Artigo Sobre Lesões em Bailarinos
Artigo Sobre Lesões em Bailarinos
Artigo Sobre Lesões em Bailarinos
ORIGINAL
RESUMO
As atividades fsicas praticadas pelos bailarinos predispemnos ocorrncia de inmeros agravos. A busca por informaes sobre as leses dessa modalidade permitiu constatar, em
nosso meio, escassez de investigaes sobre o assunto. Nesse
sentido, o objetivo desta pesquisa foi apontar as principais
leses da dana, visando descrever sua distribuio e caracterizao a partir de nossa realidade, bem como sugerir medidas preventivas para os agravos de maior ocorrncia. Para tanto,
realizou-se estudo com 122 bailarinas na faixa etria de 8 a 30
anos, alocadas nas academias de dana da cidade de Bauru.
Em sua maioria, eram membros do corpo de baile (42%) ou
estudantes (45%), com 3 a 11 anos de prtica (73%), alunas
de bal clssico (84%) e jazz (66%) e participavam de 4 a 8
aulas semanais (70%), com durao de 60 a 120 minutos
(89%). O procedimento para coleta de dados foi o inqurito
de morbidade referida para obteno de informaes sobre os
agravos ocorridos no perodo de um ano. A apresentao dos
resultados deu-se sob a forma de estatstica descritiva, com
distribuies de freqncia absoluta, relativa, corrigida e razo de leses. Em termos analticos foram utilizados testes
no paramtricos de Wilcoxon, Spearman e Kruskal-Wallis,
para p < 0,05. Os resultados apontaram 53,27% das respondentes com freqncias entre 1 e 6 leses agudas, que aumentam com a idade, concentram-se no plano tegumentar (79,46%)
e esto associadas a variveis como a idade em que comeou
a danar e com o uso de sapatilha de ponta; 97,48% so agra1. Graduada em Educao Fsica; Professora de dana do Colgio Batista
de Bauru.
2. Professor Doutor, Departamento de Educao Fsica Unesp, Campus
Bauru.
3. Professor Titular, Departamento de Bioestatstica, Unesp, Botucatu.
4. Professor Titular, Departamento de Cincias do Esporte, FEF/Unicamp.
Endereo para correspondncia:
Henrique Luiz Monteiro
Departamento de Educao Fsica, Faculdade de Cincias, Unesp,
Campus de Bauru
Av. Eng Luiz Edmundo Coube, s/n
Caixa Postal 473
17033-360 Bauru, SP
E-mail: heu@bauru.unesp.br
Rev Bras Med Esporte _ Vol. 5, N 2 Mar/Abr, 1999
ABSTRACT
Dance injuries: hybrid cross-study in dance schools in the
City of Bauru State of So Paulo
The physical activities performed by dancers predispose to
numerous injuries. The search for information about this modality of lesion allowed the authors to verify the lack of investigation on the issue. Thus, the purpose of this investigation
was to point out the main dance injuries, trying to describe
their distribution and characterization in their context, and to
suggest preventive measures to the most frequent injuries. 122
female dancers were included in the study, aged between 8
and 30 years, from dance academies in the City of Bauru,
State of So Paulo. Most of them were professional dancers
(42%) or students (45%) with 3 to 11 years of practice (73%),
classical ballet students (84%) and jazz (66%), and performed
4 to 8 weekly classes (70%), each class lasting 60 to 120 minutes (89%). Data were recorded using referred morbidity inquiry to obtain information on the injuries that had occurred
in the previous year. Descriptive statistics was used to present
the findings, showing absolute and corrected frequencies, and
the rate of injuries. In analytic terms, the authors used Wilcoxon, Spearman and Kruskal-Wallis tests, for p < 0.05. Results showed 53.27% with frequency of 1 to 6 acute injuries.
They increase with age, concentrate on tegumental tissue
(79.64%), and are related to variables such as age of beginning dancing and the use of point shoes. 97.48% are injuries
in the lower limbs, mostly feet corns (47%) and blisters
(28.56%). Classical ballet was responsible for most of the injuries. They were more frequent on dancers and students, and
the use of point shoes resulted in elevated risk of feet injuries.
Key words: Dance. Injuries. Referred morbidity inquiry.
47
INTRODUO
Distinguindo bailarino de danarino, Zonta1 conceitua este
como toda e qualquer pessoa que dana e o primeiro como
aquele que se distingue dos demais por qualidades e aptides que o tornam um artista e segue normas e regras da
dana, com corpo adequadamente preparado, demonstrando
expressividade e qualidades artsticas. Kerr et al.2 afirmam
que o atleta e o bailarino tm muito em comum; defendem,
inclusive, que o segundo apresenta todos os problemas de
qualquer atleta vigoroso.
