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Indianos Sunitas em Moçambique - 1974/2004
Indianos Sunitas em Moçambique - 1974/2004
Indianos Sunitas em Moçambique - 1974/2004
3
4
INDICE
INTRODUÇÃO 6
PARTE I
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
CAPÍTULO III
CAPÍTULO IV
1 – PERÍODO DE 1986/1994 34
2 – PERÍODO DE 1994/2004 38
CONCLUSÃO 50
PARTE II
CAPÍTULO I
DO PERÍODO TARDO-COLONIAL
A SAMORA MACHEL (1960/1986)
5
1 – INVASÃO WAHABITA? 53
2 – O ENCONTRO INTER-RELIGIOSO
DE DEZEMBRO DE 1982 55
CAPÍTULO II
CONCLUSÃO 63
ANEXOS 65
6
INTRODUÇÃO
1
Partido Independente de Moçambique, cujo “I”, em surdina, se diz significar “Islâmico”.
7
Islâmico, o Congresso Islâmico, a Comunidade Maometana e o
Tabligh Jamaat2, são parte de uma complexa dinâmica sunita, que
se subdivide em negros, mulatos, surtis3, memons, kananias,
barelvis, deobandis e damanias.
2
Literalmente, Tabligh significa Propagar e, Jamaat, Grupo. Trata-se de um movimento reformador do Islão, o
qual pretende trazer a sua prática aos seus fundamentos, ás suas origens, tendo como farol-guia para tal dois
documentos, o Alcorão e os Hadithes. Estes últimos poderão ser traduzidos como Os Ditos e os Feitos do Profeta.
“Divulgadores do Islão”, como gostam de ser identificados, têm na sua forma de abordagem a muçulmanos
praticantes e não praticantes, um modus operandi semelhante ao das Testemunhas de Jeová e ao dos Mormons.
Tributários do Movimento Deobandi, na Índia, têm a sua sede neste país na cidade de Nizamudinne. No Paquistão,
a sede encontra-se na cidade de Raiwind.
3
Na explicação dos entrevistados, é assumido e simplificado de que se tratam de diferentes castas. Em rigor, a
catalogação deriva da origem de cada uma das comunidades. Os Surtis são originários do Distrito de Surat, os
Mehmans do Distrito de Kathiawar, os Kananias do Distrito de Baruch e os Damanias de Damão. Tudo no Estado
do Gujarat, na Índia. Quanto a Deobandis e Barelvis, são movimentos dentro da Escola Jurídica Hanifita.
8
É isso que pretendemos demonstrar, analisando o período que
medeia os anos de 1975 e de 2004, correspondente ao período
machelista e ao de Joaquim Chissano.
9
PARTE I
10
CAPÍTULO I
Distribuição da população de 5 anos e mais a nível nacional por religião, 1997 (em
%)
Católicos 23,8
Muçulmanos 17,8
Sião/Zione 17,5
Protest./Evangélicos 7,8
Animistas 2,1
Outros 1,6
Desconhecidos 2,6
0 5 10 15 20 25
FIGURA 1
4
II Recenseamento Geral da População e Habitação, 1997. Instituto Nacional de Estatísticas. Igualmente para as
figuras 1 e 2.
11
contabilização dos tempos coloniais continuam a ser utilizadas,
como por exemplo,
plo, se o cabeça de casal tem como nome próprio um
nome cristão, apesar de ser muçulmano, este e toda a sua família
são contabilizados como católicos. Por outro lado, há um claro
interesse na elite política moçambicana em não chamar demasiado
as atenções das
as endinheiradas monarquias do Golfo, respectivas
ONG’s e agências de desenvolvimento, para estas não terem razões
em verem Moçambique como um campo fértil para os seus projectos
junto das diversas comunidades islâmicas existentes no país.
0 20 40 60 80 100
FIGURA 2
12
Em todo o caso e, na falta de dados mais fiáveis, mas baseando-
nos no que foi observado no local e no que debatemos com
moçambicanos das mais diversas áreas, será seguro afirmar que a
percentagem de muçulmanos no território, será certamente acima
da fasquia dos 30% relativamente à restante população.
Aguardamos, no entanto, os resultados do III Recenseamento Geral
da População e Habitação, iniciado no 4º trimestre de 2007.
13
2. O ISLÃO SUNITA EM MOÇAMBIQUE
5
Sofala, em Árabe significa “Terras Baixas”.
6
Fundador da Confraria-Mãe, o Wali, do árabe Madhi, “O Iluminado”, considerado possuir um poder sobrenatural,
definido pelo seu “Baraka”, Benção.
7
Medeiros, Eduardo; “Irmandades Muçulmanas do Norte de Moçambique (Ideologias e Religiões em
Moçambique, I), pág. 61; Colecção “Textos de Apoio DCI”, 25; Universidade Técnica de Lisboa, Instítuto de
Economia e Gestão, 1995/96.
8
Morier-Genoud, Eric; “L’islam au Mozambique après l’independance-Histoire d’une montée en puissance”;
L’Afrique politique 2002, Islams d’Afrique: Entre le Local et le Global; Centre d’Étude d’Afrique Noire; Éditions
Karthala.
9
Medeiros, Eduardo;op. cit. pág. 59.
14
10
FIGURA 3
10
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/f1/MuslimDistribution3b.JPG
11
Serra, Carlos; “História de Moçambique-Volume I”; Livraria Universitária, Maputo, 2000.
12
Morier-Genoud, Eric; op. cit.
15
das sociedades matrilíneares instituírem novos modelos de
relações sociais e políticas.13
13
Newitt, Malyn; “História de Moçambique”, págs. 381/2; Biblioteca da História; Publicações Europa-América,
1997.
14
Ahmedali, S. A.; “Islam in Mozambique (East Africa)”, pág. 47; Islamic Literature, Vol. XV, 1969.
16
3. AS COMUNIDADES ASIÁTICAS SUNITAS
15
FIGURA 4
15
http://www.mapsofindia.com/maps/gujarat/gujarat.htm
17
Aden, empilhados no convés dos paquetes entre pandeiros de cabos e capoeiras de criação,
alimentando-se durante toda a viagem com um farnel de arroz cozido com drogas picantes. A
companhia deles não é de certo agradável à vista nem ao olfato, a nossa civilização não
consegue assimilá-los e nem sequer persuadi-los a vestirem calças, e quanto é formidável para a
colonização europeia a sua concorrência, bem o indicam as nuas pernas felpudas, surdindo das
amplas dobras de roupagem que algum dia foram brancas, que no litoral ou no sertão arrastam
açodadamente chinelas de formas indefinidas nas passadas de todos os comércios, de todas as
industrias, de todos os misteres, e dizem que de todas as rapinagens mansas. Mas serão
realmente essas chusmas de imigrantes tão daninhas como inculcam os interesses, que em
Moçambique já têm pedido contra eles leis severas de exclusão e de expulsão?” 16
16
Enes, António; “Moçambique – Relatório apresentado ao govêrno”, pág. 51; Divisão de Publicações e
Bibliotecas, Agência Geral das Colónias, Lisboa, 1946, 3ª Edição. Publicado pela primeira vez em 1893.
Relativamente à questão colocada no final do parágrafo, Enes responde mais tarde, chegando à conclusão que os
asiáticos são mais benéficos que prejudiciais, pois suportam bem o clima local, são pouco exigentes quanto à
alimentação e alojamento, o que faz destes mão-de-obra muito barata, permitindo que entrem facilmente no mato,
que negoceiem com o indígena e aí se estabeleçam, algo que se tornaria muito mais dispendioso caso fosse
incumbência do branco, o qual segundo o próprio, passa mal não tendo sempre pão “abiscoitado” à refeição. Por
outro lado, são pouco gastadores, o que os faz terem prósperos negócios em locais onde tal seria impossível para o
colonizador, bem como pacíficos, obedientes, apolíticos e nunca mendigam. Ao longo dos vários relatórios dos
governadores de Moçambique que foram consultados, o debate sobre uma hipotética expulsão dos asiáticos
indianos (sobretudo muçulmanos) surge com muita frequência, quer ao longo dos últimos anos do século XIX, quer
pelo menos, até ao final da II Guerra Mundial.
17
Estes locais, noutras publicações, também poderão ser denominados como Golfo de Kutch e Golfo de Cambay
18
Para uma apreciação mais detalhada, consultar http://www.memon.com
18
residentes, tornaram-se uma espécie de povo cigano, mudando-se
para Okha Bundar, depois para Kutch, de onde partiram de novo
para Kathiawar, local onde permaneceram tranquilamente um bom
período de tempo. Os Memons não são uma Nação, quando muito
consideram-se uma tribo, uma tribo nómada, a qual não tem
território ao qual possa chamar seu, não demonstrando igualmente
ambições a tal. Não têm rei, coroa, bandeira, hino, ou líder.
Têm, no entanto, uma particularidade que muito apreciam e os
distingue dos restantes muçulmanos indo-paquistaneses, a sua
língua. O Memoni19, é um dialecto apenas falado, não escrito, que
mistura o Sindhi com o Kutchi. Na brincadeira e em resposta a
certas provocações sobre o seu dialecto, dizem tratar-se da
Língua do Jannat20, já que apenas é falada e não escrita.
Relativamente à distribuição geográfica destas comunidades em
Moçambique, os memons concentram-se mais em Nampula, os surtis
em Maputo e os kananias na Beira.
Do ponto de vista religioso, todas estas comunidades seguem a
escola de pensamento islâmico hanifita, dividindo-se depois em
diferentes movimentos dentro da mesma escola, como são os casos
do movimento deobandi e do movimento barelvi. Os memons,
seguidores em regra do movimento barelvi, são sufis que
acreditam na omnipresença do Profeta Mohammad, celebram o seu
aniversário, bem como acreditam que o mesmo é criado de energia
luminosa, Noor, no original árabe.
Para os deobandis kananias e surtis, todos estes aspectos
barelvis mais não são do que Bidah, inovações profundamente
reprováveis e corruptoras da pureza religiosa. Também sufis, os
deobandis preocupam-se muito mais em seguir o Sunnat21 do
Profeta. Movimento de raiz iconoclasta, pois a sua origem
prende-se exactamente com a tentativa de correcção sobre a
corrupção que os ingleses estavam a provocar no Islão, em todo o
sub-continente indiano, a partir da segunda metade do século
XIX.
É precisamente inspirado neste Movimento, que surge um outro nos
anos 20 do século XX, o Tabligh Jamaat, grupo de missionários
islâmicos, que em Moçambique curiosamente congrega Memons,
surtis, Kananias, negros e mulatos, sendo um dos muitos espaços
onde são perceptíveis as rivalidades memon/surti e
indianos/negros e mulatos.
19
Para mais detalhes sobre o Memoni, consultar http://www.as-sidq.org/memoni/
20
“Paraíso” em árabe.
