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A Megera Domada

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A Megera Domada

Adaptação de Marco Haurelio

Personagens
Narrador/Narradores
Batista – rico gentil-homem de Pádua.
Vicêncio – velho gentil-homem de Pisa.
Lucêncio – filho de Vicêncio, apaixonado de Bianca.
Petrúquio – pretendente de Catarina.
Grêmio
Hortêncio
Trânio
Biondello
Grúmio
Curtis
Um professor > preparado para fazer o papel de Vicêncio.
Catarina – a megera
Bianca
Viúva
Alfaiate,Padre, logista e criados a serviço de Batista e de Petrucchio.
Narrador/Narradores Entre estes pretendentes
Vou contar uma história Um certo Hortensio havia.
Há muito tempo passada, Ele adorava Bianca,
Na época em que a Itália Porém, no fundo sabia,
Não estava unificada Que Catarina jamais
Vivia na rica Pádua Um homem desposaria.
Uma família abastada.
Estando Hortensio em casa,
Ali, Batista Minola Um cavalheiro bateu.
Era um tico mercador, Hortensio foi atende-lo
Pai da bela Catarina, E logo o reconheceu —
De semblante encantadot, Era o fidalgo Petrúquio,
Porém de um gênio terrível Um antigo amigo seu.
Que a todos causava horror.
Tendo morrido seu pai,
Também Batista era pai Pretúquio, sem mais demora,
De uma joia da Natura: Deixou a velha Verona,
Era a caçula Bianca A cidade em que ele mora,
Um anjo de formosura, E com o criado Grúmio
Que a todo mundo encantava Seguiu pelo mundo afora.
Pela beleza e candura.
Herdando grande fortuna
Tinha muitos pretendentes
Viu que chegara o momento
A mão da bela menina,
De encontrar um belo par
Porém o pai, que queria
Para unir-se em casamento.
Mudar a triste rotina,
Hortensio então lhe falou,
Disse que só a casaria
Como por divertimento:
Se casasse Caterina.

Assim, a pobre Bianca Hortensio


Ficava sem opção, – Petrúquio, conheço uma moça bonita e ilustrada,
Pois sua irmã Caterina Mas é a pior megera que na terra foi gerada.
Tinha um gênio de dragão, Conquanto que seja rica, dos homens vive afastada.
Que afastava qualquer um
Que almejasse sua mão. Petrúquio
– Hortensio, contanto que seja bela,
Enquanto isso, Bianca Haverei de desposar essa mimosa donzela,
Via sempre os pretendentes, Sem dar qualquer atenção ao menor defeito dela.
Que ao seu pai, dia após dia,
Suplicavam insistentes. Hortensio
Mas a decisão do velho – Ela é filha do bom mercador Batista.
Os deixava descontentes. Vou consigo a casa dele, disfarçado como artista.
Pois é a bela Bianca, quem me inebria a vista.
Com frases duras, dizia: – Como professor de música, você vai me apresentar.
— Podem se desenganar, Como estarei disfarçado, ninguém vai desconfiar.
Pois enquanto Catarina – Ficando a sós com Bianca, eu garanto a
Nenhum homem desposar, conquistar.
Bianca, por ser mais nova,
Também não pode casar.
Narrador/Narradores Batista
Assim seguiram os amigos, Pra casa do mercador. – Meu filho, desejo-lhe boa sorte.
Hortensio já imaginava, O quadro desolador Para enfrentar Catarina cabra tem de ser forte.
Que Catarina faria se alguém falasse de amor. – Pois quem a conhece sabe, ela é pior que a morte.
Iam outros pretendentes, além do senhor Petrúquio
Hortensio, O velho fidalgo Grêmio – Já estou nesta vida acostumado.
E o estudante Lucêncio, Às montanhas que nem mesmo o vento tem abalado.
Filho de um rico senhor Que se chamava Vicêncio.
Como professor de línguas, Lucêncio foi disfarçado; Narrador/Narradores
Para assumir o seu nome, Deixou Trânio, seu criado, Olhou para o lado e viu Hortensio desfigurado.
Para despistar Batista, e não ser incomodado.
Batista
Mas voltemos a falar de nosso protagonista – Senhor, por que tanta palidez?
Petrúquio, que já estava na presença de Batista
Passando as credenciais ao grande capitalista. Hortensio
– É medo! Viu o que sua filha fez?
Petrúquio
– Senhor, em sua presença honrosa, Arrebentou-me a cabeça, quase morro desta vez.
Sabendo que o senhor tem uma filha graciosa, – Ao dizer-lhe que nas notas ela havia se enganado,
Venho como pretendente a esta joia preciosa. Catarina me chamou de cretino abestalhado.
– Sei que sua filha tem grande afabilidade. – E o meu violão ficou na cabeça atravessado.
Dizem que tem na modéstia sua melhor qualidade. – Chamou-me de tanto nome, que nem ouso repetir.
É uma caixa de pureza, de doçura e de bondade. Só peço a Deus que ninguém seja obrigado a ouvir
– À sua presença trago, este meu nobre criado: – As injúrias que esta moça usou para me atingir.
Seu nome é Lício e é um mantuano afamado;
– Como professor de música, é o ele o mais Batista
respeitado. – Bom Lício, não queira desanimar.
À minha filha caçula você irá ensinar.
Narrador/Narradores
– Pois é educada e tem tendência para estudar.
Esse Lício, na verdade, não era outro senão
Hortensio, seu bom amigo, que na mesma ocasião, [para Petrúquio]
Apresentou-se a Batista munido dum violão. – Quer que chame minha filha?

