com Ele no Céu (Mt 26:29); (2) enquanto isso, os participantes da
Ceia do Senhor proclamam a morte de Jesus até que Ele venha. Isso elimina
qualquer ideia da vinda corpórea de Cristo na Ceia.
Em Seu ministério no santuário celestial, Jesus prepara um lugar para os
remidos e os habilita a viver nesse lugar. Essa é a fase em que Ele ministra os
benefícios de Sua morte, pois é o único Mediador entre Deus e os seres
humanos (1Tm 2:5; cf. Hb 9:15; 12:24). “Visto que vive para sempre, Jesus
tem um sacerdócio permanente. Portanto, Ele é capaz de salvar
definitivamente aqueles que, por meio Dele, aproximam-se de Deus, pois
vive sempre para interceder por eles” (Hb 7:24, 25, NVI). O mais
extraordinário é constatar que “a intercessão de Cristo no santuário celestial,
em favor do ser humano, é tão essencial ao plano da redenção como foi Sua
morte sobre a cruz”. 115 Conforme os reformadores destacaram, a missa,
entendida como um sacrifício, pode ser vista como uma substituição do
sacrifício de Cristo no Calvário. Dispensar o corpo de Cristo significa tentar
substituir a comunicação dos benefícios do Calvário por intermédio do
Espírito Santo. O sacerdócio humano substitui o ministério sacerdotal
exclusivo de Cristo.
Em suma, pelo menos quatro verdades bíblicas questionam a presença
corpórea de Cristo no pão e no vinho: (1) a onipresença de Jesus não fazia
parte de Sua natureza humana; (2) o sacrifício de Cristo não pode ser
repetido; (3) Jesus vem estar com Seu povo por intermédio do Espírito Santo
e (4) o sacrifício de Cristo pleno na cruz viabiliza os benefícios que aplica em
favor de Seu povo no santuário celestial. Isso é tudo de que os seres humanos
necessitam.

Cristo por trás das interpretações da Ceia do Senhor


A maneira de entender a presença divino-humana do Jesus histórico afeta a
compreensão de Sua presença na Ceia. Isso é ilustrado nas versões católica,
luterana, calvinista, zuingliana e ortodoxa oriental da Ceia.
A cristologia católica enxerga a encarnação de Cristo apenas como o
princípio de um processo encarnacional ao longo da história. Deus começou
na encarnação de Cristo o que continua em Sua igreja (o corpo de Cristo).
Assim, a igreja é Cristo encarnado ao longo do tempo. 116 Nessa concepção,
a igreja se move na direção de se tornar universal, momento em que a
encarnação de Jesus será plenamente efetuada.
A cristologia luterana mistura as duas naturezas de Cristo. Quando as duas
naturezas se unem tanto, forma-se algo novo. Nessa visão, em Sua
encarnação Jesus não seria nem Deus nem ser humano, mas uma espécie de
terceira entidade, uma miscigenação entre os dois. Na transposição dessa
ideia para a Ceia do Senhor, Cristo aparece com e sob o pão e o vinho.
A cristologia de Calvino enxerga o bebê encarnado na manjedoura
concomitantemente assentado no trono do Céu. Não se trata de um ponto de
vista inédito, pois pode ser encontrado, por exemplo, na obra Sobre a
Encarnação do Verbo, de Atanásio. 117 Por trás desse tipo de cristologia,
encontra-se um entendimento de espaço, uma visão de receptáculo, na qual o
Deus onipresente não está presente de maneira exclusiva naquele único bebê
de Belém. Em vez disso, Ele Se esvaziou ao assumir a natureza humana, de
maneira que era verdadeiramente divino e humano dentro dos limites de Sua
humanidade. Entretanto, estava presente em corpo naquele ser humano na
Terra, e universalmente presente, como Deus, no Universo inteiro. Segundo
Calvino, na Santa Ceia, aplica-se a lógica contrária. Após remover Sua
presença corpórea do mundo para permanecer à direita do Pai, Cristo
continua presente no Universo, usando o mesmo método da Ceia.
A cristologia de Zuínglio (assim como a de Calvino) considera a natureza
divina de Cristo onipresente e rejeita a ideia de que Ele a tenha deixado no
Céu durante Sua vida terrena. Somente Sua natureza humana sofreu e se
separou do Pai na morte. 118 Zuínglio faz uma distinção clara entre duas
naturezas (ao contrário de Lutero). A junção defendida por Lutero torna a
humanidade de Jesus onipresente e, portanto, dentro da Ceia, ao passo que
Zuínglio rejeita essa ideia. Nenhuma onipotência divina derruba limites
adequados. “O fato de algo ser possível para Deus não significa que se torna
realidade.” 119 Zuínglio acredita que somente a divindade de Cristo estava
presente na Ceia.
A cristologia ortodoxa oriental categoriza a natureza divina por meio da
divinização da natureza humana no Deus-Homem. Assim, a natureza de
Cristo não só teria se unido à humanidade (como para Lutero), mas se tornou
divina. É esse Cristo que Se faz presente na Ceia do Senhor e diviniza os
participantes, de maneira que, ao longo da vida, eles se tornam cada vez mais
divinos (teósis).
Todos esses cinco pontos de vista falham em fazer justiça referente à
verdade sobre a humanidade de Jesus. As Escrituras dizem que Ele Se tornou
“perfeito, mediante o sofrimento” (Hb 2:10, NVI), tendo sido “tentado em
todas as coisas, à nossa semelhança” (Hb 4:15). Semelhantemente, Ellen G.
White afirma que Cristo veio “com risco de fracasso e ruína eterna”. 120
Esses insights divinos não fundamentam os pontos de vista acima acerca da
humanidade de Cristo. Por exemplo, os católicos a tornam imaculada; os
luteranos a destroem ao misturá-la com a divindade; Calvino e Zuínglio a
unem espacialmente com uma divindade onipresente, infinita e onipotente no
centro de controle do Universo; e a ortodoxia oriental a diviniza.
Em contraste com esses pontos de vista, a Bíblia ensina que Jesus Cristo Se
faz presente na Santa Ceia de modo pleno por meio do Espírito Santo. É esse
Deus-Homem que entende as lutas humanas (Hb 4:15), que foi “desprezado e
o mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que sabe o que é
padecer” (Is 53:3a). É essa compreensão do sumo sacerdote que comparece à
Ceia do Senhor como Consolador por meio do “outro” Consolador, o Espírito
Santo (Jo 14:15-18) para comunicar vida eterna (1Jo 5:11). O Espírito Santo
estará com a igreja para sempre (Mt 28:20; Hb 13:5b) até Cristo voltar
corporalmente no segundo advento (1Ts 4:16-18).

Comunhão e união com Cristo


A participação no pão e no cálice cria comunhão (gr. koinōnia) com Cristo
e uns com os outros (1Co 10:16, 17). Somos unidos uns aos outros e a Cristo
quando participamos dos mesmos emblemas. Somos constituídos em uma
comunidade de aliança. Cristo chama o cálice da comunhão de “a nova
aliança no Meu sangue” (Lc 22:20, NVI; 1Co 11:25) ou “o sangue da [nova]
aliança” (Mt 26:28; Mc 14:24). Outro propósito da Ceia do Senhor é
vivenciarmos esse relacionamento de aliança com o Salvador e uns com os
outros. Isso se expressa de forma ritual quando comemos espiritualmente do
corpo e bebemos do sangue de Cristo. Nesse caso, o foco está em Cristo, não
nos emblemas.

Frequência da celebração
Paulo afirma que “todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o
cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha” (1Co 11:26). Isso
mostra que a prática continuará até o retorno de Cristo, mas não prescreve a
frequência de realização da Santa Ceia. Alguns sugerem uma vez por semana,
outros diariamente, mas parece que quatro vezes por ano é a prática mais
comum entre as igrejas protestantes, ao passo que uma frequência maior é
observada no catolicismo romano e oriental. Em geral, os adventistas do
sétimo dia celebram a Santa Ceia quatro vezes ao ano.

CONCLUSÃO

Analisamos o batismo, o lava-pés e a Ceia do Senhor nas esferas bíblica,


histórica e teológica, identificando algumas das distorções mais graves das
ordenanças. Todas as três se concentram na obra ou nas palavras de Cristo, ao
passo que as abordagens não bíblicas tendem a se concentrar em obras ou
atos humanos. O batismo adulto é uma reação ao convite de Jesus para que
todos sejam batizados (Mt 28:19, 20). O batismo de bebês é uma ideia
humana e, na melhor das hipóteses, uma resposta da igreja ou dos pais,
substituindo a reação humana de fé ao convite de Cristo. O lava-pés é
ignorado pela maioria, desconsiderando uma ordem de Cristo igualmente tão
válida quanto a prescrição de comer do pão e beber do suco da uva. Para os
católicos, a presença corpórea de Jesus na Ceia do Senhor depende das
palavras do sacerdote. Isso contrasta com a declaração de Cristo de que Ele
estaria corporalmente no Céu (Lc 24:50-51; At 1:1-2; Hb 1:3b) até que
retorne em corpo (Jo 14:1-4). Também ignora o fato de que o Espírito Santo é
o representante de Cristo para Seus seguidores nesse ínterim (Jo 14:16-18).
Os luteranos citam as palavras de Cristo “Isto é o Meu corpo”,
negligenciando Sua presença corpórea no Céu. A missa romana supostamente
sacrifica Cristo repetidas vezes por meio do ministério dos clérigos,
substituindo o sacrifício definitivo de Cristo (Hb 9:23-28; Jo 14:6; 1Tm 2:5).
Todas as três ordenanças são realizadas no contexto do conflito cósmico, no
qual as decisões pessoais são importantes, e nenhuma decisão por procuração
é válida. Cada indivíduo precisa escolher de que lado ficará. Isso significa
que o relacionamento com Cristo é mais importante do que qualquer visão
sacramental dos emblemas. É esse relacionamento com Cristo que é
declarado no batismo e vivenciado no lava-pés e na Ceia do Senhor. Esse
relacionamento consiste no “já” da vida de Cristo comunicada aos
comungantes por meio do Espírito Santo, enquanto lhes proclama o “não
ainda” de Seu retorno corpóreo.
O batismo é mais do que imersão em água. Trata-se também do batismo do
Espírito Santo (Mt 3:16; At 2:38). O batismo consiste em uma participação
na morte e ressurreição de Cristo, uma declaração pública de sepultamento da
velha vida e ressurreição em uma nova vida com Cristo, no Espírito. Como
tal, significa a entrada na igreja. O lava-pés exprime a morte contínua para o
eu, o serviço aos outros na virtude do Espírito, celebrando a vida abnegada de
Cristo. A Ceia do Senhor relembra a morte de Cristo, alimenta os
participantes com os símbolos do corpo e sangue de Cristo e celebra a
promessa de Seu retorno corpóreo quando ocorrerá a Ceia do Cordeiro. Essas
são dádivas que somente Cristo, e não a igreja, é capaz de conceder.

1 Ver a coleção bem útil de artigos sobre a teologia e prática do batismo, escrita por teólogos
adventistas em Die Taufe: Theologie und Praxis, Roberto Badenas, ed. (Bern: Advent-Verlag, 2002);
ver também a tradução para o francês em La théologie et la Pratique du Baptême, ed. Richard
Lehmann (Dammarie-les-Lys: Vie et Santé, 2002).
2 Donald A. Hagner, Matthew 14–28 (Dallas, TX: Word, 1995), p. 886.
3 Sobre a perspectiva adventista acerca do batismo de bebês, ver Herbert Kiesler, “As Ordenanças:
Batismo, Lava-Pés e Ceia do Senhor”, em Tratado de Teologia Adventista do Sétimo Dia, Raoul
Dederen, ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 651, 652; Daniel Heinz e Johann Heinz,
“Ursprung und Entwicklung der Säuglings – und Kindertaufe in der Alten Kirche bis zu Augustinus”,
em Badenas, p. 93-107.
4 Sobre a história e os aspectos teológicos do rebatismo na Igreja Adventista, ver Frank M. Hasel,
“Taufe und Tauferneuerung in der Adventgemeinde – Theologische und Historische Aspekte”, em
Badenas, p. 131-149.
5 Richard M. Longnecker, “Acts of the Apostles”, em The Expositor’s Bible Commentary, Frank E.
Gaebelein, ed. (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1990), v. 9, p. 493.
6 R. C. H. Lenski, Interpretation of the Acts of the Apostles (Mineápolis, MN: Augsburg, 1962), p.
779.
7 F. F. Bruce, Epistle to the Hebrews (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1964), p. 114, 115; Donald
Guthrie, Hebrews: An Introduction and Commentary (Downers Grove, IL: InterVarsity, 1983), p. 15,
138, 139.
8 Cf. R. McL. Wilson, A Critical and Exegetical Commentary on Colossians and Philemon (Nova
York: T&T Clark, 2005), p. 206.
9 Cf. Manual da Igreja Adventista do Sétimo Dia (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), p.
51, 52.
10 Tertuliano, “On Baptism”, em Ante-Nicene Fathers, 10 v. (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1995), v.
3, p. 669-670.
11 Tertuliano, “On Baptism”, em Ante-Nicene Fathers, v. 3, p. 670.
12 Tertuliano, “On Baptism”, em Ante-Nicene Fathers, v. 3, p. 671.
13 Tertuliano, “On Baptism”, em Ante-Nicene Fathers, v. 3, p. 678, 679.
14 Philip Schaff, History of the Christian Church, 8 v. (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1962), v. 2, p.
261, 262. Em seu período inicial, a igreja era um movimento missionário no mundo pagão. Por isso, o
batismo de adultos era a principal maneira de ingressar na igreja. Ninguém sabe quando o batismo de
bebês foi inaugurado, mas é possível argumentar que isso possa ter acontecido bem antes de Cipriano,
ou seja, que não foi ele quem deu início à prática.
15 Cipriano, “Concerning the Baptism of Heretics”, Ante-Nicene Fathers, v. 5, p. 565-572.
16 Agostinho, “On Baptism, against the Donatists”, Nicene and Post-Nicene Fathers of the Christian
Church, 14 v. (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1997), v. 4, p. 411-514.
17 Agostinho, “A Treatise on the Merits and Forgiveness of Sin, and On the Baptism of Infants”,
Nicene and Post-Nicene Fathers of the Christian Church, v. 5, p. 15-78.
18 Tomás de Aquino, Summa Theologica, 5 v. (Westminster, MD: Christian Classics, 1920), v. 4, p.
2380.
19 Aquino, Summa Theologica, v. 4, p. 2380.
20 Aquino, Summa Theologica, v. 4, p. 2415.
21 A. R. Wentz e H. T. Lehmann, ed., Luther’s Works (Filadélfia, PA: Fortress, 1959), v. 36, p. 59; cf.
“Todos os sacramentos foram estabelecidos para alimentar a fé” (v. 36, p. 61).
22 Wentz e Lehmann, ed., Luther’s Works, v. 35, p. 38.
23 Wentz e Lehmann, ed., Luther’s Works, v. 36, p. 64.
24 Wentz e Lehmann, ed., Luther’s Works, v. 36, p. 73.
25 João Calvino, A Instituição da Religião Cristã (São Paulo: Unesp, 2009), v. 2, p. 751.
26 Martin Chemnitz, Examination of the Council of Trent (St. Louis, MO: Concordia, 1978), v. 2, p.
139.
27 Chemnitz, Examination of the Council of Trent, p. 139-142.
28 Walter M. Abbott, ed., The Documents of Vatican II, (Piscataway, NJ: New Century, 1966), p. 160.
29 Abbott, ed., The Documents of Vatican II, p. 32, 33.
30 Catecismo da Igreja Católica, Edição de Bolso (São Paulo: Edições Loyola, 2000), p. 340.
31 Catecismo da Igreja Católica, p. 348.
32 Catecismo da Igreja Católica, p. 351.
33
Cf. Dederen, “A Igreja”, Tratado de Teologia, p. 616, 617. Ver uma análise mais detalhada da
relevância teológica do conceito adventista de batismo em Rolf J. Pöhler, “Die Theologische
Bedeutung der Taufe und Ihre Implikationen nach dem Zeugnis des Neuen Testaments”, Die Taufe, p.
159-192; e Hasel, p. 121-134.
34 Ellen G. White, O Grande Conflito (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2018), p. 666-671.
Sobre uma exposição mais detalhada do conceito do conflito cósmico, ver Frank B. Holbrook, “O
Grande Conflito” em Tratado de Teologia, p. 1070-1112.
35 Sobre uma análise detalhada das questões relacionadas ao lava-pés com base em uma perspectiva
bíblica, histórica e adventista, ver Cène et Ablution des Pieds, ed. Comité de Recherche Biblique
(Dammarie-lès-Lys: Vie et Santé, 1991).
36 Sobre a relevância e importância dessa ordenança, ver Jean Zurcher, “L’ablution des Pieds est-elle
Encore Nécessarie?”, Comité de Recherche Biblique, p. 217-228. Ver o debate sobre essa prática na
Igreja Adventista em Bernhard Oestreich, “Histoire de l’Interprétation de L’ablution des Pieds dans
l’Eglise Adventiste”, Comité de Recherche Biblique, p. 171-215.
37 “A natureza servil do lava-pés aos olhos dos judeus é vista em sua inclusão entre as tarefas que os
escravos judeus não deveriam ter a obrigação de fazer. [...] Essa tarefa era reservada aos escravos
gentios, esposas e filhos” (George R. Beasley-Murray, John [Dallas, Tx: Word, 2002], p. 233).
38 Dederen escreveu: “Assim como os discípulos cujos pés calçados com sandálias ficavam
empoeirados e precisavam ser lavados novamente, os cristãos batizados em Cristo e purificados por Seu
sangue, enquanto prosseguem na caminhada da vida cristã, tropeçam e precisam da graça salvadora de
Cristo para se limpar da contaminação. Não precisam se rebatizar: ‘Quem já se banhou não necessita de
lavar senão os pés.’ A ordenança do lava-pés é uma confissão muito necessária de nosso egocentrismo
e de nossa necessidade da graça de Cristo, bem como da renovação de nossos votos batismais”
(“Igreja”, em Tratado de Teologia, p. 620). Cf. Kiesler, “Ordenanças”, p. 658. Alguns manuscritos
gregos do Novo Testamento omitem a expressão “senão os pés”, dando a impressão de que lava-pés
não têm o sentido de purificação (cf. Oestreich, “Histoire de l’Interprétation de L’ablution des Pieds
dans l’Eglise Adventiste”, p. 165, 169). Entretanto, são amplas as evidências em favor de conservar a
expressão; cf. Bruce Metzger, A Textual Commentary on the Greek New Testament (Nova York: United
Bible Societies, 1994), p. 204. Cf. Andrew T. Lincoln, The Gospel According to Saint John (Londres:
Continuum, 2005), p. 363, 364, que escreve: “Normalmente, a versão mais curta deve ser preferida ao
julgar essas questões textuais. Também, um número expressivo de eruditos acredita que as
considerações internas eliminam a versão mais longa, pois sua presença significaria que a lavagem dos
pés é trivial em comparação com um banho anterior. Entretanto, esse raciocínio baseado em fatores
internos depende da interpretação que se faz do episódio inteiro e, sobretudo, do v. 10. [...] Além disso,
essa forma específica de argumentação é uma espada de dois gumes, uma vez que torna a versão mais
longa a mais difícil, que também seria normalmente preferida e revela os motivos para ter sido omitida
da tradição por um escriba ou escribas – pensou-se que a expressão não seria coerente com o contexto.
É provável que não haja escapatória de alguma forma de circularidade aqui, uma vez que a
interpretação geral da passagem tanto afeta quanto é afetada pelo texto escolhido. Contudo, parece
melhor começar com a leitura mais longa (que possui comprovação mais forte) e tentar encontrar o
sentido da passagem com base nessa forma.”
39 Cf. Oestreich, “Histoire de l’Interprétation de L’ablution des Pieds dans l’Eglise Adventiste”, p.
153-170.
40 Essa ideia foi desenvolvida por Oestreich, “Histoire de l’Interprétation de L’ablution des Pieds
dans l’Eglise Adventiste”, p. 151-170.
41 Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2019), p.
131.
42 White, O Desejado de Todas as Nações, p. 656.
43 Sobre outras análises feitas por teólogos adventistas, ver Comité de Recherche Biblique, p. 9-148.
44 Ver debate e avaliação dos diferentes contextos propostos para a Ceia do Senhor em Roberto
Badenas, “L’arrière-plan de la Cène”, Comité de Recherche Biblique, p. 9-44.
45 Cf. Leon Morris, I Corinthians: An Introduction and Commentary (Downers Grove, IL:
InterVarsity, 1985), p. 156, 157; Gregory J. Lockwood, 1 Corinthians (Saint Louis, MO: Concordia,
2000), p. 384.
46 Cf. Ben Witherington III, Conflict & Community at Corinth: A Socio-Rhetorical Commentary on 1
and 2 Corinthians (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1995), p. 248-249.
47
White, O Desejado de Todas as Nações, p. 660.
48 White, O Desejado de Todas as Nações, p. 661.
49 Ellen G. White, Patriarcas e Profetas (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), p. 277, 278.
50 Irineu, “Against Heresies”, Ante-Nicene Fathers, v. 1, p. 486.
51 Chemnitz, Examination of the Council of Trent, v. 2, p. 254.
52 Irineu, “Against Heresies”, Ante-Nicene Fathers, v. 1, p. 484.
53 Deus “fala sobre os gentios, a saber, nós, que em todos os lugares oferecemos sacrifícios a Ele, isto
é, o pão da eucaristia e também o cálice da eucaristia” (“Dialogue with Trypho”, Ante-Nicene Fathers,
v. 1, p. 215).
54 Agostinho, “Sermons on Selected Lessons of the New Testament: Sermon XII”, Nicene and Post-
Nicene Fathers of the Christian Church, v. 6, p. 448.
55 Agostinho, “Tractates in the Gospel of John”, Nicene and Post-Nicene Fathers of the Christian
Church, v. 7, p. 172, 173.
56 Agostinho, “Tractates in the Gospel of John”, Nicene and Post-Nicene Fathers of the Christian
Church, v. 7, p. 175.
57 Agostinho, “Treatise Baptism is Called Salvation”, Nicene and Post-Nicene Fathers of the
Christian Church, v. 5, p. 28.
58 Lutero argumentou que Aquino não compreendeu Aristóteles, pois o filósofo “defendia que o
sujeito e seus acidentes são inseparáveis; nenhum pode existir separado do outro” (Wentz e Lehmann,
ed., Luther’s Works, v. 36, p. 29, nota de rodapé, p. 64). Aquino alegava que ocorre uma mudança
substantiva de acidentes (pão e vinho) para o corpo e o sangue de Cristo, enquanto Lutero defendia que
os acidentes (pão e vinho) são inseparáveis do sujeito (corpo e sangue).
59 “Espécie” é um termo filosófico antigo que significa “forma”, não seu sentido biológico moderno.
60 Tomás de Aquino, Summa Theologica, 5 v. (Nova York: Christian Classics, 1981), v. 5, p. 2454.
61 Aquino, Summa Theologica, v. 5, p. 2474, 2475.
62 Aquino, Summa Theologica, v. 5, p. 2514.
63 Council of Trent, v. 2, p. 219.
64 Council of Trent, v. 2, p. 221.
65 Council of Trent, v. 2, p. 276.
66 Council of Trent, v. 2, p. 276.
67 Abbott, The Documents, p. 163.
68 Abbott, The Documents, p. 19, 20.
69 Abbott, The Documents, p. 51.
70 Abbott, The Documents, p. 152.
71 Abbott, The Documents, p. 50.
72 Abbott, The Documents, p. 541.
73 Abbott, The Documents, p. 542.
74 Abbott, The Documents, p. 560.
75 Abbott, The Documents, p. 79.
76 Abbott, The Documents, p. 575.
77 Calvino, A Instituição da Religião Cristã, v. 2, p. 811.
78 Abbott, The Documents, p. 155, 156.
79 Catecismo da Igreja Católica, p. 301.
80 Catecismo da Igreja Católica, p. 376.
81 G. C. Berkouwer, The Sacraments (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1969), p. 268.
82 Wentz e Lehmann, ed., Luther’s Works, v. 35, p. 94.
83 Wentz e Lehmann, eds., Luther’s Works, v. 36, p. 29.
84 “Em suma, a missa deve fazer todo tipo de coisa, com exceção de sua obra distintiva, a saber, a fé”
(Wentz e Lehmann, ed., Luther’s Works, v. 35, p. 108).
85 Calvino, A Instituição da Religião Cristã, v. 2, p. 766, 818, 819.
86 “Esta sagrada refeição é fármaco para os enfermos, consolo para os pecadores, esmola para os
pobres” (Calvino, A Instituição da Religião Cristã, p. 816).
87 Calvino, A Instituição da Religião Cristã, p. 784.
88 Calvino, A Instituição da Religião Cristã, p. 766, 774.
89 Calvino, A Instituição da Religião Cristã, p. 803.
90 De maneira objetiva, no pressuposto de Cristo acerca de nossa natureza humana, Ele argumenta
que nós (Nele, em Sua humanidade) participamos da imortalidade divina. Essa é a “admirável
comunicação” – fazendo-se “filho do homem juntamente conosco, fez-nos filhos de Deus juntamente
consigo” (Calvino, A Instituição da Religião Cristã, p. 767). “Mas quando aquela fonte de vida começa
a habitar em nossa carne, já não está escondida longe de nós, mas oferece-se claramente, para que
participemos dela. Eis como a carne vivificadora, na qual Ele reside, vem até nós, a fim de que, pela
participação da mesma, sejamos sustentados na imortalidade” (Calvino, A Instituição da Religião
Cristã, p. 772).
91 Calvino, A Instituição da Religião Cristã, p. 801.
92 Calvino, A Instituição da Religião Cristã, p. 801, 802.
93 Calvino, A Instituição da Religião Cristã, p. 775-777.
94 João Calvino, Commentary on a Harmony of the Evangelists: Matthew, Mark, Luke, John 1–11
(Grand Rapids, MI: Baker, 1989), v. 17, p. 208.
95 Calvino, Commentary on a Harmony of the Evangelists, v. 2, p. 810.
96 Calvino, Commentary on a Harmony of the Evangelists, p. 839.
97 Ulrico Zuínglio, Reformed Confessions of the 16th Century (Filadélfia, PA: Westminster, 1966), p.
38.
98 G. W. Bromiley, Zwingli and Bullinger, The Library of Christian Classics 24 (Filadélfia, PA:
Westminster, 1953), p. 176.
99 Martinho Lutero, “The Large Catechism”, trads. F. Bente e W. H. T. Dau, Triglot Concordia: The
Symbolical Books of the Evangelical Lutheran Church (St. Louis, MO: Concordia, 1921), p. 565-773.
100 Bromiley, Zwingli and Bullinger, p. 187.
101 Bromiley, Zwingli and Bullinger, p. 27, 28.
102 Bromiley, Zwingli and Bullinger, p. 228. “Note que nem Lucas nem Paulo afirmam que o vinho é
o sangue de Cristo. Por meio disso, percebemos claramente que os outros dois evangelistas apenas
desejavam dizer o mesmo que esses” (Bromiley, Zwingli and Bullinger, p. 229).
103 Ele afirmou: “Basta comparar os dois, e eles se cancelam. Pois o primeiro defende que carne e
sangue estão presentes em virtude da palavra ‘é’. Contudo, se o termo for entendido de maneira literal,
ele acaba destruindo o segundo, que tenta uma interpretação literal, mas afirma, ao mesmo tempo, que
o pão continua a ser pão. Pois se a palavra for entendida de forma literal, o pão não será pão, mas
carne” (Bromiley, Zwingli and Bullinger, p. 191, 192).
104 Bromiley, Zwingli and Bullinger, p. 221.
105 Bromiley, Zwingli and Bullinger, p. 221.
106 Bromiley, Zwingli and Bullinger, p. 216.
107 Bromiley, Zwingli and Bullinger, p. 216.
108 Bromiley, Zwingli and Bullinger, p. 190.
109 Bromiley, Zwingli and Bullinger, p. 192.
110 Bromiley, Zwingli and Bullinger, p. 200.
111 Bromiley, Zwingli and Bullinger, p. 223.
112 Bromiley, Zwingli and Bullinger, p. 205.
113 Ver a contribuição de Oestreich, “Signification”, em Comité de Recherche Biblique, p. 89-118.
114 White, O Desejado de Todas as Nações, p. 669.
115 White, O Grande Conflito, p. 489.
116 Vatican II, p. 22, 79, 590, 625.
117 “O Verbo de Deus, em Sua natureza humana, não era assim; pois não estava preso ao corpo (ou
gar sunededeto to somati), mas Ele mesmo o manejava, para que estivesse não só Nele, mas também,
na verdade, em tudo. E, embora externo ao Universo, habitava somente em Seu Pai” (Santo Atanásio,
On the Incarnation [Londres: Nutt, 1891], p. 30.
118 Bromiley, Zwingli and Bullinger, p. 212, 213.
119 Bromiley, Zwingli and Bullinger, p. 215.
120 “Ao mundo em que Satanás alegava ter domínio, Deus permitiu que Seu Filho viesse como uma
frágil criancinha, sujeito à fraqueza da humanidade. Permitiu que enfrentasse os perigos da vida que
todo ser humano enfrenta; que encarasse o combate como qualquer ser humano precisa encarar, com
risco de fracasso e de ruína eterna” (White, O Desejado de Todas as Nações, p. 49).
9 Apostolicidade da
Igreja
Frank Hasel

tema da apostolicidade da igreja não tem recebido muita atenção

O nos debates adventistas sobre eclesiologia. Temos a tendência de


pensar que existem outros assuntos mais prementes e práticos para
abordar que também são relevantes para nossa compreensão da natureza e
missão da igreja. Os adventistas do sétimo dia não surgiram 1.844 anos tarde
demais para lidar com o assunto da apostolicidade da igreja? Mas, quando
analisamos a questão mais de perto, percebemos que esse tema é fundamental
para qualquer eclesiologia e diz respeito a muitas questões importantes na
discussão teológica.
A seguir, encontramos uma visão geral das questões relativas à
apostolicidade da igreja em diferentes tradições, explicamos o que a
apostolicidade da igreja significa da perspectiva adventista do sétimo dia e
analisamos as principais questões teológicas associadas a ela. 1 Tudo indica
que o tema da apostolicidade da igreja é extremamente significativo na
eclesiologia adventista.

DEFINIÇÃO E PERGUNTAS

A apostolicidade da igreja é uma das quatro notae, ou marcas características


da igreja 2 (com a união, a santidade e a catolicidade da igreja). A
apostolicidade da igreja é considerada um atributo fundamental da fé cristã,
conforme se vê nas referências a ela na confissão apostólica. 3 Aliás, no
Credo Niceno-Constantinopolitano (381 d.C.), a igreja é retratada como
“única, santa, católica e apostólica”. 4
O termo “apostolicidade” deriva do substantivo “apóstolo”. O significado
original e mais genérico da palavra “apostólico” é “ter ligação direta com os
apóstolos de Cristo”. 5 A pergunta decisiva é como essa conexão ou ligação
com os apóstolos pode ser entendida de maneira apropriada. Ela deve ser
compreendida principalmente nos termos de uma sucessão histórica
ininterrupta de autoridade apostólica desde os primeiros apóstolos,
transmitida por meio do sacramento da ordenação? Ou nos conectamos com
os apóstolos com base no que cremos? Ou seja, existe harmonia com os
apóstolos em relação ao conteúdo bíblico-apostólico de nossa fé? 6

SIGNIFICADO DA APOSTOLICIDADE EM
DIFERENTES TRADIÇÕES ECLESIÁSTICAS

Em várias tradições eclesiásticas, encontramos conceitos diferentes do que


significa apostolicidade e o que ela acarreta. As igrejas ortodoxas entendem
que a apostolicidade da igreja é um mecanismo importante, ordenado por
Deus, mediante o qual a estrutura e os ensinos da igreja são perpetuados. 7
Entende-se que:

os apóstolos transmitiram aos primeiros bispos o dom espiritual para a transformação


eucarística da vida, assim como a receberam diretamente de Cristo. A transmissão
desse presente espiritual acontece com o ato de “imposição de mãos”, o ato da
ordenação, a invocação da atuação doadora de vida do Espírito Santo. Quando a
geração dos apóstolos faleceu, a única forma possível de transmitir esse dom
espiritual foi confiar o ato àqueles que já possuíam o dom, os bispos da época. 8
As igrejas ortodoxas orientais entendem que a sucessão apostólica consiste
na “conexão ininterrupta de uma hierarquia a partir de Cristo e dos apóstolos,
por meio do sacramento da santa ordenação”. 9 Ao passo que as fontes
ortodoxas orientais costumam se referir aos bispos como os “sucessores dos
apóstolos”, a eclesiologia e teologia ortodoxas estritas defendem que todos os
bispos legítimos são sucessores apropriados de Pedro. Isso também quer dizer
que os presbíteros (ou “padres”) também são sucessores dos apóstolos. 10 Na
tradição ortodoxa, existe certa dimensão sacramental associada a essa
sucessão.
O conceito católico romano de apostolicidade é expresso de maneira
similar, mas ainda mais marcante. De acordo com a teologia católica romana,
a autoridade do magistrado, o ofício do bispo e o dos padres com a respectiva
autoridade são transmitidos por meio de uma sucessão histórica ininterrupta
de imposição de mãos. Essa sucessão histórica (lat. succession) garante a
identidade da Igreja Católica Romana com seu início apostólico. A sucessão
apostólica passou a ser usada para legitimar a autoridade dos bispos, que
dependem do papa em Roma, o qual é identificado como o sucessor de Pedro.
Essa perspectiva foi, inclusive, mantida no Concílio Vaticano II, 11
ilustrando o fato de que, nos tempos recentes, a Igreja Católica Romana não
mudou seu conceito eclesiológico básico nem suas reivindicações
eclesiásticas.

RELEVÂNCIA DA APOSTOLICIDADE PARA


OUTRAS QUESTÕES TEOLÓGICAS

O teólogo protestante Wilfried Härle destaca que a questão da


apostolicidade da igreja abre, de maneira bem específica, uma série de
perguntas e assuntos teológicos significativos, citando, de maneira especial,
os quatro a seguir:
( a ) A relação entre os ensinos da igreja e a revelação divina.

( b ) A relação entre as Escrituras e a tradição.

( c ) A relação entre o sacerdócio de todos os crentes e o clero ordenado.

( d ) As questões relativas à autoridade e interpretação bíblica. 12

Essas questões não são as únicas ligadas de maneira significativa ao


assunto. Mesmo assim, fica evidente que a apostolicidade da igreja se tornou
o tema mais decisivo na controvérsia eclesiástica existente entre as várias
denominações cristãs. 13

RELAÇÃO ENTRE OS ENSINOS DA IGREJA E A


REVELAÇÃO DIVINA

O conceito de apostolicidade da igreja ou até mesmo de sucessão apostólica


não está na Bíblia. Até mesmo os eruditos católicos romanos reconhecem
isso. 14 Somente após a morte dos apóstolos, mais para o fim de 1o século ou
início do 2o, alguns pais da igreja usaram o argumento da continuidade com
os apóstolos em sua luta contra grupos separatistas e hereges. 15 Eles fizeram
isso a fim de demonstrar ortodoxia doutrinária. 16 Ao fim do 1o século,
encontramos Clemente de Roma falando sobre determinada sucessão
apostólica para argumentar contra grupos separatistas. 17 De maneira
semelhante, Papias se refere a uma linhagem de representantes da igreja,
considerados significativos para a tradição, como critério para uma pregação
autêntica. 18
Alguns anos depois, Inácio de Antioquia defendeu a autoridade dos bispos e
anciãos como representantes de Cristo e Seus apóstolos contra os hereges. 19
Ao passo que Inácio faz referência aos bispos, ele não menciona a questão da
sucessão, que, mais tarde, na história, adquiriu grande importância na
argumentação da Igreja Católica Romana. 20 Somente a partir de Ireneu é
que encontramos o princípio da sucessão apostólica plenamente
desenvolvido. 21 Ideias semelhantes podem ser identificadas no norte da
África com Tertuliano, que cunhou a expressão Ordo Episcoporum para se
referir à linhagem de sucessão. 22
No entanto, um respeitado historiador da igreja destaca corretamente que,
mesmo durante esse período inicial, o conceito de sucessão apostólica não
significava que ela era necessária para legitimar o ofício de um bispo,
segundo os pais da igreja citados acima.
Pelo contrário, alguns bispos podiam reivindicar essa sucessão para si, mas
outros não. Mesmo entre aqueles que não podiam se apropriar da sucessão
apostólica, suas igrejas eram consideradas apostólicas porque a fé que
professavam estava em harmonia com a dos apóstolos. 23 Somente mais
tarde, no segundo concílio ecumênico de Constantinopla (381 d.C.),
encontramos a questão da apostolicidade da igreja firmemente enraizada na
profissão de fé.
O fato de não haver uma sucessão apostólica no Novo Testamento levanta
dúvidas importantes acerca da relação entre as Escrituras, a tradição e a
autoridade da interpretação bíblica apropriada. Podemos decidir sobre a
questão da apostolicidade da igreja somente com base nas Escrituras? Ou
necessitamos de um testemunho mais amplo de uma tradição tardia da igreja
a fim de decidir essa questão? A Bíblia continua a explicar a si mesma até
mesmo nessa questão ou é preciso que a igreja decida para os fiéis?
Nesse ponto nos deparamos com uma questão importante: para os
adventistas do sétimo dia, a Bíblia é, de fato, a autoridade final de nossa fé –
a norma mais elevada (norma normata) que decide pontos de fé – ou a
tradição posterior da igreja adquire posição igual ou semelhante para nossa
teologia e identidade teológica? Desde o princípio, os adventistas do sétimo
dia declaram que somente a Bíblia é norma final e a mais elevada para a fé e
o ensino. Tudo o mais precisa se sujeitar à autoridade decisiva das Sagradas
Escrituras.
Essa prioridade da Bíblia continua válida para os adventistas e é expressa
no lema sola Scriptura. 24 Temos a convicção de que acontecimentos
posteriores e tradições sempre precisam ser avaliados com base no texto
inspirado das Escrituras. Nesse caso, o testemunho apostólico, conforme
encontramos na Bíblia, adquire um papel importante. A proclamação dos
apóstolos, conforme preservada nos escritos do Novo Testamento, é o
testemunho original, fundamental e normativo acerca de Jesus Cristo para
todos os tempos. Em sua singularidade e proximidade histórica, não pode ser
substituído nem ultrapassado por nenhum outro testemunho. Não dá para
excedê-lo nem trocá-lo.
Todas as gerações posteriores da igreja cristã se encontram comprometidas
com isso e são chamadas a ser fiéis em seu testemunho e a seguir o exemplo
dos apóstolos. 25 A igreja sempre permanece debaixo do caráter normativo
da transmissão bíblica do ensino apostólico. Caso contrário, abdica de sua
reivindicação de condição apostólica.
Considerando que os apóstolos eram testemunhas imediatas e diretas dos
ensinos de Jesus e dos mensageiros do Cristo ressurreto, chamados por Ele,
devem ser considerados apóstolos normativos. Nenhum outro apóstolo foi
chamado depois. Não existe repetição ou reinauguração do apostolado,
conforme encontramos, por exemplo, na Igreja Nova Apostólica. 26
Permanecem a ordem e a comissão apostólica, às quais todos os discípulos
posteriores de Jesus se encontram ligados. A comissão apostólica vai além da
esfera das pessoas imediatas dos primeiros apóstolos, mas sempre é realizada
em obediência a Cristo e aos apóstolos, que são as testemunhas originais e os
mensageiros do Senhor. 27
É somente em obediência aos ensinos bíblicos transmitidos e ao exemplo
dos apóstolos que a igreja pode ser adequadamente chamada de apostólica. É
apenas em obediência à palavra apostólica de Deus que a igreja recebe sua
autoridade e seu poder.
A sucessão apostólica como transmissão sacramental ou mera sucessão
histórica pode deteriorar facilmente em uma tradição morta, correndo o risco
de se tornar vazia, oca e sem vida. Em vez disso, somos chamados a ser fiéis
à Palavra viva de Deus, que nos transforma e molda nosso pensamento e
nossas ações.
Quando a sucessão apostólica é entendida como mera sucessão histórica, a
igreja corre o risco de não se sujeitar à autoridade da Palavra viva de Deus,
mas de passar a se enxergar sob a autoridade dos sucessores episcopais. Isso
levou a Igreja Católica Romana ao ponto de entender que é a igreja,
sobretudo os clérigos e o papa, na mais elevada função, que interpreta a
Bíblia para os membros com autoridade e caráter prescritivo.
No Concílio Vaticano II (1962-1965), esse conceito foi confirmado ao se
afirmar que os bispos, por causa do chamado divino, tomaram o lugar dos
apóstolos como pastores da igreja. Segundo a compreensão católica romana,
quem escuta um bispo da igreja está ouvindo Cristo, e aqueles que o rejeita
estão rejeitando Cristo e Aquele que O enviou. 28
Os magistrados de ensino da igreja ocupam uma posição que Jesus nunca
planejou. Para Cristo, as Escrituras são a fonte decisiva e a norma de
autoridade para nossa fé. Em vez de apontar para Si mesmo ou para os
apóstolos, a fim de legitimar a fé verdadeira, Jesus Se referiu às Escrituras ao
dizer: “Quem crer em Mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios
de água viva” (Jo 7:38).
Em Seus discursos e argumentos para os outros, Jesus faz referências
frequentes às Escrituras, iniciando da seguinte maneira: “Não diz a
Escritura...” (Jo 7:42) ou “Está escrito...” (Jo 6:45). Aludindo a Moisés,
Cristo declarou: “Porque, se, de fato, crêsseis em Moisés, também creríeis em
Mim; porquanto ele escreveu a Meu respeito. Se, porém, não credes nos seus
escritos, como crereis nas Minhas palavras?” (Jo 5:46, 47; cf. 5:39). De
maneira semelhante, os apóstolos usam as Escrituras vez após vez a fim de
legitimar sua fé. Essa referência constante à Bíblia – a Palavra de Deus
revelada – como a grande base da vida e dos ensinos apostólicos é igualmente
importante para nós hoje.
A mera sucessão histórica ou até sacramental não pode ser o critério
decisivo para a verdadeira fé. O apóstolo Paulo chama atenção para isso
quando escreve para os cristãos em Roma, muitos deles de origem pagã:
“Porque Abraão é pai de todos nós” (Rm 4:16). Na epístola aos gálatas, ele é
ainda mais explícito e claro: “Sabei, pois, que os da fé é que são filhos de
Abraão” (Gl 3:7). Para o apóstolo Paulo, o relacionamento de fé é mais
importante do que a descendência biológico-histórica direta. “E, se sois de
Cristo, também sois descendentes de Abraão e herdeiros segundo a
promessa” (Gl 3:29). Por isso, Paulo pôde escrever para os irmãos gentios da
Galácia: “Vós, porém, irmãos, sois filhos da promessa, como Isaque” (Gl
4:28). É claro que não havia uma linhagem ou descendência direta de Isaque
– e, sem dúvida, não existiu transmissão sacramental entre eles – mas houve
uma relação de fé, uma harmonia e congruência espiritual com a fé bíblico-
apostólica. Portanto, em Jesus, não existe circuncisão nem incircuncisão, mas
sim a fé que opera pelo amor (Gl 5:6).
Além disso, se enxergarmos a questão da apostolicidade sendo transmitida
apenas por meio da sucessão histórica, não estamos levando a sério a
realidade da descrença e infidelidade nem a possibilidade de deformação
espiritual da verdade bíblica. O apóstolo Paulo adverte acerca disso quando
escreve de forma específica aos bispos, os líderes da igreja:
Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu
bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual Ele comprou com o Seu próprio
sangue. Eu sei que, depois da minha partida, entre vós penetrarão lobos vorazes, que
não pouparão o rebanho (At 20:28, 29).

O fato de haver bispos de dentro do rebanho que ensinavam heresias ilustra


com clareza que a sucessão histórica não protege a igreja de distorções da fé.
O único capaz de proteger a igreja desse perigo é o Deus vivo por meio de
Sua Palavra escrita. A fidelidade à Palavra de Deus levará a igreja a se tornar
santa, outro marco da igreja verdadeira. Isso significa que devemos
considerar seriamente o fundamento hermenêutico apresentado pelo apóstolo
Paulo em 1 Coríntios 4:6, isto é, nos princípios relativos à mensagem de
salvação, não podemos ir além do que está escrito.
O cânon bíblico é uma unidade baseada na inspiração divina. Se os livros
bíblicos tivessem mera origem humana, conforme postula a alta crítica
moderna, o cânon não contribuiria para a unidade da igreja. 29 Teríamos,
nesse caso, apenas um testemunho conflitante de tradições diferentes,
refletido na Bíblia. Se esse fosse o caso, as Escrituras perderiam a habilidade
de distinguir entre verdade e erro, e não poderia haver unidade doutrinária e
teológica na igreja.
Devemos reconhecer que não existe outro caminho a Jesus Cristo além das
palavras dos apóstolos e profetas. Sem elas, não haveria igreja apostólica.
Uma igreja apostólica autêntica se compromete com as palavras inspiradas
dos apóstolos, assim como foram transmitidas fielmente nas Sagradas
Escrituras. 30
Em Efésios 2:20, Paulo escreve que a igreja foi edificada “sobre o
fundamento dos apóstolos e profetas, sendo Ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra
angular”. Isso é significativo porque, da perspectiva bíblica, a igreja não está
fundamentada somente sobre os apóstolos e Jesus Cristo, mas também sobre
os profetas do Antigo Testamento. Qualquer igreja que esqueça as Escrituras
hebraicas e a exposição apostólica delas não pode ser adequadamente
chamada de “apostólica”. 31 Paulo entendia que seu ofício apostólico sempre
esteve em harmonia com a tradição bíblica pré-paulina. Em Gálatas 1:9,
escreveu: “Se alguém vos prega evangelho que vá além daquele que
recebestes, seja anátema”, mesmo que fosse um anjo ou ele próprio.
Paulo não inventou um evangelho novo. Ele pregava o evangelho eterno
iniciado no Antigo Testamento e revelado de forma plena na vida, morte e
ressurreição de Jesus Cristo. Da perspectiva bíblica, a Palavra foi fixada, de
forma escrita, pelos profetas do Antigo Testamento e apóstolos do Novo
Testamento, como a norma autêntica para a apostolicidade da igreja. A igreja
é formada por um grupo de pessoas que, ao longo das eras, veio a conhecer
Jesus Cristo, o Verbo de Deus que Se fez carne, por meio das palavras
inspiradas da Bíblia, a Palavra do Senhor escrita.
A igreja consiste de pessoas que confiaram a vida a Jesus Cristo, foram
transformadas por Deus e experimentaram um drástico novo nascimento
mediante a atuação do Espírito Santo. A igreja verdadeira consiste de pessoas
que foram chamadas por Deus e receberam a Palavra profética das Escrituras
para guiá-las (2Pe 1:20, 21). A igreja só pode ser chamada de apostólica se
for fiel à Palavra profética e apostólica vinda de Deus. Só é apostólica se leva
a Bíblia a sério, transmite com fidelidade a verdade bíblica e se seus
membros vivem e praticam a verdade bíblica. 32
Nossa tarefa como igreja apostólica não é melhorar a mensagem bíblica,
porque ao tentar melhorá-la, acabamos danificando-a. Uma igreja apostólica
precisa ser fiel à mensagem completa da Bíblia. 33 Essa fidelidade inclui a
responsabilidade sagrada de dar testemunho quanto à fé que foi confiada aos
cristãos de uma vez por todas. A igreja é chamada de “coluna e baluarte da
verdade” (1Tm 3:15). Aquilo que as primeiras testemunhas viram e ouviram
de Jesus Cristo, a Palavra da Vida, proclamaram para que tenhamos
comunhão com Ele (1Jo 1:3). Dessa maneira, mesmo nós que jamais vimos
Jesus podemos vivenciar aquilo que o apóstolo Pedro expressou ao dizer: “A
quem, não havendo visto, amais” (1Pe 1:8).

APOSTOLICIDADE E MISSÃO

Quando falamos sobre a apostolicidade da igreja, há um aspecto que pode


ser facilmente negligenciado. O significado original da palavra grega
apostellō significa pessoa enviada, um mensageiro que outro enviou. Os
apóstolos não eram designados por si mesmos. Não foram nomeados nem
eleitos pela igreja para esse papel. A igreja reconhecia que eles haviam sido
escolhidos e designados pelo Senhor. Eram enviados de Cristo. 34 Sua
principal tarefa era a proclamação do evangelho. Paulo escreve: “Porque não
me enviou Cristo para batizar, mas para pregar o evangelho” (1Co 1:17).
Portanto, os apóstolos não deveriam ensinar as próprias ideias, mas
proclamar a mensagem daquele que os enviara. Talvez entendamos melhor
agora por que Jesus Cristo é chamado de “Apóstolo e Sumo Sacerdote” (Hb
3:1). Ele é, de fato, aquele que foi enviado por Deus para pregar o evangelho
e revelar o verdadeiro caráter e a natureza de Deus.
Nesse sentido, Jesus é o arquétipo ou modelo de cada apóstolo. 35 Os
discípulos não O nomearam. Em vez disso, foi Cristo quem os chamou e lhes
deu uma missão: proclamar as boas-novas do reino de Deus, primeiro para
Israel e depois para todas as nações (Mc 3:13-19; Mt 10:1-42; 28:16-20).
Ser igreja apostólica significa ser igreja missionária e chamada por Deus
para proclamar o evangelho eterno a toda nação e povo, em preparo para o
breve retorno de Cristo. Essa mensagem é para todas as pessoas. Seu público
não corresponde apenas a pessoas secularizadas ou aqueles que nunca
ouviram o nome de Jesus (Rm 15:20, 21). Ela também possui um elemento
restaurador por apelar àqueles que já estão familiarizados com parte da
verdade bíblica. Em Atos 18:24 e 25, ouvimos sobre Apolo, “homem
eloquente e poderoso nas Escrituras”, que fora “instruído no caminho do
Senhor; e, sendo fervoroso de espírito, falava e ensinava com precisão a
respeito de Jesus”. No entanto, quando Priscila e Áquila o ouviram falar,
“tomaram-no consigo e, com mais exatidão, lhe expuseram o caminho de
Deus” (v. 26).
Além disso, os apóstolos não só pregavam o evangelho como também
capacitavam e ensinavam os recém-conversos. Em Atos 11:26, descobrimos
que Paulo permaneceu por um ano em Antioquia e ensinou a muitos. Foi em
Antioquia que começou a primeira viagem missionária do apóstolo Paulo.
Uma boa missão sempre é impulsionada e executada graças a uma boa
teologia. Raramente é o contrário que acontece. Sem uma teologia clara e
sensata, não há missão saudável. Precisamos levar mais a sério a capacitação
e a educação bíblico-teológica dos membros da igreja.
A ordem bíblica de Jesus e dos apóstolos foi acompanhada por uma série de
outros elementos na igreja primitiva. Em Atos 11:28, lemos, no contexto da
instrução estendida aos membros da igreja, que o dom profético estava
presente na igreja apostólica também. A Bíblia nos conta sobre Ágabo, o
profeta do Novo Testamento (At 2:1-10), e também sobre as quatro filhas de
Filipe (At 21:9). Portanto, a apostolicidade da igreja requer a presença do
dom profético. Isso se aplica à igreja remanescente de Deus do tempo do fim,
da qual o dom profético é uma das marcas identificadoras (cf. Ap 12:17;
19:10).
Outros aspectos da igreja apostólica nos tempos do Novo Testamento foram
a cura e os sinais que acompanharam a pregação do evangelho. Ellen G.
White nos conta que Jesus passou mais tempo curando do que pregando.
Uma vez que o ser humano, biblicamente falando, é uma unidade de corpo,
espírito e mente, nossa saúde física afeta nosso relacionamento espiritual com
Deus. 36 É por isso que os adventistas do sétimo dia promovem a reforma de
saúde e administram um dos maiores sistemas confessionais de hospitais e
instituições de saúde do mundo.

ORDENAÇÃO

A questão da apostolicidade da igreja também tem desdobramentos para a


transmissão e o chamado do ministério pastoral. Os adventistas do sétimo dia
deveriam endossar uma compreensão sacramental da ordenação, conforme
encontrada nas igrejas católica e ortodoxa e até mesmo em algumas igrejas
protestantes (estatais), nas quais a passagem sacramental da autoridade
apostólica em uma sucessão histórica ininterrupta do ofício eclesiástico dá
direito à pessoa para realizar coisas espirituais? Ou entendemos que a
ordenação é um reconhecimento por parte da igreja do chamado espiritual
visível e fiel à Palavra de Deus? Os adventistas do sétimo dia não apoiam o
entendimento sacramental da ordenação. 37

APOSTOLICIDADE E A IGREJA VISÍVEL

Já se destacou que a questão da apostolicidade da igreja também aborda o


tema da igreja visível ou invisível. A origem apostólica e a continuação da
tarefa missionária incluem não só a pregação do evangelho e o ensino das
mensagens bíblicas, mas também o ato do batismo (Mt 28:19, 20). O batismo
é um sinal visível de que o fiel é membro da igreja. Em todas as igrejas
cristãs, o batismo é o rito de entrada. Como o batismo é visível, a igreja
também é uma entidade visível. A obediência e fidelidade em relação aos
mandamentos divinos sempre levam à visibilidade desta fidelidade: “Aqui
está a perseverança dos santos, os que guardam os mandamentos de Deus e a
fé em Jesus” (Ap 14:12).
Em reação à Igreja Católica Romana dominante (visível) da época, que
havia distorcido boa parte da fé bíblica, Martinho Lutero e outros
reformadores protestantes antes dele (por exemplo, João Hus) enfatizaram um
entendimento da igreja segundo o qual a fé do indivíduo recebia mais ênfase
do que sua visibilidade corpórea. 38 Para Lutero, a invisibilidade essencial da
igreja está fundamentada na predestinação eterna de Deus, que inclui todos os
que creem, inclusive os que ainda não nasceram, sendo, portanto, invisível
aos olhos humanos. 39 Uma vez que Deus predestinou desde a eternidade
aqueles que serão salvos e os que se perderão, só o Senhor sabe quem são os
eleitos. 40 Contudo, a Bíblia ensina que nossa eleição tem sinais visíveis. As
Escrituras jamais falam sobre uma igreja invisível.
A crença fundamental adventista 13 menciona uma “igreja universal”
formada por todos aqueles que creem verdadeiramente em Jesus Cristo. Os
adventistas do sétimo dia reconhecem que existem cristãos genuínos em
outras denominações. Nós os respeitamos e amamos. Nos últimos dias,
porém, em uma época de ampla apostasia, haverá um remanescente de Deus
que permanecerá fiel aos mandamentos divinos e terá a fé de Jesus. Essa
igreja remanescente tem uma comissão especial e uma tarefa única: preparar
o mundo para o breve retorno de Jesus. Os adventistas do sétimo dia não
creem que somente nós seremos salvos. Também acreditamos que a Igreja
Adventista do Sétimo Dia tem uma tarefa exclusiva e única. Todos são
convidados a se unir a esse grupo visível da igreja de Deus nos últimos dias.
Nesse sentido, a eclesiologia adventista do sétimo dia é única em todo o
protestantismo, oferecendo uma alternativa universal à Igreja Católica
Romana visível.

CONCLUSÃO

A questão da apostolicidade da igreja é, de fato, um marco decisivo da


igreja. Essa questão tem desdobramentos bem abrangentes. A apostolicidade
da igreja é, biblicamente falando, não uma sucessão histórica por transmissão
sacramental. Em vez disso, trata-se de uma sucessão espiritual, em harmonia
com as palavras dos apóstolos (1Tm 6:3-5). Faremos bem em prestar bastante
atenção à Palavra de Deus e segui-la. Então a igreja será um testemunho vivo
mais poderoso do que qualquer tradição histórica de prestígio.
Somos chamados a ser uma igreja missionária que cumpre a comissão de
Cristo de ir ao mundo inteiro (catholikos) e prega as boas-novas para todos os
habitantes da Terra (oikumene). Nisso, somos, pelo Espírito Santo,
fundamentados na confiável Palavra de Deus, a Bíblia. Melhor do que uma
sucessão histórica, será uma sucessão espiritual em obediência às Escrituras,
sob a orientação do Espírito. Somente dessa maneira a unidade na fé pode
crescer, pois a Palavra de Deus muda nossa vida e nos coloca em harmonia
com a vontade do Senhor. Guiados pelo Espírito e fiéis à Palavra escrita de
Deus, seremos fortalecidos pela palavra profética e enviados para proclamar
o evangelho eterno ao mundo. Assim, seremos testemunhas do que realmente
significa ser uma igreja apostólica.

1 Conforme o erudito católico romano Herbert Vorgrimmler, a apostolicidade da igreja afirma que “a
igreja existente hoje, a despeito dos acontecimentos e das mudanças históricas, é idêntica, em
substância, à igreja dos apóstolos. Assim como a santidade e a catolicidade da igreja, a apostolicidade
pertence aos marcos identificadores, segundo os quais, na teologia clássica, a ‘igreja verdadeira’ de
Jesus pode ser reconhecida” (Herbert Vorgrimmler, Neues Theologisches Wörterbuch [Darmstadt:
Wisenschaftliche Buchgesellschaft, 2002], p. 56, 57). O teólogo católico romano Ludwig Ott está
convicto de que “dentre todas as confissões cristãs, a Igreja Católica Romana cumpre esses quatro
marcos por si só ou, no mínimo, da melhor maneira possível” (Ludwig Ott, Grundriss der Dogmatik
[Freiburg: Herder, 1957], p. 372).
2 Horst Georg Pöhlmann, Abriss der Dogmatik (Gütersloh: Gerd Mohn, 1980), p. 287.
3 Cf. Sabine Pemsel-Maier, Grundbegriffe der Dogmatik (München: Don Bosco Verlag, 2003), p. 22.
4 Cf. Philip Schaff, The Creeds of Christendom with a History and Critical Notes: The History of
Creeds, 3 v. (Nova York: Harper and Row, 1877), v. 1, p. 28. Essa palavra não se encontra presente no
credo apostólico.
5 Hans Küng, The Church (Nova York: Sheed and Ward, 1967), p. 345.
6 Cf. Wilfried Härle, “Apostolizität”, em Hans Dieter Betz et al., ed., Religion in Geschichte und
Gegenwart, 8 v.(Tübingen: J. C. B. Mohr, 1998), v. 1, p. 654. De maneira semelhante, cf. Alister
McGrath, Christian Theology: An Introduction (Oxford: Blackwell, 1997), p. 491.
7 Cf. Werner Löser, “Apostolic Succession”. Disponível em
<https://en.wikipedia.org/wiki/Apostolic_succession>, acesso em 4 de setembro de 2019.
8 Christos Yannaras, Elements of Faith: An Introduction to Orthodox Theology (Edinburgh: T&T
Clark, 2006), p. 140.
9 Eastern Orthodox Catechism, 197, p. 47, citado por Thomas C. Oden, Life in the Spirit: Systematic
Theology, 3 v. (Peabody, MA: Prince Press, 2001), v. 3, p. 358.
10 Já se destacou que, “de acordo com os ortodoxos, o papa desfrutava o status de ‘primeiro entre
iguais’. Isto é, todos os bispos são iguais em essência. Não haveria algo como um episcopus
episcoporum, o ‘bispo dos bispos’. Na Igreja Ortodoxa, alguns bispos – patriarcas, metropolitanos,
arcebispos – desfrutam um status especial em meio a seus irmãos bispos, mas não acima deles”
(Theodore Pulcini, Orthodoxy and Catholicism: What are the Differences? [Chesterton, IN: Ancient
Faith, 1995], p. 7). Pulcini conclui que “a doutrina romana da primazia papal foi uma inovação sem
precedentes no início do cristianismo. Foi formulada como ‘justificativa teológica’ para o poder
político que circunstâncias históricas conferiram à igreja de Roma” (Pulcini, Orthodoxy and
Catholicism, p. 8). Os teólogos ortodoxos creem que o ministério petrino das chaves para o reino é
mantido não só pelo bispo de Roma, mas também pelos bispos de todos os locais (cf. Gregory Rogers,
Apostolic Succession [Ben Lomond, CA: Conciliar, 2000], p. 4). Ver também “Apostolic succession”,
disponível em <https//en.wikipedia.org/wiki/Apostolic_ succession>, acesso em 4 de setembro de 2019,
em que se declara que “a teologia ortodoxa traça uma distinção entre sucessão geográfica ou histórica e
sucessão ontológica ou eclesiológica apropriada. Os bispos de Roma e Antioquia podem ser
considerados sucessores de Pedro no sentido histórico da presença do apóstolo na comunidade
primitiva. Isso não significa que esses bispos são mais sucessores de Pedro do que os outros no sentido
ontológico” (“Apostolic succession”). “Conforme cânones antigos ainda observados na comunhão
ortodoxa, um bispo deve ser consagrado por no mínimo três outros bispos: ‘ordenações de mão única’
não existem. Além disso, os bispos nunca são ordenados ‘de modo geral’, mas somente para uma
comunidade eucarística específica, na devida sucessão histórica e sacramental” (“Apostolic
succession”). Sobre a consagração dos bispos por no mínimo três outros bispos em Yannaras, ver
Elements of Faith, p. 140, 141. Ver a reação ortodoxa às reivindicações papais e da Igreja Católica
Romana ver Michael Whelton, Popes and Patriarchs: An Orthodox Perspective on Roman Catholic
Claims (Chesterton, IN: Ancient Faith, 2006).
11 Cf. Härle, “Apostolizität”, p. 654; Werner Löser, “Apostolic Succession”, em Wolfgang Beinert e
Francis Schüssler Fiorenza, ed., Handbook of Catholic Theology, (Nova York: Crossroad, 1995), p. 27.
12 Härle, “Apostolizität”, p. 654.
13 Isso é destacado de forma sucinta por Otto Karrer, “Apostolizität der Kirche”, em Lexikon für
Theologie und Kirche, Josef Höfer e Karl Rahner, ed. (Freiburg: Herder, 1957), v. 1, p. 765.
14 Löser, “Apostolic Succession”, p. 25.
15 Sobre uma discussão mais detalhada acerca da história do conceito, cf. Carlos Alfredo Steger,
Apostolic Succession in the Writings of Yves Congar and Oscar Cullmann (Berrien Springs, MI:
Andrews University Press, 1993), p. 15-57.
16 Philip J. Hefner, “The Church”, em Christian Dogmatics, Carl E. Braaten e Robert W. Jenson, eds.
(Filadélfia, PA: Fortress, 1984), v. 2, p. 210.
17 Justo L. González, Uma História do Pensamento Cristão: Do Início até o Concílio de Calcedônia,
3 v. (São Paulo: Cultura Cristã, 2004), v. 1, p. 144.
18 Citado por Wilhelm Breuning, “Apostolic Succession”, em Karl Rahner, ed., Encyclopedia of
Theology: The Concise Sacramentum Mundi (Nova York: Crossroads, 1991), p. 38.
19 González, Uma História do Pensamento Cristão, v. 1, p. 144.
20 González, Uma História do Pensamento Cristão, v. 1, p. 144.
21
Citado por Breuning, “Apostolic Succession”, p. 38.
22 Breuning, “Apostolic Succession”, p. 38.
23 González, Christian Thought, v. 1, p. 145.
24 Os adventistas reconhecem, assim como os reformadores do século 16, que a Bíblia é dux (líder),
magistra (professora) e regina (rainha).
25 Cf. Küng, The Church, p. 356, 357.
26 A Igreja Nova Apostólica surgiu por volta da mesma época que a Igreja Adventista do Sétimo Dia,
em 1863, e cresceu até contar com mais de 11 milhões de membros de todos os continentes. Possui
forte orientação escatológica e se considera a igreja apostólica final renovada do tempo do fim, que
aguarda o retorno de Cristo. Liderada por apóstolos eleitos, criou um sistema de orientação apostólica
por meio de apóstolos chefes e distritais. Seus membros acreditam que Cristo transmite Sua Palavra
para nossos tempos por meio dos apóstolos. Essa palavra apostólica consiste em uma segunda fonte de
fé além da Bíblia (cf. Frank M. Hasel, “New Apostolic Church”, em George Thomas Kurian, ed.
Encyclopedia of Christian Civilization [Oxford: Wiley-Blackwell, 2011], v. 3, p. 1658, 1659).
27 Cf. Küng, The Church, p. 355.
28 “Esse Sínodo sagrado ensina que, por instituição divina, os bispos assumiram o lugar dos apóstolos
como pastores da igreja e aquele que os ouve, a Cristo, ao passo que aquele que os rejeita, a Cristo e
Aquele que O enviou (cf. Lc 10:16)” (Walter M. Abbott, ed., The Documents of Vatican II: All Sixteen
Official Texts Promulgated by the Ecumenical Council 1963-1965 [Piscatawa, NJ: New Century,
1966], p. 40).
29 Essa ideia foi expressa com eloquência por Ernst Käsemann no influente artigo “The Canon of the
New Testament and the Unity of the Church”, em Essays on New Testament Themes (Filadélfia, PA:
Fortress, 1964), p. 95-107.
30 Cf. Oden, Life in the Spirit, v. 3, p. 355.
31 Oden, Life in the Spirit, v. 3, p. 352.
32 Já se afirmou corretamente que “nenhuma igreja praticante [...] pode reivindicar santidade ou
apostolicidade a menos que seu sistema doutrinário esteja em conformidade com a Palavra de Deus. E a
igreja é apostólica somente na medida em que toda sua organização é moldada segundo o modelo das
igrejas que os apóstolos fundaram, em tudo aquilo que as Escrituras nos revelam a esse respeito. As
igrejas que mais desejam assumir o título e o caráter de apostólicas são exatamente as que mais se
afastaram de uma adesão fiel à prática que os apóstolos as orientariam a adotar” (William Cunningham,
Historical Theology: A Review of the Principal Doctrinal Discussions in the Christian Church Since
the Apostolic Age [Edinburgh: T&T Clark, 1863], v. 1, p. 25).
33 Cf. Oden, Life in the Spirit v. 3, p. 352.
34 Küng, The Church, p. 354.
35 Cf. Oden, Life in the Spirit, v. 3, p. 350.
36 Ellen G. White afirma: “A maneira por que Cristo trabalhava era pregar a Palavra e aliviar o
sofrimento por obras miraculosas de cura. Estou, porém, instruída de que não podemos agora trabalhar
dessa maneira, pois Satanás exercerá seu poder pela operação de milagres. Os servos de Deus hoje não
poderiam trabalhar mediante milagres, pois espúrias obras de cura, pretendendo ser divina, serão
operadas. Por essa razão o Senhor destinou um meio pelo qual Seu povo deve executar uma obra de
cura física, aliada ao ensino da Palavra. Devem estabelecer-se hospitais, e com essas instituições devem
estar ligados obreiros que façam genuína obra médico-missionária. Estende-se assim protetora
influência em torno dos que vão aos sanatórios em busca de cura” (Mensagens Escolhidas [Tatuí, SP:
Casa Publicadora Brasileira, 2008], v. 2, p. 54).
37 Cf. “Ordination” em Seventh-day Adventist Encyclopedia (Hagerstown, MD: Review and Herald,
1996), p. 253; e Anexo C nesta obra.
38 Jaroslav Pelikan, A Tradição Cristã: Uma História do Desenvolvimento da Doutrina, A Reforma
da Igreja e o Dogma (1300-1700) (São Paulo: Shedd, 2016), v. 4, p. 237.
39 Lutero foi influenciado por Agostinho nesse assunto de predestinação (cf. Pelikan, A Tradição
Cristã, v. 4, p. 237).
40 Cf. Frank M. Hasel, “O Remanescente na Teologia Adventista Contemporânea”, em Teologia do
Remanescente: Uma Perspectiva Eclesiológica Adventista (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira,
2012), p. 169-172.
10
O Sacerdócio de Todos os Crentes
Ekkehardt Mueller

conceito neotestamentário do sacerdócio de todos os crentes tem

O duas dimensões importantes. A primeira é que um sacerdócio


terreno formal não é mais necessário para fazer mediação entre
Deus e a humanidade (1Tm 2:5). Todos os cristãos têm acesso direto ao Pai,
são remidos pelo sangue de Cristo (Hb 10:19-22) e salvos pela graça
mediante a fé (Ef 2:8). As orações do povo de Deus alcançam o trono de
graça (Rm 10:13; 1Jo 1:9). Os cristãos podem compreender a Palavra de
Deus e devem ter acesso a ela (At 17:11). 1
A segunda dimensão do sacerdócio de todos os crentes tem que ver com a
administração da igreja e a igualdade básica ou ontológica de todos os
cristãos, bem como seu envolvimento na missão, adoração e formatação da
teologia da igreja. Já se afirmou que, “na teologia moderna, o sacerdócio de
todos os crentes costuma ser reconhecido, mas, com frequência, é emudecido
diante dos interesses do sacerdócio especial dos ordenados”. 2 O sacerdócio
dos crentes não é uma doutrina isolada. Está ligada a outras doutrinas cristãs
como a justificação pela fé e o sacerdócio de Jesus. 3

O SACERDÓCIO DO POVO DE DEUS NO ANTIGO


TESTAMENTO

Antes do êxodo, parece que os chefes das famílias israelitas atuavam como
sacerdotes. Sob a liderança de Moisés, a tribo de Levi foi separada para servir
no santuário terreno, e os descendentes de Arão foram nomeados sacerdotes
(Êx 28–29; Lv 8). No entanto, Israel como um todo foi chamado de “reino de
sacerdotes” (Êx 19:5, 6). Embora os fiéis, na esfera individual, não servissem
no santuário nem se envolvessem no culto e sistema de sacrifícios, todos
tinham certas funções sacerdotais.
Em Êxodo 19:5 e 6, registra-se parte da aliança feita por Deus com Seu
povo no monte Sinai. O verso 3 foi uma introdução. No verso 4, o Senhor
menciona Seus feitos poderosos e, em seguida, as condições e promessas da
aliança (Êx 19:5, 6). O povo de Israel aceitou a aliança (Êx 19:8) e, pouco
depois, os Dez Mandamentos foram entregues (Êx 20). Embora o povo não
tenha recebido permissão para subir o monte Sinai, todos ouviram Deus falar
a Moisés (19:17-20) e a eles de maneira direta (20:18, 19; Dt 5:23-27). Em
outras palavras, os israelitas tinham acesso ao Senhor.
Há três promessas em Êxodo 19:5 e 6: vocês serão (1) “a Minha
propriedade peculiar dentre todos os povos” (v. 5); (2) “reino de sacerdotes”
(v. 6) 4 e (3) “nação santa” (v. 6). Essas promessas dependiam da obediência.
“A promessa de que Israel seria um reino de sacerdotes enquanto fosse fiel é
um voto de que a nação desfrutaria da proximidade de YHWH e a condição
de santidade que somente um sacerdote vivenciava. [...] Não é a função
sacerdotal que está em destaque, mas o caráter sacerdotal.” 5 Por pertencer a
Deus, Israel também seria um povo “comprometido em todo o mundo com o
ministério da presença de Yahweh” 6 e, por ser um povo santo, seria um
exemplo para as nações. Com base em Êxodo 19:6 (LXX), um erudito
sugeriu que o texto parece enfatizar “uma consciência missionária e a
preocupação em testemunhar ao Umwelt [“arredor”] [...]. A eleição e posse
divina são apresentadas não somente como uma seleção e orientação ao
Senhor, mas também envolvendo um serviço sacerdotal à humanidade”. 7
Além disso, em Êxodo 19:5 e 6, está presente um elemento de coletividade
(“nação santa”, hierateuma na LXX). O texto não é uma declaração polêmica
contra o sacerdócio levítico. Os sacerdotes como classe distinta já são
mencionados no mesmo capítulo (Êx 19:22, 24) e, posteriormente, o
sacerdócio levítico é dedicado oficialmente como ordem separada para o
serviço ao Senhor (Êx 29:28, 29, 39, 40), muito embora o termo “sacerdotes”
se refira ao povo inteiro.
O conceito de Israel como nação sacerdotal em meio aos outros povos
ocorre também em Isaías 61:6. O contexto pode apontar para diversas
características dessa forma de sacerdócio.
1. Esse sacerdócio é formado por pessoas abençoadas pelo Senhor (Is 61:9),
restauradas à sua condição anterior (Is 61:4, 5) e que experimentaram a
justiça, retidão e salvação de Deus (Is 60:16; 61:8, 10; 62:1, 12). O Senhor
fez uma aliança com elas (Is 61:8).
2. Esse sacerdócio é descrito como a noiva do Senhor, que vive em
relacionamento íntimo com Deus e tem acesso a Ele (Is 61:10; 62:4, 5). Ela
exulta em Deus, O louva e O adora. A adoração é uma função sacerdotal (Is
61:3, 10, 11).
3. O Senhor é glorificado por meio dessas pessoas (Is 60:21; 61:3).
4. Elas também são chamadas de “Povo Santo” (Is 62:12), refletindo Êxodo
19:5 e 6, e prefigurando 1 Pedro 1:9. São um povo santo porque Deus é o
Santo de Sião (Is 60:14). Por isso, são convocadas a ter uma vida santa e
cheia de retidão (Is 60:21).
5. Fazer parte de um sacerdócio não é apenas um privilégio, mas aponta
para uma posição de responsabilidade. Os sacerdotes têm uma missão. O
Senhor é a luz desse povo (Is 60:19, 20), e o Messias é seu exemplo (Is 61:1-
3). Por isso, os sacerdotes são chamados para brilhar (Is 60:1, 2), dar exemplo
e ministrar às nações (Is 61:5, 6; 62:10). 8
O Antigo Testamento compreende o sacerdócio de todas as pessoas em
termos de salvação e eleição por Deus. Enfatiza também o chamado à
santidade, obediência, adoração e ao serviço em favor da humanidade para
glória de Deus.

O SACERDÓCIO DE TODOS OS CRENTES NO NOVO


TESTAMENTO

No Novo Testamento, o termo “sacerdote” (hiereus) é usado para os


sacerdotes judeus (Lc 1:5), uma vez para um sacerdote pagão (At 14:13),
para Melquisedeque (Hb 7:1), Jesus (Hb 8:4; 10:21) e os membros da igreja
cristã (Ap 1:6; 5:10; 20:6). 9 O termo “sumo sacerdote” (archhiereus) é
reservado para os sumo sacerdotes judeus (cf. Mt 2:4) e Jesus (Hb 8:1). 10
Uma vez que não é mais necessário, nem mesmo desejável a continuação do
antigo sistema de sacrifícios, que se cumpriu em Cristo, no reino de Deus que
sobreveio com Cristo, o sacerdócio é atribuído, em primeira instância, a
Jesus. O termo “sacerdócio” em si é uma tradução de duas palavras gregas
diferentes: hierōsynē se refere tanto ao sacerdócio levítico quando ao
sacerdócio de Jesus (Hb 7:11, 12, 24), ao passo que hierateuma descreve o
sacerdócio da igreja (1Pe 2:5, 9). Hierateia é o ofício sacerdotal dos filhos de
Levi (Lc 1:9; Hb 7:5).
Os termos “sacerdotes” e “sacerdócio”, que são usados para os cristãos, não
são empregados de maneira individual para os cristãos. Nenhum líder cristão
é chamado de “sacerdote” no Novo Testamento. 11 Somente em sentido
coletivo a igreja é um corpo de sacerdotes e todos os cristãos são
sacerdotes. 12 Mas é Cristo quem Se destaca como o verdadeiro sacerdote e
sumo sacerdote, ministrando no santuário celestial.

Passagens clássicas
É possível que a doutrina do sacerdócio de todos os crentes já fosse
conhecida durante o início da igreja cristã. De todo modo, ela foi
redescoberta durante a Reforma. As passagens bíblicas clássicas usadas para
apoiar esse conceito são citadas a seguir.