21
“Tradição” do Profeta em todos os aspectos da sua vida diária. A forma como vestia, como comia, como bebia,
como dormia, como tomava banho, como fazia as chamadas “necessidade maiores e menores” no WC, etc.
19
CAPÍTULO II
22
João, Benedito Brito; “Abdul Kamal e a História de Chiúre nos Séculos XIX e XX – Um Estudo sobre as
Chefaturas Tradicionais, as Redes Islâmicas e a Colonização portuguesa”, pág. 62; Arquivo Histórico de
Moçambique, Estudos 17; Maputo, 2000.
Macagno, Lorenzo; “Outros Muçulmanos – Islão e Narrativas Coloniais”, pág. 58; Imprensa de Ciências Sociais,
Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa; Outubro de 2006.
23
João, Benedito Brito; op. cit. pág. 63.
24
Alpers, Edward A.; “Islam in the Service of Colonialism? Portuguese strategy during the Armed Liberation
Struggle in Mozambique”. Lusotopie 1999, pág. 168. Consultado a 07 de Outubro de 2008 em
http://www.lusotopie.sciencespobordeaux.fr/alpers.rtf
25
Idem.
20
discussões e desentendimentos entre os funcionários
administrativos. As relações passam a ser de permanente
hostilidade entre todos os envolvidos, há ameaças de
encerramento de mesquitas, madrassas, proibição do ensino
corânico e a apreensão de 16 livros sobre o Islão, que pelo
facto de estarem escritos em árabe e em ki-swahili, era motivo
suficiente para se suspeitar que fossem subversivos, pois nenhum
funcionário público português dominava estes idiomas e poderia
tirar qualquer tipo de dúvidas através de tradução.26 O fracasso
da “Política de Nacionalização do Islão Negro”, levou à
introdução massiva da religião cristã, única que oferecia
garantias ao colonizador, através da assinatura da Concordata
com o Vaticano, em 1940.27
26
João, Benedito Brito; op. cit. págs. 64 a 68.
27
Carvalho, José; “A Concordata e o Acordo Missionário de Salazar”, Págs. 131 a 143; Via Occidentalis Editora,
Março de 2008.
28
Newitt, Malyn; op. cit. pág. 414.
29
Carvalho, José; op. cit. págs. 145 a 152.
30
Mão-de-obra forçada às ordens do Governo.
21
penetração e o estabelecimento de comerciantes asiáticos num
interior cada vez mais profundo.31
31
Morier-Genoud, Eric; op. cit.
32
Alberto Chipande carrega nos seus ombros de herói nacional, o peso de quem disparou o primeiro tiro contra o
colonizador português. Recentemente o General José Moiane, na reserva e também ex-governador das províncias
de Manica e de Maputo, em entrevista ao Magazine Independente, acrescenta um pouco mais a este episódio,
dizendo que esta primeira acção subversiva foi iniciada em quatro províncias em simultâneo, Cabo Delgado, Tete,
Niassa e Zambézia. Como o Chai fica muito próximo da fronteira com a Tanzânia, Chipande foi o primeiro que
conseguiu comunicar com a base da FRELIMO neste país, mais precisamente no Bagamoyo. António da Silva
abriu fogo no posto administrativo de Tacuane, distrito de Lugela na Zambézia, Osvaldo Tazama abriu fogo em
Metangula, no Niassa e em Tete só foi aberto fogo pelas 13h do dia 25, por Gouveia Lemos, ou Luís, não se
sabendo ao certo o nome deste combatente. In Magazine Independente, 06 de Fevereiro de 2008, Ano I, nº 44,
págs. 16 e 17.
33
Massajo, Lorenzo; op. cit. pág. 94.
34
Monteiro, Fernando Amaro. “As Comunidades Islâmicas de Moçambique. Mecanismos de Comunicação.”
Revista Africana, nº 4, Março de 1989, Págs. 65 a 89.
35
Idem, págs. 82 e 83.
36
Alpers, Edward A: op. cit. pág. 166.
Monteiro, Fernando Amaro. Entrevista dada em Janeiro de 2004 a http://www.alem-mar.org/cgi-
bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EEFZyZyFAAXovADxBp. Consulta efectuada a 18 de Maio de
2008.
22
psicológica junto das comunidades muçulmanas, a partir dos anos
de 1967/68. Em rigor, a pesquisa efectuada junto destas
comunidades, era já integrante do referido esquema, que se
desenrolaria em 3 fases, a partir da chamada “fase de detecção”,
ou seja, a da pesquisa referida e previamente efectuada. As
fases seguintes seriam a de “captação” (1968/72) e, a de
“comprometimento e accionamento”·, as quais deveriam surgir em
simultâneo, para melhor garantir o sucesso da empreitada.37
37
Monteiro, Fernando Amaro. “Moçambique 1964-1974: As Comunidades Islâmicas, o Poder e a Guerra.” Revista
Africana, nº 5, Setembro de 1989, Págs. 84 e 88.
38
Governador de Moçambique entre os anos de 1968 e 1970.
39
A Noite do Poder, durante a qual Deus derrama as suas bênçãos sobre os crentes que atenderem as orações de
Tarawhi e Sabina e outras facultativas que façam em congregação, ou individualmente. Em rigor, Laylat ul-Qadr
poderá ser qualquer uma das últimas 10 noites do mês de Ramadão, mas os muçulmanos tendem a apostar
esmagadoramente na 27ª noite, por ser a noite da primeira revelação feita pelo Arcanjo Gabriel ao Profeta.
40
Surat Al-Fâtiha, a qual poderá ser comparada ao Pai-nosso para os católicos, em termos de importância e
recorrência verborreica.
41
Monteiro, Fernando Amaro; op. cit., pág. 85.
Alpers, Edward A: op. cit. pág. 177.
23
permanente ou estimulando a ampliada revelação da/s que, por
ventura espontânea/s, existisse/m já;
42
Monteiro, Fernando Amaro; op. cit., págs. 86 a 89.
43
Alpers, Edward A: op. cit. pág. 171.
44
Idem, págs. 174 e 177.
24
primeiro em Cabo Delgado e que depois se alastra aos restantes
distritos de Moçambique, terminando em 1969, conclui que a
fraqueza do Islão reside na falta de homogeneidade, nas divisões
internas e na fragilidade das suas organizações, observando que
o Islão por aqui (entenda-se norte do território) se trata mais
de uma corrente, que de uma força. No entanto, reforça a ideia
de se tratar tarefa difícil a promoção da integração do povo
islamizado de Moçambique, na grande nação portuguesa, sugerindo
que se constitua uma escola corânica única em todo o território
e que se traduza o Alcorão para português, numa preocupação de
defesa da língua portuguesa.
Por razões que ainda estão por definir, a FRELIMO durante a luta
de libertação nunca demonstrou interesse em desenvolver acções
que cativassem e mobilizassem os muçulmanos para a guerra,
construindo assim uma base de apoio islâmico. O socialismo do
partido poderá explicar esta opção, mas Morier-Genoud sustenta
que a elite muçulmana era minoritária no seio da Frente de
Libertação, bem como no seio da sua própria comunidade. Por
outro lado, a hierarquia militar da FRELIMO no norte era
principalmente de etnia Maconde, um povo não islamizado e
fortemente cristianizado durante os anos 60, reforçando assim a
hegemonia cristã no seio do partido e a sua ignorância das
realidades muçulmanas. Uma outra pista explicativa, poderá ter a
ver com as relações e pressões internacionais no seio do
partido.45
25
dos crentes (dar al-Islam), o espaço de ressonância da Ummat al-
Nabi (a Comunidade do Profeta): espiritualista e, logo, pelo
menos retráctil diante do recorte ideológico da FRELIMO; em
princípio receptiva ao apelo de um poder tutelar que,
identificado com a cristandade, lhe manifestasse público
respeito e enfatizasse o direito de cidade para esses crentes da
periferia sociocultural.47 Perante este facto o comportamento dos
muçulmanos de Moçambique é de recuo, para aquilo a que Amaro
Monteiro designa por nacionalidade de recurso.48
As lideranças da FRELIMO, que durante todo o espaço de 1964 a
1975 não visaram os mecanismos de comunicação das populações
islamizadas de Moçambique (nem de longe) com a mesma perícia
usada sobre outros canais de accionamento humano, não terão
entendido, em tempo oportuno, que a etapa histórica renovaria
nos conflitos internacionais uma dimensão religiosa e esta
última integraria também a sua luta pela libertação. Ou seja, o
factor religioso, ali indissociável do psicológico (quanto mais
não fosse porque cultura), careceria forçosamente de ser
contemplado por uma estratégia realista.
O poder português abarcou, mais rápido do que a subversão
frelimista, a importância do tratamento dos mecanismos de
comunicação sócioreligiosos.49
47
Monteiro, Fernando Amaro; op. cit., pág. 92
48
Idem, Pág. 88. O mesmo recuo também acontece face aos portugueses e ao esquema de acção psicológica
montado pelo SCCI, fundamentalmente pela pouca celeridade observada na “fase de captação”, 4 anos, a qual
comprometeu o factor surpresa que seriam as fases simultâneas de “comprometimento e accionamento”. Perante a
dúvida sobre a quem aderir, os muçulmanos muito pragmaticamente decidem ser muçulmanos.
49
Ibidem, Págs. 95 e 96.
26
CAPÍTULO III
50
O Presidente Samora Machel, aconselha inclusivamente os muçulmanos a organizarem-se, o que permite o
surgimento do Centro Islâmico de Moçambique, mais tarde Conselho Islâmico de Moçambique, liderado na altura
pelo Sheikh Abubacar Mangirah. Em contraponto a esta organização, surge o Congresso Islâmico de Moçambique.
51
Morier-Genoud, Eric; op. cit
52
Idem. Notícia no jornal Tempo, de 13 de Abril de 1980. Pensamos tratar-se da realização de um Ijtimah levado a
cabo pelo Tabligh Jamaat.
53
“Consolidemos aquilo que nos une.”; Colecção Unidade Nacional, nº 1; Edição 0386/INLD/83 – Instituto
Nacional do Livro e do Disco, 1983.
27
anti-patriotas,54 termos aliás utilizados amiúde, sempre em
referência ao colonizador e mais recentemente à guerra civil que
já se desenrolava contra a RENAMO, revelando e falando
abertamente sobre todos os riscos que o país correria se
determinados caminhos fossem os seguidos.
54
Idem, Pág. 98.
55
Ibidem, Pág. 18 e 19.
56
Ibidem, Pág. 32.
57
Ibidem, Pág. 46.
58
Ibidem, Págs. 45 e 46.
59
Ibidem, Págs. 53 a 61.
28
reconciliação nacional, sendo dado a entender que seria a Igreja
Católica que estaria por detrás deste rumor. É demonstrada, no
entanto, uma total inflexibilidade ao diálogo;60
60
Ibidem, Págs. 61 a 65.
61
Ibidem, Pág. 92.
62
Ibidem, Pág. 97.
