André Rebouças
André Rebouças
André Rebouças
irmãos Rebouças e o
capitalismo tardio
Por esse motivo, a insatisfação popular crescia devido ao fato de as famílias não
terem água para atenderem suas necessidades higiênicas, culinárias e sanitárias.
O clamor popular pela presença de água abundante tendia aumentar, cada vez mais,
a distância entre o imperador D. Pedro II e os cariocas, pois, o poder público,
impotente, não sabia como apresentar uma solução técnica para tão grave problema.
Percebendo o drama social que aumentava a cada dia, os Irmãos Rebouças se
sensibilizaram com as queixas do povo. Muitos sabiam que, grupos que conheciam
determinadas nascentes, manipulavam a venda de água clandestina à cidade. Isto
porque, ao contrário dos demais cariocas, esses grupos –- inclusive negros alforriados
– tinham pleno conhecimento topográfico da cidade e de seu entorno, principalmente
das áreas rurais, onde podiam captar água clandestinamente.
Em seu diário, que hoje faz parte do acervo do Instituto Geográfico e Histórico
Brasileiro, André disse ao monarca que ele e o irmão descobriram como resolver o
problema em pouco tempo. O imperador, feliz, argumentou para os irmãos que o
estado deveria, então, oferecer água farta e gratuita para toda a população.
Uma comissão de engenheiros sob a liderança dos Rebouças foi formada para
estudar a viabilidade técnica do projeto. Presidida por Antonio, esta comissão, chegou
a conclusões importantes. Em primeiro lugar, Antonio destacou a importância das
águas do Jardim Botânico e da Tijuca. Eram mananciais importantes. Mas como
torná-los acessíveis à população? Antonio, então, conseguiu encontrar o caminho
técnico para trazer estes mananciais para as casas dos cariocas.
Quando as obras iam a pleno vapor, o então Ministro da Agricultura chamou André às
pressas para uma reunião na Câmara dos Vereadores. O dirigente público lhe disse
que os proprietários de terras achavam “exageradas” as providências feitas pelos
Rebouças para dar água à cidade. E mais: lhe comunicou que tinha mandado sustar a
abertura dos novos poços que eram fundamentais para analisar a viabilidade técnica
da perspectiva tomada pelo engenheiros Rebouças.
No mesmo embalo dos inimigos ocultos dos Rebouças, outros proprietários de terras
procuraram André para se queixar das obras. Eles se mostraram céticos quanto ao
resultado do projeto. Neste sentido, não iriam permitir que suas terras fossem
perfuradas.
No entanto, contrariando os queixosos, o imperador deu ordens para que os Rebouças
continuassem seu trabalho de tornar auto-suficiente o abastecimento de água da
cidade.
Mas articulações contrárias ao civismo dos Rebouças não pararam por aí. No
Senado, o conselheiro Zacarias atacou as obras e os Rebouças como se eles
estivessem fazendo um trabalho inútil e incapaz. A mídia da época publicava diversos
artigos condenando as obras e seu custo.
Entendendo o que estava se passando na casa parlamentar, André foi procurar o tal
conselheiro. Ao ouvir as argumentações do engenheiro, o senador se desculpou
dizendo que seus ataques às obras eram necessidades de “fazer política de
oposição”, e com isto, chamar a atenção da sociedade (3).
Em 30 dias de trabalho, os irmãos Rebouças conseguiram tornar real uma das obras
de grande impacto social do império: a ampliação de sistema de abastecimento de
água da cidade do Rio de Janeiro.
A população vibrou. Pouca gente, no entanto, sabia que por trás daquela grande obra
estavam dois engenheiros afrodescendentes, exceto, é claro, a classe dirigente e os
inimigos dos Rebouças.
Três anos depois, André começou a escrever suas experiências com os burocratas e
oligarcas do império (5). Ele definia o Brasil da época como o “paiz de apathia e de
immobilidade”, devido à subserviência, ao subdesenvolvimento, ao analfabetismo dos
funcionários públicos encarregados de tomar decisões cruciais para a nação.
