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Cristianismo e Cultura Pop Um Dialogo So

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Iniciação Científica CESUMAR

jan./jun. 2018, v. 20, n. 1, p. 71-83


DOI: http://dx.doi.org/10.17765/1518-1243.2018v20n1p71-83

CRISTIANISMO E CULTURA POP: UM DIÁLOGO SOBRE A RELAÇÃO ENTRE A CULTURA


CRISTÃ E AS MANIFESTAÇÕES CULTURAIS DA PÓS-MODERNIDADE

Lucas Villan Arrue*


Júlio Cézar Adam**

RESUMO: Cristianismo é uma parte importante da cultura ocidental e ao longo da história precisou se posicionar
diante de diferentes acontecimentos, estruturas e diante de outras expressões culturais, especialmente religiosas
e intelectuais. Mas nunca o cristianismo se viu tão imerso em diferentes expressões culturais e, consequente-
mente, diante de tantas expressões religiosas. Em meio a essa cultura, que agora se apresenta como pós-mod-
erna, emerge a cultura pop, uma das mais intensas expressões culturais da história que se manifesta de uma
forma diversa, envolvente e que logra uma aderência singular da parte do indivíduo pós-moderno, modificando
seu comportamento e interação com o meio e com outros indivíduos. A pesquisa tem por objetivo apresentar uma
definição de cultura pop e avaliá-la, especialmente no que diz respeito às suas manifestações na mídia com o
fim de apresentar os desafios do cristianismo diante dessa manifestação cultural.

PALAVRAS-CHAVE: Cristianismo; Cultura; Cultura pop.

CHRISTIANITY AND POP CULTURE: A DIALOGUE BETWEEN CHRISTIAN CULTURE AND


CULTURAL MANIFESTATIONS IN THE POSTMODERN AGE
ABSTRACT: Christianity is a highly relevant factor in Western Culture. Throughout history, it had to take sides on
different occurrences, structures and other cultural expressions, especially religious and academic. Nowadays
Christianity is also immersed within different cultural expressions and, consequently, different religious stances.
Pop culture within the postmodern age is one of the densest cultural expressions in history which manifests
itself differently and requires a unique adherence by postmodern agents. In fact, it modifies their behavior and
interaction with the milieu and with other people. Current research endeavors to define pop culture and evaluate
it, particularly with regard to manifestations in the social media to manifest its challenges to Christianity within
this type of cultural manifestation.

KEYWORDS: Christianity; Culture; Pop culture.

INTRODUÇÃO Antes, entenderemos neste artigo, Cristianis-


mo como uma vivência, que tem como objetivo a se-
Este artigo pretende refletir acerca da relação melhança da pessoa de Jesus. Entretanto, esta vivên-
entre cristianismo e cultura pop, bem como algumas cia se manifesta em absolutamente todos os aspectos
de suas implicações a partir de autores que já tra-
da vida de um indivíduo tanto aqueles que dizem res-
balharam o assunto. Cristianismo é um conceito muito
amplo, porém, não vamos limitá-lo ao conceito apre- peito ao culto como aqueles que dizem respeito à vida
sentado pelo dicionário que se restringe ao conjunto íntima desse mesmo indivíduo.
de práticas e ensinamentos relacionados à pessoa de O que significa ser um cristão na sociedade
Jesus Cristo. onde estamos inseridos? O que Cristo tem a ver com
1
*
Discente no curso Bacharelado em Teologia, na Faculdades EST, em São Leopoldo /RS, Brasil e bolsista de iniciação científica pelo CNPq.
E-mail: lucas.4rrue@gmail.com
2
**
Doutor em Teologia. Docente adjunto de Teologia Prática, na Faculdades EST, em São Leopoldo/RS, Brasil.
72 Cristianismo e cultura Pop: um diálogo sobre a relação entre a cultura Cristã e as manifestações culturais da Pós-modernidade

a cultura? O que tem a ver Atenas com Jerusalém? O códigos que regem um determinado grupo ou sistema.
cristianismo nunca precisou se posicionar de forma tão
Acreditando, como Max Weber, que
ativa diante da sociedade, da cultura e da ciência como o homem é um animal amarrado a
tem precisado atualmente. Mas, afinal, qual posição teias de significados que ele mes-
mo teceu, assumo a cultura como
precisamos tomar? Devemos lutar contra tudo e todos sendo essas teias e a sua análise;
os que estão fora do pensamento e da “cultura cristã”? portanto, não como uma ciência
Ou podemos dialogar com eles? Qual é o papel dos experimental em busca de leis,
mas como uma ciência interpre-
cristãos em meio à sociedade? Como o pensamento tativa, à procura do significado.
cristão deve se posicionar frente à cultura? (GEERTZ, 2008, p. 4).
Este breve ensaio pretende propor uma reflex-
ão crítica acerca das posições que já foram adotadas Não obstante, Geertz nega-se a dizer que cul-
por alguns autores, bem como um entendimento mais tura se trata de uma conduta padronizada ou esta-
amplo de termos como cultura e cultura pop e subsídi- do mental. Igualmente descartadas por Geertz são as
os práticos para um melhor posicionamento por parte definições de cultura como realidade “superorgânica”
dos cristãos em relação ao meio circundante e suas que surge de si mesma e serve a si mesma, ou como
expressões. Este artigo também visa promover con- padrão de acontecimentos comportamentais (GEERTZ,
scientização e envolvimento da parte da igreja cristã na 2008, p. 8). Para ele, a cultura está além de si mesma
devida utilização da cultura pop e também na produção e não pode ser limitada apenas as suas expressões
e influência ativa na mesma. visíveis em um indivíduo ou grupo de indivíduos.
Este artigo se organiza em sete partes. Na A proposta de Geertz é estabelecer um camin-
primeira parte será abordado o conceito de cultura, a ho seguro para a uma definição de cultura a partir da
partir da etimologia do termo e de estudos recentes. ideia de cultura como “composta de estruturas psi-
A segunda parte se dá no exercício de conceituação cológicas por meio das quais os indivíduos ou grupos
de “cultura pop”. Em seguida, a terceira parte traz de indivíduos guiam seu comportamento” (GEERTZ,
uma breve explanação sobre o conceito de formação 2008, p. 8). Dessa forma é possível falar de cultura de
das culturas. A quarta parte avalia a interação do ser uma sociedade.
humano com a cultura no meio onde está inserido. A Esse tipo de definição permite o estabeleci-
quinta parte trata da interação entre cristianismo e mento de algumas características mais restritas de
cultura. A sexta parte trata da crítica da cultura a partir uma manifestação cultural. Cultura também pode ser
do que foi trabalhado no quinto ponto. Por fim, a sétima o estabelecimento de códigos ou um conjunto de re-
parte trata de algumas considerações finais tendo em gras estabelecidas por um grupo de indivíduos que
vista o que foi proposto até então. os caracterize lhes fornecendo particularidades que
os distinguem dos demais grupos (GEERTZ, 2008, p.
8). Portanto, cultura seria um conjunto de “estruturas
2 O QUE É CULTURA? de significado socialmente estabelecidas” (GEERTZ,
2008, p. 9).
Cultura é um termo utilizado com superficial- Geertz aprofunda a ideia de uma perspectiva
idade e, por muitas vezes, sem que se leve em con- semiótica de cultura:
sideração o seu significado mais amplo. Clifford Geertz [...] sistemas entrelaçados de sig-
propõe uma reflexão crítica acerca do termo, dialogan- nos interpretáveis (o que eu cha-
do com diversos teóricos em busca de uma definição maria símbolos, ignorando as uti-
lizações provinciais), a cultura não
consistente. Geertz propõe um conceito semiótico de é um poder, algo ao qual podem
cultura, ou seja, uma análise apurada dos símbolos e ser atribuídos casualmente os