63
Ibidem, Pág. 100.
64
No documento em análise, Abubacar Mangirah, é apresentado como o primeiro palestrante muçulmano, sendo
tal facto negado por Hassan Makda, em representação da Comunidade Maometana e futuro Presidente do
Congresso Islâmico, o qual diz ter-se dirigido à assembleia em primeiro lugar, em entrevista concedida em Maputo
a 21 de Junho de 2007.
65
Na segunda parte deste trabalho, desenvolveremos as biografias das principais lideranças islâmicas em
Moçambique.
66
Ibidem, Pág. 26.
67
Ibidem, Pág. 26.
29
a) proibição do ensino da doutrina, assim como a prática do culto,
nomeadamente em algumas localidades das províncias de Inhambane,
Nampula, Niassa e Cabo Delgado;
68
Mais tarde viria a ser denominado Departamento de Assuntos Religiosos.
69
Ibidem, Pág. 27.
70
Entrevista concedida a 21 de Junho de 2007, precisamente no bairro do Alto-Maé, em Maputo, Moçambique.
30
Islâmico de Moçambique71, tinha-se assumido perante as
autoridades como representante dos muçulmanos de Moçambique e
não tinha convocado a Comunidade Maometana para a reunião
preparatória que tinha havido com membros do Governo, 3 semanas
antes. À chegada inesperada da delegação da Comunidade Maometana
ao edifício do Conselho Municipal de Maputo, onde decorreu o
encontro, a delegação do Conselho Islâmico ainda tentou
convencer os primeiros a integrarem o seu grupo, mas recusaram
de imediato, bem como Makda se recusou a sentar à mesma mesa que
Mangirah, no segundo dia, aquando da realização da reunião do
grupo de trabalho islâmico. O Ministro da Justiça Teodato
Unguana presidia a este grupo de trabalho72 e ao insistir com
Makda, este acede ao seu pedido.
71
Que conforme o próprio Mangirah refere na sua intervenção no Plenário, ainda aguardava sancionamento por
parte do Governo.
72
Outro indicador da importância deste grupo religioso, bem como o facto de ser a maior delegação entre as demais
e de ocupar a maior sala do edifício.
73
Apesar de também ser de origem asiática, Mangirah lidera um movimento reformista que pretende libertar a
prática islâmica de todas as inovações que o sincretismo cultural e religioso foi introduzindo ao longo dos anos na
praxis cultual dos muçulmanos, maioritariamente de tariqas sufis. Por outro lado, também demonstra
esclarecimento político, ao querer seguir a vaga libertadora conduzida pela FRELIMO, integrando negros e
mulatos, formando-os, dando-lhes a oportunidade de estes também questionarem hábitos e práticas antigas.
74
Empregada/o de limpeza, ama, jardineiro, motorista, etc.
31
muçulmano, depois de adquirir o espaço e construído a primeira
mesquita, que mais tarde viria a ser sucessivamente aumentado
pelos Maulanas75 Cássimo Tayob e Abubacar Ismael Mangirah,
confiou a mesquita à Comunidade Maometana. Tempos mais tarde,
nos anos 70, a direcção da Associação “Anjumane”76 encetou
negociações com a Câmara Municipal de Maputo, para a devolução
da mesquita. Só que, com a independência e com a política de
nacionalizações, o presidente Samora Machel, aconselhou o
Maulana Abubacar Mangirah a registar a mesquita em nome do
Centro Islâmico, facto que evitou a nacionalização do
edifício.”77 Isto significava colocar o edifício em seu nome
pessoal, já que o Centro Islâmico ainda não tinha sido
reconhecido oficialmente e por isso o espaço não foi
nacionalizado. Este complexo, que inclui Mesquita, salas de aula
e um enorme terreno murado em volta, arrendado para
estacionamento a empresas de camionagem, ainda hoje é fruto de
disputa legal entre a Comunidade Maometana, através da família
Dullá e o Conselho Islâmico de Moçambique, através da sua
associada Associação de Socorros Mútuos Anuaril Isslamo.
32
Este encontro inter-religioso oficializa para os muçulmanos de
Moçambique a ruptura entre sufis e wahabitas, bem como entre
negros/mulatos e indianos e, entre os próprios indianos, já que
Comunidade Maometana e o Congresso são constituídos
exclusivamente por indianos memons e o Conselho por indianos
surtis e por uma minoria de mestiços, isto ao nível das
lideranças, claro.80
80
Baessa Pinto, Maria João Paiva Ruas; “O islamismo em Moçambique no contexto da liberalização política e
económica (anos 90): A Província de Nampula como estudo de caso.” págs. 119 e 120. Dissertação de Mestrado,
Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa, 2002.
81
Para além da Mesquita Central de Maputo, centenária e à época uma das poucas na cidade, a Comunidade
Maometana também é responsável por 2 cemitérios e pelo edifício da Escola Maometana.
82
Morier-Genoud, Eric; “The Politics of Church and Religion in the First Multiparty Elections in Mozambique”;
Internet Journal of African Studies nº 1, págs. 3 e 4; April 1996.
http://www.bradford.ac.uk/research/ijas/ijasnol.htm
33
Hassan Makda reforça o contexto da Guerra-Fria, referindo o
isolamento internacional a que Moçambique estava sujeito pela
própria situação geográfica. Todos os Estados com os quais tem
fronteira, eram à época pró-ocidentais, não dando muita margem
de manobra à União Soviética. Por outro lado, também acha que
serviu para aproximar personalidades influentes da sociedade
moçambicana, o que pretendia criar um clima de governação mais
consensual.
34
CAPÍTULO IV
1. PERÍODO DE 1986/1994
83
Morier-Genoud, Eric; “The 1996 «Muslim Holidays» Affair: Religious Competition and State Mediation in
Contemporary Mozambique.”: Journal of Southern African Studies, Vol. 26, nº 3, Págs. 423 e 424; September
2000.
84
Ano em que Portugal assume controlo da totalidade do território moçambicano e inicia a imposição do seu
próprio regime religioso.
35
Um ano após ter tomado posse, o Presidente Joaquim Chissano
decide efectuar uma visita oficial ao Vaticano, em 1987. O
objectivo era o de ganhar a simpatia de João Paulo II, face às
investidas da RENAMO, tendo convidado o Papa a visitar
Moçambique. Para o convencer, a FRELIMO iniciou em 1988 um
processo de devolução de propriedade religiosa nacionalizada em
1976. Do mesmo modo e no mesmo ano, permitiu a construção de um
Centro Islâmico em Marraquene, tendo convidado os embaixadores
do Egipto, da Líbia, da Nigéria e da Palestina, para a colocação
da primeira pedra.
Para Morier-Genoud, o momento chave é a realização do V
Congresso da FRELIMO, em 1989, altura em que o regime religioso
de força capítula perante as exigências de muitos países,
nomeadamente ocidentais. Após o Congresso, a FRELIMO abandona o
projecto de uma lei religiosa, que já vinha debatendo desde 1988
com as várias confissões e que continuaria com o secularismo, o
controlo e as restrições. Em 1990 decreta que as organizações
religiosas podem envolver-se em projectos de educação e, em
1991, em projectos de saúde.85 Embora sem legislação para o
efeito, a verdade é que o Estado durante este mesmo período
iniciou o registo, tendo também autorizado todo o tipo de
instituições religiosas a entrar e trabalhar em Moçambique. A
FRELIMO estabeleceu assim um livre mercado religioso em
Moçambique. Sem personalidade jurídica, as organizações
religiosas apenas necessitavam de se registarem no DAR, tendo a
partir daí toda a liberdade para proselitarem, trabalharem em
projectos educativos, de saúde e higiene públicas, de ajuda
humanitária e de desenvolvimento. Ao serem apenas levantadas as
restrições existentes, o país encontrou-se numa situação de
inexistência de qualquer tipo de legislação que regulamentasse o
novo fenómeno de expansão e competitividade religiosa pelo qual
passava, o que teve 3 consequências imediatas. Em primeiro
lugar, na falta de personalidade jurídica as organizações
religiosas tiveram problemas em lidar de forma independente com
organismos governamentais e com empresas privadas, criando a
necessidade de o fazerem através do DAR, que se tornou uma
instituição tutelar. Em segundo lugar, a ausência de direitos
legais levou a um tratamento desigual entre organizações,
algumas ganhando isenções e privilégios, enquanto que outras
não, dependendo todas de favores que conseguiam, ou não,
cortejar nos círculos do poder. Finalmente, em terceiro, com a
expansão religiosa e o proselitismo sem regulamentação, certos
governantes e altos funcionários públicos poderiam favorecer
certas organizações, mas não detinham as respectivas ferramentas
para a prevenção de conflitos.
85
Desde 1978 que “actividades religiosas” e a circulação de “religiosos”, estavam proibidas nas imediações de
instituições sociais como escolas e hospitais.
36
Todo este ambiente de facilitismo e de aproximação entre
políticos e religiosos, resultou naturalmente no envolvimento de
organizações religiosas na política e no envolvimento dos
partidos políticos na disputa pelos votos de determinadas fés.
Um caso já clássico no espaço lusófono da década de 90, é a
brasileira Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e
respectivas ambições políticas. A IURD entrou em Moçambique
através de uma aliança que estabeleceu com a FRELIMO, apoiando o
partido nas eleições legislativas e presidenciais de 1994 e em
troca o mesmo alugou-lhes um andar inteiro no seu edifício sede,
bem como cinemas, que entretanto começaram a ser utilizados como
templos e, em 1998 concede-lhes licença para o primeiro canal de
televisão religioso do país. Por outro lado, é também em 1994
que Moçambique se torna membro de pleno direito da Organização
da Conferência Islâmica (OCI), ao mesmo tempo que o partido
negoceia apoios com a comunidade islâmica em vésperas de
eleições, sendo a consagração dos Eids como feriados nacionais,
a moeda de troca, como veremos mais adiante.
37
empresarial asiática com quem redefine a sua relação, bastante
abalada pelo episódio Gulam Nabi87 em 1984, construindo e
desenvolvendo cumplicidades, permitindo também uma maior margem
de acção para os negócios desta comunidade. Não nos podemos
esquecer também que Chissano sobe ao Poder em 1986 e de que a
guerra civil apenas termina em 1992, sendo 6 anos em que a rede
de contactos de negócios, amizades e familiares da comunidade
asiática é importante para o aprovisionamento das tropas no
terreno, quer para a FRELIMO, quer para a RENAMO, não havendo
escolha para estes comerciantes, pois quem não estava de um lado
da barricada, teria que estar obrigatoriamente do outro, não
havendo lugar a neutralidades.
