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Dom Tihamer Toth - O Moço Educado

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DOM TIHAMER TOTH

O MôÇO EDUCADO

I
1 960
EDITORA VOZES LIMITADA
PETRúPOLIS, Rj.

http://alexandriacatolica.blogspot.com.br
I J\l P R I M A T U R
POR COMI SSÃO ESPECIAL DO EXMO.
E REVMO. SR. DOM MANOEL PEDRO
DA CUNHA CINTRA, BISPO DE PE­
TRóPOLIS. FREI Df.SIDaRIO KALVER­
KAMP, O. F. M. PETRóPOLIS, 21-XI J-1959.

O direito de tradução dêste livro .pertence à Congrega­


ção do Sagrado Coração de Jesus e foi cedido temporària­
mente à EDITORA VOZES LTOA.

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS


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A QUEM A PALAVRA?

Era em Ain-Karim, nas montanhas da Judéia. Uma


·Criança acabava de nascer. Reunidos em tôrno do ber­
ço, os pais e os vizinhos discutiam não só acêrca do
seu nome, como também sôbre o futuro que o aguarda­
va, pois as circunstâncias extraordinárias que haviam
cercado a sua vinda a êste mundo provavam que a mão
de Deus estava sôbre êle. "Quis puer iste erit?", per­
guntavam. "Quem será êste menino?"
A mesma pergunta se faz em tôrno de cada berço.
Fizeram-na também junto ao teu, meu filho. Sôbre ti,
igualmente, pousou a mão de Deus. t:.le chamou-te à
vida ; ao teu corpo juntou uma alma imortal, criada à
sua imagem ; concedeu-te dons de inteligência, de co­
ração e de vontade; .colocou-te numa família, num meio,
numa nação, que t:.Ie escolheu para ti ; pelo batismo
fêz-te seu filho e entregou-te um capital de virtudes
sobrenaturais para que o frutifiques.
Mas deu-te j untamente a liberdade de usar a teu
arbítrio todos êsses bens. Suposto êsse -contributo di­
vino, quem serás? quem já és?
Serás um adolescente, um homem honesto e vir­
tuoso, um bom cidadão e um bom cristão? ou serás uma
dessas plantas loucas que não aceitam nenhuma cultu­
ra, nenhuma direção, e que ocupam inutilmente a terra,
quando não lhe causam devastações?
Quando se tratar de escolher uma carreira, que
trilha seguirás ? Farás honra à tua profissão? Ou

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n ão passarás de um dêsses frutos pecos cuja única
h abilidade é a preguiça?
Porém h á mais ! Ocupas lugar numa nação que
é a tua pátria, numa sociedade que se chama I greja
Católica. Não podes viver isolado. Ainda que o qui­
sesses, não o alcançarias. Tuas virtudes ou teus v ícios
trrão necessàriamente repercussão na vida da pátria
e na da Igreja.
Já é demasiado o n úmero de homens que, por
s uas idéias falsas e mau proceder, realizam obra de
morte nesses dois terrenos. Quem vencerá, o bem ou
o mal ? A quem pertence conduzir os destinos da pátria
e da Igreja? Ao preguiçoso, ao ignorante, ao transvia­
do, ao utopista, ao homem vicioso? Ou ao trabalhador,
ao homem instruído, ao espírito claro e reto, à alma no­
bre e generosa? A quem a palavra? Todos os espíritos
refletidos estão de acôrdo em afirmar que chegamos
hoje a uma das grandes curvas da história, onde im­
porta não nos enganarmos sôbre a direção que tomar.
No momento em que se trata de tomar decisão tão gra­
ve, tão prenhe de conseqüências, a quem a palavra?
Sem dúvida alguma, - responderás, - àqueles
que possuem a formação de espí rito e caráter, capaz
de manter e prosperar a pátria na trilha do bem, do
progresso, da justiça, da -caridade e da paz, e de asse­
gurar à Igreja o prosseguimento das suas pacíficas
conquistas.
Ora bem, meu filho, se queres ser um dêsses, lê
atentamente êste livro e procura realizar o que leres.
Pois foi para a tua formação, para a juventude que
é esperança da Igreja, que o escrevi.

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PARTE PRIMEIRA

O JOVEM B EM EDUCADO

"Tam Marte quam Mlnerva!"


Sê corajoso e prudente I Sê
forte, mas sem dureza I

"Qood e/olhes open ali doors".


O bom traje abre tOdas as
portas; assim também as
boas maneiras.

I. As boas maneiras.
A atitude do homem para com seu próximo, bem
como as relações sociais, são reguladas por certas
convenções exatamente determinadas. Essas conven­
ções sociais formaram-se no correr dos séculos, e n in­
guém tem o direito de subtrair-se a elas. Algumas de­
vem sua origem a motivos religiosos ; outras procedem
do desejo de salvaguardar o bom entendimento entre
os homens; e se, em aparência, elas só interessam à
apresentação exterior, muitas vêzes nos ajudam a obser­
var as leis essenciais da moral.
Estas considerações são razões suficientes para
observarmos conscienciosamente as regras da boa
educação.
As regras da cortesia outra coisa não são que
um convite à p rática da caridade; servem para esta­
belecer entre nós as relações ditadas pela sabedoria
e pela moderação. Bem entendido, elas só têm sentido

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se inspiradas pelo ·Coração, praticadas com sinceridade,
sem afetação nem exagêro, com facilidade tôda natural .
Essas convenções devem regular a nossa vida in­
teira : atitudes, relações, cartas, conversações, jogos,
distrações, refeições, trabalhos, comportamento para
com nossos pais e superiores, pa ra com as senhoras, etc.
Quem quisesse subtrair-se às convenções da poli­
dez, p rogressivamente estabelecidas no decurso de lon­
gos séculos, a si próprio tornaria impossível a vida no
seio duma sociedade civilizada. Por exemplo, se al­
guém quisesse acolher os seus convivas em traje de
dorm i r, i r à sociedade sem colarinho nem gravata, sai r
à rua de chinelos, tomá-lo-iam pelo menos por um
grosseirão ou maluco, e muita gente, com tôda a razão,
ficaria gravemente chocada.
Os inglêses e os americanos tomam, às vêzes, u m
pouco à ligeira a s regras das conveni ências. Conta-se
que um general americano, por ocasião duma audiência
d ada pelo Papa, abeirou-se do Santo Padre mui fami­
liarmente com u m "How do you do, Si r" , "Como
vai, Sr. ? " Essa · f alta de conveniência excede os l i­
mites, mesmo para um americano; m as nós outros
devemos observar muito mais estritamente ainda as
regras da polidez ; tôda negligência nos é vedada.
Como vês, meu filho, a presença ou a ausência
das maneiras cultivadas trai-se constantemente pelo
teu andar, pelo modo como te sentas, por tua conversa,
teus gestos, olhar, riso, por teu comportamento à mesa,
na rua, em sociedade, - até mesmo pelo trajar correto
e pelas mãos limpas.
Mas a observância das conveniências ainda não
é a educação perfeita. Sem o concurso da alma, tudo
i sso é mero verniz. A verdadeira cortesia só brota dum
caráter puro e dum coração cheio de bondade. Impossí­
vel apropriar-se dela por formas puramente exteriores.

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Se as conveniências não se associarem a um caráter
íntegro, as exterioridades da pol idez podem encobrir
até um espertalhão. Muitas vêzes, ai! uma alma cor­
rompida oculta-se por sob uma roupa elegante e bem
assentada; é o fel no açúcar, é o verme na maçã, tão
bela em aparência. E, se eu tivesse que escolher, certa­
mente preferiria sentar-me à mesa ao lado dum homem
de alma pura, mas que - h orribile dictu - levasse a
faca à bôca, a me sentar ao lado elo cavalheiro de ma­
neiras perfeitas, que come camarões .com elegância su­
prema, mas que não se constrange de subtrair somas
alheias.
Nada é mais verdadeiro elo que o provérbio : Be­
leza sem virtude é flor sem perfume. Contràriamente,
a mais singela concha pode esconder uma pérola, e o
minério mais grosseiro pode conter ouro.
Na realidade, podemos muito bem escapar à ne­
cessidade de escolher. Eu quisera ver em todos os jo­
vens não somente uma aln{ a honesta e um caráter de
boa têmpera, mas também as maneiras perfeitas dum
homem bem educado.

2. As conveniências e o caráter.

Em nossos dias, encontramos tantos pecados e


tanta desonestidade sob aparência de beleza, de elegân­
cia e distinção, que não raro se relaxam também nas
suas maneiras os jovens ajuizados que são testemunhas
disso. Entretanto, a culpa não é das regras da polidez
exterior, mas da alma vazia que se oculta por trás delas.
Entre as conveniências e o caráter, existe certa seme­
lhança efetiva. Se, por exemplo, alguém sabe vencer o
seu mau humor em atenção aos que o cercam, se é i n dul­
gente para com as faltas alheias, se p rocura ajudar o
seu próximo infeliz, - êle, não somente é polido, mas

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trabalha, ao mesmo passo, para o enobrecimento do
seu caráter. Um homem verdadeiramente cultivado e
cortês n ão se contenta com mostrar-se tal para com os
outros, mas continua o mesmo ainda quando n inguém
há para vê-lo, pois nêle as conveniências não são um
verniz aplicado exteriormente e a grande custo, mas
uma flor que brota no solo de seu caráter. Um rapaz
assim bem educado come asseadamente e sem ruído,
mesmo se está só à mesa; é incapaz de conservar o rosto
ou as mãos sujas, mesmo se passa as férias no campo ou
num acampamento de escoteiros, "onde ninguém o vê".
Stc..:nley, o grande explorador da África, conservou o
h ábito de barbear-se todos os dias, mesmo na solidão
das vastas florestas virgens onde, por longas semanas,
n ão encontrava um só ente civilizado. A si próprio êle
se honrava, com êsse simples pormenor de higiene.
As regras das conveniências i mpõem-se por uma
obrigação severa ; é proibido infringi-las. E está bem
assim. O homem - e o homem jovem com maioria de
razão - é egoísta por natureza e cheio de indulgên­
cia para consigo mesmo. O código das conveniências é
um excelente meio de lutar contra o embrutecimento
dos costumes e contra as exigências demasiado clamo­
rosas do "eu" egoísta em geral.
Depois disto, compreenderás por que é que um
rapaz deve apropriar-se das boas maneiras de modo
que faça delas uma segunda natureza, e compreende­
rás também que não se trata só das formas exteriores,
porém mais ainda da alma cultivada que as faz nascer.
Cuida, pois, de ser sempre amável e polido para com
teus pais, i rmãos e com teus amigos, professôres, conhe­
cidos, para com os simples operários, mesmo para com
teus inimigos, se os tens. Direi mais ainda : sê sempre
polido para contigo mesmo !

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3. O jovem polido.
As maneiras polidas, atenciosas e amáveis são
verdadeiro tesouro para um jovem, pois, além de reve­
l arem a cultura de sua alma, podem ter influência de­
cisiva sôbre a sua carreira, sôbre o seu acesso na vida.
Já no colégio, os meninos não gostam dos camaradas
mal educados ; mais tarde, a sociedade fechará suas
portas aos homens rudes e grosseims.
A polidez é, em ponto pequeno, o que o amor do
próximo, em ponto grande. E cumpre que se manifeste
em tôdas as minúcias da vida cotidiana, porque ela é o
óleo nas engrenagens da grande máquina social, e serve
para fazê-Ias funcionar sem atritos nem rangidos. Faz­
se necessária muita amabilidade e indulgência para com
os outros, e muita,1 renúncia a si mesmo. O parágrafo
59 da lei dos escoteiros diz que "o escoteiro é indul­
gente para com os outros e severo para consigo mesmo"
E' uma exigência razoabilíssima. O conde de Ches­
terfield indi·ca ao filho a regra essencial da cortesia
nestes têrmos mui pertinentes : "Comporta-te para com
os outros como quiseras que os outros se comportassem
para contigo : é o mais seguro meio de agradar que
conheço. Observa bem o que te agrada nos outros ;
isso provàvelmen te também lhes agradará em ti"
"Trato gentil,
Mão no boné,
- Nem um ceitil
Custa, e bom é"

E m tôda parte e sempr·e, a polidez é uma vanta­


gem. N ão custa nada, e com ela tudo se compra, dizia
Henrique IV. Onde quer que a sorte o coloque, o mô­
ço polido granjeará bem depressa tôdas as simpatias,
porquanto a polidez é língua universal que tôda gente
compreende. Jamais procures emancipar-te de alguma
regra das conveniências que te parece talvez estranha

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ou incômoda. A sociedade civilizada tem seu cód i go
próprio para regular suas relações ; quem quer perten­
cer-lhe deve, pois, obedecer aos preceitos, sem exceção.
Sucede, muitas vêzes, que um homem instruído e
bem dotado não pode fazer-se na vida porque suas
maneiras mal apuradas produzem efeito repulsivo. Êle
verá, com pena, como pessoas de talento mais medío­
cre, talvez, o p recederam por tôcla parte, porque sa­
bem tornar-se agradáveis por suas maneiras perfeitas.
Não raro a nossa sorte tôda depende das nossas manei­
ras. Compreende-me bem, meu filho : n ão quero que os
nossos jovens sejam cavalheirinhos b runidos e perfu­
m ados à última moda, lacaios humildes e cabeças va­
zias que só sabem lisonjear; - longe de mim esta
idéia. Mas também n ão quero que êles se pareçam
com filhos de ciganos mal lavados, o u com labregos
rústkos e gritalhões. Meu ideal está ent re os dois ti­
pos : a juventude amável, previdente, instruída, modes­
ta, religiosa, rica de fôrça vital e de polidez.
Seja qual fôr a carreira que escolheres, em tôcia
parte estarás em relação constante com grande número
de homens e senhoras, e é tarefa mais d ifícil que fáci l
apropriar-se das regras impostas por tôdas as relações
sociais. Naturalmente, é grande van tagem o ensejo de
travar conhecimento com essas regras no seio ela fa­
m ília, em casa. Mas nunca deves renunciar a elas, mes­
mo ·se vieres da família mais modesta. Com uma von­
tade firme, boa capacidade de observação e alguns
amigos bem educados, podes conhe,cer muito bem as
exterioridades necessárias ao homem instruído e culto.
E m sociedade, observa o proceder dos homens a quem
acatas, compara-o às tuas próprias m aneiras, e depois,
trata de formar-te segundo o modêlo que escolheste.
As regras de perfeito proceder têm justamente isto de
particular - e é o que lhes dá valor : - que os ho-

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mens distintos as observam em qualquer lugar que seja,
e isso sem nenhum entendimento prévio ; ademais, elas
foram sancionadas pela prática humana no curso dos
séculos.
A delicadeza de alma necessária à verdadeira cul­
tura depende, além disso, do trabalho moral pessoal de
cada indivíduo. A "civilização" e a "cultura" não bas­
tam. Homem verdadeiramente instruído é aquêle que,
por acréscimo, tem muita delicadeza de alma e u m
c a r á ter ideal .

4. O jovem de boa familia.

Os jovens cuj a vida é fádl, que pertencem a uma


família distinta, muitas vêzes provam a tentação de
desdenhar os companheiros modestos e mais pobres.
Toma cuidado, meu filh o ! Semelhante atitude não é
de um cristão, nem sequer de um homem bem educado !
Além do amor do próximo e das m aneiras perfeitas, o
interêsse do teu próprio futuro manda não te conserves
afastado dos jovens mais simples. Por mais ri-co que
sejas, e distinta a posição que venhas a ocupar, terás
sempre vantagem em tomar contacto com a vida e os
pensamentos dos que não possuem nobreza nem saber.
De resto, aos olhos dum rapaz que pensa como
cristão, é nobre todo jovem de caráter sem •nancha.
Não tem d i reito de desprezar uma alma que o Criador
contempla com prazer. Aquête que, pelo nascimento,
beneficia duma situação privilegiada ou de circuns­
tâncias pecuniárias favoráveis, tanto mais deveres tem
para cumprir. Nob/esse oblige! diz o provérbio francês.
Se nasceste em família distinta, deves ser muito mais
.dE'Iicaclo, mais amável, mais atencioso, mais pronto
para o sacrifício, do que o teu camarada mais po­
bre, que luta sempre com preocupações materiais. Di-

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ferenças entre as classes sociais sempre houve entre os
homens e não cessarão jamais; é coisa bem humana.
Em geral, de boa mente se reconhece a superioridade
da aristocracia de nascimento : em compensação, esta
deve mostrar-se d igna da sua posição privilegiada.
O jovem de boa família que despreza o camarada
pobre e humil de não é distinto nem bem educado,
- não passa de um homem sem valor, egoísta e
orgulhoso.
Não são as roupas f inas que fazem o jovem dis­
tinto. Os sapatos da última moda, a gravata " dernier
cri" e os cabelos cuidadosamente "fixados" nada in­
fluem nisso.
Nada, efetivamente.
A meus ol hos, há uma umca espec1e de homem
distinto. E' aquêle que é senhor de si mesmo, por fora
e por dentro.
Repito-o : por fora também. Q uero que êle se
vista com cuidado. "Mas o exterior n ão tem importân­
cia ! " dirás talvez. "E' só o interior exteriorizado " . D i­
ze-me : poderias imaginar Nosso Senhor Jesus Cristo
usando vestes sujas e rôtas ao ensinar a m ultidão, como
o fazia Diógenes, por exemplo ? Entretanto, êle e ra o
primeiro a insistir sôbre a necessidade da vida interior !
A disciplina, a amabilidade e a cortesia são, pois,
qualidades sem as quais não se concebe um homem
bem educado.
Bem entendido, deves tratar de tornar-te senhor
de ti p rÍ meiro por dentro, e de manter em ordem as
tuas próprias idéias. Í<\h ! se um jovem escrevesse, ainda
que uma vez só, tudo o que lhe passou pela cabeça
naquele dia, que caos medonho ! Quantas tolices e
quantas idéias incongruentes ou mesmo culpadas ! Onde
está então o senhor que deveria refrear todos êsses

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impulsos? Que seria do exército onde todos agissem
a seu talante?

5. Em sociedade.
O homem é um ser social : logo, precisa da socie­
dade e dos seus semelhantes. A boa sociedade auxilia­
nos a .conhecer os homens, a ter tato e cortesia, ma­
neiras distintas e um procedimento h ábil. Demais, um
jovem precisa viver na companhia dos seus semelhantes,
a fim de se apropriar bem das regras das relações so­
ciais, porquanto, qualquer que venha a ser a posição
que ocupe mais tarde deverá tomar contacto com
pessoas pertencentes às classes sociais m ais diferentes.
Em boa sociedade, - quer dizer, entre homens e
senhoras de nobres pensamentos, - a gente se eno­
brece a si mesmo. Abre, pois, bem o s olhos quando
te achares em semelhante círculo, observa o que se
faz, como se faz, e quais as .coisas que se n ão fazem.
Muito te enganas, todavia, se cuidas que, recomen dan­
do-te procurar a boa sociedade, eu pense necessària­
mente na gente ri-ca e de alto nascimento. Os homens
instruídos, inteligentes e de caráter irrepreensível cons­
tituem sempre uma boa sociedade, mesmo quando se
vestem com simplicidade e não têm m uito dinheiro.
O jovem que nunca freqüentou a boa sociedade
e que nela estréia - por exemplo, durante os anos
universitários - produzirá um efeito singularmente
cômi.co. Entrando num aposento onde o acolhem, ine­
vitàvelmente topará mm o pé na bei ra do tapête.
Sentar-se-á certamente em lugar inconveniente, e dei­
xará cair o chapéu, que n ão terá depositado na ante­
câmara. Ao apanhá-lo, é a bengala que lhe escapa.
Enfim, ei-la apanhada também. Trazem o chá. Êle
queima a língua, o pires rola por terra com estrépito

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e quebra-se, enquanto o conteúdo da xícara se lhe
derrama na calça bran<:a. Tudo vai de mal a pior. Apre­
sentam-lhe um prato de fritos : êle segura a faca e o
garfo de maneira tôda diferente dos outros. Ao beber,
tosse no copo, o que espalha gotinhas pouco apetecíveis
sôbre os seus vizinhos. Depois espirra e só mais tarde
pensa em puxar o lenço . Repito-o : em tudo isso não
há sombra de pecado, isso nada tem que ver com o
caráter, mas é uma falta de maneiras extremamente
desagradável, que prejudicará até mesmo o maior ta­
lento do mundo. É, pois, claro que os jovens devem
procurar a sociedade de bom-tom, e deves alegrar-te
se te oferecem ocasião de ir à casa da famí lia dos teus
c ompanheiros bem ajuizados e educados.
Todavia, aqui ainda, aconselho-te guardar justa
medida. E' na solidão que o caráter e os talentos me­
lhor se formam ; aquêle que passa tempo demais em
sociedade fàcilmente se torna semelhante aos outros;
o seu desejo será b rilhar, e êle se habituará a tomar as
coisas levianamente. Para os estudantes das classes
superiores - mormente na capital - é bem perigoso
o ir divertir-se dua� ou três vêzes por semana ; mesmo
se a sociedade que êles freqüentam fôr a melhor, os
seus estudos se ressentirão do tempo perdido, e o seu
modo de pensar ressentir-se-á igualmente das conversa­
ções superficiais, sobejas vêzes ouvidas. Neste sentido,
o provérbio alemão diz bem: Gemeinschaft macht gemein
- a comunidade torna comuns as pessoas.
Desconfia dos homens que se aproximam de ti
com demasiada familiaridade. Quando um môço des­
conhecido chega a uma sociedade, um amigo deve apre­
sentá-lo, às senhoras primeiro, aos homens depois.
Apresentando duas pessoas uma à outra, nomeia-se
p ri meiro a que é mais j ovem e de categoria inferior -
enquanto esta se inclina modestamente, - depois a

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pessoa mais idosa ou de categoria mais elevada. Ao es­
tenderes a mão, olha o outro bem de frente!

6. De que é que se deve f.:llar?

No ,comêço, é mais difícil achar u m assunto de


palestra e o tom que convém em sociedade. Mas é
só o primeiro passo que custa: um jovem sério achará
sempre bastante assunto no terreno dos seus estudos e
das suas leituras, para não se aborrecer em companhia
de jovens da mesma instrução.
Seja como fôr, guarda-te de entabular conversas
triviais sôbre a chuva ou bom tempo : darias p rova
de grande pobreza de idéias. Assim também, é supér­
fluo, a cada visita, pedir notkias da saúde do teu
interlocutor. Em compensação, é de teu dever exprimir
alegria ou apresentar sentimentos de pesar, conforme
o caso, se ocorre acontecimento feliz ou infeliz numa
família.
Não te mêtas a contar negócios dos outros ! Isso
nunca fica bem, sej a a quem fôr; mas, em homens e
sobretudo em j ovens, absolutamente n ão se pode to­
lerar. O que souberes sô9re negócios de família, sôbre
a vida íntima dos outros, guarda-o corno o mais pro­
fundo dos segredos.
Palestras de mau gôsto e ditos duvidosos deno­
tam sempre uma formação superfidal. Bem verdadei­
ra é a frase dolorosa de W esselényi: "Em certas ca­
madas da sociedade, quando já se falou bastante de
cavalos, de caça e de cachimbos, enchem-se os inevitá­
veis vazios do tempo com anedotas e gracejos obscenos,
em vez de empregá-los numa conversa honesta e
espirituosa" .
Nunca fales de coisas que possam ferir a alguém
presente. E, pois, entendo n ão só que é sempre mal
O Môço- 2 17
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educado quem zomba dos outros a propósito dum de­
feito físicol falta de jeito, pobreza, mas também que
as importunações "para aborrecer" os outros não
são muito indicadas para cultivar a sociedade. Nunca
magoes, em sociedade, os ".c alvos", os dentes posti­
ços, o andar defeituoso ou a palavra gaguejante,
mesmo se n ão houver ninguém que com isso possa jul­
gar-se ofendido . Primeiramente, não convém. Depois,
não podes saber se uma das pessoas presentes n ão tem
algum parente ou amigo íntimo, afligido por uma dessas
enfermidades.
Quanto à gíria quase incompreensível dos co­
légios e das grandes cidades, faz mal ouvi-la. A alma
se me parte quando ouço moços e môças, bons patrio­
tas entretanto, falarem essa linguagem de subúrbios
e de sarjetas.
De doenças e acontecimentos desagradáveis ou
impressionantes, só falarás se estritamente n ecess· á rio,
isto é, quando nisso pode haver finalidade séria.
Cuida de dominar-te e dissimular os bocejos. Se
o não conseguires, põe ao menos a mão diante da bôca.
Tossindo e espirrando, deves conservar o lenço
diante do rosto. A respiração ruidosa é de mau gôsto.
Em suma, uma quantidade de pequenos hábitos im­
polidos surpreendem a quem não toma cuidado con­
sigo, como sejam : reparar as ações e gestos dos outros,
escutar-lhes furtivamente as conversas, cochilar em so­
ciedade, balançar-se na cadeira, roer unhas, bater com
as portas, etc.
E' falta de educação mostrar cara aborrecida quan­
do alguém nos fala. E' inconveniente interromper o
que fala para notar que j á se ouviu aquilo, ainda que
fôsse verdade. Sucede muitas vêzes, mormente às pes­
soas idosas, contar várias vêzes a mesma coisa, por-

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que a memória se lhes vai enfraquecendo. Que importa ?
Seria pouco polido adverti-las.
Um convidado chega precisamente quando te apres­
tavas para sair; torna a sentar-te um pouco : poderias
melindrar o recém-vindo se te retirasses imediatamente.
Se não compreendeste bem uma pergunta, não deves, in­
delicadamente, dizer : "que é que disse?" ; m as dize
em tom polido : "Não compreendi bem o que acaba de
dizer". Falando a pessoas de posição elevada, não se
devem fazer perguntas. D e outra parte, se são elas
que te interrogam, n ão respondas apenas "Sim" ou
"Não", m as acrescenta o título do interlocutor : " Sim,
Sr. Presidente", "Com prazer, Sra. Condêssa", " La­
mento muitíssimo, Excelência, mas não está em meu
poder", etc. Fórmulas como estas : "Estou às suas
ordens", " D isponha de mim", etc., produzem sempre
bom efeito. E' inconveniente interromper o interlocutor;
espera que êle a·cabe de falar. Se acaso começas a
falar ao mesmo tempo que outro, detém-te logo, mes­
mo no meio da frase, e, escusando-te por um "Desculpe"
ou " Perdão ! " restitui a palavra a teu amigo.
Desabitua-te o mais cedo possível da gíria dos
colegiais, ridícula na bôca de um jovem. Nunca fales
de ti em primeiro luga r ; assim, não dirás : "Estávamos
lá, eu, João e Paulo", e sim " Estávamos lá, João, Paulo
c eu" Não fales alto demais ; uma voz estentórica é
sempre de mau gôsto. Olha o teu interlocutor bem em
fa.ce, mas nunca te aproximes dêle de modo a lhe so­
prares o rosto.
Em sociedade n ão cochicharás a um canto .com
dois ou três amigos, pois aparentarias estar a falar
mal dos outros. E' também falta de educação falar
uma linguagem que os outros n ão compreendem. En­
tanto se vires duas pessoas a falarem-se em voz baixa

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retira-te discretamente e não aguces o ouvido pa r a
ouvir o que estão dizendo.
Não entremeies tua conversa com expressões es­
tJ angeiras a fim de pareceres instruído . . E, se outros
o fizerem, guarda-te de corrigir-lhes a pronúncia ou o
emprêgo dessas palavras.

7. Como nos comportarmos perante senhoras e senho­


ritas?
A mentalidade cavalheiresca manifesta-se .clara­
mente em nosso modo de proceder para com as senho­
ras e senhoritas.
Antes de mais, cuida de não procurar demasiado
a sociedade feminina antes de terminados teus estudos
secundários. Quando um rapaz vive continuamente cer­
cado de môças, o desenvolvimento do seu caráter se
ressente notàvelmente. Torna-se m ole, efeminado, sen­
timental ; falece-lhe a fôrça viril. Além disso, a freqüen­
tação demasiado assídua do outro sexo despertaria no
cérebro do adolescente uma multidão de pensamentos
e imagens desordenadas e supérfluas, precisamente na
idade em que o desenvolvimento físi.co, por muitos anos,
o obriga a lutar penosamente pela vitória do espírito
contra as exigências ilegítimas dos instintos que
acordam.
Sem embargo, não quero proibir inteiramente que
busques a sociedade feminina. Recomendo-te apenas
moderação. Em devido tempo e lugar, a companhia
de mulheres de alma pura e nobre pode proporcionar
grandes vantagens espirituais a um jovem . Curiosa
experiência é que, muitas vêzes, a mãe de um amigo
exerce excelente influência na formação espiritual dum
adolescente, suplemento que facilita singularmente a
educação dada pela própria mãe.

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Sem dúvida, eu quisera que, na sociedade de se­
nhoras e senhoritas, o procedimento de todos os moços
respirasse o idealismo cavalheiresco que caracterizava
os cavaleiros cristãos da Idade Média. E, se bem
gue o espírito leviano do século presente haja prej u­
dicado tristemente essa nobre concepção, tenho firme
confiança que tu, meu filho, serás o guarda fiel da
legendária honra e reputação do perfeito cavalheiro.
Tenho a firme confiança que, mesmo com tantos exem­
plos contrários sob os olhos, nada diminuirás do nobre
respeito à mulher, que fazia o ornamento dos nossos
antepassados pagãos, no tempo em que ainda estavam
em grau inferior de .cultura.
A delicadeza, o tato, a cortesia provindas da alma,
- não do simples verniz superficial d a etiquêta, -
de que damos prova na sociedade das mulheres, bastam
para qualificar a nossa educação, n osso caráter, enfim
nosso valor moral. Num sarau, num baile, em qualquer
ocasião, lembra-te fiel mente do que agora te digo :
para com tôdas as mulheres, um hdmem bem educado
sente e manifesta sempre o respeito que êle mesmo
rxige dos outros para com a própria mãe e a própria
irmã.

�. Ainda algumas advertências.

Antes de entrar num quarto, nunca te esqueças


llater à porta. Se bateres duas vêzes sem receber res­
posta retira-te sem insisti r. Se baterem à tua porta,
responde imediatamente com um "Entre !" cheio de
polidez, pois n ão podes saber quem é que está fora.
Põe o chapéu e a capa no porta-chapéus.
Se a pessoa a quem vinhas visitar não estiver
1'111 casa, podes deixar-lhe um cartão de visita, com a
pou la dobrada como fazem muitos, assinalando cer-

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tos caracteres convencionais para indicar a final idade
d a visita. Assim, por exemplo, P. f., se fôr para felid­
tações, quando naturalmente o teu amigo sabe o motivo
delas sem que lho indiques : P. p., para pêsames ; P. a.,
para agradecimentos ; P. d. para despedidas, etc. E'
o bastante : são indicações conhecidas.
N unca faças visita em tempo i n oportuno ; em tôda
família, há horas em que as pessoas n ão estão prepara­
das para receber visitas. Não te demores muito. O tom
da conversação far-te-á sentir quando houver chegado
o momento de sair. Se o dono da casa deixar que se
faça um pequeno silêncio, quer dizer que a visita deve
retirar-se ou demonstrar essa intenção, l evantando-se.
Então se teu hospedeiro ainda tiver tempo, convidará
para ficares ; aqui ainda, é preciso perceber, pelo
tom, se é pedido sincero ou mera fórmula de polidez,
que não se deve tomar a sério.
Sucede com freqüência que n egócios urgentes
aguardam o dono da casa e êste é obrigado a ficar sen­
tado e a sorrir ao hóspede, que não se mexe : n ada
mais desagradável. Tratando-se duma primeira visita,
nunca chegues à hora duma refeição; e se te convidarem
para jantar em casa duma família onde n unca estiveste,
p rocura visitá-la antes do dia indicado. - Um convite,
ou s,e aceita ou não se aceita ; mas, em qualquer caso,
é p reciso dar uma resposta decisiva, pois a incerteza
é muito incômoda para a dona da casa.
Em viagem, podes cumprimentar ou não, ao en­
trares no vagão da estrada de ferro ; mas um môço
sempre impressiona bem quando cumprimenta. E m
compensação, ceder o lugar à s senhoras e à s pessoas
idosas é exigência da polidez ; assim como ceder o
melhor assento j unto da janela, quando houver mais
lugares. D iante de estranhos, nunca fales, em voz alta,
de teus negócios í ntimos. Nos pequenos acidentes, por

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exemplo, se a trepidação do trem te jogou contra o
vizinho não te esqueças de pedir desculpas.
Se acompanhares alguém na rua, põe as senho­
ras e homens de posição mais elevada que a tua à
tua direita - exceto se a calçada fôr tão estreita que
fôssem obrigados a andar quase na extremidade; n este
caso, os porás junto à parede, mesmo se isso te colocar
à direita. Na rua, é proibido gritar duma calçada para
a outra, elevar a voz para chamar amigos, assDbiar ou
fazer sinais ruidosos, falar com alguém no primeiro
andar, etc. Se encontrares alguém conhecido, cumpri­
menta de maneira conveniente : não basta levar dois
dedos à aba do chapéu. Tira-o com a mão esquerda
se a pessoa passar à tua direita, e com a m ão direita
se passar à esquerda, a fim de não esconderes o rosto.
Olha bem de frente a quem cumprimentas. G rande
ofensa é não retribuir u m cumprimento. Se alguém
cumprimentar a pessoa a quem acompanhas, também
deves corresponde r à saudação, mesmo se não conheces
quem cumprimentou.
E' falta de educação pôr o chapéu ou um embru­
lho sôbre a mesa, apoiar nela os cotovelos, cruzar as
Jll'rnas, e enfiar as mãos nos bolsos ao se assentar.

!t. A mesa.

A digestão é uma combustão : o alimento consome­


:,(• no organismo. O corpo assimila a matéria nova, que
:;nve para substituir as perdas. O corpo do adolescen­
ll·, pois, se a·cha em pleno desenvolvimento, precisa de
111ais alimento que o do adult o . O que, todavia, n ão
dl'sculpa os rapazes que só p ensam em comer, e tudo
:;ac rificam ao estômago ao ponto de se empanturrar.
Comida em excesso dá demasiado trabalho ao
''slllmago e aos intestinos, e pode prejudicar todo o

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organismo. "Pone gulae metas, ut sit tibi longior aetas",
diz um provérbio antigo - "Modera a gula, e viverás
muito". Importa que se tenha fome an tes das refeições
p rincipais : assim, os órgãos digestivos repousam. Se
os fizermos trabalhar sem trégua nem descanso, êles
se gastam antes do tempo. Só comas, pois, quando es­
tiveres com fome ; não és nenhum peru-de-engorda.
"Ede ut vivas: non vivas ut edas" - " Come para viver,
não vivas para comer" .
Não te escravizes ao estômago, aprende a governá­
lo, e não lhe obedeças cegamente. E' u m a razão a mais
para observares exatamente os jejuns prescritos pela
Igreja : ajuda-te a fortalecer a vontade, ao mesmo tem­
po que faz bem à tua saúde.
Conheço rapazes gulosos que comem de maneira
espantosa, a todo propósi to e em quantidades incríveis.
"Preciso crescer ! Q uero ficar forte ! Não quero ficar
doente !", ek., dizem êles, mas sem razão. O excesso de
alimentação debilita o espírito, tolhe a aptidão para
qualquer trabalho sério, e prej udica também a saúde
corporal. Quem come demais gasta o o rganismo antes
do tempo, do mesmo modo que a caldeira constantemen­
te superaquecida se estraga mais depressa. Ao contrá­
rio, "quem come pouco come muito", pois comerá
mais tempo.
O alimento é para o corpo o que o carvão é para
a caldeira : mantém a máquina em m ovimento. O corpo
decompõe a comida e dela retira as matérias de que
precisa para preencher os vazios do organismo constan­
temente gasto pela vida.
Mas, além do carvão, a máquina ainda precisa
de óleo para as engrenagens. Assim também o organis­
mo humano não se contenta com gorduras, de clara
de ôvo e hidratos de carbono ; pede ainda óleo, sob for­
ma de excitantes ou estimulantes. Sem dúvida, êstes não

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são estritamente necessanos para manter o organismo,
� podem até, muitas vêzes, ser perigosos ; - entretanto,
por certo tempo, são capazes de excitar os nervos e
o cérebro, de maneira que aumentem bastante as ati­
vidades orgânicas.
Quanto menos resistente é o organismo, e menos
rcgrada a vida que se leva, tanto mais necessidade se
tem de excitantes. O estômago que tem fome não pede
temperos extraordinários, gosta bem da comid a sem
llluitos condimentos. Ao .cabo de um dia cheio de tra­
balho sério, o repouso basta, e é um prazer. Para refa­
zer realmente o organismo fatigado, não há como u m a
boa refeição e bom sono. A s i próprio s e ilude quem
fuma um cigarro em jeJum e se admira de já não sentir
fome, ou quem, sentindo caírem-lhe as pálpebras d urante
os estudos noturnos, bebe uma xkara de ca·fé e se
felicita de reencontrar a atividade cerebral. Quando da­
mos uma chicotada no cavalo, êle faz esfôrço para tro­
tar, apesar d a fadiga ; assim, também, o organismo re­
toma ímpetos, ao influxo dos excitantes. Mas, apenas
passado o efeito, a fadiga vem, com maior intensidade.
Quanto mais n os habituamos aos estimulantes, tanto
mais obrigados nos veremos a forçar as doses, e também,
tanto mais dano faremos à saúde. A fadiga, a vontade
de dormir, a apatia, - e depois, mais tarde, a incapa­
cidade de trabalhar e o enfraquecimento da vontade, -
resultam d o abuso imoderado dessas drogas. Desconfia,
pois, dos excitantes : os condimentos tomados em quan­
tidade exagerad a, o excesso de chá ou de café, sem fa­
·
lar do álcool e do fumo, ,.-- cujos especiais perigos
manifestei na m inha brochura Sê Sóbrio.

1 O. Como se deve comer?

"Ora esta ! Então nem sequer se pode comer tran­


qiiilamente? Tenho agora que pensar em regras mes-

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mo ao comer?" resmungará algum rapaz mal-educado,
que n ão se constrange de meter os dez dedos no prato.
Pois é verdade, meu rapaz, é preciso pensar nessas
regras : mais ainda, é p reciso aceitá-las com satisfação,
porque não foram inventadas para irritar a humanida­
de, e sim para assegurar o reinado do espírito, ainda
na atividade puramente animal que se chama comer.
O porco no estábulo não tem regras para suas refei­
ções ; tu, porém, hás de tê-las se quiseres ser homem.
Se considerarmos mais de perto êsses preceitos, acha­
remos que n ão raro êles servem para frear o instinto
que nos inclina ao alimento. U m exemplo : Por que se
proíbe sorver com voracidade a sopa e, em geral, co­
mer com estrépito? E' para que n ão mergulhes até às
orelhas no prazer de um acepipe que é de teu gôsto,
n em te descuides sempre que és h omem e não animal .
Nenhures se manifesta tão evidente a disciplina
como à mesa. Recorda a história de Gedeão, contada
no Antigo Testamento ; ia para a guerra com 1 0.000
soldados. Achando-se, no curso duma marcha, perto
dum riacho, os soldados, sedentos, precipitaram-se para
a água, e puseram-se de bruços, a beber como .cães.
Ato contínuo, Gedeão mandou-os p a ra casa. De feito,
que poderia empreender com homens tão pouco senho­
res de si? Só conservou consigo 300 soldados, que,
embora tão sedentos quanto os outros, se haviam cur­
vado para a água sem pressa, e a haviam colhido
tJ anqüilamente no côncavo da mão.
O domínio de nós mesmos é-nos impôsto tanto à
mesa como nas nossas relações sociais. E' justamente
pela satisfação moderada das necessidades diárias que
melhor podemos impor ao corpo o reinado do espírito.
Só observando os preceitos que regulam nossas refei­
ções, é que podemos pôr a alma em função tão puramen­
te animal e elevá-la a um nível humano.

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Por isso é que te re.c omendo as regras abaixo,
as mais importantes nesse gênero.
Primeiro, trata de manejar corretamente os talhe­
res. Toma a colher de maneira que o polegar fique por
cima; o garfo e a faca, de maneira que fiquem por baixo.
Segura-os levemente a todos três, não como um pêso
que vais atirar, mas antes como um lápis, e bem perto
do cabo, isto é, o mais longe possível da lâmina da
faca e das pontas do garfo. E' incivilidade enxugar
a colher ou o prato com o guardanapo antes de se
servir dêles ; seria uma ofensa à dona da casa. Incivil
também, ao comer, fazer ruído quer com a bôca, quer
.com o talher. Podes observar : quanto mais distinta
a casa, tanto menos barulho se faz, dur a nte as refeições.
E' do garfo que mais nos servimos ; a faca, só
para cortar, exceto o pão que se parte com as m ãos.
E' proibido meter a faca na bôca ou servir-se dela para
comer. Quanto às iguarias que se podem partir com
o garfo, não se cortam com a fa o e a. Tais a carne pi­
cada e as massas de farinha. Nesse caso, é permitido
usar um pedacinho de pão n a mão esquerda, a fim de
fixar o bocado n o garfo.
Se te servires do garfo e da faca j untos, segura
a faca na mão direita e o garfo na esquerda.
Não se usa partir logo de comêço todo o conteúdo
do prato. Seria sinal de glutoneria. Corta primeiro
apenas um pedacinho, suficiente para um bocado.
<�uando te servem um prato que não conheces, observa
primeiro como os outros fazem para .c omê-lo.
Nunca bebas antes de ser engolido o bocado.
Desdobra o guardanapo ao meio e põe-no sôbre os
.ioclhos. Se te sobrevier um espirro, apressa-te a pôr
o lenço diante do rosto e desvia-te u m pouco da mesa.
Assoando-te farás assim também. Quando acabares de
mmer, cruza o garfo e a faca no prato, ou então pousa-

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os um ao lado do outro à direita. Sempre no prato, bem
entendido. Ninguém se levanta da mesa antes que a
dona da casa dê o s inal, levantando-se ela mesma. E'
incivil criticar as iguarias ! Vou mesmo mais longe : se
suceder qualquer pequena infelicidade, suponhamos
que encontres um cabelo ou uma môsca na sopa, -
tirá-los-ás discretamente ; não se deve tirar o apetite
aos outros convivas.
Só as pessoas mal-educadas são exigentes à mesa.
Não se escolhe entre as comidas, come-se de tudo e
será bom que a tôdas te habitues desde a primeira in­
fância. Um h omem de boa saúde pode comer de tudo,
sem receios de ficar doente. E' bem possível que al­
gum prato não seja do teu gôsto ; mas isso não é ra­
zão para que não comas dêle ao menos um pouco.
Podem-se vencer muito bem essas repugnâncias, e é
mesmo ótimo meio de fortificar a vontade. Natural­
mente, não falo aqui de pessoas doentes ou que so­
frem do estômago ; in as um jovem de boa saúde nunca
deve fazer difi-c uldades. E' ensejo de se exercitar na
abnegação comer de um prato que não desperta o
apetite.
Portanto, se recomendo que não sejas exigente,
não é apenas por causa das tristes circunstâncias atuais,
por si sós suficientes, a impedir tôdas as possíveis
pretensões dos rapazes, mas também porque o môço,
que come tudo o que lhe servem, faz ao mesmo tempo
exercício utilíssimo para o seu caráter. Come, pois,
h anqüilamente aquilo de que não gostas, também o
que tem gôsto de queimado, e sem dizer palavra !
Teu estômago n ão enfermará por isso, e tua vontade
.:: e rtamente se achará melhor.
O mais importante, - repito-o, - é ser discipli­
nado à mesa e saber moderar-se. Guarda-te bem de
dar ao estômago a direção de tua vida, e de considerá-lo

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teu maior tesouro. Lembra-te do apólogo de Menênio
Agripa, e da revolta dos membros contra o estômago!

11. Em visita.

No correr dos séculos, foi-se constituindo certo


número de regras de polidez acêrca das obrigações
de hospitalidade; não é mesmo impossível que essas
relações tenham sido a primeira manifestação de ci­
vilidade, pois, hoje em dia, ainda os povos da mais
primitiva cultura conhecem e respeitam os direitos dos
hóspedes e lhes prestam homenagem: acolhem sem­
pre o desconhecido que a tempestade_ extraviou e o
inimigo exausto.
Ao visitar uma família bem educada, serás aco­
lhido com tôdas as atenções. Se fôr em outra cidade
e teu hospedeiro não te puder esperar na estação,
mandará alguém para substituí-lo e virá apresentar
cumprimentos à soleira da porta. Conduzir-te-á ao
quarto que te houver destinado, e dirá amistosamente:
"Espero que se dê bem aqui, faça de conta que
está em sua casa!"
Muito bem! Mas o hóspede, longe de tomar a
.coisa ao pé da letra e de "fazer como se estivesse. em
sua casa", tem o dever de causar ao seu hospedeiro o
menos de trabalho e de despesas que puder, sair e
entrar discretamente e sem estrépito, como se não
houvesse ninguém a mais em casa.
Muitas vêzes quem te hospeda, por polidez, in­
sistirá para que comas: mas isso não te obriga a comer,
tMas as vêzes. Nas casas onde a própria dona é quem
cozinha, é polido elogiar o jantar; mas é incivil forçar
os convivas a acompanhar os encômios. E' sempre in­
·Conveniente comer demais de um prato, por melhor que
Hl'Ja, mormente em casa alheia. Há pessoas que jejuam

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dois dias antes de atender a um .convite, a fim de
comer mais. Todavia, eu te recomendo o conselho de
um antigo rei da Pérsia a seu filho : "Não vás ao festim
de estômago vazio, com mêdo de que te tente a gula
i moderada ! " Ai ! neste particular, vêem-se muitas vêzes
cenas bem pouco edificantes. Basta que observes os
convivas de um jantar oferecido por alguém : senhores
muito bem vestidos mani festarão ali uma voracidade
inconveniente. Ou, ainda, vigia o "buffet" de um baile
íntimo, onde as pessoas podem fartar-se sem pagar :
verás amiúde uma avidez vergonhosa.
Sem embargo, essa voracidade no beber e no co­
mer e essa avidez em face duma mesa gratuita revelam
mentalidade vulgaríssima e personalidade baixa. Sem
falar dos que não se constrangem nem de abarrotar os
bolsos de gulodkes antes de ir-se embora, dizendo que
"iam ficar mesmo para os criados"

12. Teu vestuário.

O h omem não é só alma, senão também corpo;


o que se passa na alma transparece de maneira visível
no corpo, e os fenômenos de que a alma é teatro pro­
d uzem-se também no exterior. Donde, a parte de ver­
dade que há no p rovérbio latino : "Est facies testis,
quales intrinsecus estis" - "Vosso rosto trai o que
sois por dentro".
No jovem bem educado, ·c umpre que o exterior,
- as roupas e o asseio corporal - corresponda à ordem
interior, à disciplina dos pensamentos, ao asseio mo­
ral. Cada vez que vejo um estudante de exterior negli­
gen_t e, - sapatos enlameados, rosto mal lavado, unhas
de luto, cabelos "à la cliable", roupas cheias de nódoas,
- não posso deixar de pensar na desordem, ou mesmo
na sujidade, que lhe deve encher o interior.

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Uma aparênda exterior agradável tem, pois, a
sua importância, é preciso cultivá-la. Não te acon­
selho seguir tôdas as loucuras da moda e utilizar to­
dos os requintes do cosmético; não quero fazer de ti
um pintalegrete manequim, um alfacinha perfumado
e de unhas lustrosas. Mas o que desejo é o asseio de
teu corpo e de teu vestuário.
Aqui, dirijo-me especialmente aos jovens que vêm
de famílias modestas, mas a quem os estudos e ca­
maradas põem em relação com uma camada social
mais elevada, e que querem fazer por si mesmos seu
caminho na vida. Na sociedade e na luta da existência,
êles se verão prejudicados não só pela inabilidade das
atitudes, como também muitas vêzes pelo odor de
suas roupas, - êsse "cheiro do pobre" de que estão
impregnados por viverem em quartos mal arejados, ha­
bitados por sete ou oito pessoas, porque o leito cheira
a môfo e as roupas tresandam a suor. A sociedade bem
depressa torce o nariz a êsse "cheiro do pobre", e,
desta vez, .com razão. Porquanto essa repulsa não se
dirige ao homem pobre, mas a seu vestuário, que não
é inteiramente justificado pela pobreza, que faz mal
à saúde e fere o senso estético. Aquêle que se lava
ou toma banho regularmente, que expõe amiúde suas
roupas ao ar fresco, sobretudo fora, em pleno sol, que
muda de roupa de baixo o mais freqüentemente possí­
vel (mudar de roupa de baixo vale quase um banho),
nunca será desagradável em sociedade, ainda a mais
distinta, - mesmo que fôsse ajudante de serralheiro
ou caixeiro de loja, e não estudante. Ao passo que,
se não observares estas regras, é inútil que sejas o
primeiro da classe: a sociedade bem educada sempre
te &;eolherá com frieza.
ü asseio corporal tem sua importância não sõ­
mente para a saúde, mas também para o senso estético.