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acontecimentos sociais, os com- habitar e cuidar, de acordo com uma das variações de
portamentos, as instituições ou
os processos; ela é um contexto,
sua raiz (ANDRADE, 1999). A raiz ainda oferece a pos-
algo dentro do qual eles podem ser sibilidade de formar o termo “culto”.
descritos de forma inteligível — Segundo Reinke, o mito, ou o imaginário reli-
isto é, descritos com densidade.
(GEERTZ, 2008, p. 10). gioso como um todo é a forma de um grupo humano
interpretar e explicar a origem e o funcionamento do
Com isso, Geertz quer propor o estudo dos meio onde está inserido. A partir disso surgem as re-
símbolos que estabelecem um sistema de ideias, ligiões e a manifestação das mesmas em “cultos”, ou
sintomas e comportamentos de uma sociedade, uma seja, a aproximação, veneração ou adoração do im-
“adivinhação dos significados” (GEERTZ, 2008, p. 14). aginário mitológico, seja ele um deus, um elemento
da natureza ou mesmo uma pessoa de determinada
Cada análise cultural séria come-
ça com um desvio inicial e termina cultura. Logo, “cultura é a soma de um cultivo, com o
onde consegue chegar antes de culto de um povo” (REINKE, 2016).
exaurir seus impulsos intelectuais.
Fatos anteriormente descobertos
são mobilizados, conceitos ante- 2.1 O QUE É CULTURA POP?
riormente desenvolvidos são usa-
dos, hipóteses formuladas ante-
riormente são testadas, entretanto No que se refere à cultura popular ou cultura
o movimento não parte de teore- pop esse conceito faz sentido. Cultura popular ou cul-
mas já comprovados para outros tura pop é a soma de elementos, tendências e práti-
recém provados, ele parte de ta-
teio desajeitado pela compreensão cas que são comuns, acessíveis e consumidos pela
mais elementar para uma alega- população em sua maioria, ou seja, pelo povo. O que
ção comprovada de que alguém
isso tem a ver com cultivo e culto? A cultura popular é
a alcançou e a superou (GEERTZ,
2008, p. 18). uma expressão do povo, que não expressa nada além
daquilo em que acredita e necessita. O povo acredi-
A partir do fato de cultura ter a ver com com- ta naquilo que foi ensinado a acreditar, naquilo que vê
portamento humano, baseado na sua cosmovisão e as e nas experiências cotidianas. Tudo isso é variável de
manifestações simbólicas da mesma, é preciso refletir acordo com o meio. Acontece de uma forma na cidade,
acerca da função da cultura na sociedade e também na de outra forma no campo. Acontece de uma forma no
vida do ser humano. Brasil e de outra forma na Europa.
O historiador André Reinke cita Justo Gonza- Entretanto, esta definição, apesar de não ser
lez no seu livro “Cultura e evangelho” afirmando que incoerente em si, se torna um tanto superficial quan-
cultura é “o modo como um grupo humano se rela- do se leva em consideração a origem do termo “pop”.
ciona entre si e com o meio ambiente circundante”, ou Simone Pereira de Sá se propõe a analisar a origem
seja, cultura é a relação dos seres humanos uns com do termo bem como os desdobramentos e concepções
os outros e com o meio onde estão inseridos (REINKE, que surgiram a partir do mesmo.
2016). Reinke ainda cita o termo bíblico “cultivo” uti- Em primeiro lugar, o termo vem do inglês como
lizado por Gonzalez referindo-se a ele como a intenção abreviação do termo “popular”, tornando-se “pop”. É
de Deus ao ordenar para o ser humano que cultive e usado para designar aquilo que se refere às grandes
guarde o jardim (REINKE, 2016). massas, ao grande público. Todo o conteúdo produzido
A partir disso, Gonzalez se aproxima do con- com vistas a este tipo de público recebe o “adjetivo”
ceito tradicional de cultura. Segundo a etimologia da popular. Aqui estão inclusas as telenovelas, músicas
palavra “cultura”, o termo se origina do latim e sig- que não têm caráter erudito, como funk, sertanejo e
nifica cultivar, lavrar, criar (animais) ou ainda, morar, forró, ou seja, tudo aquilo que é consumido em maior

