As Neuroses Atuais e A Psicossomática
As Neuroses Atuais e A Psicossomática
As Neuroses Atuais e A Psicossomática
SUMÁRIO
Agradecimentos -----------------------------------------------------------------------------iv
Apresentação----------------------------------------------------------------------------------2
1 INTRODUÇÃO ----------------------------------------------------------------------------3
5 CONCLUSÃO ----------------------------------------------------------------------------41
Apresentação
1 INTRODUÇÃO
Desde a sua criação, a psicanálise se mostra como um dispositivo clínico que apresenta
no seu interior tanto uma prática de intervenção quanto um método de investigação, além de
um arcabouço teórico produzido como desdobramento dessas práticas. Nela encontram-se
formas categorizadas de concepção e tratamento dos processos mentais que acarretam muitos
dos distúrbios manifestados no comportamento humano. Não é, contudo, a única corrente de
pensamento que se dispõe a estudá-los. Assim como a psicanálise, no âmbito das
manifestações mentais, encontra-se uma diversidade de sistemas que partem de princípios
distintos para o alcance etiológico de tais manifestações, o que se desdobra em formas não
menos diversas de intervenção. A exemplo disso, aparece o behaviorismo, ou as abordagens
humanistas.
No que concerne à psicanálise, o que se encontra é uma demarcação de campo que visa
à construção de uma teoria acerca das afecções psíquicas, cuja base reside no conceito do
inconsciente, entendido aqui basicamente como grupos de idéias que permanecem fora da
consciência sob o mecanismo do recalque1 (Freud, 1910).
A gama de fenômenos que aparece até hoje na clínica criada por Freud foi explicada a
partir deste princípio – o inconsciente. O enfoque dado pela psicanálise acerca desses
fenômenos demonstra uma delimitação que, num amplo grau de especificidade, parte de uma
sintomatologia que está, sob esta perspectiva teórica, diretamente relacionada aos processos do
inconsciente. Tal sintomatologia se enquadra numa categoria que recebeu de Freud o nome de
“psiconeurose”, a qual se configura a partir do que se denomina “neurose histérica” e “neurose
obsessiva” (Freud, 1898).
Observa-se, contudo, tipos peculiares de manifestações, dentro e fora da clínica
_______________
1-O termo recalque é utilizado no “Vocabulário de Psicanálise” (Laplanche, 1983) e seu conceito será definido
segundo Freud, posteriormente, no terceiro capítulo deste trabalho.
psicanalítica, que de certa forma se diferenciam das chamadas psiconeuroses. São
manifestações delineadas por muitos médicos e psicólogos como fenômenos implicados
diretamente com o psiquismo. Refere-se aqui a ocorrências caracterizadas nos horizontes da
psicossomática.
5
________________
2-Tais lesões configuram-se diferentemente dos casos de conversão histérica, onde não se encontram
modificações de ordem bio-estruturais, apenas manifestações funcionais de ordem corporal sem qualquer lesão
ou modificação orgânica constatável.
medicina foram idéias defendidas por Freud em seu artigo “Sobre o ensino da psicanálise nas
Universidades”, idéias essas que começavam a estabelecer uma primeira interlocução entre os
dois discursos:
“Essa formação tem sido justamente criticada nas últimas décadas pela maneira
parcial pela qual dirige o estudante para os campos da anatomia, da física e da química,
enquanto falha, por outro lado, no esclarecimento do significado dos fatores mentais nas
diferentes funções vitais, bem como nas doenças e seu tratamento” (Freud, 1919, p.
187).
PRINCIPAIS QUESTÕES.
O pensamento de que há uma ligação intrínseca entre o corpo e o psíquico foi o ponto
de partida para que Groddeck desenvolvesse suas idéias. Em suas convicções, defendeu que o
corpo e o espírito são uma única entidade, encarando o humano em sua totalidade, que se
determina sob a expressão do que ele chamou de Isso1 (Volich, 2000).
Neste sentido, Groddeck não aceitou a separação entre as doenças somáticas e as
doenças psíquicas, havendo no centro de toda doença somática uma implicação psíquica
expressa pelo Isso que integra a totalidade do indivíduo. Tanto as doenças psíquicas quanto as
______________
* Groddeck, G. (1917) – Détermination psychique et traitemente psychanalitique des effections organiques in La
maladie, l’arte et le symbole, Paris 1969.
1-Terminologia do termo alemão “das Es” que se traduz por “o Isso”.
doenças somáticas estariam, portanto, ligadas ao Isso, e aquelas seriam expressão deste. O Isso
se expressa tanto no corpo quanto no psiquismo, segundo a linguagem na qual ele escolhe se
uma enfermidade aparece ou não diante de um traumatismo ou precipitante interno. As
enfermidades em sua totalidade são, para Groddeck, originadas no Isso, sendo, portanto, todas
as lesões orgânicas, psicossomáticas.
9
“(...) O médico não pode senão observar, tão atentamente quanto possível, a linguagem
do Isso, seu idioma corporal ou individual, adivinhar o que ele quer e lhe propor o que
adivinhou. O Isso dispõe, examina tudo e retém o melhor. Ele procede na ocorrência
como uma célula que, banhada por tesouros nutritivos, seleciona autocraticamente o que
ela quer ter.” (Groddeck* apud Birman, 1980, p. 100)
mental e das neuroses (Freud, 1923). A posição de Groddeck quanto ao Isso divergiu da de
Freud, já que este aplicou o termo Isso (id) apenas numa dimensão relativa ao campo das
neuroses e não na totalidade organismo-psiquismo defendida por Groddeck (Volich, 2000).
Groddeck pioneirizou uma discussão sistemática no campo psicossomático, deixando
suas contribuições à teoria psicanalítica e ao impulso para se pensar o psicossoma. Contudo, a
10
crítica à posição teórica acerca das afecções psicossomáticas defendidas por Groddeck, sobre o
‘sentido’ contido nos sintomas orgânicos, sua natureza simbólica, veio com o psicanalista
Alexander quando este defendeu que os processos que levam à enfermidade psicossomática
não são os mesmos das conversões histéricas.