Batista então lhe mandou a Catarina ensinar. Petrúquio


Hortensio foi noutra sala a bela dama encontrar, – Será uma maravilha, eu e Catarina agora,
Deixando o amigo Petrúquio com Batista a conversar. Vamos dançar a quadrilha.
– Mas se ela me ofender, não demonstrarei espanto:
Batista
Suas ofensas serão do rouxinol doce canto.
– Petrúquio, admiro-lhe a coragem,
Porém, vindo de tão longe, você perdeu a viagem. – Direi que ela tem da rosa, odor, beleza e encanto.
– Pois minha filha possui uma natureza selvagem.
Narrador/Narradores
Petrúquio Naquele exato momento Catarina foi chamada.
– Meu senhor, sua filha é orgulhosa?
– Saiba que eu sou mais teimoso, do que a mula Petrúquio
mais teimosa. – Me deixem a sós com a minha amada.
– E saberei ser enérgico enquanto ela for nervosa.
– Porque quando o vento é brando, Narrador/Narradores
Soprando constantemente, acende mais a fogueira, Nisso, a moça entrou na sala, com a expressão enfezada.
– Porém será diferente com um furacão,
Porque o apaga rapidamente.
Petrúquio Petrúquio
– Bom dia Catita – Catita, serei forçado a esse ferrão arrancar.

Catarina Catarina
– Os seus ouvidos são meio duros, senhor. – Experimente, imbecil, a mão em mim encostar.

Petrúquio
Petrúquio
– Catita, sou cavalheiro cujo defeito é amar.
– Que nada! Eu escuto bem – Você é minha
Catita. Catarina
– De quem sempre ouvi falar que é cordata e bonita. – Vilão, vou testar, esta qualidade rara.
– É por minha futura esposa por quem meu peito [Dizendo isto, vibrou-lhe um grande tapa na cara.]
se agita.
Petrúquio
Catarina – [gritou] Cuidado! Ou apanhará de vara.
– Vou fazê-lo se agitar, cão sarnento, condenado!
– Vejo ali um tamborete, um móvel apropriado, Catarina
– Para arrebentar-lhe o quengo, e, assim, deixá- – Você não é cavalheiro, é um bobo embrutecido!
lo agitado. Galo de fala fanhosa, camponês aborrecido!

