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Adornos e Orixás o Design Como Mediador Entre Os Simbolos e Plasticidade PDF
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PLASTICIDADE
1. INTRODUÇÃO
Transitando entre estes dois polos, catolicismo e cultos africanos, as religiões
afro-brasileiras e as artes a elas associadas se desenvolveram como espaço de
mediação, de confluências e interpenetrações de ritos, liturgias e visões de mundo
no qual o religioso e o artístico se fundem e se desdobram em múltiplas faces. Há
muito de “igrejas” nos “terreiros” mas também ressoam nas primeiras muitas
marcas de um jeito de pensar e sentir o mundo elaborado pelas experiências dos
terreiros.
A arte religiosa afro-brasileira é eminentemente uma arte conceitual que
exprime valores coletivos, mesmo quando os artistas que a praticam parecem se
destacar como indivíduos com seus estilos pessoais perfeitamente reconhecíveis.
Essa arte produz, por meio de um conjunto de objetos modelados, um sistema de
conceitos, de tal modo que ideias e objetos possam se expressar mutuamente
enfatizando a inseparabilidade existente entre eles.
A ideia religiosa não se “objetiva” na peça artística e nem esta é uma mera
“função” do religioso. São antes linguagens diferentes que expressam planos
complementares de significados, ou seja, são fatos sociais estético-religiosos. Por
isso, insiste-se em que essa arte, apesar da influência da arte ocidental, dificilmente
pode ser entendida como “arte pela arte”. Outro aspecto importante é não
classificarmos negativamente essas manifestações estético-religiosas como
exemplos de um mundo pré-moderno, primitivo, exótico, animista e fetichista em
contraste com a modernidade e seus valorizados movimentos artísticos, acadêmicos
ou não, e suas religiões hegemônicas. Nesse sentido, a arte religiosa afro-brasileira
mantém viva uma concepção de cultura e natureza como dimensões não opostas
(SILVA, 2008).
Um artesão ao esculpir na madeira um oxê (machado) de Xangô que depois
será sacralizado pelo banho de folhas, não atribui anima (alma) há algo
supostamente inanimado. Antes atua sobre a forma e conteúdo de um objeto já
divino na natureza (a própria árvore) ressaltando-lhe sua expressão sagrada. E como
tudo na natureza possui axé (força vital), ele, artesão, ao lidar com ela, é apenas um
agente da transformação. Por isso os próprios deuses também são artesãos como o
ferreiro Ogum, o oleiro Oxalá e a grande cozinheira Oxum.
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2. DESENVOLVIMENTO
Este artigo apresenta parcialmente uma pesquisa que visa catalogar os
artesãos de candomblé da cidade de Maceió, com vista no diálogo entre o design e o
fazer artesanal. Apresenta o trabalho de Beto Gomes, artesão de terreiro, e seu
processo de produção dos artefatos. A pesquisa está enviesada na metodologia
quali-quantitativa e apresenta um levantamento imagético e oral, baseado em
visitas no ateliê do referido artesão. Portanto, a narrativa construída está imbricada
nos aspectos estéticos, como signos, decodificando-os dentro do processo projetual
do design.
É a partir da mitologia dos povos africanos trazidos para o Brasil e das suas
transformações e difusões culturais que se podem analisar quais os sentidos e
significados das características dos trajes e rituais que o candomblé apresenta. Toda
a documentação que descreve os ritos e lendas dos povos iorubás foi elaborada,
primeiramente, através de estudiosos, já que as tradições, saberes e costumes
foram passados totalmente de forma oral, uma vez que esses povos não possuíam a
escrita como parte integrante de sua formação cultural.
Para protegerem seus saberes e costumes, os escravos praticavam o
sincretismo, fazendo associações dos nomes dos orixás com os dos santos católicos,
já que eles eram batizados e obrigados a praticar os hábitos católicos. Os ritos dos
negros eram chamados, no século XVIII, de Calundus, apenas tendo o nome
Candomblé no século XIX a partir dos primeiros terreiros e espaços destinados aos
rituais sagrados formados a partir da união de negros escravos e alforriados e da
procura de pessoas de diferentes classes sociais em busca da cura para doenças e
conselhos dos sacerdotes (BARBOSA, 2012).
