Resenha Do Livro de Philippe Ariès História Social Da Infância e Da Família
Resenha Do Livro de Philippe Ariès História Social Da Infância e Da Família
Resenha Do Livro de Philippe Ariès História Social Da Infância e Da Família
1º O SENTIMENTO DA INFÂNCIA
1 As Idades da Vida
Assim que uma criança nasce, passado um tempo, já começa a falar suas primeiras palavras,
aprende a dizer seu nome, nome de seus pais e a sua idade. Mas no século XVI ou XVII, as
exigências de identidade civil ainda não eram tão impostas desse modo. Achamos normal uma
criança responder a sua idade corretamente quando questionada. Acontece que em certos
lugares, como por exemplo, na savana africana, a noção de idade não se dá claramente como
deveria. Nas civilizações técnicas, isso já se tornou corriqueiro, sabemos que precisamos da data
de nascimento, para fazer viagens, votar, preencher formulários, entre outros tantos. A criança
logo se tornará Fulano N, da turma X. Depois de adulto, ganhará um número de inscrição
juntamente com sua carteira de trabalho, esse número passará a acompanhar seu nome. O
cidadão será um número, que começa por seu sexo, seu ano e mês de nascimento. O serviço de
identidade pretende chegar à meta de que um dia todos terão seu número de registro, por isso
tantas campanhas conduzindo a fazer o registro de nascimento das crianças.
Foi na Idade Média que surgiu o sobrenome, um nome apenas estava muito impreciso, portanto
resolveram completar esse nome com outro logo após, que muitas vezes era nome de lugares.
Atualmente, a identidade da pessoa é um documento legalmente imensurável e muito preciso
em questão numérica. Existem também outros tipos de documentos, como títulos de comércio,
letras de câmbio, cheques, testamentos, que não exigem data de nascimento, mas que são
importantes da mesma forma.
Acredita-se que somente no século XVIII, os párocos passaram a ter registros exatos como um
Estado moderno deve ter, essa importância da idade deu-se a partir dos reformadores religiosos
e civis que impuseram isso nas camadas mais ricas da sociedade, as camadas que freqüentavam
os colégios.
A idade passou a ganhar uma atenção muito especial desde então. Em retratos do século XVI, já
se percebe essa preocupação em ressaltar as idades e as datas das pinturas. Nos retratos de
pessoas da corte, isso se dava por ausente, um dos mais antigos exemplo era o admirável retrato
de Margaretha Van Eyck,escrito no alto: meu marido me pintou em 17 de junho de 1439, e
embaixo, 33 anos. Muitas dessas pinturas formavam quadros. Esses retratos de família
funcionavam como documento da própria história familiar, assim como hoje seriam os álbuns
de família. Também existiam os diários de família, que serviam para guardar os acontecimentos
que haviam ocorrido, como por exemplo, os nascimentos e as mortes. As pessoas naquela época
sentiam necessidade de dar á vida familiar uma história. No século XVII, espalhou-se o hábito
de gravar uma data em objetos da casa. Na Alsácia, Suíça, Áustria e Europa Central no século
XVII ao XIX, os móveis era datados e também vinham com o nome de seus proprietários.
A partir do século XVII, muitas dessas inscrições começaram a desaparecer de quadros, só havia
algumas ainda em pintores de província ou provincializantes.
Referente à questão da criança a aprender seu nome e sua idade logo após começar a falar, pode
verificar-se, por exemplo, que Sancho Pança não tinha conhecimento exato da idade de sua
filha, era apenas algo inexato que descrevia que ela deveria ter uns 15 anos, ou mais, ou menos.
No século XVI, as crianças sabiam sua idade, mas existia um fato muito curioso em si, por
questão de boas maneiras, elas eram obrigadas a não falar claramente e responder certas
reservas. Thomas Platter,humanista e pedagogo, natural de Valais, relata a história de sua vida
com exatidão quando refere-se aonde e quando nasceu. Ele diz que quando se informou da data
de seu nascimento, responderam-lhe que ele teria nascido em 1499, no domingo de
Qüinquagésima, no momento exato que os sinos chamavam para a missa. Estava aí um misto de
rigorosidade e incerteza.