1 Pedro 2:9
O principal texto empregado para apoiar o sacerdócio de todos os crentes é
1 Pedro 2:9, às vezes em conjunto com o verso 5. 13 “Vós, porém, sois raça
eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a
fim de proclamardes as virtudes Daquele que vos chamou das trevas para a
Sua maravilhosa luz” (1Pe 2:9).
O contexto de 1 Pedro 2:9 é a passagem mais ampla de 1 Pedro 1:3 a 2:12,
que fala sobre eleição e santidade. No entanto, até mesmo a introdução da
carta contém os temas da eleição (1:1) e santificação (v. 2). Em 1 Pedro 1 e 2,
menciona-se o termo “santo” (hagios) várias vezes. 14 Em 1 Pedro 2:1 a 12,
uma subseção da primeira parte de 1 Pedro, o chamado inicial à conduta e
crescimento do cristão verdadeiro (2:1-3) é sucedido por um debate acerca do
que torna o crescimento possível, a saber, um relacionamento íntimo com o
Senhor e o conhecimento da eleição divina (2:4-10). O verso 4 contém um
comentário sobre Cristo, a “pedra que vive”; o verso 5 também chama os
cristãos de “pedras que vivem”, blocos construtores de uma casa espiritual
para um “sacerdócio santo” (hierateuma). O sacerdócio é melhor
desenvolvido em 1 Pedro 2:9 e 10. A passagem da “pedra” tem natureza
primariamente cristológica; já o texto do “sacerdócio” é eclesiológico. Por
causa do relacionamento com o Senhor e da condição de eleitos, os cristãos
podem crescer e ser motivados a uma vida santa. 15
O contexto do Antigo Testamento para 1 Pedro 2:9 se encontra em Êxodo
19:5 e 6, e Isaías 43:20 e 21. O texto de 1 Pedro 2:9 tem duas partes. Na frase
principal, é feita uma descrição em quatro partes da comunidade de Cristo,
enfatizando sua posição privilegiada. A oração subordinada [“...a fim de
proclamardes...”] se concentra na responsabilidade do povo eleito: seus
membros sentiram o chamado de Deus para sair das trevas e ir para Sua luz.
Assim, a bondade divina e as atividades salvadoras devem ser proclamadas.
Os leitores e ouvintes de Pedro eram, originalmente, “não povo”, mas se
tornaram o povo especial de Deus (1Pe 2:10). 16
Os três termos “raça” (genos), “nação” (ethnos) e “povo” (laos), usados
para descrever a igreja cristã, são paralelos até certo ponto. A primeira
característica da “raça” cristã é que ela é escolhida, ou eleita e chamada (cf. Is
43:20, LXX). Uma vez que Jesus é o escolhido de Deus, Seus discípulos
também são escolhidos. 17 Existe uma relação íntima entre Cristo e Seu
povo. O segundo atributo associado à comunidade cristã tem que ver com o
sacerdócio. Essa característica é única, pois se destaca em meio às outras três
palavras paralelas (“raça”, “nação” e “povo”), apontando na direção de uma
função. Basileion hierateuma, expressão normalmente traduzida por
“sacerdócio real”, também encontrada em Êxodo 19:6 (LXX), pode ser
entendida de maneira diferente. “Sacerdócio” (hierateuma) é um substantivo,
e basileion foi empregado como adjetivo. 18 As outras três descrições da
comunidade messiânica em 1 Pedro 2:9 fazem uso de um substantivo e um
adjetivo, ou de um substantivo e uma expressão preposicionada, que funciona
mais ou menos com função adjetiva. 19 Além disso, o paralelo em 1 Pedro
2:5 fala sobre o “sacerdócio santo” usando um substantivo e um adjetivo. O
mais provável é que basileion, em 1 Pedro 2:9, também deva ser entendido
como adjetivo. 20
O terceiro atributo, “nação santa”, encontrado em Êxodo 19:6, dá destaque
à santidade, assim como ao “sacerdócio santo” de 1 Pedro 2:5. O uso do
termo “santo” em 1 Pedro revela com clareza a conexão entre o Deus santo e
Seu povo. Essa ligação é expressa de maneira explícita em 1 Pedro 1:15 e 16.
A separação de influências negativas e o relacionamento íntimo dos cristãos
com Deus são enfatizados. 21 A comunidade de Cristo é considerada santa,
mas, ao mesmo tempo, é chamada a demonstrar conduta santa. Os cristãos
são aqueles que são chamados a ser santos. 22 Ao levar uma vida santa, o
povo de Deus O glorifica (1Pe 2:12; 4:11).
O último atributo, literalmente “um povo para posse”, nos faz lembrar de
Isaías 43:21. “Conquanto a Terra inteira pertencesse a Deus, o antigo Israel
era seu bem especial, escolhido dentre as nações.” 23 Pedro afirma que isso
também se aplica à igreja de Cristo. Existe um relacionamento muito íntimo
entre Deus e a comunidade messiânica. 24 Esse caráter especial se manifesta
no sacerdócio real e na nação santa.
O sacerdócio cristão é, antes de mais nada, um sacerdócio coletivo. 25 Já se
sugeriu que a ênfase está no aspecto coletivo desse sacerdócio e que a
presença dos conceitos de eleição e santidade também argumenta em favor de
um caráter individual do sacerdócio. Dentre outros motivos, destaca-se que,
no mesmo contexto, Jesus e os cristãos são comparados a pedras (1Pe 2:4, 5).
Essas pedras são vistas – pelo menos por um momento – de maneira
individual. Então elas formam uma casa espiritual. É preciso abrir caminho
para o aspecto individual, muito embora ele não seja predominante. A
perspectiva individual é apoiada por vários outros eruditos. 26
Os quatro atributos destacam que os cristãos sofredores são muito valiosos
para Deus. Pertencem a Ele. Têm privilégios tremendos como povo santo e
escolhido e não devem cair na armadilha de sucumbir a uma baixa
autoestima. Em contrapartida, têm responsabilidades importantes. A
descrição do povo de Deus em quatro partes é importante, talvez até mais do
que a tarefa e ordem que recebem. De acordo com 1 Pedro 2:5, eles oferecem
sacrifícios espirituais 27 e, segundo os versos 9 e 10, proclamam os atos
salvíficos de Deus e Seu chamado das trevas para a luz. 28 A conexão
próxima entre espiritual e “santo” (1Pe 2:5; cf. 1:2) – assim como o
relacionamento entre conduta e fazer o que é certo, no contexto mais amplo –
pode sugerir que os sacrifícios espirituais se referem a um estilo de vida
santo. Assim, o corpo de sacerdotes proclama os atos grandiosos de Deus por
palavras e por um estilo de vida santo. 29
Enquanto alguns eruditos limitam a proclamação a um cenário de
adoração, 30 outros a estendem para além dessa esfera e incluem a missão a
não cristãos. 31 No Novo Testamento, o termo exaggelō ocorre somente em
1 Pedro 2:9 e no final mais curto do evangelho de Marcos (Mc 16:8). Em
Marcos, há uma referência clara à proclamação da mensagem aos outros. A
palavra é relacionada a euaggelizomai e significa “publicar fora” ou
“proclamar solenemente”. 32 O chamado das trevas para a luz de Cristo é
uma linguagem figurada, extraída do judaísmo e usada diversas vezes nesse
sentido no Novo Testamento. 33 Também pode apontar para o batismo. 34 A
iniciativa da salvação pertence a Deus. É por Sua misericórdia e graça que
Ele chama as pessoas para ser Seu povo. Entretanto, por serem chamadas,
elas são desafiadas a ser santas (1Pe 1:15), a proclamar a salvação por
intermédio de Cristo (1Pe 2:9), a seguir os passos de Jesus – mesmo em meio
ao sofrimento (1Pe 2:21) – e a receber uma bênção (1Pe 3:9).
Em suma, os cristãos são o povo santo e eleito de Deus (1Pe 1–2). Eles são
chamados e nascem de novo. Receberam privilégios elevados, antes
reservados para o antigo Israel: raça eleita, corpo real de sacerdotes, nação
santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, destinado para a salvação
final. Com esses privilégios, vêm responsabilidades: ter uma vida santa e
proclamar os atos da salvação de Deus. Isso se expressa por meio do conceito
de sacerdócio real. Em essência, as mesmas características encontradas em
Isaías 43 e seu contexto são reiteradas aqui:
1. Esse sacerdócio é escolhido por Deus e recebeu a salvação. É formado
pelos seguidores do Messias.
2. Por ser propriedade do Senhor, o povo escolhido desfruta um
relacionamento íntimo com Deus e tem acesso a Ele.
3. Não é formado por solitários, mas por indivíduos com seus dons e
talentos que trabalham juntos para o bem comum.
4. O Senhor será glorificado pela salvação e pelo estilo de vida de Seus
filhos. “O propósito de Deus ao nos redimir não é simplesmente nosso
próprio prazer, mas que O glorifiquemos.” 35
5. Por serem santos, os cristãos vivem em santidade. Por exemplo, abstêm-
se “das paixões carnais” (1Pe 2:11) e mantêm “exemplar o [...]
procedimento” (v. 12). Não praticam a “política da violência” nem caem na
“tentação de fazer vingança”; em vez disso, “incorporam uma política
completamente diferente: a política do bem [...] enraizada e baseada na
bondade misericordiosa e no poder de Deus”. 36 Esse sacerdócio é moldado
por “serviço, misericórdia e perdão, que consistem na verdadeira forma de
justiça pessoal, social e política revelada em Jesus, sendo também, portanto, a
revolução messiânica política a ser desempenhada pela igreja”. 37
6. Seus sacrifícios espirituais podem incluir não só fazer o bem, mas
também se oferecer a Deus (Rm 12:1), prover doações financeiras (Fp 4:18),
além de exaltar e louvar o Senhor (Hb 13:15). 38
7. A proclamação das maravilhas de Deus, de Sua bondade e Seu amor vão
além de uma vida exemplar, incluindo testemunho pessoal e missão. 39

Apocalipse 1, 5 e 20
No livro do Apocalipse, três textos chamam os cristãos diretamente de
“sacerdotes”: Apocalipse 1:6; 5:10 e 20:6. Em Apocalipse 1:6, os seguidores
de Cristo são descritos como “reino, sacerdotes” (basileian, hiereis). Em
Apocalipse 5:6, ocorre uma expressão parecida. Dessa vez, reino e sacerdotes
são ligados por “e”: “Tu os tornaste um reino e sacerdotes” (basileian kai
hiereis). A ideia presente nos dois casos é mais ou menos a mesma. No
entanto, em Apocalipse 20:6, há uma diferença. Embora o termo “sacerdotes”
(hiereis) seja mantido, “reino” é substituído pelo verbo “reinar”
(basileusousin).
Enquanto os dois primeiros textos descrevem o reino e sacerdócio dos
santos como uma realidade presente, em Apocalipse 20, reinado e sacerdócio
são aplicados ao futuro. Enquanto os capítulos 1 e 5 de Apocalipse incluem,
de maneira óbvia, todos os cristãos, à primeira vista, em Apocalipse 20, há
uma referência aos mártires e aos cristãos do tempo do fim que não adoraram
a besta e sua imagem nem receberam sua marca (Ap 20:4). É possível optar
por pelo menos dois grupos: “Vi também tronos, e nestes sentaram-se aqueles
aos quais foi dada autoridade de julgar. Vi ainda as almas dos decapitados.”
Os mártires seriam então incluídos no grupo mais amplo de todos os crentes.
Apocalipse 1:6 faz parte da introdução do livro, que resume a mensagem do
livro. Nos versos 4 e 5, a Trindade divina é introduzida. Jesus é mencionado
por último, pois os versos seguintes se concentram Nele. Eles o descrevem
como “a Fiel Testemunha, o Primogênito dos mortos e o Soberano dos reis da
terra” e afirmam o que Ele faz e fez: (1) Ele nos ama (Ap 1:5); (2) nos salvou
por intermédio de Seu sangue (Ap 1:5) e (3) nos transformou em reino e
sacerdotes (Ap 1:6). Após a doxologia, Sua segunda vinda é descrita. No
verso 8, o texto volta-se para Deus Pai. Os destinatários de João deixam de
ser as “sete igrejas que se encontram na Ásia” (Ap 1:4) e passam a ser nós
(Ap 1:5), tornando-se mais pessoal e abrangente. 40 Embora a declaração de
que Jesus nos ama seja encontrada no tempo presente, destacando o amor
constante e infindo de Jesus por nós, a salvação e a criação de um reino e
sacerdotes são eventos que se encontram no passado, ao mesmo tempo em
que são uma realidade presente. 41 É claro que elas dependem da cruz. “Aqui
se descreve o aspecto eclesiológico da obra de Cristo.” 42 A afirmação
acerca de reino e sacerdotes se baseia tanto em Êxodo 19:6 quanto em 1
Pedro 2:9. A linguagem é de inauguração no cargo. 43 O termo “reino” deve
ser entendido no sentido ativo, a saber, “reinante”. 44 Entretanto, como
compreender o papel sacerdotal e real dos seguidores de Cristo? Certo erudito
comenta: “Os cristãos cumprem espiritualmente os mesmos ofícios nesta era
ao seguir Seu modelo [de Cristo], sobretudo ao ser testemunhas fiéis que
mediam a autoridade real e sacerdotal de Jesus para o mundo.” 45 Outro
estudioso fala sobre “a ideia de missão” e serviço a Deus. Conforme
Apocalipse 7, a grande multidão servirá ao Senhor em Seu templo celestial.
Além disso, os aspectos sacerdotais incluem “acesso direto a Deus”. 46 Em
contrapartida, o sacerdócio dos cristãos não envolve oferecer sacrifícios
animais, representar a comunidade de crentes ou ser especialistas em
religião. 47 Fica claro que o sacerdócio não depende desses aspectos.
Apocalipse 5:10 faz parte do primeiro hino dirigido a Jesus. 48 Ele é
louvado por Sua morte em sacrifício, por ter comprado para Deus pessoas de
todas as nações e por ter transformado os redimidos em reino e sacerdotes.
Essas declarações remetem a Daniel 7:22 e 23 e a Êxodo 19:6. A condição
dos cristãos de “reino” e “sacerdotes” pode ser paralela à função de Cristo
como Sacerdote-Rei, 49 conforme descreve o Salmo 110 e elabora o livro de
Hebreus. Esses conceitos foram universalizados. 50 No entanto, Apocalipse
5:10 dá um passo a mais, construindo uma possível ponte até Apocalipse
20:6, ao usar o tempo verbal futuro, “e reinarão sobre a terra”
(basileusousin). Os cristãos já são santos e têm um sacerdócio, mas seu
ministério tem dimensão futura. 51 “Os santos são, na esfera coletiva, um
‘reino’ e, na individual, ‘sacerdotes’. Os sacerdotes O servem [a Deus] em
adoração e testemunho.” 52 O texto de Apocalipse 20:4 e 6 se refere com
toda clareza ao tempo durante e após o milênio. Nesse caso, o conceito de
reino e sacerdócio também inclui um aspecto futuro. “Reinarão” se repete em
Apocalipse 22:5.
O Apocalipse difere de 1 Pedro pelo fato de “sacerdócio” não ser
empregado; em vez disso, encontramos o termo “sacerdotes”. Isso pode
permitir, até certo ponto, uma perspectiva individual, mas o termo “reino” e o
plural “sacerdotes” apontam, em primeiro lugar, para uma compreensão
coletiva desses versos. A comunidade cristã forma os sacerdotes ou, de
acordo com 1 Pedro, o sacerdócio. O que é essa prática sacerdotal/real e de
que maneira ela reflete o papel sacerdotal de Cristo (Ap 1) e Sua função real
(Ap 1:5; 11:15; 17:14; 19:16)?
1. Esses sacerdotes têm acesso a Deus (Ap 1:6; 20:6). 53 O governo é
repetido em Apocalipse 22:5. Nesse contexto, os santos são mencionados
vendo a face de Deus. Isso deixou de ser possível após Adão e Eva serem
expulsos do jardim do Éden, mas voltará a se tornar realidade no futuro.
2. Eles adoram a Deus. Por exemplo, a primeira declaração sobre o
sacerdócio dos crentes é encontrada no contexto de adoração (Ap 1:6). A
segunda declaração é sucedida por toda a criação – inclusive os reis-
sacerdotes – adorando a Deus Pai e ao Cordeiro (Ap 5:13). Eles também são
absorvidos pela oração (Ap 5:8). 54
3. Por serem sacerdotes, estão “engajados em serviço subserviente ao
rei”. 55 A designação dos santos no Apocalipse como sacerdotes-reis pode
formar uma inclusão que se estende desde o início do livro (Ap 1:6; 5:10) até
seu final (Ap 20:4, 6; 22:5). Isso significa, por exemplo, que o remanescente,
a grande multidão e os 144 mil também são reis e sacerdotes. A descrição de
sua atitude e suas funções seria, ao mesmo tempo, uma descrição do caráter,
das funções e atividades dos sacerdotes-reis. As características sacerdotais
incluem obediência e fidelidade (Ap 14:12).
4. Seguindo o exemplo sacerdotal de Cristo, eles cuidam dos outros, os
admoestam e incentivam (Ap 1–3).
5. Por serem reis, eles já reinam e reinarão no futuro (Ap 20:6; 22:5). Isso
inclui cumprir responsabilidades, envolver-se em deveres administrativos,
ajudar a “mediar julgamentos” 56 e tomar decisões.
6. Testemunho e proclamação ou missão são outros atributos importantes
dos reis-sacerdotes (Ap 5:13; 12:11; 14:6-12). 57 Esse sacerdócio está
envolvido no “plano divino de salvação”. 58

Fundamentação neotestamentária adicional


Depois de passar pelos textos clássicos que empregam a linguagem do
sacerdócio em relação aos crentes, também vale a pena procurar o conceito
de sacerdócio que não está diretamente expresso pelo uso de vocabulário
específico como “sacerdotes” e “sacerdócio”.

Linguagem sacerdotal
A carta aos Hebreus trata especialmente de Cristo como sacerdote e sumo
sacerdote. Além dos levitas e de Melquisedeque, os seres humanos não são
chamados de “sacerdotes” ou “sumo sacerdotes” nessa epístola. Contudo,
pode haver alusões a um sacerdócio de crentes em Hebreus. Em Hebreus
10:22, usa-se o termo “aproximemo-nos” (proserchomai), que, no Antigo
Testamento, é empregado diversas vezes no contexto do ministério dos
sacerdotes. 59 Também fala sobre a cerimônia de aspersão e lavagem. Essa
atividade lembra “a consagração de Arão e seus filhos ao sacerdócio”. 60
Outras alusões são encontradas: “acheguemo-nos”, “estão sendo
santificados”, “possuímos um altar” e “ofereçamos [...] sacrifício” (Hb 4:16;
10:14; 13:10, 15, 16). Essas expressões podem apontar para a comunidade
cristã como um sacerdócio. 61 “Todavia, o sacerdócio dos cristãos é
subentendido, jamais mencionado explicitamente. Isso fica mais claro em
Hebreus 13:15 e 16. [...] No entanto, essa atividade sacerdotal nunca é
considerada expiatória em Hebreus. Em vez disso, trata-se de um resultado e
uma resposta à expiação definitiva realizada por Cristo.” 62 De todo modo,
os cristãos podem se aproximar de Deus e ter acesso direto a Ele por
intermédio de Cristo, seu mediador.
Em Romanos 15:16, Paulo afirma que ele é “servo de Cristo Jesus para
trabalhar em favor dos que não são judeus. Eu sirvo como sacerdote
(hierourgeō) ao anunciar o evangelho que vem de Deus” (NTLH). O verso 16
continua com linguagem cerimonial, 63 retratando os gentios como uma
oferta a Deus. Isso sugere que “os cristãos gentios são a ‘oferta’, e Paulo é o
sacerdote que os oferece ao Senhor”. 64 Nesse contexto, o termo aponta para
a atividade missionária. 65 Além disso, o aspecto individual do sacerdócio do
Novo Testamento é evidenciado. Paulo atua como sacerdote ao proclamar o
evangelho aos gentios. Seu ministério sacerdotal envolve a pregação do
evangelho. 66 Esse papel não se restringe aos líderes da igreja. A expressão
“servir como sacerdote” não é encontrada outra vez no Novo Testamento,
mas é usada por Filo e Josefo para denotar “a oferta sacerdotal de sacrifício
[...] algo que todo o povo pode fazer”. 67 Algumas passagens que falam
sobre um sacrifício espiritual 68 parecem subentender o sacerdócio dos
crentes (Rm 12:1; Fp 4:18; 2:17; 2Tm 4:6).

União fundamental
Mesmo existindo cristãos fortes e fracos, crentes atuantes e ociosos,
ministérios específicos e posições de liderança (1Pe 5:2), há unidade (Ef 4:3-
6) e igualdade fundamentais na igreja. A igualdade básica de todos os salvos
é expressa em Gálatas 3:28. “Fundamentalmente, todos estamos em Cristo,
nos beneficiamos do que Ele fez e somos morada do Espírito.” 69 O termo
laos, “povo”, encontrado, por exemplo, em 1 Pedro 2:9, abrange toda a igreja.
No Novo Testamento, não se faz distinção entre leigos e clérigos, muito
embora sejam reconhecidas as diferentes funções dentro da igreja. 70 A
união da igreja também é enfatizada por meio de várias metáforas, como casa
e templo (1Pe 2:5; 1Co 3:16, 17), noiva (Ap 19:7, 8; cf. Is 61:10) e corpo de
Cristo (1Co 12:12-17). Embora os membros da igreja sejam diferentes, todos
são necessários, importantes e interdependentes. Nenhuma classe especial é
favorecida na igreja. Além disso, nenhum grupo tem privilégios mais
elevados ou carrega sozinho a responsabilidade pela obra da evangelização.

A grande comissão
A eleição ao sacerdócio real carrega consigo a ordem de missão,
proclamação e evangelismo, conforme destacado no parágrafo anterior. Nesse
ponto, é feita uma conexão com a grande comissão de Mateus 28:18 a 20 e
Marcos 16:15. Embora a grande comissão tenha sido proferida para os 11
discípulos restantes após o suicídio de Judas, os cristãos do primeiro século
não entenderam que as palavras de Jesus se aplicavam somente aos apóstolos,
mas a todos Seus discípulos. De acordo com Atos 4:24 a 30, uma oração da
igreja primitiva é registrada pedindo ao Senhor ousadia para pregar a Palavra
de Deus. Em resposta, “todos ficaram cheios do Espírito Santo e, com
intrepidez, anunciavam a palavra de Deus” (At 4:31). Conforme Atos 8:1 a 4
e 11:19, os cristãos, dispersos pela perseguição, pregavam a palavra por onde
passavam. Áquila e Priscila ensinaram Apolo (At 18:26), e ele, por sua vez,
proclamava publicamente o evangelho (At 18:24, 25).
Até mesmo enquanto Jesus ainda estava vivo, o endemoninhado que
recebeu a cura começou a proclamar (kēryssō, Mc 5:20; Lc 8:38), termo
usado para a proclamação das boas-novas por Jesus, João Batista e os
doze. 71 O Novo Testamento parece indicar que a proclamação do evangelho
não se limita a uma classe específica da igreja – é responsabilidade de todos,
de cada um dos cristãos.

O Espírito Santo e os dons espirituais


Dons espirituais são concedidos a todos os cristãos. Mais do que isso, o
Espírito Santo é dado a todos que se arrependem e são batizados (At 2:38,
39). Cada membro da igreja tem no mínimo um dom espiritual (1Co 12:7,
11). Esses dons são concedidos para o benefício da comunidade e dos outros.
É para o “bem comum”. 72 O paralelismo de “dons”, “ministérios/serviços”
e “realizações” em 1 Coríntios 12:4 a 6 sugere que cada cristão tem um
serviço ou ministério (diakonia) para realizar. 73 Uma vez que o Espírito
Santo distribui os dons conforme Lhe apraz, até mesmo dons como
administração ou evangelismo não deveriam ser restringidos à liderança
formalmente reconhecida da igreja. Como todos os cristãos são diakonoi,
“ministros”, “não existe uma casta exclusiva para ministrar”. 74

O papel da liderança
A liderança é crucial no Novo Testamento. Os líderes são apóstolos,
anciãos/bispos e diáconos (Tt 1; 1Tm 3). Evangelistas, profetas e
pastores/professores também atuavam em algum tipo de posição de liderança
(Ef 4:11). Os líderes precisavam ser respeitados e obedecidos (1Ts 5:12, 13;
Hb 13:17). Eles devem cuidar da igreja (Hb 13:17); pastorear o rebanho (1Pe
5:2); dirigir as questões eclesiásticas (1Tm 5:17), pregar, ensinar e ler as
Escrituras em público (1Tm 4:13; 5:17); manusear corretamente a Palavra da
verdade (2Tm 2:15); cumprir a obra de um evangelista (2Tm 4:5); incentivar,
repreender e advertir os membros da igreja (1Tm 5:1, 2, 20; 2Tm 2:14); lidar
com as heresias (1Tm 1:3, 4); ordenar anciãos (1Tm 5:22) e transmitir a
mensagem a outros, a fim de formar uma corrente de testemunho (2Tm 2:2).
No que diz respeito ao batismo e à Ceia do Senhor, o Novo Testamento não
parece interessado em prescrever quem deve presidir esses ritos e/ou realizá-
los. A lista de qualidades dos líderes é longa. 75 Em 1 Pedro 5:2 e 3, eles são
admoestados a se mostrar dispostos a servir, não ser gananciosos e não
dominar outros membros da igreja. Em vez disso, deveriam levar uma vida
exemplar. É claro que existia a tentação de fazer mau uso da posição de
liderança.
Em contrapartida, o Novo Testamento revela que as decisões não eram
tomadas por um líder específico, e que não era depositada a autoridade
irrestrita nas mãos de um indivíduo. Em primeiro lugar, havia um concílio de
anciãos (ou presbíteros) que fazia certas escolhas. O concílio de presbíteros
havia imposto as mãos sobre Timóteo para ordená-lo (1Tm 4:14). Líderes da
Antioquia, 76 se não da igreja inteira, 77 ordenaram Paulo e Barnabé (At
13:1-3). 78 Em segundo lugar, no caso da substituição de Judas, Pedro
apresentou a questão à igreja, que propôs dois homens. Um deles foi
escolhido por sorte (At 1:12-26). Os sete foram eleitos pela igreja (At 6:1-6).
O Concílio de Jerusalém decidiu como lidar com os gentios que queriam se
tornar seguidores de Jesus (At 15:22). A remoção da comunhão era feita pela
igreja, não somente pelo líder (1Co 5:1, 3-5). 79 Por fim, era possível
questionar um líder da igreja quando ele era inconsistente e necessitava ser
corrigido (Gl 2:11-16; 3Jo). Em decorrência dessa liberdade, a igreja poderia
até se equivocar em seu questionamento, como os coríntios fizeram com
Paulo, por exemplo (2Co 11). A autoridade da igreja é mantida, não
simplesmente transferida para um ou mais líderes.
Uma tarefa importante dos líderes – talvez a mais crucial – é descrita em
Efésios 4:11 a 13. Os líderes precisam capacitar os “santos para o
desempenho de seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo”. 80 Os
líderes não devem assumir o ministério do restante do corpo de Cristo nem
atrapalhar o ministério de seus colegas. Precisam se certificar de que todos
estejam plenamente desenvolvidos e capazes de usar seus dons espirituais
para edificar a igreja.

Ao passo que os líderes devem ser respeitados, eles não são elevados a um patamar
superior de santidade (todos são chamados de “santos”), muito menos para nível
ontológico diferente de participação no sacerdócio de Cristo. Aquilo que todos os
cristãos têm em comum supera em muito as diferenças criadas entre eles pelos
diferentes dons. 81

CONCLUSÃO

No Novo Testamento, o sacerdócio dos crentes é mencionado de forma


direta em vários lugares (1Pe 2:9; Ap 1:6; 5:10; 20:6). Esse conceito é
apoiado por temas como a linguagem sacerdotal aplicada aos cristãos, a união
fundamental da igreja, o entendimento da grande comissão por parte dos
cristãos do primeiro século e a presença de no mínimo um dom espiritual em
cada fiel. Em Hebreus, as alusões sacerdotais estão associadas aos cristãos.
Nesse livro, o sacerdócio dos crentes é inserido no contexto do sacerdócio de
Cristo. 82 Às vezes, esse sacerdócio é vislumbrado não só na esfera coletiva,
mas também é desempenhado por indivíduos (cf. Rm 15:16), embora eles
nunca sejam chamados de sacerdotes ou sumo sacerdotes.
O que o sacerdócio de todos os crentes representa? Primeiro, o caráter do
sacerdócio comum é de eleição e santidade. Os membros desse sacerdócio
desfrutam muitos privilégios. Eles nasceram de novo “para uma viva
esperança” a fim de obter uma herança imperecível (1Pe 1:3, 4). Foram
redimidos com “precioso sangue [...] o sangue de Cristo” (1Pe 1:19; cf. 2:24,
25), são amados por Jesus e foram libertos de seus pecados (Ap 1:5). Eles
foram comprados “para Deus” (Ap 5:9). Em suma, são eleitos e chamados
(1Pe 1:1, 2; 5:10). Como Deus é santo e os transformou em “sacerdócio real”
e “nação santa”, eles também querem ser santos em todo seu comportamento
(1Pe 1:15; 2:9); têm acesso direto a Deus (1Pe 1:17; 2:4) e se aproximam
Dele como Pai; também têm acesso à Sua Palavra (1Pe 1:25; 2:2; At 17:11).
Em segundo lugar, as funções desse sacerdócio envolvem oferecer
sacrifícios espirituais (1Pe 2:5). Os sacrifícios incluem o reconhecimento de
sua responsabilidade especial no mundo, sobretudo a de partilhar o evangelho
e ser testemunhas fiéis (1Pe 2:9; Ap 6:9; 20:4). Esse sacerdócio segue o
exemplo de Cristo (1Pe 2:21) ao fazer o que é certo e exibir conduta
excelente (1Pe 2:12, 15; 3:16). O resultado pode ser que outros louvem a
Deus (1Pe 2:12). Os membros desse sacerdócio amam Jesus (1Pe 1:8) e os
outros (1Pe 1:22). Por causa disso, estão dispostos a servir uns aos outros
(1Pe 4:8-10). Eles obedecem a Deus (1Pe 1:14, 22), dedicam o corpo a Ele, O
adoram e O louvam (Hb 13:15; Ap 20:4; 14:7), além de orar ao Senhor (1Pe
3:12; Ap 8:3, 4). Ajudam os necessitados, praticam o bem e compartilham
suas posses (Hb 13:15, 16; Fp 4:18). Em vez de retaliar, abençoam, o que
inclui perdoar os outros (1Pe 3:9, 11) e “buscar a paz” (1Pe 3:11). Acreditam
em Jesus, a pedra rejeitada por muitos (1Pe 2:4-8).
Terceiro, a igreja como um todo é um sacerdócio. “Isso é mais fundamental
e preciso do que dizer que a igreja tem um sacerdócio.” 83 Em consequência,
a estrutura e a administração da igreja serão influenciadas por essa conclusão.
Embora exista variedade de dons e funções dentro da igreja, inclusive as de
liderança, não há dois sacerdócios diferentes. A ideia de duas classes distintas
de sacerdotes, uma superior e ontologicamente diferente da outra, bem como
de sucessão sacerdotal, não existe ao Novo Testamento. Todos os dons e
“cargos” funcionam com base no fato de que a comunidade cristã é um
sacerdócio real no qual todos os cristãos têm acesso a Deus, servem a Ele e
aos outros.
1 Cf. J. Terry Young, “Baptists and the Priesthood of Believers”, Perspectives in Religious Studies 20
(1993), p. 143, 144.
2 David F. Wright, “Priesthood of All Believers”, em Sinclair B. Ferguson e David F. Wright ed.,
New Dictionary of Theology (Downers Grove, IL: InterVarsity, 1988), p. 532; J. G. Davies,
“Priesthood, Priesthood of All Believers”, em Alan Richardson ed., A Dictionary of Christian Theology
(Filadélfia, PA: Westminster, 1969), p. 274, 275.
3 Cf. Cyril Eastwood, The Priesthood of All Believers (Mineápolis, MN: Augsburg, 1962), p. 238,
241-246.
4 Enquanto o texto massorético fala sobre um “reino de sacerdotes”, a LXX usa a expressão “reino
real”.
5 John Hall Elliott, The Elect and the Holy: An Exegetical Examination of 1 Peter 2:4-10 and the
Phrase ‘Basileion Hierateuma’ (Leiden: E. J. Brill, 1966), p. 52, 55, 56. Cf. J. B. Bauer “Könige und
Priester, ein Heiliges Volk (Ex. 19, 6)”, Biblische Zeitschrift 2 (1958), p. 283-286. Martin Noth, Das
Zweite Buch Moses: Exodus (Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1973), p. 126.
6 John I. Durham, Exodus (Waco, TX: Word, 1987), p. 263.
7 Elliott, The Elect and the Holy, p. 75, 76.
8 Elliott, The Elect and the Holy, p. 59-61; John N. Oswalt, The Book of Isaiah: Chapters 40–66
(Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1998), p. 558-559, 571, 587, 588; R. N. Whybray, Isaiah 40–66 (Grand
Rapids, MI: Eerdmans, 1981), p. 243; George A. F. Knight, The New Israel: A Commentary on the
Book of Isaiah 56–66 (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1985), p. 57.
9 Em Hebreus, aponta-se para o sacerdócio de Jesus; o Apocalipse, por sua vez, é o único livro do
Novo Testamento que chama a comunidade cristã de “sacerdotes”. O termo “sacerdote” é encontrado
31 vezes no Novo Testamento. O verbo hierateuō ocorre em Lucas 1:8. Zacarias, sacerdote levita,
atuava assim. Paulo também era “ministro de Cristo Jesus” (hierourgeō, Rm 15:16).
10 O termo ocorre 122 vezes. O adjetivo archhieratikos ocorre uma vez e se aplica à aristocracia dos
sumos sacerdotes judeus.
11 Cf. A. E. Harvey, “Priesthood”, A. Hastings, A. Mason, and H. Pyper eds., The Oxford Companion
to Christian Thought (Oxford: Oxford University Press, 2000), p. 565.
12 Cf. M. H. Shepherd, Jr., “Priests in the NT”, em Keith R. Krim e George A. Buttrick, Interpreter’s
Dictionary of the Bible (Nashville, TN: Abingdon Press, 1981), v. 3, p. 889; Peter E. Fink,
“Priesthood”, em Alan Richardson e John Bowden, ed., Westminster Dictionary of Christian Theology
(Louisville, KY: Westminster John Knox Press, 1983), p. 464-466. Earl S. Kalland, “Priest,
Priesthood”, em C. F. Pfeiffer, H. F. Vos e J. Rea, ed., Wycliffe Bible Encyclopedia (Chicago, IL:
Moody, 1975), v. 2, p. 1398; P. Ellingworth, “Priests”, em T. D. Alexander e B. S. Rosner, ed., New
Dictionary of Biblical Theology (Downers Grove, IL: InterVarsity, 2000), p. 700.
13 Wayne Grudem, 1 Peter (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1992), p. 101.
14 1 Pedro 1:15, 16; 2:5, 9.
15 Douglas Harink, 1 & 2 Peter (Grand Rapids, MI: Brazos, 2009), p. 68, observa: “A igreja é o
templo de Deus somente porque Cristo é originalmente o templo; a igreja é o sacerdócio porque Cristo
é o sacerdote original; a igreja oferece sacrifícios aceitáveis porque o próprio Cristo é o sacrifício
original.”
16 Cf. Paul J. Achtemeier, A Commentary on First Peter (Mineápolis, MN: Fortress, 1996), p. 152,
167. Gottlob Schrenk, “ἱεράτευμα”, em Gerhard Kittel e Gerhard Friedrich, ed., Theological Dictionary
of the New Testament (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1977), v. 3, p. 250, sugere: “A característica
distintiva de toda a seção de 1 Pedro 2:1 a 10 é que os predicados da salvação e a dignidade, a saber,
posse, templo e sacerdócio [...] são consistentemente transferidos de Israel para a comunidade cristã
gentílica.” Cf. Peter H. Davids, Commentary on James (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1982), p. 90;
John H. Elliott, A Home for the Homeless: A Sociological Exegesis of 1 Peter, Its Situation and
Strategy (Filadélfia, PA: Fortress, 1981), p. 127. Outros, porém, contestam a ideia, dizendo que esse
texto não aborda o tema do que aconteceria com o antigo Israel. Cf. J. Ramsey Michaels, 1 Peter
(Waco, TX: Word, 1988), p. 107, que nega estar em pauta o deslocamento de função da comunidade
judaica. Cf. Grudem, 1 Peter, p. 111.
17 “Eleitos” (eklektos) ocorre quatro vezes em 1 Pedro: os exilados escolhidos (1Pe 1:1); a pedra
escolhida (1Pe 2:4, 6), a raça escolhida. Em 1 Pedro 5:13, é usada a palavra suneklektos.
18 Cf. William L. Moran, “A Kingdom of Priests”, John L. McKenzie, ed., The Bible in Current
Catholic Thought (Nova York: Herder and Herder, 1962), p. 7-9.
19 Cf. Michaels, 1 Peter, p. 42. O autor argumenta que basileion não deve ser interpretado como
substantivo.
20 Cf. Leonhard Goppelt, Der Erste Petrusbrief (Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1978), p. 153;
Karl Ludwig Schmid, “βασίλειος” em Kittel e Friedrich, ed., Theological Dictionary of the New
Testament, v. 1, p. 591. Achtemeier, A Commentary on First Peter, p. 164-165, debate os prós e os
contras dessa sugestão. A maioria das versões entende basileion com exercendo uma função adjetiva.
21 “Santo” (hagios) ocorre oito vezes em 1 Pedro: o Espírito Santo (1:12); Deus é santo, você deve ser
santo (1:15); Deus é santo, você deve ser santo (1:16; citação do Antigo Testamento); sacerdócio santo
(2:5); o povo santo (2:9); mulheres santas (3:5). O substantivo hagiasmos (1:2) e o verbo hagiazō
(3:15) também são usados.
22 Cf. Harink, 1 & 2 Peter, p. 73.
23 Martin Williams, The Doctrine of Salvation in the First Letter of Peter (Cambridge: University
Press, 2011), p. 75.
24 O povo de Deus como Sua propriedade exclusiva não é algo que se tornará realidade somente no
futuro, mas já no presente. Cf. Williams, The Doctrine of Salvation in the First Letter of Peter, p. 76.
25 Cf. Achtemeier, A Commentary on First Peter, p. 156, 157; Davids, Commentary on James, p. 92;
Harink, 1 & 2 Peter, p. 69. Norbert Brox, Der Erste Petrusbrief (Leipzig: St. Benno-Verlag, 1986), p.
103, declara que o texto não discute a relação entre Israel e a igreja.
26 Cf. R. Schnackenburg, “Umschau und Kritik”, Biblische Zeitschrift 12 (1968), p. 152-153;
Michaels, 1 Peter, p. 99; E. Best, “Spiritual Sacrifice”, Interpretation 14 (1960), p. 296-297; A.
Vanhoye, Old Testament Priests and the New Priest According to the New Testament (Petersham, MA:
St. Bede’s, 1986), p. 262; Colin Bulley, The Priesthood of Some Believers: Developments from the
General to the Special Priesthood in the Christian Literature of the First Three Centuries (Carlisle:
Paternoster Press, 2000); Williams, The Doctrine of Salvation in the First Letter of Peter, p. 74.
27 Achtemeier, A Commentary on First Peter, p. 157, lista os sacrifícios espirituais encontrados no
Novo Testamento, como o próprio corpo (Rm 12:1), a conversão dos gentios (Rm 15:16), os bens
materiais (Fp 4:18), fazer o bem e compartilhar posses (Hb 13:15-16) e orações (Ap 8:3-4).
28 Elliott, A Home for the Homeless, p. 43, sugere que não só a intervenção de Deus no passado
precisou ser proclamada, como também “as evidências da manifestação do poder divino – salvação,
eleição, vida santa e esperança – [que] são presentes e óbvias”.
29 Cf. Elliott, A Home for the Homeless, p. 197.
30 Cf. Michaels, 1 Peter, p. 110. Simon J. Kistemaker, Exposition of the Epistles of Peter and of the
Epistle of Jude (Grand Rapids, MI: Baker, 1987), p. 93, permanece vago.
31 Cf. Davids, Commentary on James, p. 92; I. Howard Marshall, 1 Peter (Downers Grove, IL:
InterVarsity, 1991), p. 77. Achtemeier, A Commentary on First Peter, p. 152, fala sobre “evangelizar”.
32 Cf. Julius Schniewind, “αγγελια”, Kittel e Friedrich, org., Theological Dictionary of the New
Testament, v. 1, p. 69.
33 Atos 26:18; 1 Tessalonicenses 5:4, 5; Efésios 5:8. Cf. Elliott, A Home for the Homeless, p. 43-44;
Williams, The Doctrine of Salvation in the First Letter of Peter, p. 78.
34 Cf. Ceslas Spicq, Les Épitres de Saint Pierre (Paris: J. Gabalda, 1966), p. 93 e J. N. D. Kelly, A
Commentary on the Epistles of Peter and of Jude (Nova York: Harper & Row, 1969), p. 100, também
vê uma “nota eucarística” em dar glória a Deus, proclamando Seus feitos poderosos. Raymond C.
Kelcy, The Letters of Peter and Jude (Austin: R. B. Sweet, 1975), p. 51.
35 Grudem, 1 Peter, p. 112.
36 Harink, 1 & 2 Peter, p. 75.
37 Harink, 1 & 2 Peter, p. 75.
38
Williams, The Doctrine of Salvation in the First Letter of Peter, p. 77.
39 Donald P. Senior e Daniel J. Harrington, 1 Peter, Jude, and 2 Peter (Collegeville, MN: Liturgical
Press, 2003), p. 61: “Uma vez que a igreja é o templo de Deus, os membros da comunidade são
escolhidos para permanecer na presença do Senhor, refletir a santidade divina e ser ativos em adoração
e serviço, em nome de Deus.”
40 Em Apocalipse 1:3, todos os leitores e ouvintes do Apocalipse são chamados de bem-aventurados.
41 É usado o indicativo aoristo. Cf. G. K. Beale, The Book of Revelation (Grand Rapids, MI:
Eerdmans, 1999), p. 194.
42 Grant R. Osborne, Apocalipse: Comentário Exegético (São Paulo: Nova Vida, 2014), p. 71.
43 O termo epoiēsen é usado nesse sentido em Marcos 3:14 a 19 e Atos 2:36. Cf. Beale, The Book of
Revelation, p. 194.
44 Cf. Osborne, Apocalipse, p. 65. Beale, The Book of Revelation, p. 195, menciona que, em
Apocalipse, o termo “reino” é usado de maneira ativa na maioria das vezes. Além disso, em Apocalipse
20:6, não se emprega o termo “reino” (basileia), mas o verbo basileuō, apontando para o sentido ativo
de basileia. Ver também Apocalipse 5:10, que contém tanto o substantivo quanto o verbo. Alguns
tradutores vertem o Apocalipse de forma literal, “reino, sacerdotes” (ARA), sem se decidir acerca de
como entender a expressão. A NVI usa a conjunção “e” e combina os dois conceitos. Outros ainda,
provavelmente baseados nos textos paralelos dos capítulos 5 e 20, traduzem “reis e sacerdotes” (por
exemplo, ARC).
45 Beale, The Book of Revelation, p. 193. Na página 194, ele afirma que a igreja não só é comparada a
Israel, como também o texto “transmite a noção tácita de que a igreja agora atua como o verdadeiro
Israel, ao passo que os israelitas étnicos descrentes, que afirmam ser verdadeiros “judeus e não são,
sendo, antes, sinagoga de Satanás” (Ap 2:9) e “mentirosos” (Ap 3:9, NVI)”.
46
Osborne, Apocalipse, p. 66.
47 Cf. David E. Aune, Revelation 1–5 (Dallas: Word, 1997), p. 49.
48 Em Apocalipse 4 e 5, são citados cinco hinos. Dois são dirigidos a Deus Pai; dois ao Cordeiro e um
tanto ao Pai quanto ao Cordeiro. O terceiro hino, que é também o primeiro dirigido a Jesus, é o mais
extenso de todos, sendo chamado de “novo cântico” (Ap 5:9-10). O quarto hino contém sete louvores
ao Cordeiro.
49 Cf. Osborne, Apocalipse, p. 709.
50 Cf. Beale, The Book of Revelation, p. 361.
51 Em Beale, The Book of Revelation, p. 363, o comentarista discute se o reino de cristãos deve ou
não ser entendido como uma atividade presente ou futura. Alan Johnson, “Revelation”, em Frank E.
Gaebelein ed., The Expositor’s Bible Commentary (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1981), p. 469,
sugere: “Embora não exclua o reino presente de cristãos, a referência à ‘terra’ é melhor interpretada
como uma alusão ao reino escatológico e futuro de Cristo.” Cf. Aune, Revelation 1–5, p. 32.
52 Osborne, Apocalipse, p. 261. Wilfrid J. Harrington, Understanding the Apocalypse (Washington,
DC: Corpus Books, 1969), p. 48, propõe: “Os cristãos compartilham da autoridade do Rei dos reis e
atuam como mediadores sacerdotais no mundo da humanidade.”
53 Cf. Paige Patterson, Revelation (Nashville, TN: Broadman & Holman, 2012), p. 61, 62, 355.
54 Kistemaker, Exposition of the Epistles of Peter and of the Epistle of Jude, p. 211.
55 Patterson, Revelation, p. 62. Cf. Stephen Smalley, The Revelation of John: A Commentary on the
Greek Text of the Apocalypse (Downers Grove, IL: InterVarsity, 2005), p. 36.
56 Smalley, The Revelation of John, p. 36.
57 Cf. Osborne, Apocalipse, p. 66, 261.
58 Smalley, The Revelation of John, p. 138.
59 Por exemplo, Levítico 9:7, 8; 21:17, 18, 21, 23; Números 16:40; Deuteronômio 21:5.
60 Best, “Spiritual Sacrifice”, p. 281.
61 Cf. Best, “Spiritual Sacrifice”, p. 285, 286; Johann Michl, Die Katholischen Briefe (Regensburg:
Verlag Friedrich Pustet, 1968), p. 122; Yves M. J. Congar, Lay People in the Church: A Study for a
Theology of Laity (Westminster: The Newman Press, 1967), p. 134; F. F. Bruce, The Epistle to the
Hebrews (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1991), p. 384. Craig R. Koester, Hebrews (Nova York:
Doubleday, 2001), p. 284, fala sobre “figuras sacerdotais” ao debater Hebreus 4:16.
62 Bulley, The Priesthood of Some Believers, p. 40.
63 Cf. James D. G. Dunn, Romans 9–16 (Dallas: Word, 1988), p. 867, 868; Thomas R. Schreiner,
Romans (Grand Rapids, MI: Baker, 1998), p. 766.
64 Matthew Black, Romans (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1981), p. 202. De modo semelhante, John
Murray, The Epistle to the Romans (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1993), v. 2, p. 210, 211.
65 Cf. Dunn, Romans 9–16, p. 860.
66 Cf. Bulley, The Priesthood of Some Believers, p. 22, 23.
67
Dunn, Romans 9–16, p. 860. Em Isaías 61:6, “sacerdotes do Senhor” e “ministros/servos” de Deus
são paralelos.
68 Cf. Best, “Spiritual Sacrifice”, p. 287.
69 Bulley, The Priesthood of Some Believers, p. 44.
70 Bulley, The Priesthood of Some Believers, p. 45. Cf. Rex D. Edwards, Every Believer a Minister
(Silver Spring, MD: General Conference of Seventh-day Adventists, Ministerial Association, 1995), p.
13, 15, 67, 84; William Robinson, Completing the Reformation: The Doctrine of the Priesthood of All
Believers (Lexington, KY: e College of the Bible, 1955), p. 17.
71 Cf. Walter Grundmann, Das Evangelium nach Markus (Berlin: Evangelische Verlagsanstalt, 1980),
p. 146; R. T. France, The Gospel of Mark (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2002), p. 233.
72 Anthony C. Thiselton, The First Epistle to the Corinthians (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2000), p.
928.
73 Cf. Gordon D. Fee, The First Epistle to the Corinthians (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1991), p.
584, 586, 587.
74 Bulley, The Priesthood of Some Believers, p. 46.
75 São encontradas três listas nas epístolas pastorais (1Tm 3:1-12; Tt 1:5-9), mas as características dos
líderes são mencionadas em todas as cartas pastorais e em uma série de outros lugares do Novo
Testamento.
76 F. F. Bruce, The Book of the Acts (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1988), p. 245, 246.
77 Richard N. Longenecker, “The Acts of the Apostles”, em Gaebelein, The Expositor’s Bible
Commentary, v. 9, p. 417.
78 De acordo com Tito 1:5, Tito recebeu a instrução de constituir presbíteros. D. Edmond Hiebert,
“Titus”, em Gaebelein, The Expositor’s Bible Commentary, v. 11, p. 429, 430, defende que o método
para fazer isso não é explicado nesse verso e pode ter incluído a igreja inteira.
79 Em 3 João 10, o apóstolo critica o fato de isso não ter acontecido. Esse texto pode estar aludindo ao
possível início de uma crise de liderança que, posteriormente, levou à situação na qual anciãos locais
usurparam cada vez mais poder a fim de obter supremacia.
80 Paulo pode ter feito isso até certo ponto enquanto estava ensinando em Éfeso (At 19:9, 10). De
todo modo, ele se envolvia o tempo todo na capacitação prática de seus colaboradores. Confira também
as epístolas pastorais.
81 Bulley, The Priesthood of Some Believers, p. 48.
82 Elliott, A Home for the Homeless, p. 171: “Em Hebreus, a coordenação entre a atuação sacerdotal
de Cristo e a função sacerdotal ou cerimonial da comunidade permite, de fato, a conclusão de que os
cristãos são retratados participando e compartilhando do sacerdócio de seu Senhor.”
83 Edwards, Every Believer a Minister, p. 72.
11
Natureza, Função e Autoridade do Ministro
nos Escritos de Ellen G. White
Jerry Moon, Jesse Tennison e Denis Fortin

papel do ministro tem recebido pouco estudo sistemático entre os

O adventistas do sétimo dia desde o século 19. Nos primeiros anos da


igreja, os adventistas assumiram, em grande parte, muitas das
práticas eclesiásticas protestantes porque seu foco principal estava na missão
de anunciar ao mundo o breve retorno de Cristo. Nas últimas décadas, tem
crescido o interesse em eclesiologia entre adventistas, tornando necessário
refletir sobre a natureza do ministério na igreja.
A natureza, função e autoridade do pastor são três aspectos que definem,
juntos, a posição e os papéis do ministro em relação a Deus, à igreja e ao
mundo. Neste capítulo, a expressão “natureza” do ministro se refere à
essência e ao ser (ontologia) do pastor. Existe uma diferença ontológica entre
o pastor e o leigo? Em que sentido existe um “sacerdócio de todos os
crentes”? O ministério de cada cristão é diferente, em natureza, do ministério
do pastor “ordenado”?
“Função” se refere àquilo que o ministro faz, tanto na esfera teológica
quanto na litúrgica. A teologia sacramental ensina que o ministro é um
mediador entre Deus e os pecadores. Em outras perspectivas, o pastor
representa o povo para Deus, mas não é considerado diferente das outras
pessoas em termos de natureza. A função também diz respeito àquilo que o
pastor faz na adoração pública, como pregar, ensinar e conduzir os
sacramentos ou as ordenanças.
“Autoridade” liga-se à fonte, validade e legitimidade da autoridade
espiritual e administrativa do ministro. O que o pastor consegue de fato fazer
acontecer nas esferas teológica, espiritual ou litúrgica? No que diz respeito à
origem desse poder, a autoridade pastoral costuma ser atribuída a uma ou
mais das fontes a seguir: (1) Deus Pai, Filho e Espírito Santo; (2) Escrituras
e/ou (3) igreja.
As diferenças na maneira que as denominações definem a natureza, função
e autoridade do ministro explicam boa parte das singularidades de diferentes
comunidades de fé e têm sido o foco de diversas discussões, conferências e
muitos livros em meio às igrejas que participam do movimento ecumênico.
Para fins de comparação, este capítulo apresentará primeiro, de forma breve,
como esses termos têm sido entendidos por comunidades representativas da
fé cristã. Segundo, apresentará como os pioneiros adventistas desenvolveram
o papel e a função do ministro em seu meio. Terceiro, procurará entender a
eclesiologia adventista por meio dos escritos de Ellen G. White, inseridos em
seu contexto histórico. Quarto, fará um resumo e tirará conclusões.

PERSPECTIVAS CRISTÃS EM RELAÇÃO À


NATUREZA, FUNÇÃO E AUTORIDADE DOS
MINISTROS

As breves comparações acerca da natureza, função e autoridade do ministro


em tipos representativos de eclesiologia são apresentadas na ordem
aproximada de seu desenvolvimento histórico.

O ministro na tradição católico romana/episcopal


Durante o processo de adaptação da igreja à mudança de circunstâncias
após a morte dos apóstolos, os bispos se tornaram os detentores da autoridade
administrativa. A forma de organização eclesiástica que se tornou dominante
no 2o e 3o séculos foi chamada de episcopal, de episkopos, a palavra grega
para “bispo”. O modelo episcopal baseia sua reivindicação à autoridade na
sucessão apostólica: a doutrina de que os bispos, sucessores dos apóstolos,
derivam sua autoridade de uma sucessão apostólica pessoal e ininterrupta,
desde os 12 apóstolos de Jesus. As igrejas com prática episcopal incluem a
Igreja Católica Romana, as Igrejas Ortodoxas Orientais e as Igrejas
Anglicanas. Algumas igrejas protestantes se organizam em torno do papel e
autoridade dos bispos, mas a maior das igrejas episcopais é a Católica
Romana.
A eclesiologia episcopal surgiu no 2o século, quando os bispos começaram
a ser considerados sucessores dos apóstolos. No entanto, só no Concílio de -
Trento (1545-563), após séculos de acontecimentos históricos e teológicos, o
conceito católico romano da natureza, função e autoridade do ministro
recebeu definição sancionada pelas autoridades. Nesse sistema, os ministros
são ordenados padres por meio do sacramento da ordem. Essa cerimônia
torna o ordenado mais santo, pois o resultado do sacramento é o aumento da
graça santificadora concedida ao padre. 1 Acredita-se que esse aumento da
graça constitui uma mudança ontológica no sacerdote, causada pelo “caráter
sacramental”. Assim, o padre recebe uma “marca sobrenatural e indelével, ou
selo, uma distinção impressa na alma”. 2 Essa mudança tem natureza
permanente: “nenhuma causa é capaz de destruí-la nessa vida”. 3 O clérigo
que passa pelo sacramento da ordem recebe “uma espécie de qualidade ou
estado que se torna inerente à alma”, como a circuncisão ou uma marca. 4 É
essencialmente transformado pela graça transmitida por meio do bispo
durante a ordenação.
Essa mudança na natureza do padre é a base da autoridade que ele recebe
para ministrar os sacramentos válidos. 5 A marca indelével transmitida por
meio da ordenação confere ao religioso a autoridade sacramental para sua
missão pastoral de pregar, batizar, perdoar pecados e ensinar. 6 Em virtude
de sua ordenação, o clérigo “age em persona Christi Capitis”, que significa:
o próprio Cristo Se faz presente no padre, o qual age “no poder e lugar da
pessoa de Cristo”. 7 A afirmação de que o padre é capaz de perdoar pecados,
por exemplo, mostra como a mudança de “natureza” do ministro é uma base
necessária para a “autoridade” sacramental, a qual, por sua vez, determina a
“função” sacerdotal. A mesma mudança na natureza do clérigo também
permite que ele ministre todos os outros sacramentos, como se o próprio
Cristo os estivesse ministrando ao povo. Outro aspecto significativo da
ordenação católica é considerar o padre e, de maneira mais específica, o
bispo, dentro da sucessão apostólica, reivindicando a autoridade de falar,
assim como os apóstolos, com status quase inspirado. Essa é uma elevação
drástica da função do ministro.
Em suma, a eclesiologia episcopal defende que a ordenação confere ao
clérigo uma santidade inefável e indelével de natureza. Essa combinação
entre santidade permanente e sucessão apostólica forma a base da autoridade
para ministrar os sacramentos. A natureza sacramental do religioso e a
autoridade apostólica o capacitam a atuar como mediador entre Deus e os
leigos – no lugar de Cristo – para pregar, ensinar, batizar e perdoar pecados.
O episcopado protestante, por meio de uma modificação do episcopado
católico, não costuma ser expresso em termos tão dogmáticos. A forma
anglicana de episcopado se tornou a via media entre a maneira católica
romana e as mais protestantes de administração da igreja.

Ministério na tradição protestante


A resistência e oposição ao episcopado histórico surgiu ao longo dos
séculos por parte dos valdenses, 8 lolardos, 9 hussitas 10 e outros grupos
anteriores à Reforma,os quais a Igreja Católica considerava hereges. Todos
esses grupos variavam quanto aos detalhes da administração eclesiástica que
propunham, mas tinham em comum a rejeição enfática à ideia de que o padre
pudesse ser permanentemente santo em natureza, a despeito de sua conduta.
Respeitavam a sucessão apostólica histórica, mas negavam que ela, em si,
transmitisse autoridade espiritual além da autoridade das Escrituras e de uma
vida santa. Defendiam que a verdadeira autoridade apostólica era simbolizada
pela fidelidade aos ensinos, à missão e à vida santa dos apóstolos. Muitos
deles, como os valdenses, aceitavam a grande comissão de Mateus 28:18 a 20
como a principal tarefa do ministro e davam forte ênfase ao evangelismo e à
missão, ao passo que o cuidado pastoral da congregação local era uma
responsabilidade que cada membro partilhava com o ministro.

Tradição luterana
Os luteranos não acreditam na distinção ontológica entre clero e leigos. 11
Martinho Lutero cria que a essência cristã “não consiste na participação
maior ou menor em Deus, mas somente no batismo, no evangelho e na
fé”. 12 Os pastores luteranos não estão mais próximos de Deus do que a
congregação. Isso porque “todos os cristãos são verdadeiramente de
estamento espiritual [em vez de mundano], e não há qualquer diferença entre
eles a não ser exclusivamente por força do ofício”. 13 Uma vez que é
somente o cargo que diferencia o ministro, não ocorre uma mudança
ontológica em sua natureza. Se deixar de ser servo da Palavra, o pastor
luterano se torna um congregante comum. 14
O “principal foco” do ministério luterano é a “salvação das almas”. 15 “O
ofício pastoral envolve tanto a função de pastoreio quanto a do ensino.” 16
Ao ensinar, o ministro confia a doutrina “a indivíduos designados, a fim de
que seja preservada intacta”. 17 O ministro tem autorização para agir em prol
da congregação. 18 Por questão de ordem, o ministro é aquele que proclama
a Palavra e administra os sacramentos. 19 O papel do pastor não é litúrgico
no sentido sacerdotal católico, no qual os sacramentos requerem a mediação
de um sacerdote. 20 Por meio dos sacramentos, o ministro exercita, em favor
dos leigos, os recursos da graça, ao passo que, no catolicismo romano, os
sacramentos transmitem graça.
A principal função do ministro luterano pode ser resumida em uma palavra:
“servo”. “Lutero colocava no centro de seu conceito dos ofícios não o
senhorio, mas a atitude de servo.” 21 A autoridade do ofício, em vez de ser
uma reivindicação de poder, consiste em “uma poderosa reivindicação de
fraqueza”, de serviço. 22 Essa autoridade, inserida no contexto do sacerdócio
do crente, “nada mais é do que a transferência de autoridade do sacerdócio
inteiro de todos os crentes para um indivíduo”. 23 Todos os cristãos são
sacerdotes dentro de seu respectivo trabalho ou ofício, mas nem todos são
pastores. Logo, permanecem as distinções de autoridade. 24 A autoridade do
ministro luterano reside no ofício e “a igreja local é o centro da
autoridade”. 25 A administração eclesiástica luterana é congregacional, de
forma geral, 26 embora a Comunhão de Porvoo tenha criado uma
ramificação das igrejas luteranas que reivindica sucessão apostólica. 27
Em suma, a natureza do pastor luterano é ontologicamente indistinta da dos
leigos. O ministro luterano não recebe um caráter indelével que não possa ser
apagado. Em vez disso, quando não está mais no lugar de ministro, torna-se
um congregante normal. A função do ministro é servir por meio da pregação,
do ensino e da ministração dos sacramentos. A autoridade do ministro não
reside no indivíduo, mas no ofício pastoral, que é delegado pela congregação.
Como representante delegado da congregação inteira, a autoridade do pastor
excede a autoridade individual dos leigos, mas não difere em tipo. Todos os
cristãos são chamados a fazer o que o pastor faz. Porém, para fins de ordem,
sobretudo na adoração e no serviço coletivos, o ministro recebe
responsabilidade de liderança.

Tradição anabatista
Dentre todos os reformadores do século 16, os anabatistas foram os
praticantes da forma mais completa de sacerdócio de todos os crentes. 28
Cada cristão era pessoalmente responsável pela propagação do evangelho.
Isso contrastava intensamente com as outras igrejas da época. Os católicos
romanos entendiam que a grande comissão de Mateus 28 fora dada para os 12
apóstolos originais, a fim de ser cumprida na conquista religiosa e política do
mundo. Por isso, quase não havia o conceito do dever de cada fiel espalhar o
evangelho. “Os grandes corpos eclesiásticos protestantes, as igrejas de
território em massa do século 16 não estavam muito interessados” em
evangelismo aberto ou missões, “uma vez que todos pertenciam à igreja
‘instituída’ em virtude do batismo infantil”. 29 Mas os anabatistas criam que
todos os cristãos convertidos de verdade eram “servos escolhidos por Deus e
mensageiros que sentiam ter o chamado de propagar sua fé da mesma
maneira que os apóstolos haviam feito na igreja primitiva”. 30 George H.
Williams observa que esse “novo tipo de cristão não era um reformador, mas
um conversor; não um membro, mas um itinerante neste mundo, cuja
verdadeira cidadania estava no Céu”. 31
No que diz respeito à natureza do ministro, a ordenação não era um
sacramento, mas uma mera dedicação ao serviço, na qual a congregação
“separava” os “servos” escolhidos para liderá-la. 32 A Confissão de
Schleitheim (1527) apresenta uma das primeiras descrições anabatistas do
trabalho do ministro. Não havia nenhum indício de teologia sacramental que
tornasse o pastor diferente de seus irmãos na congregação. “O pastor da
igreja deve ser um indivíduo que esteja totalmente de acordo com as regras
de Paulo, que desfrute boa reputação junto àqueles que não pertencem à fé. O
ofício dessa pessoa deve ser ler, exortar e ensinar [a Palavra], advertir,
admoestar ou excluir da congregação, além de dirigir apropriadamente os
irmãos e as irmãs em oração e no partir do pão, bem como em todas as coisas
a fim de cuidar do corpo de Cristo.” 33 “Ele será sustentado pela
congregação que o escolheu em todas suas necessidades, a fim de que aquele
que prega o evangelho também viva dele, conforme o Senhor ordenou.” 34
Essa teologia simples de ordenação permitia que os anabatistas se ajustassem
rapidamente ao sofrimento tão comum de martírio dos pastores de sua
comunidade. 35
A autoridade dos pastores anabatistas vinha das Escrituras e das
congregações a que eles serviam. Ser nascido do Espírito era o elemento
essencial para separar alguém como pastor; a ordenação era um mero
reconhecimento desse elemento espiritual. A ordenação não conferia uma
nova natureza ao pastor nem o tornava superior aos membros da
congregação. Os ministros eram responsáveis por ensinar a Palavra, liderar
nas “ordenanças” (não “sacramentos”) do batismo, lava-pés e Ceia do
Senhor, bem como dirigir a igreja em sua missão de levar o evangelho ao
mundo. Durante seus cultos frequentes (de três a quatro vezes por semana),
após a leitura da Bíblia, aquele “a quem Deus concedeu melhor entendimento
deve explicá-la, enquanto os outros ficam em silêncio e ouvem”. 36

Tradição reformada (inclusive presbiterianos e alguns


congregacionalistas)
Assim como as tradições luterana e anabatista, a reformada não vê
diferença ontológica entre pastores, presbíteros e leigos. Os pastores são
preparados como candidatos ao ministério e ordenados pelo presbitério. O
termo “oficiante” é usado com frequência para descrever a natureza do
pastor. 37 Anciãos (ou presbíteros) e ministros têm posição de igualdade 38
e o relacionamento do pastor com os leigos é entendido “de irmão para
irmão”. 39 Não é a ordenação, mas o nascimento do Espírito que separa
alguém para ser pastor. “Somente o Espírito Santo cria verdadeiros
pregadores.” 40
De todas as tradições protestantes, a reformada é a que possui a elaboração
mais detalhada da função do pastor. Richard Baxter (1615-1691) caracteriza
as “duas grandes finalidades do chamado do pastor” como “agradar a Deus e
salvar nosso povo”. 41 As funções do ministro compreendem duas categorias
gerais: (1) cuidado pastoral, que denota serviço a quem já é membro da
igreja; e (2) evangelismo, o serviço a quem ainda não é membro da igreja. O
cuidado pastoral inclui “as tarefas tradicionais de visitação geral, consolo aos
que sofrem, auxílio aos enfermos e necessitados, perdão aos culpados e ‘cura
das almas’ mediante disciplina e perdão”. 42 Estritamente falando, o cuidado
pastoral deve ser visto como um ministério da igreja inteira, exercido tanto
por pastores quanto por leigos. 43
O lado público do ministério envolve pregação, sacramentos e disciplina
eclesiástica. “O cuidado pastoral acontece na pregação como comunicação da
mensagem.” 44 Baxter equilibra “a precedência da pregação sobre todos os
outros deveres” 45 com ênfase no evangelismo. Mentoreamento e visitação
também são considerados formas de evangelismo. 46
A forma de organização reformada costuma ser presbiteriana. 47 O pastor é
considerado um moderador, e o “presbitério supervisiona seus ministros”. 48
Assim, o pastor e os presbíteros tomam as decisões em conjunto. 49 A
disciplina eclesiástica é exercida por ministros e presbíteros leigos, com o
consentimento da congregação inteira, embora o pastor “deva supervisionar o
uso formal da disciplina eclesiástica”. 50 A disciplina não é vista como mera
correção e consequência, mas inclui uma obra mais ampla e proativa de
instrução no catecismo e em outras disciplinas espirituais. 51
A natureza, função e autoridade do pastor reformado mudaram pouco desde
que Baxter (1615-1691) elaborou os conceitos presentes. A função do
ministro é semelhante à do pastor que conduz o rebanho; daí o uso do termo
“pastor”. A autoridade é partilhada com os presbíteros, mas o ministro lidera
na esfera executiva, engajando os membros da igreja e os de fora nos
ministérios em andamento de reconciliação e salvação.

Tradição metodista
Fundado por John Wesley, o metodismo tem forma de organização
episcopal (ou seja, administrada por bispos), mas difere historicamente de sua
raiz anglicana. O termo “conexionalismo” é usado para distinguir a forma de
organização metodista da anglicana, pois a autoridade dos bispos metodistas
“é delegada” pelo corpo de anciãos, não se baseando na sucessão
apostólica. 52 Uma vez que uma das responsabilidades dos bispos é ordenar
e nomear ministros, alguns argumentam que o bispo consiste em uma quarta
ordem de ministros (diácono, ancião, pastor, bispo), embora outros neguem
essa proposta. 53
O ministro recebe autoridade por meio da ordenação, 54 que envolve um
compromisso vitalício, 55 mas não mudança de natureza. O ministro
metodista é “separado, ordenado e licenciado”. 56 No entanto, a natureza
“separada” do ministro não é ontológica – é uma afirmação de que o pastor
recebe o poder do Espírito Santo. 57 Os ministros costumam ser designados
para grupos de duas ou mais congregações, em lugar de apenas uma. Sua
trajetória ministerial é progressiva. Antes de se tornarem “ministros em plena
conexão”, passam pelas funções de acólito, diácono e então ancião. Ao
atingir essa graduação, o pastor é ordenado e pode receber o chamado para
um circuito de igrejas. 58
Os pastores metodistas atuam historicamente como pregadores que realizam
cultos e reavivamento em um circuito de igrejas. O evangelismo (ato de fazer
discípulos, “iniciar pessoas na vida cristã”) 59 costuma ser feito hoje por
evangelistas aprovados pela Conferência. 60
A função do pastor metodista é descrita como um “ministério
quádruplo”, 61 que atua por meio da palavra, dos sacramentos, da ordem e da
adoração. Por intermédio da palavra, o ministro prega, ensina, envolve as
pessoas no estudo e testemunho, realiza aconselhamento com
confidencialidade e visita. 62 Os sacramentos envolvem a realização de
batismos, da Santa Ceia, o treinamento de acólitos, e “outros meios de
graça”, como o casamento, sepultamento, confirmação e recebimento de
membros. 63 A ordem assegura que, por meio do “dom da
administração”, 64 questões organizacionais sejam resolvidas. 65 O serviço
envolve o ministério do serviço, em semelhança com Cristo, bem como a
liderança pastoral diligente para a edificação da igreja. Também inclui a
participação ecumênica, a fim de fazer da “igreja moderna um instrumento
eficaz para a cristianização da sociedade”. 66
Em suma, a ordenação é vitalícia, mas não muda a natureza do ministro.
Em vez disso, é uma licença 67 concedida em reconhecimento da presença
ativa do Espírito Santo na vida do ancião. 68 A função do ministro envolve o
ministério quádruplo da palavra, dos sacramentos, da ordem e da
adoração. 69 A autoridade do ministro é concedida na ordenação, 70 por um
bispo nomeador 71 e um grupo de anciãos eleitores. 72 Esse procedimento
equilibra o conceito hierárquico de autoridade com uma prestação de contas
democrática. 73 A autoridade pastoral continua a ser considerada
“apostólica”, no sentido de que os ministros realizam a obra dos apóstolos da
igreja do 1o século (cf. At 6:2-4). 74
ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA ECLESIOLOGIA
ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA

O conceito dos pioneiros adventistas acerca do papel do ministro foi


diretamente influenciado pelos pontos de vista protestantes citados acima.
Diversos movimentos protestantes anteriores já consideravam que tanto o
evangelismo quanto o cuidado pastoral eram responsabilidades de todos os
membros, mas passaram a entender, com o tempo, que o pastor local tinha a
responsabilidade primária de dispensar cuidado aos membros e evangelizar
os descrentes.
Os anabatistas, no século 16, foram os pioneiros na ênfase revolucionária
sobre a responsabilidade de cada cristão promover pessoalmente a missão da
igreja. Os primeiros ministros anabatistas eram missionários itinerantes. Nas
gerações seguintes, porém, aquele ímpeto definidor de evangelismo
missionário foi aos poucos sublimado para um papel ministerial mais
convencional, focado nas necessidades internas da comunidade da fé.
Os primeiros metodistas também atribuíam ao ministro o evangelismo
como prioridade norteadora de suas funções. Os pastores dos circuitos
metodistas eram lendários pela ênfase no evangelismo intenso, dependendo
de leigos capacitados para fazer o cuidado pastoral primário entre cada visita
sua pelo circuito.
Os pioneiros adventistas do sétimo dia adotaram várias práticas anabatistas
e metodistas, incluindo ministros itinerantes. Por pelo menos 60 anos após
1844, 75 os ministros adventistas não eram responsáveis por congregações
individuais. Em vez disso, eram evangelistas em tempo integral e plantadores
de igrejas. Os membros das igrejas locais eram ensinados a ser
independentes, prestando cuidado pastoral uns aos outros e mantendo os
cultos da igreja local. Isso era possível porque as congregações eram
relativamente pequenas (menos de 50 membros que se conheciam muito
bem) e os cultos da igreja local (Escola Sabatina, culto divino e um “encontro
social” no meio da semana) não dependiam de sermões, mas da participação
de cada membro com cânticos, oração e testemunhos. Esses elementos eram
o esteio da experiência de adoração.
Os primeiros líderes adventistas eram indivíduos que haviam atuado como
pastores ordenados em suas denominações protestantes de origem. A maioria
vinha das tradições da Conexão Cristã (de ethos semelhante às Igrejas de
Cristo, do movimento de Stone-Campbell), batista e metodista. Nenhum foi
ordenado de novo no movimento adventista para servir à nova comunidade
de fé. À medida que o movimento cresceu, nas décadas de 1850 e 1860, a
necessidade de mais evangelistas e plantadores de igrejas se fez sentir com
toda força, e os jovens foram incentivados a dedicar a vida ao ministério.
Após um período de teste e mentoreamento, realizado por líderes mais
experientes, os aspirantes eram ordenados ao ministério. A ordenação tinha o
mesmo propósito evidenciado nas outras tradições protestantes: separá-los e
dedicá-los ao ministério de evangelismo e ensino. A ordenação não conferia
uma nova natureza, mais santidade ao ministro tampouco o separava em uma
categoria restrita ao clero. Os pastores eram nomeados para o evangelismo,
atividade da qual todos os membros da igreja podiam participar.
Com a fundação de uma estrutura formal da igreja entre 1860 e 1863, os
pastores adventistas passaram a pertencer a uma associação, a qual concedia
licenças ministeriais. O trabalho pastoral ainda consistia principalmente de
evangelismo e plantio de novas congregações, mas foi acrescentada a
responsabilidade de fornecer a supervisão do cuidado e ministração das
ordenanças para as igrejas dentro de um distrito. Essa forma de organização
era (e continua sendo) semelhante ao modelo metodista. A associação é
responsável por determinar quem pode ser ordenado, e sua comissão diretiva
delega autoridade ao ministro.
Com o tempo, assim como aconteceu com outras denominações
protestantes, alguns adventistas começaram a enfatizar a necessidade de
pastores mais fixos, ou, no mínimo, menos itinerantes. As igrejas cresceram,
mais igrejas foram acrescentadas aos distritos, e os pastores itinerantes
suportaram o estresse do ministério e a distância do lar e da família por
longos períodos. Naturalmente, um dos riscos dessa mudança foi a tendência
das congregações se tornarem dependentes do pastor. Além disso, os pastores
se tornaram cuidadores espirituais das congregações existentes, dedicando
menos tempo ao evangelismo, plantio de igrejas e capacitação de ministros
leigos. 76
Em oposição a essa tendência de “pastores estáveis”, algumas vozes
recentes têm argumentado que os adventistas deveriam retornar ao padrão do
século 19, de ministros itinerantes e igrejas lideradas por leigos. 77 Russell
Burrill, evangelista experiente e formador de evangelistas, promove
enfaticamente a ideia básica de que o ministro deve ser o evangelista,
enquanto os membros desempenham as principais responsabilidades de
cuidado pastoral na congregação. No entanto, ele alerta contra o retorno
demasiadamente simplista ao padrão do século 19. Em primeiro lugar,
lembra-nos de que, naquela época, a maioria das igrejas adventistas era bem
pequena. Segundo, Ellen G. White não condenou em termos absolutos a
nomeação de pastores estáveis, mas fez um apelo para que fossem instrutores
e treinadores de ministros leigos, a fim de evitar a decaída espiritual
associada à dependência de um pastor. 78
De modo geral, o modelo não dependente do pastor falhou nas igrejas
adventistas do sétimo dia do século 19. Conforme já mencionado, as igrejas
eram pequenas e não tinham anciãos locais com as habilidades necessárias
para fomentar o crescimento de uma congregação próspera. Em geral, os
anciãos garantiam o funcionamento adequado dos cultos semanais, mas não
iam além disso, sobretudo quando surgiam crises ou conflitos interpessoais,
os quais podiam paralisar ou até mesmo causar a destruição de congregações
pequenas. Com a promoção de um ministério mais instruído – algo que Ellen
G. White defendeu com ênfase – e com a oferta de cursos de capacitação para
evangelistas e pastores nas instituições adventistas de ensino, as igrejas
passaram a depender mais do apoio de pastores bem treinados para o
ministério. 79 Em tudo isso, a forma de organização adventista seguiu o
rumo tradicional de desenvolvimento das outras igrejas norte-americanas que
surgiram no século 19. As funções do pastor adventista evoluíram de
evangelista e plantador de igrejas, ordenado por outros colegas como forma
de dedicação e chamado ao ministério, para também supervisor das
atividades espirituais de congregações locais, sendo a ordenação necessária
para realizar atividades litúrgicas e congregacionais específicas (batismo,
Ceia do Senhor, ordenação de diáconos e anciãos locais, reuniões de
comissão da igreja, entre outros). 80

PERSPECTIVA DE ELLEN G. WHITE SOBRE A


NATUREZA, FUNÇÃO E AUTORIDADE DO
MINISTRO

Por meio de seus escritos, Ellen G. White exerce influência histórica e


contínua sobre o pensamento e as práticas adventistas. Seu ponto de vista
sobre a natureza, função e autoridade do ministro está de acordo, em muitos
aspectos, com o dos primeiros protestantes.