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O estudante de mãos sujas, de dentes amarelos, de .ca­
belos em desalinho, faz bem triste figura. Quanto às
roupas, pouco importa que sejam novas.; muitos não
têm dinheiro bastante para comprá-las; mas todos po­
dem cuidar da sua . roupa, usada e remendada talvez,
mas sem manchas nem rasgões, sem nódoas de gor­
dura ou camadas de pó.
Não é só o colarinho e os punhos que devem
estar sempre limpos, m�s tôdas as p"eças do vestuário
de fora e de dentro. Lava-te várias vêzes por dia, -
lava as mãos antes das refeições, toma banho e muda
de roupa branca sempre que possível. Escova bem
os dentes pela manhã e à noite: não é luxo, mas exi­
gência importantíssima da higiene. Quem tem maus
dentes bem depressa apanha uma doença de estôma­
go, porque não pode mastigar bem. Após cada refeição,
desembaraça os dentes dos fragmentos que nêlei se
aninharam. Faze-o, porém, com um palito, e não /com
um alfinête: prego ou outro objeto de ponta que/ ata­
que o esmalte dos dentes. Tôda noite, usa algum bom
dentifrício para escovar os dentes, e, uma vez por se­
mana, limpa-os com bicarbonato de sódio, por fora e
por dentro, na coroa e na raiz.
Pode naturalmente suceder que um jovem se dei­
xe levar ao extremo oposto, e se ponha, ridículo e
tolo, a imitar como um macaquinho a moda. Um es­
pirituoso francês dizia que "os loucos inventam a moda
e os sábios os imitam". Quanto a mim, torno a dizer-te:
a melhor moda é um corpo limpo em roupas limpas.
A meu pesar, tenho a idéia de que o jovem que não
encontra outro meio de demonstrar o seu valor senão
pavoneando-se com exagerada ostentação de modas,
deve ser bem vazio por dentro. Pensa nesta frase di­
rigida ao conde Jstven Szécllényi, "o maior dos Magia­
res", por seu pai: E' êste o comum engano dos jovens

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que querem pelo vestuário servir de modêlo e imaginam
sO-lo realmente, até o momento em que outros "belos
rapazes, ainda mais elegantes, os excedem, e êles são
postos de lado como vestuários passados de moda. E'
verdade que, hoje em dia, qualidades como a discreta
modéstia e a observância das conveniências raramente
farão a felicidade de alguém; mas, uma vez conseguida
essa felicidade, elas alcançarão conservá-la fielmente
c para sempre".

Recomendei-te muito, ainda há pouco, a polidez


c as maneiras bem educadas; mas não quer isso dizer
que devas estudar a etiquêta espanhola ou andar pela
rua como um mestre de dança durante a lição. Um jo­
vem sério e bem educado evitará no seu vestuário tudo
o que possa atrair os olhares. Cuidará de que seu
traje não defira do dos outros moços de sua idade e
posição. Fazer ostentação de roupas é próprio de ·ca­
beça ôca, assim como exibir trajes negligentes é dar
prova de má educação.
E' necess1irio, sem dúvida, que, até certo limite,
te conformes com os hábitos razoáveis do tempo pre­
sente. O nosso vestuário é bem diferente do que se
usava na Idade Média: e é claro que a gente não pode
passear em trajes do século XVIII. Quero apenas pôr­
te de sobreaviso contra enfeites poucos viris, as afe­
tações "dernier cri", a manicura, os perfumes, que al­
guns estudantes de 1 7 ou 1 8 anos julgam irresistíveis.
São êstes os que formam o tipo do "herói do dia".
Que é um herói do dia? Não é por certo um ho­
mem eminente a quem veneramos; logo te apresenta­
rei um exemplar clássico. Estou certo de que encon­
trarás depois bom número dêles entre teus camaradas.

O MOço- 3 33
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13. O herói do dia.

Não posso imaginar mais ridí·culo que um jovem


"elegante" que passa o tempo a i mitar as atitudes das
figuras vistas nos jornais de moda. O retrato far- te-á
melhormente compreender em que se transforma o
môço que tão somente corre atrás das distrações da
sociedade, e tem horror ao estudo, aos l ivros, e silên­
cio, tão necessários contudo para nossa educação.
O " herói do dia" é antes de tudo um conversador
i nfatigável. Mas os seus discursos sem têrmo a nin­
guém são agradáv·eis, - muito ao contrário, é enfa­
donho ouvi-lo falar, sem interrupção, de si mesmo, das
suas aventuras e p roezas. Com efe i to , a humanidade
i mpôs à palavra e à conversação certas regras que o
j ovem bem educado não transgredirá jamais. Sem dú­
vida, alguém também pode tornar-se enfadonho à fôr­
ça de calar-se ; mas, se fôr escolher entre os dois -
o homem que charla sem .cessar e o homem que mal
descerra os dentes, - decididamente prefiro êste úl­
timo ; é sempre menos perigoso. E bem possível que se
cale o homem silencioso porque é desajeitado na socie­
dade, e que n ão por modéstia. Mas o homem que fala de­
mais certamente fala por vaidade. Um jovem i nteli­
gente preferirá escutar os outros, mormente quando
estiver em companhia de pessoas mais idosas ; é um
meio de observar muita coisa. Imagina u m pouco a
ridícula impressão causada por um estudante que dis­
corre com presunçosa petulância, no meio de homens
sérios, mui to mais velhos que êle !
Sem dúvida, é fácil alguém embriagar-se com a
p rópria palavra. E' um prazer, doce mas perigoso,
escutarmo-nos a nós mesmos. Sempre se espera alguma
coisa daquele que intel igentemente sabe guardar silên­
cio; pelo •contrário, o ·falador em cinco minutos des-

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trói a sua reputação. tle é demais valioso para perce­
ber que conta uma porção de tolices e histórias que
lhe são desfavoráveis. Quem logo de comêço te conta
que é riquíssimo, que gasta tanto com o alfaiate, que
pode beber três copos de cerveja de uma vez, que é
muito amigo do ministro X, que o embaixador Y é
seu padrinho, que o tio tem terras imensas, que êle
passa sempre as férias à beira-mar, etc., não dará
prova duma boa educação, mas apenas. dessa necessi­
dade de gabar-se que é doença dos novos-ricos.
O "herói do dia" tem uma coleção de anedotas e
pilhérias que êle repete a todo propósito; são três
quartos da sua conversa. Sentado numa poltrona com
elegância incomparável, talvez de monóculo nos olhos,
lança as suas piadas "espirituosas" com uma displicên­
cia estudada. Alimenta-se das ·pilhérias dos jornais;
não é, portanto, de admirar que sua cabeça esteja cheia
delas. Quando aparece numa reunião, tôda troca de
idéias sérias deve cessar.
Está sempre pronto a dar a sua opinião sôbre
todos os assuntos . Cumpre dizer que tem verbosidade.
junto dêle, ninguém pode proferir uma palavra. Fala,
de dar vertigens nos outros. Até engole o pônto no fim
das frases, e, se lhe não acode nenhuma idéia, continua
por uma série de nadas ridículos até o momento em
que torna a achar o fio desejado. E' capaz de falar
durante horas a fio, sem nada dizer. Embriaga-se com
a própria voz. Num homem sensato, uma idéia faz
nascer outra, - nêle, uma palavra.
Só o que nêle se pode admirar é a audácia que
lhe permite dar de pronto opinião sôbre todos os assun­
tos possíveis. E com que. gestos de superioridade des­
prezadora acompanha os seus comentários! Acreditar­
se-ia ter sido êle quem pregou as estrêlas no céu. No
seu pensar, os an.tigos eram todos uns imbecis, as

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coisas que se apren dem na escola tolices, c a religião
uma história para c rianças.
Coitado de quem lhe incide nas i ras ! êsse jovem
de 15 a 1 6 anos critica pessoas e coisas com inigualá­
vel severidade, pois não ·c ogita de pôr freios ao seu ins­
tinto de crítica.
E' vaidoso como um pavão. Nada é bom para êle,
e ninguém, n a sua opinião, é bastan te inteligente.
Pela manhã, o café não tem bastante açúcar, na meren­
da tem-no demais. Cada vez que chove, deveria fazer
bom tempo. A álgebra é horrível asneira, e tirano o
professor que exige que a aprendam. Êste livro é estú­
pido, aquêle rapaz um grosseirão, e assim por diante.
E, o que é mais, essa crítica insensata é doença
contagiosa. Comece-a alguém que todos os seguem.
Por quê? N inguém o sabe. E' o que se dá quando um
cachorro começa a ladrar e todos os cães da vizinhan­
ça se juntam ao concêrto. Que é que sucedeu ? Nada.
O primeiro começou. Nada mais.
Impossível fazer compreender a um tal môço que,
muitas vêzes, guardar silêncio é um dever, e que não
é lícito contar tudo. Se, por exemplo, alguém te con­
fia um segrêdo grave, é questão de honra guardá-lo.
Mas que faz o "herói do d ia" ?
"Vou-lhe contar uma coisa incrível , mas s6 a
você, ouviu ?" E diz o mesmo a uma dúzia de amigos :
- só a você !
"Mas, afinal de contas, não há n isso grande mal ",
pensarás ; "um rapazinho não deve .conhecer u m sc­
gJ êdo muito grave" - Mas, vê bem, não é o objeto
do segrêdo que importa, mas o fato de não querer
êsse jovem exercitar-se em conter a língua. Seria ca­
paz de guardar um segrêdo militar êsse falador, se
viesse a cair prisioneiro em tempo de guerra e o i n­
terrogassem ? Não o creio. Além di�so, que Dpinião te-

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rias de um môço que, uma vez arrefecida a sua ami­
zade para com um camarada, fôsse contar os se-gredos
íntimos que êste lhe houvesse revelado?
Seria indigno, n ão é verdade? Entretanto, não fui
eu que inventei êsse exemplo.
De resto, o falador não escapará jamais ao casti­
go ; no fim, n inguém mais o tomará a sério. Dar-se-á
com êle o que sucedeu àquele embaixador que ia pe­
dir o auxílio dos Espartanos contra os inimigos de
sua pátria. Os E spartanos ou Lacedemônios não gos­
tavam de perder tempo em palavrórios inúteis : davam
sempre uma resposta ,curta e oportuna, lacônica. O
embaixador expôs o seu pedido com tal loquacidade
que o conselho espartano se encheu de cólera e o rejei­
tou nestes têrmos :
"Já nos esquecemos do comêço do seu discurso ;
assim, não lhe podemos compreender o fim"

1 4. O respeito aos pais.


Um môço verdadeiramente bem educado é sem­
pre disciplinado e polido, não só com os estranhos,
mas em primeiro lugar em casa, com seus pais, i rmãos
e irmãs, e até com os criados. O legítimo ,cavalheiro
estende a todos, sem exceção, a sua conduta ca­
valheiresca.
Não é, de modo algum, supérfluo insistir nisto
pois conheço muitos jovens que imaginam ser p reciso
estar em presença de estranhos para ser polido. J:.sses
tais, embora · usem cortesia requintada para com as
it mãs de seus camaradas e extrema polidez para com
as pessoas que não conhecem, são caprichosos e in­
suportáveis ,com suas i rmãs, e grosseiros com os do­
mésticos de casa. Alguns há que, durante os anos crí­
ticos, dos .1 4 aos 1 6, são teimosos, sorumbáticos, ca-

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prichosos, impertinentes, até com os próprios pais.
Vistam-se embora pela última moda, tal atitude reve­
lará sempre nêles falta de edUcação. D izem que os
colibris tão hàbilmen te saltitam por entre os ramos,
que nem uma só fôlha t reme e êles nem sequer as to­
cam. O môço verdadeiramente bem educado é sempre
amável e manso, de sorte que nunca ofende a n inguém :
nem os estranhos, nem os de casa.
A bem dizer, é no seio da família que a verdadei­
ra polidez melhor aparece. E' inegável que essa corte­
sia de família é tarefa bastante difídl de cumprir-se, e
com pesar confesso que contra ela se peca amiúde,
ainda nas famílias mais distintas, onde se procuram
observar estritamente as regras da polidez para com
os estranhos.
N osso Senhor n ão te deu irmãozinhos e i rmãs
mais môças para que imperes sôbre êles como um sul­
tão, nem para que sôbre êles descarregues tua cólera
quando mereceste uma n ota má na escola. Como é
bom ver irmãs e irmãos que, embora não falem do
seu afeto recíproco, são gentis uns com os outros !
E os pais? Reflete um pouco e imagina todos os
cuidados e todo o dinheiro que já lhes custaste e quan­
to ainda, espiritual e materialmente, lhes custarás.
Quem velou por ti durante longas noites de insônia,
quando estavas doente? Q uem proveu às tuas necessi­
dades? Quem te consolou nos teus sofrimentos?
Bem sei que até o mais perverso dos estudantes
n ão é de propósito m alcriado com sua mãe ; contu do,
sucede muitas vêzes, n ão é verdade?, que por irrefle­
xão ou leviandade magoas a teus pais. Lembra-te, então,
meu filho : só se avalia plenamente o que é nossa mãe
pelo vazio que ela deixa após si quando o céu no-la
toma.

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Aristóteles, o célebre sábio grego, dizia que n unca
podemos ser suficientemente gratos a Deus, a nossos
pais e a nossos mestres. Bem triste espetáculo é ver­
mos, hàbilmente, afastarem-se os j ovens dos pais -
ao menos n a aparência - justamente nos anos da
puberdade, dos 1 4 aos 1 6 anos, quanto mais lhes era
necessário mão segura que os guiasse. Nessa i dade,
.com efeito, tornam-se taciturnos e desconfiados, têm
segredos cuidadosamente dissimulados ; teimam em
crer que as ordens dos pais - e com maior razão as
dos mestres - comprometem a liberdade d o seu desen­
volvimento, a sua independência, a sua personalidade e
sabe Deus que mais ainda . . . I mpossível explicar­
lhes que quanto mais procuram separar-se dos pais e
mestres, tanto menos independentes e pessoais se tor­
nam, visto que sofrem imediatamente a influência dos
companheiros que falam a torto e a direito. Feliz o
môço que nada tem que ocultar a seus pais/
Sê, pois, tão gentil quanto possível para com teus
pais. E isto por todo o dia, desde o " Bom-dia, mamãe !"
até o momento em que pedes a sua bênção, desejando­
lhes boa-·n oite. Nunca lhes respondéJ:S em tom áspero,
nunca lhes atires uma frase descortês ou irrefletida.
Faze imediatamente o que te mandam fazer. Se estive­
res longe dêles num colégio, n ão lhes escrevas só para
pedir dinheiro. E, principalmente, reza muito por êles,
pois pode ser que os cuidados do pão cotidiano não
lhes deixem sequer tempo para rezar.

15. "Meu velho".

Quero aqui chamar-te a atenção para um ponto


particular : n unca ·deves envergonhar-te de que os teus
pais te amem . Os pais têm o direito de amar o filho
embora tenha êle 16 anos !

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E sabes por que te digo isto? - U m dia os pais
de uns escoteiros vieram vis itar o acampamento. O
pai de um dos rapazes, na grande alegria de o rever,
acaricia a cabeça do filho. Êste salta repentinamente
para trás, e diz em tom de censura : " Ora, papai, deixe­
se dessas infantilidades !" - O pobre rapaz julga­
va prestigiar-se perante os outros por essa "dureza
viril" Mal sabia que um dos seus camaradas, órfão,
olhava para êle tristemente, porque não tinha quem
o acariciasse.
"Ontem, voltando à ·casa, eis qúe " meu velho" se
planta diante de mim e se põe a pregar-me um ser­
mão : "Onde estava você? Por que entra tão tarde?"
E ainda não tinha acabado e j á minha "velha" continua
no mesmo tom. Aquilo era demais , e eu me escapuli
para não ouvi-los".
Eis o que um rapaz de 1 7 anos contava aos com­
panheiros de classe.
Ouvi-o : aquilo era demais. Fui obrigado a dizer­
lhe o que pensava da sua frase estúpida e i nsolente,
sáída duma alma vazia que imaginava ser alguém ! Efe­
tivamente, é o que penso de todos os rapazes que não
se constrangem de falar dos pais sem respeito, e dizem
"meu velho" e "minha velha". E' também a minha
opinião a respeito dos que querem amesquinhar tôda
autoridade, seja qual fôr. E' preciso ouvir como certos
alunos das classes superiores zombam do camarada
mais môço que ousa dizer : "o sr. Diretor" Ah ! ah !
ah ! "O sr. Direto1 . Imbecil ! a gente diz o " diretor",
simplesmente !" Agrada enormemente a essas cabeças
vazias que n ão seja mais "o sr. d iretor", mas apenas
"o diretor", simplesmente ! Q ue "o sr. professor" sej a
"o velho", segue-se também por si mesmo.
"Mas que posso fazer? os meus pais não me
compreendem", dirás.

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Será possível que teus próprios pais não te com­
preendam ? Infelizmente, na verdade, é possível. Sa
t eus pais forem pessoas simples porque não tenham
(•les mesmos recebido a instrução que te proporcionam,
teu horizonte e teu mundo in telectual serão bastante
diferentes, e pode acontecer que não tenhas com êles
l lluitos assuntos comuns de palestra. Mas a tua instru­
';ão superior não te desliga absolutamente do dever
do respeito filial para com êles. O coração do filho
deve sempre guardar uma gratidão infinita aos pais,
ainda que a sua ciência sej a muito mais vasta que a
dêles.
Suponhamos que teus pais sejam pessoas muito
simples, e que tenhas aprendido muito mais que êles.
- Contudo, sempre é verdade que êles têm infinita­
mente mais experiência da vida do que podes ter. E
além de tudo n ão trazem êles a coroa invisível, por
êles recebida do próprio Deus, que a dignidade de
·

pais lhes confere?


Quando Pio X foi eleito bispo, quis dar pessoal­
mente a notícia à sua mãe : "Olha, mamãe, que belo
anel recebi", disse-lhe êle graciosamente, mostrando­
lhe o seu anel de bispo, ornado de diamantes preciosos,
que lhe fôra dado pelo seminário de Treviso. - A
mãe passa sôbre o anel a mão enrugada e trêmula, e,
mostrando no dedo a sua modesta aliança, responde :
"Estás vendo, meu filho ? Se n ão fôsse êste anel tão
modesto, não terias o teu belo anel episcopal" E o
futuro papa beijou afetuosamente a mãe, aquela ve­
lhinha simples, de cabelos brancos.
E' inegável que até alguns pais instruídos nem
sempre c ompreendem os filhos no tempo das lutas sus­
citadas pelo período de formação, dos 14 até aos
1 6 anos. �les notam com i nquietação que o menino,
até então obediente, sossegado e aplicado, se torna

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pouco a pouco um môço estouvado, suscetível e taci­
turno. No entanto, ainda n ão é o teu caráter definitivo,
mas apenas uma forma de transição. No fundo do co­
ração, amas teus pais tanto quanto antes, embora não
o demonstres. Apesar disso ainda que aconteça pare­
cerem êles a ti muitas vêzes demasiado severos, tem
cuidado para que os caprichos dêsse tempo de transição
n ão cavem um abismo entre ti e teus pais. Convence­
te de que êles não desejam senão o teu bem, ainda
que proíbam alguma coisa muito atraente, e te sintas
prestes a revoltar-te contra a autoridade dêles.
De resto, gratidão e agradecimento são sempre
as melhores provas duma boa educação. Sê grato!
Recomendo-o muito, puis o agradecimento e a gratidão
são, entre os moços, coisas não raro desconheci das.
Êles bem que apreciam receber p resentes e aceitar
provas de atenção; o hábito, porém, de ser gratos, em
regra, não o têm. A gratidão é sempre sinal de alma
humilde e del icada ; pelo contrário, sua ausência pa­
tenteia mentalidade arrogante e falta de educação .
E' preciso, na verdade, ter mentalidade bem grosseira
e vulgar para esquecer os benefícios recebidos. Os ra­
pazes que tão bem sabem rezar quando estão em di­
ficuldade, mas se esquecem invariàvelmente de dar
graças a Deus pelos auxílios recebidos, empalmam do
mesmo modo, com prazer, os presentes dos pais e pe­
dem sem escrúpulo explicações de matemáticas ao ca­
marada : mas; quanto a lhes dizer obrigado, isso não !
O que sabem é c riticar e escarnecer o trabalho dos pais
e dos professôres. Dixeris ingratum, dixisti omne
malum", diz antigo provérbio latino : "disseste todo o
mal possível daquele a quem chamaste ingrato". Um
filho ingrato é incontestàvelmente um rapaz mal­
educado !
Na América, adotaram o costume de consagrar

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todo um dia especial, todos os anos, ao culto do amor
filial. êste dia é denominado dia das mães, e cada u m
tem o dever de s e lembrar d e sua mãe, morta ou viva.
Mais tarde êsse belo costume espalhou-se também
pela Europa ; todavia, na grande guerra, comovia ver
os soldados ameri.canos que lutavam nas frentes euro­
péias pregarem, nesse dia, na farda a simbólica flor
vermelha do amor filial. Q uanto a ti, meu filho, feste­
ja todos os dias em tua alma o dia das mães, e agrade­
ce a Deu s que te permite ainda repousar no seio de
teus pais a cabeça fatigada pelo estudo. Manifesta a
Nosso Senhor essa gratidão, com tratar atenta, obedien­
te e carinhosamente a teu pai e tua m ãe.
Que melhor elogio poderia eu achar para louvor
de um jovem que o que li na participação da morte
de um oficial na grande guerra : "Sua morte foi o
único desgqsto que êle nos causou . "

1 6. Os amigos.
Já n a antiguidade, um sábio da Grécia expusera
a idéia de que "o homem é um ser social" O h omem
não gosta, pois, de viver só, procura companheiros,
amigos.
O estudante também precisa de amigos. Nada mais
natural: N ão h á nenhum mal nisso, muito pelo contrá­
rio : o amigo seguro . é um tesouro de valor incomparável ;
podemqs confiar nêle sem reserva, e êle participa das
nossas alegrias e das nossas dores.
Na própria Bíblia acharás o mais belo elogio do
amigo seguro e fiel. " Se fizeres amizade com alguém,
n ão o acolhas senão depois de havê-lo experimentado ;
não dês m u i fàcilmente a tua confiança" O amigo fiel
é uma forte proteção, e quem o achou achou um te­
souro. Nada é comparável ao amigo fiel, e nada vale

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o ouro e a prata em comparação de sua fidelidade"
( Ecli 6, 7. 1 4. 15) .
O infortúnio é que, ao lado dos amigos fiéis, a
história conheça também falsos amigos, e casos em
que uma amizade má faz sentir a sua influência nefas­
ta sôbre uma vida tôda. O perigo é que a natureza
hum ana pende sempre mais para o mal que para o bem.
Os perversos �ão hábeis sedutores e, sob o seu influxo,
um môço pode fàcilmente tomar um .caminho que o con­
duzirá à ruína e nem sequer o percebe. Quem vive
com os lôbos, cedo ou tarde, aprenderá a uivar com êles.
Neste ponto, portanto, aconselho que adotes êste
p rincípio : " Quem n ão é amigo de Deus como poderá
ser meu amigo ?" "Aquêle p ara quem a religião e a
moral não são coisas sagradas n ão é digno de ser
nosso amigo", diz Cícero.
"Nam maximunz amamentam amicitiae tollit, qui
ex ea tollit verecundiam" (Laelius, XXI I ) . Sem delica­
deza de alma, pode haver camaradagem, uma certa
sociabilidade, nunca, porém, amizade honrosa.
Não faças, pois, amizade com um rapaz leviano
e sem caráter. "Surgit origo mali de pravo saepe soda/i"
"O falso amigo pode vir a ser causa de tua perda"
Vê que teus amigos tenham um caráter semelhante ao
teu, melhor ainda, que te sejam superiores. Porque te
é preferível estar só do que em má companhia. " Diz­
me com quem andas, e dir-te-ei quem és" "O amigo
dum velhaco é também velhaco" ; e se passares o teu
tempo em companhia dum rapaz sem princípios, aca­
barás por imitá-lo.
Evita os rapazes que se gabam diante de ti dos
seus ·pecados. Lembra-te da frase do grande Széchényi:
" Quem diz homam diz fraquezas e faltas ; mas gabar­
se destas é o último grau da depravação".

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1 7. Quem é teu amigo?
"Meu amigo é quem me sopra a resposta que eu
não sei, quem me ajuda a fazer as lições difíceis, e me
dá a metade da sua merenda", assim pensam os pe­
quenos colegiais.
Contudo quando cresceres conhecerás por ti mesmo
a verdade da expressão de Cícero:
"lgitur prima /ex amicitiae sanciatur, ut ab amicis
honesta petanzus, amicorum causa honesta faciamus"
( L aelíus, X II ) . Portanto, para êle, a primeira l ei da
amizade é nunca pedirmos aos nossos amigos e nunca
lhes fazermos senão coisas permitidas pela m o ral.
Daí se segue que não podes travar amizade senão
com um rapaz que tenha princípios tão nobres e sé­
rios como os teus, e viva de idéias tão elevadas como
as tuas, sej a sempre franco contigo, ainda que a ver­
dade te deva fazer sofrer, e .cuja companhia te torne
melhor e mais instruído. Pelo nome de amizade, nós
sempre compreendemos relações nobres.
Para Cícero, o amigo verdadeiro é um "a/ter ego"
- um outro eu. Para Horácio, êle é "animae dimidium"
- a metade de minha alma. Para Aristóteles, dois
amigos não são mais que uma alma em dois corpos.
Todos �s homens são teus próximos, mas teu amigo
verdadeiro só pode ser alguém que pense como tu,
partilhe da tua alegria e da tua tristeza, que te console
nas adversidades, que te seja fiel até o fim, e te faça
conhecedor dos teus defeitos ; em companhia de tal
amigo, nós n os sentimos como aquecidos pelo sol ou
animados pelo ar fresco e vivificante das alturas aspi­
radas a plenos pulmões.
Mas, pôsto que muito exigimos dêle, n ão é fácil
acharmos um a migo verdadeiro. Esta queixa, j á num
papiro egípcio, podia ler-se : " H oje, quase não mais se

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encontra amigo digno de afeto. Nenhum é fiel ; não
se acha u m só coração em que se possa com con­
fiança repousar a cabeça" I sto prova que um amigo
verdadeiro já era coisa rara há 4.000 anos ! Não dês,
pois, levianamente o título de amigo. Conheço j ovens
que se contentam com- uma conversa de dez minutos
para se tornarem "amigos" de um rapaz que nunca
viram e que, por isso, não podem conhecer. E squecem
a regra principal da amizade que manda conheçamos
primeiro a alma e o modo de pensar daquele a quem
queremos por amigo. Fide cui vide! Olha bem em
quem .confias !
Tem-me ocorrido ouvir conversas assim :
" Realmente era X. quem lá estava? �le é meu
amigo, temos grande relação". "Sim? e qual o seu nome
d e família?" - " Isso . n ão sei"
Não faças amizade tão depressa. Reflete bem an­
tes de conferi r a alguém o belo título de amigo. Bem
diz o provérbio : "A ninguém chames amigo antes de
com êle haveres comido um alqueire de sal". E visto
que, comer um alqueire de sal, levaria bastante tempo,
se tomássemos a máxima ao pé da letra, quase não
teríamos tempo de fazer amigos. Mas o sentido é bas­
tante claro : evitemos as amizades por demais repentinas.
Guarda-te de julgar alguém pelo seu belo rosto,
pelas suas roupas elegantes e pela riqueza de seu pai.
O exterior modesto oculta, não raro, um coração pro­
bo enquanto que roupas elegantes podem cobrir tam­
bém uma alma vazia e sem valor.
Esforça-te por ver claramente as qualidades e
os defeitos do outro. A verdadeira nobreza é um bom
coração e um caráter íntegro.
A prova de fogo da amizade é a adversidade.
Aquêle que permanece fiel na tristeza, nas dificuldades,
n a desdita, êsse é teu verdadeiro amigo. " Só os atos

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provam a fôrça da amizade", disse-o Goethe. "Amiws
certus in re incerta cernitur", diz um jôgo de palavras
latino. E a Sagrada Escritura esclarece o sentido nestes
têrmos : "Teu amigo te ama em todo o tempo, mas o
infortúnio é que o faz teu irmão" ( P rov 1 7, 1 7 ) .
Qual será, pois, doravante, a tua tarefa? Estima
os teus companheiros e trata de compreendê-/os .
Eis dois escopos sobremo tio difíceis. Estima-os ! .
E' a raiz de tôda amizade sólida. Teu companheiro
é pobre, acanhado, simp lesmente um " bom rapaz" -
não i mporta ! - contanto que tenha a alma pura e
bom coração. J:: l e tem como tu o mesmo direito à vida.
Mostra-lhe sempre estima, pelo teu acolhimento e pela
tua .conversação.
Mas isso não basta. Trata de compreendê-lo. Não
lhe interpretes mal as palavras. Se j ulgas que te ofen­
deu, não lhe respondas imediatamente. P rocura sobre­
por-te às aparências e penetrar no fundo das coisas.
E se ainda assim lá estiver a ofensa, não lhe tires as
conseqüências antes de perguntar a êle.
" Olha, você disse isto e aqui lo. Talvez eu tenha
compreendido mal. Qual era a sua intenção dizendo­
me aquilo?"
Eis o que fica bem a uma alma nobre !

18. "Atenção ! Frágil!"


Urri grande inimigo da amizade é a extremada
s ensibilidade. Essa sensibilidade doentia quase sempre
vem do egoísmo. E' o rapaz egoísta que não compreen­
de o gracej o, e logo se ofende por um nada. Mal lhe
ousam falar. êle, ao contrário, permite-se tudo o que
não sofre aos outros. Sobretudo, coitados dos irm ãos
e i rmãs mais moços ! Para êstes, é um verdadeiro tirano.

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O próprio Deus nos deu ao nosso corpo a sensi­
bilidade : é precioso atributo a serviço da saúde. Mal
o corpo é exposto a alguma influência molesta, ela nos
adverte disso pela dor. Chama-nos logo à defesa . To­
davia, a sensibilidade do corpo pode desvirtuar-se e
se tornar excessiva ; - é o que se chama em medicina
"hiperestesia", e j á é disposição doentia, porquanto
quem dela sofre sen te dores onde, em outras cir·cunstân­
cias, absolutamente nada deveria sentir.
Assim também pode a alma pôr em balança c
pesar tôdas as impressões exteriores : para que avalie
se lhes são favoráveis ou desfavoráveis. Se ela contudo
se torna demasiado sensível na sua apreciação, resul­
tará daí uma mentalidade suspeitosa e desconfiada
que se zangará pela menor coisa. Se os men inos maio­
res dão motivo em casa a tantos desgostos, ao menos
em parte a sua sensibilidade doentia é a causa. f.les
dão um sentido injustificado ao s entimento da sua dign i­
dade : por isso com qualquer admoestação se ofendem
e guardam dos pais um amargo rancor sempre que
lhes proíbem alguma coisa.
Tais rapazes têm a sensibilidade de certo verme :
enrolam-se com ira ao menor contacto. E, - ainda
como o verme, - debatem-se embora se lhes queira
fazer bem e afastar do caminho para que não sejam
esmagados.
Essa enfermidade valer-te-á muitas situações de­
sagradáveis no correr da vida, se dela te não acautelas.
Não comeces pois a brigar por qualquer brincadeira
inocente, nem te ofendas com um gracejo ou uma im­
pertinência. Ainda que te pareça que foram descorte­
ses contigo, não te ponhas à parte a resmungar sozi­
nho ; não é êsse o meio de acomodar as coisas. Vai
ter mui simplesmente com a tal pessoa e pergunta-lhe
que foi que quis dizer. Não raro, ficarás admirado

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por ver como te enganavas j ulgando má vontade na
conduta alheia. Se os homens quisessem considerar
bem que mais vêzes é causa dum mal-entendido o pró­
prio j uízo por demais precipitado que a má vontade
intencional dos outros, poder-se-iam evitar muitas ri­
xas e muitos desgostos.
Por certo todos coghe.cem aquêles caixões de ma­
deira que servem para transportar vidro e porcelanas
nas estradas de ferro. Que trazem êles escrito em cima,
em grandes letras que chamam os olhares? "Atenção!
Frágil!"
Pois bem ! seria o caso de tomar os meninos que
se ofendem com •udo, estragam sempre os brinque­
dos e lançam por tôda parte a discór·d ia, erguê-los
sôbre um pequeno pedestal como os soldados de pau,
e pendura r-lhes ao pescoço um cartaz com esta ins­
crição : "Quem com tudo s� ofende e ofende os outros
nao deve viver em sociedade" A cão b ravio, corrente
curta !

1 9. "foi êle quem começou!"


Quem não se dá bem com algum dos companhei­
ros evite encontrá-lo, mas não brigue com o outro
nem lhe lance em rosto ofensas coléricas. "Mas êle é
insuportável ! " N ão importa ! Para brigar são precisos
dois, não é verdade? Pois bem : "quando um não quer,
dois não b rigam" Na verdade, os rapazes pensam des­
culpar-se d izendo : - "Mas não sou eu o causador,
foi êle quem começou !" Bem, admitamos : foi êle quem
começou. Não é razão, porém, para perderes o govêr­
no de ti mesmo, o que te reba ixaria ao nível do adver­
sário. Se respondes com cólera a um homem irritado,
cada uma de tuas palavras será como os dentes de
dragão da fábula que tinham sido plantados na terra :
O Môço - 4
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brotarão dela incessantemente novos monstros ávidos
de briga. Confessa depois que é i mpossível acomodar
as divergências de vista e os atrito� de tôda sorte, se
sempre "foi êle quem começou", e se invariàvelmente
"aconteceu por culpa dêle" Seja qual tenha sido a
natureza da briga, e por m ais persuadido que estejas
de que foi o outro quem realm ente começou, tenta
apesar de tudo fazer um pequeno exame : tu também,
em parte ao menos, ainda que involuntàriamente, n ã o
és causa da pendência? N ão pensaste por certo q u e
aquilo acabaria assim, mas, visto que o s homens s e
ofendem t ã o depressa p o r qualquer coisa, serás no
futuro mais cuidadoso. E' assim que se trabalha n a
própria educação e se tira proveito das próprias ex­
periências.
"Mas, afinal, devo engolir tudo?" perguntarás.
" Devo sofrer em silêncio, façam-me o que quiserem?"
- Não, meu filho. N ão precisas sofrer tudo em silên­
cio. O próprio Nosso Senhor não aturou tudo sem di­
zer palavra. Respondeu às ofensas, mas respondeu
com a dignidade tranqüila que desarma. Quando, no
decurso do seu interrogatório, esbofetearam-no, disse
com uma calma sublime àquele que o insultava : "Se
falei mal, prova-o ; se n ão, por que me bates ?" - Que
exemplo e mpolgante de império sôbre si mesmo ! E'
o nosso perpétuo exemplo em caso de defesa. E' l ícito.
defendermo-nos e responder ao insulto, não, porém,
com o punho, -com uma bofetada, o u com outra ofen­
sa ! Tudo isso não é defender-se, é rebaixar-se ao ní­
vel do adversário. Quando, em esgrima, dás u m bom
golpe, tens sempre, no en tanto, o cuidado de não aban­
donar a tua posição firme e sólida, de não te inclina­
res para a frente de maneira a perder o equilíbrio, pois
bem sabes que isso te faria, ao mesmo passo, per·d er
partida. E, quando brincas de puxar corda, .como em-

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pregas tôdas as fôrças para não te deixares puxar para
o outro lado ! Pois bem ! quem paga ofensa com ofen­
sa, quem se zanga e se deixa levar à violência, não
consegue defender-se. Ao contrário, perde pé deixan­
d o-se puxar para o outro lado : desce por si mesmo
ao n ível do ofensor.

20. "Não falo mais com você !"


Tenho tido, muitas vêzes, ensejo de admirar ra­
pazes no esporte do trenó suíço. E' surp reendente ver
com que habilidade êles o governam, até n as c urvas
mais perigosas, a fim de evitar os rochedos. Ao vê-los,
começo a deseja r que possam empregar a mesma ha­
bilidade nas relações com seus camaradas . Quantas
rixas, quantas ofensas poder_iam ser evitadas como os
rochedos, se a vontade lhes obedecesse ,como o leme
do tren ó ! P ode ser que tenhas um temperamento fo­
goso e que haja realmente grande causa de discórdia ;
mas, se te pudesses dominar apesar de tudo, darias
prova dum caráter bem viril ! Dizendo injúrias, ir ando­
te, brigando, demonstras que não passas de um fan­
toche sem vontade. Atracar-se é proceder como os cães.
As crianças são capazes de brigar por causa duma
metade de fruta : e se separam rangendo os dentes.
" N ão falo mais com você ! " Nas ,crianças i sso ainda
pass a ; mas nunca pude compreender moços de calças
compridas a agredir-se como tigres por coisas ainda
menores que uma metade de fruta. Antes digo melhor :
Compreendo-o perfeitamente. E' porque, se as calças
lhes são compridas, a disciplina e a von tade, pelo con­
trário, são bem curtas. Têm-nas muitas vêzes o menos
do que um bebê de fraldas !
Todavia, um homem bem educado deve saber do­
minar suas paixões. Quem se enraivece sem ,c ontrôle
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e, na sua cólera, diz ou faz coisas de que deverá mais
tarde arrepender-se, não figura entre as pessoas bem
educadas, por mais elegante que sej a. P ode alguém,
todavia, ser h omem educado apesar da roupa mancha­
da de gordura. Tive uma bela p rova disto ao regres­
sar da América a b ordo do " Olympic". Bem no meio
da travessia, fui testemunha desta cena :
Um jovem taifeiro, p reguiçoso demais para ir até
à extremidade do navio, queria deita r o lixo ao mar,
do passadiço dos passageiros, onde eu me achava. U m
marinheiro mais idoso p ercebeu-o a tempo e gritou­
lhe que fôsse à ponta do barco. O rapaz deu alguns
passos na direção i ndicada; mas, logo que o superior
virou as costas, entornou assim mesmo a lata de lixo
no mar. Por infelicidade, o velho se voltou, e ei-lo que
vem a grandes passadas em di reção ao taifeiro aterrado.
Eu estava .curi oso de ver o que sucederia. Imaginei a
cena que se seguiria infalivelmente cá no nosso meio.
Seriam no mínimo palavras grosseiras, descomposturas
teHíveis e valentes bofetadas. Que aconteceu porém ?
O velho marinheiro, trêmulo de raiva, parou a dois
passos do amedrontado taifei ro e disse-lhe qualquer
coisa em voz tão baixa que nada ouvi. Sem dúvida,
ordenava-lhe que se apresentasse ao comando, onde
receberia a merecida punição por haver desobedecido.
Mas aquela cólera recalcada, aquelas palavras calmas
naquele momento difícil, haviam-me claramen te mos­
trado a vontade disciplinada do velho marujo.

2 1 . "Animal !"
H oje em dia, os nervos da humanidade andam tão
enfraquecidos e tensos, a vi·da é tão atormentada, que
não é de admirar que em tôda parte - no bonde, nas
reuniões, e em geral nas grandes multidões, vejamos

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pessoas perderem a calma e se apostrofarem de manei­
ra pouco edificante. Longe estou de querer desculpar
essa impaciência nos adultos ; porém o que me impres­
siona mais . aind a é ver jovens agredir-se trocando os
mais belos nomes. Nêles, os nervos ainda estão intactos,
a vida ainda não teve tempo de gastá-los; por conse­
guinte, na maioria dos casos as suas rixas só são de­
vidas à falta de govêrno de si mesmo. Se, no futebol,
um dos jogadores comete uma falta, imediatamente
dois ou três camaradas lançam-lhe em rosto a sua
advertência desta forma : "Imbecil" ou, então, "Animal!"
Vou contar-te por que meios consegui desabituar
os meus alunos dessas exclamações grosseiras. Mal
um dêles havia gritado "Animal !", eu lhe dizia tran­
qüilamente : "Sabes que a impressão tipográfica está
muito cara hoj e em dia : portanto farias bem em não
distribuir assim tão fàcilmente os teus cartões de visita ! "
A partir dêsse tempo, a o p rimeiro desvio d a l ingua­
gem, os outros rapazes gritavam em côro : "Cartão
de visita ! Cartão de visita ! " e assim a distribuição dos
cartões de visita tornou-se cada vez mais rara.
Conheço, ali ás, um môço muito sério que deu uma
boa lição a um camarada estouvado. Desciam êles as
escadas da escola e, no meio da multidão que se preci­
pitava .como podia, êle foi l ançado contra o outro. A
apóstrofe quase natural em semelhante caso saiu como
um raio da bôca do jovem estouvado : "Animal ! " Que
fêz o outro ? D eu-lhe um tabefe? N ão. Estendeu fria­
mente a m ão ao jovem desconhecido, inclinou-se le­
vemente como se faz numa apresentação, e disse-lhe
com voz calma :
"E eu chamo-me Francisco Berger ! "
Tão cedo êsse rapaz n ã o ousará chamar alguém
de animal !

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O tom amistoso e brando, longe de indicar fraque­
za, •Como o pensam em geral os estudantes, é sempre
prova duma boa educação, duma alm a delicada e dum
viril domínio de si. Pode dizer-se muito bem a própria
opinião, exprimir até uma censura, sem grosseria;
nenhuma necessidade há de praguejar e de dizer no­
mes ofensivos.
Ouve--me uma história de Harun al Raschid, califa
de Bagdá : é excelente exemplo que nos mostra como
sempre podemos dizer ao próximo as mais severas
verdades, desde que lhe demos uma forma a·c eitável.
- "Certa noite, o califa sonhou que lhe haviam caído
todos os dentes. "Que significará tão estranho sonho?"
- perguntou êle a um sábio que se ocupava de expli­
car os sonhos. "Signifi.ca, respondeu o sábio, que to­
dos os teus parentes morrerão antes de ti". - Harun
ai Riaschid encheu-se de terrível cólera e mandou dar
duzentas bastonadas no in ditoso sábio. " Imbecil ! igno­
rante !", - diz-lhe, "quem és tu que ousas dizer-me
semelhante coisa? Se todos os meus parentes morrerem
antes de mim, que felicidade poderei ainda ter neste
mundo?" - Ordenou a outro sábio que lhe explicasse
o sonho. D i sse-lhe êste : "O sonho que tiveste, ó ca­
beça dos crentes, significa que o califa viverá muito
mais tempo que seus parentes, e sua vida muito mais
l onga será que a dêles" A explicação agradou �o ca­
lifa, o qual mandou fôssem dadas cem moedas de
ouro ao sábio. E ntretanto, havia êste dito exatamente
a mesma coisa que o outro, mas sob uma forma di­
ferente.
Muitas vêzes, os j ovens - sobretudo na idade de
1 4 a 1 6 anos - julgam manifestar uma coragem viril
empregando expressões grosseiras apanhadas na rua.
Desenganai-vos, meus j ovens amigos : o que mostrais
com isso é que sois mal-educados, careceis de gôsto e

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compostura. As palavras polidas por certo n ão custam
mais do que a conversa grosseira e mal-educada ! En­
tão, por que não tratarmos, pela n ossa polidez, de
dar prazer ao n osso próximo, já acabrunhado de tan­
tos cuidados ?

22. "Batracomiomaquia" .
Se está zangado, cala-te. Ou, ao menos, espera
um momento antes de responder - ainda que fôsse
só tanto quanto Júlio César, que, quando se encoleriza­
va, tinha por hábito contar até 20 antes de responder.
Verás que a resposta será muito mais branda e bem
diferente da que darias no primeiro assomo. Admirá­
vel domínio de si o daquele sábio grego que dizia ao
criado que lhe causara grave dano : " Se não estivesse
irado, eu te castigaria ! "
E d e pois, que te h e i de dizer do h ábito d e blasfe­
mar que muitos jovens adquirem sob a influência das
más companhias? Um estudante que blasfema ! Nada
mais triste. Nem se pode imaginar sej a isso possível.
O hábito de blasfemar n ão somente é falta de educação
que denuncia caráter pouco simpático, mas, além dis­
so, é pecado grave. Revela uma vontade bem fraca.
A ninguém fica bem e m uito menos a um homem bem
educado. O homem que blasfema proclama aos quatro
ventos a sua falta de d isciplina.
"Mas que posso fazer, se me i rritam? Tenho que
dizer alguma coisa, para não rebentar de raiva ! " Pois
bem ! se assim é, - se realmente te molestaram a ponto
de provocar uma explosão - grita com voz de trovão
alguma palavra sem sentido, se isso te pode aliviar,
mas não toques em Deus! Aqui está, por exemplo, uma
palavra grega : "Batracomiomaquid' (que quer dizer
guerra dos ratos com as rãs ) ; troveja-a quanto quise-

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res, se te fôr absolutamente necessário gritar alguma
coisa .
Quem não sabe conter-se mostra, por isso mesmo,
que não é senhor em sua própria casa. O homem en­
colerizado a si próprio se humilha, pois vinga em si
mesmo a falta de outrem.
N ão digo que sej a preciso fingir uma polidez ex­
t remada. Se te pisam no pé, n ão estás obrigado a di­
zer : "Meu amigo, êste é o momento mais agradável
da minha vida" ; abstém-te, porém, de gritar-lhe : "Ani­
mal ! " Se alguém se afastar um pouco da verdade, n ão
lhe digas : " Isto não é verdade ! " , e muito menos : " E'
mentira ! " Dize : "Você se afasta um pouco do que
se deu", - o sentido é o mesmo, mas a forma é mais
polida. E' o tom que faz a música - quer isso dizer
que podemos muito bem dizer uma verdade dura, con­
tanto que o façamos de maneira conveniente e cortês.
Em geral, quanto mais um homem é educado, tanto
mais é calmo, tanto menos barulho faz, e procura
sempre conservar o dom ínio de si mesmo. Sê forte,
mas sem dureza ! Uma vara dourada c ornada de fi­
tas é sempre uma vara, mas já n ão ofende.

23. "Mas sou tão nervoso !"


Muitas vêzes, os rapazes querem desculpar sua
sensibilidade ex·c essiva e sua grosseria, dizendo : "Mas
sou tão nervoso ! "
E ' inegável que, a té certo ponto, o homem está
sujeito à hereditariedade, e é possível tenha herdado
dos pais nervos abalados. Todavia, o mais das vêzes,
não há nervosismo, mas apenas má educação. E é
mais cômodo dizer : " Sou nervoso, herdei essa enfer­
midade, nada posso fazer ! " - do que corrigir-se.
Conta-se que Maria Antonieta, a subir ao .cada-

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falso, pisou no pé do carrasco e logo lhe disse : "Per­
dão, senhor, não o fiz de propósito ! " Polidez até no
último momento ! Todavia, no cadafalso bem teria al­
guém o direito de estar nervoso !
D ão-nos os alemães um conselho bem sábio quan­
do nos recomendam n unca nos apressarmos e nunca
ficarmos ociosos, a fim de nos preservarmos do nervo­
sismo. "Haste nie, doch raste nie, dann haste nie
Neurasthenie".
Se te deixaste apesar de tudo levar pela cólera
e ofendeste a alguém, sabe pedir perdão imediatamen­
te ! Há moços que, depois de reconhecerem a sua fal­
ta, são por ela atormentados durante dias e semanas,
sem poderem resolver-se a pedir perdão. "Não quero
humilhar-me !", dizem. - Ora, essa concepção é intei­
ramente falsa. Enganar-se é uma falta bem humana,
- mas .corrigir um êrro é uma boa qual idade ; e nada
mais belo do que um homem que pede perdão duma
falta cometida, e que sabe perdoar sem segunda in­
tenção.
Dize francamente : "Tive falta de tato, fui gros­
seiro" - em vez de di zeres : "Sou muito nervoso !"
Assim, estarás certamente mais perto da verdade.
Em geral um tom calmo é sempre prova de dis­
tinção e também de veracidade. "Quem se zanga não
tem razão" Toma, pois, bem cuidado com tuas pala­
vras ao começares uma discussão. Procura ficar tão
calmo quanto possível. Não raro os melhores amigos
malquistam-se a té à morte, no decurso duma discussão,
porque quiseram ocultar a sua falta de argumentos à
fôrça de berros, de caretas e de gestos fogosos. Grosse­
ria não é n e rvosismo. Pode-se, pelo ·Contrário, muitas
vêzes impedir uma briga por uma resposta calma.
" Tollitur illa gravis, si est responsio suavis"

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Que felicidade para um homem saber calar-se
quando está zangadc:> ! Quando estamos irados, dize­
mos muitas vêzes coisas de que nos arrependemos de­
pois. Xenócrates guardava sempre silêncio quando zom­
bavam dê!e. "Calo-me", dizia, "porque já me tenho
arrependido muito de ter dado resposta a palavras
i rônicas ; mas nunca ainda me arrependi de ter guarda­
do silêncio" .
Outra coisa ainda que n ão vem do nervosismo,
mas apenas dum espírito superficial : é o hábito que
adquirem muitos moços de usar constantemente pala­
vras grandiosas. Para êles, só h á duas espécies de
homens : "Que animal ! " ou então : "Ah ! meu amigo
é um gênio ! " Para os meninos dessa têmpera, as pes­
soas ou são "divinamente amáveis" ou "insuportàvel­
mente odiosas". Observa, ao contrário, quão raramen­
te os homens sérios se servem dos superlativos. Êles
nunca dizem que alguém é "extraordinàriamente belo",
"pasmosamente inteligente" ou " hediondamente es­
túpido"

24. O môço sensato.


Uma das maiores falhas da juventude é ser irre­
fletida. Por palavras ou por pensamento, está bem
depressa p ronta a julgar pessoas e coisas. U m môço
nem sequer falou dois minutos .com alguém, e já dá
sua opinião sôbre êle como uma sentença sem apelação :
"Ah ! meu amigo, êsse rapaz é um gênio !", ou ainda
"Escuta, êsse tipo é um perfeito imbecil !"
Essa maneira de j ulgar superficial e estouvada,
disse eu, é um dos atributos da juventude. Embora sai­
bas, deves, n ão obstante, forçar nisto como em outras
coisas a tua natureza, a fim de que de ano para ano
te tornes mais refletido. Quase sempre os rapazes j ul-

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gam pela aparência, e por isso muito superficialmente.
Depressa dizem que um camarada é muito amável, se
êste os diverte. Estás, porém, bem seguro de que a
alma, a honra, o caráter dêsse amável rapaz sejam in­
teiramente íntegros? Como podes travar com êle uma
amizade íntima, quando nada sabes da sua mentalidjide ?
- Pelo contrário, é bem possível que a alma de outro
rapaz, que achas antipático, sej a um diamante dzt mais
pura água ; apenas, não soubeste mergulhar nas suas
profundezas.
A propósito das palavras e dos j uízos dos moços,
tens bastante cuidado de nunca dizer senão a verda­
de pura, de não julgar levianamente as pessoas e de
n unca ofender a ninguém ? Sabes escutar com calma
uma opinião contrária à tua?
Eis um caso ocorrido com um estudante austríaco
e contado por êle mesmo :
Passeava no Ring, em Viena, quando, de repente,
grande número de pessoas se aglomerava diante dêle.
O uve como que u m pesado baque, mas nada vê. " Deve
ter sido algum "animal" que bebeu demais", - obser­
vou em alta voz insinuando-se através dos espectadores.
E que é que avista? E' seu pai que lá está caído por
terra, acometido de apoplexia. "Há de o senhor ima­
ginar se depois d isso eu peso ou não minhas palavras
e afirmações", acrescentou o môço.
Es4 ás vendo, meu filho? Não foi sem causa que
a sabedoria infinita do Criador cercou a l íngua de uma
dupla parede, duma dupla barra, - os lábios e os den­
tes, - como para nos ensinar a refletir bastante antes
de falarmos.
E como é difícil às vêzes fechar a bôca a um jo­
Vf'm ! As palavras jorram dela como u m córrego das
m ontanhas engrossado pela chuva, sem grande resul­
tado aliás. "0 coração nos lábios, é próprio de um

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tolo, - a língua no coração, é de um sábio", - disse
alguém.
"Mostre-me sua l íngua, rapaz", diz o médico, e
êle olha a língua e sabe imediatamente se está doente
ou não. " Fale--me um pouco, meu filho", peço eu, e
"poderei dizer-lhe se sua alma está doente ou não"
Quem muito fala, geralmente o faz por vaidade,
visto que é êle próprio o assunto p rincipal da palestra .
U m juízo modesto e calmo fica mu ito melhor a u m
môço d o que sentenças enfatuadas d e arrogância, como
estas : "Você entende disto tanto como um burro ! "
"Mas você não tem a menor idéia d o assunto, seu
idiota ! " "Que asneira você acaba de dizer ! " , etc. Ge­
ralmente, são os jovens mais ignorantes que mais gos­
tam de exprimir-se nesse tom de admirável superiori­
dade. Nariz para o ar, cabeça vazia ou, para falar mais
exatamente, "sabedoria que não p recisa de expe­
riência"
Quanto mais estudamos, tanto mais nos impressio­
namos por ver a extensão do saber humano, do qual
apenas conhecemos parte incalculàvelmente pequena.
Chegados a êste ponto, já não p roclamamos com es­
trondo os nossos juízos caprichosos e impacientes,
mas falamos modestamente, como Franklin, o grande
inventor americano, que dizia : " Penso que é assim",
"A coisa pare.ce-me tal, se não me engano", ou ainda :
"Eu ainda não ousaria tirar essa conseqüência . "
E' sobretudo na idade ingrata, entre os teus 1 4
a 1 6 anos, que farás bem em ter cuidado na tua atitu­
de, palavras e gestos. Nessa idade, os jovens são, não
raro, desastrados e insuportáveis. De tal rapaz, já se
sabe que é mal-educado antes que tenha aberto a b ôca,
antes até, talvez, de ter sido visto. Quando entra em
casa, bate as portas a ponto de fazer tremer as pare­
des ; passa ruidosamente pelo quarto e atira o maço

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de livros a um canto com tal ímpeto que as fôlhas
voam por todos os lados. E, quando fala, que algazar­
ra ! Interpela o amigo a cem metros de distância. E de­
pois, como irrita e atormenta os membros da família!
Se não acha outro meio de fazer barulho, põe-se a.
cantar -:- que digo? - a urrar uma cantiga qualquer,
marcando compasso na mesa com a régua. Sucede-lhe
até enfurecer-se e brigar com os móveis do quarto e
cobrir de injúrias a cadeira que range ou o sabão que
lhe escorrega da mão. À noite, cuidaríamos ouvir tiros
de canhão quando atira os sapatos a cinco metros de
distância pelo menos. Que poética desordem no seu
quarto quando, ao deitar, esparrama as roupas para to­
dos os cantos ! Na rua, se leva um guarda-chuva, esfre­
ga-lhe a ponta suja em todos os transeuntes. Gosta de di­
zer gracejos nos quais só êle acha graça ; entre parênte­
ses, ri às gargalhadas, e, quando fala, grita tão alto, que
se poderia supor fôssem surdos todos os ouvintes.
E apesar de tudo, não é mau êsse pobre rapaz.
Apenas, esquece-se de que Deus lhe deu calcanhares,
e de que a melodia que lhe parece angélica pode pare­
cer aos outros zoada de rebentar a cabeça.