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escala pela maior parcela da população (SOARES, Castro traz ainda o debate de alguns teóricos
2015, p. 19). acerca do surgimento e do significado da cultura pop-
A origem do conceito de cultura pop e do uso ular nos dias atuais. Primeiramente, Bell (1978 apud
deste termo tem um fundo histórico. O termo surge do CASTRO, 2015, p. 36) classifica a cultura pop como
movimento “pop art” iniciado nos EUA e Reino Uni- uma manifestação das massas em oposição à autori-
do na década de 1950. Neste momento se discutiu a dade intelectual vigente. Semelhantemente a Newman
existência ou não de uma estética das massas. A par- (1984 apud CASTRO, 2015, p. 36) que classifica o pop
tir disso, o pop passou a estar vinculado com mídia. como uma inflação cultural produzida pelo capitalismo
O popular se referia também ao “popular midiático” avançado.
(SOARES, 2015, p. 20). Diferentemente, Chambers (1986 apud CAS-
No que se refere à cultura popular brasileira, TRO, 2015, p. 36) propõe a ideia de que o pop, nada
por exemplo, estamos tratando de uma cultura folclóri- mais é do que uma democratização da produção
ca, mas também, uma cultura pop/midiática (SOARES, cultural. Jameson (1996 apud CASTRO, 2015, p. 36)
2015, p. 20). Consequentemente, a cultura popular também defende algo parecido, dizendo que a cultura
como um todo se torna produtora de tendências para o popular é o reflexo de um anseio por novidades. Ba-
mercado. Sendo assim, a cultura pop se torna influên- sicamente, estas são as duas posições sobre o sig-
cia na mídia e no comércio (SOARES, 2015, p. 21). nificado da cultura pop. Entretanto, ambas as posições
A Cultura Pop pode se conectar às concordam em enfatizar como uma das principais
ideias de lazer, diversão, frivolida- características da cultura pop a sua transitoriedade e
de, superficialidade e a proposta é efemeridade (CASTRO, 2015, p. 38).
tencionar o já problemático termo:
a premissa de reconhecimento do Jader Janotti Junior, no mesmo livro apresenta
contexto do entretenimento e dos a sua breve impressão:
agenciamentos da s indústria da
cultura em análises de produtos, Em termos de acionamentos dis-
performances e encenações midi- tintivos, o pop é marcado pelas
áticas (SOARES, 2015, p. 22). transformações do popular a partir
dos encontros e tensões caracte-
Não obstante, o termo ainda é repleto de par- rísticos das modernidades asso-
ciadas à cultura midiática (apud
adigmas que parecem inquebráveis na sociedade
SÁ; CARREIRO; FERRAZ, 2015, p.
moderna. O termo, no geral, ainda tem a conotação de 46).
“pobre”, de baixa qualidade, de baixo valor estético.
A partir de uma análise acerca do conceito de música Janotti Junior (apud SÁ; CARREIRO; FERRAZ,
popular, Simone de Sá questiona os paradigmas uti- 2015) também entende que a cultura popular é per-
lizados para se fazer estas constatações. Quais seriam meada de contradições. Pode significar uma queda
os parâmetros utilizados? Para quem tem baixo valor na qualidade da produção cultural ou pode significar
estético? Existe um cânone cultural? Se sim, existe um uma relativização da superioridade da cultura vigente
para a cultura pop (SOARES, 2015, p. 30)? proposta por uma minoria “intelectualmente superior”
Fábio Fonseca de Castro traz a reflexão acerca (JANOTTI JUNIOR apud SÁ; CARREIRO; FERRAZ, 2015,
da “quotidianidade” da cultura. A cultura precisa ser p. 45). A partir disso, percebe-se a dificuldade de se
interpretada no seu tempo e espaço, dialogando com estabelecer um conceito fechado de cultura popular.
as necessidades e experiências da sociedade em que Neste trabalho será adotada a concepção mais
ela se faz presente (CASTRO, 2015, p. 35). A partir dis- comum, de que a cultura popular é aquilo que é pro-
so, pode-se dizer que a cultura popular é fruto do seu duzido e consumido pela maior parcela da população
tempo e espaço e dialoga com eles. tendo sua origem e inspiração no meio onde é prati-

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cada, consumida e vivida, bem como nas experiências didas afinal, querendo ou não, a arte e o artista são
cotidianas daqueles que a partilham. Não será abor- parte da cultura como um todo. Talvez não haja a ne-
dada a questão acerca da qualidade de uma produção cessidade de se justificar cada ponto, cada produção,
popular em relação a uma produção clássica ou eru- cada método, mas a questão é que há uma produção
dita. artística variada e esta é produzida para alguém e com
um fim, argumenta Rookmaaker (ROOKMAAKER, 2010,
p. 9, 10).
3 CULTURA E CULTURAS No Brasil vive-se ainda outro embate que se
dá na severa crítica ao que é nacional e a idealização
Nesta mesma perspectiva, Abner Melanias, e consumo passivo do estrangeiro (MELANIAS, 2016).
em seu programa “Contraponto”, apresenta o conceito Este embate se expressa na literatura, cinema, artes
de cultura sincrética e circularidade cultural. Segun- plásticas, moda, música em especial e atualmente até
do Melanias, não existe cultura completamente pura mesmo no esporte. Depois da derrota do Brasil por 7
(MELANIAS, 2016). Essa afirmação vai ao encontro do a 1 no jogo contra a Alemanha na copa do mundo de
conceito apresentado por Reinke. Se o meio é uma 2014 lançou- se uma severa crítica ao futebol bra-
das principais variáveis na formação da cultura, logo, sileiro enquanto se endeusava o estilo de jogo dos in-
o ser humano modifica a sua cultura na medida em críveis alemães.
que o meio em que esta se modifica pela própria ação
humana, ou ainda, na medida em que o ser humano
migra, se muda. 4 A CULTURA E O SER HUMANO
Diferentemente de uma “cultura tradicion-
al” que é arraigada em costumes hereditários e im- A cultura é plural, dinâmica e complexa. A cul-
utáveis, a cultura pop é extremamente volúvel, pois é tura se manifesta em absolutamente todas as áreas
facilmente induzida pelos avanços tecnológicos, pelas da vida, na propaganda, na alimentação, no compor-
influências de culturas periféricas de maior “aderên- tamento, no lazer, no designe, na ciência e até mesmo
cia social”, por quem a produz e mesmo pela política na moral. E também, a cultura manifesta as necessi-
vigente, tanto a política global como a política interna dades e anseios do ser humano. A partir disso, Melani-
do meio. as propõe a questão sobre o denominador comum das
Uma das consequências dessa volubilidade da culturas. Existe um denominador comum (MELANIAS,
cultura pop é o embate sobre a legitimidade ou não da 2016)?
separação entre a baixa cultura e a alta cultura, sen- A partir deste questionamento os dois en-
do a baixa cultura a cultura popular e a alta cultura trevistados do programa de Melanias colocam as
uma cultura mais erudita e reservada à determinada suas impressões sobre o assunto. O primeiro, Cacau
parcela da população (MELANIAS, 2016). Este embate Marques, diz que as Culturas são comunicáveis, mas
tem se dado em quase todas as formas de manifes- não coincidentes (MELANIAS, 2016). Ou seja, os ele-
tação cultural, sobretudo na arte. mentos comuns da cultura não representam neces-
Em seu livro “A arte não precisa de justificati- sariamente um denominador comum, mas simples-
va”, Hendrik Hoelof Rookmaaker questiona a identidade mente uma abertura para o diálogo não violento.
da arte e do artista. A arte é somente uma expressão O segundo entrevistado, Rodrigo Bibo de Aqui-
do ser? É apenas estética, ou tem valor reflexivo? A no, diz ser o próprio ser humano o denominador co-
arte precisa ter um valor reflexivo? O artista tem um mum da cultura, pois é ele quem a produz (MELANI-
papel na sociedade? E na cultura? Qual é esse papel? AS, 2016). Aquino usa como exemplos o horóscopo e
Estas questões devem necessariamente ser respon- a psicologia. O horóscopo se utiliza de estereótipos e