Na Idade Média, os autores faziam uma terminologia puramente verbal: infância e puerilidade,
juventude e adolescência, velhice e senilidade, cada uma dessas correspondia a um período
distinto da vida. As ‘idades da vida’ ou ‘idades do homem’ equivaliam a noções positivas,
conhecidas, repetidas e usuais, que passaram da ciência a experiência comum.
A idade do homem fazia parte de um sistema de descrição e explicação física que voltava aos
filósofos jônicos do século VI a.C dos escritos do Império Bizantino e que ainda sugeria os
primeiros livros impressos de vulgarização científica no século XVI.
A ciência antigo medieval, em meados do século XVI, era objeto de vulgarização. Le Grand
Propriétaire de toute choses é uma grande enciclopédia que abrigava todos os conhecimentos
profanos e sacros, que traduzia a unidade essencial da natureza de Deus. Eram vinte livros que
tratavam de Deus, de anjos, de elementos, do homem e do seu corpo, e, o último dos livros era
consagrado aos números e as medidas. Existia uma ideia que dizia que a unidade fundamental
da natureza não se separava das manifestações sobrenaturais. Essa concepção rigorosa pode ser
relacionada ao atraso do avanço científico. O ato de conhecer da natureza limitava-se aos
estudos das relações por meio de uma mesma causalidade. O simbolismo dos números vinha
como uma das chaves da solidariedade profunda, os números eram familiares e estavam nas
especulações religiosas, descrições de física, história natural e em práticas mágicas.
As idades da vida se tornaram também uma das formas comuns de conceber a biologia humana,
ligada ás correspondências secretas internaturais. Essa noção pertencia ao Império Bizantino,
no século VI.
Os textos da Idade Média traziam a ideia de que a primeira idade é a infância que planta os
dentes, e essa idade se dá quando a criança nascer e durar até os 7 anos, e tudo que nela nasce é
chamo de enfant que significa não-falante, pois nessa idade a pessoa não fala bem e não forma
ainda claramente suas palavras. Depois disso, chega a segunda idade, que dura até os 14 anos.
Após os 14 anos, vem a adolescência, que segundo Constantino se encerra aos 21 anos, mas,
porém segundo Isidoro se estende até os 28 anos. O crescimento podia terminar antes mesmo
dos 30, 35 anos, devido ao trabalho precoce que abalava adiantadamente o organismo humano.
Até os 45, 50 durava-se a juventude, era assim chamada devida á força que estava no cidadão
para ajudar a si mesma e aos outros. Isidoro nomeia de gravidade, a idade da senectude, que
estava entre a juventude e a velhice, porque nessa idade a pessoa é grave nos costumes e nas
maneiras. Até os 70 anos ou até a morte, dava-se a velhice, a última fase dessas seria chamada
de senies, em que o velho está sempre tossindo, escarrando. Um gênero de correspondência
sideral havia inspirado uma periodização ligada aos 12 signos do zodíaco, que relacionava as
idades da vida com um dos temas populares da Idade Média: as cenas do calendário. A
terminologia que hoje nos passa uma impressão tão vazia traduzia noções que na época eram
científicas, e correspondia a um sentimento popular e comum da vida. Para o homem de outra
época, a vida consistia numa continuidade inevitável, cíclica, e para nós hoje em dia a vida é
considerada como um fenômeno biológico, é algo também que não possui nome e que
procuramos nomeação.