Petrúquio Petrúquio
– Tamborete? – Catita então é a galinha que me terá por marido.
Ah, sim, venha se assentar depressinha no meu
Catarina
colo.
– Condenado de uma figa, melhor olhar no espelho!
Você está bem acabado, portanto aceite um conselho:
Catarina – Ponha-se da porta afora, se não quiser levar relho!
– Vai se danar!
Os burros também são feitos para os outros Petrúquio
carregar. – Catita, não vou embora, pois agora descobri...
– Vai embora, casca-grossa, matuto, mal-amanhado! Que eram mentiras puras os fuxicos que eu ouvi.
– Tipo vil, estropiado! – Catita é uma grande dama, por isso eu a escolhi.
Gavião do bico sujo, vai roubar noutro Diziam que era irritada, no entanto, é tão bondosa,
cercado! – Não sabe morder o lábio como a moça geniosa;
Tem da amêndoa o sabor, da noz a cor preciosa.
Petrúquio
– Caminha que eu quero ver a minha Catita andando.
– Você é a pomba que cai nas garras do gavião.
Catarina
Catarina – Vai dar ordem aos teus servos, idiota miserando!
– Oh que humilhação, escutar esse infeliz fazer
tal comparação. Petrúquio
– Catita é ainda mais bela, quando está me elogiando.
Petrúquio
– Então, és uma abelhinha, oh minha Catita Narrador/Narradores
amada. Naquilo vinha chegando Batista o pai da donzela.

Batista
Catarina
– [para Petrúquio] Como vai indo com ela?
– Se sou abelha vilão, estou bastante irritada.
– Cuidado com o meu ferrão, que tem a ponta
Petrúquio
afiada!
– Muito bem; é tão boa quanto bela.
Batista Narrador/Narradores
– Minha filha, inda está de mau humor? Afinal chegou domingo, a data mais que aguardada,
E Catarina, a megera, só esperava a chegada do noivo,
Pois se sentia com o seu atraso afrontada.
Catarina
– Pai, não me chame de filha, pois a mim não Catarina
tem amor; – Eu me encontro nesse lugar coagida.
Querendo me casar com um louco blasfemador. Para viver com um louco o resto da minha vida.
– Isto é, se ele vier – Oh! Sorte desmerecida!
Petrúquio
– Meu sogro, hoje estou muito contente, Narrador/Narradores
É por política apenas que Catita é maldizente. Os convidados diziam: – Paciência, Catarina...
Porém a moça chorava, maldizendo sua sina,
– Tem a modéstia da pomba e nunca fica Já não parecia mais a megera tão ferina.
insolente.
– E já que ela não tem esse mau temperamento, Nisto Petrúquio chegava mais de uma hora atrasado,
Com uma calça rasgada, um cordão dependurado,
Conclamo os que aqui estão, pra anunciar o Uma espada enferrujada, que tinha o punho quebrado.
momento:
– Que no próximo domingo será nosso O cavalo em que ele veio tinha tanta infecção,
casamento. Vermes e icterícia e um odor de podridão,
Que os urubus, quando o viam, vinham logo em procissão
Quando ele chegou de longe, já sentia o pintuim.
Catarina
– Prefiro vê-lo antes enforcado. Batista
– Foi muito melhor assim. Se esse traste não viesse,
Petrúquio A coisa estaria ruim.
– Senhores, isto é o que foi combinado, para que
ninguém dissesse que o casório é arranjado. Narrador/Narradores
– Vou a Veneza comprar o necessário enxoval. Também seu criado Grúmio vinha mal paramentado,
Que parecia um duende de gente fantasiado,
Meu sogro faça os convites, chame a todos, afinal, E nunca um pajem cristão de um fidalgo afamado.
– Esta data para mim é mais do que especial. Batista, vendo Petrúquio em estado tão precário;

Narrador/Narradores Batista
Quando Petrúquio saiu, instalou-se a confusão, – Vamos, filho, agora mudar esse vestuário...
Pois os outros pretendentes, já cobiçavam a mão
Da meiga jovem Bianca nessa mesma ocasião.
Batista propôs então cada um apresentar
Petrúquio
Um dote com que pudesse sua filha comtemplar. – Qual nada! Isto não é necessário.
Grêmio lhe prometeu tanto que é escusado narrar. Na verdade, meu bom sogro, irei do jeito que estou.
– Não foi com a minha roupa que Catarina noivou.
Mas Trânio (o falso Lucêncio) Lhe prometeu muito mais Portanto, não vou muda-la, pois insensato não sou.
Em terras, ouros, navios, incontáveis cabedais –
Dessa forma, o velho Grêmio foi passado para trás.
Narrador/Narradores
Porém Batista pediu-lhe que trouxesse a garantia E assim foi para a igreja, para se unir em matrimônio
Dada pelo pai Vicêncio, que em Pisa residia, Com Catarina Minola da beleza patrimônio.
E o criado de Lucêncio assim entrou numa fria. Petrúquio, quando chegou, tropeçou em Santo Antonio.