De fato, embora a dana seja primariamente conhecida como
disciplina esttica, tambm requer enorme habilidade atltica. Desse modo, tanto um quanto o outro esto predispostos a
amplo espectro de leses3. Para Miller et al.4, a habilidade de
chutar uma bola de futebol, lan-la ou arremess-la numa
cesta de basquetebol requer considervel coordenao, controle e fora. Entretanto, a tcnica exigida para saltar e completar um ou dois giros de 360 no ar e cair em arabesque
perfeito semelhante, ou at exige mais do que em esportes
como os mencionados acima. Alm disso, levantar a parceira
com o brao e sustent-la sobre o ombro, na forma de arco
flutuante, enquanto sorri em frente de inmeras pessoas crticas ao menor erro, requer grande fora fsica. O bailarino,
no sentido de criar aparncia de graa e beleza, sobrecarrega
as extremidades de modo no fisiolgico, em posies no
anatmicas, que lhes so potencialmente deletrias.
Como se observa, a dana exige performance complexa com
padro preciso e controlado. O bal clssico, por exemplo,
com movimentos realizados com o peso do corpo sobre a ponta
dos ps, demanda esforos extras para manter a estabilidade
dos membros inferiores, alm de ampla mobilidade das articulaes. O desempenho timo requer que todos os segmentos corporais estejam apropriadamente posicionados para suportar a massa corporal e permitir o movimento. Se algo interferir na mobilidade normal da articulao ou em sua estabilidade, necessitar-se- de compensaes posturais e alteraes de movimentos que podem ocasionar aumento do estresse at em outras partes do organismo, resultando, desse modo,
em leses3.
Para ter projeo sobre a magnitude do problema, vale mencionar estudo empreendido por Solomon et al.5, com membros do Boston Ballet: constataram 137 leses em 70 bailarinos, resultando 1,97 agravo por indivduo. Os diagnsticos
mais freqentes foram distenses, luxaes, tendinites e contuses, as quais representaram 75% dos registros. O tratamento
custou companhia montante de aproximadamente 250 mil
dlares anuais.
Na realidade, somente a partir do final da dcada de 70 os
bailarinos comearam a procurar especialistas em medicina
desportiva e ortopedistas. No passado, eles eram forados a
cuidar de si prprios, porque os mdicos no estavam familiarizados com as exigncias fsicas a que se submetiam os bai-
48
MATERIAL E MTODO
Populao de estudo
A presente pesquisa foi desenvolvida no municpio de Bauru, regio Centro-Oeste do Estado de So Paulo, tendo como
populao-alvo as bailarinas de todas as academias de dana,
as quais, aps levantamento prvio, se distriburam por dez
estabelecimentos. Para efeito de estudo, foram selecionadas
somente as turmas com o melhor nvel tcnico de cada escola.
Desse modo, o nmero de respondentes do instrumento para
coleta de dados foi de 122, com idades que variaram de 8 a 30
anos.
A populao investigada constituiu-se segundo os nveis
tcnicos, a saber: i) estudantes (45%); ii) membros do corpo
de baile (42%); e iii) professoras, solistas, coregrafas e primeira bailarina (13%). A maior parte das praticantes situavase na faixa de 3 a 11 anos de treinamento (73%), freqentando de 4 a 8 aulas semanais (70%), com sesses dirias variando entre 60 e 120min (89%). Os estilos de dana mais praticados foram o bal clssico (84%) e o jazz (66%). A esse respeito, cabe esclarecer que dois teros atuam em dois ou mais
estilos.