25. Como tratas os criados?


Para reconhecer se alguém é deveras bem educa­
do, até no fundo da alma, ou se apenas se veste das
aparências de civilidade, não há meio mais seguro do
que examinar como trata os inferiores, criados e do­
mésticos. Sob êste aspecto, ai ! muitos jovens de boa
família sucumbiriam à prova : porque, muitas vêzes,
são caprichosos e exigentes .com os domésticos, falam­
lhe em tom desdenhoso e lhes ordenam isso e aquilo,
cada cinco minutos.
Desde o advento do Cristianismo, tal modo de agir
nunca foi nem bonito nem conveniente, mas, na nossa

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sociedade democrática, êle destoa ainda mais. O criado
é um homem e:J«Jtamente s emelhante ao jovevn orgulhoso
que o trata tão rudemente; ambos têm uma alma imortal!
O homem bem educado p rocura tornar mais suave a
sorte dos domésticos e tirar-lhes, por suas maneiras
delicadas e polidas, o travo de amargor, visto que sabe
serem êsses seus semelhantes obrigados a servi-lo em
.conseqüência da sua condição mais modesta. O môço
que fala delicadamente aos criados e lhes presta peque­
nos serviços, longe de perder com isso a dignidade, .
dá p rova duma mentalidade verdadeiramente distinta.
D ize, pois, sempre : "Por favor . tenha a bon-
dade", etc., e agradece sempre àqueles que, mercê de
seu trabalho · monótono e enfadonho, cuidam que tenhas
as tuas comodidades.
U m jovem bem educado é, pois, sempre delicado
com os domésticos. Lembra-te sàmente de quanto já é
difícil de suportar a sorte dêles e não lhes aumentes
ainda o amargo r ! Por que razão desfrutas o privilégio
de ter a teu serviço um de teus semelhantes que :em
nada d ifere de ti ? Por que razões mereces te limpe êle
os sapatos? - Mas enfim, já que assim é, trata ao me­
nos de lhe aliviar a sorte, mediante ordens delicadas
e proceder cheio de tato. Crê no que te digo, não per­
derás nada da tua dignidade, por haveres agradecido
à criada de quarto que te trouxe um copo d'água.
A alma verdadeiramente nobre revela-se muito mais
pelo tom com que trata as pessoas de serviço e pela
maneira como fala delas, do que pela elegância re­
quintada e mão tratada pela manicura.
Além disso, n enhum mal te faria refletir um pou­
co nisto : já que outros trabalham para ti a fim de te
libertarem do trabalho físico, estás duplamente obri­
gado a empregar o tempo assim ganho no adiantamento

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do teu progresso espiritual e não na bus-ca de prazeres,
nem na ociosidade de um preguiçoso.

2 6. O riso.

A nossa disciplina espi ritual deve aparecer até


nas mais pequenas coisas, - até ainda n o riso. E'
coisa muito sã o riso ; facilita a circulação do sangue
e torna alegre o humor. Fico, pois, sempre contente
de ver meus alunos de bom humor. Mas somente quan­
do é chegado o tempo de rir : quem ri quando devera
estar sério dá quase a impressão de um idiota.
Bem farás, portanto, exercitando-te em adquirir
um pleno domínio também sôbre os músculos do teu
rosto, tentando às yêzes não rir duma coisa cômica.
Sob êste ponto de vista, eis aqui um pequeno exercí­
cio bem útil : fixamente vos olhardes n os olhos, um
camarada e tu, durante dois ou três minutos - sem
rir, bem entendido ! E' difícil, bem o sei ; mas que
grande vantagem se o consegui res ! Mais de um es­
tudante já experimentou sérios aborrecimentos porque,
no momento em que o professor dava uma explicação
no quadro negro, no meio de um silêncio absoluto êle
desatou a rir por causa duma idéia 1 extravagante que
lhe passou pela cabeça, ou de uma asneira soprada ao
ouvido pelo vizinho. Puniram-no severamente. Todavia,
o coitado n ão queria rir ; apenas, não aprendera a
governar os músculos do rosto.
Depois, êsse domínio te prestará também bons
serviços se vieres a ser arrastado, por acaso (sei que
não o procurarias por gôsto) , a uma sociedade onde
se contam anedotas picantes das quais riem-se a ban­
deiras despregadas. Nesse caso, ainda que não possas
ir-te embora, o teu rosto i nflexível, no qual nem um só
sorriso venha fazer concessões, será um protesto vivo

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contra essa sociedade de mau gõsto. E' sinal sempre
de fôrça imponente o poder alguém governar os mús­
culos do próprio rosto.
Efetivamente, em companhia alegre, melhor po­
demos penetrar o .c aráter das pessoas ; deves apenas
observar como tal pessoa se diverte, o que a faz rir,
o que conta para divertir os ou tros - e saberás o que
pensar do seu valor. Já era essa a opinião de Goethe,
que dizia : '"Nada caracteriza melhor os homens do
que a maneira como êles riem de certas coisas"
Saltita uma ave a passos miúdos com tal graça
e ligeireza que n unca podemos esquecer que ela tem
asas. Por mais alegre que sejas, deve sempre perce­
ber-se, pela tua atitude, que tua ahna delicada e dis­
ciplinada conserva o pleno domínio de si.

27. "Meus queridos pais .

Escrever uma .carta não é coisa tão simples assim.


E' na verdade uma arte. E aqui não penso só nas re­
gras da técnica exterior (por exemplo na que recomen­
da deixar margem no comêço das linhas e em baixo
da página) , mas sobretudo nesse instinto delicado que
nos faz achar os têrmos justos para exprimir os nos­
sos sentimentos. Redigindo uma carta, havemos de
ser ainda mais prudentes na escolha das palavras do
que o devemos ser falando ; porquanto, na conversa,
os tons e as inflexões de voz podem dissipar os mal­
entendidos que expressões mal escolhidas possam ter
causado; mas, no papel, as palavras não têm senão um
sentido. Exercita-te, pois, em escrever certas ·Cartas
delicadas e polidas segundo as diferentes circunstân­
cias ; procura perguntar-te como escreverias se tivesses
de dirigir uma recusa a alguém, chamar-lhe a atenção
sôbre uma falta grave, defender-te contra uma acusa-

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\'ão injusta, cumprimentar pelo aniversário um camara­
da doente, consolar um amigo depois da morte do pai,
tentar reconciliar-te com alguém que está zangado
contigo, etc.
Uma carta deve sempre dar ao destinatário uma
idéia favorável daquele que a escreve. Portanto, deve
ser cortês e de tom amável, de aparência clara e limpa.
Enviar uma carta suja, rabiscada, raspada, corrigida,
é uma ofensa para o teu correspondente. Em carta
aberta não se fazem confidências, nem se mencionam
coisas que possam ser desagradáveis ao destinatário. A
data, em q ualquer carta, deve sempre vir indicada.
E' o que esquecem com freqüência os jovens.
Os moços ficam, muitas vêzes, embaraçados para
começar e terminar suas cartas. E' claro, a gente se
dirige aos pais e aos amigos de maneira muito dife­
rente da que se emprega para superiores ou uma au­
toridade pública. Aqui, o título ofi·c ial e um respeito
mais acentuado substituem os têrmos afetuosos.
As mais das vêzes, a correspondência de um alu­
no interno limita-se à carta que nos domingos escreve
aos pais. "Meus queridos pais . " A h ! meu caro me­
nino, se soubesses como teus pais lêem e relêem tuas
cartas, a fim de achar n elas alguma coisa de ti, -
despenderias algum tempo em l hes contar um pouco
da tua vida, dos teus estudos, das tuas distrações ;
dir-lhes-ias outra coisa mais do que esta frase tão
amiúde repetida : "Vou indo bem, mas preciso d e
dinheiro . . " Porias u m pouco do teu coração nas tuas
cartas !

28. O sono.
A cada u m de nós, a Providência d eu uma gran­
de tarefa que cumprir. Para podermos realiz á-la, pre-
0 l\IÕÇO - 5 65
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cisamos não somente da capacidade intelectual, mas
ainda da saúde física. A saúde é uma auxiliar excelen­
te para alcançarmos n ossos fins; por conseguin te, o
môço prudente tem cuidado da sua saúde, poupando-a
e tratando-a. Seria, sem dúvida, dar prova duma men­
talidade pagã o considerar a saúde como o nosso maior
bem ; mas, refletindo n isso seriamente, devemos, con­
tudo, colocá-la entre os mais preciosos. tesouros terre­
nos; de modo algum, é, pois, indiferente que alguém,
por sua própria culpa, perca a saúde, - êsse instrumen­
to de que tanto necessita para çumprir os seus nobres
deveres neste mundo. Escusa dizer que o outro extremo
não fica bem a um môço : se êle acima d� tudo se
preocupasse com a sua saúde, tornar-se-ia grotesco.
Um modo de viver tranqüilo e sóbrio e um humor
calmo e manso são os melhores médicos e os melhores
preservativos da saúde.
A propósito do sono, bem razão tem Schiller, o
grande poeta alemão, quando diz ser êle o "melhor
prato na mesa da vida"
Efetivamente, o valor do sono é inestimável. E' tão
indispensável à vida quanto a comida. Ao homem exaus­
to pela tarefa do dia, dá fôrças novas. Durante o sono,
o corpo elimina as matérias nocivas e as toxinas que
se acumulam no organismo como escórias do trabalho
físico ou mental, e que provocam uma sensação de fa­
diga. D epois, o organismo toma muito mais oxigênio
durante o sono do que no estado de vigília, e isto o re­
conhecemos .sem custo pela respiração mais profunda.
Por essa razão, é mais repousante dormir ao ar l ivre
ou num quarto bem arejado. Quanto mais elevado é
o leito, tanto mais puro o ar que respiramos durante
o sono, pois o gás carbônico nocivo à saúde, mais
pesado que o ar, acumula-se junto ao solo. Por isto faz
mal à saúde dormir no chão.

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U m j ovem p recisa dormir 8 a 1 0 horas por dia ;
as crianças menores, mais ainda. O sono que precede
a meia-noite é o mais repousante : o das horas seguin­
tes n unca o substitui completamente. Seria, pois, bem
desarrazoado roubar ao sono da noite - as horas desper­
diçadas no correr do dia.
"Uma n ação que se deitasse regularmente às 1 O
h oras depressa alcançaria a vitória sôbre as outras",
disse um escritor de renome.
Antes de nos deitarmos, devemos preparar-nos
para o repouso. Para isso, evita comer ou beber coisas
excitantes; no correr da hora ou das horas que prece­
dem o dei tar, não faças nenhum trabalh o difícil que
te possa agitar. Depois da ceia, é p referível conversar
um pouco e, depois, antes do deitar, repousar a alma
por uma boa oração e u m sério exame de consciência.
O leito deve ser bem liso, antes duro que demasia­
elo mole ; a coberta deve ser leve e não muito quente.
Abrindo os olhos pela manhã, levanta-te i mediatamente,
e não fiques deitado a sonhar acordado o que te faria
preguiçoso, friorento, efeminado. Êsse hábito de moleza
estraga o efeito repousante e reparador produzido pelo
sono da noite. Apega-te a esta máxima : Deitar cedo,
levantar cedo !

29. O corpo bem adestrado.


Não duvido que tenhas mais de uma vez ouvido
a frase que nos vem da antiguidade : "Mens sana in
corpore sano" Quisera fazer-te notar a êste respeito
que, não somente o corpo são e bem adestrado é pre­
cioso auxiliar que nos ajuda a bem cumprir n ossa mis­
são neste mundo, mas também que a alma j ovem dis­
põe-se com maior facilidade a se transformar num ca­
ráter e a permanecer fi rme num corpo bem aguerrido,

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bem exercitado, bem destro, do que n um montão de
carne gorda, mole e p reguiçosa. Faz exerdcio de gi­
nástica e de trabalho físico todos os dias, mormente
nos anos de adolescência, a partir dos 1 3 ou 1 4 anos ;
é ainda um bom meio para conseguir �ssegurar a pure­
za de tua alma. O jovem que cuida todos os dias de
fatigar não somente o espírito, mas também o corpo,
estará muito menos exposto às tentações do que o rnô­
ço ocioso e indolente. O corpo amimado, afagado e farto
de gulodices embriaga-se com a sua importância : na­
da mais natural. Quer ser o senhor, qller reinar, tor­
na-se exigente e, golpe sôbre golpe, envia ao assalto
a artilharia das tentações sensuais contra a pobre alma.
O corpo é u m inimigo em nossa própria casa : sempre
pronto ao mal, cheio de displicência pelo bem. Contudo,
se tomares cuidado de bem exercitar, de disciplinar,
de domar em todos os sentidos êsse lôbo esfaimado
- numa palavra, se o obrigares a fazer um bom exer­
dcio de ginástica todos os dias, - verás que êle desis­
tirá das suas p retensões impudentes.
Ensina-11 o s a história que as nações sadias e
fortes sempre liga1 am importância especial ao adestra­
mento físico dos seus cidadãos. Onde quer que a têm­
pera viril deu lugar à moleza efeminada, arrastou sem­
pre após si a decadência, - a decadência da saúde
como a da cultura.
Mas que é p recisamente o adestramento viril ?
E' essa capacidade elo corpo que lhe permite su­
portar, sem dano para a saúde, impressões, estímulos
e golpes muito fortes, e sobretudo opostos. Essa qua­
lidade evidencia-se sobretudo em face das mudanças
de tempo e de temperatura. O homem de saúde perfei­
ta pode sair dum quarto quente para o ar frio sem se
resfriar. Suporta sem dano o vento, o nevoeiro, a umi­
dade, assim como o sol de verão. Seus vasos sangüíneos

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contraem-se e se dilatam conforme a necessidade ; le­
vam mais ou menos sangue às diversas partes do cor­
po e, dêsse modo, permitem que se conserve sempre
o -calor natural do organismo. O calor natural do corpo
jov em e bem adesrtrado preserva melhor do resfriado,
do que um agasalho.
Um homem bem exercitado sabe também curtir
melhor a fome, a sêde e a fadiga. O j ovem exercitado
sabe sorrir apesar duma dor de dentes desagradável,
não se deixa abater pela fadiga ou por uma leve in­
disposição. NãD conhe-ce o mêdo, não é guloso, não
faz de preguiçoso na cama de manhã, sabe sempre con­
servar o corpo sob o domínio da alma.
"Mas eu sou tão doentio ! Que posso fazer, se
nasci assim?" - E' queixa que tenho ouvido muitíssi­
mas vêzes. Mas vós vos enganais, meus jovens amigos.
Pareceis crer que a saúde de nenhum modo depende
de nós mesmos. Sem dúvida, se herdamos um orga­
nismo fraco, j amais viremos a ser lutado res de ringue.
Mas afinal de contas, não é esta a nossa finalidade !
Muitas vêzes, esquecem os moços que o ar fresco
tem uma importância -capital para a saúde. Se não o
esquecessem, não invejariam os que passam horas in­
teiras no ar empestado dos cafés, onde a fumaça do
tabaco flutua como uma nuvem ; e não esperariam tão
impacientemente pelo tempo em que ali poderão absor­
vê-lo com os outros. U ma boa circulação do sangue
é absolutamente necessária para a saúde. Para asse­
gurá-la, é preciso ar puro. Areja, pois, bem o teu quar­
to : o ar um pouco frio, mas puro, é sempre preferível
a uma atmosfera bem quente, porém pesada de exala­
ções. Isto é duplamente indicado para um quarto de dor­
mir. Num quarto onde o ar é fresco ( não frio), dorme­
se melhor e mais profundamente, e isto faz muito bem
à saúde. Durante o estudo, levanta-te, põe-te nas pontas

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dos pés e, com os braços, faze alguns movimentos como
se quisesse nadar. I sso distende a espinha fatigada e
traz oxigênio fresco aos pulmões. O trabalho parecer­
te-á mais fácil depois.
Passa ao ar livre tanto tempo quanto· possível .
Passeia, não por uma rua cheia de gente, mas no pá­
tio, no jardim, nos campos, nos bosques. Aí, aspira o
ar longa, profundamente, pelo nariz, de bôca fechada,
alçando-te sôbre a ponta dos pés como se quises­
ses crescer, e levantando devagar os braços obliqua­
mente por trás da cabeça. Repete isso várias vêzes.
Também podes fazer êsse exercício nos intervalos se
estiveres fazendo um trabalho de fôlego no teu escri­
tório. D essa maneira, o ar penetra também nas células
dos pulmões inativas n a respiração ordinária, as quais,
por causa disso, tendem a perecer. Para evitar o
perigoso catarro dos brônquios superiores e fortificá-los
contra a i nfecção, nada há melhor.
Quando estudas, conserva-te ereto, não te curves
sôbre o livro. ( Bem sei que isso requer uma vontade
firme. Tanto melhor ! ) . Os meninos podem deformar-se
a ponto de parecer corcundas, se ninguém lhes fizer
a devida observação. E ssa posição curvada compri­
me-te os pulmões.
Se pudesses fazer exercícios de ginástica ime­
diatamente após o levantar, pela manhã, du·rante l O
o u 1 5 minutos, seria perfeito. No inverno, podes fazê-lo
no quarto, com as janelas abertas ; se isso não fôr pos­
sível por causa do frio, fá-lo-ás noutro quarto bem
arejado onde n inguém tenha dormido durante a noite.
D epois dêsses exercícios, frkciona-te da cabeça aos
pés com água p reparada na véspera à noite, a qual
conserva mais ou menos a temperatura do quarto. Isso
fortalece o sistema nervoso.

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Além de descurarem a ginástica, deixam-se os
moços muitas vêzes levar a outras pequenas omissões
p rej udiciais à saúde, e que talvez venham a pagar bem
caro mais tarde. Tens o hábito de l avar-te convenien­
temente todos os dias, ao menos até à cintura? Limpas
bem os dentes tôdas as noites? Não estragas os olhos
com leituras prolongadas noite adentro ? Não comes
a torto e a direito entre as refeições ? Dás bastante
movimento ao corpo? Passeias, b rincas em pleno ar,
ou não pões sequer o nariz do lado de fora? Tais
omissões são meras bagatelas, convenh o ; mas o seu
conj unto minar-te-á a saúde, tornar-te-á fraco e inca­
paz, e privar-te-á da fôrça de resistência em face
das doenças.
Deita os olhos à vol ta de ti, e verás uma quanti­
dade de pessoas arruinarem a saúde por um trabalho
excessivo ou, mais vêzes ainda, por prazeres desen­
freados e por excessos de tôda sorte. U ma só queda
moral séria, um só pecado de impureza, pode de tal
modo arruinar-te a saúde, que a penitência de tôda
a vida não pode mais restabelecê-la. Não posso falar
aqui longamente destas coisas : mas gostaria que todos
os jovens já passados dos 1 5 anos lessem o que escrevi
sôbre isso no meu livro O Brilho da Mocidade.

30. Para fora, camaradas, o sol vos sorri !


Quero ainda falar-te do passeio, êsse excelente
meio de nos repousarmos e de nos refazermos. Fico
sempre triste de ver tantos jovens sentados nos en­
fumarados e mal arejados cafés das grandes cidades,
a perder tempo e a respirar aquela atmosfera viciada.
Pobre j uventude induzida ao êrro, que vê nisso um
sinal de virilidade ! Na Alemanha, chamam a êsses jo­
vens "Kaffehauswanzen" - "per-cevejos de café".

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Os passeios em pleno ar têm excelente influência
n ão só sôbre a saúde f ísica, como ain d a sôbre a viva­
cidade do espírito. Os bosques majestosos, o córrego
de águas transparentes, o sol radioso, a dança das
borboletas, os prados floridos, o canto das aves, -
tudo isso repousa infinitamente os nervos fatigados
pelo trabalho. No passeio, não somente fazemos, mais
do que alhures, aos nossos amigos confidências, como
também os nossos pensamentos se evolam com muito
mais ardor, com muito mais vivacidade, para Deus.
Na natureza, em tôda parte, achamos os vestígios de
Deus, inalterados e em tôda a sua beleza. Não é, pois,
por acaso, mas para corresponder a uma idéia tôda
natural, que se eleva uma capelinha, uma imagem da
Virgem ou uma cruz nas clareiras dos bosques, ao
longo dos mais belos caminhos. Na Floresta Negra,
gravaram numa cruz esta inscrição :
Vê no livro da natura
Como o amor de Deus translu z !
E como suave fulgura
Mais que nos bosques, n a cru z !

Tal jovem coleciona pl antas, tal outro insetos


ou minerais. Êste gosta de sentar-se j unto ao riacho
múrmuro para aí estudar; aquêle tenta desenhar uma
paisagem, etc. Em todo caso, a alma do môço que
ama a natureza é incontestàvelmente mais delicada do
que a do "herói da sociedade" que só se preocupa com
bailes e com prazeres malsãos.
Os nossos es-c oteiros têm uma linda canção que
lhes aconselha : "Para fora, camaradas, o sol vos sorri ! "
Ide aos campos e aos bosques ! Vossas almas serão
l ivres nesses espaços livres ! Lá, uma chama pura bri­
lha nos olhos e nos corações, e os olhos de Deus nos se­
guem ; o ar puro fará brotarem em nós a fôrça, a l i­
berdade e a vitória !

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Lembro-me ainda da emoção profunda que me
empolgou um dia quando me achava só, no solene
silêncio dos rochedos da Tatra. Passara além da gran­
de queda de água, e estava tão alto que os pinheiros
me rareavam em tôrno; apenas alguns cabritos monte­
ses saltavam sôbre as pedras. À direita e à esquerda,
rochedos a pique pareciam guardar êsse silêncio sa­
grado onde n ão penetrava ruído algum da vida. Eu mal
ousava mexer-me, com mêdo de quebrá-lo. Parecia-me
que o hálito da eternidade me tocava a alma. Involun­
tàriamen1e, dobrei o j oelho diante do eterno. A voz
de Deus fala bem alto no silêncio.
O .célebre explorador Sven Hedin conta que, quan­
do descobriu, no planalto do Tibet, um pequeno lago
de montanha, apertado entre dois picos gigantes, caiu
de j oelhos, com lágrimas nos olhos, e, mudo de emoção
em face daquele silêncio imaculado, sentiu o contacto
de Deus e da eternidade.
Os instantes que passamos sós a meditar, em si­
lêncio no seio d a natureza, fazem amadurecer a alma
humana como uma bênção. No silêncio n ascem as pos­
santes geleiras, Já brincam as águas que vão alimenta_r
os rios e os oceanos, - mas lá também, nesse silên­
do que a nada se assemelha, o homem reconhece o seu
ser íntimo e .congrega as fôrças de sua alma. As gran­
des almas sempre amaram o silêncio, como as plantas
amam o orvalho. Só as almas vazias s ão incapazes
de ficar sós e de ocupar-se de si mesmas ; sentem sem­
p re necessidade da companhia dos outros·. O tempo
mais p recioso para amadurecer a alma são os momen­
tos benditos da oração da noite e do recolhimento in­
terior. As p róprias abelhas só trabalham em silêncio.
Fato notável é que os que m elhor sabem falar
s ão justamente os que sabem guardar longo tempo o
silêncio, imóveis, mergulhando-se nos seus p róprios

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pensamentos. Apreciaram sempre os grandes pensado­
res mergulhar em si mesmos. E foi por isso que os
grandes fundadores de ordens religiosas, como S. Ben­
to, S. Francisco de Assis, S. Inácio de Loiola e outros,
deram papel tão preponderante ao silêncio na vida
cotidiana dos seus companheiros. Tu também, meu filho,
ama o silêncio. Longe estou de querer-te taciturno,
resmungão e rebelde aos brinquedos e à alegria. Ha­
verá tempo de preocupações na idade madura. Quisera
somente que, tôdas as noites antes do deitar, consa­
grasses um momento a ti mesmo, ao exame de tua
alma e à p rece fervorosa.

3 1 . O trabalho corporal.
A nossa boa vontã de muitas vêzes fracássa por
causa da fraqueza do nosso corpo ou da depressão
do nosso sistema nervoso.
E' necessário, pois, ainda do ponto de vista mo­
ral, que dês a devida importância ao cuidado da tua
saúde, para que assegures ao teu caráter um desenvolvi­
mento propor-cionado. Os que pela sua vocação estão
presos ao trabalho intelectual e é o teu caso - devem
sempre reservar algum trabalho corporal para seus Jaze­
res. O trabalho físico é o meio mais natural de adestrar
o corpo.
Não só por isso te recomendo o trabalho físico.
Cortar ou talhar madeira, fazer trabalhos de marce­
neiro, cavar o solo, trabalhar no jardim, etc. - tudo
serve para refazer as fôrças do espírito. Enquanto as
mãos trabalham, o cérebro repousa. Newton manejava
o machado, o martelo, o cinzel. Walt e Stepl!enson
amavam o trabalho manual desde a infância. O grande
político húngaro Francisco Deék cortava lenha nos
momentos de lazer ; o romancista Jokái preferia o mis-

74
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ter de tornei ro. A "união do belo e do bem" à qual as­
piravam os antigos gregos, e que significa a saúde
completa da alma e do corpo, só pode ser realizada
pela prátka das duas espécies de trabalho : físko e
intelectual.
Além disso, quanto mais coisas souberes fazer,
tanto mais oportunidades terás de vencer na vida. Apre­
ciarás também melhor o valor do trabalho dos outros.
Tenta-o, e verás como te dará satisfação poderes, nos
teus momentos de folga, fabricar uma bonita caixa,
uma gaiola de p ássaros, cortar algum grande tronco
em pedaços, ou então, se tiveres ensejo, ceifar ou ca­
var um pouco, e assim por diante. Cumpre, bem enten­
dido, que seja um trabalho verdadei ramente útil e n ão
um passatempo qualquer.
Dêsse trabalho físico tirarás múltiplo proveito.
Teus braços se tornarão mais fortes e mais destros,
os músculos e nervos fortificar-se-ão igualmente : teu
golpe de vista ganhará em segurança e o senso estético
se desenvolverá. Por isso, outrora, mandavam os pró­
prios reis ensinar um ofício aos filhos, e por isso ain­
da, nos nossos dias, têm os escoteiros oficinas de mar­
ceneiro, de torneiro, de encadernador, etc., onde po­
deiT! exercitar-se nos trabalhos mais diversos.

32. O esporte.
E' bem lastimável que a vida dos estudantes seja
hoje em dia ordenada de tal maneira, que o exercício
de um ofício se tenha tornado quase impossível. Deu
isto origem nas escolas a diversos ramos do esporte ;
é êle chamado a substituir o trabalho físico necessário
a tôda gente. Portanto, o esporte dev.e desempenhar o
papel do trabalho corporal, com o intuito de favorecer
a saúde. Por esta explicação, já te mostrei os limi­
tes que nunca d eves perder de vista.

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A prática do esporte não deve, pois, servir sàmen­
te para desenvolver fora de medida um dos nossos mem­
bros, mas sim para aumentar a fôrça, a elasticidade, o
trabalho de conjunto de todos os músculos. Para con­
seguir êsse resultado, aconselho-te de preferência os
esportes em pleno ar, como a marcha e a excursão
pelos campos e pelos bosques, o turismo, o esqui, o
trenó, a patinação ; todos os esportes aquáticos : os
banhos, a natação, o remo; e mais o tênis, a bicicleta,
a esgrima, a ginástica sueca e até a caça, que reúne
a marcha e o tiro.
N ão é só exercí-cio físico que constitui valor do
esporte ; são, muito mais ainda, as qualidades que êle
tende a desenvolver : a fôrça de vontade, a energia
ativa, a vontade concentrada para atingir um fim deter­
minado, a capacidade de vencer-se a si mesmo, a re­
sistência, a coragem. Ainda que fôsse só pelo seu
aspe.cto exterior, o môço que p ratica sàbiamente os es­
portes já revela certa fôrça imponente e cavalhei resca.
Tem os olhos brilhantes, o porte erecto, andar flexível.
E êsse corpo môço que sabe aturar sem dano o frio,
o calor, o trabalho e a fadiga, que não foi enfraqueddo
por pecados loucos, já não é verdadeiramente um ini­
migo e um pêso para a alma; ao contrário, é a magní­
fica expressão exterior da sua nobre vontade.

33. O campeão do músculo.


Pelo que precede, já podes concluir que estimo
devidamente o cuidado razoável do corpo, e que o
acho até importante do ponto de vista da manifestação
harmônica das fôrças intelectuais. Sou incapaz de pas­
sar adiante sem dizer palavra, quando vejo um môço
plenamente são estendido numa poltrona sem fazer
nada e sem se preocupar de dar rija têmpera ao seu cor-

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po. Mas é igualmente verdade que, em matéria de es,.
portes, a j uven tu de, não raro, é fácil de dar-se a exces­
sos. Uma vez que essa febre estranha se apodera dela,
perde o senso da medida.
Conheço mais de um môço cujo único ideal é
ter o punho de aço e os b íceps salientes. Quantos não
são os que têm por única leitura o "jornal dos Espor­
tes" , por único desejo tomar parte num jôgo de futebol,
e que não têm outro cuidado senão saber quem ganha­
rá a partida do domingo seguinte ! Êsse rapaz não tem
tempo nem p rova atrativo para outra coisa. À noite,
sucede soqressaltarem-se os pais, por não poderem
imaginar que estranha doença acometeu o inditoso
rebento, q ue, dormindo, g rita a plenos pulmões : " Fora
o juiz ! Fora o j uiz ! " No recreio, os melhores amigos
trocam-se inamistosas taponas por n ão se porem de
acôrdo sôbre certa " bola'� de tal jogador.
Moços há que ignoram completamente quem era
S. Francisco de Assis ou Alexandre Magno, Murillo ou
Velásquez, a data do trata do de Versalhes, e quem
inventou a primei ra zyráquina a vapor; mas, se os acor­
dassem à meia-noite para lhes perguntar qual é o re­
corde europeu do salto em altura, êles o diriam sem he­
sitar. Em matéria de esporte, sabem absolutamente tudQ,:
conhecem tôda a gente, e, quanto ao seu campeão fa­
vorito, seriam capazes de descrever-lhe até a côr das
meias e o cardápio do jantar de anteontem.
Não quero falar aqui do costume tão condenável
que admite êsses jovens fanatizados nos clubes e nas
sociedades esportivas dos adultos, e nos banquetes
que acompan ham sempre as competições, onde êles
se divertem com os atletas até alta madrugada. O es­
porte, assim compreendido, é o caminho mais certo
para a ruína moral.
O que chamo, pois, de exagêro lastimável do es-

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porte é colocar-se a fôrça muscular em primeira pla­
na, e esquecer-se que o exercício corporal é um meio,
não um fim. N ão um fim que se baste a si mesmo, mas
u m meio destinado a auxiliar a atividade da alma, ao
invés de supri-la. A finalidade do esporte, para os es­
tudantes, não é fazê-los gladiadores e professôres de
futebol. Sem dúvida, o esporte é utilíssimo para ades­
trar o corpo, mas só terá valor verdadeiro se se tornar
a escola preliminar dum sério adestramento moral .
Consegue m úsculos duros como pedra, desejo-o bas­
tante; mas aprende a ser duro para contigo mesmo, para
com o teu egoísmo efeminado, para com os desejos
desordenados, para com a sêde contínua dos p razeres !
Porquanto quem é demasiado compl acente para consigo
mesmo certamente não saberá resistir à tentação.

34. Um môço sadio ou um atleta?


Vês, portanto, que o esporte também tem os seus
perigos. E o principal é qu e, não raro, os jovens to­
mam a fôrça muscular pela saúde, se bem que as duas
coisas tenham poucas relações entre si.
Que é a saúde? E' boa circulação do sangue, boa
digestão, forte capacidade de resistência às m udanças
da temperatura, membros proporcionados, - mas não
um treino de campeão !
Eu quisera, pois, empregar todos os meios possí­
veis para te preservar dêsses excessos do esporte. O
lutador mais célebre pode ter saúde fraquíssima, e o
sábio dotado de fôrça mediana pode gozar de excelente
saúde. Uma montanha de .carne e de músculos que só
faz comer e exercitar-se a fim de poder desenvolver
uma fôrça excepcional, coisa que um touro pode fazer
ainda melhor, não é realmente o meu ideal ; acho até
que êsse gênero de vida é desprovido de todo car4ter

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humano. O abuso dos esportes gera não somente a fa­
diga corporal e tôda sorte de moléstias do coração e
dos nervos, como também a grosseria, a brutalidade,
vaidade, e sobretudo essa mentalidade perigosa que
coloca a fôrça muscular acima da nobreza d' alma, do
ideal espiritual e da vontade firme.
Relanceia os olhares sôbre a história dos povos :
os verdadeiros heróis sempre foram os heróis da von­
tade, e as verdadeiras vitórias nunca foram ganhas
pela fôrça muscular. U m povo cuja j uventude estimas­
se os pu.nhos dum atleta e os grossos músculos dum
campeão de corrida mais do que o trabalho assíduo
dum Édison, o gênio de um Marconi, o pincel de um
Munkácsy, caminharia por certo para a ruína. No tem­
po do paganismo, o adestramento do corpo era um fim
em si ; mas tal modo de ver absolutamente não con­
vém a um rnôço ofis tão. Para êste o exercício f ísico tem
importância porque pode fazer do corpo sadio instru­
mento conveniente a serviço da alma, e p róprio para
ajudá-la na sua tarefa sublime.
Afinal, nada mais fácil do que te convenceres que
fôrça muscular não dá superioridade ao h omem. Mos­
tra-me qual o lutador capaz de vencer um gorila !
Qual o campeão que venceria um cavalo de .corrida?
O macaco é bem mais h ábil na ginástica, o elefante
levanta pesos muito maiores, o peixe n ada melhor
e a pantera é mais rápida no salto do que o homem,
embora fôsse campeão mundial do seu esporte. Como
nos podemos gabar de coisas que os animais sabem
fazer melhor que nós ? Sim ! Por que nos vangloriar
da fôrça dos m úsculos? Mas ainda n ão terminei : se,
apesar cj.e tudo, o homem souber vencer o gorila, o
cavalo, o tigre e o leão, não são os seus músculos
que o tornam capaz disso, mas sim a sua S'uperioridade
de �spírito e de af.ma!

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Portanto, toma parte n os esportes, mas de modo
racional ! N ão o faças unicamente para conseguir vitórias
e bater recordes, mas para adquirir um mrpo bem de­
senvolvido, rico de saúde e de elasticidade. Para ti, não
se trata de saltar dois centímetros mais alto que teu
camarada, de jogar o disco uma polegada mais longe,
de levantar um pêso maior, e de não entender nada
dos demais ramos do esporte. Se alguém quiser adqui­
rir a superioridade n u m ramo especial, ço rre o perigo
de prej udicar-se pelo exercício exclusiv 6 que isso re­
clama, e de .contrair moléstia orgânica ; quanto à alma
ela se tornaria fàcilmente orgulhosa, vaidosa, negli­
gente em cumprir os seus deveres. Para a nossa Pá­
tria, importa muito menos ter um campeão mundial
de boxe, de natação ou de corrida do que ter milhares
e milhares de homens de músculos elásticos, de habilida­
de múltipla, de corpo bem constituído e de vontade
disciplinada.

35. Os jogos.
Eis por que é nocivo para os nossos j ovens en­
carar o esporte como um fim em si, praticá-lo para
bo ter recordes, e descurar, por sua causa, os jogos,
êste outro exercício excelente para a saúde. Pelos
jogos o corpo se fortalece tanto quanto pelos esportes,
com diferença, porém, que repousam muito melhor a
alma.
Sim ! mas nós gostamos muito d e jogos ! Que diz
o senhor do futebol, por exemplo? Cortar-me-á a pa­
lavra, por esta pergunta, mais de um dos meus leitores,
todos os que cem vêzes têm ouvido seus pais e p rofes­
sôres dizerem que o futebol é jôgo b rutal e que seria
preferível não o j ogar. Deitam-me um olhar astucioso
e pensam : "Vamos ver, agora, como é que êle respon-

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de ! Se disser que não se deve jogar futebol, todos os
rapazes atirarão o livro a um canto e não lerão nem
mais uma p ágin a ; se, ao contrário, o permitir, terá
de haver-se com os pais e professôres".
E, no entanto, é ardil inútil de tua parte. Ainda
tratarei assim de dar resposta razoável a essa pergunta
d úbia. Não h á dúvida que o futebol seja jôgo grossei­
ro, ainda que nêle não se venha a quebrar a perna ;
tende fàcilmente a criar maneiras rudes e até brutais.
Os escoteiros, por exemplo, não o permitem de bom
grado, o que é muito prudente de sua parte. Substituem­
no vantajosamente por inúmeros outros jogos. Toda­
via, visto que todos os inconvenientes do futebol podem
afinal vencer-se pela vontade e disciplina, eu o permi­
tiria aos rapazes que sabem dominar-se. Jogado com
forte disciplina, pode vir a ser um meio de exercitar a
vontade. Meus próprios alunos o praticam também, e
sinto sempre prazer por ver como lutam contra o es­
touvamento, a parcialidade, como fazem esforços para
evitar uma o bservação i rrefletida ou uma expressão
grosseira.
N u nca te esqueças de que os j ogos são não só
recreação, como também meio de formar o caráter. �les ·
ensejam à m entira, ao egoísmo, à grosseria mil oca­
siões de manifestar-se, e quantas vêzes saíres vencedor
dêste� defeitos, tantas terás trabalhado em enobrecer
o teu caráter. Tens coragem de confessar que tocaste
na bola sem antes tentares negá-lo? Admites um "gol"
sem discutir um quarto de hora cada vez? Deixas a
teus camaradas mais fracos ocasião de rematar, ou
queres só para ti todos os arremessos? Sabes subor­
dinar o teu jôgo ao conjunto, ou procuras sempre apare­
cer? Ficas furioso e enciumado se o a dversário ganhou,
ou estás pronto a regozijar-te com êle? Não és gros­
seiro com os menores, com os mais inábeis? Não lhes
O Mõço - 6 81
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gritas "Animal ! " a cada pontapé falhado? Estás ven­
do como se podem achar cem ocasiões de m anifestar
vontade forte e de evidenciar uma alma deveras
delicada !
Mas, se te recomendo a ginástica e os jogos, não
o faço só em favor de tua saúde e à guisa de recreação.
São ainda melhores argumentos a habilidade do corpo,
o trabalho ·exato dos músculos. Veja nêles aquilo que
os antigos Gregos procuravam em primeiro lugar na
ginástica (e de que os esportistas do nosso tempo não
têm sequer i déia ) , o i mpério do espírito sôbre a maté­
ria, a hegemonia perfeita da vontade sôbre os membros,
o apresto do corpo para o exerdcio de uma vida que se
eleve acima da vida puramente corporal. Sempre que
vejo um môço hábil na ginástica, e observo como to­
dos os membros do seu corpo, todos os seus músculos
e todos os seus movimentos obedecem instantâneamente
às ordens dum poder invisível, eu exalto a v itória da
alma humana.
Não p reciso recomendar-te a calma, a reflexão,
a prudência até, nos exercícios de ginástica p raücados
com medida. Muitos rapazes já têm pago caro a sua
leviandade ! Ao descer a escada, não pules 3 ou 4 de­
graus, pois isso pode ocasionar-te uma . hérnia. Quando
saltares, toma cuidado de cair sempre sôbre a ponta
dos pés e de dobrar o joelho logo que tocares a terra.
Não tentes, no futebol, recambiar a bola com a cabeça,
pois pode tornar-te gago ; os exerdcios forçados acar­
retam, muHas vêzes, u m a doença de coraç ao ; e um
copo de água fria, que bebas imediatamente após o jô­
go, pode valer-te uma pneumonia !
Quando Wellington, - que, como sabes, venceu
Napoleão em Waterloo, - visitou o campo de jogos
do antigo colégio de H arrow, lembrando-se da sua

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j uventude, na qual tivera grande gôsto pelos jogos,
exclamou : " Foi aqui, neste campo, que venci Napoleão !"
Queria dizer com isso que fôra jogando, adestrando-se
nos ·e sportes, que adquirira o domínio de si, a fôrça
ativa e a vontade sólida que o tornaram capaz de tal
feito de armas. Quisera, pois, que tu também, meu filho,
fizesses uso do exercício d o corpo com igual sabedoria.
A ginástica, o esporte, os jogos, as excursões são exer­
cícios corporais que se dev em praticar com af.ma. E u
mesmo sinto sempre prazer e m ver os jovens alinhados,
bem erectos, de peito saliente, de músculos retesados.
Mas é mister que tal rijeza do corpo sej a sinal da digni ­
dade viril ; ela só tem valor real se fôr a exteriorização
da retidão espiritual e do en rijamento da alma contra
as paixões, os desejos egoístas e os instintos de bestia­
lidade. Erecto de corpo, mas também firme de vontade ;
músculos exercitados, mas também alma disciplina­
da; eis o ideal de sábia educação física !
Dir-te-ei portanto : exercita-te nos esportes e nos
jogos, mas não te tornes escravo dêles ! Não e'lnpregues
nêles tempo roubado de horas dedicadas ao estudo, à
leitura, à educação de ti mesmo. Porquanto, desde que
te tornes homem, ninguém mais te perguntará quan­
tos prêmios ganhaste em natação, nem mais te poderás
gabar da habilidade em a tirar o disco ; tudo isto, pôs to
de parte, serás estimado pela cultura do espírito e
pelo núme 1 0 de coisas que tiveres sabido reter na me­
mória, do imenso arsenal do saber h umano.
Não obstante, nas horas vagas, ama os jogos e
os esportes. U m rapaz que não gosta de jogar não
somente terá as costas curvadas, mas também os seus
pensamentos irão mal ; tornar-se-á um velho aos 1 6
anos. Seus gestos serão desajeitados e seu corpo nunca
terá a necessária destreza.
6" 83
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Se és menos hábil, de cons,ituição mais débil,
mais tímido por natu reza, não te deixes inibir pelo
constrangimento ; mete-te bravamente no jôgo e não
te ofendas a todo momento. Um rapaz que se zanga
de cinco em cinco minutos e repete em todos os tons
que não quer mais jogar, por isto ou por aquilo , é
uma peste para os .camaradas; faria melhor ficar só.
O meu ideal é o rapaz de músCidos tesos pela energia,
de olhos brilhantes de alegria, de rosto risonho de jo­
vialidade quando joga; mas sério e refletido, perseve­
rante e aplicado no estudo. " Q uando eu era estudante
em Paris, senti um desejo ardente de me tornar santo
e perfeito", - escreve S. Francisco de Sales, que era
de família distintíssima. E de fato, êle vivia santamente,
embora tomando lições de dança, exercitando-se na
esgrima e montando a cavalo. Ah ! meus filhos, pu­
désseis, também vós, conciliar essas duas coisas em
vossa vida ! A alma limpa de pecado e o humor alegre
que se diverte francamente nos jogos!

36. "Keep smiling" !

No metropolitano de Nova York não há bilhetes


de passagem : depositam-se, ao passar, 5 cents num
aparelho automático. Então o torniquete dá meia volta
e deixa a pessoa entrar na plataforma. Se alguém não
tem dinheiro miúdo, troca-o primeiro ; e sôbre a mesa
em que o .caixa deita as moedas, uma inscrição reco­
menda : "Keep smiling!" "Conserve-se risonho ! " "Pode
ser que haja multidão e que se tenha de esperar; mas
valerá a pena zangar-se por tão pouco ?"
"Conservai-vos risonhos !" é também o que vos
prega êste livro, meus filhos. Estar risonho e de bom
humor não sàmente nos dias fel izes, mas também em

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meio ao sofrimento e à provação, - eis uma das qua­
lidades mais dignas dum jovem cristão.
E ' verdade que os j aponêses nos mos h am atitu­
de semelhante ; mas no seu sorriso forçado há uma
rigidez quase assustadora.
A história seguinte foi contada por um americano.
Um dia, o seu secretário japonês, de nome !to, hom2m
aplicado e capaz como quem mais o fôsse, não com­
pareceu ao escritório. No dia seguinte, perguntou-lhe
o patrão onde estivera na véspera. Ito respondeu sor­
rindo : "Mil perdões, Senhor, não pude vi r, ah ! ah !
ah ! . por causa da morte de meu irmão, ah ! a h !
ah . "Bem triste motivo, redarguiu o americano ; a
família dêle está ao menos provida do necessário? " Ito
pôs-se novamente a sorrir : "De modo algum, meu sr. !
A viúva dêle, ah ! ah ! a h ! . e seus seis órfãos, ah ! a h !
ah . ! ficaram na mais negra miséria"
Espantoso ! Para ser jovial a êsse ponto, é preciso
um sôbre-humano domínio de si.
Sem dúvida, não exige a mentalidade cristã seme­
lhante supressão de todo sentimento humano ; mas um
rosto que esboça um sorriso corajoso, ainda sob a ação
de dolorosa p rova, certamente fica bem à nossa alma
confiante na P rovidência Divina do nosso Pai celeste.
Mostra-te sorridente ainda que sintas forte dor de ca­
beçaT Mostra-te sorridente, ainda que sofras de um
êrro ou de uma injustiça. Mostra-te sorridente, ainda
que somente ouças c-o isas más à volta de ti ! Mostra-te
so. ridente, não apenas em atenção aos que te cercam,
mas também porque assim a tua dor de cabeça passará
mais depressa, mais fàcilmente sarará a chaga causada
pela inj ustiça, e a tristeza das almas que sofrem será
suavizada pelo teu sorriso.