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preferências do ser humano além de ir ao encontro das Entretanto, na medida em que a sociedade
suas necessidades básicas (LAMARINO, 2016). Aqui- começou a questionar-se acerca dos dogmas da igreja
no diz que, acreditando ou não em horóscopos, uma e a dialogar com as inovações, o cristianismo precisou
pessoa se identifica com suas propostas pelo fato de o adotar algumas propostas alternativas de diálogo com
horóscopo fazer uso de estereótipos humanos. a cultura. Michael Scott Horton discute a perspectiva de
Aquino fala ainda que a psicologia como ciên- Richard Niebuhr que propõe cinco possíveis posições
cia é uma das comprovações da existência de um do cristianismo em relação à cultura: o Cristo contra a
denominador comum da cultura (MELANIAS, 2016). A cultura, o Cristo da cultura, o Cristo acima da cultura,
psicologia se propõe a estudar os seres humanos em o Cristo em relação paradoxal com a cultura e o Cristo
sua psiquê. Obviamente as pessoas têm experiências transformador da cultura (HORTON, 2006, p.46-48).
diversas que moldam a sua psiquê de diferentes for-
mas. Porém, a psicologia faz uso de princípios funda- 5.1 O CRISTO CONTRA A CULTURA
mentais da interação humana, das suas experiências e
da sua construção psíquica para estudar a mente. A igreja cristã teve de se “reinventar” muitas
Com estes exemplos, Aquino quer dizer que os vezes ao longo da história, especialmente na época
seres humanos têm necessidades e anseios em co- das grandes navegações, no avanço da astronomia e
mum independentemente de suas culturas. Essas ne- no iluminismo. Os dogmas cristãos estavam em con-
cessidades e anseios comuns são expressos em práti- stante conflito com as novas descobertas e com a nova
cas religiosas como a astrologia e também na ciência cosmovisão vigente. Isso fez com que a igreja aca-
da psicologia. Logo, para Aquino existe um denomina- basse se fechando por completo em relação à cultura.
dor comum nas culturas. Apesar de aparentemente superada, essa visão ainda
está presente em algumas correntes cristãs e tem os
seus motivos para estar.
5 CRISTIANISMO E CULTURA Segundo Niebuhr, esta perspectiva prega um
sentido extremamente positivo do cristianismo e uma
Por cristianismo ou fé cristã entende-se o rejeição igualmente enfática quanto as coisas que
conjunto de crenças, dogmas e práticas religiosas as- pertencem ao mundo. O que pertence ao mundo se
sumido pelo grupo de indivíduos denominado igreja, refere a tudo aquilo que está fora da Igreja Cristã, à
em torno da pessoa e obra de Jesus Cristo. Entretanto, parte dela (NIEBUHR, 1967, p. 70).
essa designação tende a ser limitada no que se refere
É uma cultura que está voltada
à fé cristã. Adotaremos aqui a ideia de que cristianismo para os valores temporais e pas-
é uma vivência, uma identidade assumida por aqueles sageiros, enquanto Cristo tem pa-
lavras de vida eterna; é uma ordem
que professam a fé em Jesus Cristo que se manifesta a um tempo moribunda e assassi-
em todas as esferas da vida. na, pois ‘o mundo passa e com ele
E o que tem a ver a cultura com a fé cristã? a sua concupiscência (NIEBUHR,
1967, p. 70).
Essa pergunta já foi feita várias vezes ao longo da
história e as respostas que para ela foram elaboradas Esta é a posição defendida por Tertuliano no
são as mais diversas. Ao longo da história a cultura início da Igreja Cristã. Segundo Tertuliano, o conflito
foi sendo demonizada pelos cristãos. Na medida em do cristão era com a cultura que era corrompida pelo
que os avanços tecnológicos, descobertas científicas pecado, e não com a natureza pecaminosa. Inclusive,
e reinvenções da humanidade surpreendiam o mundo, ele afirma que o pecado original é transmitido pela
a Igreja Cristã os demonizava, os via como heréticos e sociedade. Entretanto, percebe-se em Tertuliano uma
contrários a sua doutrina e dogmas. sincera preocupação com o paganismo, as religiões