E o verdadeiro Lucêncio, em professor disfarçado, Deu um bofete em São Roque, um chute em São Benedito,
Ia ensinar Bianca, mas sempre era perturbado Um cascudo em São Cristóvão.
Por Hortensio, que já tinha de Catarina apanhado. O padre deu um grito:

E assim ficavam eles em tormentosa querela, Padre


Dispunham palmo a palmo a atenção da donzela – Meu filho, esta casa é santa, deixe de modo
E era por Lucêncio que batia o coração dela. esquisito!
Narrador/Narradores Catarina
O moço seguiu então pra se unir em sacramento. – Vá o senhor, se quiser, porque sairei daqui,
Foi quando o padre indagou, naquele feliz momento, Só quando me convier.
Se Petrúquio aceitaria Catarina em casamento.
Petrúquio
Petrúquio
– [sorrindo] Vamos para a casa, mulher
– Claro que eu aceito, padre. Mas que pergunta do
cão! – [para o criado] Grúmio, saque a sua espada,
Pois ao meu lado Catita não deverá temer nada,
Narrador/Narradores – Porque serei seu escudo contra essa corja
O vigário, ouvindo aquilo, quase perdia a razão, malvada.
E de suas mãos caiu o santo livro no chão.
Narrador/Narradores
Petrúquio Não querendo se arriscar, Catarina o acompanhou.
– Essa peste encheu a cara de pinga! Do banquete formidável nenhum pedaço provou
Sem dizer uma palavra no seu cavalo montou.
Narrador/Narradores
E Petrúquio deu-lhe um tapa aprumado bem no meio da Petrúquio montou com ela e seguiram pela estrada.
moringa, Algumas léguas à frente, Catarina, já cansada,
Que o padre caiu de quatro, pois não tinha muita ginga. Na beira de uma colina, foi ao chão arremessada.
Do vinho da cerimônia o noivo encheu a caneca,
Dizem que o tal azar quando chega, ninguém chama:
Petrúquio Catarina foi cair dentro da poça de lama.
– Ô vinho ruim da gota! Petrúquio, vendo o desastre, mais a cólera o inflama.
Também caiu o cavalo em cima dela sentado.
Narrador/Narradores Petrúquio deu um cascudo na cabeça do criado.
E quase levando à breca, jogou-o no sacristão, Catarina suplicava vendo o esposo zangado.
Bem no meio da careca.
Depois disto, ele agarrou a noiva pelo gargalo, Petrúquio
E deu-lhe um beijo na boca, com escandaloso estalo – Segue na frente, vilão, e avisa a criadagem
Que a nobreza envergonhada se recusava a olhá-lo. Pra fazer a refeição, pois o cavalo fugiu
Terminada a cerimônia, os convidados saíram E nós ficamos na mão.
E na mansão de Batista mais tarde se reuniram; Narrador/Narradores
Por incrível que pareça, outro vexame assistiram. Em sua casa de campo Petrúquio chegou zangado,
Mesmo com a mesa posta, Petrúquio não quis ficar Acompanhado da esposa com um semblante assustado.
E as ricas iguarias não quis experimentar. O moço, quando viu Grúmio, perguntou sobressaltado:

Petrúquio
Petrúquio
– Onde está a criadagem?
– Amigos, me desculpem, mas não posso demorar.
Ninguém vem nos receber!
Eu agradeço de todos a honesta companhia,
– Mas com minha doce esposa seguirei por
Grúmio
outra via...
– Eu fiz tudo que o senhor mandou fazer.
Comam até se fartarem! Adeus e até outro dia.
Petrúquio
Catarina
– [berra] Palermas! Venham minha esposa ver!
– Meu senhor, eu lhe suplico que fique para o
Se não vierem agora, vou sapecar-lhes o
banquete.
ramo!
Petrúquio
Criados
– Eu não fico. Vamos para a nossa casa,
– [chegando] Pronto meu amo.
Que a todos depois me explico.
Petrúquio Narrador/Narradores
– Por que não vêm quando chamo? – Contudo, tinha um problema:
Trânio havia prometido apresentar a Batista
Narrador/Narradores Vicêncio, seu “pai” querido.
– Toda a criadagem estava adornada ricamente, – Até que um dia ele viu o seu caso resolvido.
Porém gritou Petrúquio: Um pedagogo de Mântua estava ali de passagem.
– Então Trânio se valeu duma grande traquinagem,
Petrúquio
Ao lado de Biondelo, que de Lucêncio era pajem.
– Quem foi o asno insolente que vestiu estes
patifes com roupas de indigente? – Pois assim que Trânio soube do pedagogo a origem,
– [ordenando] Traga logo a nossa janta! Mostrou preocupação, até sentiu uma vertigem,
– Rezou pra São Nicolau, rogou o auxílio da Virgem.
Narrador/Narradores
– Este foi para a cozinha, trouxe um prato
Trânio
avantajado.
– [para o pedagogo] Que fazes neste lugar?
Petrúquio Porque o duque de Pádua pode mandá-lo
– Não serve, o carneiro está queimado. enforcar, por causa duma lei dura que ele fez
proclamar.
Narrador/Narradores
– E os pedaços de carne saíram dali voando. Narrador/Narradores
Catarina, agoniada, com o estômago roncando, – O velho desesperado não sabia o que fazer,
– Viu aquele bom petisco os cachorros devorando. Mas Trânio, muito matreiro, prometeu-lhe socorrer
Mas tarde foram deitar, mas também não – Desde que o dito fizesse o que ele iria dizer.
houve jeito, O velho concordou logo, temendo ser enforcado.
– Pois Petrúquio não parava de escarafunchar o – E o pedagogo foi a Batista apresentado
leito; Como se fosse Vicêncio, que ali havia chegado.
E em qualquer detalhe mínimo ele enxergava – Enquanto isso, Biondelo foi a Lucêncio avisar,
defeito. Que procurasse um padre que pudesse celebrar
– Catarina, coitadinha, passou a noite acordada. – Sua união com Bianca, sem ninguém incomodar.
Da moça tão orgulhosa não restava quase nada.
– Mais tarde iremos saber se a megera foi domada. Deixemos Trânio e o velho engambelando
Vamos deixar Catarina para Bianca falar, Batista,
– E assim sabermos com quem a mocinha vai – E voltemos a falar no casal protagonista,
casar, Para saber se Catarina mudou seu ponto de vista.
Já que Hortensio e Trânio estão a lhe espreitar.
– Mas o coração da bela só por Lucêncio batia. – A moça com tanta fome já estava com delírio,
O seu rosto, antes corado, tinha a palidez do lírio.
Quando os dois se aperceberam que a moça
– Mas alguém trouxe comida pra pôr fim ao seu
não os queria,
martírio.
Um exclamou para o outro:
– Era Petrúquio que vinha com o prato de comida.
Hortensio e Trânio Ao ver a mulher calada, foi dizendo:
– Oh! Que grande zombaria!
Petrúquio
Narrador/Narradores – Minha vida, não vai comer, pois se mostra muito
– Mas Trânio só estava ali a mando do seu patrão mal agradecida.
Para distrair Batista e evitar complicação,
– Cortejando, assim, Bianca, sem haver Catarina
intromissão. – Muito obrigada, senhor!
Narrador/Narradores Petrúquio
– Hortensio, que ali se achava, ainda estava descrente, – Não sejamos imprudentes, doravante vestiremos