Em relação à idade dos brinquedos, verificada no século XIV, as crianças brincam com um
cavalo de pau, uma boneca, um moinho, ou pássaros amarrados. Logo em seguida, tem a idade
da escola, aonde os meninos aprendem a ler ou segurar um livro, e um estojo, e as meninas a
fiar. Depois, a idade do amor, das festas, dos passeios de rapazes e moça, as cortes de amor, as
bodas e as caçadas. Idade da guerra, dos homens aramados e as idades sedentárias, dos homens
da lei, das ciências ou dos estudos. Degraus da idade eram gravuras que retratavam pessoas que
mostravam as idades justapostas do nascimento até a morte. A periodização da vida possuía a
mesma fixidez que o ciclo da natureza ou a organização da sociedade. A juventude significava
força da idade, ‘idade média’, não havia espaço para adolescência. De acordo com um calendário
das idades do século XVI, aos 24 anos dá-se a criança forte e virtuosa, do mesmo jeito que
acontece quando elas têm 18 anos. Na burguesia do século XVII, a palavra infância restringiu-se
a seu sentido moderno, a ideia de infância estava ligada a ideia de puberdade. Ou seja, só se saía
da infância quando se saía da puberdade.
Furetiére, no início do século XVIII, complementou o uso do termo enfant, ele disse que esse
termo também seria um termo de amizade para saudar ou agradar alguém. A palavra petit
também adquiria um sentido especial no final do século XVI: designava todos os alunos das
‘pequenas escolas’, até mesmo os que não eram mais considerados crianças. Com Port-Royal e
toda literatura moral e pedagógica, os termos para representar a infância se tornaram
numerosos e modernos. Eram usadas expressões do tipo “Eles não vão á missa todos os dias,
somente os pequenos, trata-se novas formas, em “pequenas almas”, “pequenos anjos”.Essas
expressões anunciavam o sentimento do século do XVIII e do romantismo.
Na língua do século XVI, houve uma ausência de palavras para se referir as crianças pequenas.
Por exemplo, em inglês a palavra baby também era usada para crianças grandes, mas, em
francês já existiam palavras que serviam para se referir a criança, como poupart. Poupart
significava não apenas mais uma criança, mas sim, uma boneca, como até hoje é utilizado pelos
franceses. Bambino, marmousets, pequeno frater, cadet populo ,petit peuple, foram algumas
palavras também criadas para nomear a infância.
Cada época correspondia uma idade privilegiada e uma periodização particular da vida humana.
A idade privilegiada do século XVII era a juventude, do século XIX, a infância, e do século XX, a
adolescência. A ausência da adolescência, desprezo da velhice, desaparecimento da velhice e
introdução da adolescência manifesta a reação da sociedade diante da duração da vida. Foram
retirados do Império Bizantino e da Idade Média, os espaços da vida que haviam sido
nomeados, embora não existissem nos costumes. A linguagem moderna usou esses velhos
vocábulos para classificar realidades novas: último avatar do tema que durante muito tempo foi
familiar e hoje está esquecido, o das “idades da vida”.
Na idade média as crianças eram vestidas indiferentemente de idade, nada na roupa medieval a
separava do adulto, era o período do traje longo. No século XVII a criança de boa família passou
a não ser mais vestida como os adultos, mais precisamente o menino, pois as meninas do
momento em que deixavam os cueiros eram vestidas como mulherzinhas, mas comportava um
ornamento singular, duas fitas largas presas ao vestido atrás dos dois ombros. E no século XVI
ainda vestiam-se assim as meninas. Nessa ocasião as capas e túnica muitas vezes tinham
mangas que podiam se vestir ou deixa-las pendentes.
Enfim, no século XVIII o traje da criança torna-se mais leve, mais folgado, deixasse mais à
vontade. De acordo com os costumes, o primeiro traje era o vestido das meninas e depois o
vestido comprido com golas, também chamados de jaquette. Nos colégios o vestido por cima das
calças justas até o joelhos era utilizado. Essas fitas nas costas havia tornado signos da infância
que distinguia as crianças, fosse meninos ou meninas. Últimos restos das falsas mangas. No fim
do século XVIII o traje das crianças se transforma e nos subúrbios populares, homens
começaram usar traje mais específico, calças compridas, que equivaleriam ao avental. No século
XIX o costume de efeminar os meninos só desapareceria após a Primeira Guerra Mundial.