Instrumento para coleta de dados
Para obteno das informaes referentes aos agravos causados pela prtica da dana, foi desenvolvido formulrio a
partir de diferentes autores. Desse modo, a caracterizao das
pessoas foi adaptada de trabalho publicado por Parnianpour
et al.9, em que foram selecionadas informaes relevantes, tais
como: a idade da aluna; a idade em que comeou a danar; se
houve interrupo da atividade; os estilos de dana praticados
ao longo da carreira; a posio atual na academia; quando
comeou danar na ponta; h quanto tempo treina esse fundamento; e o nmero e a durao das aulas semanais. O protocolo para registro das leses agudas foi construdo com base
em dois trabalhos, destinados a obter dados de jogadores de
TABELA 1
Distribuio de freqncias do nmero de
leses agudas ocorridas no perodo de um ano
Nmero de leses
Freqncias
TABELA 2
Distribuio de freqncia das bailarinas estudadas,
nmero de leses ocorridas no perodo de um
ano e razo de leses, segundo faixa etria
Absoluta
Relativa
Lesionadas
Nenhuma
13
46
79
10 12
13 15
16 ou +
115
135
122
116
113
119
112
112,30
128,70
118,03
113,11
110,65
117,38
119,83
132,71
120,56
114,95
112,15
118,41
111,22
N de
bailarinas
N de
leses
Razo de
leses(1)
18 a 11
12 a 14
15 a 17
18 ou +
117
146
130
129
171
281
234
237
14,18
16,11
17,80
18,17
Total
122
823
26,26
Total
122
100,00
100,00
49
TABELA 3
Nmero de agravos e respectivos valores percentuais segundo plano e total de leses
Plano
Natureza de leso
N de agravos
Tegumentar
654
Calo
Bolha
Abraso
Corte
% de agravos
100%
79,46
387
235
26
6
Musculoligamentar
105
59,17
35,93
3,98
0,92
100%
Distenso
Contuso
Entorse
Leso de ligamento
64
44,76
30,48
23,81
0,95
100%
Joanete
Luxao
Subluxao
Fratura
Leso de menisco
Ruptura do tendo
5,71
3,89
3,04
0,12
7,78
49
5
4
3
2
1
Total
47,02
28,55
3,16
0,73
12,76
47
32
25
1
Osteoarticular
% total
76,56
7,81
6,25
4,69
3,13
1,56
823
5,95
0,61
0,49
0,37
0,24
0,12
100
TABELA 4
Correlao de Spearman para associao entre planos e variveis de interesse
Varivel
Planos
Tegumentar
Idade
Idade em que comeou a danar
Idade em que iniciou o treinamento na ponta
Tempo em que treinou na ponta
Interrupo de treinamento
N de apresentaes por ano
50
0,22
0,16
0,29
0,62
0,32
0,07
(p
(p
(p
(p
(p
(p
<
<
<
<
<
>
0,05)
0,05)
0,05)
0,05)
0,05)
0,05)
Musculoligamentar
0,15 (p
0,04 (p
0,26 (p
0,07 (p
0,20 (p
0,07 (p
<
>
<
>
<
>
0,05)
0,05)
0,05)
0,05)
0,05)
0,05)
Osteoarticular
0,21
0,14
0,01
0,21
0,12
0,12
(p
(p
(p
(p
(p
(p
<
>
>
<
>
>
0,05)
0,05)
0,05)
0,05)
0,05)
0,05)
TABELA 5
Nmero de agravos e respectivos valores percentuais, segundo segmento, regio corporal e tipo de leso
Segmento corporal
Tronco/cabea
Regio corporal
Tipo de leso
Coluna
N de agravos
3
Contuso
Fratura
Ombro
% de agravos
0,36
2
1
5
0,24
0,12
0,61
Abraso
Contuso
Entorse
3
1
1
0,36
0,12
0,12
Abraso
Corte
1
1
0,12
0,12
Queixo
Membros superiores
Antebrao
4
Abraso
Contuso
Fratura
Brao
4
Abraso
Contuso
Mos
5,71
29
3,53
706
85,81
0,98
28,56
47,03
0,36
0,24
0,24
1,47
0,12
5,96
0,60
0,24
0,73
2
4
3
Contuso
Distenso
Tornozelo
0,98
1,95
0,12
0,24
0,12
0,12
8
235
387
3
2
2
12
1
49
5
2
Abraso
Distenso
Quadril
0,24
0,36
0,12
4,87
0,12
8
16
1
2
1
1
Abraso
Bolha
Calo
Contuso
Corte
Distenso
Entorse
Fratura
Joanete
Luxao
Subluxao
Perna
0,24
0,12
2
3
1
40
1
Abraso
Contuso
Leso de ligamento
Leso de menisco
Ruptura de tendo
Subluxao
0,24
0,49
0,36
2
1
11
Entorse
Subluxao
0,36
47
Joelho
0,12
0,36
2
1
Abraso
Contuso
Corte
Distenso
Entorse
Total
0,48
Coxa
0,12
0,24
0,12
1
3
Corte
Entorse
Membros inferiores
0,48
1
2
1
0,24
0,12
1,34
10
1
823
1,22
0,12
100,00
51
TABELA 6
Correlao de Spearman para associao entre segmento corporal e variveis de interesse
Varivel
Segmento corporal
Membros
superiores
Idade
Idade em que comeou a dana
Idade em que iniciou o treinamento na ponta