Natureza do ministro
No que diz respeito à natureza do ministro, Ellen G. White defende a
igualdade ontológica de todos os crentes. Afirma também que nenhuma
mudança ocorre na natureza do ministro em decorrência da ordenação.
“Muitos alegam que uma posição de confiança na igreja lhes dá autoridade
para ditar o que os outros devem crer e fazer. Essa pretensão não é aprovada
por Deus. O Salvador declara: ‘Vós todos sois irmãos’ (Mt 23:8)” 81 Uma
expressão prática dessa mentalidade é a rejeição do título “reverendo” por
parte dos adventistas do sétimo dia:

Se Cristo estivesse hoje na Terra, rodeado pelos que usam o título de “Reverendo”,
“Reverendíssimo”, repetiria Suas palavras: “Nem sereis chamados guias, porque um
só é vosso Guia, o Cristo” (Mt 23:10). As Escrituras declaram a respeito de Deus:
“Santo e tremendo [“reverendo” dizem outras versões] é o Seu nome” (Sl 111:9). A
que ser humano cabe esse título? Quão pouco o homem revela da sabedoria e da
justiça que essa palavra indica! 82

Durante os primeiros cem anos do adventismo, a forma costumeira de


chamar os pastores ordenados, nos Estados Unidos, era “ancião”. Desde a
segunda metade do século 20, a tendência é usar o título “pastor” para os
ministros ordenados, mesmo que sejam administradores da associação que
não estejam encarregados de uma igreja local. 83
Ellen G. White também defende que Cristo pronunciou a grande comissão
para todos os cristãos, ponto de vista semelhante ao dos anabatistas e
menonitas, evitando assim uma distinção acentuada entre leigos e ministros.

A comissão do Salvador aos discípulos incluía todos os que creem. Ela abrange
todos os que confiam em Cristo até o fim dos tempos. É um grave erro supor que a
obra de salvar pessoas depende unicamente do pastor ordenado. Todos aqueles a
quem veio a inspiração celestial são depositários do evangelho. Todos os que
recebem a vida de Cristo são mandados 84 a trabalhar pela salvação de seus
semelhantes. Para essa obra, foi estabelecida a igreja; e todos os que tomam sobre si
seus sagrados votos se comprometem a ser colaboradores de Cristo. 85
Esse conceito é difundido em seus escritos.

Todo indivíduo que tenha recebido a Cristo é chamado a trabalhar pela salvação de
seus semelhantes. “O Espírito e a noiva dizem: Vem! Aquele que ouve, diga: Vem!”
O dever de fazer este convite inclui a igreja toda. Todo aquele que tenha ouvido o
chamado deve fazer ecoar a mensagem pelas colinas e vales, dizendo: “Vem” (Ap
22:17). 86

A obra não é deixada exclusivamente para aqueles que ocupam posições oficiais nem
para os ministros, mas a todos os membros da igreja Cristo concedeu Seu trabalho.
Não deve haver indolentes. 87

Ao se dirigir aos jovens da igreja, ela afirmou, em 1889:

[Jesus] ama vocês, almeja abençoá-los e lhes aumentar tanto a fé quanto o


conhecimento acerca Dele. Mas a fim de fazer isso por vocês, é preciso que vivam
para Deus. Muitos estão ansiosos por entender os reclamos da lei de Deus e vocês
devem fazer o melhor para lhes ser luz e exemplo. Não dependam dos ministros para
a realização de toda a obra em sua igreja e bairro. Os pastores devem buscar as
ovelhas perdidas e vocês necessitam ajudá-los. E, enquanto os ministros são
chamados a trabalhar em outras partes da vinha, o povo de Deus deve ter luz em si,
falando uns com os outros por meio de salmos, hinos e cânticos espirituais,
entoando com graça em nosso coração e fazendo melodia ao Senhor. Embora vocês
devam respeitar os ministros por causa da obra que realizam, não devem confiar
neles como se fossem salvadores, mas edificar a si próprios na mais sagrada fé.
Quando se reunirem na casa de Deus, contem suas experiências, e vocês se
fortalecerão. Enquanto falam em reuniões, adquirem uma educação que os capacitará
a trabalhar pelos outros. Que privilégio precioso é levar almas a Cristo! É a maior
obra que os mortais podem fazer, pois, quando nisso se envolvem, se tornam
colaboradores de Deus. 88

Note que, nessa passagem, Ellen G. White usa os termos “ministro” e


“pastor” de maneira intercambiável. No final da década de 1880, o ministro,
que até então era quase que completamente um evangelista, também estava
começando a ser visto como um pastor, no sentido de cuidar das
congregações. Se os jovens se envolvessem mais na vida e no ministério da
congregação, os pastores poderiam ficar livres para evangelizar mais e, em
consequência, a juventude vivenciaria um crescimento espiritual mais
profundo.
White também entende que os leigos são plenamente capazes de liderar
igrejas locais e fazer evangelismo, pois todo aquele que é batizado recebe a
“ordenação” de ser representante de Jesus e da igreja. No livro de Atos, a
cerimônia batismal inclui o recebimento do Espírito Santo, que constitui, em
si, uma separação para a missão do evangelho (At 8:16, 17; 19:5, 6). Após
citar João 15:16 (“Não fostes vós que me escolhestes a Mim; pelo contrário,
Eu vos escolhi a vós outros e vos designei para que vades e deis fruto”),
White comenta: “Somos ordenados diante de Deus para dar fruto. Não foi
essa nossa experiência, quando descemos às águas e fomos batizados em
nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo?” 89
Ela subentende que outra ordenação após o batismo não é absolutamente
necessária para que os leigos façam evangelismo.

Enquanto alguns com talentos especiais são escolhidos para devotar todas as suas
energias à tarefa de ensinar e pregar o evangelho, muitos outros, sobre quem mãos
humanas nunca foram postas em ordenação, são chamados a desempenhar
importante parte na salvação de pessoas. 90

A missão do Salvador é dada a todos os que crerem em Seu nome. Deus deseja
enviar para Sua vinha muitos que não foram consagrados ao ministério pela
imposição das mãos. 91

O apelo repetido de Ellen G. White para que todos os cristãos fossem


testemunhas proativas e enérgicas para Deus, a despeito de sua posição,
sugere que, assim como outros protestantes, ela não defendia que o ministro
ordenado possuía uma característica indelével de graça ou santidade superior.
Se a falta de ordenação não impede os leigos de atuar ativamente na missão
da igreja, então a ordenação não confere sabedoria especial aos ministros nem
eleva o indivíduo a uma classe especial dentro da igreja. O conceito
fortemente igualitário de Ellen G. White se estende para o relacionamento
entre leigos, ministros e líderes da igreja. “A posição jamais comunica ao
homem graça, nem o torna justo”, declarou. “‘O temor do Senhor [não a
ordenação sacramental] é o princípio da sabedoria’ (Pv 9:10).” 92
Repreendeu com persistência líderes ordenados da igreja pela tentação de
assumirem autoridade indevida sobre outros, prática que ela chama de
“autoridade suprema”. 93

Deus não Se limita a um homem, ou a um grupo de homens para por eles realizar
Sua obra, mas a todos diz: Vós sois “cooperadores de Deus” (1Co 3:9). Quer isso
dizer que toda a alma que crê deve ter uma parte a desempenhar em Sua sagrada
obra. 94

Esse exercício indevido de autoridade é negado por dois motivos. Primeiro,


porque ela rejeitava a doutrina da primazia de Pedro ou dos bispos como os
únicos líderes da igreja e, em segundo lugar, também rejeitava a perspectiva
sacramental da ordenação que transmita alguma autoridade apostólica para o
líder ordenado.
Assim como o protestantismo histórico, Ellen G. White nega a doutrina da
primazia de Pedro.

O Salvador não confiou a obra do evangelho a Pedro individualmente [Mt 16:19].


Em outra ocasião, mais tarde, repetindo as palavras dirigidas a Pedro, aplicou-as
diretamente à igreja. E o mesmo, em essência, foi dito também aos Doze como
representantes do conjunto de crentes [Jo 20:23]. Se Jesus tivesse delegado a um dos
discípulos qualquer autoridade especial sobre os outros, não os encontraríamos tantas
vezes questionando sobre quem seria o maior. Teriam se submetido ao desejo do
Mestre e honrado aquele que Ele escolhera.

Em vez de apontar algum deles para ser o líder, Cristo disse aos discípulos: “Não
queirais ser chamados Rabi”; “nem vos chameis mestres, porque um só é o vosso
Mestre, que é o Cristo” (Mt 23:8, 10).

[...]

A igreja é edificada tendo Cristo como seu fundamento, ela deve obedecer a Cristo
como cabeça. Não deve depender de seres humanos nem ser controlada por homens.
[...] A Rocha da fé é a presença viva de Cristo na igreja. 95

Ela também nega que a sucessão apostólica por meio do episcopado


histórico garanta verdade ou autoridade. Com base nos ensinos de Cristo em
João 8:39 a 44, faz a aplicação de que “a simples descendência natural de
Abraão não tinha qualquer valor. Sem ter ligação espiritual com ele, a qual se
manifestaria em possuir o mesmo espírito e fazer as mesmas obras, não eram
seus filhos [de Abraão]”. Então, aplica o mesmo princípio a questão da
sucessão apostólica:

A descendência de Abraão se demonstrava não por nome e linhagem, mas pela


semelhança de caráter. Da mesma forma, a sucessão apostólica não se baseia na
transmissão de autoridade eclesiástica, mas nas relações espirituais. Uma vida
influenciada pelo espírito dos apóstolos, bem como a crença e o ensino da verdade
por eles ensinada, essa sim, é a verdadeira prova da sucessão apostólica. 96

Ellen G. White crê que a autoridade foi transmitida dos apóstolos para a
igreja hoje não por meio da ordenação no episcopado histórico, mas pela
semelhança espiritual à vida e aos ensinos dos apóstolos. Também rejeita a
perspectiva sacramental da ordenação.

Posteriormente, o rito da ordenação mediante a imposição das mãos foi muito mal
utilizado; a esse ato se atribuía uma importância sem fundamento, como se um
poder descesse sobre aqueles que recebiam essa ordenação, habilitando-os
imediatamente para toda e qualquer obra ministerial. Mas, na separação desses dois
apóstolos, não há registro indicando que qualquer virtude tenha sido comunicada
pelo simples ato da imposição das mãos. Há unicamente o singelo relatório de sua
ordenação, e da influência que ela teve em sua obra futura. 97

Contrariando a perspectiva sacramental, ela afirma que a ordenação é


basicamente uma dedicação a um tipo particular de serviço. “Deus deseja
enviar para a Sua vinha a muitos que não foram consagrados ao ministério
pela imposição das mãos.” 98
Sua interpretação acerca da ordenação de Paulo e Barnabé em Atos 13
oferece uma série de esclarecimentos acerca de seu conceito do significado
da ordenação. A ordenação dos dois “era um reconhecimento público de sua
divina designação para levar aos gentios as boas-novas do evangelho”. 99

Tanto Paulo quanto Barnabé já haviam recebido sua missão do próprio Deus, e a
cerimônia da imposição de mãos não acrescentou graça ou qualificação especial. Era
uma forma reconhecida de designar alguém para um cargo específico, bem como um
reconhecimento da autoridade conferida à pessoa. Por ela o selo da igreja era
colocado sobre a obra de Deus.

[...]

Esse gesto era significativo para os judeus. Quando um pai abençoava os filhos,
colocava reverentemente as mãos sobre a cabeça deles. Quando um animal era
destinado ao sacrifício, aquele que estava revestido da autoridade sacerdotal também
colocava a mão sobre a cabeça da vítima. E, quando os dirigentes da igreja de
Antioquia puseram as mãos sobre Paulo e Barnabé, estavam pedindo a Deus que
concedesse Sua bênção aos apóstolos escolhidos, ao serem separados para a obra
específica a que haviam sido designados. 100

Embora ela não veja a ordenação como uma prática sacramental no sentido
católico romano, reconhece que a cerimônia representa a iniciação em uma
nova etapa na vida do ministro:

Paulo considerava a ocasião de sua ordenação formal como um marco do início de


uma nova e importante época na obra de sua vida. Posteriormente, ele mencionou
essa data como o início de seu apostolado na igreja cristã. 101

Um episódio ilustra ainda mais o conceito anabatista não sacramental de


ordenação defendido por Ellen G. White. Em 1873, John Tay entrou para a
Igreja Adventista do Sétimo Dia e logo se sentiu chamado por Deus para
servir como missionário voluntário no sul do Pacífico. Em 1886, ele aportou
na ilha de Pitcairn e conseguiu, pela graça de Deus, converter toda a
população. Contudo, por não ser ministro ordenado, não tinha autorização
para batizar as pessoas da ilha que haviam aceitado as três mensagens
angélicas. 102 Dez anos depois, após a morte de Tay, Ellen G. White
comentou esse evento:

Há mais uma coisa que quero lhes dizer acerca de algo que sei por causa da luz que
me foi concedida: foi um grande erro irem homens cientes de que são filhos de Deus,
como o irmão Tay, [que] foi para Pitcairn como missionário para fazer a obra, [mas]
sem se sentir na liberdade de batizar por não ter sido ordenado. Isso não é ordem de
Deus, mas arranjo humano. Quando alguém sai com o chamado para trabalhar e
levar almas à verdade, foi ordenado por Deus, [mesmo] que nunca tenha sido
abençoado por uma cerimônia de ordenação. Dizer que esses indivíduos não podem
batizar quando não há outro para fazê-lo [é errado]. Se houver um ministro ordenado
ao alcance, tudo bem. Ele deve ser procurado para realizar os batismos. No entanto,
quando o Senhor trabalhar com um ser humano para ganhar almas aqui e acolá, e
este não souber quando se apresentará a oportunidade para essas pessoas preciosas
serem batizadas, sem dúvida ou hesitação sobre o assunto, ele deve seguir adiante e
batizar essas pessoas. 103

Nesse caso, o ministério é visto de maneira não hierárquica, e a ordenação é


considerada uma afirmação da ordenação espiritual anterior da parte de Deus.
Sua paixão pela salvação dos perdidos é tão intensa que a decisão humana de
não permitir, sob circunstância alguma, que um membro da igreja realize um
batismo não recebe seu apoio. Se houver essas limitações, a ponto de impedir
o batismo na ausência de um ministro ordenado, isso não passa de “arranjo
humano”.
Para fazer justiça, é preciso admitir que Ellen G. White apoiava o princípio
da ordenação eclesiástica e concordava que ela funciona como um rito para
mostrar que os ministros receberam autoridade a fim de trabalhar para a
igreja. Entretanto, se a ordenação for vista como forma de estabelecer uma
hierarquia que mantenha os leigos em posição de inferioridade, fica claro que
ela não apoia esse ponto de vista. Ela foi contrária à ideia de que somente
ministros ordenados podiam representar a igreja por meio de seus direitos e
suas funções exclusivas. Fica claro, em sua mente, que a relação entre
ordenação e conceder autoridade é algo fluido e que a ordenação é mais
semelhante a um comissionamento para fazer o serviço de Deus na igreja.

Funções do ministro
Com a ordenação, Paulo e Barnabé foram “autorizados pela igreja, não
somente para ensinar a verdade, mas para realizar o rito do batismo e
organizar igrejas, achando-se investidos de plena autoridade
eclesiástica”. 104 Essa lista de funções inclui três dos quatro elementos do
“ministério quádruplo” proposto pelos metodistas: palavra, sacramentos,
ordem e adoração. 105 “Ensinar” é o ministério da palavra; “batismo”
corresponde ao ministério dos sacramentos (embora não no sentido católico
romano) e “organizar” é o ministério da ordem, o funcionamento adequado
da igreja. Por que Ellen G. White, que cresceu na Igreja Metodista, e manteve
muito em comum com sua antiga denominação, omitiu o ministério da
adoração das funções da “plena autoridade eclesiástica”? Um motivo claro é
que ela não entendia o ministério da adoração como domínio exclusivo do
ministro ordenado. Entre os primeiros metodistas, os ministros eram
pregadores itinerantes, nomeados pela conferência anual a um conjunto de
igrejas. Eles viajavam quase que o tempo inteiro, frequentemente pregando
todos os dias da semana enquanto faziam suas rotas. Muitas igrejas rurais
pequenas só viam o ministro a cada cinco ou seis semanas e, nesse meio
tempo, os cultos semanais eram liderados por leigos das congregações. Uma
eclesiologia não litúrgica e não sacramental não exige a presença de um
ministro ordenado para a realização de cultos de adoração válidos ou
eficazes.
Os primeiros adventistas adotaram um padrão semelhante. Nesse sentido, -
Ellen G. White aconselhou que, se não houvesse ministro presente para
pregar, os leigos deveriam adorar a Deus com cânticos e testemunhos. Não
deveriam esperar um sermão – mesmo que pregado por um ancião leigo –
todo sábado. Isso não quer dizer que a proclamação da Palavra não fosse um
componente essencial da adoração adventista, mas que, se nenhum
“pregador” estivesse presente, a “proclamação da Palavra” poderia ser feita
por um leigo que compartilhasse os resultados de seu estudo pessoal da
Bíblia, com a participação do público, em lugar de fazer uma homilia ou um
sermão formal.

Que os grupos menores não pensem que não podem ter culto quando o pastor não
está. Em casos assim, um de seus membros deve se levantar no púlpito e pregar para
eles. O tempo e a hora são muito preciosos. Os cristãos reunidos se encontram na
sala de audiências do Universo celestial. Devem testemunhar de Deus e o Senhor
Jesus Cristo, que deu Sua vida pelo mundo. O grupo pequeno deve servir a Deus ao
Lhe oferecer adoração espiritual. Quando não houver ministro delegado para falar
aos grupos menores, que cada um testemunhe da verdade e fale com fidelidade e
frequência aos outros do amor de Deus, treinando e educando a alma dessa maneira.
Que cada um busque se tornar um cristão inteligente, desempenhando suas
responsabilidades e sua parte para tornar o culto interessante e proveitoso. 106

Em congregações maiores, a ausência de um pregador era, sem dúvida, a


exceção, em lugar da regra, mas nas áreas rurais, existem ainda hoje muitas
congregações ou “grupos” pequenos nos quais, na maioria dos sábados, o
culto é conduzido por um leigo.
Ellen G. White, assim como a tradição metodista do século 19, enfatiza que
o evangelismo é a prioridade suprema do ministro. Os ministros não
deveriam “rondar as igrejas já formadas”, mas se dedicar a “fazer trabalho
evangélico ativo, pregando a Palavra e fazendo trabalho de casa em casa nos
lugares que ainda não ouviram a verdade. [...] Verão que nada é mais
animador do que fazer trabalho evangelístico em novos campos”. 107
Ela acrescenta:

Sentimo-nos imensamente penalizados ao ver alguns de nossos pastores agitando-se


em torno das igrejas, fazendo ao que parece algum esforço, mas não tendo afinal
senão quase nada para apresentar como fruto de seu trabalho. O campo é o mundo.
Saiam eles para o mundo incrédulo, e trabalhem para converter pessoas à
verdade. 108

Ao falar em “agitar-se em torno das igrejas”, ela quer dizer, com toda
clareza, que o pastor estava tentando cumprir a missão da igreja para os
membros, em vez de liderar e instruir os membros rumo à plena participação
na missão da igreja, cada um conforme seus dons. Essa perspectiva é apoiada
por outra declaração acerca do papel do pastor.

O pastor não deve sentir ser seu dever fazer todas as pregações e todos os trabalhos e
todas as orações; cabe-lhe preparar auxiliares, em todas as igrejas. Que pessoas
diferentes se revezem na direção das reuniões, e em dar estudos bíblicos; assim
fazendo, estarão empregando os talentos que Deus lhes deu, e, ao mesmo tempo,
recebendo o preparo para serem obreiros. [...]

Mas muitos pastores falham em conseguir, ou em não tentar, que todos os membros
da igreja se empenhem ativamente nos vários ramos da obra. Se os pastores dessem
mais atenção a pôr e manter seu rebanho ativamente ocupado na obra, haveriam de
realizar mais benefícios, ter mais tempo para estudar e fazer visitas missionárias, e
também evitar muitas causas de atrito. 109

O primeiro parágrafo citado acima prescreve um papel de capacitação ou


mentoreamento para o ministro, ao passo que o último inclui uma gama de
responsabilidades pastorais que precisam ser mantidas em equilíbrio.
Assim como as tradições anabatista, reformada e metodista, Ellen G. White
atribui grande ênfase à disciplina, incluindo fazer e corrigir discípulos. Ela
defende que o ministro (ou presidente da Associação) é responsável por
liderar e aconselhar as congregações em casos de disciplina eclesiástica. 110
Isso não quer dizer que um ministro pode tomar decisões unilaterais acerca
da disciplina eclesiástica. A disciplina da igreja é uma questão
congregacional, mas, com frequência, é responsabilidade do ministro tomar a
iniciativa. Ela escreveu: “aqueles que ministram no serviço de Deus” são “tão
responsáveis por males que poderíamos haver reprimido em outros pela
reprovação, pela advertência, pelo exercício da autoridade paterna ou
pastoral, como se fôssemos nós mesmos culpados desses atos.” 111 Ela
reforça esse conceito ao fazer alusões aos escritos de Paulo a Tito e a
Timóteo:
Aqueles que Deus separou como pregadores da justiça têm sobre si solenes
responsabilidades quanto a reprovar os pecados do povo. Paulo ordenou a Tito:
“Exorta e repreende com toda a autoridade. Ninguém te despreze” [Tt 2:15].
Sempre há pessoas que desprezam aquele que ousa reprovar o pecado; ocasiões há,
porém, em que é preciso repreender. Paulo instrui Tito a repreender incisivamente
certa classe, “para que sejam sãos na fé” [Tt 1:13]. Homens e mulheres, com
diferentes temperamentos, reunidos como igreja têm singularidades e defeitos.
Quando estes se desenvolvem, exigem reprovação. Se os que ocupam posições
importantes nunca reprovassem, nunca repreendessem, logo iria se manifestar uma
condição pervertida que desonraria grandemente a Deus. Como, porém, se fará a
reprovação? Deixe que o apóstolo reponda: “Com toda a longanimidade e doutrina”
[2Tm 4:2]. Os princípios devem ser apresentados àquele que necessita da repreensão;
mas nunca se devem passar por alto, indiferentemente, os erros do povo de
Deus. 112

Então ela exalta a Palavra de Deus como o guia infalível para tudo que o
ministro faz e o padrão por meio do qual sua autoridade é testada.

Autoridade do ministro
Uma vez que o ministério cristão consiste em uma extensão do ministério
de Cristo, sua fonte suprema de autoridade é Deus. Cristo declara: “Toda a
autoridade Me foi dada no céu e na terra” (Mt 28:18). “Embora delegue Seu
poder a ministros inferiores, Sua presença vitalizante permanece ainda em
Sua igreja.” 113 A autoridade se origina em Deus e vem aos seres humanos
somente por delegação, por intermédio da igreja em harmonia com as
Escrituras.
Assim, Ellen G. White reconhece uma base tripla da autoridade do
ministro: Deus, a igreja e as Escrituras. 114 “Tudo é feito em nome e pela
autoridade de Cristo. Cristo é a fonte, e a igreja é o canal de
comunicação.” 115 Contudo, a base objetiva e o padrão da autoridade do
ministro são as Escrituras. Ellen G. White destaca corretamente que qualquer
autoridade humana exercida em detrimento da Bíblia concorre com a
autoridade da Palavra de Deus.

Muitos professos ministros do Evangelho [...] elevam sua opinião acima da Palavra;
e as Escrituras que eles ensinam, repousam sobre a autoridade deles próprios. Sua
autenticidade divina é destruída. [...] Deixa-se parecer a Palavra de Deus cheia de
mistérios e trevas, para desculpar as transgressões de Sua lei. Em Seus dias, Cristo
censurava essas práticas. Ensinava que a Palavra de Deus deve ser compreendida por
todos. Apontava às Escrituras como de autoridade inquestionável, e devemos fazer o
mesmo. A Bíblia deve ser apresentada como a Palavra do Deus infinito, como o
termo de toda polêmica e o fundamento de toda fé. 116

White explica a relação entre a autoridade de Deus, da igreja e das


Escrituras em sua discussão sobre a doutrina de absolvição ou perdão de
pecados, encontrada em seu comentário sobre a primeira aparição de Cristo a
Seus discípulos posterior à ressurreição, em João 20:19 a 29. 117 A passagem
merece ser examinada em detalhes, começando com a citação que ela faz de
João 20:23 (ACF): “Aqueles a quem perdoardes os pecados lhes são
perdoados; e aqueles a quem retiverdes lhes são retidos.” 118 Comenta
explicando então que é “a igreja em sua qualidade de corpo organizado” que
comunica a autoridade divina para julgar ou pronunciar perdão. Cristo
delegou essa autoridade para a igreja, que recebe a tarefa especial de
ministrar disciplina. A autoridade não é dada de forma direta ou independente
aos ministros e anciãos, mas, em primeira instância, à igreja: “Aqui Cristo
não dá permissão para qualquer pessoa julgar os outros. No Sermão do
Monte, Ele proíbe fazê-lo. É uma prerrogativa de Deus. Porém, sobre a igreja
como corpo organizado, Ele coloca uma responsabilidade para com os
membros individualmente.” 119
A premissa básica para a interpretação que Ellen G. White faz de João
20:23 é que a autoridade para perdoar pecados é dada por Cristo à igreja
como um todo, não para cristãos individuais. A igreja fala por intermédio de
seus representantes designados (ministros e anciãos). Isso não quer dizer que
a igreja fala somente por meio deles, mas que são oficialmente reconhecidos
como representantes da igreja e de sua mensagem. Qualquer membro da
igreja pode corrigir alguém em erro, mas esse papel é atribuído, de maneira
especial, ao ministro e/ou ancião. Quando a igreja fala em caráter coletivo,
ela o faz mediante a influência de seus líderes. O ministro ou ancião não têm
autoridade individual intrínseca para julgar outros membros. Mas, quando a
vontade de Deus revelada nas Escrituras é entendida pela igreja, o Espírito
Santo valida esse pronunciamento, e representantes oficiais da igreja, como
ministros e anciãos, comunicam essa decisão. A autoridade do ministro é
derivada da igreja, que, por sua vez, a deriva de Cristo. O texto continua:

A igreja tem o dever, para com os que caem em pecado, de advertir, instruir e, se
possível, restaurar. “Corrige, repreende, exorta”, diz o Senhor, “com toda a
longanimidade e doutrina” (2Tm 4:2). Lidem de maneira fiel com aquele que fez
algo errado. Advirtam toda pessoa que está em perigo. Não deixem que ninguém se
engane. Chamem o pecado pelo seu verdadeiro nome. Declarem o que Deus disse
sobre a mentira, a transgressão do sábado, o roubo, a idolatria e todos os outros
males. “Não herdarão o reino de Deus os que tais coisas praticam” (Gl 5:21). Se a
pessoa persistir no pecado, o juízo que foi declarado em harmonia com a Palavra de
Deus será pronunciado sobre ela no Céu. Quando o indivíduo escolhe pecar, está
renunciando a Cristo; a igreja [...] deve dizer a respeito do pecado o mesmo que o
Senhor declara. Deve tratar com ele segundo as instruções divinas, e sua ação será
confirmada no Céu. Aquele que despreza a autoridade da igreja despreza a
autoridade do próprio Cristo. 120

Assim, Ellen G. White argumenta que a autoridade de Cristo é delegada à


igreja e, por meio de seus representantes, ao indivíduo que necessita de
correção. A palavra (humana) de perdão ou juízo só é válida e reconhecida no
Céu quando os ensinos da igreja refletem com precisão a Palavra de Deus nas
Escrituras. A autoridade de um delegado jamais tem permissão para exceder a
autoridade de quem o delegou.
Após exaltar a validade da palavra de juízo da igreja, ela também explicita
o “aspecto mais feliz”: a autoridade da igreja em pronunciar perdão para
aqueles que aceitam a palavra de repreensão e se arrependem.

Que os pastores tenham amável cuidado pelo rebanho do Senhor. Falem ao perdido
sobre a misericórdia perdoadora do Salvador. Animem o pecador a se arrepender e a
crer Naquele que pode perdoar. Declarem, com a autoridade da Palavra de Deus:
“Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados
e nos purificar de toda a injustiça” (1Jo 1:9). [...] Que a igreja aceite, de coração
agradecido, o arrependimento do pecador. E que o arrependido seja conduzido das
trevas da incredulidade para a luz da fé e da justiça. Que sua mão trêmula seja
colocada na amorável mão de Jesus. Tal remissão é confirmada no Céu.

Apenas nesse sentido a igreja tem poder de absolver o pecador. A remissão dos
pecados só pode ser obtida por meio dos méritos de Cristo. Nenhuma pessoa ou
grupo de pessoas têm o poder de libertar alguém da culpa. Cristo encarrega Seus
discípulos de pregar a remissão dos pecados em Seu nome entre todas as nações. No
entanto, eles próprios não receberam o poder de tirar uma só mancha de pecado.
“Abaixo do Céu”, o nome de Jesus é o único nome “dado entre os homens, pelo qual
importa que sejamos salvos” (At 4:12). 121

Dessa maneira, ela esclarece que a Palavra de Deus, encarnada em Cristo,


escrita na Bíblia e proclamada pela igreja tem autoridade divina para ligar e
desligar.
Uma confirmação adicional de que a autoridade do ministro não é
sacramental, mas representativa, é encontrada na polêmica protestante contra
o ensino católico romano em relação às chaves de Pedro:
As palavras de Cristo: “Dar-te-ei as chaves do reino dos céus” (Mt 16:19) não se
dirigiram somente a Pedro, mas aos discípulos, incluindo aqueles que formariam a
igreja cristã em todas as eras. Pedro não recebeu precedência ou poder acima de
nenhum dos outros discípulos. Caso Jesus houvesse delegado qualquer autoridade
especial sobre um deles, não os veríamos discutindo com tanta frequência entre si
sobre qual seria o maior. 122

Jesus não [...] concedeu aos apóstolos, nem a seus sucessores, poder para perdoar
pecados. [...] O Salvador ensinou que Seu nome é o único debaixo do Céu mediante
o qual os seres humanos serão salvos. Todavia, Cristo delegou a sua igreja na Terra,
em sua capacidade organizada, o poder de censurar e remover censura segundo as
regras prescritas pela inspiração. Entretanto, essas ações só deveriam ser
executadas por pessoas de boa reputação, consagradas pelo grande Cabeça da igreja;
pessoas que demonstram, em sua vida particular, o desejo intenso de seguir a guia do
Espírito de Deus. 123

As pessoas a quem ela se refere não são exclusivamente os


ministros/pastores, podendo incluir anciãos ou até mesmo indivíduos que não
ocupam cargos de liderança na igreja. A expressão “segundo as regras
prescritas pela inspiração” enfatiza mais uma vez que a igreja, por intermédio
de seus representantes, tem autoridade para ligar e desligar somente enquanto
fala em conformidade com as Escrituras.

CONCLUSÃO

Em todos os aspectos significativos, o conceito de Ellen G. White sobre a


natureza, função e autoridade do ministro está em acordo básico com a
teologia protestante e as práticas das denominações das quais procederam os
pioneiros adventistas. Em concordância com outras igrejas protestantes, ela
entendia que a natureza do ministro é exatamente a mesma que a dos outros
membros da igreja: salvo pela graça de Deus para o serviço e a missão. A
ordenação não confere uma posição especial ao ministro, mas demonstra que
ele recebeu a responsabilidade de representar a igreja. Aliás, ela entendia que
a missão da igreja é responsabilidade de todos os membros, 124 capacitados
pelos ministros e líderes. Ela fez um apelo aos pastores para que
distribuíssem a responsabilidade pela missão da igreja a todos os membros, a
fim de que esses crescessem ao colocar a fé em ação e que os ministros
ficassem livres para desenvolver amplamente seus dons espirituais, sobretudo
por meio do ministério público da Palavra.
A função do ministro é primariamente de evangelismo, ensino da Palavra
de Deus, ministração dos ritos da igreja e manutenção da ordem. No entanto,
a autoridade do ministro, assim como a de qualquer outro representante da
igreja, é delegada por ela, que a recebe de Cristo mediante a Palavra de Deus.

1 H. Ahaus, “Orders, Holy”, Charles G. Herbermann, ed., The Catholic Encyclopedia (Nova York:
Robert Appleton, 1907–1912), v. 11, p. 279.
2 M. J. Ryan, “Character (in Catholic Theology)” em Herbermann, ed., The Catholic Encyclopedia, v.
3, p. 586.
3 Herbermann, ed., The Catholic Encyclopedia, v. 3, p. 587.
4 Herbermann, ed., The Catholic Encyclopedia, v. 3, p. 587.
5 Ahaus, “Orders, Holy” em Herbermann, ed., The Catholic Encyclopedia, v. 11, p. 279.
6 Herbermann, ed., The Catholic Encyclopedia, v. 11, p. 279.
7 Catechism of the Catholic Church (Nova York: Doubleday, 1994–1995), §1.548.
8 Gabriel Audisio, The Waldensian Dissent: Persecution and Survival, c. 1170-1570 (Cambridge:
Cambridge University Press, 1999), p. 56.
9 Curtis V. Bostick, The Antichrist and the Lollards: Apocalypticism in Late Medieval and Reformed
England (Leiden: Brill, 1998), p. 75.
10 P. De Vooght, “Hus, John”, em Wm. J. McDonald, ed., New Catholic Encyclopedia (Nova York:
McGraw-Hill, 1967), v. 7, p. 271, 272; P. De Vooght, “Hussites”, McDonald, v. 7, p. 273-275.
11 Timothy J. Wengert, Priesthood, Pastors, and Bishops: Public Ministry for the Reformation and
Today (Mineápolis, MN: Fortress, 2008), p. 7.
12 Wengert, Priesthood, Pastors, and Bishops, p. 7.
13 Martinho Lutero, “À Nobreza Cristã da Nação Alemã, acerca da Melhoria do Estamento Cristão”,
em Obras Selecionadas (São Leopoldo, RS: Editora Sinodal, 2009), v. 2, p. 282.
14John H. C. Fritz, “Ministerial Office” em Erwin L. Lueker, ed., Lutheran Cyclopedia (Saint Louis,
MO: Concordia, 1954), p. 683.
15 James H. Pragman, Traditions of Ministry: A History of the Doctrine of the Ministry in Lutheran
Theology (Saint Louis, MO: Concordia, 1983), p. 183.
16 David P. Scaer, “The Office of the Pastor and the Problem of the Ordination of Women Pastors”
em Matthew C. Harrison e John T. Pless, ed., Women Pastors? The Ordination of Women in Biblical
Lutheran Perspective (Saint Louis, MO: Concordia, 2008), p. 262.
17 Scaer, “The Office of the Pastor and the Problem of the Ordination of Women Pastors”.
18 John J. Kleinig, “Ministry and Ordination” em Harrison e Pless, ed., Women Pastors?, p. 325.
19 Pragman, Traditions of Ministry, p. 185.
20 Confissão de Augsburgo, Artigo 21, “Do Culto aos Santos”, afirma que Cristo é “o único Salvador,
o único Sumo Sacerdote, Propiciatório e Advogado diante de Deus”. Disponível em
<https://www.luteranos.com.br/textos/a-confissao-de-augsburgo>, acesso em 24 de setembro de 2019
21 Wengert, Priesthood, Pastors, and Bishops, p. 7.
22 Wengert, Priesthood, Pastors, and Bishops, p. 8.
23 Wengert, Priesthood, Pastors, and Bishops, p. 2.
24 Wengert, Priesthood, Pastors, and Bishops, p. 16.
25 Erwin L. Lueker, “Polity, Ecclesiastical”, em Lueker, org., Lutheran Cyclopedia p. 825.
26 Lueker, “Polity, Ecclesiastical”, p. 825.
27 Fundada em 1992, a Comunhão de Porvoo consiste em uma comunhão de 13 igrejas europeias,
anglicanas e luteranas. As igrejas originalmente envolvidas eram as igrejas anglicanas das Ilhas
Britânicas e as igrejas luteranas de países do norte da Europa. The Porvoo Common Statement
(Londres: Council for Christian Unity of the General Synod of the Church of England, 1993).
Posteriormente, as igrejas anglicanas da Espanha e de Portugal aderiram ao acordo.
28 C. Arnold Snyder, Anabaptist History and Theology: An Introduction (Kitchener: Pandora Press,
1995), p. 86, afirma: “A instituição prática mais próxima de um sacerdócio de todos os crentes é
encontrada no início do anabatismo, embora esse fenômeno não tenha durado muito”; cf. p. 46, 47, 225,
366-368, 383.
29 Robert Friedmann, The Theology of Anabaptism (Scottdale, PA: Herald Press, 1973), p. 149.
30 Friedmann, The Theology of Anabaptism, p. 151.
31 George Huntston Williams, The Radical Reformation (Filadélfia, PA: Westminster, 1962), p. 844,
845.
32 Leonard Gross, “The Golden Years of the Hutterites: The Witness and Thought of the Communal
Moravian Anabaptists During the Walpot Era, 1565-1578” em Studies in Anabaptist and Mennonite
History, nº 23 (Scottdale, PA: Herald Press, 1980), p. 173.
33 John H. Yoder, ed., The Schleitheim Confession (Scottdale, PA: Herald, 1977), p. 13.
34 Yoder, ed., The Schleitheim Confession, p. 13.
35 Yoder, ed., The Schleitheim Confession, p. 13, 14.
36 Michael Sattler, “Congregational Order” em The Legacy of Michel Sattler, John H. Yoder, ed.
(Scottdale, PA: Herald, 1973), p. 44; citado em Malcolm B. Yarnell III, ed., Anabaptists and
Contemporary Baptists (Nashville, TN: Broadman and Holman, 2013), p. 30.
37 Sattler, “Congregational Order”, p. 30.
38 Marianne L. Wolfe, “Polity” em Donald K. McKim, ed., Encyclopedia of the Reformed Faith,
(Louisville, KY: Westminster/John Knox, 1992), p. 283.
39 Eduard Thurneysen, A Theology of Pastoral Care (Richmond, VA: John Knox, 1962), p. 53.
40 Thurneysen, A Theology of Pastoral Care, p. 36.
41 J. William Black, Reformation Pastors: Richard Baxter and the Ideal of the Reformed Pastor
(Waynesboro, GA: Paternoster, 1988), p. 91.
42 William V. Arnold, “Pastoral Care”, em Donald K. McKim, ed., The Westminster Handbook to
Reformed Theology (Londres: Westminster John Knox, 2001), p. 164.
43 Arnold, “Pastoral Care”.
44 Thurneysen, A Theology of Pastoral Care, p. 16.
45 Black, Reformation Pastors, p. 37.
46 Black, Reformation Pastors, p. 240, 260.
47 Wolfe, “Polity”, p. 283.
48 Wolfe, “Polity”, p. 283.
49 Wolfe, “Polity”, p. 283.
50 Black, Reformation Pastors, p. 93.
51 Black, Reformation Pastors, p. 260.
52 Bishop W. L. Harris, The Relation of the Episcopacy to the General Conference (Nova York: Hunt
and Eaton, 1888), p. 39.
53 Harris, The Relation of the Episcopacy to the General Conference, p. 40; cf. Scott J. Jones, United
Methodist Doctrine: The Extreme Center (Nashville, TN: Abingdon, 2002), p. 254.
54 Harris, The Relation of the Episcopacy to the General Conference, p. 267.
55 United Methodist Church, The Book of Discipline of the United Methodist Church (Nashville, TN:
The United Methodist Publishing House, 2012), p. 218.
56 United Methodist Church, The Book of Discipline of the United Methodist Church, p. 217.
57 United Methodist Church, The Book of Discipline of the United Methodist Church, p. 217.
58 Alan K. Waltz, Dictionary for United Methodists (Nashville, TN: Abingdon, 1991), p. 95.
59 Jones, United Methodist Doctrine, p. 282.
60 Waltz, Dictionary for United Methodists p. 92. Esses “ministérios especializados em serviço,
justiça e amor nas congregações locais e no mundo como um todo” são chamados de diaconias (Waltz,
Dictionary for United Methodists, p. 79).
61 United Methodist Church, The Book of Discipline of the United Methodist Church, p. 221.
62 United Methodist Church, The Book of Discipline of the United Methodist Church, p. 267.
63 United Methodist Church, The Book of Discipline of the United Methodist Church, p. 268.
64 James Albert Beebe, The Pastoral Office: An Introduction to the Work of a Pastor (Nova York:
Methodist Book Concern, 1923), p. 120.
65 United Methodist Church, The Book of Discipline of the United Methodist Church, p. 269.
66 United Methodist Church, The Book of Discipline of the United Methodist Church, p. 270.
67 United Methodist Church, The Book of Discipline of the United Methodist Church, p. 217.
68 United Methodist Church, The Book of Discipline of the United Methodist Church, p. 217.
69 United Methodist Church, The Book of Discipline of the United Methodist Church, p. 267.
70 United Methodist Church, The Book of Discipline of the United Methodist Church, p. 267.
71 Waltz, Dictionary for United Methodists, p. 110.
72 Jones, United Methodist Doctrine, p. 254.
73 Beebe, The Pastoral Office, p. 120.
74 United Methodist Church, The Book of Discipline of the United Methodist Church, p. 217; cf.
Jones, United Methodist Doctrine, p. 27.
75 Russell C. Burrill, “Recovering an Adventist Approach to the Life and Mission of the Local
Church” (tese de doutorado em Ministério, Fuller Theological Seminary, 1997), p. 186; cf. p. 193, 201.
76 Burrill apresenta uma síntese histórica bem documentada da mudança, no adventismo, de pastores
itinerantes para pastores-capacitadores e, depois, pastores-cuidadores em Burrill, “Recovering an
Adventist Approach to the Life and Mission of the Local Church”, p. 184-217.
77 Cf. Tom Glatts, “Advantages of a Multi-Church District”, Ministry, outubro de 2012, p. 16-18;
David J. Cook e Ryan L. Ashlock, “A Job for Superman? A Call to Clarify the Role of the Adventist
Minister”, Ministry, fevereiro de 2013, p. 10-14.
78 Burrill, “Recovering an Adventist Approach to the Life and Mission of the Local Church”, p. 198-
211; E. G. White, Manuscript 150, 1901, citado em Ellen G. White, Evangelismo (Tatuí, SP: Casa
Publicadora Brasileira, 2014), p. 381.
79 Cf. Denis Fortin, Adventism in Quebec: The Dynamics of Rural Church Growth (Berrien Springs,
MI: Andrews University Press, 2004), p. 177-188.
80 Desde os tempos de Ellen G. White, a relação entre ministério e ordenação mudou. O ancião local
ordenado pode batizar e ministrar a santa ceia, se for autorizado pelo presidente da Associação. Antes
de ser ordenado ou comissionado, uma vez que o período de teste e mentoreamento antes da ordenação
continua a ser praticado, o pastor pode realizar as ordenanças da igreja se tiver sido ordenado ancião
local. No entanto, somente um ministro ordenado pode ordenar diáconos e anciãos locais, organizar ou
dissolver igrejas, ou ainda supervisionar a disciplina de membros. Manual da Igreja Adventista do
Sétimo Dia (Silver Spring, MD: Secretariat, General Conference of Seventh-day Adventists, 2010), p.
34-39, 74-76.
81 Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2019), p.
414.
82 White, O Desejado de Todas as Nações, p. 613.
83 Na década de 1970, a maioria das igrejas dos Estados Unidos ainda tinha o costume de usar o título
“Ancião Fulano de Tal” ao se dirigir a um ministro ordenado e “Pastor Fulano de Tal” ao se dirigir a
um ministro não ordenado.
84 Em inglês: “ordenados” (ordained). [N. da T.]
85 White, O Desejado de Todas as Nações, p. 822 (itálico acrescentado).
86 Ellen G. White, Atos dos Apóstolos (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2018), p. 110.
87 Ellen G. White, “Our Duty and Responsibility”, General Conference Bulletin, quarto trimestre de
1896, p. 766.
88 Ellen G. White, “The Necessity of Connection With Christ”, Review and Herald, 7 de maio de
1889, p. 8 (itálico acrescentado).
89 Ellen G. White, “Abiding in Christ” (sermão pregado em 10 de março de 1908), em Manuscript
Releases (Silver Spring, MD: E. G. White Estate, 1990), v. 6, p. 29 (itálico acrescentado).
90 White, Atos dos Apóstolos, p. 355 (itálico acrescentado).
91 White, Atos dos Apóstolos, p. 110 (itálico acrescentado); cf. Ellen G. White, Mensagens aos Jovens
(Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2016), p. 226; Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja, 9 v.
(Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), v. 6, p. 444; Ellen G. White, Testemunhos Para
Ministros (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 188; Ellen G. White, “Work for the
Master”, Bible Training School, março de 1912, p. 194; Ellen G. White, “A Preparation for the Coming
of the Lord”, Review and Herald, 24 de novembro de 1904, p. 7.
92 Ellen G. White, Medicina e Salvação (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1991), p. 165.
93 Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja, 9 v. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2010), v.
8, p. 236.
94 White, Testemunhos Para Ministros (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2010), p. 208, 209.
95 White, O Desejado de Todas as Nações, p. 414 (itálico acrescentado).
96 White, O Desejado de Todas as Nações, p. 467.
97 White, Atos dos Apóstolos, p. 162 (itálico acrescentado).
98 White, Atos dos Apóstolos, p. 110 (itálico acrescentado); cf. p. 160. Em sua primeira referência à
ordenação de um ministro (evangelista) durante os primeiros anos adventistas sabatistas da igreja, ela
aludiu a essa ordenação como um comissionamento ao ministério. “Irmãos de experiência e de mente
saudável devem congregar-se, e seguindo a Palavra de Deus e sanção do Espírito Santo, devem, com
fervente oração, impor as mãos sobre aqueles que tenham dado plena prova de que receberam o
chamado de Deus, sendo então separados para se devotarem inteiramente a Sua obra. Esse ato mostraria
a sanção da igreja a sua saída como mensageiros para levarem a mais solene mensagem já dada aos
homens” (Ellen G. White, Primeiros Escritos, p. 101).
99 White, Atos dos Apóstolos, p. 161.
100 White, Atos dos Apóstolos, p. 161, 162 (itálico acrescentado).
101 White, Atos dos Apóstolos, p. 164, 165; cf. Ellen G. White, Paulo, o Apóstolo da Fé e da
Coragem (Campinas, SP: Certeza Editorial, 2004), p. 45, 46.
102 Em 1879, a Associação Geral votou que “somente aqueles que foram biblicamente ordenados
estão adequadamente qualificados para ministrar o batismo e outras ordenanças”. G. I. Butler, “Twelfth
Meeting, November 24, 1879, 7 p.m.”, em “Transcription of minutes of GC sessions from 1863 to
1888”, p. 151, 162. Disponível em
<http://documents.adventistarchives.org/Periodicals/GCSessionBulletins/GCB1863-88.pdf>, acesso em
16 de dezembro de 2015.
103 Ellen G. White, “Remarks Concerning the Foreign Mission Work”, Manuscript 75, 1896 (itálico
acrescentado).
104 White, Atos dos Apóstolos, p. 161 (itálico acrescentado).
105 United Methodist Church, The Book of Discipline of the United Methodist Church, p. 221.
106 Ellen G. White, “Witnesses for Christ”, Review and Herald, 10 de setembro de 1895, p. 577, 578.
107 Ellen G. White, Carta 169, 1904, citada em White, Evangelismo, p. 382; cf. White, Atos dos
Apóstolos, p. 369.
108 Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja, v. 3, p. 406.
109 Ellen G. White, Obreiros Evangélicos (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1993), p. 197, 198.
110 Por exemplo, ela escreveu a uma igreja pequena em Ligonier, Indiana, em 1880: “Igrejas recentes
podem ter anciãos e diáconos como líderes, escolhidos para ter a missão e o cuidado em relação à
prosperidade da igreja. No entanto, esses homens não podem se sentir na liberdade de usar a própria
opinião e responsabilidade para excluir nomes da igreja. [...] Eles devem se comunicar com aquele que
foi nomeado presidente da Associação e se consultar com ele. No momento designado, após a questão
ser particularmente analisada, com grande sabedoria e no temor de Deus, com muita humildade e
oração fervorosa, deve-se lidar com os faltosos.” Quando “ocorrerem causas de caráter agravante que
exigem ação por parte da igreja [...] a responsabilidade não foi assumida apenas pelo ancião, o
diácono ou qualquer membro da igreja, mas a igreja esperou, com paciência, a ajuda de conselheiros
sábios e então agiu com o maior cuidado” (White, Manuscript Releases, v. 9, p. 193-195 [itálico
acrescentado]).
111 White, Testemunhos Para a Igreja, v. 4, p. 516.
112 White, Testemunhos Para a Igreja, v. 3, p. 358, 359 (itálico acrescentado).
113 White, O Desejado de Todas as Nações, p. 166.
114 Ela reconhecia que a autoridade dos ensinos de Lutero provinha de Deus e das Escrituras, por
meio da igreja. Defendeu que a ordenação de Lutero o transformou em um “autorizado mensageiro da
Bíblia” (Ellen G. White, O Grande Conflito [Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2018], p. 125,
126).
115 White, Atos dos Apóstolos, p. 122. Cf. p. 28.
116 Ellen G. White, Parábolas de Jesus (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), p. 39, 40
(itálico acrescentado); cf. Ellen G. White, Mensagens Escolhidas (Tatuí, SP: Casa Publicadora
Brasileira, 2008), v. 2, p. 93.
117 White, O Desejado de Todas as Nações, p. 802-808.
118 White, O Desejado de Todas as Nações, p. 805.
119 White, O Desejado de Todas as Nações, p. 805.
120 White, O Desejado de Todas as Nações, p. 805, 806 (itálico acrescentado).
121 White, O Desejado de Todas as Nações, p. 806 (itálico acrescentado).
122 Ellen G. White, The Spirit of Prophecy (Washington, DC: Review and Herald, 1969), v. 2, p. 273,
274.
123 White, The Spirit of Prophecy, v. 3, p. 244, 245.
124 Cristo incluiu “como missionários a todos os que cressem em Seu nome. Jesus quer que todo
pastor [...] considere a amplitude de Sua obra e coloque a obrigação de pregar o evangelho ao mundo
sobre o grande número de pessoas a quem compete fazê-lo” (Ellen G. White, “There Is a Work for
All”, The Home Missionary, agosto de 1896, p. 182 [itálico acrescentado], citado em Ellen G. White, E
Recebereis Poder [Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1999], p. 171).
12
Autoridade da Igreja nos Evangelhos e em
Atos
Teresa Reeve

empre que os seres humanos interagem de maneira regular, a questão

S da autoridade vem à tona, seja de modo consciente – por meio de


reflexão e debate cuidadoso – seja indiretamente, à medida que
indivíduos e grupos buscam estabelecer seu lugar em relação aos outros. Isso
se aplica à igreja hoje, assim como aconteceu na época do Novo Testamento,
que será analisada como precedente. O objetivo deste capítulo é examinar o
que o Novo Testamento tem a dizer sobre: (1) em que consiste a autoridade
da igreja e (2) os elementos essenciais para o exercício dessa autoridade. A
compreensão da autoridade no mundo do Novo Testamento é analisada
primeiro, a fim de diferenciá-la dos pressupostos subjacentes à perspectiva do
século 21 em relação à autoridade. Neste capítulo, a abordagem
neotestamentária multifacetada acerca da autoridade eclesiástica é explorada
parte por parte, começando com Jesus nos evangelhos e sucedida por Atos.
As epístolas de Paulo e a parte final do Novo Testamento serão abordadas no
capítulo seguinte. Receberão destaque tanto as declarações proposicionais
diretas sobre o conceito de autoridade, quanto outros discursos e narrativas
por meio dos quais esse conceito se manifesta. Ao final do segundo capítulo,
serão explicitadas as conclusões que resumem as descobertas e exploram
sucintamente seus desdobramentos para a igreja nesse momento de sua
história.

CONCEITO MODERNO DE AUTORIDADE

Quando se usa a palavra “autoridade” hoje, em geral o termo se refere ao


direito atribuído ou reconhecido de agir e/ou influenciar o comportamento de
outros. 1 Autoridade deve ser diferenciada de “poder”, que se refere à
habilidade real de realizar determinado ato, e de “força”, que é esse poder em
ação. A cultura ocidental tende a identificar autoridade primariamente em
indivíduos que a utilizam, conforme critérios pessoais, sobre outros
indivíduos ou instituições. Por causa desse valor atribuído à autonomia e
satisfação individual, e por causa dos abusos comuns e muito alardeados de
autoridade, as reivindicações à autoridade externa costumam ser recebidas
com ceticismo e resistência. Ao mesmo tempo, sobretudo durante os
momentos entendidos como crises, a forte atração provocada por grupos
autoritários evidencia uma necessidade humana bastante enraizada por
segurança e ordem, prometida por essas pretensões à autoridade.
É inevitável que essa visão contemporânea sobre autoridade molde as
perguntas que fazemos e os métodos que empregamos para interpretar os
ensinos do Novo Testamento a respeito de autoridade. No entanto, essa
abordagem difere muito da cosmovisão na qual o texto do Novo Testamento
foi elaborado e a quem se dirigia em primeiro lugar. É por esse motivo que se
torna essencial identificar de forma consciente e consistente nossas atitudes e
nossos pressupostos pessoais em relação à autoridade, a fim de ouvir com
mais clareza o que os escritores do Novo Testamento queriam dizer.
Estudos contemporâneos reconhecem diversos tipos de autoridade que
podem ser úteis na análise de qualquer sistema de autoridade. (1) A
autoridade tradicional é baseada em crenças e valores defendidos desde
tempos antigos, os quais se acredita terem sido dados ou afirmados por Deus
(ou pelos deuses); (2) a autoridade institucional se baseia em normas
formalmente praticadas e codificadas por uma sociedade, ou por uma
instituição dentro dessa sociedade; (3) a autoridade carismática aumenta com
base no crescimento popular instigado pelas habilidades extraordinárias de
um indivíduo; e (4) a autoridade por especialização surge por causa da
excelência reconhecida da pessoa em alguma área de conhecimento,
moralidade ou sabedoria de vida. 2

CONCEITO ANTIGO DE AUTORIDADE

O principal termo grego relacionado a autoridade é exousia, que se refere


ao direito – e por derivação, ao poder – de escolher, controlar ou governar. 3
Exousia também pode se referir, de maneira derivada, a uma posição de
poder e liderança ou a alguém que ocupa essa função, como no caso do termo
em português, “autoridade”. Embora haja certa intersecção entre os dois
termos, dynamis (“poder, força”), em contrapartida, enfatiza a ideia do poder
para cumprir a vontade de alguém, com ou sem autoridade para isso. 4
Em contraste com o pressuposto moderno de que a autoridade reside no
indivíduo, as culturas judaica e greco-romana do 1o século entendiam que a
autoridade se localizava, em última instância, no Deus ou deuses a quem
serviam, sendo outorgada pela divindade. Essa autoridade era então
distribuída pelos deuses aos seres humanos, normalmente segundo a posição
social herdada de cada um. Aliás, nos raros casos em que exousia se refere à
autoridade afirmada pelo próprio indivíduo, em geral a palavra é sinônimo de
hybris (“arrogância”) ou insolência. 5
A família ampliada formava a estrutura de autoridade mais fundamental da
sociedade humana. Os filhos eram criados para honrar a autoridade sem rival
do pai, o qual determinava os valores, as escolhas e as ações de cada
membro. Essa estrutura de autoridade era espelhada nos governos locais e
regionais até o topo. No caso do pensamento romano, essa noção se estendia
até o chefe do império. Além das observâncias no templo, os principais
marcadores étnicos dos judeus como povo de Deus eram aprendidos e
praticados, em grande medida, na família: dias de festa e celebração dos
sábados, circuncisão e a observância adequada das leis de pureza. 6
Além da autoridade espiritual dos profetas, a maior autoridade religiosa na
cultura judaica era exercida pelos sacerdotes que ministravam em favor do
povo diante de Deus (Êx 40:13-15). 7 No entanto, fora do contexto da
família, a autoridade era exercida na pessoa dos anciãos locais (presbyteroi),
termo bem conhecido em todo o Oriente Médio (cf. Gn 50:7; Nm 22:4, 7; Js
9:11). 8 Em geral, os anciãos eram homens maduros, com caráter ilibado,
eram sábios e tinham situação familiar excelentes. 9 Eles cuidavam da
administração diária de uma vila ou cidade judaica, aconselhando, julgando e
governando, sem distinguir entre questões civis e religiosas. 10 Não se
conhece com clareza nenhum processo formal para a seleção dos anciãos. Em
muitos casos, o título consistia em um reconhecimento tácito de destaque e
liderança na comunidade, em vez de ser um cargo eleito formalmente. 11
Na diáspora e Galileia, bem como na Judeia após a destruição de Jerusalém,
a autoridade dos anciãos parece ter se concentrado cada vez mais na
sinagoga, na qual eles presidiam atividades cívicas, além das práticas de
estudo e oração. 12 Os títulos conferidos aos papéis de liderança na sinagoga
incluíam o archōn (“administrador”) e archisunagōgos (“presidente da
sinagoga”). 13 Em Jerusalém, desde o período persa, existia também um
conselho nacional de anciãos (chamado tanto de gerousia [“conselho”],
quanto de presbyterion [“grupo de anciãos”] e synedrion [“Sinédrio”]) que
influenciava os costumes da nação inteira. Os principais sacerdotes lideravam
esse grupo no primeiro século. 14
Nas cidades cosmopolitas do oriente greco-romano, a autoridade cívica se
concentrava nos magistrados e em uma assembleia de líderes (boulē), cujas
decisões costumavam ser ratificadas por uma assembleia formada por todos
os cidadãos do sexo masculino, que costumava ser chamada de ekklēsia
(“assembleia” ou “ajuntamento”). Os líderes da adoração pública, os
sacerdotes dos deuses da cidade, eram provenientes do mesmo grupo da
elite. 15 Associações voluntárias também detinham certo grau de autoridade
sobre diversos subgrupos na cidade, inclusive “associações” filosóficas
reunidas debaixo da autoridade orientadora de um líder filósofo, além de
certas religiões misteriosas, lideradas por grupos de sacerdotes e/ou
sacerdotisas em adoração e serviço a uma divindade particular. Corporações
profissionais compartilhavam e buscavam autoridade ao reunir tipos
específicos de artesãos, mercadores ou prestadores de serviços, reivindicando
o patronato de um deus ou deuses, bem como de benfeitores terrenos. 16
Esses grupos tinham uma série de nomes, incluindo ekklēsia e synedrion.
Seus líderes, escolhidos por nomeação, eleição ou pagamento, recebiam uma
ampla gama de títulos, que incluíam os termos episkopos (“supervisor,
guardião”) e até mesmo diakonos (“diácono”), usados também no Novo
Testamento. 17
Os autores do Novo Testamento e os líderes da igreja apostólica estavam
imersos nessa perspectiva de autoridade do 1o século e vivenciavam uma
série de estruturas institucionais e de liderança. O modo como foram levados
pelo Espírito Santo e pelos ensinos de Jesus a desafiar, rejeitar ou adaptar
esses modelos é o tema do restante deste capítulo.

AUTORIDADE DA IGREJA NOS EVANGELHOS

O Novo Testamento começa com o testemunho quádruplo dos evangelhos


sobre Jesus, cuja autoridade como Senhor e Rei é anunciada do livro de
Mateus ao Apocalipse (cf. Mt 21:5; 22:42-44; Ap 19:16). Os seguidores de
Jesus deveriam encontrar na vida e nos ensinos de seu Mestre o fundamento
para o entendimento acerca de seu lugar no mundo como discípulos de Cristo
e membros de Sua igreja (Mt 7:24-25). Chama a atenção, nesse contexto dos
primeiros passos da igreja rumo à sua identidade pessoal e em sua formação
como entidade social, a existência de tão poucas instruções diretas sobre o
formato da igreja. 18 O termo grego usado para se referir à igreja no Novo
Testamento, ekklēsia, só é empregado três vezes nos evangelhos, em duas
passagens enigmáticas e intimamente relacionadas, em Mateus 16:18 e 18:17.
No entanto, uma série de princípios fundamentais são evidenciados nas várias
ocasiões em que Jesus reuniu e treinou Seus apóstolos, os quais formariam o
núcleo da futura igreja.

Autoridade para missão e cuidado


A autoridade suprema de Jesus, sob o poder e a guia do Pai (Mt 11:27;
28:17; Mc 1:12; Lc 10:22; 22:29; Jo 10:18) é testemunhada nos títulos “Filho
de Davi”, “Senhor” e “Filho de Deus”, atribuídos a Ele nos versos iniciais de
cada evangelho (Mt 1:1, 20-22; Mc 1:1; Lc 1:31-33; Jo 1:1-18). As narrativas
do evangelho demonstram e confirmam essa autoridade, revelando como
Jesus cumpriu as expectativas do Antigo Testamento acerca do Rei-Servo
que viria (Mc 14:49; Lc 24:44-49; Jo 12:38), além de retratar Seus ensinos
cheios de autoridade (Mc 1:22) e Seu domínio sobre demônios, enfermidades
e toda a criação (Mc 1:27; 4:41; Lc 11:20). Nos evangelhos sinóticos, o
propósito pleno de Sua vinda era pregar as boas-novas da chegada do reino
de Deus, manifesto naquele momento em Sua vida, Suas obras e Seus ensinos
(Mc 1:14-15; Lc 4:43). 19
O chamado de Jesus aos discípulos envolveu, desde o princípio, o propósito
expresso de que se unissem a Cristo na tarefa de proclamação do reino (Mc
1:16, 17). Foi com esse objetivo que Ele chamou os Doze, a quem Lucas
denomina apóstolos, termo que significa “enviados” ou “emissários”, “para
estarem com Ele e para os enviar a pregar” (Mc 3:14; Jo 4:38), dando-lhes
autoridade (exousia) sobre espíritos imundos e doenças (Mc 3:15; Lc
6:13). 20 De acordo com Lucas (Lc 10:1, 2, 9, 19), não muito tempo depois,
Ele deu a outros 70 essa mesma missão e autoridade, fazendo o apelo de que
orassem por mais trabalhadores para a seara. Outros, como o ex-
endemoninhado gadareno (Mc 5:18-20) e Maria Madalena (Jo 20:17),
uniram-se à tarefa, e Jesus chegou a permitir a autoridade de um
desconhecido que expulsava demônios em Seu nome (Mc 9:38-40). 21
Cristo também deu aos apóstolos autoridade para cuidar da casa de Deus,
conforme revelado em Sua parábola sobre o dono de terras que vai embora,
dando a um servo a responsabilidade de “dar-lhes o sustento a seu tempo”
(Mt 24:44-51; Lc 12:36-48). Aliás, de acordo com Marcos, cada servo tinha
uma medida de “autoridade [exousia], cada um conforme sua tarefa” (13:33-
37, tradução da autora). A lição aqui é incentivar o exercício fiel da
autoridade, em vigilante prontidão para o retorno do Mestre. João ecoa essa
preocupação pelo cuidado do rebanho após a ressurreição de Cristo por meio
do chamado feito três vezes a Pedro para pastorear Suas ovelhas (Jo 21:15-
19; cf. Ez 34; Jo 10:1-18).
As últimas palavras de Jesus em cada um dos evangelhos enfatizam a
relação entre autoridade e proclamação do reino de Deus. No final do livro de
Mateus, a ordem “Ide, portanto, fazei discípulos” é dada com base no poder
da declaração anterior: “Toda a autoridade Me foi dada no céu e na terra”. As
palavras finais dessa instrução, “E eis que estou convosco”, enfatizam o fato
de que eles continuariam a ser governados não por qualquer pessoa, ou
funcão eclesiástica, mas dependendo, em última instância, da autoridade de
Jesus (Mt 28:18-20). O texto tradicional de Marcos também termina com a
ordem de pregar o evangelho e a promessa de que os seguidores de Cristo
continuariam a receber autoridade sobre demônios e doenças (Mc 16:15-18;
cf. 13:10). Essa autoridade e tarefa ecoam também na conclusão de Lucas, a
qual retrata os apóstolos como testemunhas que receberiam o poder do
Espírito Santo (Lc 24:48, 49; cf. 4:14; At 1:8). Até mesmo o evangelho de
João, cuja principal forma de retratar a autoridade é mostrar o relacionamento
de Jesus com o Pai, apresenta Cristo declarando, após a ressurreição: “Assim
como o Pai Me enviou, Eu também vos envio” (Jo 20:21; cf. 15:16; 17:18).
Então Cristo lhes inspirou com as palavras “Recebei o Espírito Santo” (Jo
20:22; cf. 6:63; 15:26-27), fundamentando, assim, essa tarefa em Sua
autoridade e missão, na presença do Espírito.

Autoridade nas passagens com o termo ekkleesia


A princípio, parece que um grau extraordinariamente alto de autoridade foi
concedido aos discípulos de Jesus por meio destas palavras: “Se vocês
perdoarem os pecados de qualquer pessoa, eles serão perdoados, se vocês
retiverem os pecados de qualquer pessoa, eles serão retidos” (Jo 20:23,
tradução da autora). A interpretação desse verso difícil deve se basear na
declaração de Cristo segundo a qual somente Ele julga e que até mesmo Seu
julgamento está de acordo com a vontade do Pai (Jo 5:19-23; cf. 12:48-49).
Logo, a declaração de Jesus não pode ter o sentido de dar à igreja licença para
escolher livremente se vai conceder ou reter o perdão divino. Em vez disso,
garante que, por meio do dom do Espírito Santo mencionado no verso
anterior, os seguidores de Jesus (como corpo unificado) receberiam Sua
orientação (cf. Jo 15:15) para discernir e declarar o perdão e o julgamento
divinos (cf. At 2:38). 22
Duas declarações enigmáticas semelhantes estão registradas em Mateus. Na
primeira, Simão Pedro (cf. Mt 4:18) diz a Jesus: “Tu és o Cristo, o Filho do
Deus vivo.” Jesus afirma que foi o Pai quem Lhe revelou isso e acrescenta:
“Também Eu te digo que tu és Pedro [Petros], e sobre esta pedra [petra]
edificarei a Minha igreja [ekklēsia], e as portas do inferno não prevalecerão
contra ela” (Mt 16:16-18). Começando com o que está mais claro nessa
passagem, fica evidente que Jesus é tanto o dono da igreja quanto quem a
fortalece. Em segundo lugar, as palavras de Mateus fazem uma distinção
entre Pedro, cujo nome (Petros) significa pedra pequena, que pode ser
lançada sobre um inimigo, e o termo bem diferente petra, que se refere a uma
formação rochosa, como um penhasco ou placa rochosa. Esse segundo termo,
petra, costuma ser usado na Septuaginta para caracterizar Deus como local
inamovível de refúgio, ao passo que petros nunca é usado dessa forma. 23
Aliás, nem os discípulos, que competiam pela posição mais elevada no reino
(por exemplo, Mt 20:20-28; cf. Gl 2:11) nem Jesus, que lidou diversas vezes
com as pretensões de Pedro (Mt 16:23; 26:33-34), são descritos no evangelho
de Mateus tratando Pedro, dessa ocasião em diante, como o alicerce imutável
da igreja. 24
O significado preciso atribuído por Jesus a essa petra não fica tão claro,
mas o contexto sugere que muito provavelmente se refira à confissão
inspirada por Deus da posição de autoridade de Jesus como “o Cristo, o Filho
do Deus vivo” (Mt 16:16). 25 Nessa interpretação, Jesus é declarado, por
meio do reconhecimento fervoroso da parte de Pedro, o fundamento
inabalável da igreja de Deus, levando consigo uma autoridade a que nem
mesmo as portas do inferno são capazes de resistir. 26 Por meio do trocadilho
“Tu és petros”, Jesus releva que Pedro/Petros, aquele que havia acabado de
confessar Seu senhorio, se encontrava em associação íntima, porém
subordinada, à grande Petra (cf. 1Pe 2:8).
Jesus continua dizendo a Pedro: “Dar-te-ei [singular] as chaves do reino dos
céus” e, aparentemente expandido a promessa, “o que ligares [singular] na
terra terá sido ligado nos céus; e o que desligares [singular] na terra terá sido
desligado nos céus” (v. 19). 27 A menção às chaves sugere acesso ao reino,
cujos tesouros se encontram à disposição daqueles que conhecem as
Escrituras (Mt 13:52), mas, com frequência, têm impedido outros que
procuram entrar (Lc 11:27; cf. Mt 23:13). Jesus entrega essas chaves a um e
depois a outros que haviam começado a compreender e proclamar a chegada
do reino.
Embora Jesus esteja falando de maneira específica com Pedro nessa
passagem, pouco tempo depois, em um discurso sobre a edificação da
comunidade da fé, Ele diz a todos os discípulos: “Tudo o que ligardes
na terra terá sido ligado nos céus, e tudo o que desligardes na terra terá sido
desligado nos céus” (Mt 18:18). Jesus está Se referindo à preocupação de
Deus pelos vulneráveis e errantes (18:5-14), instruindo Seus seguidores a
aconselhar de maneira individual e depois coletiva aqueles que pecam na
família de Deus (os quais chama de adelfoi, “irmãos”). Cristo afirma que
aqueles que se recusarem persistentemente a ouvir devem ser tratados como
incrédulos, ou seja, como pessoas de fora que precisam ser ganhas para o
reino (18:15-17). Esses versos descrevem exatamente o tipo de atividade que
as primeiras fontes rabínicas associam a “ligar” e “desligar”, ou seja, admitir
(ligar) ou separar (desligar) indivíduos da comunhão com o povo de Deus (cf.
1Co 7:27). 28 Nesse processo, a igreja seria forçada a participar de uma
segunda atividade relacionada a ligar e desligar, ao responder a novos
desafios e perguntas. Essa autoridade dada por Cristo à Sua igreja não é
ilimitada, mas deve ser desempenhada sob a orientação de Deus, por meio da
oração e do perdão (Mt 16:17; 18:19-35) para cumprir o desejo divino de
salvar (Mt 18:5-6, 12-14).
Essas palavras de Jesus registradas em Mateus 16 e 18 assumem significado
especial, pois identificam a confissão de Sua autoridade como o fundamento
da igreja e apontam para a responsabilidade e autoridade da igreja para
disciplinar os membros.

Autoridade conforme a vontade de Deus


As narrativas do evangelho também deixam uma poderosa mensagem de
cautela a respeito da apropriação adequada da autoridade dada por Deus por
parte da igreja. As autoridades religiosas de melhor reputação daquela época,
os eruditos e líderes religiosos, são retratadas com uma postura tão apegada à
autoridade e importância próprias que acham os ensinos e atos de Jesus
inaceitavelmente desafiadores a sua interpretação da lei e a seu lugar
preferencial na sociedade (Jo 11:48). Por isso, Jesus os advertiu sobre o
perigo que corriam (Mt 23:13-19). No entanto, em vez de reconhecer seu
erro, persistiram e exigiram saber: “Com que autoridade [exousia] fazes estas
coisas? E quem Te deu essa autoridade?” (Mt 21:23). Por fim, indispostos a
aceitar que era Jesus, e não eles mesmos, que agia segundo a autoridade
divina, os líderes do povo do Senhor acabaram crucificando o Filho de Deus.
O exercício da autoridade, conforme Jesus ensinou, contraria tudo o que os
seres humanos pensam e sentem em relação ao poder e à autoridade.
Enquanto Seus discípulos buscavam autoridade para obter posição e
gratificação pessoal, Jesus demonstrou, por intermédio de Sua vida, que a
autoridade em Seu reino é praticada com humildade e serviço dedicado até
mesmo ao ser humano aparentemente mais insignificante (Mt 18:1-4; Mc
9:33-35; Jo 13:3-17). Em contraste com o exercício humano de autoridade,
no qual “os reis dos povos dominam sobre eles, e os que exercem autoridade
[exousiazō] são chamados benfeitores”, os seguidores de Jesus recebem a
ordem de seguir um rumo diferente: “Mas vós não sois assim; pelo contrário,
o maior entre vós seja como o menor; e aquele que dirige seja como o que
serve” (Lc 22:26; ver v. 25-27; cf. 14:11). Ele procurou substituir o prazer
humano tão natural de exercer autoridade por um prazer maior, ao instruir
Seus discípulos: “Não obstante, alegrai-vos, não porque os espíritos se vos
submetem, e sim porque o vosso nome está arrolado nos céus” (Lc 10:20; cf.
17:7-10).
Jesus também advertiu contra a exaltação da autoridade humana por meio
do uso de títulos, dizendo: “Vós, porém, não sereis chamados mestres, porque
um só é vosso Mestre, e vós todos sois irmãos. A ninguém sobre a terra
chameis vosso pai; porque só um é vosso Pai, Aquele que está nos céus. Nem
sereis chamados guias, porque um só é vosso Guia, o Cristo. Mas o maior
dentre vós será vosso servo” (Mt 23:8-11). 29 Dessa maneira, assim como na
ênfase sobre servir, o ensino de Jesus nivela as hierarquias humanas e
distinções de posição. Já se destacou que “o fato decisivo para a compreensão
neotestamentária dos conceitos de poder, soberania e assim por diante é que o
exercício do poder na igreja de Cristo é entendido fundamentalmente como
diakonia [serviço], não como arché [governo]. O conceito de ‘hierarquia’ não
é encontrado no Novo Testamento, tampouco surge ali ‘essa questão’”. 30
Em síntese, podemos dizer que a ênfase de Jesus no serviço e na humildade
não significam que Ele Se opunha à organização bem pensada da igreja para
cumprir sua missão. Embora tenha evitado estabelecer ou endossar qualquer
estrutura eclesiástica, Ele plantou as sementes de diferenciação das funções e
da ordem da igreja ao separar e nomear Doze apóstolos, dentre Seus
discípulos, como testemunhas, reconhecendo a necessidade de que alguns
pastoreassem o rebanho. Entretanto, Seus ensinos insistem que a prática de
autoridade eclesiástica deve contrastar com as instituições humanas de
autoridade, exercidas sempre e somente por meio do aspecto da humildade e
do serviço, que brotam do amor.
Acima de tudo, os evangelhos nos lembram de que a autoridade suprema da
igreja continua a residir em Jesus, que a exerce por intermédio de Sua Palavra
(Lc 6:46-49; Jo 14:23-24) e do Espírito (Jo 14:26). A autoridade que Ele
delegou à Sua igreja foi dada com propósito de ordem, proclamação, cuidado
e disciplina necessária. Assim como ensinado em Mateus 18 e João 20, a
igreja como um todo recebe a tarefa e a autoridade de ouvir e declarar com
fidelidade a aplicação dos princípios da Palavra de Deus, bem como a
transmissão do anúncio do perdão e do juízo divino. Essa autoridade é
confirmada pelo Céu. Jesus estimula a igreja a ser fiel em usar essa
autoridade a fim de que sempre esteja pronta para Seu retorno.