87
Em 1984 Gulam Nabi, empresário muçulmano sunita de origem asiática, é condenado à morte acusado de venda
ilegal de camarão à Republica da África do Sul. A acusação é verdadeira, mas também é verdade que Nabi não
estava sozinho neste negócio, tendo como parceiros altas figuras do Estado que o abandonaram quando este mais
precisava de apoio. O Regime decide fazer de Nabi um caso exemplar aos olhos da nação. Tanto assim, que “reza”
a história que o pelotão de fuzilamento falhou o primeiro tiro, tendo sido o comandante destes a disparar uma arma
à queima-roupa na cabeça do condenado. Apesar deste acontecimento já ser posterior à realização do encontro
inter-religioso de 1982, que enquadrou as relações entre o Estado e as confissões religiosas, prova a inflexibilidade
do regime perante certos comportamentos, independentemente do credo, raça, ou condição social do indivíduo. As
relações entre FRELIMO e asiáticos mantiveram-se tensas.
38
um momento histórico para vencidos e vencedores, o final da
Guerra-Fria.
2. PERÍODO DE 1994/2004
88
Como acontece, aliás, com os Boers sul-africanos que dominam economicamente zonas fronteiriças como são o
caso da Ponta do Ouro, a sul de Maputo e outras mais a norte no litoral, como são disso exemplo o Bilene e o
Tofo. Em todas estas regiões mencionadas a moeda que vigora é o Rand, a língua é o inglês, as construções são
39
Pensamos ser esta a verdadeira dimensão do que Sibindy nos quis
transmitir e não um cenário em que terá chegado a ser possível
um regresso dos portugueses com a Bíblia numa mão e o crucifixo
noutra.
Após a assinatura do Acordo Geral de Paz entre FRELIMO e RENAMO,
em 1992, os votos dos muçulmanos começaram a ser cobiçados
principalmente pela FRELIMO. Sabendo da dimensão e do potencial
desta comunidade, o partido no poder concebe a ideia de que
Maulana Abubacar Mangirah, Maulana Nazir Loonat89 e Sheikh
Aminudinne Mohammad90, três respeitados clérigos do Maputo,
detinham o poder que um pastor detém sobre todo o rebanho que o
conhece bem. Não era verdade. Sem dúvida que estes homens eram
líderes, sem dúvida que eram conhecidos, mas apenas pelas
elites, ao sul do Rio Save por quase toda a gente, mas cada vez
mais para norte onde o número de muçulmanos é em crescendo, não,
fazendo dos próprios ilustres desconhecidos junto das massas. Ao
aperceberem-se desta ilusão por parte da FRELIMO, jogaram na
desinformação e fizeram o papel de líderes, assustando as
estruturas do poder quanto ao número de votos que poderiam
capitalizar, caso formassem um partido político. Estas
negociações decorreram sobretudo durante o ano de 1993, ano
aliás da constituição do próprio PIMO91, sendo este um período de
indecisão entre a elite asiática sobre que rumo dar à sua
própria camada92. Apostar no projecto PIMO, ou deixar-se seduzir
pelas investidas frelimistas. Na opinião de Sibindy, tudo se
altera quando a empresa brasileira de sondagens eleitorais “Vox
Populi” entra no terreno ao serviço do partido no Poder. Para
começar, cria uma almofada de segurança virtual, uma espécie de
Plano B, caso os muçulmanos não aceitassem a proposta que iriam
fazer de seguida, ou seja, segundo as sondagens o futuro
Parlamento seria dividido entre FRELIMO e RENAMO. Esta empresa
projecta informaticamente uma terceira bancada de 9 assentos,
para acomodar hipotéticos muçulmanos eleitos pelo PIMO, ou outra
formação partidária. Esta bancada virá a ser ocupada mais tarde
pela União Democrática, um grupo de parlamentares independentes,
pois a camada asiática aceita a proposta da FRELIMO em cooptar
alguns dos seus líderes mais carismáticos, integrando-os nas
listas do partido. Assim se constitui o grupo dos 20 deputados
tipicamente sul-africanas e construidas onde os proprietários decidem, sem o cumprimento dos planos directores
municipais e sem sanções.
89
Filho de Yaqub Loonat, militante da FRELIMO e quem terá feito a ponte entre o partido e a comunidade asiática
sunita a partir do início da década de 70 até à actualidade.
90
Cunhado de Maulana Abubacar Mangirah (a sua irmã era esposa de Mangirah), de quem “herda” a presidência
do Conselho Islâmico de Moçambique após a sua morte em 2000.
91
A 09 de Abril de 1993 dá entrada na 1ª Conservatória dos Registos Centrais de Maputo o processo para a
constituição do Partido Independente de Moçambique, tendo sido passada Certidão a 12 do mesmo mês. O partido
passa a ter registo oficial a partir de 23 de Março de 1994.
92
A “camada asiática” é uma expressão muito utilizada pelos próprios em Moçambique.
40
muçulmanos da FRELIMO, que também se autodenominaram de
“Movimento Islâmico”. Segundo o nosso interlocutor, o acordo
estabelecido entre anfitriões e convidados seria o
comprometimento por parte dos segundos em desmantelarem o PIMO e
dos primeiros em consagrarem os dias de Eid’ul Fitr93 e de Eid’ul
Adha94, como feriados nacionais.
RESULTADOS ELEITORAIS95
27-29 Outubro 1994 Eleição Presidencial
CandidaCANDIDATOS Número de Votos Percentagem de Votos
Joaquim Chissano (FRELIMO) 2,633,740 53.30%
Afonso Dhlakama (RENAMO) 1,666,965 33.73%
Wehia Ripua (PADEMO) 141,905 2.87%
Carlos Reis (UNAMO) 120,708 2.44%
Máximo Dias (MONAMO-PMSD) 115,442 2.34%
Campira Momboya (PACODE) 58,848 1.19%
Yaqub Sibindy (PIMO) 51,070 1.03%
Domingos Arouca (FUMO-PCD) 37,767 0.76%
Carlos Jeque (Independente) 34,588 0.70%
Casimiro Nhamitambo (SOL) 32,036 0.65%
Mário Machel (Independente) 24,238 0.49%
Padimbe Kamati (PPPM) 24,208 0.49%
93
“Eid” traduzido literalmente do árabe significa “Festa”, neste caso a Festa do final do Ramadão.
94
Festa do final da Peregrinação a Meca. Este dia também poderá ser designado por “Kurbani”, “Sacrifício”, ou
“Dia do Sacrifício do Carneiro”.
95
http://africanelections.tripod.com/mz.html
41
macúa natural de Angoche, Província de Nampula, falante de e-
koti, a língua local e que veio a ser Ministro da Justiça
durante os 10 anos seguintes, o único deste grupo a fazer uma
segunda legislatura. Nazir Loonat e Amade Camal, de uma forma
muito resumida, reflectem dentro do grupo parlamentar as
rivalidades asiáticos versus negros/mulatos da comunidade e de
um outro espaço que partilham em comum, a Mesquita Mohammad,
mais conhecida como Mesquita da Polana (Figura 5).
FIGURA 5
42
inaugurar um novo local de culto, só que no mesmo sitio. Tanto
assim foi que a cerimónia de reinauguração foi programada ser
feita ao mais alto nível, algo que incomodou profundamente Nazir
Loonat. Foi-nos dito que o mesmo exigia uma cerimónia simples,
sem a presença de fotógrafos, jornalistas e sobretudo sem a
presença do Presidente Chissano. Também nos foi dito que a
direcção da Mesquita Mohammad acedeu às suas solicitações, mas
aquando do momento da verdade, todos mencionados anteriormente
estavam presentes, tendo o Presidente descerrado uma lápide no
início da cerimónia.
FIGURA 6
96
Mesquita Taqwa. “Temor” em português.
97
Especificamente as comunidades indo-paquistanesas das regiões do Natal e do Rand, já que a comunidade
islâmica no Cabo, apesar de também ser de origem asiática, mas esta malaia.
43
assim como uma terceira via face à tradicional dicotomia
Conselho Islâmico/Congresso Islâmico.
FIGURA 798
98
Mesquita Taqwa sita na Avª Eduardo Mondlane e Mesquita da Polana sita na Rua da Alegria.
99
Jornal “Notícias”, 1ª página, 05 de Março de 1996. Edição n.º 23 426.
100
Idem, Pág. 3.
101
Ibidem, Pág. 5, 29 de Fevereiro de 1996. Edição n.º 23 423.
102
Ibidem, Págs. 3 e 5, 06 de Março de 1996. Edição n.º 23 427.
44
no futuro103 e, de uma questão burocrática104 e outra política. A
questão burocrática prende-se com a natureza do calendário
islâmico que é lunar. No caso de Eid’ul Fitr, final do Ramadão,
só se sabe se este terminará no dia seguinte após a visualização
da lua na noite anterior, o que não dá tempo para que o feriado
seja aprovado de forma legal. No caso de Eid’ul Adha, esta
celebração só terá lugar 10 dias após a visualização da lua
nova, o que permite uma solução burocrática dentro de um prazo
razoável, sendo sugerido105 que fosse esta a data a ser aprovada
como feriado, já que os cristãos também só celebram o Natal, não
tendo direito à Sexta-feira Santa na Páscoa. A questão política,
de facto, nem chegou a surgir, pois o processo não avançou o
suficiente para tal, mas de futuro surgiria naturalmente o
problema de se decidir a que lua atender, se à saudita, se à
regional sul-africana.
103
Ibidem, Pág. 3. Entrevista concedida pelo Cardeal D. Alexandre dos Santos, que verbaliza a sua preocupação
com a turbulência religiosa futura que se poderá abater sobre Moçambique, à semelhança do que se passa na
Nigéria, no Uganda e na Tanzânia. Também usa o argumento estatístico, não compreendendo porque é que uma
religião que tem menos crentes que católicos e que protestantes, tem direito a 2 feriados.
104
Ibidem, Pág. 5, 28 de Fevereiro de 1996. Edição n.º 23 420.
105
Ibidem, Pág. 5, 28 de Fevereiro de 1996. Edição n.º 23 422.
106
Ibidem, 1ª página, 13 de Março de 1996. Edição n.º 23 433.
107
Ibidem, Pág. 3, 15 de Março de 1996. Edição n.º 23 435.
45
Após a aprovação da lei108 e, apesar de toda a controvérsia, a
mesma é enviada para o Gabinete do Presidente Chissano para a
necessária Ratificação Presidencial. Este, querendo evitar ser
polémico, ou apenas na tentativa de ganhar algum tempo, enviou a
lei para o Tribunal Supremo, para uma fiscalização preventiva à
constitucionalidade da mesma. O Tribunal levou 6 meses a dar o
seu veredicto, o qual saiu em Dezembro de 1996, declarando a
inconstitucionalidade da lei dos feriados islâmicos, baseado na
laicidade do Estado e na igualdade entre todos os cidadãos. A
lei teria então que ser anulada e o Presidente Chissano, numa
nova tentativa de não perder a face, decidiu não o fazer
pessoalmente e devolveu a lei ao Parlamento, local onde esta
deveria então ser anulada, ou reformulada e levada de novo a
votação. Após quase mais 2 anos, em 1998, os parlamentares
olharam de novo para este tema, decidindo, não se compreende bem
porquê, adiar sine die o debate e a votação.