Para entender de forma mais clara como eram as brincadeiras no início do século XVII são
utilizadas informações presentes no diário do médico Heroard sobre o Delfim da França, o
futuro Luís XIII. Com um ano e cinco meses o menino toca violino e canta ao mesmo tempo,
lembrando que este instrumento não era nobre, também brincava com cavalo de pau, o
catavento e o pião. A dança e o canto tinham uma grande importância naquela época e ainda
com a mesma idade o menino já jogava malha, isso equivaleria hoje a uma criança praticando
golfe. Cerca de cinco meses depois ele começa a aprender a falar, sendo que se ensinava a
pronunciar as sílabas separadamente antes de dizer a palavra. Com dois anos e sete meses
recebe uma “pequena carruagem cheia de bonecas”, era normal que meninos e meninas
partilhassem deste brinquedo; até mesmo os adultos, principalmente mulheres, onde era objeto
de satisfação, isso também acontecia com os brinquedos em miniatura que eram monopólio das
crianças, não diferente do que é hoje, quando as crianças, e até mesmo adulto em suas coleções
possuem objetos como carrinhos, caminhõezinhos, bibelôs. O teatro de marionetes foi uma
manifestação da arte popular, era voltado aos adultos, inclusive Guignol era uma personagem do
teatro popular, que hoje se tornou o nome do teatro de marionetes reservado as crianças. Na
noite de Natal, com três anos e já falando corretamente, o Delfim ganhou uma bola e algumas
quinquilharias italianas, como uma pomba mecânica e eram brinquedos destinados tanto a ele
quanto a Rainha. Já com quatro a cinco anos já praticava arco, jogava xadrez, jogos de raquetes,
rimas, ofícios, mímicas e inúmeros outros de salão. Luís XIII dançava balé e até mesmo danças
de meninos de quinze anos. Com sete anos inicia-se o processo de abandono aos brinquedos e
começa a aprender a montar a cavalo, a atirar e a caçar, joga jogos de azar e assistia a brigas. No
século XVIII figuravam-se festas e ritos, o balanço também surgiu nesse momento. Por volta de
1600, as brincadeiras apareciam apenas na primeira infância, a criança jogava os mesmos jogos
e participava das mesmas atividades dos adultos. No fim do século XV, os jogos foram mais
voltados à cavalaria, caça e cabra-cega. Na questão das brincadeiras dá-se a entender que os
adultos não se preocupavam tanto com o trabalho como hoje é valorizado, a principal
importância eram os jogos e os divertimentos. Havia festas sazonais e tradicionais, como a dos
Reis, onde a criança tinha um papel ativo na celebração, que no primeiro momento ficava
embaixo da mesa e indicava para a quem seriam as fatias do bolo, após carregavam uma vela,
preta ou colorida, e no último momento saiam pela vizinhança cantando e tocando, ou seja, se
havia o hábito de confiar as crianças uma função especial no cerimonial que acompanhava as
reuniões familiares e sociais. Existiam outras festas como a Santos-Inocentes, Terça-feira gorda,
onde se faziam brigas de galo e brincadeiras de bola, Carnaval, nesta festividade podiam surrar
os judeus e as prostitutas, a não ser que pagassem um tipo de fiança, tamanha barbárie vista nos
dias de hoje.
5 Do Despudor à Inocência
2º A VIDA ESCOLÁSTICA
Observando a história da educação no período da Idade Média podemos notar o progresso do
sentimento da infância: como a escola e o colégio que se tornaram no início dos tempos
modernos um meio de isolar as crianças justamente no período de formação moral e intelectual
e, desse modo, separá-las da sociedade dos adultos, finalmente, visto que - na Idade Média - as
diferentes idades eram misturadas e lançadas, aliás, a um ambiente inadequado para a
aprendizagem.
No século XIII, os colégios eram asilos para estudantes pobres (os bolsistas); não se ensinava
nos colégios. A partir do século XV o colégio tornou-se instituto de ensino em que uma
população numerosa foi submetida a uma hierarquia autoritária e de ensino das artes que serviu
de modelo para as grandes instituições do século XV ao XVII. O estabelecimento definitivo de
uma regra de disciplina completou a evolução: de simples sala de aula, ao colégio moderno,
instituição não apenas de ensino, mas de vigilância e enquadramento da juventude.