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falsas e a comercialização dos ritos no seu tempo de se sustentar quanto a anterior. Niebuhr apresenta
(NIEBUHR, 1967, p. 75). as diferentes perspectivas desta posição:
No Brasil, vivemos uma cultura que, apesar
Por um lado, eles interpretam a
de rica e plural em sua essência, insiste em se apre- cultura através de Jesus Cristo,
sentar de forma vulgar e sensual, “erotizando” e “ob- considerando como os seus ele-
jetificando” o corpo, especialmente da mulher, não em mentos mais importantes àqueles
que estão mais de acordo com a
sua totalidade, é claro. Percebe-se essa tendência na sua obra e pessoa; e, por outro
publicidade em especial. Essa forma de a cultura se lado, eles entendem Cristo através
manifestar tem legitimado, de certa forma, a posição da cultura, selecionando de seu
ensino e ação, bem como da dou-
excludente dos cristãos em relação a ela. Entretanto, a trina cristã a respeito dele, os pon-
cultura é uma manifestação popular. A cultura é influ- tos que parecem concordar com o
enciadora, mas também é influenciada pelo povo. que há de melhor na civilização.
Assim, harmonizam Cristo e cul-
Steve Turner cita Robert Prechter para falar tura, naturalmente não sem dano
da relação da cultura com a economia. “O americano para os aspectos irredutivelmente
discordantes do Novo Testamento
Robert Prechter, analista da bolsa de valores, afirma
e dos costumes sociais (NIEBUHR,
que a cultura popular (‘arte popular, moda e cos- 1967, p. 110).
tumes’) reflete exatamente a disposição do público
dominante e que as mudanças de disposição anteci- Horton discorre sobre o problema do separa-
pam as tendências financeiras” (TURNER, 2014, p.22). tismo, tal qual se apresenta no ponto anterior, e sobre
Segundo Prechter, a cultura e o mercado estão o problema do secularismo (HORTON, 2006, p. 162). O
intimamente relacionados e estas instâncias são influ- grande problema de um Cristo da cultura é a possibili-
enciadas pelas propostas da população que refletem dade de um secularismo da fé cristã, bem como de um
seus desejos e anseios. Douglas Kelner também traz sincretismo. Ainda que a cultura seja incentivada por
a sua contribuição para a reflexão acerca de cultura e Deus e agradável aos olhos Dele, ela está corrompi-
mercado. Ele diz que “Nos Estados Unidos e na maio- da pelo pecado (HORTON, 2006, p. 164). Surge então a
ria dos países capitalistas, a mídia veicula uma forma pergunta: Cristo pode ser inserido na cultura?
comercial de cultura, produzida por lucro e divulgada à A pergunta sobre o caráter essencial da cultura
maneira de mercadoria” (KELLNER, 2001, p. 27). popular é importante para o cristão. Se a cultura popu-
Em vista disso, os grandes produtores de lar é má em si mesma seja por promover a “erotização”
mídia e os seus executivos tendem a produzir aquilo e objetificação” do corpo, por exemplo, o cristão deve
que vende melhor. Isso significa não ofender as mas- se afastar dela e negá-la uma vez que, biblicamente
sas produzindo conteúdo que seja vendido à maioria falando, o corpo é o santuário do Espírito Santo (1Co
das pessoas. 6.19). Entretanto, se a cultura popular não é má em
A partir dessa reflexão, a posição contrária da si mesma nos cabe o desafio de avaliar, aproveitar,
igreja em relação à cultura fica muito mais compli- transformar e até mesmo criar cultura popular con-
cada de se sustentar, visto que ficar contra a cultura strutiva para a sociedade como um todo, não só para o
significa ficar contra o povo e seus desejos, anseios e meio cristão (TURNER, 2014, p.22).
realizações e também significa ficar contra o mercado Entretanto, apresentar a possibilidade de Cristo
e, por que não contra a economia. como um elemento inserido na cultura pressupõe um
diálogo com a mesma em todas as suas dimensões, ou
5.2 O CRISTO DA CULTURA seja, inclusive com o pecado presente nela. Além disso,
por mais arrogante que possa parecer, o cristianismo
Apesar de ser legítima para algumas parcelas não pode considerar Cristo apenas mais um elemento
do cristianismo esta posição é quase tão complicada qualquer da cultura.

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Ao mesmo tempo em que a igreja precisa In- Niebhur ainda leva em consideração o fato de
culturar-se, ela não pode acabar se misturando com que não se pode fazer uma distinção tão acentuada e
a cultura de modo que não possa mais ser distinta da fria entre Cristo e a Cultura, pois, em primeiro lugar a
mesma. A igreja deve tomar cuidado para não cair em cultura é desejada por Deus e agradável aos seus ol-
um sincretismo cultural (HORTON, 2006, p. 162). A ig- hos. Além disso, não se pode distinguir a obra humana
reja precisa afirmar a sua identidade e precisa ter a da graça divina, visto que aquela só se faz possível por
certeza daquilo no que crê. Inculturar-se não significa causa desta (NIEBUHR, 1967, p. 146).
perder aquilo que é essencial e primário na fé cristã Esta perspectiva parte do pressuposto que a
(HORTON, 2006, p. 186-187). cultura não tem absolutamente nada a oferecer. A fé
Nesta perspectiva, Cristo não deve estar in- cristã, com seus dogmas e doutrinas, se torna autos-
serido na cultura como um elemento qualquer, e nem suficiente. Entretanto, nenhum cristão deveria pensar
podemos dizer que Cristo é um fruto da cultura. Porém, desta forma, afinal nos é dada a tarefa de anunciar o
esta postura pode facilmente nos levar a terceira per- evangelho a todas as nações (Mt 28.18-20) e como
diz Paulo, “Julgai todas as coisas, retende o que é
spectiva apresentada por Niebuhr.
bom” (1Ts 5.21). Essa concepção vai ao encontro da
próxima perspectiva.
5.3 O CRISTO ACIMA DA CULTURA