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37. Almas radiantes.
Deixa�me agora a.cenar a uma coisa que talvez
te pareça uma bagatela : conserva-te sempre ereto !
Que faz o corpo sob a influência da alma que sofre ?
Curva-se, abate-se. E qual o efeito d a jovialidade ?
Como a gente se ergue quando é feli z ! Não é verdade ?
Pois bem ! conserva-te sempre1 ereto! Endir.eita a
espinha! Ombros para trás, peito para a frente! Cabeça
erguida! Apresenta a fronte ao sol! Q uem sabe se
assim não reencontrarás mais depressa o teu bom
humor?
Isso, entanto, não basta. E' p reciso ainda endirei­
tar a alma. Como assim? E' que o corpo tem sempre
tendência a abater-se e a pesar sôbre a nossa persona­
lidade como massa inerte. E' tal pressão que cumpre
contrabalançar por um humor alegre e u ma alma cheia
de sol.
Devemos ser almas radiantes! Almas radiantes?
E existem ? Oh ! sim. Essas almas são um tesouro incal­
culável para a família, para a sociedade e para a
humanidade.
A flora da América do Norte orgulha-se de pos­
suir uma planta estranha : a vela noturna ( oenothera
biennis) , c uj a flor amarela absorve e armazena o cla­
rão do dia a fim de fazê-lo i rradiar na escuridão. Gra­
ças a isso, podem as borboletas noturnas achar o
mel refrigerante e doce, oculto no fundo da sua corola.
Pois bem ! as almas radiantes parecem-se com essa flo r :
são o s que entesouram e m s u a alma o sol, a alegria,
o afeto, a graça, para se iluminarem a si próprios e irra­
d iar em tôrno de si. U m môço sempre alegre, amável,
obediente e polido é um verdadeiro raio de sol para
sua família. Q uanta alegria faz êle i rradiar em tôrno de

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si ! Se vires que teus pais estão tristes, têm cuidados
ou algum sofrimento, redobra de atenções e deferências
para com êles ! Procura ser para tua família o sol que
alegra, a ave que canta. Sê uma alma radiante na noite
da luta pela vida.
"Nossa vida assemelha-se a uma tocha acesa que
se consome mais ou menos depressa mas incessante­
mente. Feliz aquêle que pensando na sua vida efêmera
pode consolar-se com o pensamento de que iluminou
a m uitos de seus irmãos ! " ( Barão J. Eõtvos) .

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PARTE S EGUNDA

O ESTU DANTE

"A i n d o l ê n c i a que sabe v e n ­


cer-se a si m e s m a c o n d u z
a tOdas a s vitórias d a v i ­
da" ( S C H LEOE L ) .
"Ninguém j a m ais chupou a
ciência no dedin h o : não
busques, pois, o tesouro
onde nada puseste" ( C Z U ­
CZOR ) .
"Como hás d e achar n a ve­
lhice o que não ajuntaste
quando jovem?" (Ecli 25, 5 ) .

38. Peles-Vennelhas no teu país.


Que absurdo ! Os Peles-Vermelhas no meu país !
Ah ! mas êles não me apanham ! - E ' isto, mais ou
menos, o que pensas ao ler o título dêste capítulo.
Espera um pouco ! N ão só há Peles-Vermelhas no
teu país, mas eu te vou provar que os há no teu pró­
prio colégio. E afinal, poderás dar-te parabéns se não
fores obrigado a contar-te entre êles.
Já lêste nos l ivros quanto repugna o trabalho aos
Peles-Vermelhas. Preferem deixar-se exterminar a
h abalhar. U m povo que não trabalha está votado à
morte certa. D eperecerá constantemente, até o dia em
que o último representante da sua raça fechar, por sua
vez, os olhos.
Tal repugn ância ao trabalho é, pois, de certo modo
a-c eitável em um povo degenerado ; mas em estudantes

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brasileiros? ! Contudo, por desgraça, h á tantos que se
deixam levar a uma preguiça assustadora ! São uns pre­
guiçosos de humor melancólico ; nada os pode entu­
siasmar, nada lhes interessa; parecem só ter um intui­
to : refletir o menos possível.
Tudo se aprende, até a própria arte de aprender.
Nas classes superiores ou n a Universidade percebem
muitos jovens, com horror, que não sabem estudar co­
mo convém. Não o aprenderam desde a infância.
Na verdade, o estudo é coisa sobremodo difícil
e muito se enganam os que pensam poder conciliar o
estudo com os prazeres. Não digo que certo rapaz de
dotes excepcionais não possa fazer do estudo um brin­
quedo, mas, em geral, não é brincando que se executa
um trabalho verdadeiramente frutuoso. Quem fôsse bas­
tante hábil para tirar do trabalho o seu caráter fati­
gante, tirar-lhe-ia, por isso mesmo, o êxito. Ao estudo,
devemos obrigar a nossa natureza por uma vontade
ardente e porfiada. Bem sei que a natureza animal
prefere depois do jantar estender-se no divã, ou jogar
bola nos campos de recreio. É-nos necessário respeitá­
vel soma de vontade para vencermos nossa preguiça
e amor do confôrto, e nos pormos à mesa de estudo
todos os dias à hora exata. As passageiras crises de
aplicação, que, às vêzes, se apoderam dos próprios
rapazes de vontade desordenada e de pensamentos
indisciplinados, absolutamente nada valem.
Carlyle, o grande pensador inglês, bem razão teve
em dizer : "O mais débil dos sêres pode levar a bom
têrmo alguma coisa, desde que aplique tôdas as suas
capacidades numa só direção. Doutro lado, o mais
forte terá poucas probabilidades de êxito se desperdiçar
as suas fôrças"

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39. A arte de estudar.
Perfeitamente : o estudo é uma arte. Antes d e a
êle te dedicares, hás de saber como deves proceder.
E' estranho que um rapaz, que tanto deve apren­
der no colégio, nunca ouça falar do método racional
e prudente que convém seguir para estudar, a fim de
conseguir com o m ínimo de dificuldade os melhores
resultados.
Sem dúvida, o estudo nunca deixa de ser traba­
lho sério e difícil.
Livros intitulados : " Como se aprende o francês
brincando", "O inglês em 6 horas", etc., são maneiras
de dizer. Espero sejas m ais sábio do que aquela m e­
lindrosa à procura de um professor de línguas que a
não atormentasse com regras de gramática, conjuga­
ções de verbos e palavras para decorar . Mas, se o
estudo exige sempre um esfôrço, há, todavia, meios
que lhe abrandam a dificuldade. São pequeninos arti­
fícios, que tornam a tarefa m uito mais fácil. E tens
tôdas as razões de te apropriares da técnica do estudo
a fim de poupares tuas fôrças, porquanto, hoje em
dia pede-se realmente muito a-o s estudantes.
O que exige antes de tudo a técnica de estudo cor­
reta é que fixes tôda a tua atenção no assunto. Concen­
tra-a tanto quanto estiver em teu poder. Pretende-se
que os m aiores sábios são terrivelmente distraídos.
Acreditá-lo-íamos à p rimeira vista, pelas suas ações ;
mas, na realidade, é ilusória aparência.
Conheces certamente a divertida aventura de
Newton, o qual, querend o cozinhar um ôvo, deitou à
água fervente o relógio e ficou segurando o ôvo na
m ão para verificar o tempo de cozimento . do re­
lógi o ! Apesar de tais repentes, sustento, contudo, que
os sábios no fundo não são distraídos, muito pelo

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contrário, sabem concentrar a atenção com fôrça in­
crível, mas tão somente numa coisa : no seu assunto
favodto. Tal assunto prende-lhes tão fortemente os
pensamentos, que quase se deixam esmagar pelo bon­
de na rua, porque de todo perderam a consciência do
mundo exterior. ( N ão é isto recomendação para que
saias à rua .com o espírito assim concentrado ! ) . Cer­
tamente, em geral, isso passa por d istração, m as essa
espécie de distração no fundo outra coisa não é senão
atenção concentrada, o que é grande qualidade num
sábio ; grande mal seria censurá-lo. Distração censurá­
vel é a que leva a baralhar as coisas na palestra, a
esquecer-se de fazer a p rópria obrigação, a pular d uma
tarefa a outra, porque não se tem energia para termi­
nar o principiado, a conceber desgôsto pela reflexão
séria, etc. Vês agora quanto diferem essas duas espé­
cies de distração. Também a atenção apresenta dois
aspectos. E eu gostaria de que os moços se distinguis­
sem em ambos.
No trabalho intelectual, não se pode ·conseguir
bom resultado a não ser senão concentrando a atenção
tôda num único objeto; é a p rimeira espécie de atenção.
Observa agora um negociante : nêle, toma a atenção
uma forma tôda diferente. Deve êle receber o freguês
com amável polidez, encontrar imediatamente o a rtigo
pedido, medi-lo com a maior exatidão, calcular-lhe o
p reço, contar o dinheiro recebido - e tudo isso deve
fazer-se com desembaraço e depressa.
Essa, a outra espécie de atenção : seguir várias
coisas, o maior número possível ao mesmo tempo. Na
vida, precisamos das duas espécies de atenção, e quem
se exercita em ambas verá por si mesmo o proveito.
Portanto, quando estudas, faze-o sem nada ver nem
ouvir, sem pensar noutra coisa a não ser no teu livro ;
mas, n a rua, em sociedade, em viagem, olha, observa,

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escuta e trata de acumular tantas experiências quanto
possível.
Podemos muito bem exercitar a atenção. Queixam­
se muitas vêzes os estudantes de não poder estudar
porque há barulho no quarto. Ainda aqui, uma vontade
forte pode alcançar vitória. Tem-se até demonstrado,
por experiência, que o homem pode fixar a atenção
ainda mais fortemente se, ao mesmo tempo, tiver de
lutar contra um ruído ( n ão por demais forte, bem en­
tendido) ou qualquer outra condição desfavorável.
Nesses· .casos, sabendo que será con tinuamente inco­
modado, mergulhará ainda mais profundamente nos
p1 óp rios pensame ntos. A luta que sustentamos a fim de
concentrar a nossa atenção é também excelente para
fortalecer a vontade. E' por isso que as pessoas de
vontade fraca são incapazes de estudar ao ar livre
(e entretanto, como isso é saudável ! ) , porque o murmú­
rio do vento nas fôlhas e o canto das aves bastam para
distraí-las na sua tarefa. Se tiveres um jardim, tenta,
pois, habituar-te a estudar ao ar livre. À fôrça de exer­
cício, poderás ali m uito bem dominar a tua atenção.

40. O exercício da memória.


Experimenta desenhar a mesa de trabalho, o quin­
tal, a casa, o altar-mor da tua igreja, etc : , isto é, coisas
que vês com f reqüência, mas que talvez nunca tenhas
observado minuciosamente. Compara em seguida o de­
�;e;Jho c om o original : ficarás admirado de ver quan­
tas minúcias te escaparam, e como, no desenho, ainda
as coisas fixadas diferem grandemente da realidade.
Além da observação exata, procu ra também exer­
citar-te na observação rápida. Lança um olhar sôbre
uma casa de quatro andares, vira-te . dize-me agora
quantas janelas tem. Quantos viajantes há neste bonde?

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Quantos pássaros acabam de voar-te por cima da cabe­
ça? Quantas árvores estão plantadas na outra margem
do rio? Quantos pães há na vitrina do padeiro ?
Podes ainda exerdtar a capacidade de observação
e a memória por outros pequenos meios. Experimenta,
por exemplo, girar em di reção oposta a mão e o pé,
ou então marcai compasso binário ( 2-4) com a mão
direita, para cima, para baixo, para cima e para baixo;
e com a mão esquerda, marcar ao mesmo tempD compas­
so ternário ( 3-4) em forma de triângulo. Ou então mar­
car compasso quaternário ( 4-4) com ambas as· mãos,
mas em sentido diferente. Toca um trecho de música
lendo as notas, e ao mesmo tempo recita de cor uma
poesia, ou tenta resolver de memória um problema
de aritmética não mui to difícil. Pequenos exercícios
dêsse gênero ajudar-te-ão a adaptar pronta e correta­
mente a tua atenção à coisa desejada. Em nossos dias,
muitas carreiras exigem que saibamos observar várias
coisas ao mesmo tempo.
Para exercitar a memória, tenta recordar algum
trecho de trás para diante. A p rincípio é difícil, •COn­
cordo ; mas não te deixes desanimar, será grande o
proveito, mais tarde. Antes da oração da noite, senta­
te cômodamente numa cadei ra , fecha os olhos e p ro­
cura rememorai os acontecimentos do dia - mas às
avessas. Começa pelo fim e, valendo-te da concatena­
ção das coisas, experimenta remontar até à manhã,
até o momento do despertar. Mais ou menos assim :
" Estou sentado no quarto. Acabo de passar da
sala de j antar, onde escutei o programa de rádio. Qual
era êsse programa? Antes, ceei. Antes do j antar,
Luís e Carlos vieram visitar-me. Trabalhamos j untos
no dever de aritmética. Antes, li algumas páginas da­
quele romance histórico ; no segundo capítulo, tal fra­
se atraiu-me especialmente a atenção . Antes, empre-

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guei três horas em fazer as minhas lições para amanhã.
Acabei pelo latim, precedido pelo francês e pela ins­
trução religiosa . . . Deixei a aritmética para a n oite,
para estudá-la com os meus amigos. Antes do estudo,
almocei. Voltei da escola ao meio-dia". Que foi que se
passou das 1 1 ao meio-dia? E de 1 O às 1 1 ? e assim
por diante . em sentido inverso, até à oração da
manhã.
Quando tiveres adquirido u m pouco de hábito,
poderás tornar êsse exer:c ício difícil tentando lembrar-te
em sentido i nverso dos acontecimentos dos 3 ou 4
dias precedentes.

41. "Mas estou com isso na ponta da língua !"


Nossos sentidos nunca repousam. Os acontecimen­
tos do mundo exterior assaltam-nos às dúzias. Os
nervos conduzem as impressões recebidas ao cérebro,
onde o espírito as concebe sob a forma de imagens.
Quanto mais a vontade se concentra sôbre o ato de
percepção, tanto mais clara .consciência temos dêle,
e é o que exprimimos quando dizemos que tal ou tal
percepção está presente à n ossa consciência.
Não podemos pensar senão em muito poucas coi­
sas ao mesmo tempo, e pouquíssimas imagens podem
achar-se no foco da nossa percepção ao mesmo momen­
to. Sensações sempre novas tomam o lugar das sen­
sações mais antigas ; dessa maneira, o conhecimento
que temos delas torna-se cada vez mais obscuro, para
desapare.cer, por fim, completamente.
Perdem-se elas, assim, para sempre? Não, abso­
lutamente. Tôdas as sensações, desde que as experimen­
temos, permanecem em nós. Com mais razão permane­
cem as sensações repetidas várias vêzes e percebidas

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conscientemente, graças a uma aplicação vol untária
da nossa atenção.
Mas, afinal, que acontece a essas imagens ? Mer­
gulham no subconsciente. A nossa coleção de imagens
e noções subconscientes é como um enorme tesouro
interior, e, ao tentarmos recordar, não fazemos mais
do que p ro.cu rar uma noção, uma impressão recebida
no passado, a qual lá está com certeza, mas que não
conseguimos talvez achar imediatamente, por entre os
milhares de outras noções. Apenas achada, porém, a
i magem produzida por um objeto exterior se forma
dentro de nós, agora sem o concurso do objeto exter­
no e dos sentidos. Que fenômeno magn ífi.co ! Como é
possível que os nomes humanos e geográficos, os no­
mes de animais e de plantas, os milhões de idéias ge­
radas pelos acontecimentos e pelos relatos ouvidos,
fiquem assim acumulados em nós? Não o sabemos. Mas
os que nisso refletem não podem senão dar graças a
Deus que se d ignou dotar de faculdade tão misteriosa e
maravilhosa a natureza humana.
Dêsse fato podemos tirar ainda uma dedução uti­
líssima para a vida práti.ca.
Sucede com freqüência não consegui rmos a char
prontamente um nome ou um têrmo, bem conhecido
aliás. Estalamos os dedos, estalamos a l íngua, abana­
mos a cabeça . sem nenhum resultado. Enfim, re­
nunciamos à luta dizendo : "Mas estou com isso na
ponta da l íngua !" Um instante ou algumas horas mais
tarde, quando há muito nêle, talvez, nem já pensemos,
batemos de repente na testa, como iluminacjos por um
relâmpago : - P ron to ! achei ! �sse homem chama-se
assim ! Eis o famoso nome !" - �le lá estava, com efei­
to; apenas não podíamos pescá-lo no subconsciente.
Como fazer, portanto, se te foge um nome, u m
fato o u um número, apesar d e todo o trabalho que te

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deres para achá-lo? Experimenta êste meio : resume
a questão numa frase curta e tão clara quanto possível :
deixa que teu pensamento penetre essa frase; desvia-te
depois inteiramente da questão, trata de outra coisa.
A vontade assim concentrada trabalhará em ti sem que
o notes, até enqu anto pensas em coisas absolutamente
diferentes. Mui provàvelmente poderás bater na testa
an•es de te deitares naquela noite e dizer : "Cá está !
Ache i ! "

42. "Eu sabia, mas esqueci"


Quando um rapaz responde mal em aula, tenta des­
culpar-se dizendo : "Eu sabia, p rofessor, mas esqueci".
As mais das vêzes, essa frase n ão passa de co­
varde mentira na bôca dum preguiçoso ; êle não sabia
sequer a p rimeira palavra da lição, que não estudara
na véspera à noite. Su.c ede, todavia, que isso às v êzes
é pura verdade : há pessoas m uito esquecidas que dei­
xam escapar com rapidez p rodigiosa as coisas que
souberam.
Conheço rapazes cuja cabeça se assemelha a um
tonel furado : por mais ciência que nêle derramem,
imediatamente se escoa. N ão podemos contudo des­
culpá-los inteiramente, livrá-los de tôda responsabili d a­
de, porque a distração e a tendência para o esquecimen­
to são quase sempre um m al curável. Tudo está em que
o próprio indivíduo se esforce, com a perseverança e
a habilidade n ecessárias. O rapaz sempre pronto a dizer
na escola : "Eu s abia, mas esqueci", lembra-se até do
menor acidente da narração de u m livro que o interessa.
E então? Quer dizer que possui excelente memória,
mas lhe falta aplicação, paciência e perseverança. Di­
zem que, quando, no ano 2 1 2 antes de Cristo, os Ro­
manos sitiavam Siracusa sob as ordens de Marcelo,
O Môço - 7 97
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Arquimedes, o maior matemático e físico da antiguida­
de, estudava tranqüilamente, no j ardim, problemas de
matemática. Tomaram os Romanos a cidade e ê le nem
sequer o percebeu ; o estrondo, os gritos, a balbúrdia
não chegaram a seu conhecimen to. Estava ocupado
em desenhar figuras geométricas no chão. Quan d o um
soldado romano precipitou-se no cercado, Arqu imedes
mal levantou os olhos e disse maquinalmente : "Não
desmanches os meus círculos ! "
"Ah ! �>e eu pudesse trabalhar com êsse recolhi­
mento perfeito !", suspiras ouvindo esta narração. Pois
bem ! pode-se, como vês, muito bem aprender de Arqui­
medes as duas qualidades principais do trabalho atento.
P ri meiramente, tratava êle de não tomar conhecimen­
to das circunstâncias exteriores que poderiam pertur­
bá-lo, e depois, reunia tôdas as energias de sua alma
com m aravilhosa disciplina, a fim de se ocupar, naquela
hora, única e exclusivamente das leis das matemáticas.
Nenhuma outra coisa devia penetrar no seu cérebro :
era esta a sua vontade. Eis o essencial.
Para i sso nada adianta o mais s ilencioso dos
quartos, desde que a imaginação indiscipl inada do
seu ocupante continue a vaguear ao léu durante o estudo.
Pelo contrário, aquêle que sabe concentrar seus
pensamentos no assunto que o ocupa no momento,
afastando tudo o mais, assimila de maneira muito
mais dar a a matéria que deve aprender : longe de lhe
permanece na superfkie, penetrá-la-á a fundo, e, se
tiver de responder no dia seguinte, não dirá com ar
espantado : "Eu sabia, professor, mas esquec i ! "
S e t e exercitares, mais cedo possível, e m tornar
bem firme a tua atenção, aproveitarás com isso para
a vida tôda. Tudo se resume em : ficar atento, estudar
a fundo.

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Faças o que fizeres, habitua-te a pôr tôdas as
tuas fôrças e tôda a tua atenção a serviço somente da
tarefa que está diante de ti. Não te deixes iludir : é
impossível fazer bem duas coisas ao mesmo tempo.
"Mas eu, posso", dir-me-ás. Converso enquanto
escrevo uma carta ; leio um jornal enquanto. estou j an­
tando ; jogo xadrez e, enquanto o meu parceiro refle­
te, procuro palavras em alemão no dicionário"
Pois bem ! não é exato, meu filho. Nada do que
assim fazes será verdadei ramente bem feito. Vou até
mais longe : se enquanto estudas marcas compasso na
mesa ou te balanças na cadeira, só isso basta para
distrair a tua atenção.
No estudo, trata, pois, de não pensar em qual­
quer outra coisa. Pluribus intentus, minar est ad singu­
la sensus, - "quanto mais a gente divide a atenção,
tanto menor será o que dela resta para .cada coisa".
Quem quer perseguir duas lebres ao mesmo tempo
acaba n ão alcançando nenhuma.
Não só no estudo, mas em tôdas as situações da
vida, o hábito de fazer, ainda os menores tra balhos,
com a máxima atenção, p resta-nos os melhores servi­
ços. O môço que se adestrou nisso desde a infância
tudo o que faz, ainda que em aparência a coisa mais
insigni·ficante, fará ·com exatidão tão perfeita como se
estivesse praticando a ação mais importante da vida.
Por conseguinte o segrêdo de fazer carreira e
de alcançar êxitos neste mundo é fazer tudo o que fa­
zemos tão bem quanto possível! Se estiveres limpando
os sapatos, não penses em coisa alguma nesse momento,
a não ser em torná-los tão reluzentes quanto possível.
Se escovares a roupa, faze-o como se fôsse para o teu
próprio .casamento. Se tiveres diante de ti um problema
de aritmética ataca-o como se o êxito de todo o teu
curso dependesse dêle. Se vais fazer a ponta do lápis,
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faze-o como se tua sorte inteira d ependesse disso.
Quanto menos gôsto te dá um dever, tanto mais aten­
ção concentrada e esfôrço lhe deves dedicar, porquanto
não poderias achar melhor exercício para fortalecer
a tua vontade.

43. A arte de esquecer.


Por outro lado, pode também haver casos na vida
em que seria bom esquecer alguma coisa ou não lhe
dar atenção. N ão será, pois, inútil, depois de falar da
memória, dizermos algumas palavras da arte de es­
quecer.
Suponhamos que tenhas sido ferido por uma gran­
de desdita. Perdeste alguém de tua família - teu pai
ou tua mãe, talvez - ou então um amigo a quem ama­
vas muito. Estás ·COm o coração dilacerado : a dor pa­
ralisa-te as fôrças vitais e torna sombrio o tempera­
mento. Como esquecer essa desgraça? Não se trata,
é claro, de esquecer completamente o morto querido ;
pelo contrário, deverás lembrar-te m uito dêle em tuas
orações ; trata-se apenas de abrandar o teu sofrimento.
Ou então, suponhamos ainda mágoa m u ito mais
leve : sofreste, por exemplo, uma humilhação, j ulgaram­
te mal ; recebeste nota má apesar de constante aplicação ;
afagaste com alegria por muito tempo algum p rojeto
(uma viagem, urna excursão ) , e dêle te privam no últi­
mo minuto, etc. Que fazer nessas circunstâncias ? Como
esquecer?
As pessoas de alma pouco deli·cada cortam a ques­
tão de maneira quase trágica; b uscam o esquecimento
no álcool e na embriaguez, sem desconfiar ser tal re­
médio bem pior que o p róprio mal. O melhor dos re­
médios é-nos indicado pela lei da memória acima re­
ferida : não nos podemos ocupar a fundo senão duma

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só coisa de cada vez. Portanto, se a dor pesa demais
sôbre tua alma, impõe-te uma tarefa capaz de fixar a
atenção e o interêsse, e aplica-te de todo a ela.
O trabalho, mormente o que consiste em auxiliar
o próximo, é excelente remédio contra o sofrimento.
O seu efeito salta a?s olhos, sobretudo nas mães que
perderam um filho : -começam a trabalhar para crian­
cinhas pobres, a coser e a fazer tri·cô, para elas, abran­
d a-se a sua dor aguda e se transforma em tristeza
dulcíssima. Um trabalho sério ou uma leitura cativante
podem fazer-nos até esquecer uma dor de dentes ou um
ligeiro mal-estar.
E' na j uventude - e quanto antes - que se deve
aprender a arte suprema de saber livrar-se da in­
fluência das impressões e experiências desagradáveis
ou dolorosas. Requer isso esfôrço heróico, e, n ão o
p reciso dizer, só o conseguem aquêles que têm a alma
em paz com Deus e por isso podem inclinar a fronte
sob a mão do Pai celeste, e dizer : "Pai, seja feita a
vossa vontade e não a minha"

44. "Divide et impera!"


Outra exigência do estudo bem compreendido é
estudar segundo as regras da psi-c ologia. Que quer
isto dizer? Ilustrarei a idéia por um exemplo.
Por certo já visitaste museus, galerias de qua­
dros, exposições. Percorreste as salas, olhaste tudo, e,
ao sair de lá, rodava-te a cabeça de fadiga, e te admi­
ravas de, em suma, te lembrares de tão pouco de tudo
o que acabavas de ver.
Por quê? O método é que era deficiente. Deveria
ter pa rado diante de uma parte notàvelmente excepcio­
nal da coleção considerando-a demoradamente, depois
repousar um pouco para dar às tuas impressões tem-

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po de se acalmarem e ajustarem, para continuar, em
seguida, por outro grupo interessante, repousar de
novo, e assim por diante, se possível, deverias ali vol­
tar repetidas vêzes, pois é quase impossível assimilar
tudo numa só vez. Dessarte, recordarias fàcilmente o
que viste, pois conserva ainda nos nossos dias o seu
valor a máxima dos antigos divide et impera. Divide as
coisas em várias partes, e poderás reduzi-las ao teu
poder.
Para ligar as impressões novas às noções antigas
e assimilá-las, requer-se certo tempo. E' o que cha­
mamos de associação de idéias. Até o mais humilde tra­
balho intelectual, i nclusive a aquisição de sensações e
de idéias novas, põe os n ervos em movimento, fá-los
vibrar. E' p reciso, por isso, dar-lhes o tempo necessá­
rio para se acalmarem. Assim, as impressões recém­
adquiridas tomam raiz e se ligam às noções antigas
por fios mais. finos do que os duma teia de aranha.
E ntretanto, se impressões sempre novas vêm bater
cedo demais à porta de nossa alma, perturbam o curso
natural dêsse processo de formação, e as idéias pre­
cedentes só imperfeitamente podem arraigar-se na nos­
sa mente. Por isso o homem que lê precipitadamente
já n ão se lembra, menos de um ano depois, do con­
teúdo de tal livro ; de outra parte, também por isso o
homem que lê devagar e com atenção lembra-se ainda,
na idade madura, das suas leituras de aula.
Evita, pois, quando estudas, pular duma coisa
à outra : ocupa-te pacientemente dum só assunto até
penetrares nêle a fundo. P rimeiramente, "festina lente",
vai devagar, e irás mais longe. D epois : "non multa,
sed multum", - aprende muito, mas n ão muitas coisas
diversas. Trabalha bem atentamente naquilo que tens
diante de ti, e trata de fazê-lo completamente teu.

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Aproxima o que aprendeste hoje do que apren­
deste ontem, e, com o auxílio dêsse conjunto, tenta
ver se n ão podes achar sozinho alguma coisa que ain­
da n ão aprendeste.
E' mister, porém, fazer dêsse método sólido um
h ábito, antes de colhêr todos os seus benefícios : cum­
pre dirigir nesse sentido os esforços do cérebro. O ra,
isso reclama certo tempo.
Isto pôsto, acreditarás sem custo ; o estudante que
salta dum assunto a outro não faz senão perder tempo.
E poderá ser de outro modo, se o Júlio, por exemplo,
mal toma o livro de aritméti.ca, p roclama bocejando :
"Meu Deus ! como isto é cacête ! Vejamos o latim ! "
Mas o latim é tão difícil ! "Não, é melhor começar pela
história" E assim por diante?
Eis por que te recomendo, ainda uma vez, que pro­
cedas metodicamente e não estudes da maneira capri­
chosa acima descrita. Não passes n;pentinamente dum
assunto a outro ; é preciso achar alguma espécie de
transição. Cada assunto reclama a nossa atenção numa
atitude especial e, enquanto nos ocuparmos dêle, a nos­
sa atenção é lançada nessa direção. A atividade per­
siste por certo tempo no nosso cérebro, ainda depois
de exteriormente haver cessado. Concede-lhe, pois, um
momento de folga; sempre que as vibrações nervosas
serenem se armazena em ti o saber recém-adquirido.
Anda um pouco para lá e para cá, no quarto, pensan­
do no que acabas de aprender; nesse momento a lição
aprendida passa ao estado de conhecimento estável.
Após êsse instante de repouso, poderás continuar o
trabalho em outro assunto.
Se, depois de meia hora de estudo aplicado de pala­
vras inglêsas, apenas fechado o dicionário tentares
aprender fórmulas de álgebra, não te admires de que
o inglês fuj a ao m enos em parte da memória. Assim

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também, o estudante que quer reparar a sua p reguiça
de u m ano inteiro com algumas semanas de estudo
febril antes do exame, não guardará muita coisa dêsse
saber adquirido a galope. Desaparecerá tão depressa
como veio.
Eis por que é mais fácil e expedito ler livros nos
quais o texto em cada página está dividido em vários
parágrafos, do que livros onde não se encontra uma
interrupção em várias páginas. E a razão é que, enquan­
to o olhar desliza do fim de um parágrafo ( dessa linha
que não é até o fim cheia de caracteres) ao parágrafo
seguinte, teu cérebro obtém involuntàriamente um instan­
te de repouso; por pou.co que seja, basta todavia para fa­
zer germinar os conhecimentos novos ou, pelo menos,
para fixar esta nova série de idéias. Também por isso
achas pequenos capítulos de títulos diversos quase a ca­
da página dos m eus livro s ; isso te obriga a curtas para­
das que, sem o saberes, facilitam a assimilação da ma­
téria procedente e da matéria nova.
Quanto mais tempo dermos às coisas aprendidas
para se armazenarem sem perturbar o seu trabalho de
penetração, tanto melhor elas se organizam num te­
souro que se adquire com segurança e que se guarda
por muito tempo. Por isso te aconselho, quando estu­
dares, que faças ligeiras pausas entre os assuntos di­
ferentes, a fim de, como já disse acima, deixares à
matéria n ova tempo para aprofundar em ti. D a í vem
também que as coisas aprendidas à noite - com .mais
dificuldade talvez que de manhã - nos ficam, entretan­
to, melhor na memória. Porquanto, a assimilação da
matéria aprendida de manhã é constantemente pertur­
bada pelas m i l e uma impressões do dia - ao passo
que o estudo da noite, pelo contrário, é seguido do re­
pouso noturno, durante o qual o espírito tem todo
o vagar para a assimilação.

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Esta virtude traz ainda curioso clarão sôbre o
velho hábito dos maus estudantes que põem o livro
debaixo do travesseiro, esperando se lhes aninhe na
cabeça, durante o sono, a lição mal aprendida. Que há
de fundado nessa esperança, .cuja realização é o dese­
jo fervoroso de tantos estudantes? Pois olhem ! sim,
h á aí certamente uma pontinha de verdade : se o estu­
dante se ocupa da sua lição, ainda que em sonho, a
matéria estudada, melhor aprofundará suas raízes no
cérebro. Mas somente a matéria estudada, bem entendi­
do, - pois quem nada estudou durante o dia em vão
meteria tôda biblioteca debaixo do travesseiro !
Andarás, pois, bem avisado, mormente quando se
tratar de l ivros cuja matéria é mais difícil, fazendo
uma curta pausa no . fim de cada parágrafo, e refle­
tindo um pouco no que acabas de ler. Com mais razão,
aconselhar-te-ei um olhar retrospectivo, no fim de to­
dos os capítulos, e um rápido resumo mental.
Aí está, igualmente, a razão dos re·c reios de dez
minutos entre as diferentes lições de aula. Não servem
êles tão somente para repousar os modos, mas tam­
bém para ensejar-lhes assimilar o assunto da lição
precedente, e retardar um pouco o assalto elas impres­
sões de gênero completamente diverso.
Naturalmente, é sempre mais fácil fixar a atenção
num assunto que tem especial interêsse, e no qual já
adquiriste certa experiência. Nesse caso, não há neces­
sidade nenhuma de empregar tôda a espécie de artifí­
cios para te obrigares à atenção : ela vem sozinha.
Graças a essa atenção espontânea - ousarei mesmo
dizer apaixonada - podem conseguir-se resultados ma­
ravilhosos. Citarei o exemplo de Mozart que, aos 1 4
anos, o uviu uma vez na capela Sixtin a o célebre "Mi­
serere" de Allegri, cujo manuscrito ocultavam cuidado­
samente ao público. Em casa o rapazinho, que escuta-

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r a com todos os ouvidos1 pôs no papel1 " de memória" 1
a música de tôda a peça ! Assim também, maravilhosa
a atenção do mestre de xadrez que joga 20 ou 24 par­
tidas ao mesmo tempo, durante 1 O ou 12 h oras ! E
sem taboleiro ! Imagina um pouco a ginástica da me­
mória que isso requer : conservar p resente na cabeça
a posição de 32 figuras dispersas por 64 casas em
várias partidas ao mesmo tempo! Nota que o jôgo de
xadrez, sendo, como é, um trabalho fatigante, n ão pode
valer por uma recreação ; mas, não levado ao excesso,
é perfeito para fortificar a memória.
Põe ordem nos teus estudos : isso te proporciona­
rá grande economia de tempo. Se ao invés de atirar
os l ivros e cadernos a um ·Canto ao voltares da escola,
os puseres no seu lugar, bem arrumados, ganhaste j á
cinco minutos para estudar, pois não terás necessidade
de procurar num monte em desordem o que te é preciso.
Se tens várias coisas a fazer, começa sempre pela mais
difícil; parecer-le-ão as oufr·as, em seguida, fáceis. Co­
meça sempre por estudar a lição de que menos gostas.
No início, o cérebro está ainda fresco, poderá efetuar
melhor êsse trabalho difíci l . Em .certos dias tens me­
nos deveres que fazer ; utiliza-os, pois, para te prepa­
rar com antecedência. Aprende, se possível, a lição d e
depois d e amanhã, a fim d e que a s horas de estudo
sejam distribuídas mais ou menos igualmente cada dia.
Principalmente, cuida de terminar os trabalhos
que deves fazer dentro de um prazo marcado. Se es­
tiveres sempre a adiá-los, resultará muita perturbação
e inquietação nos teus pensamentos. Não adies, pois,
para amanhã aquilo que podes fazer hoje. Por exemplo :
sendo possível, faze a tua lição de segunda-feira no
sábado à tarde; terás assim um domingo bem mais
tranqüilo e mais útil.
O trabalho adiado é como uma dívida não salda-

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d a ; não nos deixa em paz. Pelo contrário, o trabalho
realizado assegura um repouso tranqüilo. f:: sse dever
de redação deve ser feito de qualquer forma; não é
então mais prudente fazê-lo Jogo que possível e esperar
tranqüilamente o tempo de apresentá-lo ao professor?
Imagina, ao contrário, teu estado de alma, se adiares
sempre a lição para mais tarde : pairará sôbre os teus
pensamentos como uma nuvem negra, e na última
noite, pôr-te-ás nela cheio de inquietação e n ervosism o ;
o resultado sofrerá, está claro. N ã o terás trabalhado
menos que o teu colega mais ordenado, mas certamen­
te terás feito pior tarefa ! O dever adiado vinga-se de
ti e te inquieta sem t régua.
Luciano faz um grande elogio de César no seu li­
vro "Marsalia" ( l i, 657 ) . "Nil actum credens, dum
quia superesset agendum" - "Enquanto lhe restava
a menor coisa a fazer, êle julgava nada ainda ter feito".

45. "Esta maldita memória ! "

" E então, Luís, estás satisfeito no colégio?" per­


guntam ao rapazinho que volta à casa pela primeira
vez nas férias do N atai. " Estou muito satisfeito", res­
ponde o menino. "Mas tudo iria bem melhor se não
fôsse esta maldita memória ! " O nosso jovem amigo
põe tôda a amargura do seu coração nessa frase, e mui­
tos estudantes lhe dão razão.
No entanto, como estás vendo, sem a memória,
estudo e cultura são inconcebíveis. Efetivamente, é p re­
ciso saber de cor n ão sómente as poesias, mas ainda
as regras da gramática, as datas da história, os dados
da geografia, as fórmulas da geometria, as leis da
física, etc.
Mas n ão te assustes. Há bons meios para facilitar
o estudo decorado. Assim, a "memória local" pode tor-

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nar-se um auxilio precioso. Quero designar com êste
têrmo a faculdade de lembrar não somente o texto como
"
também o lugar que êle ocupa no livro e na página,
o gênero dos caracteres de imprensa, etc. Se puderes
ainda notar outras particularidades e armazená-l as na
memória, tanto melhor ! Por exemplo : aqui, há uma fi­
gura, ali um título em letras grandes ; mais adiante, su­
blinhei aquela frase com lápis vermelho. Onde está
êsse texto? Ah ! sim, está bem em baixo da página
- ou no alto, ou no meio, ou ainda em nota. Muitas
vêzes recordas· o texto imediatamente que l he relem­
bras o lugar. Ao recitares a lição, n ão deves senão evo­
car circunstâncias, e, por insignifi.cantes que sejam,
ajudar-te-ão entretanto a memória. Eis aí a razão por
que é mais difícil te preparares para um exame com
o liv ro de outro ; embora seja da mesma edição, está
anotado diversamente, as marcas a lápis diferem das
tuas, etc.
De primeiríssima necessidade é que compreendas
perfeitamente a matéria por ap ren de r Portanto, -
.

quer se trate dum texto que se deve con servar de me­


mória, palavra por palavra, - quer duma página de
que só devas saber o essencial, começa por ler o capí­
tulo, a poesia ou o texto, seja qual fôr, até o fim de
uma só vez. Tratando-se dum texto em l íngua estrangei­
ra, traduze-o primeiro de maneira bem clara, bem
compreensível, porquanto aprender um texto que a gen­
te não ·Compreende é quase tão aborrecido como uma
dor de dentes. Não comeces o trabalho de memorização
senão quando tiveres compreendido o texto intei ro.
Em seguida, se tiveres de aprender um texto de
cor, não lhe separes duas ou três palavras de cada vez,
mas sim um membro de frase coerente, ou, no caso
de versos, frases inteiras, e não uma linha da poesia.
Assim : ler a frase com grande atenção, pronunciando

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.cada palavra e cada sílaba bem claramente ; fechar o
livro (ou até os olhos) e tentar recitá-la devagar e
com exatidão. Não o consegues? Não desanimes, repete
mais uma vez o mesmo p rocesso. Deves tentar nova­
mente n ão uma vez, mas dez vêzes, vinte vêzes, se
p reciso. Hás de saber sem êrro a primeira frase antes
de ir adiante. Aprenderás, em seguida, a segunda da
mesma maneira, mas, assim que a souberes, procurarás
recitar as duas juntas. Depois, vem a terceira frase,
sozinha a p1 incípio, em seguida com as precedentes.
Êste método de aprender de cor é muito mais fácil do
que o de recitar, cantar, gritar todo um parágrafo dez
ou doze vêzes uma após outra, sem que o texto fique
na cabeça. Toma-o frase por frase : é passo a passo
que a gente sobe a escada, e se acaba sempre por
chegar lá acima.
Se te sucede perder o fio, não trates de olhar
imediatamente o livro ! Procura achar sozinho a seqüên­
cia. Avança progressivamente a perguntar-te : é assim
ou assim? Se conseguires continuar sem auxílio,
podes estar s eguro ele nunca mais parar nesse ponto.
Quem não gosta de quebrar a cabeça e olha imediata­
mente para o livro corta, é verdade, o nó górdio mais
depressa, mas com menos proveito, pois na próxima
vez parará direitinho no mesmo lugar.
Ou então, suponhamos que tenhas de preparar
uma exposição ou de fazer uma tarefa. A maioria dos
j ovens faz meia dúzia de redações e as j oga fora uma
após outra, porque se m eteu no assunto sem plano
nem projeto prévio. Deves, n essas matérias, proceder
como o general que dirige a batalha. A primeira tare­
fa é ver claramente o tema que se vai desenvolver.
O general começa por formar uma idéia de conjunto,
resume os relatórios dos postos avançados, e só coloca
suas tropas depois de estudar a fundo as drcunstân-

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cias. Do mesmo modo, dir-te-ei que n ão comeces por
imediata entrada em matéria, esbôço e plano ; anota,
primeiro, cuidadosamente, tudo o que sabes sôbre o
assunto, e procura ampliar ainda os teus conhecimen­
tos pela leitura. Quanto mais te ocupares do assunto,
quanto mais profundamente mergulhares nêle, tanto
mais fàcilmente te acudirão as boas idéias. Acorrem
às vêzes em multidão ! ( Eis por que as lições de que
nos ocupamos dias inteiros são muito melhores do que
as que rabiscamos à pressa e à última hora ) . Bem.
Agora, que as idéias te formigam n a cabeça, podes
começar a pô-las em ordem no papel. Agora, o plano e
a sucessão das idéias se apresentam .como o fruto m a­
duro que cai da árvore. No número das idéias que ano­
tastes, haverá talvez algumas inúteis : deita-as fora
sem escrúpulo, não há n isso inconveniente algum. Fi­
carão ainda as boas em número suficiente. Cuida de
estender bem a tua redação num rascunho ; não receies
apagar o que escreveste. Relê várias vêzes, pois acha­
rás sempre alguma coisa que retocar; assim, a tua com­
posição se tornará cada vez mais firme, e o teu estilo
cada vez mais elegante.
"Saepe stylum vertas", "vira sempre o teu estilete",
recomenda-nos a sentença l atina. E tem razão ; vou
explicar-te por quê. Nos primeiros tempos, os gregos e
os latinos escreviam com o "estilete" - uma varinha
de ferro em ponta que servia para traçar caracteres
sôbre tabuinhas revestidas de cêra mole. Se cometiam
um êrro, viravam o estilete ao inverso para apagar
com o lado chato os caracteres defeituosos. Pois bem !
vira sempre, meu filho, o teu estilete : quer dizer, apaga
e corrige a tua primeira redação tanto quanto fôr
preciso.

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46. Não é só cont a mente que se deve aprender !
Cem vêzes terás ouvido repetir o p rovérbio que
diz : "Consegue-se mais com a razão do que com a
fôrça ! " Vais, portanto, fi·car admirado de ouvir-me di­
zer : Não estudes só com a mente ! A mente por certo
tem o seu p apel, não digo o contrário ; mas sózinha
não é suficiente. Que mais é preciso? As mãos, os pés,
os olhos, os ouvidos . .
Ago t a é que já n ão compreendes mais nada.
Vou explicar-me.
Deus criou o homem de maneira que alma e cor­
po fundem-se nêle em unidade tão completa a ponto
de n em uma função sequer da alma poder exercer-se
independentemente do concurso do corpo. A alma é o
artista, o corpo é o instrumento ; sem instrumento o ar­
tista é incapaz de trabalhar. Alma e corpo trabalham
sempre juntos ; se minha alma está triste, o corpo em­
presta-lhe suas lágrimas ; se minha alma está alegre, o
meu rosto expande-se num sorriso, e assim por diante.
O mais fugitivo pensamento produz a vibração dos
átomos do nosso cérebro.
Pois bem ! se isso acontece com os pensamentos,
que não fazem senão fugir, compreendes que o traba­
lho mental sério e aprofundado - o estudo, por exem­
plo - guardadas as devidas proporções reclame tam­
bém as fôrças d o corpo. I sso é que causa a fadiga
corporal depois do trabalho mental.
Vai aqui, ademais, outra observação curiosa : não
sómente o trabalho mental age sôbre os nervos, como
também o contrário igualmente, em certa medida, acon­
tece : determinad os movimentos, determinada posição,
de'"erminado trabalho dos nervos e dos músculos facili­
tam o trabalho mental. Os sentimentos fortes põem em
movimento o organismo; e, em compensação, o movi-

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menta vigoroso do organismo pode despertar-nos de­
terminados sentimentos.
Citarei um exemplo que te fará imediatamente
compreender : se alguém está irado, seu rosto se alte­
ra, e êle, cerrando os punhos, grita como u m possesso.
I magina agora um homem calmo que se esforçasse
por cerrar os punhos e gritar a ponto de ficar todo
vermelho : tal homem bem depressa se enraiveceria sem
saber por quê. O coração dum homem furioso bate a
ponte de rebentar, os músculos se lhe enrij ecem, e, não
raro, êle se põe a tremer em todo o corpo. Mas o
corpo agitado produz também reação sôbre os senti­
mentos, o que aumenta a cólera, e essa cólera aumenta­
da anima mais o corpo. E' assim que as pessoas se
exaltam cada vez mais . " Pois bem ! quando estiveres
muito zangado . senta-te ! Verás que pelo menos me­
tade da ira se evolará imediatamente. Explicação : sen­
tado, os músculos se distendem, o que diminui o fogo
da cólera.
Quando ouvimos ou lemos alguma coisa muito
interessante, os músculos do rosto tornam-se tensos
( atenção aplicada ! ) , sustamos a respiração, inclina­
mo-nos p ara a frente, os olhos arregalados. D epois,
quando a história acaba, suspiramos profundamente,
e os músculos do rosto se relaxam a olhos vistos. Aí
está um belo exemplo do império que o trabalho mental
pode exercer sôbre o corpo.
Agora, tu mesmo poderás tirar as conclusões.
Durante o estudo, importa ocupar .os sentidos tanto
quanto possível no assunto. O estudo será tanto mais
fácil e mais fecundo quanto mais teus sentidos nêle
tomarem parte. Aí está por que é mais fácil aprender
em voz alta do que baixinho ; então, o ouvido auxilia
o trabalho do cérebro. Vou ainda mais longe. Se mo­
ves os lábios para articular os pensamentos que estás

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lendo, isso pode aprofundar e robustecer os próprios
pensamentos. (Tal como te disse mais acima ao falar
do homem encolerizado) . Dêsse modo aprendes por três
meios : pelo cérebro, pelo ouvido e pelos l ábios.
Ah ! mas o aluno das classes superiores já não
tem tempo de estudar em voz alta como um colegial­
zinho que tem pouco trabalho. E depois, com tudo o
que tem de aprender, ficaria rouco tôdas as noites. Que
fazer então? E como fará o rapaz a quem não falta o
tempo, mas que não pode aprender em voz alta na sala
do colégio porque incomodaria os outros? Não impor­
ta : sempre se pode utilizar essa lei da psi.cologia. Pode
estudar-se em voz baixa, cochichar até, de modo que
n ão se incomode o vizinho, articulando sempre as pa­
lavras e as frases com os lábios. Fazê-lo como se a
gente estivesse falando, sem todavia dar som à voz. Tal
movimento dos lábios ajudará muito a fixar o que se
aprende. Para os vocábulos estrangeiros, versos e tex­
tos para reter de memória, palavra por palavra, é, n ão
obstante, preferível o estudo em voz alta.
Recomendo-te ainda um exerclciozinho do mesmo
gênero : é repetir assim com os lábios, sem ruído, tô­
das as perguntas, tôdas as repostas e tôdas as explica­
ções durante a lição. Pode-se fazer isso muito hàbil­
mente, sem cochichar, e sem que os lábios pareçam
mexer-se : ainda assim, o movimento dos lábios torna
o trabalho mental mais duradouro.

4 7. O estudo conforme a lição de coisas.

Estás vendo, pois, que o trabalho pode ser fadli­


tado por esta regra : reclamar na medida do possível o
auxílio dos sentidos ! Regra que te aproveitará até n a
vida prática. Suponhamos, p o r exemplo, que, numa
grande reunião, te apresentem dez homens desconheci-
O Mõ�o- 8 1 13
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dos, um após outro. Logo depois, terás esquecido os
srus nomes. Entretanto, terias tido apenas que os repe­
tir baixinho durante a apresentação para retê-los de
memória. Ou então, ouves um discurso que te interessa
muito. Bem quererias anotar-lhe algumas palavras ou
cifras importantes, mas não tens contigo papel n em
lápis. Que fazer? Perfeitamente aí está ! E ' preciso
fazer alguma coisa, e não só com a mente ! Pronuncia
êsses nomes e êsses alga rismos em voz baixa, escreve­
os até no ar diante de ti sem que isso sej a notado.
Quando, chegado a casa, tomares o lápis para anotá-los,
verificarás .com prazer que a ação te deixou t raços
muito mais p rofundos na memória do que o simples
som das palavras.
Hoje em dia, o nosso modo de aprender, como aliás
todos os atos de nossa vida ( leitura dos j ornais, li­
vros, relações sociais, etc. ) , apóia-se demais nas pala­
vras memorizadas. Entretanto, se não tratarmos de
fixar na memória a matéria aprendida não só por pa­
l avras como também por imagens, breve a esque­
ceremos.
Estudando geografia, tem sempre o mapa diante
de ti ! E' muito mais fácil assim ! Ou, melhor ainda :
tenta tu mesmo fazer um mapa daquilo que estás estu­
dando. D i r-me-ás que êsse desenho é bem primitivo !
Não tem nenhuma importância. Se te ocupares de es­
tatístkas, fixa as tuas tabelas no papel. Estudando
geometria, traça desenhos, recorta em cartão figuras
geométl icas. Ou então, combina os dois métodos -
em h istória natural, por exemplo. Que lapso de tempo
n ão te será p reciso para decorar o número de pétalas,
de estames, etc., duma flo r ! e quanto menos tempo
te será preciso para reter a descrição de outra flor que
tomares em mão a fim de examiná-la minuciosamente,
por fora e por dentro ! ( Se puderes obter essa flor, bem

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entendido) . Por que haverias de aprender vocábulos
incolores e i nutes que, muitas vêzes, matam o interêsse,
se tiveres meios de possuir em mão o objeto vivo e res­
p landecente de côres ? E' horrivelmente enfadonho de­
corar uma longa explicação sôbre uma florzinha ; mas
isto se torna tão simples quando se pode dissecar a
florzinha in natura, para estudá-la a fundo ! Como é
fastidioso reter de memória os algarismos relativos ao
cubo : 6 faces, 8 ângulos, 12 arestas ; e como isto se tor­
na fácil logo que tens em mão um cubo e o apalpas
em todos os sentidos !

