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(Silva, Petronilha Gonçalves E) 10 Anos Da Lei No 10.639-03 - Um Olhar Crítico-Reflexivo
(Silva, Petronilha Gonçalves E) 10 Anos Da Lei No 10.639-03 - Um Olhar Crítico-Reflexivo
(Silva, Petronilha Gonçalves E) 10 Anos Da Lei No 10.639-03 - Um Olhar Crítico-Reflexivo
Professora Emrita da Universidade Federal de So Carlos. Titular em Ensino Aprendizagem - Relaes tnico Raciais, junto ao
Departamento de Teorias e Prticas Pedaggicas/UFSCar. Pesquisadora do NEAB/UFSCar.
A Lei 10639/2003, ao determinar que se reconhea a histria e cultura dos africanos e dos
afrodescendentes como constitutivas da nao brasileira, garante efetivamente o estabelecido, pela
Constituio Nacional, no sentido de igual direito s suas histrias e culturas, devido a cada um dos
brasileiros, da importncia e necessidade de cada cidado conhecer e valorizar as distintas razes da
cultura e consequentemente da vida nacional.
A Lei 10639/2003, quando de sua promulgao, recebeu muitos crticas desfavorveis da parte
daqueles cujo projeto de sociedade tem por base a manuteno de privilgios para alguns e de excluso
para os demais. Sua implantao tem se construdo, enfrentando resistncias silenciosas, mas no
invisveis, de gestores de sistemas de ensino, de diretores de escolas, de professores. Acostumados a
polticas educacionais, inclusive as curriculares, universalistas, embora at mesmo adotem discursos
sobre multiculturalismo, diversidade cultural, interculturalidade, tomam decises, adotam medidas que
mantm desigualdades e hierarquias. A Lei 10639/2003, conforme mostra avaliao empreendida em
todas as regies do pas2, desafia a deixar de tratar abstratamente as diferenas culturais e histricas
entre os diferentes grupos tnico-raciais que compem a nao brasileira. Mais ainda, exige assumir que
educar, como bem salienta Garcia3, sempre um ato poltico que fortalece, desconsti ou reconstri
projetos de sociedade.
A Lei 10630/2010 cria condies para que se superem esteritipos a partir dos quais se tm
formulado julgamentos precipitados, incorretos a respeito de ns negros, do nosso modo de viver,
conviver, pensar, agir, construir e compartilhar conhecimentos. Desafia a escola, para que, conforme
argumentam Carpentier e colegas4, assim como Carter5 relativamente a realidades em outros pases e
regies, promova encontros entre culturas e histrias, valendo-se de metodologias e exerccios que
ajudem a melhor conhecerem-se uns aos outros, compartilhar ideias, elaborar metas comuns.
Mais ainda, a Lei 10639/2010 oferece argumentos para busca de meios, a fim de se superarem
relaes de dominao e de subordinao, desigualdades, sejam, elas, ou no, acentuadas, bem como
se intervenha em situaes desfavorveis para pessoas e grupos cujo trabalho e vida tm sustentado
vantagens para outros que os desprezam e maltratam explicitamente ou no.
Deve estranhar os argumentos at aqui apresentados, quem restringe seu conhecimento da
referida lei leitura do texto legal, sem se dedicar a acurado exame dos textos, tambm legais, que a
interpretam e complementam. Estou a me referir, Resoluo CNE/CP 1/2004 e ao Parecer CNE/CP
3/2004 do Conselho Nacional de Educao que tratam das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
educao das Relaes tnico-Raciais e para o Ensino de Histria e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
O Conselho Nacional de Educao, ao estabelecer as referidas diretrizes curriculares, deliberou,
levando em conta que no decorrer do sculo XX, em diferentes campos de luta, com distintas atuaes e
proposies, grupos do Movimento Negro foram construindo, com base em experincias de mulheres
negras, de homens negros, propostas que lhes garantissem o direito de participar das decises do
rumo a dar sociedade, tendo respeitadas sua histria e cultura.
2
GOMES, Nilma L. (org.).Prticas Pedaggicas de tralbaho com relaes tnico-raciais na escola na perspectiva da Lei n
10639/03. Braslia: MEC; UNESCO,2012.