“A teoria da histeria de conversão foi erroneamente estendida a todas as perturbações
físicas nas quais as emoções desempenham um papel, até a perturbação dos órgãos
viscerais que funcionam sob o controle do sistema nervoso autônomo. A cuidadosa
investigação psicossomática de disfunções emocionalmente condicionadas do estômago,
dos intestinos e dos sistemas endócrino, circulatório e respiratório mostrou que a
fisiologia e a psicodinâmica subjacente desses casos são essencialmente diferentes das
observações nos mecanismos de conversão” (Alexander* apud Birman, 1980, p. 95-96).
_____________
* Alexander, F. (1965) – Fundamentos da Psicanálise, Rio de Janeiro: Zahar, 1965
Volich (op. cit.) esclarece ainda a respeito dos perfis de personalidade afirmando que o
ulceroso, devido a um “(...)bloqueio das tendências de dependência (...) obriga-se a ser ativo,
não se permitindo expressar suas necessidades de dependência(...)” (p. 88), o que causaria
problemas no sistema nervoso parassimpático.
11
que será feito no próximo capítulo e que se apresenta como foco central deste trabalho, é de
suma relevância no que concerne à confrontação entre as teorias de Freud e as teorias de
cunho psicossomático que vigoram na atualidade sob a direção de Marty.
15
1-Freud, S. (1898) - A sexualidade na etiologia das neuroses in Obras Completas, vol. III, Rio de Janeiro: Imago,
1996
Procura-se aqui examinar as neuroses atuais destacando-as das neuroses em geral,
circunscrevendo seu conceito e trabalhando sua etiologia, no sentido de se mapear os
17
processos inicialmente apontados por Freud que levam um indivíduo a manifestar sintomas
somáticos que se articulam aos processos neuróticos.
3.1.1 – O fenômeno das psiconeuroses: um impasse clínico
O caminho percorrido por Freud para chegar à explicação da neurose se iniciou com os
estudos que fizera em conjunto com o seu professor, Joseph Breuer. Investigando casos de
histeria através da clínica hipnótica, Freud começava a delinear as origens das manifestações
histéricas, apontando o caráter neurótico dos sintomas corporais, aos quais Freud deu o nome
de “conversões histéricas” (Freud, 1894).
Os estudos com Breuer apontavam para considerações de que os afetos ligados a
traumas psíquicos eram desviados da elaboração consciente, levando a um caminho para a
inervação somática, caracterizada como conversão histérica. O fator sexual era mais um dentre
os diversos fatores emocionais que levavam ao sintoma.
Posteriormente, porém, Freud concluiu que a importância etiológica do fator sexual
para a origem das neuroses era o ponto central de toda a manifestação neurótica. A causação
de todas as neuroses encontra seu ancoramento na vida sexual, mais especificamente, em
“vivências sexuais da infância” (Freud, 1905, p. 260).
Haveria nas suas concepções iniciais, elementos traumáticos nas vivências sexuais
infantis para a causação das neuroses. Presentes no discurso das histéricas como eventos reais,
a sedução feita por parte de um adulto ou criança mais velha era levada em consideração por
Freud como fator de trauma sexual na primeira infância. Somente com o decorrer das
investigações, ele concluiu que esse discurso expressava “(...)ilusões de memória dos
histéricos sobre sua infância(...)”, e apontou que isso está ligado a “(...)fantasias de sedução
como tentativas de rechaçar lembranças da atividade sexual do próprio indivíduo” (ibid., p.
260).
Isso levou Freud a postular a teoria do recalcamento, demonstrando que o sintoma
psiconeurótico se constitui como expressão simbólica de um conflito entre o recalcamento
sexual e a libido, concomitantemente presentes, constituindo-se o sintoma como “(...) valor de
compromisso entre as duas correntes anímicas” (ibid., p. 263).
A psiconeurose é, portanto, o efeito sintomático do conflito de forças psíquicas que
encontram sua etiologia no histórico da vida sexual do indivíduo, mais precisamente, em
18
vivências sexuais passadas, que foram expulsas da consciência e que retornam por meio de
formações do inconsciente.2
No decorrer do desenvolvimento de suas teorias e partindo de incessantes e exaustivas
investigações clínicas, verificou-se que o sintoma psicineurótico constitui também um
substituto de satisfação da sexualidade recalcada. Já em 1905 apresentou essa idéia no artigo
“Minhas teses sobre o papel da sexualidade na etiologia das neuroses”, afirmando que “os
sintomas representam a atividade sexual do doente. (...) São representações convertidas de
fantasias que têm por conteúdo uma situação sexual” (p. 264). Em 1926, no artigo “Inibições,
sintomas e ansiedades” revela que essa idéia vigorou quando afirma que “(...)o sintoma é um
substituto de uma satisfação que permaneceu em estado jacente”(p. 95).
Desta forma, os sintomas corporais histéricos (conversões) se situam no quadro das
psiconeuroses, bem como as idéias obsessivas e os atos compulsivos que aparecem na neurose
obsessiva. Tanto uma neurose quanto a outra são agrupadas por uma sintomatologia que diz
respeito a conteúdos sexuais inconscientes, tendo como base de sustentação o que Freud
denominou “libido”, ou energia psíquica.