48. O ritmo.

"Os versos, isso entra sozinho na cabeça. Mas


o vocabulário latino e esta prosa horrível ! . . " E' a
opinião de muitos estudantes. Mas quanto a explicar
o porquê dêsse fato de experiência, - porque é mais
fácil aprender versos do que prosa, - êles n ão o sabe­
riam dizer. Entretanto, vale bem a pena refleti-lo um
pouco, visto que o resultado dessa reflexão nos ajuda­
rá a aprender mais fàcil mente, com muito meno s es­
forços : chamaremos a isto estudo econômico.
O l ha, vou dizer-te uma coisa curiosa. Já viste
um ferrei 1 0 no trabalho? E ntão deves ter notado que
êle bate compassadamente na bigorna. Entre os golpes
pesados que dá no ferro em brasa, êle acha meios de
executar ao ladol na bigo rna, verdadeiros trinados de
pancadinhas, com uma rapidez endiabrada, para vol­
tar em seguida ao feno. Toca uma ária, o ferreiro !
Mas por que razão? Talvez o tenhas perguntado a ti
mesmo, sem achar resposta. Sabes por que essa ária
de música ? Por que dá os seus golpes, com ritmo?
Porque o ritmo facilita o trabalho.

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Já viste alguém montar corretamente a cava lo ?
Ou acaso tu mesmo montas ? Não se tem a impressão
de balançar para a frente e para trás no cavalo a ga­
lope? E por que corre assim o cavalo? Porque o ritmo
lhe facilita a corrida. Pela mesma razão o camelo se
balança andando, e os homens sentem menos a fadi­
ga quando andam em tropa, levantando o pé todos ao
mesmo tempo, isto é, com passo ritmado, e não a torto
e a direito. O manej o do remo também é bem mais
fácil quando vários remadores baixam o remo com um
mesmo gesto ritmado, et.c.
Pois bem ! aí está também por que é mais fáci l
aprender um trecho de poesia. Isto facil ita tanto o es­
tudo, que, não raro, os j ovens estudantes, não contentes
de utilizar o ritmo para estudar, "cantam" até os ver­
sos, quando os deveriam acentuar. ( E' preciso perder
êsse mau hábito ! ) O ritmo, de um lado, poupa-nos as
fôrças, e, de outro, desperta sempre em nós certo sen­
timento de p razer, de gôzo estético ; é fenômeno que po­
demos observar em tôdas as manifestações da vida.
A própria escrita mostra-nos quanto o ri tmo penetra
tôdas as nossas atividades, pois, quando escrevemos
apoiamos a pena no papel e relaxamos essa pressão
segundo uma cadência inteiramente regular, isto é,
ritmada.
Como bem vês o ritmo é auxílio p recioso em to­
dos os nossos trabalhos, inclusive o estudo. Aplicando-o
hàbilmente, achamos o grande segrêdo de produzir o
máximo de trabalho possível, com tôda a economia
de esforços.

49. O ritmo na prosa.


Mas, afinal de contas, a vida dum estudante não
consiste unicamente em aprender versos. Não se pode­
ria reivindicar o auxílio do ritmo também para outras

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coisas, para o estudo da prosa, de um texto não ritma­
do? E' possível, mas é necessário haver-se nisso com
habilidade. Experimenta, na medida do possível, ritmar
a prosa.
Às vêzes, as circunstâncias exteriores podem vir­
nos em auxílio. Poderás observar, no colégio, que al­
guns dos teus colegas mexem com os dedos, com a
cabeça, com os pés, em cadência, marcando compasso,
ainda quando estudam a lição de religião ou de h istó­
ria. Até aqui nunca terias sabido por que é mais fácil
assim. Sabes agora : é a ação do ritmo que intervém.
Graças a êle, podes sempre facilitar teu trabalho ; mas
sem dúvida Rodes também contrair o hábito de movi­
mentos às vêzes cômicos. O melhor é estudares andan­
do, gesticulando, seja no quarto, seja no j ardim. Já
sabes por experiência o quanto isso alivia o trabalho,
mormente quando se trata de reter palavra por pa­
lavra. Sempre achei, por exemplo, quase impossível
aprender vocábulos estrangeiros sentado numa cadeira ;
se a gente anda para cá e para lá, j á não é a mesma
coisa. Conheço j ovens que seguram o dicie,nário com
uma das mãos e marcam ·c ompasso com a outra : é
ainda melhor. Tu mesmo, caso já tenhas estudado
muito tempo assentado diante da tua mesa, terás po­
dido perceber que ficas em breve fatigado, e daí por
diante i ncapaz de fixar a atenção n o livro. Levanta-te
e estuda andando ; o ritmo dos teus passos dará n ova
fôrça ao teu cérebro.
Com alguma habilidade, podemos pôr uma espé­
cie de ritmo até na p rosa mais sem graça. Suponhamos,
por exemplo, sejas obrigado a aprender os nom€s dos
dias da semana em alemão. Sonntag, Montag, etc. Ainda
que os saibas sem êrro, se te perguntarem como se
diz sexta-feira em alemão, só sabes responder come-
çando pelo domingo : Sonntag, Montag . Freitag .

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é isto - Freitag. Mas que desperdício de energia !
Como poderias dar remédio a isto pelo ritmo? Assim :
põe de l ad o o domingo. Restam seis dias : divide-os
em dois grupos. O p rimeiro começará por Montag, o
segundo por Donnerstag. Guarda bem de memória o
dia que figura à testa de cada grupo. Se te pergunta­
rem agora o n ome de um dia qualquer, basta começa­
res por Montag no primeiro grupo e por Donnerstag
no segundo. Estudando o nome dos meses, poderás
d ividi-los em quatro grupos segundo as estações.
Onde quer que seja impossível · uma divisão rítmi­
ca sempre podes, todavia, facilitar o estudo; seja re­
digindo listas de estatísticas, sej a sublinhando certas
partes, ou ainda fazendo um desenho ou um modêlo
do teu assunto, e, enfim, servindo-te das expressões
mnemotécnicas destinadas a repousar a memória. Tan­
to melhor se te puderes servir de todos êsses métodos
conjuntamente.
Suponhamos que tenhas de aprender a l ista dos
reis da F rança do século VIII ao XVI, na ordem de
sucessão. Reparte-os em três grupos ; os Carlovíngios,
os Capetas e os Valois. Anota êstes três grupos no
papel dêste modo :
CARLOVINGIOS
Pepino de Heristal, 687-7 14, Carlos o Gordo, 885-887,
Carlos Martelo, 7 1 5-741 ' Eudes, 887-897,
Pepino o Breve, 7 4 1 -76ll, Carlos i l i o simples, 898-922,
Carlos-Magno, 768-8 1 4 , Roberto I, 922-923,
Lu is o Piedoso, 8 1 4-840, Raul, 923-936,
Carlos o Calvo, 843-877, L u l o I V de Ulramar, 936-954,
Luis 11 o Gago, 877-879, Lo lã rio, 954-986,
Luh 1 1 1 , 879-882, Luh V , 986-987,
Carlomano, .. 882-884,

CAPETOS
Hugo Capeto, 986-996, Filipe I I I o Teme-
Roberto o Piedoso, 996- 1 03 1 ' rário, 1270-1285,
Henrlqua I , 1 03 1 - 1 060, Filipe I V o Belo, 1 285- 1 3 1 4,
Filipe I , 1 060-1 108, Lu ls X o Turbu-
Lu is V I o Gordo, 1 108-1 1 3 7 ' lento, 1 3 1 4- 1 3 1 6 ,
Luis V I l o MOço, 1 1 37- 1 1 80, João I, 1316
Filipe-Augusto, 1 1 80-1223, Filipe V Com-
Luis V I I I , 1 223-1226, prido, 1 31 6- 1 322,
S. Luis ( IX ) , 1226-1270, Carlos I V o Belo, 1 322- 1 328,

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VALOIS
Filipe IV de Valois, 1 328-1 350, Carlos V I I , 1422- 1 46 1 ,
João V o Bom, 1350-1364, Luí3 X I , 1 46 1 - 1 483,
Carlos V o Sábio, 1 364-1380, Cario3 V I I I , 1483-1498,
Carlos V I , 1380-1422, Luis X I I , 1 498- 1 5 1 5 .

Quando acabares de escrever, já saberás mais


ou menos a ordem da sucessão, mormente se conse­
guires fabricar uma palavra mnemotécnica (palavra
de evocação, "vox memorialis") com as i n iciais dos reis
de cada grupo. " Essas palavras de evocação" são pala­
vras artificiais que se formam com as inkiais das pala­
vras por aprender. Se estudaste bem a lição, ao respon­
der não terás mais que pensar nas letras dessa "pa­
lavra de evocação", e tudo irá do melhor modo. As­
sim, por exemplo, poderiam resumir-se : as iniciais
das nove musas nestas duas palavras : Cetme, Tepuc
( Ciio, Euterpe, Tália, Melpômene, Terpsícore, Erato,
Polínia, Urânia, Calíope) . - Ou então : trata-se de
saber quais são os meses do ano em que os " idos"
caíam a 1 5, na antiga Roma? Eis a "palavra de evo­
cação" : Mifmo ( março, j ulho, maio, o utubro) . Uma
"palavra de evoca�ão" hàbilmente fabricada pode, pois,
tornar-se auxílio precioso para guardar uma sucessão
de nomes ou de acontecimentos - com a condição,
b em entendido, de que n ão seja mais difícil de guardar
do que a própria matéria.
Se houver alguma dificuldade em achar uma pa­
l avra de evocação, pode-se tentar compor versos curtís­
simos, hexâmetros, ou de preferência um dístico, que
desempenharia o mesmo papel. Por exemplo : quais
são os sinais do Zodíaco? Responde em versos latinos :
Sunt aries, taurus, gemini, cancer, leo, virgo,
Libraque, scorpio, arcifenens, caper, ampho-ra, pisces. 1

I ) Carneiro, Touro, Gêmeos, Câncer, Leão, Virgem, Ba­


lança, Escorpião, Sagitário, Capricórnio, Aquário, Peixes.

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Quais foram as sete artes liberais ?
Gramática ( a gramática) , Dialética ( a arte de ar­
gumentar) , Retórica (a arte de bem falar) , Aritmética
( o cálculo) , Geometria ( a geometria ) , Música ( a m úsi­
ca), Astronomia (a astronomia) . Ei-las em forma de
hexâmetro :
Uram-loquitur, Dia-vera docet, Rlze-verba colorat, Ar-numeral,
Geo-pondet, Mus-canit, As-colit astra.

Ou, ainda, quais são as épocas das têmporas?


Post Luciam, cineres, post sanctum Pneuma crucemque,

quer dizer, na quarta-feira, na sexta-feira e no sába­


do que seguem o dia de Santa Luzia ( 1 3 de dezembro) ,
o da quarta-feira de cinzas, o de Pentecostes e o da
Exaltação da Santa Cruz ( 14 de setembro) .

50. Outras particularidades.


No estudo da história, é de importância capital
tenhas visão geral e clara dos maiores acontecimentos
e eras principais. Qualquer que seja a matéria recém­
aprendida, trata de pô-la imediatamente em relação
com a história geral do mundo. Podes tornar infinita­
mente mais claros os conhecimentos de história, regis­
trando, com algumas palavras apenas, os acontecimen­
tos p rincipais de cada século. Por exemplo :
I 00 anos depois de Cristo : O Cristianismo penetra no mundo
intelectual.
200 anos depois de Cristo : Lutas do Cristianismo, persegui­
ções.
300 anos depois de Cristo : Triunfo do Cristianismo.
400 anos depois de Cristo : Migração dos povos, os Germa­
nos começam a desempenhar pa­
pel preponderante.
500 anos depois de Cristo : Derrota dos Gôdos.
600 anos depois de Cristo : Aparecimento dos Francos.
700 anos depois de Cristo : Maometismo.
800 anos depois de Cristo : Carlos Magno, etc.

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Em geral, farás sempre bem desenhando um "cro­
quis" ou um esbôço, ainda que muito simples, da ma­
téria por aprender. Já te disse acima : quanto mais os
sentidos puderem tomar parte no estudo, tanto melhor
as coisas se fixarão na mente. Com um pouco de expe­
diente, podes achar tôda sorte de meios engenhosos
para facilitar-te a tarefa.
No correr dos tempos, inventaram-se muitos meios
artificiais, mais ou menos úteis, para auxiliar a memó­
ria. Há até pessoas que dão um nó na ponta do lenço
para não se esquecerem de alguma coisa. Vejamos
agora os dois sinônimos franceses ou e ou. Para n ão
confundi-los, pensa nesta pergunta : Onde está o acento
grave? Acha-se êle justamente no interrogativo "ou"
Os versinhos destinados a lembrar-nos alguma re­
gi a do saber servem ao mesmo fim e pelo mesmo meio.
Podes facilitar grandemente o estudo sublinhando
as partes mais importantes da lição - e até sublinhan­
do-as com lápis de côres diferentes, segundo a impor­
tância delas. Pela mesma razão, nos livros, imprimem-se
os cabeçalhos dos capítulos em caracteres mais gros­
sos, e por isso também neste livro, faço ressaltar em
itálico as frases mais importantes ; porquanto as im­
pressões mais fortes se imprimem mais p rofundamente
na memória. Evita, entretanto, sublinhar demasiado,
pois isso tiraria ao processo todo o valor.
Quando preparares um exame ou uma rev1sao ge­
ral, n ão te esqueças de uma vista de olhos sôbre o
índice do teu Livro de estudos. Os estudantes quase
nunca pensam nisto : verás, todavia, que, aprendido
de cor, apresentar-se-á a ti o assunto sob aspecto in­
t eiramente diverso se conheceres a concatenação dos
capítulos, isto é, o plano geral da matéria.
Tenho ouvido a miúde formular-se esta queixa :
"Mamãe ainda me faz recitar a lição todos os dias ;

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n ão quer compreender que j á n ão sou criança" Pois
olha, meu filho, deverias antes agradecer a tua mãe !
Será então assim tão ú til recitar a lição em casa?
Sem dúvida. Resulta daí em primeiro l ugar que, caso
se tenha aprendido apenas com os olhos, o saber será
agora reforçado pelo ouvido e pela voz ; depois, o estudo
silencioso é, muitas vêzes, enganador; acredita-se sa­
ber muito bem a lição, mas só se lhe percebem as fa­
lhas e fraquezas recitando-a em voz alta. O que é ainda
melhor é discutir a lição do dia seguinte com um cole­
ga de classe. Dêsse modo verás o que compreendeste
mal, o que o outro interpreta de maneira diferente,
etc. Não renuncies a esta vantagem, ainda que nenhum
dos teus colegas more bastante perto de ti, e que, em
casa, ninguém te queira ouvir. Recita p ara ti mesmo a
lição ! Faze às quatro paredes do teu quarto um discurso
magnífico sôbre a lei da gravidade, ou, de pé diante
dos arbustos do teu j ardim, declama com gesto apai­
xonado de orador, aos passarinhos, o teu " Conciones"
latino : "Quousque tandem abutere, Catilina, patientia
nostra?" Ao menos poderás controlar-te a ti mesmo e
te convencer que sabes deveras a lição.

5 1 . Estuda com prazer!


Outro conselho que te quisera d a r : estuda sem­
pre com p raze r ! "Só isso?" dirás. "E' fácil de dizer !
Mas que posso fazer, se o estudo francamente me abor­
rece? Ponho-me a estudar por dever, mas, sempre, pou­
co falta para que eu durma ! "
E' queixa que tenho ouvido muitas vêzes, oh !
muitas vêzes ! E nem uma vez quisestes, meus jovens
amigos, acreditar que isso é quase somente por vossa
culpa.
Tenho também experiência de que muitos rapazes
que n ão estudam a lição não são de nenhum modo

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preguiçosos noutras coisas. Lêem, estudam até quando
l hes dá vontade, ocupam-se o dia todo, mas de qualquer
outra coisa que não seja o seu dever.
"Eu bem que quero trabalhar", dizem êles, " mas
sàmente no que me agrada ! "
Contudo, qualquer trabalho pode agradar, e êsses
rapazes apenas erram por n ão saberem transformar o
dever em prazer. Não é mais sábio o homem que enca­
ra as coisas desta maneira : "E' absolutamente neces­
sário que eu aprenda isto : n ão há meio de evitá-lo. Vou
então fazê-lo ao menos com prazer" ? A coisa se torna
imediatamente mais fácil. Que tesouro de "sagacidade"
se oculta nesta atitude : aceitar de bom gôsto, até com
alegria, o sofrimento que de qualquer forma seríamos
obrigados a suportar no correr da vida !
Aceita, pois, o conselho d e Walter Scott, o grande
escritor inglês : "Seja o teu lema : Hoc age!" (O que
fizeres, faze-o com tôda a energia!) Põe-te ao trabalho
sem demora : poderás distrair-te depois de completas
as tarefas, nunca antes. Se u m regimento de soldados
se põe em marcha e as tropas da frente marcham em
desordem, as da retaguarda atrapalhar-se-ão irremedià­
velmente. Sucede o mesmo com as nossas ocupações ;
se não fizermos logo, consecutivamente e com exatidão,
o que nos cumpre fazer, amontoar-se-ão as tarefas uma
s ôbre a outra, sempre mais numerosas, até formarem
um obstáculo insuperável à ordem, que jamais podere­
mos restabelecer.
Quem se põe ao estudo com alegria já venceu
a metade da dificuldade. Por quê? Porque a alegria
tem a vantagem de duplicar as nossas fôrças e a n os­
sa capacidade de trabalho. Com efeito, tem-se demons­
trado por experiências psicológicas que a alegria torna
a circulação do sangue mais rápid a ; segue-se daí que
o cérebro do homem contente é irrigado por maior

1 23
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quantidade de sangue. E' de tôda necessidade que o
sangue irrigue bem o nosso cérebro, enquanto se en­
trega ao trabalho. E' pelo mesmo motivo que é malsão,
e ainda por cima incoveniente, ler ou estudar às re­
feições; pois a digestão reclama o afluxo do sangue
nesse momento. As ondas mais ricas do sangue drenam
mais fàcilmente os detritos e os tóxicos que são o pro­
duto do trabalho e que provocam em nós uma sensação
de fadiga. Quando os estudantes têm diante de si u m
trabalho urgente ( sabatinas, exames, etc.) e estudam
até tarde da noite, servem-se de excitantes (chá, café)
para se manterem acordados. E' um êrro. E' verdade
que conseguem afastar a sensação da fadiga ; mas, se
com freqüência se servirem dêsse meio, poderão pagá­
lo caro : será suficiente para arruinar os nervos. A ale­
gria, a jovialidade são excitantes cem vêzes melhores
que o café ! Sabes por experiência própria que, quando
nos advém um grande prazer, uma corrente elétrica
parece percorrer-nos as veias. Pois bem ! na vida dum
jovem de coração puro e de pensamentos nobres, a fon­
te das alegrias elevadas j orra tão abundantemente cada
dia, que êle não precisa senão estender a m ão para
recolhê-las.
E' por isso que te recomendo, e insisto encarecida­
mente contigo para que sejas sempre alegre e j ovial !
O primeiro motivo, bem entendido, é que nada mais
n atural seja alegre um rapaz cuja alma está em paz
com Deus; trata, contudo, de adquirir humor alegre
também por amor a teus estudos, que isso auxiliará
sobremaneira. Não te perguntes durante um quarto
de hora : devo estudar ou não? - mas põe-te corajosa­
mente, alegremente, ao trabalho. Dimidium facti qui,

coepit, habet, "quem começou a obra j á lhe fêz a meta­


de". Há rapazes que não podem pôr-se ao trabalho
senão depois de discutir e resmungar longamente. Di-

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zem primeiro todo o mal possível do estudo durante
meia-hora ; n a segunda meia-hora, aconselham-se con­
sigo mesmos a fim de decidir se, afinal de contas, de­
vem estudar ou não. Multiplicam ao cêntuplo tôdas as
dificuldades da lição : " P referiria arrancar um dente".
" Isto me fará suar corno u m boi de carro", etc. Afinal,
abrem o livro de álgebra com um grunhido de urso .
e depois, ainda se admiram de a·chá-lo horrivelmente
aborrecido ! Não há que diz·e r; assim, realmente, a coi­
sa não vai. Mas. conheço também rapazes que, antes
de pôr-se ao estudo, elevam a alma a Deus numa curta
oração, ardente, fervorosa. Em seguida, recordam por
um momento os motivos por que estudam. Acompanhe­
mo-lhes os pensamentos :
"Estudo porque terei necessidade de saber na vida ;
porque êste assunto tem interêsse especial para mim ;
porque um homem culto deve saber tudo isso, etc.".
Se te sucedesse não achar nenhum atrativo neste
ou naquele dos teus estudos, deverias dizer, ainda
assim, à guisa de argumento supremo : "Agora, cerre­
mos os dentes ! Cerremos os punhos ! E se isto não me
agrada, aprendê-Io-ei ainda assim, porque é meu deve r !
E cumprir o dever é servir a D eus !"
Tenta e verás que diferença ! D epois, terminada
a lição difícil, não te levantes com urna expressão es­
túpida, nem atires a pena no assoalho, mas estira-te
bem, respira profundamente para tomares nos pulmões
boa porção de oxigênio, e p ronuncia alegremente estas
palavras : Obrigado, meu D eus !
Comparemos um pouco os dois tipos. Ambos tra­
balha m ; mas que diferença enorme entre o trabalho
dês te e o daquele ! Um é escravo ; o outro é águia
que voa livremente para as alturas. O trabalho de um
é puramente maquinal ; o outro pôs nêle um pouco de
sua alma. U m moureja de suar, mas sem prazer e

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sem grande êxito; o outro esforça-se com mais facili­
dade, com alegria, e o resultado será certamente mais
duradouro.
Em tôdas as ações, guiem-te estas formosas pa­
lavras latinas : Age quod agis! Se empreendeste algullTla
coisa, põe-te ao trabalho com tôdas as tuas fôrças!
Nunca te contentes com um trabalho superficial, com
um meio-trabalho. Nunca, em coisa nenhuma !
Durante as lições, presta tôda atenção às explica­
ções do professor. Fica tão atento quanto p uderes, do
primeiro ao último minuto, ainda que o assunto n ão tenha
nenhum interêsse, ainda que a lição seja enfadonha
a ponto de fazer dormir em pé ; não importa, sempre
podes tirar algum proveito. E além disso, ouve-me cá :
apesar de tudo, és obrigado a assistir à lição ; é im­
possível te livrares dela. Então, a razão já te aconselha
que, ao menos, procures tirar proveito. Porquanto, se
leres um romance por baixo da carteira, ou se deixa­
res que o pensamento se desvie para a partida de
futebol da tarde, só farás perder tempo.

52. Quando se deve estudar?


Aí está uma questão que poderia dar margem a
discussões intérminas. Quando se deve estudar? Em
que parte do dia? f:ste acha que retém melhor as coisas
que estudou à tarde ou à noite. Aquêle outro assegura­
n os que o seu cérebro é incomparàvelmente mais cla­
ro pela manhã. Ambos têm razão : o estudo d a tarde,
se é mais difícil, deixa na memória uma impressão mais
profun da do que o da manhã : a ciência aprendida
pela manhã evola-se tão fàcilmente como veio. Quem
aprende à tarde trabalha para o futuro ; aquêle que faz
seus dev·eres pela manhã visa somente responder bem
naquele dia. O melhor método, portanto, é estudar as
lições à tarde e repassá-las ràpidamente pela manhã.

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A matéria que aprendes de manhã não tem ensejo de
filhar raízes no cérebro, porque as mil outras impres­
sões do dia perturbam essa penetração ; é por isso que
o saber adquirido antes do meio-dia é pouco durável.
O estudo d a noite, ao contrário, sendo, como é, segui­
do do repouso n oturno, dispõe do tempo e da paz ne­
cessários para penetrar a fundo na mente.
O colegialzinho que ainda mal sabe ler o seu la­
tim já aprendeu um provérbio que com ufania vai re­
petindo a todo o propósito : Plenus v enter non studet
libenter, "não se pode estudar bem de barriga cheia".
E é pura verdade. Não te ponhas, pois, a estudar, n em
sequer a ler, imediatamente após as refeições. Nesse
momento, todo o sangue disponível deve servir à di­
gestão : seria prejudicial desviá-lo dêsse trabalho, di­
rigindo-o para o cérebro. Que deves fazer, então, de­
.pois do jantar? Fica um pouco a conversar com os
teus, e depois, brinquedo ou passeio. Meia hora, po­
rém, basta ; ao trabalho em seguida, e deveras ! Adiar
um dever é roubar tempo.
Contudo, é p referível estudar imediatamente de­
pois do jantar, a estudar à noite ou durante a noite. E'
o que há de mais nocivo. O rapaz que passa a tarde
a passear ·COm os amigos, a ler ou a brincar, e deixa
o estudo para a noite ou para alta noite, distribui
pessimamente suas energias.
Anres de tudo, é p reciso acabar os deveres ou
estudar as lições ; em seguida, pode o estudante ocupar­
se de outra coisa. D epois da ceia, n ão se deve mais
estudar, e alta noite nunca ; é arriscar a saúde. N ão
deixes teu dever de redação para o último minuto, por­
que a premência de tempo obrigar-te-á a trabalhar
tarde da noite, o que fatigará muito os n ervos e pre­
judicará demais o trabalho. E' um fato averiguado pela
medicina que o sono de antes da meia-noite é muito mais

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benéfico do qu e o de depois da meia-noite, e que o
sono da manhã ou o do dia nunca vale as horas que de­
veriam ter sido consagradas ao repouso antes da meia­
noite. Portanto, se estiveres realmente tão ocupado que
a tarde não baste para o trabalho ( n a véspera dum
exame, por exemplo) , deita-te, ainda assim, à hora
habitual (9 horas, de preferência) e levanta-te uma hora
mais ·Cedo. Após o trabalho forçado das horas noturnas,
não se pode dormir tão tranqüilamente quanto fôra
mister para o conveniente repouso. Ainda que tenhas
a convicção de boa tarefa noturna, pode bem ser que
te enganes; porque o organismo fatigado toma fàcilmen­
te a obra medíocre por bom trabalho.
Como se pode então melhor aproveitar o estudo?
Façamos um resumo : estuda tôdas as tuas lições à
tarde e ao anoitecer, observando pequenas pausas en­
tre os assuntos diferentes ; pela manhã, refresca o teu
saber por uma recapitulação rápida.
Evita o ler, e com mais razão o estuda r, na cama,
após a hora do deitar; isso perturba a calma do repou­
so e enfraquece o sistema nervoso.
'
Quero ainda recomendar u ma coisa que poderia
parecer-te de somenos. Se tens um quarto para ti só,
procura torná-lo tão bonito quanto possível, e conser­
va-o sempre em ordem. Um estudante deve passar
longas horas no seu quarto ; êste, pois, deve ser tal
que êle aí se possa comprazer. Ou, se não tens um
quarto só para ti, mas apenas uma mesa ou uma se­
cretária, procura manter sempre nelas uma ordem per­
feita, a fim de que o arranjo exterior revele, à p rimeira
vista, a disciplina interim da tua alma. Coloca um pe­
queno Crucifixo diante de ti na mesa e, durante o t ra­
b al ho, eleva de vez em quando teus pensamentos para
o Salvador crucificado; verás que fonte de energia bro­
tará dêsse hábito ! Podes também pôr um ou dois va-

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sos ele flôres sôbre a mesa ; o gôsto das flôres torna
delicados os sentimentos. " U m homem que ama as
flôres não pode ser mau", diz o nosso grande Petofi.
Um vaso de flôres é como um sorriso que contemplamos
sempre com prazer, sobretudo quando estamos q u e­
brando a cabeça num problema de álgebra !

53. E' para a vida que aprendemos!


"Rero, ferre, tu/i, /atum . fero, ferre, tu/i, /a-
tum . Ora vá para os quintos quem inventou isto ! " ,
é a exclamação q u e escapa involuntàriamente ao rapaz
que passeia há meia hora para cá e para lá no seu
quarto, como um urso na jaula, gramática latina n a
mão, gritando à s quatro paredes a conjugação dos ver­
bos i I regulares. "Que estupidez fazer um homem moder­
no aprender isto !" "Non scholae, sed vitae discimas",
n ão é para a escola, mas para a vida, que aprendemos,
diz o provérbio. "Mas bem ! Então, quando é que a gente
hoje precisa de latim na vida? E ainda mais, de Grego?
Por que se há se meter tudo isso na cachol a dos pobres
estudantes? E depois, êsse montão de fórmulas de ál­
gebra? E as deduções? Bem quisera saber quando é
que me servirei disso na vida. Deveriam antes ensinar­
nos a manejar u m aeropl ano, a conhecer as máquinas
duma fábrica, a fazer alguma obra manual e o resto ! . . "
Ignoro se tu mesmo alguma vez pensaste assim ,
m e u filho. Mas não será inútil q u e eu te ajude um pouco
a ver as coisas daras. Porquanto, a gente só aprende
com praz·er aquilo que julga útil saber.
"E' para a vida que aprendemos " . Perfeitamente.
Apenas, é muito i nfantil pensar que alguns conhecimen­
tos p ráticos e u m pouco de habilidade bastar-te-ão
na vida. Na verdade, não é bastante conhecer as par­
tes duma máquina, o motor de um aeroplano, as leis
O Môço - 9 1 29
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das combinações dos diferentes corpos, etc. Porquan­
to conhecimento parcial tem muito menos importância
do que saber os fundamentos gerais da ciência huma­
na, seu desenvolvimento, e a conexão dos diversos ra­
mos. Sem dúvida, para ser bom engenheiro, bom médi­
co, bom j uiz, bom advogado, bom padre, bom professor,
não se tem n ecessidade de inúmeros conhecimentos
especiais. Isso se vai aprender na Universidade. Mas
a escola primária e a escola secundária é que nos pre­
param para recebê-los e, considerando mais de perto,
n os preparam justamente por meio dêsses estudos
abstratos com que, segundo o teu raciocínio, " se ator­
mentam as pobres ca·c holas dos estudantes, de manei ra
absolutamente supérflua". Sem êste saber "supérfluo",
meu amigo, nunca poderás apropriar-te dos conheci­
mentos especiais necessários à tua carreira.
Já viste um escultor a trabalhar? Antes de modelar
sua obra na argila, maneja essa argila como se quises­
se subjugá-la tôda, fazer dela a escrava da sua vonta­
de : pisa-a, amassa-a, trabalha-a, a fim de fazer dela
matéria tão obediente em que começar o t rabalho s é­
rio, dando-lhe forma definitiva. - Quando vais à es­
cola pela p rimeira vez, teu espí rito, tua capacidade
mental assemelham-se inteiramente a essa matéria b ru­
ta do escultor. A escola secundária ainda não dá ao teu
saber a sua forma definitiva, é verdade ; - é o que
exprimes dizendo : " Fazem-nos aprender um monte
de coisas inúteis ! " ; mas n ão é essa a sua tarefa. O
seu fim principal é argamassar e trabalhar teu espírito,
obrigá-lo a fazer uma boa ginásti-ca mental, a fim de
fazê-lo capaz de reflexão coordenada e do j uízo rá­
pido necessários para tornar frutífero qualquer estudo
especializado.
O mundo precisa de moços que reconheçam de
relance o sentido duma questão, que saibam ordenar

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seus pensamentos, associá-los e deduzi-los um do ou­
tro ; que saibam revestir seus pensamentos de palavras
bem escolhi d as, seguir nos outros, com atenção inteli­
gente, o fio e concatenação das idéias, descobrir ime­
d iatamente as imperfeições eventuais do raciocínio,
numa palavra, moços de espírito disciplinado. Não só os
estudantes, mas tôda a gente sabe que no colégio se
aprende muita coisa de que nunca se precisará na
vida ; mas tôdas as disciplinas da escola secundária,
até as línguas clássicas ·e as matemáticas, - êsses dois
espantalhos dos moços, - servem j ustamente para de­
senvolver essa p resteza e essa disciplina mentais sem
que não saberias que fazer dos estudos universitários.
E' à escola seçundária que deverás agradecer o haver­
te ensinado a realizar trabalho inteJe.c tual útil.

54. A ginástica do espírito.

Quero lembrar-te a inda uma coisa a que não falta


o interêsse : e é que o p róprio estudo da religião -
que, n o entanto, tem por fim supremo a educação de
tua alma - auxilia muito o desenvolvimento intelectual.
Durante as lições de instrução religiosa n as classes s u­
periores, tens incessantemente que � efrontar argumen­
tos abstratos e filosóficos, não é exato ? E' por uma
penosa ginástica do espírito que descobres os atribu­
tos de Deus Infinito ; raciocinas a fundo sôbre as fa­
culdades misteriosas da alma humana; examinas as
leis eternas da moral.
Que senso crítico, quantos raciocínios, quantas p ro­
vas, quantas investigações não são necessárias, por
exemplo, para estabelecer a integridade e a veracidade
do texto bíblico ! E quando aprendes a exprimir conve­
n ientemente as verdades religiosas mais di.f íceis, por­
quanto mais abstratas, não é verdade que, ao mesmo
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tempo, desenvolves a capa·c idade de express ão ? Estás
vendo, portanto, que até a religião, que se ocupa em
primeiro lugar da alma, tem todavia influência salu tar
sôbre o desenvolvimento fundamental do espírito.
E as matemáticas ? E' fato inegável que, para cer­
tos rapazes, tal matéria é simples brinquedo de cri an ­
ça : têm particulares disposições nesse sentido : e, para
outros, cada lição de aritmética é uma tortura : pois
.carecem completamente de semelhantes disposições. A
cada problema que não sabem resolver, prorrompem
em queixas amargas : "Nunca na vida precisaremos
dessas tolices; então, para que nos atormentam com
isso durante tantos anos ?"
Pois bem ! admitamos que a lição de aritmética
tenha sido sempre um horror para ti também : ainda
assim, todo êsse quebra-cabeças, tôda essa ginástica
mental, todos êsses esforços de vontade que as matemá­
ticas te custaram, durante oito anos, terão grandemen­
te ajudado a aguçar o teu espírito e a tua l ógica, e a
pôr ordem no teu modo de raciocinar. E êsse resultado
te ficará a vida tôda, ainda quando há muito tempo
tiveres esquecido os problemas e as regras que tanto
trabalho te .custaram. Rigorosamente falando, terás es­
quecido os teoremas em si, mas terás aprendido a ra­
ciocinar corretamente - e era esta a sua finalidade.
O estudo fortalece também a vontade. Esta álge­
bra é verdadeiramente incompreensível ! Êste Cícero
é difícil demai s ! - Não importa, ataca-os ! Toma-os
corpo a corpo·, é uma luta de amor-própri o ! Quanto
mais dura fôr, tanto mais se fortificará a tua vontade,
como o ímã ganha em fôrça se lhe suspendermos su­
cessivamente novos pesos.
"Bem ! então a gente tem mesmo que aprender essa
bendita álgebra ! Mas latim? E grego ? Eu quisera sa­
ber por que é que nos entulham a cabeça ·com essas lín-

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guar mortas ! " dizes ainda em côro com bom número
ele camaradas. Mais, muitos adultos se achegam. Vozes
agudas saindo da balbúrdia da vida moderna conde­
n am, mais ainda que os p róprios colegiais, o latim e
os bons clássi-cos antigos que, há séculos, dormiam
em paz nas bibliotecas das escolas : " Inglês e francês
é que é preciso ensinar ! E física ! e álgebra ! . Mas
latim e grego? Para que servem, diga? Para que
servem?"

55. Latim? Grego?

A guerra que movem ao latim faz desconfiar : à


primeira vista, notamos que os que a grandes gritos
reclamam a abolição do latim geralmente não .ficam
a í ; querem romper com o passado inteiro, com o de­
senvolvimento o rgânico da nossa cultura antiga e, ao
mesmo tempo, com a mentalidade cristã. Dir-se-ia qua­
se que, se querem con denar à morte as línguas clássicas,
não é para dar lugar às l ínguas modernas, mas por­
que a filosofia profunda e a séria concepção moral
que achamos nas obras de quase todos os autores .c lás­
sicos poderiam fàcilmente conduzir o leitor para Deus.
A prova está no caso de S. Agostinho, a quem a
leitura do "Hortensius" de Cícero reconduziu a D eus.
Destarte, o estudo dos auto res clássicos é importante
e não pode ser substituído, por causa da sua influência
sôbre a formação do caráte r ; tais livros, obras-primas
da filosofia h istórica, ensinaram ao môço a estima dos
valores ideais e uma concepção elevada da vida, o que
lhes enobrece os sentimentos e fortalece a vontade.
Todos os grandes poetas, todos os filósofos, todos os
historiadores e todos os estadistas das nações mais
modernas formaram-se na escola dos clássicos. A e ra
mais moderna n ão tem podido libertar-se da influência

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dêles. Ainda hoje em dia, pode alguém ser j ur ista sem
conhecer as " Instituições" e as "Pandectas"? Pode
acaso u m lingüista fazer pesquisas etimol ógicas, quais­
quer que sejam, sem ter estudado latim e grego? Qual
o filósofo que não conheça Platão, Aristóteles, Sêneca?
"Bem", dir-se-á, "j á que é o valor intrínseco que
importa, por que então não poderíamos travar conheci­
mento ·COm os autores clássicos numa boa t radução ?
De que serve suar sangue e lágrimas para decifrar o
texto latino ou grego ?"
Pois b em ! é aqui que chegamos à finalidade su­
p rema do estudo das l ínguas antigas. Aprendendo as
regras da gramática l atina, estabelecida com maestria
in comparável, ou traduzindo um trecho de a!guma obra­
prima clássica, n ão pensas sequer na influência educa­
tiva que exercem sôbre o teu espírito, visto que contêm
grande n úmero de leis, de encadeamentos lógico� e de
observações, próprias para favorecer a reflexão e a
independência da atividade mental. Verdade é que em
breve esquecerás a conjugação dos verbos irregulares ;
mas as vantagens da ginástica m ental, a que tiveste
de entregar-te para aprendê-los, far-se-á sentir no curso
dos teus estudos na U n iversidade, e ainda muito tempo
depois. Os p rofessôres de U n iversidade colhem expe­
riências bem curiosas a êste respeito : os estudantes
que saem do colégio compreendem as matérias tratadas
na Universidade, - ainda as ciências naturais, - mais
depressa e mais profundamente do que os q u e vêm dum
outro gênero de escola. A razão do fato é que, no colé­
gio, a sua capacidade de conceber e de refletir foi
s ubmetida ao exercício das lições de latim e grego :
essa ginástica mental aguçou-lhes a inteligência a um
ponto que s,em isso n unca poderiam ter atingido. Lendo
D emóstenes, cujas palavras tôdas são como flechas
bem lançadas, observando as frases breves e lapidares

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de Tácito, o s discursos de Cícero construídos com in­
comparável lógka, os diálogos de Platão, as narrações
de Homero, sublimes na simplicidade, as descrições de
Júlio César1 o estilo magnífico de Salústio, os episódios
soberbos de Virgílio, entregando-se a todos os esforços
para traduzir bem uma frase difícil, trabalharam êles
numa mina de diamantes intelectuais. Ficou-lhes alguma
coisa de todos êsses tesouros : certa flexibilidade de
espírito, a capacidade de exprimir m elhor os pen­
samentos.
Bem sei que nunca n a vida terás necessidade dos
verbos i rregulares gregos ; mas, longo tempo depois
de os haveres esquecido, restar-te-á a vontade viril e
aptidão para o trabalho, as quais tão bem robustecestes
aprendendo os verbos gregos com o suor de tua fronte.
E isso é cois a de que sempre precisarás na vida.
Q uase não conheço meio melhor de exercitar a
reflexão, de desenvolver o raciocínio e o espírito de
síntese, do que a tradução das l ínguas antigas. Quan­
do um jovem cérebro ataca uma frase l atina ou grega
de um metro de comprimento, a fim de reproduzi-la
em frases claras e bem torneadas na l íngua do seu
país, cada vez que êle consegue traduzir um ablativo
absoluto, cada vez que faz uma idéia correta da concor­
dância dos tempos, cada vez que acha meios de re­
construir a série de têrmos que teve de quebrar inteira­
mente, trabalha poderosamente em robustecer o espíri­
to a capacidade de observação, a atenção e o j u ízo.
Depois disto, por ti mesmo podes adivinhar qual
a minha opinião sôbre essas traduções i mpressas dos
clássicos que circulam pelas escolas, e sôbre o uso que
delas fazem. Sem condená-las totalmente, muito acon­
selho, no entanto, nunca te servires delas enquanto es­
tiveres traduzindo, mas tão somente depois, à guisa
de confronto. Quem não faz mais do que copiar êsse

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texto engana-se a si mesmo, pois se p riva do maior
p roveito que o estudo das l íngu as lhe deve trazer :
subtrai-se à ginástica salutar d o espír ito representada
pela tradução, e finge trabalhar, quando absolutamente
nada faz. Acredita-me : uma só frase t raduzida com
grande custo, ainda que não esteja inteiramente cor­
reta, terá feito mais para polir teu . espírito do que
páginas inteiras aprendidas de cor n u ma traduç�o es­
trangeira, por melhor que seja.
Prefiro, pois, que prescindas dêsse aux ílio duvi­
doso, ou, ao menos, que só .lhe deites os olhos em caso
de extrenia necessidade, quando não achares nenhum
meio de decifrar uma frase. Mas, antes de o fazeres,
tenta por ti mesmo : entrega-te a todos os esforços
possíveis para achar o sentido, pois êste esfôrço su­
p remo é o melhor meio para desenvolver em ti a refle­
x ão. Quando tiveres achado o sentido da frase, pode­
rás olhar a tradução para confrontar com o teu t raba­
lho. Mas sempre só depois, e nunca por p reguiça.
Ademais, ainda sob outro ponto de vista, o estudo
das líng ú as mortas não é supérfluo. N ossa vida e nossa
cultura estão, até o p resente, de todo impregnadas da
l íngua dos antigos clássicos. A l íngua da m e dicina é
o lati m ; os j uristas têm grande necessidade do latim,
e os padres não podem passar sem êle. Com o l atim,
podes fazer-te compreender pelos sábios do mundo
inteiro. Não ignoras que, durante longos séculos, a
nossa cultura foi penetrada pelo espírito dos antigos
clássicos. Os nossos p rimeiros textos de leis foram re­
digidos em latim, e os nossos antepassados falavam
correntemente essa língua. A nossa instrução moderna
apóia-se completamente na cultura latina e grega :
por conseguinte, essas l ínguas são a única porta pela
qual se pode chegar a penetrar em tôda a sua exten­
são a nossa civilização moderna.

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- Mas não se pode, por exemplo, ser excelente
engenheiro sem saber lati m ? - Pode-se, meu amigo :
mas êste excelente engenheiro sofrerá a vida tôda duma
l acuna na sua instrução.
De res to, em tôdas as l ínguas européias abun­
dam as expressões latinas, e até gregas, as quais são
utilizadas correntemente na ·Conversação entre pessoas
instruídas. Se n u nca estudaste latim e grego, ficarás
muitas vêzes embaraçado p a ra compreender certos têr­
mos estrange iros que ouvirás pronunciar a todo mo­
mento. Para exemplo, vou enumerar-te alguns têrmos
gregos começando por a, de que em tôda parte nos
servimos :
Aeronáutica, aforisma, agonia, academ ia, aclimar­
se, o alfa duma coisa (o comêço) , alfabeto, alegoria,
amazona, ambrosia, anfi teatro, ânfora, análise, análogo,
anarquia, anatomia, anedota, anomal ia, anônimo, anta­
gonismo, antologia, antipatia, antropologia, apatia, apo­
d ítico, apócrifo, apologia, apóstata, apóstrofe, apostro­
far, apoteose, arcaísmo, arquitetura, aristocrata, aritmé­
tica, aroma, asceta, asma, astrologia, astronomia, atleta,
atmosfera, átomo, autobiografia, autóct<me, autodidata,
autocrata, autômato, automóvel, autonomia, axioma.
E são apenas as palavras em a que todo homem
i nstruído deve conhecer, quer tenha estudado grego
quer não. Que seria se quiséssemos continuar as nossas
pesquisas por todo o alfabeto? E, mais ainda, se eu te
fôsse repetir todos os têrmos latinos de que nos servi­
mos constantemente?

56. "Nix dãjes !"


Se reconhecemos a importância das línguas cl.ás­
s kas, isto absolutamente não signi·fica que desdenhe­
mos as modernas. Todo homem instruído precisa de

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línguas estrangeiras ; na realidade, não se pode dizer
que alguém é instruído se, além da própria l íngua, não
sabe ao menos uma l íngua estrangeira. Se não a fala,
que ao menos compreenda o texto impresso.
Outrora, no tempo em que os húngaros tive ram
de guardar a sua língua com cuidado cioso, a fim de
permitir à plantazinha, longo tempo desprezada, fortifi­
car-se, puseram em moda uma frase bastante ingênua.
Se lhes dirigiam a palavra numa Jí.ngua estrangeira
qualquer; levantavam a cabeça bem alto e respondiam
altivamente : "Nix dájes ! " Queria dizer : "Não sei ale­
mão, nem qualquer outra l íngua, afora o húngaro"
Mas hoje em dia o mundo mudou muito. A língua
húngara está em plena floração ; pode sustentar vanta­
josamente cotejo com qualquer outra língua, nem há
mais nenhuma causa para recear que o estudo das
l ínguas estrangeiras possa prejudicar-lhe o desenvol­
vimento.
Teu primeiro dever, sem dúvida, é aprender a
fundo a tua língua pátria. Mas, ao lado dela, terás cer­
tamente necessidade de outras línguas, pois as rela­
ções do teu país com o estrangeiro exigem que um ci­
dadão instruído saiba ao menos duas línguas a mais
que a sua própria. Que razão profunda se oculta no
provérbio latino : Quo! linguas calles, tot lzomines vales;
quanto mais l ínguas conheceres, tanto maior é o teu
valor ! Olha que se pensas que te concito a aprender
línguas estrangeiras para fazeres exibição delas em
sociedade, muito te enganas ! - Em viagem ao estran­
geiro, desde o primeiro passo tens necessidade de ou­
tra língua. Mas deixemos as viagens ao estrangeiro :
talvez nunca tenhas meios de fazê-las. Suponhamos
apenas que queiras ser padre ou engenheiro, médico
ou professor, juiz ou político, e desejes enriquecer
constantemente os teus conhecimentos ; será coisa quase

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impossível se não souberes algumas línguas estrangei­
ras. As pessoas diplomadas que querem estar em dia
com as novidades científicas, são obrigadas a recorrer
aos livros e às revistas estrangeiras. I sto, sem falar de
certos ramos da ciência ( teologia, geologia, astronomia,
química, etc . ) onde não se pode sequer mexer um dedo
sem o conhecimento de outras línguas.
Estás vendo, pois, que é preciso aprender línguas
estrangeiras, ainda quando fôsse só do ponto de vista
científico, sem contar os tesouros incalculáveis que o
estudo delas te reserva, tornando-te capaz de fruir as
belas letras do povo que a emprega na expressão de
seus pensamentos.

57. Que línguas deverás aprender?


Para os teus estudos terás a maior necessidade
da tua l íngua pátria. Logo que a souberes bem, aprende
o francês, o inglês e o italiano, ou ainda o alemão.
"Mas eu não posso pagar um professor de línguas !"
- é a desculpa de muitos jovens. Entretanto, o estudo
das l ínguas n ão está necessàriamente sujeito a um p ro­
fessor. Bem sei que não se pode aprender a falar se­
n ão pelo ensino oral, mas isso não deve ser necessària­
mente o teu escopo. Segundo tôdas as probabilidades,
n ão terás muita ocasião de falar inglês ou francês em
casa ; mas terás com freqüência necessidade de com­
preender um texto qualquer e de manter correspondên­
cia nesses idiomas. Pois bem ! Podes muito bem apren­
dê-los sem professor, apenas com o auxílio de l ivros.
A primeira condição não é o professor, mas a aplica­
ção e a perseverança. Mas qual ! E' justamente aqui que
o empreendimento naufraga as mais das vêzes. Os
rapazes põem-se a estudar uma l íngua com entusiasmo :
"Je viens, tu viens, il vient . " O verbo venir· ecoa

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por tôda a casa. Mas, em menos de duas semanas,
tudo torna a cair no silêncio, a gramática francesa
fica cinzenta de pó, os meus jovens amigos perderam
tôda a ambição. Esgotou-se-lhes a paciência. "Ah ! se
eu pudesse viver em Paris um mês ao meno s ! " -
suspiram - "quão depressa aprenderia o francês.
Mas assim ! . é trabalho perdido . assim não vai ! "
Andais errados, meus filhos. I ri a muito bem s e
tiv.ésseis paciência. Per aspera ad astral Também aqui
é a pura verdade. Só a custa de duro labor é que se
pode avançar.
A infância e a juventude são o melhor tempo para
aprender línguas : o ·Cérebro jovem é bem mais susceptí­
vel de levar a bom têrmo essa tarefa do que o cérebro
fatigado dos adultos. Aconselho-te, pois, que aprovei­
tes tôdas as ocasiões de aprender as línguas modernas,
antes dos 1 8 anos. Aprende-as no curso secundário
mais do que o exigem de ti, aprende-as até dura n te as
férias; lê constantemente algum texto fácil nessas lín­
guas e verás que por essa aplicação constante obterás
ótimos resultados - ainda sem professor. E' verdade
que, só dessa maneira, nunca aprenderás a falar cor­
rente e corretamente, mas compreenderás tudo e é isso
o mais importante.