5.4 O CRISTO EM RELAÇÃO PARADOXAL COM A


A grosso modo, esta perspectiva sobre Cristo
CULTURA
e a cultura muito se assemelha a primeira. Cristo aci-
ma da cultura quer dizer Cristo superior à cultura de
Essa é talvez a posição mais passiva diante
modo que este não pode ser tocado por aquela. Aquilo
desta questão que é tão complexa. Cristo e a cultura
que é sagrado não pode se misturar com aquilo que é coexistem com as suas diferenças e semelhanças de
profano. modo pacífico e indiferente em relação ao outro. Essa
Se Cristo e a cultura são os dois posição não necessariamente significa neutralidade e
princípios com que se preocu- falta de formação de opinião. Porém, essa passividade
pam os cristãos, então, muitos acaba por se inibir de qualquer proposta de transfor-
deles nos parecerão ser criaturas
acomodatícias, que conseguem mação. Segundo Niebuhr, uma tentativa disfarçada
misturar, de uma maneira irracio- de acomodação (NIEBUHR, 1967, p. 179). Na prática,
nal, uma devoção exclusiva a um parece ser a posição adotada pela maioria das Igrejas
Cristo que rejeita a cultura, com a
devoção a uma cultura que inclui Cristãs na atualidade.
Cristo (NIEBUHR, 1967, p. 144). Turner traz à tona a questão acerca da divisão
entre “secular” e “sagrado” e como isso tem influen-
Nesta perspectiva, Cristo se torna os ócu- ciado negativamente a posição dos cristãos diante da
los pelos quais se deve observar a cultura. Isso se- cultura:
ria coerente se não fosse o fato de ser excludente e
Ou talvez eles digam isso porque
separatista. Turner descarta esta posição ao afirmar têm a mente dividida. A mente
que: “Aqueles que se apoiam apenas na cultura pop- dividida tem um lado espiritual e
ular estão se privando da mesma forma que aqueles um lado terreno. O lado espiritual
está comprometido aos domingos
que se apoiam apenas na Bíblia. Tornamo-nos mais e durante os momentos de leitura
equilibrados, úteis, enriquecidos e holísticos quando da Bíblia e oração. O lado terreno
está ativo quando se busca ativi-
tiramos vantagem da cultura” (TURNER, 2014, p. 47- dades de lazer (TURNER, 2014, p.
48). 14).

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Arrue e Adam 79

O autor chama a atenção para certa neces- 5.5 O CRISTO TRANSFORMADOR DA CULTURA
sidade da parte dos cristãos em fazer uma clara dis-
tinção entre coisas “espirituais” e coisas “terrenas”. Esta perspectiva parece ser a mais coerente
De fato, a Bíblia orienta os cristãos a fazerem esta de todas. Cristo como aquele que transforma a cultura
distinção, por exemplo, em Cl 3.255 e em Gl 6.156. To- vigente por meio do evangelho, apresentando às pes-
davia, esta distinção categórica e irrefletida acaba por soas o verdadeiro significado da mesma e o propósito
fazer do cristão um indivíduo com a mente dividida. de Deus para ela.
Mas o que isso tem a ver com a relação par-
A vida cristã consiste, de fato, na
adoxal de Cristo com a cultura? Tem a ver com a pas- transformação de todas as ações
sividade dos cristãos em relação à cultura. No mo- por Cristo, para que sejam atos de
mento em que se distingue o espiritual “do “terreno” amor a Deus e ao homem, glo-
rifiquem o Pai e o Filho, e sejam
perde-se a possibilidade do diálogo e a esperança obedientes ao mandamento de
da transformação do meio e das tendências culturais. amar uns aos outros. Trata-se
de uma vida de trabalho em que
Para Turner, isso é inconcebível, pois é como se privás- o cristão faz o que ele vê o Filho
semos Deus daquilo que ele mesmo fez e promove. fazendo, na medida em que o Fi-
lho faz as obras do Pai (NIEBUHR,
[...] não há nada que vivamos que 1967, p. 238).
Cristo não reivindique ou sobre o
qual não tenha algo a dizer. Ainda
assim, às vezes o tratamos como
Apesar de ser a perspectiva tida como a mais
se ele não entendesse realmen- coerente e a mais adotada pela maioria dos círculos
te alguma área de nossas vidas cristãos, esta também tem os seus riscos quando mal
modernas, como a cultura popular
aplicada. Niebhur desenvolve o seu raciocínio afir-
(TURNER, 2014, p. 18).
mando que esta perspectiva tende a se tornar univer-
Esta perspectiva é abominável aos próprios salista quanto à redenção da cultura e, sendo assim,
princípios bíblicos pelo fato de ser acomodada. É o volta-se ao separatismo (NIEBUHR, 1967, p. 239).
próprio Cristo que nos chama a ser luz no mundo e sal Além disso, um dos grandes riscos desta per-
spectiva é o fato de que se pode cair facilmente na
da terra (Mt 5.13- 16)58. Isso significa iluminar o que
perspectiva anteriormente apresentada do “Cristo su-
está escuro e dar sabor ao que é insípido. A aceitação
perior a cultura”. Se a cultura precisa ser transfor-
e convivência pacíficas da fé cristã com uma cultura
mada, é porque é ruim ou, no mínimo, inferior. Isso
corrompida pelo pecado é uma postura inadequada.
também pode acarretar na “gospelzificação” de tudo o
Ainda assim, existem propostas um pouco que é consumido. Agora que sou cristão, devo assistir
mais saudáveis de interpretação em relação a esta apenas filmes cristãos, ouvir apenas músicas gos-
posição. pel, vestir camisetas com versículos bíblicos, ler livros
Embora os membros deste gru- cristãos, e tudo o que fizer deve ter conotação cristã.
po discordem das definições e Obviamente que este não é o intuito des-
combinações dos sintetizadores ta perspectiva como tal. Como diz Horton, a tarefa da
de Cristo e cultura, eles também
procuram fazer justiça à neces- apologética não é ridicularizar a incredulidade. A tare-
sidade tanto de serem mantidas fa do apologista é estar preparado para responder a
juntas a lealdade a Cristo e a res- esperança que há nos cristãos, porém, com mansidão
ponsabilidade pela cultura, como
de se fazer distinção entre elas
e temor (1Pe 3.15,16). Esta afirmativa obviamente se
(NIEBUHR, 1967, p. 180). aplica a todos os indivíduos cristãos na relação com
aquilo que é “secular”.
O objetivo proposto por esta perspecti-
va é justamente oferecer uma nova cosmovisão