A AUTORIDADE DA IGREJA EM ATOS

Atos, a primeira narrativa dedicada à história inicial da igreja do Novo


Testamento e a única pertencente à Bíblia, demonstra que, assim como Jesus,
Sua igreja, liderada pelos apóstolos e, posteriormente, pelos anciãos e outros,
continuou a ser alicerçada, guiada e fortalecida pela autoridade do Espírito
Santo. 31 No decorrer da narrativa, Atos retrata Deus comunicando Sua
vontade não só para um único poder governante, mas também para cristãos
individuais e grupos de crentes. Isso foi feito por meio do Espírito em
resposta à oração, ao estudo das Escrituras e por meio de sinais.

Os primeiros dias em Jerusalém


Os versos iniciais de Atos, que repetem as últimas instruções de Jesus antes
de Sua ascensão e culminam com a promessa da vinda do Espírito,
identificam com clareza os apóstolos (apostolos) como homens escolhidos
especificamente com o propósito de testemunhar (At 1:2, 8). O primeiro ato
relatado de autoridade da igreja, à medida que os fiéis aguardavam o Espírito
em oração, foi escolher um novo décimo segundo apóstolo, a fim de retornar
ao número representativo escolhido por Jesus. 32 Embora Pedro liderasse
essa ação, toda a família de crentes (hoi adelfoi, “os irmãos”) participou da
escolha da pessoa certa, alguém cuja presença desde a época do batismo de
João lhe daria autoridade para que “se torne testemunha conosco da Sua
ressurreição” (At 1:15-22). 33 Após encontrarem dois candidatos
qualificados para “ocupar [assumir o lugar] esse ministério [diakonia,
“serviço”] e apostolado [apostolē]”, a seleção foi feita mediante oração e o
tradicional lançamento de sortes. Essa prática segue um precedente bíblico
(cf. Lv 16:8; Js 18:6), entregando, por fim, a decisão final Àquele que havia
escolhido os Doze iniciais. Após a vinda subsequente do Espírito Santo, esse
precedente não é seguido novamente na Bíblia.
O derramamento do Espírito ocorreu sobre os cristãos reunidos no contexto
de oração e com sinais grandiosos, assim como fora com Jesus (Lc 3:21-22;
4:1, 14; At 2:1-8; 10:38), dando-lhes poder para testemunhar (Lc 24:48, 49;
At 1:8). 34 Contudo, somente os Doze ficaram diante da multidão reunida, e
Pedro falou, fundamentando sua defesa da messianidade de Jesus na
autoridade das Escrituras e nos sinais testemunhados, prometendo que
aqueles que se arrependessem e fossem batizados em nome de Jesus
receberiam também esse poder (At 2:38). Isso mostra que os Doze tinham
autoridade especial sobre os conversos, pois os novos cristãos continuavam
se dedicando ao estudo da “doutrina dos apóstolos”, maravilhados com os
muitos sinais e maravilhas que estes realizavam (At 2:42, 43).
Pedro, em particular, continua a exercer um papel de liderança nos
primeiros capítulos de Atos. Ele prega, opera milagres, corrige e fala em
nome dos apóstolos (At 3:1-8; 5:1-3, 15). Aliás, dos Doze, somente Pedro e
João são especificamente mencionados em Atos, além de Matias (At 1:26) e
uma breve menção a Tiago (At 12:2). Entretanto, os outros apóstolos
participam da pregação e da operação de milagres (At 4:33; 5:12), bem como
da aceitação de donativos e da ministração de cuidados aos cristãos em
necessidade (At 4:32–5:11). O próprio Senhor é identificado como Aquele
que, em realidade, faz novos conversos (At 2:47), dá poder para a operação
dos milagres (At 3:6, 16) e provê orientação por meio do Espírito Santo (At
4:8, 31; 5:1-11). Quando desafiado, Pedro fala em nome dos crentes,
reconhecendo a prioridade da vontade de Deus ao rejeitar a autoridade de
qualquer entidade que entre em contradição com as ordens do Senhor (At
5:29).

Autoridade delegada além dos apóstolos


A despeito de seu papel de liderança, Pedro não é registrado em parte
alguma tomando decisões unilaterais para o corpo eclesiástico. Quando a
justiça do sistema de distribuição de alimentos criado pelos apóstolos é
questionada, os Doze juntos reúnem os cristãos – chamados, nessa ocasião de
“congregação/multidão de discípulos” – a fim de delegar esse serviço
(diakonia). Esse ato ecoa a declaração da autoridade de Moisés no deserto,
mas, em Atos 6, a seleção é compartilhada por todos os cristãos (At 6:1; Êx
18; Nm 11). 35 Usando uma terminologia que ecoa o chamado de Jesus ao
serviço (diakonia) nos evangelhos (Mt 20:26; Lc 22:26, 27; cf. At 1:25), sete
homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria, são escolhidos
“para servir [diakonein] às mesas” (At 6:2), a fim de que os apóstolos
pudessem se dedicar a outro tipo de serviço, isto é, “à oração e ao ministério
[diakonia, ‘o serviço’] da palavra” (At 6:4). Um novo aspecto da ordem
eclesiástica é criado separado da categoria de apóstolos.
O método de seleção não é registrado, mas depois vemos que os apóstolos
buscaram a Deus em oração e impuseram as mãos sobre os sete. Esse era um
rito tradicional que o Senhor havia instruído Moisés a usar ao comissionar
Josué como novo líder de Israel (At 6:6; Nm 27:18-23; Dt 31:14, 23). 36
Tradicionalmente, esses sete são considerados os primeiros diáconos, mas
não são chamados de diakonoi (“diáconos”) em nenhuma outra parte de Atos
e podem não ter usado esse título na época (cf. Fp 1:1). Com o tempo, essa
narrativa se tornou um modelo usado pelas congregações locais para moldar a
ordem eclesiástica denominada diaconato. Não aconteceu nenhuma divisão
estrita de autoridade entre os apóstolos e os sete, pois logo Estêvão e Filipe,
dois dos diáconos, receberam do Espírito poder para pregar e realizar
milagres (At 6:8; 7:4-8).
Outros também aumentaram sua participação na liderança da igreja que se
expandia. Após a perseguição resultante do discurso de Estêvão no Sinédrio,
os crentes dispersos foram, pela primeira vez, identificados contribuindo de
maneira específica na comissão de Jesus de partilhar o evangelho (At 1:8;
8:4, 5; 11:20, 21; 21:8). Em resposta ao testemunho realizado em Antioquia,
Barnabé – que não era apóstolo, nem um dos sete – foi enviado pela igreja
(ekklēsia) em Jerusalém como emissário para ensinar e encorajar os novos
cristãos (At 11:22).
O termo “anciãos” ou “presbíteros” (presbyteroi) é usado pela primeira vez
em Atos 11:30 para se referir aos recebedores dos recursos (diakonia,
“serviço”, “contribuição”) provenientes de Antioquia para auxiliar a igreja de
Jerusalém durante a fome. Embora a seleção dos sete tenha sido descrita de
maneira específica, nenhuma explicação é dada, nem em nenhuma outra parte
de Atos, acerca de como ou com que propósito a função de ancião ou
presbítero passou a ser usada na igreja. Isso pode ter acontecido, em parte,
porque a liderança dos anciãos era algo conhecido por causa da tradição
bíblica judaica e da organização das comunidades de judeus na época (cf. Gn
50:7; Êx 3:16; At 4:8; 6:12). 37 Contudo, o uso da tradição judaica de
anciãos não dá margem para a inferência de que a igreja usava as estruturas
organizacionais da comunidade judaica sem discriminação, pois muitos
outros cargos judaicos jamais foram adotados pela igreja. Na ausência de
qualquer menção à nomeação de anciãos, pode ser que a designação deles
tenha sido, a princípio, um reconhecimento informal de líderes maduros e
cheios de princípios na comunidade cristã, em lugar de um cargo
formalmente eleito ou nomeado. 38 Já se sugeriu também que os sete
escolhidos de Atos 6 tenham sido chamados de “anciãos” dessa vez, pois
receberam a tarefa de cuidar dos necessitados, exatamente aqueles que se
beneficiariam dessa contribuição em Atos 11:30. 39 Entretanto, não há como
ter certeza. Qualquer que tenha sido a origem da nomeação de anciãos dentro
das congregações cristãs, essa prática contribuiu para a preservação da ordem
eclesiástica e para facilitar a missão da igreja.
Ao mesmo tempo, os apóstolos deram continuidade a seu papel de liderança
em Jerusalém. Após ouvir sobre a obra de Filipe em Samaria, eles enviaram
Pedro e João para orar e impor as mãos sobre os recém-batizados (At 8:14-
25), o que resultou na descida do Espírito Santo. Os apóstolos também
agiram para estender a mão da comunhão da igreja ao recém-converso Saulo,
que fora levado a eles por Barnabé, quando os cristãos demonstraram medo
de se associar a ele (At 9:26-29).
Por um tempo, Pedro continuou a exercer uma função central. O Espírito
Santo o usou na conversão de Cornélio para vencer a barreira entre os
cristãos judeus e gentios. As objeções que o apóstolo enfrentou por parte de
muitos da igreja nesse episódio demonstram que sua autoridade não exigia
submissão inquestionável (At 9:32-43; 10:1–11:18). Aliás, pouco depois,
com a exceção de uma contribuição crucial no Concílio de Jerusalém em
Atos 15, os apóstolos desaparecem da narrativa de Atos. Em sua última cena,
Pedro, após escapar de ser preso por Herodes, avisa Tiago e os irmãos antes
de se retirar de Jerusalém (12:1-17). Esse Tiago mencionado parece ser o
irmão de Jesus (Mt 13:55; Gl 1:19), pois o Tiago que fora um dos Doze tinha
sido condenado à morte (At 12:2). Embora os apóstolos tenham deixado a
liderança principal da igreja em Jerusalém, sua autoridade como testemunhas
de Cristo continua por meio de seus escritos inspirados preservados na
Bíblia. 40

Paulo e a autoridade da igreja


A segunda metade do livro de Atos se concentra no ministério de Paulo,
que foi legitimado, assim como o dos Doze, por um chamado direto do
próprio Jesus (At 9:1-21; cf. 26:12-18). O Senhor agiu por meio de pessoas
fora do grupo dos Doze para dar o reconhecimento formal à conversão de
Paulo e marcar o início de seu ministério. Ananias foi o primeiro a impor as
mãos sobre Paulo (At 9:17), enviado pelo Senhor para levar cura e o poder do
Espírito Santo ao recém-converso. Então, após alguma experiência no
ministério, o Senhor orientou os profetas e mestres da igreja de Antioquia a
enviar Paulo e Barnabé em viagem (aforizō, “nomear, separar”) de caráter
missionário (At 13:1-3; ocorreu com os levitas em Nm 8:10, 11). Como na
primeira vez com Ananias, houve também a imposição de mãos, que, assim
como o jejum e a oração, é uma característica comum nos relatos de chamado
em Atos, embora não haja uma fórmula. Então Paulo e Barnabé receberam
autoridade para representar e falar em nome da igreja em sua obra
missionária.
Uma vez que não são mencionados apóstolos ou anciãos na igreja de
Antioquia nessa época, é possível que esses profetas e mestres atuassem
como líderes e representantes da congregação, efetuando o mesmo tipo de
obra que os anciãos da igreja de Jerusalém (At 11:30; 21:18) e de outros
lugares (At 20:17). 41 O mais interessante é que, quando Paulo e Barnabé
retornaram posteriormente a Antioquia, conta-se que eles nomearam
(cheirotoneō, “escolher”) especificamente anciãos (presbyteroi) para liderar
cada uma das novas congregações (At 14:23). 42 Esse é o único lugar que
menciona uma nomeação formal de anciãos em Atos, sugerindo que pode se
tratar de uma pista isolada para uma prática anterior ou, mais provavelmente,
uma formalização do que até então fora um reconhecimento tácito dos líderes
da igreja.
Pouco depois de voltar para Antioquia, Paulo e Barnabé foram
questionados por um grupo insistente que argumentava que todos os
conversos gentios deveriam ser circuncidados e também guardar as leis de
Moisés. Buscando ajuda para resolver a crise, a igreja de Antioquia se volta
para os apóstolos e anciãos de Jerusalém – a “igreja mãe” e capital do povo
de Deus durante o Antigo Testamento, bem como a região da qual os
contestantes provinham (At 15:1-2). 43 A igreja mandou Paulo e Barnabé e
outros membros como delegados para Jerusalém (15:2). Ao chegar lá, eles
relataram o ocorrido para a igreja inteira, com apóstolos e anciãos exercendo
papéis de liderança (At 15:4-6, 12, 22). Na antiguidade greco-romana, esse
tipo de assembleia (ekklēsia) era uma forma comum de resolver disputas
cívicas. 44
Após muito debate, tendo dado ouvidos a uma série de pensamentos e
opiniões, dois debates cruciais resolveram a questão (At 15:13-22). O
primeiro, proferido pelo experiente apóstolo Pedro, apelou à autoridade de
sua experiência na descida do Espírito Santo sobre a casa do gentio Cornélio.
Esse apelo à experiência é reforçado pelo relato apresentado por Paulo e
Barnabé dos sinais e das maravilhas que Deus vinha operando em meio aos
gentios. Tiago faz o segundo discurso registrado, apoiando esses relatos de
testemunhas com a autoridade das Escrituras. 45 Não fica claro em Atos 15
se Tiago está atuando, nessa narrativa, como apóstolo (cf. Gl 1:19) ou como
ancião chefe (cf. At 21:18). De todo modo, seu papel como apóstolo o
qualificava para agir como ancião (cf. 1Pe 5:1 e 2Jo 2). Foi ele, e não o
apóstolo Pedro, quem fez a declaração final de consenso, continuando com
palavras notavelmente cheias de autoridade: “Pelo que, julgo eu” (At
15:19). 46
Esse julgamento, que pedia dos gentios apenas quatro concessões
pragmáticas, foi apoiado pelos “apóstolos” e “presbíteros, com toda a igreja”
e também, de acordo com a carta que veio a seguir, pelo “Espírito Santo (At
15:22, 28)”. 47 Logo, a autoridade de ligar e desligar que Jesus deu à igreja é
colocada em prática à medida que a comunidade da fé, guiada pelo Espírito,
aplica os princípios bíblicos para regular os atos dos cristãos em situação,
tempo e lugar específicos. A reação de alegria da igreja de Antioquia (At
15:31) e a disseminação da determinação em outros lugares (At 16:4)
evidencia como se esperava que uma decisão tomada por líderes que
representavam a igreja fosse seguida pela igreja como um todo. 48
A autoridade de Paulo para pregar e ensinar continua a ser manifestada em
milagres semelhantes aos efetuados por Jesus e pelos Doze, confirmando o
apoio que o Concílio de Jerusalém havia dado para sua obra. 49 À medida
que ele prossegue para sua jornada final até Jerusalém, os anciãos –
mencionados pela terceira vez – são convocados a Éfeso a fim de participar
de um encontro de despedida com Paulo. Nessa reunião, Paulo se dirige a
esses homens não como meros presbíteros, mas como indivíduos designados
pelo Espírito Santo para ser episkopoi (“supervisores”), termo que não é
usado em outras partes de Atos, muito embora seja encontrado com
frequência nas epístolas de Paulo (cf. Fp 1:1). 50 Apresentando o próprio
exemplo de testemunho inabalável, Paulo dá a esses anciãos a tarefa de
cuidar do rebanho com altruísmo, protegendo-o dos lobos de fora e dos
causadores de confusão de dentro, a fim de preservar a ordem da igreja (At
20:28). 51
Ao retornar para Jerusalém, é para Tiago e os anciãos que Paulo e seus
companheiros contam o que Deus fez entre os gentios por meio de seu
ministério/serviço (diakonia; At 21:17-25). 52 Não importa se Tiago era
chefe dos anciãos ou ocupava algum outro papel, o grupo de anciãos reage de
forma coletiva, relatando rumores problemáticos acerca de Paulo e o
instruindo a ir ao templo a fim de deixar clara sua lealdade à tradição judaica.
Assim como fizera em Atos 15, Paulo aceita a autoridade dos anciãos de
Jerusalém. 53 Nos últimos capítulos de Atos, após o aprisionamento de
Paulo, o respeito do apóstolo pela autoridade é estendido às autoridades
cívicas que o encarceram e julgaram, sendo reciprocamente estendido por
elas a Paulo.

CONCLUSÃO

A autoridade exercida pela igreja em Atos é uma autoridade divina,


delegada de forma contínua para a efetuação da vontade do Senhor na forma
de testemunho (At 1:8) e cuidado (At 20:28). 54 A dispensação legítima da
autoridade divina é guiada pelo Espírito por meio da oração (At 1:15), dos
ensinos sobre Jesus por Suas testemunhas (At 2:42), pelas Escrituras
anteriores (At 15:13-18) e por sinais milagrosos (At 15:7-11). Sempre que
possível, a igreja coopera com as autoridades civis, mas, toda vez que há
conflito, a vontade divina é considerada soberana (At 5:29). Em casos de
disputa, resolve-se por meio de uma reunião dos envolvidos, liderada por
apóstolos e anciãos com representantes da igreja, dando atenção principal à
revelação divina por meio da Bíblia e das evidências da atuação do Espírito
Santo (At 15:1-31).
No princípio, os apóstolos exerciam a autoridade principal por terem sido
testemunhas do ministério e da ressurreição de Jesus (At 1:2, 22). Fora da
igreja, eles agiam para proclamar as boas-novas (At 5:42), e dentro, instruíam
por meio de orientação e admoestação diárias (At 2:42; 5:1-4; 6:4). Com o
tempo, demonstra-se que sua autoridade espiritual e administrativa passou a
ser compartilhada e transmitida para outros, incluindo anciãos, profetas e
mestres (At 6:1-6; 13:1-3; 15:2; 20:28; 21:18-24, e, provavelmente, diáconos
da igreja, embora esse último grupo não seja mencionado de forma explícita.
Para o público da segunda geração, que pode não ter conhecido os apóstolos,
Atos demonstra a existência de uma linha de transmissão estável e digna de
autoridade. Os apóstolos receberam diretamente de Cristo a incumbência de
proteger a mensagem do evangelho. Eles, por sua vez, transmitiram essa
responsabilidade aos anciãos e bispos da igreja.
No entanto, a autoridade para liderar por meio do testemunho, cuidado e
ensino sobre Jesus não envolvia a permissão para tomar decisões unilaterais
em nome da igreja. Em vez disso, decisões importantes que não haviam sido
claramente expostas por Jesus ou pela Bíblia eram levadas a uma assembleia
de crentes, chamada a fim de participar do processo de tomada de decisão (At
1:15-16, 21-23; 15:22). A maioria desses encontros envolvia somente a igreja
local. Porém, em questões de esfera mais ampla, como a decisão sobre o que
requerer dos gentios que se convertiam (At 15), uma reunião de várias igrejas
ocorreu em Jerusalém, liderada pelos apóstolos e anciãos com outros
representantes da igreja (At 15:2). De todo modo, os apóstolos ou anciãos
assumiram a liderança, e outros cristãos participaram também. Essas decisões
eram consideradas válidas para toda a igreja (At 16:4).
A delegação de autoridade para cumprir aspectos específicos da obra
costumava acontecer nesse tipo de reunião. Ao mesmo tempo, muitos, como
Barnabé e outros cristãos cujo nome não é citado, se engajavam em um
ministério não oficial, em harmonia com a igreja e sua missão (At 11:20, 30;
18:26). O desenvolvimento da autoridade delegada é narrado em Atos no
contexto de declarações e convenções sobre o formato exato que a estrutura
da igreja deveria assumir. Nenhum ofício eclesiástico é especificamente
retratado como se fosse uma instituição divina. Em vez disso, à medida que
surgia alguma necessidade relativa à missão ou ao cuidado dos membros, a
igreja fazia uma seleção cuidadosa, seguindo modelos da sinagoga e do
Antigo Testamento, delineava um papel e comissionava indivíduos para
cumprir as funções necessárias.

1 Ver definição e discussão mais detalhada em Bruce Chilton e Jacob Neusner, Types of Authority in
Formative Christianity and Judaism (Londres: Routledge, 1999), p. 541, 542; Bernard Ramm, The
Pattern of Religious Authority (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1959), p. 10; Yves Simon, A General
Theory of Authority (Notre Dame, MI: University of Notre Dame Press, 1980), p. 3-12; John Skinner,
The Meaning of Authority (Washington, DC: University of America, 1983), p. 6.
2 Os conceitos de autoridade institucional, tradicional e carismática foram desenvolvidos pelo
sociólogo Max Weber, Hans Gerth e C. Wright Mills, ed., From Max Weber: Essays in Sociology
(Nova York: Oxford University Press, 1946), p. 295-298. A autoridade por especialização foi
acrescentada posteriormente. Allan G. Johnson, The Blackwell Dictionary of Sociology: A User’s
Guide to Sociological Language (Oxford: Blackwell, 2000), p. 20-23; Richard Sennett, Authority
(Nova York: Random, 1981), p. 20-22.
3 Marcos 1:27; Lucas 10:19; “Exousia”, H. G. Liddell, R. Scott e H. S. Jones, Greek-English Lexicon
(Oxford: Clarendon Press, 1996), p. 599; “Exousia”, W. Bauer et al., A Greek-English Lexicon of the
New Testament and other Early Christian Literature (Chicago, IL: University of Chicago Press, 2000),
p. 352-353; Werner Foerster, “Εξουσια”, em Gerhard Kittel e Gerhard Friedrich, ed., Theological
Dictionary of the New Testament (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1977), v. 2, p. 562-574. Outras
palavras gregas menos comuns relacionadas a autoridade serão debatidas à medida que surgirem no
texto.
4 Lucas 9:1; “Dynamis”, Liddell, Scott e Jones, Greek-English Lexicon, p. 452; “Dynamis”, Bauer et
al., A Greek-English Lexicon of the New Testament and other Early Christian Literature, p. 262, 263.
5 Foerster, “Exousia”, Kittel e Friedrich, ed., Theological Dictionary of the New Testament, v. 2, p.
563.
6 Cf. George W. E. Nickelsburg, Ancient Judaism and Christian Origins: Diversity, Continuity, and
Transformation (Mineápolis, MN: Fortress, 2003), p. 93-95; Alan F. Segal, “The Jewish Experience:
Temple, Synagogue, Home, and Fraternal Groups”, em Community Formation in the Early Church and
in the Church Today (Peabody, MA: Hendrickson, 2002), p. 28-31.
7 Segal, “The Jewish Experience: Temple, Synagogue, Home, and Fraternal Groups”, p. 21-24. Os
sumos sacerdotes também recebiam certa autoridade civil, delegada por Roma. Alguns judeus, como os
essênios, questionavam a autoridade dos sumos sacerdotes da época.
8 Cf. Hanoch Reviv, The Elders in Ancient Near East: A Study of a Biblical Institution (Jerusalém:
Magnes Press, 1989), p. 137-186. Na época do Novo Testamento, os anciãos eram basicamente
desconhecidos em outros lugares, com exceção do Egito e algumas referências na Ásia Menor. Cf.
Benjamin L. Merkle, The Elder and Overseer: One Office in the Early Church (Nova York: Peter
Lang, 2003), p. 39-42; David Miller, “The Uniqueness of New Testament Church Eldership”, Grace
Theological Journal 6 (1985), p. 316.
9 Números 11:11-30; Esdras 10:8, 9; 2 Crônicas 32:3 (LXX); James Tunstead Burtchaell, From
Synagogue to Church: Public Services and Offices in the Earliest Christian Communities (Cambridge:
Cambridge University, 1992), p. 259-263; Merkle, The Elder and Overseer, p. 38, 39, 46, 47.
10 Burtchaell, From Synagogue to Church, p. 228-233; Merkle, The Elder and Overseer, p. 23-39; cf.
R. Alastair Campbell, The Elders: Seniority within Earliest Christianity (Edinburgh: T & T Clark,
1994), p. 21-23.
11 Campbell, The Elders, p. 20-66.
12 Burtchaell, From Synagogue to Church, p. 204-205; Emil Schürer, The History of the Jewish
People in the Age of Jesus Christ (174 BC - AD 135) (Edinburgh: T & T Clark, 1973-1987), p. 428,
429; Segal, “The Jewish Experience: Temple, Synagogue, Home, and Fraternal Groups”, p. 25, 26.
13 O termo synagōgē, assim como a palavra relacionada ekklēsia, é usado na Septuaginta para se
referir à congregação do povo de Deus (Êx 12:3; Sl 74:2; Jr 26:17; Zc 9:12).
14 Mateus 26:59; Marcos 15:1; Lucas 22:66; João 11:47. Os fariseus provavelmente atuassem como
anciãos, sem ocupar um cargo oficial. Cf. Merkle, The Elder and Overseer, p. 38, 39, 46, 47.
15 Everett Ferguson, The Church of Christ: A Biblical Ecclesiology for Today (Grand Rapids, MI:
Eerdmans, 1996), p. 130, 131; A. H. M. Jones, The Roman Economy: Studies in Ancient Economic and
Administrative History (Totowa, NJ: Rowman & Littlefield, 1974), p. 11-19. Nas colônias romanas, a
autoridade era mais centralizada nos magistrados e em um conselho de decuriões da elite. Andrew D.
Clarke, Serve the Community of the Church: Christians as Leaders and Ministers (Grand Rapids, MI:
Eerdmans, 2000), p. 11-58.
16 Richard S. Ascough, “Greco-Roman Philosophic, Religious, and Voluntary Associations”, em
Richard N. Longenecker, ed., Community Formation in the Early Church and in the Church Today
(Peabody, MA: Hendrickson, 2002), p. 4-12; Philip A. Harland, Associations, Synagogues, and
Congregations: Claiming a Place in Ancient Mediterranean Society (Mineápolis, MN: Fortress, 2003),
p. 25-54.
17 Ascough, “Greco-Roman Philosophic, Religious, and Voluntary Associations”, p. 12-18; Segal,
“The Jewish Experience: Temple, Synagogue, Home, and Fraternal Groups”, p. 27-28. O termo
episkopos também é usado ocasionalmente na Septuaginta para se referir a líderes, supervisores e
mordomos em Israel (Nm 4:16; 31:14; Jz 9:28).
18 George Eldon Ladd, Teologia do Novo Testamento (São Paulo: hagnos, 2003), p. 148, 149.
19 A palavra basileia, frequentemente traduzida por “reino”, no grego, se concentra no ato de
governar e no poder real, bem mais do que nos aspectos físicos de um reino; ver “Basileia”, Bauer et
al., A Greek-English Lexicon of the New Testament and other Early Christian Literature, p. 168, 169.
20 Apostolos significa literalmente “enviado”. Não se trata de uma designação grega regular. O
judaísmo inicial contava com o termo shālîach (“enviados”), que eram nomeados como representantes
ou emissários autorizados de curto prazo a fim de cumprir diversas tarefas, testemunhando da vontade e
mensagem daquele que os havia enviado. K. H. Rengstorf e Werner Foerster, “Αποστολος”, em Kittel
e Friedrich, ed., Theological Dictionary of the New Testament, v. 1, p. 413-420; J. A. Büehner,
“Apostolos”, Horst Balz e Gerhard Sxhneider, Exegetical Dictionary of the New Testament (Grand
Rapids, MI: Eerdmans, 1994), v. 1, p. 142-146. Walter Schmithals, The Office of Apostle in the Early
Church (Nashville, TN: Abingdon, 1969), p. 96-110; Robert M. Johnston, Women in Ministry: Biblical
and Historical Perspectives (Berrien Springs, MI: Andrews University, 1998), p. 47.
21 A escolha dos 70 lembra os 70 anciãos que Moisés escolheu por ordem de Deus para auxiliá-lo
(Nm 11:11-17).
22 Jon Paulien, John (Boise, ID: Pacific Press, 1995), p. 270; Ferguson, The Church of Christ, p. 66.
Os verbos afēte (“perdoar”) e kekratēntai (“reter”) estão no passivo perfeito, não no futuro, sugerindo
que o perdão ou a retenção já foram concluídos no passado por outro, mas os resultados dessa ação
continuam no presente; cf. Julius R. Mantey, “Evidence that the Perfect Tense in John 20:23 and
Matthew 16:19 is Mistranslated”, Journal of the Evangelical Theological Society 16 (1973), p. 129-
138.
23 Mantey, “Evidence that the Perfect Tense in John 20:23 and Matthew 16:19 is Mistranslated”, p.
134. As tentativas de interpretar essa passagem com base em palpites teóricos de identificação das
palavras originais de Jesus em aramaico são interessantes, mas não saem da esfera da adivinhação.
24 A prioridade petrina não foi presumida na igreja primitiva (por exemplo, Origen, “Commentary on
Matthew 12.10, 11”, Ante-Nicene Fathers [Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1995], v. 9, p. 455, 456; Saint
Chrysostom, “Homilies on Galatians 1:1-3”, Nicene and Post-Nicene Fathers of the Christian Church:
Second Series [Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1997], v. 13, p. 1).
25 Ferguson, The Church of Christ, p. 47-52.
26 Sobre as portas do inferno, confira Jack P. Lewis, “The Gates of Hell Shall Not Prevail against It”,
Journal of the Evangelical Theological Society 38 (1995), p. 349-367.
27 Mateus 16:18, 19. A declaração “as portas do inferno não prevalecerão contra ela” não fala sobre
autoridade, mas sobre o poder da morte para conter ou reter o povo de Deus. A Septuaginta, por
exemplo, usa o termo hades como tradução da palavra hebraica sheol (o lugar dos mortos), em
referência aos seres humanos que morrem e, em lugar algum, menciona seres malignos residindo ou
saindo dali (Os 13:14). As portas do inferno dizem respeito a estar à beira da morte (Is 38:10). Cf.
Ulrich Luz, Matthew 8–20: A Commentary (Mineápolis, MN: Fortress, 2001), p. 364.
28 Luz, Matthew 8–20: A Commentary, p. 365; Donald A. Hagner, Matthew 14–28 (Dallas: Word,
1995), p. 472-474. Assim como as passagens semelhantes sobre perdoar (e reter) pecados em João 20, a
forma verbal no passivo perfeito dá pistas de uma ação concluída e resultados contínuos, embora o
significado preciso da rara forma verbal no particípio, junto com o verbo auxiliar (literalmente, “será
tendo estado”), é alvo de debates.
29 Conforme declara Eduard Schweizer, Church Order in the New Testament (Naperville, IL: Alec R.
Allenson, 1961), p. 21, “em princípio, todos estão engajados e não há motivo para distinguir entre
cristãos comuns e os que foram chamados para o serviço”. ver John L. McKenzie, “Authority and
Power in the New Testament”, Catholic Biblical Quarterly 26 (1964), p. 417-419.
30 Josef Blank, “The Concept of ‘Power’ in the Church: New Testament Perspectives”, em Power in
the Church, James Provost e Knut Walf ed. (Edinburgh: T & T Clark, 1988), p. 8, 9; as definições entre
colchetes são minhas. De acordo com Donald Guthrie, em Teologia do Novo Testamento (São Paulo:
Cultura Cristã, 1981), p. 720: “Ele não deu muitas indicações acerca da organização eclesiástica, mas
não deixou dúvida de quais deveriam ser os principais objetivos da comunidade de Seus seguidores.”
31 Atos 2:34, 35; 5:31. Lucas retrata uma série dramática de paralelos entre a vida de Jesus e a vida de
Seus seguidores ao narrar, por exemplo, o recebimento do Espírito Santo, um sermão inaugural sobre
cumprimento e rejeição, encontros milagrosos com um aleijado, um centurião e uma pessoa morta. Por
fim, a jornada final de Paulo a Jerusalém, sua prisão e seus julgamentos. Charles H. Talbert, Reading
Acts: A Literary and Theological Commentary on the Acts of the Apostles (Nova York: Crossroad,
1997).
32 Lucas-Atos traça diversos paralelos entre a experiência de Moisés e Israel e a de Jesus e a igreja. A
escolha exata dos Doze lembra os 12 “filhos” de Jacó, apresentando os apóstolos como os novos
“patriarcas” na reconstituição do povo reunido de Deus na nova aliança (Lc 6:13; 22:29-30; At 7:8;
26:6-7; cf. Tg 1:1; Ap 7:4-8; 12:1; 21:12, 14, 21; 22:2); cf. Hans von Campenhausen, Ecclesiastical
Authority and Spiritual Power in the Church of the First Three Centuries (Stanford, CA: Stanford
University Press, 1969), p. 14-16; Luke Timothy Johnson, The Acts of the Apostles (Collegeville, MN:
Liturgical, 1992), p. 39.
33 Hoi adelfoi (“os irmãos”) é uma expressão usada para toda a comunidade de crentes em Lucas-
Atos, enfatizando o relacionamento familiar no qual a igreja primitiva se via debaixo da autoridade de
Deus (cf. At 11:29; 15:1, 23, 32). Diversas passagens desse tipo em Lucas-Atos se referem claramente
tanto a homens como a mulheres (Lc 6:41-42; 8:21; 17:3; At 3:1, 17; 15:3) e a presente observação de
Maria e outras mulheres entre aqueles que se reuniam sempre sugere que isso também se aplica à
“multidão” a que Pedro se dirigiu (At 1:14-16).
34 Atos 2:34, 35; 5:31. A autoridade foi dada aos apóstolos em Atos para testemunhar, não para se
tornar um corpo administrativo permanente. S. Scott Bartchy, Community Formation in the Early
Church and in the Church Today (Peabody, MA: Hendrickson, 2002), p. 98-101.
35 Talbert, Reading Acts, p. 73. To plēthos pode se referir a uma multidão, congregação ou assembleia
deliberativa, ao passo que tōn mathētōn (“os discípulos”) é usado em Atos para se referir a todos os
seguidores de Jesus. Não há evidência de que houvesse uma assembleia eleitoral nesse período da
igreja (Johnson, The Acts of the Apostles, p. 106). Ao que tudo indica, sete líderes eram nomeados às
vezes para cuidar de cidades judaicas.
36
Deus instruiu Moisés a transferir sua autoridade para Josué antes de morrer, impondo as mãos
sobre ele. A imposição de mãos em outras partes da Bíblia também representa uma separação (Nm
8:10, 14) e transferência de (1) poder resultante em cura (Lc 4:40; 13:13) ou bênção (Gn 48:13-15; Mt
19:13); (2) representação, como em ritos de sacrifício (Lv 1:4; 16:21) e, possivelmente, a consagração
de levitas (Nm 8:10); (3) autoridade (Nm 27:20); e (4) o Espírito Santo (Dt 34:9; At 8:17, 19; 19:6). Cf.
Johnson, The Acts of the Apostles, p. 107; Keith Mattingly, “Laying on of Hands in Ordination: A
Biblical Study”, em Women in Ministry: Biblical and Historical Perspectives (Berrien Springs, MI:
Andrews University, 1998), p. 59-69.
37 Campbell, The Elders, p. 141-175. Isso também sugere que uma apresentação sistemática da
estrutura ideal de autoridade e o processo para alcançá-la dentro da igreja não estavam entre as
principais preocupações de Lucas. Guthrie, Teologia do Novo Testamento, p. 745, 746.
38 Campbell, The Elders, p. 159-175 argumenta ainda que os anciãos eram os chefes das casas nas
quais as igrejas nos lares se reuniam, algo mais difícil de apoiar com qualquer grau de certeza.
39 A. M. Farrar, “The Ministry in the New Testament” em The Apostolic Ministry: Essays on the
History and Doctrine of Episcopacy, ed. Kenneth E. Kirk (London: Hodder & Stoughton, 1947), p.
143; Robert M. Johnston, “Leadership in the Early Church During Its First Hundred Years”, Journal of
the Adventist Theological Society 17 (2006), p. 9-11; Miller, “Eldership”, p. 323-325; Francis D.
Nichol, Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, 7 v. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira,
2014), v. 7, p. 687, 688; Ben Witherington III, The Acts of the Apostles: A Socio-Rhetorical
Commentary (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1998), p. 374.
40 Raoul Dederen, “The Church: Authority and Unity (Supplement)”, Ministry 68 (maio de 1995), p.
3, 4.
41 C. K. Barrett, Acts 1–14 (Londres: T & T Clark, 1994), p. 602, 607. De fato, conta-se que Paulo e
Barnabé relataram para toda a igreja de Antioquia as realizações de sua primeira viagem missionária,
depois que ela terminou, revelando essa conexão coletiva da igreja com a missão (At 14:26-27).
42 Cheritineō significava, no passado, “eleger pelo levantar da mão”, mas foi ampliado para significar
simplesmente “nomear”, sem referência a recursos (cf. Johnson, The Acts of the Apostles, p. 254). A
igreja em tempos posteriores passou a usar o termo para significar “impor as mãos sobre”, mas não é
garantido que esse conceito já existisse na época de Lucas; cf. Campbell, The Elders, p. 166-170.
43 A gramática grega sugere uma sobreposição dos papéis dos apóstolos e anciãos em Atos 15:2, mas
eles são citados separadamente no verso 4.
44 Essa assembleia envolveu a escuta de discursos deliberativos e a ponderação das evidências
(Witherington III, The Acts of the Apostles, p. 450).
45 Ao que tudo indica, esse Tiago é o irmão de Jesus, pois o apóstolo Tiago já havia sofrido martírio
(At 12:2; cf. Gl 1:19).
46 Na LXX, somente Nabucodonosor inicia uma declaração dessa maneira (egō krinō, “eu julgo”) ao
expressar um decreto que deveria ser obedecido por todas as nações sob sua jurisdição (Jr 51:36; Ez
24:14; Dn 3:29).
47 Ladd, Teologia do Novo Testamento, p. 497. Esses quatro itens estão ligados, em sentido geral, às
expectativas do Antigo Testamento relacionadas à associação entre gentios e judeus (Lv 17–18);
Talbert, Reading Acts, p. 138-144; Johnson, The Acts of the Apostles, p. 267-273. Mais evidente e
menos invasiva que a circuncisão, a observância dessas diretrizes pode ter ajudado a minimizar o atrito
com outros judeus até certo ponto (At 15:21). Além disso, as regras também proibiam atos associados à
adoração pagã e suas festas (Witherington III, The Acts of the Apostles, p. 461-466). Essa carta
encontrava precedente na prática judaica da época (Johnson, The Acts of the Apostles, p. 271). A
afirmação acerca da sanção do Espírito pode se basear, pelo menos em parte, no papel desempenhado
pelo Espírito Santo, de acordo com declarações anteriores de Pedro e Tiago.
48 Dederen, “The Church: Authority and Unity (Supplement)”, p. 6, 7. O debate de Paulo acerca da
carne oferecida a ídolos em 1 Coríntios 8–10 pode ser entendido como um debate ampliado de seu
raciocínio semelhante, o de que era recomendável evitar esse tipo de alimento se ofendesse a
consciência dos outros.
49 A autoridade direta de Paulo, da parte de Deus, é afirmada repetidas vezes em Atos, sobretudo
quando ele relata, durante seus discursos de defesa, a história do chamado que recebeu no caminho para
Damasco (At 22:6-16; 26:16-18).
50 Teresa Reeve, “Autoridade da Igreja em Paulo e nos Escritos posteriores ao Novo Testamento”,
nesta obra.
51 Cf. Guthrie, Teologia do Novo Testamento, p. 743, 744. Diferentemente de episkopos, o título
presbyteros é usado nos escritos de Paulo somente em 1 Timóteo e Tito. I. Howard Marshall, The Acts
of the Apostles (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1991), p. 352; Merkle, The Elder and Overseer, p. 127,
128.
52 Merkle, The Elder and Overseer, p. 125, argumenta que Tiago é identificado aqui como líder dos
anciãos, conforme sugere também o concílio de Jerusalém. É impossível determinar com certeza se
Lucas via Tiago como ancião ou possivelmente (como pode ser o caso em Gl 1:19), como apóstolo.
53 Guthrie, Teologia do Novo Testamento, p. 743; Talbert, Reading Acts, p. 35.
54 As Escrituras citadas são apenas breves exemplos, dentre os destacados anteriormente, que
fornecem evidências para a ideia em questão.
13
Autoridade da Igreja em Paulo e nos Escritos
Posteriores do Novo Testamento
Teresa Reeve

em mais do que Atos ou os evangelhos, as epístolas de Paulo são

B moldadas retoricamente para abordar uma situação específica de


algum momento particular. O discurso das cartas deve ser
interpretado nesse contexto. Em quatro dessas cartas, a preocupação quanto à
autoridade é central. Em 2 Coríntios, Paulo busca restaurar um
relacionamento caloroso, mas, ao mesmo tempo, cheio de autoridade com
uma igreja que havia questionado sua liderança. Nas epístolas posteriores, 1 e
2 Timóteo e Tito, obreiros menos experientes são aconselhados sobre o uso e
a distribuição da autoridade na igreja. Além disso, duas outras epístolas
trazem afirmações sobre autoridade como o esteio da mensagem principal do
texto. Em Gálatas, Paulo busca combater um “evangelho” falso e ameaçador,
em parte, defendendo sua liderança e autoridade, ao passo que em 1
Coríntios, ele aconselha uma igreja dividida por facções e outros problemas.
Nas outras sete epístolas, a autoridade permanece, em grande medida, como
pano de fundo. Todavia, por meio de instrução e exemplo, elas comunicam
aspectos da cosmovisão e estrutura teológica do autor que também
apresentam desdobramentos para a autoridade da igreja.

PREOCUPAÇÕES SOBRE AUTORIDADE PRIMÁRIA


NAS EPÍSTOLAS PAULINAS
A preocupação relativa à autoridade mais presente nas epístolas de Paulo é
o questionamento acerca da autoridade do próprio autor para pregar o
evangelho e instruir os cristãos (1Ts 2:5-8; 1Tm 2:7). No nível mais básico, a
autoridade de Paulo não se fundamenta em sua posição ou popularidade, mas
em sua identidade como apóstolo ou emissário escolhido de Jesus. Esse
argumento introduz quase todas as cartas e é defendido diversas vezes ao
destacar que, assim como os Doze (2Co 11:5), ele também viu Jesus e,
portanto, era testemunha de Sua ressurreição (1Co 9:1; 15:7-9); recebeu o
chamado e o evangelho de Cristo diretamente Dele (Gl 1:11–2:9); realizou
sinais e maravilhas em nome Dele (1Co 2:4-5; 12:11-12) e, por fim, ganhou
outros para Seu nome (1Co 9:2). 1 Ao que tudo indica, a autoridade de seus
auxiliares, como Timóteo e Tito, foi delegada por meio da imposição de
mãos (1Tm 1:6).
Ao mesmo tempo, suas declarações mais fortes de autoridade são
consistentemente equilibradas com uma relutância professa em usá-la. Paulo
reconhece a necessidade de aprovação, por parte dos Doze, do evangelho que
ele pregava (Gl 2:1, 2) e, às vezes, se denomina “o menor dos apóstolos”
(1Co 15:9). Aliás, ele se retrata não só como apóstolo, pregador, professor
(1Tm 2:7; 2Tm 1:10, 11) e pai disciplinador (1Co 4:15, 21), mas também
como uma mãe gentil (1Ts 2:8, 9) e, acima de tudo, servo (diáconos) do
evangelho (1Co 3:5; Ef 3:6, 7) e da igreja (2Co 11:8; Cl 1:24, 25; cf. 1Tm
1:12). 2 Ele se enxergava, juntamente aos outros discípulos, como alguém
que somente lançava o alicerce sobre o qual as próprias igrejas se edificariam
com a ajuda de Deus (1Co 3:5-10). Ele não tentava exercer controle sobre
ninguém que pregava a Palavra de Deus. Em vez disso, aceitou e aplaudiu a
obra de Apolo e de outros (1Co 1:10-13; 3:4-7; 16:12; Tt 3:13). 3
Acima de tudo, Paulo exalta a autoridade suprema de Jesus Cristo, diante de
quem se dobrará “todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra” (Fp 2:10;
cf. Is 45:18-24). No que diz respeito à igreja, Paulo declara que, quando Deus
ressuscitou Cristo dentre os mortos, Ele O fez “sentar à Sua direita nos
lugares celestiais, acima de todo principado, e potestade, e poder, e domínio
[...]. E pôs todas as coisas debaixo dos pés e, para ser o cabeça sobre todas as
coisas, o deu à igreja, a qual é o Seu corpo” (Ef 1:20-23; cf. Cl 1:15-20; 2:8-
12). 4 Com a conexão inseparável entre cabeça e corpo, essa metáfora
enfatiza a participação da igreja na autoridade de Cristo, à medida que coloca
em prática as decisões de Jesus, seu cabeça. 5

AUTORIDADE DA IGREJA EM RELAÇÃO ÀS


PESSOAS DE DENTRO E DE FORA

Em áreas nas quais não existe um ensino bíblico claramente aplicável,


Paulo permite a autoridade dos cristãos individuais para agir de acordo com a
própria consciência, mas insiste que todos devemos usar essa autoridade com
amorosa consideração pela necessidade dos outros (Rm 14:13-23). Em sua
explicação mais direta dessa praxe geral, ele reconhece a autoridade teórica
dos coríntios de seguir a própria consciência no que diz respeito a comer ou
não a carne oferecida a ídolos. Contudo, implora para que o exercício dessa
autoridade seja controlado pelo amor a Deus e àqueles que podem ser
influenciados a violar a própria consciência (1Co 8, em especial o v. 9). 6
Em contrapartida, quando o cristão age contrariando um ensino claro das
Escrituras, Paulo, de acordo com a instrução de Jesus (Mt 18:15-18),
aconselha aqueles que são espirituais (isto é, que andam pelo Espírito [Gl 4:6;
5:16-26]) a corrigi-lo “com espírito de brandura” (Gl 6:1). 7 Quando o
pecado é contínuo e não há arrependimento – como no caso do homem
sexualmente imoral em Corinto (1Co 5:1-8), ou possivelmente o “imoral,
avarento, idólatra, caluniador, alcoólatra ou ladrão” (1Co 5:11-13, NVI), bem
como os desordeiros e ociosos (2Ts 3:6, 7) –, a igreja deve reconhecer que o
transgressor se colocou fora da comunidade de crentes e não deve incluí-lo
em sua comunhão regular. 8
A responsabilidade de cumprir essas ações é destinada à comunidade da
igreja (1Co 5:4, 5), não a um escritório ou ofício individual; e seu propósito
não é simplesmente punir ou limpar a reputação da igreja, mas “a fim de que
o espírito seja salvo no Dia do Senhor” (1Co 5:5; cf. 2Ts 3:15). 9
Além disso, embora Paulo tenha procurado corrigir incompreensões e
tolerado certa variação de ensino, ele lutava enfaticamente contra grupos
como o dos “judaizantes”, que se opunham ativamente ao evangelho que ele
pregava (Gl 1:8, 9; 3:1-5; Fp 3:2-4; cf. Cl 2:18-12) e distraíam os cristãos do
“amor que procede de um coração puro, de uma boa consciência e de uma fé
sincera” (1Tm 1:5, 6, NVI; cf. 2Tm 2:14-18). 10
Esse evangelho se fundamenta, para Paulo, em sua própria inspiração
profética da parte de Jesus (1Co 11:23), confirmada pelos apóstolos e por
outros autores inspirados do Antigo e do Novo Testamento (Gl 2:1-10; 2Tm
3:13-17), aos quais ele também encaminhava os fiéis (Ef 3:4-5; cf. 2:19-20).
Paulo aconselha a comunidade da fé a distinguir e rejeitar falsos ensinos e se
afastar daqueles que argumentavam contra eles (Rm 16:17; cf. 2Ts 2:1-3).
Seus assistentes deveriam ser advertidos contra esses ensinos e especulações
(1Tm 1:3-4; cf. 2Tm 2:14) e, quando necessário, evitar “o homem faccioso,
depois de admoestá-lo primeira e segunda vez, pois sabes que tal pessoa está
pervertida, e vive pecando, e por si mesma está condenada” (Tt 3:10, 11).
No que diz respeito aos descrentes, a autoridade da igreja na Terra é, de
acordo com Paulo, limitada à proclamação do evangelho cheia de autoridade
e ao testemunho da verdade de Deus (1Tm 3:15). Embora Paulo se sentisse
livre para pregar ao mundo e até mesmo motivado a isso, destacando os
males que via ali, orientou os coríntios de forma específica a não “julgar os
de fora da igreja” (1Co 5:12, NVI; ver v. 9-13). Em vez disso, como princípio
geral, instrui a igreja a se sujeitar às autoridades governantes (Rm 13:1-5; Tt
3:1), ao passo que, em questões de consciência, exemplifica um firme
posicionamento, a despeito da perseguição (2Co 11:23).

RELAÇÃO DA AUTORIDADE COM OS DONS E


MINISTÉRIOS CONCEDIDOS PELO ESPÍRITO

Cada um dos dons e serviços ou ministérios (charisma e diakonia; 1Co


12:4, 5), concedidos a cada cristão segundo a vontade de Deus, por
intermédio do Espírito Santo, “visando a um fim proveitoso” (1Co 12:7),
discutidos por Paulo em Romanos 12, 1 Coríntios 12 e Efésios 4, envolvem
certo grau de poder e autoridade, seja para realizar uma tarefa específica seja
para liderar os outros (conferir tabela na p. 338). 11
No entanto, assim como os dons e ministérios em si, esses diversos aspectos
da autoridade não foram igualmente distribuídos dentro do corpo, pois a
ordem no corpo de Cristo requer que alguns ocupem posições de liderança.
Até mesmo nas primeiras cartas, existe uma evidência da existência desses
líderes nas igrejas, os quais deveriam assumir o comando da comunidade de
fé e receber seu respeito (1Co 16:14-16; 1Ts 5:12). 12
Em nenhum momento, porém, afirma-se que a autoridade da igreja se
concentrava em uma pessoa ou um grupo. Em vez disso, ela era partilhada
por todos os membros. Além de informar os cristãos quanto à natureza
carismática de todos os dons, o principal propósito dessas passagens é
construir unidade nas igrejas fragmentadas de Corinto e Éfeso (Ef 4:4-6) ao
destacar o valor de cada indivíduo (Rm 12:3; 1Co 12:22-25).
Usando a metáfora da igreja como corpo, Paulo combate o privilégio de
determinados dons, papéis e indivíduos, em detrimento de outros. Ao
contrário da abordagem humana normal à autoridade, o grau de poder ou
autoridade recebido não deveria influenciar o valor atribuído ao indivíduo.
Em vez disso, os mais fracos deveriam receber ainda mais honra.
Esse propósito e a forte variação existente entre as quatro listas (na página a
seguir) sugerem que Paulo não estava tentando ser abrangente ou sistemático
em sua apresentação. Em vez disso, apenas usa exemplos da diversidade de
dons e ministérios que o Espírito concede. 13 Tampouco existe uma
delineação cuidadosa entre dons, habilidades, ministérios ou modos
especializados de usar essas habilidades no serviço, pois, ao passo que uma
lista se concentra nas habilidades (1Co 12:8-10) e outra nos ministérios (Rm
12:6-8; Ef 4:11), também encontramos uma mistura de habilidades e papéis
(1Co 12:28).

1
1 CORÍNTIOS ROMANOS EFÉSIOS
CORÍNTIOS
12:8-10 12:6-8 4:11
12:28
1. palavra da sabedoria 1. apóstolos 1. profecia 1. apóstolos
2. palavra do 2. profetas 2. ministério 2. profetas
conhecimento 3. mestres 3. ensino 3. evangelistas
3. fé 4. milagres 4. exortação 4. pastores e
4. cura 5. cura 5. contribuição mestres
5. milagres 6. socorro 6. presidência
6. profecia 7. governo 7. misericórdia
7. discernimento de 8. línguas
espíritos
8. línguas
9. interpretação de
línguas

(os itens em itálico se referem a funções ministeriais)


A repetida menção a diversos papéis de liderança nessas listas, bem como
em outras, evidencia a diferenciação de funções nos dias de Paulo, embora
isso não signifique que essas funções representavam posições oficialmente
designadas em todas as igrejas paulinas. 14
“Apóstolos” aparece em primeiro lugar em duas das listas acima. 15 Nas
epístolas de Paulo, o termo apostolos, que significa “apóstolo” ou
“emissário”, é usado principalmente para os Doze (1Co 9:5; Gl 1:19) e Paulo,
possuindo bastante autoridade pelo fato de haverem sido nomeados
diretamente por Cristo. A referência de Paulo a si mesmo como um apóstolo
“nascido fora de tempo” (1Co 15:8) sugere que ele se enxerga como o último
dos apóstolos no sentido original do termo. 16 A palavra também é usada em
um sentido mais amplo, para se referir àqueles que são enviados por uma
igreja específica (2Co 8:23; Fp 2:25), e a outros como Tiago, irmão de Jesus
(Gl 1:19), entre outros (Rm 16:7), situações em que o motivo exato para o
uso do título é incerto.
Esses “apóstolos” posteriores, com exceção de Tiago, cuja autoridade pode
ter decorrido de uma posição de primeiro-ancião ou do respeito que lhe era
prestado por ter sido irmão de Cristo, tinham autoridade limitada. Paulo
nunca fala sobre ungir alguém para ser apóstolo, e o uso do termo foi
desaparecendo na igreja apostólica, possivelmente por causa dessa associação
especial com aqueles que haviam sido nomeados diretamente por Jesus. O
conceito católico de sucessão apostólica não é encontrado no Novo
Testamento.
Os “profetas” são citados logo após os apóstolos em duas das listas e
“profecia” é mencionada nas duas outras, fazendo desse o único item
mencionado por nome nas quatro listas. Não era incomum encontrar profetas
no Novo Testamento (1Co 11:4, 5; 14:29-31; 1Ts 5:20; 1Tm 4:14) que
fornecessem edificação, exortação e consolo para a igreja (1Co 14:3, 22; cf.
1Tm 1:18; 4:14), bem como convicção para os descrentes (1Co 14:24). 17
Ao que tudo indica, o papel profético era puramente carismático, não
dependente de uma posição de autoridade designada por uma instituição.
Assim como os Doze, os profetas transmitem mensagens da parte de Deus,
mas recebidas por meio da revelação, não diretamente do Jesus terreno. No
entanto, Paulo esperava que os profetas de Corinto seguissem seu conselho e
insistiu que fossem avaliados por outros (1Co 11:4, 5; 14:29-33, 37). 18
Além das referências a “falsos mestres”, o “mestre” (didaskalos) só é
mencionado em três das listas e nas cartas a Timóteo, nas quais Paulo se
identifica duas vezes como pregador, apóstolo e mestre (2Tm 1:11; cf. 1Tm
2:7). Em outros usos mais comuns do radical grego, Timóteo é instruído a
ensinar e capacitar outros a ensinar (1Tm 4:11, 13; 2Tm 2:2).
Além disso, a comunidade de Colossos é orientada a ensinar uns aos outros,
juntamente com os anciãos que trabalham na palavra e no ensino (Cl 3:16).
Isso sugere que o ensino não era um ofício de autoridade institucionalizado,
mas uma função desempenhada por uma série de pessoas que ou ocupavam
outro papel de autoridade na igreja ou tinham uma autoridade proveniente do
conhecimento. Pode-se presumir que os anciãos eram responsáveis por
garantir que o ensino fosse firmemente enraizado nos ensinos apostólicos. A
autoridade do mestre é transmitir o conhecimento ensinado pelos apóstolos e
pelas Escrituras, em contraste com revelação nova (porém harmoniosa)
emitida pelo profeta. 19
Na lista de Efésios, o termo “mestres” é ligado, pela ausência de um
segundo artigo, a poimēn (“pastores”), expressão usada de maneira figurada
para um papel de tipo pastoral, referindo-se assim à função do professor-
pastor, que cuidava do rebanho de Deus e o ensinava. 20 Essa é a única
referência a outro pastor além de Jesus, embora tanto em Atos quanto nas
epístolas gerais os anciãos sejam chamados a pastorear o rebanho de Deus
(At 20:28; 1Pe 5:2). 21 Isso sugere que os anciãos atuavam como pastores do
rebanho.
O papel de “evangelista” é mencionado somente na lista de Efésios e em 2
Timóteo 4:5, na qual Timóteo, em uma série de imperativos, é instruído a
fazer a obra de evangelista e a cumprir sua diakonia (“ministério, serviço”).
A função do evangelista não é descrita, mas é tradicionalmente associada à
proclamação do evangelho. 22 Logo, a obra do evangelista seria semelhante
à do apóstolo, mas sem a autoridade da nomeação direta por Jesus.
Os dois últimos itens da lista que se relacionam diretamente à autoridade
são dons, não papéis ministeriais. “Governo” (kybernēsis, “habilidade de
liderar”) – literalmente, a habilidade por meio da qual o piloto guia o navio –
é mencionado somente na lista de ministérios de 1 Coríntios 12:28. Essa
habilidade também é citada na Septuaginta, na qual se refere ao ato de guiar
sem referência a nenhum cargo oficial (Pv 1:5; 11:14; 24:6). 23
“Presidência” (de proistēmi, “administrar, cuidar de”), mencionada em
Romanos 12:8, só é usada nos escritos de Paulo, frequentemente para se
referir a liderar ou administrar outros, sobretudo a própria casa ou a
comunidade da igreja (1Ts 5:12; 1Tm 3:4, 12). O termo também é usado
algumas vezes para aludir, de modo geral, a líderes da igreja local (1Ts 5:12)
e, mais especificamente, aos anciãos da igreja (1Tm 5:17). 24

RELAÇÃO DA AUTORIDADE COM OS CARGOS


NOMEADOS PELA COMUNIDADE

“Anciãos” (presbyterio), principal termo usado para as figuras de


autoridade no livro de Atos, é empregado somente nas epístolas pastorais
posteriores, muito embora Atos declare que Paulo nomeou “anciãos” nas
igrejas locais desde o princípio. Assim como em Atos, só é usado no plural,
da mesma maneira que em Tito, quando Paulo o aconselha a constituir
“presbíteros” “em cada cidade” (Tt 1:5).
Embora Paulo não tenha descrito por completo as funções dos anciãos, em
1 Timóteo 5:17, ele elogia “os presbíteros [presbyteros] que presidem
[proistēmi] bem”, sobretudo na pregação e no ensino, revelando que, nas
igrejas sob o cuidado de Timóteo, esses papéis ministeriais faziam parte das
funções do ancião. Também se conta que um concílio de anciãos
(presbyterion), “com a imposição das mãos” sobre Timóteo (1Tm 4:14)
delegou a ele autoridade e/ou bênção.
O “supervisor” (episkopos), assim como os anciãos, é mencionado nas
epístolas pastorais. A carta aos Filipenses, na qual não se mencionam os
anciãos, começa com a saudação: “Todos os santos em Cristo Jesus, inclusive
bispos e diáconos que vivem em Filipos” (Fp 1:1). É provável que os anciãos
não sejam mencionados de maneira específica aqui porque, conforme já
evidenciado em Atos 20:17 e 28, ambos os termos (presbyteros e episkopos)
eram usados para a mesma função básica na igreja apostólica. 25
Embora Paulo mencione anciãos em 1 Timóteo 5:17, as qualificações
descrevem somente diakonos (“diácono”) e episkopos (1Tm 3:2-7), os quais
deveriam ter a habilidade de ensinar e liderar (proistēmi; 1Tm 5:17; cf. 1Ts
5:12), tarefas já descritas como as dos anciãos. Na carta a Tito, faz-se um
lembrete acerca das instruções fornecidas anteriormente sobre os anciãos que
deveriam ser nomeados (kathistēmi, “colocados no comando”) de cada cidade
(1:5, 6).
Isso é sucedido imediatamente por uma explicação ampliada, apresentando
a justificativa para essa instrução anterior. A descrição adicional inclui, mais
uma vez, uma expectativa relativa ao ensino: de que eles deveriam ser
capazes de exortar com doutrina correta (Tt 1:7-9). 26 Esses conselhos
relativos à nomeação e função dos anciãos-supervisores dão evidências de
que esse papel passou a obter reconhecimento comum e até mesmo se tornou
um cargo com nomeação formal nas igrejas.
A saudação de Filipenses 1:1 (“A todos os santos em Cristo Jesus, inclusive
bispos e diáconos”) pode ser a primeira a mencionar o termo “diácono” no
sentido técnico de uma posição formalmente reconhecida na igreja. 27 Com
frequência, Paulo usa esse termo, com as palavras relacionadas diakonia e
diakoneō para se referir a si mesmo, aos outros líderes como servos de Deus e
da igreja (cf. Cl 1:25; 1Co 3:5); o termo também é empregado para descrever
o ministério de Cristo (Rm 15:8).
As passagens relativas aos dons do Espírito Santo em 1 Coríntios 12:5 e
Efésios 4:11 falam, de maneira semelhante, acerca de todos os dons e
ministérios com o propósito da diakonia (“serviço”), ao passo que Romanos
12:6 lista diakonia como apenas um de uma série de dons específicos. 28 Em
1 Timóteo, porém, as qualificações específicas são atribuídas a qualquer
indivíduo que sirva como diakonos, assim como haviam sido ligadas
anteriormente ao ancião-supervisor. As características são semelhantes,
embora mais breves do que as do ancião-supervisor, sem citar os principais
papéis de autoridade do ensino e da liderança (1Tm 3:8-13).
Além dos dons e dos ministérios concedidos pelo Espírito Santo, com seus
diversos graus de autoridade (1Co 12:4, 5), os escritos de Paulo também são
testemunhas do surgimento de, no mínimo, dois cargos formalizados: dos
anciãos-supervisores e diáconos. Para essas funções, a igreja nomeava
indivíduos com o objetivo de atender a suas necessidades organizacionais. A
fim de executar essas atribuições, necessitavam ter recebido dons específicos
do Espírito, como o ensino, a administração e o pastoreio.
O que vemos prescrito é o tipo de indivíduo a ser nomeado. As qualidades
citadas para diáconos e supervisores-anciãos incluem dons que outras
passagens afirmam ser concedidas pelo Espírito Santo, sugerindo o papel da
direção divina na seleção. Além disso, as qualificações espirituais são
enfatizadas, o que demonstra a extrema importância de uma vida espiritual e
justa para aqueles que representam a igreja de Cristo (1Tm 3:1-12; Tt 1:7-9;
cf. At 6:3).
Só são dadas mais algumas dicas, de passagem, acerca de como, na prática,
a igreja escolhia indivíduos para a liderança. Desde o princípio, afirma-se que
os mensageiros/apóstolos eram selecionados pelas igrejas a fim de ajudar
Paulo a coletar recursos (2Co 8:19, 23). 29 Posteriormente, Timóteo foi
instruído a confiar as coisas que havia ouvido a “homens fiéis” que
ensinariam outros, e Tito a constituir presbíteros em todas as cidades (2Tm
2:2; Tt 1:5).
A participação relativa da igreja ou de seus líderes nessa seleção não é
revelada, sugerindo que Paulo, em suas cartas, não se encontra
excessivamente preocupado em apresentar um método sistemático para esse
processo. Tampouco é prescrito um método específico acerca de como os
indivíduos deveriam ser autorizados e colocados em posições de autoridade
na igreja.
No entanto, as epístolas a Timóteo fazem três menções à imposição de
mãos, prática também mencionada em Atos. No primeiro caso, Timóteo é
instruído a não negligenciar o dom espiritual que havia recebido “mediante
profecia, com a imposição das mãos do presbitério” (1Tm 4:14). No segundo,
ele é lembrado, de maneira semelhante, a reavivar “o dom de Deus que há em
ti pela imposição das minhas mãos” (2Tm 1:6). Ambas as referências podem
dizer respeito ao mesmo evento, no qual Paulo e os anciãos impuseram as
mãos sobre Timóteo, instigados pelo Espírito Santo, provavelmente em um
rito de dedicação que o separara, assim como o que acontecera com Paulo e
Barnabé em Atos 13:1 a 3. 30
O dom em si não é mencionado, mas a relação em ambos os casos diz
respeito a garantir, para Timóteo, sua autoridade nas tarefas de liderar e
ensinar. 31 Em uma terceira menção, o próprio Timóteo é orientado a não
impor as mãos sobre outros indivíduos com demasiada pressa (1Tm 5:22),
relembrando o cuidado prescrito nas listas de qualificações para a seleção de
líderes da igreja. Em um tipo de ação parecida, Paulo menciona “cartas de
recomendação” enviadas com os pregadores itinerantes (2Co 3:1).
O que fica claro a respeito da seleção de líderes nas cartas paulinas é que a
igreja de fato selecionava e autorizava alguns para a liderança oficial e
excluía outros. Isso era feito conforme critérios solenes tanto de caráter
quanto de dons. Os métodos de autorização e posse são menos prescritos,
embora houvesse a prática de enviar cartas de recomendação e de impor as
mãos. 32 Os textos que falam sobre os métodos específicos de delegação e
posse não são prescritivos nem detalhados, mas apresentam um processo
geral que pode ser imitado.
Por fim, Paulo fala sobre a importância de reconhecer e apoiar os líderes da
igreja (1Ts 5:12, 13; cf. 1Tm 5:19). Ele argumenta a favor da tradição de
suprir as necessidades daqueles que ocupam posições de autoridade e
dedicam todo seu tempo para a obra do Senhor, incluindo os apóstolos, os
irmãos do Senhor e, possivelmente, os anciãos locais também (1Co 9:3-14;
1Tm 5:17, 18).
Isso provavelmente tenha começado com os indivíduos que cuidavam das
necessidades daqueles que lhes ensinavam e, aos poucos, se transformou em
um plano mais igualitário, no qual a igreja como um todo participava da
tarefa (Gl 6:6). O próprio Paulo evitava fazer uso dessa tradição (1Co 9:15-
18).
Embora as epístolas de Paulo não expliquem com clareza todos os possíveis
papéis de autoridade exercidos nas igrejas nem resolvam a pergunta da
padronização da implementação dessas funções de igreja em igreja, certos
padrões básicos são evidentes. Apesar de alguns afirmarem que as igrejas de
Paulo funcionavam segundo uma autoridade puramente fluida e carismática,
as epístolas do apóstolo demonstram um pressuposto prévio da importância
da ordem eclesiástica e da autoridade.
Paulo não compartilhava da aversão moderna à autoridade, mas a
enxergava como algo enraizado na ordem divina das coisas, sem a menor
contradição com sua ênfase igualmente importante na liberdade em Cristo
(Rm 13:1-7).
O Espírito Santo dota cada indivíduo com um ou mais dons para o exercício
do ministério. Cada ministro carrega consigo certo grau de autoridade. O
propósito essencial desses dons e ministérios é capacitar os cristãos para a
obra de serviço (1Co 12:4-7), a qual consiste na essência da vida cristã,
conforme exemplificada pelo próprio Jesus (Fp 2:1-8).
A igreja deve delegar e autorizar formalmente os líderes que revelam dons
apropriados e dão evidências adequadas de um caráter piedoso. Ao passo que
somente alguns recebem dons de liderança e menos pessoas ainda assumem
cargos de liderança, esses indivíduos não devem obter honra acima dos
outros. Aliás, Paulo evitava a maioria dos termos comuns para as figuras de
autoridade das sociedades judaica e greco-romana, como “governante”,
“magistrado”, “benfeitor” ou “líder da sinagoga”. 33
No contexto das igrejas locais, há fortes evidências de que um grupo de
anciãos-supervisores assumia o papel principal de liderança, que se baseava
em seus dons e no caráter piedoso de cada um deles. Os diáconos, de igual
maneira, eram formalmente autorizados e delegados para o serviço. Contudo,
tanto os diáconos quanto os anciãos prestavam contas à congregação local no
desempenho de seus deveres (cf. 1Tm 5:19). Paulo não apresenta uma lista
padronizada de cargos para ser colocada em prática em todas as igrejas nem
um projeto exato de como selecionar e empossar cada um. Na esfera
individual, os cristãos deveriam cooperar com os líderes nomeados pela
igreja, bem como com as autoridades governamentais.

AUTORIDADE DA IGREJA NOS ESCRITOS


POSTERIORES DO NOVO TESTAMENTO

Enquanto os evangelhos, o livro de Atos e as epístolas paulinas preservam a


preponderância das evidências diretas relativas à autoridade na igreja
apostólica, os outros livros do Novo Testamento são úteis por causa do
testemunho que apresentam além dos modelos já discutidos. A maioria das
epístolas gerais será analisada em um grupo, seguido pelos escritos joaninos
(1, 2, 3 Jo; Ap;).

Epístolas gerais
Para entender as epístolas gerais, que são cartas breves, é preciso uma
análise comparativamente desenvolvida da eclesiologia encontrada no corpus
paulino mais amplo. No entanto, diversos aspectos da autoridade da igreja,
sobretudo a preocupação crescente em relação ao problema dos falsos
mestres, recebem atenção explícita nessas obras. Além disso, diversos
vislumbres da organização da igreja e das atitudes em relação à autoridade
podem ser reunidos com base nas principais ideias do pensamento de cada
autor.
É possível que o livro de Hebreus, com sua ênfase na superioridade
incomparável de Jesus, forneça o testemunho mais eloquente de Sua
autoridade suprema. Em Hebreus 3:1 a 6, por exemplo, a autoridade de
Moisés como servo na casa de Deus é contrastada com a autoridade de Jesus
como Filho; um contraste especialmente poderoso no contexto da
antiguidade, no qual o filho mais velho só era precedido pelo pai em
autoridade dentro de casa. 34 Assim como as partes do Novo Testamento já
analisadas, os leitores são elogiados por servir (diakoneō) os santos (Hb
6:10), em vez de ir em busca de honra, como era a prática das culturas
vizinhas. A comunidade inteira, não só um grupo de líderes, deve
restabelecer “as mãos descaídas e os joelhos trôpegos” e atentar [episkopeō, a
forma verbal de episkopos] “diligentemente, por que ninguém seja faltoso,
separando-se da graça de Deus” (Hb 12:12, 15).
Em contrapartida, o conselho final de Hebreus contém duas instruções
acerca dos líderes da igreja. Os leitores originais recebem a ordem de lembrar
e imitar a fé dos líderes que os ensinaram no passado e, posteriormente,
obedecer e se sujeitar aos líderes da época, os quais “velam por vossa alma,
como quem deve prestar contas” (Hb 13:7, 17). 35 Esses versos evidenciam
uma distinção reconhecida entre os líderes e outros fiéis, mas não dão aos
líderes um título formal. Os destinatários também são advertidos contra ideias
estranhas, isto é, ensinos que não estão de acordo com as verdades
transmitidas por líderes fiéis, com muita autoridade (Hb 13:9).
A principal preocupação relativa à autoridade encontrada em Tiago diz
respeito a corrigir a atitude da igreja no tocante ao poder daqueles que o
exercem. Ao que tudo indica, Tiago sabia de uma tendência crescente entre
os cristãos de dar honra e preferência desiguais aos ricos, cuja influência e
autoridade na sociedade tinham o potencial de oferecer benefícios
importantes tanto para os cristãos na esfera individual quanto para a igreja.
Tiago lutou intensamente contra essa tendência, condenando o tratamento
preferencial dispensado aos poderosos da sociedade e advertindo os próprios
ricos quanto à sua real insignificância (Tg 1:9, 10; 2:1-7). 36 Desprezando a
“inveja amargurada e sentimento faccioso” em busca de prazer, posição e
poder que ele identificava na raiz de todos os conflitos dentro da igreja, ele
fez um apelo para que os cristãos admitissem sua verdadeira motivação e se
humilhassem “na presença do Senhor” (Tg 3:14; 2:8; 4:1-8).
Em Tiago 3:1, o conselho é: “Não vos torneis, muitos de vós, mestres,
sabendo que havemos de receber maior juízo.” Como em Paulo, o ensino é
reconhecido não necessariamente como um cargo formal, mas como um
papel ministerial reconhecido, ao qual se pode aspirar. Os anciãos também
são mencionados, com o pressuposto de que seus deveres incluem o cuidado
dos cristãos, conforme afirma Tiago: “Está alguém entre vós doente? Chame
os presbíteros da igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo,
em nome do Senhor” (Tg 5:14). 37 Tiago fala com a plena certeza de que
essa oração, recebida por todos com fé, seria (em aparente continuação da
autoridade concedida por Jesus a Seus seguidores) eficaz em salvar ou erguer
o doente e em apelar em prol do perdão dos pecados (Tg 5:13-16; cf. Mt
18:18, 19; Lc 10:1, 9; Jo 20:23). 38
As epístolas de Pedro, assim como as de Paulo, começam afirmando de
imediato a autoridade das credenciais do autor como “apóstolo de Jesus
Cristo”. Os cristãos são aconselhados a agir como pessoas livres, ao mesmo
tempo em que honram a todos e se submetem a todas as instituições
humanas, a fim de que “pela prática do bem, façais emudecer a ignorância
dos insensatos” (1Pe 2:15; ver v. 12-17).
Assim como Paulo, Pedro também fala sobre os dons de Deus a cada
cristão, com o propósito de servir (diakoneō) uns aos outros e de exaltar a
glória e o domínio de Cristo (1Pe 4:10-12). 39 Dois dons específicos são
mencionados: falar, que assume certa autoridade quando se trata de falar “de
acordo com os oráculos de Deus”, e servir, que deve ser feito “na força
que Deus supre”.
A primeira carta de Pedro, assim como a de Tiago, presume a presença de
anciãos nas igrejas, a quem ele escreve, exortando em humildade, “na
qualidade de presbítero como eles”, que “pastoreiem o rebanho de Deus”
(1Pe 5:1, 2; cf. v. 1-4; NVI). A menção aqui feita a indivíduos “que lhes
foram confiados” sugere que esses anciãos tinham obrigações formais na
igreja. 40 Sua carta, porém, destaca que Jesus Cristo é o Pastor chefe, usando
as palavras do próprio Jesus em Mateus 20:25 e Marcos 10:42, a fim de fazer
um apelo para que os anciãos não tirassem vantagem de seu papel com o
propósito de ganhar ou dominar sobre os outros. Pedro instrui os anciãos a,
em vez disso, ser exemplos, lembrando todos: “No trato de uns com os
outros, cingi-vos todos de humildade” (1Pe 5:5). 41
Em sua segunda epístola, considerada seu “testamento final”, Pedro busca
clarificar a firme base da autoridade contínua da igreja, uma vez que aquele
era o tempo em que as testemunhas apostólicas estavam falecendo (2Pe 1:13-
15). Após revisitar a própria autoridade como testemunha ocular de Jesus,
Pedro fundamenta a autoridade futura da igreja nas “palavras que,
anteriormente, foram ditas pelos santos profetas, bem como do mandamento
do Senhor e Salvador, ensinado pelos vossos apóstolos” (2Pe 3:1, 2; cf. 1:15-
21).
Assim como a epístola de Judas, 2 Pedro adverte solenemente contra os
falsos mestres, que alegam falar com autoridade da parte de Deus, mas
prometem “liberdade, quando eles mesmos são escravos da corrupção”,
desprezando a autoridade legítima (2Pe 2:19; Jd 8).
Advertido quanto às mesmas tendências, Judas convoca toda a igreja a
batalhar “diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi entregue aos
santos” (Jd 3), instruindo-os: “Compadecei-vos de alguns que estão na
dúvida; salvai-os, arrebatando-os do fogo; quanto a outros, sede também
compassivos em temor, detestando até a roupa contaminada pela carne” (Jd
22, 23).