58. Como aprender línguas?


Concedo de bom grado que o estudo de um idio­
ma é de comêço um trabalho bastante á rido, aprender
às dúzias regras de gramática e vocábulos, não é lá
muito divertido. Podemos, contudo, sem esfôrço facili­
tar êsse trabalho e torná-lo até muito interessante.
Como poderemos facilitar o estudo das palavras?
Com o auxílio dos pequenos artifícios de que adma
falamos. Recomendei-te muitas vêzes num capítulo

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ante rior não estudar só com a mente, mas chamar em
auxílio os sentidos ! Antes de tudo, é sempre preferível
aprender os vocábulos em yoz alta. Se possível, traça
ao l ado da palavra, no teu vocabulário, um pequeno
desenho do objeto que ela designa. Ou então, onde n ão
houver inconveniente, acompanha a palavra com u m
movimento expressivo. S e estiveres, p o r exemplo, apren­
dendo a palavra alemã " Schmetterling" ( borboleta) ,
ao pron un·c iá-Ia, levanta os oraços como para voar.
À palavra " nehmen" ( tomar ) , toma um lápis sôbre
a mesa. " Entregar" - entrega-o. "Lançar" - lança
uma bola. "Bater" - vai bater à porta. Aprendendo
adjetivos alemães, por exemplo, faze com a mão o gesto
correspondente : "gross" ( grande) , "klein" ( pequeno) ,
" breit" (largo ) , "schmal" ( estreito ) , "hoch" ( alto ) ,
" tief" (profundo) . Que trabalho árido o guardar d e me­
mória as p reposições : mas será facilimo se as designa­
res com a mão : adiante, atrás, à di reita, à esquerda, em
cima, em baixo, etc.
As palavras que te parecerem difíceis escreve-as
não somente no teu caderno, mas também num pedaço
de papel que podes meter no bôlso ou pôr diante de
ti na mesa, e dei ta-lhes um olhar várias vêzes ao dia.
E se elas se recusarem inteiramente a entrar-te na ca­
beça, tenta inseri-las numa frase do teu idioma, cujo
encadeamento ajude a lhes reter o signifi.c ado. Por
exemplo : trata-se de aprender as palavras alemãs :
" das Abenteuer", a aventura ; " der Taugenichts", o
velhaco ; "zupfen", tirar. Tenta aprendê-las assim :
" Ontem, tive uma engraçada Abenteuer : um Taugenichts
barrou-me o caminho e zupfenou-me a bôlsa . "
Ou, em inglês : sunday, domingo ; clwrch, igreja ;
confession, confissão. Repete esta f rase : Todos os
sundays vou à church para fazer minha confession. O
importante é refletir e raciocinar o mais possível, até

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quando apenas aprendes os vocábulos. Dêsse modo,
acharás outros meios para fadlitar o trabalho - pro­
curando, por exemplo, semelhanças entre a palavra e
a idéia representada como nas p'alavras alemãs " zerbre­
chen" ( a gente parece ouvir o ruído da ruptura) , "mer­
ken", em marca ; "taub" ( surdo) dá a impressão dum
ruído surdo, etc.
Podes também notar certas aproximações entre
a palavra estrangeira e outra de tua língua. Às vêzes,
duas palavras mais ou menos semelhantes designam
coisas absolutamente diferentes numa e noutra língua ;
tal circunstância fará com que as recordes. Afinal,
põe tua mente a trabalhar e acharás ainda outros meios
como êsses. Toma sempre nota dêles no ·Caderno ao lado
da palavra que deves aprender.
Nada tanto facilita o estudo duma l íngua como
o conhecimento de outra língua que lhe é aparentada.
Quem sabe l atim aprenderá mu ito mais fàcilmente o
·francês e o italiano : ao contrário, o alemão é um auxí­
lio precioso no estudo do Inglês, e vice-versa. Os que
podem servir-se dêsse auxílio farão bem aprenden do
inglês numa gramática escrita em alemão, ou vice-versa,
e anotando o significado das palavras italianas em la­
tim, ou n outra língua que não sua própri a : guardá­
las-ão assim muito mais fàcilmente de memória. Eis
alguns exemplos de semelhança das palavras inglêsas
e alemãs : father, V ater ; name, Name; come, kommen ;
give, Geben ; bread, B rot ; man, Man o ; fruit, Frucht ;
mother, Muther ; brother, Bruder ; butter, Butter; wine,
Wein; finger, Fin g er; hand, Hand ; arm, Arm ; etc. -
Ao estudar os vocábulos, recita-os paralelamente, isto
é, cobre um lado com a m ão e recita o outro, esconde
depois a êste e diz o primeiro.
Auxilia ainda o estudo aprender ao mesmo tempo
os sinônimos, as palavras de som ou significado seme-

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lhante as que pertencem à mesma família ou as de signi­
ficação contrária.
Suponhamos que estejas aprendendo o verbo Ia­
tino mittere : mandar. Aprende imediatamente as palavras
dêle derivadas : missio, missão ; missa,, missa; para
ilustrar as palavras de sign ificação contrária, aqui tens :
grandis, grande : escreve imediatamente ao lado : parvus,
pequen o ; multus, muito; paucus, pouco. Ao mesmo
tempo que aprenderes o verbo alemão "sitzen", anota
o significado de "aufsitzen, besitzen, absitzen, einsetzen,
niedersitzen, vorsetzen, zusam mensetzen", - e depois
ainda : "Sitzer, Besitzer, Beisitzer, Sitzung"
A lei dos gêneros é uma das principais dificul dades
do estudo das l í nguas. Expõem certas gramáticas em
versos as leis dos gêneros da língua latina a fim de
gravá-Ias mais fàcilmente n a memória. Podes auxiliar
a tua memória sublinhando no teu vocabulário, com
l ápis vermelho, as palavras masculinas, com lápis azul
as femininas, e deixando sem sublinhar as palavras
neutras. Um simples olhar deitado à página ou apenas
de memória far-te-á imediatamente lembrar o gênero
das palavras.
Após algumas semanas bem empregadas em de­
corar as leis da gramática e o vocabulário, já poderás
achar mais interêsse no estudo da língua. Logo que
possível procura traduzir algum texto fácil. Não te
deixes desalentar se só o conseguires muito lentamente,
e se tiveres de consultar incessantemente o dicionário.
Importa é poderes aproveitar quanto antes o teu sab er.
Dar-te-á sempre prazer, e o prazer animar-te-á a fazê­
lo melhor ainda.
Apenas estejas iniciad Ó n a tradução, farás bem
em obter um dicionário que explique na própria língua
o sentido das palavras. Dessa maneira o teu vocabulário
aumentará com rapidez incrível. Em inglês, o "Webster's

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Brief Internacional D ictionary" ilustrado desempenha­
rá perfeitamente essa missão.
Afirmo-te novamente : sem professor, mas com
um trabalho aplicado e perseverante, podes aprender
duma língua o su.f iciente para compreender qualquer
texto e manter uma correspondência normal. Um pro­
fessor só é necessário para a conversação, a fim de
se conseguir a pronún·cia correta.

59. Que fazer para guardar de memória os algaris­


mos?

Talvez p roves muita di·ficuldade em guardar de


memória os algarismos. Logo, porém, parecer-te-á mais
fácil, conhecida a razão por que é tão penoso guardá-los.
E' porque somos incapazes de conceber de maneira
sumária o conteúdo, a significação intrínseca dos gran­
des números. Encontrem-se em certa festa 873 homens
ou 738, isto em nossa memória é mais ou menos a mes­
ma coisa ; quando muito, notamos que o primeiro alga­
rismo é um pouco mais elevado. O recurso é decorar o
lugar que ocupa na linha cada algarismo. Apresenta-se,
porém, a segunda dificuldade : os algarismos são muito
parecidos uns aos outros, visto só os exprimirmos por
dez sinais. Repetiste, por exemplo, ontem à n oite dez
vêzes em casa que a altura do monte Gaurisankar era
de 8.840 metros, e, apesar disso, respondeste esta manhã,
na aula, que era de 8.480 metros.
Haverá remédio para isso? Guardas mais fàcilmen­
te as palavras do que os algarismos, não é verdade?
Então, substitui os algarismos por palavras. Poderias
es.c olher, por exemplo, o seguinte processo :
I = b ; 2 = c ; 3 = d ; 4 = f ; 5 = g; 6 = h ;
7 = j; 8 = k; 9 = I ; O = m . S e tiveres agora d e de­
corar um número composto de v árias unidades, põe

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as letras correspondentes no l ugar dos algarismos, e
acrescenta-lhes depois vogais, de maneira que formes
uma ou duas palavras com sentido perfeito. A princípio
é um pouco complicado, mas, se te exercitares nesse
aHabeto de algarismos, ser-te-á mais tarde precioso
auxiliar. Podes exercitar-:te nêle na rua, no bonde, tra­
duzindo em letras os números dos anúncios e das ta­
boletas de lojas, e, vice-versa, transformando em núme­
ros as letras das taboletas e dos cartazes.
Além disso, há números que a gente guarda mais
fàcilmen,te, porque apresentam entre si certa regulari­
dade de algarismos. Por exemplo : 2345, 5432, 3553 ;
246 (2 + 2 = 4 + 2 = 6) ; 248 ( 2 + 2 = 4; 2 X 4
8 ) j 729 ( 7 + 2 = 9) j 89 1 7 (8 + 1 = 9; 8 - 1
= 7 j 1 59 ( 1 + 4 = 5 j 5 + 4 = 9 ) .

Com um pouco de h abilidade, acharás proporções


semelhantes em muitos n úmeros ; e, assim que as desco­
brires, fácil te será guardá-los de memória.
Certas pessoas têm o senso das côres extremamen­
te aguçado. Podem elas auxiliar a memória substituin­
do os n úmeros por côres. Por exemplo : 1 = vermelho,
2 = branco, 3 = verde, 4 = amarelo, 5 = azul, 6 =
castanho, 7 = cinzento, 8 = róseo, 9 = roxo, O = prê­
to. Se lhes pergutarem qual a altura do zimbório de
Colônia, imaginam logo uma bandeira vermelho-azul­
cinzenta no alto da tôrre, e respondem sem hesita r :
1 57 metros. Qual é a altura d o Monte Branco? U m a
bandeira amarelo-róseo-vermelho-prêto n o cimo : isto
é, 4.8 1 0 metros. Qual é a data da batalha de Waterloo ?
Vermelho-róseo-vermelho-azul : 1 8 1 5.

60. Aprende música!


Se tiveres ao menos um p ouco de talento musical,
fa1 ás bem aprendendo a tocar um instrumento qualquer,
de p referência piano ou violino. A música far-te-á mais
O Mõço - 10 1 45
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nobre o espírito, ajudar-te-á a ocupares os teus J aze­
res, e, graças a ela, poderás muitas vêzes proporcionar
aos outros em sociedade m omentos agradáveis. Os
que gostam de m úsica têm certamente mais delicadeza
de alma. E' do canto que o poeta alemão fala nestes
versos, mas o que êle diz é também verdade da música
em geral :
Onde se canta
Vive-se em paz !
Porque não cantam
Consciências más.

Aliás já nos assegurava o velho Horácio que a


música alivia os onerosos cuidados da vida : Minuunt:ur
atrae carmine aurae. Quebra com efeito, a m úsica, a
monotoni a dos dias e desperta nos corações sentimen­
tos elevados. Ela faz-nos sentir o reinado da beleza,
da nobreza, da alma enfim, em nós m esmos. Isto é ver­
dade sobretudo do violino, em que o próprio executan­
te cria os sons. Ouve : que n obres aspirações, que ele­
vação espiritual se desprendem, sob a mão do artista,
das quatro cordas dêsse violino i nanimado ! E' soberana
manifestação da superioridade da alma sôbre o mundo
material.
Tem, todavia, cuidado de não deixar a música e o
canto desviarem-se para o sentimentalismo efeminado !
E' a ação firme e corajosa que convém ao homem vi­
ril - um ideal de aço, uma fronte levantada para o sol,
olhos brilhantes de fogo interior.
Confesso ter ainda outra idéia ao recomendar-te
o estudo da m úsica. Tal estudo exige perseverança
nada comu m ; p or êsse meio, exercitar-te-ás também
na firmeza do trabalho. E' defeito freqüente nos jovens
empreenderem tôda sorte de trabalhos com entusiasmo
e logo os abandonarem. A prática das artes é, ao in-

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vés, famosa escola de perseverança e de vontade in­
fatigáveis.
Tudo o que disse da música aplica-se também aos
outros ramos da a rte, à pintura, à escultura, a tôda
a espécie de trabalhos manuais artísticos. Tudo isso
pode exercer-te excelente influência na formação har­
moniosa da alm a : se aprendeste a ver e a amar a bele­
za na arte e na harmonia, mais fàcilmente te desviarás
dessa dissonân·cia moral a que chamamos pecado.
Farias igualmente bem em aprender estenografia.
Ser-te-á de grande proveito na Universidade, onde cons­
tantemente terás de tomar notas ; ganharás muito tempo
se puderes tomar notas em estenografia.

61. A arte d a leitura.


A leitura é dos melhores meios para nossa instru­
ção. A mente dum rapaz assemelha-se a um grande quar­
to vazio : nem mesas n em -cadeiras, nem móveis, nem
quadros nas paredes. Pelo estudo, pela leitura, pela
observação e pela experiência, é que deverás mobilar
e embelezar o teu quarto.
Em bons l ivros, podes aprender coisas magní·f icas.
A sua influência mágica far-te-á ver o mundo inteiro
em tôda a sua beleza incomparável ; tudo o que j amais
poderás ver na realida de, mostrar-te-ão sob a forma
de imagens e descrições.
As m aravilhosas descobertas da ciência, as obras­
primas da arte e da literatur á, a história dos povos
no decorrer dos séculos, os sofrimentos dos explorado­
res audaciosos, a vida misteriosa das p rofundezas do
oceano, tudo está ao teu alcance sob a forma de bons
livros.
A boa leitura é o alimento da alma, fá-la desen­
volver-se como o alimento ingerido faz crescer o cor-
10° 1 47
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po. Não sem razão colocaram à entrada duma antiga
biblioteca esta i nscrição : Nutrimentum animae ( Ali­
mento da alma) . São incalculáveis os efeitos da boa
leitura ; amplia o horizonte intelectual, enriquece os
sentimentos, .completa os estudos escolares; é só gra­
ças a ela que até o homem da idade madura, o homem
diplomad Ó pode manter-se sempre em dia no seu ra­
mo especial de ciência. O livro te há de livrar do tédio,
e assim de muitos pecados. Se te assaltar a tentação,
toma depressa um livro interessa nte ; quase sempre te
l ibertarás. Pela leitura, podes n ão só aprofundar o
saber, mas ainda a vida religiosa, estudando mais de
perto •as doutrinas sublimes da tua fé. Não é dizer de­
mais, portanto, afirmar que um bom livro vale o melhor
amigo. Quando, depois de ler algumas páginas, pousas
o livro inebriado do perfume dos nobres pensamentos
que dêle brotam, e, inclinando a fronte na mão, mer­
gulhas de novo a alma nos pensamentos, essa leitura
é um dos mais puros prazeres humanos.
Ama, portanto, a leitura ! Há jovens que têm
quase horror aos livros. Extremamente superficiais,
escravos da sociedade, vivendo sem refletir, n ão sen­
tem a necessidade de ler. Entretanto, ler bons livros
é distração mais nobre do que a maior parte das
outras distrações. Quem ama os livros nunca senti­
rá tédio. Quando se sente só, basta estender a mão
à sua pequena biblioteca, e logo, por meio dos livros,
pode-se entrar em relação com os principais represen­
tantes do espírito humano.
Há, porém, igualmente o extremo oposto : quando
os j ovens se deixam possuir de uma verdadeira paixão
de leitura e devoram livros com insaciável fome, nem
eocolhem livros de valor, mas aventuras excitantes e
dramas de detetives, cheios de crimes. Ler, ler, o mais
possível, é o seu único desejo. Não saem a passeio,

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não procuram nenhuma distração, não se deitam a
tempo, e sobretudo negligenciam os estudos; tão só­
mente lêem vorazmente um livro após outro. Na aula,
os seus pensamentos vagueiam ao léu nos romances
de que a cabeça está cheia; seu próprio sono é agitado,
porque, ainda aí, os "heróis" dos seus livros lhes apa­
recem. ! N ão preciso recomendar-te que nunca leias
antes de terminados os deveres e de estudar tôdas as
lições. Os rapazes que procuram apaziguar a consciên­
cia -continuando a ler, sem terem feito primeiro seus
deveres, dão prova duma vontade bem fraca. " D aqui
a pouco", dizem êles consigo. "Só estas poucas pági­
nas . . Depois, estudarei álgebra . ou até os verbos
i rregulares gregos . só mais cinco minutos !" Os cin­
co minutos i rão até cinqüenta, os verbos gregos serão
esquecidos, e a lição do dia seguinte merecerá nota má.
Lê de p referência durante o dia ; à luz da lâmpa­
da, só se te fôr impossível fazer de outro modo ; mas
neste caso toma cuidado de que a luz não incida sôbre
o livro. Coloca-te de maneira que recebas a luz do
lado esquerdo, mormente quando tiveres de escrever :
do contrário, tua pena projetará a sombra sôbre o papel.
Conserva os olhos a 35 ou 40 centímetros do texto.

62. Como se deve ler?


Ler sàbiamente, eis uma arte que se deveria en­
sinar a tôda gente. Hoje em dia, o hábito da leitura
difunde-se -c ada vez mais no mundo, e isso só nos pode
regozijar. Entretanto, pouca gente sabe ler bem. Lêem
muito sem tirar da leitura o menor proveito, ou até em
seu próprio detrimento. A leitura ser-te-á proveitosa
somente se compreenderes todo o assunto lido e dêle
conservares o mais possível.
Recomendo-te, por isso, antes de tudo, que leias
devagar e reflitas enqu,anto lês. U m a chuva rápida não

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aproveita muito à vegetação, e a leitura rápida quase
não aproveita à instrução. Compreendes agora porque
condeno a pai xão desassisada da leitura a que se en­
tregam muitos estudantes. Aviste aquêle rapaz um l ivro
interessante, e abandona a l ição, o trabalho, tudo, para
se atirar a êle. Num quarto de hora, percorre 30 ou
40 páginas ( n ão as lê honestamente, é ·Claro ) , a fim de
saber quanto antes o que acontecerá ao herói. Se a
biblioteca estiver no terceiro andar, terá devorado a
metade do l ivro antes de .chegar em baixo. No final das
contas resta-lhe apenas uma barafunda a girar na ca­
beça ; pôs o nariz em tôda parte, mas nada aprendeu
a fundo. Dentro de um mês, terá esquecido até o título
do l ivro.
Procura, ao contrário, ler menos, com atenção, e
reflete no que lês. E' mais sábio reler várias vêzes com
atenção um l ivro do que devorar dez à pressa e sem
nenhum proveito. A l eitura apressada é simples des­
perdício do tempo pois não pode penetrar as profunde­
zas do pensamento. Disse-o nestes têrmos um espirituo­
so auto r : "Não basta uma vida inteira para a leitura pre­
cipitada, portanto, inútil"
Lê com atenção. Se o fizeres sempre com pressa,
sem dar tempo à reflexão, não tira rás proveito algum
da leitura. Nunca leias, pois, sem reflet i r, mas sempre
com a atenção concentrada. Non multa, sed .nzultum,
n ão leias muita coisa, mas lê intensamente. "Nusquam
est qui ubique esf', diz Sêne.ca, "quem está em tôda
parte não está em parte alguma" com tôda a sua alma.
Lê sempre, em primeiro lugar, o que é necessário (os
l ivros escolares obrigatórios ) , depois o que é útil, e só
em terceiro lugar o que é agradável .
Muitos jovens só lêem nos l ivros os diálogos, e
mal fDi heiam as partes descritivas e narrativas. Seme­
lhante leitura é pura perda de tempo. Justamente das

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partes "saltadas" é que mais poderiam aprender. Que
poderiam aprender, então? perguntas. A arte de descre­
ver com exatidão, de exprimir bem as coisas, a obser­
vação psicológica, etc.
Muita gente nunca reflete, porque a reflexão re­
clama um esfôrço mental. Experimenta perguntar a mui­
tas pessoas : "Por que o sr. é desta opinião? Por que
aceita estas doutrinas?" Responder-te-á um que o p ro­
fessor X também as aceita. Dir-te-á outro que os jor­
nais assim escrevem. O ter·ceiro dirá que é essa hoje
em dia a opinião de quase tôda a gente . . , e só o mi­
lésimo talvez responderá, como convém a um homem
instruído : " Porque refleti nisso e estou convencido de
que essa é a verdade".
Quem lê continuamente, mas sem refletir na verda­
de do que está lendo, enche a memória de móveis inúteis ;
parecer-se-á sua cabeça com uma biblioteca cujo catá­
logo se perdeu ; não saberá nunca ter i déias pessoais,
deixar-se-á sempre arrastar pela multidão. Esta regra
é válida n ão só para o ensino da ciência, como também
para os nossos sentimentos mais sagrados, para a nos­
sa vida religiosa. Tenho verificado amiúde, com estu­
pefação, que tôda a subliine concepção da vida repre­
sentada pelo catolicismo em alguns moços católicos
não é senão roupagem exterior e herança sem raízes
p rofundas. Nenhum vestígio da ufana consciência e
da convicção inabalável que só a reflexão faz brotar
na alma. E dizem : "Sou catóJi.co porque minha famí­
lia é católica" "O acaso assim o quis . "
Podemos então admirar-nos de que a vida religio­
sa convicta e profunda seja incapaz de desabrochar
em meio dessa ausência total de reflexão individual?
Essa fonte que aliment a a alma, que torna delicados
os sentimentos e fortifica a vontade, está condenada a
estancar por causa de tal aridez de espírito e de coração.

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Só da convicção pode brotar o entusiasmo : só o ideal
profundamente arraigado na alma pode dar energia
às nossas palavras; e só a verdade de que n os apossa­
mos pela reflexão é que nos torna capazes de ações
verdadeiramente grandes.
Não me canso, pois, de repetir : reflete quando
leres. Quem aceita as asserções dos livros, sem refle­
xão nem crítica, quem n ão as faz primeiro passar pelo
crivo da própria convicção, não deve admirar-se de
que os diversos elementos d a sua vida espiritual care­
çam totalmente de unidade ; êles aparentarão ter sido
colhidos aqui e acolá. Imagina como seria bonito se a
gente se vestisse desta forma : calças vermelhas, sapa­
tos amarelos, casaco prêto, colête branco, gravata ver-
de, camisa l istada de azul . Que bela figura, n ão ? .
Farás sempre bem trocando com teus ami gos as
idéias sugeridas pela leitura. Ajudar-te-á isso a achar
o sentido verdadeiro de um trecho ou a aquilatar, no seu
justo valor, a beleza de uma descrição.
Chegamos à segunda regra da leitura racional :
faze uma pequena pausa cada vez que achares uma
idéia digna de um momento de meditação e anota as
frases que mais te agradarem. Para ler com proveito,
d ever-se-ia ter sempre um caderno de notas e um lápis
à mão, a fim de copiar imediatamente os pensamentos,
os axiomas e as comparações que empolgam a alma.
Num só mês, lemos grande número de coisas interes­
santes, às vêzes, de pouca importância das quais pensa­
mos : "E' realmente curioso ! Seguramente não me es­
quecerei disto !" Contudo, em breve estará esquecido.
Anota, pois, tudo o que é interessante. Grande verdade
oculta-se neste jôgo de p alavras latino : "Legere et nihil
seligere negligere esf', quem lê sem nada anotar per­
de seu tempo.

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63. "Silva rerum" .
Quisera agora chamar-te a atenção para uma coisa
u tilíssima. Certamente já ouviste oradores ou lêste au­
tores que sabem dar aos seus discursos e livros uma vi­
vacidade de uma variedade incríveis, entremeando-os de
uma multidão de provérbios, pequenos episódios his­
tóricos, comparações empolgantes. Somos tentados a
perguntar a nós mesmos onde foi que êsses homens pu­
deram achar tão inesgotável tesouro de citações e de
hirtorietas interessantes. A coisa é, no entanto, sim­
plíssima. E' inteiramente devida a um sistema inteligen­
te de leitura e a uma assídua perseverança. Queres che­
gar um dia a falar ou a escrever assi m ? Pois bem !
ouve-me :
Compra 1 5 ou 20 fôlhas de papel ( isso basta por
enquanto ) , dobra-as em forma de .caderno, mas sem
costurar as fôlhas. De agora em diante, se achares nas
tuas leituras um belo pensamento, um pensamento vi­
tal, algum episódio digno de ser imitado, da vida dum
grande homem, um exemplo histórico animador, alguns
belos versos, uma sentença original, um epigrama fe­
liz, metáforas empolgantes, escolhe-os incontinente e co­
·
pia-os no teu caderno :I .\ Suponhamos que estejas lendo
as obras do grande poeta húngaro Vorosmarthy. Aí,
acharás quase a cada página pensamentos dignos de
ser anotados.
Há dois bens sempre fecundos :
(Faz dêles tesouro teu ! )
Aplicação - n este mundo
E virtude - para o céu !
Copia e �screve no alto d a página : Virtude. E des­
de hoje, transcreverás nessa página tôdas as frases be­
las que se relacionarem com a virtude. Podes con tinuar
em seguida por outros versos de Võrõsmarthy :

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Onde achar o segrêdo da ventura
- Prazer, fama, riqueza? - Tê-Ios-ãs
Embora . �Ies não tolhem a am argura .
Só o coração feliz te dará paz !

Copiarás, na página encabeçada pelo título Mo­


déstia ou Contentamento, as linhas seguintes do mes­
mo poem a :
Ninguém colhe os espinhos com a flor.
Olhar de frente o sol nos cega os olhos.
Sê m o desto ! Tempera o teu ardor!
Prazeres demasiados são escolhos .

Outro belo pensamento de Võrõsmarthy será colo-


cado na página intitulada Deus :
No brilho da natureza
Demoro os olhares meus,
Encan tados da beleza
Dêsse retrato de Deus !

Depois, u m pensamento na página da Bondade :


Não penses, não digas,
Nem faças o m a l :
Terão o s teus dias
Fulgor de cristal !

Quantas belezas já vês, e de u m só poeta ! ( Acha­


ríamos dez vêzes mais nas suas obras) .:1 Imagina agora
que tesouro podes acumular em alguns anos lendo dêsse
modo, de lápis na m ão. Se conheceres várias línguas,
tanto m ais depressa poderás aumen tar a tua coleção.
Sempre que possível, copia o texto na l íngua original.
Arruma, em seguida, as fôlhas por ordem alfabé­
tica, a fim de as achares imediatamente, e eis iniciada
a tua coleção de pensamentos - a tua silva rerum.
- Ela te pode ser útil j á durante os anos de estudo.
Sucede realmente, quando tens alguma composição que
fazer, exclamares despeitado : "Ora, bolas ! Li em ai-

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gum l ugar umas belas idéias sôbre isso, o ano passa­
do . mas onde terá sido? Em que livro? Já n ão me
lembra . . . " Não ficarias contente, agora, de achar
essas belas idéias? Por um trabalho perseverante de
8 a 1 0 anos, p odes fazer uma pre-ciosa coleção que te
prestará os melhores serviços sempre que tiveres de
fazer um discurso ou escrever um estudo sôbre deter­
minado tema. Se continuares assim na idade madura,
a respigar na leitura, tanto melhor. Folheia muitas vêzes,
nos teus momentos de folga, essas notas, a fim de que
êsses pensamentos generosos se tornem cada vez mais
teus.
Mas isso n ão me vai tomar muito tempo? Não.
Não esqueças essas duas coisas . Pri meiro, não escrevas
qualquer coisa no teu caderno. Só os pensamentos de
real valor são dignos de ser anotados. Depois, s e os
livros são teus e os textos demasiado lidos, não precisas
copiá-los ; basta anotar que naquela página dêste livro
se acham belos pensamentos relativos a tal assunto.
Depois ele cada texto copiado, anota com exatidão
o nome do autor e o título do livro. As citações só têm
valor real se puderes designar exatamente o autor e a
obra onde as colheste. Portanto : 1 9 Qual o nome do
autor? 29 Qual o título do livro ? 39 Onde e quando foi
publicado ? 4Q Em que página se acha o trecho citado?
Para um trecho de poesia, basta anotar o nome do autor
e o títul o ; para uma frase de um discurso, quem a
pronunciou, onde e quando.

64. Tua formosa língua pátria.


Nesta o rdem de idéias, quisera ainda dar-te um
conselho de suma importância : aprende a tua formosa
língua pátria, o melhor que puderes! "Mas, afinal,
se eu sei alguma coisa, é a minha língua !" Não, meu
filho, estás enganado. A língua natal há de ser aprendi-

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d a da mesma sorte que as estrangeiras. E la também
exige igual aplicação e corajoso trabalho. Mas é de­
ver que não podemos descurar: Afirmava o grande poe­
ta húngaro Kolosey : "E' conveniente saber l ínguas
estrangeiras ; mas o p rimeiro dever é cultivar, na medi­
da do possível, a própria língua. E sforça-te não sà­
mente para obter impecável correção de linguagem,
mas ainda por alcançar da graciosa maleabilidade e
riqueza múltipla de teu idioma pátrio, · que êle seja
intérprete fiel de tuas emoções e pensamentos".
Se souberes escolher as leituras, l ucrarás, além
disso, grande proveito no ponto de vista do estilo. Põe
por obra a tua habilidade ! Sempre que deparares uma
expressão formosa, um adjetivo bem aplicado, um en­
cadeamento feliz de palavras ou uma sugestiva m etá­
fora, anota-os logo, num "vocabulário de literatura
portuguêsa". Ora, vais estranhá-lo, não? Até aqui
e ram vocabulários de l atim, de grego, francês, ingl ês,
alemão . Para que um vocabulário de português?
Todavia, é o que te aconselho. Lança num caderno
próprio tôdas as lindas expressões vernáculas que
encontrares em tuas leituras e aprende-as, exatamente
como as línguas estrangeiras. Teu estilo e facilidade
de composição logo hão de testemunhar a vantagem
dêsse trabalho. Só alcançaremos adquirir um belo es­
tilo se nunca deixarmos o .cuidado de nos aperfeiçoar
na própria l íngua.
Então, mais um trabalho ? - E' verdade. Mas
é Horácio quem vai dar-te a resposta : Nil sine magno
labore vita reddit mortalibus, a vida nada concede aos
mortais, a não ser mediante aturado esfôrço !

65. Que deves ler?

Deverias dividir as tuas leituras em três partes :


os livros que devem formar o teu caráter, as obras

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científicas e os livros apenas destinados a distrair-te.
O primeiro grupo abrange l ivros sérios que tratam
de questões religiosas, da formação da vontade, do do­
mínio de si, etc., ou que narram a vida dos santos e
dos grandes homens. Tal leitura exige esforços, e os
jovens superficiais quase dela não se ocupam, contudo,
é a mais útil. Ouve-me : ama êsses livros e lê-os sempre
que tiveres ensejo; livros como êsses podem ministrar
p recioso auxílio para a formação do teu caráter. Po­
remos no segundo grupo os livros destinados a comple­
tar e a ampliar os conhecimentos que adquiriste n o
colégio, como sejam o s livros de viagens, d e descober­
tas, de história e de técnica, etc. Se quiseres adquirir
uma instrução de certo modo universal, terás grande
necessidade dêstes livros.
Os livros de recreação são os romances. P refe­
rem-nos geralmente os moços aos outros, porque é
leitura que menos fadiga lhes custa. Na verdade é dêles
também que menos tiram proveito. Não desejo proibir­
te que te estendas num divã, se o tempo sobra, e leias
unicamente para passar o tempo. Bem sei que se pode
tirar muito proveito dos próprios romances ( se forem
bons, bem entendido ! ) , do ponto de vista do estilo e
dos conhecimentos psicoJógi·COS. Quisera tão somente
prevenir-te que não devores sem discernimento os ro­
mances e sem deixar tempo para os livros do primeiro
e do segundo grupo.
1 9 ) Nos programas das escolas católicas, ocupa
a religião o 1 9 l ugar; infelizmente, porém, muitos ra­
pazes de alma vazia colocam êsse estudo em última
plana, mais ou menos entre o canto e a ginástica. A
sua vida religiosa consome-se inteiramente em aborre­
cer-se duas vêzes por semana na aula de religião, em
dormir durante a missa do domingo, em fazer rotinei­
ramente as confissões anuais promovidas pelo colégio.

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Podemos então admirar-nos de que o môço, feito ho­
mem, tenha uma alma fria, completamente indiferente
a sua religião? Não é a ciência e sim a ignorância re­
ligiosa o que faz entrar no exérdto dos descrentes.
Pois bem ! interessa-te pela. tua religião e lê sôbre
ela tanto quanto possível, ainda fora dos teus livros de
estudo! A religião católica inspi rou Dante, conduziu o
pincel de Rafael, construiu catedrais duma beleza su­
blime; foram os monges católicos que introduzi ram a
cultura nas florestas virgens e transformaram os pan­
tanais em campos férteis. O catolicismo foi quem primei­
ro assistiu os doentes, construiu asilos para tôda sor­
te de infelizes, desde as crianças abandonadas até os
velhos enfermos. A sua benéfica atividade sobe até o
cimo dos Alpes, onde, há mil anos, os religiosos de
S. Bernardo, e seus famosos cães, se consagram ao
salvamento dos viajantes sinistrados pelas avalanches.
Q uanta coisa interessante poderás ler sôbre tais assun­
tos ! E quanto melhor conheceres a tua religião tanto
mais a amarás.
Dentre as obras relativas à rel igião, quisera espe­
cialmente chamar a tua atenção para os livros de apo­
logética. D esde a escola primária, encontramos homens
cuja concepção religiosa foi falseada pelas paixões ou
preconceitos e doutrinas novas ; também os acharás
na Universidade e na vida. A ti, jovem instruído e culto,
compete fazer brilhar a luz da verdade diante das al­
mas que se debatem no meio da ignorância religiosa !
Mas, para isso, é preciso primeiro que aprendas e l eias
muito e muito.
Consoante o testemunho da história, a religião
sempre figurou e figura até hoj e entre os assuntos
mais importantes da humanidade. Notam-se até hoje
sinais evidentes dum renascimento da vida religiosa,
comparando-se a 20 ou 30 anos atrás. Convém, pois,

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sob todos os pontos de vista, que estejas inteiramente
a par dessa questão. Só podemos amar com inteira
abnegação a nossa religião se a conhecermos a fundo,
se soubermos todo o bem que difunde não somente
nas almas, mas também na ciên-c ia, na civilização, en­
tre os Estados e os povos ; se conhecermos tôdas as
instituições maravilhosas que ela inspirou em 2.000
anos, e os santos, os heróis, os mártires que tem p ro­
duzido.
Sej a qual fôr, meu filho, a carreira que escolhas,
tua instrução te destina a desempenhar um papel pre­
dominante n a vida. E' lícito, pois, esperar de ti, que
adquiriste em todos os ramos da ciência, os conheci­
mentos n ecessários a essa cultura universal, também
não te contentes em relação à vida religiosa com os
conhecimentos elementares re-c ebidos no colégio. A pri­
meira causa da indiferença religiosa entre os adultos
é não conhecerem êles mais de perto a sua religião, e,
como bem a p ropósito diz a Sagrada E scritura, "blas­
femarem contra o que n ão conhecem" (Jud 1 0) . Em
um môço, é sempre prova de mentalidade séria o achar
tempo para aprofundar o conhecimento das belezas
da sua religião, pela leitura e pelo estudo, ainda que
ao mesmo tempo leia obras científicas e romances.
Desde hoje, durante os teus estudos na Universidade,
e na idade madura, p ro-c ura, pois, por atarefado que
estej as, achar sempre tempo para leituras capazes de
instruir-te cada vez mais profundamente no conheci­
mento da tua santa religião.
29) Depois da teologia, a filosofia é o mais belo
ramo da ciência. O objeto das belas letras é o belo :
mas o belo é a simples imagem refletida do bem e da
verdade, e é a filosofia que nos ensina a conhecer a
verdade e o bem. Ela nos ensina a refletir racionalmen­
te, a formular j uízos exatos. Ela, ainda, é que dá aos

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outros ramos da ciência o fundamento e o método. S em
ela, a história seria um acervo desordenado de datas
e fatos, a história n atural um caos de objetos e fenô­
menos. O orador e o políti<:o, tanto quanto o teólogo,
têm dela n ecessidade inelutável.
Encontram-se, sempre, entre os estudantes das
classes superiores, alguns que já lêem por gôsto livros
de filosofia. Mas, aqui, dir-te-ei : sê exigente, exigen­
tíssimo até ! Um môço que lê Kant e Nietzsche, Scho­
penhauer e H artmann, certamente perderá, com isso, a
clareza do juízo. H á alguns anos um j ovem de 22 anos,
filho de pais de boa orientação, suicidou-se porque
lera todos os filósofos descrentes sem a crítica de um
juízo seguro. Encontraram na sua mesa Kant, Fichte,
Schopenhauer, Hartmann, Darwin, Haeckel, Büchner,
Nietzsche, Bõlsche - e no seu coração de môço
uma bal a !
3 9 ) Farás bem estudando mais pormenorizada­
mente as partes da história do teu país e da história
do mundo que cativaram em particul a r o teu interêsse.
A história pode ensinar-nos muita sabedoria em face
da vida : história est magistra vilae. O advogado, o
professor, o sacerdote, o político, o juiz e todos os
homens que desempenham um papel na vida pública
precisam sempre dos conhecimentos históricos. Q uan­
to mais nos dedicamos à história, tanto mais nos tor­
namos humildes e modestos ; pelo contrário, sem o co­
nhecimento da história limita-s e a nossa sabedoria ao
que sabemos da nossa pátria e do nosso tempo, sabe­
doria tão curta quanto a .cauda duma lebre. E até só
podemos bem julgar do nosso p róprio tempo se formos
versados na história das idades passadas.
49) Demonstram alguns assinalada preferência pe­
las ciências naturais. Os maravilhosos segredos e as
leis sublimes da natureza conduzem infalivelmente a

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Deus todos os cérebros que sabem refletir profundamen­
te. Há, porém, um outro fato. Convém que o saibas :
entre os que cultivam as ciências naturais, muitos, hoje
em dia, tratam de empregá-las no sentido contrário,
isto é, para abalar a convicção religiosa. Sê, pois, bem
prudente na escolha dos livros de história natural. As­
semelham-se de todo as circunstâncias presentes às
do século X I I I . Esforçavam-se os Árabes naquele tem­
po para refutar o Cristianismo pelas doutrinas do gran­
de filósofo grego Aristóteles; sem e mbargo nesse mes­
mo ponto, dois grandes gênios, S. Alberto Magno e
S. Tomás de Aquino, arrancaram-lhes a arma, demons­
trando que pelo contrár<io as teses de Aristóteles, o
grande filósofo da antiguidade, justificam o Cristianis­
mo. Exatamente isso fazem os " árabes" das ciências
naturais quando combatem hoje o Cristianismo com
armas que, afinal, nos pertencem.
Poder-te-ia citar uma quao_t idade de obras a res­
peito desta questão, livros severamente científicos que
te demonstrariam claramente esta verdade : longe de
atacar as verdades religiosas, a verdadeira ciência aju­
da a prová-las . Assim : Adam, "Jesus Cristo" ; Sertil­
Langes, "Catecismo dos Descrentes" ; Huby, "Christus" ;
Aigrain, "Ecclesia" ; Brillant, "Apologética" ; Riviere,
"Nas Pegadas de Deus" ; Goyau, "O Catolicismo, Es­
cola de Vida" ; Guilbert, "As origens do Mundo" ; Biot,
" Lourdes e o Milagre"
SQ) Bem pouca coisa se aprende na escola secundá­
ria da literatura mi.mdial. N o entanto, o gênio humano
tem criado por tôda parte obras prodigiosas, e a lite­
ratura dos diversos povos contém livros incomparáveis,
de fama mundial, que serão sempre preciosos tesouros.
Todo homem instruído tem o dever de conhecê-los.
Citar-te-ei alguns, omitindo, todavia, os autores
·Clássicos franceses, que conheces s uficientemente gra-
O Môço - 11
t61
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ças aos estudos secundários. Romances : Wiseman,
" Fabio la" ; Wallace, "Ben H ur" ; Newman, "Kallista" ;
De Waal, " Valéria" ; Sienkietvicz, " Q uo vadis?" ; Man­
zoni, "Os Noivos". - D e literatura épica deves conhe­
cer : em inglês, Milton, "O Paraíso perdido" ; em es­
panhol, "O Poema do Cid" ; em italiano, Tass o, "A
Jerusalém libertada" ; Dante, "A D ivina Comédia"
D ramas em inglês, Shakespeare, "Macbeth", " R i car­
do III", "Júlio César", " Hamleto", "Coriolano", "O Rei
Lear" ; em espanhol : as obras de Calderón, etc.
Deverias ler todos êsses livros. E no entanto, olhan­
do à volta de ti, fkarás estupefato de ver que quase
não são lidos, porque não são obras modernas. O que
se lê muito sã·o romances medíocres que aparecem
às dúzias todos os dias - tão somente porque saem
recentemente do p relo. Emerson, o grande pensador
inglês, entretanto, re.comenda-nos nunca lermos um li­
vro que ainda não tenha um ano de existência. E' con­
selho muito sábio, porquanto, ao cabo de um ano, já
não se fala a não ser dos livros de real valor. Os li­
vros mais úteis não se difundem pelo reclame : precisam
de certo tempo para mais profundamente penetrar no
público.
69) A história das artes é também estudo m uito
cativante. Trata de ampliar o teu saber ainda neste
assunto, pois não é sufici �nte o que te ensina a escola.

66. Deves ler jornais?


Em nossos dias, muitos jovens têm o hábito de
ler jornais. Queres saber minha opinião? Acredita-me,
não farás mal algum à tua instrução e cultura, se em­
pregares noutras leituras mais sérias o tempo destinado
a ler jornais. Cada idade tem sua leitura especial : dei­
xa, pois, para os adultos os jornais. Ainda para êles, os

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jornais não passam de um mal necessano. As notícias
agitantes, as agressões, os suicídios e outros .crimes,
os noticiários dos tribunais, exercem desastroso efeito
sôbre as almas jovens, queimam-nas como o demasiado
calor do sol queima as tenras plantas. O jornal amadu­
rece depressa demais o jovem leitor, e p riva-o das suas
aspirações ideais. O entusiasmo e o idealismo, todavia,
é que são destinados a temperá-lo para a luta da vida;
e os jornais revolvem tanta sujidade, tantas infâmias
e pecados, que até um homem adulto custa a pesar o
j usto valor de tudo i sto ; como não farão êles mal à
alma dum môço que n ão conhece ainda a vida?
O rapaz que lê regularmente o jornal terá invej a
do papel e esfera de trabalho dos adultos, e envergonhar­
se-á dos brinquedos e prazeres da j uventude. P arecer­
se-á com um f ruto p recoce e imperfeito. Sua conduta
tornar-se-á teatra·l , n unca estará satisfeito com coisa
alguma, criti·cará tudo, desdenhará as coisas elevadas,
etc. Torno a dizer-te : a leitura do j o rnal é um mal
necessário ; os próprios homens feitos por sua causa
arriscam-se mais a perder do que ganhar. A imagina­
ção do leitor de jornais apanha cada dia no ar os acon­
tecimentos das cinco partes do mundo; isto lhe faz
tão habitual a rapidez superfkial, que êle perde o gôsto
de ler livros mais sérios. Entretanto, não é nos jor­
nais qu e se pode adquirir um saber sólido, em todo e
qualquer ramo, mas sim nos livros ! Uma experiência
pessoal fêz-me notar quanta coisa inútil contêm os
jornais e que tempo p r ecioso nos roubam. Voltando de
uma viagem ao estrangeiro ou de um acampamento de
escoteiros, encontro sôbre a mesa uma montanha de
jornais. Todos os jornais de 3 a 4 semanas ! Apesar
disso, eu, que dispendo meia hora por dia para ler o
meu jornal, acabo de lê-los em menos de duas horas !
E que diria das pessoas que são capazes de ficar horas

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inteiras sentadas por trás de imensas pilhas de j ornais,
nos cafés? E' possível que não achem meio de passar
de modo mais útil êsse tempo precioso ?
De resto, por ti mesmo podes ver que não se tira
grande proveito da leitura de um jornal. Pousa-o depois
de o leres durante meia hora, e dize-me o que foi que
acabaste de ler. Admirar-te-ás de te sentires fatigado,
apesar das poucas informações que te ficaram na ca­
beça. E qual a .causa? Já a mencionei ao falar da visita
mal orientada dos museus e das exposições. Sucedem-se
as impressões dos assuntos mais d_iversos, e as mais re­
centes baralham ou enxotam as antigas antes que estas
tenham tempo de arraigar-se na mente. Depois dos
acontecimentos da política mundia l , um artigo humorís­
tico, alguns versos, depois um crime sensacional , um
reclame de cinema, e as notícias do dia, e anúncios
sem fim . não acabaste, e a cabeça já está girando .
A maioria dos artigos publicados nos jornais é es­
crita à pressa, a horas tardias da noite. Já é razão
para não procurares neles .conhecimentos científicos
sérios. Pelo contrário, a prosa superficial dos jornais
pode estragar completamente o teu estilo. Em vez de
leres jornais, lê antes l ivros editados para a juventude,
revistas mensais literárias e cienfí.fi cas, e sobretudo
boas obras.

67. O que não se deve ler.


O môço que se preocupa com o seu caráter não
lê a torto e a direito. Quem come tudo o que está ao
seu alcance arruína o estômago, e quem lê tudo o que
lhe cai sob os olhos arruína a alma. E' mil vêzes pior
do que o mais terrível dos males de estômago. Nos
nossos dias sobretudo, as maiores precauções se impõem
neste ponto, pois as publicações anônimas, cheias de

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dramas estúpidos e de fatos imorais, pululam por tôda
parte como .cogumelos depois da chuva.
Um môço bem o rientado nem sequer toca com a
ponta dos dedos num livro que ofende a nossa santa
rel igião e a pureza moral. Envenena r-lhe-ia essa lei­
tura o coração, excitando-lhe a imaginação nocivamente.
A sua vontade ver-se-ia enfraqueci da, o gôsto literário
falseado, os costumes arruinados, o que acarretaria a
perda da sua vida religiosa. Seria, p ois, ocioso dizer-te :
não leias os livros que ofendem tuas convicções religio­
sas e ideal moral. Acredita-me, não ficarás mais pobre
de espírito se os lançares ao fogo. Ninguém pode
subtrair-se à influência da sua leitura. Torna-se o leitor
mais ou menos discípulo do escr·itor. O nosso autor
favorito, .com maior razão, nos cativa inteiramente :
inconscientemente talvez, apropriamo-nos do seu modo
de pensar, da sua concepção moral, dos seus próprios
atos. Bourget, célebre romancista francês, disse : " Nin­
guém há que, após um exame de consciência sincero,
não seja obrigado a confessar que seria um homem di­
ferente se não tivesse lido tal livro" Não se pode ·atra­
vessar, de roupa branca, um charco lodoso sem se man­
char. Zola proibia aos f·i lhos lerem os seus próprios li­
vros imorais. Certa vez em que a m ãe de Nietszclze
lhe p,frguntou : "Qual dos seus l ivros devo ler, meu
filho ?" êle lhe respondeu : "Nenhum, minha m ãe, não
foi para a senhora que os escrevi" Pois bem ! se êsses
l·ivros não foram escritos para a mãe e para os filhos
do autor, também não são dignos de ti. Cada livro que
lês - os m aus e os bons - deixam um sulco imper­
ceptível no teu cérebro e na tua alma : como, após a
leitura de u m l ivro imoral, a tua vontade penderá mais
fàcilmente p ara o mal, também os bons livros aumenta­
rão tuas aspirações para uma vida alcandorada.
Aliás, os moços compreendem bem fàcilmente que

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n ão devem ler livros anti-religiosos e contrários à mo­
ral. O que os mais jovens não querem compreender é
que os exprobem por haverem lido Nick Carter, Nick
Winter, Buffalo Bill, etc. "Mas não há mal nenhum",
dizem, "nada é contra a religião ; só há aventuras de
detetives e histórias interessantíssimas de esporte"
P ois bem ! é verdade que -c ertas brochuras medíocres,
embora n ão ataquem a religião nem a moral, nem por
isso são menos indesejáveis para um jovem de conscien­
cia, porque a in.c rível estupidez delas po·de falsear-lhe
a maneira de pensar e o juízo, e a sua linguagem de
calão pode arruinar-lhe o estilo ; as numerosas narrações
de morticínios que contêm enfraquecem-lhe certamente
o sistema nervoso, agitando-o, e os múltiplos crimes
que descrevem embotam-lhe a delicadeza de alma. Bas­
tarão estas razões, espero, para te persuadir a que não
percas o tempo com essas tolices.

68. "A instrução, porém ! .