Segundo Santos (2008, p. 7):
mantendo uma organização, com cada integrante tendo sua função. Orixás são
entidades que receberam a responsabilidade de comandar o mundo a partir de cada
gênero particular da natureza imposta pelo ser supremo, Olodumare – também
chamado de Olorum e/ou Olofim. Prandi (2001) apresenta em seu livro Mitologia
dos Orixás, mitos que contam a história das crenças iorubás e do candomblé. Um
deles se chama E foi inventado o candomblé, e logo na primeira parte ele explica
como surgiram os rituais aos Orixás:
No começo não havia separação entre o Orum, o Céu dos orixás, e o Aiê,
a Terra dos humanos. Homens e divindades iam e vinham, coabitando e
dividindo vidas e aventuras. Conta-se que, quando o Orum fazia limite
com o Aiê, um ser humano tocou o Orum com as mãos sujas. O céu
imaculado do Orixá fora conspurcado. O branco imaculado de Obatalá se
perdera. Oxalá foi reclamar a Olorum. Olorum, Senhor do Céu, Deus
Supremo, irado com a sujeira, o desperdício e a displicência dos mortais e
soprou enfurecido seu sopro divino e separou para sempre o Céu da
Terra. Assim, o Orum separou- se do mundo dos homens e nenhum
homem poderia ir ao Orum e retornar de lá com vida. E os orixás também
não poderiam vir à Terra com seus corpos. Agora havia o mundo dos
homens e dos orixás, separados. Isoladas dos humanos habitantes do Aiê,
as divindades entristeceram. Os orixás tinham saudade de suas peripécias
entre os humanos e andavam tristes e amuados. Foram queixar-se com
Olodumare, que acabou consentindo que os orixás pudessem vez por
outra retornar à Terra. Para isso, entretanto, teriam que tomar o corpo
material de seus devotos. Foi a condição imposta por Olodumare (...)
(PRANDI, 2001, p. 526-527).
ser a auxiliar dos orixás dos sumos sacerdotes porque quem chega primeiro tem
prioridade. Vigora a percepção de que tudo o que se fez é para agradar os deuses e
assim obter seus favores, e eles se agradam do que é bonito, é com beleza que se
louva os orixás. A riqueza, o luxo, a opulência, integram o ideal de culto no
candomblé (SOUZA, 2012, p.2).
Esta busca pela beleza e o exagero é perceptível na elaboração dos trajes e
que apesar das condições financeiras, os adeptos costumam fazer o que podem para
oferecer a melhor vestimenta para seu Orixá. Dedicar-se a roupa do orixá é
demonstrar a sua devoção. Segundo Souza (2012) não existe, portanto, uma
condenação moral do luxo, ele é um meio entre outros para fazer declarações
rituais. E explica que se os filhos dos orixás querem e devem estar bonitos na festa,
quanto mais não terão que estar os próprios deuses, que são a razão de ser da festa
e da própria religião.
Os trajes dos adeptos e principalmente dos orixás é o símbolo característico
e revelador da crença e dos aspectos mais importantes que revelam gostos,
temperamentos e regras individuais dos deuses para que eles possam realizar sua
visita aos humanos. É uma das maneiras pelas quais os orixás se apossam dos que
praticam o transe, para realizar suas visitas, e receber suas oferendas. Apesar da
individualidade dessas entidades, os trajes possuem uma estrutura que serve como
arcabouço para a representação de todos os deuses, havendo variações estéticas e
materiais que dependem da região do país e condições financeiras dos adeptos. A
localização influencia na substituição ou utilização de determinados materiais,
porque os adeptos dependem também do que o comércio e natureza local
oferecem.