Epístolas de João e Apocalipse


Cada uma das cartas de João enfatiza aspectos diferentes sobre a autoridade
da igreja. A autoridade que o Pai deu a Jesus a fim de executar a salvação e o
juízo, tão claramente enfatizada em Apocalipse no momento em que “Àquele
que está sentado no trono e ao Cordeiro” é “o louvor, e a honra, e a glória, e o
domínio pelos séculos dos séculos” (Ap 5:13; cf. Jo 5:28; 17:1; Ap 12:10;
19:15). A igreja é retratada em relacionamento íntimo, por meio dos
acontecimentos escatológicos, com Aquele que detém toda a autoridade. Ela
é apresentada no papel de Sua noiva (Ap 19:7), Seu rebanho (7:17), Seu povo
(21:3) e Seus filhos (21:7). De fato, o povo de Deus governa em tronos com
Ele (1:6; 5:10; 20:4).
Além de recordar a esperança futura, os escritos joaninos também lidam
com necessidades prementes da igreja, relativas ao uso da autoridade naquela
época. Em contraste com o exemplo de Jesus, de humildade e serviço (Jo
13:12-15), homens como Diótrefes (3Jo 9, 10) buscavam construir e proteger
o próprio poder e prestígio, resistindo e desafiando até mesmo a autoridade
apostólica de João.
O apóstolo responde energicamente a esse abuso de poder, elogiando os que
andavam na verdade e no amor. Também promete visitar e chamar atenção
para os maus atos de Diótrefes. Tudo indica que falsos mestres também
estavam aparentemente se recusando a aceitar Jesus como o Cristo enviado
em carne, da parte de Deus (1Jo 2:22; 4:2, 3; 5:10; 2Jo 1:7). João responde
apelando para a própria autoridade, como aquele que havia ouvido, visto e
tocado pessoalmente esse Jesus (1Jo 1:1-3; 2:7, 8; 2Jo 1:5, 6).
Ele também escreveu sobre o testemunho do Espírito que habita no coração
dos crentes e lhes ensina todas as coisas (1Jo 2:27; 4:4). Ecoando Mateus 18
e os ensinos de Paulo, a segunda epístola instrui: “Se alguém vem ter
convosco e não traz esta doutrina, não o recebais em casa, nem lhe deis as
boas-vindas. Porquanto aquele que lhe dá boas-vindas faz-se cúmplice das
suas obras más” (2Jo 10, 11). O Apocalipse faz um apelo semelhante àqueles
que colocam “à prova os que a si mesmos se declaram apóstolos” e que
odeiam “as obras” dos falsos mestres (Ap 2:2, 6).
Ao contrário do Apocalipse, que identifica a autoria do apóstolo, 2 e 3 João
só identificam o autor como “o ancião [presbyteros]”. (Nenhum autor é
mencionado em 1 João. Há somente a afirmação de ter sido testemunha
ocular de Jesus.) É provável que o título “o presbítero” (ou “o ancião”) fosse
usado como gesto de humildade e familiaridade, mas também era
reconhecido nas igrejas como um título que detinha certo grau de
autoridade. 42 O mesmo título também é usado para se referir às 24 pessoas
cuja identidade é incerta e que ficam ao redor do trono de Deus e são
retratadas no livro do Apocalipse (cf. Ap 4:4, 10; 5:5, 6).
Os livros finais do Novo Testamento concordam em essência com os
anteriores no que diz respeito à autoridade na igreja, embora geralmente se
considere que foram escritos depois da maioria. A autoridade primária de
Cristo e Sua revelação nas Escrituras continua a ser fundamental e toda a
comunidade é considerada responsável por cuidar uns dos outros, usando a
autoridade que lhes foi dada para o serviço, não para ganhos pessoais.
Também se presume, porém, que existiam líderes nas igrejas. Nas
passagens em que eles são identificados por títulos (anciãos e diáconos), o
termo “ancião” (ou “presbítero”) é usado para indivíduos que assumem a
responsabilidade de cuidar dos cristãos e edificá-los.
Além disso, reconhece-se que alguns atuam como professores ou mestres.
Contudo, não há mais evidências quanto a outros possíveis cargos da igreja
nem de que forma a autoridade da igreja em geral era estruturada e delegada.
Uma ênfase que cresce nessa seção do Novo Testamento é a necessidade de
proteger a fé de forma consciente, ou seja, os ensinos que foram entregues
pelos profetas e por Jesus. Essa deveria ser uma das responsabilidades
principais dos anciãos. Os ensinos coniventes com comportamento imoral ou
que rejeitavam o papel de Jesus no plano da salvação eram consistentemente
rejeitados, e a comunidade eclesiástica recebia autoridade para testar os
envolvidos, resisti-los e tomar as ações necessárias.

AUTORIDADE DA IGREJA NO NOVO TESTAMENTO:


SÍNTESE E DESDOBRAMENTOS

A autoridade da igreja no Novo Testamento se fundamenta na autoridade


suprema de Jesus Cristo. Sem uma conexão presente fundamental com Jesus,
a igreja depende da própria autoridade, do falho poder humano e da
capacidade de persuasão como qualquer grupo ou instituição criados pelas
pessoas. Mas com esse relacionamento, a igreja se levanta como um
sacerdócio real, que recebe poder para representar o Altíssimo. Trata-se de
um dom extraordinário e de uma pesada responsabilidade, que requer a
compreensão cuidadosa da natureza dessa autoridade delegada, de seu
propósito, seus limites e suas maneiras designadas de trabalhar.
O propósito da autoridade concedida à igreja no Novo Testamento é duplo:
(1) cumprir sua missão de tornar conhecida a verdade sobre Deus ao mundo e
(2) cuidar do bem-estar da comunidade cristã. Toda tentativa de usar a
autoridade para qualquer coisa além desses dois propósitos consiste em uso
incorreto da ordem dada por Deus.
De acordo com o testemunho do Novo Testamento, no que diz respeito ao
restante do mundo, que não reconhece a Deus como Senhor, o exercício da
autoridade da igreja é limitado à influência da palavra falada e de uma vida
compassiva e piedosa. Mesmo que a igreja deva destacar as ações e os
valores mundanos que entram em conflito com o evangelho, o Novo
Testamento não abre espaço para nenhum tipo de coerção que procure
obrigar o mundo a seguir as expectativas de Deus ou da igreja. Esse ato seria
contrário ao modo de agir do Deus das Escrituras, que leva cada indivíduo a
escolher livremente a reconciliação e restauração que Ele oferece. Em vez
disso, o Novo Testamento reconhece a necessidade de estruturas sociais
cheias de autoridade e aconselha os cristãos a se sujeitarem a elas sempre que
não contradigam os mandamentos divinos. A igreja também decide quem, do
mundo, após ouvir a proclamação do evangelho, se unirá ao corpo de Cristo
(cf. Mt 18:18).
No Novo Testamento, a autoridade da igreja para cuidar dos cristãos inclui
a transmissão de todo o ensino de Jesus, exatamente como foi comunicado
por Ele. Envolve oferecer orientação e encorajamento para a vida diária, com
base nesses ensinos. Também é necessário identificar e resguardar os limites
da comunidade de crentes, em relação àqueles que representam
incorretamente as verdades fundamentais de Deus por palavras e atos. Em
nossa era de denominações diversas, os limites da igreja não podem abranger
pessoas de outros “apriscos” que professam lealdade a Cristo, mas somente
àqueles que se consideram parte de determinada comunhão, a fim de
participar de suas bênçãos e influência.
A justificativa para o uso da autoridade por parte da igreja é o serviço
movido pelo amor. Ainda que, no pensamento humano natural, a autoridade
inclua os benefícios de posição, honra ou poder pessoal ou partilhado, a
autoridade da igreja sempre é exercida somente para o serviço. Seja ao
celebrar as boas-novas do evangelho, advertir o mundo do juízo ou corrigir
um membro afastado, cada palavra e ato precisam ser motivados por
humildade genuína. Os líderes da igreja devem buscar o lugar de menor
status, evitando toda tentativa de aumentar seu poder, cargo na igreja ou
posição na hierarquia.
Essa inversão das ambições humanas por mais poder e autoridade permeia
o Novo Testamento tanto em suas instruções diretas quanto nas atitudes
evidentes de seus escritores e líderes. Ao mesmo tempo, ao contrário das
reconstruções nostálgicas das condições da igreja apostólica, o Novo
Testamento evidencia, desde o princípio, a natureza dolosa e os resultados
trágicos da tendência humana de ignorar esse conselho.
O Novo Testamento não prescreve um único formato para a igreja ser
organizada e operada. Mesmo assim, os princípios apontados anteriormente,
associados aos que estão resumidos a seguir, compõem diretrizes sólidas
segundo as quais a igreja deve atuar com autoridade para cumprir a tarefa que
lhe foi designada. Dessa forma, a Bíblia confere à igreja um equilíbrio
brilhante e sutil entre a orientação, para distribuir e usar sua autoridade
segundo a vontade de Deus, e a flexibilidade, que permite a reação e o
alcance no contexto de qualquer circunstância histórica e local nas quais se
encontrar.
O Novo Testamento testemunha que a autoridade divina se estende pela
igreja de maneira contínua quando as Escrituras são seguidas em atitude de
oração. Assim como Jesus baseou Sua vida e Seus ensinos na autoridade do
Antigo Testamento, e Seus apóstolos se embasavam tanto no Antigo
Testamento quanto na autoridade de Jesus, a igreja hoje deve fundamentar
suas escolhas nessas fontes bíblicas, bem como no testemunho dos apóstolos
nomeados pelo Mestre.
Por meio da oração (às vezes com jejum) e iluminada pela orientação divina
prometida mediante o Espírito, a igreja atual, assim como a apostólica, pode
seguir em frente e agir com confiança de acordo com a vontade de Deus em
um mundo de mudanças.
Na distribuição de autoridade na igreja, o próprio Deus assume o papel
principal por meio do derramamento de dons espirituais para o ministério.
Eles são concedidos a cada cristão e cada um deles carrega, em grau maior ou
menor, certo elemento de liderança. No entanto, a igreja jamais foi uma
anarquia sem liderança e organização. O próprio Jesus nomeou os Doze,
delegando-lhes a obra de testemunho e cuidado. Outros líderes logo se
uniram aos Doze à medida que a necessidade surgiu nas igrejas locais.
Assim, além da autoridade que fluía naturalmente dos dons e ministérios
concedidos a cada cristão, os cargos de liderança foram criados aos poucos a
fim de facilitar o cumprimento ordeiro e eficaz da missão. Essas funções
incluíam o papel de liderança geral dos anciãos ou supervisores, bem como
tarefas mais específicas, como a dos sete, selecionados para cuidar das
necessidades físicas dos cristãos, dos diáconos e de Paulo e Barnabé,
confirmados pela igreja para a obra de evangelismo.
Parte da tarefa dada aos líderes, apoiados pela igreja como um todo, é de
deixar claro, na mente das pessoas, tanto da comunidade eclesiástica quanto
da sociedade, as verdades fundamentais e o tipo de vida que Deus espera de
Seus seguidores. O Novo Testamento identifica, entre esses elementos
incontroversos, a identidade de Cristo e Seu ministério de salvação, bem
como o chamado subsequente a uma vida santa. Na era atual, essa tarefa
exige mais do que nunca a orientação e o discernimento do Espírito Santo
que nos foram prometidos.
O Novo Testamento não sugere que qualquer pessoa assuma uma função de
autoridade com base apenas na própria percepção de seus dons e chamado
para a liderança. De fato, as Escrituras dão mais atenção específica a esse
assunto do que à maioria dos elementos na organização da autoridade na
igreja. O livro de Atos demonstra que, até mesmo no caso de Paulo, a
adequação de um indivíduo para a liderança deve ser reconhecida e
confirmada pela igreja. Não deve se basear só em aptidão, mas também na
evidência da orientação do Espírito na vida da pessoa.
Assim, cada líder da igreja deve servir a Deus, recebendo a confirmação de
sua vocação pela igreja. O Novo Testamento detalha uma série de
qualificações específicas para a liderança que evidenciam um caráter humilde
e espiritual, atributos valiosos para avaliar não só os candidatos a posições
oficiais de liderança, mas também aqueles que buscam exercer influência fora
dos canais oficiais.
No Novo Testamento, ninguém, em qualquer nível, recebe autoridade plena
sobre os outros, pois todos têm dons para contribuir, bem como falhas
humanas para combater. Além disso, na igreja é necessário um padrão
consistente nas decisões. Em especial, as mais abrangentes devem ser
tomadas junto a uma representação de todos os afetados, e não por um grupo
pequeno de líderes, em caráter fechado.
Essa é uma tarefa desafiadora em uma igreja mundial, porém a estrutura
representativa da Igreja Adventista do Sétimo Dia provê um excelente
modelo geral. Ao mesmo tempo, sua prática requer vigilância para ver se a
teoria é seguida mesmo quando houver preocupações de conveniência,
economia ou quando considerações pessoais tendem a prevalecer.
A igreja do Novo Testamento demonstra somente o início da coordenação
entre as igrejas locais recém-fundadas. No entanto, é possível reconhecer no
mínimo três precedentes significativos para a igreja: a pregação, o conselho e,
posteriormente, os escritos dos apóstolos nomeados por Cristo. Esses
elementos proporcionaram união de ensino e prática, à medida que a
liderança foi transmitida a Paulo, aos anciãos e a outros indivíduos
confirmados pela igreja.
Quando surgiram novas questões significativas e importantes para o grupo
todo, Atos 15 relata que representantes se reuniram com os apóstolos e
anciãos em Jerusalém a fim de tomar uma decisão com a qual todas as partes
concordassem, passando a ser obrigatória para todas as igrejas.
Em seguida, as igrejas começaram, ainda desde muito cedo, a oferecer
auxílio financeiro umas às outras, a fim de atender a necessidades especiais.
Embora o Novo Testamento não apresente uma estrutura definida para a
organização da igreja como um todo, cuidado mútuo e um processo
compartilhado de tomada de decisões orientado pelas Escrituras e pelo
Espírito Santo são claramente evidenciados como os princípios básicos para a
unidade pela qual Jesus orou.
Portanto, no Novo Testamento, é possível encontrar princípios claros da
autoridade da igreja que podem ser considerados inegociáveis. Revela-se
inclusive o fundamento necessário para a autoridade delegada por Deus, seu
propósito único de missão e cuidado, sua motivação singular de serviço
humilde e amoroso e a prática apropriada por meio de escolhas
compartilhadas. Ao mesmo tempo, seguindo esses parâmetros, a igreja recebe
a amplitude necessária para moldar suas ações à medida que o Espírito Santo
a conduz, a fim de cumprir sua missão de discipular nações, reinos, línguas e
povos de todas as eras, para os quais ela foi enviada.

1 George E. Ladd, Teologia do Novo Testamento (São Paulo: Hagnos, 2003), p. 701-703. Paulo, por
exemplo, repreende Pedro (Gl 2:11) e se sente na liberdade de interpretar a decisão de Atos 15 (Rm
14:13-23; 1Co 8). Mesmo na carta à igreja de Roma, que Paulo não havia fundado, nem sequer
visitado, ele fala com autoridade.
2 Andrew D. Clarke, Serve the Community of the Church: Christians as Leaders and Ministers
(Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2000), p. 209-247.
3 De fato, assim como Jesus (Lc 9:49, 50), Paulo se alegrou com o fato de que até mesmo na pregação
de pessoas com motivos impuros, “Cristo, de qualquer modo, está sendo pregado, quer por pretexto,
quer por verdade” (Fp 1:18; cf. v. 12-18).
4 Harold W. Hoehner, Ephesians: An Exegetical Commentary (Grand Rapids, MI: Baker Academic,
2002), p. 284-301; F. F. Bruce, The Epistles to the Colossians, to Philemon, and to the Ephesians
(Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1984), p. 68, 70, 275-277; Donald Guthrie, New Testament Theology
(Downers Grove, IL: InterVarsity, 1981), p. 760, 761. O polêmico significado da expressão “a qual é o
seu corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas” (Ef 1:23) se encontra além do
escopo deste estudo.
5 Cf. John K. McVay, “Cabeça, Cristo como” em Gerald F. Hawthorne, Ralph Martin e Daniel Reid,
ed., Dicionário de Paulo e Suas Cartas (São Paulo: Paulus, Vida Nova e Loyola, 2008), p. 168, 169.
6 A aparente contradição entre esse ensino e o decreto do Concílio de Jerusalém em Atos 15 é
minimizada quando se entende que o decreto do concílio foi dado, assim como o conselho do próprio
Paulo, com o propósito de evitar ofender os outros, neste caso, os judeus (At 15:21); Francis D. Nichol,
Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), v. 6, p.
698, 699; Ángel Manuel Rodríguez, “Matters of Eating and Drinking”, Adventist Review, 12 de março
de 1998, p. 13.
7 J. Kremer, “Pneumatikos”, em Horst Balz e Gerhard Schneider, ed., Exegetical Dictionary of the
New Testament (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1994), v. 3, p. 122.
8 Cf. Deuteronômio 17:7, 12; 21:21; 22:21. As ações lastimadas costumam ser expressas no infinitivo
presente grego, denotando ação habitual contínua. A ordem para entregar “esse homem a Satanás” em 1
Coríntios 5:5 (NVI) pode se dirigir a uma comunidade a fim de excluí-lo. Sobre outros significados
possíveis, cf. Nichol, Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, v. 6, p. 761.
9 Paulo direciona, às vezes, um indivíduo ou grupo a aconselhar cristãos errantes (por exemplo, seu
representante Timóteo, 2Tm 2:25, 26). Entretanto, eles não têm apenas uma função, mas uma série de
ofícios e posições. O apelo de Paulo em 2 Coríntios 2:5 a 11 para perdoar e consolar alguém que fora
punido pode evidenciar o sucesso dessa prática com respeito ao homem culpado de imoralidade sexual,
de 1 Coríntios 5.
10 Os falsos ensinos que mais incomodavam Paulo incluíam tentativas de promover a necessidade de
guardar toda a lei judaica; a ideia de que o dia do Senhor já havia chegado (2Ts 2:1-3; 2Tm 2:18), a
elevação dos anjos a igualdade com Cristo (Cl 2:18, 19) e exercícios arbitrários de ceticismo (Cl 2:20-
23).
11 Joseph A. Fitzmyer, Romans (Nova York: Doubleday, 1993), p. 646, 647; Douglas J. Moo, The
Epistle to the Romans (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1996), p. 764.
12 Ladd, Teologia do Novo Testamento, p. 716-717; Benjamin L. Merkle, The Elder and Overseer:
One Office in the Early Church (Nova York: Peter Lang, 2003), p. 103.
13 Gordon D. Fee, The First Epistle to the Corinthians (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1987), p. 582-
586; Romans 12:3; Moo, The Epistle to the Romans, p. 758, 764; Hoehner, Ephesians: An Exegetical
Commentary, p. 521, 538-540; Bruce, The Epistles to the Colossians, to Philemon, and to the
Ephesians, p. 345-347.
14 Muitos eruditos da alta crítica, incluindo Hans von Campenhausen, Ecclesiastical Authority and
Spiritual Power in the Church of the First Three Centuries (Stanford, CA: Stanford University Press,
1969), p. 55-76, argumentam que as igrejas de Paulo eram completamente fluidas e orgânicas, lideradas
somente pelo Espírito, por intermédio dos dons que Ele derramava. No entanto, ao passo que a
condução do Espírito seja, de fato, central nas igrejas de Paulo, alguns dos dons do Espírito Santo
envolvem bem mais autoridade do que os outros, e são aqui reconhecidos dessa maneira.
15 O motivo para essa posição é incerto, mas pode estar ligado à compreensão de que os apóstolos
foram: (1) os primeiros obreiros nomeados por Jesus; (2) os primeiros a pregar o evangelho; ou (3) os
principais líderes da igreja do Novo Testamento.
16 Guthrie, New Testament Theology, p. 768, 769; cf. Hebreus 3:1.
17 Cf. Efésios 2:20; 3:5. Os profetas do Novo Testamento tinham a função especial de guiar a igreja
antes do ajuntamento e do reconhecimento das Escrituras do Novo Testamento; cf. Ladd, Teologia do
Novo Testamento, p. 719-721.
18 Não fica claro, nos escritos de Paulo, se esses outros eram avaliadores das profecias, item por item,
ou da confiabilidade dos profetas em si. Isso precisa ser comprovado por meio de princípios bíblicos
mais amplos (por exemplo, Is 8:20).
19 Guthrie, New Testament Theology, p. 770.
20 Merkle, The Elder and Overseer: One Office in the Early Church, p. 112, 113.
21 Paulo também usa o exemplo do pastoreio para argumentar a favor do direito que ele e outros
tinham para apoiar financeiramente sua obra de ministério (1Co 9:7).
22 Se o trabalho do evangelista Filipe, em Atos 21:8, for típico, o ministério do evangelista gira em
torno de comunicar o evangelho para aqueles que ainda não o ouviram ou aceitaram.
23 Timothy Friberg e Barbara Friberg, “Analytical Lexicon to the Greek New Testament”,
BibleWorks (Grand Rapids, MI: Baker, 2000), 6.0; kubērnetēs, o substantivo relacionado, usado para se
referir a um papel, é usado na Septuaginta e no Novo Testamento para aludir sempre ao piloto de um
navio (Pv 23:34; Ez 27:8, 27-28; At 27:11; Ap 18:17).
24 Moo, The Epistle to the Romans, p. 768, 769.
25 “Ancião” em Dicionário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, Don Neufeld, ed. (Tatuí, SP: Casa
Publicadora Brasileira, 2016), p. 63, 64; Campenhausen, Ecclesiastical Authority and Spiritual Power
in the Church of the First Three Centuries, p. 76-78. Os cristãos gentios, ao contrário dos judeus, não
tinham a tradição de serem liderados por anciãos, e o termo episkopos pode ter servido para diferenciá-
los dos anciãos judeus (Ben Witherington III, The Acts of the Apostles: A Socio-Rhetorical
Commentary [Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1998], p. 429). Outra opção é que presbyteros pode ter se
referido a uma característica daqueles que ocupavam o cargo, ao passo que episkopos se referia à sua
principal função.
26 Já se argumentou que, em Tito 1, presbyteros está no plural, ao passo que episkopos se encontra no
singular, referindo-se, portanto, a um único “bispo” que presidia sobre os anciãos. Entretanto, a
mudança para o singular acontece no verso 6, enquanto ainda está em andamento a descrição dos
anciãos que deveriam ser nomeados (Merkle, The Elder and Overseer: One Office in the Early Church,
p. 142-148).
27 Em Romanos 16:1, Febe também é chamada de oficial diakonos da igreja, pois usa um termo
masculino para se referir a ela como diakonos de determinada igreja; Merkle, The Elder and Overseer:
One Office in the Early Church, p. 104-106.
28 Hoehner, Ephesians: An Exegetical Commentary, p. 547-549.
29 Originalmente, cheirotoneō significava eleger por meio de voto por mão erguida, sendo usado no
Novo Testamento somente aqui e em Atos 14:23. Infelizmente, seu sentido no primeiro século é geral
demais para identificar o meio de escolha.
30 George W. Knight III, The Pastoral Epistles: A Commentary on the Greek Text (Grand Rapids, MI:
Eerdmans, 1992), p. 208, 209; Jerome Quinn e William C. Wacker, The First and Second Letters to
Timothy: A New Translation with Notes and Commentary (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2000), p. 391-
396.
31 Conforme também havia acontecido quando foram impostas as mãos sobre Josué em Números
27:18-23. Quinn e Wacker, The First and Second Letters to Timothy, p. 396-402.
32 Kevin Giles, What on Earth Is the Church? An Exploration in New Testament Theology (Downers
Grove, IL: InterVarsity, 1995), p. 9.
33 Raoul Dederen, “The Church: Authority and Unity (Supplement)”, Ministry 68 (maio de 1995), p.
9.
34 A força dessa metáfora é melhorada pelo uso de oikos, que significa “casa física” ou “família”.
35 Merkle, The Elder and Overseer: One Office in the Early Church, p. 114, 115.
36 Em Tiago 2:6 e 5:4, dois exemplos específicos de abuso de autoridade pelos ricos são citados:
opressão e perseguição injusta.
37 Guthrie, New Testament Theology, p. 781, 782.
38 No Novo Testamento, salvar pode ter o significado de cura física ou salvação espiritual, podendo,
portanto, ser entendido nos dois níveis. Não existe, na passagem, a promessa de cura imediata. Confira
um debate mais aprofundado a esse respeito em Ladd, Teologia do Novo Testamento, p. 783; Nichol,
Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, v. 6, p. 595, 596; Pedrito U. Maynard-Reid, James: True
Religion in Suffering (Nampa, ID: Pacific Press, 1996), p. 215-218; Luke Timothy Johnson, The Letter
of James: A New Translation with Introduction and Commentary (New Haven, CT: Yale University,
1995), p. 332, 334, 342, 344.
39 De igual modo, Pedro afirma que os profetas da antiguidade serviam (diakoneō) a igreja ao
transmitir as mensagens que recebiam (1Pe 1:10-12).
40 Merkle, The Elder and Overseer: One Office in the Early Church, p. 115, 116. Muitos manuscritos
acrescentam a instrução “exercer supervisão” (episkopeō), associando os presbyteroi e os episkopoi,
assim como acontece em Atos e nas epístolas paulinas.
41 Ángel Manuel Rodríguez, “Pastors and Their Flock: A Study of 1 Peter 5:1-4” em Ron du Preez,
Philip Samaan e Ron Clouzet, ed., The Word of God for the People of God: A Tribute to the Ministry of
Jack J. Blanco (Collegedale, TN: Southern Adventist University School of Religion, 2005), p. 395-412.
42 Colin G. Kruse, The Letters of John (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2000), p. 203, 204; D. A.
Carson e Douglas J. Moo, Introdução ao Novo Testamento (São Paulo: Vida Nova, 1997), p. 498.
14
Autoridade e Disciplina Eclesiástica
Miroslav Kiš

vida de santidade não é uma opção que a igreja possa escolher

A deixar de lado nem é uma doutrina que se possa separar da vida


diária. Ela se baseia na santidade do Deus que nos chama para ser
como Ele é e agir como Ele age, com santidade. É nosso propósito, neste
capítulo, mostrar como a disciplina está enraizada nesse chamado à santidade.
Abdicar da santidade é abdicar da disciplina e abdicar de ambos é abdicar de
ser igreja.

CHAMADO À SANTIDADE

No cerne de todas as religiões, existe o sentido do divino, do transcendente


sobrenatural, do infinito misterioso: a ideia de santidade. A consciência
religiosa aumenta quando o ser humano finito e comum se depara com um
Deus infinito e santo.

Santidade na Bíblia
Na Bíblia, a santidade é um chamado ao reconhecimento da distinção
fundamental entre o comum da esfera humana e a singularidade da esfera
divina, seguida de uma vida que leve em conta esses aspectos. Pessoas,
objetivos, lugares, momentos e cerimônias são considerados santos quando
separados para o serviço exclusivo a Deus ou encontrados em Sua presença
(Êx 3:5; 28:36-38). Essa separação é inviolável e absoluta. Enraíza-se na
“alteridade” incorruptível de Deus e emerge do sentido de que a proximidade
divina acarreta, ao mesmo tempo, bênção e ameaça supremas. Logo, o
respeito pela separação entre o santo e o profano não é deixada à mercê de
escolhas e estratégias humanas (Lv 10:10). Da mesma maneira, as
consequências de ignorar e mesclar essas distinções não estão enraizadas em
alguma convenção ou acordo, mas no encontro entre dois estados de ser
essencialmente incompatíveis (cf. Nm 3:4; 2Sm 6:6-9).
A santidade na Bíblia exprime a natureza única e essencial de Deus. Só o
Senhor é santo (cf. Ap 15:4). Entretanto, a santidade não é apenas um de Seus
atributos, é o fundamento de Sua pessoa. Portanto, trata-se da base de tudo o
mais que é declarado acerca de Deus. É necessária para compreender todas as
Suas palavras e ações, é o fundamento de todo significado e toda existência.
A santidade tampouco é um marco estático ou abstrato do caráter divino.
Deus é santo, e isso significa que Seus atos santos provêm de Seu Ser santo.
Aquilo que Ele faz está em plena harmonia com quem Ele é. Sua santidade
exprime justiça, e Seu ser demonstra perfeição moral (At 3:14).
A Bíblia é clara em atribuir santidade a todas as três pessoas da Trindade.
Jesus chama Deus de “Pai santo” (Jo 17:11). O anjo diz para Maria que Jesus
é “o ente santo”, que será chamado “Filho de Deus” (Lc 1:35). Até mesmo
um demônio confessa publicamente que Jesus é “o Santo de Deus” (Mc
1:24). A terceira pessoa da Trindade é designada “Espírito Santo” diversas
vezes, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento (cf. Sl 51:13; Mt 12:31).

Os seres humanos e a santidade


Os efeitos da santidade divina nos seres humanos são múltiplos e, por
vezes, paradoxais. 1 Em contrapartida, os seres humanos vivenciam a
santidade como uma realidade tremenda e temível que os revela, expondo sua
total miséria e falta de valor (cf. Is 6:1-7). Em contrapartida, a santidade
divina é irresistivelmente fascinante e atraente. Assim, o terror de Moisés na
presença de Deus desperta o desejo de vê-Lo e conhecê-Lo ainda mais (Êx
33:17-23; 34:6-9).
A Bíblia também ensina que os seres humanos podem e devem participar da
santidade de Deus. A finitude não é contrária à santidade. O anseio de Deus
por Seus filhos perdidos é bem conhecido. A construção do tabernáculo no
deserto não foi ideia de Moisés, mas um desejo de Deus de habitar com Seu
povo (Êx 25:8). Esse tabernáculo era um santuário, o lugar de segurança para
os seres humanos, que foram criados por Ele à Sua imagem. Era um santuário
não para fugir de Deus – ao contrário, para fugir do pecado. O pecado é
incompatível com a presença divina. Deforma Sua imagem e a profana.
Entretanto, se o pecado se apega tanto à natureza humana, tornando-a
pecaminosa, como é possível para os seres humanos se tornarem santos? A
única maneira para isso acontecer é por meio de uma união especial com
Deus. A presença do Senhor santifica. É por isso que os ritos do santuário
lidavam com o problema do pecado, não com o problema da finitude
humana. Os ritos do santuário mostravam o caminho para se afastar do
pecado e chegar à presença de Deus, tornando possível aos pecadores se
separar do pecado e ser purificados, ao mesmo tempo em que permaneciam
plenamente humanos. Só houve uma “nação santa” (Lv 26:12; Dt 7:6) porque
Deus escolheu Israel para ser Seu povo, se tornar Seu Deus, entrar em um
relacionamento de aliança com eles e assumir a tarefa de oferecer um
caminho de separação do pecado. A vocação suprema de Israel, da igreja e de
cada indivíduo é ser santos porque o Senhor, que está no meio deles, é santo
(Lv 11:44; 19:2; 1Pe 1:19).

SANTIDADE E DISCIPLINA
Santidade e disciplina se encontram intrinsecamente ligados na Bíblia. Seja
quando Deus está presente, seja quando existem coisas ou lugares
consagrados a Ele, sempre encontramos a santidade protegida por um
protocolo rígido. O uso leviano do fogo do altar resultou na morte de Nadabe
e Abiú (Lv 10:1-3). Uzá morreu ao colocar a mão para escorar a arca da
aliança (2Sm 6:6-11). Existe, nessas ocasiões, um princípio subjacente:
“Vocês têm que fazer separação entre o santo e o profano, entre o puro e o
impuro” (Lv 10:10, NVI). Somente os indivíduos separados por um estilo de
vida e conduta específicos, consagrados ao serviço do santuário, poderiam se
aproximar da santa presença, entrar em locais sagrados e tocar objetos santos.

Santidade e disciplina na vida dos cristãos


Na história do cristianismo, encontramos diversos métodos segundo os
quais os seres humanos pecadores poderiam supostamente alcançar a
santidade. Nas tradições católica romana e ortodoxa, o ascetismo era uma das
maneiras de se obter santidade. Fugindo do mundo, abandonando ocupações
seculares, abrindo mão do casamento e de bens materiais, envolvendo-se em
vigílias de oração, jejum e automortificação, os ascéticos pensavam assim
encontrar o caminho pelo qual os seres humanos mortais conquistam a
santidade.
O conceito de santidade mística é outro método. Nesse caso, o cristão sobe
uma escada com diversas etapas, como a purificação, iluminação e
contemplação, até acontecer a absorção espiritual em Deus. Um terceiro
método é chamado de santidade sacramental. Acredita-se que a santidade é
comunicada por meio da graça sobrenatural contida nos sacramentos. O
envolvimento do cristão consiste em participar dos emblemas do sacramento
e a santificação aconteceria de forma automática.
O testemunho das Escrituras aponta para uma direção diferente. Os cristãos
são santos. Um termo comum para todos os cristãos é hagioi, “os sagrados”,
normalmente traduzido por “santos”. A palavra se refere a todos os cristãos
verdadeiros cuja vida é ligada a Cristo, assim como os ramos à videira (Jo
15:1-5). A santidade não é um dom divino transmitido ao cristão por meio
dos sacramentos nem um fruto da automortificação ou da união mística
alcançada por meio de uma disciplina especial. A santidade na vida do cristão
é uma obra inteiramente realizada pela graça divina e expressa por meio de
um estilo de vida disciplinado, como fruto do engajamento com a obra do
Espírito Santo dentro do coração humano (cf. Gl 5:22-24).
Contudo, o pecado é o oposto absoluto da santidade e, por isso, é o
obstáculo supremo para a concretização do ideal divino na vida do cristão e
da igreja. Ninguém é capaz de enfrentar o poder e o controle enganoso do
pecado pela própria força (Rm 7:24, 25). A única saída é por meio dos três
aspectos da obra de Cristo: pelo cristão, no cristão e por meio do cristão.
A obra de Cristo em favor dos que creem aconteceu na cruz do Calvário
(Hb 10:10) e é aplicada a cada pessoa mediante Sua ministração no santuário
celestial (Hb 4:14, 16). Os pecadores só podem se beneficiar da graça divina
pela fé e aceitar o desafio das possibilidades infinitas que se abrem para
todos. Com a barreira do pecado removida pela morte substitutiva de Jesus,
os pecadores arrependidos são justificados pela fé. O poder da graça vence
nossa natureza humana pecaminosa, e o processo de santificação (tornar-se
santo) começa.
Qual é nosso papel nesse processo? Devemos sentar e esperar que as
mudanças simplesmente aconteçam? Em Romanos 7, Paulo responde. Não há
nada que os seres humanos possam fazer para se justificar ou purificar a
própria alma dos resultados profanos de uma vida pecaminosa. É nesse
momento que a obra de Cristo ocorre em nós. Ele Se aproxima de nós (Ap
3:20) e, por meio do Espírito, nos convida a nos aproximarmos Dele. Jesus
quer entrar em nossa vida e nos santificar. Quando Ele entra, tudo muda.
Santidade e pecado não podem coabitar. A mente é renovada (Rm 12:2); a
vontade, movida pelo Espírito, escolhe um novo Mestre e se sujeita a Ele
(Rm 6:13, 16). “Assim como oferecestes os vossos membros para a
escravidão da impureza e da maldade para a maldade, assim oferecei, agora,
os vossos membros para servirem à justiça para a santificação” (v. 19). Mas o
processo de santificação requer autodisciplina e, às vezes, disciplina divina e
eclesiástica.
Uma vez que Deus é completamente santo, Seu desejo é que nós também
nos tornemos completamente santos (1Ts 5:23). Santidade não é algo
escondido no interior humano e que não exerce qualquer impacto na vida
diária dos cristãos. Sua manifestação é vista, e sua influência é sentida no
comportamento diário. Esse tipo de mudança não pode ocorrer por meio do
controle externo ou coercivo da vontade humana apenas, mas mediante a
percepção cada vez mais real da presença santa de Deus e do poder de Sua
graça. É isso que a Bíblia chama de temor do Senhor. É o medo de pecar na
presença de Deus. Com essa visão tão abrangente e plena da santidade divina
em mente, Paulo admoesta os coríntios: “Purifiquemo-nos de toda impureza,
tanto da carne como do espírito, aperfeiçoando a nossa santidade no temor de
Deus” (2Co 7:1). Assim, os cristãos podem desfrutar da obra de Cristo por
eles. Paulo exprime essa ideia ao dizer: “Logo, já não sou eu quem vive, mas
Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no
Filho de Deus, que me amou e a Si mesmo Se entregou por mim” (Gl 2:20).
Quando os que creem são justificados pela fé, Jesus Se torna Senhor da vida
deles. Por meio do poder do Espírito em seu interior, anseiam por uma vida
de pureza e santidade. O Senhor, mediante a ministração do Espírito Santo,
coloca novos impulsos sagrados na vida, renovando-a e levando ao
aperfeiçoamento de “nossa santidade no temor de Deus” (cf. Gl 5:22-24).
A disciplina cristã se pauta no estilo de vida dos filhos de Deus que vivem
em união íntima com Cristo. Em si mesma, a disciplina não é o caminho para
a santidade. No entanto, podemos dizer que uma vida indisciplinada é
profana; uma vida disciplinada, por sua vez, é uma aliada poderosa no
processo de santificação. Em outras palavras, não podemos alcançar a
santificação somente por meio da disciplina, mas trabalharemos contra a
santificação se vivermos indisciplinadamente. A disciplina é um fruto da
santificação. São as mãos estendidas de nosso ser interior dando as boas-
vindas a novas possibilidades, um novo direcionamento e novos padrões de
pensamento, fundamentos em Jesus, nosso Senhor. Ellen G. White descreve o
relacionamento entre a santidade e disciplina da seguinte forma:

A santidade que a Palavra de Deus declara que ele deve possuir antes que possa ser
salvo é o resultado da atuação da graça divina, ao submeter-se à disciplina e às
refreadoras influências do Espírito da verdade. A obediência do ser humano só pode
ser aperfeiçoada pelo incenso da justiça de Cristo, o qual enche com a fragrância
divina cada ato de obediência. A parte do cristão é perseverar em vencer cada falta.
Deve orar constantemente para que o Salvador sare os distúrbios de sua vida enferma
pelo pecado. Nós não temos a sabedoria nem a força necessárias para vencer; isso
pertence ao Senhor, e Ele concede a todos os que, em humildade e contrição, buscam
Sua ajuda. 2

Santidade e disciplina no corpo de Cristo


O chamado à santidade é a base e a fonte da vida e conduta cristã. A
existência cristã não prescinde de um ponto de referência, estrutura ou
controle. Assim como Deus é fiel à Sua própria natureza, somos chamados a
viver em harmonia com o projeto de nossa verdadeira natureza, definido pela
vontade do Senhor para nós. É isso que significa santidade.
Quando os cristãos ouvem o chamado a uma vida santa e quando
reconhecem que sua decisão de seguir um estilo de vida cristão supera suas
expectativas, Cristo Se torna o bem mais querido e precioso da vida deles.
Sua alegria renovada encontra um lar e santuário. Sem a comunhão com
outros cristãos, o ambiente hostil que deixaram de lado seria atraente demais
e a tentação demasiadamente forte para ser resistida. Por esse motivo, Jesus
estabeleceu uma estrutura, Sua igreja, capaz de resistir aos poderes da morte
(Mt 16:18). Nela, a estranha anomalia de uma vida humana transformada,
benevolente e bem ordenada encontra apoio, proteção e paz. A igreja de Jesus
é bem equipada para cultivar uma vida de santidade.
A Bíblia usa diversas metáforas para comunicar o vínculo íntimo entre
Deus e Sua igreja, bem como entre a santidade e uma vida disciplinada. A
união entre a cabeça e o corpo é uma metáfora muito rica usada por Paulo.
Jesus é a Cabeça do corpo, e esse corpo de Cristo é a igreja (Cl 1:18).
Primeiro, essa união íntima exerce um impacto transformador sobre a
natureza, a vida e o destino tanto da igreja coletiva quanto do membro
individual (Ef 5:21-30). Em segundo lugar, a Cabeça é o nervo central da
igreja. Cristo ocupa o posto de comando; Sua vontade se eleva muito acima
das preferências individuais dos membros. Pessoas de diferentes culturas,
castas, idades e talentos formam um todo unido e bem integrado: “Ele é antes
de todas as coisas. Nele, tudo subsiste” (Cl 1:17). As atividades da igreja,
seus padrões de vida, o uso de recursos, seus objetivos e planos, tudo isso se
move em harmonia com os propósitos e as expectativas de Cristo.
Em terceiro lugar, a união com Cristo, como Cabeça da igreja, gera
igualdade e interdependência. Como somos membros do corpo com uma
Cabeça, também somos membros uns dos outros (Rm 12:5), de tal modo que,
“se um membro sofre, todos sofrem com ele; e, se um deles é honrado, com
ele todos se regozijam” (1Co 12:26). As distinções mundanas, que podem se
infiltrar na igreja a partir da sociedade, são apagadas aqui porque, como
insiste Paulo, o membro menos honroso é indispensável para o
funcionamento saudável e harmonioso do corpo (1Co 12:21-25).
Quarto, essa união íntima com Cristo é vital. Sem Jesus, a igreja pode
existir como clube social ou corporação administrativa, mas não como a
assembleia de Deus (ekklesia tou theou), chamada para trabalhar e colocar em
prática a agenda divina. Sem Ele, não haveria visão, energia nem recursos
para ser igreja. Assim como um corpo sem cabeça é um corpo sem vida,
dentro da igreja, quando Cristo é substituído por uma cabeça humana, a igreja
se torna uma instituição sem vida (Cl 2:8-10).
Quinto e mais importante para nosso propósito, a união com Jesus é
santificadora. Não dá para ser diferente. Se a presença de Deus torna santo o
solo comum, como uma união íntima e vital com Ele falharia em produzir
santidade de caráter e disciplina como fruto? Ele é nossa “sabedoria”, diz
Paulo, nossa “justiça, e santificação, e redenção” (1Co 1:30). O objetivo e
resultado final da união da igreja com Cristo é “para que a santificasse, tendo-
a purificado por meio da lavagem de água pela palavra, para a apresentar a si
mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém
santa e sem defeito” (Ef 5:26, 27). Esse é o destino glorioso da igreja e sua
vocação maior.

SANTIDADE E DISCIPLINA ECLESIÁSTICA

A igreja como lar para uma vida santa


A metáfora da igreja como lar ou casa também é usada para retratar a união
íntima que existe entre santidade e disciplina. O lar foi projetado para ser um
“céu” enquanto os cristãos crescem em maturidade e santidade ao longo de
toda sua vida terrena. É ali que deve haver segurança para confessar nossas
fraquezas e tendências para o mal, nossos temores quanto ao futuro e até
nossas falhas atuais. Os cristãos não são mais desabrigados. A igreja é o lugar
onde aprendem com seus erros e recebem apoio paciente, mas firme ao
mesmo tempo. Sob a orientação de uma liderança comprometida e espiritual,
os cristãos em desenvolvimento aprendem a confiar em Jesus, o fundamento
da igreja (Ef 2:19-22).
O lar também é um lugar no qual existem padrões claros de conduta que
auxiliam os crentes na preservação de uma vida santa. A igreja precisa ser um
lugar de segurança moral. Ninguém deve se sentir moralmente ameaçado
dentro dela. Por ser uma comunidade de discípulos separados do mundo, a
igreja é tão diferente deste quanto a luz das trevas (Mt 5:14-16).
Paulo disse aos efésios: “Por isso, deixando a mentira, fale cada um a
verdade com o seu próximo, porque somos membros uns dos outros” (Ef
4:25). Essa orientação é sucedida por referências a padrões específicos:

Irai-vos e não pequeis. [...] Aquele que furtava não furte mais. [...] Não saia da vossa
boca nenhuma palavra torpe. [...] E não entristeçais o Espírito de Deus. [...] Longe de
vós, toda amargura, e cólera, e ira, e gritaria, e blasfêmias, e bem assim toda malícia.
Antes, sede uns para com os outros benignos, compassivos, perdoando-vos uns aos
outros, como também Deus, em Cristo, vos perdoou (Ef 4:26-32).

Após instruções longas e um tanto quanto detalhadas a Timóteo, acerca da


conduta cristã, Paulo conclui dizendo: “Escrevo-te estas coisas,
esperando ir ver-te em breve; para que, se eu tardar, fiques ciente de como se
deve proceder na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, coluna e baluarte
da verdade” (1Tm 3:14, 15). Ele não escreveu essas coisas para desanimar
Timóteo e os membros de sua igreja, mas para que, a cada passo, eles
soubessem como seguir adiante.
Os membros mais velhos de uma casa servem como exemplo e mentores.
Cada membro da igreja tem uma mistura única de talentos, experiências e
pontos fortes. Assim como em uma casa, a vida de seus membros se conecta,
e logo eles se tornam interdependentes. Em alguns casos, exemplos ruins ou
negativos podem ser encontrados na igreja, mas existem muitos outros
positivos que inspiram todos nós a perseverar na vida cristã. Os exemplos
positivos não existem para nos intimidar, tampouco os negativos devem ser
imitados. Ambos podem ter o objetivo de nos instruir, para que aprendamos
deles (1Co 10:11).

Igreja: um hospital para o ser completo


A fim de ilustrar a necessidade de correção que promove e desenvolve uma
vida santa e disciplinada, podemos comparar a igreja a um hospital (cf. Hb
12:1-11). Na igreja, os pecadores são o ponto central de toda atividade, a
exemplo do hospital, que perderia sua razão de existir caso não houvessem
doentes com necessidade de tratamento. O ministério da igreja inclui a
responsabilidade de separar os pecadores do pecado, assim como a tarefa do
hospital é separar o paciente da doença. A fim de conseguir esse feito, os
profissionais do hospital são treinados para ser absolutamente cuidadosos
com os pacientes e, ao mesmo tempo, intransigentes com todos os agentes
que colocam em risco a saúde humana. Qualquer transigência acaba
disseminando desastre e, possivelmente, até mesmo morte. No entanto, a
intolerância em relação à doença não é transferida para a forma de tratar o
paciente. Pelo contrário, não importa se a doença é consequência de atos
errados do paciente ou não, ele não é exterminado para que a enfermidade
seja destruída. Embora possa haver exceções, em praticamente todos os
casos, o paciente recebe cuidado terno e amável.
Na igreja, não deve ser diferente. Todos os membros são pecadores, mas
desejam se ver livres de seus pecados. A presença santa do Médico celestial é
poderosa o bastante para remover o pecado dos cristãos, ao mesmo tempo em
que os transforma em seres humanos mais saudáveis e santos. Ele não tolera
o pecado; lança-o nas profundezas do mar. E faz isso tratando a todos com
extrema compaixão (Mq 7:19). Está no controle do bem-estar de Seu povo. A
comissão da igreja ou até mesmo a igreja em assembleia somente pode agir
na medida em que executa a boa vontade do Senhor em relação a Seu povo
ferido pelo pecado. A igreja só deve tomar decisões que estejam de acordo
com a vontade do Senhor (Mt 16:19; Jo 20:23). Poderíamos dizer que a
disciplina eclesiástica não é um evento que acontece quando os membros se
reúnem em cessão administrativa a fim de executar a correção ou remoção de
membros, mas, que a disciplina da igreja também se refere a uma igreja
disciplinada. O membro disciplinado não é só aquele que está sob censura,
mas o que não necessita dela também.
É claro que existe a disciplina eclesiástica por remoção do indivíduo do rol
de membros. Isso deve ser entendido como uma experiência triste, na qual o
membro se desconecta dos outros, age de forma autônoma e está a caminho
de se desconectar do próprio Jesus. O voto da igreja consiste em um
reconhecimento e expressão da consciência pesarosa por parte do corpo,
comunicada pelo Espírito Santo, de que um membro se afastou drasticamente
da comunhão dos crentes e seu Senhor, e que a igreja precisa respeitar seus
desejos.

Disciplina eclesiástica preventiva e corretiva


Diversas consequências importantes emergem de se entender a disciplina
pessoal ou eclesiástica no contexto de um processo de santificação. Primeiro,
em Mateus 18, a instrução de Jesus sobre a disciplina na igreja não começa
no verso 15. Os versos 1 a 14 apresentam o contexto no qual a disciplina
deve ser aplicada. Fica claro que as ações disciplinares precisam acontecer
em expressão de preocupação amorosa e genuína. A igreja de Cristo só pode
ser santa caso se envolva em atos de correção de seus membros. No entanto,
o necessário é que a igreja que corrige se sinta corrigida também nesse
processo. Cada palavra e ato devem ocorrer em espírito de autoanálise,
buscando entender se a igreja falhou, de alguma maneira, com aquele
membro. Mesmo se houver insuficiência no cuidado, a confissão aberta e o
perdão em geral levam o pecador para mais perto da possibilidade de
restauração à comunhão plena.
Em segundo lugar, os membros da igreja, intimamente ligados uns aos
outros por intermédio de Cristo, não devem esperar para reagir ao
comportamento autodestrutivo de outro crente somente quando a condição de
pecado estiver nas etapas finais de separação do corpo. A igreja deve
procurar estabelecer uma espécie de reação inicial – um estado de “higiene
espiritual” – como uma proteção preventiva para si. Os padrões da conduta
cristã devem ser entendidos como prevenção de tragédias maiores que o
pecado, quando desenfreado, inevitavelmente acarreta.
Terceiro, a consciência de nossa grande indignidade, que vem da
contemplação da santidade de Deus (Is 6), deve purificar nossos pensamentos
de toda arrogância espiritual. Cristãos não estão blindados contra o pecado.
Os profissionais de saúde, por exemplo, sabem que são vítimas em potencial
das mesmas doenças de seus pacientes. Por isso não devem ser arrogantes, se
considerar superiores e impermeáveis aos riscos de contaminação. De igual
modo, a disciplina eclesiástica precisa ser uma manifestação de cuidado pelo
cristão errante. A igreja não pode cair na indiferença, usando como desculpa
uma falsa piedade embasada pela aplicação incorreta de declarações bíblicas
como as palavras de Jesus: “Aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o
primeiro que lhe atire pedra” (Jo 8:7). Os membros da igreja podem ser tão
pecadores quanto os que estão sendo disciplinados, mas existem algumas
diferenças significativas. Assim, devem estar dispostos a ser corrigidos
quando necessário e não ter interesse em se separar do corpo de Cristo.
Também devem estar prontos a aplicar a disciplina para os faltosos, pois
estão sob a autoridade e as ordens de Cristo, o Senhor da igreja. O objetivo
não deve ser “apedrejar” o pecador, mas conduzi-lo de volta à comunhão e à
harmonia do corpo de Cristo.

Prevenção e disciplina eclesiástica redentora


O grande objetivo da disciplina da igreja é redimir o errante (Mt 18:15).
Um dos propósitos do processo da disciplina eclesiástica é ajudar a prevenir a
desconexão dos membros do corpo de Cristo. Enquanto permanecem na
comunhão cristã, podem se beneficiar dos ministérios da igreja, contribuir
com eles e permanecer em contato com a influência santificadora de Jesus.
Esses privilégios não estão disponíveis da mesma maneira para os membros
que vivem isolados. Não estamos dizendo, com isso, que a salvação só é
possível por meio da igreja. Entretanto, ao organizá-la, Jesus criou um corpo
tangível, visível e localizável ao qual os membros individuais podem
pertencer e por meio do qual podem crescer em santidade de maneira mais
excelente.
Em consequência, a remoção de alguém do rol de membros da igreja é um
evento extremamente sério. Trata-se de uma decisão que executa uma das
responsabilidades mais graves atribuídas à igreja. Essa decisão só pode ser
tomada pelo corpo, em dependência completa da orientação do Espírito
Santo. Em João 20, logo antes de Jesus conceder à igreja autoridade para
perdoar ou reter pecados (Jo 20:23), é-nos dito que Cristo “soprou sobre eles
e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo” (Jo 20:22). A igreja de Cristo, por ser
uma comunidade de crentes, deve se manter em contato íntimo com a
vontade de Deus, buscando a guia do Espírito Santo que lhe foi dada para
decisões tão solenes, com possíveis consequências eternas.
Existem diversas medidas preventivas que podem ser tomadas para garantir
que a disciplina escolhida seja redentora. Em primeiro lugar, o membro que
nutre sentimentos negativos como raiva, ódio, ressentimento ou vingança
contra o errante não deve se envolver na decisão de aplicar a ação disciplinar.
Segundo, todos os envolvidos no processo precisam deixar de lado qualquer
sentimento favorável ou contrário à pessoa em questão, a fim de excluir
qualquer parcialidade pessoal da escolha. Terceiro, sentimentos de
superioridade ou condescendência precisam ser evitados durante a ação
disciplinar. Em quarto lugar, qualquer pressão ou ameaça indevida para votar
de determinada forma é moralmente errada. Não há lugar para esse tipo de
prática na igreja. Qualquer uma dessas atitudes anteriores é prejudicial, e a
decisão não será recebida como expressão de amor pelo membro faltoso ou
pelas pessoas próximas a ele. Além disso, a decisão tomada dessa maneira
provavelmente despertará uma reação rancorosa, dificultando o retorno do
errante para a comunhão da igreja.
Os membros da igreja não devem ser negligentes em seus deveres. O amor
às vezes precisa ser firme, e é necessário coragem para expressá-lo. O amor
expulsou os seres humanos do jardim do Éden e colocou querubins com uma
espada de fogo na entrada (Gn 3:22-24), deixou o filho pródigo partir (Lc
15:11-13), reprova e corrige (Ap 3:19), podendo até destruir pecado e
pecadores (Ap 20:7-10). Isso faz parte da visão bíblica do amor de Deus.
Esses aspectos mais firmes do amor podem envolver tarefas como visitar os
errantes para confrontá-los com gentileza acerca do erro, 3 posicionar-se
contrariamente aos desejos daqueles que amamos e apreciamos, agir de modo
firme com objetivo de conduzir ao arrependimento, arriscar a perda de uma
amizade e se envolver na sondagem do próprio coração e um exame pessoal
dolorosamente sincero.
Por que alguém escolheria o caminho da santificação como estilo de vida,
quando existem tantas formas diferentes de aproveitar a vida e ainda ser
chamado de discípulo de Cristo? Os motivos são muitos, e seus
desdobramentos abrangem todo o escopo da vida, desde agora até a
eternidade. Em primeiro lugar, a santificação é um processo de treinamento.
A disciplina, mesmo como expressão de amor, é uma experiência
desagradável, mas devemos nos lembrar de que nenhum treinamento é um
fim em si mesmo (Hb 12:7-11). Os resultados são benefícios para quem está
sendo treinado na esfera pessoal: “Toda disciplina, com efeito, no momento
não parece ser motivo de alegria, mas de tristeza; ao depois, entretanto,
produz fruto pacífico aos que têm sido por ela exercitados, fruto de justiça”
(Hb 12:11). “Mas esmurro o meu corpo e o reduzo à escravidão” (1Co 9:27).
Segundo, toda vida bem-sucedida é voltada para objetivos. O treinamento
só faz sentido se houver um objetivo em vista. Isso também se aplica à vida
cristã. A diferença entre o alvo sem Cristo e o prêmio que aguarda os que se
envolvem no caminho da santificação é imensurável. “Todos os que
competem nos jogos se submetem a um treinamento rigoroso, para obter uma
coroa que logo perece; mas nós o fazemos para ganhar uma coroa que dura
para sempre” (1Co 9:25, NVI).
Em terceiro lugar, a experiência da justificação pela fé fala aos cristãos
acerca do amor extraordinário e imerecido de Deus. Dá-nos um gostinho da
paz que provém de ser perdoado, adotado e santificado para nos tornar filhos
de Deus, com todas as prerrogativas que esse título acarreta. Assim que essa
liberdade é desfrutada, uma nova esperança surge no coração: o anseio de ser
como nosso Salvador. “A si mesmo se purifica todo o que Nele tem esta
esperança, assim como Ele é puro” (1Jo 3:3; ver v. 1-3).

CONCLUSÃO

Em todos os aspectos, a disciplina eclesiástica deve ser preventiva, ou seja,


um de seus objetivos supremos precisa ser impedir a separação permanente
de qualquer indivíduo da comunhão da igreja, de seu Cabeça e dos deleites da
vida eterna. Disciplina e santidade andam juntas, assim como o corpo
humano e sua cabeça. Não há outra maneira de ser igreja. A comunhão íntima
com um Deus santo, a consciência de nossa dependência total de Cristo, e a
interdependência dos membros da igreja são as condições básicas para a
santificação.
Fica evidente que a disciplina eclesiástica não é questão de escolha,
tampouco deve ser mero assunto de um discurso teológico. Ela se
fundamenta em temas e valores teológicos e práticos.
Deus é santo. Sua presença santifica a vida e a conduta dos cristãos. Nós
não determinamos quem Deus é nem podemos decidir a plenitude de Sua
influência na vida daqueles que desejam permanecer em Sua presença. É
exigência Dele e privilégio nosso participar do processo de santificação. A
disciplina eclesiástica é um componente dessa participação.
Jesus é santo e o Cabeça da igreja. A conexão entre os dois é tão próxima e
íntima que a igreja não pode estipular um padrão de vida para si que seja
inferior à vontade de Cristo. Ninguém deve agir separadamente do Cabeça e
esperar permanecer conectado com Ele. Ellen G. White declara:

Perante nós se encontra a maravilhosa possibilidade de ser como Cristo – obediente a


todos os princípios da lei de Deus. Sozinhos, porém, somos absolutamente incapazes
de alcançar essa condição. Tudo que é bom no ser humano chega a ele por
intermédio de Cristo. A santidade que a Palavra de Deus declara que devemos ter a
fim de ser salvos é resultado da operação da graça divina, à medida que nos
prostramos em submissão à disciplina e influência suavizante do Espírito da
verdade. 4

A vida pecaminosa é indisciplinada. É impossível receber o poder


renovador da graça ao mesmo tempo em que se resiste a suas disciplinas. 5
Entretanto, a disciplina não é um programa ou regime imposto sobre os
membros da vida. Ela consiste em uma maneira positiva de enxergar a vida e
as possibilidades extraordinárias advindas de uma comunhão íntima com
Jesus. Quando a igreja reage para corrigir um membro ou removê-lo de sua
comunhão, revela a resposta natural do sistema imunológico do corpo de
Cristo a uma invasão. O objetivo dessa reação é proteger o membro
individual afetado pelo agente persistente e virulento do pecado que ameaça
cortar a conexão vital com o ambiente de cuidado da igreja, expondo-o aos
perigos de confrontar as forças do mal sozinho. Quando a igreja se encontra
completamente comprometida com Cristo, só consegue agir de maneira
redentora, por mais impopular ou desagradável que essa tarefa seja.
Se as medidas preventivas forem tomadas e a remoção do rol de membros
for inevitável, o ex-fiel deve continuar a ser um amigo amado. A remoção do
rol de membros não equivale à remoção do coração cuidadoso da igreja. Faz
bem lembrar que Jesus comia com pecadores e com os fariseus também, tão
cheios de justiça própria. A remoção do rol de membros não é uma eutanásia.
Trata-se de colocar o ex-membro em uma “unidade de tratamento
intensivo”. 6
Recebemos o seguinte conselho:

A graça de Cristo opera para disciplina de todo o tecido humano. Foi Ele quem a
todos criou. Ele redimiu a todos. Ele fez a mente, a força, o corpo e a alma para
participarem da natureza divina. Tudo é propriedade exclusiva Dele. Jesus deve ser
servido com toda a mente, todo o coração, toda a alma e todas as forças. Então, o
Senhor será glorificado em Seus santos, mesmo nas coisas comuns e temporais que
estes desempenham. “Santidade ao Senhor” será a inscrição colocada sobre sua
fronte. 7

1 Cf. Rudolf Otto, O Sagrado (São Leopoldo, RS: Sinodal/EST; Petrópolis, RJ: Vozes, 2007).
2 Ellen G. White, Atos dos Apóstolos (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2018), p. 532.
3 David Augsburger, Caring Enough to Confront (Ventura, CA: Regal Books, 1985), p. 6-22.
4 Ellen G. White, “A Holy People”, Review and Herald, 15 de março de 1906, p. 8.
5 White, Atos dos Apóstolos, p. 51.
6 Marlin Jeschke, Discipling in the Church (Scottdale, PA: Herald Press, 1988), p. 74-89.
7 Ellen G. White, “The Little Things – nº 1”, Youth Instructor, 14 de abril de 1898, p. 284.
15
Autoridade Eclesiástica: Origem, Natureza e
Função
Ángel Manuel Rodríguez

tema da autoridade eclesiástica é uma das questões mais

O importantes e desafiadoras na teologia adventista 1 e na teologia


cristã de modo geral. Esperamos que o conteúdo apresentado aqui
nos motive a pensar sobre o assunto e aponte para maneiras de concebê-la e
entendê-la. Os termos “autoridade” e “poder” são diferenciados na Bíblia de
forma radical, sobretudo no Novo Testamento. 2 “Poder” (gr. dynamis) é, em
certo sentido, a capacidade de realizar algo e produzir mudança. 3
A “autoridade” costuma colocar ênfase no direito que a pessoa tem de
exercer poder. 4 O termo grego usado no Novo Testamento para exprimir a
ideia de autoridade é exousia, que significa “liberdade de escolha” ou
“portador de autoridade”. O uso da autoridade dentro da igreja interessava e
preocupava Jesus, que instruiu Seus discípulos dizendo: “Sabeis que os que
são considerados governadores dos povos têm-nos sob seu domínio, e sobre
eles os seus maiorais exercem autoridade. Mas entre vós não é assim; pelo
contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e
quem quiser ser o primeiro entre vós será servo de todos” (Mc 10:42-44).

EM BUSCA DE UM MODELO

Na teologia cristã, o poder e a autoridade supremos se encontram em Deus.


São dois os principais motivos apresentados para justificar essa declaração:
Ele é Criador (Jr 32:17; Rm 1:20) e Redentor (Jo 10:18; Rm 1:16). A
expressão mais fundamental do poder de Deus ocorreu de forma visível em
Seu ato de criação. Somente um ser onipotente poderia ter criado todas as
coisas. Seu poder vai além do que se abriga no núcleo de um átomo ou do
que é liberado pela explosão de uma supernova; Ele criou ambos.
O poder divino continua a exercer sua influência sobre a criação ao
sustentá-la e preservá-la (Ne 9:6). Também sabemos sobre o poder de Deus
por meio de Seu ato de redenção. Ele derrotou todos os poderes do mal que
ameaçavam a integridade e existência da criação (Cl 2:15). A autoridade para
exercer Seu poder reside no fato de que Deus é Criador e Redentor. O poder e
a autoridade divina não necessitam ser legitimados por ninguém mais, pois,
por ser Criador e Redentor, Ele é o dono de tudo. Logo, Deus está acima de
qualquer outra vontade e Sua supremacia deve ser reconhecida.
A fim de obter um conhecimento melhor do poder e da autoridade de Deus,
é preciso reconhecer que esses elementos não podem ser dissociados de Sua
natureza. Ele é, em Si mesmo, poder e autoridade. Em consequência, nosso
conceito sobre Sua natureza impacta o modo como entendemos os dois
primeiros. Aceitamos que a autoridade de Deus é, em essência, amor. Ele usa
constantemente Seu poder e Sua autoridade para buscar o melhor para Suas
criaturas. De fato, “a soberania de Deus implica plenitude de bênçãos a todos
os seres criados” 5 (cf. Sl 88:13-18).
A autoridade e o poder do Senhor não equivalem aos de um déspota, que os
usa para manifestar a própria busca por satisfação pessoal e engrandecimento
de si mesmo. Deus também não usa autoridade para exibir poder egoísta ou
domínio do ego sobre os outros, mas para demonstrar Seu amor. A bondade
essencial do poder divino é incorruptível e se manifesta em atos de
benevolência para com Sua criação.
A autoridade divina é, em caráter fundamental, Sua liberdade, expressa por
meio do uso do poder, para sustentar e preservar Sua criação. A autoridade de
Deus estabelece o que se espera de nós para desfrutar o bem supremo. Não é
limitadora. Pelo contrário, facilita nossa realização pessoal e o
desenvolvimento do potencial com o qual o Senhor nos dotou mediante a
criação e que, após a queda, nos restaurou por intermédio do sacrifício
redentor de Cristo. Uma vez que o poder de Deus é único, a Bíblia não
reconhece a existência de qualquer outro poder supremo. Aliás, outros
poderes e autoridades escravizaram os seres humanos, mas Cristo os derrotou
(Cl 1:15). É exatamente por causa da bondade da autoridade divina que as
pessoas devem se sujeitar voluntariamente a Ele em adoração e serviço.
A autoridade divina limita a incursão do caos e da anarquia em nosso
mundo. Com Seu poder, Deus confere liberdade à humanidade para servir e
trabalhar em prol do bem-estar dos outros. É impossível que criaturas
inteligentes desfrutem plenamente da vida em um contexto de ruptura e
anarquia. O poder e a autoridade de Deus se exprimem na oposição às forças
que tentam impedir o desenvolvimento do potencial humano e, ao mesmo
tempo, pretendem distorcer Seu caráter. Aliás, Deus excluirá esses poderes
do Universo no fim escatológico e recriará um mundo livre da presença do
mal (Ap 20:11-21:5).
Essa compreensão do poder e da autoridade de Deus se revelaram de
maneira singular na vida e no ministério de Jesus. 6 Ele tinha autoridade
sobre o poder destruidor da natureza (Mt 8:26, 27), sobre demônios (Mc
1:39) e sobre enfermidades (Mt 9:2-8). Quando usava Seu poder e autoridade
para vencer essas forças, estava agindo em prol dos seres humanos, dando-
lhes a chance de serem submissos a Ele em liberdade, a fim de se tornarem o
que Deus havia planejado que fossem. Ele era forte e poderoso nas palavras
(Lc 24:19) e na interpretação das Escrituras (Mc 1:22, 27). Por Sua
autoridade, libertou os seres humanos das trevas da ignorância e nos guiou
para a luz maravilhosa da verdade (Jo 1:4). De maneira muito especial, a
autoridade de Jesus consistiu na liberdade de manifestar Seu poder ao
entregar a própria vida como sacrifício redentor em prol da raça humana.
Essa foi a maior manifestação de Seu poder: “Ninguém a tira [Minha vida] de
Mim; pelo contrário, Eu espontaneamente a dou. Tenho autoridade para a
entregar e também para reavê-la. Este mandato recebi de Meu Pai” (Jo 10:18;
cf. Mc 10:45). É esse conceito cristológico de autoridade divina que deve não
só informar, mas também determinar nossa compreensão da natureza e do
uso da autoridade eclesiástica.

BASES DA AUTORIDADE ECLESIÁSTICA: A


PALAVRA DE DEUS

É impossível construir uma eclesiologia isolada da questão da autoridade,


pois a autoridade se encontra na essência de qualquer eclesiologia. Uma coisa
é certa: a autoridade da igreja consiste em uma autoridade derivada e
delegada, baseada em Cristo e na obra do Espírito. Logo, seu objetivo é fazer
o bem para o povo de Deus. De acordo com o registro das Escrituras, o
Senhor ressurreto dotou a igreja de autoridade (Mt 16:19; 18:18; 28:18-20; Jo
20:21, 22).
Portanto, essa dimensão confiável de autoridade eclesiástica tem grande
importância na comunidade de crentes. Isso confirma que a autoridade da
igreja está diretamente ligada ao senhorio de Cristo sobre a igreja. A
expressão dela não deve ser restrita a um grupo limitado de indivíduos nem
de forma arbitrária. Sugerimos que essas convicções devem ser o ponto de
partida para qualquer discussão significativa sobre a natureza da autoridade
eclesiástica.
Nossa consciência da autoridade divina nos alcança como cristãos por
intermédio da Palavra de Deus, na qual os atos poderosos de Deus e Seu
Filho foram preservados de forma escrita pelos profetas e apóstolos. A
Palavra é o meio pelo qual a autoridade da igreja é definida e também pelo
qual a vida e missão da igreja devem ser avaliadas. Parte do conteúdo das
Escrituras foi originalmente transmitida de modo oral, mas chegou até nós
por escrito como uma revelação da vontade do Pai, do Filho e do Espírito
Santo. É na Palavra escrita que a igreja encontra fundamento para sua
autoridade e a orientação necessária para seu exercício adequado.
Em essência, a igreja é uma comunidade de indivíduos que entregam a vida
em caráter voluntário à autoridade de Deus, por meio de Cristo, e se unem
permanentemente a Ele como seu Senhor. Aceitaram a mensagem bíblica de
que o poder e a autoridade de Deus operam constantemente para o bem-estar
dos salvos em Cristo. Por isso, reconhecem voluntariamente o Deus revelado
na Bíblia como autoridade suprema de sua vida.
Considerando que a mensagem do evangelho chama as pessoas a se
sujeitarem de forma exclusiva a Cristo como Salvador e Senhor, ninguém
mais deve agir como mediador da autoridade de Cristo sobre qualquer
indivíduo. Isso quer dizer que, quando as Escrituras apelam aos membros da
igreja para que se sujeitem uns aos outros (cf. Ef 5:21) e aos líderes da igreja
(1Co 16:16; Hb 13:17; 1Pe 5:5), essa submissão é, na verdade, um ato de
obediência não a uma ordem humana, mas à vontade de Cristo, que é o
Senhor da igreja. Logo, devemos evitar atribuir ao exercício de autoridade
eclesiástica um papel mediador entre Cristo e o fiel.
A autoridade eclesiástica sempre depende da autoridade de Cristo na
comunidade de crentes. É Jesus quem define e determina a mensagem e a
missão da igreja, preservando a unidade do corpo de Cristo em meio aos
conflitos contra forças opositoras. A submissão aos líderes é a vontade de
Deus para Seu povo, pois, assim como Ele, parte-se do pressuposto de que
eles se importam com a igreja, buscam o melhor para ela e estão dispostos a
servi-la. Sempre devemos nos lembrar de que “as habilidades, os dons e os
serviços dos apóstolos e ministros se destinam a seu benefício [dos
cristãos]”. 7

EXPRESSÕES DA AUTORIDADE DA IGREJA

Nesta seção, nos concentraremos em várias das expressões mais


importantes de autoridade da igreja. Procuraremos correlacioná-las com a
autoridade de Cristo sobre Seu povo.

Autoridade para ensinar e pregar (missão)


A igreja foi dotada de autoridade para cumprir a missão delegada a ela por
seu Salvador e Senhor. Em consequência, qualquer ato da igreja relacionado
a essa missão consiste em uma expressão de sua autoridade. Aliás, a
expressão mais importante de autoridade eclesiástica se encontra no
cumprimento da missão da igreja. 8 A resposta bíblica à pergunta: “Com
qual autoridade a igreja cumpre sua missão?” é: com a autoridade a ela
concedida pelo Cristo ressurreto. Logo após ressuscitar, Jesus disse aos
discípulos, representantes da igreja: “Toda a autoridade Me foi dada no céu e
na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações” (Mt 28:18, 19).
Cristo destronou Satanás do principado do mundo e assumiu plena autoridade
não só no Céu, mas também na Terra. A missão da igreja se baseia em sua
reivindicação de autoridade cósmica.
O Senhor ressurreto disse de forma específica a Seus discípulos: “Ide,
portanto, fazei discípulos de todas as nações [...] ensinando-os a guardar
todas as coisas que vos tenho ordenado” (Mt 28:19, 20). Os apóstolos tiveram
importância fundamental na função de ensino da igreja. Eles proclamaram o
evangelho da salvação em Cristo, organizaram igrejas e nomearam líderes.
A certeza da mensagem proclamada por Paulo e ensinada aos novos crentes
foi tão forte e firme que ele lhes disse: “Mas, ainda que nós ou mesmo
um anjo vindo do Céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos
pregado, seja anátema” (Gl 1:8). Essa certeza estava profunda e
exclusivamente enraizada no ministério, ensino, morte, ressurreição e
ascensão de Cristo, o Filho de Deus (cf. Mt 11:29). Era a autoridade de
ensino do Filho de Deus que enchia Sua mensagem de autoridade e certeza
(cf. Ef 4:20).
A autoridade de ensino da igreja também se exprimia na obra pastoral dos
presbíteros da igreja. Parte de sua obra era “a pregação e o ensino” (1Tm
5:17, NVI), o que provavelmente significava pregar para os de fora e ensinar
os de dentro da comunidade cristã. 9 Ao desempenhar a tarefa de ensinar,
esperava-se que o líder fosse “apegado à palavra fiel, que é segundo a
doutrina, de modo que tenha poder tanto para exortar pelo reto ensino como
para convencer os que o contradizem” (Tt 1:9). Eles eram considerados
guardiões dos ensinos dos apóstolos (cf. At 20:30). Seguindo o modelo de
Deus para o uso do poder e da autoridade, os líderes da igreja deveriam usar a
autoridade delegada para promover o que é bom para a igreja e seu bem-estar.
Embora seja verdade que, dentro da igreja, existam pessoas que receberam
do Espírito o dom do ensino e poderiam atuar como líderes, a autoridade de
ensino da igreja não se restringe a um grupo dentro dela. Seguindo o exemplo
do Senhor, a igreja se tornou, mediante o poder do Espírito, Seu instrumento
de ensino na Terra. Deveria não só se apropriar da mensagem de salvação,
mas também ensinála aos outros. Se a igreja é definida como uma
comunidade de crentes, então sua autoridade de ensino é compartilhada pelos
membros.
Isso quer dizer que o chamado para se envolver na missão é feito a cada
um. Todo aquele que se torna cristão deve ser instruído não só a ser edificado
espiritualmente, mas também a se tornar capaz de participar da autoridade de
ensino da igreja de modo ativo, no cumprimento da missão. O propósito mais
importante dos dons ministeriais na igreja é facilitar a obra de evangelização
pela comunidade de crentes. A igreja é um centro de ensino, no qual jovens e
velhos, homens e mulheres devem ser instruídos na fé a fim de reparti-la e, ao
mesmo tempo, aprendem como ser cristãos no mundo.

Autoridade da mensagem
Não existe missão sem uma mensagem clara, mas o conteúdo da pregação
precisa ser revestido de autoridade. Só assim ela pode causar impacto no
mundo. Desse modo, é necessário que pensemos sobre a questão da
autoridade da mensagem adventista de forma direta e franca. Isso faz surgir a
pergunta: Qual é nossa justificativa para afirmar que nosso conjunto de
crenças tem tanta autoridade que pode ser usado para identificar a presença
de apostasia no mundo cristão, condenar essa heresia, chamar o mundo à
reforma e inspirar esperança com base no evangelho da salvação, por meio de
Cristo? Talvez possamos acrescentar outra pergunta: Como justificar a
reivindicação de que a mensagem que proclamamos contém os elementos
necessários para a raça humana escapar do engano do tempo do fim e
encontrar refúgio em Cristo? Essas declarações cheias de autoridade têm, por
natureza, dimensão global. Queremos que todos os seres humanos ouçam a
mensagem. Sugeriremos que essas reivindicações são feitas com base em
uma convicção fundamental e em uma série de argumentos de apoio.