O termo “libido” foi empregado por Freud para designar a energia psíquica que põe em
marcha as atividades mentais. Essa energia, segundo ele, é oriunda de uma sexualidade
infantil, das experiências de prazer-desprazer vividas pela criança logo após o nascimento e
subseqüentemente nos primeiros anos de vida. A palavra “sexual” – base da libido – em
psicanálise alcança uma amplitude que ultrapassa as concepções do senso comum. “Sexual”, a
partir de Freud, designa as fontes corporais de prazer experimentadas pelo indivíduo desde o
seu nascimento. A exemplo disso, verifica-se que o ato de um bebê ao sugar o leite materno se
repete sem exigir mais comida. Atribui-se a isso um prazer sentido pela criança simplesmente
pelo ato de sugar. Freud esclarece: “Só podemos atribuir esse prazer a uma excitação das áreas
da boca e dos lábios; a estas partes do corpo denominamos ‘zonas erógenas’ e descrevemos
_________________
2- “Formações do inconsciente” é um termo utilizado na obra de Freud para designar as produções provindas do
inconsciente que se encontram sob os processos de deslocamento e condensação do material ideativo recalcado
ligado a séries de idéias que se articulam dinamicamente.
como sexual o prazer derivado da sucção” (1917, p.319). A relevância desse esclarecimento se
encontra no fato justo de que os sintomas psiconeuóticos encontram sua base em atividades
19
“sexuais” caracterizadas pela energia à qual Freud deu o nome de libido. A libido, portanto, é
a energia que circula pelo corpo através das “zonas erógenas” e que são a base de sustentação
do funcionamento psíquico. Ela é a base que constitui a energia presente no psiquismo.
Freud em seus estudos coloca como eixo de todas as neuroses o conceito de libido e
assim o estabelece também para explicação dos fatores etiológicos das neuroses atuais. A
libido está ligada diretamente tanto às psiconeuroses quanto às neuroses atuais. É portanto
imprescindível a delimitação do enquadre do conceito de libido em cada uma delas.
O que põe a psiconeurose em evidência são os esclarecimentos de que tais atividades
sexuais estão representadas simbolicamente segundo séries de idéias que permanecem fora da
consciência. Ligadas a essas representações recalcadas, os sintomas psiconeuróticos
encontram sua gênese nos deslocamentos libidinais e nos representantes que atualizam as
idéias recalcadas. Dizem respeito, portanto, a fatores históricos do indivíduo, não atuais,
infantis.
Diante do impasse que se estabelecia clinicamente no que concerne a alguns tipos
específicos de sintomas que apareciam além da histeria e da neurose obsessiva, (neurastenias e
neurosses de angústia), Freud foi levado a diferenciá-los em suas características etiológicas
apontando seu caráter de não historicidade. Por um lado, sintomas histéricos e obsessivos
apareciam claramente associados a questões passadas, na fala dos pacientes. Por outro lado,
neurastenias e neuroses de angústia – manifestações eminentemente somáticas que
definiremos posteriormente uma a uma – não apareciam associadas a questões históricas
quando Freud convidava o paciente a falar livremente o que lhe ocorresse à mente. Isso o
levou a uma investigação diferenciada separando esses grupos de sintomas da histeria e da
neurose obsessiva quanto ao seu caráter etiológico. A formação do conceito de neurose atual
encontra seu ponto de destaque no que diz respeito, justamente, ao caráter de não historicidade
do processo de sintomatização, o que configura o ponto chave para as conceituações de Freud,
conforme o exposto que se segue.
3.1.2 – A formulação do conceito de neurose atual e sua relevância para a psicanálise
Como demonstramos, concomitantemente ao desenvolvimento do conceito de
psiconeurose, Freud identificava em sua clínica, quadros patológicos manifestados no plano
somático, os quais se diferenciavam das conversões histéricas, mas eram identificados também
como estados neuróticos (Freud, 1898). Examinando casos de neurastenia e neurose de
20
angústia Freud separou do grupo das psiconeuroses essas formas sintomáticas clínicas.
Primeiramente, distinguiu neurastenia de histeria e neurose obsessiva num artigo de 1898,
intitulado “A sexualidade na etiologia das neuroses”. Pacientes que apresentavam sintomas
como pressão intracraniana, fadiga física, dispepsia, prisão de ventre, parastesias espinhais,
etc, eram englobados na categoria de pacientes com “doenças nervosas” (Laplanche, 1983),
assim como histéricos e neuróticos obsessivos. Clinicamente, contudo, percebeu-se que a
opção por uma inquirição através de anamnese para a investigação dos quadros de neurastenia
levava à descoberta de determinados fatores da vida sexual os quais constituíam, segundo
Freud, a causa dos sintomas neurastênicos manifestados pelo indivíduo.
Freud delimitou esses casos demonstrando que sua sintomatologia está ligada a fatores
contemporâneos da vida sexual do paciente que não dizem respeito às vivências infantis, como
acontece na histeria e na neurose obsessiva. Chegou também à conclusão de que a anamnese
não era indicada para as últimas, cuja investigação era preferencialmente feita através do
método psicanalítico pelo qual se atinge de forma indireta essas vivências infantis.3 O conceito
de neurose atual tem origem na concepção de que os sintomas apresentados estão ligados a
fatores contemporâneos, fatores esses que dizem respeito, segundo o pensamento de Freud, a
determinadas formas de emprego da libido. “Em todo caso de neurose há uma etiologia sexual,
mas na neurastenia é uma etiologia de tipo contemporâneo, enquanto que nas psicineuroses os
fatores são de natureza infantil” (Freud, 1898, p. 255).
O fato da contemporaneidade etiológica do sintoma originou o conceito de “neurose
atual” como algo que se refere a fatores da vida presente do indivíduo.
Os estudos psicanalíticos de Freud encontram sua referência principal na problemática
apresentada pelos sintomas chamados psiconeuróticos. Contudo, Freud percorreu um caminho
que se inicia, tanto nos problemas histéricos, quanto nos problemas de neurastenia, e delineia a
importância do fator sexual para a explicação etiológica das neuroses como um todo partindo
das concepções de libido já trabalhadas nas neuroses atuais. Freud demonstra isso na seguinte
_____________
3- Este método tem como base a livre-associação de idéias , onde o paciente fala livremente o que lhe ocorrer á
mente.
passagem:
separei em dois tipos que às vezes se apresentam puros e que descrevi como
“neurastenia propriamente dita” e “neurose de angústia”. Sempre se soube que os
fatores sexuais poderiam desempenhar um papel na causação dessas formas de doença,
mas não se constatava sua atuação invariavelmente, nem se pensava em conferir-lhes
precedência sobre outras influências etiológicas. Fiquei surpreso, a princípio, com a
freqüência das grandes perturbações da vita sexualis dos pacientes nervosos; e quanto
mais me empenhava em procurar essas perturbações (...) com maior regularidade
descobria tais fatores patogênicos na vida sexual, até que me pareceu faltar pouco para
presumir seu caráter universal” (Freud, 1905, p. 258).
representações sexuais presente na psique fica suprido de energia e passa a existir um estado
psíquico de tensão libidinal que traz em si uma ânsia de eliminar essa tensão” (ibid., p.109).