Contestarão talvez alguns dos jovens l eitores os


meus princípios severos : "Nunca ler u m livro que possa
ferir minhas idéias morais? E' fádl de dizer ! Mas há
uns que são célebres e obra de autores famosos ; se
não os ler, minha instrução ficará imperfeita ; um ho­
mem culto deve conhecê-los ; do contrário, não poderei
meter-me em discussões literárias na sociedad e ! "
E' inegável a di·f iculdade, e a s u a solução consti­
tui muitas vêzes, para os moços sérios, um problema.
Mas o êrro está em dar ao têrmo " instrução" um sen­
tido por demais exclusivo. Talvez a sociedade superfi­
cial e leviana dissimule mal um sorriso se fores obrigado
a confessar nada teres lido de Zola ou de A natole France
"porque teus princípios to proíbem". Podes, contudo,
muito bem compensar êsse sorriso zombeteiro, dirigindo

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a conversação para outras obras senas, de outros au­
tores célebres que êles não tenham lido. A melhor m a­
neira de defender-se contra êsses j uízos mundanos é
estar sempre pronto a entabular discussão sôbre um
livro célebre e desviar para êsse lado, imediatamente,
a palestra.
Porquanto, acredita : a leitura dos livros imorais
dos grandes escritores não tem, em geral, relação
nenhuma com a instrução. E' inegável - bem triste
- que certos autores de grande talento não se cons­
trangeram de molhar a pena brilhante na lama, para
escrever sujidades em estilo magn ífico. Lembra-te de
que, muitas vêzes, os cogumelos perigosos são mais
lindos e agradáveis à vista do que os seus irmãos n ão
venenosos. Se êsses autores escreveram, ao lado de ou­
tras condenáve.is, obras irrepreensíveis, podes ler estas ;
deixa, porém, os l ivros que revolvem a lama aos que
deliberadamente renunciaram à dignidade de sua alma.
Seja sufidente saber, pelas críticas, que tal livro é imo­
ral, para que não o leias. Por não haveres experimen­
tado o veneno dêsses livros destruidores em tua alma
- tesouro único !, - não terás lacunas em tua instru­
ção, como não a tem o sábio em matéria de ciência por­
que se contenta com aprender o nome e o efeito dos
venenos farmacêuticos sem que os p rove êle mesmo,
temeràriamente.

69. "A documentação, porém! .

"Muito bem ! não é para instruir-me, é simplesmen­


te a título de documentação que devo ler êste livro !
Quisera ver como se escreve no campo inimigo ! Nada
receie por mim, o mal contra mim nada pode ! . E'
"

a opinião de outro jovem.

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Pois bem ! também êste anda errado. Engana-se
pensando que em p rimeiro lugar o mal não tem impé­
rio algum sôbre êle. Acredita-o sinceramente, eu o admi­
to ; engana-se contudo. A alma humana é organizada
bem misteriosamente. Nada a toca sem deixar vestí­
gio ; talvez que o efeito dos maus J.i vros não se torne
consciente e claro ; todavia, os pensamentos que êles
fizeram conhecidos ocultam-se no subconsciente. Mais
tarde, e quiçá longos anos depois, não poderás res·i stir
a uma tentação para o pecado por causa do veneno que
ficou em ti após a leitura de um livro imoral ou ímpio.
Nem sequer lhes sabes mais o título, esqueceste com­
pletamente o conteúdo ; e, no entanto, é a sua influên­
cia subconsciente que te vai prostrar vencido em face
da tentação.
"Vigiai e orai para não .cairdes em tentação" Guar­
dai-vos dos falsos profetas, - é o aviso do Senhor a
seus apóstolos ; e tu, imaginas poder (e r sem danos
todos os livros? Não te faz mal, só prejudica aos ou­
tros? És então assim tão mais forte que os outros mor­
tais? Mais forte que os apóstolos? Não precisas guar­
dar tua alma dos falsos profetas ? - Pois bem ! vou-te
dizer uma coisa : Engole um pedaço de cianureto sem
ficar doente. Embebe as roupas de petróleo e acende-o
sem te queimares. Depois, vem dizer-me : isso n ão me
faz nenhum mal. Larga durante a tempestade uma pe­
quena ·canoa em pleno mar e dize-lhe : "Não vá afun­
dar ! " Quando uma avalanche se abate sôbre o flanco
da montanha com estrondo de trovão, esmagando ca­
sas, desarraigando as árvores no seu caminho, põe-te
diante dela e dize-lhe : "Não me toques ! "
Ah ! não és capaz d e fazer tudo isso? Pois bem !
enquanto não o puderes fazer, também não acreditarei
que os maus livros não te façam mal. E já que se trata
da verdade, bem sabes que a verdade só pode ser de

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uma espec1e, e que essa verdade única e inabalável se
acha em Cristo, na sua I grej a. Então, porque hás de
procurar a verdade em outra parte? Pode um jovem
de coração puro freqüentar uma sociedade onde inju­
riam seu pai, onde ultrajam sua mãe, e onde zombam
do seu modo de viver? Pois bem ! é exatamente o que
fazes, lendo livros que atacam a religião e zombam
dos cos tumes.
"Mas, enfim, para eu formar uma convicção sólida,
é preciso que conheça não somente os argumentos em
favor do bem, mas também as objeções !"
A h ! m eu filho, para saber se estás no bom ca­
minho, é então preciso percorreres antes os maus ca­
minhos ? Basta perfeitamente saberes que êsses falsos
caminhos existem, basta que outros o digam ; mas se­
ria simplesmente estúpido que o fôsses percorrer tu
mesmo. Seria mister que conhe.c esses tôdas as cara­
minholas e as ilusórias objeções de todos os náufragos
'
da fé, para alcançares uma co nvicção a tôda a prova?
Mas, meu amigo, três vidas humanas não bastariam
para as ler. E depois, crê-me, tôdas as dificuldades e tô­
das as objeções que pululam nesses livros já foram
resolvidas centenas de vêzes, de maneira absolutamente
vitoriosa !
E se a curiosidade te induz de tal modo a conhe­
cer a opinião do campo inimigo, mata-a pela leitura
de livros onde acharás, Iogo ·em seguida aos problemas,
as devidas respostas. Possuímos excelentes livros a
serviço da defesa da fé, os quais te f arão conhecer as
objeções do adversário, sem fazerem mal ao tesouro
inestimável que é a tua fé.

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70. "A vida, porém .
"Mas, e nfim, é preciso que eu conheça a vida ! E'
predso que eu conheça tudo o que se pode p assar
num coração human o ! E' o único meio de não alimen­
tar ilusões sôbre a vida e de evitar o sofrimento que
nos causa perdê-las !"
Primeiramente, n ão é nos romances modernos que
podes haurir o verdadeiro conhecimento da vida. I mpos­
sível n egar, na verdade, que tôdas as coisas imundas
e imorais que certos romancistas amontoam em s eus
l ivros possam existir realmente na vida. Consegui rás,
porém, a concepção séria e ideal de que tanto pre.c isa­
mos para não fraquejar na luta da vida, tão difícil para
todos, se te sugerem as leituras que a vida se compõe
únicamente de coisas sórdidas e vergonhosas, de frau­
des, infidelidades e imoralidades? Realmente, isso tudo
existe. E com tanta freqüência, que é inútil procurar
conhecê-las nos romances. Tu as verás e ouvirás e
conhecerás bastante, por experiência própria, sem os
livros. Ê sses roman.c es · representam a vida como se
ela se passasse únicamente nos hospitais e nas casas
de alienados, como se j á n ão houvesse em parte algu­
ma vestígios de amor pronto a todos os sacrifícios e
do desinterêsse que, mercê de Deus, ainda achamos
em almas nobres. A alma humana não é um espelho
inanimado : o espelho não se preocupa com a imagem
que reflete ; n ão cuida de saber quantas vêzes nêle se
mira; a imagem passa sem deixar n êle vestígios. Mas,
no fundo da alma humana, no subconsciente, fica sem­
p re uma l embrança, seja e mbora fraca, de tôda ima­
gem que nela um dia se refletiu.
"E' sempre possível achar algum bem no mal, e
eu só guardarei o bem", - responder-me-ás talvez.
E' verdade, sucede acharem-se grãos de trigo nos ces­
tos de l ixo, mas por que revolver um monturo inteiro

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por causa dêsses poucos grãos - manchando-te, -
q uando o trigo mais puro está à tua disposição, em
sacos cheios, numa quantidade de bons l ivros ? Sabe
a abelha retirar o mel até mesmo de uma flor venenosa,
sem lhe tomar o menor veneno; o pescador perito sabe
apanhar as conchas que contêm pérolas preciosas, ain­
da nas fendas rochosas dos bancos do mar; mas, dos
l i vros imorais de estilo brilhante, não retirarás mel,
mas veneno, e enquanto buscares nêles pérolas, o bar­
co da tua vida quebrar-se-á contra os rochedos ocultos
por sob as ondas. Porquanto não posso aceitar a des­
culpa alegada por certos estudantes para justificar-se :
" Só l eio os maus l ivros pela magnificência do estilo
e pela beleza literária" Peço perdão, mas não acredito.
Porque, se isso fôsse verdade, procurarias os l ivros
que valem, pelo estilo e pela forma l i terária, os teus
romances duvidosos, sem entretanto conterem os prin­
cípios destrutivos que estão, aqui, à espera d a tua
leviandade.
"Anatole France é tão espirituoso, e a sua lingua­
gem tão cheia de verve !" - E' bem verdade ; mas êle
é também tão cínico quanto espirituoso, e tem p razer
em derramar o vitríolo do sarcasmo m ais mordaz sô­
bre as coisas mais belas e mais sagradas. Se assim é,
por que n ão lês René Bazin, também francês e espiri­
tuoso, mas sem sordícia nem cinismo? - " Renan é
um emérito narrador, e o estilo de Zola é incomparável ! "
- Ainda é verdade. Mas Renan espezinha a tua fé, e
Zola faz-te rolar num pan tanal infecto. Então por que
lhes não p referes Sienkiewicz ou Manzoni, tão bons
" narradores" como êles, ou os romancistas húngaros
Gárdonyi ' e Herazeg, cujo estilo em nada cede ao dês­
ses escritores pervertidos?

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7 1 . O escritor e o bandido.
f:ste conto foi escrito pelo poeta russo I<rilo.f.
Chegaram ao mesmo tempo duas almas humanas
perante o tribunal do além ; a de um salteador que aca­
bara num patíbulo, e a de um es.c ritor de renome mun­
dial, cujos livros, de estilo maravilhoso, regurgitavam
no entanto de impiedade e imorali dade. No além, não
valem nem recomendação nem desculpa, e ambos fo­
ram julgados severamente. Lá se achavam duas caldei­
ras suspensas a correntes maciças ; l ançaram o saltea­
dor numa e o escritor na outra, e acenderam por baixo
um fogo espantoso.
Sucediam-se dezenas de anos e as duas almas so­
friam horrorosamente. Mas eis que, um belo dia, o
fogo que ardia por baixo da caldeira do salteador co­
meçou a baixar . . a apagar-se pouco a pouco .
terminara a punição do bandido. Reparara pelo sofri­
mento os seus pecados. O outro fogo, pelo ·Contrário,
flamejava ainda mais forte, sempre mais forte . .
"Senhor !", exclamou então o escritor torturado,
"Senhor, isto é crueldade ! E' injústiça ! A ninguém
assassinei, como êste salteador, nem fui pendurado ao
patíbulo. E justamente agora, festejam na terra, com
grande pompa, o centenário do meu nascimento, e eu,
aqui a me consum i r ! "
"Miserável verm e ! " , foi-lhe respondido. "Ousas
ainda queixar-te? Ousas comparar-te a êste outro?
f:Ie matou um só homem, em sua cólera súbita, e expiou
o seu pecado. Mas tu? Olha tão somente para aquêle
jovem que ocultamente devora as tuas obras impudicas !
Vê como sua alma pura se cobre de manchas sombrias
à medida que lê ! E ousas ainda falar de injustiça? Tu,
·
cujos l ivros, cem anos depois do teu nascimento, a inda
continuam a destrui r a fé nas almas humanas ! f:ste
salteador matou um só homem, mas tu, quantos ma-

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taste? Lança apenas um olhar sôbre os milhares de
almas jovens que fascinaste pela magia do teu estilo,
de tuas m elífluas palavras, e tornaste, pelos teus li­
vros, descrentes e perversas ! Manchaste aquelas almas
e continuarás aind a por m uito tempo essa tarefa infer­
n al ! E ousas ainda elevar a voz ? O teu fogo nunca se
apagará, e os vermes não te deixarão jamais, pois ai
do que escandaliza um só dos que crêem em Cristo ! . "
Depois disso, não acharás estranho que a I greja
Católica, conhecendo o perigo extremo que para as al­
mas ocultam os livros maus, tenha redigido uma lista es­
pecial dos livros cuja leitura, porque causaria grande
dano espiritual, proíbe aos seus fiéis. O título dessa
lista é : /ndex librorwtn prohibitomm, " índice dos livros
p roibidos" ou simplesmente "índice" Do mesmo modo
qu e o Estado age sàbiamente retirando do livre comér­
cio os tóxicos, e só p ermitindo vendê-los nas farmácias,
de ordem médica e em caso de necessi dade, assim tam­
bém devemos agradecer à Igreja o assinalar os livros
de conteúdo venenoso com êste rótulo : "Atenção ! Ve­
neno mortal ! " , e de só dar Ji.cença excepcionalmente
de tocar nêles aos que disso hão m ister, por grave
motivo.
Não é só a Igreja Católica que possui um "índice"
Os Estados p ro íbem igualmente a venda dos livros e
escritos que ameaçam a o rdem social, induzem à Juta
de c lasses ou insultam o exército. Êles têm razão. E
tal proibição política é muito mais severa do que a da
I grej a ; cito tão somente o caso da Alemanha, onde o
govêrno p roibiu mais livros em 1 2 anos do que a Igre­
já Católica colocou no índi.ce no decurso do século X I X
n o mundo inteiro . Pois bem ! s e o Estado s e alarma tan­
to com a segurança temporal dos seus súditos, n ão
h averia a I grej a de inquietar-se com o bem eterno das
almas?

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Na realidade são relativamente pouquiSSimos os
nomes no catálogo do índice ; mas a consciência de todo
o católico deve ter a sua própria regra de "lndice" e
rejeitar, sem o ler, todo o livro de conteúdo anti-reli­
gioso ou imoral, ainda que não figure na lista oficial .
A proibição estende-se aos livros que ensinam a su­
perstição, a adivinhação, o espiritismo, aos livros que
glorifi.cam o duelo, o suicídio, a maçonaria, etc., e
também aos ·que, tratando de maté rias religiosas ( Es­
critura Sagrada, livros de oração, de devoção) , n ão
trazem na primeira página as palavras "Nihil obstat"
e o "lmprimatur", têrmos pelos quais a Igreja concede
a l icença necessária para serem impressos. Se tiveres
dúvidas a propósito de um l ivro, e não souberes se fi­
gura ou não no "índice", interroga o teu professor de
Instrução Religiosa. Mas a tua própria consciência é
que deve ser para ti o melhor índice : se a leitura de u m
livro t e inquieta, s e a consciência t e censura, s e sentes
que êsse livro ofende a tua fé ou as tuas idéias morais,
então, qualquer que seja, êste livro está para ti no
"índice" ! Atira-o ao fogo antes que te envenene a alma !
Sê severo neste ponto, meu filho, e não te arrependerás.
Teme a Deus, e, depois d'Êle, teme aquêles que não
O temem.

72. Que livros deves comprar.


Dir-te-ei ainda alguma coisa dos livros que vale
a pena comprar. E' questão bem importante, agora
que os livros atingem p reços tão elevados. Quanto m ais
difícil é a compra de livros, tanto mais deves refletir
antes de gastar o teu dinheiro. Compra tão sàmente
livros de que com freqüência tenhas necessidade e que
mereçam ser relidos mais de uma vez; portanto, obras
científicas ou p róprias para formar o caráter, enciclopé-

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dias, léxicos, dicionários. Seria pena gastares o teu
dinheiro com livros que a gente põe de lado, depois de
os ler uma vez. A maioria dos romances estão nesta
.categoria. Não os compres, ainda que sejam de real
valor, mas se dêles precisares toma-os emprestados a
uma biblioteca.
Manda encadernar teus livros, se puderes. Se4ia
coisa muito útil aprenderes o ofício de encadernador,
e tu mesmo, os encadernares. E' um passatempo extre­
mamente p roveitoso.
Talvez n ão seja supérfluo recomendar-te o cuida­
do dos teus livros, sua conservação e limpeza. Ninguém
gosta de manusear l ivros sem capas, rabiscados e man­
chados de gordura. Pode-se, muitas vêzes, aj uizar da
mentalidade de um estudante pelo estado dos seus li­
vros. Ao cortar as páginas dos livros novos, tem o .cuid a­
do de fazê-lo com j eito, usando uma espátula bem
afiada, e n ão corno se tivesses um serrote na mão. E '
também incivil molhar n a l íngua o dedo para virar
as fôlhas.
Não escrevas notas a l ápis, ainda nos livros que
te pertencem, excetuados livros escolares : basta gri­
far ligeiramente as passagens notáveis, ou assinalá-las
com um traço à margem. Num livro que te não per­
tence, não deves fazer nenhuma anotação ou grifo.
Dizem que à entrada de urna aldeiazinha p erdi­
da da H ungria os habitantes afixaram um tabuleta
com esta inscrição : "A entrada não é franca. Q uem
quiser passar, pagará 1 00 pengos !" Pois é esta exata­
mente a minha opinião a respeito dos livros empresta­
dos ; se te suceder tê-los, torna nota de quem os tiveste
emprestado, do contrário pagá-los-ás ·caro ! Porque,
nesta questão, nem os p róprios homens de caráter são
bastante conscienciosos; retêm o livro emprestado lon­
go tempo depois de lê-lo, ou até esquecem inteiramente

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de restitu í-lo. Entretanto, considerando isto devidamen­
te, é um roubo como qualquer outro. Seria preferível
n unca te veres obrigado a tomar um livro emprestado
a qualquer pessoa. Mas, se, apesar de tudo, o fizeres,
lembra-te de que é um dever de honra cuidar dêle me­
lhor do que dos teus próprios livros, não o emprestar
a outros e restituí-lo em tempo oportuno.

73. As estréias em público.


Mais cedo ou mais tarde, todo j ovem ver-se-á
obrigado a desempenhar um papel qualquer numa
reunião de amigos, e até diante de p úblico mais nume­
roso. Sucede que em casa façam uma representação
por ocasião das bodas de ouro dos avó s ; poderás ter
de fazer um discurso no grêmio literário do colégio,
recitar versos para a festa de um professor, etc. Qui­
sera que te desempenhasses dessas tarefas não cons­
trangido, mas de bom grado, com solicitude até. Se a
principio sentires certo constrangimento, não desanimes.
E se de minha parte nutro tal desejo, é, confesso,
porque ambiciono ver em futuro próximo tôdas as posi­
ções de relêvo ocupadas por moços de .c aráter ideal,
de coração puro e de instrução sólida, moços, numa
palavra, como imagino que tu sejas. Meu ideal é que
a Pátria possua o maior número possível dêsses moços,
sinceramente religiosos até o fundo da alma, de cará­
ter intemerato, de vontade de aço, de inteligência cla­
ra, fiéis aos seus p rincípios, e, além disso, cheios de
fôrça vital, de traquejo social e de habilidade, e que
naturalmente ocupem os lugares mais importantes da
vida social e pública.
Mas, para que o consigamos um dia, é preciso
preparar-nos desde agora. Recom endo-te por isso que
toques, fales, recites em público tôda vez que haja
ocasião oportuna. Não importa sejas de início um pou-

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co desajeitado, e saia trôpego o teu p rimeiro discurso.
E' melhor que percas diante de teus pais o fio da
frase e caçoem um pouco do teu acanhamento os teus
camaradas de classe, do que mais tarde devas arrancar
de desespêro os cabelos quando se tratar de fazer boa
figura na vida.
Adquirem-se, sobretudo pela prática, as maneiras
perfeitas e a facilidade da palavra em público. Quanto
mais te exercitares nelas, tanto melhor irão as coisas.
Serás sem dúvida acometido, da p rimeira vez, do mal
dos estreantes, de embaraço e mêdo quase insuperáveis.
Teu coração baterá como se fôsse estourar, empalidece­
rá subitamente o teu rosto, parecerá o mundo girar em
volta de ti. Não importa ! Todos os oradores o sofre­
ram ; grande mal, por causa disso, seria te retirares e
cederes o teu lugar aos outros. A medida que te habitua­
res a aparecer em público, diminuirá a impressão de­
sagradável mas nunca desaparecerá inteiramente. Antes
de falar, a alma do orador, ainda o mais experiente,
enche-se de emoção, que se assemelha muito à timidez,
o que, a.fiás, tem o seu lado bom porque dá um calor par­
ticular, um fDgo especial à palavra : faz sentir o respeito
que o orador tem ao seu público.
Excelente meio de vencer a timidez é, para os ora­
dores que estréiam, dizer ·Consigo : "Estas cabeças
humanas que estão diante de mim, imagino que são
cabeças de nabo !" Vai então a elas com coragem :
Sorriem, tossem, n ão te escutam, pouco importa; n ão
te deixes desconcertar por coisa alguma. Cabeças d e
nabo não perturbam, creio eu, a ningué m !

74. A arte d a dicção.


Qual o principal defeito de dicção nos jovens?
O mais das vêzes, é o seu caráter apressado, monótono,
inexpressivo. Tem-se a i mpressão de escutar uma vi-
O Môço - 12
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trota que fala e nem sempre distintamente, e não com­
preende nem uma só p alavra do que está dizendo ; ao
menos, pelo acento e pelo calor do tom, não o faz sen­
tir. No entanto é esta a primeira condição do êxito.
"Se queres que eu sinta comoção, importa antes que tu
mesmo te comovas ! " - "Si vis me {lere, jtendum est
primum ipsi tibi!"
Nem bem o j ovem .consegue um pouco de segu­
rança, diante das cabeças de nabo, é logo ameaçado
de outro perigo : O de tornar-se teatral. Os jovens
oradores quase sempre representam um papel ; dão a
i mpressão, ao falar, de ser atores ; isto vem de uma parte
da timidez, e, de outra, duma falsa concepção da si­
tuação. Repara no presidente do grêmio literário do
colégio na sessão solene duma festa patriótica : Como
se curva sôbre a mesa, como apóia nela os punhos
fechados, e sobretudo, como fala com voz de comover
as pedras !
E , n o entanto, o orador e o ator d iferem muito :
o ator representa papel alheio, o orador deve perma­
necer sempre êle próprio. Tem, por isso, o cuidado de
principiar sempre em tom natural e comum o teu dis­
curso como se fôra u m a conversa ; e de só fazer pe­
n etrar nêle a chama da comoção, mais tarde, quando,
postos em movimento, encherem a alma os sentimentos
e exigirem que os reveles. Neste ponto, podemos ani­
mar-nos; deixar transparecer a flama interior, e elevar
a voz, embora, bem entendido, sem gritar a plenos pul­
mões nem rebentar os tímpanos dos ouvintes.
Exercita-te com freqüência na leitura em voz alta
de versos e de prosa. Pede a teus pais, ou a teus ir­
mãos e irmãs, que te escutem para auxiliar o contrôle,
ou convida dois ou três amigos, para um j ulgamento
recíproco : leio com clareza, sem engolir o fina.J das pa­
lavras? Faço corretamente a acentuação? pronuncio

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distintamente cada sílaba? dou colo ri do suficiente às
m inhas exp ressões?, etc. - Aceita de bom grado p ro­
n unciar um discurso ou recitar versos, nas festas es­
colares, em presença dos pais e de outros convidados.
Faze-os com coragem : antes, porém, ensaia muitas
vêzes em casa.

75. A voz do orador.


Acha-se ainda o orador diante de dificuldade não
menor, quando se esforça por tornar tão compreensível
quanto estiver em seu alcance o seu discurso.
Num discurso, sem dúvida, o principal é aquilo
que se diz : o conteúdo das palavras. Mas o melhor
discurso, cheio de espírito e de bom-senso, enquanto
simples manuscrito, é matéria morta, é tesouro inativo.
Só a palavra h umana, a arte de dizer, podem dar-lhe
vida. Portanto, embor a seja de ex.c elente quali dade o
conteúdo, n ão devem desprezar-se as condições mate­
riais duma boa dicção. O êxito do orador depende
muito do modo de dizer e dos gestos apropriados
ao texto.
O mais precioso recurso do orador é a voz. Que
maravilhoso instrumento, a voz human a ! Que tonalida­
des inúmeras possui em colorido e em vigor. Quantos
graus de um tom agudo a um tom grave! A habilidade
do orador consiste j ustamente em achar sempre o tom
de colorido e vigor apropriados ao assunto. Presta bem
atenção a estas duas regras de oratóri a : fala distinta­
mente .e em tom natural.
Fala distintamente! - Será então possível que
alguém fale indistintamente? pergun tar-me-ás, admira­
do. Seguramente ! Se alguém falasse em público com
tanta negligência e indolência, e sem. esfôrço, como o
faz na conversação ordinária entre amigos, seria com-

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pletamente ininteligível. Observa que as pessoas, quan­
do falam entre si, mal abrem a bôca ; mexem os lábios
quase imperceptivelmente. Pois bem ! se é s uficiente
para o quarto êste modo cômodo de falar, não o é de
modo nenhum para a sala de reunião. O orador deve
abrir bem a bôca ! Repara nas fotografias tiradas no
momento em que alguém está pronunciando um dis­
curso : que bôca ! Deve-se, portanto, forma r de bôca
bem aberta cada letra e cada silaba com os lábios, tão
bem quanto possível, e pronunciá-las tão cla ra e distinta­
mente quanto se puder. Quando se p ronuncia um dis­
curso, os músculos do rosto trabalham muito mais do
que no correr da simples palestra. Um discurso bem
articulado com os lábios é, muitas vêzes, compreensí­
vel até aos surdos ; lêem-no êstes na bôca.
Consagra atenção especial em p ronunciar bem
distintamente as últimas sílabas das palavras e as últi­
mas palavras das frases, de sorte que as finais sejam
ouvidas tão bem quanto as outras ; não faças como mui­
tos que as engolem. Para alguém se fazer compreender,
é necessário falar tanto mais devagar, destacando,
por assim dizer, as s ílabas, quanto maior fôr a sal a
de audição ; em todo o caso, muito mais devagar, do
que na conversação corrente.
Fala em tom natural e colorido! - Que quer
dizer isto ? Observa dois homens que discutem um ne­
gócio importante. O tom nunca se torna monótono,
muda constantemente de côr e de acento, conforme o
homem demonstra ou refuta alguma coisa, conforme
narra, indigna-se, admira-se, exprime desgôsto, etc.
Pois bem ! é extremamente importante fazer entrar assim
no discurso a vida, a comoção, a animação, o tom
colorido. Q uando falares dum a coisa alegre, soe a
tua voz alegremente ; se o assunto do discurso exige
que te encolerizes, torne-se ela surda e profonda ; doce

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para consolar, séria para censurar; grave para exprimir
a compaixão e o pesar; carinhosa para proferir uma
súplica; sombria e incolor para pintar o sofrimento,
cheia de fogo para despertar o entusiasmo !
Ainda podem ser variadas ao infinito tôdas essas
tonalidades da voz. Pode-se mudar completamente o
significado duma palavra, p ronunciando-a em tom co­
lorido, de maneira diferente. Tomemos por exemplo
a palavra "obrigado"
Chega correndo o médico à cabeceira de uma crian­
ça gravemente enfêrm a ; salva-lhe a vida; a mãe diz-lhe
com profunda comoção : "Obrigada, doutor !" Ou en­
tão, presenteia-nos alguém com alguma coisa de que
não t ínhamos nenhuma necessidade, mas, apesar disso,
dizemos obrigado. Como é diferente o acento da pala­
vra! Muda, ainda, quando dizemos "obrigado" ao guar­
da civil que nos indicou tal rua. E recebe ainda outra
coloração na bôca do "garçon" a quem demos uma
gorjeta.
Dá-se a mesma coisa com o "por favor" Cha­
ma-se o médico : "Venha depressa, por favor" Ao
telefone : "4-584 1 , por favor" - Não compreendes
uma pergunta que te fazem, e interrogas : "Como,
por favor?" - Queres fazer alguém passar à tua
f rente : " Queira passar, por favor ! " - Ou então ainda,
pisa-te o pé, no bonde, um indivíduo ; e nem sequer
pede desculpas, e tu, indignado : " Mas por favor ! . "
Pois bem ! tantos "por favor" outros tantos signi­
ficados em completa dependência de colorido e de tom.
Vê pois como são importantes num discurso a natu­
ralidade e o colorido.

76. Os gestos.
Um bom orador não fala só com a voz, mas tam­
bém com os b raços, m ãos, dedos, jôgo de fisionomia,

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movimentos da cabeça e até dos olhos. O único papel
dêsses movimentos é tornar as palavras do orador
mais claras, mais vivas, mais fáceis de compreender.
Percorramos as principais regras concernentes aos
gestos que a.companham um discurso.
Não fixes os olhos num ponto determinado da sala,
mas faze percorrer o teu olhar de maneira l ev e e na­
tural todo o auditório. Nos traços do teu rosto é m ister
que se espelhem os sentimentos correspondentes à ma­
téria do discurso que desejas despertar nos teus ou­
vintes. Não conserves têsa a cabeça, mas imprime-lhe
alguns movimentos ; e se fizeres com a mão um gesto,
vira para êsse lado a cabeça. A regra principal dos
gestos é fazê-los com amplitude, leveza e natural idade
perfeitas ; os gestos rígidos e repentinos são desagra­
dáveis. E' necessário para isso não enrijar as m ãos
no punho, mas deixá-Ias livres nos movimentos. Devem,
pois, os gestos, até certo ponto, imitar os movimentos
das serpentes e das vagas. Quando fizeres u m gesto
com a mão, não prendas a pa rte superior do braço
contra o corpo ; ou seja, não deve o gesto partir do
cotovêlo, mas do ombro. O gesto da mão direita se
faz da esquerda para a direita. Se fizeres gestos com
ambas as mãos, nunca faças com as duas m ãos o
mesmo gesto : uma das mãos faz o gesto principal e a
outra pode segui-Ia, a fim de reforçar o primeiro ges­
to e fazê-lo sobressair. E' assim ·como no canto : se
duas pessoas cantam a mesma parte, nunca é tão belo
como quando uma executa a parte de soprano, e a outra
faz ressaltar o canto acompanhando-a como contralto.
Ao fazeres gestos com a mão, não a retes�s esten­
dida, nem separes os dedos, nem cerres o punho. Mas
como devo, então, •Conservar os dedos? E' issb, justa­
m ente, o mais difícil, do mesmo modo que traçar bem as
mãos é a mais difícil tarefa para um pintor. Experi-

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menta assim : mantém o dedo indicador e o médio es­
tendidos, mas não rígidos, e os outros três um pouco
recurvados. Exercita-te amiúde nessa atitude da mão,
e observa se produz impressão estática. Orador prin­
cipiante que és, n ão te constranjas absolutamente de te
pores em pé diante dum espelho, a fim de acompanhar
com os olhos críticos o teu dis-cu rso. Ajudar-te-á isso
a corrigir muitos gestos desai rosos e mal feitos.

77. "Viva o trabalho !"


Verdadeira alegria e p razer útil só poderás achar
nas coisas que tu mesmo te proporcionaste pelo tra­
balho e pela fadiga. Falei-te muito neste capítulo do
trabalho. Pois bem ! para acabar, só devo repetir-te :
Age quod agis! O que fizeres, faze-o de todo teu cora­
ção ! Trabalha sempre com tôdas as tuas fôrças e com
tôda a tua capacidade. " f:ste rapaz trabalha de fato,
e seu trabalho é realmente útil", - almejaria melhor
elogio do que êste? Conserva, pois, a máxima : Tudo
do melhor modo!
Há jovens que encaram seus deveres l evianamente
e, ainda por cima, se gabam : "a gente pode muito bem
viver assim", - dizem . E' bem possível que se consiga,
durante tempo mais ou menos longo, sobrenadar sem
trabalho sério, metendo o bico aqu i e acolá, inchando
como a rã de La Fontaine e jogando poeira nos olhos.
Mas, se um dia êsse môço fôr pôsto à prova, terá a
sorte do gato que fazia corcunda para que o tomas­
sem por um camelo : passeou orgulhosamente para cá
e para lá até o momento em que lhe puseram um fardo
às costas ; aí, o orgulho e a corcova desapareceram
ao mesmo tempo.
Vida sem trabalho é moldura sem imagem ! Se
n ão o crês, faze a experiência : ao cabo de horas es-

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perdiçadas em não fazer nada, ou prodigalizadas em
folias, tua alma ficará vazia e abatida; pelo contrário
à noite dum dia empregado num trabalho duro e sério,
estará cheia duma alegria doce e benéfica. Não chegas
muitas vêzes a atingir a meta que colimaste, apesar
do maior esfôrço e boa vontade de tua parte; pode ser,
por exemplo, que tenhas estudado muito e recebas
uma nota pior do que merecias. Pode ser que trabalhes
com tôda a tua capacidade na vi da, sem entretanto
progredir como quiseras. Neste caso, só a paz que vem
do dever cumprido será a tua consolação; tudo o que
podia fazer, eu o fiz, se as .coisas n ão vão adiante não
é culpa minha. Eu n ão podia fazer mais . Se assim fôr
realmente, nenhuma infelicidade poderá abater-te na
vida.
"Eu era incapaz de fazer melhor". Se o puderes
dizer com tôda justiça e em tôda verdade, consolar-te-ás
de todos os i nsucessos e de todos os dissabores. Feliz
d aquele que pode rezar assim : " Senhor, fiz tudo o
que estaria em meu pode r ; sabeis que eu não podia
fazer mais. Mas, agora, concedei-me a vossa graça, a
fim de que eu não desanime pelo insuces.so . "
Continua ! Sempre para diante ! Ao trabalho, de
todo o coração.
Joana d'Are, a jovem virgem de Orléans que li­
bertou a sua Pátria e confessou heràicamente a sua fé,
era de família paupérrima. No alto da porta da sua
casinha de Domrémy estavam inscritas estas duas pa­
lavras : Viva o trabalho. - Essa máxima, que observou
inabalàvelmente a vida tôda, fêz dessa simples donzela
uma santa e uma heroína.
Viva o trabalho! - Essa deve ser hoj e a máxima
de todo jovem. V iva o trabalho. - Pensa-o, dize-o,
tôdas as manhãs, quando saltas da cama, bem repou­
sado, quando tomas os teus l ivros ou as tuas ferramen-

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tas após a oração da manhã, e partes para a escola
ou para a oficina.
Viva o trabalho! - Dize-o ainda quando, no cor­
rer do dia, te sentires fatigado e abatido.
Viva o trabalho! - quando teus camaradas te
convidarem a largar os livros para brincar.
Viva o trabalho! - quando sofreres urna contra­
riedade, ou um malôgro, quando teu caminho se co­
brir de obstáculos, quando a luta pelo ideal se tornar
demasiado dura.
Eis uma palavra de S. Agostinho para programa
de tua vida :
"Reza como se só de Deus esperasses tudo e tra­
balha como se só contigo devesses contar".

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PARTE TERCEIRA

NO L I MIAR D U MA CARRE IRA

"Esperança d o meu p a í s , õ
j ovens puros, o coração
acaso n ã o vos freme n o
peito, não s e alça vossa
alma acima da terra, a
terra da existênci a ; não
ressoa e m vós uma voz
divina, ao pensamento de
q u e sois destinados a sal­
var um povo enfraquecido
e a reerguer em sua gran­
deza antiga uma nação
a d o r m ecida? Sois chama­
dos a conqui star u m futu­
r o melhor se tiverdes a co­
ragem de ser grandes"
( C onde István Széchényi ) .
78. Enfim !
Esperemos, meus filho � , que, na vida, fareis
honra ao estabelecimento onde fizestes os vossos estu­
dos secundários. Deus vos gui e ! E agora proclamo o
resultado do exame final de estudos. Consoante o jul­
gamento dos p rofessôres . " Bate, como se fôra partir­
se, o teu coração, avermelha-se o teu rosto quando
chegam ao teu nome. Fôste muito bem classificado.
Felicitam-te. Fazem um barulho infernal. As pessoas
se dispersam, deixam a sala, desces a escada.
Treme-te na mão o belo diploma ; e agora, é de
alegria que ela treme ! e as palavras de adeus ao diretor
ressoam-te aos ouvidos ! Que disse êle? Recomendou-te
que faças, na vida, honra ao estabelecimento. E' estra­
nho, parece-te que todos te olha m . Na parede, as

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m usas gregas, tantas vêzes vistas, parecem sorrir-te ;
a cabeça de gêsso do velho Homero parece-te que vai
abrir os olhos cegos .
"E' isso . perfeitamente . recebi o meu diplo-
ma, e de maneira brilhante ! Que há de extraordinário ?
estudei muito e por vários anos ! .
Pela última vez atravessas o corredor ; à volta de
ti, um vaivém indescritível ; fala-se, narra-se . cinco
minutos mais . aqui e ali, recebes com condescendên­
cia as felicitações dos "pequenos", invejosos da tua
glóri a . No entanto, uma angústia até então desconhe­
cida aperta-te o coraç�o ao transpores o limiar que
talvez hajas amaldiçoado tantas vêzes : imaginas que,
ali, nos degraus da esca d a que conduz à rua, está
sentado um velho, com uma ampulheta na mão . a
areia corre sem para r . é o tempo que foge . E
pensas : "Sim, sim, a melhor parte me espera ainda :
até aqui eu era um menino, um rapaz despreocupado;
mas que é que me espera agora?"
O coração te salta do peito, e mergulhas no azul
do céu o teu olhar indagador : O futuro ? Que é que
me espera?
Muitos jovens respondem-se : Que é que me espera
agora? - A h ! a liberdade, os prazeres, a vida, o gôzo !
E eis o que me espera ! Como é bom ter sacudido en­
fim o jugo do colégio ! Como é bom não ter que cum­
primentar mais o p rofessor de m atemáticas, não ter
mais o diretor às costas ! Não ter mais que recitar li­
ções todo o dia ! Sou livre ! Livre como o pássaro ! A
vida livre abre-se diante de mim ! Tudo é permitido,
n ada proibido ! Permitido o café-cantante! Permitidos
os divertimentos de· tôda sorte ! Permitido entrar em
casa tarde da n oite ! Permitido não estudar mais ! .
E êles se têm por h omens maduros . . Maduros
para qu ê? Porque na verdade há dêsses jovens loucos.

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Mas tu, meu filho, não serás dêsses. Não te hás de pa­
recer com êles!
"Não me parecer com êles? Então não é l ícito
gritar aos ·quatro ventos a minha alegria?" Mas, sim,
podes fazê-lo ! Não chegaste a uma fase importante
da tua vida, após um trabalho de vários anos? Sê fe­
liz, rej ubila, mas não te esqueças de que essa fase
ainda não é a meta final ! O bacharela to em letras não
é o têrmo nem do desenvolvimento nem dos teus estu­
dos. Estás maduro? - mas para quê ? Para continuare!>
os estudos de maneira independente. Mas é preciso que
estudes, e ainda mais do que até aqui ! na idade madura,
a alma se sombreia ao pensamento dêsse costume
absurdo do nosso tempo que quer se exponham os
jovens, sem defesa, ao ar infecto das cidades un iversi­
tárias, mal empalmaram o bacharelato em letras. O
jovem maduro não é nenhum caráter feito. A formação
de sua alma está longe de terminada. Ei-lo impelido
à barafunda das frases ôcas e das idéias superficiais,
sem guia nem apoio moral. E' preciso ser bem valoroso
para abrir caminho por entre as tentações múltiplas e
permanecer incólume.
Depois, o j ovem que possui o bacharelato em le.:.
tras está longe de ter acabado os estudos. O bachare­
lato é apenas o passaporte para chega r à Universidade ;
apenas dá o direito de ali aprender mais do que na esco­
la secundária. Talvez não o acredites antes de o h aver
experimentado, contudo assim é.
Sem dúvida, és livre ; não recitas mais todos os
dias as lições ; mas, se não te preparares consciencio­
samente para o futuro, tu mesmo sentirás os tristes re­
sultados. És livre ; não h á mais lições reguladas à hora,
mas terás de quebrar a cabeça para redigires tu mesmo
o plano de estudo que até agora recebias prontinho. És
livre : podes divertir-te, podes entrar em casa tarde

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da noite, mas só tu é que verás o preço disso e o hás
de pagar caro.
Depois do bacharelado, aparece-me a classe como
um grande pôrto de mar onde estão ancorados possan­
tes navios de cargas preciosas. As máquinas de alta
pressão fremem de desejo de partir e de navegar em
pleno mar. A n.1eta, o pavilhão, a carga, a tripulação
diferem, mas têm qualquer coisa de comum : a disposi­
ção entusiasta e a esperança de que chegarão ao têrmo.
Entretanto, alguns despedaçar-se-ão contra os rochedos
s ubmarinos e irão a pique ; outros ficarão desgovernados
por medonhas tempestades ; aquêles j amais a lcançarão
o seu destino. E lá longe, na praia longínqua, em vão
um pai esperará o filho ; todos os seus soluços n ão
mais poderão restituir o j ovem tragado pelo oceano .
Ah ! meu filho, tens também u m Pai celeste que
te espera na praia da eternidade. Toma cuidado de
escolher bem o teu navio, a fim de que êle possa resis­
tir às tempestades da vida e n ão te faça chocar contra
algum escondido arrecife.
Eis, pois, que estás, em face da questão, grave e
impossível de contornar. O bacharelado em letras tão
ardentemente desejado, tu o possuis enfim. Mas que
farás dêle? Que carreira escolherás?

79. Antes de escolher uma carreira.

A escolha duma carreira só é fácil para as crianças.


Quem, na idade de 5 anos, não quis ser vendedor
numa .confeitaria? Ou, mais tarde, capitão de caça­
dores, condutor de bonde, maquinista, "chauffeur" ou
pilôto? Nas classes superiores a gente se envergonha
dêsses projetos de criança. Todavia, não há razão. A
ordem das coisas assim o quer : quanto mais a tua in­
teligência se desenvolve, tanto mais vens a conhecer

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a vi da e suas fa.cêtas múltiplas, tanto mais se impõe
a questão : Qual o lugar que Deus me destina?
A escolha da carreira é das tarefas mais importan­
tes que te aguardam na vida. Não poderás achar a fe­
licidade, nem trabalhar com êxito, se não tiveres es­
colhido a carreira que te convém. Mas ainda : é êsse
o melhor meio de assegurar a salvação de tua alma.
Uma carreira falhada sign ifica trabalhar a contragosto,
suportar a vida como um fardo, não achar jamais a
paz. Quem n ão se acha no seu devido lugar deixa-se
fàcilmente arrastar a uma vida pecaminosa. Vês que
a escolha da tua carreira decide tôda a tua vida : da paz
da tua alma e, não raro, da tua sorte na eternidade.
Assinalará, portanto, nossa sorte neste mundo o
momento em que pela primeira vez nos defrontar­
mos com o problema do lugar que nos aguarda na vida,
e nos fixarmos aqui ou ali por uma promessa sagrada.
I mporta pouco que sejas isto ou aquilo ; i mporta mais
é saber se Deus te destinou para isso, e se aceitas
essa situação.
Eis a questão principal : a que é que Deus me
desUna? Põe o pássaro n'água, êle aí não poderá viver,
não é o seu elemento. Lança o peixe em terra, êle
morrerá, não é o seu elemento. O bem do país e o bem
do indivíduo pedem igualmente que o homem que
convém ao lugar esteja no lugar que lhe convém :
the riglzt man in the right place, como dizem os inglêses.
Portanto, ao decidires da tua carreira, nunca te
esqueças considerar a vontade de Deus. Antes de tudo,
dá uma finalidade à tua vida : em seguida será mais
fácil escolheres a carreira que te con duzirá a essa fina­
lidade. A finalidad.e da vida e a carreira destinada a
conduzir a ela não podem referir-se exclusivamente
à terra. De Deus vimos e para Deus vivemos! �ste
aviso pare.cer-te-á estranho, pois não é o ponto de vis-

191
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ta que comumente se encara, ao escolher-se uma car­
reira. - " En tão o essencial não é saber onde pode­
rei viver mais cômodamente e onde ganhar mais dinhei­
ro ?", perguntar-me-ás. Tens ouvido muitas vêzes dizer
que são essas as coisas que mais pesam na balança;
tens visto decidirem-se vidas de acôrdo com êsses prin­
cípios, bem o sei. Apesar disso, procederás diversamen­
te. Porquanto, se os bons petiscos constituem tôda a
finalidade dos teus esfprços intelectuais, podes atirar
os l ivros a um canto e fazer-te .chefe de cozinha no
Grande H otel. Se só estudas para assegurar-te uma
vida tão cômoda quanto possível, podes deixar teus
livros em paz e tentar a profissão de pachá na Turquia.

80. Tôdas as carreiras são boas.


Quisera ainda dar-te um conselho : não ates os
pensamentos exclusivamente a uma carreira. I sso te
faria infeliz no caso de teres de abandoná-la. Em muitos
casos, não raro são as circunstâncias exteriores que
decidem da carreira dos jovens . Por exempl o : quere­
rias ser engenheiro, mas teu pai tem um escritório de
advogado bem conhecido : é mais p rudente que lhe
sigas a carreira. D esej arias ser médico, mas teu pai
tem uma farmácia que te deve l egar : então far-te-ás
farma·cêutico. Quiseras ser professor, mas teus pais
têm uma bela propriedade em terras : os estudos agrí­
colas estão, pois, plenamente indicados.
No fundo, importa pouco que desenvolvas a tua
atividade em tal ou tal carrei ra, pois em tôda parte
podes, como é de teu dever, ter pensamentos elevados ;
e é o principal. Com quadros e flôres, pode tornar-se
bonito, ou ao menos suportável, o aposento mais triste ;
assim também, podes embelezar com pensamentos
i deais uma carreira que fôste obrigado a abraçar contra

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idea vontade. Sabedoria p rofunda ocul ta-se nas palavras
de S. Francisco Xavier : "Quando a gente não pode fazer
o que quer, deve contentar-se com querer só o que
pode"
Pode ser que tentem dissuadir-te de uma carrei­
ra : "Ah ! meu am igo, n unca seja isso nem aquilo : eu
conheço o ofício ! Escolha outra carreira, não importa
qual, contanto que não seja essa !"
E ' a linguagem dos que falharam na vida. Tôda
a carreira é boa, se está de acôrdo contigo. Os que n ão
estão satisfeitos com a profissão que livremente escolhe­
ram queixam-se porque lhes conhecem bem as dificulda­
des e os desgostos, mas não lhes souberam apreciar
os prazeres ; das outras carreiras, só vêem as vanta­
gens e delícias sem prestar atenção às dificuldades.
A outra margem do rio parece-nos sempre mais bela
do que a que pisamos.
Não nego que haja vidas realmente fracassadas,
a maioria p orém dos que pretendem que poderiam ter
sido muito mais felizes noutra profissão, s ão êles pró­
prios a causa da sua infelicidade. Seriam igual m ente
inquietos, descontentes e versáteis alhures. Só uma cons­
ciência pura e o amor do trabalho podem tornar uma
vida feliz, e muitas vêzes é j ustamente isso que lhes
falta. Êsses melancólicos vencidos na vida, que ge­
mem sob o pêso dos deveres cumpridos sem gôsto, po­
deriam aliviar muito o seu trabalho se vissem nêle o
cumprimento da vontade de Deus e do seu destino ter­
restre, um meio de merecer a vida eterna, e não apenas
um ganha-pão.
Seja qual fôr a carrei ra que escolhas, podes sem­
pre preocupar-te da salvação de tua alma e do bem
do próximo - é êste, afinal de contas, o negócio de­
cisivo! Tôda a carreira p ode ser vista pelo seu lado
ideal : é o que te deve guiar na escolha. Que venhas a
O MOço - 13 1 93
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ser negociante, economista, médico ou fundonário p ú­
blico, afinal de c-ontas pouco importa. D igo que é D mes­
mo porque, em qualquer carreira, podes cumpri r a ta­
refa fixada pelo Eterno a tôda vida humana : glDrificar
a Deus e trabalhar no bem d o próximo.

Tôda a carreira, portanto, é boa, se escolhida


por vocação, e em tôda parte podem assegura r-se os
interêsses imortais da própria alma : acharás ótima
prova na vida dos santos. Entre os santos da I greja
Católica não achamos só eclesiásticos, padres e religio­
sas, mas gente de tôdas as profissões. S. Estêvão era
rei, S. Hermenegildo príncipe, S. Roque mendigo, S.
Cesário médico, S. Martinho soldado, S. Paulo cam­
ponês, S. Zita criada, S. Ivo advogado, S. Cassiano
mestre-escola, S. João Câncio professor de Universida­
de, etc.
Aceito uma única exceção : nunca te faças padre
se o coração não to disser, e só as circunstâncias ex­
teriores pareçam obrigar-te. Mas n ão deixes, tão pou­
co, que dessa carreira te afaste nenhum obstáculo, se
para ela sentires vocação.