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80 Cristianismo e cultura Pop: um diálogo sobre a relação entre a cultura Cristã e as manifestações culturais da Pós-modernidade

que vá nortear a reflexão acerca dos elementos que uma colossal diferença entre os períodos, os lugares e,
compõem a cultura. Alguns, talvez, serão descartados, consequentemente, entre as motivações dos autores,
outros, repensados e alguns, por que não, podem ser sem falar no conteúdo.
até mesmo enfatizados e explorados com maior in- É óbvio que há elementos como a moral e a
tensidade. Tudo isso, é claro, sendo orientado e filtrado decência cujos princípios de relevância propostos aci-
por Cristo e sua palavra. ma não se aplicam por serem universais e atemporais.
Neste sentido, cabe aos cristãos discernir os Também há aqueles elementos que ferem direta-
discursos e questionar métodos e meios para a apli- mente os princípios bíblicos e o exercício da fé cristã.
cação prática dos mesmos. Entretanto, todo e qualquer
Estes devem ser tratados com princípios ainda mais
discurso que aponte para Cristo deve ser, no mínimo,
criteriosos. Melanias obviamente está se referindo a
considerado nos círculos cristão e depois, avaliado. E
manifestações culturais como a arte, as concepções
tudo o que o nega e distorce o evangelho deve ser en-
políticas, a moda, a propaganda.
tendido e retrabalhado, ou, se necessário, descartado
(TURNER, 2014, p. 24-25). Tudo isso deve ser feito Melanias ainda discorre sobre a postura de um
com seriedade. crítico frente ao que se está criticando. Pode parecer
óbvio, mas é de suma importância para aquele que
produz crítica, consumir o tipo de arte e de cultura que
6 A CRÍTICA DA CULTURA se está criticando. Isso se faz necessário em função
do princípio da comparação. Obviamente este não é
o único princípio que deve ser utilizado ao se fazer
A partir desta reflexão podemos concluir que
uma crítica. Entretanto, o crítico deve conhecer aquilo
os cristãos devem aprender a criticar. Crítica, porém,
que está criticando em todas as suas dimensões. Isso
não é apenas uma questão de opinião e não neces-
inclui a percepção de outros artistas sobre um deter-
sariamente o desmerecimento ou descarte daquilo
minado tipo de arte (MELANIAS, 2016).
que se está criticando. Segundo o dicionário Aurélio,
Um crítico de literatura fantástica, por exem-
da língua portuguesa, crítica significa julgar alguma
plo, precisa estar inteirado do mundo da fantasia e de
produção, avaliá-la, ou, apreciá-la (FERREIRA, 2008,
todas as formas que a fantasia se apresenta na lit-
p. 277). Esta é uma concepção salutar do termo.
eratura moderna e na literatura clássica, na literatura
Abner Melanias apresenta alguns princípios
nacional e na literatura estrangeira, na mitologia e fora
para o estabelecimento de uma crítica. Segundo Mel-
dela. Ele precisa ser um exímio consumidor de liter-
anias, é importante para o exercício da crítica que se
atura fantástica para que possa conceber parâmetros
leve em consideração o lugar da obra (ou manifes-
e, assim, formular uma crítica coerente e bem funda-
tação cultural, no caso) no tempo e no espaço. Toda
mentada.
e qualquer forma de manifestação artística e cultural
Isso não implica em ações como diálogo in-
tem um contexto, ou seja, um lugar e um momento
ter-religioso ou sincretismo no diálogo da fé cristã
histórico. É preciso levar em consideração estes dois
com a cultura, apenas em uma visão “multiperspec-
aspectos para que se estabeleça uma crítica coerente
tivica” de manifestações, tendências e anseios da
(MELANIAS, 2016).
sociedade para uma formulação mais sólida de um
Não se pode fazer uma crítica de um livro de
posicionamento cristão frente aos mesmos. Como diz
teologia alemão do período da Segunda Guerra fazen-
Kellner,
do uso dos mesmos princípios que seriam utilizados
em uma crítica feita a uma revista em quadrinhos da Ademais, o estudo crítico da cul-
tura e da sociedade deve estar
Turma da Mônica no ano de 1990. Ainda que, ambas sempre examinando seus próprios
se enquadrem no “gênero artístico” literatura, existe métodos, posições, pressupostos