46
Nos dias 03, 04 e 05 de Dezembro de 1999, realizaram-se as
segundas eleições legislativas e presidenciais no Moçambique
democrático. Estas já não contaram com a presença dos 20
deputados do Movimento Islâmico, por um acumular de situações
que em crescendo permitiram à FRELIMO perceber que os muçulmanos
apesar de numéricos, não representam ameaça política fruto das
suas divisões internas. Em 1992 a Associação Muçulmana de
Angoche, afirma querer ultrapassar as divergências entre
Conselho e Congresso e criar um Conselho das Confrarias. No
mesmo ano registam-se cisões no seio do Conselho e do Congresso
e muitos membros deste último criam o Centro de Formação
Islâmica (CFI), com sede na Beira e cujo Presidente até 1994,
foi nada mais que José Ibrahim Abudo. Ligado aos 20 deputados do
“Movimento Islâmico”, o CFI tinha como função exercer lóbi
muçulmano junto do Parlamento, tendo em 2000 criado a
Universidade Islâmica “Mussa Bin Bique”, em Nampula. Em 1998,
nova cisão no seio do Conselho, da parte de muitos clérigos que
não concordam com os compromissos políticos assumidos e,
sobretudo, com as incompatibilidades criadas entre tradição e o
exercício da política. Em 2000 criam uma nova organização
chamada “Ansar al-Sunna”. Em 1999, um escândalo macabro abala os
muçulmanos e todo o Moçambique, uma cabeça humana110 fora
entregue na Mesquita Bab’ul Salam, cujo imóvel é propriedade do
clérigo e também deputado Nazir Loonat, o que provocou um corte
de relações violento entre a FRELIMO e muitos comerciantes indo-
paquistaneses, criando este episódio um espectro de campanha
anti-islâmica ao nível nacional111.
O único a renovar contracto, foi o Ministro da Justiça, José
Ibrahim Abudo, naturalmente por ter feito uma boa primeira
legislatura, mas porque também se tratava de um recurso
eleitoral bastante apetecível, sendo natural de Angoche na
província de Nampula e falante da língua local.
110
O que ficou conhecido como o episódio da “cabeça humana”, resume-se da seguinte forma:
Um criminoso dirige-se à Mesquita Bab’ul Salam na baixa de Maputo e diz ter uma encomenda para entregar ao
Imam da mesma, mas do qual não sabe o nome. A pessoa responsável pela mesquita que o atendeu, desconfiou e
chama a polícia para verificar o que se encontrava no pacote da encomenda. A mesma continha uma cabeça
humana. Este episódio está mais desenvolvido na entrevista a Yaqub Sibindy em anexo, o qual também demonstra
algumas dificuldades nos detalhes, mas fica claro que se tratou de uma manobra para prejudicar Nazir Loonat,
figura de proa no grupo de 20 deputados muçulmanos da FRELIMO.
111
Morier-Genoud, “L’islam au Mozambique après l’independance”; L’Afrique politique, 2002.
47
RESULTADOS ELEITORAIS112
03-05 Dezembro 1999 Eleição Presidencial
Candidato (Partido) [Coligação] Number of Votes % of Votes
Joaquim Chissano (FRELIMO) 2,338,333 52.29%
Afonso Dhlakama (RENAMO) [RENAMO-UE] 2,133,655 47.71%
112
http://africanelections.tripod.com/mz.html
113
Lei nº 10/2004, Boletim da República de Moçambique, I Série, Nº 34, Quarta-feira, 25 de Agosto de 2004.
114
Idem.
115
Ibidem, Título II, Capítulo III, Secção II, Subsecção I, art.º 30, nº 1, c).
48
fruto de segundos e demais casamentos116, são registados ao
abrigo da figura da União de Facto,117 desfrutando as crianças
dos mesmos direitos e obrigações das fruto de casamentos
monogâmicos.
Por outro lado, 2000 é também um ano de viragem nas atenções dos
muçulmanos, especialmente para a camada asiática urbana de
Maputo. Em Fevereiro e Março desse ano, sobretudo na província
de Gaza, chuvas de dimensão diluviana provocam centenas de
mortes e perdas materiais incalculáveis, o que proporciona o
surgimento da ONGD “Comunidade Muçulmana – Acção Humanitária”, a
qual se empenha no longo processo levado a cabo por várias
organizações nacionais e internacionais e de Estados vizinhos,
que visaram a ajuda imediata às populações e todo o processo de
recuperação a longo prazo, o qual aliás ainda decorre, de infra-
estruturas básicas necessárias ao reacentamento das mesmas. Sem
sermos ainda possuidores de números claros a propósito dos
valores da ajuda proporcionada por esta ONGD islâmica
moçambicana, números aventados por várias pessoas envolvidas no
processo com quem falamos, dizem atingir cerca de 5.000.000 U$
dólares, entre comida, vestuário, medicamentos, mobiliário e
promoção de projectos de construção de aldeamentos de raiz, com
tudo o que isso implica para uma normal fruição diária dos
mesmos, por parte dos seus habitantes. As cheias de 2000
serviram de mote para esta organização não se ficar por aqui e
empenhar em outros momentos de crise, como foram o caso de
cheias mais recentes em Moçambique e também após o tsunami de
Dezembro de 2004, no sul da Ásia, demonstrando o cosmopolitismo,
capacidade de intervenção e interesse desta comunidade em não se
116
No caso dos muçulmanos, praticam-se os casamentos religiosos na mesquita, o Sunat Niqah, o qual só o
primeiro é reconhecido no civil. No entanto, para os muçulmanos o importante é estar legal perante Deus, pelo que
2º, 3º e 4º casamento são reconhecidos dentro da comunidade.
117
Ibidem, Título III, Capítulo I, artºs 202 e 203.
49
alhear de questões que trespassam o seu mundo. Por todo o país,
desde então, tem-se verificado um crescendo de organizações
islâmicas das mais variadas índoles, com os mais variados
propósitos, mas cujos objectivos principais se podem resumir ao
resgate das boas práticas ancestrais islâmicas, como é o caso do
surgimento da Comissão Hallal118, à divulgação do Islão e à
tarefa de fazer do muçulmano um exemplo a seguir perante o
outro, em toda a sua conduta, quer religiosa, quer social, quer
cultural.
118
Esta comissão controla, fiscaliza e certifica o abate de carne de acordo com os preceitos islâmicos.
50
CONCLUSÃO
51
Conselho Islâmico também tem a vantagem de ter nas suas fileiras
indianos, mestiços afro-indianos, mulatos e negros, terreno
fértil para outras disputas.
O livre mercado religioso estabelecido pelo Presidente Chissano,
permite também uma nova realidade, a entrada de organizações
islâmicas estrangeiras, umas ligadas ao Conselho, ou ao
Congresso e outras cuja actuação evita as tentativas de
cooptação por parte destes, como são os casos da African Muslim
Agency do Kuwait, da Munamuzamat do Sudão, da Muslim Hands dos
E.U.A. e da Rede de Desenvolvimento Aga Khan, as quais não
analisámos neste trabalho, mas que criaram um patamar
competitivo próprio, paralelo ao já existente.
52
PARTE II
53
Capítulo I
DO PERÍODO TARDO-COLONIAL A SAMORA MACHEL (1960/1986)
1 – INVASÃO WAHABITA?
Muhammad Cassamo Mahomed Tayob119 e Abubacar Hagy Mussa Ismail120,
mais conhecido por Sheikh ou Maulana Abubacar Mangirah, são sem
sombra de dúvidas os líderes do movimento reformista islâmico em
Moçambique, o qual remonta aos anos 50 do século XX121.
119
Mestiço afro-indiano de Lourenço Marques, estudou 16 anos na Índia em Deoband, um dos centros mundiais da
reforma islâmica. Regressa à capital de Moçambique em 1951, começando a trabalhar como mestre religioso na
Mesquita Annuaril Isslamo. Apesar de rapidamente terem surgido conflitos a propósito dos seus ensinamentos e da
sua personalidade, a sua ascensão dentro da comunidade foi fulgurante, sendo em 1967 considerado como a
referência máxima do Islão em Moçambique.
120
De origem indiana, natural de Inhambane, formado no Paquistão e mais tarde licenciado em Shariat (Direito
Islâmico), na Universidade de Medina na Arábia Saudita, onde esteve 11 anos. Regressa a Moçambique em 1964,
1970 ou 1971, divergindo a data de autor para autor e, de entrevistado para entrevistado, instalando-se numa
pequena Mesquita da periferia da capital, onde inicia o processo de reforma islâmica, apoiado espiritual e
materialmente pelos reformistas sul-africanos, sobretudo da família Miya, do Transval.
121
Morier-Genoud, Eric; op. cit.
122
Bonate, Liazzat J. K.; “Roots of Diversity in Mozambican Islam”, págs. 142 e 143; Lusotopie XIV (1) 129-149;
Koninklijke Brill NV, Leiden, 2007; www.brill.nl
123
Bonate esclarece que o termo português pré-colonial “Mouro” era aplicado aos muçulmanos em geral, mas
especificamente na Ilha de Moçambique aos muçulmanos indianos originários de Damão, no Gujarate. O termo,
também é utilizado pela autora para definir muçulmanos de origem indiana, fruto de casamentos mistos entre um
indiano e uma africana. O que anteriormente, em 119, chamamos de mestiço afro-indiano.
54
O imaginário português relativamente ao muçulmano, começa por
ser verdadeiramente anti-islâmico, num espírito de cruzada pela
“Reconquista Cristã” do território aos mouros e estabelecimento
de fronteiras face a Castela. Durante o período dos
Descobrimentos, a missão civilizadora portuguesa colocou o
assento tónico fundamentalmente na cristianização dos povos
conquistados, com o objectivo de compensar a sul do Equador as
perdas que o Vaticano tinha tido a norte, com a Reforma. A
partir de 1960, passa a integrar o imaginário colonial, embora
tardiamente, o luso-tropicalismo de Gilberto Freyre, o qual
entre outras coisas, afirma que o método de colonização
português é “sociologicamente semelhante ao do maometano”124.