Pois era quase uma pomba quem antes fora serpente. Trajes simples e descentes.
– Assim que ela terminou, Petrúquio disse: – E ninguém achará ruim – todos ficarão contentes.
Petrúquio Narrador/Narradores
– Catita, se prepare porque nós faremos uma visita, – E disse à parte a Hortensio:
A sua família em Pádua – E a quero bem bonita. Que ao alfaiate pagasse e o motivo da querela,
– Outra hora lhe explicasse.
Narrador/Narradores
Hortensio, com muita calma, logo pôs fim ao impasse.
– E naquele mesmo instante, mandou entrar um
– Tomando o rumo de Pádua todos já estavam fora.
mascate,
– E, acompanhado deste, também veio um Petrúquio
alfaiate. – Olha a lua como brilha nesta hora.
– Agora vai ter início mais um grande disparate.
Catarina
– Um gorro para a mulher Petrúquio encomendou. – É o sol, pois não há luar agora.
Quando o mascote o trouxe e ao fidalgo mostrou,
– Este, fingindo irritado, por esta forma falou: Narrador/Narradores
– Como ela não sustentasse que aquilo era o luar,
Petrúquio Petrúquio disse aos criados que deviam retornar.
– Que coisa mais esquisita, moldada numa gamela! – Aí Hortensio interveio, vendo a coisa piorar.
– Tire já isto daqui, que pra mim é esparrela.
– Minha esposa não o quer – Isto não serve pra ela. Catarina
– Marido, vamos em frente, também penso que a
Narrador/Narradores lua agora nos ilumina.
– Catarina refugou, achando o gorro bonito, – É o que quiser que seja: Lua, sol ou lamparina.
Mas Petrúquio não cedeu:
Narrador/Narradores
Petrúquio – Foram seguindo adiante quando avistaram um idoso.
– Eu não admito ver minha mulher amada com – Petrúquio se dirigiu a ele num tom chsitoso:
esse troço esquisito.
Petrúquio
– Oh! Que senhora bonita!
Narrador/Narradores
Oh! Que porte majestoso!
– O pobre alfaiate então mostrou um belo
vestido.
Narrador/Narradores
Petrúquio assim que o viu, com o olhar
– Catarina, amedrontada, disse:
aborrecido:
Catarina
Petrúquio
– Que virgem viçosa! É uma rosa em botão
– O que é isto meu Deus?!
Esta donzela formosa. Felizes os pais que têm
De minha razão duvido.
Uma filha tão vistosa.
– Vai para o diabo, alfaiate! Com essa patifaria!
Petrúquio
Narrador/Narradores
– O que dizes tu, Catita? Pois o que vejo ao meu
– Mas Catarina lhe disse, já mostrando simpatia:
lado não é donzela nenhuma:
– É um ancião enrugado, carcomido pelos anos
Catarina
Definhado e descarnado.
– Um vestido belo assim há muito tempo eu não
via.
Narrador/Narradores Narrador/Narradores
– Este velho era Vicêncio, que rumo a Pádua – A confusão aumentava e naquele vuco-vuco,
seguia, Batista disse a Vicêncio:
Ia visitar seu filho Lucêncio no mesmo dia
– Em que, por azar, foi vítima da infame zombaria. Batista
– Sai pra lá, velho caduco. Devia estar na prisão.
Vicêncio Prendam logo este maluco!
– Senhor, e minha alegre senhora,
Eu sou Vicêncio de Pisa e estou seguindo agora Narrador/Narradores
– Para Pádua onde Lucêncio, meu amado filho mora. – Quando queriam levar o velho para a prisão,
Bianca e o jovem Lucêncio apontavam no portão,
Petrúquio – Esclarecendo-se assim a terrível confusão.
– Um feliz acaso quer que sigamos todos juntos, Quando Trânio e Biondelo viram seu amo voltar
Se ao senhor convier. Seu filho desposará – Saíram em disparada, com receio de apanhar,
A irmã da minha mulher. Que nem um coelho veloz os poderia alcançar.
– O pedagogo saiu numa louca correria.
Narrador/Narradores Quando Lucêncio chegou, seu pai, com muita
– Mas quando em Pádua chegaram, deu-se alegria.
enorme confusão, – Acabou por perdoar aquela velhacaria.
Pois Lucêncio, aproveitando a melhor ocasião, Envergonhado, Batista também não quis botar
– Foi casar-se com Bianca, a sua grande paixão. banca,