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Arrue e Adam 81

e intervenções questionando-os, fazendo uso dos elementos e dos recursos que este
revisando-os e desenvolvendo
-os constantemente (KELLNER,
meio oferece.
2001, p. 125). Além disso, vale lembrar que o cristianismo
também sofre influências culturais. Obviamente essas
Eis a nossa tarefa diante da cultura e de como influências não têm deturpado o cerne do evangelho,
ela se apresenta: desenvolver um senso crítico em mas como diz Turner “não estamos nos levando muito
relação à cultura fundamentado no evangelho e tomar a sério se pensarmos que somos imunes a influência
iniciativas práticas para a transformação da mesma, da cultura popular” (TURNER, 2014, 235).
visando o anúncio do evangelho e o amor ao próximo. Turner passa a palavra a Stuart Hall que afir-
ma ser a cultura um ambiente onde “entendimentos
sociais coletivos são criados” (TURNER, 2014, p. 20).
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS É no meio da cultura popular que as pessoas for-
mam opiniões, que formam a suas cosmovisões e o
Em que medida os cristãos e a igreja têm se seu senso crítico. Se quisermos que o evangelho seja
preocupado com a cultura e com a produção artística efetivo e cause mudanças precisamos estar inseridos
e cultural na atualidade? O cristianismo na atualidade neste meio e precisamos anunciá-lo de uma forma
pende muito mais para a anorexia cultural, propos- que as pessoas escutem.
ta por Godawa (GODAWA, 2004, p. 21), em que nos São diversos os exemplos bíblicos que nos
tornamos abstêmios e críticos intolerantes da cultura movem a fazer uso da cultura. José, no Egito, vivia
pop. em meio a um povo pagão e idólatra e, além disso,
A fé cristã tem por objetivo anunciar a boa administrava o reino com zelo e dedicação. José não
nova do amor de Deus pela sua criação a partir de o fazia de acordo com aquilo que aprendera de Jacó,
Jesus Cristo. Esses e outros valores do cristianismo seu pai, mas o fazia segundo as diretrizes do Egito (Gn
só podem ser disseminados se este se propor a di- 39-41).
alogar com a cultura em todas as suas dimensões. É Também Daniel, na Babilônia, servia ao rei e
preciso que o cristianismo faça uso das ferramentas se destacava. Além disso, assim como José, Daniel
que a cultura lhe oferece e questione aquilo que fere interpretou os sonhos do rei para anunciar a vontade
os princípios e valores bíblicos. Com isso, os cristãos de Deus. Deus usou Daniel no meio onde estava tan-
não devem se colocar em uma posição de superiori- to que o grande rei Nabucodonosor se viu obrigado a
dade, mas de agentes transformadores dos aspectos dobrar os joelhos diante do Altíssimo (Dn 3). Não nos
da cultura que são nocivos ao evangelho. esqueçamos de Paulo, que não hesitou em fazer uso
Diferentemente do século XVIII quando os do paganismo dos atenienses para anunciar o evan-
cristãos foram responsáveis por avanços tecnológicos gelho (At 17.16-31).
e por uma vasta produção artística, atualmente pen- Rookmaaker diz que “nosso cristianismo não
demos para o distanciamento e demonização da cul- serve apenas para os momentos piedosos ou atos
tura e da arte. Isso não é uma regra, obviamente, mas religiosos” (ROOKMAAKER, 2010, p. 38). O que isso
se aplica a maioria. significa? Significa que precisamos estar verdadei-
O que podemos fazer para mudar esta reali- ramente inseridos no nosso meio, precisamos influ-
dade? É preciso lembrar os cristãos e a igreja de que enciar mais do que somos influenciados, precisamos
eles estão inseridos no mundo, no tempo e no espaço, consumir com discernimento, e produzir com quali-
estão inseridos em um sistema econômico e em uma dade.
cultura. Dito isto precisamos lembrá-los da sua tarefa Quanto às cinco perspectivas propostas por
de anunciar o evangelho neste meio, e porque não, Niebuhr:

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82 Cristianismo e cultura Pop: um diálogo sobre a relação entre a cultura Cristã e as manifestações culturais da Pós-modernidade

1. sejamos contra aquilo que não promove a co para com os fracos, com o fim
de ganhar os fracos. Fiz-me tudo
Cristo; para com todos, com o fim de, por
2. sejamos capazes de enxergar a Cristo todos os modos, salvar alguns.
quando ele se manifesta de uma maneira Tudo faço por causa do evangelho,
com o fim de me tornar coopera-
diferente da que estamos acostumados; dor com ele (1Co 9.19-23).
3. Cristo é o rei dos reis, o nome que está
acima de todo o nome e não há quem seja
como Ele. Mas isso não é motivo para ser- REFERÊNCIAS
mos arrogantes e achar que somos me-
lhores, reivindicando o direito de jogar fora ANDRADE, J. Identidade Cultural no Brasil. Vargem
tudo o que nos é apresentado como dife- Grande Paulista: A9, 1999.
rente;
AQUINO, R.B. BTCAST 168. 13 set. 2016. Disponível
4. tenhamos a consciência de que estamos
em: <http://bibotalk.com/podcast/btcast168/>.
inseridos em um meio e em uma cultu-
ra. Também somos frutos do nosso tempo BÍBLIA de Estudo de Genebra. 2. Ed. Barueri, SP: So-
(TURNER, 2014, p. 54). Mas, que isso não ciedade bíblica do Brasil; São Paulo: Cultura Cristã,
nos leve a uma passividade e indiferen- 2009.
ça frente ao que nos é apresentado pela
cultura; CASTRO, F.F. Temporalidade e cotidianidade no pop. In:
5. sejamos instrumentos de Deus para a SÁ, S.P.; CARREIRO, R. FERRAZ, R. (Org.). Cultura pop.
transformação da cultura. Mas não só isso, Salvador: EDUFBA; Brasília: Compós, 2015.
sejamos produtores de cultura, influencia-
CONCEITO etimológico de cultura Disponível em:
dores, participantes ativos.
<http://www.tokstok.com.br/premio/imagens/prof_
eddy2.html>
A tarefa dos cristãos não é apenas criticar aq-
uilo que a cultura nos apresenta, mas também pro- MELANIAS, Abner. Contraponto 10. 16 jun. 2016. Dis-
duzir cultura, produzir conhecimento útil, aplicável e ponível em: <http://bibotalk.com/podcast/contrapon-
interessante, se fazer presente não apenas pela rep- to-010-a-morte-da-critica/>.
resentatividade, mas para ser uma referência para o
mundo. Termino esta breve reflexão com as palavras MELANIAS, Abner. Contraponto 13. 28 jul. 2016. Dis-
de Paulo que a sintetizam bem. ponível em: <http://bibotalk.com/podcast/contrapon-
to-013-o-que-e-cultura/>.
Porque, sendo livre de todos, fi-
z-me escravo de todos, a fim de
ganhar o maior número possí-
FERREIRA, A.B.H. Mini Aurélio: o minidicionário da
vel. Procedi, para com os judeus, língua portuguesa. 7. ed. Curitiba: Positivo, 2008.
como judeu, a fim de ganhar os
judeus; para os que vivem sob o GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Ja-
regime da lei, como se eu mes-
mo assim vivesse, para ganhar os neiro: LTC, 2008.
que vivem debaixo da lei, embo-
ra não esteja eu debaixo da lei. GODAWA, B. Cinema e fé cristã: vendo filmes com
Aos sem lei, como se eu mesmo sabedoria e discernimento. Viçosa: Ultimato, 2004.
o fosse não estando sem lei para
com Deus, mas debaixo da lei de
Cristo, para ganhar os que vivem HORTON, M.S. O cristão e a cultura. 2. ed. São Paulo:
fora do regime da lei. Fiz-me fra- Cultura Cristã, 2006.

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Arrue e Adam 83

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Recebido em: 27/04/2018


Aceito em: 06/06/2018

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