Lealdade às Escrituras
A reivindicação de autoridade universal da mensagem proclamada pelos
adventistas se fundamenta de forma incondicional nas Escrituras. A
autoridade dessa proclamação advém da lealdade aos ensinos de Cristo. A
autoridade da mensagem da igreja apostólica também se fundamenta em sua
lealdade aos ensinos do Senhor, o Filho de Deus, para quem as Escrituras têm
plena autoridade. Sua mensagem deveria ser proclamada por Seus seguidores
no mundo inteiro (Mt 24:14) e consistia em todas as coisas que Jesus os tinha
ensinado (Mt 28:19). Eles foram testemunhas de Seu ministério e Seus
ensinos, tendo recebido poder Dele para cumprir a missão. A princípio, o
ensino era transmitido principalmente como tradição oral. Isso era de se
esperar em uma época na qual as cartas apostólicas ainda não haviam sido
reunidas em sua forma canônica atual.
Entretando, os ensinos dos apóstolos logo foram resumidos no que é
chamado de regra de fé (lat. regula fidei), usada pela igreja para preservar a
mensagem apostólica e identificar heresias. Posteriormente, ela se tornou o
que parece ser uma ferramenta hermenêutica usada pela igreja para
interpretar as Escrituras. 10
A autoridade dos escritos apostólicos também era reconhecida e, ao lado da
tradição, eram considerados os fundamentos mais importantes para a
autoridade eclesiástica. A isso foi acrescentado o conceito de sucessão
apostólica que garantiria à igreja que a mensagem cristã, fundamentada nas
Escrituras e na tradição, seria preservada e transmitida aos outros sem
corrupção. Nesse modelo, a autoridade eclesiástica é colocada nas mãos da
ministração da igreja. De acordo com esse conceito, as Escrituras não são a
fonte definitiva de autoridade, mas um (ou o principal) de seus componentes.
Um dos pontos fracos desse sistema é que, em termos de autoridade, as
Escrituras e a tradição coexistem sem um método definido de distinção entre
a autoridade de uma e da outra. A regra de fé pode ter sido útil em si mesma
para a igreja em uma etapa bem inicial de seu desenvolvimento, mas não
deveria ter se tornado outra fonte de autoridade além das Escrituras, mesmo
que se considerasse uma declaração baseada na Bíblia. Ela deveria ter sido
vista como algo que apontava para os escritos apostólicos. Isso significa que
a questão da autoridade suprema permaneceu sem solução.
O ensino apostólico, resumido na regra de fé, foi preservado de forma
completa pelos apóstolos em suas cartas para as igrejas, fornecendo assim
uma fonte confiável e cheia de autoridade para a igreja ensinar e instruir.
Uma síntese não pode substituir a autoridade total (ou até mesmo parcial) do
corpo de ensinos que ela resume. A autoridade da igreja deveria se
fundamentar nos ensinos do Senhor e de Seus apóstolos, conforme
apresentam as Escrituras.
A confiabilidade e autoridade da regra de fé e da tradição só podem ser
ratificadas à luz de sua lealdade à fé apostólica, encontrada nos escritos do
Novo Testamento. A tradição em si deveria ter se prostrado em submissão e
lealdade à Bíblia. Isso quer dizer que a autoridade da igreja só se encontra no
compromisso com os ensinos apostólicos, preservados de forma escrita.
Logo, a sucessão apostólica não é necessária como alicerce sobre o qual
estabelecer a autoridade da igreja. Além disso, essa prática carece de
autoridade bíblica. 11
Alguns podem argumentar que Cristo, não um livro, constituem a
autoridade final da igreja. Ele é, de fato, a autoridade final da igreja, mas é o
Cristo revelado para nós nas Escrituras. É um erro estipular a autoridade da
mensagem da igreja com base em uma interpretação do Verbo de Deus (o
Cristo encarnado) que transcende sua forma escrita, ou de que a Palavra
escrita apenas testifica.
Essas tentativas deixam a igreja praticamente à mercê do subjetivismo. 12
Esse tipo de abstração teológica não pode atuar como o cerne da autoridade
da mensagem da igreja por causa de sua natureza quase amorfa. Sua falta de
especificidade torna impossível seu uso para definir a extensão e os limites
dessa autoridade. Se a Palavra de Deus, entendida como o Verbo de Deus
encarnado em Jesus, o Cristo, nos é conhecida por meio da Palavra escrita,
então a Palavra escrita deveria ser o critério usado para entender o Verbo de
Deus e a mensagem que Ele confiou para a igreja proclamar. A Bíblia
identifica Cristo como o Verbo de Deus, e ela não deve ser separada Dele. O
que sabemos a respeito do Senhor nos foi revelado por intermédio da Palavra
escrita e reafirmado no coração dos cristãos mediante o poder e a iluminação
do Espírito.
Sem dúvida, Cristo deve continuar a ser a autoridade final da igreja, mas
deve ser o Cristo das Escrituras que fala à igreja por meio delas e do Espírito.
Dessa maneira, as dimensões cognitiva e experimental da Palavra nos
pertencem como expressão da graça de Deus. Logo, a autoridade da
mensagem da igreja precisa ser firmemente fundamentada em sua lealdade
exclusiva e compromisso com a fonte bíblica.

Guia do Espírito
O papel do Espírito também é relevante para o tema da autoridade da
mensagem da igreja. Cristo apresentou o Espírito como Aquele que guiaria a
igreja à verdade (Jo 16:13, 14) e também identificou a Palavra de Deus como
a verdade (Jo 17:17). Em consequência, a igreja, sob a orientação do Espírito,
não tem autoridade fora da Escritura; só em harmonia com ela. O Espírito
exerce Sua autoridade na igreja em harmonia com o que Ele mesmo revelou
na Bíblia. A vinda do Espírito no Pentecostes encheu de poder e capacitou a
igreja para cumprir a missão de proclamar a mensagem de salvação ao
mundo. Ele não definiu a mensagem nem acrescentou nada a ela, mas a
tornou relevante para a situação na qual a igreja se encontrava. 13 Na igreja,
a autoridade do Espírito se revela por meio da mensagem das Escrituras e,
por consequência, qualquer alegação de manifestação do Espírito deve ser
testada pelo testemunho das Escrituras. Infelizmente, a história da igreja
cristã revela que a verdade bíblica logo começou a se definir pelo ministério
eclesiástico. Posteriormente, isso levou à instituição do magistério
eclesiástico. A autoridade para determinar a mensagem foi colocada nas mãos
de um grupo da igreja.
Como os adventistas lidam com a questão da autoridade da igreja para
indicar qual é o conteúdo da mensagem bíblica? Por meio do estudo da Bíblia
e da guia do Espírito. Os adventistas vivenciaram a orientação do Espírito por
meio do ministério profético de Ellen G. White. 14 Embora reconhecida
como mensageira do Senhor pela comunidade adventista, ela não é uma fonte
adicional de autoridade para a mensagem da igreja. Nesse caso, a orientação
coletiva do Espírito na igreja, guiando para a verdade bíblica, foi reafirmada
por intermédio de seu dom profético.
A autoridade dos profetas não lhes foi conferida por autoridades
eclesiásticas nem pela igreja como um corpo coletivo de crentes; ela vem
diretamente de Deus. Ele chama as pessoas para o ministério profético e as
investe com autoridade. Esses indivíduos prestam contas somente a Ele. No
entanto, a comunidade de crentes é responsável por testar os espíritos à luz
das Escrituras a fim de definir se realmente provêm do Senhor. Logo, para a
comunidade de crentes, a autoridade divina dos profetas pós-bíblicos é
reconhecida somente se a mensagem que proclamam estiver baseada na
Bíblia. A autoridade final continua a ser a Bíblia, não o profeta
contemporâneo.
No que se refere à mensagem proclamada pela Igreja Adventista, a obra do
Espírito no ministério de Ellen G. White foi confirmadora e
enriquecedora. 15 Por meio de seu ministério, somos constantemente
chamados ao estudo das Escrituras, consideradas a base de toda reforma.
Bem no início de seu ministério, ela escreveu: “Recomendo-vos, caro leitor, a
Palavra de Deus como regra de vossa fé e prática. Por essa Palavra seremos
julgados. Nela, Deus prometeu dar visões nos ‘últimos dias’; não para uma
nova regra de fé, mas para conforto do Seu povo e para corrigir os que se
desviam da verdade bíblica.” 16

Continuidade com os ensinos cristãos


A despeito do fato de a cristandade em geral ter rejeitado ou ignorado boa
parte da verdade bíblica, a mensagem proclamada pelos adventistas não é
totalmente desconhecida na história da igreja cristã. Isso quer dizer que a
igreja cristã não perdeu por completo a mensagem do Senhor. Entretanto,
afirmamos a convicção protestante de que o cristianismo não foi capaz de
preservar a mensagem bíblica em sua pureza e integridade originais e, por
esse motivo, uma reforma da igreja era e continua sendo necessária. No
entanto, os elementos da mensagem proclamada, que hoje constituem um
sistema de verdade, foram conhecidos ao longo de toda a história cristã. Já se
demonstrou que até as doutrinas adventistas mais distintivas foram aceitas no
passado por muitos cristãos. Isso ocorre sobretudo na interpretação adventista
das profecias apocalípticas, 17 na doutrina da imortalidade condicional da
alma, 18 a lei e a observância do sábado 19 e a obra de Cristo no santuário
celestial. 20 A forte continuidade entre os elementos de nossa mensagem e a
igreja cristã é útil para fortalecer o valor da mensagem, mas a autoridade final
da mensagem não deve se localizar nesse ponto, pois se encontra na lealdade
às Escrituras.
Nesse contexto, precisamos abordar rapidamente a autoridade da síntese de
fé da Igreja Adventista, chamada de “Declaração de Crenças
Fundamentais”. 21 Esse resumo jamais foi visto como um credo, mas é bem
semelhante a uma regra de fé (lat. regula fide). Trata-se de uma síntese do
que a igreja acredita ser a mensagem bíblica que deve ser proclamada ao
mundo à medida que nos aproximamos do fim do conflito cósmico. Sempre
se espera que quem entra para a igreja consiga encontrar no resumo um
convite para ir às Escrituras verificar se a síntese é biblicamente correta.
Logo, no cumprimento de sua missão, os membros da igreja estudam as
Escrituras com os interessados a fim de demonstrar que o resumo se baseia de
fato nas Escrituras. A Declaração de Crenças não tira a autoridade das
Escrituras; ao contrário, permanece subserviente a ela. 22 Os novos
conversos são conduzidos à Bíblia para nela basear sua fé, não na Declaração
de Crenças Fundamentais. 23

Autoridade para interpretar as Escrituras 24


Quem tem autoridade para interpretar as Escrituras para o cristão? Essa
pergunta presume que a Bíblia necessita ser interpretada; e de fato é assim. O
etíope perguntou para Filipe: “Como poderei entender, se alguém não me
explicar?” (At 8:31). Essa pergunta permanece conosco. Na tradição católica,
isso foi resolvido formalmente por meio da instituição do magistério. No
mundo protestante, isso se transformou em um problema sem precedentes;
um solo fértil para a multiplicação de denominações e a fragmentação
adicional do cristianismo. Isso quer dizer que, quando se trata da
interpretação das Escrituras, os protestantes não foram capazes de identificar
de onde provém uma interpretação das Escrituras com autoridade. A rejeição
do magistério católico deixou um vácuo que ainda não foi preenchido. 25
Sugerimos que os adventistas oferecem uma resposta a essa questão por meio
de, no mínimo, três perspectivas.

Base cristológica
A autoridade da igreja para interpretar a Bíblia provém da autoridade de
Cristo, o intérprete supremo das Escrituras. Devemos nos aproximar do tema
com uma perspectiva cristológica. De acordo com os evangelhos, Jesus foi o
verdadeiro intérprete da Bíblia, tendo fornecido não só uma interpretação
confiável e cheia de autoridade, como também rejeitado as interpretações
feitas pelos líderes judeus. Cristo os acusou de não conhecer as Escrituras
nem o poder de Deus (Mt 22:29). De acordo com Jesus, a fim de entender o
real sentido das Escrituras, era preciso primeiro reconhecer que só seria
possível entendê-la por meio Dele (Jo 5:39). A tarefa de Jesus como
intérprete das Escrituras é descrita com clareza em Lucas 24:13 a 22.
A caminho de Emaús, dois de Seus discípulos tentavam encontrar sentido
nos eventos que ocorreram em Jerusalém durante a semana anterior. Estavam
confusos e incapazes de encontrar qualquer significado bíblico nos
acontecimentos que incluíam o anúncio da ressurreição de Jesus pelas
mulheres que foram ao túmulo. Jesus Se uniu a eles e abriu as Escrituras (Lc
24:32). “E, começando por Moisés, discorrendo por todos os Profetas,
expunha-lhes o que a Seu respeito constava em todas as Escrituras” (Lc
24:27). É possível que fossem passagens bíblicas conhecidas dos discípulos,
mas que, até então, não haviam sido compreendidas corretamente. Cristo é
apresentado ali como o intérprete final das Escrituras, cheio de autoridade. À
medida que ouviam, a Palavra passou a fazer sentido para eles, erguendo a
nuvem de confusão que os cercava. Seus olhos se abriram e eles
reconheceram que o Cristo da Bíblia e o Cristo que interpretava as Escrituras
para eles eram o mesmo. Durante Seu ministério terreno, Jesus estava
constantemente ensinando as Escrituras para os outros e o fazia com
autoridade (Mt 7:29).

Base pneumatológica
O segundo elemento que fundamenta a compreensão adventista da
autoridade da igreja para interpretar as Escrituras é a obra do Espírito Santo.
Por isso devemos examinar o tema com base em uma perspectiva
pneumatológica. A igreja exerce essa autoridade sob a orientação do Espírito.
Isso ocorre tanto no nível individual quanto no coletivo. Pouco antes de
morrer na cruz, Jesus informou aos discípulos que, com Sua partida, Seu
ministério como intérprete das Escrituras não chegaria ao fim. Ele lhes
prometeu que o parakletos, o Espírito da verdade, os ensinaria e lhes guiaria
à verdade (Jo 14:26; 16:13). 26 O ministério de ensino do Espírito é a
continuação do ministério de ensino de Jesus. É por meio Dele que a voz do
Senhor é ouvida quando a igreja interpreta a Bíblia e a torna relevante para a
vida cristã.
Os crentes foram batizados pelo Espírito, e isso os capacitou a ser guiados
pelo Espírito na compreensão das Escrituras. Paulo escreveu:

Ora, nós não temos recebido o espírito do mundo, e sim o Espírito que vem de Deus,
para que conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente. Disto também
falamos, não em palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas ensinadas pelo
Espírito, conferindo coisas espirituais com espirituais (1Co 2:12, 13).

Conforme já sugerimos, o Espírito e as Escrituras não podem ser


desassociados um do outro. A ligação entre eles é tão íntima que, nas
Escrituras, somos confrontados pelo mistério de Sua obra. Foi Ele quem
revelou o conteúdo da Bíblia para os profetas e apóstolos, inspirando-os
também a preservar a mensagem divina para as gerações futuras (2Tm 3:16;
2Pe 1:19-21). Porém, a conexão entre eles não termina aqui. O Espírito
trabalha no coração humano, convidando as pessoas a se sujeitarem à
Palavra. A Bíblia é a espada do Espírito que penetra no fundo do coração
humano, trazendo libertação do cativeiro das trevas espirituais e libertando-os
para a luz gloriosa do Filho de Deus (Ef 6:17; Hb 4:12). Portanto, o papel do
Espírito dentro da comunidade de crentes não pode e não deve ser separado
da natureza e do papel das Escrituras.
Abordagem eclesiológica
Precisamos também analisar a questão por uma perspectiva eclesiológica. -
Cristo deu o Espírito à igreja a fim de guiá-la na interpretação da Bíblia. Para
o cristão, a leitura da Bíblia é uma experiência religiosa, não um mero
exercício acadêmico ou intelectual. A Bíblia não é uma relíquia, um registro
de crenças religiosas de um povo antigo. 27 Ela coloca diante de nós uma
mensagem e afirmação que nos força a reagir. Nela, o cristão ouve a voz de
Deus, seu grande Autor, e a Bíblia se torna um veículo de comunhão com Ele
por intermédio da ministração do Espírito. Abrir as Escrituras se transforma
em um ato de adoração, pois nelas o Deus que falou há muitos anos continua
a se comunicar com o cristão.
No entanto, a abordagem eclesiológica à interpretação das Escrituras é
também uma experiência coletiva. Na interpretação da Bíblia, o Espírito não
deixa de lado a comunidade de crentes, aqueles que são servos das Escrituras.
O indivíduo que se considera a voz de Deus na formulação de uma teologia
bíblica para o restante da comunidade deve ficar alerta diante do fato de que o
Espírito conduz o corpo coletivo de crentes, o corpo de Cristo, a um
entendimento melhor e mais correto das Escrituras (cf. At 15:28). Para que
esse processo seja eficaz, a comunidade religiosa – membros e líderes
eclesiásticos – precisa estar disposta a ser julgada pelas Escrituras,
transformando-a em sua regra de fé e prática. Esse princípio valioso é
sugerido por Paulo em Efésios 3:17 a 19:

E, assim, habite Cristo no vosso coração, pela fé, estando vós arraigados e
alicerçados em amor, a fim de poderdes compreender, com todos os santos, qual é a
largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade e conhecer o amor de Cristo,
que excede todo entendimento, para que sejais tomados de toda a plenitude de
Deus. 28
É possível que Jesus tivesse essa mesma ideia em mente quando disse aos
discípulos, os representantes da igreja: “o Espírito Santo, a quem o Pai
enviará em Meu nome, esse vos [plural] ensinará todas as coisas” (Jo 14:26).
Na leitura da Palavra de Deus, a igreja busca encontrar a mente do Espírito à
qual a comunidade de crentes deve se sujeitar. Há um lugar para o consensus
fidelium operar na interpretação eclesiástica das Escrituras. Foi exatamente
isso que aconteceu quando os pioneiros consolidaram a mensagem da igreja
por meio do estudo das Escrituras e da guia do Espírito. 29 Por conta disso, a
mensagem da igreja é hoje claramente definida para nós.
Precisamos acrescentar que a interpretação eclesiástica das Escrituras sob a
guia do Espírito não concede à igreja infalibilidade em todos os aspectos ou
detalhes da exposição doutrinária. 30 Em vez disso, confirma a autoridade do
conteúdo bíblico, ao mesmo tempo em que dá espaço para o aprofundamento
e refinamento adicional e, se necessário, correção de sua expressão verbal.
Essa compreensão define a leitura eclesiástica das Escrituras como a
comunhão constante entre o Senhor/Espírito e a comunidade de crentes, à
medida que busca obter um entendimento cada vez mais profundo da Bíblia.
Nesse momento de nossa discussão, precisamos enfrentar uma nova
questão: O que acontece quando a igreja estuda as Escrituras, mas não
consegue chegar a um consenso acerca de determinado assunto. Por exemplo,
a lei em Gálatas, o sacrifício diário em Daniel ou a natureza humana de
Cristo? Sugerimos que, nesses casos, a igreja expressa sua lealdade às
Escrituras ao permitir a diversidade de pontos de vista no tema em
consideração. Em outras palavras, após estudar a Bíblia e ser guiada pelo
Espírito, a igreja reconhece que o Espírito não criou o consenso esperado. Ele
pode ter levado a igreja ao reconhecimento de que determinado tema bíblico
não faz parte da mensagem da igreja para o tempo do fim e é permitido,
assim, a existência de opiniões diferentes a respeito deles. Essa é a posição
tradicional da Igreja Adventista. 31 O fato de haver esse tipo de diversidade
na igreja impõe a disposição, por parte de todos os crentes, de preservar o
vínculo amoroso de união em Cristo. É preciso encontrar sua dinâmica e seu
centro comum de atividade na mensagem e missão da igreja.
Existe uma segunda forma de resolver diferenças teológicas na igreja, a
qual era usada no cristianismo inicial em seus concílios para resolver
controvérsias teológicas. Ela consiste em estabelecer a posição teológica
correta por meio de um voto majoritário. 32 Os adventistas jamais usaram
essa prática para definir posições doutrinárias. 33 Contudo, seria útil para nós
identificar os pontos fracos do que a igreja cristã estava fazendo em seus
primórdios.
Em primeiro lugar, nessa abordagem, os fundamentos do debate não eram
extraídos somente da Bíblia, mas também dos escritos dos pais da igreja e, no
caso das controvérsias em relação à Trindade, a partir de conceitos
filosóficos. Em outras palavras, a Bíblia não era a única fonte de definições
doutrinárias. Já se destacou que, “entre os bispos, de modo geral, a escolha da
Bíblia somente como base para a crença havia se tornado ameaçadora e
perigosa demais. Os dias de Lutero ainda pertenciam ao futuro distante. Eles
queriam o conforto da autoridade interpretativa, contanto que fosse curta e
simples”, 34 e definida por voto majoritário.
Segundo, a prática subentende que a decisão da maioria havia suplantado o
papel das Escrituras e do Espírito na criação de consenso na igreja cristã. A
palavra final passou a ser encontrada na voz da maioria. Em terceiro lugar, a
voz da maioria era considerada infalível e correspondia ao Espírito falando à
igreja. A minoria discordante era considerada a voz do inimigo. 35
Nessa perspectiva, as decisões dos concílios foram investidas de autoridade
sem precedentes. Quarto, já que a decisão da maioria era tida como a
expressão da vontade divina, ela era imposta ao restante dos fiéis. Havia
violência significativa dentro da igreja por causa de diferenças no credo,
baseada em acusações de heresia. 36 Essa violência acontecia por meio da
morte dos hereges – aqueles que discordavam da maioria – mas também
incluía “incêndios criminosos, feridas e maus-tratos, exílio, perda de
propriedade, confusão, desordem e divisões profundas na comunidade”. 37
Durante a votação, alguns se sentiam coagidos a adotar o ponto de vista da
suposta maioria, pois tinham medo de sofrer atos de violência por parte da
maioria. 38 Assim, a igreja cristã primitiva considerava a maioria dos
presentes nos concílios os únicos intérpretes verdadeiros da Bíblia. Foi
necessário que Lutero e outros se levantassem para tentar reverter essa prática
por meio da ênfase aos princípios de sola Scriptura que nós, herdeiros da
Reforma, apoiamos sem restrições.

Autoridade para perdoar pecados


A igreja é a comunidade de fé na qual os perdoados se sentem em casa. É,
por natureza, um lugar de perdão, uma vez que os membros experimentaram
a graça perdoadora de Cristo no batismo e dependem constantemente dele
para obter o perdão dos pecados pós-batismais. A igreja sempre está aberta
para os pecadores em busca de perdão e afirma que seus pecados foram
perdoados quando os incorporam, por intermédio do batismo, à comunhão
cristã. Quando falamos em ofensas pessoais, a igreja é o lugar no qual se
espera e se incentiva que os cristãos estejam dispostos a perdoar uns aos
outros assim como o Senhor os perdoou (Lc 17:14; Ef 4:23). Somente pelo
poder de Cristo é possível encontrar liberdade do poder do pecado. Em
consequência, a autoridade para perdoar pecados depende Dele e está
acessível aos pecadores arrependidos por meio Dele (1Jo 1:9; 2:1-2; 4:10).
Em geral, João 20:23 é usado como base para a autoridade da igreja perdoar
pecados mediante instrumentos humanos: “Se de alguns perdoardes os
pecados, são-lhes perdoados; se lhos retiverdes, são retidos.” É preciso
esclarecer que nada no contexto dessa passagem sugere que Jesus estava
instituindo a prática eclesiástica da confissão auricular tampouco a absolvição
dos pecados pós-batismais por um líder da igreja. Tudo isso passou a ser
praticado posteriormente pela igreja pósapostólica. Em João, a ordem de
Cristo aos discípulos foi, na verdade, a comissão evangélica concedida a eles
após a ressurreição.
Lucas parece apresentar um paralelo excelente que esclarece o que João
registrou. De acordo com Lucas 24:47, após ressuscitar, Cristo apareceu para
os discípulos e lhes disse que “em Seu nome seria pregado o arrependimento
para perdão de pecados a todas as nações, começando por Jerusalém” (NVI).
Os discípulos e a igreja deveriam perdoar pecados no sentido de que
confrontarão a humanidade com o evangelho de juízo e salvação (Jo 3:16;
12:31). 39 As pessoas reagiam a essa proclamação, e a igreja decidia quem se
uniria ou não a ela. Em outras palavras, a autoridade derramada sobre a igreja
por parte de Cristo – para perdoar ou não pecados – é a autoridade para
pregar o evangelho e decidir quem pode ou não se unir à comunidade da fé
mediante o batismo.

Autoridade para disciplinar


A proclamação de uma mensagem cheia de autoridade envolve a autoridade
para disciplinar os cristãos que erram. Isso é tão importante que, com
frequência, os crentes são incentivados a se manter firmes e não se afastar do
evangelho da salvação em Cristo. Esse tipo de autoridade estava presente na
igreja apostólica e era reconhecido por ela. Precisamos examinar brevemente
o propósito da disciplina a fim de esclarecer a natureza de sua autoridade. O
propósito fundamental da disciplina eclesiástica é restaurar o membro à fé
(cf. Mt 18:15-18). Isso pode acontecer por meio de conselhos particulares ou
até mesmo da exclusão do rol de membros (Gl 6:1; 1Co 5:11, 13). Qualquer
ação disciplinar deve ser decidida e aplicada pela igreja local (1Co 5:4).
Qual é o significado da disciplina eclesiástica? Ela determina o destino final
do indivíduo? O Novo Testamento diz que aqueles que abandonam a fé cristã
estão “em pior estado do que no princípio. Teria sido melhor que não
tivessem conhecido o caminho da justiça, do que, depois de o terem
conhecido, voltarem as costas para o santo mandamento que lhes foi
transmitido” (2Pe 2:20, 21, NVI; cf. 1Tm 5:8; Hb 10:2). A rejeição de Jesus
como Salvador deixou o indivíduo em trevas, sem um Salvador no mundo.
Em sua forma mais radical, a excomunhão significava que a pessoa se
encontrava fora do alcance da graça divina. Hoje, no contexto de diversas
denominações cristãs, nas quais a mudança de membros de uma igreja para
outra é comum, a tendência geral é atribuir pouca relevância à disciplina
eclesiástica.
Na Igreja Adventista, a disciplina se preocupa com a preservação da
santidade da igreja e com a restauração espiritual do transgressor. Portanto,
ela é redentora em sua essência. Quando a pessoa persiste na vida de pecado
ou rejeita a mensagem cristã (por exemplo, aceita outra religião além da
cristã ou adere ao ateísmo) e não demonstra arrependimento, a disciplina
eclesiástica consiste no reconhecimento de que o indivíduo escolheu
abandonar a comunhão com Cristo e Sua igreja. A igreja reconhece isso por
meio da exclusão.
Entretanto, como o pai do filho pródigo, deixa a porta aberta e trabalha para
que a pessoa retorne para Cristo e Sua igreja. Quando o indivíduo
simplesmente abandona a fé adventista para se unir a outra comunidade
cristã, os adventistas entendem que a pessoa está se unindo a um cristianismo
conducente à apostasia. Embora os adventistas classifiquem a mudança de
uma igreja para outra como uma decisão arriscada, não concluem que o
indivíduo foi abandonado pelo Senhor. Deus continua a trabalhar fora da
Igreja Adventista e tem muitos que pertencem a Seu povo em “Babilônia”.
Ainda há esperança para aqueles que nos deixaram, e é nosso dever continuar
a amá-los e trabalhar por eles. Isso quer dizer que, na Igreja Adventista, a
excomunhão não determina o destino final da pessoa. A igreja reconhece e
confirma a decisão tomada pelos indivíduos. Por sua vez, o restante do corpo
de Cristo ora e trabalha pela restauração do transgressor à plenitude da
verdade bíblica.

AUTORIDADE, ORGANIZAÇÃO E LIDERANÇA

Se olharmos para a autoridade da igreja de maneira cristológica, então a


autoridade, conforme explicado antes, deve ser definida como a liberdade
concedida por Cristo à igreja de trabalhar com Ele na consumação de Sua
missão. 40 A fim de que a igreja use sua autoridade com eficácia, a
organização é indispensável. Em certo sentido, os dons espirituais são obra
do Espírito dentro da igreja, organizando-a a fim de edificá-la para cumprir
sua missão. A comunidade de crentes reconhece que, dentre muitas outras
coisas, o Espírito dá algumas habilidades pastorais, administrativas e
evangelísticas a fim de ser usadas para a glória do Senhor e a serviço da
igreja. Mas como o Espírito pode, de fato, sustentar a unidade da igreja e
guiá-la no processo de tomar decisões que impactam toda a comunidade da
fé?
Voltemos à ideia de consensos dos fiéis (lat. consensus fidelium). O livro de
Atos apresenta vários casos nos quais a igreja abordou questões
administrativas e doutrinárias, resolvendo-as de uma forma que edificou a
igreja e preservou sua unidade. O concílio de Jerusalém ilustra como a igreja
apostólica tomava decisões ou expressava sua autoridade em contextos
conflituosos (At 15:1-35). A pergunta específica era se os conversos gentios
deveriam ter a obrigação de se tornar judeus a fim de ser salvos. O problema
se manifestou de forma mais controversa na igreja de Antioquia.
A fim de resolver essa preocupação e preservar a unidade, a igreja de
Antioquia enviou uma delegação para Jerusalém, a fim de se reunir com os
apóstolos e presbíteros, debater a situação e encontrar uma solução. A igreja
mandou Paulo, Barnabé e alguns outros membros da igreja para a reunião.
Em Jerusalém, eles foram bem recebidos pela igreja, pelos presbíteros e
apóstolos. Alguns dos judeus cristãos que promoviam um ponto de vista
particular estavam lá e expressaram sua preocupação. Os apóstolos e líderes
discutiram o assunto diante da congregação.
Foram feitos dois discursos. Pedro argumentou com base na perspectiva da
providência divina, relatando como o Senhor havia tomado a iniciativa e o
escolhido para pregar o evangelho aos gentios. A única coisa de que os
gentios necessitavam para a salvação era o evangelho. Se isso era tudo que
Deus requeria deles, indagou Pedro, então por que exigir mais deles que o
próprio Senhor? Pedro olhou para a orientação divina na missão da igreja e
extraiu dela alguns argumentos teológicos e doutrinários. Paulo e Barnabé
falaram em seguida. Eles enfatizaram a obra do Espírito entre os gentios e
testemunharam dos sinais e das maravilhas que Deus havia operado entre
eles.
Assim, a missão da igreja em seu meio e os resultados da missão – a
incorporação dos gentios ao Israel da fé – foram confirmados como
acontecimentos provenientes da parte do Senhor. Tiago argumentou com
base nas Escrituras. O Espírito o relembrou mansamente daquilo que o
Senhor havia expressado acerca dessa questão específica nas Escrituras. Ele
encontrou duas informações importantes. Primeiro, sempre fora intenção
divina retirar, dentre os gentios, um povo para Si (Am 9:11-12; Is 45:21). Em
outras palavras, aquilo que a igreja estava vivenciando era o cumprimento de
uma profecia.
O segundo argumento bíblico foi extraído da Torá. Havia uma série de leis
no Antigo Testamento que se aplicavam não só aos israelitas, mas também
aos estrangeiros que habitavam no meio deles. Eram leis universais. Tiago
encontrou essas leis em Levítico e chegou à conclusão de que os gentios
deveriam obedecê-las. Sua conclusão foi que as Escrituras apoiavam o que
eles estavam vivenciando. Até esse momento da história, o texto bíblico nada
diz acerca da presença do Espírito no debate. Vemos as causas e efeitos de
um conflito e a interação dos indivíduos com opiniões diferentes, na tentativa
de encontrar uma solução para a pergunta que estava à sua frente. No entanto,
a verdade é que o Espírito estava se movendo silenciosamente no meio deles.
Ao fim do dia, o concílio escreveu: “Pois pareceu bem ao Espírito Santo e a
nós” (At 15:28). A mente do Espírito e da igreja coincidiram. Havia unidade
de pensamento.
O concílio demonstra que o Espírito trabalha com os líderes e membros da
igreja. 41 Isso fica evidente ao compararmos a atuação do Espírito na igreja
com o que diz as Escrituras. A liderança do Espírito na igreja se efetiva por
meio de mentes alicerçadas nas Escrituras. Com diálogo e deliberação,
aqueles a quem a comunidade de crentes delegou autoridade de decisão
devem se unir à mente do Espírito e atingir consenso. Em outras palavras,
cremos que “Deus colocou na igreja, como Seus auxiliares designados,
homens de talentos diferentes para que, mediante a sabedoria de muitos, seja
feita a vontade do Espírito”. 42
Em algumas situações, a comunidade pode não ser capaz de encontrar uma
passagem bíblica que, sob a orientação do Espírito, a guie até chegar a uma
conclusão. Nesses casos, o Espírito guiará os membros do corpo de Cristo na
aplicação de princípios bíblicos à nova situação. É isso que encontramos em
Atos 6:1 a 6. A disputa dizia respeito à distribuição de alimentos entre os
cristãos de Jerusalém. A igreja percebeu que era necessário reorganizar o
sistema a fim de garantir que todos os fiéis fossem tratados com igualdade.
Em outras palavras, não deveria haver tratamento preferencial dos membros
da igreja com base na etnia. Todos eram um em Cristo. A reorganização
proposta “agradou a toda a comunidade” (At 6:5). “Convocando uma reunião
dos fiéis, os apóstolos foram levados pelo Espírito Santo a esboçar um plano
para otimizar a organização de todas as forças ativas da igreja.” 43 O Espírito
sempre estará com a igreja a fim de ensiná-la como aplicar as Escrituras a
novas situações (cf. At 1:15-26).
Os líderes escolhidos devem usar a autoridade que lhes foi delegada para
alcançar o bem-estar espiritual da igreja. Autoridade delegada subentende que
os líderes nomeados devem prestar contas à igreja mundial. Pressupõe
também a possibilidade de retirada da autoridade que lhes foi concedida. A
comunidade de crentes delega autoridade, mas não abre mão dela. 44
Nós, adventistas, entendemos que a autoridade eclesiástica é difusa por toda
a igreja mundial. Por meio da delegação, ela é colocada nas mãos dos líderes
e pastores de campos locais, bem como dos muitos voluntários que atuam
como anciãos, diáconos e outros líderes da igreja em suas congregações. 45
Em busca do objetivo de trabalhar juntos, a tendência natural e adequada
entre os líderes é de agir por consenso. Isso é útil, necessário e indispensável,
ocorrendo por intermédio do estudo das Escrituras e da obra do Espírito à
medida que Ele guia a igreja em toda a verdade. Até mesmo ao tomar
decisões ligadas a praxes e procedimentos administrativos, os líderes da
Igreja Adventista sempre procuram agir com base em um consenso
fundamentado nos princípios bíblicos.

ESTRUTURA DA AUTORIDADE ECLESIÁSTICA

Sugerimos que, de maneira particular, o uso da autoridade eclesiástica pelos


líderes deve ser expresso por meio da preservação da integridade da
mensagem bíblica, em sua dedicação à missão e no compromisso
inquestionável com a unidade da igreja. Esses três elementos tiveram
importância central para a obra de Cristo. Ele disse: “Eu lhes tenho
transmitido as palavras que Me deste, e eles as receberam” (Jo 17:8). Nessa
declaração, a mensagem e a missão são inseparáveis; Ele fez ambas. Ele veio
e completou a obra que o Pai Lhe concedera em prol da raça humana (Jo
17:4). Sua união com o Pai jamais se rompeu, mesmo diante das
circunstâncias mais probantes (Jo 17:11, 21; Mt 26:39).
O mesmo compromisso com a mensagem, a missão e a unidade deve
caracterizar a vida da igreja. Aliás, a tríade integridade da mensagem bíblica,
reconhecimento da missão e unidade global da igreja tem importância
fundamental na definição do papel da autoridade eclesiástica. Na teologia e
prática adventista, mensagem, missão e união pertencem ao cerne essencial
da natureza da igreja. Os líderes recebem a mensagem como um tesouro
confiado pelo Senhor. Não são seus donos, pois ela pertence à igreja
mundial. 46 A unidade da igreja, em prol da qual Cristo orou com tanta
intensidade (Jo 17:21), é um poder que capacita a igreja global a falar com
uma só voz ao mundo na exposição da mensagem e no cumprimento da
missão.
Essa tríade define a esfera em que os líderes devem exercer sua autoridade
e, ao mesmo tempo, cria os parâmetros mediante os quais o uso adequado ou
indevido da autoridade pode ser identificado. É o prisma mediante o qual
todo plano, toda decisão e todo desígnio podem ser avaliados. Pode ser o
ponto objetivo de referência que oferece o critério fundamental para o
exercício de autoridade eclesiástica e que libera os líderes da ameaça do
autoritarismo e da busca por benefício próprio.

AUTORIDADE FINAL
O fato de a autoridade delegada ser exercida por líderes diferentes, em
níveis diversos, no mundo inteiro, não significa que não exista, dentro da
igreja, uma autoridade delegada final. O desafio é definir como essa
autoridade é expressa, quem deve exercê-la e quais são seus limites.
Conforme já sugerimos, a eclesiologia adventista não permite que a
autoridade delegada final repouse sobre uma única pessoa ou um grupo
exclusivo de religiosos ou teólogos. A autoridade final reside na igreja
mundial, em sua submissão às Escrituras e ao senhorio de Cristo. Baseando-
se no modelo do concílio de Jerusalém (At 15), os adventistas estipularam
que é durante a assembleia da Associação Geral que se ouve a voz da igreja
mundial com autoridade. 47
A assembleia é o núcleo da autoridade delegada, no sentido de que é o
canal por meio do qual a igreja mundial se dirige a si mesma em sua
multiplicidade nacional, étnica e cultural, a fim de reafirmar sua mensagem,
missão e unidade. Logo, o principal objetivo da assembleia não é tratar de
interesses regionais específicos dos territórios a quem representam, mas do
bem-estar da igreja global.
É importante e necessário que reflitamos sobre o papel teológico da
assembleia da Associação Geral e em sua contribuição para nossa
compreensão da natureza da igreja. Aliás, a assembleia em si é uma
expressão eclesiológica importante e, por isso, necessita ser teologicamente
analisada e interpretada. Essa é uma área da eclesiologia adventista que
requer atenção imediata e significativa.
Qualquer tentativa de entender a assembleia da Associação Geral como
uma simples reunião administrativa global perde de vista sua natureza de
forma drástica e até mesmo ameaçadora. Não se pode negar a dimensão
administrativa, mas, nesse caso, a “administração” diz respeito à
administração divina, não de líderes de maneira independente ou semi-
independente Daquele que é o Cabeça da igreja. Ao olharmos para a
assembleia da Associação Geral com base em uma perspectiva eclesiológica,
podemos identificar uma série de conceitos teológicos importantes que são
expressos no ajuntamento dos fiéis.

Catolicidade da igreja
A palavra “católico” vem do grego katholikos e significa geral, universal.
Quando nos referimos a “catolicidade”, estamos falando sobre a expressão
universal e multifacetada da igreja como o corpo de Cristo. Para os
adventistas, a catolicidade da igreja encontra uma expressão particular no
remanescente do tempo do fim, reunido de “cada nação, e tribo, e língua, e
povo” (Ap 14:6). De fato, trata-se de uma comunhão universal de fé. Durante
uma assembleia da Associação Geral, a natureza “católica” da Igreja
Adventista se torna visível no ajuntamento e nas atividades dos delegados
que representam a igreja global.
A natureza inclusiva desse remanescente eclesiológico se manifesta na
diversidade cultural e étnica dos delegados. Aquilo que a igreja é em sua
dimensão global se personifica no ajuntamento de seus representantes durante
a assembleia. Eles se reúnem não a fim de representar os interesses de sua
igreja local, mas com o objetivo de defender o melhor para a igreja mundial
em seu papel de corpo de Cristo. A catolicidade da igreja deve transcender as
agendas geográficas e, possivelmente, limitadas dos delegados, sem
necessariamente ignorá-las.

Apostolicidade da igreja
Ao falar em “apostolicidade”, estamos nos referindo ao compromisso
inegociável da Igreja Adventista com a totalidade das Escrituras como padrão
de fé e prática. A igreja só é apostólica se estiver fundamentada no que está
registrado no Antigo Testamento, nos ensinos de Jesus e em sua expressão
apostólica no Novo Testamento. Durante a assembleia da Associação Geral, a
igreja exemplifica e demonstra, por meio de seus processos de decisão e dos
debates pastorais, doutrinários e teológicos, a supremacia das Escrituras na
vida da comunidade global da fé.
Em outras palavras, a centralidade da Bíblia em diferentes expressões locais
da igreja ao redor do mundo se torna particularmente visível durante a
assembleia. Nessas ocasiões, as Escrituras se tornam a norma que determina
todos os elementos de doutrina e fé. Seus princípios são usados para definir e
estabelecer políticas e para configurar atividades missiológicas globais. Para
que a centralidade das Escrituras governe, é necessário que os delegados
sejam bem versados na Bíblia e estejam abertos à influência iluminadora do
Espírito. Seguidos esses passos, o Espírito então formula um consenso
baseado na Bíblia entre os fiéis para as questões difíceis e, às vezes,
complexas com as quais lidam.

Autoridade da igreja
Conforme já explicado, a autoridade que Cristo deu à Sua igreja é difusa
por toda ela. Com o propósito de que essa autoridade encontre sua expressão
mais completa na igreja global, a Igreja Adventista a delega a alguns de seus
membros. Quando os delegados da igreja se reúnem em uma assembleia da
Associação Geral, essa reunião se torna a mais elevada autoridade da igreja
na Terra, subordinada aos fundamentos das Escrituras, à liderança de Cristo,
seu cabeça, e ao poder do Espírito.
É a mais elevada autoridade porque, por intermédio da assembleia, a igreja
global fala em uma só voz para suas expressões locais e, em seu favor, para o
mundo como um todo. Nessa tarefa, a assembleia transcende o
individualismo e regionalismo, reafirmando a igreja como uma comunidade
global da fé. Isso é indispensável na eclesiologia adventista, pois, para que o
uso da autoridade eclesiástica seja legítimo, ele precisa expressar a vontade
da igreja mundial, mantendo em mente que o controle supremo sempre deve
se encontrar na fidelidade às Escrituras. 48 Nesse contexto, a autoridade
eclesiástica necessita, de maneira específica, ter o objetivo de preservar e
alimentar a unidade da igreja. Essa tarefa requer pensamento global por parte
de todos os delegados. Por isso, é necessário que eles usem a autoridade da
assembleia com seriedade, sempre pensando no bem-estar da igreja mundial,
em espírito de amor e humildade. Nesse processo, as preocupações regionais
devem ser exploradas e analisadas pela perspectiva da igreja global. É
possível até sugerir que a assembleia convide todos os delegados a trabalhar
juntos em humildade quando buscam usar a autoridade da igreja mundial.

Unidade da igreja
Nossos comentários anteriores apontam para o fato de a assembleia da
Associação Geral ser, por definição, uma expressão da união e unidade da
igreja de Cristo. Delegados provenientes do mundo inteiro têm a mesma
mensagem, missão e esperança. Esses três elementos definem sua identidade
e o propósito de sua existência. Essa koinonia em mensagem, missão e
esperança não é criada na assembleia; eles a trazem consigo de sua
comunidade local de fé. Na assembleia, essa união revela de maneira gloriosa
que a unidade da Igreja Adventista é, de fato, um fenômeno global: um
milagre da graça de Cristo por intermédio do Espírito.
Na diversidade de suas culturas e origens étnicas, os delegados revelam, em
espírito de amor e serviço, o vínculo profundo e a unidade que a igreja
desfruta com o Senhor e uns com os outros. Essa koinonia, criada pelo
Espírito e fundamentada nas Escrituras, os capacita a trabalhar juntos como
corpo de Cristo, na eleição de líderes para a igreja mundial, na discussão de
temas bíblicos e doutrinários, e em todas as questões ligadas à administração
da igreja.
Durante a assembleia, essa unidade se expressa e é nutrida pela
proclamação da Palavra, pelos momentos de oração, pelo cântico
congregacional de louvores ao Senhor e pela comunhão constante uns com os
outros. Ao fim da assembleia, quando os delegados se separam uns dos
outros, essa união e unidade permanecem por meio do propósito e da mente
comuns da igreja.

Reunião escatológica
Os delegados vêm de cada nação, povo e língua, viajando de diferentes
pontos geográficos. São reunidos pelo Senhor ressurreto por meio do
chamado do Espírito e do poder do evangelho salvífico em Cristo. Como
indivíduos, são frutos da missão da igreja e revelam o poder do Espírito para
transformar vidas. Sua presença testemunha da eficácia constante do poder da
cruz para atrair todos a Cristo. De maneira única, exemplificam o
ajuntamento escatológico dos remidos no momento da parousia, quando
Cristo “enviará os Seus anjos, com grande clangor de trombeta, os quais
reunirão os Seus escolhidos, dos quatro ventos, de uma a outra extremidade
dos céus” (Mt 24:31).
Essa reunião escatológica também é antecipada na experiência das
congregações locais todo sábado, ao redor do mundo, à medida que os fiéis se
reúnem para adorar ao Senhor, aprender e ser instruídos por Ele, por
intermédio de Sua Palavra. Durante a assembleia, essa reunião transcende a
expressão local, ao juntar representantes de uma extremidade da Terra à
outra. Nesse sentido, a assembleia antecipa e aponta para o glorioso momento
em que o povo de Deus, de todas as eras, comparecerá perante o trono de
Deus e diante do Cordeiro, vestindo roupas brancas e segurando galhos de
palmas nas mãos, exclamando: “Ao nosso Deus, que Se assenta no trono, e
ao Cordeiro, pertence a salvação” (Ap 7:10). A assembleia deve cultivar essa
esperança em espírito de amor e unidade cristã genuína.
É valioso que a igreja vislumbre a assembleia da Associação Geral como
uma expressão dinâmica de aspectos ou dimensões da eclesiologia e
esperança adventista do sétimo dia. Isso contribuirá para fortalecer a
disposição dos delegados para trabalhar juntos como um só corpo, livre de
qualquer espírito dissidente, fundamentado em interesses pessoais. O poder
confiado à assembleia deve ser administrado com cuidado amoroso. É correto
concluir que um dos aspectos eclesiológicos mais significativos da
assembleia da Associação Geral se concentra em seu papel como a expressão
final de autoridade da igreja mundial. Vale a pena repetir que, a fim de que
essa autoridade contribua para a união da igreja, seu uso precisa estar
fundamentado nas Escrituras, levando em consideração o que é melhor para a
igreja como um todo.

IMPLEMENTAÇÃO DA VONTADE DA IGREJA

Considerando que as decisões são tomadas pela igreja global, confia-se aos
líderes eclesiásticos, autoridade para implementar a vontade da igreja
mundial em suas respectivas áreas do mundo. Como as escolhas são feitas
por representantes da igreja mundial em todos os níveis, a comunidade
mundial de crentes deve cumprir voluntariamente as decisões que ela própria
tomou. Não estamos sugerindo que a autoridade eclesiástica deva ignorar as
necessidades e peculiaridades regionais. O que funciona em um lugar do
mundo pode não ser tão eficaz em outras regiões. A autoridade de Cristo
dentro da igreja busca atender o bem-estar das comunidades locais, onde quer
que elas se localizem.
É importante reconhecer que a unidade em expressão e ação inclui um
elemento de diversidade. A uniformidade parece um alvo inalcançável, pois
não existem duas pessoas exatamente iguais. Embora a unidade em meio à
diversidade seja o objetivo, o elemento controlador deve ser a unidade, não a
diversidade. Em outras palavras, a diversidade é submissa à unidade; a
unidade julga e define os limites e a extensão da diversidade. Ao lidar com
questões tão sensíveis, o principal interesse dos líderes da igreja deve ser
preservar a integridade da mensagem, o cumprimento da missão e a união da
igreja. A liderança deve manter em mente que a diversidade é natural, mas,
ao mesmo tempo, precisa promover e cultivar a unidade.

DESAFIOS NO EXERCÍCIO DA AUTORIDADE


ECLESIÁSTICA

Uma igreja mundial é, por natureza, bem diversa. No entanto, o desafio do


evangelho é formar um corpo de crentes comprometidos com uma
mensagem, missão e unidade globais. Em decorrência da natureza diversa da
Igreja Adventista, é de se esperar que haja discordâncias em relação ao
exercício da autoridade eclesiástica. Esperamos que a fórmula tríplice
sugerida anteriormente neste capítulo seja útil na solução de tensões reais ou
imaginárias.

Autoridade e corrupção
É possível que um dos desafios mais ameaçadores que os líderes enfrentam
ao usar a autoridade que lhes foi confiada seja a tendência natural humana à
corrupção. O poder pode corromper qualquer pessoa. Os líderes devem se
examinar ocasionalmente para determinar qual é a motivação por trás de seu
estilo administrativo e avaliar o processo que usam para tomar decisões. A
corrupção não é um fenômeno que ocorre de um instante para o outro.
Em geral, é um processo de mudança que, a princípio, é quase
imperceptível. Ninguém deve afirmar, por meio de seu estilo administrativo,
que a sabedoria suprema reside exclusivamente em si. A vida dos líderes
deve aliar autoridade externa ou delegada com sua autoridade espiritual
interna. 49
Em outras palavras, o exercício de autoridade delegada sempre deve ser
acompanhado pela presença confirmadora de uma vida plenamente
consagrada ao Senhor. A comunhão pessoal dos líderes com Cristo precisa se
revelar em palavras, no porte, na gentileza e bondade de sua liderança. A
igreja ouve e segue os líderes cuja vida é incondicionalmente dedicada à
integridade da mensagem, ao cumprimento da missão e à união da igreja. Sua
conduta revela que vivem constantemente na presença do Senhor.

Autoridade e fragmentação
O segundo desafio que os líderes enfrentam é o equilíbrio entre as
necessidades locais e globais da igreja. Existe o risco de enfatizar em excesso
a autoridade de um segmento específico da estrutura organizacional em
detrimento da autoridade da igreja mundial. Isso é sinal de fragmentação e
deve ser levado a sério. A fragmentação não reconhece limites. Quanto mais
os líderes se distanciam uns dos outros, maior será a distância criada entre as
unidades específicas que cada líder representa. Isso pode ser evitado se os
líderes cumprirem suas responsabilidades, mantendo em mente que sua
principal preocupação deve ser a comunidade global de crentes, sua
mensagem, missão e unidade. São esses os elementos que devem nos manter
unidos como igreja mundial. 50

Autoridade e consenso
Outro desafio que os líderes enfrentam resulta da necessidade de que a
Igreja Adventista aja por consenso. Eles devem ficar atentos ao fato de que o
consenso precisa ser alcançado com base na melhor expressão de sua
autoridade no que envolve mensagem, missão e unidade. O consenso não
deve procurar encontrar um denominador comum mínimo em relação a
determinado item, mas sua expressão bíblica mais enriquecedora. Aliás, a
autoridade do consenso depende de sua fidelidade às Escrituras. Os líderes
devem se proteger do perigo de usar a autoridade para formular um consenso
que permita perspectivas contraditórias, que causam danos à mensagem e
missão da igreja. Nesses casos, a autoridade que Cristo confiou à igreja se
renderia a pessoas de grupos com interesses próprios, ameaçando a união que
os líderes buscam preservar e cultivar.

Autoridade e influência indevida


Os líderes também enfrentam dificuldades diante de tentativas de usurpação
de seu poder por parte de indivíduos bem-intencionados. Já foi dito
corretamente que não existe vácuo de poder. Espera-se que os líderes usem
seu poder e sua autoridade; caso contrário, os perdem, pois outros preenchem
o vácuo, usurpando sua autoridade. A incerteza quanto à mensagem, missão e
união da igreja torna os líderes vulneráveis à usurpação de poder por parte
daqueles que têm agendas próprias e desejam promovê-las na igreja. É
necessário questionar seriamente as agendas pessoais promovidas por
indivíduos de fora da estrutura organizacional da igreja, sempre que elas
competem com o trabalho de líderes nomeados pela igreja mundial.
Em geral, essas agendas externas promovem uma visão distorcida da
missão e mensagem da igreja. Os líderes precisam abordar esses desafios à
autoridade eclesiástica escolhida por Deus. Entretanto, o que é
potencialmente mais danoso acontece quando alguns desses indivíduos
conseguem usurpar a autoridade dos líderes, convencendo-os a apoiar seus
interesses particulares e usar os canais de comunicação da organização
eclesiástica e a influência dos líderes eleitos para promover pontos de vista e
opiniões pessoais, em lugar da mensagem, missão e unidade da igreja global.
Autoridade e inclusão
Por fim, no exercício da autoridade eclesiástica, os líderes da igreja
necessitam constantemente reconhecer a natureza inclusiva da igreja mundial
de Cristo. O reconhecimento de que o movimento adventista é formado por
indivíduos de “cada nação, e tribo, e língua, e povo” (Ap 14:6) deve levar
líderes a ouvir com atenção e sinceridade as muitas vozes dessa comunidade
global, a fim de aprender uns com os outros e ser enriquecidos em suas
expressões regionais da igreja.
O preconceito étnico, racial e sexual causa um impacto negativo no uso da
autoridade por parte dos líderes. A autoridade bíblica ouve os outros à
medida que busca maneiras de atuar com maior eficácia para o benefício de
todos. Não devemos permitir que qualquer tipo de discriminação imprópria
ignore um segmento da igreja mundial nem conclua que os grupos
minoritários têm pouco a oferecer para a comunidade mundial da fé. À
medida que os líderes da igreja buscam criar consenso, não devem permitir
que o preconceito silencie ou limite a influência de qualquer segmento da
igreja. A interação entre os diferentes segmentos culturais da igreja enriquece
a todos.

CONCLUSÃO

Qualquer definição de autoridade eclesiástica precisa começar com a


compreensão básica do poder e da autoridade de Deus, conforme revelados
em Cristo. A perspectiva cristológica reconhece que Deus, por intermédio de
Cristo, exerceu autoridade e poder a fim de sustentar, redimir e preservar Sua
criação, possibilitando que cumpramos o potencial que Ele concedeu à raça
humana na criação. A demonstração de poder por parte de Deus revela Sua
bondade e Seu amor. A autoridade eclesiástica é determinada por um
conceito cristológico de autoridade, voltado para o bem-estar do outro. Essa é
a base teológica da autoridade dos líderes na Igreja Adventista.
Tendo sido dito isso, devemos reconhecer que a autoridade eclesiástica não
reside, por definição, na pessoa do líder ou de um grupo deles, que agiriam
como mediadores entre Cristo e os fiéis. A autoridade eclesiástica se encontra
na realidade misteriosa da igreja global. Essa autoridade consiste
especificamente na liberdade que Cristo deu à igreja para trabalhar com Ele
na consumação de Sua missão de redenção.
Portanto, essa autoridade se expressa de forma específica no compromisso
da comunidade de crentes com a integridade da mensagem, o cumprimento
da missão e a dedicação inquestionável à união da igreja. Essa fórmula
tríplice estrutura o uso da autoridade na igreja em todos os níveis e pode ser
útil para a avaliação do uso adequado ou inadequado da autoridade
eclesiástica.
A submissão do crente ao senhorio de Cristo carrega consigo uma dimensão
escatológica. A autoridade eclesiástica está espalhada em toda a igreja
mundial, mas, a fim de que haja unidade, é necessário delegar parte dessa
autoridade para representantes eleitos, por meio dos quais a igreja fala com
autoridade para seus diferentes componentes ao redor do mundo.
Isso acontece sobretudo durante as assembleias da Associação Geral,
quando a igreja mundial fala, por intermédio de seus delegados, em uma só
voz. O uso da autoridade pelos líderes eleitos é legítimo contanto que estejam
subordinados à Palavra de Deus. Isso se evidencia no compromisso com a
mensagem, missão e união da igreja.
A autoridade é uma responsabilidade pela qual todos devemos prestar
contas à igreja mundial e ao Senhor. Ela nos foi confiada a fim de servir à
igreja. Qualquer tentativa de usá-la para ganhos pessoais é inadequada.
Seguindo o exemplo da autoridade de Cristo, a autoridade eclesiástica tem o
constante objetivo de cuidar do povo de Deus e atender suas preocupações
sinceras (cf. 1Pe 5:2-4).
Isso explica por que os apóstolos aceitaram sofrer perseguição e até
martírio no cumprimento da missão da igreja. Para eles, o mais importante
como líderes era a edificação da igreja, não a reputação pessoal e a
autoimagem. O uso da autoridade eclesiástica requer líderes que sempre
façam o que é certo e direito a despeito de como essa decisão os impacte.

1 Ver uma introdução adventista excelente sobre o tema em Raoul Dederen, “The Church: Authority
and Unity, Part 1: Church Authority: Its Source, Nature, and Expression”, Ministry: Supplement, maio
1995, p. 2-10.
2 Cf. I. Broer, “Exousia Freedom; Ability; Power, Authority”, em Horst Balz e Gerhard Schneider ed.,
Exegetical Dictionary of the New Testament (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1994), v. 2, p. 9. Teresa
Reeve, “Autoridade da Igreja nos Evangelhos e em Atos”, nesta obra.
3 Walter Grundmann, “Dynamai” em Gerhard Kittel e Gerhard Friedrich, ed., Theological Dictionary
of the New Testament (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1977), v. 2, p. 284, escreve: “As palavras que
derivam de dyna- têm o significado básico de ‘ser capaz’, de ‘capacidade’ em virtude de uma
habilidade.”
4 Werner Foerster, “Exousia”, em Kittel e Friedrich, Theological Dictionary of the New Testament, v.
2, p. 562 e Broer, “Freedom”, p. 10, o qual comenta brevemente: “A autoridade pressupõe
poder/habilidade.”
5 Ellen G. White, Patriarcas e Profetas (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2018), p. 33.
6 Ver debate sobre a relação entre a autoridade divina, sua revelação única em Cristo, autoridade
apostólica e autoridade das Escrituras em Raoul Dederen, “A Igreja”, em Raoul Dederen, ed., Tratado
de Teologia Adventista do Sétimo Dia (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 621-623.
7 Ellen G. White, “The Divine Estimate of Worldly Wisdom”, Signs of the Times, 26 de maio de
1887.
8 Sobre a missão da igreja, ver Ángel Manuel Rodríguez, ed., Studies in Adventist Ecclesiology:
Message, Mission, and Unity of the Church (Silver Spring, MD: Biblical Research Institute, 2013), p.
61-153.
9 Consulte, por exemplo, I. Howard Marshall, A Critical and Exegetical Commentary on the Pastoral
Epistles (Edinburgh: T & T Clark, 1999), p. 612; Philip H. Towner, The Letters to Timothy and Titus
[Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2006], p. 362, 363.
10 No fim do 2o século, alguns cristãos começaram a usar a expressão em latim “regula fidei” ou
“regula veritatis”, ou ainda a grega kanōn tēs alētheias (“cânon da verdade”) para designar “a
pregação apostólica que servia como norma da fé cristã” (Everett Ferguson, “Rule of Faith”,
Encyclopedia of Early Christianity [Nova York: Garland Publishing, 1998], p. 1003). A expressão foi
usada pela primeira vez por Irineu (130-200 d.C.) para se referir à “substância da fé cristã” ou à
“verdade como padrão e autoridade normativa” (Dietmar Wyrwa, “Rule of Faith: Early Church”, em
Erwin Fahlbusch e Geoffrey William Bromiley, ed., Encyclopedia of Christianity [Grand Rapids, MI:
Eerdmans, 2005], v. 4, p. 758). Aliás, para Irineu, o “cânon da verdade” é definido, em alguns casos,
como “o todo da doutrina cristã, encontrado nas Escrituras e no ensino da igreja” (Ferguson, “Rule of
Faith”, p. 1004). O conteúdo da regra jamais era padronizado e, por isso, não era considerado um credo.
Consistia apenas de uma síntese usada para instruir os novos conversos que não sabiam ler as
Escrituras, no preparo para o batismo e também para se opor às heresias. A regra servia para definir e
preservar a identidade da igreja antiga (cf. Mark D. Chapman, “Tradition”, em John Bowden, org.,
Encyclopedia of Christianity [Oxford: Oxford University Press, 2005], p. 1201-1202). Irineu deu uma
ideia de seu conteúdo ao escrever: “Mas o caminho daqueles que pertencem à igreja abrange o mundo
inteiro, possuindo a tradição confirmada da fé dos apóstolos. Isso nos leva a ver que a fé de todos é a
mesma, uma vez que todos aceitam o mesmo Deus Pai, creem na mesma dispensação acerca da
encarnação do Filho de Deus e reconhecem o mesmo dom do Espírito, seguem os mesmos
mandamentos, preservam a mesma forma de instituição eclesiástica e esperam o mesmo advento do
Senhor, aguardando a mesma salvação do homem completo, ou seja, de corpo e alma. Sem dúvida, a
pregação da igreja é verdadeira e constante, na qual o mesmo caminho da salvação é mostrado no
mundo inteiro” (Contra Heresias, 5.20.1). Ele também argumentou que a regra poderia ser usada como
guia para a exegese das Escrituras (Contra Heresias, 1.9.4; cf. “Rule of Faith”, em F. L. Cross e
Elizabeth A. Livingstone, ed., Oxford Dictionary of the Christian Church (Oxford: Oxford University
Press, 2005), p. 1433. Em alguns casos, a regra de fé era considerada superior às Escrituras (por
exemplo, Tertualiano [160-225 d.C.]; cf. Chapman, “Tradition”, p. 1202). Ver também Prosper S.
Grech, “The Regula Fidei as a Hermeneutical Principle in Patristic Exegesis”, em J. Krašovec, ed., The
Regula Fidei as a Hermeneutical Principle in Patristic Exegesis [Sheffield: Sheffield Academic Press,
1998], p. 589-601.
11 Cf. Norman Geisler e Joshua Betancourt, Is Rome the True Church? A Consideration of the Roman
Catholic Claim (Wheaton, IL: Crossway, 2008), p. 149-164.
12 Ver uma ótima introdução sobre o uso da expressão “Verbo de Deus” na teologia sistemática de
Lois Malcolm, “Word of God 3. Systematic Theology” em Fahlbusch e Bromiley, Encyclopedia of
Christianity, p. 5, p. 752-755. Também é útil a discussão de J. Robert Nelson, The Realm of
Redemption: Studies in the Doctrine of the Nature of the Church in Contemporary Protestant Theology
(Londres: Epworth Press, 1951), p. 105-119, que defende a neo-ortodoxia.
13 Alguns concluíram que o papel do Espírito-Paráclito se localiza em um grupo de indivíduos na
igreja (por exemplo, George Johnston, The Spirit-Paraclete in the Gospel of John [Cambridge:
University Press, 1970] e M. E. Boring, “The Influence of Christian Prophecy in the Johannine
Portrayal of the Paraclete and Jesus”, New Testament Studies 25 [1978], p. 113-123), mas não há
evidências para esse ponto de vista, a menos que consideremos esses indivíduos como profetas.
14 Sobre seu papel, a igreja afirma que, por ser uma mensageira do Senhor, “seus escritos falam com
autoridade profética e oferecem consolo, orientação, instrução e correção para a igreja. Eles também
tornam claro que a Bíblia é a normal pela qual deve ser provado todo ensino e experiência” (“O Dom
de Profecia”, Nisto Cremos: As 28 Crenças Fundamentais da Igreja Adventista do Sétimo Dia [Tatuí,
SP: Casa Publicadora Brasileira, 2018], p. 278).
15 Ela deixa bem claro que “a nossa regra de fé é a Bíblia, e a Bíblia só” (Ellen G. White, Conselhos
Sobre a Escola Sabatina [Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2004], p. 84) e que “as palavras da
Bíblia, e da Bíblia somente, deviam ser ouvidas do púlpito” (Ellen G. White, Profetas e Reis [Tatuí, SP:
Casa Publicadora Brasileira, 2019], p. 626). Ao falar sobre os próprios escritos, declarou: “Os
testemunhos não estão destinados a comunicar nova luz; e sim a imprimir fortemente na mente as
verdades da inspiração que já foram reveladas. [...] Os Testemunhos não têm por fim diminuir o valor
da Palavra de Deus, e sim exaltá-la e atrair para ela as mentes, para que a bela singeleza da verdade
possa impressionar a todos” (Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja, [Tatuí, SP: Casa Publicadora
Brasileira, 2015], v.5 p. 665). Já se afirmou corretamente que “é possível demonstrar historicamente
que os escritos de Ellen G. White não foram a fonte de qualquer doutrina adventista do sétimo dia. Seus
conselhos enriqueceram o estudo doutrinário adventista e forneceram uma influência de correção e
união, mas seus escritos jamais foram a base para qualquer doutrina fundamental adventista ou
experiência cristã” (Merlin D. Burt, “Ellen G. White and Sola Scriptura”, artigo não publicado,
apresentado no diálogo com o Office of the General Assembly Presbyterian Church [Escritório da
Assembleia Geral da Igreja Presbiteriana] (USA), Louisville, KY, em 23 de agosto de 2007, p. 9; cf.
Denis Fortin, “Ellen G. White’s Ministry in the Seventh-day Adventist Church”, artigo não publicado
apresentado no diálogo com a World Evangelical Alliance [Aliança Evangélica Mundial], Andrews
University, 7 de agosto de 2007. Ver também George Knight, “Bíblia, o Relacionamento de Ellen G.
White com”, Enciclopédia Ellen G. White (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2018), p. 712-714; e
Jerry Moon e Denis Kaiser, Por Jesus e Pelas Escrituras: A Vida de Ellen G. White”, Enciclopédia
EGW, p. 29, 30.
16 Ellen G. White, Primeiros Escritos (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 78 (itálico
acrescentado).
17 Cf. Le Roy Edwin Froom, The Prophetic Faith of Our Fathers, 4 v. (Washington, DC: Review and
Herald, 1950-1954).
18 Le Roy Edwin Froom, The Conditionalist Faith of Our Fathers, 2 v. (Washington, DC: Review
and Herald, 1965).
19 Cf. Kenneth A. Strand, ed., The Sabbath in Scripture and History (Washington, DC: Review and
Herald, 1982), p. 132-263.
20 Cf. Bryan W. Ball, The English Connection: The Puritan Roots of Seventh-day Adventist Belief
(Cambridge: James Clarke, 1981), p. 102-119.
21 Cf. Kwabena Donkor, “The Role of the Fundamental Beliefs in the Church” em Rodríguez, Studies
in Adventist Ecclesiology, p. 287-302.
22 A Declaração de Crenças Fundamentais dos adventistas não é um cânon dentro do cânon, mas uma
síntese da mensagem do cânon para a humanidade hoje. Baseia-se no cânon, é constantemente
alimentada por ele e desafia a igreja a voltar à Bíblia a fim de buscar nela guia e correção. A mensagem
flui da totalidade das Escrituras, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento.
23 Outra linha de argumentos que pode ser usada para apoiar a autoridade da mensagem da Igreja
Adventista se encontra na origem profética do povo remanescente do tempo do fim. Essa não é a fonte
de autoridade da mensagem da igreja – as Escrituras é que o são –, mas fortalece ou aprimora essa
autoridade, uma vez que a ascensão e a existência do movimento remontam à vontade de Deus para um
momento específico da história. Logo, sua mensagem foi dada por Deus e é relevante para esse
momento histórico. Sobre a natureza profética do movimento adventista ver Hans K. LaRondelle, “A
People of Prophecy”, Adventist Review, 1º de junho 1989, p. 8-10; 10 de junho de 1989, p. 10-12; 15
de junho de 1989, p. 8-10; 22 de junho de 1989, p. 12-14; 29 de junho de 1989, p. 11-13; 6 de julho de
1989, p. 11-13; 13 de julho de 1989, p. 10-12; 20 de julho de 1989, p. 8-10; LeRoy Edwin Froom,
Movement of Destiny (Washington, DC: Review and Herald, 1971), p. 77-90; George R. Knight, A
Visão Apocalíptica e a Neutralização do Adventismo (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2010), p.
29-52; Gerhardt Pfandl, “Marcas do Remanescente do Tempo do Fim no Apocalipse” em Ángel
Manuel Rodríguez, org., Teologia do Remanescente: Uma Perspectiva Eclesiológica Adventista,
(Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2012), p. 140-159.
24 Cf. Richard Davidson, “The Role of the Church in the Interpretation of Scripture”, em Rodríguez,
Studies in Adventist Ecclesiology, p. 323-343.
25 O teólogo luterano Carl E. Braaten, “The Problem of Authority in the Church”, em The Catholicity
of the Reformation, Carl E. Braaten e Robert W. Jenson, ed. (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1996), p.
65 comenta: “Perdemos o ofício de ensino da igreja e parecemos ter medo de reconstituí-lo ao lugar a
que pertence nos termos da tradição católica.”
26 Ellen G. White escreveu: “O Espírito de verdade é o único mestre eficaz da verdade divina. Quanto
não deve Deus ter estimado a raça humana, para que desse o Seu Filho a fim de por ela morrer, e
designasse o Seu Espírito para ser o mestre e constante guia do homem” (“Man’s Obligation to God”,
Signs of the Times, 3 de abril de 1884, parágrafo 7).
27 Nesse ponto, é importante levantar a questão da hermenêutica. Recomendamos a leitura de George
W. Reid, ed., Compreendendo as Escrituras: Uma Abordagem Adventista (Engenheiro Coelho, SP:
Unaspress, 2007).
28 Itálico acrescentado.
29 Ver discussão acima.
30 Mesmo caracterizada como “corpo de Cristo”, a igreja não tem o atributo da infalibilidade divina.
Ao comentar sobre o concílio de Jerusalém, Ellen G. White afirmou: “O concílio que decidiu esse caso
era composto dos fundadores das igrejas cristãs judaicas e gentílicas. Estavam presentes anciãos de
Jerusalém e delegados de Antioquia, e as igrejas mais influentes estavam representadas. O concílio não
reinvindicou a infalibilidade de suas deliberações, mas conduziu-se de acordo com um discernimento
iluminado e com a dignidade de uma igreja estabelecida pela vontade divina” (Ellen G. White, História
da Redenção [Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015], p. 308, itálico acrescentado). A autoridade
da igreja necessita ser definida no reconhecimento de sua falibilidade. A igreja precisa estar disposta, se
necessário, a reconhecer seus erros com humildade e repará-los.
31 Ellen G. White é bem clara a esse respeito: “Um indivíduo pode ser versado nas Escrituras e certa
parte específica da Bíblia lhe é apreciada de maneira especial, pois é vista de acordo com uma luz
marcante. Outro considera um trecho diferente muito importante. Assim, um e outro apresentam para as
pessoas os pontos que lhes parecem ter maior valor. Tudo isso está de acordo com o desígnio de Deus.
Uma pessoa, em sua interpretação, vacila em sua interpretação de alguma parte das Escrituras, mas isso
deveria causar diversidade e desunião? De maneira nenhuma! Logo, não podemos defender que a
unidade da igreja consiste em entender cada texto bíblico exatamente à mesma luz” (Manuscript
Releases [Silver Spring, MD: E. G. White Estate, 1993], v. 15, p. 149, 150; cf. Jerry Moon, “Unidade
na Diversidade”, Enciclopédia EGW, p. 1345-1348).
32 Essa prática foi documentada com cuidado por Ramsay MacMullen, Voting about God in Early
Church Councils (New Haven, CT: Yale University Press, 2006). Ele analisou os concílios ecumênicos
de 325 a 553 d.C., nos quais a autoridade de alguns pontos de vista doutrinários foi estabelecida por
meio do voto majoritário. É preciso destacar que MacMullen apenas descreveu como os concílios
funcionavam, sem julgar o que era feito. Nós argumentamos que essa prática da igreja era bem
arriscada.
33 Durante a Assembleia da Associação Geral em Mineápolis, no ano de 1888, houve a tentativa de
resolver temas controversos ligados à teologia e interpretação profética por meio de um voto
majoritário. Ellen G. White se opôs a essa prática: “Esta foi uma assembleia muito laboriosa para
Willie, e tive de estar atenta em todo o sentido, para que não se tomassem medidas e resoluções que
fossem prejudiciais à obra no futuro” (Ellen G. White, Mensagens Escolhidas [Tatuí, SP: Casa
Publicadora Brasileira, 2007], v. 3, p. 177). Seu filho, W. C. White, contou à esposa como foi uma
dessas tentativas: “Tivemos uma assembleia notável e certas influências precisaram ser enfrentadas a
cada passo. Existe um grande apelo para que tudo seja colocado em perfeita harmonia, mas, com
frequência, os passos necessários para a harmonia são negligenciados. Quase que existe um fascínio
pela ortodoxia. Tomou-se a resolução em uma reunião universitária de que nenhuma doutrina nova
poderia ser ensinada na instituição até ser adotada pela Associação Geral. Mamãe e eu acabamos com
isso, após uma luta difícil (W. C. White a Mary White, 3 de novembro de 1888, Mineápolis, MN.
“Mother and I Killed it Dead” [Denis Fortin me forneceu essa referência]). George R. Knight esclarece
que uma das categorias de autoridade humana “que a facção de Smith-Butler defendia, em sua tentativa
de conservar o adventismo tradicional, era o desejo de votar uma declaração similar a um credo que
consolidasse a teologia pré-1888. Jones, Waggoner, Ellen White e seu filho Willie foram bem-
sucedidos em resistir a essas tentativas” (George R. Knight, Em Busca de Identidade: O
Desenvolvimento das Doutrinas Adventistas do Sétimo Dia [Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira,
2006], p. 97). A obra do Espírito, por meio do ministério de Ellen G. White, protegeu a Igreja
Adventista de fazer o mesmo que a igreja cristã pós-apostólica fez, a saber, definir a verdade bíblica
usando um voto majoritário.
34 MacMullen, Voting about God in Early Church Councils, p. 110.
35 MacMullen escreveu: “Logo, todas as decisões dos concílios podiam ser atribuídas à presença do
Espírito Santo, pelo menos de acordo com o ponto de vista dos bispos que aprovavam o resultado. [...]
As crenças consideradas erradas sempre eram culpa do diabo” (MacMullen, Voting about God in Early
Church Councils, p. 43, 44). Ele acrescenta: “Usando aquela maneira democrática familiar segundo a
qual a maioria governa e a minoria precisa se sujeitar, o grupo maior nos concílios eclesiásticos fazia
forte pressão psicológica sobre os indecisos e contrários, dizendo que eles simplesmente não existiam,
eram poucos demais para ser levados em conta e estavam em oposição a todo o restante. ‘Nós’ somos
‘todo o mundo’ – esse era o clamor. Se você não se unir ativamente a nossas aclamações, será
considerado herege” (MacMullen, Voting about God in Early Church Councils, p. 101).
36 MacMullen, Voting about God in Early Church Councils, p. 57.
37 MacMullen, Voting about God in Early Church Councils, p. 57. MacMullen comenta que “o credo
podia ser no mínimo um dos fatores que contribuía para brigas de rua, esfaqueamentos dentro da igreja,
discussões em praças públicas e atos de violência de modo geral, sendo, às vezes, o único motivo para
esse tipo de confusão” (MacMullen, Voting about God in Early Church Councils, p. 59). Essas formas
de violência eram vistas como uma expressão da ira divina por causa da heresia (cf. MacMullen, Voting
about God in Early Church Councils, p. 65).
38 MacMullen, Voting about God in Early Church Councils, p. 83. “Após se conseguir maioria, a
decisão do concílio era ratificada. Era como se uma tampa fosse pregada em cima da dissidência.
Obtinha-se consenso em relação aos verdadeiros termos da fé e só era necessário lembrar esse ato final,
não os meios usados para sua obtenção.”
39 Sobre a passagem de João, já se explicou que o verbo se encontra no passivo divino. Logo, “o
perdão vem de Deus. Além disso, na perspectiva de João, somente o sacrifício de Jesus tira o pecado
(Jo 1:29). [...] O texto em questão fala sobre o ministério dos cristãos aos descrentes, mediando o poder
de Deus por meio da mensagem que levam (Jo 20:21; 16:8-11)” (Craig S. Keener, The Gospel of John:
A Commentary [Peabody, MS: Hendrickson, 2003], v. 2, p. 1206, 1207). Confira uma análise adicional
da passagem em Terese Reeve, “Autoridade da Igreja nos Evangelhos e em Atos” e Jerry Moon, Jesse
Tennison e Denis Fortin, “Natureza, Função e Autoridade do Ministro nos Escritos de Ellen G. White”,
nesta obra.
40 Ellen G. White escreveu: “Foi na ordenação dos doze apóstolos que se deram os primeiros passos
na organização da igreja que, depois da partida de Cristo, devia levar avante Sua obra na Terra. [...]
Imaginemos a impressionante cena: a Majestade do Céu tendo em torno de Si os Doze que haviam sido
escolhidos por Ele. Logo os separaria para a obra que havia designado para eles. Por meio desses
frágeis instrumentos, mediante Sua Palavra e Seu Espírito, Ele decidiu colocar a salvação ao alcance de
todos” (Ellen G. White, Atos dos Apóstolos [Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2018], p. 18;
itálico acrescentado).
41 Ao comentar o papel do concílio de Jerusalém registrado em Atos 15, Dederen concluiu: “Resta
pouca dúvida de que as conclusões do concílio foram consideradas obrigatórias para as igrejas – e não
só as de Antioquia, da Síria e da Cilícia – por serem a interpretação correta e aplicação da vontade de
Deus. Encontramos aqui um exemplo claro de uma grande assembleia que falou não só em tom de
aconselhamento, mas também com autoridade para vigorar uma nova prática. Logo, grandes
assembleias que abordam questões pertinentes à igreja em geral e à preservação da unidade, exercendo
autoridade em escala mais ampla e estendida, são inquestionavelmente abalizadas pelas Escrituras”
(Dederen, “Authority and Unity”, p. 6).
42 Ellen G. White, Atos dos Apóstolos, p. 279.
43 White, Atos dos Apóstolos, p. 89.
44 Na igreja apostólica, os líderes eclesiásticos não ficavam acima da autoridade da igreja. Era
possível tirar do cargo os anciãos que não cumprissem adequadamente as responsabilidades a eles
atribuídas (1Tm 5:19).
45 A prática da igreja de escolher indivíduos para funções específicas é registrada em Atos 6:1 a 6. Os
sete foram selecionados pela comunidade de crentes e nomeados pelos apóstolos por meio da
imposição de mãos para supervisionar a distribuição de doações. O mesmo sistema pode ter sido usado
para a nomeação de presbíteros e diáconos nas congregações locais (cf. At 14:23). Também sabemos
que as igrejas selecionavam indivíduos para representá-las em reuniões e para viajar com os apóstolos
(2Co 8:19; At 15:1, 2). Cf. Dederen, “Authority and Unity”, p. 4.
46 É importante destacar que os adventistas não definem suas crenças em termos de um credo
religioso, mas como a exposição dinâmica da verdade bíblica. Essa verdade é crescente no sentido de
que novos aspectos dela podem ser descobertos por intermédio do estudo da Bíblia, enriquecendo assim
o testemunho da Igreja Adventista ao mundo. O teste crítico para qualquer reivindicação de uma nova
verdade é sua fidelidade às Sagradas Escrituras.
47 Esse ponto de vista foi promovido e apoiado diversas vezes por Ellen G. White: “Foi-me mostrado
que o julgamento de nenhum homem devia render-se ao julgamento de outro. Mas quando o
julgamento da Associação Geral, que é a mais elevada autoridade que Deus tem sobre a Terra, é
exercido, independência e julgamento particulares não devem ser mantidos, mas renunciados” (Ellen G.
White, Testemunhos Para a Igreja, 9.v [Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2019], v. 3, p. 492).
Certa vez, ela precisou esclarecer seu posicionamento: “Por vezes, quando um pequeno grupo de
homens, aos quais se acha confiada a direção geral da obra, tem procurado, em nome da Associação
Geral, executar planos imprudentes e restringir a obra de Deus, tenho dito que eu não poderia por mais
tempo considerar a voz da Associação Geral, representada por esses poucos homens, como a voz de
Deus. Mas isso não equivale a dizer que as decisões de uma Associação Geral, composta de uma
assembleia de homens representativos e devidamente designados, de todas as partes do campo, não
deva ser respeitada. Deus ordenou que os representantes de Sua igreja de todas as partes da Terra,
quando reunidos numa Assembleia Geral, devam ter autoridade. O erro que alguns estão em perigo de
cometer, é dar à opinião e ao juízo de um homem, ou de um pequeno grupo de homens, a plena medida
de autoridade e influência de que Deus revestiu Sua igreja, no juízo e voz da Associação Geral reunida
para fazer planos para a prosperidade e avançamento de Sua obra” (Ellen G. White, Testemunhos Para
a Igreja [Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2019], v. 9, p. 260, 261). Seu posicionamento foi
influenciado pelo concílio de Jerusalém, acerca do qual escreveu: “era a voz da mais elevada autoridade
sobre a Terra” (Ellen G. White, Atos dos Apóstolos, p. 196). A Igreja Adventista declarou de forma
oficial que “a Associação Geral é a organização superior no tocante à administração da obra mundial da
Igreja, e está autorizada pela Constituição e Regulamento Interno a criar organizações subordinadas
para promover interesses específicos nas diferentes partes do mundo; as organizações e instituições
subordinadas reconhecerão a Associação Geral, reunida em assembleia mundial, como a maior
autoridade entre todas as organizações e instituições adventistas no mundo, depois de Deus”
(Regulamentos Eclesiástico-Administrativos da Divisão Sul-Americana da Associação Geral dos
Adventistas do Sétimo Dia [Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2019], p. 90). É válido destacar que,
na área da administração eclesiástica, há situações em que a autoridade final está em outros níveis da
estrutura da igreja, incluindo as congregações locais. Mas a decisão de funcionar dessa maneira foi
concedida a esses níveis de administração da igreja pela Associação Geral em assembleia.
48 Dederen, “Authority and Unity”, p. 7.
49 A distinção foi feita por R. P. C. Hanson, “Authority”, em Westminster Dictionary of Christian
Theology, Alan Richardson e John Bowden, ed. (Louisville, KY: Westminster John Knox Press, 1983),
p. 58. Ele define autoridade externa como “a atribuída a uma pessoa como líder ou a um cargo como
cargo” e interna como “a autoridade que reside no argumento convincente, ou moral elevada, ou
exemplo espiritual ou experiência”.
50 Ángel Manuel Rodríguez, “Oneness of the Church in Message and Mission: Its Ground”, em
Rodríguez, Studies in Adventist Ecclesiology, p. 243-259.
16
Autoridade e Unidade da Igreja na Teologia
Ortodoxa
Eugene Zaitsev

Igreja Ortodoxa é uma das três principais ramificações do

A cristianismo; as outras duas são o catolicismo romano e o


protestantismo. Estima-se que haja 220 milhões de católicos
ortodoxos. 1 A maioria vive na Europa Oriental, na Rússia e na costa leste do
Mediterrâneo. 2
Existem diferentes maneiras de fazer menção ao mundo ortodoxo: Igreja
Ortodoxa Grega, Ortodoxa Russa, Ortodoxa Oriental, Católica Romana
Ortodoxa e assim por diante. Todos esses nomes são, ao mesmo tempo, úteis
e potencialmente enganosos. As raízes históricas do movimento ortodoxo
sem dúvida remontam ao solo cultural grego e russo, mas, de maneira
nenhuma, todos os cristãos ortodoxos pertencem a um desses dois grupos
étnicos. O uso do adjetivo “católico” retrata com precisão o senso ortodoxo
de autoidentidade, mas também pode ser confundido com o catolicismo
romano. Embora a Ortodoxia tenha surgido e prosperado nas regiões leste e
mediterrânea, quase todas essas terras têm caído sob o controle muçulmano
ou ateu, ao passo que, em contrapartida, um número considerável de cristãos
ortodoxos vive hoje no Ocidente. 3
De modo geral, a Igreja Ortodoxa no Ocidente desfrutou certo grau de
anonimato ou invisibilidade cultural. No que diz respeito aos protestantes,
esse anonimato se explica principalmente por causa da confusão com o
catolicismo. Nada mudou desde que o teólogo protestante alemão Ernst Benz
constatou uma “tendência natural de confundir as ideias e os costumes da
Igreja Ortodoxa com paralelos familiares no catolicismo romano”. 4 Esse é
um erro grosseiro, pois a história político-religiosa, a teologia, a adoração e
toda a estrutura de referência da ortodoxia são bem diferentes do catolicismo.
“Ortodoxia não é catolicismo”, disse D. Clendenin, “e, a fim de entendê-la, é
preciso deixar de lado esse erro comum”. 5 Tempos atrás, na metade do
século 19, o célebre teólogo russo leigo Alexey Khomiakov caracterizou a
Igreja Ortodoxa como “um mundo novo e desconhecido”. 6 Ele estava certo.
A ortodoxia não é apenas um tipo de catolicismo romano sem papa, mas algo
bem diferente de qualquer sistema religioso ocidental.
Antes de continuar, vale a pena mencionar brevemente as duas
características principais que distinguem as tradições cristãs ocidentais das
orientais. A primeira tem que ver com a orientação teológica geral. Em seu
pensamento teológico, o ocidental é voltado principalmente para categorias
jurídicas, ao passo que o oriental é inclinado ao misticismo. A abordagem
mais comum e mística à vida eclesiástica e sua compreensão do processo de
salvação como “participação” na vida divina, em vez de justificação pela fé,
leva ao desprezo do papel da autoridade na Igreja Ortodoxa. A segunda
distinção lida com uma ênfase diferente no que diz respeito ao “individual” e
“coletivo”. A teologia ocidental presta atenção principalmente à pessoa, ao
indivíduo, ao passo que a teologia oriental enfatiza a comunhão de todos. A
consequência do individualismo ocidental é a supremacia de alguma
personalidade, organização ou até mesmo a supremacia do livro em questões
de autoridade.
Então como é a Igreja Ortodoxa? Organizacionalmente, a Igreja Ortodoxa é
uma comunhão de 14 igrejas locais autocéfalas (ou seja, completamente
independentes em termos administrativos), mais a Igreja Ortodoxa na
América, que só é reconhecida como autocéfala pelas igrejas russa, búlgara,
georgiana, polonesa e tcheco-eslovaca. 7 Cada uma tem limites geográficos
específicos de jurisdição e é administrada por um sínodo presidido por um
bispo sênior, que é primado (ou primeiro hierarca). O primado pode receber o
título honorário de patriarca, metropolitano (na tradição eslava) ou arcebispo
(na tradição grega). Cada igreja local é formada por eparquias constituintes
(ou dioceses), administradas por um bispo. Algumas igrejas concedem à
eparquia ou a um grupo de eparquias graus variados de autonomia
(autogoverno). Essas igrejas autônomas conservam níveis variados de
dependência da igreja-mãe, normalmente definido em um Tomo ou em outro
documento de autonomia.
Neste artigo, abordaremos algumas questões eclesiásticas de grande
interesse: a autoridade e a união da igreja. Começaremos com um breve
debate sobre o lugar da ortodoxia no sistema de crenças ortodoxo e as
principais características distintivas da eclesiologia ortodoxa.

PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA ECLESIOLOGIA


ORTODOXA

Lugar da eclesiologia na ortodoxia


Muitos teólogos ortodoxos contemporâneos contribuíram com o tema da
eclesiologia. Dentre eles, Nicholas Afanasiev, 8 Vladimir Lossky, 9 John
Meyendorff, 10 Georges Florovsky, 11 John Zizioulas, 12 Alexander
Schmeman, 13 Dumitru Staniloae, 14 etc. O conceito de igreja deles é a
pedra fundamental em seus sistemas teológicos. Não seria exagero afirmar
que a eclesiologia desempenha um papel fundamental na Igreja Ortodoxa. É a
compreensão do que é igreja que molda a teologia ortodoxa de modo geral; e
foi exatamente dessa eclesiologia que se desenvolveu a maioria dos dogmas
ortodoxos. Por isso, no século 19, Macário, metropolitano de Moscou, muito
conhecido por sua obra em vários volumes, The Orthodox Dogmatica
Theology [Teologia Dogmática Ortodoxa], coloca o tema da eclesiologia sob
o título “De Deus, o Santificador”. O capítulo que aborda as questões
eclesiológicas se chama “Da Santa Igreja Como o Instrumento Pelo Qual
Deus Efetua Nossa Santificação ou Salvação”. Logo depois, segue-se um
capítulo com a descrição dos sacramentos. A lógica dessa estrutura é bem
evidente: a igreja desempenha um papel mediador no derramamento do
Espírito Santo sobre os seres humanos por meio dos sacramentos.
Praticamente todos os livros didáticos ortodoxos colocam o ensino sobre a
igreja após o ensino sobre a graça santificadora e antes dos sacramentos,
assim como Macário. 15
De maneira ainda mais empática, o papel-chave da igreja nos sistemas
dogmáticos ortodoxos é apresentado no livro A Igreja Ortodoxa, do teólogo
russo Sergei Bulgakov. 16 Ele começa sua descrição das crenças ortodoxas
com a eclesiologia, não com a doutrina sobre Deus, como as obras de
referência tradicionais sobre teologia cristã. Somente após uma reflexão
completa sobre temas eclesiásticos, ele passa a abordar outras crenças
ortodoxas. É importante mencionar a posição de outro teólogo e apologista
renomado dos dogmas da igreja: o arcebispo Hilarion (Troitsky), que, na obra
There is No Salvation Without the Church (Não Há Salvação sem a Igreja),
observa: “Podemos convergir tudo na crença da igreja.” 17 Então o que é a
igreja na perspectiva ortodoxa?

Definição ortodoxa de igreja


Não é fácil definir igreja quando levamos em conta sua natureza
multifacetada e misteriosa. Muitas definições destacam características da
igreja, mas nenhuma pode ser considerada abrangente o bastante.
Atentaremos para algumas das definições encontradas entre os teólogos
ortodoxos e as nuances de significado que elas envolvem.
De acordo com a definição mais comum, “a igreja de Cristo é uma
comunhão de todos os seres livres e racionais, tanto anjos quanto humanos,
que creem em Cristo e se unem Nele como Cabeça.” 18 Essa definição ampla
não se limita por tempo ou espaço e salienta o sentido oculto e eterno da
igreja, que inclui tanto os seres celestiais quanto os terrenos que já viveram,
vivem e viverão no futuro. O conceito transmite a ideia de que a igreja é uma
comunidade sempre existente de todos aqueles que pertencem ao Senhor e O
adoram. Essa definição raramente é usada devido a sua falta de especificidade
ou seu sentido demasiadamente amplo.
De acordo com uma segunda definição, usada de forma mais comum, a
igreja de Cristo “abrange todos os seres humanos que já viveram e professam
fé em Cristo”. 19 De acordo com essa definição, o ponto de início da igreja é
o jardim do Éden. A igreja é formada por todos os justos dos tempos do
Antigo e do Novo Testamento. Quem já morreu e agora habita no Céu e
aqueles que ainda estão na Terra pertencem à igreja. Cada um desses dois
grupos de crentes tem um nome. Aqueles que continuam sua jornada terrena
são chamados de igreja militante. Quem já terminou o caminho na Terra e
habita no Céu é chamado de igreja triunfante. Os termos “militante” e
“triunfante” às vezes são substituídos por “visível” e “invisível”. O
“Catecismo Ortodoxo Extensivo”, escrito pelo metropolitano Filarete,
declara: “A igreja, visível porque está na Terra e porque todos os cristãos
ortodoxos que vivem na Terra pertencem a ela, é, ao mesmo tempo, invisível
porque está no Céu, e todos que morreram em fé verdadeira e santidade
pertencem a essa igreja também.” 20
Embora escrito no século 19, esse catecismo continua a ser a expressão
mais válida e eloquente da fé ortodoxa hoje. Contém a definição clássica de
igreja: “Igreja é uma comunidade de pessoas fundada por Deus e unida pela
fé ortodoxa, pela lei divina, pela hierarquia da igreja e pelos
sacramentos.” 21 Essa definição, simples e fácil de ser entendida, é
vastamente aceita pela ortodoxia. Ao mesmo tempo, muitos teólogos
ortodoxos hoje acham que essa definição não pode ser considerada uma
expressão exaustiva da fé ortodoxa. Dizem que ela lida principalmente com
os aspectos externos da igreja terrena. 22 Teólogos como Akvilonov, 23
Katansky e Golunbinsky criticaram a definição por não mencionar Jesus
Cristo. A despeito das críticas, a definição de igreja feita por Filarete continua
a ser a mais comum e é aceita de forma geral na Igreja Ortodoxa atual.

Ideia de conciliaridade (Sobornost)


Dentre as quatro características cruciais da igreja (Santa, Única, Apostólica
e Católica), a última, entendida como “soborny” ou “conciliar” tem
significado especial para a ortodoxia. 24 Sobre esse ponto, S. Bulgakov foi
enfático ao declarar: “Tocamos a própria essência da doutrina ortodoxa da
igreja. Todo o poder da eclesiologia ortodoxa se concentra nesse ponto. Sem
compreender essa questão, é impossível entender a ortodoxia.” 25 A
linguagem eclesiástica e teologia russas encontram, nesse termo, um sentido
que não pode ser expresso em nenhuma outra língua. Ele exprime o poder e o
espírito da Igreja Ortodoxa. Então o que é “sobornost”?
A palavra deriva do verbo russo sobirat, “unir, montar”. Sobornost é o
estado de estar juntos. O texto eslavo do Credo Niceno traduz a palavra
“católico”, quando aplicada à igreja, como sobornaia, um adjetivo que pode
ser entendido de duas maneiras. Crer em uma igreja sobornaia é acreditar em
uma igreja católica, no sentido original da palavra, uma igreja que junta e
une. Também é crer em uma igreja conciliar, que, de acordo com a ortodoxia,
significa crer na igreja dos concílios ecumênicos, em oposição a uma
eclesiologia puramente monárquica.
Da perspectiva ortodoxa, a catolicidade da igreja não é um conceito
quantitativo ou geográfico. Não depende em nada da dispersão mundial dos
fiéis. A universalidade da igreja é consequência ou manifestação de sua
catolicidade, mas não sua causa ou seu fundamento. A extensão mundial ou a
universalidade da igreja é apenas um sinal externo, que não é absolutamente
necessário. A igreja era católica até mesmo quando as comunidades cristãs
eram ilhas raras em um mar de descrença e paganismo. Georges Florovsky,
debatendo a questão, conclui:

No entanto, a igreja não é católica por causa de sua extensão exterior, ou pelo menos
não somente por causa disso. A igreja é católica não só por causa de sua identidade
abrangente, não só por unir todos os seus membros, todas as igrejas locais, mas
porque é inteiramente católica, até mesmo em sua menor parte, em cada ato e evento
de sua vida. A natureza da igreja é católica, porque é um Corpo de Cristo; e a união
em Cristo, unidade no Espírito Santo – e essa união é a mais elevada inteireza e
plenitude. 26

Isso leva à compreensão ortodoxa da unidade da igreja. A unidade se


manifesta pela união de fé e consciência, pela doutrina e pela união de oração
e sacramentos, sobretudo na eucaristia. A unidade da igreja é tanto interna
quanto externa. A unidade interna da igreja corresponde à união do corpo de
Cristo e da vida sacramental da igreja. As comunidades diferentes de cristãos
ortodoxos estão em comunhão por meio dos sacramentos. A unidade interna
é o fundamento da unidade externa, isto é, da organização eclesiástica. Se, no
Ocidente, a organização eclesiástica possui valor decisivo e a igreja existe na
unidade do poder eclesiástico mantido pelas mãos de seu representante único,
no cristianismo oriental, a unidade não se realiza pela união de poder sobre
toda a igreja universal, mas pela união de fé, de vida sacramental e de
tradição.
Eclesiologia eucarística
Ao longo das últimas décadas, a eclesiologia denominada eucarística tem se
tornado cada vez mais popular na Igreja Ortodoxa. Como isso é muito
importante para o conceito de unidade e conciliaridade, nós o abordaremos de
forma mais completa. A eclesiologia eucarística representa um marco no
desenvolvimento da eclesiologia ortodoxa, com sua ênfase na unidade da fé,
comunhão eucarística e no relacionamento entre os aspectos local e universal
da igreja. O termo pertence a Nicholas Afanasiev (1893-1966), um dos
principais especialistas em eclesiologia da Igreja Ortodoxa, que, de acordo
com muitos teólogos ocidentais, exerceu certa influência sobre a eclesiologia
católica antes do Concílio Vaticano II. Esta é sua definição em uma frase do
grande princípio de eclesiologia eucarística: “Quando há assembleia
eucarística, há Cristo e há a igreja de Deus em Cristo.” 27 Afanasiev
defendia que a igreja primitiva tinha uma “eclesiologia eucarística”, na qual a
assembleia eucarística da igreja local continha a plenitude da igreja. 28
Afanasiev argumentou que foi Cipriano de Cartago que substituiu
posteriormente a eclesiologia eucarística pela eclesiologia universal, segundo
a qual somente a igreja universal possui plenitude e é formada por partes,
significando que as igrejas locais não possuem plenitude. Todas as partes da
igreja universal são unidas por meio dos bispos. Isso quer dizer que os limites
da igreja são traçados pelo episcopado e, fora deles, não há igreja.
De acordo com Afanasiev, o entendimento de eclesiologia universal de
Cipriano continua a perpetuar a divisão entre as Igrejas Ortodoxa e Católica.
A fim de terminar essa cisão, Afanasiev propõe a aplicação da eclesiologia
eucarística às relações ortodoxo-católicas do século 20. Ele afirma que a
assembleia eucarística é o princípio da união da igreja, embora não exclua a
figura do bispo como o sinal empírico distintivo da igreja local. Afanasiev
afirmou: “De acordo com a própria natureza, a assembleia eucarística não
poderia existir sem seu presidente, ou, de acordo com o testemunho
consolidado pelo uso, sem o bispo.” 29 Logo, se a eclesiologia universal de
Cipriano via no bispo o princípio de unidade da igreja e o ponto de referência
para seus limites, Afanasiev atribuiu esses papéis à assembleia eucarística
que inclui o bispo como seu presidente. Radu Bordeianu defende que “a
eclesiologia eucarística não entra em tensão com o aspecto hierárquico da
igreja; em vez disso, a inclui”. 30
Com base na plenitude da assembleia eucarística local, Afanasiev assevera
a autonomia e independência da igreja local. Ele afirma:

Na era apostólica e ao longo do segundo e terceiro séculos, cada igreja local era
autônoma e independente – autônoma por conter em si tudo que é necessário para
sua vida e independente por não depender de outra igreja local ou de bispo fora de si
mesma. 31

Ao declarar que a Una Sancta não está subordinada à igreja local,


Afanasiev defende um equilíbrio adequado entre os aspectos universal e local
da igreja. Ele enfatiza a unidade por “identidade mútua” entre as diversas
manifestações locais da mesma realidade:

Cada igreja local une em si [todas] as igrejas locais, pois possui toda a plenitude da
igreja de Deus e todas as igrejas locais juntas se uniram porque a mesma igreja de
Deus habita dentro de todas. [...] Não se trata de uma associação de partes da Igreja
ou de igrejas, mas da união de diferentes manifestações da igreja de Deus na
existência humana real. É a união da igreja de Deus consigo mesma, por meio de
representações diversas. 32

Afanasiev afirma que tanto a igreja católica quanto a ortodoxa celebram a


mesma eucaristia, que une todos que a recebem, a despeito de suas
divergências canônicas e dogmáticas. Ele critica a declaração de Cipriano de
que as igrejas separadas se colocavam fora da igreja, invalidando seus
sacramentos. 33 Baseando-se na afirmação do Credo Niceno-
Constantinopolitano de que a igreja é “única, santa, católica e apostólica”,
Afanasiev reforçou sua alegação de que a igreja é uma, mesmo no contexto
presente de desunião dogmática. Portanto, de acordo com sua teologia, a
igreja dispersa pelo mundo é, ao mesmo tempo, uma e totalmente manifesta
em cada assembleia eucarística local. Logo, a unidade da igreja depende
principalmente da mesma eucaristia celebrada em diferentes igrejas locais,
não na interdependência de comunidades locais, união dogmática, comunhão
episcopal ou vínculo de amor. Uma vez que essa união se manifesta na
eucaristia, “o vínculo entre a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa”, afirma
Afanasiev, “nunca foi inteiramente quebrado e continua a existir até o
presente. A ligação essencial entre nós é a eucaristia”. 34
Assim, Afanasiev chegou ao cerne da eclesiologia eucarística: como as
igrejas ortodoxa e católica celebram a mesma eucaristia, são unidas pela
identidade mútua na eucaristia. Como consequência prática de sua teologia,
Afanasiev recomendou que as Igrejas Católica e Ortodoxa trabalhassem a fim
de manifestar a união já existente por meio da renovação de sua comunhão,
adiando a solução de divergências para um momento em que serão capazes
de resolvê-las com espírito de amor. 35
O que a renovação da comunhão entre as Igrejas Ortodoxa e Católica
significa? O teólogo britânico Timothy Ware argumenta que Afanasiev
considerava a intercomunhão (isto é, a partilha na eucaristia entre igrejas
separadas) uma consequência prática de sua teologia. Ele acreditava que os
cristãos precisam compartilhar a comunhão a fim de descobrir a unidade que
já existe em Cristo e na eucaristia. Essa união se construiria de dentro para
fora, em vez de ser realizada de fora para dentro. 36
A eclesiologia eucarística foi recebida com rejeição veemente por parte de
teólogos ortodoxos como John Zizioulas e Dimitru Staniloae. A principal
crítica de Zizioulas a Afanasiev é que as igrejas não podem ter comunhão
eucarística sem partilhar dos mesmos ensinos e sem comunhão entre os
bispos. Como alternativa, Zizioulas propõe uma eclesiologia da comunhão,
que enfatiza os relacionamentos entre os bispos reunidos em sínodos e em
comunhão uns com os outros. 37 Zizioulas contesta a análise histórica de
Afanasiev de contraste entre a eclesiologia eucarística de Inácio e a
eclesiologia universal de Cipriano. 38 Segundo, apelando para a autoridade
de Irineu, ele argumenta que “a eucaristia sem ortodoxia é uma
impossibilidade”. Assim, afirma a importância das verdadeiras crenças para a
união.
Zizioulas classifica o termo “intercomunhão” como inapropriado, alegando
que a comunhão eucarística só pode acontecer dentro de uma igreja
plenamente unida. Ele também destaca que a comunhão episcopal é uma
condição necessária para a união cristã. Identifica o bispo com toda a igreja
local, concluindo que a unidade da igreja não é simplesmente eucarística, mas
também hierárquica. Por fim, critica Afanasiev por priorizar os aspectos
locais da igreja, em detrimento dos universais.
O teólogo ortodoxo romeno D. Staniloae reage com veemência ainda maior
contra a eclesiologia eucarística. 39 Staniloae acredita que a eclesiologia
eucarística não destaca de maneira adequada a importância da fé correta
como condição para o partir do pão e do vinho que correspondem ao corpo e
ao sangue de Cristo dentro da comunidade eucarística local. Ele argumenta
que a comunhão eucarística só pode acontecer no contexto da partilha da
mesma fé. É por isso que rejeita a intercomunhão, segundo a qual a
comunhão eucarística se baseia na unidade de fé. Discorda da declaração de
Afanasiev de que a divisão entre as Igrejas Católica e Ortodoxa só afetou a
superfície da vida eclesiástica de cada uma. Para ele, a desunião dogmática
cria uma separação essencial entre as igrejas, que só pode ser curada dentro
do contexto de uma profissão de fé comum.
Em segundo lugar, Staniloae considera a eclesiologia eucarística um tipo de
caminho rumo a uma igreja universal sob a primazia do papado. De acordo
com ele, essa perspectiva torna a Igreja Ortodoxa parte da Igreja Católica
Romana, sem levar em conta as diferenças teológicas e litúrgicas entre as
duas. 40 Aliás, a crítica central da eclesiologia de Afanasiev é que as Igrejas
Ortodoxa e Católica, embora tenham ambas uma eucarística válida, não
podem estar em plena comunhão eucarística porque não compartilham da
mesma fé, sobretudo no que diz respeito à primazia e à infalibilidade papal.

Dois modelos de unidade cristã


Podemos ver com clareza dois modelos de unidade cristã na Igreja
Ortodoxa atual baseados em sua ênfase na igreja local ou universal. Se a
igreja local tem prioridade em relação à universal, então a unidade representa
a comunhão no contexto das igrejas locais. Por outro lado, se a igreja
universal tem prioridade em relação à local, a união é realizada por meio do
compartilhamento da mesma fé e da comunhão visível entre os bispos que
dirigem as igrejas locais. Em termos ecumênicos modernos, o primeiro
modelo enfatiza a eucaristia como meio de obter a unidade, ao passo que o
segundo a vê mais como sinal de unidade (ou falta dela). 41
De acordo com o primeiro modelo, cujos representantes são Afanasiev,
Evdokimov e outros, a igreja local reunida como assembleia eucarística tem
prioridade sobre a igreja universal. Nesse modelo, a unidade é realizada por
meio da identidade mútua das igrejas locais que celebram a eucaristia. Por
isso, Afanasiev afirma que as Igrejas Ortodoxa e Católica são uma única
manifestação de Una Sancta, de modo que sua desunião é apenas relativa.
Tem caráter canônico, que não sanciona a falta de comunhão eucarística entre
as duas tradições cristãs. 42
Todavia, a sugestão de Afanasiev para a comunhão eucarística não pode ser
colocada em prática, uma vez que tanto a Igreja Ortodoxa quanto a Católica
consideram o papado uma questão divisora profunda. Além disso, as Igrejas
Católica e Ortodoxa atuais não têm comunhão episcopal. Bordeianu conclui
que Afanasiev enfatiza em excesso a eucaristia como meio de alcançar a
unidade, na esperança de que as questões teológicas e canônicas seriam, por
fim, resolvidas. 43
De acordo com o segundo modelo de unidade cristã, cujos representantes
são Zizioulas e Staniloae, a união se concretiza por meio do
compartilhamento da mesma fé e da comunhão visível entre os bispos. Esses
teólogos destacam a comunhão doutrinária e episcopal como condição para o
compartilhamento eucarístico entre as diferentes comunidades eclesiásticas.
A maioria dos teólogos ortodoxos considera essa posição preferível à de
Afanasiev, pois buscam um tipo de união que brote do diálogo teológico, não
da desatenção aos pontos de divergência. 44

AUTORIDADE NA ECLESIOLOGIA ORTODOXA

Dentre as questões mais importantes que se deve analisar ao formular uma


eclesiologia se encontra a da autoridade. Ela é a essência de qualquer
eclesiologia; a eclesiologia ortodoxa não é exceção. O questionamento de
quem ou o que tem o direito de determinar a verdade logicamente precede a
pergunta do que de fato é a verdade. Em outras palavras, quem fala em nome
de Deus? Os autores da Bíblia (os profetas e apóstolos) são os únicos que
falam em nome de Deus? Em caso afirmativo, quais escritos são
genuinamente proféticos ou apostólicos? Como saber quais dentre os muitos
escritos antigos têm autoridade divina? A igreja fala em nome de Deus? Se
falar, qual dentre as muitas vozes da igreja tem autoridade? Qual das muitas
igrejas tem autoridade divina? Embora os cristãos ocidentais possam não
concordar com a resposta para essas perguntas, quase todos reconhecem sua
importância.
No entanto, quando começamos a falar sobre autoridade, descobrimos que
essa questão é bem inapropriada no contexto ortodoxo. O cristianismo
oriental, de modo geral, não faz o questionamento da autoridade, pelo menos
não da mesma maneira que a teologia ocidental. 45 No Ocidente, a opinião
disseminada defende que a Igreja Ortodoxa Oriental é a “igreja dos sete
concílios”, o que significa que sua autoridade está nos concílios ecumênicos.
Nisso, difere do protestantismo, que identifica a autoridade da igreja na
Bíblia somente, e do catolicismo romano, com sua ênfase na hierarquia e no
papa. Contrariando essa percepção, a Igreja Ortodoxa não atribui a nenhum
concílio autoridade inerente para determinar a verdade. 46 Segundo o ponto
de vista ortodoxo, os bispos não se reúnem em concílio a fim de determinar o
que é verdade. Eles se juntam para ouvir a verdade e proclamá-la. Nenhuma
decisão conciliar é válida simplesmente porque um grupo reunido de bispos
tomou essa decisão. Em vez disso, a comunidade da fé, a igreja como um
todo, aceita ou rejeita as decisões dos líderes. 47 Logo, o ponto de vista
ortodoxo da hierarquia eclesiástica e dos concílios é bem diferente do
defendido pelo catolicismo romano. Da perspectiva ortodoxa, os bispos e
concílios não possuem autoridade inerentes em si. Eles não são erguidos
acima do restante da igreja como fonte de autoridade. Em vez disso, sua
função é reconhecer a verdade da igreja como comunidade de fé.
Vimos até aqui que a Igreja Ortodoxa não tem um conceito forte de
autoridade. A ênfase recai sobre o fluxo de graça, verdade e vida
personificados na igreja como um todo. Isso não quer dizer que a noção de
autoridade se encontra ausente na teologia ortodoxa. Muitos teólogos
ortodoxos abordam a questão da autoridade, mas a enquadram na categoria
da “vida graciosa”, isto é, definida por Cristo e Sua graça salvadora, não
como algo que possui status jurídico.
Sem dúvida, a principal figura de autoridade na Igreja Ortodoxa é Cristo.
Ele é o Fundador da igreja e, portanto, a autoridade da igreja está diretamente
relacionada à Sua autoridade ou a Seu senhorio. Do ponto de visto ortodoxo,
como essa autoridade se manifesta na igreja? Em primeiro lugar, Cristo é
considerado o único Cabeça da igreja (Cl 1:18). Ele é o verdadeiro Fundador
da igreja, e a chama de Sua (Mt 16:18). Ele não é apenas o Fundador da
igreja, mas constantemente a lidera e direciona. Tem autoridade desde que
redimiu Sua igreja e a purificou com Seu sangue. Em segundo lugar, Ele
escolheu Seus discípulos, os apóstolos e, ao fazê-lo, lançou o alicerce para
uma hierarquia. Isso não significa que os apóstolos tenham recebido o
privilégio de se tornar vicários de Cristo. Ficou a cargo deles comunicar os
dons necessários à vida da igreja. Por fim, Cristo confere o Espírito Santo à
Sua igreja, que continua Seu ministério de salvação após a ascensão na
prática sacramental da igreja. Argumentam que nós, cristãos, temos
consciência da autoridade de Cristo por intermédio da Palavra, que nos
informa acerca da atuação salvadora e poderosa do Pai, do Filho e do Espírito
Santo.

Autoridade e a Bíblia
É na Palavra escrita que a igreja encontra o fundamento para sua
autoridade. 48 O conceito ortodoxo de autoridade da Bíblia, conforme já
mencionado, difere do protestante. As Escrituras possuem autoridade
completa para a maioria dos cristãos evangélicos ocidentais. Isso significa
que o direito de definir a verdade pertence exclusivamente às Sagradas
Escrituras; não a um grupo de pessoas nem mesmo à igreja. Usar a expressão
“a inspiração das Escrituras” já é se afastar um pouco da abordagem ortodoxa
sobre o tema. 49 A expressão “Escrituras inspiradas” pressupõe, para o
ortodoxo, um texto que se destaca da comunidade de fé no qual foi produzido
e é lido. Parece inapropriado para os ortodoxos responder a uma pergunta
sobre a autoridade das Escrituras, porque a abordagem ortodoxa lida
primariamente com a autoridade da igreja. Quando alguém pergunta: “Por
que devo aceitar o Novo Testamento como um registro verdadeiro e confiável
em seus ensinos sobre Jesus e a fé cristã?”, a resposta costumeira é: “Porque
as Escrituras são inspiradas.” Para o ortodoxo, porém, essa é uma resposta
pós-renascentista, uma abordagem ocidental e protestante que
inevitavelmente leva a certos problemas. 50
A principal dificuldade com esse ponto de vista é que separa o autor das
Escrituras da comunidade eclesiástica na qual ele tinha raízes. Para o
ortodoxo, o apóstolo escrevia com autoridade não só por ser dotado de
autoridade apostólica da parte de Cristo, mas também porque, como apóstolo,
reproduziu os ensinos aceitos por toda a igreja. Em outras palavras, ele
escrevia com autoridade porque o fazia como parte da grande tradição. Os
apóstolos não existiam isolados da igreja, mas faziam parte dela. O ponto de
vista que confere autoridade aos escritos apostólicos por conta de inspiração
ameaça o conceito de apostolado ortodoxo, pois leva a considerar o texto
acima da igreja, não como parte dela.
Do ponto de vista da Igreja Ortodoxa, as Escrituras do Novo Testamento
são aceitas como autoridade não por causa de um processo especial de
inspiração que acompanhava os autores ao escrever, mas por serem escritos
apostólicos. Os apóstolos eram a autoridade viva na igreja do 1o século, e
suas palavras tinham peso por causa dessa autoridade pessoal. Logo, o que
eles diziam enquanto presentes, assim como o que escreviam em epístolas
quando ausentes, tinha a mesma autoridade e precisava ser obedecido (2Ts
2:15). Após a morte dos apóstolos, seus escritos continuaram a ter igual peso
de autoridade na igreja.
Nesse ponto de vista, o autor não é separado de sua comunidade, pois os
escritos apostólicos testemunham da mesma tradição que abarcou toda a
igreja. A mensagem apostólica em uma epístola faz parte do tecido de toda a
tradição apostólica, encontrada em cada comunidade cristã.
A abordagem ortodoxa às Escrituras também é caracterizada pela
experiência litúrgica. A assembleia eucarística semanal é constitutiva da
igreja. Quando se une para a eucaristia, semana após semana, a igreja renova
sua plenitude e permanece o que é. É nessa assembleia que as Sagradas
Escrituras são cantadas e encontram lugar de destaque. Esse canto não é uma
mera leitura de um texto antigo, mas a voz viva de Cristo e Seus apóstolos,
falando diretamente ao coração do crente. Essa experiência de Cristo na
proclamação dos textos bíblicos é definitiva para o cristão ortodoxo. A fé da
igreja, expressada pela adoração litúrgica, torna-se o contexto e as lentes por
meio das quais as Sagradas Escrituras são lidas. 51 É somente dentro da
tradição bíblica da igreja sob a inspiração direta do Espírito de Cristo que se
pode interpretar a Bíblia de maneira apropriada. E isso nos leva ao próximo
tema importante de discussão: a autoridade da tradição na Igreja Ortodoxa.

Autoridade e tradição
A palavra “tradição” é ambígua. Em primeiro lugar, denota a soma total da
herança cristã transmitida de eras anteriores. A Bíblia é somente um item da
tradição em seu sentido mais abrangente. Segundo, o ato de transmitir essa
herança é descrito, às vezes, como “tradição ativa”, com ênfase no processo,
não no conteúdo. O terceiro significado é idêntico ao primeiro, com exceção
de que as Escrituras são excluídas.
A questão da relação entre as Escrituras e a tradição sempre foi controversa
na história da igreja. A. N. S. Lane delineia o desenvolvimento de quatro
pontos de vista diferentes da relação entre as Escrituras, a tradição e o ensino
da igreja. Embora o estudo seja feito da perspectiva ocidental, suas
observações são muito úteis para nosso debate. 52
A primeira é a abordagem coincidente, segundo a qual o ensino da igreja,
das Escrituras e da tradição coincidem. Nessa perspectiva, a tradição
apostólica tem autoridade, mas não difere em conteúdo das Escrituras. O
ensino da igreja também tem autoridade, mas é apenas uma proclamação da
mensagem apostólica encontrada nas Escrituras e na tradição. A
personificação clássica da abordagem coincidente é encontrada nos escritos
de Irineu e Tertuliano.
A segunda é a abordagem complementar, que evoluiu aos poucos da
abordagem coincidente. De acordo com essa perspectiva, a tradição não só
apresenta o conteúdo das Escrituras de forma diferente, como também o
complementa. Logo, as Escrituras se tornaram material e formalmente
insuficientes. Com base em Lane, fica claro que esse ponto de vista surgiu na
igreja cristã, mas não se sabe ao certo como nem quando começou. 53
O terceiro ponto de vista está ligado à Reforma Protestante na Europa. A
atitude dos reformadores em relação à tradição não era nem coincidente nem
complementar, mas subsidiária. Viam a tradição não como uma interpretação
normativa das Escrituras nem como complemento necessário a ela, mas como
uma ferramenta para ajudar a igreja a entendê-la. A tradição, declara Lane,
foi, em certo sentido, destituída de seu caráter santo. 54 O princípio Sola
Scriptura recebeu supremacia na leitura da Bíblia.
A última perspectiva analisada por Lane é chamada de abordagem
desenvolvedora, que se tornou preeminente graças à ideia de
desenvolvimento doutrinário. Assim como o conceito da insuficiência das
Escrituras gerou a necessidade da abordagem complementar, o conceito de
insuficiência da tradição (inicial) deu origem à abordagem desenvolvedora.
Durante o século 17, ficou aparente que a tradição inicial não era suficiente
para embasar os ensinos da igreja na época.
Todas essas abordagens refletem a compreensão ocidental da relação entre
as Escrituras e a tradição. A abordagem da Igreja Ortodoxa ao problema é
totalmente diferente das debatidas acima. Ao mesmo tempo, o conceito
ortodoxo de tradição é crucial para a percepção da ideia de autoridade. 55
Para o cristão ortodoxo, existe uma tradição – a tradição da igreja – que
abrange as Escrituras e os ensinos dos Pais. A igreja e a tradição se
encontram além da história, muito embora ambas existam dentro da história.
Têm valor eterno porque Cristo, o fundador da igreja, não tem princípio nem
fim. Em outras palavras, quando a universalidade da tradição da igreja é
mencionada, ela se refere ao dom do Espírito Santo, que capacita a igreja a
preservar a verdade apostólica livre de adulterações, interrupções e alterações
até o fim. Isso é verdade porque a tradição exprime a mentalidade ortodoxa
comum da igreja como um todo, contra todas as heresias e cisões de todas as
eras.
É importante enfatizar tanto a temporalidade quanto a atemporalidade dos
dois aspectos fundamentais da tradição sagrada. Georges Florovsky escreveu:

A tradição não é um princípio que se esforça para restaurar o passado, usando o


passado como critério para o presente. Tal conceito de tradição é rejeitado pela
própria história e pela consciência da Igreja [Ortodoxa] [...] A tradição é a habitação
constante do Espírito, não uma mera memória de palavras. A tradição é carismática,
não histórica. 56

Em outras palavras, a tradição é um dom do Espírito Santo, uma


experiência viva, que é revivida e renovada ao longo do tempo. É a fé
verdadeira, revelada pelo Espírito Santo ao povo verdadeiro de Deus.
É preciso admitir que, na história da Igreja Ortodoxa, o entendimento do
que é tradição passou por certa evolução. Seria incorreto afirmar que a igreja
apostólica primitiva (2Ts 2:15) e a Igreja Ortodoxa contemporânea atribuem
o mesmo sentido a esse conceito. Nem nos evangelhos nem nas epístolas
apostólicas é possível encontrar o significado sacramental de tradição a ela
atribuído hoje. Devemos concordar que, em termos de conteúdo, a “tradição”,
conforme mencionada em 2 Tessalonicenses 2:15, não diferia da mensagem
apostólica, mas coincidia plenamente com ela. Em algum sentido, “tradição”
se tornou “Escritura” quando os apóstolos começaram a colocar a mensagem
de Deus na forma escrita. Podemos dizer com confiança que havia unidade
absoluta entre a tradição e as Escrituras na igreja apostólica primitiva. 57
Com o passar do tempo, a noção de tradição foi fortemente expandida. A
tradição passou a incluir os credos apostólicos, os decretos dos sete primeiros
concílios ecumênicos, as confissões de fé da igreja antiga, as liturgias antigas,
os atos dos mártires, as obras dos pais da igreja pós-apostólica e mestres da
igreja, antigas narrações da igreja (por exemplo, a narração de Eusébio de
Cesareia), toda a praxe cerimonial da igreja antiga, incluindo as datas de
festas, locais sagrados, atos santos, devoções e cerimônias. 58 Com essa
multiplicação de fontes, era natural que surgissem dúvidas quanto à
veracidade da sagrada tradição, bem como sinais e critérios para ajudar a
diferenciá-la da falsa tradição.
A questão dos critérios para discernir a verdadeira tradição é um dos mais
controversos na história do cristianismo. 59 É por isso que os teólogos
ortodoxos ressaltam que somente a igreja inteira em sua plenitude e unidade
católica é “a portadora viva e mantenedora da tradição; e é necessário estar
ou viver na igreja, em sua plenitude, para entender a tradição e possuí-la”. 60
Por ser a verdadeira mantenedora da tradição sagrada, a Igreja Ortodoxa é a
única mantenedora e intérprete das Sagradas Escrituras. Dando ênfase a esse
papel da igreja na preservação da Bíblia e sua interpretação adequada, o
teólogo russo Oleg Davydenkov afirma: “Se tirada da igreja, a Bíblia se
transforma em um conjunto de documentos históricos. Somente na igreja os
livros bíblicos ganham status de Sagradas Escrituras. O significado da Bíblia
só pode ser entendido na igreja à luz da tradição sagrada que a preserva.” 61
Na tentativa de enfatizar a prioridade da tradição sagrada como a única
fonte de revelação divina, o conceito de tradição foi ampliado ainda mais.
Nas últimas décadas, tornou-se comum falar em várias camadas da tradição
sagrada. O primeiro nível é comunicar doutrina com base em todos os
documentos nos quais essa doutrina é registrada. O segundo é a comunicação
da experiência espiritual de vida da igreja, de acordo com essa doutrina. O
terceiro nível é uma transferência invisível, mas eficaz de graça divina por
meio dos sacramentos da igreja. 62 No nível factual, de acordo com Vladimir
Lossky, “a sagrada tradição é entendida como o espírito da vida da própria
igreja, a corrente misteriosa de consciência do mistério, inexaurível na igreja
e comunicada pelo Espírito Santo a seus membros”. 63 Assim, conclui
Lossky, essa tradição “é a vida do Espírito Santo na igreja, a vida que
transmite a cada cristão a habilidade de ouvir, aceitar e perceber a verdade em
sua luz inerente, não na luz natural da mente humana”. 64
Com essa definição imprecisa e multinivelada da tradição sagrada, que leva
em conta não só a variedade de formas e meios de comunicação da revelação
divina, mas também a transferência de graça e consagração, torna-se
impossível estabelecer limites para a tradição e até diferenciá-la do conceito
de “revelação”. Portanto, a questão de autoridade suprema permanece sem
solução.

AUTORIDADE E UNIDADE NA PERSPECTIVA


ADVENTISTA

Assim como todos os outros cristãos, os adventistas do sétimo dia partilham


a convicção de que o próprio Deus é a base e fonte de autoridade. 65 Como
nosso Criador, Redentor e Mantenedor, Ele tem o direito de exercer
autoridade sobre a raça humana. Deus Se revela de diversas maneiras, dentre
as quais se destacam como mais notáveis o dom de profecia e a encarnação
do Senhor. Jesus Cristo, o verdadeiro Verbo de Deus, foi a revelação suprema
de Deus e é a autoridade final da igreja. A Ele foi dada “toda a autoridade [...]
no céu e na terra” (Mt 28:18). Cristo transmitiu essa autoridade aos apóstolos,
os quais, inspirados pelo Espírito Santo, comunicaram a mensagem de Deus à
igreja, “seja por palavra, seja por epístola” (2Ts 2:15). Logo, “a Palavra tem
autoridade sobre nós e nos foi conhecida primariamente como uma pessoa,
isto é, Jesus Cristo. E, depois, secundariamente na forma da palavra falada e
escrita dos apóstolos”. 66
O conceito adventista de autoridade da igreja se fundamenta nos ensinos do
Senhor Jesus Cristo e de Seus apóstolos, conforme apresentados nas Sagradas
Escrituras, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, não na tradição. O
modelo de relacionamento entre a Santa Bíblia e a tradição que subentende a
primazia e a superioridade da Bíblia se baseia nos ensinos do próprio Cristo e
dos apóstolos. Conforme se sabe muito bem, Cristo e Seus apóstolos faziam
uma distinção entre as Escrituras (Mt 21:42; 22:29; Mc 14:49; Lc 24:27; Jo
5:39; 7:42; 10:35; At 8:32, 35; 18:28, etc.), que foram inspiradas por Deus, e
as tradições humanas, que incluíam diversas regras e regulamentos sem
origem divina (cf. Mt 15:3-6). Jesus rejeita a prática de atribuir à tradição a
função das Escrituras. A Bíblia Sagrada, a revelação da vontade de Deus, foi
dada por intermédio dos profetas (2Pe 1:21) e sempre funcionou como
critério de definição da verdade para o povo de Deus (Is 8:20). Essa
Escritura, à qual Paulo se refere como sendo “inspirada por Deus” (2Tm
3:16), era considerada cheia de autoridade tanto por Cristo quanto por Seus
discípulos.
Os adventistas consideram inaceitáveis os critérios para veracidade da
tradição expressos por Tertuliano (a saber, “o que se torna comum para
muitos não é inventado, mas tradicional”) ou por Vincent de Lérins, por
serem contrários à revelação divina. 67 O único critério para a verdade que
guiou o povo de Deus ao longo das eras, conforme indicaram Cristo e os
apóstolos, é o que foi inspirado por Deus. As Escrituras e o Novo Testamento
são inspirados por Deus porque o Espírito Santo ensinou e lembrou os
apóstolos de todas as coisas que o próprio Cristo lhes dissera no passado (Jo
14:26; cf. 16:14). Paulo destaca a mesma coisa: “Mas Deus no-lo revelou
pelo Espírito; porque o Espírito a todas as coisas perscruta, até mesmo as
profundezas de Deus” (1Co 2:10).
Para a Igreja Adventista, o papel do Espírito como guia tem importância
especial no tema da autoridade por causa do ministério profético de Ellen G.
White. Considera-se que a autoridade dos profetas veio diretamente de Deus.
É Ele quem chama os indivíduos ao ministério profético e delega autoridade
profética para eles. Embora reconhecida como profetisa do Senhor, ela não é
considerada pelos adventistas a autoridade final para a mensagem da igreja.
As Escrituras continuam a ser a autoridade final. Sua autoridade como
profetisa pós-bíblica é reconhecida somente porque seus testemunhos
confirmam a mensagem da Bíblia. 68
A autoridade da igreja se fundamenta na comissão de Cristo. O papel dessa
autoridade consiste em preservar a integridade da mensagem bíblica, em sua
dedicação à missão e no compromisso com a unidade. 69 Na teologia
adventista, mensagem bíblica, missão e unidade constituem o cerne da igreja.
Essa autoridade é delegada a diferentes líderes, em diferentes níveis da igreja
mundial, mas a autoridade definitiva não reside neles. Na eclesiologia
adventista, a autoridade final reside na igreja mundial como um todo, quando
representantes de diferentes partes do mundo se reúnem durante uma
assembleia da Associação Geral. Baseando-se no modelo do concílio de
Jerusalém (At 15:6-29), a igreja declarou oficialmente que a “Associação
Geral é a organização superior no tocante à administração da obra mundial da
Igreja, [...] as organizações e instituições subordinadas reconhecerão a
Associação Geral, reunida em assembleia mundial, como a maior autoridade
entre todas as organizações e instituições adventistas no mundo, depois de
Deus”. 70 Por meio da assembleia, a igreja global fala em uma só voz a todos
os seus membros.
A Associação Geral em assembleia é uma demonstração visual da união e
unidade da igreja. Todos que representam a igreja global compartilham a
mesma mensagem, participam da mesma missão e têm a mesma esperança no
breve retorno de Jesus. É essa unidade de mensagem, missão e esperança que
define a identidade adventista e fortalece a união da igreja.
No que se refere à comunhão e seu significado para a unidade da igreja, a
posição adventista difere da Igreja Ortodoxa. A diferença diz respeito
principalmente à recusa da transubstanciação dos emblemas do corpo e
sangue de Jesus Cristo. Em consequência, os adventistas rejeitam o conceito
místico de unidade. Ao mesmo tempo, a ideia de unidade se expressa com
clareza no lava-pés, uma expressão da disposição em servir um ao outro e
perdoar como Jesus Cristo nos perdoou. Ela se expressa com intensidade na
cerimônia da Santa Ceia, quando o emblema do pão é partido em muitos
pedaços e comido pelos fiéis e enquanto participam juntos de um só cálice.
Da mesma forma que todos os pedaços vêm do mesmo pão, todos os fiéis que
participam da cerimônia de Santa Ceia estão unidos em Cristo, cujo corpo
alquebrado é tipificado pelo pão partido. Ao participar juntos dessa
ordenança, os fiéis mostram que estão unidos e pertencem a uma grande
família, cujo cabeça é Cristo. 71

CONCLUSÃO
Em nossa pesquisa, abordamos a questão da autoridade e unidade da igreja
da perspectiva ortodoxa. Constatamos que a eclesiologia tem significância
crucial para a Igreja Ortodoxa. É a pedra fundamental de sua teologia. Molda
a teologia ortodoxa em geral e é com base nela que os dogmas ortodoxos
foram deduzidos.
De acordo com a Igreja Ortodoxa, a unidade se manifesta pela união de fé e
consciência, pela doutrina, pela unidade de oração e sacramentos, sobretudo
na eucaristia. A unidade da igreja é tanto interna quanto externa. A unidade
interna da igreja corresponde à unidade do corpo de Cristo e à vida
sacramental da igreja. As diferentes comunidades de cristãos ortodoxos
entram em comunhão por meio dos sacramentos. Essa unidade interna é o
fundamento da unidade externa, isto é, a organização eclesiástica. Se, no
Ocidente, a organização eclesiástica possui valor decisivo e a igreja existe na
unidade do poder eclesiástico contido nas mãos de seu representante único,
no cristianismo oriental, a unidade não é realizada pela união de poder sobre
toda a igreja universal, mas pela união de fé, vida sacramental e tradição. O
conceito ortodoxo de “sobornost” ou “conciliaridade” é importante sobretudo
para a compreensão da unidade da igreja.
Ao mesmo tempo, é possível ver claramente dois modelos de unidade cristã
na Igreja Ortodoxa, com base na ênfase na igreja local ou universal. Se a
igreja local assume prioridade sobre a universal, então a união representa a
comunhão dessas igrejas locais. Todavia, se a igreja universal tem prioridade
sobre a local, então a unidade se cumpre mediante o compartilhamento da
mesma fé e por meio de uma comunhão visível entre os bispos que lideram as
igrejas locais. Em termos ecumênicos modernos, o primeiro modelo enfatiza
a eucaristia como meio de alcançar a unidade, enquanto o segundo a enxerga
mais como um sinal de unidade.
Também vimos que a Igreja Ortodoxa não formula um conceito forte de
autoridade. A ênfase recai sobre o fluxo de graça, verdade e vida
personificados na igreja como um todo. Isso não quer dizer, porém, que, no
pensamento ortodoxo, a noção de autoridade esteja ausente por completo.
Muitos teólogos ortodoxos abordam a questão da autoridade, mas a entendem
como uma categoria da “vida graciosa”, não como alguém que tem status
jurídico. Por causa disso, a principal categoria que se destaca é a tradição. Ela
é um ponto-chave para o conceito de autoridade. Da perspectiva ortodoxa, a
tradição é um dom do Espírito Santo, uma experiência viva, que é revivida e
renovada com o tempo. É a fé verdadeira, revelada pelo Espírito Santo ao
verdadeiro povo de Deus. Essa compreensão ampla e praticamente amorfa da
tradição, porém, não permite que ela funcione como cerne da autoridade
eclesiástica.
Da perspectiva adventista, a autoridade final para a igreja provém do Verbo
de Deus encarnado, Jesus Cristo, que Se manifestou para nós por meio da
Palavra escrita. É essa Palavra que deve ser nosso único critério para avaliar
qualquer voz ou mensagem. Em contraste com o conceito ortodoxo de
unidade da igreja, que é sacramental por natureza, os adventistas dão mais
ênfase ao aspecto missiológico da unidade. É a união de mensagem, missão e
esperança que define a identidade adventista e cria a unidade da igreja pelo
poder do Espírito.

1 Antes da cisão final da Igreja Católica única entre as igrejas ocidental e oriental (que aconteceu em
1054), a palavra “Ortodoxia” não era usada para denotar a parte oriental do cristianismo. Significava fé
“correta” ou “verdadeira”, em geral. Nesse sentido, era igualmente aplicada às duas ramificações da
igreja cristã. Qualquer um que ensinasse o evangelho de acordo com os ensinos de Cristo e dos
apóstolos podia ser chamado de “ortodoxo”. Foi exatamente nesse sentido que Clemente de Alexandria
começou a usar o termo no 2o século, contrapondo a ortodoxia dos cristãos verdadeiros e a heterodoxia
dos falsos mestres. A palavra “ortodoxia” passou a ser associada à parte oriental do cristianismo após a
grande cisão, na qual a ramificação ocidental do cristianismo, liderada pelo papa, recebeu o nome de
católica. A igreja oriental reconhece a própria ortodoxia em seguir estritamente as decisões dos
concílios ecumênicos e em sua oposição à controvérsia do “filioque” e de dogmas novos da Igreja
Católica, como a concepção imaculada e a infalibilidade papal.
2 A Igreja Ortodoxa Russa é a maior. De acordo com informações fornecidas pelo patriarcado de
Moscou, o número de pessoas que pertence à Igreja Ortodoxa Russa passa de 60 milhões. Os
sociólogos consideram esse número superestimado. De acordo com informações estatísticas fornecidas
pelo Ministério das Relações Interiores, somente 7,1 milhões de russos foram à igreja na Páscoa em
2012, ou seja, cinco por cento. Em Moscou, o percentual foi ainda menor: somente 1,5% (SOVA
Center of Information and Analysis). Disponível em <http://www.sova-
center.ru/religion/discussions/how-many/2012/04/d24192/>, acesso em 29 de novembro de 2019.
3 Por esse motivo, “Ortodoxia” ou “Igreja Ortodoxa” são as melhores formas de se referir a uma
grande e diversa família de crentes do mundo inteiro que compartilham da mesma fé.
4 Ernst Benz, The Eastern Orthodox Church: Its Thought and Life (Garden City, NY: Anchor Books,
1963), p. 1.
5 Daniel B. Clendenin, Eastern Orthodox Christianity: A Western Perspective (Grand Rapids, MI:
Baker Books, 1994), p. 15.
6 Citado por Timothy Ware, The Orthodox Church (Baltimore, MD: Penguin Books, 1964), p. 9.
7 Atualmente, as igrejas ortodoxas na América são etnicamente separadas (grega, romena, sérvia) ou
afiliadas canonicamente (por exemplo, a romena sob o Patriarcado Romeno; e a Igreja Ortodoxa na
América). Essas igrejas ortodoxas têm o mesmo território geográfico, por isso, suas jurisdições se
sobrepõem. A maioria tem o próprio sínodo para resolver questões administrativas internas. No entanto,
todas as hierarquias se reúnem periodicamente no evento conhecido como Standing Conference of the
Canonical Orthodox Bishops in America (SCOBA) [Conferência participativa dos bispos ortodoxos
canônicos da América]. Contudo, esse grupo não tem qualquer autoridade administrativa sobre seus
membros. Além dos sínodos individuais e da SCOBA, há um terceiro nível de estrutura eclesiástica na
América, a saber, a Igreja Ortodoxa na América, formada por sete igrejas étnicas com jurisdições
sobrepostas. Entretanto, o sínodo e outras estruturas têm plena autoridade sobre todos os seus membros.
8 Nicholas Afanasiev, The Church of the Holy Spirit (Notre Dame, IN: University of Notre Dame
Press, 2007); Afanasiev, “The Church Which Presides in Love” em John Meyendor, org., The Primacy
of Peter: Essays in Ecclesiology and the Early Church (Crestwood, NY: St Vladimir’s Seminary Press,
1992), p. 91-143.
9 Vladimir Lossky, The Mystical Theology of the Eastern Church (Londres: James Clarke, 1957);
Lossky, “La Tradition et les Traditions”, em Messager de l’Exarchat du Patriarche Russe en Europe
Occidentale 30-31 (1959), p. 101-121; Lossky, Orthodox Theology: An Introduction (Crestwood, NY:
St. Vladimir’s Seminary Press, 1978).
10 John Meyendorff, Rome, Constantinople, Moscow (Crestwood, NY: St. Vladimir’s Seminary Press,
1996); Meyendorff, The Byzantine Legacy in the Orthodox Church (Crestwood, NY: St. Vladimir’s
Seminary Press, 1982); Meyendorff, Vision of Unity (Crestwood, NY: St. Vladimir’s Seminary Press,
1987); Meyendorff, Catholicity and the Church (Crestwood, NY: St. Vladimir’s Seminary Press,
1983); Meyendorff, Living Tradition (Crestwood, NY: St Vladimir’s Seminary Press, 1978).
11 Georges Florovsky, Bible, Church, Tradition: An Eastern Orthodox View, Collected Works, v. 1
(Belmont, MA: Nordland Publishing, 1972).
12 John Zizioulas, Being as Communion: Studies in Personhood and the Church (Crestwood, NY: St
Vladimir’s Seminary Press, 1997); Zizioulas, Eucharist, Bishop, Church: The Unity of the Church in
the Divine Eucharist and the Bishop During the First Three Centuries (Brookline, MA: Holy Cross,
2001); Zizioulas, Communion & Otherness: Further Studies in Personhood and the Church (Londres:
T & T Clark, 2007); Paul McPartlan, Eucharist Makes the Church: Henri De Lubac and John Zizioulas
in Dialogue (Edinburgh: T & T Clark, 1993).
13 Alexander Schmemann, The Eucharist: Sacrament of the Kingdom (Crestwood, NY: St. Vladimir’s
Seminary Press, 1987); Schmemann, Church, World, Mission: Reflections on Orthodoxy in the West
(Crestwood, NY: St. Vladimir’s Seminary Press, 1979); Schmemann, For the Life of the World:
Sacraments and Orthodoxy (Crestwood, NY: St. Vladimir’s Seminary Press, 1973).
14 Dumitru Staniloae, Theology and the Church (Crestwood, NY: St. Vladimir’s Seminary Press,
1980); Staniloae, Liturgy of the Community and the Liturgy of the Heart: From the Viewpoint of the
Philokalia, ([s.l.], 1980); Staniloae, Spiritualitate si comuniune in Liturghia Ortodoxa (Craiova: Editura
Mitropoliei Olteniei, 1986). Cf. Radu Bordeianu, Dumitru Staniloae: An Ecumenical Ecclesiology
(Nova York: T & T Clark, 2011).
15 Cf., Oleg Davydenkov, Dogmaticheskoe Bogoslovie: Uchebnoe posobie (Moscow: PSTGU Press,
2013), p. 453-483.
16 Sergei Bulgakov, The Orthodox Church (Crestwood, NY: St. Vladimir’s Seminary Press, 1988).
17 Archbishop Hilarion (Troitsky), Bez Tserkvi net spasenia (Moscow, 1998), p. 21.
18 Metropolitan Makarii, Pravoslavno-Dogmaticheskoe Bogoslovie (St. Petersburg, 1857), v. 2, p.
145.
19 Makarii, Pravoslavno-Dogmaticheskoe Bogoslovie, v. 2, p. 145.
20 Metropolitan Philaret (Drozdov), Prostranny Christianskiy Katehisis (Moscow: Isdatel’sky Sovet
Russkoi Pravoslavnoi Tserkvi, 2006), p. 51. Esse detalhe é bem importante. Quando falamos hoje sobre
a igreja invisível da perspectiva adventista, estamos nos referindo a todos os cristãos sinceros que não
pertencem à igreja visível. Nós os denominamos usando as palavras de Jesus: “outras ovelhas, não
deste aprisco” (Jo 10:16).
21
Philaret, Prostranny Christianskiy Katehisis, p. 50.
22 Cf. Davydenkov, Dogmaticheskoe Bogoslovie, p. 486.
23 Evgenii Akvilonov é autor de um livro clássico que analisa e avalia diferentes definições de igreja
(The Church, Scientific Definitions of the Church and Apostolic Teaching on the Church as a Body of
Christ [St. Petersburg, 1894]).
24 Em russo, o adjetivo soborny tem o duplo sentido de “católico” e “conciliar”, ao passo que o
substantivo correspondente, sobor, quer dizer tanto “igreja” quanto “concílio”.
25 Bulgakov, Orthodox Church, p. 60.
26 Florovsky, “The Catholicity of the Church” em Florovsky, p. 41.
27 Nicholas Afanasiev, “Una Sancta”, em Michael Plekon, ed., Tradition Alive: On the Church and
the Christian Life in Our Time (Lanham, MD: Rowman & Littlefield, 2003), p. 14.
28 Nicholas Afanasiev, “The Church Which Presides in Love” em Meyendor, org., The Primacy of
Peter, p. 95.
29 Afanasiev, “Una Sancta” em Plekon, Tradition Alive: On the Church and the Christian Life in Our
Time, p. 14.
30 Radu Bordeianu, “Orthodox-Catholic Dialogue: Retrieving Eucharistic Ecclesiology”, Journal of
the Evangelical Society 44, nº 2 (primavera de 2009), p. 242.
31 Afanasiev, “The Church Which Presides in Love” em Meyendor, ed., The Primacy of Peter, p. 107.
32 Afanasiev, “Una Sancta” em Plekon, Tradition Alive: On the Church and the Christian Life in Our
Time, p. 15.
33 Paradoxalmente, porém, tanto as igrejas católicas quanto as ortodoxas adotaram a posição de
Cipriano, cada uma delas se considerando a igreja verdadeira.
34
Nicolai Afanasiev, “The Eucharist: The Principal Link Between the Catholic and the Orthodox”,
em Plekon, Tradition Alive: On the Church and the Christian Life in Our Time, p. 48.
35 Afanasiev, “Una Sancta” em Plekon, Tradition Alive: On the Church and the Christian Life in Our
Time, p. 25, 26.
36 Timothy Ware, “Church and Eucharist, Communion and Intercommunion”, Sobornost 7.7 (1978),
p. 557, 558.
37 Ver um estudo recente sobre eclesiologia da comunhão em Philip Kariatlis, “Affirming Koinonia
Ecclesiology: An Orthodox Perspective”, Phronema 27, nº 1 (2012), p. 51-66.
38 John D. Zizioulas, Eucharist, Bishop, Church: The Unity of the Church in the Divine Eucharist and
the Bishop During the First Three Centuries (Brookline, MA: Holy Cross Orthodox Press, 2001), p.
126.
39 Ele explora o tema no livro Spirituality and Communion in the Orthodox Liturgy. Cf. Staniloae,
Spiritualitate si Communiune. Ver uma comparação excelente entre as eclesiologias desenvolvidas por
Zizioulas e Staniloae e a descrição que fazem da relação entre a eucaristia e a igreja em Calinic Berger,
“Does the Eucharist Make the Church: An Ecclesiological Comparison of Staniloae and Zizioulas”,
Saind Vladimir’s Theological Quarterly 51, nº 1 (2007), p. 23-70.
40 Staniloae, Spiritualitate si communiune, p. 398.
41 Bordeianu, “Orthodox-Catholic Dialogue”, p. 256.
42 A posição de Afanasiev parece inconsistente quando ele diz: “A Igreja Ortodoxa está
absolutamente certa em se recusar a reconhecer a doutrina contemporânea de que a primazia pertence
ao bispo de Roma. Contudo, essa posição não se fundamenta nos numerosos argumentos que já foram
feitos contra a primazia, mas no próprio fato do não reconhecimento” (Afanasiev, “Church which
Presides in Love”, p. 142). Parece que o autor não tem certeza se a primazia papal é uma questão
canônica ou doutrinária. Por isso, o papel do papa em uma igreja unida continua a ser uma questão
aberta.
43 Bordeianu, “Orthodox-Catholic Dialogue”, p. 258.
44 Alguns teólogos pensam que Zizioulas e Staniloae desconsideraram Afanasiev de forma injusta,
levando ao extremo as consequências de sua teologia. Têm a certeza de que Afanasiev não negava a
importância da união dogmática como ingrediente necessário para a unidade cristã. De fato, ele não
reduziu a questão da primazia papal a um ponto completamente canônico. Escreveu que “a eclesiologia
eucarística exclui a ideia da primazia pela própria natureza” (Afanasiev, “Church which Presides in
Love”, p. 115).
45 O teólogo ortodoxo contemporâneo John Meyendorff fez o seguinte comentário: “A falta de
critérios claramente definidos e imutáveis da verdade na eclesiologia ortodoxa, com exceção de Deus,
Cristo e do Espírito Santo, sem dúvida parece uma das diferenças mais significativas entre a Igreja
Ortodoxa e todos os outros ensinos ocidentais clássicos sobre a igreja” (Meyendorff, Living Tradition,
p. 20).
46 Ver um debate completo sobre o assunto em Don Fairbairn, Eastern Orthodoxy Through the
Western Eyes (Louisville, KY: Westminster John Knox, 2002), p. 11-21.
47 John Zizioulas, Being as Communion: Studies in Personhood and the Church (Crestwood, NY: St.
Vladimir’s Seminary Press, 1985), p. 242, destaca que nenhuma decisão conciliar pode vigorar até que
as comunidades da fé que enviaram seus bispos como delegados ao concílio recebam a decisão. “É por
esse motivo que um concílio verdadeiro só pode receber esse nome a posteriori. Não é uma instituição,
mas um evento do qual toda a comunidade participa e mostra se seu bispo agiu ou não de acordo com
seu charisma veritatis (‘dom da verdade’).” De maneira semelhante, Kallistos Ware, The Orthodox
Church (England: Penguin, 1963), p. 257, declara: “Um verdadeiro concílio ecumênico de bispos
reconhece o que é a verdade e a proclama. Essa proclamação é, então, verificada pela concordância de
todo o povo cristão, uma concordância que não é, de modo geral, expressa formal e explicitamente, mas
vivida.”
48 Ver uma introdução para o problema em James Barr, The Scope and Authority of the Bible
(Londres: SCM, 2002); John Barton, People of the Book? The Authority of the Bible in Christianity
(Londres: SPCK, 1988).
49 Sobre o ponto de vista ortodoxo em relação à Bíblia, ver Florovsky, Bible, Church, Tradition.
50 Cf. Lawrence R. Farley, The Inspiration of Scripture and the Orthodox Church. Disponível em
<http://www.allsaints-ofalaska.ca/index.php/the-orthodox-church>.
51 Isso não quer dizer, é claro, que a Bíblia só é lida durante os serviços litúrgicos. Em vez disso, a
experiência litúrgica e os insights obtidos durante a liturgia e a adoração se tornam normativos para a
leitura particular das Sagradas Escrituras.
52 A. N. S. Lane, “Scripture, Tradition and Church: An Historical Survey”, Vox Evangelica 9 (1975),
p. 37-55.
53 Lane, “Scripture, Tradition and Church: An Historical Survey”, p. 40. O ponto de vista
complementar é encontrado com clareza no gnosticismo e nos ensinos de Clemente de Alexandria, mas
esses não são importantes porque o primeiro foi claramente rejeitado pela igreja e o último não exerceu
influência alguma a esse respeito.
54 Lane, “Scripture, Tradition and Church: An Historical Survey”, p. 43.
55 Ver uma introdução a esse problema em Archimandrite Chrysostomos and Archimandrite
Auxentios, Scripture and Tradition (Etna, CA: The Center for Traditionalist Orthodox Studies, 1994);
Florovsky, Bible, Church, Tradition; Vladimir Lossky, “Tradition and Traditions” em J. H. Erickson e
T. E. Bird, eds., In The Image and Likeness of God (Crestwood, NY: SVS Press, 1974), p. 141-168; C.
Scouteris, “Paradosis: The Orthodox Understanding of Tradition”, Sobornost 4, nº 1 (1982), p. 30-37.
56 Florovsky, Bible, Church, Tradition, p. 47.
57 Esse fato também foi admitido por teólogos ortodoxos. Cf. Nikos A. Nissiotis, “The Unity of
Scripture and Tradition”, Greek Orthodox Theological Review 11 (1966), p. 189.
58 Macarius of Moscow, Introduction to the Orthodox Theology (Moscow: ACT, 2000), p. 430-434.
59 Historicamente, os critérios eram divididos em internos e externos. Os sinais internos da veracidade
da tradição eram: ausência de contradições internas, conformidade com outra tradição apostólica já
conhecida e inquestionável, e conformidade com as Sagradas Escrituras. O significado dos critérios
externos da tradição foi expresso por Tertuliano em sua época: “Aquilo que é registrado da mesma
forma por muitos não é inventado, mas herdado” (citado por: Macarius of Moscow, Introduction to the
Orthodox Theology, p. 437). Vincent of Lérins resumiu esse princípio na conhecida máxima em latim:
Quod ubique, quod semper, quod ab omnibus creditum est (“O que se crê em toda parte, desde sempre,
por todos é verdadeiro”).
60 George Florovsky, “Theological Extracts”, Vestnik 105-108 (1981-1982), p. 193, 194.
61 Davydenkov, Dogmaticheskoe Bogoslovie, p. 40.
62 Davydenkov, Dogmaticheskoe Bogoslovie, p. 19-21.
63 Vladimir Lossky, “Tradition and Traditions”, Moscow Patriarchate Journal 4 (1970), p. 68.
64 Lossky, “Tradition and Traditions”, p. 67.
65 Confira uma introdução adventista à autoridade da igreja em Raoul Dederen, “The Church:
Authority and Unity, Part 1: Church Authority: Its Source, Nature, and Expression”, Ministry (maio de
1995), Supplement, p. 2-10.
66 Dederen, “The Church”, p. 3.
67 Até mesmo alguns eruditos ortodoxos admitem isso. Assim, Christos Yannaras crê que os critérios
para a verdade vêm da filosofia grega, que considerava a interpretação humana algo de importância
suprema. Menciona Heráclito, que costumava dizer: “Sempre que concordamos, lidamos com a
verdade; mas quando nossas sugestões individuais diferem, estamos errados.” Christos Yannaras, The
Belief of the Church: Introduction to the Orthodox Theology (Moscow: Religious Research Center,
1992), p. 214, 215.
68 Ellen G. White deixou bem claro que “a nossa regra de fé é a Bíblia, e a Bíblia só” (Ellen G. White,
Conselhos Sobre Escola Sabatina [Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2004], p. 84). A conclusão
de seu primeiro livro define o tom de seu posicionamento acerca da relação de seus escritos com a
Bíblia: “Recomendo-vos, caro leitor, a Palavra de Deus como regra de vossa fé e prática. Por essa
Palavra seremos julgados. Nela Deus prometeu dar visões nos ‘últimos dias’; não para uma nova regra
de fé, mas para conforto do Seu povo e para corrigir os que se desviam da verdade bíblica” (Ellen G.
White, Primeiros Escritos [Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014] p. 78). Ela foi explícita ao
ratificar o princípio sola Scriptura da Reforma Protestante: “Em nosso tempo, há um grande
afastamento das doutrinas e preceitos bíblicos, e há necessidade de um retorno ao grande princípio
protestante – a Bíblia, e apenas a Bíblia, como regra de fé e prática. [...] Deus terá na Terra um povo
que se fundamentará na Bíblia, e apenas na Bíblia, como norma de todas as doutrinas e base de todas as
reformas” (Ellen G. White, O Grande Conflito [Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2019], p. 204,
205, 595).
69 Cf. Ángel Manuel Rodríguez, “Autoridade Eclesiástica: Origem, Natureza e Função”, nesta obra.
70 Regulamentos Eclesiástico-Administrativos da Divisão Sul-Americana da Associação Geral dos
Adventistas do Sétimo Dia [Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2019], p. 90.
71 Francis D. Nichol, Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, 9 v. (Tatuí, SP: Casa Publicadora
Brasileira, 2014), v. 6, p. 820, 821.
17
Tendências e Fatores que Afetam o Futuro da
Organização Eclesiástica Adventista
Lowell C. Cooper

ara a maioria dos adventistas do sétimo dia, os detalhes da

P organização denominacional são vagos e pouco compreendidos. Para


grande parte dos membros, a Igreja Adventista do Sétimo Dia é uma
comunidade de fé com uma mensagem única e missão global.
O adventismo se diferencia claramente de outras denominações cristãs,
sobretudo com base na teologia. A congregação local, onde o fiel adora e da
qual é membro, está ligada a outras congregações adventistas do sétimo dia
da região. A estrutura de Associação ou Missão facilita isso. Aliás, a ligação
com outras congregações adventistas do sétimo dia em outros países do
mundo existe, mas os componentes estruturais dessa conexão nem sempre
ficam claros.
De fato, a Igreja Adventista é uma organização muito estruturada. Existem
no mundo poucos modelos de organização que possam ser comparados; se é
que há algum! Embora esteja presente em muitos países, a Igreja Adventista
não tem a estrutura típica de corporações empresariais multinacionais. Ainda
que conte com alguns elementos de uma estrutura hierárquica, aspectos
diferentes de autoridade final são distribuídos por toda a organização.
A igreja não segue o modelo de autoridade encontrado no setor militar ou
em outras organizações religiosas. Ao mesmo tempo, não é uma simples
associação voluntária de entidades independentes. Embora tenha sido
influenciada pelos conceitos organizacionais preponderantemente da Igreja
Metodista, a Igreja Adventista do Sétimo Dia adotou e adaptou sua estrutura
organizacional como subproduto de sua perspectiva teológica e de realidades
circunstanciais com a qual se deparou em sua missão.
A questão da estrutura organizacional tem se tornado cada vez mais
importante na mente dos membros da igreja, sobretudo aqueles que ocupam
responsabilidades de liderança global. O crescimento rápido do total de
membros, a presença disseminada pelo mundo inteiro, em ambientes
religiosos e geopolíticos bem divergentes, o patrimônio humano e financeiro
cada vez maior e a propriedade/operação de grandes instituições se aliam
para criar um conjunto complexo de fatores para o design e a liderança
organizacionais.
Este capítulo procura identificar algumas das tendências e circunstâncias
atuais que podem impactar a forma e os relacionamentos interpessoais das
organizações da Igreja Adventista do Sétimo Dia no futuro. Algumas são
externas, sobre as quais a igreja não tem controle; outras são internas e
podem reagir à influência e ao direcionamento de uma liderança sábia. Não
se deve presumir que os fatores internos são completamente administráveis.
Talvez a percepção mais importante ao olhar para a questão da organização
eclesiástica no futuro seja que liderar é mais importante do que administrar.
As mudanças são constantes. O entendimento que a igreja tem de sua
eclesiologia e missiologia sempre deve demonstrar engajamento dinâmico
com realidades emergentes. Para fazer isso com sabedoria, é necessário um
debate saudável acerca do que é essencial na organização, coragem para fazer
ajustes ao que é instrumental, em vez de essencial, e paciência para permitir e
avaliar inovações.