Essa evolução mostrou-se sensível ao sentimento das idades. No princípio os menores (os
pequenos alunos de gramática foram os primeiros a ser distinguidos estendendo-se até os
maiores, alunos de lógica e de física). Porém, essa separação não os atingia como crianças, e sim
como estudantes, ou seja, o estudante não era distinguido do adulto, uma vez que fora da escola
ele tivesse a obrigação de exercer funções de adulto e, sobretudo, o regime não era realmente
infantil/juvenil. (Novamente não se conhecia a natureza nem modelo de tal regime). Nesse
regime, desejava-se proteger os estudantes das tentações da vida leiga, proteger sua moralidade.
Então, os educadores inspiravam-se no espírito das fundações monásticas do século XIII.
Graças ao modo de vida particular “a juventude escolar foi separado do resto da sociedade”.
Mais tarde, o colégio mostrou alterações. No início era um meio de garantir a um jovem clérigo
uma vida honesta. A seguir, tornou-se a condição imprescindível de uma boa educação, mesmo
leiga. Os mestres tinham a responsabilidade moral tanto de formar como de instruir o estudante
e por essa razão convinha impor às crianças uma disciplina rígida, tradicional dos colégios,
entretanto mais autoritária e mais hierárquica. Portanto o colégio era o instrumento para a
educação da infância e da juventude em geral.
O colégio, século XV e XVI ampliou-se, abriu-se a um número crescente de leigos, nobres,
burgueses e também a famílias mais populares. Tornou-se, logo, uma instituição essencial da
sociedade: o colégio com um corpo docente separado, com uma disciplina rigorosa, com classes
numerosas; constituía um grupo de idade maciço, alunos de oito-nove anos até mais de 15,
submetidos a uma lei diferente da que governava os adultos.
Desde o início do século XV, começou-se a dividir a população escolar em grupos de mesma
capacidade que eram colocados sob a direção de um mesmo mestre. Mais tarde, passou-se a
designar um professor especial para cada um desses grupos (na Inglaterra essa formação
persistiu até o século XIX). Porém, as classes e professores eram mantidos em um lugar comum.
Isso só mudou a partir de uma iniciativa de origem flamenga e parisiense, gerando assim a
estrutura moderna de classe escolar. Essa estrutura acentuava a necessidade de adaptar o
ensino do mestre ao nível do aluno, o que se opunha tanto aos métodos medievais de
simultaneidade ou de repetição, como à pedagogia humanista que não distinguia a criança do
homem e confundia a instrução escolar com a cultura. Finalmente indicava – essa distinção das
classes – uma conscientização das diferentes fases da vida (infância ou juventude) e do
sentimento de que no interior dessas fases existiam várias categorias. Todavia, em princípio, a
preocupação de separação das idades só foi reconhecida e afirmada bem mais tarde. Na
realidade, prestava-se sempre mais atenção ao grau do que à idade. Portanto, existia uma
relação despercebida, por hábito, entre a estruturação das classes e as idades, quase que como
uma coincidência.
A nova necessidade de análise e divisão das classes caracteriza o nascimento da consciência
moderna: a repugnância em misturar espíritos e, logo, idades muito diferentes.
Do meio para o final do século XVII e século XVIII a política escolar passou a eliminar as
crianças muito pequenas, o que contrapunha os hábitos escolares medievais os quais
misturavam as idades, sendo a precocidade de certas infâncias algo aceitável. “A repugnância
pela precocidade marca a primeira brecha aberta na indiferença das idades dos jovens”,
implicando em um sentimento novo que distinguia uma primeira infância de uma infância
propriamente escolástica. Isto é, as crianças de 10 anos eram mantidas fora do colégio. Dessa
maneira conseguia separar uma primeira infância (até os 9-10 anos) de uma infância escolar
(depois dessa idade). Dizia-se como justificativo do retardamento – retardamento porque até o
meio do século XVII aos sete anos a criança já podia entrar na escola - que os pequeninhos eram
frágeis, “imbecis”, ou incapazes.