Essa tensão pode somente ser descarregada mediante ação adequada, que Freud descreveu
24
como um “(...)ato reflexo que promove a descarga das terminações nervosas, e em todas as
preparações psíquicas que têm que ser feitas para acionar esse reflexo” (ibid., p. 109). Não
havendo mediação psíquica dessas tensões, a descarga libidinal é desviada para a via somática
desencadeando uma neurose de angústia (ibid.).
A abstinência, descrita por Freud, é também causadora de conseqüências no plano
somático que aparece como neurose de angústia através do processo em que há um
“(...)refreamento da ação adequada decorrente da libido(...)” (ibid., p. 110), em que a excitação
se acumula e é “(...)desviada por outros canais que se mostram mais promissores em termos de
descarga do que a via que passa pela psique” (ibid., p. 110). A libido então desaparece,
transformando-se a excitação em angústia. Isso levou Freud a postular que a angústia provém
da libido, que ela se configura como libido transformada (Freud, 1917). Da mesma maneira
que no caso da abstinência, no coito interrompido há uma deflexão da esfera psíquica, fazendo
com que a libido desapareça e, em seu lugar, venha a neurose de angústia. No climatério
feminino e masculino, contudo, segundo Freud, há um aumento na produção de excitação. Por
razão de ser esse aumento tão grande, “(...)a psique se mostra relativamente insuficiente para
manejá-lo” (Freud, 1895, p. 111).
De toda forma, há uma insuficiência psíquica ocasional que leva a excitação a ser
descarregada diretamente na esfera somática. A neurose de angústia é, portanto, segundo
Freud, “(...)o produto de todos os fatores que impedem a excitação sexual somática de ser
psiquicamente elaborada” (ibid., p. 110).
Tendo sido desenvolvidos os conceitos de neurastenia e neurose de angústia em seus
escritos, Freud acrescentou à classificação das neuroses atuais um terceiro grupo de sintomas.
O estudo da hipocondria levou-o a enquadrá-la também como uma neurose atual, além da
neurastenia e da neurose de angústia. Aprofundando suas investigações sobre o funcionamento
da libido, Freud pensou a hipocondria num plano ligado a um tipo de funcionamento em que
se constata que a libido está terminantemente voltada para o ego do indivíduo hipocondríaco.
O estado hipocondríaco se caracteriza pela preocupação excessiva com o
funcionamento do corpo e convicção de existência de sintomas orgânicos sem que estes
existam (Volich, 2001).
Num trabalho exclusivo dedicado à hipocondria, Volich (ibid.), apoiado na leitura de
Freud, faz a seguinte afirmação:
25
libidinal, enquanto que nas neuroses atuais o que se evidencia é sua face somática. Desta
maneira, Freud aponta: “Se, nos sintomas das psiconeuroses, nos familiarizamos com as
manifestações de distúrbios na atuação psíquica da função sexual, não nos surpreenderemos
ao encontrar nas neuroses ‘atuais’ as conseqüências somáticas dos distúrbios sexuais”(ibid., p.
338).
A libido se organiza, segundo a teoria de Freud, sob processos que se encontram nas
experiências de prazer-desprazer vividas desde a infância pelo ser humano. A superfície do
corpo é o lugar de onde elas se originam, mais especificamente em determinadas áreas
características, como a boca, os olhos, o ânus, os genitais (Freud, 1905).
A partir do desenvolvimento das teorias acerca da sexualidade, cujo ponto central
encontra-se no conceito de “libido”, Freud construiu a teoria das pulsões7, apontando para a
delimitação que se circunscreve entre o plano do psíquico e do somático. A pulsão sexual é
aquilo o que se coloca como sendo a fronteira dessas duas instâncias:
“Se agora nos dedicarmos a considerar a vida mental de um ponto de vista
biológico, uma ‘pulsão’ nos aparecerá como sendo um conceito situado na fronteira
entre o mental e o somático, como representante psíquico dos estímulos que se originam
dentro do organismo e alcançam a mente, como uma medida de exigência feita à mente
no sentido de trabalhar em conseqüência de sua ligação com o corpo” (Freud, 1915, p.
127).
como “(...) coisa em relação à qual ou através da qual a pulsão é capaz de atingir sua
finalidade” (ibid., p. 128); a “fonte”, que compreende a origem libidinal da pulsão definida
como ‘zona erógena’.8 Os órgãos utilizados pelo indivíduo para autoconservação são
investidos libidinalmente, e essa erogeneização do órgão provoca, tanto os processos descritos
como psíquicos, como alterações no plano somático da zona erógena. Freud aponta:
“(...) o protótipo familiar de um órgão que é dolorosamente delicado, que de
alguma forma é alterado e que, contudo, não está doente no sentido comum do termo, é o
órgão genital em seus estados de excitação. Nessa condição, ele fica congestionado de
sangue, entumecido e umectado, sendo a sede de uma multiplicidade de sensações.
Descrevemos agora, tomando qualquer parte do corpo, sua atividade de enviar estímulos
sexualmente excitantes à mente, como sendo sua ‘erogenicidade’, e reflitamos ainda, que
as considerações nas quais se baseou nossa teoria da sexualidade de há muito nos
habituou a idéia de que certas outras partes do corpo – as zonas erógenas – podem atuar
como substitutos dos órgãos genitais e se comportarem analogamente a eles” (Freud,
1914, p. 90-91).