PRINCÍPIOS ORGANIZACIONAIS NO
DESENVOLVIMENTO INICIAL DA ESTRUTURA DA
IGREJA ADVENTISTA 1

Antes de olhar para o futuro, é importante revisar a experiência passada e


presente no que diz respeito à estrutura denominacional. Vários princípios e
insights que pautaram o desenvolvimento da estrutura servirão como guias
valiosos ao enfrentar circunstâncias atuais e futuras que impactam estruturas
organizacionais formais e informais.
O movimento adventista fez a transição de uma postura inicialmente
antiorganizacional para uma organização extremamente estruturada na
atualidade. Momentos cruciais ocorreram quando a igreja foi organizada em
1863 e depois na grande reestruturação entre 1901 e 1903. 2

Estrutura organizacional e a missão da igreja


Muitos pioneiros adventistas do sétimo dia haviam sido excluídos do rol de
membros de suas igrejas anteriores por causa de suas crenças e da pregação
acerca do retorno de Jesus Cristo em 1844. Quando Jesus não voltou,
conforme esperado, esses cristãos tomaram consciência de diversas
realidades: (1) o tempo não havia terminado, (2) a formação e o crescimento
das congregações requeria um processo de transferência de membros e
certificação de pastores, (3) havia a necessidade de esboçar um sistema de
crenças e preservar a unidade doutrinária, (4) era preciso um plano para as
propriedades coletivas da igreja e (5) era necessário um sistema regular e
confiável de pagamento dos pregadores e evangelistas itinerantes. Em 1853,
tanto Tiago quanto Ellen White já defendiam um sistema de ordem, estrutura
e ação unida. Eles reconheceram que tinham uma missão ao mundo e que, a
fim de cumpri-la, organização e unidade eram indispensáveis.
O slogan “Juntos fazemos mais” serve como princípio descritivo, mas não
oficial da estrutura organizacional da Igreja Adventista. Uma igreja local
sozinha não pode cumprir a grande comissão. O mesmo pode ser dito acerca
de uma Associação, União ou Divisão local. A estrutura eclesiástica
adventista se baseia no desejo de colaborar, não de controlar.
O objetivo de alcançar o mundo inteiro resulta em diversas organizações
que se unem para formar unidades organizacionais mais amplas. Ao fazê-lo,
criam corpos representativos para tomada de decisões, como comissões
diretivas, a fim de facilitar o ajuntamento da energia coletiva, dos recursos e
da ação das muitas unidades menores de organização.
Com frequência, a estrutura eclesiástica adventista é considerada muito
hierárquica, com diversos níveis de organização que exercem variados graus
de controle sobre as unidades subsidiárias. Na verdade, isso é uma caricatura.
Do ponto de vista operacional, os diversos níveis de estrutura da igreja
cumprem funções colaborativas e supervisoras a eles confiadas por suas
unidades de membros ou pela assembleia da Associação Geral.
Embora costume ser necessário falar em diferentes níveis de estrutura da
igreja, esses termos só devem ser entendidos no contexto de cooperação e
colaboração, não de uma cadeia de comando e controle unidirecional (do alto
para baixo).

Princípios bíblicos de organização eclesiástica


O conceito de flexibilidade não é alheio à Bíblia, e nossos pioneiros tinham
consciência disso. A história do povo de Deus revela a presença de várias
estruturas organizacionais ao longo do tempo. Por exemplo, encontramos o
modelo patriarcal, os juízes, reis, profetas, apóstolos e as congregações
locais. Descrições clássicas de padrões organizacionais são encontradas nas
Escrituras (Êx 18:14-19; 1Sm 8:4-7, 9; At 6:1-4; 1Tm 3; 5:17; 2Tm 2:2).
O estudo da história adventista do sétimo dia revela que tanto Tiago White
quanto José Bates afirmavam inicialmente que o projeto organizacional
deveria seguir o modelo do “sistema perfeito de ordem estipulado no Novo
Testamento”. 3 No entanto, em 1859, Tiago White argumentou: “Não
deveríamos ter medo do sistema ao qual a Bíblia não se opõe e é aprovado
pelo bom senso.” 4
Ele passou de um princípio de interpretação bíblica na qual é permitido
unicamente o que as Escrituras explicitamente aprovam para uma
hermenêutica que permite qualquer coisa razoável que não contradiga a
Bíblia. As ideias acerca da organização e estrutura deixaram de ser ditadas
pelo literalismo bíblico e passaram a ser sustentadas por princípios
escriturísticos e o senso comum, à luz das necessidades e da missão da igreja.

ESTRUTURA ORGANIZACIONAL: O EQUILÍBRIO


ENTRE CENTRALIZAÇÃO E DESCENTRALIZAÇÃO

Os pioneiros reconheciam que não deveria ser colocada responsabilidade e


autoridade demais sobre uma pessoa ou um grupo pequeno. Havia a
necessidade de criar esferas locais de tomada de decisão nos campos
missionários afastados. A unidade e ação em comum acordo são preservadas
por meio de uma estrutura que proporcione consulta e compartilhamento de
recursos. O propósito da centralização era mais coordenação do que controle.
O propósito da descentralização era mais apresentar resposta adequada a
situações locais do que independência.
Esse equilíbrio é bem ilustrado pela distribuição da autoridade na Igreja
Adventista. A Associação Geral em assembleia é reconhecida como a
autoridade mais elevada da igreja. 5 No entanto, nenhum nível
organizacional ou entidade sozinhos têm autoridade final sobre todos os
aspectos de suas atividades. Dependendo da questão, a autoridade final para a
tomada de decisões é distribuída por toda a organização. Por exemplo, a
igreja local tem autoridade final em questões envolvendo seu rol de membros
e eleição dos líderes locais. A Associação ou Missão tem autoridade final em
questões de contratação de pastores e funcionários. As Uniões têm autoridade
final na ordenação de ministros. A comissão diretiva da Associação Geral
tem autoridade final na praxe denominacional; e a assembleia da Associação
Geral tem autoridade final na eleição de seus líderes e na aprovação de
declarações de crenças doutrinárias e revisões ao Manual da Igreja.

Estrutura organizacional: diversidade na unidade


A estrutura sempre deve permanecer responsiva às inter-relações de
circunstâncias, necessidades e valores centrais. As percepções acerca da
missão ditaram a estrutura da organização a fim de facilitar o cumprimento da
missão. A Igreja Adventista tem demonstrado abertura a mudanças e
desenvolvimento quando o sucesso na missão exige uma alteração de
abordagem ou procedimento. Esse ponto de vista não é novo:

Se nos aprofundarmos nessa questão [...] não nos amarraremos na burocracia,


sentindo que tudo deve acontecer exatamente da mesma maneira. Existem campos
diferentes que, às vezes, requerem uma organização diferente e espero que, quando
houver tal campo, tal momento e tal lugar, Deus tenha homens dispostos a romper
com a burocracia, se necessário, a fim de formar a organização em harmonia com o
campo e condizente com as demandas da ocasião. 6

Em períodos cruciais de sua história, a igreja e seus líderes demonstraram


adaptabilidade notável. Durante os anos de 1901 e 1903, por exemplo, o
princípio da adaptabilidade foi tão forte, que nem precisava ser mencionado.
O próprio fato de a igreja ter se mostrado disposta a passar por um processo
de reorganização radical é suficiente para demonstrar que se priorizava a
adaptabilidade nas estruturas organizacionais. Em 1902, após as mudanças
realizadas em 1901, o presidente da Associação Geral, A. G. Daniells,
declarou:

Vemos muitas coisas de maneira diferente do que há dez anos e espero que vejamos
muitas outras mais. À medida que chega nova luz, devemos avançar junto a ela e não
nos apegar rigidamente a antigas formas e velhos métodos. Apenas porque algo é
feito de determinada maneira em um lugar não quer dizer que deve ser feito da
mesma forma em outro lugar, nem no mesmo lugar, ao mesmo tempo. 7

O sucessor de Daniells, W. A. Spicer, provavelmente era o defensor mais


engajado da adaptabilidade na forma de organização da igreja. Spicer, um
missionário experiente, foi o maior responsável pelo sucesso da iniciativa
missionária da igreja nos primeiros anos do século 20. Com sua vasta
exposição a diferentes culturas e situações, ele dizia repetidamente:

Os detalhes da organização podem variar de acordo com as condições e o trabalho


a ser feito, mas sempre que Deus reúne Sua igreja, surge dentro dela o dom espiritual
de ordem e governo, o mesmo espírito que governa no Céu. 8

Flexibilidade na estrutura: unidade e ação coletiva


No adventismo, as questões de missão (evangelismo) e organização da
igreja não são separadas, mas unidas. A organização provê o sistema de
entrega para uma missão eficaz. Uma coluna teológica importante que
sustenta a estrutura eclesiástica adventista é a escatologia. A missão é um
desdobramento da escatologia (a consumação da obra de salvação realizada
por Cristo), uma vez que os adventistas creem que as três mensagens
angélicas devem ser pregadas a todo o mundo antes que o mundo chegue ao
fim. 9
Logo, é impossível descrever de forma adequada e precisa a estrutura
eclesiástica da Igreja Adventista e seu funcionamento ignorando a
compreensão de sua principal tarefa: despertar uma consciência global do
reino de Jesus Cristo e preparar o mundo para Seu breve retorno. Os
elementos estruturais adotados pela igreja, provenientes de diversos modelos
de organização, foram selecionados para ser instrumentos da missão.
Ellen G. White apoiava a organização com lealdade, mas jamais prescreveu
sua forma organizacional. Ela defendia flexibilidade e mudança. Embora
apoiasse plenamente a necessidade de mudança e, em última instância, o
modelo estrutural que foi adotado, a irmã White não entendia que era seu
dever prescrever os detalhes do modelo. Seus insights quanto à necessidade
de mudança não ditaram uma forma estrutural específica que jamais
precisaria de refinamento ou ajuste. Aliás, fazer isso seria uma contradição
fundamental do desejo de permitir a reavaliação contínua dessas estruturas a
fim de aprimorar nosso cumprimento da missão. 10

A alteração das circunstâncias justifica a criação de


estruturas novas ou modificadas
Na década de 1990, foi criada a Comissão de Organização Mundial da
Igreja, a fim de revisar a estrutura denominacional à luz das realidades da
época. Uma das várias mudanças que resultou do trabalho dessa comunhão
foi a modificação substancial dos membros que compõem a comissão diretiva
da Associação Geral, a frequência de suas reuniões e os padrões de
participação nesses encontros. 11

PRINCÍPIOS DE ORGANIZAÇÃO SUBJACENTES À


ESTRUTURA DENOMINACIONAL ATUAL

As características da organização denominacional foram adotadas ao longo


de diversas décadas e representaram o ápice de estudos cuidadosos, em
atitude de oração, aliados ao pragmatismo da experiência. O desenvolvimento
da estrutura organizacional no nível macro aconteceu durante os primeiros 50
a 60 anos de vida da denominação. Ela definiu o modelo dos padrões e das
relações organizacionais. Esse modelo não mudou de forma significativa ao
longo dos últimos 100 anos.
É normal que as pessoas perguntem as razões para termos a estrutura
organizacional presente e a necessidade da mesma. Alguns têm sugerido que
pode ter chegado o momento, mais uma vez, para a igreja rever suas
características estruturais à luz da mudança significativa de circunstâncias
desde o início do século 20.
Ao mesmo tempo, muitos membros da igreja defendem o ponto de vista de
que a estrutura denominacional presente foi inspirada por Deus e, por isso, é
apropriada e adequada para todos os tempos. Consideram qualquer revisão
em grande escala das estruturas denominacionais uma prática imprudente e
sem justificativa. É importante que a liderança da igreja identifique com
cuidado e articule uma explicação para a forma de organização
denominacional.
Existem semelhanças dentro das estruturas denominacionais, seja em
Bogotá ou Bangkok, em Mizoram ou Maryland. Essas semelhanças se
originam do modelo organizacional que se baseia em diversos pressupostos
de como a organização da igreja deve ser. Passaremos a discutir alguns deles.

Missão e unidade mundial: identidade e estrutura global


A Igreja Adventista deve ser e continuará a ser uma igreja mundial com
fortes vínculos entre todas as suas partes: das igrejas locais à Associação
Geral. O crescimento e as mudanças na estrutura devem preservar o senso de
propriedade e responsabilidade pela missão no nível local, bem como o senso
de identidade como uma família mundial, engajada em uma missão global. A
Igreja Adventista necessita permanecer interligada em sua teologia, estrutura
e experiência.
Modelo de organização eclesiástica
O arranjo da estrutura denominacional precisa ser planejado e adotado pelos
membros. Alguns elementos da organização denominacional podem ser
análogos a certas características de administração ou governo, mas essas
esferas não podem fornecer um modelo para a organização eclesiástica. A
característica fundamental da organização da igreja é a preservação de uma
relação dinâmica e voluntária de serviço e apoio para o crescimento da igreja.
O Novo Testamento contém algumas orientações específicas sobre a
organização de uma igreja local, porém poucas diretrizes quanto à forma
como um grupo de igrejas locais deve exprimir essa identidade e colaboração
coletiva. As figuras de linguagem bíblicas (que incluem ilustrações como o
pastor e suas ovelhas, o corpo de Cristo, a videira e os ramos, a família da fé,
família de Deus, construção, a noiva de Cristo) fornecem esclarecimentos
quanto às relações e atitudes que devem caracterizar a igreja, mas não
oferecem uma orientação definitiva quanto ao formato de sua estrutura
global.

Igreja local e Associação Geral: elementos indispensáveis


As âncoras necessárias em cada uma das extremidades da estrutura
organizacional são a igreja local – a menor unidade – e a Associação Geral
em assembleia – a maior unidade. As outras unidades intermediárias da
estrutura denominacional, como Associações e Missões, Uniões, instituições
e o escritório da Associação Geral com suas Divisões, precisam ser
justificadas e estabelecidas ou modificadas com base em sua eficiência em
promover a missão e fortalecer a unidade.

A diversidade de contextos requer flexibilidade


organizacional
A variedade de ambientes (por exemplo, geopolíticos, culturais,
econômicos, religiosos) com os quais a Igreja Adventista precisa se
relacionar requer elementos de flexibilidade dentro da estrutura eclesiástica.
Um modelo organizacional rígido nem sempre é o melhor para promover a
missão e a unidade. Disposições estruturais consideradas importantes em
algumas áreas podem não ser apropriadas em outras partes do mundo. A
coesão da igreja não se deve somente à estrutura. Aliás, a estrutura
denominacional precisa ser vista como serva da unidade, não sua senhora.
A conexão entre a família adventista mundial surge de diversos outros
elementos da vida denominacional. Ela inclui, entre outras coisas, o
compromisso partilhado com uma teologia e um entendimento da missão
fundamentados na Bíblia, educação teológica, credenciamento/ordenação de
ministros. Tudo isso com base em uma fé compartilhada, um Manual da
Igreja prescritivo e descritivo da vida e do funcionamento da igreja local. Em
outras palavras, esse manual provê um esquema mais ou menos padronizado
de instituição e operação de entidades denominacionais e um sistema de
disciplina para os membros ou entidades organizacionais que saem dos
limites preestabelecidos.

Iniciativas missionárias dos membros da igreja


Ao longo das duas ou três últimas décadas, tem acontecido um
desenvolvimento rápido e disseminado de ministérios independentes de apoio
na igreja. Em vários aspectos, eles têm sido uma enorme bênção para a vida e
o trabalho da igreja. Em muitos casos, ministérios independentes de apoio
conseguem recursos significativos e relatam uma vasta gama de realizações.
Muitos ministérios independentes de apoio também interagem com a
infraestrutura da igreja, em vez de criar outra infraestrutura para as próprias
necessidades.
Avanços tecnológicos: novas oportunidades
O modelo para a organização denominacional atual (embora ligeiramente
modificado ao longo dos anos) surgiu com base na Assembleia da Associação
Geral de 1901. Desde então, a igreja passou por um crescimento drástico em
número de membros e presença global. A igreja possui atualmente presença e
força mundial que não desfrutava em 1901.
O avanço acentuado na comunicação e nos meios de transporte das últimas
décadas criou novas oportunidades para a conexão organizacional. Em um
período relativamente breve, a igreja mundial estabeleceu uma cobertura de
rádio e televisão quase global. Muitas igrejas locais criaram a própria
estratégia de evangelismo pela mídia com programas de televisão, rádio,
internet e transmissão ao vivo.
A igreja deve buscar continuamente maneiras de levar a estrutura
denominacional a se beneficiar mais da tecnologia, enquanto amplia sua
presença ao redor do mundo. 12

Maturidade dos membros nacionais e das estruturas


regionais
A maturidade dos membros nacionais e das estruturas regionais deve
permitir – e até requerer – a revisão dos papéis e relacionamentos no contexto
das estruturas organizacionais. A forma como as estruturas denominacionais
dependem dos serviços da Associação Geral muda com o tempo, à medida
que a capacidade local se desenvolve.
A presença de uma base estável, capacitada e experiente de membros da
igreja aumenta a capacidade de abordar certas funções do programa da igreja
nas diversas culturas e regiões do mundo. Ao mesmo tempo, alguns
ministérios e serviços ligados diretamente à Associação Geral são essenciais
por causa do escopo internacional da atividade ou das dimensões globais dos
membros ou funcionários envolvidos. O papel da Associação Geral (e de suas
Divisões) em promover a união e o foco na missão é cumprido por meio dos
papéis administrativos dos líderes da Associação Geral e dos ministérios e
serviços que ela proporciona ao campo mundial.
Ao passo que a Associação Geral é indispensável, também se deve
reconhecer que o grau de dependência dos serviços de apoio da sede da
Associação Geral varia muito ao redor do mundo. É adequado revisar,
periodicamente, as funções da sede da Associação Geral, para adequá-las às
mudanças de necessidades do campo. Quando e se isso for feito, deve ficar
claro que a revisão das funções da Associação Geral não reconfigura seu
papel em assembleia nem do escritório da Associação Geral e de suas
Divisões como expressões da realidade global da igreja.

Comunicação dinâmica e eficiente


Há necessidade constante de fortalecer e preservar a comunicação dinâmica
e eficiente entre a igreja local e mundial. O pastor da igreja local é um elo
fundamental de liderança entre a estrutura denominacional e os membros da
igreja. Existe uma comunicação de mão dupla em um sistema relativamente
limitado entre a igreja mundial (Associação Geral) e o pastor da igreja local.
Isso requer análise e discussão cuidadosa.

TENDÊNCIAS ATUAIS E SEU POSSÍVEL IMPACTO


SOBRE A ESTRUTURA DENOMINACIONAL

As mudanças sempre foram um fato da vida. O que mais chama a atenção


em nossa época é o ritmo delas, que acelerou drasticamente em comparação
com as décadas anteriores em nossa história denominacional. As mudanças
afetam indivíduos, comunidades, organizações, nações e culturas inteiras.
Reconhecendo isso, é útil pensar em como as mudanças no nosso mundo
podem afetar a estrutura denominacional. Três fatores externos e sete internos
fornecem alguns indicadores de como a organização denominacional pode ser
afetada no futuro.

Fatores externos

Globalização, nacionalismo e segurança


Os estados-nação estão mais intimamente relacionados do que nunca. O
comércio e as viagens internacionais transformaram o mundo em uma espécie
de aldeia global. Aliás, a interdependência entre as nações, vista por meio dos
investimentos e do negócio de bens e serviços, tem formado alianças entre
ex-inimigos. As fronteiras políticas estão sucumbindo. Essas ocorrências
também permitem viagens pelo globo inteiro e dão acesso a países quase
inalcançáveis anteriormente.
Em grande parte, essas mudanças apresentam novas oportunidades para a
igreja ampliar seu trabalho a fim de estabelecer sua presença em áreas não
atingidas e fortalecer sua presença em outras.
No entanto, o terrorismo internacional introduziu certa restrição em alguns
aspectos da globalização. Os estados-nação estão mais cientes da atuação de
redes internacionais em suas fronteiras e sabem também o papel de
estrangeiros que vivem no país.
Em alguns casos, a motivação para o aumento nas restrições à atuação de
organizações internacionais e de estrangeiros ocorre tanto para proteger a
religião majoritária quanto por preocupações políticas. Contudo, tudo isso
causa impacto direto sobre como a Igreja Adventista estabelece suas
estruturas para cumprir a missão mundial.
Por ser estruturada com uma sede mundial nos Estados Unidos, a Igreja
Adventista em outros países costuma ser vista como uma organização
estrangeira, que poderia atuar, sem perceber, como agente da cultura, dos
valores e propósitos norte-americanos.

Escrutínio crescente da transferência de recursos


internacionais
Os ataques terroristas às torres gêmeas do World Trade Center em Nova
York, no ano de 2001, e os ataques a outros países ocidentais despertaram a
consciência global para a grande vulnerabilidade das sociedades livres a esse
tipo de violência. Esses incidentes forçaram a colocação das preocupações
com segurança no topo da agenda dos governos locais e nacionais. Os
conflitos internacionais, que historicamente envolviam nações, agora unem
essas nações no esforço de controlar ou derrotar as atividades de números
relativamente pequenos de pessoas dispersas geograficamente, mas
motivadas por ideologias destrutivas à sociedade e à liberdade civil.
De uma perspectiva global, a Igreja Adventista tem operado com liberdade
considerável. O relatório anual de estatísticas, publicado pela Associação
Geral, faz uma síntese de diversas facetas da vida denominacional, incluindo
o lado financeiro. Uma das funções da sede da Associação Geral é reunir e
redistribuir uma parte significativa dos dízimos e ofertas mundiais. O leitor
do relatório anual de estatísticas pode concluir que os recursos chegam à
Associação Geral de toda parte e são distribuídos para toda parte. Essa
conclusão não corresponde à realidade.
O fluxo internacional de dinheiro é monitorado com cuidado. Diversos
países controlam a transferência de recursos. Os adventistas podem até sentir
certo grau de satisfação com a história de pioneiros missionários que
conseguiram “burlar” um sistema que, na época, parecia interferir nos
métodos de plantio de novos pontos de propagação da fé.
Contudo, não podemos adotar a ideia de que o avanço da obra de Deus
legitima qualquer passo considerado necessário para o cumprimento desse
objetivo. Os membros individuais e as instituições da igreja devem ser bons
cidadãos dos reinos celestial e terreno. Em consequência, a igreja pode
precisar adotar novos padrões de compartilhamento de recursos
internacionais que atendam à mudança constante de regras.

O impacto da tecnologia
Ao longo das duas últimas décadas, o desenvolvimento da tecnologia de
comunicação digital e por satélite mudou drasticamente a capacidade de
indivíduos e organizações reterem, processarem, administrarem e
distribuírem informação. Países inteiros que tinham uma infraestrutura
limitada de comunicação via terrestre conseguiram saltar gerações de
tecnologia e aderir à era da comunicação digital. Segundo Thomas L.
Friedman:

estamos entrando em uma fase na qual veremos a digitalização, virtualização e


automatização de quase tudo. Os ganhos em produtividade serão esmagadores para
esses países, empreendimentos e indivíduos que conseguirem absorver as novas
ferramentas tecnológicas. Estamos começando uma etapa na qual mais pessoas do
que nunca na história do mundo terão acesso a essas ferramentas, como inovadores,
colaboradores e, infelizmente, até mesmo como terroristas. [...] O mundo deixou de
ser redondo para ser plano. Para todo lugar que você olha, as hierarquias são
desafiadas de baixo para cima ou se transformam, deixando de ser estruturas
verticais para se tornar mais horizontais e colaborativas. 13

Existem muitas oportunidades e metodologias disponíveis para uma


congregação de tamanho médio participar de forma relativamente
independente da missão mundial. Essa realidade deve ser celebrada, em vez
de temida.
Entretanto, sua existência também reafirma a importância de uma estrutura
denominacional que engaje a igreja local e mundial de forma eficaz em um
diálogo sobre a missão. Essas questões devem ser consideradas operacionais
e procedimentais, em vez de estruturais. No entanto, uma questão
operacional/procedimental não pode ser resolvida sem examinar o papel e a
eficácia das estruturas envolvidas.
A predominância de sistemas de comunicação instantâneos por toda parte
ainda não é plenamente aproveitada para o benefício da igreja. Alguns podem
alegar que a tecnologia oferece, até mesmo para a igreja local, uma gama tão
ampla de recursos que a necessidade da estrutura denominacional esteja se
tornando opcional.
A igreja deve abordar a questão de como a congregação local e a igreja
mundial permanecem em comunicação dinâmica, recebem feedback e
fornecem respostas em tempo hábil. A maioria dos pastores tem engajamento
direto limitado com as estruturas de tomada de decisão da igreja.
A ampla disponibilidade de acesso à internet permite que pessoas e grupos
pequenos reúnam recursos, formulem respostas criativas à missão e
publiquem/divulguem seus produtos no mundo inteiro. Em épocas anteriores,
essas atividades só eram possíveis por meio dos recursos coletivos de grandes
estruturas organizacionais. Hoje, uma igreja local com número modesto de
membros pode oferecer um ministério global em diversas plataformas
diferentes de mídia (impressa, rádio, televisão e internet).
A internet apresenta uma forma aberta de envolver pessoas
geograficamente distantes na edificação e no serviço à comunidade. O
impacto que isso tem nas organizações tradicionais ajuda a mudar o foco das
hierarquias para as redes.
Ao mesmo tempo, o uso inapropriado da tecnologia apresenta certos
desafios à igreja. Um único indivíduo ou instituição pode criar problemas e
mal-entendidos amplamente disseminados na igreja global apenas por fazer
uma representação incorreta da igreja, seja inconscientemente ou
intencionalmente. A tecnologia das comunicações coloca nas mãos de
indivíduos poder e influência antes reservados a governos e grandes
corporações.
A liberdade de expressão e religião não é desfrutada em igual medida ao
redor do mundo. Opiniões expressas sem cuidado, para um público local –
sobretudo em relação a outras religiões e aos direitos humanos – podem
acabar sendo distribuídas, por meio de diferentes meios de comunicação, a
outras áreas do mundo nas quais a mera menção dessas ideias desperta
suspeitas, mal-entendidos e conflito. A natureza global da igreja requer que
seus adeptos tenham sensibilidade mundial às circunstâncias que seus irmãos
em Cristo enfrentam em outras partes do planeta.

Fatores internos

Diversidade de ambientes, culturas, histórias e contextos


religiosos
A presença adventista em 213 países 14 envolve uma diversidade complexa
entre seus membros. Variam muito os requisitos para o cuidado
congregacional. Em consequência, a estrutura de supervisão necessária e/ou
possível difere de um lugar para o outro. Tanto a experiência cristã quanto a
missão precisam ser vividas no contexto de uma comunidade local. O
planejamento, bem como boa parte do conteúdo, dos cultos de adoração
adventistas do sétimo dia ao redor do mundo se baseiam em um padrão
antigo usado no mundo ocidental. À medida que a igreja se enraíza mais
profundamente nas culturas locais ao redor do globo, as práticas de adoração,
a estrutura dos cultos e o cuidado dos membros assumem uma diversidade
cada vez maior que precisa ser avaliada à luz das Escrituras.

Organizações sem fronteiras


A estrutura organizacional adventista se baseia em fronteiras geográficas.
Cada igreja local, Missão, Associação, União e Divisão são vistas como
responsáveis pela missão em um território específico. Uma combinação de
fatores – que incluem o desenvolvimento tecnológico, o crescimento do
número de membros, o multiculturalismo, o acesso a mais recursos e o apelo
a missões fora da área local – tem resultado em organizações sem fronteiras.
Igrejas locais, Missões, Associações, Uniões e instituições estão se
envolvendo em projetos nacionais e internacionais fora de seus limites
geográficos.
As praxes denominacionais colocadas em vigor a fim de facilitar o
engajamento das pessoas de diversas fronteiras territoriais agora têm maior
probabilidade de serem vistas como impedimentos ao livre fluxo de recursos
físicos e humanos.
Pelo menos nos estágios iniciais, esses serviços que transcendem as
fronteiras da organização denominacional podem ser considerados
extremamente benéficos para todas as partes envolvidas. Contudo, no longo
prazo, levantam dúvidas quanto à propriedade, responsabilidade e prestação
de contas pelas iniciativas estabelecidas. Com muita frequência, a
organização local que recebeu os serviços de longe é deixada com obrigações
que não está preparada para assumir.

Relação entre a estrutura organizacional e iniciativas


particulares/independentes
Diversas questões importantes estão no pano de fundo de qualquer debate
sobre o papel das iniciativas individuais e/ou dos ministérios independentes e
sua relação com a igreja organizada: De quem é a comissão evangélica? Das
pessoas, da organização ou de ambos? Até que ponto a igreja institucional
espera que tudo o que é feito na proclamação do evangelho seja realizado por
meio da autoridade da organização? Todos os ministérios legítimos são fruto
dos programas da igreja e todos os seus resultados devem acrescentar algo
em benefício da igreja? De que maneiras os ministérios independentes
confundem ou exemplificam o ideal evangélico de unidade no corpo de
Cristo?
A história da igreja dá testemunho vívido de uma coexistência difícil entre a
igreja institucionalizada e as iniciativas particulares. Apoio e tensão mútuos
caracterizam, há muito tempo, a relação entre a igreja organizada e o que
pode ser chamado, na falta de um termo mais adequado, de “ministérios
independentes”. O tempo e a história, mais uma vez, revelam que os inimigos
de uma organização se tornam os heróis de outra. Pontos de insatisfação na
igreja engatilham movimentos independentes, os quais, após ganhar força, se
transformam em estruturas e instituições organizadas. Exemplos de conflito e
colaboração podem ser encontrados ao longo de muitos séculos.
Em certo sentido, pode-se argumentar que o sucesso da Reforma
Protestante, com sua variedade de organizações, alimentou instintos
competitivos na cristandade. Iniciativas leigas independentes marcaram o
avanço protestante em regiões missionárias distantes. Os ministérios
independentes de William Carey e Hudson Taylor provavelmente sejam os
exemplos mais visíveis que surgiram em resposta à compreensão de que a
grande comissão foi entregue a indivíduos, não a organizações.
As organizações eclesiásticas defendem há muito uma visão institucional
dos leigos, isto é, que toda atividade dos membros é feita sob a supervisão da
igreja. Segundo um relatório do National Council of Churches [Concílio
Nacional das Igrejas]: “Os leigos continuam a se ver no papel esperado de
servos de uma igreja institucional.” 15 Isso pode ter sido verdade no passado.
Em tempos mais recentes, porém, tanto os líderes quanto os membros da
igreja têm começado a perceber que os ministérios leigos não precisam se
confinar à igreja. O objetivo principal da igreja precisa ser a proclamação do
evangelho. E, para realizar isso, a igreja precisa incutir nos membros o senso
adequado de missão.
A Igreja Adventista se enxerga desempenhando um papel único na história
da salvação. Essa mentalidade, embora bíblica, pode produzir uma igreja que
se sente bem possessiva em relação aos métodos e recursos para cumprir a
missão. Embora não negue o senhorio supremo de Jesus Cristo, a igreja tem a
sensação de estar no comando do cumprimento da comissão evangélica.
A fim de fazê-lo, porém, a igreja precisa se mobilizar e envolver seus
membros. A igreja participa deliberadamente primeiro na reunião e depois na
dispersão dos membros. A reunião é feita com o propósito de adorar, viver
em comunhão e capacitar. A dispersão ocorre para ministrar, testemunhar,
proclamar e plantar o reino de Deus em novas vidas e regiões. O próprio
processo de dispersão dos membros para o ministério já abre espaço para a
possibilidade e probabilidade da existência de grupos e iniciativas
independentes. Entretanto, todos devem agir de acordo com as diretrizes
bíblicas da união visível da igreja.
As iniciativas individuais costumam encontrar apoio e estrutura ao se
manter intimamente ligadas aos problemas da igreja e recursos disponíveis.
Em contrapartida, os grupos podem gerar energia própria. E quase todos
esses grupos se perpetuam quando concentram seus interesses e recursos em
uma visão específica do que e como deve ser feito.
A maioria dos grupos cria forças centrífugas, que é a tendência de atrair
atenção para o grupo e seu programa. Assim que um grupo é criado, existe a
possibilidade de que os interesses e recursos se concentrem em algo diferente
dos programas e da agenda da igreja. Essa situação pode ser resultado natural
do movimento que a igreja faz de reunir os membros para adoração e
dispersá-los para o serviço.
Alguns grupos ou indivíduos independentes, embora se declarem leais à
igreja e ao evangelho, adotam uma agenda que defende conflitos teológicos e
mudanças na igreja. Caracterizam-se como agentes de uma “nova luz” ou de
reformas que devem ganhar preeminência na igreja. O plano estratégico
usado por essas pessoas é insinuar dúvidas quanto à situação atual da igreja
e/ou sua liderança. Ao expor o que declaram ser os pontos fracos da igreja,
presumem conseguir torná-la mais forte.
Toda organização saudável, sobretudo a igreja, precisa de espaço para o
debate intelectual e teológico. Mas essa liberdade só pode ser usada da forma
correta quando aliada a um grande senso de responsabilidade. Dúvidas,
questionamentos e debates podem minar a lealdade em uma organização a
ponto de produzir fraqueza generalizada, em lugar de saúde robusta.
Um exemplo para isso é a forma como o corpo humano lida com desafios.
Certas coisas que estressam o corpo podem levar a uma saúde melhor. Já
outras podem sobrecarregar os sistemas do corpo e levar a doenças. Crescer
apenas por crescer é a ideologia das células cancerosas. Quando a
mentalidade independente não é equilibrada pelo senso de lealdade e
compromisso com a unidade da igreja, ela pode se tornar maligna, assim
como em qualquer organização.
Existe uma tendência forte, mas inapropriada, de se assumir uma postura
categórica ao avaliar as questões relativas à igreja e a ministérios ou
iniciativas independentes. O espectro das atividades independentes é bem
amplo, e elas não podem ser avaliadas como se fossem iguais. A experiência
denominacional, tanto no passado quanto no presente, dá evidências
suficientes para ilustrar a ampla gama de atividades e agências que só podem
ser classificadas em termos gerais como ministérios independentes, desde os
que se enxergam como auditores teológicos e/ou organizacionais até os que
se esforçam para conseguir compromisso e apoio adicionais ao planejamento
da igreja mundial.
Qualquer discussão sobre os ministérios independentes envolve
necessariamente debater se a igreja tem o direito de assumir a postura de
autoridade organizacional nas questões pertinentes ao evangelho.
Embora o termo “igreja”, em seu sentido mais amplo, não se refira à
organização visível, há evidências bíblicas suficientes para concluir que essa
palavra possa se referir a uma estrutura organizacional específica. Os temas
de autoridade da igreja e disciplina, ou processo organizacional, podem ser
estudados à luz do estudo das Escrituras (Mt 16:19; 18:18; Jo 20:23; At 16:4;
Hb 13:7, NVI; 1Co 5:5, NVI; 2Co 13:2, 10; 1Tm 1:20; Tt 3:10).
Fica evidente que até mesmo nos tempos do Novo Testamento havia
iniciativas independentes na igreja. A congregação em Antioquia não foi
fundada pelos apóstolos, mas por crentes (membros da igreja) que haviam se
dispersado por causa da perseguição que sobreviera aos irmãos de Jerusalém
(cf. At 11:19-21).
O conselho de Paulo a Tito sobre como lidar com pessoas que causavam
divisão sugere que havia situações reais dessa natureza na igreja da época. A
igreja organizada e os ministérios independentes podem ser igualmente
comprometidos com o cumprimento da comissão evangélica.
No entanto, um pode se sentir desconfortável com o outro. As diferenças na
compreensão teológica e doutrinária estão na raiz de muitos problemas de
relacionamento.
O direito de mobilizar e usar pessoas e recursos é outra área de tensão
frequente. Até que ponto os ministérios independentes devem receber apoio
financeiro dos membros da igreja? Quando um membro devolve o dízimo,
quem pode reivindicar o direito de gastá-lo, e com que propósito? É correto
que ministérios independentes incentivem os membros da igreja a
encaminhar os dízimos para a organização independente, em lugar de
devolvê-lo para a igreja “organizada”? A quem de fato pertence os resultados
do trabalho evangelístico e quem deve assumir responsabilidade por eles?
Essas perguntas são debatidas com frequência, de forma bem detalhada.
A Igreja Adventista tira da Bíblia o apoio para a prática do dízimo.
Considerando que, no Antigo Testamento, o dízimo era usado para sustentar
os sacerdotes, a igreja sente que tem pleno direito de esperar que os dízimos
dos membros entrem para o sistema denominacional que sustenta ministros e
líderes da infraestrutura da igreja. As praxes denominacionais explicam os
procedimentos para o recolhimento e encaminhamento dos dízimos, bem
como para o gasto dos recursos.
De tempos em tempos, surgem indivíduos questionando a sabedoria das
praxes da igreja no que diz respeito ao recolhimento e uso dos dízimos. Não é
a prática de dizimar que é questionada; em vez disso, trata-se de um debate
sobre quem tem o direito de receber e usar o dízimo. Qualquer pessoa ou
grupo que incentive seus apoiadores a devolver o dízimo para um ministério
independente, não para a igreja, está transgredindo princípios bíblicos
importantes.
Essa breve revisão sobre a ligação entre a igreja e os ministérios
independentes revela um relacionamento duradouro e complexo. A igreja
abrange tanto o coletivo quanto o individual. É um só corpo, mas composto
por muitas partes. A partir de 1 Coríntios 12:12, o apóstolo Paulo apresenta
um argumento eloquente sobre a individualidade e unidade da igreja. Há
separação e junção. Há ordem e harmonia, em lugar de competição e conflito.
Talvez isso ilustre melhor a relação entre a igreja e os ministérios
independentes. Um necessita do outro. Cada um sozinho é uma expressão
incompleta do que Deus deseja que Seu povo seja e faça.
A obra do Senhor merece uma coalisão mutuamente benéfica de estrutura
organizada e iniciativa independente. Cada um precisa entender os pontos
fortes e as limitações um do outro.
O papel da igreja institucional inclui a necessidade de preservar o ensino do
evangelho, impedir a manifestação do erro, proporcionar comunhão para os
membros, capacitar os membros para o serviço, despertar os membros para a
missão global, reunir e distribuir recursos para um crescimento organizado e
sustentável e prover uma expressão coletiva do reino de Deus.
A igreja sempre deve reconhecer a natureza voluntária de seus membros.
Uma empresa não é um modelo de trabalho prático para a igreja. A empresa
traça uma distinção precisa entre donos/administradores e
funcionários/trabalhadores: os donos/administradores tomam as decisões, ao
passo que os funcionários/trabalhadores produzem as mercadorias ou os
serviços. A natureza da igreja dá a cada membro o papel de decisão e ação.
Mas a igreja também precisa ter estrutura; caso contrário, será uma anarquia.
Nesse contexto, é papel dos indivíduos e grupos independentes (ou
ministérios) traduzir a teologia na vida prática; levar o evangelho do local de
culto para o mercado de trabalho; ser as mãos, os pés e a voz de Deus em um
mundo perdido; e influenciar os outros a ter um compromisso com Deus e se
identificar com a igreja. Os ministérios independentes precisam atuar como
aliados, não adversários da igreja.
A definição dos papéis distintivos da igreja e das iniciativas independentes
ajuda a esclarecer a relação mútua de trabalho. No entanto, não se deve achar
que essas distinções colocam a igreja e os ministérios independentes no
mesmo patamar. Os ministérios independentes precisam prestar contas ao
corpo da igreja de Cristo.
Caso contrário, funcionarão como ministérios acéfalos que servem aos
próprios interesses, por vezes limitados demais. É no contexto do
compromisso total com a igreja que os indivíduos e grupos podem fazer sua
melhor contribuição para a proclamação do evangelho.
Ao mesmo tempo, a igreja precisa se esforçar para conferir um senso
adequado de missão aos membros. O tema central da reforma precisa ser
retomado: a comissão evangélica foi entregue a todos, e todos têm formas
únicas de se envolver na missão.
Por ser uma estrutura organizacional visível, a igreja deve motivar e
organizar seus membros para a missão. Ela precisa permanecer assim até o
fim dos tempos. Em seu sentido mais pleno, a comissão evangélica foi
concedida à igreja, não como mera instituição, mas como a soma de todos os
crentes. Todos que aceitam o convite evangélico para a salvação (“Vinde!”)
também precisam sentir a natureza pessoal da comissão evangélica (“Ide!”).

Necessidade de reflexão sobre gerenciamento proativo de


riscos
É comum a opinião de que o gerenciamento de riscos se preocupa
principalmente com a cobertura de seguros contra a perda de propriedades
físicas, causada por catástrofes naturais ou de outras naturezas. Entretanto, na
vida de um líder da igreja, o gerenciamento de riscos possui um significado
bem mais amplo e profundo. Abrange a reflexão de como proteger bens
físicos e intangíveis, bem como a preservação e o crescimento da capacidade
de uma organização ao cumprir sua missão.
A vida missionária e os aspectos de programação das organizações
adventistas do sétimo dia têm sido realizados, de modo geral, por meio de
pessoas físicas. Um número limitado de instituições foi estabelecido para
cumprir o papel de proprietário ou detentor de licenças e permissões.
Por exemplo, em algumas regiões do campo mundial é uma prática comum
a Associação contar com uma entidade incorporada e não incorporada.
Prédios, propriedades e equipamentos pertencem à Associação como pessoa
jurídica. Quase todos os outros bens, incluindo dinheiro e investimentos,
pertencem à Associação e são usados por ela como pessoas físicas. Esse
arranjo tem atendido bem a igreja há muitos anos.
A maioria das sociedades tem passado por um aumento significativo de
processos judiciais, acompanhados por pedidos de valores altíssimos em
indenizações. Em muitos casos, o advogado do requerente acusa diversas
partes, na esperança de obter acesso ao maior montante de recursos para
atender a suas solicitações. Como consequência, diversas organizações –
inclusive instituições religiosas – têm refletido sobre como se proteger de
envolvimento em litígios, bem como as organizações às quais estão ligadas.
As organizações adventistas do sétimo dia estão usando, cada vez mais,
corporações com fins especiais como mecanismos de limitação da exposição
a riscos em caso de processos judiciais.
No passado, houve aqueles que se opuseram abertamente contra a proposta
de agregar pessoas físicas em uma estrutura corporativa. A tendência atual,
porém, é de que a igreja faça uso crescente de entidades corporativas
múltiplas a fim de aumentar a proteção do patrimônio. Às unidades de
organização eclesiástica (igreja local, Missão/Associação local, União Missão
ou Associação, etc.) serão acrescentadas organizações com fins especiais
(instituições, agências de serviço, fundos, associações, fundações, etc.), com
a própria identidade legal, protegendo assim outras unidades da organização
denominacional de serem legalmente responsabilidades em caso de litígio.
Os adventistas do sétimo dia encorajam o serviço internacional há mais de
100 anos. O lema não oficial é “de toda parte para toda parte”. O programa de
obreiros interdivisão 16 está em funcionamento há anos e facilita uma
abordagem padronizada para o recrutamento e emprego de pessoas em
funções internacionais. Pode chegar o momento em que a função auxiliar da
sede da Associação Geral na colocação de pessoal no serviço internacional
precisará ser modificada a fim de administrar os riscos de maneira mais
eficaz.
Outra questão referente à agenda de gerenciamento de riscos diz respeito à
relação entre as atividades organizacionais oficiais e as iniciativas
independentes (confira o debate acima acerca da relação entre a estrutura
eclesiástica e a atuação dos membros da igreja). As questões centrais que
necessitam ser abordadas dizem respeito à natureza e aos resultados de
determinada atividade ou projeto conduzido por membros ou grupos da igreja
ligados à denominação, mas não empregados por ela.
Quando uma instituição da igreja colabora com um ministério
independente, é preciso tomar cuidado para que as questões ligadas ao
gerenciamento de riscos sejam claramente compreendidas e explicitadas. A
menos que essa relação seja definida de maneira apropriada, existe a
possibilidade de que a organização da igreja acabe incorrendo em problemas
judiciais de origem trabalhista.

Busca por qualidade e desempenho


A igreja é uma organização que desempenha um papel importante na vida
dos crentes. No entanto, as partes ou seções individuais dessa organização
passarão por um escrutínio cada vez mais detalhado no futuro. O papel da
organização da igreja está mudando. Nos primeiros anos de nossa história
denominacional, a ideia de que “juntos fazemos mais” impulsionou a criação
de Associações, Uniões e instituições.
Hoje, a Igreja Adventista possui uma grande infraestrutura mundial. Essa
estrutura permitiu o desenvolvimento de uma identidade global e o
compartilhamento de informações e recursos. Atualmente, esse
compartilhamento é realizado de diversas maneiras sobre as quais a estrutura
eclesiástica tem pouca ou nenhuma supervisão.
Em consequência, não é incomum ouvir o questionamento acerca da
necessidade de tanta infraestrutura. Organizações de todos os tipos – não
somente as igrejas – estão sendo confrontadas com a necessidade de justificar
sua existência com base em resultados comprovados.
Essa ênfase na qualidade e em medidas de desempenho é bem conhecida na
iniciativa comercial e sem fins lucrativos. Por necessidade, ela acabará se
tornando parte mais proeminente no pensamento e nos processos
denominacionais. As pessoas não apoiarão uma organização que julgam
ineficaz e ineficiente.
Por mais doloroso que seja, essa demanda por uma avaliação de
desempenho levará a mudanças em diversas estruturas denominacionais. Em
sentido muito real, o elemento mais importante nos recursos humanos da
igreja é a confiança. Onde existe confiança, outros recursos surgem. Quando
a confiança diminui, outros recursos desaparecem.
A fim de preservar a confiança financeira dos membros, a infraestrutura
denominacional precisa abordar diversas questões importantes, inclusive um
sistema de ofertas de fácil compreensão, que se mostre diretamente ligado a
prioridades missionárias, que forneça relatórios mais imediatos e
quantificáveis para os membros.

Pressão crescente por independência financeira


Embora a Associação Geral seja vista, em alguns aspectos, como a
representação do cerne da infraestrutura eclesiástica adventista do sétimo dia,
ela não pode ser considerada seu principal centro de recursos financeiros.
Foram-se os dias em que o orçamento da Associação Geral era gigante em
comparação com outras entidades ao redor do globo. O impacto das verbas
concedidas pela Associação Geral diminuiu. Essas verbas ainda possuem
muita importância em algumas partes do campo mundial. No entanto, elas
formam uma porcentagem menor das operações. Embora as organizações
cresçam em números gerais, elas precisam se tornar cada vez menos
dependentes de verbas da Associação Geral.

Urbanização da população mundial e dos membros da


igreja
Há não muito tempo, a maior parte da população mundial vivia em cidades
pequenas e regiões rurais. Porém, em pouco tempo, a população urbana
ultrapassará em muito o número de habitantes de cidades pequenas e regiões
rurais. Um relatório das Nações Unidas 17 revela que, em 2014, 54% da
população mundial vivia em áreas urbanas. Projeta-se que esse total cresça
para 66% em 2050.
A Igreja Adventista também começou uma ênfase no evangelismo para as
cidades, sobretudo as maiores do mundo. Historicamente, uma porção maior
do crescimento de membros da Igreja Adventista acontecia em cidades
pequenas, vilas, vilarejos ou na zona rural. É relativamente fácil conseguir
terreno e recursos para construir igrejas locais nessas áreas. O crescimento de
membros em cidades com alta densidade populacional impõe um novo
desafio para a organização: fornecer locais de adoração.
O custo das propriedades em qualquer uma das megacidades do mundo se
encontra fora do alcance de quase todas as congregações locais. A construção
de um local de adoração atraente em um grande centro populacional é
igualmente desafiadora.
Além do mais, as igrejas locais são normalmente usadas apenas uma vez
por semana. No restante do tempo, ficam fechadas, em testemunho silencioso
da existência de uma comunidade de adoração. O custo de terrenos e prédios
nas cidades intensificará as pressões sobre a vida congregacional tradicional.
Em vez de uma congregação ter o próprio local de culto, pode se tornar
necessário que diversas congregações usem um local de adoração em
horários diferentes do sábado. Outra alternativa é a realização de cultos em
prédios com propósitos variados ou em igrejas nos lares.

CONCLUSÃO

Foi apresentada uma breve síntese de diversos fatores que continuarão a


influenciar o padrão e a expressão da organização denominacional. Sem
dúvida, existem outros elementos que não foram mencionados, que incluem
convicções sobre a eclesiologia. A organização e os princípios operacionais
da estrutura da Igreja Adventista do Sétimo Dia refletem o entendimento que
a igreja tem dos princípios bíblicos que se relacionam com a vida do corpo de
crentes.
Ao mesmo tempo, é importante lembrar que nenhuma forma de
organização humana é capaz de limitar a igreja. Embora, em certo sentido, a
organização humana seja uma expressão da igreja, ela sozinha não define o
que é igreja. Quando a igreja se adapta a mudanças de circunstâncias ou dos
tempos, ou ainda quando adota novos padrões estruturais, ela o faz com o
propósito de cumprir a missão. Na verdade, é Jesus quem edifica a igreja.
Seus discípulos e, por extensão, todos os cristãos que vieram depois,
receberam o seguinte chamado: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as
nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo;
ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que
estou convosco todos os dias até à consumação do século” (Mt 28:19, 20).
A estrutura visível da igreja não é sua característica mais importante. É um
instrumento para facilitar o testemunho coletivo do senhorio de Jesus e o
engajamento na grande comissão.
Portanto, não é de se espantar que sua forma de organização reflita algo de
seu tempo e lugar. As necessidades e o ambiente organizacional de amanhã
serão diferentes dos de hoje. Os ajustes estruturais à luz da mudança de
circunstâncias sempre devem ser abordados em termos de como facilitam a
eficácia do testemunho e da missão. Embora enfrente muitas incertezas, o
povo de Deus pode permanecer certo de que “Deus fará o trabalho, se Lhe
fornecermos os instrumentos”. 18

1 Vários historiadores da igreja analisaram a estrutura organizacional adventista. Cf. Andrew G.


Mustard, James White and SDA Organization: Historical Development, 1844-1881 (Berrien Springs,
MI: Andrews University Press, 1988); Barry D. Oliver, SDA Organizational Structure: Past, Present
and Future (Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 1989); George Knight, “Organizing for
Mission: The Development of Seventh-day Adventist Organizational Structure” (manuscrito não
publicado, apresentado para Commission on Ministries, Services and Structures, Loma Linda, CA, abril
de 2006). Disponível em <http://lender.adventist.org/world-church/commission-ministries-services-
structures/knight-organized-for-mission.pdf>, acesso em 25 de fevereiro de 2016.
2 Os seguintes princípios da estrutura organizacional foram resumidos com base nas pesquisas feitas
por George Knight, Andrew Mustard e Barry Oliver (ver nota anterior).
3 Roswell F. Cottrell, “Church Order”, Review and Herald, 23 de janeiro de 1855, p. 164.
4 Tiago White, “Yearly Meetings”, Review and Herald, 21 de julho de 1859, p. 68 (itálico
acrescentado).
5 General Conference Working Policy, edição de 2014-2015, B 10, 22, 57. Cf. D 05, 143.
6
Milton C. Wilcox, registro estenográfico da 35ª Assembleia da Associação Geral da Igreja
Adventista do Sétimo Dia, realizada em Oakland, Califórnia, 1903. Record Group O, Arquivos da
Associação Geral, 20-20a, citado por Oliver, SDA Organizational Structure, p. 302.
7 European Union Conference Session, 1902, citado por Oliver, SDA Organizational Structure, p.
319, 320.
8 W. A. Spicer, “The Divine Principle of Organization”, Review and Herald, 25 de março de 1909, p.
5 (itálico acrescentado). Cf. “The Divine Principle of Organization”, Review and Herald, 27 de julho de
1916, p. 4 e “The Second Advent Movement: An Organized Movement”, Review and Herald, 24 de
abril de 1930, p. 6.
9 Knight, “Organizing for Mission: The Development of Seventh-day Adventist Organizational
Structure”, p. 48.
10 Cf. Oliver, SDA Organizational Structure, p. 205-215.
11 Cf. Adventist Review, 3 de julho de 1995, p. 13 em diante.
12 Ver uma introdução que estimula e provoca reflexões sobre como os avanços tecnológicos
impactaram o mundo e o estilo de administração das organizações em Thomas L. Friedman, The World
is Flat: A Brief History of the Twenty-First Century (Nova York: Farrar, Straus, and Giroux, 2005).
13 Friedman, The World is Flat, p. 45.
14 “Seventh-day Adventist Church Statistics 201, 2017”. Disponível em
<https://www.adventist.org/en/information/statistics/article/go/-/seventh-day-adventist-world-church-
statistics-2016-2017/>, acesso em 3 de setembro de 2019.
15 Listening to Lay People: Report of the All Lay National Committee of the Listening-to-Lay-People
Project of the National Council of the Churches of Christ in the USA (Nova York: Council Press,
1971).
16 O programa “Obreiros em Serviço Internacional” foi introduzido em 2015 e substituirá
gradualmente o programa “Obreiros Interdivisão”.
17 World Urbanization Prospects, 2014 Revision – relatório publicado pelo departamento de
economia e questões sociais das Nações Unidas. Disponível em
<https://www.esa.un.org/unpd/wup/High-lights/WUP2014-Highlights.pdf>, acesso em 21 de dezembro
de 2015.
18 Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja, 9 v. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), v.
9, p. 107.
Anexo 1
Diretrizes Para o Engajamento na Missão
Global: Formas de Adoração,
Contextualização e Sincretismo

Formas de adoração
medida que a Igreja Adventista do Sétimo Dia continua a entrar em

À contato com muitas culturas diferentes em países não cristãos, o


tema das práticas adequadas de adoração se torna bem relevante.
Nesses contextos, é importante decidir o que é aceitável ou não em um culto
de adoração adventista do sétimo dia. O chamado para que as pessoas adorem
o único Deus verdadeiro desempenha um papel significativo na mensagem e
missão da igreja. Aliás, na escatologia adventista, o elemento central do
grande conflito diz respeito a quem deve ser adorado. Precisamos tomar
cuidado e ser prudentes ao buscar maneiras de contextualizar a adoração
adventista ao redor do mundo. Nessa tarefa, precisamos ter sempre em mente
os seguintes aspectos na adoração adventista:
1. Deus é o centro da adoração e alvo supremo dela. Quando nos
aproximamos de Deus em adoração, entramos em contato com a fonte da
vida, nosso Criador, Aquele que, em um ato de graça, nos remiu por meio da
morte de Seu Filho amado. Nenhum ser humano deve usurpar esse direito
divino.
2. A adoração coletiva acontece quando o povo de Deus se acha em Sua
presença como o corpo de Cristo, em reverência e humildade, para O honrar e
homenagear por meio da adoração, confissão, oração, ações de graças e
cânticos. Os cristãos se reúnem para ouvir a Palavra, ter comunhão, celebrar a
Ceia do Senhor, servir a todos e ser capacitados para a proclamação do
evangelho. Nossa fé convida a uma adoração altamente participativa e de
todo o coração, na qual a Palavra de Deus ocupa papel central, a oração é
fervorosa, a música é sentida com o coração e a comunhão na fé é palpável.
Esses elementos de adoração são indispensáveis nos cultos adventistas ao
redor do mundo e devem fazer parte de qualquer tentativa de contextualizar a
adoração adventista.
3. Somos criaturas complexas, com razão e emoção exercendo papéis
significativos. A verdadeira adoração se exprime por meio do corpo, da
mente, do espírito e das emoções. A Igreja Adventista requer um equilíbrio
adequado do envolvimento desses aspectos de nossa personalidade em
adoração. É importante manter em mente que qualquer elemento do culto de
adoração que tende a colocar os seres humanos no centro deve ser rejeitado.
O grau de participação do corpo na adoração varia de cultura para cultura,
mas tudo deve ser feito com disciplina e autocontrole, conservando na
lembrança que o aspecto central do culto de adoração é a proclamação da
Palavra e o chamado para servir a Deus e aos outros.
4. A adoração adventista deve fazer uso do baú de tesouros da teologia
adventista do sétimo dia, a fim de proclamar com exuberância e alegria a
comunhão e unidade dos crentes em Cristo, bem como o tema grandioso do
amor infinito de Deus, conforme visto na criação, no plano da redenção, na
vida de Cristo, em Sua obra sumo sacerdotal no santuário celestial e em Seu
breve retorno em glória.
5. A música deve ser usada para louvar a Deus, não como meio de
superestimular as emoções e levar as pessoas a se “sentirem bem” consigo
mesmas. Por meio dela, os adoradores devem expressar os sentimentos mais
profundos de gratidão e alegria ao Senhor, em espírito de santidade e
reverência. A adoração adventista é uma celebração do poder criador e
redentor de Deus.
Se surgir a necessidade de contextualizar a forma de adoração em uma
cultura específica, as diretrizes apresentadas no documento intitulado
“Contextualização e Sincretismo” devem ser seguidas.

Contextualização e sincretismo
A contextualização é definida neste documento como uma tentativa
intencional e diferenciada de comunicar a mensagem do evangelho de
maneira culturalmente significativa. A contextualização adventista do sétimo
dia é motivada pela responsabilidade séria de cumprir a comissão evangélica
em um mundo muito diverso. Baseia-se na autoridade das Escrituras e na
guia do Espírito, com o objetivo de transmitir as verdades bíblicas de forma
culturalmente relevante. Ao empreender essa tarefa, a contextualização deve
ser fiel às Escrituras e significativa para a cultura anfitriã. É preciso lembrar
sempre que todas as culturas devem ser julgadas com base no evangelho.
A contextualização intencional do jeito de comunicar nossa fé e prática é
bíblica, legítima e necessária. Sem ela, a igreja corre o risco de ter atritos na
comunicação e ser mal compreendida, perder sua identidade ou cair no
sincretismo. Historicamente, as adaptações acontecem no mundo inteiro e são
uma parte crucial da disseminação das três mensagens angélicas para todo
reino, nação, tribo e povo. Isso continuará a acontecer.
À medida que a igreja avança para áreas não cristãs, a questão do
sincretismo – a mistura da verdade religiosa com o erro – se torna um desafio
e uma ameaça constantes. Afeta todas as partes do mundo e deve ser levada a
sério ao analisarmos a prática da contextualização. Esse tema é destacado
pelo entendimento adventista do sétimo dia do grande conflito entre o bem e
o mal, que explica o modus operandi de Satanás, o qual distorce e
compromete a verdade sem negá-la, mas misturando verdade e erro, privando
o evangelho de seu verdadeiro impacto e poder. Nesse contexto de perigo e
possível distorção, a contextualização crítica é indispensável.
Como as consequências do pecado e a necessidade de salvação são comuns
a toda a humanidade, existem verdades eternas que todas as culturas
necessitam saber, as quais, em alguns casos, podem ser comunicadas e
vivenciadas de formas distintas, mas, ao mesmo tempo, equivalentes. A
contextualização tem o objetivo de exaltar todas as crenças fundamentais e
torná-las compreensíveis em sua plenitude.
Na busca pela melhor maneira de contextualizar, ao mesmo tempo em que
se rejeita o sincretismo, certas diretrizes devem ser seguidas:
1. Uma vez que a contextualização acrítica é tão perigosa quanto a ausência
de contextualização, ela não deve ser feita a distância, mas no contexto de
uma situação cultural específica.
2. A contextualização é um processo que deve envolver os líderes da igreja
mundial, teólogos, especialistas em missão, pessoas locais e pastores. Esses
indivíduos devem ter uma compreensão clara dos elementos centrais da
cosmovisão bíblica, a fim de ser capazes de diferenciar verdade e erro.
3. A análise do elemento cultural específico requer uma reflexão
especialmente cuidadosa acerca do significado do elemento cultural
específico em questão.
4. É indispensável o exame de tudo o que a Bíblia diz sobre o assunto em
questão. É necessário refletir em todos os desdobramentos dos ensinos e
princípios bíblicos e pesar quais serão as consequências das estratégias
propostas.
5. Em atitude de oração e reflexão, a instrução bíblica é normativa e deve
ser aplicada ao elemento cultural específico em questão. A análise pode levar
a um dos resultados a seguir:
a. O elemento cultural particular é aceito por ser compatível com os
princípios bíblicos.
b. O elemento cultural particular é modificado para se tornar compatível
com os princípios cristãos.
c. O elemento cultural particular é rejeitado por contradizer os princípios
das Escrituras.
6. O elemento cultural particular que foi aceito ou modificado é
implementado cuidadosamente.
7. Após um período de teste, pode ser necessário avaliar a decisão tomada e
determinar se deve ser descontinuada, modificada ou mantida.
Por fim, toda contextualização verdadeira deve se sujeitar à verdade bíblica
e mostrar resultados para o reino de Deus. A unidade da igreja global requer
uma exposição regular uns aos outros, à cultura uns dos outros e à avaliação
uns dos outros, para que, “com todos os santos”, possamos compreender
“qual é a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade e conhecer o
amor de Cristo” (Ef 3:18, 19).
Statements, Guidelines, and Other Documents (Silver Spring, MD: General
Conference of the Seventh-day Adventist Church Communication
Department, 2010), p. 147-150.
Nota: Essas diretrizes foram elaboradas pela Comissão de Missão Global
(ADCOM-S) e editadas pelo Instituto de Pesquisa Bíblica. Foram as
primeiras de uma série de diretrizes apresentadas à Comissão Diretiva da
Associação Geral da Igreja Adventista do Sétimo Dia para serem avaliadas
em junho e julho de 2003. O objetivo é que as diretrizes sejam usadas,
conforme apropriado, por administradores da igreja, educadores e outros ao
proclamar o evangelho em ambientes predominantemente não cristãos.
Anexo 2
Filosofia Adventista do Sétimo Dia Sobre a
Música

eus entremeou a música no tecido de Sua criação. Quando fez todas

D as coisas, “as estrelas da alva, juntas, alegremente cantavam” (Jó


38:7). O livro de Apocalipse retrata o Céu como um lugar de louvor
incessante, onde todos entoam cânticos de adoração a Deus e ao Cordeiro
(Ap 4:9-11; 5:9-13; 7:10-12; 12:10-12; 14:1-3; 15:2-4; 19:1-8).
Fomos criados à imagem e semelhança divina. Assim, compartilhamos
amor e apreço pela música com todos os seres criados. De fato, a música é
capaz de nos tocar e emocionar com um poder que vai além das palavras e de
quase todos os outros tipos de comunicação. 1 Em sua forma mais pura e
nobre, a música eleva nosso ser à presença de Deus, na qual anjos e seres não
caídos O adoram com cânticos.
No entanto, o pecado perturbou o equilíbrio de toda a criação. A imagem
divina foi manchada e obliterada. Em todos os aspectos, esse mundo e os
dons de Deus chegam a nós com uma mistura de bem e mal. A música não é
moral e espiritualmente neutra. Enquanto algumas têm o poder de nos mover
a uma elevada experiência humana, outras podem ser usadas pelo príncipe
das trevas para nos aviltar e degradar, para incitar a luxúria, a paixão, o
desespero, a ira e o ódio.
Ellen G. White, a mensageira do Senhor, nos aconselha continuamente a
dedicar nossa atenção à música: “A música, quando bem utilizada, é uma
grande bênção, mas quando mal usada, uma terrível maldição.” 2
“Corretamente empregada [...], [a música] é um dom precioso de Deus,
destinado a erguer os pensamentos às coisas altas e nobres, a inspirar e elevar
a mente.” 3
Ao falar sobre o poder do cântico, ela escreveu:

O canto é um dos meios mais eficazes para impressionar o coração com as verdades
espirituais. Quantas vezes, à pessoa duramente oprimida e à beira do desespero, vêm
à memória algumas das palavras de Deus – as de um refrão, há muito esquecido, de
um hino da infância –, e as tentações perdem seu poder, a vida assume novo
significado e novo propósito, e o ânimo e a alegria são transmitidos a outras pessoas!
[...] Como parte do culto, o canto é um ato de adoração tanto quanto a oração. De
fato, muitos hinos são orações. [...] Ao sermos guiados pelo nosso Redentor ao limiar
do Infinito, que resplandece com a glória de Deus, podemos aprender o tema dos
louvores e das ações de graças do coro celestial em redor do trono; e despertando-se
o eco do cântico dos anjos em nossos lares terrestres, os corações serão levados para
mais perto dos cantores celestiais. A comunhão do Céu começa na Terra. Aqui
somos afinados com seu louvor. 4

Nós, adventistas do sétimo dia, cremos e pregamos que Jesus voltará em


breve. Em nossa proclamação mundial das três mensagens angélicas de
Apocalipse 14:6 a 12, conclamamos todos os povos a aceitar o evangelho
eterno, adorar ao Deus Criador e nos preparar para encontrar o Senhor que
logo virá. Desafiamos todos a escolher o bem, não o mal, a “renunciar à
impiedade e às paixões mundanas e a viver de maneira sensata, justa e
piedosa nesta era presente, enquanto aguardamos a bendita esperança: a
gloriosa manifestação de nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo” (Tt
2:12, 13, NVI).
Acreditamos que o evangelho causa impacto em todas as áreas da vida.
Assim, considerando o vasto potencial da música para o bem ou para o mal,
não podemos ser indiferentes a ela. Embora reconheçamos que o gosto
musical varia muito de um indivíduo para o outro, cremos que as Escrituras e
os escritos de Ellen G. White sugerem princípios que podem orientar nossas
escolhas.
Neste documento, a expressão música sacra – às vezes chamada de música
religiosa – designa as músicas que se concentram em Deus e em temas
bíblico-cristãos. Na maioria dos casos, trata-se de músicas compostas para
fazer parte dos cultos de adoração, de reuniões evangelísticas ou da devoção
pessoal, podendo ser tanto vocais quanto instrumentais. Contudo, nem todas
as músicas religiosas podem ser aceitáveis para a adoração adventista. A
música sacra não deve evocar associações seculares nem convidar à
conformidade com padrões mundanos de conduta, pensamento ou ação.
A música secular é composta para outros contextos que não o culto de
adoração ou a devoção pessoal. Fala de assuntos comuns da vida e de
emoções humanas básicas. Sai de dentro de nosso ser, expressando a reação
do espírito humano à vida, ao amor e ao mundo no qual o Senhor nos
colocou. Pode ser moralmente inspiradora ou degradante. Embora não louve
e adore a Deus de forma direta, pode ter espaço legítimo na vida do cristão.
Para selecioná-la, os princípios apresentados neste documento devem ser
seguidos.

Princípios para guiar o cristão


A música que o cristão desfruta deve ser governada pelos princípios a
seguir:
1. Todas as músicas que o cristão ouve, toca ou compõe, sejam elas sacras
ou seculares, devem glorificar a Deus: “Portanto, quer comais, quer bebais ou
façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus” (1Co 10:31).
Esse é o princípio bíblico orientador. Qualquer coisa que não atenda a esse
elevado padrão enfraquece nossa experiência com o Senhor.
2. Todas as músicas que o cristão ouve, toca ou compõe, sejam elas sacras
ou seculares, devem ser as melhores e mais nobres: “Finalmente, irmão, tudo
o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é puro, tudo o que é
amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se algum louvor
existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento” (Fp 4:8). Por sermos
seguidores de Jesus Cristo, com a esperança e expectativa de nos unir ao coro
celestial, vemos a vida na Terra como preparo e antecipação da vida no Céu.
Desses dois fundamentos – glorificar a Deus em todas as coisas e escolher o
melhor e mais nobre – dependem os outros princípios listados a seguir para a
seleção de músicas pelos cristãos.
3. As músicas devem ser caracterizadas por qualidade, equilíbrio,
adequação e autenticidade. A música aprimora nossa sensibilidade espiritual,
psicológica e social, bem como nosso crescimento intelectual.
4. A música apela tanto ao intelecto quanto às emoções e impacta o corpo
de maneira positiva. É holística.
5. A música revela criatividade ao ser estruturada em melodias de
qualidade. Quando harmonizada, 5 usa a harmonia de forma interessante e
artística, usando o ritmo que a complementa.
6. A letra da música cantada estimula positivamente as habilidades
intelectuais, as emoções e força de vontade. As letras de qualidade são
criativas, ricas em conteúdo e de boa composição. Concentram-se no positivo
e refletem valores morais; educam e inspiram; são correspondentes a uma
teologia bíblica coerente.
7. Os elementos musicais e líricos devem trabalhar juntos para influenciar o
pensamento e o comportamento, em harmonia com os valores bíblicos.
8. Mantém um equilíbrio cuidadoso dos elementos espiritual, intelectual e
emocional.
9. Devemos reconhecer e compreender a contribuição das diferentes
culturas na adoração a Deus. As formas e os instrumentos musicais podem
variar muito na família adventista do sétimo dia mundial, e a música extraída
de uma cultura pode parecer estranha para alguém de cultura diferente.
As práticas musicais adventistas do sétimo dia devem ser fruto das
melhores escolhas e, acima de tudo, precisam glorificar nosso Criador e
Senhor. Que estejamos à altura do desafio de uma visão musical alternativa
viável e, como parte de nossa mensagem profética e holística, façamos uma
contribuição adventista única como testemunho ao mundo de um povo que
aguarda o breve retorno de Cristo!
Statements, Guidelines, and Other Documents (Silver Spring, MD: General
Conference of the Seventh-day Adventist Church Communication
Department, 2010), p. 155-159.
Nota: Essas diretrizes foram elaboradas pela Comissão de Missão Global
(ADCOM-S) e editadas pelo Instituto de Pesquisa Bíblica. Foram as
primeiras de uma série de diretrizes apresentadas à comissão diretiva da
Associação Geral da Igreja Adventista do Sétimo Dia para ser avaliadas em
junho e julho de 2003. O objetivo é que as diretrizes sejam usadas, conforme
apropriado, por administradores da igreja, educadores e outros ao
proclamar o evangelho em ambientes predominantemente não cristãos.

1 “[A música] é um dos meios mais eficazes para impressionar o coração com as verdades espirituais”
(Ellen G. White, Educação [Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2016], p. 168).
2 Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja, 9 v. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), v.
1, p. 497. Ela também declara que, no futuro: “Antes da terminação da graça [...] haverá gritos com
tambores, música e dança. Os sentidos dos seres racionais ficarão tão confundidos que não se pode
confiar neles quanto a decisões retas. E isto será chamado operação do Espírito Santo. O Espírito Santo
nunca Se revela por tais métodos, em tal balbúrdia de ruído. Isto é uma invenção de Satanás para
encobrir seus engenhosos métodos para anular o efeito da pura, sincera, elevadora, e santificante
verdade para este tempo” (Ellen G. White, Maranata [Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira,
1977], p. 232).
3 White, Educação, p. 167.
4 White, Educação, p. 168.
5 Reconhecemos que, em algumas culturas, a harmonia não é tão importante quanto em outras.
Anexo 3
Declaração de Consenso Sobre a Teologia
Adventista do Sétimo Dia de Ordenação

m um mundo alienado de Deus, a igreja é composta por aqueles que

E Deus reconciliou consigo mesmo e uns com os outros. Por meio da


obra salvadora de Cristo, uniram-se a Ele pela fé por intermédio do
batismo (Ef 4:4-6), tornando-se assim um sacerdócio real, cuja missão é
“anunciar as grandezas Daquele que os chamou das trevas para a Sua
maravilhosa luz” (1Pe 2:9, NVI). Os cristãos recebem o ministério da
reconciliação (2Co 5:18-20), sendo chamados e capacitados pelo poder do
Espírito e pelos dons que Ele derrama a fim de cumprirem a grande comissão
(Mt 28:18-20).
Embora todos os cristãos sejam chamados a usar seus dons espirituais para
o ministério, as Escrituras identificam posições específicas de liderança que
foram acompanhadas do endosso público da igreja para indivíduos que
cumprem os requisitos bíblicos (Nm 11:16-17; At 6:1-6; 13:1-3; 14:23; 1Tm
3:1-12; Tt 1:5-9). Várias dessas confirmações envolviam a imposição de
mãos. Muitas versões modernas das Escrituras usam a palavra ordenar para
traduzir diversos termos gregos e hebraicos que transmitiam a ideia básica de
selecionar ou designar, os quais descrevem a colocação desses indivíduos em
seus respectivos cargos. No decorrer da história cristã, o termo ordenação
adquiriu significados que vão além do que o termo original subentendia.
Nesse contexto, os adventistas do sétimo dia entendem que ordenação, no
sentido bíblico, é um ato de reconhecimento público por parte da igreja
daqueles a quem o Senhor chamou e capacitou para o ministério local e
global.
Além do papel único dos apóstolos, o Novo Testamento identifica as
seguintes categorias de líderes ordenados: o presbítero (At 14:23; At 20:17,
18, 28; 1Tm 3:2-7; 4:14; 2Tm 4:1-5; 1Pe 5:1) e o diácono (Fp 1:1; 1Tm 3:8-
10). Ao passo que os presbíteros e diáconos ministravam em contextos locais,
alguns presbíteros eram itinerantes e supervisionavam um território maior,
com congregações múltiplas, realidade que pode refletir o ministério de
indivíduos como Timóteo e Tito (1Tm 1:3, 4; Tt 1:5).
No ato da ordenação, a igreja confere autoridade representativa aos
indivíduos para a obra específica de ministério à qual foram designados (At
6:1-3; 13:1-3; 1Tm 5:17; Tt 2:15). As funções podem incluir: representar a
igreja, proclamar o evangelho, ministrar a Ceia do Senhor e o batismo,
plantar e organizar igrejas, guiar e desenvolver os membros, opor-se a falsos
ensinos, prover serviço geral à congregação (cf. At 6:3; 20:28-29; 1Tm 3:2,
4-5; 2Tm 1:13-14; 2:2; 4:5; Tt 1:5, 9). Ao passo que a ordenação contribui
para a ordem eclesiástica, ela não transmite qualidades especiais ao ordenado
nem introduz uma hierarquia monárquica dentro da comunidade da fé. Os
exemplos bíblicos de ordenação incluem apresentar um chamado, impor as
mãos, jejuar e orar e confiar os separados à graça de Deus (Dt 3:28; At 6:6;
14:26; 15:40).
Os indivíduos ordenados dedicam seus talentos ao Senhor e à Sua igreja
para uma vida de serviço. A base para o modelo de ordenação é o chamado
de Jesus para os Doze apóstolos (Mt 10:14; Mc 3:13-19; Lc 6:12-16), e o
modelo supremo de ministério cristão é a vida e obra de nosso Senhor, que
não veio para ser servido, mas para servir (Mc 10:45; Lc 22:25-27; Jo 13:1-
17).

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