Embora a primeira infância fosse isolada a mistura das idades ainda persistiu até o fim do
século XVIII. Ainda no início do século XIX, separavam-se os maiores de 20 anos, mas não era
estranha a presença no colégio de adolescentes atrasados. De fato, ainda não se sentia a
necessidade de separar a segunda infância da adolescência. Entretanto no fim desse século,
graças à burguesia que espalhou o ensino superior/universidade, deu-se a separação. Portanto,
pode-se afirmar que, no início do século XIX, com a regularização do ciclo anual das promoções,
o hábito de impor a todos os alunos série completa de classes e as necessidades de uma
pedagogia nova fez-se a relação, cada vez mais, entre a idade e a classe escolar.
5 Os Progressos da Disciplina
Antes do século XV, o estudante não estava submetido a uma autoridade disciplinar
extracorporativa, a uma hierarquia escolar, mas tampouco estava entregue a si mesmo; ou
residia perto de uma escola com sua família, ou, na maioria das vezes, morava com outra família
à qual havia sido confinado a um contrato de aprendizagem que previa a freqüência a uma
escola. Aliás, ele pertencia a uma sociedade ou a um bando de companheiros: tinha que entrar
para associações, corporações, confrarias ou o estudante seguia um mais velho e em troca era
surrado e explorado. O fato é que uma camaradagem às vezes brutal porém real regulava sua
vida cotidiana, muito mais do que a escola e seu mestre, e, porque essa camaradagem era
reconhecida pelo senso comum, tinha um valor moral.
Porém a partir do fim da Idade Média, o sistema de camaradagem se deteriora gradativamente,
então a juventude escolar seria organizada com base em novos princípios de comando e de
hierarquia autoritária, surgem idéias novas da infância e de sua educação: para o Cardeal
d’Estouteville, as crianças não podiam ser abandonadas sem perigo a uma liberdade sem limites
hierárquicos... os educadores eram responsáveis pelas almas dos alunos perante Deus; seus
deveres não consistiam apenas em transmitir, como mais velhos diante de companheiros mais
jovens, os elementos de um conhecimento. Eles deviam também formar os espíritos, inculcar
virtudes, educar tanto quanto instruir. Duas idéias surgem ao mesmo tempo: a noção da
fraqueza da infância e o sentimento da responsabilidade moral dos mestres. Portanto, o sistema
disciplinar teria que fugir das raízes da antiga escola medieval, onde o mestre não se interessava
pelo comportamento de seus alunos fora da sala de aula. Para definir esse novo sistema, três
características: a vigilância constante, a delação erigida em princípios de governo e em
instituição, e a aplicação ampla de castigos corporais.
A disciplina humilhante – o chicote e a espionagem – difere-se do modo de associação
corporativa de antes, que era o mesmo para todas as idades: jovens e adultos. Entretanto,
mesmo com essa substituição de modelo, o castigo corporal não é particular da infância, já que
se generalizou ao mesmo tempo em que a concepção autoritária, hierarquizada da sociedade, em
suma absolutista. Contudo restou uma diferença entre a disciplina das crianças e dos adultos:
fidalgos escapavam do castigo corporal e o modo da aplicação da disciplina contribuía para
distinguir as condições sociais. A análise de Ariès também revela que o adolescente, dentro do
mundo escolar, era afastado do adulto e confundido com a criança, ou seja, não havia muita
distinção entre a infância e a adolescência; jovens de até 20 anos, as vezes até mais também
tinham que ser submetido a humilhação do castigo corporal e a uma disciplina idêntica a dos
menores, estendendo-se a todas condições sociais. Logo, o sentimento da particularidade da
infância, de sua diferença com relação ao mundo dos adultos, começou pelo sentimento de sua
fraqueza, que a rebaixava a um nível mais inferior.