Desta assertiva se conclui que outras partes do corpo podem atuar como zonas
erógenas e manifestar alterações somáticas similares ao entumecimento do órgão genital
quando excitado. Freud chama atenção para as alterações tóxicas dessas regiões quando
libidinalizadas, o que será trabalhado no próximo tópico.
As zonas erógenas são, portanto, a fonte de onde se origina a libido, cujos efeitos
aparecem, muitas vezes concomitantemente, na irrupção tanto das neuroses atuais quanto das
psiconeuroses.
________________
8-Em 1920, no texto “Além do princípio de prazer”, Freud construiu uma nova teoria das pulsões apontando para
questões ainda mais profundas que dizem respeito ao seu caráter destrutivo. Além da pulsão sexual, uma pulsão
não-sexual denominada “pulsão de morte” foi trabalhada por Freud até o fim de sua vida, caracterizando-se
basicamente por movimentos destrutivos no humano que não estão articulados ao princípio de prazer, mas que
estão para além deste princípio, constituindo-se como uma ‘compulsão’.
No início de suas teorizações, Freud postulou que a oposição entre as forças pulsionais
de caráter sexual e não sexual – dois planos pulsionais, um ligado à sexualidade, outro ligado à
autopreservação do indivíduo (‘pulsões do ego’ ou de ‘autoconservação’) – é o fator principal
para o processo de recalcamento, em que uma idéia ligada à pulsão sexual é expulsa da
consciência, permanecendo em estado latente no inconsciente. A formação de substitutos para
29
o que foi recalcado é o que se caracteriza como sintomas da psiconeurose, os quais aparecem
como formações de compromisso entre a idéia recalcada e o ego consciente (Freud, 1910).9
Trabalhando a etiologia da perturbação psicogênica da visão em casos de histeria,
Freud (ibid.) demonstrou como os planos, tanto mentais como somáticos da libido, estão em
jogo, envolvendo a pulsão sexual e a pulsão de autoconcervação neste processo. As duas
pulsões entrariam em choque devido a uma dupla exigência entre sexualidade – uso libidinal
do olho – e ego – que se concentra no uso perceptual da visão e não permite, por fatores
diversos, a presença de idéias ligadas a essa atividade sexual na consciência.
A ampliação da energia sexual recalcada sobre o órgão, gera a formação de sintomas
como a cegueira histérica. Existem, contudo, conforme o exposto, no estudo da pulsão sexual
que ocasiona o conflito, os fatores somáticos da libido, ou seja, a consideração imprescindível
para a questão aqui trabalhada, de que a libido aparece também em seu estatuto somático.
Freud salienta que o aumento do fator erógeno em uma determinada zona do corpo –
que atua como um genital – promove alterações fisiológicas que podem tornar aquela área
uma área intoxicada. Há, muitas vezes, como ele coloca, uma exageração do papel erógeno
daquele órgão, o que o levou a pensar numa “submissão” ou “complacência somática”
derivada de fatores neuróticos de indivíduos que apresentam maior “disposição para adoecer”
(Freud, 1910, p. 227) de perturbações psicogênicas, devido às suas condições psíquicas.
A neurose ocorre segundo um distúrbio no metabolismo sexual do indivíduo, ou
porque as condições psíquicas limitam o emprego adequado dessas substâncias, ou porque se
_______________
9-Posteriormente, Freud (1914) aprofundou a teoria das pulsões, como demonstramos, modificando seu eixo,
não mais concebendo a pulsão de auto-conservação (ou do ego) como distinta da libido sexual. “(...) se
concedemos ao ego uma catexia primária da libido, por que há a necessidade de distinguir uma libido sexual de
uma energia não-sexual das pulsões do ego” (p. 84)? O novo dualismo pulsional apareceu posteriormente em
1920, quando Freud conceituou a ‘pulsão de morte’ como distinta da pulsão sexual, conforme também
demonstramos.
produzem mais toxinas do que a capacidade de metabolização delas (Freud, 1917). Apesar de
Freud afirmar que nada sabe a respeito dessas “toxinas sexuais” – que se circunscrevem sob o
domínio da fiosiologia – utiliza-se desse termo para designar sua atuação desencadeante de
patologias neuróticas.
Faz alusão ao fato de que há estados patológicos extremamente semelhantes aos
sintomas da neurastenia e da neurose de angústia em casos de introdução de substâncias
30
Freud faz também uma ligação direta entre as psiconeuroses e as neuroses atuais,
demonstrando um exemplo da relação entre distúrbios histéricos e neurastenia:
“Tomemos como exemplo um caso de dor de cabeça ou dor lombar histérica. A
análise nos mostra que, pela condensação e pelo deslocamento, o sintoma tornou-se
satisfação substitutiva de toda uma série de fantasias e recordações libidinais. Mas essa
dor, em determinada época, era também uma dor real e era, então, um sintoma sexual-
tóxico direto, expressão somática de uma excitação libidinal” (ibid., p. 391).
Freud toca ainda de maneira mais profunda na questão apontando fatos de extrema
relevância para o presente estudo. Ele afirma que, num caso de lesão orgânica já existente por
qualquer motivo, há possibilidades de haver revestimento neurótico sobre esta lesão,
transformando ela num representante de fantasias inconscientes:
“Não é absolutamente raro acontecer, no caso de uma pessoa que está
predisposta a uma neurose sem realmente sofrer de uma neurose manifesta, que uma
modificação somática patológica (talvez por inflamação ou lesão) põe em marcha a
atividade da formação do sintoma, que lhe foi apresentado pela realidade, em
representante de todas as fantasias inconscientes que estavam apenas aguardando a
ocasião de lançar mão de algum meio de expressão. Num caso destes, o médico adotará
ora uma, ora outra linha de tratamento. Ou se esforçará por abolir a base orgânica, sem
importar-se com a ruidosa elaboração neurótica; ou atacará a neurose que aproveitou
essa oportunidade favorável para surgir, e prestará pouca atenção à sua causa
precipitante orgânica. O resultado mostrará que uma ou outra linha de conduta está certa
ou errada; é impossível fazer recomendações gerais para abordar esses casos mistos”
(ibid., p. 391-392).