81. Como te prepararás para escolher uma profissão?


Felizes os jovens que, por graça especial de
Deus, vêem claramente o caminho que a P rovidência
lhes traçou, desde a infância. Pensam nêle incessante­
mente, dirigem para êsse fim todos os seus trabalhos ;
escolhem-no sem hesitar, ·e acham nêle a felicidade.
Mas ai ! nem sempre a escolha duma carreira é assim
tão fácil.
Farás bem em refletir nisso desde cedo, a fim de
que não te caiba a sorte dos que n ão sabem o que
fazer do seu curso de humanidades. Falo dos que se
apresentam na Universidade sem intento determinado

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e que experimentam, n o espaço de quatro anos, pelo
menos três faculdades.
Pede muito a Deus, antes de tudo, nas tuas ora­
ções, te esclareça sôbre a profissão que deves escolher.
D irige a �le a pergunta de S. Paulo no caminho de
D amasco : "Domine, quid me vis jacere?", "Senhor,
que quereis que eu faça?" ( At 9, 6) Para onde me
disserdes que vá, irei. Senhor, dai-me ver .claramente
para onde me chamais. "Emprega, sobretudo, nisto os
momentos que seguem a sagrada comunhão, quando
tão próximo de ti está o Senhor. Lembra-te do m ôço
do Evangelho que se apresentou a Jesus, perguntando­
lhe : "Mestre, que devo fazer para merecer a vida eter­
na?" Pergunta-lhe também : "Senhor, que quereis de
mim? A que profissão me chamais ? Qual tarefa me
destinais? Fiat vo/untas tua!"
Não preciso dizer que só o jovem de vida pura e
alma imaculada pode com certeza esperar a indicação
l uminosa do Espírito Santo. Se a vidraça está man­
chada, a luz do sol não pode penetrar no quarto. E se
tiveres que deplorar sérios passos em falso na tua vida
anterior, trata ao menos de reparar o passado por uma
confissão geral (uma confissão de tôda a tua vida
antes do bacharelado) , antes da escolha final da pro­
fissão, a fim de que caminhes ao encontro do futuro
com alma tranqüila.
Examina-te ao m esmo tempo, m inuciosamente.
Quais os teus talentos e qual a p rofissão que mais
atração exerce sôbre ti ? Observa-te de perto e reflete
no que tiveres observado.
Pede conselho a teus pais e a teu diretor espiri­
tual. Os homens mais i dosos têm mais experiência e
visão mais dara da vida do que tu, que ignoras as
vantagens e os inconvenientes, os deveres e os perigos
das diferentes profissões. E neste ponto, que bênção
13• 1 95
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para um môço o ter à sua disposição um guia esp iri­
tual a quem possa descobrir as menores dobras de sua
alma, suas faltas e suas fraquezas, seus maus hábitos
e suas boas qualidades, seus projetos, suas lutas e
suas esperanças para o futuro !
Para bem escolher uma carreira três coisas são
necessárias :
l o) O talento necessário. Toma o conselho de
Horácio, e examina bem se teus ombros são talhados
para êsse fardo especial :
Tenta te 1diu, quid ferre recusant,
Quid valeant humeri.
29) Gôsto pela profissão considerada.
39) Um conhecimento geral das obrigações ine­
rentes.
A escolha da p rofissão é negociO pessoal elo jo ­
vem ; ela influen-cia de tal sorte a sua viela neste mundo,
e até a vida eterna, que a última palavra neste par­
ticular a êle unicamente pertence. Sim, a êle só, nem
sequer aos pais. Certamente deves consultar os pais
sôbre questão tão importante, como disse acima, e
podes rejubilar-te se a vontade dêles se harmoniza com
os teus projetos. Mas, se a carreira que escolheste
após madura reflexão viesse a não lhes mere.c er aprova­
ção, neste ponto és senhor absoluto da tua vida. Sem
dúvida, uma colisão da vontade dos pais com a do
filho é sempre trágica ; mas, ainda assim, dir-te-ei :
Meu filho, trata-se da tua vida, portanto, tu é que tens
o direito de escolher a tua carreira. Nessas cir·cunstân­
cias penosas reza com dobrado fervor : " Permanecerei
fiel à carreira que Deus quis para mim : Wie Gott will,
ich halte still. ( Faça-se a vontade de Deus, permane­
cerei em paz ) .

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Quase sempre, a vontade dos pais e a do filho co­
l idem quando um filho de família distinta quer ingres­
sar no sacerdócio.

82. O servo de Deus.


Seria difícil descrever como a idéia do sacerdó­
cio vem a nascer na alma de um estudante. Neste, par-: ­
ce vi r do p róprio berço ; naquele, ela só se apresenta
pelos 14 ou 1 5 anos, e até mais tarde, com maior fô•·­
ça porém. Noutros ainda, êsse maravilhoso desejo de
servir a Deus só desperta pouco a pouco talvez a a
cabo de um ou dois anos de estudos diferentes. A vo­
cação amadurece lentamente ; primeiro, é incerta, como
pequena e hesitante pancada à porta, a que o j ovem
nem sempre dá atenção. Êle próprio ignora o que se
passa na alma ; tomam-no dificuldades, inquietação e
dúvidas. Depois, a pouco e pouco, p rincipia a ver
distintamente a sua missão, ouve claramente o chama­
do de Deus. Para um, acende-se a graça da vocação
como um súbito raio de luz ; para outro, amadurece
como um fruto ; mas o remate é sempre o mesmo ; o
jovem sente na fronte o ósculo do Redentor, e o seu
olhar fixo nêle como um chamado, que o enche duma
inquietação estranha : " N ão sei o que me atrai, não
sei o que me chama, mas sei . sinto . que devo
ser padre"
Que é que o atrai para o Sacerdócio? Quase não
saberia dizê-lo. U m é todo inflamado de entusiasmo :
"Ah ! Como os homens, meus i rmãos, são egoístas, frios
e peqdores ! Quanto bem um padre zeloso pode fazer
às almas imortai s ! Cada dia, almas que poderiam ser
salvas, se estivesse j unto delas um bom padre, caem
p 1 êsas da condenação. Devo fazer-me padre, sinto-o ! "
Aí está um motivo bem nobre.

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Outro diz consigo : "Sinto que, na vida profana,
minha alma se revelaria fraquíssima. Que há de ser
de mim se eu me parecer com êsses homens de coração
de gêlo que n ão se preocupam com Deus? J:.Jes são
tantos ! Não, isso não ! Como sacerdote, terei talvez me­
nos dificuldade em formar em m im mesmo a imagem
de Cristo. Será mais fácil salvar minha alma para a
eternidade ! "
Essa, também, é u ma intenção honesta.
O terceiro pensa - "Que dignidade, que tarefa
s ublime fazer-se alguém colaborador de Deus ! Quando
eu disser missa, o Filho de Deus repousará n as minhas
mãos consagradas. Q uando eu confessar, almas aba­
tidas ressuscitarão para uma vida nova ! Onde quer que
eu vá, o que quer que faça, a felicidade e a consolação,
a fôrça e a doçura se derramarão sôbre os meus pas­
sos. Na escuridão moral que sufoca as almas de hoje,
quero ser uma alma cheia de sol, quero inundar de
calor, luz e vida todos os que me cercam !" "Glória
in excelsis Deo, et in terra pax hominibus!"
Que vocação a do padre ! Aumentar a glória de
Deus e aumentar a paz entre os homens ! Semear o
grão da verdade no m undo enganador, regar com o
orvalho divino da graça os corações ressequidos, tor­
nar-se um salvador de almas imortais ! . A carreira
de padre não é fácil, bem o sei. O Senhor sofreu muito
no hôrto de Getsêmani e no Calvário, - sofrerei com
:E:.Ie ! E, nessa profissão, escolherei esta máxima : "Aqui
estou para me dar em sacrifício e n ão para servir à
minha própria comodidade ! Quero ser padre, alter
Christus!"
:E:.sse é u m motivo sublime !
Mal o jovem se apresenta com o seu projeto pe­
rante o pai, irrompe a tempestade. "Que loucura é
essa ? O filho de u m engenheiro, dum proprietário

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cheio de haveres, um môço tão bonito, tão ágil, tão
cheio de vida, não há de ser padre ! Ah ! meu filho,
transtornaram-te a cabeça ! Alguém te deu maus con­
selhos. Olha, meu filho, tôdas as carreiras estão aber­
tas diante de ti. Vê que futuro brilhan te te espera n a
vida ! E queres abandonar tudo ? Ainda não conheces o
mundo e já l he queres dar adeus? Não e não! Escolhe
a carreira que quiseres, de antemão te dou consentimen­
to. Mas não essa! . . . Não a de padre ! . . . Isso, n ão ! "
O s pais verdadeiramente piedosos dão graças a
Deus, de j oelhos, se t::I e se digna chamar um de seus
filhos ao seu serviço ; mas não é raro ouvir palavras
como essas na bôca dum pai inteligente, quando o filho
lhe pede o consentime nto. Toma nota, meu filho, sou
o primeiro a dizer-te : por todo o ouro do mundo, n ão
te faças padre sem vocação. Vai quebrar pedras ou
varrer a rua antes que ser padre sem vocação. Mas
digo-te também : desde que sintas em ti a vocação, o
chamado de Cristo, esto fortis et viriliter age, sê forte
e age virilmente. E' profundamente triste, realmente,
que sejas censurado por aquêles de quem terias o di­
reito de esperar auxílio ; é p reciso, contudo, obedecer
antes a Deus que aos homens (At 5, 29) . E' preciso
obedecer Aquele que disse : "Quem ama seu pai e
sua mãe mais do que a mim não é digno de mim"
(Mt 1 8, t o ) .
Entretanto, nesses dias de provação, nunca t e es­
queças do respeito que deves a teus pais. Pode-se
muito bem ter firmeza sem faltar ao respeito. E a
tua firmeza akançará certamente a vitória, se a tua
resposta persistir sempre a mesma : "Meu pai, minha
mãe, perdoem-me, mas não posso fazer outra coisa.
D evo atender ao chamado do Senhor. Faça-se a vonta­
de de Deus, permanecerei em paz'' .

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83. A profissão do médico.
Queres ser médico ? Ainda que demos razão a
Schillet, quando diz que "Das Leben ist der Güter
lzõchstes nichf', "não é a vida o maior dos bens" ( A
Noiva d e Messina, IV, 1 0) , concedo que, entre o s te­
souros terrestres, a vida e a saúde ocupam a primeira
plana. E o médico procura conservar e preservar de
todo o perigo êsse tesouro. E' b el a a tarefa de socor­
rer os enfermos. U m bom médico pode salvar seu
próximo de muitos sofrimentos ·Corporais, de males
e misérias múltiplas. Neste ponto, a vocação do sa­
cerdote e a do médico são semelhantes ; querem ambos
socorrer a h umanidade padecente : espiritualmente um,
o outro corporalmente. Mas, além do auxílio físico,
um médico de alma nobre pode fazer também m uito
bem espiritual. Não se contentará com um rápido
exame ; receitará um remédio, mas achará também
boas palavras para consolar e animar o seu doente.
E, se vir que a dênda humana nada mais pode para
salvá-lo, avisá-lo-á que se p repare para o final ajuste
de .c ontas, e que fortifique a sua alma pelos sacramentos
da I greja.
Quantas almas quebrantadas pela luta, quantos
corações gelados, completamente arrefecidos, podem
ser reconduzidos a Deus, no último momento, pelo
tato e pela bondade de um piedoso médico ! E, por
outro lado, a miséria indizível que um méd ico encon­
tra a cada passo tem, muitas vêzes, o dom de dirigir os
seus próprios pensamentos para as coisas eternas.
Sente sempre um bom médico aquilo que um confrade
de Wiesbaden inscreveu na parede do seu consultório :
Gott ist der Arzt, ich bin ein Knecht,
Oefiillfs lhm wohl, so mach' icfz's recht.
O médico é só Deus ; e eu, mero criado;
Se pois f:le quiser, por mim sereis curado.

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Não te quero, entretanto, ocultar certa inquieta­
ção que me assalta : entre os médicos, há muito mais
indiferentes à religião, ou até declarados descrentes,
do que nas outras profissões. Por que tão triste esta­
do de coisas ? Será causa a própria medicina, como
ciência? Será absolutamente forçoso que perca a fé
quem se faz médico ? Deus nos livre ! A palavra de
Galena, príncipe da ciência médica da antigüidade,
que estudara a fundo a estrutura maravilhosa do cor­
po humano, ainda é verdadeira, e verdadeira sempre
se;· á : "Glorifiquem outros a seus deuses oferecendo­
lhes incenso e sacrificando-lhes animais - eu O glo­
rifico mercê da admiração que sinto pelo autor de um
mecanismo tão maravilhoso. Descrevendo o corpo hu­
mano, creio cantar um hino à glória do seu Criador" .
Donde vem, então, que tantos médicos sejam des­
crentes? A causa é que os seus estudos na Universidade
estão totalmente vazios de idealismo. Os exercí-c ios de
dissecação anatômica prejudicam muito o surto das
j ovens almas para o ideal. Sem dúvida, os professôres
que conhecem o valor duma jovem alma poderiam fà­
cilmente contrabalançar essa influência pel a sua p ró­
pria fé e por um pouco de tato ; mas ai ! somos obri­
gados a dizer que, em suas lições na Universidade, bom
número de p rofessôres manifestam êles p róprios decla­
rado desprêzo à religião e à moral, o que acaba de
arrefecer a vida religiosa da jovem geração de médicos.
Se o digo, é para que redobres de piedade em face
dessa corrente contrária, entre os estudantes de m edi­
cina. Não descures jamais os negócios de tua alma !
Tanto mais quanto, no curso dos teus estudos, tiveres
de ocupar-te exclusivamente do corpo. U ma pessoa
que se familiariza com a morte torna-se fàcilmente
cíni-ca.
Como um médico descrente há de responder dian-

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te de Deus por sua p rópria vida, isto é lá com êle. O
que é certo é não poder a sociedade e o doente confiar
num médico que não sente a responsabilidade em face
do Eterno Juiz. Como poderia eu confiar no médico
materialista e darwinista, que não c rê nem em Deus
nem na alma, e que pretende, de acôrdo com um cole­
ga francês materialista, que o " homem é um tubo di­
gestivo aberto n as duas pontas?" - Quê! I sso é o
homem? I sso e nada mais? Como há de t ratar-me se­
melhante médico? E um médico para quem Deus eter­
no e a alma não existem tratará com a mesma dedica­
ção os seus doentes ricos e pobres ? Não dará êle, em
certas circunstâncias, aos seus pacientes conselhos ca­
pazes de comprometer a integridade de sua alma, de
seus costumes?
No início do século XIX, era médico da Santa
Casa o professor da Faculdade de Medicina em Paris,
o doutor Récamier. Seu nome e ra célebre no mundo
inteiro. Começava êle cada manhã o seu dia por uma
curta oração, após o que lia algumas páginas da Es­
critura Sagrada. À noite, fazia sua oração em comum
com os membros da família. Comungava tôda a sema­
na. E.is o que escreve dêle um colega descrente : "Per­
cebemos um dia, durante uma consulta, que Récamier
trazia sôbre si - adivinhem - um rosário ! H aveis
de imaginar como ficamos estupefatos ! Récamier, o
sábio professor, a primeira autoridade médica do mun­
do, o médico dos reis, cujo nome ecoa por tôda a Euro­
pa, - Récamier reza o rosári o ! Quando êle percebeu
a nossa admiração, disse em tom perfeitamente na­
tural : "Sim, rezo o meu rosário. Sempre que estou
seriamente inquieto com o estado de um dos meus doen­
tes, tendo esgotado todos os recursos da ciência hu­
mana, dirijo-me Àquele que só sabe curar todos os
males. E como não tenho tempo para submeter eu mes-

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mo meus pedidos a Deus, contento-me com dizer u m a
ou duas dezenas do rosário à minha mediadora, a San­
tíssima Virgem". Que mundo diferente na alma d e tal
médico ! E como cumpre o seu dever de m aneira
diferente !

84. A profissão do engenheiro.


Se1 ás engenheiro ? Se te fizeres engenheiro-me­
cânico, contemplarás dia por dia as criações maravilho­
sas do espírito humano : as máquinas perfeitas, cheias
de delicadeza e sensibilidade. Dobrando as fôrças m is­
teriosas da natureza ao serviço do homem, construindo
pontes, perfurando túneis, etc., o engenheiro prepara
o triunfo mais retumbante do espírito humano. Como
arquiteto, exercer-te-ás traçando o plano dos belos mo­
numentos dêste mundo, reflexo da beleza divina e eter­
na. Como químico, encher-se-á tua alma de admiração
pelo Criador, no curso das pesquisas que fizeres, no
domínio das fôrças naturais.
Além disso, há ainda importantíssima tarefa a
aguardar o engenheiro que ama a sua religião e a sua
pátria : é a direção intelectual dos operários das fábri­
cas e o cuidado dos seus interêsses. Os operários, que,
sob êsse aspecto, são o mais das vêzes rudes, têm
grande p recisão de bondade e de sadios exemplos.
E:ies se vêem quase, h oje em dia, nas mãos dos agi­
tadores socialistas, que n ão poupam esforços para os
tornar descrentes e mal satisfeitos com sua sorte. Pesa
a questão social sôbre a vida presente como espêsso
nevoeiro. E ntre as classes sociais, sempre h ouve e sem­
pre haverá antíteses, mas a agitação socialista e dema­
gógica atiça êsse fogo com tôda a fôrça, a fim de se
servir do descontentamento dos operários para fazer
o mundo p rêsa das chamas vermelhas.

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Ninguém pode tão bem arrancar os operanos às
garras dêsses agitadores SQcialistas e demagogos como
o engenheiro ou o empreiteiro idealista que trabalha
com êles, que lhes escuta pacientemente as queixas e
procura dar-lhes remédio de manei ra paternal e amiga.
Pela própria vocação, o engenhei ro t rabalha com os
operários ; tem, por isso, autoridade sôbre êles ; e essa
autoridade, deve empregá-la para dirigi-los pelo bom
caminho. Em primeiro lugar, a questão social é um
p roblema que resulta de vistas diferentes sôbre o mun­
do, e não um problema de economia; segue-se daí que
ê l e não poderá ser resolvido antes que o operário te­
nha tornado à religião. O engenheiro que vive, êle pró­
prio, vida cristã exemplar auxilia a, preparação duma
tarefa de capital importân-cia : a de reconduzir aos pés
da cruz a classe operária.

85. A carreira de professor.


Serás professor? Terás, então, ensejo de semear
o grão do bem em milhares de almas jovens. A socie­
dade inteira deverá agradecer-te o trabalho, pois é
com o desgaste de teus nervos que pagarás a atividade
incessante consagrada a educar as crianças, e a ino­
cular ciência e instrução nesses pequenos bárbaros
que ameaçam destruir a cultura humana.
Quase inteiramente do professor depende o fazer
da escola uma instituição que, além do ensino, dê a
educação que desenvolva não só o espírito dos meni­
nos, -como também o caráter.
Todos chegaram hoj e à convicção de que a esco­
la deveria ocupar-se m uito mais da formação do cará­
ter juvenil. Porquanto, do ponto de vista do futuro da
pátria, importa pouco que os jovens saibam se Juno
tinha o hábito de esbofetear Zeus, seu espôso, com

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a sandália ou com a própria mão ; o que importa antes
de tudo são os costumes, a vida, o caráter da jovem
geração que deve sair da escola. O bom professor é o
guardião dos mais belos santuários que existem : os
corações infantis. Todo o ouro, tôdas as pedrarias,
tôda a pompa do templo de Salomão nada são ao lado
duma alma pura. E a tarefa do professor é cuidar
dêsse templo vivo. Os pais, a família, a Igreja confiam­
lhe os seus tesouros mais preciosos, a fim de que
-
lhes ensine o entusiasmo para com o b elo e para com
o bem, e o horror do mal. Se êsses rapazes ignorantes,
inconstantes e s-e m fôrça de vontade vierem a ser al­
gum dia homens instruídos, de caráter firme, não em
último lugar caberá o mérito ao bom professor que
cumpre com zêlo o seu dever. O trabalho do mestre
é extremamente fatigante e bem mal remunerado :
mas, se êle o toma 'pelo lado ideal, pode sempre
h aurir fôrças novas na certeza de que, pela sua
dedicaç�o, adquire grandes merecimentos diante de
Deus. Salvo o sacerdote, ninguém pode ter tanta in­
fluência sôbre a educação moral da juventude como
um professor piedoso que ama paternalmente a seus
discípulos.

86. A carreira do Direito.


Estudarás Direito p ara ser J U I Z ou advogado, va­
lente campeão da j ustiça, justiça que habitualmente
representam de olhos vendados e de balança na mão?
Que vocação elevada essa de harmonizar os negócios
terrestres segundo a j ustiça, de eximir de culpa o ino­
cer te, de restituir a honra ao ca luniado, de proteger
os oprimidos, de defender a p ropriedade legal honra­
d amente adquirida ! Mas que firmeza de caráter não é
necessária ao j urista p ara nunca se d eixar arrastar à
defesa de uma causa injusta por. qualquer vantagem ma-

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terial, por qualquer engôdo, nem pela amizade, nem
pela opinião preconcebida ! O advogado honesto pode
tornar-se o anjo tutelar de muitos injustamente acusa­
dos. O homem perito nas leis nunca deve perder de
vista as palavras inscritas no Palácio da Justiça de
Coblenza :
O meu nome é j ustiç a. Não me atinge
Fero veneno nem sinistra peste.
Peso igua:mente ao pária e ao que c i n ge
Áureas coroas e custosa veste.

Farte-ei, no entanto, notar que a profissão de


advogado requer, duma parte, segurança de atitude,
fa-cilidade nas palavras, presença de espírito, e um
grande amor de justiça ; de outra parte, natureza
desinteressada e caráter duma firmeza indomável.
Quem tem vivo amor ao dinh�iro não poderá resistir
à tentação de se deixar corromper; e quem não possui
uma habilidade excepcional nunca poderá auferir pro­
ventos convenientes.
" Só te faças advogado se te puderes ag�rrar com
os dez dedos a um telhado de ardósia".

87. A carreira de comerciante.


Tenho ainda algumas palavras a dizer-te a·c êrca
da carreira de comerciante. Mantinham-se, outrora, os
jovens cristãos bastante arredios dessa profissão, que
achavam indigna dum homem instruído e de um fidalgo.
Deixavam-na a elementos que nem a raça, nem a con­
cepção da vida ligavam ao .cristianismo. Hoje, a j uven­
tude começa enfim a abandonar êsse orgulho sem mo­
tivo, e a adotar as profissões que se prendem ao comér­
cio, à indústria e à vida bancária.
O comércio é indi spensável à vida do homem par­
ticular, assim como à do Estado. t':.le cria relações en-

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tre os povos e as nações, incentiva o trabalho, e, pela
permuta dos produtos das diversas p artes do mundo,
torna a vida humana mais confortável e mais variada.
A essa profissão, tão mateJial em aparência, também
não falta beleza. Como o engenheiro, o comerciante
que possui um ideal elevado pode aj udar a resolver a
questão social tratando seus empregados polida e amis­
tosamente. N ão obstante, essa carreira apresenta um
inconveniente : quem a ela se dedica arrisca-se fàcilmen­
te a se apegar à procura do lucro e dos proventos, com
exclusão de outros pontos de vista ; nela, corre-se o
perigo de tornar-se demasiadamente material. E, dessa
paixão, dêsse desejo de ficar rico a curto prazo, não há
mais que um passo para a mercancia desonesta e para
a f raude. Vês, pois, que essa profissão põe à maior
p rova a honestidade, a eqüidade e a sinceridade do
homem, e que o demônio da fortuna fàcilmente adqui­
rida, as tenta Ções dos negócios e da Bôlsa, são, não raro,
capazes de cegá-lo nas questões de honra.
Quisera, pois, recomendar vivamente aos jovens
cristãos que escolhem essa carreira irem buscar al­
guma coisa ao temperamento j udeu e abandonarem al­
guma coisa da própria natu reza. Do comerciante j udeu,
aprendam êles a habilidade, o engenho, a arte de cal­
cular antecipadamente, o ardente amor ao trabalho e
a aplicação incomparável que o distinguem, - mas
não as manhas dolosas e fraudulentas; esqueçam, em
compensação, a leviandade sobejas vêzes censurada ao
nosso temperamento e, se os negócios andarem bem,
tratem em vez de se instalarem à mesa de jôgo e de
procurarem os prazeres tão vãos que já têm arruinado
tantos comerciantes e homens de negócios, cristãos,
cujos primórdios haviam sido brilhantes.
Dedicar-te-ás à vida do campo? Muitos jovens
se representam a vida no campo como uma série de

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festas c ele caças, pontil hada de regalos e gozos mate­
riais. E' absolutamente falso. A vida passada no seio
da natureza livre convém perfeitamente ao homem
que tem um nobre ideal, pois man tém sempre o espíri­
to dirigido para o pensamento do Criador .
.,. *

U m dia, o filho do rei Menedém foi convidado para


ir à casa de uma família muito simples. "Posso ir?"
perguntou o príncipe. O pai fitou-o expressivamente
nos olhos : " Podes ir", respondeu, " mas nunca te es­
queças de que és filho do rei ! "
E ' assim que eu quisera ver-te e m tôdas a s cir­
cunstâncias da vida. Podes i r à sociedade, ao "encon­
tro de futebol" , à excursão, ao baile, a tal recepção;
podes-te divertir a teu gôsto, mas nunca te esqueças
de que és um jovem cristão!
Os Romanos, - onde quer que os atirasse a sor­
te, - batiam com orgulho no peito dizendo : "Civis
romanus sumi" - " Sou cidadão romano !" ; e tu, não
conhecerás tôda a dignidade que se exprime nesta pa­
lavra : "Christianus sum !" " Sou cristão ! " ?
Dei-te, acima, algumas noções sôbre as diferen­
tes carreiras e as diferentes profissões. Reflete bem,
para que encontres o lugar a que Deus te chama. Se
a tua escolha está feita, segue o -caminho sem hesitar.
Eu to repito, conserva sempre diante dos ol hos a
finalidade da tua vid a ; então bem escolherás a tua
carreira na terra. Jamais te esqueças de que és filho
de Deus, que no batismo a Êle prometeste fidelidade,
que a tua finalidade última não é esta vida terrena,
mas a vida eterna.

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88. Estuda, também, na Universidade.
Parecer-te-á talvez estranha a recomendação de
estudar na Universidade. "E não o hei de fazer?"
dirás. "Se tive de estudar na escola secundária, com
m ais razão o devo fazer na Universidade !"
Tens tôda a razão. O môço que encara a sério os
anos de Universidade reconhecerá, desde as primeiras
semanas, que o ginásio, com todos os seus exercidos
de memórias e tôdas as suas lições de álgebra, não
passava de um brinquedo de ·criança, comparado à
Universidade. Sobretudo nas faculdades de medicina,
de ciências e de teologia catóHca, têm os moços pou­
cas horas de folga. Mas também os estudos de filoso­
fia e de direito dão bastante trabalho aos que conside­
ram seriamente os seus deveres.
"Os que os consideram seriamente ! " Ah ! mas ha­
verá quem não os considere assim? Será possível fre­
qüentar a Universidade sem estudar? Adquirir u m
diploma sem saber?
Infelizmente, é possível. E, se escrevo êste pequeno
capítulo, é justamente para que não a dqu i ras dessa
maneira o diploma. D evido à organização atual das
Universidades., é muito possível passar nos exames ain­
da que nessa ocasião se veja o p rofessor pela primeira
vez ; é possível consegui r diploma .com um saber re­
duzido ao mínimo. E até, seria difícil mudar êsse es­
tado de coisas ; é vício comum a tôdas as U niversida­
des. Mas tão somente os jovens de espírito leviano
abusam dêsse vício e se conferem d ireito à preguiça.
f:sse indivíduo passa 3 ou 4 preciosos a nos na cidade
universitária, gastando o dinheiro ganho em rude la­
b uta pelos pais, sem dar-s·e ao trabalho de pôr os pés
na sala de aulas. Mas que faz então? E' membro de
uma infinidade de associações, .assiste a tôdas as reu­
n iões, passeia, vai ao baile, ao cinema, e p ior ainda,
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ãntes do exame, estuda durante 3 ou 4 semanas, e
basta para passar. Que ganha a pátria em possuir tais
homens? E o emprêgo ·e m que se colocaram, quanto
não terá de sofrer com essa ignorância? Quantas faltas
e tolices não cometerão os que adquiri ram seu diploma
dessa forma ! Poderia responder longamente a tôdas
essas questões. Mas já sei que semelhante maneira de
compreender a vida universitária não pode ser do teu
gôsto ! Seguirás consci�nciosamente os cursos em que
te inscreveres, e estudarás o mais possível, não é assim ?
Em seguida, trata de ordenar sàbiamente as ma­
térias de estudo. Na escola secundária, isso não era
nenhum quebra-cabeça : cada ano, a matéria era de­
signada antecipadamente. Ao contrário, na Universidade
és tu que a distribuis no quadro que te é fixado no
correr dos diferentes semestres, conforme prefiras apren­
der antes isto e mais tarde aquilo. Não sejas demasia­
damente apressado, e não empreendas mais do que
podes assimilar, do contrário em parte alguma poderás
conseguir bons resultados. Antes que te inscrevas, pe­
de conselho a camaradas mais idosos da mesma fa­
culdade.
Do mesmo modo, informa-te com êles sôbre o
melhor meio de obter os livros necessários. Por que ra­
zão os haverias de adquirir a livreiros que os vendem
horrivelmente caro, se podes obter diretamente livros
e notas com teus camaradas mais adiantados?
Afora os livros de estudo obrigatório, aplica-te
a aumentar os teus conhecimentos por meio de /eHuras
especiais. Os estudantes que aprecio passam seu tempo
nas b ibliotecas, e não nalgum enfumarado café.
Nas salas de leitura pública, podes ler sem pa­
ga r quase tôdas as revistas nacionais e estrangeiras.
Verdade é que n ão tas posso recomendar tôdas sem
distinção, pois muitas há contrárias às nossas idéias

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e aos nossos princ1p10s. Mas acharás também revistas
e edições mensais de melhor espírito, e, contudo, bem
pequeno n úmero de j ovens se servem dêsse excelente
meio complementar da sua instrução. Como vês, meu
filho, o simples folhear essas revistas já te pode en­
sinar muit o ; os títulos dos artigos, por si só, designar­
te-ão as questões que preocupam o mundo na hora pre­
sente. Terás, muitas vêzes, uma hora livre entre duas
horas de estudos : onde então poderias passá-la com
mais proveito do que na biblioteca ?

89. "Astra castra, numen Iumen".


A finalidade da nossa vida é trabalhar para a gló­
ria de Deus e para o bem do nosso p róximo. Somos,
pois, obrigados a desenvolver e a cultivar em nós to­
dos os talentos que nos podem auxiliar a atingir essa
finalidade. O môço cujas palavras, ações, pensamentos,
tôdas as manifestações da vida se orien tam a êsses no­
bres pensamen tos, é um môço de ideal elevado.
E, acr·e dita-me, é o essencial : agir sempre segundo
essa concepção ideal da vida ! Não basta, pois, ter pen­
samentos nobres : é mister, ainda, que dêles brotem
sentimentos semelhantes, os quais, por sua vez, façam
nascer resoluções e ações. "Semeia um benefício", diz
u m filósofo inglês, "e colherás um hábito ; semeia o
hábito, e colherás um caráter ; semeia caráter, e colhe­
rás teu futuro" "Sê um homem ideal nas tuas ações,
nos t eus hábitos, no teu caráter. A quem, pois, melhor
que a um j ovem de alma nobre, ficaria b em a visão
i rreal do mundo? Por certo, é preciso que o estudante
saiba assegurar a existência material pelo seu traba­
lho, habilidade a aplicação. Preserve-o, porém, Deus
de fazê-lo segundo a receita de um dos Rotschild, que
afirma não se poder ficar rico sem roçar, ao menos
com um cotovêlo, a porta da prisão.

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E, se em todos desejo ver um nobre i deal, lon­
ge estou de entender por isto os devaneios estéreis
duma imaginação falseada que se extravia nas nuvens.
Quem só vive a fazer castelos no ar, que imediatamente
desmoronam para reaparecer mais adiante, n ã o é um
homem de ideal, mas o tipo ideal do preguiçoso. Essa
concepção elevada, eu quisera vê-la acompanhada de
todo o entusiasmo, de todo o ardor no trabalho e de
tôda a energia a que a humanidade deve o seu p rogres­
so. O melhor i ndício duma concepção ideal elas coisas
é que não admire o môço somente o progresso material,
as máquinas e os motores, os bar.cos a vapor e os apa­
relhos elétricos, mas que, ao lado disso, p rofesse uma
fé sólida na realidade dos ideais invisíveis, tais como
a honra, a consciência, o amor da pátria, o amor do
p róximo. E não só acredita nesses idea is, mas coloca-os
acima de qualquer vantagem terr·ena. Q uanto mais ele­
vado fôr o teu ideal, tanto mais saberás entusiasmar-te
por urna idéia. Sem dúvida, mais tarde, na i dade madu­
ra reconhecerás que perfeição ideal não se acha na
terra em tôda a sua plenitude, e que apenas sua som­
bra a quando e quando nos visita. Não importa ! Nada
de desalentos, corno os materialistas ; pelo contrário,
cumpre trabalhar para que a imagem esbatida dessas
idéias sublimes se torne mais clara e mais nítida ao
menos em ti, e no cír·culo restrito de tua família e das
tuas relações sociais. O mal só desalenta os covar­
des ; o homem de caráter tira dêle fôrças novas para
combater melhor. Sem lutas, a vida seria bem mais
fácil, mas o nível da humanidade desceria certamente :
ela se tornaria mole e efeminada.
A humanidade ainda é capaz de p rogressos gi­
gantescos material, espiritual e moralme n te ; e pode-se
reconhecer o j ovem de ideal pelo entusiasmo ardente
que o faz crer ter-lhe a P rovidência também .confiado

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uma pequenina parcela dos p rogressos que ainda res­
tam para realizar. A tarefa de auxiliar en tre os homens,
o desenvolvimento da sabedoria e da bondade aguarda­
te, pois, como aos outros. O môço que tem um ideal
não pergunta : "Que devo fazer para ser feliz?", mas
diz a si mesmo : " Farei o meu dever, e sei que isso
me tornará feliz ! "
N ao t e ensina pois, êste livro, como evitar a s di­
ficuldades da vida, mas como vencê-las. Não sejas as­
tucioso, mas forte; não procures as proteções, mas
sê intrépido na l uta a fim de alcançares o teu objetivo.
Ousado, deves empenhar a vida
Por um grande ideal acarinhado.
Emprêsa nenhuma hajas por perdida,
Se ainda não estás desalentado.
(Võrõsmarthy)
Não imites o pessimista que vê a vida por um
só lado ; o da desventura e do vício ; sê otimista e, ao
lado de tôda essa treva moral, não te esqueças de en­
xergar o bem e o belo. Na verdade, a juventude é a
idade do otimismo; o mal é deixarem-se os jovens de­
sanimar imediatamente pelo insucesso, que os engolfa
nas ondas do pessimismo.
Mas o verdadeiro otimismo é o que faz jorrar a
fôrça ativa na alma. Sem dúvida, o estudante que anda
sempre nas nuvens e sonha seu futuro sem trabalhar
para êle, torna-se infallvelmente pessimista quando não
o realiza. Entretanto, nada mais natura l ; sem esfôrço
de sua parte, nada podia esperar do futuro. �!e se
ofenderá, se eu lhe disser; é bem mais cômodo deixar­
se levar ao desânimo e dizer : "Não vale a pena traba­
lha r ! N inguém me convence do contrário", ao passo que
do teu otimismo resultará o trabalho consciencioso
e en tusiasta. Não t e deixarás contar entre os estudan­
tes que são otimistas na p rimeira m etade do ano, pes-

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simistas na segunda e horrivelmente preguiçosos o
ano todo !
O mundo não é totalmente mau, nem totalmente
bom : nêle, o bem e o mal acham-se misturados. Se
nunca o esqueceres, podes ser, ao mesmo tempo e na
justa medida, otimista e pessimista. Faze tudo o que
puderes, tudo o que depender de ti, ainda que um or­
ganismo fraco, a pobreza material, limitada capacida­
de intelectual, defeitos de caráter herdados de teus pais,
te barrarem diàriamente o caminho. Não importa ! Tem
confiança, luta e trabalha : é assim que serás sàbiamen­
te otimista. Mas, ao mesmo tempo, vê e sente sempre
que h á muito mal em ti, em tôrno de ti e pelo mundo
todo ; sabe que deves estar incessantemente preparado
para lutar .contra êsse mal e combatê-lo sem trégua :
serás então sàbiamente pessimista.
Júlio César, o grande vencedor, achando-se a bor­
do duma embarcação por ocasião de tremenda tempes­
tade, disse a um marujo que, de remos na mão, tremia
de mêdo : "Quid times? Caesare.m vehis!" -"Como
podes ter mêdo? Não sabes que levas César?" Se
êste pensamento foi c apaz de revigorar os músculos
do remador que l utava contra o furacão, quanto mais
nos deveria dar sempre novas fôrças a certeza de que
o j ovem de alma p ura é o templo vivo de Deus ! Tra­
zemos a Deus conosco : em tôdas as nossas lutas, não
é César, mas o próprio Deus, que está ao nosso lado.
Eis o verdadeiro otimismo que dá fôrça invencível !
O pessimismo desanima, diminui o gôsto para a
vida e para o trabalho ; se fôres mau, certamente te tor­
narás pior. O otimismo faz nascer a confiança em s i ;
dá um gôsto mais pronunciado para viver, ajudar-te-á
a perseverar e, pois, a vencer. Trata, logo, de ser sà­
biamente otimista. Recomendo-te por máxima : Astra

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castra, numen lumen! "Minha verdadeira pátria está
acima das estrêlas e minha luz é Deus!"

90. "'Ama tua pátria não só c om belas palavras !"


Assim poderás servir também do melhor modo a
tua querida pátria. A fôrça duma nação mede-se pelo
número, pela cultura e pela riqueza de seus filhos. O
bom patriota não é o que se alegra ruidosamente na s
grandes datas da Pátria e que canta a plenos pulmões
o Hino Na-cional, mas que, no lugar designado pela
Providência, faz todo o possível para cumprir seu dever
até nas pequenas minúc ias. O estudante é, pois, bom
patriota se trabalha no desenvolvimento do seu caráter,
e se aprende tanto quanto pode, porque, assim fazendo,
aumenta a cultura e o valor da sua n ação. Ao passo
que o môço que perde seu tempo é um traidor, por­
que, descu rando o cultivo de si mesmo, enfraquece e
empobrece a pátria.
Trazei a pátria em vossos corações, e, se fôr pre­
dso proclamar-lhe valorosamente o n ome, sejam as
vossas ações que façam ecoar êsse nome sagrado
( Võrõsmarthy ) .
Quisera convencer-te fundamente que, em p rimeiro
lugar, a grandeza de um país não depende dos seus
tesouros naturais, nem do seu passado gloi ioso, nem da
habilidade dos seus governantes, mas da bravura de
seus cidadãos, seu caráter honesto, gôsto pelo trabalho.
O pai e a mãe, a irmã e o irmão, os camaradas
de brinquedo e a casa, a cidade na tal e seus arredores,
os montes e os vales, os prados e os regatos, - tudo
isso reunido exprime a idéia de pátria. Nessa pátria
vive um povo que pensa como nós, que sente como
nós, que é igual aos homens que vivem em qualquer
ponto dQ globo, mas que, no entanto, é p rêso por es­
pecial amor a êsse rincão de terra a que chamamos

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nossa pátria. Deus formou o coração humano duma
maneira maravilhosa : onde quer que êle seja atirado
pela sorte, o desejo de rever a sua pátria, a sua terra
natal, nunca se extinguirá nêle. Essa nostalgia da
pátria, conhecem-na bem todos os que dela vivem
afastados .
Os diversos povos formaram-se segundo os pla­
nos do Criador, e a Providência, que governa o mundo
inteiro, confiou tarefa especial a cada um dos povos.
Do mesmo modo que todos os homens, sem exceção,
têm um destino próprio ( também o tens, meu filho, e
tu somente o podes realizar) , assim também todo o
povo é destinado a perc<?rrer a trilha especial para
êle traçada pela Providência; é o que lhe dá o direito
à vida. O Cristianismo, que prega .com autoridade su­
prema a igualdade de todos os nossos semelhantes,
n ão faz, entretanto, desaparecer a diversidade dos po­
vos nem o sentimento nacional ; apenas, enobrece-o.
A nossa santa religião não proclama o internacionalis­
mo, no sentido de que se deveriam abolir as diferen­
ças e as particularidades distintivas das nações; se­
ria pôr a desordem nas leis da natureza ; ao contrário,
ela p rotesta altamente contra tôda a opressão dos
povos. Nosso Senhor Jesus Cristo deu-nos, J:.le p róprio,
o mais belo e x emplo do amor à pátria, derramando lá­
grimas sôbre a sorte de Jerusalém, cujo an iquilamento
tle previa.
Meu filho, ama, pois, e muUo a tua pátria! Ama-a
tanto mais quanto mais ela sofrer! Ama o. país que te
embalou o berço, onde pela primeira vez articulaste es­
tas doces palavras : mamãe, papai . Ama a tua terra e
teu povo. Ama-os, e permanece-lhes fiel ! Nunca sigas
o exemplo dêsses moços que não se constrangem de
dizer : "Ubi bene, ibi patria. A minha pátria está onde
me acho bem" A frase não partiu de um nobre caráter.

216
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Se trabalhares em tua pátria como terias de fazê-lo
no estrangeiro, conseguirás certamente granjear nela
boa situação.

9 1 . "Só a vontade ardente de teus filhos pode cons­


truir-te a grandeza !"
A mesa do estudante é a bigorna na qual os mo­
ços forjam não só a própria sorte, mas ainda o por­
vi r da pátria. P ara lançar os fundamentos duma nova
grandeza nacional, a pátria tem necessidade imperiosa
do espírito, do saber e da aplicação de cada um dos
jovens filhos.
Não podemos tolerar os preguiçosos. Todos sem
exceção devem trabalhar. Todos os moços também,
naturalmente ! Se não quiseres trabalhar com o espírito,
faze-te aprendiz de sapateiro ; e se cumprires honesta­
mente a tua tarefa, merecerás o meu respeito. Mas,
se és estu dante, deves fazer o trabalho que te é p res­
crito. D eves estudar.
Se alguém ama sua pátria, identifica-se com ela.
Rejubila-se com as suas vitórias, sofre .com a sua ruína,
cora com a sua vergonha ; numa pal avra, sente que o
futuro da pátria é o futu ro de todos.
O amor à pátria não é todavia um sentimento
apenas ; é também u m a vontade ; vontadê que se expri­
me nestes têrmos : tudo pela pátria.
Amar a Pátria é dever,
E tudo sacrificar,
Ainda a vida,
Em seu altar.
Por ela tudo sofrer!
Quando a vierem ultrajar,
Em dura lida
A restaurar !
(Võrõsmarthy)

217
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Sabe morrer pela pátria, se p reciso. Mas, antes
de tudo, sabe viver por ela, sabe p reencher tão perfeita­
mente quanto possível o lugar que o dever te d esignou
hoje como estudante, amanhã como cidadão bem forma­
do e operoso. Meus filhos, a pátria sois vós em primeiro
lugar, cada um de vós tomado isoladamente. A grande­
za da pátria depende do modo como p rocede cada qual
em seu lugar, e da ded icação com que ,cada um cumpre
o seu dever. Quanto mais perfeito o homem, tanto
melhor patriota ; portanto, quando um môço trabalha
em aperfeiçoar o seu espírito ·e a sua alma, realiza,
a serviço da pátria, o mais belo t rabalho possível .
Não odiar ! Agir melhor!
Vida nova e mais sadia!
Mais valentes que os maiores
Sejam os jovens, cada dia !
No cálice do sacrifício,
Cumpre que refloresçamos !
E Deus nos será propício,
A fim que tudo possamos !
(V orosmarthy)

92. Faremos grande a pátria.


Não ·cessam os poetas de acentuar a importância
do sentimento· da dignidade nacional. Não merece vi­
ver a nação que não é capaz de todos os · sacrifkios
p ara assegurar a sua honra. Pois bem ! se é j usta a
tese não é menos verdade dizer : pouco vale a nação
que não sacri-fica tudo pela sua juventude ; mas, em
compensação, não pode ter grande esperança de um
futuro melhor a nação cuja j uventude não faz todos os
sacrifídos pela formação ideal de sua alma e de seu
caráter.
Ouve, meu filho. Um lençol de neve se estende
sôbre a campa onde alguns quereriam enterrar a his-

218
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tória gloriosa da Pátria. Mas eis que umas florinhas
persistentes levantam suas corolas de debaixo do lençol
mortuário : vós, ó j uventude, sois as flôres alviçareiras
do futuro da pátria. Sois vós quem nos t. azeis de novo
a primavera, a vida nova, a esperança renascida. Sois
vós os artífices da grandeza nacional . ; vós o aço com
que se há de consolidar o arcabouço d a indefectibilida­
de da pátria, - vós jovens bem formados e cultos!
Meu filho, neste sentido é que deves completar a
tua educação, a fim de que, de rapaz, possas vir a
ser homem - homem bem formado, católico esclareci­
do ! Se fôr necessário que l utes p o r tua honra, pelas
tuas convicções, pelos teus princípios, - muito bem !
luta como herói. Mais que nun.ca cumpre que hoje todo
homem, fiel à sua pátria, grave no coração as palavras
de Horácio : "Vivite fortes fortiaque adv ersis opponite
pectora rebus", "vivei como homens corajosos, e afron­
tai virilmente a adversidade !"
Meus filhos caríssimos, tarefa gigantesca espera
a pátria de vós. Mas não importa, cumpri-la-eis, pois
é preciso !
Cumpri-la-eis, porque Deus Todo-Poderoso está
convosco !
O uve, filho : teu Deus te chama,
tua Igreja te chama,
tua pátria te chama!
Que lhes responderás?
Uma palavra, uma só : Eis-me aqu i !

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iN DICE

A quem a p alavr.:t? 5

PARTE I

O S PLANOS DO CRIADOR
I. A s boas maneiras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
2. As conveniências e o caráter . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
3. O jovem polido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . li
4. O jovem d e boa família . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
5. Em sociedade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
6. D e que é q u e s e deve falar? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
7. Como nos comportarmos perante senhoras e senho-
ritas? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
8. A i nda algumas advertências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
9. À mesa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
1 0. Como se deve comer . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
1 1. Em visita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
1 2. Teu vestuário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
1 3. O herói do dia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
1 4. O respeito aos pais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
1 5. "Meu velho'; . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
1 6. Os amigos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
1 7. Quem é teu amigo? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
1 8. "Atenção ! Frági l ! " . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
1 9. " Foi êle q uem começo u ! " . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.9
20. " N ã o falo mais com você ! " . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
21. "Animal ! " . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
22. " Batracomio maquia" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
23. "Mas sou tão nervoso ! " . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
24. O môço sensato . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
25. Como tratas os criados? .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
26. O riso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

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27. "Meus queridos Pais . . . " . . . . . . . . .. . .. .. . . . . ..
.. . 64
28. O sono . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . ·. . . ..
.. . . 65
29. O corpo bem adestrado . . . . . . . . . .. . .. .. ... .. . ..
.. . 67
30. Para fora, camaradas, o sol vos sorri ! . . . . . . ..
.. . 71
31. O trabalho corporal . . . . . . . . . . .. . . . .. ... .. . ..
.. . 74
32. O esporte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . .. .. . .. . ..
.. . 75
33. O campeão do músculo . . . . . . . . . . .. .. . .. .. . . .
.. . 76
34. Um môço sadio ou um atleta? . . .. . . . .. .. . .. . ..
.. . 78
35. Os jogos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . .. .. . .. . ..
.. . 80
36. "Keep smiling ! " . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . .
. . . . . . . . . . . . 84
37. Almas radiantes . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . .. .. . . . . .. .. . 86

PARTE 11
O ESTUDANTE
38. Os Peles-Vermelhas no teu país . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
39. A arte de estudar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
40. O exercício da memória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
41. "Mas estou com isso na ponta da língu a ! " . . . . . . . . . 95
42. "Eu sabia, mas esqueci ! " . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
43. A arte de esquecer . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 00
44. "Divide et impera !" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
45. "Esta maldita memória ! " . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 07
46. Não é só com a mente que se deve aprender! . . . . . . . . 111
47. O estudo conforme a l i ção das coisas . . . . . . . . . . . . 1 13
48. O ritmo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 15
49. O ritmo na prosa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I 16
50. Outras particularidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 20
51. Estuda com prazer ! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 22
52. Quando se deve estudar? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 26
53. E' para a vida que aprendemos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 29
54. A ginástica do espírito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131
55. Latim? Grego? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 33
56. "Nix dájes?" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 37
57. Que línguas deverás aprender? . . . . . . . . . . . . . . . . . ·. . 1 39
58. Como aprender línguas? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 40
59. Que fazer para guardar de memória os algarismos? 1 44
60. Aprende Música ! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 45
61. A arte da leitura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 47
62. Como se deve ler? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 49
63. "Silva rerum" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . : . . . . . . . . . . 1 53
64. Tu a formosa língua pátria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 55

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65. Que deves ler? .. . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 56
66. Deves ler j ornais? . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 62
67. O que não se deve ler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 64
68. " A instrução, porém ! . . " . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1-66
69. "A documentação, porém ! " . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 67
70. "A vida, porém ! . . " . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 70
71 . O escritor e o bandido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 72
72. Que livros deves comprar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 74
73. As estréias em público .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 76
74. A arte da dicção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 77
75. A voz do orador . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 79
76. Os gestos .. . . . .
. . . . . . . . . . . �. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. 181
77. "Viva o trabalho ! " . . . . . . .
. . . . . .. . . . . . . . . . . ... . . . . 1 83

PARTE 111
NO L IMIAR D U MA CARR,:: I RA
78. Enfim ! . . ... ... . .... . .. . . . . . . .. . . ... . ... . ... . . . .
. 1 87
79. Antes de escolher uma carreira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 90
80. Tôdas as carreiras são boas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 92
81. Como te prepararás para escolher uma profissão? 1 94
82. O Servo de Deus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. 1 97
83. A profissão de médico . .. . . . . .. . . . .. . . .. . ... .. ..
. 200
84. A profissão de engenheiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 203
85. A carreira de professor . . . . . . ... . . .. . . .. . ... . . . .
. 204
86. A carreira do Direito .. . . . . . .. .. . ... . ... . ... . . . .
. 205
87. A carreira de comerciante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. 206
88. Estuda, também, na Universidade . . . . . . . . . . . . . . . . . 209
89. "Astra castra, numen lumen" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 1
90. "Ama t u a pátria não só com belas p alavras ! " . . . . . . 215
91. S ó a vontade ardente d e teus filhos pode construir-te
a grandeza ! " .. .. .. . . ... . .. . . .. . . . .. . ... . ... . . ..
. 217
92. Faremos grande a pátria ! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 218

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