No século XVIII era preciso humilhar a infância para distingui-la e melhorá-la, entretanto foi
surgindo um sentimento de repugnância, reprovação e então o caráter servil do castigo corporal
não era mais reconhecido como adaptado à fraqueza. Surgiu a idéia de que a infância não era
uma idade servil e não merecia ser metodicamente humilhada. Triunfa, no século XIX, uma
nova concepção da educação, uma nova orientação do sentimento da infância, que não mais se
ligava ao sentimento de sua fraqueza e não mais reconhecia a necessidade de sua humilhação.
Tratava-se agora do despertar na criança a responsabilidade do adulto, o sentido de sua
dignidade. A criança era menos oposta ao adulto do que preparada para a vida adulta.
6 As “Pequenas Escolas”
No século XVII as crianças foram separadas das mais velhas (de 5-7 a 10-11 anos), tanto nas
pequenas escolas como nas classes inferiores dos colégios. E, no século XVIII, os ricos foram
separados dos pobres, tendo dois tipos de ensinos: uma para o povo, e o outro para as camadas
burguesas e aristocráticas. A relação entre esses dois fenômenos é que eles foram a manifestação
de uma tendência geral ao enclausuramento, que levava a distinguir o que estava confundindo, e
a separar o que estava apenas distinguido. Isso resultou nas sociedades igualitárias modernas
que substituía as promiscuidades das antigas hierarquias
Foi necessária a pressão dos educadores para separar o escolar do adulto boêmio (ambos
herdeiros de um tempo em que a elegância de atitude e de linguagem era reservada ao adulto
cortês), já que, nos séculos XVI e XVII, os contemporâneos situavam os escolares no mesmo
mundo picaresco dos soldados, criados e mendigos. Uma nova noção moral deveria distinguir a
criança escolar, e separá-la: a noção da criança bem educada (século XVII). A criança bem
educada seria preservada das rudezas e da imoralidade, que se tornariam traços específicos das
camadas populares e dos moleques. Na frança a criança bem educada seria o pequeno-burguês;
na Inglaterra, gentleman – tipo social desconhecido antes do século XIX.
Os hábitos das classes do século XIX foram impostos às crianças, primeiramente como conceitos
sem os viveram concretamente. Esses hábitos no princípio foram hábitos infantis, os hábitos das
crianças bem educadas, antes de se tornarem os hábitos da elite desse século e, pouco a pouco,
do homem moderno, qualquer que seja sua condição social. a antiga turbulência medieval hoje é
a marca dos meleques, dos desordeiros, últimos herdeiros dos antigos vagabundos, dos
mendigos, dos “fora-da-lei”, dos escolares do século XVI e início do século XVII.
*Obs. : Estão faltando duas partes do trabalho do grupo que serão colocadas separadamente
Postado por Mateus Pereira às 23:33
Num outro momento, Aries descreve algumas passagens de um relato sobre a educação de Luís
XIII, no século XVII. Na sociedade medieval, não existia o sentimento ou a consciência da
particularidade da infância. Assim que podia viver sozinha, a criança ingressava na sociedade
dos adultos e não se distinguia deles.
Já o livro de Gilberto Freyre, casa-grande e senzala, abrigava uma rotina comandada pelo senhor
de engenho, cuja estabilidade patriarcal estava apoiada no açúcar e no escravo. O suor do negro
ajudava a dar aos alicerces da casa-grande sua consistência quase de fortaleza. Sob seu teto
viviam os filhos, o capelão e as mulheres, que fundamentariam a colonização portuguesa no
Brasil. Embora diretamente associada ao engenho de cana e ao patriarcalismo nortista, a casa-
grande não era exclusiva dos senhores de engenho. Podia ser encontrada na paisagem do sul
do país, nas plantações de café, como uma característica da cultura escravocrata e latifundiária
do Brasil.