A estrutura para os orixás masculinos é de “calçolão, saia armada, uma bata
simples e muitas possibilidades de arranjos para os ojás – turbantes amarrados na
cabeça. Também é possível que o orixá não use saia armada”. Em caso do orixá
masculino usar saia armada, terá que também usar “uma calça larga, presa um
pouco acima da altura do tornozelo, e na parte de cima uma composição de panos”
que “pode ser feita com três ojás, da seguinte forma: um sobre cada ombro,
terminados em laço um pouco abaixo da cintura, e um outro mais largo atado ao
peito, sobre os outros dois, com o nó para trás”. Os ojás também podem ser
chamados de atacãs. Para os orixás femininos “as vestes das deusas têm como base
o traje de baiana. São peças comuns de filhas e deusas: saias de goma para armação,
saia e pano-da-costa”. Dependendo do caso, os ojás são substituídos por capacetes
ou coroas. (SOUZA, 2012). Para os orixás masculinos e femininos que são
caracterizados nos mitos por guerras, podem utilizar sobre o ataca, que fica sobre o
peito, outro elemento chamado de peitaça, que pode ser de metal, tecido ou couro,
tendo os motivos do orixá bordados com lantejoulas e búzios. Todos os orixás
utilizam muitas joias, braceletes, coroas; os femininos podem utilizar tornozeleiras,
anéis e laços. Os laços podem ser de dois tipos: o clássico, utilizado na frente ou
atrás dos trajes. Para Orixás femininos como Oiá e Obá geralmente se usa para trás
para não atrapalhar suas performances de guerra e caça, como retrata a mitologia.
O outro laço é o “gravata”, que é um arremate para o nó e pode ser utilizado
independente do gênero. Uma outra característica dos Orixás femininos são as
franjas que são geralmente ligados a coroa, formando um dos
maiores símbolos dos reis iorubás. (SOUZA, 2012).
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Uma das possíveis formas que se deu o sincretismo foi a partir da simbologia
dos orixás aos santos da igreja católica, relacionando características de uns com dos
outros. Este simbolismo até hoje está associado também a cor, onde cada orixá tem
a sua específica. Apesar disso, os trajes podem sofrer variações, necessitando de
uma análise mais paulatina de cada região geográfica em particular.
Figura 1 – Esquerda: pulseira de copo e bracelete em prata – Orixá Iemanjá; Direita: adê masculino.
Fonte: RISÉRIO, 2007; IPHAN, 2007.
A seguir será realizada uma análise plástica dos trajes de alguns dos orixás
característicos do candomblé brasileiro, a partir dos elementos básicos da
composição de seus trajes, apresentando símbolos, ferramentas e cores de cada um,
fazendo referência aos aspectos mais relevantes relacionados.
de emblema ou ícones exemplares por meio dos quais os orixás são imediatamente
identificados e associados aos seus domínios básicos: Oxossi, orixá caçador, sempre
se apresenta usando o arco e flecha (ofá) em uma das mãos e o eruquerê, espécie
de chicote feito de rabo de cavalo, em outra. Esta insígnia lembra sua condição de
rei de Keto (SILVA, 2008).
Ogum e Iansã, orixás guerreiros, sempre dançam no barracão segurando
ameaçadoramente espadas ou adagas. Oxum e Iemanjá, divindades da água,
carregam símbolos que demonstram sua feminilidade como o leque ou espelho
(abebê) com os quais dançam dengosamente. Mas, se se tratar de um avatar
guerreiro destas divindades, a espada também poderá ser uma de suas insígnias. O
oxê, machado bifacial de Xangô, orixá da justiça, será erguido imponentemente na
dança deste orixá, lembrando sua condição de rei de Oyô. Também poderá usar o
xerê, espécie de chocalho feito de cobre, a lembrar o som do trovão e do raio, sobre
os quais mantêm o domínio.
Obaluaiê, que se veste de palha, dançará agitando suas vestes e avisando
que, com o xaxará, espécie de vassoura que traz à mão, pode varrer ou espalhar as
doen- ças do mundo. Da mesma forma, Nanã embalará em sua dança o ibiri, bastão
que representa o útero desta divindade feminina ancestral. Outra expressão desta
arte decorativa dos corpos é a pintura ritual feita nos momentos iniciativos sobre a
pele do iaô. Esta pintura composta por traços, círculos e outros desenhos aplicados
na região dos braços, costas, ombros e, sobretudo, na cabeça, expressa inúmeros
significados.