Vemos a importância do fator libidinal e sua natureza somática que parece ser pontual
em muitos fenômenos, onde se percebe a mistura da “atualidade” da neurose com sua natureza
31
distúrbios sexuais têm consequência tanto na esfera psíquica, quanto na esfera somática. Na
maioria das vezes, portanto, quando há neurose atual, há também, psiconeurose. “(...)um
sintoma de uma neurose atual é freqüentemente o núcleo e o primeiro estágio de uma
psiconeurose.” (Freud, 1917, p. 391)
Apresentados esses fatos, temos que o ponto primeiro do pensamento freudiano está
em sua investigação sobre a sexualidade nas neuroses atuais, o que o levou a apontá-las como
complexo nuclear e eclosivo, tanto da psiconeurose e seus fenômenos, quanto até mesmo do
desenvolvimento da própria teoria psicanalítica. Concluindo com Freud:
“As neuroses atuais – neurastenia e neurose de angústia – fornecem às
psiconeuroses a necessária ‘submissão somática’, que é então psiquicamente selecionado
e recebe um ‘revestimento psíquico’, de maneira que, falando de um modo geral, o
núcleo do sintoma psiconeurótico – o grão de areia no centro da pérola – é formado de
uma manifestação sexual somática. Isto é mais claro, é verdade, na neurose de angústia e
sua relação com a histeria do que na neurastenia. Na neurose de angústia há no fundo um
pequeno fragmento de excitação não descarregada vinculada ao coito que emerge como
ansiedade ou fornece o núcleo de um sintoma histérico.” (Freud, 1912, p.266)
Freud constatou essa contradição, o que resultou em estudos mais aprofundados que,
com alterações conceituais na teoria psicanalítica, ele encontrou solução. A questão que se
coloca é: de que perigo o ego foge na angústia neurótica, se essa mesma angústia deriva-se da
libido?
34
próprio Hans – uma fantasia que provém da culpa oriunda do sentimento de ódio pelo pai e
desejo que o mesmo fosse derrubado, para sair de uma posição de interdição – distorceu esse
temor no sintoma. Essa ação específica do pai configura-se como um perigo – o perigo da
castração, da perda de seu órgão genital. Diante do perigo da castração, o ego produz angústia
35
___________________
12-No caso das fobias, o medo da castração aparece de forma evidente no sintoma – medo de ser mordido pelo
cavalo. No caso da neurose obsessiva, isso se faz visível no medo de uma instância organizada no psiquismo
como resultado desse complexo de castração. A essa instância psíquica, Freud denominou “superego”. (1923)
No caso da neurose histérica o medo se configura como perda do amor do outro. Em todas as neuroses o que se
inscreve é a angústia da perda; essa angústia provoca recalcamento e põe em movimento os mecanismos de
deslocamento e condensação na teoria do inconsciente, conforme o que foi exposto no presente trabalho.
Configurando a segunda tópica da teoria psicanalítica, Freud conclui que o recalque não se dá simplesmente
devido à oposição entre pulsões sexuais e pulsões do ego, como defendia em 1910, mas na oposição entre o ego
acometido pela angústia e a representação sexual incompatível na consciência.
sexuais libidinais, não parecia ser muito precipitado presumir que a libido era
transformada em ansiedade por intermédio dessas perturbações. As observações que fiz
na ocasião ainda são válidas. (...) Talvez seja verdade, portanto, que na repressão a
ansiedade é produzida a partir da catexia libidinal dos impulsos instintuais. Mas como
podemos reconciliar essa conclusão com nossa outra conclusão de que a ansiedade
sentida em fobias é uma ansiedade do ego e que surge neste, e de que não parte da
repressão, mas, ao contrário, põe a repressão em movimento? Parece haver aqui uma
36
Fica claro que Freud moveu-se no sentido de encontrar pontos de conciliação entre a
neurose de angústia e a angústia de castração. Há que ser feita, de acordo com o que se
percebe, uma revisão desse processo da neurose de angústia. Freud afirmou que o ego pode
farejar certos perigos e produzir ansiedade na interrupção do coito ou na abstinência forçada.
Há, nesse processo, reações somáticas que delimitam o campo da neurose de angústia.
Distinguindo processos do ego e processos do id, Freud propôs que a angústia tem sede
no ego. Há, contudo, expressa a forma “ansiedade do id”, que configura-se como um processo
de reação a certas situações quem também estabelecem perigo, porém situações registradas
como um trauma muito antigo, quando o ego não era ainda formado. Esse trauma é o trauma
do nascimento.
“A ansiedade é um estado afetivo e como tal, naturalmente, só pode ser sentida
pelo ego. (...) Por outro lado muitas vezes, acontece ocorrer ou começar a ocorrer
processos no id que fazem com que o ego produza ansiedade. Na realidade, é provável
que as primeiras repressões, bem como a maioria das ulteriores, sejam motivadas por
uma ansiedade do ego dessa classe, no tocante a processos específicos do id. Aqui
estamos mais uma vez, fazendo uma distinção correta entre os dois casos: o caso no qual
ocorre algo no id que ativa uma das situações de perigo mais antiga e original e que o
induz a emitir o sinal de ansiedade para que a inibição de processe, e o caso no qual uma
situação análoga ao trauma do nascimento se estabelece no id, seguindo-se uma reação
automática de ansiedade. Os dois casos podem ser mais aproximados, se se ressaltar que
o segundo corresponde à situação de perigo mais antiga e original, ao passo que o
primeiro corresponde a qualquer um dos determinantes ulteriores de ansiedade que dela
se tenha originado; ou, conforme aplicado a perturbação com que de fato nos
defrontamos, que o segundo caso é atuante na etiologia das neuroses atuais, ao passo que
o primeiro permanece típico para o das psiconeuroses.