Os negros, muitos agora, libertos pela alforria, pela revolta ou pelas fugas, unidos nos quilombos,
lutavam pelo fim da escravidão. Aliavam-se aos ideais libertários os filhos de poderosos senhores
de engenho que se tornavam abolicionistas por motivos econômicos, humanitários ou,
simplesmente, pelo apego que tinham às suas mães de leite. O negro livre deixou as fazendas
e os engenhos e foi inchar as periferias das cidades.
Infância: Ariés mostra o conceito ou a ideia de que se tem da infância, que foi sendo formado ao
longo dos séculos, e que durante muito tempo a criança foi vista como um ser adulto em
miniatura, que não se desenvolvia e não possuía características e desejos próprios.
O sentimento da infância teria surgido apenas na Modernidade. A criança seria vista como
substituível, como um ser produtivo que seria útil para a sociedade, pois a partir dos sete anos
de idade era inserida na vida adulta e tornava-se útil e presente na economia familiar, realizava
tarefas, igual aos seus pais, acompanhava- os em seus ofícios, e cumpria, então, seu papel
perante a sociedade.
Ariés relata a história de que as crianças eram tratadas verdadeiramente como adultos, tinham a
mesma maneira de vestir-se e participavam de reuniões e festas. Os adultos falavam coisas
impróprias para as crianças, faziam brincadeiras grosseiras e também conversavam sobre
vulgaridades. Todo e qualquer tipo de assunto era debatido na frente dos pequenos que, até
mesmo participavam de jogos sexuais. Tudo isso ocorria porque não acreditavam que houvesse
diferenças nas características entre adultos e crianças.
Primeira idade: de 0 a 7 anos. Chamada de Enfant que significa não-falante, pois nessa a idade a
pessoa não fala bem e ainda não forma as palavras claramente, que pode ser analisada também
pela palavra Infância, ou seja, do latim “in-fale”, que tem o mesmo significado.
Escola: A escola se tornou no início dos tempos modernos um meio de isolar e separar as
crianças (que estavam no período de formação moral e intelectual) dos adultos. Na Idade Média
as idades eram misturadas e inseridas num ambiente que não era favorável para aprendizagem.
Crianças e adultos, de 6 a 20 anos ou até mais, eram juntados num mesmo local, aonde havia
um mestre que os ensinava. A indiferença pela diferença das idades dentro da sala passava
despercebida porque o que importava e estava em vigor era a matéria dada e não a preocupação
com a idade das pessoas. As aulas não tinham lugar fixo para serem realizadas, aconteciam nas
salas e também em outros lugares, como na rua ou dentro da Igreja. Assim que a criança entrava
para a escola, já era passada para o mundo adulto.
Essa mudança mostrou-se sensível em relação às diferenças das idades. Os alunos mais novos
de gramática foram os primeiros a serem distinguidos, que se estendia até os maiores, que eram
alunos de lógica e física, e ainda sim os pequenos estudantes não eram distinguidos como
adultos.
O colégio sofreu alterações, primeiro ele era um meio de um pelo qual o jovem clérigo
conseguiria uma vida honesta, e depois passou a condição imprescindível para uma boa
educação, mesmo que fosse leiga.
No início do século XV, começou a ocorrer a divisão da população em grupos que tinham a
mesma capacidade, e mais tarde passou a ter um professor especial para cada um desses grupos.
Do meio para o final do século XVII e século XVIII a política escolar passou a extinguir as
crianças muito pequenas, tendo a precocidade de certas infâncias como algo aceitável. “A
repugnância pela precocidade marca a primeira brecha aberta na indiferença das idades dos
jovens”, implicando em um sentimento novo que distinguia uma primeira infância de uma
infância propriamente escolástica. Isto é, as crianças de 10 anos eram mantidas fora do colégio.
Família: Cumpria uma função que era manter a transmissão da vida, dos bens e dos nomes,
porém sem muita sensibilidade. Os mitos como, por exemplo, o amor cortês, ignoravam o
casamento, enquanto as realidades como a aprendizagem das crianças enfraqueciam os laços
afetivos entre os pais e seus filhos.
Postado por Mateus Pereira às 13:52 0 comentários