Na festa pública de saída de iaô - que marca o fim do período de reclusão do
inicia do - este é apresentado no barracão do terreiro quatro vezes. Na primeira
“saída”, o iaô totalmente vestido de branco tem seu corpo pintado com efum, giz
branco, cor que reverencia Oxalá, orixá da criação. Na segunda saída, o iaô vem
vestido e pintado com as cores da “nação”, ou seja, além do branco, o azul (waji) e o
vermelho (osum). Na terceira saída, o iniciado tem sua cabeça pintada e nela é
amarrada uma pena vermelha de papagaio (relacionada com a fala), pois é neste
momento em o orixá revela publicamente o seu nome. Na quarta saída, o iniciado
em transe dança vestido com as roupas e insígnias de seu orixá (SILVA, 2008).
Para sustentar a argumentação desenvolvida neste artigo, parte da
metodologia foi entrevistar artesãos e santeiros que trabalham produzindo trajes e
adornos na cidade de Maceió, capital do Estado de Alagoas. A proposta é perceber
como o design interage nas imediações projetuais durante a concepção e execução
dos artefatos para os orixás. Para iniciar a pesquisa, a seguir, será apresentado breve
relato sobre um dos artífices entrevistado. Trata-se de Roberto Gomes, que explicou
seu processo de criação e como desenvolve suas peças.
Roberto Gomes, mais conhecido como Beto Gomes, é um artesão de Maceió
que trabalha com diversos gêneros artísticos, assim como a confecção de vestuário e
artefatos para orixás do Candomblé na capital alagoana, Maceió. Sua produção teve
início a partir de muitas pesquisas e estudos durante sua inserção em um grupo de
dança afro em 1988. Concomitante iniciou-se na religião em 25 de outubro de 1990.
Beto relata que suas inspirações estão na natureza, na organicidade e
qualidade. Por conta disso, o resultado estético e conceitual vai num caminho
contrário ao luxo, porque, segundo ele, “lembra as escolas de samba”. Produz tanto
os trajes, como os paramentos, escolhendo materiais de acordo com as
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O orixá xangô utiliza uma coroa, essa coroa pode ser de metal, pode ser
de tecido, pode ser de papelão. (...) adereço de mão pode tanto usar o
ferro, o metal ou uma madeira, o oxê pode ser de madeira. O oxê é o
paramento de mão dele, que representa Xangô, que é o machado de dois
gumes. Caso não utilize os materiais característicos, pode incitar a ira dos
orixás. (GOMES, 2015)
Figura 2 – Coroa de Xangô de Beto Gomes. Dois lados dos três elementos em papel sobre a base.
Fonte: Arquivo pessoal dos autores.
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Os trajes dos orixás podem variar também de acordo com sua face – também
chamado pelos adeptos de qualidade – que será de acordo com cada pessoa, que é
geralmente filho de uma face específica. Ou seja, as cores de um mesmo orixá
podem variar em diferentes pessoas por conta de suas faces. Beto explica que para o
orixá Xangô, a cor é vermelha e branca, embora em outra face possa ser somente
branco. Além disso, explica que existe a variação da nação de Candomblé. E justifica
que na nação em que faz parte, Jeje-Nagô, o orixá Oxóssi é paramentado com azul
turquesa. Mas, existe casa em Maceió que Oxóssi é com a cor verde. Então, ao
encomendarem um traje, Beto procura saber qual o orixá, quem é a mãe ou pai de
santo e qual nação a que o cliente pertence, para que ele possa criar e executar
corretamente.
3. CONCLUSÃO
Ao desenvolver este estudo sobre os trajes dos Orixás, os argumentos aqui
levantados constituem importantes elementos visuais da religião afro-brasileira,
formado e elaborado para mostrar a devoção e a cumplicidade do adepto aos seus
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REFERÊNCIAS
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Paulo: Cengage Learning, 2011.
DONIS, Donis A. Sintaxe da Linguagem Visual. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes,
2007. ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. São Paulo: Editora Perspectiva S.A., 1972.
GOMES, Roberto. Entrevista concedida pelo artesão/designer de indumentária
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Maceió: UFAL, 2015. 2 áudios digitais.
IPHAN. Casa dos objetos mágicos. Salvador/Brasília: IPHAN/Programa Monumenta,
2007.
PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
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SOUZA, Patrícia Ricardo de. Axós e Ilequês: rito, mito e a estética do
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