Embora date de 1933 a grande referência literária de Freire para
toda a lusofonia, “Casa Grande & Senzala”, sobre a formação do
Brasil, é só em 1960, com o fim do Regime do Indigenato que o
luso-tropicalismo se transforma numa autêntica vulgata colonial,
ou seja, uma doutrina mais repetida e citada do que lida, onde
uma certa ideia de Portugal e uma certa ideia colonial se
encontram125. É esta a linguagem assimilacionista que Portugal
utiliza nesta fase final do Império, a propósito das investidas
anti-coloniais na Assembleia Geral da ONU e nos mais variados
fóruns internacionais, mas também relativamente aos muçulmanos
de Moçambique, tendo a aproximação que faz às comunidades um
sentido mais instrumental que doutrinário. O objectivo era o de
conquistar a simpatia destes e, no jogo de lealdades, evitar que
aderissem à luta pela independência126. A administração
portuguesa opta pelo Islão chafita do norte, não só por ser
maioritário e por estar muito próximo da fronteira que permitia
as investidas frelimistas, como registamos anteriormente, mas
também porque a sua grande preocupação após a Conferência de
Bandung de 1955, foi a associação entre os movimentos pan-
islamistas e os discursos nacionalistas127, vindo-se a constatar
que certos elementos asiáticos eram uma ameaça
desnacionalizadora, cuja sede das suas actividades seria a
Mesquita Anuaril Isslamo. Para a administração portuguesa, era
clara a ameaça wahabita no contexto da vaga libertadora que
assolava Moçambique.
124
Freyre, Gilberto; “Um Brasileiro em Terras Portuguesas”, pág. 37; Livraria José Olympio Editora; Rio de
Janeiro, 1953.
125
Macagno, Lorenzo; op. cit., pág. 69.
126
Idem, pág. 75.
127
Macagno. Lorenzo; “Les Nouveaux Oulémas. La recomposition des autorités musulmanes au nord du
Mozambique”, pág. 162; Lusotopie XIV (1) 151-177; Koninklijke Brill NV, Leiden, 2007; www.brill.nl
55
constatação de uma mudança geracional, a luta destes deobandis
wahabitas indianos, é sobretudo entre o carisma e a liderança
tradicional que combatem e a perícia corânica e o conhecimento
das escrituras que defendem128. Um confronto entre um Islão
popular e um Islão erudito, o que Costa Dias129 caracteriza como
“um quase não-islão”, face aos movimentos ortodoxos, isto a
propósito das tensões entre muçulmanos arabizados da áfrica
branca e muçulmanos sincréticos da áfrica negra, mas que neste
caso também se pode estender ao caso que analisamos entre
asiáticos, negros e mulatos moçambicanos. A luta travada pelos
primeiros, era também de libertação como a da FRELIMO, mas de
libertação e de purificação da sua religião de hábitos, costumes
e sincretismos que nada tinham a ver com os fundamentos onde
esta assentava.
128
Macagno,Lorenzo; “Outros Muçulmanos”, pág. 167.
129
Costa Dias, Eduardo; “Islão Negro versus Verdadeiro Islão – Dilema ou sintoma de persistente e injustificada
discriminação dos muçulmanos africanos subsaarianos?”, pág. 172; Africana Studia nº 8, Revista Internacional de
Estudos Africanos; Faculdade de Letras, Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto, 2005.
130
Entrevista concedida por David Alone, alto quadro do Partido RENAMO, ex-combatente, ex-preso político,
membro do Conselho de Estado. Matola, 15 de Fevereiro de 2006.
56
fosse a sua crença. Em 1975, já o Presidente Samora Machel, na
primeira visita oficial que faz como empossado no novo cargo,
tinha entrado de botas calçadas na Mesquita Central da Ilha de
Moçambique, episódio que se tornou numa espécie de incidente-
metáfora131 na sua relação com os muçulmanos, para além de os
obrigar a criar porcos e a comê-los, sempre a bem da economia e
do progresso nacional.
Integrado na chamada “Ofensiva Política Organizacional”132,
iniciada em 1980 e a qual provocou profundos debates no seio da
FRELIMO quanto ao rumo a dar ao futuro do país, realizou-se em
Dezembro de 1982, em Maputo, um encontro ecuménico sob a égide
da FRELIMO. Como vimos anteriormente, o Presidente do Conselho
Islâmico, Abubacar Mangirah, na sua intervenção refere-se ao
Estado como “o nosso Governo”, refere-se à FRELIMO como “o nosso
Partido” e cita o Profeta dizendo que “amar a Pátria faz parte
da crença”. Um discurso muito inteligente para quem quer
estabelecer pontes com o poder, ou talvez mesmo fortificar as
que já tinha criado, pois após a independência, apesar do
período de trevas, a verdade é que as preferências e opções
alteraram-se, com a acusação aos sharifos e régulos do norte do
país, de colaboração com os portugueses. Os cooptados entre os
muçulmanos por parte da FRELIMO, passam agora a ser os asiáticos
reformistas. Mangirah adapta o seu discurso ao momento
ideológico vivido, cujo lema era “Unidade, Trabalho e
133
Vigilância” , seduzindo o Presidente Machel, o qual percebeu
haver uma certa afinidade entre a política oficial do Estado e a
religião islâmica. O momento era também o da busca e construção
do Homem-Novo134, estando Mangirah em vantagem perante todos os
outros muçulmanos aí reunidos, pois adquirira a sua formação
superior no exterior, da mesma forma que a elite do Partido, o
que lhe garantia uma dimensão cosmopolita e um pé de igualdade
para com o poder que poucos poderiam reclamar. Por outro lado, o
percurso de Mangirah até então dava claros sinais de que este
era um homem que não queria apenas aceder ao poder, mas sim
possui-lo, literalmente possui-lo, tendo este encontro sido o
momento oficial dessa assunção perante o Partido, o país e
perante os muçulmanos de Moçambique. Machel encontra em Mangirah
o seu Homem-Novo muçulmano, cooptando preferencialmente o
Conselho Islâmico na pessoa do seu líder, pelo que este
representa, mas também pelo grupo de pessoas que arrasta atrás
de si, um caleidoscópio de asiáticos, mestiços afro-indianos,
negros e mulatos, sobretudo urbanos. Mangirah foi um dos
131
Macagno, Lorenzo; op. cit., pág. 214.
132
Idem, pág. 214.
133
Ibidem, pág. 219.
134
Zawangoni, Salvador André; “A FRELIMO e a Formação do Homem Novo (1964-1974 e 1975-1982); Maputo,
2007.
57
primeiros Ulemas a tentar dialogar com o Estado antes de o
enfrentar, o que fez com que ainda hoje as lideranças islâmicas
em Moçambique gozem de relativo prestígio face ao governo135,
independentemente de serem memons, surtis, negros ou mulatos.
135
Macagno, Lorenzo; op. cit., pág. 236.
136
Idem, pág. 223.
137
Ibidem, pág. 223.
58
davam aos muçulmanos resulta no apoio da Arábia Saudita e de Omã
à RENAMO. Há indícios que a República da África do Sul usava as
Ilhas Comores para apoiar a RENAMO entre 1983/89. No entanto,
permanece pouco clara a participação das lideranças muçulmanas
durante a guerra civil travada entre RENAMO no norte do país,
bem como o seu impacto sobre as comunidades islâmicas138. Sabe-
se, no entanto, que Amaro Monteiro chegou a receber em Lisboa,
supõe-se que em 1986, dois emissários oriundos da Ilha de
Moçambique e membros das confrarias locais, que lhe solicitaram
aconselhamento sobre a possibilidade de os muçulmanos do norte
de Moçambique participarem activamente na guerra ao lado da
RENAMO. Monteiro discordou com a ideia, dizendo que a prioridade
deveria ser a de desenvolver a religião e não participar no
conflito139.
Morier-Genoud refere também estes mesmos factos, acrescentando
que em 1978, a RENAMO já tinha enviado um emissário às
monarquias do Golfo, para obter apoio financeiro e logístico na
luta que iniciara um ano antes. À lista dos apoios sauditas e
omanitas, acrescenta também o da Comunidade Islâmica de
Lisboa140.
CAPÍTULO II
138
Baessa Pinto, Maria João Paiva Ruas; op. cit. pág. 82.
139
Macagno, Lorenzo; op. cit., pág. 224.
140
Morier-Genoud, Eric; op. cit.
59
muçulmanos do Congresso. Somos todos muçulmanos”141. A AMA
trabalha em cerca de 30 países de África, estando habituada a
este tipo de pressões, já que a situação moçambicana não é
inédita noutras paragens. A AMA, talvez também por via disso,
criou inclusivamente um modelo de mesquita próprio e que se
afirma na paisagem moçambicana, permitindo que um viajante não
inteirado das realidades locais, perceba de imediato quais os
locais onde esta organização está instalada, ou onde desenvolveu
trabalho benemérito.
60
Mais tarde, quando estes asiáticos optam por se deixarem cooptar
e aceitar o convite endereçado pela FRELIMO, é que sentem
necessidade de apretizar este grupo, nas palavras de Sibindy.
Nesse sentido, o grupo dos 20, ou melhor, “O Movimento
Islâmico”, foi um verdadeiro caleidoscópio que integrou membros
do Conselho, do Congresso, memons, surtis, mulatos, negros,
urbanos e rurais. Um momento que parecia ser de verdadeira
conciliação e cujo comprometimento perante a FRELIMO passava
pelo desmantelamento do PIMO, havendo da parte desta a garantia
da consagração de duas festas islâmicas em feriados nacionais,
sendo este o troféu que este grupo entregaria, finalmente, à sua
comunidade, num sentimento de justiça e reconhecimento público,
finalmente conseguido. O que aconteceu depois foi uma espiral
competitiva entre este grupo de 20 deputados, que não só colocou
em confronto mulatos e indianos, como memons e surtis e,
sobretudo, grupos económicos pertencentes aos protagonistas.
Dois subgrupos são claros nesta competição, liderados por Amade
Camal do lado dos mulatos e Nazir Loonat, do lado dos indianos.
Sibindy dá a entender que estes dois subgrupos projectam
rupturas futuras, preparando-se talvez com projectos autónomos à
própria FRELIMO, pelo que o “Movimento Islâmico” teria a
liderança de Nazir Loonat e a “Frente Islâmica”, nome inspirado
na Frente Islâmica de Salvação da Argélia, teria a liderança de
Amade Camal.
61
religiosamente é assim, sendo o ritmo marcado pela putativa
presença da morte ao virar de qualquer esquina. O exemplo da
imprevisibilidade do calendário lunar islâmico, que apenas
permite ao indivíduo saber se vai terminar o mês de jejum, na
véspera, é outra prova desse constante improviso que passou a
incomodar o partido que hospedava o Movimento Islâmico,
ridicularizando-o (ao partido) por vezes, dando-lhe mesmo uma má
imagem perante o seu eleitorado.
Este factor e o crescendo de rivalidades no seio do grupo
parlamentar dos 20, reflexo de políticas de casamentos,
rivalidades entre impérios comerciais, partilha de espaços
religiosos e outras questões até menos dignas, permitiu à
FRELIMO perceber claramente no logro em que caíra em 1993,
concluindo assim que os muçulmanos sunitas de Moçambique não
representam qualquer tipo de ameaça política, nem mesmo os
endinheirados e poderosos comerciantes asiáticos e afro-
indianos. Nesse sentido, após termos conversado com muitos
moçambicanos sobre o evoluir dos acontecimentos no território no
pós-independência, há também a ideia entre estes de que terá
havido o estabelecimento de um acordo tácito entre as elites da
FRELIMO e as elites asiáticas quanto ao futuro, garantindo que o
poder político continuaria negro e o poder comercial e
empresarial asiático. A partir de 1999 foram-se tornando cada
vez mais do conhecimento público, uma consequência da própria
democracia, parcerias económicas entre altos quadros da FRELIMO
e do Estado, com destacados empresários asiáticos. Estes, por
outro lado, também se voltaram mais para dentro das suas
próprias comunidades, envolvendo-se em projectos de cariz
filantrópico e de divulgação islâmica, os quais mencionamos no
final da Parte I.