Ele, Rebouças, uma espécie de representante da modernidade capitalista que ele vira
pipocar com fulgor na Europa, durante seu estágio de dois anos para se tornar
engenheiro civil, via, agora no Brasil, uma classe dirigente medíocre tomar
corpo. Como ele escreve (1988: 370): “Uma oligarquia estulta reduziu este país
fertilíssimo a um estéril deserto, com uma só árvore – a mancenilha política – o
monopólio governamental”.
Desde esse episódio da água até 1883, André demonstrava extrema preocupação
com a capacidade da burocracia oficial de barrar obras, empresas e empreendimentos
capazes de levar o país para um novo patamar de desenvolvimento econômico e
social.
Uma de suas críticas mais contundentes era contra espírito contrário à criação de
novas empresas num país ainda escravocrata. Ele mesmo, André, vira diversas
iniciativas empresariais suas serem barradas com argumentos os mais mesquinhos.
“ (...) o que falta a este Império, como a todos paizes do mundo, é capital, é
indústria, é trabalho, é instrução, é moralidade. Esse não-estar, que obriga a
dizer – há falta de braços – significa realmente que o paiz está tão mal
governado que não pode garantir trabalho e pão para os seus habitantes”.
“Há, cumpre não esquecer, ainda uma terceira espécie de inimigos das
companhias: são os políticos rotineiros, oligarcas, que enxergam nas
companhias outros tantos obstáculos ao seu domínio sobre todos os cidadãos;
a sua incessante aspiração de monopolisar a agricultura, a industria, o
commércio, o trabalho, todas as importações, enfim, da atividade nacional”.
Rebouças ainda não perdoa o país do atraso. Mostra como inexistiam estatísticas
oficiais para desencadear trabalhos de peso; critica a falta de uma educação básica
para ampliar o conhecimento do brasileiro; bate de frente contra a permanência do
sistema escravocrata e sugere medidas de impacto –- como o incentivo à imigração
européia –- para desenvolver o país vasto, apático e incapaz de dar uma volta por
cima apesar da riqueza natural incomensurável. Além disso, se bate firme pela
educação e critica violentamente a tendência ao engodo, à preguiça e ao desmazelo
da jovem nação tropical (1988:323):
“Tudo isso demonstra que é necessário educar a geração que cresce, para a
agricultura, para a indústria, para o comércio, para o trabalho em uma só
palavra! Até aqui a educação era meramente política. Sahia-se da academia
para os collégios eleitorais, e muitas vezes para as assembleas legislativas
provinceaes, e até para o parlamento nacional. Dahi essa repugnância geral
para o trabalho produtivo”.
E, por fim, ele ataca ainda uma instituição que sobrevive impoluta e poderosa até os
dias de hoje: o gasto supérfluo e inexplicável (1988:313)
“Sim, é verdade, quanto dinheiro que figura como divida da lavoura foi
esbanjado no jogo, em eleições, em bailes, em banquetes e em toda a sorte de
dissipações? Quem não sabe que houve senhor de engenho que cortava a
canna ainda verde, reduzia-a a aguardente para poder ocorrer imediatamente
ás dividas do jogo?”
9 - Criou a proposta da higiene pública para tornar a cidade mais habitável, limpa e
confortável para seus habitantes.
10 - Foi o primeiro engenheiro brasileiro a realizar ensaios para suas obras com
cimento, impermeabilizantes para estacas e com madeiras para o mesmo fim.
11 - Teve ampla visão do emprego da madeira para o futuro das obras no país.
NOTAS
1 - SANTOS, Sydney M. G. dos. André Rebouças e seu tempo. Vozes, Rio de
Janeiro: 1985.
2 - Idem, ibidem.
3 - Idem, ibidem.
4 - Idem, ibidem.
5 - Idem, Ibidem.
6 - REBOUÇAS, André. Agricultura nacional: estudos econômicos, propaganda
abolicionista e democrática. Setembro de 1874 a setembro de 1883. Fundação
Joaquim Nabuco, Recife: 1988.