Vemos, então, que não se trata tanto remontarmos aos nossos primeiros
achados, mas de pô-los em harmonia com descobertas mais recentes. Constitui ainda um
fato inegável que na abstinência sexual, na interferência imprópria no curso da excitação
sexual, ou se esta for desviada de ser elaborada psiquicamente, a ansiedade surge
diretamente da libido; em outras palavras, que o ego fica reduzido a um estado de
desamparo em face de uma tensão excessiva devida à necessidade, como ocorreu na
situação do nascimento, e que a ansiedade é então gerada” (ibid., p. 139).
Fica indicado, portanto, que há, nas neuroses atuais, um estado de desamparo do ego,
devido a uma situação análoga à experiência traumática do nascimento que faz com que sejam
despendidas no soma catexias libidinais impossibilitadas de elaboração psíquica. Há na
37
CONCEPÇÕES MARTYNIANAS
Tendo desenvolvido de forma detalhada todo o caminho percorrido por Freud para a
definição do conceito de neurose atual e suas conseqüências para a psicanálise, procura-se
articular no presente momento as teorias psicossomaticistas modernas ao estudo das neuroses
atuais de forma que se coloque em perspectiva a confrontação entre as teorias de Freud e as
primeiras, que se basearam nos conceitos freudianos para seu estabelecimento no campo
psicanalítico. O pensamento psicossomático da Escola de Psicossomática de Paris apóia-se
definitivamente no conceito freudiano de “neurose atual”. Basta agora examinar em que
âmbito isso se inscreve.
Conforme o já exposto anteriormente, na primeira tópica de sua teoria, Freud apontou
para a importância das implicações da sexualidade na vida psíquica. A neurose atual ofereceu-
lhe muitas vezes, o material base, digamos, o produto de uma excitação libidinal para a
ocorrência de uma neurose. Ele encontrou o ponto principal de sua causação no que podemos
chamar de limitação da libido. A leitura de Freud nos mostra que essa limitação acarreta, no
caso das neuroses atuais, uma descarga direta no soma, ou seja, a excitação em seu estatuto de
concretude vai de encontro às vísceras do corpo sem que haja mediação com as representações
inscritas no psiquismo.
Marty recorreu a esse modelo. Uma economia sexual causadora de sintomas
circunscritos sob a categoria “neurose atual” foi estendida a patologias de maior alcance no
meio médico para a explicação dos fenômenos caracterizados no capítulo I (Introdução) do
presente trabalho. Nesta medida, dezenas ou até centenas de lesões orgânicas que se
manifestam dentro de um enigma na ordem médica, seria trabalhada sob a ótica de uma
descarga direta da tensão libidinal que, por falta de articulação com as representações mentais,
por uma dificuldade de o indivíduo pensar, refletir, articular e elaborar essas tensões, lesa o
organismo (Marty, 1993).
39
5 CONCLUSÃO
aumento , “(...) a psique se mostra relativamente insuficiente para manejá-lo” (ibid., p. 111).
Tal insuficiência psíquica na neurose atual é, segundo Freud, relativa à soma de excitação.
Isso levaria Freud (1895) a postular que a neurose de angústia é o resultado da excitação
somática que não foi elaborada psiquicamente.
Mesclados na maioria das vezes com as psiconeuroses, esses fenômenos põem em
destaque a importância dessa excitação em todos os processos psíquicos que levam à neurose
segundo a teoria psicanalítica. Freud deparou-se com sintomas de natureza diversa
(conversões histéricas, neuroses de angústia, idéias obsessivas, neurastenias, etc.) observando
que a etiologia de cada manifestação, guardadas suas peculiaridades, tem como centro
estrutural de toda a questão acerca da neurose, a sexualidade. Temos como ponto decisivo
dentro da teoria freudiana, a revelação de que os fatores sexuais trabalhados nas neuroses
atuais influenciaram com grande peso a descoberta do caráter universal do fator sexual nas
psiconeuroses, como o próprio Freud afirma num texto de 1905.1 Clinicamente as neuroses
atuais e as psiconeuroses aparecem mescladas, simultaneamente. A neurose atual se
centralizou como complexo eclosivo da psiconeurose, na medida em que na atualidade da
dinâmica psicossexual do paciente, a neurose atual vem como manifestação bruta de uma
complexidade sexual psiconeurótica que encontra sua etiologia num passado correlato à
sexualidade infantil. Como vimos na obra de Freud, portanto, a neurose atual está contida na
psiconeurose, configura-se como “grão de areia no centro da pérola”, (idem, 1912, p. 266) seu
núcleo.
O lançamento de um olhar objetivo e preciso que parte dos estudos da obra de Freud
sobre o desenvolvimento teórico que se deu num período pós-freudiano a respeito da
psicossomática nos levanta algumas questões, as quais têm pertinência central neste trabalho.
É importante pensar que o enfoque dado à obra de Freud na construção de tal teorização
necessita algumas revisões no que concerne aos fundamentos da psicossomática psicanalítica e
_______________
1-Freud, S. (1905) Minhas teses sobre o papel da sexualidade na etiologia das neuroses in Obras Completas, vol.