3
GARCIA, Rensia C. Identidade fragmentada; um estudo sobre a histria do negro na educao brasileira. Braslia,
MEC/INEP,2006.
4
CARPENTIER, Claude (org). La rencontre des cultures: um dfi pour lcole ; regards croiss. Paris, Harmattan, 2012.
CARTER, Prudence L. Stubborn roots: race, culture and inequality in U.S. and south African schools. New York, Oxford
University Press, 2012.
5
LOPES, Ademil. Memrias de uma travessia: experincia e desencanto como referncia na luta pela sobrevivncia. So Paulo,
cultura Acadmica, 2009.
7
Conferncia Mundial de combate ao Racismo, discriminao Racial, Xenofobia e Discriminaes Correlatas, 2001.
8
GARCIA, Jess Chucho; CAMACHO, Nirva Rosa. Acomunidades Afrodescendientes em Venezuela y Amrica Latina. Bogot,
Red de Organizaciones Afrovenezolanas, 2002. P. 115.
9
SILVA, Petronilha B. G. Aprender, ensinar e relaes tnico-raciais no Brasil. In: FONSECA. Marcus Vincius;
SILVA,Carolina Mostaro Neves da; FERNANDES, Alexsandra Borges. (Org.). Relaes tnico-Raciais e Educao no Brasil..Belo
Horizonte: Mazza, 2011, v. 1, p. 11-37.
CANTOR, Roberto Burgos. Rutas de libertad 500 aos de travessia.Bogot, Repblica de Colombia, Ministerio de Cultura,
2010.
12
13
14
DEI, Georog J. Sefa (org.). Indigenous philosophies and critical education; a reader. New York, Peter Lang, 2011.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 8. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980.
SILVA, Petronilha B. G. e. Projeto nacional de educao na perspectiva dos negros brasileiros. In: BRASIL,Conselho Nacional
de Educao. Conferncias do Frum Brasil de educao. Braslia, conselho Nacional de Educao, UNESCO, 2004.
15
KING, Joyce E. (org.) Black education; a transformative research and action agenda for the new century. Washington,
American educational research Association, London, Lawrence Erblbaum associates, 2005.
Segundo Cuti16 esconder situaes de opresso preservar tais situaes . O caminho, pois,
para super-las, exige fecundar experincias educativas, sejam escolarizadas ou no, com culturas e
histria dos povos indgenas, dos descendentes de africanos e de asiticos, abandonando
eurocentrismos, sem contudo ignorar as contribuies de raiz europeia, para que histria e cultura dos
brasileiros que no nica mas consistentemente diversa oriente a contnua construo e coeso da
nao.
Concluo repetindo o que j disse em outro trabalho17: sabe-se que da promulgao da Lei
10639/2003 nova mentalidade e ao efetiva que ela visa a implantar, h muito que desfazer,
refazer e fazer. Continuaremos certamente avanando seja por conta de presses internas feitas pelos
movimentos sociais, por fora dos preceitos constitucionais, de compromissos internacionais assumidos
pelo Brasil, pela luta que empreendemos, cada um de ns, no sentido de construo de uma sociedade
justa para todos, equnime. Continuaremos avanando tambm em virtude da compreenso, cada vez
mais completa, de que as sociedades pluri-tnicas e multiculturais tero dificuldades de se tornarem
justas e democrticas, se no resolverem os problemas causados por opresses e discriminaes; se
no estiverem dispostas a integrar lutas contra injustias, sem paliativos que visem mera incluso, novo
termo, para designar assimilao.
16
CUTI, Luiz Silva. Quem tem medo da palavra negro. Matriz, uma revista de arte negra,Porto Alegre, n 1, p. 42-54, 2010.
17
SILVA, Petronilha B. G. Aprender, ensinar e relaes tnico-raciais no Brasil. In: FONSECA. Marcus Vincius; SILVA,Carolina
Mostaro Neves da; FERNANDES, Alexsandra Borges. (Org.). Relaes tnico-Raciais e Educao no Brasil..Belo Horizonte: Mazza,
2011, v. 1, p. 11-37.