Lá na casa de Lucêncio se encontrava o – E perdoou sua filha, mostrando ter a alma franca,
pedagogo, Abençoando a união de Lucêncio com Bianca.
– Que, obrigado por Trânio, fazia parte do jogo. – E Hortensio, rejeitado por Bianca, se arrumou
Quando Vicêncio chegou a coisa então pegou Com uma rica viúva, que foi quem o consolou,
fogo. – Quando a moça por Lucêncio o seu amor
– O velho chamou Lucêncio, mas foi Trânio que demonstrou.
atendeu; – A festa de casamento estava muito animada,
Na maior cara-de-pau, disse: Mas a viúva de Hortensio, estando um pouco
– Lucêncio sou eu. exaltada,
Quando ele disse aquilo, o velhote enlouqueceu: – Foi Provocar Catarina para vê-la aperreada.
Quando os outros convidados entraram na
Vicêncio discussão,
– Lucêncio o quê, condenado? – Bianca se levantou e, com muita discrição,
Você é meu servo Trânio. Que acompanha o Com Catarina e viúva, foi para um outro salão.
meu filho, e é dele conterrâneo. – Saindo elas, os homens seguiam com sua prosa
Uma discussão acerca da mulher mais geniosa
Narrador/Narradores – Achavam que Catarina era a menos amistosa.
– Biondelo entrou no meio, tomou um coque no Depois de muita conversa, os três esposos
crânio. presentes
– Nisto, surge o pedagogo que, já se achando em – Apostaram cem coroas sobre as mulheres
sufoco; ausentes – Petrúquio fez a proposta aos dois outros
oponentes.
Vicêncio – Cada um apostador sua esposa chamaria.
– Vilão, impostor, não passas de um asno louco! A que não comparecesse, o marido perderia.
Porque Vicêncio sou eu; fora daqui, pato rouco! – Lucêncio a Biondelo expôs o que ele queria.
Narrador/Narradores Catarina
– Biondelo foi chamá-la, Bianca não o atendeu; – É uma seara estéril, que não produzirá nada
Quando o criado voltou, Lucêncio E nunca por seu marido merecerá ser amada.
empalideceu. – Quem se mostrar orgulhosa colherá somente a dor.
– A viúva de Hortensio também não compareceu. A mão que conduz a lança deve portar uma flor
– Pra que se possa pagar o tributo do amor.
Petrúquio
– Hortensio, sua mulher não é boa! Narrador/Narradores
[ordena a Grúmio] – Petrúquio então a chamou e ali os dois se
– Vá buscar sua patroa. Diga a ela que a chamo beijaram.
Não dê viagem à toa. Os que ali se encontravam admirados ficaram.
– E eles durante a vida do amor compartilharam.
Narrador/Narradores Esta comédia nasceu do gênio de um inglês.
– Catarina veio logo dizendo: – Há muito tempo eu a li e agora chegou a vez
De recontá-la em versos e a oferece-la a vocês.
Catarina
– Pronto, marido. – Meus bons amigos, agora
– Eu devo me despedir.
Petrúquio – Graças a sua atenção,
– Catita, quero fazer-lhe um pedido traga-me as – Em frente posso seguir
outras mulheres, sem grito nem alarido. – Riscando do meu caderno
– A palavra desistir
Narrador/Narradores
– Quando Catarina veio houve um espanto geral. – Desanimar é bobagem,
– O Petrúquio é a prova.
Lucêncio – Mesmo quando a circunstância
– É milagre! A mudança foi total. – A sua ideia reprova,
– Desistindo, não se chega
– A uma consciência nova.
Hortensio
– Petrúquio ganhou a aposta afinal.
fim
Narrador/Narradores
– Retornando Catarina as outras duas trazia.
A viúva resmungou:
– Meu Deus, não permita um dia que venha a ser
tão servil quanto esta esposa vazia.
– Bianca exclamou também:
A minha irmã está louca!
– Mas Catarina falou:

Catarina
– Vocês têm vergonha pouca.
Desarmem suas carrancas, escutem e calem a boca.
– Uma mulher irritada é igual um furacão,
Que destrói a formosura de uma rosa em botão.
– Quem age de tal maneira não possui reputação.
Porque a mulher indócil, rebelde, mal-humorada,

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