Tempo em que treinou na ponta
Interrupo de treinamento
N de apresentaes
0,25
0,11
0,02
0,14
0,13
0,14
<
>
>
>
>
>
0,05)
0,05)
0,05)
0,05)
0,05)
0,05)
0,27
0,18
0,11
0,10
0,08
0,08
(p
(p
(p
(p
(p
(p
<
<
>
>
>
>
Membros
inferiores
0,05)
0,05)
0,05)
0,05)
0,05)
0,05)
0,23
0,19
0,33
0,62
0,34
0,06
(p
(p
(p
(p
(p
(p
<
<
<
<
<
>
0,05)
0,05)
0,05)
0,05)
0,05)
0,05)
TABELA 7
Teste de Wilcoxon para comparao dos estilos
de dana, segundo plano/segmento corporal
Plano/segmento corporal
Estilo de dana
Bal
Jazz
Espanhola
Tegumentar
Musculoligamentar
Osteoarticular
Membro superior
Tronco
Membro inferior
TABELA 8
Mediana das leses e resultado do teste estatstico de
Kruskal-Wallis para a comparao das posies na academia
Plano/segmento
Posio na academia
Estudante
Tegumentar
Musculoligamentar
Osteoarticular
Membro superior
Tronco
Membro inferior
5,0
1,0
0,0
0,0
0,0
6,0
b
a
a
a
a
b
Corpo de baile
2,0
1,0
0,0
0,0
0,0
3,0
a
a
a
a
a
a
Resultado do teste
Outros1
19,0
10,0
10,0
10,0
10,0
10,0
c
a
a
a
a
c
16,13
1,24
1,86
1,82
0,61
14,60
(p
(p
(p
(p
(p
(p
<
>
>
>
>
<
0,05)
0,05)
0,05)
0,05)
0,05)
0,05)
DISCUSSO
Nos resultados da presente investigao, observou-se que
na faixa etria 8 a 11 anos ocorreram 4,18 leses por pessoa.
De fato, Howse13 afirma que na vida do bailarino grande a
presso para alcanar um objetivo e, desse modo, o incio dos
treinamentos tem-se dado precocemente. Isso se agrava, tambm, pela grande exigncia dos pais ou mesmo de professores, cujo maior desejo ter alunos bem sucedidos. Por esse
motivo, danos graves ou seqelas irrecuperveis podem ocorrer por ensino inadequado, ou utilizao de tcnicas impr-
52
(p
(p
(p
(p
(p
(p
Tronco/cabea
prias, que o estudante pode desenvolver na tentativa de alcanar um movimento ou posio desejada. No entanto, no h
razo para as crianas no participarem de aulas de dana,
mas incumbncia do professor garantir que demandas fora
da realidade no sejam exigidas. Uma abordagem ortopdica
deveria ser feita por especialista que tenha experincia na dana. Os prprios professores teriam que trabalhar com os alunos do ponto de vista anatmico, podendo determinar e discernir a dificuldade encontrada por cada um.
Segundo Weineck14, tanto crianas quanto adolescentes se
encontram em fase de crescimento, quando surgem grandes
Rev Bras Med Esporte _ Vol. 5, N 2 Mar/Abr, 1999
53
nais, os quais submetem seus corpos a grande desgaste. Lienderback et al.21 afirmam que o esquema de treinamento dirio
dessas pessoas muito intenso e aumenta por ocasio das apresentaes. Eles comprovaram que h elevao constante da
freqncia cardaca na temporada, se comparada com outros
perodos: participam de aulas, ensaiam e representam por longas horas todos os dias e, constantemente, em condies adversas. Apresentaes oficiais os induzem a ignorar leses
menos graves e respectivos tratamentos. Ainda, a ansiedade
de um espetculo pode estimul-los a ir muito alm de suas
capacidades. De acordo com Jacob20, a grande maioria concorda que o show deve continuar, no importando muito as
conseqncias.
Um exemplo de risco para ocorrncia de agravos o que
descreve Kelly22, quando o bailarino levanta sua parceira e
realiza o movimento com as costas hiperestendidas, curvando-se frente e girando simultaneamente; ao longo do tempo,
isso se torna hbito inapropriado e inseguro, fazendo com que
o risco de leses aumente muito. Michelli15 tambm comenta
o uso de sapatilhas mal desenhadas e da alterao brusca no
volume, intensidade e tempo de treinamento.
Observamos neste estudo que as estudantes apresentaram
maior freqncia de agravos se compararmos com as pertencentes ao corpo de baile. Uma possvel hiptese explicativa
para esse resultado pode ser atribuda ao fato de a maioria das
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