VII, Rio de Janeiro: Imago, 1996
sua coerência dentro da psicanálise fundada por Freud. Marty categoriza os pacientes com
problemas psicossomáticos num plano isolado. Distancia-os do quadro psiconeurótico quando
determina que há uma precariedade psíquica de âmbito representacional pré-consciente,
43
apontamento acerca dos casos mistos, onde as fronteiras entre psiconeuroses e neuroses atuais
apresentavam-se de maneira extremamente tênue e sutil, para as quais ele se direcionou
empenhando-se esforçadamente para alcançar sua delimitação: “Os casos mistos, em que os
sinais de neurastenia se combinam com os de uma psiconeurose são de natureza muito
freqüente (...)” (Freud, 1898, p. 254). Portanto, as neuroses atuais e as psiconeuroses,
intrinsecamente ligadas, aparecem simultaneamente, sem qualquer problema de contradição
fenomenológica. Ou seja, para se constatar clinicamente uma delas, não é necessário que a
outra inexista em cada caso. Tais questões se ampliam quando se constata no discurso de
Freud que, no que concerne às neuroses atuais, Freud nunca considerou uma “carência” ou
“insuficiência” de recursos psíquicos, mas uma insuficiência ocasional relativa ao excesso de
excitação que impede o seu manejo psíquico.
O que se apresenta como foco central e se torna absolutamente pertinente para o estudo
da psicossomática é que, na obra de Freud, não existe nenhum indicativo de uma disparidade
entre problemas de ordem somática de uma neurose atual e questões tidas como
psiconeuróticas. A interação existente entre um grupo de neuroses e outro é ponto indiscutível
na investigação psicanalítica. Marty apropriou-se do modelo da neurose atual, dando uma
certa continuidade às suas características básicas para pensar uma “psicossomática”, mas
desagregou o próprio conceito de uma organização distanciada de sua raiz, contradizendo as
assertivas de Freud no que concerne à dinâmica, à articulação, à interação entre as
psiconeuroses e as neuroses atuais.
Vemos, portanto, o quão sério se torna o problema quando contrapomos a
psicossomática com o dizer de Freud. O que se estabelece parece ser uma descontinuidade nos
enfoques teóricos, um desvio de rota sobre a leitura que se faz com base na psicanálise acerca
desses problemas cuja concepção não leva em consideração a importância da ligação entre as
psiconeuroses e as neuroses atuais.
Assim, o estudo minucioso das neuroses atuais levou-nos a pensar algumas questões
cruciais que advêm das conclusões retiradas na leitura fiel da obra de Freud. De que maneira
podemos pensar as neuroses atuais a partir da segunda tópica freudiana, onde Freud promoveu
modificações teóricas importantes, colocando a angústia de castração no centro das neuroses e
modificando o próprio conceito de angústia? Na primeira tópica, conforme demonstramos no
capítulo 3.5 do presente trabalho, Freud concebia a angústia como resultado da libido não
45
Colocado isso, podemos pensar que haja determinação da historicidade das questões da
sexualidade dos problemas psiconeuróticos no sintoma da neurose atual? A sexualidade é
marca vigente do psiquismo e, se há comprometimento do psiquismo devido a isso, pensemos
se ela não deve ser concebida num âmbito único de estruturação do sujeito acometido pelo
sexo que desemboca possivelmente, tanto em problemas histéricos ou obsessivos, quanto em
sintomas neurastênicos ou os constatados na neurose de angústia. Sob esse ponto, a
estruturação sexual situada por uma via histórica de conteúdo inconsciente seria determinante
nas neuroses atuais.
A “psicossomática” parece permanecer como uma incógnita para a psicanálise. Se há
um embasamento nas neuroses atuais, há que se levar a cabo todas as particularidades dessa
base. Para tanto, necessita-se levar em consideração a localização precisa da neurose atual no
quadro geral da psicanálise. Se a neurose atual é uma etiologia auxiliar da psiconeurose, tanto
46
teoricamente quanto clinicamente, ela não se situa fora da questão principal de Freud – o
inconsciente – mas se situa como fator fundamental e intrínseco a essa concepção.
Parece pertinente verificar a viabilidade ou não do embasamento da neurose atual para
uma discussão no campo psicossomático. Para isso, não se pode perder de vista as questões
acima levantadas sob a perspectiva de uma nova formulação de pesquisa literária ou até
mesmo clínica que possa lançar luz sobre estas questões. Alguns conceitos como o de “libido”
podem ser destacados, de modo que haja uma investigação mais apurada sobre a vida
subjetiva do homem, onde o sexo parece apresentar-se como origem e finalidade de toda
empreitada humana, aparecendo como coisa banal, mas ao mesmo tempo problema central em
toda sua complexidade. Colocando isso em perspectiva, a neurose atual aparece como ponto
que revela a realidade problemática da sexualidade humana e merece ser aprofundada num
movimento de investigação se quisermos pensar o enigma das patologias psicossomáticas.
47
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Freud, Sigmund. (1893) Estudos sobre histeria. In: Obras Completas, vol. II. Rio de
Janeiro: Imago, 1996.
_______. (1894) As neuropsicoses de defesa. In: Obras Completas, vol. II. Rio de
Janeiro: Imago, 1996.
_______. (1898) A sexualidade na etiologia das neuroses. In: Obras Completas, vol.
III. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
_______. (1905) Minhas teses sobre o papel da sexualidade na etiologia das neuroses.
In: Obras Completas, vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
_______.(1905) Três ensaios sobre teoria da sexualidade. In: Obras Completas, vol.
VII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
_______. (1915) As pulsões e suas vicissitudes. In: Obras Completas, vol. XIV. Rio de
Janeiro: Imago, 1996.
_______. (1915) O Inconsciente. In: Obras Completas, vol. XIV. Rio de Janeiro:
Imago, 1996.
48
_______. (1920) Além do princípio do prazer. In: Obras Completas, vol. XVII. Rio de
Janeiro: Imago, 1996.
_______. (1923) O ego e o id. In: Obras Completas, vol. XIX. Rio de Janeiro: Imago,
1996.
_______. (1924) Uma breve descrição da Psicanálise In: Obras Completas, vol. XIX.
Rio de Janeiro: Imago, 1996.
_______. (1926) Inibições, Sintomas e Ansiedade. In: Obras Completas, vol. XX. Rio
de Janeiro: Imago, 1996.
_______. A propósito dos sonhos dos pacientes somáticos. Alethéia – Revista do curso
de psicologia. Rio Grande do Sul: Universidade Luterana do Brasil, 1996.