62
filho de Said Bakr e bisneto de Said Abahassane, dois lideres da
Confraria Qadiriyya, bem como Selemangy Momade Anifo (afro-
indiano), actual delegado provincial do Conselho em Nampula,
neto de Hagy Mahamudo Selemangy, outro importante líder da
Qadiriyya143. Em entrevista144, Sheikh Aminudinne Mohammad, líder
do Conselho Islâmico, confirma-nos que a prática de bid’a está a
diminuir entre os jovens e que estes estão a aderir à shariat,
de tal forma “que o próprio Presidente do Congresso também já
não pratica bid’a”. Relativamente às rivalidades entre asiáticos
e negros/mulatos, desmistifica respondendo-nos com números,
dizendo que todo o investimento que está a ser feito na educação
islâmica dos jovens moçambicanos, com dinheiros asiáticos, os
grandes beneficiários são os autóctones negros e mulatos e não
os asiáticos e mestiços afro-indianos. O Instituto Hamza, sede
do Conselho Islâmico, tem 200 álimos145, nenhum é asiático,
espelhando também que esta comunidade é minoritária em
Moçambique.
Se por um lado as relações entre Conselho e Congresso
beneficiaram da aproximação proporcionada pelo convívio
institucional no seio do Parlamento, entre Conselho e Comunidade
Maometana pioraram, sobretudo pela luta judicial e familiar que
decorria em torno da posse do título de propriedade do complexo
Anuaril Isslamo.
Em segundo lugar, a liderança, a exposição e iniciativas
públicas de Maulana Nazir Loonat, fê-lo surgir como uma força
alternativa no xadrez político islâmico, dando-lhe claras
ambições a uma liderança nacional, logo após a ruptura efectuada
com a direcção da Mesquita da Polana e a conclusão do seu
projecto autónomo. A partir de 2003 institucionaliza esta
ambição e respectivo confronto com o Conselho Islâmico, ao criar
o Jamiat’ul Ulemah, um conselho de álimos alternativo ao Majliss
Ulemah do Conselho. No fundo, mais um número de telefone para
onde o poder político pode ligar, sempre que houver algum
problema, ou queira efectuar alguma proposta. Sem dúvida que não
há nenhum assunto islâmico, ou relacionado com os muçulmanos em
Moçambique, que não passe por estes 2 homens, que juntamente com
outros perpetuam a falta de liderança única para os muçulmanos
de Moçambique.
143
Macagno, Lorenzo; op. cit., págs. 172 e 180.
144
Concedida a 17 de Janeiro de 2006, no Instituto Hamza, Matola.
145
Clérigos.
63
CONCLUSÃO
64
que liderava, jogando com estas da forma que mais proveito lhe
dava, numa lógica de manutenção e fortalecimento do poder, tendo
como prioridade moçambicanizar o que já fora objecto de anos de
aportuguesamento.
Desiludidos, mas não vencidos, pois sem dúvida que têm o seu
espaço público conquistado, conseguiram nos últimos anos passar
da franja para o centro, continuando a ser um recurso nacional
apetecível e muito prestável, mas que agora tem a capacidade de
negociar em pé de igualdade seja com quem for, exercitando o seu
músculo político sempre que possível, pois o regresso à sua
nacionalidade de recurso, não significa mais um ensimesmamento,
sendo antes uma participação activa na sociedade civil
moçambicana, com inevitáveis consequências políticas.
65
ANEXOS
66
CRONOLOGIA
67
LEGISLATIVAS E PRESIDENCIAIS
68
ENTREVISTA A YAQUB SIBINDY, LÍDER DO PARTIDO INDEPENDENTE DE
MOÇAMBIQUE (PIMO), 12 DE FEVEREIRO DE 2008, VILA DAS MANGAS,
MAPUTO.
69
começava a partir das províncias de Cabo Delgado e terminava em
Sofala, zonas onde concretamente houve uma maior influência
islâmica, portanto perseguia as pegadas islâmicas. Onde se
implantaram a Companhia de Moçambique e explorava aquela zona do
Save, a norte do Rio Save, o Rio Buzí, aquela zona, era
concretamente zona de maior influência islâmica. Vamos ver que a
Companhia do Buzí que era a Companhia que explorava açúcar e
algodão, tinha como mão-de-obra barata, escrava nessa altura,
trazida de Cabo Delgado, Niassa, assim como de Nampula. Os
Macúas, que são uma tribo muçulmana, era tida pelos nativos do
Centro, que são Senas e N’daus, como se fosse estrangeira e
animais que não mereciam nenhuma dignidade humana. Matar um
Macúa, o Governo Colonial nem perguntava porque é que você fez
isto.
70
tornaram-se o cérebro, a industria transformadora do processo de
luta e é por isso que até hoje, desde a proclamação da
independência de Moçambique, a governação do país mantém esse
desequilíbrio bem patente. Chamamos de assimetrias regionais e o
desenvolvimento mesmo com um Governo de um Moçambique
independente ainda continua a pender mais para o Sul do que para
o Norte. E quando vamos ver num processo democrático, hoje, você
pode fazer uma pesquisa sobre os ascendentes dos partidos
políticos, os seus líderes e a maioria, quase 96% são todos
frutos de partidos oriundos de pessoas, liderados por pessoas do
Centro/Norte do país.
RBP – Do Centro/Norte?
YS – Sim, sim.
71
Commonwealth, com os Francófonos, ou com os Lusófonos. A parte
positivo de um processo histórico é: “o colono foi mau, não
resta dúvida, mas deixou alguma coisa”. Ao querer usar esta
parte de bem, você estará concretamente a herdar a mensagem, a
visão, a estratégia do seu antigo colonizador. O que é que
acontece, a parte Sul do país, os moçambicanos da parte Sul do
país, herdaram também um ódio pelo Islão. Tal e qual a Igreja
Católica cristianizava, hoje em dia, os comunistas, digamos
assim, oriundos do Sul, por mais que sejam comunistas, em
relação á Igreja não estão a ser tão cruéis porque toda esta
classe que hoje governa o país foi educada nas Missões.
YS – Foi assimilada.
72
dizerem que para eles nada existe. Instigou a população
muçulmana a criarem porco, como forma de... “podem não querer
comer, mas vocês criem e vendam” e isso é uma ofensa muito grave
e pediu o fornecimento de divisas aos que queriam fazer a
Peregrinação a Meca, introduziu o ensino de culto á figura dele
onde as crianças não poderiam concretamente... quer dizer...
tinha ser provado que Deus não dá rebuçados, Deus não dá
caderno, mas a FRELIMO dava. Foram uma série de... e isso
consequentemente as Igrejas também foram vitimas. Pelo vínculo
do quê? Do comunista que ele era. Também encerrou as igrejas e
transformou as igrejas em Grupos Dinamizadores, onde dançavam a
chamada Cultura Moçambicana e profanaram os sítios sagrados da
Igreja, os padres foram recolhidos a Campos de Reeducação, os
nossos Maxaíques também desapareceram...
YS – Na totalidade.
73
RBP – E o que eram as forças anti-independência, era a RENAMO?
RBP – OK.
YS – Sim, sim.
74
RBP – Aliados que eram da FRELIMO. Que eram altas figuras.
RBP – Ai sim?!
75
seu recurso logístico e financeiro, para financiar o Partido. É
quando na realidade começa a haver um desequilíbrio no qual as
pessoas até hoje interrogam, como é que um asiático abre um
negócio e em pouco tempo prospera... tá a ver? E eu também que
quero fazer a uma coisa e não consigo a mesma sorte! O que é que
se passa? Até hoje esta situação é uma resposta a responder. É
quando na minha opinião, acontece que esta aliança já se tornou
quase banal, muita gente sabe e aqui há empresários de sucesso
aqui da praça que publicamente já aparecem até a apoiar a
FRELIMO, “pá porque sou membro da FRELIMO, dou dinheiro, faço
campanha”, dando bilhões e bilhões de cabeçadas. Mas detrás
disso há um retorno, nada é de graça, está a receber, porque o
Estado não lhe aplica todas as taxas que qualquer agente
económico é sujeito. Então esta situação toda faz com que eles a
coberto do Poder... então os outros agentes económicos, ou
aliam-se, ou se não se aliam com a FRELIMO, pelo menos eles
acham que é melhor trabalhar com certas pessoas. Por exemplo, eu
posso até lhe adiantar que existem certos empresários que quando
estamos no mercado de Dubai, por exemplo, nem chega ao ponto de
serem comerciantes, não têm esse estatuto. Aqui em Moçambique
são aqueles que são chamados de Muqueristas, que atravessam para
a Swazilândia e para a África do Sul, vão comprar produtos lá,
vêm revender aqui e do vai e vem fazem essa baixa...
YS – Os asiáticos.
76
poderá surgir entre oportunidades. Qualquer moçambicano que
queira se afirmar, passa por aliança ao partido do Poder, só
para poder concretamente sobreviver, não por uma militância
política. Esta é a situação que temos encontrado e essa situação
é trazida mais na era do Chissano. Chissano, na sua tentativa de
capitalizar o partido, então achou que tinha que introduzir esse
sistema porque os da classe política da FRELIMO são filhos de
origem camponesa e que não pescam nada em negócios. Em termos
políticos, no aspecto nacional, vai ver que a FRELIMO tem mais
vantagem de realizar todos os seus congressos em datas
combinadas e consegue fazer uma campanha mais agressiva e eles
conseguem manipular a opinião pública porque têm dinheiro e um
partido da oposição que logo ao comerciante indiano é dito:
“Olha se você receber o Sibindy uma ou duas vezes na tua loja,
ou no seu armazém ou na sua empresa, no dia seguinte está aí uma
inspecção das finanças, porque você está a apoiar a oposição.”
Então naturalmente o empresariado indiano, podem compreender que
a democracia significa a relação com todos os partidos
políticos, eles não podiam manter só uma exclusividade, mas não
o podem fazer porque senão a FRELIMO no dia seguinte corta a
relação e manda-lhe uma inspecção das finanças e ele aí não vai
sobressair. Nesta situação toda que aparecem uma série de
acusações com a camada asiática, alguns são acusados de tráfico
de droga e de negócios ilícitos, etc, e mais tarde são
absolvidos de uma forma menos esclarecida, porque afinal o Poder
não pode-lhes apertar senão eles hão-de dizer tudo. Essa
situação é que é muito grave e isso em relação aos muçulmanos,
nesta situação, aqueles muçulmanos que estão á frente desses
negócios, eles também acharam que deveriam produzir uma
informação ou um argumento que pudesse convencer a origem dos
seus bens e é quando esta classe que beneficia dos negócios com
a FRELIMO tenta se impor perante toda a comunidade muçulmana
como líderes. E a FELIMO precisou disso concretamente, que
surgissem como líderes, porque eles também diriam : “Olha, se
vocês nos abandonam nesta aliança económica, nós vamos vos
penalizar com o voto, porque a maior parte dos moçambicanos são
muçulmanos”.
77
tinha uma aproximação muito, quer dizer um suporte muito mimoso
com a Igreja, conversações em Roma, tudo isso. Isso já estava a
fazer com que olha, se aparece mais um Estado declaradamente
católico, então a conversão compulsiva ao cristianismo poderia
ser uma das regras, ou a tentativa de sempre beneficiar a...
RBP – Está bem, mas o que é que isso tem a ver com o PIMO?
78
correcta conduta da Igreja e isso tranquilizou mais as pessoas e
até hoje nós lutamos por isso. A religião, na realidade, não
estão criadas condições em Moçambique, para o Estado estar
aliado a uma religião oficialmente. Então manter-se essa
laicidade e a religião que se faz manter-se fora do aparelho do
Estado, então pensamos que é uma coisa boa. Nós queríamos evitar
que, por exemplo, um senhorio concede o seu espaço a um
sapateiro á saída do seu edifício. Ele está a descer a sua
escada e um salto se estraga e ele pede àquele homem a quem
concedeu o espaço para ver se lhe consertava o sapato. Vai a
consertar e depois pergunta:
- “Quanto te pago?”
- “É pá, desculpa lá, não é nada.”
E nós queríamos é evitar isso. Uma religião se vai apoiar um
determinado partido político e esse partido político amanhã
quando está no poder, se pedir favores...
YS – Pois, pois.
79
independente, etc, em 1986 converti para o Islão, entrei para a
religião islâmica e, “prontos”, fui vivendo como qualquer
moçambicano, fui acompanhando as evoluções políticas, a guerra
acabou, proclamou-se a época da paz, a democracia que seria uma
nova Constituição, em 90, não é? E foi concretamente nessa
altura quando começamos a fazer uma reflexão, olha se o passado
colonial voltar de novo outra vez hoje como conduta do Estado,
isso é mau, porque o mundo está a evoluir, portanto ninguém pode
ser religião mais forte em relação a outra á custa do Estado, ou
da Constituição. Então foi necessário, concretamente, tomar uma
decisão, participar, não ser telespectador, participar. Nós como
muçulmanos temos que participar como parte integrante nesta fase
na Nação e só faz sentido participar quando a pessoas cumpre com
as regras democráticas, estando enquadrado dentro de um partido
e o partido reivindicar o Poder e concorrer ao Poder de uma
forma legal e respeitar as balizas da Constituição, agora que é
laico e, a nossa Constituição determina que ninguém pode
prejudicar o outro em termos de um partido que diz que: “Olha,
você é católico, você é muçulmano e tens aqui o seu meio e fica
um militante de segunda porque você pertence à religião islâmica
ou você pertence à religião cristã.” Isso não existe, a
religião, ou raça não existe, somos todos iguais. Portanto, nós
queríamos concretamente manter isso e fazer com que os
muçulmanos não morassem à margem da lei e deviam entrar
oficialmente no processo político e dizer que: “Olha, nós, os
nossos direitos são esses e esses direitos não chocam com quem
não está interessado em seguir a religião islâmica. Nós todos
somos cidadãos.” Então, foi nessa base que concebemos o partido
PIMO e eu fui, concretamente, fundador do partido PIMO, em 1993.
O partido foi registado porque identificou-se com esses
parâmetros democráticos e foi aceite pela lei e quando o partido
surge a interpretar esses sinais todos, uma camada de muçulmanos
ricos, comerciantes, eles acharam que isso, é pá, são coisas de
política, é para os políticos. Ainda recordo palavras do Amade
Camal:
- “Olha a política minha, como empresário, é negócios, não é
nada disso aí. Quem está no Poder e quer vir ter comigo há-de
vir ter, quem está no Poder e não quer vir ter comigo, não há-de
vir ter! Não me quero lá ligar a ninguém.”
E o nosso ponto:
- “Porque nós somos muçulmanos, temos algo a esclarecer em
relação ao passado, era bom se...”
- “Ah não, não, não. Se precisarem de uma caneta, eu dou, agora
não é eu...”
Ok, então sentimos um apoio porque reconheceu a necessidade da
existência do partido e ainda fomos crescendo juntos. Então
quando chegou á fase das eleições, parece que uma certa
80
peritagem que dava assistência ao partido do Poder, um tal “Vox
Populi”, uma máquina de propaganda brasileira e já tinha,
concretamente, chamado á atenção e, nós temos aqui uma
Constituição muito estranha em relação aos países que nos
rodeiam. Até hoje diz-se que é proibida a formação de partidos
religiosos em Moçambique, mas, entre aspas, estão a dizer que é
proibida a formação de um partido islâmico, talvez, porque...
81
sustentado pelo Alcorão ou pelos Hadiths, que sustentem que
exterminem os cidadãos não muçulmanos.
YS – Ya.
82
nenhuma e, perante a opinião pública, aquilo que se diz que o
Islão ofende o direito de opção de uma pessoa, então isso não é
Islão e a partir dali podemos sossegar os não muçulmanos...
A engenharia política da FRELIMO achou melhor, “olha, ou o
esquema dos computadores e faz-se uma terceira bancada” e mais
tarde surgiu a União Democrática, “ou negoceia-se com os mais
fortes do PIMO para eles integrarem a bancada da FRELIMO”. Se se
mostrarem esclarecidos na matéria, hão-de recusar integrar e
hão-de querer ir sozinhos. Então não os deixem ir sozinhos, dão
essa “assessoria” (sugestão) ao Chissano, mas deixem-nos ganhar
uma pequena bancada na qual não tenham grande expressão, mas que
fiquem contentes, tá a ver? E essa bancada mais tarde apareceu
com 9 deputados, que foi a União Democrática. Então a liderança,
a suposta liderança...
RBP – Exactamente.
83
e aquilo que for comandado aos computadores, dará o seu
resultado. Pode ser a favor de si ou de mim, depende de quem
opera.
84
qual o apoio que poderia trazer para Moçambique. Então o partido
PIMO tomou a decisão de mobilizar países árabes, países
islâmicos e vender a imagem que este país pode ser membro da
Organização da Conferência Islâmica (OCI), de modo que os fundos
desses países pudessem também ajudar o desenvolvimento e a
reconstrução económica deste país. Então, concretamente em Março
de 1995 viajei para os países árabes, para certos países
islâmicos, onde fomos fazer uma série de visitas e estas visitas
culminaram concretamente com o reatamento de relações
diplomáticas, em que hoje Moçambique hoje é membro da OCI. O
primeiro relatório que eu trouxe, depositei nas mãos do
Presidente Chissano. Veja, para os meus compatriotas que estão a
ocupar os 20 assentos, eu era um cadáver declarado, mas este
cadáver que a FRELIMO queria ver morto e que os meus colegas
também queriam ver, trouxe uma oportunidade para o meu
adversário e dizer “o senhor pode contar com o apoio destes
países”. Dei-lhe todos os contactos necessários e com esses
contactos o Chissano como Chefe de Estado respondeu, “será que
desta vez os árabes vão corresponder à cooperação connosco?
Porque eu fiquei 10 anos como Ministro dos Negócios Estrangeiros
e o único país que correspondeu foi o Egipto. Os outros países
são todos muito cínicos. Será que dessa vez é possível nós
entrarmos na ribalta?” E eu respondi-lhe, “Senhor Presidente, eu
estou disponível para cooperar, os contactos estão aqui, o
senhor avança e se precisar eu estou disponível. Tenho a
certeza, como muçulmano, que os países árabes vão apreciar a
situação de Moçambique e Moçambique pode entrar seguramente na
OCI e ser um dos membros beneficiários dos fundos desta
organização.”
RBP – E foi?
85
passar, não havia nenhuma ilegalidade, é quando, no entanto,
introduziram também feriados islâmicos...
(Risos)
RBP – Exactamente.
86
privilégios, que lhes permitem fazer negócios melhor em relação
a qualquer outro cidadão e então foi na base disso que eles
tinham esse interesse. Mas esse interesse é mais particular do
que público e publicamente tinham que arranjar um argumento que
se chamaria de “Eids Feriados Islâmicos”. Só lhe quero dizer o
seguinte, quando fizeram a oração fúnebre a um caixão vazio,
então isso custou-lhes muito caro, porque em 1999 o partido
FRELIMO analisou e concluiu que não, parece que os senhores
estão sendo hipócritas connosco, ou vocês apoiam o PIMO de noite
e de dia sentam-se connosco e dizem “viva a FRELIMO e abaixo o
PIMO”.
87
bancada independente, ou teria uma integração de 20 assentos,
foi concretamente absorvida por uma figura indiana e agente
económico, amigo da FRELIMO.
88
concretamente? Encontrou a pápa feita e quis usar. Foram
estratégias políticas infantis, não é?
YS – A mesquita.
89
RBP – Como já foi feito anteriormente.
90
RBP – Mas então matou-se uma pessoa, decapitou-se uma pessoa e
entregou-se essa cabeça quem?
RBP – Mas qual era o jogo, onde é que a cabeça foi entregue?
YS – Ya, ya.
YS – Paquistanês.
(Risos)
91
conclusão que, realmente, a cabeça humana era de um cidadão
moçambicano, etc, etc, mas o senhor diz que foi encomendar a
cabeça a fulano…
RBP – Mas a cabeça humana era para ser entregue onde? Isso ficou
definido alguma vez?
YS - Sim.
92
FONTES E BIBLIOGRAFIA
- PUBLICAÇÕES OFICIAIS
Lei nº 10/2004, Boletim da República de Moçambique, I Série, Nº
34, Quarta-feira, 25 de Agosto de 2004II Recenseamento Geral da
População e Habitação, 1997. Instituto Nacional de Estatísticas
- PERÍODICOS
- FONTES ORAIS
- BIBLIOGRAFIA
93
Mozambique”. Lusotopie 1999, Consultado a 07 de Outubro de 2008
em http://www.lusotopie.sciencespobordeaux.fr/alpers.rtf
94
Medeiros, Eduardo; “Irmandades Muçulmanas do Norte de Moçambique
(Ideologias e Religiões em Moçambique, I); Colecção “Textos de
Apoio DCI”, 25; Universidade Técnica de Lisboa, Instituto de
Economia e Gestão, 1995/96.
- INTERNET
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